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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Chegámos hoje, finalmente, ao momento da discussão, em Plenário, de um projecto de lei da iniciativa do Partido Socialista e admitido pelo Sr. Presidente da Assembleia da República já em Julho do ano passado. Trata-se de uma pequena alteração, de teor eventualmente pouco mediático, mas que faz a diferença, diferença esta em favor de algumas crianças e algumas famílias que, assim, poderão encetar uma nova e mais promissora fase das suas vidas. Convirá recordar que o instituto da adopção, introduzido em Portugal com a aprovação do Código Civil em 1966, foi, ao longo do tempo, submetido a quatro importantes modificações: em 1977, em 1993, em 1998 e, mais recentemente, em 2003. Tais modificações tiveram sempre, como motivação, por parte do legislador, a melhor protecção da criança e, como objectivo, uma adequada adaptação às realidades envolventes e à sua evolução, tanto no plano nacional como no plano internacional. Com efeito, nas últimas décadas, os organismos internacionais têm dedicado uma especial atenção às crianças e aos menores em geral, que têm visto os seus direitos e interesses progressivamente reconhecidos e definidos. O nosso país, por seu lado, prontamente aderiu, em 1990, à Convenção das Nações Unidas sobre Direitos da Criança e, no mesmo ano, à Convenção Europeia em Matéria de Adopção de Crianças. Sucessivamente — e desse facto dá conta a modificação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 120/98, de 8 de Maio —, assume especial relevo a Convenção Internacional em Matéria de Adopção, assinada na Haia, em 29 de Maio de 1993. Sr. Presidente, agradecia que se fizesse silêncio na Sala, até porque se trata de um assunto que tem a ver com a vida das pessoas. Tende-se, mais claramente desde então, a reconhecer, nesta matéria, a necessidade de um equilíbrio no qual sejam devidamente consideradas as transformações, por vezes rápidas, a que estão sujeitas as sociedades contemporâneas, assim como os riscos e oportunidades que as mesmas constituem para os indivíduos. Ora, na última revisão, que, na sua globalidade, se traduziu num contributo positivo para o instituto da adopção, foi suprimido o n.º 3 do artigo 15.º do citado Decreto-Lei n.º 120/98, que permitia aos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro uma equiparação aos residentes em Portugal para efeitos de candidatura em processos de adopção de crianças residentes em Portugal. Não ficou, aliás, bem claro se a supressão deste ponto foi devida a um propósito específico ou se a um erro material. O facto é que cidadãos portugueses residentes fora do País se viram, perante a lei portuguesa, tratados como se estrangeiros fossem. De qualquer forma, e partindo sempre do princípio prioritário que é o do interesse da criança, não faz hoje em dia sentido que cidadãos portugueses residentes fora do País e que cumpram todos os exigentes requisitos que — e muito bem — a lei impõe, não possam, em pé de igualdade com os residentes em Portugal, candidatar-se a ser pais de adopção de uma criança aqui residente. Ninguém tem dúvidas de que vivemos numa época caracterizada pela globalização da economia e do mercado de trabalho, em sociedades em que é cada vez mais comum a mobilidade no emprego e a mobilidade do próprio local de trabalho, com o multiplicar de situações em que o percurso pessoal e o desenvolvimento profissional passam por períodos de permanência ou de residência noutros países. Muitas famílias, em Portugal como em todo o mundo, se deslocam, por razões várias, com filhos menores para outros países. É uma realidade nova, que deve ser tomada na devida consideração, inclusive nos seus efeitos sobre as estruturas familiares. Não é o facto de uma família residir em Portugal que a torna mais ou menos apta a criar os seus filhos. E uma criança será igualmente feliz se estiver rodeada do afecto e do apoio familiar, seja em Portugal, em França ou nos Estados Unidos. Com a alteração proposta, repõem-se assim os direitos que a legislação de 1998 conferia aos portugueses residentes no estrangeiro para efeitos de adopção em Portugal e proporcionam-se, assim, às crianças, que no nosso país se encontram desprovidas de um meio familiar normal, mais algumas hipóteses de um futuro melhor e que podem vir, precisamente, de portugueses que, residindo no estrangeiro, desejem adoptar uma criança portuguesa para a qual serão os seus pais ao longo da vida.
0PS
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Socialista traz hoje a discussão a esta Câmara o projecto de lei n.º 304/X, que altera a lei da adopção e que, acima de tudo, visa, usando a terminologia dos proponentes, «corrigir um lapso material» que a reforma de 2003 supostamente teria criado. Ora, não retirando importância a este tema, muito pelo contrário, gostávamos, antes de mais, de perceber se, hoje, para a maioria, o maior problema que existe na adopção, em Portugal, é a correcção deste lapso material. É que se é, há algo que não percebemos. No início do ano de 2005, verificou-se, pela primeira vez, que haveria um suposto lapso na lei. O Governo do Partido Socialista conhece, desde o início do seu mandato, este lapso. Então, por que é que o Governo, que poderia, através de um decreto-lei, repristinando até o n.º 3 do artigo 15.º da anterior lei, corrigir, rápida e eficazmente, o problema, não o fez? Por que é que a actual maioria socialista esperou cerca de dois anos e meio para corrigir um (e mais uma vez passo a citar) «retrocesso em matéria de direitos dos portugueses»? Eventualmente, poderemos agora perguntar se este atraso não se deverá ao facto de o Partido Socialista querer transformar esta questão no grande problema da adopção em Portugal. É que se vai fazê-lo, nós ficamos preocupados. Registamos com muito agrado o reconhecimento por parte do Partido Socialista de que a revisão da lei, em 2003, que originou a criação da Lei n.º 31/2003, a lei da adopção, proposta pela anterior maioria, foi um passo muito significativo no desbloqueamento do processo da adopção, em Portugal. Porém, nós próprios reconhecemos que, cerca de quatro anos depois da entrada em vigor da lei, continua a existir hoje, não por culpa da lei mas, sim, da sua aplicação concreta, um conjunto de dificuldades tremendas no processo da adopção, em Portugal, cuja correcção depende, hoje, não do poder legislativo, mas, acima de tudo, do poder executivo e da capacidade real que o Governo deve ter para, em conjugação com a Administração Pública e, nomeadamente, com os serviços da segurança social, desbloquear, de uma vez por todas, os processos de adopção, em Portugal. Com a Lei n.º 31/2003, foi criada a possibilidade de se ter uma base de dados de todas as crianças em condições de adoptabilidade, em Portugal. Em Setembro de 2004, estavam inscritas nessa base de dados 17 000 crianças; hoje, estão inscritas 14 000 crianças. Isto é um sinal de que foram adoptadas 3000 crianças? Infelizmente, não. É um sinal, sim, de que têm saído crianças pelo excesso de idade e de que continua por fazer, por parte dos serviços estatais, nomeadamente da segurança social, um verdadeiro levantamento das crianças que, nos termos do Código Civil, estão em condições de adoptabilidade. Certamente, há hoje, em Portugal, milhares de crianças em condições de adoptabilidade que nem sequer constam desta base de dados. O segundo aspecto, muito importante para nós, tem a ver com o seguinte: foi um passo muito relevante na Lei n.º 31/2003 o facto de se obrigar o Estado, através dos serviços da segurança social, a emitir um documento, a partir do momento em que um determinado candidato se apresentasse junto da segurança social para recorrer à adopção, querer adoptar uma criança e ter o direito de ser pai. Foi um passo muito importante este que foi dado em 2003. Hoje, quatro anos depois, verificamos, com enorme espanto, que há, em Portugal, portugueses que querem ser candidatos à adopção e que demoram dois anos a ter o título de candidato, a poder sequer candidatar-se à adopção. Isto faz algum sentido? Isto depende da lei? Não! Depende, acima de tudo, de o Governo poder, junto da segurança social, dando instruções precisas, encurtar estes prazos. O terceiro aspecto, muito importante para nós, tem a ver com o seguinte: em 2003, foi lançado um plano de intervenção imediata que fizesse, por um lado, o levantamento das crianças em condições de adoptabilidade mas também, por outro, o levantamento dos sítios em que há uma ligação entre a segurança social, os tribunais de família e menores e as instituições que têm crianças a seu cargo (mais de 400, a nível nacional). Passados quatro anos, onde está esse plano de intervenção imediata? Em 2003, era imediato, Hoje, não está ainda sequer feito ou praticado. A quarta questão, muito importante, é esta: onde está o incentivo ao acolhimento precoce, tão importante nos casos de abandono de crianças nos hospitais? A quinta questão é a seguinte: onde estão os convénios que, hoje, a maior parte dos nossos parceiros europeus estão a estabelecer com países em vias de desenvolvimento — e cito dois casos muito paradigmáticos, o do Laos e o do Cambodja —, que permitem a cidadãos europeus adoptar nesses países? Hoje, todos os países europeus têm convénios com esses países, mas, no caso português, nada se faz e nada é dito. Porquê? Estes, sim, são problemas reais sobre a adopção, hoje, em Portugal. Sobre todos estes problemas o Partido Socialista não diz nada. Para corrigir um pequeno lapso material demorou cerca de dois anos e meio. Tenho tudo dito, Sr. Presidente. O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.
1CDS-PP
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei do Partido Socialista que hoje discutimos parte da constatação de um lapso que, em nosso entender, não existe. De facto, a eliminação do n.º 3 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 185/93 foi intencional e entendemos que o relatório da discussão e votação na especialidade dá conta, precisamente, destas alterações que foram introduzidas. O texto final que foi votado é o que consta hoje na lei, não deixando, portanto, dúvidas relativamente à intencionalidade desta eliminação. Esta alteração ao artigo 15.º introduzida em 2003 tem um sentido que parece ser, por um lado, o de privilegiar a adopção de menores que não implique a sua saída de Portugal, evitando este desenraizamento do menor adoptado, e, por outro lado, afirmando também o carácter subsidiário da adopção internacional. Esta alteração, que resulta das modificações introduzidas em 2003, em nosso entender não pode ser classificada como um retrocesso. Antes de mais, porque permite o cumprimento de uma orientação prevista na Convenção sobre os Direitos da Criança, adoptada pela Assembleia Geral da ONU em 1989 e ratificada por Portugal em 1990, que diz, no seu artigo 21.º, o seguinte: «Os Estados-Partes que reconhecem e ou permitem a adopção asseguram que o interesse superior da criança será a consideração primordial neste domínio e: (…) Reconhecem que a adopção internacional pode ser considerada como uma forma alternativa de protecção da criança se esta não puder ser objecto de uma medida de colocação numa família de acolhimento ou adoptiva ou se não puder ser educada convenientemente no seu país de origem». Portanto, neste sentido, esta alteração que foi introduzida, em 2003, ao Regime Jurídico da Adopção, afirma este carácter subsidiário da adopção internacional e afirma que, de facto, o centro de qualquer regime jurídico da adopção deve ser primacialmente o superior interesse da criança. Ao dar cumprimento a esta dimensão da Convenção sobre os Direitos da Criança, as alterações introduzidas em 2003 parecem-nos que recentram a norma do Regime Jurídico da Adopção em questão, o artigo 15.º, naquilo que é fundamental em qualquer construção legislativa no âmbito do direito dos menores, que é a de que todas as decisões relativas a crianças devem ter primacialmente em conta o superior interesse da criança. Ora, o Partido Socialista parece não querer aceitar esta orientação. O preâmbulo do projecto de lei identifica um retrocesso relativamente às alterações introduzidas em 2003 e um retrocesso em matéria dos direitos dos portugueses residentes no estrangeiro, quando a lei não os distingue dos cidadãos estrangeiros relativamente à adopção de crianças provenientes de Portugal. Em nosso entender, esta concepção eventualmente terá de ser aceite em parte, porque, eventualmente, poderemos estar perante uma compressão de direitos desses portugueses, mas é uma compressão de direitos feita em nome do que deve ser o epicentro do regime da adopção, que deve ser, repito, o interesse da criança. Neste caso, esta compressão do direito a adoptar dos portugueses residentes no estrangeiro justifica-se pela protecção do interesse da criança em não ser retirada do seu país de origem. Nesta medida, o projecto de lei do Partido Socialista levanta-nos as mais sérias dúvidas, pelo que não poderemos votá-lo favoravelmente.
2PCP
0LEFT
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei que o Partido Socialista nos traz hoje a debate com a proposta de alteração ao quadro vigente para o processo de adopção no essencial resume-se à recuperação daquilo que tinha sido o ponto n.º 3 do Decreto-Lei n.º 120/98, e que, entretanto, tinha sido excluído e que não discuto se deliberadamente ou não, em relação àquilo que é a lei que hoje regulamenta as adopções de crianças de nacionalidade portuguesa. Se me permitem gostaria de recentrar esta discussão em dois aspectos que nos devem orientar e que são centrais naquilo que é a defesa do melhor interesse da criança que está a aguardar um processo de adopção. Esses dois aspectos são um processo de agilização processual e de ligação àquilo que são as raízes culturais originárias desta criança. Estes dois aspectos, do ponto de vista da lei que rege, que normaliza os direitos das crianças para adopção, devem ser absolutamente centrais. Devo dizer que é verdade que aquilo que é a agilidade dos processos depende de como é que as comissões de protecção de menores, de como é que todo o procedimento em relação à condução processual das candidaturas e do acordo em relação ao processo de adopção é cumprido. Esta agilização depende, sobretudo, daquilo que são os actos executivos. Mas temos de perceber que, num quadro de mundialização cada vez mais acelerado, aquilo que é o interesse da criança, ou seja manter a ligação à sua origem nacional, à sua origem cultural, às suas raízes de identidade cultural, não é sempre defendido com uma lei que restringe a presença da criança num quadro estritamente nacional. Lembro, Sr.as e Srs. Deputados, a existência de instituições em Portugal que acolhem crianças órfãs de nacionalidade diversa, não apenas portuguesa. Há crianças angolanas e moçambicanas que são acolhidas por instituições portuguesas e que estão em Portugal a aguardar um processo de adopção que lhes seja favorável. Qual é o prejuízo para essas crianças se houver uma família angolana ou moçambicana que esteja disposta a adoptar estas crianças e a garantir a sua ligação ao seu vínculo cultural de origem? Da mesma maneira, em relação aos emigrantes portugueses, como foi salientado, qual é o problema de uma criança de origem portuguesa ser criada por uma família de cultura portuguesa a residir em país de acolhimento internacional? O interesse da criança está nos laços afectivos à família que a acolhe e na possibilidade de o adoptado, um dia, quando for adulto, poder, querendo, recuperar a sua ligação com a sua origem e com as suas raízes culturais e emocionais. O projecto de lei que o Partido Socialista nos traz hoje facilita isso, isto é, consegue abrir em relação a um espaço que tem sido de dificuldade, compreendendo que hoje a mobilidade das famílias e a forma como se radicam em países terceiros que os acolhem e os recebem não significa, necessariamente, a perda de vínculo em relação à sua origem e à sua nacionalidade. Esta alteração vem também em benefício de agilizar processos, de resolver um problema, por isso, não sendo a solução milagrosa que vai resolver todos os problemas — a resolução dos problemas tem que ver com a capacidade executiva de conduzir os processos com a maior agilidade possível —, é um passo não de gigante, mas é, seguramente, um passo no sentido de ajudar a resolver o problema dessas crianças, que estão a aguardar que uma família as recolha, as acarinhe, cuide delas e lhes devolva o afecto que lhes está a faltar na instituição a que, eventualmente, estão entregues. Em Portugal, continua a ser penoso para qualquer casal conseguir obter a adopção. Atrasos, burocracia, atrasos e mais burocracia. Mas é sobretudo penoso e é sobretudo da nossa responsabilidade, da mais funda responsabilidade de cada um de nós pensar no interesse de cada uma das crianças que é vítima desse atraso e dessa burocracia. É isso que o Partido Social Democrata quer aqui fazer hoje neste debate, recentrando a discussão naquilo que é o mais importante, sem contudo deixar de dizer o seguinte: relativamente ao direito dos emigrantes a adoptar, que é uma preocupação expressa na exposição de motivos e no conteúdo deste projecto 17 DE MAIO DE 2007 29 de lei, esta é de facto uma matéria sensível, é uma matéria complexa e é também uma matéria pertinente. Não deve ser por um caso concreto que a Assembleia da República e o legislador devem introduzir modificações, mas é verdade que os casos de dificuldade que se têm sucedido devem merecer, por parte da Assembleia da República, uma resposta. O PSD está disponível para, em sede de especialidade, contribuir para que todos possamos obter essa resposta, mas o PSD não pode deixar de dizer e de reiterar, nesta oportunidade, que mais importante do que resolver este caso concreto, esta situação pontual, é que os mecanismos que a Lei de 2003 introduziu sejam verdadeiramente aplicados e que a situação real possa modificar-se a bem do interesse da criança que está em causa.
3BE
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei que o PS hoje aqui nos apresenta visa, como já foi abundantemente referido, repristinar uma norma que constava da anterior legislação sobre a adopção. A norma em causa consagrava três excepções ao princípio da subsidiariedade, princípio esse que afirma que a adopção no estrangeiro só terá lugar se não for viável a adopção em Portugal. Começo por dizer isto porque, contrariamente àquilo que perpassou em algumas intervenções, não é proibida a adopção de crianças de origem portuguesa no estrangeiro. O que acontece é haver um tratamento diferenciado que foi inspirado naquilo que foi a grande tónica da reforma de 2003 de consagrar na legislação o especial interesse da criança e, no caso concreto, enfatizando o facto de a criança estar contextualizada do ponto de vista social em Portugal, país onde nasceu e vive. Os proponentes da iniciativa dizem que essa alteração se tratou de um lapso material, mas creio que não foi isso que sucedeu. Creio que a opção que foi tomada foi uma opção consciente do legislador, eventualmente mal aferida, até porque a interpretação do interesse superior da criança não é um conceito determinado, é um conceito que cada um de nós interpreta à sua maneira. Portanto, é natural, até, que os vários partidos, em cada momento, possam ter uma interpretação diferente, assente também naquela que é a leitura da realidade. A alteração que foi introduzida em 2003 não o foi por mero lapso, foi por opção política, que, naturalmente, hoje, o Grupo Parlamentar do PSD está disponível para poder apreciar e aprofundar à luz daquilo que. do nosso ponto de vista, é o mais importante a fazer neste momento: avaliarmos o resultado da aplicação da legislação que aprovámos em 2003. Mas, muito mais importante do que estarmos a resolver pontualmente esta questão, cumpre, neste momento, que a Assembleia da República dê um contributo para ultrapassar dificuldades, barreiras, que os processos de adopção continuam a ter em Portugal. Em Portugal, continua a ser penoso para qualquer casal conseguir obter a adopção. Atrasos, burocracia, atrasos e mais burocracia. Mas é sobretudo penoso e é sobretudo da nossa responsabilidade, da mais funda responsabilidade de cada um de nós pensar no interesse de cada uma das crianças que é vítima desse atraso e dessa burocracia. É isso que o Partido Social Democrata quer aqui fazer hoje neste debate, recentrando a discussão naquilo que é o mais importante, sem contudo deixar de dizer o seguinte: relativamente ao direito dos emigrantes a adoptar, que é uma preocupação expressa na exposição de motivos e no conteúdo deste projecto de lei, esta é de facto uma matéria sensível, é uma matéria complexa e é também uma matéria pertinente. Não deve ser por um caso concreto que a Assembleia da República e o legislador devem introduzir modificações, mas é verdade que os casos de dificuldade que se têm sucedido devem merecer, por parte da Assembleia da República, uma resposta. O PSD está disponível para, em sede de especialidade, contribuir para que todos possamos obter essa resposta, mas o PSD não pode deixar de dizer e de reiterar, nesta oportunidade, que mais importante do que resolver este caso concreto, esta situação pontual, é que os mecanismos que a Lei de 2003 introduziu sejam verdadeiramente aplicados e que a situação real possa modificar-se a bem do interesse da criança que está em causa. O divórcio litigioso, que este projecto de lei não exclui, não pode ser a única saída para as situações em que, pura e simplesmente, o amor acabou. Ao manter-se a actual situação, obriga-se centenas de portugueses e portuguesas a percorrerem um penoso caminho que pode levar a anos e anos de um divórcio litigioso. Obriga-se à separação de facto durante três anos ou mesmo à violação dos deveres conjugais, quantas vezes contra a vontade das pessoas. Três anos que nunca são três anos, sendo esse apenas o prazo para que se inicie um processo judicial que poderá demorar mais 3, 4, 5 ou 6 anos. Quando se ataca este projecto de lei dizendo que favorece a leviandade porque «uma pessoa não se desapaixona e sai de casa no dia seguinte», estamos a falar de uma mistificação, porque, como é normal, não existe lei alguma que proíba que uma pessoa saia de casa quando se desapaixona. O que a actual lei não permite é que resolva a sua situação pessoal e, por arrastamento, a da sua família, obrigando ao longo e penoso calvário de três anos de separação e ainda o tempo gasto num processo que se arrasta em tribunal. Nos casos em que existem filhos, obriga-se os menores, e mesmo os maiores, a conviver com essa situação. O casamento é um contrato, mas acima de tudo é a união voluntária de duas pessoas com um projecto de vida e de felicidade, o encontro de duas liberdades, uma associação fundada na ligação afectiva e na conjugação de duas vontades livres. Esta é a base do contrato de casamento e não outra qualquer. Nuns casos dura para toda a vida e noutros acaba. Será isto banalizar o casamento e as relações de afecto entre as pessoas? Será isto desproteger um dos membros do casal? O casamento não se banaliza! Bem pelo contrário, ele é valorizado na medida em que é válido enquanto forem válidas as razões que o justificam. Os direitos individuais das pessoas são defendidos. Nada justifica que uma pessoa, homem ou mulher, para o qual o casamento terminou se veja obrigado a esperar três anos, com as consequências pessoais e mesmo patrimoniais que daí advêm, para poder iniciar um processo de divórcio, ainda por cima litigioso. Que sentido tudo isto faz? O que é que a legislação deve fazer perante este quadro? Não pode, não consegue, nem lhe compete 30 I SÉRIE — NÚMERO 83 reparar as emoções, mas pode — e deve! — acompanhar os tempos que se vivem e responder às necessidades das pessoas, pode e deve impedir que o sofrimento das pessoas seja levado ao extremo!! Ora, Sr.as e Srs. Deputados, ser obrigado a manter um casamento sem o desejar durante anos e anos, abandonando o lar, vivendo separado, ou provocando situações-limite para que o outro seja obrigado a reagir e, ainda por cima, no fim, ter de viver um divórcio litigioso é levar o sofrimento ao extremo. O projecto de lei do Bloco de Esquerda não desprotege cônjuges em que os seus direitos foram violados, como os casos de violência doméstica. Isso é crime e como tal deve ser tratado! Não desprotege os filhos e filhas menores, porque exige que para se dar início a um requerimento de pedido de divórcio por um só cônjuge, no mínimo, já tenha entrado um pedido de regulação do poder paternal que terá o seu curso normal num tribunal. Não desprotege em relação aos bens patrimoniais cujo processo também corre em paralelo, mas separado, e onde o resultado da partilha dos bens nunca poderá ser superior ou equivalente à comunhão de adquiridos, mesmo que o regime de casamento seja diferente. Os «golpes do baú» não serão permitidos! Prevê-se a possibilidade de atribuição de alimentos ao cônjuge que dependa economicamente do outro. O projecto de lei do Bloco de Esquerda não é o «divórcio na hora», como algumas vozes do Partido Socialista tentaram fazer crer, com o intuito de desvalorizar esta iniciativa legislativa. Prevê-se a existência de duas, repito, duas conferências: na primeira, o Conservador tenta reconciliar os cônjuges e, na verificação da impossibilidade, adverte o requerente do divórcio que deverá renovar o pedido após um período de reflexão de três meses. O casamento assumiu uma dimensão de realização afectiva. O direito ao divórcio deve ser comum a todos os que se casam, até para se casarem de novo. Não propomos, nem defendemos o «divórcio na hora», mas, Sr.as e Srs. Deputados, somos claramente, contra o casamento contrariado e forçado.
