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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Chegámos hoje, finalmente, ao momento da discussão, em Plenário, de um projecto de lei da iniciativa do Partido Socialista e admitido pelo Sr. Presidente da Assembleia da República já em Julho do ano passado. Trata-se de uma pequena alteração, de teor eventualmente pouco mediático, mas que faz a diferença, diferença esta em favor de algumas crianças e algumas famílias que, assim, poderão encetar uma nova e mais promissora fase das suas vidas. Convirá recordar que o instituto da adopção, introduzido em Portugal com a aprovação do Código Civil em 1966, foi, ao longo do tempo, submetido a quatro importantes modificações: em 1977, em 1993, em 1998 e, mais recentemente, em 2003. Tais modificações tiveram sempre, como motivação, por parte do legislador, a melhor protecção da criança e, como objectivo, uma adequada adaptação às realidades envolventes e à sua evolução, tanto no plano nacional como no plano internacional. Com efeito, nas últimas décadas, os organismos internacionais têm dedicado uma especial atenção às crianças e aos menores em geral, que têm visto os seus direitos e interesses progressivamente reconhecidos e definidos. O nosso país, por seu lado, prontamente aderiu, em 1990, à Convenção das Nações Unidas sobre Direitos da Criança e, no mesmo ano, à Convenção Europeia em Matéria de Adopção de Crianças. Sucessivamente — e desse facto dá conta a modificação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 120/98, de 8 de Maio —, assume especial relevo a Convenção Internacional em Matéria de Adopção, assinada na Haia, em 29 de Maio de 1993. Sr. Presidente, agradecia que se fizesse silêncio na Sala, até porque se trata de um assunto que tem a ver com a vida das pessoas. Tende-se, mais claramente desde então, a reconhecer, nesta matéria, a necessidade de um equilíbrio no qual sejam devidamente consideradas as transformações, por vezes rápidas, a que estão sujeitas as sociedades contemporâneas, assim como os riscos e oportunidades que as mesmas constituem para os indivíduos. Ora, na última revisão, que, na sua globalidade, se traduziu num contributo positivo para o instituto da adopção, foi suprimido o n.º 3 do artigo 15.º do citado Decreto-Lei n.º 120/98, que permitia aos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro uma equiparação aos residentes em Portugal para efeitos de candidatura em processos de adopção de crianças residentes em Portugal. Não ficou, aliás, bem claro se a supressão deste ponto foi devida a um propósito específico ou se a um erro material. O facto é que cidadãos portugueses residentes fora do País se viram, perante a lei portuguesa, tratados como se estrangeiros fossem. De qualquer forma, e partindo sempre do princípio prioritário que é o do interesse da criança, não faz hoje em dia sentido que cidadãos portugueses residentes fora do País e que cumpram todos os exigentes requisitos que — e muito bem — a lei impõe, não possam, em pé de igualdade com os residentes em Portugal, candidatar-se a ser pais de adopção de uma criança aqui residente. Ninguém tem dúvidas de que vivemos numa época caracterizada pela globalização da economia e do mercado de trabalho, em sociedades em que é cada vez mais comum a mobilidade no emprego e a mobilidade do próprio local de trabalho, com o multiplicar de situações em que o percurso pessoal e o desenvolvimento profissional passam por períodos de permanência ou de residência noutros países. Muitas famílias, em Portugal como em todo o mundo, se deslocam, por razões várias, com filhos menores para outros países. É uma realidade nova, que deve ser tomada na devida consideração, inclusive nos seus efeitos sobre as estruturas familiares. Não é o facto de uma família residir em Portugal que a torna mais ou menos apta a criar os seus filhos. E uma criança será igualmente feliz se estiver rodeada do afecto e do apoio familiar, seja em Portugal, em França ou nos Estados Unidos. Com a alteração proposta, repõem-se assim os direitos que a legislação de 1998 conferia aos portugueses residentes no estrangeiro para efeitos de adopção em Portugal e proporcionam-se, assim, às crianças, que no nosso país se encontram desprovidas de um meio familiar normal, mais algumas hipóteses de um futuro melhor e que podem vir, precisamente, de portugueses que, residindo no estrangeiro, desejem adoptar uma criança portuguesa para a qual serão os seus pais ao longo da vida.
0PS
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Socialista traz hoje a discussão a esta Câmara o projecto de lei n.º 304/X, que altera a lei da adopção e que, acima de tudo, visa, usando a terminologia dos proponentes, «corrigir um lapso material» que a reforma de 2003 supostamente teria criado. Ora, não retirando importância a este tema, muito pelo contrário, gostávamos, antes de mais, de perceber se, hoje, para a maioria, o maior problema que existe na adopção, em Portugal, é a correcção deste lapso material. É que se é, há algo que não percebemos. No início do ano de 2005, verificou-se, pela primeira vez, que haveria um suposto lapso na lei. O Governo do Partido Socialista conhece, desde o início do seu mandato, este lapso. Então, por que é que o Governo, que poderia, através de um decreto-lei, repristinando até o n.º 3 do artigo 15.º da anterior lei, corrigir, rápida e eficazmente, o problema, não o fez? Por que é que a actual maioria socialista esperou cerca de dois anos e meio para corrigir um (e mais uma vez passo a citar) «retrocesso em matéria de direitos dos portugueses»? Eventualmente, poderemos agora perguntar se este atraso não se deverá ao facto de o Partido Socialista querer transformar esta questão no grande problema da adopção em Portugal. É que se vai fazê-lo, nós ficamos preocupados. Registamos com muito agrado o reconhecimento por parte do Partido Socialista de que a revisão da lei, em 2003, que originou a criação da Lei n.º 31/2003, a lei da adopção, proposta pela anterior maioria, foi um passo muito significativo no desbloqueamento do processo da adopção, em Portugal. Porém, nós próprios reconhecemos que, cerca de quatro anos depois da entrada em vigor da lei, continua a existir hoje, não por culpa da lei mas, sim, da sua aplicação concreta, um conjunto de dificuldades tremendas no processo da adopção, em Portugal, cuja correcção depende, hoje, não do poder legislativo, mas, acima de tudo, do poder executivo e da capacidade real que o Governo deve ter para, em conjugação com a Administração Pública e, nomeadamente, com os serviços da segurança social, desbloquear, de uma vez por todas, os processos de adopção, em Portugal. Com a Lei n.º 31/2003, foi criada a possibilidade de se ter uma base de dados de todas as crianças em condições de adoptabilidade, em Portugal. Em Setembro de 2004, estavam inscritas nessa base de dados 17 000 crianças; hoje, estão inscritas 14 000 crianças. Isto é um sinal de que foram adoptadas 3000 crianças? Infelizmente, não. É um sinal, sim, de que têm saído crianças pelo excesso de idade e de que continua por fazer, por parte dos serviços estatais, nomeadamente da segurança social, um verdadeiro levantamento das crianças que, nos termos do Código Civil, estão em condições de adoptabilidade. Certamente, há hoje, em Portugal, milhares de crianças em condições de adoptabilidade que nem sequer constam desta base de dados. O segundo aspecto, muito importante para nós, tem a ver com o seguinte: foi um passo muito relevante na Lei n.º 31/2003 o facto de se obrigar o Estado, através dos serviços da segurança social, a emitir um documento, a partir do momento em que um determinado candidato se apresentasse junto da segurança social para recorrer à adopção, querer adoptar uma criança e ter o direito de ser pai. Foi um passo muito importante este que foi dado em 2003. Hoje, quatro anos depois, verificamos, com enorme espanto, que há, em Portugal, portugueses que querem ser candidatos à adopção e que demoram dois anos a ter o título de candidato, a poder sequer candidatar-se à adopção. Isto faz algum sentido? Isto depende da lei? Não! Depende, acima de tudo, de o Governo poder, junto da segurança social, dando instruções precisas, encurtar estes prazos. O terceiro aspecto, muito importante para nós, tem a ver com o seguinte: em 2003, foi lançado um plano de intervenção imediata que fizesse, por um lado, o levantamento das crianças em condições de adoptabilidade mas também, por outro, o levantamento dos sítios em que há uma ligação entre a segurança social, os tribunais de família e menores e as instituições que têm crianças a seu cargo (mais de 400, a nível nacional). Passados quatro anos, onde está esse plano de intervenção imediata? Em 2003, era imediato, Hoje, não está ainda sequer feito ou praticado. A quarta questão, muito importante, é esta: onde está o incentivo ao acolhimento precoce, tão importante nos casos de abandono de crianças nos hospitais? A quinta questão é a seguinte: onde estão os convénios que, hoje, a maior parte dos nossos parceiros europeus estão a estabelecer com países em vias de desenvolvimento — e cito dois casos muito paradigmáticos, o do Laos e o do Cambodja —, que permitem a cidadãos europeus adoptar nesses países? Hoje, todos os países europeus têm convénios com esses países, mas, no caso português, nada se faz e nada é dito. Porquê? Estes, sim, são problemas reais sobre a adopção, hoje, em Portugal. Sobre todos estes problemas o Partido Socialista não diz nada. Para corrigir um pequeno lapso material demorou cerca de dois anos e meio. Tenho tudo dito, Sr. Presidente. O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.
1CDS-PP
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei do Partido Socialista que hoje discutimos parte da constatação de um lapso que, em nosso entender, não existe. De facto, a eliminação do n.º 3 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 185/93 foi intencional e entendemos que o relatório da discussão e votação na especialidade dá conta, precisamente, destas alterações que foram introduzidas. O texto final que foi votado é o que consta hoje na lei, não deixando, portanto, dúvidas relativamente à intencionalidade desta eliminação. Esta alteração ao artigo 15.º introduzida em 2003 tem um sentido que parece ser, por um lado, o de privilegiar a adopção de menores que não implique a sua saída de Portugal, evitando este desenraizamento do menor adoptado, e, por outro lado, afirmando também o carácter subsidiário da adopção internacional. Esta alteração, que resulta das modificações introduzidas em 2003, em nosso entender não pode ser classificada como um retrocesso. Antes de mais, porque permite o cumprimento de uma orientação prevista na Convenção sobre os Direitos da Criança, adoptada pela Assembleia Geral da ONU em 1989 e ratificada por Portugal em 1990, que diz, no seu artigo 21.º, o seguinte: «Os Estados-Partes que reconhecem e ou permitem a adopção asseguram que o interesse superior da criança será a consideração primordial neste domínio e: (…) Reconhecem que a adopção internacional pode ser considerada como uma forma alternativa de protecção da criança se esta não puder ser objecto de uma medida de colocação numa família de acolhimento ou adoptiva ou se não puder ser educada convenientemente no seu país de origem». Portanto, neste sentido, esta alteração que foi introduzida, em 2003, ao Regime Jurídico da Adopção, afirma este carácter subsidiário da adopção internacional e afirma que, de facto, o centro de qualquer regime jurídico da adopção deve ser primacialmente o superior interesse da criança. Ao dar cumprimento a esta dimensão da Convenção sobre os Direitos da Criança, as alterações introduzidas em 2003 parecem-nos que recentram a norma do Regime Jurídico da Adopção em questão, o artigo 15.º, naquilo que é fundamental em qualquer construção legislativa no âmbito do direito dos menores, que é a de que todas as decisões relativas a crianças devem ter primacialmente em conta o superior interesse da criança. Ora, o Partido Socialista parece não querer aceitar esta orientação. O preâmbulo do projecto de lei identifica um retrocesso relativamente às alterações introduzidas em 2003 e um retrocesso em matéria dos direitos dos portugueses residentes no estrangeiro, quando a lei não os distingue dos cidadãos estrangeiros relativamente à adopção de crianças provenientes de Portugal. Em nosso entender, esta concepção eventualmente terá de ser aceite em parte, porque, eventualmente, poderemos estar perante uma compressão de direitos desses portugueses, mas é uma compressão de direitos feita em nome do que deve ser o epicentro do regime da adopção, que deve ser, repito, o interesse da criança. Neste caso, esta compressão do direito a adoptar dos portugueses residentes no estrangeiro justifica-se pela protecção do interesse da criança em não ser retirada do seu país de origem. Nesta medida, o projecto de lei do Partido Socialista levanta-nos as mais sérias dúvidas, pelo que não poderemos votá-lo favoravelmente.
2PCP
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei que o Partido Socialista nos traz hoje a debate com a proposta de alteração ao quadro vigente para o processo de adopção no essencial resume-se à recuperação daquilo que tinha sido o ponto n.º 3 do Decreto-Lei n.º 120/98, e que, entretanto, tinha sido excluído e que não discuto se deliberadamente ou não, em relação àquilo que é a lei que hoje regulamenta as adopções de crianças de nacionalidade portuguesa. Se me permitem gostaria de recentrar esta discussão em dois aspectos que nos devem orientar e que são centrais naquilo que é a defesa do melhor interesse da criança que está a aguardar um processo de adopção. Esses dois aspectos são um processo de agilização processual e de ligação àquilo que são as raízes culturais originárias desta criança. Estes dois aspectos, do ponto de vista da lei que rege, que normaliza os direitos das crianças para adopção, devem ser absolutamente centrais. Devo dizer que é verdade que aquilo que é a agilidade dos processos depende de como é que as comissões de protecção de menores, de como é que todo o procedimento em relação à condução processual das candidaturas e do acordo em relação ao processo de adopção é cumprido. Esta agilização depende, sobretudo, daquilo que são os actos executivos. Mas temos de perceber que, num quadro de mundialização cada vez mais acelerado, aquilo que é o interesse da criança, ou seja manter a ligação à sua origem nacional, à sua origem cultural, às suas raízes de identidade cultural, não é sempre defendido com uma lei que restringe a presença da criança num quadro estritamente nacional. Lembro, Sr.as e Srs. Deputados, a existência de instituições em Portugal que acolhem crianças órfãs de nacionalidade diversa, não apenas portuguesa. Há crianças angolanas e moçambicanas que são acolhidas por instituições portuguesas e que estão em Portugal a aguardar um processo de adopção que lhes seja favorável. Qual é o prejuízo para essas crianças se houver uma família angolana ou moçambicana que esteja disposta a adoptar estas crianças e a garantir a sua ligação ao seu vínculo cultural de origem? Da mesma maneira, em relação aos emigrantes portugueses, como foi salientado, qual é o problema de uma criança de origem portuguesa ser criada por uma família de cultura portuguesa a residir em país de acolhimento internacional? O interesse da criança está nos laços afectivos à família que a acolhe e na possibilidade de o adoptado, um dia, quando for adulto, poder, querendo, recuperar a sua ligação com a sua origem e com as suas raízes culturais e emocionais. O projecto de lei que o Partido Socialista nos traz hoje facilita isso, isto é, consegue abrir em relação a um espaço que tem sido de dificuldade, compreendendo que hoje a mobilidade das famílias e a forma como se radicam em países terceiros que os acolhem e os recebem não significa, necessariamente, a perda de vínculo em relação à sua origem e à sua nacionalidade. Esta alteração vem também em benefício de agilizar processos, de resolver um problema, por isso, não sendo a solução milagrosa que vai resolver todos os problemas — a resolução dos problemas tem que ver com a capacidade executiva de conduzir os processos com a maior agilidade possível —, é um passo não de gigante, mas é, seguramente, um passo no sentido de ajudar a resolver o problema dessas crianças, que estão a aguardar que uma família as recolha, as acarinhe, cuide delas e lhes devolva o afecto que lhes está a faltar na instituição a que, eventualmente, estão entregues. Em Portugal, continua a ser penoso para qualquer casal conseguir obter a adopção. Atrasos, burocracia, atrasos e mais burocracia. Mas é sobretudo penoso e é sobretudo da nossa responsabilidade, da mais funda responsabilidade de cada um de nós pensar no interesse de cada uma das crianças que é vítima desse atraso e dessa burocracia. É isso que o Partido Social Democrata quer aqui fazer hoje neste debate, recentrando a discussão naquilo que é o mais importante, sem contudo deixar de dizer o seguinte: relativamente ao direito dos emigrantes a adoptar, que é uma preocupação expressa na exposição de motivos e no conteúdo deste projecto 17 DE MAIO DE 2007 29 de lei, esta é de facto uma matéria sensível, é uma matéria complexa e é também uma matéria pertinente. Não deve ser por um caso concreto que a Assembleia da República e o legislador devem introduzir modificações, mas é verdade que os casos de dificuldade que se têm sucedido devem merecer, por parte da Assembleia da República, uma resposta. O PSD está disponível para, em sede de especialidade, contribuir para que todos possamos obter essa resposta, mas o PSD não pode deixar de dizer e de reiterar, nesta oportunidade, que mais importante do que resolver este caso concreto, esta situação pontual, é que os mecanismos que a Lei de 2003 introduziu sejam verdadeiramente aplicados e que a situação real possa modificar-se a bem do interesse da criança que está em causa.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei que o PS hoje aqui nos apresenta visa, como já foi abundantemente referido, repristinar uma norma que constava da anterior legislação sobre a adopção. A norma em causa consagrava três excepções ao princípio da subsidiariedade, princípio esse que afirma que a adopção no estrangeiro só terá lugar se não for viável a adopção em Portugal. Começo por dizer isto porque, contrariamente àquilo que perpassou em algumas intervenções, não é proibida a adopção de crianças de origem portuguesa no estrangeiro. O que acontece é haver um tratamento diferenciado que foi inspirado naquilo que foi a grande tónica da reforma de 2003 de consagrar na legislação o especial interesse da criança e, no caso concreto, enfatizando o facto de a criança estar contextualizada do ponto de vista social em Portugal, país onde nasceu e vive. Os proponentes da iniciativa dizem que essa alteração se tratou de um lapso material, mas creio que não foi isso que sucedeu. Creio que a opção que foi tomada foi uma opção consciente do legislador, eventualmente mal aferida, até porque a interpretação do interesse superior da criança não é um conceito determinado, é um conceito que cada um de nós interpreta à sua maneira. Portanto, é natural, até, que os vários partidos, em cada momento, possam ter uma interpretação diferente, assente também naquela que é a leitura da realidade. A alteração que foi introduzida em 2003 não o foi por mero lapso, foi por opção política, que, naturalmente, hoje, o Grupo Parlamentar do PSD está disponível para poder apreciar e aprofundar à luz daquilo que. do nosso ponto de vista, é o mais importante a fazer neste momento: avaliarmos o resultado da aplicação da legislação que aprovámos em 2003. Mas, muito mais importante do que estarmos a resolver pontualmente esta questão, cumpre, neste momento, que a Assembleia da República dê um contributo para ultrapassar dificuldades, barreiras, que os processos de adopção continuam a ter em Portugal. Em Portugal, continua a ser penoso para qualquer casal conseguir obter a adopção. Atrasos, burocracia, atrasos e mais burocracia. Mas é sobretudo penoso e é sobretudo da nossa responsabilidade, da mais funda responsabilidade de cada um de nós pensar no interesse de cada uma das crianças que é vítima desse atraso e dessa burocracia. É isso que o Partido Social Democrata quer aqui fazer hoje neste debate, recentrando a discussão naquilo que é o mais importante, sem contudo deixar de dizer o seguinte: relativamente ao direito dos emigrantes a adoptar, que é uma preocupação expressa na exposição de motivos e no conteúdo deste projecto de lei, esta é de facto uma matéria sensível, é uma matéria complexa e é também uma matéria pertinente. Não deve ser por um caso concreto que a Assembleia da República e o legislador devem introduzir modificações, mas é verdade que os casos de dificuldade que se têm sucedido devem merecer, por parte da Assembleia da República, uma resposta. O PSD está disponível para, em sede de especialidade, contribuir para que todos possamos obter essa resposta, mas o PSD não pode deixar de dizer e de reiterar, nesta oportunidade, que mais importante do que resolver este caso concreto, esta situação pontual, é que os mecanismos que a Lei de 2003 introduziu sejam verdadeiramente aplicados e que a situação real possa modificar-se a bem do interesse da criança que está em causa. O divórcio litigioso, que este projecto de lei não exclui, não pode ser a única saída para as situações em que, pura e simplesmente, o amor acabou. Ao manter-se a actual situação, obriga-se centenas de portugueses e portuguesas a percorrerem um penoso caminho que pode levar a anos e anos de um divórcio litigioso. Obriga-se à separação de facto durante três anos ou mesmo à violação dos deveres conjugais, quantas vezes contra a vontade das pessoas. Três anos que nunca são três anos, sendo esse apenas o prazo para que se inicie um processo judicial que poderá demorar mais 3, 4, 5 ou 6 anos. Quando se ataca este projecto de lei dizendo que favorece a leviandade porque «uma pessoa não se desapaixona e sai de casa no dia seguinte», estamos a falar de uma mistificação, porque, como é normal, não existe lei alguma que proíba que uma pessoa saia de casa quando se desapaixona. O que a actual lei não permite é que resolva a sua situação pessoal e, por arrastamento, a da sua família, obrigando ao longo e penoso calvário de três anos de separação e ainda o tempo gasto num processo que se arrasta em tribunal. Nos casos em que existem filhos, obriga-se os menores, e mesmo os maiores, a conviver com essa situação. O casamento é um contrato, mas acima de tudo é a união voluntária de duas pessoas com um projecto de vida e de felicidade, o encontro de duas liberdades, uma associação fundada na ligação afectiva e na conjugação de duas vontades livres. Esta é a base do contrato de casamento e não outra qualquer. Nuns casos dura para toda a vida e noutros acaba. Será isto banalizar o casamento e as relações de afecto entre as pessoas? Será isto desproteger um dos membros do casal? O casamento não se banaliza! Bem pelo contrário, ele é valorizado na medida em que é válido enquanto forem válidas as razões que o justificam. Os direitos individuais das pessoas são defendidos. Nada justifica que uma pessoa, homem ou mulher, para o qual o casamento terminou se veja obrigado a esperar três anos, com as consequências pessoais e mesmo patrimoniais que daí advêm, para poder iniciar um processo de divórcio, ainda por cima litigioso. Que sentido tudo isto faz? O que é que a legislação deve fazer perante este quadro? Não pode, não consegue, nem lhe compete 30 I SÉRIE — NÚMERO 83 reparar as emoções, mas pode — e deve! — acompanhar os tempos que se vivem e responder às necessidades das pessoas, pode e deve impedir que o sofrimento das pessoas seja levado ao extremo!! Ora, Sr.as e Srs. Deputados, ser obrigado a manter um casamento sem o desejar durante anos e anos, abandonando o lar, vivendo separado, ou provocando situações-limite para que o outro seja obrigado a reagir e, ainda por cima, no fim, ter de viver um divórcio litigioso é levar o sofrimento ao extremo. O projecto de lei do Bloco de Esquerda não desprotege cônjuges em que os seus direitos foram violados, como os casos de violência doméstica. Isso é crime e como tal deve ser tratado! Não desprotege os filhos e filhas menores, porque exige que para se dar início a um requerimento de pedido de divórcio por um só cônjuge, no mínimo, já tenha entrado um pedido de regulação do poder paternal que terá o seu curso normal num tribunal. Não desprotege em relação aos bens patrimoniais cujo processo também corre em paralelo, mas separado, e onde o resultado da partilha dos bens nunca poderá ser superior ou equivalente à comunhão de adquiridos, mesmo que o regime de casamento seja diferente. Os «golpes do baú» não serão permitidos! Prevê-se a possibilidade de atribuição de alimentos ao cônjuge que dependa economicamente do outro. O projecto de lei do Bloco de Esquerda não é o «divórcio na hora», como algumas vozes do Partido Socialista tentaram fazer crer, com o intuito de desvalorizar esta iniciativa legislativa. Prevê-se a existência de duas, repito, duas conferências: na primeira, o Conservador tenta reconciliar os cônjuges e, na verificação da impossibilidade, adverte o requerente do divórcio que deverá renovar o pedido após um período de reflexão de três meses. O casamento assumiu uma dimensão de realização afectiva. O direito ao divórcio deve ser comum a todos os que se casam, até para se casarem de novo. Não propomos, nem defendemos o «divórcio na hora», mas, Sr.as e Srs. Deputados, somos claramente, contra o casamento contrariado e forçado.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O intuito primordial da Lei Tutelar Educativa é educar o menor para o direito e promover a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade. Como a própria lei refere, é a prática de um facto qualificado como crime que dá lugar à aplicação de uma medida tutelar educativa a menores com idades abrangidas entre os 12 e os 16 anos. No universo desta lei não se pretende aplicar as regras do direito penal ou do direito processual penal em todas as áreas. Os menores merecem um outro tipo de medidas que não se reconduzem à gravidade das penas criminais: merecem medidas específicas que visam a educação e a reinserção, medidas essas que também responsabilizam o Estado, não se limitando a justiça a punir mas, sobretudo, a reinserir. Quanto a estes objectivos e às medidas tutelares, o presente projecto de lei não promove qualquer alteração. Não acompanhamos, de modo nenhum, ideias que possam ir no sentido de que o regime dedicado a estes menores fosse unicamente o direito penal. O projecto de lei apresentado pelo Bloco de Esquerda tem como objectivo alterar pontos muito concretos da lei, visando o seu aperfeiçoamento. Consideramos esse aperfeiçoamento necessário no que diz respeito à apreciação da prova e à averiguação no sentido de se apurar se o menor praticou o facto ilícito. É necessário acautelar que, no juízo da prática do facto, o menor não seja julgado por condutas pessoais alheias aos factos em causa, nem pelas suas condições económicas, sociais ou educativas. E, neste âmbito muito concreto, o direito penal e o direito processual penal concedem mais garantias do que a Lei Tutelar Educativa. A alteração agora proposta vai no sentido de proporcionar ao menor garantias iguais no que diz respeito ao princípio do direito penal do facto, para que não exista o risco de ser considerado responsável por factos que não praticou. Esse risco existe ao permitir-se que, durante a apreciação do cometimento ou não dos factos ilícitos, se introduzam elementos alheios ao mesmo. Podem criar-se suspeições que, inclusive, podem levar a colocar em causa a presunção da inocência. Pretende-se, sim, salvaguardar a imparcialidade do julgador. Não se pretende eliminar da Lei Tutelar Educativa a ponderação dos elementos pessoais do agente. Tais circunstâncias são essenciais para a determinação, por exemplo, dos tipos de medidas a aplicar. Porém, esta apreciação deve ser feita, tal como no direito penal, num segundo momento, após a verificação da responsabilidade do menor. Se se compreende que o relatório social e «(…) factos relativos à personalidade e ao carácter do menor, bem como às suas condições pessoais e à sua conduta anterior e posterior, é permitido (…) para a avaliação da necessidade de medida tutelar e determinação de medida a aplicar (…)», como refere o n.º 2 do artigo 66.º, estando esta disposição legal em perfeita sintonia com o objectivo da lei — educar os menores para o direito —, já não se compreende que o mesmo se aplique para a «prova do facto», pois, neste caso, ficam os menores mais desprotegidos em relação a direitos garantidos constitucionalmente. Foi, pois, com o objectivo de que esta lei — cuja aplicação tem merecido, e bem, a atenção desta Assembleia —, seja mais perfeita que o Bloco de Esquerda apresentou este projecto de lei. 22 I SÉRIE — NÚMERO 64 O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com esforço de síntese, vou suscitar três questões, a primeira das quais se prende com um facto objectivo, que é o de esta lei já ter oito anos. Não sei qual é o debate, a avaliação nacional de que a Sr.ª Deputada Sónia Sanfona fala e que vai realizar-se. Esta bancada não a conhece e não percebe porque é que isso inviabiliza um aperfeiçoamento da lei. O Bloco de Esquerda defende medidas educativas e não medidas penais, como o CDSPP defende, e aí, de facto, temos uma divergência completamente insanável no tratamento desta questão. Mas o Bloco de Esquerda também defende que não pode estar presente na lei algo que vai permitir a arbitrariedade nos julgamentos destes menores. E a questão é muito simples, Sr.as e Srs. Deputados: a lei penal é mais favorável em termos de garantias dos cidadãos do que a lei tutelar de menores no que diz respeito à determinação da prova do facto, e isso para nós é incompreensível. Aliás, deixei claro na minha intervenção inicial que não tem nada a ver com o facto de o relatório social não ser levado em consideração quando se trata da medida a aplicar mas, bem pelo contrário, o que se quer dizer é que, quando se vai determinar o facto da prova, este não pode ser levado em consideração ou pela cara do menor ou porque vive numa barraca ou não. É simplesmente isto o que se quer garantir. Do nosso ponto de vista, lamentamos que a Assembleia não acompanhe este aperfeiçoamento, sem prejuízo, com certeza, de futuros debates e de futuras discussões sobre tudo o que é envolvente em termos da lei tutelar de menores.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em 1999, aquando da discussão da proposta de lei n.º 266/VII, que viria a dar origem à actual Lei Tutelar Educativa, o PCP deixou bem claras as preocupações que tinha com o regime que era proposto. Na altura, deixámos bem claro que, em nossa opinião, estávamos perante a criação de um «direito penal e processual penal dos pequeninos». Acompanhando o texto daquela proposta de lei com a parte geral do Código Penal e com o Código de Processo Penal, verificávamos a adaptação destes Códigos à justiça tutelar de menores, o que ressaltava sobretudo no papel atribuído ao Ministério Público, que passava de curador a acusador. Nessa discussão deixámos ainda outras preocupações. Por um lado, o facto de este regime tutelar educativo ficcionar que, com as medidas adoptadas, o menor será reeducado na base de uma maior responsabilização individual pela aquisição de valores da sociedade; por outro lado, o facto de se condicionar o futuro da reinserção social do menor por interesses de prevenção geral e especial, sobrepondo preocupações securitárias ao interesse do Estado na ressocialização do menor. O projecto de lei que hoje discutimos não pretende dar resposta a nenhuma destas preocupações, nem alterar o paradigma que preside ao regime tutelar educativo português. As preocupações que reflecte confirmam mesmo a adaptação do modelo penal e processual penal dos adultos aos menores, como resulta, aliás, da exposição de motivos. Não partilhando do mesmo entendimento, o PCP não deixa de reconhecer a justeza das preocupações colocadas e a oportunidade e vantagem na sua resolução. Entendemos que as soluções concretamente apresentadas poderão, e deverão, ser melhoradas na especialidade, pelo que viabilizaremos este projecto de lei. É importante perceber que há dois pressupostos para a intervenção tutelar educativa, tal como ela está configurada no nosso ordenamento jurídico. Por um lado, a ofensa grave aos bens jurídicos fundamentais da comunidade, devendo o tribunal estabelecer se aquele facto, concretamente praticado pelo menor, é susceptível de um juízo de desvalor objectivo, pelo menos análogo ao que é vertido na incriminação típica; e a conclusão, em concreto, pelo tribunal da necessidade de corrigir a personalidade, deficiente no plano do dever ser jurídico, que se manifestou na prática do facto. É certo que este último pressuposto nos oferece o conceito, que se adoptou na Lei Tutelar de Educativa vigente, relativo ao interesse das crianças e jovens, que é um interesse fundado no seu direito às condições que lhe permitam desenvolver a sua personalidade de forma socialmente responsável, ainda que, para esse efeito, a prestação estadual implique uma compressão de outros direitos que titula. Assim, a determinação do conceito normativo que consubstancia a necessidade de correcção da personalidade documentada no facto não se reveste de um especial melindre para o julgador, uma vez que, por um lado, trata-se de corrigir uma personalidade que apresenta deficiências perante o dever ser jurídico mínimo e essencial, corporizado na lei penal, naturalmente, e não de meras deficiências no plano moral ou educativo geral; e, por outro lado, o julgador disporá de um leque alargado, como dispõe, de meios que lhe permitam investigar a necessidade da correcção da personalidade do menor em causa. Os fundamentos que acabei de invocar servem também para a não equiparação entre os jovens que praticam crimes e os jovens em estados de delinquência ou de paradelinquência. Entende-se, assim, que o juiz tem, nesta Lei Tutelar Educativa, quatro critérios para escolha da medida a aplicar. O juiz terá em conta a necessidade de correcção da personalidade do menor, manifestada no facto que subsista no momento da decisão e a concreta gravidade do facto ilícito típico praticado; a medida deve ser adequada à necessidade de correcção dessa personalidade e não pode ser desproporcionada à concreta gravidade do facto; acrescentando-se ainda, que, respeitados esses critérios, o tribunal escolherá as medidas que signifiquem a menor intervenção possível (e temos aqui plasmado o princípio da interven24 DE MARÇO DE 2007 23 ção mínima) e que, dentro dos limites daqueles critérios anteriormente fixados, deva optar por aquelas que tenham maior adesão do menor, dos seus pais, representantes legais ou curador especial, oferecendo, por isso, maiores garantias de sucesso na sua execução. Reconhece-se, de facto, que há uma semelhança entre o processo tutelar existente e o processo penal. Adverte-se, no entanto, e é esse o nosso entendimento, para a divergência de fins que uma e outra intervenção procuram alcançar. Assim, o processo penal serve de fonte ao processo tutelar por constituir um ordenamento que realiza, de forma particularmente activa, as garantias constitucionais da pessoa, em face das pretensões de intervenção estadual, na esfera dos direitos fundamentais. Acontece que a reconformação dos institutos do processo penal não é dotada de plena elasticidade, devendo portanto, sempre que a diversidade da natureza da intervenção o imponha, instituir-se princípios específicos do processo tutelar (por exemplo, o princípio do interesse do menor), claramente incompatíveis com o processo penal. Ou seja, temos um exemplo claro que é, de facto, a não aplicação do princípio in dubio pro reo. E esta não aplicação justifica-se pela inexistência de um réu, que, de facto, não existe, neste caso um arguido, e, para além do mais, no processo tutelar não se põe a questão da inocência versus culpabilidade, ideia à qual está associado aquele princípio no âmbito do processo penal. Ou seja, é entendível e é compreensível que, no caso do tribunal se deparar com uma dúvida insanável sobre a prática, pelo menor, de um facto típico ilícito, deverá antes adoptar o princípio do interesse do menor e decidir de acordo com a avaliação da necessidade de correcção da personalidade, qual das soluções — a intervenção ou a ausência dela — realiza melhor, no caso concreto, o interesse do menor. Acresce que, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, no momento em que se mobiliza toda a comunidade, quer técnica quer científica, para um debate nacional que conduza à avaliação da eficácia da lei tutelar que temos, o certo é que o Bloco de Esquerda vem, neste momento e neste quadro, apresentar,…
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com este projecto de lei, apresentado pelo BE, pretende-se concatenar a Lei Tutelar Educativa vigente com o princípio do direito penal do facto. Como sabem, e foi aqui já referido, a lei visa aplicar medidas tutelares educativas a menores, com idades entre os 12 e os 16 anos, que tiverem praticado facto qualificado pela lei como crime. É preciso atentarmos e concretizarmos do que é que estamos a falar. Não estamos, efectivamente, a falar de direito penal; não estamos, efectivamente, a falar de direito processual penal; estamos a falar da aplicação de medidas tutelares educativas que visam, em si, objectivos profundamente diferentes daqueles que são visados com o direito penal. É importante perceber que há dois pressupostos para a intervenção tutelar educativa, tal como ela está configurada no nosso ordenamento jurídico. Por um lado, a ofensa grave aos bens jurídicos fundamentais da comunidade, devendo o tribunal estabelecer se aquele facto, concretamente praticado pelo menor, é susceptível de um juízo de desvalor objectivo, pelo menos análogo ao que é vertido na incriminação típica; e a conclusão, em concreto, pelo tribunal da necessidade de corrigir a personalidade, deficiente no plano do dever ser jurídico, que se manifestou na prática do facto. É certo que este último pressuposto nos oferece o conceito, que se adoptou na Lei Tutelar de Educativa vigente, relativo ao interesse das crianças e jovens, que é um interesse fundado no seu direito às condições que lhe permitam desenvolver a sua personalidade de forma socialmente responsável, ainda que, para esse efeito, a prestação estadual implique uma compressão de outros direitos que titula. Assim, a determinação do conceito normativo que consubstancia a necessidade de correcção da personalidade documentada no facto não se reveste de um especial melindre para o julgador, uma vez que, por um lado, trata-se de corrigir uma personalidade que apresenta deficiências perante o dever ser jurídico mínimo e essencial, corporizado na lei penal, naturalmente, e não de meras deficiências no plano moral ou educativo geral; e, por outro lado, o julgador disporá de um leque alargado, como dispõe, de meios que lhe permitam investigar a necessidade da correcção da personalidade do menor em causa. Os fundamentos que acabei de invocar servem também para a não equiparação entre os jovens que praticam crimes e os jovens em estados de delinquência ou de paradelinquência. Entende-se, assim, que o juiz tem, nesta Lei Tutelar Educativa, quatro critérios para escolha da medida a aplicar. O juiz terá em conta a necessidade de correcção da personalidade do menor, manifestada no facto que subsista no momento da decisão e a concreta gravidade do facto ilícito típico praticado; a medida deve ser adequada à necessidade de correcção dessa personalidade e não pode ser desproporcionada à concreta gravidade do facto; acrescentando-se ainda, que, respeitados esses critérios, o tribunal escolherá as medidas que signifiquem a menor intervenção possível (e temos aqui plasmado o princípio da interven24 DE MARÇO DE 2007 23 ção mínima) e que, dentro dos limites daqueles critérios anteriormente fixados, deva optar por aquelas que tenham maior adesão do menor, dos seus pais, representantes legais ou curador especial, oferecendo, por isso, maiores garantias de sucesso na sua execução. Reconhece-se, de facto, que há uma semelhança entre o processo tutelar existente e o processo penal. Adverte-se, no entanto, e é esse o nosso entendimento, para a divergência de fins que uma e outra intervenção procuram alcançar. Assim, o processo penal serve de fonte ao processo tutelar por constituir um ordenamento que realiza, de forma particularmente activa, as garantias constitucionais da pessoa, em face das pretensões de intervenção estadual, na esfera dos direitos fundamentais. Acontece que a reconformação dos institutos do processo penal não é dotada de plena elasticidade, devendo portanto, sempre que a diversidade da natureza da intervenção o imponha, instituir-se princípios específicos do processo tutelar (por exemplo, o princípio do interesse do menor), claramente incompatíveis com o processo penal. Ou seja, temos um exemplo claro que é, de facto, a não aplicação do princípio in dubio pro reo. E esta não aplicação justifica-se pela inexistência de um réu, que, de facto, não existe, neste caso um arguido, e, para além do mais, no processo tutelar não se põe a questão da inocência versus culpabilidade, ideia à qual está associado aquele princípio no âmbito do processo penal. Ou seja, é entendível e é compreensível que, no caso do tribunal se deparar com uma dúvida insanável sobre a prática, pelo menor, de um facto típico ilícito, deverá antes adoptar o princípio do interesse do menor e decidir de acordo com a avaliação da necessidade de correcção da personalidade, qual das soluções — a intervenção ou a ausência dela — realiza melhor, no caso concreto, o interesse do menor. Acresce que, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, no momento em que se mobiliza toda a comunidade, quer técnica quer científica, para um debate nacional que conduza à avaliação da eficácia da lei tutelar que temos, o certo é que o Bloco de Esquerda vem, neste momento e neste quadro, apresentar, a destempo, e antecipando-se àquelas que se espera sejam as conclusões dessa análise e dessa avaliação, um caminho que, para além do mais, versa sobre o ponto em que é mais difícil conseguir consensos científicos nesta matéria, o qual não é, a nosso ver, quer pelo momento quer pela forma, o caminho correcto. É preciso que se aguarde pelo desenvolvimento deste debate, é preciso que se perceba qual a eficácia da lei, e que, contextualizada, e numa análise global, se possa, eventualmente, proceder a essa alteração, ou seja, alterar-se o que não está bem, acrescentar-se o que se mostre necessário e manter-se o que for eficaz e adequado, tendo sempre como horizonte a defesa dos superiores interesses do menor. Termino, Sr. Presidente, dizendo que é assim que o Partido Socialista se mobilizará, estando disponível para alterar o diploma vigente quando estiver em causa e quando se puder avaliar a eficácia da concreta aplicação da Lei Tutelar Educativa.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Algumas notas relativas ao projecto de lei n.º 303/X, a primeira, desde logo, para reforçar que estamos a falar de uma Lei Tutelar Educativa que regula a possibilidade de aplicação ao menor, com idade compreendida entre os 12 e os 16 anos — e, portanto, inimputável face à lei penal —, de medidas educativas, quando esse menor pratica um facto qualificado como crime. O objectivo dessas medidas, como, aliás, a Sr.ª Deputada Helena Pinto teve ocasião de dizer, e como a própria lei define, é o de educar o menor para o direito e inseri-lo, de forma digna e responsável, na vida em comunidade. E a lei diz mais! A lei diz que as causas que excluem ou diminuem a ilicitude ou a culpa são consideradas para avaliação da necessidade e da espécie da medida. O objectivo é, pois, o de cuidar de saber se determinado facto foi praticado e, se foi praticado, integrá-lo e compreendê-lo em face das características do menor, da sua personalidade e da sua envolvente cultural, educacional e familiar, sempre tendo por base um relatório social do menor. Por isso, quero começar por dizer que as propostas de revogação aqui apresentadas pelo Bloco de Esquerda não é que sejam incompreensíveis mas dramatizam a questão, no que toca à prova, e fazem a abordagem em termos que não me parecem completamente exactos. É evidente que a lei não quer que o facto seja exclusivamente provado com base no relatório social, pois seria uma enormidade aplicar uma medida com base, apenas e só, naquela que é a personalidade ou a envolvente do menor. Mas o que também é evidente é que esse relatório se apresenta como essencial quer para compreender os comportamentos, as condutas e as motivações do menor, quer, sobretudo, na perspectiva de o ajudar, para determinar, se for esse o caso, a medida a aplicar e, naturalmente, com isso, contribuir para prosseguir as finalidades da Lei Tutelar Educativa. Mais: o relatório de que estamos a falar é, pois, relevantíssimo, e a própria Lei também o consagra, em várias normas, para balizar e determinar a medida a aplicar, para saber se ela se torna ou não necessária para prosseguir as finalidades de socialização do menor, mesmo que o facto ilícito tenha sido praticado. De resto, esse relatório, essa envolvente social pode e deve ser avaliada e considerada para, antes de mais, desculpabilizar ou atenuar a responsabilidade do menor e compreender a sua conduta. O relatório social não visa punir o menor em causa, não visa perseguir o menor em causa. O interesse do relatório social, como já foi aqui muito bem dito anteriormente, é o de proteger, formar, educar o menor. Passo, de imediato, a duas das propostas concretas que são apresentadas e que dizem respeito aos artigos 66.º, n.º 2, e 71.º, n.º 1, da Lei Tutelar Educativa. Relativamente ao n.º 2 do artigo 66.º, o que está em causa é a possibilidade de haver no processo uma inquirição sobre os factos constantes do relatório, quer para auxiliar a prova do facto, quer para avaliar a necessidade da medida e determinar qual vai ser aplicada. Ora, a proposta do Bloco de Esquerda, que visa, no seu entendimento, atacar o problema da prova, revoga completamente esta norma, impedindo que o relatório social seja considerado para avaliar a necessidade da medida e a sua determinação em concreto. Depois, relativamente à proposta de revogação do n.º 1 do artigo 71.º, diz este dispositivo: «Podem utilizar-se como meios de obtenção da prova a informação e o relatório social». Podem! Podem, se, no caso, se verificar a sua utilidade, e não como prova mas como meio de obtenção da prova, que, aliás, é concretizada no n.º 2, onde se refere o seguinte: «A informação e o relatório social têm por finalidade auxiliar a autoridade judiciária no conhecimento da personalidade do menor, incluída a sua conduta e inserção socioeconómica (…)». Repito: «A informação e o relatório social têm por finalidade auxiliar a autoridade judiciária (…)», não têm por finalidade verificar e concretizar a verificação do facto que está em cima da mesa. Este facto terá sempre de ser verificado, mas aquilo que está aqui em causa, e penso que o Bloco de Esquerda dramatiza essa questão de uma forma claramente excessiva, é que, na avaliação da situação concreta, as condições sociais e familiares sejam tidas em consideração, sem ultrapassar a factualidade que, naturalmente, tem de existir para que determinada medida possa ser aplicada e para que se determine a exacta dimensão dessa medida. Portanto, julgo que a lei tem de ser interpretada no seu conjunto. Como foi dito, esta é uma alteração pontual mas profunda, que, se fosse aprovada, iria desvirtuar aquele que é o espírito e o objectivo da Lei que estamos a discutir.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em relação a este projecto de lei do Bloco de Esquerda, estamos de acordo, apenas e só, com a sua intenção. A nosso ver, e já o dissemos, escrevemos e propusemos, diversas vezes, nesta mesma Casa, é absolutamente essencial alterar a Lei Tutelar Educativa actualmente em vigor, que não corresponde às necessidades e exigências do quotidiano da sociedade em que vivemos. Quanto ao mais, Sr. Presidente, e já anteriormente aqui foram expendidos argumentos perfeitamente claros, parece-nos que a prova da convicção do Bloco de Esquerda em relação à bondade das suas próprias propostas é mensurável pelo facto de este projecto de lei ter sete páginas de exposição de motivos para eliminar quatro alíneas de quatro artigos. Trata-se de uma matéria séria, que requer uma revisão global, ponderada, que tenha em atenção a necessidade integradora e inclusiva destes menores e também, é bom dizê-lo de forma clara, a vertente punitiva, que é necessária até para essa integração e para essa ressocialização. Mas, na verdade, vemos que, para o Bloco de Esquerda, tudo isto se resolve com a eliminação de quatro alíneas de quatro artigos, as quais, como já foi aqui dito, até nem estão feridas de qualquer inconstitucionalidade, porque, de facto, a verificação ou não da existência de um facto punível e previsto, enquanto tal, no Código Penal é um dado objectivo, é uma verificação objectiva. E como também já aqui foi dito, estes antecedentes, este relatório social, esta audição preliminar servem justamente, atenta a sensibilidade destas matérias, para permitir uma avaliação, a qual, evidentemente, é superveniente à verificação ou não de um facto punível e previsto na lei enquanto tal. Este facto é, aliás, pressuposto da existência destes relatórios, que servem, justamente, para atenuar, desculpabilizar, como causa de exclusão da culpa do menor em causa. Portanto, Sr. Presidente, entendemos que deve ser feito um debate sério, porque, de facto, há cada vez mais sinais preocupantes na sociedade portuguesa da necessidade de uma reforma ampla e rigorosa deste regime, encarando até, para utilizar uma expressão que, certamente, é cara ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista, as melhores práticas europeias, de modo a que possamos criar um regime, dentro desta Lei Tutelar Educativa mas também noutras sedes, como, por exemplo, no Código Penal, que se adeque às 24 DE MARÇO DE 2007 25 circunstâncias e à gravidade de determinados comportamentos que, de facto, infelizmente, e por diversas razões, pululam na sociedade portuguesa. Para isso esta Casa pode contar com o CDS, como sempre contou, até por nossa iniciativa. Para revogar quatro alíneas de quatro artigos, em sete páginas, desvirtuando um regime que, em nosso entender, e apesar das falhas, até tem funcionado, não podem contar. O Bloco de Esquerda defende medidas educativas e não medidas penais, como o CDSPP defende, e aí, de facto, temos uma divergência completamente insanável no tratamento desta questão. Defendemos as duas: educativas e penais! Mas o Bloco de Esquerda também defende que não pode estar presente na lei algo que vai permitir a arbitrariedade nos julgamentos destes menores. E a questão é muito simples, Sr.as e Srs. Deputados: a lei penal é mais favorável em termos de garantias dos cidadãos do que a lei tutelar de menores no que diz respeito à determinação da prova do facto, e isso para nós é incompreensível. Aliás, deixei claro na minha intervenção inicial que não tem nada a ver com o facto de o relatório social não ser levado em consideração quando se trata da medida a aplicar mas, bem pelo contrário, o que se quer dizer é que, quando se vai determinar o facto da prova, este não pode ser levado em consideração ou pela cara do menor ou porque vive numa barraca ou não. É simplesmente isto o que se quer garantir. Do nosso ponto de vista, lamentamos que a Assembleia não acompanhe este aperfeiçoamento, sem prejuízo, com certeza, de futuros debates e de futuras discussões sobre tudo o que é envolvente em termos da lei tutelar de menores.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: A obesidade é hoje, reconhecidamente, um dos mais graves problemas de saúde com que as sociedades ocidentais neste momento se defrontam, tendo já sido considerada pela Organização Mundial de Saúde a epidemia do século XXI, sendo responsável pelo aparecimento ou agravamento de inúmeras outras doenças e pela diminuição da esperança e da qualidade de vida das pessoas que dela sofrem. Em consequência do modus vivendi, dos hábitos pouco saudáveis existentes na nossa sociedade actual, do sedentarismo que prolifera e de toda uma conjuntura de produção e consumo de massas típico das sociedades capitalistas, de uma cultura de abundância, excessos e desperdícios, a obesidade tem vindo a ganhar terreno na nossa sociedade a passos largos e não constituirá dúvida para ninguém que é necessário tentar travá-la com todos os instrumentos que estiverem ao nosso alcance. Cerca de 20% a 30% dos europeus, de acordo ainda com a OMS, apresenta excesso de peso, sendo que estes números ameaçam continuar a aumentar exponencialmente face ao fenómeno da obesidade infantil, de tal forma que, em 2004, o Comissário europeu David Byrne defendia que, tal como a luta contra o tabagismo foi uma prioridade para as autoridades de saúde a nível mundial no século XX, a obesidade é o combate do século XXI. Os reflexos da obesidade são muitos e as complicações variadas, indo desde o agravamento de dificuldades respiratórias, dificuldades de locomoção, artrite, diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares e alguns tipos de cancro — e isto apenas do ponto de vista das patologias físicas, já que não se pode descartar igualmente as pesadas consequências a nível psicológico, que se traduzem muitas vezes numa má relação dos doentes com o seu corpo e a sua imagem, bem como numa baixa auto-estima, e até no próprio relacionamento interpessoal e exclusão ou dificuldades de integração social. A obesidade importa, para além do mais, relevantes reflexos económicos negativos, calculando-se que entre 2% e 8% da despesa total de saúde realizada nos países ocidentais podem imputar-se a problemas decorrentes, directa ou indirectamente, da obesidade. Se a obesidade apresenta múltiplas e variadas consequências prejudiciais, apresenta igualmente um quadro de causas polifactoriais, de entre as quais se podem referir as de natureza genética, destacando-se __________________________________________________________________________________________________ claramente as relacionadas com os baixos níveis de exercício e actividade física associadas a um estilo de vida sedentário e, ainda, naturalmente, as que se prendem com a alimentação. Com efeito, uma alimentação errada, assente numa dieta desequilibrada (com excesso de gorduras, sal e açúcar e deficiente em hidratos de carbono, fibras, vitaminas, minerais e água), é hoje um dos dois grandes responsáveis pelos assustadores números que o presente cenário nos oferece. Infelizmente, também a este nível, as desigualdades sociais desempenham um papel determinante, como demonstra a publicação recente do estudo da Dr.ª Isabel do Carmo: são cada vez mais os cidadãos mais pobres e com mais baixos níveis educacionais e de escolaridade que apresentam maiores índices de excesso de peso e de obesidade. O facto de os alimentos de pior qualidade (entendidos como aqueles que mais quilocalorias têm e que mais pobres noutros nutrientes são) serem simultaneamente dos mais baratos e acessíveis, contribui fortemente para esta tendência. Por outro lado, as dificuldades e exigências laborais neste mundo de competição feroz, em que os direitos dos trabalhadores são cada vez mais espezinhados em nome da produtividade e do lucro, e o modelo de organização territorial levam a que os pais passem cada vez mais tempo fora de casa, tornando cada vez mais raro o acto de convívio familiar em torno de uma refeição caseira, preparada no momento com ingredientes frescos, uma refeição segura e saudável, o que não contribui nem para a criação de hábitos de vida saudáveis nem para uma alimentação saudável. Neste cenário, a obesidade infantil revela-se ainda mais preocupante, não só porque, com frequência, uma criança obesa dá lugar, mais tarde, a um adulto obeso, com todos os problemas que tal acarreta, mas também porque a obesidade na infância e na juventude apresenta problemas particulares e ainda mais preocupantes. Com efeito, os primeiros anos de vida de uma pessoa, correspondentes aos períodos da infância e da adolescência, são determinantes e desempenham um papel fundamental a todos os níveis, físico, mental e social, na sua construção e formação pessoal, nos hábitos mais precocemente adquiridos, nas competências adquiridas, mas também na própria compleição física do corpo que o acompanhará por toda a vida. São conhecidos os reflexos de uma alimentação errada, inclusivamente no próprio sucesso e rendimento escolares. Infelizmente, a obesidade é um problema multifactorial e só poderá ser combatida com sucesso através de medidas integradas, visando, por um lado, incrementar os níveis de exercício físico — calcula-se que, a este nível, entre 65% a 85% da população mundial pratique menos exercício físico que o desejável — e combater os estilos de vida sedentários e, por outro lado, corrigir hábitos alimentares errados, altamente prejudiciais, o que passa necessariamente por uma actuação a nível da educação e formação dos jovens, bem como da informação que lhes é veiculada. Ora, é aqui que o projecto de lei de Os Verdes pretende particularmente incidir. O importante papel que a televisão desempenha hoje enquanto transmissor de mensagens, de imagens e de comportamentos é fundamental na formação da personalidade, dos hábitos das nossas crianças e dos nossos jovens. Por isso, é fundamental — e não podemos menosprezá-lo — o papel informativo, formativo e educativo que desempenha a televisão nos nossos dias, para o bem e para o mal, tanto mais que cada vez mais as crianças passam muito tempo sem ser acompanhadas pelos pais, estando entregues verdadeiramente à televisão e às mensagens veiculadas pela Internet. Assumindo-se como portadoras de inovação, forçando modas, fornecendo modelos de acção e de imagem, a televisão e a publicidade televisiva determinam e influenciam as opiniões, as opções e as condutas dos telespectadores, principalmente dos mais jovens. É sabido que as crianças são ávidas consumidoras de televisão, passando, em média, duas a três horas por dia sentadas à frente do ecrã de televisão ou do computador. E a publicidade feita com crianças e jovens ou preferencialmente dirigida aos mesmos, designadamente pelos horários em que passa ou pelos actores que apresenta, tem um impacto forte sobre a população infantil e juvenil que a consome, desde logo porque estes são — e é preciso reconhecê-lo — consumidores frágeis e acríticos, constituindo alvos fáceis da publicidade televisiva e sendo igualmente desprotegidos face à forte mensagem publicitária veiculada na televisão. Os spots e filmes publicitários que apelam ao consumo de alimentos pobres em nutrientes e muito ricos em gordura, açucar, sal e aditivos químicos, designadamente aperitivos, fritos, refrigerantes, bolos, précozinhados, fast food, etc., são, na mensagem publicitária, particular ou preferencialmente dirigidos a crianças e jovens, apresentando-se muitos deles, inclusivamente, como pretensas opções alimentares correctas e saudáveis para refeições tão importantes como o pequeno-almoço ou o lanche ou até mesmo para as refeições principais, e constituem parte de um problema mais vasto, que é o da falta de uma educação correcta para uma alimentação. É sabido que muitos países não hesitaram em adoptar uma legislação mais restritiva em termos da publicidade, nomeadamente televisiva, em relação à alimentação para crianças e jovens. Não podemos deixar de reconhecer que é igualmente importante que Portugal dê passos nesse sentido. É com este objectivo que o Partido Ecologista «Os Verdes» apresenta o projecto de lei em discussão, que visa criar regras em termos de publicidade, neste momento inexistentes, em termos da alimentação, da publicidade a produtos alimentares que é feita na televisão e em publicações especialmente dirigidas a crianças e jovens. Porque consideramos que é fundamental recorrer a todos os instrumentos que estejam ao nosso alcance para combater a obesidade infantil, entendemos que é também fundamental tomar medidas a nível da publicidade e não poderemos deixar de fazer um combate à obesidade infantil também por esta via. Por isso, esperamos que os grupos parlamentares estejam disponíveis para discutir em concreto esta questão e para aprovar este diploma, de modo a podermos melhorá-lo na especialidade. Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Almeida, agradeçolhe as suas questões e a sua exposição inicial, que demonstra que o Partido Socialista também está (e não esperava que fosse de outra forma) preocupado com o problema da obesidade infantil e juvenil, que é, no fundo, a razão de ser da apresentação deste projecto de lei. Como já referimos, esta questão da obesidade infantil e juvenil é fundamental não só porque muitas vezes acaba por traduzir-se na obesidade na fase adulta (começa na infância e geralmente traduz-se numa continuidade na fase adulta, com importantes problemas e pesadas consequências negativas em termos económicos para os sistemas de saúde), mas também porque na própria fase infantil e juvenil tem problemas 7 DE OUTUBRO DE 2006 23 __________________________________________________________________________________________________ específicos que se reflectem no desenvolvimento da criança (que tem direito a um desenvolvimento pleno e saudável), inclusivamente no próprio rendimento escolar, enfim, de alguma forma, a todos os níveis, ou seja, no que aquela criança virá a ser enquanto adulto, que se deseja possa ser o mais desenvolvido possível, o mais feliz possível e o mais bem integrado possível na sociedade. Efectivamente, a obesidade infantil e juvenil está a assumir graves dimensões no sul da Europa e, particularmente, em Portugal. Aliás, permitam-me recordar que o estudo intitulado Prevalência do Excesso de Peso e Obesidade em crianças portuguesas de 7 a 9 anos, levado a cabo por cinco investigadores portugueses, aponta para a existência de 31,5% de excesso de peso nas crianças portuguesas nesta faixa etária. Este facto traz pesadas e irreversíveis consequências que importa combater. V. Ex.ª fez duas perguntas muito concretas, que dizem respeito ao nosso projecto de lei. Primeiro, perguntou se determinados tipos de apoios não poderão ser considerados publicidade. Não vou discorrer em termos de interpretação do actual Código da Publicidade, mas diria que sim, que, à partida, parece-me que poderiam ser considerados publicidade, desde que se integrem no articulado que propomos, isto é, porque se destinam claramente a ser consumidos por um público infantil e juvenil, quer pelo tipo de imagem, quer pelo tipo de actores apresentado nas imagens veiculadas através da televisão, quer pelo tipo de programação em que eles passam. Assim, em nosso entender, pode ser considerado esse tipo de publicidade e, da mesma forma, deveria ser proibido. Em relação à Direcção-Geral de Saúde, pareceu-nos ser a entidade competente por ser aquela que eventualmente, por estar na área da saúde, teria melhor capacidade para responder em termos do conhecimento que também é exigido para actuar nesta matéria em termos de televisão. Mas, como já dissemos, admitimos que, em sede de especialidade, possam encontrar-se outras soluções mais condicentes.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Ecologista «Os Verdes», antes de mais, congratula-se com o facto de todas as bancadas concordarem que o problema da obesidade, designadamente da obesidade infantil, é um dos mais preocupantes desafios com que o nosso sistema de saúde, como o de outros países ditos do mundo ocidental, se debate no presente momento e, certamente, se continuará a debater, no futuro, pois será difícil de debelar. Com este projecto de lei, Os Verdes quiseram introduzir esta questão na agenda política da Assembleia da República, porque nos parece ser da maior importância e porque nela interessa que sejam envolvidos o maior número de agentes civis, bem como todas as forças políticas. É claro que Os Verdes têm a noção de que não basta produzir alterações legislativas, nem mesmo alterações legislativas na publicidade, para resolver o problema da obesidade. De resto, isto é dito na exposição de motivos que acompanha o nosso projecto de lei. Porém, também importa reconhecer que há um papel preponderante da publicidade, designadamente da publicidade televisiva, em termos de incidência da obesidade infantil, por via dos erros alimentares que se promovem junto das camadas infantis e juvenis da nossa população. Estivemos atentos à intervenção do Partido Socialista e conhecemos os planos e os programas em curso, por parte do Governo, designadamente o Programa Nacional de Combate à Obesidade, que dispõe já, inclusivamente, de uma comissão de coordenação. Oxalá, disponha dos meios e do financiamento adequado e necessário para que os fundamentais objectivos sejam atingidos, para que se dêem passos concretos e para que não nos fiquemos apenas por reflexões, por estudos, por objectivos e por edições de sensibilização ou aconselhamento. E este projecto de lei de Os Verdes, sendo embora parcial, é uma proposta concreta. Já foi também aqui referido o desporto escolar como um aspecto fundamental para combater a obesidade infantil, mas também temos de lamentar que, infelizmente, ainda hoje, os espaços escolares nem sempre sejam os mais adequados ou os mais bem equipados para promover o desporto escolar ou que o desporto escolar, em termos de currículo, seja devidamente reconhecido pela importância que deveria ter. Fomos acusados de apresentar uma medida drástica, mas o problema também é drástico. E, em relação a isto, há que tomar uma decisão muito clara. Não se trata de proibir a publicidade, trata-se de proibir a publicidade de artigos alimentares que, na sua esmagadora maioria, são produtos de duvidosa qualidade nutricional, ou seja, são muito ricos em gorduras e açúcares e muito pobres noutros nutrientes, como, por exemplo, em vitaminas. Vou terminar, Sr. Presidente. Do que se trata é de decidir se estamos dispostos a introduzir uma limitação de facto, em termos de publicidade e de mercado, para atender a um bem maior, que é a saúde dos nossos jovens, que é o debelar da obesidade infantil. Estamos disponíveis, naturalmente, para, em sede de especialidade, acolher outras propostas e trabalhar para melhorar o projecto agora apresentado. Esperamos que as outras bancadas estejam também disponíveis para aprovar, na generalidade, o projecto de lei de Os Verdes. O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos passar à apreciação do projecto de lei n.º 275/X — Altera o regime jurídico das autoridades metropolitanas de transportes (PCP). Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Soeiro.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos hoje o projecto de lei n.º 300/X, apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes», o qual preconiza a alteração do Código da Publicidade no sentido da regulação da publicidade a produtos alimentares na televisão dirigida a crianças e jovens. Na exposição de motivos da iniciativa em apreço, os proponentes reconhecem — e bem — que a obesidade é uma doença crónica que afecta grande parte da população mundial e constitui um gravíssimo problema de saúde pública, já que se apresenta como factor de aumento do risco no aparecimento e agravamento de grande número de outras doenças. Consideram ainda os proponentes que, entre outros factores que concorrem para o aparecimento da obesidade, de que se destacam o estilo de vida sedentário e a falta de exercício físico, está a alimentação errada, com base numa dieta desequilibrada. Com base nestas considerações, o referido grupo parlamentar resolveu, na parte dispositiva do diploma em questão, proibir a publicidade a produtos alimentares em publicações destinadas ao público infantil e juvenil na televisão, seja nos períodos destinados a programação infantil e juvenil, seja em spots ou filmes publicitários filmados com crianças ou jovens ou a eles em particular dirigidos. As excepções às proibições enunciadas são, ainda nos termos da mesma iniciativa, as actividades publicitárias e de divulgação destinadas a promover hábitos de alimentação saudável. No que se refere aos propósitos proclamados na exposição de motivos da iniciativa legislativa hoje em discussão, não subsiste grande dúvida sobre o seu acerto e mesmo pertinência, pelo que o PSD não pode deixar de emitir um juízo de concordância genérica com os mesmos. Consideramos, de facto, que uma alimentação saudável é essencial à vida e ao crescimento e contribui para um maior estado de saúde e bem-estar do indivíduo. A obesidade é uma doença crónica que atinge homens e mulheres de todas as etnias e de todas as idades e requer estratégias de longa duração para a sua prevenção e gestão efectivas. Aliás, trata-se de um problema que se tende a agravar nas nossas sociedades, como recentemente o demonstrou a Comissão Europeia, quando divulgou os resultados de uma consulta pública sobre alimentação e actividade física. Essa consulta permitiu concluir que «cerca de 27% dos homens e 38% das mulheres são considerados hoje em dia obesos na Europa» e, de acordo com os números divulgados no mesmo documento, 14 milhões de crianças europeias sofrem com o excesso de peso e mais de três milhões são obesas. O número de crianças com excesso de peso aumenta na ordem dos 400 000 por ano. De resto, entre nós, ainda segundo a Comissão Europeia, um terço das crianças entre os 7 e os 11 anos sofrem de excesso de peso. A esse respeito convém lembrar que estudos oficiais nacionais referem que a prevalência da obesidade diminui com o maior grau de instrução dos pais e aumenta com mais horas de televisão, jogos electrónicos ou jogos de computador e quanto mais urbana é a zona de residência. As autoridades nacionais de saúde alertam igualmente para o facto de, se nada se fizer para prevenir a obesidade, se estimar que cerca de 50% da população poderá ser obesa já em 2025. É certo que os factores que determinam este desequilíbrio, que tende a perpetuar-se, são complexos e incluem factores genéticos, metabólicos, ambientais e comportamentais. Por isso mesmo não oferece dúvida que o problema da obesidade requer esforços continuados, multidisciplinares e multissectoriais para ser controlado. Desde a indeclinável responsabilidade da família na socialização dos seus membros até aos deveres do Estado na formulação de políticas activas e no controlo da observância de regras que protejam a saúde pública, passando pelo relevante papel da escola e da generalidade dos agentes sociais e económicos, ninguém pode afirmar-se desobrigado de concorrer para prevenir ou reduzir a incidência da obesidade na nossa sociedade. Neste sentido, reveste particular importância garantir uma adequada, rigorosa e suficiente informação aos consumidores, em particular quando se trate de crianças e jovens, caso em que essa informação lhes deve ser prestada ainda com maior cuidado educacional. Explicar aos consumidores os benefícios de uma alimentação saudável e variada e alertá-los para o perigo de hábitos alimentares incorrectos, promover adequadas dietas escolares e actividades desportivas continuadas, eis alguns exemplos de medidas que devem ser incentivadas e podem concorrer, de forma muito positiva, para combater a obesidade, principalmente entre crianças e jovens. É de realçar que todos temos uma importante responsabilidade no que se refere à correcção dos factores comportamentais, especialmente quando estes se revelam nocivos para o desenvolvimento saudável das nossas crianças e dos nossos jovens. E se é verdade que não raro esses factores são induzidos por terceiros, nem sempre ao serviço e no interesse dos seus destinatários, insisto que é à família, enquanto célula fundamental da formação e do desenvolvimento social do indivíduo, que cabe a primeira obrigação de promover hábitos alimentares saudáveis entre os seus membros, em especial quando se trate de crianças e jovens. Na verdade, é no seio da família que melhor se pode educar a criança, incutindo-lhe hábitos saudáveis. Deixar a criança comer pela própria mão; permitir que ela ajude a pôr a mesa e a preparar as refeições; comer à mesa com os pais; transformar as refeições em momentos agradáveis e divertidos; respeitar o apetite da criança mas nunca ceder, dando outra coisa para compensar, estes são apenas alguns exemplos de comportamentos que, aliados a dietas equilibradas, seguramente podem contribuir, e muito, para o desenvolvimento saudável da juventude portuguesa. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD considera que o direito a uma alimentação suficiente, segura e saudável integra, indiscutivelmente, uma das vertentes do direito à protecção da saúde, que o artigo 64.º da nossa Lei Fundamental consagra. Assim, consideramos existir o direito de exigir do Estado ou de entidades terceiras que se abstenham de actos que concorram para prejudicar a saúde das pessoas. Neste contexto, não podemos ignorar o importante papel que a televisão, entre outros meios de comunicação social, desempenha, enquanto transmissor de informação e de conteúdos às crianças e jovens, designadamente a nível da publicidade. Ainda recentemente, um estudo de uma importante associação de defesa do consumidor concluiu que, durante a programação infantil, a categoria de produtos mais publicitada é a dos bolos e chocolates, alimentos ricos em açúcar e gordura. E a verdade é que a publicidade televisiva tem ementas recheadas de chocolates, cereais com açúcar, bolos, bolachas e fast-food, produtos pouco interessantes numa dieta saudável, sobretudo quando o públicoalvo são crianças. É certo que o nosso Código da Publicidade estatui, no seu artigo 14.º, que a publicidade especialmente dirigida a menores deve ter sempre em conta a sua vulnerabilidade psicológica, abstendo-se nomeadamente de incitar directamente os menores, explorando a sua inexperiência ou credulidade, a adquirir um determinado bem ou serviço. Esta norma deveria ser suficiente, no quadro da auto-regulação dos agentes económicos envolvidos na produção e publicidade de produtos para crianças e jovens, para assegurar uma adequada protecção desse público mais vulnerável. E sê-lo-ia certamente se as entidades fiscalizadoras da actividade de publicidade exercessem adequadamente as suas competências e zelassem efectivamente pela protecção dos direitos dos menores, também em matéria de publicidade a alimentos. Quanto ao Governo, pouco se tem visto sobre medidas efectivas e consistentes que combatam, no terreno, as causas da obesidade infantil e nos adolescentes. É mesmo penoso recordar as declarações do Sr. Ministro da Saúde, quando este governante, em Maio de 2005 — já lá vai quase ano e meio —, declarava publicamente, num seminário sobre obesidade infantil, que a obesidade infantil era «um problema que deve envolver todos os ministérios, tendo em conta as suas múltiplas causas» e que «a Saúde, enquanto pasta, deve empenhar-se na resolução deste problema, mas também as pastas da Educação, da Indústria, do Comércio e da Economia». Nessa altura, em Junho de 2005, também o Sr. Secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor comungava do espírito visionário do Ministro da Saúde, afirmando, na abertura do Congresso da Federação Europeia de Publicidade Exterior, que «uma das prioridades deste Governo é a de reforçar a fiscalização da publicidade dirigida às crianças na televisão, sobretudo no que se refere à publicidade a produtos alimentares, na tentativa de promover hábitos de alimentação saudável e prevenir a obesidade». Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em 2004, reconhecendo a gravidade do problema de saúde pública que a obesidade já então representava, o então governo, liderado pelo PSD, classificou a obesidade como uma doença crónica e instituiu o penúltimo sábado do mês de Maio de cada ano como o Dia Nacional de Combate à Obesidade. Nesse mesmo ano, o executivo fez também definir e propor os critérios considerados pertinentes relativamente aos doentes a serem admitidos para cirurgia da Obesidade no âmbito do PECLEC. Foi ainda no anterior governo que foi aprovado o Programa Nacional de Intervenção Integrada sobre Determinantes da Saúde Relacionados com os Estilos de Vida. Mas, para além do Plano Nacional de Saúde 2004-2010, aprovado também no tempo dos governos liderados pelo PSD, foi em 28 de Janeiro de 2005 que o então Ministro da Saúde aprovou um programa específico, o Programa Nacional de Combate à Obesidade, instrumento que se considerou fundamental para o sucesso do combate a esta doença. Como objectivo geral, o Programa visa contrariar a taxa de crescimento da prevalência da pré-obesidade e da obesidade em Portugal. As principais estratégias de intervenção deste Programa de Combate à Obesidade são as seguintes: produzir e divulgar orientações técnicas sobre prevenção e tratamento da pré-obesidade e da obesidade, dirigidas a profissionais de saúde, medida que deve ser concluída até ao final de 2006; planear, criar e desenvolver consultas hospitalares de obesidade para doentes com obesidade, medida que deve ter sido concretizada desde Janeiro de 2006; planear, criar e desenvolver serviços hospitalares de cirurgia bariátrica, medida que deve ter sido concretizada desde Outubro de 2005; elaborar proposta de listagem de fármacos e de suplementos alimentares para o tratamento da obesidade a serem sujeitos a um regime de comparticipação especial, medida que deve ser sido concluída até 30 de Junho de 2006; e promover, junto das entidades competentes, a criação de condições para a disponibilidade de refeições equilibradas, sob o ponto de vista energético, nos locais de trabalho e nos estabelecimentos de ensino, medidas que devem ser concretizadas no 1.º semestre de 2007. Decorridos quase dois anos desde a aprovação do Programa Nacional de Combate à Obesidade, deve agora o Governo dar conta aos portugueses sobre a execução deste importantíssimo instrumento de política governativa. É esta a questão, Srs. Deputados do Partido Ecologista «Os Verdes»: em vez de se propor apenas mais legislação, cujo cumprimento muitas vezes não é depois assegurado, o que verdadeiramente importa é saber o que tem feito o Governo para travar a progressão de um problema tão grave como é o caso da obesidade.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há na sociedade um consenso muito generalizado sobre a dimensão, as consequências e a importância do problema que o Partido Ecologista «Os Verdes» hoje trouxe aqui, que se resume ao problema da obesidade, em particular ao problema da obesidade infantil. Mas, apesar de também haver sobre o diagnóstico da situação um tão largo consenso, gostaria de sublinhar os seguintes aspectos: primeiro, é de referir que a obesidade está considerada como a segunda causa de morte no capítulo das doenças evitáveis. É um problema que tem mais ou menos a mesma dimensão, ou podemos interpretá-la como tal, que o problemas do tabagismo e as suas consequências. Segundo, é também de referir que a obesidade é uma situação ou, se quiserem, uma patologia que tem também uma marca social. E, ao contrário do que poderia parecer, a obesidade diminui à medida que se elevam os níveis socioeconómicos, medidos quer pela remunerações quer pelos níveis de instrução, sendo, como se sabe, um fenómeno que, paradoxalmente, acontece em situações de carência alimentar, por viciação dos produtos ingeridos nuns casos e noutros não. Portanto, é também uma patologia que tem uma marca e uma raiz social e, por isso, qualquer tentativa para resolver o problema que não tenha esta abordagem e este enquadramento estará, do nosso ponto de vista, condenada ao insucesso. Em Portugal, há poucos estudos consolidados de evolução sobre a obesidade, mas há um estudo interessante, que gostaria de referir muito rapidamente, que mostra como o problema tem crescido em Portugal. Trata-se de um estudo que, durante 30 anos, acompanhou os jovens portugueses que fazem a recruta, ou seja, os mancebos, medindo alguns indicadores, e que revela que, neste período de 30 anos, a pré-obesidade duplicou e a obesidade triplicou, o que são números, de facto, bastante alarmantes. Em Portugal, cerca de um terço das crianças entre os 7 e os 11 anos sofre de excesso de peso. Ora, isto tem, depois, repercussões gravíssimas e é daquelas situações em que, no futuro, vamos gastar certamente muito mais do que aquilo que poupamos hoje. As restrições já hoje existentes à publicidade para menores estão longe de serem respeitadas e as tentativas de auto-regulação têm-se revelado muito insuficientes para travar a cada vez maior agressividade do marketing publicitário. O consumo de produtos alimentares não raras vezes é associado a diversos eventos culturais e desportivos, com consequências nos padrões de consumo bastante negativas. De facto, a publicidade a produtos alimentares explora deliberadamente muitas das necessidades sociais dos jovens, ao nível da imagem e da aceitação do seu desempenho e inclui por vezes até a ideia de que os produtos que são nocivos, e que previamente se sabe que são nocivos, são anunciados com aspectos e valências que, de facto, estão muito aquém da realidade. Lembro um anúncio, a título de exemplo, que chega a dizer que os chocolates têm mais leite do que cacau, o que é uma inverdade absoluta. As restrições à publicidade de produtos em horários destinados à programação infantil ou, de outra forma, destinados ao público mais jovem não é uma novidade, existe em muitos países europeus, e vários especialistas nacionais o têm referido. Neste sentido, parece-nos que o projecto de lei apresentado por Os Verdes é razoável e, portanto, receberá o nosso apoio. Mas isto não quer dizer, obviamente, que uma estratégia de combate à obesidade infantil passe apenas ou essencialmente pelos limites à publicidade. O problema fundamental não está aqui, pelo contrário, uma estratégia contra a obesidade infantil exige um esforço concertado que terá de incluir a pedagogia dentro da família, os curricula escolares, as escolas e comunidades educativas, o aumento da prevenção, o aumento das consultas de especialidade nos centros de saúde e hospitais e até mesmo a comparticipação em alguns medicamentos. Um aspecto essencial deste problema é que os alunos se queixam que nas cantinas das escolas a comida não é suficientemente apelativa, o que explica a substituição da alimentação fornecida, equilibrada, em geral, dando origem a uma alimentação de má qualidade nos bares e em outros restaurantes da vizinhança das próprias escolas. Tornar a comida das cantinas mais apelativa e as alternativas mais saudáveis é parte de toda uma patologia coerente da escola no sentido de modos de vida mais saudáveis, devendo ser um vector de uma estratégia mais geral de combate à obesidade. Esta estratégia necessita da criação de organismos públicos para assegurar não apenas a qualidade e o equilíbrio nutritivo da alimentação mas a sua atractividade aos olhos dos alunos, dinamizando também a promoção de outros hábitos de alimentação e de estilos de vida mais saudáveis. A grave situação da obesidade infantil exige uma resposta dos poderes públicos que não se compadece com hesitações ou meras declarações de intenção. O problema de saúde pública que estará a crescer à frente dos nossos olhos pode ter consequências imprevisíveis e graves num futuro próximo. É necessário mais investimento público para promover a mudança dos hábitos alimentares e dos modos de vida, para prevenir a obesidade. A política de saúde em curso é uma política muito determinada pela contenção da despesa pública e, como tal, é um risco para o qual é necessário alertar, ao qual todos devemos estar atentos e que devemos denunciar. Gastando-se a prevenir poupa-se muito mais no futuro e evitar-se-ão muitas patologias que sairão caras não só aos portugueses como ao próprio Orçamento. Ou seja, Srs. Deputados, não tenham quaisquer dúvidas de que quanto mais o Orçamento emagrecer mais os portugueses vão engordar.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A obesidade é hoje um problema de saúde nas sociedades desenvolvidas e assim também o é em Portugal. Logo, tem o maior acolhimento do Grupo Parlamentar do Partido Socialista e é matéria de interesse relevante para o Governo português. __________________________________________________________________________________________________ A Oradora: — De facto, os estudos — e desde já sublinho o que foi realizado pela equipa de investigadores das Faculdades de Medicina de Lisboa e do Porto, do Hospital de Santa Maria e da Fundação Ciência e Tecnologia Scholar — referem que, em Portugal, mais de metade dos adultos e mais de 30% das crianças entre os 7 e os 9 anos têm peso excessivo. Segundo dados da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade, em 1999, havia uma prevalência de cerca de 12% nas pessoas adultas, com maior incidência nos homens, e, em 2004, a prevalência já era de cerca de 14%. Esta situação é tanto mais grave porquanto ela é sintoma e causa de diversas patologias com forte impacto na saúde da população portuguesa. Mas, Sr.as e Srs. Deputados, porque o Governo está atento e porque temos um Governo em estado de alerta permanente para os problemas do País, já temos em marcha o Programa Nacional de Combate à Obesidade, no quadro do Plano Nacional de Saúde. Permitam-me deixar aqui também a nota de que a comissão de coordenação do programa nacional está fortemente empenhada em colocar o combate à obesidade nas agendas políticas e de saúde pública dos países da região europeia, pelo que irá participar activamente na Conferência de Istambul, organizada pela Organização Mundial de Saúde e pelo Governo turco, com a finalidade de promover a colaboração internacional sobre esta matéria. Refira-se que na maioria dos países da Europa a obesidade é a epidemia em maior crescimento. Uma em cada cinco crianças europeias é obesa. Os dados são da Organização Mundial de Saúde, que considera que a obesidade infantil é actualmente um dos maiores problemas de saúde pública na Europa. Aliás, a Organização Mundial de Saúde vai apresentar uma proposta de criação de um código internacional para o marketing alimentar, um código comum que deverá ser planeado, implementado e coordenado por todos os países da União Europeia. Entre as medidas de carácter preventivo está, com destaque, considerado o papel da indústria na criação de formas e estilos de vida saudáveis. Neste campo, aparecem medidas que passam por reduzir a pressão do marketing e publicidade, sobretudo junto das crianças, e aumentar a oferta de produtos saudáveis. Mais concretamente em Portugal, a Comissão Nacional de Luta Contra a Obesidade está a trabalhar numa linha curativa e a apostar fortemente na prevenção e, desde logo, a estudar a necessidade de melhorar a nossa legislação no quadro do combate à obesidade. No âmbito da prevenção, serão anunciadas, já em Outubro, acções concretas de sensibilização da população em geral, com especial enfoque nas crianças e adolescentes, para os riscos de saúde associados à obesidade e para a promoção de comportamentos e estilos de vida saudáveis. Importa destacar em especial a articulação entre o Programa Nacional de Luta contra a Obesidade e o Programa Nacional de Saúde Escolar, com trabalho em curso nos diversos territórios. E aqui permitam-me destacar a distribuição, que já está em curso, nas escolas portuguesas de um manual de promoção de estilos de vida saudáveis, nomeadamente ao nível da alimentação. Sr.as e Srs. Deputados, a obesidade é um bom exemplo de como a saúde não depende exclusivamente da prestação de cuidados. Mais: é determinante, como sabemos, a influência do ambiente social, biofísico e ecológico. Daí que o investimento deste Governo seja sobremaneira a prevenção. É fundamental o aumento do nível de conhecimento e de motivação das famílias para a alteração de hábitos de vida e o apoio à responsabilização progressiva e à autodeterminação das crianças e jovens nesta e noutras matérias. O projecto de lei do Partido Ecologista «Os Verdes» é uma proposta pouco ambiciosa. Além das dúvidas que temos sobre o efeito multiplicador da medida, há matérias que consideramos que devem ser precisadas neste projecto de lei. Desde logo, no projecto em apreço a proibição de «publicidade a produtos alimentares em spots ou filmes publicitários filmados com crianças ou jovens ou a eles em particular dirigidos» restringe-se à imprensa, mais precisamente a que é dirigida a menores, não incluindo, no entanto, a rádio ou a Internet, que, aliás, e como tão bem sabem, tem actualmente um grande impacto no comportamento das crianças e sobretudo dos adolescentes. Gostávamos também de recordar que falarmos de publicidade que utiliza menores e de publicidade dirigida a menores não é a mesma coisa. Aliás, não tem de existir qualquer correlação entre as duas coisas, já que a publicidade que utiliza menores enquanto intervenientes por vezes é dirigida a outros públicos. Sem querer estar a entrar em mais considerações sobre esta proposta legislativa, é preciso ter presente que o Governo, no âmbito da elaboração do ante-projecto do código do consumidor, encontra-se a estudar o Código da Publicidade com o objectivo de proceder à actualização, avaliação e revisão das suas normas. Sr.as e Srs. Deputados, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista quer uma política de combate à obesidade, em especial à obesidade infantil, responsável e eficaz, que não se compadece com medidas isoladas e pontuais. Mudar estilos de vida significa introduzirmos mudanças culturais, que, como o Sr. Deputado do Partido Ecologista «Os Verdes» também sabe, exigem medidas profundas que extrapolam a dimensão do projecto de lei que aqui estamos hoje a debater. Assim e para que se compreenda o impacto do diploma em debate no combate à obesidade, apelo às Sr.as e aos Srs. Deputados que se concentrem nas seguintes palavras: «Leve, leve, muito leve,/Um vento muito leve passa,/E vai-se, sempre muito leve (…)». Alberto Caeiro traduz de uma forma magistralmente simples o projecto de lei do Partido Ecologista «Os Verdes». Com efeito, esta questão tem de ser discutida com muita seriedade, sobretudo quando vemos que são as crianças — e vários estudos o indicam — que mandam nas compras efectuadas pelos pais. Muitos estudos têm vindo a ser feitos e concluem que, devido à atenção que é dada à televisão pelas crianças e à forma como os anúncios são elaborados — eles ficam a «ecoar» na cabeça das crianças —, ao acompanharem os pais nos supermercados, as crianças «forçam-nos» a comprar estes produtos indesejáveis a todos os níveis. Não foi aqui abordado um estudo feito recentemente na Grã-Bretanha que diz que, não se alterando esta tendência, no ano 2020 — e 2020 é «depois de amanhã» — um em cada três adultos será obeso. Isto para não falar em outros aspectos aos quais a esquerda será certamente menos sensível mas que não podemos deixar de invocar, pois, em virtude das doenças relacionadas com a obesidade, o número de horas de falta ao trabalho, todos os anos, é de 18 milhões de horas, o que significa uma quebra de 2000 milhões de libras na economia e de 500 milhões de libras na produtividade do Reino Unido. No entanto, alguns passos já foram dados. O Plano Nacional de Saúde 2004/2010 já propunha que fosse feito um novo inquérito sobre os hábitos alimentares nacionais e, recentemente, foi aqui discutida uma iniciativa para que fossem desbloqueadas verbas para esse inquérito — e muito bem. Mas não podemos deixar de enfrentar alguns problemas relacionados com a iniciativa de Os Verdes. Em nosso entender, trata-se de uma iniciativa drástica, desde logo porque não estabelece uma fronteira. Ou seja, o que é a publicidade dirigida a crianças? Por exemplo, um hamburguer não é necessariamente um atentado contra a saúde dos jovens, mas torna-se um atentado quando é consumido em excesso. O mesmo se diga em relação a alguns iogurtes, chocolates e outros produtos. Em todo o caso, e com toda a franqueza, é muito difícil estabelecer uma fronteira. Por outro lado, em virtude desta proibição pura e simples, podemos alcançar uma distorção no mercado, que também não será desejável. Na verdade, existem inúmeras alternativas a esta proposta, que, como dizem Os Verdes, e bem, têm de passar por soluções integradas, pois todos os problemas complexos pressupõem soluções integradas. Em primeiro lugar, é necessário uma informação mais completa, nomeadamente nos anúncios e nas próprias embalagens desses produtos, sobre as calorias, a percentagem de produtos nutritivos aconselháveis diariamente para as crianças e os malefícios que determinado alimento pode provocar. Devem, inclusivamente, existir avisos sobre a perigosidade, como acontece nos anúncios sobre medicamentos. 7 DE OUTUBRO DE 2006 29 __________________________________________________________________________________________________ Outra alternativa que também já aqui foi abordada, e que é óbvia, é a maior sensibilização dos pais, dos encarregados de educação, das escolas, um maior incentivo para a prática de desporto, um maior empenho em campanhas de prevenção e a promoção de uma alimentação mais saudável. Temos inúmeras outras alternativas pelas quais podemos optar antes de chegarmos a esta «decapitação» pura e simples dos anúncios para crianças.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos aqui perante uma matéria de inquestionável importância e preocupação, de saúde pública. De facto, trata-se de um grande problema de saúde pública que enfrentamos, sobretudo como um sinal dos tempos, das sociedades e do diaa-dia de um modelo de vida dos países desenvolvidos. Efectivamente, já foram aqui invocados e anunciados muitos números. Não vale a pena repeti-los, mas não deixa de ser chocante quando vemos que um quinto da crianças da União Europeia são obesas ou para lá caminham. Hoje em dia, as crianças são educadas pela televisão, pelas novelas e pelos anúncios que vão para o ar entre as novelas. Na verdade, algo tem de ser feito e quase me atrevo a dizer que não mudaria uma vírgula na exposição de motivos deste projecto de lei do Partido Ecologista «Os Verdes». Todavia, a nossa avaliação relativamente à proposta já é outra. Com efeito, esta questão tem de ser discutida com muita seriedade, sobretudo quando vemos que são as crianças — e vários estudos o indicam — que mandam nas compras efectuadas pelos pais. Muitos estudos têm vindo a ser feitos e concluem que, devido à atenção que é dada à televisão pelas crianças e à forma como os anúncios são elaborados — eles ficam a «ecoar» na cabeça das crianças —, ao acompanharem os pais nos supermercados, as crianças «forçam-nos» a comprar estes produtos indesejáveis a todos os níveis. Não foi aqui abordado um estudo feito recentemente na Grã-Bretanha que diz que, não se alterando esta tendência, no ano 2020 — e 2020 é «depois de amanhã» — um em cada três adultos será obeso. Isto para não falar em outros aspectos aos quais a esquerda será certamente menos sensível mas que não podemos deixar de invocar, pois, em virtude das doenças relacionadas com a obesidade, o número de horas de falta ao trabalho, todos os anos, é de 18 milhões de horas, o que significa uma quebra de 2000 milhões de libras na economia e de 500 milhões de libras na produtividade do Reino Unido. No entanto, alguns passos já foram dados. O Plano Nacional de Saúde 2004/2010 já propunha que fosse feito um novo inquérito sobre os hábitos alimentares nacionais e, recentemente, foi aqui discutida uma iniciativa para que fossem desbloqueadas verbas para esse inquérito — e muito bem. Mas não podemos deixar de enfrentar alguns problemas relacionados com a iniciativa de Os Verdes. Em nosso entender, trata-se de uma iniciativa drástica, desde logo porque não estabelece uma fronteira. Ou seja, o que é a publicidade dirigida a crianças? Por exemplo, um hamburguer não é necessariamente um atentado contra a saúde dos jovens, mas torna-se um atentado quando é consumido em excesso. O mesmo se diga em relação a alguns iogurtes, chocolates e outros produtos. Em todo o caso, e com toda a franqueza, é muito difícil estabelecer uma fronteira. Por outro lado, em virtude desta proibição pura e simples, podemos alcançar uma distorção no mercado, que também não será desejável. Na verdade, existem inúmeras alternativas a esta proposta, que, como dizem Os Verdes, e bem, têm de passar por soluções integradas, pois todos os problemas complexos pressupõem soluções integradas. Em primeiro lugar, é necessário uma informação mais completa, nomeadamente nos anúncios e nas próprias embalagens desses produtos, sobre as calorias, a percentagem de produtos nutritivos aconselháveis diariamente para as crianças e os malefícios que determinado alimento pode provocar. Devem, inclusivamente, existir avisos sobre a perigosidade, como acontece nos anúncios sobre medicamentos. __________________________________________________________________________________________________ Outra alternativa que também já aqui foi abordada, e que é óbvia, é a maior sensibilização dos pais, dos encarregados de educação, das escolas, um maior incentivo para a prática de desporto, um maior empenho em campanhas de prevenção e a promoção de uma alimentação mais saudável. Temos inúmeras outras alternativas pelas quais podemos optar antes de chegarmos a esta «decapitação» pura e simples dos anúncios para crianças. Por outro lado, entendemos que deve haver uma maior responsabilização dos pais. Se é verdade que os anúncios são dirigidos às crianças e que estas têm um grande poder de influência sobre os pais quando chega a altura de fazer as compras, também é verdade que são os pais que as efectuam. Portanto, esta responsabilidade dos pais não pode ser esquecida. A este propósito, lembro que o CDS-PP já teve oportunidade de apresentar iniciativas nesta Câmara no sentido de aumentar a responsabilização dos pais. Desde logo, não sei se se lembram da nossa proposta para a introdução do V-Chip (Viewing Television Responsibly) para programas considerados demasiadamente violentos ou com cenas ou conteúdos verbais que possam ofender e não colaborar para um crescimento adequado das crianças. Lembramo-nos da reacção de toda a esquerda quando esta proposta foi feita! Por outro lado, na Legislatura anterior, foi aqui apresentado pelo governo PSD/CDS-PP uma proposta no sentido da classificação da programação, que, numa primeira fase, mereceu a abstenção da esquerda parlamentar mas que depois, em sede de votação final global, foi rejeitada. Efectivamente, não tem havido uma atitude responsável por parte da esquerda quando chega a altura de introduzir elementos de maior responsabilização por parte dos encarregados de educação. A Oradora: — Para concluir, outra medida que pode ser adoptada, antes de se acabar, pura e simplesmente, com os anúncios destes produtos, é a proibição ou a restrição da sua venda nas escolas, quer nos bares, quer nas máquinas de venda automática, porque aí, de facto, estamos numa área e num tempo que escapam por completo à responsabilidade dos encarregados de educação. Isto para não falar, como é evidente, na indiscutível necessidade de sensibilizar toda a sociedade. Por outro lado, é obrigatório que haja uma maior fiscalização do cumprimento das normas de publicidade, no sentido de incrementar e estimular… Vou concluir dentro de 5 segundos, Sr. Presidente. Como estava a dizer, é obrigatório que haja uma maior, e maior, fiscalização do cumprimento das normas de publicidade, no sentido de haver uma maior auto-regulação. Têm sido elaborados, nomeadamente em Espanha, códigos de auto-regulação que contam com o apoio e a coordenação das associações representativas das indústrias alimentares e de bebidas mas também das associações representativas dos anunciantes. Em Portugal, não vejo por que é que isto não deverá acontecer. Aliás, a Associação Portuguesa de Anunciantes e as associações representativas da indústria alimentar e de bebidas já se revelaram disponíveis para encontrar formas de auto-regulação e, a nível europeu, a Associação Europeia de Fabricantes de Refrigerantes já se auto-impôs restrições nesta matéria, com o apoio dos maiores produtores mundiais como a Coca-Cola, a Pepsi, a Schweppes e a Cadbury. Tudo isto são, pois, vias alternativas, antes de chegarmos à eliminação, pura e simples, da publicidade.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os problemas do excesso de peso e obesidade infantis são já hoje bastante significativos em Portugal, atingindo quase 32% das crianças, sendo que Portugal é um dos países da União Europeia onde se verificam as maiores taxas desse distúrbio alimentar. É exactamente nesse sentido que a saúde, em geral, e a saúde alimentar, em particular, devem ser preocupações políticas constantes. Claro que a saúde das populações infantil e juvenil não está exclusivamente dependente da sua alimentação. A prática desportiva e os estilos de vida saudáveis, que combatam o sedentarismo, também não têm sido objectivos com que o Estado se tenha verdadeiramente comprometido. Pelo contrário, os sucessivos governos têm vindo a criar todas as condições para a degradação e elitização da prática desportiva, conduzindo a que milhares de crianças se votem ao sedentarismo, acompanhadas do televisor ou da consola de jogos de vídeo. A democratização do desporto e a garantia do direito ao lazer têm sido cada vez mais esquecidas pelos governos. Os estilos de vida frenéticos do casa/trabalho, trabalho/casa e os salários tremendamente baixos têm sido impostos à população, deixando apenas o tempo e as condições mínimas para a reposição das energias do trabalhador, como foi prática no século XIX. Claro que este ritmo de vida se transpõe para os filhos dos trabalhadores, com consequências enormes e muitas delas negativas para a saúde. A degradação da qualidade de vida e a impossibilidade de desfrutar de um tempo de descanso aceitável, que proporcione condições para a preparação de refeições saudáveis, são, infelizmente, características diárias da vida dos trabalhadores e dos seus filhos. Portugal é o país da União Europeia com menores percentagens de população praticante de desporto, sendo que as taxas de sedentarismo ascendem a níveis acima dos 80%. Além disso, somos também o País com maior número de mortes devidas a problemas cardiovasculares, muitos deles relacionados com a alimentação que praticamos. Aquilo que o Partido Ecologista «Os Verdes» nos propõe é que se proíba a publicidade a alimentos em publicações destinadas a crianças e jovens, a publicidade a alimentos por via televisiva em horário de programação juvenil e a publicidade a alimentos destinada especificamente a públicos de crianças e jovens em qualquer horário ou programação. De facto, a publicidade destinada a menores acaba por fazer com que o menor passe a ser o próprio veículo da publicidade, agindo junto dos compradores, ou seja, dos seus pais. Neste sentido, a publicidade dirigida a crianças é uma manipulação inteligente e legal de uma criança que ainda não possui as capacidades de discernimento necessárias para escolher entre o que deve ou não comer, entre o que quer ou não possuir, entre o que é saudável ou prejudicial à saúde, entre o que é perigoso e o que é divertido. Quantos de nós não vimos já spots publicitários que, vendendo um chocolate ou um hambúrguer, os anunciam como os alimentos mais saudáveis do mundo?! A criança não sabe se são ou não!… O projecto de lei apresentado pelo Partido Ecologista «Os Verdes» visa, então, agir no sentido correcto, no sentido da limitação da influência da publicidade sobre os jovens e as crianças no que toca aos hábitos alimentares, no sentido do reconhecimento de que a saúde alimentar é um direito e de que as crianças são um alvo fácil da publicidade que atenta contra essa saúde. Claro que este projecto, se aprovado, não constituirá a solução ou a resolução total do problema, mas representa uma medida que, além de pedagógica junto do adulto, poderá ser minimizadora do risco junto da criança. Agir para melhorar a saúde dos jovens portugueses e da população em geral passa pela dinamização de uma verdadeira política de democratização e generalização da prática desportiva, pelo desenvolvimento do papel do sistema de ensino no que toca à educação alimentar, bem como pelo estímulo de estilos de vida saudáveis que contornem o sedentarismo e o desporto dos jogos de vídeo. Temos, no entanto, de acusar o actual Governo de contrariar todos estes objectivos: com uma lei de bases da actividade física e do desporto que apenas se debruça sobre o desporto profissional, com um programa para o desporto escolar inexistente e o congelamento das construções de infra-estruturas para este desporto, com a privatização dos serviços de cantinas das escolas, diminuindo drasticamente, na maior parte dos casos, a qualidade e variedade alimentares do serviço…
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, em primeira lugar, saudar, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, os trabalhadores das pedreiras aqui presentes e que esperaram até ao final da nossa agenda de hoje. Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entre nuvens de pó, os trabalhadores das pedreiras transformam a pedra e criam riqueza para os patrões e para o País, mas deixam as marcas do seu trabalho no corpo, na sua saúde. A transformação da pedra, cujas condições de desgaste importa minorar, envolve, necessariamente, perigos para a saúde destes trabalhadores, a quem não resta outra actividade senão esta. Na verdade, não há medidas possíveis que impeçam ou diminuam o perigo da silicose que afecta estes trabalhadores e que a muitos lhe ceifa a vida prematuramente. Esta justa reivindicação dos trabalhadores das pedreiras levou à criação de um movimento que promoveu debates, sensibilizou a população, fez aprovar, por unanimidade, moções nas Assembleias Municipais do Marco de Canaveses e de Penafiel, recolheu assinaturas e apresentou uma petição, com mais de 5000 assinaturas, à Assembleia da República. O Sr. Jorge Machado (PCP): — O que exigem é simples: a diminuição da idade de reforma dos trabalhadores das pedreiras, exigindo que lhes seja aplicado o mesmo regime dos mineiros. Seguindo as preocupações destes trabalhadores e respondendo a esta legítima aspiração, o PCP apresenta, hoje, este projecto de lei, em que propõe que a idade normal de reforma por velhice seja reduzida em um ano por cada dois anos de serviço efectivo na indústria das pedreiras e estabelecendo a idade de 55 anos a partir da qual pode ser reconhecido o direito à pensão de velhice. Mais: propomos que o montante da pensão de invalidez seja calculado com um acréscimo à taxa de formação de 2,2% por cada dois anos de serviço efectivo nesta indústria. Sr. Presidente, Srs. Deputados: Bem sabemos que o caminho que o Governo PS traçou para os trabalhadores portugueses é o chamado «envelhecimento activo»; bem sabemos que o Governo aumentou a idade real da reforma, obrigando a trabalhar mais para receber menos, mas é neste cenário, extremamente penalizante para todos trabalhadores, que importa colocar o problema dos trabalhadores das pedreiras. Quem, como o PCP, contactar com a realidade dos trabalhadores das pedreiras do Marco de Canaveses, de Paredes e de Penafiel pode constatar as condições de trabalho que estes trabalhadores enfrentam no seu dia-a-dia e a necessidade imperiosa de melhorar as condições de acesso à reforma. Na verdade, estes trabalhadores das pedreiras passam todo o seu dia de trabalho envolvidos numa nuvem de pó, uma nuvem de quartzo, e expostos a elevados níveis de ruído. A utilização de novos e mais modernos instrumentos de trabalho aumenta, ainda mais, o risco de silicose, pelo que é inteiramente justificável a aplicação do mesmo regime que existe para os mineiros. Estas condições de perigosidade foram reconhecidas, inclusivamente, pelo Centro Nacional de Protecção contra Riscos Profissionais, chegando mesmo à conclusão de que «existem riscos generalizados de silicose e de surdez». A silicose — invasão de sílica nos pulmões — vai, como dizem os trabalhadores das pedreiras, «entupindo» os pulmões de pó e estes vão perdendo capacidade respiratória e, lentamente, vão sufocando, à medida que os pulmões ficam bloqueados. A consequência é que uma significativa maioria dos trabalhadores das pedreiras não atinge a idade normal de reforma em condições aceitáveis de saúde e muitos dos trabalhadores morrem prematuramente. Assim, para estes trabalhadores não é possível o «envelhecimento activo». Para muitos destes trabalhadores não é possível a reforma aos 65 anos, com as penalizações que o Governo PS impõe, porque, pura e simplesmente, muitos deles não vivem o tempo suficiente. É, assim, da mais elementar justiça que se crie um regime especial de reforma para estes trabalhadores. Como afirmámos aquando da discussão da petição promovida por estes trabalhadores, «só quem não conhece a realidade, as vidas ceifadas pelas nuvens de quartzo; só quem não ouviu os relatos das famílias enlutadas pela morte prematura é que pode não considerar legítima esta pretensão».
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Sr. Presidente, Srs. Deputados, queria apenas deixar duas notas. A primeira é a de que consideramos absolutamente inaceitável que o Partido Socialista nas assembleias municipais onde esta questão foi discutida tenha votado a favor, tendo demonstrado um claro apoio aos trabalhadores das pedreiras, e nesta Assembleia da República dê o dito por não dito e vote contra um projecto de lei que é extremamente justo para os trabalhadores das pedreiras. Consideramos isso absolutamente inaceitável e de uma profunda contradição demagógica que importa aqui denunciar! A segunda é a de que a Sr.ª Deputada fala em prevenção. A petição dos trabalhadores foi discutida aqui, nesta Assembleia, há dois anos atrás. Que medidas de prevenção é que o Governo tomou sobre este sector? Zero, Sr.ª Deputada! Sr.ª Deputada, invocar a prevenção nos trabalhadores das pedreiras para chumbar um projecto de lei do PCP é imoral, tendo em conta que estes trabalhadores morrem a trabalhar! O Grupo Parlamentar do Partido Socialista é insensível a esta matéria! O Sr. Presidente: — Concluímos, assim, este ponto da ordem de trabalhos. Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai dar conta da retirada de um diploma.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Lei de Bases da Segurança Social prevê que, por motivos de natureza especialmente penosa e desgastante, se possam fazer alterações aos regimes de atribuição e de acesso às pensões de velhice. O que hoje debatemos é exactamente a criação de um regime excepcional, que já existe para outras profissões, que, por sinal, são bastante semelhantes no sentido dos riscos a que estão sujeitas. Os trabalhadores das pedreiras, como bem é reconhecido pelo Centro Nacional de Protecção contra Riscos Profissionais, estão sujeitos a níveis impressionantes e que ultrapassam todos os limites da qualidade do ar que respiram. Naturalmente que esta exposição provoca nestes trabalhadores doenças irreversíveis, como a silicose e a surdez. Faz, portanto, todo sentido que, para um grupo de cerca de 15 000 profissionais, a segurança social dê resposta a este problema. Virá sempre, por parte do Governo e da bancada do Partido Socialista, o argumento, que já conhecemos, da sustentabilidade do sistema de segurança social e da falta de dinheiro. Chegados aqui, e neste momento, em que este dinheiro abunda para tanta coisa e para tanto desgoverno, era altura de sensibilizarem quer o Partido Socialista quer o Governo para uma alteração, que é urgente e emergente, para estes trabalhadores. Já aqui foi referido que esta exposição provoca, muitas vezes, a morte precoce. Muitos trabalhadores não terão sequer direito às pensões por esta razão. Por isso também os movimentos que em torno desta questão têm acontecido e a petição, já discutida neste Parlamento, subscrita por 5039 cidadãos, merecem respeito. Sr.as e Srs. Deputados do Partido Socialista, importa que, nesta altura, em que há uma lei da segurança social que prevê estes regimes de excepção, se dê resposta e se tenha respeito por aqueles que mais sofrem, por aqueles que são absolutamente necessários devido à natureza das suas funções, mas que merecem todo o nosso respeito e que a lei dê, efectivamente, corpo e voz a estes problemas e seja alterada. O que se reivindica é muito simples: que estas pessoas tenham direito à pensão aos 55 anos. Muitos deles, relembro, começaram na pedreira muito cedo, muitos deles trabalham lá há 30 e 40 anos, porque muitos deles, com 55 anos, já trabalharam 40 anos. Não há nenhuma justificação razoável para que não se tenha para estas pessoas o máximo de respeito. É simplesmente isto que eles exigem, que este projecto de lei prevê e que nós, total e convictamente, subscrevemos.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PCP submete a esta Assembleia o projecto de lei n.º 297/X (1.ª), que estabelece o regime jurídico da segurança social dos trabalhadores das pedreiras, antecipando a idade de acesso à pensão por velhice. Na «Exposição de motivos», o PCP explica bem as razões de ser desta pretendida antecipação, a saber: a especial penosidade do trabalho nas pedreiras; e, particularmente, a grande perigosidade do ar respirado em tal ambiente de trabalho. Trata-se, em concreto, da contínua exposição a condições de trabalho em que existe o risco generalizado de silicose e de surdez, como foi estudado e aferido pelo Departamento de Avaliação e Prevenção de Riscos Profissionais do Centro Nacional de Protecção Contra os Riscos Profissionais. De resto, e como é igualmente referido no preâmbulo do projecto de lei, o então Ministro do Trabalho e da Solidariedade, em 2001, tornou públicos dados confirmativos daqueles riscos profissionais. Estamos, portanto, no quadro de uma situação de excepção face ao comum das profissões, tal como no caso dos trabalhadores das minas de urânio para quem o Grupo Parlamentar do PSD tem defendido, e continua a defender, um regime excepcional. Aliás, para além da bondade do presente projecto de lei, é entendimento do Grupo Parlamentar do PSD que o Governo devia, ele próprio, elencar quais as profissões com especiais riscos de perigosidade, nomeadamente quanto à saúde, e promover um regime especial que as abrangesse. É que tratar de igual forma o que é desigual conduz, necessariamente, a injustiças, que esta Câmara não pode nem deve defender. Tratar de forma desigual o que é desigual torna-se, objectivamente, um dever de justiça, que Grupo Parlamentar do PSD acompanha e defende. É por isso que me permito anunciar, nesta ocasião, a entrada na Mesa de um novo projecto de lei do Grupo Parlamentar do PSD, que se propõe alterar o regime jurídico de acesso às pensões de invalidez e velhice para os trabalhadores da Empresa Nacional de Urânio, SA. Trata-se de uma iniciativa que peca por ser avulsa, como a que hoje analisamos, mas que tem a vantagem de colmatar, ainda que imperfeitamente, porque não é uma solução global, a falha do Governo, que, não fazendo o trabalho de casa, nomeadamente não promovendo a realização de estudos sobre este tipo de profissões, leva a que existam flagrantes injustiças, que as bancadas dos diversos partidos têm de ir tentando suprir ao longo do trabalho desenvolvido nesta Legislatura. Assim, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a bancada do PSD acompanhará o diploma em análise e alerta o Governo para a necessidade de promover uma solução global para as profissões perigosas.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei que o PCP nos traz aqui, hoje, trata de uma matéria muito sensível, relacionada com diversas áreas, a qual tem de ser estudada, pensada e debatida com muita atenção e cuidado. Não é uma matéria que possa tratar-se de forma um pouco mais superficial. Objectivamente, trata-se de uma matéria à qual o Grupo Parlamentar do CDS é muito sensível, porque conhecemos os estudos, alguns até científicos, sobre as consequências físicas, ao nível da audição e da capacidade pulmonar, a que estes trabalhadores estão sujeitos. E, por isso mesmo, também não nos esquecemos de que este projecto de lei vem no seguimento de uma petição discutida nesta Câmara em 5 de Janeiro de 2007, na qual o CDS expressou uma opinião que, passados dois anos, mantém. As condições em que os trabalhadores das pedreiras exercem as suas funções são de uma enorme dificuldade e penosidade. Não nos esquecemos de que, infelizmente, há outros trabalhadores, noutros sectores, cujas condições de desempenho das suas funções também são especialmente difíceis. Podíamos falar, por exemplo, dos trabalhadores das indústrias dos cimentos, dos fibrocimentos, das cerâmicas, das madeiras, das cortiças ou até, numa questão colocada mais recentemente, dos trabalhadores aéreos. Sabemos que nos termos da actual Lei de Bases da Segurança Social é preciso que sejam preenchidos três requisitos essenciais: a especialidade da actividade; a razão concreta pela qual a actividade tem um índice elevado de penosidade ou de agravação para a saúde; e, por último, também muito importante, a forma de assegurar o respectivo financiamento dessa mesma antecipação. Infelizmente, a estes três critérios o Grupo Parlamentar do Partido Comunista não dá já uma resposta. Por isso mesmo, parece-nos que esta matéria deveria ser aprofundadamente discutida na Comissão Parlamentar de Trabalho, Segurança Social e Administração Pública, permitindo que aí seja dada uma resposta, que o Governo, até hoje… Não esteja nervoso, Sr. Deputado Honório Novo!... Estamos a fazer uma discussão séria! O Sr. Deputado pode querer fazer, nesta matéria, uma discussão de gritos, uma discussão para tentar condicionar as pessoas, mas o Grupo Parlamentar do CDS recusa-se a discutir uma matéria desta importância dessa forma. Sabemos que, muitas vezes, o Grupo Parlamentar do PCP acha que estas matérias, que são muito importantes para a vida das pessoas, para a vida dos trabalhadores, devem ser discutidas no meio de uma gritaria, mas recusamos fazê-lo, Sr. Deputado. E, por isso mesmo, parece-nos que na especialidade é possível responder a um conjunto destes aspectos, nomeadamente quando o Governo, tendo-se comprometido, desde 2006, a indicar quais são os critérios de penosidade, até agora não o fez. E, provavelmente, vai ter de ser a Assembleia da República a substituir-se ao papel do Governo. Mas o CDS não foge a esse desafio; pelo contrário, tentaremos dar uma resposta a este desafio no sítio certo, que é a comissão. Lamentamos, Sr. Deputado Honório Novo, que o Partido Comunista não tenha dado já uma resposta. Lamentamo-lo, mas cá estaremos para, de forma séria, fazer esta discussão em sede de especialidade. Não estejam nervosos, Srs. Deputados! Não tentem fazer neste Plenário, de uma discussão séria, única e exclusivamente a instrumentalização de trabalhadores, porque nisso não os acompanhamos. Acompanhamos a preocupação de tentar melhorar a vida destas pessoas, não acompanhamos uma manobra de instrumentalização, que, muitas vezes, o PCP faz aos trabalhadores portugueses. O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Dois pontos importa analisar neste debate, debate que tem tudo a ganhar quanto mais objectivo conseguir ser e que tem tudo a perder se se resumir a um debate de mera instrumentalização de objectivos político-partidários. O primeiro ponto é o da exclusividade da antecipação da reforma para os trabalhadores das pedreiras. O segundo é o da estratégia que se deve adoptar para melhor proteger a saúde dos trabalhadores que, de alguma forma, estão em contacto com a sílica e que, por isso, correm risco de silicose. Quanto à questão da exclusividade da antecipação da reforma para os trabalhadores das pedreiras, importa perguntar: as pedreiras são o único sector de actividade em contacto com a sílica, sendo os trabalhadores das pedreiras os únicos trabalhadores expostos aos riscos de silicose? A sílica está presente em todas as pedreiras? Todos os trabalhadores de uma pedreira estão inevitavelmente em contacto com a sílica, correndo todos igual risco de silicose? A resposta a estas três perguntas é clara e é «não!». A sílica não está presente em todas as pedreiras, porque nem todas as rochas têm sílica, nem todos os trabalhadores das pedreiras estão em contacto com esta substância e as pedreiras não são — e estão longe de ser — o único sector de actividade com sílica. Aliás, a petição que está na origem desta proposta do PCP fala de outros sectores a que o PCP neste projecto de lei não dá resposta e eu pergunto-lhe se está à espera de uma petição para cada um destes sectores, para depois um a um apresentar projectos de lei. Mas, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, importa ainda analisar esta iniciativa na perspectiva da melhor estratégia para proteger a saúde de todos os trabalhadores e não apenas dos trabalhadores das pedreiras, que lidam com materiais, produtos ou matérias-primas que, contendo sílica, provocam o risco de silicose. Pergunto de novo: a silicose é inevitável uma vez que há contacto com a sílica? A melhor estratégia de protecção da saúde dos trabalhadores de todos os sectores que lidam com a sílica é prevenir e eliminar o risco, ou desistir da prevenção, contratualizar o risco e antecipar a reforma de trabalhadores, aceitando à partida que vão ser trabalhadores doentes e que o melhor que podemos fazer é mandá-los, doentes, mais cedo para casa? Finalmente, Sr.as e Srs. Deputados, existem ou não meios… Srs. Deputados, oiçam, podemos todos ter opinião diferente, mas temos de saber ouvir a opinião dos outros. Terceira pergunta: existem ou não meios para eliminar ou reduzir a níveis residuais o risco da sílica em todos os sectores de actividade, desde logo nas pedreiras? O único estudo que os senhores apontam é de 2001 — estamos em 2009, já passaram oito anos!!... A resposta a estas perguntas — se me quiserem ouvir agradeço — é clara: os riscos da sílica, a silicose, são evitáveis. No sector das pedreiras existem hoje meios e medidas de protecção colectiva, ao nível dos equipamentos e das máquinas utilizadas, e meios e medidas de protecção individual que evitam e eliminam os riscos da sílica. Por isso, a melhor estratégia de protecção da saúde dos trabalhadores é a da intransigência na prevenção e na eliminação do risco na sua origem, e não, como o PCP propõe, em regimes especiais da segurança social para os trabalhadores, e muito menos para os trabalhadores de um só sector de actividade, como o PCP faz nesta proposta. O projecto do PCP falha em todas as suas possíveis intenções: falha quanto à justiça da sua proposta e falha na eficácia da sua proposta. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a União Europeia é considerada como tendo a legislação mais avançada e completa nesta matéria. E deve merecer a nossa reflexão o facto de nenhum país da União Europeia ter adoptado medidas deste género na protecção destes trabalhadores. Termino, Sr. Presidente. Proponho aos Srs. e às Sr.as Deputadas que leiam o acordo estabelecido em 2006, e não 2001, um bocadinho mais actual, no âmbito do diálogo europeu, entre associações empresariais e representantes dos trabalhadores, federações sindicais europeias, relativo à protecção da saúde dos trabalhadores que lidam com a sílica. Lá pode ler-se que «as partes reconhecem a necessidade de uma estratégia de prevenção relativa à sílica cristalina respirável. Tal não significa, no entanto, que a assinatura deste acordo deva ser considerada como o reconhecimento da existência de uma exposição não controlada no sector em questão ou de uma exposição efectiva em todo o sector». Termino, Sr. Presidente. Tal não significa, no entanto, que a assinatura deste acordo deva ser considerada como o reconhecimento da existência de uma exposição não controlada no sector em questão ou de uma exposição efectiva em todo o sector. Não há qualquer proposta assinada por empregadores e representantes dos trabalhadores da qual também fazem parte representantes dos trabalhadores portugueses. Portanto, Sr.as e Srs. Deputados, a ACT (Autoridade para as Condições de Trabalho) está neste momento a trabalhar, tal como tem feito ao longo dos anos, esta questão. Esta proposta não é justa, não é eficaz na protecção da saúde dos trabalhadores e não faz sentido! … e, sobretudo, não faz sentido a instrumentalização dos trabalhadores por parte do PCP.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, quero, em primeiro lugar, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes», saudar os trabalhadores das pedreiras que se encontram nas galerias e que, pacientemente, têm assistido a todos os trabalhos parlamentares do dia de hoje, até a este triste espectáculo a que acabámos de assistir com algumas intervenções. Reparem bem, Srs. Deputados, que alguns vêm para aqui apresentar as suas inúmeras preocupações em relação a esta questão sem apresentar soluções. Ficamos à espera que qualquer coisa nos «caia na cabeça». Ficamos à espera que alguém encontre melhores condições de trabalho. Há, no entanto, quem tenha apresentado aqui uma solução concreta, que não abarcará todas as situações necessárias, mas que resolve uma parte do problema. Por isso, temos aqui um projecto de lei do PCP que propõe, justamente, a aprovação de um regime de antecipação da idade de acesso à reforma. E os senhores, com o pretexto de que as condições de trabalho continuam degradantes, não aceitam este princípio. Mas são coisas absolutamente diferentes! Nós estamos a falar das condições de trabalho em que actualmente estes trabalhadores laboram e em que têm laborado há muitos e longos anos. Está em causa a questão do desgaste profissional destes trabalhadores, mas também o grave risco de saúde pública. E sabemos que há determinados regimes profissionais, em Portugal, que já gozam de uma antecipação da idade da reforma, justamente por terem estas características no seu trabalho. Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos, sabe que a discussão que agora levantou, sobre se serão só estes trabalhadores que estão em causa, também se colocava quando se discutiu a questão dos mineiros, porque, primeiro, só se considerava quem laborava dentro das minas, mas depois, mais tarde, teve de se reconhecer que também era preciso um regime desta natureza para aqueles que trabalhavam fora das minas. E reconheceu-se essa necessidade para os trabalhadores da Empresa Nacional de Urânio, mas só para aqueles que, até à data dessa decisão, tinham relações contratuais. No que se refere aos outros, os senhores, por mais que não queiram, vão ter de reconhecer que também têm de ter direito a esta antecipação da idade da reforma! Portanto, os senhores, sob o pretexto de que temos de fazer para todos, afinal, acabam por não fazer para ninguém. É fundamental reconhecer a justeza dos princípios enunciados neste projecto de lei e entender que, de facto, há aqui uma situação de desgaste rápido, de grave risco da saúde, que se trata de pessoas que acabam por falecer antes de atingir a idade da reforma, que são muito vítimas, como todos aqui referimos, da silicose e de graves doenças respiratórias. E das duas uma: ou entendemos fechar os olhos e continuar impávidos e serenos o caminho, sem ligar a esta situação, ou entendemos apresentar soluções. Está uma solução em cima da mesa. Quem está, verdadeiramente, preocupado com a situação, votá-la-á favoravelmente. Quem finge que está preocupado e não apresenta qualquer outra solução demonstra, claramente, que não tem preocupação alguma com esta situação. E mais: continua mais absorvido pelas questões do défice do que, provavelmente, pelas condições de vida das populações portuguesas!
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Não foi isso que eu disse! Sr. Presidente, peço-lhe o favor de mandar distribuir o acordo a que fiz referência e que resulta do diálogo social europeu relativo à protecção da saúde dos trabalhadores através da utilização e manuseamento correctos de sílica cristalina e produtos contendo sílica cristalina, que não tem qualquer medida de protecção como propõe o PCP, o que será por alguma razão que não só as do PS.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: A precariedade e o trabalho ilegal correspondem a um dos mais graves problemas com que o País se confronta. São 750 000 trabalhadores com contratos a termo, uma das taxas mais elevadas da União Europeia. São dezenas de milhares de trabalhadores vítimas das empresas de trabalho temporário e alugadoras de mão-de-obra e centenas de milhares empurrados para a situação de trabalho sob os falsos recibos verdes. São mais de 570 000 trabalhadores em situação de trabalho parcial, não porque o desejem, mas porque não têm outra alternativa. É uma economia subterrânea que se estima entre 20% e 25% do PIB, com milhares e milhares de trabalhadores e níveis de produtividade extraordinariamente baixos. É ainda o tráfico de mão-de-obra, envolvendo o trabalho imigrante. Esta é a realidade de um País, em que o Estado, em vez de dar o exemplo das boas práticas, mantém e alarga a situação dos recibos verdes e outras situações precárias na Administração Pública, que atingem cerca de 150 000 trabalhadores. Esta é a realidade de um País onde cerca de um terço dos trabalhadores sofre das consequências das várias formas de precariedade e trabalho ilegal. O que existe, e está a agravar-se, neste momento, em Portugal, é o regresso ao passado com as novas praças de jorna, seja na rua ou à volta da mala do automóvel, que serve de sede de empresa, seja ainda cobertas pela falsa sofisticação tecnológica da mensagem de correio electrónico ou do SMS. A precariedade e o trabalho ilegal são a precariedade das relações de trabalho e a precariedade da vida, com particular incidência nos jovens, 50% dos quais estão em situações precárias. A precariedade e o trabalho ilegal são uma forma de condenar centenas de milhares de trabalhadores à incerteza e à desestabilização permanente da alternância entre curtos períodos de trabalho, logo seguido de desemprego. A precariedade, o trabalho ilegal e o trabalho a tempo parcial em Portugal implicam para muitos trabalhadores a acumulação de vários empregos, única forma de garantirem o sustento para sobreviver, com os problemas de organização de vida e de desmotivação de progressão e formação profissionais. A precariedade e o trabalho ilegal significam a aposta nas baixas qualificações, nos baixos salários, na reduzida formação e valorização profissional, no comprometimento da produtividade, quando Portugal precisa de apostar na qualificação, no estímulo positivo à actividade e na elevação do perfil produtivo. A precariedade, o trabalho ilegal e a generalização da acção das empresas de trabalho temporário e de aluguer de mão-de-obra significam, inclusive com as perspectivas que agora estão colocadas, arrasar os quadros de pessoal das empresas. A precariedade, o trabalho ilegal e a aposta na fragilização dos direitos significa a degradação das condições de trabalho, com o incremento das doenças profissionais e um comprovado aumento do risco dos acidentes de trabalho. A precariedade e o trabalho ilegal significam também que centenas de milhões de euros de descontos para a segurança social e de impostos para o Estado deixam de ser pagos. Com a precariedade e o trabalho ilegal perdem os trabalhadores e as suas famílias, perde a segurança social, perde o Estado e o seu financiamento, perde o País, afectado no seu perfil produtivo e nas suas possibilidades de desenvolvimento. Mas há quem ganhe: ganham os grupos e as empresas que apostam no lucro fácil e imediato, na lógica mais agressiva do capitalismo. Não podemos ficar indiferentes. Este é um grande problema nacional que continuamente se agrava e que precisa de resposta. Na opinião do PCP, ao desempenho de tarefas que correspondem a actividades permanentes deve corresponder um contrato de trabalho efectivo. A economia nacional deve basear-se em actividades regulamentadas e no estabelecimento e efectivação de direitos e condições de trabalho próprias do século XXI e de uma visão avançada da sociedade. Numa outra fase colocou-se o combate ao trabalho infantil como uma política de Estado e de grande sensibilidade social, o que permitiu reduzir significativamente a incidência deste problema. Também agora é necessário considerar o combate ao grave problema da precariedade e do trabalho ilegal como uma política de Estado, alargando a necessária sensibilização social. É esse o objectivo do projecto de lei do PCP, que institui o Programa Nacional de Combate à Precariedade e ao Trabalho Ilegal e a comissão nacional para o coordenar e dinamizar. O Programa Nacional que propomos tem como prioridades: o combate aos vínculos laborais não permanentes para o desempenho de tarefas que correspondem a necessidades permanentes, promovendo vínculos contratuais estáveis e duradouros; o combate às formas de trabalho não declarado e ilegal e às várias formas de tráfico de mão-de-obra; o combate às práticas de aluguer de mão-de-obra, nomeadamente ao trabalho temporário; o combate ao incentivo à contratação a tempo parcial quando não é opção do trabalhador e ainda a promoção do exercício dos direitos individuais e colectivos dos trabalhadores. São estes objectivos importantes e de grande actualidade na situação existente no nosso País. O estudo e a análise da situação, a monitorização desta realidade na Administração Pública, a elaboração de uma lista pública das empresas que violam a legalidade, a valorização das boas práticas e a sua certificação, as acções e iniciativas de sensibilização social, a elaboração de um relatório anual sobre a matéria são algumas linhas de acção que, associadas à cooperação com a Inspecção-Geral de Trabalho e a outras estruturas já existentes, podem permitir um caminho que enfrente a precariedade e o trabalho ilegal. Srs. Deputados, o PCP tomou a iniciativa de apresentar propostas que configuram um novo Código do Trabalho, designadamente eliminando a discriminação dos jovens que hoje podem ser sujeitos a contratos a termo só por serem jovens; tomou a iniciativa da apresentação de um projecto de lei para a eliminação das situações de precariedade na Administração Pública; e, entre muitas outras iniciativas nesta área, toma agora a de apresentar este programa de intervenção. É uma contribuição que desejamos ver adoptada. Em qualquer caso, o PCP não deixará de exigir a solução do problema da precariedade e do trabalho ilegal. Mais cedo que tarde, ele será enfrentado, para bem dos trabalhadores e do futuro do País. Só duas!? Refiro dois aspectos positivos, e um pouco na vossa perspectiva: um é o facto de o projecto ser inédito, inédito no sentido de inovador, digamos que é uma situação nova que aqui se apresenta em relação a um programa neste modelo, neste tipo de sistema; e o outro é facto de permitir o seu grupo parlamentar falar sobre a precariedade laboral e o trabalho ilegal. E penso que todos nós comungamos da preocupação no combate à precariedade e ao trabalho ilegal. Porém, o Sr. Deputado parece esquecer, mesmo nesta situação inédita, que este é um processo vago, porque já há medidas, já há acções, já há programas, já há a capacidade de o grupo parlamentar interpelar, e, nesta Casa, já tem sido feita muita discussão sobre a precariedade e o combate ao trabalho ilegal. Portanto, de alguma maneira, esta iniciativa mais não é do que a apresentação, por parte do grupo parlamentar de V. Ex.ª, de uma prova de vida, por ausência de um combate sério e de uma proposta séria sobre o trabalho temporário, que vamos discutir a seguir. Como não a têm criam esta situação alternativa. A realidade não é mais do que isto, Sr. Deputado, porque esquecem-se, nas vossas propostas, de acções que são importantes e que aqui até lhas poderia recordar, nomeadamente o reforço da capacidade inspectiva, que é mesmo fundamental para garantir uma melhor eficácia nos resultados e que, eventualmente, pode passar despercebido. É evidente que estudos, programas, levantamentos são sempre bem-vindos, mas, neste caso, trata-se, acima de tudo, de um desvio de uma discussão real de uma proposta real sobre uma realidade que é o trabalho temporário. E este vosso programa nada diz de concreto, a não ser «não concordo com nada disto, tudo isto deve desaparecer». Portanto, esta é uma maneira de discutir, não discutindo. Por isso, não há muito que possamos dizer. Mas a necessidade de lugares na área inspectiva tem a ver com as disposições relativas ao reforço dos meios. A lei da mobilidade, que também já foi discutida, e com a qual não concordaram, poderá permitir o reforço dessa componente. Não me vou alongar e, por isso, permito-me passar directamente às perguntas, porque, de alguma maneira, tudo isto tem um enquadramento. Sr. Deputado, se mudasse a rigidez, de que muito se fala, em termos daquilo que é a garantia de trabalho, por exemplo, em relação aos despedimentos, provavelmente teria, como tem na realidade do mundo actual, outra disposição no trabalho precário. Certamente, não estará disponível para trocar essa realidade, nós também defendemos a manutenção das garantias por forma a não trocá-las pelo trabalho ilegal. De qualquer forma, era importante que aqui nos esclarecesse; senão este projecto não é mais do que uma tentativa de melhorar as estatísticas do vosso grupo parlamentar na capacidade de iniciativa, e não passa disto. Portanto, há aqui efectivamente uma ausência de discussão e de alternativa, por exemplo no trabalho temporário. Sr. Presidente, Sr. Deputado Ricardo Freitas, quero dizer-lhe que a apreciação que fez do nosso projecto é superficial, sem profundidade, que justifica a dimensão do problema em Portugal e a dimensão do conjunto de propostas e do seu carácter integrado. Em tempos, como sublinhei, havendo muitas medidas dispersas sobre as questões do trabalho infantil, foi entendido, de forma adequada, ser necessário ter uma visão global sobre este problema e enfrentá-lo de uma forma global e integrada. E é exactamente o que o PCP propõe neste projecto de lei: tendo em conta a dimensão e a gravidade dos fenómenos do trabalho ilegal e da precariedade, procura ter uma visão global sobre eles e uma linha integrada de medidas. É isto que este programa contém, pela primeira vez. De facto, como o Sr. Deputado acabou de referir, é inovador, e é inovador exactamente por isto, como foi inovadora a concepção de um programa de combate ao trabalho infantil. Só quem não quer ver é que não vê mesmo, e é este o caso do Sr. Deputado! Mas a realidade aí está a exigir da parte do Estado a transformação desta matéria numa política de Estado. Cabe dizer que tomámos a iniciativa nesta matéria há muito tempo, e, portanto, o facto de o agendamento de hoje conter a discussão sobre o trabalho temporário é apenas uma coincidência. Mas, desde já, devo dizer-lhe que as propostas do Partido Socialista nesta matéria, em vez de contribuírem para eliminar ou reduzir a precariedade, estão a apontar para a sua generalização. Portanto, este projecto tem uma grande actualidade. Permita-me ainda que faça uma referência à Inspecção-Geral do Trabalho e a outras medidas. O PCP apresentou propostas, que são conhecidas desta Assembleia, em dois sentidos: primeiro, relativamente ao reforço de meios para a Inspecção-Geral do Trabalho. É um escândalo o que hoje existe, é necessária uma maior eficácia, pois é mais uma componente para aquilo que está considerado na perspectiva e visão global que propomos neste programa. Há ainda outras medidas necessárias, como a alteração do Código do Trabalho, e aqui o Partido Socialista vai adiando as alterações a que se comprometeu, permitindo também que se mantenha esta situação dos jovens, que, só por serem jovens, são sujeitos a contratos a termo. Em nome de que justificação?! Não há nenhuma! Mas há ainda um outro aspecto que o Sr. Deputado abordou e que merece aqui uma reflexão muito interessante sobre o que parece começar a ser o posicionamento do Partido Socialista. O Sr. Deputado, no que toca à matéria do combate à precariedade e ao trabalho ilegal, tema que estamos a tratar, falou, a despropósito, da rigidez da lei em relação aos despedimentos. O que é que isto significa, Sr. Deputado? Isto significa que o Partido Socialista tem a concepção de que a lei actual, que proíbe os despedimentos sem justa causa, é uma lei rígida?! Significa isto que o Partido Socialista tem a concepção de que se deve caminhar para a liberalização dos despedimentos individuais sem justa causa?! É difícil imaginar que seja outra a questão. Pode vir com os palavrões da «flexissegurança» e outros termos inventados à pressa, mas, no fundo, esta é a questão que aqui se coloca. Sabemos que isto, se fosse para diante — e não cremos que seja possível —, conduziria ao alargamento e à generalização da precariedade. Por isso, termino referindo que este não é o caminho e que é necessário, do ponto de vista do Estado, que seja assumida uma política para combater a precariedade e o trabalho ilegal e que esta questão, como outras, corresponda a uma maior sensibilização social. Estão em causa direitos dos trabalhadores, estão em causa perspectivas de vida, mas está em causa também um padrão de produtividade para o País, a sua elevação, que é essencial para o desenvolvimento económico, porque não é com precariedade, nem com trabalho ilegal que se criam as condições para o País se desenvolver.
