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Mauro Vieira: As embaixadas e a diplomacia de resultados
É relativamente comum a crítica de que o Brasil tem embaixadas demais, que são caras demais. De acordo com essa visão, o aumento da presença diplomática brasileira na África, no Caribe, na Ásia e no Oriente Médio não teria trazido ganhos concretos para o país. É saudável que uma sociedade como a brasileira, que, apesar dos avanços recentes, ainda tem significativos desafios sociais e econômicos a superar, acompanhe com atenção a forma como a política externa emprega os recursos de que dispõe. O exame dos resultados da expansão da rede de embaixadas e consulados nos últimos anos é parte do debate necessário e bem-vindo sobre a inserção internacional do Brasil. Ainda que possa surpreender os mais céticos, a análise dos números comprova o acerto da decisão de ampliar a rede diplomática e consular do país. A partir de 2003, o Brasil abriu novas representações em 44 países. Desde então, o valor das exportações para esses destinos cresceu 186%, índice superior ao do crescimento total das exportações no período, que foi de 133%. Nos 18 países africanos em que o Itamaraty abriu novos postos, as exportações de bens saltaram de US$ 736 milhões para US$ 1,6 bilhão entre 2004 e 2014. Com o Caribe, o intercâmbio comercial passou de US$ 1,4 bilhão para US$ 6,6 bilhões entre 2003 e 2014. O desempenho dos postos abertos em outras regiões também é expressivo. Após a abertura da Embaixada na Eslovênia, por exemplo, as exportações aumentaram 200%. No Cazaquistão esse percentual atingiu 322%, e no Qatar, 790%. Os números que atestam a ampliação do atendimento a brasileiros no exterior são igualmente significativos. Ao longo da década passada, 18 consulados-gerais do Brasil foram abertos na América do Norte, na Europa Ocidental, na África Subsaariana, na América do Sul e Latina, no Oriente Médio e na Ásia. Em 2014, esses novos consulados emitiram quase 104 mil vistos, 53 mil documentos de viagem e 122 mil atos notariais e de registro civil, o que reflete a grande demanda de comunidades brasileiras no exterior e de estrangeiros por serviços consulares. Em situações de crise, como o recente terremoto no Nepal, o valor da existência de uma repartição diplomático-consular no país é inestimável. A atuação da embaixada em Katmandu, criada em 2010, permitiu assistir com presteza os mais de 300 nacionais afetados. Cifras e números respaldam uma diplomacia de resultados. É sobre essa base que se constrói uma política externa de qualidade. No mundo globalizado, é fundamental diversificar parcerias. O Brasil não pode virar as costas para regiões e continentes que têm experimentado notável dinamismo econômico, e com os quais é frequentemente convidado a cooperar. Isso ocorre sem prejuízo de suas relações com o mundo desenvolvido, às quais o governo da presidenta Dilma Rousseff atribui igualmente grande prioridade. E não quer dizer que não possamos fazer adequações em nossa rede diplomática e consular, com uma visão abrangente dos interesses brasileiros. O Brasil é um ator global. Mantém relações diplomáticas com todos os Estados-membros da ONU, possui uma capacidade única de interlocução no concerto das nações e tem assumido as responsabilidades que lhe cabem pela manutenção da paz mundial. A presença diplomática ao redor do mundo habilita o país a obter informações em primeira mão e a atuar diretamente nos tabuleiros onde se tomam as decisões políticas, econômicas ou ambientais que causam impacto sobre a vida dos cidadãos brasileiros. Respeitabilidade e influência nas relações internacionais nem sempre são mensuráveis, mas as perspectivas que uma diplomacia atuante abre para o desenvolvimento econômico e social são fáceis de identificar. Política externa exitosa pressupõe ação diplomática robusta. A avaliação dos resultados da política de incremento da presença global da diplomacia brasileira aponta para uma maior capacidade de influência, mais comércio e brasileiros mais bem assistidos. A única ideologia que nos guia é a da defesa do interesse nacional. MAURO VIEIRA, 64, é ministro das Relações Exteriores. Foi embaixador nos Estados Unidos (2010-2014) e na Argentina (2004-2010) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-06
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/06/1640490-mauro-vieira-as-embaixadas-e-a-diplomacia-de-resultados.shtml
Jairo Jorge: Hora da humildade
É hora de nós, integrantes do PT, termos humildade. Falhamos no combate efetivo à corrupção e precisamos reconhecer isso. É verdade que muitos outros também falharam antes de nós. Entretanto, fomos eleitos para fazer a diferença, e não para permitir a reprodução de práticas inadequadas existentes há décadas no Estado brasileiro. Governamos o país por mais de 12 anos e apesar dos avanços na transparência que produzimos, não criamos novos mecanismos que protegessem da corrupção na Petrobras, garantindo transparência plena, normas e programa de integridade e impedindo que tão poucos detivessem tanto poder. Desde 1997 (governo FHC) a Petrobras está fora da Lei de Licitações, o que não justifica nossas limitações. Os partidos não são feitos de anjos, mas de homens e mulheres que têm virtudes e defeitos. É dever do PT apurar e depurar com rigor. A corrupção foi tema de todos os governos democráticos desde 1985. Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula e Dilma enfrentaram denúncias. A sociedade brasileira mudou e se tornou menos permissiva. O tema da corrupção ocupou também os governos democráticos de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart, e também durante toda a ditadura militar, mesmo que o suposto motivo do golpe tivesse sido acabar com a corrupção. Muitos, coniventes com episódios similares no passado, usam a crise de maneira oportunista para tentar golpear um mandato conquistado legitimamente por Dilma. Precisamos retomar nossa indignação transformadora, propondo reformas profundas de transparência e ética, e impedir que episódios assim se repitam em qualquer governo. Hoje a maior preocupação da sociedade é o futuro do Brasil. Comprovamos, com os governos Lula e Dilma, que as teses do desenvolvimentismo estavam corretas. Os ideais de Celso Furtado se tornaram realidade com a inclusão de milhões e a criação de um expressivo mercado de massas. Esse modelo, porém, está esgotado, o Brasil requer uma nova agenda. É necessário renovar o programa do PT. Nosso ideário nasceu das lutas da década de 70 e, nestes 35 anos, desde a fundação do partido, o Brasil mudou. Devemos aproveitar o 5º Congresso do PT, em Salvador, que começa nesta quinta (11) para renovarmos a agenda partidária. É indispensável ouvir os milhares que votaram no PT e que hoje estão frustrados e desencantados. O PT precisa ser o partido da igualdade, garantindo, com educação, oportunidades para todos. O PT precisa ser o partido da radicalização da democracia, trazendo a opinião de todos os cidadãos para o centro da gestão. O PT precisa ser o partido do Estado empreendedor, focado em resultados, regido por metas e indicadores, baseado no mérito e alavancado em parceria público-privada. É preciso um novo ciclo para o Brasil, baseado em educação de qualidade, desenvolvimento tecnológico, inovação, redução drástica da burocracia, eficiência da máquina pública, aumento da produtividade, redução da carga tributária e ampliação de investimentos que diminuam o deficit de infraestrutura. Essa nova agenda só é possível diante dos avanços promovidos por Lula e Dilma. Como um dos maiores partidos de esquerda do mundo, o PT deve ser como a fênix, renovando para devolver esperança a milhões que acreditam em um Brasil mais justo, mais próspero. JAIRO JORGE, 52, é prefeito de Canoas (RS) pelo PT * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-06
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/06/1640491-jairo-jorge-hora-da-humildade.shtml
Marcus Zulian Teixeira: O efeito placebo na medicina alopática e homeopática
Na matéria A cura pela expectativa: o efeito placebo e a pseudomedicina (Ilustríssima, 17/05/15), Hélio Schwartsman utilizou conhecimento irrisório sobre o "efeito placebo" para criticar a homeopatia e a acupuntura, especialidades médicas reconhecidas pela Associação Médica Brasileira, ensinadas nas faculdades de medicina, disponibilizadas no SUS e com dezenas de milhares de médicos praticantes no Brasil. Por ter estudado este tema na minha tese de doutorado (continuando o estudo no meu pós-doutorado), gostaria de esclarecer alguns pontos enviesados de sua análise e sugerir leitura científica imparcial sobre o assunto. No texto, ele relaciona os "efeitos específicos" destas terapêuticas, exclusivamente, aos "efeitos não específicos" da sugestão (efeito placebo), desprezando os inúmeros estudos científicos favoráveis a estes métodos de tratamento e valorizando, apenas, os estudos desfavoráveis, muitos deles enviesados (como é o caso da metanálise contrária à homeopatia publicada no The Lancet em 2005). Em seu discurso pseudocientífico e contraditório, critica de forma explícita e parcial apenas a homeopatia e a acupuntura, apesar de concluir que o efeito placebo ocorre igualmente com os tratamentos convencionais, pois os "laboratórios conseguem produzir estudos que pintam um quadro muito mais favorável a suas drogas do que deveriam", evidenciando o enorme conflito de interesses que existe na pesquisa científica da "verdadeira" medicina. Aos interessados nas "evidências científicas" que respaldam o modelo homeopático (princípio da similitude e uso de doses ultradiluídas), assim como as limitações no emprego desta terapêutica, sugiro acessarem o site http://www.homeozulian.med.br. Em editorial posterior (Os ricos também choram, 20/05/15), buscando justificar a comprovada eficácia da homeopatia e da acupuntura em animais e bebês (não sujeitos ao efeito placebo), afirma que ela ocorre porque "a maioria dos pacientes (ou seus tutores) tende a procurar tratamento quando o processo patogênico está no auge ou próximo dele" e que "a menos que a moléstia seja fatal - e a maioria não o é - o mais provável estatisticamente é que os sintomas regridam". Nessa colocação, o "filósofo" demonstra total desconhecimento em "medicina" e na evolução natural da maioria das doenças crônicas não fatais (totalidade das enfermidades modernas e principal campo de ação da homeopatia e da acupuntura), as quais só tendem a piorar o seu curso e os seus sintomas com o passar dos anos, além de terem seu estado agravado pelos eventos adversos das drogas convencionais em uso contínuo e prolongado. Como os leitores poderão constatar em literatura científica, o "efeito placebo" é observado em qualquer terapêutica, com seus mecanismos psiconeurofisiológicos estudados e descritos. Em todo tratamento, os efeitos terapêuticos relacionam-se a dois tipos de fatores: 'específicos' (dose, duração, via de administração, farmacodinâmica, farmacocinética, etc.) e 'não específicos' (evolução da doença, aspectos socioambientais, variabilidade inter e intra-individual, expectativa de melhora no tratamento, relação médico-paciente, características da intervenção, etc.). O fenômeno placebo faz parte destes últimos, estando na "expectativa consciente" por melhoras o principal mecanismo indutor, que pode ser incrementado pelo "condicionamento inconsciente", adquirido em experiências pregressas positivas, e pela "relação médico-paciente". Com a introdução dos ensaios clínicos placebos-controlados, padrão-ouro para avaliar a eficácia das terapêuticas, relatos frequentes de melhoras clínicas significativas nos grupos controle demonstram que a intervenção placebo pode causar efeitos consideráveis em inúmeras doenças. Revisões sistemáticas de ensaios clínicos placebos-controlados com tratamentos "convencionais" evidenciam esta resposta placebo (% de melhora): doença de Crohn (19%), síndrome da fadiga crônica (20%), síndrome do intestino irritável (40%), colite ulcerativa (27%), depressão maior (30%), mania (31%), enxaqueca (21%), dentre outras. De forma análoga, revisões sistemáticas de ensaios clínicos placebos-controlados que compararam a magnitude do efeito placebo entre os tratamentos convencional e homeopático, nas mesmas doenças, constataram efeitos semelhantes em ambas terapêuticas (20-30% de melhora). Assim como nos tratamentos convencionais, essa pequena melhora inicial não explica a eficácia da homeopatia e da acupuntura nas doenças crônicas renitentes, comumente observada em pacientes que as buscam como alternativas após décadas de insucesso com as terapêuticas convencionais. Concluindo, o efeito placebo é observado em qualquer intervenção terapêutica, em vista da importante natureza psicogênica da maioria das doenças, não podendo ser utilizado, exclusivamente, de forma pejorativa na crítica aos tratamentos "não convencionais". Como descrevemos no título do artigo anteriormente citado, o fenômeno placebo é uma "evidência científica que valoriza a humanização da relação médico-paciente", aspecto que deveria ser resgatado pela medicina cientificista moderna. MARCUS ZULIAN TEIXEIRA, 57, médico e pesquisador homeopata, pós-doutorando da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-06
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/06/1640480-marcus-zulian-teixeira-o-efeito-placebo-na-medicina-alopatica-e-homeopatica.shtml
Dante Ragazzi Pauli e Marcelo Morgado: Guerra pela água no Oriente Médio, e no Brasil?
Muito já se disse sobre o petróleo estar na raiz de conflitos no Oriente Médio desde o séc. 19. De fato, intervenções das potências ocidentais na região desde a 1ª Guerra Mundial foram movidas para assegurar controle sobre reservas, essenciais para a própria máquina de guerra. O mesmo se deu na 2ª Guerra Mundial, com a campanha da África do Norte e a disputa pela Romênia. Mais recentemente houve a invasão do Kuwait pelo Iraque por disputa na exploração em área fronteiriça e a guerra do Golfo. Porém é a água, outro líquido ainda mais vital numa região desértica, que se tornou um dos principais motores de hostilidades. Israelenses e sírios disputam as Colinas de Golã, que abastecem o "Mar" da Galileia, principal reserva de água doce. Com os jordanianos a disputa é pelo rio Jordão que tem vazão consumida em 90%. Os palestinos sofrem com restrições no abastecimento e recebem 1/6 do consumo israelense. Mesmo com Israel tendo outras fontes como a dessalinização (15 %) e o reúso (campeã mundial com 85% de uso de esgoto tratado na irrigação), a água superficial é primordial e fonte de lutas desde os tempos bíblicos, quando judeus e filisteus pelejavam por poços. Em outras partes do mundo também há atritos, que não se limitam mais como no passado ao domínio militar sobre rios como fronteiras naturais e rotas de navegação. Os direitos sobre a pesca, irrigação e outros usos são o novo campo de batalha. Mesmo o lançamento de efluentes, criando risco para a captação, foi tema de atrito recente entre Uruguai e Argentina, devido à construção de indústria de celulose lançando no rio Uruguai. Aqui no Brasil, a despeito de termos 12% dos recursos hídricos do planeta (primeiro lugar), vivemos os efeitos da inequação perigosa de menor oferta e maior demanda. Na demanda as pressões são o crescimento demográfico, conurbação e consumismo (bens e serviços com suas pegadas hídricas embutidas). Há o comprometimento de corpos de água pela poluição de esgotos, efluentes industriais e lixo e ainda desmatamento e erosão. Assim a água doce que já é escassa, sofre localmente em qualidade e quantidade. O agravamento do aquecimento global compromete a estabilidade do regime de chuvas, tornando o quadro ainda mais grave. Padecemos disso no Centro-Sul com os dois piores verões da série histórica de 85 anos. A crise no sistema Cantareira deixa a mostra o conflito. Acirram-se divergências por outorgas entre as bacias do Alto Tietê e PCJ (rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí), ambas afetadas pela estiagem. Já a proposta de transposição de 5 m³/s da bacia do Paraíba do Sul, entre represas Jaguari e Atibainha, provocou atrito entre São Paulo e Rio de Janeiro e os ânimos se exaltaram durante a campanha eleitoral. Outra briga é entre uso hidrelétrico e abastecimento, já que 70% da matriz é hidráulica. O segundo é prioritário por lei, mas Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) fizeram pressão em favor de se manter deflúvio na represa do Jaguari, atendendo à geração na Usina Hidroelétrica do Funil. Felizmente MG não entrou na disputa, em que pese cerca de 22% da água do Cantareira venha da vertente mineira da Mantiqueira. Também poderia se somar ao imbróglio o Amazonas, já que a umidade da floresta, tão devastada, é fator de chuva no Sudeste pelos "rios voadores". A ABES (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental) propõe que a solução à longo prazo passa por colaboração entre todos os entes, sem bairrismos, passando acima de dissensões políticas e não implica obrigatoriamente em "mais do mesmo". Ou seja, sempre seguir recalcando água de cada vez mais longe e de cotas mais baixas, com maior gasto de energia no bombeamento. É imperioso investir mais em quatro frentes: promover mais uso racional da água (85% do consumo na Região Metropolitana de São Paulo é residencial), combater intensamente as perdas, reúso a partir do esgoto, efluentes e chuva e recomposição da mata ciliar, proteção das nascentes e reflorestamento, aumentando a recarga dos aquíferos. Tais linhas de trabalho exigem quase sempre obras de menor porte e ações localizadas, combinadas com muita perseverança e continuidade, precisando ser abraçadas por sucessivos governos. Além disto, abatem custos ao invés de aumentar gastos, como ao obter mais água de mais longe. Nisso é preciso quebrar paradigmas. O paulistano consome 140 litros/dia (eram 190 pré-crise, mostrando adesão a novos hábitos, sem se abdicar de conforto e higiene) mas a ONU adota 110 como ideal. Apenas 30% da capacidade de fornecimento de água de reúso de cinco estações de tratamento de esgoto da Sabesp são vendidas. Apesar do preço convidativo de R$ 1,00/m³, o produto enfrenta preconceito. A rede mais antiga precisa de reparos constantes, mas há dificuldades pelo país afora para se liberar reparos em via pública, devido ao tráfego intenso, mas sobretudo pela burocracia, que congestiona ainda mais. Por outro lado, a ABES acredita firmemente na trilha da gestão consorciada dos recursos hídricos com municípios da mesma bacia hidrográfica atuando juntos e compartilhando investimentos. O modelo de gerenciamento tripartite envolvendo governo/usuários/sociedade em CBHs (Comitês de Bacias Hidrográficas) precisa ser aprofundado, pois permite o intercâmbio de iniciativas, conjugar recursos e viabilizar ações prioritárias, em especial a fundamental, que é perseguir a universalização da coleta e tratamento de esgotos. Assim a ABES, mais antiga entidade do saneamento, congregando profissionais, empresas e academia, busca contribuir com o Brasil para que o país mais rico em água, também seja o que oferece bons exemplos de inovação, boa governança e administração eficiente de suas águas e a única disputa seja a saudável, pelos melhores índices de desempenho. DANTE RAGAZZI PAULI é presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental - ABES MARCELO MORGADO é conselheiro da ABES, seção São Paulo * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-06
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/06/1639539-dante-ragazzi-pauli-e-marcelo-morgado-guerra-pela-agua-no-oriente-medio-e-no-brasil.shtml
Laerte Bessa: A redução da maioridade penal
A Câmara Federal está discutindo a Proposta de Emenda à Constituição que propõe reduzir a maioridade penal, tornando imputáveis menores de 18 anos que cometam crimes. É um longo debate. A essa emenda estão vinculadas outras 37 proposições no mesmo sentido. Ninguém no Brasil de hoje é capaz de acreditar que um cidadão de 16 anos que pode, de acordo com a Constituição, votar e trabalhar, não seja capaz de distinguir o certo do errado, não saiba a diferença entre o que é e o que não é crime. Essa é uma questão que move a sociedade e que provoca críticas, todas bem-vindas e que devem ser analisadas. Tudo muda: os homens, a sociedade, os costumes, a vida. Por que não mudar as leis? O artigo 228 da Constituição, que está em questão na Comissão Especial da qual tenho a honra de ser relator, é claro quando diz que "são penalmente inimputáveis os menores de 18 anos", mas o próprio artigo abre espaço para discussão quando coloca os menores de 18 anos "sujeitos às normas da legislação especial". Essa revisão é hoje um imperativo do nosso tempo. Os críticos da redução da maioridade penal dizem que ela não vai acabar com a criminalidade. Provavelmente estão certos. Pode ser que ela diminua, mas não se trata disso. Punir criminosos com cadeia não tem a ver com impedir que outros cometam crimes. Serve para punir quem cometeu o delito. A resposta que a sociedade cobra das autoridades é o combate à impunidade. Um menor de idade que comete um crime hediondo –um latrocínio, por exemplo– ou que é reincidente em crimes violentos, deve pagar pelos seus crimes. A sociedade precisa educar seus jovens. Esse é outro esforço que o Estado precisa fazer. Não se trata de punir com prisão jovens que cometeram pequenos delitos. Trata-se de acabar com a impunidade. Até 12 anos, todos são crianças e, por isso, são protegidos pela lei. Acima dessa idade, entre 12 e 16 anos, defendemos que só serão punidos aqueles que cometerem crimes hediondos. Acima de 16 anos, que todos sejam tratados igualmente. Além disso, defendemos que todas as alterações aprovadas sejam submetidas a um referendo popular. Feito isso, ainda restará muito a fazer. Além do investimento em educação, será preciso estabelecer penas mais duras para aliciamento e corrupção de menores. Nesse sentido, apresentei o projeto de lei nº 1.234/15, que tipifica a corrupção de menores como crime hediondo e amplia a pena para quem a pratica. Diz-se que a cadeia não serve para recuperar os condenados que tenham entre 16 e 18 anos. O sistema penitenciário é outro problema da nossa insegurança diária. Mas, se não serve para esses criminosos, não serve para nenhum outro. É óbvio que é preciso reformular o sistema penitenciário, e a Câmara Federal também está trabalhando nisso por meio de uma CPI que tem entre suas tarefas a de apontar soluções para essa situação gravíssima. A população não é culpada por nosso sistema penitenciário não funcionar. Oferecer impunidade a criminosos não é a solução que a sociedade espera, não é justo com o cidadão correto. É nossa obrigação, como parlamentares, darmos respostas à sociedade. LAERTE BESSA, 61, deputado federal pelo PR-DF, é relator da Comissão Especial de Redução da Maioridade Penal da Câmara dos Deputados * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-10-06
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/06/1640033-laerte-bessa-a-reducao-da-maioridade-penal.shtml
Arminio Fraga e Marcelo Trindade: Estatais, a urgência de uma nova lei
Apesar de não ter sido editada até hoje uma norma geral disciplinando a estrutura de governança das estatais, são diversas as determinações na Constituição de 1988 para que isso ocorra. Os episódios que vieram à tona recentemente deixam claro que a omissão legislativa quanto à governança das empresas estatais não foi adequadamente suprida pelas normas do Executivo, influenciadas por visões políticas de governo, e não de Estado. É preciso tratar do tema, para dar resposta não só à sociedade, mas aos milhares de empregados daquelas empresas, espoliados pelo mau exemplo de seus superiores. O projeto de lei apresentado pelo senador Aécio Neves na última quarta-feira (3) busca, fundamentalmente, lidar com a cultura de eficiência e de ética na gestão das empresas estatais, em vez de priorizar a sua organização formal. De fato, não basta aplicar às empresas estatais os padrões de organização das sociedades privadas. Por um lado, as sociedades de economia mista são sociedades anônimas por força de lei (e as mais relevantes são companhias abertas, sujeitas à regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários). No outro grupo, das 31 empresas públicas federais (de capital exclusivamente estatal), 12 organizam-se como sociedades anônimas. O projeto parte do pressuposto de que não há empresa verdadeiramente bem gerida sem que a cultura da boa gestão esteja espalhada pelos seus diversos níveis e de que a ética empresarial é também uma questão cultural. Nos dois casos o projeto se preocupa em assegurar a qualidade dos líderes porque, para a formação da cultura, o exemplo de quem lidera é fundamental. Por isso, o projeto estabelece na área da gestão obrigações e restrições, como a presença de ao menos 30% de conselheiros independentes no Conselho de Administração. Mesmo os conselheiros vinculados ao controlador deverão ter sido conselheiros ou diretores de companhias por, pelo menos, cinco anos, ou por, no mínimo, três anos, no caso de companhias abertas. Não poderão ocupar cargos de direção ou de alta relevância em partidos políticos nem mandato eletivo ou de ministro de Estado, além de ter comprovada experiência em área do conhecimento relevante para os negócios da sociedade. Requisitos ainda mais agudos são impostos aos diretores das sociedades. O projeto também determina a atribuição exclusiva a uma diretoria estatutária, subordinada ao Conselho de Administração, de competência de supervisão dos processos de contratação de produtos, serviços e pessoas e do cumprimento das normas de controle interno da empresa estatal (a chamada diretoria de "compliance"), além de comitês obrigatórios de remuneração e recursos humanos e financeiro. Na área dos controles, o projeto reforça a obrigação de auditoria externa independente por empresa registrada na CVM, e da criação de um comitê de auditoria, composto apenas por membros independentes, e de uma diretoria de auditoria. Quanto à prestação de contas, o projeto reforça a responsabilidade civil, administrativa e criminal dos administradores das estatais. Na área da supervisão de condutas, a proposta estabelece a obrigatoriedade de um código de ética e conduta (e de um comitê responsável por sua aplicação) que estabeleça padrões de atuação para todos os colaboradores da estatal, compatíveis com as atividades de cada empresa, e com o tratamento das situações de conflito de interesse, risco de imagem e corrupção. O projeto propõe, por fim, uma solução para o dilema histórico entre lucro e interesse público nas estatais. Prevê que, caso a opção seja pela captação de recursos de acionistas no mercado de capitais, esteja obrigada a buscar o lucro, como qualquer companhia aberta. O governo continuaria podendo contratar programas e serviços das estatais, mediante compensação pelos custos incorridos, democraticamente inseridos no Orçamento. O projeto de lei parte da ideia de que uma lei federal é a única e urgente maneira de proteger as estatais de governos que queiram ocupá-las. Com o ideal de estimular a eficiência e a ética naquelas empresas, para recolocá-las a serviço do Estado e da sociedade brasileira. ARMINIO FRAGA, 57, economista, é sócio da Gávea Investimentos. Foi presidente do Banco Central (governo FHC) MARCELO TRINDADE, 50, é sócio da Trindade Sociedade de Advogados. Foi presidente da CVM - Comissão de Valores Mobiliários (governo Lula) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-10-06
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/06/1640032-arminio-fraga-e-marcelo-trindade-estatais-a-urgencia-de-uma-nova-lei.shtml
Ricardo Paes de Barros: Marco Legal da Primeira Infância e os direitos da criança