4PSD
2CENTER
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O intuito primordial da Lei Tutelar Educativa é educar o menor para o direito e promover a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade. Como a própria lei refere, é a prática de um facto qualificado como crime que dá lugar à aplicação de uma medida tutelar educativa a menores com idades abrangidas entre os 12 e os 16 anos. No universo desta lei não se pretende aplicar as regras do direito penal ou do direito processual penal em todas as áreas. Os menores merecem um outro tipo de medidas que não se reconduzem à gravidade das penas criminais: merecem medidas específicas que visam a educação e a reinserção, medidas essas que também responsabilizam o Estado, não se limitando a justiça a punir mas, sobretudo, a reinserir. Quanto a estes objectivos e às medidas tutelares, o presente projecto de lei não promove qualquer alteração. Não acompanhamos, de modo nenhum, ideias que possam ir no sentido de que o regime dedicado a estes menores fosse unicamente o direito penal. O projecto de lei apresentado pelo Bloco de Esquerda tem como objectivo alterar pontos muito concretos da lei, visando o seu aperfeiçoamento. Consideramos esse aperfeiçoamento necessário no que diz respeito à apreciação da prova e à averiguação no sentido de se apurar se o menor praticou o facto ilícito. É necessário acautelar que, no juízo da prática do facto, o menor não seja julgado por condutas pessoais alheias aos factos em causa, nem pelas suas condições económicas, sociais ou educativas. E, neste âmbito muito concreto, o direito penal e o direito processual penal concedem mais garantias do que a Lei Tutelar Educativa. A alteração agora proposta vai no sentido de proporcionar ao menor garantias iguais no que diz respeito ao princípio do direito penal do facto, para que não exista o risco de ser considerado responsável por factos que não praticou. Esse risco existe ao permitir-se que, durante a apreciação do cometimento ou não dos factos ilícitos, se introduzam elementos alheios ao mesmo. Podem criar-se suspeições que, inclusive, podem levar a colocar em causa a presunção da inocência. Pretende-se, sim, salvaguardar a imparcialidade do julgador. Não se pretende eliminar da Lei Tutelar Educativa a ponderação dos elementos pessoais do agente. Tais circunstâncias são essenciais para a determinação, por exemplo, dos tipos de medidas a aplicar. Porém, esta apreciação deve ser feita, tal como no direito penal, num segundo momento, após a verificação da responsabilidade do menor. Se se compreende que o relatório social e «(…) factos relativos à personalidade e ao carácter do menor, bem como às suas condições pessoais e à sua conduta anterior e posterior, é permitido (…) para a avaliação da necessidade de medida tutelar e determinação de medida a aplicar (…)», como refere o n.º 2 do artigo 66.º, estando esta disposição legal em perfeita sintonia com o objectivo da lei — educar os menores para o direito —, já não se compreende que o mesmo se aplique para a «prova do facto», pois, neste caso, ficam os menores mais desprotegidos em relação a direitos garantidos constitucionalmente. Foi, pois, com o objectivo de que esta lei — cuja aplicação tem merecido, e bem, a atenção desta Assembleia —, seja mais perfeita que o Bloco de Esquerda apresentou este projecto de lei. 22 I SÉRIE — NÚMERO 64 O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com esforço de síntese, vou suscitar três questões, a primeira das quais se prende com um facto objectivo, que é o de esta lei já ter oito anos. Não sei qual é o debate, a avaliação nacional de que a Sr.ª Deputada Sónia Sanfona fala e que vai realizar-se. Esta bancada não a conhece e não percebe porque é que isso inviabiliza um aperfeiçoamento da lei. O Bloco de Esquerda defende medidas educativas e não medidas penais, como o CDSPP defende, e aí, de facto, temos uma divergência completamente insanável no tratamento desta questão. Mas o Bloco de Esquerda também defende que não pode estar presente na lei algo que vai permitir a arbitrariedade nos julgamentos destes menores. E a questão é muito simples, Sr.as e Srs. Deputados: a lei penal é mais favorável em termos de garantias dos cidadãos do que a lei tutelar de menores no que diz respeito à determinação da prova do facto, e isso para nós é incompreensível. Aliás, deixei claro na minha intervenção inicial que não tem nada a ver com o facto de o relatório social não ser levado em consideração quando se trata da medida a aplicar mas, bem pelo contrário, o que se quer dizer é que, quando se vai determinar o facto da prova, este não pode ser levado em consideração ou pela cara do menor ou porque vive numa barraca ou não. É simplesmente isto o que se quer garantir. Do nosso ponto de vista, lamentamos que a Assembleia não acompanhe este aperfeiçoamento, sem prejuízo, com certeza, de futuros debates e de futuras discussões sobre tudo o que é envolvente em termos da lei tutelar de menores.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em 1999, aquando da discussão da proposta de lei n.º 266/VII, que viria a dar origem à actual Lei Tutelar Educativa, o PCP deixou bem claras as preocupações que tinha com o regime que era proposto. Na altura, deixámos bem claro que, em nossa opinião, estávamos perante a criação de um «direito penal e processual penal dos pequeninos». Acompanhando o texto daquela proposta de lei com a parte geral do Código Penal e com o Código de Processo Penal, verificávamos a adaptação destes Códigos à justiça tutelar de menores, o que ressaltava sobretudo no papel atribuído ao Ministério Público, que passava de curador a acusador. Nessa discussão deixámos ainda outras preocupações. Por um lado, o facto de este regime tutelar educativo ficcionar que, com as medidas adoptadas, o menor será reeducado na base de uma maior responsabilização individual pela aquisição de valores da sociedade; por outro lado, o facto de se condicionar o futuro da reinserção social do menor por interesses de prevenção geral e especial, sobrepondo preocupações securitárias ao interesse do Estado na ressocialização do menor. O projecto de lei que hoje discutimos não pretende dar resposta a nenhuma destas preocupações, nem alterar o paradigma que preside ao regime tutelar educativo português. As preocupações que reflecte confirmam mesmo a adaptação do modelo penal e processual penal dos adultos aos menores, como resulta, aliás, da exposição de motivos. Não partilhando do mesmo entendimento, o PCP não deixa de reconhecer a justeza das preocupações colocadas e a oportunidade e vantagem na sua resolução. Entendemos que as soluções concretamente apresentadas poderão, e deverão, ser melhoradas na especialidade, pelo que viabilizaremos este projecto de lei. É importante perceber que há dois pressupostos para a intervenção tutelar educativa, tal como ela está configurada no nosso ordenamento jurídico. Por um lado, a ofensa grave aos bens jurídicos fundamentais da comunidade, devendo o tribunal estabelecer se aquele facto, concretamente praticado pelo menor, é susceptível de um juízo de desvalor objectivo, pelo menos análogo ao que é vertido na incriminação típica; e a conclusão, em concreto, pelo tribunal da necessidade de corrigir a personalidade, deficiente no plano do dever ser jurídico, que se manifestou na prática do facto. É certo que este último pressuposto nos oferece o conceito, que se adoptou na Lei Tutelar de Educativa vigente, relativo ao interesse das crianças e jovens, que é um interesse fundado no seu direito às condições que lhe permitam desenvolver a sua personalidade de forma socialmente responsável, ainda que, para esse efeito, a prestação estadual implique uma compressão de outros direitos que titula. Assim, a determinação do conceito normativo que consubstancia a necessidade de correcção da personalidade documentada no facto não se reveste de um especial melindre para o julgador, uma vez que, por um lado, trata-se de corrigir uma personalidade que apresenta deficiências perante o dever ser jurídico mínimo e essencial, corporizado na lei penal, naturalmente, e não de meras deficiências no plano moral ou educativo geral; e, por outro lado, o julgador disporá de um leque alargado, como dispõe, de meios que lhe permitam investigar a necessidade da correcção da personalidade do menor em causa. Os fundamentos que acabei de invocar servem também para a não equiparação entre os jovens que praticam crimes e os jovens em estados de delinquência ou de paradelinquência. Entende-se, assim, que o juiz tem, nesta Lei Tutelar Educativa, quatro critérios para escolha da medida a aplicar. O juiz terá em conta a necessidade de correcção da personalidade do menor, manifestada no facto que subsista no momento da decisão e a concreta gravidade do facto ilícito típico praticado; a medida deve ser adequada à necessidade de correcção dessa personalidade e não pode ser desproporcionada à concreta gravidade do facto; acrescentando-se ainda, que, respeitados esses critérios, o tribunal escolherá as medidas que signifiquem a menor intervenção possível (e temos aqui plasmado o princípio da interven24 DE MARÇO DE 2007 23 ção mínima) e que, dentro dos limites daqueles critérios anteriormente fixados, deva optar por aquelas que tenham maior adesão do menor, dos seus pais, representantes legais ou curador especial, oferecendo, por isso, maiores garantias de sucesso na sua execução. Reconhece-se, de facto, que há uma semelhança entre o processo tutelar existente e o processo penal. Adverte-se, no entanto, e é esse o nosso entendimento, para a divergência de fins que uma e outra intervenção procuram alcançar. Assim, o processo penal serve de fonte ao processo tutelar por constituir um ordenamento que realiza, de forma particularmente activa, as garantias constitucionais da pessoa, em face das pretensões de intervenção estadual, na esfera dos direitos fundamentais. Acontece que a reconformação dos institutos do processo penal não é dotada de plena elasticidade, devendo portanto, sempre que a diversidade da natureza da intervenção o imponha, instituir-se princípios específicos do processo tutelar (por exemplo, o princípio do interesse do menor), claramente incompatíveis com o processo penal. Ou seja, temos um exemplo claro que é, de facto, a não aplicação do princípio in dubio pro reo. E esta não aplicação justifica-se pela inexistência de um réu, que, de facto, não existe, neste caso um arguido, e, para além do mais, no processo tutelar não se põe a questão da inocência versus culpabilidade, ideia à qual está associado aquele princípio no âmbito do processo penal. Ou seja, é entendível e é compreensível que, no caso do tribunal se deparar com uma dúvida insanável sobre a prática, pelo menor, de um facto típico ilícito, deverá antes adoptar o princípio do interesse do menor e decidir de acordo com a avaliação da necessidade de correcção da personalidade, qual das soluções — a intervenção ou a ausência dela — realiza melhor, no caso concreto, o interesse do menor. Acresce que, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, no momento em que se mobiliza toda a comunidade, quer técnica quer científica, para um debate nacional que conduza à avaliação da eficácia da lei tutelar que temos, o certo é que o Bloco de Esquerda vem, neste momento e neste quadro, apresentar,…
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com este projecto de lei, apresentado pelo BE, pretende-se concatenar a Lei Tutelar Educativa vigente com o princípio do direito penal do facto. Como sabem, e foi aqui já referido, a lei visa aplicar medidas tutelares educativas a menores, com idades entre os 12 e os 16 anos, que tiverem praticado facto qualificado pela lei como crime. É preciso atentarmos e concretizarmos do que é que estamos a falar. Não estamos, efectivamente, a falar de direito penal; não estamos, efectivamente, a falar de direito processual penal; estamos a falar da aplicação de medidas tutelares educativas que visam, em si, objectivos profundamente diferentes daqueles que são visados com o direito penal. É importante perceber que há dois pressupostos para a intervenção tutelar educativa, tal como ela está configurada no nosso ordenamento jurídico. Por um lado, a ofensa grave aos bens jurídicos fundamentais da comunidade, devendo o tribunal estabelecer se aquele facto, concretamente praticado pelo menor, é susceptível de um juízo de desvalor objectivo, pelo menos análogo ao que é vertido na incriminação típica; e a conclusão, em concreto, pelo tribunal da necessidade de corrigir a personalidade, deficiente no plano do dever ser jurídico, que se manifestou na prática do facto. É certo que este último pressuposto nos oferece o conceito, que se adoptou na Lei Tutelar de Educativa vigente, relativo ao interesse das crianças e jovens, que é um interesse fundado no seu direito às condições que lhe permitam desenvolver a sua personalidade de forma socialmente responsável, ainda que, para esse efeito, a prestação estadual implique uma compressão de outros direitos que titula. Assim, a determinação do conceito normativo que consubstancia a necessidade de correcção da personalidade documentada no facto não se reveste de um especial melindre para o julgador, uma vez que, por um lado, trata-se de corrigir uma personalidade que apresenta deficiências perante o dever ser jurídico mínimo e essencial, corporizado na lei penal, naturalmente, e não de meras deficiências no plano moral ou educativo geral; e, por outro lado, o julgador disporá de um leque alargado, como dispõe, de meios que lhe permitam investigar a necessidade da correcção da personalidade do menor em causa. Os fundamentos que acabei de invocar servem também para a não equiparação entre os jovens que praticam crimes e os jovens em estados de delinquência ou de paradelinquência. Entende-se, assim, que o juiz tem, nesta Lei Tutelar Educativa, quatro critérios para escolha da medida a aplicar. O juiz terá em conta a necessidade de correcção da personalidade do menor, manifestada no facto que subsista no momento da decisão e a concreta gravidade do facto ilícito típico praticado; a medida deve ser adequada à necessidade de correcção dessa personalidade e não pode ser desproporcionada à concreta gravidade do facto; acrescentando-se ainda, que, respeitados esses critérios, o tribunal escolherá as medidas que signifiquem a menor intervenção possível (e temos aqui plasmado o princípio da interven24 DE MARÇO DE 2007 23 ção mínima) e que, dentro dos limites daqueles critérios anteriormente fixados, deva optar por aquelas que tenham maior adesão do menor, dos seus pais, representantes legais ou curador especial, oferecendo, por isso, maiores garantias de sucesso na sua execução. Reconhece-se, de facto, que há uma semelhança entre o processo tutelar existente e o processo penal. Adverte-se, no entanto, e é esse o nosso entendimento, para a divergência de fins que uma e outra intervenção procuram alcançar. Assim, o processo penal serve de fonte ao processo tutelar por constituir um ordenamento que realiza, de forma particularmente activa, as garantias constitucionais da pessoa, em face das pretensões de intervenção estadual, na esfera dos direitos fundamentais. Acontece que a reconformação dos institutos do processo penal não é dotada de plena elasticidade, devendo portanto, sempre que a diversidade da natureza da intervenção o imponha, instituir-se princípios específicos do processo tutelar (por exemplo, o princípio do interesse do menor), claramente incompatíveis com o processo penal. Ou seja, temos um exemplo claro que é, de facto, a não aplicação do princípio in dubio pro reo. E esta não aplicação justifica-se pela inexistência de um réu, que, de facto, não existe, neste caso um arguido, e, para além do mais, no processo tutelar não se põe a questão da inocência versus culpabilidade, ideia à qual está associado aquele princípio no âmbito do processo penal. Ou seja, é entendível e é compreensível que, no caso do tribunal se deparar com uma dúvida insanável sobre a prática, pelo menor, de um facto típico ilícito, deverá antes adoptar o princípio do interesse do menor e decidir de acordo com a avaliação da necessidade de correcção da personalidade, qual das soluções — a intervenção ou a ausência dela — realiza melhor, no caso concreto, o interesse do menor. Acresce que, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, no momento em que se mobiliza toda a comunidade, quer técnica quer científica, para um debate nacional que conduza à avaliação da eficácia da lei tutelar que temos, o certo é que o Bloco de Esquerda vem, neste momento e neste quadro, apresentar, a destempo, e antecipando-se àquelas que se espera sejam as conclusões dessa análise e dessa avaliação, um caminho que, para além do mais, versa sobre o ponto em que é mais difícil conseguir consensos científicos nesta matéria, o qual não é, a nosso ver, quer pelo momento quer pela forma, o caminho correcto. É preciso que se aguarde pelo desenvolvimento deste debate, é preciso que se perceba qual a eficácia da lei, e que, contextualizada, e numa análise global, se possa, eventualmente, proceder a essa alteração, ou seja, alterar-se o que não está bem, acrescentar-se o que se mostre necessário e manter-se o que for eficaz e adequado, tendo sempre como horizonte a defesa dos superiores interesses do menor. Termino, Sr. Presidente, dizendo que é assim que o Partido Socialista se mobilizará, estando disponível para alterar o diploma vigente quando estiver em causa e quando se puder avaliar a eficácia da concreta aplicação da Lei Tutelar Educativa.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Algumas notas relativas ao projecto de lei n.º 303/X, a primeira, desde logo, para reforçar que estamos a falar de uma Lei Tutelar Educativa que regula a possibilidade de aplicação ao menor, com idade compreendida entre os 12 e os 16 anos — e, portanto, inimputável face à lei penal —, de medidas educativas, quando esse menor pratica um facto qualificado como crime. O objectivo dessas medidas, como, aliás, a Sr.ª Deputada Helena Pinto teve ocasião de dizer, e como a própria lei define, é o de educar o menor para o direito e inseri-lo, de forma digna e responsável, na vida em comunidade. E a lei diz mais! A lei diz que as causas que excluem ou diminuem a ilicitude ou a culpa são consideradas para avaliação da necessidade e da espécie da medida. O objectivo é, pois, o de cuidar de saber se determinado facto foi praticado e, se foi praticado, integrá-lo e compreendê-lo em face das características do menor, da sua personalidade e da sua envolvente cultural, educacional e familiar, sempre tendo por base um relatório social do menor. Por isso, quero começar por dizer que as propostas de revogação aqui apresentadas pelo Bloco de Esquerda não é que sejam incompreensíveis mas dramatizam a questão, no que toca à prova, e fazem a abordagem em termos que não me parecem completamente exactos. É evidente que a lei não quer que o facto seja exclusivamente provado com base no relatório social, pois seria uma enormidade aplicar uma medida com base, apenas e só, naquela que é a personalidade ou a envolvente do menor. Mas o que também é evidente é que esse relatório se apresenta como essencial quer para compreender os comportamentos, as condutas e as motivações do menor, quer, sobretudo, na perspectiva de o ajudar, para determinar, se for esse o caso, a medida a aplicar e, naturalmente, com isso, contribuir para prosseguir as finalidades da Lei Tutelar Educativa. Mais: o relatório de que estamos a falar é, pois, relevantíssimo, e a própria Lei também o consagra, em várias normas, para balizar e determinar a medida a aplicar, para saber se ela se torna ou não necessária para prosseguir as finalidades de socialização do menor, mesmo que o facto ilícito tenha sido praticado. De resto, esse relatório, essa envolvente social pode e deve ser avaliada e considerada para, antes de mais, desculpabilizar ou atenuar a responsabilidade do menor e compreender a sua conduta. O relatório social não visa punir o menor em causa, não visa perseguir o menor em causa. O interesse do relatório social, como já foi aqui muito bem dito anteriormente, é o de proteger, formar, educar o menor. Passo, de imediato, a duas das propostas concretas que são apresentadas e que dizem respeito aos artigos 66.º, n.º 2, e 71.º, n.º 1, da Lei Tutelar Educativa. Relativamente ao n.º 2 do artigo 66.º, o que está em causa é a possibilidade de haver no processo uma inquirição sobre os factos constantes do relatório, quer para auxiliar a prova do facto, quer para avaliar a necessidade da medida e determinar qual vai ser aplicada. Ora, a proposta do Bloco de Esquerda, que visa, no seu entendimento, atacar o problema da prova, revoga completamente esta norma, impedindo que o relatório social seja considerado para avaliar a necessidade da medida e a sua determinação em concreto. Depois, relativamente à proposta de revogação do n.º 1 do artigo 71.