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Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Lopes, permita-me que, nesta nova Sessão Legislativa, o saúde e o interpele de uma forma muito rápida relativamente a este programa nacional que aqui nos apresenta. Permita-me que lhe diga, logo de início, que este programa tem duas coisas positivas. Só duas!? Refiro dois aspectos positivos, e um pouco na vossa perspectiva: um é o facto de o projecto ser inédito, inédito no sentido de inovador, digamos que é uma situação nova que aqui se apresenta em relação a um programa neste modelo, neste tipo de sistema; e o outro é facto de permitir o seu grupo parlamentar falar sobre a precariedade laboral e o trabalho ilegal. E penso que todos nós comungamos da preocupação no combate à precariedade e ao trabalho ilegal. Porém, o Sr. Deputado parece esquecer, mesmo nesta situação inédita, que este é um processo vago, porque já há medidas, já há acções, já há programas, já há a capacidade de o grupo parlamentar interpelar, e, nesta Casa, já tem sido feita muita discussão sobre a precariedade e o combate ao trabalho ilegal. Portanto, de alguma maneira, esta iniciativa mais não é do que a apresentação, por parte do grupo parlamentar de V. Ex.ª, de uma prova de vida, por ausência de um combate sério e de uma proposta séria sobre o trabalho temporário, que vamos discutir a seguir. Como não a têm criam esta situação alternativa. A realidade não é mais do que isto, Sr. Deputado, porque esquecem-se, nas vossas propostas, de acções que são importantes e que aqui até lhas poderia recordar, nomeadamente o reforço da capacidade inspectiva, que é mesmo fundamental para garantir uma melhor eficácia nos resultados e que, eventualmente, pode passar despercebido. É evidente que estudos, programas, levantamentos são sempre bem-vindos, mas, neste caso, trata-se, acima de tudo, de um desvio de uma discussão real de uma proposta real sobre uma realidade que é o trabalho temporário. E este vosso programa nada diz de concreto, a não ser «não concordo com nada disto, tudo isto deve desaparecer». Portanto, esta é uma maneira de discutir, não discutindo. Por isso, não há muito que possamos dizer. Mas a necessidade de lugares na área inspectiva tem a ver com as disposições relativas ao reforço dos meios. A lei da mobilidade, que também já foi discutida, e com a qual não concordaram, poderá permitir o reforço dessa componente. Não me vou alongar e, por isso, permito-me passar directamente às perguntas, porque, de alguma maneira, tudo isto tem um enquadramento. Sr. Deputado, se mudasse a rigidez, de que muito se fala, em termos daquilo que é a garantia de trabalho, por exemplo, em relação aos despedimentos, provavelmente teria, como tem na realidade do mundo actual, outra disposição no trabalho precário. Certamente, não estará disponível para trocar essa realidade, nós também defendemos a manutenção das garantias por forma a não trocá-las pelo trabalho ilegal. De qualquer forma, era importante que aqui nos esclarecesse; senão este projecto não é mais do que uma tentativa de melhorar as estatísticas do vosso grupo parlamentar na capacidade de iniciativa, e não passa disto. Portanto, há aqui efectivamente uma ausência de discussão e de alternativa, por exemplo no trabalho temporário. O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Lopes.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: O trabalho precário e a sua prática abusiva têm vindo a aumentar nos últimos tempos, sem que o Governo esteja a olhar para este problema com a devida atenção. Pelo contrário, ao nível do Estado, o Governo tem dado maus exemplos, que objectivamente funcionam como incentivos para outros sectores de actividade. Os dados ontem finalmente divulgados pelo Governo, quanto ao número de funcionários da Administração Pública, são disto elucidativos. Dos 737 774 funcionários públicos, nas contas do Governo, quase 25% têm vínculo laboral precário — cerca de 120 000 trabalhadores da Administração Pública são precários, Srs. Deputados! Ora, quando o Estado assim procede, temos de concluir que não é saudável, nem é bom exemplo, para ninguém. No que respeita ao projecto de lei do Partido Comunista Português, que estamos a discutir, ele visa institucionalizar o programa nacional de combate à precariedade laboral e ao trabalho ilegal, como já aqui foi referido. Este programa nacional, a ser aprovado, funcionará com uma comissão nacional, composta por 15 representantes do Governo e dos parceiros sociais, e terá também um conselho consultivo, composto pelos 15 membros daquela comissão e mais nove representantes de vários organismos do Estado. Confesso que tenho muitas dúvidas quanto às vantagens desta nova estrutura essencialmente constituída por representantes de organismos públicos. De facto, se estes representantes tiverem condições para actuar, e quiserem, já hoje têm enquadramento legal para combater muitos dos abusos cometidos ao nível do trabalho precário e ilegal. Parece-nos que, para esta questão concreta, não serão necessárias mais leis. O que é necessário, Srs. Deputados, é que sejam cumpridas e respeitadas as que estão em vigor. E, se acontecerem atropelos à lei — e todos nós bem sabemos que acontecem —, então devemos perguntar: por que não são dotados os serviços públicos competentes, como a Inspecção-Geral do Trabalho, com os meios humanos, técnicos e financeiros necessários, para exercerem cabalmente a sua função de agentes pedagógicos, preventivos e, em última instância, repressivos? Penso que a melhor forma de combater estas graves violações aos direitos dos trabalhadores não passa por esta proposta do PCP. Criar mais umas comissões e mais uma lei, que, em alguns aspectos, se sobrepõe e conflitua com outras, não me parece a melhor resposta para este problema. Para o Partido Social Democrata são vários os factores que contribuem para o aumento da contratação precária: a crise económica, o aumento do desemprego e, sobretudo, a baixa escolaridade da mão-de-obra portuguesa, a aprendizagem profissional cheia de lacunas e a insuficiente fiscalização das leis laborais. A qualificação profissional não favorece a capacidade reivindicativa para uma melhor qualidade no emprego, nem é atractiva para os empresários. Exceptuam-se, com grande preocupação, os jovens licenciados, que continuam a encontrar enorme dificuldade em se empregar. Este facto demonstra não só o desajustamento entre oferta e procura de qualificações mas também uma diminuta procura de trabalhadores qualificados, em geral mais exigentes do ponto de vista salarial e das demais condições de trabalho. Isto faz supor que as nossas pequenas e médias empresas, com organizações e mercados muito tradicionais, sentem dificuldades objectivas e subjectivas em contratar este tipo de novos profissionais, não só porque podem aumentar os custos com a mão-de-obra mas também porque, em alguns casos, estes jovens quadros têm naturais expectativas de poder introduzir mudanças na organização, pondo em causa modos antigos de gestão, e estas mudanças não são apreciadas por todos os empresários, nem por todas as empresas. Analisando os dados disponíveis verifica-se que, no final de 2005, os contratos de trabalho não permanentes representavam quase 20% do total dos contratos celebrados em Portugal. Como atrás vimos, na Administração Pública, situa-se nos 25% a precariedade de emprego. Somos o terceiro país da União Europeia com mais precarização de emprego, o que, convenhamos, não é um troféu do qual nos devamos orgulhar. Ressalta da análise destes números que a contratação não permanente afecta os dois sexos e todos os grupos etários, os que possuem habilitações escolares diferenciadas e todos os níveis de qualificação profissional. Um dos aspectos mais graves do trabalho precário é a prática do trabalho ilegal, que vem promover a concorrência desleal entre empresas e sectores de actividade e causa graves prejuízos na vida dos trabalhadores e das suas famílias. Resulta daqui uma clara violação dos direitos essenciais dos trabalhadores, em relação à qual o Partido Social Democrata se opõe frontalmente. O trabalho precário é hoje, por isso, um problema sério que requer da parte do Governo a tomada de medidas adequadas que visem o seu combate, nomeadamente a dois níveis: formação profissional e fiscalização da aplicação das leis laborais. No domínio da formação é preciso estabelecer reais incentivos à criação de postos de trabalho nas micro e pequenas empresas. É preciso majorar os incentivos à criação de postos de trabalho nas empresas situadas em zonas deprimidas e que recrutem trabalhadores provenientes de grupos desfavorecidos. É preciso repensar a organização e o funcionamento do ensino técnico-profissional, no sentido de contemplar uma parte prática de estágio nas próprias empresas. É preciso criar benefícios para as empresas contratantes de pessoal de baixas qualificações escolares e profissionais ou com fracas competências. É preciso, finalmente, apostar na reconversão efectiva dos trabalhadores, o que significa adoptar práticas de formação prolongadas, a expensas das empresas, do Estado e dos trabalhadores. Quanto à fiscalização das leis laborais, o Estado está dotado de meios legais e operacionais para fiscalizar e fazer cumprir as leis do trabalho. O que sucede é que há um défice de intervenção destas entidades, nomeadamente da Inspecção-Geral do Trabalho, e muitas situações que deveriam ser identificadas e sancionadas não o são porque as autoridades não actuam. Defendemos que, a exemplo de outros sectores, como sucede com as cobranças da segurança social, em que o Governo apresenta com regularidade resultados das cobranças efectuadas, também ao nível da fiscalização das leis do trabalho o País deve conhecer, com clareza e regularidade, os resultados obtidos no combate a um problema grave, que não pode ser escamoteado, nem tolerado. Ou seja, valorizar a formação e a qualificação dos recursos humanos e tornar eficaz a fiscalização às leis laborais são os dois eixos que o PSD considera que devem ser privilegiados, para ajudar a melhorar a qualidade do emprego e a combater os abusos cometidos no âmbito do trabalho precário. Agindo nestes domínios e adoptando políticas económicas que relancem o crescimento da economia do País para níveis superiores à média dos nossos parceiros europeus estamos certos de que será possível reduzir drasticamente as injustiças do trabalho precário e ilegal.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O debate de hoje surge na sequência da iniciativa do PCP, que apresenta o projecto de lei n.º 295/X, relativamente à criação de um programa nacional de combate à precariedade laboral e ao trabalho ilegal, mas esta matéria tem sido alvo de discussões parlamentares inseridas nos diversos debates sobre o emprego, as qualificações profissionais, o crescimento económico e a empregabilidade, entre muitos outros. Gostaria de aproveitar esta oportunidade para levantar as questões que julgamos centrais nesta matéria: em primeiro lugar, a qualificação do emprego, as qualificações e o crescimento económico; em segundo lugar, as medidas activas de criação de emprego com a promoção de emprego mais estável; e, em terceiro lugar, o combate às formas ilegais de emprego. Comecemos pela qualidade do emprego, o crescimento económico e a melhoria das qualificações. Num debate que se pretenda sério, é consensual que a criação de mais e, sobretudo, melhor emprego está intimamente ligada com o crescimento económico, com a criação de novas e modernas empresas, com um clima de confiança no futuro económico do País. A confiança e a credibilidade do País são prioritárias para a economia, para as empresas e, muito particularmente, para os trabalhadores, e, entre estes, para os que vivem a situação dramática do desemprego. Não há alternativa, e os Srs. Deputados sabem-no bem, embora nem todos o possam afirmar. O que é estranho é que alguns agentes políticos à nossa direita, mas também à nossa esquerda, teimem em fugir desta realidade. Nesta matéria, recorde-se, há uma estranha aliança, para não dizer (este, sim) um estranho pacto. Crescimento económico, mas também melhores qualificações, porque mais e melhores qualificações querem dizer mais e melhor emprego. Está assumida, desde o princípio da Legislatura, a meta da qualificação de 1 milhão de activos até ao ano de 2010 e a de 650 000 jovens, metade do universo escolar do secundário, frequentarem cursos técnicos e profissionais, meta esta, aliás, que já começou a ser cumprida neste ano lectivo. Não nos iludamos: melhor formação, melhor qualificação, significa sempre melhor defesa dos interesses dos trabalhadores; mais crescimento económico significa melhores oportunidades para os trabalhadores portugueses. O PS e o Governo não sairão desta sua convicção, pois estamos certos de que também é a convicção dos portugueses. Passo agora às medidas activas de criação de emprego. As atenções dadas a esta questão estão expostas nas linhas mestras da política na área do emprego, seja no Programa do Governo ou nas Grandes Opções do Plano, no Programa Nacional de Acção para o Crescimento e o Emprego (PNACE), no Plano Nacional de Emprego, ou ainda nas prioridades estabelecidas no Quadro de Referência Estratégica Nacional (QREN). Está presente uma preocupação central com os jovens e com os que procuram o primeiro emprego, com os desempregados de longa duração ou com os grupos mais desfavorecidos. São várias as respostas que estão no terreno, e permito-me lembrar o caso dos estágios profissionais e o seu objectivo central: 25 000 estágios/ano e com uma altíssima taxa de empregabilidade. Posso aqui referir que 70% dos que tiveram um estágio garantiram o seu emprego nessa empresa ou numa empresa do mesmo sector. Mas há também uma resposta na participação dos desempregados de longa duração, através de medidas de formação, de reconversão e experiência profissional; uma relação de maior proximidade entre o sistema público de emprego e os principais interessados — trabalhadores e empresas. Não tenhamos dúvidas de que as medidas activas de emprego vão continuar com o mesmo empenhamento, porque este é também o de muitos portugueses. Por último, o combate às formas ilegais de emprego. Há hoje diversas formas de relação laboral que se conjugam e convivem entre si, mas reconhecemos que existem situações de abuso. Na linha do que tem sido a vontade e a sua prática, o Partido Socialista reafirma, inequivocamente, a necessidade do contínuo combate, sem qualquer hesitação, às formas de trabalho não declarado e ilegal, incluindo o trabalho infantil e de menores ou os abusos motivados pela situação de fragilidade dos imigrantes. Este combate tem incidência em vários dos programas aprovados pelo actual Executivo. Lembro o que está escrito e inscrito no Plano Nacional de Emprego, já longamente discutido e debatido nesta Assembleia, onde é claro o objectivo de combater o trabalho informal e não declarado ou ilegal, nomeadamente através da acção da Inspecção-Geral do Trabalho. A mesma orientação está definida no Programa Nacional de Acção para o Crescimento e o Emprego. O mesmo pensamento está inscrito nas recentes alterações legislativas que visam dar um enquadramento legal mais favorável aos cidadãos imigrantes e, ainda esta tarde, a bancada do Partido Socialista apresentará a sua proposta de um novo regime jurídico do trabalho temporário, tendo como objectivo dar mais garantias aos trabalhadores que estão nesta situação. Mas não nos iludamos novamente. O nosso combate não pode ser contra as novas formas de trabalho, que aí estão, sejam as dos contratos a termo ou de traba1ho temporário, deve ser, isto sim, pelo cumprimento rigoroso da legislação em vigor ou a que vier a ser aprovada no futuro. No diploma hoje em debate o partido proponente confunde, propositadamente ou não (não entrarei nesta discussão), conceitos distintos e não compagináveis entre si, como a precariedade laboral e o trabalho ilegal, e pressupõe que nada está a ser feito na área da fiscalização, que os serviços do Estado para este efeito não existem e, quando existem, não actuam. Nada mais falso! Para validar o contrário, valeria a pena uma leitura, mesmo que breve, do Plano de Acção Inspectiva para 2006, da Inspecção-Geral do Trabalho ou mesmo os resultados das inspecções em 2005. As orientações da Inspecção-Geral do Trabalho são objecto de consulta com os parceiros sociais e têm sido realizadas acções direccionadas ao combate ao trabalho não declarado ou ainda à protecção de trabalhadores com uma relação de trabalho de duração determinada, a termo ou temporária. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não devemos ser autistas face às diversas formas legais de trabalho, realidade existente em todos os nossos parceiros europeus. O nosso combate essencial é contra a utilização indevida destas mesmas formas; isto é, um combate centrado nas acções de sensibilização, mas, sobretudo, de fiscalização. Para isso, o Governo promoveu a articulação mais ágil da fiscalização entre o trabalho e a segurança social; têm multiplicado as acções inspectivas aos seus mais diversos níveis; e tem havido uma atenção para o reforço dos meios humanos na área da fiscalização, esforço este que tem de continuar e que deve ter em conta a actual reorganização do Estado. Assim, o PS apresenta nesta Sessão Legislativa uma iniciativa que visa aprovar o novo regime jurídico das empresas de trabalho temporário. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 295/X, do PCP, visa a constituição de mais uma comissão nacional, de mais um conselho consultivo, não se conseguindo vislumbrar qualquer ideia de um plano, para além das matérias que já hoje encontram eco e enquadramento nos serviços e organismos públicos preexistentes. O que necessitamos é do cumprimento da lei, e são estas as orientações do Governo. O que necessitamos é da aplicação permanente dos instrumentos que existem. O que necessitamos é de confiar nos agentes públicos, nos trabalhadores públicos, que têm por missão combater o trabalho ilegal. Nós acreditamos nos instrumentos legais definidos, que podem ser sempre aperfeiçoados, naturalmente, mas é um aperfeiçoamento que não tem tradução no projecto de lei hoje em discussão. Termino dizendo que não fugimos das novas realidades do trabalho, mas daremos um combate, sem tréguas, ao trabalho ilegal e a todas as formas ilegítimas de relação laboral. Portanto, é sempre curioso termos alguma memória histórica e constitutiva sobre estes factos. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Abundam na nossa legislação regras legais que combatem a precariedade e o trabalho ilegal. Por exemplo, no regime jurídico do trabalho temporário, que hoje vamos voltar a discutir nesta Câmara — e bem —, existem várias regras relativas à consagração como contrato de trabalho a tempo incerto de casos em que há falsos contratos de trabalho temporário. No Código do Trabalho, que há pouco citei, e também no Código Penal, existem várias regras relativas à criminalização de redes de tráfico de seres humanos, de redes de tráfico de trabalho ilegal e até mesmo ao combate ao trabalho infantil. Acresce que, se alguém tem contribuído de forma negativa para a proliferação do trabalho precário, são aqueles que ainda hoje não compreendem que o mundo mudou, que o paradigma económico é outro, que a situação de concorrência das empresas portuguesas é global e que, por isto mesmo, a resposta tem de ser diferente. Portugal não é hoje o que era há 30 anos atrás! É curioso percebermos, como alguns ainda não perceberam, que é exactamente esta inflexibilidade, esta incapacidade de mudar, este imobilismo e este dogmatismo que levam a que tenhamos uma lei do trabalho inflexível e inimiga do investimento. E é esta lei do trabalho que leva muitas vezes as empresas a não arriscarem na contratação definitiva de trabalhadores e também a empresários com menos escrúpulos a recorrerem a expedientes de fraude à lei. O mesmo se diga deste Governo, que com o novo regime do subsídio de desemprego, nomeadamente no que se refere às rescisões amigáveis, contribui decisivamente para que as entidades empregadoras evitem os contratos de trabalho sem termo. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nestas matérias, o que falta não é lei. Nestas matérias não precisamos de livros brancos, de comissões, de planos nacionais, o que precisamos é de fiscalização.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Combater o trabalho precário e, acima de tudo, as situações de fraude à lei e o trabalho ilegal é um desafio nacional e um desafio em relação ao qual o CDS nunca virou a cara. Sei que grande parte da esquerda desta Câmara não gosta que isto seja lembrado, mas, por exemplo, quem criou as regras relativas à presunção da existência de contratos de trabalho, o famoso artigo 12.º do Código do Trabalho, que finalmente elencou os elementos constitutivos de um contrato de trabalho e transformou vários contratos a «recibo verde» em verdadeiros contratos de trabalho sem termo, foi um governo de maioria PSD/CDS e foi, curiosamente, um ministro indicado pelo CDS. Outro exemplo: quem incluiu no Código do Trabalho normas que proíbem que os contratos de trabalho a termo sejam feitos para além dos casos de necessidade temporária das empresas e por tempo estritamente necessário à satisfação das mesmas foi também um ministro do CDS-PP. E não deixa de ser curioso relembrarmos como é que a ala esquerda desta Câmara, nomeadamente o Partido Socialista, que agora fala como fala, votou contra esse mesmo Código do Trabalho. Votou contra! Portanto, é sempre curioso termos alguma memória histórica e constitutiva sobre estes factos. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Abundam na nossa legislação regras legais que combatem a precariedade e o trabalho ilegal. Por exemplo, no regime jurídico do trabalho temporário, que hoje vamos voltar a discutir nesta Câmara — e bem —, existem várias regras relativas à consagração como contrato de trabalho a tempo incerto de casos em que há falsos contratos de trabalho temporário. No Código do Trabalho, que há pouco citei, e também no Código Penal, existem várias regras relativas à criminalização de redes de tráfico de seres humanos, de redes de tráfico de trabalho ilegal e até mesmo ao combate ao trabalho infantil. Acresce que, se alguém tem contribuído de forma negativa para a proliferação do trabalho precário, são aqueles que ainda hoje não compreendem que o mundo mudou, que o paradigma económico é outro, que a situação de concorrência das empresas portuguesas é global e que, por isto mesmo, a resposta tem de ser diferente. Portugal não é hoje o que era há 30 anos atrás! É curioso percebermos, como alguns ainda não perceberam, que é exactamente esta inflexibilidade, esta incapacidade de mudar, este imobilismo e este dogmatismo que levam a que tenhamos uma lei do trabalho inflexível e inimiga do investimento. E é esta lei do trabalho que leva muitas vezes as empresas a não arriscarem na contratação definitiva de trabalhadores e também a empresários com menos escrúpulos a recorrerem a expedientes de fraude à lei. O mesmo se diga deste Governo, que com o novo regime do subsídio de desemprego, nomeadamente no que se refere às rescisões amigáveis, contribui decisivamente para que as entidades empregadoras evitem os contratos de trabalho sem termo. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nestas matérias, o que falta não é lei. Nestas matérias não precisamos de livros brancos, de comissões, de planos nacionais, o que precisamos é de fiscalização. Nestas matérias, do que precisamos é de reforçar a Inspecção-Geral do Trabalho (IGT), de dar efectivos à Inspecção-Geral do Trabalho e de dar formação e condições aos inspectores que temos para que eles possam desempenhar cabalmente as suas funções. Orgulho-me de ter apoiado o governo que criou a Escola Nacional de Estudos e Formação de Inspecção do Trabalho, que é hoje um instrumento fundamental da IGT, reforçando os nossos inspectores e dando-lhes uma formação adequada, dando-lhe os meios verdadeiramente adequados; orgulho-me de que tenha sido um ministro indicado pelo CDS a conseguir, finalmente, a criação desta escola. É por isto mesmo que temos muitas dúvidas que uma comissão, que, na prática, vai duplicar o trabalho da IGT — ou seja, vai fragilizar o trabalho da Inspecção-Geral do Trabalho —, possa ser uma comissão que aumente a eficácia, que é fundamental nestas matérias. Por isto mesmo temos muitas dúvidas quanto à criação desta mesma comissão. Mas este programa nacional tem outros objectivos, e nós não os esquecemos. Este programa nacional, tal como é apresentado pelo PCP, tem como prioridades: «a) o combate aos vínculos laborais não permanentes para o desempenho de tarefas que correspondem a necessidades permanentes, promovendo vínculos contratuais estáveis e duradouros;…» — é algo que já está hoje na lei do trabalho e que, curiosamente, o PS e o PCP votaram contra — «… b) o combate às formas de trabalho não declarado e ilegal e às várias formas de tráfico de mão-de-obra;…» — objectivo que apoiamos, mas que também já está hoje, felizmente, na lei portuguesa — «… c) o combate às práticas de aluguer de mão-de-obra, nomeadamente ao trabalho temporário, promovendo a inexistência de intermediação na relação laboral;…» — curiosamente o CDS-PP apresentou um projecto de lei que vai ser hoje discutido, exactamente para se poder regulamentar de forma eficaz esta matéria — «… d) o combate ao incentivo à contratação a tempo parcial quando não é opção do trabalhador;…» «… e) a promoção do exercício dos direitos individuais e colectivos dos trabalhadores.» Ora, para a prossecução destes objectivos, propõe o PCP a criação de uma comissão nacional, definindo a sua composição e um vasto elenco de competências de estudo, análise, acompanhamento, intervenção, elaboração, aquelas coisas a que já estamos habituados a que sejam atribuídas às comissões nacionais. Mas há aqui algumas coisas com as quais ficamos perplexos. Primeiro, esta comissão nacional será constituída por: três membros designados pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social; um membro designado pelo Ministério da Economia e da Inovação; dois representantes de cada confederação sindical; um representante de cada confederação patronal; e três elementos designados pelos restantes membros. Ora, aqui as nossas perplexidades são: primeiro, por que é que os representantes das confederações patronais indicam um elemento e os representantes das confederações sindicais indicam dois? Não se percebe! Ó Sr. Deputado, quem defende a unidade sindical não sou eu é o Sr. Deputado! Agora, resolva lá isso internamente! Não obrigue é a Assembleia da República a resolver um problema, que é um problema que os senhores têm há mais de 30 anos com o PS e não com esta bancada! Segundo, também não percebo por que é que são três elementos designados pelos restantes membros? O que é que são «os restantes membros»?! Para terminar, Sr. Presidente, uma última questão. O PCP propõe ainda a criação de uma lista nacional — uma espécie de «Procura-se dead or alive», «Procura-se morto ou vivo» — das empresas que, eventualmente, possam ter repetidamente problemas. Tenho muitas dúvidas sobre a admissibilidade desta lista. Mas, muito sinceramente, até com alguma bonomia, gostava de perguntar ao Grupo Parlamentar do PCP onde é que foi copiar esta ideia. É que a última vez que ouvi esta ideia ser apresentada foi pelo Governo, em relação à lista nacional de devedores ao fisco e à segurança social, e aquilo não está a correr nada bem. Portanto, tenham em atenção que se trata de uma ideia que não está a correr nada bem. Portanto, se querem copiar algumas ideias do Governo, não copiem estas, que, manifestamente, são erradas. Como é possível clamar por serviços públicos de qualidade e por um Estado social de qualidade, quando a base da contratação dos trabalhadores e das trabalhadoras é precisamente o contrário da qualidade?! Estas é que eram as perguntas que queríamos ver respondidas pelo Partido Socialista. A precariedade não permite a formação e a qualificação! Não permite o aumento da produtividade, nem 30 I SÉRIE — NÚMERO 2 a inovação! A precariedade apenas permite a sobrevivência dos trabalhadores e das trabalhadoras (e isto não chega, Sr. Deputado), facilita os despedimentos (lê-se num jornal de hoje que o fim do trabalho não permanente continuou a ser o principal motivo de inscrição de desempregados nos centros de emprego, segundo o próprio IEFP), aumenta o desemprego, empurra para a pobreza, assim como diminui os direitos em situações de desemprego ou de doença, pois o ordenado-base dos precários, em regra, é muito baixo, sendo, depois, compensado com prémios, que são sujeitos aos descontos arbitrários dos patrões e que não contam para cálculos nem de subsídio de desemprego nem de subsídio de doença. Por isso, Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, a precariedade alastra para além das relações de trabalho, atinge também a protecção social dos trabalhadores e das trabalhadoras. Que dizer da situação dos trabalhadores altamente qualificados e investigadores científicos, os chamados «bolseiros»? Será que eles acreditam na frase do Sr. Deputado Miguel Laranjeiro, que «melhor qualificação significa sempre melhor defesa dos interesses dos trabalhadores»? Haverá pessoas mais qualificadas neste país do que os nossos investigadores científicos, que estão a viver numa situação de precariedade como bolseiros?! Será que eles acreditam nessas frases tão bonitas, ditas pelo Partido Socialista?! O diagnóstico está feito; a situação é bem conhecida e atinge praticamente todas as famílias. O Sr. Deputado Ricardo Freitas também nos trouxe aqui a grande preocupação do Partido Socialista em combater o trabalho ilegal e em mostrar um clima de confiança. Mas, por acaso, na outra intervenção do Partido Socialista não ouvimos a expressão «combate à precariedade», ouvimos, sim, «combate ao trabalho ilegal». Por isso, a questão que conta é esta: vai o Partido Socialista alterar o Código do Trabalho e regressar à anterior lei dos contratos a termo, aprovada pelo mesmo Partido Socialista, ou é total a rendição ao Código do Trabalho da direita? Não é por muito dizerem que defendem o Estado social que o deixam de atacar. Esta é que é a questão, e não outra.
1CDS-PP
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A precariedade alterou profundamente as relações de trabalho, tornou estas relações um autêntico castelo de cartas dependente da mão do patrão para se manter em pé ou para se desfazer com toda a facilidade; criou uma situação em que um contrato de direitos e deveres foi substituído pela autoridade única da entidade patronal — o trabalhador e a trabalhadora deixaram de poder retirar do seu trabalho a garantia da segurança da sua vida. E não nos venham dizer, como muitas vezes ouvimos, inclusivamente nesta Assembleia: «Tenham paciência! Habituem-se, porque o emprego para toda a vida acabou!». A precariedade mina as relações de trabalho e promove a desregulação e a instabilidade. «Instabilidade» é a palavra-chave nas relações de trabalho hoje em dia. E quem se diz defensor do Estado social, como o Partido Socialista, não pode, ao mesmo tempo, ficar paralisado perante o crescimento e a perversidade das relações de trabalho precárias. Não pode! A paralisia nesta situação é o exercício da hipocrisia. Aliás, ouvimos, nomeadamente o Sr. Deputado Ricardo Freitas, falar aqui da necessidade do clima de confiança que é necessário à economia. Pergunto: e o clima de confiança neste tipo de relações de trabalho? E o clima de confiança dos trabalhadores e das trabalhadoras, que não sabem até quando é que têm trabalho e cujas relações de trabalho estão muitas vezes, mês a mês, sucessivamente, a serem alteradas? Isto é que também deveria preocupar os Srs. Deputados. Por exemplo, os jovens estão condenados a um trabalho precário que se traduz numa vida precária?! É que 61,2% dos jovens contratados por conta de outrem, com menos de 25 anos, têm um vínculo precário; ou seja, Srs. Deputados, em 10 jovens, seis têm vínculo precário. O Grupo PT, por exemplo, tem entre 75% a 80% de trabalhadores com vínculo precário, contando os seus funcionários e aqueles que estão nas empresas subcontratadas; a Optimus e a Vodafone têm 90% a 95% de trabalho precário; os centros comerciais — os chamados shopings — têm uma situação escandalosa ao nível dos horários de trabalho, de ausência de dias de descanso, de ausência de subsídio de refeição e de ausência do direito à licença de maternidade, que é um direito constitucional. É ou não verdade, Srs. Deputados? E estes são apenas alguns exemplos, para já não vos falar dos call centers e de tantas outras empresas. Mas estes vínculos precários também existem na Administração Pública, como os números divulgados hoje confirmam, que continua a utilizar, a desmando, os famigerados «recibos verdes». Como é possível clamar por serviços públicos de qualidade e por um Estado social de qualidade, quando a base da contratação dos trabalhadores e das trabalhadoras é precisamente o contrário da qualidade?! Estas é que eram as perguntas que queríamos ver respondidas pelo Partido Socialista. A precariedade não permite a formação e a qualificação! Não permite o aumento da produtividade, nem a inovação! A precariedade apenas permite a sobrevivência dos trabalhadores e das trabalhadoras (e isto não chega, Sr. Deputado), facilita os despedimentos (lê-se num jornal de hoje que o fim do trabalho não permanente continuou a ser o principal motivo de inscrição de desempregados nos centros de emprego, segundo o próprio IEFP), aumenta o desemprego, empurra para a pobreza, assim como diminui os direitos em situações de desemprego ou de doença, pois o ordenado-base dos precários, em regra, é muito baixo, sendo, depois, compensado com prémios, que são sujeitos aos descontos arbitrários dos patrões e que não contam para cálculos nem de subsídio de desemprego nem de subsídio de doença. Por isso, Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, a precariedade alastra para além das relações de trabalho, atinge também a protecção social dos trabalhadores e das trabalhadoras. Que dizer da situação dos trabalhadores altamente qualificados e investigadores científicos, os chamados «bolseiros»? Será que eles acreditam na frase do Sr. Deputado Miguel Laranjeiro, que «melhor qualificação significa sempre melhor defesa dos interesses dos trabalhadores»? Haverá pessoas mais qualificadas neste país do que os nossos investigadores científicos, que estão a viver numa situação de precariedade como bolseiros?! Será que eles acreditam nessas frases tão bonitas, ditas pelo Partido Socialista?! O diagnóstico está feito; a situação é bem conhecida e atinge praticamente todas as famílias. O Sr. Deputado Ricardo Freitas também nos trouxe aqui a grande preocupação do Partido Socialista em combater o trabalho ilegal e em mostrar um clima de confiança. Mas, por acaso, na outra intervenção do Partido Socialista não ouvimos a expressão «combate à precariedade», ouvimos, sim, «combate ao trabalho ilegal». Por isso, a questão que conta é esta: vai o Partido Socialista alterar o Código do Trabalho e regressar à anterior lei dos contratos a termo, aprovada pelo mesmo Partido Socialista, ou é total a rendição ao Código do Trabalho da direita? Não é por muito dizerem que defendem o Estado social que o deixam de atacar. Esta é que é a questão, e não outra. Nós também gostávamos de conhecer a opinião dos parceiros sociais sobre os nossos projectos de lei. Sr. Presidente, acho que este precedente é grave, é algo que não pode voltar a acontecer, e gostaríamos que a Câmara se pronunciasse sobre ele.
3BE
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Todos os anos, milhares de jovens são chamados a participar no Dia da Defesa Nacional. Basicamente, têm de passar um dia em instalações militares, onde lhes são propagandeadas as vantagens de um dia virem a pertencer às Forças Armadas. São organizadas autênticas romarias, partindo em autocarros de cada câmara municipal. Para o período entre 2006 e 2007, o orçamento estimado só para estes serviços de transporte foi de 560 000€. Isto para não falar já nos outros custos de funcionamento e logísticos. Mas o mais grave de tudo são os transtornos individuais de cada um destes 70 000 cidadãos devido às suas faltas à escola, à universidade, a empregos e afins, ainda por cima sem haver qualquer justificação ou utilidade aparente nesta obrigatoriedade. São cerca de 70 000 jovens por ano a quem não resta outra opção, pois uma falta ao Dia da Defesa Nacional é punida com uma coima que pode ir dos 249,40 aos 1247 €. Faltar a este evento, chamemos-lhe assim, implica ainda a proibição do exercício de funções públicas e, como ameaçadoramente se diz no site do Ministério da Defesa, «em caso de necessidade de convocação, por falta de efectivos para as Forças Armadas, o cidadão que faltou é, preferencialmente, chamado». Ou seja, o que menos tendência mostra para cumprir o serviço militar será o primeiro a ser incorporado. Ora, só por aqui se vê o tom de ameaça e de coacção que paira sobre os jovens. A comparência obrigatória ao Dia da Defesa Nacional não faz qualquer sentido no quadro de um serviço militar não obrigatório. É uma disposição obsoleta, que faz lembrar tempos antigos, de má memória. Além disso, repare-se que, num quadro actual de igualdade entre homens e mulheres, como se pretende e passou a ficar consagrado no que se refere às Forças Armadas, não faz sentido que esta disposição continue a existir, sendo ainda obsoleto que só se aplique aos cidadãos do sexo masculino. Faz mesmo lembrar tempos antigos… Se a filosofia da nova orientação das Forças Armadas vai no sentido de as dignificar — e, para isso, tornando-as facultativas —, não se justifica que todos os anos paire sobre os rapazes de 18 anos a obrigação de passar um dia num quartel militar. E isto, aparentemente, quer possam ou não vir a ser objectores de consciência… Mas a provar que esta disposição está já ultrapassada, veja-se o mais recente desenvolvimento na área do recenseamento militar: de acordo com o Portal do Governo, foi aprovado no Conselho de Ministros de 31 de Outubro, e já discutido em Comissão de Defesa Nacional, um novo modelo de recenseamento militar que visa «isentar o cidadão do dever de se apresentar ao recenseamento militar no mês de Janeiro do ano em que completa 18 anos». Esta medida terá por objectivo «contribuir para o aumento da eficácia, desmaterialização de processos e redução de custos de operação». Ora, se o Governo considera que a comparência ao recenseamento já não se justifica por ser morosa, pouco eficaz e, além do mais, cara, o que dizer, então, da comparência obrigatória ao Dia da Defesa Nacional?! Cremos, pois, que a medida agora apresentada pelo Bloco de Esquerda é de toda a importância, justificando-se em termos de eficácia e estando também no espírito do sistema em vigor quanto ao serviço militar. A comparência obrigatória ao Dia da Defesa Nacional constitui tão-só e apenas um entrave injustificável para os jovens, que se vêem forçados a participar num evento com o qual podem não querer ter qualquer afinidade. Para os que querem, existe sempre o voluntariado, regra no sistema actualmente em vigor. Além disso, precisamente por ser obrigatória, esta comparência ao Dia Nacional em nada dignifica as Forças Armadas. Acreditamos, pois, que, à luz dos princípios hoje vigentes, esta medida deve ser considerada facultativa, ficando ao critério e à consciência de cada jovem decidir se quer ou não participar neste dia. É este, pois, o sentido do projecto de lei que agora discutimos, o qual, pelos argumentos que já apresentámos, cremos que deve merecer aprovação.
3BE
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Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados: As Forças Armadas, ao serviço do povo português, têm como primordial e inquestionável missão a defesa da Pátria, direito e dever fundamental de todos os portugueses. Compete às Forças Armadas um papel decisivo na defesa nacional, no respeito pelas instituições democráticas, tendo por objectivo garantir a independência nacional, a integridade do território e a liberdade e segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaça externas. Em 1997, através da IV Revisão Constitucional, procedeu-se a uma alteração dos preceitos constitucionais no domínio da defesa nacional, mantendo-se a afirmação de que a defesa da Pátria é simultaneamente um direito e um dever dos cidadãos portugueses, pondo-se termo à garantia constitucional do serviço militar obrigatório. Com esta alteração da Lei Fundamental devolveu o legislador constitucional ao legislador ordinário a possibilidade de optar pela manutenção do sistema de serviço militar obrigatório ou pela consagração de um sistema exclusivamente de voluntariado para constituição do contingente geral, o que foi posteriormente consagrado pela Lei n.º 174/99, de 21 de Setembro, Lei do Serviço Militar. Simultaneamente, consagra a nossa Constituição o direito à objecção de consciência ao serviço militar e regula as diversas condições em que pode ter lugar a prestação de um serviço cívico alternativo. A profissionalização nas Forças Armadas, ocorrida em 1999, na esteira das alterações constitucionais acima referidas, constituiu uma reforma estrutural da sociedade portuguesa, dando concretização a uma profunda reflexão sobre o futuro das Forças Armadas, as suas missões, o seu dimensionamento e a sua estruturação, face às alterações da cena política internacional. Esta opção foi um passo objectivamente justificado pela necessidade de criar novas formas de resposta para as exigências estratégicas impostas pela globalização e que a defesa dos nossos interesses nacionais determinou e impôs. Este entendimento fundou-se conjugadamente nos requisitos das novas missões das Forças Armadas, a exigirem maiores níveis de prontidão e de desempenho e, concomitantemente, na sofisticação tecnológica dos equipamentos e no imperativo de maximizar o rendimento dos meios militares. A adopção do serviço militar baseado no voluntariado, como sendo a melhor forma de responder a estas exigências, não pode, contudo, reduzir-se a uma mera prestação de um serviço que esqueça todo um referencial de valores éticos. É, assim, necessário criar condições para atrair às Forças Armadas portuguesas jovens determinados e capazes que vejam a carreira militar como uma forma de realização profissional e proporcionadora de uma formação altamente especializada. Neste sentido, a profissionalização é um desafio permanente que se impõe ao Estado concretizar com sucesso, atraindo e incentivando os jovens à sua participação. Sr. Presidente e Srs. Deputados: A profissionalização das Forças Armadas está, assim, decidida constitucional e legalmente e tal significa que temos, imperiosamente, de incentivar os nossos jovens e convencê-los de que é importante, e até interessante do ponto de vista profissional, integrar as Forças Armadas de Portugal. O esforço da profissionalização não é um modelo acabado, representando, ano após ano, a obrigação de renovar um contingente que é essencial ao bom desempenho das missões das Forças Armadas. É neste sentido que o sucesso da profissionalização é o sucesso do futuro das Forças Armadas, sendo, por isso, um desafio a cumprir permanentemente. O Bloco de Esquerda, com o projecto de lei que hoje discutimos nesta Câmara, traz-nos uma proposta legislativa que tem como objectivo alterar a Lei do Serviço Militar no respeitante à obrigatoriedade de os jovens que completam os 18 anos comparecerem ao Dia da Defesa Nacional. Esta iniciativa do Bloco de Esquerda propõe, então, que o dever consagrado na Lei n.º 174/99, de 21 de Setembro (Lei do Serviço Militar), onde esta refere que «A comparência ao Dia da Defesa Nacional constitui um dever de todos os cidadãos (…)», passe antes a constituir uma faculdade, ou seja, passe a ser apenas facultativa, e não obrigatória, a presença dos jovens no Dia da Defesa Nacional. Sr. Presidente e Srs. Deputados, a participação no Dia da Defesa Nacional constitui um dever cívico e militar, tendo como objectivo sensibilizar os jovens para a temática da defesa nacional e divulgar o papel das Forças Armadas. Neste dia, cada jovem participa em acções de formação destinadas a informá-lo, entre outros assuntos, sobre as missões essenciais das Forças Armadas e respectiva organização, bem como sobre os recursos que lhes estão afectos e ainda as formas de prestação de serviço militar e as diferentes possibilidades de escolha para quem queira prestar serviço efectivo. O Dia da Defesa Nacional, que se iniciou em 2003 como experiência-piloto, adquiriu, entretanto, a natureza de dever geral e constitui, actualmente, uma indispensável fonte de recrutamento para as nossas Forças Armadas. É um importante e indispensável instrumento de apoio à sua profissionalização, tendo como principal missão informar os cidadãos sobre a necessidade e importância da defesa nacional. Como fontes de recrutamento, temos hoje as incorporações para contratados, especificamente dirigidas àqueles jovens que revelam vontade ou disponibilidade para o ingresso nas Forças Armadas e, à semelhança do que sucede noutros países, o recrutamento com base no Dia da Defesa Nacional. O modelo adoptado para o Dia da Defesa Nacional, apesar da obrigatoriedade da participação e da heterogeneidade das características da população participante, nomeadamente em matéria de qualificações académicas, situação social e profissional, tem obtido níveis de apreciação muito positivos e estáveis ao longo dos ciclos. A título de exemplo, e de acordo com dados oficiais, no último ciclo, 67,4% dos participantes gostaram ou gostaram muito do evento, 74,9% dos jovens afirmam ter melhorado a sua opinião sobre as Forças Armadas com a participação no Dia da Defesa Nacional e, embora não decorrente de uma acção directa e propositada das Forças Armadas, 54% dos jovens participantes manifestaram a intenção de ingressar nos regimes de voluntariado e contrato. Ainda de acordo com a informação veiculada pelo Ministério da Defesa Nacional, os resultados dos estudos que têm vindo a ser efectuados reportam-se já a um universo de aproximadamente 150 000 jovens. No Dia da Defesa Nacional, os jovens têm a oportunidade de contactar com as Forças Armadas numa perspectiva institucional e prática mas também numa perspectiva vocacional e funcional, centrada numa óptica de oportunidade profissional. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Sabemos também que, simultaneamente ao recrutamento, se deve proporcionar às Forças Armadas condições para que ofereçam contratos suficientemente atractivos e motivadores, que atraiam os jovens que manifestem algum interesse pela área da segurança e defesa a optar por tais contratos, porquanto as suas condições são vantajosas, porque as saídas profissionais são interessantes e estão garantidas. Mas esta é outra questão, não menos importante, e a discussão sobre o regime dos incentivos à profissionalização terá lugar, como sabemos, muito brevemente, nesta Câmara, altura em que teremos, então, oportunidade de afirmar que cortar nos incentivos à profissionalização, como este Governo tem feito, é comprometer o futuro das Forças Armadas. Quanto à iniciativa legislativa apresentada pelo Bloco de Esquerda, ela vem comprometer o espírito e o edifício legislativo que sustentam a profissionalização das Forças Armadas, capaz de colocar em causa o seu prestígio e a sua estabilidade. Sr. Presidente e Srs. Deputados: Queremos aqui reafirmar mais uma vez que a profissionalização das Forças Armadas, lado a lado com o seu reequipamento, constituem os dois pilares fundamentais das Forças Armadas portuguesas do século XXI. E é neste âmbito que foi instituído o Dia da Defesa Nacional, que é, conforme já afirmado, uma fonte de recrutamento fundamental e indispensável. Por este motivo e por tudo o que já atrás foi dito, o PSD não apoia nem a alteração jurídica proposta nem a motivação do Bloco de Esquerda ao apresentar esta iniciativa. A proposta de instituir a presença no Dia da Defesa Nacional como facultativa para os nossos jovens é, além de inquestionavelmente desmotivadora para as nossas Forças Armadas como instituição, uma grave irresponsabilidade política. Pode não estar ao alcance de uma lei, ou de um decreto, fazer com que a profissionalização das Forças Armadas seja um sucesso. Mas está seguramente ao alcance de todos nós criar as condições favoráveis para que as Forças Armadas desempenhem condignamente as missões que tão relevantes são para o futuro de Portugal.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Relativamente ao projecto de lei, hoje aqui apresentado pelo Bloco de Esquerda, que altera a Lei n.º 174/99, de 21 de Setembro (Lei do Serviço Militar), consagrando como facultativa a comparência ao Dia da Defesa Nacional instituído no artigo 11.º da Lei do Serviço Militar, o meu grupo parlamentar é obviamente contra. É contra porque, em primeiro lugar, este projecto-lei não promove em nada as Forças Armadas, muito pelo contrário, desprestigia-as. Temos de realçar que o Dia da Defesa Nacional não é (embora saibamos que a confusão existe) o dia das Forças Armadas. É muito mais do que isso: É um evento que tem como principal missão informar os cidadãos sobre a necessidade e importância da defesa nacional e sobre o seu carácter multidimensional, promovendo uma consciencialização sobre estas matérias. Visa ainda transmitir (di-lo mesmo a lei) informação sobre as Forças Armadas e sobre o serviço militar, de forma a constituir um instrumento no reforço da ligação dos cidadãos com o Estado. A consagração da comparência ao Dia da Defesa Nacional como facultativa, como pretende o Bloco de Esquerda, acarreta, sem margem para dúvidas, efeitos de banalização institucional, de enfraquecimento do vínculo entre as novas gerações e as Forças Armadas e, consequentemente, a sua perda de legitimidade social, colocando em causa a capacidade de sustentabilidade do modelo de profissionalização. Em segundo lugar, este projecto de lei está desfasado da realidade que rege o Dia da Defesa Nacional. Isto porque o modelo adoptado para o Dia da Defesa Nacional, apesar da obrigatoriedade da participação, e como aqui foi referido pelo meu colega do PSD, tem obtido níveis de apreciação muito positivos e estáveis ao longo dos ciclos. A título de exemplo, no último ciclo, 68% dos participantes gostaram ou gostaram muito do evento — isto, segundo os dados recolhidos num inquérito feito aos jovens que participaram no Dia da Defesa Nacional. E, apesar de ser totalmente desenvolvido em contexto militar, a percepção dos jovens face ao que consideram ser o objectivo do Dia da Defesa Nacional é a de que este visa informar sobre as questões da defesa nacional (disseram-no 37%) e sobre as Forças Armadas (o que foi apenas salientado por 28%). Resulta daqui, portanto, um claro predomínio da componente informativa deste evento. E quando questionados acerca da existência do Dia da Defesa Nacional como forma de informação e sensibilização para as temáticas da defesa nacional e das Forças Armadas, apenas 2% — apenas 2%, Srs. Deputados do Bloco de Esquerda! — dos jovens consideram que não deveria existir tal este evento, ao passo que 65% concordam com a sua realização em unidades militares e os outros acharam que deveria realizar-se mas que poderia ser envolvida a instituição escolar, realizando o Dia da Defesa Nacional nas escolas ou inserindo as temáticas da defesa nacional nos currículos escolares. Imaginem, Srs. Deputados, que a esmagadora maioria dos jovens defende que sejam inseridas nos currículos escolares estas matérias! Portanto, este projecto de lei está desfasado da percepção que tem a juventude portuguesa deste Dia. Há ainda um dado final, muito importante e muito valorativo e que todos os anos obtém o mesmo resultado, que é o seguinte: 75% dos jovens afirmaram ter melhorado a sua opinião sobre as Forças Armadas com a sua participação neste Dia da Defesa Nacional. Por fim, a nosso ver, o propósito deste projecto de lei está mal disfarçado, Srs. Deputados do Bloco de Esquerda. É sabida a posição do Bloco de Esquerda sobre estas matérias da defesa nacional. Podemos até dizer, em jeito irónico, que o Bloco de Esquerda entende que umas boas Forças Armadas são as que não existem e que um bom soldado é aquele soldado desarmado que vai apagar fogos ou fazer outras coisas que nada têm a ver com as missões que a Constituição lhes consagra! O CDS-Partido Popular não só é contra este projecto de lei apresentado pelo Bloco de Esquerda como até defende que deve haver um alargamento às mulheres no dever de comparência ao Dia da Defesa Nacional. Isto porque, embora o Dia da Defesa Nacional tenha sido instituído com o objectivo de sensibilizar os jovens para a temática da defesa nacional, apenas cerca de metade da população jovem em idade de cumprimento deste dever militar, a do sexo masculino, tem tido a possibilidade de nele participar. A «restrição» que actualmente existe relativamente ao dever de comparência das mulheres ao Dia da Defesa Nacional apenas tem expressão legal no regulamento da Lei do Serviço Militar, aprovado pelo DecretoLei n.º 289/2000, de 14 de Novembro, uma vez que a Lei do Serviço Militar, aprovada pela Lei n.º 174/99, de 21 de Setembro, sobre esta matéria, não faz qualquer distinção quanto ao género. A igualdade de direitos e deveres, consignada na Constituição portuguesa, não tem tradução no Dia da Defesa Nacional. Por isso, o CDS entende que todas as cidadãs devem ter o dever de nele participar, sobretudo quando vivemos num país onde o universo de mulheres a prestar serviço nas Forças Armadas tem vindo a assumir uma expressão cada vez mais significativa, isto é, cerca de 21% dos efectivos em regime de voluntariado ou em regime de contratado (cerca de 4300) são do sexo feminino. Nesse sentido, já fizemos chegar à Mesa um projecto de lei que visa exactamente alargar às mulheres a participação neste Dia da Defesa Nacional. Finalmente, Sr.as e Srs. Deputados, quando já terminou o serviço militar obrigatório, quando o Governo acabou com a inspecção médica efectuada aos jovens quando completavam 18 anos, quando o Governo quer acabar com a obrigatoriedade (e tenho algumas reservas sobre isso), em Janeiro de cada ano, de se fazer o recenseamento militar, enfim, quando se termina com tudo isso, quer o Bloco de Esquerda agora acabar com a única ligação que existe entre a juventude e as Forças Armadas! Trata-se, de facto, como foi aqui dito por outras bancadas, de um projecto de lei profundamente irresponsável, que teria na sua aprovação (e ainda bem que o Bloco de Esquerda está completamente isolado nesta matéria) um efeito muito perverso em relação à própria profissionalização das Forças Armadas.
1CDS-PP
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Brevemente, acerca deste projecto de lei, quero dizer que também não concordamos com ele. É sabido que o Dia da Defesa Nacional foi introduzido numa alteração à Lei do Serviço Militar da qual discordámos profundamente, que terminou com a obrigatoriedade do serviço militar. Sempre considerámos que essa obrigatoriedade representava uma concepção de Forças Armadas que, a nosso ver, era a mais compatível com a Constituição da República Portuguesa e com o dever de defesa da Pátria que aí é estabelecido, e sempre entendemos que esta disposição constitucional faz todo o sentido e deve ter significado. E o que acontece hoje é que o único significado universal que este artigo tem está, de certa forma, reduzido a este Dia da Defesa Nacional. Digamos que é pouco, mas, do nosso ponto de vista, eliminar a sua obrigatoriedade seria um sinal negativo que não deve ser dado às Forças Armadas por este órgão de soberania. Nesse sentido, entendemos que, uma coisa, é discordarmos até da concepção de Forças Armadas que está hoje consagrada na nossa Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, é podermos ter discordâncias (e temos seguramente) relativamente às missões de que as Forças Armadas têm vindo a ser encarregadas, outra coisa, é podermos vir a considerar que as Forças Armadas são dispensáveis ou que o País deve viver de costas voltadas para elas. Quanto a isso, para nós é claro que a existência de Forças Armadas, em Portugal, faz todo o sentido, que elas devem ser dignificadas e que o estatuto dos militares deve ser respeitado em toda a sua integralidade — e, efectivamente, é preciso reconhecer que, nos últimos anos, não o tem sido. Entendemos, pois, que tornar facultativo o Dia da Defesa Nacional faria com que ele fosse profundamente desvalorizado, porque não temos dúvidas de que, se acabasse a obrigatoriedade da participação neste Dia, muitos jovens não teriam qualquer motivação e não participariam, até por desconhecimento. Quer-nos parecer que, embora a participação neste Dia seja um ónus para com os jovens, não é um ónus desproporcionado, não é nada que altere com um mínimo de profundidade a vida dos jovens. O facto de, pelo menos uma vez, pelo menos um dia na sua vida, os jovens portugueses poderem ter contacto com as Forças Armadas, poderem conhecê-las melhor e, eventualmente, poderem sentir-se motivados para poder vir a prestar serviço nas Forças Armadas, não é, do nosso ponto de vista, um mal, nem para os jovens nem para o País. Não vemos, pois, razões decisivas para que esta obrigatoriedade deva ser eliminada. Assim sendo, apesar de terem sido postos a este projecto de lei alguns epítetos que, julgo, ele também não merece, discordamos dele. Entendemos que faz sentido que continue a existir o Dia da Defesa Nacional e que deve haver, de facto, uma obrigatoriedade de os jovens participarem nele. Já que não se dá outro conteúdo ao artigo constitucional que prevê o dever geral de defesa da Pátria, ao menos que este se mantenha.
2PCP
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Debatemos hoje, em Plenário, o projecto de lei n.º 290/X, do Bloco de Esquerda, que pretende a consagração como facultativa da comparência ao Dia de Defesa Nacional, instituído no artigo 11.º da Lei do Serviço Militar. Antes de mais, cumpre fazer o enquadramento legal e constitucional da matéria em apreço, de modo a permitir, desde logo, uma compreensão clara e objectiva da temática. A Constituição da República Portuguesa, designadamente no artigo 276.º, n.º 1, a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, a Lei do Serviço Militar e o respectivo Regulamento estabelecem, conjuntamente, que a defesa da Pátria é direito e dever fundamental de todos os portugueses. A Lei de Defesa Nacional vem ainda reforçar o cariz universalmente vinculativo da defesa da Pátria ao determinar, no artigo 9.º, n.º 1, que a actividade de defesa nacional cabe à comunidade nacional em geral e a cada cidadão em particular. Sublinhe-se, finalmente, que a Lei do Serviço Militar e o Regulamento da Lei do Serviço Militar constituem a legislação que, por excelência, instituiu o modelo de serviço militar assente, em tempo de paz, no voluntariado. Feito este breve enquadramento legal, importa perceber se à luz do mesmo, e atenta a motivação que acompanha o projecto de lei em apreço, colhe a argumentação aí expendida. A resposta a esta questão é claramente negativa, e vejamos porquê. Em primeiro lugar, o cumprimento da obrigação de comparência no Dia da Defesa Nacional consiste numa expressão legislativa do já referido direito e dever fundamental de todos os portugueses de participarem na defesa da Pátria. «A defesa da Pátria é um dever indeclinável de todos os portugueses. Ontem, hoje e sempre, é esse o juramento fundamental que fazemos quer como homens e mulheres livres, quer como cidadãos, quer como soldados». Em segundo lugar, porque a natureza voluntária do serviço militar em tempo de paz não prejudica as obrigações dos cidadãos portugueses inerentes ao recrutamento militar, qualquer que seja o modelo em que este se processa, nem as inerentes ao serviço efectivo decorrente da convocação ou de mobilização, nos termos estatuídos na Lei do Serviço Militar. Finalmente, devo salientar o papel do Dia da Defesa Nacional como contributo decisivo para retratar, num primeiro momento de abordagem institucional, o universo dos cidadãos vinculados à respectiva comparência, do ponto de vista, nomeadamente, do meio geográfico e sociocultural em que se inserem e do grau de habilitações académicas e profissionais que detêm. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O dever de comparência no Dia da Defesa Nacional detém a essencial finalidade de sensibilizar os jovens para a temática da defesa nacional e de divulgar o papel das Forças Armadas, informando os cidadãos sobre os direitos e deveres nesta matéria, bem como sobre os objectivos, modalidades e vantagens na prestação do serviço militar. Em nenhum outro momento da vida dos cidadãos que não o Dia da Defesa Nacional o legislador assegurou tão em especial a prossecução dos objectivos ora enunciados. Deste modo, o projecto apresentado pelo BE não vai ao encontro nem da filosofia e sistematização normativas adoptadas na legislação sobre o modelo de recrutamento em vigor, nem da organização sistemática, institucional e procedimental do mesmo, contrariando antes a imperativa responsabilização dos cidadãos no cumprimento dos seus deveres militares, tendo em conta, desde logo, os ditames constitucionais sobre esta matéria. O Dia da Defesa Nacional é um marco fundamental na consolidação da profissionalização das Forças Armadas e tem sido um êxito assinalável, que já constitui um case study, sendo inúmeras as delegações estrangeiras que visitam Portugal para se inteirarem de como está organizado e decorre o Dia da Defesa Nacional no nosso País. A comparência ao Dia da Defesa Nacional constitui um exercício de cidadania que permite a sensibilização dos jovens para a realidade da defesa nacional e das Forças Armadas, contribuindo, assim, para a sua dignificação e para a compreensão da sua absoluta necessidade e da importância decisiva que detém na afirmação da nossa soberania e da nossa identidade. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Dia da Defesa Nacional constitui um momento privilegiado de promoção e transmissão desses valores e a iniciação nos direitos e deveres do cidadão adulto. É um momento de reforço da coesão nacional e visa preparar os cidadãos para as obrigações de segurança e defesa que, num regime democrático, estão ligadas aos direitos e deveres de cidadania. Longe vão os tempos em que a questão da defesa era uma questão exclusiva dos militares. Sendo inquestionável o dever e o direito de todo o cidadão de contribuir para a defesa da Pátria, também é certo que só se pode defender aquilo que se reconhece como digno de ser defendido, aquilo que se ama e pelo qual vale a pena fazer sacrifícios. Uma cultura de defesa nacional terá de começar por medidas de formação dos cidadãos, na perspectiva da responsabilidade individual e do sentimento constitucional em matérias de cidadania, criando factores de coesão e unidade adaptados aos novos conceitos de partilha de soberania. Como decorre dos artigos da Constituição anteriormente referidos, a defesa da Pátria compete a todos como direito e como dever. Mas, porque direito e dever, não pode ser exercido espontaneamente. A pertença a uma comunidade democraticamente organizada e com autonomia, onde se exercem os direitos e deveres, é a melhor forma de formar para a cidadania e nos valores da segurança e defesa nacionais. Como cidadãos portugueses, não podemos negligenciar na nossa formação os factores que nos constituem como comunidade independente e são garantia da nossa identidade nacional (o território, a população, a língua e a cultura). A identidade nacional, sedimentada ao longo dos séculos, é evidente, devido à composição territorial, étnica e linguística do país. No entanto, não é um elemento «dado», natural, mas antes conquistado, que exige uma permanente actualização e consensualização. Daí a exigência de uma formação para a cidadania em democracia, capaz de incutir os valores da liberdade mas igualmente capaz de incutir o respeito pelos símbolos nacionais, pela história Pátria e, simultaneamente, situar os deveres e responsabilidades individuais. Os recentes acontecimentos na Europa, aliados à globalização da economia e às permanentes crises regionais, mostram que a «Paz Perpétua» é, ainda, uma «ideia reguladora». A formação cívica dos cidadãos não pode passar ao lado do carácter e objectivos da defesa nacional e dos seus possíveis desenvolvimentos e aperfeiçoamentos. Em democracia, o conhecimento é exigível para decidir e escolher com competência. Prefaciando um livro, escreveu Jorge Sampaio que: «É na escola que se ganha o sentido duradouro de que somos cidadãos pertencentes a uma comunidade democrática, viva e em transformação, herdeira de uma história, de uma cultura e de uma língua, que constitui um Estado-Nação». Atrever-me-ia, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a acrescentar que este desiderato pode ser plenamente adquirido e aprofundado num momento único da vida do cidadão, o da sua comparência ao Dia da Defesa Nacional. Sr. Presidente, Sr. Deputado João Rebelo, agradeço a sua questão. Devo dizer-lhe que a sensibilidade do Grupo Parlamentar do Partido Socialista relativamente à questão que coloca é total, porque o reconhecimento de que as mulheres são hoje parceiras dos homens nos deveres e nos direitos, nas liberdades e nas garantias leva a que não haja qualquer diferenciação que possa justificar que as mulheres não tenham acesso e direito de serem informadas, tal como os homens, no Dia da Defesa Nacional, quando atingem a maioridade e são cidadãs de plenos direitos, quer na sociedade, quer individualmente. Portanto, a nossa sensibilidade é total para receber a proposta que VV. Ex.as elaboraram, com bons olhos e com bom ânimo.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda apresenta para discussão um projecto de lei que é um desafio e um teste a esta Assembleia, em particular à bancada maioritária, do Partido Socialista. Interessa, no final deste debate, saber se o Partido Socialista está ou não disposto a fazer um compromisso por uma estratégia de investimento na formação, na qualificação, na aprendizagem ao longo da vida. Apresentamos um projecto que procura densificar, qualificar o estatuto do trabalhador-estudante, de modo a que os dois lados desta condição — o lado de trabalhador e o lado de estudante — tenham os direitos e as condições necessárias para que aquilo que é um discurso muito comum na sociedade portuguesa sobre a aposta e a prioridade na educação tenha, de facto, substância e corresponda a uma acção política real. Srs. Deputados, sabemos que a situação actual dos trabalhadores-estudantes é muitíssimo difícil, por duas ordens de razões. Por um lado, a aplicação e a regulamentação do Código do Trabalho praticamente anulou as possibilidades que um trabalhador tinha de continuar a sua formação, de ser, de facto, um trabalhadorestudante. Por outro lado, houve também uma total demissão das políticas públicas de criar nas instituições de ensino, seja superior ou não superior, as condições necessárias para que os trabalhadores-estudantes continuassem a sua formação. Aliás, a aplicação do Processo de Bolonha ao nível do ensino superior, embora tivesse nos seus objectivos escritos a vontade de promover a formação ao longo da vida, na prática criou hoje situações que, quer no regime de faltas quer nos modelos de avaliação, impossibilitam muitos trabalhadores-estudantes de continuar a sua formação. Portanto, esta é a hora de saber se o discurso da prioridade de educação é ou não verdade na sociedade portuguesa. Se há ou não vontade de facultar aos trabalhadores portugueses a possibilidade de fazerem formação ao longo da vida. Creio que este projecto responde a estes dois lados: ao lado dos direitos que são necessários no âmbito do trabalho para que um trabalhador possa fazer a sua formação; e procura também responsabilizar, criar critérios definidos para que as instituições de ensino forneçam aos trabalhadores a possibilidade real de continuarem a sua formação. O desafio está feito. Vamos ver como é que este debate se desenrola. O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Emídio Guerreiro.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A educação em Portugal passa por tempos difíceis. Tempos em que da escola tudo se espera: que ensine, que dê competências aos jovens e que eduque as crianças, substituindo-se a famílias que se demitem desta função. Tudo se espera e tudo se exige da escola. Depois de inúmeras mudanças, produzidas ao longo de mais de 30 anos, a escola e os seus agentes estão perante um Governo que, ao invés de a normalizar e estabilizar, mais não faz que atacar e desprestigiar aqueles que são os agentes educativos fundamentais para o sucesso da política de educação: os professores. Sem termos uma escola mobilizada, sem termos um corpo docente motivado, é muito difícil ganhar o desafio da qualificação dos portugueses. Temos um atraso enorme relativamente aos nossos parceiros europeus no que respeita quer à escolaridade quer à qualificação da população, nomeadamente a mais jovem. Para combater este atraso é fundamental mobilizar todos: os jovens, as famílias, os professores e os demais agentes educativos. Mas é fundamental dotar as escolas de meios — meios financeiros e também de novos modelos de organização e de gestão adequados aos tempos que vivemos. E é aqui que o Governo tem falhado. Exige muito, mas faz pouco. Ao longo deste mandato, tem procurado responsabilizar os professores pela actual situação. As alterações legislativas vão no sentido contrário ao desejado. Não se procura incutir uma cultura de esforço e de rigor nos jovens alunos. Bem pelo contrário, a opção recai no facilitismo e na manipulação das estatísticas. Há insucesso? O Governo dificulta o chumbo. Chumba-se por faltas? Acaba-se com a distinção entre faltas justificadas e injustificadas. A opção cai sempre no mais fácil. O difícil e necessário, que seria dotar as escolas de meios e de um novo modelo de organização e gestão, está por fazer. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: São também muito difíceis os tempos que vivemos no que respeita ao emprego. Apesar de todas as promessas eleitorais e da manipulação dos números do desemprego que o Governo procura sistematicamente fazer, a realidade está aí: uma taxa de desemprego nos 8% e sem perspectivas de melhorar nos próximos tempos. O número de jovens desempregados cresce todos os anos. E já não são apenas os pouco qualificados que estão sujeitos a esta terrível angústia. O número de jovens licenciados desempregados é já superior a 50 000! Tantos recursos desperdiçados. Tanta energia desperdiçada. E o mais grave é que continuamos sem conhecer a empregabilidade dos nossos cursos do ensino superior! Apesar de o Partido Socialista ter rejeitado a proposta do PSD de divulgação dos dados referentes à empregalidade dos cursos e das escolas, apesar de o Governo ter prometido fazê-lo até ao Verão passado, os portugueses, as famílias portuguesas, os jovens quando se candidatam ao ensino superior continuam a desconhecer esta informação decisiva no processo de tomada de decisão! Segundo o último relatório do INE, desde o início da Legislatura o País perdeu 167 000 postos de trabalho qualificados! No mesmo período os empregos menos qualificados ganharam peso na economia portuguesa! Cá estão os primeiros resultados do Governo do choque tecnológico! Ou serão os resultados do Simplex? Empregos novos? Só em profissões Simplex, onde as qualificações necessárias são tudo menos altas! Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É neste cenário difícil para os jovens trabalhadores portugueses que, hoje, debatemos um projecto-lei do BE que visa criar um estatuto do trabalhador-estudante, estatuto esse que está assegurado no Código do Trabalho desde 2004. Compreendemos a bondade da iniciativa do Bloco de Esquerda. Diz, na sua exposição de motivos, que pretende alargar os direitos dos trabalhadores-estudantes previstos no actual Estatuto. Pretende, ainda, instituir a obrigatoriedade da criação de cursos nocturnos em todos os níveis de ensino. Pretende, ainda, criar um observatório do trabalhador-estudante. Afirma que, com a sua nova proposta, se responderá ao desafio da requalificação que Portugal tem pela frente. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A primeira questão que se nos coloca é saber se existe alguma avaliação do actual Estatuto. Tem sido pela aplicação do regime previsto no Código de Trabalho que o desafio da qualificação do País falhou? Não conhecemos estudos que o confirmem! Assim como não se conhecem avaliações sobre a eficácia ou ineficácia do actual regime. Mais uma vez, pretende-se alterar legislação sem avaliar a que está em vigor. Esta é uma das razões pela qual não concordamos com o projecto do BE. Reconhecemos, contudo, aspectos positivos nesta proposta. Refiro-me ao alargamento do âmbito da aplicação do estatuto do trabalhador-estudante aos trabalhadores por conta própria. O já referido relatório do INE informa-nos que são já mais de 900 000 os trabalhadores neste regime. Torna-se fundamental perceber quantos destes trabalhadores são na verdade «contratados» ou trabalham por conta própria. Aos primeiros, aos contratados, deve dar-se a possibilidade de usufruírem dos direitos previsto no actual Estatuto do Trabalhador-Estudante. As alterações propostas nas dispensas de serviço para frequência das aulas em mais uma hora semanal ou a alteração da forma de marcação de férias são pontuais e deveriam ser sustentadas pela avaliação e a aferição das actuais condições. Pretende, ainda, o Bloco de Esquerda conceder um apoio financeiro às entidades empregadoras em função do número de trabalhadores-estudantes empregados. Pomos muitas reservas a esta proposta. Não é nesta sede que este tipo de apoio deve ser considerado. Concordamos que o Governo pouco ou nada tem feito nas políticas activas de criação e estímulo de emprego, que pouco faz para desenvolver as actividades económicas e para fomentar a formação dos quadros. Mas não acreditamos que seja através de um novo estatuto do trabalhador-estudante que se deva apoiar financeiramente as empresas. Deve, sim, pugnar-se para que os direitos dos trabalhadores-estudantes sejam respeitados e cumpridos. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Num momento em que são públicas, por força da acção deste Governo, as enormes dificuldades nas instituições universitárias e politécnicas, de que destaco o facto de cinco universidades não terem orçamento para pagar todos os seus vencimentos de pessoal até ao final do ano, não podemos considerar ser esta a sede mais adequada para a criação obrigatória de cursos nocturnos no ensino superior. Não é com a aprovação de dois artigos no Estatuto do Trabalhador-Estudante que vamos resolver esta situação. Já o alerta que este projecto nos dá, no que respeita à adequação dos cursos «Bolonha», é pertinente e deve merecer a nossa reflexão, de molde a assegurar que os estudantes-trabalhadores não sejam excluídos do seu processo de valorização. Por fim, temos a proposta da criação de um observatório do trabalhadorestudante, proposta que pretende ser inovadora mas com a qual não concordamos. Não é com mais um observatório, com mais um organismo, com mais despesa, com mais nomeação de uns quantos boys para uns quantos jobs que ajudamos a cumprir os direitos dos trabalhadores-estudantes. A missão que o Bloco de Esquerda preconiza para este observatório pode e deve ser assegurada pelas máquinas dos ministérios e dos organismos já existentes. Não faz sentido criar algo de raiz para fazer o que pode e deve ser feito com o que já existe. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Percebemos e compreendemos a bondade da proposta do Bloco de Esquerda. Reconhecemo-la, em muito do que é proposto, como uma crítica clara à actuação do Governo nas políticas activas de criação de emprego, nas políticas de educação e nas políticas de financiamento do ensino superior. Contudo, entendemos que o actual Estatuto deve ser avaliado, pode e deve ser corrigido no que respeita aos trabalhadores a «recibo verde» e na necessária adequação ao Processo de Bolonha. Quanto às restantes propostas, merecem a nossa profunda reserva.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao discutir o presente projecto de lei importa, antes de mais, fazer a necessária análise dos processos legislativos que conduziram à actual situação. Se, desde 1997, a lei portuguesa salvaguardava, de forma clara e bem regulamentada, os direitos dos trabalhadores-estudantes, a entrada em vigor do Código do Trabalho, por proposta do anterior governo PSD/CDS-PP — e, agora, tendo ouvido o PSD, nem parecia que aprovou o Código do Trabalho —, veio limitar significativamente os direitos dos trabalhadores-estudantes. Aliás, esse Código do Trabalho veio provocar um retrocesso social que, ainda hoje, faz sentir os seus iniludíveis efeitos sociais. Perante uma realidade económica e social que, para a generalidade dos cidadãos, principalmente para os trabalhadores, significa uma gradual degeneração das condições de vida, o Partido Socialista, agora no Governo, decide não só empenhadamente aplicar o Código do Trabalho como ir já avançando inaceitáveis alterações para pior. Estamos, portanto, perante uma situação de agudização das dificuldades e de objectiva diminuição de direitos. Trabalhar mais, mais horas, por menos férias e menores salários são as máximas da acção dos sucessivos governos, bem ao gosto das vistas curtas dos grandes grupos económicos, que continuam a preconizar o modelo de mão-de-obra barata, disponível e sem direitos para Portugal. Num outro plano, os governos vão promovendo a desresponsabilização do Estado perante os serviços públicos essenciais, em que se insere o ensino nos seus vários níveis. O aumento vertiginoso do valor das propinas e os crescentes custos de frequência de qualquer grau de ensino, aliados à inexistência de um verdadeiro esforço nacional e público para garantir a disponibilidade de cursos em regime pós-laboral e nocturno, são apenas alguns exemplos das políticas de destruição do sistema público de ensino. A conjunção da política levada a cabo nestes dois planos — educação e trabalho — exige um combate cada vez mais forte à progressão destas políticas de direita e o reforço dos direitos dos trabalhadores e dos estudantes, em que, sem nenhuma dúvida, se inserem também os direitos dos trabalhadores-estudantes. O Bloco de Esquerda propõe que seja criado um estatuto do trabalhador-estudante que repõe um conjunto de direitos que foram alvo de limitação por força do Código do Trabalho e o PCP, por isso mesmo, apresenta um projecto de lei que revoga o Código do Trabalho e no qual estabelece um capítulo sobre trabalhadoresestudantes, também alargando claramente os seus direitos perante o trabalho e o estudo. Neste projecto de lei do Bloco de Esquerda, que agora discutimos, além de serem avançadas medidas que o PCP propõe, surgem três novas linhas-mestras. A primeira, que nos coloca algumas reservas, a de que pode ser positiva a generalização do Estatuto do Trabalhador-Estudante, comparando, inclusivamente, Portugal com outros países europeus, induzindo uma orientação política que se pode aproximar perigosamente da ideia de que os estudantes trabalharem para sustentar os estudos é um factor de modernidade, ideia que importa combater. É que, além de a realidade portuguesa, no plano do emprego, ser significativamente diferente da do Reino Unido, da Holanda e mesmo de França, o PCP não partilha a ideia de que os estudantes devem ser estimulados para trabalhar enquanto estudam, assim legitimando custos inaceitáveis do ensino, que deve ser gratuito, tal como indica a própria Constituição da República Portuguesa, que os governos, sistematicamente, teimam em desprezar. O PCP defende, sim, que o trabalhador deve ver garantidas todas as condições para poder aceder à educação em qualquer grau, sem nenhum prejuízo que daí possa advir. A segunda linha-mestra do projecto de lei é a de que o incentivo directo às empresas pode ser uma forma de garantir o cumprimento do estatuto proposto. O PCP entende, no entanto, que a aplicação de esforços públicos directamente em empresas, meramente por serem cumpridoras da lei, não deve ser de forma alguma uma política habitual do Estado. Além disso, a beneficiação directa de empresas pelo simples facto de empregarem trabalhadores-estudantes é mais um elemento de fomento a trabalho para estudantes do que a educação para trabalhadores, no quadro actual das características empresariais e económicas do País. A terceira, com o que o PCP concorda inteiramente, a da necessidade de criação de cursos em regime de horário nocturno. Na verdade, esta é uma orientação que, embora existente na lei, não tem sido minimamente cumprida no sistema público de ensino. Sobre esta matéria, o Grupo Parlamentar do PCP questionou inclusivamente o Governo, que se limitou a responder que os cursos em horário nocturno no sistema público de ensino superior nunca eram preenchidos. Isto revela bem que não têm sido feitos nenhuns esforços, por parte do Governo, no sentido de orientar essa política. É que basta olhar para o ensino privado, principalmente no plano do ensino superior, para verificar uma ampla frequência de trabalhadores-estudantes em regime nocturno, que procuram no privado aquilo que o sistema público não oferece, por demissão das suas responsabilidades. Os direitos de dispensa horária e formas especiais de avaliação são em todos os aspectos bastante coincidentes com o projecto de lei do PCP que revoga o Código do Trabalho e, efectivamente, é esse pendor de alargamento e recuperação de direitos que determina o voto do PCP, num inequívoco sinal de que é necessário, e quanto antes, garantir, através da lei e de uma fiscalização ajustada e consistente, os direitos dos trabalhadores-estudantes e mesmo repor os que foram retirados e para os quais o actual Governo não tem dado sinais de tornar a garantir. A resolução dos problemas dos trabalhadores-estudantes coloca-se a esta Assembleia como um imperativo e é por isso que, pese embora algumas discordâncias, até substanciais, entre a perspectiva do PCP e a que o projecto de lei em discussão traduz, o PCP se disponibiliza desde já para apresentar o seu contributo em sede de discussão na especialidade.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Através do projecto de lei n.° 288/X, hoje em discussão, visa o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda criar o estatuto do trabalhador-estudante, propondo, para o efeito, a revogação das normas constantes do Código do Trabalho e da respectiva regulamentação que regem o Regime Jurídico do Trabalhador-Estudante. Trata-se de uma matéria que, na perspectiva do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, deve merecer toda a atenção, dada a importância que a mesma assume no quadro da valorização dos trabalhadores por via da aquisição de competências académicas. Para o Partido Socialista, sempre o afirmámos, a valorização e a dignificação do estatuto dos trabalhadores-estudantes passa, inequivocamente, pela consagração de um quadro de direitos face às entidades empregadoras e aos estabelecimentos de ensino capaz de assegurar a estes trabalhadores a necessária compatibilização entre o direito ao emprego e o direito à educação/formação. Assumimos a aposta na qualificação dos portugueses — e, aqui, gostaria de descansar a Sr.ª Deputada Ana Drago, do Bloco de Esquerda. Gostaria de a descansar, porque assumimos a aposta na qualificação dos portugueses, não apenas como uma ambição mas como uma efectiva prioridade no sentido de proporcionar aos cidadãos em geral e aos trabalhadores em particular oportunidades de aprendizagem mais flexíveis e o acesso a sistemas de ensino e de formação capazes de responder às necessidades do mercado de trabalho. Evidentemente que esta aposta não deverá situar-se exclusivamente no plano do acesso a sistemas de formação e de reconhecimento de competências profissionais, devendo também abranger medidas que facilitem aos trabalhadores a frequência de cursos em estabelecimentos de ensino, o que obriga, naturalmente, a repensar as soluções plasmadas no Código do Trabalho e na respectiva regulamentação quanto aos direitos dos trabalhadores-estudantes. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É bem conhecida a posição do Partido Socialista quanto ao Código do Trabalho, aprovado pela maioria PSD/CDS-PP. É bem conhecida, de resto, a posição do Partido Socialista, em particular quanto ao Regime Jurídico do Trabalhador-Estudante, constante do Código do Trabalho, e respectiva regulamentação. Neste contexto, consideramos o projecto de lei hoje em apreciação meritório do ponto de vista da essência e dos objectivos que preconiza na justa medida em que também nós entendemos que o Regime Jurídico do Trabalhador-Estudante foi, com a anterior maioria, desvirtuado, redundando numa perda efectiva e desproporcionada de direitos por parte dos trabalhadores-estudantes. Contudo, no plano das soluções normativas preconizadas pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, constata-se que a iniciativa em discussão impõe alguns aspectos que carecem de uma profunda reflexão e, ao mesmo tempo, revela imprecisões e omissões que nos merecem reparo. Gostaria de dizer que o PSD disse um conjunto de coisas, fez uma amálgama de acusações quanto a um assunto que nada tinha a ver com o estatuto do trabalhador-estudante e nós estivemos calados. Portanto, agradeço que agora oiçam até ao fim. Com efeito, além de ampliar alguns dos direitos dos trabalhadores-estudantes face ao próprio regime constante da Lei n.º 116/97, de 4 de Novembro, revogada pelo Código do Trabalho, sem equacionar os seus impactos na estrutura das empresas, avança com soluções relativas à organização e ao funcionamento dos estabelecimentos de ensino que se impõe ponderar. Acresce ainda, que, contrariamente ao que é referido pelo Bloco de Esquerda na exposição de motivos que antecede a iniciativa legislativa em análise, o regime actualmente em vigor já contempla a extensão do estatuto do trabalhador-estudante aos trabalhadores por conta própria, bem como aos jovens que frequentem cursos de formação profissional, desde que com duração igual ou superior a seis meses, por força do artigo 17.° da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho, norma esta que o Bloco de Esquerda não se propõe revogar. Em suma, trata-se de soluções normativas, que, pela sua importância e alcance no quadro das relações laborais, nos merecem as maiores reservas. Finalmente, importa ter presente que, do ponto de vista sistemático, qualquer alteração ao regime jurídico do trabalhador-estudante deve configurar uma alteração ao Código do Trabalho e respectiva regulamentação, mantendo-se, assim, a unidade sistémica do Direito do Trabalho. Reafirmamos aqui o que dissemos no passado, isto é, a codificação dos principais regimes laborais, como é o caso do Regime Jurídico do Trabalhador-Estudante, constitui para o Partido Socialista um aspecto nuclear do acesso ao direito, não se compaginando com medidas parcelares e avulsas como a que hoje nos é apresentada. Reafirmamos a necessidade de se conferir uma maior tutela aos trabalhadores no plano da compatibilização da sua vida profissional com o acesso e frequência aos vários níveis do ensino. Fazê-lo corresponde, no nosso entendimento, a um imperativo de ordem social e a uma manifestação de respeito por todos aqueles trabalhadores que, com grande esforço, acumulam a actividade laboral com o ensino. Mas entendemos que o devemos fazer de forma responsável e integradora, ou seja, em sede do Código do Trabalho e da sua regulamentação. O compromisso do Partido Socialista com os trabalhadores é sobejamente conhecido. Todos sabem — e o Bloco de Esquerda também sabe — que, após uma revisão pontual do Código do Trabalho já efectuada, o compromisso do Governo do Partido Socialista consiste na apresentação, na decorrência dos trabalhos apresentados pela Comissão do Livro Branco das Relações Laborais, até finais deste mês, de uma iniciativa legislativa que será discutida com os parceiros sociais e remetida posteriormente a esta Assembleia, visando uma revisão global do Código do Trabalho e respectiva regulamentação. Este é o nosso calendário político. A reforma a operar em torno da legislação laboral, neste e noutros domínios, tem de ter, e sempre o dissemos, uma base assente em estudos e reflexões abrangentes e realistas, bem como o contributo imprescindível dos parceiros sociais. Neste contexto, não poderemos votar favoravelmente o projecto de lei n.º 288/X, sem prejuízo de manifestarmos, desde já, a nossa total disponibilidade para, aquando da discussão da proposta de lei do Governo sobre a reforma do Código do Trabalho, ponderar e equacionar as propostas do Bloco de Esquerda, assim como as das demais forças políticas em torno de um regime equilibrado que tenha em conta a compatibilização entre os direitos dos trabalhadores-estudantes e as responsabilidades das empresas. Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Drago, se me permitir, gostaria de responder às suas questões. Em primeiro lugar, não é o Bloco de Esquerda que marca os calendários políticos! Quem marca os calendários políticos e as decisões é o Partido Socialista. Uma vez que o estatuto do trabalhador-estudante é uma questão da maior importância para o Partido Socialista, à qual estamos muito sensíveis, devo dizer-lhe que esta avaliação, para ter uma sustentação, não pode ser feita desta forma. Não pode ser criado um estatuto como um apêndice de um tronco comum, tem de ser feito em sede do Código do Trabalho. As perguntas que me está a fazer acerca de matérias pontuais e que muitas vezes não correspondem à verdade, com certeza estarão a ser equacionadas… Conheço, sim. E também sei o que consta do vosso diploma acerca desta matéria. Portanto, vamos ser coerentes. Há ainda uma outra matéria a ter em conta. É que o Bloco de Esquerda confunde diplomas preambulares com o articulado, mas essa já é outra questão. Este aspecto é para nós da maior importância, e posso garantir-lhe que o vamos discutir em sede própria. Os erros cometidos pela maioria PSD/CDS-PP no que diz respeito a este assunto serão, com certeza, corrigidos, a bem da qualificação dos portugueses e, fundamentalmente, a bem dos trabalhadores-estudantes!
