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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Procurando sintetizar a posição do Grupo Parlamentar do PSD, direi, numa primeira nota, que a estabilidade legislativa é amiga do aprofundamento das boas práticas e evita soluções de continuidade no esforço pedagógico da prevenção. O regime jurídico da reparação dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, que o Governo nos propõe, não introduz fracturas no ordenamento jurídico vigente , o que é bom. E mesmo os aspectos inovatórios introduzidos não contrariam esta apreciação geral e serão objecto de um debate na especialidade com mais minúcia, incidindo mais fortemente as nossas apreciações críticas sobretudo no que toca ao regime da revisão de pensões e aos mecanismos de reabilitação profissional dos trabalhadores. Mantêm-se basicamente inalterados os três pilares em que assenta a protecção nos acidentes de trabalho: a prevenção de acidentes; a reparação dos danos; a reabilitação dos sinistrados. Permitam-me, no entanto, que coloque, aqui, hoje, o acento tónico no pilar da prevenção, que é aquele, por sinal, cuja regulamentação se torna mais fácil para o Governo, na medida em que as autoridades da União Europeia sobre ele exercem uma maior actividade interventiva, de aplicação a todos os Estadosmembros. Neste sentido, importa continuar a transpor de forma sistemática e célere para o direito português as directivas comunitárias. Em matéria de prevenção de acidentes de trabalho, não há falta de legislação. A legislação é adequada. Os regulamentos de prescrições mínimas de segurança e saúde dos trabalhadores são minuciosos e abundantes. Há, no entanto, falta de formação e de fiscalização. Importa, rapidamente, incutir uma cultura de prevenção quer nos trabalhadores quer nos empregadores. O modelo de segurança deve assentar na gestão organizacional dos riscos e dos factores humanos. E, para alcançar este objectivo, é preciso levar a informação sobre a legislação para dentro das empresas e fazê-las compreender que as normas sobre segurança são um factor de produtividade. É aqui que nos deparamos com o nó górdio. Num país em que o tecido empresarial é constituído, em mais de 95%, por pequenas empresas, muitas delas com menos de 10 trabalhadores, e, pois, legalmente isentas de uma organização interna virada para a segurança; num país de baixíssimo nível de formação dos trabalhadores e dos empresários, convenhamos que corremos um sério risco em matéria de acidentes de trabalho. São, aliás, unânimes as conclusões dos diversos estudos sobre esta matéria, que apontam no sentido de que as principais razões para o baixo nível no cumprimento da legislação são as seguintes: falta de informação e de orientação específicas e transmitidas de forma compreensível; capacidades e competências reduzidas para gerir a segurança e saúde no trabalho; falta de recursos para assegurar uma formação básica adequada dos gestores e dos trabalhadores em matéria de segurança e de saúde do trabalho; acesso difícil a assistência técnica específica e especializada. Face a esta situação, que o Sr. Ministro tão bem conhece, impõe-se que se recomende vivamente ao Governo que canalize para esta falha o máximo de fundos que lhe vão ficar disponíveis no âmbito do Quadro de Referência Estratégica Nacional. Absolutamente indispensável! É precisamente sobre a eficácia dos programas de informação e formação que o PSD vai promover a mais vigorosa atenção e intervenção fiscalizadora da Assembleia da República durante este ano de 2007.
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Sr. Presidente, Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Foi já na remota VI Legislatura que o PCP iniciou a apresentação de projectos de lei tendentes a reparar as injustiças de um regime legal relativo à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho e de doenças profissionais. Visavam eles aproximar a reparação de um regime justo que considerasse o trabalhador como um cidadão e não como mera máquina de fazer lucro. Visão economicista esta, da máquina, que perpassava, e ainda perpassa, na actual legislação e na presente proposta de lei — que, aliás, o confessa sem rebuço, o que a torna muito semelhante à de 1997 e 1999. E, por isso, desde essa altura que temos vimos a propor o alargamento do conceito de acidente de trabalho, que não foi totalmente adquirido, apesar das melhorias, na lei de 1997. Propusemos a alteração das regras de cálculo das indemnizações e das pensões e a actualização daquelas pensões, que nunca foram actualizadas, porque, entretanto, foram aprovados diplomas em 1997 e 1999 que ordenaram a remição obrigatória dessas pensões sem actualização, tendo os trabalhadores recebido uma miséria. Propusemos uma nova forma de cálculo de remição de pensões. Veio, depois, a VII Legislatura e a repetição das iniciativas legislativas e, finalmente, a proposta de lei do governo PS, do Sr. Eng.º Guterres, que se transformaria em lei, sem que, no entanto, e depois de tanta espera por justiça, justiça tivesse sido feita às vítimas do infortúnio laboral. Por isso, Sr.ª Deputada Mariana Aiveca, permita-me que discorde quando aponta o Código do Trabalho como culpado. O Código do Trabalho repete as culpas da legislação anterior de 1997 e de 1999. É sabido — e várias vezes o dissemos neste Hemiciclo — que, quanto mais caro se torna reparar, mais se investe na prevenção. E esta é a causa que faltou referir na intervenção do Sr. Deputado Carlos Miranda, que disse que ia elencar as causas. Uma das causas de haver mais acidentes é porque é barato reparar e, então, não se investe na prevenção porque é mais caro. Falaram sempre mais alto os interesses das seguradoras, interessadas na mercantilização do seguro do trabalho, no embaratecimento do prémio do seguro, logo, interessadas em reparar por nível baixo, para o que necessitam de uma Tabela Nacional de Incapacidades feita à medida dos seus objectivos e não à medida da dignidade do homem social, do homem integral que é o trabalhador. Aí começa a teia que tem conduzido a que o seguro do trabalho seja realmente uma fonte de lucro para as seguradoras. Por isso, nunca quiseram largar mão, para a segurança social, deste ramo. Com efeito, é bem patente, pelos resultados conhecidos, que a Tabela Nacional de Incapacidades em vigor se caracteriza por um pendor economicista de acordo com a visão das seguradoras, para quem haverá apenas que reparar a perda da capacidade de ganho e, mesmo assim, não toda. A Tabela não leva em conta a real situação portuguesa de ausência de apoio social para os trabalhadores em caso de infortúnio laboral. A Tabela nem sequer contempla alguns casos, gravíssimos, de doenças músculo-esqueléticas que são classificadas quantas vezes como doença natural e, no entanto, são devidas a exposição, no trabalho, a riscos identificados mas não corrigidos, da responsabilidade da entidade patronal, incapacitando, por vezes, de forma definitiva, para o trabalho. Veja-se o que aconteceu a trabalhadoras jovens da empresa outrora chamada «Ford Electrónica». Encontrando-se em revisão a Tabela existente, importaria que o Governo explicitasse se continua a acolher a visão economicista das seguradoras, como tudo parece indicar. O que se anuncia nesta proposta de lei, que, nalguns casos, piora o regime existente, faz recear que também por aquela via, pela Tabela, se atenda aos interesses das seguradoras em prejuízo de quem trabalha. Com efeito, pelo que se sabe da revisão em curso, o trabalhador também aí poderá voltar a ser encarado como uma peça da engrenagem, numa visão «taylorista» do trabalho. No Congresso Nacional de Acidentes de Trabalho, intitulado Da Prevenção à Reabilitação», realizado em 2005, o Sr. Ministro do Trabalho disse: «Subsistem, como se sabe, bloqueios sérios na aplicação da legislação sobre reparação junto dos sinistrados dos acidentes de trabalho. Mas esta situação é mais do que injusta, é insustentável». Pois, apesar de ser insustentável, só quase dois anos depois estamos a debater uma proposta de lei que poucas novidades tem relativamente à legislação existente, sendo que algumas das novidades são amargas porque ainda pioram o regime actual. A proposta continua a considerar o trabalhador como uma máquina com uma determinada capacidade de ganho e, em caso de morte, o que repara é tão-só a sua capacidade de gerar rendimentos. Não é tutelado, na proposta de lei como na actual legislação, nem o direito à vida nem o direito à integridade física. Nada se avançou. Como nada se avançou relativamente à reparação dos danos não patrimoniais. O trabalhador está proibido de sofrer. Como nada se avançou com vista à reparação total da desvalorização sofrida, o que tem subjacente a ideia de que aquela máquina vai ficar desvalorizada, pelo que não valerá a pena gastar muito com ela. Mas também nada se altera, pelos menos à primeira vista, quanto às tabelas de remição de pensões. O diploma continua a remeter para uma portaria (sem possibilidade de ser submetida à apreciação parlamentar). É aí, nas portarias que têm sido publicadas, que também se tem espoliado os sinistrados do trabalho. Efectivamente, a adopção de elevada taxa de juro (a taxa de juro que foi adoptada é elevadíssima) faz baixar, em muito, o capital de remição, enquanto a tábua de mortalidade antiquada, numa altura em que já são conhecidas tábuas actualizadas de acordo com uma maior esperança de vida — estão publicadas na Internet, no site francês, que é de onde tiram as nossas tábuas —, também por sua vez faz baixar o capital de remição. Com o que, mais uma vez, se protegem as seguradoras. O caucionamento das pensões é, assim, feito num montante mais baixo, ficando as seguradoras com capital liberto para investirem nos mercados financeiros. Passando pelos interstícios dos acórdãos do Tribunal Constitucional, que consideraram inconstitucional… Pois é, Sr. Presidente. Vou abreviar, mas já estou no final. Está a fazer-me perder tempo e o Sr. Deputado gastou mais do que eu! Como dizia, passando pelos interstícios dos acórdãos do Tribunal Constitucional, o que o Governo agora prevê constitui mais um brinde às seguradoras. Considera-se inadmissível que, dentro dos parâmetros estabelecidos, seja obrigatória a remição de pensões devidas por desvalorizações iguais a 30%. Assim se vão descartando as seguradoras de mais alguns trabalhadores. Destacar-se-á também como nocivo… Sr. Presidente, estou mesmo a terminar e tenho estado a abreviar. Destacar-se-á como nocivo, repito, que se substitua a referência ao salário mínimo nacional pela referência à pensão mínima mais elevada da segurança social. Isto, por exemplo, no subsídio a terceira pessoa, é efectivamente muito grave. Restam outras perplexidades, como o regime diferente, para pior, nos casos de acidente de trabalho, relativamente ao que está estabelecido nos casos de doenças profissionais, no que toca aos subsídios de férias e de Natal. Por que razão é que o regime é diferente? Porque os casos de doenças profissionais recebem mais do que os de acidente de trabalho. Será que isto também é outra forma de proteger as seguradoras? Muito obrigada, Sr. Presidente.
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Sr. Presidente, Sr. Subsecretário de Estado da Administração Interna, gostaria, em primeiro lugar, de cumprimentar o Governo pela apresentação desta proposta de lei, na medida em que também preocupa à bancada do PSD, tal como ao Governo, a necessidade de cuidarmos da segurança na actividade de transportes de táxi, quer a que atinge os motoristas de táxi quer a que atinge os utentes desse serviço, e de diligenciarmos no sentido de pôr cobro a alguns acontecimentos e episódios, alguns deles mesmo trágicos, que ocorrem no exercício dessa actividade. No entanto, gostaria também de, neste cumprimento ao Governo, relembrar que o Partido Socialista e o Governo, neste caso, chegam um pouco atrasados a esta preocupação. De facto, já em 1997, Srs. Deputados do Partido Socialista, o PSD apresentou uma proposta concreta com vista a que este sistema pudesse ser introduzido. Na altura, o Partido Socialista teve grandes resistências e, não obstante o projecto de lei do Partido Social Democrata ter desembocado na aprovação da Lei n.º 6/98, o facto é que a videovigilância ficou de fora dessa legislação pelas resistências que, então, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista via e que hoje não vê. Portanto, gostaríamos de deixar aqui esse facto, cumprimentando o Governo e o Partido Socialista por, finalmente, terem aderido à posição do PSD. O PSD está genericamente de acordo com as propostas que aqui são apresentadas, não obstante haver algumas dúvidas que, em termos de especialidade, devem ser dirimidas e às quais me referirei mais adiante na minha intervenção. Gostaria, no entanto, neste pedido de esclarecimento ao Sr. Subsecretário de Estado, de colocar-lhe uma questão concreta, que tem a ver com o regime sancionatório proposto. Efectivamente, o Governo propõe cometer à GNR e à PSP o levantamento e a decisão dos processos de contra-ordenação, e que esses processos se façam à luz das disposições do Código da Estrada. Ora, sucede que a matéria atinente às contra-ordenações neste diploma tem essencialmente a ver com a protecção de dados pessoais, e, como já disse aqui o Sr. Subsecretário de Estado, compete à Comissão Nacional de Protecção de Dados fiscalizar quer a instalação quer o funcionamento dos mecanismos de videovigilância. Portanto, atento este enquadramento, o facto de ser a CNPD quem fiscaliza a adopção deste sistema e o facto de a matéria atinente aos processos contra-ordenacionais ser dirigida especificamente a matéria de protecção de dados, gostaríamos de perceber melhor por que é que o Governo propõe que, por um lado, seja a GNR e a PSP a promover os processos e, por outro, que o faça à luz das disposições do Código da Estrada, sendo certo que há uma grande diferença entre os ilícitos que o Código da Estrada prevê e os ilícitos que neste diploma se prevêem em matéria de dados pessoais.
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Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo, através da proposta de lei n.º 84/X, visa definir o quadro legal aplicável ao serviço de videovigilância em táxis, fixando as finalidades autorizadas, os requisitos mínimos, as características dos equipamentos e o regime aplicável à sua homologação, instalação e fiscalização. Para o efeito, propõe-se a implementação de um sistema que tem como objectivo o registo de imagens que, em caso de ocorrência de situações de emergência ou de risco para a integridade física de motoristas de táxis, permita às forças de segurança uma acção eficaz na identificação e responsabilização criminal dos infractores. O Governo português e o Grupo Parlamentar do Partido Socialista são sensíveis à problemática da criminalidade, em geral, e à grave situação de insegurança vivida pelos taxistas, em particular. Recorrentemente, somos confrontados com notícias, na comunicação social, de atentados graves à integridade física dos profissionais deste sector. Só em 2005 tiveram 1ugar 207 roubos a taxistas no total de __________________________________________________________________________________________________ ocorrências registadas pela PSP e GNR, sendo que 65% implicaram uma agressão ou ameaça ao taxista e 23% foram feitos sob ameaça de arma branca. Em 2006, até final do primeiro semestre, a percentagem dos roubos aos profissionais do sector praticados com agressões já ascendia a 92,5% e com arma branca a 28%. O Governo, com o apoio do Partido Socialista, não fica assim indiferente a esta situação, respondendo de forma concreta e eficaz, através da adopção de medidas legislativas há muito reconhecidas como essenciais. Com esta iniciativa, o Governo pretende inverter a curva ascendente da criminalidade e reforçar o sentimento de segurança, recorrendo a novos meios tecnológicos, de que é exemplo o presente sistema de videovigilância, não descurando, contudo, o respeito pelos direitos fundamentais à semelhança do que sucede nos restantes Estados da União Europeia. Penso que se trata, aliás, de uma matéria que nos une a todos e que estamos todos imbuídos neste combate ao crime. O Partido Socialista considera que o aumento da eficácia no combate ao crime não pode ser feito à custa do sacrifício dos direitos consagrados e próprios do Estado de direito democrático. Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O valor da segurança, para além de estar constitucionalmente configurado como um direito, está em estreita conexão com o direito à liberdade. Entre ambos existe uma relação de interdependência: não há liberdade sem segurança nem, verdadeiramente, segurança sem liberdade. Cumpre, igualmente, salientar a clara consonância dos princípios salvaguardados com a presente iniciativa e dos princípios basilares nesta matéria decorrentes de diversos instrumentos jurídicos internacionais, designadamente, da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e da Convenção n.º 108/1981, do Conselho da Europa, para a Protecção das Pessoas relativamente ao Tratamento Automatizado de Dados de Carácter Pessoal. Não temos qualquer dúvida de que a presente medida consubstancia uma contribuição positiva para o reforço da segurança dos condutores sem com isso colocar em causa os direitos de quem, de forma pacífica, utiliza os táxis como meio de transporte. Esta preocupação é atestada por uma regra basilar segundo a qual a exploração e gestão dos sistemas só pode ser exercida por entidades legalmente constituídas e autorizadas e que disponham dos meios técnicos e humanos necessários para permitir a cooperação adequada com as forças de segurança. De igual modo, a sujeição do serviço de videovigilância em táxis ao disposto na Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, quanto à recolha de dados pessoais e à garantia de fiscalização por parte da Comissão Nacional de Protecção de Dados, assegura a idoneidade do sistema face aos objectivos propostos. Importa a este propósito registar que todas as preocupações, princípios orientadores e recomendações constantes do parecer da Comissão Nacional de Protecção de Dados tiveram pleno acolhimento no articulado proposto, designadamente quanto à melhor conformação da finalidade do tratamento, à definição do direito de acesso, à transparência no exercício do direito de informação, ao tempo de conservação de dados e sua eliminação. Uma parte considerável da informação recolhida por meio de videovigilância diz respeito a pessoas identificadas ou identificáveis, que foram filmadas em locais de acesso público. Um indivíduo em trânsito num meio de transporte público poderá esperar um menor nível de privacidade, mas não espera ser total ou parcialmente privado dos seus direitos ou liberdades, nomeadamente no que diz respeito à sua própria esfera e imagem privadas. Em conformidade, a liberdade de circulação só deve ser sujeita a restrições absolutamente necessárias e proporcionais aos fins de segurança desejados e não tem de sujeitar-se a uma monitorização pormenorizada e inadequada. O mérito da presente proposta de lei reside exactamente no justo equilíbrio entre o reforço das condições de segurança dos taxistas e o absoluto respeito pelos direitos fundamentais dos utentes, razão pela qual esta proposta de lei será objecto de voto favorável do Partido Socialista.
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Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Como todos compreendemos, nesta proposta de lei há dois valores muito importantes em confronto, um dos quais diz respeito à segurança dos profissionais do táxi. Esta é uma questão muito relevante, porque todos temos conhecimento de vários tipos de criminalidade que afectam o dia-a-dia destes profissionais e, não raro, infelizmente, temos notícia de taxistas que são assassinados, aquando do cumprimento da sua profissão, para além de outros tipos de criminalidade menos grave mas que, obviamente, afectam o seu dia-a-dia e fazem com que seja um dever do Estado e do legislador procurar encontrar as melhores soluções para prevenir e evitar esse tipo de ocorrências. Portanto, este é um valor essencial, sendo certo que o recurso à videovigilância poderá ser um meio poderoso de dissuasão da criminalidade contra os taxistas. O segundo valor que está em presença nesta proposta de lei tem a ver com a privacidade dos cidadãos. E, como bem salienta a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), no parecer com que nos habilitou, o cliente do serviço de táxi espera um grau de privacidade superior ao que existe na generalidade dos transportes públicos. Assim sendo, a aplicação do princípio da proporcionalidade, que é essencial, tem de ser especialmente cuidada no caso da introdução do sistema de videovigilância nos táxis. Quero dizer que, na ponderação entre estes dois valores, entendemos que, com as cautelas devidas e com o escrupuloso cumprimento do princípio da proporcionalidade, deve prevalecer o valor da segurança do profissional de táxi. Daí que a nossa posição de princípio seja favorável à possibilidade da introdução de sistemas de videovigilância nos táxis. Agora, relativamente aos cuidados que é preciso ter, há alguns aspectos que gostaria de salientar, desde logo o da criação de um sistema que dê garantias de poder ser estritamente controlado pela CNPD, que é a entidade com competência para autorizar, controlar e fiscalizar a existência e utilização de sistemas desta natureza. Isto prende-se com outra questão, a que o Sr. Subsecretário de Estado já aludiu, que é a de saber quem é que procede à gravação. E, aqui, quer-nos parecer que a única solução aceitável é a de que a gravação seja centralizada, a de que não haja possibilidade de ser no próprio táxi que se procede à gravação das imagens, porque isto, obviamente, deitaria por terra qualquer possibilidade real de controlo efectivo sobre o que é gravado e sobre se os dados são ou não conservados, são ou não destruídos. Portanto, a única solução é a de que haja uma central que proceda à gravação e ao tratamento dos dados, quando tal for necessário. Nesse sentido, a nossa opinião é a de que as dúvidas devem ser desfeitas. Ora, como se sabe que, numa versão inicial do diploma, chegou a estar expressamente prevista a proibição de gravação no próprio táxi, haveria vantagem em que essa disposição não desaparecesse, porque o facto de ela desaparecer pode ser gerador de equívocos. Isso é, pois, algo que deveremos clarificar muito bem. Depois, há outro problema fundamental, que é o do tratamento e destino dos dados e das condições da sua conservação. A nossa posição a este respeito é a de que, não havendo ocorrência justificativa da gravação, as imagens devem ser imediatamente destruídas. É evidente que a posição do taxista deve ser salvaguardada e, a este propósito, creio que, há pouco, o Sr. Deputado Helder Amaral colocou uma questão pertinente. Se, por hipótese, o taxista sente que, perante um determinado cliente, pode vir a correr algum risco e acciona o sistema — porque, obviamente, tem de ser o taxista a accioná-lo, já que mais ninguém está em condições de saber se há ou não uma situação de risco iminente — e, depois, nada se verificar — e ainda bem, esperemos que seja esta a regra —, o dever de quem procedeu ao registo das imagens é o de apagá-las e, como é evidente, o dever do taxista será o de dizer, a quem tiver de comunicar, «apaguem estas imagens, porque, felizmente, nada aconteceu». Ora, creio que a infracção do taxista só poderá começar aí, ou seja, nós não podemos penalizar um taxista porque pensou que poderia acontecer algo de mal que, afinal, não aconteceu. Portanto, o dever do taxista é, nada tendo acontecido, comunicar imediatamente que os dados devem ser destruídos, porque aquelas imagens não têm razão de ser. Este é, pois, um aspecto que deve ser ajustado. Relativamente ao destino dos dados, há o problema da sua conservação, mas creio que a questão é razoavelmente simples. Ou seja, há imagens que são registadas, dado o receio de que possa haver a ocorrência de algum ilícito criminal, mas se não aconteceu ilícito algum, se não há qualquer razão para que __________________________________________________________________________________________________ essas imagens continuem registadas, elas devem ser imediatamente apagadas. Se, pelo contrário, aconteceu alguma coisa, o facto deve ser, de imediato, comunicado às forças policiais. Daí que a dilação de oito dias até que a ocorrência possa ser comunicada, constante da proposta de lei, não tenha, do nosso ponto de vista, qualquer justificação. Quer dizer, se um taxista é assaltado isso deve ser comunicado, imediatamente, logo que possível, às forças policiais e não vemos qualquer situação em que um taxista seja vítima de um crime e fique, toda a semana, à espera de o comunicar às forças policiais. Nesse sentido, quer-nos parecer que esses oito dias não fazem sentido, como também não faz sentido que, tendo sido transmitidas, às forças policiais, imagens comprovativas de uma ocorrência, essas imagens fiquem na posse das forças policiais até um ano. Isto é, se houve razão para a instauração de um processo criminal, esse processo deve ser instaurado e, a partir daí, essas imagens devem fazer parte do processo; enquanto forem necessárias para o processo, elas existirão e farão parte do processo, quando não forem necessárias, têm de ser eliminadas. Portanto, quer-nos parecer que esta ideia de as imagens ficarem até um ano, em qualquer circunstância, na posse das forças policiais não faz sentido, porque aquilo que importa evitar, neste diploma, é que alguém possa ter, sequer, a veleidade de criar alguma base de dados dos clientes do serviço de táxi. Esta lei não é para isso e não pode permitir isso, razão pela qual a gravação e o tratamento de imagens devem ser reservados ao mínimo indispensável. Houve a prática de um crime, essa imagem é utilizada no processo criminal; não houve, essa imagem tem de ser apagada. Quer-nos parecer que esta é a única forma de fazer funcionar este sistema, respeitando os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. A CNPD coloca, depois, algumas outras questões, em sede de especialidade, que não vale a pena trazer a esta fase do debate mas que devem ser, de facto, devidamente ponderadas — aliás, como o Sr. Subsecretário de Estado já reconheceu. Assim como a questão colocada, há pouco, pelo Sr. Deputado Luís Montenegro, tem, do nosso ponto de vista, razoabilidade, uma vez que o regime sancionatório deve ser adequado às violações previstas na Lei da Protecção de Dados Pessoais. A haver aqui violações serão relativas ao tratamento abusivo de dados pessoais, não, de maneira nenhuma, violações equiparáveis às normais infracções ao Código da Estrada. Portanto, esse aspecto deve ser revisto. A CNPD chama — e bem! — a atenção para o facto de haver aqui um regime sancionatório mais suave do que aquele que existe para a generalidade das infracções à Lei da Protecção de Dados Pessoais. Este aspecto devia ser harmonizado, porque não faz sentido que infracções do mesmo tipo e com a mesma gravidade sejam tratadas com molduras sancionatórias diferentes. Portanto, este aspecto deveria, evidentemente, ser salvaguardado, em nome da unidade que é necessário haver no nosso sistema jurídico. Sintetizando, vamos acolher favoravelmente, na generalidade, a proposta de lei em causa. Reconhecemos a necessidade de encontrar um sistema que seja suficientemente dissuasor da criminalidade sobre os profissionais de táxi, mas este diploma deve ser tratado na especialidade com os devidos cuidados, sendo que, como é óbvio, nos dispomos a colaborar para esse efeito.
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Sr. Presidente, Sr. Subsecretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Mais uma vez, quero dizer aquilo que é óbvio e que une os propósitos de todas as bancadas que já intervieram até este momento, ou seja, a necessidade cada vez mais premente de dotar a actividade de serviço de transporte de táxi de normas que lhe confiram maior segurança, não só para os profissionais que trabalham nessa área mas também, e essencialmente, para os utentes desse mesmo serviço. O PSD, como já tive oportunidade de dizer, de há muito defende uma regulação legal desta matéria, nomeadamente com a introdução de mecanismos de videovigilância adequados, que respeitem o princípio da proporcionalidade e que consigam alcançar um equilíbrio entre a protecção da privacidade das pessoas, por um lado, e a salvaguarda da segurança da actividade, por outro lado. Como também já tive oportunidade de dizer, o PSD está disponível para emprestar no trabalho da especialidade a sua colaboração, o seu contributo, para que algumas matérias possam, afinal, ter uma presença no texto da lei mais precisa, mais objectiva e que não suscite dificuldades de interpretação. Sem ir, como disse o Sr. Subsecretário de Estado, às questões de pormenor, às questões de natureza de técnica legislativa, gostaria de referir duas ou três notas que considero importantes. A primeira delas é relativa à eliminação das gravações nos casos em que o perigo que originou o accionamento do mecanismo não veio a verificar-se, sendo que, portanto, o propósito da gravação não teve como consequência a necessidade de preservação das imagens. O Sr. Subsecretário de Estado apontou nesta matéria um entendimento entre a posição do Governo e a posição da Comissão Nacional de Protecção de Dados, emitida no seu último parecer. Ou seja, o Sr. Subsecretário de Estado disse-nos que, em termos de intenção, de objectivo, as posições são coincidentes, havendo apenas uma dificuldade de interpretação, na medida em que a Comissão Nacional de Protecção de Dados entende que aos próprios motoristas é cometida essa possibilidade, de acordo com o texto da lei. É verdade, Sr. Subsecretário de Estado, que entre o anteprojecto e a proposta de lei final houve algumas alterações que propiciam essa interpretação, porque quer no artigo 9.º quer no artigo 10.º da proposta de lei se prevê a eliminação das gravações sem se dizer, sem se concretizar, a quem cabe essa responsabilidade. A este propósito, Sr. Subsecretário de Estado, gostava de trazer também ao debate uma outra diligência que julgo pertinente introduzir neste diploma. Prevê-se o início da gravação, o accionamento do sistema e a eliminação das gravações quando o propósito desse accionamento não veio a justificar a preservação da imagem recolhida, mas em nenhum momento se prevê — e julgo que era importante isso acontecer para agilizar os mecanismos de fiscalização e, sobretudo, para alcançar o tal equilíbrio entre a protecção da privacidade das pessoas e os objectivos de segurança — um auto, um registo da eliminação. É importante que nos casos em que o sistema for activado mas que não tiverem sequência porque, felizmente, diria eu, o perigo se não verificou haja uma marca no procedimento, onde se registe esse evento para que os mecanismos de fiscalização possam depois cuidar de apurar o cumprimento das regras aplicadas. Sr. Subsecretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados, a segunda nota é relativa a uma matéria suscitada no percurso que esta iniciativa legislativa já correu e tem a ver com a pretensão, que, felizmente, o Governo não acolheu, de toda e qualquer entrada num táxi poder ser objecto de gravação, não restringindo o accionamento do mecanismo apenas e só àqueles casos em que haja indícios de que a pessoa que entra no referido táxi possa causar algum comportamento ilícito, possa eventualmente vir a cometer um crime. É, de facto, excessivo, à luz do princípio da proporcionalidade, que indiscriminadamente todos os passageiros de táxis sejam considerados potenciais criminosos. De facto, há um problema de segurança; de facto, tem havido vários comportamentos ilícitos, do ponto de vista patrimonial e outros, no decurso da actividade de serviços de táxi, mas a verdade — e é preciso que isso também seja dito — é que a grande maioria, a quase totalidade, das pessoas que utilizam esse serviço são pessoas de bem, não são movidas por qualquer interesse ilícito, e cujo comportamento é absolutamente irrepreensível. Assim sendo não faz sentido que estejam sob o crivo de um mecanismo que está a privá-las de alguns dos seus direitos fundamentais. Portanto, deixo aqui um registo positivo nessa matéria. Passo a uma última nota, atinente à pergunta que já formulei ao Sr. Subsecretário de Estado, a propósito do regime sancionatório e do procedimento em matéria de contra-ordenações. Eu não disse, Sr. Subsecretário de Estado, que a PSP e a GNR não têm sensibilidade ou competência suficientes para poderem ter uma participação em processos de matéria de direitos fundamentais; eu não disse isso! O que digo é que há uma entidade, a Comissão Nacional de Protecção de Dados, que está mais vocacionada em matéria de protecção de dados para cumprir essa função. É verdade que em matéria de comportamentos ilícitos que têm mais a ver com as disposições do Código da Estrada, como é a sua proposta, a PSP e a GNR estariam mais habilitadas a conduzir os respectivos processos, mas numa proposta de lei em que V. Ex.ª indica que seja a Comissão Nacional de Protecção de Dados a fiscalizar a instalação, a manutenção e a utilização dos sistemas não faz sentido que, depois, sejam a PSP e a GNR a conduzir os processos de contra-ordenação, até porque o poder fiscalizador compete à Comissão Nacional de Protecção de Dados. Não é uma questão de não haver competência suficiente nessas forças e serviços de segurança! É, sim, uma questão de haver uma entidade mais vocacionada e que, portanto, pode prosseguir com mais eficácia os poderes de fiscalização que todos queremos salvaguardar. Sr.as e Srs. Deputados, esta é, e mais uma vez o digo, uma matéria que reputamos de grande importância. Achamos que este impulso legislativo é positivo, gostaríamos que o PS há mais tempo tivesse aberto as portas para receber as propostas que o PSD foi formulando e registamos a evolução do PS — é sempre bom quando o PS se aproxima das posições do PSD... Para terminar, Sr. Presidente, gostaria de reiterar que estamos disponíveis para, em sede de especialidade, podermos acautelar as capacidades fiscalizadoras e melhorar o texto do diploma com vista a que o grande objectivo possa ser alcançado.
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Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O debate de hoje traz-nos uma questão muito importante, que se prende com a segurança dos motoristas de táxis e tudo o que lhe está associado. As anteriores intervenções já fizeram suficiente referência a esse aspecto, mas gostaria de sublinhar a nossa concordância com a necessidade de se encontrar sistemas e modos que levem à protecção efectiva de quem conduz os táxis nas nossas cidades, vilas e aldeias. O motivo da proposta de lei coloca-nos sempre perante aquela grande questão que ultimamente até tem sido bastante debatida na Assembleia da República, que é a de saber como vamos encontrar o equilíbrio, a que o Sr. Subsecretário de Estado fez, aliás, referência, entre a segurança das pessoas e a garantia dos direitos das cidadãs e dos cidadãos. Esta tem sido uma questão bastante debatida aqui, competindo-nos a nós __________________________________________________________________________________________________ ver, em cada proposta de lei que o Governo nos traz, se esse equilíbrio foi ou não conseguido e de que forma podemos acautelar os dois valores em causa. Há uma outra questão que também não posso deixar de introduzir e que é importante neste debate. Refirome a questionarmo-nos, todos nós e o Governo, sobre se se esgotaram todas as outras medidas de segurança relativas aos táxis. Aliás, o próprio parecer da CNPD refere que devem encontrar-se outros instrumentos e outros métodos. Por exemplo, os separadores nos táxis são uma forma dissuasora e de segurança. Entramos nos táxis e quantos encontramos, em Lisboa, que tenham separador? Contam-se, com certeza, pelos dedos de uma mão as vezes que entrámos num táxi com essas condições... É preciso saber por que é que isso não foi feito, por que é que os taxistas ou as empresas de táxis (aqui sublinho as empresas porque isto implica gastos) não aderiram a esse modelo de segurança. Sr. Subsecretário de Estado, gostaria de dizer que, para a bancada do BE, esta proposta de lei levanta muitas dúvidas e mesmo algumas reservas. Um relatório da Comissão Nacional de Protecção de Dados — também referenciado, de resto, no relatório da 1.ª Comissão, elaborado pelo Sr. Deputado Luís Montenegro, a quem saúdo pelo documento elaborado, pois tem bastante substância e é bastante elucidativo sobre esta matéria — diz claramente (refiro-me ao seu segundo parecer, porque fez um primeiro em relação ao anteprojecto) que a proposta de lei não é aceitável. Esta pode ser uma leitura diferente do projecto. Como dizia o Sr. Secretário de Estado, a CNPD lê de uma maneira a proposta de lei e o Governo lê de outra. No entanto, numa matéria desta sensibilidade e importância, não podemos limitar o que está em causa a simples leituras diferentes de uma proposta de lei, porque o que temos aqui é um parecer (o último) da Comissão Nacional de Protecção de Dados que diz que «a proposta de lei não é aceitável» — e estou também a confiar no que diz o relatório da 1.ª Comissão, que me parece correcto. Já foram aqui colocadas algumas questões mais concretas e permitia-me sublinhar duas, nomeadamente a questão da possibilidade de as gravações serem feitas nos táxis. Sr. Subsecretário de Estado, não consigo entender por que é que, do ante-projecto para a proposta de lei, esta questão desapareceu de um ponto de vista claro e objectivo, até porque ela é também referenciada no parecer da CNPD. Por que é que se retirou a referência expressa ao facto de que as unidades móveis nos táxis não podem efectuar gravação de imagens? Não se entende por que é que isso aconteceu!! A outra questão que também gostaria de sublinhar e que já aqui foi colocada por alguns Srs. Deputados tem a ver com a figura do risco ou do «perigo eminente». Aliás, esta é uma velha discussão: como é que se considera a figura do «perigo eminente» em termos jurídicos? Em Portugal, por exemplo, essa questão não se coloca muito... E isto levar-me-ia a falar do problema da violência contra as mulheres, onde o «perigo eminente» não é considerado… Mas ficará, com certeza, para outro debate bem próximo. Quanto à matéria em causa, a questão é a de saber o que é que baliza aqui o «perigo eminente». Das duas uma: ou o taxista acciona a unidade móvel e está sempre sujeito a uma multa que pode ir até 5000 € — e isso vai fazer pensar os taxistas — ou, então, quem decide fica com um poder completamente discricionário para determinar o que é e o que não é «perigo eminente». Termino, Sr. Presidente, concluindo que o objecto deste diploma, que tem a ver com a protecção e a segurança dos taxistas, deve ser motivo de preocupação desta Assembleia da República e dos cidadãos e das cidadãs. No entanto, temos presente uma proposta de lei que não vai agradar a qualquer uma das partes, que não tem um parecer favorável da Comissão Nacional de Protecção de Dados, que não vai atingir o seu objectivo, que é a segurança dos taxistas, e, por outro lado ainda, que pode não garantir a protecção dos direitos dos cidadãos. Por isso, como referi, Sr. Subsecretário de Estado, temos perante esta proposta de lei as maiores dúvidas e reservas. Sr. Presidente, vou começar pela última intervenção, quando a Sr.ª Deputada diz que «esta proposta de lei não vai agradar a qualquer uma das partes» — sendo que a CNPD não é propriamente «parte». Se calhar, é o destino inevitável das propostas equilibradas, porque, se se adoptasse a solução que o CDS-PP propôs (e não percebi se o BE a subscreve ou não, tendo apenas percebido que o PCP, o PS e o PSD não concordam com ela), que seria a de proceder à gravação de toda a gente que entra nos táxis, com todas as garantias que o Sr. Deputado queira introduzir, significaria sempre proceder a milhares e milhares de gravações, potencialmente identificar todas as pessoas que andam de táxi no País e constituir, assim, um imenso risco de violação de dados pessoais. Isso seria, quanto a nós, uma desproporcionada violação da esfera privada dos cidadãos em relação aos objectivos que se poderiam alcançar. Não tenho dúvidas de que, se o Governo tivesse consagrado essa solução, pelo menos uma das partes já estaria muito mais satisfeita do que está. Todavia, o Governo entendeu — e, pelos vistos, merece um consenso relativamente alargado nesta Câmara — que essa solução não seria equilibrada e, a esse propósito, subscrevo as palavras do Sr. Deputado Luís Montenegro, com as quais concordo inteiramente nesse ponto. Quanto à questão das coimas, não gostaria que se criasse a ideia de que a coima que está prevista na proposta, de 1000 € a 5000 €, cuja tipificação é «recolha de imagens fora das condições legalmente autorizadas», se destina especificamente àquela situação em que o taxista carrega no botão para iniciar a gravação e, se calhar, não era uma situação que o justificasse. Está aqui abrangido um conjunto vasto de situações, nomeadamente a daquela pessoa que grave imagens de todos os clientes que entram no táxi sistemática e, até, dolosamente. Isso também é recolha de imagens fora das condições legais. Creio que esta é uma interpretação razoável da lei: recolha de imagens fora das condições legais abrange um leque vasto de situações…
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Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, Sr.as e Srs. Deputados: Passaram, no início desta semana, cinco anos sobre aquele que é, indiscutivelmente, um dos momentos mais marcantes de toda a História contemporânea, o 11 de Setembro. Revimos, então, de novo as imagens de horror que para sempre ficarão gravadas na nossa memória. De novo recordámos a indignação que nos invadiu quando presenciámos os cobardes ataques às torres gémeas de Nova Iorque e ao Pentágono. De novo relembrámos tantas e tantas atitudes heróicas e tantos e tantos actos de abnegação e de solidariedade humana. De novo nos sentimos emocionalmente próximos das vítimas dos atentados, mas também das suas famílias e dos seus amigos. Aquilo que sucedeu há já cinco anos pareceu-nos, uma vez mais, terrivelmente próximo e fez-nos renovar a convicção de que naqueles actos hediondos não esteve apenas em causa — e isso já seria muito — a vontade de atingir os Estados Unidos da América por via da destruição de alguns dos seus mais destacados símbolos políticos e económicos. De facto, Sr.as e Srs. Deputados, o que verdadeiramente se pretendeu foi muito mais do que isso: o real objectivo, todos o sabemos, foi atacar a nossa Civilização e os valores fundamentais em que assenta; foi pôr em causa a organização das nossas sociedades e as instituições em que se baseia; foi questionar o modo de vida que partilhamos e a própria normalidade da nossa existência. A barbárie não se deteve, contudo, por aí e desde então outros acontecimentos de natureza comparável, embora, felizmente, de menor dimensão, têm deixado bem à vista o ódio cego e o absoluto desrespeito pela vida humana daqueles que os perpetraram. Nenhum de nós duvida, igualmente, que a ameaça continua a estar presente no quotidiano das nossas sociedades. Por isso mesmo, mas também porque se vai notando a presença, cada vez menos tímida, de certas tendências pseudo-explicativas ou mesmo reveladoras de alguma compreensão face ao terrorismo contemporâneo, convém reafirmar três ideias muito simples, mas todas elas centrais. Em primeiro lugar, a ideia de que existe um conflito e de que não fomos nós a dar-lhe início: nós somos as vítimas e os terroristas os agressores. Em segundo lugar, a ideia de que este conflito tem mesmo de ser ganho, porque o que nele está em causa é, claramente, a opção por um de dois caminhos: ou o caminho da liberdade, da tolerância e do desenvolvimento ou o caminho da intolerância, do fanatismo e do atraso. Em terceiro e último lugar, a ideia de que tal triunfo só será atingido se soubermos agir sem quebras, em solidariedade e com determinação, não nos deixando afectar pelas dificuldades imensas da tarefa, não tergiversando nas respostas a dar, não poupando nos recursos disponibilizados. Ao mesmo tempo, porém, exige-se-nos que sejamos capazes de não ceder no plano dos princípios. É verdade que o clima emocional que a ameaça terrorista induz surge como propício à criação de ambientes de tolerância, quando não mesmo de compreensão e de incentivo, relativamente a comportamentos e atitudes não conformes com aquilo que são os valores pelos quais as nossas sociedades se devem orientar. Há, porém, que reagir a essa tentação, até porque se o não fizermos teremos de concluir que os terroristas já começaram a ganhar algo ao levar-nos a abdicar de convicções profundas em troca de ilusórias vantagens conjunturais. O terrorismo, Sr.as e Srs. Deputados, vai ser derrotado, mas o combate que com ele travamos não pode nunca esquecer a necessidade de assegurar que nas nossas sociedades é possível, tem de ser possível, conciliar o direito à liberdade em segurança e o direito à segurança em liberdade. Mas porquê, Sr.as e Srs. Deputados, fazer aqui e agora todas estas considerações? Por uma razão muito simples: é que elas têm plena justificação no contexto deste debate. Com efeito, ao discutir a proposta de lei n.º 83/X, que define a estrutura dos serviços na dependência do Secretário-Geral do SIRP e que leva a efeito a revisão dos diplomas regulamentadores do SIS e do SIED, não estamos apenas a proceder a uma apreciação de questões de ordem prática relativas às dimensões orgânica e instrumental dos serviços de informações. A verdade é que ao mesmo tempo estamos a equacionar o pano de fundo que subjaz à actuação desses serviços e, bem assim, a decidir acerca dos modos mais adequados de estes agirem no sentido de preservar a segurança de Portugal e dos portugueses. E é por isso que as considerações que fazemos sobre as ameaças e sobre a necessidade de a elas responder dentro de um contexto bem delimitado têm, repito, plena justificação neste debate. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As discussões em torno da matéria respeitante aos serviços de informações têm assentado, ao longo da nossa história democrática, num consenso amplo, demonstrativo de um elevado grau de responsabilidade das principais forças partidárias, independentemente, portanto, da posição que conjunturalmente ocupam, seja no governo seja na oposição. Na construção desse consenso visa-se um objectivo prioritário: dotar o nosso país de um sistema de informações estável e actualizado, capaz de responder com eficácia aos novos riscos e ameaças que com cada vez maior frequência vão surgindo. Aliás, outra concepção não seria aceitável no quadro de um Estado de direito democrático, onde os serviços de informações têm de afirmar a sua legitimidade na busca do ponto de equilíbrio entre a salvaguarda dos valores colectivos da segurança interna e externa e o respeito integral pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Assim, para além da definição concreta da natureza dos serviços de informações e das suas atribuições e estrutura orgânica, deve ser clara a delimitação dos objectivos e das missões dos serviços (e tem-no sido), como clara deve ser (e também o tem sido) a sua subordinação a um rigoroso e efectivo controlo democrático, quer da natureza e qualidade das informações, quer dos métodos utilizados para as obter, quer ainda dos resultados operacionais conseguidos, factores permanentes de legitimação da sua actividade face à Constituição e à lei. Entre nós, duas décadas após a aprovação do texto original da lei reguladora do Sistema de Informações, a Lei n.º 30/84, consolidou-se por fim a ideia de que era necessário introduzir mudanças com substância nas opções fundamentais inicialmente contempladas. Tal ideia resultou, essencialmente, como todos sabemos, da confluência de dois factores básicos: a constatação, por um lado, da existência de sérias insuficiências no modelo original e a convicção, por outro lado, de que as profundas mudanças registadas no contexto da segurança internacional requeriam a construção e a implementação de soluções mais inovadoras e mais eficazes. Com esse objectivo em mente procedeu este Parlamento à aprovação da Lei Orgânica n.º 4/2004, por via da qual se determinou uma reestruturação dos serviços de informações e se pretendeu obviar àquelas insuficiências e bloqueios já, então, detectados. Esse acto legislativo veio, assim, dar corpo a um novo modelo estrutural, que, como é do conhecimento da Câmara, introduziu várias alterações de monta, mas cuja principal alteração se traduziu, julgo, na criação do cargo de Secretário-Geral do Sistema de Informações da República Portuguesa, órgão ao qual passou a ser atribuída a função de orientar e coordenar a actividade de todo o sistema, assumindo, naturalmente, ao mesmo tempo a responsabilidade principal por essa mesma actividade. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não é este o momento para proceder a uma análise exaustiva da proposta de lei n.º 83/X, até porque, como nenhum de nós ignora, não é essa a função constitucional e regimental da discussão na generalidade. Limitar-nos-emos, por isso, a notar que a iniciativa em discussão dá sequência, no essencial, às alterações introduzidas pela Lei Orgânica n.º 4/2004, quer no que toca às indispensáveis mudanças ao nível das estruturas orgânicas do SIED e do SIS quer no aproveitamento que faz da possibilidade, aberta pelo artigo 35.º daquela lei, de proceder à criação de estruturas comuns na área da gestão dos recursos administrativos, financeiros e patrimoniais. Em 2004, como todos se recordarão, os governos da responsabilidade da anterior maioria — quer o XV Governo Constitucional, que desencadeou o processo de revisão da Lei-Quadro do SIRP, quer o XVI Governo Constitucional, que apresentou a proposta de lei final à Assembleia da República — deixaram sempre muito clara a sua leitura de que se estava perante uma verdadeira questão de regime, a exigir decisões participadas e dotadas da indispensável estabilidade temporal. Nessa linha, trabalhou-se então no sentido de construir um adequado entendimento com o maior partido da oposição, entendimento que foi, aliás, conseguido. Registamos, por isso, como muito positivo que o Governo do Partido Socialista se tenha mantido fiel, ao longo do processo de elaboração desta proposta de lei, a idêntica atitude. O PSD não pode, contudo, isentar-se de aqui deixar um reparo acerca do excessivo atraso na apresentação da presente iniciativa legislativa, tema a que, aliás, o Sr. Ministro da Presidência já se referiu. Com efeito, pesem embora o trabalho burocrático e as audições que tiveram lugar, não se compreende facilmente como é que, após a sua entrada em funções, o actual Governo demorou cerca de um ano e meio a apresentar à Assembleia da República esta proposta de lei, que, insista-se, apenas visa regulamentar as opções jurídicas e políticas de fundo assumidas em Novembro de 2004. Lamentamos esse facto por diversas razões, mas, sobretudo, por ter contribuído para a criação de uma situação de ambiguidade, que deu azo ao surgimento de dúvidas quer quanto aos contornos do novo modelo quer quanto às suas consequências do ponto de vista organizacional e operacional. Dúvidas que, face à sensibilidade deste tipo de matérias bem como à facilidade com que são objecto de explorações, tantas vezes inadequadas, do ponto de vista mediático, chegaram a gerar um momento de pública desconfiança quanto ao real alcance das modificações há quase dois anos introduzidas, momento esse de que todos, seguramente, nos recordamos. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A avaliação que o PSD faz do modelo actualmente em vigor e decorrente da aplicação da Lei Orgânica n.º 4/2004 é claramente favorável. É nossa convicção profunda que as medidas plasmadas nessa lei estão a dar os seus frutos e que o Sistema de Informações da República Portuguesa passou a dispor de condições acrescidas para desenvolver com maior índice de sucesso as suas funções. Com a aprovação da presente proposta de lei encerrar-se-á um ciclo legislativo e ficará completo o quadro legislativo do SIRP, agilizando-se assim, adicionalmente, as condições para a sua eficiente actuação. Pela nossa parte, congratulamo-nos com isso e temos legítimo orgulho no papel que desempenhámos para aqui chegar tanto no governo como na oposição, porque somos e seremos sempre daqueles que assumem sem complexos que os serviços de informações constituem uma peça essencial na defesa da nossa segurança colectiva. … alargado, dessa vez, ao CDS-PP, por obrigações decorrentes da composição da coligação governamental da altura. Também esse diploma resultou de um pacto entre os partidos do «neo-rotativismo» vigente, que, autoproclamados donos do regime, trataram de substituir o debate parlamentar plural por um acordo celebrado à margem do Parlamento, o qual foi mais um episódio de um pacto de muitos anos entre o PS e o PSD em torno dos serviços de informações da República. Esse pacto tem-se traduzido na total ausência de uma fiscalização credível sobre a actividade dos serviços de informações, na total impunidade dos desmandos praticados por esses serviços, no silenciamento de todos os casos que os descredibilizaram, na paralisia do papel fiscalizador da Assembleia da República sobre as suas actividades. Os serviços de informações portugueses têm vindo a funcionar, ao longo das últimas décadas, ao abrigo de um pacto entre o PS e o PSD. Um pacto de silêncio, um pacto de impunidade, um pacto de cumplicidade, um pacto de opacidade! Foi esse pacto que impediu qualquer averiguação séria, por parte da Assembleia da República, quando o SIS foi publicamente acusado da prática de actuações ilegais e violadoras dos direitos fundamentais dos cidadãos. Foi esse pacto que impediu qualquer averiguação, por parte da Assembleia da República, acerca dos serviços prestados ao SIS por um ex-agente dos serviços secretos do apartheid, condenado judicialmente por crimes cometidos em Portugal.
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Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Passam hoje precisamente dois anos sobre o debate que aqui realizámos, na generalidade, acerca da proposta de lei que daria lugar à Lei-Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa, que está em vigor e que resultou, também ela, de um pacto entre o PSD e o PS, alargado, dessa vez, ao CDS-PP, por obrigações decorrentes da composição da coligação governamental da altura. Também esse diploma resultou de um pacto entre os partidos do «neo-rotativismo» vigente, que, autoproclamados donos do regime, trataram de substituir o debate parlamentar plural por um acordo celebrado à margem do Parlamento, o qual foi mais um episódio de um pacto de muitos anos entre o PS e o PSD em torno dos serviços de informações da República. Esse pacto tem-se traduzido na total ausência de uma fiscalização credível sobre a actividade dos serviços de informações, na total impunidade dos desmandos praticados por esses serviços, no silenciamento de todos os casos que os descredibilizaram, na paralisia do papel fiscalizador da Assembleia da República sobre as suas actividades. Os serviços de informações portugueses têm vindo a funcionar, ao longo das últimas décadas, ao abrigo de um pacto entre o PS e o PSD. Um pacto de silêncio, um pacto de impunidade, um pacto de cumplicidade, um pacto de opacidade! Foi esse pacto que impediu qualquer averiguação séria, por parte da Assembleia da República, quando o SIS foi publicamente acusado da prática de actuações ilegais e violadoras dos direitos fundamentais dos cidadãos. Foi esse pacto que impediu qualquer averiguação, por parte da Assembleia da República, acerca dos serviços prestados ao SIS por um ex-agente dos serviços secretos do apartheid, condenado judicialmente por crimes cometidos em Portugal. É esse pacto que impede a Assembleia da República de tentar averiguar se os serviços de informações portugueses tinham ou não conhecimento dos voos secretos e das escalas efectuadas em território nacional por aviões da CIA. Foi ao abrigo desse pacto que a Lei-Quadro do SIRP, aprovada em 2004, manteve o princípio da total governamentalização dos serviços de informações — não são da República, mas do Governo —, com a quase total marginalização dos demais órgãos de soberania. Foi ao abrigo desse pacto que a Lei-Quadro de 2004 manteve e confirmou a manifesta ausência de mecanismos credíveis de fiscalização democrática. Em 6 dos últimos 12 anos não houve, sequer, Conselho de Fiscalização e nos outros 6 o Conselho remeteu-se à inutilidade da emissão de pareceres anuais, indiciadora de uma total ausência de fiscalização real sobre o funcionamento dos serviços. Finalmente, foi ao abrigo desse pacto que a Lei-Quadro de 2004 deu passos significativos no sentido de uma maior concentração dos serviços, destinada a redundar, na prática, num verdadeiro processo de fusão. O que não deixa de ser curioso é que, há dois anos, o Governo, supostamente em nome de um acordo com o PS, que afirmava o seu desacordo com a fusão dos serviços de informações, desistiu de consagrá-la formalmente mas não deixou de dar passos nesse sentido: substituiu as tutelas diferenciadas pela tutela conjunta, por parte do Primeiro-Ministro, a exercer por um Secretário-Geral da sua confiança, equiparado a membro do Governo. O SIED e o SIS têm funções que devem ser claramente diferenciadas. A fusão de ambos, implicando a recolha de informação conjunta em matéria de defesa nacional e de segurança interna, é tributária de uma lógica de fusão de missões entre forças militares e forças de segurança, a qual não tem acolhimento constitucional. É óbvio que a acção dos serviços de informações não pode deixar de ser coordenada a nível superior, mas essa necessidade de coordenação não implica que tenha de haver uma fusão de serviços que têm lógicas e missões distintas, seja essa fusão explícita ou implícita, como é o caso, através da direcção única de serviços apenas formalmente distintos. A proposta de lei que hoje debatemos avança, de forma decisiva, para a fusão dos serviços de informações. Em vez de dois serviços distintos, passaremos a ter duas divisões de um mesmo serviço. O poder que é conferido ao Secretário-Geral do SIRP, sobre todos os serviços de informações, não tem precedentes na República Portuguesa. Nunca ninguém deteve tanto poder em matéria de informações estratégicas e de segurança. O Secretário-Geral do SIRP dirige tudo: conduz, inspecciona, superintende e coordena a actividade do SIS e do SIED; preside aos conselhos administrativos de ambos os serviços; dirige as actividades dos centros de dados de ambos os serviços; nomeia e exonera livremente o pessoal, desde os directores até aos contínuos; exerce o poder disciplinar; orienta a elaboração dos orçamentos; aprova os relatórios anuais; orienta o planeamento estratégico; dirige as relações internacionais; regula a organização interna, a composição e as competências de ambos os serviços e das respectivas estruturas comuns; preside ao Conselho Consultivo do SIRP; autoriza a realização de despesas; aprova os regulamentos internos; autoriza as deslocações ao estrangeiro; determina os meios de identificação dos membros do seu gabinete e dos funcionários e agentes do SIED, do SIS e das estruturas comuns; todas as suas actividades, bem como todas as actividades do seu gabinete, tal como as do SIED, do SIS e das estruturas comuns, ficam a coberto do segredo de Estado. Perante tais poderes, não é possível continuar a falar da existência de dois serviços de informações distintos. O Partido Socialista, que, há dois anos, afirmava discordar da fusão dos serviços, vem agora propor que se avance nesse sentido, ainda mais além do que permite a Lei-Quadro de 2004. Na verdade, a Lei-Quadro do SIRP é uma lei de valor reforçado que estabelece a orgânica dos serviços. Essa lei prevê, como órgãos do SIRP, a existência de um conselho de fiscalização, de um conselho superior de informações, de uma comissão de fiscalização de dados e de um secretário-geral. Quanto ao SIS e ao SIED, prevê que possam existir estruturas comuns na área da gestão administrativa, financeira e patrimonial, o que não é pouco. Porém, o que o Governo propõe é que seja criado, para além disso, um único conselho consultivo do SIRP, em substituição dos Conselhos Consultivos de cada um dos Serviços. Ora, a Lei-Quadro não permite sustentar a criação de um tal conselho, que não pode, em caso nenhum, ser considerado como uma estrutura de gestão administrativa, financeira ou patrimonial. Trata-se de um conselho onde participam os mais altos responsáveis das forças e serviços de segurança. A existência de um tal conselho, se aprovada, será inconstitucional, por violação do valor reforçado da Lei-Quadro do SIRP e será uma clara demonstração da real fusão dos serviços de informações. Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como último apontamento, importa sublinhar que, no momento em que o Governo, em nome da contenção orçamental, obriga a generalidade dos funcionários públicos a apertar o cinto até ao último furo e põe em causa o direito à reforma, aos serviços de saúde e à protecção social de tantos funcionários, a avaliar pela presente proposta de lei, a austeridade não chegará aos serviços de informações e muito menos às suas chefias. Quando o Governo propõe que o Secretário-Geral do SIRP, o seu chefe de gabinete, os directores e os directores adjuntos do SIS e do SIED tenham direito a casa mobilada, para sua habitação, ou a subsídio de compensação, a expensas do Estado, independentemente do local onde residam, o escândalo é tão evidente que mais nada é preciso dizer. Sr. Presidente, Srs. Deputados: Numa situação mundial como a que vivemos, em que, a pretexto da luta contra o terrorismo, começamos a assistir, em diversos países, à generalização de regimes de excepção, de carácter securitário, que entram em conflito directo com as liberdades públicas e com garantias dos cidadãos, que constituem o património civilizacional das democracias, esta proposta de lei vai num sentido preocupante. Repito o que aqui afirmámos, há dois anos, no debate sobre a Lei-Quadro: os serviços de informações devem servir para, em nome da democracia, defender os cidadãos das ameaças à sua segurança, mas não devem poder, em nome da segurança, ser uma ameaça para a própria democracia. O Sr. Presidente: — Ainda para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Ministros: Vivemos hoje num mundo cuja complexidade se manifesta através de novas ameaças, com formas cada vez mais perturbadoras e perigosas. Uns lembrarão a «guerra fria» e as ameaças, mais latentes do que patentes, do recurso a armas nucleares; outros dirão que o nazismo ou o comunismo não constituíram ameaças menores e que milhões e milhões de pessoas pereceram aos pés destes regimes. É verdade! Mas a realidade em que hoje vivemos em nada se assemelha à do séc. XX. Hoje, ao mundo livre, apresenta-se um inimigo sem rosto, sem interlocutores e cujo objectivo é a aniquilação de todos quantos prezam os valores da liberdade, da igualdade e da democracia, apesar de últimas teorias revisionistas da História que vão grassando um pouco por todo o lado. É um inimigo com meios diferentes, tanto militares como tecnológicos ou financeiros, mas a diferença reside, sobretudo, nos meios humanos, com homens e mulheres capazes de abdicarem das suas vidas para sacrificarem o maior número possível de vidas inocentes, em nome de uma ideologia inexistente, de uma civilização que não o deseja e de uma religião que os condena. Os cidadãos do mundo, sejam eles cristãos, muçulmanos, judeus, budistas, hinduístas, agnósticos ou ateus, assistiram com igual horror ao que se passou em locais tão díspares como Nova Iorque, Beslan, Madrid, Bali, Djerba ou Londres. Todos percebem que, cada vez mais, a criminalidade, nos seus múltiplos aspectos (do terrorismo ao tráfico de estupefacientes, do tráfico de armas às redes de imigração ilegal), funciona como multinacional e que só uma resposta firme e, sobretudo, global a pode combater eficazmente. É esta importância que os serviços de informação assumem, na prevenção destes fenómenos e na necessidade de adequar os procedimentos aos novos riscos e ameaças, num sempre complexo e difícil compromisso entre a liberdade e a segurança. Por isso, em 2004, o Governo da anterior maioria assumiu a necessidade de, 20 anos depois, alterar o Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), com a aprovação da Lei Orgânica n.º 4/2004, que consagrou a tutela exclusiva destes serviços pelo Primeiro-Ministro, a existência de uma direcção unificada, com a criação de um Secretário-Geral, e um assinalável reforço da fiscalização dos serviços pela Assembleia da República. A proposta de lei n.º 83/X, que hoje discutimos na generalidade, regula, precisamente, esse novo Sistema. Registamos, com apreço, que o Governo manteve os princípios previstos na Lei Orgânica em que o CDS-PP teve uma importante participação. Mas também registamos que, só agora, dois anos e dois dias após a discussão, nesta Assembleia, da Lei-Quadro, e um ano e meio após a tomada de posse do Governo do Partido Socialista, se regulamente esta lei fundamental para a nossa segurança, apesar do alargado consenso existente entre os partidos do arco da governabilidade. Com esta proposta de lei, é, finalmente, criado, na dependência do Secretário-Geral do SIRP, um conjunto de estruturas comuns que resultam da aglutinação de departamentos existentes em duplicado no Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) e no Serviço de Informações de Segurança (SIS). Na área administrativa, identificam-se os departamentos administrativos comuns de recursos humanos, de tecnologias de informação e de segurança. No entanto, na perspectiva operacional, mantém-se o sistema dualista, com o SIED a produzir informações relativas à salvaguarda da independência nacional, dos interesses nacionais e da segurança externa do Estado português e o SIS a produzir informações destinadas a garantir a segurança interna, na prevenção de acções de sabotagem, terrorismo, espionagem e outros actos que, pela sua natureza, possam alterar ou destruir o Estado de direito constitucionalmente estabelecido. Esta solução não acompanha a evolução registada noutros países, como a Espanha, a Bélgica, a Itália ou a Holanda, para citar apenas os mais próximos, que optaram por criar um serviço de informações unificado. Trata-se, a nosso ver, de um caminho que não devemos de forma alguma rejeitar liminarmente, tendo em atenção o actual contexto internacional e a cada vez mais ténue fronteira entre a segurança externa e a segurança interna. É porque as razões que motivaram esta alteração residiram precisamente nas debilidades identificadas de articulação e coordenação do anterior Sistema e na dispersão por várias tutelas dos serviços de informação. É público que foi proposta inicialmente a fusão dos dois serviços e que esta ideia apenas foi abandonada em nome do necessário consenso com o, então, maior partido da oposição, o Partido Socialista, que se opunha liminarmente. Mas para nós, CDS-PP, é tempo de reflectirmos sobre esta matéria, de forma livre e sem preconceitos, procurando as melhores soluções para os enormes problemas que enfrentamos. Outro aspecto sobre que também urge reflectir tem a ver com os princípios previstos no artigo 6.º e o impedimento da realização de intercepções nas telecomunicações, por estes serviços, que, há muito, é reclamado por muitos, como, entre outros, por Severiano Teixeira, Rui Pereira, Vitalino Canas, Alberto Costa ou Daniel Sanches, só para citar personalidades da área da maioria ou do «novo bloco central». Parece-nos, pois, que, à semelhança das recentes recomendações da União Europeia, deveríamos reflectir nesta possibilidade, ainda que ela revista dividendos ou reticências constitucionais, por forma a criar um quadro que regulamente, de forma rigorosa, não só este meio como a sua utilização e fiscalização, recorrendo, se necessário, a uma intervenção judicial prévia, mas adequando os nossos serviços de informação às novas ameaças existentes. O mesmo se diga quanto ao processamento de dados pessoais, em que se prevê a existência e o acesso aos centros de dados de cada um dos serviços, presumindo-se e desejando-se que precedida de audição e parecer prévio favorável da Comissão Nacional de Protecção de Dados. Por fim, destacamos a consagração legal da possibilidade de emissão de documentos legais de identidade alternativa ou da disponibilização de matrículas fictícias aos agentes, mediante a celebração de protocolos com as entidades competentes. Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados: Nesta área tão sensível, é imprescindível que todos tenhamos sentido de Estado e percebamos que só uma política estável e continuada pode trazer bons resultados. Na verdade, nestas áreas, a proximidade é igual a confiança, a confiança é igual a informação e a informação é igual a segurança. Para tanto, impõe-se estabilidade nos serviços, o que, infelizmente, não tem acontecido, e uma forte aposta num reforço de meios quer materiais quer humanos. Por tudo isto, desejamos e exigimos que, no próximo Orçamento do Estado, o Governo garanta o prometido reforço do número de efectivos para os serviços de informações, reforçando e diversificando a presença de Portugal no exterior e proporcionando, internamente, a existência efectiva, no terreno, de todas as valências, nas diversas delegações regionais dos serviços, para que a segurança seja cada vez mais uma prioridade do Estado e um objectivo que deve ser de todos!