º, diz este dispositivo: «Podem utilizar-se como meios de obtenção da prova a informação e o relatório social». Podem! Podem, se, no caso, se verificar a sua utilidade, e não como prova mas como meio de obtenção da prova, que, aliás, é concretizada no n.º 2, onde se refere o seguinte: «A informação e o relatório social têm por finalidade auxiliar a autoridade judiciária no conhecimento da personalidade do menor, incluída a sua conduta e inserção socioeconómica (…)». Repito: «A informação e o relatório social têm por finalidade auxiliar a autoridade judiciária (…)», não têm por finalidade verificar e concretizar a verificação do facto que está em cima da mesa. Este facto terá sempre de ser verificado, mas aquilo que está aqui em causa, e penso que o Bloco de Esquerda dramatiza essa questão de uma forma claramente excessiva, é que, na avaliação da situação concreta, as condições sociais e familiares sejam tidas em consideração, sem ultrapassar a factualidade que, naturalmente, tem de existir para que determinada medida possa ser aplicada e para que se determine a exacta dimensão dessa medida. Portanto, julgo que a lei tem de ser interpretada no seu conjunto. Como foi dito, esta é uma alteração pontual mas profunda, que, se fosse aprovada, iria desvirtuar aquele que é o espírito e o objectivo da Lei que estamos a discutir.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em relação a este projecto de lei do Bloco de Esquerda, estamos de acordo, apenas e só, com a sua intenção. A nosso ver, e já o dissemos, escrevemos e propusemos, diversas vezes, nesta mesma Casa, é absolutamente essencial alterar a Lei Tutelar Educativa actualmente em vigor, que não corresponde às necessidades e exigências do quotidiano da sociedade em que vivemos. Quanto ao mais, Sr. Presidente, e já anteriormente aqui foram expendidos argumentos perfeitamente claros, parece-nos que a prova da convicção do Bloco de Esquerda em relação à bondade das suas próprias propostas é mensurável pelo facto de este projecto de lei ter sete páginas de exposição de motivos para eliminar quatro alíneas de quatro artigos. Trata-se de uma matéria séria, que requer uma revisão global, ponderada, que tenha em atenção a necessidade integradora e inclusiva destes menores e também, é bom dizê-lo de forma clara, a vertente punitiva, que é necessária até para essa integração e para essa ressocialização. Mas, na verdade, vemos que, para o Bloco de Esquerda, tudo isto se resolve com a eliminação de quatro alíneas de quatro artigos, as quais, como já foi aqui dito, até nem estão feridas de qualquer inconstitucionalidade, porque, de facto, a verificação ou não da existência de um facto punível e previsto, enquanto tal, no Código Penal é um dado objectivo, é uma verificação objectiva. E como também já aqui foi dito, estes antecedentes, este relatório social, esta audição preliminar servem justamente, atenta a sensibilidade destas matérias, para permitir uma avaliação, a qual, evidentemente, é superveniente à verificação ou não de um facto punível e previsto na lei enquanto tal. Este facto é, aliás, pressuposto da existência destes relatórios, que servem, justamente, para atenuar, desculpabilizar, como causa de exclusão da culpa do menor em causa. Portanto, Sr. Presidente, entendemos que deve ser feito um debate sério, porque, de facto, há cada vez mais sinais preocupantes na sociedade portuguesa da necessidade de uma reforma ampla e rigorosa deste regime, encarando até, para utilizar uma expressão que, certamente, é cara ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista, as melhores práticas europeias, de modo a que possamos criar um regime, dentro desta Lei Tutelar Educativa mas também noutras sedes, como, por exemplo, no Código Penal, que se adeque às 24 DE MARÇO DE 2007 25 circunstâncias e à gravidade de determinados comportamentos que, de facto, infelizmente, e por diversas razões, pululam na sociedade portuguesa. Para isso esta Casa pode contar com o CDS, como sempre contou, até por nossa iniciativa. Para revogar quatro alíneas de quatro artigos, em sete páginas, desvirtuando um regime que, em nosso entender, e apesar das falhas, até tem funcionado, não podem contar. O Bloco de Esquerda defende medidas educativas e não medidas penais, como o CDSPP defende, e aí, de facto, temos uma divergência completamente insanável no tratamento desta questão. Defendemos as duas: educativas e penais! Mas o Bloco de Esquerda também defende que não pode estar presente na lei algo que vai permitir a arbitrariedade nos julgamentos destes menores. E a questão é muito simples, Sr.as e Srs. Deputados: a lei penal é mais favorável em termos de garantias dos cidadãos do que a lei tutelar de menores no que diz respeito à determinação da prova do facto, e isso para nós é incompreensível. Aliás, deixei claro na minha intervenção inicial que não tem nada a ver com o facto de o relatório social não ser levado em consideração quando se trata da medida a aplicar mas, bem pelo contrário, o que se quer dizer é que, quando se vai determinar o facto da prova, este não pode ser levado em consideração ou pela cara do menor ou porque vive numa barraca ou não. É simplesmente isto o que se quer garantir. Do nosso ponto de vista, lamentamos que a Assembleia não acompanhe este aperfeiçoamento, sem prejuízo, com certeza, de futuros debates e de futuras discussões sobre tudo o que é envolvente em termos da lei tutelar de menores.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: A obesidade é hoje, reconhecidamente, um dos mais graves problemas de saúde com que as sociedades ocidentais neste momento se defrontam, tendo já sido considerada pela Organização Mundial de Saúde a epidemia do século XXI, sendo responsável pelo aparecimento ou agravamento de inúmeras outras doenças e pela diminuição da esperança e da qualidade de vida das pessoas que dela sofrem. Em consequência do modus vivendi, dos hábitos pouco saudáveis existentes na nossa sociedade actual, do sedentarismo que prolifera e de toda uma conjuntura de produção e consumo de massas típico das sociedades capitalistas, de uma cultura de abundância, excessos e desperdícios, a obesidade tem vindo a ganhar terreno na nossa sociedade a passos largos e não constituirá dúvida para ninguém que é necessário tentar travá-la com todos os instrumentos que estiverem ao nosso alcance. Cerca de 20% a 30% dos europeus, de acordo ainda com a OMS, apresenta excesso de peso, sendo que estes números ameaçam continuar a aumentar exponencialmente face ao fenómeno da obesidade infantil, de tal forma que, em 2004, o Comissário europeu David Byrne defendia que, tal como a luta contra o tabagismo foi uma prioridade para as autoridades de saúde a nível mundial no século XX, a obesidade é o combate do século XXI. Os reflexos da obesidade são muitos e as complicações variadas, indo desde o agravamento de dificuldades respiratórias, dificuldades de locomoção, artrite, diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares e alguns tipos de cancro — e isto apenas do ponto de vista das patologias físicas, já que não se pode descartar igualmente as pesadas consequências a nível psicológico, que se traduzem muitas vezes numa má relação dos doentes com o seu corpo e a sua imagem, bem como numa baixa auto-estima, e até no próprio relacionamento interpessoal e exclusão ou dificuldades de integração social. A obesidade importa, para além do mais, relevantes reflexos económicos negativos, calculando-se que entre 2% e 8% da despesa total de saúde realizada nos países ocidentais podem imputar-se a problemas decorrentes, directa ou indirectamente, da obesidade. Se a obesidade apresenta múltiplas e variadas consequências prejudiciais, apresenta igualmente um quadro de causas polifactoriais, de entre as quais se podem referir as de natureza genética, destacando-se __________________________________________________________________________________________________ claramente as relacionadas com os baixos níveis de exercício e actividade física associadas a um estilo de vida sedentário e, ainda, naturalmente, as que se prendem com a alimentação. Com efeito, uma alimentação errada, assente numa dieta desequilibrada (com excesso de gorduras, sal e açúcar e deficiente em hidratos de carbono, fibras, vitaminas, minerais e água), é hoje um dos dois grandes responsáveis pelos assustadores números que o presente cenário nos oferece. Infelizmente, também a este nível, as desigualdades sociais desempenham um papel determinante, como demonstra a publicação recente do estudo da Dr.ª Isabel do Carmo: são cada vez mais os cidadãos mais pobres e com mais baixos níveis educacionais e de escolaridade que apresentam maiores índices de excesso de peso e de obesidade. O facto de os alimentos de pior qualidade (entendidos como aqueles que mais quilocalorias têm e que mais pobres noutros nutrientes são) serem simultaneamente dos mais baratos e acessíveis, contribui fortemente para esta tendência. Por outro lado, as dificuldades e exigências laborais neste mundo de competição feroz, em que os direitos dos trabalhadores são cada vez mais espezinhados em nome da produtividade e do lucro, e o modelo de organização territorial levam a que os pais passem cada vez mais tempo fora de casa, tornando cada vez mais raro o acto de convívio familiar em torno de uma refeição caseira, preparada no momento com ingredientes frescos, uma refeição segura e saudável, o que não contribui nem para a criação de hábitos de vida saudáveis nem para uma alimentação saudável. Neste cenário, a obesidade infantil revela-se ainda mais preocupante, não só porque, com frequência, uma criança obesa dá lugar, mais tarde, a um adulto obeso, com todos os problemas que tal acarreta, mas também porque a obesidade na infância e na juventude apresenta problemas particulares e ainda mais preocupantes. Com efeito, os primeiros anos de vida de uma pessoa, correspondentes aos períodos da infância e da adolescência, são determinantes e desempenham um papel fundamental a todos os níveis, físico, mental e social, na sua construção e formação pessoal, nos hábitos mais precocemente adquiridos, nas competências adquiridas, mas também na própria compleição física do corpo que o acompanhará por toda a vida. São conhecidos os reflexos de uma alimentação errada, inclusivamente no próprio sucesso e rendimento escolares. Infelizmente, a obesidade é um problema multifactorial e só poderá ser combatida com sucesso através de medidas integradas, visando, por um lado, incrementar os níveis de exercício físico — calcula-se que, a este nível, entre 65% a 85% da população mundial pratique menos exercício físico que o desejável — e combater os estilos de vida sedentários e, por outro lado, corrigir hábitos alimentares errados, altamente prejudiciais, o que passa necessariamente por uma actuação a nível da educação e formação dos jovens, bem como da informação que lhes é veiculada. Ora, é aqui que o projecto de lei de Os Verdes pretende particularmente incidir. O importante papel que a televisão desempenha hoje enquanto transmissor de mensagens, de imagens e de comportamentos é fundamental na formação da personalidade, dos hábitos das nossas crianças e dos nossos jovens. Por isso, é fundamental — e não podemos menosprezá-lo — o papel informativo, formativo e educativo que desempenha a televisão nos nossos dias, para o bem e para o mal, tanto mais que cada vez mais as crianças passam muito tempo sem ser acompanhadas pelos pais, estando entregues verdadeiramente à televisão e às mensagens veiculadas pela Internet. Assumindo-se como portadoras de inovação, forçando modas, fornecendo modelos de acção e de imagem, a televisão e a publicidade televisiva determinam e influenciam as opiniões, as opções e as condutas dos telespectadores, principalmente dos mais jovens. É sabido que as crianças são ávidas consumidoras de televisão, passando, em média, duas a três horas por dia sentadas à frente do ecrã de televisão ou do computador. E a publicidade feita com crianças e jovens ou preferencialmente dirigida aos mesmos, designadamente pelos horários em que passa ou pelos actores que apresenta, tem um impacto forte sobre a população infantil e juvenil que a consome, desde logo porque estes são — e é preciso reconhecê-lo — consumidores frágeis e acríticos, constituindo alvos fáceis da publicidade televisiva e sendo igualmente desprotegidos face à forte mensagem publicitária veiculada na televisão. Os spots e filmes publicitários que apelam ao consumo de alimentos pobres em nutrientes e muito ricos em gordura, açucar, sal e aditivos químicos, designadamente aperitivos, fritos, refrigerantes, bolos, précozinhados, fast food, etc., são, na mensagem publicitária, particular ou preferencialmente dirigidos a crianças e jovens, apresentando-se muitos deles, inclusivamente, como pretensas opções alimentares correctas e saudáveis para refeições tão importantes como o pequeno-almoço ou o lanche ou até mesmo para as refeições principais, e constituem parte de um problema mais vasto, que é o da falta de uma educação correcta para uma alimentação. É sabido que muitos países não hesitaram em adoptar uma legislação mais restritiva em termos da publicidade, nomeadamente televisiva, em relação à alimentação para crianças e jovens. Não podemos deixar de reconhecer que é igualmente importante que Portugal dê passos nesse sentido. É com este objectivo que o Partido Ecologista «Os Verdes» apresenta o projecto de lei em discussão, que visa criar regras em termos de publicidade, neste momento inexistentes, em termos da alimentação, da publicidade a produtos alimentares que é feita na televisão e em publicações especialmente dirigidas a crianças e jovens. Porque consideramos que é fundamental recorrer a todos os instrumentos que estejam ao nosso alcance para combater a obesidade infantil, entendemos que é também fundamental tomar medidas a nível da publicidade e não poderemos deixar de fazer um combate à obesidade infantil também por esta via. Por isso, esperamos que os grupos parlamentares estejam disponíveis para discutir em concreto esta questão e para aprovar este diploma, de modo a podermos melhorá-lo na especialidade. Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Almeida, agradeçolhe as suas questões e a sua exposição inicial, que demonstra que o Partido Socialista também está (e não esperava que fosse de outra forma) preocupado com o problema da obesidade infantil e juvenil, que é, no fundo, a razão de ser da apresentação deste projecto de lei. Como já referimos, esta questão da obesidade infantil e juvenil é fundamental não só porque muitas vezes acaba por traduzir-se na obesidade na fase adulta (começa na infância e geralmente traduz-se numa continuidade na fase adulta, com importantes problemas e pesadas consequências negativas em termos económicos para os sistemas de saúde), mas também porque na própria fase infantil e juvenil tem problemas 7 DE OUTUBRO DE 2006 23 __________________________________________________________________________________________________ específicos que se reflectem no desenvolvimento da criança (que tem direito a um desenvolvimento pleno e saudável), inclusivamente no próprio rendimento escolar, enfim, de alguma forma, a todos os níveis, ou seja, no que aquela criança virá a ser enquanto adulto, que se deseja possa ser o mais desenvolvido possível, o mais feliz possível e o mais bem integrado possível na sociedade. Efectivamente, a obesidade infantil e juvenil está a assumir graves dimensões no sul da Europa e, particularmente, em Portugal. Aliás, permitam-me recordar que o estudo intitulado Prevalência do Excesso de Peso e Obesidade em crianças portuguesas de 7 a 9 anos, levado a cabo por cinco investigadores portugueses, aponta para a existência de 31,5% de excesso de peso nas crianças portuguesas nesta faixa etária. Este facto traz pesadas e irreversíveis consequências que importa combater. V. Ex.ª fez duas perguntas muito concretas, que dizem respeito ao nosso projecto de lei. Primeiro, perguntou se determinados tipos de apoios não poderão ser considerados publicidade. Não vou discorrer em termos de interpretação do actual Código da Publicidade, mas diria que sim, que, à partida, parece-me que poderiam ser considerados publicidade, desde que se integrem no articulado que propomos, isto é, porque se destinam claramente a ser consumidos por um público infantil e juvenil, quer pelo tipo de imagem, quer pelo tipo de actores apresentado nas imagens veiculadas através da televisão, quer pelo tipo de programação em que eles passam. Assim, em nosso entender, pode ser considerado esse tipo de publicidade e, da mesma forma, deveria ser proibido. Em relação à Direcção-Geral de Saúde, pareceu-nos ser a entidade competente por ser aquela que eventualmente, por estar na área da saúde, teria melhor capacidade para responder em termos do conhecimento que também é exigido para actuar nesta matéria em termos de televisão. Mas, como já dissemos, admitimos que, em sede de especialidade, possam encontrar-se outras soluções mais condicentes.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Ecologista «Os Verdes», antes de mais, congratula-se com o facto de todas as bancadas concordarem que o problema da obesidade, designadamente da obesidade infantil, é um dos mais preocupantes desafios com que o nosso sistema de saúde, como o de outros países ditos do mundo ocidental, se debate no presente momento e, certamente, se continuará a debater, no futuro, pois será difícil de debelar. Com este projecto de lei, Os Verdes quiseram introduzir esta questão na agenda política da Assembleia da República, porque nos parece ser da maior importância e porque nela interessa que sejam envolvidos o maior número de agentes civis, bem como todas as forças políticas. É claro que Os Verdes têm a noção de que não basta produzir alterações legislativas, nem mesmo alterações legislativas na publicidade, para resolver o problema da obesidade. De resto, isto é dito na exposição de motivos que acompanha o nosso projecto de lei. Porém, também importa reconhecer que há um papel preponderante da publicidade, designadamente da publicidade televisiva, em termos de incidência da obesidade infantil, por via dos erros alimentares que se promovem junto das camadas infantis e juvenis da nossa população. Estivemos atentos à intervenção do Partido Socialista e conhecemos os planos e os programas em curso, por parte do Governo, designadamente o Programa Nacional de Combate à Obesidade, que dispõe já, inclusivamente, de uma comissão de coordenação. Oxalá, disponha dos meios e do financiamento adequado e necessário para que os fundamentais objectivos sejam atingidos, para que se dêem passos concretos e para que não nos fiquemos apenas por reflexões, por estudos, por objectivos e por edições de sensibilização ou aconselhamento. E este projecto de lei de Os Verdes, sendo embora parcial, é uma proposta concreta. Já foi também aqui referido o desporto escolar como um aspecto fundamental para combater a obesidade infantil, mas também temos de lamentar que, infelizmente, ainda hoje, os espaços escolares nem sempre sejam os mais adequados ou os mais bem equipados para promover o desporto escolar ou que o desporto escolar, em termos de currículo, seja devidamente reconhecido pela importância que deveria ter. Fomos acusados de apresentar uma medida drástica, mas o problema também é drástico. E, em relação a isto, há que tomar uma decisão muito clara. Não se trata de proibir a publicidade, trata-se de proibir a publicidade de artigos alimentares que, na sua esmagadora maioria, são produtos de duvidosa qualidade nutricional, ou seja, são muito ricos em gorduras e açúcares e muito pobres noutros nutrientes, como, por exemplo, em vitaminas. Vou terminar, Sr. Presidente. Do que se trata é de decidir se estamos dispostos a introduzir uma limitação de facto, em termos de publicidade e de mercado, para atender a um bem maior, que é a saúde dos nossos jovens, que é o debelar da obesidade infantil. Estamos disponíveis, naturalmente, para, em sede de especialidade, acolher outras propostas e trabalhar para melhorar o projecto agora apresentado. Esperamos que as outras bancadas estejam também disponíveis para aprovar, na generalidade, o projecto de lei de Os Verdes. O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos passar à apreciação do projecto de lei n.º 275/X — Altera o regime jurídico das autoridades metropolitanas de transportes (PCP). Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Soeiro.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos hoje o projecto de lei n.