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Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Coutinho, pode-se, mas não se deve dizer uma coisa e o seu contrário numa mesma intervenção! A Sr.ª Deputada consegue dizer, e reconhecer, que a crítica que fazemos às alterações introduzidas pelo Código do Trabalho é acertada. Ou seja, a situação actual dos trabalhadoresestudantes é muitíssimo grave, é preciso alterá-la. O que é que a Sr.ª Deputada quer fazer? Nada! Diz a Sr.ª Deputada que é necessário dar incentivos ao percurso escolar e à continuação da valorização pessoal e profissional dos trabalhadores, que não basta certificar. O que é que propõe fazer? Absolutamente nada! A Sr.ª Deputada diz que a nossa proposta foca dois aspectos fundamentais, as instituições públicas de ensino e as entidades empregadoras, para que os direitos dos trabalhadores-estudantes sejam, de facto, respeitados. O que é que a Sr.ª Deputada pretende fazer? Absolutamente nada! Sr.ª Deputada, estamos dispostos a aceitar contributos para que haja uma discussão sobre uma grave situação que existe na sociedade portuguesa. O que não aceitamos é uma exclusão liminar das nossas propostas e da apresentação que fazemos da actual situação dos trabalhadoresestudantes. Gostava de lhe colocar uma questão muito específica. Tivemos recentemente no País, em particular nesta Assembleia, um debate bastante polémico sobre o Estatuto do Aluno e a questão das faltas. O que o Partido Socialista disse foi que jamais quereria fechar as portas da escola a qualquer estudante que quisesse e pudesse continuar o seu percurso escolar. Porém, Sr.ª Deputada, temos, hoje, relatos de trabalhadoresestudantes cujo regime de faltas introduzidas pelo Processo de Bolonha leva a que estes chumbem os anos. E quando isso acontece perdem esse estatuto. Gostaria de saber o que é o Partido Socialista tenciona fazer já este ano. Como é que a Sr.ª Deputada responde a uma situação em que regimes de falta de frequência às aulas e modelos de avaliação levam ao chumbo e, portanto, à perda do estatuto de estudante e ao fim da possibilidade de os trabalhadores continuarem a sua formação.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Código do Trabalho, publicado em Dezembro de 2003, previa a sua revisão no prazo de 4 anos. Estamos, portanto, a chegar ao termo do prazo previsto no próprio Código para a sua revisão. Curiosamente, o Governo do Partido Socialista inscreveu no Programa com que se apresentou às eleições e, depois, no Programa de Governo que apresentou a esta Câmara uma revisão a vários aspectos do Código do Trabalho até ao final de 2005, até ao final do primeiro ano da Legislatura. Como todos sabemos, 2005 já passou, 2006 já passou, estamos quase no fim de 2007 e a verdade é que a revisão global do Código do Trabalho continua adiada para as calendas. O Governo vem agora dizer que, até ao final de Novembro, será publicado o relatório da Comissão do Livro Branco para a Revisão do Código do Trabalho. Vamos ver, o último dia do mês é já na próxima sexta-feira! Portanto, vamos ver se o Governo não vai incumprir mais um dos prazos que tinha estabelecido. A grande verdade é que o Partido Socialista, que foi particularmente crítico relativamente ao novo Estatuto do Trabalhador-Estudante e ao que nele vinha previsto, quer em sede do Código do Trabalho quer em sede de regulamentação, tendo dito muitas vezes que deixariam de existir trabalhadores-estudantes nas nossas universidades, não tem agora sequer capacidade de reconhecer que, desde 2004 até hoje, felizmente, o número de trabalhadores-estudantes nas nossas universidades aumentou. O Partido Socialista nem sequer tem essa particular capacidade de reconhecer que há um conjunto de aspectos muito positivos neste novo regime. Congratulamo-nos com estes aspectos, porque estamos perante um desafio essencial para a nossa competitividade, que é o da qualificação dos nossos recursos humanos e, mais ainda, para esses mesmos trabalhadores, que apostam no seu mérito, na sua qualificação, nas suas capacidades e, por isso mesmo, depois de um dia de trabalho consideram que vale a pena voltar à universidade, aos bancos da escola para melhorarem as suas capacidades enquanto trabalhadores e para poderem aumentar a produtividade do País. As pessoas com este espírito têm de ser incentivadas e reconhecidas, que é algo que este Governo não tem feito. Desde que o Governo tomou posse que aumenta o desemprego dos licenciados, problema que é muito grave, para o qual o Governo não tem tido respostas. E, mais grave ainda, desde que este Governo tomou posse já foram destruídos 167 000 postos de trabalho qualificados, que seriam essenciais numa economia que quer apostar na inovação e na qualificação dos seus recursos humanos. Por isso mesmo, consideramos ser muito curioso que o preâmbulo do diploma do Bloco de Esquerda refira um estudo do ISCTE, que devia ser alvo de maior reflexão nesta Câmara, que regista que, neste momento, 20% dos estudantes que estão no ensino superior são trabalhadores, número que, comparando com os nossos parceiros europeus, até é relativamente baixo. Dou alguns exemplos: em França, o número de trabalhadores que está no sistema de ensino ascende aos 47%, na Irlanda ascende quase aos 70% e na Holanda chega quase aos 91%. São números muito diferentes, comparados com a realidade portuguesa, mas são acima de tudo diferentes porque nesses países existe uma figura que não temos em Portugal e sobre a qual pouco reflectimos, que é não a do trabalhador-estudante, mas, sim, a do estudante-trabalhador, daqueles que maioritariamente são estudantes, que passam a maior parte do seu tempo no sistema de ensino, mas que, ao mesmo tempo, vão exercer funções no mercado, nomeadamente trabalho a tempo parcial, muitas vezes sazonal e em tarefas específicas. A verdade é que o sistema português não tem qualquer espécie de incentivo para essas pessoas, quer dentro do sistema de ensino, quer relativamente à fiscalidade, quer relativamente ao sistema de protecção social. Hoje, um estudante que queira fazer um part time ou uma função específica terá imensas dificuldades exactamente porque tem de se inscrever obrigatoriamente no regime de protecção social e, muitas vezes, vai ter de pagar mais ao Estado do que aquilo que recebe. Esta é uma realidade que tem de ser salvaguardada, tal como tem de ser a do estudante empreendedor, que quer fazer uma pequena empresa, uma start-up, que quer fazer algo de inovador e que aposte na produtividade do País. Também estes têm muitas dificuldades. Exactamente para estas pessoas, o CDS-PP, no último Orçamento do Estado, propôs um conjunto de medidas que foram todas chumbadas por esta maioria. Por isso mesmo, verificando o que está estatuído no diploma do Bloco de Esquerda, reconhecemos que é preciso, quatro anos após a entrada em vigor do Código do Trabalho, mudar alguns aspectos previstos para os trabalhadores-estudantes. Curiosamente, no relatório intercalar da Comissão do Livro Branco nada é dito quanto a este aspecto. Trata-se, aliás, de um aspecto muito curioso, sobre o qual os Srs. Deputados do Partido Socialista deviam reflectir um pouco antes de fazerem declarações muito empolgadas. A verdade é que, infelizmente, o diploma do Bloco de Esquerda não resolve estes problemas, é um diploma que até coloca em causa muitos aspectos da autonomia universitária, que não podem ser postos em causa por um diploma como este, mas — pior! — é também um diploma que, em alguns aspectos específicos, como por exemplo no gozo de férias por parte dos trabalhadores-estudantes, dá passos atrás e retira direitos que existem já hoje e que são muito importantes para que os trabalhadores-estudantes possam continuar a sua vida académica com aproveitamento escolar.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda, com este projecto de lei, quis trazer novas oportunidades para os trabalhadores-estudantes, aquelas «Novas Oportunidades» que têm provocado outdoors neste país e até a distribuição de computadores. É que, para os trabalhadores-estudantes, nada disso está a acontecer! Entendemos que, para lhe dar dignidade, o estatuto dos trabalhadores-estudantes tem de sair da esfera do Código do Trabalho. A Sr.ª Deputada Isabel Coutinho considera que esta é uma matéria muito importante e, simultaneamente, entende que tem de ser «empacotada» no Código do Trabalho. Esta é, efectivamente, uma divergência de fundo que nos separa. É necessário um estatuto, que o próprio Partido Socialista admitiu como bom, porque o fez, noutra época, mas, agora, já se colou ao «centrão», qual pacto, também aqui, no sentido de entender que o Código do Trabalho é que é bom. Pela nossa parte, quisemos trazer esta situação a debate, sobre a qual o Sr. Deputado Emídio Guerreiro diz que ninguém conhece muito bem os dados e que o observatório também não resolve. Ó Srs. Deputados, então, o que é que resolve? O que sabemos é que o Código não resolveu nada, não há nenhum mecanismo de aferição da realidade concreta e a realidade concreta que temos hoje, Sr.as e Srs. Deputados, é que a maioria dos trabalhadores-estudantes, nos seus empregos, omitem que andam a estudar. Vejamos o caso da empresa Quimonda. Como é que um trabalhador-estudante da Quimonda, que tem um horário de 12 horas e um prémio de produtividade condicionado pela assiduidade, assume que está a estudar?! Esse trabalhador não o assume, aliás são os próprios trabalhadores que dizem ter dificuldades na frequência das aulas. Vejamos a Administração Pública, Sr.as e Srs. Deputados, designadamente os grandes hospitais. Podem as jovens enfermeiras fazer um dos anos que lhes faz falta, aliás, que a própria Ordem dos Enfermeiros considera que lhes faz falta, com o esquema que temos hoje nos hospitais?! É preciso ir aos locais! Basta ir ao Hospital de Santa Maria e perguntar às chefias intermédias, porque são elas próprias que bloqueiam os pedidos de estatuto de trabalhador-estudante, dizendo às trabalhadoras o seguinte: «Nós resolvemos isso aqui, amigavelmente, não vale a pena ir para cima, porque é indeferido». Esta é uma realidade objectiva! Lamentavelmente, o Governo e o Partido Socialista vêm aqui dizer que, sim, senhor, temos de dar oportunidades aos trabalhadores-estudantes, mas o projecto do Bloco de Esquerda não resolve nada. Sr.as e Srs. Deputados: Nós não pretendemos «produtos» acabados, nós pretendemos «produtos» que sejam discutidos e que tenham o contributo deste Parlamento. A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Por isso, estamos abertos a todos os contributos. Mas também entendemos que o trabalhador-estudante não é só aquela pessoa que não teve oportunidade — e que, neste país, infelizmente, são 456 000 trabalhadores jovens que nem sequer concluíram o ensino secundário —, há outras pessoas na mesma situação. Os Srs. Deputados e as Sr.as Deputadas têm de reconhecer que há muitos trabalhadores que querem fazer outros cursos académicos e também temos de ter resposta para eles. Não se coloca aqui a questão do pobrezinho que apenas não cumpriu o 9.º ano ou o 12.º ano, há trabalhadores que, por exemplo, têm o curso de Sociologia mas querem ter um curso de História ou de Economia. Por que não?! Por que não dar-lhes essa oportunidade?! Afinal, esse valor é apenas para eles ou é para a sociedade?! Vir aqui dizer que esta questão será analisada aquando da revisão do Código do Trabalho, que não se sabe exactamente quando irá ter lugar, e que, como também já aqui foi dito, o próprio relatório do Livro Branco não faz nenhuma aferição sobre esta matéria, sinceramente, não é uma nova oportunidade, não é uma oportunidade para os trabalhadores-estudantes, que a merecem. Os casos contados na primeira pessoa são dramáticos! Há trabalhadores que chegaram a ser despedidos pelo simples facto de dizerem que eram trabalhadores-estudantes. Esta é uma realidade que todos conhecemos! Aliás, havia um Sr. Secretário de Estado que, em 2002, numa entrevista à Visão, dizia que «está tudo desenhado para que não tenham sucesso». Curiosamente, este Secretário de Estado também participou na feitura do Código do Trabalho e o insucesso está, efectivamente, também por esta via, a confirmar-se. O desafio aqui fica, mas este debate, para os imensos trabalhadores-estudantes que existem neste país, resulta numa oportunidade perdida.
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Sr. Presidente e Srs. Deputados, gostaria de deixar um breve comentário apenas para manifestar a minha perplexidade relativamente à posição do Partido Socialista. Perplexidade e incompreensão! Na realidade, a vossa posição traduz-se na total indiferença relativamente ao custo que hoje têm os medicamentos para o bolso dos portugueses. O que é que Governo tem feito? O Governo aumenta às carradas o número de medicamentos não comparticipados e depois diz que nada tem que ver com o preço. E os senhores estão a querer convencer-nos de que os medicamentos não comparticipados são todos mais ou menos uma espécie de rebuçados para a tosse, quando os senhores sabem que não são! É porque se fossem ainda seria de admitir que quem quisesse comesse rebuçados, mas não é disso que estamos a falar! Estamos a falar de centenas de medicamentos que têm utilização diária na prática clínica, que aliviam sintomas, não tratam doenças, como é óbvio, mas aliviam sintomas, repito, como o Sr. Dr. Joaquim Couto sabe! Portanto, os senhores têm uma posição de que «o mercado há-de funcionar, os portugueses vão pagando, o que interessa é que o Estado cada vez tenha menos responsabilidades sociais nesta matérias»... Compreendo a posição do PSD, pois sempre foram os paladinos do mercado, não há qualquer problema, compreendemos essa posição, repito. Mas, ao contrário do que o Sr. Deputado Carlos Andrade Miranda disse, __________________________________________________________________________________________________ a tradição em Portugal é do preço fixo. Aliás, o que explica o facto de os preços terem disparado é a circunstância de a indústria se ter sentido liberta desse «colete de forças» do preço fixo! Não vemos outra forma de limitar e controlar esta situação — a bem dos doentes, a bem do equilíbrio social — que não seja a de definir um preço máximo. O Partido Socialista vai ter de explicar aqui aos restantes Deputados quando o Governo decretar o regime de descontos nos medicamentos por que é que vai manter a distinção entre medicamentos comparticipados e não comparticipados. Isso é uma argumentação que não colhe na vossa política, sobretudo é muito contraditória com o vosso discurso tão social, de tanta preocupação com o que os portugueses gastam nos medicamentos. Na realidade, no momento em que podiam tomar uma posição e uma medida decisiva para conter os preços dos medicamentos, os senhores mantém-se indiferentes e arranjam uma argumentação que, desculpem que vos diga, não tem qualquer sentido.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na política do medicamento do actual Governo há um aspecto paradoxal para não dizer caricato: o que é bom está no Programa, mas não é aplicado; o que é mau não está no Programa, mas é o que é aplicado. Em dois anos, esta política tem três grandes momentos, se quiserem, três grandes marcas. A primeira, anunciada logo na tomada de posse do Primeiro-Ministro, permite a venda fora das farmácias dos medicamentos não sujeitos a receita médica. A segunda, também anunciada pelo Primeiro-Ministro, estabeleceu o acordo entre o Governo e a Associação Nacional das Farmácias (ANF) e, entre outras medidas, liberaliza a propriedade das farmácias e promove a instalação de farmácias privadas nos hospitais públicos, naquilo que podemos considerar uma verdadeira OPA da holding de João Cordeiro sobre as farmácias do Serviço Nacional de Saúde, ainda por cima bastante barata. A terceira, a única que não faz parte do «portfólio» com que o Primeiro-Ministro procura construir a sua imagem de super-homem contra os lobbies, implica uma mexida global nos preços de venda ao público, no valor das comparticipações e no número de medicamentos comparticipados. Tudo combinado, o resultado salta à vista: o Estado gastou menos, os portugueses pagaram e pagam mais na farmácia, ao contrário do que insistentemente é afirmado pelo Governo. __________________________________________________________________________________________________ E não vale a pena perdermo-nos em grandes controvérsias sobre os números porque já todos percebemos a engenharia contabilística do Governo: nas contas do Governo, só entram os medicamentos comparticipados, onde, de facto, baixou a despesa pública e se verifica uma ligeira redução da despesa directamente suportada pelos portugueses. Mas como, entretanto, centenas de medicamentos passaram a ser integralmente pagos pelos cidadãos e outros viram a sua comparticipação bastante reduzida, a verdade é que, hoje, os portugueses gastam mais em medicamentos do que gastavam, como, aliás, está bem evidente nos dados recentemente publicados pelo INE e noutros estudos entretanto divulgados. O Bloco de Esquerda tem apresentado diversas iniciativas legislativas — e certamente outras se seguirão — com o objectivo conjugado de diminuir a despesa pública, mas também de baixar o custo para os cidadãos, melhorando o acesso ao medicamento e assegurando a sua qualidade. Do nosso ponto de vista, esta alternativa existe e é possível. Hoje, apresentamos um projecto de lei que incide sobre uma parte do problema, mas que, a ser aprovado, poderia constituir também parte da solução. Ao decidir autorizar a venda fora das farmácias dos medicamentos não sujeitos a receita médica, o Governo associou-lhes o regime de preço livre, procurando, por esta via, induzir a redução dos preços, através dos tradicionais mecanismos de mercado. O regime de preço livre aplicado aos medicamentos contraria o que, até hoje, tem acontecido, em Portugal. Entre nós, a regra tem sido, desde sempre, a do preço fixo, assumindo o Estado uma intervenção reguladora e moderadora, com o propósito de conter o aumento do preço de venda dos medicamentos, como, aliás, acontece na maior parte dos países da União Europeia. Não é, pois, de estranhar que esta opção pelo preço livre se tenha traduzido numa efectiva e continuada tendência de subida dos preços, quer nas farmácias quer nos postos de venda entretanto autorizados, com claro prejuízo para os doentes. Não havendo um preço máximo estabelecido, os preços inevitavelmente tendem a subir. A introdução do regime de preços máximos nos medicamentos não sujeitos a prescrição médica permitiria contrariar esta espiral, controlar a subida dos preços e estimular a sua descida, sem prejuízo da concorrência entre os intervenientes neste mercado e com benefício para os cidadãos, que teriam acesso a medicamentos mais baratos. Recordando, Sr.as e Srs. Deputados, a unanimidade alcançada neste Parlamento, há algumas semanas, em torno da resolução apresentada por Deputados do Partido Socialista, que, relembro, tinha como principais motivações, igualmente, a contenção da despesa do Estado e dos cidadãos com os medicamentos, a minha expectativa, a expectativa do Grupo Parlamentar do BE é, naturalmente, a de contar com o voto favorável de todas as Sr.as e Srs. Deputados. Sr. Presidente, Sr. Deputado Vasco Franco, o problema, do nosso ponto de vista, não se coloca em termos de saber se é cedo demais para tomar esta medida. Do nosso ponto de vista, o essencial é responder a um problema que, é visível, vai continuar como tendência e que é este: se não há preços máximos dos medicamentos, naturalmente o preço vai subir. Aliás, nesta matéria da política do medicamento, já percebemos que o que interessa não é tanto saber quem é o «maquinista» e quem são os «passageiros» mas, sim, constatar que o maquinista vai num sentido e __________________________________________________________________________________________________ os passageiros noutro. E por que é que digo isto? Porque no acordo estabelecido pelo Governo com a Associação Nacional das Farmácias, está prevista (e, portanto, aprovada e passível de ser implementada) a introdução da política de descontos nos medicamentos. Ora, se se introduz a política de descontos, é evidente que os medicamentos vão ter todos — não só estes mas também os outros — um preço máximo. Assim sendo, só procuramos antecipar-nos a esse momento, porque consideramos que, apesar de, como o Sr. Deputado disse — e bem! —, o tempo de vigência do decreto-lei ser ainda reduzido, já é tempo suficiente para perceber que esta tendência é inevitável — o preço dos medicamentos não sujeitos a receita médica vai continuar a aumentar. Esta é a nossa convicção e, por isso, apresentámos este projecto de lei. As opções do Governo nesta matéria acompanham a tendência internacional de alargamento dos pontos de venda deste tipo de medicamentos, tendo já sido adoptada em cerca de 11 países europeus. O artigo 103.º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, preconiza que, através de decreto-lei, o Governo defina o regime de preços dos medicamentos sujeitos a receita médica e não sujeitos a receita médica, mas comparticipados e de venda exclusiva em farmácias. Nesta fase de reforma da formação do mercado do medicamento, é indispensável que os medicamentos de venda obrigatória em farmácias tenham um tratamento distinto dos medicamentos passíveis de venda em locais diferentes daqueles. Acresce que, em todo este processo de reforma, o Governo cumpre a Base XXI da Lei de Bases da Saúde, a saber: a defesa e a protecção da saúde, a satisfação das necessidades da população e a racionalização do consumo de medicamentos. Bem sabemos que alguns advogam uma rigidez do Estado, interventivo e tentacular, que tolhe a iniciativa e promove a desigualdade. Pela nossa parte, defendemos, antes, um Estado que cumpre a Constituição, regulador e respeitador do mercado. É por isso que esta opção reformista do Governo, designadamente o regime de preços livres para os medicamentos não sujeitos a receita médica e não comparticipados, protagonizada pela equipa do Ministério da Saúde, nos parece sensata e cumpridora dos objectivos gerais do Programa do Executivo. Mas vejamos, em particular, o conteúdo e os pressupostos do projecto de lei n.º 281/X, do Bloco de Esquerda, que procura contrariar a orientação do Governo nesta matéria. Em primeiro lugar, não é verdade que, desde Outubro de 2005, o preço médio dos medicamentos não sujeitos a receita médica e não comparticipados tenha subido, bem pelo contrário, desceu — e, se lhe acrescentarmos o valor da inflação para idêntico período, concluiremos que desceu significativamente, face à inovação que representa para o mercado a nova legislação. Em segundo lugar, no período compreendido entre Outubro de 2005 e Dezembro de 2006, o valor global das vendas comunicadas foi de cerca de 3,7 milhões de euros. Decompondo estes 15 meses em dois períodos distintos, verificamos que, de Outubro de 2005 até Maio de 2006, o valor das vendas foi de cerca de 800 000 euros, mas no segundo período, de Junho de 2006 a Dezembro do mesmo ano, já foi de cerca de 3 milhões de euros, triplicou. Ou seja, o mercado está a funcionar, está a adaptar-se à nova realidade e, 8 I SÉRIE — NÚMERO 50 __________________________________________________________________________________________________ estamos certos, vai estabilizar a preços mais baixos para o consumidor, seguindo a tendência até agora verificada. Entendemos, assim, que este projecto de lei é extemporâneo e não é rigoroso nos seus pressupostos. Por isso, não o apoiaremos. Tem de haver estabilidade no processo legislativo e, neste caso concreto, é necessário esperar o tempo certo para que os vários agentes em presença se adaptem à nova legislação que está suportada numa coerência global da nova política do medicamento. Seria contraproducente e destabilizador do mercado que agora produzíssemos alterações à recente legislação, sem a consistência advinda de um período de aplicação dilatado e da sujeição ao escrutínio e estudos do mercado, bem como da fiscalização dos organismos competentes, nomeadamente o INFARMED, e da complementaridade de outras medidas de política do Governo, em fase de promulgação.
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Sr. Presidente, Sr. Deputado João Semedo, o Decreto-Lei n.º 134/2005, de 16 de Agosto, entrou em vigor há pouco mais de um ano, sabendo o Sr. Deputado as dificuldades que houve que enfrentar para implementar esse novo regime, nomeadamente ao nível da distribuição, muito controlada pela Associação Nacional das Farmácias. Não lhe parece, portanto, que é prematuro estar a fazer uma avaliação tão negativa do novo regime? Por outro lado, Sr. Deputado, não reconhece que há uma diferença substancial entre os medicamentos sujeitos a receita médica e os medicamentos de venda livre, quanto à possibilidade de escolha do cidadão? Isto é, o facto de o cidadão não poder escolher livremente o medicamento sujeito a receita médica, mas já poder fazê-lo em relação ao medicamento não sujeito a receita médica, não o induz a reconhecer essa diferença e a dar algum tempo para podermos avaliar o sistema? São estas as perguntas que lhe faço, Sr. Deputado.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Programa do XVII Governo Constitucional inscreveu a venda dos medicamentos não sujeitos a receita médica como uma preocupação, prevendo a reanálise das regras de comercialização dos medicamentos, bem como a revisão do sistema de comparticipações por preços de referência. Estas opções ficaram bem explicitadas no preâmbulo e no articulado do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, bem como no Decreto-Lei n.º 134/2005, de 16 de Agosto, estabelecendo-se neste último que os medicamentos não sujeitos a receita médica e não comparticipados passam a ter um regime de preços livre, salvaguardadas as regras de concorrência. Aliás, a solução preconizada neste diploma foi subscrita pela Autoridade da Concorrência, que, em estudo recente do sector, recomendou a adopção de outras medidas liberalizadoras, tendo em vista a introdução de mecanismos de concorrência, designadamente através dos preços. Neste diploma, estão vertidas algumas das razões fundamentais para esta opção, para além da necessária coerência de todo este processo relativo ao medicamento: alargamento dos postos de venda; maior acessibilidade dos utentes; maior concorrência efectiva entre os vários canais de distribuição e comercialização; e novas oportunidades de trabalho para jovens farmacêuticos e técnicos de farmácia. As opções do Governo nesta matéria acompanham a tendência internacional de alargamento dos pontos de venda deste tipo de medicamentos, tendo já sido adoptada em cerca de 11 países europeus. O artigo 103.º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, preconiza que, através de decreto-lei, o Governo defina o regime de preços dos medicamentos sujeitos a receita médica e não sujeitos a receita médica, mas comparticipados e de venda exclusiva em farmácias. Nesta fase de reforma da formação do mercado do medicamento, é indispensável que os medicamentos de venda obrigatória em farmácias tenham um tratamento distinto dos medicamentos passíveis de venda em locais diferentes daqueles. Acresce que, em todo este processo de reforma, o Governo cumpre a Base XXI da Lei de Bases da Saúde, a saber: a defesa e a protecção da saúde, a satisfação das necessidades da população e a racionalização do consumo de medicamentos. Bem sabemos que alguns advogam uma rigidez do Estado, interventivo e tentacular, que tolhe a iniciativa e promove a desigualdade. Pela nossa parte, defendemos, antes, um Estado que cumpre a Constituição, regulador e respeitador do mercado. É por isso que esta opção reformista do Governo, designadamente o regime de preços livres para os medicamentos não sujeitos a receita médica e não comparticipados, protagonizada pela equipa do Ministério da Saúde, nos parece sensata e cumpridora dos objectivos gerais do Programa do Executivo. Mas vejamos, em particular, o conteúdo e os pressupostos do projecto de lei n.º 281/X, do Bloco de Esquerda, que procura contrariar a orientação do Governo nesta matéria. Em primeiro lugar, não é verdade que, desde Outubro de 2005, o preço médio dos medicamentos não sujeitos a receita médica e não comparticipados tenha subido, bem pelo contrário, desceu — e, se lhe acrescentarmos o valor da inflação para idêntico período, concluiremos que desceu significativamente, face à inovação que representa para o mercado a nova legislação. Em segundo lugar, no período compreendido entre Outubro de 2005 e Dezembro de 2006, o valor global das vendas comunicadas foi de cerca de 3,7 milhões de euros. Decompondo estes 15 meses em dois períodos distintos, verificamos que, de Outubro de 2005 até Maio de 2006, o valor das vendas foi de cerca de 800 000 euros, mas no segundo período, de Junho de 2006 a Dezembro do mesmo ano, já foi de cerca de 3 milhões de euros, triplicou. Ou seja, o mercado está a funcionar, está a adaptar-se à nova realidade e, __________________________________________________________________________________________________ estamos certos, vai estabilizar a preços mais baixos para o consumidor, seguindo a tendência até agora verificada. Entendemos, assim, que este projecto de lei é extemporâneo e não é rigoroso nos seus pressupostos. Por isso, não o apoiaremos. Tem de haver estabilidade no processo legislativo e, neste caso concreto, é necessário esperar o tempo certo para que os vários agentes em presença se adaptem à nova legislação que está suportada numa coerência global da nova política do medicamento. Seria contraproducente e destabilizador do mercado que agora produzíssemos alterações à recente legislação, sem a consistência advinda de um período de aplicação dilatado e da sujeição ao escrutínio e estudos do mercado, bem como da fiscalização dos organismos competentes, nomeadamente o INFARMED, e da complementaridade de outras medidas de política do Governo, em fase de promulgação. Este tipo de voluntarismo é perigoso. E não se percebe — e há mesmo quem legitimamente se interrogue — o porquê deste afã, desta força, desta pressão, de querer aumentar este ramo de negócio. Sr. Deputado João Semedo, sobre o projecto de lei da sua bancada, gostaria de dizer-lhe que o mesmo foi, como concordará comigo, fruto de um impulso de Primavera. De facto, foi naquele momento do relatório do Observatório Português dos Sistemas de Saúde que o Bloco de Esquerda entendeu que deveria estancar aquilo que, na altura, parecia uma cavalgada do aumento dos preços, mas que não ocorreu. Sr. Deputado, o vosso projecto de lei é uma espécie de Portaria n.º 713/2000, agravada. Divergimos dele por variadíssimas razões, desde logo, matriciais, civilizacionais. O projecto estatiza, onde se deve liberalizar, e nega o mercado, quando devia afirmá-lo. O Orador: — Recordo-vos a Recomendação VI do G10, no sentido da livre fixação do preço dos medicamentos, e a Recomendação n.º 1/2006, da Autoridade da Concorrência, exactamente sobre a concorrência no sector do medicamento. Não é verdade, Sr. Deputado João Semedo, que, em Portugal, tenha prevalecido a opção pelo preço fixo do medicamento de venda livre — exceptuando aquele período, entre 2000 e 2005, em que estivemos sob o regime da notificação, não havia efectivamente regulamentação deste tipo de preços. 17 DE FEVEREIRO DE 2007 9 __________________________________________________________________________________________________ O projecto de lei não atenta na diferença entre o regime de preços máximos e o regime de preço fixo, não atenta que o regime de preços máximos implica variação de preço e é incompatível com a rotulagem, tal como é pretendido no vosso diploma. Ora, isto é absolutamente insustentável, Sr. Deputado. Uma palavra final para referir o que pensa o PSD sobre este regime. O PSD, como já o disse várias vezes, nada tem a opor, desde que sejam tomadas as devidas cautelas. Mas a verdade é que o Sr. Ministro da Saúde e o Sr. Primeiro-Ministro ainda não tornaram claras as razões pelas quais o aumento da automedicação e do consumo de OTC constitui uma prioridade, na área da saúde, em Portugal, em 2005/2007. Isto ainda não foi explicado pelo Sr. Primeiro-Ministro! Por estas razões, a posição do PSD será naturalmente contra.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ao contrário do que o Sr. Deputado Vasco Franco nos dizia há pouco, 17 meses é já tempo suficiente, e bastante, para se fazer algum balanço deste novo regime da venda de medicamentos fora das farmácias. E esse balanço não dá uma imagem muito positiva; pelo contrário, dá uma imagem bastante nebulosa da actuação do Governo nesta matéria. Os três objectivos fundamentais que o Governo se propunha com esta medida — a introdução da venda livre de medicamentos fora das farmácias, isto é, a acessibilidade, a diminuição de preços e a manutenção das questões de segurança — não foram alcançados. Em matéria de acessibilidade, como, ainda há pouco, citando o mesmo estudo, o Sr. Deputado Joaquim Couto nos dizia, verifica-se que a venda destes medicamentos está concentrada nas grandes superfícies, nas grandes cadeias alimentares, nos centros urbanos e não no resto do País. As populações não estão, pois, mais próximas deste tipo de medicamentos. Em matéria de preços, todos se recordam da polémica com o Sr. Ministro, na Primavera passada, em torno dos relatórios do Observatório Português dos Sistemas de Saúde e do INFARMED, em que ninguém sabia se os preços tinham subido ou descido. No Outono passado, passou-se o mesmo e, perante o estudo da DECO, o Governo não soube dizer se os preços subiram ou desceram. Hoje, 17 meses depois da entrada em vigor do referido decreto-lei, é já possível concluir que não ocorreu nem uma coisa nem outra. Nas grandes superfícies, nas grandes cadeias alimentares, nos grandes centros urbanos, o preço diminuiu sensivelmente; já no resto das lojas de venda deste tipo de medicamentos, o preço subiu. Em matéria de segurança, não há notificações de problemas, é certo!, mas o risco que o Sr. Ministro criou, atirando para fora das farmácias tudo quanto, indiscriminadamente, adopte a designação de OTC, de medicamentos não sujeitos a receita médica, mantém-se. A Comissão de Avaliação de Medicamentos mantém fortes reservas em relação a um alargamento desta lista de medicamentos. E o Sr. Ministro há meses que hesita em impor a sua vontade política num campo eminentemente técnico e à revelia dos pareceres cautelares que lhe foram presentes. Este tipo de voluntarismo é perigoso. E não se percebe — e há mesmo quem legitimamente se interrogue — o porquê deste afã, desta força, desta pressão, de querer aumentar este ramo de negócio. Sr. Deputado João Semedo, sobre o projecto de lei da sua bancada, gostaria de dizer-lhe que o mesmo foi, como concordará comigo, fruto de um impulso de Primavera. De facto, foi naquele momento do relatório do Observatório Português dos Sistemas de Saúde que o Bloco de Esquerda entendeu que deveria estancar aquilo que, na altura, parecia uma cavalgada do aumento dos preços, mas que não ocorreu. Sr. Deputado, o vosso projecto de lei é uma espécie de Portaria n.º 713/2000, agravada. Divergimos dele por variadíssimas razões, desde logo, matriciais, civilizacionais. O projecto estatiza, onde se deve liberalizar, e nega o mercado, quando devia afirmá-lo. O Orador: — Recordo-vos a Recomendação VI do G10, no sentido da livre fixação do preço dos medicamentos, e a Recomendação n.º 1/2006, da Autoridade da Concorrência, exactamente sobre a concorrência no sector do medicamento. Não é verdade, Sr. Deputado João Semedo, que, em Portugal, tenha prevalecido a opção pelo preço fixo do medicamento de venda livre — exceptuando aquele período, entre 2000 e 2005, em que estivemos sob o regime da notificação, não havia efectivamente regulamentação deste tipo de preços. __________________________________________________________________________________________________ O projecto de lei não atenta na diferença entre o regime de preços máximos e o regime de preço fixo, não atenta que o regime de preços máximos implica variação de preço e é incompatível com a rotulagem, tal como é pretendido no vosso diploma. Ora, isto é absolutamente insustentável, Sr. Deputado. Uma palavra final para referir o que pensa o PSD sobre este regime. O PSD, como já o disse várias vezes, nada tem a opor, desde que sejam tomadas as devidas cautelas. Mas a verdade é que o Sr. Ministro da Saúde e o Sr. Primeiro-Ministro ainda não tornaram claras as razões pelas quais o aumento da automedicação e do consumo de OTC constitui uma prioridade, na área da saúde, em Portugal, em 2005/2007. Isto ainda não foi explicado pelo Sr. Primeiro-Ministro! Por estas razões, a posição do PSD será naturalmente contra. Veremos o que o futuro nos dirá! Mas há um problema mais fundo nesta questão que é o seguinte: o Ministério da Saúde e o Governo tratam os medicamentos de venda livre como se fossem uma mercadoria puramente comercial e não são! Quando o Ministro da Saúde vem assumir publicamente, e dando orientações para o INFARMED, que é preciso aumentar o número de medicamentos de venda livre, que é preciso retirar da obrigatoriedade de receita um número maior de medicamentos, isto é muito preocupante, porque os critérios que devem presidir à venda livre são critérios estritamente técnicos, de não perigosidade, de balanceamento entre a acessibilidade mais fácil e a não perigosidade do medicamento. E, portanto, isso não se pode determinar de forma administrativa com base em critérios comerciais como o Ministro da Saúde fez. Claro que nós sabemos que isso é uma alínea do protocolo com a indústria farmacêutica onde o Ministério da Saúde, responsável pela saúde pública, se compromete — vejam bem! — a aumentar os medicamentos de venda livre, o que é uma coisa extraordinária para um Ministério da Saúde!... Mas está lá, no protocolo, e esta política é a concretização desse protocolo sem que haja aqui um benefício para a população. Concordamos com a medida proposta de, pelo menos, introduzir um preço máximo que impossibilite exageros ainda maiores no preço destes medicamentos, embora não se espere que o Ministério da Saúde, mesmo que esta medida — aliás, já admitida pelo Ministro da Saúde em vários momentos, espero que o Partido Socialista se lembre disto — entre em vigor, seja especialmente rigoroso no estabelecimento do preço máximo. Mas é sem dúvida um benefício, uma benfeitoria que, porventura, poderá corrigir alguns limites. Agora, o que continua por corrigir e essa será, sem dúvida, a questão fundamental na política do medicamento é o continuado aumento da factura dos medicamentos para os portugueses com a diminuição das comparticipações, com poupança para o Estado e para o Orçamento do Estado, certamente, mas uma 10 I SÉRIE — NÚMERO 50 __________________________________________________________________________________________________ poupança que é no fundamental feita à custa das populações, cada vez mais penalizadas com medicamentos mais caros, cada vez mais penalizadas com uma saúde mais cara e cada vez mais discriminadas em função das suas condições sociais e económicas para o acesso à saúde e para o acesso aos medicamentos.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este projecto de lei incide sobre um aspecto que foi marcante na política do Governo — e assim foi tratado pela própria propaganda do Ministério da Saúde —: o de apresentar a liberalização da venda dos medicamentos não sujeitos a receita médica (vulgo, de venda livre) fora das farmácias, noutros espaços, como uma forma de embaratecer estes medicamentos e de torná-los mais acessíveis aos cidadãos. Em primeiro lugar, não havia qualquer problema de acessibilidade a estes medicamentos como a realidade veio comprovar, não havia qualquer problema nessa matéria, aliás, porque os sítios onde provavelmente continua a haver problemas de acessibilidade aos medicamentos não têm estabelecimento de venda livre algum, porque não são comercialmente apetecíveis. Em segundo lugar, a questão do preço. De facto, o PS teve nesta matéria várias fases. Numa primeira fase disse: «Os preços vão baixar! Os preços baixaram! Estão muito mais baratos!» Depois, começou a ver-se que, afinal, não era bem assim e ao fim de uns meses a ideia já era outra: «Não, está ela por ela; não aumentou, mas também não baixou!» e acabámos por constatar que, de facto, os preços aumentaram nos tais sítios de venda livre, nos sítios fora das farmácias, com a consequência de aumentarem também, obviamente, por interesse comercial, nas próprias farmácias que não ficaram com um preço mais baixo sabendo que fora do seu espaço havia preços superiores. Portanto, esta medida não teve o efeito que se anunciava e teve, em muitos casos, o efeito contrário. Veremos o que o futuro nos dirá! Mas há um problema mais fundo nesta questão que é o seguinte: o Ministério da Saúde e o Governo tratam os medicamentos de venda livre como se fossem uma mercadoria puramente comercial e não são! Quando o Ministro da Saúde vem assumir publicamente, e dando orientações para o INFARMED, que é preciso aumentar o número de medicamentos de venda livre, que é preciso retirar da obrigatoriedade de receita um número maior de medicamentos, isto é muito preocupante, porque os critérios que devem presidir à venda livre são critérios estritamente técnicos, de não perigosidade, de balanceamento entre a acessibilidade mais fácil e a não perigosidade do medicamento. E, portanto, isso não se pode determinar de forma administrativa com base em critérios comerciais como o Ministro da Saúde fez. Claro que nós sabemos que isso é uma alínea do protocolo com a indústria farmacêutica onde o Ministério da Saúde, responsável pela saúde pública, se compromete — vejam bem! — a aumentar os medicamentos de venda livre, o que é uma coisa extraordinária para um Ministério da Saúde!... Mas está lá, no protocolo, e esta política é a concretização desse protocolo sem que haja aqui um benefício para a população. Concordamos com a medida proposta de, pelo menos, introduzir um preço máximo que impossibilite exageros ainda maiores no preço destes medicamentos, embora não se espere que o Ministério da Saúde, mesmo que esta medida — aliás, já admitida pelo Ministro da Saúde em vários momentos, espero que o Partido Socialista se lembre disto — entre em vigor, seja especialmente rigoroso no estabelecimento do preço máximo. Mas é sem dúvida um benefício, uma benfeitoria que, porventura, poderá corrigir alguns limites. Agora, o que continua por corrigir e essa será, sem dúvida, a questão fundamental na política do medicamento é o continuado aumento da factura dos medicamentos para os portugueses com a diminuição das comparticipações, com poupança para o Estado e para o Orçamento do Estado, certamente, mas uma __________________________________________________________________________________________________ poupança que é no fundamental feita à custa das populações, cada vez mais penalizadas com medicamentos mais caros, cada vez mais penalizadas com uma saúde mais cara e cada vez mais discriminadas em função das suas condições sociais e económicas para o acesso à saúde e para o acesso aos medicamentos.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As autoridades metropolitanas de transportes voltam hoje a esta Câmara, por iniciativa do Grupo Parlamentar do PCP, com a consciência da importância que as mesmas têm para o bem-estar de milhões e milhões de portugueses que, no dia-a-dia, sofrem o caos existente nos transportes, sobretudo nas grandes Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto. Fazemo-lo com a consciência de que, com este projecto de lei, podemos contribuir para, mais uma vez, se registar alguma evolução num processo que se arrasta há 16 anos, desde a consagração das autoridades metropolitanas de transportes e da Lei de Bases de Transportes Terrestres, nos debates que tiveram lugar nesta Câmara e que conduziram a iniciativas legislativas que, em nosso entender, não correspondem àquilo que é hoje imperioso dar a estas mesmas autoridades metropolitanas de transportes. Basta olhar para a realidade que temos para compreendermos, facilmente, que o caminho que estamos a percorrer não é aquele que vai ao encontro daquilo que todas as bancadas, de uma maneira geral, inserem no seu discurso político. Isto porque falar de autoridades metropolitanas de transportes é falar de várias vertentes. Desde logo, é falar de um direito inalienável, o direito à mobilidade, que é visto não em termos do conceito de mobilidade do passado, em que se tinha como quase exclusiva preocupação a deslocação casa/trabalho e trabalho/casa, mas de uma forma mais ampla, de que a mobilidade não deve ser apenas pendular — para deslocações entre casa e trabalho ou escola —, deve garantir aos cidadãos o acesso a outros direitos, como sejam o direito à cultura ou ao desporto. É também falar de questões sociais, pois tem a ver com a vida de milhões de portuguesas e portugueses que todos os dias são obrigados a recorrer ao transporte para chegar ao seu local de trabalho, levar os seus filhos à creche, ao infantário, ou mesmo, no exercício das suas funções, se deslocarem, várias vezes, nas áreas metropolitanas. É ainda falar de um problema ambiental, que todos conhecemos e que, em nosso entender, claramente, não tem tido resposta positiva nas soluções até hoje apresentadas. Basta ver que os portugueses e as portuguesas recorrem cada vez mais à viatura própria e que os transportes públicos perdem peso em relação a esta opção. É um problema que, como todos reconhecemos, tem custos enormes para a nossa economia, pelos combustíveis que somos obrigados a gastar, que importamos e que, naturalmente, pesam, e muito, na nossa balança de pagamentos. É também falar de um problema de saúde, não apenas pelos efeitos que resultam do stress acumulado nas horas em filas de espera para atingir os locais de destino mas, igualmente, pelos impactes das emissões de carbono na vida das pessoas. É ainda falar dos inúmeros acidentes que, diariamente, se verificam, dado o tráfego intenso nas estradas de acesso às áreas metropolitanas. É falar, igualmente, de um problema de economia, porque são milhares e milhares ou milhões de horas de trabalho que se perdem nestas intermináveis filas de espera. Naturalmente, em termos de discurso geral, todos estamos de acordo. Todos somos capazes de invocar este conjunto de ideias e acrescentar-lhe, depois, aquilo que é necessário fazer: a intermodalidade, as interfaces, a frequência das carreiras, a melhoria dos transportes, a segurança, a comodidade. Mas o que temos, Srs. Deputados, não é nada daquilo que no discurso vamos acumulando de ano para ano. Pensamos que, 16 anos depois, se impõe uma reflexão aprofundada sobre esta matéria, sobre as autoridades metropolitanas de transportes que não temos e de que o País necessita, de que os portugueses necessitam. Neste sentido, o projecto que apresentamos difere substantivamente daquilo que é a legislação até hoje aprovada. Desde logo, retomamos a figura de pessoa colectiva de direito público, pondo termo às tentativas de fazer passar as autoridades, primeiro, como institutos e, actualmente, como empresas públicas, com o resultado que está à vista: não temos autoridades metropolitanas de transportes! Propomos uma alteração substantiva, no que diz respeito à estrutura da direcção: transformar o conselho geral num órgão que efectivamente decide em matéria de transportes, um órgão onde o poder local tenha o papel que deveria ter sempre, o de ser a força determinante nestas autoridades, porque ninguém melhor do que as autarquias está em condições de falar da mobilidade de que carecem os respectivos territórios. Ninguém melhor do que as autarquias pode ter a consciência dos dramas que se vivem hoje para conseguir fugir ao recurso à viatura própria e ao problema dramático de encontrar onde colocá-la quando se atinge o destino. Neste sentido, propomos que o conselho geral seja de facto o órgão superior das autoridades metropolitanas de transportes e que as autarquias tenham um papel preponderante no mesmo. Já conhecemos os argumentos contra: quem paga é que deve mandar. Mas quem paga o quê?! Quem paga são os contribuintes! Quem paga são as portuguesas e os portugueses! Portanto, o Governo não faz favor algum se inserir no Orçamento do Estado as verbas necessárias para que estas autoridades cumpram as suas funções. É o dinheiro dos portugueses que está em jogo e as autarquias não são uma qualquer direcção-geral do Governo, como há tendência a tratá-las por vezes — e esta Assembleia tem particular responsabilidade no que diz respeito à forma como se distribuem os dinheiros dos nossos impostos. Deixamos, portanto, avançada esta ideia: é preciso pôr cobro ao subfinanciamento que caracteriza hoje o investimento em transportes públicos. É preciso pôr cobro aos investimentos que são feitos não para melhorar os transportes públicos, não para resolver os problemas das portuguesas e dos portugueses, mas para criar centros de negócios, privatizando os segmentos mais rentáveis e deixando na posse do Estado, das empresas públicas de transportes, aqueles que têm custos acrescidos para os impostos de todos nós. Se isto for alterado, ganharão os portugueses, ganhará o País. Neste sentido, pensamos que o projecto de lei que hoje apresentamos coloca a necessidade de um debate aprofundado nesta Câmara, um debate a que sempre se fugiu no passado a pretexto de autorizações legislativas, impedindo assim que houvesse esse espaço necessário na Assembleia da República, órgão que, por direito próprio, pode e deve discutir este problema que afecta a vida de tantos e tantos portuguesas e portugueses. O Orador: — Por isso, colocamos também como centro deste debate a questão dos preços dos transportes públicos, porque eles também estão na origem do abandono crescente por parte das pessoas e do recurso cada vez maior ao transporte próprio. Não é aumentando como se aumenta os transportes públicos (e estes já aumentaram cinco vezes, um aumento que atinge cerca de 13% desde a entrada em funções deste Governo) que vamos convencer os portugueses de que a melhor opção é o uso do autocarro, do metropolitano, do barco, como forma de se movimentarem. Por este caminho não vamos lá! Por isso dizemos que é preciso retomar o passe social como instrumento essencial da mobilidade nos grandes centros urbanos. É preciso um passe que assegure efectivamente o acesso a todos os meios de transporte e, inclusivamente, o parqueamento dos automóveis dos utentes que não podem resolver o problema da proximidade e que por isso são obrigados a recorrer a eles. Portanto, o tipo de políticas de que precisamos não está a ser praticado e entendemos que se impõe alterar radicalmente esta situação. Daí que o desafio que fazemos seja sobretudo para a bancada da maioria socialista, porque o Partido Socialista, nesta matéria, tem fugido a apresentar projectos de lei próprios. Ouvimos dizer que o Sr. Ministro vai apresentar qualquer coisa à Assembleia. Mas o quê?! São novos modos de aumentar os preços dos transportes de forma automática, quando sobem os combustíveis, mas que, depois, não descem de forma automática quando os mesmos descem? É para continuar a privatizar os segmentos mais rentáveis dos transportes públicos, como já anunciou? É para continuar a degradar cada vez mais os transportes públicos, reduzindo carreiras, como aconteceu em Lisboa e no Porto? É para reduzir frequências e a retirar carreiras, isolando cada vez mais as populações? É para continuar a manter o desordenamento do território com novas urbanizações que não assentam numa lógica territorial, mas fundamentalmente na especulação imobiliária? Se é este o caminho, então daqui por uns tempos voltaremos a discutir este problema com um quadro ainda pior do que aquele que já hoje temos. É para evitar isto que apresentámos este projecto de lei e que desafiamos o Partido Socialista a votar favoravelmente este diploma.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero apenas referir dois ou três aspectos que consideramos particularmente preocupantes no discurso do Partido Socialista. Ouvindo o PS, o bem-estar dos portugueses deve ser medido exclusivamente pelos custos, e esta visão leva a que os serviços públicos, chamem-se eles transportes, saúde, educação ou cultura, sejam todos eles um custo. Nesta medida, esquecemo-nos do aspecto essencial: os impostos dos portugueses servem precisamente para cobrir estes custos. E esquecemo-nos de meter na balança de pagamentos os ganhos, que o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações traz à colação quando quer justificar o investimento, na nossa opinião fora de tempo, num TGV Lisboa/Porto. Aí há ganhos ambientais; há ganhos em termos de emissão de CO ; há ganhos em vidas; há ganhos em tudo!… Aqui, que se trata de resolver o problema de milhões de 2 cidadãos que vivem, no dia-a-dia, o inferno de chegar ao seu posto de trabalho, do retorno à sua casa, de levar os filhos ao infantário ou à escola, não há ganhos, é só prejuízo! __________________________________________________________________________________________________ Esta visão, Sr.as e Srs. Deputados, conduz-nos, na verdade, por muitos maus caminhos, como a vida mostra. Não se trata de teorizar mas, sim, de olhar para a realidade, de olhar para os autocarros da Carris e ver as pessoas, nas horas de ponta, espalmadas contra os vidros, sem o mínimo de condições de comodidade, de segurança. Isto não conta?! Para o PS isto é o quê? O que é este modo de vida das pessoas nas cidades hoje? O que é olhar para o metropolitano atafulhado nas horas de ponta? Isto não conta?! O critério de avaliação é apenas os cifrões?! Nada mais conta para o Partido Socialista?! Não, é a conclusão do discurso que os senhores fazem! Falamos dos órgãos deliberativos. Os representantes dos trabalhadores não têm uma palavra a dizer nesta matéria? Os representantes dos utentes não têm uma palavra a dizer? As autarquias são apenas avaliadas pelo contributo que dão? Concluo já, Sr. Presidente. Façam-se as transferências do Orçamento do Estado, porque é daí que devem sair as verbas para garantir a mobilidade sustentável de que precisamos. E assim teremos, na verdade, mais e melhor qualidade de vida para todos os portugueses. Muito obrigado, Sr. Presidente, pela sua compreensão. Sabemos o que, nesta Casa e fora dela, o Sr. Ministro e o Governo prometeram, e não vale a pena dizermos outra coisa. Quem assumiu a promessa não fomos nós, foi o vosso Governo, o vosso Ministro, que disse que, até ao fim do ano passado, apresentaria a revisão do regime das autoridades metropolitanas dos transportes. Não fomos nós que o dissemos, foram VV. Ex.as, e contra isto não podem arranjar, nem arranjam, qualquer argumento! Quem prometeu foram os senhores, foi o vosso Governo. Não é possível dizer outra coisa. Quem assumiu o compromisso foram os senhores! Mais uma vez, perante os portugueses, perante aqueles que, todos os dias, nas viaturas particulares ou nos transportes públicos, correm todos estes riscos e perdem tempo, os Srs. Deputados são responsáveis, porque deveriam dizer ao vosso Governo e ao vosso Ministro: «estão a colocar-nos problemas nesta Casa». Deveriam dizer: «nós compreendemos os problemas que os cidadãos estão a passar e os responsáveis pelas promessas são os Srs. Membros do Governo», que, aliás, não estão presentes hoje e que deveriam ter gasto os 12 minutos que lhes foram atribuídos para aqui, perante os portugueses, dizerem por que não cumpriram o que prometeram. E a ser verdade a notícia de hoje, segundo a qual, mais uma vez, o investimento público ainda vai cair mais do quem 2005 — se isto é possível! —, então, os transportes públicos, aqueles que os cidadãos das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto utilizam, vão ser com certeza mais penalizados. No entanto, os projectos de investimento da Ota e do TGV — sabe-se lá porquê! — são as grandes apostas e mantêm-se! Pergunto: como é que vai ser com o metropolitano da margem sul, por exemplo? Ou como vai ser com a expansão da rede do Metro do Porto? As respostas a estas perguntas é que o Governo hoje nos deveria dar, tal como deveria falar-nos das perspectivas do futuro. Com certeza que os cidadãos de Lisboa e do Porto vão continuar a ser prejudicados, porque a promessa do Governo deveria ter sido cumprida… — há-de ser cumprida um dia destes, quando o Sr. Ministro nos der o prazer de vir anunciar, num power point, que, afinal, nesse dia, vamos ter uma decisão.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As Autoridades Metropolitanas de Transportes de Lisboa e do Porto foram criadas pelo Decreto-Lei n.º 268/2003, de 28 de Outubro, como pessoas colectivas de direito público dotadas de autonomia administrativa e financeira, tendo como objecto principal o planeamento, a coordenação e organização do mercado e o desenvolvimento e a gestão dos sistemas de transportes no âmbito metropolitano. Com a publicação do referido diploma, as autoridades metropolitanas de transportes entraram em regime de instalação, sendo dirigidas por uma comissão instaladora, com poderes de direcção, organização e gestão corrente, incluindo aí todas as atribuições conferidas pelo n.º 3 do artigo 15.º. Com a publicação do Decreto-Lei n.º 232/2004, de 13 de Dezembro, que introduziu alterações ao DecretoLei n.º 268/2003, de 28 de Outubro ficaram aprovados os estatutos das Autoridades Metropolitanas de Transportes de Lisboa e do Porto, transformando-se o seu estatuto jurídico em empresas públicas empresariais. Com este diploma foi ainda revogado o artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 268/2003, de 28 de Outubro, relativo ao regime de instalação, com a consequente cessação de funções das respectivas comissões instaladoras. Coincidindo com este último movimento legislativo, foram anunciadas a dissolução da Assembleia da República e a convocação de eleições antecipadas, verificando-se a partir daqui a suspensão do processo de constituição formal das autoridades metropolitanas de transportes. Em suma, desde finais de 2004 que o processo de implementação das autoridades metropolitanas de transportes está suspenso, tendo transitado para um novo governo, em meados de 2005, que o fechou num qualquer «arquivo de assuntos pendentes». O Orador: — De facto, e apesar das constantes promessas do Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações e das repetidas afirmações da Sr.ª Secretária de Estado dos Transportes, o processo mantém-se parado. Para que não restem dúvidas sobre aquilo que acabo de afirmar, vale a pena recordar, resumidamente, algumas das principais declarações públicas já proferidas sobre este assunto no decurso do último ano e meio. Em 2 de Junho de 2005, na intervenção de encerramento do 7.º Ciclo de Seminários da revista Transportes e Negócios, a Sr.ª Secretária de Estado dos Transportes afirma que «A nível institucional, é objectivo do Ministério apresentar, até ao final do ano, legislação para alteração dos estatutos das Autoridades Metropolitanas de Transportes de Lisboa e do Porto». Uma semana depois, a 8 de Junho de 2005, a Sr.ª Secretária de Estado dos Transportes, ao encerrar um seminário na Ordem dos Engenheiros sobre o «Planeamento de Infra-estruturas de Transportes na Área Metropolitana de Lisboa», e sem mudar de opinião, mantém exactamente o mesmo parágrafo no seu discurso, apontando o final do ano como limite temporal para apresentar a legislação que altera os Estatutos das Autoridades Metropolitanas de Transportes de Lisboa e Porto. Em 14 de Outubro de 2005, há cerca de um ano, o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, no Fórum dos Transportes Rodoviários de Passageiros, realizado no Centro Cultural de Belém, volta a defender que é «imprescindível a alteração dos actuais Estatutos das Autoridades Metropolitanas de Transportes de Lisboa e Porto». Nesta mesma linha, o Sr. Ministro volta a abordar este assunto numa conferência em Lisboa sobre o transporte público de passageiros nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, em 5 de Dezembro de 2005, garantindo que «é importante que sejam criadas as condições de funcionamento às Autoridades Metropolitanas de Transportes de Lisboa e do Porto, matéria em que Governo tem vindo a trabalhar». Já em Março de 2006, no dia 15, a Sr.ª Secretária de Estado dos Transportes, no Auditório da Representação da Comissão Europeia em Portugal, num seminário sobre «Mobilidade Sustentável», defende com esmagadora convicção que «O Governo, nesta matéria, tem uma agenda clara que passa, no curto prazo, por três medidas estruturantes: a reformulação do modelo das autoridades metropolitanas de transportes, a contratualização do serviço público de transportes e a definição de novos instrumentos de planeamento e gestão territorial». Sem qualquer hesitação e sem qualquer correcção às promessas de meses anteriores, acrescentou: «O modelo preconizado pelo Governo está em fase de conclusão e será, brevemente, submetido a uma discussão alargada». Uma semana depois, a 22 de Março de 2006, a Sr.ª Secretária de Estado dos Transportes faz o encerramento de um seminário sobre a «Gestão dos Sistemas de Transportes Colectivos Flexíveis», onde reafirma que «estamos, simultaneamente, a finalizar o novo modelo das autoridades metropolitanas de transportes». Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A tudo isto acresce que, em várias ocasiões, em sede da Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações, perante os Deputados, o Sr. Ministro assumiu vários compromissos de datas para apresentar o seu modelo e, até ao momento, nenhuma foi cumprida. Mês após mês, chegámos a Outubro de 2006, e tudo se mantém na mesma. Um ano e meio depois, anúncio após anúncio, continuamos a aguardar que o Governo supere a sua total incapacidade e inoperância para dar vida às autoridades metropolitanas de transportes. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A criação das autoridades metropolitanas de transportes foi da responsabilidade de um governo de coligação do PSD com o CDS-PP e visou racionalizar e modernizar a articulação dos transportes públicos colectivos nas grandes áreas metropolitanas, com o objectivo da melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. Por isso, hoje, aqui, no Plenário da Assembleia da República, cumprimentamos o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português pela apresentação desta iniciativa. Desde o início deste processo que conhecemos as suas preocupações e as suas posições políticas sobre este tema, e isto é relevante para o debate político que pode ser aqui realizado. Já relativamente ao Partido Socialista sabemos que, enquanto partido da oposição, se absteve no momento da criação das autoridades metropolitanas de transportes, tendo apresentado um conjunto de argumentos que formalmente nunca deram origem a uma proposta de discussão alternativa. Sabemos que, após a sua chegada ao Governo, o Partido Socialista continua igual a si próprio. O Governo socialista afirma não querer a solução que herdou, mas, entretanto, também não anuncia definitivamente o que quer fazer, nem toma qualquer decisão. Sabe-se apenas que o Governo tem alinhado, há vários meses, um conjunto de princípios gerais sobre os quais não concretiza uma única proposta. Fala, em abstracto, num modelo que clarifica as competências legais em matéria de tutela e de regulação sobre os transportes, entre a administração central e as autarquias, e que tem por base um modelo sustentável de financiamento dos transportes nas áreas metropolitanas. Tudo isto é vago e por isso não nos conformamos. Os portugueses são penalizados, todos os dias, por falta de coordenação e por indecisão do Governo. Esta situação não pode continuar e o Governo tem o dever de esclarecer esta Assembleia e os portugueses sobre se quer e como quer as autoridades metropolitanas de transportes. Assim haja coragem política para tomar uma decisão, porque hoje não tivemos aqui a presença do Governo, o que também é relevante para perceber quais são as suas prioridades.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Tem sido preocupação do Partido Socialista a articulação das políticas de mobilidade e transporte com particular incidência nas áreas metropolitanas. Tal preocupação foi espelhada no Programa Eleitoral e, como tal, faz parte do Programa do Governo, como se pode ler na pág. 100: «Atribuição de poderes efectivos à Autoridades Metropolitanas de Transportes de Lisboa e Porto; Concretização de projectos integrados de bilhética nas áreas metropolitanas, com recurso às novas tecnologias, facilitando a intermodalidade e melhorando a segurança; Reforço da coordenação física, tarifária e de horários entre modos de transportes colectivos e da capacidade de estacionamento nas interfaces periféricas; Definição de uma política de gestão integrada para as empresas, ao nível dos transportes urbanos de Lisboa e Porto». Das intenções à prática, tem o Governo anunciado a articulação e o planeamento integrado do sistema de transportes, que exige uma reforma profunda, passando pela articulação de regimes e pela reformulação do modelo das autoridades metropolitanas dos transportes, bem como pela definição do enquadramento institucional de contratualização do serviço público de transportes de passageiros. O plano metropolitano de mobilidade e transportes é indissociável das políticas de ordenamento do território e ambiente e respectivos instrumentos, carecendo, portanto, da articulação de políticas — o que poderá explicar, em parte, a dilação do prazo para a apresentação da proposta de reformulação das autoridades metropolitanas de transportes, por parte do Governo. A Oradora: — Neste sentido, está o Governo, em conjunto com a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo, a promover as bases do plano de deslocações urbanas, conhecido por PDU, desta Área Metropolitana que inclui um inquérito geral à mobilidade na Área Metropolitana de Lisboa, que se prevê que seja lançado até ao final do 2006. Este inquérito irá permitir o conhecimento das reais e actuais necessidades das populações por ele abrangidas, possibilitando um planeamento dinâmico e sistemático, conduzindo ao estabelecimento de redes de transporte intermodais, com ofertas e tarifários ajustados a uma efectiva procura e, simultaneamente, desenvolvendo estratégias de ocupação do território que maximizem a utilização da rede de transportes públicos. Lembro que, até à negociação dos passes do ano 2006, era utilizado, como base de negociação, um inquérito à mobilidade de 1989, havendo já um inquérito de 2000, estando a pagar-se indemnizações compensatórias, altamente prejudiciais ao Estado, aos vários operadores. Foi a actual Secretária de Estado dos Transportes que negociou a aceitação da integração do inquérito à mobilidade de 2000 na última negociação, com a promessa de que para este novo inquérito à mobilidade elas fossem ouvidas na sua preparação, o que está a acontecer. É neste contexto que surge o projecto de lei n.º 375/X, do Partido Comunista Português, que pretende alterar o regime jurídico das autoridades metropolitanas de transportes — parte do enquadramento legal é o Decreto-Lei n.º 268/2003, de 28 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 232/2004, de 13 de Dezembro. Ora, como decorre do anteriormente exposto, tal legislação encontra-se em reformulação pelo Governo, conforme, de resto, tem vindo a ser anunciado, o que, certamente, é reconhecido por todas as bancadas, designadamente pela Sr.ª Secretária de Estado dos Transportes, nesta mesma Câmara, durante a interpelação que fiz ao Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações no passado mês de Julho. Assim, parte de uma base desactualizada. Ao propor a revogação integral do Decreto-Lei n.º 232/2004, recusando liminarmente que as autoridades metropolitanas de transportes se revistam de forma empresarial, vem, aparentemente, ao encontro da nossa visão e do modelo que tem sido sugerido pelo Governo, ou seja, que estas sejam pessoas colectivas de direito público. Porém, a simples alteração jurídico-institucional das autoridades metropolitanas de transportes não traz em si mesmo ou só por si uma reforma substantiva. O projecto de lei em apreço apenas refere que são pessoas colectivas de direito público, sujeitas à tutela e superintendência do membro do Governo responsável pelos transportes. Entendemos que, face ao envolvimento inevitável da administração central e local no sistema metropolitano dos transportes, também a partilha de responsabilidades deve ser por ambas assumida, reflectindo-se esta associação no modelo de gestão. Na orgânica apresentada pelo projecto de lei n.º 275/X não se encontra proposto qualquer conselho consultivo. Coloca, todavia, no conselho geral das autoridades metropolitanas dos transportes os representantes quer da administração central e das câmaras municipais envolvidos quer das empresas de transportes, dos trabalhadores das empresas e dos utentes. Considera-se que tal organização, além de ser contrária a quaisquer princípios de regulação do Estado, nos termos dos quais a regulação não deve ficar cativa dos interesses regulados, não potencia a efectiva participação dos grupos sectoriais em causa. Em matéria de planeamento, o presente projecto limita-se a enunciar atribuições já constantes do DecretoLei n.º 268/2003, alterado pelo Decreto-Lei n.º 232/2004, ainda em vigor, designadamente o Plano Metropolitano de Mobilidade e Transportes, sem preocupação de conexão com o actual enquadramento dos instrumentos de gestão territorial, nem com matérias tão fundamentais como o seu conteúdo, força dispositiva e procedimento e laboração. Relativamente ao modelo de financiamento proposto, a única fonte de financiamento assegurada é o Orçamento do Estado. As restantes fontes de financiamento, referidas no artigo 15.º do projecto de lei em questão, deverão ter em consideração «As receitas fiscais geradas pelo sector; O estabelecimento do modelo de financiamento das infra-estruturas de longa duração e dos transportes colectivos; Os custos de exploração e de investimento; A determinação dos beneficiários indirectos das redes pesadas de transportes.», sem concretizar, em aberto. Considera-se, pois, insuficiente, com pouca adequação à realidade actual do sector dos transportes a fundamentação do projecto de lei n.º 275/X, do Partido Comunista Português, pelo que não pode o Partido Socialista dar o seu acordo. No século XXI, planear transportes públicos, seja os meios de transporte seja as suas infraestruturas e não ter em conta as acessibilidades das pessoa deficientes não se compadece com um pedido de desculpas depois do erro — inadmissível erro! — estar cometido, como recentemente aconteceu. Mas o desenvolvimento do País também se mede pela defesa do ambiente, a promoção de transportes ecológicos e pela democratização da mobilidade enquanto direito de cidadania e não seguindo políticas que apenas exploram a necessidade das pessoas se deslocarem de casa para o trabalho e do trabalho para casa. Sem uma política coerente, planeada, integrada e social — sublinho, social — de transportes públicos não vale a pena falar em desincentivo à utilização do transporte individual. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É impossível falar deste assunto, actual e de relevante importância, sem falar da política do Governo no sector dos transportes. E talvez a primeira questão seja mesmo uma pergunta: onde está a política do Governo nesta área? Poderíamos falar do preço do passe social, que já aumentou duas vezes num ano, assumindo o seu valor uma parte significativa dos rendimentos das famílias, do facto de o passe continuar a excluir importantes 7 DE OUTUBRO DE 2006 39 __________________________________________________________________________________________________ operadores de transporte, como a FERTAGUS, de não se avançar para a intermodalidade nos passes e nos bilhetes, incluindo estacionamento à entrada das cidades. Poderíamos falar dos vários planos fantasma para a CP, da falência técnica da REFER, das reestruturações da EMEF (Empresa de Manutenção de Equipamento Ferroviário, SA) e verificaríamos que o transporte ferroviário, um sector fundamental, não é uma aposta consistente deste Governo. Podemos falar da Carris, que, realizou recentemente a maior e mais profunda reestruturação de que há memória. Reestruturação esta que parece querer fazer a articulação com a rede do Metro, cuja expansão ainda não está concluída; pelo contrário, uma articulação futura entre a rede do Metro em expansão e o transporte à superfície só poderá ser equacionada num horizonte de quatro anos.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A organização da vida das pessoas nas grandes cidades e metrópoles exige, hoje, planeamento e coordenação. As suas diversas dimensões devem ser equacionadas em função da sua interligação e complementaridade. Esta é a única forma de contribuir, de facto, para uma melhor qualidade de vida dos cidadãos e cidadãs. Neste contexto, o acesso ao transporte público, o seu preço, a sua qualidade e o seu papel na organização da vida das pessoas e das cidades assume uma importância estruturante. É este o debate de hoje. O projecto de lei apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP traz a debate as autoridades metropolitanas dos transportes que, como é do conhecimento geral, embora reconhecida a sua importância e necessidade, na prática, não existem. A sua inexistência tem contribuído para que não se promova uma verdadeira política integrada de transportes públicos, política esta que deveria ter, como centro, as pessoas, dando resposta às suas necessidades, às suas necessidades de quem vive, trabalha e, mesmo, visita as nossas cidades. A mobilidade é um direito democrático. Nas sociedades actuais a mobilidade das populações é cada vez maior. A política de transportes deve ter em conta esta realidade, pois esta política também é, ela mesma, um sinal da modernidade de um país e, inclusive, um índice do seu desenvolvimento. Desenvolvimento que se mede pelo acesso de todos os cidadãos e cidadãs, assumindo particular importância a capacidade de resposta a pessoas deficientes, mas também a pessoas idosas e a crianças que, cada vez mais, utilizam sozinhas os diversos meios de transporte. No século XXI, planear transportes públicos, seja os meios de transporte seja as suas infraestruturas e não ter em conta as acessibilidades das pessoa deficientes não se compadece com um pedido de desculpas depois do erro — inadmissível erro! — estar cometido, como recentemente aconteceu. Mas o desenvolvimento do País também se mede pela defesa do ambiente, a promoção de transportes ecológicos e pela democratização da mobilidade enquanto direito de cidadania e não seguindo políticas que apenas exploram a necessidade das pessoas se deslocarem de casa para o trabalho e do trabalho para casa. Sem uma política coerente, planeada, integrada e social — sublinho, social — de transportes públicos não vale a pena falar em desincentivo à utilização do transporte individual. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É impossível falar deste assunto, actual e de relevante importância, sem falar da política do Governo no sector dos transportes. E talvez a primeira questão seja mesmo uma pergunta: onde está a política do Governo nesta área? Poderíamos falar do preço do passe social, que já aumentou duas vezes num ano, assumindo o seu valor uma parte significativa dos rendimentos das famílias, do facto de o passe continuar a excluir importantes __________________________________________________________________________________________________ operadores de transporte, como a FERTAGUS, de não se avançar para a intermodalidade nos passes e nos bilhetes, incluindo estacionamento à entrada das cidades. Poderíamos falar dos vários planos fantasma para a CP, da falência técnica da REFER, das reestruturações da EMEF (Empresa de Manutenção de Equipamento Ferroviário, SA) e verificaríamos que o transporte ferroviário, um sector fundamental, não é uma aposta consistente deste Governo. Podemos falar da Carris, que, realizou recentemente a maior e mais profunda reestruturação de que há memória. Reestruturação esta que parece querer fazer a articulação com a rede do Metro, cuja expansão ainda não está concluída; pelo contrário, uma articulação futura entre a rede do Metro em expansão e o transporte à superfície só poderá ser equacionada num horizonte de quatro anos. E não poderá deixar de ser feita, para ser bem feita, por uma entidade como a autoridade metropolitana dos transportes e não, apenas, por um dos operadores — um só operador — de transportes na Área Metropolitana de Lisboa. Onde está o transporte ao serviço da cidade? Onde está o direito à mobilidade, como factor de integração, quando se prejudicam inúmeros bairros de Lisboa, que deixam de ter carreiras frequentes e mesmo serviço nocturno? A reestruturação da Carris não serve a cidade de Lisboa, quem nela vive, quem nela trabalha e também quem a visita. A reprovação, em bloco, pela Câmara Municipal de Lisboa é, sem dúvida, demonstração disso. Mas o Partido Socialista não está interessado em debater, questionar e encontrar outros caminhos. E prova disto é que, embora na cidade de Lisboa, nos seus órgãos autárquicos esteja contra, recusa debater e pedir esclarecimentos ao Governo que sancionou esta reestruturação. O Partido Socialista recusou, sem discussão e sem que tenha proferido um único argumento, o requerimento do Bloco de Esquerda para que a Secretária de Estado dos Transportes viesse à Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações esclarecer por que é que o Governo deu «luz verde» à reestruturação da Carris, mesmo tendo a cidade de Lisboa contra. A força da maioria já considera que são dispensáveis os argumentos no debate político. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É do conhecimento público que o Governo não concorda com o actual regime jurídico das autoridades metropolitanas dos transportes… Concluirei, rapidamente, Sr. Presidente. Mas embora tenha anunciado que vai apresentar propostas, estas demoram a chegar ao conhecimento público. Para o Bloco de Esquerda, esta é uma questão nodal da política de transportes. A decisão de criar as autoridades metropolitanas dos transportes, tomada no ido ano de 1990, no século passado, não consegue ser concretizada por responsabilidade de sucessivos governos. Para o Bloco de Esquerda, as autoridades metropolitanas dos transportes devem ser pessoas colectivas de direito público, de âmbito territorial e de carácter supramunicipal, dotadas de personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira. O seu modelo organizacional deve ser potenciador da participação dos cidadãos e cidadãs e enquadrar um observatório de transportes, como meio técnico de garantir o aprofundamento e adaptação das políticas de transporte, de modo a tornar efectivo o seu papel de gestão dos transportes nas grandes áreas urbanas, para que se aumente a mobilidade geográfica, se melhore o ambiente e, como consequência, se promova uma maior e melhor qualidade de vida das populações. Como calcula, uma reforma não se faz de um dia para o outro, e sabe muito bem que este Governo vai iniciar, ainda este mês, diversos workshop com as autarquias, que têm necessariamente de estar envolvidas neste modelo de autoridades metropolitanas dos transportes, e com as operadoras de transportes que iniciou, aliás, na renovação do passe social. E o que V. Ex.ª não disse foi que, ao não se fazer nada, não haveria passe social agora; e estão disciplinados os tempos em que podem haver aumentos ao passe social e pode haver revisão de preços, coisa que não disse também. Portanto, como calcula, está em curso o processo de instituição de uma verdadeira autoridade metropolitana, que, naturalmente, a si, não lhe conveio referir, apenas referiu os atrasos no tempo, dizendo, como, aliás, foi dito pelas outras bancadas, que, em três anos, não foi feito efectivamente nada. Sr.ª Deputada, faço-lhe uma pergunta muito concreta: qual foi o serviço nocturno que foi extinto pela actual alteração da Carris na cidade de Lisboa? Não foi extinto nem um! Não foi extinto qualquer serviço nocturno. Por outro lado, também quero referir que V. Ex.ª não disse tudo. Não disse, por exemplo, que, na Assembleia Municipal de Lisboa, que é o parlamento da cidade, o Partido Socialista não votou unanimemente a postura que foi, por acaso, no início do processo, marcada na vereação da câmara municipal. E não votou unanimemente porque foi reconhecido, depois do debate efectuado, pela Sr.ª Secretária de Estado que haveria ajustes a fazer ao plano de reestruturação da Carris, e estes ajustes estão a ser feitos para agrado de muitas juntas de freguesia neste momento. Portanto, Sr.ª Deputada, como deve calcular, o Partido Socialista não pode estar contra uma reforma que ela própria se vai fazendo em diálogo com os autarcas da cidade, com os mais importantes até nesta matéria, que são aqueles que estão nas freguesias. Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Coelho, muito obrigada pelas questões que colocou. Em primeiro lugar, no que se refere à reforma das autoridades metropolitanas dos transportes, com certeza que uma reforma deste tipo — e, como deve ter percebido pela minha intervenção, criticamos o actual modelo — não se faz de um dia para o outro, mas, Sr. Deputado, já lá vai um ano e meio, cerca de 18 meses! Não se faz de um dia para o outro, mas já se passaram 18 meses, e neste período quer o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações quer a Sr.ª Secretária de Estado dos Transportes fizeram questão de dizer que iriam apresentar esta reforma. Aliás, hoje também ouvimos, pela boca da Sr.ª Deputada Irene Veloso, que mais um programa vai ser apresentado até ao final de Outubro de 2006. Vamos ficar à espera; vão vindo uns atrás dos outros. Portanto, Sr. Deputado, já lá vão 18 meses, não se trata de um dia para o outro! Sr. Deputado, estão previstos dois workshops, recentemente anunciados pela Sr.ª Secretária de Estado dos Transportes numa entrevista, que tenho aqui e que, devido ao tempo de que disponho, não a vou ler. Mas o Sr. Deputado, que conhece a entrevista tão bem quanto eu, sabe qual é o âmbito dos dois workshops que vão ser realizados para discutir e aprofundar a Área Metropolitana de Lisboa. Passo agora à questão da Carris, pois disponho de muito pouco tempo e este assunto interessa-me. O Sr. Deputado também é Deputado municipal e, com certeza, deve conhecer a situação e saber o que os moradores do bairro da Bela Vista dizem sobre a supressão das carreiras. Mas esta não é a questão de fundo. A questão de fundo e que se relaciona com o debate que hoje aqui fazemos é que foi uma única empresa — repito, uma única empresa — a tomar uma decisão que tem a ver com os transportes numa cidade que tem ligação a uma área metropolitana. É para contrariar isto que as autoridades metropolitanas dos transportes também devem existir. E quanto a isto o Sr. Deputado não respondeu, exactamente como continua a não dar um só argumento para que não se justifique a vinda ao Parlamento da Sr.ª Secretária de Estado dos Transportes para justificar a existência de um programa de uma só empresa — repito, de uma só empresa — que o Governo validou e a que deu «luz verde».