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Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados: Com a discussão e a aprovação da proposta de lei n.º 83/X, dá-se mais um passo num processo iniciado em 2004, de racionalização, modernização e aperfeiçoamento operativo do Sistema de Informações da República Portuguesa. Com a Lei Orgânica n.º 4/2004, de 6 de Novembro, rejeitando-se embora o modelo de unificação dos serviços de informações numa única agência vocacionada quer para a vertente interna quer para a vertente externa, entendeu-se ser de apertar os elementos de articulação entre as duas componentes do SIRP — o SIS e o, então, SIEDM, hoje, SIED. Esta opção, feita em 2004, foi encorajada por um contexto político-estratégico e internacional de grande preocupação, com o fenómeno do terrorismo de inspiração fundamentalista, que aconselhava todos os serviços, à escala europeia e até à escala mundial, a reforçar e a melhorar a eficácia dos respectivos sistemas de informações, bem como dos mecanismos de cooperação e colaboração entre eles. De 2004 para cá, embora estejamos, certamente, melhor preparados e apetrechados, o risco e a ameaça não desapareceram e aconselham a uma permanente melhoria dos instrumentos que o Estado democrático tem para se defender daqueles que não gostam da liberdade, da tolerância e da democracia. Por isso, a proposta de lei que aqui discutimos se reveste de tanta importância quanto se revestia a proposta que deu lugar à Lei Orgânica n.º 4/2004. Não obstante ser um diploma de natureza essencialmente orgânica ou organizativa, a proposta de lei n.º 83/X concretiza as principais orientações de 2004. Primeiro, confirma-se e consolida-se a opção estratégia de manter dois serviços autónomos de informações, com competências, direcção, estruturas e gestão próprias. Em segundo lugar, confirma-se que o órgão «Secretário-Geral do SIRP» é o pivot central do sistema, sob a dependência do Primeiro-Ministro, tal como preconizado pela Lei de 2004. Ao Secretário-Geral incumbe dirigir superiormente, através dos directores-gerais do SIED e do SIS, a actividade de produção de informações necessárias à salvaguarda da independência nacional e dos interesses nacionais — importa sublinhá-lo — e à garantia da segurança externa e interna do Estado português. Este perfil, legalmente consignado, do Secretário-Geral do SIRP implica, naturalmente, a estruturação de um gabinete que lhe permita exercer cabalmente essas funções, gabinete, esse, que, de acordo com o pressuposto de que o Secretário-Geral tem estatuto equivalente ao de Secretário de Estado, só pode ser um gabinete equivalente ao dos membros do Governo. Em terceiro lugar, o próprio perfil organizativo dos dois serviços aconselhava alterações que racionalizassem os seus recursos e contribuíssem para a melhoria da operacionalidade e da coordenação. Por isso se estabelece, no artigo 35.º da Lei-Quadro de 2004, que poderá haver estruturas comuns, as quais, se criadas, ficam na dependência directa do Secretário-Geral do SIRP. Em plena consonância com o disposto na lei, são criados departamentos comuns: o departamento de recursos humanos, o departamento de finanças e apoio geral, o departamento de tecnologias de informação e o departamento de segurança. Trata-se de áreas de vocação administrativa, financeira e patrimonial, ficando, obviamente, excluídas da lógica de estruturação comum às áreas operacionais. Saliente-se ainda que os dois Conselhos Consultivos que existiam, e que aconselhavam a tutela sobre os assuntos relacionados com cada um dos serviços, e que foram, naturalmente, extintos, devido à unificação das «tutelas», por assim dizer, são substituídos por um único conselho consultivo do SIRP, órgão de consulta do Secretário-Geral. Em quarto lugar, merece relevo o facto de se terem reforçado, na medida do proporcional e do razoável, algumas das condições e instrumentos ao dispor dos serviços e dos seus operacionais. Destaco a possibilidade de identidade alternativa ou codificada dos funcionários dos departamentos operacionais, de modo a proteger a sua identidade real e a garantir a sua segurança. Merece também saliência a consagração da possibilidade de acesso por parte dos órgãos de direcção dos serviços a ficheiros de entidades públicas não sujeitos, obviamente, a segredo. Sr. Presidente, não ignoramos que há hoje uma fractura clara sobre o modo de encarar os serviços de informações. Há quem os veja como inimigo, esquecendo os verdadeiros inimigos. Pela nossa parte, perfilhamos o discurso democrático sobre os serviços de informações e sobre o Sistema de Informações da República. O SIRP é um dos garantes da liberdade, da democracia, da segurança e do Estado de direito. Numa sociedade democrática, o sistema de informações está sujeito ao controlo parlamentar e os termos essenciais do seu funcionamento são definidos por lei. Quero aqui realçar que, depois de termos dado passos relevantes no sentido do controlo parlamentar do SIRP, com a aprovação da lei de 2004, damos aqui hoje mais um passo no sentido da maior transparência e da maior intervenção da Assembleia da República na definição do SIRP, inclusive no que toca à regulamentação da sua orgânica. Com a aprovação desta proposta de lei, pela primeira vez, tudo o que diz respeito à organização interna dos serviços será inteiramente objecto de lei da Assembleia da República. Deste modo, o reforço da operacionalidade e da eficácia dos serviços ao uso da democracia e da liberdade não se faz à custa da transparência e do controlo parlamentares. Pelo contrário, é com mais transparência e com maior intervenção desta Assembleia que vemos o SIRP ganhar melhores condições para cumprir as suas funções de salvaguarda da independência nacional, dos interesses nacionais e de segurança interna e externa do Estado. O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda encara a proposta de lei apresentada pelo Governo sobre a orgânica do Secretário-Geral do SIRP, do SIED e do SIS com profunda apreensão. Em primeiro lugar, porque, confirmando notícias vindas a lume na comunicação social em Maio passado — e, na altura, veementemente repudiadas pela maioria —, a presente proposta de lei vai muito para além de uma reestruturação ou racionalização dos serviços de informação, criando uma superstrutura centralizada de controlo político e administrativo dos serviços de informação não militares, directamente dependente do Primeiro-Ministro e sob a direcção de um órgão uninominal que é o Secretário-Geral do SIRP. O Secretário-Geral do SIRP passa a ser um órgão dotado de poderes excepcionais e improváveis no quadro de um Estado de direito. Equiparado a secretário de Estado, apoiado num gabinete equiparado aos ministeriais, que pode manter-se secreto na sua composição, assessorado por um extraordinário conselho consultivo onde se reúnem, sob a sua presidência, responsáveis de topo pelas políticas externa, de defesa, de informação militar e os chefes supremos da PSP, da GNR, da PJ e do SEF, bem como os directores do SIED e do SIS e outras entidades que ele ache convenientes (conselho este, aliás, não previsto na Lei-Quadro do Sistema), este «super secretário-geral» passa a dirigir integralmente os serviços de informação ligados às seguranças externa e interna do Estado naquilo que é, realmente, um novo serviço centralizado de informações às ordens do Primeiro-Ministro; passa a dirigir os centros de dados do SIS e do SIED e as relações internacionais do SIRP (o que, permita-se-me o aparte, o coloca em posição privilegiada para finalmente prestar a este Parlamento informações sobre voos da CIA no nosso país). Os funcionários dos serviços sob a sua alçada têm acesso irrestrito a todas as áreas públicas e privadas de acesso público, devendo todos os órgãos, empresas e serviços públicos ou com capitais públicos prestar-lhe colaboração e cooperação. Todas as actividades promovidas por ele ou pelos serviços que dirige são consideradas classificadas, protegidas pelo segredo de Estado e sujeitas ao dever de sigilo. E não me alongarei, Sr. Presidente, sobre as mordomias e privilégios que o Governo quer conceder aos funcionários de topo dos serviços de informação, em claro contraste com as limitações e perdas de regalias impostas a outras forças policiais e de segurança pública. Sr. Presidente, a criação de um superserviço de informações com este perfil, ainda por cima dirigido por um órgão unipessoal, cujo titular é nomeado pelo Primeiro-Ministro, situado institucionalmente sob a tutela do chefe do Governo, não é tranquilizadora para o normal funcionamento das instituições democráticas. E não há razões securitárias, de racionalidade ou outras que seja legítimo antepor aos riscos evidentes de uma deriva de abuso e de violação de direitos, liberdades e garantias essenciais que o novo megassistema de informações e o seu «grande vigilante» suportam. Só isso seria suficiente para recusarmos a presente proposta de lei, mas acresce uma outra e decisiva razão: todo este sistema de centralização e personalização dos serviços de informação e da sua direcção, cuidadosamente blindados sob a protecção do segredo de Estado e do sigilo, é, neste momento, praticamente imune a qualquer forma de fiscalização democrática ou de escrutínio público. É imperioso que o País saiba que o actual conselho fiscalizador do SIRP, designado parlamentarmente pelos votos dos partidos do bloco central, é uma inexistência e uma absoluta irrelevância políticas. Faço esta observação sem qualquer desmerecimento pessoal pelos membros que o integram, que considero, aliás, com muito respeito. Trata-se de uma constatação política face ao seu funcionamento e capacidade fiscalizadora. O actual conselho e seus pareceres limitam-se ao ritual inócuo de informar, ano a ano, sem qualquer tipo de fundamentação substancial, que não constataram ilegalidades no funcionamento dos serviços de informação. A 1.ª Comissão da Assembleia da República ou acredita — por fé ou por fidelidade partidária — no que o Conselho lhe diz sem mais ou fica-se por isso mesmo. Qualquer pedido de esclarecimento, qualquer inquirição de substância por parte dos Deputados depara, como aconteceu no passado mês de Maio, com o intransponível argumento do «segredo de Estado». Não há verdadeira fiscalização política do Parlamento sobre os serviços de informação e ninguém de boa-fé neste Parlamento o desconhece. É, por isso, urgente rever a legislação relevante para que o Primeiro-Ministro esteja vinculado a uma informação regular ao Conselho de Fiscalização e ao Parlamento sobre as grandes linhas de orientação política e as grandes prioridades políticas no respeitante aos serviços de informação. Trata-se, à semelhança do que já se passa com a estratégia da política criminal, de matéria de política geral que deve ser fiscalizada, seguramente sem pôr em causa o que deva ser sigiloso, mas permitindo o escrutínio democrático das grandes opções sobre as políticas para os serviços de informação, matéria hoje completamente subtraída ao debate cidadão, à fiscalização parlamentar e ao escrutínio da opinião pública. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No actual estado de falta de transparência democrática e de secretismo oficial, avançar para esta centralização imprudente e algo megalómana dos serviços de informação é um risco inadmissível e um perigo que os democratas não deveriam permitir que se corresse. Não basta que uma lei consagre, e esta consagra, o que os serviços e os seus funcionários não podem fazer. É essencial que não se criem, por via legal e institucional, as condições para o abuso e para a ocultação. A nosso ver, é isso que a presente proposta de lei materializa. Por isso, Sr.as e Srs. Deputados, votaremos contra ela.
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Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Há precisamente dois anos, em 15 de Setembro de 2004, foram discutidas no Plenário da Assembleia da República duas iniciativas legislativas, uma apresentada pelo PCP e outra apresentada pelo governo PSD/CDS-PP em coligação alargada com o PS, numa das muitas reedições de bloco central a que temos assistido na vida política nacional, visando introduzir alterações ao regime do Sistema de Informações da República Portuguesa. A lei-quadro do SIRP, a Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro, foi uma lei que nasceu torta e que, nas quatro alterações a que já foi sujeita ao longo dos anos, nunca viu serem-lhe corrigidas as deficiências com que nasceu nem ultrapassados os problemas de que padece e que conduzem a que este seja um sistema de informações que não satisfaz as exigências de um Estado direito democrático, moderno e que não hipoteque as fundamentais garantias e direitos dos cidadãos constitucionalmente garantidos em nome da segurança interna ou externa. Antes pelo contrário, a última alteração à lei, que a proposta de lei n.º 83/X pretende desenvolver, aqui discutida há dois anos, poderia, de facto, ter contribuído para ajudar a rodear de garantias e a aumentar as medidas de controlo democrático sobre os serviços de informação e sua actuação com vista a salvaguardar direitos fundamentais dos cidadãos, impedir ilegítimas restrições desses mesmos direitos e assim ajudar a dissipar as nuvens de desconfiança que o público legitimamente pode ter face às várias notícias e escândalos que têm maculado, com graves suspeitas de ilegalidades e abusos, esses serviços, o que não os credibiliza, não assegura um clima de segurança ao País e não dá as indispensáveis garantias aos cidadãos. Mas, infelizmente, não foi isso o que aconteceu. O bloco central, o mesmo que hoje se reúne fora e nas costas deste Parlamento, unidos de facto com os mesmos propósitos e defendendo os mesmos princípios, prosseguindo as mesmas políticas, fazendo pactos nas áreas da justiça ou da segurança social, propôs não só a continuidade dos problemas de que padecia o SIRP mas, inclusivamente, procedeu ao seu agravamento, agudizando o seu centralismo com a criação do Secretário-Geral do SIRP, caminhando no sentido da fusão de serviços, abrindo ainda mais a porta à possibilidade de instrumentalização governamental e política por parte desses serviços, enfraquecendo o controlo democrático. A proposta que hoje discutimos não vem senão confirmar o que aqui foi dito há dois anos: a fusão de um importante conjunto de serviços que esta proposta consagra, a aproximação de um modelo tendencialmente mais centralizado, com uma indesejável promiscuidade entre os serviços de segurança interna e segurança externa, que deveriam ter mantido tutelas e acompanhamentos distintos no âmbito dos Ministérios da Defesa Nacional e da Administração Interna, que garantiriam a capaz mediação com o topo da hierarquia do Governo. É com alguma preocupação que assistimos ao avançar desta ideia de progressiva fusão, que só trará confusão, de serviços e missões que devem manter-se distintos e autónomos. É com preocupação que vemos a centralização e governamentalização progressiva desses serviços, como se vê pela tutela directa exercida pelo Sr. Primeiro-Ministro ou pela ligação umbilical entre este e o Secretário-Geral do SIRP, que nomeia, exonera e leva consigo no final do mandato. Secretário-Geral esse que concentra em si uma miríade de competências e poderes e um potencial de controlo verdadeiramente impressionante e preocupante. A existência de um único conselho consultivo junto do Secretário-Geral, aliás, à margem da lei-quadro actualmente em vigor, bem como a existência de quatro departamentos comuns, é de bondade altamente duvidosa. E não é legítimo que, em nome da eficácia ou dos princípios de gestão economicista, se operem alterações orgânicas que não são de todo inócuas na matéria em questão, tão sensível por colocar em causa os limites dos direitos, liberdades e garantias fundamentais. Aliás, é perfeitamente hipócrita argumentar e fundamentar estas reformas do SIRP com a «racionalização económica geral», como é feito na «Exposição de motivos» do diploma e, depois, consagrar um regime de regalias e despesismos não justificados atribuídos pelo mesmo diploma às chefias desses serviços, como casa mobilada ou subsídio de compensação, abonos e ajudas de custo, que, ainda por cima, ficarão para além do conhecimento e da capacidade de controlo democrático a exercer pela Assembleia da República. Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Sabemos que os tempos são difíceis, que a cena internacional é instável por causas múltiplas e complexas. Sabemos também que as reacções «musculadas» são muitas vezes elas próprias causadoras de mais instabilidade, de mais reacções e de um aumento do medo, medo esse no qual cavalgam, tantas vezes, tentações securitárias que, em vez de soluções, poderão, pelo contrário, fazer parte do problema. Sabemos que os tempos são difíceis, mas é na altura em que os tempos são mais difíceis que importa estar mais atento, cada vez mais alerta e aumentar as medidas de controlo, transparência e garantia democráticas de defesa dos direitos e liberdades individuais, o que, infelizmente, o actual regime não faz de forma satisfatória, razão pela qual não contará nem com o nosso apoio nem com o nosso voto favorável. Sr. Presidente, Sr.as e Senhores Deputados: Quero começar por sublinhar o alargado apoio parlamentar à proposta do Governo que julgo poder deduzir da troca de impressões que aqui tivemos neste debate. Isso é muito importante para uma matéria com a sensibilidade da que hoje aqui tratamos: os serviços de informações. Não vou, naturalmente, perder tempo a esta Câmara com a problemática das regalias que alguns procuraram trazer para a agenda deste debate. Sabem esses, embora não o tenham querido aqui confessar, que muitas das regalias que referem existem já hoje nos estatutos dos directores quer do SIS, quer do SIED. Sabem esses que tais regalias já hoje existem por aplicação do regime dos gabinetes governamentais ao gabinete do Secretário-Geral do Sistema de Informações. E sabem, também, que do que aqui se trata é apenas de fazer aplicar ao Secretário-Geral do Sistema de Informações o mesmo estatuto de regalias que se aplica aos directores dos serviços que lhe incumbe dirigir — uma solução perfeitamente compreensível e com motivos que os Srs. Deputados preferiram ignorar. Mas este não é, nem pode ser, o ponto central deste debate. O ponto central deste debate é o que eu vou referir imediatamente, se os Srs. Deputados tiverem a paciência de me ouvir com um pouco mais de atenção. É aquele que diz respeito, em primeiro lugar, à intervenção do Sr. Deputado Fernando Rosas, porque a intervenção que o Sr. Deputado aqui fez não pode passar em claro neste debate. O que o Sr. Deputado disse foi o seguinte: a proposta de lei que o Governo aqui hoje apresenta confirma — foi o que disse — confirma as notícias vindas a público em Maio. Ora, eu lembro-me bem das notícias vindas a público em Maio — e o Sr. Deputado também devia lembrar-se, sobretudo se as pretende recordar para efeitos deste debate. Essas notícias não diziam respeito, apenas, a uma alegada intenção do Governo de fusão dos serviços de informações — que, aliás, esta lei não confirma, antes desmente. Essas notícias diziam respeito a outra coisa, Sr. Deputado. Diziam respeito à existência, já na altura, de uma secreta paralela, de um serviço privado — alegadamente já existente — à margem da lei e à disposição do Primeiro-Ministro. À margem de qualquer escrutínio ou controlo parlamentar. Um núcleo restrito de análise e de produção de informação. Era essa a notícia de Maio, Sr. Deputado! Foi essa notícia que foi desmentida e foi confirmadamente dada como falsa pelo Conselho de Fiscalização dos Serviços de Fiscalização que esta Assembleia tem. E o que lhe tinha ficado bem, Sr. Deputado, era dar, exactamente, por verificado que essa notícia é um disparate — porque para fazer oposição não é preciso, Sr. Deputado, ir atrás de todos os disparates que são publicados!
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Sr. Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: Antes de iniciar a minha intervenção, queria aqui deixar, em nome do Partido Social Democrata, uma palavra sentida para a família e para os colegas do soldado da GNR que esta madrugada foi vítima de um acidente de viação com um condutor embriagado na A6. Este acidente confirma, aliás, os picos estatísticos que analisámos durante o ano: o período em que mais se morre, por excesso de álcool, nas estradas portuguesas ocorre precisamente entre a meia-noite e a madrugada — cerca de 32% das mortes ocorre durante esse período — e a maioria das infracções por excesso de álcool regista-se com uma taxa de alcoolémia acima de 1,2g/l. O condutor a que me referi registou uma taxa de alcoolémia de 1,7g/l. O Partido Social Democrata espera que este debate e esta legislação possam contribuir para a diminuição destas cifras negras que se registam nas estradas portuguesas e, em nome do Partido Social Democrata, apresento de novo as nossas condolências à família deste soldado da GNR. Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, Sr.as e Srs. Deputados: Vamos, hoje, apreciar um diploma que tem que ver, antes de tudo, com a criação de melhores condições ao nível da circulação rodoviária. Ora, considerados os últimos 20 anos, verifica-se que tanto os acidentes rodoviários como as vítimas daí resultantes, não obstante algumas oscilações, apresentam, em Portugal, uma tendência essencialmente decrescente desde 1985, evolução esta que é ainda mais pronunciada se se tiver em conta que o consumo de combustível, um indicador do volume de tráfego, se caracteriza por uma tendência de crescimento desde então. Temos consciência que este caminho de mais segurança nas estradas não está, nem nunca estará, terminado, há ainda muita gravidade no que se passa, mas não é menos verdade que nos anos mais recentes, no que respeita à sinistralidade rodoviária, Portugal tem vindo claramente a convergir para a média europeia. Nos últimos 20 anos, fomos mesmo o país europeu que mais baixou os indicadores de sinistralidade, tendo essa baixa sido mais acentuada nos últimos anos. Não se trata, pois, de uma redução meramente pontual, mas de uma melhoria estrutural para a qual, entre outros factores, contribuíram melhores vias, melhores condições de segurança das viaturas, mais responsabilidade, formação e civismo dos condutores, um novo Código da Estrada, melhor actuação e rentabilidade das forças de segurança, regimes sancionatórios mais punitivos. Tudo isto tendo como lastro as adequadas políticas de educação rodoviária que foram implementadas, que criaram e sedimentaram atitudes perante o complicado acto que é circular na via pública. O único senão neste trajecto, do qual esperamos um rápido acerto da parte do Governo, foi o abandono dessas políticas de educação rodoviária. O abandono foi tal que as políticas de educação e prevenção rodoviária deste Governo seriam «zero» não fosse a infeliz, enganosa e avulsa campanha televisiva das crianças a entrar no avião. Um abandono que consubstanciou uma violação da lei, pois ao não permitir que se pusessem em prática medidas de prevenção rodoviária o Governo aproveitou para desviar para outros fins as verbas do Fundo de Garantia Automóvel. Hoje, todos sabemos que dos 3,8 milhões de euros que os portugueses, através dos seus seguros automóveis, pagaram para se fazer prevenção rodoviária o Executivo apenas aplicou 1 milhão de euros na referida campanha do avião. Esta situação é muito grave e, por essa razão, pedimos mesmo, na semana transacta, que o Tribunal de Contas se pronuncie sobre este ilegal desvio de verbas. Diga o Governo o que disser a verdade é que 1 milhão de euros é muito pouco para a realidade do país, que deixará de beneficiar dos efeitos positivos que transporta a aposta na prevenção ao nível da circulação nas estradas. Perante estes factos, ficam comprovadas as críticas do Partido Social Democrata quando afirma que em Portugal não existe uma estratégia de educação, sensibilização e prevenção rodoviária. Se mal estamos na prevenção vamos ver, então, como estamos na fiscalização e, no que ao caso importa, na fiscalização da condução sob influência do álcool ou de substâncias psicotrópicas. Sobre esta matéria, estamos aqui para analisar a proposta de lei n.º 78/X, que visa aprovar o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas. Sobre este regulamento, sublinharíamos, neste debate, na generalidade, duas ideias essenciais. A primeira ideia tem que ver com direitos, liberdades e garantias — está pormenorizada e correctamente analisada no Parecer 19/2006, da Comissão Nacional de Protecção de Dados. Sobre isto não devem restar dúvidas que nesta fiscalização tem de prevalecer a segurança, a proporcionalidade, a adequação, a confidencialidade, a integridade da comunicação e conteúdo dos dados pessoais. Pensamos, aliás, que neste capítulo se registarão consensos alargados, pois estão em causa a garantia dos direitos à identidade pessoal, à reserva da intimidade e a protecção contra a utilização abusiva das informações recolhidas. A segunda ideia prende-se com aspectos que, no entender do Partido Social Democrata, devem ser necessariamente aprofundados na especialidade, de que destacamos dois que reputamos essenciais. Destacamos a necessidade de uma fundamentação técnico-científica, por exemplo, para a alteração temporal da colheita de sangue, que é de 2 horas na actual legislação, que se propõe passe a ser efectuada «(…) no mais curto prazo possível, após o acto de fiscalização ou a ocorrência do acidente». De forma genérica, podemos dizer que nos estamos a referir à problemática dos prazos consagrados no regulamento, que precisam, quanto a nós, de suporte científico. Destacamos, igualmente, a necessidade de clarificar uma zona de fronteira rigorosa, também com sustentada fundamentação técnico-científica, entre um condutor que está influenciado com substâncias psicotrópicas, em que estão diminuídas as suas capacidades de condução, ou que possui vestígios de consumo dessas mesmas substâncias. Isto é algo muito sério e de grande responsabilidade. Não podemos ter zonas cinzentas e torna-se imperioso ter uma quantificação clara entre a existência de efeitos das substâncias psicotrópicas, que têm uma determinada duração, e os vestígios, que permanecem de forma prolongada, por exemplo, no sangue. __________________________________________________________________________________________________ Não se trata aqui, cabe esclarecer, de encobrir situações de toxicodependência, mas não se pode cair na ignorância e no perigo de «meter tudo no mesmo saco»; tem de se legislar com muito cuidado. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Analisada a proposta de lei n.º 78/X e apontadas estas nossas primeiras considerações, iremos dar apoio, na generalidade, a esse texto na expectativa de ser melhorado na discussão em sede de especialidade. Estamos a fazê-lo na convicção de que serão respeitadas as recomendações da Comissão Nacional de Protecção de Dados, que o Governo, na exposição de motivos da proposta de lei, diz terem sido acolhidas, mas tal não é verdade. Estamos a fazê-lo na convicção de que será ouvido ou colhido parecer do Instituto Nacional de Medicina Legal, para técnico-cientificamente se fundamentarem as problemáticas dos prazos e a fronteira entre vestígios de drogas e efeitos de drogas. Estamos a fazê-lo na convicção de que urge alterar e criar mecanismos mais eficazes para as forças de segurança poderem actuar sobre a condução efectuada sob influência de substâncias psicotrópicas. Estamos a fazê-lo porque, no que respeita à fiscalização da condução sob o efeito do álcool, realizaram-se, por exemplo, em 2005, 480 000 testes, quando as recomendações europeias apontam para mais de 1,5 milhões, não se estando, assim, a fazer tudo o que era possível para uma melhor segurança rodoviária. Estamos a fazê-lo, por fim, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, para que o Governo não adormeça à sombra dos efeitos positivos resultantes de políticas estruturais que lhe são anteriores e tome as decisões mais acertadas para haver mais e melhor segurança nas estradas portuguesas. Para isso há que apostar em três vertentes deste combate, com o mesmo ânimo e com a mesma motivação: a educação contínua de utentes — a respectiva actividade deste Governo parece-nos insatisfatória, para não dizer inexistente; a criação do ambiente rodoviário seguro – acaba de ter aqui lugar um debate em que pudemos ver que o desinvestimento que este Governo está a fazer na área das obras públicas certamente não irá permitir a criação do ambiente rodoviário seguro que todos desejaríamos, para além de não estar a melhorar as vias de circulação — e a criação e fiscalização de um quadro legal. Ora, é neste âmbito, o da fiscalização, cujos índices ainda não são, em termos quantitativos, os melhores, que esta proposta de lei traduz modificações no nosso ordenamento jurídico. E é desta proposta de lei que gostaria de falar-vos, porquanto introduz modificações no procedimento para a fiscalização da condução sob a influência do álcool e de substâncias psicotrópicas, um dos principais, se não o principal, motivos da nossa sinistralidade. Em relação às substâncias psicotrópicas, o rastreio prévio, que até agora se fazia através de exame médico, passará a fazer-se por um teste rápido, que exige a simples recolha de uma amostra de urina, de saliva ou de suor e, no caso de acusar positivo, a sujeição a exame de confirmação por amostra de sangue. O exame médico, na verdade, dada a sua morosidade, passa a ter carácter residual, apenas se realizando caso não seja possível colher sangue ao examinado. Na exposição de motivos alude-se a uma audição da Comissão Nacional de Protecção de Dados, cujas sugestões desconhecemos se foram totalmente acolhidas. Cremos que delas resultam, sobretudo, os artigos 15.º e 16.º da proposta, pois estas disposições não constavam no anterior regulamento e versam matérias relativas à confidencialidade dos dados em todas as operações de colheita, transporte, manuseamento e guarda de amostras biológicas, bem ainda das informações nelas obtidas, e à conservação das amostras e sua destruição. Comparando este novo regulamento com o anterior notam-se algumas diferenças. No que respeita à regulamentação do método de fiscalização, elimina-se a possibilidade de se pedir a contraprova no caso do exame qualitativo ser positivo, bem como a obrigação de o examinando pagar as despesas da contraprova no caso de confirmação do resultado do exame qualitativo — não nos parece mal esta alteração. O artigo 8.º, por outro lado, e ao contrário, define as substâncias psicotrópicas que devem ser especialmente controladas, o que não deixa de nos suscitar a seguinte dúvida: as substâncias referidas sãono por serem as mais incapacitantes para a condução ou apenas por serem as mais comuns, as mais consumidas? Trata-se de uma matéria que gostaríamos de ver esclarecida, tanto mais que o artigo 9.º prevê a possibilidade de aprovação de «(…) um guia orientador do influenciamento (…)» — estou a cita, e julgo que é uma expressão que poderemos melhorar em sede de especialidade – «(…) por substâncias psicotrópicas (…)». A ser assim, para que efeito? Não o vislumbramos, pelo que gostaríamos de perceber, embora possa ser, obviamente, uma questão de falta de entendimento da nossa parte. Em suma, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, numa apreciação global, entendemos que esta proposta de lei representa um avanço, indo, aliás, ao encontro da melhor prática de vários países da União Europeia. Mas gostaríamos, de igual modo, que fosse realizado um estudo sobre os efeitos que os fármacos, as denominadas drogas lícitas, podem provocar na condução, nomeadamente quando causam sonolência ao volante. De acordo com o já citado Plano Nacional de Prevenção Rodoviária, estava prevista, ou pelo menos estava a ser negociada, a possibilidade da introdução nos fármacos de um aviso sobre os efeitos secundários que poderiam provocar, avisando os utentes. Cremos que esta é uma matéria que o Governo não deixará de aprofundar, porque nos parece da maior importância. Quanto ao mais, tratando-se de matérias relativas a direitos fundamentais, julgamos que este diploma pode e deve ser melhorado, em sede de especialidade, e é o que faremos construtivamente…
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Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, Sr.as e Srs. Deputados: Debatemos, hoje, um tema da máxima importância e que atinge transversalmente toda a sociedade portuguesa — a sinistralidade rodoviária. Em 2002, em Portugal, morriam, em média, quatro pessoas por dia em consequência de acidentes de viação, com os compreensíveis e elevados custos humanos e materiais. Hoje, quatro anos volvidos, morrem pouco mais de duas pessoas por dia. Ainda assim é muito, diria mesmo demasiado. Contudo, não podemos deixar de afirmar que o Objectivo 2010, previsto no Plano Nacional de Prevenção Rodoviária e que propunha a redução em 50% da média do número de mortos e feridos graves ocorridos entre 1998 e 2000 em Portugal, se encontra atingido quatro anos antes, tendo Portugal, a par da França, sido quem mais reduziu os índices da sua sinistralidade. Estamos ainda, porém, entre os países com piores números e índices de sinistralidade da União Europeia. Esses números e essas reduções, que são claramente sustentadas, só podem e devem servir para nos motivar ainda mais a combater este flagelo. Para isso há que apostar em três vertentes deste combate, com o mesmo ânimo e com a mesma motivação: a educação contínua de utentes — a respectiva actividade deste Governo parece-nos insatisfatória, para não dizer inexistente; a criação do ambiente rodoviário seguro – acaba de ter aqui lugar um debate em que pudemos ver que o desinvestimento que este Governo está a fazer na área das obras públicas certamente não irá permitir a criação do ambiente rodoviário seguro que todos desejaríamos, para além de não estar a melhorar as vias de circulação — e a criação e fiscalização de um quadro legal. Ora, é neste âmbito, o da fiscalização, cujos índices ainda não são, em termos quantitativos, os melhores, que esta proposta de lei traduz modificações no nosso ordenamento jurídico. E é desta proposta de lei que gostaria de falar-vos, porquanto introduz modificações no procedimento para a fiscalização da condução sob a influência do álcool e de substâncias psicotrópicas, um dos principais, se não o principal, motivos da nossa sinistralidade. Em relação às substâncias psicotrópicas, o rastreio prévio, que até agora se fazia através de exame médico, passará a fazer-se por um teste rápido, que exige a simples recolha de uma amostra de urina, de saliva ou de suor e, no caso de acusar positivo, a sujeição a exame de confirmação por amostra de sangue. O exame médico, na verdade, dada a sua morosidade, passa a ter carácter residual, apenas se realizando caso não seja possível colher sangue ao examinado. Na exposição de motivos alude-se a uma audição da Comissão Nacional de Protecção de Dados, cujas sugestões desconhecemos se foram totalmente acolhidas. Cremos que delas resultam, sobretudo, os artigos 15.º e 16.º da proposta, pois estas disposições não constavam no anterior regulamento e versam matérias relativas à confidencialidade dos dados em todas as operações de colheita, transporte, manuseamento e guarda de amostras biológicas, bem ainda das informações nelas obtidas, e à conservação das amostras e sua destruição. Comparando este novo regulamento com o anterior notam-se algumas diferenças. No que respeita à regulamentação do método de fiscalização, elimina-se a possibilidade de se pedir a contraprova no caso do exame qualitativo ser positivo, bem como a obrigação de o examinando pagar as despesas da contraprova no caso de confirmação do resultado do exame qualitativo — não nos parece mal esta alteração. O artigo 8.º, por outro lado, e ao contrário, define as substâncias psicotrópicas que devem ser especialmente controladas, o que não deixa de nos suscitar a seguinte dúvida: as substâncias referidas sãono por serem as mais incapacitantes para a condução ou apenas por serem as mais comuns, as mais consumidas? Trata-se de uma matéria que gostaríamos de ver esclarecida, tanto mais que o artigo 9.º prevê a possibilidade de aprovação de «(…) um guia orientador do influenciamento (…)» — estou a cita, e julgo que é uma expressão que poderemos melhorar em sede de especialidade – «(…) por substâncias psicotrópicas (…)». A ser assim, para que efeito? Não o vislumbramos, pelo que gostaríamos de perceber, embora possa ser, obviamente, uma questão de falta de entendimento da nossa parte. Em suma, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, numa apreciação global, entendemos que esta proposta de lei representa um avanço, indo, aliás, ao encontro da melhor prática de vários países da União Europeia. Mas gostaríamos, de igual modo, que fosse realizado um estudo sobre os efeitos que os fármacos, as denominadas drogas lícitas, podem provocar na condução, nomeadamente quando causam sonolência ao volante. De acordo com o já citado Plano Nacional de Prevenção Rodoviária, estava prevista, ou pelo menos estava a ser negociada, a possibilidade da introdução nos fármacos de um aviso sobre os efeitos secundários que poderiam provocar, avisando os utentes. Cremos que esta é uma matéria que o Governo não deixará de aprofundar, porque nos parece da maior importância. Quanto ao mais, tratando-se de matérias relativas a direitos fundamentais, julgamos que este diploma pode e deve ser melhorado, em sede de especialidade, e é o que faremos construtivamente porquanto se trata de uma matéria que a todos deve aproximar e, mais do que isso, que a todos deve motivar.
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Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, Sr.as e Srs. Deputados: Apreciamos hoje a proposta de lei n.º 78/X, que pretende ver aprovado o regulamento de fiscalização da condução sob influência do álcool ou de substâncias psicotrópicas. No início desta intervenção, parece-nos oportuno e adequado fazer um rápido enfoque, em jeito de contextualização do tema, sobre a problemática geral da sinistralidade rodoviária em Portugal. Evoco, para o efeito, o relatório anual, do ano de 2005, sobre a sinistralidade rodoviária. O balanço dos dados é perfeitamente evidente: em 2005, morreram, nas estradas portuguesas, 1094 portugueses e, dos 37 066 acidentes verificados, ainda resultaram 3762 feridos graves e 45 487 feridos ligeiros. A evidência destes números, naturalmente, ainda nos deixa, a todos, muito preocupados. Contudo, o ano de 2006 apresenta uma evolução significativa no sentido da melhoria destes resultados, dado que, no final do 1.º semestre, verifica-se uma redução de 169 mortos e 95 feridos graves em acidentes de viação. Naturalmente, estes resultados são animadores, os dados estatísticos encorajam-nos, mas, no entanto, é presença constante a consciência de que muito ainda há a fazer nesta matéria, para reduzirmos drasticamente este flagelo em Portugal. São evidentes e devidamente diagnosticadas as principais causas deste problema: a qualidade da infraestrutura viária, particularmente ao nível da rede secundária, das estradas nacionais e das estradas municipais; o excesso de velocidade na condução nas estradas portuguesas; a condução sob a influência do álcool e dos estupefacientes, com os efeitos daí resultantes. O combate, o ataque a estas causas é, seguramente, um desígnio nacional. É necessário melhorar a sinalização das vias rodoviárias, corrigir e melhorar a rede da infra-estrutura viária, aumentar a segurança dos veículos, investir continuamente na educação cívica dos utentes da rodovia e melhorar a formação para obtenção da carta de condução — e, nesta matéria, parece-nos importante que se inicie um processo de avaliação da emissão das cartas de condução e se lance um debate sobre a possibilidade da adopção do sistema de cartas de condução por pontos, o qual está hoje praticamente generalizado na Europa. É ainda importante que a fiscalização seja mais eficiente — para tal são necessários mais meios e melhor formação das forças policiais — e ainda que as punições, como aqui já foi referido, sejam ajustadas mas, sobretudo, céleres e efectivamente inibidoras da continuação das infracções. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A condução sob a influência do álcool e de substâncias psicotrópicas é, comprovadamente, uma das mais importantes causas da sinistralidade no nosso país. O Código da Estrada em vigor, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, proíbe o uso destas substâncias, qualificando-o como infracção grave e muito grave, estabelece penalidades e determina a existência de regulamentação para a fiscalização nesta matéria. Actualmente, está em vigor um regulamento aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 24/98, o qual tem vindo a ser utilizado no processo de fiscalização. A título de informação, no ano de 2005, a Brigada de Trânsito da GNR e a Divisão de Trânsito da PSP efectuaram mais de 488 000 testes de controlo, em que se verificaram mais de 30 800 infracções. Embora registando que, em relação a 2004, há um aumento do número de testes e, felizmente, uma redução do número de infracções, é por demais evidente a necessidade de melhorarmos as prestações nesta matéria. A experiência de oito anos de aplicação do actual regulamento, a evolução dos métodos de detecção destas matérias e a evolução dos equipamentos de medição, as insuficiências e omissões na fiscalização de substâncias psicotrópicas e alguma complexidade nos processos actualmente estabelecidos são aspectos que motivam a apresentação de uma proposta de lei para aprovação de um novo regulamento, e agora actualizado. Esta proposta estabelece que os métodos de fiscalização sejam actualizados em termos técnicos e tecnológicos, enumera as substâncias psicotrópicas que podem influenciar a capacidade de condução, designa as entidades públicas responsáveis pelos exames médicos e laboratoriais, torna mais expedito e eficaz o controlo da taxa de alcoolémia e cria condições para uma fiscalização mais sistemática da condução sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta em apreço introduz algumas alterações na fiscalização da condução sob a influência do álcool, mas é sobretudo no controlo das substâncias psicotrópicas que as alterações são mais significativas. Relativamente ao controlo do álcool, propõe-se agora que possa recorrer-se à análise de sangue por impossibilidade da realização dos testes quantitativos. Anteriormente, tal possibilidade só acontecia em caso de acidente ou por motivo de saúde. A colheita de sangue deve ser realizada no mais curto espaço de tempo após a fiscalização, mas poderá ser feita para além do prazo máximo anteriormente estabelecido, de duas horas. O exame médico para a detecção do estado de influenciado pelo álcool só poderá ser realizado em estabelecimento da rede pública de saúde. O tipo de exame passará a ser uniformizado de acordo com um modelo ou um roteiro de procedimentos que será aprovado por portaria conjunta dos Ministérios da Administração Interna, da Saúde e da Justiça. Relativamente às substâncias psicotrópicas, são agora definidas quais as que influenciam a condução, claramente os canabinóides, a cocaína, os opiáceos, as afetaminas e derivados. A detecção passa a ser feita através de exames de rastreio, de exames de confirmação e de exames médicos, entendendo-se como rastreio testes rápidos em amostras em fluidos biológicos — saliva, suor e urina —, a confirmação é feita através de análises de sangue e os exames médicos, também neste caso, são realizados de acordo com o normativo estabelecido pela portaria conjunta dos ministérios atrás referidos. __________________________________________________________________________________________________ Há inovações que, no nosso entender, devem ser destacadas e são significativas. É garantida a completa confidencialidade dos dados, consagrada no artigo 15.º da proposta de lei, e é atribuída ao Instituto de Medicina Legal a conservação das amostras, garantindo-se assim a possibilidade de prova futura. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O combate à sinistralidade rodoviária por diversas vias, nomeadamente pelo controlo da fiscalização da condução sob a influência do álcool e substâncias psicotrópicas, seguramente mobiliza a sociedade portuguesa e transcende a simples luta política e as divergências partidárias. A proposta de regulamento parece-nos estar bem estruturada, elucida os condutores sobre direitos e deveres e também sobre procedimentos de fiscalização, é de fácil interpretação e aplicação por parte das autoridades e estabelece métodos e técnicas de fiscalização actualizados tecnologicamente. Será, portanto, e seguramente, mais um bom instrumento de combate às causas da sinistralidade rodoviária, que todos queremos ver reduzida. Estamos, pois, convictos que merecerá um amplo consenso desta Câmara, aliás já de alguma maneira anunciado nas intervenções anteriores. Assim o esperamos, assim o deseja o PS, assim o exige o interesse público e o bem-estar da nossa sociedade.
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Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei hoje em debate coloca-nos novamente perante a questão da proporcionalidade dos direitos. Estamos perante uma proposta de lei que visa proteger o direito da segurança rodoviária mas que tem implicações directas com direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e cidadãs. Todos os cuidados são, portanto, poucos e exige-se que a legislação nestas matérias seja clara e não deixe margem para variáveis interpretações e muito menos para aplicações diversas. A legislação deve facilitar a intervenção no terreno das forças de segurança nomeadamente, porque são os primeiros intervenientes na aplicação destas normas. Ora, a proposta de lei que hoje o Governo traz a debate levanta-nos sérias dúvidas. O Governo diz, na proposta de lei, que «Foi ouvida a Comissão Nacional de Protecção de Dados, tendo sido acolhidas as contribuições pertinentes (…)». Não posso negar que a Comissão Nacional de Protecção de Dados foi consultada, mas reservo-me o direito de considerar se foi ouvida. Lendo o parecer da Comissão Nacional de Protecção de Dados é fácil concluir que o Governo praticamente não acolheu qualquer das recomendações, nem acautela as importantes chamadas de atenção, sobretudo quando — e cito o referido parecer — «emergirem dúvidas quanto à solução legal encontrada do uso de figuras nesta matéria de sensibilidade e importância reconhecidas, como a portaria e o guia orientador». Acresce, inclusive, que, em relação ao referido guia orientador do influenciamento — tenho de assim o dizer, Sr. Secretário de Estado — por substâncias psicotrópicas, a proposta de lei diz que ele «pode ser» e não que «será» aprovado. Subscrevemos na íntegra todas as dúvidas expressas no parecer da Comissão Nacional de Protecção de Dados, todas elas pertinentes e, pela nossa leitura, sem resposta na proposta de lei, a não ser que o Sr. Secretário de Estado nos elucide e nos dê esses esclarecimentos. Por outro lado, existe ainda uma questão sobre a legalidade formal dos actos a aprovar. O artigo 158.º do Código da Estrada obriga a que a forma e os meios de fiscalização fiquem estabelecidos em regulamento. O Governo apresenta agora esse regulamento, que remete para outros diplomas legais, como portarias, guias e, inclusivamente, mesmo para um mero despacho, numa matéria desta importância. Ou seja, aprovaríamos um regulamento que quase na sua totalidade é remissivo para outras fontes normativas, cujo conteúdo é completamente desconhecido. Fica também por esclarecer, no caso de condutores sob a influência de substâncias psicotrópicas, o que, segundo o Código da Estrada e esta proposta de lei, só pode ser atestado por médico, como se determina se a situação em que o condutor incorreu é passível de contra-ordenação ou crime. Entre a ocorrência da infracção e o exame atestado por um médico quem decide os factores perturbadores da aptidão física, mental ou psicológica? Parece-nos que há aqui um vazio que importa clarificar na lei. Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: A segurança rodoviária deve ser objecto de atenção e acompanhamento permanentes, aliás, tal já foi referenciado por diversas intervenções anteriores, com as quais, nestes aspectos, não posso deixar de dizer que estou completamente de acordo. Sabemos que ainda temos esta batalha civilizacional por ganhar — tornar as nossas estradas seguras, reduzir os acidentes, reduzir a mortalidade —, mas também estamos a falar de direitos, liberdades e garantias de cidadãos e cidadãs. A segurança rodoviária ganhará com a clareza dessas normas, e é isto que gostaríamos que ficasse muito melhor expresso na proposta de lei que o Governo agora aqui apresenta e que, eventualmente, o Sr. Secretário de Estado, na sua intervenção, ainda poderá clarificar. O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe para uma intervenção.
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Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, Srs. Deputados: Esta proposta de lei que o Governo traz a debate diz respeito a uma matéria de grande relevância, que é a segurança rodoviária e, particularmente, a prevenção, a aferição e, se for caso disso, a sanção sobre quem conduza sob a influência do álcool ou de substâncias psicotrópicas. Esta é, portanto, uma questão muito relevante. Não ignoramos que muitos dos acidentes que, infelizmente, vitimam numerosas pessoas na estrada têm a ver, sobretudo, com o abuso do álcool, pelo que temos consciência de que esta matéria reveste grande importância. Neste sentido, associamo-nos ao consenso geral que existe relativamente à importância desta matéria e de legislar sobre ela. Há alguns aspectos, no entanto, sobre os quais creio valer a pena reflectir um pouco neste processo legislativo. Obviamente que os exames previstos na proposta de lei devem ser realizados. Não está em causa a necessidade de realizar exames por forma a aferir da existência ou não de álcool ou de substâncias psicotrópicas no sangue, porém eles devem ser feitos de uma forma desburocratizada, como é evidente, mas com respeito pela dignidade dos visados — portanto, devem ser realizados com respeito não apenas pelos direitos mas também pela dignidade das pessoas — e devem ser fiáveis. Todas as pessoas que, porque tiveram um acidente ou por qualquer outra razão, devam ser submetidas a estes testes devem ter garantias quanto à sua fiabilidade e que os mesmos serão realizados com respeito pelos seus direitos essenciais. A preocupação surge quando, no artigo 10.º, se remete a forma de realização do exame de confirmação, depois de um rastreio, para «nos termos definidos em portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da Administração Interna, da Justiça e da Saúde». Ou seja, a forma como o exame de confirmação é realizado é deixada para ser definida por portaria. Creio que essa portaria é essencial. Aliás, devo dizer até que, por mera casualidade, tive de deslocar-me com um familiar a uma urgência hospitalar e, enquanto lá estava, numa longa espera, verifiquei que agentes da PSP entravam com um jovem condutor, presumo, para ser submetido a um exame para detecção de substâncias psicotrópicas. E isto foi feito no meio de uma urgência hospitalar altamente concorrida, passando à frente das pessoas que estavam ali para serem atendidas e — devo dizer — com grande constrangimento para a própria pessoa e para todas as outras pessoas que lá estavam. E aquela pessoa, estivesse ou não sob o efeito de substâncias psicotrópicas, o facto é que ficou ali umas horas e, para todos os efeitos, estava nessa situação. Portanto, foi submetida a um verdadeiro vexame público. Não faço a mínima ideia se a pessoa estava ou não sob a influência fosse do que fosse, não faço ideia de quem seja a pessoa e se a vir agora na rua já não me lembro dela, mas se, por acaso, fosse alguém que eu conhecesse, de longe ou de perto, eu sabia que ela tinha estado ali, levada por dois polícias fardados, para ser submetida, à frente de toda a gente, a um exame para detecção de substâncias psicotrópicas. Penso que isto não é ter respeito pela dignidade das pessoas. E, portanto, penso que estes exames devem ser feitos, mas esta portaria deverá ter em atenção que os mesmos devem ser realizados por forma a respeitar, no mínimo, alguma privacidade, porque não vale a pena estarmos a dizer que os dados são confidenciais e tudo mais quando a pessoa já foi submetida a exames à frente de toda a gente. Portanto, penso que este aspecto deveria ser salvaguardado, dever-se-ia reflectir sobre ele. Trata-se de um problema de regulamentação, é o Governo que vai ter de fazer estas portarias, mas penso que se deveria verificar como vão ser feitos estes exames por forma a salvaguardar o mínimo dos mínimos. Finalmente, há um outro aspecto cuja razão de ser não compreendemos, que é a conservação das amostras biológicas, prevista no artigo 16.º, por um prazo de três anos. Não se vê justificação para isto. Isto é, se se verificou, com base nos exames, que existiam, de facto, substâncias psicotrópicas ou álcool em excesso, como é evidente, isto dá lugar a um processo contra-ordenacional ou criminal, conforme o caso, e é óbvio que, no decurso desse processo e para os respectivos efeitos, os testes têm de ser salvaguardados, senão perder-se-iam os meios de prova. Não sendo este o caso, não há qualquer razão para que os dados fiquem guardados durante três anos. Assim, se não há lugar a qualquer processo, se se verificou que a pessoa não tinha nada, não vejo por que razão é que se têm de estabelecer moratórias de três anos para que os serviços hospitalares tenham de estar a guardar estes elementos. Logo que esteja resolvido o processo, não há razão alguma para que os dados permaneçam na sua posse. __________________________________________________________________________________________________ Portanto, estes dados, sendo confidenciais, devem ser guardados pelo mínimo de tempo necessário e destruídos logo que não façam falta para qualquer efeito probatório. Neste sentido, não vemos qual é a razão para que as análises tenham de ficar retidas por um período de três anos e para que só após este período possam ser destruídas, salvo ordem judicial em contrário. É evidente que, havendo ordem judicial, tudo bem, mas não se compreende que, na falta dela, devam estar conservadas por um período mínimo de três anos. Logo, há aqui aspectos sobre os quais ainda vale a pena reflectir, não pondo em causa, evidentemente, a justeza essencial desta iniciativa, que é contribuir para que haja menos acidentes, nomeadamente provocados pelo consumo de álcool e de substâncias psicotrópicas de alguns condutores, pois, infelizmente, continuamos a ser confrontados, todos nós, com acidentes, praticamente diários, por causas relacionadas, sobretudo, com o consumo de álcool. É esta a nossa posição. Vale a pena reflectirmos um pouco na especialidade e, sobretudo, vale a pena o Governo reflectir muito bem na regulamentação que vai ter de fazer deste diploma. Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha primeira nota é para agradecer o contributo de todas as bancadas e a unanimidade que hoje, aqui, se demonstrou. Não temos, nesta matéria, qualquer obsessão e, portanto, esta iniciativa legislativa deve merecer, na Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações e, provavelmente, na 1.ª Comissão — já agora, deixo à Assembleia, se me permite, esta humilde proposta, no sentido de que a 1.ª Comissão também possa acompanhar o trabalho, na especialidade, desta iniciativa legislativa —, da nossa parte, toda a abertura para podermos alterar, acrescentar, mudar as normas que aqui estão insertas, no sentido de obtermos um verdadeiro diploma que mereça unanimidade na Câmara, quanto tiver de subir, novamente, para votação final global. Sr. Presidente, sobram algumas questões que me parecem importantes. Esta matéria só está aqui a ser discutida, porque é uma matéria de direitos, liberdades e garantias — e é aqui que tem de se colocar o debate. Foi por isto que, na minha primeira intervenção, me restringi, única e simplesmente, ao diploma. Não fiz qualquer proclamação a propósito dos grandes objectivos da segurança rodoviária e podia tê-lo feito, até porque esses grandes objectivos foram partilhados pelas bancadas de todos os partidos e também pelo Governo. Sabemos o que temos de fazer para resolver ou para caminhar para a resolução deste enorme problema de segurança interna. Não podemos continuar a ter os mortos e os feridos que temos nas estradas. Portanto, todos temos de fazer um caminho. Mas a iniciativa legislativa está aqui por ser uma questão de direitos, liberdades e garantias, e esta é a primeira questão. Quanto à incorporação do parecer da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), entendemos que devemos passar para esta iniciativa as questões que a Comissão levantou e que, na nossa perspectiva, cumprem as dúvidas da própria Comissão. No entanto, se os Srs. Deputados, especialmente os Srs. Deputados do Bloco de Esquerda, ainda têm algumas dúvidas, podemos aprimorar a redacção, no sentido de cumprir tudo o que a CNPD determinou. Há, porém, uma segunda orientação da Comissão Nacional de Protecção de Dados — penso que os Srs. Deputados não leram o parecer. É que tanto a portaria como o guia merecerão uma apreciação por parte da CNPD, garantindo que todo o processo, do princípio ao fim, está dentro das normas legais e tenha um acompanhamento claro desta mesma Comissão. É claro que estamos a aprovar, aqui, um regulamento adstrito a uma proposta de lei que se extinguirá na votação final global e na sua própria publicação e, a partir daí, compete ao Governo desenvolvê-lo, através de portaria e da determinação de um guia. Porém, sabemos quais são as nossas obrigações e, no âmbito do cumprimento estrito das determinações da Comissão Nacional de Protecção de Dados, iremos cumpri-las até ao último pormenor. Uma segunda nota importante tem a ver com os critérios que são utilizados pelo Instituto de Medicina Legal. Temos em nosso poder, e podemos fornecer à Assembleia da República, todos os pareceres e as orientações técnicas do Instituto de Medicina Legal — e se ainda o não fizemos falhámos — e, portanto, temos a obrigação de entregar às comissões todos estes pareceres, que determinarão as razões que levam a que existam algumas mudanças de prazos. Por exemplo, o facto de o prazo de oito dias passar para um prazo mais curto possível tem a ver com as circunstâncias próprias do lugar onde aconteceu, ou pode ter acontecido, a infracção, da maior proximidade do serviço do Instituto de Medicina Legal, e com toda a tramitação com garantias de segurança, de privacidade e de que o cidadão será tratado dentro daquilo que são os seus próprios direitos. Portanto, mudámos o prazo de oito dias para o prazo mais curto, que pode ser de dois ou de três dias ou pode ser um prazo adequado ao próprio funcionamento do Instituto de Medicina Legal — esta circunstância foi um pedido do próprio Instituto de Medicina Legal para cumprir melhor aqueles que são os objectivos previstos, já hoje, na própria lei. Relativamente às normas de actuação por parte das forças de segurança, elas têm a ver com o guia que vamos determinar. Ou seja, a Direcção-Geral de Saúde vai determinar um guia que servirá para todos os agentes que vão intervir nestes processos, desde logo, as forças de segurança. Sob o ponto de vista técnico, este é um guia completo e também já tenho em meu poder uma primeira proposta, que posso fornecer à Comissão para permitir aos Srs. Deputados fazerem uma discussão conjunta incluindo já este mesmo guia. Não tenho qualquer problema em fazer chegar à Comissão este documento para que possa ser discutido em conjunto nas comissões, permitindo uma leitura adequada desse mesmo diploma. Consideramos que, nesta matéria, não pode sobrar qualquer dúvida, porque, se assim não for, estaremos a criar novos problemas, que teremos de resolver, mais tarde, com novas iniciativas legislativas. Por isso, penso que devemos fazer o caminho de aprimoramento desta questão das normas de actuação e do guia a emitir por parte da Direcção-Geral de Saúde. Por fim, quanto às amostras biológicas, o Sr. Deputado António Filipe tem toda a razão. Só quisemos garantir que, no âmbito do processo normal em trânsito, quer na Direcção-Geral de Viação quer nos tribunais, tivéssemos ainda na nossa posse, ou na da entidade a quem compete deter as amostras, todas as amostras necessárias para que o cidadão se possa defender. Provavelmente, fomos longe de mais. Ou seja, definindo o período de três anos, estamos a assumi-lo para todos os casos e, se calhar, não é necessário. Talvez possamos aprimorar esta redacção, no sentido de que, em todas as situações que se extingam neste prazo, as amostras sejam imediatamente anuladas e deixem de constar no Instituto de Medicina Legal. Srs. Deputados, este debate foi importante também para o Governo, porque esta iniciativa vai no sentido de resolvermos um problema que é grave: a condução sob o efeito de álcool ou de substâncias psicotrópicas. Nesta perspectiva, entendemos que esta discussão e as propostas foram bem-vindas e que podemos fazer o caminho para encontrar um bom diploma que reúna o consenso de todas as bancadas.
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Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, gostaria de colocar-lhe três questões que a leitura desta proposta de lei nos suscita, não tecendo, para já, qualquer consideração sobre os princípios expressos na exposição de motivos, algo que deixarei para mais tarde. A primeira questão prende-se com um objectivo disposto no artigo 3.º desta proposta de lei, no qual se propõe a intensificação da utilização dos sistemas electrónicos, para que, a partir de 1 de Janeiro de 2007, pelo menos 50% do tráfego em cada praça de portagem use o sistema electrónico. Gostaria que o Sr. Secretário de Estado nos explicasse como é que o Governo chegou a este número e como é que avalia a possibilidade de, num tão curto espaço de tempo, poder garantir que 50% do tráfego será feito através do sistema electrónico de portagem. De facto, se a adesão não for suficiente e se não for possível atingir esta percentagem, vão com certeza aumentar as longas filas dos que não aderiram ao sistema electrónico, coisa que, aliás, já ocorre, como o Sr. Secretário de Estado bem sabe, quando as concessionárias das auto-estradas decidem, pura e simplesmente, fechar as cabines de portagem. Nessas ocasiões, quem não tiver Via Verde ficará na fila, o que levará, por __________________________________________________________________________________________________ certo, à discriminação dos utentes. Parto do princípio, obviamente, que o Governo fez algum estudo sobre esta matéria que lhe permita avançar com este valor. Em segundo lugar, esta proposta de lei permite a existência de uma via dupla, garantindo, para mais, as questões de segurança, se bem que não diga como. Como o Sr. Secretário de Estado sabe, a Subcomissão de Segurança Rodoviária teve a oportunidade de ouvir, em sede de especialidade, várias entidades ligadas às auto-estradas. Nessas audições, foi-nos dito por comissões de trabalhadores e por associações de utentes que a questão da segurança nas vias electrónicas é preocupante, não estando, de nenhum modo, assegurada. Como tal, pergunto-lhe se o diploma não deveria, em vez de possibilitar a existência de vias duplas sem nos deixar perceber exactamente como é que a segurança será garantida, obrigar o reforço da segurança e dos níveis de informação em todas as praças de portagem. Pergunto-o porque, como é do conhecimento público, há acidentes nestas vias. Finalmente, gostava de saber o que vai acontecer aos equipamentos. Sei que a proposta de lei prevê dois prazos suficientemente alargados, mas a verdade é que é omissa quanto à explicação do que vai suceder aos utentes que já hoje dispõem de equipamento. Quando estes utentes forem proceder à sua troca terão de suportar algum custo? Como é que se vai proceder à actualização do equipamento?
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A presente proposta de lei pretende transpor para a ordem jurídica nacional a Directiva 2004/52/CE, do Parlamento e do Conselho Europeu, de 29 de Abril de 2004, relativa à interoperabilidade os sistemas electrónicos de portagem rodoviária na Comunidade Europeia, com vista à implementação do Serviço Electrónico Europeu de Portagem. O Livro Branco «A Política Europeia dos Transportes no Horizonte 2010: a Hora das Opções» contém objectivos em matéria de segurança e fluidez do tráfego rodoviário, assumindo os sistemas de transportes inteligentes interoperáveis como os que estão aqui em discussão um papel decisivo para alcançar esses objectivos. Recentemente, em deslocação a este mesmo Parlamento, o Sr. Jacques Barrot, Vice-Presidente da Comissão dos Transportes e do Turismo do Parlamento Europeu, mostrou o seu contentamento pelo trabalho já realizado tendo por base o Livro Branco, realçando que um dos quatro eixos fundamentais do trabalho da sua Comissão é o de ter necessariamente em conta, desde a fase de concepção dos projectos até à fase final, a importância dos aspectos ligados à interoperabilidade. Jacques Barrot sublinhou igualmente a necessidade de uma coordenação ao longo de cada um destes eixos, seja no planeamento das infra-estruturas, na política dos transportes ou na gestão dos fluxos de tráfego. É, por isso, premente aproveitar a inovação tecnológica, que constitui simultaneamente um desafio e uma oportunidade, para integrar os meios de transporte, optimizando o seu desempenho e, não menos importante, tornando-os cada vez mais seguros, contribuindo para compatibilizar o sistema europeu de transportes com o desejado desenvolvimento sustentável. Na verdade, a inovação tecnológica dos transportes tem sido encarada pela União Europeia de uma forma muito activa. Os programas de investigação e desenvolvimento apoiam a inovação, enquanto as redes transeuropeias constituem o quadro privilegiado de aplicação em grande escala. Neste quadro, as novas tecnologias da sociedade de informação podem dar — e darão, com certeza — um importantíssimo contributo para a criação de um sistema eficaz e seguro de transportes. Torna-se, assim, necessário generalizar a utilização destes sistemas nos Estados-membros e países vizinhos, o que, com a existência de sistemas interoperáveis adaptados ao futuro desenvolvimento de uma política de cobrança rodoviária à escala comunitária, permitirá, de forma integrada e sustentada, promover uma verdadeira política comum de transportes na União Europeia. Na verdade, politicas isoladas nesta área são actualmente um acto que revela falta de visão estratégica, tanto mais que a abolição de fronteiras físicas no espaço europeu tornou ainda mais urgente uma visão integrada desta problemática. Nestes termos, os sistemas de portagem electrónica contribuem para o aumento da segurança rodoviária, para a redução das transacções em numerário, do congestionamento nas praças de portagem e, particularmente em dias de grande afluência ou em determinados pontos da rede, para a redução do impacte ambiental negativo dos veículos em espera e em arranque, bem como do impacte ambiental relacionado com a instalação de novas barreiras de portagem ou a ampliação das já existentes. Terá de ser tida em conta, no que for tecnicamente possível, como é lógico, a possibilidade de ligar as tecnologias e os componentes previstos a outros componentes do veículo já em fase de implementação ou por implementar, como o tacógrafo electrónico e os serviços de comunicação de emergência. De facto, um dos objectivos da União Europeia é o de que os Estados-membros que possuem sistemas electrónicos de portagem, como Portugal, intensifiquem a utilização destes sistemas e tomem as medidas necessárias para que, em Janeiro de 2007, 50% do fluxo de tráfego nas portagens seja de utilizadores com sistemas electrónicos de portagem. No nosso país, a utilização destes meios ainda é reduzida, apesar de nos últimos anos se ter registado um significativo aumento dos aderentes. Torna-se, portanto, necessário aplicar estas medidas de maior incentivo a este sistema. Por fim, a protecção de dados pessoais necessários ao funcionamento do serviço electrónico que estamos a discutir parece-nos garantida na presente proposta, na medida em que estes dados são abrangidos pelas normas nacionais e europeias de protecção das liberdades e dos direitos fundamentais, nomeadamente no que se refere à sua privacidade. Por isto, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, o CDS-PP encara a transposição desta Directiva como uma efectiva oportunidade, mais do que como uma necessidade, para que o Governo possa conceber um plano eficaz que promova a utilização no nosso país das novas tecnologias e da inovação em todos os domínios, neste caso no que se reporta aos transportes rodoviários e à mobilidade. Assim o esperamos.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: O Governo traz a esta Assembleia da República o pedido de autorização legislativa para transpor para a ordem jurídica interna a Directiva 2004/52/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2004, relativa à interoperabilidade dos sistemas electrónicos de portagem rodoviária na Comunidade, tendo em vista a implementação do Serviço Electrónico Europeu de Portagem. A Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações já se pronunciou, dando o seu parecer favorável a esta iniciativa, importando, agora, tomar uma posição política quanto à mesma. Sr.as e Srs. Deputados, como já se plasmou na relatório apresentado na 9.ª Comissão e como se encontra amplamente vertido na exposição de motivos da proposta de lei, foi tomado em consideração o Livro Branco sobre a política europeia de transportes, o qual contém objectivos claros em matéria de segurança e fluidez do tráfego rodoviário, no sentido de facilitar a circulação de pessoas e bens, a segurança e a mobilidade no espaço comunitário. Ora, para se atingir estes fins, é essencial a progressiva generalização de sistemas electrónicos para a cobrança de portagens, de forma a aliviar a concentração nas portagens do tráfego rodoviário, contribuindo esta medida, igualmente, para um melhor equilíbrio ambiental. A Directiva 2004/52/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2004, relativa à interoperabilidade dos sistemas electrónicos de portagem rodoviária na Comunidade, veio estabelecer as condições necessárias para assegurar a interoperabilidade dos sistemas electrónicos de portagem rodoviária na Comunidade e procedeu à criação de um Serviço Electrónico Europeu de Portagem. Os sistemas de portagem electrónica — relativamente aos quais Portugal é pioneiro, através da Via Verde, sistema que já se encontra a funcionar no espaço europeu, nomeadamente em Espanha — contribuem para o __________________________________________________________________________________________________ aumento da segurança rodoviária, para a redução das transacções em numerário e, consequentemente, para o descongestionamento das praças de portagem. A melhor opção, a opção do futuro, passa, inquestionavelmente, pela interoperabilidade dos sistemas electrónicos, aproveitando o desenvolvimento tecnológico, de forma a garantir a todos os consumidores a possibilidade de utilizarem, sem prejuízo, este sistema. Sr.as e Srs. Deputados, de essencial, temos a reter da proposta de lei o seu artigo 2.º, que, definindo o âmbito de aplicação da futura lei, diz que esta será «aplicável à cobrança electrónica de qualquer tipo de taxas de utilização das infra-estruturas rodoviárias no conjunto da rede rodoviária nacional, urbana e interurbana, nas auto-estradas, vias principais ou secundárias, e em estruturas ou meio de transporte como túneis, pontes e transbordadores». São, por outro lado, relevantes as excepções à lei: os sistemas de portagem rodoviária para os quais não existam meios electrónicos de cobrança; os sistemas electrónicos de portagem rodoviária que não exijam a instalação de equipamento no veículo, e pequenos sistemas de portagem rodoviária, estritamente locais, para os quais os encargos com o cumprimento dos requisitos da presente lei sejam desproporcionados em relação aos benefícios. Outro dos temas a relevar diz respeito à opção das soluções tecnológicas (constante do artigo 3.º) que têm obrigatoriamente de se basear na utilização de uma ou várias das tecnologias seguintes: posicionamento por satélite; comunicações móveis segundo a norma GSM – GPRS, ou tecnologias microondas a 5,8 GHz. Importante é ainda a aposta na utilização de sistemas electrónicos de portagem, no sentido de que, até 1 de Janeiro de 2007, pelo menos 50% do tráfego em cada praça de portagem possa utilizar sistemas electrónicos de portagem. A lei ora proposta não descurou a protecção dos dados pessoais, nem o podia fazer, sob pena de violar as disposições legais aplicáveis, consagrando, no artigo 6.º, que «Os dados pessoais necessários ao funcionamento do serviço electrónico europeu de portagem são tratados segundo as normas nacionais e europeias de protecção das liberdades e direitos fundamentais, incluindo no que se refere à sua privacidade». Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Por tudo isto, pelas vantagens que este sistema traz aos consumidores, pelo seu impacte ambiental e porque Portugal foi pioneiro do sistema de portagens electrónicas, ao que acresce a possibilidade de alargamento do nosso sistema outros países, o Partido Social Democrata votará favoravelmente esta proposta de lei.
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Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Vivemos num tempo em que o conhecimento, as tecnologias e as comunicações derrubaram as barreiras do isolamento e da distância. Na sociedade globalizada em que nos situamos, há que uniformizar e colocar à disposição dos cidadãos linguagens e meios técnicos que nos facultem fáceis, rápidas e eficientes acessibilidades. Também os transportes rodoviários, um dos vectores da mobilidade e comunicação, têm vindo a sofrer fortes e relevantes mudanças na área da inovação tecnológica. O objectivo deste pedido de autorização legislativa é a transposição de uma directiva europeia (a Directiva 2004/52/CE) para a legislação portuguesa. Este diploma, relativo à interoperabilidade dos sistemas electrónicos de portagem rodoviária na Comunidade, tem em vista a implementação de um Serviço Electrónico Europeu de Portagem. Esta proposta de lei insere-se, assim, nas políticas de transportes e de desenvolvimento tecnológico constantes do Livro Branco sobre a política europeia de transportes, cujos objectivos são o aumento da segurança rodoviária, a fluidez do trânsito, evitando-se os congestionamentos inerentes à existência de portagens e zonas de circulação, a redução de novas barreiras de portagens ou a ampliação das existentes e a diminuição das transacções em numerário. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a aprovação desta proposta de lei irá, pois, permitir, após a elaboração da respectiva regulamentação, a interconexão e comunicabilidade entre os sistemas dos vários Estados-membros a nível técnico, contratual e processual, salvaguardando, contudo, a não discriminação e o livre acesso a todos os fornecedores de sistemas. Refira-se ainda que a lei, no seu artigo 6.º, tratou — e bem! — de garantir a privacidade dos dados pessoais necessários ao funcionamento do Serviço Electrónico Europeu. Esta é uma questão sensível e primordial, pelo que constatamos com agrado o merecido destaque e respeito que lhe foi devido. A Oradora: — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Os sistemas de portagens electrónicas rodoviárias ou sistemas de teleportagem, introduzidos em alguns países nos anos 90, tinham como objectivo diminuir o tempo de passagem nas portagens, aumentado a sua capacidade de controlo de veículos e a consequente fluidez do trânsito. Contudo, tais sistemas são incompatíveis entre si, dificultando a mobilidade no espaço europeu, pelo que se impunha a criação de um serviço de interconexão e comunicabilidade entre os vários sistemas dos países da União. Acresce ainda que a introdução destas novas tecnologias irá também possibilitar a recolha de um outro tipo de informação de grande utilidade para os utentes e que, a título meramente exemplificativo, passamos a enunciar: informações sobre as condições de circulação, a intensidade de tráfego, o tempo de percurso a efectuar e aviso de alertas em caso de acidente. Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Esta Directiva, que impõe a implementação do Serviço Electrónico Europeu de Portagem, de forma a assegurar a interoperabilidade do sistema electrónico de portagem rodoviária a nível nacional e comunitário, merece, obviamente, o apoio e a aprovação do Partido Socialista.