º 300/X, apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes», o qual preconiza a alteração do Código da Publicidade no sentido da regulação da publicidade a produtos alimentares na televisão dirigida a crianças e jovens. Na exposição de motivos da iniciativa em apreço, os proponentes reconhecem — e bem — que a obesidade é uma doença crónica que afecta grande parte da população mundial e constitui um gravíssimo problema de saúde pública, já que se apresenta como factor de aumento do risco no aparecimento e agravamento de grande número de outras doenças. Consideram ainda os proponentes que, entre outros factores que concorrem para o aparecimento da obesidade, de que se destacam o estilo de vida sedentário e a falta de exercício físico, está a alimentação errada, com base numa dieta desequilibrada. Com base nestas considerações, o referido grupo parlamentar resolveu, na parte dispositiva do diploma em questão, proibir a publicidade a produtos alimentares em publicações destinadas ao público infantil e juvenil na televisão, seja nos períodos destinados a programação infantil e juvenil, seja em spots ou filmes publicitários filmados com crianças ou jovens ou a eles em particular dirigidos. As excepções às proibições enunciadas são, ainda nos termos da mesma iniciativa, as actividades publicitárias e de divulgação destinadas a promover hábitos de alimentação saudável. No que se refere aos propósitos proclamados na exposição de motivos da iniciativa legislativa hoje em discussão, não subsiste grande dúvida sobre o seu acerto e mesmo pertinência, pelo que o PSD não pode deixar de emitir um juízo de concordância genérica com os mesmos. Consideramos, de facto, que uma alimentação saudável é essencial à vida e ao crescimento e contribui para um maior estado de saúde e bem-estar do indivíduo. A obesidade é uma doença crónica que atinge homens e mulheres de todas as etnias e de todas as idades e requer estratégias de longa duração para a sua prevenção e gestão efectivas. Aliás, trata-se de um problema que se tende a agravar nas nossas sociedades, como recentemente o demonstrou a Comissão Europeia, quando divulgou os resultados de uma consulta pública sobre alimentação e actividade física. Essa consulta permitiu concluir que «cerca de 27% dos homens e 38% das mulheres são considerados hoje em dia obesos na Europa» e, de acordo com os números divulgados no mesmo documento, 14 milhões de crianças europeias sofrem com o excesso de peso e mais de três milhões são obesas. O número de crianças com excesso de peso aumenta na ordem dos 400 000 por ano. De resto, entre nós, ainda segundo a Comissão Europeia, um terço das crianças entre os 7 e os 11 anos sofrem de excesso de peso. A esse respeito convém lembrar que estudos oficiais nacionais referem que a prevalência da obesidade diminui com o maior grau de instrução dos pais e aumenta com mais horas de televisão, jogos electrónicos ou jogos de computador e quanto mais urbana é a zona de residência. As autoridades nacionais de saúde alertam igualmente para o facto de, se nada se fizer para prevenir a obesidade, se estimar que cerca de 50% da população poderá ser obesa já em 2025. É certo que os factores que determinam este desequilíbrio, que tende a perpetuar-se, são complexos e incluem factores genéticos, metabólicos, ambientais e comportamentais. Por isso mesmo não oferece dúvida que o problema da obesidade requer esforços continuados, multidisciplinares e multissectoriais para ser controlado. Desde a indeclinável responsabilidade da família na socialização dos seus membros até aos deveres do Estado na formulação de políticas activas e no controlo da observância de regras que protejam a saúde pública, passando pelo relevante papel da escola e da generalidade dos agentes sociais e económicos, ninguém pode afirmar-se desobrigado de concorrer para prevenir ou reduzir a incidência da obesidade na nossa sociedade. Neste sentido, reveste particular importância garantir uma adequada, rigorosa e suficiente informação aos consumidores, em particular quando se trate de crianças e jovens, caso em que essa informação lhes deve ser prestada ainda com maior cuidado educacional. Explicar aos consumidores os benefícios de uma alimentação saudável e variada e alertá-los para o perigo de hábitos alimentares incorrectos, promover adequadas dietas escolares e actividades desportivas continuadas, eis alguns exemplos de medidas que devem ser incentivadas e podem concorrer, de forma muito positiva, para combater a obesidade, principalmente entre crianças e jovens. É de realçar que todos temos uma importante responsabilidade no que se refere à correcção dos factores comportamentais, especialmente quando estes se revelam nocivos para o desenvolvimento saudável das nossas crianças e dos nossos jovens. E se é verdade que não raro esses factores são induzidos por terceiros, nem sempre ao serviço e no interesse dos seus destinatários, insisto que é à família, enquanto célula fundamental da formação e do desenvolvimento social do indivíduo, que cabe a primeira obrigação de promover hábitos alimentares saudáveis entre os seus membros, em especial quando se trate de crianças e jovens. Na verdade, é no seio da família que melhor se pode educar a criança, incutindo-lhe hábitos saudáveis. Deixar a criança comer pela própria mão; permitir que ela ajude a pôr a mesa e a preparar as refeições; comer à mesa com os pais; transformar as refeições em momentos agradáveis e divertidos; respeitar o apetite da criança mas nunca ceder, dando outra coisa para compensar, estes são apenas alguns exemplos de comportamentos que, aliados a dietas equilibradas, seguramente podem contribuir, e muito, para o desenvolvimento saudável da juventude portuguesa. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD considera que o direito a uma alimentação suficiente, segura e saudável integra, indiscutivelmente, uma das vertentes do direito à protecção da saúde, que o artigo 64.º da nossa Lei Fundamental consagra. Assim, consideramos existir o direito de exigir do Estado ou de entidades terceiras que se abstenham de actos que concorram para prejudicar a saúde das pessoas. Neste contexto, não podemos ignorar o importante papel que a televisão, entre outros meios de comunicação social, desempenha, enquanto transmissor de informação e de conteúdos às crianças e jovens, designadamente a nível da publicidade. Ainda recentemente, um estudo de uma importante associação de defesa do consumidor concluiu que, durante a programação infantil, a categoria de produtos mais publicitada é a dos bolos e chocolates, alimentos ricos em açúcar e gordura. E a verdade é que a publicidade televisiva tem ementas recheadas de chocolates, cereais com açúcar, bolos, bolachas e fast-food, produtos pouco interessantes numa dieta saudável, sobretudo quando o públicoalvo são crianças. É certo que o nosso Código da Publicidade estatui, no seu artigo 14.º, que a publicidade especialmente dirigida a menores deve ter sempre em conta a sua vulnerabilidade psicológica, abstendo-se nomeadamente de incitar directamente os menores, explorando a sua inexperiência ou credulidade, a adquirir um determinado bem ou serviço. Esta norma deveria ser suficiente, no quadro da auto-regulação dos agentes económicos envolvidos na produção e publicidade de produtos para crianças e jovens, para assegurar uma adequada protecção desse público mais vulnerável. E sê-lo-ia certamente se as entidades fiscalizadoras da actividade de publicidade exercessem adequadamente as suas competências e zelassem efectivamente pela protecção dos direitos dos menores, também em matéria de publicidade a alimentos. Quanto ao Governo, pouco se tem visto sobre medidas efectivas e consistentes que combatam, no terreno, as causas da obesidade infantil e nos adolescentes. É mesmo penoso recordar as declarações do Sr. Ministro da Saúde, quando este governante, em Maio de 2005 — já lá vai quase ano e meio —, declarava publicamente, num seminário sobre obesidade infantil, que a obesidade infantil era «um problema que deve envolver todos os ministérios, tendo em conta as suas múltiplas causas» e que «a Saúde, enquanto pasta, deve empenhar-se na resolução deste problema, mas também as pastas da Educação, da Indústria, do Comércio e da Economia». Nessa altura, em Junho de 2005, também o Sr. Secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor comungava do espírito visionário do Ministro da Saúde, afirmando, na abertura do Congresso da Federação Europeia de Publicidade Exterior, que «uma das prioridades deste Governo é a de reforçar a fiscalização da publicidade dirigida às crianças na televisão, sobretudo no que se refere à publicidade a produtos alimentares, na tentativa de promover hábitos de alimentação saudável e prevenir a obesidade». Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em 2004, reconhecendo a gravidade do problema de saúde pública que a obesidade já então representava, o então governo, liderado pelo PSD, classificou a obesidade como uma doença crónica e instituiu o penúltimo sábado do mês de Maio de cada ano como o Dia Nacional de Combate à Obesidade. Nesse mesmo ano, o executivo fez também definir e propor os critérios considerados pertinentes relativamente aos doentes a serem admitidos para cirurgia da Obesidade no âmbito do PECLEC. Foi ainda no anterior governo que foi aprovado o Programa Nacional de Intervenção Integrada sobre Determinantes da Saúde Relacionados com os Estilos de Vida. Mas, para além do Plano Nacional de Saúde 2004-2010, aprovado também no tempo dos governos liderados pelo PSD, foi em 28 de Janeiro de 2005 que o então Ministro da Saúde aprovou um programa específico, o Programa Nacional de Combate à Obesidade, instrumento que se considerou fundamental para o sucesso do combate a esta doença. Como objectivo geral, o Programa visa contrariar a taxa de crescimento da prevalência da pré-obesidade e da obesidade em Portugal. As principais estratégias de intervenção deste Programa de Combate à Obesidade são as seguintes: produzir e divulgar orientações técnicas sobre prevenção e tratamento da pré-obesidade e da obesidade, dirigidas a profissionais de saúde, medida que deve ser concluída até ao final de 2006; planear, criar e desenvolver consultas hospitalares de obesidade para doentes com obesidade, medida que deve ter sido concretizada desde Janeiro de 2006; planear, criar e desenvolver serviços hospitalares de cirurgia bariátrica, medida que deve ter sido concretizada desde Outubro de 2005; elaborar proposta de listagem de fármacos e de suplementos alimentares para o tratamento da obesidade a serem sujeitos a um regime de comparticipação especial, medida que deve ser sido concluída até 30 de Junho de 2006; e promover, junto das entidades competentes, a criação de condições para a disponibilidade de refeições equilibradas, sob o ponto de vista energético, nos locais de trabalho e nos estabelecimentos de ensino, medidas que devem ser concretizadas no 1.º semestre de 2007. Decorridos quase dois anos desde a aprovação do Programa Nacional de Combate à Obesidade, deve agora o Governo dar conta aos portugueses sobre a execução deste importantíssimo instrumento de política governativa. É esta a questão, Srs. Deputados do Partido Ecologista «Os Verdes»: em vez de se propor apenas mais legislação, cujo cumprimento muitas vezes não é depois assegurado, o que verdadeiramente importa é saber o que tem feito o Governo para travar a progressão de um problema tão grave como é o caso da obesidade.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há na sociedade um consenso muito generalizado sobre a dimensão, as consequências e a importância do problema que o Partido Ecologista «Os Verdes» hoje trouxe aqui, que se resume ao problema da obesidade, em particular ao problema da obesidade infantil. Mas, apesar de também haver sobre o diagnóstico da situação um tão largo consenso, gostaria de sublinhar os seguintes aspectos: primeiro, é de referir que a obesidade está considerada como a segunda causa de morte no capítulo das doenças evitáveis. É um problema que tem mais ou menos a mesma dimensão, ou podemos interpretá-la como tal, que o problemas do tabagismo e as suas consequências. Segundo, é também de referir que a obesidade é uma situação ou, se quiserem, uma patologia que tem também uma marca social. E, ao contrário do que poderia parecer, a obesidade diminui à medida que se elevam os níveis socioeconómicos, medidos quer pela remunerações quer pelos níveis de instrução, sendo, como se sabe, um fenómeno que, paradoxalmente, acontece em situações de carência alimentar, por viciação dos produtos ingeridos nuns casos e noutros não. Portanto, é também uma patologia que tem uma marca e uma raiz social e, por isso, qualquer tentativa para resolver o problema que não tenha esta abordagem e este enquadramento estará, do nosso ponto de vista, condenada ao insucesso. Em Portugal, há poucos estudos consolidados de evolução sobre a obesidade, mas há um estudo interessante, que gostaria de referir muito rapidamente, que mostra como o problema tem crescido em Portugal. Trata-se de um estudo que, durante 30 anos, acompanhou os jovens portugueses que fazem a recruta, ou seja, os mancebos, medindo alguns indicadores, e que revela que, neste período de 30 anos, a pré-obesidade duplicou e a obesidade triplicou, o que são números, de facto, bastante alarmantes. Em Portugal, cerca de um terço das crianças entre os 7 e os 11 anos sofre de excesso de peso. Ora, isto tem, depois, repercussões gravíssimas e é daquelas situações em que, no futuro, vamos gastar certamente muito mais do que aquilo que poupamos hoje. As restrições já hoje existentes à publicidade para menores estão longe de serem respeitadas e as tentativas de auto-regulação têm-se revelado muito insuficientes para travar a cada vez maior agressividade do marketing publicitário. O consumo de produtos alimentares não raras vezes é associado a diversos eventos culturais e desportivos, com consequências nos padrões de consumo bastante negativas. De facto, a publicidade a produtos alimentares explora deliberadamente muitas das necessidades sociais dos jovens, ao nível da imagem e da aceitação do seu desempenho e inclui por vezes até a ideia de que os produtos que são nocivos, e que previamente se sabe que são nocivos, são anunciados com aspectos e valências que, de facto, estão muito aquém da realidade. Lembro um anúncio, a título de exemplo, que chega a dizer que os chocolates têm mais leite do que cacau, o que é uma inverdade absoluta. As restrições à publicidade de produtos em horários destinados à programação infantil ou, de outra forma, destinados ao público mais jovem não é uma novidade, existe em muitos países europeus, e vários especialistas nacionais o têm referido. Neste sentido, parece-nos que o projecto de lei apresentado por Os Verdes é razoável e, portanto, receberá o nosso apoio. Mas isto não quer dizer, obviamente, que uma estratégia de combate à obesidade infantil passe apenas ou essencialmente pelos limites à publicidade. O problema fundamental não está aqui, pelo contrário, uma estratégia contra a obesidade infantil exige um esforço concertado que terá de incluir a pedagogia dentro da família, os curricula escolares, as escolas e comunidades educativas, o aumento da prevenção, o aumento das consultas de especialidade nos centros de saúde e hospitais e até mesmo a comparticipação em alguns medicamentos. Um aspecto essencial deste problema é que os alunos se queixam que nas cantinas das escolas a comida não é suficientemente apelativa, o que explica a substituição da alimentação fornecida, equilibrada, em geral, dando origem a uma alimentação de má qualidade nos bares e em outros restaurantes da vizinhança das próprias escolas. Tornar a comida das cantinas mais apelativa e as alternativas mais saudáveis é parte de toda uma patologia coerente da escola no sentido de modos de vida mais saudáveis, devendo ser um vector de uma estratégia mais geral de combate à obesidade. Esta estratégia necessita da criação de organismos públicos para assegurar não apenas a qualidade e o equilíbrio nutritivo da alimentação mas a sua atractividade aos olhos dos alunos, dinamizando também a promoção de outros hábitos de alimentação e de estilos de vida mais saudáveis. A grave situação da obesidade infantil exige uma resposta dos poderes públicos que não se compadece com hesitações ou meras declarações de intenção. O problema de saúde pública que estará a crescer à frente dos nossos olhos pode ter consequências imprevisíveis e graves num futuro próximo. É necessário mais investimento público para promover a mudança dos hábitos alimentares e dos modos de vida, para prevenir a obesidade. A política de saúde em curso é uma política muito determinada pela contenção da despesa pública e, como tal, é um risco para o qual é necessário alertar, ao qual todos devemos estar atentos e que devemos denunciar. Gastando-se a prevenir poupa-se muito mais no futuro e evitar-se-ão muitas patologias que sairão caras não só aos portugueses como ao próprio Orçamento. Ou seja, Srs. Deputados, não tenham quaisquer dúvidas de que quanto mais o Orçamento emagrecer mais os portugueses vão engordar.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A obesidade é hoje um problema de saúde nas sociedades desenvolvidas e assim também o é em Portugal. Logo, tem o maior acolhimento do Grupo Parlamentar do Partido Socialista e é matéria de interesse relevante para o Governo português. __________________________________________________________________________________________________ A Oradora: — De facto, os estudos — e desde já sublinho o que foi realizado pela equipa de investigadores das Faculdades de Medicina de Lisboa e do Porto, do Hospital de Santa Maria e da Fundação Ciência e Tecnologia Scholar — referem que, em Portugal, mais de metade dos adultos e mais de 30% das crianças entre os 7 e os 9 anos têm peso excessivo. Segundo dados da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade, em 1999, havia uma prevalência de cerca de 12% nas pessoas adultas, com maior incidência nos homens, e, em 2004, a prevalência já era de cerca de 14%. Esta situação é tanto mais grave porquanto ela é sintoma e causa de diversas patologias com forte impacto na saúde da população portuguesa. Mas, Sr.as e Srs. Deputados, porque o Governo está atento e porque temos um Governo em estado de alerta permanente para os problemas do País, já temos em marcha o Programa Nacional de Combate à Obesidade, no quadro do Plano Nacional de Saúde. Permitam-me deixar aqui também a nota de que a comissão de coordenação do programa nacional está fortemente empenhada em colocar o combate à obesidade nas agendas políticas e de saúde pública dos países da região europeia, pelo que irá participar activamente na Conferência de Istambul, organizada pela Organização Mundial de Saúde e pelo Governo turco, com a finalidade de promover a colaboração internacional sobre esta matéria. Refira-se que na maioria dos países da Europa a obesidade é a epidemia em maior crescimento. Uma em cada cinco crianças europeias é obesa. Os dados são da Organização Mundial de Saúde, que considera que a obesidade infantil é actualmente um dos maiores problemas de saúde pública na Europa. Aliás, a Organização Mundial de Saúde vai apresentar uma proposta de criação de um código internacional para o marketing alimentar, um código comum que deverá ser planeado, implementado e coordenado por todos os países da União Europeia. Entre as medidas de carácter preventivo está, com destaque, considerado o papel da indústria na criação de formas e estilos de vida saudáveis. Neste campo, aparecem medidas que passam por reduzir a pressão do marketing e publicidade, sobretudo junto das crianças, e aumentar a oferta de produtos saudáveis. Mais concretamente em Portugal, a Comissão Nacional de Luta Contra a Obesidade está a trabalhar numa linha curativa e a apostar fortemente na prevenção e, desde logo, a estudar a necessidade de melhorar a nossa legislação no quadro do combate à obesidade. No âmbito da prevenção, serão anunciadas, já em Outubro, acções concretas de sensibilização da população em geral, com especial enfoque nas crianças e adolescentes, para os riscos de saúde associados à obesidade e para a promoção de comportamentos e estilos de vida saudáveis. Importa destacar em especial a articulação entre o Programa Nacional de Luta contra a Obesidade e o Programa Nacional de Saúde Escolar, com trabalho em curso nos diversos territórios. E aqui permitam-me destacar a distribuição, que já está em curso, nas escolas portuguesas de um manual de promoção de estilos de vida saudáveis, nomeadamente ao nível da alimentação. Sr.as e Srs. Deputados, a obesidade é um bom exemplo de como a saúde não depende exclusivamente da prestação de cuidados. Mais: é determinante, como sabemos, a influência do ambiente social, biofísico e ecológico. Daí que o investimento deste Governo seja sobremaneira a prevenção. É fundamental o aumento do nível de conhecimento e de motivação das famílias para a alteração de hábitos de vida e o apoio à responsabilização progressiva e à autodeterminação das crianças e jovens nesta e noutras matérias. O projecto de lei do Partido Ecologista «Os Verdes» é uma proposta pouco ambiciosa. Além das dúvidas que temos sobre o efeito