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Sr. Presidente, as perguntas serão muito simples, até porque se baseiam em algumas inexactidões que a Sr.ª Deputada Helena Pinto disse aqui. Gostava de referir à Sr.ª Deputada que é fácil criticar, quando se sabe que não se tem responsabilidades e que nem se vai ter a curto prazo. Mas a verdade, Sr.ª Deputada, é que o Partido Socialista herdou do governo anterior um modelo da autoridade metropolitana que rejeita completamente — e, seguramente, estará connosco nesta crítica —, porque a autoridade metropolitana estava completamente desprovida, destituída de poderes, aliás, não tinha clarificada, nomeadamente, o próprio financiamento, a forma como iria financiar a sua actividade. Como calcula, uma reforma não se faz de um dia para o outro, e sabe muito bem que este Governo vai iniciar, ainda este mês, diversos workshop com as autarquias, que têm necessariamente de estar envolvidas neste modelo de autoridades metropolitanas dos transportes, e com as operadoras de transportes que iniciou, aliás, na renovação do passe social. E o que V. Ex.ª não disse foi que, ao não se fazer nada, não haveria passe social agora; e estão disciplinados os tempos em que podem haver aumentos ao passe social e pode haver revisão de preços, coisa que não disse também. Portanto, como calcula, está em curso o processo de instituição de uma verdadeira autoridade metropolitana, que, naturalmente, a si, não lhe conveio referir, apenas referiu os atrasos no tempo, dizendo, como, aliás, foi dito pelas outras bancadas, que, em três anos, não foi feito efectivamente nada. Sr.ª Deputada, faço-lhe uma pergunta muito concreta: qual foi o serviço nocturno que foi extinto pela actual alteração da Carris na cidade de Lisboa? Não foi extinto nem um! Não foi extinto qualquer serviço nocturno. Por outro lado, também quero referir que V. Ex.ª não disse tudo. Não disse, por exemplo, que, na Assembleia Municipal de Lisboa, que é o parlamento da cidade, o Partido Socialista não votou unanimemente a postura que foi, por acaso, no início do processo, marcada na vereação da câmara municipal. E não votou unanimemente porque foi reconhecido, depois do debate efectuado, pela Sr.ª Secretária de Estado que haveria ajustes a fazer ao plano de reestruturação da Carris, e estes ajustes estão a ser feitos para agrado de muitas juntas de freguesia neste momento. Portanto, Sr.ª Deputada, como deve calcular, o Partido Socialista não pode estar contra uma reforma que ela própria se vai fazendo em diálogo com os autarcas da cidade, com os mais importantes até nesta matéria, que são aqueles que estão nas freguesias. … mas, Sr. Deputado, já lá vai um ano e meio, cerca de 18 meses! Não se faz de um dia para o outro, mas já se passaram 18 meses, e neste período quer o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações quer a Sr.ª Secretária de Estado dos Transportes fizeram questão de dizer que iriam apresentar esta reforma. Aliás, hoje também ouvimos, pela boca da Sr.ª Deputada Irene Veloso, que mais um programa vai ser apresentado até ao final de Outubro de 2006. Vamos ficar à espera; vão vindo uns atrás dos outros. Portanto, Sr. Deputado, já lá vão 18 meses, não se trata de um dia para o outro! Sr. Deputado, estão previstos dois workshops, recentemente anunciados pela Sr.ª Secretária de Estado dos Transportes numa entrevista, que tenho aqui e que, devido ao tempo de que disponho, não a vou ler. Mas o Sr. Deputado, que conhece a entrevista tão bem quanto eu, sabe qual é o âmbito dos dois workshops que vão ser realizados para discutir e aprofundar a Área Metropolitana de Lisboa. Passo agora à questão da Carris, pois disponho de muito pouco tempo e este assunto interessa-me. O Sr. Deputado também é Deputado municipal e, com certeza, deve conhecer a situação e saber o que os moradores do bairro da Bela Vista dizem sobre a supressão das carreiras.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao que parece, todas as bancadas têm uma profunda consciência de um problema de âmbito nacional, que é justamente o da mobilidade, mas também já se percebeu que as respostas vindas das diversas bancadas são diferentes. Conscientes deste grande problema de mobilidade com que o País se confronta, Os Verdes entenderam, em Julho deste ano, agendar neste Parlamento uma interpelação ao Governo, com a presença dos responsáveis da tutela, a fim de se debater esta matéria. Ficámos com uma profunda preocupação relativamente à postura do Governo em torno do problema da mobilidade, porque, e talvez se possa resumir desta forma, a questão da rentabilidade é o lema apresentado pelo Governo em torno desta matéria, daí a sua aceitação, quase inevitável, na boca do Sr. Ministro, por exemplo, do plano Líder 2010, já apresentado pela CP e que o Governo insiste em dizer que se trata de um plano de empresa, mas ao qual desde já se vai associando, em torno deste lema da rentabilidade. Também será importante referir que este problema da mobilidade não decorre de qualquer coisa abstracta mas, sim, de políticas concretas tomadas por sucessivos governos, que nos conduzem a este estado praticamente caótico, na opinião de quase todas as bancadas, em torno de problemas estruturais do País que vão decorrendo ou que se vão associando a este. Podemos falar, por exemplo, do problema das desigualdades territoriais e da forma como certas zonas deste país estão cada vez mais distanciadas. Quando ouvimos, por exemplo, o Governo referir, com toda a calma e naturalidade, a quase inevitabilidade do encerramento das linhas férreas do Tâmega, do Tua ou do Corgo temos de nos preocupar. Quando percebemos a forma como o problema da mobilidade contribui para o caos urbanístico a que hoje assistimos devemos, evidentemente, preocupar-nos. Quando percebemos como, numa década apenas, o transporte individual tomou o lugar do transporte colectivo nos movimentos pendulares que os cidadãos fazem diariamente, casa/trabalho, trabalho/casa, também nos devemos preocupar. Há uma década, ou seja, nos anos 90, o transporte colectivo era a opção maioritária dos cidadãos nestes movimentos pendulares; actualmente, a opção maioritária é o transporte individual. Questionemo-nos porquê. Provavelmente, toda a gente conhece a resposta: os transportes colectivos não oferecem aos cidadãos aquilo de que eles necessitam. Mas também será importante reflectir como o próprio sistema de financiamento acaba por contribuir para esta opção dos cidadãos. Quando percebemos que, no espaço de um ano, o preço dos transportes colectivos aumenta em mais de 10% isto tem de nos fazer reflectir sobre as opções dos cidadãos, pois, como é evidente, este também será um factor de desmotivação dos cidadãos pela opção de utilização do transporte colectivo. E quando, em termos de indemnizações compensatórias às operadoras, o critério é o histórico e não o seu serviço verdadeiro às populações e às necessidades dos cidadãos, é evidente que este também é um factor que concorre para a própria descredibilização do sistema de transportes colectivos. Também temos de pensar em torno de um problema associado, o de ordem económica. Coloco a questão assim, e não até em termos ambientais — onde, evidentemente, ela também tem de ser colocada —, porque já se percebeu que nesta Câmara há Srs. Deputados que estão sempre mais motivados para as questões económicas. Então, actualmente, quanto é que vamos ter de pagar por esta política de transportes que deu estes resultados, quando temos compromissos assumidos ao nível do acordo de partilha de responsabilidades no âmbito do Protocolo de Quioto, que nos oferece limites em torno das emissões de gases com efeito estufa e para as quais o sector dos transportes é dos maiores responsáveis? Nos últimos anos, temos sido o país da União Europeia que mais aumenta as suas emissões no sector dos transportes e, actualmente, as indústrias, por opção dos sucessivos governos, vão entrar na lógica da compra de emissões. Temos aqui, portanto, verdadeiramente um problema económico grave, mas é evidente que a não intervenção no sector dos transportes e a manutenção desta falta de intervenção vem contribuir para o agravamento deste problema económico, com o qual a nossa indústria se confronta e vai confrontar-se doravante. E, portanto, temos aqui um problema também de ordem ambiental profundamente preocupante e ao qual os governos não têm dado resposta. É evidente que, em 1990, há, portanto, 16 anos, quando a Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres previu as autoridades metropolitanas dos transportes, nós, Os Verdes, considerámos que se tratava de uma estrutura determinante para coordenar o sistema de transportes nas áreas metropolitanas, onde este problema assume, de facto, grande relevância. As autoridades metropolitanas foram criadas em 2002, passados 12 anos. Em 2006, ou seja, quatro anos depois de terem sido criadas, continuam por instalar e sem funcionar. É importante referir também que foram criadas fora da Assembleia da República, sem o contributo de todos os grupos parlamentares, e com a oposição das autarquias e dos movimentos de utentes. Aliás, a intervenção das autarquias nestas autoridades metropolitanas dos transportes foi claramente preterida, isto no seu lugar de decisão, mas não no seu lugar de financiamento. Termino, Sr. Presidente, considerando que este projecto de lei que o PCP hoje traz a Plenário constituiu um contributo fundamental para a própria credibilização das autoridades metropolitanas dos transportes e, neste sentido, dar-lhe-emos, evidentemente, o nosso voto favorável. Nesta medida, esquecemo-nos do aspecto essencial: os impostos dos portugueses servem precisamente para cobrir estes custos. E esquecemo-nos de meter na balança de pagamentos os ganhos, que o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações traz à colação quando quer justificar o investimento, na nossa opinião fora de tempo, num TGV Lisboa/Porto. Aí há ganhos ambientais; há ganhos em termos de emissão de CO ; há ganhos em vidas; há ganhos em tudo!… Aqui, que se trata de resolver o problema de milhões de 2 cidadãos que vivem, no dia-a-dia, o inferno de chegar ao seu posto de trabalho, do retorno à sua casa, de levar os filhos ao infantário ou à escola, não há ganhos, é só prejuízo! 7 DE OUTUBRO DE 2006 43 __________________________________________________________________________________________________ Esta visão, Sr.as e Srs. Deputados, conduz-nos, na verdade, por muitos maus caminhos, como a vida mostra. Não se trata de teorizar mas, sim, de olhar para a realidade, de olhar para os autocarros da Carris e ver as pessoas, nas horas de ponta, espalmadas contra os vidros, sem o mínimo de condições de comodidade, de segurança. Isto não conta?! Para o PS isto é o quê? O que é este modo de vida das pessoas nas cidades hoje? O que é olhar para o metropolitano atafulhado nas horas de ponta? Isto não conta?! O critério de avaliação é apenas os cifrões?! Nada mais conta para o Partido Socialista?!
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não pretendia intervir, mas a intervenção da parte da bancada do Partido Socialista a isto me obriga. Quero, em primeiro lugar, dar os parabéns ao Sr. Deputado José Soeiro por trazer novamente este tema a esta Casa e aos Srs. Deputados Miguel Coelho e Irene Veloso por estarem a tentar justificar aquilo que não é justificável. Sabemos o que, nesta Casa e fora dela, o Sr. Ministro e o Governo prometeram, e não vale a pena dizermos outra coisa. Quem assumiu a promessa não fomos nós, foi o vosso Governo, o vosso Ministro, que disse que, até ao fim do ano passado, apresentaria a revisão do regime das autoridades metropolitanas dos transportes. Não fomos nós que o dissemos, foram VV. Ex.as, e contra isto não podem arranjar, nem arranjam, qualquer argumento! Quem prometeu foram os senhores, foi o vosso Governo. Não é possível dizer outra coisa. Quem assumiu o compromisso foram os senhores! Mais uma vez, perante os portugueses, perante aqueles que, todos os dias, nas viaturas particulares ou nos transportes públicos, correm todos estes riscos e perdem tempo, os Srs. Deputados são responsáveis, porque deveriam dizer ao vosso Governo e ao vosso Ministro: «estão a colocar-nos problemas nesta Casa». Deveriam dizer: «nós compreendemos os problemas que os cidadãos estão a passar e os responsáveis pelas promessas são os Srs. Membros do Governo», que, aliás, não estão presentes hoje e que deveriam ter gasto os 12 minutos que lhes foram atribuídos para aqui, perante os portugueses, dizerem por que não cumpriram o que prometeram. E a ser verdade a notícia de hoje, segundo a qual, mais uma vez, o investimento público ainda vai cair mais do quem 2005 — se isto é possível! —, então, os transportes públicos, aqueles que os cidadãos das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto utilizam, vão ser com certeza mais penalizados. No entanto, os projectos de investimento da Ota e do TGV — sabe-se lá porquê! — são as grandes apostas e mantêm-se! Pergunto: como é que vai ser com o metropolitano da margem sul, por exemplo? Ou como vai ser com a expansão da rede do Metro do Porto? As respostas a estas perguntas é que o Governo hoje nos deveria dar, tal como deveria falar-nos das perspectivas do futuro. Com certeza que os cidadãos de Lisboa e do Porto vão continuar a ser prejudicados, porque a promessa do Governo deveria ter sido cumprida… — há-de ser cumprida um dia destes, quando o Sr. Ministro nos der o prazer de vir anunciar, num power point, que, afinal, nesse dia, vamos ter uma decisão. E, Sr. Deputado José Soeiro, ao fazer-se o discurso de que os nossos transportes públicos são a coisa mais horrorosa que existe, estamos aqui a favorecer e a promover o transporte individual. Precisamente por isso, porque, ao fazer este discurso, as pessoas pegam no seu carro e entopem ainda mais as ruas nas horas de ponta. Aquilo que quero dizer aos Srs. Deputados e em particular aos Srs. Deputados do PSD é que, em três anos, os senhores implementaram um modelo virtual de autoridades metropolitanas — apenas virtual. Fizemos alguma coisa! O PS nunca fez nada! Este Governo vai implementar uma autoridade metropolitana quando tiver de a implementar. Este mês ainda, o Governo anunciará propostas muito concretas sobre esta matéria, nas quais não ficará dependente a negociação ano a ano do passe social, que foi o que herdámos dos senhores. Não havia passe social quando os senhores saíram do governo… Ia terminar. Portanto, nesta matéria, temos uma cultura de responsabilidade e os senhores têm uma intervenção panfletária. É isto que lamento.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: De um assunto sério e oportuno, colocado pelo Partido Comunista Português, podermos iniciar ou continuar o debate sobre as autoridades metropolitanas, com, naturalmente, visões (e ainda bem que o é) diferentes que se podem ter à partida sobre o modelo de autoridades metropolitanas que queremos ter, caímos rapidamente numa consonância, que não é estranha, porque se verifica a outros níveis, entre o PCP e o PSD na crítica fácil ao Governo, que, por acaso, é do Partido Socialista, dizendo-se as coisas mais espantosas, que não correspondem à realidade. O Partido Socialista rejeita esta visão catastrófica que se quer fazer da qualidade dos nossos transportes públicos. E, Sr. Deputado José Soeiro, ao fazer-se o discurso de que os nossos transportes públicos são a coisa mais horrorosa que existe, estamos aqui a favorecer e a promover o transporte individual. Precisamente por isso, porque, ao fazer este discurso, as pessoas pegam no seu carro e entopem ainda mais as ruas nas horas de ponta. Aquilo que quero dizer aos Srs. Deputados e em particular aos Srs. Deputados do PSD é que, em três anos, os senhores implementaram um modelo virtual de autoridades metropolitanas — apenas virtual. Este Governo vai implementar uma autoridade metropolitana quando tiver de a implementar. Este mês ainda, o Governo anunciará propostas muito concretas sobre esta matéria, nas quais não ficará dependente a negociação ano a ano do passe social, que foi o que herdámos dos senhores. Não havia passe social quando os senhores saíram do governo… Ia terminar. Portanto, nesta matéria, temos uma cultura de responsabilidade e os senhores têm uma intervenção panfletária. É isto que lamento.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputado: No passado dia 28 de Setembro, um grande jornal diário nacional destacava o caso de um cidadão residente em Cacia, distrito de Aveiro, que esperou 20 meses por uma consulta hospitalar de cirurgia pedida pela sua médica de família. O jornal registou também a opinião da directora clínica do hospital, que reconheceu tratar-se de um período de espera demasiado grande, infelizmente para o doente. Como todos sabemos, são aos milhares estas infelicidades por esse País fora. As listas de espera são uma mancha negra no funcionamento dos nossos serviços de saúde e, apesar disso, são uma realidade pouco estudada e muito mal conhecida, ninguém sabendo ao certo a sua verdadeira dimensão, como, aliás, está explicitamente reconhecido no Plano Nacional de Saúde 2004/2010. Todo o relevo tem sido dado às listas de espera para cirurgia, mas o problema da espera, para além dos prazos clinicamente aceitáveis, existe para todos os outros cuidados de saúde prestados, quer nos nossos hospitais, quer nos centros de saúde. Os portugueses esperam demasiado tempo por uma consulta, um exame, um tratamento, até mesmo por um internamento. Assim, não admira pois que as urgências sejam tão procuradas como último recurso para vencer esperas tão prolongadas. Em cirurgia — a ponta mais visível deste iceberg —, apesar dos diversos programas implementados desde 1995, não há progressos significativos e muito menos consolidados. A informação disponível é pouco rigorosa e pouco transparente. Sabe-se que hoje são cerca de 230 000 os utentes a aguardar uma intervenção cirúrgica e que o tempo de espera tem uma média de sete a oito meses, podendo chegar aos 24 meses, caso o hospital de origem não assegure a cirurgia nos primeiros 12 meses. Sabemos pouco, mas o bastante para nos inquietarmos e reconhecermos a insuficiência do que tem sido e está a ser feito. Se sabemos pouco sobre a espera cirúrgica, quanto ao resto nada sabemos. Mas há alguns indicadores, mesmo que indirectos, que nos permitem uma visão aproximada sobre a dimensão dos tempos de espera e a demora no acesso aos serviços do SNS. Em 2005, um estudo oficial efectuado a partir das reclamações apresentadas por utentes do SNS revelava que, nos hospitais, 29,4% das queixas recebidas se relacionavam com problemas de acessibilidade e tempo de espera e que 25,4% das queixas se relacionavam com problemas de informação/comunicação com os serviços ou com os seus profissionais. Nos centros de saúde, os problemas de acessibilidade e tempo de espera foram o motivo invocado por 21% dos reclamantes. Ainda nos centros de saúde, 37,3% das queixas tiveram origem em problemas de informação/comunicação. É igualmente significativo o baixíssimo número de consultas marcadas por telefone, modalidade que à partida permitiria uma maior facilidade de acesso. Num estudo feito em 20 centros de saúde, a percentagem de consultas marcadas por telefone não ia além dos 32% e a maioria desses centros de saúde não marcava consultas através do telefone num número superior a 15% do total das consultas efectuadas. A própria dimensão do SNS ajuda a compreender e a medir o impacto sobre os utentes da existência e persistência de tempos de espera muito para além do aceitável. Em 2004, último ano com as estatísticas concluídas, o SNS realizou 66 milhões de consultas, 75 milhões de exames ou tratamentos, 835 000 sessões de hospital de dia e 785 000 internamentos. Se a estes números somarmos a produção do IDT ou do INSA, que não estão incluídas nestes números, o SNS terá produzido, em 2004, qualquer coisa como 150 milhões de cuidados de saúde. Repito este número absolutamente fantástico: 150 milhões! Significa isto que, todos os anos, o acesso, a marcação, o tempo de espera por uma consulta, um exame, um tratamento, uma cirurgia ou um internamento estão em causa 150 milhões de vezes na vida e no quotidiano dos portugueses e das portuguesas. Esta é a verdadeira dimensão do problema que hoje aqui discutimos. Nos últimos anos, o debate e a controvérsia sobre o Serviço Nacional de Saúde têm privilegiado como tema os modelos organizativos, as fontes de financiamento e os instrumentos de gestão. Multiplicam-se os estudos, os relatórios, as análises, os balanços. Os métodos de avaliação económica sofisticam-se, sobrepõem-se e dominam as decisões. Como resultado destas novas abordagens à política de saúde, o que todos simplesmente conheciam como hospital é hoje conhecido pelas designações enigmáticas de SA, SPA ou EPE. Um médico é um simples input, uma alta do internamento um output e um doente curado um outcome. Os portugueses ouvem, estranham e interrogam-se: «Então, nós, os cidadãos, onde estamos? Onde existimos?». De facto, o cidadão deixou de estar no centro da política de saúde. A economia da saúde e as técnicas de gestão ocuparam o seu lugar. Os hospitais são olhados como qualquer coisa semelhante a uma empresa, a saúde como uma mercadoria igual a tantas outras e os doentes como simples consumidores. Esta é a resposta exclusiva e única dos conservadores às novas tendências que se afirmam nos sistemas de saúde e na evolução da própria sociedade. Falamos sobretudo de fenómenos ainda mal conhecidos: o envelhecimento da população, as doenças agudas que passaram a crónicas, a prevalência das doenças malignas, infecciosas ou metabólicas, a variação dos padrões de doença, as super tecnologias, a medicalização da sociedade, o nível de exigência crescente dos cidadãos e a complexidade dos problemas e sistemas de saúde. Em resultado da combinação de todos estes factores, os serviços de saúde mostram-se incapazes de prestar a tempo e horas todos os cuidados de saúde de que necessitam os cidadãos. As listas de espera tornam-se uma realidade e, com elas, os cidadãos sujeitam-se a tempos de espera para além dos limites clinicamente aceitáveis. O acesso aos serviços de saúde fica comprometido e transforma-se no principal ponto crítico do seu funcionamento, como acontece com o nosso SNS. As listas de espera são um indicador do funcionamento dos serviços de saúde e um instrumento de planeamento e de regulação da oferta e da procura. Quando, como acontece em Portugal, o volume de doentes em espera é demasiado elevado ou o tempo de espera se prolonga para além do limite clinicamente aceitável, as listas de espera são um sinal de alerta. A dimensão que as listas de espera atingiram no nosso país compromete o direito à saúde, direito consagrado na Constituição e definido na Lei de Bases da Saúde. O objectivo deste projecto lei — a carta de direitos de acesso aos cuidados de saúde — é garantir aos utentes do SNS a prestação dos cuidados de saúde em tempos clinicamente aceitáveis, o direito à informação __________________________________________________________________________________________________ sobre esses tempos e também o direito dos utentes a recorrer para a Entidade Reguladora da Saúde, sempre que não vejam cumpridos aqueles prazos. O projecto de lei responsabiliza o Ministério da Saúde pela elaboração e publicação anual dos tempos máximos de resposta garantidos para todo o tipo de prestações sem carácter de urgência. Cabe a cada hospital ou centro de saúde, tendo por referência os prazos aprovados pelo Ministério de Saúde e de acordo com a suas particularidades, definir e divulgar os tempos de resposta garantidos para os cuidados de saúde que realiza. A carta de direitos de acesso é uma proposta simples, cuja concretização não levanta problemas de excessiva complexidade técnica, como ficou amplamente demonstrado nos muitos países europeus que adoptaram procedimentos equivalentes. As dificuldades de acesso e a emergência de listas de espera são problemas muito complexos, com múltiplas e profundas causas. Num contexto de redução da oferta pública de serviços de saúde como aquele que atravessamos, é de prever o seu natural agravamento, caso nada seja feito para contrariar o seu crescimento. A situação existente não se resolve com medidas pontuais e desarticuladas. Quando olhamos para a dimensão que o problema atingiu em Portugal, facilmente compreendemos que não há taxas moderadoras — nem as actuais, nem as outras que estão anunciadas —, que resolvam tal problema. É necessário ir mais longe e mais fundo, recolocar o cidadão, o utente, o doente no centro dos modelos e das estratégias de gestão, recentrar a organização e o funcionamento dos serviços nas exigências, expectativas e necessidades das pessoas. A aplicação desta carta e dos direitos nela consagrados nos estabelecimentos do SNS, de forma integrada e articulada com outras medidas e políticas para a eficiência e efectividade na prestação de cuidados, pode motivar os profissionais e os responsáveis por essas unidades para novos compromissos para com os utentes. O compromisso dos direitos inscritos nesta carta pode constituir um instrumento, uma alavanca de mudança na cultura e na prática das unidades do SNS. É tudo, Sr.as e Srs. Deputados, uma questão de vontade política. Esperamos que este Parlamento a demonstre, respondendo ao amplo, plural e representativo apoio recebido por este projecto de lei fora das paredes desta Casa. … e toca num ponto nevrálgico, que são as listas de espera para os cuidados de saúde. De acordo com este projecto de lei, e graças ao Bloco de Esquerda, os direitos dos utentes aos cuidados de saúde ficarão definitivamente garantidos em tempo clinicamente aceitável. Nem mais: garantidos! Como não concordar com uma iniciativa legislativa tão nobre e tão louvável? É certo que já a Lei de Bases da Saúde prevê, desde 1990, que os utentes sejam tratados «(…) pelos meios adequados, humanamente e com prontidão, com correcção técnica, privacidade e respeito;», podendo reclamar e pedir indemnização por prejuízos sofridos em caso de incumprimento. É certo também que, desde 1999, o programa especial de acesso aos cuidados de saúde visa assegurar, em tempo útil, o acesso dos utentes aos cuidados do Serviço Nacional de Saúde e também já prevê a capacidade de avaliação dos recursos humanos e das infra-estruturas instaladas, com vista a uma resolução sustentada das listas de espera. Também é certo que, em 2003, altura em que foi criada, a Entidade Reguladora da Saúde recebeu como atribuição a capacidade de supervisionar a actividade e funcionamento das entidades prestadoras de serviços, no que concerne ao acesso dos utentes aos cuidados de saúde, isto para não falar, obviamente, do Programa Especial de Combate às Listas de Espera Cirúrgicas (PECLEC) — instituído pelo governo de coligação PSD/CDS-PP, em 2002 —, que reproduz quase ipsis verbis a exposição de motivos do projecto de lei apresentado pelo Bloco de Esquerda, que estabelece um regime de atendimento para os utentes e que também prevê a possibilidade de recurso para uma entidade superior, em caso de incumprimento. Para concluir, é também verdade que o Plano Nacional de Saúde 2004/2010 prevê como prioridade a redução das listas de espera, quer para cirurgia, quer para consultas em ambulatório. Ora, sendo certo que tudo isto é verdade, seria, como disse há pouco, um absurdo que o CDS votasse contra políticas que ele próprio instituiu.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em breves palavras, gostaria de fazer alguns comentários. Começo por dizer que o debate em sede de especialidade irá, certamente, corrigir imperfeições — não temos a veleidade de ter apresentado um projecto de lei perfeito! —, mas também irá permitir encontrar em conjunto soluções, até mais interessantes e positivas. Mais, o debate na especialidade também vai permitir que alguns Deputados leiam o projecto de lei que aqui apresentámos, porque, não posso deixar de o dizer, algumas afirmações aqui feitas, designadamente pela Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, revelam uma leitura muito apressada daquilo que efectivamente se propõe. Srs. Deputados, também é preciso perceber que o SNS não é uma rede de SPA, nem de health clubs. O SNS é uma rede de hospitais e de centros de saúde. É uma rede frequentada por milhões de portugueses e portuguesas. E o que é necessário é conferir-lhes o direito de saberem, a tempo e horas, quando é que vão ser observados e tratados. É disto que se trata! Há que «puxar» pelo SNS. Trata-se de melhorar o Serviço Nacional de Saúde, de conferir direitos, de usar essa atribuição de direitos como um instrumento e uma alavanca de aperfeiçoamento e de melhoria. Não me admira, portanto, que alguns Srs. Deputados se interroguem sobre a justeza e o alcance do projecto de lei. Devo dizer que o projecto de lei apresentado não é, nem será, do nosso ponto de vista, uma varinha de condão, uma varinha mágica, que tudo resolverá. No entanto, reconhecemos que tem potencialidades e possibilidades de introduzir mudanças que muitos Srs. Deputados reconheceram como necessárias. Para terminar, quero apenas dizer que o apoio político tão largo desta Assembleia a este projecto de lei é uma garantia e aumenta as nossas expectativas relativamente à sua concretização e que tenhamos de esperar bem menos tempo do que aquele que temos tido de esperar até hoje. Tanto apoio político certamente se traduzirá que, em meados do próximo ano, a carta de direitos estará aprovada, com estes ou outros contornos, mas, definitivamente, como um direito de acesso dos utentes do Serviço Nacional de Saúde.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os dados apresentados pelo Sr. Deputado João Semedo relativamente às listas de espera e tempos de espera são uma triste realidade entre nós, que, infelizmente, não podemos contestar. De facto, passe os lugares-comuns desta intervenção, a iniciativa legislativa debruça-se sobre o mais importante denominador comum das preocupações dos portugueses, a saúde, e toca num ponto nevrálgico, que são as listas de espera para os cuidados de saúde. De acordo com este projecto de lei, e graças ao Bloco de Esquerda, os direitos dos utentes aos cuidados de saúde ficarão definitivamente garantidos em tempo clinicamente aceitável. Nem mais: garantidos! Como não concordar com uma iniciativa legislativa tão nobre e tão louvável? É certo que já a Lei de Bases da Saúde prevê, desde 1990, que os utentes sejam tratados «(…) pelos meios adequados, humanamente e com prontidão, com correcção técnica, privacidade e respeito;», podendo reclamar e pedir indemnização por prejuízos sofridos em caso de incumprimento. É certo também que, desde 1999, o programa especial de acesso aos cuidados de saúde visa assegurar, em tempo útil, o acesso dos utentes aos cuidados do Serviço Nacional de Saúde e também já prevê a capacidade de avaliação dos recursos humanos e das infra-estruturas instaladas, com vista a uma resolução sustentada das listas de espera. Também é certo que, em 2003, altura em que foi criada, a Entidade Reguladora da Saúde recebeu como atribuição a capacidade de supervisionar a actividade e funcionamento das entidades prestadoras de serviços, no que concerne ao acesso dos utentes aos cuidados de saúde, isto para não falar, obviamente, do Programa Especial de Combate às Listas de Espera Cirúrgicas (PECLEC) — instituído pelo governo de coligação PSD/CDS-PP, em 2002 —, que reproduz quase ipsis verbis a exposição de motivos do projecto de lei apresentado pelo Bloco de Esquerda, que estabelece um regime de atendimento para os utentes e que também prevê a possibilidade de recurso para uma entidade superior, em caso de incumprimento. Para concluir, é também verdade que o Plano Nacional de Saúde 2004/2010 prevê como prioridade a redução das listas de espera, quer para cirurgia, quer para consultas em ambulatório. Ora, sendo certo que tudo isto é verdade, seria, como disse há pouco, um absurdo que o CDS votasse contra políticas que ele próprio instituiu. Como diz o Bloco de Esquerda, e muito bem, «(…) a mera atribuição legal de direitos de nada serve se na prática não forem encontrados meios que garantam a sua observância», importa ajustar a oferta à procura, através de um conjunto de medidas integradas. E a medida integrada apresentada hoje pelo Bloco de Esquerda é nem mais nem menos do que dotar os utentes dos serviços de saúde desses meios de acesso aos cuidados de saúde. E como é que o Bloco de Esquerda o vai fazer? Através da carta dos direitos de acesso aos cuidados de saúde. Ora, qualquer responsável político — ou, melhor dizendo, político responsável — sabe que dotar de meios é assegurar uma distribuição racional de recursos técnicos e humanos em todo o território nacional. Sabe que dotar de meios é garantir uma mobilidade desses recursos para zonas desertificadas, mais carenciadas e mais pobres do nosso país. Sabe que dotar de meios é formar e colocar profissionais de saúde qualificados e empenhados em todo o território nacional. Sabe que dotar de meios é impor uma gestão diligente e criteriosa dos orçamentos das entidades prestadoras dos serviços de saúde e que é também evitar os enormes desperdícios a que assistimos anualmente, que custam milhões de euros ao Orçamento do Estado. Qualquer político responsável também sabe que dotar de meios não é fazer operações de cosmética ou encerramentos «cegos», como aqueles a que temos vindo a assistir recentemente por parte do Ministério da Saúde. Sr. Deputado, um político responsável sabe que dotar de meios é também reconhecer que o modelo de financiamento e a estrutura do serviço Nacional de Saúde (SNS) têm de ser reformulados e repensados. Face a isto, como é que o Bloco de Esquerda se propõe dotar o SNS e seus utentes de meios? Não vai ser através daquilo que enunciei. Com este projecto de lei, o Bloco de Esquerda «ordena» ao Governo — repito, «ordena» ao Governo — que elabore uma carta de direitos que garanta a prestação dos cuidados de saúde de cada utente em tempo clinicamente aceitável para a condição de saúde de cada utente. É isto que o Bloco de Esquerda faz: «ordena» ao Governo, que, muito amavelmente, aceita. Como vimos, esta «encomenda» é pesada, por um lado, mas também é convenientemente vaga. Esta «encomenda» que o Bloco de Esquerda faz ao Governo é pesada porquê? Porque obriga o Governo a publicar anualmente, através de portaria, a fixação dos tempos máximos garantidos para as cirurgias e consultas externas, para além dos cuidados domiciliários, ficando vinculado a esses tempos máximos — portanto, é uma «encomenda» muito pesada. Também é uma encomenda «pesada» porque, em caso de incumprimento, constitui contra-ordenação o não cumprimento dos prazos fixados. E isto não é pouco em termos de coimas, porque, se houver dolo — falo em dolo, porque VV. Ex.as dizem que, quando há negligência, as coimas são reduzidas a metade —, por parte dos serviços de saúde, as coimas vão de 1000 a 5000 euros. De facto, ficam mais baratas se houver apenas negligência. No entanto, fico com uma dúvida relativamente a este aspecto: quais serão os serviços que, propositadamente, irão ultrapassar os tempos máximos garantidos? Esta «encomenda» também é muito pesada para o Governo (mas eles lá saberão), porque entra em vigor já no dia 1 de Janeiro de 2007. Será que os serviços estão preparados?! E o orçamento da saúde vai incluir a dotação correspondente às coimas que vai ter de pagar? Estas coimas são pagas a quem? Aos utentes? E como é que os utentes serão ressarcidos? Pecuniariamente? Ou ser-lhes-á reposta a situação de saúde em que se encontravam antes do atraso dos serviços prestados? Bom, tudo isto é muitíssimo vago. Passando aos aspectos vagos, que, provavelmente, serão convenientemente vagos para o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, começo, desde logo, por dizer que a esmagadora maioria das disposições deste projecto de lei prende-se com a afixação e divulgação da carta, dizendo-se que ela deve ser publicada em anexo à portaria que fixa os tempos máximos garantidos, que deve ser divulgada junto de todos os utentes, que deve ser afixada juntamente com a relação dos tempos de resposta, que deve ser afixada em locais de fácil acesso, que os utentes devem ser informada dela no acto de marcação, que deve ser disponibilizada na Internet… Muito bem! Mas, pasme-se, também deve ser anunciada, para informação dos utentes — e isto é algo de verdadeiramente inédito numa iniciativa legislativa do Bloco de Esquerda —, no caso de esgotada a capacidade do SNS, a referenciação para os estabelecimentos de saúde do sector privado. Estabelecimentos de saúde do sector privado, do sector privado, meus senhores! Mas também é vago porque ficamos sem saber, dado que não há qualquer indicação neste projecto de lei, quais serão os tempos máximos que o Governo vai fixar. Será que os tempos máximos que o Governo vai fixar são os da Noruega, em que se prevê uma consulta no prazo de 30 dias a contar da data de contacto com serviço de saúde? Ou serão os tempos da Finlândia, em que a consulta ocorre no prazo de 3 dias após o contacto? Ou, então, os da Dinamarca, que são de 60 dias para as cirurgias? Ou serão os tempos a que estamos, tristemente, habituados? Sabemos que há 235 000 pessoas em lista de espera para cirurgia, 45% das quais esperam há mais de 12 meses e, destes 45%, cerca de 12 000 esperam há mais de dois anos. Portanto, VV. Ex.as hão-de ter uma ideia sobre que tipo de prazos é que pensam que o Governo — a quem encomendam este trabalho — irá fixar. Vou terminar, Sr. Presidente. Depois, o artigo 6.º diz que cada estabelecimento de saúde irá fixar, tomando como referência a portaria do Governo, os seus próprios tempos máximos de resposta garantida. Pergunto: o que querem dizer com «tomando por referência»? Significa que tem como limite máximo os prazos máximos garantidos, ou podem ir além? Se, à partida, um serviço de saúde vir que não tem capacidade para cumprir esses prazos, o melhor será pagar por atacado, à cabeça, logo no início do ano, todas as coimas que serão devidas por ultrapassar os tempos máximos garantidos. Para terminar, Sr. Presidente, apesar de ter muitas outras questões a colocar, gostaria de saber quem paga as coimas e a quem é que elas são pagas. Será que quem paga é o Ministério das Finanças, ou é o Ministério da Saúde, num exercício extraordinário de vasos comunicantes? O beneficiário será a Entidade Reguladora da Saúde, ou serão os próprios utentes? Ficamos sem saber para onde vão essas coimas e, sobretudo, quem as paga. Será o centro de saúde que irá pagar as coimas? Concluo, Sr. Presidente, porque já excedi o meu tempo, dizendo que, em situações normais, esta iniciativa seria um mero projecto de resolução, que seria sumariamente rejeitado pelo Partido Socialista, que suporta o Governo, tendo em conta todas as incógnitas e todo o ónus que colocam sobre o Governo, mas «os amigos são para as ocasiões» e não podemos senão felicitá-los pelo apoio que vão receber da bancada do Partido Socialista e dizer-vos, desde já, que não será o CDS a rejeitar esta iniciativa, desde que ela seja assumida com seriedade, nomeadamente por parte do Governo. Na verdade, todos consideramos vital que a prestação de cuidados de saúde aos utentes do Serviço Nacional de Saúde seja assegurada em tempo considerado clinicamente aceitável para a condição de saúde de cada utente. Também todos desejamos que os utentes do Serviço Nacional de Saúde sejam informados com rigor sobre o funcionamento dos estabelecimentos de saúde, bem como sobre as obrigações destes para garantir os seus direitos. Porém, o que hoje importa determinar é se estes apreciáveis propósitos são alcançados com as medidas e os procedimentos previstos na presente iniciativa legislativa. O projecto de lei em apreço pretende a fixação de tempos máximos de resposta garantidos e consagra o direito dos utentes a obter informação rigorosa sobre as obrigações dos estabelecimentos de saúde para garantir esses tempos, bem como o de recorrer à Entidade Reguladora da Saúde para salvaguarda dos seus direitos. No que se refere ao primeiro aspecto, se o utente não for atendido dentro do tempo de resposta que a instituição previamente garantiu, alguém — parece que o hospital ou o centro de saúde — terá de pagar uma coima, que pode ascender a 5000 euros. Em relação ao segundo aspecto, se o utente não tiver a informação actualizada relativamente aos tempos de resposta garantidos para os diversos tipos de prestações e a informação no acto de marcação, a coima varia entre 1000 e 2500 euros. Estas são as principais disposições contidas na presente iniciativa legislativa. E que dizer sobre elas? No plano da eficácia, da eficiência e da qualidade do Serviço Nacional de Saúde são regras necessárias e fundamentais. No plano técnico não é difícil perceber que a aplicação das regras preconizadas por esta iniciativa exige uma nova atitude, uma nova mentalidade e uma nova organização do Serviço Nacional de Saúde. Foi esta atitude que levou os governos do PSD a criar o PECLEC, que permitiu reduzir drasticamente os tempos e as listas de espera, e, mais tarde, também o SIGIC. Com o SIGIC, os utentes dispõem já de garantia de tratamento em tempo admissível, sendo classificados pelo médico proponente de acordo com a sua prioridade clínica, abrangendo esta garantia o devido encaminhamento, através do «vale-cirúrgia», quando estes tempos não possam ser respeitados. De resto, o SIGIC também compreende procedimentos de informação rigorosa ao doente inscrito, bem como de reclamação, quando os seus direitos sejam violados. Sr.as e Srs. Deputados: Não fossem as multas, esta iniciativa seria, no fundo, a continuação dos programas de melhoria de acesso dos doentes aos serviços de saúde criados pelos governos PSD, política a que, na altura, o Bloco de Esquerda se opôs, como VV. Ex.as sabem — e convém lembrar estas coisas! No que se refere à generalidade das consultas programadas que não envolvam a realização de cirurgias, facilmente se adivinham os efeitos positivos, ainda que conflituosos, que a aplicação deste diploma terá junto dos profissionais de saúde. Tratando-se, embora, de consultas e intervenções programadas, não estão definidas quaisquer situações que afastem legitimamente a responsabilidade dos agentes. Daí que seja indispensável definir a imputabilidade da responsabilidade prevista no diploma, já que esta pode estender-se dos gestores hospitalares aos médicos, passando por directores de serviço, responsáveis por unidades funcionais e restante pessoal técnico. Esta necessidade é tão mais importante quanto é certo que o diploma prevê a punibilidade da negligência, ficando por esclarecer a responsabilidade decorrente de um comportamento que preencha essa conduta. Neste momento, todos e ninguém são responsáveis por garantir o atendimento atempado dos utentes, quando a responsabilidade pelo mau funcionamento do sistema pertence ao Governo. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A iniciativa tem objectivos interessantes, mas a sua aplicação reveste-se de algumas dificuldades que deverão, em nossa opinião, ser debatidas e ultrapassadas em sede de especialidade, mormente no que respeita às multas. Em boa verdade, não podemos esquecer quem são os verdadeiros e últimos responsáveis pelo mau funcionamento do sistema de saúde: o Governo e a sua política.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos hoje o projecto de lei n.º 273/X, apresentado pelo Bloco de Esquerda, que visa instituir uma carta dos direitos de acesso aos cuidados de saúde pelos utentes do Serviço Nacional de Saúde. Não se trata de um diploma que estabeleça um regime geral dos direitos e deveres dos utilizadores dos serviços de saúde mas tão-só de uma carta que fixa alguns direitos de acesso dos utentes aos cuidados de saúde assegurados no âmbito do Serviço Nacional de Saúde. Desde logo, apraz-me reconhecer que os propósitos proclamados na presente iniciativa são apreciáveis, direi mesmo necessários. Porém, temos algumas dúvidas e reservas quanto à sua aplicação prática, dada a arrogância que caracteriza a actual política e o clima generalizado de instabilidade e desconfiança que impera na área da saúde. Na verdade, todos consideramos vital que a prestação de cuidados de saúde aos utentes do Serviço Nacional de Saúde seja assegurada em tempo considerado clinicamente aceitável para a condição de saúde de cada utente. Também todos desejamos que os utentes do Serviço Nacional de Saúde sejam informados com rigor sobre o funcionamento dos estabelecimentos de saúde, bem como sobre as obrigações destes para garantir os seus direitos. Porém, o que hoje importa determinar é se estes apreciáveis propósitos são alcançados com as medidas e os procedimentos previstos na presente iniciativa legislativa. O projecto de lei em apreço pretende a fixação de tempos máximos de resposta garantidos e consagra o direito dos utentes a obter informação rigorosa sobre as obrigações dos estabelecimentos de saúde para garantir esses tempos, bem como o de recorrer à Entidade Reguladora da Saúde para salvaguarda dos seus direitos. No que se refere ao primeiro aspecto, se o utente não for atendido dentro do tempo de resposta que a instituição previamente garantiu, alguém — parece que o hospital ou o centro de saúde — terá de pagar uma coima, que pode ascender a 5000 euros. Em relação ao segundo aspecto, se o utente não tiver a informação actualizada relativamente aos tempos de resposta garantidos para os diversos tipos de prestações e a informação no acto de marcação, a coima varia entre 1000 e 2500 euros. Estas são as principais disposições contidas na presente iniciativa legislativa. E que dizer sobre elas? No plano da eficácia, da eficiência e da qualidade do Serviço Nacional de Saúde são regras necessárias e fundamentais. No plano técnico não é difícil perceber que a aplicação das regras preconizadas por esta iniciativa exige uma nova atitude, uma nova mentalidade e uma nova organização do Serviço Nacional de Saúde. Foi esta atitude que levou os governos do PSD a criar o PECLEC, que permitiu reduzir drasticamente os tempos e as listas de espera, e, mais tarde, também o SIGIC. Com o SIGIC, os utentes dispõem já de garantia de tratamento em tempo admissível, sendo classificados pelo médico proponente de acordo com a sua prioridade clínica, abrangendo esta garantia o devido encaminhamento, através do «vale-cirúrgia», quando estes tempos não possam ser respeitados. De resto, o SIGIC também compreende procedimentos de informação rigorosa ao doente inscrito, bem como de reclamação, quando os seus direitos sejam violados. Sr.as e Srs. Deputados: Não fossem as multas, esta iniciativa seria, no fundo, a continuação dos programas de melhoria de acesso dos doentes aos serviços de saúde criados pelos governos PSD, política a que, na altura, o Bloco de Esquerda se opôs, como VV. Ex.as sabem — e convém lembrar estas coisas! No que se refere à generalidade das consultas programadas que não envolvam a realização de cirurgias, facilmente se adivinham os efeitos positivos, ainda que conflituosos, que a aplicação deste diploma terá junto dos profissionais de saúde. Tratando-se, embora, de consultas e intervenções programadas, não estão definidas quaisquer situações que afastem legitimamente a responsabilidade dos agentes. Daí que seja indispensável definir a imputabilidade da responsabilidade prevista no diploma, já que esta pode estender-se dos gestores hospitalares aos médicos, passando por directores de serviço, responsáveis por unidades funcionais e restante pessoal técnico. Esta necessidade é tão mais importante quanto é certo que o diploma prevê a punibilidade da negligência, ficando por esclarecer a responsabilidade decorrente de um comportamento que preencha essa conduta. Neste momento, todos e ninguém são responsáveis por garantir o atendimento atempado dos utentes, quando a responsabilidade pelo mau funcionamento do sistema pertence ao Governo. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A iniciativa tem objectivos interessantes, mas a sua aplicação reveste-se de algumas dificuldades que deverão, em nossa opinião, ser debatidas e ultrapassadas em sede de especialidade, mormente no que respeita às multas. Em boa verdade, não podemos esquecer quem são os verdadeiros e últimos responsáveis pelo mau funcionamento do sistema de saúde: o Governo e a sua política. Acaso não é o Governo responsável pelos investimentos, ou desinvestimentos, em equipamentos em instalações de saúde?! Acaso não é o Governo responsável pela política de abertura de concursos e de afectação de recursos humanos nos serviços de saúde?! Acaso não é o Governo responsável pela centralização e concentração dos serviços no litoral e pelo abandono no interior?! Acaso não é ainda o Governo o garante e principal responsável pela acessibilidade dos utentes ao Serviço Nacional de Saúde?! A verdade é que, em ano e meio de governação socialista, temos um ministro que se multiplica em diatribes contra os serviços de saúde e os próprios profissionais do sector. A verdade é que temos um Governo economicista, autista e socialmente injusto, que continua a minar as instituições de saúde, principalmente as do interior, acelerando, assim, o seu processo de desertificação. A verdade, Srs. Deputados, é que temos um Governo que, incapaz de controlar a despesa corrente, empurra os investimentos para a frente, cancelando, atrasando e adiando as construções dos novos hospitais ou as grandes remodelações dos antigos. Temos um Governo que, de régua e esquadro em punho, encerra maternidades, fecha urgências, desvitaliza e esvazia serviços, reduz horários de funcionamento, dificulta o acesso dos doentes, aumenta taxas e impõe novas taxas em cuidados de saúde onde estas nunca deveriam existir. E temos um Ministro da Saúde que diz «Nunca vou a um SAP, nem nunca irei!». Ficamos sem saber porquê, Srs. Deputados! Será porque o Sr. Ministro não tem confiança nos SAP?! Temos um Ministro que cria taxas de utilização — já nem se atreve a chamá-las de taxas moderadoras — a nível do internamento dos doentes e nas cirurgias em ambulatório, como se estivesse na vontade ou na disponibilidade dos doentes ficar mais alguns dias na cama de um hospital ou ficarem contentes com uma cirurgia! Ainda recentemente, na semana passada, um ex-alto responsável do Ministério da Saúde, do Partido Socialista, classificou as taxas sobre o internamento como «taxas de punição dos doentes», as quais apenas servem para «pressionar o doente a pressionar o médico» para que o internamento termine mais rapidamente. Mas, esta semana, os portugueses tiveram mais más notícias ao ficarem a saber que o Governo vai mesmo encerrar 14 urgências de norte a sul do País — as urgências dos hospitais de Curry Cabral, do Montijo, de Peso da Régua, de Macedo de Cavaleiros, de Vila do Conde, de Fafe, de Santo Tirso, de São João da Madeira, de Espinho, de Estarreja, de Ovar, de Anadia, do Fundão e de Cantanhede. Isto sem contar com todas as urgências que foram despromovidas, ou seja, que diminuíram os recursos, reduziram as valências e baixaram de categoria. Perante este cenário, os portugueses já se vão mentalizando que qualquer dia terão de ir a Espanha para serem atendidos numa urgência polivalente, à semelhança do que sucedeu com as mulheres grávidas de Elvas. A Oradora: — Em suma, Srs. Deputados, temos um Governo que desmotiva os profissionais, descredibiliza os serviços, baralha a opinião pública e inquieta os doentes com a sua incontinente e irreflectida política. Perante isto, VV. Ex.as, com esta iniciativa, juntam-se a nós e chamam mais uma vez a atenção para a ineficiência do sistema de saúde e da política que actualmente o sustenta. Srs. Deputados, estamos disponíveis para, em sede de disponibilidade, discutir quem deve ser responsabilizado pelo não cumprimento dos tempos de resposta garantidos e quais as penalizações decorrentes. De uma coisa, Srs. Deputados, temos a certeza: quem pagará, a seu tempo, pelos erros políticos do Governo serão, sem dúvida alguma, os portugueses e, de entre estes, infelizmente, os que mais precisam.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 273/X, apresentado do Bloco de Esquerda, que propõe a aprovação da carta dos direitos de acesso aos cuidados de saúde pelos utentes do Serviço Nacional de Saúde, tem o mérito de reconhecer aos cidadãos o direito a uma resposta dos serviços de saúde atempada e qualificada, assente num sistema de informação transparente e facilmente acessível a todos. A falta de informação e de conhecimento que se tem do volume e do significado da espera pela obtenção de cuidados de saúde, tanto na sua vertente social como política, constitui um dos principais constrangimentos a uma gestão eficaz do acesso. É neste sentido, no de melhorar o acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde, que consideramos que o projecto de lei do Bloco de Esquerda traz um contributo positivo que queremos valorizar. Consagra soluções, em princípio, razoáveis, na medida em que não impõe, ele próprio, a dimensão do tempo considerado clinicamente aceitável para uma prestação de cuidados de saúde, cometendo esta fixação, na sua dimensão máxima, ao próprio Ministério da Saúde. Só a partir daí, o tempo máximo fixado constitui obrigação jurídica de cada unidade do Serviço Nacional de Saúde. Compreende-se que, a partir de uma garantia geral, fixada pela carta dos direitos de acesso, cada unidade assegure o tempo de resposta ao seu alcance, porque, como sabemos, não é igual a capacidade de resposta de cada estabelecimento de saúde e não nos parece adequado espalhar a ilusão de que a introdução deste mecanismo de garantia servirá de panaceia para todas as disfuncionalidades do sistema de saúde. A relação entre a oferta e a procura na área dos cuidados de saúde é um processo dinâmico, sujeito a uma grande pressão de factores demográficos, em que a própria melhoria do acesso induz o legítimo aumento da procura. Acresce a este entendimento — razoável e lógico — que o disposto no n.º 1 do artigo 3.º terá de ser objecto de clarificação em sede de especialidade. Não nos parece exequível que este regime seja aplicado indiscriminadamente a todos os milhares de procedimentos do Serviço Nacional de Saúde. As experiências desenvolvidas neste domínio em vários países da Europa, algumas das quais até citadas no preâmbulo do projecto de lei em apreço, caracterizam-se por seleccionar patologias tidas como particularmente frequentes ou susceptíveis de causar maior impacto na qualidade de vida dos cidadãos. Não podemos ter a veleidade de garantir tempos de espera iguais para todas as patologias, cirurgias ou actos de diagnóstico, há que introduzir o princípio e deixar margem para o seu aperfeiçoamento. Salva-nos disto, em certo sentido, a anuidade da fixação dos tempos máximos garantidos; ou seja, um excessivo cuidado na dosagem dos tempos no primeiro ano poderá ser corrigida nos anos seguintes. Também no que diz respeito ao n.º 1 do artigo 6.º, o que é que constitui contra-ordenação? O incumprimento em geral dos prazos? O seu incumprimento em relação a cada titular do direito? Se é em relação a cada um, assistiremos, em caso de não cumprimento do prazo máximo, a uma infestação de contraordenações; se é em relação a todos eles, no seu conjunto, a coima prevista será irrelevante. Não resulta claro do articulado proposto, por isso deixo aqui esta dúvida. Quero, no entanto, reafirmar que viabilizaremos, na generalidade, o projecto de lei e que as considerações que fizemos serão objecto de reflexão em sede de especialidade. Felicitamos, por isso, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda por ter apresentado uma iniciativa que poderá, assim esperamos, resolver o grave problema do acesso aos cuidados de saúde. Como afirma o Professor Cipriano Justo, numa publicação sobre o tema, «A forma mais simplista de os governantes abordarem este problema tem sido acreditar no poder ‘curativo’ do dinheiro, através da canalização de abundantes somas de recursos financeiros para os programas de redução das listas de espera, sem se darem conta de que estão a tratar dos sintomas e não das suas causas». Sr. Presidente, Srs. Deputados: Porque falamos de saúde, juntamo-nos ao Bloco de Esquerda neste exercício profiláctico que permita atacar a raiz dos problemas do acesso. O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: A matéria que hoje aqui abordamos é da maior importância, trata-se de garantir aos cidadãos o acesso aos cuidados de saúde, em concreto o acesso a cirurgias, mas quero, desde já, lembrar que um dos mais graves problemas que hoje existe nos serviços de saúde no nosso país, para além dos verificados em matéria de cirurgias, é a dificuldade de acesso a consultas de especialidade, e esta é, aliás, uma das razões que mais encaminha para o sector privado prestações de saúde que deveriam ser asseguradas pelo sector público e que faz com que as populações paguem cada vez mais, directamente, os seus cuidados de saúde. As listas de espera continuam a ter uma dimensão muito relevante e muito grave, porque, como todos sabemos, só estão registados nas listas de espera dos pedidos de cirurgia os utentes inscritos nos hospitais e, como em muitas unidades há o sistema de atribuir vagas nas listas de espera a cada centro de saúde, parte desses pedidos estão «escondidos» nos centros de saúde, já que muitas vezes as pessoas nem sequer chegam a inscrever-se na lista de espera dos hospitais. Esta é, portanto, uma realidade com uma dimensão maior do que aquela que é recenseada nos dados oficiais, e que continua a ser um dos mais graves problemas da saúde no nosso país. Por isso, a iniciativa do Bloco de Esquerda é louvável, pois vem no sentido de atacar este problema, mas também temos de dizer que as soluções propostas merecem alguns reparos. Assim, lembro, como, aliás, recorda o próprio preâmbulo da iniciativa, que há uma lei, aprovada na Assembleia, sobre recuperação de listas de espera, a Lei n.º 27/99, que, para quem não saiba, teve origem num projecto de lei do PCP, quase integralmente transcrito para a lei, e ao qual o Partido Socialista acrescentou uma proposta concreta, que foi a obrigação de o Ministério da Saúde informar, de dois em dois meses, a Assembleia do estado das listas de espera no nosso país. Portanto, o próprio Partido Socialista propôs esta norma, que não tem sido cumprida com rigor pelos governos, ao longo destes anos, e por este também não o foi. Devo dizer, por isso, que algumas das disposições que constam no projecto de lei do Bloco de Esquerda nada acrescentam àquilo que já está na Lei n.º 27/99. Por exemplo, a proposta de uma avaliação anual até Junho, a nosso ver, não pode ser entendida em prejuízo da obrigação de informar a Assembleia de dois em dois meses, que já está estabelecida em lei. Em nossa opinião, esta obrigação é muito importante e não deve ser substituída por uma avaliação anual. Relativamente a alguns direitos que são estabelecidos na carta dos direitos de acesso aos cuidados de saúde, que, apesar do nome, tem um conteúdo muito circunscrito, embora positivo, devo dizer, por exemplo, que a possibilidade de se recorrer à Entidade Reguladora da Saúde já está prevista num outro diploma. Quanto ao recurso a outras unidades do sector privado, não percebo bem o espanto do CDS, porque, segundo a lei aprovada, que tem por base o projecto de lei do PCP — se calhar, isto também é uma novidade para o CDS, mas estava na iniciativa do PCP, não foi uma proposta do Partido Socialista —, quando o recurso a meios do Serviço Nacional de Saúde for impossível, deve ser autorizado o recurso a meios externos ao Serviço Nacional de Saúde. É que, Srs. Deputados do CDS, nós não estamos aqui para impedir as pessoas de terem acesso aos cuidados de saúde. Estamos aqui para aproveitar o melhor possível as unidades públicas e, se for caso disso, recorrer a outro tipo de prestação de serviços. O que os senhores fazem, e querem fazer, é o contrário, é, à partida, que se recorra logo aos serviços privados, mesmo que os serviços públicos não estejam esgotados. No projecto de lei do Bloco de Esquerda há uma matéria que, a nosso ver, deve ser revista, as contraordenações, não porque não deva merecer censura o incumprimento das obrigações aqui previstas mas porque nos parece que o instituto das contra-ordenações dificilmente se pode aplicar a entidades públicas; aplica-se, sim, a incumprimentos privados de regras públicas e de obrigações perante o Estado e a Administração Pública. Não estamos a ver como é que este instituto, mesmo que entendido de uma forma ampla, ao nível da responsabilidade civil extracontratual do Estado, possa ser aplicado nesta situação, como está proposto no projecto de lei do Bloco de Esquerda, porque isto significaria, por exemplo, que os hospitais que não cumprissem teriam de devolver ao Ministério das Finanças e da Administração Pública uma parte da verba orçamental que lhes é transferida. Penso que este instituto das contra-ordenações não faz sentido nesta lei, nem no seu conteúdo. __________________________________________________________________________________________________ Finalmente, uma palavra para uma matéria que tem a ver com o acesso aos cuidados de saúde, embora não directamente com as cirurgias, que é o acesso aos serviços de saúde ao nível das urgências. O Governo está a levar a cabo uma operação geral de «encolhimento» do Serviço Nacional de Saúde! O Governo quer transformar o Serviço Nacional de Saúde numa instituição residual, num «servicinho nacional de saúde», que abrange um mínimo de população, ao querer, em muitas zonas, afastar, o mais possível, a resposta às populações em aspectos fundamentais, como os blocos de partos, os serviços de urgência, de grandes zonas populacionais — fala-se hoje que mais de um milhão de pessoas irá ficar a cerca de uma hora ou a 45 minutos de distância das urgências. A redução da resposta pública é uma realidade que tem a ver com critérios economicistas. Mas, e dizemo-lo aqui com toda a clareza, estas medidas encaixam, na perfeição, na estratégia do sector privado, no sentido de encontrar nichos de mercado para as suas próprias unidades, porque onde desaparecer uma unidade pública e for rendível, do ponto de vista financeiro e comercial, lá estará uma unidade privada para fazer aquilo que, agora, o Governo quer proibir as unidades públicas de fazer. Esta é a estratégia que está por detrás deste «encolhimento» geral das unidades de saúde feito pelo Governo do PS e pelo Ministro da Saúde, o que, de todo, repudiamos, porque é inconstitucional e vai contra os interesses das populações. Com esta medida, o que o Governo está a preparar é a redução do Serviço Nacional de Saúde a um nível cada vez mais residual e é a abertura, cada vez mais, ao sector privado, da resposta às necessidades das populações, certamente, com custos maiores para as próprias populações, com custos acrescidos àquele que já é o elevado pagamento das despesas com saúde feito pelos cidadãos do nosso país, ao contrário do que a Constituição lhes garante.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Analisamos, hoje, um projecto de lei apresentado pelo Bloco de Esquerda, que visa a instituição de uma carta dos direitos de acesso aos cuidados de saúde pelos utentes do Serviço Nacional de Saúde. Apreciámos esta iniciativa e registamos apenas que esta carta dos direitos de acesso aos cuidados de saúde, apesar do nome algo lato e poderia, de facto, ser mais abrangente, acaba por se concentrar, essencialmente na questão do acesso à informação e no estabelecimento dos tempos máximos de resposta garantidos. Isto não nos parece negativo, porque entendemos que também o direito à informação é, de facto, uma parte componente do direito do acesso aos cuidados de saúde. De resto, a falta de acesso a informação por parte dos cidadãos utentes do Serviço Nacional de Saúde é reconhecidamente um problema do nosso sistema de saúde. Aliás, de acordo com a análise da Inspecção-Geral da Saúde, expressa no relatório do Gabinete do Utente de 2005, parte importante das queixas dos doentes sobre o funcionamento dos estabelecimentos de saúde do SNS e os serviços prestados por este incide, logo depois do atendimento e funcionamento das urgências nos hospitais — e isto num momento em que o Governo se prepara para encerrar mais 14 serviços de urgências —, fundamentalmente na desorganização, mas também na falta de informação aos doentes, como se pode verificar em 30% das reclamações recebidas nos centros de saúde e em cerca de 25% das recebidas nos hospitais. Mas mais importante do que a informação é, na verdade, como todos certamente concordarão, o nível de atendimento, a cobertura territorial, a proximidade às populações, as condições físicas, materiais e humanas dos serviços de saúde, a qualidade das prestações e, claro, também o tempo de espera entre a solicitação do doente e o respectivo acesso. Compreendemos, assim — e associamo-nos —, as preocupações que subjazem ao projecto de lei do Bloco de Esquerda, não só as de procurar garantir o mais eficaz e atempado acesso à informação, designadamente sobre os tempos de resposta garantidos e, naturalmente, o estabelecimento prévio do tempo máximo de resposta garantidos, mas até as de servir, como um meio instrumental, procurando dar passos no sentido de garantir a observância, o fundamental direito à saúde em tempo útil, clinicamente adequado e ajustado às necessidades e aspirações dos utentes. Com efeito, um dos indicadores mais expressivos da dificuldade de acesso ao direito à saúde está patente nas longas listas de espera, que maculam o nosso sistema de saúde. Os últimos dados do Observatório Português dos Sistemas de Saúde apontavam para que, no final de Junho, existissem cerca de 257 000 pessoas em listas de espera para realizar uma cirurgia, o que representa um aumento de 57 000, ou seja, mais 28% em relação ao ano passado, mas este aumento também se verifica em relação às consultas de especialidade, como já foi aqui referido. Por exemplo, em alguns hospitais, para as consultas de cardiologia há uma demora de um ano ou de 16 meses, para as de oftalmologia a demora é de seis meses ou de dois anos. Se passarmos aos médicos de família verificamos que mais de 10% dos utentes inscritos nos centros de saúde, isto é, mais de um milhão de portugueses, continuam sem médico de família, o que em certas zonas do país assume proporções realmente preocupantes, como em Barcelos, onde 13 000 utentes não têm médico de família, na Sub-Região de Saúde de Setúbal, onde 27% dos utentes não têm médico de família, e nesta SubRegião registamos Santiago de Cacém, Sines e Alcácer do Sal com quase 40% dos utentes sem médico de família e Amora com quase 50% dos utentes sem médico de família. Isto são só alguns exemplos. Não admira, pois, que apareçam estudos que concluem que o sistema de saúde português dá pouca atenção aos doentes — como o faz o estudo realizado por uma consultora sueca, e apresentado em Julho passado, que coloca Portugal abaixo da média europeia —, não admira o número crescente de queixas, que ultrapassam as 29 000, em 2005, e que não têm parado de crescer nos últimos anos, nem a crescente insatisfação por parte dos utentes, como recentemente reconheceu a Direcção-Geral de Saúde no seu relatório de avaliação das disposições de cidadãos. Aliás, segundo este relatório, uma das principais causas prende-se precisamente com a acessibilidade dos cuidados de saúde, acessibilidade esta que, com as medidas e as políticas do Sr. Ministro da Saúde (encerramentos, concentrações, desinvestimento, lógica de privatização de serviços), se prevê que venha a agravar-se substancialmente nos próximos anos. Srs. Deputados, garantir qualidade na saúde não é só, ou não é principalmente, a qualidade no rigor da gestão, é, acima de tudo, qualidade nos serviços, qualidade na satisfação das necessidade dos portugueses, para a qual concorre, com peso significativo, a proximidade e a equidade no acesso aos serviços de saúde, que o Governo vai progressivamente enfraquecendo, empobrecendo, abrindo caminho ao sector privado, não diferindo muito do que fez, de resto, o PSD enquanto Governo. É claro que o projecto de lei que ora apreciamos não se propõe resolver de uma penada muitos destes problemas. Contudo, poderá dar um contributo para melhorar a prestação destes serviços, desde que, em sede de especialidade, se corrija, por exemplo, como já foi referido, o caso das contraordenações, que, quanto muito, deveriam ser aplicadas aos verdadeiros responsáveis, como a Sr.ª Deputada Ana Manso referiu: o Governo. Mas não só ao Governo do Partido Socialista, também aos sucessivos governos com responsabilidades nesta matéria! Só compreendo o à-vontade do Partido Social Democrata nesta matéria, porquanto, como sabe, a proibição de retroactividade, relativamente à matéria penal, que também é extensivo às contraordenações, naturalmente não se aplicaria ao PSD. Só por isto é que compreendo o à-vontade do PSD nesta matéria.