O projeto de lei nº 6.998/2013, enviado para votação do Senado, é um marco importante para ampliação de programas voltados para a primeira infância, período de vida que vai da gestação aos 6 anos. Cabe agora aos representantes dos Estados dizerem sim ou não a uma legislação em total consonância com evidências científicas e que muito irá contribuir para quebrar o círculo de perpetuação da desigualdade social. Um exemplo simples do impacto de políticas públicas na vida dessas crianças é ressaltado no estudo realizado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos do Governo Federal, que avaliou o impacto das creches de tempo integral na evolução da criança e da família na cidade do Rio de Janeiro. A análise apontou aumento de 25% na renda familiar proveniente do trabalho, mais gastos com comida e bens duráveis, além de maior frequência de estímulos, como a leitura em casa. O Marco Legal da Primeira Infância traz mudanças significativas na maneira de pensar as políticas públicas para a criança pequena e coloca em evidência um período de vida muito negligenciado do ponto de vista de investimento e de prioridade. O PL estabelece a criação de uma política nacional para a primeira infância e a criação de um Comitê Interministerial Nacional para planejar, monitorar e avaliar as ações nacionais, o que garantirá a otimização dos recursos. Ter um sistema de monitoramento é essencial para identificar em que medida os direitos da criança estão sendo efetivamente garantidos ou que grupos sociais têm sido negligenciados; quais as necessidades e os impedimentos ao pleno desenvolvimento de cada grupo, de cada comunidade e de cada criança. Fica, portanto, mais fácil adequar as ações públicas às efetivas necessidades da primeira infância e garantir que esses programas cheguem prioritariamente aos mais vulneráveis. Uma atualização inovadora e de extrema importância para o pleno desenvolvimento infantil, que está prevista na nova legislação, é a necessidade de uma abordagem multidisciplinar para atuação com a primeira infância, ou seja, garantirá a cada criança o seu direito ao pleno desenvolvimento, com serviços integrados e intersetoriais. Existe hoje uma necessidade de se estabelecer serviços de atenção que pensem a criança de maneira integral e integrada, desde o seu acompanhamento durante a gravidez até a alimentação e nutrição, a educação infantil, a convivência familiar e comunitária, a assistência social à família, a cultura, o brincar e o lazer, o espaço e o meio ambiente, a proteção frente a toda forma de violência, bem como a prevenção de acidentes. Outro ponto importante é a exigência de uma capacitação específica sobre desenvolvimento infantil dos profissionais que trabalham com crianças pequenas. Atualmente, os cursos de pedagogia não possuem disciplinas voltadas para essa faixa etária, que é específica e tem necessidades muito peculiares. Com a aprovação do Plano Nacional da Educação, em 2014, com metas específicas para creches e pré-escola, pensar a qualidade desses serviços, além da estrutura, passa também por repensar o currículo dos profissionais. É importante ressaltar que a elaboração do projeto de lei, de autoria do deputado Osmar Terra (PMDB-RS), baseou-se em evidências científicas que têm demonstrado a importância de se investir na primeira infância como forma eficiente de garantir igualdade de oportunidades, quebrando o círculo de pobreza. Pois é exatamente nesta fase que acontece 70% do desenvolvimento cerebral, quando boa parte das habilidades (motoras, cognitivas e socioemocionais) é adquirida, o que irá refletir no desempenho e no desenvolvimento dos anos seguintes e, em alguns aspectos, terá forte impacto na vida adulta. Neste contexto, o engajamento da sociedade civil será imprescindível para garantir a aprovação de uma legislação atual, que contribua para a mudança do eixo do desenvolvimento humano, econômico e social no país. Sua aprovação vai abarcar as conquistas realizadas até o momento e alavancar os inúmeros projetos que já formam lideranças e profissionais preocupados com a questão e já mobilizam comunidades pelo país, que vêm cobrando das autoridades mais empenho neste caminho. RICARDO PAES DE BARROS é coordenador do Núcleo Ciência pela Educação no Insper, economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor da cátedra Instituto Ayrton Senna * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-09-06
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/06/1639390-ricardo-paes-de-barros-marco-legal-da-primeira-infancia-e-garantia-dos-direitos-da-crianca.shtml
Luiz Augusto Pereira de Almeida: A 'vacina' do planejamento urbano contra a dengue
Não se deve atribuir apenas aos estoques domésticos de água, feitos pela população paulista para enfrentar a crise hídrica, a eclosão da epidemia de dengue no Estado de São Paulo. A proliferação do Aedes aegypti em recipientes inadequados ou sem o devido lacre para o armazenamento do precioso líquido é apenas uma causa pontual, decorrente de problemas mais amplos, graves e antigos, ligados à precariedade do planejamento urbano no Brasil. A dengue desencadeou-se em nosso país a partir de 1982, exatamente quando se consolidou a concentração habitacional no meio urbano, onde, segundo o IBGE, passaram a viver 66% dos brasileiros, ante 56%, nos anos 70, 45% nos 60, 36% nos 50 e 31% nos 40. Hoje, são 85%. O mosquito transmissor da doença, que havia sido praticamente "expulso" do meio urbano pela ação do médico Oswaldo Cruz no combate à febre amarela, no início do Século 20, instalou-se novamente nas cidades. Desmatamento desordenado, ocupação irregular do solo, incluindo áreas de mananciais, favelização, ligações clandestinas de água e seu acúmulo em pneus, garrafas e vasos, falta de orientação das famílias, déficit habitacional e de infraestrutura e precariedade das redes de esgoto constituem um grande caldo de cultura para a proliferação do Aedes aegypti. Todas essas causas convergem para a falta de planejamento urbano. A ameaça de colapso no abastecimento de água é um claro indicativo disso. A população moveu-se rapidamente do campo em direção de cidades despreparadas para a expansão demográfica. E nenhum governante, ao longo de décadas, parece ter se preocupado com essas transformações. Somam-se a esse problema, algumas contradições na interpretação e aplicação das legislações, configurando-se um ambiente propício às epidemias, como a de dengue. Refiro-me, por exemplo, à questão legal relativa à ocupação do solo. Muitas vezes, são barrados judicialmente, sob o argumento da proteção ambiental, projetos de bairros planejados, com a devida preservação do volume de áreas verdes, abastecimento de água, redes de esgoto e coleta de lixo, tudo com padrão de excelência e alinhado aos preceitos de sustentabilidade. Paradoxalmente, às vezes na mesma área ou adjacências, ocorrem invasões de terras, com total devastação da flora, ausência de saneamento básico e desrespeito a todos os preceitos ambientais. Não são raros os casos em que essas ocupações, muitas delas em áreas contaminadas ou mananciais hídricos, acabam se perenizando, por acomodação ou oportunismo político e sob alegações de benemerência social. Em muitas dessas localidades, o Estado sequer está presente, pois faltam escolas, unidades de saúde, transportes, segurança, estrutura e fiscalização sanitária. Quando existem, os serviços são pífios. Nessas áreas, o mosquito encontra todas as condições para se reproduzir em larga escala. Estamos errando muito no enfrentamento do problema. Além da ausência de planejamento urbano, ocupação irregular do solo, desventuras políticas, demagogia, legislação restritiva a projetos sustentáveis e carência de infraestrutura, há ainda o fator educacional: estamos chegando ao absurdo de se cogitar a aprovação de uma lei municipal, na cidade de São Paulo, para obrigar as pessoas a deixarem os agentes públicos inspecionarem suas residências e realizarem ação sanitária contra o mosquito. Isso está diretamente relacionado à constrangedora 60ª colocação do Brasil, dentre 76 nações, no ranking mundial de educação, que acaba de ser divulgado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em síntese, esbarramos mais uma vez, no problema crônico brasileiro: falta de políticas públicas de longo prazo. Diante da gravidade da situação, ações desesperadas do tipo "fumacê", um produto altamente tóxico e de serventia duvidosa, pouco ajudam na solução definitiva do problema. Os hospitais superlotados que o digam! Precisamos de esforços bem mais elaborados de nossos legisladores, para melhorar e até, quem sabe, erradicar esse mal. E, sem medo de errar, aposto que este caminho permeia o contexto do ensino e do marco legal relativo ao uso e ocupação do solo urbano, com propostas mais realistas e menos ideológicas. Infelizmente, falta às nossas cidades e nosso país a "vacina" do bom senso e do planejamento, os mais eficazes agentes de imunização contra a dengue e outras doenças tropicais infecciosas. LUIZ AUGUSTO PEREIRA DE ALMEIDA é diretor da Fiabci/Brasil e diretor de Marketing da Sobloco Construtora * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-08-06
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/06/1637665-luiz-augusto-pereira-de-almeida-a-vacina-do-planejamento-urbano-contra-a-dengue.shtml
Maria Laura Canineu e Juliane Kippenberg: Dia do Meio Ambiente e o compromisso sobre o mercúrio
Dois anos atrás, quando países adotavam um novo tratado internacional para reduzir a exposição das pessoas ao mercúrio em todo o mundo, o Brasil se colocou como uma liderança importante, sendo um dos maiores apoiadores do tratado, conhecido como a "Convenção de Minamata sobre o mercúrio", assinando-o imediatamente. Durante longas negociações noite adentro, vimos a delegação brasileira agir proativamente, pressionando pela inclusão de medidas para a prevenção e tratamento do envenenamento por mercúrio. A delegação agiu de maneira incisiva e, em certo momento, até deixou a sala de negociação em protesto, quando uma delegação de outro país utilizava-se de manobras para atrasar o processo. Ao final, os brasileiros foram bem-sucedidos em incluir as medidas desejadas. No entanto, o ímpeto do país arrefeceu, com danos previsíveis aos brasileiros, especialmente às crianças, que usam mercúrio no garimpo. O mercúrio é um metal líquido brilhante e fascinante, mas também tóxico. Ele ataca o sistema nervoso central, causando danos ao cérebro e outras doenças crônicas debilitantes, sendo particularmente prejudicial às crianças. Em doses mais altas, pode ser letal. O setor econômico no qual o mercúrio é mais utilizado globalmente é a mineração artesanal de ouro em pequena escala. O metal é misturado ao minério de ouro para formar um amálgama. Em seguida, o amálgama de ouro-mercúrio é colocado sobre uma chama, para que o mercúrio seja evaporado, deixando o ouro bruto como resultado, mas liberando gases tóxicos. Adultos e crianças em comunidades de mineração artesanal no Brasil e em outras partes do mundo normalmente inalam esses vapores tóxicos durante o trabalho todos os dias. A Human Rights Watch tem entrevistado crianças que trabalham no processamento do ouro com mercúrio, tendo encontrado crianças pequenas sendo expostas ao mercúrio na Papua Nova Guiné, Mali, Tanzânia, Gana e nas Filipinas. A Convenção de Minamata foi apresentada ao Congresso brasileiro, mas acabou esquecida num contexto de debates políticos mais áridos. Houve pouco progresso rumo à aprovação do tratado pelos parlamentares, que é um passo necessário para que o Brasil complete o processo de ratificação e se torne efetivamente parte do tratado. Para que a convenção tenha impacto, os países precisam ratificá-la e então cumpri-la. É necessário encontrar alternativas ao mercúrio, eliminar os métodos mais danosos de uso desse metal –como a queima caseira do amálgama– e oferecer cuidados médicos aos que já sofrem com o envenenamento por mercúrio. Nas comunidades de mineração artesanal do Brasil onde o uso de mercúrio ainda é comum, cada dia de atraso na ratificação do tratado pode resultar em danos severos –e até permanentes– aos mineradores e suas crianças. O país deve restabelecer seu compromisso em solucionar o problema do uso caseiro do mercúrio, onde a situação é mais periclitante. Hoje é o Dia Mundial do Meio Ambiente. O Congresso brasileiro deve aproveitar esta oportunidade para aprovar a Convenção e garantir sua ratificação. MARIA LAURA CANINEU é diretora para o Brasil da Human Rights Watch JULIANE KIPPENBERG é pesquisadora sênior para os direitos das crianças na Human Rights Watch * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-05-06
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/06/1637599-maria-laura-canineu-e-juliane-kippenberg--dia-do-meio-ambiente-e-o-compromisso-atrasado-do-brasil-sobre-o-mercurio.shtml
Andrés Sanchez: Juca, o "boca livre"
É admirável como Juca Kfouri, poucas horas depois do segundo jogo entre Corinthians e Guaraní, do Paraguai, pela Libertadores, já tivesse preparado, em plena madrugada, sua coluna "O preço de um boquirroto" (14/5), na qual o jornalista me responsabiliza pelo resultado da partida. Estou convencido de que o conteúdo dessa coluna já estava preparado antes do início do jogo. Mesmo estando a mil quilômetros de distância do estádio e há mais de três anos afastado da presidência do clube, eu fui o responsável pela derrota corintiana. Na sua coluna, Juca também me critica por ter dito em 2011 e em 2013 que o Corinthians poderia ser o clube mais rico ou um dos mais ricos do mundo. Mantenho essa previsão. Com nossa torcida, energia, história e tradição podemos estar entre os grandes. Se não alcançarmos tal meta, aí, sim, terá sido por culpa minha e de meu grupo político. Em todo caso, sou um dirigente de futebol e posso acertar ou errar previsões, inclusive me deixar influenciar pela euforia da paixão. Um jornalista, porém, tem sua credibilidade profundamente abalada quando publica textos errados, como Juca Kfouri fez em 25 de maio de 2010 no seu blog no UOL. O título dizia: "Confirmado: Piritubão abrirá a Copa". (Já naquela época manifestava esse apreço pelos nomes superlativos.) Dizia no texto que fora um acordo entre Ricardo Teixeira, o então prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, e o seu secretário do Esporte, Walter Feldman. Completava assegurando que o Morumbi também receberia jogos da Copa e insinuava que eu levaria o Corinthians para esse estádio, já que o de Itaquera ele dizia ser obra de ficção. Houve outros "furos de reportagem" desse nível e por essas e outras ele merece o titulo de "Juca, o boca livre". Boca porque, muitas vezes, fala sem pensar. Livre porque sempre se intitulou defensor da liberdade, dos fracos e oprimidos. Ser chamado de boquirroto deve ter sido o mais suave da "coleção boca suja" com a qual Juca me premiou recentemente: blefe, otário, trouxa, truculento e pequeno. Estou convencido de que pela sua formação e currículo não é normal que faça da minha pessoa seu alvo permanente. Deve haver algum outro motivo e só mesmo Freud para explicar essa utilização de adjetivos impróprios de sua educação. Sobre Luis Paulo Rosenberg, além de ser um amigo, foi meu companheiro de gestão e, posteriormente, ao finalizar nosso mandato –por sua própria valia e capacidade– assumiu a vice-presidência do clube. Sobre o valor do estádio, continuo afirmando que os R$ 5.200 por metro quadrado está entre os mais ajustados da Copa. A eliminação da Libertadores foi um golpe considerável e nos colocou em uma etapa de crise. Para superá-la, será necessário que a diretoria seja capaz de somar forças e gerar bons resultados. Para essa missão, contam com o meu apoio e espero que a previsão negativa de Juca para o clube obtenha o mesmo sucesso que a do "Piritubão". Como já disse, sei que Juca continua sonhando em ser um destemido e atual João Saldanha, mas com sua linguagem vulgar e o teor oficialista de suas recentes crônicas continua um temido e atual Amaral Netto de esquerda. Independentemente de divergências, estimo pronta melhora e plena recuperação de sua saúde. ANDRÉS SANCHEZ, 51, deputado federal pelo PT-SP, é superintendente do Sport Club Corinthians Paulista, clube que presidiu entre 2007 e 2011. Foi diretor de seleções da Confederação Brasileira de Futebol (2011-2012) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-06
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/06/1637634-andres-sanchez-juca-o-boca-livre.shtml
Chico Alencar: O império do senso comum
O senso comum, nesta encruzilhada de nossa história, foi erigido como medida inquestionável de uma série de decisões que afetam a vida nacional. Na Câmara dos Deputados, a onda conservadora afoga todos na superficialidade da percepção dos fenômenos sociais. Assim, a violência estrutural e a sensação de insegurança passam a ter como solução o encarceramento de jovens em regime prisional para adultos –de onde advêm 70% de reincidência criminal– e a flexibilização do Estatuto do Desarmamento, na perigosa linha do "cada cidadão uma arma". A perspectiva do desemprego é "enfrentada" com a precarização geral do trabalho e quase irrestrita das terceirizações. A necessidade da produção de alimentos e commodities pelo agronegócio ameaça ainda mais os direitos dos povos nativos, desconhecendo-se que cada km² de terra indígena emite 96% menos CO2 que outras terras agricultáveis na própria Amazônia. À saudável diversidade da convivência amorosa –com novas formas de coabitação solidária– é oposto o modelo único da família tradicional, como se fora dela não existisse salvação. Aos escândalos que se sucedem, a serem enfrentados com investigação rigorosa e transparência, é preceituado o remédio do moralismo individualista, como se tudo fosse uma questão de transferir virtudes privadas –véu de hipocrisia?– para o âmbito da instância pública. Também no plano da política institucional o método arcaico impera: no lugar de uma reforma política, implementam-se medidas tópicas contra a política. O povo a repudia? Pois reduzamos suas oportunidades de debate e escolha, com pleitos apenas quinquenais, para todos os cargos da República. A corrupção atinge a todas as grandes siglas, revelando a perda total de fronteiras entre o público e o privado? Constitucionalize-se a doação de empresas para os partidos, e só a partir deles para as campanhas, como se isso as tornasse mais limpas e austeras. A ideia de partido está degradada? Então que se garanta na lei o triunfo do indivíduo, da personalidade ungida pelo voto, como defendida pelos proponentes do distritão, sistema que elege para a função pública só os mais votados. Há pequenos partidos, alguns "de aluguel", que se vendem? Que se imponham cláusulas para impedir seu direito de crescer, preservando os grandes que tantas vezes os compram e, não raro, são acometidos de nanismo moral. As pseudossoluções galopantes da pequena política, os arreganhos triunfantes de uma maioria reacionária são expressões típicas da crise do nosso modelo de modernização conservadora, do nosso aparato político reativo à democratização de base, direta e participativa, do esgotamento do arsenal de conciliações entre contrários que estão, cada vez mais, assemelhados. Antonio Gramsci (1891-1937), em seus "Cadernos do Cárcere", denominou "interregno" esse tempo de incertezas que anuncia, entre sombras, um fim de ciclo. Trata-se do intervalo histórico em que o velho ainda não desapareceu totalmente e o novo ainda não se firmou. A sofreguidão regressista, com mais espaço nesses tempos sem hegemonia clara, tenta cristalizar suas posições. Esses períodos trevosos, diz Gramsci, são propícios ao aparecimento de "sintomas mórbidos, fenômenos estranhos, criaturas monstruosas". Nossa cena política contemporânea oferece vários personagens com essas características nefastas. A história é um contínuo de transformações. O desafio da hora presente, frente ao império do senso comum e seus monarcas do atraso, é dar um novo significado ao bom senso republicano da igualdade, da democracia e da ética social. CHICO ALENCAR, 65, professor de história, é deputado federal pelo Rio de Janeiro e líder do PSOL na Câmara dos Deputados * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-01-06
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/06/1635677-chico-alencar-o-imperio-do-senso-comum.shtml
Fernando de Mello Franco: O zoneamento de São Paulo em revisão
A revisão participativa da Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo está em curso. Conhecida como Lei de Zoneamento, ela normatiza a ação pública e privada sobre as formas de uso do solo da cidade. O projeto de lei resultante do processo participativo coordenado pelo Executivo será encaminhada à Câmara nesta terça (2), sinalizando o sólido compromisso da gestão Haddad com o esforço de revisão do conjunto de leis que regulamentam a política urbana do município. Essa ação permite aproximar os instrumentos de planejamento à esfera local, atendendo aos pleitos legítimos da população em rever os padrões de uso e ocupação de cada bairro, quarteirão ou lote da cidade. É também uma oportunidade para debater alternativas de superação de um modelo urbano problemático e exaurido numa cidade cujo crescimento populacional se estabiliza, desigualdades persistem e desequilíbrios ambientais se amplificam. Não há dúvida de que esses fatores se relacionam estreitamente com o processo de urbanização. O que motiva a revisão do zoneamento é o desejo de melhorar a vida cotidiana. Por isso o projeto de lei propõe três agrupamentos de zonas que responderão à preservação, à qualificação e à transformação de setores específicos da cidade. No primeiro agrupamento, a política pública deve favorecer a contínua qualificação dos territórios que recebem as dinâmicas do cotidiano. O tecido básico da cidade se constitui das zonas que abrigam as funções de moradia e dos usos comerciais e de equipamentos sociais que complementam a vida local. O segundo reconhece a importância do meio ambiente e da história da cidade. Nessas zonas, devem ser promovidas atividades conjugadas com a preservação dos elementos relevantes para a paisagem, a cultura e a memória. O terceiro agrupamento indica as zonas onde se deve induzir a transformação da cidade, necessária para se enfrentar seu expressivo deficit habitacional e reorientar um processo de contínua urbanização. Em total sinergia com o Plano Diretor, os eixos de estruturação urbana são traduzidos no zoneamento na forma de Zona de Estruturação Urbana. Nela um conjunto articulado de parâmetros urbanísticos reforça a diretriz de adensamento, de incentivo à qualificação do espaço público e de ampliação da oferta de bens e serviços ao longo dos eixos prioritários de investimento em transporte coletivo. A Zona de Estruturação Urbana se complementa pelas Zonas de Centralidade. Distribuídas por toda a cidade e em intensidades diferentes, garantem a proximidade entre moradia, comércio e empregos. Na proposta da Lei de Zoneamento e do Plano Diretor, a oferta de bens e serviços será condensada. Como contrapartida, será induzido o abrandamento da transformação dos miolos dos bairros, onde incidem as principais reivindicações pela melhoria da qualidade da vida. A revisão da política urbana do município está sendo conduzida a partir da consciência de que nossa crise ambiental urbana se intensifica e que a cidade demanda um outro modelo, devidamente amparado por um pacto social que lhe confira sustentação política. O zoneamento versa sobre a regulação que incide sobre o quarteirão onde cada um de nós vive. Mas também versa sobre qual o compromisso que iremos firmar pelo futuro ambiental e social desse sistema urbano complexo que é São Paulo. FERNANDO DE MELLO FRANCO, 51, é secretário de Desenvolvimento Urbano do Município de São Paulo * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-05-31
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/05/1635664-fernando-de-mello-franco-o-zoneamento-de-sao-paulo-em-revisao.shtml
Francisco Carlos Palomanes Martinho: A universidade não é uma ágora
Quarta-feira, 13 de maio de 2015. Assim como em todas as quartas no horário do vespertino, chego à Universidade de São Paulo para ministrar a disciplina de História Ibérica 1. Outros colegas fazem o mesmo. Enfim, um dia corriqueiro na universidade, "ma non troppo". Chego às 13h30 e encontro um animado grupo de percussionistas. Malgrado a péssima qualidade do som, o evento parece aceito naturalmente em um local de trabalho inadequado para semelhante "manifestação cultural". Que, aliás, repete-se em quase todos os dias. Às vezes em nome de alguma causa. Outras, sabe-se lá o motivo. Justificáveis ou não, essas atitudes servem rotineiramente para prejudicar a atividade-fim daquele espaço: a docência e a pesquisa. E se assim é no modorrento horário da tarde, pior ainda no da noite, quando ocorrem as famigeradas festas que, com níveis de organização empresariais, simplesmente impedem que se trabalhe. O que parece inacreditável em todo esse ambiente é que ninguém consegue garantir o bom funcionamento de um espaço destinado ao ensino e à reflexão. É terra sem lei. O clima de banalização do espaço universitário vai além. Basta uma greve, por exemplo, para que cadeiras sejam retiradas das salas de aula e se transformem em barricadas a fim de impedir o livre acesso de docentes, alunos e funcionários. Mobilização fácil essa que, diga-se, resulta apenas no impedimento ao diálogo entre as partes conflitantes. Além da vedação à troca de ideias, muitas cadeiras, pagas pelos impostos da população, acabam, como é de se esperar, danificadas, resultando em prejuízo para o Estado e para o contribuinte. Prejuízo, aliás, que virou rotina de forma inacreditável. Só no ano passado, seis projetores foram roubados do prédio da História e Geografia. Ninguém foi responsabilizado. A solução óbvia seria a instalação de câmeras de segurança. Mas na USP contamos com a oposição dos que acham que as mesmas resultarão em "controle". Em nome de um discurso ideologizado, impede-se a defesa do patrimônio público. É como se um gestor tivesse que pedir licença para repor um vidro quebrado. Ou um diretor de uma repartição pública tivesse que pedir autorização para colocar as câmeras de segurança no Metrô, na Secretaria de Fazenda ou no Hospital dos Servidores. Acanhados diante da obrigação de fazer valer a lei, como se tal atitude nos fizesse reacionários, ficamos calados. Esse é o caminho que, lentamente, a universidade trilha no sentido de seu definhamento. Não tenho dúvida de que o poder público também é responsável pela crise vivida nas universidades públicas. A novidade é que não são apenas os governantes os agentes da crise. Há inimigos internos, que desprezam o saber e a hierarquia acadêmica. Em nome de verdades absolutas, conduzidas por vanguardas autoritárias, não têm dúvidas sobre suas ações. São minorias que, ignoradas no mundo real se escoram nessa bolha que tem se tornado a universidade. O mais grave, insisto, é o acanhamento diante do imperativo de fazer valerem as leis. Estas, universais, se aplicam também para o espaço universitário. Ou deveriam. É proibido fumar em um ônibus? Na universidade também é. É proibido consumir bebida alcoólica em repartições públicas? Na universidade também é. É proibido apertar e acender um baseado em qualquer lugar, ao menos por enquanto? Na universidade também é. A USP não é uma ágora separada do mundo real. Fazemos parte dele. Somos sustentados por maiorias que nem sequer sabem onde fica a Universidade de São Paulo. Voltar-se para essas maiorias é tarefa que exige reflexão e empenho, mas precisamos arrumar a casa primeiro. O medo de impor a lei é um caminho curto e fácil para uma reinterpretação medíocre de nossa carreira e do papel da universidade. No mínimo. FRANCISCO CARLOS PALOMANES MARTINHO, 53, é professor Departamento de História da USP. É autor de "A Bem da Nação: O Sindicalismo Português entre a Tradição e a Modernidade" (Civilização Brasileira) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-05-29
opiniao
Opinião
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Yoel Barnea: Combate ao antissemitismo
Neste mês, 800 delegados de mais de 51 países viajaram a Israel para discutir o eclipse que turvou as ruas da Europa em intensidade crescente nos últimos tempos. O 5º Fórum Global de Combate ao Antissemitismo se reuniu entre os dias 12 e 14 em Jerusalém para discutir a renovada ameaça para as comunidades judaicas e indivíduos ao redor do mundo, uma ameaça que esperávamos pertencer exclusivamente ao passado. Na mesma semana que a Europa celebrava o septuagésimo aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial, esses delegados interessados tentaram entender –nos debates na capital de Israel– como o voto de sete décadas atrás de "nunca mais" foi esquecido por tantos. O primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, no seu discurso de abertura do fórum, fez a mesma pergunta, ressaltando que depois do fim dessa Guerra e a revelação dos horrores do Holocausto, muitos acreditaram que a humanidade iria se desfazer de um dos ódios mais antigos existentes, o antissemitismo. O antissemitismo de hoje não se limita a setores do islã militante nem a alguns elementos xenofóbicos marginais da sociedade europeia. Ele está mascarado no chamado pensamento progressista do Ocidente. Alguns que se consideram campeões da tolerância transformam-se em intolerantes natos quando se trata de judeus e o Estado judeu. O antissemitismo clássico representava os judeus como a personificação do mal. O antissemita moderno retrata o Estado judeu como a personificação do mal. Esse Estado é tratado hoje no âmbito internacional da mesma maneira que os judeus foram tratados pelas nações ao longo de muitas gerações. E, é claro, não somos perfeitos e há muito que pode e deve ser melhorado no Estado de Israel. Mas construímos uma sociedade magnífica, que contribui à comunidade internacional com seus logros e experiências. Como é possível que Israel seja caluniado e difamado como nenhum outro país o foi? Provavelmente porque hábitos, costumes e vícios morrem com muita dificuldade. Recentemente, houve um aumento considerável da violência contra indivíduos judeus, comunidades, instituições, escolas e sinagogas na Europa e em outros continentes. Judeus foram submetidos a terríveis discursos de ódio e a ataques físicos enquanto suas sinagogas e cemitérios eram profanados. Do lado positivo, o ano de 2014 testemunhou muitos líderes mundiais se manifestando para denunciar esse crescimento, incluindo fortes condenações de antissemitismo emitido por chefes de Estado e por Ministros das Relações Exteriores da Itália, França e Alemanha. Uma das principais mensagens que o Fórum Global de Combate ao Antissemitismo espera transmitir é que essa forma de ódio não é um problema apenas para o povo judeu. Onde quer que o antissemitismo seja permitido, as violações à liberdade de expressão e dos direitos básicos de outras minorias –das mulheres, dos ciganos, de minorias étnicas e da comunidade LGBT– seguirão ocorrendo. No final, até mesmo o direito de viver livre do medo, da intolerância na direção de qualquer um com uma opinião diferente, aparência ou crença, será colocado em dúvida. YOEL BARNEA é cônsul-geral de Israel em São Paulo * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-05-29
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/05/1635115-yoel-barnea-combate-ao-antissemitismo.shtml
Ricardo Carvalho: É jornalismo reproduzir vídeos de execuções?