multiplicador da medida, há matérias que consideramos que devem ser precisadas neste projecto de lei. Desde logo, no projecto em apreço a proibição de «publicidade a produtos alimentares em spots ou filmes publicitários filmados com crianças ou jovens ou a eles em particular dirigidos» restringe-se à imprensa, mais precisamente a que é dirigida a menores, não incluindo, no entanto, a rádio ou a Internet, que, aliás, e como tão bem sabem, tem actualmente um grande impacto no comportamento das crianças e sobretudo dos adolescentes. Gostávamos também de recordar que falarmos de publicidade que utiliza menores e de publicidade dirigida a menores não é a mesma coisa. Aliás, não tem de existir qualquer correlação entre as duas coisas, já que a publicidade que utiliza menores enquanto intervenientes por vezes é dirigida a outros públicos. Sem querer estar a entrar em mais considerações sobre esta proposta legislativa, é preciso ter presente que o Governo, no âmbito da elaboração do ante-projecto do código do consumidor, encontra-se a estudar o Código da Publicidade com o objectivo de proceder à actualização, avaliação e revisão das suas normas. Sr.as e Srs. Deputados, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista quer uma política de combate à obesidade, em especial à obesidade infantil, responsável e eficaz, que não se compadece com medidas isoladas e pontuais. Mudar estilos de vida significa introduzirmos mudanças culturais, que, como o Sr. Deputado do Partido Ecologista «Os Verdes» também sabe, exigem medidas profundas que extrapolam a dimensão do projecto de lei que aqui estamos hoje a debater. Assim e para que se compreenda o impacto do diploma em debate no combate à obesidade, apelo às Sr.as e aos Srs. Deputados que se concentrem nas seguintes palavras: «Leve, leve, muito leve,/Um vento muito leve passa,/E vai-se, sempre muito leve (…)». Alberto Caeiro traduz de uma forma magistralmente simples o projecto de lei do Partido Ecologista «Os Verdes». Com efeito, esta questão tem de ser discutida com muita seriedade, sobretudo quando vemos que são as crianças — e vários estudos o indicam — que mandam nas compras efectuadas pelos pais. Muitos estudos têm vindo a ser feitos e concluem que, devido à atenção que é dada à televisão pelas crianças e à forma como os anúncios são elaborados — eles ficam a «ecoar» na cabeça das crianças —, ao acompanharem os pais nos supermercados, as crianças «forçam-nos» a comprar estes produtos indesejáveis a todos os níveis. Não foi aqui abordado um estudo feito recentemente na Grã-Bretanha que diz que, não se alterando esta tendência, no ano 2020 — e 2020 é «depois de amanhã» — um em cada três adultos será obeso. Isto para não falar em outros aspectos aos quais a esquerda será certamente menos sensível mas que não podemos deixar de invocar, pois, em virtude das doenças relacionadas com a obesidade, o número de horas de falta ao trabalho, todos os anos, é de 18 milhões de horas, o que significa uma quebra de 2000 milhões de libras na economia e de 500 milhões de libras na produtividade do Reino Unido. No entanto, alguns passos já foram dados. O Plano Nacional de Saúde 2004/2010 já propunha que fosse feito um novo inquérito sobre os hábitos alimentares nacionais e, recentemente, foi aqui discutida uma iniciativa para que fossem desbloqueadas verbas para esse inquérito — e muito bem. Mas não podemos deixar de enfrentar alguns problemas relacionados com a iniciativa de Os Verdes. Em nosso entender, trata-se de uma iniciativa drástica, desde logo porque não estabelece uma fronteira. Ou seja, o que é a publicidade dirigida a crianças? Por exemplo, um hamburguer não é necessariamente um atentado contra a saúde dos jovens, mas torna-se um atentado quando é consumido em excesso. O mesmo se diga em relação a alguns iogurtes, chocolates e outros produtos. Em todo o caso, e com toda a franqueza, é muito difícil estabelecer uma fronteira. Por outro lado, em virtude desta proibição pura e simples, podemos alcançar uma distorção no mercado, que também não será desejável. Na verdade, existem inúmeras alternativas a esta proposta, que, como dizem Os Verdes, e bem, têm de passar por soluções integradas, pois todos os problemas complexos pressupõem soluções integradas. Em primeiro lugar, é necessário uma informação mais completa, nomeadamente nos anúncios e nas próprias embalagens desses produtos, sobre as calorias, a percentagem de produtos nutritivos aconselháveis diariamente para as crianças e os malefícios que determinado alimento pode provocar. Devem, inclusivamente, existir avisos sobre a perigosidade, como acontece nos anúncios sobre medicamentos. 7 DE OUTUBRO DE 2006 29 __________________________________________________________________________________________________ Outra alternativa que também já aqui foi abordada, e que é óbvia, é a maior sensibilização dos pais, dos encarregados de educação, das escolas, um maior incentivo para a prática de desporto, um maior empenho em campanhas de prevenção e a promoção de uma alimentação mais saudável. Temos inúmeras outras alternativas pelas quais podemos optar antes de chegarmos a esta «decapitação» pura e simples dos anúncios para crianças.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos aqui perante uma matéria de inquestionável importância e preocupação, de saúde pública. De facto, trata-se de um grande problema de saúde pública que enfrentamos, sobretudo como um sinal dos tempos, das sociedades e do diaa-dia de um modelo de vida dos países desenvolvidos. Efectivamente, já foram aqui invocados e anunciados muitos números. Não vale a pena repeti-los, mas não deixa de ser chocante quando vemos que um quinto da crianças da União Europeia são obesas ou para lá caminham. Hoje em dia, as crianças são educadas pela televisão, pelas novelas e pelos anúncios que vão para o ar entre as novelas. Na verdade, algo tem de ser feito e quase me atrevo a dizer que não mudaria uma vírgula na exposição de motivos deste projecto de lei do Partido Ecologista «Os Verdes». Todavia, a nossa avaliação relativamente à proposta já é outra. Com efeito, esta questão tem de ser discutida com muita seriedade, sobretudo quando vemos que são as crianças — e vários estudos o indicam — que mandam nas compras efectuadas pelos pais. Muitos estudos têm vindo a ser feitos e concluem que, devido à atenção que é dada à televisão pelas crianças e à forma como os anúncios são elaborados — eles ficam a «ecoar» na cabeça das crianças —, ao acompanharem os pais nos supermercados, as crianças «forçam-nos» a comprar estes produtos indesejáveis a todos os níveis. Não foi aqui abordado um estudo feito recentemente na Grã-Bretanha que diz que, não se alterando esta tendência, no ano 2020 — e 2020 é «depois de amanhã» — um em cada três adultos será obeso. Isto para não falar em outros aspectos aos quais a esquerda será certamente menos sensível mas que não podemos deixar de invocar, pois, em virtude das doenças relacionadas com a obesidade, o número de horas de falta ao trabalho, todos os anos, é de 18 milhões de horas, o que significa uma quebra de 2000 milhões de libras na economia e de 500 milhões de libras na produtividade do Reino Unido. No entanto, alguns passos já foram dados. O Plano Nacional de Saúde 2004/2010 já propunha que fosse feito um novo inquérito sobre os hábitos alimentares nacionais e, recentemente, foi aqui discutida uma iniciativa para que fossem desbloqueadas verbas para esse inquérito — e muito bem. Mas não podemos deixar de enfrentar alguns problemas relacionados com a iniciativa de Os Verdes. Em nosso entender, trata-se de uma iniciativa drástica, desde logo porque não estabelece uma fronteira. Ou seja, o que é a publicidade dirigida a crianças? Por exemplo, um hamburguer não é necessariamente um atentado contra a saúde dos jovens, mas torna-se um atentado quando é consumido em excesso. O mesmo se diga em relação a alguns iogurtes, chocolates e outros produtos. Em todo o caso, e com toda a franqueza, é muito difícil estabelecer uma fronteira. Por outro lado, em virtude desta proibição pura e simples, podemos alcançar uma distorção no mercado, que também não será desejável. Na verdade, existem inúmeras alternativas a esta proposta, que, como dizem Os Verdes, e bem, têm de passar por soluções integradas, pois todos os problemas complexos pressupõem soluções integradas. Em primeiro lugar, é necessário uma informação mais completa, nomeadamente nos anúncios e nas próprias embalagens desses produtos, sobre as calorias, a percentagem de produtos nutritivos aconselháveis diariamente para as crianças e os malefícios que determinado alimento pode provocar. Devem, inclusivamente, existir avisos sobre a perigosidade, como acontece nos anúncios sobre medicamentos. __________________________________________________________________________________________________ Outra alternativa que também já aqui foi abordada, e que é óbvia, é a maior sensibilização dos pais, dos encarregados de educação, das escolas, um maior incentivo para a prática de desporto, um maior empenho em campanhas de prevenção e a promoção de uma alimentação mais saudável. Temos inúmeras outras alternativas pelas quais podemos optar antes de chegarmos a esta «decapitação» pura e simples dos anúncios para crianças. Por outro lado, entendemos que deve haver uma maior responsabilização dos pais. Se é verdade que os anúncios são dirigidos às crianças e que estas têm um grande poder de influência sobre os pais quando chega a altura de fazer as compras, também é verdade que são os pais que as efectuam. Portanto, esta responsabilidade dos pais não pode ser esquecida. A este propósito, lembro que o CDS-PP já teve oportunidade de apresentar iniciativas nesta Câmara no sentido de aumentar a responsabilização dos pais. Desde logo, não sei se se lembram da nossa proposta para a introdução do V-Chip (Viewing Television Responsibly) para programas considerados demasiadamente violentos ou com cenas ou conteúdos verbais que possam ofender e não colaborar para um crescimento adequado das crianças. Lembramo-nos da reacção de toda a esquerda quando esta proposta foi feita! Por outro lado, na Legislatura anterior, foi aqui apresentado pelo governo PSD/CDS-PP uma proposta no sentido da classificação da programação, que, numa primeira fase, mereceu a abstenção da esquerda parlamentar mas que depois, em sede de votação final global, foi rejeitada. Efectivamente, não tem havido uma atitude responsável por parte da esquerda quando chega a altura de introduzir elementos de maior responsabilização por parte dos encarregados de educação. A Oradora: — Para concluir, outra medida que pode ser adoptada, antes de se acabar, pura e simplesmente, com os anúncios destes produtos, é a proibição ou a restrição da sua venda nas escolas, quer nos bares, quer nas máquinas de venda automática, porque aí, de facto, estamos numa área e num tempo que escapam por completo à responsabilidade dos encarregados de educação. Isto para não falar, como é evidente, na indiscutível necessidade de sensibilizar toda a sociedade. Por outro lado, é obrigatório que haja uma maior fiscalização do cumprimento das normas de publicidade, no sentido de incrementar e estimular… Vou concluir dentro de 5 segundos, Sr. Presidente. Como estava a dizer, é obrigatório que haja uma maior, e maior, fiscalização do cumprimento das normas de publicidade, no sentido de haver uma maior auto-regulação. Têm sido elaborados, nomeadamente em Espanha, códigos de auto-regulação que contam com o apoio e a coordenação das associações representativas das indústrias alimentares e de bebidas mas também das associações representativas dos anunciantes. Em Portugal, não vejo por que é que isto não deverá acontecer. Aliás, a Associação Portuguesa de Anunciantes e as associações representativas da indústria alimentar e de bebidas já se revelaram disponíveis para encontrar formas de auto-regulação e, a nível europeu, a Associação Europeia de Fabricantes de Refrigerantes já se auto-impôs restrições nesta matéria, com o apoio dos maiores produtores mundiais como a Coca-Cola, a Pepsi, a Schweppes e a Cadbury. Tudo isto são, pois, vias alternativas, antes de chegarmos à eliminação, pura e simples, da publicidade.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os problemas do excesso de peso e obesidade infantis são já hoje bastante significativos em Portugal, atingindo quase 32% das crianças, sendo que Portugal é um dos países da União Europeia onde se verificam as maiores taxas desse distúrbio alimentar. É exactamente nesse sentido que a saúde, em geral, e a saúde alimentar, em particular, devem ser preocupações políticas constantes. Claro que a saúde das populações infantil e juvenil não está exclusivamente dependente da sua alimentação. A prática desportiva e os estilos de vida saudáveis, que combatam o sedentarismo, também não têm sido objectivos com que o Estado se tenha verdadeiramente comprometido. Pelo contrário, os sucessivos governos têm vindo a criar todas as condições para a degradação e elitização da prática desportiva, conduzindo a que milhares de crianças se votem ao sedentarismo, acompanhadas do televisor ou da consola de jogos de vídeo. A democratização do desporto e a garantia do direito ao lazer têm sido cada vez mais esquecidas pelos governos. Os estilos de vida frenéticos do casa/trabalho, trabalho/casa e os salários tremendamente baixos têm sido impostos à população, deixando apenas o tempo e as condições mínimas para a reposição das energias do trabalhador, como foi prática no século XIX. Claro que este ritmo de vida se transpõe para os filhos dos trabalhadores, com consequências enormes e muitas delas negativas para a saúde. A degradação da qualidade de vida e a impossibilidade de desfrutar de um tempo de descanso aceitável, que proporcione condições para a preparação de refeições saudáveis, são, infelizmente, características diárias da vida dos trabalhadores e dos seus filhos. Portugal é o país da União Europeia com menores percentagens de população praticante de desporto, sendo que as taxas de sedentarismo ascendem a níveis acima dos 80%. Além disso, somos também o País com maior número de mortes devidas a problemas cardiovasculares, muitos deles relacionados com a alimentação que praticamos. Aquilo que o Partido Ecologista «Os Verdes» nos propõe é que se proíba a publicidade a alimentos em publicações destinadas a crianças e jovens, a publicidade a alimentos por via televisiva em horário de programação juvenil e a publicidade a alimentos destinada especificamente a públicos de crianças e jovens em qualquer horário ou programação. De facto, a publicidade destinada a menores acaba por fazer com que o menor passe a ser o próprio veículo da publicidade, agindo junto dos compradores, ou seja, dos seus pais. Neste sentido, a publicidade dirigida a crianças é uma manipulação inteligente e legal de uma criança que ainda não possui as capacidades de discernimento necessárias para escolher entre o que deve ou não comer, entre o que quer ou não possuir, entre o que é saudável ou prejudicial à saúde, entre o que é perigoso e o que é divertido. Quantos de nós não vimos já spots publicitários que, vendendo um chocolate ou um hambúrguer, os anunciam como os alimentos mais saudáveis do mundo?! A criança não sabe se são ou não!… O projecto de lei apresentado pelo Partido Ecologista «Os Verdes» visa, então, agir no sentido correcto, no sentido da limitação da influência da publicidade sobre os jovens e as crianças no que toca aos hábitos alimentares, no sentido do reconhecimento de que a saúde alimentar é um direito e de que as crianças são um alvo fácil da publicidade que atenta contra essa saúde. Claro que este projecto, se aprovado, não constituirá a solução ou a resolução total do problema, mas representa uma medida que, além de pedagógica junto do adulto, poderá ser minimizadora do risco junto da criança. Agir para melhorar a saúde dos jovens portugueses e da população em geral passa pela dinamização de uma verdadeira política de democratização e generalização da prática desportiva, pelo desenvolvimento do papel do sistema de ensino no que toca à educação alimentar, bem como pelo estímulo de estilos de vida saudáveis que contornem o sedentarismo e o desporto dos jogos de vídeo. Temos, no entanto, de acusar o actual Governo de contrariar todos estes objectivos: com uma lei de bases da actividade física e do desporto que apenas se debruça sobre o desporto profissional, com um programa para o desporto escolar inexistente e o congelamento das construções de infra-estruturas para este desporto, com a privatização dos serviços de cantinas das escolas, diminuindo drasticamente, na maior parte dos casos, a qualidade e variedade alimentares do serviço…
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, em primeira lugar, saudar, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, os trabalhadores das pedreiras aqui presentes e que esperaram até ao final da nossa agenda de hoje. Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entre nuvens de pó, os trabalhadores das pedreiras transformam a pedra e criam riqueza para os patrões e para o País, mas deixam as marcas do seu trabalho no corpo, na sua saúde. A transformação da pedra, cujas condições de desgaste importa minorar, envolve, necessariamente, perigos para a saúde destes trabalhadores, a quem não resta outra actividade senão esta. Na verdade, não há medidas possíveis que impeçam ou diminuam o perigo da silicose que afecta estes trabalhadores e que a muitos lhe ceifa a vida prematuramente. Esta justa reivindicação dos trabalhadores das pedreiras levou à criação de um movimento que promoveu debates, sensibilizou a população, fez aprovar, por unanimidade, moções nas Assembleias Municipais do Marco de Canaveses e de Penafiel, recolheu assinaturas e apresentou uma petição, com mais de 5000 assinaturas, à Assembleia da República. O Sr. Jorge Machado (PCP): — O que exigem é simples: a diminuição da idade de reforma dos trabalhadores das pedreiras, exigindo que lhes seja aplicado o mesmo regime dos mineiros. Seguindo as preocupações destes trabalhadores e respondendo a esta legítima aspiração, o PCP apresenta, hoje, este projecto de lei, em que propõe que a idade normal de reforma por velhice seja reduzida em um ano por cada dois anos de serviço efectivo na indústria das pedreiras e estabelecendo a idade de 55 anos a partir da qual pode ser reconhecido o direito à pensão de velhice. Mais: propomos que o montante da pensão de invalidez seja calculado com um acréscimo à taxa de formação de 2,2% por cada dois anos de serviço efectivo nesta indústria. Sr. Presidente, Srs. Deputados: Bem sabemos que o caminho que o Governo PS traçou para os trabalhadores portugueses é o chamado «envelhecimento activo»; bem sabemos que o Governo aumentou a idade real da reforma, obrigando a trabalhar mais para receber menos, mas é neste cenário, extremamente penalizante para todos trabalhadores, que importa colocar o problema dos trabalhadores das pedreiras. Quem, como o PCP, contactar com a realidade dos trabalhadores das pedreiras do Marco de Canaveses, de Paredes e de Penafiel pode constatar as condições de trabalho que estes trabalhadores enfrentam no seu dia-a-dia e a necessidade imperiosa de melhorar as condições de acesso à reforma. Na verdade, estes trabalhadores das pedreiras passam todo o seu dia de trabalho envolvidos numa nuvem de pó, uma nuvem de quartzo, e expostos a elevados níveis de ruído. A utilização de novos e mais modernos instrumentos de trabalho aumenta, ainda mais, o risco de silicose, pelo que é inteiramente justificável a aplicação do mesmo regime que existe para os mineiros. Estas condições de perigosidade foram reconhecidas, inclusivamente, pelo Centro Nacional de Protecção contra Riscos Profissionais, chegando mesmo à conclusão de que «existem riscos generalizados de silicose e de surdez». A silicose — invasão de sílica nos pulmões — vai, como dizem os trabalhadores das pedreiras, «entupindo» os pulmões de pó e estes vão perdendo capacidade respiratória e, lentamente, vão sufocando, à medida que os pulmões ficam bloqueados. A consequência é que uma significativa maioria dos trabalhadores das pedreiras não atinge a idade normal de reforma em condições aceitáveis de saúde e muitos dos trabalhadores morrem prematuramente. Assim, para estes trabalhadores não é possível o «envelhecimento activo». Para muitos destes trabalhadores não é possível a reforma aos 65 anos, com as penalizações que o Governo PS impõe, porque, pura e simplesmente, muitos deles não vivem o tempo suficiente. É, assim, da mais elementar justiça que se crie um regime especial de reforma para estes trabalhadores. Como afirmámos aquando da discussão da petição promovida por estes trabalhadores, «só quem não conhece a realidade, as vidas ceifadas pelas nuvens de quartzo; só quem não ouviu os relatos das famílias enlutadas pela morte prematura é que pode não considerar legítima esta pretensão».