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Sr. Presidente, começo por agradecer a todos os Srs. Deputados que tiveram a gentileza de me colocar questões. Sr. Deputado Pedro Nuno Santos, começo por dizer que tive alguma dificuldade em interpretar a posição da bancada do Partido Socialista, que V. Ex.ª aqui hoje expressou. Isto porque o ouvi dizer que este projecto de lei, por um lado, concedia uma liberdade total às instituições, representava a absoluta demissão do Estado, e, por outro, que era pouco ambicioso, que no fundo nada mudava, tendo sido apresentado apenas para tentar provar que se mudava alguma coisa para que tudo ficasse na mesma. Ora, perdoar-me-á, mas esse paradoxo é um pouco imperceptível. Temos a convicção clara de que, de facto, queremos mudar muita coisa, queremos mudar o paradigma de ensino, porque temos uma ideia muito clara e muito concreta para o nosso ensino superior, queremos adaptá-lo aos novos tempos, queremos eliminar as «areias» que consideramos prejudicarem a natural engrenagem da qualidade do nosso ensino superior, da nossa investigação, para o que consideramos este diploma ser um passo decisivo e importante. E assumimo-lo, não temos problemas em dizêlo, sem qualquer tibieza. Mas o Sr. Deputado Pedro Nuno Santos colocou, depois, duas questões mais concretas, ou duas divergências aparentemente mais concretas. Por um lado, revelou-se contra a ausência da obrigatoriedade de participação dos estudantes nos órgãos de gestão das instituições. A esse respeito, quero dizer-lhe o seguinte, Sr. Deputado — é uma pequena sugestão, se me permite: guarde essas energias para as gastar com o Governo do Partido Socialista, porque tudo o que conhecemos do Governo nesta área — palavras, projectos e iniciativas — vai precisamente nesse sentido. Ao contrário do que propõe o PSD, que é conceder uma verdadeira autonomia às instituições, para além de decidirem se participam estudantes ou se não participam estudantes, o Governo tem uma visão diferente, que é impor, de forma uniforme, de forma unilateral, a todas as instituições o fim da participação dos estudantes nos órgãos de gestão das instituições. Dirija essa sua energia para o Governo que, aparentemente, continua a suportar! O Sr. Deputado apresentou uma outra crítica, dizendo que este projecto de lei ignora tudo o que se passou no último ano. Percebo que o Sr. Deputado, a seguir, tenha tido dificuldade em concretizar o que é que se passou no último ano, mas deu alguns exemplos, como a alteração da Lei de Bases do Sistema Educativo. Sr. Deputado, isso ocorreu antes do Verão de 2005! Sei que parece que foi ontem, porque nada desde então se passou, mas já foi nessa altura! Disse também que o nosso diploma ignora o Processo de Bolonha. Ó Sr. Deputado, felizmente o Processo de Bolonha está a ser implementado há muitos anos no nosso país! Reconhecerá que não foi só no último ano! Pelo menos há dois anos, mas está a ser preparado há muito mais tempo, como sabe. Há, de facto, um dado novo, ou seja, o relatório da OCDE. Porém, o Sr. Deputado não consegue dizer porque é que há divergências, a não ser pontuais, como o caso das fundações. Aí é verdade, nós divergimos da OCDE. Mas tirando esse caso, não vai poder apresentar divergências. Algo se passou, mas se calhar é surpreendente, admito, para os Srs. Deputados do Partido Socialista: é que o PSD antecipou as conclusões a que o relatório da OCDE chegou uns meses mais tarde. É que nós tivemos uma postura diferente. Nós não tivemos a postura nem do Partido Socialista, nem do Governo socialista, nem do Sr. Ministro, que «se sentou» durante dois anos à espera de relatórios que encomendou e comprou a instituições internacionais! Nós preferimos fazer o nosso «trabalho de casa» e apresentar as nossas propostas em tempo útil. Essa é a divergência. Sr. Deputado Pedro Nuno Santos, passo a responder a uma questão que colocou e que está interligada com uma outra colocada pela Sr.ª Deputada Cecília Honório. De facto, há diferença de pontos de vista entre o que defende o Governo socialista e aquilo que o PSD defende. Por um lado, há uma visão absolutamente dirigista e estatista, como o Sr. Deputado Diogo Feio referiu, por outro há uma visão de alguém que acredita verdadeiramente numa autonomia para as instituições. E não se trata de uma autonomia de discurso, de palavras, de enunciados parlamentares, mas de uma autonomia de acção, com projectos concretos, como este que apresentamos. Não se trata de uma autonomia tutelada, como os senhores defendem, de uma autonomia discursiva, em que depois apresentam projectos ou propostas de lei como aqueles que já vamos conhecendo, nos quais, pelo contrário, até os reitores das instituições querem nomear. Isso é um retrocesso absolutamente inacreditável no mundo moderno em que vivemos, em pleno século XXI, Sr. Deputado Diogo Feio, teremos tempo para aqui discutir a proposta do Governo quando cá chegar. Mas os indícios são extraordinariamente preocupantes e nós sentimos já hoje que há um clima generalizado, para não dizer unânime, de contestação e de recusa por parte de todos os agentes envolvidos e por parte da sociedade portuguesa em geral em relação à proposta do Governo. A verdade é que uma matéria desta natureza, uma reforma tão relevante quanto esta nunca poderá ser imposta desta maneira à sociedade portuguesa. Impõe-se, pois, um consenso político e um consenso social para que esta reforma possa ter o mínimo de eficácia. Volto a recordar: a proposta de lei que foi apresentada a esta Assembleia da República, em 1988, pelo governo de então, do PSD, foi aprovada nesta Casa por unanimidade. Não pretendo unanimidades, porque elas nem sempre são positivas, mas a verdade é que tem de haver um consenso mínimo. Aquilo que verificamos hoje é que da parte do Governo continua a haver uma obsessão pela imposição, uma tentação enorme por tudo controlar, tudo dominar, tudo dirigir, não fazendo o mínimo esforço para ouvir seja quem for, sejam os partidos da oposição, sejam os agentes envolvidos. A ausência do Governo neste debate é, aliás, paradigmática. É um sinal claro! O Governo realizou, no passado dia 9 de Maio, um Conselho de Ministros extraordinário, num sábado à tarde, em Évora, em pleno Alentejo, para anunciar e aprovar a reforma do ensino superior. Foi a 9 de Maio! Depois disso é que o PSD agendou o debate de hoje. A verdade é que o Governo vem-nos dizer agora que não está preparado, nem sequer se dá ao trabalho de estar presente nesta discussão. Esse é um sinal extraordinariamente preocupante e o PSD deseja que essa situação seja rapidamente invertida.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O ensino superior no nosso país precisa de uma urgente adaptação ao século XXI. As frenéticas mudanças que todos vivemos nos últimos anos e que alteraram profundamente os nossos pequenos hábitos quotidianos, que alteraram os equilíbrios nas relações económicas à escala global ou que alteraram os pressupostos da ordem internacional, justificam que cheguemos a uma conclusão basilar: não faz sentido que o ensino superior fique na mesma, quando tudo mudou em seu redor. Pelo contrário, o que a sociedade espera do ensino superior é que seja, precisamente, um agente de mudança, um pilar galvanizador de inovação e de adaptação aos tempos modernos. Com estes pressupostos, o PSD recorre hoje a um direito previsto no nosso Regimento para agendar e trazer a debate uma proposta de mudança, de ruptura positiva no nosso ensino superior. Importa, contudo, ainda antes de abordar o conteúdo da proposta que aqui trazemos, fazer uma pequena retrospectiva de todo este processo. Em Maio de 2006, há mais de um ano, o Presidente do PSD anunciou, no encerramento do Congresso do Partido, que este Grupo Parlamentar avançaria, passados uns dias, com uma proposta consistente e ponderada de reforma no ensino superior, nomeadamente nos pontos que considerávamos e consideramos mais críticos. Assim aconteceu. No dia 2 de Junho de 2006, dava entrada neste Parlamento o projecto de lei do PSD que hoje discutimos. Vale a pena, portanto, fazer a comparação com a atitude do Governo. Citemos o próprio Programa do Governo, aprovado neste Parlamento há mais de dois anos. Sublinho: há mais de dois anos. Passo a citar: «O Governo concederá também toda a prioridade à reforma do sistema de governo das instituições do ensino superior». Está na página 53 do Programa de Governo, Sr.as e Srs. Deputados. Contudo, apesar deste enunciado, o Governo, decorridos mais de dois anos, não se mostrou habilitado a trazer as suas propostas a este debate. O contraste, de resto, não podia ser mais evidente! De um lado, temos o líder do PSD que anuncia o que sabe poder concretizar! Do outro, temos o Primeiro-Ministro que anuncia, anuncia, anuncia… mas que se fica por isso mesmo. Passaram mais de dois anos e o Governo continua ausente. A verdade é que o Governo ainda não está preparado para «vir a jogo», discutir com o PSD, discutir com o Parlamento as suas ideias estruturantes para o ensino superior. Passaram, de facto, mais de dois anos. Mas o grande problema é que foram mais de dois anos de apatia, de imobilismo, no fundo de ausência do Governo e, particularmente, do Ministro do Ensino Superior. De resto, como a bancada do Governo hoje bem o comprova e evidencia. Pela nossa parte, no PSD, a opção é clara: não nos limitamos a apontar os erros e as omissões do Governo; não nos resignamos a uma postura de mera crítica. Pelo contrário, optamos — e provamo-lo hoje mesmo — por uma atitude construtiva, com a apresentação de ideias, que pretendemos que venham a ser encaradas como contributos para um debate que deverá ser participado e alargado. Somos uma oposição crítica a este Governo. Mas somos também uma oposição com ideias claras para o País. A prova disso mesmo é que, depois de um ano de espera, provocamos a discussão das nossas propostas para o ensino superior. E, ironicamente, o Governo diz-nos que ainda não está habilitado para este debate! Passemos, então, à substância das propostas de reforma estrutural para o ensino superior que hoje apresentamos. Propomos, sem tibiezas, uma mudança de paradigma, alicerçado em três grandes eixos: liberdade, diversidade e responsabilidade. Ou seja, apostamos num ensino superior com espírito de iniciativa, aberto à diversidade, à flexibilidade e à criatividade, que devem ser características destes novos tempos. Para tal, duas medidas são para nós imprescindíveis: por um lado, incentivar uma forte autonomia em cada uma das instituições de ensino superior; por outro, acabar com o incongruente sistema de governo das nossas universidades e institutos politécnicos públicos. Não escondemos que queremos, objectivamente, eliminar o aparelho legislativo e burocrático poderoso que, actualmente, constrange as instituições de ensino superior. Dou um exemplo muito concreto: uma universidade, hoje, não pode fixar as suas regras de recrutamento de docentes e investigadores nem os critérios de admissão dos seus estudantes. Ou seja, a universidade está privada de uma das mais importantes regras da liberdade académica: a liberdade de selecção e escolha dos seus professores e estudantes. Mais ainda: a actual lei limita as instituições do ensino superior, não lhes permitindo criar as suas próprias estruturas de administração e gestão, dado que são obrigadas a seguir as regras, cegas, previstas na lei, que impõe o número, os nomes e as competências dos órgãos de gestão, independentemente da sua dimensão, das suas especificidades ou das suas necessidades. Pior ainda: a lei chega a impor a participação de estudantes e funcionários nos órgãos de poder e representação, incluindo os conselhos directivos. Repito, a lei impõe isto mesmo. Alguns chamam a isto gestão democrática. Nós consideramos tudo isto um exercício de mera gestão demagógica. Vigora hoje um regime que, de tão dirigista e regulamentador, apela à irresponsabilidade. O PSD prefere o inverso: maior liberdade, maior flexibilidade, para assim se exigir maior responsabilidade. Sr. Presidente e Srs. Deputados, passo a enumerar as principais mudanças que propomos. Em primeiro lugar, propomos que cada instituição passe a gozar de liberdade para adoptar o modelo de gestão que considerar mais adequado à sua realidade. Cada universidade ou cada politécnico poderá escolher a sua forma de governo e a sua estrutura orgânica com total liberdade. Deste modo, gozando de total liberdade de organização, respondem pelos seus actos, decisões, orientações e resultados, sem quaisquer alibis, designadamente em função dos constrangimentos legais. Em segundo lugar, cada instituição definirá, com igual liberdade, a composição dos seus órgãos, sem qualquer imposição legal ou burocrática. É, também aqui, o princípio da diversidade. A Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) é diferente, e deve ser diferente, da Universidade Nova de Lisboa, por exemplo. O Politécnico de Beja é diferente, e deve ser diferente, do Politécnico do Porto. Devemos acolher e devemos estimular esta diversidade. Em terceiro lugar, passa a consagrar-se, pela primeira vez, a possibilidade de os reitores, no caso das universidades, ou os presidentes, no caso dos politécnicos, serem um professor ou uma outra qualquer personalidade de reconhecido mérito. A actual lei impõe obrigatoriamente a eleição de um professor. Propõe-se uma filosofia completamente distinta: as instituições podem escolher livremente a pessoa que considerem mais apta. Pode ser professor ou não. Cada instituição decidirá. Em quarto lugar, consagra-se uma excepção a estes princípios enunciados. Nas instituições públicas, o órgão máximo da universidade ou politécnico — o órgão responsável pela definição das grandes orientações em termos de desenvolvimento estratégico — será, obrigatoriamente, composto por uma maioria de elementos externos à própria instituição e representativos do meio envolvente, seja o meio social, cultural, económico, autárquico ou outro. Assume-se, deste modo, o princípio, tantas vezes elogiado e enaltecido, mas nunca verdadeiramente e completamente concretizado, de abertura e de interacção entre as instituições do ensino superior e a sociedade civil. Em quinto e último lugar, determina-se a obrigação de elaboração de planos de desenvolvimento plurianuais, estimulando assim a resolução de um dos problemas normalmente apontados ao nosso ensino superior. Esse problema reside no facto de, no passado, e até hoje, não se ter adoptado uma estratégia prospectiva que ponderasse as diferentes condicionantes (demográficas, económicas, do mercado de trabalho, etc.) que envolviam a realidade académica. Agora, com o que propomos, promove-se esta visão de médio/longo prazo concretizada numa missão e numa estratégia definidas, nas perspectivas de evolução das instituições em matéria de oferta educativa e formativa, na projecção do número de alunos, nas iniciativas a desenvolver nos domínios da investigação, da inovação e da interacção com a sociedade, bem como, não menos importante, ao nível de uma programação financeira, mormente os investimentos, que é, julgo que consensualmente, reconhecida como essencial. Uma última palavra, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para manifestar a predisposição do PSD para contribuir para as melhores soluções possíveis para o futuro do nosso ensino superior. Manifestamo-lo e provamo-lo hoje com esta nossa atitude construtiva. Portanto, sentimos toda a legitimidade para apelar ao Governo socialista para que não faça uso da sua maioria parlamentar para tentar impor soluções que não colhem qualquer adesão na sociedade portuguesa. Vale a pena recordar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a anterior e ainda vigente Lei de Autonomia das Universidades foi aprovada em 1988, por unanimidade, nesta Casa. Vale a pena também enfatizar que esta é uma reforma que deverá, tendencialmente, vigorar durante vários anos, quiçá décadas. Deve, portanto, merecer um amplo consenso político e social. Os sinais de prepotência e de autismo que têm caracterizado o Governo são, até ver, um preocupante indício, na nossa óptica. Desejamos, portanto, a bem de Portugal, que este Governo, também aqui, inverta o rumo que vem traçando. O Sr. Presidente: — Inscreveram-se vários Srs. Deputados para pedir esclarecimentos. Em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Nuno Santos.
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Sr. Presidente, o Sr. Deputado Pedro Duarte apresentou hoje um projecto de lei que deu entrada na Assembleia da República há um ano. Trata-se, portanto, de um projecto de lei que ignora tudo aquilo que aconteceu no último ano em Portugal, em matéria de ensino superior. Ignora o relatório da OCDE, ignora o relatório da ENQA, bem como ignora todas as alterações legislativas entretanto implementadas em Portugal: ignora a alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo, ignora a implementação do processo de Bolonha, ignora a alteração que permite a entrada de alunos com mais de 23 anos no ensino superior, ignora a lei de avaliação do ensino superior! Mas o PSD sabe que é preciso modernizar o ensino superior português, sabe que é preciso mudar. Não sabe é como! É por isso que este projecto de lei se escuda na defesa do princípio da liberdade total para definição do modelo de gestão, para a organização das instituições de ensino superior e, escudando-se neste princípio de liberdade total, não arrisca, não assume nada, não garante nada, nem garante mudança nenhuma! A verdade é que, com excepção da possibilidade de um elemento externo ser presidente ou reitor, não garante mais mudança nenhuma! A liberdade total que o PSD acabou aqui de defender, a liberdade total para uma modernização profunda das instituições de ensino superior é a mesma liberdade total que permite que essas instituições não tenham de modernizar-se. Aliás, aquilo que o PSD fez foi propor a mudança de uma lei para que tudo possa continuar na mesma. Mas há uma mudança prevista neste projecto de lei, que é a possibilidade de os estudantes serem «varridos», de forma absoluta, dos órgãos de gestão! Dirão que os estatutos poderão prever a presença e a representatividade dos estudantes nos órgãos de gestão. Mas se há mensagem que este projecto de lei passa é que os estudantes deixam de ter lugar nos órgãos de gestão. Neste projecto de lei os estudantes não existem; neste projecto de lei os estudantes não contam para a gestão das instituições de ensino superior. Esta é, de facto, a única mudança que este projecto de lei do PSD propõe! Termino, deixando uma única questão: porquê um projecto de lei tão vago, tão genérico e tão pouco ambicioso? Porquê um projecto de lei que permite a demissão do Estado do seu papel de regulador do ensino superior português?
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Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Duarte, reconhecerá que a autonomia do ensino superior, fundamentalmente do ensino superior público, está comprometida no nosso país há muito tempo dado o Estado e os governos se demitirem de assumir os seus grandes compromissos. Reconhecerá, por exemplo, que, quando os conselhos científicos e a autonomia científica das instituições são reféns de conselhos directivos, que, por sua vez, são reféns de orçamentos que não existem, a autonomia e o modelo de gestão estão em risco. E reconhecerá também, certamente — e esta é uma questão que lhe deixo —, que, com as propostas deste Governo, a autonomia do ensino superior corre hoje mais riscos do que nunca, pois existe a tentação da governamentalização, como vemos em inúmeros patamares, nomeadamente no processo de avaliação, existem fundações decididas a bel-prazer do Governo, fundações que «abrem a porta» à privatização do ensino superior público, existem princípios democráticos de gestão que são ignorados e ultrapassados, quando são, eles próprios, constitutivos da própria autonomia. E, entretanto, o Governo demite-se de ouvir os parceiros e as comunidades universitárias. Sr. Deputado Pedro Duarte, queria perguntar-lhe se considera que o projecto de lei que o PSD aqui traz é a resposta para todas estas situações gravíssimas. Nomeadamente, porque é um diploma tão aberto, tão aberto, que fica quase tudo em aberto, menos o princípio da participação democrática de professores, alunos e funcionários, que os senhores acabam por afastar! E é tão aberto, tão aberto, que, simultaneamente, supõe três órgãos colegiais, um deles responsável pelo planeamento estratégico das instituições, mas que é maioritariamente externo às próprias instituições! Dessa forma, elas são tão livres, tão livres, mas o seu planeamento estratégico é feito por um órgão maioritariamente externo! Por outro lado, há uma espécie de fobia a um princípio fundamental, que é uma conquista de Abril, que é o princípio da participação democrática de todos os agentes na vida das instituições, princípio que é — e o Sr. Deputado sabe-o muito bem — constitutivo da própria autonomia. Não se discute a autonomia para a universidade pública sem a assumpção deste princípio fundamental. Queria perguntar-lhe se não considera que o projecto de lei do PSD «abre a porta» a uma espécie de criação de pequenas «Madeiras» em cada instituição de ensino superior. Parece que pretendem continuar com essa gritaria! Mas terão ainda oportunidade para voltarem a fazê-lo! Sr. Deputado Pedro Duarte, iniciando a análise do vosso projecto de lei, devo dizer que o consideramos um diploma de natureza genérica e, por isso mesmo, terá da parte do Sr. Deputado José Paulo Carvalho, que sobre ele irá proferir uma intervenção de fundo, um conjunto de observações gerais, que consideramos que o mesmo deve ter, embora seja muito difícil dizer que não a estas ideias, porque, realmente, são ideias de natureza mais geral. Mas gostava de saber se nesta discussão não estará também em causa um princípio de natureza ideológica, que é o de saber aquilo que se quer para a universidade: se se quer uma universidade com autonomia ou se se quer uma universidade dirigida por um ministério, por outros, e, portanto, mais uma vez, a vertente estatista do poder central em opções que deveriam ser da universidade. Esta não será uma questão ideológica que surge com este debate? Sr. Deputado, gostaria de lhe perguntar também se, de facto, ignora o último ano. Mas aqui a minha grande dúvida é esta: ignorar o quê? O que é que se passou assim de tão especial no ensino superior, para além de determinações internacionais, no último ano? Quando falamos do ensino superior, apenas nos podemos lembrar de extinção de instituições universitárias. Em relação ao último ano, lembro-me de extinções e da redução orçamental, que levou a que todos os reitores reclamassem contra aquilo que se estava a fazer no ensino superior em Portugal. Estamos a discutir uma reforma. Mas qual é a reforma? Pelos vistos, já há até variadíssimas versões sobre aquilo que é determinado e sobre aquilo que nos é proposto. E, já agora, Sr. Deputado, que opinião tem V. Ex.ª sobre a posição que o Senado da Universidade de Coimbra tomou quanto à pretensa reforma do ensino superior que aí vem, em que se diz que há um sério risco de fragmentação das universidades portuguesas em pequenas unidades, que sobre esta matéria é necessário um amplo consenso nacional e, mais importante ainda, que, por detrás da confusão e das contradições reveladas pelo projecto, há, no fundo, a ideia de desrespeito pelo papel da investigação das universidades? Sr. Deputado, este não é o papel essencial que as universidades devem ter, ao lado, evidentemente, da sua vertente lectiva? Não devem as universidades ser vistas como elementos essenciais para a investigação, ainda por cima quando temos universidades como a Universidade do Porto, que, ainda recentemente, foi premiada e apareceu muito bem classificada num ranking de investigação internacional? Não considera que são esses os elementos essenciais? Lamentavelmente, o que se verifica da parte do Ministério do Ensino Superior é o seu desaparecimento ou, então, o seu aparecimento em casos que são verdadeiramente lamentáveis. Não considera necessário terminar com este «apagão» em que vive o Ministério do Ensino Superior? O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Duarte.
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Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Antunes, agradeço as questões que me colocou. Permita-me, no entanto, que lhe faça uma nota prévia: o Sr. Deputado não pode dizer 31 DE MAIO DE 2007 15 que o Governo «esconde a sete chaves» o novo regime jurídico das instituições de ensino superior e, depois, fazer uma elencagem aprofundada da vossa visão de um documento que, de facto, VV. Ex.as dizem que não conhecem!…
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Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Mota, em primeiro lugar, gostaria de dizer-lhe que o projecto de lei do PSD foi apresentado há cerca de um ano na Assembleia da República. Ora, até hoje, temos estado à espera do Governo ou do Grupo Parlamentar do Partido Socialista. Que nós saibamos, a Assembleia da República não tem conhecimento formal dela. Sabemos porque lemos nos jornais. O Governo vai apresentar proximamente uma proposta de lei. Sabemos que «anda por aí»… Pelos vistos vai na quinta, na sexta, na sétima ou na oitava alteração, desde que foi aprovada em Conselho de Ministros, em Maio. Lamentavelmente, a Assembleia da República nada sabe! Não sabemos porquê, mas é uma proposta que o Governo «esconde a sete chaves». Contudo, sabemos que é uma proposta centralista, que regula, que fiscaliza, que tutela e que até, de alguma maneira, asfixia. Sr. Deputado, em relação ao projecto de lei n.º 271/X, pergunto-lhe se não considera que o princípio da liberdade em relação ao modelo de gestão, à estrutura orgânica e à forma de Governo não deve pertencer à autonomia da própria instituição dentro dos princípios, que defendemos, da diversidade das instituições, da liberdade e da responsabilidade. É porque só assim, entendemos nós, respondem pelos actos, pelas decisões e pelos resultados em função da sua localização, da dimensão da universidade ou do instituto, da diversidade de cada instituição, quer seja a Universidade de Coimbra, a Universidade Nova de Lisboa, quer sejam os Institutos Politécnicos da Guarda, de Castelo Branco ou quaisquer outros. Não acha que o reitor ou o presidente do politécnico deve ser essencialmente a pessoa mais apta escolhida pelo instituto de ensino superior ou pela universidade e que pode ou não ser um professor? Não acha que deve haver um órgão responsável pela definição das orientações com uma maioria de elementos externos à instituição? Não acha que deve haver mais interacção entre o ensino superior e a sociedade civil? Não acha que têm de existir, em termos de desenvolvimento, planos plurianuais, mais autonomia, mais fiscalização do Estado e, essencialmente, uma maior avaliação, para que haja um bom funcionamento do ensino superior? Não acha que é imprescindível a autonomia disciplinar, administrativa, financeira e patrimonial, aliás na linha do relatório da OCDE em relação a essa questão? Não acha que é um retrocesso o projecto que vem aí que aumenta a burocratização, não descentraliza e coarcta a autonomia? Não acha, numa palavra, e concluindo, que a vossa proposta privilegia a política do «músculo» metendo-se onde não deve, quando deveria apenas regular questões essenciais em relação ao ensino superior?
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A reforma do ensino superior exigia diálogo e plataforma para a mudança, mas ao invés a resposta do Governo é este frenesim «legislador» decidido de cima, surdo às vozes de instituições, de reitores, de presidentes, de sindicatos, de associações de estudantes. O Governo já habituou o País a esta, sim, «reformo-mania» decidida de cima, ao caso nas costas dos que estudam e trabalham nas escolas, e que vai deixando o seu rasto de destruição. A verdade é que a autonomia do ensino superior público corre hoje mais riscos do que nunca, mais riscos do que aqueles que correu até ao presente por conta da cegueira de governos para com os compromissos dessa mesma autonomia. Vejamos as propostas do Governo tão propagandeadas aqui, hoje: todos os subsistemas com a mesma régua e o mesmo esquadro, para arredondar por baixo, e ignorando que a autonomia é matriz da universidade pública; um modelo de governo para as instituições que atropela o preceito constitucional do direito de professores e alunos a participarem na gestão democrática das escolas; reitores que deveriam ser eleitos por toda a comunidade universitária, que deveriam ter essa soberania, e que passam a ser meramente escolhidos; direito de participação na gestão democrática em risco, quando é ele mesmo garantia de autonomia; fundações decididas a bel-prazer do Governo e a «escancarar as portas» à privatização do ensino superior público; conselhos científicos meros órgãos consultivos, sem qualquer poder deliberativo; e modelo de vinculação de professores apostado na precariedade. Hoje, mais do que nunca, as propostas do Governo comprometem a autonomia do ensino superior público. O projecto de lei do PSD, com o ambicioso título «Lei de autonomia e de gestão das instituições de ensino superior», afirma-se como uma mudança de paradigma, mas fá-lo numa proposta tão aberta, tão aberta, que deixa em aberto quase tudo menos o princípio da participação democrática de professores, alunos e funcionários consagrado constitucionalmente e consolidado, como bem sabem, na Lei de Bases do Sistema Educativo. Esse é o princípio que fica fechado!! Confundindo o princípio da participação democrática com demagogia, e utilizando expressões como «modelo de gestão aparentemente democrático, seguramente demagógico e virtualmente descentralizado», o PSD quer ainda liquidar o modelo organizativo único. Mas tem o quê para oferecer? A assunção das instituições na administração autónoma do Estado, o que nada traz de novo (é a «lógica da evolução» segundo o parecer do Conselho Nacional de Educação de 1999), e a absoluta indefinição sobre os modelos possíveis de governo. As instituições passam a ter um reitor ou um presidente, que pode ou não ser professor, e três órgãos colegiais — científico, pedagógico e o órgão responsável pelo desenvolvimento estratégico da instituição, maioritariamente composto por elementos externos. As instituições são muito livres, muito livres, mas o seu desenvolvimento estratégico fica nas mãos de um órgão que lhes é exterior. E tudo o mais fica para os estatutos. E quem os faz? São os poderes instituídos — actualmente é a indefinição do projecto de lei. Além do mais, o PSD está a apostar naquilo que chama de mais autonomia para o ensino superior privado. Não lhes basta os danos da «porta» que foi aberta por Roberto Carneiro há muito tempo, nem lhes chega o desastre das inúmeras instituições de ensino superior privado, ao lado e contra as expectativas e os direitos de alunos e de professores. Não lhes basta!! Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O debate sobre o futuro da universidade não pode estar inscrito nesta encruzilhada, onde as diferenças são menores do que as semelhanças, entre a universidade como uma espécie de «região autónoma do PSD» e a «universidade-fundação» do Governo e do Partido Socialista. O sector de ensino superior público é, por razões históricas e pelas responsabilidades sociais que assume, o sector paradigmático da construção da autonomia e só o pode ser com um poder democraticamente instituído, porque a verdadeira questão da autonomia prende-se com o papel que o Estado deve ter face às instituições. E a lei da autonomia, a sua eventual revisão, é discutida entre o PS e o PSD com muito mais acordo do que aqui parece, no sentido de continuar a pactuar com a demissão do Estado. E assumir a autonomia como essência e vocação do ensino superior público, da universidade pública, é exigir ao Governo o fim do laxismo, a responsabilidade que lhe cabe, e não lhe permitir liquidar tudo o que a autonomia exige à democracia. … aos exteriores à instituição! Partindo do conceito genérico de autonomia e liberdade de organização, o PSD retira totalmente às instituições de ensino superior a capacidade de determinarem o seu rumo estratégico e a sua forma de organização.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PSD faz hoje uso de um agendamento potestativo para que possa ser discutido na Assembleia da República o seu projecto de lei de autonomia e de gestão das instituições de ensino superior, projecto que advém do trabalho do último Governo em que participou e que tanta contestação já moveu e motivou nas comunidades do ensino superior, por todo o País. Pelo facto de se conhecer a intenção do Governo de avançar com uma proposta de lei que, embora ainda não tenha dado entrada nesta Assembleia, também já motivou amplas críticas, adivinha-se, facilmente, o que leva o PSD a apresentar hoje, potestativamente, este projecto de lei. O PSD estará contra a proposta de lei? Na sua essência, não! O PSD defende uma forma diferente de construção de soluções, de auscultação dos diversos agentes envolvidos? O seu percurso político e a sua prática também mostram bem que não! Então, na prática, o agendamento deste projecto de lei consiste apenas na demonstração de que o actual Governo está atrasado no agendamento da sua proposta de lei de regime jurídico das instituições de ensino superior, que, embora anunciada, não deu, até hoje, entrada na Assembleia da República. Quer, então, o PSD combater a política de desmantelamento do ensino superior público que o actual Governo prossegue, sem olhar a consequências? Não! Também não! Quer apenas mostrar-nos que foi capaz de elaborar um regime jurídico de autonomia e gestão das instituições de ensino superior tão mau quanto o do Governo, mas em tempo mais reduzido. Não fosse este projecto de lei a reciclagem das propostas que o próprio Governo do PSD/CDS apresentaram, no último mandato, e todos estaríamos convencidos. Estando o motivo da oportunidade de apresentação clarificado, o conteúdo do documento evidenciase: o PSD diz entender que não deve existir um modelo estanque de organização para as instituições, mas determina-o, inflexivelmente, no seu projecto de lei, de forma dissimulada. É sabido que o projecto de lei que o PSD hoje nos apresenta é filho da política que preconiza, e que aplicava no último Governo, e é exactamente por isso que se pode afirmar que este diploma, embora sob outras formas, já foi alvo de uma imensa contestação estudantil, sendo uma das principais questões que levou os estudantes às manifestações nacionais que se conheceram durante o Governo do PSD/CDS, e transporta exactamente a mesma orientação política de privatização do ensino superior a todo o custo, no que — diga-se! — converge com o Governo. Mais uma vez, PSD e PS em sintonia!… O PSD anuncia, então, a liberdade de organização das instituições de ensino superior, não fixando um modelo orgânico único, e nega todas as actuais regras de organização das instituições, sejam universidades ou politécnicos. Mas atente-se ao projecto de lei e rapidamente se percebe quem terá a tal liberdade de decidir. Serão as instituições, as comunidades académicas e escolares? Não! Basta olhar para o n.º 3 do artigo 9.º para perceber a quem atribui o PSD a tal liberdade de organização: aos privados, aos exteriores à instituição! Partindo do conceito genérico de autonomia e liberdade de organização, o PSD retira totalmente às instituições de ensino superior a capacidade de determinarem o seu rumo estratégico e a sua forma de organização. Ao estabelecer, como regra de ouro, a presença de uma maioria de entidades externas à instituição no órgão colegial máximo, o que o PSD propõe é que a autonomia dependa exclusivamente dessa componente externa, onde bem se entende, «componente empresarial». O PSD propõe, muito simplesmente, passar as instituições de ensino superior da tutela do Estado para a tutela empresarial, num jogo em que quem tem menos peso são exactamente as instituições e os seus corpos internos. Está claro, para todos, que os principais problemas que advêm da aplicação da actual lei de autonomia e gestão, de 1988, são os constantes constrangimentos colocados pelo poder central, pelos governos, principalmente no plano orçamental. É o subfinanciamento crescente, as constantes pressões do Governo sobre as instituições e as novas exigências que se lhes vão colocando, sem que o Estado cumpra o seu papel perante o ensino superior, que vão estreitando as opções de gestão das instituições. Perante as limitações que, de ano para ano, são colocadas às instituições de ensino superior, a gestão democrática destas instituições é posta em causa pelo simples facto de a autonomia ser, cada vez mais, uma miragem legislativa sem expressão objectiva. A participação dos estudantes nos órgãos de gestão das escolas é um dos garantes da autonomia e da gestão democrática. É impossível, como é reconhecido, aliás, por todos, a consagração da democracia na gestão sem a participação dos estudantes. E, como conquista democrática que é esta participação, fruto também das lutas estudantis, não pode, a pretexto nenhum, eliminar-se um direito que é, além disso, uma mais-valia para as instituições. Neste aspecto, como na generalidade dos outros, PSD e Governo PS, mais uma vez, estão de acordo: ambos entendem que urge pôr fim à autonomia das instituições!! É esse desígnio que surge, incontornavelmente, da análise dos seus projectos, seja tornando-as fundações, como já sabemos que propõe o Governo, ou colocando-as à mercê das vontades dos interesses económicos. As tónicas comuns são a ausência de autonomia e a gestão privada!! Por muito que o Governo espalhe aos quatro ventos a ineficiência da gestão democrática, aqui com a óbvia ajuda do PSD, a realidade mostra bem que, não fora essa gestão democrática e envolvente de todos os corpos que intervêm nas instituições de ensino superior, as universidades e institutos politécnicos há muito haveriam cerrado as suas portas e deixado de cumprir o seu papel. Não é com o fim da gestão democrática que o ensino superior se reforça! É, antes, pela garantia das condições necessárias à verdadeira gestão democrática e autonomia — autónoma do Estado mas ainda mais autónoma dos interesses privados que se movem contrariamente aos interesses das populações! O ensino superior público dará resposta às exigências que se lhe colocam, assim sejam respeitadas as responsabilidades de cada parte — instituições e Estado. O que não pode é o Estado demitir-se da sua responsabilidade perante o ensino superior, pela mão do Partido Socialista e do PSD, com ou sem a muleta do CDS, e sacrificar, depois, o carácter público e democrático das instituições, culpabilizando-as pelas insuficiências, incompetências e limitações que lhes são impostas. Quero, Sr. Presidente e Srs. Deputados, antes de terminar, aproveitar a ocasião do uso da palavra na Assembleia da República para saudar, obviamente, todos os trabalhadores que hoje, pese embora o adverso quadro e as pressões e manobras intimidatórias levadas a cabo, decidiram aderir à greve e não trabalhar.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os portugueses são, para Portugal, o seu melhor e principal recurso. Aliás, pode quase afirmar-se que, sem uma aposta clara e nítida nas pessoas, todos os demais recursos, por muito bons que sejam, acabarão por ser pouco mais do que inúteis. Os desafios da modernidade, da competitividade ou do progresso são desafios lançados à comunidade no seu todo, ou seja, a todos e a cada um de nós. Significa isto que a formação, em geral, mas, em particular, aquela que é dirigida às camadas mais jovens da sociedade, assume um papel absolutamente fundamental, que tem de ser materializado em passos de evolução de todo o nosso sistema, que potenciem as suas vantagens e corrijam as suas limitações e deficiências. É consensual, diria até que é um lugar comum, afirmar-se que só haverá futuro de modernidade para o nosso país se se apostar seriamente em políticas sólidas de educação e formação. Infelizmente, não se vislumbra, até ao momento, por onde possa este tão grande consenso ter surtido especial efeito e utilidade prática na melhoria do nosso sistema educativo em geral. Discutimos, agora, o projecto de lei n.º 271/X, da iniciativa do PSD, que propõe a aprovação da lei de autonomia e de gestão das instituições de ensino superior. O CDS concorda genericamente com os princípios e objectivos que este novo regime jurídico tem na sua base e considera positivo que passe a vigorar um sistema unificado para todo o ensino superior, ainda que destacando devidamente as diferenças entre o que diz respeito ao ensino universitário e o que respeita ao ensino politécnico, ao sector público e ao sector privado. Às instituições de ensino superior têm de ser dadas condições para que, elas próprias, possam ser promotoras da sua evolução e da melhoria da sua competitividade. Um regime jurídico demasiado rígido e formatado é, essencialmente, um regime que acaba por incentivar a manutenção do estado de coisas e, por isso, começa logo por ser o principal obstáculo à evolução e à transformação. Nota-se, no projecto de lei aqui em debate, um esforço por criar um regime mais flexível de organização e gestão das instituições de ensino superior, com a intenção de, garantindo o respeito por um conjunto essencial e básico de compromissos, dar às escolas mais autonomia e flexibilidade organizativa. Todo o novo sistema de funcionamento e organização de carreiras individuais de ensino superior, que resulta do Processo de Bolonha, se apresenta como um desafio que é lançado aos estudantes mas, antes de mais, às próprias instituições de ensino superior. Para que estas consigam ser competitivas, dentro deste novo quadro, é absolutamente necessário que possam ter sistemas flexíveis de estruturação e organização interna. Uma estrutura organizativa demasiado formal e pesada impede, seguramente, a capacidade de a instituição se adaptar e competir. Assim, parece-nos razoável a defesa que o projecto de lei faz da aposta nos princípios da liberdade, da responsabilidade e da diversidade, como orientações de base para a estruturação deste novo regime jurídico. Por outro lado, defendemos também — como, aliás, consta do projecto de lei ora em debate — que seja dada liberdade a cada instituição para adoptar o modelo de gestão que considere mais adequado, seja quanto à forma de governo seja quanto à sua estrutura orgânica. Do mesmo modo, a imposição do dever de formular e apresentar planos de desenvolvimento plurianuais, abrangendo as diversas áreas, desde a investigação e produção científicas às projecções sobre o número de alunos ou de cursos a vigorar, é uma exigência positiva, com a qual concordamos. Julgamos também positivo que se defenda, no projecto de lei, a interacção entre as instituições do ensino superior e a chamada sociedade civil. Porém, consideramos que, nesta parte, o projecto de lei apregoa muito mais do que aquilo que efectivamente faz. Na verdade, no regime jurídico que o PSD propõe, tal objectivo apenas é mencionado, ao que me parece, e mesmo assim de forma muito genérica, na exposição de motivos e no artigo 9.º, n.º 3, unicamente para o sector público. Ora, este parece-nos ser um elemento importante para que o ensino superior cumpra a sua verdadeira função e, por isso, entendemos que deve ser melhorado no projecto em discussão. Na verdade, o ensino superior, através das suas diversas instituições, é o principal motor do progresso e avanço no conhecimento, sendo que este deve ser encarado também como um contributo para o avanço da sociedade. Esta «responsabilidade social» do conhecimento, por assim dizer, apresenta-se como um dever de interacção entre escolas e sociedade civil, que, como já antes afirmei, não está devidamente acautelado no regime jurídico que o PSD propõe. No fundo, pelo que se retira do projecto, essa interacção pode quase não existir, o que acaba por contrariar os próprios princípios enunciados na exposição de motivos do projecto de lei. Não concordamos que este projecto de lei, apesar da referência, na exposição de motivos, à necessidade de haver avaliação a nível das instituições de ensino superior, não faça qualquer referência, no seu texto, a essa necessidade de submissão a avaliação. Igualmente, não nos parece aceitável que o regime ora proposto deixe de prever, ainda que segundo critérios diferentes dos actualmente em vigor, a participação de docentes e alunos nos órgãos de governo das escolas. A lei, só por si, não assegura a melhoria da qualidade do ensino superior nem garante a melhoria do funcionamento das suas instituições e das pessoas que nelas exercem funções. Quem pensar que a evolução é feita por decreto está, seguramente, muito enganado. No entanto, há que retirar da lei todos os obstáculos ao livre e autónomo funcionamento das instituições. E já se viu aqui, hoje, durante este debate, que esta é uma matéria e uma abordagem do ensino superior que nos distingue profundamente, quer do Governo quer do Partido Socialista. Nós somos pela autonomia, o Governo e o PS, como já se viu, são pelo dirigismo. Por todas estas razões, e com as ressalvas e reservas já apresentadas, o CDS manifesta aqui a sua opinião genericamente favorável ao projecto de lei em debate. O Governo do PS rejeitou as meras impressões ou as simples opiniões do senso comum e socorreu-se de um procedimento de avaliação concebido e concretizado pelas instituições 31 DE MAIO DE 2007 21 mais credíveis e reconhecidas internacionalmente: a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), a Rede Europeia para a Garantia de Qualidade no Ensino Superior (ENQA) e a Associação Europeia das Universidades.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Se pensarmos no papel e no futuro da Europa num contexto de crescente globalização, se pensarmos na mensagem da Estratégia de Lisboa, numa Europa que concilie o crescimento com o emprego, a competitividade com os direitos sociais e a riqueza com a solidariedade, se pensarmos no modelo económico de desenvolvimento para Portugal, se pensarmos nas baixas qualificações dos portugueses e nas consequências que tal facto tem nas nossas expectativas de desenvolvimento, se pensarmos na coesão do território e no papel que as instituições de ensino superior tiveram e ainda hoje têm nessa área, se pensarmos nos jovens e nas respectivas famílias, se pensarmos no interesse de cada instituição de ensino superior e no seu futuro, se pensarmos em tudo isto, então, o debate em torno do regime jurídico das instituições de ensino superior não pode, e não deve, ficar confinado a fronteiras institucionais ou sectoriais. Falar do futuro das instituições de ensino superior em Portugal é falar de uma dimensão fundamental da consciência estratégica nacional, onde nasce todos os dias parte significativa do pensamento e da definição acerca do nosso futuro colectivo. Pensar e falar do futuro das instituições de ensino superior portuguesas é pensar e falar do futuro de Portugal. E é por se tratar do futuro do nosso país que este debate exige contribuições e posições sérias. Esta é a responsabilidade de todos — do Governo, das oposições, das próprias instituições, dos estudantes, das famílias, do mundo empresarial, das associações profissionais e de todos os parceiros envolvidos. É exactamente aqui que hoje há uma grande diferença entre o Partido Socialista e a oposição. O Partido Socialista, através do seu Governo, no que respeita ao ensino superior, tem um rumo, objectivos claros, um método que está a seguir e resultados que pode apresentar. Falemos do rumo que o PS imprimiu ao ensino superior em Portugal. O grande farol consiste em promover a modernização do sistema português de ensino superior, tendo em vista atingir quatro objectivos fundamentais: primeiro, garantir a todos os portugueses que todas as instituições de ensino superior em Portugal, públicas, privadas ou de qualquer outra natureza, oferecem uma formação superior de qualidade elevada, assumindo-se como escolas de excelência; segundo, consolidar nas instituições de ensino superior portuguesas uma cultura de transparência, rigor e prestação de contas; terceiro, reconhecer, divulgar e valorizar o mérito; quarto e último objectivo, promover a internacionalização. Falemos agora do método que o Governo do PS está a imprimir e a concretizar no que diz respeito às políticas de ensino superior. O PS, através do seu Governo, procedeu a uma análise objectiva, rigorosa, participada e independente da realidade do que é, na actualidade, o sistema de ensino superior em Portugal. O Governo do PS rejeitou as meras impressões ou as simples opiniões do senso comum e socorreu-se de um procedimento de avaliação concebido e concretizado pelas instituições mais credíveis e reconhecidas internacionalmente: a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), a Rede Europeia para a Garantia de Qualidade no Ensino Superior (ENQA) e a Associação Europeia das Universidades. No final do procedimento de avaliação, consequentes relatórios e respectivas recomendações, o Governo do PS decidiu. Decidiu de forma clara, transparente e responsável. Mas decidiu e continuará a decidir de forma transparente, clara e responsável. Falemos agora dos resultados deste rumo, destes objectivos e deste método. Uma esmagadora maioria das formações do ensino superior em Portugal encontram-se hoje já adequadas ao Processo de Bolonha, num processo que foi elogiado recentemente pela Comissão Europeia; mais de 5000 alunos entraram no ensino superior em Portugal no presente ano lectivo, como já foi referido pelo meu colega Manuel Mota, representando o primeiro ano em muitos em que o número total de alunos aumentou no sistema de ensino superior em Portugal; há hoje mais adultos no ensino superior; houve o maior investimento de sempre na rede científica portuguesa; ocorreu o maior reforço de sempre nos programas de pós-graduação; e hoje assistimos a um irreversível e revigorante impulso de modernização nas instituições do ensino superior em Portugal. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje, no momento em que discutimos o projecto de lei do PSD, encontramo-nos exactamente no meio de uma das mais importantes reformas do ensino superior em Portugal. O projecto do PSD, que deu entrada neste Parlamento há um ano atrás, é hoje um projecto nitidamente aquém da realidade. Aquém da realidade porque ignora tudo o que mudou no ensino superior no último ano. O PSD ignora o avanço considerável que ocorreu na adequação do Processo de Bolonha na generalidade das instituições portuguesas; o PSD ignora o novo enquadramento jurídico relativo aos graus e diplomas do ensino superior; o PSD ignorou o novo regime que simplificou e flexibilizou o acesso ao ensino superior aos maiores de 23 anos; o PSD ignorou o novo ciclo de investimento no desenvolvimento científico do País, que contemplou a celebração das primeiras grandes parcerias internacionais para o ensino superior, para a ciência e a tecnologia; o PSD ignorou o novo regime jurídico para a avaliação e garantia de qualidade do ensino superior; por último, e mais grave, o PSD ignorou o maior, mais global, mais credível e mais independente processo de avaliação que o sistema de ensino superior em Portugal alguma vez conheceu. Tudo isto aconteceu no último ano. E, um ano após toda esta mudança, o projecto do PSD permanece inalterado, não reflectindo a dinâmica que, entretanto, se gerou e fortaleceu. Será que o PSD não teve acesso aos relatórios de avaliação da OCDE, da ENQA ou da Associação Europeia das Universidades? Será que o PSD não percebe o que se passa hoje ao nível do ensino superior e da ciência em toda a Europa? Será que o PSD estará mais preocupado hoje em marcar agenda política e mediática do que em observar o que realmente se passa no ensino superior em Portugal? Será que o PSD, no último ano, tirou uma «sabática» ou teve dispensa de serviço no que diz respeito ao ensino superior em Portugal? Acho que sim. Sejamos claros e sérios! Qualquer contributo para a reflexão e discussão do processo e do futuro do ensino superior em Portugal não pode ignorar os contributos dos processos de avaliação, tem que integrar os contributos das melhores práticas internacionais e tem que observar, valorizar e integrar a extraordinária reacção que todas as instituições de ensino superior politécnico e universitário hoje estão a dar aos desafios com que foram confrontadas no último ano. O PS, muito ao contrário do PSD, tem hoje, perante os portugueses e as instituições de ensino superior, uma responsabilidade, que decorre da legitimidade democrática. O povo português escolheu o PS para governar, e é exactamente governar o que o PS está a fazer no que diz respeito ao ensino superior. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É esta governação que temos estado a fazer e que iremos continuar a fazer, sempre com os pés bem assentes no chão de uma realidade e de uma história que nos fizeram naquilo que hoje somos, mas também sempre com os olhos postos na ambição de um País que queremos seja mais desenvolvido, mais rico, mais solidário e mais justo. Um País cujas instituições científicas e de ensino superior estejam no centro do pensamento, do impulso e da acção modernizadora da sociedade. Um País no qual a qualificação dos homens e das mulheres seja a principal infra-estrutura de um novo paradigma de desenvolvimento económico, social e humano. É para a construção deste país que o PS convida toda a oposição a trabalhar e a contribuir de forma séria e responsável. Não é só em nome do respeito a esta Assembleia, é em nome do respeito às escolas portuguesas, à Universidade, aos institutos, aos pais, à comunidade educativa, aos alunos, aos professores. Onde está o Governo? O Governo dá ausência, Sr. Deputado. Explique por que é que o Governo aqui não está! Em segundo lugar, explique por que é que, como disse o meu colega Pedro Duarte, o Governo está há 26 meses sem decidir seja o que for sobre esta matéria. Há 26 meses, Srs. Deputados…! Disse também o Governo que concederia toda a prioridade à reforma do sistema de gestão das instituições de ensino superior. Passados 26 meses, o que temos? Nada! Anúncio de reformas, anúncio de medidas, propaganda. Mas concretização, zero! Aliás, não é só nesta área que isto se passa. Esta é a norma, é a regra no Governo do Eng.º Sócrates. Sr. Deputado, em terceiro lugar, falemos do rumo, o tal que V. Ex.ª disse que existe. Diga-nos aqui, claramente, que medidas tomou este Governo no sentido, por exemplo, de incentivar a investigação nas faculdades das universidades portuguesas. Diga-nos se há ou não contradição evidente entre a prática e o discurso, no momento em que se obriga as escolas a afectar ao ensino a totalidade dos respectivos professores, desprezando completamente a investigação, que é o que distinguiria a escola portuguesa de outras de menor qualidade e o que poderia afirmá-la no contexto internacional. Diga onde estão os estímulos a conceder às melhores universidades. Diga onde estão as alterações ao modelo de avaliação das próprias universidades. Que interacção é que, até hoje, os senhores poderiam ter defendido na prática — e não defenderam —, através de medidas concretas relativamente a tudo o que é exterior à Universidade, com os agentes externos à Universidade e que devem participar na vida da mesma? Para além disto, vamos ao que nos separa. Já aqui foi dito claramente que nós, PSD; queremos liquidar o modelo único de organização do ensino superior, e nada é mais verdadeiro. Efectivamente, é isso que queremos: um conceito de autonomia da escola. Nesta matéria, estão em confronto dois modelos. De um lado, está o modelo dos que defendem que a escola tem de ser efectivamente autónoma e, do outro, o dos que defendem que a escola deve ser governamentalizada. Nós estamos do lado de quem quer reformar o modelo actual, os senhores assumem o vosso conservadorismo, a relação com o que já existe, a Sr. Deputado, têm agora uma bela oportunidade para demonstrar, não apenas no discurso mas na prática, que são reformistas. Mas o que os senhores têm feito é o contrário. Os senhores demonstram que são conservadores. Sr. Presidente, Sr. Deputado José Cesário, muito obrigado pelas questões que colocou e pela bela oportunidade que me dá para poder informá-lo novamente sobre o que, nos últimos 26 meses, o Governo do Partido Socialista tem feito nesta matéria e que vou passar a referir, porque penso que o Sr. Deputado não deve estar bem a par do que se tem passado, do que está em apreciação na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, da qual V. Ex.ª faz parte. Sr. Deputado, nos últimos 26 meses, o Governo do Partido Socialista, em primeiro lugar, fez a revisão da Lei de Bases do Sistema Educativo, de forma a permitir que fosse possível, em Portugal, proceder-se à adequação das formações ao Processo de Bolonha. Em segundo lugar, nos últimos 26 meses, teve lugar a adequação ao Processo de Bolonha de todas as formações da generalidade das instituições de ensino superior em Portugal, processo este que, há cerca de três semanas, foi elogiado pelo Sr. Comissário europeu responsável pela área da educação na Comissão Europeia cujo Presidente é Durão Barroso. No período em causa, ocorreram, ainda: a alteração do regime jurídico dos graus dos diplomas passados pelas instituições de ensino superior; a revisão e a actualização do regime jurídico dos cursos de especialização tecnológica; o acesso de cidadãos com mais de 23 anos de idade ao ensino superior, o que redundou num extraordinário aumento da frequência das universidades e dos politécnicos por parte de adultos — mais 5000 alunos, alguns dos quais a frequentar os cursos de licenciatura em Medicina, Sr. Deputado!; a promoção de medidas, na generalidade das instituições, preventivas do abandono e do insucesso escolar; a instituição da classificação mínima de 10 valores para acesso ao ensino superior; a publicação do documento designado Compromisso com a Ciência e o estabelecimento de parcerias internacionais com as instituições mais credíveis ao nível internacional, como, por exemplo, o MIT. Foram, ainda, completamente revistos os regimes de inscrição para mudança e transferência de curso. No que diz respeito à investigação, a Fundação para a Ciência e a Tecnologia recebeu, no ano passado, o mais elevado número de projectos candidatos a financiamento em todas as áreas de investigação científica, o que é um indicador de grande dinamismo, não só do Governo mas também das próprias instituições científicas e de ensino superior. Nestes últimos 26 meses, o Governo andou a fazer tudo isto que referi mas parece que os Srs. Deputados, particularmente V. Ex.ª, não repararam, não estiveram atentos, não olharam a realidade. Digo-lhe mais uma coisa. A proposta de lei do regime jurídico para avaliação e garantia da qualidade do ensino nas instituições portuguesas de ensino superior está actualmente em sede de Comissão de Educação, Ciência e Cultura, da qual V. Ex.ª faz parte, para ser discutida e poder ser enriquecida, também com o contributo de V. Ex.ª! E vem aí mais trabalho. Vêm aí o novo regime jurídico das instituições do ensino superior, proposto pelo Governo, o novo estatuto das carreiras docente e de investigador, o novo regime de financiamento das instituições de ensino superior e a revisão de algumas das provas académicas, particularmente a prova de agregação. É a grande mudança, a grande reforma, o grande impulso modernizador do ensino superior em Portugal. V. Ex.ª está no epicentro desta mudança e não se apercebeu dela. Acho isso extraordinário! E acusanos de sermos nós os conservadores?! V. Ex.ª é que não quer ver, não quer observar, não compreende a magnitude do que está em causa. Como não compreende, como não consegue observar, diz que nada se passa. Faz-me lembrar Galileu que, quando se dirigia a outras pessoas que conhecemos, lhes dizia «Nada se passa!», mas, no fundo, tudo estava em mudança. Penso que V. Ex.ª compreende o que está a mudar, mas vem aqui fazer um pouco o papel de Galileu, eventualmente para não poder ser colocado na «fogueira»!