Você já prestou atenção, caro leitor, nos cenários, no figurino, na postura ultradisciplinada do pessoal do Estado Islâmico nos vídeos de execuções que eles distribuem? Ao fundo fica o deserto, os condenados vestem laranja, cor que se destaca ao contrastar com o traje negro dos militantes de cabeças cobertas. Toda essa mise-en-scène ajuda a aumentar o mistério. Os condenados ajoelhados, o semblante mais sério impossível, enquanto um dos carrascos faz um discurso qualquer sobre a sentença que será aplicada dali a momentos. A sentença é, então, aplicada com os rigores do sadismo e crueldade raramente captados por uma câmera, vamos dizer, jornalística, que registra a realidade. Mas, no caso dessas execuções, há uma realidade certinha demais para ser jornalismo –e ficam os telejornais do mundo inteiro esperando o próximo capítulo. Há uma comoção e a condenação planetária com todas essas crueldades praticadas por esses bárbaros enlouquecidos pelo fanatismo. Cabe a nós, jornalistas, fazer uma pergunta: e se os telejornais do mundo inteiro se recusassem a mostrar o que a "emissora" do Estado Islâmico produz com tanto esmero e sofisticação? Sem público para repercutir, será que continuariam com as matanças? E se continuassem, mesmo sem TV como palco, será que conseguiriam ser tão famosos a ponto de recrutar jovens de diferentes países e culturas? É lógico que, para esse recrutamento, a internet dá conta do recado. Mas é –ou costuma ser– pela televisão e pelos jornais que o fato vira, vamos dizer, notícia. Seriam acusados de autocensura os jornalistas de emissoras ocidentais que se recusassem a veicular essas imagens? Não são respostas fáceis, pois o fato jornalístico está lá. Voltemos à TV, já que é ela que está, de alguma forma, na berlinda. Por fora, corre a pergunta: será que o telejornalismo tem algum poder de influenciar ou, mesmo, de mudar comportamentos? Ou será que, para o distinto público, jornalismo e ficção se confundem na telinha? Na minha curta trajetória de repórter da TV Globo, em 1980, cobri as manifestações de rua que já vinham pipocando no centro de São Paulo. Nada me irritava mais do que perceber que algumas dessas passeatas só começavam a se movimentar quando a nossa equipe chegava para a cobertura. Por causa da minha militância no Sindicato dos Jornalistas, conhecia quase todos que estavam lá, mas nem por isso ficava menos indignado. Mesmo por uma causa tão nobre tenho hoje a impressão que de era "usado" pelos manifestantes. Em anos anteriores, como repórter da Folha, eu não me sentia assim, já que as passeatas definitivamente não começavam quando um repórter sem câmera e sem microfone chegava para a cobertura. Talvez não custe aos profissionais de televisão redobrar a atenção para o que é e o que não é jornalismo. Com as redes sociais e os celulares, cada um se sente no direito de veicular a sua própria notícia, como é o caso dos terroristas do Estado Islâmico. Ou os conceitos do que é jornalismo e do que é notícia na TV precisariam ser revistos? RICARDO CARVALHO, 66, jornalista, foi repórter da TV Globo e da Folha, diretor de jornalismo da TV Cultura e editor-chefe do "Globo Repórter" * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-05-28
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/05/1634591-ricardo-carvalho-e-jornalismo-reproduzir-videos-de-execucoes.shtml
Eduardo Oinegue: Um basta ao orçamento geológico
O ex-ministro da Fazenda Antonio Delfim Netto, questionado por jornalistas no programa "Canal Livre", da Band, sobre o tamanho do Estado no Brasil, disse: "Temos 38 ministérios, 37 fundações, 128 autarquias e 140 empresas estatais. É difícil acreditar que não tenha espaço para uma mudança importante. "A tua verba está no Orçamento deste ano simplesmente porque estava no Orçamento do ano passado [...] Orçamento é negócio geológico. Nada termina, tudo continua." Delfim Netto descreve, com incontrastável clareza, os sintomas da doença que o Brasil evita combater: o gigantismo estatal, presente em todas as esferas de governo. As medidas desenhadas pelos ministros Joaquim Levy (Fazenda) e Nelson Barbosa (Planejamento) para o ajuste fiscal são todas bem-vindas –e até poderiam chacoalhar o gigantismo se os limites que as guiassem fossem técnicos, não políticos. Só que não é. De olho nas eleições futuras, parlamentares da base governista não querem cortar muita coisa. Sem se desprender da eleição passada, oposicionistas não querem cortar nada. O debate em torno do tamanho do Estado é sempre evitado. Só se aceitam discussões periféricas, como a que trata, por exemplo, do número de ministérios. Surgiu até um projeto de lei para limitá-los em 20, como se fizesse diferença. Não faz. Primeiro porque não há relação entre número de ministérios e carga tributária. José Sarney tinha 31 ministérios e a carga tributária era de 20% do PIB (ano-base 1988). Fernando Collor cortou para 17, e a carga tributária subiu para 24% (1991). Tampouco se pode estabelecer relação direta entre número de ministérios e desenvolvimento. Há o mesmo número de ministérios no Reino Unido e no Botsuana. O problema não é o número de ministérios, mas, sim, a capacidade do Estado de pendurar novas despesas e escondê-las na Esplanada. Tome-se o caso da gestão dos museus federais, que vinha sendo conduzida pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Eis que o Estado decidiu fundar outra autarquia para esse fim, o Ibram (Instituto Brasileiro de Museus). Onde havia uma estrutura brotou uma segunda. Em 2001, o governo federal fechou três autarquias: as superintendências de desenvolvimento do Nordeste (Sudene), Centro-Oeste (Sudeco) e Amazônia (Sudam), transformadas em agências. As superintendências acabaram reabertas, e os decretos de recriação alocaram 137 cargos de confiança. Mais despesas, mais carga tributária. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação controla há alguns anos uma estatal chamada Ceitec (Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada), criada para produzir chip para monitoramento de bois. Já consumiu mais de R$ 750 milhões em investimentos e até agora produziu prejuízo e algumas explicações ao Tribunal de Contas da União. É investimento estratégico? Foi o que se disse em 1975 para justificar a criação de outra disfunção, a Indústria de Material Bélico do Brasil (Imbel), atualmente ligada ao Ministério da Defesa. Das linhas de montagem da Imbel saem fuzis, pistolas, facas e barracas. O que há de estratégico nesse "arsenal", se o navio da Marinha é inglês, o caça da Aeronáutica sueco e o carro de combate do Exército alemão? É o tal "orçamento geológico", de que fala Delfim Netto. Os tempos mudaram. A sociedade vem dando mostras de que não quer mais permitir aos governantes o direito de distribuir sacrifícios quando as coisas desandam. Deseja um Estado que pratique o que se espera dele na crise: que faça mais com menos. EDUARDO OINEGUE, 51, jornalista, é sócio da Análise Editorial e consultor de comunicação. Foi publisher do portal iG, redator-chefe de "Veja" e diretor de redação da revista "Exame" * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-05-27
opiniao
Opinião
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Rosário de Ceita: Semana da África
Há pouco mais de meio século, líderes africanos reuniram-se na cidade de Adis Abeba, na Etiópia, no dia 25 de Maio de 1963, para pôr um fim ao estado de dependência, imposto há séculos, ao continente africano. Nesse encontro foram lançadas as bases da Organização da Unidade Africana, mais tarde denominada União Africana. Em 1972, a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu a importância do dia 25 de Maio, instituindo o Dia da África. Cinquenta e dois anos se passaram e cá estamos nós, os africanos, a subir uma imensa escadaria, em busca do desenvolvimento: subimos dois degraus e, logo em seguida, descemos um, cautelosamente. Estamos convictos de que, em breve, estaremos em comunhão, atraindo as atenções turísticas do mundo para o cume do kilimanjaro, na Tanzânia, ou para as curvas da Serra da Leba, em Angola. Aos olhos internacionais, no entanto, temos as cuias nas mãos. Somos a África rendida e abatida pelo ebola ou decapitada pelo Boko Haram. Porém, como bem o demonstrou o secretário executivo da Comissão Econômica da ONU para a África, Carlos Lopes, em recente entrevista à Folha, embora existam 100 milhões de africanos afetados por conflitos, "há 900 milhões de africanos que não o são", lembrou. Que se voltem, então, os olhos do mundo para essa África, ávida por infra-estrutura, inovação tecnológica, universidades pulsantes e distribuição de aptidões humanas nas cadeias do ciclo produtivo de cada um de seus 54 países. Este é o fio de prumo a ser alcançado por todos os países africanos. No último Fórum Angolano de Telecomunicações e Tecnologias da Informação 2015, o ex-presidente da União Internacional de Telecomunicações da ONU, Hamadoun Touré, enfatizou que a maior taxa de retorno de investimento no mundo está na África (20 a 30%, segundo o FMI). "Digam quanto é que estão prontos a investir e não quanto estão prontos a doar", frisou Touré. Nessa mesma sintonia, a comissária para economia rural e agricultura da União Africana, Tumusiime Rhoda Peace, afirmou que é imperativo investir na agricultura e industrialização para acabar com nossos conflitos internos. "Nós não queremos esmolas. Queremos que as comunidades sejam empoderadas e possam produzir para seu sustento", disse Peace. O fato é que nos últimos anos a África deixou de ser o "continente perdido" para tornar-se "um dos futuros motores do crescimento global", disse recentemente o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe. Países como Angola, Moçambique, Tanzânia, Nigéria, Quênia, Gana, Zâmbia e Etiópia estão a ser denominados os "leões africanos", numa referência aos "tigres asiáticos" que utilizaram estratégias arrojadas para atrair capital estrangeiro. Nesse contexto, cumpre-nos ressaltar que são muito positivas as relações entre Brasil e Angola, com excelentes resultados nas áreas de agricultura, ciência e tecnologia, educação, gestão pública e energia. Se a palavra de ordem, na África, é diversificar a economia, em Angola, esse objetivo vem sendo buscado exaustivamente. Em 2016, com investimentos de US$ 160 milhões, o país deverá se tornar um dos principais eixos africanos para distribuição de Internet no mundo, quando deverá entrar em operação o Sistema de Cabo do Atlântico Sul (South Atlantic Cable System - SACS), um cabo submarino de fibra óptica que está sendo construído de Luanda, em Angola, até Fortaleza, no Brasil. "Eu já não espero, sou aquele por quem se espera", dizia, num verso, o primeiro presidente de Angola, Agostinho Neto, descrevendo com maestria a mística esperança da África. ROSÁRIO DE CEITA, cônsul geral de Angola no Rio de Janeiro, é jornalista formado na Universidade Internacional de Lisboa * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-05-26
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Opinião
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Evandro Guimarães: Superavit fiscal ao nosso alcance
Produtos contrabandeados de diversos setores entram ilegalmente no país sem certificação e sem recolher impostos, trazendo enormes prejuízos para o Brasil. Trata-se de um caso de extremo interesse público e de soberania nacional que está afetando diretamente a arrecadação fiscal do país, as empresas e suas cadeias produtivas, a saúde, a segurança, e o crescimento do país. Contrabando é crime. Envolve corrupção. Recentemente, essa atividade criminosa atingiu proporções nunca antes vistas. Para alguns setores, o contrabando representa hoje mais de 30% do mercado, como no caso dos cigarros provenientes do Paraguai. Um em cada três cigarros vendidos no Brasil entra ilegalmente no país sem pagar nenhum imposto e sem respeitar as normas técnicas e sanitárias que valem para as empresas aqui estabelecidas. Mesmo em setores em que a mensuração do tamanho do contrabando é mais difícil, os efeitos para a população são mais do que óbvios: brinquedos contrabandeados podem ferir gravemente as crianças, e medicamentos ilegais têm poder até de matar quem os consome. Pesquisa encomendada pelo Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO) ao Datafolha e publicada nesta segunda-feira (25) mostra que o consumo de produtos contrabandeados já se encontra enraizado na sociedade brasileira. Cerca de 50% dos mais de 2.400 entrevistados em todo o país disseram conhecer alguém que já comprou produtos contrabandeados, e 35% declararam já ter comprado esse tipo de mercadoria. E o que leva boa parte da população a assumir os riscos atrelados ao consumo desses produtos é muito simples: os baixos preços dos itens que entram ilegalmente no país. Nove em cada dez pessoas ouvidas pelo Datafolha afirmaram que os brasileiros deixariam de apelar para o contrabando caso os produtos nacionais fossem mais baratos. Nem mesmo os graves efeitos que o contrabando têm sobre diferentes áreas, como a segurança pública, a saúde e o emprego, são suficientes para desestimular esse comportamento entre os brasileiros. Como mudar esse cenário? O ETCO e o Fórum Nacional de Combate à Pirataria e à Ilegalidade, iniciou, em 2014, um grande movimento em defesa do mercado legal brasileiro. Esse movimento conta com a adesão de mais de 70 entidades empresariais afetadas por todo tipo de ilegalidade e tem como objetivo apresentar propostas e cobrar soluções. Apenas essa mobilização não basta. A pesquisa do Datafolha mostra que 40% dos entrevistados consideraram que o governo federal é nada eficiente no combate ao contrabando. É justamente o governo federal, por meio de suas forças econômicas e órgãos de repressão ao crime, que tem o poder de mudar esse quadro. No momento em que o governo busca realizar um forte ajuste fiscal, os benefícios que as ações das fronteiras trazem em termos de arrecadação são evidentes, o que compensa as despesas de operações de segurança em larga escala nas fronteiras e nas cidades. Não é possível que fiquemos indiferentes aos problemas que o contrabando tem trazido para o Brasil. É preciso dar um basta a tudo isso. As soluções estão ao nosso alcance. EVANDRO GUIMARÃES, 70, é presidente-executivo do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial - ETCO * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-05-26
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Luiz Carlos Bresser-Pereira: Depreciação interna à vista?
Em 2008, os economistas liberais perderam a batalha ideológica ao levarem a economia mundial a uma grande depressão. Agora são os economistas desenvolvimentistas brasileiros que a perderam devido aos erros cometidos pelo governo do PT. O custo a ser pago pode ser alto. Foram dois os erros fundamentais: nos oito anos do governo Lula, a taxa de câmbio se apreciou de forma brutal. A preços de hoje, caiu de R$ 5,20 para R$ 2 por dólar, quando a taxa de câmbio "de equilíbrio industrial", que torna competitivas as empresas competentes do país, deve estar em torno de R$ 3,30 por dólar. Essa apreciação, ao mesmo tempo que os salários cresciam um pouco acima da produtividade, atingiu a indústria de maneira violenta. A presidente Dilma assumiu o governo enfrentando uma tarefa impossível: depreciar em mais de 50% a moeda! Naturalmente não o logrou (o real depreciou-se só 20%) e, em consequência, a indústria não reagiu. Diante disso, o governo decidiu compensar a indústria com uma política industrial agressiva, baseada em desonerações fiscais, que levou o país ao deficit primário. Mais uma vez, o governo não teve sucesso. Indústrias e empresas de serviços sofisticados não se tornaram competitivas devido à depreciação cambial. Política industrial é algo que todos os países precisam adotar, mas jamais para compensar uma taxa de câmbio apreciada. Além de não ter sido bem-sucedido em fazer as empresas voltarem a investir, o governo perdeu confiança. Não devido à política cambial, mas devido à política fiscal. No Brasil, as pessoas não admitem mais irresponsabilidade fiscal. Diante desse quadro de perda de confiança, a presidente Dilma decidiu, corajosamente, adotar um ajuste fiscal rígido para recuperá-la. Mas, aproveitando-se da fraqueza do governo, o Banco Central adotou uma política absurda de elevação de juros, e a Câmara aprovou a lei da terceirização, cujo objetivo é a precarização do trabalho. Está acontecendo no Brasil algo que ocorreu na zona do euro –isso porque lá a depreciação dos euros nacionais é impossível de ocorrer e porque aqui não houve apoio político para fazê-la. Em vez de fazermos a depreciação normal, fazemos a depreciação interna, cujos custos são infinitamente maiores. A depreciação normal implica custos para todas as classes: para os que recebem salários, pensões, juros, aluguéis e dividendos. Todos passam a receber um pouco menos em termos reais. Já a depreciação interna é, por definição, a baixa dos salários obtida por meio da recessão e do desemprego. Tem alto custo para os assalariados e nenhum para os pensionistas e rentistas. Dado que a depreciação é inevitável, temos, assim, uma troca absurda –de depreciação normal por depreciação interna, esta baseada numa política fiscal inevitável, numa política de taxa de juros irracional (porque desnecessária e contraditória com o ajuste fiscal) e numa política de precarização salarial. As elites rentistas sempre foram a favor dessa troca, mas agora também as elites industriais começam a apoiá-la, ainda que saibam que é irracional. Para elas uma taxa de câmbio flutuando em torno de R$ 3,30 lhes devolve a perspectiva de lucro e as leva a investir. Como parece impossível uma política cambial responsável, começam a se contentar com a depreciação interna. Evidentemente é possível para o Brasil voltar a ter uma taxa de câmbio competitiva. Para que isso ocorra é preciso que, 1) suas elites se convençam da sua necessidade; 2) o governo tire a política cambial do Banco Central e crie um Conselho Cambial Nacional; e 3) seja neutralizada a doença holandesa por meio de um imposto variável sobre as exportações de commodities. Mas não bastaria agora o Banco Central deixasse de rolar os "swaps" e voltasse a vender dólares para tornar a taxa de câmbio competitiva? Isso é a coisa imediata a fazer, mas não basta. É preciso que o governo neutralize a tendência à sobreapreciação cíclica e crônica (de longo prazo) da taxa de câmbio, que já se reapreciou depois da crise e que deverá se apreciar ainda mais. LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA, 80, é professor emérito de economia, teoria política e teoria social da FGV. Foi ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia (governo FHC) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-05-24
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Leonardo Isaac Yarochewsky: O uso e abuso das tornozeleiras
Desde meados de 2011 vigora em nosso ordenamento jurídico processual penal a lei nº 12.403/11, que trata da prisão preventiva e de outras cautelares penais. Com a vigência da referida lei o setuagenário Código de Processo Penal (decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941) passou a admitir o uso de outras medidas –proibição de acesso ou frequência a determinados lugares, proibição de manter contato com pessoa determinada, prisão domiciliar, suspensão do exercício da função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira, monitoração eletrônica, etc.– bem menos traumáticas e agressivas que a prisão preventiva, mas que de igual modo impõe restrições ao acusado. A prisão preventiva que pode ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria, continua prevista em lei, mas deixou de ser a única medida da qual dispõe o magistrado para assegurara a ordem do processo. Agora, mais do que antes, entende-se que a prisão preventiva somente poderá ser decretada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, passando a ser a ultima ratio entre as medidas cautelares (cf. Flaviane de Magalhães Barros e Felipe Daniel Amorim Machado). Também não se deve admitir a decretação da prisão preventiva quando se tratar de crime cuja pena privativa de liberdade não seja superior a quatro anos, posto que nestes casos a pena privativa de liberdade poderá ser substituída por pena restritiva de direitos. Não faz nenhum sentido manter preso durante o processo alguém que ainda condenado não o será. Importante destacar que as novas medidas cautelares que substituem a prisão preventiva somente devem ser decretas atendendo aos critérios da necessidade e da proporcionalidade. Lembrando que as referidas medidas, tais como as prisões cautelares, têm natureza provisória e excepcional. Nunca é demais lembrar que a Constituição da República (CR) abriga o princípio da presunção de inocência segundo o qual "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" (art. 5º, LVII). Está assentado que em nosso sistema processual o status libertaris (estado de liberdade) é a regra e a prisão provisória, assim como as demais medidas cautelares, a exceção. Como já dito, as medidas cautelares, entre elas o monitoramento eletrônico através das famigeradas tornozeleiras devem, também, obedecer aos critérios da necessidade, da proporcionalidade, da provisoriedade e da excepcionalidade. As medidas cautelares, em especial o monitoramento eletrônico (uso de tornozeleiras) não podem ser utilizadas quando o acusado deveria permanecer durante todo o curso do processo, até o transito em julgado, em liberdade em razão do princípio da presunção de inocência. As medidas cautelares, ainda que menos gravosas que a prisão provisória, não cabe em substituição à liberdade, como já foi dito e repetido, a liberdade é a regra e como tal não precisa ser justificada. As medidas cautelares, entre as quais o monitoramente eletrônico, substitui a prisão provisória quando esta poderia ser decretada. Por fim, cumpre advertir que o uso excessivo de tornozeleiras é prejudicial à saúde. LEONARDO ISAAC YAROCHEWSKY é advogado criminalista e professor de Direito Penal da PUC-Minas * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-05-23
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Milton Fornazari Junior: Brasil e combate internacional à corrupção
A facilidade com que é possível se locomover pelo mundo e se comunicar com auxílio da internet acrescentou às relações humanas muitos efeitos. Por outro lado, aumentaram os litígios e a prática de crimes internacionais, em especial a corrupção, os crimes financeiros e a lavagem de dinheiro transnacionais, todos complexos por natureza e de difícil comprovação. Não é demais lembrar que, nesse contexto, os recentes escândalos de corrupção investigados no Brasil tiveram como característica comum a prática de atos criminosos no exterior –pagamentos de propinas no estrangeiro, contas bancárias, empresas "offshore" de agentes públicos em paraísos fiscais etc. A comunidade internacional reagiu a esse cenário mediante a simplificação das formas de cooperação jurídica entre os diversos países, visando facilitá-la entre as autoridades estatais incumbidas da investigação e do processo penal. No Brasil, apesar de a cooperação jurídica já estar prevista com força de lei ordinária em diversos tratados, bem como no regimento do STJ, para que ela venha a ter a efetividade necessária, ainda lhe falta a edição de uma Lei Geral de Cooperação Jurídica Internacional. Essa lei geral serviria para estabelecer o procedimento, os detalhes e os limites a serem observados na sua tramitação ativa (ao exterior) e passiva (do exterior). Tal situação é similar à que ocorria com a delação premiada. Embora estivesse prevista em diversas leis penais, faltava-lhe uma disciplina jurídica acerca do seu procedimento, o que foi sanado com a edição da lei nº 12.850/13. Só após a edição da referida lei, as partes envolvidas (juízes, polícia, Ministério Público, advogados e réus) tiveram a necessária segurança jurídica para a aplicação do instituto, incrementada atualmente. O Brasil aderiu à tendência mundial da cooperação por meio do regime jurídico do "mutual legal assistance", denominado internamente como auxílio direto em matéria penal (artigo 216-O, do Regimento do Superior Tribunal de Justiça). Trata-se de um meio de obtenção de provas de crimes internacionais, bem como da solicitação do bloqueio de bens no exterior e da repatriação de valores, cuja iniciativa é de atribuição do delegado de polícia e do membro do Ministério Público. Caracteriza-se por tramitar entre as autoridades centrais, designadas pelos países envolvidos, dispensando a autenticidade consular e simplificando o andamento no Poder Judiciário quando necessário, observando-se a soberania e a ordem pública de cada país. Em razão disso, configura-se como uma alternativa ágil e eficaz ao burocrático, moroso e superado regime das cartas rogatórias, concentrado na cúpula do Superior Tribunal de Justiça, o que vai ao encontro da Constituição, em especial ao artigo 4º, IX, que determina que o Brasil exercerá a mais ampla cooperação no âmbito internacional. No atual estágio de evolução do combate à corrupção no Brasil, portanto, torna-se imprescindível e urgente imprimir razoável celeridade à tramitação dos projetos de lei já em curso no Congresso Nacional e no Ministério da Justiça. A aprovação dessa matéria vai ajudar a eliminar a insegurança jurídica na cooperação internacional, evitando que trabalhos da Polícia Federal, do Ministério Público e da Justiça venham a ser perdidos no futuro por questões meramente formais. Vai colaborar também com a imposição de uma pauta legal preestabelecida a orientar a negociação do Brasil em cada tratado. MILTON FORNAZARI JUNIOR, 41, doutorando em direito penal na PUC-SP, é delegado na Delefin (Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros e Desvio de Recursos Públicos), da Polícia Federal * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-05-22
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Diogo R. Coutinho: SOS estatais
Tanto a grave crise pela qual passa a Petrobras, como o racionamento de água por parte da Sabesp, em São Paulo, suscitam, para além de grande indignação e perplexidade, uma imprescindível reflexão sobre a missão e o controle democrático das empresas estatais. Se a corrupção e a escassez de água são a face visível de um momento agudo de crise, a falta de transparência e a incapacidade de planejamento nas empresas estatais são suas faces invisíveis, das quais pouco se fala. As estatais –total ou parcialmente controladas pelo Estado– têm presença relevante em todas economias do planeta, sem exceção. Embora em menor número, elas estão hoje mais fortes do que nunca. Das 100 maiores multinacionais do globo, 19 são estatais. Cerca de 10% das maiores empresas do mundo são estatais. Os países industriais desenvolvidos possuem um grande número de empresas detidas ou controladas pelo Estado. No âmbito da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), juntas, elas empregam 6 milhões de pessoas. Nos países ditos emergentes, elas são um terço das maiores empresas. No Brasil, as empresas estatais estão sempre na pauta das mais importantes instituições do país, como o Supremo Tribunal Federal, o Congresso Nacional, os ministérios e os Tribunais de Contas. Com a Emenda Constitucional 19, foi prevista a criação de um estatuto jurídico da empresa estatal. Tramita no Congresso, por causa disso, o projeto de lei complementar nº 207/09. Esse projeto representa uma valiosa oportunidade de discussão, uma vez que propõe uma série de modificações no regime jurídico dessas empresas. Paradoxalmente, ele pouco tem sido discutido neste momento crítico. Apesar dos ganhos trazidos pela implementação recente de mecanismos de controle interno (como práticas de governança corporativa no mercado de capitais) e externo (como a atuação crescente dos Tribunais de Contas), o que se nota é que as estatais ainda não conseguem, no desempenho de sua missão, dialogar com a sociedade brasileira com o devido grau de transparência e participação social. Tampouco conseguem planejar seus investimentos e ações estratégicas de longo prazo de forma consistente e sustentada, o que implica uma boa dose de ajustes ao longo do caminho, assim como o reconhecimento de que as estatais são, na prática, muito heterogêneas. As empresas estatais são uma ferramenta importante à disposição da sociedade brasileira. São um instrumento constitucional que não pode ser desmobilizado, seja por privatizações açodadas, seja por soluções de emergência que de forma burocrático-formal paralisem suas ações e comprometam seu papel de protagonistas em vários setores-chave para o desenvolvimento. As estatais demandam um regime jurídico que lhes dê capacidade de ação efetiva e possibilidades de prestação de contas e responsabilização na implementação de projetos devidamente referendados pela sociedade brasileira. É imperioso que o projeto do estatuto das estatais seja o quanto antes objeto de debate publico, e que discutamos e acompanhemos sua votação. As empresas estatais estão, mais do que nunca, vocacionadas para um projeto de nação e seu histórico no país confirma isso. É preciso reinventar o planejamento democrático e transparente. Essa tarefa grandiosa não será viável sem a reinvenção das estatais. DIOGO R. COUTINHO, 40, é professor da Faculdade de Direito da USP * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-05-22
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/05/1632127-diogo-r-coutinho-sos-estatais.shtml
Gustavo Bonini Castellana: Jovens infratores, o papel e os limites da psiquiatria