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Sr. Presidente, Srs. Deputados, queria apenas deixar duas notas. A primeira é a de que consideramos absolutamente inaceitável que o Partido Socialista nas assembleias municipais onde esta questão foi discutida tenha votado a favor, tendo demonstrado um claro apoio aos trabalhadores das pedreiras, e nesta Assembleia da República dê o dito por não dito e vote contra um projecto de lei que é extremamente justo para os trabalhadores das pedreiras. Consideramos isso absolutamente inaceitável e de uma profunda contradição demagógica que importa aqui denunciar! A segunda é a de que a Sr.ª Deputada fala em prevenção. A petição dos trabalhadores foi discutida aqui, nesta Assembleia, há dois anos atrás. Que medidas de prevenção é que o Governo tomou sobre este sector? Zero, Sr.ª Deputada! Sr.ª Deputada, invocar a prevenção nos trabalhadores das pedreiras para chumbar um projecto de lei do PCP é imoral, tendo em conta que estes trabalhadores morrem a trabalhar! O Grupo Parlamentar do Partido Socialista é insensível a esta matéria! O Sr. Presidente: — Concluímos, assim, este ponto da ordem de trabalhos. Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai dar conta da retirada de um diploma.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Lei de Bases da Segurança Social prevê que, por motivos de natureza especialmente penosa e desgastante, se possam fazer alterações aos regimes de atribuição e de acesso às pensões de velhice. O que hoje debatemos é exactamente a criação de um regime excepcional, que já existe para outras profissões, que, por sinal, são bastante semelhantes no sentido dos riscos a que estão sujeitas. Os trabalhadores das pedreiras, como bem é reconhecido pelo Centro Nacional de Protecção contra Riscos Profissionais, estão sujeitos a níveis impressionantes e que ultrapassam todos os limites da qualidade do ar que respiram. Naturalmente que esta exposição provoca nestes trabalhadores doenças irreversíveis, como a silicose e a surdez. Faz, portanto, todo sentido que, para um grupo de cerca de 15 000 profissionais, a segurança social dê resposta a este problema. Virá sempre, por parte do Governo e da bancada do Partido Socialista, o argumento, que já conhecemos, da sustentabilidade do sistema de segurança social e da falta de dinheiro. Chegados aqui, e neste momento, em que este dinheiro abunda para tanta coisa e para tanto desgoverno, era altura de sensibilizarem quer o Partido Socialista quer o Governo para uma alteração, que é urgente e emergente, para estes trabalhadores. Já aqui foi referido que esta exposição provoca, muitas vezes, a morte precoce. Muitos trabalhadores não terão sequer direito às pensões por esta razão. Por isso também os movimentos que em torno desta questão têm acontecido e a petição, já discutida neste Parlamento, subscrita por 5039 cidadãos, merecem respeito. Sr.as e Srs. Deputados do Partido Socialista, importa que, nesta altura, em que há uma lei da segurança social que prevê estes regimes de excepção, se dê resposta e se tenha respeito por aqueles que mais sofrem, por aqueles que são absolutamente necessários devido à natureza das suas funções, mas que merecem todo o nosso respeito e que a lei dê, efectivamente, corpo e voz a estes problemas e seja alterada. O que se reivindica é muito simples: que estas pessoas tenham direito à pensão aos 55 anos. Muitos deles, relembro, começaram na pedreira muito cedo, muitos deles trabalham lá há 30 e 40 anos, porque muitos deles, com 55 anos, já trabalharam 40 anos. Não há nenhuma justificação razoável para que não se tenha para estas pessoas o máximo de respeito. É simplesmente isto que eles exigem, que este projecto de lei prevê e que nós, total e convictamente, subscrevemos.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PCP submete a esta Assembleia o projecto de lei n.º 297/X (1.ª), que estabelece o regime jurídico da segurança social dos trabalhadores das pedreiras, antecipando a idade de acesso à pensão por velhice. Na «Exposição de motivos», o PCP explica bem as razões de ser desta pretendida antecipação, a saber: a especial penosidade do trabalho nas pedreiras; e, particularmente, a grande perigosidade do ar respirado em tal ambiente de trabalho. Trata-se, em concreto, da contínua exposição a condições de trabalho em que existe o risco generalizado de silicose e de surdez, como foi estudado e aferido pelo Departamento de Avaliação e Prevenção de Riscos Profissionais do Centro Nacional de Protecção Contra os Riscos Profissionais. De resto, e como é igualmente referido no preâmbulo do projecto de lei, o então Ministro do Trabalho e da Solidariedade, em 2001, tornou públicos dados confirmativos daqueles riscos profissionais. Estamos, portanto, no quadro de uma situação de excepção face ao comum das profissões, tal como no caso dos trabalhadores das minas de urânio para quem o Grupo Parlamentar do PSD tem defendido, e continua a defender, um regime excepcional. Aliás, para além da bondade do presente projecto de lei, é entendimento do Grupo Parlamentar do PSD que o Governo devia, ele próprio, elencar quais as profissões com especiais riscos de perigosidade, nomeadamente quanto à saúde, e promover um regime especial que as abrangesse. É que tratar de igual forma o que é desigual conduz, necessariamente, a injustiças, que esta Câmara não pode nem deve defender. Tratar de forma desigual o que é desigual torna-se, objectivamente, um dever de justiça, que Grupo Parlamentar do PSD acompanha e defende. É por isso que me permito anunciar, nesta ocasião, a entrada na Mesa de um novo projecto de lei do Grupo Parlamentar do PSD, que se propõe alterar o regime jurídico de acesso às pensões de invalidez e velhice para os trabalhadores da Empresa Nacional de Urânio, SA. Trata-se de uma iniciativa que peca por ser avulsa, como a que hoje analisamos, mas que tem a vantagem de colmatar, ainda que imperfeitamente, porque não é uma solução global, a falha do Governo, que, não fazendo o trabalho de casa, nomeadamente não promovendo a realização de estudos sobre este tipo de profissões, leva a que existam flagrantes injustiças, que as bancadas dos diversos partidos têm de ir tentando suprir ao longo do trabalho desenvolvido nesta Legislatura. Assim, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a bancada do PSD acompanhará o diploma em análise e alerta o Governo para a necessidade de promover uma solução global para as profissões perigosas.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei que o PCP nos traz aqui, hoje, trata de uma matéria muito sensível, relacionada com diversas áreas, a qual tem de ser estudada, pensada e debatida com muita atenção e cuidado. Não é uma matéria que possa tratar-se de forma um pouco mais superficial. Objectivamente, trata-se de uma matéria à qual o Grupo Parlamentar do CDS é muito sensível, porque conhecemos os estudos, alguns até científicos, sobre as consequências físicas, ao nível da audição e da capacidade pulmonar, a que estes trabalhadores estão sujeitos. E, por isso mesmo, também não nos esquecemos de que este projecto de lei vem no seguimento de uma petição discutida nesta Câmara em 5 de Janeiro de 2007, na qual o CDS expressou uma opinião que, passados dois anos, mantém. As condições em que os trabalhadores das pedreiras exercem as suas funções são de uma enorme dificuldade e penosidade. Não nos esquecemos de que, infelizmente, há outros trabalhadores, noutros sectores, cujas condições de desempenho das suas funções também são especialmente difíceis. Podíamos falar, por exemplo, dos trabalhadores das indústrias dos cimentos, dos fibrocimentos, das cerâmicas, das madeiras, das cortiças ou até, numa questão colocada mais recentemente, dos trabalhadores aéreos. Sabemos que nos termos da actual Lei de Bases da Segurança Social é preciso que sejam preenchidos três requisitos essenciais: a especialidade da actividade; a razão concreta pela qual a actividade tem um índice elevado de penosidade ou de agravação para a saúde; e, por último, também muito importante, a forma de assegurar o respectivo financiamento dessa mesma antecipação. Infelizmente, a estes três critérios o Grupo Parlamentar do Partido Comunista não dá já uma resposta. Por isso mesmo, parece-nos que esta matéria deveria ser aprofundadamente discutida na Comissão Parlamentar de Trabalho, Segurança Social e Administração Pública, permitindo que aí seja dada uma resposta, que o Governo, até hoje… Não esteja nervoso, Sr. Deputado Honório Novo!... Estamos a fazer uma discussão séria! O Sr. Deputado pode querer fazer, nesta matéria, uma discussão de gritos, uma discussão para tentar condicionar as pessoas, mas o Grupo Parlamentar do CDS recusa-se a discutir uma matéria desta importância dessa forma. Sabemos que, muitas vezes, o Grupo Parlamentar do PCP acha que estas matérias, que são muito importantes para a vida das pessoas, para a vida dos trabalhadores, devem ser discutidas no meio de uma gritaria, mas recusamos fazê-lo, Sr. Deputado. E, por isso mesmo, parece-nos que na especialidade é possível responder a um conjunto destes aspectos, nomeadamente quando o Governo, tendo-se comprometido, desde 2006, a indicar quais são os critérios de penosidade, até agora não o fez. E, provavelmente, vai ter de ser a Assembleia da República a substituir-se ao papel do Governo. Mas o CDS não foge a esse desafio; pelo contrário, tentaremos dar uma resposta a este desafio no sítio certo, que é a comissão. Lamentamos, Sr. Deputado Honório Novo, que o Partido Comunista não tenha dado já uma resposta. Lamentamo-lo, mas cá estaremos para, de forma séria, fazer esta discussão em sede de especialidade. Não estejam nervosos, Srs. Deputados! Não tentem fazer neste Plenário, de uma discussão séria, única e exclusivamente a instrumentalização de trabalhadores, porque nisso não os acompanhamos. Acompanhamos a preocupação de tentar melhorar a vida destas pessoas, não acompanhamos uma manobra de instrumentalização, que, muitas vezes, o PCP faz aos trabalhadores portugueses. O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Dois pontos importa analisar neste debate, debate que tem tudo a ganhar quanto mais objectivo conseguir ser e que tem tudo a perder se se resumir a um debate de mera instrumentalização de objectivos político-partidários. O primeiro ponto é o da exclusividade da antecipação da reforma para os trabalhadores das pedreiras. O segundo é o da estratégia que se deve adoptar para melhor proteger a saúde dos trabalhadores que, de alguma forma, estão em contacto com a sílica e que, por isso, correm risco de silicose. Quanto à questão da exclusividade da antecipação da reforma para os trabalhadores das pedreiras, importa perguntar: as pedreiras são o único sector de actividade em contacto com a sílica, sendo os trabalhadores das pedreiras os únicos trabalhadores expostos aos riscos de silicose? A sílica está presente em todas as pedreiras? Todos os trabalhadores de uma pedreira estão inevitavelmente em contacto com a sílica, correndo todos igual risco de silicose? A resposta a estas três perguntas é clara e é «não!». A sílica não está presente em todas as pedreiras, porque nem todas as rochas têm sílica, nem todos os trabalhadores das pedreiras estão em contacto com esta substância e as pedreiras não são — e estão longe de ser — o único sector de actividade com sílica. Aliás, a petição que está na origem desta proposta do PCP fala de outros sectores a que o PCP neste projecto de lei não dá resposta e eu pergunto-lhe se está à espera de uma petição para cada um destes sectores, para depois um a um apresentar projectos de lei. Mas, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, importa ainda analisar esta iniciativa na perspectiva da melhor estratégia para proteger a saúde de todos os trabalhadores e não apenas dos trabalhadores das pedreiras, que lidam com materiais, produtos ou matérias-primas que, contendo sílica, provocam o risco de silicose. Pergunto de novo: a silicose é inevitável uma vez que há contacto com a sílica? A melhor estratégia de protecção da saúde dos trabalhadores de todos os sectores que lidam com a sílica é prevenir e eliminar o risco, ou desistir da prevenção, contratualizar o risco e antecipar a reforma de trabalhadores, aceitando à partida que vão ser trabalhadores doentes e que o melhor que podemos fazer é mandá-los, doentes, mais cedo para casa? Finalmente, Sr.as e Srs. Deputados, existem ou não meios… Srs. Deputados, oiçam, podemos todos ter opinião diferente, mas temos de saber ouvir a opinião dos outros. Terceira pergunta: existem ou não meios para eliminar ou reduzir a níveis residuais o risco da sílica em todos os sectores de actividade, desde logo nas pedreiras? O único estudo que os senhores apontam é de 2001 — estamos em 2009, já passaram oito anos!!... A resposta a estas perguntas — se me quiserem ouvir agradeço — é clara: os riscos da sílica, a silicose, são evitáveis. No sector das pedreiras existem hoje meios e medidas de protecção colectiva, ao nível dos equipamentos e das máquinas utilizadas, e meios e medidas de protecção individual que evitam e eliminam os riscos da sílica. Por isso, a melhor estratégia de protecção da saúde dos trabalhadores é a da intransigência na prevenção e na eliminação do risco na sua origem, e não, como o PCP propõe, em regimes especiais da segurança social para os trabalhadores, e muito menos para os trabalhadores de um só sector de actividade, como o PCP faz nesta proposta. O projecto do PCP falha em todas as suas possíveis intenções: falha quanto à justiça da sua proposta e falha na eficácia da sua proposta. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a União Europeia é considerada como tendo a legislação mais avançada e completa nesta matéria. E deve merecer a nossa reflexão o facto de nenhum país da União Europeia ter adoptado medidas deste género na protecção destes trabalhadores. Termino, Sr. Presidente. Proponho aos Srs. e às Sr.as Deputadas que leiam o acordo estabelecido em 2006, e não 2001, um bocadinho mais actual, no âmbito do diálogo europeu, entre associações empresariais e representantes dos trabalhadores, federações sindicais europeias, relativo à protecção da saúde dos trabalhadores que lidam com a sílica. Lá pode ler-se que «as partes reconhecem a necessidade de uma estratégia de prevenção relativa à sílica cristalina respirável. Tal não significa, no entanto, que a assinatura deste acordo deva ser considerada como o reconhecimento da existência de uma exposição não controlada no sector em questão ou de uma exposição efectiva em todo o sector». Termino, Sr. Presidente. Tal não significa, no entanto, que a assinatura deste acordo deva ser considerada como o reconhecimento da existência de uma exposição não controlada no sector em questão ou de uma exposição efectiva em todo o sector. Não há qualquer proposta assinada por empregadores e representantes dos trabalhadores da qual também fazem parte representantes dos trabalhadores portugueses. Portanto, Sr.as e Srs. Deputados, a ACT (Autoridade para as Condições de Trabalho) está neste momento a trabalhar, tal como tem feito ao longo dos anos, esta questão. Esta proposta não é justa, não é eficaz na protecção da saúde dos trabalhadores e não faz sentido! … e, sobretudo, não faz sentido a instrumentalização dos trabalhadores por parte do PCP.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, quero, em primeiro lugar, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes», saudar os trabalhadores das pedreiras que se encontram nas galerias e que, pacientemente, têm assistido a todos os trabalhos parlamentares do dia de hoje, até a este triste espectáculo a que acabámos de assistir com algumas intervenções. Reparem bem, Srs. Deputados, que alguns vêm para aqui apresentar as suas inúmeras preocupações em relação a esta questão sem apresentar soluções. Ficamos à espera que qualquer coisa nos «caia na cabeça». Ficamos à espera que alguém encontre melhores condições de trabalho. Há, no entanto, quem tenha apresentado aqui uma solução concreta, que não abarcará todas as situações necessárias, mas que resolve uma parte do problema. Por isso, temos aqui um projecto de lei do PCP que propõe, justamente, a aprovação de um regime de antecipação da idade de acesso à reforma. E os senhores, com o pretexto de que as condições de trabalho continuam degradantes, não aceitam este princípio. Mas são coisas absolutamente diferentes! Nós estamos a falar das condições de trabalho em que actualmente estes trabalhadores laboram e em que têm laborado há muitos e longos anos. Está em causa a questão do desgaste profissional destes trabalhadores, mas também o grave risco de saúde pública. E sabemos que há determinados regimes profissionais, em Portugal, que já gozam de uma antecipação da idade da reforma, justamente por terem estas características no seu trabalho. Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos, sabe que a discussão que agora levantou, sobre se serão só estes trabalhadores que estão em causa, também se colocava quando se discutiu a questão dos mineiros, porque, primeiro, só se considerava quem laborava dentro das minas, mas depois, mais tarde, teve de se reconhecer que também era preciso um regime desta natureza para aqueles que trabalhavam fora das minas. E reconheceu-se essa necessidade para os trabalhadores da Empresa Nacional de Urânio, mas só para aqueles que, até à data dessa decisão, tinham relações contratuais. No que se refere aos outros, os senhores, por mais que não queiram, vão ter de reconhecer que também têm de ter direito a esta antecipação da idade da reforma! Portanto, os senhores, sob o pretexto de que temos de fazer para todos, afinal, acabam por não fazer para ninguém. É fundamental reconhecer a justeza dos princípios enunciados neste projecto de lei e entender que, de facto, há aqui uma situação de desgaste rápido, de grave risco da saúde, que se trata de pessoas que acabam por falecer antes de atingir a idade da reforma, que são muito vítimas, como todos aqui referimos, da silicose e de graves doenças respiratórias. E das duas uma: ou entendemos fechar os olhos e continuar impávidos e serenos o caminho, sem ligar a esta situação, ou entendemos apresentar soluções. Está uma solução em cima da mesa. Quem está, verdadeiramente, preocupado com a situação, votá-la-á favoravelmente. Quem finge que está preocupado e não apresenta qualquer outra solução demonstra, claramente, que não tem preocupação alguma com esta situação. E mais: continua mais absorvido pelas questões do défice do que, provavelmente, pelas condições de vida das populações portuguesas!
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Não foi isso que eu disse! Sr. Presidente, peço-lhe o favor de mandar distribuir o acordo a que fiz referência e que resulta do diálogo social europeu relativo à protecção da saúde dos trabalhadores através da utilização e manuseamento correctos de sílica cristalina e produtos contendo sílica cristalina, que não tem qualquer medida de protecção como propõe o PCP, o que será por alguma razão que não só as do PS.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: A precariedade e o trabalho ilegal correspondem a um dos mais graves problemas com que o País se confronta. São 750 000 trabalhadores com contratos a termo, uma das taxas mais elevadas da União Europeia. São dezenas de milhares de trabalhadores vítimas das empresas de trabalho temporário e alugadoras de mão-de-obra e centenas de milhares empurrados para a situação de trabalho sob os falsos recibos verdes. São mais de 570 000 trabalhadores em situação de trabalho parcial, não porque o desejem, mas porque não têm outra alternativa. É uma economia subterrânea que se estima entre 20% e 25% do PIB, com milhares e milhares de trabalhadores e níveis de produtividade extraordinariamente baixos. É ainda o tráfico de mão-de-obra, envolvendo o trabalho imigrante. Esta é a realidade de um País, em que o Estado, em vez de dar o exemplo das boas práticas, mantém e alarga a situação dos recibos verdes e outras situações precárias na Administração Pública, que atingem cerca de 150 000 trabalhadores. Esta é a realidade de um País onde cerca de um terço dos trabalhadores sofre das consequências das várias formas de precariedade e trabalho ilegal. O que existe, e está a agravar-se, neste momento, em Portugal, é o regresso ao passado com as novas praças de jorna, seja na rua ou à volta da mala do automóvel, que serve de sede de empresa, seja ainda cobertas pela falsa sofisticação tecnológica da mensagem de correio electrónico ou do SMS. A precariedade e o trabalho ilegal são a precariedade das relações de trabalho e a precariedade da vida, com particular incidência nos jovens, 50% dos quais estão em situações precárias. A precariedade e o trabalho ilegal são uma forma de condenar centenas de milhares de trabalhadores à incerteza e à desestabilização permanente da alternância entre curtos períodos de trabalho, logo seguido de desemprego. A precariedade, o trabalho ilegal e o trabalho a tempo parcial em Portugal implicam para muitos trabalhadores a acumulação de vários empregos, única forma de garantirem o sustento para sobreviver, com os problemas de organização de vida e de desmotivação de progressão e formação profissionais. A precariedade e o trabalho ilegal significam a aposta nas baixas qualificações, nos baixos salários, na reduzida formação e valorização profissional, no comprometimento da produtividade, quando Portugal precisa de apostar na qualificação, no estímulo positivo à actividade e na elevação do perfil produtivo. A precariedade, o trabalho ilegal e a generalização da acção das empresas de trabalho temporário e de aluguer de mão-de-obra significam, inclusive com as perspectivas que agora estão colocadas, arrasar os quadros de pessoal das empresas. A precariedade, o trabalho ilegal e a aposta na fragilização dos direitos significa a degradação das condições de trabalho, com o incremento das doenças profissionais e um comprovado aumento do risco dos acidentes de trabalho. A precariedade e o trabalho ilegal significam também que centenas de milhões de euros de descontos para a segurança social e de impostos para o Estado deixam de ser pagos. Com a precariedade e o trabalho ilegal perdem os trabalhadores e as suas famílias, perde a segurança social, perde o Estado e o seu financiamento, perde o País, afectado no seu perfil produtivo e nas suas possibilidades de desenvolvimento. Mas há quem ganhe: ganham os grupos e as empresas que apostam no lucro fácil e imediato, na lógica mais agressiva do capitalismo. Não podemos ficar indiferentes. Este é um grande problema nacional que continuamente se agrava e que precisa de resposta. Na opinião do PCP, ao desempenho de tarefas que correspondem a actividades permanentes deve corresponder um contrato de trabalho efectivo. A economia nacional deve basear-se em actividades regulamentadas e no estabelecimento e efectivação de direitos e condições de trabalho próprias do século XXI e de uma visão avançada da sociedade. Numa outra fase colocou-se o combate ao trabalho infantil como uma política de Estado e de grande sensibilidade social, o que permitiu reduzir significativamente a incidência deste problema. Também agora é necessário considerar o combate ao grave problema da precariedade e do trabalho ilegal como uma política de Estado, alargando a necessária sensibilização social. É esse o objectivo do projecto de lei do PCP, que institui o Programa Nacional de Combate à Precariedade e ao Trabalho Ilegal e a comissão nacional para o coordenar e dinamizar. O Programa Nacional que propomos tem como prioridades: o combate aos vínculos laborais não permanentes para o desempenho de tarefas que correspondem a necessidades permanentes, promovendo vínculos contratuais estáveis e duradouros; o combate às formas de trabalho não declarado e ilegal e às várias formas de tráfico de mão-de-obra; o combate às práticas de aluguer de mão-de-obra, nomeadamente ao trabalho temporário; o combate ao incentivo à contratação a tempo parcial quando não é opção do trabalhador e ainda a promoção do exercício dos direitos individuais e colectivos dos trabalhadores. São estes objectivos importantes e de grande actualidade na situação existente no nosso País. O estudo e a análise da situação, a monitorização desta realidade na Administração Pública, a elaboração de uma lista pública das empresas que violam a legalidade, a valorização das boas práticas e a sua certificação, as acções e iniciativas de sensibilização social, a elaboração de um relatório anual sobre a matéria são algumas linhas de acção que, associadas à cooperação com a Inspecção-Geral de Trabalho e a outras estruturas já existentes, podem permitir um caminho que enfrente a precariedade e o trabalho ilegal. Srs. Deputados, o PCP tomou a iniciativa de apresentar propostas que configuram um novo Código do Trabalho, designadamente eliminando a discriminação dos jovens que hoje podem ser sujeitos a contratos a termo só por serem jovens; tomou a iniciativa da apresentação de um projecto de lei para a eliminação das situações de precariedade na Administração Pública; e, entre muitas outras iniciativas nesta área, toma agora a de apresentar este programa de intervenção. É uma contribuição que desejamos ver adoptada. Em qualquer caso, o PCP não deixará de exigir a solução do problema da precariedade e do trabalho ilegal. Mais cedo que tarde, ele será enfrentado, para bem dos trabalhadores e do futuro do País. Só duas!? Refiro dois aspectos positivos, e um pouco na vossa perspectiva: um é o facto de o projecto ser inédito, inédito no sentido de inovador, digamos que é uma situação nova que aqui se apresenta em relação a um programa neste modelo, neste tipo de sistema; e o outro é facto de permitir o seu grupo parlamentar falar sobre a precariedade laboral e o trabalho ilegal. E penso que todos nós comungamos da preocupação no combate à precariedade e ao trabalho ilegal. Porém, o Sr. Deputado parece esquecer, mesmo nesta situação inédita, que este é um processo vago, porque já há medidas, já há acções, já há programas, já há a capacidade de o grupo parlamentar interpelar, e, nesta Casa, já tem sido feita muita discussão sobre a precariedade e o combate ao trabalho ilegal. Portanto, de alguma maneira, esta iniciativa mais não é do que a apresentação, por parte do grupo parlamentar de V. Ex.ª, de uma prova de vida, por ausência de um combate sério e de uma proposta séria sobre o trabalho temporário, que vamos discutir a seguir. Como não a têm criam esta situação alternativa. A realidade não é mais do que isto, Sr. Deputado, porque esquecem-se, nas vossas propostas, de acções que são importantes e que aqui até lhas poderia recordar, nomeadamente o reforço da capacidade inspectiva, que é mesmo fundamental para garantir uma melhor eficácia nos resultados e que, eventualmente, pode passar despercebido. É evidente que estudos, programas, levantamentos são sempre bem-vindos, mas, neste caso, trata-se, acima de tudo, de um desvio de uma discussão real de uma proposta real sobre uma realidade que é o trabalho temporário. E este vosso programa nada diz de concreto, a não ser «não concordo com nada disto, tudo isto deve desaparecer». Portanto, esta é uma maneira de discutir, não discutindo. Por isso, não há muito que possamos dizer. Mas a necessidade de lugares na área inspectiva tem a ver com as disposições relativas ao reforço dos meios. A lei da mobilidade, que também já foi discutida, e com a qual não concordaram, poderá permitir o reforço dessa componente. Não me vou alongar e, por isso, permito-me passar directamente às perguntas, porque, de alguma maneira, tudo isto tem um enquadramento. Sr. Deputado, se mudasse a rigidez, de que muito se fala, em termos daquilo que é a garantia de trabalho, por exemplo, em relação aos despedimentos, provavelmente teria, como tem na realidade do mundo actual, outra disposição no trabalho precário. Certamente, não estará disponível para trocar essa realidade, nós também defendemos a manutenção das garantias por forma a não trocá-las pelo trabalho ilegal. De qualquer forma, era importante que aqui nos esclarecesse; senão este projecto não é mais do que uma tentativa de melhorar as estatísticas do vosso grupo parlamentar na capacidade de iniciativa, e não passa disto. Portanto, há aqui efectivamente uma ausência de discussão e de alternativa, por exemplo no trabalho temporário. Sr. Presidente, Sr. Deputado Ricardo Freitas, quero dizer-lhe que a apreciação que fez do nosso projecto é superficial, sem profundidade, que justifica a dimensão do problema em Portugal e a dimensão do conjunto de propostas e do seu carácter integrado. Em tempos, como sublinhei, havendo muitas medidas dispersas sobre as questões do trabalho infantil, foi entendido, de forma adequada, ser necessário ter uma visão global sobre este problema e enfrentá-lo de uma forma global e integrada. E é exactamente o que o PCP propõe neste projecto de lei: tendo em conta a dimensão e a gravidade dos fenómenos do trabalho ilegal e da precariedade, procura ter uma visão global sobre eles e uma linha integrada de medidas. É isto que este programa contém, pela primeira vez. De facto, como o Sr. Deputado acabou de referir, é inovador, e é inovador exactamente por isto, como foi inovadora a concepção de um programa de combate ao trabalho infantil. Só quem não quer ver é que não vê mesmo, e é este o caso do Sr. Deputado! Mas a realidade aí está a exigir da parte do Estado a transformação desta matéria numa política de Estado. Cabe dizer que tomámos a iniciativa nesta matéria há muito tempo, e, portanto, o facto de o agendamento de hoje conter a discussão sobre o trabalho temporário é apenas uma coincidência. Mas, desde já, devo dizer-lhe que as propostas do Partido Socialista nesta matéria, em vez de contribuírem para eliminar ou reduzir a precariedade, estão a apontar para a sua generalização. Portanto, este projecto tem uma grande actualidade. Permita-me ainda que faça uma referência à Inspecção-Geral do Trabalho e a outras medidas. O PCP apresentou propostas, que são conhecidas desta Assembleia, em dois sentidos: primeiro, relativamente ao reforço de meios para a Inspecção-Geral do Trabalho. É um escândalo o que hoje existe, é necessária uma maior eficácia, pois é mais uma componente para aquilo que está considerado na perspectiva e visão global que propomos neste programa. Há ainda outras medidas necessárias, como a alteração do Código do Trabalho, e aqui o Partido Socialista vai adiando as alterações a que se comprometeu, permitindo também que se mantenha esta situação dos jovens, que, só por serem jovens, são sujeitos a contratos a termo. Em nome de que justificação?! Não há nenhuma! Mas há ainda um outro aspecto que o Sr. Deputado abordou e que merece aqui uma reflexão muito interessante sobre o que parece começar a ser o posicionamento do Partido Socialista. O Sr. Deputado, no que toca à matéria do combate à precariedade e ao trabalho ilegal, tema que estamos a tratar, falou, a despropósito, da rigidez da lei em relação aos despedimentos. O que é que isto significa, Sr. Deputado? Isto significa que o Partido Socialista tem a concepção de que a lei actual, que proíbe os despedimentos sem justa causa, é uma lei rígida?! Significa isto que o Partido Socialista tem a concepção de que se deve caminhar para a liberalização dos despedimentos individuais sem justa causa?! É difícil imaginar que seja outra a questão. Pode vir com os palavrões da «flexissegurança» e outros termos inventados à pressa, mas, no fundo, esta é a questão que aqui se coloca. Sabemos que isto, se fosse para diante — e não cremos que seja possível —, conduziria ao alargamento e à generalização da precariedade. Por isso, termino referindo que este não é o caminho e que é necessário, do ponto de vista do Estado, que seja assumida uma política para combater a precariedade e o trabalho ilegal e que esta questão, como outras, corresponda a uma maior sensibilização social. Estão em causa direitos dos trabalhadores, estão em causa perspectivas de vida, mas está em causa também um padrão de produtividade para o País, a sua elevação, que é essencial para o desenvolvimento económico, porque não é com precariedade, nem com trabalho ilegal que se criam as condições para o País se desenvolver.