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista, em particular o seu grupo parlamentar, orgulha-se do trabalho que o Governo do PS, através do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, está hoje a realizar no grande impulso de modernização e de reforma de todo o sistema científico e de ensino superior em Portugal. Onde estaríamos hoje na adequação do Processo de Bolonha à generalidade das instituições do ensino superior se tivéssemos seguido a política que tinha então sido implementada — ou, melhor dizendo, não tinha sido implementada — pelo governo do PSD e do CDS? Em que ponto nos encontrávamos em 2005? Quando o PS chegou ao Governo, tudo estava por fazer para que Portugal pudesse acompanhar o passo em termos de implementação do Processo de Bolonha. O que temos feito nos últimos 26 meses tem sido a concretização do Programa do Governo, através da revisão da lei de bases, da implementação do Processo de Bolonha, do novo regime de graus e diplomas e dos cursos de especialização tecnológica, da abertura da universidade a públicos com mais de 23 anos, da promoção de medidas contra o abandono e o insucesso escolares, da implementação de uma classificação mínima de 10 valores, garantindo a qualidade no acesso ao ensino superior, de um compromisso com a ciência como nunca houve no nosso país, garantindo o maior investimento de sempre na política de investigação científica em Portugal, das parcerias internacionais, que nos colocam na agenda internacional e em trabalho de cooperação com os melhores institutos, as melhores universidades e os melhores centros de investigação do mundo, do novo regime de inscrição e de mobilidade de estudantes e da reforma que, neste momento, temos em curso em relação à avaliação e à garantia de qualidade do ensino superior. Este é o trabalho feito pelo PS em 26 meses e, neste momento em que discutimos o projecto de lei do PSD, é deste trabalho que o PS se orgulha. Estranho muito a posição do Partido Social Democrata, permita-me que o diga, Sr. Deputado Agostinho Branquinho, e a vossa ausência de conhecimento da realidade, que roça um pouco a tal arrogância de que nos acusam e que, muitas vezes, é sintoma de alguma irresponsabilidade que VV. Ex.as manifestam, aqui e ali, em relação a esta matéria. Não posso deixar de referir que VV. Ex.as afirmaram hoje, nesta Assembleia, que desconheciam o regime jurídico da avaliação e da garantia da qualidade do ensino superior em Portugal. Isto foi aqui dito pela bancada do PSD. Ora, vamos ver, então, onde está a tal proposta do Governo de regime jurídico da avaliação e da garantia da qualidade no ensino superior. Será que esta proposta está na resma de folhas da secretária do Sr. Ministro? Não está! Será que está na gaveta do Sr. Ministro, no Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior? Não está! Talvez esteja no cofre-forte do Ministério… Também não está! Então, onde estará?! Está exactamente na Assembleia da República, na Comissão de Ciência, Educação e Cultura, no grupo de trabalho a que V. Ex.ª preside e que tem a responsabilidade de, sobre esta matéria, emitir uma opinião. Só que V. Ex.ª, Sr. Deputado Agostinho Branquinho, desconhece esta questão. Acho muito estranho, irresponsável, ignorante e revela uma falta de conhecimento da realidade. Será que ninguém das universidades e dos politécnicos está hoje a trabalhar? Será que ninguém reagiu ao impulso de modernização e de reforma deste Governo? Ninguém se apropriou do trabalho das universidades e dos politécnico, mas não podemos deixar de aqui reconhecer, valorizar e relevar o extraordinário trabalho que as universidades, os politécnicos, os investigadores e os professores hoje estão a fazer, de acordo com o impulso que o Governo do PS lhes deu e de acordo com os grandes desafios que hoje se colocam a Portugal. É o que sempre faremos: valorizar, realçar e relevar aquilo que os senhores nunca realçam, nunca valorizam e nunca relevam. Será que a política que o PS está a promover ao nível da ciência, da tecnologia e do ensino superior não tem uma palavra positiva em lado algum? Pois olhe que tem, Sr. Deputado! Vou dizer-lhe algumas das palavras positivas que teve: a primeira veio do Sr. Presidente da República, que se referiu a esta matéria com um impulso e uma palavra de estímulo para a modernização; a segunda palavra veio do Sr. Comissário Europeu para a matéria da educação e cultura, que se referiu a Portugal de forma extremamente elogiosa; e a última palavra vem das universidades e dos politécnicos, que estão a reagir, a responder e a ganhar o desafio, fazendo com que Portugal, uma vez mais, conte com o seu sistema de ensino superior para a modernização, a reforma e o futuro da construção deste país. É com eles que nós contamos. Também gostaríamos de contar com VV. Ex.as e com toda a oposição, mas agradecíamos de maneira muito, muito veemente que tivessem uma postura mais responsável, mais conhecedora da realidade e mais construtiva.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Bravo Nico, brilhante! V. Ex.ª falou muito, fez um longo discurso, mas esqueceu-se de questões essenciais, no fundo, demonstrando a confusão que vai nas vossas cabeças sobre esta matéria. O Sr. Deputado tinha de explicar várias coisas e ainda tem oportunidade de o fazer. Primeira questão: por que é que o Governo não está presente? Não é só em nome do respeito a esta Assembleia, é em nome do respeito às escolas portuguesas, à Universidade, aos institutos, aos pais, à comunidade educativa, aos alunos, aos professores. Onde está o Governo? O Governo dá ausência, Sr. Deputado. Explique por que é que o Governo aqui não está! Em segundo lugar, explique por que é que, como disse o meu colega Pedro Duarte, o Governo está há 26 meses sem decidir seja o que for sobre esta matéria. Há 26 meses, Srs. Deputados…! Disse também o Governo que concederia toda a prioridade à reforma do sistema de gestão das instituições de ensino superior. Passados 26 meses, o que temos? Nada! Anúncio de reformas, anúncio de medidas, propaganda. Mas concretização, zero! Aliás, não é só nesta área que isto se passa. Esta é a norma, é a regra no Governo do Eng.º Sócrates. Sr. Deputado, em terceiro lugar, falemos do rumo, o tal que V. Ex.ª disse que existe. Diga-nos aqui, claramente, que medidas tomou este Governo no sentido, por exemplo, de incentivar a investigação nas faculdades das universidades portuguesas. Diga-nos se há ou não contradição evidente entre a prática e o discurso, no momento em que se obriga as escolas a afectar ao ensino a totalidade dos respectivos professores, desprezando completamente a investigação, que é o que distinguiria a escola portuguesa de outras de menor qualidade e o que poderia afirmá-la no contexto internacional. Diga onde estão os estímulos a conceder às melhores universidades. Diga onde estão as alterações ao modelo de avaliação das próprias universidades. Que interacção é que, até hoje, os senhores poderiam ter defendido na prática — e não defenderam —, através de medidas concretas relativamente a tudo o que é exterior à Universidade, com os agentes externos à Universidade e que devem participar na vida da mesma? Para além disto, vamos ao que nos separa. Já aqui foi dito claramente que nós, PSD; queremos liquidar o modelo único de organização do ensino superior, e nada é mais verdadeiro. Efectivamente, é isso que queremos: um conceito de autonomia da escola. Nesta matéria, estão em confronto dois modelos. De um lado, está o modelo dos que defendem que a escola tem de ser efectivamente autónoma e, do outro, o dos que defendem que a escola deve ser governamentalizada. Nós estamos do lado de quem quer reformar o modelo actual, os senhores assumem o vosso conservadorismo, a relação com o que já existe, a Sr. Deputado, têm agora uma bela oportunidade para demonstrar, não apenas no discurso mas na prática, que são reformistas. Mas o que os senhores têm feito é o contrário. Os senhores demonstram que são conservadores. Em segundo lugar, nos últimos 26 meses, teve lugar a adequação ao Processo de Bolonha de todas as formações da generalidade das instituições de ensino superior em Portugal, processo este que, há cerca de três semanas, foi elogiado pelo Sr. Comissário europeu responsável pela área da educação na Comissão Europeia cujo Presidente é Durão Barroso. No período em causa, ocorreram, ainda: a alteração do regime jurídico dos graus dos diplomas passados pelas instituições de ensino superior; a revisão e a actualização do regime jurídico dos cursos de especialização tecnológica; o acesso de cidadãos com mais de 23 anos de idade ao ensino superior, o que redundou num extraordinário aumento da frequência das universidades e dos politécnicos por parte de adultos — mais 5000 alunos, alguns dos quais a frequentar os cursos de licenciatura em Medicina, Sr. Deputado!; a promoção de medidas, na generalidade das instituições, preventivas do abandono e do insucesso escolar; a instituição da classificação mínima de 10 valores para acesso ao ensino superior; a publicação do documento designado Compromisso com a Ciência e o estabelecimento de parcerias internacionais com as instituições mais credíveis ao nível internacional, como, por exemplo, o MIT. Foram, ainda, completamente revistos os regimes de inscrição para mudança e transferência de curso. No que diz respeito à investigação, a Fundação para a Ciência e a Tecnologia recebeu, no ano passado, o mais elevado número de projectos candidatos a financiamento em todas as áreas de investigação científica, o que é um indicador de grande dinamismo, não só do Governo mas também das próprias instituições científicas e de ensino superior. Nestes últimos 26 meses, o Governo andou a fazer tudo isto que referi mas parece que os Srs. Deputados, particularmente V. Ex.ª, não repararam, não estiveram atentos, não olharam a realidade. Digo-lhe mais uma coisa. A proposta de lei do regime jurídico para avaliação e garantia da qualidade do ensino nas instituições portuguesas de ensino superior está actualmente em sede de Comissão de Educação, Ciência e Cultura, da qual V. Ex.ª faz parte, para ser discutida e poder ser enriquecida, também com o contributo de V. Ex.ª! E vem aí mais trabalho. Vêm aí o novo regime jurídico das instituições do ensino superior, proposto pelo Governo, o novo estatuto das carreiras docente e de investigador, o novo regime de financia24 I SÉRIE — NÚMERO 89 mento das instituições de ensino superior e a revisão de algumas das provas académicas, particularmente a prova de agregação. É a grande mudança, a grande reforma, o grande impulso modernizador do ensino superior em Portugal. V. Ex.ª está no epicentro desta mudança e não se apercebeu dela. Acho isso extraordinário! E acusanos de sermos nós os conservadores?!
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Social Democrata, neste seu projecto de lei, que hoje discutimos ao abrigo do direito de agendamento potestativo, além de fundir num único diploma as actuais Leis n.os 108/88, que define a autonomia das universidades, e 54/90, sobre o Estatuto e autonomia dos estabelecimentos de ensino superior politécnico, o que persegue, na realidade, é um outro objectivo, mais profundo e, sem dúvida, muito mais preocupante. Esta repescagem de uma proposta de lei do anterior governo de direita, infelizmente, não faz falta para a prossecução das políticas de direita, pois é o que está a ser feito «a todo o vapor» pelo actual Governo do Partido Socialista. Aliás, só nesse contexto de «guerra de comadres» entre o Partido Social Democrata e o Partido Socialista é que se pode compreender que não se entendam um com o outro, já que, na realidade, os objectivos são comuns e ambos tendem no mesmo sentido. Os dois partidos tendem para uma mesma lógica economicista de mercado e de lucro, sob a capa da competitividade que é aplicada à educação e, designadamente, ao ensino superior. Ambos os partidos vêem o ensino superior como um negócio, pelo que caminham a passos largos para a respectiva privatização e para uma cada vez mais profunda desresponsabilização do Estado, no âmbito de um Processo de Bolonha, que aparentemente tudo justifica, configurado em cortes orçamentais e no aumento do peso económico suportado pelos estudantes e suas famílias, em matéria de frequência do ensino superior. É isto que, associado a outras medidas, como a lei das prescrições, que vai entrar em vigor este ano pela primeira vez, ou os famosos «empréstimos» para acabar o curso, os quais, na realidade, vão é substituir a acção social escolar, tem conduzido e agravado o abandono do ensino superior. Outras medidas implementadas estão a levar ao despedimento de docentes no ensino superior, sem que o subsídio de desemprego esteja garantido. Por tudo isto, é cada vez mais fundamental defender a autonomia das instituições, que é o que está em causa. De facto, é a autonomia das instituições que está a ser atacada. E está a sê-lo não só pelo Partido Socialista mas também muito concretamente, ao contrário do que é dito aqui pelo Partido Social Democrata, neste projecto de lei. Esta obrigatoriedade da entrada de entidades externas e da sujeição da lógica e das prioridades de gestão da nobre função e missão das universidades e institutos politécnicos, que é uma função com preocupações pedagógicas, de investigação, de desenvolvimento e de criação, a outros critérios economicistas e de mercado, é, sem dúvida, um ataque gravíssimo à autonomia do ensino superior no nosso país. De facto, o que está aqui em causa é a liberdade e a autonomia, mas esta só se obtém com os devidos meios e estes têm de ser garantidos pelo Estado, para que essa autonomia possa existir na prática, para que o ensino superior possa, livre de outros interesses, responder apenas aos superiores interesses de crescimento e desenvolvimento do nosso país e da educação no nosso ensino superior. Nesse sentido, é fundamental dar meios às instituições — e esse é o papel do Estado. Ao Estado, Sr. Deputado Pedro Nuno Santos, não cabe apenas um papel regulador; o Estado tem um papel fundamental, o de assumir a sua responsabilidade em termos do financiamento do ensino superior. Neste projecto de lei, que é um diploma liberalizador, de carácter privatista, o Partido Social Democrata quer dar uma ideia de extrema liberdade para as universidades definirem a composição dos seus órgãos de gestão. Mas, curiosamente, excepcionam a questão das universidades e politécnicos do sistema público. Porquê? Porque o privado já é privado e, quanto ao público, os senhores querem que siga obrigatoriamente a mesma lógica do privado e é por isso que excepcionam essa matéria. Finalmente, este é um projecto de lei — e o diploma do Governo também não lhe fica atrás — que procura afastar os estudantes e os funcionários da gestão do ensino superior, ou seja, dos órgãos onde devem estar presentes, colaborar e participar com o seu conhecimento para uma efectiva e boa gestão do ensino superior. E quando o Partido Social Democrata equipara esta participação de estudantes e funcionários nos órgãos de gestão a uma participação demagógica, quando compara essa gestão democrática, conquistada com o 25 de Abril, a um gesto demagógico — e fazem-no por três vezes, sem justificar —, demonstra claramente que o que está no cerne das suas preocupações: tornar o ensino superior público numa coutada de privados, aonde o direito e o acesso, de forma equitativa, igual e justa, não estará certamente consagrado, no futuro, para todos os portugueses.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por agradecer ao Grupo Parlamentar do PCP a cedência de algum tempo para esta minha intervenção final. Hoje, vivemos, de facto, um novo tempo. Esse novo tempo obriga a que façamos novas abordagens aos velhos problemas. Nesse sentido, para o Partido Social Democrata, é obviamente imprescindível que o ensino superior tenha de se adaptar a esses novos tempos. E não pensamos isso de hoje. Há três anos, aprovámos aqui uma lei de bases, que foi antecipada daquela que foi, talvez, a maior discussão pública no nosso país sobre uma lei de bases. Durante um ano, discutiu-se, em todo o País, a proposta apresentada pelo governo então liderado pelo PSD, neste Parlamento. No final do processo, entendeu o então Sr. Presidente da República vetar politicamente a lei de bases, sustentando esse veto no facto de a lei só ter conseguido obter os votos da maioria que então suportava o governo e vincando a necessidade de essa lei de bases poder obter uma maioria mais alargada. Passaram-se três anos, dos quais mais de dois são já da responsabilidade do Governo socialista. O Sr. Deputado Bravo Nico, há pouco, na resposta a um meu colega de bancada, disse que tudo está bem, que vivemos no mundo das maravilhas no que diz respeito ao ensino superior. Julgo que o Deputado Bravo Nico deve estar a referir-se, por exemplo, à ausência do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, que, mais uma vez, primou hoje pela ausência, como tem primado ao longo dos últimos 26 meses naquilo que é fundamental para o ensino superior. É que, Sr. Deputado Bravo Nico, convenhamos que, sobre o Processo de Bolonha, o seu Governo deu três dias às instituições para fazerem a adaptação dos cursos e, se não fossem as instituições, estaríamos hoje numa situação bem diferente. Querer apropriar-se desse património, que é dos estabelecimentos do ensino superior, é, Sr. Deputado, desculpe-me dizê-lo, uma ousadia muito grande do Partido Socialista e do Governo. O Sr. Deputado devia era recordar-se das questões relacionadas com o financiamento, da situação de completa asfixia que o ensino superior vive hoje em Portugal, com os cortes «cegos» do seu Governo e com as «machadadas» brutais na autonomia financeira das universidades, chegando ao cúmulo de obrigá-las a ter de recorrer ao Banco do Tesouro para a sua gestão financeira. O Sr. Deputado também se esqueceu daquilo que é a política de total ausência no domínio da Acção Social Escolar. Sobre isso, zero! Sobre isso, o que o Governo tem feito são anúncios, é colocar verbas no Orçamento do Estado, mas, até ao momento, nada foi feito nessa matéria. E Sr. Deputado Bravo Nico, V. Ex.ª esquece-se do clima de conflitualidade hoje existente no ensino superior, em Portugal. Nem o CRUP (Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas), nem o CSISP (Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos), nem a APESP (Associação Portuguesa do Ensino Superior Privado), nem os estudantes, nem os funcionários, enfim, ninguém diz uma palavra positiva sobre aquilo que tem sido a actuação deste Governo no domínio do ensino superior. Hoje, trouxemos aqui, Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma iniciativa que consagra basicamente três princípios. O primeiro é dotarmos as universidades e o ensino superior, em Portugal, de uma verdadeira autonomia: uma autonomia real e não uma autonomia tutelada; uma autonomia para a contratação dos recursos humanos; uma autonomia na selecção dos alunos; e uma autonomia na gestão. E sobre a gestão, que seja claro o seguinte: queremos acabar com a gestão dita democrática, que mais não é do que uma gestão demagógica nas universidades, e queremos permitir que cada estabelecimento de ensino possa escolher qual é o melhor método de gestão que se aplica às suas necessidades. O segundo princípio da nossa iniciativa legislativa tem a ver com a liberdade para, depois, podermos pedir responsabilidades. E liberdade, para nós, significa respeitar as diferenças, ou seja, respeitar aquilo que é diferente; significa permitir que cada estabelecimento de ensino superior defina qual a composição dos órgãos que vão gerir esse mesmo estabelecimento; significa que cada estabelecimento deve poder recrutar os seus principais responsáveis, isto é, o reitor ou o presidente do conselho directivo, seja no seu interior seja fora. Um terceiro domínio, que também consideramos importante, contido na nossa iniciativa é o da participação da sociedade. Pretendemos que, de facto, exista uma real abertura dos estabelecimentos de ensino à sociedade. Por isso, propomos que mais de 50% dos membros do órgão máximo dos estabelecimentos de ensino superior sejam oriundos da sociedade. Esta é que é uma verdadeira responsabilização da sociedade na gestão — e é isso que diz o relatório da OCDE. Propomos ainda que os estabelecimentos de ensino superior tenham uma visão estratégica da sua gestão, que ela seja plurianual e tenha em atenção as dinâmicas económicas e sociais. Para terminar, Sr. Presidente, queria deixar ficar um apelo final: o PSD manifesta total abertura para se poder obter um amplo consenso sobre estas matérias. As nossas propostas são conhecidas há muito, pois há mais de um ano que o líder do meu partido apresentou as propostas que hoje aqui discutimos. Esperamos, pois, que o Partido Socialista e as demais bancadas do Parlamento entendam quais são as nossas posições de abertura, percebam bem o que está em causa, sobretudo o Partido Socialista, e não tenham aquela atitude habitual de arrogância, por vezes de um certo autismo, de uma soberba, e possam acompanhar-nos neste debate, que queremos que seja participado e amplo para podermos encontrar as melhores soluções para o ensino superior em Portugal. O que temos feito nos últimos 26 meses tem sido a concretização do Programa do Governo, através da revisão da lei de bases, da implementação do Processo de Bolonha, do novo regime de graus e diplomas e dos cursos de especialização tecnológica, da abertura da universidade a públicos com mais de 23 anos, da promoção de medidas contra o abandono e o insucesso escolares, da implementação de uma classificação mínima de 10 valores, garantindo a qualidade no acesso ao ensino superior, de um compromisso com a ciência como nunca houve no nosso país, garantindo o maior investimento de sempre na política de investigação científica em Portugal, das parcerias internacionais, que nos colocam na agenda internacional e em trabalho de cooperação com os melhores institutos, as melhores universidades e os melhores centros de investigação do mundo, do novo regime de inscrição e de mobilidade de estudantes e da reforma que, neste momento, temos em curso em relação à avaliação e à garantia de qualidade do ensino superior. Este é o trabalho feito pelo PS em 26 meses e, neste momento em que discutimos o projecto de lei do PSD, é deste trabalho que o PS se orgulha. Estranho muito a posição do Partido Social Democrata, permita-me que o diga, Sr. Deputado Agostinho Branquinho, e a vossa ausência de conhecimento da realidade, que roça um pouco a tal arrogância de que nos acusam e que, muitas vezes, é sintoma de alguma irresponsabilidade que VV. Ex.as manifestam, aqui e ali, em relação a esta matéria. Não posso deixar de referir que VV. Ex.as afirmaram hoje, nesta Assembleia, que desconheciam o regime jurídico da avaliação e da garantia da qualidade do ensino superior em Portugal. Isto foi aqui dito pela bancada do PSD. Ora, vamos ver, então, onde está a tal proposta do Governo de regime jurídico da avaliação e da garantia da qualidade no ensino superior. Será que esta proposta está na resma de folhas da secretária do Sr. Ministro? Não está! Será que está na gaveta do Sr. Ministro, no Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior? Não está! Talvez esteja no cofre-forte do Ministério… Também não está! Então, onde estará?! Está exactamente na Assembleia da República, na Comissão de Ciência, Educação e Cultura, no grupo de trabalho a que V. Ex.ª preside e que tem a responsabilidade de, sobre esta matéria, emitir uma opinião. Só que V. Ex.ª, Sr. Deputado Agostinho Branquinho, desconhece esta questão. Acho muito estranho, irresponsável, ignorante e revela uma falta de conhecimento da realidade.
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Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Paula Barros, agradeço a questão que me colocou e os cumprimentos que teve a amabilidade de dirigir à minha intervenção, mas confesso ter alguma dificuldade para retirar uma conclusão efectiva das suas palavras e, consequentemente, da posição do Partido Socialista em todo este debate. Na realidade, as divergências que a Sr.ª Deputada conseguiu manifestar face ao que propomos são de detalhe e, em sede de especialidade, podem ser discutidas, aprofundadas e, eventualmente, dirimidas. Refiro-me ao reforço do conselho pedagógico, ao currículo e ao percurso profissional dos potenciais directores ou a outras matérias similares. Aquilo que é fundamental no nosso projecto não é isso, mas, sim, a filosofia e o modelo de gestão e de organização das nossas escolas, dando-lhes mais autonomia e quebrando o actual «monstro» centralista e dirigista que tem vindo a afundar o nosso sistema de ensino ao longo das últimas décadas. E quanto a este princípio e a esta filosofia é que, confesso, ainda não percebi se o Partido Socialista está do lado de cá, do nosso lado, ou do lado da extrema esquerda, se bem que fosse importante percebê-lo, porque não pode haver aqui meios termos. Neste campo, devemos ter uma postura reformista, dar passos em frente e inverter a tendência de progressivo afundamento do nosso sistema educativo, como todas as avaliações que são permanente e sistematicamente feitas nos dizem. A Sr.ª Deputada, contudo, ainda pensa que são necessárias mais avaliações ao sistema! Não chegam os relatórios que constantemente nos surgem à frente dos olhos para percebermos que estamos cada vez mais na cauda de todos os índices? De facto, perante este afundamento, o Partido Socialista tem de tomar uma posição, porque ou está do lado de quem pretende que fique tudo na mesma, e, nesse caso, vamos orgulhosamente vendo o nosso sistema a prejudicar e a hipotecar o futuro das novas gerações, ou quer uma mudança de paradigma, que é precisamente o que propomos. Como tal, tendo ouvido com atenção a sua intervenção e corroborando-a em muitas das suas vertentes, confesso que não posso aceitar a sua afirmação de que o nosso projecto é mais do mesmo. Mais do mesmo é deixar tudo como está, ou seja, é a vossa reprovação deste projecto. Aí, sim, fica tudo na mesma — a lógica centralista que vigora no nosso país e a lógica dirigista de acordo com a qual, num gabinete na Av. 5 de Outubro, um qualquer Ministro da Educação acaba por orientar o funcionamento de cada escola, impondo-lhe horários, corpo docente, pessoal não docente e curricula. Enfim, impondo-lhe tudo! Há exemplos neste sentido de despachos assinados este ano, em 2006, e não em 1930 ou mesmo em 1975, na altura do PREC. Não estamos a falar dessa altura, mas, sim, de 2006 e de despachos assinados pelo Secretário de Estado ou pela Ministra que, por exemplo, aconselham as escolas a podar árvores no seu espaço escolar! E são despachos que têm páginas consecutivas! Isto é apenas um exemplo, mas podemos dar mais durante o debate, pois, se calhar, será interessante confrontarmo-nos com a realidade um pouco esotérica em que se vive neste país. Por isto é que penso que, neste aspecto, não podemos ter meio termo. Penso, contudo, que percebi o problema do Partido Socialista. Na verdade, o PS ainda não está preparado para dar este passo e para fazer este debate, mas penso que o pode afirmar com frontalidade e que essa franqueza será por nós enaltecida. Digo-o porque, caso os senhores não utilizem a maioria absoluta para impedir a oposição de apresentar propostas construtivas e positivas para este debate, estamos integralmente disponíveis para aguardar que o Governo faça os estudos que entender, debata internamente o que considerar preferível e apresente a sua proposta, por forma a podermos confrontar os nossos pontos de vista. Assim, num trabalho conjunto, julgo que podemos ter a melhor solução para o futuro dos nossos jovens. É esta a nossa predisposição. Apesar de não ter muito tempo, vou tentar responder aos outros pedidos de esclarecimento, pedindo, contudo, desculpa pelo facto de a minha gestão do tempo não ter sido a mais adequada. Relativamente à esquerda, ao Partido Comunista Português e ao Bloco de Esquerda, direi que é natural termos visões absolutamente distintas sobre este problema. De facto, os senhores são extraordinariamente conservadores no que respeita a esta matéria, gostam do estado em que o ensino português se encontra e estão com ele satisfeitos. Até admito que temos todos o mesmo princípio, pois todos queremos uma maior igualdade social no desempenho das nossas escolas e, portanto, nos resultados dos nossos alunos. Mas há uma grande diferença: os senhores querem puxar as escolas de qualidade para baixo, querem pô-las ao mesmo nível das escolas problemáticas que temos hoje no nosso país; a nossa visão é a oposta, queremos precisamente acabar com as escolas problemáticas, introduzindo mecanismos para que elas possam melhorar, aproveitando as boas práticas das excelentes escolas, públicas e privadas, que temos no nosso país, para, assim, podermos dar passos em frente. Neste sentido, Sr. Deputado Diogo Feio, estamos inteiramente disponíveis para que este princípio da liberdade de escolha vá até ao limite, até às últimas consequências. Evidentemente, temos sentido de responsabilidade e sabemos que necessitamos de dar passos seguros e acertados para que esta evolução no sistema de ensino ocorra da melhor forma possível, de forma a atingirmos o objectivo final, que espero seja unânime nesta Câmara, que é o de termos qualidade de ensino para, desse modo, melhor prepararmos os nossos jovens para o futuro.
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Sr. Presidente, naturalmente, lamentamos que o Partido Socialista não tenha gerido convenientemente o seu tempo pois, assim, não poderemos confrontar a Sr.ª Deputada. De qualquer forma, estamos nos momentos finais deste nosso debate e penso que já é possível retirar algumas conclusões. Penso que ficou claro que, de facto, estão aqui em confronto duas visões distintas para o nosso sistema de ensino. De um lado, estão os que defendem que tudo deve ficar como está, os que não sabem olhar para os números, para os indicadores, para os relatórios de avaliação do nosso sistema de ensino. Hoje, poupei a Câmara ao que é a realidade — porque penso que todos a conhecemos e a sociedade portuguesa também —, expressa em estudos feitos por entidades independentes, quer nacionais quer internacionais, que mostram que, tal como está pensado, o nosso sistema de ensino faliu e está, progressivamente, a afundar-se. Perante esta realidade, temos, de um lado, a visão dos que, de forma conservadora, diria mesmo retrógrada, preferem ficar agarrados a esta mesma realidade, são incapazes de mudar, porque, eventualmente, tal pode chocar com alguns poderes instalados. Do outro lado, temos os que querem apresentar mudanças positivas para o sistema — e penso que isso está bem previsto na proposta do Partido Social Democrata —, os que não baixam os braços perante os indicadores que estão em cima da mesa, os que, de facto, querem mudanças que introduzam mais qualidade de ensino, mudanças que façam reduzir os nossos níveis de abandono escolar, que façam reduzir a nossa taxa de insucesso escolar, aproximando-nos assim do Primeiro Mundo. São, pois, duas visões absolutamente distintas. Penso que ficou claro que, de um lado, está a esquerda parlamentar que, por ter uma visão centralista e dirigista de toda a nossa sociedade, também nesta matéria ainda não conseguiu dar o passo em frente, enquanto, do outro lado, estão os que, nomeadamente na minha bancada, querem contribuir positivamente para mudanças no sistema, apesar de estarem na oposição e não no poder. Ora, o que é pouco inteligível em todo este debate é a posição do Partido Socialista. Se olharmos para o que têm vindo a ser as declarações de responsáveis governamentais, desde logo da Sr.ª Ministra da Educação, nomeadamente as que, ainda esta semana, foram publicadas num artigo inserido numa revista de referência, em que diz expressamente que é preciso introduzir alterações na autonomia e na gestão das escolas, se olharmos para o que são as intervenções de personalidades próximas do Partido Socialista, como, por exemplo, o Prof. Marçal Grilo, se olharmos para o que tem sido o percurso de muitas outras personalidades próximas do Partido Socialista, que têm defendido as medidas que, hoje, aqui, nós próprios propomos, não conseguimos perceber por que razão, neste debate, a bancada socialista, contradizendo o que tem sido esta linha de orientação, vem dizer que «Não senhor! Nós queremos estar colados à extrema-esquerda e queremos que tudo fique como está!» Esta é que é a posição muito pouco inteligível. É que, Srs. Deputados do Partido Socialista, desconfio que, dentro de algumas semanas ou alguns meses, os senhores ainda vão ter de engolir algumas palavras que, hoje, aqui proferiram porque vão ser ultrapassados pela dinâmica do Governo, que até vai apresentar nesta Assembleia uma proposta muito parecida com a nossa própria. A grande questão que aqui está em causa é um problema de oportunidade política, porque, infelizmente, os senhores continuam a colocar o interesse partidário acima do interesse dos portugueses e do seu futuro. O problema desta proposta é que tem o carimbo do PSD porque, se tivesse sido apresentada pelo Governo, os senhores seriam os primeiros a abanar a cabeça e a gritar hossanas à mesma. Este é que é o grande problema. Parece-me, pois, que se trata de um problema estruturante e que, infelizmente, acarreta prejuízos concretos para a vida dos portugueses. Os senhores, olhando para esta efémera conjuntura político-partidária, preferem prejudicar o interesse dos portugueses em prol do mero interesse partidário ou da cor partidária. A questão, Srs. Deputados, é que a nossa postura é diferente: apesar de estarmos na oposição, preferimos apresentar contributos positivos para uma melhor governação do País. O PSD fê-lo hoje e já o tem feito em relação a muitas outras áreas. Era bom que o Partido Socialista invertesse esta sua tendência. É que, hoje em dia, o Partido Socialista tem de governar; se calhar, em muitas circunstâncias, tem de ir atrás do Partido Social Democrata — admito-o —, mas é essa a posição que tem de assumir. O vosso papel não é o de fazer oposição à oposição, que é o que os senhores fizeram hoje, aqui. Repito que, hoje, os senhores vieram aqui fazer oposição à oposição, foram incapazes de nos acompanhar com propostas concretas que visassem o nosso sistema de ensino. Os senhores continuam agarrados a preconceitos ideológicos. Ora, perdoem-me a frontalidade e deixem-me repetir o que há pouco disse: os senhores, todos, aliás como tem acontecido em relação a outras áreas, vão acabar por aplaudir propostas, nomeadamente vindas do Governo, cuja base e origem é uma iniciativa do Partido Social Democrata. Nós lideramos a agenda também nesta matéria, e isso incomoda-vos. Mas não se preocupem — e perdoem-me a frontalidade —, pois o que tem de estar em causa aqui é o que é melhor para os portugueses. Não olhem para a autoria das iniciativas, olhem para a sua substância, para o seu valor e o seu mérito próprios. Se assim fizerem, não tenho dúvidas de que irão aprovar esta iniciativa legislativa.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Por iniciativa do PSD, este Parlamento discute hoje um tema decisivo para o nosso futuro colectivo — o sistema de ensino e, particularmente, a organização e funcionamento das nossas escolas. Importa clarificar, desde logo, três questões prévias. Em primeiro lugar, o PSD considera o desempenho do nosso sistema educativo claramente insatisfatório. Não negligenciamos que muito se progrediu nos últimos 30 anos. Contudo, também não desconhecemos que, perante qualquer acção comparativa, ficamos permanentemente nos últimos lugares. Todos os relatórios, todos os estudos, todas as avaliações nos mostram, sistematicamente, os problemas estruturais de que enferma o nosso sistema de ensino. Isto é, andamos objectivamente a hipotecar o futuro das novas gerações. Em segundo lugar, importa afirmar que o PSD não acredita que a solução para os problemas estruturantes do nosso sistema passe pelas medidas de cosmética que têm caracterizado a actuação do actual Governo. Mesmo aquelas medidas que, sem hesitação, consideramos positivas, como a generalização do Inglês e o alargamento de horários no 1.º ciclo, são medidas que, repito, apesar de positivas, não interferem com os problemas estruturantes do nosso sistema. Se queremos dar um efectivo passo em frente, é necessário ser mais assertivo e ter mais coragem. Como terceiro e último ponto prévio, gostaria de trazer à reflexão de todos o facto de o PSD, sendo um partido da oposição, sendo o partido líder de uma alternativa ao actual poder socialista, não assumir uma atitude de crítica inconsequente. Pelo contrário, fazemos questão de lançar propostas próprias, puxando a maioria para a discussão das mesmas. À revelia do que outros fizeram no passado, o PSD, na oposição, mantém o mesmo objectivo estratégico: trabalhar para que os portugueses vivam melhor amanhã do que vivem hoje. E consideramos que, mesmo que tal não traga ganhos partidários, a nossa opção é clara: estaremos sempre do lado do interesse dos portugueses, com propostas construtivas, contribuindo para uma melhor governação. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, tem sido esta a nossa postura: apresentar propostas positivas em diferentes áreas. Fizemo-lo, por exemplo, entre outras, nas áreas da justiça ou da segurança social. Fazemo-lo, também agora, na educação. Assim, em coerência, o PSD contribui hoje para um debate, que pretendemos participado e aprofundado, sobre o modelo de gestão e de autonomia das nossas escolas. É um tema que consideramos decisivo! Não faz sentido pensar que conseguiremos alterar os problemas estruturais da nossa educação, se as escolas, se cada uma das nossas escolas não tiver organização, estruturas e recursos para executar essa vontade de melhoria dos resultados. Jamais inverteremos o actual progressivo afundamento do sistema educativo se não combatermos o «monstro» centralista e dirigista que, há tantos anos, condiciona qualquer evolução positiva. O diploma que hoje aqui apresentamos introduz, em linhas gerais, quatro grandes inovações que representam uma profunda ruptura com a actual situação. Em primeiro lugar, concretizamos os princípios da liberdade de escolha da escola. Actualmente, as famílias portuguesas, se não tiverem condições socio-económicas que permitam o acesso a escolas privadas, não têm qualquer opção de escolha entre as escolas: ou têm dinheiro para recorrer ao ensino privado ou têm de inscrever os seus filhos na escola da sua área de residência. Esta situação é causa de injustiças sociais e, naturalmente, não promove a inovação, a criação, a diversidade das nossas escolas. O PSD propõe que os pais passem a ter liberdade para escolher a melhor escola para os seus filhos, de entre as que compõem a rede pública. Esta medida, aparentemente simples, introduzirá uma grande mudança no actual paradigma. Com esta medida, reforçaremos a competitividade e a diversidade entre as escolas e, assim, teremos escolas mais activas, modernas, flexíveis e adaptadas às novas realidades próprias do século XXI. Por outro lado, teremos uma efectiva liberdade de escolha para os pais e famílias dos alunos. Em segundo lugar, uma outra grande mudança: ao nível do modelo de gestão das escolas. O actual sistema impõe que os professores de uma determinada escola elejam de entre si os membros dos órgãos de gestão dessa escola. Este sistema, que alguns chamam de «gestão democrática», leva a que tantas e tantas escolas apenas consigam «resistir» devido ao enorme brio e sacrifício desses mesmos professores. Na verdade, muitas escolas do nosso país são geridas por professores que não só não têm vocação para serem gestores, como, muitas vezes, o fazem a contragosto. Querem estar na escola a ensinar, e não a gerir, mas, actualmente, a lei impõe o contrário. O PSD propõe uma solução diferente: confiar nas escolas, confiar nos professores, confiar nas famílias dos alunos e confiar na comunidade envolvente. Defendemos que cada escola deve escolher o seu director, com base na aptidão e no mérito individual para o exercício dessa função. Com a proposta do PSD, pode ser escolhido um professor, da escola ou de fora dela, se se entender que é a melhor opção, ou pode ser escolhida uma outra personalidade, não docente, se se mostrar mais capaz para melhor gerir essa escola. É uma medida que confere mais liberdade e mais responsabilidade a cada escola, mas é também uma medida em prol da qualidade e da excelência do ensino, promovendo a eficiência e a eficácia dos resultados nas nossas escolas. Em terceiro lugar, os «contratos de autonomia» deixam de ser uma faculdade para passarem a ser obrigatórios para todas as escolas. Até hoje, apenas uma escola em todo o País recorreu a esta ferramenta — a Escola da Ponte, em Janeiro de 2005 —, apesar de a lei consagrar este instrumento desde 1998. O PSD propõe que todas as escolas celebrem este tipo de contratos no prazo de dois anos. Estas convenções poderão prever diferentes níveis de autonomia, em função da realidade de cada escola, e poderão consagrar, por exemplo, a estabilização do corpo docente, a flexibilização dos curricula, a gestão racional dos horários, a selecção do pessoal não docente ou o estabelecimento de parcerias locais para a sua gestão e funcionamento. Promove-se, também aqui, a autonomia e a diversidade para, assim, termos escolas mais adaptadas às diferentes realidades, com melhores resultados e que melhor preparem as nossas crianças e os nossos jovens. Por último, em quarto lugar, o PSD propõe que a uma maior autonomia e liberdade corresponda, necessariamente, uma maior responsabilização. O actual sistema consagra um modelo de escola «fechada em si mesma», sem qualquer interacção com o mundo exterior, logo menos confrontada com os seus sucessos ou insucessos. O PSD propõe que as grandes opções estratégicas das escolas, como por exemplo a aprovação do projecto educativo ou a escolha do director, passem a ser da responsabilidade de um órgão — a assembleia da escola —, composto, maioritariamente, por pais e encarregados de educação e por elementos exteriores à própria escola e representativos do meio cultural, económico, empresarial e social envolvente. O sucesso de uma escola interessa a todos, logo a responsabilidade pelos seus resultados deve ser de todos e não só dos professores. Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD está, assim, apostado em introduzir mudanças profundas e estruturais num modelo cujos resultados estão hoje muito aquém do exigível; numa reforma que nos permita dar passos seguros e acertados para podermos ter menos abandono escolar e mais sucesso educativo. Naturalmente, esperamos que estas propostas interpelem consciências e abram um amplo debate na sociedade portuguesa, para que, no final, o País possa assumir estas rupturas, absolutamente necessárias ao nosso futuro. Esperemos que o Governo e a actual maioria se associem à nossa iniciativa, apresentando propostas e permitindo um debate, na especialidade, entre os diferentes pontos de vista. Diria mesmo que se a maioria absoluta não impuser autoritariamente o seu «cutelo» sobre esta proposta construtiva da oposição, o PSD assume a sua total disponibilidade para, na especialidade, aguardar a apresentação de propostas do Governo e de outros partidos parlamentares. Acreditemos, portanto, que o interesse dos portugueses será colocado acima de conjunturais e efémeros interesses partidários,…
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Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Duarte, antes de mais, deixe-me saudá-lo pela apresentação desta iniciativa e pela patente evolução ideológica que ela apresenta. Notamos que, efectivamente, algumas questões que eram marca do Partido Social Democrata há poucos anos atrás deixaram de o ser. Assumimos isso como uma evolução que consideramos natural, que aceitamos e que entendemos, a bem do regime democrático e da participação que todos podemos ter nele. Também não podemos deixar de saudar o Governo do Partido Socialista, que, neste momento, conseguiu colocar a educação no centro do debate. O Partido Socialista também não está satisfeito com os resultados que o sistema educativo português tem vindo a apresentar-nos, no entanto consideramos que a prioridade não é a gestão das escolas. Entendemos que esta matéria pode ser alvo do nosso pensamento, pode ser alvo daquilo que venhamos a pretender no futuro, mas tem de ser algo consubstanciado na avaliação do que temos neste momento, porque, se assim não for, o que temos de considerar é que aquilo que o PSD acabou de apresentar aqui não é mais do que um artifício de cosmética, é mais legislação avulsa, é mais do mesmo. Ora, como é mais do mesmo, o Partido Socialista não pactua com essa situação, nem quer continuar na mesma no que diz respeito ao domínio da educação. Também não podemos deixar de chamar a sua atenção para o que referiu sobre a confiança depositada nos professores. De facto, consideramos que o afastamento dos professores dos órgãos de gestão e de administração das escolas, nomeadamente da função de director, não demonstra uma clara confiança nos professores! O Partido Socialista entende, sim, que os directores das escolas devam ser sempre profissionais da educação. Não nos podemos esquecer da realidade e esta diz-nos que a gestão nas escolas tem um carácter fundamentalmente pedagógico. Permita-me que assinale aqui uma incoerência dos senhores. Em 1998, pediram o reforço das competências do conselho pedagógico e reivindicaram uma escola direccionada para os alunos. Agora espantamnos com um diploma em que o reforço do conselho pedagógico não é uma realidade e que prevê uma escola virada para os encarregados de educação! Na verdade, os encarregados de educação são parceiros fundamentais e indispensáveis, mas o fulcro da escola tem de ser constituído pelos alunos. Sr. Deputado, gostaria também que nos explicasse o que entendem por «livre escolha da escola pelos alunos», conforme vem referido no vosso diploma. Continuam a manter a política «cega» dos rankings das escolas, esquecendo o que está por trás dos resultados de cada escola, esquecendo as condições que cada escola tem e que influencia directamente os seus resultados? Os senhores têm a noção do que é a definição da rede escolar? Têm a noção de que demonstram uma clara intenção de criar escolas de elite e de criar guetos de escolas? Parece que os senhores não estão bem cientes de tudo isto. Nós não pactuamos com essa postura. O Partido Socialista defende claramente a criação, em todas as escolas, de mecanismos de avaliação, que já estão no terreno, para verificar onde é preciso melhorar. É necessário criar em todas as escolas da rede pública uma clara oferta de qualidade para que todo o cidadão português possa ter acesso a escolas públicas com qualidade. A Sr. Ministra já está a fazê-lo, discriminando positivamente escolas onde foram detectadas situações reais que dificultavam a melhor eficácia da sua actuação. Por isso, Sr. Deputado, solicito-lhe que nos clarifique pois há questões de fundo com que o Partido Socialista não pode pactuar. Há muito pouco de novo no vosso projecto de lei. Efectivamente, o que os senhores fazem é alguma «renda», em boa parte por conta da Lei n.º 115/97, de 19 de Setembro. 29 DE SETEMBRO DE 2006 9 Efectivamente, o que há de novo é o facto de os senhores apontarem a escolha de um director que está entregue à maioria da comunidade e dos pais, que não é eleito e que vai gerir o modelo de escola — escola pública, que interessa discutir aqui. Interessa discutir aqui convosco por que razão os senhores querem este director, por que querem esta assembleia de escola e qual é o modelo que suporta as vossas propostas, que, afinal, de propostas têm mesmo muito pouco. Deixo-vos, então, um desafio. O vosso projecto de lei é ambíguo, apontando o artigo 49.º para a possibilidade de um novo modelo de financiamento. É, pois, altura de os senhores esclarecerem aqui que modelo é este. Coloco também uma questão muito simples. Imaginemos que estamos num território educativo e que temos duas escolas. Uma delas tem bons resultados e, aplicando os vossos critérios, mais dinheiro; a outra tem piores resultado e, aplicando igualmente os vossos critérios, obviamente tem menos dinheiro. Os pais das crianças do bairro das vivendas e os pais das crianças dos bairros de realojamento escolhem a mesma escola. Aplica-se a liberdade — «a liberdade é vossa» — e escolhem exactamente a mesma escola. De que forma os senhores vão regular este exercício da liberdade? Onde começa e acaba a vossa liberdade? Penso que esta é uma questão que deverão esclarecer devidamente.
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Sr. Presidente, Sr. Deputado, o projecto de lei que o PSD aqui trouxe é, obviamente, uma forma de ganhar espaço num território que comunga com o PS, como ouvimos neste preciso momento. Estão tão interessados como o Partido Socialista em liquidar os restos da gestão democrática e em implementar um modelo novo sem qualquer avaliação do modelo anterior. Este é o projecto que têm em comum. Há muito pouco de novo no vosso projecto de lei. Efectivamente, o que os senhores fazem é alguma «renda», em boa parte por conta da Lei n.º 115/97, de 19 de Setembro. Efectivamente, o que há de novo é o facto de os senhores apontarem a escolha de um director que está entregue à maioria da comunidade e dos pais, que não é eleito e que vai gerir o modelo de escola — escola pública, que interessa discutir aqui. Interessa discutir aqui convosco por que razão os senhores querem este director, por que querem esta assembleia de escola e qual é o modelo que suporta as vossas propostas, que, afinal, de propostas têm mesmo muito pouco. Deixo-vos, então, um desafio. O vosso projecto de lei é ambíguo, apontando o artigo 49.º para a possibilidade de um novo modelo de financiamento. É, pois, altura de os senhores esclarecerem aqui que modelo é este. Coloco também uma questão muito simples. Imaginemos que estamos num território educativo e que temos duas escolas. Uma delas tem bons resultados e, aplicando os vossos critérios, mais dinheiro; a outra tem piores resultado e, aplicando igualmente os vossos critérios, obviamente tem menos dinheiro. Os pais das crianças do bairro das vivendas e os pais das crianças dos bairros de realojamento escolhem a mesma escola. Aplica-se a liberdade — «a liberdade é vossa» — e escolhem exactamente a mesma escola. De que forma os senhores vão regular este exercício da liberdade? Onde começa e acaba a vossa liberdade? Penso que esta é uma questão que deverão esclarecer devidamente. Mas, apesar de tudo aquilo que o Partido Socialista tem feito na educação, como o Sr. Deputado e o seu partido não têm a certeza se este será o momento ideal para que possa fazer caminho o vosso fim da gestão democrática, enquanto isso não é possível ou enquanto o Partido Socialista não estiver disponível para viabilizar esse fim da gestão democrática, os senhores adiantam uma outra estratégia. A da liberdade das famílias, ou seja, das famílias que podem, por enquanto — e dizem-no claramente na vossa exposição de motivos —, enquanto não destroem o fim da escola pública, escolher entre a escola pública a e a escola pública b. Porém, futuramente — esse é o vosso objectivo —, os pais poderão escolher entre a escola pública e a escola privada. O que os senhores querem garantir é, nem mais nem menos, a estratificação clara de todo o sistema educativo, primeiro da escola pública e depois da pública e da privada. A única certeza que vos incomoda é que os vossos filhos possam partilhar, coabitar, aprender e falar de democracia com outros jovens oriundos de territórios de exclusão, de violência e de marginalidade, aqueles que não foram bafejados pela sorte da estratificação socio-económica na qual os senhores se revêem e na qual os senhores sustentam exclusivamente o vosso projecto de lei. Sr. Deputado Pedro Duarte, como Deputado ainda tão jovem não acredita que a democracia é um valor acrescentado da nossa vida quotidiana? Deve lembrar-se, historicamente, pelo menos ouviu dizer aos mais velhos, que aquilo que os senhores aqui sustentam e defendem foi aquilo que o Estado Novo defendeu e sustentou entre o início da República e a Revolução de Abril de 1974! Como é que o senhor, tão jovem ainda, se consegue rever nestas teses tão velhas, tão caducas, tão fora de propósito, que põem em causa o futuro de todos nós, da democracia e dos nossos jovens, no exercício democrático do que é a escola pública? 10 I SÉRIE — NÚMERO 6 O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — As vossas propostas já cheiram a mofo!
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei do PSD, que constitui a matéria de discussão do agendamento potestativo de hoje, pretende abordar duas áreas temáticas da política educativa: a gestão e a administração dos estabelecimentos de ensino e a sua autonomia. São, de facto, matérias substantivas e poderiam ter constituído, ao longo dos últimos 30 anos, espaços mobilizadores do funcionamento do sistema educativo. Acontece que os governos do PS e do PSD nunca quiseram uma real autonomia pedagógica, científica, financeira e administrativa das escolas, desde o pré-escolar ao ensino superior. Por isso, de governo para governo, quer o PS quer o PSD, têm vindo a legislar de forma mitigada a autonomia dos estabelecimentos de ensino, retirando-lhes progressivamente as condições para a sua concretização. E esse exercício tem sido feito sobretudo através das diferentes administrações desconcentradas e centrais. Mas o PSD vai agora mais longe. Fê-lo na anterior legislatura, enquanto governo, através da apresentação de uma nova proposta de lei de bases do sistema educativo, vetada pelo então Presidente da República e criticada por todos os parceiros da comunidade educativa, mas retoma agora exactamente o mesmo conteúdo. O PSD sabe que a sustentação teórica que fundamenta as propostas apresentadas não tem qualquer rigor científico ou técnico e que tem sido alvo de inúmeras críticas de especialistas e de investigadores, nacionais e internacionais. O PSD confunde, e não por distracção, autonomia e desresponsabilização do Estado, sabendo, por imperativo da realidade, que esta política, insistentemente assumida nos últimos anos, tem tido um único resultado, que é o da diminuição da qualidade da escola pública. O PSD sugere, e não por desconhecimento, que os problemas do sistema educativo se resolvem com gestores profissionais, saibam ou não alguma coisa do processo de ensino/aprendizagem. O PSD defende, por vezes acompanhado pelo Partido Socialista, que, garantida a presença de um gestor/director, os problemas se esfumam miraculosamente. Todos nos recordamos da inadmissível declaração de um recente ministro do PSD, que, relativamente à matéria em causa, afirmava que o problema é que, no nosso país, «os professores gerem os professores e os médicos gerem os médicos». É este o princípio de que parte o PSD quando, na exposição de motivos, avalia a gestão democrática, esclarecendo, não exactamente como David Justino, mas não muito longe disso: «Não faz qualquer sentido que as escolas sejam geridas por uma espécie de órgãos ad hoc, assentes numa lógica de pretensa gestão democrática, como se o seu recrutamento se tratasse de um processo político». E acrescenta que, neste momento, pode ainda aceitar-se que, por inércia, as escolas tendam a seleccionar um professor para esta função da gestão. Este texto, Sr. Deputado Pedro Duarte, seria suficiente para sustentar todo o articulado do vosso projecto. Para o PSD, o exercício da gestão da coisa pública é reservado aos «políticos profissionais» e aos gestores. Os restantes cidadãos e cidadãs, incluindo os professores e os educadores, não passam, na vossa opinião, de uns incapazes, pretensiosos e defensores da inércia. É isto que o vosso projecto de lei refere na exposição de motivos. O PSD sabe, mas prefere ignorar, que a gestão dos estabelecimentos de ensino e a participação democrática de todos os intervenientes no sistema estão garantidas não só nos normativos enunciados mas também na Constituição da República Portuguesa. O PSD sabe, mas prefere esquecer, que a proposta hoje apresentada tem exactamente os mesmos ingredientes que a legislação produzida pelo Governo Regional da Madeira e que o Tribunal Constitucional considerou violadora da Constituição da República Portuguesa. Mas vamos às verdadeiras razões sociais-democratas. O conceito de «profissionalização da gestão» parte do princípio de que a gestão escolar não difere da gestão empresarial, que nada tem a ver com o exercício da docência e que só os gestores profissionais estão em condições de alterar o cenário do sistema educativo. A sacralização das técnicas de gestão para todas as maleitas do sistema pretende apresentar-se com uma total neutralidade política no que aos fins e às estratégias diz respeito. A mensagem que se pretende «vender» é clara: os problemas da escola são sobretudo de gestão e só os especialistas os poderão resolver, porque os docentes não estão qualificados para o fazer, embora, ao longo de 30 anos, não tenham feito outra coisa contra as decisões centralizadoras e manipuladoras dos diversos governos, incluindo o do PSD. Srs. Deputados do PSD, o processo electivo dos liceus é consagrado com maior clareza na Revolução Republicana de 1910, mas quem acaba com este processo electivo é a ditadura do Estado Novo, em 1928. E só depois da Revolução de Abril de 1974 se introduz o princípio da eleição democrática dos órgãos dirigentes dos estabelecimentos de ensino. É isto que o PSD tem vontade de retomar, e pretende fazê-lo à revelia dos normativos do regime democrático. Esquecer este percurso e este processo político e ideológico e pretender reduzi-lo à suposta inércia dos docentes ou à ridicularização do exercício democrático é, Srs. Deputados, intelectualmente, muito pouco sério. A concepção «gerencialista» que o PSD propõe neste projecto impõe às escolas uma direcção e uma gestão empresariais, que resulta do entendimento incorrecto de que os problemas da educação se resumem à administração e à gestão de recursos, estes, sim, cada vez mais parcos, exactamente na relação inversa das necessidades e das exigências do desenvolvimento do País. O estafado slogan social-democrata, e muitas vezes subscrito pelo Partido Socialista, da «modernização da gestão» tem, no projecto do PSD, uma estratégia clara, que é a de reduzir o funcionamento democrático das instituições educativas. A opção profissionalizar ou democratizar surge sempre quando os contextos políticos indiciam uma vontade governativa de alteração da regulação da escola pública. Isto deveria obrigar o Partido Socialista a pensar porquê agora e neste momento. No momento em que o Governo do Partido Socialista reduz progressivamente e pretende extinguir algumas das responsabilidades do Estado relativamente à escola pública; no momento em que o Partido Socialista defende a privatização da função social educativa; no momento em que o Partido Socialista defende a subordinação das preocupações pedagógicas aos critérios de eficiência e qualidade, definidos numa lógica mercantil; numa altura em que o Partido Socialista desvaloriza a função docente e ataca vergonhosa e permanentemente os profissionais da educação e as estruturas que os representam; numa altura em que o Partido Socialista, em nome da sociedade civil, corporiza um aumento das influências externas da escola, sobretudo do mundo empresarial, com o objectivo de afunilar a missão das escolas às necessidades mercantis de raciocínio curto. O PSD entendeu que este era o momento ideal e o «caldo» cultural ideal para apresentar e repor um texto que há muito tinha vontade de fazer e que foi vetado pelo Sr. Presidente da República. O PSD sabe que esta tese dificilmente poderá prosseguir na sua totalidade e terá de a fazer, de forma mitigada, com o Partido Socialista. Entretanto, enquanto não consegue pôr em prática esta mesma estratégia, propõe aquilo a que o PSD chama «a liberdade das famílias», para que elas possam escolher a escola pública a frequentar pelos seus filhos, até que um dia possam escolher a escola pública ou privada, sem qualquer obstáculo democrático. Este seria o princípio para a existência de escolas estratificadas socialmente, que garantissem ao PSD que jamais algumas crianças e alguns jovens, por razões que se prendem com a residência das famílias, fossem obrigados a matricular-se, a aprender, a partilhar e a conviver com outras crianças e com outros jovens oriundos de territórios problemáticos, económica e socialmente. O que o PSD quer garantir é que não haja «misturas», muito menos em nome da democracia. Srs. Deputados do PSD, o maior desafio que importa hoje garantir às escolas é exactamente o do aprofundamento de uma maior democratização e de uma verdadeira autonomia do território educativo. O sistema educativo é, provavelmente, aquele que, com maior clareza, possui no seio da Administração Pública um elevado número de educadores e de professores com uma larga experiência e com formação específica na área da administração e da gestão do sistema. Mas, infelizmente, por decisões do PS e do PSD, esses mesmos educadores e professores têm estado totalmente subordinados e sujeitos ao aparelho central e aos aparelhos desconcentrados das administrações regionais. Também sobre estas matérias, desde a década de 80, os diferentes governos têm tido em seu poder estudos, relatórios, conclusões e reflexões feitas por especialistas, nacionais e estrangeiros, acerca da importância da gestão e da administração democrática. E há um conjunto de recomendações que o PSD e o PS, que passaram pelo governo nos últimos 30 anos, nunca estiveram na disposição de pôr em prática. Vou terminar, Sr. Presidente. E não estiveram nessa disposição porque esses estudos e essas recomendações apontavam em dois sentidos: primeiro, no sentido da defesa da escola democrática e do aprofundamento do regime democrático nas instituições; segundo, no sentido de dar uma verdadeira autonomia às escolas, de natureza administrativa, financeira, pedagógica e científica. Ora, estas duas recomendações são demasiado perigosas para quem quer substituir professores e educadores por gestores empresariais.
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Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Duarte, a discussão a que hoje assistimos neste Plenário já tem um ponto assente, pois, até agora, temos estado a ver quem na esquerda é mais de esquerda e quem consegue adjectivar mais para demonstrar que é de esquerda. Tal não deixa de ser curioso e, ao mesmo tempo, grave, sobretudo quando temos o Partido Socialista preocupado em entrar nesta guerra de adjectivos. Isto é a demonstração de que, infelizmente, o Partido Socialista ainda não percebeu por que é que, ao nível da educação, estamos no estado em que estamos, por que é que temos os níveis de abandono escolar que temos, por que é que temos os níveis de saída precoce da escola que ainda temos e por que é que temos a deficiente gestão das escolas que temos. Em relação a esta matéria, devo, mesmo numa pergunta dirigida ao Partido Social Democrata, afirmar que pertenci com muito orgulho à equipa de governo que fez o primeiro contrato de autonomia com uma escola em Portugal. O primeiro e, infelizmente, o único! Tendo em atenção o facto de o actual Governo já estar em funções há um ano e meio, percebemos bem o que este Executivo pensa sobre a autonomia das escolas. Mas, Sr. Deputado Pedro Duarte, tenho uma pergunta muito directa a fazer-lhe, que tem a ver com a questão da liberdade de escolha. Nós somos favoráveis à ideia da liberdade de escolha precisamente na sequência da liberdade de aprender e de ensinar, que, por acaso, vem prevista na nossa Constituição. Como tal, Sr. Deputado, gostava de saber qual é, para vós, o limite para a liberdade de escolha. Pergunto-o porque no vosso projecto a liberdade de escolha existe dentro das escolas públicas e o que queremos saber é o que é que o PSD pensa em relação àquela que deve ser a verdadeira liberdade de escolha, ou seja, a liberdade de escolha total e não limitada. Por outro lado, é também interessante perguntar ao PSD se está disponível para estudar a matéria do necessário financiamento para que exista essa total liberdade de escolha, o que nos levaria a deixar de lado aqueles discursos um bocadinho esquizofrénicos sobre rankings e sobre a distinção entre escolas, e a concentrarmo-nos, fundamentalmente, num sistema de ensino que forma cada vez mais e cada vez melhor. Refiro-me ao reforço do conselho pedagógico, ao currículo e ao percurso profissional dos potenciais directores ou a outras matérias similares. Aquilo que é fundamental no nosso projecto não é isso, mas, sim, a filosofia e o modelo de gestão e de 29 DE SETEMBRO DE 2006 11 organização das nossas escolas, dando-lhes mais autonomia e quebrando o actual «monstro» centralista e dirigista que tem vindo a afundar o nosso sistema de ensino ao longo das últimas décadas.