A discussão sobre a PEC que reduz a maioridade penal, aprovada na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos deputados, e que tramita agora na comissão especial para análise de mérito da proposta, é tema de interesse de toda a sociedade, mobilizando educadores, filósofos, sociólogos, psicanalistas e juristas a expressarem suas opiniões sobre o tema. O que médicos psiquiatras - que estudam os comportamentos normais e patológicos - podem contribuir com este debate? Desde 2006, psiquiatras do Programa de Psiquiatria Forense e Psicologia Jurídica do Instituto de Psiquiatria Forense da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo trabalham em parceria com a Fundação Casa na avaliação e atendimento de jovens infratores que cumprem medida socioeducativa de internação. O tratamento psiquiátrico integra as medidas protetivas, garantidas pelos artigos 98 e 101 do ECA ao adolescente que cumpre medida socioeducativa. A rigor, portanto, o psiquiatra não deve se manifestar e nem intervir no curso da medida socioeducativa, salvo em situações onde o transtorno mental configura um risco ao paciente ou a terceiros, quando deverá encaminhá-lo para estabelecimento adequado. Embora alguns estudos apontem uma prevalência entre 30 a 77% de transtornos psiquiátricos, a maioria destes diagnósticos não indica a necessidade de internações em hospitais psiquiátricos ou tratamentos de longo prazo. Ademais, tais quadros não explicam, por si só, a entrada e persistência destes jovens na vida criminal. Obviamente, casos de maior gravidade –como Transtorno de personalidade antissocial e transtorno pedofílico– também ocorrem e, por se tratarem de condições mentais duradouros de difícil manejo, exigem da equipe técnica e de saúde mental cuidados particulares que requerem um maior tempo de acompanhamento do adolescente. Pesquisa realizada por nosso grupo revelou também que, entre os jovens com 18 anos ou mais que cumprem internação, os chamados "traços psicopáticos" associados ao comportamento delinquente apresentam relações mais estreitas com os fatores ambientais de onde provêm do que com suas predisposições constitucionais. Ainda que com muitas dificuldades a serem transpostas, é notório que a Fundação Casa oferece condições infinitamente superiores àquelas oferecidas pelas prisões de nosso país. A medida socioeducativa de internação é uma oportunidade real de mudança destes jovens, permitindo que retomem seus estudos, afastem-se do uso de drogas, recebam atendimento médico, psicológico e odontológico de qualidade, e ainda qualifiquem-se tecnicamente para o início de uma vida profissional. Teoricamente, a revisão da maioridade penal parece corresponder à tese de que os jovens com 16 anos ou mais tem capacidade de responder por seus atos. No entanto, a maturidade cognitiva –que implica na capacidade de entender a ilicitude de um ato– não significa capacidade de se direcionar de acordo com este entendimento. Traduzindo em miúdos, uma pessoa pode entender que aquilo que faz é errado, mas não necessariamente tem maturidade para conter seus impulsos para determinado ato. Na adolescência, este fenômeno é de fácil exemplificação, como no caso de jovens que sabem que devem usar preservativos nas relações sexuais, mas na maioria das vezes não usam. Ao longo deste período, observamos –e acreditamos estar contribuindo para– uma melhora substancial no tratamento em saúde oferecido dentro das unidades da Fundação Casa. A experiência humana no contato com estes jovens tem indicado a necessidade de uma compreensão mais ampla do fenômeno da delinquência juvenil, que inclua abordagens multidisciplinares, com intervenções pautadas em conhecimento refletido, maduro e bem estabelecido. Por tudo isso, parece-nos temerário a redução da maioridade penal neste momento; mostra-se mais bem fundamentada a revisão do tempo de internação nos casos individuais de crime hediondo, que permitiria um tempo maior de acompanhamento e direcionamento dos jovens com maior complexidade. GUSTAVO BONINI CASTELLANA, psiquiatra no Hospital das Clínicas, é mestre em ciências pela Faculdade de Medicina da USP * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-05-20
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/05/1630906-gustavo-bonini-castellana-jovens-infratores-o-papel-e-os-limites-da-psiquiatria.shtml
Franciane Marques: Dia do Defensor Público e de luta por justiça social
Neste dia 19 de maio, os 719 Defensores Públicos do Estado de São Paulo têm motivo duplo para comemorar. É o Dia Nacional da Defensoria Pública e, também, a primeira vez que celebram o dia do Defensor Público do Estado. Pode parecer a mesma coisa, mas ser Defensor em São Paulo é navegar em águas particulares. Trabalhamos na unidade da federação mais populosa do Brasil, com 44 milhões de habitantes, e na maior metrópole do país. Temos quase 16 mil pessoas vivendo nas ruas apenas na cidade de São Paulo e a maior população carcerária do território (195,7 mil detentos ou 35,7% do total). Ao todo, 14 milhões de cidadãos (32% da população do Estado) são alvo dos serviços da Defensoria justamente por viver com a mísera renda de até três salários mínimos ou sob outras condições de extrema vulnerabilidade. Nossos Defensores, não raro, são a última esperança de justiça destas 14 milhões de pessoas: pais e mães que não obtêm o devido tratamento de saúde para seus filhos, muitas vezes portadores de doenças que os colocam em risco de morte; mulheres vítimas de violência que encontram coragem para enfrentar legalmente seu agressor; moradores de rua que mal sabem que têm direitos, entre tantos outros casos. Como instrumento do regime democrático, a Defensoria e os defensores públicos assumem missões valiosas: esclarecer os mais vulneráveis sobre seus direitos; promover os direitos humanos e a defesa dos direitos individuais e coletivos, gratuitamente, pela via judicial (por meio de processos no judiciário) e extrajudicial (sem processos), o que inclui, por exemplo, a mediação de conflitos. Uma das atribuições dos Defensores, a atuação nas "tutelas coletivas", em nome de um grupo de cidadãos, precisa ser mais bem compreendida pela sociedade, já que possui enorme potencial para promover justiça social em larga escala. Nesta "categoria" estão, por exemplo, as ações civis públicas, por meio das quais a Defensoria, ao atuar em nome de um coletivo de pessoas, evita o ingresso de centenas de ações individuais. Há também os Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), pelos quais as partes chegam ao consenso e formalizam sua decisão sem o ingresso de um processo no judiciário. As tutelas coletivas são um recurso valioso, ainda, para desafogar o Sistema de Justiça, cuja taxa de congestionamento, em 2013, chegou a 70,9% (de cada 100 processos em tramitação, só 29 foram analisados naquele ano). Foi graças à atuação em tutela coletiva que o Tribunal de Justiça de São Paulo determinou, em fevereiro, que o município de Jaú restabelecesse o pagamento de auxílio-transporte para alunos carentes que precisavam estudar em cidades vizinhas. A participação de Defensores na elaboração do plano decenal de medidas socioeducativas do município de São Paulo, contribuindo com sua visão da realidade para o planejamento de políticas de reinserção de jovens que se envolveram na prática de infrações - e, portanto, necessitam de acompanhamento e oportunidades - é mais um exemplo. Há apenas duas semanas, o Supremo Tribunal Federal catapultou as dúvidas que ainda pairavam sobre a legitimidade dos Defensores proporem ações civis públicas, julgando improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.943 que questionava tal atribuição. A decisão foi uma vitória para os Defensores, mas foi, principalmente, para milhões de pessoas que dependem da Defensoria e para o judiciário, que carece de soluções que lhe tragam eficiência. Sem falar na economia proporcionada à sociedade, grande mantenedora desta rede, por este tipo de ação e outras iniciativas de tutela coletiva. A Associação Paulista de Defensores Públicos acompanha diariamente a competência com que nossos Defensores têm exercido sua belíssima e indispensável missão. Que país pode se considerar desenvolvido se não garantir, a todos os seus cidadãos, o direito à justiça? Por sua dedicação e entrega diária, muitas vezes em jornadas extenuantes e condições inadequadas de trabalho, é que rendemos nossa homenagem a todos os Defensores Públicos do Estado de São Paulo e demais Estados do Brasil. Avante, sempre. *FRANCIANE MARQUE*s é presidente da Associação Paulista de Defensores Públicos - Apadep * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-05-19
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/05/1630473-franciane-marques-dia-do-defensor-publico-e-de-luta-por-justica-social.shtml
Carlos Siqueira e Roberto Freire: Um novo projeto para o Brasil
O avanço das tratativas em torno da fusão entre o PSB (Partido Socialista Brasileiro) e o PPS (Partido Popular Socialista), que resultará em uma nova força política no campo da esquerda democrática e oferecerá ao país uma alternativa real ao atual governo federal, representa mais do que simplesmente a união entre as duas legendas. Trata-se, afinal, de um reencontro histórico entre o legítimo herdeiro do Partido Comunista Brasileiro e os socialistas, que têm uma trajetória de lutas em comum e estiveram juntos em vários momentos cruciais da democracia brasileira. Esse realinhamento nos remete ao exemplo marcante da "Frente do Recife", grande inspiração no início de nossas vidas políticas. O movimento, que uniu comunistas e socialistas, foi hegemônico em Pernambuco da redemocratização de 1946 até o golpe militar de 1964 e repercutiu nacionalmente entre as forças democráticas de esquerda. Após o golpe, os dois grupos se integraram às trincheiras do MDB (Movimento Democrático Brasileiro), em oposição à ditadura militar que perduraria por mais de 20 anos. A parceria se repetiu em momentos fundamentais de nossa história, como a luta pela anistia, a campanha das Diretas-Já, a eleição de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral, o voto favorável à Constituinte, o impeachment de Fernando Collor e, especialmente, o apoio ao presidente Itamar Franco. Apoiamos Lula em 2002 e também iniciamos juntos no governo, com o qual ambos rompemos em momentos distintos. Diante do esgotamento do atual ciclo político do país após mais de 12 anos de governos do PT e da grave crise econômica que aflige os brasileiros, PSB e PPS se encontraram novamente na última eleição presidencial, unidos em torno do projeto de desenvolvimento representado pela candidatura do nosso saudoso Eduardo Campos. É justamente a partir dessa aproximação que prosperou a tese da fusão entre os dois partidos, com o intuito de oferecer à nação uma plataforma política conectada com os anseios da sociedade contemporânea e que dialogue com o século 21. A duradoura trajetória de lutas em comum entre PSB e PPS é apenas a fagulha que acende a chama desse novo partido que surgirá e nos dá autoridade para afirmar compromissos com o futuro. O fundamental é olharmos para a frente. Convidamos a sociedade a participar desse processo e oferecermos ao país uma alternativa consistente ao governo que aí está. Em meio ao descrédito generalizado e certa deslegitimação da democracia representativa em todo o mundo, o que a sociedade deseja é encontrar novos atores e novas formas de se expressar e participar –e o novo partido não fugirá de suas responsabilidades neste mundo do futuro que já começou. Temos de oferecer respostas diante de uma realidade marcada pela inovação nas comunicações, pelo avanço da tecnologia e das redes, e por uma juventude que constrói novas formas de participação social. "Não vamos desistir do Brasil", a frase que Eduardo Campos inscreveu na história do país antes de nos deixar precocemente, funciona como lema a ser seguido por PSB, PPS e por todas as demais forças políticas comprometidas com a democracia em nosso país. Não devemos nos conformar jamais com a desesperança, o descalabro, a desfaçatez, o estelionato eleitoral, a corrupção e as mazelas resultantes da ação predatória daqueles que se locupletam e se perpetuam no poder sem escrúpulos. A nova força política que emergirá da união entre PSB e PPS acredita no Brasil, nos brasileiros, na República laica e democrática e na capacidade de superação que sempre marcou a nossa história. A sociedade pede mudança, um novo mundo pede passagem e este caminho já começou a ser trilhado. CARLOS SIQUEIRA, 59, é presidente nacional do PSB (Partido Socialista Brasileiro) ROBERTO FREIRE, 73, deputado federal pelo Estado de São Paulo, é presidente nacional do PPS (Partido Popular Socialista) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-05-18
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/05/1630068-carlos-siqueira-e-roberto-freire-um-novo-projeto-para-o-brasil.shtml
Ruy Martins Altenfelder Silva: Tratamento inconstitucional
A saúde é direito de todos e dever do Estado. É o que garante a Constituição Federal. Mas a pergunta que precisa ser feita é esta: o dispositivo constitucional vem sendo cumprido? Pesquisa do Datafolha indica que desde 2008 a saúde lidera a lista de insatisfações dos brasileiros superando a segurança (18%), corrupção (10%), educação (9%), desemprego (4%) e miséria (2%). A pesquisa mostra que 62% dos brasileiros consideram os serviços de saúde ruins ou péssimos. O percentual sobe para 70% nas cidades com mais de 500 mil habitantes. Mesmo os 27% que têm seguro ou planos de saúde avaliam mal o sistema geral, com 70% de conceitos ruins ou péssimos. O ponto melhor avaliado são os remédios gratuitos (usados por 53% dos entrevistados ou familiares) e os genéricos (comprados por 79% e considerados tão ou mais confiáveis do que os originais por 63%). Os medicamentos são considerados muito caros por 84% dos entrevistados. Impostos e taxas correspondem a um terço do preço dos remédios. É crucial e inadiável uma profunda revisão do SUS (Sistema Único de Saúde), que, com a Previdência, forma os dois pilares básicos da seguridade social. Enquanto a Previdência tem gastos comparáveis aos do primeiro mundo, o SUS enfrenta fortes entraves orçamentários. Os países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) desembolsam, em média, 6,5% do PIB para custear os serviços da saúde. O Brasil gastou 3,9% do Produto Interno Bruto (base de dados de 2011). Segundo norma constitucional de 2000, a União deveria elevar o seu investimento em saúde, elevando 5% sobre as verbas de 1999 até 2004 e depois aumentá-las de acordo com o crescimento do PIB, o que não vem ocorrendo. Tais recursos deveriam ser completados por percentuais das receitas dos Estados (12%) e dos municípios (15%). Quadro atual: a participação do governo federal caiu de 60% para 45%. Matéria publicada no jornal "O Estado de S. Paulo" em 7 de maio constata que a defasagem dos valores pagos pelo Ministério da Saúde a hospitais que atendem o SUS foi de 434% nos últimos dois anos, em comparação com a inflação oficial acumulada no período. Dados do Conselho Federal de Medicina indicam que mais de 1.500 procedimentos hospitalares previstos na tabela SUS, não tiveram os valores atualizados de acordo com os índices gerais de preços. O trabalho aponta que os custos de alguns produtos e serviços fundamentais para o funcionamento de hospitais tiveram entre 2008 e 2014, alta maior do que a inflação oficial. A Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos indica que, na maioria dos casos, os incentivos não são suficientes para cobrir o deficit desse tipo de unidade de saúde. A tabela SUS cobre apenas 60% dos custos, e os incentivos ajudam, mas não fecham a conta. A verdade é que quanto mais se atende o SUS, maior o deficit. Apesar da garantia prevista no artigo 196 da Constituição Federal, a verdade é que o direito à saúde não vem sendo cumprido pelo Estado que tem o dever constitucional de fazê-lo. O tratamento dado à saúde é, portanto, inconstitucional e precisa ser recuperado. RUY MARTINS ALTENFELDER SILVA, 76, presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas - APLJ, é provedor interino da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-05-18
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Jim Yong Kim: O Banco Mundial e a educação de qualidade
O Peru vai sediar, daqui a cinco meses, as reuniões anuais de 2015 do Banco Mundial e do FMI (Fundo Monetário Internacional), que congregarão ministros de Fazenda de vários países e líderes de organizações, corporações e da sociedade civil internacional. Essa será uma grande oportunidade para a região apresentar o seu progresso social e econômico ao mundo inteiro –assim como evidenciar de que maneira os países da América Latina e do Caribe podem enfrentar um importante problema global: melhorar a qualidade da educação infantil. Essas reuniões ocorrem em um momento decisivo para o desenvolvimento da região. Desde o início dos anos 2000, o número de pessoas que vivem na extrema pobreza na América Latina e no Caribe foi reduzido à metade, em grande parte devido ao notável crescimento econômico. No entanto, 12% da população ainda sobrevive com menos de US$ 2,50 por dia. O coeficiente de Gini da região, medida de desigualdade utilizada amplamente, caiu cerca de sete pontos percentuais entre 2003 e 2012, enquanto milhões de pessoas ingressaram na classe média. Seguir reduzindo a pobreza e alcançando a prosperidade compartilhada, contudo, pode ser mais difícil, com a desaceleração do crescimento. Dados contundentes mostram que um modo de estimular efetivamente o crescimento e combater a pobreza e a desigualdade é investir em capital humano. Quando investimos nas mulheres, por exemplo, multiplica-se o impacto no bem-estar dos extremamente pobres. As pesquisas indicam que as mães instruídas têm filhos mais saudáveis e as mulheres com recursos financeiros estão mais inclinadas a investir na próxima geração. Os governos dos países latino-americanos e caribenhos têm conhecimento direto desse fato. Durante a última década de rápido crescimento econômico, seus investimentos em educação ajudaram a elevar as matrículas escolares até níveis recordes e o acesso ao ensino fundamental é agora quase universal. A cobertura representa, no entanto, apenas a primeira etapa; a próxima consistirá em garantir o aprendizado dos estudantes. A oferta de educação de qualidade na região continua a ser um trabalho em evolução. Os resultados do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) de 2012 mostram que os alunos latino-americanos de 15 anos, em média, têm menos dois anos de conhecimento de matemática do que as suas contrapartes nos países mais ricos e estão cinco anos atrasados em relação aos jovens de Xangai, na China. Na América Latina e no Caribe, os estudantes pobres apresentam um desempenho muito abaixo dos que vivem em países mais ricos: o aprendizado das crianças de seis anos situadas entre os 25% mais pobres da população em algumas partes da região apresenta uma defasagem de dois anos e meio em relação aos alunos pertencentes aos 25% mais ricos. Alguns países da região já estão tomando medidas nesse sentido. O governo peruano implementou recentemente uma novos programas para melhorar o rendimento escolar nas escolas primárias públicas. O Banco Mundial está trabalhando com os governos para elevar os resultados da aprendizagem, ajudando a reduzir as disparidades no desempenho dos alunos e nos níveis de renda nas duas regiões. A ênfase na educação de qualidade, ao mesmo tempo em que preserva a expansão nas matriculas, é essencial para um maior crescimento econômico da região. As políticas e programas destinados a ampliar o aprendizado estudantil vão gerar empregos e renda, especialmente entre pobres e vulneráveis. Agora que estamos perto das reuniões anuais de 2015, a melhoria da qualidade da educação por meio de uma revolução na aprendizagem deverá ser a nova lição que a região apresentará ao mundo. JIM YONG KIM, 55, é presidente do Banco Mundial * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-05-17
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/05/1629805-jim-yong-kim-o-banco-mundial-e-a-educacao-de-qualidade.shtml
Walter Feldman: Paixão e rancor
No domingo passado (10), o jornalista Juca Kfouri, como de praxe, publicou mais uma coluna rancorosa nesta Folha. Dessa vez, em relação a mim e à CBF. Quero, de início, dar meu testemunho sobre os diretores, funcionários e colaboradores da confederação, que são profissionais bem formados, dedicados, comprometidos, enfim, homens e mulheres de bem que não merecem ter sua honra atingida. Aqueles que me conhecem sabem que o ódio não é meu forte, que tenho aversão à intolerância. Ao longo dos últimos 40 anos na vida pública, dediquei-me à construção de pontes, levando o diálogo à exaustão em momentos em que as barreiras pareciam insuperáveis. Não compactuo com a ideia de destruir por destruir e acredito que visões radicais são caminho para o atraso. Vou deixar de lado as ofensas pessoais que Juca Kfouri pratica. Vamos ao que ele diz, como um colunista que teria, supostamente, a função de informar seus leitores. Juca afirma "que a nova direção [da CBF] de nova só tem a maquiagem". Não é verdade. Juca é contra o "fair play", como é contra tudo o que acontece no futebol. Dentro e fora de campo, desmerece vitórias e comemora insucessos com mais vigor do que qualquer adversário. Mas na esfera administrativa, nos regulamentos de competição, clubes e CBF dão passos decisivos de avanço. Não se importam com as críticas e realizam "fair play", o trabalhista, por exemplo, por unanimidade de votos das séries A, B e C. Se atrasar salário, perde pontos. O presidente Marco Polo Del Nero assumiu em 16 de abril pronto para dar uma arrancada modernizadora para o futebol brasileiro. O primeiro Congresso do Futebol Brasileiro vem aí, aberto a todos. A todos. A nova direção da entidade tem mais do que projetos, tem determinação. A pleno vapor está o planejamento para os próximos 20 anos do futebol nacional. A CBF não trabalha só. Ouve os clubes, as federações, edita regulamentos a várias mãos, convida a participar. Só nesses poucos dias de gestão reunimos em seminários treinadores, médicos e gestores de clubes. Foi criada a área de planejamento estratégico com a missão de coordenar as novas práticas: cursos de capacitação e reciclagem, certificação pelo ISO 9001 das áreas-fim, sustentabilidade, novo modelo organizacional, nova identidade de marca, pesquisas de opinião, regras de governança, "compliance", orçamento base zero, só para começar. Caminham em paralelo a comissão de clubes e o grupo de trabalho para discussão da relação entre clubes e atletas, com larga participação dos artistas da bola. Terão ênfase temas como calendário e previdência. Com tantas inovações, pode-se prever muita irritação nas colunas de Juca Kfouri, que já tem a verdade definitiva assentada em sua cabeça, que parte do pressuposto de que tudo no futebol brasileiro é ruim, que nossos jogadores são barnabés e que tudo que o futebol faz é desprezível. Gostamos do desafio de elevar nosso popular esporte a um patamar cada vez mais formador, competitivo, justo e social. Felizmente, Juca e eu estamos em campos opostos. Ele gosta de medida arbitrária. Eu, do debate democrático. Ele coloca a certeza empedernida adiante dos fatos. Eu, não. Eu vejo magia nos campos. Ele vê bruxarias. Eu acho que futebol é paixão. Ele acha que é rancor. Eu amo futebol. Ele, talvez, simplesmente, não ame. WALTER FELDMAN, 61, médico, é secretário-geral da CBF - Confederação Brasileira de Futebol. Foi deputado federal pelo PSB-SP * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-05-17
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Opinião
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Henry Burnett: Consagrados e proscritos
O debate em torno das leis de fomento, que começa a se tornar público, mostra-se desde já uma discussão muito difícil e pode, facilmente, recair em certa subjetividade de avaliação ou preferência estética entre as partes aparentemente antagônicas. Se Fernanda Torres ("Indignos", 01/05/2015 ) pensa a partir de uma possível "universalidade" das leis de fomento, que possam servir a todos os artistas –consagrados ou não– indiscriminadamente, é porque ela não parece estar preocupada em integrar a Funarte com a produção nacional, antes em manter aberta a possibilidade de facilitar a vida de artistas que, sem dúvida, poderiam se beneficiar mais facilmente da lei. Uma empresa sempre vai preferir ter seu nome atrelado a um artista consagrado que a um proscrito. Não me parece condenável que João Bosco possa financiar uma turnê nacional com incentivo via lei de fomento. Acredito mesmo que seria positivo para um público cada vez mais distante das obras fundamentais da arte brasileira, e isso incluiria Fernanda Montenegro, que poderia levar o grande teatro a qualquer rincão do país, mas que não pode ir até eles se não for bem paga. O lugar de artistas consagrados precisa ser defendido. O que o Brasil faz com João Gilberto é uma anomalia. Infelizmente o mercado brasileiro não é eficiente para dirimir um problema muito maior: no Brasil ou o artista é consagrado ou ele é proscrito. Não existem espaços intermediários entre as casas de espetáculo com nome de banco e os teatros experimentais sem estrutura, para onde não se consegue levar o público, porque não se tem verba para divulgar e promover artistas desconhecidos. Os editais privados são falsamente democráticos, e no fundo aderem ao que o mercado e as "estéticas" do momento ditam; nada que escape a esse jogo recíproco tem vez, e isso também envolve a crítica, que se dedica a validar o que as empresas precisam para ligar, por exemplo, música e perfume. Nesse sentido, Francisco Bosco ("Os normais", 04/05/2015 ) toca no que talvez seja o cerne da questão. Para ele, Maria Bethânia cantando Roberto Carlos não precisa de dinheiro público para se viabilizar. Já Bethânia lendo poesia sim. O que ele quer dizer, me parece, é que a Funarte precisa se voltar para uma arte vigorosa e livre do mercado e de suas amarras invisíveis e covardes. Que seja possível viabilizar as artes que possam desafiar e educar os cidadãos, e não apenas deixar que eles achem que comédia é apenas o ator famoso que, entre uma novela e outra, entra com um pedido de incentivo fiscal para levar ao teatro o péssimo humor que se já vê na televisão. Não é o caso de Fernanda Torres, é claro. A Funarte deveria assumir o compromisso de viabilizar a arte que não pode se auto-sustentar, os artistas –consagrados ou não– que tenham coragem de montar, gravar, representar e interpretar obras que possam fazer jus ao que o Brasil produziu e produz de melhor no terreno das artes, sem descuidar da literatura, da música e do teatro que foram produzidos no resto do mundo. Criar espaços intermediários Brasil afora, com uma estrutura adequada e amparados por uma teia de curadores selecionados em todos os Estados, regidos por uma lei de incentivo aberta e desburocratizada, pensada como um incremento para a formação ampla do gosto e para a educação estética, pode ser um começo de uma grande revolução. HENRY BURNETT é compositor e professor de filosofia da Unifesp * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-05-16
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Fabio de Sá Cesnik e Kátia Catalano: Organizações sociais e a recente decisão do STF
O ano de 2015 ficará marcado como o ano em que se consolidou um novo parâmetro de governança ao terceiro setor no Brasil. O primeiro grande avanço foi a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) do último dia 16 de abril pela validação dos contratos de gestão firmados entre Organizações Sociais (OS) e o poder público. O segundo será a entrada em vigor do Marco Regulatório do Terceiro Setor, lei nº 13.019/14, e sua respectiva regulamentação, prevista para meados de 2015. Proposta em dezembro de 1998, após 17 anos, a ação direta de inconstitucionalidade nº 1923 contra a lei nº 9.637/98 foi julgada parcialmente procedente para que as suas normas tenham interpretação conforme a Constituição e observem os princípios constitucionais da Administração Pública. Pela lei, entidades sem fins lucrativos qualificadas pelos Ministérios do Executivo como OS poderão firmar contratos de gestão com o poder público e passar a prestar serviços públicos não exclusivos do Estado –os denominados serviços sociais–, em complementariedade às atividades da administração pública. Dentre as criticas a lei, destacavam-se: a extensão do fomento, pois abrange o repasse de verbas públicas, a transferência de servidores e bens públicos; a previsão de "livre escolha" pelos Ministérios das entidades a serem qualificadas; a ausência de processo licitatório para a celebração do contrato de gestão. O voto proferido pelo ministro Luiz Fux ressaltou que a Constituição, ao referir-se aos setores sociais, "afirma que tais atividades são deveres do Estado e da Sociedade", enaltecendo o livre exercício das mesmas pelos particulares. Segundo o ministro, a lei das OS promove a instituição de um sistema de fomento, de incentivo para que tais atividades sejam desempenhadas de forma eficiente por particulares, através da "colaboração público-privada instrumentalizada no contrato de gestão". Por terem natureza de convênio, não se aplica a tais contratos o processo licitatório da lei nº 8666/93. A interpretação conforme do STF foi justamente no sentido de que sejam observados os princípios da Administração Pública para a qualificação das entidades e para a celebração do contrato de gestão. Logo, desde o nascimento da OS até o termo final do contrato de gestão, as atividades desempenhadas deverão ser conduzidas de forma pública, objetiva e impessoal, indicando que: a) A qualificação de OS só poderá ser indeferida por critérios comprovadamente impessoais, pois se trata de mero credenciamento; b) O Estado deverá realizar "chamamento público" para selecionar as OS que firmarão o contrato de gestão; c) Em que pese prestados pelas OS, os serviços sociais ainda são deveres do Estado; d) As contratações com terceiros realizadas pelas OS serão submetidas a um regulamento próprio, com regras objetivas e impessoais; e) Os empregados das OS deverão ser contratados através de processo seletivo, público, objetivo e impessoal, conforme regulamento próprio; f) As atividades das OS serão fiscalizadas pelos Tribunais de Contas e Ministério Público. Logo, a legitimidade do modelo de OS foi confirmada pelo STF e a tendência é a ampliação desta forma de gestão pelo Governo Federal, Estados e Municípios, implicando grande avanço aos serviços sociais, sem prejuízo de serem observados os ditames constitucionais do sistema jurídico brasileiro. FABIO DE SÁ CESNIK é advogados do escritório Cesnik, Quintino e Salinas Advogados e autor do livro "Guia de incentivo à cultura" (ed. Manole) KÁTIA CATALANO, mestre em Direito do Estado pela PUC - SP, é advogada do escritório Cesnik, Quintino e Salinas Advogados * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-05-16