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Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Lopes, permita-me que, nesta nova Sessão Legislativa, o saúde e o interpele de uma forma muito rápida relativamente a este programa nacional que aqui nos apresenta. Permita-me que lhe diga, logo de início, que este programa tem duas coisas positivas. Só duas!? Refiro dois aspectos positivos, e um pouco na vossa perspectiva: um é o facto de o projecto ser inédito, inédito no sentido de inovador, digamos que é uma situação nova que aqui se apresenta em relação a um programa neste modelo, neste tipo de sistema; e o outro é facto de permitir o seu grupo parlamentar falar sobre a precariedade laboral e o trabalho ilegal. E penso que todos nós comungamos da preocupação no combate à precariedade e ao trabalho ilegal. Porém, o Sr. Deputado parece esquecer, mesmo nesta situação inédita, que este é um processo vago, porque já há medidas, já há acções, já há programas, já há a capacidade de o grupo parlamentar interpelar, e, nesta Casa, já tem sido feita muita discussão sobre a precariedade e o combate ao trabalho ilegal. Portanto, de alguma maneira, esta iniciativa mais não é do que a apresentação, por parte do grupo parlamentar de V. Ex.ª, de uma prova de vida, por ausência de um combate sério e de uma proposta séria sobre o trabalho temporário, que vamos discutir a seguir. Como não a têm criam esta situação alternativa. A realidade não é mais do que isto, Sr. Deputado, porque esquecem-se, nas vossas propostas, de acções que são importantes e que aqui até lhas poderia recordar, nomeadamente o reforço da capacidade inspectiva, que é mesmo fundamental para garantir uma melhor eficácia nos resultados e que, eventualmente, pode passar despercebido. É evidente que estudos, programas, levantamentos são sempre bem-vindos, mas, neste caso, trata-se, acima de tudo, de um desvio de uma discussão real de uma proposta real sobre uma realidade que é o trabalho temporário. E este vosso programa nada diz de concreto, a não ser «não concordo com nada disto, tudo isto deve desaparecer». Portanto, esta é uma maneira de discutir, não discutindo. Por isso, não há muito que possamos dizer. Mas a necessidade de lugares na área inspectiva tem a ver com as disposições relativas ao reforço dos meios. A lei da mobilidade, que também já foi discutida, e com a qual não concordaram, poderá permitir o reforço dessa componente. Não me vou alongar e, por isso, permito-me passar directamente às perguntas, porque, de alguma maneira, tudo isto tem um enquadramento. Sr. Deputado, se mudasse a rigidez, de que muito se fala, em termos daquilo que é a garantia de trabalho, por exemplo, em relação aos despedimentos, provavelmente teria, como tem na realidade do mundo actual, outra disposição no trabalho precário. Certamente, não estará disponível para trocar essa realidade, nós também defendemos a manutenção das garantias por forma a não trocá-las pelo trabalho ilegal. De qualquer forma, era importante que aqui nos esclarecesse; senão este projecto não é mais do que uma tentativa de melhorar as estatísticas do vosso grupo parlamentar na capacidade de iniciativa, e não passa disto. Portanto, há aqui efectivamente uma ausência de discussão e de alternativa, por exemplo no trabalho temporário. O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Lopes.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: O trabalho precário e a sua prática abusiva têm vindo a aumentar nos últimos tempos, sem que o Governo esteja a olhar para este problema com a devida atenção. Pelo contrário, ao nível do Estado, o Governo tem dado maus exemplos, que objectivamente funcionam como incentivos para outros sectores de actividade. Os dados ontem finalmente divulgados pelo Governo, quanto ao número de funcionários da Administração Pública, são disto elucidativos. Dos 737 774 funcionários públicos, nas contas do Governo, quase 25% têm vínculo laboral precário — cerca de 120 000 trabalhadores da Administração Pública são precários, Srs. Deputados! Ora, quando o Estado assim procede, temos de concluir que não é saudável, nem é bom exemplo, para ninguém. No que respeita ao projecto de lei do Partido Comunista Português, que estamos a discutir, ele visa institucionalizar o programa nacional de combate à precariedade laboral e ao trabalho ilegal, como já aqui foi referido. Este programa nacional, a ser aprovado, funcionará com uma comissão nacional, composta por 15 representantes do Governo e dos parceiros sociais, e terá também um conselho consultivo, composto pelos 15 membros daquela comissão e mais nove representantes de vários organismos do Estado. Confesso que tenho muitas dúvidas quanto às vantagens desta nova estrutura essencialmente constituída por representantes de organismos públicos. De facto, se estes representantes tiverem condições para actuar, e quiserem, já hoje têm enquadramento legal para combater muitos dos abusos cometidos ao nível do trabalho precário e ilegal. Parece-nos que, para esta questão concreta, não serão necessárias mais leis. O que é necessário, Srs. Deputados, é que sejam cumpridas e respeitadas as que estão em vigor. E, se acontecerem atropelos à lei — e todos nós bem sabemos que acontecem —, então devemos perguntar: por que não são dotados os serviços públicos competentes, como a Inspecção-Geral do Trabalho, com os meios humanos, técnicos e financeiros necessários, para exercerem cabalmente a sua função de agentes pedagógicos, preventivos e, em última instância, repressivos? Penso que a melhor forma de combater estas graves violações aos direitos dos trabalhadores não passa por esta proposta do PCP. Criar mais umas comissões e mais uma lei, que, em alguns aspectos, se sobrepõe e conflitua com outras, não me parece a melhor resposta para este problema. Para o Partido Social Democrata são vários os factores que contribuem para o aumento da contratação precária: a crise económica, o aumento do desemprego e, sobretudo, a baixa escolaridade da mão-de-obra portuguesa, a aprendizagem profissional cheia de lacunas e a insuficiente fiscalização das leis laborais. A qualificação profissional não favorece a capacidade reivindicativa para uma melhor qualidade no emprego, nem é atractiva para os empresários. Exceptuam-se, com grande preocupação, os jovens licenciados, que continuam a encontrar enorme dificuldade em se empregar. Este facto demonstra não só o desajustamento entre oferta e procura de qualificações mas também uma diminuta procura de trabalhadores qualificados, em geral mais exigentes do ponto de vista salarial e das demais condições de trabalho. Isto faz supor que as nossas pequenas e médias empresas, com organizações e mercados muito tradicionais, sentem dificuldades objectivas e subjectivas em contratar este tipo de novos profissionais, não só porque podem aumentar os custos com a mão-de-obra mas também porque, em alguns casos, estes jovens quadros têm naturais expectativas de poder introduzir mudanças na organização, pondo em causa modos antigos de gestão, e estas mudanças não são apreciadas por todos os empresários, nem por todas as empresas. Analisando os dados disponíveis verifica-se que, no final de 2005, os contratos de trabalho não permanentes representavam quase 20% do total dos contratos celebrados em Portugal. Como atrás vimos, na Administração Pública, situa-se nos 25% a precariedade de emprego. Somos o terceiro país da União Europeia com mais precarização de emprego, o que, convenhamos, não é um troféu do qual nos devamos orgulhar. Ressalta da análise destes números que a contratação não permanente afecta os dois sexos e todos os grupos etários, os que possuem habilitações escolares diferenciadas e todos os níveis de qualificação profissional. Um dos aspectos mais graves do trabalho precário é a prática do trabalho ilegal, que vem promover a concorrência desleal entre empresas e sectores de actividade e causa graves prejuízos na vida dos trabalhadores e das suas famílias. Resulta daqui uma clara violação dos direitos essenciais dos trabalhadores, em relação à qual o Partido Social Democrata se opõe frontalmente. O trabalho precário é hoje, por isso, um problema sério que requer da parte do Governo a tomada de medidas adequadas que visem o seu combate, nomeadamente a dois níveis: formação profissional e fiscalização da aplicação das leis laborais. No domínio da formação é preciso estabelecer reais incentivos à criação de postos de trabalho nas micro e pequenas empresas. É preciso majorar os incentivos à criação de postos de trabalho nas empresas situadas em zonas deprimidas e que recrutem trabalhadores provenientes de grupos desfavorecidos. É preciso repensar a organização e o funcionamento do ensino técnico-profissional, no sentido de contemplar uma parte prática de estágio nas próprias empresas. É preciso criar benefícios para as empresas contratantes de pessoal de baixas qualificações escolares e profissionais ou com fracas competências. É preciso, finalmente, apostar na reconversão efectiva dos trabalhadores, o que significa adoptar práticas de formação prolongadas, a expensas das empresas, do Estado e dos trabalhadores. Quanto à fiscalização das leis laborais, o Estado está dotado de meios legais e operacionais para fiscalizar e fazer cumprir as leis do trabalho. O que sucede é que há um défice de intervenção destas entidades, nomeadamente da Inspecção-Geral do Trabalho, e muitas situações que deveriam ser identificadas e sancionadas não o são porque as autoridades não actuam. Defendemos que, a exemplo de outros sectores, como sucede com as cobranças da segurança social, em que o Governo apresenta com regularidade resultados das cobranças efectuadas, também ao nível da fiscalização das leis do trabalho o País deve conhecer, com clareza e regularidade, os resultados obtidos no combate a um problema grave, que não pode ser escamoteado, nem tolerado. Ou seja, valorizar a formação e a qualificação dos recursos humanos e tornar eficaz a fiscalização às leis laborais são os dois eixos que o PSD considera que devem ser privilegiados, para ajudar a melhorar a qualidade do emprego e a combater os abusos cometidos no âmbito do trabalho precário. Agindo nestes domínios e adoptando políticas económicas que relancem o crescimento da economia do País para níveis superiores à média dos nossos parceiros europeus estamos certos de que será possível reduzir drasticamente as injustiças do trabalho precário e ilegal.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O debate de hoje surge na sequência da iniciativa do PCP, que apresenta o projecto de lei n.º 295/X, relativamente à criação de um programa nacional de combate à precariedade laboral e ao trabalho ilegal, mas esta matéria tem sido alvo de discussões parlamentares inseridas nos diversos debates sobre o emprego, as qualificações profissionais, o crescimento económico e a empregabilidade, entre muitos outros. Gostaria de aproveitar esta oportunidade para levantar as questões que julgamos centrais nesta matéria: em primeiro lugar, a qualificação do emprego, as qualificações e o crescimento económico; em segundo lugar, as medidas activas de criação de emprego com a promoção de emprego mais estável; e, em terceiro lugar, o combate às formas ilegais de emprego. Comecemos pela qualidade do emprego, o crescimento económico e a melhoria das qualificações. Num debate que se pretenda sério, é consensual que a criação de mais e, sobretudo, melhor emprego está intimamente ligada com o crescimento económico, com a criação de novas e modernas empresas, com um clima de confiança no futuro económico do País. A confiança e a credibilidade do País são prioritárias para a economia, para as empresas e, muito particularmente, para os trabalhadores, e, entre estes, para os que vivem a situação dramática do desemprego. Não há alternativa, e os Srs. Deputados sabem-no bem, embora nem todos o possam afirmar. O que é estranho é que alguns agentes políticos à nossa direita, mas também à nossa esquerda, teimem em fugir desta realidade. Nesta matéria, recorde-se, há uma estranha aliança, para não dizer (este, sim) um estranho pacto. Crescimento económico, mas também melhores qualificações, porque mais e melhores qualificações querem dizer mais e melhor emprego. Está assumida, desde o princípio da Legislatura, a meta da qualificação de 1 milhão de activos até ao ano de 2010 e a de 650 000 jovens, metade do universo escolar do secundário, frequentarem cursos técnicos e profissionais, meta esta, aliás, que já começou a ser cumprida neste ano lectivo. Não nos iludamos: melhor formação, melhor qualificação, significa sempre melhor defesa dos interesses dos trabalhadores; mais crescimento económico significa melhores oportunidades para os trabalhadores portugueses. O PS e o Governo não sairão desta sua convicção, pois estamos certos de que também é a convicção dos portugueses. Passo agora às medidas activas de criação de emprego. As atenções dadas a esta questão estão expostas nas linhas mestras da política na área do emprego, seja no Programa do Governo ou nas Grandes Opções do Plano, no Programa Nacional de Acção para o Crescimento e o Emprego (PNACE), no Plano Nacional de Emprego, ou ainda nas prioridades estabelecidas no Quadro de Referência Estratégica Nacional (QREN). Está presente uma preocupação central com os jovens e com os que procuram o primeiro emprego, com os desempregados de longa duração ou com os grupos mais desfavorecidos. São várias as respostas que estão no terreno, e permito-me lembrar o caso dos estágios profissionais e o seu objectivo central: 25 000 estágios/ano e com uma altíssima taxa de empregabilidade. Posso aqui referir que 70% dos que tiveram um estágio garantiram o seu emprego nessa empresa ou numa empresa do mesmo sector. Mas há também uma resposta na participação dos desempregados de longa duração, através de medidas de formação, de reconversão e experiência profissional; uma relação de maior proximidade entre o sistema público de emprego e os principais interessados — trabalhadores e empresas. Não tenhamos dúvidas de que as medidas activas de emprego vão continuar com o mesmo empenhamento, porque este é também o de muitos portugueses. Por último, o combate às formas ilegais de emprego. Há hoje diversas formas de relação laboral que se conjugam e convivem entre si, mas reconhecemos que existem situações de abuso. Na linha do que tem sido a vontade e a sua prática, o Partido Socialista reafirma, inequivocamente, a necessidade do contínuo combate, sem qualquer hesitação, às formas de trabalho não declarado e ilegal, incluindo o trabalho infantil e de menores ou os abusos motivados pela situação de fragilidade dos imigrantes. Este combate tem incidência em vários dos programas aprovados pelo actual Executivo. Lembro o que está escrito e inscrito no Plano Nacional de Emprego, já longamente discutido e debatido nesta Assembleia, onde é claro o objectivo de combater o trabalho informal e não declarado ou ilegal, nomeadamente através da acção da Inspecção-Geral do Trabalho. A mesma orientação está definida no Programa Nacional de Acção para o Crescimento e o Emprego. O mesmo pensamento está inscrito nas recentes alterações legislativas que visam dar um enquadramento legal mais favorável aos cidadãos imigrantes e, ainda esta tarde, a bancada do Partido Socialista apresentará a sua proposta de um novo regime jurídico do trabalho temporário, tendo como objectivo dar mais garantias aos trabalhadores que estão nesta situação. Mas não nos iludamos novamente. O nosso combate não pode ser contra as novas formas de trabalho, que aí estão, sejam as dos contratos a termo ou de traba1ho temporário, deve ser, isto sim, pelo cumprimento rigoroso da legislação em vigor ou a que vier a ser aprovada no futuro. No diploma hoje em debate o partido proponente confunde, propositadamente ou não (não entrarei nesta discussão), conceitos distintos e não compagináveis entre si, como a precariedade laboral e o trabalho ilegal, e pressupõe que nada está a ser feito na área da fiscalização, que os serviços do Estado para este efeito não existem e, quando existem, não actuam. Nada mais falso! Para validar o contrário, valeria a pena uma leitura, mesmo que breve, do Plano de Acção Inspectiva para 2006, da Inspecção-Geral do Trabalho ou mesmo os resultados das inspecções em 2005. As orientações da Inspecção-Geral do Trabalho são objecto de consulta com os parceiros sociais e têm sido realizadas acções direccionadas ao combate ao trabalho não declarado ou ainda à protecção de trabalhadores com uma relação de trabalho de duração determinada, a termo ou temporária. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não devemos ser autistas face às diversas formas legais de trabalho, realidade existente em todos os nossos parceiros europeus. O nosso combate essencial é contra a utilização indevida destas mesmas formas; isto é, um combate centrado nas acções de sensibilização, mas, sobretudo, de fiscalização. Para isso, o Governo promoveu a articulação mais ágil da fiscalização entre o trabalho e a segurança social; têm multiplicado as acções inspectivas aos seus mais diversos níveis; e tem havido uma atenção para o reforço dos meios humanos na área da fiscalização, esforço este que tem de continuar e que deve ter em conta a actual reorganização do Estado. Assim, o PS apresenta nesta Sessão Legislativa uma iniciativa que visa aprovar o novo regime jurídico das empresas de trabalho temporário. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 295/X, do PCP, visa a constituição de mais uma comissão nacional, de mais um conselho consultivo, não se conseguindo vislumbrar qualquer ideia de um plano, para além das matérias que já hoje encontram eco e enquadramento nos serviços e organismos públicos preexistentes. O que necessitamos é do cumprimento da lei, e são estas as orientações do Governo. O que necessitamos é da aplicação permanente dos instrumentos que existem. O que necessitamos é de confiar nos agentes públicos, nos trabalhadores públicos, que têm por missão combater o trabalho ilegal. Nós acreditamos nos instrumentos legais definidos, que podem ser sempre aperfeiçoados, naturalmente, mas é um aperfeiçoamento que não tem tradução no projecto de lei hoje em discussão. Termino dizendo que não fugimos das novas realidades do trabalho, mas daremos um combate, sem tréguas, ao trabalho ilegal e a todas as formas ilegítimas de relação laboral. Portanto, é sempre curioso termos alguma memória histórica e constitutiva sobre estes factos. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Abundam na nossa legislação regras legais que combatem a precariedade e o trabalho ilegal. Por exemplo, no regime jurídico do trabalho temporário, que hoje vamos voltar a discutir nesta Câmara — e bem —, existem várias regras relativas à consagração como contrato de trabalho a tempo incerto de casos em que há falsos contratos de trabalho temporário. No Código do Trabalho, que há pouco citei, e também no Código Penal, existem várias regras relativas à criminalização de redes de tráfico de seres humanos, de redes de tráfico de trabalho ilegal e até mesmo ao combate ao trabalho infantil. Acresce que, se alguém tem contribuído de forma negativa para a proliferação do trabalho precário, são aqueles que ainda hoje não compreendem que o mundo mudou, que o paradigma económico é outro, que a situação de concorrência das empresas portuguesas é global e que, por isto mesmo, a resposta tem de ser diferente. Portugal não é hoje o que era há 30 anos atrás! É curioso percebermos, como alguns ainda não perceberam, que é exactamente esta inflexibilidade, esta incapacidade de mudar, este imobilismo e este dogmatismo que levam a que tenhamos uma lei do trabalho inflexível e inimiga do investimento. E é esta lei do trabalho que leva muitas vezes as empresas a não arriscarem na contratação definitiva de trabalhadores e também a empresários com menos escrúpulos a recorrerem a expedientes de fraude à lei. O mesmo se diga deste Governo, que com o novo regime do subsídio de desemprego, nomeadamente no que se refere às rescisões amigáveis, contribui decisivamente para que as entidades empregadoras evitem os contratos de trabalho sem termo. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nestas matérias, o que falta não é lei. Nestas matérias não precisamos de livros brancos, de comissões, de planos nacionais, o que precisamos é de fiscalização.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Combater o trabalho precário e, acima de tudo, as situações de fraude à lei e o trabalho ilegal é um desafio nacional e um desafio em relação ao qual o CDS nunca virou a cara. Sei que grande parte da esquerda desta Câmara não gosta que isto seja lembrado, mas, por exemplo, quem criou as regras relativas à presunção da existência de contratos de trabalho, o famoso artigo 12.º do Código do Trabalho, que finalmente elencou os elementos constitutivos de um contrato de trabalho e transformou vários contratos a «recibo verde» em verdadeiros contratos de trabalho sem termo, foi um governo de maioria PSD/CDS e foi, curiosamente, um ministro indicado pelo CDS. Outro exemplo: quem incluiu no Código do Trabalho normas que proíbem que os contratos de trabalho a termo sejam feitos para além dos casos de necessidade temporária das empresas e por tempo estritamente necessário à satisfação das mesmas foi também um ministro do CDS-PP. E não deixa de ser curioso relembrarmos como é que a ala esquerda desta Câmara, nomeadamente o Partido Socialista, que agora fala como fala, votou contra esse mesmo Código do Trabalho. Votou contra! Portanto, é sempre curioso termos alguma memória histórica e constitutiva sobre estes factos. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Abundam na nossa legislação regras legais que combatem a precariedade e o trabalho ilegal. Por exemplo, no regime jurídico do trabalho temporário, que hoje vamos voltar a discutir nesta Câmara — e bem —, existem várias regras relativas à consagração como contrato de trabalho a tempo incerto de casos em que há falsos contratos de trabalho temporário. No Código do Trabalho, que há pouco citei, e também no Código Penal, existem várias regras relativas à criminalização de redes de tráfico de seres humanos, de redes de tráfico de trabalho ilegal e até mesmo ao combate ao trabalho infantil. Acresce que, se alguém tem contribuído de forma negativa para a proliferação do trabalho precário, são aqueles que ainda hoje não compreendem que o mundo mudou, que o paradigma económico é outro, que a situação de concorrência das empresas portuguesas é global e que, por isto mesmo, a resposta tem de ser diferente. Portugal não é hoje o que era há 30 anos atrás! É curioso percebermos, como alguns ainda não perceberam, que é exactamente esta inflexibilidade, esta incapacidade de mudar, este imobilismo e este dogmatismo que levam a que tenhamos uma lei do trabalho inflexível e inimiga do investimento. E é esta lei do trabalho que leva muitas vezes as empresas a não arriscarem na contratação definitiva de trabalhadores e também a empresários com menos escrúpulos a recorrerem a expedientes de fraude à lei. O mesmo se diga deste Governo, que com o novo regime do subsídio de desemprego, nomeadamente no que se refere às rescisões amigáveis, contribui decisivamente para que as entidades empregadoras evitem os contratos de trabalho sem termo. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nestas matérias, o que falta não é lei. Nestas matérias não precisamos de livros brancos, de comissões, de planos nacionais, o que precisamos é de fiscalização. Nestas matérias, do que precisamos é de reforçar a Inspecção-Geral do Trabalho (IGT), de dar efectivos à Inspecção-Geral do Trabalho e de dar formação e condições aos inspectores que temos para que eles possam desempenhar cabalmente as suas funções. Orgulho-me de ter apoiado o governo que criou a Escola Nacional de Estudos e Formação de Inspecção do Trabalho, que é hoje um instrumento fundamental da IGT, reforçando os nossos inspectores e dando-lhes uma formação adequada, dando-lhe os meios verdadeiramente adequados; orgulho-me de que tenha sido um ministro indicado pelo CDS a conseguir, finalmente, a criação desta escola. É por isto mesmo que temos muitas dúvidas que uma comissão, que, na prática, vai duplicar o trabalho da IGT — ou seja, vai fragilizar o trabalho da Inspecção-Geral do Trabalho —, possa ser uma comissão que aumente a eficácia, que é fundamental nestas matérias. Por isto mesmo temos muitas dúvidas quanto à criação desta mesma comissão. Mas este programa nacional tem outros objectivos, e nós não os esquecemos. Este programa nacional, tal como é apresentado pelo PCP, tem como prioridades: «a) o combate aos vínculos laborais não permanentes para o desempenho de tarefas que correspondem a necessidades permanentes, promovendo vínculos contratuais estáveis e duradouros;…» — é algo que já está hoje na lei do trabalho e que, curiosamente, o PS e o PCP votaram contra — «… b) o combate às formas de trabalho não declarado e ilegal e às várias formas de tráfico de mão-de-obra;…» — objectivo que apoiamos, mas que também já está hoje, felizmente, na lei portuguesa — «… c) o combate às práticas de aluguer de mão-de-obra, nomeadamente ao trabalho temporário, promovendo a inexistência de intermediação na relação laboral;…» — curiosamente o CDS-PP apresentou um projecto de lei que vai ser hoje discutido, exactamente para se poder regulamentar de forma eficaz esta matéria — «… d) o combate ao incentivo à contratação a tempo parcial quando não é opção do trabalhador;…» «… e) a promoção do exercício dos direitos individuais e colectivos dos trabalhadores.» Ora, para a prossecução destes objectivos, propõe o PCP a criação de uma comissão nacional, definindo a sua composição e um vasto elenco de competências de estudo, análise, acompanhamento, intervenção, elaboração, aquelas coisas a que já estamos habituados a que sejam atribuídas às comissões nacionais. Mas há aqui algumas coisas com as quais ficamos perplexos. Primeiro, esta comissão nacional será constituída por: três membros designados pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social; um membro designado pelo Ministério da Economia e da Inovação; dois representantes de cada confederação sindical; um representante de cada confederação patronal; e três elementos designados pelos restantes membros. Ora, aqui as nossas perplexidades são: primeiro, por que é que os representantes das confederações patronais indicam um elemento e os representantes das confederações sindicais indicam dois? Não se percebe! Ó Sr. Deputado, quem defende a unidade sindical não sou eu é o Sr. Deputado! Agora, resolva lá isso internamente! Não obrigue é a Assembleia da República a resolver um problema, que é um problema que os senhores têm há mais de 30 anos com o PS e não com esta bancada! Segundo, também não percebo por que é que são três elementos designados pelos restantes membros? O que é que são «os restantes membros»?! Para terminar, Sr. Presidente, uma última questão. O PCP propõe ainda a criação de uma lista nacional — uma espécie de «Procura-se dead or alive», «Procura-se morto ou vivo» — das empresas que, eventualmente, possam ter repetidamente problemas. Tenho muitas dúvidas sobre a admissibilidade desta lista. Mas, muito sinceramente, até com alguma bonomia, gostava de perguntar ao Grupo Parlamentar do PCP onde é que foi copiar esta ideia. É que a última vez que ouvi esta ideia ser apresentada foi pelo Governo, em relação à lista nacional de devedores ao fisco e à segurança social, e aquilo não está a correr nada bem. Portanto, tenham em atenção que se trata de uma ideia que não está a correr nada bem. Portanto, se querem copiar algumas ideias do Governo, não copiem estas, que, manifestamente, são erradas. Como é possível clamar por serviços públicos de qualidade e por um Estado social de qualidade, quando a base da contratação dos trabalhadores e das trabalhadoras é precisamente o contrário da qualidade?! Estas é que eram as perguntas que queríamos ver respondidas pelo Partido Socialista. A precariedade não permite a formação e a qualificação! Não permite o aumento da produtividade, nem 30 I SÉRIE — NÚMERO 2 a inovação! A precariedade apenas permite a sobrevivência dos trabalhadores e das trabalhadoras (e isto não chega, Sr. Deputado), facilita os despedimentos (lê-se num jornal de hoje que o fim do trabalho não permanente continuou a ser o principal motivo de inscrição de desempregados nos centros de emprego, segundo o próprio IEFP), aumenta o desemprego, empurra para a pobreza, assim como diminui os direitos em situações de desemprego ou de doença, pois o ordenado-base dos precários, em regra, é muito baixo, sendo, depois, compensado com prémios, que são sujeitos aos descontos arbitrários dos patrões e que não contam para cálculos nem de subsídio de desemprego nem de subsídio de doença. Por isso, Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, a precariedade alastra para além das relações de trabalho, atinge também a protecção social dos trabalhadores e das trabalhadoras. Que dizer da situação dos trabalhadores altamente qualificados e investigadores científicos, os chamados «bolseiros»? Será que eles acreditam na frase do Sr. Deputado Miguel Laranjeiro, que «melhor qualificação significa sempre melhor defesa dos interesses dos trabalhadores»? Haverá pessoas mais qualificadas neste país do que os nossos investigadores científicos, que estão a viver numa situação de precariedade como bolseiros?! Será que eles acreditam nessas frases tão bonitas, ditas pelo Partido Socialista?! O diagnóstico está feito; a situação é bem conhecida e atinge praticamente todas as famílias. O Sr. Deputado Ricardo Freitas também nos trouxe aqui a grande preocupação do Partido Socialista em combater o trabalho ilegal e em mostrar um clima de confiança. Mas, por acaso, na outra intervenção do Partido Socialista não ouvimos a expressão «combate à precariedade», ouvimos, sim, «combate ao trabalho ilegal». Por isso, a questão que conta é esta: vai o Partido Socialista alterar o Código do Trabalho e regressar à anterior lei dos contratos a termo, aprovada pelo mesmo Partido Socialista, ou é total a rendição ao Código do Trabalho da direita? Não é por muito dizerem que defendem o Estado social que o deixam de atacar. Esta é que é a questão, e não outra.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A precariedade alterou profundamente as relações de trabalho, tornou estas relações um autêntico castelo de cartas dependente da mão do patrão para se manter em pé ou para se desfazer com toda a facilidade; criou uma situação em que um contrato de direitos e deveres foi substituído pela autoridade única da entidade patronal — o trabalhador e a trabalhadora deixaram de poder retirar do seu trabalho a garantia da segurança da sua vida. E não nos venham dizer, como muitas vezes ouvimos, inclusivamente nesta Assembleia: «Tenham paciência! Habituem-se, porque o emprego para toda a vida acabou!». A precariedade mina as relações de trabalho e promove a desregulação e a instabilidade. «Instabilidade» é a palavra-chave nas relações de trabalho hoje em dia. E quem se diz defensor do Estado social, como o Partido Socialista, não pode, ao mesmo tempo, ficar paralisado perante o crescimento e a perversidade das relações de trabalho precárias. Não pode! A paralisia nesta situação é o exercício da hipocrisia. Aliás, ouvimos, nomeadamente o Sr. Deputado Ricardo Freitas, falar aqui da necessidade do clima de confiança que é necessário à economia. Pergunto: e o clima de confiança neste tipo de relações de trabalho? E o clima de confiança dos trabalhadores e das trabalhadoras, que não sabem até quando é que têm trabalho e cujas relações de trabalho estão muitas vezes, mês a mês, sucessivamente, a serem alteradas? Isto é que também deveria preocupar os Srs. Deputados. Por exemplo, os jovens estão condenados a um trabalho precário que se traduz numa vida precária?! É que 61,2% dos jovens contratados por conta de outrem, com menos de 25 anos, têm um vínculo precário; ou seja, Srs. Deputados, em 10 jovens, seis têm vínculo precário. O Grupo PT, por exemplo, tem entre 75% a 80% de trabalhadores com vínculo precário, contando os seus funcionários e aqueles que estão nas empresas subcontratadas; a Optimus e a Vodafone têm 90% a 95% de trabalho precário; os centros comerciais — os chamados shopings — têm uma situação escandalosa ao nível dos horários de trabalho, de ausência de dias de descanso, de ausência de subsídio de refeição e de ausência do direito à licença de maternidade, que é um direito constitucional. É ou não verdade, Srs. Deputados? E estes são apenas alguns exemplos, para já não vos falar dos call centers e de tantas outras empresas. Mas estes vínculos precários também existem na Administração Pública, como os números divulgados hoje confirmam, que continua a utilizar, a desmando, os famigerados «recibos verdes». Como é possível clamar por serviços públicos de qualidade e por um Estado social de qualidade, quando a base da contratação dos trabalhadores e das trabalhadoras é precisamente o contrário da qualidade?! Estas é que eram as perguntas que queríamos ver respondidas pelo Partido Socialista. A precariedade não permite a formação e a qualificação! Não permite o aumento da produtividade, nem a inovação! A precariedade apenas permite a sobrevivência dos trabalhadores e das trabalhadoras (e isto não chega, Sr. Deputado), facilita os despedimentos (lê-se num jornal de hoje que o fim do trabalho não permanente continuou a ser o principal motivo de inscrição de desempregados nos centros de emprego, segundo o próprio IEFP), aumenta o desemprego, empurra para a pobreza, assim como diminui os direitos em situações de desemprego ou de doença, pois o ordenado-base dos precários, em regra, é muito baixo, sendo, depois, compensado com prémios, que são sujeitos aos descontos arbitrários dos patrões e que não contam para cálculos nem de subsídio de desemprego nem de subsídio de doença. Por isso, Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, a precariedade alastra para além das relações de trabalho, atinge também a protecção social dos trabalhadores e das trabalhadoras. Que dizer da situação dos trabalhadores altamente qualificados e investigadores científicos, os chamados «bolseiros»? Será que eles acreditam na frase do Sr. Deputado Miguel Laranjeiro, que «melhor qualificação significa sempre melhor defesa dos interesses dos trabalhadores»? Haverá pessoas mais qualificadas neste país do que os nossos investigadores científicos, que estão a viver numa situação de precariedade como bolseiros?! Será que eles acreditam nessas frases tão bonitas, ditas pelo Partido Socialista?! O diagnóstico está feito; a situação é bem conhecida e atinge praticamente todas as famílias. O Sr. Deputado Ricardo Freitas também nos trouxe aqui a grande preocupação do Partido Socialista em combater o trabalho ilegal e em mostrar um clima de confiança. Mas, por acaso, na outra intervenção do Partido Socialista não ouvimos a expressão «combate à precariedade», ouvimos, sim, «combate ao trabalho ilegal». Por isso, a questão que conta é esta: vai o Partido Socialista alterar o Código do Trabalho e regressar à anterior lei dos contratos a termo, aprovada pelo mesmo Partido Socialista, ou é total a rendição ao Código do Trabalho da direita? Não é por muito dizerem que defendem o Estado social que o deixam de atacar. Esta é que é a questão, e não outra. Nós também gostávamos de conhecer a opinião dos parceiros sociais sobre os nossos projectos de lei. Sr. Presidente, acho que este precedente é grave, é algo que não pode voltar a acontecer, e gostaríamos que a Câmara se pronunciasse sobre ele.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Todos os anos, milhares de jovens são chamados a participar no Dia da Defesa Nacional. Basicamente, têm de passar um dia em instalações militares, onde lhes são propagandeadas as vantagens de um dia virem a pertencer às Forças Armadas. São organizadas autênticas romarias, partindo em autocarros de cada câmara municipal. Para o período entre 2006 e 2007, o orçamento estimado só para estes serviços de transporte foi de 560 000€. Isto para não falar já nos outros custos de funcionamento e logísticos. Mas o mais grave de tudo são os transtornos individuais de cada um destes 70 000 cidadãos devido às suas faltas à escola, à universidade, a empregos e afins, ainda por cima sem haver qualquer justificação ou utilidade aparente nesta obrigatoriedade. São cerca de 70 000 jovens por ano a quem não resta outra opção, pois uma falta ao Dia da Defesa Nacional é punida com uma coima que pode ir dos 249,40 aos 1247 €. Faltar a este evento, chamemos-lhe assim, implica ainda a proibição do exercício de funções públicas e, como ameaçadoramente se diz no site do Ministério da Defesa, «em caso de necessidade de convocação, por falta de efectivos para as Forças Armadas, o cidadão que faltou é, preferencialmente, chamado». Ou seja, o que menos tendência mostra para cumprir o serviço militar será o primeiro a ser incorporado. Ora, só por aqui se vê o tom de ameaça e de coacção que paira sobre os jovens. A comparência obrigatória ao Dia da Defesa Nacional não faz qualquer sentido no quadro de um serviço militar não obrigatório. É uma disposição obsoleta, que faz lembrar tempos antigos, de má memória. Além disso, repare-se que, num quadro actual de igualdade entre homens e mulheres, como se pretende e passou a ficar consagrado no que se refere às Forças Armadas, não faz sentido que esta disposição continue a existir, sendo ainda obsoleto que só se aplique aos cidadãos do sexo masculino. Faz mesmo lembrar tempos antigos… Se a filosofia da nova orientação das Forças Armadas vai no sentido de as dignificar — e, para isso, tornando-as facultativas —, não se justifica que todos os anos paire sobre os rapazes de 18 anos a obrigação de passar um dia num quartel militar. E isto, aparentemente, quer possam ou não vir a ser objectores de consciência… Mas a provar que esta disposição está já ultrapassada, veja-se o mais recente desenvolvimento na área do recenseamento militar: de acordo com o Portal do Governo, foi aprovado no Conselho de Ministros de 31 de Outubro, e já discutido em Comissão de Defesa Nacional, um novo modelo de recenseamento militar que visa «isentar o cidadão do dever de se apresentar ao recenseamento militar no mês de Janeiro do ano em que completa 18 anos». Esta medida terá por objectivo «contribuir para o aumento da eficácia, desmaterialização de processos e redução de custos de operação». Ora, se o Governo considera que a comparência ao recenseamento já não se justifica por ser morosa, pouco eficaz e, além do mais, cara, o que dizer, então, da comparência obrigatória ao Dia da Defesa Nacional?! Cremos, pois, que a medida agora apresentada pelo Bloco de Esquerda é de toda a importância, justificando-se em termos de eficácia e estando também no espírito do sistema em vigor quanto ao serviço militar. A comparência obrigatória ao Dia da Defesa Nacional constitui tão-só e apenas um entrave injustificável para os jovens, que se vêem forçados a participar num evento com o qual podem não querer ter qualquer afinidade. Para os que querem, existe sempre o voluntariado, regra no sistema actualmente em vigor. Além disso, precisamente por ser obrigatória, esta comparência ao Dia Nacional em nada dignifica as Forças Armadas. Acreditamos, pois, que, à luz dos princípios hoje vigentes, esta medida deve ser considerada facultativa, ficando ao critério e à consciência de cada jovem decidir se quer ou não participar neste dia. É este, pois, o sentido do projecto de lei que agora discutimos, o qual, pelos argumentos que já apresentámos, cremos que deve merecer aprovação.
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