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Sr. Presidente, Sr. Deputado João Bernardo, antes ainda de começar o meu pedido de esclarecimento, devo fazer um aviso: é porque, na preparação que fiz para o debate, pensava que iria pedir esclarecimentos à Sr.ª Ministra da Educação, que não está aqui presente — aliás, pressuponho que o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares não veio aqui esperar a Sr.ª Ministra… —, portanto, o interlocutor que tenho é, desde logo, o Sr. Deputado, que representa o Partido Socialista. O Sr. Deputado disse que concorda com um conjunto de princípios que têm sido aqui referidos e que aparecem no projecto de lei que estamos a discutir, mas, depois, fiquei um pouco baralhado com o resto da intervenção, pois o início, o meio e o fim parecem não corresponder. Sr. Deputado, é ou não favorável a um princípio de autonomia crescente das escolas? Se é, como explica que nada tenha sido feito nessa matéria no último ano e meio? É ou não favorável a um princípio de melhor gestão nas escolas? Se é, não se compreende a sua intervenção. É ou não favorável a um princípio de liberdade de escolha por parte dos encarregados de educação e dos alunos? Aquilo que é interessante saber aqui é se neste debate a bancada do Partido Socialista olha para o lado direito do Hemiciclo ou para aquele. Isso é verdadeiramente essencial para percebermos se o Partido Socialista quer ou não fazer evoluir o nosso sistema de ensino. Mas também devo dizer-lhe que em relação à questão da liberdade de escolha ela pressupõe opções de natureza financeira, que têm de ser muito claras. E, nesse sentido, posso anunciar a V. Ex.ª e à Câmara que o CDS, muito brevemente, irá apresentar um projecto de lei prevendo um novo modelo de financiamento, que passa pelo cheque de ensino, que cria as condições para que exista uma total liberdade de escolha entre a escola pública e a escola privada e permite até o financiamento por parte das tais escolas com autonomia. Este projecto de lei pressupõe também uma maior flexibilização nos próprios contratos que são estabelecidos com os professores. E nós queremos saber aquilo que o Partido Socialista tem a dizer em relação a esta matéria. Pretendem ou não essa mesma flexibilidade? Pretendem ou não a existência de flexibilidade na Administração Pública, que tanto tem sido falada nos últimos tempos? Em suma, aquilo que nós, neste momento, temos de saber é quando é que vamos passar definitivamente às reformas de fundo em relação à matéria da educação. Última pergunta: já ficámos a perceber, e ficámos a perceber recentemente, que o Primeiro-Ministro de Portugal se considera agora uma espécie de mastermind do socialismo europeu ou mastermind dos primeiros-ministros socialistas. Mas quero referir-lhe um socialista também, o Sr. Tony Blair, que tem, no seu tempo de mandato — e não me parece que o deva considerar um perigoso liberal —,. estabelecido um conjunto de reformas em relação ao sistema de ensino inglês. Concorda com elas, Sr. Deputado? Concorda, por exemplo, com o livro branco relacionado com esta matéria, que foi apresentado em Inglaterra e que tem, evidentemente, a chancela do governo inglês, onde a liberdade de escolha é um patamar essencial? Isso é que é muito importante fazer! Sr. Deputado, eu até lhe deixo um desafio: não responda a qualquer outra pergunta, mas responda-me a esta, porque ela é extraordinariamente importante, porque por ela ficaremos a perceber qual o patamar de socialismo que têm os nossos Governo e Partido Socialista. O que é importante é que a assembleia de escola abra as portas, como propomos, não só aos professores e aos funcionários mas também às autarquias, que têm cada vez mais um papel decisivo e importante no sistema escolar, às empresas, aos empresários e às associações empresariais, ou seja, a toda a comunidade. O nosso desafio é transformar o espaço da escola, que, até agora, era um espaço fechado, num espaço aberto, em permanente intercâmbio, em permanente troca de evoluções com todo o seu meio envolvente, cultural, social, empresarial, e com a autarquia. Esta é que é a grande diferença relativamente ao modelo que existe hoje. Portanto, gostaria de saber se o Partido Socialista está ou não disponível para abrir a escola a toda a comunidade.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei do PSD, que constitui a matéria de discussão do agendamento potestativo de hoje, pretende abordar duas áreas temáticas da política educativa: a gestão e a administração dos estabelecimentos de ensino e a sua autonomia. São, de facto, matérias substantivas e poderiam ter constituído, ao longo dos últimos 30 anos, espaços mobilizadores do funcionamento do sistema educativo. Acontece que os governos do PS e do PSD nunca quiseram uma real autonomia pedagógica, científica, financeira e administrativa das escolas, desde o pré-escolar ao ensino superior. Por isso, de governo para governo, quer o PS quer o PSD, têm vindo a legislar de forma mitigada a autonomia dos estabelecimentos de ensino, retirando-lhes progressivamente as condições para a sua concretização. E esse exercício tem sido feito sobretudo através das diferentes administrações desconcentradas e centrais. Mas o PSD vai agora mais longe. Fê-lo na anterior legislatura, enquanto governo, através da apresentação de uma nova proposta de lei de bases do sistema educativo, vetada pelo então Presidente da República e criticada por todos os parceiros da comunidade educativa, mas retoma agora exactamente o mesmo conteúdo. O PSD sabe que a sustentação teórica que fundamenta as propostas apresentadas não tem qualquer rigor científico ou técnico e que tem sido alvo de inúmeras críticas de especialistas e de investigadores, nacionais e internacionais. O PSD confunde, e não por distracção, autonomia e desresponsabilização do Estado, sabendo, por imperativo da realidade, que esta política, insistentemente assumida nos últimos anos, tem tido um único resultado, que é o da diminuição da qualidade da escola pública. O PSD sugere, e não por desconhecimento, que os problemas do sistema educativo se resolvem com gestores profissionais, saibam ou não alguma coisa do processo de ensino/aprendizagem. O PSD defende, por vezes acompanhado pelo Partido Socialista, que, garantida a presença de um gestor/director, os problemas se esfumam miraculosamente. Todos nos recordamos da inadmissível declaração de um recente ministro do PSD, que, relativamente à matéria em causa, afirmava que o problema é que, no nosso país, «os professores gerem os professores e os médicos gerem os médicos». É este o princípio de que parte o PSD quando, na exposição de motivos, avalia a gestão democrática, esclarecendo, não exactamente como David Justino, mas não muito longe disso: «Não faz qualquer sentido que as escolas sejam geridas por uma espécie de órgãos ad hoc, assentes numa lógica de pretensa gestão democrática, como se o seu recrutamento se tratasse de um processo político». E acrescenta que, neste momento, pode ainda aceitar-se que, por inércia, as escolas tendam a seleccionar um professor para esta função da gestão. Este texto, Sr. Deputado Pedro Duarte, seria suficiente para sustentar todo o articulado do vosso projecto. Para o PSD, o exercício da gestão da coisa pública é reservado aos «políticos profissionais» e aos gestores. Os restantes cidadãos e cidadãs, incluindo os professores e os educadores, não passam, na vossa opinião, de uns incapazes, pretensiosos e defensores da inércia. É isto que o vosso projecto de lei refere na exposição de motivos. O PSD sabe, mas prefere ignorar, que a gestão dos estabelecimentos de ensino e a participação democrática de todos os intervenientes no sistema estão garantidas não só nos normativos enunciados mas também na Constituição da República Portuguesa. O PSD sabe, mas prefere esquecer, que a proposta hoje apresentada tem exactamente os mesmos ingredientes que a legislação produzida pelo Governo Regional da Madeira e que o Tribunal Constitucional considerou violadora da Constituição da República Portuguesa. Mas vamos às verdadeiras razões sociais-democratas. O conceito de «profissionalização da gestão» parte do princípio de que a gestão escolar não difere da gestão empresarial, que nada tem a ver com o exercício da docência e que só os gestores profissionais estão em condições de alterar o cenário do sistema educativo. A sacralização das técnicas de gestão para todas as maleitas do sistema pretende apresentar-se com uma total neutralidade política no que aos fins e às estratégias diz respeito. A mensagem que se pretende «vender» é clara: os problemas da escola são sobretudo de gestão e só os especialistas os poderão resolver, porque os docentes não estão qualificados para o fazer, embora, ao longo de 30 anos, não tenham feito outra coisa contra as decisões centralizadoras e manipuladoras dos diversos governos, incluindo o do PSD. Srs. Deputados do PSD, o processo electivo dos liceus é consagrado com maior clareza na Revolução Republicana de 1910, mas quem acaba com este processo electivo é a ditadura do Estado Novo, em 1928. E só depois da Revolução de Abril de 1974 se introduz o princípio da eleição democrática dos órgãos dirigentes dos estabelecimentos de ensino. É isto que o PSD tem vontade de retomar, e pretende fazê-lo à revelia dos normativos do regime democrático. Esquecer este percurso e este processo político e ideológico e pretender reduzi-lo à suposta inércia dos docentes ou à ridicularização do exercício democrático é, Srs. Deputados, intelectualmente, muito pouco sério. A concepção «gerencialista» que o PSD propõe neste projecto impõe às escolas uma direcção e uma gestão empresariais, que resulta do entendimento incorrecto de que os problemas da educação se resumem à administração e à gestão de recursos, estes, sim, cada vez mais parcos, exactamente na relação inversa das necessidades e das exigências do desenvolvimento do País. O estafado slogan social-democrata, e muitas vezes subscrito pelo Partido Socialista, da «modernização da gestão» tem, no projecto do PSD, uma estratégia clara, que é a de reduzir o funcionamento democrático das instituições educativas. A opção profissionalizar ou democratizar surge sempre quando os contextos políticos indiciam uma vontade governativa de alteração da regulação da escola pública. Isto deveria obrigar o Partido Socialista a pensar porquê agora e neste momento. No momento em que o Governo do Partido Socialista reduz progressivamente e pretende extinguir algumas das responsabilidades do Estado relativamente à escola pública; no momento em que o Partido Socialista defende a privatização da função social educativa; no momento em que o Partido Socialista defende a subordinação das preocupações pedagógicas aos critérios de eficiência e qualidade, definidos numa lógica mercantil; numa altura em que o Partido Socialista desvaloriza a função docente e ataca vergonhosa e permanentemente os profissionais da educação e as estruturas que os representam; numa altura em que o Partido Socialista, em nome da sociedade civil, corporiza um aumento das influências externas da escola, sobretudo do mundo empresarial, com o objectivo de afunilar a missão das escolas às necessidades mercantis de raciocínio curto. O PSD entendeu que este era o momento ideal e o «caldo» cultural ideal para apresentar e repor um texto que há muito tinha vontade de fazer e que foi vetado pelo Sr. Presidente da República. O PSD sabe que esta tese dificilmente poderá prosseguir na sua totalidade e terá de a fazer, de forma mitigada, com o Partido Socialista. Entretanto, enquanto não consegue pôr em prática esta mesma estratégia, propõe aquilo a que o PSD chama «a liberdade das famílias», para que elas possam escolher a escola pública a frequentar pelos seus filhos, até que um dia possam escolher a escola pública ou privada, sem qualquer obstáculo democrático. Este seria o princípio para a existência de escolas estratificadas socialmente, que garantissem ao PSD que jamais algumas crianças e alguns jovens, por razões que se prendem com a residência das famílias, fossem obrigados a matricular-se, a aprender, a partilhar e a conviver com outras crianças e com outros jovens oriundos de territórios problemáticos, económica e socialmente. O que o PSD quer garantir é que não haja «misturas», muito menos em nome da democracia. Srs. Deputados do PSD, o maior desafio que importa hoje garantir às escolas é exactamente o do aprofundamento de uma maior democratização e de uma verdadeira autonomia do território educativo. O sistema educativo é, provavelmente, aquele que, com maior clareza, possui no seio da Administração Pública um elevado número de educadores e de professores com uma larga experiência e com formação específica na área da administração e da gestão do sistema. Mas, infelizmente, por decisões do PS e do PSD, esses mesmos educadores e professores têm estado totalmente subordinados e sujeitos ao aparelho central e aos aparelhos desconcentrados das administrações regionais. Também sobre estas matérias, desde a década de 80, os diferentes governos têm tido em seu poder estudos, relatórios, conclusões e reflexões feitas por especialistas, nacionais e estrangeiros, acerca da importância da gestão e da administração democrática. E há um conjunto de recomendações que o PSD e o PS, que passaram pelo governo nos últimos 30 anos, nunca estiveram na disposição de pôr em prática. Vou terminar, Sr. Presidente. E não estiveram nessa disposição porque esses estudos e essas recomendações apontavam em dois sentidos: primeiro, no sentido da defesa da escola democrática e do aprofundamento do regime democrático nas instituições; segundo, no sentido de dar uma verdadeira autonomia às escolas, de natureza administrativa, financeira, pedagógica e científica. Ora, estas duas recomendações são demasiado perigosas para quem quer substituir professores e educadores por gestores empresariais.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 268/X, da iniciativa do Grupo Parlamentar do PSD, referente ao regime de gestão dos estabelecimentos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, apresenta como princípio geral o de transferir novos graus de responsabilidade e decisão para as próprias escolas. Considera igualmente que o aumento da eficácia do funcionamento de uma escola será crescente, se adaptado ao meio envolvente, logo menos condicionado por órgãos centralizadores, regionais ou nacionais. Diz ainda o projecto de lei do PSD que é imperioso adoptar-se a gestão profissional das escolas, entregando-a a um docente ou a uma personalidade de reconhecido mérito. Entendamo-nos: muitos dos princípios aqui definidos merecem certamente o consenso de muitos deste Hemiciclo e da generalidade da comunidade educativa. Todavia, os objectivos traçados são muito genéricos e estão longe de corresponder ao articulado e aos objectivos deste projecto de lei. Aliás, fica-se com a convicção de que quem escreveu a exposição de motivos não participou na elaboração do articulado. Sendo assim, não se descortina qualquer medida que transfira novos graus de decisão e de responsabilidade para as escolas ou agrupamentos escolares. Aliás, seria bem-vinda uma proposta que correspondesse ao objectivo que está a ser prosseguido de centrar localmente as novas políticas educativas. Todavia, sobre isso o projecto de lei é completamente omisso. A intenção é boa, mas o projecto nada consagra nesse sentido. Além do mais, um qualquer projecto de mudança do modelo de gestão e administração escolar deveria ser precedido de um estudo e de uma avaliação do actual modelo — o que, conforme é do vosso conhecimento, está a ser efectuado neste momento pelo Governo da Nação. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não é possível nem desejável legislar hoje sobre uma mudança do sistema de gestão escolar sem a ajustar a uma avaliação rigorosa da experiência adquirida. É necessário e fundamental construir novas soluções através de um processo de autoavaliação e de avaliação externa. Ora, nada disto foi feito pelo PSD. O diploma apresentado é um projecto para a opinião pública, elaborado sem qualquer estudo prévio. Consideramos ainda que o projecto de lei do PSD cria uma formatação uniforme do modelo de gestão, tratando todas as escolas e todos os agrupamentos escolares como se fossem iguais e tivessem, obrigatoriamente, de se submeter a um figurino nacional. Também por isso consideramos este modelo perfeitamente errado, porque as escolas precisam de regimes de autonomia diferenciados e ajustáveis às dinâmicas e lideranças locais. Enuncia-se, ainda, o aumento da eficácia do funcionamento de uma escola, que será crescente se adaptado ao meio envolvente, logo menos condicionado pelos órgãos centralizadores do aparelho do Ministério da Educação. Mas sobre este objectivo o diploma nada aponta, e nada de inovador se refere em relação ao Decreto-Lei n.º 115-A/98 e à Lei n.º 24/99. Aliás, o PSD não pode ignorar o caminho de descentralização já percorrido, o qual foi desencadeado por este Governo. A participação, numa dinâmica de parceria, de autarquias, famílias, do movimento associativo, das entidades empreendedoras e dos serviços públicos descentralizados é cada vez mais uma condição de implantação de estratégias educativas eficazes que qualificam a escola pública. Mas falemos então da verdadeira motivação deste projecto de lei, que é a adopção da gestão profissional das escolas. Aliás, não compreendemos o que o PSD entende por gestão profissional — como se fosse aceitável na Administração Pública haver uma gestão não profissional. Fala-se em gestão profissional com um desrespeito claro por um presente, em que temos muitos e muitos conselhos executivos com provas de grande profissionalismo e de grande capacidade de liderança. O PSD pretende, através deste projecto de lei, mudar a Constituição da República e a Lei de Bases do Sistema Educativo, que asseguram a participação dos professores na gestão democrática das escolas. De qualquer forma, é de reter a mudança de posição do PSD desde 2004, altura em que pretendia que os directores escolares fossem nomeados pelo governo central. Trata-se de uma mudança significativa, que merece ser salientada como positiva. Para haver gestão profissionalizada, é imperioso e determinante que exista uma gestão pedagógica eficaz, autónoma, com competências para gerir e analisar as aprendizagens e comportamentos, assente no primado do pedagógico sobre o administrativo-financeiro e com uma gestão intermédia capaz e devidamente enquadrada. Mas o projecto de lei do PSD nada diz sobre o aprofundamento das novas regras de autonomia e descentralização de poderes efectivos da escola pública. Entendemos a gestão profissionalizada na figura do director executivo, mas essa escolha deverá ser efectuada sem rupturas indesejáveis, continuando no caminho do reforço da participação das famílias e da comunidade envolvente na direcção estratégica dos estabelecimentos de ensino e no favorecimento da constituição de lideranças fortes. O PS e o actual Governo defendem, conforme consta do seu programa eleitoral e de Governo, formas de organização e de gestão diferenciadas, em que a gestão executiva esteja a cargo de profissionais da educação. Entendemos igualmente que o modelo de gestão e administração escolar pode e deve ser aperfeiçoado, numa perspectiva de consolidar as experiências adquiridas e ganhar novos processos que tornem a escola pública mais eficaz e condizente com formas mais avançadas de gestão. Mas este objectivo tem de ser enquadrado, como referiu recentemente a Sr.ª Ministra da Educação, e isso só será possível se a política educativa for capaz de se centrar nas escolas enquanto organizações dotadas de real autonomia e capacidade de gestão. O modelo de acção excessivamente centralizado da «5 de Outubro» necessita de dar lugar a um outro, no qual as escolas possam assumir responsabilidades e ver o seu desempenho ser avaliado de forma exigente e criteriosa. O exercício desta autonomia dependerá da capacidade de liderança e de gestão científica e pedagógica, organizando o funcionamento das escolas em torno dos valores do saber e da disciplina do trabalho e do estudo. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei do PSD confunde algo no plano dos conceitos, porque transforma a gestão e administração das escolas num fim em si próprio e não num instrumento de aplicação das políticas educativas. O que o PSD pretende é trazer para a escola pública mais instabilidade. Num momento em que alterações significativas estão em fase de aplicação, pretende o PSD perturbar o sistema e criar mais ruído no processo educativo. Por isso, entendemos que esta proposta é extemporânea e indesejada neste momento legislativo. … para percebermos se o Partido Socialista quer ou não fazer evoluir o nosso sistema de ensino. Mas também devo dizer-lhe que em relação à questão da liberdade de escolha ela pressupõe opções de natureza financeira, que têm de ser muito claras. E, nesse sentido, posso anunciar a V. Ex.ª e à Câmara que o CDS, muito brevemente, irá apresentar um projecto de lei prevendo um novo modelo de financiamento, que passa pelo cheque de ensino, que cria as condições para que exista uma total liberdade de escolha entre a escola pública e a escola privada e permite até o financiamento por parte das tais escolas com autonomia. Este projecto de lei pressupõe também uma maior flexibilização nos próprios contratos que são estabelecidos com os professores. E nós queremos saber aquilo que o Partido Socialista tem a dizer em relação a esta matéria. Pretendem ou não essa mesma flexibilidade? Pretendem ou não a existência de flexibilidade na Administração Pública, que tanto tem sido falada nos últimos tempos? Em suma, aquilo que nós, neste momento, temos de saber é quando é que vamos passar definitivamente às reformas de fundo em relação à matéria da educação. Última pergunta: já ficámos a perceber, e ficámos a perceber recentemente, que o Primeiro-Ministro de Portugal se considera agora uma espécie de mastermind do socialismo europeu ou mastermind dos primeiros-ministros socialistas. Mas quero referir-lhe um socialista também, o Sr. Tony Blair, que tem, no seu tempo de mandato — e não me parece que o deva considerar um perigoso liberal —,. estabelecido um conjunto de reformas em relação ao sistema de ensino inglês. Concorda com elas, Sr. Deputado? Concorda, por exemplo, com o livro branco relacionado com esta matéria, que foi apresentado em Inglaterra e que tem, evidentemente, a chancela do governo inglês, onde a liberdade de escolha é um patamar essencial? Isso é que é muito importante fazer! Sr. Deputado, eu até lhe deixo um desafio: não responda a qualquer outra pergunta, mas responda-me a esta, porque ela é extraordinariamente importante, porque por ela ficaremos a perceber qual o patamar de socialismo que têm os nossos Governo e Partido Socialista. O que é importante é que a assembleia de escola abra as portas, como propomos, não só aos professores e aos funcionários mas também às autarquias, que têm cada vez mais um papel decisivo e importante no sistema escolar, às empresas, aos empresários e às associações empresariais, ou seja, a toda a comunidade. O nosso desafio é transformar o espaço da escola, que, até agora, era um espaço fechado, num espaço aberto, em permanente intercâmbio, em permanente troca de evoluções com todo o seu meio envolvente, cultural, social, empresarial, e com a autarquia. Esta é que é a grande diferença relativamente ao modelo que existe hoje. Portanto, gostaria de saber se o Partido Socialista está ou não disponível para abrir a escola a toda a comunidade. Sr. Presidente, quero agradecer aos Srs. Deputados Emídio Guerreiro e Diogo Feio as questões que me colocaram, às quais irei procurar responder de uma forma sintética. Sr. Deputado Emídio Guerreiro, se ouviu a minha intervenção, e, certamente, ouviu-a com atenção, reparou que eu tive o cuidado de afirmar, na primeira parte da mesma, que havia um desfasamento completo entre a exposição de motivos e o articulado. Isto é: quem lê com atenção o vosso projecto de lei fica com a ideia de que quem escreveu a primeira parte não tinha uma ligação ou não estava de acordo com quem escreveu o articulado. Porque, de facto, uma coisa não condiz com a outra. Quanto aos princípios, o Partido Socialista mostra total abertura para discutir essa matéria, porque somos os primeiros interessados em que a escola pública seja cada vez mais uma escola de qualidade, ao contrário de VV. Ex.as… Porque, quando vêm propor aqui a liberdade de escolha, querem criar na sociedade portuguesa escolas «de primeira», «de segunda» ou «de terceira», em função da condição social das famílias, e é em relação a isso estamos profundamente em desacordo!! Aliás, Sr. Deputado — e o Sr. Deputado Diogo Feio referiu também esta matéria —, no plano conceptual, não compreendemos por que é que isto vem espelhado num diploma sobre gestão e administração escolar…! É uma matéria completamente distinta! Uma coisa nada tem a ver com a outra!… O que precisamos é de definir claramente e de forma estável, repito, de forma estável, porque para nós isso é importante. Num novo modelo, mais aperfeiçoado de gestão e de administração, há outras matérias que têm que ver com a vida das famílias, dos alunos e dos professores que têm matéria complementar, portanto não é o mesmo assunto. Estamos a misturar algo que não é miscível e foi pena que o PSD tivesse ido por esse caminho. Sr. Deputado Diogo Feio, quanto à questão inglesa, quero dizer-lhe que não é comparável aquilo cujo contexto é completamente diferenciado. Como V. Ex.ª sabe, as escolas inglesas têm uma raiz e uma tradição que não assentam na forma estatal como a que temos em Portugal. Pois, e nós tivemos! Isso não é discutível, é histórico. Portanto, não pode querer que a estrutura orgânica, cultural e social da escola portuguesa seja idêntica à inglesa, isso seria indesejável pela sociedade. Também quero dizer-lhe que, na nossa óptica, o mundo educativo inglês não é o «mundo maravilhas»; é, como sabe, um mundo muito conflitual com os problemas que daí têm surgido. Sr. Deputado Emídio Guerreiro, quero dizer-lhe que este diploma nada traz de significativamente novo, com a excepção marginal da escolha das escolas, que não tinha que vir no diploma, e de trazer para a escola — e isto é que é o objectivo central — a figura do director estranho ao sistema educativo. E se o Sr. Deputado Emídio Guerreiro tomou atenção — e tomou — reparou que não é a questão do director que nos preocupa, não é esse o problema central! O que nós entendemos é que o processo de selecção e de apuramento do director do conselho executivo já está assumido na actual lei! É preciso também dizer que o Decreto-Lei n.º 115-A/98 já permite à comunidade educativa — eu sei que de uma forma mitigada — a escolha do conselho executivo ou do director. E, Sr. Deputado, não pode vir com o argumento de que o PS tem medo de trazer a comunidade educativa, o meio envolvente, para o interior das escolas! A nós não, Sr. Deputado, porque fomos nós que criamos o Decreto-Lei n.º 115-A/98, foi um governo socialista que mudou o modelo da gestão e administração escolar. Depois disso, os senhores estiveram no poder e não foram capazes de mudar o modelo, nem sequer foram capazes de aperfeiçoá-lo! Nós consideramos que a raiz deste modelo é positiva. Há muito a modificar? Há, certamente, mas é preciso uma mudança a montante e é isso que os senhores não abordam: a verdadeira autonomia das escolas. Que poder efectivo é que as escolas portuguesas devem ter? Hoje — e a Sr.ª Ministra da Educação referiu-o recentemente —, precisamos de tirar muitas das competências que estão sedeadas na Av.ª 5 de Outubro e que só servem para manietar a gestão e o papel das escolas e transferir essas competências para as escolas. Mas para isso é preciso dar meios, não basta descentralizar competências se não houver meios financeiros e de autonomia pedagógica, administrativa ou financeira que seja condizente. E é isso que vamos fazer e é isso que o Governo está a fazer. Até Dezembro, estarão sinalizados todos os constrangimentos à escola pública portuguesa para estarmos preparados para que, de facto, haja uma mudança, mas não seja uma mudança de cosmética, para corresponder às primeiras páginas dos jornais, mas, sim, para melhorar a vida dos professores, dos alunos, das famílias e de uma escola que precisa de ter, efectivamente, mais qualidade.
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Sr. Presidente, Sr. Deputado João Bernardo, estive a ouvi-lo com bastante atenção e permita-me que lhe diga que se tornou claro para todos nós que, em relação à maioria daquilo que é mais genérico, daqueles que são os princípios orientadores deste projecto de lei, os senhores até concordam. Só que se torna também claro aqui que há, de facto, à partida, um problema: é que a iniciativa não foi vossa, foi nossa! O grande problema aqui é, de facto, uma questão de tempo, segundo se pode deduzir pelas suas palavras. E quer-me parecer que esse é o pormenor menos importante na abordagem de uma matéria tão importante quanto esta. Mas permita-me também que lhe diga que, se a questão é essa, se os senhores ainda estão numa fase de mais estudos, se os resultados que já existem não são suficientes e querem estudar mais, se o Governo quer produzir mais estudos, o PSD tem toda a disponibilidade para esperar — não eternamente, porque os tempos, hoje em dia, são rápidos, mas temos toda a disponibilidade para esperar mais algum tempo. Definam o prazo, se é uma semana, um mês, dois ou três, mas definam-no rapidamente, porque, de facto, esta iniciativa vale a pena, porque proporciona claramente um debate alargado à volta desta matéria. É que o que está aqui em causa, de facto, é reconhecermos que o paradigma que, nos últimos anos, presidiu à organização e à gestão das escolas não produziu os resultados que todos nós gostaríamos que tivesse produzido. Por isso, há duas posições: ou se age ou não se age. E o desafio que é hoje lançado à sociedade portuguesa e, aqui, à Assembleia da República é que os partidos com assento parlamentar venham a este desafio e que ajam. Nesse sentido, gostaria que o Sr. Deputado me respondesse se precisam ou não de mais algum tempo para os vossos estudos e, sobretudo, se querem ou não agir em vez de reagir. Penso que também há aqui uma matéria que passou um pouco ao lado das várias intervenções que foram feitas até agora: referimo-nos em concreto àquilo que nós defendemos como assembleia de escola. E não tenham medo do bicho papão do director, porque isso é uma questão de pormenor! Para nós o menos importante nesta matéria é que o director seja professor ou não, o que é importante é que seja a escola a escolhê-lo. O que é importante é que a assembleia de escola abra as portas, como propomos, não só aos professores e aos funcionários mas também às autarquias, que têm cada vez mais um papel decisivo e importante no sistema escolar, às empresas, aos empresários e às associações empresariais, ou seja, a toda a comunidade. O nosso desafio é transformar o espaço da escola, que, até agora, era um espaço fechado, num espaço aberto, em permanente intercâmbio, em permanente troca de evoluções com todo o seu meio envolvente, cultural, social, empresarial, e com a autarquia. Esta é que é a grande diferença relativamente ao modelo que existe hoje. Portanto, gostaria de saber se o Partido Socialista está ou não disponível para abrir a escola a toda a comunidade.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o projecto de lei do PSD peca, como tive oportunidade de dizer-vos desde o início, por um tremendo vazio, por um desconhecimento daquilo que está legislado, como se os contratos de autonomia não estivessem reconhecidos no DecretoLei n.º 115-A/98. Efectivamente, o que o PSD aqui quis fazer foi «assinar o tempo» e propor uma inovação que nem sequer é à revelia daquilo que está igualmente legislado. Querem «produzir» um director, querem um director que tenha funções pedagógicas, científicas, culturais e administrativas — pelos vistos a plurifuncionalidade não é problema para vós… — e cujo perfil de formação não definem. Querem uma possibilidade de financiamento que não definem e não respondem, obviamente, às perguntas a que não podem responder. A pergunta que fiz era muito simples, mas os senhores não têm resposta ou não podem dá-la neste contexto. É evidente que não lhes interessa avaliar o modelo existente; é evidente, também, que no quadro da autonomia — já que têm a boca tão «cheia» desta autonomia — não lhes interessa devolver esta discussão fundamental à escola. São as escolas que têm de assumir esta discussão e são as escolas que têm de partilhar de todo este processo. É um «ingénuo» preconceito dos senhores pensar que a esquerda não sabe qual é o papel da escola pública e não reconhece o estatuto de uma gestão competente e profissionalizada. É muita «ingenuidade» vossa quando aqui apresentaram um projecto de lei que tem muito pouco que se lhe diga. Isto porque o essencial deste projecto de lei é um modelo de escola pública relativamente ao qual os senhores têm vergonha, ao mesmo tempo, de aventar propostas concretas. É um modelo de escola pública em que os alunos não são classificados pelo seu desempenho numa turma, mas são classificados pelo acto de inscrição numa escola. É este, efectivamente, o modelo que está presente no vosso projecto de lei, é isto que os senhores defendem, mas para isso precisam de um director plurifuncional, em nome de um critério de eficácia que não se sabe muito bem qual é, e precisam de uma assembleia de escola maioritariamente dominada por uma comunidade que é aquela que vai definir a estrutura curricular dos estabelecimentos. Eu mantenho a pergunta que vos fiz: quando, perante resultados diferentes e financiamentos diferente, os pais dos meninos ricos e os pais dos meninos pobres escolhem a mesma escola, como é que os senhores evocam e definem o vosso princípio da liberdade? Onde é que está a vossa liberdade? Quais são os vossos critérios? Porque é que aqui não assumiram discutir com seriedade o conteúdo do artigo 49.º? Por que é que não são capazes de assumir aqui essa discussão? Numa coisa, no entanto, sabemos que este «centrão» está de acordo: está de acordo em alterar o modelo de gestão sem avaliar a experiência da gestão democrática e sem assumir uma coisa que é comum a ambas as bancadas. Os senhores não querem avaliar políticas, não querem avaliar responsabilidades ministeriais, não estão preocupados com a «sangria» que os ministérios foram efectuando sobre os conselhos executivos, esvaziando a possibilidade de uma cultura de participação, evocando a permanência de uma cultura de burocracia. Não é isso que os senhores querem avaliar! Querem mudar para inscrever história, para assinar por baixo e esta é a nossa grande preocupação! É esta a escola pública que queremos? Os senhores inovam sem pensar nos custos das vossas inovações para as crianças e para os jovens deste País. O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Abel Baptista.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, quero, em primeiro lugar, saudar o Partido Social-Democrata pela apresentação do projecto de lei n.º 268/X sobre o regime de gestão dos estabelecimentos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário. E começo por referir alguns pontos fracos que, neste momento, o sistema educativo português tem. Por um lado, as altas taxas de abandono escolar que se verificam, quer no ensino básico quer no ensino secundário, em todo o País. Por outro lado, a falta de sucesso de muitos alunos, quer do ensino básico quer do ensino secundário, com as consequentes retenções nos anos que frequentam. E esta questão, que deveria preocupar, sobretudo, o Governo, parece que para o Partido Socialista e nas palavras do Sr. Deputado João Bernardo, nada representa. Aliás, em resposta ao meu colega Diogo Feio, disse o Sr. Deputado João Bernardo que não podemos querer comparar o sistema português nem podemos querer em Portugal um sistema igual ao sistema inglês. Pois, Sr. Deputado, o CDS ambiciona isso, porque a Inglaterra não é, seguramente, um país do terceiro mundo e é um exemplo, em termos de educação, que bem poderíamos seguir e aproveitar. Esquece o Partido Socialista que estamos, hoje, num processo europeu de harmonização do ensino superior com o Processo de Bolonha. No entanto, vem o Partido Socialista dizer que em termos de harmonização nos ensinos básico e secundário não podemos seguir o exemplo inglês. São bem patentes o antagonismo e a contradição! O projecto de lei apresentado pelo Partido Social-Democrata merecerá, com certeza, o nosso apoio, apesar de nalgumas matérias ficar aquém daquilo que entendemos dever ir, nomeadamente, no que diz respeito à autonomia das escolas. Fala-se, hoje, muito em autonomia e em gestão democrática das escolas, mas pergunto qual é a palavra que têm, na gestão e na autonomia das escolas, os pais, as autarquias e a comunidade local envolvente, seja a comunidade cultural, a comunidade científica ou a comunidade económica da região. Cito-vos o exemplo de uma escola básica do 2.º ciclo cujos pais, cerca de 30, pretendiam que os seus filhos tivessem aulas de castelhano em vez de francês, sendo que a escola lhes disse que não tinha autorização da respectiva direcção regional de educação para poder fazê-lo. Isto é autonomia ou é centralismo? Isto é o centralismo que a actual lei contém e que o Partido Socialista continua a querer manter. Da nossa parte, o que queremos é que haja um ensino com sucesso, com produtividade, com igualdade de oportunidades e não — como dizia e muito bem o Deputado Pedro Duarte — um ensino em que os pais que têm possibilidades económicas possam colocar os filhos numa escola privada pagando e os outros não!! O que entendemos é que para haver uma verdadeiro sentido de oportunidade os pais deverão poder escolher colocar os seus filhos onde muito bem entenderem, para isso dando o Estado a garantia de pagar o ensino àqueles que não têm possibilidades, através do cheque de ensino, e é esse um projecto de lei que brevemente apresentaremos nesta Câmara.
1CDS-PP
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei do PSD assenta em duas premissas: em primeiro lugar, achamos que a actual legislação sobre a gestão das escolas, aprovada há cerca de oito anos, fracassou por completo; em segundo lugar, acreditamos que a eficácia do funcionamento de uma escola aumentará se a sua gestão for adaptada ao meio envolvente e menos condicionada por órgãos centralizadores. O projecto de lei do PSD apresenta quatro grandes inovações. A primeira inovação é a primazia da autonomia das escolas em detrimento de um sistema centralizador: queremos uma maior responsabilidade da comunidade educativa, queremos que as famílias e a sociedade civil assumam um papel activo na definição das grandes opções estratégicas da escola. Em segundo lugar, queremos conferir um carácter vinculativo à opção «celebração dos contratos de autonomia por parte das escolas». Em terceiro lugar, defendemos a gestão profissional das escolas: a instituição de um director, que deverá ser escolhido pela assembleia da escola; director que pode ser tanto um professor como uma personalidade de mérito reconhecido. Em quarto e último lugar, queremos dar um passo decisivo na liberdade de ensino e de aprendizagem e, por isso, entendemos que se deve consagrar o direito de os pais poderem escolher livremente a escola para os seus filhos. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ao longo deste debate, questionei-me sobre do que é que a esquerda parlamentar — toda ela, do Bloco de Esquerda ao Partido Socialista — tem tanto medo nesta matéria. Por que é que têm receio de dar maior responsabilidade às comunidades educativas na gestão das escolas? Por que é que têm receio de que as famílias e a sociedade civil tenham um papel mais activo na definição das grandes opções das escolas? Por que é que têm receio de que se dê um passo significativo na liberdade de escolha? Por que é que tem receio de que os pais tenham o direito de poder escolher as escolas para os seus filhos? Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quase cheguei à conclusão de que não é uma questão de receio mas, sim, uma questão de confiança ou, melhor, de falta de confiança. Esta esquerda parlamentar não tem confiança na comunidade educativa. E por não ter confiança na comunidade educativa não quer dar-lhe mais autonomia na gestão das escolas. É um problema de falta de confiança desta esquerda parlamentar em toda a comunidade educativa: nos pais, nos professores, nos alunos, nas autarquias, no meio envolvente, que está na assembleia das escolas — os agentes económicos, científicos e agentes culturais! Esta esquerda parlamentar não confia na comunidade educativa e eu considero que esta falta de confiança é injusta e grave! E eu posso enganar-me, mas acho que é uma falta de confiança que virá a ser recíproca: quanto menos os senhores confiarem na comunidade educativa menos a comunidade educativa confiará nesta esquerda parlamentar.
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Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Coutinho, responderei à parte do pedido de esclarecimento que me é dirigida, não à parte dirigida ao Sr. Deputado Diogo Feio. Sr.ª Deputada, V. Ex.ª acaba de dizer a seguinte frase: as escolas querem e devem saber construir a sua autonomia. Isto para mim significa que V. Ex.ª quer dizer «vamos deixar tudo na mesma». É isto o que VV. Ex.as querem! VV. Ex.as querem deixar tudo na mesma. E a Sr.ª Deputada, com a sua intervenção, veio dar razão ao que eu tinha dito anteriormente. De facto, o PS não quer uma maior responsabilidade da comunidade educativa na gestão das escolas; de facto, o PS não quer que as famílias e a sociedade civil tenham uma palavra decisiva e importante na gestão das escolas; de facto, o PS não quer que se dê um passo significativo na liberdade de escolha, na possibilidade de os pais optarem pela escola dos seus filhos. E VV. Ex.as não o querem, como eu disse há pouco, não por medo ou por receio mas, sim, porque não confiam, não acreditam na capacidade da comunidade educativa. É por isso que não querem dar mais autonomia. VV. Ex.as não confiam, não acreditam nos professores, nos pais, nos alunos, nas autarquias, em todo o meio envolvente. E, por não acreditarem, não querem dar mais autonomia a esta comunidade educativa na gestão das escolas. Posso enganar-me, Sr.ª Deputada, mas julgo que, como eu disse há pouco, será recíproco: quanto menos confiarem nos pais, nos alunos e nos professores, menos os pais, os alunos e os professores confiarão em VV. Ex.as.
4PSD
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Sr. Presidente, Sr. Deputado Sérgio Vieira, eu gostaria de centrar este debate, antes de mais, na questão que para nós é fundamental e que é a questão da autonomia. É necessário, efectivamente, construir a verdadeira autonomia nas escolas. Como sabem, falar em autonomia de escola não é falar na autonomia dos professores, dos pais e muito menos dos gestores. Falar em autonomia de escola é dizer que não basta — e temos consciência disso — decretar a autonomia para que ela seja efectivamente uma realidade! É necessário, antes de tudo, criar reais condições para que a autonomia de escola seja construída em cada escola tendo em conta os seus objectivos e os seus aspectos específicos. Esta ideia de «obrigar a uma autonomia» é uma coisa que não lembra ao diabo…! Porquê? Porque vai contra o princípio conceptual da autonomia: é preciso que as escolas queiram e saibam construir a sua autonomia!! Tenho pena de que não esteja aqui, neste momento, presente o Sr. Deputado Diogo Feio, porque gostaria de dizer-lhe que, não querendo desvirtuar — e com todo o devido que respeito que tenho até pelas funções que exerceu como secretário de Estado —, tem, naturalmente, razão para estar orgulhoso em ter pertencido ao governo que assinou o primeiro contrato de autonomia, o da Escola da Ponte. Mas se o Sr. Deputado Diogo Feio for correcto saberá explicar que não foi o governo que impôs esse contrato de autonomia à Escola da Ponte — foi essa escola que durante um percurso de 20 e tal anos construiu, a duras penas, a sua forma de contrato de autonomia! Isto para dizer que esta é que é a questão central! Portanto, o PSD começa ao contrário, começa sem avaliar. E reparem que a avaliação já está no terreno, já é uma realidade — neste momento, há um processo de auto-avaliação e de avaliação externa em 24 escolas — e é nosso entendimento que vai continuar e que vai ser alargada a todas as escolas do nosso país. É neste contexto que a questão da administração e da gestão das escolas é meramente instrumental. Estranho que os Srs. Deputados do PSD venham aqui dizer que «não basta a avaliação», que «já chega de avaliação», que «já todos sabemos», quando ainda há bem pouco tempo, num debate televisivo, uma pessoa que estava a representar o vosso partido, e que foi também secretário de Estado, foi incapaz de criticar as medidas que a Sr.ª Ministra da Educação apontou e que estão no terreno, tendo apenas dito: «vamos esperar…, vou avaliar e daqui a um ano e meio poderei falar». Portanto, para uma coisa querem a avaliação, mas para outra já não precisam dela! Ora bem, penso que, ao lançar este debate, o PSD apenas quer criar instabilidade. Porquê? Porque lhe faltam argumentos, porque, ao contrário de anos de má memória, este ano lectivo as escolas iniciaram as suas actividades em pleno, embora admitamos que haja algumas questões pontuais que estão a ser resolvidas no terreno. Portanto, faltam-vos argumentos, daí baralharem e escolherem um descabido momento para esta discussão. Lamentamos também informar que o Ministério da Educação tem muito bem definida a sua agenda de prioridades, sabe muito bem para onde quer ir, quais são as urgentes medidas a tomar, já está a tomá-las, vai continuar gradualmente a fazê-lo e, mais ainda, não se deixa desviar por agendas, essas, sim, ad hoc, que são de duvidosas intenções e de duvidosos princípios. É isto o que VV. Ex.as querem! VV. Ex.as querem deixar tudo na mesma. E a Sr.ª Deputada, com a sua intervenção, veio dar razão ao que eu tinha dito anteriormente. De facto, o PS não quer uma maior responsabilidade da comunidade educativa na gestão das escolas; de facto, o PS não quer que as famílias e a sociedade civil tenham uma palavra decisiva e importante na gestão das escolas; de facto, o PS não quer que se dê um passo significativo na liberdade de escolha, na possibilidade de os pais optarem pela escola dos seus filhos. E VV. Ex.as não o querem, como eu disse há pouco, não por medo ou por receio mas, sim, porque não confiam, não acreditam na capacidade da comunidade educativa. É por isso que não querem dar mais autonomia. VV. Ex.as não confiam, não acreditam nos professores, nos pais, nos alunos, nas autarquias, em todo o meio envolvente. E, por não acreditarem, não querem dar mais autonomia a esta comunidade educativa na gestão das escolas. Posso enganar-me, Sr.ª Deputada, mas julgo que, como eu disse há pouco, será recíproco: quanto menos confiarem nos pais, nos alunos e nos professores, menos os pais, os alunos e os professores confiarão em VV. Ex.as.
0PS
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já hoje aqui ouvimos, por diversas vezes, falar do reconhecimento dos preocupantes resultados apresentados no nosso sistema de ensino, e já o ouvimos por parte das bancadas do PSD e do PS, justamente esquecendo a sua autoresponsabilização quanto a este resultado. Porque, na verdade, estes são os partidos que se têm alternado no governo, que têm tido, portanto, responsabilidades na pasta da educação e que, através das políticas educativas prosseguidas, têm justamente levado a estes resultados. A Oradora: — Se eu tivesse que realçar alguns dos mais preocupantes resultados realçaria, seguramente, os nossos níveis de abandono escolar, em comparação com outros países da União Europeia, mas não só. E esta falta de reconhecimento e de auto-responsabilização é tanto mais preocupante quanto já ouvimos a Sr.ª Ministra da Educação referir que a culpa do insucesso escolar em Portugal é dos professores. Depois, procurou remendar a sua gravíssima afirmação referindo que a culpa é das escolas, afirmação tão preocupante quanto a primeira, naturalmente, até pela responsabilidade que, ao longo dos anos, o PS tem tido nesta matéria. E quais têm sido os resultados destas políticas? Entre outros, seguramente, um deles, de que se tem falado sobejamente hoje, é a autonomia das escolas, que em Portugal se caracteriza de facto como uma verdadeira ficção orientada pelas direcções regionais e centrais do Ministério da Educação. Poderíamos apresentar um outro resultado recorrente nos sucessivos governos: a não aposta efectiva na qualidade das escolas públicas para dar um bom lugar às escolas privadas. E esse é o primado do PSD e aquele que justamente se apresenta no projecto de lei em discussão. Deste projecto de lei talvez merecessem realce duas questões, na nossa perspectiva preocupantes. Uma delas prende-se com a criação da figura de director, ou seja, a recuperação de modelos que o PSD já apresentou anteriormente e que já estão ultrapassados. O director não seria necessariamente um professor. Aliás, pelo que vem apresentado na exposição de motivos do projecto de lei do PSD, bem se percebe que o seu objectivo é colocar o primado da administração e do economicismo, baseado, seguramente, na apresentação de receitas e de despesas, e de preferência com o objectivo do lucro, à frente do primado pedagógico, que é o fundamental e deve ser central na gestão escolar. Por outro lado, o PSD apresenta também como princípio o direito de os pais poderem escolher livremente a escola dos seus educandos, mas este princípio que apresenta esconde o verdadeiro princípio que defende, que é o direito de as escolas poderem escolher, seleccionar, os seus alunos em função do seu apelido, da sua condição económica e do seu aproveitamento escolar, esquecendo todos os outros. Querem as escolas boas e as escolas más, dividindo os alunos e seleccionando-os em função desta categorização. Qual é, afinal, Srs. Deputados, o objectivo do ranking das escolas, que o PSD tanto defende? Não é resolver o problema das escolas, não é resolver o problema dos insucessos escolares, não é resolver o problema do nosso sistema de ensino, é, sim, procurar que cada uma das escolas, competindo entre si, atinja os primeiros lugares, seleccionando os alunos e não resolvendo os seus problemas internos, generalizados no nosso sistema de ensino. Não se conhecem, de resto, medidas tomadas para intervir nas escolas que se designam como as mais mal classificadas nesses rankings. Para terminar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quero dizer que não concordamos com os princípios apresentados neste projecto de lei do PSD, consideramos que o mesmo consubstancia propostas que, na nossa perspectiva, agravam a situação de muitas escolas e do ensino em geral.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Decreto Lei n.º 115-A/98, de 4 de Maio, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 24/99, de 22 de Abril, instituiu um novo regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário. No seu preâmbulo, diz-nos que «a escola, enquanto centro das políticas educativas, tem assim de construir a sua autonomia a partir da comunidade em que se insere, dos seus problemas e potencialidades, contando com uma nova atitude da administração central, regional e local que possibilite uma melhor resposta aos desafios da mudança». Refere ainda, no ponto 1 do artigo 47.º, que «a autonomia da escola desenvolve-se e aprofunda-se com base na iniciativa desta e segundo um processo faseado, em que lhe serão conferidos níveis de competência e de responsabilidade acrescidos, de acordo com a capacidade demonstrada para assegurar o respectivo exercício». Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Socialista congratula-se com o facto de, no projecto de lei n.º 268/X, hoje apresentado nesta Câmara, o PSD reconhecer que este documento, em vigor desde 1998, «prevê um regime ambicioso no que respeita à autonomia dos estabelecimentos de educação préescolar e dos ensinos básico e secundário». Propõe agora, contudo, alterações em 35 dos seus 59 artigos. Quando referem, na respectiva exposição de motivos, que «não houve iniciativa nem verdadeiramente vontade política em se avançar, com determinação, para a celebração de contratos de autonomia entre as escolas, as administrações central e municipal, eventualmente com outros parceiros», não estão, com certeza, a referir-se ao Partido Socialista, nem ao Governo ou a este Ministério da Educação, em particular! Vejamos: em Outubro de 1995, mais de 50% das escolas portuguesas não tinham órgãos eleitos, considerando apenas o universo das escolas do 2.º e 3.º ciclos e secundárias. No início do ano lectivo de 1998/1999, havia mais de 95% das escolas com órgãos eleitos. No final de 2005, havia um contrato de autonomia assinado, conforme foi referido, e até ao final de 2007 haverá condições para assinar, pelo menos, os contratos de autonomia decorrentes da avaliação às 24 escolas que já iniciaram este processo. São estes alguns dos factos que mostram a diferença: a diferença na iniciativa, a diferença na vontade política, a diferença na determinação entre o PS e o PSD! É desta forma que o Partido Socialista está a seguir o seu caminho. Estamos convictos que os nossos passos nos conduzirão de uma escola pública de qualidade mínima garantida para uma escola pública com garantia de qualidade. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como é do conhecimento de todos (apenas o PSD parece tê-lo esquecido!), está a decorrer o Debate Nacional sobre Educação, promovido pela Assembleia da República e pelo Governo, para comemorar os 20 anos da aprovação da Lei de Bases do Sistema Educativo. O debate tem a importante colaboração do Conselho Nacional de Educação na sua organização e conta com o envolvimento e a participação de todos, desde o cidadão anónimo ao mais conhecido. O Debate Nacional sobre Educação está organizado de acordo com duas finalidades principais: identificar as questões críticas, quanto à organização do sistema educativo e ao funcionamento das escolas, e propor metas e compromissos para melhorar a educação. No final, o Conselho Nacional de Educação sistematizará a informação recolhida, com vista à elaboração de um relatório final para divulgação e conhecimento de todos. Por coincidência, ou talvez não, no período em que decorre este importante debate, o PSD apresenta duas iniciativas legislativas na área da educação: o projecto de lei n.º 268/X, sobre o regime de gestão dos estabelecimentos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, e, posteriormente, o projecto de lei n.º 314/X, que cria o sistema nacional de avaliação das escolas do ensino básico e secundário, numa atitude que só pode ser considerada como autista e precipitada. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Socialista tem plena consciência do rumo a seguir para conseguir, para o País, mais e melhor educação. Considera, nestas matérias, contrariamente ao PSD, que é fundamental definir primeiro os referenciais de avaliação, tanto ao nível da autoavaliação como ao nível da avaliação externa, e é esse o trabalho que neste momento está a ser concretizado pelo grupo de trabalho criado para esse efeito. A definição de um quadro de autonomia será o passo seguinte. Os contratos de autonomia só podem e devem ter lugar após um processo de avaliação e uma clara definição das competências e responsabilidades que, efectivamente, passam para as escolas envolvidas nesse processo. Cada escola é uma escola — as escolas são diferentes —, mas todas precisam de uma liderança forte, de projectos educativos consolidados, para que se convertam, também elas, em escolas fortes, capazes de responder aos desafios da mudança, capazes de cumprir a sua missão. Para a concretização de uma escola pública de qualidade garantida, a administração e gestão da escola deve assumir o compromisso da criação das condições que garantam o sucesso dessa mesma escola — da escola do conhecimento, mais do que da escola que transmite conhecimentos. Deve centrar todo o processo educativo nos resultados dos alunos, nas suas competências, na sua capacidade de aprendizagem ao longo da vida. Também o projecto educativo da escola terá de ser dinâmico, mobilizador da comunidade educativa em volta da missão, dos valores e de um plano estratégico assumido por todos numa escola autónoma, espaço de auto-realização, de inovação e de boas práticas. Na educação, o objectivo primeiro da gestão tem de ser o de criar as melhores condições para promover as aprendizagens dos alunos. Agora, como no passado e também no futuro, continuaremos a contar com o papel mobilizador dos professores, dos agentes educativos e das comunidades em torno da escola como centro das políticas educativas. A autonomia não é um fim mas um instrumento ao serviço da valorização e da qualidade da educação, desenvolvendo partilha de responsabilidades, dimensão local das políticas educativas, ligação efectiva entre a escola e a sociedade, participação da comunidade na educação. Todas as medidas que procuram reforçar a autonomia dos estabelecimentos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário e, simultaneamente, promover uma maior participação da comunidade na administração e gestão desses estabelecimentos cumprem objectivos definidos na Constituição da República Portuguesa e na Lei de Bases do Sistema Educativo, sendo responsabilidade de todos respeitá-las. As medidas que põem as escolas ao serviço da aprendizagem dos alunos, promovem a contratualização com a sociedade civil e, em especial, com os municípios, com vista à resolução de problemas e de assimetrias escolares, criam condições para a celebração de mais contratos de autonomia, desenvolvendo sempre que necessário medidas de discriminação positiva, apostam na avaliação, na formação, na estabilização do corpo docente, no reforço da participação das famílias e da comunidade e no favorecimento da constituição de lideranças fortes, são medidas que estão a cumprir objectivos do Programa do actual Governo Constitucional. São medidas que se destinam a todas a escolas, independentemente da sua localização, para todos os alunos, para os que podem escolher escola (que são, e sempre serão, só alguns) e, sobretudo, para os que não podem escolher a escola simplesmente porque não têm outra alternativa. Só assim se pode garantir para todos, de norte a sul do País, independentemente da sua residência ou estrato social, «o direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar», conforme o artigo 74.º da Constituição da República Portuguesa. São medidas que estão a ser tomadas, não de forma avulsa, simplista e extemporânea, como o PSD apresenta as suas iniciativas, mas com a actuação sustentada, consolidada e determinada que caracteriza o Partido Socialista, o Governo e o Ministério da Educação. … pois, assim, não poderemos confrontar a Sr.ª Deputada. De qualquer forma, estamos nos momentos finais deste nosso debate e penso que já é possível retirar algumas conclusões. Penso que ficou claro que, de facto, estão aqui em confronto duas visões distintas para o nosso sistema de ensino. De um lado, estão os que defendem que tudo deve ficar como está, os que não sabem olhar para os números, para os indicadores, para os relatórios de avaliação do nosso sistema de ensino. Hoje, poupei a Câmara ao que é a realidade — porque penso que todos a conhecemos e a sociedade portuguesa também —, expressa em estudos feitos por entidades independentes, quer nacionais quer internacionais, que mostram que, tal como está pensado, o nosso sistema de ensino faliu e está, progressivamente, a afundar-se. Perante esta realidade, temos, de um lado, a visão dos que, de forma conservadora, diria mesmo retrógrada, preferem ficar agarrados a esta mesma realidade, são incapazes de mudar, porque, eventualmente, tal pode chocar com alguns poderes instalados. 29 DE SETEMBRO DE 2006 27 Vozes do PS: — Ah!…
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Consumir constitui um acto intrínseco à natureza humana. Salvaguardar os interesses dos consumidores é uma responsabilidade que cabe em primeira instância ao Estado. A defesa dos direitos dos consumidores é referenciada pela primeira vez, embora de forma indirecta, nos Códigos Penais de 1852 e 1886, ao criminalizarem as ofensas à saúde pública de certas práticas comerciais desonestas. É, contudo, na Constituição da República de 1976 que, pela primeira vez, se atende de forma expressa à protecção dos direitos dos consumidores e, em todas as revisões, os direitos dos consumidores foi objecto de alterações no sentido do seu alargamento e aprofundamento. Temos consciência de que, no início do século passado, a grande fractura nas sociedades estava na relação capital/trabalho. Hoje, no início deste século, a grande fractura é entre consumidor/produtor/prestador de serviços. As profundas mudanças dos mercados que ocorreram, principalmente na sequência do desenvolvimento científico e tecnológico, são variadas e complexas; os produtos comercializados e os serviços prestados são cada vez em maior número. Estas mudanças são benéficas, uma vez que alargam o leque das escolhas e possibilitam ao consumidor múltiplas opções. Todavia, tais mudanças implicam novos desafios e responsabilidades acrescidas para os consumidores e a quem tem o dever de os proteger. Daí a necessidade, cada vez maior, da existência de dispositivos legais que assegurem a sua defesa e protecção. A qualidade de vida dos cidadãos está intrinsecamente ligada à qualidade dos produtos fornecidos e dos serviços prestados e o que caracteriza um serviço público essencial é, acima de tudo, a sua imprescindibilidade para os cidadãos. Classificar um serviço como serviço público essencial significa garantir aos consumidores um conjunto mínimo de serviços sem os quais não é possível assegurar um mínimo de qualidade no seu dia-a-dia. Para que o acesso dos consumidores a estes serviços mínimos se concretize aqueles que o prestam devem estar sujeitos a um conjunto de obrigações, como sejam garantir a acessibilidade, a acessibilidade dos preços, padrões de qualidade, a não discriminação, a proporcionalidade e a universalidade, ou seja, os serviços públicos essenciais não devem ser tratados, do ponto de vista comercial, como um outro serviço existente no mercado. Deste modo, definir um serviço como serviço público essencial significa atribuir a um serviço determinado especiais exigências na sua prestação, assegurando o seu acesso a todos. Se a definição de serviços públicos essenciais assenta na indispensabilidade do serviço prestado para a qualidade de vida do cidadão consumidor, a indispensabilidade é um factor dinâmico e o conceito de serviço público essencial evolutivo. A Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, lei dos serviços públicos essenciais, constituiu um instrumento inovador destinado a garantir a protecção do utente de um conjunto mínimo de serviços considerados indispensáveis para a qualidade de vida das sociedades actuais, face a um mercado liberalizado dos serviços. A experiência frutuosa de aplicação deste dispositivo legal permitiu identificar um conjunto de situações cujo enquadramento, passados quase dez anos após a sua entrada em vigor, importa actualizar de molde a manter o nível elevado de protecção dos utentes, assegurado aquando da sua aprovação. Assim, foram introduzidos alguns serviços que consideramos hoje essenciais, tais como: o serviço de fornecimento de gás natural e gases de petróleo liquefeitos canalizados; o serviço de comunicações electrónicas; os serviços postais; o serviço de recolha e tratamento de águas residuais e o serviço de gestão de resíduos sólidos urbanos. É este o alargamento que propomos e pretendemos introduzir, uma vez que, pela sua imprescindibilidade para os consumidores, fazem parte de um conjunto de serviços que contribuem para assegurar um mínimo de qualidade de vida aos cidadãos. Mais, a introdução da noção de prestador de serviço tem como objectivo clarificar, em primeiro lugar, que um serviço público essencial não se define pela natureza do seu prestador e, em segundo lugar, tornar claro que todos os prestadores de serviços públicos essenciais se encontram sujeitos às respectivas obrigações. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, com esta iniciativa legislativa pretendemos também corrigir uma injustiça que tem prevalecido ao longo dos anos sem que nada o justifique — o aluguer de aparelhos de medição dos serviços prestados. Esta prática consubstancia uma verdadeira taxa fixa e permanente. Não é justa a prática corrente de cobrança de um valor pelo aluguer de um contador quando a amortização deste se pode fazer ao fim de determinado tempo e não indefinidamente pelo tempo de duração do contrato de prestação do serviço. O instrumento de medição do serviço prestado serve tanto ao consumidor como ao prestador; ele é inerente à prestação do serviço, pelo que o seu valor não se deve repercutir apenas sobre o consumidor. Do ponto de vista dos consumidores, a cobrança de uma taxa pelo aluguer de um contador constitui um encargo adicional que, a existir, poderia ter apenas a duração necessária à amortização do contador e não, como acontece hoje, existir indefinidamente como se o seu valor não fosse amortizável. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A clarificação da relação de prestadores de serviços com os consumidores, no que se refere ao regime de facturação, é também uma nossa preocupação. Por isso, a uniformização de prazos de emissão e cobrança das facturas constitui também o nosso objectivo e consideramos mesmo que a acumulação de créditos é da responsabilidade do prestador do serviço, não devendo os consumidores ficar reféns desses créditos durante demasiado tempo, razão que nos leva a propor um encurtamento de prazos de caducidade e prescrição. A resolução de litígios resultantes da prestação de um serviço público essencial deve ser encontrada, em primeiro lugar, através do recurso aos mecanismos de resolução extrajudicial de conflitos de consumo, uma vez que estes são, por norma, de pequeno valor, o que leva os consumidores a conformarem-se, muitas vezes, com a decisão que o prestador do serviço toma. Assim, existe a necessidade de proporcionar aos consumidores o acesso a formas de resolução de litígios acessíveis, pouco dispendiosas e céleres. O recurso à mediação e à arbitragem tem constituído um meio adequado à natureza dos conflitos de consumo. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, é este o sentido da nossa proposta, a protecção dos consumidores. E o Partido Socialista quer assinalar o Dia Mundial dos Direitos do Consumidor com a apresentação desta iniciativa legislativa e demonstrar que a politica do consumidor é para nós uma prioridade. Assim, aguardamos o sentido de responsabilidade desta Câmara, especialmente das oposições, para viabilizar esta iniciativa com o mais amplo consenso, que em muito contribuirá para garantir os direitos dos consumidores. Sr. Presidente, Srs. Deputados Pedro Quartin Graça e Alda Macedo, é evidente que este projecto de lei tem dois objectivos fundamentais: por um lado, clarificar a relação do consumidor com o prestador de serviços e, por outro lado, corrigir algumas injustiças relativas que se verificam hoje na sociedade portuguesa. Em primeiro lugar, queria dizer ao Sr. Deputado Quartin Graça que a questão do telefone está plasmada no nosso diploma, como é óbvio. Como sabe, na Lei n.º 23/96 as comunicações electrónicas faziam parte dos serviços públicos essenciais, mas com a entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, este serviço deixou de fazer parte dos serviços públicos essenciais. Ora, foi por essa razão que hoje introduzimos na alínea d) do n.º 2 do artigo 1.º da Lei 23/96 a referência de que os serviços de comunicações electrónicas fazem parte dos serviços públicos essenciais e, como tal, estão abrangidas por toda a matéria tratada neste projecto de lei. Por isso, Sr. Deputado, os telefones também são abrangidos por esta matéria no que diz respeito ao artigo 8.º. Sr.ª Deputada Alda Macedo, é evidente que há matérias que necessitam de algum aperfeiçoamento e nós estamos abertos a clarificá-las em sede de especialidade, se isso for necessário. Contudo, devo dizerlhe que o facto de a conta da taxa de resíduos sólidos urbanos aparecer numa factura dos serviços municipalizados significa que essa é a forma que a câmara municipal tem de poder cobrar a taxa, porque esta nada tem a ver com os serviços municipalizados — neste caso, com o abastecimento da água. Mas tal não significa que este não seja um modo de resolver, de forma empírica e correcta, o problema do pagamento das taxas. A eventual necessidade de as câmaras municipais passarem a emitir uma segunda factura para a taxa dos resíduos sólidos urbanos parece-nos algo despropositado, uma vez que está a criar-se um custo adicional para a própria câmara municipal, o que nos parece desnecessário, visto que o serviço foi prestado e está devidamente identificado na própria factura a que se destina aquela taxa. O que queremos é definir com clareza as relações entre uns e outros, porque estamos a pagar uma taxa — neste caso, a taxa de aluguer dos contadores — que é, do nosso ponto de vista, indevida: é uma taxa a coberto de um aluguer de um aparelho de medição que deve ser da responsabilidade da entidade prestadora de serviços. Ou seja, é um princípio, é uma questão — e cito as suas palavras — de «corrigir injustiças na sociedade portuguesa». Faz muito bem! É isso mesmo que faz falta. É profundamente injusto que eu, que tenho um determinado perfil de consumidora de electricidade ou de água diferente do seu, seja sujeita exactamente às mesmas regras para a fixação da taxa de resíduos sólidos urbanos, quando esta taxa deve traduzir um incentivo às boas práticas de selecção na origem dos resíduos! Portanto, há uma injustiça enorme quando se faz a indexação da taxa de resíduos sólidos urbanos quer aos custos da água quer aos custos da electricidade. Qualquer uma delas contém uma injustiça gritante. Ora, o Sr. Deputado Renato Sampaio diz que quer corrigir esta injustiça e, por isso, inclui no projecto de lei um dos aspectos que faz falta para a corrigir, mas depois diz-nos que não é para ser bem assim… Ou é para levar a sério ou não é para levar a sério, Sr. Deputado! Portanto, é preciso ser claro! Não vale apresentar um projecto de lei para parecer «bonito» diante da opinião pública e, depois, quando se passa à concretização de facto, dizer que não é exactamente assim, continuando tudo na mesma, «como dantes em Abrantes»…! Lamento muito, mas não pode ser!! O Bloco de Esquerda está de acordo e acompanha este projecto de lei, mas o Partido Socialista tem de comprometer-se em relação ao que propõe neste mesmo projecto de lei.
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Sr. Presidente, Sr. Deputado Renato Sampaio, escutei com atenção as suas palavras acerca desta importante matéria. Independentemente das considerações que daqui a pouco farei na minha intervenção principal, desde logo uma dúvida me é suscitada: prende-se com a questão da protecção alargada dos direitos dos consumidores, nomeadamente em relação aos serviços que o Sr. Deputado aqui expôs. Em concreto, essa dúvida tem que ver com a questão — que não vejo transcrita para o texto do projecto de lei agora apresentado — da taxa de assinatura da Portugal Telecom. 16 DE MARÇO DE 2007 13 Creio que o Sr. Deputado, esta manhã, numa rádio, se referiu à questão da taxa da Portugal Telecom, mas devo dizer que seria interessante que o Grupo Parlamentar do PS esclarecesse — uma vez que o projecto de lei não faz referência (e, não fazendo, apenas estará, quando muito, no espírito do legislador, mas esse será insuficiente) — se no âmbito do diploma agora apresentado está também prevista a abolição da taxa de assinatura da PT. Quanto ao mais, farei, daqui a pouco, as minhas observações. Como sabe, na Lei n.º 23/96 as comunicações electrónicas faziam parte dos serviços 14 I SÉRIE — NÚMERO 60 públicos essenciais, mas com a entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, este serviço deixou de fazer parte dos serviços públicos essenciais. Ora, foi por essa razão que hoje introduzimos na alínea d) do n.º 2 do artigo 1.º da Lei 23/96 a referência de que os serviços de comunicações electrónicas fazem parte dos serviços públicos essenciais e, como tal, estão abrangidas por toda a matéria tratada neste projecto de lei. Por isso, Sr. Deputado, os telefones também são abrangidos por esta matéria no que diz respeito ao artigo 8.º. Sr.ª Deputada Alda Macedo, é evidente que há matérias que necessitam de algum aperfeiçoamento e nós estamos abertos a clarificá-las em sede de especialidade, se isso for necessário. Contudo, devo dizerlhe que o facto de a conta da taxa de resíduos sólidos urbanos aparecer numa factura dos serviços municipalizados significa que essa é a forma que a câmara municipal tem de poder cobrar a taxa, porque esta nada tem a ver com os serviços municipalizados — neste caso, com o abastecimento da água. Mas tal não significa que este não seja um modo de resolver, de forma empírica e correcta, o problema do pagamento das taxas. A eventual necessidade de as câmaras municipais passarem a emitir uma segunda factura para a taxa dos resíduos sólidos urbanos parece-nos algo despropositado, uma vez que está a criar-se um custo adicional para a própria câmara municipal, o que nos parece desnecessário, visto que o serviço foi prestado e está devidamente identificado na própria factura a que se destina aquela taxa. O que queremos é definir com clareza as relações entre uns e outros, porque estamos a pagar uma taxa — neste caso, a taxa de aluguer dos contadores — que é, do nosso ponto de vista, indevida: é uma taxa a coberto de um aluguer de um aparelho de medição que deve ser da responsabilidade da entidade prestadora de serviços.
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