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Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP não tem objecções de princípio à proposta de lei que nos foi presente, no sentido de introduzir a interoperabilidade de sistemas electrónicos de portagem rodoviária na Comunidade, pelo que dará o seu voto favorável, em sede de votação na generalidade, ao referido diploma. Entretanto, pensamos que, em sede de especialidade, alguma coisa poderá e deverá ser feita no sentido de clarificar questões que estão na proposta e de proceder a alterações que nos parecem pertinentes. Na verdade, trata-se de transpor para o direito nacional uma Directiva que contém um conjunto de ideias que, no geral, podemos dizer que partilhamos, nomeadamente no que diz respeito à melhoria da mobilidade, à facilidade de pagamentos e ao escoamento do tráfego nas zonas de portagem. Desde logo, o exposto no n.º 7 do artigo 3.º da proposta de lei merece reflexão, na medida em que, se as portagens electrónicas têm como propósito principal alcançar os objectivos que referi, já nos parece que, se forem utilizados outros meios de pagamento, é necessário clarificar quais são eles. Se, por exemplo, na Via Verde introduzirmos o pagamento por cartão, em vez de conseguirmos a tal fluidez de tráfego que pretendemos com a introdução dos sistemas de portagem electrónica, teríamos a situação contrária: os utentes que pagam para ter este serviço ficariam impossibilitados de usufruir dele plenamente, na medida em que seriam confrontados com a utilização dessa mesma via por utentes que recorreriam a outros métodos de pagamento — só se forem outros métodos de pagamento, para além dos que temos actualmente nas portagens em Portugal. A segunda questão que se nos coloca é a do objectivo fixado na proposta. Se, como refere o n.º 6 do artigo 3.º, o objectivo é que pelo menos 50% do tráfego utilize meios electrónicos de pagamento, e se já hoje esse tráfego atinge os 60%, será que a norma comunitária nos impõe a redução dessa percentagem? Não poderíamos, então, colocar outro objectivo? Penso que valia a pena reflectir sobre este aspecto — aliás, o Sr. Secretário de Estado também acabou de o dizer. Inclusivamente, não vejo na Directiva o objectivo de atingir 50% até 1 de Janeiro de 2007; o que se prevê, sim, é a instalação de diferentes meios electrónicos de cobrança de portagem após 1 de Janeiro de 2007 — é o que lá está escrito! Portanto, não há correspondência entre a proposta apresentada e o que consta da Directiva de 2004. É um pormenor sobre o qual valerá a pena reflectir. Também no que diz respeito à exposição de motivos, o Governo introduz elementos que vão para além dos que nos parecem estar correctamente enunciados, isto se tivermos em conta quer a Directiva quer os fins que há pouco enumerei — descongestionar as praças de portagem, facilitar as transacções em numerário e reduzir o impacte ambiental. Cremos que tudo isto pode ser obtido com o recurso à portagem electrónica. Por outro lado, dizer que a melhoria das infra-estruturas rodoviárias depende da introdução destes mecanismos não nos parece corresponder à realidade, pois as infra-estruturas podem ser excelentes sem que haja mecanismos de cobrança de portagem electrónica. Daí considerarmos haver nesta exposição de motivos aspectos a considerar. Refere-se, por exemplo, que a introdução de sistemas de portagem electrónica é um factor de segurança. Mas, sinceramente, não encontrei igual afirmação na Directiva e interrogo-me sobre quais serão os ganhos, em termos de segurança, que daí advêm. Não nos parece, pois, que tal corresponda a um dos objectivos expressos na Directiva da Comunidade. __________________________________________________________________________________________________ Os demais objectivos enunciados estão correctos, correspondem a ganhos efectivos que poderemos obter e, por isso, não temos dificuldade em partilhá-los. Já os dois aspectos que referi anteriormente não merecem, no essencial, a nossa concordância. Também gostaríamos de ver esclarecidos outros aspectos, mas não teremos oportunidade para tanto, dado que o tempo de intervenção de que o Sr. Secretário de Estado dispõe poderá não ser suficiente para esclarecer tantas questões. Na verdade, quando na Directiva se reconhece ser necessário encontrar mecanismos para responder ao desafio de qualquer utente poder recorrer a um contrato com qualquer uma das concessionárias em qualquer ponto da União (que pode não ser obrigatoriamente da nacionalidade do País onde essa concessionária opera, havendo, portanto, um tráfego em toda a Comunidade, entre vários países e várias concessionárias), tal exige uma logística determinada para garantir que as cobranças efectuadas aos utentes sejam correctamente distribuídas de acordo com o serviço que cada uma delas presta. É, pois, necessário montar todo este mecanismo, assim como introduzir algumas alterações. Portugal é disto um exemplo, na medida em que temos um sistema de portagens determinado e teremos de assegurar os três sistemas que a Comunidade impõe, o que acarreta custos acrescidos e exigências. Preocupa-nos, por isso, saber se haverá, depois, por parte da Comunidade, a disponibilidade dos meios necessários para proceder a estas alterações, se são as concessionárias que as suportam à custa da redução dos lucros que têm tido, ou se, pelo contrário, tudo isto se vai reflectir nas portagens que o utente irá pagar. Estas são questões que deveriam ser bem amadurecidas, por forma a não deixar criar situações que penalizem os utentes, o que seria contrário à filosofia da proposta, que é a de criar melhores condições para os utentes. Todos estes aspectos deveriam ser também equacionados, por forma a que não subsistam dúvidas no momento em que se proceda a um debate mais aprofundado e esclarecedor sobre a matéria Finalmente, faz-se uma referência às pequenas empresas ou pequenas portagens que possam não estar habilitadas a recorrer às tecnologias que todo este sistema exige. E eu pergunto o que são «pequenas portagens»!?. Serão as que existem em França, por exemplo, ou as situadas na passagem de Espanha para França, onde são cobradas pequenas portagens sucessivas por critérios de políticas locais ou regionais, mas que têm pouco a ver com o tráfego, com o utente que percorre essa auto-estrada? Estão em causa critérios de dimensão da empresa? O que é que está em causa? Todas estas questões merecem esclarecimento, por forma a não haver, depois, mal-entendidos quanto àqueles que vão ficar isentos da utilização dos mecanismos que estão previstos quer na Directiva quer na proposta que nos foi presente. Quando o diploma for discutido em sede de especialidade, iremos intervir de forma construtiva, como é apanágio do Grupo Parlamentar do PCP, e o que for justo e melhor para os cidadãos merecerá o nosso aplauso.
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Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Sr. Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações disse-nos agora que a preocupação do Governo é promover uma política de rigor e de contenção na execução do Orçamento do Estado de 2006 e que a isto se deve a circular da Direcção-Geral do Orçamento. Sr. Secretário de Estado, o PSD acaba de apresentar na Mesa um requerimento para que esta matéria seja objecto de um debate de urgência, porque se trata de uma matéria que, do nosso ponto de vista, é suficientemente importante para merecer um debate em sede de Plenário. Não basta o Sr. Secretário de Estado vir aqui, em resposta a uma pergunta combinada com uma Deputada da maioria, dizer que a política é de rigor e que o objectivo é uma execução orçamental a 100%. No fim, a execução orçamental até pode ser de 100%; se a entidade Estradas de Portugal estiver subdotada relativamente às necessidades financeiras, obviamente que a execução será sempre a 100%. Mas não é isto que aqui estamos a discutir. O que queremos saber é se a política do Governo é de controlo da despesa, com medidas objectivas, ou se é uma política de paragem do investimento, que é o que está em causa, porque o Governo, incapaz de controlar a despesa, opta pela paragem do investimento, prejudicando com isto os interesses das populações, as expectativas dos municípios e as do sector da construção. Estão em causa obras cujo ritmo abrandou; estão em causa adjudicações que não foram feitas depois de serem obtidas e analisadas as propostas; está em causa um vasto conjunto de compromissos que o Governo está agora a «empurrar com a barriga» para 2007. Basta ver as necessidades financeiras para 2007 da Estradas de Portugal para perceber que a dotação deste ano já não é suficiente para pagar os compromissos que se avizinham; isto tudo fruto também da teimosia do Governo em insistir no actual modelo das SCUT. Esperamos vê-lo aqui, Sr. Secretário de Estado, bem como ao Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, no debate de urgência sobre esta matéria, que hoje mesmo requeremos. O PSD garantiu aqui que o modelo de sustentação do crescimento que o Governo previu para 2006, baseado num crescimento das exportações de 5,6%, era irrealizável. Pois bem, o valor de 5,6% não vai ser atingido, vai ser superado, e em muito! O PSD garantiu também que o Governo seria incapaz de cumprir a meta do défice orçamental de 4,6% para 2006. É evidente também para todos hoje que esta meta será cumprida e que, pela primeira vez em muitos anos em Portugal, não haverá Orçamento rectificativo em 2006. Então, o PSD mudou de agulhagem, passou a dizer: «Bom, reconhecemos o crescimento da economia, reconhecemos que a escalada do desemprego…» — escalada a que se assistiu na vossa legislatura! — «… foi contida, mas o problema é que a economia deveria crescer a 3%, e ainda não está a crescer a 3%». Quando a economia portuguesa crescer a 3%, o PSD dirá, então, que 5% ou 6% seriam necessários. Agora, que se sabe que na execução orçamental o Governo está a cumprir todas as suas metas, que, com os valores da execução orçamental de Agosto, a despesa está controlada e que a despesa corrente primária está a diminuir, em Portugal, em termos reais, o PSD vem, questionando uma circular da Direcção-Geral do Orçamento, que a única coisa que faz é impor maiores mecanismos de controlo na execução da despesa a fazer, sugerir que essa circular é prova bastante de que o investimento está em perigo. Pois, Srs. Deputados, teremos o debate de urgência quando a Conferência de Líderes o determinar. Mas desde já ficam a saber que, com o PS no Governo e com o Primeiro-Ministro José Sócrates, acontecerão estes três objectivos essenciais em 2006: primeiro, o crescimento da economia; segundo, o défice orçamental contido, na meta que nós traçamos; e, terceiro, investimento público selectivo, controlado e eficiente e onde ele é mais necessário; isto é, nos factores de infra-estruturação do território e nos factores de inovação, no conhecimento, na qualificação e na tecnologia. O resto é apenas o pequeno problema da má relação do PSD com as suas próprias previsões económicas e orçamentais.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Apreciamos hoje uma iniciativa da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores sobre o Decreto-Lei n.º 43/2006, publicado em 24 de Fevereiro deste ano, ou seja, há pouco mais de meio ano. Apesar de propor alterações a várias normas deste decreto-lei, a iniciativa daquela Assembleia Legislativa visa apenas o alargamento às publicações periódicas especializadas do regime de reembolso pelo Estado das despesas de transporte aéreo actualmente existente para as publicações periódicas de informação geral com periodicidade inferior à mensal, isto é, diários, semanários e quinzenários, que permite e justifica a equiparação dos preços de venda dessas publicações aos consumidores no Continente e nas regiões autónomas. Para melhor compreender o que está em causa neste debate, façamos uma breve síntese da evolução deste regime. Como se recordarão, o Decreto-Lei n.º 43/2006, que se visa com esta iniciativa modificar, pretendia colocar um travão ao custo ou, melhor dito, ao desperdício de fundos públicos decorrente, nomeadamente, das modalidades de envio das publicações não previstas e porventura não previsíveis no generoso regime de 1996 e de 1997. Em Abril deste ano, há seis meses apenas, debatemos este assunto nesta mesma Assembleia. Creio que ninguém contestou então a imperiosa necessidade de pôr termo ao pagamento pelo Estado, por exemplo, das devoluções das publicações não vendidas, ou seja, na linguagem jornalística, das sobras, e também dos brindes, isto é, dos subprodutos associados à venda de muitas publicações periódicas. Já a exclusão das publicações especializadas, essa, sim, foi mais polémica, conforme todos se recordarão. A verdade é que antes daquela iniciativa do Governo, no ano de 2005, os custos deste regime ascendiam a mais de 2,3 milhões de euros, ou seja, praticamente o dobro da verba inscrita no Orçamento do Estado daquele ano para todos os incentivos à comunicação social regional e local de todo o País (imprensa regional e rádios locais), exceptuando o porte pago. Recordo ainda que esses custos tinham duplicado entre 2003 e 2005, sendo absolutamente previsível que o seu crescimento continuaria caso não tivesse sido aprovada então a legislação que agora se pretende modificar. A questão que hoje aqui se coloca é bem simples: tendo em conta este pano de fundo — a necessidade de continuar a colocar um travão a um custo que todos considerávamos exorbitante —, poderemos, e deveremos, agora voltar a alargar o pagamento do Estado, embora, naturalmente, limitado às publicações especializadas? A resposta a esta questão decorre, a meu ver, essencialmente da ponderação de dois factores: em primeiro lugar, da importância relativa da imprensa especializada, nomeadamente no conjunto das publicações periódicas; em segundo lugar, do custo da sua distribuição, de acordo com o proposto nesta iniciativa legislativa. Quanto ao primeiro factor de ponderação, não estando evidentemente em causa o direito à informação dos cidadãos e a importância de promover hábitos de leitura, importará reconhecer que imprensa especializada — neste caso, falamos sobretudo da imprensa diária desportiva e também das revistas semanais que abordam aspectos relacionados com a vida social ou com as vedetas da nossa televisão — tem uma importância seguramente menor do que as publicações periódicas de informação geral. Importará igualmente recordar que a imprensa desportiva está hoje acessível em versão electrónica, cuja generalização cresce rapidamente, e até que o principal jornal desportivo do País tem uma edição impressa na região autónoma da Madeira, o que poderá acontecer em breve com as publicações rivais. Não pretendo aqui desvalorizar as publicações especializadas, sejam elas quais forem. Julgo que haverá interesse em que o serviço que prestam seja extensivo nas melhores condições possíveis a todo o País. No entanto, a resposta para a questão que nos é colocada encontra-se na ponderação entre essa importância e o seu custo. Chegamos assim ao segundo factor de ponderação. Que consequências teve a mudança na legislação que esta Assembleia aprovou em Fevereiro passado? Qual o custo da expedição destas publicações para as regiões autónomas? Que evolução nos custos totais deste incentivo à distribuição das publicações se esperaria da mudança hoje proposta? Em rigor, julgo que ninguém tem ainda respostas para estas dúvidas. Parece-nos manifestamente cedo para tirar ilações de um regime jurídico com menos de um ano de vigência. Entendemos, por isso, prematura e precipitada qualquer alteração a um diploma deste tipo, sem que previamente se tenha um quadro detalhado dos custos que ela envolverá. Obviamente, não está em causa a defesa do direito à informação nem o apoio à distribuição destas publicações. O caminho mais fácil seria, seguramente, «fechar os olhos» à ponderação sobre os custos desta medida e avançar, cega mas porventura irresponsavelmente, para a sua consagração. Julgo que, em coerência com a sua política, a maioria e o Governo só terão um caminho: o de não aprovarem esta medida antes de apurados exaustivamente os seus custos.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A propósito do Decreto-Lei cuja alteração a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores propõe, tivemos já oportunidade de manifestar a nossa discordância em relação à solução que o Governo acabou por adoptar. Era compreensível que alguns aspectos do regime relativo à participação do Estado nos custos de expedição de jornais, revistas e publicações para as regiões autónomas pudessem ser racionalizados, porque havia, na altura, alguns abusos de envio de materiais que nada tinham a ver com as próprias publicações — e isso foi reconhecido por todos —, havendo, portanto, consenso caso o Governo se limitasse a proceder a essa alteração e à correcção desses abusos. No entanto, o que o Governo fez não foi apenas isso. Com este Decreto-Lei, o que fez foi prejudicar as populações das regiões autónomas, pondo em causa um princípio fundamental que decorre de um princípio por todos reconhecido, ou seja, o da continuidade territorial, e o princípio de que os cidadãos, por residirem nas regiões autónomas, não devem ficar prejudicados no seu acesso a livros, revistas e publicações periódicas. De facto, este Decreto-Lei, como a proposta de lei refere, vem introduzir essa descriminação a esses cidadãos, prejudicando-os e pondo em causa esse princípio. Daí que sejamos solidários com a proposta de lei da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores. Reconhecemos as razões que assistem a este órgão de governo próprio dos Açores para apresentar esta proposta de lei e entendemos que o Governo, neste aspecto, bem faria em corrigir aquilo que, do nosso ponto de vista, constitui um abuso de alteração legislativa. É que, a pretexto da racionalização dos custos e da correcção de manifestos abusos que existiam, o que se fez foi, como se costuma dizer por vezes, «deitar fora o menino com a água do banho». Isto é, não só se corrigiu o que estava mal como se introduziu um aspecto que estava bem e que passou a estar mal. Entendemos, pois, que a comparticipação nos custos de transporte por via aérea destas publicações, que foi eliminada com o Decreto-Lei, deverá ser reposta de forma a que os cidadãos das regiões autónomas tenham acesso a essas publicações ao mesmo preço que têm os cidadãos residentes no Continente. Por isso, vamos votar favoravelmente a proposta de lei da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores.
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Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Há cerca de 10 anos, e sobre este mesmo assunto, um Deputado socialista eleito pelos Açores veio a esta Câmara dizer o que passo a citar: «É com enorme satisfação que o Partido Socialista apresenta hoje um projecto de lei sobre o preço dos jornais, livros e revistas para as regiões autónomas. O projecto é um contributo importante para colocar os açorianos e madeirenses numa situação mais próxima daquela em que se encontram os consumidores do Continente, pondo termo à discriminação e indiferença (…) Cumpre-se, assim, mais um compromisso com os eleitores assumido pelo PS na campanha eleitoral.» __________________________________________________________________________________________________ É certo que não disse qual o prazo de validade dos compromissos que o PS assume com os eleitores em tempo de campanha eleitoral, mas, até por isso, era de esperar que hoje viesse aqui outro Deputado do Partido Socialista, talvez eleito pelos Açores — embora perceba o embaraço que os meus colegas açorianos devem sentir nesta matéria —, dizer que o PS agora vai deixar de cumprir com os compromissos que assumiu com os eleitores açorianos e madeirenses e que vai voltar a discriminá-los relativamente aos consumidores do Continente no preço da aquisição de jornais, livros e revistas. Com efeito, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a lei que agora se propõe alterar por apreciação parlamentar acabou com um direito consagrado, desde 1996, aos cidadãos residentes nos Açores e na Madeira que lhes garantia o principio da continuidade territorial no acesso a bens culturais. Ao não suportar os encargos com as publicações periódicas especializadas, o Governo não só discrimina cidadãos do mesmo País, consoante o local onde residem ou onde se encontrem, como também se permite ajuizar, com a referência genérica a «publicações especializadas», sobre quais as publicações cuja leitura constitui um direito ou um privilégio para os residentes nas regiões autónomas. A lei em vigor promove um acréscimo de 20 a 30% no preço da venda ao publico de livros, revistas e jornais, discriminando assim, de forma injusta e inexplicável, as populações insulares no direito de usufruírem de bens culturais em igualdade de condições com os cidadãos do restante território nacional. A proposta do Governo que conduziu à aprovação desta lei mereceu parecer negativo dos órgãos de governo próprio da Região Autónoma dos Açores, que também assim foram inadmissivelmente desconsiderados pelo Governo da República. A Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores aprovou mesmo, por unanimidade, um voto de protesto que, para além de referir esta desconsideração, diz o seguinte: «Os açorianos perderam direitos que tinham e passaram a ter mais encargos no acesso à informação e ao conhecimento, que constituem direitos e garantias constitucionais que não podem ser afectados pela mera vontade centralista e autoritária de um governo». Repito: este texto foi aprovado, por unanimidade, na Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores. Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Esta legislação veio revogar um conjunto de medidas que atenuavam a distância, que combatiam a geografia, que promoviam a divulgação da cultura, que estimulavam o acesso à imprensa, que facilitavam a leitura e que colocavam as populações insulares em pé de igualdade com outros cidadãos, também portugueses, residentes no território continental. Entendemos também que não faz qualquer sentido a diferenciação de tratamento que se criou entre publicações especializadas e publicações de informação geral. O que, a nosso ver, faria sentido e seria justo era que os açorianos e os madeirenses, tal como os outros portugueses, tivessem o direito de aceder, em condições de igualdade e ao mesmo preço, aos livros e publicações periódicas e não periódicas de carácter geral ou especializadas como se vivessem no território continental da República. Somos, todavia, sensíveis às preocupações no sentido de introduzir maior disciplina e rigor no funcionamento do regime de equiparação de preços, mas para isso, em vez de se discriminarem as populações insulares, que se melhore a fiscalização e se introduzam na lei as correcções necessárias e suficientes para evitar abusos e a utilização indevida deste regime. É o que, de alguma forma, se procura fazer com a proposta de lei que apresenta a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, que irá por isso mesmo merecer o nosso voto favorável. Esperamos que mereça também o voto favorável da Câmara e em especial do Partido Socialista, que, estou certo, não deixará de ser solidário com as posições unanimemente assumidas pelos órgãos de governo próprio da Região Autónoma dos Açores.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Decreto-Lei n.º 43/2006, de 24 de Fevereiro, que a presente proposta de lei visa alterar, foi aprovado numa situação em que se pretendia travar os custos excessivos para o Estado resultantes da proliferação de brindes e ofertas das publicações periódicas. Tal medida poderia justificar-se, porquanto, para além de constituírem um visível abuso quanto ao pagamento do transporte por parte do Estado, esses brindes e ofertas muitas vezes nada têm que ver com o direito a informar e a ser informado. No entanto, para pôr fim a esta situação, o Governo adoptou uma medida que não pode deixar de considerar-se excessiva e discriminatória para os cidadãos das regiões autónomas. O presente Decreto-Lei faz com que os cidadãos das regiões autónomas da Madeira e dos Açores beneficiem de um direito à informação a duas velocidades. De facto, têm acesso às publicações de carácter geral em condições de igualdade com o Continente, mas se desejarem obter uma publicação específica sobre um assunto concreto já terão de gastar mais do que um cidadão no Continente, sem que haja qualquer justificação plausível para esta diferenciação. Para além disso, muitas vezes é precisamente nas publicações especializadas que os cidadãos têm acesso a informação específica e/ou técnica, a qual, de outra forma, muito dificilmente chegaria com actualidade e a preço comum às regiões autónomas da Madeira e dos Açores. A equiparação dos preços das publicações periódicas e não periódicas entre o Continente e as regiões autónomas é uma medida que, a nosso ver, tem cabal justificação. O direito a informar e a ser informado não se basta somente com as publicações de carácter geral. O acesso à informação especializada deve ser um direito de todos os cidadãos portugueses, sem qualquer discriminação que provenha — o que ainda é mais grave! — da sua situação de insularidade. Na verdade, seria inconcebível ignorar os custos reais da insularidade, que nesta área se manifestam ainda com mais acuidade através de um acréscimo real no custo da publicação. Além disso, muitas vezes são as publicações especializadas as mais dispendiosas. Na prática, o actual regime poderia levar a uma enorme dificuldade económica na compra de tais publicações por parte dos cidadãos dos Açores e da Madeira. Não ignoramos os argumentos relativos à necessidade de controlo dos custos de expedição associados às publicações periódicas. Numa altura em que se multiplicam os produtos e subprodutos associados à imprensa, muitas vezes desvirtuando até o que se pretende de órgãos de informação, seria inconcebível que tal resultasse ainda num gasto adicional para o Estado. Mas a presente proposta acompanha precisamente esta preocupação. Tanto assim é, que não se pretende alterar o Decreto-Lei na parte em que exclui do reembolso as ofertas promocionais ou outros subprodutos que possam ser fornecidos com as publicações. Ou seja, o apoio do Estado limita-se tão-somente à publicação em si mesma, deixando de abranger quaisquer outras ofertas que a mesma possa incluir. Ora, ao verificar-se esta espécie de filtro, julgamos estarem travados possíveis abusos quanto à comparticipação pelo Estado dos custos de envio. Ressalvado este facto, pensamos nada mais obstar à aprovação da presente proposta, pelo que não se vê como tal equiparação de preço possa ser excluída da comparticipação do Estado. Pelo acima exposto, não podemos deixar de votar favoravelmente a proposta em apreço, por esta se revestir de justiça básica e por propor um critério de justiça elementar para todos os cidadãos, independentemente da sua localização geográfica.
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Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Em 1996, esta Câmara aprovou a Lei n.º 41/96, de 31 de Agosto, instituindo o princípio do custeamento pelo Estado dos encargos correspondentes à expedição de livros, revistas e jornais para as regiões autónomas. Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 284/97, de 22 de Outubro, revogou a referida Lei e explicitou o objectivo da equiparação dos preços de venda ao público «de livros, revistas e jornais de natureza pedagógica, técnica, científica, literária, informativa e recreativa» no Continente e regiões autónomas. Tratava-se de uma medida da mais elementar justiça, bem como de uma maneira simples e eficaz de combater os custos da insularidade e de eliminar algumas das discriminações ainda existentes no acesso aos vários media, essenciais muitas vezes para a valorização dos recursos humanos que residem e trabalham nas regiões autónomas. Veja-se o que se passa, por exemplo, nos Açores, região autónoma de cuja assembleia legislativa provém esta proposta de lei. Nos Açores, só há um canal público televisivo nacional em sinal aberto; no Continente, existem dois canais nacionais. Nos Açores, não há nenhum canal público de rádio nacional a emitir para toda a região; no Continente, como sabemos, a situação é diferente, visto que existem três canais de rádio nacionais. Nos Açores, nem sequer os canais televisivos são transmitidos em sinal aberto, tendo os operadores privados sido dispensados pelo concurso público de emitirem para as regiões autónomas. Esta situação vem, portanto, penalizar ainda mais os portugueses que residem nas regiões autónomas. Estamos, por isso, perante um grave retrocesso. Grave, porque o Estado contribui para o aumentar das dificuldades sentidas nas regiões autónomas, decorrentes da sua insularidade, em vez de continuar a combatê-las e em vez de continuar a ser solidário com os portugueses insulares. Grave, porque, ainda por cima, o Governo socialista faz censura pela via económica, ao escolher quais as revistas, jornais e publicações que continuarão a beneficiar do regime de equiparação de preços e ao escolher quais as que terão o seu preço agravado. Grave, porque estamos a falar de regiões isoladas, algumas delas com elevadas taxas de analfabetismo, pelo que a leitura de livros e de publicações periódicas pode e deve ter um papel mais importante na informação e formação das pessoas, sobretudo no que respeita às publicações de carácter mais técnico, que são agora excluídas do regime de equiparação de preços. Grave, porque a equiparação dos preços não era cara, mas, sim, barata. Para além disso, com a verba que estava inscrita no Orçamento do Estado para 2006, era possível, com rigor e fiscalização — que, estas, sim, faltaram —, manter um regime de solidariedade para com os portugueses que estão colocados nas regiões autónomas. Grave, porque este retrocesso revela que o Governo socialista não quer entender o peso económico, social e até cívico dos custos de insularidade — ironicamente, porque os considera muito elevados para continuar a apoiar o transporte das revistas e jornais — e revela ainda que não tem qualquer vontade de ser solidário com os portugueses sujeitos às agravantes decorrentes de viverem numa das zonas mais isoladas, periféricas e pobres da Europa. O Grupo Parlamentar do CDS propôs, na última sessão legislativa, através da apreciação parlamentar n.º 19/X, um conjunto de alterações a este diploma, que visavam combater esta injustiça e esta discriminação, sem que se perdesse o necessário rigor na gestão dos dinheiros públicos. A verdade, contudo, é que o Partido Socialista chumbou todas estas alterações. É até verdade que o Partido Socialista anunciou, nessa altura, nesta mesma Câmara, pela voz do Sr. Deputado Arons de Carvalho, que iria propor alterações, contemplando, por exemplo, a imprensa periódica económica. A verdade, porém, é que desse anúncio nada se veio a concretizar, estando hoje a lei exactamente na mesma! Veja o debate da altura, Sr. Deputado! Leia o que disse então, porque está publicado! O que o senhor disse é público e conhecido dos portugueses! A verdade é que hoje, mais de seis meses passados sobre esse debate, o problema agravou-se. De acordo com os números dos distribuidores, a venda destas publicações periódicas caiu cerca de 15% na Madeira e de 30% a 40% na Região Autónoma dos Açores. A proposta de lei hoje em discussão ajuda a corrigir essa desigualdade. Terá, por isso, o nosso acordo e o nosso apoio, solidários com os portugueses que residem nas regiões autónomas e solidários com o voto do CDS na Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores. Esperamos que o voto da bancada da maioria seja também um voto solidário com o Governo da Região Autónoma dos Açores e com o voto do Partido Socialista nessa mesma assembleia legislativa regional.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira apresentou nesta Câmara a proposta de lei n.º 29/X, visando a implementação do direito de voto por meio electrónico para os eleitores que, por motivos de estudo, formação, realização de estágios de âmbito curricular ou profissional, por motivos de saúde ou por participação em competições desportivas de carácter regular, se encontrem deslocados da sua área de recenseamento no dia do acto eleitoral. Este objectivo tem, aliás, presidido a alterações legislativas introduzidas nas diversas leis eleitorais através da introdução e ampliação do mecanismo do voto antecipado. Se é certo que, em abstracto, é de saudar qualquer iniciativa que vise o reforço das condições de participação política dos eleitores, facilitando o exercício do direito de voto, também não é menos verdade que a criação dessa condições terá que ser sempre feita em conformidade com o quadro jurídico-constitucional vigente, nomeadamente em matéria de competência legislativa e de respeito pelos princípios constitucionais que regulam o exercício do direito de voto. A este propósito, não podemos deixar de ser sensíveis à argumentação expendida pelo Secretariado Técnico dos Assuntos para o Processo Eleitoral (STAPE) em douto parecer de 30 de Agosto de 2005. Desde logo, são suscitadas pelo STAPE dúvidas quanto à constitucionalidade da proposta de lei n.º 29/X por ser passível de configurar uma «exorbitação» de competências por parte da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira. Efectivamente, o objecto desta proposta de lei incide sobre todo o espectro de leis eleitorais, pelo que é susceptível de constituir uma violação da reserva de iniciativa legislativa da Assembleia da República, estando nessa medida a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira impedida de promover esta alteração. De facto, da conjugação das normas contidas nos artigos 227.°, n.º 1, alínea a), e 167.°, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa parece resultar claro que o poder de iniciativa legislativa das assembleias legislativas regionais em matéria eleitoral se restringe às próprias leis eleitorais, por apenas nestes casos se poder considerar que está em causa o respectivo interesse específico regional. Se é certo que o n. ° 1 do artigo 167.° da Constituição da República Portuguesa atribui poderes de iniciativa legislativa às assembleias legislativas regionais, a par com os Deputados, os grupos parlamentares e o governo, a verdade é que esse poder está territorialmente balizado, apenas podendo versar sobre matérias especificamente concernentes às regiões autónomas. Deste modo, ficam necessariamente excluídas desse poder de iniciativa regional qualquer alteração às leis eleitorais do Presidente da República, da Assembleia da República, do Parlamento Europeu ou dos titulares dos órgãos das autarquias locais, como acontece na presente proposta de lei. De igual modo, afiguram-se pertinentes as dúvidas suscitadas pelo STAPE relativamente ao facto de a proposta de lei ser omissa quanto à opção técnica por um dos diversos sistemas de votação electrónica actualmente disponíveis. Esta opção técnica quanto aos sistemas de votação é naturalmente da maior relevância, uma vez que dela depende a verificação em concreto do cumprimento dos princípios jurídicoconstitucionais sobre o exercício do direito de voto, em particular dos princípios da presencialidade e da pessoalidade no exercício do direito de sufrágio, plasmados no artigo 49.º da Constituição e em diversas leis eleitorais. Finalmente, a proposta de lei em causa apresenta ainda inúmeras insuficiências técnicas impeditivas de garantir o cabal cumprimento dos princípios e regras de direito eleitoral, nos quais se alicerça a essência da própria democracia. Aliás, a dificuldade em compatibilizar inovação tecnológica com a desejável e imprescindível fiabilidade dos sistemas de exercício do direito de sufrágio tem gerado retrocessos em países europeus pioneiros neste domínio. Países como a Grã-Bretanha, a França, a Bélgica ou a Irlanda abandonaram a intenção de introduzir processos de votação electrónica em virtude de o nível actual de conhecimento técnico não permitir ainda as necessárias garantias sobre os mesmos. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Socialista não é insensível à situação dos eleitores que, por diversas razões, se encontram privados do direito de voto e está disponível para implementar mecanismos que assegurem o exercício efectivo do mesmo, desde que em pleno respeito pelos princípios jurídicoconstitucionais vigentes. O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
0PS
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira propõe à Assembleia da República que haja um alargamento da possibilidade de cidadãos deslocados do seu local de residência e recenseamento no dia das eleições poderem exercer o direito de voto. Trata-se de uma alteração proposta para a generalidade das leis eleitorais. Ao contrário das dúvidas suscitadas pelo STAPE, não nos parece inconstitucional que uma assembleia legislativa de uma região autónoma possa propor alterações à generalidade das leis eleitorais, porque não vislumbramos na Constituição qualquer impedimento ao exercício do direito de iniciativa. Quer parecer-nos que o STAPE confunde o exercício de poderes legislativos próprios com o exercício do direito de iniciativa, sendo que, para nós, o direito de iniciativa não é vedado. Dir-se-á que se cria aqui um desequilíbrio porque, efectivamente, a Assembleia da República não tem poderes de iniciativa legislativa sobre as leis eleitorais para as assembleias legislativas das regiões autónomas e estas têm direito de iniciativa sobre todas as leis eleitorais, mas isso não é ilógico porque, se as eleições para as assembleias legislativas regionais dizem respeito directamente apenas aos cidadãos recenseados nas regiões autónomas, as eleições gerais dizem respeito a todos, quer aos cidadãos do Continente quer aos cidadãos das regiões autónomas. Portanto, não nos parece que seja por aí que esta proposta de lei deva ser objectável mas, sim, do nosso ponto de vista, em razão do conteúdo. De facto, a preocupação com os cidadãos privados do direito de voto por motivo de deslocação temporária forçada tem vindo a merecer consideração por parte do legislador. Inclusivamente, em várias leis eleitorais tem sido alargado o universo dos cidadãos que podem beneficiar dessa possibilidade através do voto antecipado, que é um voto cujo modo de exercício é rigorosamente regulado por forma a que sejam respeitados os princípios gerais de direito eleitoral e, portanto, a democraticidade das eleições. Ora, aquilo que a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira aqui propõe é que haja um alargamento desse direito de votar de uma forma diferenciada — referir-me-ei a seguir ao método proposto — a um conjunto de cidadãos relativamente indeterminado, e que abrange desportistas indiscriminadamente, cidadãos deslocados por motivos de saúde, não explicitando que motivos de saúde sejam esses, quando actualmente apenas o internamento é relevante, os acompanhantes dos cidadãos que invoquem motivos de saúde, não se sabendo que acompanhantes são esses, se são parentes e até que grau. Portanto, há aqui uma indeterminação completa do número de cidadãos que poderia beneficiar desta possibilidade. O pior está na possibilidade proposta: o voto electrónico, e ponto final. Aí é que a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira está a propor o impossível. Ou seja, não é concebível que as leis eleitorais digam pura e simplesmente «os cidadãos que estão numa determinada situação usam o voto electrónico», não explicitando que voto electrónico é esse, qual é o sistema. É por sms? É pela internet? É presencial? Como é que funciona? Efectivamente, isso é o essencial! A lei eleitoral não pode cair numa indeterminação tal que se diga que fica consagrado aquilo que manifestamente não é possível consagrar. Foi feita entre nós, em 2004 e 2005, experimentação do voto electrónico, tendo a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) realizado o acompanhamento dessas experiências. As conclusões que retira é a de que estamos ainda muito longe — e não apenas nós, também a generalidade dos países que têm procurado recorrer ao voto electrónico — de encontrar um sistema que possa ser considerado fiável. Efectivamente, há um trabalho muito interessante da CNPD que chama a atenção para os problemas não resolvidos e para os riscos de manipulação a vários títulos, que é impossível considerar afastados. E é um risco que não se pode correr, uma vez que se verifica que há uma falta de fiabilidade. Num sistema de voto electrónico corre-se o sério perigo de não ser possível demonstrar a inexistência desses riscos e não é possível, por exemplo, proceder a recontagem, na medida em que não há um rasto físico do exercício do direito de voto. Portanto, há problemas que não estão de maneira alguma resolvidos, aliás, a própria CNPD refere que há países que já tentaram seguir pelo voto electrónico e que retrocederam, tendo em conta os graves riscos de perversão dos mecanismos eleitorais que podem estar associados a esse mecanismo de voto electrónico. A proposta da Assembleia Legislativa da Região Autónoma ignora pura e simplesmente estes problemas e nem sequer aponta para um sistema que possa de alguma forma contorná-los e garantir no mínimo alguns dos princípios gerais do nosso direito eleitoral. Limita-se a dizer «voto electrónico, ponto final», e depois alguém que resolva o resto, porque nem sequer propõe que a Assembleia da República resolva; nem sequer isso! Portanto, pelo seu conteúdo, a presente proposta de lei não pode merecer o nosso voto favorável, aliás, parece-nos um exercício de grande irresponsabilidade do direito de iniciativa legislativa. Isto é, por maior boa vontade que houvesse por parte da Assembleia da República era um acto de grande irresponsabilidade da nossa parte inscrever disposições destas nas leis eleitorais que, depois, permaneceriam absolutamente «incumpríveis». O Sr. Presidente: — Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei que hoje discutimos visa alterar a legislação, nomeadamente, como já aqui foi dito por vários intervenientes, implementando o voto por meio electrónico para os eleitores que, por motivos de estudo, formação, realização de estágios, saúde ou participação em competições desportivas de carácter regular, se encontram deslocados da sua área de recenseamento no dia do acto eleitoral. Pretende, assim, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma Madeira reforçar a participação política dos cidadãos nos casos em que, pelos motivos enunciados, que nos parecem de força maior e que são qualificados, e bem, enquanto tal, não o possam fazer, justamente por se encontrarem fora da sua área de recenseamento, seja no território continental ou nas regiões autónomas. Aliás, o mesmo se aplica aos eleitores deslocados por motivos de saúde que se encontram em tratamento em unidades de saúde, fora do regime de internamento, bem como aos respectivos acompanhantes. Abrange-se, assim, um conjunto indeterminado, é certo, mas vasto de portugueses e de portuguesas que podem exercer o seu direito de voto de uma forma que, julgo que estaremos todos de acordo, é essencial para assegurar a participação cívica e democrática dos portugueses. É certo que implica a revisão de um conjunto de leis eleitorais relativas ao Presidente da República, à Assembleia da República, aos Deputados ao Parlamento Europeu, às autarquias locais, mas também às próprias regiões autónomas, nomeadamente à Região Autónoma da Madeira, e, até, a revisão da lei orgânica do referendo. Sublinhe-se que, ao contrário do que foi aqui dito ou, pelo menos, sugerido, não é uma questão de voto antecipado, porque o voto é realizado (como, aliás, é normal) no dia da eleição, só que com o recurso aos meios electrónicos. Nestes termos, em todas as leis eleitorais citadas é introduzida uma disposição que regulamenta o recurso a este voto nestas circunstâncias. Quanto a esta proposta de lei, resta saber algo que ainda não foi aqui focado, mas que não deixa de ser importante: a quem incumbirão os encargos de assegurar esta disponibilização do voto electrónico. Como todos sabemos, não é fácil mas, curiosamente ou não, ninguém parece querer assumir estes encargos. Sr. Presidente, cremos que esta proposta não é inconstitucional, como foi aqui sugerido. Não podemos confundir o direito de iniciativa, como referiu o Sr. Deputado António Filipe, com o direito de legislar. Nesse sentido, esta iniciativa da Assembleia Legislativa Regional da Madeira merece uma avaliação da nossa parte e, tal como o CDS-PP/Madeira (que saudamos) referiu na altura, parece-nos que indica um caminho — que, aliás, não é de hoje, pois foi iniciado pelos anteriores governos da maioria PSD/CDS —, que está a ser seguido pela exclusividade dos países da União Europeia e que tem, obviamente, como qualquer caminho que implemente novos meios a nível electrónico, dificuldades. Não há que negar isso. No entanto, também não podemos dizer que, havendo dificuldades, vamos, pura e simplesmente, pôr de parte um caminho que é inovador e que pode assegurar um princípio fundamental num Estado de direito democrático, que é reforçar e permitir que mais eleitores possam exercer o direito de voto. O Orador: — Portanto, da nossa parte, estamos absolutamente disponíveis para, em sede de especialidade, acrescentar benfeitorias, nomeadamente as já aqui faladas que têm a ver com o facto de, como disse, e bem, o Sr. Deputado António Filipe, ser exclusivo o uso ao voto electrónico. Concordo, Sr. Deputado. Estamos dispostos para trabalhar esta matéria em sede de especialidade, porque penso que devemos estar todos de acordo com o princípio essencial, que é o de permitir que mais portugueses e portuguesas possam votar. Aliás, esta é a Casa da democracia e é isso que interessa para defender os interesses da democracia. O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para intervenção, o Sr. Deputado Correia de Jesus.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quero congratular-me, antes de mais, pelo facto de se discutirem hoje, nesta Câmara, quatro propostas de lei emanadas das Assembleias Legislativas dos Açores e da Madeira, dando-se assim conteúdo e alcance ao direito de iniciativa legislativa dos parlamentos regionais, tal como se encontra consagrado na Constituição da República Portuguesa. Cabe-me apresentar e defender a proposta de lei n.º 29/X, que implementa o exercício do direito de voto por meio electrónico para os eleitores que, por motivos de estudo, formação, realização de estágios de âmbito curricular ou profissional, ou por motivos de saúde, se encontrem deslocados da sua área de recenseamento no dia do acto eleitoral. Trata-se de uma iniciativa da autoria da Assembleia Legislativa da Madeira, que pretende reforçar o princípio da participação democrática, permitindo o exercício do direito de voto, por via electrónica, dos cidadãos eleitores que, no dia do acto eleitoral, por motivos de carácter temporário, se encontrem deslocados da área da sua residência. Constituindo o direito de voto a expressão máxima da soberania popular e um pilar fundamental dos regimes democráticos, o seu exercício deve ser assegurado independentemente do local em que o eleitor se encontre no dia da realização das eleições. Actualmente, existem inúmeros eleitores que, por aqueles motivos, se encontram deslocados da área da sua residência e, por isso, impedidos de exercer o seu direito de voto. Ora, a presente iniciativa visa precisamente pôr cobro a esse tipo de situações. Obviamente, a proposta abrange não só os eleitores recenseados nas regiões autónomas que se encontrem deslocados mas também os eleitores recenseados no território do Continente que se encontrem deslocados em idênticas circunstâncias. Sr.as e Srs. Deputados: Esta proposta de lei, a ser aprovada, conforme esperamos, permitirá que um universo bastante alargado de eleitores deslocados, que estão hoje impedidos de votar, mesmo através do mecanismo do voto antecipado, o possam fazer no futuro. Trata-se, assim, de um importante contributo para combater o fenómeno da abstenção e incentivar a participação política dos cidadãos através do direito de voto. E a proposta fá-lo através de uma forma absolutamente inovadora, já que estatui que, nas referidas circunstâncias, o direito de voto seja exercido por meio electrónico. Ao contrário do que sucede nalguns países da Europa ou em países de outros continentes, onde o voto electrónico já se encontra implementado, o direito de sufrágio em Portugal continua a ser exercido de forma tradicional — voto pessoal e presencial, com recolha e apuramento manual. O nosso sistema de votação, ainda totalmente assente em papel, tem permanecido incólume à evolução das novas tecnologias, não obstante já se terem realizado algumas experiências de voto electrónico, não vinculativas. Porém, o que está demonstrado é que o voto electrónico garante, nos dias de hoje, um adequado nível de segurança e fiabilidade, para além de facilitar o exercício do direito de voto, podendo, por isso, contribuir para a melhoria da qualidade da nossa democracia, através de uma maior participação dos cidadãos. Escusado será acrescentar que o nosso sistema eleitoral está concebido de forma a dificultar, diria mesmo impedir, os eleitores de votarem, ao contrário, por exemplo, do sistema francês que, além de já permitir o voto electrónico, admite, desde há muito, o voto nas respectivas embaixadas e consulados aos eleitores que, por razões profissionais, de formação, de saúde ou até mesmo de férias — repito, ou até mesmo de férias —, não podem estar presentes, no dia das eleições, no local onde se encontram recenseados. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É chegada, pois, a altura de Portugal, do sistema eleitoral português, caminhar definitivamente em direcção à modernidade. E o primeiro passo nesse sentido poderá ser, precisamente, a institucionalização do voto electrónico em relação ao universo dos eleitores deslocados, naturalmente com os aperfeiçoamentos que se impuserem em sede de especialidade ou de regulamentação da lei. Ao fazê-lo, a Assembleia da República terá na devida conta esta valiosa iniciativa da Assembleia Legislativa da Madeira para a melhoria da qualidade da nossa democracia e contribuirá substantivamente para o reforço da participação democrática dos cidadãos. O Sr. Presidente: — Para intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 29/X, apresentada a esta Câmara pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, merece-nos fundadas reservas. Em primeiro lugar, atente-se na questão de fundo. É nosso entendimento que a impossibilidade do exercício do direito de voto, devido a um impedimento temporário, deve ser realmente acautelada pela legislação eleitoral. De facto, existem numerosas situações em que os eleitores se podem ver privados deste direito essencial, sem que, no entanto, estejam abrangidos por mecanismos que, actualmente, lhes permitam um exercício alternativo desse direito. Entre estas situações estão, por exemplo, os impedimentos temporários por motivos de estudo ou de doença, que merecem claramente protecção por parte da actual legislação eleitoral. No entanto, não poderiam deixar de incluir os impedimentos por deslocação ao estrangeiro — os quais não estão contemplados pela presente proposta. O mesmo se diga da aplicabilidade destas medidas à Assembleia Regional dos Açores, essa sim, estranhamente excluída também da proposta em apreço. Posto isto, atente-se à questão de fundo e à solução para ela adoptada. Refira-se, desde já, que a solução para os impedimentos não pressupõe necessariamente, como a proposta sugere, a utilização do voto electrónico. Na presente proposta, parece haver uma desnecessária associação entre estes dois problemas, tanto mais incompreensível quanto não existe em Portugal o instituto legal do voto electrónico. De facto, a questão dos impedimentos temporários — que é um problema real e a merecer solução — poderia ser expeditamente resolvida através da previsão de mecanismos que proporcionassem apenas um exercício do direito de voto fora da freguesia de recenseamento, mas sem implicar necessariamente a utilização do sistema legalmente inexistente do voto electrónico. Entre estes mecanismos poderiam incluir-se, por exemplo, o voto fora da freguesia de recenseamento ou o voto antecipado (a merecer toda a atenção), os quais não estão excluídos, aliás, pelo nosso ordenamento jurídico actual. No entanto, a opção adoptada pela presente proposta de lei — a do necessário suprimento dos impedimentos temporários através do exercício do voto electrónico — não parece conduzir a lado nenhum. Acontece que tal opção (pelo voto electrónico), além de muito controversa em si mesma, atendendo às experiências em curso em vários países, é tecnicamente improcedente e insusceptível de poder produzir qualquer tipo de efeitos. De facto, a remissão genérica para o voto electrónico, como se este fosse uma realidade estabelecida e consensual no ordenamento jurídico português, parece desconhecer a circunstância de que ele não existe, nem na nossa ordem jurídica nem numa possível concepção técnica ou política, não havendo, quanto a isto, qualquer consenso em relação à forma pela qual o voto electrónico poderá vir a ser, eventualmente, um dia, exercido. Pelo contrário, subsistem questões ponderosas em aberto quanto à sua possível implementação. Entre elas, refira-se, desde já, a aceitação em si desta forma de voto; depois, questões relativas à aferição da sua compatibilidade com o princípio constitucional da pessoalidade do voto, do escrutínio secreto, entre outras questões. No momento presente da sua abordagem em Portugal, a questão do voto electrónico está, portanto, muito longe de ser pacífica e ainda mais longe de estar a ser exequível. Assim sendo, a remissão da presente proposta para o voto electrónico é, no fundo, uma remissão para o vazio (passe a expressão). Formula-se um problema real, mas remete-se a sua solução, aliás parcial, para um sistema juridicamente inexistente e, em si mesmo, controverso. Ou seja, remete-se a solução para coisa nenhuma. Já para não falar na incompreensível exclusão, já referida, da aplicação da lei às eleições para a Assembleia Regional dos Açores. Tudo razões que impedem o Bloco de Esquerda de viabilizar, com o seu voto, a presente proposta de lei.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira apresentou a proposta de lei n.º 29/X, no sentido de implementar o exercício do direito de voto por meio electrónico para os eleitores que, por diferentes motivos, se encontrem deslocados da sua área de recenseamento e, por esse facto, estejam impedidos de exercer o direito de voto. Os Verdes acompanham as preocupações subjacentes à apresentação desta iniciativa. Naturalmente que é fundamental permitir que os eleitores que estão deslocados temporariamente, por diferentes motivos (motivos profissionais, de estudo, de saúde, ou de cumprimento de missões ao serviço do Estado), tenham, apesar desse facto, a possibilidade de exercer o seu direito de voto — que é um direito fundamental de __________________________________________________________________________________________________ participação política, apesar de não esgotar essa mesma participação política, que é, felizmente, bastante mais lata e dessa forma também deve ser entendida. Deve chamar-se a atenção, inclusivamente, para o facto de, a este nível, não existir ainda uma uniformidade entre as diferentes leis eleitorais, o que nos parece não ser desejável. A possibilidade de votar por parte de cidadãos que se encontram temporariamente deslocados da sua zona de recenseamento deveria ser uniformizada, com vista a alargar, cada vez mais, o direito de participação na vida política nacional. Contudo, não é ainda isto que esta iniciativa pretende fazer. Com efeito, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira propõe alterar as eleições para a Presidência da República, para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu, para as autarquias e, até, para o referendo e para a própria Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, deixando de fora, porém, uma alteração que diz respeito à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores. Mas não vem resolver este problema da uniformidade. Propõe, de facto, um conjunto de situações, mas existem outras, previstas designadamente na lei eleitoral da Presidência da República, que não estão totalmente integradas na presente alteração. Além disso, pensamos que há uma questão levantada pelo STAPE que tem a ver não com a questão da inconstitucionalidade da iniciativa — aí acompanhamos aquilo que já aqui foi dito por outros Srs. Deputados, pois, salvo melhor opinião, não nos parece que haja, de facto, uma impossibilidade de a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira apresentar uma iniciativa legislativa sobre outros temas que não aqueles especificamente previstos na Constituição — mas, sim, com a inexistência, na prática, de um método técnico de executar o voto electrónico. De facto, o voto electrónico não existe no nosso país. É ainda algo do foro experimental e, a esse nível, também cumpriria relembrar as recomendações feitas pela Comissão Nacional de Protecção de Dados. Esta Comissão levanta as maiores reservas no que diz respeito ao cumprimento ou à possibilidade de cumprimento, na instalação de um modo de votação electrónico, dos princípios consignados na Constituição relativamente ao exercício do direito de voto, pilar fundamental do princípio democrático do nosso Estado. Nesse sentido, parece-nos que deve estar acima de qualquer prioridade o acautelar dos princípios jurídicos da prevenção e da precaução e, por isso, levantamos as maiores reservas relativamente a esta iniciativa legislativa da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, razão pela qual não a poderemos votar favoravelmente.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei ora em discussão visa o alargamento do âmbito de atribuição do subsídio de residência aos funcionários e agentes da PSP, GNR, Polícia Judiciária, Polícia Marítima, SEF e do corpo da guarda prisional, a prestar serviço na Região Autónoma da Madeira. Este subsídio de residência, que se traduz num acréscimo em um terço do respectivo vencimento, foi originalmente atribuído em 1951 aos funcionários do Ministério da Justiça colocados em serviço na ilha açoriana de Santa Maria. Em 1967, este subsídio foi estendido aos funcionários deste Ministério colocados na ilha do Porto Santo. Mais tarde, em 1977 e em 1978, procedeu-se a nova extensão deste subsídio, alargando o seu âmbito de aplicação aos elementos da PSP colocados, respectivamente, nas ilhas de Santa Maria e do Porto Santo. Finalmente, em 1979, procedeu-se a uma última extensão, agora ao pessoal do serviço de estrangeiros (actual SEF), colocado na ilha do Porto Santo. Feito o enquadramento histórico, constatamos que a presente iniciativa procede a um novo alargamento do âmbito de aplicação deste subsídio de residência, visando a sua atribuição aos elementos da GNR, Polícia Judiciária, Polícia Marítima e do corpo da guarda prisional colocado na ilha do Porto Santo, bem como a todos os serviços e forças de segurança colocados na ilha da Madeira. Por outras palavras, a presente iniciativa não só estende o reconhecimento deste subsídio a novas categorias profissionais como também alarga o respectivo âmbito geográfico, que passa agora a abranger a ilha da Madeira. O fundamento para a criação originária deste subsídio residia na especificidade da insularidade das ilhas do Porto Santo e de Santa Maria, resultante da sua natureza ultraperiférica com reflexos directos na vida dos seus habitantes. Volvidos 55 anos desde a publicação do diploma original, os fundamentos para atribuição do subsídio de residência encontram-se perfeitamente ultrapassados, em especial na ilha do Porto Santo, que, hoje, está provida de um moderno sistema de transportes marítimos e aéreos, quer em relação à ilha da Madeira quer em relação ao Continente. Concretamente, a proposta extensão a todos os serviços e forças de segurança colocados na ilha da Madeira parece, por maioria de razão, manifestamente injustificada. Cumpre salientar que a eventual extensão a todo o arquipélago da Madeira criaria uma situação de profunda e injustificada desigualdade relativamente ao vizinho arquipélago dos Açores. Este subsídio de insularidade, tal como se encontra previsto na presente proposta, não tem em conta que alguns dos elementos desta forças não se encontram deslocados, uma vez que aí têm a sua residência habitual, sendo certo que, relativamente aos deslocados, já existem regras genéricas destinadas a compensar o pessoal da PSP e da GNR que, por imposição ou escolha, for nomeado para prestar serviço, temporariamente, nos comandos da polícia e nas unidades da GNR das regiões autónomas. De facto, os funcionários nesta situação já beneficiam de um subsídio de deslocação destinado exactamente a cobrir os custos inerentes ao afastamento do local habitual de residência. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Finalmente, importa aqui convocar a oportunidade desta medida avulsa, num momento em que se encontra em estudo a reestruturação de todo o sistema de suplementos atribuído às forças e serviços de segurança e num contexto de forte contenção da despesa pública. Aliás, importa referir que, do ponto de vista orçamental, o encargo inerente à implementação desta alteração legislativa seria da ordem dos 3,4 milhões de euros anuais, se o âmbito de abrangência territorial fosse apenas a Região Autónoma da Madeira e se a medida se restringisse à PSP, à GNR e ao SEF. Em conclusão, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista é, como sempre, sensível às questões específicas decorrentes do fenómeno da insularidade e da necessidade de adoptar medidas concretas susceptíveis de atenuarem o efeito periférico. Todavia, as políticas a adoptar deverão ser enquadradas por critérios de objectividade, equidade e verdadeira solidariedade nacional, pelo que a presente iniciativa não merece a nossa aprovação.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apenas gostaria de deixar duas notas relativamente à intervenção do Sr. Deputado do PSD. A primeira nota, muito simples, é a de que, tal como o meu grupo parlamentar, eu próprio respeito o papel, a responsabilidade e as competências tanto dos Srs. Deputados da Assembleia Legislativa Regional da Madeira como dos da Assembleia Legislativa Regional dos Açores. Mas, como deve imaginar, também devemos respeitar as competências e as atribuições dos Deputados da Assembleia da República, sendo que esta matéria é da nossa competência e dela não prescindimos. A segunda questão que, penso, é essencial tem a ver com o seguinte: é razoável que um subsídio de residência seja atribuído — e admito que, no caso de Porto Santo, isso seja possível, apesar de haver um subsídio de deslocação — a todas as forças de segurança que estão na ilha da Madeira? É que, quando a questão do subsídio de residência foi colocada, foi-o com um objectivo, o do problema da insularidade existente na ilha de Santa Maria e, depois, em Porto Santo. Mas os tempos mudaram e, por isso, o âmbito de alargamento deste diploma não me parece razoável, tendo em conta que estas mesmas medidas não estão aplicadas, nomeadamente, na Região Autónoma dos Açores. Acho que é uma questão de justiça, de equidade e de equilíbrio, num momento de contenção e quando estão a aplicar-se medidas extremamente importantes quanto às carreiras e ao sistema de remuneração dos seus funcionários. É uma questão de justiça e de equidade que está aqui em causa e que, parece-me, esta proposta não têm.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Decreto-Lei n.º 38 477, de 29 de Outubro de 1951, criou um subsídio de residência constituído por um acréscimo de um terço do vencimento para os funcionários do Ministério das Finanças colocados na ilha de Santa Maria. Este subsídio visava atenuar, adoptando uma solução já então utilizada para outros funcionários de outros serviços, os efeitos do aumento dos custos de vida que se verificavam devido a colocação nesta ilha. Acontece que o Decreto-Lei n.º 465/77, de 11 de Novembro, diploma que, hoje, é alvo de alteração, alargou o regime previsto no artigo 1.º do decreto acima referido para os agentes da PSP colocados na ilha do Porto Santo. Ora, os custos da insularidade verificam-se na ilha de Santa Maria, bem como nas ilhas do Porto Santo e da Madeira, pelo que esta discriminação não fazia nem faz qualquer sentido. De igual forma, é legitimo questionar que argumento justifica a aplicação deste diploma somente aos agentes da PSP e não a todas as forças de segurança. Assim, a proposta de lei n.º 27/X, que hoje discutimos, vem tornar extensivo o regime previsto no DecretoLei n.º 465/77 a todas as forças de segurança — PSP, Guarda Nacional Republicana, Polícia Judiciária, Polícia Marítima, pessoal do Corpo de Guarda Prisional e do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras — que prestam serviço na Região Autónoma da Madeira. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A presente proposta de lei, aprovada na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, resulta de um projecto de proposta de lei apresentado pelo Partido Comunista Português e que, tendo sido aprovada, é hoje alvo de discussão na generalidade. Assim, importa salientar que esta proposta visa, por um lado, eliminar a discriminação existente entre as diferentes forças de segurança, uma vez que este subsídio deixa de ser exclusivo dos agentes da PSP e passa a aplicar-se a todas as forças de segurança, o que é da mais elementar justiça, uma vez que todas as forças de segurança sofrem de igual forma os custo do isolamento. Por outro lado, este diploma coloca a questão de saber se este subsídio deve ou não aplicar-se a uma só ilha ou a toda a Região Autónoma da Madeira. Na verdade, se nada justificava a aplicação deste subsídio apenas à ilha de Santa Maria, também não se compreende que apenas se aplique à ilha do Porto Santo, pelo que importa alargar o âmbito territorial a que se aplica este diploma. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Contudo, este diploma deixa à Assembleia da República o desafio de aprofundar a discussão em sede de especialidade. Por um lado, o diploma faz uma remissão que não faz qualquer sentido. A proposta de lei alarga o âmbito de aplicação de um diploma de 1977 que já alargou o âmbito de aplicação de um diploma de 1951, o que não é, no mínimo, tecnicamente aconselhável. Por outro lado, a presente proposta faz uma remissão para o n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 38 744, de 1951, que diz que «este subsídio será arredondado para escudos (…)», pelo que importava, em sede de __________________________________________________________________________________________________ especialidade, alterar a redacção e criar um artigo que defina, de forma clara, quem tem direito ao subsídio acima referido e quais os mecanismos de actualização do mesmo. Por outro lado ainda, importa alargar a discussão e questionar se é ou não legítimo que este diploma se aplique só a Região Autónoma da Madeira ou se deve aplicar-se também à Região Autónoma dos Açores. Não obstante a presente proposta merecer discussão em sede de especialidade, importa salientar que a mesma, além de justa, tem o mérito de corrigir pelo menos duas situações de discriminação. Pelos motivos acima expostos, iremos votar favoravelmente esta proposta de lei. Contudo, não posso deixar de registar a posição do Partido Socialista que fundamenta a sua posição, argumentando que os fundamentos que levaram à criação deste direito são injustificados e que o mesmo constitui mais um privilégio e que, por isso, os Deputados do PS vão votar contra este diploma. A que ponto chegaram os Srs. Deputados do Partido Socialista que, agora, estão a cortar direitos atribuídos a estes trabalhadores — imagine-se! — em 1951! Em 1951, Srs. Deputados! Uma vergonha! Porque são as populações, são os que ali trabalham e que ali residem que, na realidade, são prejudicados com esta atitude do Partido Socialista. Quase me atreveria a perguntar por que é que o Partido Socialista não se abstém, por que há-de votar contra. Por que há-de o Partido Socialista manifestar esta total incoerência em relação a esta matéria? É que, Sr. Deputado João Serrano, respeitar a autonomia, respeitar a deliberação que foi aprovada pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira é ser coerente entre o que lá se passou e o que aqui se passa. E nós temos de pensar no debate havido na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira. A certa altura, aquele mesmo Deputado do Partido Socialista, eleito pelo círculo eleitoral da Madeira, que fez a intervenção que citei, começou a dizer que esperava que, agora, não acontecesse o que aconteceu aquando da anterior apresentação, na Assembleia da República, desta mesma proposta de lei que caducou devido à realização das eleições regionais, em 2004. Até parece que o mesmo estava a adivinhar que o Partido Socialista iria fazer exactamente aquilo que ele temia. Apesar de o referido Deputado ter invocado que iria mover influências, tendo dito que iria influenciar os Deputados do Partido Socialista para que, na Assembleia da República, votassem favoravelmente esta matéria, pelos vistos, não teve influência nenhuma. O Partido Socialista/Madeira não tem qualquer influência no PS pois verifica-se que, nesta matéria, vão votar em sentido contrário. Portanto, o PSD tem de deixar expresso o seu lamento por esta atitude ziguezagueante do Partido Socialista no que se refere ao respeito que devia ter pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira que, do ponto de vista constitucional, deveria ser respeitada de outra forma, o que o Partido Socialista não faz.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de me congratular pelo facto de termos hoje em discussão algumas propostas de lei apresentada pelas Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, o que é sempre importante e sempre de registar. Infelizmente, esta minha satisfação é logo contrariada. É que, a finalizar a sua intervenção, o Sr. Deputado do Partido Socialista disse, nesta Câmara, que o Partido Socialista sempre foi sensível às questões da insularidade e da ultraperificidade. Não é verdade — e, hoje, isso verificou-se. Aliás, são muitos os exemplos do que afirmo. Por exemplo, olho para a bancada do Partido Socialista e verifico que os respectivos Deputados eleitos pelo círculo eleitoral da Região Autónoma da Madeira estão sentados na última fila e não estão a participar neste debate como deveriam, para serem coerentes com o que se passou na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira em relação a esta matéria. Sobre o fundo da questão, os Srs. Deputados que me antecederam já disseram o que está em causa. A compreensão da questão da insularidade e da ultraperificidade está implícita na aceitação desta proposta de lei. Infelizmente, o Partido Socialista não tem essa posição, tal como foi transmitido pelo Sr. Deputado João Serrano, na intervenção que fez em representação do partido. Ora, devo dizer que é total a incoerência com o que se passou em sede da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira. É que, se o Sr. Deputado tivesse lido a transcrição dos debates que tiveram lugar na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, verificaria que o Deputado do Partido Socialista que interveio sobre esta matéria, pronunciou-se, de forma clara e acérrima, em defesa desta proposta, tendo dito, entre outras coisas, que, por razões de insularidade e de o custo de vida ser mais alto, por razões ligadas ao afastamento das regiões autónomas em relação ao Continente, havia justificação para se proceder tal como é proposto neste diploma. Afirmou mesmo que até havia exemplos, e há, em sede de outras matérias, em que já é concedido algum apoio aos que têm de deslocar-se e passar a residir na Região Autónoma da Madeira. Para além deste, há o exemplo de outros apoios destinados aos próprios residentes, como no que se refere ao rendimento social de inserção, o qual tem um acréscimo de 2% na Região Autónoma da Madeira. Portanto, há razões de insularidade que justificam que seja aprovada esta proposta de lei. Não disponho de muito tempo para esta minha intervenção mas, face ao que acabei de dizer, gostaria de expor o seguinte. Estamos a assistir a algo que confirma o que temos vindo a dizer — e, hoje, a intervenção do Sr. Deputado do Partido Socialista é um exemplo disso —, ou seja, que, actualmente, o Partido Socialista faz um ataque permanente à Região Autónoma da Madeira e à autonomia. Sabemos que o que querem atacar é o Governo regional e o PSD/Madeira, mas o que estão a fazer, tal como eu próprio já o disse aqui há dias, numa intervenção, é atacar as populações da Madeira, é atacar a Região Autónoma da Madeira em si mesma e não o Governo regional. Porque são as populações, são os que ali trabalham e que ali residem que, na realidade, são prejudicados com esta atitude do Partido Socialista. Quase me atreveria a perguntar por que é que o Partido Socialista não se abstém, por que há-de votar contra. Por que há-de o Partido Socialista manifestar esta total incoerência em relação a esta matéria? É que, Sr. Deputado João Serrano, respeitar a autonomia, respeitar a deliberação que foi aprovada pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira é ser coerente entre o que lá se passou e o que aqui se passa. E nós temos de pensar no debate havido na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira. A certa altura, aquele mesmo Deputado do Partido Socialista, eleito pelo círculo eleitoral da Madeira, que fez a intervenção que citei, começou a dizer que esperava que, agora, não acontecesse o que aconteceu aquando da anterior apresentação, na Assembleia da República, desta mesma proposta de lei que caducou devido à realização das eleições regionais, em 2004. Até parece que o mesmo estava a adivinhar que o Partido Socialista iria fazer exactamente aquilo que ele temia. Apesar de o referido Deputado ter invocado que iria mover influências, tendo dito que iria influenciar os Deputados do Partido Socialista para que, na Assembleia da República, votassem favoravelmente esta matéria, pelos vistos, não teve influência nenhuma. O Partido Socialista/Madeira não tem qualquer influência no PS pois verifica-se que, nesta matéria, vão votar em sentido contrário. Portanto, o PSD tem de deixar expresso o seu lamento por esta atitude ziguezagueante do Partido Socialista no que se refere ao respeito que devia ter pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira que, do ponto de vista constitucional, deveria ser respeitada de outra forma, o que o Partido Socialista não faz. E a remuneração é um dos instrumentos que deverá ser utilizado para a motivação e o empenho dessas mesmas forças. O que discutimos aqui é uma proposta de lei de alargamento do acréscimo salarial, previsto para os funcionários e agentes da Polícia de Segurança Pública a prestar serviço na ilha do Porto Santo, às diversas forças de segurança (Guarda Nacional Republicana, Polícia Judiciária, Polícia Marítima, guardas prisionais e SEF) que prestam serviço em todo o arquipélago da Madeira. Isto porque o Decreto Lei n.º 465/77 não contempla os funcionários e agentes dos Serviços de Informação e Segurança em funções na Região Autónoma da Madeira, sendo certo que todos estes se encontram nas mesmas circunstâncias funcionais que os funcionários e agentes abrangidos por este diploma, o que parece óbvio. O CDS-PP da Madeira, em várias legislaturas, votou a favor desta proposta de atribuição de acréscimo salarial. O CDS-PP, no Parlamento, e em consonância com o CDS/Madeira, ao contrário do Partido Socialista, defende o princípio de um tratamento igual a situações materialmente iguais e que só se verificará no caso de aprovação desta proposta, pois o tratamento desigual que hoje se verifica só gera injustiça, descontentamento e desmotivação desses agentes tão necessários à salvaguarda do interesses dos cidadãos. Já a proposta de lei n.º 83/VIII, da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, visava o mesmo fim. Esta proposta caducou em 17 de Outubro de 2004, como já foi explicado, por motivos sobejamente conhecidos de todos. Na apreciação dessa proposta, tivemos a posição que ainda hoje adoptamos, ao contrário do Partido Socialista, porque somos coerentes com as nossas posições e com a defesa dos cidadãos que representamos.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Decreto-Lei n.º 465/77 visou beneficiar os funcionários e agentes da Polícia de Segurança Pública na ilha do Porto Santo, atribuindo-lhes um acréscimo salarial para fazer face às características peculiares da ilha — estava escrito na «Exposição de motivos». O fundamento essencial subjacente à aprovação deste decreto-lei foi o facto de a ilha do Porto Santo apresentar características muito particulares que a distingue de outras regiões do País. Esta é mesmo a particularidade prevista na «Exposição de motivos» desse mesmo decreto-lei. O CDS foi, e é, um claro defensor das forças de segurança e dos seus agentes, pois consideramos a segurança dos nossos cidadãos um princípio basilar de qualquer Estado de direito democrático. É nesse sentido que afirmamos que as nossas forças de segurança não poderão continuar a usufruir de remunerações tão baixas. Estas remunerações têm sido aumentadas com recurso constante a subsídios e a complementos da mais variada índole e nunca através da remuneração base das forças de segurança, como seria mais aconselhável. E a remuneração é um dos instrumentos que deverá ser utilizado para a motivação e o empenho dessas mesmas forças. O que discutimos aqui é uma proposta de lei de alargamento do acréscimo salarial, previsto para os funcionários e agentes da Polícia de Segurança Pública a prestar serviço na ilha do Porto Santo, às diversas forças de segurança (Guarda Nacional Republicana, Polícia Judiciária, Polícia Marítima, guardas prisionais e SEF) que prestam serviço em todo o arquipélago da Madeira. Isto porque o Decreto Lei n.º 465/77 não contempla os funcionários e agentes dos Serviços de Informação e Segurança em funções na Região Autónoma da Madeira, sendo certo que todos estes se encontram nas mesmas circunstâncias funcionais que os funcionários e agentes abrangidos por este diploma, o que parece óbvio. O CDS-PP da Madeira, em várias legislaturas, votou a favor desta proposta de atribuição de acréscimo salarial. O CDS-PP, no Parlamento, e em consonância com o CDS/Madeira, ao contrário do Partido Socialista, defende o princípio de um tratamento igual a situações materialmente iguais e que só se verificará no caso de aprovação desta proposta, pois o tratamento desigual que hoje se verifica só gera injustiça, descontentamento e desmotivação desses agentes tão necessários à salvaguarda do interesses dos cidadãos. Já a proposta de lei n.º 83/VIII, da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, visava o mesmo fim. Esta proposta caducou em 17 de Outubro de 2004, como já foi explicado, por motivos sobejamente conhecidos de todos. Na apreciação dessa proposta, tivemos a posição que ainda hoje adoptamos, ao contrário do Partido Socialista, porque somos coerentes com as nossas posições e com a defesa dos cidadãos que representamos. A segunda questão que, penso, é essencial tem a ver com o seguinte: é razoável que um subsídio de residência seja atribuído — e admito que, no caso de Porto Santo, isso seja possível, apesar de haver um subsídio de deslocação — a todas as forças de segurança que estão na ilha da Madeira? É que, quando a questão do subsídio de residência foi colocada, foi-o com um objectivo, o do problema da insularidade existente na ilha de Santa Maria e, depois, em Porto Santo. Mas os tempos mudaram e, por isso, o âmbito de alargamento deste diploma não me parece razoável, tendo em conta que estas mesmas medidas não estão aplicadas, nomeadamente, na Região Autónoma dos Açores. Acho que é uma questão de justiça, de equidade e de equilíbrio, num momento de contenção e quando estão a aplicar-se medidas extremamente importantes quanto às carreiras e ao sistema de remuneração dos seus funcionários. É uma questão de justiça e de equidade que está aqui em causa e que, parece-me, esta proposta não têm.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vamos discutir uma proposta de lei da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira que nos propõe a criação de um fundo nacional desportivo que visa, segundo os objectivos a que se propõe, garantir a continuidade territorial no âmbito da prática desportiva. É verdade que existe um problema de facto. Independentemente das formas como tem sido contornado, a questão essencial dos transportes necessários para a realização de etapas competitivas entre equipas ou atletas persiste, tendo tido expressões recentes de significativa gravidade. É verdade que o Estado deve dispor de mecanismos que garantam o tratamento igualitário nas práticas desportivas, sem que a sua origem geográfica represente vantagem ou desvantagem. É verdade que o Estado deve criar as condições para que a prática desportiva competitiva se desenvolva naturalmente, sem entraves ou barreiras de qualquer ordem que não as das normas que presidem a cada uma das próprias competições. Nesse sentido, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português encara a presente proposta de lei como um instrumento útil à discussão, capaz de apontar possíveis caminhos. Sendo que o mesmo texto já foi discutido, na generalidade, durante a anterior Legislatura e baixou à comissão respectiva sem votação, partimos dos mesmos pontos de vista que anteriormente para a sua análise, com esta nova premissa: a de que os problemas se agravaram devido à inacção e incapacidade de solução perante a dificuldade que existe actualmente, o que não é de todo irrelevante. Salvaguardando o objectivo central da proposta de lei, ou seja, o da diversificação das fontes de financiamento para a contribuição do Estado nas deslocações das equipas e atletas que exijam transporte aéreo para participarem nas diferentes competições, constituindo com essas verbas um fundo nacional, não podemos, no entanto, deixar de sublinhar algumas preocupações. Por um lado, a imposição de uma taxa que reverta directamente para o referido fundo nacional e que seria cobrada como um incremento do preço do bilhete para todas as competições oficiais. Perante isto, não podemos ignorar que, hoje em dia, na venda de bilhetes para estas competições, são muitas vezes praticados preços completamente fora do alcance de muitos portugueses e portuguesas, particularmente dos jovens, e que o preço dos bilhetes é, em muitos casos, completamente injustificado e gera, à partida, uma discriminação no acesso ao entretenimento desportivo. Acrescer todos estes preços de uma taxa, com vista a custear ou a participar nos custos dos transportes, pode acentuar esta clivagem económica, o que, portanto, nos deve exigir ponderada reflexão. Por outro lado, a atribuição de uma verba directa do Orçamento do Estado que garanta a solvabilidade do fundo nacional desportivo é uma atribuição à qual não nos opomos à partida, a ser estabelecida, mas não poderá nunca significar um desvio de verbas do Orçamento do Estado aplicadas em matérias desportivas, sendo que estas já são, hoje, manifestamente insuficientes. Não pode o PCP concordar com a ideia de que é mais importante a deslocação aérea de equipas profissionais ou amadoras para a realização das competições do que qualquer outra vertente desportiva, na sua justa medida. Não podemos, no entanto, deixar em claro que o problema das deslocações aéreas, à parte do seu mediatismo e impacto, é apenas um dos que se manifestam no desporto nacional e na política desportiva do Estado. O âmbito de um fundo desta natureza é circunscrito às práticas e às equipas que disputem títulos em quadros competitivos nacionais ou internacionais. Um fundo com estas características não atinge, no entanto, a questão essencial com que se debate o desporto em Portugal, a da generalização da prática desportiva e da sua democratização, bem como a da garantia do direito à prática desportiva em condições de igualdade e de livre acesso a todos, independentemente da sua condição social, económica ou física. Evidenciamos também nesta ocasião que esses problemas cruciais não conhecem melhoras. A proposta de lei de bases, chamada da actividade física e do desporto, apresentada pelo Governo, não nos permite, infelizmente, perspectivar melhores dias num futuro próximo, no que toca à amplificação do efeito da prática desportiva regular pela generalidade da população. … e vai votar contra porque todos os antecedentes, contrariamente ao que o anterior Deputado do Partido Socialista referiu, demonstram que o Partido Socialista nunca entendeu as questões da insularidade. Nunca! E são muitos anos! Gostaria que me dessem um só exemplo em que tivessem entendido as questões da insularidade e, portanto, as questões que se levantam em relação às regiões autónomas. É que, Srs. Deputados do Partido Socialista, há atletas das regiões autónomas que são seleccionados para virem representar selecções nacionais e hoje quem lhes paga são as regiões autónomas — isto é inaceitável! Há clubes que não podem participar em competições nacionais em condições de igualdade porque, enquanto a Região Autónoma da Madeira paga às equipas e ao atletas da Madeira para cá virem (isso tem custos elevadíssimos, mas tem pago), aqui, a certa altura, as federações não são dotadas dos meios financeiros para que as equipas de cá vão à Madeira participar. Isto é inaceitável! A Região Autónoma da Madeira e a Região Autónoma dos Açores estão a ser tratadas de uma forma inaceitável. Assim, faço um apelo ao Partido Socialista, e talvez dêem um recado ao Sr. Secretário de Estado da Juventude e Desporto que resolveu retirar o princípio da continuidade territorial da proposta de lei, substituindo-o por um princípio de coesão que não se entende bem o que seja, em que se «mete tudo no mesmo saco» mas não se resolve este problema. E este problema tem de ser resolvido, sob pena de, passados todos estes anos, se manter a injustiça de, na participação desportiva — e estamos a falar na participação desportiva em todas as modalidades —, haver atletas ou clubes que, por serem de uma região autónoma, não podem participar numa competição nacional. No andebol, agora, há um grupo próprio na Região Autónoma da Madeira porque, face a todos os problemas que a Federação de Andebol de Portugal levantou, a equipa campeã nacional de andebol não pode participar na competição com todas as outras equipas, ao longo de uma época. Por isso, criou-se um grupo próprio, sendo que essas atletas, muitas delas madeirenses e portuguesas, não podem demonstrar que continuam a ser verdadeiramente as campeãs nacionais de andebol. Assim sendo, o apelo que se faz ao Partido Socialista — até porque já ouvi, em tempos, declarações do Deputado Maximiano Martins, do PS/Madeira, dizendo que defende o princípio da continuidade territorial — é que defenda o princípio da continuidade territorial e defenda esta proposta, que é uma alternativa viável para resolver o problema. E, depois, em sede de especialidade, vamos então resolver as questões que se levantam em relação à constituição do fundo. Isto é tão «claro como água». O problema é que o Partido Socialista e o Governo não querem fazê-lo. Não querem fazê-lo, nunca quiseram e agora, que estão a fazer este ataque permanente à Região Autónoma da Madeira, aos atletas e aos clubes que têm lá a sua sede, muito menos o querem.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em relação a esta matéria, que já esteve em discussão neste Plenário há alguns anos e que, depois, não teve continuidade porque baixou à comissão sem votação, gostaria de dizer que, desde essa altura, existem responsáveis — e não vale a pena estar a dizer se foi o governo anterior ou se foi este — pelo facto de, a nível da República, nunca se ter resolvido este problema. Este problema das deslocações, que resulta directamente de princípios constitucionais, de entre os quais o da continuidade territorial, está hoje, é preciso dizê-lo, completamente em crise e a pôr em causa o direito de as regiões autónomas participarem em igualdade de circunstâncias com as equipas e os atletas do continente em competições desportivas. Ora, isto é algo de inaceitável, coisa que, já em intervenções anteriores aqui afirmei — e ficou registado em Acta —, aquando da questão do andebol e da discussão, na generalidade, da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto. E este é que é o ponto: é que, aquando da discussão da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, verificou-se que o Governo e o Partido Socialista tinham resolvido retirar da lei o princípio da continuidade territorial. Posto isto e embora esteja a discutir-se esta matéria em sede de especialidade, faço aqui um apelo — apelo este que, temos a certeza, dificilmente será ouvido e posto em prática — para que o Governo e o Partido Socialista voltem a colocar na lei o princípio da continuidade territorial. É que, uma vez colocado na Lei de Bases o princípio da continuidade territorial, esse princípio constitucional da igualdade de tratamento entre os atletas e os clubes das regiões autónomas e os do continente pode vir a ficar resolvido. Existe, realmente, um problema financeiro, mas esta é uma proposta que procura resolvê-lo. Eu próprio, na intervenção anteriormente feita aqui, no Plenário, disse que se colocavam questões em relação a este fundo. Mas essas questões podem ser resolvidas na especialidade. Ainda não ouvi a intervenção do Partido Socialista, mas já adivinho que vai votar contra e vai votar contra porque todos os antecedentes, contrariamente ao que o anterior Deputado do Partido Socialista referiu, demonstram que o Partido Socialista nunca entendeu as questões da insularidade. Nunca! E são muitos anos! Gostaria que me dessem um só exemplo em que tivessem entendido as questões da insularidade e, portanto, as questões que se levantam em relação às regiões autónomas. É que, Srs. Deputados do Partido Socialista, há atletas das regiões autónomas que são seleccionados para virem representar selecções nacionais e hoje quem lhes paga são as regiões autónomas — isto é inaceitável! Há clubes que não podem participar em competições nacionais em condições de igualdade porque, enquanto a Região Autónoma da Madeira paga às equipas e ao atletas da Madeira para cá virem (isso tem custos elevadíssimos, mas tem pago), aqui, a certa altura, as federações não são dotadas dos meios financeiros para que as equipas de cá vão à Madeira participar. Isto é inaceitável! A Região Autónoma da Madeira e a Região Autónoma dos Açores estão a ser tratadas de uma forma inaceitável. Assim, faço um apelo ao Partido Socialista, e talvez dêem um recado ao Sr. Secretário de Estado da Juventude e Desporto que resolveu retirar o princípio da continuidade territorial da proposta de lei, substituindo-o por um princípio de coesão que não se entende bem o que seja, em que se «mete tudo no mesmo saco» mas não se resolve este problema. E este problema tem de ser resolvido, sob pena de, passados todos estes anos, se manter a injustiça de, na participação desportiva — e estamos a falar na participação desportiva em todas as modalidades —, haver atletas ou clubes que, por serem de uma região autónoma, não podem participar numa competição nacional. No andebol, agora, há um grupo próprio na Região Autónoma da Madeira porque, face a todos os problemas que a Federação de Andebol de Portugal levantou, a equipa campeã nacional de andebol não pode participar na competição com todas as outras equipas, ao longo de uma época. Por isso, criou-se um grupo próprio, sendo que essas atletas, muitas delas madeirenses e portuguesas, não podem demonstrar que continuam a ser verdadeiramente as campeãs nacionais de andebol. Assim sendo, o apelo que se faz ao Partido Socialista — até porque já ouvi, em tempos, declarações do Deputado Maximiano Martins, do PS/Madeira, dizendo que defende o princípio da continuidade territorial — é que defenda o princípio da continuidade territorial e defenda esta proposta, que é uma alternativa viável para resolver o problema. E, depois, em sede de especialidade, vamos então resolver as questões que se levantam em relação à constituição do fundo. Isto é tão «claro como água». O problema é que o Partido Socialista e o Governo não querem fazê-lo. Não querem fazê-lo, nunca quiseram e agora, que estão a fazer este ataque permanente à Região Autónoma da Madeira, aos atletas e aos clubes que têm lá a sua sede, muito menos o querem. Esta proposta de lei, pretensamente, pretende regular a Lei n.º 30/2004, de 21 de Julho, que é a Lei de Bases do Desporto. Porém, como todos sabemos, já existe uma nova lei de bases, aprovada, na generalidade, neste Plenário, que se encontra, neste momento, em discussão na especialidade na comissão respectiva e que, pensamos, até ao final deste ano, ainda subirá a Plenário para votação final. Por isso, não percebemos nem o porquê do agendamento desta matéria neste momento nem a razão por que esta proposta de lei pretende regular uma lei que está em vias de ser revogada quando a nova lei de bases for aprovada em votação final. Uma outra questão é que esta proposta de lei pretende criar um novo instituto público sob a forma de fundação pública, ao dizer que quem irá administrar os fundos deste fundo de integração desportiva nacional é um instituto, uma instituição. Mas isso resolve-se, não se preocupe! Ora, parece-nos a nós, Partido Socialista, que é um caso de interferência da Assembleia da República numa competência de reserva do próprio Governo. A questão da orgânica do próprio Governo é uma competência sua e não uma competência da Assembleia da República. Portanto, estamos a interferir numa matéria que não é, nitidamente, pela forma como é apresentada, da competência da Assembleia da República. Uma outra questão que gostaria de colocar é que se fala numa dotação de um fundo. Mas qual é o impacto financeiro desta medida? Fui consultar a discussão anterior acerca desta matéria e os Srs. Deputados do PSD diziam, na altura, que havia uma falha na proposta que era apresentada porque não era apresentado qual o impacto financeiro desta medida.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como foi dito anteriormente, este é um assunto «requentado». De facto, esta é, pelo menos, a terceira vez, que este assunto é debatido no Plenário da Assembleia da República. De uma das vezes, o diploma respectivo baixou à comissão sem votação, mas, uma outra vez, na Legislatura anterior, foi aprovado nesta Câmara e, depois, caiu no esquecimento. Portanto, não percebo as queixas do Sr. Deputado do PSD quando, na Legislatura anterior, tiveram oportunidade de resolver este problema e não o fizeram. Esta proposta de lei, pretensamente, pretende regular a Lei n.º 30/2004, de 21 de Julho, que é a Lei de Bases do Desporto. Porém, como todos sabemos, já existe uma nova lei de bases, aprovada, na generalidade, neste Plenário, que se encontra, neste momento, em discussão na especialidade na comissão respectiva e que, pensamos, até ao final deste ano, ainda subirá a Plenário para votação final. Por isso, não percebemos nem o porquê do agendamento desta matéria neste momento nem a razão por que esta proposta de lei pretende regular uma lei que está em vias de ser revogada quando a nova lei de bases for aprovada em votação final. Uma outra questão é que esta proposta de lei pretende criar um novo instituto público sob a forma de fundação pública, ao dizer que quem irá administrar os fundos deste fundo de integração desportiva nacional é um instituto, uma instituição. Ora, parece-nos a nós, Partido Socialista, que é um caso de interferência da Assembleia da República numa competência de reserva do próprio Governo. A questão da orgânica do próprio Governo é uma competência sua e não uma competência da Assembleia da República. Portanto, estamos a interferir numa matéria que não é, nitidamente, pela forma como é apresentada, da competência da Assembleia da República. Uma outra questão que gostaria de colocar é que se fala numa dotação de um fundo. Mas qual é o impacto financeiro desta medida? Fui consultar a discussão anterior acerca desta matéria e os Srs. Deputados do PSD diziam, na altura, que havia uma falha na proposta que era apresentada porque não era apresentado qual o impacto financeiro desta medida. É preciso prever qual é o impacto financeiro dessa medida. Quanto é que se vai gastar nisso? Uma outra questão, que já foi referida por um Deputado anterior, refere-se a uma taxa a aplicar nos bilhetes de espectáculos desportivos e isto parece-nos um erro. O Orador: — Neste momento, os espectáculos desportivos têm poucos espectadores; ora, se acrescentarmos mais uma taxa, é mais um motivo para afastar os espectadores dos espectáculos desportivos, que são receitas dos clubes desportivos. Portanto, em vez de estarmos a melhorar, criando um fundo que iria resolver um problema, estávamos a criar outros problemas. Mas vamos à substância da questão. Na verdade, não se passa aquilo que aqui foi referido anteriormente. Esta época desportiva começou há alguns meses e pergunto: há conhecimento de algum problema? Há alguma equipa que não tenha participado nas competições por falta de pagamento para as deslocações? Não! Os quadros competitivos estão a decorrer com toda a normalidade. É importante referirmos que o Governo da República entrou em contacto com os governos regionais e com as federações para resolver este problema de uma maneira que nos parece a mais justa, ou seja, as deslocações das equipas do Continente que se deslocam às regiões autónomas para participar nessas mesmas competições são pagas através de dotações do Instituto do Desporto de Portugal e os respectivos governos regionais assumem a despesa no que toca às deslocações das suas equipas nas competições interregiões autónomas ou mesmo para o Continente. É importante referir que não é verdade o que o Sr. Deputado Hugo Velosa aqui disse, porque o Governo está a pagar as deslocações não só das equipas que se deslocam a regiões autónomas para as competições como está, também, a pagar as deslocações de atletas que, sendo seleccionados para as selecções nacionais e sendo oriundos das regiões autónomas, tenham de vir aos estágios que se realizem no Continente. Como paga também as equipas de arbitragem que, sendo oriundas destas regiões, vêm arbitrar jogos ao Continente. Neste momento, do ponto de vista da substância, temos o problema resolvido: o Governo paga estas deslocações, o governo dos Açores está de acordo e tem pago e o governo da Região Autónoma da Madeira não concorda mas pratica, porque também tem estado a pagar, e muito bem, estas deslocações. Esta é a solução e não a criação de mais um fundo que só iria levantar problemas. Uma última nota para concluir: este fundo, que pretende criar mais igualdade, o que iria provocar era mais desigualdade. Todos temos conhecimento que na Região Autónoma da Madeira os fundos para a área do desporto são per capita incomensuravelmente maiores do que em qualquer outra região do País e, portanto, a criação deste fundo à custa do Orçamento do Estado só iria fazer com que esta desigualdade competitiva aumentasse e não com que diminuísse. Para um correcto, eficaz e sustentado desenvolvimento desportivo do País não podemos condicionar a livre competição com um entrave, muitas vezes de difícil solução, como é o custo das deslocações aéreas entre o território continental e as ilhas. A base desta proposta de lei torna efectivo um princípio de justiça social e desportiva, que impõe que os melhores atletas e as melhores equipas tenham acesso a todas as competições nacionais. Sabemos, e não somos insensíveis, das dificuldades económicas e orçamentais que o País atravessa, mas governar é também optar. Neste caso, achamos que o Governo deve optar por cumprir o princípio da continuidade territorial. Já agora, e a propósito do que referiu o Sr. Deputado Fernando Cabral, gostava de lembrarlhe duas situações: a primeira é que a discussão que, neste momento, está a decorrer sobre a Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto – que se pretende que seja uma lei consensual, depois de um congresso sobre o desporto em todo o País –, nas audições que mantivemos, e ainda hoje de manhã se realizou a última, mostra que, afinal, ou o Governo não deu ouvidos àquilo que foi dito ou o que foi dito não está na proposta de lei, porque o que hoje acabámos de discutir é que esta lei não agrada. Mas, Sr. Deputado Fernando Cabral, vou citar-lhe afirmações feitas por um Deputado do Partido Socialista na Assembleia Regional da Madeira: «é preciso e é urgente arranjar soluções e esta solução é uma boa solução. Esta questão das passagens aéreas, como disse ainda há pouco, é uma questão que já «tem barbas» e que nunca mais se resolve. Andamos aqui há vários anos a tentar resolver este problema e o problema não é resolvido.» Escute, Sr. Deputado! Deixe-me referir-lhe a última parte! «O Grupo Parlamentar do PS vai propor aos nossos Deputados na Assembleia da República que apresentam uma proposta específica para o próximo Orçamento do Estado de 2006». Isto foi dito o ano passado, mas o senhor acaba não só por não ter solidariedade nacional como nem sequer tem solidariedade partidária para com os seus colegas da Madeira. Sr. Deputado, sabemos também que o Governo pretende limitar a atribuição de apoios financeiros ao desporto, limitando a sua atribuição apenas a entidades que sejam titulares do Estatuto de Utilidade Pública Desportiva, sendo que nesta regra caem também os apoios dados pelas autarquias locais e pelos governos regionais. Esta é uma solução que, como sabem, não merece o nosso apoio. Nos aspectos técnicos desta proposta de lei há que considerar algumas questões que devem merecer uma análise muito atenta, desde logo a taxa a aplicar, que será fixada por lei em relação a cada bilhete de ingresso em todas as competições desportivas. Quando se referem todas as competições desportivas, isto quer dizer que são só as profissionais ou também as amadoras? Esta taxa será uma verdadeira taxa ou irá, antes, revestir uma característica de mais um imposto? Do nosso ponto de vista, há desde logo que diferenciar o que são e o que não são actividades desportivas profissionais, amadoras e de formação. Em sede de comissão, teremos de trabalhar estas e outras questões, sendo que, da nossa parte, orientarnos-emos sempre de acordo com a finalidade de resolvermos o princípio que está na base desta proposta de lei, a da aplicação do princípio da continuidade territorial e que deve ser tratado de forma igual aquilo que é igual e de maneira diferente o que é diferente.
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Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Ao discutirmos mais uma vez a proposta de lei n.º 26/X, que cria um fundo de integração desportiva nacional, reafirmamos aqui a nossa posição de princípio favorável a esta ideia de aplicação do princípio da continuidade territorial e de tratamento igual ao que é igual e de diferente ao que é diferente. Para um correcto, eficaz e sustentado desenvolvimento desportivo do País não podemos condicionar a livre competição com um entrave, muitas vezes de difícil solução, como é o custo das deslocações aéreas entre o território continental e as ilhas. A base desta proposta de lei torna efectivo um princípio de justiça social e desportiva, que impõe que os melhores atletas e as melhores equipas tenham acesso a todas as competições nacionais. Sabemos, e não somos insensíveis, das dificuldades económicas e orçamentais que o País atravessa, mas governar é também optar. Neste caso, achamos que o Governo deve optar por cumprir o princípio da continuidade territorial. Já agora, e a propósito do que referiu o Sr. Deputado Fernando Cabral, gostava de lembrarlhe duas situações: a primeira é que a discussão que, neste momento, está a decorrer sobre a Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto – que se pretende que seja uma lei consensual, depois de um congresso sobre o desporto em todo o País –, nas audições que mantivemos, e ainda hoje de manhã se realizou a última, mostra que, afinal, ou o Governo não deu ouvidos àquilo que foi dito ou o que foi dito não está na proposta de lei, porque o que hoje acabámos de discutir é que esta lei não agrada. Mas, Sr. Deputado Fernando Cabral, vou citar-lhe afirmações feitas por um Deputado do Partido Socialista na Assembleia Regional da Madeira: «é preciso e é urgente arranjar soluções e esta solução é uma boa solução. Esta questão das passagens aéreas, como disse ainda há pouco, é uma questão que já «tem barbas» e que nunca mais se resolve. Andamos aqui há vários anos a tentar resolver este problema e o problema não é resolvido.» Escute, Sr. Deputado! Deixe-me referir-lhe a última parte! «O Grupo Parlamentar do PS vai propor aos nossos Deputados na Assembleia da República que apresentam uma proposta específica para o próximo Orçamento do Estado de 2006». Isto foi dito o ano passado, mas o senhor acaba não só por não ter solidariedade nacional como nem sequer tem solidariedade partidária para com os seus colegas da Madeira. Sr. Deputado, sabemos também que o Governo pretende limitar a atribuição de apoios financeiros ao desporto, limitando a sua atribuição apenas a entidades que sejam titulares do Estatuto de Utilidade Pública Desportiva, sendo que nesta regra caem também os apoios dados pelas autarquias locais e pelos governos regionais. Esta é uma solução que, como sabem, não merece o nosso apoio. Nos aspectos técnicos desta proposta de lei há que considerar algumas questões que devem merecer uma análise muito atenta, desde logo a taxa a aplicar, que será fixada por lei em relação a cada bilhete de ingresso em todas as competições desportivas. Quando se referem todas as competições desportivas, isto quer dizer que são só as profissionais ou também as amadoras? Esta taxa será uma verdadeira taxa ou irá, antes, revestir uma característica de mais um imposto? Do nosso ponto de vista, há desde logo que diferenciar o que são e o que não são actividades desportivas profissionais, amadoras e de formação. Em sede de comissão, teremos de trabalhar estas e outras questões, sendo que, da nossa parte, orientarnos-emos sempre de acordo com a finalidade de resolvermos o princípio que está na base desta proposta de lei, a da aplicação do princípio da continuidade territorial e que deve ser tratado de forma igual aquilo que é igual e de maneira diferente o que é diferente.
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Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Esta medida tem algum impacto financeiro mas não tanto como talvez se julgará porque, de uma forma ou de outra, por vários meios, há uma despesa pública já significativa para acudir a este princípio da continuidade territorial e ao pagamento de viagens aéreas. O Bloco de Esquerda tem uma grande abertura em relação a este princípio e à sua concretização. Podemos eventualmente discordar da forma como está repartida esta despesa pública e da forma como se quer atirar o seu pagamento para os espectadores desportivos, através de uma taxa qualquer. Talvez em sede de especialidade fosse possível encontrar naqueles que são os grandes beneficiários do espectáculo desportivo, na sua vertente de indústria económica, uma comparticipação para o pagamento do princípio da coesão territorial e que isso não venha a reverter nos bilhetes dos espectáculos, aliviando de algum modo a despesa pública, situando-a no nível necessário e correspondente para o pagamento das viagens aéreas, encontrando-se, ao mesmo tempo, uma repartição equilibrada entre aquilo que é o esforço das regiões autónomas e aquilo que pode ser o esforço do Governo da República. Portanto, creio que a discussão tem de ser colocada num outro âmbito, dando manifesto apoio à proposta da Assembleia Legislativa da região autónoma embora discordando de soluções, mas elas poderiam ser encontradas na discussão na especialidade. Discordamos da criação desse instituto, discordamos, como acabei de dizer, da aplicação dessa taxa unicamente junto do mercado de consumo do espectáculo desportivo, mas poderíamos dar livre curso a este propósito. Assim, não se entende o argumento do Sr. Deputado do Partido Socialista, porque deveria ser um argumento a favor de podermos considerar, na especialidade, esta proposta de lei. Estando em curso o debate da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, já votada na generalidade mas que ainda está em fase de início de debate na especialidade, por que é que não se aprova essa iniciativa, juntando-a a esses trabalhos? Não repugnaria nada que a lei de bases viesse a ser um pouco mais densificada exactamente nesta área. Não é nenhuma solução jurídica aberrante que ela pudesse ser mais densificada e é exactamente esse o compromisso que o Bloco de Esquerda aqui faz, neste momento. Se o Partido Socialista inviabilizar a possibilidade de discutir na especialidade, conjuntamente com a Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, uma iniciativa deste género, nós, pela nossa parte, pegaremos no essencial desta iniciativa e vamos apresentá-la como proposta de especialidade na discussão da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto. Parece-nos que o argumento que o Partido Socialista evocou era até um argumento a favor de juntar esta iniciativa e não, pura e simplesmente, para a pôr de lado, numa manifestação errada. Mas se comecei pela questão do impacto financeiro devo terminar com aquilo que é essencial, e o essencial aqui é entender que o princípio da continuidade territorial aqui aplicado tem pouco a ver, diga-se de passagem, com o pagamento de viagens aéreas a clubes profissionais de algumas ligas de desporto profissional. Ele entende-se aqui pelo relevo comunicacional e o que daí deriva para a ideia do todo nacional, mas é muitíssimo importante, sobretudo para as jovens gerações, no desporto amador, no desporto semiprofissional, em alguns quadros competitivos profissionais, porque é aí que se está a fazer o enlace dos jovens que são da Região Autónoma da Madeira, da Região Autónoma dos Açores, do Continente e o seu conhecimento, exactamente na geração em que se forma qualquer ideia de País. Ora, é através destes mecanismos que isso é possível, vencendo aquilo que é o obstáculo da descontinuidade territorial. __________________________________________________________________________________________________ Portanto, não podemos ter uma visão apenas financista desta medida, temos de ver no que é que ele concorre, e concorre fortemente, para o crescimento de uma consciência do espaço comum que todos partilhamos. É por isso que talvez o Partido Socialista, abrindo-se à possibilidade de garantir este tipo de financiamento, pudesse ter mais autoridade política e moral para, em outra sede, também na lei de bases do desporto, exigir que os governos regionais, particularmente o Governo Regional da Madeira, deixe de financiar directamente os clubes profissionais e deixe, por essa via, de «cacicar» a autonomia e o voto democrático dos madeirenses. Mas para dizer isso ao PSD/Madeira era preciso ter a autoridade política e moral de assumir aqui, neste contexto, o pagamento das viagens aéreas e a concretização do princípio da coesão territorial. Uma coisa ia bem com a outra: o Partido Socialista fazia uma parte, o PSD seria obrigado a fazer outra, ganhava a democracia e ganhava o País.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Socialista agendou para hoje um projecto que visa reforçar direitos, promover e aprofundar a humanização nos cuidados de saúde. A doença e o internamento hospitalar confrontam-nos com as situações de maior fragilidade e vulnerabilidade do ser humano. Nesse sentido, somos desafiados para a concretização de políticas voltadas para as necessidades das comunidades mais frágeis, para a humanização dos equipamentos e dos cuidados de saúde oferecidos. O projecto de lei n.º 400/X revê e actualiza o regime jurídico de acompanhamento em hospital ou unidade de saúde de grupos de cidadãos especialmente frágeis em situação de doença: as crianças, os deficientes, as pessoas idosas em situação de dependência e pessoas com doença incurável em estado avançado ou em estado final de vida. Quando fazemos esta extensão de direitos não podemos deixar de ter presente a situação actual e os cenários de envelhecimento da população portuguesa com o alargamento da esperança média de vida. De facto, o cenário de hoje é totalmente diferente do do primeiro diploma em que se começou a estabilizar esta concessão de direitos às crianças, que data de 1981. Sr.as e Srs. Deputados: Um programa de humanização hospitalar deve criar um ambiente voltado para o cuidado humano e para uma cultura de respeito e valorização não da doença mas de cada pessoa que adoece, que deve ser tratado e considerado pelo que é — um ser humano único a quem devemos, para além dos cuidados médicos e terapêuticos, garantir estabilidade emocional e conforto psicológico. Focalizar a humanização na pessoa doente compreende, antes de tudo, uma relação de cuidado traduzida no acolhimento compreensivo, na sensibilidade, no respeito e na compreensão do ser doente. Significa, também, reduzir ao mínimo a ruptura entre a vida normal da pessoa doente e aquela que lhe impõe restrições; significa reduzir a insegurança emocional. A pessoa doente e a sua família precisam de ser acolhidos e compreendidos a partir da sua história pessoal e social, seus valores e seus sentimentos. Só assim será possível tornar a permanência no hospital a menos traumática possível, só assim aprofundamos este direito de cidadania. É verdade que o regime jurídico de acompanhamento de criança e pessoa com deficiência internadas em hospital ou unidade de saúde está estabelecido desde 1981 e 1997. Contudo, encontra-se em legislação dispersa e todos reconhecemos quanto precisa de ser aprofundado. Assim, por razões de sistematização e maior facilidade na percepção dos direitos e deveres dos destinatários, sem introduzir alterações de fundo ao regime actual, agrega-se, no presente diploma, as regras jurídicas relativas ao acompanhamento hospitalar que se encontram dispersas em diversos diplomas e alargase o espectro de doentes abrangidos. De facto, com este diploma aglutinador visamos ainda actualizar o regime do acompanhamento, alargandoo numa perspectiva de humanização dos cuidados de saúde a outras pessoas dependentes (como os idosos em estado de dependência), e fazer o alargamento e actualização do direito a refeição gratuita, de que passam a ser titulares, verificadas determinadas condições, os acompanhantes da pessoa internada. Visamos, igualmente, conformar o regime do acompanhamento da criança hospitalizada aos instrumentos internacionais de que Portugal é signatário, alargando o direito ao acompanhamento a toda a criança com idade até aos 18 anos, bem como reconhecer que a saúde pública pode impor restrições ao acompanhamento familiar da pessoa doente. Assim, as pessoas deficientes, as pessoas idosas em situação de dependência, as pessoas com doença incurável em estado avançado e as pessoas em estado final de vida internadas em hospital ou unidade de saúde têm direito ao acompanhamento permanente de ascendente, de descendente, do cônjuge ou equiparado ou, na ausência ou impedimento destes, de familiar ou de pessoa que o substitua. O presente diploma define ainda as condições do acompanhamento, prevendo que o mesmo seja exercido tanto no período diurno como no nocturno e com respeito pelas instruções e regras técnicas relativas aos cuidados de saúde aplicáveis e pelas demais normas estabelecidas no respectivo regulamento hospitalar. O exercício do acompanhamento previsto na presente lei é gratuito, não podendo o hospital ou a unidade de saúde exigir qualquer retribuição. De salientar que, quando propomos a consagração do reforço de direitos a pessoas dependentes, consideramos que os mesmos devem ser assegurados sem comprometer o regular e adequado funcionamento dos serviços de saúde. Por isso o fazemos assente numa base sólida e para isso contamos com o significativo desenvolvimento da Rede Nacional de Cuidados Continuados. De acordo com o relatório de monitorização da Rede Nacional de Cuidados Continuados acabado de divulgar, em 2008 foram referenciados na Rede 18 323 utentes, representando um crescimento de 132% relativamente ao ano de 2007, tendo sido assistidos em unidades de internamento 13 089 utentes Em termos geográficos, o mapa projectado evidencia já uma razoável cobertura do território. Sr.as e Srs. Deputados: Por último, e perante a ameaça de uma pandemia, estando a ser tomadas medidas sanitárias extraordinárias e tendo a Organização Mundial de Saúde declarado o nível de alerta 4 em 6, o diploma que hoje apresentamos é particularmente oportuno, na medida em que prevê que é possível e deve ser atribuído ao responsável de saúde a limitação do direito de acompanhamento em situações extraordinárias. Isto é, nos casos em que a criança internada ou a pessoa dependente for portadora de doença em que não somente a transmissão mas o mero contacto com outros constitua um risco para a saúde pública, aqui o direito ao acompanhamento poderá cessar ou ser limitado, por indicação escrita do médico responsável. Contudo, e reiterando-se a necessidade de humanização dos cuidados de saúde, quando a pessoa internada não possa, por qualquer razão, ser acompanhada, a administração do hospital ou da unidade de saúde deverá diligenciar para que a esta seja prestado um atendimento personalizado e informação regular aos familiares. Sr.as e Srs. Deputados, o agendamento deste diploma neste dia, e no preciso momento em que nos confrontamos com a ameaça de uma epidemia global, não deve ser encarado como revelador de situação de alarme, mas atento à necessidade de assegurarmos aos profissionais de saúde todas as condições higiénicosanitárias em qualquer situação e, especialmente, se o infortúnio nos atingir. As imagens projectadas durante a intervenção podem ser vistas no final do Diário. Sr. Presidente, Sr. Deputado João Semedo, começo por agradecer a pergunta que me colocou, que transmite a ideia, que acolhemos, de que é favorável ao projecto de lei que estamos a discutir. Gostaria de lhe dizer que, como referiu inicialmente, o processo de humanização dos cuidados de saúde no sistema nacional de saúde português não depende de uma única variável, depende de um conjunto vasto de variáveis, no qual se inserem, como é evidente, o quadro de pessoal, que acentuou na sua pergunta, as infraestruturas físicas, a reconversão do sistema nacional de saúde e o acompanhamento e encaminhamento que se está a verificar nos serviços dos cuidados médicos, sobretudo em termos de prolongamento de estadias de internamento. Considero que o número dos profissionais de saúde que existem, de acordo com o quadro, não tem sido reduzido, pelo contrário está a ser reforçado. É provável que esse número ainda não seja o necessário, mas penso que este projecto de lei visa sensibilizar toda a estrutura do Serviço Nacional de Saúde para a importância de acolher um terceiro elemento que entra no sistema para cooperar com o Serviço Nacional de Saúde. Com este diploma não se vem substituir, como é evidente, os serviços de enfermagem, os serviços auxiliares, etc., mas, sim, tentar humanizá-los com um elemento adicional, que é um elemento do núcleo familiar do doente. Portanto, acredito que é importante a questão que colocou sobre o quadro de pessoal, mas ele está a ser reforçado. O Serviço Nacional de Saúde não diminuiu os seus quadros, pelo contrário, tem-nos aumentado. É evidente que também as exigências em relação ao Serviço Nacional de Saúde têm aumentado, especialmente nestes núcleos mais frágeis, que têm a ver com o envelhecimento da nossa população, mas essa limitação não é impeditiva de que possa ser instituído progressivamente em todas as unidades de saúde do País um programa específico e empenhado de humanização dos cuidados prestados aos seus doentes. Este projecto não visa, concretamente, universalizar isso para já, porque consideramos que, de facto, isso é impossível de assegurar, mas, sim, universalizá-lo apenas para os sectores que detectamos como apresentando as maiores fragilidades sociais, emocionais e psíquicas nesta situação de doença.
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Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Teresa Venda, gostava de colocar-lhe uma questão. Muitos dirão, sobre este projecto de lei do Partido Socialista, que não há condições nas unidades de saúde, ou em grande parte das unidades de saúde, para implementar as medidas de humanização que o projecto inclui. Não tenho essa visão, nem lhe farei essa pergunta, porque entendo, precisamente, que é elevando o nível de exigência que conseguiremos que as unidades de saúde respondam a esse mesmo nível de exigência. No entanto, a humanização não pode ser o resultado de uma simples lei: a humanização não se decreta, a humanização constrói-se. E isso faz-se, seguramente, a partir de leis como aquela que o Partido Socialista aqui apresenta, sob a forma de projecto de lei, mas é necessário que este sentido de humanização do projecto de lei seja compatível com a política geral sobre os serviços de saúde e, em particular, sobre o Serviço Nacional de Saúde. Ora, a minha pergunta concreta é esta: entende que, hoje, a política prosseguida pelo Governo em matéria de recursos humanos é compatível com as exigências de humanização e de acompanhamento que o projecto de lei que acaba de apresentar introduz no Serviço Nacional de Saúde? A verdade é que hoje há poucos profissionais, há profissionais em situação de grande instabilidade e precariedade, profissionais que não passaram ainda pela necessária e devida formação e isto é consequência de uma política restritiva, do ponto de vista quer da expansão do Serviço Nacional de Saúde quer do crescimento e do desenvolvimento dos recursos humanos colocados à sua disposição. Pergunto-lhe, portanto, se lhe parece possível implementar esta humanização aqui proposta sem que seja alterada, significativamente, a política de recursos humanos — e falo agora de recursos humanos não tão diferenciados como aqueles de que falamos habitualmente, médicos e enfermeiros, mas, sim, de todos os outros profissionais que têm um papel muitíssimo relevante no dia-a-dia das enfermarias e das unidades de saúde.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, não posso deixar de considerar surpreendente o facto de este diploma ter sido agendado pelo Partido Socialista para uma data em que a primeira subscritora da iniciativa hoje em discussão — a Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro — não se encontra presente, pelo menos até ao momento, no Parlamento, por estar em viagem oficial ao estrangeiro. É, no mínimo, uma falta de cortesia. O seu contributo seria, por certo, muito útil para a qualidade da discussão parlamentar e a sua sensibilidade não deixaria de enriquecer todos e cada um dos Deputados desta Câmara. Daí a minha primeira saudação à Deputada Maria do Rosário Carneiro e o lamento de que não lhe tenha sido dada a oportunidade de estar presente para fazer a apresentação inicial, sem desprimor, como é óbvio, para a Sr.ª Deputada Teresa Venda., que acabou de a fazer. No que se refere à iniciativa propriamente dita, a mesma suscita diversas considerações e comentários, os quais enunciarei de seguida. Desde logo, entendo dever felicitar os Deputados subscritores desta iniciativa, já que se me afigura que a mesma representa um contributo louvável para a promoção da cidadania e facilitação do acompanhamento familiar dos doentes internados. É certo que as matérias objecto da referida iniciativa estão já, de um modo geral, contempladas na legislação portuguesa e, por esse facto, a mesma não contém um cunho vincadamente inovatório na ordem jurídica. Com efeito, é sabido que o acompanhamento familiar da criança hospitalizada já está regulado numa lei de 1981. Por outro lado, o acesso dos acompanhantes de crianças internadas a refeições disponibilizadas pelas unidades de saúde também já se encontra previsto no Decreto-Lei n.º 27/87. Finalmente, o acompanhamento familiar de deficientes internados já está consagrado numa lei de 1997. Mas se é certo que as matérias reguladas no diploma em apreço já foram objecto da atenção do legislador, não o é menos que, aqui e ali, o projecto de lei em análise vai no bom caminho, na medida em que pretende maximizar e ainda nivelar positivamente alguns direitos dos cidadãos. E isto é tanto mais digno de apreço quanto é certo que os seus naturais beneficiários são pessoas que, não raro, se encontram fragilizadas, fora do seu lar e carentes da presença e do apoio de familiares e amigos. Assim, entre outras inovações de menor relevo, o diploma alarga o regime do acompanhamento a idosos em estado de dependência, a pessoas com doença incurável ou em estado final de vida, estende o seu regime a todas as pessoas com idade até aos 18 anos e parece mesmo pretender dilatar o direito a refeição gratuita aos acompanhantes das pessoas internadas. Se é pacífico o alargamento etário dos beneficiários de acompanhamento familiar e se também não se nos suscitam dúvidas relativamente ao novo universo de destinatários abrangidos, já o mesmo não podemos considerar no que se refere às condições de acesso a refeições por parte dos acompanhantes de doentes internados. Com efeito, o diploma vem conceder esse direito desde que o acompanhante permaneça na instituição de saúde durante seis horas, independentemente de esse acompanhamento se registar à hora em que normalmente as refeições são distribuídas, como actualmente sucede. Ora, está bom de ver que, se não houver lugar a distribuição de refeições no concreto período em que o acompanhante permaneça junto do doente internado, carece de sentido servir-lhe uma refeição. Esta é uma questão menor, mas de bom senso, que, a ser aprovado o diploma na generalidade, pode evidentemente ser corrigida aquando da sua discussão na especialidade. Mas mais grave é o facto de se propor, como se diz no diploma, que «o acompanhante da pessoa internada tem direito a refeição gratuita, no hospital ou na unidade de saúde, sempre que permaneça na instituição 6 horas por dia, esteja isento do pagamento de taxa moderadora no acesso às prestações de saúde no âmbito do Sistema Nacional de Saúde (…)». Desde logo, cumpre esclarecer os proponentes que não existe «Sistema Nacional de Saúde». Há Serviço Nacional de Saúde, que abrange todas as instituições e serviços oficiais prestadores de cuidados de saúde dependentes do Ministério da Saúde, e há o Sistema de Saúde, que abrange as instituições e serviços prestadores de cuidados de saúde integrados no SNS, bem como as unidades e outros serviços prestadores de cuidados de saúde pertencentes aos sectores privado e social. Em segundo lugar, importa advertir que, da actual redacção do referido artigo 6.º, interpretada a contrario, decorre que, quando o acompanhante não esteja isento do pagamento de taxas moderadoras, não tem direito a refeição gratuita, ficando por se saber se, ainda assim, tem ou não direito a refeição fornecida pela instituição de saúde desde que suportando o respectivo custo. Assim, ao invés da solução apresentada, melhor seria que a proposta tivesse enunciado o princípio geral do direito ao acesso do acompanhante a essas refeições, independentemente de as mesmas serem ou não gratuitas. Admito que os Srs. Deputados socialistas estejam perturbados com a abordagem, mas nós tentamos ser rigorosos e contribuir para a boa feitura das leis nesta casa. Seguidamente, deveria admitir-se a gratuitidade das mesmas mas apenas no caso de o acompanhante estar, ele próprio, isento do pagamento de taxas moderadoras. Deste modo, nunca se colocaria a questão de ele poder não ter acesso a essas refeições, mesmo que pagas, no caso não estar isento do pagamento de taxas moderadoras. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Outra questão para a qual o diploma em presença nos convoca é a de saber se os estabelecimentos de saúde, públicos e privados, estão preparados para dar cumprimento ao que nele se dispõe. Com efeito, o cumprimento deste diploma pressupõe, como muito bem disse a Sr.ª Deputada Teresa Venda, que, ao nível dos espaços e instalações, as instituições de saúde possam acomodar, de forma conveniente e digna, os acompanhantes dos doentes nele referidos. E a verdade é que, todos bem o sabemos, a generalidade dos hospitais, pelo menos dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, não dispõem de quartos de internamento em número suficiente sequer para os doentes internados quanto mais para os seus acompanhantes. Aliás, se, todos os dias, quem vai aos hospitais do SNS vê dezenas e dezenas de doentes deitados em macas nos corredores, como é possível pretender que os familiares desses mesmos doentes possam acompanhá-los convenientemente nessas circunstâncias? Neste sentido, saudamos esta iniciativa do Partido Socialista, já que a mesma constitui uma forte crítica ao Governo — isto sem qualquer ironia, Srs. Deputados — por este não ter criado nem estar a criar condições que permitam o adequado acompanhamento familiar dos doentes internados nos hospitais públicos. Dito isto quanto a alguns aspectos gerais do diploma, importa ainda exprimir a concordância do PSD para com a perspectiva que o mesmo perfilha relativamente à pessoa internada. De facto, trata-se de um diploma que reconhece ao doente a condição de pessoa fragilizada e não a de utilizador voluntário de um serviço público. E este reconhecimento ganha particular significado se tivermos em conta que, nos últimos quatro anos, as condições de acesso aos hospitais integrados no SNS se agravaram substancialmente. De facto, desde que o PS chegou ao Governo, fecharam inúmeros serviços públicos de saúde, o investimento hospitalar diminuiu, e um bom exemplo disso é o número de hospitais construídos desde 2005: zero! Mas o reconhecimento neste diploma de que o doente é uma pessoa fragilizada e não um voluntário consumidor de serviços de saúde também é importante, na medida em que, como todos sabemos, muitos desses doentes estão sujeitos ao pagamento das famosas taxas de internamento, as tais que têm um fim anunciado para o próximo ano mas que o PS quer que os doentes continuem a pagar. E a questão é esta, Srs. Deputados socialistas: tendo os doentes internados de pagar taxas moderadoras, o que acontecerá aos respectivos acompanhantes? Estarão delas sempre isentos? Apenas beneficiarão de isenção quando, eles próprios, se incluam numa categoria de utentes isentos? Será possível dizer a um doente que ele tem de pagar taxa mas o seu acompanhante está dela isento? E será possível dizer a uma pessoa que tem de pagar para acompanhar o seu familiar doente? Haja bom senso, Srs. Deputados da bancada socialista! É que ainda todos nos lembramos do triste espectáculo que o Partido Socialista deu aos portugueses quando, depois de ter criado essas taxas em 2007, as manteve, apesar das sucessivas propostas que o PSD fez para a sua abolição, para finalmente ter anunciado, há dois meses, que vai ponderar a sua revogação lá para o ano que vem. E este, Srs. Deputados, é que é o ponto: como pode o Partido Socialista reservar um agendamento potestativo para discutir um diploma sobre direitos dos doentes internados sem nele prever a revogação das taxas que esses mesmos doentes têm de pagar para estarem internados?! Sempre dissemos que as taxas de internamento, assim como as de cirurgia no ambulatório, são socialmente injustas e arbitrárias e não têm nem podem ter um efeito moderador. Em suma, não fazem sentido, e VV. Ex.as sabem-no tão bem como nós, sabem-no tão bem como o Dr. António Arnaut, que, ainda há dois meses, pediu, sem sucesso, que o PS corrigisse o erro que cometeu há dois anos. Aliás, até o ex-Ministro Correia de Campos, agora candidato pelo PS ao Parlamento Europeu, já percebeu que as referidas taxas são espúrias quando disse ao Público, em Setembro: «Equacionei a possibilidade de acabar com as taxas na cirurgia do ambulatório e no internamento. Só não o fiz por coerência». Por isso, Srs. Deputados do PS, sendo a rectidão de princípios mais importante do que a coerência no erro, desafio VV. Ex.as a não adiar para o ano o que podem fazer já hoje, que é viabilizar este diploma e nele prever, desde já, a revogação das taxas de internamento. É que a verdade é esta: as taxas moderadoras no internamento e nas cirurgias em ambulatório não fazem sentido e, por isso, só podem ser, pura e simplesmente, revogadas. Caso não declarem hoje que aceitam aproveitar este diploma para revogar as referidas taxas, assim melhorando as condições de internamento dos doentes nos hospitais públicos, estão a dar mais um bom sinal aos portugueses do que é e de como funciona esta maioria absoluta do Partido Socialista: total indiferença para com os cidadãos. Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Teresa Venda, agradeço-lhe o seu pedido de esclarecimento e saúdo a chegada da Sr.ª Deputada Rosário Carneiro, que sei ter acabado de chegar de uma visita oficial, agora mesmo, e não ter tido oportunidade, como seria o desejo da bancada do PSD, de fazer a apresentação inicial, mas espero poder, ainda, ouvi-la sobre este diploma. Quanto às questões formuladas pela Sr.ª Deputada Teresa Venda, eu estava à espera de que a Sr.ª Deputada não tivesse tido quaisquer dúvidas sobre o papel construtivo da intervenção que foi feita por mim sobre esta iniciativa legislativa. O PSD saúda e dá crédito a esta iniciativa e às suas subscritoras, mas tem a preocupação de dissipar algumas falhas de rigor e algumas lacunas que estão patentes neste diploma. Aliás, a forma como as observações foram enunciadas, até talvez exaustivamente — como, provavelmente, a Sr.ª Deputada deve ter compreendido, as observações que fiz foram excessivamente rigorosas —, foi no sentido construtivo de contribuir para uma melhor redacção final na discussão de especialidade desta iniciativa legislativa. Mas, Sr.ª Deputada Teresa Venda, o que eu esperava de si, em particular, tão genuinamente sensível que é, que nós sabemos que é, à humanização nos cuidados de saúde, nos viesse dizer que iria convencer ou fazer todos os esforços para convencer, em primeiro lugar, o Primeiro-Ministro, depois a Ministra da Saúde e depois a bancada do Partido Socialista para revogar estas taxas no internamento, que são verdadeiramente iníquas e injustas e que servem para a desumanização dos cuidados de saúde. Isto porque, na verdade, com a obrigatoriedade do pagamento destas taxas de internamento, que pode ser aplicado ao próprio internado, mas também ao próprio acompanhante do internado, está-se a dificultar o acesso do utente aos cuidados de saúde e, assim, a contribuir para a sua desumanização. Numa palavra, se a Sr.ª Deputada Teresa Venda e todas as promotoras desta iniciativa legislativa, a Sr.ª Deputada Rosário Carneiro incluída, não contribuírem com o vosso bom senso para neste diploma se contemplar a revogação das taxas no internamento, este diploma fica ferido de um «pecado mortal» que é a incoerência.