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/05/1629768-fabio-de-sa-cesnik-e-katia-catalano-organizacoes-sociais-e-a-recente-decisao-do-stf.shtml
Símbolo de transgênico deve ser mantido nas embalagens de produtos alimentícios? Não
LUIS CARLOS HEINZE: RÓTULO PARA INFORMAR, NÃO PARA CONFUNDIR A liberação dos transgênicos para consumo no Brasil ocorreu há mais de uma década e foi autorizada pelos 27 membros, doutores e cientistas das mais diversas áreas que compõem a coordenação-geral da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança). Para chegar ao mercado, esses produtos foram exaustivamente testados e submetidos a rigorosas avaliações de segurança já previstas na legislação brasileira. Além disso, desde 1994 extensivas pesquisas e estudos científicos têm sido realizados ao redor do globo sem nunca ter demonstrado um efeito negativo causado por produtos que contenham organismos geneticamente modificados (OGM) ou seus derivados. A segurança alimentar precede a rotulagem. O projeto que propus, com base nos estudos da CTNBio e da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), que atestam a confiança nos transgênicos, prevê, tão somente, a substituição do símbolo em forma de um triângulo amarelo com a letra "T" ao centro por uma das inscrições grafadas em destaque: "[Nome do produto] transgênico ou contém [nome do ingrediente] transgênico". O percentual mínimo de 1% de transgenia para obrigatoriedade da rotulagem já é previsto por lei. Ao contrário da confusão causada propositalmente por campanhas de entidades nacionais e internacionais, não científicas e ideologicamente desfavoráveis aos transgênicos, meu projeto não priva o cidadão do direito à informação. Ela permanecerá lá, na embalagem, de forma mais clara, limpa e legível e contribuirá para a escolha consciente do consumidor sem induzi-lo ao erro e a insegurança. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Ipsos, com amostras em todo Brasil, revelou que apenas 8% da população relacionam o símbolo ao transgênico, 22% a um sinal de trânsito e 11% o entendem como um alerta de proibição. Ou seja, o que está induzindo ao equívoco não é o que se diz, mas a forma como se diz. Somos o único país do planeta a adotar um alerta de perigo em produtos aprovados para consumo humano, por determinação do Ministério da Justiça –competência que deveria ser das pastas da Agricultura e da Saúde. A imposição é de 2003, anterior à Lei de Biossegurança de 2005, e não se baseia em nenhum precedente internacional. O Brasil é o maior produtor e exportador mundial de soja transgênica. O que pensariam nossos concorrentes e clientes ao sermos obrigados a estampar em nossos produtos um símbolo de perigo? Que credibilidade teremos no mercado? Fica evidente que a intenção é criminalizar a agropecuária, desestimular o consumo e enfraquecer as exportações com prejuízos a toda cadeia, desde o pequeno produtor de suínos, aves e grãos até a grande indústria. O interesse é destruir o único setor do país que ainda dá certo, responsável pela geração de empregos, pelo saldo positivo da balança comercial e pela manutenção das reservas internacionais. Por outro lado, o meu projeto assegura pleno direito ao cidadão de não consumir alimentos com modificação genética. No país onde mais de 90% da soja e 80% do milho produzidos são geneticamente modificados, o projeto de lei faculta à indústria inserir nos rótulos que seus produtos são livres de transgênicos, como forma de facilitar a identificação nas prateleiras dos mercados. A legislação deve assegurar uma nova norma de rotulagem condizente com a realidade agrícola e alimentícia. Em vez de promover a confusão do consumidor e o descrédito nas avaliações científicas, a norma deve colaborar para informar de maneira clara e assegurar o direito de escolha individual. LUIS CARLOS HEINZE, 64, produtor rural e engenheiro agrônomo, é deputado federal pelo PP-RS * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-05-16
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/05/1629795-simbolo-de-transgenico-deve-ser-mantido-nas-embalagens-de-produtos-alimenticios-nao.shtml
Ana Luiza Martins e Heloisa Barbuy: Goffredo, 100 anos
Os estudantes que, de 1940 até 1990, ingressaram na Faculdade de Direito da USP receberam, logo no primeiro ano, as aulas de Introdução à Ciência do Direito do professor Goffredo Telles Junior, nas quais sentiam que algo superior ia se processando, pela formulação de uma lógica que falava de princípios, de valores, de ética –do Direito como instrumento de Justiça. A fala compassada, a voz suave, o olhar afetuoso parecem ainda reverberar pelas arcadas sob as quais tantas vezes o professor Goffredo discursou ou saudou seus alunos, um lugar de tantos significados. Neste sábado, 16 de maio de 2015, completam-se cem anos do nascimento do professor Goffredo. Sua singular trajetória se definiu desde a infância quando ele e o irmão, Ignacio, viveram em Paris, passando, depois, pela convivência com artistas de vanguarda no Salão Moderno de sua avó Olívia Penteado e pela fazenda de Araras, o pai ensinando-lhe paixão e método nos estudos. Tudo isso fez dele herdeiro de uma formação ímpar. Amorosamente absorveu como ninguém os ensinamentos, que transbordaram para ideais generosos no ensino, na advocacia, na política e nas relações pessoais. Ainda menino, adquiriu o hábito da leitura de jornais. Os questionamentos sobre a liberdade humana também surgiram cedo, no ginásio São Bento, onde os mestres o arrebataram para a filosofia. As revoluções de 1930 e 1932 e o ingresso em 1933 na Faculdade de Direito figuram como ritos de passagem. À primeira assistiu ciente de que, pela primeira vez, se ouvia falar de povo. Na segunda, presenciou o clamor popular e serviu no front. Ato contínuo, o ingresso nas Arcadas. Nas suas palavras: "Minha casa, minha escola, minha egrégia academia". Dimensionar as atuações do professor Goffredo é retraçar a história do século 20, vivenciada por quem tomou parte nela, na emergência de novas correntes políticas, num quadro internacional mais complexo e diante de uma São Paulo contrária à centralização do poder. Nesse percurso, foi advogado, político e, acima de tudo, professor. Como advogado, instalou-se, ainda quintanista, no escritório da praça da Sé. Deputado federal na Constituinte de 1946, defendeu causas de interesse nacional. Foi, contudo, o magistério que lhe permitiu formar gerações tocadas pela beleza do Direito. Ao final da carreira, foi saudado pelos alunos como "professor-símbolo" e reconhecido pela Universidade de São Paulo como professor emérito. Goffredo teria seu protagonismo inscrito na história da democracia do país em 8 de agosto de 1977, data da leitura da sua "Carta aos Brasileiros". O lugar e a ocasião não podiam ser mais simbólicos: o território livre da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco nos 150 anos dos cursos jurídicos no Brasil. A escola voltava a ser o espaço simbólico de retomada do Estado de Direito. Era de novo o recinto de onde deslancharam as campanhas abolicionista e republicana e no qual uma mocidade aguerrida se opusera à ditadura de Getúlio Vargas. Foi naquela tribuna que permaneceu na memória de muitos a figura bonita, altiva sem arrogância, poderosa sem investidura de cargo do querido professor. Se José Bonifácio, o moço, foi o professor carismático do século 19, Goffredo o seria para o século 20. Foi um grande. Nos dias de hoje, que falta nos faz o professor Goffredo! ANA LUIZA MARTINS e HELOISA BARBUY, doutoras em história pela USP, são autoras de "Arcadas - História da Faculdade de Direito da USP" (ed. Melhoramentos) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-05-15
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/05/1629229-ana-luiza-martins-e-heloisa-barbuy-goffredo-100-anos.shtml
Solange Paiva Vieira: Fator previdenciário, redução ou subsídio?
Em novembro de 1999 foi aprovada no Congresso a nova regra de cálculo dos benefícios da Previdência. A regra, conhecida como fator previdenciário, partiu da premissa de que um dos principais problemas da Previdência do país residia na ausência de correlação entre contribuições e benefícios. As aposentadorias eram, então, concedidas sem guardar uma relação com as contribuições que cada trabalhador efetuou ao longo de sua vida de trabalho. Antes da adoção do fator, foram analisadas diversas soluções implantadas em outros países, entre as quais a passagem para um regime de capitalização, onde o trabalhador recebe uma renda vitalícia calculada a partir da poupança acumulada pelas suas contribuições. A passagem para o regime de capitalização no Brasil, no entanto, foi considerada inviável à época, devido às restrições fiscais e ao enorme custo de transição referente ao financiamento das aposentadorias em manutenção. Estimativas realizadas por especialistas do Banco Mundial, do Ipea e da FGV, entre 1995 e 1997, apresentavam custo de transição oscilando entre 188% e 250% do PIB. Com a impossibilidade de se adotar o regime de capitalização e a derrota da idade mínima no Congresso em 1998, buscava-se algo que tivesse em seu cerne a ideia de capitalização e, ao mesmo tempo, que permitisse ao trabalhador a escolha de sua idade de aposentadoria. A regra aprovada ampliou o cálculo da aposentadoria para 80% das maiores remunerações de toda a vida laboral do trabalhador e introduziu o fator previdenciário. Era a implantação do sistema de "capitalização virtual". O fator previdenciário considera em sua fórmula a idade, o tempo de contribuição, a alíquota e a expectativa de sobrevida do segurado no momento da aposentadoria. Com o fator, cada trabalhador recebe uma aposentadoria baseada nas suas contribuições para a Previdência e na sua expectativa de sobrevida. Dado um mesmo salário de contribuição, o trabalhador que contribuir por mais tempo e se aposentar mais tarde receberá um valor maior do que aquele que contribuir por menos tempo e se aposentar mais cedo. Ou seja, quem acumulou uma poupança maior receberá uma aposentadoria maior. A aposentadoria deve refletir o valor que o trabalhador poupou ao longo dos anos, e não ser um "bônus" concedido pelo Estado. Vale lembrar que no nosso sistema previdenciário existem outros benefícios que recebem subsídios, como a aposentadoria por idade, por invalidez, auxílio-doença e pensão, sob os quais o fator não incide. Garantir o custeio de gerações atuais e futuras não é uma tarefa trivial. Quando a mudança de regra na Previdência em 1999 foi aprovada pelo Congresso, o histórico era de um deficit de R$ 307 milhões em 1996, passando para R$ 3,7 bilhões em 1997, R$ 7,7 bilhões em 1998 e R$ 9,7 bilhões em 1999. Os brasileiros estão vivendo cada vez mais, o que é ótimo, mas precisamos pensar nos recursos necessários para garantir uma aposentadoria sustentável e previsível a todos. Várias críticas foram feitas ao fator previdenciário, sempre baseadas no fato de que "subsídios" estavam sendo eliminados da aposentadoria por tempo de contribuição e, dessa forma, seu valor se reduzia. Ou seja, ao reproduzir uma relação "justa" entre contribuição e benefício, os trabalhadores que optam por sair mais cedo do sistema têm o valor da sua aposentadoria "reduzido" em comparação àqueles que ficam por mais tempo. A perda desse subsídio deve ser amplamente discutida pelo Congresso Nacional. A sociedade deve escolher se está disposta a pagar mais impostos e/ou cortar programas sociais para que um grupo reduzido de trabalhadores, que se aposenta por tempo de contribuição (19% do número de benefícios pagos pela Previdência em novembro de 2014), volte a receber o subsídio do governo. Ou melhor, para que volte a ter suas aposentadorias custeadas por aqueles que pagam seus impostos. SOLANGE PAIVA VIEIRA, 46, economista, é a criadora do fator previdenciário. Foi secretária de Previdência Complementar do Ministério da Previdência (governo FHC) e presidente da Anac - Agência Nacional de Aviação Civil (2007-2010) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-05-15
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/05/1629230-solange-paiva-vieira-fator-previdenciario-reducao-ou-subsidio.shtml
Eugênia Gonzaga e Paulo Abrão: A luta contra a impunidade exige coerência
Há uma demanda muito viva pelo fim do pacto histórico do país com a impunidade. Essa demanda, contudo, precisa abranger qualquer tipo de impunidade, do presente e do passado, ligada à corrupção ou à violência, sejam elas de particulares ou de agentes do Estado. Também precisa compreender que é um sério equívoco associar-se a setores que defendem intervenção golpista, promovem o elogio às graves violações aos direitos humanos ocorridas durante a ditadura militar e até partem para medidas inócuas e inconstitucionais como a redução da maioridade penal. As Comissões de Anistia e de Mortos e Desaparecidos Políticos do Brasil têm pela frente a importante missão de fazer valer as recomendações constantes do relatório da Comissão Nacional da Verdade. Essas recomendações repetem determinações da Corte Interamericana de Direitos Humanos ao Brasil, já reconhecido como inadimplente nesse campo por Resolução da própria Corte, aprovada em outubro de 2014. Entre as recomendações estão a punição dos crimes praticados por agentes da ditadura e a desmilitarização das polícias militares. Mas estes objetivos parecem desconectados do momento presente, em que se vê pedidos de intervenção militar e manifestações de apoio a uma polícia que executa mulheres grávidas e garotos de 10 anos apenas por viverem próximos ao mundo do crime. Assim, cabe às Comissões de Anistia e de Mortos e Desaparecidos Políticos do Brasil, como órgãos de Estado, exercerem, antes de tudo, um papel institucional de sedimentar os valores democráticos no país. Para tanto, lembram que a impunidade dos corruptos de hoje apenas tem lugar porque ainda somos um país marcado pela cultura autoritária, na qual certos agentes públicos e privados 'têm o direito' de praticar ilícitos e não responderem por eles, de nenhum modo, como se estivessem acima das leis, como ainda vem ocorrendo no Brasil em relação aos crimes da ditadura. A responsabilização desses crimes do passado não só é fundamental para a consolidação da democracia, como para que essa herança histórica de abuso de poder seja extirpada. A violência do presente também é preocupante. Medidas como a criação de Comissões da Verdade da Democracia, que vêm dando voz a familiares extremamente pobres, que têm seus filhos executados sumariamente pelas polícias militares, são muito bem-vindas para a afirmação do Estado de Direito no Brasil. Enquanto estivermos vivendo essa verdadeira guerra declarada entre policiais e os chamados "pequenos criminosos", os índices de violência vão apenas aumentar e toda a população estará cada vez mais desamparada. Com as devidas ressalvas, não há ninguém seguro com uma polícia que vem ficando conhecida pela truculência e pela destruição de provas como forma de assegurar a sua impunidade. E a solução não está em mudar um número na lei (de 18 para 16 anos a maioridade penal), pois isso não fará com que esses jovens, já marcados pela indignidade e pela morte, deixem de entrar para o crime. A solução passa, obviamente, por medidas de educação, mas principalmente por uma reforma profunda nas diversas estruturas policiais. Sim, é preciso avançar em todos esses pontos, mas com a clareza de que a defesa da quebra da ordem constitucional, a volta a um passado de violações e a passividade com crimes gravíssimos não são soluções para quem quer verdadeiramente um país sem impunidade. EUGENIA GONZAGA, 46, é mestre em direito pela PUC-SP, procuradora regional da República e presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos PAULO ABRÃO, 39, é doutor em direito pela PUC-Rio e presidente da Comissão de Anistia * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-05-14
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/05/1628717-eugenia-gonzaga-e-paulo-abrao-a-luta-contra-a-impunidade-exige-coerencia.shtml
Adriano Bretas e Tracy Reinaldet: Delação premiada, uma estratégia de defesa
Com a deflagração da Operação Lava Jato, muito tem se discutido a respeito da delação premiada (a rigor, na Lei sobre Organizações Criminosas, o termo é "colaboração"). Respeitável setor acadêmico tem se proclamado contra o instituto. Um enfrentamento equilibrado do assunto, sem embargo, exige uma depuração desses juízos de valor que reduzem a complexidade do debate a dualidades maniqueístas. Seriam dois "blocos": o dos que são "contra" e o dos que são "a favor". Não que a neutralidade científica seja uma anestesia crítica, mas hoje em dia já se tornou bizantina a discussão sobre ser a favor ou ser contra os acordos de colaboração. Um dos principais argumentos dos opositores desse instituto reside no campo ético. Vitupera-se o estigma de Judas Iscariotes para lançar o rótulo de alcaguetes, etiquetado sobre os que detratam o pacto de silêncio na "ética do crime". A julgar por esse raciocínio, comportamento ético seria concordar que o acusado expiasse sozinho uma pena individual por uma culpa coletiva. Filosofias à parte, juízos de valor devem ser aquilatados em proporção à (a)normalidade das circunstâncias que pode sufragar um terreno axiologicamente neutro. Aliás, quando se fala em ética, o maior postulado deontológico do advogado está ancorado ao seu cliente. Se o acordo lhe favorece, está previsto em lei, fica difícil imaginar qual o impeditivo ético do advogado em subscrevê-lo. Outro ponto importante diz respeito à natureza jurídica da colaboração. Ela não é apenas meio de prova. Mais do que isso, trata-se de importante alternativa de defesa. Sem dúvida, a defesa que descarta essa hipótese de antemão já entra no "jogo processual" em desvantagem, porque dá a largada sem uma importante arma defensiva. A Justiça criminal negociada já está presente em nosso ordenamento em diversos institutos, desde a atenuante da confissão espontânea, passando pelo arrependimento posterior, até a transação penal, a suspensão condicional do processo e o acordo civil extintivo da punibilidade. A colaboração premiada é apenas mais um desses institutos. Um terceiro aspecto constantemente invocado pelos críticos da colaboração aponta que o colaborador "vira-casaca" e, assim, restaria esvaziada a essência da função de seu advogado. Ledo engano. A celebração de um acordo de colaboração premiada, não raro, encerra alta indagação jurídica em relação aos seus requisitos, o limite de suas cláusulas, suas hipóteses de rescisão, o alcance de seus efeitos, os benefícios possíveis, a competência para homologação, enfim, um sem-número de desdobramentos de agudas reflexões. Defender um colaborador exige fiscalizar as filigranas técnicas da celebração e do posterior cumprimento de cada cláusula do acordo. Por fim, costuma-se dizer que a "delação premiada inverte o princípio da culpabilidade". Outro equívoco. Primeiro, porque o argumento é lançado como se a única finalidade da pena fosse (e não é!) retributiva. Depois, porque a culpabilidade é garantia do indivíduo para limite do "jus puniendi" –o direito do Estado de punir–, e não o contrário. Em tempo: em países como Espanha, Itália e Estados Unidos o assunto é tratado com a mesma sobriedade com que é tratado qualquer outro instituto jurídico. Por aqui, em vez de "ser contra" uma realidade inexoravelmente posta, melhor seria se o assunto fosse enfrentado de forma madura para proporcionar ao jurisdicionado a tão desejada segurança jurídica. É preciso melhorar a reflexão sobre a matéria. ADRIANO BRETAS, 32, advogado criminalista, é professor de direito processual penal na PUC-PR TRACY REINALDET, 27, advogado criminalista, é mestre em direito penal pela Universidade de Toulouse (França). Ambos são advogados de Alberto Youssef e de Rafael Angulo Lopes na Operação Lava Jato * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-05-14
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/05/1628732-adriano-bretas-e-tracy-reinaldet-delacao-premiada-uma-estrategia-de-defesa.shtml
Maria Alice Setubal: Desafios para um novo rumo na educação
Vivemos no Brasil uma crise política que é também de valores e se irradia para os setores da economia, do meio ambiente e da educação. O maior envolvimento da população na eleição do ano passado revela que a sociedade está consciente de que a responsabilidade pelos rumos do país não é só do governo, é papel de todos. O acirramento da postura do "nós contra eles" –tão cara ao PT–, no entanto, não tem nos levado a sair da crise. Na educação, tal situação acarreta mais na defesa de posições do que nos interesses do país. Isso se expressa nos resultados dos últimos anos em avaliações nacionais e internacionais, que indicam que a educação não só não avançou na velocidade esperada, como em alguns momentos regrediu. Políticas que deram certo em 2010 precisam ser ajustadas ou reformuladas. O Brasil tem um Plano Nacional de Educação (PNE) para os próximos dez anos, fruto de uma ampla participação social e que oferece um mapa dos principais problemas. Os eixos do PNE, como a defesa do direito de aprender e a busca da qualidade na educação, são fundamentais. É preciso, porém, que as políticas educacionais incluam metas específicas que induzam a educação e a escola a responder aos novos desafios do século 21. Trata-se de fazer esses dois movimentos simultaneamente para que o país possa avançar na direção de um desenvolvimento contemporâneo contextualizado no processo de globalização. Encarar esse desafio é ir além do campo estrito da educação e discutir as concepções contemporâneas de Estado e de sociedade civil. No caso brasileiro, é necessário entender as análises das diferentes organizações públicas e privadas sobre esse tema e, principalmente, dar ouvido aos movimentos das ruas de junho de 2013 e os deste ano. Marina Silva diz que precisamos avançar em relação aos paradigmas de um Estado provedor –ou Estado mínimo– para um Estado mobilizador, capaz de acionar uma participação plural e permanente. No campo da educação essa reflexão implica primeiramente mobilizar os diferentes atores da sociedade em torno do que se entende e do que se busca de fato com a visão de "pátria educadora". Um bom começo poderia ser a transição de um modelo centralizado em formas competitivas para formas mais colaborativas, como ocorre em iniciativas das políticas educacionais do Ceará e em projetos de formação e mobilização da região da Chapada Diamantina (BA). Um segundo passo se refere à descentralização de poder e de recursos do Ministério da Educação, que submete Estados e municípios a uma lógica única e centralizadora. Fortalecer municípios e agentes locais é importante para aumentar a aproximação entre as políticas públicas. Capacitar os agentes públicos para que possam assumir essas novas responsabilidades de forma competente, transparente e responsável é o terceiro passo na nova relação entre Estado e sociedade. Uma "pátria educadora" é responsabilidade de toda sociedade, e não apenas de um governo. Por isso, foi motivo de espanto a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) ter apresentado, em entrevista ao jornal "O Globo", plano que busca dar concretude ao slogan. Para nós, educadores, esse plano deveria ser prerrogativa do Ministério da Educação que poderia se articular com outros ministérios, mas essa posição da SAE, além de não levar em conta o Plano Nacional de Educação e outros programas em andamento, contribui para fragmentação e dispersão de esforços necessários para o salto de qualidade para a educação brasileira. MARIA ALICE SETUBAL, a Neca, doutora em psicologia da educação pela PUC-SP, é presidente dos conselhos do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec) e da Fundação Tide Setubal. Foi assessora de Marina Silva, candidata à Presidência da República pelo PSB na eleição de 2014 * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-05-14
opiniao
Opinião
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Jairo Nicolau: O distritão e a arte de jogar votos fora
Durante muitos anos, a discussão sobre a reforma do sistema eleitoral no Brasil esbarrava na ausência de uma alternativa que conquistasse um apoio razoável dos deputados federais. Esse quadro, entretanto, mudou na legislatura que tomou posse em fevereiro desde ano. Hoje, o distritão, um sistema eleitoral que nem sequer era mencionado no debate há anos atrás, passou a ser opção preferencial da maioria dos deputados. A defesa do distritão está baseada em dois argumentos. O primeiro é que ele é um sistema simples e fácil de ser entendido. Verdade. Podemos fazê-lo com uma única frase: os mais votados do Estado se elegem. Numa eleição para deputado federal em São Paulo, por exemplo, seriam eleitos os 70 candidatos que tivessem mais votos. O segundo argumento é que como cada candidato seria eleito apenas com os seus votos, o que acabaria com o atual sistema de transferência de votos entre os candidatos do mesmo partido (ou coligação). No sistema eleitoral em vigor, os votos dos candidatos que concorrem na mesma lista são somados. Ocasionalmente, alguns candidatos têm votação expressiva, ultrapassam o quociente eleitoral e ajudam a eleger nomes menos votados (muito raramente com votações baixíssimas). Nomes como José Dirceu, Chico Alencar, Fernando Gabeira e José Serra já ultrapassaram o quociente em outras eleições, mas o fenômeno ficou conhecido pejorativamente com "efeito Tiririca". Será que as eventuais vantagens trazidas por um sistema que é fácil de entender e que acaba com as transferências de votos dos "puxadores de legenda" são superiores aos problemas que ele provavelmente vai gerar? Minha resposta é não. O principal problema do distritão será seu efeito negativo nos já combalidos partidos brasileiros. Imagine uma campanha em que os eleitores não possam votar na legenda, em que os candidatos de uma mesmo partido não tenham incentivo para cooperar entre si para atingir o quociente eleitoral. Imagine uma campanha na qual os dirigentes não tenham estímulo nenhum para apresentar propostas partidárias para a sociedade, em que os suplentes não sejam do mesmo partido do titular. Esse provavelmente seria o formato, caso o distritão estivesse em vigor. Diante das críticas de que que o distritão fragiliza ainda mais os partidos é comum ouvir dos seus defensores um argumento surpreendente: como ninguém confia mais nos partidos e os eleitores votam em nomes, pouco importa que eles contem ainda menos nas eleições. A lógica é esta: já que os partidos são fracos, vamos fazer uma reforma para fragilizá-los ainda mais. Não seria justamente o oposto? Quando se fala que o distritão é um bom sistema, pois garante a eleição dos mais votados, cabe perguntar para onde vai o voto de milhões de eleitores que votaram em nomes que não se elegeram. Seriam simplesmente jogados fora. Poucos eleitores sabem que usamos um sistema proporcional para eleger deputados. Por isso, os votos dos candidatos de cada partido são somados aos votos de legenda para se calcular quantas cadeiras cada partido obterá. Na verdade, nesse sistema não há uma transferência indevida de votos, mas, sim, um processo que soma os esforços dos nomes de uma mesma legenda. Assim, perdem o voto apenas os eleitores que votaram em partidos que não elegeram nenhum nome. Nas eleições de 2014 para deputado federal esse número foi muito reduzido na maioria dos Estados. Por exemplo, 4% em São Paulo, 5% em Minas Gerais e 7% na Bahia. No sistema eleitoral em vigor o eleitor pode não eleger "seu candidato", mas o nome escolhido por ele necessariamente ficará em uma das suplências. Se o eleitor votou na legenda, seu voto ajudou o partido. No distritão, se o eleitor vota em um candidato perdedor, esse voto é simplesmente ignorado na distribuição de cadeiras. Voto com mesmo destino dos nulos e em branco. Há quase duas décadas o Congresso busca uma alternativa para aperfeiçoar o sistema eleitoral brasileiro. É uma pena que muitos deputados tenham se encantado logo pelo distritão, que, a meu juízo, é a pior opção entre as já apresentadas. JAIRO NICOLAU, 51, cientista político, é professor da UFRJ e autor do livro "Sistemas Eleitorais" (FGV Editora) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-05-13
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/05/1628193-jairo-nicolau-o-distritao-e-a-arte-de-jogar-votos-fora.shtml
Nelson Nery Junior: Quem tem medo de Luiz Edson Fachin?