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Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Regina Ramos Bastos, agradeço a análise profunda que fez do diploma de que sou co-autora, com a Deputada Rosário Carneiro que, como sabe, acabou de chegar e que ainda vai ter o prazer de ouvir intervir neste debate. Gostava de lhe dizer que 50% dos utentes do Serviço Nacional de Saúde estão isentos das taxas moderadoras, de cuja revogação julgo que fez depender a aprovação deste diploma. Portanto, não está em causa o PS viabilizar este diploma, porque foi o PS que o apresentou, o que está em causa saber é se o PSD o vai viabilizar, apesar da análise pormenorizada e de algumas recomendações que fez. Na verdade, penso que ele pode ser melhorado em sede de especialidade. Agora, o que está aqui em causa é definir se concorda com a política, porque no meio de tantos pormenores de análise de especialidade ficamos na dúvida se acha supletivo alargarmos os direitos para as pessoas deficientes, para as pessoas dependentes e para as pessoas idosas, que sabemos que são hoje as que estão a sobrecarregar o nosso Serviço Nacional de Saúde, e se não acha que esse é um primeiro passo para que o Serviço Nacional de Saúde possa dar uma oferta mais humanizada aos nossos utentes. Mais, considero que não podemos pensar que o Serviço Nacional de Saúde só poder abrir as suas portas para acolher os acompanhantes quando estiverem todas as condições asseguradas. Provavelmente esse foi o discurso que tiveram os que não apoiaram, em 1981, a primeira iniciativa de abrir o acompanhamento para as crianças. Naquela altura, isso foi polémico mas comprovadamente foi o caminho certo, foi um caminho que veio a ser reconhecido em 1987, precisamente por um diploma do governo que veio a atribuir a refeição gratuita aos pais que acompanhavam as crianças. Quanto à segunda pergunta, a maior inovação do nosso diploma é o alargamento do espectro de aplicação de todas as normas que introduzimos e a excepção de permitir aos responsáveis médicos que possam impedir o acesso em caso de perigo de saúde pública. Quanto a todas as outras normas, acoplámo-las, porque verificámos que duram há dezenas de anos e, portanto, estão acomodadas há dezenas de anos no Serviço Nacional de Saúde. Assim, as normas de pagamento ou não da refeição, a sua gratuitidade nos casos em que tal se aplica, são exactamente as mesmas desde 1987, relativamente aos pais que acompanham as crianças. Consideramos que as situações de debilidade que ali estavam representadas eram susceptíveis de serem transmitidas aos outros acompanhantes e, portanto, com as críticas que fez ao sistema, resta saber se a Sr.ª Deputada também quer retirar desse sistema de refeição gratuita os pais e acompanhantes das crianças.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o Bloco de Esquerda não tem qualquer dúvida em exprimir e traduzir o seu apoio, na generalidade, ao conteúdo do projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista. Ele insere-se numa linha e numa dinâmica de humanização dos cuidados de saúde; insere-se numa linha próxima daquela que levou o Bloco de Esquerda a apresentar, também, um projecto de lei já aqui aprovado sobre o direito de acompanhamento dos utentes nos serviços de urgência. No que diz respeito a mais humanização no Serviço Nacional de Saúde e nas unidades de saúde, de uma forma geral, venha de onde vier a proposta ela terá sempre o nosso apoio. Do nosso ponto de vista, o problema não está na proposta, o problema está na política do Governo que impede a concretização desta proposta quando for aprovada. E isto porque, para humanizar os cuidados e as unidades de saúde, há, pelo menos, quatro condições que têm de estar reunidas, há quatro factores de que essa humanização depende e em todas elas o Partido Socialista tem o seu «pecado mortal». Quanto aos profissionais, a Sr.ª Deputada disse há pouco que até há mais profissionais no Serviço Nacional de Saúde. Não é verdade! E não é verdade para os profissionais mais diferenciados, nem para outros!! Como sabe, o Ministério da Saúde é até aquele Ministério, entre todos os ministérios, que maior número de profissionais perdeu: tem menos 15 000 do que aqueles que antes existiam!! Portanto, não é possível nesta questão — e a expressão é muito útil aqui — «fazer omeletas sem ovos»! E este é um assunto de capital importância. O Governo tem criado condições de instabilidade, de precariedade, de desrespeito pelas carreiras, de intranquilidade e com isso é impossível haver bons desempenhos profissionais e, como a Sr.ª Deputada sabe, para humanizar os cuidados de saúde, humanizar as unidades de saúde, é preciso ter profissionais não só com formação própria mas também com um bom desempenho e isso depende essencialmente das condições de trabalho que o Governo lhes devia atribuir e não atribui. Segundo factor: as instalações. É necessário substituir algumas instalações, é necessário modernizar outras, é necessário recuperar outras, mas o Governo, que identificou a necessidade de se construírem 10 novos hospitais em Portugal, arranjou uma maneira que se chama parcerias público-privadas para nos andarem a entreter. É porque primeiro anuncia-se a parceria, depois anuncia-se o hospital, depois põe-se o primeiro tijolo, depois mostra-se o projecto e, por esta ou qualquer outra ordem, nós andamos há anos à espera desses hospitais que tão necessários são. Terceiro factor: tipo de gestão. Se nós queremos humanizar os cuidados de saúde e as unidades de saúde não podemos ter uma gestão determinada por ganhos financeiros! Temos de ter uma gestão exactamente ao contrário, isto é, determinada por ganhos de saúde, por ganhos clínicos, por ganhos assistenciais e isso faz toda a diferença. E é ver nos hospitais-empresa como as pessoas se queixam — e eu creio que o Partido Socialista não fez este projecto de lei para que as pessoas se continuem a queixar das listas de espera, só que agora ficam à espera acompanhados. Seguramente que não é para isso, creio eu que o fizeram no sentido de mudar, mas então vão ter de mudar muito e nós desejamos que mudem, efectivamente, a política que tem vindo a ser conduzida. Por último, quanto ao financiamento, nada disto é possível se não for significativamente aumentado o financiamento do Serviço Nacional de Saúde. O Governo recusa a evidência que é dizer que não tem subfinanciado o SNS. Isso não é verdade, é uma grande mentira deste Governo! E a melhor demonstração disso, que é muito objectiva, é a dívida que o SNS acumulou no ano de 2008 e que só foi paga porque, através de uma engenharia financeira estranhíssima e muito complexa, o Governo obrigou os hospitais a «rapar» o capital social. E, quando este ano chegarmos a Outubro ou a Novembro ou até a Setembro, vamos ver todos os hospitais a reclamarem novos financiamentos, porque não há dinheiro não só para investir em novos projectos como sequer para alimentar o orçamento corrente dos hospitais. Para terminar, este projecto é muito bem-vindo, mas melhor seria se este projecto fosse capaz de catapultar uma mudança de fundo na política de saúde do Partido Socialista, em favor do Serviço Nacional de Saúde, da humanização dos seus cuidados de saúde, da modernização do Serviço Nacional de Saúde e do melhor acesso aos cuidados de saúde para todos os portugueses.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, é evidente que este projecto de lei, independentemente dos seus méritos, foi apresentado pelo PS para tapar a agenda e isso diz bem, por um lado, da falta de iniciativa que o Grupo Parlamentar do PS tem e, por outro, da consideração que tem pelo próprio projecto, porque esta foi a única condição de propô-lo para agendamento no Plenário da Assembleia da República. Dito isto, penso que este projecto é, por um lado, pouco ambicioso e, por outro lado, na justaposição que faz de normas de vários dispositivos, acaba por deixar de fora algumas questões e até introduzir recuos que, certamente, não são a intenção dos proponentes mas que acabam por resultar no projecto de lei que aqui nos apresenta. Já não vou falar do facto de, em vez de se referir ao Serviço Nacional de Saúde — como se esperaria, apesar de tudo, ainda, da bancada do Partido Socialista —, se referir ao «sistema nacional de saúde», conceito introduzido na lei de bases, nos governos de direita do PSD de Cavaco Silva e sempre subscrito por todos aqueles que entendem querer desvalorizar o papel do Serviço Nacional de Saúde no quadro dos cuidados de saúde, em termos gerais. Já não vou referir esse aspecto que é muito significativo e que está neste projecto apresentado pela bancada do Partido Socialista. O que quero dizer é que este projecto pode resumir-se no seguinte: por um lado, faz a concentração num só diploma de vários aspectos que já estavam noutras leis — certamente isto tem algum interesse do ponto de vista da sistematização jurídica, mas nada que uma boa colectânea não pudesse resolver, sem ocupar o Plenário da Assembleia da República — e, por outro lado, fazem-se alguns ajustes como é, por exemplo, o da idade das crianças abrangidas por este direito, que está correcto, e de outras matérias deste género, mas que podiam ser resolvidos pela via administrativa, não precisando de uma lei. Este projecto de lei, na pressa de juntar as várias legislações, cria aqui um recuo, que é o facto de só ser atribuída ao acompanhante de criança internada a refeição gratuita, para além de todas as outras condições que já estavam na lei e que se mantêm, desde que seja isento do pagamento da taxa moderadora. Não se percebe bem se esta isenção se refere à criança ou se ao acompanhante que vai com ela. Este é apenas um exemplo. É evidente que as crianças estão isentas, os acompanhantes é que não. No entanto, se as crianças estão isentas, não se percebe por que é que esta norma está aqui. Esta é apenas uma pequena referência de como às vezes certas iniciativas precisam de ser melhor ponderadas. Contudo, dada a escassez de matéria neste diploma, queria falar de uma outra questão, que tem a ver com o Serviço Nacional de Saúde. O Sr. Primeiro-Ministro anunciou, no último debate quinzenal ou numa entrevista na televisão, uma nova medida, que é a de que os reformados com pensões inferiores ao salário mínimo terão comparticipação de 100% nos medicamentos genéricos. Ora, vivemos num país em que, por criação do PSD e do CDS e por manutenção do Partido Socialista, vigora um sistema chamado sistema de preços de referência. Este sistema significa que, quando há um grupo de medicamentos onde há medicamentos genéricos, a comparticipação de todos os medicamentos desse grupo só se faz pelo valor referente ao genérico mais caro. Isto é, se o médico receitar um medicamento de marca dentro desse grupo, a comparticipação será reduzida, porque será em função do preço do genérico mais caro. Assim, temos esta incongruência: o Governo promete aos idosos que terão genéricos 100% assegurados pelo Estado, mas, como não altera o sistema de preços de referência, todos os que continuarem a ter prescrições médicas de medicamentos de marca vão continuar a pagar os medicamentos de que aqui se fala e, portanto, a injustiça agrava-se. A Sr.ª Deputada do Partido Socialista diz que tem a ver com os médicos. O problema é que quem decide são os médicos, quem legisla é o Governo e quem paga são os idosos! Este é que é o problema! Só há uma maneira de resolver este problema e é esse o desafio que deixamos à bancada do Partido Socialista. Se o PS entende que é completamente justo que, na situação em que há medicamentos genéricos, o utente (neste caso, o idoso com reforma inferior ao salário mínimo nacional) não deve pagar, faça a abolição do sistema de preços de referência pelo menos para estes idosos, para os idosos que agora se quer proteger — e bem! — mas que não ficarão protegidos porque, como o Governo se recusa aplicar a prescrição pelo princípio activo como forma obrigatória de prescrever, o que vai acontecer é que os idosos, que no nosso país estão à espera de agora ter os seus medicamentos gratuitos, vão ter de pagar sempre que o médico receitar por marca. Portanto, o que propomos é muito simples: que em todos os grupos de medicamentos em que haja genéricos não funcione o sistema de preços de referência e que todos os idosos tenham acesso aos medicamentos de forma gratuita, independentemente de o médico receitar por marca ou por genérico. Caso contrário, vamos ter aqui mais uma discriminação entre os idosos que têm médicos que receitam por genérico e os idosos que têm médicos que receitam por marca. A culpa não é dos idosos, a decisão não é dos idosos,…
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Sr. Presidente, sobre o projecto de lei que está em discussão não direi mais nada, mas penso que o Partido Socialista tem de olhar bem para esta questão da desigualdade entre os reformados que terão acesso a prescrições de medicamentos genéricos e aqueles outros que terão acesso a prescrições de medicamentos de marca. Vou dar dois exemplos. Há um medicamento que tem a ver com problemas do aparelho digestivo, cujo princípio activo é o mais vendido em Portugal e que origina um grande conjunto de genéricos disponíveis no mercado. Os idosos com reformas inferiores ao salário mínimo nacional que usem este medicamento tê-lo-ão gratuito se o seu médico aceitar prescrever o genérico. Mas se assim não for e o médico prescrever um medicamento de marca, então, por exemplo, no caso de uma das marcas mais conhecidas, o Losec, estes reformados pagarão 28 €/embalagem de 28 unidades, enquanto outros, em condições idênticas, terão direito ao mesmo, mas gratuito. Vejamos um exemplo relacionado com a hipertensão: se os reformados tiverem um médico que lhes receite um medicamento genérico deste grupo terapêutico, tê-lo-ão gratuito; se, pelo contrário, o seu médico lhes receitar Capoten em embalagem de 50 unidades, pagarão 22,72 €. Isto não pode acontecer! Num país onde já tanto se paga pelos medicamentos, onde os reformados são dos mais penalizados pelo custo dos mesmos, e quando aparece uma proposta justa para que os cidadãos com reformas inferiores ao salário mínimo, que são a maioria, tenham acesso aos medicamentos genéricos gratuitos, julgamos que não pode acontecer que, só porque outra pessoa, o médico, toma uma decisão em relação a um medicamento de marca, aqueles reformados sejam prejudicados e continuem a não ter acesso aos medicamentos devido ao seu elevado custo. Não estamos a propor nada de muito revolucionário, não propomos sequer que, finalmente, o PS aceite a prescrição por princípio activo, propusemo-lo noutras ocasiões. Não estamos a propor nada em relação à prescrição médica. O que estamos a propor é que se crie um mecanismo de suspensão do sistema de preços de referência, se se verificar esta situação. Se o Governo quer que todos os reformados com pensões inferiores ao salário mínimo tenham acesso gratuito aos medicamentos dos grupos onde existem genéricos, então, tem de suspender o sistema de preços de referência para que tenham acesso a esta gratuitidade mesmo aqueles cujos médicos continuam a impor um medicamento de marca. A não ser assim, boa parte do efeito da medida anunciada vai perder-se pelo caminho e quem vai pagar são estes reformados que agora se anuncia querer proteger.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este projecto de lei, como dizem as subscritoras, por um lado, tem o objectivo de simplificar, aglutinando três diplomas já antigos sobre o acompanhamento de doentes e sobre o direito de refeição gratuita, e, por outro lado, pretende — e bem — contribuir para uma crescente humanização dos serviços hospitalares, garantindo (sem querer repetir o que aqui já foi anunciado) o acompanhamento de crianças — e agora, de acordo com orientações internacionais, consideram-se crianças até aos 18 anos —, mantendo o acompanhamento para deficientes, mas alargando-o a idosos em situação de dependência, medida com a qual concordamos absolutamente, a pessoas com doença incurável em estado avançado e a pessoas em estado terminal. Na verdade, esta iniciativa, que prevê, entre outros, o direito a refeição gratuita, que agora é reformulado e alargado desde que dentro de determinadas condições, vem, em suma, proporcionar uma promoção da cidadania, é certo, uma promoção da dignidade humana e contribuir, de facto, para a humanização dos serviços e do acesso aos cuidados de saúde. Como aqui já foi dito, não devem ser as dificuldades efectivas, as dificuldades técnicas e práticas que nos devem deter de ambicionar a uma maior humanização da saúde em Portugal. Nesse sentido, o CDS, como partido humanista que é, só pode concordar com esta ambição, com esta vontade de progredir. Sr.as e Srs. Deputados, em todo o caso, há aqui duas perplexidades. Uma perplexidade quanto ao tempo não só da apresentação mas, sobretudo, da discussão deste diploma. Dizem as Sr.as e os Srs. Deputados proponentes que não poderia vir em melhor altura. A iniciativa tem cerca de dois anos. Há dois anos não era a altura ideal…, agora é que é a altura ideal?! Devo dizer que, tendo em conta o alcance, não compreendemos bem por que é que é agora, no fim da Legislatura, sob a forma de agendamento potestativo, a melhor altura para discutir um diploma que, em todo o caso e sem prejuízo das suas virtudes, não é estruturante. Terá algo a ver com a situação de alerta em virtude da já chamada «gripe mexicana»?... Gostaria que, se pudessem, me esclarecessem. A segunda perplexidade é a que se prende com o alcance da humanização. Repito: este diploma contribui para uma maior humanização dos serviços e para uma maior dignidade do acompanhamento dos doentes. No entanto, Sr.as e Srs. Deputados, humanizar é contribuir e reclamar o cumprimento do nosso Serviço Nacional de Saúde e criar condições para que seja executado. Humanizar é organizar o Serviço Nacional de Saúde e as unidades de saúde em torno do doente. E não como acontece agora, em que é o doente que se tem de organizar em torno das unidades de saúde. Como sabemos, é esta a realidade do nosso dia-a-dia. Humanizar é existir qualidade nos equipamentos das unidades de saúde, visto que tantos e tantos carecem de uma melhoria no seu estado de conservação e das suas condições de funcionamento. Humanizar é assegurar que não haja, de acordo com as últimas indicações da tutela, 174 000 portugueses à espera de uma cirurgia e cerca de 400 000 à espera de uma primeira consulta de especialidade. Este é um tormento por que passam diariamente muitos portugueses e humanizar é acabar com ele. Humanizar é também garantir uma gestão eficiente do orçamento que é afecto à saúde, que em cada ano é atribuído a todas as unidades para que funcionem sem que haja desperdício e garantindo uma maior eficiência do sistema. Humanizar é garantir o sistema de informação: informação transparente e clara sobre o funcionamento da saúde, informação adequada sobre os tempos de espera que cada utente do Serviço Nacional de Saúde tem de aguardar. Humanizar é ainda assegurar equidade na distribuição do orçamento e na forma como as taxas ou copagamento (como quiserem) é distribuído pela população. Os senhores, ainda há pouco, rejeitaram várias iniciativas da oposição que visavam acabar com as taxas moderadoras (se assim lhes quiserem chamar) para cirurgia em ambulatório e para os internamentos, que, como não dependem, nem pouco mais ou menos, da vontade do próprio utente, não presumem qualquer moderação. Humanizar é também assegurar recursos humanos de qualidade e em número suficiente para fazer face às necessidades: desde logo, médicos de família, que escasseiam a olhos vistos — ainda há cerca de um milhão de portugueses sem médico de família e esta é uma situação que só se vai agravar nos próximos tempos; mas também especialistas em oncologia, que, como os próprios denunciam, deviam ser o dobro dos que existem; para além de especialistas em radioterapia. Humanizar o Serviço Nacional de Saúde é ter uma política de medicamentos que seja equitativa, que não sobrecarregue a população para além daquilo que a população pode dar, que não impeça os utentes de levarem para casa os medicamentos de que necessitam para se curarem. Como sabemos, todos os dias há muitos milhares de receitas que ficam por aviar, simplesmente porque as pessoas com menos rendimentos não podem comprar todos os medicamentos de que necessitam…! A medida anunciada na semana passada pelo Primeiro-Ministro, garantindo a comparticipação a 100% dos medicamentos genéricos para os pensionistas com pensões iguais ou inferiores ao salário mínimo nacional, deixa de fora uma parte muito importante e a mais vulnerável da nossa população: os desempregados, que hoje em dia já não têm condições para comprar os seus medicamentos ou que têm de escolher entre a alimentação e os medicamentos; e os outros pensionistas que têm pensões pouco acima do salário mínimo nacional. Ora, só se acaba com esta situação garantido uma política do medicamento que não seja pautada pelas marcas, ou seja, alargando o mercado dos genéricos e assegurando que as prescrições são feitas pelo princípio activo — tal como os senhores se comprometeram a fazer no Programa do Governo e, posteriormente, no Compromisso com a Saúde, em 2005, já lá vão quatro anos. Lanço-vos mais uma vez um desafio: no próximo dia 14, vai ser aqui discutido o projecto de lei do CDS que pretende inverter a regra da prescrição, no sentido de que passe a ser obrigatória a prescrição por denominação comum internacional, exceptuando quando o médico entenda, e assim fundamente, que deva ser pelo medicamento de marca. Concluindo, humanizar, Sr.as e Srs. Deputados, é proporcionar um acesso a cuidados de saúde de qualidade e em tempos aceitáveis. Humanizar é retirar Portugal da cauda dos rankings internacionais no que se refere ao acesso a cuidados de saúde. Isto é humanizar! Este diploma é, sim, senhor, um contributo que acompanhamos, mas é apenas uma ínfima parte do que todos desejaríamos que fosse um sistema de saúde humanizado. O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para intervenção, o Sr. Deputado José Luís Ferreira.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quero, antes de mais, louvar a iniciativa pelo que ela representa no que diz respeito à humanização dos cuidados de saúde para um número significativo de cidadãos. Desde logo, por alterar, de 14 anos para 18 anos, a idade do direito ao acompanhamento familiar; depois, porque ficam ainda abrangidas outras camadas sociais, como pessoas idosas em estado de dependência, porque houve o cuidado de prever a limitação do direito ao acompanhamento permanente, com fundamento no facto de poder constituir um risco para a saúde pública; e, ainda, porque se unifica num diploma as regras jurídicas relativas ao acompanhamento hospitalar que se encontram dispersas por três diplomas legais. Portanto, Os Verdes não vão votar contra o projecto de lei, ainda que sobre o mesmo tenhamos algumas dúvidas ou reservas que passo a enumerar. A primeira diz respeito à sujeição ou não dos acompanhantes ao regulamento hospitalar de visitas. No caso do acompanhamento de crianças com idade inferior a 14 anos, a Lei n.º 21/81 estabelece que os pais ou quem os substitua não estão submetidos ao regulamento hospitalar de visitas nem aos seus condicionamentos. No que diz respeito ao acompanhamento familiar de pessoas deficientes, o artigo 4.º da Lei n.º 109/97 estabelece que os acompanhantes estão sujeitos a um regulamento hospitalar de visitas específico que, designadamente, preveja a isenção de pagamento da respectiva taxa, ou seja, ficam sujeitos a um regulamento mais flexível, presume-se. Porém, o projecto de lei omite completamente esta matéria, não fazendo qualquer referência ao regulamento hospitalar de visitas e, portanto, ficamos sem saber se se pretende que os acompanhantes fiquem ou não sujeitos ao mesmo. Outra reserva tem a ver com o facto de o projecto de lei pretender revogar a parte relativa à organização dos serviços, actualmente prevista na Lei n.º 21/81 e na Lei n.º 109/107, em ambas no artigo 5.º, que obriga as administrações hospitalares a considerarem prioritária, nos seus planos, a modificação das instalações e das condições de organização dos serviços, de modo a melhor adaptarem as unidades existentes à presença dos pais das crianças internadas. Pretende-se, ainda, revogar a obrigatoriedade de as novas unidades hospitalares e os restantes serviços de saúde que venham a ser criados serem projectados de modo a possibilitar condições mais adequadas ao cumprimento da lei, nomeadamente no que respeita ao acompanhamento nocturno. Nós sabemos que essas condições ainda não estão criadas e entendemos que fazia todo o sentido que o preceito se mantivesse na lei. Por fim, nos termos do artigo 9.º do projecto de lei, o seu artigo 4.º só entra em vigor com a Lei do Orçamento de Estado para 2010, mantendo-se em vigor, até essa data, o Decreto-Lei n.º 26/87, de 13 de Janeiro, que, como se sabe, não restringe a refeição gratuita aos acompanhantes que estejam isentos do pagamento da taxa moderadora ao contrário do que aqui é proposto. Ou seja, o projecto em apreço restringe o acesso à refeição gratuita ao universo dos que estão isentos de pagamento da taxa moderadora. Ora, se este projecto de lei for aprovado, então, até à aprovação do próximo Orçamento do Estado, vamos ter em vigor dois diplomas a dizerem coisas diferentes: um a dizer que toda a gente, desde que preencham uma das condições previstas na lei, tem direito a refeição gratuita; e outro, o que agora apreciamos, a dizer que, para além de preencher uma dessas condições, também é necessário que a pessoa esteja isenta do pagamento da taxa moderadora. Não percebi bem por que é que o artigo 4.º do projecto de lei só entra em vigor após a aprovação do Orçamento de Estado… Creio que, se calhar, pretendiam referir-se ao artigo 6.º. De facto, o Decreto-Lei n.º 26/87 limita-se a regulamentar o direito à refeição gratuita para os acompanhantes e o artigo 4.º do projecto que agora discutimos nada tem a ver com esse direito mas, sim, com as condições do acompanhamento. Provavelmente, o que se pretendia suspender seria o artigo 6.º, que, esse sim, refere-se ao direito à refeição gratuita. É porque, como disse, até à aprovação do próximo Orçamento do Estado, vão vigorar dois diplomas a dizer coisas diferentes: um que exige isenção do pagamento da taxa moderadora para que o acompanhante beneficie de refeição gratuita e outro a dizer que dispensa esse pressuposto. De qualquer maneira, creio que estas questões podem ficar sanadas em sede de Comissão e, portanto, Os Verdes não votarão contra este projecto de lei e aproveitam para saudá-lo.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Registo que este agendamento é um pretexto para a discussão de questões essenciais de saúde e tem dado azo a um muito significativo número de intervenções que deram oportunidade aos Srs. Deputados de expender as suas opiniões e o seu pensamento em matéria de política de saúde e não exactamente sobre a matéria que aqui está em apreço. Aproveito esta minha curta intervenção para tentar recolocar o objectivo da iniciativa. De facto, como foi registado pelas intervenções a que tive oportunidade de assistir, há um objectivo claro neste projecto de lei que tem a ver com a humanização da prestação de serviços de saúde no que diz respeito à generalização e à uniformização do acesso ao acompanhamento no internamento de um determinado grupo de pessoas em situação de dependência, a saber: crianças, deficientes, doentes crónicos, idosos, etc. Mas, para além deste objectivo, há um outro relativamente ao qual as intervenções que tive oportunidade de ouvir passaram um pouco ao lado, objectivo este que tem a ver com a regularização do referido acompanhamento. A este propósito, faço aqui um parêntesis para deixar uma pequena nota retrospectiva. Quando se iniciou a efectivação desta possibilidade de acompanhamento em termos dos grupos para que estava previsto, foi verificado, por parte da Assembleia da República, que era de exígua aplicação. Foi exactamente a partir de trabalho desempenhado pela Assembleia da República em legislaturas precedentes que este direito de acompanhar crianças e deficientes em situação de maior dependência deu origem a que, progressivamente, os hospitais tivessem vindo a organizar-se no sentido de criar condições para o possibilitar. O acompanhamento desta questão por parte do Parlamento levou-nos, por um lado, a constatar que havia grupos vulneráveis e dependentes que estavam excluídos desta garantia de acompanhamento e, por outro lado, verificámos a necessidade de acautelar uma outra característica que não estava acautelada devido à forma como estava legislado este direito de acompanhamento, isto é, tal como está formulado, é irrestrito. Este carácter irrestrito do direito a acompanhar pessoas vulneráveis coloca problemas quer de gestão hospitalar, no caso de doença e de tratamento específicos, quer de saúde pública, como já foi referido nalgumas das intervenções precedentes. A Sr.ª Deputada Teresa Caeiro questionou a oportunidade da apreciação desta iniciativa: porquê agora? Bem, se mais não fosse, e não parodiando o problema da gripe suína, diria que, no âmbito do nosso trabalho parlamentar de acompanhamento da execução dos diplomas, chegaram ao nosso conhecimento as reflexões de um significativo grupo de médicos da área da saúde pública chamando a atenção para a necessidade de colocar restrições a esta possibilidade de acompanhamento, exactamente em razão de possíveis pandemias. Neste caso concreto, à data da apresentação do projecto de lei, corríamos o risco de uma pandemia da gripe das aves. Portanto, há sempre, com certeza, factos próximos que levam à necessidade de tornar mais clara e mais objectiva a formulação e a precisão de actos legislativos. Gostava de deixar mais uma nota relativamente a algumas outras questões que também foram referidas, nomeadamente sobre instalações e de como se processa este acompanhamento. No nosso trabalho de verificação da adaptação das instalações hospitalares para possibilitar o acompanhamento deste tipo de doentes verificámos que tem vindo a ser feita alguma adaptação. Ora, como os Srs. Deputados que trabalham esta área saberão muito melhor do que eu própria, essa adaptação não requer acomodação em quarto particular mas somente que seja encontrado um espaço com condições de alguma comodidade que permita ao acompanhante proporcionar ao doente internado a companhia de que carece. Gostava de dizer ao Sr. Deputado do Partido Ecologista «Os Verdes» que tem razão no seu comentário e que, de facto, há um equívoco da nossa parte. Efectivamente, o que está em causa é o artigo 6.º do projecto de lei e não o artigo 4.º. Por fim, devo dizer que o facto de a entrada em vigor da norma prevista no artigo 4.º estar condicionada ao Orçamento do Estado tem a ver, naturalmente, com questões orçamentais e com a lei-travão, já que esta é uma matéria que vai implicar custos para o Serviço Nacional de Saúde.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O que discutimos hoje, nesta Câmara, a humanização em termos de cuidados de saúde, é algo que nos remete para várias perspectivas. É que não só a protecção da saúde é um direito humano como é importante integrar a perspectiva dos direitos humanos na abordagem da saúde. Conceitos como a dignidade, a privacidade, a confidencialidade dos dados e o enquadramento dos doentes são absolutamente essenciais nos cuidados de saúde modernos. Mas como não há presente nem futuro sem passado, gostaria de invocar, hoje e aqui, a propósito da humanização, o importantíssimo papel da Liga Portuguesa contra o Cancro, das ligas dos amigos dos hospitais, sendo, porventura, a mais antiga a do Hospital de Santo António, no Porto, mas também o papel de todas as outras ligas de amigos que se foram constituindo ao longo dos anos, todo o voluntariado que se foi organizando nos diferentes hospitais, a Cruz Vermelha Portuguesa e o relevantíssimo papel de utilidade pública que cumpriu. Gostaria ainda de invocar todas as medidas tomadas ao longo dos tempos, de que destaco a Carta dos Direitos e Deveres dos Doentes, que elenca não só os direitos como também os deveres. Gostaria de sublinhar este aspecto, porque se o século XX, como recorrentemente digo, foi o século da afirmação dos direitos, o século XXI terá de ser o século de afirmação de deveres correlativos. Na Carta dos Direitos e Deveres dos Doentes refere-se o direito a ser-se tratado no respeito pela dignidade humana, o direito a dar ou a recusar consentimento para ser tratado, bem como a questão da privacidade e o direito de apresentar sugestões e reclamações. Tudo isso se insere numa nova forma de relacionamento entre os frequentadores das unidades de saúde e os profissionais de saúde. Recordar o passado e quem percorreu o caminho é também recordar a comissão de humanização dos cuidados de saúde, em má hora desaparecida. Todos os elementos que integraram a sua presidência trabalharam dedicadamente pro bono e desenvolveram em todo o País um trabalho excepcional. Recordar o passado é invocar Torrado da Silva, o seu trabalho continuado pelo Instituto de Apoio à Criança (IAC), toda a humanização e a nova relação dos profissionais com as crianças nos serviços de saúde que conseguiu. Mas é também invocar os princípios éticos da Declaração de Helsínquia, os princípios da beneficência, e não maleficência, e a ética enquanto ciência com consciência em instituições que poderão ser tentadas a privilegiar cada vez mais o avanço científico do que a relação entre este e o respeito pelos direitos humanos de todos os que são e devem ser beneficiários dela. Recordar é invocar também, neste contexto, a Convenção de Oviedo, sobre a protecção dos direitos humanos e da dignidade do ser humano face às aplicações da Biologia e da Medicina. É, sobretudo, fazer pressão no sentido de uma prática em saúde cada vez menos paternalista e cada vez mais orientada para pessoas informadas, que são os seus interlocutores. É cada vez mais passar de uma Medicina e de uma prática em saúde assente no anonimato para uma Medicina e uma prática dirigida a cada pessoa, de uma Medicina e de uma prática em saúde virada para a abordagem científica esquecida do seu destinatário para uma prática que valoriza a pessoa e cada pessoa, privilegiando a riqueza da inter-relação, o saber ouvir, o saber escutar, o compreender, o cuidar, o atender e o sentir. Por isso, é também importante, em época de hipervalorização de conceitos como a eficácia e a eficiência, desligados muitas vezes da importância e da natureza própria da gestão das instituições de saúde, recordar os princípios e valores dos sistemas de saúde definidos em conselho de ministros da União Europeia, como a universalidade, o acesso a cuidados de saúde de qualidade, a equidade e a solidariedade e os princípios de funcionamento comuns de qualidade, que compreendem, hoje, indispensavelmente, a humanização, a segurança, os cuidados baseados em dados rigorosos e na ética, a participação dos pacientes, o acesso à justiça através das reclamações, a privacidade e a confidencialidade. Como disse António Damásio, melhorar o nosso quinhão de existência é precisamente aquilo em que tem consistido a civilização, principal consequência da consciência. E desde há pelo menos 3000 anos, com mais ou menos sucesso, melhorar a existência é aquilo que a civilização tem vindo a tentar. Dá alento pensar que já vamos a meio caminho. Este projecto de lei vai baixar à Comissão de Saúde para ser analisado em sede de especialidade, na qual farão sentido muitas observações que, hoje à tarde, foram carreadas para o debate. Gostaria de terminar dizendo que seremos, sem sombra de dúvida, capazes, depois da análise na especialidade, de buscar um equilíbrio justo entre o idealismo e o realismo. Assim sejamos capazes de o fazer! Hoje mesmo, na Comissão de Saúde, decidimos que o grupo de trabalho que está já a analisar, na especialidade, o diploma de humanização e de acompanhamento nos serviços de urgência será o mesmo grupo de trabalho que se debruçará sobre o projecto de lei n.º 400/X, cuja apresentação foi feita por Deputados do Partido Socialista e que neste momento saúdo.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Creio que este debate correu de forma positiva e revela aqui algum consenso, desde logo um consenso essencial para podermos fazer uma boa lei, que é o de que ela é necessária. Creio que isso foi unânime em todas as bancadas: esta lei é necessária. Disseram depois alguns que já vem atrasada. Também posso admitir que a lei vem atrasada. Depois foram ainda um bocadinho mais longe e disseram que o PS já vem muito atrasado porque demorou 15 meses a fazê-la. Não sou muito bom em questões de matemática, mas 15 meses não é menos do que aquilo que os Srs. Deputados demoraram a apresentar qualquer ideia sobre isto? Parece-me que é! Demorámos 15 meses a apresentar um projecto de lei, os senhores vão demorar muito mais tempo a apresentar as ideias que têm sobre este tema e muito mais tempo ainda, se calhar, a apresentar até um projecto de lei como aquele que apresentámos. Portanto, creio que essa crítica não é totalmente compreensível. Há depois uma questão de conteúdo e de lógica desta lei, relativamente à qual vimos aqui três posições (teremos, depois, de verificar qual delas é a correcta): o Sr. Deputado Hugo Velosa dizia que esta lei, se calhar, não regula alguns aspectos que devia regular; o Sr. Deputado Pedro Mota Soares dizia que esta lei regula de mais, que há coisas que lá não deviam estar; e temos a posição do PS, que penso ser a posição mais equilibrada, que é a de considerar que esta é uma lei-quadro, deve conter os princípios fundamentais mas deve ser maleável o suficiente para que alguma coisa resulte dos estatutos específicos de cada uma das associações públicas profissionais. Srs. Deputados, há alguns aspectos de especialidade que poderíamos discutir. Por exemplo, a questão do provedor do utente, que prevemos como uma hipótese, facultativa. Ouvi perguntar: por que não ser obrigatório? Aqui revejo-me bastante naquilo que o Sr. Deputado Bernardino Soares acabou de dizer, ou seja, temos de ter algum cuidado na criação de provedores públicos, como é o caso. Em relação aos provedores privados nada tenho a objectar, mas quanto a um provedor público, como é o caso, temos de ter cuidado, porque o Provedor de Justiça, que é um órgão constitucional, previsto na Constituição e com competências, inclusive, sobre estas matérias, também não pode ser aqui desautorizado a cada momento. Por isso, creio que a criação do provedor do utente deve obedecer a um critério de oportunidade e de mérito a ser avaliado caso a caso e não deve ser considerado obrigatório. Srs. Deputados, para terminar, creio que existe aqui uma boa base para estabelecermos um consenso na discussão na especialidade. O PS não parte com uma posição fechada em relação a esta matéria. Ela é complexa, hesitámos em relação a alguns aspectos — alguns dos pontos que os Srs. Deputados levantaram foram aspectos que tivemos de ponderar — e estamos totalmente disponíveis para procurar, na discussão em especialidade, o maior consenso sobre uma matéria, que não deve ser uma matéria de política partidária mas, sim, consensual nesta Casa.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As associações públicas são expressamente mencionadas na Constituição, no artigo 267.º, n.º 3. Convém recordar o teor deste preceito: «As associações públicas só podem ser constituídas para a satisfação de necessidades específicas, não podem exercer funções próprias das associações sindicais e têm organização interna baseada no respeito dos direitos dos seus membros e na formação democrática dos seus órgãos». Este inciso constitucional é uma expressão do favor com que o texto constitucional encara as manifestações de autonomia, de descentralização administrativa e de auto-regulação. A Constituição Portuguesa é, de entre as Constituições modernas, uma das que consagram com mais ênfase estas formas de Administração Pública descentralizada. A Constituição é favorável à transferência de poderes que em princípio pertencem ao Estado para entidades de base associativa, onde a intervenção do Estado deve restringir-se ao mínimo. A Constituição consagra expressamente as associações públicas como um instrumento ao serviço da prossecução do interesse público. As associações públicas profissionais são um tipo de associações públicas. A força motriz, o seu denominador comum, é o exercício e a auto-regulação de uma determinada profissão pelos respectivos associados. Existe em Portugal já um número muito significativo de associações públicas profissionais. Algumas buscam as suas origens no liberalismo, como a Ordem dos Farmacêuticos, cuja antepassada, a Sociedade dos Farmacêuticos, data de 1834. Mas as primeiras associações públicas profissionais em sentido moderno viram a luz nos primeiros anos do regime autoritário do Estado Novo: a Ordem dos Advogados, em 1926; a Câmara dos Solicitadores, em 1927; a Ordem dos Engenheiros, em 1936; a Ordem dos Médicos, em 1938; e a Câmara dos Despachantes Oficiais, em 1945. Depois foi necessário esperar quase meio século para uma nova vaga de associações públicas profissionais. Na década de 90 do século passado surgiram nada mais do que nove, em rápida sucessão: a Ordem dos Médicos Dentistas e a Ordem dos Médicos Veterinários, em 1991; a Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, em 1995; a Ordem dos Economistas, a Ordem dos Arquitectos, a Ordem dos Enfermeiros e a Ordem dos Biólogos, em 1998; e a Ordem dos Revisores Oficiais de Contas e a Associação Portuguesa dos Engenheiros Técnicos em 1999. Em 2004 foi criada a Ordem dos Notários. A função das associações profissionais variou ao longo dos tempos. No Estado Novo tanto houve a tentação de transformá-las em instrumentos de domínio e controlo do Estado sobre profissionais e profissões independentes, e por isso potencialmente incómodas, como houve a possibilidade de funcionarem como último reduto de defesa dessas mesmas profissões contra o «espartilho» autoritário do regime de Salazar. Em contrapartida, em democracia, sob os auspícios do Estado de direito, as associações públicas profissionais só podem ser uma coisa: um instrumento de garantia e salvaguarda do interesse público e dos direitos fundamentais dos cidadãos. As associações públicas profissionais são um modo de organização e de regulação de profissões caracterizadas, pelo menos, por dois aspectos: o seu exercício exige independência técnica e traduz-se também na prossecução de certos interesses públicos. Por isso, é necessário assegurar através das associações públicas profissionais um equilíbrio entre dois objectivos: que os profissionais por elas enquadrados não vejam a sua independência técnica «beliscada» pela necessidade de salvaguardar o interesse público; e que o interesse público não seja postergado em nome da independência técnica própria da profissão e dos interesses estritamente particulares dos respectivos profissionais. Além disso, a criação da associação pública profissional subordina-se a um princípio de indispensabilidade ou de necessidade: só se deve optar por essa solução quando a independência técnica no exercício da profissão e o interesse público que ela serve não possam ser melhor prosseguidos por outra forma. Aparentemente, até aqui, sempre encontrou o legislador condições para decidir sobre todos esses requisitos, caso a caso, sem sentir necessidade de um qualquer diploma enquadrador dos requisitos, do processo e da forma de criação de associações públicas profissionais. Na verdade, nunca o legislador procurou estabelecer um regime quadro que defina de maneira uniforme e coerente esses aspectos. Importa, porém, assumir que esse modelo de avaliação casuística esgotou as suas virtualidades. Primeiro, porque, numa análise desapaixonada, deve reconhecer-se que o facto de se terem criado quase duas dezenas de associações públicas profissionais em momentos históricos diferentes, com preocupações distintas e mediante processos ad hoc, conduziu a uma dispersão de regimes e estatutos jurídicos desprovidos de uma lógica de sistema. Em segundo, e sobretudo, porque a pressão sobre o Estado para a criação de novas associações públicas profissionais atinge hoje um nível que cria problemas novos. A criação de novas profissões, a autonomização ou a transformação de profissões antigas e o dinamismo próprio da sociedade pluralista geraram movimentos que reivindicam a criação de um número apreciável de associações públicas profissionais. Isto leva a que opções e critérios que em outros momentos poderiam parecer claros ou inequívocos, não o sejam hoje. Como nunca antes, é necessário parar para pensar, de modo a sermos capazes de estabelecer uma linha divisória evidente entre as profissões a propósito das quais se justifica a criação de associações públicas profissionais e aquelas onde isso não se justifica. Essa decisão deve obedecer a critérios gerais e abstractos e não assentar em opções casuísticas, baseadas na maior ou menor força ou influências social e política dos grupos profissionais. Por outro lado e em terceiro, é manifesto que uma das grandes tensões da nossa sociedade é a tensão entre a tendência para o corporativismo e o particularismo e a necessidade da prossecução do interesse público geral e dos direitos fundamentais dos cidadãos. Garantir que as associações públicas profissionais criadas, quando confrontadas com tal tensão entre o corporativismo e o interesse público, optem por este último, é uma das tarefas centrais do projecto de lei que discutimos aqui, hoje. É isso que a Constituição claramente quer. A Constituição é clara: nenhuma associação pública pode exercer funções próprias das associações sindicais, designadamente a defesa dos interesses individuais dos seus membros. Esta é uma das linhas directrizes essenciais do projecto de lei que hoje o Partido Socialista aqui apresenta. Mas a Constituição é também clara noutro aspecto: as associações públicas profissionais devem respeitar os direitos dos seus membros e devem obedecer ao princípio da formação democrática dos seus órgãos. Também esta directiva constitucional esteve no centro das nossas preocupações. Por outro lado, a liberdade de escolha da profissão ou do género de trabalho está consagrada no artigo 47.º da Constituição. Essa liberdade só pode ser restringida por lei e com fundamento no interesse colectivo ou na incapacidade das pessoas. Daqui se extrai que cabe ao Estado e ao legislador definir o regime jurídico das profissões, os requisitos e as regras de acesso às profissões e as respectivas restrições, bem como a definição, a acreditação e a avaliação dos cursos que dão acesso à profissão. Às associações profissionais cabe criar, em contrapartida, as condições para um bom exercício da profissão e para a regulação desse exercício. Deste modo, em síntese, ficam explicadas as linhas directrizes do presente projecto de lei: uniformidade do regime de criação, dos requisitos e dos aspectos centrais da organização, embora com maleabilidade para definição concreta dos estatutos; indispensabilidade da criação, que deve ser comprovada por entidade independente; garantia da prossecução do interesse público pelas associações; intervenção mínima do Estado; organização e funcionamento democráticos das associações; salvaguarda da independência no exercício da profissão e dos direitos dos profissionais membros da associação; clara definição do que cabe ao Estado e do que cabe às associações públicas; e protecção dos direitos dos utentes dos serviços prestados pelos profissionais. Após a aprovação desta lei, ficará a Assembleia da República melhor habilitada para decidir sobre as pretensões publicamente anunciadas de criação de associações públicas profissionais. O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Velosa.
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Sr. Presidente, Sr. Deputado Vitalino Canas, gostaria de colocar-lhe três questões sobre o diploma que acaba de apresentar, independentemente de dizer depois, na intervenção que irei fazer, qual a posição global do Grupo Parlamentar do PSD sobre o mesmo. São três questões concretas: uma tem a ver com a situação que foi criada com dois projectos de lei do CDS-PP e do PSD, sobre a criação da ordem dos psicólogos, que se encontram parados nesta Assembleia há um ano e meio, porque o Partido Socialista e o Governo disseram na altura que iriam apresentar o projecto de lei que hoje aqui trouxeram. Infelizmente, estamos à espera — não só os proponentes como os interessados na criação dessa ordem — há um ano e meio que este projecto de lei do PS apareça na Assembleia da República, que só apareceu agora. Portanto, a pergunta muito concreta que lhe coloco é a de saber o que é que vai acontecer a estes projectos de lei, face à previsível aprovação de uma nova lei-quadro das ordens ou associações públicas profissionais. A segunda questão, que também é uma questão concreta, surge porque não me parece claro — porque não resultou da exposição do Sr. Deputado nem do texto do projecto de lei — qual vai ser o papel da Assembleia da República na criação de novas ordens ou nas alterações de estatuto. Do nosso ponto de vista, em qualquer uma destas circunstâncias, a Assembleia da República deve ter um papel fundamental na criação de novas ordens ou em relação às alterações estatutárias das ordens ou associações actualmente existentes, para adaptação a esta nova lei. Parece que da nova lei resulta, por exemplo, relativamente às alterações estatutárias, que bastará um decreto do Governo. Portanto, há aqui esta questão concreta que tem de ser colocada e que nos parece que deve ficar clara. A terceira questão é a seguinte: temos de ter consciência de que, realmente, este projecto de lei veio muito atrasado e, se calhar, todos têm culpa nisso. Por exemplo, em Espanha há uma lei-quadro nesta matéria desde 1974! Mas nós só agora é que estamos a criar a lei-quadro, sendo que quase todas as ordens ou associações profissionais já estão criadas. Haverá talvez algumas por criar, mas, no essencial, estão todas criadas. Mas a questão que se põe é esta: atendendo ao facto de que a generalidade das associações públicas profissionais e as ordens já estão criadas, com os seus decretos próprios e os seus estatutos próprios, por que é que esta lei não prevê que essas ordens ou associações profissionais tenham de se adaptar aos princípios desta nova lei? Não é por uma questão de retroactividade da lei mas, sim, por uma questão de adaptação, fundamentalmente, dos estatutos a este projecto de lei. São estas as três questões concretas que lhe deixo, Sr. Deputado. Sim, mas «mais vale tarde do que nunca»…! Mas não é por acaso que é, aliás, o único projecto de lei que está hoje em discussão! Nenhum outro grupo parlamentar teve condições ou sentiu a necessidade de apresentar, em alternativa, outro projecto de lei, hoje, nesta Assembleia da República! Portanto, isso será certamente um sinal da confiança grande que depositam no Partido Socialista e nas suas iniciativas legislativas. Quanto à primeira pergunta que me coloca, o Sr. Deputado sabe que o Partido Socialista, desde a discussão desses dois projectos de lei — que estão neste momento pendentes na Comissão —, tem dito que esses dois diplomas deveriam ser apreciados à luz de um regime global. É esse regime global que estamos aqui, hoje, a apresentar e a apreciar. Uma vez este regime global apresentado, apreciado e votado, certamente que existirão condições para, à luz dele, verificar se esses dois projectos de lei preenchem as condições gerais entretanto aprovadas pela Assembleia da República. Em relação à criação de novas ordens e às alterações estatutárias que possam vir a existir no futuro, a nossa intenção é a de que o papel essencial caiba, de facto, e continue a caber à Assembleia da República. É porque será sempre a Assembleia da República que criará ordens profissionais e associações públicas profissionais e será sempre a Assembleia da República a fixar os primeiros parâmetros em que as mesmas irão funcionar. Prevê-se a hipótese de nos estatutos ou na lei de criação haver remissão para decretos-leis, para o desenvolvimento desses estatutos ou da lei de criação. É uma possibilidade a discutir se assim deve ser ou não. Obviamente que, em sede de especialidade, estamos disponíveis para avaliar todas as opções alternativas. Depois, quanto à questão da possibilidade de adaptar as ordens e associações públicas profissionais já existentes a esta lei-quadro, trata-se de um assunto inegavelmente complexo, Sr. Deputado. Como sabe, e como certamente não ignora, aquelas que já existem têm estatutos muito díspares. Aquilo que propomos neste projecto de lei é que seja dada a estas entidades que já existem a possibilidade de, se o quiserem, facultativamente, se passarem a orientar e se adaptarem a esta lei-quadro. Não criamos, pois, qualquer obrigação de que isso venha a suceder. Entendemos que nesta altura estão criadas situações jurídicas consolidadas, que não devem ser perturbadas. No entanto, Sr. Deputado, estamos também disponíveis para avaliar toda e qualquer proposta que o Sr. Deputado, o seu grupo parlamentar e os outros grupos parlamentares venham a fazer em relação a este projecto de lei. Como é referido, o objectivo é uniformizar as regras respeitantes a ordens profissionais. Não faria sentido que tais regras se passassem a aplicar a todas as associações, sem qualquer excepção?! Caso contrário, estaremos perante uma inaceitável discriminação: as associações já constituídas beneficiam de um estatuto próprio, que, na prática, foi definido casuisticamente por elas próprias; as associações que se venham a constituir terão de guiar-se pelas regras gerais. Quer dizer: gerais não, porque são regras apenas para as associações a que quase chamaríamos de segunda geração!! Além disso, a este factor acresce um outro, porventura, na nossa opinião, o mais importante. Como é sabido, neste momento as associações constituídas são as que representam sectores profissionais com mais força na sociedade enquanto grupos profissionais. Será este o motivo que leva à não aplicação deste diploma a essas associações? Não é precisamente o peso corporativo das mesmas e o facto de não se querer interferir com fortes grupos de interesses que leva a que não se lhe aplique este projecto de lei? Como se diz no preâmbulo, «(…) em relação às associações que a partir deste momento devam ser criadas importa evitar a proliferação desregrada e a banalização das mesmas, como simples meios de defesa e promoção de interesses profissionais.» Há que perguntar por que razão estas exigências não se aplicam às associações já constituídas. Ou será que só as associações já constituídas têm um papel positivo e que só as novas é que vão ser simples meios de defesa e promoção de interesses profissionais? Então, as já constituídas não são? Parece-nos, portanto, que esta discriminação é inaceitável. De acordo com este projecto de lei, reafirmo que teríamos associações profissionais de primeira e de segunda gerações, logo, menos fortes, porque ainda não alcançaram a sua constituição como associação. E isto irá passar-se, efectivamente, como o Sr. Deputado acabou de referir, com a ordem dos psicólogos, porque vai ver ser-lhe aplicado outro estatuto. Se bem que há que preservar as relações e estatutos já constituídos, não faria mais sentido prever um prazo de adaptação durante o qual as associações já existentes se adaptariam a este novo regime? Por exemplo, a Lei-Quadro dos Institutos Públicos, institutos aos quais estas entidades são por vezes equiparadas, não veio alterar também as regas para pessoas colectivas já há muito instituídas? Por que razão não podem ou não devem as ordens profissionais, que são também pessoas colectivas de direito público, adaptar-se igualmente às novas regras? Esta é a pergunta que fica. Um aspecto positivo deste projecto de lei é, de facto, a criação da figura do provedor dos utentes, que está prevista no seu artigo 18.º Na nossa opinião, este provedor deveria ser obrigatório e a lei não deixa clara a existência desta figura como obrigatória, pois diz que «pode existir o provedor dos utentes». Uma outra questão que queremos aqui colocar tem a ver com o facto de, durante estes 15 meses, ter havido tempo para fazer audições com os grupos profissionais que neste momento estão a reivindicar a constituição de associações profissionais, bem como com outras organizações representantes desses profissionais, nomeadamente os sindicados. Ora, isso não foi feito. Esperamos que, em sede de especialidade, haja, de facto, essa grande discussão e possamos afinar toda a regulamentação para que saia uma leiquadro o mais democrática possível e que dê resposta a todos os sectores que reivindicam ou têm ordens ou câmaras profissionais.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não somos contrários à existência de uma legislação que regule, de forma sistemática e uniforme, o regime das associações públicas profissionais. Esta necessidade é, em nosso entender, óbvia, até para não permitir o que tem sido a prática legislativa a este propósito, em que muitas ordens profissionais têm sido aprovadas quase ad hoc, ou seja, mais ou menos ao sabor da força que os grupos profissionais que as reivindicam têm. Relembro ao Partido Socialista que, no debate que aqui ocorreu em 15 de Setembro a propósito da criação da ordem dos psicólogos, foi afirmado que, no prazo de 30 dias, estaríamos em condições de aprovar a constituição da ordem dos psicólogos, que é uma reivindicação que existe, como bem sabe, há mais de 20 anos. Por outro lado, nessa altura, o PS também se comprometeu a apresentar, num prazo de 90 dias, esta lei-quadro, que, Sr. Deputado Vitalino Canas, demorou 15 meses!! Por isso também não vale a pena agora vir elogiar a «eficácia» do Partido Socialista, porque foi este mesmo partido que prometeu esta lei-quadro no prazo de 90 dias e demorou exactamente, repito, 15 meses!! Portanto, não abonará muito a favor do Partido Socialista esta exaltação agora de que «são os únicos»…! De qualquer maneira e a propósito do projecto de lei n.º 384/X, o primeiro aspecto que nos causa estranheza é o facto de apenas se aplicar às instituições que se venham a constituir no futuro. Para justificar este princípio, defende-se que há que «não perturbar as associações já constituídas»… Mas será, Sr.as e Srs. Deputados, que isto faz algum sentido?… Como é referido, o objectivo é uniformizar as regras respeitantes a ordens profissionais. Não faria sentido que tais regras se passassem a aplicar a todas as associações, sem qualquer excepção?! Caso contrário, estaremos perante uma inaceitável discriminação: as associações já constituídas beneficiam de um estatuto próprio, que, na prática, foi definido casuisticamente por elas próprias; as associações que se venham a constituir terão de guiar-se pelas regras gerais. Quer dizer: gerais não, porque são regras apenas para as associações a que quase chamaríamos de segunda geração!! Além disso, a este factor acresce um outro, porventura, na nossa opinião, o mais importante. Como é sabido, neste momento as associações constituídas são as que representam sectores profissionais com mais força na sociedade enquanto grupos profissionais. Será este o motivo que leva à não aplicação deste diploma a essas associações? Não é precisamente o peso corporativo das mesmas e o facto de não se querer interferir com fortes grupos de interesses que leva a que não se lhe aplique este projecto de lei? Como se diz no preâmbulo, «(…) em relação às associações que a partir deste momento devam ser criadas importa evitar a proliferação desregrada e a banalização das mesmas, como simples meios de defesa e promoção de interesses profissionais.» Há que perguntar por que razão estas exigências não se aplicam às associações já constituídas. Ou será que só as associações já constituídas têm um papel positivo e que só as novas é que vão ser simples meios de defesa e promoção de interesses profissionais? Então, as já constituídas não são? Parece-nos, portanto, que esta discriminação é inaceitável. De acordo com este projecto de lei, reafirmo que teríamos associações profissionais de primeira e de segunda gerações, logo, menos fortes, porque ainda não alcançaram a sua constituição como associação. E isto irá passar-se, efectivamente, como o Sr. Deputado acabou de referir, com a ordem dos psicólogos, porque vai ver ser-lhe aplicado outro estatuto. Se bem que há que preservar as relações e estatutos já constituídos, não faria mais sentido prever um prazo de adaptação durante o qual as associações já existentes se adaptariam a este novo regime? Por exemplo, a Lei-Quadro dos Institutos Públicos, institutos aos quais estas entidades são por vezes equiparadas, não veio alterar também as regas para pessoas colectivas já há muito instituídas? Por que razão não podem ou não devem as ordens profissionais, que são também pessoas colectivas de direito público, adaptar-se igualmente às novas regras? Esta é a pergunta que fica. Um aspecto positivo deste projecto de lei é, de facto, a criação da figura do provedor dos utentes, que está prevista no seu artigo 18.º Na nossa opinião, este provedor deveria ser obrigatório e a lei não deixa clara a existência desta figura como obrigatória, pois diz que «pode existir o provedor dos utentes». Uma outra questão que queremos aqui colocar tem a ver com o facto de, durante estes 15 meses, ter havido tempo para fazer audições com os grupos profissionais que neste momento estão a reivindicar a constituição de associações profissionais, bem como com outras organizações representantes desses profissionais, nomeadamente os sindicados. Ora, isso não foi feito. Esperamos que, em sede de especialidade, haja, de facto, essa grande discussão e possamos afinar toda a regulamentação para que saia uma leiquadro o mais democrática possível e que dê resposta a todos os sectores que reivindicam ou têm ordens ou câmaras profissionais.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por registar o facto de, finalmente, esta Assembleia da República, ter a possibilidade de discutir e votar um projecto de lei, a que podemos chamar de lei-quadro, que visa, de forma sistemática, genérica e abstracta, estabelecer o regime jurídico das associações públicas profissionais. Esta é uma matéria em que Portugal se apresenta muito atrasado em relação à generalidade dos países europeus, incluindo a vizinha Espanha. Aliás, como disse há pouco na pergunta que fiz ao Sr. Deputado Vitalino Canas, em Espanha, desde 1974 que está em vigor uma lei deste tipo, relacionada com a criação das ordem profissionais e outras associações públicas profissionais, sendo que as várias autonomias espanholas também têm leis próprias sobre esta matéria desde há vários anos. Infelizmente, Portugal só agora o faz. Esta é uma crítica que, naturalmente, abrange todos os Deputados e todos os grupos parlamentares. E não é o facto de o Partido Socialista ter apresentado agora um projecto de lei que faz com que se diga que todos os outros grupos parlamentares é que têm culpas nesta matéria. Obviamente que o Partido Socialista também as tem, por só apresentar agora este projecto de lei. Aquilo que sugerimos é que o Partido Socialista esteja disponível para, na especialidade, uma vez que este diploma levanta alguns problemas técnicos concretos, aceitar sugestões dos outros grupos parlamentares para a melhoria desta lei, porque, como se sabe, ela não é perfeita. Por exemplo, noutros países a regulamentação é muito mais ampla, abrange-se muito mais matérias do que se abrange neste projecto de lei, e, portanto, julgo que tudo isto, em sede de especialidade, deverá ser analisado e para isso é necessário que o Partido Socialista tenha em atenção aquilo que os outros grupos parlamentares poderão dizer sobre esta matéria. É necessário haver, efectivamente, uma lei-quadro, até porque aquilo que temos feito até agora é seguir as regras gerais que estão no artigo 267.º da Constituição e nada mais e, depois, cada uma das ordens é criada com o seu próprio diploma, com estatutos diferentes, com opções diferentes. Daí que esta uniformização seja algo de muito importante para o nosso quadro jurídico-legal destas ordens e associações públicas profissionais, que deve sair de uma lei desta Assembleia da República. Esta não tem sido a forma correcta de resolver estas situações — e repito aqui que todos os grupos parlamentares terão culpas nesta matéria —, pois, nos últimos anos, a Assembleia da República, discutiu propostas de lei, projectos de lei e apreciações parlamentares sobre ordens de biólogos, de economistas, de arquitectos, de despachantes oficiais, de farmacêuticos, de advogados, de notários, etc. — vejo que não houve uma de engenheiros, mas enfim… Não há dúvida de que, ao longo dos anos, temos realmente discutido aqui várias vezes diplomas sobre a constituição de ordens profissionais concretas. O mérito do projecto de lei do Partido Socialista ora em discussão é o de tentar criar esse quadro legal para evitar esta proliferação, mas é bom que se tenha em atenção que agora a generalidade das ordens ou das associações públicas profissionais estão criadas. Por muitas pressões que possam surgir para mais algumas — no preâmbulo do projecto de lei fala-se em que ainda existem algumas pressões para que se criem outras ordens ou associações públicas profissionais —, não há dúvida de que neste momento a generalidade das ordens e das associações públicas profissionais estão criadas, daí que um dos problemas que se põe seja o da adaptação dos estatutos dessas ordens ou dessas associações profissionais, que são já muitas, à lei que venha a sair daqui. Portanto, este projecto de lei tem, no essencial e na generalidade, o apoio do Grupo Parlamentar do PSD. Mas, como disse há pouco, esperamos que, em sede de especialidade, porque realmente se levantam aqui questões, se discutam todas essas questões e haja abertura do Partido Socialista para que possa sair da Assembleia da República uma lei melhor do que este projecto de lei. Dou, desde já, alguns exemplos de pontos a alterar. No regime disciplinar e sancionatório tem de se assegurar claramente e desde logo o respeito dos princípios da legalidade, da tipicidade e da proporcionalidade, o que não me parece resultar da forma sucinta como o projecto do Partido Socialista trata esta matéria. A criação das novas ordens e as alterações estatutárias devem ser devidamente ponderadas neste projecto de lei; devem ser clarificados — aliás, aponta-se aqui para um parecer independente — os termos em que podem ser criadas as novas ordens ou associações públicas profissionais e quais são os critérios de relevância e de transcendência social que permitem a sua criação. Isto deve constar da lei e deve ser esclarecido. São aspectos que estou a citar a título de mero exemplo, nomeadamente a questão que há pouco levantei da criação e das alterações aos estatutos das ordens; o papel da Assembleia da República, que tem de ser claro, que tem de ser fundamental na criação de novas ordens. Portanto, aquilo que sugerimos, face até a alguns aspectos que se levantam nesta matéria, e que pensamos que o Partido Socialista está disponível para aceitar, é, entre outras coisas, que, uma vez aprovado este projecto de lei, o mesmo baixe à 1.ª Comissão. As razões são óbvias e nada têm que ver com o facto de se tratar de questões profissionais ou não. É porque, tratando-se de associações que são inicialmente privadas e que depois adquirem poderes públicos por força da lei, estão em causa questões jurídicas, técnicas e até de ordem constitucional que devem fazer com que este diploma baixe à 1.ª Comissão. É, aliás, uma sugestão que se dá ao Sr. Presidente da Assembleia, mas que, naturalmente, sugerimos que tenha a aceitação do Grupo Parlamentar do Partido Socialista. Para terminar, gostaria de dizer que o que é lamentável não é o facto de haver só um projecto de lei sobre esta matéria — todos têm de fazer um mea culpa por não ter havido um até agora — mas, sim, que haja um pedido de grupo de profissionais que há um ano e meio mereceu a elaboração de dois projectos de lei nesta Assembleia (do CDS-PP e do PSD) e que isso esteja numa espécie de «congelador», ou «congelado» num «congelador» qualquer da Assembleia da República, com um texto final aprovado, também pelo Partido Socialista, tanto quanto me recordo, e a ordem nunca mais seja criada! A questão que aqui se põe, e que é fundamental, é a de saber se estes profissionais, os psicólogos, que querem criar a sua ordem legitimamente, agora, passado este ano e meio, podem ter a certeza de que, uma vez aprovado este projecto de lei, a sua ordem vai ser criada. Portanto, esta situação não é muito correcta, esta espera não foi correcta e o que se aguarda é que o Partido Socialista, no âmbito da discussão, na especialidade, e da lei que venha a ser aprovada, por um lado, permita pelo menos que essa ordem dos psicólogos seja criada face às expectativas que foram geradas e aos projectos de lei que se encontram na Assembleia e, por outro lado, que esteja aberto para que se possam introduzir alterações que melhorem o projecto de lei em discussão.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Câmara reúne-se hoje para tratar de um tema que é muito importante em qualquer democracia, que tem que ver com a autoregulação profissional. Obviamente, nós temos de respeitar aqui, à cabeça, um princípio de subsidiariedade, entendendo que há um conjunto de questões profissionais que são muito melhor resolvidas em auto-regulação — pelos próprios profissionais do sector — do que mantendo-as única e exclusivamente na esfera da administração central do Estado. Respeita-se também, assim, um princípio de descentralização administrativa, não esquecendo, como é óbvio, princípios fundamentais que têm consagração constitucional, como o princípio do livre acesso à profissão (um direito, liberdade e garantia assim estabelecido na nossa Constituição), e também princípios de protecção do interesse público e de direitos fundamentais e, igualmente, o interesse específico de um conjunto de profissões. E é exactamente com este quadro que temos de saber analisar a criação, em concreto, de qualquer ordem profissional ou de qualquer associação representativa de uma profissão, como sejam as câmaras corporativas, as câmaras profissionais e as ordens profissionais. E estou certo de que foi este entendimento que levou o Partido Socialista à apresentação do projecto de lei n.º 384/X. Sabemos que esta não é uma matéria fácil. A melhor prova disso é exactamente o facto de o Partido Socialista, tendo anunciado que o faria em 90 dias, ter levado cerca de um ano e meio para conseguir apresentar aqui — e ainda por cima de uma forma bastante atabalhoada no seu processo final — um projecto de enquadramento desta matéria. Já foi aqui referido — e bem — pelo Sr. Deputado Hugo Velosa o problema da ordem dos psicólogos, que ainda vou mencionar. Mas, de facto, há mais de um ano e meio que a ordem dos psicólogos tem o seu estatuto aprovado na Assembleia, na generalidade e na especialidade, só lhe faltando a votação final global. Há dois aspectos fundamentais quanto a este diploma. Um primeiro aspecto é a dimensão material, isto é, o âmbito das profissões que podem enquadrar a existência de uma associação profissional representativa. Quanto a este âmbito, o Partido Socialista limita a criação das Ordens às profissões que devem ser sujeitas a um controlo do respectivo acesso e exercício e também as profissões que cumulativamente respeitem normas técnicas e deontológicas específicas, bem como aquelas que devam ter um regime disciplinar autónomo. Mas nota-se, no projecto de lei, que o Partido Socialista acha que esta definição é curta, que só esta definição não basta como critério para saber se uma determinada profissão deve ter associação profissional ou não. Por isso mesmo, entendendo que este critério é curto, o Partido Socialista propõe que além deste critério existam outros, que são eles próprios muito discricionários. Quais são esses critérios? Primeiro: que exista um interesse público de especial relevo. Ninguém percebe muito bem como é que se preenche este «interesse público de especial relevo». Segundo: que exista um estudo prévio, que deve ser encomendado a uma entidade meritória e independente. Ninguém percebe muito bem quem é que encomenda o estudo, se é a Assembleia da República ou o Governo; de que espécie de entidades meritórias e independentes é que estamos a falar; e sequer qual é o prazo para a apresentação desse estudo. E o Grupo Parlamentar do Partido Socialista faz isto porque percebe que é impossível ter uma varinha de condão e uma forma-quadro para definir se uma determinada profissão deve ou não ter associação profissional. Por isso mesmo, o Partido Socialista volta a cair, aqui, numa apreciação discricionária, casuística, nesse sentido totalmente desenquadrada até do que seria o primeiro objectivo inicial da sua lei. Compreendemos que esta matéria não é fácil. Por isso mesmo, estaremos totalmente disponíveis para, na especialidade, tentar encontrar aqui uma regra que seja a mais aprofundada e correcta. O segundo aspecto fundamental deste diploma é a dimensão orgânico-formal, de percebermos depois como é que se organiza, no concreto, uma determinada associação profissional. E sobre esta matéria, mais uma vez, o Partido Socialista mantém um conjunto de dúvidas e de perplexidades: não se percebe muito bem a quem caberá, até do ponto de vista constitucional, o processo legislativo, se é à Assembleia da República se é ao Governo. Até dizia há pouco, numa intervenção, o Sr. Deputado Vitalino Canas — a quem aproveito para saudar — que o primeiro impulso é sempre o da Assembleia da República e, depois, é que o Governo pode vir legislar. Mas há matérias, que têm que ver, por exemplo, com direitos, liberdades e garantias de acesso à profissão, com o estabelecimento de penas e de medidas disciplinares, matérias que a Constituição reserva à Assembleia da República, sobre as quais o Governo só pode legislar com autorização da Assembleia da República! O que é que se passa nestes casos? A Assembleia da República legisla sob iniciativa do Governo, remetendo depois para o Governo a apreciação em concreto de um conjunto de matérias que são da competência da mesma? Continuamos a não perceber, porque o Partido Socialista não é claro, neste projecto, sobre isso. Mais ainda: o Partido Socialista, nesta matéria, sendo um partido responsável, criou até, na última década, um conjunto de ordens. Lembro-me à cabeça, por exemplo, da Ordem dos Economistas, da Ordem dos Biólogos ou da Ordem dos Enfermeiros, que não seguiram certamente este processo mas, sim, um processo totalmente distinto, porque foram criadas através de decreto-lei, nuns casos com uma comissão administrativa, que era representativa das associações que estavam na génese dessa ordem; noutros casos com comissões administrativas que eram nomeadas, única e exclusivamente pelo Governo. Não se percebe também aqui, nesta matéria, o que é que vai acontecer relativamente à nomeação das comissões administrativas. Por que é que isto se atribui, única e exclusivamente, ao Governo? O mesmo quanto à questão do estudo prévio: a sua iniciativa pertence ao Governo ou à Assembleia da República? A questão continua em aberto e não se entende! Ao mesmo tempo, o Partido Socialista não responde a estas questões, mas responde de forma excessiva, com excesso de regulamentação, nas ordens que quer criar. Por exemplo, nesta lei estabelece-se logo que se o bastonário ou o presidente da ordem for eleito de forma directa tem de respeitar um conjunto de critérios iguais ao do Presidente da República. Mas quais? Tem de ter, no mínimo, 35 anos? Tem de ter um número mínimo de profissionais eleitores que subscrevam a sua candidatura? Não se percebe muito bem o que é que o Partido Socialista quer!! Mais: o Partido Socialista não permite que exista eleição directa e universal para um conjunto de órgãos dentro das ordens, que deveriam ser eleitos de forma directa, como, por exemplo, os órgãos de fiscalização e de disciplina, os quais, nos termos da lei apresentada pelo Partido Socialista, só podem ser eleitos no congresso, na assembleia representativa. Entendemos que isso não faz muito sentido!! Tal como não faz muito sentido estabelecer na lei que o provedor do utente, se existir, tem de ser obrigatoriamente remunerado. Também entendemos que não faz muito sentido, que há aqui um excesso da regulamentação. Aliás, além de haver um excesso de regulamentação, há um conjunto de matérias que não são claras. O Partido Socialista, nesta lei, faz remissões para o Código do Procedimento Administrativo, para a LeiQuadro dos Institutos Públicos, para o estatuto das associações de direito privado, para o estatuto disciplinar dos funcionários e agentes do Estado, para o contrato de trabalho na administração pública, para a Lei n.º 27/96, para a Lei Orgânica do Tribunal de Contas e ainda diz que é preciso criar um outro diploma autónomo relativo ao endividamento das ordens profissionais!… Há, de facto, nesta matéria, um excesso de regulamentação! Queria deixar uma nota, também muito importante, sobre a actualização das ordens existentes. É um tema que nos preocupa, porque muito provavelmente poderemos ficar com ordens com duas realidades totalmente distintas: as que já existem, que não têm de cumprir os critérios desta lei e que, nalgum sentido, nem sequer estão sujeitas à tutela administrativa do Governo; e as novas, que terão de cumprir um conjunto de requisito novos. Há igualmente um aspecto muito importante que não é falado, que tem que ver com os impedimentos e as incompatibilidades do exercício de uma profissão com o exercício de outra profissão, ou de algum cargo público ou, eventualmente, de algum cargo na Administração Pública. Queria deixar uma última nota — para terminar, Sr. Presidente — que se prende exactamente com um problema que já foi aqui falado. Sabemos que a Câmara aprovou, há mais de um ano, o estatuto profissional de uma ordem, que é reivindicada há mais de 20 anos, mas que, mais importante do que isso, faz todo o sentido existir, que é a ordem dos psicólogos. O que é que vai acontecer a este processo legislativo? Há profissionais que se dirigiram à Assembleia, que apreciaram o trabalho que a Assembleia fez, trabalho que foi bastante consensual, pois reuniu o voto do Partido Socialista, do Partido Social-Democrata e do CDS, mas está, neste momento, como alguém dizia há pouco, no «congelador». O que é que vai, então, acontecer a esta ordem profissional, que já está criada no papel, na Assembleia, mas relativamente à qual falta uma votação final global? O que é que o Partido Socialista propõe quanto a esta matéria? Mantém-se no «congelador», à espera que seja resolvido o problema desta lei ou pode, finalmente, ver a luz do dia?
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: A matéria que hoje aqui discutimos é da maior importância e penso que todos reconhecemos que a existência desta legislação já há mais tempo teria sido muito útil, para que produzisse efeitos mais concretos, mesmo em ordens profissionais já existentes. A razão para existirem as ordens profissionais deve ser bem salientada, porque elas não existem como instrumento de afirmação de grupos profissionais na sociedade ou por razões económicas, comerciais ou de outro qualquer tipo. As ordens profissionais existem porque são o instrumento mais adequado para exercer poderes de regulação de uma determinada actividade profissional cujas características aconselham a que não seja a administração directa do Estado a fazê-lo mas, sim, a auto-regulação. E é nestes casos concretos, e não em todos os outros, que devem existir ordens profissionais. Por isso, é de valorizar a assunção do carácter excepcional da existência de ordens e de câmaras profissionais que este projecto de lei afirma como um dos princípios fundamentais nesta matéria. É preciso também dizer que, ao contrário do que por vezes se diz, quando se discutem, em concreto, alguns projectos de criação de ordens profissionais, quando não há ordem profissional, isso não significa que exista um vazio jurídico, um vazio de fiscalização ou um vazio de regulação. Não! Quando não há ordem profissional, é o Estado que tem o papel de regular, de fiscalizar e de acompanhar a prática profissional nessa área. Portanto, não há nenhum vazio jurídico, por contraposição à existência de ordens profissionais. Importa ainda dizer que, talvez por falta desta regulação e por vicissitudes e circunstâncias políticas várias, já avançámos, porventura, demais em alguns casos que, neste momento, já existem, mas este é um problema que não está para resolver agora, com esta legislação, com este projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista. No âmbito deste projecto, que nos parece ter, de um ponto de vista geral, uma abordagem positiva e equilibrada da regulação das associações públicas profissionais, convém ainda salientar alguns aspectos particulares, um dos quais tem a ver com a questão das limitações no acesso à profissão. Trata-se de uma matéria especialmente sensível porque, em diversos momentos da história do nosso país e das profissões, houve a tentativa ou a concretização de limitações de acesso à profissão em relação a cidadãos portadores de um título de ensino superior, por exemplo, que, por si só, deveria dar a habilitação para essa profissão. Não quer isto dizer que, por lei, em determinadas circunstâncias, não possam criar-se algumas limitações nesse sentido, em situações excepcionais e devidamente justificadas, mas o princípio que julgo estar expresso neste projecto de lei, o de que não há esse direito e, em regra, não é isso que deve acontecer, parece-me ser muito positivo para garantir que os cursos de ensino superior homologados pelo Estado não sejam, depois, desvalorizados por via da inscrição ou da proibição de inscrição em ordens profissionais. Importa também valorizar, no que se refere a este projecto de lei, as referências à liberdade de profissão e à reserva de lei para as restrições ou requisitos no acesso a essa profissão. Quero ainda fazer uma outra referência à questão do provedor, porque a ideia de haver um provedor nas profissões que têm uma associação deste tipo é, porventura, simpática, mas penso que o Partido Socialista e todos os demais partidos deviam ponderar sobre uma circunstância que começamos a ter no nosso país e que, nos últimos anos, se tem acentuado, que é a da profusão de provedores e o que isso significa em relação ao estatuto da Provedoria de Justiça e do Provedor de Justiça que está constitucionalmente estabelecido. A ideia aparece, sem dúvida, como simpática mas, em algum momento, havemos de ter de ponderar o que é que a profusão de provedores poderá significar em relação ao Provedor de Justiça e ao seu papel. Penso que esta matéria merece, por isso, a maior ponderação. Quero ainda referir-me, como última questão, a uma matéria que já foi aqui abordada, e bem, na minha opinião, que é a da aplicação apenas para o futuro. É preciso salientar e deixar claro que o futuro não se circunscreve apenas à criação de novas ordens, também se tem em vista a aplicação desta legislação em caso de alteração dos estatutos das actuais ordens profissionais, se e quando ela vier a acontecer. Porém, penso que, sem com isso criar nenhum clima de alarme social, também podíamos procurar encontrar soluções para que, da melhor forma possível e o mais possível, as ordens que já existem e os seus estatutos se procurassem ir acomodando à nova legislação que vier a sair desta Assembleia da República. De facto, a uniformização do regime jurídico para todas as ordens profissionais já existentes ou que venham a existir é um objectivo que deve estar no nosso horizonte e em relação ao qual devíamos dar algum sinal, em termos de especialidade, ainda que em termos moderados e com equilíbrio. Demorámos 15 meses a apresentar um projecto de lei, os senhores vão demorar muito mais tempo a apresentar as ideias que têm sobre este tema e muito mais tempo ainda, se calhar, a apresentar até um projecto de lei como aquele que apresentámos. Portanto, creio que essa crítica não é total14 I SÉRIE — NÚMERO 91 mente compreensível. Há depois uma questão de conteúdo e de lógica desta lei, relativamente à qual vimos aqui três posições (teremos, depois, de verificar qual delas é a correcta): o Sr. Deputado Hugo Velosa dizia que esta lei, se calhar, não regula alguns aspectos que devia regular; o Sr. Deputado Pedro Mota Soares dizia que esta lei regula de mais, que há coisas que lá não deviam estar; e temos a posição do PS, que penso ser a posição mais equilibrada, que é a de considerar que esta é uma lei-quadro, deve conter os princípios fundamentais mas deve ser maleável o suficiente para que alguma coisa resulte dos estatutos específicos de cada uma das associações públicas profissionais. Srs. Deputados, há alguns aspectos de especialidade que poderíamos discutir. Por exemplo, a questão do provedor do utente, que prevemos como uma hipótese, facultativa. Ouvi perguntar: por que não ser obrigatório? Aqui revejo-me bastante naquilo que o Sr. Deputado Bernardino Soares acabou de dizer, ou seja, temos de ter algum cuidado na criação de provedores públicos, como é o caso. Em relação aos provedores privados nada tenho a objectar, mas quanto a um provedor público, como é o caso, temos de ter cuidado, porque o Provedor de Justiça, que é um órgão constitucional, previsto na Constituição e com competências, inclusive, sobre estas matérias, também não pode ser aqui desautorizado a cada momento. Por isso, creio que a criação do provedor do utente deve obedecer a um critério de oportunidade e de mérito a ser avaliado caso a caso e não deve ser considerado obrigatório. Srs. Deputados, para terminar, creio que existe aqui uma boa base para estabelecermos um consenso na discussão na especialidade. O PS não parte com uma posição fechada em relação a esta matéria. Ela é complexa, hesitámos em relação a alguns aspectos — alguns dos pontos que os Srs. Deputados levantaram foram aspectos que tivemos de ponderar — e estamos totalmente disponíveis para procurar, na discussão em especialidade, o maior consenso sobre uma matéria, que não deve ser uma matéria de política partidária mas, sim, consensual nesta Casa.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Tudo o que surja de novo e de inovador é normalmente visto com apreensão. Detectei isso nas palavras do Sr. Deputado Luís Fazenda, quando referiu que esta era uma solução arrevesada. Peço, por isso, ao Sr. Deputado uma maior abertura de espírito para aquilo que de novo apareça, em termos de solução para os problemas. Quanto a esta última intervenção do Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, devo dizer que acho curiosíssimo que o Sr. Deputado, depois de ter anunciado da tribuna que votaria contra, venha agora dizer-nos, no final do debate, que quer discutir esta proposta. É curioso querer discutir uma proposta que os senhores vão chumbar! É muito curiosa essa sua prática! Quero, ainda, dizer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que nós temos um problema a resolver. No colóquio organizado por V. Ex.ª, Sr. Presidente, esteve cá o Procurador-Geral da República. E o Procurador-Geral da República disse o seguinte: «Existe a necessidade de uma análise e estudo cuidadosos e sem complexos do regime a aplicar aos casos de enriquecimento injustificado, que vão surgindo cada vez com mais frequência em Portugal» — são palavras do Procurador-Geral da República, no colóquio evocado pelo Sr. Deputado Ricardo Rodrigues. Temos, portanto, um problema para resolver. E tínhamos dificuldade em apresentar uma proposta diferente da do Partido Comunista Português. É que a proposta do Partido Comunista Português dizia que era o arguido que tinha de provar a proveniência lícita dos seus bens e nós trabalhámos para encontrar uma proposta que ultrapassasse esta dificuldade. Baseámo-nos, então, no crime de perigo abstracto, um conceito que existe há mais de 100 anos na doutrina jurídica, em Portugal. E, das várias definições, a mais objectiva que encontrei foi esta: são crimes de dano presumido, de tutela penal por dificuldades de natureza probatória. É isto que a doutrina ensina há mais de 100 anos. Nós temos esta figura jurídica, há mais de 100 anos, na nossa doutrina! Ora, é com base neste ponto de um crime de perigo abstracto que se pode construir um tipo legal de crime de enriquecimento ilícito, sem violar o princípio da inocência. E cabe ao Ministério Público fazer prova dos elementos do crime. Esses elementos que cabe exclusivamente ao Ministério Público fazer prova são: os rendimentos do investigado, o seu património e modo de vida, bem como a manifesta desproporção — repito, manifesta desproporção — entre aqueles e estes, e ainda um nexo de contemporaneidade entre o enriquecimento e o exercício das funções públicas. É ao Ministério Público que cabe exclusivamente fazer a prova destes elementos. O arguido tem de fazer o mesmo que faz em relação a todos os outro crimes: pura e simplesmente, suscitar no juiz a dúvida ou a certeza da sua inocência. É tão simples como isto e é, de certeza, a não violação do princípio da presunção da inocência. Sr. Presidente, a terminar quero somente dizer o seguinte: nós não vamos avançar com esta proposta, pois o Partido Socialista vai chumbá-la. Em França e nos países nórdicos, esta figura já existe, embora com variantes diferentes. Tenho a certeza de que, daqui a três, quatro ou cinco anos, estaremos aqui a aprovar uma proposta desta natureza, mais uma vez a reboque de todos os outros países e sendo, mais uma vez, os últimos a ter um instrumento legal desta natureza. Queríamos que fosse hoje, queríamos ser dos primeiros. O Partido Socialista não deixou.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Venho falar-vos de um responsável público que, a troco de uma informação prévia de qual seria a empresa vencedora de um concurso público, recebe uma comissão relativa à construção de uma obra bem paga. Da existência súbita de uma autorização, bem compensada, para a derrogação de um plano director municipal. De um responsável local que com regularidade recebe comissões por obras que deixa fazer nos limites do seu município. De um funcionário ou titular de cargo público que, a troco da devida compensação, num parque de reserva ecológica, permite a obtenção de uma licença para construir uma casa particular. De um titular de cargo político que autoriza a cedência a baixo preço de terrenos públicos, com o objectivo de permitir que determinado clube de futebol realize negócios imobiliários. De um alto responsável político que, a troco sabe-se lá de quê, constrói uma rede promíscua entre as suas competências e serviços e certas empresas privadas, com o objectivo de, compensando todos, intermediar e executar compras do Governo. De um responsável público que recebe «luvas» em «dinheiro vivo» para não deixar rasto. De funcionários públicos e titulares de cargos políticos que, sem que se explique, acumulam fortunas ou passam a ter um trem de vida manifestamente incompatível com os rendimentos que auferem. De estas e muitas outras situações vamos, com regularidade, ouvindo falar nas mesas dos cafés, em conversas casuais, em sussurros de quem alguma coisa sabe e vive menos bem com a sua consciência, ou já mesmo na própria comunicação social. E todas elas têm um traço comum, que é a convergência de interesses e o consequente pacto de silêncio que fazem abortar investigações numa justiça ainda marcada pela lentidão e ineficiência, resultado de longos anos de desinteresse por um sector fundamental da vida democrática. Perante este quadro preocupante, no mínimo pelo que significa de desgaste da vida pública, é urgente avançar com medidas legislativas que tenham efectiva eficácia, não deixem espaço à corrupção e aos corruptores e respeitem os princípios constitucionais. Já avançámos com medidas práticas de reforço do orçamento da investigação criminal e de audição dos respectivos responsáveis, que infelizmente não obtiveram vencimento. Avançámos com alterações legislativas no que respeita à corrupção no desporto. Temos inúmeras iniciativas, já aprovadas na generalidade, que respeitam ao combate à corrupção no plano preventivo e no plano repressivo. Uma situação ficou por resolver. E essa, que é e deve ser residual, diz respeito às situações em que o único facto conhecido é o já referido enriquecimento sem que nada o justifique. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em Portugal, a corrupção, ao longo dos tempos, tem sido uma realidade quase permanente, curiosamente presente nas obras dos nossos mais relevantes autores. De Alexandre Herculano a Almeida Garrett, de Camilo Castelo Branco a Eça de Queiroz. Com o advento da liberdade, e após longos anos dedicados quase exclusivamente à consolidação do regime democrático, fomos quase de rompante confrontados com inúmeros casos de corrupção que surgiram de quase todos os lados e sectores, designadamente no futebol, nas autarquias, na administração central, nas forças policiais, envolvendo funcionários públicos e titulares de cargos públicos e políticos. E o mais que vai acontecendo e foge pelas finas malhas da dificuldade da descoberta da verdade. Todos ouvimos falar da insuficiência de critérios objectivos e transparentes nas decisões relativas a alguns grandes concursos públicos, privatizações e empreitadas. Todos conhecemos o registo de sobrecustos estranhos na execução de obras de grande dimensão. Todos já percebemos as razões das conversões, sem regras, de solo rural em solo urbano. Todos estamos fartos de saber que o branqueamento de capitais é uma realidade. Eduardo Viegas, sociólogo, autor do livro Crime e insegurança em Portugal, defende que, a nível estatístico, a situação do nosso país é preocupante, dado o facto de as estatísticas criminais tenderem a subavaliar a criminalidade real e a reflectir apenas a maior ou menor capacidade de intervenção e a maior ou menor eficácia do sistema de justiça criminal. É esta a percepção do cidadão comum! Daniel Kaufman, académico norte-americano, em artigo publicado numa revista em 1997, garante que «um país corrupto tem tendência para captar investimentos na ordem de 5% a menos do que países relativamente não corruptos e para perder metade de um ponto percentual do produto interno bruto por ano». Acrescenta o Banco Mundial, em relatório recente, que a corrupção é o maior obstáculo ao desenvolvimento económico e social. E, em estudo, solicitado pelo Ministério da Economia ao Mckinsey Global Institute, este defende que «a informalidade é responsável por 28% do gap de produtividade existente em Portugal. Permite que empresas menos produtivas se mantenham no mercado, fugindo ao fisco e desrespeitando as leis. Inibe as empresas de aumentar a sua dimensão, pois isso implicaria uma maior transparência e fiscalização. Finalmente, afasta empresas internacionais de entrar no mercado português, pois não sabem gerir essa informalidade». É esta a percepção dos investidores e empresários. Por outro lado, como todos já vamos sentindo, os portugueses querem viver em democracia, embora manifestem cada vez maiores preocupações acerca da sua qualidade. Sabe-se como a corrupção mina a democracia, afastando os cidadãos do ideal democrático e de uma convivência sadia e responsável. É esta a percepção de todos quantos orientam as suas vidas através de valores como a liberdade, a justiça e o desenvolvimento solidário. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Neste combate, que a todos diz respeito e que é feito em nome de uma democracia com mais qualidade, de um desenvolvimento com menos desigualdade e de uma justiça mais eficaz, cabe-nos a nós, enquanto responsáveis políticos, perceber os sinais que chegam da sociedade e, com rigor e verdade e sem propósitos alarmistas, demagógicos ou populistas, tudo fazer para os debelar e ultrapassar. No quadro jurídico do combate às várias formas que assume a criminalidade económico-financeira estão contemplados todos os instrumentos necessários, que vão desde os tipos legais de crime, sua conformação com a realidade sempre em mutação, protecção de testemunhas, meios de investigação específicos, bem como um sistema de perda de bens com uma natureza especial. A curto prazo, e no que à prevenção da corrupção respeita, estaremos dotados de uma agência anticorrupção, à semelhança de experiências internacionais bem sucedidas, como as da Austrália, Singapura, Chile ou Hong Kong. Embora os resultados dependam, no essencial, da estabilidade política, do bom funcionamento da justiça e da transparência e eficácia da Administração Pública. Contudo, face à realidade que – é preciso dizê-lo – em termos de resultados não reflecte a qualidade dos mecanismos legais existentes e a existir, é preciso preencher uma lacuna, que é a de atacar o problema do enriquecimento ilícito. Dispõe o artigo 20.º da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, já ratificada pelo nosso país, sob a epígrafe «Enriquecimento Ilícito», o seguinte: «Com sujeição à sua Constituição e aos princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico, cada Estado-parte considerará a possibilidade de adoptar as medidas legislativas e de outra índole que sejam necessárias para qualificar como delito, quando cometido intencionalmente, o enriquecimento ilícito, ou seja, o incremento significativo do património de um funcionário público relativamente aos seus rendimentos legítimos que não possam ser razoavelmente justificados por ele». Recordo que se trata do artigo 20.º da Convenção das Nações Unidas, à qual Portugal está vinculado. Quase todos conheceremos situações de pessoas que, de um momento para o outro, e sem que para tal exista qualquer motivo visível ou justificável, passam a ter um nível de vida muito superior ao produto da sua actividade profissional. Estas situações, muitas vezes participadas às autoridades judiciárias, por si só não podem ser alvo da abertura de um inquérito e, por isso, não havendo indícios da prática de qualquer crime específico, são, pura e simplesmente, arquivadas. O que seria aceitável, numa opção que envolve o respeito pelo princípio da presunção de inocência e pelo princípio do acusatório constitucionalmente previstos. Porém, um novo elemento existe: o de sabermos que a nossa sociedade sente existir uma perigosidade associada à manifesta disparidade entre os rendimentos do funcionário ou do político e o seu património ou modo de vida. E quando tal acontece a generalidade das pessoas formula um juízo de perigosidade. Deve, por isso, a lei criminal tutelar esse juízo de perigosidade através de um tipo de perigo abstracto que não envolve qualquer inversão do ónus da prova, como vem salientando o Tribunal Constitucional, por exemplo nos tipos legais de crime ligados ao tráfico de droga. Deve ainda a mesma lei criminal acautelar o respeito integral pelo já referido princípio da presunção da inocência, atribuindo em exclusivo à acusação a prova dos respectivos elementos do crime, isto é, os rendimentos do investigado, o seu património e modo de vida, a manifesta desproporção entre aqueles e estes e, por fim, um nexo de contemporaneidade entre o enriquecimento e o exercício das funções públicas. Ao acusado caberá, no respeito pelo acusatório e pelo princípio da presunção da inocência, apenas suscitar no julgador a certeza da sua inocência ou a dúvida que leve à sua absolvição, tal qual como acontece no julgamento de qualquer outro crime. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos cientes de que esta não é uma decisão fácil. Que juridicamente a construção agora proposta, por ser inovadora, é susceptível de polémica e suscitará discussão. Que politicamente é um passo que implica coragem e confiança no sistema judicial. Não podemos, apesar dessas dificuldades, ficar de braços cruzados! Sabemos que o caminho é estreito. Mas sabemos, igualmente, que é nossa obrigação percorrê-lo. E sabemos também que é nossa obrigação estudar e preparar soluções para os problemas com que os portugueses nos confrontam, mesmo que saibamos que eles são difíceis. Não queremos a paternidade da ideia. Não queremos fazer avançar a ideia sem o contributo de todos. Apelamos, por isso, a todos os grupos parlamentares para que, em conjunto, contribuam para aperfeiçoar, melhorar, mesmo modificar o que aqui hoje apresentamos, se outra solução, melhor, puder ser encontrada. Esta é uma oportunidade para que se perceba, de vez, que nós, os responsáveis políticos, sabemos que a corrupção existe, que com ela não pactuamos e que, por isso, tudo faremos, no respeito pelo quadro constitucional, para que o nosso país venha a poder fazer parte dos países menos corruptos do mundo! … uma vez que a mesma esteve em discussão quando, no dia 22 de Fevereiro, debatemos o chamado pacote de iniciativas sobre corrupção. Nesse debate, o PCP propunha já a criação de um tipo de crime de enriquecimento injustificado. Na altura, o PSD usou um argumento contrário à consagração da proposta por nós apresentada, dizendo que a mesma invertia o ónus da prova e que não aceitava essa inversão. Ora, a perplexidade que sentimos hoje é esta: se o PSD considera que esse projecto de lei do PCP inverte o ónus da prova (algo que nós não consideramos), não sei como é que o PSD consegue explicar que o diploma do PCP faça a inversão do ónus da prova e o do PSD não faça. Creio que, no essencial, há uma questão fundamental, que é a seguinte: quando debatemos aqui o nosso projecto de lei, dissemos que o preenchimento do tipo de crime dá-se quando se demonstra que há uma desconformidade manifesta entre os rendimentos declarados por um determinado cidadão e os seus sinais de riqueza e o seu modo de vida. Só que tal tem de ser demonstrado, sendo isso que corresponde ao preenchimento do tipo de crime. No entanto, se o cidadão demonstrar a licitude da obtenção desse património e desses rendimentos, isso constitui uma causa de exclusão de ilicitude. Ora, segundo percebi, da leitura do projecto de lei do PSD e da exposição que o Sr. Deputado Fernando Negrão acabou de fazer, o que o PSD propõe é, basicamente, o mesmo. Ou seja, o preenchimento do tipo de crime dá-se quando se demonstra (e é a acusação que tem de demonstrar) que há uma desproporção entre o que foi declarado e o que existe efectivamente. Portanto, também considero que o projecto de lei do PSD não corresponde a uma inversão do ónus da prova, pelas razões que o Sr. Deputado explicitou. Mas o que não consigo perceber é que se diga que há um diploma que não inverte o ónus da prova e que o outro inverte. Em suma, penso que há uma contradição em relação ao que o PSD diz. No entanto, quero manifestar a nossa disponibilidade para encontrarmos uma boa solução, em sede de especialidade, que consagre aquilo que para nós é essencial. Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, antes de mais, gostaria de agradecer as suas palavras iniciais e a disponibilidade que manifestou para colaborar neste projecto. Quero também dizer-lhe o seguinte, Sr. Deputado: li várias vezes o projecto de lei do PCP, tendo-lhe dito na altura, pessoalmente, inclusive num debate que tivemos, que não concordávamos com a vossa proposta, porque entendíamos que violava o princípio da presunção da inocência. Não vamos entrar aqui numa discussão técnico-jurídica, que seria fastidiosa para todos. Sei que o Sr. Deputado António Filipe é um ilustre jurista, um homem muito conhecedor das leis, com grande experiência parlamentar de discussão e de trabalho em inúmeras leis, que sabe com certeza que há uma diferença fundamental entre aquilo que apresentaram e aquilo que nós apresentámos hoje. Apresentamos hoje um projecto de lei que contempla a punição da desconformidade entre o que se ganha e o que manifestamente excede esse rendimento em termos de modo de vida ou de património, relativamente a determinada pessoa, mas com base num ponto que é fundamental, para que não aconteça a inversão do ónus da prova: é a qualificação e a tipificação deste crime como um crime de perigo abstracto. Isto é, a própria situação do enriquecimento injustificado cria um sentimento de perigosidade na sociedade que deve ser tutelado pela lei criminal. Portanto, não é preciso que haja um dano, não é preciso que se especifique a existência de um dano, como acontece nos crimes de resultado ou nos próprios crimes de perigo concreto. Mas já estou a entrar na discussão técnico-jurídica que, penso, é fastidiosa. De qualquer forma, Sr. Deputado António Filipe, repito, é bom saber da vossa disponibilidade para se encontrar uma solução. Sentimo-nos bem acompanhados pelo PCP, porque não é a filiação partidária que nos interessa aqui, nem os partidos em si, mas, sim, a vontade de colaborar no sentido de termos um quadro legislativo completo para o combate à corrupção no nosso país.
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Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Negrão, em primeiro lugar, gostaria de saudar a iniciativa do PSD, porque nos parece que a questão do enriquecimento ilícito ou injustificado (a designação, neste caso, é de somenos) é, de facto, relevante. O facto de alguém apresentar um nível de vida elevado e ostentar património e rendimentos manifestamente desproporcionados relativamente àquilo que aufere e declara é, do nosso ponto de vista, muito relevante. E, não havendo um instrumento legislativo eficaz para lutar contra esse fenómeno, torna-se muito difícil perseguir provavelmente a maior parte dos crimes por corrupção. Portanto, consideramos que esta ideia tem mérito. Mas também é preciso dizer que, do nosso ponto de vista, o PSD acordou um tanto tarde para esta questão, uma vez que a mesma esteve em discussão quando, no dia 22 de Fevereiro, debatemos o chamado pacote de iniciativas sobre corrupção. Nesse debate, o PCP propunha já a criação de um tipo de crime de enriquecimento injustificado. Na altura, o PSD usou um argumento contrário à consagração da proposta por nós apresentada, dizendo que a mesma invertia o ónus da prova e que não aceitava essa inversão. Ora, a perplexidade que sentimos hoje é esta: se o PSD considera que esse projecto de lei do PCP inverte o ónus da prova (algo que nós não consideramos), não sei como é que o PSD consegue explicar que o diploma do PCP faça a inversão do ónus da prova e o do PSD não faça. Creio que, no essencial, há uma questão fundamental, que é a seguinte: quando debatemos aqui o nosso projecto de lei, dissemos que o preenchimento do tipo de crime dá-se quando se demonstra que há uma desconformidade manifesta entre os rendimentos declarados por um determinado cidadão e os seus sinais de riqueza e o seu modo de vida. Só que tal tem de ser demonstrado, sendo isso que corresponde ao preenchimento do tipo de crime. No entanto, se o cidadão demonstrar a licitude da obtenção desse património e desses rendimentos, isso constitui uma causa de exclusão de ilicitude. Ora, segundo percebi, da leitura do projecto de lei do PSD e da exposição que o Sr. Deputado Fernando Negrão acabou de fazer, o que o PSD propõe é, basicamente, o mesmo. Ou seja, o preenchimento do tipo de crime dá-se quando se demonstra (e é a acusação que tem de demonstrar) que há uma desproporção entre o que foi declarado e o que existe efectivamente. Portanto, também considero que o projecto de lei do PSD não corresponde a uma inversão do ónus da prova, pelas razões que o Sr. Deputado explicitou. Mas o que não consigo perceber é que se diga que há um diploma que não inverte o ónus da prova e que o outro inverte. Em suma, penso que há uma contradição em relação ao que o PSD diz. No entanto, quero manifestar a nossa disponibilidade para encontrarmos uma boa solução, em sede de especialidade, que consagre aquilo que para nós é essencial.
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Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Negrão, agradeço-lhe a pergunta e devolvo-lhe alguns dos epítetos: se eu li mal a Convenção das Nações Unidas sobre a corrupção, o Sr. Deputado lê mal a nossa Constituição!! Portanto, não sei o que é que vale mais, se é estarmos a par de uma convenção internacional, se é conhecer bem o nosso texto fundamental… Até rima, das duas vezes. Ora, o que acontece é que o Sr. Deputado pode ler todos os acórdãos que quiser do Tribunal Constitucional, porque nós não estamos a falar de questões equiparáveis. … e podia também ter-se socorrido da arma perigosa de «bens cuja génese é verdadeiramente ilícita». O dinheiro não é por si só um ilícito, ter dinheiro não é crime, Sr. Deputado! O que é crime é ter dinheiro por meios ilícitos e os senhores partem do princípio de que o bem é um crime de perigo abstracto, mas não conseguem integrar lá o dinheiro, não o conseguem sem inverter o ónus da prova. É porque eu posso ter 10 000 contos debaixo do colchão — digo-lhe mais, Sr. Deputado —, posso ter uma actividade moralmente criticável e até não quista pela sociedade, mas que não é crime e cujo lucro é admissível e eu pretendo não divulgar. Ora, o senhor com esse tipo de crime está a querer passar para todos a imagem de uma suspeição de que quem tem dinheiro é criminoso. Sr. Deputado, isso não pode acontecer em Portugal e é isso que está em causa! Porque o objectivo é ter dinheiro… Basta imaginar o que pode acontecer a um membro de uma assembleia municipal ou de uma freguesia qualquer… É lembrar o que alguns motivos óbvios de vizinhança podem fazer… E isso, depois de publicado num jornal, nunca mais permite a recuperação da face seja a quem for!! Portanto, Srs. Deputados, do que estamos a tratar é de uma coisa séria e se nós tivéssemos «descoberto a pólvora», como os senhores pensaram que tinham descoberto, nós também concordaríamos com a solução. Mas nós somos fiéis a princípios e não violaremos o princípio constitucional de que se presume inocente todo o cidadão, até prova em contrário. Portanto, num meio pequeno em que o presidente da assembleia municipal, o presidente da junta de freguesia, o contínuo não sei de quê que tenha 5000 contos que deposita no banco, ou seja, 25 000 euros, perdoem-me a facilidade de expressão, de um momento para o outro, pode ver-se confrontado com uma suspeição… É porque esse conceito aberto vai dos 1000 contos, ou dos 5 000 euros, a 1 milhão ou 10 milhões de euros…! Ora isso que os senhores queriam fazer é um mau contributo para Portugal, é um mau contributo para a justiça, pois lançaria para os tribunais o odioso de terem de condenar sem provas e isso é o pior que pode acontecer à segurança jurídica, Sr. Deputado!! O senhor foi juiz, Sr. Deputado — peço desculpa, mas é só na condição de Deputado que o refiro! Nós não podemos admitir que os tribunais fiquem com esse anátema de poderem condenar sem terem provas, de poderem levar alguém para a cadeia sem que ele se possa defender ou que seja obrigado a defender-se da forma que a lei e a nossa Constituição lhe garantem. Por isso, não temos dúvidas em considerar a vossa proposta inconstitucional. Quanto à questão primeira sobre considerarmos que as vossas iniciativas são sempre populistas, Sr. Deputado, escuso de recordar-lhe que assinámos um acordo para a justiça e, portanto, nessa matéria, pelo menos da justiça, faça-me o «jeito» político de reconhecer que nós reconhecemos que temos aqui alguma igualdade de tratamento. Não é disso que estamos a falar, pelo que essa foi uma má área para o Sr. Deputado escolher essa frase. Pergunto-lhe: se assim é, porque é que o Partido Socialista não recorreu, desde logo, da admissibilidade deste projecto de lei? Se estamos no campo dos princípios, como V. Ex.ª aqui referiu, sendo esta uma questão de princípio, porque é que V. Ex.ª não tratou da questão em conformidade? Mas mais, Sr. Deputado: se V. Ex.ª do ponto de vista da discussão política tem a preocupação, e nos acompanha na preocupação, de combate à corrupção pergunto-lhe, ainda que dúvidas constitucionais houvesse, porque é que V. Ex.ª e o Partido Socialista não se disponibilizam para resolver e dissipar essas dúvidas no debate em sede de especialidade? Porque é que o Partido Socialista quer «lateralizar» a questão, quer passar ao lado da discussão de fundo, arranjar um argumento formal para condenar, do ponto de vista material, aquilo que seria um passo importante no combate à corrupção no nosso país? Finalmente, Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, não vou reiterar tudo quanto aqui já disse o meu companheiro e colega de bancada, Deputado Fernando Negrão, mas tenho de perguntar-lhe objectivamente o seguinte: V. Ex.ª, no tipo legal, nos elementos de crime que nós propomos, identifica ou não a ocorrência de um perigo abstracto capaz de merecer a tutela penal? Responda directa e objectivamente a esta pergunta, pois gostaríamos que este debate não terminasse sem que o Partido Socialista emitisse uma opinião concreta acerca daquilo que é a verdadeira matéria que está em cima da mesa e fosse coerente com essa posição. Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Montenegro, devo confessar que o PSD, às vezes, tem ideias boas, outras vezes tem ideias originais… É pena que essa não seja boa, nem original. Essa já é velha, mas no caso aplica-se em cheio! Sr. Deputado, é evidente que a discussão técnico-jurídica poderíamos tê-la na especialidade, mas não vamos tê-la, porque, como já viu, o Partido Socialista… Não! Nós discordamos das outras coisas! É porque os senhores afirmam que se trata de um crime abstracto e, na prática, é um crime de perigo concreto. Já tive oportunidade de referir qual é a diferença que nós encontramos sobre isso mas vou repetir: os senhores entendem que determinado património em si só constitui um perigo e nós não consideramos isso. Nós o que consideramos é que é lícito a qualquer cidadão ter dinheiro, não se compara o dinheiro a qualquer outro bem jurídico cuja tutela tem um desvalor completamente diferente, como sejam os bens relativos à droga, aos vários tipos de droga ou a arma proibida, que são, enfim, de facto, tipos de crime abstractos. Em relação a este caso concreto, a questão difícil que temos é a de enquadrar o dinheiro ou o património como sendo um bem ilícito, quando não é um bem ilícito, a não ser em determinadas circunstâncias. Mas os senhores estabelecem a regra para tudo, ou seja, qualquer cidadão que tivesse um incremento de património teria de demonstrar a proveniência lícita. É isso que está lá, Sr. Deputado! Não se pode dar a volta! E por isso é que disse que os senhores tentaram «descobrir a pólvora»! O Partido Comunista, neste caso, é muito mais aberto e muito mais natural e chama as coisas pelos seus nomes, dizendo: «Não! Nós assumimos que o que queremos é que haja inversão do ónus da prova e que isso, de hoje para o futuro, seja um crime». Os senhores dizem: «Não! Nós queremos cumprir a Constituição, nós queremos fazer tudo como deve ser, mas temos aqui um crime que não sabemos como havemos de esconder,… Portanto, Sr. Deputado Luís Montenegro, não tenho dúvida de que a vossa proposta é inconstitucional. O PSD tem essa prática, mas, como já viram, o PS não a tem! Nós consideramos que a vossa proposta viola não só o artigo 32.º da Constituição mas também os artigos 13.º e 1.º, pelas razões que expliquei. Mas ainda há outras por explicar, como, por exemplo, a de saber se estaríamos face a um crime em concurso real com os outros crimes da corrupção — gostava de saber isto —,… Pois, é isso! Era um «cesto sem fundo», uma vez que, quando não se conseguisse provar o dolo num dos outros tipos de crime, cabia tudo neste e, portanto, não era preciso provar nem demonstrar. Ó Sr. Deputado, nós queremos que a justiça funcione com segurança, queremos que os cidadãos tenham segurança nos seus actos e queremos que a democracia não tenha essa suspeita a mais, como «espada» apontada a todos os portugueses, que, numa primeira fase, se chamam funcionários públicos e políticos mas, numa segunda, terceira ou quarta fase, seriam todos os cidadãos, porque isso se estenderia, como suspeita, a todos. Isto, nós não queremos!
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quase em jeito de balanço final, devo recordar a Câmara de que o Partido Socialista fez um debate interno prolongado sobre essa matéria da corrupção, debate interno esse que teve eco público, sendo do conhecimento de todos, e também dos Srs. Deputados, as conclusões do mesmo. Ou seja, por consenso interno no seio do Partido Socialista, rejeitámos a iniciativa sobre o enriquecimento ilícito. Portanto, não há qualquer novidade, da parte do PSD e do PS, sobre essa matéria. Há alguns meses, por iniciativa, inclusive, de um dos nossos Deputados, rejeitámos esse novo tipo de crime. Não era, pois, agora que iríamos apoiar um novo crime, do mesmo tipo, proposto pelo PSD. Portanto, não há aqui sequer uma mudança de atitude. Depois, realizámos ainda, por iniciativa do Sr. Presidente da Assembleia da República, a conferência internacional a que já muitos fizeram alusão. Gostaria de recordar que, nessa conferência, uma das coisas que o Presidente do GRECO (Grupo de Estados contra a Corrupção), autor do relatório sobre Portugal, disse foi que esse novo tipo de crime não era necessário. Portanto, contrariamente do que pareceu da intervenção do Sr. Deputado, foi mesmo o Presidente do GRECO que disse estar muito mais preocupado com os países em que não se pode apreender os bens do que propriamente com a criação de novos tipos de crime. E não pensem os portugueses que, em Portugal, não temos medidas, quer de natureza penal quer de natureza fiscal, de combate à corrupção. Precisamos, sim, de fazer melhorias. Nesse sentido, vamos dar passos significativos no grupo de trabalho e, depois, aqui, em Plenário, através de várias iniciativas sobre essa matéria. Aliás, o Partido Socialista já apresentou variadíssimas iniciativas para melhorar o sistema penal e o sistema fiscal, no que diz respeito ao combate à corrupção. Nós não desistimos desse combate, mas achamos que não é esse novo tipo de crime que vai resolver o problema da corrupção — e não só não resolve como traz problemas adicionais para resolver, problemas com os quais o nosso sistema judicial não está habituado a lidar. Srs. Deputados, faremos naturalmente um percurso. Mas também gostaria de sublinhar que Portugal, ao contrário do que possa parecer, não é um país de corruptos. Na nossa democracia, não temos o problema maior de todos os políticos serem corruptos ou de todos os funcionários públicos serem corruptos. Por isso, temos de tratar essa matéria com as armas suficientes para controlarmos o fenómeno e não com a «bomba atómica» para destruir tanto os culpados como os inocentes. E esta segunda faceta é que nos preocupa. Por isso mesmo, Srs. Deputados, o que vamos fazer é um debate sereno, o debate necessário, mas sem atropelos àquilo que são os nossos princípios fundamentais. Esse debate realizar-se-á no grupo de trabalho, no âmbito da 1.ª Comissão, e também em Plenário. E estou convencido de que faremos os aperfeiçoamentos que a democracia necessita, sem que com isso tenhamos de atropelar princípios fundamentais do nosso Estado de direito democrático. Temos, portanto, um problema para resolver. E tínhamos dificuldade em apresentar uma proposta diferente da do Partido Comunista Português. É que a proposta do Partido Comunista Português dizia que era o arguido que tinha de provar a proveniência lícita dos seus bens e nós trabalhámos para encontrar uma proposta que ultrapassasse esta dificuldade. Baseámo-nos, então, no crime de perigo abstracto, um conceito que existe há mais de 100 anos na doutrina jurídica, em Portugal. E, das várias definições, a mais objectiva que encontrei foi esta: são crimes de dano presumido, de tutela penal por dificuldades de natureza probatória. É isto que a doutrina ensina há mais de 100 anos. Nós temos esta figura jurídica, há mais de 100 anos, na nossa doutrina! Ora, é com base neste ponto de um crime de perigo abstracto que se pode construir um tipo legal de crime de enriquecimento ilícito, sem violar o princípio da inocência. E cabe ao Ministério Público fazer prova dos elementos do crime. Esses elementos que cabe exclusivamente ao Ministério Público fazer prova são: os rendimentos do investigado, o seu património e modo de vida, bem como a manifesta desproporção — repito, manifesta desproporção — entre aqueles e estes, e ainda um nexo de contemporaneidade entre o enriquecimento e o exercício das funções públicas.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apreciamos hoje o projecto-lei do PSD que se intitula «Crime de enriquecimento ilícito». O PSD, tal como nós socialistas, sempre disse que discordava da inversão do ónus da prova porque se viola deste modo o princípio constitucional da presunção de inocência imposto pelo artigo 32.º da Constituição. Assim o disse o Sr. Deputado Fernando Negrão em debate sobre o tema da corrupção que realizámos nesta Assembleia. Porém, o PSD resolveu «descobrir a pólvora»: inventou um novo tipo de crime, o de enriquecimento ilícito, mas que, no seu dizer, não implica a inversão do ónus da prova. Vejamos, então, o que diz a nota justificativa do projecto de lei PSD. Por um lado, citando a Convenção das Nações Unidas contra a corrupção, no seu artigo 20.º, afirma que é o suspeito arguido que tem de justificar razoavelmente o incremento significativo do património. Este facto mais não é do que a inversão do ónus da prova. Ou seja, a nota justificativa do vosso projecto de lei contém em si a própria inversão do ónus da prova. Por outro lado, mais à frente, a nota justificativa também diz que respeita o princípio constitucional da presunção de inocência, atribuindo em exclusivo à acusação a prova dos respectivos elementos do crime. Face a esta contradição da nota justificativa, que serve precisamente para explicar aquilo que se vai julgar, fica o intérprete com muitas dúvidas. Mas, então, o próprio texto legal dá-nos esse esclarecimento? Vejamos. Ora, como acabamos de ver, a nota justificativa tanto invoca como legitima a inversão do ónus da prova e, por isso, a ofensa ao princípio da presunção de inocência, contra a nossa Constituição, como já dissemos, como, mais à frente, afirma que compete à acusação a prova dos elementos do tipo. Já que da nota justificativa não se entende qual a intenção do proponente, vejamos, então, o que diz o n.º 1 do projecto de lei: «O funcionário que adquirir um património ou um modo de vida que sejam manifestamente desproporcionais ao seu rendimento e que não resultem de outro meio de aquisição lícito, com perigo de aquele património ou modo de vida provir de vantagens obtidas pela prática de crimes cometidos no exercício de funções públicas, é punível com pena de prisão até 5 anos». Comecemos pelo princípio. Começa o Partido Social Democrata por um conceito aberto. O que significa património ou modo de vida que sejam manifestamente desproporcionais ao seu rendimento? Desde já, afirmamos que esta não é uma questão primordial, mas deixa ao aplicador da lei penal a dificuldade de integrar no concreto o conceito do que é isso de desproporcional, o que, como sabemos, contém sempre o perigo de interpretações subjectivas e muito relativas, que, na prática, poderão conduzir a injustiças relativas difíceis de ultrapassar. Mas, como já disse, esta não é a questão fundamental, pois outros conceitos abertos existem na legislação penal que a jurisprudência se encarregou de integrar e de definir. O problema mais difícil de ultrapassar, e na nossa opinião verdadeiramente inconstitucional, é o inciso que a seguir se transcreve, que viola o principio da presunção de inocência, valor constitucional dos Estados de direito e que, em nossa opinião, não é ultrapassável: «e que não resultem de outro meio de aquisição lícito». Ao afirmar-se que não resultem de outro meio licito significa que compete ao arguido provar a origem lícita, uma vez que o acusador pode não saber e, confrontado com a desproporcionalidade de património, tem a obrigação de acusar, e o arguido, se usar do direito de ficar calado em julgamento, será condenado, porque se verifica a desproporcionalidade. É que a presunção de inocência em julgamento encontra corolário no princípio de in dubio pro reo. Assim, o actual texto proposto viola grosseiramente todos os princípios constitucionais que vigoram em Direito Penal, na medida em que o novo crime constitui uma forma indirecta, e devo até dizer «ardilosa», de punir, sem prova, fenómenos como o da corrupção, o de tráfico de influência e o de branqueamento ou ainda outros, como o das infracções fiscais e económico-financeiras em geral. O que se pretende, contra todas as regras do Estado de direito democrático, é que, sem qualquer demonstração de situação ilícita subjacente, o centro do ilícito seja deslocado para o plano das consequências objectivas. Chamar facto ao enriquecimento ilícito nesse contexto corresponde a um eufemismo, porque não estamos a falar de qualquer facto, mas antes da diferença entre uma situação patrimonial passada e uma situação patrimonial presente. Nestes termos, as exigências de imputação subjectiva, a começar pela prova do dolo, que constitui o título de imputação subjectiva por excelência no domínio desta criminalidade, tendem a tornar-se uma ficção. Por tudo isto, como faz o PSD, o princípio da culpa decorrente da especial dignidade da pessoa humana — artigo 1.º da nossa Constituição — é posto em causa por esta incriminação. Por outro lado, esta intenção do PSD pune de forma parametrizada várias realidades distintas, como são distintas as acções cujo desvalor deve ser penalizado de forma diversa e graduada. Ou seja: este artigo pune de forma idêntica realidades que vão desde a corrupção passiva para acto ilícito até ao tráfico de influências, considerando a mesma pena para os diversos tipos e factos em concreto. Por isso, promove desigualdades, porque a situação material subjacente ao enriquecimento pode ser lícita ou ilícita, constituir ilícito criminal ou administrativo, mas é igualizada através da cominação de uma pena comum. Esta constatação e a nova incriminação também contrariam o princípio da igualdade, que está contido no artigo 13.º da nossa Constituição. Tudo isto faz com que o Partido Socialista tenha de votar contra este projecto de lei. Mas, para além destas razões de fundo, muitas outras podem ser invocadas, que, não relevando do Estado de direito democrático, revelam alguma confusão de conceitos ao nível dogmático. O PSD apresenta um novo tipo de crime de perigo abstracto, mas o perigo é incluído na descrição típica, tal como acontece nos crimes de perigo concreto. A palavra perigo inserida no normativo é utilizada em sentido impróprio, como se tratasse de linguagem coloquial, não para significar um acontecimento futuro e incerto, como referência negativa, mas sim como sinónimo de ignorância sobre um acontecimento actual cuja causa se não conhece, que é a situação patrimonial. Dá-se por demonstrado aquilo que se devia demonstrar e o PSD, assim, viola flagrantemente os princípios da presunção de inocência e de in dubio pro reo. Mas o que não se percebe é o proposto artigo 5.º (Da responsabilidade civil do Estado pelos danos causados pelo enriquecimento). Então, Srs. Deputados, cabe perguntar: quem é o lesado pelo enriquecimento ilícito? Quem é que o Estado deve indemnizar pelos prejuízos sofridos? O que se locupletou à custa de terceiros? Não percebo este artigo 5.º do vosso projecto de lei, e parece-me que ele tem alguma dificuldade de percepção. Quanto à protecção das testemunhas, estamos disponíveis para a alargar a outros tipos de crime, como forma de tornar mais eficaz a colaboração de terceiros. Por todas estas razões o Partido Socialista não cede ao populismo. Sabemos que percorremos o caminho mais difícil, mas colocamos os valores acima de qualquer oportunismo conjuntural. Os portugueses esperam do Partido Socialista que defenda o Estado de direito e que não vacile quando estão em causa questões de princípio. A presunção de inocência ainda é um valor fundamental das liberdades e garantias individuais e, por isso mesmo, votaremos contra, de consciência tranquila. O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Negrão.
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Sr. Presidente, Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, quero dizer-lhe que vou criando a ideia de que todas as iniciativas que não partam da sua bancada são imediatamente rotuladas de oportunismo político. Isto vem-se repetindo e, enfim, já quase «entra por um ouvido e sai pelo outro». Claro! Esta, como outras, porque não é a primeira vez que fazem essa acusação! É sistemática e começa a ser notória essa acusação de que só as vossas propostas é que não têm o carimbo de oportunismo político. Relativamente às dúvidas que levantou, quero também dizer-lhe, Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, que elas são manifestamente o reflexo de uma posição já assumida anteriormente, que é «vamos votar contra e, agora, vamos arranjar as justificações», quando o raciocínio devia ser rigorosamente ao contrário: as razões que nós achamos adequadas são estas e o resultado é este. Não!! O raciocínio é feito ao contrário, infelizmente como acontece em algumas práticas menos boas noutros locais e noutros órgãos de soberania. Foi este o vosso raciocínio. Quero, por último, dizer-lhe, Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, que o PSD não inventou qualquer crime. Eu não acredito que o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues não tenha lido a Convenção das Nações Unidas, designadamente o seu artigo 20.º, sob a epígrafe «Enriquecimento ilícito»!… Com certeza que o leu e viu, não acredito que não o tenha feito. Portanto, não pode acusar o PSD de estar a inventar tipos legais de crimes. Quanto às dúvidas que suscita, naturalmente não tenho a pretensão de dar-lhe lições nem me passaria isso pela cabeça, mas, Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, um crime de perigo abstracto é o que está na base da não violação do princípio da presunção da inocência. E isso não é nada de inovador na legislação portuguesa, nem é novo na legislação portuguesa, pois já acontece nos crimes de tráfico de droga. E por que é que o crime de tráfico de droga, por exemplo, é um crime de perigo? Um Acórdão do Tribunal Constitucional diz: «A luta contra o abuso de drogas é, antes de mais e sobretudo, um combate contra a degradação e a destruição dos seres humanos». Aqui podíamos dizer: a luta contra a corrupção é, antes de mais, contra a degradação da democracia e a dignidade dos cidadãos. O Tribunal Constitucional diz ainda a respeito da toxicodependência: «A toxicomania priva ainda a sociedade do contributo que os consumidores de droga poderiam trazer à comunidade de que fazem parte. Aqui diríamos: a corrupção priva ainda a sociedade do contributo que todos os cidadãos, sentido existir justiça, podem trazer à comunidade de que fazem parte. Temos, portanto, aqui os elementos que levam a que possamos qualificar este crime como um crime de perigo abstracto, como já acontece e não é nada de inovador. E diz mais o Tribunal Constitucional, Sr. Deputado Ricardo Rodrigues: «Esta alegação de que viola o princípio da presunção da inocência encerra um evidente equívoco. Se a incriminação de perigo abstracto é admissível constitucionalmente ante os princípios da necessidade e da culpa, então não faz sentido referir uma inversão do ónus da prova. O cometimento do crime deve ser, naturalmente, provado pela acusação no plano das imputações objectiva e subjectiva; o que não se requer é a comprovação de que foi criado um perigo ou de que o meio de cometimento do crime foi perigoso, precisamente porque a incriminação não se funda no perigo concreto causado mas na perigosidade geral da acção». Este é o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 429/91. Mas também o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 604/97 e inúmeros outros acórdãos do mesmo Tribunal consideram que os crimes de perigo abstracto não são inconstitucionais e não violam o princípio da presunção da inocência. Por isso, Sr. Deputado, este diploma que apresentamos hoje não viola princípios constitucionais. Foi um esforço que fizemos no sentido de conseguir fechar o quadro legal português no combate à corrupção, para que não fiquem situações por punir. Não aprovando e não discutindo o diploma que apresentamos hoje, ficamos com uma lacuna significativa no nosso sistema legal, e a responsabilidade será vossa. Portanto, não sei o que é que vale mais, se é estarmos a par de uma convenção internacional, se é conhecer bem o nosso texto fundamental… Até rima, das duas vezes. Ora, o que acontece é que o Sr. Deputado pode ler todos os acórdãos que quiser do Tribunal Constitucional, porque nós não estamos a falar de questões equiparáveis. … e podia também ter-se socorrido da arma perigosa de «bens cuja génese é verdadeiramente ilícita». O dinheiro não é por si só um ilícito, ter dinheiro não é crime, Sr. Deputado! O que é crime é ter dinheiro por meios ilícitos e os senhores partem do princípio de que o bem é um crime de perigo abstracto, mas não conseguem integrar lá o dinheiro, não o conseguem sem inverter o ónus da prova. É porque eu posso ter 10 000 contos debaixo do colchão — digo-lhe mais, Sr. Deputado —, posso ter uma actividade moralmente criticável e até não quista pela sociedade, mas que não é crime e cujo lucro é admissível e eu pretendo não divulgar. Ora, o senhor com esse tipo de crime está a querer passar para todos a imagem de uma suspeição de que quem tem dinheiro é criminoso. Sr. Deputado, isso não pode acontecer em Portugal e é isso que está em causa! Porque o objectivo é ter dinheiro… Basta imaginar o que pode acontecer a um membro de uma assembleia municipal ou de uma freguesia qualquer… É lembrar o que alguns motivos óbvios de vizinhança podem fazer… E 20 DE ABRIL DE 2007 13 isso, depois de publicado num jornal, nunca mais permite a recuperação da face seja a quem for!!
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É mesmo desses que nós andamos atrás! … de um momento para o outro, pode ver-se confrontado com uma suspeição… É porque esse conceito aberto vai dos 1000 contos, ou dos 5 000 euros, a 1 milhão ou 10 milhões de euros…! Ora isso que os senhores queriam fazer é um mau contributo para Portugal, é um mau contributo para a justiça, pois lançaria para os tribunais o odioso de terem de condenar sem provas e isso é o pior que pode acontecer à segurança jurídica, Sr. Deputado!! O senhor foi juiz, Sr. Deputado — peço desculpa, mas é só na condição de Deputado que o refiro! Nós não podemos admitir que os tribunais fiquem com esse anátema de poderem condenar sem terem provas, de poderem levar alguém para a cadeia sem que ele se possa defender ou que seja obrigado a defender-se da forma que a lei e a nossa Constituição lhe garantem. Por isso, não temos dúvidas em considerar a vossa proposta inconstitucional. Quanto à questão primeira sobre considerarmos que as vossas iniciativas são sempre populistas, Sr. Deputado, escuso de recordar-lhe que assinámos um acordo para a justiça e, portanto, nessa matéria, pelo menos da justiça, faça-me o «jeito» político de reconhecer que nós reconhecemos que temos aqui alguma igualdade de tratamento. Não é disso que estamos a falar, pelo que essa foi uma má área para o Sr. Deputado escolher essa frase. Sr. Presidente, Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, é já evidente, neste ponto do nosso debate, que o Partido Socialista quer fugir à verdadeira questão que está aqui hoje em debate. E a verdadeira questão é esta: considera ou não o Partido Socialista que a disparidade entre os rendimentos auferidos por determinada pessoa e o seu modo de vida, o seu património, configuram ou não indícios de práticas ilícitas, cometimento de crime tutelado pela nossa lei penal? Esta é que é a verdadeira questão! Considera ou não o Partido Socialista que esta disparidade é importante ser tutelada no nosso Direito penal? Mas o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, e o Partido Socialista, vem escudar-se na questão constitucional, pelo que gostava de perguntar-lhe o seguinte: V. Ex.ª, salvo erro, já afirmou por duas ou três vezes neste debate que havia uma violação «grosseira» da Constituição. Pergunto-lhe: se assim é, porque é que o Partido Socialista não recorreu, desde logo, da admissibilidade deste projecto de lei? Se estamos no campo dos princípios, como V. Ex.ª aqui referiu, sendo esta uma questão de princípio, porque é que V. Ex.ª não tratou da questão em conformidade? Mas mais, Sr. Deputado: se V. Ex.ª do ponto de vista da discussão política tem a preocupação, e nos acompanha na preocupação, de combate à corrupção pergunto-lhe, ainda que dúvidas constitucionais houvesse, porque é que V. Ex.ª e o Partido Socialista não se disponibilizam para resolver e dissipar essas dúvidas no debate em sede de especialidade? Porque é que o Partido Socialista quer «lateralizar» a questão, quer passar ao lado da discussão de fundo, arranjar um argumento formal para condenar, do ponto de vista material, aquilo que seria um passo importante no combate à corrupção no nosso país? Finalmente, Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, não vou reiterar tudo quanto aqui já disse o meu companheiro e colega de bancada, Deputado Fernando Negrão, mas tenho de perguntar-lhe objectivamente o seguinte: V. Ex.ª, no tipo legal, nos elementos de crime que nós propomos, identifica ou não a ocorrência de um perigo abstracto capaz de merecer a tutela penal? Responda directa e objectivamente a esta pergunta, pois gostaríamos que este debate não terminasse sem que o Partido Socialista emitisse uma opinião concreta acerca daquilo que é a verdadeira matéria que está em cima da mesa e fosse coerente com essa posição. Não! Nós discordamos das outras coisas! É porque os senhores afirmam que se trata de um crime abstracto e, na prática, é um crime de perigo concreto. Já tive oportunidade de referir qual é a diferença que nós encontramos sobre isso mas vou repetir: os senhores entendem que determinado património em si só constitui um perigo e nós não consideramos isso. Nós o que consideramos é que é lícito a qualquer cidadão ter dinheiro, não se compara o dinheiro a qualquer outro bem jurídico cuja tutela tem um desvalor completamente diferente, como sejam os bens relativos à droga, aos vários tipos de droga ou a arma proibida, que são, enfim, de facto, tipos de crime abstractos. Em relação a este caso concreto, a questão difícil que temos é a de enquadrar o dinheiro ou o património como sendo um bem ilícito, quando não é um bem ilícito, a não ser em determinadas circunstâncias. Mas os senhores estabelecem a regra para tudo, ou seja, qualquer cidadão que tivesse um incremento de património teria de demonstrar a proveniência lícita. É isso que está lá, Sr. Deputado! Não se pode dar a volta! E por isso é que disse que os senhores tentaram «descobrir a pólvora»! O Partido Comunista, neste caso, é muito mais aberto e muito mais natural e chama as coisas pelos seus nomes, dizendo: «Não! Nós assumimos que o que queremos é que haja inversão do ónus da prova e que isso, de hoje para o futuro, seja um crime». Os senhores dizem: «Não! Nós queremos cumprir a Constituição, nós queremos fazer tudo como deve ser, mas temos aqui um crime que não sabemos como havemos de esconder,… O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Os senhores é que o querem esconder!
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Dedicou o Partido Social-Democrata um agendamento potestativo a uma iniciativa legislativa relativa a matérias já discutidas há dois meses, aquando do debate sobre o combate à corrupção, de que ainda se encontram, na 1.ª Comissão, para votação, quase duas dezenas de iniciativas apresentadas por todos os grupos parlamentares. Como já foi aqui destacado, então, o Partido Social-Democrata não apresentou qualquer medida relativamente idêntica a esta, e bem, em nosso entender, como também não apresentou qualquer alteração ao Código Penal, num debate posterior que tivemos sobre o referido Código, que contivesse justamente aquilo que hoje propõe. Percebemos que isso, provavelmente, terá a ver com o pacto de justiça, com compromissos que hoje verificamos que, afinal, não existiam. Portanto, quanto a essa matéria, ficámos todos esclarecidos. Pela nossa parte, mantemos o que, então, dissemos, e reforçamo-lo: com certeza, estamos, como todos, preocupados com o fenómeno da corrupção e em encontrar as melhores soluções para o combater, porque consideramos que, de facto, é um crime que mina os princípios fundamentais da democracia. E, por isso, estamos, como sempre estivemos, disponíveis para discutir tudo. Mas mantemos o que então dissemos e, ainda, reforçado pelas conclusões de um Colóquio aqui realizado, por iniciativa do Sr. Presidente, subordinado ao tema «Combate à corrupção, Prioridade da Democracia», e que é, para nós, a síntese da visão que temos desta problemática, primeiro, porque enfatiza a ideia de que a corrupção pode e deve ser debatida e discutida mas, sobretudo, tem de ser combatida e, para tal, mais do que de modelos teóricos, necessita de medidas concretas. A segunda ideia que daquele Colóquio resulta — e com a qual estamos totalmente de acordo — é a de que o combate à corrupção não é um combate qualquer mas um dever fundamental de um Estado que se quer plural, democrático e desenvolvido. Por isso, reforçamos que, no combate à corrupção, no nosso país, como noutros casos, infelizmente, o problema não é tanto o das leis existentes ou não mas, sim, o da sua execução e da garantia que damos ou não aos agentes que as executam, para poderem executá-las. Como bem sublinhou, aliás, Baltazar Garzón, insuspeito, em face da nossa situação, existe, e cito, uma «inflação de leis sobre a corrupção e os mecanismos encontram-se todos inventados». Isto foi dito por Baltazar Garzón, no excelente Colóquio organizado aqui mesmo, na Casa da democracia. Era bom que todos tivessem ouvido esta declaração, com a devida atenção. Por isso, interessa, sobretudo, nos organismos nacionais, mas também nos internacionais, que Portugal possa dar exequibilidade ao quadro legal que já existe. E, a nosso ver, ele é, no geral, suficiente para um combate eficaz à corrupção. Assim, mantemos que é imprescindível, isto, sim, o reforço de meios materiais e humanos, sobretudo para combater a designada «nova corrupção»; a cooperação e partilha de informação nacional e internacional; a simplificação legislativa; a inclusão da corrupção nas prioridades de investigação criminal, ao abrigo da Lei-Quadro da Política Criminal, como propusemos no debate de há dois meses sobre esta matéria e que vemos, com agrado, ter sido acolhido pelo Governo, na proposta de lei que, hoje mesmo, deu entrada na Assembleia; uma aposta mais preventiva e a longo prazo na educação e na criação de uma cultura de serviço e respeito pela lei, como forma de prevenir a corrupção. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Enunciada a nossa posição de princípio, importa reflectir, em concreto, sobre o projecto de lei do PSD. Os autores invocam o disposto no artigo 20.º da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, que exorta os Estados-parte a adoptarem medidas legislativas e de outra índole que qualifiquem como delito o enriquecimento ilícito. É verdade! Mas não menos verdade é que, nessa mesma Convenção e nesse mesmo artigo, existe, explicitamente, uma referência a «desde que respeitem as respectivas Constituições». E isto, para nós, é fundamental: o respeito pela nossa Constituição, por parte de quaisquer medidas, por muito bondosas que possam ser. Segundo os proponentes, este comando, que se traduz num crime de perigo abstracto, não pressupõe qualquer inversão do ónus da prova, pois atribui à acusação, e em exclusivo, a prova dos rendimentos do investigado, do seu património e modo de vida, da manifesta desproporção entre aqueles e estes e de um nexo de contemporaneidade entre o enriquecimento e o exercício das funções públicas. Ora, a nosso ver, a previsão da norma incriminatória deveria estatuir que só se pudesse formar a suspeita deste eventual enriquecimento ilícito se o arguido já tivesse sido condenado por sentença transitada em julgado por crime praticado no exercício de funções. Seria o mínimo exigível para uma norma que pretende incriminar com base apenas num perigo abstracto. Seria o mínimo de segurança jurídica que seria exigível para que, de facto, pudéssemos «despoletar» esta proposta. Por outro lado, a afirmação de que não existe aqui uma presunção de culpabilidade do arguido, a nosso ver, terá de ser entendida cum grano salis: afinal, a quem vai caber a prova de que o património ou o modo de vida provêm de meio lícito? Será, necessariamente, ao arguido, pois o processo-crime não é destinado à prova pelos cidadãos que cumprem a lei, antes, pelo contrário, e, aliás, justamente! Não será também, certamente, o Ministério Público que vai provar que o enriquecimento provém de meio lícito, antes, pelo contrário. De resto, em momento algum da exposição de motivos os autores do projecto de lei referem que a prova do nexo de causalidade — e isto, na nossa opinião, seria importante — entre o enriquecimento e o exercício de funções públicas cabe ao Ministério Público, porque aí, sim, não haveria qualquer inversão. Mas era importante que estivesse escrito, Sr. Deputado! Não dei conta disso e julgo que, pelo menos, não está tão claro como deveria estar. É que também há um nexo de contemporaneidade, além do de causalidade, que são matérias diferentes! Mas, se é essa a intenção, ainda bem, estão no bom sentido e têm a nossa concordância. Porém, é importante que fique claro que não é o nexo de contemporaneidade mas o de causalidade que cabe ao Ministério Público provar. Por fim, sublinhamos que, se esta norma não for corrigida, no sentido de prever que só se considera existir perigo quando o arguido tenha sido previamente condenado por sentença transitada em julgado por crime praticado no exercício de funções, poder-se-ão, virtualmente, configurar concursos de normas entre este tipo legal e os demais tipos legais que pressuponham o exercício de funções públicas, o que esta Assembleia tem o dever de evitar. Em suma, e coerentemente com o que dissemos há dois meses, o combate à corrupção é prioritário, todos o afirmam. Nós também o afirmamos e, por isso, como então, apesar da profunda discordância com outros projectos de lei que vinham num sentido muito similar a este, viabilizaremos esta iniciativa para baixar à respectiva comissão e para que, de uma vez por todas, com um debate amplo, plural e, sobretudo, eficaz sobre esta matéria, possamos arranjar um conjunto de soluções, de propostas e de medidas que encaremos como um combate real e verdadeiro à corrupção. É este o nosso dever e será esta, apesar das nossas críticas profundas a este projecto de lei, a nossa atitude, em nome de princípios que prezamos desde sempre e não apenas desde um discurso proferido Portanto, achamos que «quem não deve não teme» e não temos qualquer problema em que haja um dever geral de transparência de todos os seus cidadãos relativamente à obtenção dos seus rendimentos e do seu património. O Orador:— Quer parecer-nos que PS tem nesta matéria uma posição semelhante à que tem o PSD relativamente às incompatibilidades na Região Autónoma da Madeira, que é a de dizer: «achamos que é inconstitucional e, portanto, como achamos que é inconstitucional, não vamos discutir o fundo da questão». O PS está agora a fazer aqui o mesmo, dizendo: «não, não vale a pena discutir isso porque é uma inversão do ónus da prova». Isto é, quanto à possibilidade de haver cidadãos que apresentem um nível de vida e sinais exteriores de riqueza absolutamente injustificáveis e desproporcionados em relação ao que ganham o PS diz: «bem, isso não é problema, porque para combater isso tínhamos de inverter o ónus da prova e, portanto, não vale a pena discutir o assunto». Srs. Deputados, vale a pena discuti-lo, do nosso ponto de vista. E achamos que o PS, 18 I SÉRIE — NÚMERO 73 com as responsabilidades que tem enquanto partido maioritário e até com o empenhamento que afirmou no combate à corrupção quando aqui discutimos, no passado dia 22, várias iniciativas legislativas sobre essa matéria, vai mal em fugir a essa discussão refugiando-se apenas na afirmação de que, do seu ponto de vista, esta matéria é inconstitucional. Vale a pena discutir a bondade das soluções aqui apresentadas na sua substância. E, portanto, se o PS considera que as iniciativas legislativas apresentadas sobre esta matéria violam o artigo 32.º da Constituição mas que substancialmente são bem fundamentadas, então, que contribua para uma solução que possa levar ao objectivo de combater a corrupção com um meio legislativo eficaz e que não viole aquele dispositivo. Creio que a contribuição do PS era bem-vinda para esta causa. Quero aqui dizer que o Grupo Parlamentar do PCP vai votar favoravelmente esta iniciativa legislativa, embora nos pareça que a solução encontrada pelo PSD não é a melhor. Quer parecer-nos que a criação de um tipo de crime de perigo abstracto é um pouco forçada relativamente àquilo que se pretende atingir, mas, como consideramos que do ponto de vista substantivo este é um problema relevante, é algo que está previsto e recomendado aos Estados-membros das Nações Unidas pela sua convenção e como pensamos que não há um obstáculo constitucional a que um tipo de crimes destes seja considerado na ordem jurídica portuguesa, vamos votar favoravelmente o diploma em questão, até porque pensamos que no debate na especialidade que terá lugar muito em breve sobre as várias matérias de combate à corrupção aqui apresentadas este é mais um contributo que a Assembleia da República não deve desprezar.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como tive oportunidade de referir há pouco quando pedi esclarecimentos ao Sr. Deputado Fernando Negrão, consideramos que a questão em debate é pertinente. Aliás, não é uma invenção nossa, isto é, não é uma invenção de parlamentares portugueses, nem do PCP nem do PSD, e inclusivamente a possibilidade da existência de um crime desta natureza tipificado está prevista na chamada Convenção de Mérida. Importa notar que o Governo já apresentou nesta Assembleia — embora tardiamente acabou por o fazer — uma proposta de resolução no sentido da aprovação, para ratificação pelo Parlamento, da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção. E a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção prevê precisamente que os Estados-membros, de acordo, como é evidente, com as suas normas constitucionais — já vamos a este aspecto —, procedam à tipificação de um crime de enriquecimento ilícito. Portanto, estamos de acordo com a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção e consideramos pertinente, que tem todo o cabimento na legislação portuguesa, que seja criado um tipo de crime com estas características. Não consideramos que os projectos de lei apresentados sobre esta matéria na Assembleia da República, quer o do PCP quer o do PSD, constituam uma inversão do ónus da prova que ponha em causa o princípio constitucional da presunção de inocência dos arguidos. Aqui corrijo aquilo que há pouco referia o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, porque a nossa crítica ao PSD não foi a de dizer que este projecto de lei viola o artigo 32.º da Constituição. Pelo contrário, criticámos o PSD por ter considerado isso relativamente ao nosso projecto de lei, pois pensamos que nenhum deles viola o princípio da presunção de inocência e que é perfeitamente possível encontrar uma solução técnica, quer a que propomos, quer aquela que o PSD nos propõe e que nos parece menos boa, quer uma outra. Ou seja, é possível, do nosso ponto de vista, tipificar um crime de enriquecimento ilícito ou injustificado na nossa ordem jurídica sem violar o artigo 32.º da Constituição. Caso contrário, não teríamos, obviamente, apresentado o projecto de lei que apresentámos. Parece-nos que a criação deste crime se justifica perfeitamente por se tratar de um instrumento poderoso de combate à corrupção. Porque não é aceitável, de facto, que um cidadão que aufere um determinado vencimento e que não tem outro meio de vida conhecido se passeie, depois, de iate ou em avião particular entre Cascais e o Mónaco. Não é possível fechar os olhos a isto! E «quem não deve não teme»! Creio que um cidadão que aufira os seus rendimentos e que obtenha o seu património por meios lícitos não tem qualquer problema em demonstrá-lo. Aliás, os cidadãos são obrigados a demonstrar a forma de obtenção dos seus rendimentos, designadamente para efeitos fiscais. Inclusivamente, a declaração de IRS de cada cidadão até já vem preenchida com as informações que a administração fiscal obtém, e muito bem. Do nosso ponto de vista, não há qualquer problema em haver uma exigência com carácter geral no sentido de os cidadãos deverem justificar a obtenção dos rendimentos e do património que têm. Não é proibido ser rico, mas é proibido obter riqueza por meios ilícitos. Portanto, achamos que «quem não deve não teme» e não temos qualquer problema em que haja um dever geral de transparência de todos os seus cidadãos relativamente à obtenção dos seus rendimentos e do seu património. O Orador:— Quer parecer-nos que PS tem nesta matéria uma posição semelhante à que tem o PSD relativamente às incompatibilidades na Região Autónoma da Madeira, que é a de dizer: «achamos que é inconstitucional e, portanto, como achamos que é inconstitucional, não vamos discutir o fundo da questão». O PS está agora a fazer aqui o mesmo, dizendo: «não, não vale a pena discutir isso porque é uma inversão do ónus da prova». Isto é, quanto à possibilidade de haver cidadãos que apresentem um nível de vida e sinais exteriores de riqueza absolutamente injustificáveis e desproporcionados em relação ao que ganham o PS diz: «bem, isso não é problema, porque para combater isso tínhamos de inverter o ónus da prova e, portanto, não vale a pena discutir o assunto». Srs. Deputados, vale a pena discuti-lo, do nosso ponto de vista. E achamos que o PS, com as responsabilidades que tem enquanto partido maioritário e até com o empenhamento que afirmou no combate à corrupção quando aqui discutimos, no passado dia 22, várias iniciativas legislativas sobre essa matéria, vai mal em fugir a essa discussão refugiando-se apenas na afirmação de que, do seu ponto de vista, esta matéria é inconstitucional. Vale a pena discutir a bondade das soluções aqui apresentadas na sua substância. E, portanto, se o PS considera que as iniciativas legislativas apresentadas sobre esta matéria violam o artigo 32.º da Constituição mas que substancialmente são bem fundamentadas, então, que contribua para uma solução que possa levar ao objectivo de combater a corrupção com um meio legislativo eficaz e que não viole aquele dispositivo. Creio que a contribuição do PS era bem-vinda para esta causa. Quero aqui dizer que o Grupo Parlamentar do PCP vai votar favoravelmente esta iniciativa legislativa, embora nos pareça que a solução encontrada pelo PSD não é a melhor. Quer parecer-nos que a criação de um tipo de crime de perigo abstracto é um pouco forçada relativamente àquilo que se pretende atingir, mas, como consideramos que do ponto de vista substantivo este é um problema relevante, é algo que está previsto e recomendado aos Estados-membros das Nações Unidas pela sua convenção e como pensamos que não há um obstáculo constitucional a que um tipo de crimes destes seja considerado na ordem jurídica portuguesa, vamos votar favoravelmente o diploma em questão, até porque pensamos que no debate na especialidade que terá lugar muito em breve sobre as várias matérias de combate à corrupção aqui apresentadas este é mais um contributo que a Assembleia da República não deve desprezar.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Encontramo-nos hoje a discutir o projecto de lei n.º 374/X, do PSD, aliás, por agendamento potestativo do mesmo. Esta iniciativa legislativa pretende criar um novo tipo de ilícito criminal, dito crime de enriquecimento ilícito, aplicável quer a funcionários públicos, por aditamento de um novo artigo ao Código Penal, quer aos titulares de cargos políticos, aditando igualmente um novo artigo à Lei n.