Espera-se para breve a sabatina do professor Luiz Edson Fachin como prova, ministrada pelos senadores, para que tenha o aval do Congresso à assunção ao cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal. Por certo e para além do propósito normativo e conceitual da sabatina, serão matéria de questionamentos - na linha até de fiscalização - também as ideias de um professor universitário que tem como parte indissociável de suas atribuições a função do pensar. Alvo certo dos parlamentares são as teses de Fachin acerca do caráter jurídico reconhecido ao casamento civil de pessoas do mesmo sexo. Polêmica, aliás, que não é exclusividade do Judiciário brasileiro. A Suprema Corte dos EUA terá que enfrentar a questão, pois nem todos os Estados americanos o autorizam, o que tem sido considerado atentatório ao direito de igualdade de todos perante a lei. A discussão nos interessa, pois aqui não conseguimos dar ainda solução jurídica completa e à altura da importância do tema. Até agora, sobre esse tema crucial de interesse popular, o Congresso Nacional nada disse. Nem uma palavra. E, na esteira do silêncio, a questão chegou ao STJ e ao STF, em numerosas ocasiões em que se postularam direitos civis, previdenciários e sucessórios por causa do convívio familiar de pessoas do mesmo sexo. No julgamento da ADI/4277, o STF não decidiu claramente acerca do tema, já que os 11 votos têm diferentes fundamentos, podendo alcançar muitas interpretações, inclusive a mais extrema, de que a CF admitiria poligamia e poliandria. Assim, a decisão da Corte Suprema não apenas permite a institucionalização do casamento homoafetivo, mas também abre espaço para outros modelos, que podem autorizar a institucionalização do chamado poliamor. Passa da hora de Deputados e Senadores tomarem posição sobre a institucionalização dessas entidades familiares e explicarem ao povo se serão alteradas as estruturas atuais do casamento civil, ainda mais considerando que todo o sistema de direito de sucessões no Brasil depende da lógica jurídica das relações de casamento e parentesco, estampada no Código Civil, que tem sido revogado por resoluções, nas barbas do Congresso Nacional. Além disso, os direitos fundamentais à herança e à propriedade privada estão umbilicalmente ligados à estrutura de família e de parentesco. É a lei civil que define parâmetros, que escolhe pela voz dos representantes do povo o perfil que pretende dar a essas questões, muito mais intrincadas e de interesse do Estado. Aliás, a mais importante função do Estado é garantir à pessoa o direito de formar família, educar os filhos e formar propriedade privada para sustento e bem estar da prole. Não se trata de debate moral ou religioso sobre a união de pessoas do mesmo sexo, mas sim da necessidade de haver regulamentação legislativa sobre uma realidade social que já existe, tudo para o fim de criar segurança jurídica nas relações já vividas por muitos brasileiros. Caso contrário, ficamos à mercê do casuísmo do Judiciário que pode gerar, como tem gerado decisões conflitantes até de sua mais alta corte. No magistério, Luiz Edson Fachin praticou o salutar exercício do livre e necessário pensar acadêmico sobre o tema. Na democracia, não é construtiva a prática do patrulhamento ideológico. Ainda mais se exercida ao atropelo do real propósito de um instituto constitucional concebido em favor do debate, do conhecimento prévio das ideias e preparo dos que almejam viver a honra de sagrar-se ministro da mais alta Corte do país. NELSON NERY JUNIOR, 62, advogado, árbitro e professor titular da PUC-SP e da Unesp * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-05
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/05/1627632-nelson-nery-junior-quem-tem-medo-de-luiz-edson-fachin.shtml
Jerson Kelman: A conta de água e a despoluição dos rios
No segundo semestre de 2012, quando foram feitas as previsões para o novo ciclo para a tarifa de água da Sabesp, as perspectivas da economia pareciam animadoras. O governo federal havia promulgado a MP 579, que disciplinava a renovação de concessões de hidroelétricas e linhas de transmissão, o que geraria uma redução média de 20% na tarifa de energia elétrica. A notícia foi bem recebida pelas empresas de saneamento porque o item eletricidade é um dos principais componentes do custo operativo (no caso da Sabesp, 13%). Com essa expectativa, a Arsesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo) reduziu em 15% a projeção do custo de energia feita pela Sabesp para efeito da tarifa de água que seria praticada nos quatro anos seguintes, com reajustes anuais focados apenas na correção da inflação. Ao contrário do previsto, a tarifa média de energia elétrica subiu a partir de 2013 num ritmo muito superior ao da inflação –o custo médio de energia elétrica para a Sabesp aumentou 85%. Isso ocorreu em parte devido à severa seca que acometeu o Sudeste a partir do segundo semestre de 2013 e que ainda persiste. Para economizar água dos reservatórios de usinas hidroelétricas, acionaram-se as termoelétricas. A energia mais cara impactou o preço de todos os produtos que dependem da eletricidade para serem produzidos, inclusive a água potável. A seca que impacta o setor elétrico é grave, mas não é o pior evento registrado na série histórica. Já a seca observada nas cabeceiras da bacia do rio Piracicaba, onde está o Sistema Cantareira, é, sim, a pior já registrada e é um evento raro. As consequências dessa seca têm sido duras para a população e para a Sabesp. A combinação de menor faturamento (queda de 30% na produção de água potável) com maior custo operacional impulsionou a companhia a pedir uma revisão tarifária à Arsesp que implicaria aumento tarifário de 22,7%. O relatório que sustentou a decisão da Arsesp de conceder aumento de apenas 15,2% tem uma passagem em que se reconhece a necessidade de incluir nas tarifas o custo da diferença entre o que havia sido previsto em 2012 e o que se materializou ao longo de 2013 e 2014. A Sabesp reivindicou que esse "ativo" começasse a ser cobrado imediatamente nas contas de água, mas a Arsesp decidiu implementar a medida somente a partir de 2017. Embora a decisão se encontre dentro do campo discricionário da agência reguladora, tudo indica que o acatamento do pedido da Sabesp teria sido uma decisão melhor. Com menos recursos, a Sabesp teve que fazer escolhas difíceis para preservar os investimentos essenciais. A decisão óbvia foi diminuir os gastos e priorizar o restabelecimento da segurança hídrica na Região Metropolitana de São Paulo e em cidades do interior. O outro lado é que haverá inescapável restrição no orçamento de investimentos de programas não relacionados com uma ameaça iminente de falta de água. Como consequência, será necessário renegociar contratos com prefeituras, Termos de Ajuste de Conduta e acordos judiciais para que se possa adiar, até o término da crise hídrica, o início de obras importantes, mas menos prioritárias do que o atendimento das necessidades fundamentais dos seres humanos. A população deseja que a Sabesp tenha recursos suficientes não só para fornecer água potável mas também para proteger a saúde de pessoas e ambiente, por meio da coleta e tratamento de esgoto. Assim, surpreende que a divergência entre o que a Sabesp pretendia e o que a Arsesp concedeu signifique uma economia inferior a R$ 3 por mês para uma família típica. Corresponde ao preço de uma simples garrafa de água mineral! Por tão pouco vale a pena atrasar o programa de despoluição dos rios, mesmo que por apenas alguns meses? JERSON KELMAN, 67, é presidente da Sabesp * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-10-05
opiniao
Opinião
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Marianne Pinotti e Ana Estela Haddad: Dia de cuidar de quem cuida
O cuidado que uma mãe oferece ao filho é determinante para sua estruturação e para o seu desenvolvimento, em muitos aspectos. Para além da garantia do bem-estar físico, é na profunda relação de afetividade que se ensina o indizível, que se transmitem valores –seja por meio dos exemplos que a mãe dá ou pelas comunicações que estabelece apenas com um olhar. O cuidar se traduz na alegria diante de aprendizados e conquistas, trazendo segurança e confiança. É o abraço na hora do choro, que sustenta emocionalmente. É a escuta. É o esperar o tempo do outro. É o coração apertado nos momentos de distância. É o desenvolvimento de um ser forjado no tempo que lhe é dedicado. Essas reflexões foram essenciais para a criação de políticas públicas transversais, no âmbito do "Ser Mãe em São Paulo", uma ação da Prefeitura de São Paulo que reúne diversas atividades no mês de maio. Uma dessas ações será voltada às mães que cuidam de filhos com algum tipo de deficiência. Muitas delas, frequentemente, lidam com o preconceito e a discriminação imputados a seus filhos –o que elas descrevem como algo que dói na alma e na carne. Outras lidam com dúvidas que surgem no cotidiano, seja em relação à saúde, à educação ou ao desenvolvimento. E há aquelas que convivem constantemente com o medo do agravamento de um quadro de saúde (muitas deficiências são oriundas de doenças raras, de difícil diagnóstico e tratamento, por exemplo) e até da morte. Além disso, em alguns lares, a dedicação quase exclusiva pode também gerar conflitos familiares. Tudo isso pode provocar um constante estado de estresse e desencadear quadros depressivos. Além disso, por dedicarem tanto tempo e energia aos filhos, algumas mães não encontram tempo ou sequer se lembram de agendar consultas ou de fazer exames preventivos. Deixam também de lado o trabalho e abandonam projetos pessoais. E é preciso lembrar que, quanto maior a vulnerabilidade socioeconômica, mais graves essas questões se apresentam. Como proposta inicial para atender à população de "mães-cuidadoras", o "Ser Mãe em São Paulo" programou uma roda de conversa para que possam falar sobre suas experiências em um ambiente seguro, mediado por profissionais capacitados. Como desdobramento desta ação, serão realizados cursos, no segundo semestre deste ano, com três eixos principais: o primeiro é voltado a conhecimentos técnicos específicos (transferência da cama para a cadeira de rodas, prevenção de escaras, manejo de sonda, por exemplo); o segundo trata dos direitos das pessoas com deficiência; e o terceiro traz estratégias para que a mãe aprenda a cuidar de si mesma, de sua saúde física, mental e emocional. Esperamos alcançar uma parcela de mães que, muitas vezes, têm suas necessidades específicas pouco reconhecidas. Também desejamos, com este texto, homenagear, na figura das mães-cuidadoras de pessoas com deficiência, todas as demais. Porque, como disse o teólogo Leonardo Boff, nós não temos apenas cuidado; nós somos cuidado e, sem ele, deixamos de ser humanos. Se mãe é quem cuida, a maternidade nada mais é que a suprema manifestação da humanidade. Por fim, queremos convidar todos os leitores hoje, Dia das Mães, e em todos os dias, a cuidarem daquelas que sempre cuidam. MARIANNE PINOTTI, secretária da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida da Prefeitura de São Paulo ANA ESTELA HADDAD, primeira-dama do município de São Paulo e Coordenadora da Política Municipal para o Desenvolvimento Integral da Primeira Infância (São Paulo Carinhosa) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-10-05
opiniao
Opinião
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Paulo Candelaria e Igor Polonio: A Santa Casa pede ajuda
A Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo passa por uma crise sem precedentes em seus 431 anos de história. O maior hospital filantrópico da América Latina, patrimônio da cidade, agoniza. A crise foi deflagrada em julho do ano passado, quando o provedor Kalil Rocha Abdalla fechou o pronto socorro do Hospital Central, alegando falta de material para atendimento dos doentes. O Ministério Público ordenou que o serviço, responsável por receber 1,5 mil pessoas por dia, fosse reaberto. Isto aconteceu após 36 horas. Depois de o provedor declarar que o Ministério e as Secretarias de Estado e Municipal da Saúde eram responsáveis pela dívida contraída, uma auditoria externa na gestão da entidade foi solicitada pelo secretário de Estado de Saúde David Uip. O resultado demonstrou que o rombo era muito maior do que o declarado, chegando próximo ao patrimônio da Irmandade. Desde quando Kalil assumiu a provedoria pela primeira vez, em abril de 2008, até abril de 2014, quando começava seu terceiro mandato, constatou-se que ele aumentara de R$ 80 milhões para aproximadamente R$ 800 milhões. Insolvente, a Santa Casa corre o risco de fechar suas portas, e para sempre. O atual Hospital Central nasceu da união de 310 irmãos, que doaram uma fortuna com o firme propósito de exercer a caridade, a misericórdia e a assistência aos enfermos. Até a década de 1950, grande parte da sua receita era advinda de doações dos mais diversos segmentos da sociedade. Nele, formaram-se os primeiros médicos e cirurgiões do Estado de São Paulo, tendo sido o berço das três melhores faculdades de medicina do país, a da USP, a da própria Santa Casa e a da Unifesp, a Escola Paulista de Medicina. Reconhecido nacionalmente pelo desenvolvimento de pesquisas técnico/científicas, o hospital possui um dos maiores serviços de captação de órgãos e tecidos do mundo. É referência nos atendimentos de Ortopedia, Pediatria e serviços de alta complexidade, como Neurocirurgias e Transplantes. A pergunta que fica: o que levou esta instituição à beira da falência? Como uma dívida milionária foi contraída em tão pouco tempo? O Ministério Público alega que durante a gestão de Kalil, a Santa Casa recebeu dos cofres públicos muito além do que gastou com pacientes (os atendimentos voltados ao SUS representam 95% de seu orçamento anual, que é de cerca de R$ 400 milhões). Ainda, segundo o Ministério Público, há fortes indícios de tráfico de influência, nepotismo, enriquecimento ilícito e irregularidades nos contratos de diversos serviços do complexo hospitalar. Inconformados, médicos e funcionários (além de não terem recebido o décimo terceiro, que está sendo negociado em 36 vezes, 8% deles não receberam sequer o salário de novembro) se uniram em dezembro de 2014 para exigir a imediata renúncia de Kalil e eleição de um novo provedor. Assim nasceu o Movimento Santa Casa Viva (MSCV). Dia e noite, durante cinco meses, lutamos por reforma imediata e modernização da estrutura e da administração da entidade, alteração no Estatuto da Misericórdia –documento antigo, que não compreende a realidade e as possibilidades do século atual–, transparência no processo de gestão e, sobretudo, que os profissionais que nela trabalham conquistem o respeito perdido. Na tarde do dia 16 de abril de 2015, festejamos nossa primeira vitória. Quando completava um ano da terceira gestão, depois da Justiça pedir a quebra dos sigilos bancário, fiscal e dos cartões de crédito de Kalil, de sua mulher e filho, bem como de mais 19 pessoas físicas e jurídicas ligadas à direção da Santa Casa, o provedor finalmente pediu renúncia do cargo. A saída do Dr. Kalil, no entanto, está longe de ser o fim dos problemas que a Irmandade atravessa, resultado de anos de má gestão e corrupção que levaram ao caos administrativo. A luta continua. Recentemente, celebramos mais uma conquista. Os irmãos mesários se reuniram e decidiram aceitar parte das mudanças sugeridas, como a inclusão de cinco novos membros no grupo, todos de confiança de José Luiz Egydio Setúbal, nome mais cotado para assumir a liderança da Santa Casa. Também marcaram eleição para provedor em 60 dias O Dr. Setúbal, médico pediatra que comanda o Hospital Infantil Sabará, herdeiro do Banco Itaú e membro do Conselho de Irmãos (formado por 500 notáveis da cidade de São Paulo), aceitará o desafio com uma condição: que a sociedade civil e as instâncias governamentais (federal, estadual e municipal) se unam para garantir aporte financeiro e, consequentemente, a governabilidade da instituição. Caso contrário, a Santa Casa não terá salvação. E isso é inaceitável. Se por um lado as bases administrativas / financeiras estão comprometidas e precisam de reforma urgente, por outro, o atendimento prestado pela Santa Casa permanece vivo e sólido, resultado da tríplice competência profissional em termos de atenção humana, eficácia técnica e caridade com o próximo. PAULO CANDELARIA, médico, é representante do Movimento Santa Casa Viva - MSCV IGOR POLONIO, médico, é presidente da Associação de Médicos da Santa Casa - AMESC * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-09-05
opiniao
Opinião
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Crianças podem se apresentar em bailes funk? Sim
ADRIANA FACINA: MORALIZAR OS POBRES O que se observa na sociedade brasileira é um desejo amplamente difundido de moralizar os pobres. Modos de vida, manifestações culturais, fazeres artísticos e formas de sociabilidade populares são permanentemente estigmatizados e até mesmo criminalizados. Crianças pobres, negras, que moram nas periferias brasileiras crescem sem creches ou escolas públicas de qualidade. Desde pequenas, essas crianças compartilham de uma cultura de sobrevivência que transforma dor em arte. Elas estão nos terreiros, soltando pipas nas lajes, nas quadras das escolas de samba e nos bailes funk. Os pais não contam com babás e têm de levar os filhos para seus divertimentos –necessário para alimentar alma e corpo para rotinas de trabalho estafantes– com muitas horas perdidas nos deficientes transportes públicos. Nesse contexto, o funk, assim como outras formas de diversão e lazer, pode representar também esperança. Possibilidade concreta de mudar de vida, de sonhar com reconhecimento, com a vida farta que todos queremos. Muitos dos que se escandalizam com as performances dos MCs crianças apoiam entusiasticamente a redução da maioridade penal, a despeito de a Unesco estimar em apenas 1% os homicídios cometidos por menores de idade no Brasil. Essa preocupação tão intensa com a "sexualização" das crianças não deveria vir acompanhada de medidas protetivas gerais e de valorização da vida dos pequenos? "Primeiro a barriga, depois a moral." É com essa frase que o poeta e dramaturgo alemão Bertolt Brecht (1898-1956) criticava a moral burguesa que busca universalizar critérios de julgamento das condutas humanas como se todos vivêssemos realidades iguais. Dizendo de outra maneira, para que todos nós pudéssemos ter nosso comportamento em sociedade avaliado pelos mesmos parâmetros teria de haver igualdade social (e não somente jurídica ou formal). Radicalizando ainda mais, Brecht defende que em situação de escassez, material ou de direitos, não há moralidade possível. A moral depende, portanto, de condições de vida dignas, já que precariedade é a maior imoralidade de todas. Essas crianças, no entanto, têm contato com a morte violenta desde muito cedo. Pequenas ainda assumem tarefas como cuidar de irmãos, do lar e mesmo ajudar seus pais em trabalhos variados para garantir a sobrevivência da família. Os olhos dessas crianças envelhecem mais cedo que seus corpos, pois elas vêm e vivem coisas que nenhuma criança deveria ver e viver. Elas são alvo e podem morrer com um tiro na cabeça, como aconteceu há poucas semanas com o pequeno Eduardo, no Complexo do Alemão. Ao que tudo indica, o tiro partiu da polícia e, infelizmente, não foi o único nem será o último tiro dado pelo Estado brasileiro em crianças faveladas. Só em 2012 foram mais de 30 mil jovens assassinados no Brasil, de acordo com a Anistia Internacional. Quase todos eram pobres e, em sua maioria, negros. Não podemos esquecer, por fim, da farta contribuição midiática para a exposição do sexo e do corpo feminino como mercadorias, disponíveis para todas as idades, nos comerciais, publicações e atrações televisivas variadas. Se estamos de fato preocupados com nossas crianças, e não apenas repetindo velhos preconceitos gerados na casa-grande, temos de ampliar sensivelmente nosso escopo de indignação. Se para cada criança violada em seus direitos batêssemos uma panela, nosso batidão seria capaz de produzir o maior e mais ensurdecedor baile funk do mundo. ADRIANA FACINA, 44, antropóloga, é professora do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social/Museu Nacional/UFRJ * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-09-05
opiniao
Opinião
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Dom Eurico dos Santos Veloso: Saudável conquista da sociedade
Foi uma conquista dos brasileiros a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de considerar constitucional a Lei 9.637/1998, das Organizações Sociais (OS). Preservam-se, assim, avanços na cultura, ensino, pesquisa, preservação ambiental e saúde. Todos os segmentos são significativos, mas o maior prejuízo caso tivesse prevalecido a tese da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) proposta desde a edição da norma, seria para a assistência médico-hospitalar. A atuação das OS na saúde é particularmente relevante para os 150 milhões de brasileiros, ou 75% de toda a nossa população, que dependem exclusivamente dos serviços públicos. A lei, portanto, tem profundo caráter de justiça social, à medida que a gestão profissionalizada de hospitais e unidades de atendimento provê mais qualidade. Além disso, a decisão do STF não deixa margem a qualquer risco de insegurança quanto ao cumprimento das obrigações por parte das organizações que assumem os serviços, pois estas ficaram submetidas ao controle do Ministério Público e do Tribunal de Contas e têm de atender aos requisitos de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Não procede, também, a alegação de que a lei transferia atividades próprias de autarquias e fundações públicas a entidades de direito privado. Afinal, as OS não têm fins lucrativos e seu trabalho deve ser dirigido apenas a setores de alto interesse da população. Por isso, podem receber recursos, bens e servidores públicos. Ficou claro ser constitucional que exerçam o papel de coadjuvantes em serviços do Estado. Outro aspecto importante da decisão do STF foi a manutenção da dispensa de licitação para a celebração de contratos com OS. Com isso, será possível selecionar as melhores alternativas para cada caso específico, considerando-se especialização, capacidade de atendimento, tecnologia e conhecimento, fatores essenciais para instituições que cuidam da vida humana. Exemplo concreto da eficácia do modelo de gestão instituído pela Lei 9.637 foi trazido ao Brasil, recentemente, pelo Banco Mundial (Bird), que apresentou estudo relativo a São Paulo. Os números são incontestáveis: as unidades geridas por OS tiveram, em 2004, custo médio de internação 25,1% menor do que as de administração direta, embora tenham acolhido 43,2% mais pacientes. O levantamento reuniu 16 hospitais de perfil semelhante, sendo metade administrada diretamente pelo Estado e os outros 13, por OS. Nestas unidades, o valor médio de cada internação foi de R$ 2.589,00, contra R$ 3.455,00 nas primeiras. Outro estudo revelou que o índice médio de aprovação dos hospitais gerenciados por OS é de 95% entre pacientes e usuários. A decisão do STF, portanto, evita retrocessos e referenda a eficiência. Além disso, ao conferir segurança jurídica à transferência da gestão das unidades médico-hospitalares, propicia avanços mais rápidos na melhoria da saúde, pois estimulará a adoção do novo modelo, uma conquista social dos brasileiros. DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO é arcebispo emérito de Juiz de Fora (MG) e presidente da Pró-Saúde, entidade beneficente de assistência social e hospitalar (OS) com 48 anos de atuação no Brasil * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-08-05
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Opinião
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Joaquim Levy: O exemplo do general Marshall