º 34/87, de 16 de Julho. A presente iniciativa prevê, ainda, a ampliação do actual regime de protecção de testemunhas, associando-a a concretos tipos de ilícito criminal relacionados com este tema e com o universo mais vasto da fraude, branqueamento e corrupção. Encontramo-nos, assim, mais uma vez, a braços com o tema da corrupção nesta Câmara, depois de, em Fevereiro passado, terem sido discutidas 16 iniciativas parlamentares dizendo respeito precisamente ao importante desígnio do combate à corrupção. De facto, depois de o Grupo de Estados contra a Corrupção do Conselho da Europa ter tecido, no seu relatório, um conjunto de preocupantes críticas e alertas em relação não aos resultados mas, principalmente, à falta de resultados no combate à corrupção em Portugal, em cuja origem se escondem causas já apontadas — falhas de coordenação entre entidades com competências nesta matéria, falta de meios e de recursos, falta de uma aposta sistemática e continuada —, e na ausência de uma verdadeira estratégia nacional de combate à corrupção, também mais recentemente a própria OCDE veio defender o reforço de meios do Departamento Central de Investigação e Acção Penal nesta área. É claro que os avanços nesta área, Srs. Deputados — e ninguém pode duvidar disso —, dependem da qualidade dos meios e da sua suficiência, mas também dos instrumentos legais adequados, no respeito pelas garantias dos cidadãos. No entanto, não embarcamos no discurso de quem quer «afastar das luzes» a evidente falta de prioridade que tem existido nesta matéria e que tem conduzido à falta de vontade política em dotar as instituições de meios e mecanismos fundamentais para operar, na prática, a mudança necessária, de forma a que os resultados que têm faltado comecem a surgir. Compreendemos, por isso, que o Governo tenha recusado criar, por exemplo, a agência anticorrupção, certamente seguindo a linha de pensamento do Sr. Dragos Koos, Presidente do Grupo de Estados contra a Corrupção, que afirma que, se não é para dar recursos nem condições aos agentes, mais vale nem criar agências anticorrupção. Apesar de estas questões serem relevantes não é isso que está hoje em causa. Hoje, tratamos aqui de discutir a questão de saber como combater o enriquecimento ilícito quando existe a possibilidade (verificada, na prática, em muitas situações) da existência de uma discrepância entre os rendimentos e património oficialmente declarados e os sinais exteriores de riqueza demonstrados e usufruídos publicamente, mormente quando estamos a falar de funcionários, designadamente de altos funcionários ou titulares de elevados cargos públicos, que, pela particular responsabilidade que lhes cabe enquanto nobres servidores da coisa pública, devem apresentar-se acima de qualquer desconfiança, pelo que a transparência, como garantia de um comportamento eticamente acima de qualquer suspeita, é fundamental. «Quem cabritos vende e cabras não tem»… Por isso mesmo, Os Verdes, tal como apoiaram a proposta do Partido Comunista Português, relativamente ao crime de enriquecimento injustificado, reconhecem, no projecto de lei do Partido Social Democrata, uma preocupação e uma proposta de solução que deve ser tida em conta: juntar-se às demais propostas que jazem na comissão, para que, em conjunto, se chegue à melhor solução para este problema, respondendo ao desafio feito pelo artigo 20.º da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção. Aliás, o próprio Governo, depois da iniciativa do Partido Comunista Português na Assembleia da República, já decidiu propor à Assembleia a sua ratificação, aderindo assim, portanto, ao seu conteúdo. Os Verdes não têm dúvidas de que é importante recorrer a todos os mecanismos adequados para combater a corrupção, naturalmente no respeito pela garantia dos direitos dos administrados, dos cidadãos. Aliás, o Sr. Dragos Koos, Presidente do Grupo de Estados contra a Corrupção, refere exemplos de outros países, como o Reino Unido e a Irlanda, em que se introduziu a solução na lei, dizendo que, no caso de uma pessoa não conseguir provar a proveniência legítima dos seus bens, estes são-lhe confiscados. E os relatórios, diz o Sr. Presidente do Grupo de Estados contra a Corrupção, têm sugerido que a medida é eficiente. Também o Sr. Procurador-Geral da República defendeu, no debate que aqui ocorreu por iniciativa do Sr. Presidente da Assembleia da República, a necessidade de uma análise e de estudos cuidadosos, e sem complexos, do regime a aplicar aos casos de enriquecimento injustificado. Não significa isto, Srs. Deputados do Partido Socialista, que as soluções apresentadas, designadamente a do PSD, estejam acima de qualquer dúvida. Aliás, o recurso à noção de perigo abstracto é uma das soluções que, do ponto de vista de Os Verdes, eventualmente, levanta dúvidas e dificuldades de aplicação. Contudo, seria fundamental obter deste debate uma disponibilidade da parte do Partido Socialista para, em concreto, em sede de comissão, trabalhar sobre esta matéria, não fugir a assumir que este pode ser um mecanismo importante para combater a corrupção e mostrar a disponibilidade para, em sede de comissão, trabalharmos e todos, em conjunto, encontrarmos uma solução que satisfaça e que possa responder, concretamente, ao desígnio de combater o enriquecimento ilícito.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: À medida que esta Câmara vai discutindo matérias de justiça, vamos descobrindo que o acordo sobre a justiça entre o Partido Socialista e o Partido Social Democrata é uma manta rota que se vai esburacando mais, quer nas matérias que acordaram, onde se vão descobrindo inúmeras incongruências, quer nas que não acordaram, e o combate à corrupção foi uma delas. No entanto, os dois partidos centrais do nosso sistema político assumiram uma responsabilidade política perante os portugueses e dessa não se têm vindo a desincumbir bem, como se vê, aliás, pelo debate contraditório que hoje aqui temos. A substância, aqui, é a necessidade de um combate mais intenso e eficaz à corrupção. Nós acompanhamo-la, tal como a criação da figura do crime de enriquecimento ilícito ou injustificado, como queiramos nomear. Esse é o fundo do problema e foi para esse que não houve a abertura suficiente dos partidos que se co-responsabilizaram por algum tipo de estratégia política. Hoje, o Partido Socialista refugia-se num conjunto de dissertações acerca da compatibilidade constitucional da iniciativa do Partido Social Democrata ou de outras congéneres, mas, na verdade, a nosso ver, deveria tomar a atitude de assumir o fundo do problema e deixar que quem tem a competência do juízo constitucional dirima eventuais dúvidas sobre a inconstitucionalidade. Nós não as temos. Embora reconheçamos que, na solução do PSD hoje aqui apresentada — que votaremos favoravelmente —, há uma construção jurídica algo arrevesada sobre o crime de perigo abstracto, não entendemos que haja colisão com a ordem constitucional. E é a isso que instamos o Partido Socialista: se há dúvidas sobre constitucionalidade, deixemos que quem tem competências nessa matéria possa tomar uma decisão final, de que não será esta Câmara, em primeiro lugar, a sua fonte. O problema, Sr.as e Srs. Deputados, é que não pode manter-se na sociedade portuguesa a suspeição de que não há instrumentos suficientes para combater o enriquecimento injustificado por parte de quem tem responsabilidades na Administração Pública: de altos titulares de cargos públicos ou políticos, de altos dirigentes da Administração Pública, em geral. Isso é que não pode manter-se na sociedade portuguesa! E o Partido Socialista, ao inviabilizar, aqui, este conjunto de iniciativas, está a assumir a responsabilidade de deixar tudo na mesma em relação a estas matérias. Fica a percepção de que tudo ficará na mesma. Srs. Deputados do Partido Socialista, já sabíamos das dificuldades da vossa bancada em aprovar iniciativas deste género. Esperamos, no entanto, que, no debate do chamado «pacote de combate à corrupção», visto que fizemos um diploma mais mitigado, ele possa ser objecto de aprovação, porque, ao menos, avançaremos alguma coisa — ou seja, o dever de justificação dos incrementos patrimoniais por parte dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos. A nosso ver, esse diploma é que não colide mesmo com qualquer tipo de consideração acerca da ordem constitucional. Esperamos que, numa estratégia gradualista, pelo menos esses, que estão sob um dever especial de escrutínio, possam ser, neste momento, condicionados à justificação dos seus incrementos patrimoniais. A seu tempo lá chegará e, como já foi aqui bem sublinhado, a Convenção das Nações Unidas, que Portugal irá ratificar, vai obrigar a adoptar uma solução do género da que está hoje a ser apresentada, ou da que o Partido Comunista Português apresentou, ou da que o nosso grupo, em tempos, também já apresentou. Mais cedo ou mais tarde, iremos para uma solução desse género. Creio que o Partido Socialista, hoje, por um tique de governo, diz que não; como, no passado, o Partido Social Democrata, por tique de governo, dizia que não. Contudo, mais cedo ou mais tarde, os partidos que têm assumido responsabilidades governativas vão ter de ceder ao fio dos tempos, vão ter de ceder a uma necessidade ingente da democracia política e dos fundamentos do Estado democrático, e verão que a inversão do ónus da prova, assim chamada, não é nada, comparativamente ao «cancro» que pode corroer as instituições democráticas. E essas é que têm de ser justificadas no dia-a-dia perante os cidadãos, porque aquilo que mina a democracia não pode ser aquilo que mantém impoluto e intocável a inversão do ónus da prova. Srs. Deputados do Partido Socialista, pode não haver inversão do ónus da prova mas, seguramente, da vossa parte, há uma reversão total da lógica. Depois, realizámos ainda, por iniciativa do Sr. Presidente da Assembleia da República, a conferência internacional a que já muitos fizeram alusão. Gostaria de recordar que, nessa conferência, uma das coisas que o Presidente do GRECO (Grupo de Estados contra a Corrupção), autor do relatório sobre Portugal, disse foi que esse novo tipo de crime não era necessário. Portanto, contrariamente do que pareceu da intervenção do Sr. Deputado, foi mesmo o Presidente do GRECO que disse estar muito mais preocupado com os países em que não se pode apreender os bens do que propriamente com a criação de novos tipos de crime. E não pensem os portugueses que, em Portugal, não temos medidas, quer de natureza penal quer de natureza fiscal, de combate à corrupção. Precisamos, sim, de fazer melhorias. Nesse sentido, vamos dar passos significativos no grupo de trabalho e, depois, aqui, em Plenário, através de várias iniciativas sobre essa matéria. Aliás, o Partido Socialista já apresentou variadíssimas iniciativas para melhorar o sistema penal e o sistema fiscal, no que diz respeito ao combate à corrupção. Nós não desistimos desse combate, mas achamos que não é esse novo tipo de crime que vai resolver o problema da corrupção — e não só não resolve como traz problemas adicionais para resolver, problemas com os quais o nosso sistema judicial não está habituado a lidar. Srs. Deputados, faremos naturalmente um percurso. Mas também gostaria de sublinhar 20 DE ABRIL DE 2007 21 que Portugal, ao contrário do que possa parecer, não é um país de corruptos.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os princípios aplicáveis à gestão, em geral, de qualquer tipo de resíduo apontam, antes de tudo, para a prevenção da sua produção e para a redução da sua nocividade. Tudo em ordem a poder vir a facilitar a sua reutilização, o seu reaproveitamento, a sua reciclagem ou eliminação final. O alargamento do espectro das fileiras e dos fluxos de resíduos que vão sendo progressivamente objecto de métodos adequados de gestão — pela submissão a sistemas integrados de gestão ou por outros — é uma tendência que se tem vindo a afirmar ao nível global, mas, muito especialmente, ao nível da União Europeia e do direito comunitário do ambiente, bem como, por consequência, no plano do nosso ordenamento jurídico interno. Neste alargamento do espectro das fileiras e dos fluxos de resíduos que vão sendo progressivamente objecto de métodos adequados de gestão, falta, contudo, ainda dar conta no nosso país do destino adequado aos resíduos da construção e da demolição (RCD). Sendo, para mais, o nosso país um Estado em que a indústria da construção civil e das obras públicas assume um lugar de proeminência entre as várias actividades económicas que nele se desenvolvem, incompreensível seria a inexistência de um regime legal que discipline a gestão dos resíduos produzidos por esta actividade. Os resultados desta lacuna legal encontram-se, infelizmente, à vista de todos: basta passear um pouco pelo País para se assistir à multiplicação de deposições selváticas, descontroladas e absolutamente impunes deste tipo de resíduos. Situação que ainda menos sentido faz quando se sabe do potencial de reutilização, como matéria-prima, deste resíduo, mercê das tecnologias disponíveis. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As quantidades de resíduos da construção e da demolição que hoje em dia são produzidos no nosso país aproximam-se já, progressivamente, daquelas que se reportam aos resíduos sólidos urbanos ou aos resíduos industriais banais. Por isso, o reaproveitamento, a reciclagem ou o correcto encaminhamento para eliminação dão origem a um potencial e expressivo circuito económico, com inerentes mais-valias colectivas que, todavia, actualmente e pela aludida falta de um regime legal, acaba por ser totalmente desperdiçado, com custos ambientais e para a paisagem. É, por isso, propósito primeiro da iniciativa que aqui ora apresentamos a esta Câmara a criação das adequadas condições para o nascimento e o florescimento de um novo mercado na economia nacional, salvaguardando, ao mesmo tempo, a saúde, o ambiente e a paisagem nacional. E, para tanto, entendemos que a alavancagem desse mercado deverá ser protagonizada pelos organismos públicos, não apenas por serem estes sistematicamente clientes e «encomendantes» de empreitadas e grandes obras, como pelo facto de, por essa via, constituírem os dinamizadores por excelência também deste mercado, levando à indução de comportamentos e atitudes nos agentes económicos que visam, ao fim e ao cabo, o bem comum e a prossecução dos mais nobres e urgentes interesses públicos. Por isso, a presente iniciativa impõe a apresentação pelos interessados e a aceitação pela Administração Pública, como condição prévia para a emissão do respectivo licenciamento ou autorização, de um projecto — denominado plano — adequado para a gestão dos resíduos originados tanto com a realização de qualquer obra de construção civil como, inclusive, com as derrocadas e demolições, ficando exceptuados os casos de catástrofes naturais. Apenas as obras legalmente classificadas como de pequena dimensão poderão ser subtraídas a este regime, devendo, ainda assim, ser apresentada em alternativa a previsão de um local no respectivo estaleiro para a deposição dos resíduos separados por materiais e desde que seja previamente indicado à Administração Pública o encaminhamento a dar aos mesmos. A prestação, pelos requerentes de obras, de uma caução à entidade licenciadora assegura que, em qualquer caso, estarão sempre garantidas as condições necessárias para um correcto destino a dar aos resíduos da construção e da demolição. Estimulam-se também todos os comportamentos tendentes a uma gestão racional deste tipo de resíduos tanto nas relações entre entidades privadas como entre estas e as entidades públicas. Para tanto, passam os critérios para a gestão dos resíduos da construção e da demolição a integrar os cadernos de encargos e as demais peças concursais em iniciativas públicas, bem como os respectivos contratos ou acordos, para além de passarem a potenciar desagravamentos nas taxas a cobrar pelos respectivos licenciamentos. Neste âmbito, é também criada uma taxa de utilização mínima por obra de materiais recuperados e reciclados — a qual nunca será inferior a 10% e contribuirá para o sistema de pontuação na avaliação das propostas apresentadas a concurso —, com especial expressão no caso da construção de estradas e de asfaltos, devido à possibilidade da sua utilização como sub-bases. Com vista a controlar a gestão em todas as fases do ciclo de vida dos produtos e substâncias da construção e demolição, são co-responsabilizados por essa gestão todos os agentes nela intervenientes. E porque o legislador deverá observar sempre os princípios do equilíbrio, adequação, bom senso e proporcionalidade, incumbe-se o Governo de elaborar uma hierarquização de critérios para a classificação das obras e das operações, consoante a dimensão das mesmas e o número de trabalhadores que envolvem, com vista a racionalizar e adequar os níveis de exigência e das obrigações dos destinatários do presente regime. Por fim, com vista a garantir uma plena eficácia na aplicação deste regime, o Governo fica também incumbido da elaboração de um manual de gestão dos resíduos da construção e da demolição, destinado, sobretudo, a orientar as escolhas e os comportamentos por parte dos particulares, bem como da promoção de um plano de formação nesta temática ao nível nacional, dirigido aos agentes económicos, seus quadros e às demais entidades que nisso demonstrem interesse. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta proposta do Grupo Parlamentar do PSD pretende de forma responsável, humilde mas determinada, contribuir para a resolução de um dos graves problemas ambientais do nosso país. Esperamos que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista não se deixe levar pela tentação de votar contra este diploma só porque é do PSD, com a justificação de que o Governo tem um decreto-lei pronto para aprovação. Há dois anos que o Sr. Ministro do Ambiente prometeu neste Parlamento prometeu que no mês seguinte teríamos nova legislação. Infelizmente para Portugal, passaram dois anos e continuamos na mesma. Espera-se, pois, a mesma responsabilidade, humildade e determinação com que apresentamos esta proposta aos demais grupos parlamentares, para a resolução de problema e de um passivo ambiental que envergonha o País.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Saudamos o projecto de lei n.º 373/X, do Partido Social Democrata, apesar de considerarmos que há mais algumas situações que dele deveriam constar. A construção é um dos sectores da economia que mais resíduos produz, se excluirmos o sector da produção de energia. Aliás, cerca de 80% dos resíduos de construção são produzidos por pequenas e médias empresas, o que mais dificulta o trabalho da sua redução, controlo e eliminação. De qualquer modo, estamos a falar de resíduos muito diversos — de vidro, metal, madeira, plástico ou, mesmo, de embalagens. Em nosso entender, o projecto do PSD não faz referência a duas questões que, pensamos, são primordiais. A primeira é a ausência de qualquer referência aos fornecedores dos próprios materiais, não os obrigando ao cuidado necessário de proceder à recolha e ao encaminhamento de resíduos não utilizados na construção. Falamos, neste caso, de embalagens, mas também do excesso de produto que muitas vezes é fornecido ao construtor. Por outro lado, não havendo ainda centrais de tratamento, de eliminação e de redução de resíduos da construção e da demolição, não estão previstos neste projecto parques de recolha, parques municipais, nomeadamente, que possam fazer o procedimento de armazenagem até eventual tratamento e eliminação desses resíduos. Gostaríamos, portanto, que o projecto viesse a ter essa indicação. Finalmente, em termos de contra-ordenação, apenas foram formulados alguns princípios, não tendo sido estabelecidas as coimas, o seu destino e o seu montante. Se esta é uma matéria para regulamentar, entendemos que, nesta fase, deveria ser dado o seu conveniente encaminhamento e enquadramento. Nesta medida, e uma vez que consideramos positiva a apresentação do projecto de lei ora em apreço, da nossa parte merecerá o seu acolhimento, mas gostaríamos de ver melhorado, na especialidade, muito do que hoje foi apresentado. Há, no mínimo, uma contradição. Também não será possível ignorar alguns aspectos pouco claros deste projecto de lei, quer no que toca à forma como o PSD propõe que se proceda à verificação da entrega dos resíduos para devido tratamento, quer na forma como propõe a classificação das obras com base no número de trabalhadores envolvidos, ou mesmo no regime de taxas. O PSD acaba por propor que o Governo oriente uma política de promoção da redução e tratamento de resíduos de construção e demolição com base num regime de taxas que venha punir uns e premiar outros. Ora, para nós, o incumprimento da lei deve ser punido rápida e exemplarmente e o cumprimento não é motivo para prémios. É importante que se parta do princípio de que não existirão soluções milagrosas para o problema da produção e do tratamento dos resíduos de construção e demolição. Por isso mesmo, a fiscalização deve ser a trave mestra contra as práticas irresponsáveis que se vão verificando. O simples facto de fazer depender de certificação de entrega a devolução da caução não significa, de forma alguma, o fim dessas práticas, se elas continuarem a ser mais rentáveis do que o tratamento. Significaria, isso sim, a criação de um mercado de certificações ilegais que encobriria a realidade perante a lei, mas não perante a natureza. A situação merece, pois, a maior preocupação por parte de todos. Não pode continuar a verificar-se o estado de desrespeito sistemático, a deposição ilegal de entulhos em qualquer beira de estrada. Para isto, ouvimos há meses e meses o Governo anunciar um tal de decreto-lei. A julgar pelo comportamento permissivo, ausente e inconsequente do Governo, principalmente na área da fiscalização, não se lhe augura um bom futuro. É a segunda vez que o Governo perde a oportunidade de acompanhar a Assembleia da República, insistindo em ultrapassar estas iniciativas através do anúncio da sua iniciativa, que tarda em mostrar-se. 14 DE JULHO DE 2007 29 O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Horácio Antunes.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais uma vez, discutimos uma iniciativa que visa introduzir um novo quadro legal no que toca ao tratamento dos resíduos de construção e demolição. Desta vez, o PSD propõe um regime que visa, segundo o seu projecto de lei, prevenir a produção, promover a redução da perigosidade e proceder ao correcto tratamento destes resíduos. Já no passado dia 8 de Fevereiro, discutimos, nesta Assembleia, um projecto de lei do Partido Ecologista «Os Verdes» que se propunha corrigir os problemas que por aí se vão verificando no que toca ao tratamento destes resíduos, ou melhor, à sua deposição ilegal um pouco por todo o País. O Partido Comunista Português, já nessa altura, manifestou apoio a essa iniciativa e reforça, hoje, a necessidade de que, efectivamente, se adapte o quadro legal no sentido da restrição dessas práticas de deposição de resíduos de construção em qualquer local, mais ou menos escondido, e do seu encaminhamento correcto para o tratamento possível e adequado, tendo em vista a sua reutilização, reciclagem ou correcta eliminação. Registamos, no entanto, um conjunto de dúvidas em torno do projecto de lei que hoje discutimos. Se, por um lado, apresenta algumas propostas criativas sobre as quais merecerá certamente trabalhar, como a da implementação de um sistema de cauções, por outro, entra em clara contradição com a necessidade de desburocratização de processos em torno do licenciamento. O PSD parece ter, inclusivamente, esquecido que acabou de aprovar com o PS o novo regime de edificação e urbanização, que isenta de licenciamento uma vasta parcela das obras que agora quer agora incluir num diploma para os resíduos de construção e de demolição. Há, no mínimo, uma contradição. Também não será possível ignorar alguns aspectos pouco claros deste projecto de lei, quer no que toca à forma como o PSD propõe que se proceda à verificação da entrega dos resíduos para devido tratamento, quer na forma como propõe a classificação das obras com base no número de trabalhadores envolvidos, ou mesmo no regime de taxas. O PSD acaba por propor que o Governo oriente uma política de promoção da redução e tratamento de resíduos de construção e demolição com base num regime de taxas que venha punir uns e premiar outros. Ora, para nós, o incumprimento da lei deve ser punido rápida e exemplarmente e o cumprimento não é motivo para prémios. É importante que se parta do princípio de que não existirão soluções milagrosas para o problema da produção e do tratamento dos resíduos de construção e demolição. Por isso mesmo, a fiscalização deve ser a trave mestra contra as práticas irresponsáveis que se vão verificando. O simples facto de fazer depender de certificação de entrega a devolução da caução não significa, de forma alguma, o fim dessas práticas, se elas continuarem a ser mais rentáveis do que o tratamento. Significaria, isso sim, a criação de um mercado de certificações ilegais que encobriria a realidade perante a lei, mas não perante a natureza. A situação merece, pois, a maior preocupação por parte de todos. Não pode continuar a verificar-se o estado de desrespeito sistemático, a deposição ilegal de entulhos em qualquer beira de estrada. Para isto, ouvimos há meses e meses o Governo anunciar um tal de decreto-lei. A julgar pelo comportamento permissivo, ausente e inconsequente do Governo, principalmente na área da fiscalização, não se lhe augura um bom futuro. É a segunda vez que o Governo perde a oportunidade de acompanhar a Assembleia da República, insistindo em ultrapassar estas iniciativas através do anúncio da sua iniciativa, que tarda em mostrar-se. 14 DE JULHO DE 2007 29 O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Horácio Antunes.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 373/X, do PSD, pretende alterar a estratégia de gestão de resíduos de construção e demolição, uma vez que os diplomas nada referiam quanto ao encaminhamento e à responsabilização da triagem e do conhecimento em concreto destes materiais por parte das câmaras municipais, o que facilitava o depósito clandestino dos mesmos e em condições ambientalmente desadequadas. A gestão dos resíduos de construção e demolição estava, até há pouco tempo, enquadrada no Decreto-Lei n.º 239/97 (actualmente revogado pelo Decreto-Lei n.º 178/2006), o qual estabelecia as regras a que fica sujeita a gestão de resíduos, designadamente em matéria de recolha, transporte, armazenagem, tratamento, valorização e eliminação, reconhecendo-se, no entanto; que as especificidades da produção e gestão dos resíduos dificultavam, nalguns casos, a aplicação das disposições deste diploma legal, bem como das portarias que lhe estavam associadas, tornando-se cada vez mais evidente a necessidade de um regime específico para a gestão do fluxo. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Ministério das Obras Públicas iniciou, no passado dia 3, junto das entidades parceiras ligadas ao sector da construção e obras públicas, o processo de consulta relativa à nova versão do Código dos Contratos Públicos, aprovado em Conselho de Ministros, que estabelece a disciplina aplicável à contratação pública. Visa simplificar toda a tramitação associada à contratação pública reunindo num único código toda a legislação dispersa relativa à empreitada de obras públicas, à aquisição de bens e serviços e às empreitadas e aquisições no âmbito dos sectores especiais e vários outros diplomas avulsos relativos à contratação pública, garantindo, ainda, a transposição das Directivas comunitárias n.os 2004/17 e 2004/18. O Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional tem em curso um projecto de decreto-lei que estabelece o regime jurídico da gestão dos resíduos de construção e demolição, em conjugação com o novo Código da Contratação Pública e o novo regime jurídico do licenciamento das obras particulares. O diploma estabelece as normas técnicas relativas às operações de gestão de resíduos de construção e demolição, em concretização do disposto no artigo 20.° do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de Setembro, garantindo a aplicação ao fluxo de RCD das políticas de redução, reutilização e reciclagem dos resíduos; prevê que a reutilização de materiais em obra e a utilização de materiais reciclados de resíduos de construção e demolição seja privilegiada no âmbito dos programas de concurso para concepção e/ou construção de empreitadas de obras públicas; prevê a aprovação de especificações técnicas relativas à utilização dos resíduos em diferentes tipos de materiais de construção; prevê a reutilização de solos e rochas não contendo substâncias perigosas, derivados de actividades de construção, na obra de origem, noutras obras, bem como na recuperação ambiental e paisagística de pedreiras e na cobertura de aterros destinados a resíduos ou, ainda, em local licenciado pelas câmaras municipais; obriga à existência em obra de sistemas de triagem ou, alternativamente, ao encaminhamento para um operador de gestão licenciado para realização dessas operações; condiciona a deposição dos resíduos em aterro a uma triagem prévia, contribuindo para um incremento da reciclagem ou de outras formas de valorização dos resíduos; ajusta o valor da taxa de gestão de resíduos relativa à deposição em aterro de inertes de resíduos às especificidades do mercado potencial para reutilização dos mesmos; prevê, ainda, uma cadeia de responsabilidades que vincula quer os donos de obra e os empreiteiros quer as câmaras municipais. Estas responsabilidades foram devidamente integradas nos diplomas que se encontram em processo legislativo relativos ao regime jurídico do licenciamento das obras particulares e ao Código da Contratação Pública. Assim, estabelece-se, para as obras públicas, a necessidade de um plano de prevenção e gestão de resíduos, da responsabilidade do dono da obra, e institui-se, para as obras públicas e particulares sujeitas a licenciamento ou autorização, a obrigatoriedade do registo de dados de RCD, acompanhado dos certificados de recepção destes resíduos, instrumentos que condicionam os actos administrativos associados ao início e à conclusão das obras. O referido diploma prevê, ainda, a obrigatoriedade de os produtores e de os operadores de gestão de RCD se registarem no âmbito do Sistema Integrado de Registo Electrónico de Resíduos (SIRER). De forma a obviar os problemas manifestados pelo sector relativamente à utilização do guia de acompanhamento de resíduos, previsto na Portaria n.º 335/97, de 16 de Maio, são definidas guias de transporte dos resíduos que têm em conta as respectivas especificidades. Com o regime proposto pelos diplomas do Governo, as obras públicas não poderão realizar-se sem a elaboração de um plano de prevenção e gestão de resíduos, de construção e demolição, nem poderão ser recebidas sem se demonstrar, através de vistoria, o bom cumprimento dos planos de gestão de resíduos. Portanto, o projecto de lei do PSD não inova relativamente aos aspectos tratados na iniciativa legislativa do Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, denotando uma falta de articulação com os diversos procedimentos já instituídos, designadamente no que se refere aos regimes jurídicos do licenciamento das obras públicas e das obras particulares. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Face ao exposto, consideramos que a proposta do PSD é demasiado incompleta, deixando enormes lacunas na problemática do tratamento dos resíduos de construção e demolição.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fazendo a apreciação do projecto de lei sobre resíduos de construção e de demolição que o PSD nos apresentou, devo dizer que ele tem alguns factos inovadores que, ao contrário do que parece defender o Partido Socialista, funcionam como uma pressão em relação a compromissos longamente adiados da parte do Governo no sentido de legislar um quadro jurídico sobre esta matéria que urge introduzir no nosso país. Na verdade, este projecto de lei traduz-se num contributo importante ao nível da responsabilização dos donos de obra pela implementação dos planos de gestão de resíduos, assim como em relação à obrigatoriedade de as obras públicas terem uma taxa mínima de materiais recuperados e reciclados. Porém, o projecto tem lacunas muito grandes. Devo dizer que há ausências que devem ser devidamente ponderadas, o que significa que não resolve na totalidade as necessidades, do ponto de vista de um quadro legislativo, para lidar com um problema muito pesado no nosso ordenamento e ambiente, sobretudo tendo em conta a natureza dos resíduos de que estamos a falar. Na verdade, o problema central — para o qual o Instituto Nacional de Resíduos tem vindo a alertar — deveria ser o da triagem dos resíduos na sua origem, o qual não está contemplado no projecto de lei do PSD. Isto é, qualquer plano de obra, de gestão de resíduos de obra tem de obrigar o dono da obra a garantir a triagem, à partida, dos diferentes resíduos. Devo lembrar as Sr.as e os Srs. Deputados que estão contabilizados cerca de 20 000 materiais diferentes, tanto de substâncias orgânicas como inorgânicas, uns perigosos e outros banais, que têm de ter tratamentos e encaminhamentos diferenciados desde a sua origem. É que, repito, há inertes não perigosos e outros que o são. Portugal está, a este nível, na «cauda» dos países europeus. Devo dizer-lhes que, em Portugal, o Instituto Nacional de Resíduos estima haver mais de 95% de resíduos de construção e demolição que são, pura e simplesmente, depositados em aterros, muitas vezes clandestinos e deparamo-nos com alguns deles quando há incêndios florestais. A segunda razão para esta classificação tem a ver com o facto de os aterros que estão devidamente licenciados estarem a chegar a um ponto de saturação por terem vindo a receber sistematicamente esta quantidade de resíduos. Portanto, o trabalho de legislação precisa de ser mais desenvolvido do que este, porque, para além da questão da triagem, a demolição selectiva também não está contemplada no projecto de lei do PSD, uma vez que a própria demolição tem de ser selectiva para permitir a triagem desde o início. O projecto de lei é também muito vago em relação à existência de uma entidade gestora. Na verdade, ele aponta para potenciais gestores de resíduos, mas é preciso que haja uma entidade gestora que faça o encaminhamento destes conforme a sua natureza, perigosidade e potencial de reutilização ou de reciclagem. Portanto, há um trabalho que precisa de ser feito em torno deste projecto. Antes de terminar, não queria deixar de dizer que o projecto é importante, representa um passo importante. Apesar das debilidades que tenho vindo a apontar, do ponto de vista do reconhecimento de uma lacuna extraordinária que temos no nosso quadro legislativo sobre o tratamento de resíduos, ele representa um esforço importante, até porque precisamos de uma boa lei sobre esta matéria. Assim, o Bloco de Esquerda viabilizará este projecto de lei, sabendo que, em sede de especialidade na comissão, há muito trabalho a fazer em torno do mesmo. Este pode ser o princípio de uma boa lei, se houver capacidade de reconhecer que esta iniciativa da Assembleia da República é importante, e o Partido Socialista não pode deixar de fazer esse reconhecimento. Cabe à Assembleia da República ter este papel, sendo que a Assembleia da República tem competência e responsabilidade políticas, bem como a capacidade para trabalhar esta iniciativa do PSD no sentido de produzir uma lei importante para resolver esta lacuna que existe hoje no nosso quadro legislativo.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos, hoje, o projecto de lei n.º 373/X, apresentado pelo Partido Social Democrata, cujo objectivo é o de criar princípios gerais para a prevenção da produção a redução da perigosidade e a gestão de resíduos da construção e da demolição. Os Verdes consideram que o facto de o Partido Social Democrata ter apresentado esta proposta, passados sete meses de termos discutido uma proposta apresentada por Os Verdes, que versava a mesma matéria, é sinal de que o assunto merece preocupação e atenção por parte dos partidos da oposição, ao contrário do Partido Socialista, que continua a «assobiar para o lado». Para Os Verdes, uma estratégia de gestão de resíduos tem como primeira premissa aumentar os níveis de reciclagem e de reutilização de todos os resíduos susceptíveis desse tipo de tratamento. Para este efeito, é importante, senão imprescindível, que o ponto de partida para um tratamento eficaz seja a operação de triagem, assim como o conhecimento do tipo e a quantidade de resíduos a tratar. Todos sabemos que, em Portugal, o destino da quase maioria deste tipo de resíduos são os aterros, quando se cumprem as regras. Mas quantas vezes não vimos já a deposição indevida deste tipo de resíduos na própria berma da estrada. Aliás, na nossa opinião, a falta de legislação é um factor de motivação para que os prevaricadores continuem a deposição selvática. Os Verdes apresentaram, em Fevereiro, o projecto de lei n.º 9/X, sobre esta matéria, que, no essencial, ia no sentido de alterar o Decreto-Lei n.º 555/99, que estabelece o regime jurídico da urbanização e edificação, no entanto, só passados dois anos é que este diploma foi discutido e votado nesta Câmara. Relativamente a esta matéria, convém fazer um pouco de história. Já na IX Legislatura, Os Verdes apresentaram o projecto de lei n.º 497/IX, que propunha alterar o Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, e o Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, no que toca à estratégia de gestão de resíduos de construção e demolição, uma vez que estes diplomas nada referiam quanto ao encaminhamento e responsabilização no que se refere à triagem e quanto ao conhecimento concreto destes materiais por parte das câmaras municipais. Esta iniciativa viria a caducar com o fim prematuro da IX Legislatura. No início da presente Legislatura, como já o dissemos, voltámos a apresentar um novo projecto de lei sobre a mesma matéria, o qual foi rejeitado, em votação, a 15 de Fevereiro do corrente ano. Quando apresentámos o projecto de lei, a nossa convicção era a de que estávamos a prestar um bom serviço ao ambiente e ao País e que as alterações introduzidas no Decreto-Lei n.º 555/99 iriam contribuir com novos mecanismos na gestão urbanística dos municípios e haveria um maior controle. Assim não entendeu o Partido Socialista e, usando o argumento de que o Governo estava a preparar legislação sobre esta matéria, chumbou o nosso projecto de lei. Passado todo este tempo, continuamos à espera. Já vamos numa segunda proposta sobre esta matéria, o Partido Socialista continua a preparar o seu projecto de lei e de certeza que vai continuar a preparar o seu projecto. Sr.as e Srs. Deputados, queremos deixar registado que estamos de acordo, na generalidade, com o projecto de lei apresentado pelo PSD, que agora discutimos. Os Verdes manifestam, desde já, disponibilidade para, em sede de comissão, contribuírem para o enriquecimento desta legislação, peça fundamental para a preservação do ambiente, mais um instrumento para pôr em prática a política dos três R.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há cerca de ano e meio, o Parlamento discutiu o projecto de lei n.º 118/X, do qual fui primeiro subscritor, que visava criar um regime especial de protecção de crianças e jovens com doença oncológica. A apresentação desse diploma foi-me imposta por um imperativo ético e decorreu do reconhecimento da existência de uma omissão grave no nosso ordenamento jurídico no que se refere à protecção de crianças e jovens com doença oncológica. Com efeito, milhares de famílias portuguesas cuja vida é profundamente alterada pelo drama das doenças oncológicas, principalmente nos casos em que estas vitimam os seus membros mais novos, continuam sem apoios específicos, apoios que as podem ajudar decisivamente a minorar os efeitos muito negativos provocados pelo cancro infantil. Justificava-se, por isso — tal como hoje ainda se justifica —, uma lei que aumentasse as possibilidades de os pais acompanharem, de uma forma mais presente, o tratamento clínico dos seus filhos, promovendo ainda o equilíbrio psicológico destas crianças e jovens, bem como o seu desenvolvimento educacional. A discussão que teve lugar nesta Câmara, em Outubro de 2005, a propósito da iniciativa legislativa então apresentada pelo PSD, distinguiu-se pela elevação dos argumentos aduzidos, pela nobreza dos propósitos proclamados e, também, pelo acerto e pela pertinência de muitas das propostas avançadas pela generalidade dos grupos parlamentares. Com efeito, todos temos guardada na nossa memória a sugestão da Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, do Grupo Parlamentar do CDS-PP, quando advogou o alargamento do universo dos beneficiários do diploma para os parentes colaterais, como irmãos ou até não familiares dessas crianças e jovens. Todos temos presente o repto lançado pelo Sr. Deputado Bernardino Soares, do Grupo Parlamentar do Partido Comunista, para que houvesse a obrigação de informação aos pais, aos acompanhantes, aos familiares, às próprias crianças e jovens com doença oncológica acerca dos direitos que lhes assistem. Todos recordamos a exortação da então Sr.ª Deputada Ana Drago, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, para que o limite máximo do subsídio proposto no diploma fosse aumentado para mais de um salário mínimo nacional, de modo a abranger um maior número de núcleos familiares. Finalmente e não menos decisivo, todos ouvimos atentamente os judiciosos conselhos da Sr.ª Deputada Luísa Salgueiro, do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, que abriram caminho para o alargamento do universo dos destinatários do diploma, de 16 para 18 anos. Importa também referir que não ignoramos as oportunas referências que o PS fez em matéria laboral, no sentido do alargamento dos direitos das famílias afectadas por este grave problema. Foi então grande a esperança com que o PSD ouviu as encorajadoras palavras e as sugestões muito construtivas trazidas ao debate pelos diferentes grupos parlamentares, em especial — permitam-me — o do Partido Socialista. Porém, grande foi a tristeza e maior a desilusão quando, pouco depois, a actual maioria política resolveu rejeitar, de forma inapelável, o diploma que o PSD apresentara, não permitindo, sequer, que o mesmo baixasse para apreciação na especialidade. Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desistir não é uma alternativa admissível quando defendemos questões de princípio. Não concebemos desistir quando se trata de crianças e jovens que, mercê de um insondável arbítrio da natureza, foram marcados por uma doença cruel e desumana. Por isso, o PSD apresentou novamente um diploma que visa reconhecer uma protecção especial a essas crianças e jovens, bem como às suas famílias, consubstanciada no projecto de lei n.º 372/X, hoje em discussão. Não se trata de um diploma novo quanto à sua ideia matriz ou quanto à essência das soluções que apresenta. Continua, assim, a consagrar regras de protecção no trabalho, não abdica da criação de apoios financeiros, nos quais se inclui o subsídio para a assistência, e mantém inalterados os mecanismos de apoio educativo e psicológico que se continham no projecto inicial. Porém, o projecto de lei que hoje apreciamos alargou o âmbito pessoal dos principais beneficiários das medidas de apoio nele previstas a todas as crianças e jovens com idade até 18 anos — como o PS bem sugeriu — e já não só aos menores de 16 anos. Estendeu as medidas de protecção no trabalho aos adoptantes, tutores ou a quaisquer pessoas relativamente às quais tenha sido deferida a confiança judicial ou administrativa da criança ou jovem, bem como aos cônjuges ou pessoas que vivam em união de facto com o progenitor ou responsável pela criança ou jovem, e já não só a estes. Para que outros não acusassem os proponentes da iniciativa de fazerem perigar a sacrossanta consolidação orçamental, estabeleceram-se mesmo critérios mais apertados para a concessão do subsídio de assistência. Se o diploma manteve o montante desse subsídio em 70% da remuneração de referência dos beneficiários, razões de justiça social ditaram o aumento do seu limite para dois salários mínimos mensais nacionais. Prolongou-se também o tempo máximo de concessão desse subsídio, de três para seis anos. Finalmente, criaram-se obrigações especiais para o Estado e outras entidades no domínio da informação aos beneficiários do diploma sobre o modo de exercício dos seus direitos. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A alguns pode este projecto parecer excessivo, a outros, porventura, insuficiente, a nenhuns, estou certo, indiferente. Mas àqueles que porventura o considerem excessivo, lembro que estamos a falar de crianças e jovens com cancro. Não uma doença como as outras. É de cancro, verdadeiramente, que estamos a falar, de uma doença que mata, que é tão mais agressiva e mortal quanto mais jovem for a vítima que escolheu. Por isso, ouso pedir a todos os Srs. Deputados, independentemente do grupo parlamentar a que pertençam, que façam valer os altos ideais do personalismo e do humanitarismo, que seguramente perfilham, para com estes nossos jovens concidadãos. Em 2005, disse desta tribuna que a iniciativa que então apresentei tinha como único objectivo oferecer condições de maior justiça para a vida das famílias cujos membros mais jovens foram atingidos por doenças oncológicas. Disse também que a discussão não pretendia ser um ponto de chegada, era antes um ponto de partida. Hoje continua a ser verdade o que antes afirmei. Como há ano e meio, o PSD está receptivo aos contributos de todos os Deputados sem excepção, em sede de discussão na especialidade, que entendam dever apresentar para enriquecer, melhorar ou aperfeiçoar o diploma em discussão. Não pretendo, como primeiro subscritor deste diploma, que o mesmo tome o meu nome ou sequer o do PSD, que é o do meu partido. Quero mesmo que seja, de todos nós, um sinal para o País de que as instituições políticas também servem para proteger a vida e não só para cercear direitos, como, infelizmente, vem acontecendo nos últimos anos. O espírito politicamente altruísta com que o PSD encara a aprovação do projecto de lei n.º 372/X é seguramente acompanhado pela esperança que os portugueses terão em que a Assembleia da República não inviabilize, pela segunda vez, a discussão de um diploma que tem propósitos nobres, propostas realistas e que é, acima de tudo, genuíno e profundamente solidário. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Termino confiado de que desta vez todos, independentemente da ideologia que professemos ou do partido ou grupo parlamentar a que pertençamos, mereceremos o respeito e o reconhecimento das famílias portuguesas que têm filhos que sofrem de cancro, bem como de todos aqueles que se preocupam com o bem comum, votando favoravelmente um diploma tão importante como aquele que hoje discutimos e criando um regime especial de protecção de crianças e jovens com doença oncológica.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como penso que não há mais inscrições, quero deixar aqui cinco notas finais. A primeira é para agradecer aos Srs. Deputados que intervieram nesta matéria — Bernardino Soares, João Semedo, Maria José Gambôa, Teresa Caeiro e Francisco Madeira Lopes — as referências que fizeram e a disponibilidade que manifestaram. Agradeço sinceramente as referências, quer as que foram elogiosas, quer as que se referiram a normas ou situações do projecto de lei que precisam de ser melhoradas. Em segundo lugar, Sr. Deputado João Semedo, V. Ex.ª compreenderá que eu não responda ao desafio político que aqui fez, embora o compreenda. Penso que, nesta matéria, estamos numa situação — eu, pelo menos, estou — de tentar encontrar aqui pontos de encontro e não divergências. Sei do interesse que tem essa matéria, poderemos falar muito sobre isso, aliás, o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes também se referiu a ela, mas compreenderão que nesta matéria, que considero muito sensível, não procure o debate político antes tente encontrar pontos de convergência entre todos nós, para que tenhamos uma lei que apoie as crianças e os jovens com problemas oncológicos. Em terceiro lugar, quero sublinhar a posição do Partido Socialista. De facto, o Partido Socialista caminhou no sentido que todos desejávamos, e isso é de saudar. Quero, portanto, agradecer e sublinhar a posição do Partido Socialista, apesar das dúvidas. A dúvida é o princípio de todo o conhecimento e, portanto, é com as dúvidas do PS e as de todas as outras bancadas que estamos aqui para fazer um diploma melhor, possivelmente muito melhor do que aquele que eu fiz. Não sou especialista e, felizmente e graças a Deus, porque acredito, não tenho qualquer caso que me tenha tocado particularmente, tenho conhecimento de terceiros por interpostas pessoas, mas acho que o Estado deve fazer alguma coisa neste sentido. Quero, portanto, sublinhar e agradecer este caminho do Partido Socialista. Em quarto lugar, quero aceitar o desafio aqui feito pela Sr.ª Deputada Teresa Caeiro e por outros Srs. Deputados para considerar esta matéria, este projecto de lei, não como um ponto de chegada, como disse, mas como um ponto de partida. Portanto, sejam bem-vindas todas as sugestões, porque o que quero é que, certamente com um tempo limite, como todos compreenderão, tenhamos aqui um conjunto de regras que apoiem as famílias, no sentido mais amplo, como aqui já foi referido, e que se estendam às sugestões da Deputada Teresa Caeiro e da Deputada Luísa Salgueiro, que interveio na última vez em que a matéria foi aqui discutida. Tudo isto são matérias que deveremos carrear para este projecto de lei, para podermos apresentar um diploma que, de facto, em relação a esta matéria, corresponda aos anseios e às expectativas de quem nos elegeu. Em quinto lugar e último, quero deixar aqui um apelo sobre o tempo da discussão. Temos uma necessidade «descoberta», temos uma expectativa gerada, porque as pessoas, apesar de tudo, sabem que existe aqui uma predisposição de todos para aprovar legislação neste sentido, por isso o apelo que deixo aos grupos parlamentares é que, em conjunto, num prazo razoável — não se pede que seja amanhã, nem em um ou dois meses, mas, certamente, pede-se que seja até ao fim deste ano, na próxima sessão legislativa —, encontremos aqui, incluindo aquilo que a Sr.ª Deputada Maria José Gambôa falou em relação à própria revisão da lei do trabalho, uma resposta para que consigamos encontrar um regime de protecção do Estado aos jovens e menores que tenham problemas oncológicos.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Discutimos novamente um projecto de lei, embora alterado em vários dos seus aspectos, como o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva referiu na sua intervenção, respeitante à atribuição de alguns apoios em situação de crianças com doença oncológica. Na última discussão que teve lugar abordámos esta matéria de forma favorável e mantemos essa perspectiva em relação a este projecto de lei, que, não obstante, é passível de melhoramentos na especialidade, sobretudo ao nível da coordenação com outras matérias e outros direitos que já existem neste campo. Mas não podemos deixar de dizer que é um projecto de lei oportuno e que a sua aprovação seria um sinal muito positivo de início de um caminho para se legislar sobre apoios numa situação tão dramática como a que a prevê este diploma. Já no anterior debate disse que era muito importante que se garantissem condições para que estes apoios fossem cumpridos e respeitados, por exemplo, no que dizia respeito ao mundo laboral, no sector privado. Mas tenho agora de acrescentar que, pela forma como as coisas estão a processar-se na Administração Pública e dadas as políticas que o Governo aí está a aplicar, penso que à preocupação que então expressei teremos neste momento de acrescentar que também o Estado e as instituições públicas devem garantir que no seio dos funcionários públicos estes apoios sejam igualmente respeitados e não sejam causa de qualquer avaliação negativa ou de qualquer selectividade em função, por exemplo, da assiduidade. Penso também que continuamos, tanto quanto pude apreender deste projecto de lei, a ter necessidade de ponderar alguns apoios sobre a sua duração. É que, tendo em conta a especificidade desta doença e a duração que ela própria pode ter, e que é variável, penso que não faria sentido que numa fase em que ela ainda ocorre cessassem alguns dos apoios que aqui estão previstos, passando-se de uma posição de apoio para uma posição de não apoio de uma forma brusca e não fundamentada, uma vez que a situação objectiva pode manter-se. No entanto, penso que podemos encontrar maneira de resolver essa matéria em sede de especialidade. Pela parte do PCP, estamos disponíveis para dar esse contributo. É também muito importante que esta legislação, quando e se consagrada, seja amplamente difundida no que diz respeito aos seus direitos entre os seus destinatários, para que todos saibam quais os direitos com que contam, de forma a não haver uma discriminação positiva dos mais informados que — nem sempre, mas em regra — tendem também a ser os mais favorecidos, deixando numa maior desprotecção aqueles que, menos favorecidos e muitas vezes menos informados, mais necessitam destes apoios que estão estabelecidos e propostos neste projecto de lei.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A assistência na doença nos modelos mais evoluídos de prestação de cuidados não se encerra nem se limita a garantir o acesso, a qualidade, a competência e a excelência do tratamento, considerando aqui tratamento no sentido amplo de ciclo ou sucessão de decisões e intervenções exclusivamente técnicas e clínicas. A Medicina, enquanto disciplina centrada no tratamento da doença, necessita e desenvolve-se através da sua capacidade de incorporar, integrar e articular-se com outras ciências, mas também com outros suportes, outras valências de apoio à sua condição e situação de doente e que influenciam, interferem e repercutem na individualidade biológica, psicológica, cognitiva, afectiva e social do doente. Dito isto, hoje não basta tratar, medicar, internar ou operar bem. É preciso cuidar; cuidar do doente mas, também, cuidar do indivíduo enquanto ser humano e ser social. Por este conjunto de razões, e abordando agora directamente o projecto de lei apresentado pelo PSD, gostaria de dizer que concordamos genericamente com o projecto de lei que visa definir um novo quadro de apoios à criança e ao jovem vítima de doença cancerosa e também à respectiva família, em particular aos pais. No entanto, não percebemos a razão que levou o PSD a deixar de fora outro tipo de apoios, sobretudo os que dizem respeito às dificuldades que muitas famílias portuguesas enfrentam para suportar a parte dos tratamentos não comparticipada pelo Estado e para — e esse é outro problema importante — garantir a alimentação devida e indispensável às crianças e jovens vítimas de cancro, nas diferentes fases da evolução da doença, tanto mais que a experiência diz-nos que nestas situações e em grande número de casos são estas as principais carências e dificuldades deste tipo. Permitam-me também que faça um breve comentário político e que diz respeito ao seguinte: este projecto de lei tem um mérito, ou seja, o mérito de abordar o doente e a doença no sentido mais amplo do que aquele a que estamos habituados. No entanto, sendo esse o seu mérito, gostaria de dizer que, nesse sentido, este projecto de lei apresenta-se em contradição e ao arrepio do que tem sido o pensamento mais conservador e a singeleza tecnocrática de muitas posições e propostas do PSD nesta matéria de política de saúde e de outras políticas que temos aqui discutido na Assembleia da República. Por isso digo que foi com surpresa que registámos esta iniciativa do PSD, não tanto por se tratar de uma reapresentação, pois ela é, naturalmente, sempre legítima e neste caso concreto é uma reapresentação bastante razoável, mas porque, se olharmos para esta Legislatura — e estamos praticamente no fim da 2.ª Sessão Legislativa —, este é o primeiro projecto de lei que o PSD apresenta sobre política de saúde e trata-se, no caso concreto, de uma reapresentação do mesmo projecto de lei. De facto, isto permite-nos dizer — e não gostaríamos de terminar sem fazer essa avaliação — que a oposição à política de saúde do Governo do Partido Socialista e do Ministro Correia de Campos não está, de facto, na bancada do PSD, não está nas bancadas da direita. Muito do vosso alarido oposicionista não passa mesmo disso, ou seja, de um alarido sem muito sentido e sem grande consequência política. Portanto, de alguma forma vos felicitarei se isto significar que os senhores vão ter nesta Câmara uma posição mais activa, mais correcta, mais justa e mais equilibrada no combate à política do Partido Socialista em matéria de saúde. Para terminar, gostaria de dizer que se foi com surpresa que recebemos este projecto de lei do Partido Social-Democrata, é com alguma curiosidade que esperamos a posição do PS. Exactamente! Mas apesar de tudo queria anunciar a minha curiosidade! Queria anunciar a minha curiosidade na exacta medida em que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista tem sido «refém» da política do corte sistemático, do apoio à política de redução da despesa a qualquer preço. Assim, gostaria de ver se, finalmente, uma vez que seja, fazem jus ao nome que trazem, isto é, Partido Socialista, e se apoiam um projecto que, de facto, tem um cunho humanista e uma visão progressiva sobre a matéria de apoio aos nossos doentes, em particular às crianças e aos jovens. Neste contexto, o projecto de lei hoje em apreciação é do ponto de vista dos objectivos que preconiza globalmente positivo. Contudo, não obstante a pertinência dos fundamentos que lhe estão subjacentes, gostaríamos de salientar o nosso entendimento relativamente a alguns aspectos do seu conteúdo em que deveria, eventualmente, ter uma abordagem mais ampla, por forma a considerar outras doenças que se revestem de características similares e, enquanto tal, merecedoras também de igual protecção, não se vislumbrando nos fundamentos que apresentam razão para que não tenham sido referidas. É porque ao restringir o campo de aplicação exclusivamente às doenças do foro oncológico, o projecto de lei n.º 372/X encerra uma lógica de discriminação positiva relativamente a um determinado grupo de cidadãos em detrimento de outras situações equivalentes. Ora, nessa medida, pode configurar a violação do princípio constitucional da igualdade, solução que nos merece, naturalmente, algumas reservas. Assim sendo, não pode deixar de se evidenciar o carácter restritivo e fragmentário do projecto apresentado pelo PSD que cria um regime especial aplicável apenas a um grupo de um universo que careceria, dada a igualdade de circunstâncias, de igual regime de protecção que abrangesse designadamente as doenças actualmente cobertas pela legislação em vigor em sede de regime de protecção na maternidade, paternidade e adopção e de protecção social das crianças e jovens. Acresce que, ao nível das soluções normativas que integra, em especial no plano laboral, o projecto de lei n.º 372/X, para além das questões que já referi, revela também uma profunda desarticulação e desenquadramento com o regime jurídico de protecção de crianças e jovens com deficiência ou doença crónica actualmente em vigor e que, nalguns aspectos, preconiza um tratamento mais adequado e vantajoso face aos interesses em presença. Por exemplo, tratando-se de filhos com deficiência ou doença crónica, o actual Código do Trabalho não impõe qualquer limite de idade para que os pais possam faltar ao trabalho para efeitos de assistência imprescindível e inadiável, direito este que na iniciativa legislativa em discussão apenas é reconhecidos aos pais trabalhadores relativamente aos filhos menores de 18 anos. O mesmo poderemos dizer relativamente ao direito a faltar ao trabalho nos casos de hospitalização do menor que, no âmbito do Código do Trabalho, já se aplica durante todo o tempo que dure a hospitalização sem se colocar qualquer limite etário quando se trate de menor com deficiência ou com doença crónica. Também no que concerne em especial ao subsídio de assistência e de acompanhamento, além da sua desarticulação com as prestações actualmente em vigor, o PSD não cuidou de o caracterizar no quadro do âmbito material dos subsistemas que integra o sistema de protecção social de cidadania ou do sistema previdencial. Como se pode constatar, o projecto de lei n.º 372/X, em bom rigor, apenas inova — e inova numa parte significativa — a consagração do direito ao subsídio para acompanhamento de menores e cujo impacto se desconhece, dado que as restantes matérias laborais, como sejam a das faltas, licenças e condições especiais de trabalho para assistência a menores com doença, já têm enquadramento próprio em sede do Código do Trabalho. Finalmente, importa ter presente que, do ponto de vista sistemático, qualquer alteração no plano laboral ao regime de protecção das crianças e jovens deve configurar alteração ao Código do Trabalho e respectiva regulamentação, mantendo-se a unidade sistemática do regime de faltas e licenças por motivo de acompanhamento e assistência de filho menor, filho com deficiência ou doença. Não se compreende, pois, que sejam os próprios «pais» do Código do Trabalho, que sustentaram a necessidade da codificação do normativo laboral como aspecto nuclear para o acesso ao direito, que agora vêm propor, ao arrepio do regime em vigor, medidas parcelares e avulsas. Contudo, também no que respeita às medidas preconizadas com incidência no plano do apoio educativo e psicológico a iniciativa revela algumas discrepâncias e pouca aderência com o conjunto de medidas que já estão no terreno destinadas a atenuar as inúmeras dificuldades especiais que as crianças e jovens com doença oncológica têm de enfrentar. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Reafirmamos a necessidade de se conferir uma tutela acrescida no campo da protecção dos menores com doença oncológica e outras doenças prolongadas que justifiquem igual tratamento. Fazê-lo corresponde a um imperativo de ordem social e a uma manifestação de respeito e de solidariedade para todos aqueles que têm de enfrentar uma situação tão dramática e com consequências tão graves do ponto de vista pessoal e familiar.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 372/X, apresentado pelo Partido Social-Democrata, cria um regime especial de protecção de crianças e jovens com doença oncológica nos domínios do trabalho, segurança social, saúde e educação. Refira-se que esta iniciativa legislativa foi já apresentada e discutida na anterior sessão legislativa, recebendo no seu formato actual, segundo os seus autores, benfeitorias e precisões que lhe conferem maior clareza do ponto de vista do objectivo principal que encerra. Trata-se de uma matéria importante, considerando o Grupo Parlamentar do Partido Socialista que as crianças e os jovens com doença oncológica devem ter direito a uma protecção acrescida nos mais diversos domínios, nomeadamente no plano do acompanhamento familiar e do apoio médico, da segurança social e da educação. Sabemos que a doença oncológica se associa a um imaginário e a uma realidade de sofrimento e dor humana cuja intensidade se nos afigura impossível de medir. Apesar das aquisições científicas e do investimento na detecção precoce destas patologias, o seu surgimento provoca sempre uma profunda preocupação e desorganização nos quotidianos da vida das crianças e jovens e das suas famílias. Enfrentar com confiança a notícia do diagnóstico, os tratamentos, a luta pela qualidade de vida e, em muitos casos, a luta pela própria vida, particularmente quando essa vida é a dos filhos, é uma experiência que precisa de ser reforçada pela qualidade dos serviços nas redes de suporte familiares, nas redes de auto-ajuda, mas também pelo próprio Estado, nomeadamente nas respostas que tutela ou que pode progressivamente reforçar subsidiariamente, contribuindo desta forma para aliviar o sofrimento de todos os doentes e das suas famílias. Neste contexto, o projecto de lei hoje em apreciação é do ponto de vista dos objectivos que preconiza globalmente positivo. Contudo, não obstante a pertinência dos fundamentos que lhe estão subjacentes, gostaríamos de salientar o nosso entendimento relativamente a alguns aspectos do seu conteúdo em que deveria, eventualmente, ter uma abordagem mais ampla, por forma a considerar outras doenças que se revestem de características similares e, enquanto tal, merecedoras também de igual protecção, não se vislumbrando nos fundamentos que apresentam razão para que não tenham sido referidas. É porque ao restringir o campo de aplicação exclusivamente às doenças do foro oncológico, o projecto de lei n.º 372/X encerra uma lógica de discriminação positiva relativamente a um determinado grupo de cidadãos em detrimento de outras situações equivalentes. Ora, nessa medida, pode configurar a violação do princípio constitucional da igualdade, solução que nos merece, naturalmente, algumas reservas. Assim sendo, não pode deixar de se evidenciar o carácter restritivo e fragmentário do projecto apresentado pelo PSD que cria um regime especial aplicável apenas a um grupo de um universo que careceria, dada a igualdade de circunstâncias, de igual regime de protecção que abrangesse designadamente as doenças actualmente cobertas pela legislação em vigor em sede de regime de protecção na maternidade, paternidade e adopção e de protecção social das crianças e jovens. Acresce que, ao nível das soluções normativas que integra, em especial no plano laboral, o projecto de lei n.º 372/X, para além das questões que já referi, revela também uma profunda desarticulação e desenquadramento com o regime jurídico de protecção de crianças e jovens com deficiência ou doença crónica actualmente em vigor e que, nalguns aspectos, preconiza um tratamento mais adequado e vantajoso face aos interesses em presença. Por exemplo, tratando-se de filhos com deficiência ou doença crónica, o actual Código do Trabalho não impõe qualquer limite de idade para que os pais possam faltar ao trabalho para efeitos de assistência imprescindível e inadiável, direito este que na iniciativa legislativa em discussão apenas é reconhecidos aos pais trabalhadores relativamente aos filhos menores de 18 anos. O mesmo poderemos dizer relativamente ao direito a faltar ao trabalho nos casos de hospitalização do menor que, no âmbito do Código do Trabalho, já se aplica durante todo o tempo que dure a hospitalização sem se colocar qualquer limite etário quando se trate de menor com deficiência ou com doença crónica. Também no que concerne em especial ao subsídio de assistência e de acompanhamento, além da sua desarticulação com as prestações actualmente em vigor, o PSD não cuidou de o caracterizar no quadro do âmbito material dos subsistemas que integra o sistema de protecção social de cidadania ou do sistema previdencial. Como se pode constatar, o projecto de lei n.º 372/X, em bom rigor, apenas inova — e inova numa parte significativa — a consagração do direito ao subsídio para acompanhamento de menores e cujo impacto se desconhece, dado que as restantes matérias laborais, como sejam a das faltas, licenças e condições especiais de trabalho para assistência a menores com doença, já têm enquadramento próprio em sede do Código do Trabalho. Finalmente, importa ter presente que, do ponto de vista sistemático, qualquer alteração no plano laboral ao regime de protecção das crianças e jovens deve configurar alteração ao Código do Trabalho e respectiva regulamentação, mantendo-se a unidade sistemática do regime de faltas e licenças por motivo de acompanhamento e assistência de filho menor, filho com deficiência ou doença. Não se compreende, pois, que sejam os próprios «pais» do Código do Trabalho, que sustentaram a necessidade da codificação do normativo laboral como aspecto nuclear para o acesso ao direito, que agora vêm propor, ao arrepio do regime em vigor, medidas parcelares e avulsas. Contudo, também no que respeita às medidas preconizadas com incidência no plano do apoio educativo e psicológico a iniciativa revela algumas discrepâncias e pouca aderência com o conjunto de medidas que já estão no terreno destinadas a atenuar as inúmeras dificuldades especiais que as crianças e jovens com doença oncológica têm de enfrentar. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Reafirmamos a necessidade de se conferir uma tutela acrescida no campo da protecção dos menores com doença oncológica e outras doenças prolongadas que justifiquem igual tratamento. Fazê-lo corresponde a um imperativo de ordem social e a uma manifestação de respeito e de solidariedade para todos aqueles que têm de enfrentar uma situação tão dramática e com consequências tão graves do ponto de vista pessoal e familiar. Mas entendemos que devemos fazê-lo de forma coerente, abrangendo todas as situações de doença que mereçam o mesmo tratamento de forma ponderada, avaliando o impacto das medidas a adoptar e de forma integrada, ou seja, no quadro da revisão do regime de protecção da maternidade e paternidade que actualmente consta do Código do Trabalho. O Grupo Parlamentar do Partido Socialista, não obstante as omissões e estas imprecisões, viabilizará o projecto de lei n.º 372/X, que deverá ser objecto de uma aturada reflexão em sede de especialidade, em conjunto com a proposta de revisão global do Código do Trabalho e respectiva regulamentação. Esta proposta incidirá também sobre a matéria relativa ao direito dos pais ao acompanhamento e assistência a filhos menores, incluindo as situações de doença prolongada.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, não é preciso ser jurista ou ter experiência como legislador para compreender o valor e a importância do princípio que obriga a tratar de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente. Como sabemos, as doenças do foro oncológico têm características específicas. A terapêutica destas doenças — que, felizmente, tem evoluído — tem características específicas, assim como também as tem o impacto deste terrível flagelo nas crianças, nos jovens e nas suas famílias, de sangue, de adopção ou outras. Não faz, portanto, qualquer sentido aplicar a este universo tão vulnerável um regime jurídico que foi especialmente criado para crianças e jovens com deficiência. Como tal, começaria por saudar mais uma vez o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva, primeiro subscritor desta iniciativa, pela lucidez e elevação que o levaram a introduzir algumas alterações e melhorias relativamente ao projecto de lei inicial. É verdade, reconheço, que, como disse a Sr.ª Deputada Maria José Gamboa, podem ser feitos alguns acertos, pois existirão, porventura, algumas duplicações e redundâncias. Penso, contudo, que tudo isso poderá e deverá ser tratado na especialidade. Até porque, como a Sr.ª Deputada Maria José Gamboa reconhecerá, esta iniciativa tem a virtude de nela agregar uma profusão tão tipicamente portuguesa de legislação avulsa, que leva quem aplica a lei no dia-a-dia a ir buscar um pouco ao Código do Trabalho, um pouco a este regime e um pouco ao regime geral da segurança social. Permite-se, assim, que se centrem num diploma único todos estes aspectos tão importantes. Tudo isto para além das outras características que esta legislação especial se propõe acautelar. Neste aspecto, aliás, destaco como verdadeiramente inovadores o subsídio de assistência e acompanhamento e a comparticipação nas deslocações. A propósito do apoio especial educativo, apontarei o dedo ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista, como partido que suporta o Governo, porque têm existido neste apoio enormes lacunas. Como sabem, não foram indicados professores para muitas crianças que têm deficiências tão diversas como o autismo ou a mera dislexia. Como tal, continuando a dirigir-me especificamente à bancada do Partido Socialista, direi que antes de nos preocuparmos com um apoio especial educativo para as crianças e jovens com doenças do foro oncológico, deveríamos, em primeiro lugar, aplicar a lei que está em vigor. De facto, há muitas crianças que carecem de um apoio educativo especial e não o têm neste momento, como não têm o apoio psicológico de que precisam. Gostaria, por outro lado, de salientar três aspectos: em primeiro lugar, saliento a extraordinária evolução da Medicina a que temos assistido e o apoio que, em Portugal, alguns cidadãos têm dado a esta área em particular. Neste aspecto, gostava de chamar a atenção para o empenho incansável do Sr. Deputado Duarte Lima, colega de bancada dos subscritores desta iniciativa, que tanto contribuiu para o «Banco de medula óssea», que até há bem pouco tempo era incipiente e que já ultrapassa neste momento os 100 000 dadores inscritos. Este esforço permitirá, esperemos, tratar muitas crianças, jovens e adultos que padecem deste tipo de doenças. Depois, gostaria de chamar a atenção para outro aspecto. De facto, para além dos pequenos acertos que é necessário fazer no sentido de evitar duplicar matérias já legisladas, saliento aquilo que me parece ser uma excessiva remissão para regulamentação posterior. Devo dizer, Sr. Deputado Rui Gomes da Silva, que tenho as maiores reticências, dúvidas e cautelas relativamente à excessiva remissão para regulamentação posterior. Diz-nos a experiência que o nosso país é useiro e vezeiro em não regulamentar ou não aplicar muita da legislação adequada e progressiva que tem. Muitas vezes, são invocadas, para justificar tal facto, carências de recursos humanos, técnicos ou financeiros. Ora, o facto de se deixarem muitas portas abertas — como diz o relator, e bem — para ulterior regulamentação permite algumas fragilidades e o protelamento na aplicação deste diploma. Aliás, deixo aqui o compromisso de que o CDS-PP estará, a partir de agora, disposto a acompanhar as aprovações dos Orçamentos do Estado no sentido de saber se haverá cabimentação orçamental para dar cumprimento a este diploma. Concluo dizendo que, se é útil que se estabeleça um regime especial para estas crianças, para estes jovens e para as respectivas famílias, não podemos esquecer que existem outras doenças, crónicas ou altamente incapacitantes, mais ou menos duradouras, mais ou menos intermitentes, por isso era bom que fosse criado um grupo de trabalho ou que isso fosse discutido em sede de especialidade para alargar este diploma a esses casos. Não há motivos para não tratar de forma igual doenças ou situações incapacitantes que tenham características idênticas a estas e, portanto, seria muito curial que a Assembleia da República assumisse, desde já, o compromisso de ponderar quais as circunstâncias e as doenças análogas a esta que deveriam receber, obviamente, uma protecção idêntica. Mesmo com algumas imperfeições e com esta nossa expectativa, esperamos que este não seja mais um exemplo triste de falta de aplicação de legislação que é aprovada, mas, em todo o caso, preferimos algum avanço a avanço nenhum. Reitero, mais uma vez, a disponibilidade do CDS-PP para viabilizar este diploma e contribuiremos, na medida das nossas possibilidades, para a sua melhoria. Esperamos isso também de todos os elementos deste Parlamento, até porque estou certa de que todos nós conhecemos alguma criança, algum jovem ou até algum adulto a quem poderemos dedicar a aprovação deste diploma.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em Outubro de 2005, tivemos ocasião de discutir o projecto de lei n.º 118/X, do PSD, que, no essencial, continha as mesmas ideias, os mesmos princípios e a mesma boa intenção que este projecto de lei encerra. De facto, desta vez, o PSD está do lado das medidas positivas e, por isso, merece a nossa saudação. É claro que esta é uma medida que vem, de alguma forma, «desenjoar», porque as medidas negativas e as medidas de ataque ao Serviço Nacional de Saúde e aos portugueses não foram iniciadas por este Governo, embora, infelizmente, o Partido Socialista as mantenha, dando, assim, continuidade às políticas dos anteriores governos de direita. Contudo, desta vez, o PSD apresentou uma medida positiva — e nós gostaríamos de sublinhar isso —, que, naturalmente, contará com o nosso apoio. A doença oncológica, o cancro, é sempre dramático, pela dificuldade de a combater, pelas muitas formas que assume, pela forma como se encontra, inclusivamente, ligada aos modos de vida actuais, ao próprio ambiente e à falta de qualidade de vida de que as sociedades modernas hoje padecem, ao nível da qualidade da água, do ar e da alimentação, pela surpresa com que se abate, de forma aterrorizadora, sobre os doentes e suas famílias, pelas taxas de mortalidade que lhe estão associadas e pelos métodos terapêuticos extremamente pesados, invasivos e castradores de uma vivência normal. Mas quando este universo negro, de dor e de medo se abate sobre crianças e jovens, o drama é muito maior para todos e atinge também de forma particular os familiares, especialmente os progenitores ou aqueles a cuja guarda as crianças e os jovens doentes se encontram. Ora, nesta segunda tentativa que o PSD faz aqui com a apresentação deste projecto de lei, verificamos que, de facto, foi ao encontro de algumas das sugestões feitas pelos diferentes grupos parlamentares — desde o Bloco de Esquerda, ao CDS, ao Partido Comunista e até ao próprio Partido Socialista —, designadamente no aumento da idade para 18 anos ou na abrangência do universo subjectivo dos beneficiários. Não as acolheu todas, mas certamente que na especialidade ainda haverá muito trabalho a fazer. Mas, se o anterior projecto de lei já mereceu o voto favorável, na generalidade, do Partido Ecologista «Os Verdes», este, com as melhorias entretanto acrescentadas, merecerá, por maioria de razão, o nosso apoio nesta fase. É claro que, na aprovação de um projecto de lei desta natureza, é sempre necessário referir que é desejável, do nosso ponto de vista, que o Serviço Nacional de Saúde e outras instituições públicas sejam preparadas para, de facto, responder a esta nova necessidade social, que é premente e que, aliás, é reconhecida por todos os grupos parlamentares. Queremos saudar também o Partido Socialista, que, desta vez, mostrou mais disponibilidade do que em relação à iniciativa anterior, tendo, inclusivamente, mostrado disponibilidade para trabalhar na especialidade, reconhecendo a necessidade social que existe. Apesar de apontar discrepâncias e omissões no projecto de lei, está disposto a melhorá-lo na especialidade, tal como acontece com Os Verdes. Saudamos esta alteração de atitude e pensamos que ela é positiva, até para criar um projecto de lei mais abrangente e que dê resposta a outras situações que também merecem tutela.