Planejamento, persistência, gestão de pessoas e alinhamento com os princípios da missão são elementos essenciais para o sucesso da maior parte das empreitadas. Um bom exemplo dessa combinação encontra-se na atuação de George Marshall, que liderou o Exército americano durante a Segunda Guerra Mundial, tendo sido indispensável para a sua vitória, especialmente no cenário europeu, alcançada 70 anos atrás. O general Marshall anteviu a necessidade de o seu Exército estar preparado para defender o país bem antes de ele ser atacado. Já antes do início do conflito na Europa, ele alertou o presidente americano da imperiosa urgência de reorganizar e dar meios àquela força. Como tantos, ele propugnava o desenvolvimento da Força Aérea, que era então primitiva e pequena. Mas, fiel ao seu feitio, quando foi proposto um plano de rapidamente se produzirem 10 mil aviões, ele foi contra, preferindo uma quantidade bem menor de unidades, mas acompanhada dos recursos para treinar pilotos e desenvolver o apoio logístico indispensável para a efetividade daquele investimento. Essa atenção ao equilíbrio e o foco na organização industrial foram cruciais quando o Exército americano passou de menos de 200 mil soldados em 1939 para 4 milhões quatro anos depois. Para liderar esse vasto contingente em armas, Marshall valeu-se de alguns critérios para selecionar generais que havia alinhavado anos antes, preferindo aqueles que exibissem bom senso, conhecessem seu ofício, estivessem em boa forma física –demonstrando energia–, fossem otimistas (irradiando um espírito positivo) e cuja lealdade fosse acompanhada de determinação. Essas características, sem nada de especial na aparência, em geral se traduziam na capacidade de trabalhar em grupo, responder sob pressão e não culpar os outros pela adversidade. Elas também permitiram uma ênfase em preservar a vida dos seus comandados, o que era raramente visto antes na condução de um conflito armado. Esse respeito foi uma regra básica para o bom funcionamento de um Exército de cidadãos, que abraçaram a missão de defender a democracia. Seu impacto no moral dos combatentes contribuiu para o Exército superar diversos reveses e pautar o comportamento da tropa à medida que foram conquistando território, inclusive em relação aos civis que foram encontrando. Os princípios de gestão aí ilustrados se aplicam ao grande número de atividades humanas, e suas manifestações não escaparam aos mais argutos participantes da FEB (Força Expedicionária Brasileira), que combateu lado a lado com os Aliados, especialmente os americanos. Osvaldo Cordeiro de Farias, um dos mais capazes integrantes da FEB, recordava-se de como os americanos souberam aproveitar os talentos de oficiais e soldados das mais diversas origens, transformando, por exemplo, um gerente de supermercado em oficial graduado de logística. Lembrava-se também de como oficiais com dois ou três anos de experiência se mostravam tão ou mais capazes do que os próprios oficiais de carreira, americanos ou brasileiros. Isso porque mecanismos que aceleravam a difusão de boas práticas e de experiências malogradas se traduziam no rápido aprendizado a partir de erros iniciais. Essas lições, sem dúvida, auxiliaram esse notável artilheiro brasileiro quando passou para a vida civil e liderou um importante grupo industrial décadas depois. A confiança na capacidade de pessoas de diversas origens é um dos traços essenciais da democracia e base da inclusão. Ela também esteve presente na visão estratégica do general Marshall, que permitiu dar fundamental contribuição não só para a vitória da guerra mas também para a paz, quando ele idealizou o plano de auxílio para a Europa no pós-Guerra. Esse plano, que levou seu nome, ao alavancar o potencial do continente, permitiu sua recuperação econômica, culminada com a criação do Mercado Comum Europeu dez anos depois. Ao se comemorar o fim da maior das guerras no território europeu e merecidamente homenagear os milhares de pracinhas que o Brasil mandou à Itália e que voltaram com tantas e variadas experiências, parece mais atual do que nunca o exemplo desse general que declinou as posições mais visíveis no seu Exército, para garantir o seu bom funcionamento e as grandes escolhas estratégicas que lhe trouxeram a vitória. JOAQUIM LEVY, 54, engenheiro, é ministro da Fazenda * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-08-05
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Marcus Pestana: O lugar do fato
Há determinadas abordagens da mídia que causam prejuízos inestimáveis à imagem de quem acaba vítima de imprecisões. É o caso da notícia veiculada, que mereceu coluna deste jornal, afirmando que o senador Aécio Neves (PSDB-MG) teria utilizado de forma indevida um helicóptero e um avião do governo de Minas Gerais para deslocamentos em agendas oficiais de trabalho. Certamente fui uma das muitas pessoas que leu e releu a reportagem para tentar entender o que havia de errado com deslocamentos realizados em data, hora e percursos rotineiros de agenda de autoridade pública entre endereços de trabalho. O senador Aécio Neves usou o helicóptero do governo de Minas para traslado entre a residência do então governador, Antonio Anastasia, e a sede administrativa do governo e, uma vez, um avião no deslocamento entre Belo Horizonte e Brasília. Em todas as oportunidades para tratar de matérias de interesse do Estado e pelo qual tem representação política como senador. Não havendo dúvida, portanto, do caráter oficial dos traslados, o combate político nas redes sociais derivou para a acusação de que Aécio utilizou uma aeronave do governo de Minas na condição de ex-governador. Isso não é verdade. Aécio o fez como autoridade pública, na condição de senador pelo Estado e em demandas devidamente autorizadas, como ocorreu em outras casos e ocasiões no transporte de ministros, deputados e presidentes de estatais. Há uma diferença enorme entre as duas situações. Para tirar a dúvida, basta considerar o conteúdo do decreto que estabelece os procedimentos legais para uso das aeronaves do Estado. O texto é claro ao afirmar que as aeronaves podem ser usadas por autoridades públicas em cumprimento de missão oficial. É também claro em determinar que algumas, no caso específico um helicóptero, são destinadas ao atendimento do governador. Ou seja, não podem ser utilizadas sem autorização dele. Mas o decreto não condiciona o uso exclusivo do governador. Refere-se, sim, ao atendimento de demandas do governador e de nenhuma outra autoridade do governo. A mim chamou especial atenção o tratamento de denúncia dado ao fato, mesmo estando disponível a informação de que outras autoridades fizeram uso das mesmas aeronaves, nos mesmos trajetos e condições de trabalho. Inexplicavelmente, essa informação não foi considerada como relevante. O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, e o deputado federal Arlindo Chinaglia (PT-SP) usaram em Minas as mesmas aeronaves que o senador Aécio e em iguais percursos. Por que só Aécio foi notícia? É incompreensível a comparação feita entre a utilização de aeronaves por um senador com a feita em 2005 de um avião da FAB para transportar amigos de um dos filhos do então presidente Lula para gozar férias. Quero repor a verdade sobre um fato: o senador Aécio Neves utilizou as aeronaves do governo de Minas de forma regular, no cumprimento de agendas oficiais, assim como o fizeram outras autoridades. MARCUS PESTANA, 54, deputado federal, é presidente do PSDB de Minas Gerais * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-08-05
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/05/1626234-marcus-pestana-o-lugar-do-fato.shtml
José Guimarães: Sim à partilha na Petrobras
A sociedade brasileira assiste aos sucessivos ataques sofridos pela Petrobras. De um lado, as investigações da Operação Lava Jato e os esforços gigantes da oposição e de setores da mídia para depreciar a Petrobras. Querem mudar o regime de partilha do pré-sal para concessão. Desejam que a riqueza gerada pelo petróleo seja abocanhada pelas grandes petrolíferas mundiais. É preciso diferenciar o regime de concessão –defendido pelo PSDB– do regime de partilha. A principal diferença entre concessão e partilha de produção está na posse do petróleo e de seus derivados. Na concessão, a posse dos hidrocarbonetos é da empresa que explora o campo. Já na partilha, a propriedade do petróleo permanece com o Estado. Ao ganhar o direito de explorar uma reserva, o grupo contratado será remunerado pelo trabalho com parte da produção. Isso deixa claro por que os governos Lula e Dilma optaram pela segunda opção. A partilha concede ao Estado maior soberania na gestão dessa riqueza nacional e, consequentemente, maior autonomia sobre a aplicação dos recursos decorrentes da exploração desse bem, como será feito com educação e saúde, que receberão 75% e 25%, respectivamente, do fundo social. A oposição tucana –que pretendia vender a Petrobras e chamá-la de Petrobrax, para deixar seu nome mais palatável aos estrangeiros– entende que esse modelo é inadequado, pois para eles, toda a riqueza deve ser gerida por grupos privados –ao Estado deve caber, no máximo, o papel de fiscal. Com a descoberta do pré-sal, o governo brasileiro espera mais que dobrar a sua produção de petróleo até 2030, passando de cerca de 2 milhões de barris por dia para 4 milhões. Além de ampliar a soberania nacional, a partilha de produção vai aumentar a participação do Estado brasileiro nas receitas do petróleo. Hoje, estima-se que a participação estatal, com o regime de concessão, fique entre 40% e 50% do que o setor lucra. No campo licitado até agora no sistema de partilha, o de Libra, o poder público deve permanecer com 85% da renda. Essa é uma diferença real entre os modelos. No regime de partilha, a própria exploração do petróleo será quase que completamente controlada pelo Estado –por meio da Petrobras, que, por lei, deve deter no mínimo 30% do consórcio licitado para exploração, e da Pré-sal Petróleo S.A. Na partilha, o Estado recebe um porcentual do produto explorado, e não apenas a remuneração monetária pela exploração, como ocorre no caso de concessão. Os detratores da partilha costumam dizer que o controle estatal sobre as decisões aumenta a ineficiência e estimula a corrupção. É o contrário. Se hoje o país conhece a existência de desvios na Petrobras, é justamente porque o Estado dispõe de instituições fortes e de leis que permitem esse controle. É graças à ação firme do governo da presidenta Dilma que a sujeira não é mais varrida para debaixo do tapete. O balanço auditado e divulgado com transparência pela Petrobras –mesmo com os desvios detectados de corrupção e a queda do valor do barril do petróleo de US$ 110 para US$ 48–, demonstrou um resultado que não foi o alardeado pela oposição, que poderia ser de até R$ 70 bilhões. A Petrobras voltou a ter credibilidade, com constantes elevações de suas ações na Bolsa de Valores. A prestação de contas da nova gestão causou impacto positivo no mercado internacional. Agências de classificação de risco, como a Fitch, Standard & Poor's e Moody's, reconheceram a seriedade e a eficiência da empresa brasileira. Dessa forma, há que se reiterar: a Petrobras é um patrimônio nacional, portanto, dizemos sim à partilha, e não à concessão. JOSÉ GUIMARÃES, 56, advogado, é deputado federal pelo PT-CE e líder do governo na Câmara * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-07-05
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/05/1625707-jose-guimaraes-sim-a-partilha-na-petrobras.shtml
Editorial: Reação irracional
Numa reação ao atentado contra o semanário satírico "Charlie Hebdo", realizado no começo de janeiro, a Assembleia Nacional da França aprovou nesta semana um pacote de leis antiterroristas que nada devem à chamada Lei Patriótica dos Estados Unidos, assinada na esteira do 11 de Setembro. Para entrar em vigor, a norma francesa precisará do crivo do Senado, que, tudo indica, virá até o fim deste mês. A partir de então o governo poderá fazer o monitoramento em massa de dados telefônicos e de internet com a finalidade de detectar uma ameaça terrorista. Autoridades também poderão recorrer a microfones, câmeras escondidas e programas de espionagem, além de utilizar o sistema de posicionamento global (GPS) com a finalidade de vigiar suspeitos. O controle dessas operações ficará a cargo de uma comissão composta principalmente por magistrados e parlamentares, mas não passará de forma direta pela Justiça. Entende-se, assim, por que partidos de oposição e associações pró-direitos humanos, entre outras organizações, condenam a iniciativa. Os franceses, a exemplo do que fizeram os americanos há 14 anos, se perguntam quanto de liberdade vale a pena sacrificar em nome da segurança –agem, contudo, sob uma pressão política ditada antes pelas emoções do que pela razão. O terrorismo, obviamente, precisa ser combatido com vigor. Os atentados não só miram inocentes mas também atingem princípios caros às democracias –no caso do "Charlie Hebdo", a liberdade de expressão terminou alvejada. Por sua natureza difusa, afeta o bem-estar de toda uma população. Apesar das especificidades, o terrorismo precisa ser abordado de modo racional, como todo risco à sociedade. E, objetivamente, trata-se de fenômeno pouco mortífero. No século 21, houve dez ataques na França, que deixaram 30 mortos (sem contar os autores) e 71 feridos. Na média, dois óbitos por ano numa população de 66 milhões. Algo parecido vale para os demais países ocidentais. Mesmo nos EUA em 2001, o risco de morrer num atentado foi de 1 para 101 mil, bem menor que nos envenenamentos involuntários (1 para 22 mil). Mesmo sendo pouco letal, o terrorismo levou os Estados Unidos, após o 11 de Setembro, a gastar mais de US$ 1 trilhão em programas de segurança. É difícil, sem dúvida, encontrar uma reação equilibrada diante de ameaça tão perversa; não deixa de ser lamentável, mesmo assim, que a pátria dos filósofos do Iluminismo ameace trilhar a mesma e pouco iluminada rota dos EUA, caminho que os próprios norte-americanos já começaram a rever.
2015-07-05
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/05/1625744-editorial-reacao-irracional.shtml
Devemos mais do que nunca estimular o magistério, diz leitora
Discordo do leitor Newton César Balzan e, mais ainda, de Vladimir Safatle (Não seja professor) quanto às opiniões sobre a carreira do magistério. Também fui professora, aposentei-me na UFMG e, mais do que nunca, devemos estimular a carreira do magistério. Infelizmente, mais uma vez, Safatle usa da ironia de uma maneira inócua, diria mesmo irresponsável, sem contribuir com algo substancial para a questão. Lamentável. MARIA HELENA RABELO CAMPOS (Nova Lima, MG) * O leitor Bahige Fadel bate na velha tecla de que precisamos de mais e melhores professores, como se este fosse o problema do país. Gostaria de saber como atrairemos para esta importante carreira os melhores estudantes, se é para passar a vida sendo humilhado pelos péssimos salários e condições de trabalho. Além disso, quando reivindicam melhores condições, como ele sugere, apanham, como no Paraná, ou são ignorados, como em Santa Catarina e São Paulo. CARLOS BRISOLA MARCONDES, professor da UFSC (Florianópolis, SC) * A democracia é isso: Ela dá microfones pra todo mundo. Inclusive, para aqueles que buscam o seu enfraquecimento. E viva toda forma de expressão, seja ela burra, no formato do "bate panelas", ou coerente, quando se posicionam, por exemplo, em favor dos professores. KAYO CÉSAR (Belém, PA) * PARTICIPAÇÃO Os leitores podem colaborar com o conteúdo da Folha enviando notícias, fotos e vídeos (de acontecimentos ou comentários) que sejam relevantes no Brasil e no mundo. Para isso, basta acessar Envie sua Notícia ou enviar mensagem para leitor@uol.com.br
2015-07-05
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Painel do Leitor
http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2015/05/1625757-devemos-mais-do-que-nunca-estimular-o-magisterio-diz-leitora.shtml
Fechamento de delegacias do RJ de madrugada é rendição, diz leitor
Chegamos ao ponto em que o surrealismo passa a integrar o cotidiano do país sem maiores estranhezas. A notícia de que delegacias do Rio fecham de madrugada "por falta de segurança" seria hilária não fosse trágica (Delegacias do Rio fecham de madrugada). É o Estado se rendendo incondicionalmente à criminalidade. * PARTICIPAÇÃO Os leitores podem colaborar com o conteúdo da Folha enviando notícias, fotos e vídeos (de acontecimentos ou comentários) que sejam relevantes no Brasil e no mundo. Para isso, basta acessar Envie sua Notícia ou enviar mensagem para leitor@uol.com.br
2015-07-05
paineldoleitor
Painel do Leitor
http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2015/05/1625769-delegacias-do-rio-fecharem-de-madrugada-e-rendicao-do-estado-a-criminalidade-diz-leitor.shtml
Anvisa rebate pesquisador do Butantan sobre vacina da dengue
Sobre Para pesquisador, Anvisa favoreceu vacina estrangeira, é recomendação da Organização Mundial da Saúde que o desenvolvimento clínico das fases 2 e 3 da vacina da dengue seja feito em regiões endêmicas com pessoas já expostas anteriormente. Assim, a defesa de Isaias Raw de que as fases 2 e 3 da vacina deveriam ser testadas na França, não no Brasil, não possui embasamento técnico. Dos 18 meses consumidos na análise da fase 2 no Butantan, 11 foram para que o instituto fosse capaz de responder aos questionamentos dos técnicos da Anvisa. A afirmação de que a Anvisa simplesmente "não assinou os papéis" não procede e é incompatível com o rigor técnico exigido para essa avaliação. CARLOS AUGUSTO MOURA, assessor de imprensa da Anvisa (Brasília, DF) * É estarrecedor saber que um órgão do governo (Anvisa) atrasa a fabricação da vacina brasileira contra a dengue por oito meses . Segundo Isaias Raw, a Anvisa privilegiou a fabricação da vacina francesa (Sanofi), que no seu entender é "uma porcaria". Por que a Anvisa não liberou o teste da vacina brasileira? O grande número de mortes por dengue parece não preocupar certos órgãos do governo. Este país é sério? JOSÉ JAIME DA SILVA TELES FILHO, médico (Bragança Paulista, SP) * PARTICIPAÇÃO Os leitores podem colaborar com o conteúdo da Folha enviando notícias, fotos e vídeos (de acontecimentos ou comentários) que sejam relevantes no Brasil e no mundo. Para isso, basta acessar Envie sua Notícia ou enviar mensagem para leitor@uol.com.br
2015-07-05
paineldoleitor
Painel do Leitor
http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2015/05/1625759-anvisa-rebate-pesquisador-do-butantan-sobre-vacina-da-dengue.shtml
Marcelo De Franco, Carlos Wendel Magalhães e Jorge Kalil: Vacina contra a dengue é preciso
O Programa Nacional de Imunização (PNI), do Ministério da Saúde, completou 40 anos em 2014, sendo um exemplo de sucesso. Suas campanhas têm alcance médio de 90% da população almejada, enquanto em outras partes do mundo verificamos níveis preocupantes de 30 a 40%, o que explica surtos recentes de sarampo, rubéola e coqueluche nos EUA e Europa. Os principais agentes desse programa são os laboratórios públicos oficiais, que garantem ao ministério a disponibilidade de vacinas com preços compatíveis. Os dois maiores produtores são Biomanguinhos e Instituto Butantan, responsáveis por 80% dos soros e vacinas disponibilizados ao PNI. Ambos lutam, no entanto, para readequar suas plantas produtivas aos regulamentos impostos pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para atender as boas práticas de fabricação. Essas ações aumentam a segurança e a qualidade dos produtos, porém demandam recursos volumosos, atualmente escassos no setor público. O Instituto Butantan, por ser um departamento da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo e não ter personalidade jurídica, confeccionou um modelo de terceiro setor em 1989, criando a Fundação Butantan para administrar de forma segura e ágil os recursos advindos de sua produção de imunobiológicos. Essa arquitetura ganhou robustez e confiabilidade com um choque de gestão feito em 2012, quando o diretor do Instituto Butantan, Jorge Kalil, assumiu a presidência da Fundação Butantan, por sugestão do Ministério Público, representado pela curadoria das fundações do Estado de São Paulo. Em novo formato, a fundação passou a ter papel administrativo e financeiro alinhado e incorporado ao instituto, permitindo um modelo de gestão equilibrado e assertivo. Os resultados apareceram com a primeira certificação de boas práticas para a linha de produção, formulação, envase e empacotamento da vacina da gripe, única no Brasil. Vem sendo também possível modernizar infraestruturas prediais, de informática, telefonia e segurança de trabalho, assim como, melhorias no atendimento aos funcionários, limpeza e vigilância, as quais não são possíveis ao Estado. Como todo choque causa reações corporativas e sindicais, várias denúncias de abusos e descontroles foram levantadas de forma anônima e sem fundamentos, sendo arquivadas em sua totalidade. Com esse modelo, está sendo possível adequar a instituição às demandas regulatórias da Anvisa, do Ibama e de outros agentes, bem como investir em novos projetos, como a vacina da dengue. Os estudos da fase dois –segurança e eficácia em grupo reduzido de pessoas– são muito promissores, o que nos levou a agilizar a fase três (grupo ampliado), última antes da disponibilização dessa vacina para a população. É preciso que governos federal, estadual e municipal, agências regulatórias e Instituto Butantan marchem unidos para a frente de batalha contra a dengue e outras doenças infecciosas de forma coordenada para que possamos encontrar os meios e recursos necessários para vencer esta guerra. O Instituto Butantan está pronto e organizado, além de saber que pode contar com seus gestores neste desafio, pois vacinar é preciso. MARCELO DE FRANCO, 51, é diretor substituto do Instituto Butantan CARLOS WENDEL MAGALHÃES, 56, é superintendente da Fundação Butantan JORGE KALIL, 61, é diretor do Instituto Butantan e presidente da Fundação Butantan * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-07-05
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/05/1625709-marcelo-de-franco-carlos-wendel-magalhaes-e-jorge-kalil-vacina-contra-a-dengue-e-preciso.shtml
Marcelo Musa Cavallari: A visão de mundo do Estado
Vladimir Safatle, nesta Folha ("A família do Estado", 21/04) considerou o Estatuto da família que ora tramita no Congresso uma aberração. Não me interessa aqui defender o projeto de lei, mas gostaria de discutir algumas afirmações importantes do filósofo. Para deixar claro de antemão, falo a partir de um ponto de vista conservador, tradicional e, creio, majoritário sobre a família. Mas nenhum desses aspectos, em si importantes, é importante para a minha argumentação. Safatle pergunta retoricamente: "De onde saiu a ideia de que o Estado deve decidir qual relacionamento afetivo está apto a ser visto como família e qual não está?" Creio haver uma resposta racional. A legislação é ontologicamente anterior ao Estado. É ela, afinal, que define as atribuições do Estado. As leis não disciplinam como as pessoas vivem. Disciplinam, exclusivamente, se, quando e como o Estado, como instrumento e representante da sociedade, se intromete na vida das pessoas. "A multiplicidade de vínculos afetivos" de que Safatle fala, não interessa ao Estado, a não ser que passe a ter consequências que recaiam sobre todos. Amizade, por exemplo, uma das facetas mais ricas e importantes da vida humana, não é matéria de legislação. Ninguém pode processar um amigo por ter faltado com algum dever da amizade. Não porque esses deveres não existam ou não importem, mas porque eles não acarretam consequências para todas as outras pessoas. O relacionamento sexual entre um homem e uma mulher pode gerar filhos: novos membros da sociedade. Esses filhos são, durante muitos anos, incapazes de cuidar de si próprios. Um dos dois genitores, geralmente, mas não necessariamente, a mulher, acabará arcando com parte mais pesada da tarefa de cuidar desse novo membro da sociedade. A separação ou o fim da solidariedade entre os dois cônjuges pode acarretar dificuldades para o filho ainda incapaz de cuidar de si. Todas essas consequências de um relacionamento sexual entre um homem e uma mulher interessam à sociedade. Por isso ela intervém quando é necessário proteger o genitor mais prejudicado com a criação do filho ou quando é necessário proteger o interesse do filho. O Estado é o instrumento da sociedade para intervir. A legislação do casamento disciplina essa intervenção, não o casamento. Outras formas de relacionamento sexual não acarretam essas consequências e não necessitam, portanto, de intervenção do Estado. A ideia de que ao Estado cabe "reconhecer a multiplicidade de vínculos afetivos que a sociedade produz, respeitando a todos eles" implica pôr o Estado a disciplinar a visão de mundo das pessoas. A multiplicidade de vínculos afetivos decorre da multiplicidade da opinião que as pessoas têm sobre como se deve levar a vida. O que significa o Estado respeitar a multiplicidade de vínculos afetivos? O Estado só pode agir no quadro de uma lei. Toda lei disciplina a intervenção do Estado na vida de alguém. Respeitar a multiplicidade de vínculos afetivos como tarefa do Estado significa, pois, o Estado usar seu poder para forçar alguém, ou todos, a ter uma determinada visão de mundo. Por exemplo, uma visão de mundo em que qualquer tipo de relacionamento afetivo e sexual tem o mesmo valor. Numa democracia, ninguém deveria ser obrigado a ter uma dada visão de mundo. O filósofo da ciência Paul Feyerabend defendia a ideia de que, assim como a separação entre Igreja e Estado aumentou a liberdade das pessoas, fazia-se necessária a separação entre Ciência e Estado: menos produtora de certezas do que uma visão ingênua supõe, a crença na ciência não poderia ser obrigatória. A mesma coisa vale para visões de mundo, forçosamente fruto de opinião. Numa democracia, o Estado não pode ter opinião. Isso cabe exclusivamente às pessoas. MARCELO MUSA CAVALLARI, 54, é jornalista * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-07-05
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Opinião
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Bolívar Moura Rocha: A presidente poderia ser processada?