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Assistimos, neste debate, a algo de muito interessante: todos os grupos parlamentares dos partidos que não estão no poder concordam que há uma 3 DE MARÇO DE 2007 13 __________________________________________________________________________________________________ excessiva governamentalização nas entidades reguladoras. Até foi aqui dito que a nomeação exclusiva pelo Governo marca, certamente, todo o mandato. Estamos de acordo! Marca, certamente, todo o mandato! Só é pena que esses grupos parlamentares, que defendem esta ideia geral da excessiva governamentalização, venham com questões formais, muitas delas facilmente ultrapassáveis na especialidade, para dizer que o projecto de lei não presta. Ou seja, é preciso que tudo fique na mesma, apesar de entendermos que existe uma excessiva governamentalização. Isto, naturalmente, é inaceitável!! Portanto, os grupos parlamentares da oposição que não estão de acordo com o projecto, por ser vinculativo ou não, por ser nomeado pelo presidente ou não — aliás, aproveito para dizer que o facto de essa competência não estar na Constituição não significa que o Presidente da República não a possa ter, posso até fazer uma relação completa de poderes do Sr. Presidente da República que não estão expressamente previstos na Constituição, pelo que penso que esta é uma questão que não se coloca —, devem deixar de lado as questões formais. Vamos, pois, sair das questões formais e passar às questões materiais. E, aqui, cabe dizer, ao Partido Socialista, algo que é perfeitamente claro: a regulação, em Portugal, não tem assim tantos anos e parece que o Partido Socialista esqueceu o tal conselho do Presidente Jorge Sampaio, em 2004, que apontava no sentido de uma maior independência das entidades reguladoras. Já esqueceu, com certeza, esse conselho! É porque, agora, o que vem fazer é suscitar uma série de questões, invocando, nomeadamente, o passado, que, efectivamente, levam a nada, para dizer por que é que não concordam com este diploma. Deixe-me que lhe lembre, Sr.ª Deputada Sónia Sanfona e demais Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, que o que se passou, nos últimos meses, em relação à regulação em Portugal é um verdadeiro escândalo. Lembro o que se passou, por exemplo, com a Autoridade da Concorrência, em relação à questão da fusão Brisa/Auto-Estradas do Atlântico, em que ficou claramente demonstrado que é preciso que não haja uma relação tão directa entre o regulador e o Governo. Mais: se formos, então, para a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, o que se passou é um superescândalo, com a demissão do ex-Presidente da ERSE e a nomeação apressada pelo Governo — se este diploma estivesse em vigor, isso não aconteceria —, para ouvirmos o Professor Vítor Santos aqui, no Parlamento, e não está em causa a sua pessoa, dizer: «Estou de acordo com tudo o que o Governo vai fazer em relação às tarifas eléctricas». Poderá existir maior ligação entre o Governo e o novo Presidente da ERSE?!... É que ele não está em desacordo com nada, no fundo, vai fazer tudo aquilo que o Governo quer, e ainda bem que o vai fazer, porque, com este Ministro da Economia, era necessário ter como Presidente da ERSE alguém que fizesse tudo o que ele quer. As trapalhadas com as questões das tarifas eléctricas vêm demonstrar que, em Portugal, era fundamental que a nomeação dos representantes das entidades reguladoras tivesse uma participação do Parlamento. E não me venham os grupos parlamentares da oposição em relação ao actual Governo suscitar questões, como o Bloco de Esquerda, que suscitou seis questões... Bom! É que há questões formais e não formais que se podem, obviamente, resolver em sede de especialidade, e é esse o desafio que aqui se deixa. Se há uma governamentalização, como há, e isso fica no Diário, porque existe, como nunca houve, em relação às entidades reguladoras, em Portugal, é preciso que se faça alguma coisa. E o PSD fica de consciência tranquila, porque apresentou um projecto de lei, exactamente para evitar a vergonhosa governamentalização das entidades reguladoras. 14 I SÉRIE — NÚMERO 56 __________________________________________________________________________________________________ O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, concluído este debate, vamos passar à apreciação, na generalidade, da proposta de lei n.º 114/X — Autoriza o Governo a alterar o Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro, que estabelece o regime jurídico do sector empresarial do Estado. Para apresentar a proposta de lei, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda tem seis objecções ao projecto de lei, apresentado pelo PSD, sobre nomeação e cessação de funções dos membros das entidades reguladoras independentes. Em jeito de nota prévia, gostaria de dizer que consideramos muito legítima a preocupação com a independência e a isenção do exercício das entidades reguladoras, mas ela é de acautelar tanto em relação ao Governo como aos interesses que estejam ligados a determinados sectores. É a defesa independente do interesse público, fora de pressões e manipulações ilegítimas do Governo ou de interesses privados, que é necessário ter como critério. Neste quadro, temos a observar o seguinte: em primeiro lugar, não nos parece fazer sentido, a propósito dos órgãos dirigentes das entidades reguladoras, legislar unicamente sobre as nomeações e as destituições. Mas mesmo quando assim fosse, como é o caso do presente projecto de lei, faz ainda menos sentido, a nosso ver, tratar delas sem qualquer menção ao regime de impedimentos e de incompatibilidades para as nomeações dos membros dos órgãos directivos dessas entidades, a menos que se entenda que uns — impedimentos — e outras — incompatibilidades — não existam ou são desnecessários, o que, para nós, seria totalmente inaceitável em matéria de tamanha relevância. Em segundo lugar, não se compreende por que se exclui do âmbito de aplicação do presente projecto de diploma a Entidade Reguladora da Saúde. Quanto à entidade reguladora da comunicação social, já sabemos que tem um regime próprio, mas haveria de ser explicado, ao menos na exposição de motivos, por que é que a entidade reguladora de saúde fica de fora. Um lapso? Uma escolha política? Haveria de se entender a razão desta omissão. A terceira observação: não se aceita, como regime-tipo para a nomeação dos órgãos directivos das entidades reguladoras o regime da sua nomeação pelo Presidente da República, ainda que sob proposta do Governo e numa situação de real subalternização da Assembleia da República, convocada para o processo a título meramente consultivo. É mesmo de duvidosa constitucionalidade, a nosso ver, a admissibilidade desta incursão dos poderes presidenciais em áreas tipicamente da competência do Governo! Estou seguro de que, fosse outro o Presidente da República, não se lembraria o PSD desta solução, que é de uma pura habilidade conjuntural. Não se pode reduzir este processo de nomeação a uma espécie de acordo negociado entre o Governo e o Presidente da República, ainda por cima, com exclusiva competência para o efeito do Presidente da República. O Bloco de Esquerda entende que a iniciativa da nomeação, no geral, das entidades reguladoras, com algumas excepções, deve ser do Governo, submetida essa nomeação a prévio parecer vinculativo da comissão parlamentar competente na respectiva área, a quem haveria de ser sujeita a proposta de nomeação de todos, ou de alguns dos membros do órgão directivo a designar. A excepção é obviamente a entidade reguladora da comunicação social, dada a sua especial natureza e o especial regime que já tem, eleita em Assembleia da República, o seu órgão directivo, mas haveria de ser com representação de todos os partidos com assento parlamentar e não o «negócio» do bloco central actual, previsto no actual regime legal. Quarta observação: não se compreende que o projecto de lei não refira os requisitos genéricos dos candidatos — o mérito, a experiência, o currículo. Bastaria, portanto, um acordo do Presidente com o Governo para que qualquer pessoa pudesse ser nomeada, independentemente do seu perfil (até, porque, no projecto de lei, a própria audição da Assembleia da República é praticamente irrelevante, é uma mera questão de forma), e estaríamos, portanto, no domínio do puro clientelismo, como em parte já sucede, actualmente, com a completa governamentalização das nomeações em vigor. Em quinto lugar, como observação mais pontual, valerá a pena referir que, no artigo 3.º do projecto de lei em apreciação, o regime de proibição deveria naturalmente estender-se às destituições dos membros directivos das entidades reguladoras — as destituições são tanto ou mais importantes do que as nomeações para este efeito. Sexta e última observação: as destituições, pelo menos as destituições dos órgãos directivos em bloco, sempre de grande significado político, para além dos fundamentos indicados e com os quais se concorda, deveriam estar dependentes de um processo simétrico ao das nomeações. No nosso entender, o Governo deveria fundamentá-las, perante a comissão parlamentar competente, e sujeitar-se ao parecer vinculativo __________________________________________________________________________________________________ desta ou, pelo menos, ao parecer do conselho consultivo da entidade reguladora em causa, mesmo que não se quisesse ir para um parecer vinculativo, quanto às destituições da comissão parlamentar. Nestes termos, quer as discordâncias de fundo, que já enunciámos, quer a divergência contra várias soluções indicadas quer as omissões e lacunas ao regime proposto, demasiado importantes, que aqui verificámos, levar-nos-ão — determinarão! — o voto contrário desta bancada ao projecto de lei agora proposto pelo PSD. Ao CDS-PP também preocupa tal facto! E propõe que a nomeação e a demissão dos membros dos respectivos órgãos deva caber ao Presidente da República, precedida de uma audição pública neste Parlamento, ou seja, o Governo propõe ao Presidente da República e este nomeia, mas, como fase intermédia deste processo, os nomes dos membros indigitados devem ser comunicados à Assembleia da República para audição pública e a emissão de um parecer não vinculativo sobre essa mesma proposta. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No entender do CDS-PP, que confia no mercado e não vê «fantasmas» onde eles não existem, as entidades reguladoras desenvolvem um trabalho fundamental, que deve ser orientado por três princípios: isenção, independência e imparcialidade. Só assim se pode falar, verdadeiramente, em regulação, tanto mais que em Portugal, muitas vezes, o Estado (através do Governo) é igualmente um parceiro e também a sua actividade carece, por isso mesmo, de ser regulada convenientemente. Não olvidamos, de algum modo, como já foi aqui recordado, que, nos últimos tempos, este Governo tem criado ou potenciado um conjunto de problemas com estas entidades e com os membros nomeados. Basta relembrar a demissão do Presidente da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, todo o imbróglio aí subjacente, a recusa do Sr. Ministro e a procura de instrumentalização governamental desta mesma entidade, a que ninguém foi indiferente. O Orador: — Já para não falar do papel de «almofada» para certas políticas deste Governo que sistematicamente tem sido desempenhado pelo Governador do Banco de Portugal. É preciso mudar as formas de fiscalização destas entidades fiscalizadoras, que, é bom lembrar, exercem funções de Estado e que, por isso mesmo, não podem deixar de ser objecto de um escrutínio de Estado pelas responsabilidades e importância que assumem, e devem assumir, na nossa organização pública. Disso tudo não temos dúvidas e estamos completamente de acordo com o Partido Social -Democrata. No entanto, se assim ocorre quanto aos princípios, às ideias e aos objectivos do presente projecto de lei, o mesmo já não poderemos dizer quanto às soluções apresentadas, que nos suscitam diversas questões. Em primeiro lugar, a proposta de aditamento às competências do Presidente da República. Não só juridicamente, pela dificuldade que vislumbramos da conformidade com o artigo 133.º da Constituição, que prevê a competência do Presidente da República quanto a outros órgãos (e que nos parece taxativo), como, politicamente, por nos parecer que o escrutínio que defendemos, e é exigível, deve pertencer à Assembleia da República e aos legítimos representantes do povo. 3 DE MARÇO DE 2007 9 __________________________________________________________________________________________________ Aceitamos, coerentemente com o que sempre defendemos, uma «parlamentarização», e um reforço da mesma, deste escrutínio, mas não nos parece adequada uma «presidencialização», que é o que se pretende, que não só não é conforme, juridicamente, com a Constituição como cremos que, politicamente, poderá criar, ou potenciar, climas de tensão entre órgãos de soberania, perfeitamente indesejáveis, e que até vai em sentido inverso à génese da organização do nosso sistema político. Na verdade, os poderes que se pretendem instituir ao Presidente da República dificilmente se encaixam na repartição dos poderes executivo, legislativo e judicial, afastando-o de um poder moderador, que deve ter, para um poder de direcção, que, a nosso, não deve possuir.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos, hoje, um projecto de lei do PSD relativo à nomeação e cessação de funções dos membros das entidades reguladoras independentes. Entendem os proponentes como negativo o facto de a generalidade destas entidades, dispersas por diversos diplomas, terem órgãos de direcção designados, exclusivamente, pelo Governo, sem qualquer intervenção de outros órgãos de soberania. Acrescentam que, no Direito Comparado, existem diversas soluções desde a designação pelos Parlamentos até à designação pelos Presidentes da República. No entanto, o que, na verdade, preocupa o PSD é que, no actual regime, não se mostram suficientemente acautelados os princípios da isenção e da independência. Ao CDS-PP também preocupa tal facto! E propõe que a nomeação e a demissão dos membros dos respectivos órgãos deva caber ao Presidente da República, precedida de uma audição pública neste Parlamento, ou seja, o Governo propõe ao Presidente da República e este nomeia, mas, como fase intermédia deste processo, os nomes dos membros indigitados devem ser comunicados à Assembleia da República para audição pública e a emissão de um parecer não vinculativo sobre essa mesma proposta. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No entender do CDS-PP, que confia no mercado e não vê «fantasmas» onde eles não existem, as entidades reguladoras desenvolvem um trabalho fundamental, que deve ser orientado por três princípios: isenção, independência e imparcialidade. Só assim se pode falar, verdadeiramente, em regulação, tanto mais que em Portugal, muitas vezes, o Estado (através do Governo) é igualmente um parceiro e também a sua actividade carece, por isso mesmo, de ser regulada convenientemente. Não olvidamos, de algum modo, como já foi aqui recordado, que, nos últimos tempos, este Governo tem criado ou potenciado um conjunto de problemas com estas entidades e com os membros nomeados. Basta relembrar a demissão do Presidente da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, todo o imbróglio aí subjacente, a recusa do Sr. Ministro e a procura de instrumentalização governamental desta mesma entidade, a que ninguém foi indiferente. O Orador: — Já para não falar do papel de «almofada» para certas políticas deste Governo que sistematicamente tem sido desempenhado pelo Governador do Banco de Portugal. É preciso mudar as formas de fiscalização destas entidades fiscalizadoras, que, é bom lembrar, exercem funções de Estado e que, por isso mesmo, não podem deixar de ser objecto de um escrutínio de Estado pelas responsabilidades e importância que assumem, e devem assumir, na nossa organização pública. Disso tudo não temos dúvidas e estamos completamente de acordo com o Partido Social -Democrata. No entanto, se assim ocorre quanto aos princípios, às ideias e aos objectivos do presente projecto de lei, o mesmo já não poderemos dizer quanto às soluções apresentadas, que nos suscitam diversas questões. Em primeiro lugar, a proposta de aditamento às competências do Presidente da República. Não só juridicamente, pela dificuldade que vislumbramos da conformidade com o artigo 133.º da Constituição, que prevê a competência do Presidente da República quanto a outros órgãos (e que nos parece taxativo), como, politicamente, por nos parecer que o escrutínio que defendemos, e é exigível, deve pertencer à Assembleia da República e aos legítimos representantes do povo. 3 DE MARÇO DE 2007 9 __________________________________________________________________________________________________ Aceitamos, coerentemente com o que sempre defendemos, uma «parlamentarização», e um reforço da mesma, deste escrutínio, mas não nos parece adequada uma «presidencialização», que é o que se pretende, que não só não é conforme, juridicamente, com a Constituição como cremos que, politicamente, poderá criar, ou potenciar, climas de tensão entre órgãos de soberania, perfeitamente indesejáveis, e que até vai em sentido inverso à génese da organização do nosso sistema político. Na verdade, os poderes que se pretendem instituir ao Presidente da República dificilmente se encaixam na repartição dos poderes executivo, legislativo e judicial, afastando-o de um poder moderador, que deve ter, para um poder de direcção, que, a nosso, não deve possuir. O papel de um chefe de Estado, no nosso sistema, deve manter-se em pronunciar-se sobre todas as emergências graves para a vida da República, sobre os assuntos respeitantes à condução da política interna e externa do País, enquanto representante dessa mesma República e garante da independência nacional. São estas as competências atribuídas ao Presidente da República. A nosso ver, elas são suficientes e em nada colidem com os necessários regulação, escrutínio e fiscalização da actividade das entidades reguladoras. Também temos algumas objecções na especialidade, porquanto não se descortina a finalidade de um parecer não vinculativo da Assembleia da República na sequência de uma audição a realizar, tanto mais que num caso que poderia ser considerado similar, o da indigitação do Secretário-Geral do Sistema de Informações da República Portuguesa, esta audição é realizada em sede de comissão, mas não dá lugar a qualquer parecer da parte dessa mesma comissão. Com efeito, o controlo político dessa nomeação é garantido em si mesmo pela realização dessa audição pública, e cada partido representado na Assembleia da República pode tomar as posições que entender e, assim, pronunciar-se sobre a bondade, ou falta dela, destas nomeações. Preferíamos, assim, uma solução que consagrasse a obrigação de o indigitado apresentar previamente um currículo e um programa de acção, seguida dessa à audição, e que permitisse ao Parlamento conhecer, com a antecedência possível, o percurso profissional e o respectivo programa que o nomeado pretende exercer. É verdade que nos parece positiva a proibição de nomeação de membros dos órgãos das entidades reguladoras depois da fixação da data das eleições presidenciais e até à posse do novo presidente, bem como após a convocação de eleições para a Assembleia da República e até à posse da nova Assembleia, mas desde que a competência de nomeação não pertença, como agora se pretende, ao Presidente da República. Proíbe-se o Sr. Presidente da República de praticar um acto que se contenha dentro das suas competências só porque existem eleições justamente marcadas pelo próprio. Não compreendemos esta solução do Partido Social-Democrata! Sr. Presidente, em suma, o presente projecto de lei do PSD tem uma motivação que partilhamos inteiramente, mas apresenta soluções que nos merecem muitas dúvidas, para não dizer sérias reservas. Tudo visto e ponderado, é nosso parecer que devemos, em conjunto, estudar de forma mais aprofundada esta proposta, em nome de uma regulação que, para o CDS-PP, deve ser cada vez mais presente, responsável, eficaz e, sobretudo, Srs. Deputados, independente.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata apresentou, nesta Câmara, o projecto de lei n.º 344/X, visando a adopção de um novo regime de nomeação e cessação de funções dos membros das entidades reguladoras independentes. Em nome dos princípios da independência e da isenção, por todos reconhecidos, relativamente às entidades administrativas que exercem funções reguladoras, o PSD pretende, agora, alterar de forma avulsa o regime de nomeação e de cessação de funções dos membros dos respectivos órgãos de direcção. __________________________________________________________________________________________________ Em concreto, propõe que a competência para o acto formal de nomeação dos titulares dos órgãos de direcção das entidades reguladoras seja transferida para o Presidente da República, sob proposta do Governo, sendo essa decisão de nomeação antecedida da realização de uma audição pública na comissão parlamentar competente desta Assembleia. A solução técnica proposta pelo PSD apresenta claras insuficiências, desde logo ao nível da sua compatibilização com o texto constitucional. De facto, no elenco das competências do Presidente da República relativamente a outros órgãos, constante do artigo 133.º da Constituição da República Portuguesa, não consta o poder de nomeação dos membros das entidades reguladoras. A solução proposta suscita, por isso, fundadas dúvidas de natureza jurídico-constitucional, atendendo a que se trata de um catálogo fechado de competências do Presidente. Ao remeter para a esfera presidencial, e sem qualquer suporte constitucional, os poderes de nomeação e exoneração dos membros das entidades reguladoras, o PSD não está a reforçar o estatuto de independência destes organismos, mas tão-somente a introduzir um factor de destabilização, susceptível de afectar negativamente a imagem e a credibilidade destas entidades. A alteração completa do procedimento de nomeação e exoneração proposta pelo PSD, visando o reforço dos poderes presidenciais, afecta gravemente a imagem de isenção e independência destas entidades, resultante de uma prática de vários anos, agitando injustificadamente o eterno fantasma da governamentalização. A neutralidade dos titulares dos órgãos das entidades reguladoras é desde logo garantida pelo respectivo estatuto legal definido em cada lei orgânica, onde se estabelecem, em concreto, os respectivos regimes de incompatibilidades e impedimentos, nomeadamente por via da aplicação do regime dos titulares de altos cargos públicos. No sistema actual, não existe um poder efectivo ou real de direcção e controlo por parte do Governo: a intervenção do órgão executivo encontra-se limitada à faculdade de nomeação e de exoneração dos respectivos membros directivos. A ideia da autoridade reguladora independente, cuja tradução no nosso texto constitucional é a de entidade administrativa independente, admite a sua previsão legal no quadro constitucional, mas exige, simultaneamente, a consagração de um princípio de unidade da acção governativa. Isto é, a regulação independente que este processo procura apreender é, fundamentalmente, uma regulação independente, enquanto entidade, face ao Governo e aos interesses regulados. Por isso, o grande desenho desta arquitectura institucional tem que ver, sobretudo, com o equilíbrio entre a salvaguarda das linhas gerais de política governamental, que cabem ao Governo, e a responsabilidade autónoma e independente destas entidades. A natureza independente das entidades reguladoras não é em si mesma incompatível com o actual processo de nomeação dos respectivos titulares. O exercício neutral deste tipo de funções, visando uma regulação eficaz dos mercados ou de determinados sectores de actividade, constitui também uma responsabilidade governamental sujeita ao escrutínio público normal em democracia, através do exercício regular do direito de voto. Daqui decorre que o procedimento vigente de nomeação governamental dos titulares dos órgãos das entidades reguladoras independentes não é susceptível de inquinar a isenção ou a independência dos mesmos, desde logo porque esse procedimento se encontra balizado pela lei, através dos respectivos estatutos orgânicos, e pelas normas genéricas decorrentes do regime aplicável aos titulares de altos cargos públicos, como se disse. Por outro lado, a menos que o PSD assuma a sua desconfiança face à independência e neutralidade destas entidades (e lá saberão porquê), não se divisam o alcance e a utilidade desta iniciativa. Aliás, nesta matéria como noutras, o Partido Socialista não aceita lições de qualquer outra bancada. Importa recordar, porque assume toda a relevância no actual contexto, que o único grupo parlamentar que historicamente apresentou uma iniciativa tendente a definir um quadro genérico de regulação de entidades desta natureza foi exactamente o do PS, nomeadamente na anterior Legislatura, tendo a maioria PSD/CDSPP chumbado tal iniciativa. O projecto de lei n.º 178/IX, do PS, então inviabilizado pela maioria de direita, previa, entre muitos outros aspectos, ajustamentos na forma de nomeação dos titulares de órgãos reguladores valorizando o papel desta Câmara, mas não subvertendo a lógica constitucional de equilíbrio entre os diversos órgãos de soberania. Assim se demonstra, para além do mais, Sr.as e Srs. Deputados, que o PS não é insensível a esta temática, nem recusa a discussão da mesma. Tal não significa, contudo, que encontre no projecto do PSD ora em apreço um caminho válido e útil para a prossecução dos objectivos de valorização do papel regulador destas entidades. 3 DE MARÇO DE 2007 11 __________________________________________________________________________________________________ No momento oportuno, da forma adequada e de acordo com a sua agenda, o Partido Socialista estará, uma vez mais e como sempre, à altura das suas responsabilidades. Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para a consideração da oportunidade desta iniciativa legislativa, certamente que muito contribuiu o «filme» de intriga e suspense, com uns toques de comédia, «Afinal, quanto vamos pagar pela tarifa eléctrica em 2007?», filme que teve como actores principais o Ministro da Economia e da Inovação e o Presidente da ERSE. Qualquer ilusão ou dúvida que houvesse sobre a independência da ERSE esfumou-se rapidamente: segundo o novo presidente, a independência passa, fundamentalmente, pelo exercício de um magistério de influência sobre o Governo. Mas este «filme» tinha sido antecedido pela «curta-metragem» «Concentração nas auto-estradas». Como é sabido, a Autoridade da Concorrência pronunciou-se contra a tomada da posição maioritária da Brisa — Auto-estradas de Portugal na Auto-estradas do Atlântico, por eliminação da concorrência. O Ministro da Economia e da Inovação decidiu em sentido contrário, invocando o interesse nacional, o que nesta matéria é difícil deixar de estar em causa, mas não rebateu a argumentação da Autoridade da Concorrência. Mas algumas das entidades administrativas independentes também não ajudam, pelas suas decisões contraditórias e incoerentes, à afirmação da dita independência, como é patente nos «filmes» das ofertas públicas de aquisição (OPA) em projecção há mais de um ano. Em qualquer dos casos se reporta a monopolização, outros dirão oligopolização, dos sectores. Na OPA da Sonae sobre a Portugal Telecom (PT), se concretizada, onde havia três operadores passará a haver dois, com o controlo de 2/3 do mercado das telecomunicações móveis. No caso da OPA do BCP sobre o BPI, actualmente há quatro grupos a controlar 75% do mercado bancário e passará a haver três. Em qualquer dos casos, a Autoridade da Concorrência «põe umas peninhas nos chapéus» — os operadores virtuais, uns tantos balcões, etc. —, mas não vê, ao contrário do que sucedeu nos casos da Brisa/Auto-Estradas do Atlântico ou dos grupos Arriba/Barraqueiro, problemas para a concorrência. Poderíamos ainda perguntar qual é a efectiva actividade reguladora do Banco de Portugal sobre a actividade predatória da banca em torno das comissões, dos arrendamentos, e muitos outros aspectos. Mas o «filme» recente da nomeação da nova administração da ERSE é também muito elucidativo de independência destes órgãos. Depois de demitir Jorge de Vasconcelos, assim impedindo a sua audição na Assembleia da República (disse o Ministro da Economia e da Inovação, na passada quarta-feira, na Comissão de Assuntos Económicos, Inovação e Desenvolvimento Regional: «não o autorizei a vir à Comissão de Assuntos Económicos»),… 12 I SÉRIE — NÚMERO 56 __________________________________________________________________________________________________ O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Afinal, foi ele!
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei em apreço tem como objectivos assegurar a independência e reforçar o escrutínio democrático na nomeação e cessação de funções dos membros das ditas entidades administrativas independentes, face à relevância de funções, que lhes estão cometidas, de regulação ou de supervisão do mercado, através da intervenção neste processo da Assembleia da República e do Presidente da República. Embora seja uma questão secundária, começa por não se perceber por que se deixam de fora, na enunciação feita no n.º 1 do artigo 1.º, relativo ao âmbito de aplicação, entidades como o Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos, a Entidade Reguladora da Saúde ou o Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento. Percebem-se melhor as tempestivas preocupações do grupo parlamentar proponente, os «tratos de polé» a que tem estado sujeita a pretensa independência de algumas das referidas entidades independentes. Mas é um facto que quando se chega à oposição se vêem muito melhor estas coisas, clarifica-se a visão como que por milagre da água de Santa Luzia…! Aliás, o PSD repesca ideias de projectos do PS de 2000 e de 2003, então chumbados pela maioria governamental PS/CDS-PP. Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para a consideração da oportunidade desta iniciativa legislativa, certamente que muito contribuiu o «filme» de intriga e suspense, com uns toques de comédia, «Afinal, quanto vamos pagar pela tarifa eléctrica em 2007?», filme que teve como actores principais o Ministro da Economia e da Inovação e o Presidente da ERSE. Qualquer ilusão ou dúvida que houvesse sobre a independência da ERSE esfumou-se rapidamente: segundo o novo presidente, a independência passa, fundamentalmente, pelo exercício de um magistério de influência sobre o Governo. Mas este «filme» tinha sido antecedido pela «curta-metragem» «Concentração nas auto-estradas». Como é sabido, a Autoridade da Concorrência pronunciou-se contra a tomada da posição maioritária da Brisa — Auto-estradas de Portugal na Auto-estradas do Atlântico, por eliminação da concorrência. O Ministro da Economia e da Inovação decidiu em sentido contrário, invocando o interesse nacional, o que nesta matéria é difícil deixar de estar em causa, mas não rebateu a argumentação da Autoridade da Concorrência. Mas algumas das entidades administrativas independentes também não ajudam, pelas suas decisões contraditórias e incoerentes, à afirmação da dita independência, como é patente nos «filmes» das ofertas públicas de aquisição (OPA) em projecção há mais de um ano. Em qualquer dos casos se reporta a monopolização, outros dirão oligopolização, dos sectores. Na OPA da Sonae sobre a Portugal Telecom (PT), se concretizada, onde havia três operadores passará a haver dois, com o controlo de 2/3 do mercado das telecomunicações móveis. No caso da OPA do BCP sobre o BPI, actualmente há quatro grupos a controlar 75% do mercado bancário e passará a haver três. Em qualquer dos casos, a Autoridade da Concorrência «põe umas peninhas nos chapéus» — os operadores virtuais, uns tantos balcões, etc. —, mas não vê, ao contrário do que sucedeu nos casos da Brisa/Auto-Estradas do Atlântico ou dos grupos Arriba/Barraqueiro, problemas para a concorrência. Poderíamos ainda perguntar qual é a efectiva actividade reguladora do Banco de Portugal sobre a actividade predatória da banca em torno das comissões, dos arrendamentos, e muitos outros aspectos. Mas o «filme» recente da nomeação da nova administração da ERSE é também muito elucidativo de independência destes órgãos. Depois de demitir Jorge de Vasconcelos, assim impedindo a sua audição na Assembleia da República (disse o Ministro da Economia e da Inovação, na passada quarta-feira, na Comissão de Assuntos Económicos, Inovação e Desenvolvimento Regional: «não o autorizei a vir à Comissão de Assuntos Económicos»), o Governo nomeou como novo presidente o ex-secretário de Estado do ministro Pina Moura do governo PS. E, segundo notícias públicas não desmentidas, o Ministro da Economia terá mesmo tentado nomear como vogal um dos seus assessores, mas o líder do PSD ter-se-á oposto, pelo que Manuel Pinho terá optado por José Braz, amigo de longa data e ex-secretário de Estado do ministro Braga de Macedo do governo de Cavaco Silva. Está dito tudo, ou quase tudo, em matéria de independência!... O Orador: — Isto para lá da evidente «captura» de algumas dessas entidades reguladoras pelos poderosos interesses que deveriam ser regulados. Sr. Presidente, Srs. Deputados: As chamadas entidades reguladoras, constituídas por grupos de peritos, personalidades nomeadas pelo Governo, pretensamente independentes e isentos para arbitrar e harmonizar interesses contraditórios, vão sendo multiplicadas por áreas e sectores de bens e serviços de relevante interesse público. De facto, significam o afastamento do Estado da direcção e regulação económica dessas mesmas funções, bem como uma operação política e uma mistificação ideológica visando desresponsabilizar o poder político e os partidos que o exercem das decisões dessas entidades, que podem atingir gravemente a maioria da população e os agentes económicos mais frágeis. Como explica um insuspeito constitucionalista da área do Governo, a importação europeia das comissões reguladoras independentes norte-americanas aconteceu com a Sr.ª Thatcher, acompanhando a liberalização e a privatização da economia. Esta via britânica, segundo o mesmo constitucionalista, estabeleceu as grandes linhas de regulação da economia pós-intervencionista a seguir à revolução neoliberal da liberalização e privatização da economia. O PS e o PSD, e também o CDS-PP, estiveram, e estão, juntos na promoção e implementação das entidades reguladoras e da sua dita independência. Trata-se de uma reconfiguração do Estado para a fase do capitalismo neoliberal reduzido, como agora pretende o Governo do PS, às suas funções nucleares. É a tentativa de neutralização política e ideológica das decisões do Estado, em particular das decisões económicas, a expulsão da política de decisões políticas que cabem ao Governo, como se a fixação de uma tarifa de energia eléctrica ou telefónica ou a deliberação sobre a fusão de empresas em sectores estratégicos não fossem questões centrais das políticas económicas de qualquer governo e pelas quais os governos devem, politicamente, ser responsabilizados!!... Como se essas decisões pudessem ser entregues ao jogo, dito livre, do livre mercado, sob tutela e vigilância de umas quantas personalidades tecnicamente competentes e politicamente isentas! Não foi por acaso que ontem, durante o debate aqui efectuado, a propósito da OPA da Sonae sobre a PT, um Deputado da maioria clamava nada ter o Governo que ver com a operação. Não, era apenas o mercado de capitais a funcionar sob a visão atenta da Comissão do Mercado de Valores Imobiliários e ao Governo restava-lhe assistir e esperar pelo fim do jogo, independentemente da importância desta OPA para o País e para os portugueses. Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto do PSD quer reforçar se não uma independência, que sabe ser impossível, pelo menos a imagem pública de independência das ditas entidades reguladoras, comprometendo no processo de nomeação e cessação dos mandatos dos seus membros a Assembleia da República e o Presidente da República. Julgamos que não é um bom caminho. Bem pelo contrário, o que julgaríamos adequado era a sua clara e transparente subordinação à tutela do Governo. É este que vai ser julgado em futuras eleições e não as entidades ditas independentes.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As farmácias dos hospitais do SNS distribuem diariamente grandes quantidades de medicamentos aos doentes que neles estão internados. No entanto, os mesmos serviços farmacêuticos, que todos os dias fazem isto, estão impedidos de dispensar medicamentos aos doentes em ambulatório, isto é, aos doentes da consulta externa e dos serviços de urgência. Este paradoxo persiste há dezenas de anos e é responsável pela escalada da despesa em medicamentos suportada pelo SNS. Os portugueses interrogam-se muito justamente sobre os motivos deste impedimento. O projecto de lei que agora o Bloco de Esquerda apresenta procura desfazer aquele paradoxo, ultrapassar o impedimento e baixar substancialmente a despesa em medicamentos, através da dispensa ao público pelas farmácias hospitalares do Serviço Nacional de Saúde. Esta mudança, há muito desejada pelos farmacêuticos hospitalares e há muito aguardada pelos portugueses, é de simples e fácil execução em virtude do actual nível de desenvolvimento técnico da generalidade dos serviços farmacêuticos dos nossos hospitais. São sete as principais vantagens do regime que propomos. A primeira é uma maior comodidade para os doentes, que evitariam mais deslocações para adquirir os medicamentos receitados. A segunda é a optimização da capacidade instalada nas farmácias dos hospitais públicos quer em equipamentos quer em recursos humanos altamente diferenciados e preparados. A terceira vantagem é a maior racionalidade na prescrição de medicamentos, alcançada pelo recurso ao formulário hospitalar e à prescrição por substância activa/medicamento genérico. A quarta vantagem é a redução do desperdício em medicamentos não utilizados, através da sua distribuição em dose unitária e na quantidade necessária e suficiente para o tratamento prescrito, processo que constitui, hoje, uma rotina de trabalho nas farmácias dos hospitais do SNS e que, aliás, só nelas é praticada. A quinta vantagem é a diminuição muito substancial da factura em medicamentos suportada pelo Serviço Nacional de Saúde e pelo Estado, em virtude da combinação de vários factores: o menor custo dos genéricos, a redução do preço de compra permitida pela aquisição de grandes quantidades e ainda, como é óbvio, o menor consumo induzido pela distribuição em unidose. A título meramente de exemplo, mas para podermos ter uma noção do actual desperdício e também de quanto o Estado poderia poupar se adoptasse o regime proposto pelo BE, diria às Sr.as e aos Srs. Deputados que um comprimido de uma substância chamada omeprazol, que custa aos hospitais públicos, através do sistema centralizado de compras do Ministério da Saúde, apenas 13 cêntimos, é vendido, sob a forma do genérico mais barato nas farmácias privadas, nas farmácias de rua, nas farmácias de oficina, por 1,7 €. Isto é, o preço do genérico mais barato vendido numa farmácia é 8 vezes mais caro que o preço de compra do mesmo medicamento para um hospital do SNS. Repito, Sr.as e Srs. Deputados: 8 vezes mais caro! A sexta vantagem é a redução significativa do custo suportado directamente pelo utente quer porque os genéricos são mais baratos quer porque este apenas teria de adquirir a quantidade necessária ao respectivo tratamento. A última vantagem é a obtenção pelo hospital de uma receita muito significativa em resultado da diferença entre os preços de compra e de venda dos medicamentos dispensados pelas farmácias desses mesmos hospitais, vantagem potenciada pelo enorme volume de vendas que poderia verificar-se nos hospitais públicos. Em resumo, o regime que propomos facilita o acesso aos medicamentos, assegura maior comodidade para os utentes, garante a qualidade e a segurança das terapêuticas, promove a racionalidade da prescrição médica, potencia o aproveitamento dos recursos humanos e técnicos dos hospitais, combate o desperdício, diminui a despesa do Estado e dos utentes e cria uma fonte de receita para os hospitais públicos. É uma evidência que este regime comporta muito mais vantagens que a instalação de farmácias privadas nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, decidida pelo Governo e acordada com a Associação Nacional das Farmácias. A instalação de farmácias privadas nos hospitais não muda nada de essencial. O que hoje acontece nas farmácias de rua passará a acontecer nas farmácias situadas dentro das paredes dos hospitais públicos. Tudo continuará na mesma: a mesma prescrição, as mesmas marcas, as mesmas embalagens, o mesmo desperdício, os mesmo preços, a mesma despesa para o Estado e para os doentes. Sr.as e Srs. Deputados, nada de significativo mudará no Serviço Nacional de Saúde! Percebemos o entusiasmo da Associação Nacional das Farmácias com a instalação das suas farmácias nos hospitais públicos. É a porta de entrada para tomarem conta de todo o sistema de distribuição do medicamento nos hospitais do Estado, da gestão e da exploração dos serviços farmacêuticos dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, como, aliás, está perspectivado no acordo entre o Governo e a ANF. O Governo promete à ANF um negócio de milhões, de muitos milhões, a troco de coisa nenhuma. O que já não se percebe é a concordância ou o silêncio resignado de todos aqueles, e em especial da bancada do Partido Socialista, que passam os dias a proclamar a eminente bancarrota do Serviço Nacional de Saúde, a bramar contra o desperdício, a empurrar para cima dos cidadãos o custo da redução da despesa pública em medicamentos, a sacrificar aqueles cuja vida é, ela própria, já hoje, um longo e arrastado sacrifício. A proposta que hoje apresentamos procura, interpela, questiona, a verdade e a matriz social do discurso e das decisões políticas de cada um de nós. Há sete anos, em 2000, esta Assembleia aprovou, com os votos do Partido Socialista, a dispensa de medicamentos aos utentes atendidos nos serviços de urgência dos hospitais públicos, apenas a estes doentes e em regime experimental. Foi um primeiro passo no sentido do que agora propomos. Um primeiro passo, diga-se em abono da verdade, logo bloqueado e travado pelos interesses instalados e pela inércia, desinteresse e incúria dos responsáveis pelos serviços públicos de saúde. A nossa proposta, aquela que agora apresentamos, é para retomar esse caminho, para darmos um passo em frente na qualificação e na modernização dos serviços prestados pelo Serviço Nacional de Saúde. No final do debate, ficaremos a saber melhor qual o sentido, o impulso e a substância social do socialismo moderno de que se reclama o PS.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria de começar a minha intervenção por esclarecer o famoso problema dos preconceitos. Em primeiro lugar, ninguém aqui disse uma palavra que fosse contra as farmácias que estão instaladas no nosso país! Uma palavra que fosse! Em segundo lugar, e bem mais substancial, é que ninguém pode ser acusado de, perante interesses contraditórios, defender o interesse público contra o interesse privado. O motivo de crítica seria que qualquer responsável, qualquer cidadão privilegiasse o interesse privado contra o interesse público. E é exactamente esta a discussão que estamos a ter. Sr.ª Deputada, já lhe respondo se é o serviço, se é a propriedade. A Sr.ª Deputada Ana Manso não se encontra presente neste momento, mas eu gostaria de esclarecer que, ao contrário do que o Governo pretende, o nosso projecto de lei é muito claro: as farmácias hospitalares apenas poderiam dispensar medicamentos aos utentes desse hospital — esclareço também a dúvida levantada pela Sr.ª Deputada Teresa Caeiro. Ao contrário, o projecto do Governo, para ser mais aliciante, permite que qualquer cidadão, mesmo que não tenha sido atendido no hospital, possa lá ir comprar uns sapatinhos da Chicco ou uns supositórios Ben-Uron. É isso que propõe o Governo, é essa a diferença. É de acessibilidade e de volume de negócios! Um outro aspecto que desejo referir é que estamos a esquecer que os hospitais públicos, apesar da pesadíssima história de instrumentalização e de governamentalização, são juridicamente entidades autónomas. Aliás, é isso que explica que o decreto-lei do Governo diga que a instalação de farmácias privadas nos hospitais será possível a pedido e por decisão dos conselhos de administração dos respectivos hospitais. E nós dizemos exactamente o mesmo. No limite, até podemos admitir que, num período de transição, o SNS se auto-sujeitasse a experimentar os dois regimes. Só por desconhecimento é que se pode levantar dificuldades à instalação destas farmácias nos actuais serviços farmacêuticos dos hospitais. E porquê? É que as farmácias hospitalares são as únicas que distribuem medicamentos em unidose e que utilizam, por princípio, por norma, por regra, por obrigação, as substâncias e os princípios activos. Não há outras farmácias que o façam! Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos, sabe o que diz o decreto-lei do seu Governo? Não sabe, e eu passo a ler-lhe melhor esta parte, que é muito importante: «As farmácias instaladas nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde podem dispensar medicamentos ao público em unidose». Pergunto-lhe, pois, o seguinte, Sr.ª Deputada: acredita genuinamente que alguma coisa vai mudar no funcionamento das farmácias? Acredita que as farmácias dos hospitais, para responder aos desejos, à bondade, à generosidade e a este bodo que o Governo lhes dá, vão mudar a sua maneira de actuar? Não! Vamos continuar a ter as mesmas embalagens, as mesmas marcas comerciais, tudo se vai manter, porque se o Governo quisesse mudar isso não escrevia «pode», escreveria «deve», o que é muito diferente! Sr.ª Deputada, aproximando-me do fim desta intervenção, quero ainda dizer-lhe o seguinte: não temos quaisquer dúvidas de que a nossa proposta é melhor que a proposta do Governo! Não temos quaisquer dúvidas sobre isso, e creio que a discussão o demonstrou. É melhor para 10 milhões de portugueses! Para quem é que não é melhor? Para alguns interesses — legítimos, naturalmente — de escassíssimos milhares de portugueses que são accionistas ou proprietários da indústria farmacêutica e das farmácias. É má também para a Associação Nacional de Farmácias, que «espreita» aqui o negócio do século, que é tomar conta da distribuição dos medicamentos nos hospitais públicos. Como a Sr.ª Deputada sabe tão bem como eu, o seu Governo também legislou sobre a possibilidade da exploração de certos serviços hospitalares, como farmácias, exames radiológicos ou laboratoriais, poder ser concedida ao sector privado. E o que está subjacente a este negócio é a possibilidade de a Associação Nacional de Farmácias — que é uma enorme «bolha» que o Governo socialista tem vindo a alimentar como nenhum outro o fez —, vir a explorar todo esse segmento de negócio, como, aliás, está no protocolo. O que é de estranhar é que a estes «pequenos» interesses se associem 121 Deputados do Partido Socialista! Isso, sinceramente, é que nós não esperávamos! Ou seja, não esperávamos que perante os interesses de 10 milhões de portugueses os senhores preferissem o lado em que se encontram meia dúzia de interesses. A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Sr. Presidente, peço a palavra.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos hoje o projecto de lei n.º 339/X, apresentado pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, o qual visa estabelecer um regime de 9 DE MARÇO DE 2007 19 dispensa de medicamentos ao público pelas farmácias hospitalares do Serviço Nacional de Saúde. Este debate volta a colocar o Parlamento perante uma questão central, a da saúde. Sabemos que, nesta discussão, a facilitação do acesso aos medicamentos é prioritária e também sabemos que esta não tem sido a opção do Governo. De facto, o olhar do Governo para a política do medicamento tem-se caracterizado por medidas avulsas que não correspondem a uma linha programática estrutural que privilegie a melhoria da acessibilidade dos cidadãos portugueses aos medicamentos baseada na qualidade e na equidade, como avulsos e precipitados têm sido os sucessivos anúncios de encerramento de serviços de saúde, pondo em causa o modelo do Serviço Nacional de Saúde e lançando o pânico nos utentes. O denominador comum é o racionamento. A razão de ser é a insensatez e a arrogância. A consequência é um exercício de destruição da rede de cuidados de saúde sem criar alternativas. A matéria que hoje discutimos tem a ver com a prática já habitual deste Governo: o Ministro da Saúde faz as suas entradas de «leão», não pondera, não dialoga e não explica; a revolta instala-se e o PrimeiroMinistro amedronta-se e dá ordens para recuar. É claro que as agências de propaganda do Governo logo aparecem a tentar transformar o recuo em coragem, mas as pessoas, os portugueses e as portuguesas, não gostam de ser tomadas por parvas. Foi assim com as maternidades, foi assim com as urgências e foi também foi assim com as farmácias. Quem já esqueceu as graves desconsiderações que o actual Ministro da Saúde dirigiu, no passado recente, ao sector farmacêutico?! Quem não recorda que foi este Primeiro-Ministro que acabou por assinar um compromisso do Governo com a Associação Nacional das Farmácias?! Quem não se lembra do acto de contrição do Ministro da Saúde quando este reconheceu que o compromisso então alcançado, e cito, «não teria sido possível sem o empenhamento pessoal e muito forte» do Primeiro-Ministro?! Mas não é ainda possível proceder à avaliação global do verdadeiro alcance desse compromisso, até porque só algumas das medidas nele contidas já foram aprovadas no papel e quase nenhuma foi levada à prática. Sabemos que a instalação de farmácias nos hospitais é uma matéria nova, a nível nacional e internacional, sobre a qual não existe qualquer experiência adquirida, nem quanto ao seu funcionamento, nem quanto às suas consequências no equilíbrio actual do sistema de dispensa de medicamentos à população. Por isso, mandaria o bom senso que, neste caso, se começasse por experiências-piloto, devidamente planeadas e avaliadas. Até hoje nem sequer isso foi feito pelo Governo, assim se continuando a penalizar economicamente as famílias portuguesas e a agravar a despesa pública. Há um ano, muitas mães portuguesas viram-se obrigadas a ir ter os seus filhos em Espanha. Agora, também muitos portugueses têm de ir a Espanha comprar os medicamentos de que precisam. Sr.as e Srs. Deputados: É triste que assim seja! É triste ver o estado a que chegámos, em resultado da inércia política e da insensibilidade social deste Governo. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No que se refere à iniciativa hoje discutida, o PSD considera que a mesma contém virtualidades, quer no que toca à qualidade e racionalidade da prescrição, quer no que respeita à contenção da despesa, quer, ainda, em matéria de acesso aos medicamentos. É verdade que importa acautelar – o que parece suceder no projecto em questão – que as farmácias hospitalares não dispensem medicamentos senão aos utentes inscritos no próprio hospital e apenas nos casos em que estes a elas recorram imediatamente após o seu atendimento clínico. Contudo, não se podem ignorar os riscos sempre existentes de essas farmácias poderem, involuntariamente, promover a procura dos serviços hospitalares, em detrimento dos cuidados de saúde primários, invertendo a dinâmica do sistema e a lógica do circuito do doente no acesso aos cuidados de saúde. Por outro lado, não podemos nem devemos ignorar que o Governo assumiu, em 26 de Maio de 2006, um compromisso político de instalar farmácias de venda ao público nos estabelecimentos hospitalares para dispensarem receituário dos serviços oficiais de saúde e de medicamentos em sistema de distribuição em unidose. No debate mensal em que esta matéria foi discutida, no ano passado, o Sr. Primeiro-Ministro foi muito claro a assumir o referido ajuste nos seguintes termos: «Essas farmácias serão nos hospitais mas serão concessionadas à iniciativa privada, não serão geridas pelos próprios hospitais.». Ora, o que o Partido Socialista tem hoje de dizer aqui é se, com este projecto de lei, o acesso dos cidadãos aos medicamentos melhora, a qualidade da actividade farmacêutica é preservada, ou se, pelo contrário, o facto de os hospitais poderem dispensar esses fármacos põe em causa esse mesmo acesso dos utentes aos medicamentos. No primeiro caso, o PS não poderá votar contra. Se, pelo contrário, o PS entender que este projecto prejudica os utentes, ficaremos, infelizmente, a saber que o poder legislativo da Assembleia da República está subordinado à agenda politica do Governo. E não é assim que deveria ser, Sr.as e Srs. Deputados! O PSD considera que os doentes estão sempre em primeiro lugar em matéria de política de saúde. Por isso, sempre preconizámos o desenvolvimento de uma política do medicamento assente numa estratégia de informação e no rigor e segurança da prescrição farmacológica, acautelando, igualmente, a sustentabilidade da despesa pública e do consumo privado. Consideramos, assim, acertado que os doentes possam aceder aos medicamentos dispensados em meio hospitalar no próprio hospital, desde que, bem entendido, tal suceda no respeito pelos princípios que referi. O nosso compromisso é com os utentes do Serviço Nacional de Saúde. Haverá, com certeza, oportunidade de burilar, de aperfeiçoar esta iniciativa em sede de especialidade, mas queremos desde já adiantar que a votaremos favoravelmente. Oxalá aos Deputados do Partido Socialista seja reconhecida idêntica liberdade. …tendo mais tarde sido seguido de medidas como o prolongamento do horário de funcionamento das farmácias, o aumento do número destas e a revogação da incompreensível obrigatoriedade de a propriedade de cada farmácia ser reservada a farmacêuticos. Dando sequência à decisão anunciada em Maio, foi publicado, em 6 de Dezembro passado, o DecretoLei n.º 235/2006, através do qual o Governo regulou a instalação de farmácias de venda ao público nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde. Este diploma assume um conjunto de medidas inovadoras. Desde logo, o funcionamento ininterrupto das farmácias instaladas ao abrigo deste regime, adaptando-o ao horário da urgência hospitalar e correspondendo às efectivas necessidades dos cidadãos. Depois, o facto de a atribuição da concessão de autorização destas farmácias ter de resultar de um concurso público. Por último, a não obrigatoriedade de se possuir a qualidade de farmacêutico para se ser candidato nesse concurso. O processo está, portanto, em curso! Trata-se de uma medida de modernização que rompe com o paradigma tradicional, pelo que o seu desenvolvimento exige naturalmente prudência. Estão já em preparação concursos em alguns hospitais do Serviço Nacional de Saúde, designadamente nos Hospitais de Santa Maria, de S. João, do Padre Américo, no Centro Hospitalar de Coimbra e no Hospital de Faro, que funcionarão como experiências-piloto. Aqui tem, Sr.ª Deputada Ana Manso, as experiências-piloto! Resulta claro que a concretização deste objectivo de venda ao público de medicamentos nos hospitais do SNS está em marcha. Como podemos então interpretar as motivações do projecto de lei apresentado 9 DE MARÇO DE 2007 21 pelo Bloco de Esquerda, que deu entrada na Assembleia em meados de Janeiro, mais de um mês depois da publicação do referido Decreto-Lei? Seria deselegante filiá-lo em razões de oportunismo político. Resulta cada vez mais claro o acerto das políticas do Governo na área do medicamento. Segundo dados de Fevereiro de 2007, o custo dos medicamentos não sujeitos a receita médica mas vendidos fora das farmácias é agora 1,8% mais barato do que em Agosto de 2005. Repito, 1,8% mais barato!
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quando ouvimos aqui algumas intervenções ficamos a pensar se estamos a falar da mesma realidade ou de outra. De facto, o decreto-lei, publicado em Dezembro, apenas fala da unidose en passant, como princípio, não a regulamenta. Por outro lado, a maioria dos hospitais já tem os serviços de farmácia instalados, dotados de pessoal e de tecnologia, que podem fazer a distribuição em unidose, não só no internamento, como também no ambulatório. Assim, se as preocupações do Governo têm sido economicistas, de racionamento, de diminuição da despesa pública e de diminuição dos encargos para as famílias e para os contribuintes, obviamente que esta é uma boa opção. Portanto, não se compreende como é que o Partido Socialista vai nesta «onda» de querer, a todo o custo, impor a todos os conselhos de administração e a todos os estabelecimentos de saúde, designadamente aos hospitais, a concessão das farmácias ao sector privado. Isto, sem dar a liberdade aos órgãos de gestão e aos conselhos de administração de fazerem opções no interesse dos doentes para melhorar o acesso e a comodidade destes ao medicamento, bem como diminuir os custos e os encargos para as famílias portuguesas e, acima de tudo, para os contribuintes. É esta a contradição que não conseguimos entender por parte do Partido Socialista. De facto, a política do medicamento tem sido, por parte deste Governo, o parente pobre, tem sido uma medida sistematicamente adiada ou, então, com intervenções avulsas. O Governo não tem uma visão global do que é o medicamento e do peso que este tem nas famílias portuguesas, pelo que não podemos entender a posição do Partido Socialista. A não ser que queiram continuar com a posição de estarem «fechados», de estarem com demagogia e de estarem sistematicamente a negar que os hospitais não têm o sistema de unidose, não têm serviços farmacêuticos responsáveis e dotados de pessoal e de tecnologia para poderem fornecer os medicamentos a baixo custo, não só a nível do internamento, mas também a nível dos doentes em ambulatório. Trata-se de uma questão de priorizar e definir quais são as regras em que os hospitais devem funcionar. E devem funcionar, acima de tudo, no sistema de distribuição individual unitária — aquilo a que chamamos unidose —, deixando a capacidade de decisão para os órgãos de gestão, porque é a eles que se pede a responsabilidade. Não se trata de impor, como tem sido hábito por parte deste Governo e do Sr. Ministro da Saúde, mas, pelo contrário, de negociar, de dialogar e de explicar as medidas, dando a capacidade de responsabilidade e autonomia aos hospitais para tomarem as decisões mais correctas, mais coerentes e mais defensoras dos interesses dos doentes no que respeita à acessibilidade aos cuidados de saúde, designadamente o acesso aos medicamentos.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto do Bloco de Esquerda sobre o regime de dispensa de medicamentos ao público pelas farmácias hospitalares do Serviço Nacional de Saúde surge fora de tempo. Foi já em Maio do ano passado que, no debate mensal que decorreu nesta Assembleia, o Sr. PrimeiroMinistro anunciou, no contexto do compromisso com a saúde estabelecido entre o Governo e a Associação Nacional de Farmácias, a criação, nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, de farmácias de venda ao público de medicamentos. Esta proposta inseria-se no cumprimento de um dos objectivos principais enunciados no Programa do Governo para a área do medicamento: melhorar as condições de acessibilidade. É fácil perceber que o cidadão que recorre às consultas ou urgências hospitalares, em particular durante a noite ou aos fins-de-semana, tem clara vantagem em encontrar no mesmo espaço físico um local onde possa adquirir a medicação prescrita. Isto beneficia todos, mas, de modo particular, facilita a vida dos que têm menores recursos e, por regra, maior dificuldade na sua mobilidade. Este projecto de lei surgiu, aliás, enquadrado num vasto conjunto de acções com o mesmo objectivo, desde logo, a venda de medicamentos não sujeitos a receita médica fora das farmácias, já concretizada com a existência de mais de 350 postos de venda, num processo que se vem desenvolvendo de modo gradual e seguro, tendo mais tarde sido seguido de medidas como o prolongamento do horário de funcionamento das farmácias, o aumento do número destas e a revogação da incompreensível obrigatoriedade de a propriedade de cada farmácia ser reservada a farmacêuticos. Dando sequência à decisão anunciada em Maio, foi publicado, em 6 de Dezembro passado, o DecretoLei n.º 235/2006, através do qual o Governo regulou a instalação de farmácias de venda ao público nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde. Este diploma assume um conjunto de medidas inovadoras. Desde logo, o funcionamento ininterrupto das farmácias instaladas ao abrigo deste regime, adaptando-o ao horário da urgência hospitalar e correspondendo às efectivas necessidades dos cidadãos. Depois, o facto de a atribuição da concessão de autorização destas farmácias ter de resultar de um concurso público. Por último, a não obrigatoriedade de se possuir a qualidade de farmacêutico para se ser candidato nesse concurso. O processo está, portanto, em curso! Trata-se de uma medida de modernização que rompe com o paradigma tradicional, pelo que o seu desenvolvimento exige naturalmente prudência. Estão já em preparação concursos em alguns hospitais do Serviço Nacional de Saúde, designadamente nos Hospitais de Santa Maria, de S. João, do Padre Américo, no Centro Hospitalar de Coimbra e no Hospital de Faro, que funcionarão como experiências-piloto. Aqui tem, Sr.ª Deputada Ana Manso, as experiências-piloto! Resulta claro que a concretização deste objectivo de venda ao público de medicamentos nos hospitais do SNS está em marcha. Como podemos então interpretar as motivações do projecto de lei apresentado 9 DE MARÇO DE 2007 21 pelo Bloco de Esquerda, que deu entrada na Assembleia em meados de Janeiro, mais de um mês depois da publicação do referido Decreto-Lei? Seria deselegante filiá-lo em razões de oportunismo político. Resulta cada vez mais claro o acerto das políticas do Governo na área do medicamento. Segundo dados de Fevereiro de 2007, o custo dos medicamentos não sujeitos a receita médica mas vendidos fora das farmácias é agora 1,8% mais barato do que em Agosto de 2005. Repito, 1,8% mais barato! A despesa pública com a comparticipação de medicamentos em ambulatório baixou, em 2006, quase um ponto percentual, mais concretamente 0,9, resultado inédito desde que o Serviço Nacional de Saúde existe, e que contribui de modo assinalável para assegurar a sustentabilidade de um serviço público que reputamos de essencial aos valores solidários da democracia portuguesa. Estima-se para 2007 uma poupança pública adicional de cerca de 116 milhões de euros e para os cidadãos de cerca de 13 milhões de euros. O mercado de genéricos continua a sua sustentada expansão, atingindo, de acordo com os números mais recentes, o valor recorde de 15,15%, com um crescimento no último ano de 88 milhões de euros. Resolvida que estava pelo Governo — e em cumprimento de medidas já divulgadas nesta Assembleia — a criação de farmácias de venda ao público nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, o projecto de lei do Bloco de Esquerda surge fora de tempo e, consequentemente, carecido de justificação! Visivelmente, os autores do projecto podem ter tido ainda uma segunda motivação: o seu conhecido preconceito contra a iniciativa privada — embora reconheça que, nisso, não estão isolados! O que preocupa o Bloco de Esquerda não é tanto saber se vai ou não haver farmácias de venda ao público nos hospitais. O que preocupa o Bloco de Esquerda não é tanto assegurar que os cidadãos vejam, por essa via, facilitado o acesso aos medicamentos que lhes são prescritos. O que verdadeiramente motiva o Bloco de Esquerda não é tanto assegurar o bom funcionamento dessas farmácias e a sua racionalidade económica. Já lá vou, Sr.ª Deputada! O que faz mover o Bloco de Esquerda, salvo o devido respeito, é tão-só impor que seja o Estado o proprietário dessas farmácias. Labora assim em erro por razões políticas e por razões técnicas. Por razões políticas, porque é público e notário que a propriedade privada das farmácias de oficina, ou seja, as farmácias de venda ao público, não representa qualquer problema para o País. As farmácias funcionam de modo genericamente adequado e o grau de satisfação dos utilizadores é elevado, estando por demonstrar que a solução proposta assegura idêntico êxito. São empresas economicamente eficientes, sem perderem de vista a natureza específica do produto que comercializam: o medicamento. Há aspectos a melhorar e distorções a corrigir — o Governo está a fazê-lo —, mas nada disto compromete a evidência de que a propriedade privada das farmácias constitui uma mais-valia para o País e para os portugueses. Por razões técnicas, porque os autores do projecto de lei abstraem das funções específicas das farmácias hospitalares, bem como da distinção entre o modo de organização destas e das farmácias de venda ao público. As farmácias hospitalares são responsáveis pela gestão de uma das tecnologias mais complexas e com maior capacidade de inovação, representando a segunda maior rubrica do funcionamento dos hospitais. As funções da farmácia hospitalar são vastas e progressivamente complexas. Asseguram o aprovisionamento de medicamentos e outros produtos farmacêuticos e os respectivos concursos, mas também um vasto conjunto de outras missões — desde a produção de especialidades farmacêuticas específicas, o controlo da qualidade dos fármacos consumidos, a informação sobre os medicamentos e os seus efeitos adversos, a investigação e a formação pré e pós graduada. As farmácias hospitalares, pela sua estrutura e pelas funções que desempenham, não estão vocacionadas para a dispensa ao público de medicamentos. Obrigá-las a fazê-lo seria provocar um grave entorse no seu funcionamento, sobrepondo tarefas que não são adequadamente conciliáveis. Acresce que as farmácias hospitalares têm atribuições muito diversificadas, conforme os hospitais em que estão inseridas, e não podem ser tratadas de um modo uniforme, como este projecto de lei deixa transparecer. Por último, e não menos importante, estes serviços não estão organizados numa óptica comercial, o que obrigaria também à alteração de todo o seu modus faciendi. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nesta matéria, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista acompanha com apreço a actividade desenvolvida pelo Governo, que conduzirá, num futuro próximo, à abertura efectiva de farmácias de venda ao público nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde. É este caminho que interessa aos cidadãos portugueses e que há-de resultar na melhoria do acesso aos medicamentos. Sr. Presidente, Sr. Deputado João Semedo, antes de mais, quero esclarecer que não mudei de opinião e que foi com todo o orgulho que assinei o projecto de resolução da iniciativa de dois Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista. Digo que o fiz com todo o orgulho porque vai ser através da unidose que o sistema vai começar nas farmácias hospitalares. Não sei se o Sr. Deputado já sabia ou se queria ver se eu sabia, mas a verdade é que estou informada e sei que vai ser através das farmácias hospitalares que vai começar o regime da unidose. Relativamente às vantagens do projecto de lei do BE que o Sr. Deputado enumerou, tentei enunciá-las na minha intervenção (o Sr. Deputado é que não estava atento!), só que, como a matéria já tinha sido apresentada por iniciativa do Governo, pensei que o projecto de lei do Bloco de Esquerda era redundante. Mas não lhe retirei por isso o mérito, Sr. Deputado. E se lhe coloquei a questão foi porque não percebi (e continuo sem perceber) qual o sentido de oportunidade da apresentação deste projecto de lei, uma vez que o mesmo nada adianta, é redundante e as suas vantagens estão inseridas na legislação que já está em curso. 9 DE MARÇO DE 2007 23 Aliás, julgo que a única diferença que existe prende-se com um problema a que chamei preconceito. De facto, essa ideia divide-nos, e temos de assumir que nos divide, porque a verdade é que não temos problemas com a propriedade privada das farmácias hospitalares. Por isso, se calhar, é melhor «separarmos as águas» e partirmos daqui com esta certeza, porque nesse ponto não nos vamos encontrar, com certeza. Congratulámo-nos, em 2002 — tenho comigo o respectivo voto de congratulação —, pelo facto de termos conseguido, através do governo de então, que fossem devolvidos às farmácias das misericórdias os alvarás que lhes haviam sido retirados desde 1975. Entendíamos que o papel desenvolvido pelas misericórdias no sector da saúde era uma garantia da prestação de cuidados às populações resultante de uma tradição muito relevante no nosso país. Por outro lado, potenciava um aspecto que entendemos ser muito importante e que tem sido totalmente esquecido por este Governo, que é o da proximidade dos cidadãos relativamente aos cuidados de saúde e à distribuição de medicamentos. O que nos moveu foi, pois, esta tripla intenção: primeiro, permitir o desenvolvimento do sector privado social de uma forma sustentada e progressiva; segundo, retribuir e reconhecer o papel das misericórdias na área da saúde em Portugal; e, terceiro, porventura o mais importante, proporcionar uma maior proximidade dos cidadãos relativamente aos cuidados de saúde e à distribuição dos medicamentos. Daí que tenhamos todo o à-vontade para falar nesta vossa iniciativa. Dizia, há pouco, em tom de brincadeira, que o vosso projecto de lei era uma revogação do Decreto-Lei n.º 235/2006, mas a verdade é que os senhores não o dizem explicitamente e também não explicam como é que este diploma, no caso de ser aprovado, se vai articular com o diploma do Governo, porque de duas uma: se a ideia for acabar com a possibilidade de as farmácias comerciais se instalarem nos hospitais haverá uma frustração de expectativas, em nosso entender legítimas, por parte da Associação Nacional de Farmácias; se a ideia for a de coabitarem umas e outras, haverá também, obviamente, uma distorção do mercado e, evidentemente, da concorrência. Portanto, convém que esclareçam se propõem que exista uma articulação ou se o vosso projecto de lei acaba totalmente com as farmácias da Associação Nacional de Farmácias nos hospitais. O Sr. Deputado já respondeu à questão do destino das receitas resultantes da venda destes medicamentos, mas há uma outra questão que se coloca, que é a seguinte: como é que isto se irá articular com algo que esperamos ver a breve trecho, e que o CDS defende há muito tempo — trata-se de um compromisso do Ministro da Saúde, embora saibamos que os seus compromissos não são, necessariamente, para tomar a sério —, que é o fim da referenciação hospitalar. Havendo o fim da referenciação, o utente fica limitado ao hospital que frequentou ou, no caso de o seu tratamento ser acompanhado ou desenvolvido noutro hospital, como é que o Bloco de Esquerda resolve esta questão? Uma última questão — e penso que muitas outras poderão ser levantadas em sede de especialidade, se o diploma for aprovado na generalidade — prende-se com a aplicabilidade, desde já, do código hospitalar nacional para os medicamentos. Como sabemos, até há muito pouco tempo o Instituto de Gestão Financeira do Ministério da Saúde não tinha sequer capacidade para saber quantos medicamentos eram adquiridos pelos hospitais e quantos é que eram distribuídos em cada um desses hospitais. É que, ao longo dos tempos, em vez de ser adoptada a codificação do INFARMED, cada hospital entendeu desenvolver o seu próprio código. Portanto, ficou instalado o caos. 24 I SÉRIE — NÚMERO 58 Não sabemos se, em termos temporais, este sistema de codificação demorará muito ou pouco tempo a ser instalado, porque, em nosso entender, sem estar verdadeiramente em funcionamento, será impossível fazer a gestão das farmácias hospitalares e da venda dos respectivos medicamentos ao público.
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Sr. Presidente, peço a palavra. É para uma intervenção, Sr. Presidente. Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em jeito de intervenção, gostaria de transmitir que estou genuinamente crente e convicta de que o decreto-lei do Governo irá trazer maior comodidade aos utentes, uma autonomização das farmácias, maior racionalidade e redução de desperdício, que vai potenciar várias medidas de poupança. Penso, portanto, que será uma boa medida e que vai melhorar as condições de acessibilidade dos utentes aos medicamentos.
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Sr. Presidente, Sr. Deputado João Semedo, este vosso projecto de lei poderia redundar num «revogue-se o Decreto-Lei n.º 235/2006», porque, na verdade, ele vem, implicitamente, revogar o diploma que resultou do acordo entre o Governo e a Associação Nacional das Farmácias, imagina-se que como contrapartida pela liberalização da propriedade das farmácias. Srs. Deputados, o CDS está muito à vontade para falar nestas matérias, porque não só nos temos batido no sentido de criar condições para uma redução da despesa, mas, sobretudo, porque entendemos que quem está no epicentro das nossas preocupações e daquelas que devem ser as preocupações do Serviço Nacional de Saúde e do Ministério da Saúde são, efectivamente, os utentes. Congratulámo-nos, em 2002 — tenho comigo o respectivo voto de congratulação —, pelo facto de termos conseguido, através do governo de então, que fossem devolvidos às farmácias das misericórdias os alvarás que lhes haviam sido retirados desde 1975. Entendíamos que o papel desenvolvido pelas misericórdias no sector da saúde era uma garantia da prestação de cuidados às populações resultante de uma tradição muito relevante no nosso país. Por outro lado, potenciava um aspecto que entendemos ser muito importante e que tem sido totalmente esquecido por este Governo, que é o da proximidade dos cidadãos relativamente aos cuidados de saúde e à distribuição de medicamentos. O que nos moveu foi, pois, esta tripla intenção: primeiro, permitir o desenvolvimento do sector privado social de uma forma sustentada e progressiva; segundo, retribuir e reconhecer o papel das misericórdias na área da saúde em Portugal; e, terceiro, porventura o mais importante, proporcionar uma maior proximidade dos cidadãos relativamente aos cuidados de saúde e à distribuição dos medicamentos. Daí que tenhamos todo o à-vontade para falar nesta vossa iniciativa. Dizia, há pouco, em tom de brincadeira, que o vosso projecto de lei era uma revogação do Decreto-Lei n.º 235/2006, mas a verdade é que os senhores não o dizem explicitamente e também não explicam como é que este diploma, no caso de ser aprovado, se vai articular com o diploma do Governo, porque de duas uma: se a ideia for acabar com a possibilidade de as farmácias comerciais se instalarem nos hospitais haverá uma frustração de expectativas, em nosso entender legítimas, por parte da Associação Nacional de Farmácias; se a ideia for a de coabitarem umas e outras, haverá também, obviamente, uma distorção do mercado e, evidentemente, da concorrência. Portanto, convém que esclareçam se propõem que exista uma articulação ou se o vosso projecto de lei acaba totalmente com as farmácias da Associação Nacional de Farmácias nos hospitais. O Sr. Deputado já respondeu à questão do destino das receitas resultantes da venda destes medicamentos, mas há uma outra questão que se coloca, que é a seguinte: como é que isto se irá articular com algo que esperamos ver a breve trecho, e que o CDS defende há muito tempo — trata-se de um compromisso do Ministro da Saúde, embora saibamos que os seus compromissos não são, necessariamente, para tomar a sério —, que é o fim da referenciação hospitalar. Havendo o fim da referenciação, o utente fica limitado ao hospital que frequentou ou, no caso de o seu tratamento ser acompanhado ou desenvolvido noutro hospital, como é que o Bloco de Esquerda resolve esta questão? Uma última questão — e penso que muitas outras poderão ser levantadas em sede de especialidade, se o diploma for aprovado na generalidade — prende-se com a aplicabilidade, desde já, do código hospitalar nacional para os medicamentos. Como sabemos, até há muito pouco tempo o Instituto de Gestão Financeira do Ministério da Saúde não tinha sequer capacidade para saber quantos medicamentos eram adquiridos pelos hospitais e quantos é que eram distribuídos em cada um desses hospitais. É que, ao longo dos tempos, em vez de ser adoptada a codificação do INFARMED, cada hospital entendeu desenvolver o seu próprio código. Portanto, ficou instalado o caos. Não sabemos se, em termos temporais, este sistema de codificação demorará muito ou pouco tempo a ser instalado, porque, em nosso entender, sem estar verdadeiramente em funcionamento, será impossível fazer a gestão das farmácias hospitalares e da venda dos respectivos medicamentos ao público. Sem prejuízo disto, defendemos uma política de proximidade, que tem sido totalmente abandonada por este Governo, e um aumento do consumo de genéricos, algo que, ao contrário do que foi aqui dito pela bancada do Partido Socialista, foi liminarmente cortado pelo fim da majoração de 10% que era anteriormente aplicada aos medicamentos genéricos. Assistimos a um autismo total por parte do Governo socialista no que se refere ao financiamento do Serviço Nacional de Saúde. O Sr. Ministro recusa-se a discutir esta questão, mas, por outro lado, e como sente o défice crónico, vai aumentando, à socapa, e sempre que pode, as taxas moderadoras, que ele tanto criticou em tempos, e cria mesmo novas taxas de utilização. Por outro lado, temos o caos total no processo de requalificação das urgências. Devo, pois, dizer-lhe, Sr. Deputado João Semedo, que estas propostas nos parecem pertinentes, mas prefiro não saber quais são as vossas motivações. Confesso que prefiro não saber qual é a vossa motivação, porque, com toda a probabilidade, seria exactamente a de acabar com a iniciativa privada ou de, pelo menos, tentar cerceá-la o mais possível. Os Srs. Deputados ouvem a palavra «privada» e «capital» e ficam com bicos de papagaio! Preferimos, portanto, não saber quais são as vossas motivações, pois o que interessa é o resultado. De facto, verifica-se que a vossa iniciativa vai no sentido de facilitar o acesso, de aumentar as receitas, de reduzir as despesas, de racionalizar a prescrição, de aumentar o consumo de genéricos e, algo que tem sido também muito esquecido, da distribuição por unidose. Portanto, viabilizaremos esta iniciativa.
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