O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, a quem caberia receber eventual denúncia contra a presidente, Dilma Rousseff, tem dito que fatos anteriores ao mandato atual não poderiam ensejar um processo de impeachment. Este artigo explica porque essa tese é improcedente. Um presidente da República pode ser afastado como resultado de três espécies de condenação: pelo Supremo Tribunal Federal, por crime comum relacionado ao exercício do cargo; pelo Senado Federal, por crime de responsabilidade, em processo de impeachment; e pelo Tribunal Superior Eleitoral, em certas ações eleitorais. São, todas, situações inéditas em nossa história; o mandato de Fernando Collor (1990-1992) encerrou-se com sua renúncia, não com a condenação no processo de impeachment, que limitou-se a suspender seus direitos políticos. A primeira hipótese –processo no STF– também tem se prestado a equívocos em razão de dispositivo da Constituição Federal (art. 86, §4°) que prevê que o presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções. O alcance dessa regra foi fixado pelo Supremo Tribunal ao decidir, por duas vezes, que o então presidente Collor não poderia ser processado por supostos crimes eleitorais. (Os fatos tinham a ver com alegações infamantes divulgadas pela candidatura Collor a respeito do oponente, Luís Inácio da Silva). Em ambos os casos o Supremo decidiu que o dispositivo confere uma imunidade temporária à persecução, não à investigação, penal por atos estranhos ao exercício das funções presidenciais. Em seu parecer, o então procurador-geral da República, Aristides Junqueira, analisou a lógica, antecedentes e histórico legislativo do dispositivo, para identificar-lhe o objetivo: "resguardar o chefe de Estado com relação a processos penais, desde que se tratasse de fato estranho ao exercício de suas funções de presidente da República, já que, com relação a fatos atinentes à função, a responsabilização é inafastável". E se o crime funcional houver sido cometido na vigência de mandato anterior? As decisões do Supremo nada disseram a respeito, simplesmente porque os casos julgados naquele momento não envolviam essa situação. De resto, à época a Constituição não previa a possibilidade de reeleição. O processo de impeachment exige análise distinta. É que não se aplica a ele a regra citada: por definição, os crimes de responsabilidade que ensejam o impeachment nunca serão estranhos ao exercício das funções de presidente da República. Tem sido defendida a tese de que fatos anteriores ao mandato atual não poderiam ensejar um processo de impeachment. O raciocínio é que sendo a sanção a perda de mandato, encerrado este seria impossível aplicar a pena em questão. Essa interpretação não se apoia em qualquer dispositivo da Constituição, que nada diz a respeito, e tampouco na jurisprudência do STF. Admiti-la equivaleria a criar, sem amparo em lei, restrição ao importante princípio da responsabilidade do chefe do Executivo. A Lei do Impeachment admite (art. 15) a instauração do processo mesmo quando o presidente esteja momentaneamente afastado do cargo –em razão de licença, por exemplo. No julgamento do ex-presidente Collor, o Supremo decidiu que o processo poderia continuar mesmo após sua renúncia, ao entendimento de que além da perda do mandato, há a sanção consistente na suspensão dos direitos políticos. Se lei e jurisprudência admitem processo contra quem não está no cargo, que dirá contra quem foi reeleito e encontra-se no exercício pleno do mandato. É comum que crimes somente venham à tona passado algum tempo de sua prática. Em regime, como o nosso, que permite a reeleição, o hipotético presidente criminoso poderá estar (novamente) no exercício do cargo quando os fatos delituosos se tornarem conhecidos em toda a sua dimensão. Não permitir que ele seja então processado é solução que agride o senso comum, ao qual deve andar sempre aliado o bom direito. Em seu livro de 1965 sobre o impeachment, que segue referência obrigatória, o ex-senador e ex-ministro do Supremo, Paulo Brossard, aponta a marcada natureza política do instituto para afirmar que restabelece-se a jurisdição política, se o antigo governante ao cargo retornar. O impeachment pode então ser iniciado ou prosseguido. A terceira e última hipótese de afastamento de presidente da República é aquela de condenação em processo conduzido pelo Tribunal Superior Eleitoral –seja em ação de impugnação de mandato eletivo, seja em ação de investigação judicial eleitoral fundada, por exemplo, em abuso de poder econômico. Encontram-se em curso processos ajuizados pelo PSDB com o fim, precisamente, de cassar o mandato da presidente. As alegações incluem o tema do carreamento de recursos da Petrobras para a campanha eleitoral – propósito, a Lei das Eleições reputa o candidato responsável, ao lado do tesoureiro, pela veracidade das informações financeiras e contábeis de sua campanha. Uma das ações ainda não tem sentença, ao passo que a outra foi julgada improcedente em primeira instância e aguarda, em grau de recurso, voto-vista do Ministro Gilmar Mendes. Diferentemente de hipotética condenação pelo Senado Federal ou pelo STF, decisão condenatória do TSE levaria também ao afastamento do vice-presidente, e à realização de novas eleições. Haveria razões para a presidente não vir a ser ré em processo de impeachment, ou por crime comum ligado ao exercício de sua função. A primeira, e mais importante, seria a hipótese de não os ter cometido. Mas entre elas não está uma suposta vedação constitucional a que seja processada. Esta não existe. BOLÍVAR MOURA ROCHA, advogado, é doutor em ciências políticas pela Universidade de Genebra * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-06-05
opiniao
Opinião
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Ives Gandra da Silva Martins: Reforma política para o bem do país
A Comissão de Reforma Política da seccional de São Paulo da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) já levou ao Congresso Nacional suas primeiras sugestões sobre esse tema, que não seguem as originárias do projeto do PT, encampadas pelo Conselho Federal da OAB e pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Há que se lembrar que a OAB-SP congrega 40% dos advogados brasileiros e sua Comissão de Reforma Política é constituída de advogados que exerceram a magistratura e a docência universitária. Também participam de ministérios e secretarias de Justiça, possuem mandatos eleitorais e de governo. Alguns nomes que compõem a seccional e sua Comissão de Reforma Política são Alexandre de Moraes, Almino Affonso, André Ramos Tavares, Cláudio Lembo, Dalmo Dallari, Dircêo Torrecillas, Evandro Herrera Gussi, José Afonso da Silva, José Gregori, Maria Garcia, Nelson Jobim, Ney Prado, Paulo de Barros Carvalho e outros experientes operadores do Direito. À evidência, nem sempre houve unanimidade nas decisões, mas os debates que as propiciaram, nas propostas já aprovadas, foram muito ricos, em face das exposições de todos os membros da comissão e de sua relevância no cenário nacional. A proposta da OAB-SP abrange cláusula de barreira para evitar a proliferação dos partidos, "recall" para membros do Legislativo, se não estiverem honrando seu mandato, financiamento público e privado de campanha, com rígido sistema de controle e sanções, inclusive penais, no caso de doações ilegais, com teto para doações e, principalmente, voto distrital misto. Por essa sugestão, metade dos políticos seriam eleitos por distrito e a outra metade proporcionalmente, como ocorre no sistema atual. Afastou-se o voto em lista, pois isso permitiria que os donos de partido, mesmo sem maior respaldo popular, fossem eleitos por se colocarem no topo da lista. Nos sistemas parlamentares, os partidos não são meras legendas. Neles, em alguns países, adota-se o voto em lista. O sistema presidencial do Brasil, todavia, conta com 32 partidos, sendo impossível encontrar, no pensamento dos grandes filósofos, 32 ideologias políticas diferentes. O voto em lista daria aos senhores de legendas garantia de permanência dinástica no Legislativo. Sempre afirmei, em artigos e livros, que não procede a observação de que o Brasil não pode ter parlamentarismo porque não tem partidos políticos. Pelo contrário, o Brasil não tem partidos porque não tem o parlamentarismo, governo que é de responsabilidade a prazo incerto contra o de irresponsabilidade a prazo certo, que é o presidencialismo. Diversas propostas ainda estão sendo estudadas, como a do distritão, do vice-presidente Michel Temer, que se prontificou a fazer exposição aos membros da comissão. Por ela, os mais votados para o Legislativo seriam os eleitos, eliminando-se, assim, o princípio de inclusão dos menos votados e exclusão dos mais votados, conforme haja ou não puxadores de votos. Para evitar o enfraquecimento de partidos, a fidelidade partidária seria obrigatória, dando força efetiva para a legenda até o fim do mandato. O ex-presidente do STF Nelson Jobim apresentou inúmeras sugestões que estão sendo estudadas também, assim como ocorreu no seminário que a OAB-SP promoveu, com a presença de senadores, deputados, membros do Judiciário e do Executivo, permitindo exames de variados aspectos, que serão, oportunamente, levados ao Congresso. O certo é que a Comissão está em pleno trabalho, tendo as primeiras propostas sido apresentadas ao Congresso Nacional, no começo de abril pelo presidente da OAB de São Paulo, Marcos da Costa. O debate democrático é fundamental para fortalecer as instituições. Entende a Comissão de Reforma Política da OAB-SP, pela relevância do tema, que todos os cidadãos devem conhecer o que se debate para levar a seus representantes a própria posição. Assim teremos a reforma política que a maioria deseja, para o bem do país. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, 80, advogado e presidente da Comissão de Reforma Política da OAB-SP, é professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-06-05
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/05/1625203-ives-gandra-da-silva-martins-reforma-politica-para-o-bem-do-pais.shtml
Carlos Fernando Lindenberg Neto: A internet informa: 'O tradicional é eficiente'
Se todos estão hoje ligados à internet e inseridos nas redes sociais, a melhor forma de anunciar uma marca, um produto ou um serviço é por meio da internet e das redes sociais, certo? Errado. Que o digam Facebook, Google e Apple, estrelas desse novo mundo da comunicação. Levantamento realizado recentemente pelo jornal "Financial Times" mostra que essas empresas vem aumentando cada vez mais seus investimentos em publicidade nas chamadas "mídias tradicionais", como televisão, outdoor e jornal. Também recentemente, um dos maiores nomes da publicidade mundial, Martin Sorrell, presidente da WPP, poderosa multinacional do setor, afirmou em grande evento de comunicação do Reino Unido que anunciantes e agências deveriam investir mais na mídia impressa, em função da eficiência que jornais e revistas têm na construção de marcas e fixação de mensagens junto aos consumidores. Aqui no Brasil, importantes lideranças do mercado publicitário, como Nizan Guanaes (Grupo ABC), Orlando Marques (Publicis) e Luiz Lara (Lew'Lara\TBWA), têm dito repetidamente e com grande ênfase que o ambiente da internet, por sua natureza, é dispersivo e que os investimentos publicitários ganham em eficiência nas "mídias tradicionais". Publicidade é investimento que precisa produzir retorno. Verdade tão simples parece estar voltando à tona depois de um período em que o impacto da internet e das mídias digitais deslumbrou a todos. Vejam o caso dos jornais: pesquisa realizada pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República mostra que os jornais estão à frente das demais mídias, incluindo redes sociais, como campeões de credibilidade. As pessoas simplesmente acreditam mais naquilo que é noticiado e anunciado nos jornais –seja no impresso ou digital. Nada mais lógico, portanto, do que anunciar nos jornais, que, somadas as plataformas impressa digital, têm audiência cada vez maior, e uma audiência altamente qualificada e formadora de opinião em todos segmentos do mercado consumidor. O que temos hoje, então, é que, depois de terem surfado na onda da novidade, as próprias grandes empresas do admirável mundo novo da comunicação buscam as "mídias tradicionais" para consolidar as marcas que construíram com tanta competência. Uma evolução em que a principal lição é que o mercado se sofisticou, cresceu, mas permanecem os diferenciais positivos de cada mídia. Pesquisa da Nielsen no Reino Unido mostra que até agora, em 2015, o Facebook investiu 375 vezes mais em publicidade nas "mídias tradicionais" do que em todo no ano passado. Não é preciso dizer mais nada. E nem estamos aqui tratando de como essas gigantes da internet –como Facebook, Google e YouTube– se utilizam dos conteúdos produzidos pelas "mídias tradicionais" para ganharem presença junto às suas audiências. Alguém pode imaginar o Google sem a possibilidade de acesso aos sites dos jornais? Resumo da ópera: "Mídias tradicionais", como os jornais, como esta Folha que você está lendo agora, são indispensáveis e eficientes. Perguntem ao Facebook. CARLOS FERNANDO LINDENBERG NETO, 48, diretor-geral da Rede Gazeta do Espírito Santo, é presidente da ANJ - Associação Nacional de Jornais * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-05-05
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/05/1624657-carlos-fernando-lindenberg-neto-a-internet-informa-o-tradicional-e-eficiente.shtml
Mendonça Filho: Quinze anos, mas sem festa
Certas datas merecem comemoração. Por ser o diploma que impôs disciplina fiscal ao setor público, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) mereceria uma festa ao completar 15 anos nesta segunda-feira (4). Mas não há motivos para comemorar. O PT, que diz governar o Brasil desde 2003, ignorou a importância dessa lei, descumprindo-a e impondo um enorme rombo às contas públicas do país. Há motivos de preocupação, especialmente diante das ameaças de retrocesso com as quais o país tem se deparado. Não há como dissociar a LRF da concepção do Plano Real, idealizado sob supervisão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O principal mérito do plano foi dissipar a hiperinflação. Lançado em 1994, um de seus pilares era a responsabilidade fiscal. O controle do gasto e dos níveis de endividamento se constitui em condição para a estabilidade e o crescimento do país. Responsabilidade e austeridade devem ser o objetivo de qualquer que seja o governo. A LRF transmite a todos os agentes econômicos a imagem de um país comprometido com a sustentabilidade do gasto e com a capacidade de pagamento do Estado. São muitos os frutos dessa escolha: confiança, juros menores, inflação controlada e crescimento. O governo Dilma tem colocado à prova esse compromisso com o país. Exemplo foi o que ocorreu com as contas públicas em 2014, ano eleitoral. Definiu-se uma meta de superavit primário de R$ 99 bilhões para o setor público. O ano terminou com deficit de R$ 32,5 bilhões, uma "virada" de mais de R$ 130 bilhões. Considerados os pagamentos de juros (conceito nominal) em 2014, o deficit do setor público passou dos R$ 340 bilhões, 6,7% do PIB (Produto Interno Bruto). Números assim indicam o quanto o Tesouro Nacional paga para rolar a dívida. Nossos juros reais são superiores a 6% ao ano, enquanto é comum ver taxas negativas em outros países. Esses indicadores revelam o tamanho da irresponsabilidade e do descontrole dos gastos públicos. São despesas crescendo bem mais que as receitas, com o aumento concentrado no custeio, enquanto o investimento não cresce. É apenas um lado da irresponsabilidade fiscal deste governo. Há também a questão da maquiagem dos números, com evidente desrespeito às leis. Os truques contábeis caracterizaram a gestão de Guido Mantega à frente do Ministério da Fazenda. Ele e seu auxiliar Arno Augustin, secretário nacional do Tesouro, notabilizaram-se como alquimistas das contas públicas. Para serem cumpridas, as metas fiscais dependiam de mágicas e "pedaladas", a ponto de analistas fazerem cálculos paralelos para ter noção exata da deterioração dos números. A chamada contabilidade criativa tem um preço: menos credibilidade e mais insegurança. As manobras criativas foram classificadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) como ilegais, no caso específico da relação do Tesouro com os bancos oficiais, prática que feriu o artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Entendeu o TCU, por unanimidade, que, ao atrasar os repasses obrigatórios de programas de responsabilidade da União, o governo federal se financiou junto a entes sob seu controle. A intenção foi esconder o péssimo estado de nossas contas públicas. Em meio à apuração do crime de responsabilidade, integrantes do governo se eximem de culpa, sob o argumento de que as "pedaladas fiscais" são cometidas há anos. É como se a repetição do crime dirimisse a ilegalidade. É importante registrar que a acusação de que outros governos teriam praticado idêntica ilicitude carece de comprovação. Ao se valer de justificativa tão cínica, percebe-se a falta de compromisso com a responsabilidade fiscal. Vale comemorar os 15 anos da lei, estando em alerta para que as conquistas sejam mantidas. JOSÉ MENDONÇA BEZERRA FILHO, 48, deputado federal pelo DEM-PE, é líder do partido na Câmara * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-05
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/05/1623488-mendonca-filho-quinze-anos-sem-festa.shtml
Sinval de Itacarambi Leão: É preciso estar atento e forte
Desde 1992, foram assassinados no Brasil 31 jornalistas e radialistas no exercício da profissão, segundo o CPJ (Comitê para a Proteção dos Jornalistas, na sigla em inglês). A maioria desses assassinatos ocorreu fora dos grandes centros. Alguns desses profissionais, por atuarem em veículos da grande imprensa, acabaram destacados no noticiário nacional, como foram os casos de Tim Lopes, da Rede Globo de Televisão, Santiago Andrade, da Band, e Décio Sá, do jornal "O Estado do Maranhão", que mantinha o seu blog do Décio. A repercussão desses casos foi de amplitude nacional e internacional, acionando organizações patronais, sindicais e políticas, chegando à sociedade civil sob uníssono repúdio. Por outro lado, esse repúdio também se repetiu todas as vezes em que a imprensa deixou de tomar cuidado com a transparência, criando as chamadas vítimas da mídia. Governantes e legisladores –a classe política, em geral– são os referenciais eternos, salvo raras exceções, acusando o jornalismo brasileiro de praticar um denuncismo irresponsável, principalmente em períodos eleitorais ou durante as crises políticas agudas. Quando medidos por institutos de pesquisa, os bastidores, com os mais variados tons de marrom, nem sempre são percebidos pela opinião pública. Esse fenômeno é cíclico. A revista "Imprensa" publicou sua primeira edição em 1987 ilustrando o descrédito da imprensa como instituição com um Pinóquio pós-moderno exposto na capa. Uma pesquisa do grupo Gallup mostrava o descrédito que o jornalismo brasileiro havia adquirido depois de 21 anos de ditadura militar. Se fosse criada hoje, a capa mostraria a mesma instituição, provavelmente, bem creditada frente às demais da sociedade brasileira, segundo o Datafolha e o Ibope. Talvez o fenômeno possa ser interpretado pela frase do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto: "A liberdade de imprensa é irmã siamesa da democracia", quando da revogação da Lei da Imprensa, em 2009. Explicava o ex-ministro do Supremo: "Uma não existe sem a outra. As duas caminham juntas, mantendo uma relação de mútua causalidade ou de retroalimentação. Quer salvar a democracia? Mantenha a liberdade de imprensa em sua plenitude. Quer salvar a liberdade de imprensa? Mantenha a democracia em sua plenitude". Nem as leis de imprensa desejadas por legalistas profissionais, que parem normas legais a torto e a direito, são capazes de melhorar a tautologia existente entre a imprensa e a democracia. A prontidão é a única atitude proativa. Quanto mais a academia se debruçar sobre os conceitos estruturantes da filosofia política, quanto mais a sociedade assimilar a metalinguagem desenvolvida pelos ambientes profissionais, acadêmicos, jurídicos e políticos, mais a pauta da liberdade de imprensa será um valor e patrimônio defendido por toda a sociedade. O Dia Mundial da Imprensa, comemorado no último domingo (3), os protestos ao estilo "Je Suis Charlie" e os a favor da liberdade de expressão na Venezuela estimulam um diálogo de múltiplas vozes que hoje compõem a polifônica realidade da comunicação contemporânea. SINVAL DE ITACARAMBI LEÃO, 72, jornalista, é fundador e diretor da revista "Imprensa" * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-05
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/05/1623435-sinval-de-itacarambi-leao-e-preciso-estar-atento-e-forte.shtml
Plinio Castrucci: Distritão ou distrital
Com o argumento de que é mais viável politicamente, ganha ímpeto a proposta de uma alternativa ao sistema distrital na reforma eleitoral, o sistema dito do "distritão". O voto distrital, pelo qual o país é dividido em distritos de mesma população e cada distrito elege um deputado, apresenta as seguintes qualidades: a proximidade política entre cidadão e candidato é maior (um distrito tem idealmente 200 mil eleitores, um ou dois bairros da cidade de São Paulo!); o custo das campanhas eleitorais para deputados, limitadas a um distrito, é pequeno; o eleitor sabe em quem votou e o deputado sabe a quem prestar contas; e todos os cidadãos eleitores ficam igualmente representados na Câmara dos Deputados. No "distritão", cada Estado elege seus deputados federais e, segundo declarações à imprensa, "por exemplo, São Paulo elege setenta deputados". Além de não ter as vantagens do sistema distrital, esta proposta parece querer manter a grande injustiça existente na representação dos cidadãos brasileiros na Câmara. Explico: os deputados federais representam os cidadãos do país, os senadores representam os Estados. É um sistema prudente pois exige que, para aprovar leis, haja acordo da maioria dos desejos dos cidadãos e da maioria dos interesses dos Estados. Na situação atual, um deputado por São Paulo representa cerca de 600 mil habitantes, um de Roraima 60 mil e um de Alagoas ou de Minas Gerais, 350 mil. Significa que a expressão política de cada cidadão paulista é um décimo da expressão dos cidadãos de Roraima e metade da de vários Estados. Significa que vinte por cento dos cidadãos brasileiros, os do Estado de São Paulo, são de segunda classe. A anomalia parece estar estabelecida no artigo 45, paragrafo 1 da Constituição. Mas não está. Diz o artigo 45: "O número total de Deputados, bem como a representação por Estado e pelo Distrito Federal, será estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma daquelas unidades da Federação tenha menos de oito ou mais de setenta Deputados." E o mesmo estabelece a lei complementar nº 78 de 1994 que depois define o numero máximo de deputados federais (513). Ambos os textos insistem na proporcionalidade dos números de deputados dos Estados às suas populações, portanto respeitam o fundamental artigo 5 da Constituição, ou seja, "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza". Note que o limite de setenta deputados não manda prejudicar os cidadãos do Estado mais populoso, é uma forma de limitar o porte e o custo total da Câmara. Assim, o correto seria adotar o número de cidadãos por deputado do Estado mais populoso como regra para todos os Estados, excetuados os pequenos que ainda têm poucos habitantes. Então, conforme dados do TSE e do IBGE, Minas Gerais teria perto de 40 deputados em vez de 54, Rio de Janeiro 30 em vez de 47, Bahia 29 em vez de 40, e assim por diante. Se essas reduções parecem chocantes, saiba o leitor que elas são de mesma ordem da que sofre São Paulo. E o número total de Deputados teria de reduzir-se a perto de 400. Nada demais, pois os Estados Unidos, com população 50% maior que a nossa, têm apenas 435 deputados. Voltando ao tema inicial, somente duas alternativas para o sistema eleitoral são justas: o distrital e o "distritão" desde que com redistribuição das representações! Mas o distrital é muito melhor. PLINIO CASTRUCCI, 82, engenheiro, foi professor titular da Escola Politécnica da USP * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-05
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/05/1622903-plinio-castrucci-distritao-ou-distrital.shtml
Taís Gasparian: Dia Mundial da Imprensa e Judiciário
Os últimos anos foram essenciais para o estabelecimento de parâmetros mais seguros e perenes no que diz respeito à garantia e à efetividade da liberdade de expressão no Brasil. A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), revogando a Lei de Imprensa, em 2009, a promulgação da Lei de Acesso à Informação, em 2011, e o Marco Civil da Internet, no ano passado, são importantes documentos que justificam otimismo com relação ao tema. A discussão sobre a liberdade de expressão é recente no país. Embora a Constituição Federal adote princípios de plena liberdade desde sua promulgação, em 1988, esses mesmos princípios coexistiram no Brasil durante mais de 20 anos, com uma Lei de Imprensa da época da ditadura militar. Por ocasião do julgamento que afastou a aplicação da Lei de Imprensa, o Supremo, na voz do então ministro Carlos Ayres Britto, manifestou o entendimento de que as liberdades de pensamento, criação, expressão, informação e imprensa não comportam qualquer restrição ao seu exercício e não se sujeitam a outras disposições que não aquelas previstas na própria Constituição. Vale lembrar que a decisão do STF foi provocada por uma ação assinada pelo advogado e deputado federal Miro Teixeira, inspirado na avalanche de ações propostas contra a Folha e contra a jornalista Elvira Lobato por dezenas de fiéis de uma igreja, em razão de uma reportagem. O jornal não perdeu nenhum processo, e a decisão do Supremo é referência para diversas outras decisões judiciais no país. Essas são questões que merecem ser lembradas no Dia Mundial da Imprensa, comemorado neste domingo (3), e que refletem o amadurecimento democrático do país. Em homenagem a essa mesma data, a Universidade Columbia, em Nova York, colocará na internet um repertório de decisões judiciais de diversos países, relativas à liberdade de expressão. Trata-se do Global FoE Database Website (globalfree domofexpression.org), que reúne jurisprudência de mais de 30 nações. Construído com o apoio de juristas, advogados e professores, esse banco de dados permitirá o conhecimento de casos críticos, o exame comparativo de jurisprudência e a pesquisa por tendências regionais e globais. Interessante notar que as decisões judiciais mais recentes relativas à liberdade de expressão no Brasil aproximam-se muito das proferidas em países com forte tradição democrática. Tanto aqui como nesses países, os assuntos mais marcantes são os relativos às violações à honra, ao direito ao esquecimento e ao discurso do ódio. Estão praticamente fora da nossa agenda, por exemplo, os temas relativos à censura política e ideológica, que ainda são temas preocupantes em outros países. Mesmo em uma democracia relativamente jovem como a brasileira, as decisões dos tribunais têm acompanhado a consolidação dos princípios democráticos de publicidade dos atos da administração pública e de liberdade de expressão. Afinal, à imprensa também cabe o papel de controlar e revelar atos relativos ao Estado, além de constituir uma alternativa à versão oficial dos fatos. TAÍS GASPARIAN, 56, advogada, é sócia do escritório Rodrigues Barbosa, Mac Dowell de Figueiredo, Gasparian "" Advogados e integrante da Comissão Especial de Defesa da Liberdade de Expressão da OAB * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-03-05
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/05/1623460-tais-gasparian-dia-mundial-da-imprensa-e-judiciario.shtml
Andrew Helsop: O que representa um número?
O que representa um número^? O número em questão é 1.122 e não para de aumentar. Você já deve ter ouvido isso antes, mas vale a pena repeti-lo. No momento em que este texto é publicado, 1.122 representa o número de jornalistas sabidamente mortos desde 1992 enquanto faziam seu trabalho. Nos últimos 23 anos, morreu quase um colega jornalista por semana, em média. Por trás das estatísticas estão histórias de amigos e colegas perdidos. Mas essas mortes também nos oferecem uma visão crucial do que motiva aqueles que matam jornalistas. Para começo de conversa, está claro que os assassinos de jornalistas não se preocupam muito com a possibilidade de serem pegos. Dados revelam que a maioria imensa dos casos de assassinato (que compõem 740 das 1.122 mortes registradas) -quase 90%– continua sem solução. Os responsáveis por mais de 660 mortes continuam em liberdade. Essas cifras vêm de nossos colegas do Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ), sediado em Nova York. Recomendo a você estudar os dados mais de perto (https://cpj.org/killed/). Eles fornecem um quadro detalhado dos indivíduos, suas pautas, o ambiente em que estavam trabalhando e quem podem ter sido seus assassinos. O site também serve como registro histórico, não apenas relatando a história das vidas perdidas, mas detalhando como esses jornalistas viveram seus momentos finais a serviço de nossa profissão. Trata-se de um recurso de poder emocional intenso para os vivos, que vem nos recordar que não devemos enxergar nossa liberdade como algo certo e garantido. Mas um fato importante é que esses dados brutos incentivam uma investigação mais ampla. A interpretação que fazemos deles ajuda a moldar soluções que, um dia, vão resultar na proteção melhor da mídia. Enquanto isso, os números fundamentam claramente as reivindicações que fazemos àqueles no poder que têm a capacidade de frear esses ataques mortais e inverter essa tendência. Deixando de lado a possibilidade de que os criminosos que atacam jornalistas repitam seus atos, como é provável sob um clima de impunidade, quem pode dizer que eles -ou as pessoas contratadas para matar em seu nome-não sejam responsáveis também por outros crimes graves, outras mortes? Nos países em crise de impunidade, como Iraque, Somália, as Filipinas, etc., as autoridades são impotentes para proteger a vida de jornalistas. As estatísticas são um aviso às sociedades inteiras de que a criminalidade está pisoteando a lei e a ordem. É um terreno fértil para ser explorado por qualquer jornalista, mas, novamente, com a impunidade deslavada, a autocensura muitas vezes é a única maneira de proteger-se contra virar o próximo alvo. Examinemos algumas das cifras. Quarenta e seis por cento das mortes registradas envolveram jornalistas que cobriam política. A cobertura de corrupção e criminalidade responde por outras 35% das mortes. Para os profissionais que investigam os níveis mais altos da sociedade, as implicações são claras. Nos países mais onde a impunidade está mais presente, a capacidade de investigar de modo completo e justo pode ser gravemente limitada por um sem-número de pressões internas, enquanto as garantias de independência entre aqueles que comandam o país e os que são responsáveis pela lei muitas vezes são muito fracas. Nessas condições, os sistemas judiciários são sequer capazes de processar crimes contra jornalistas? Os dados sugerem que não. Uma possibilidade mais sinistra: pode haver cumplicidade das forças de segurança, justamente aquelas que deveriam proteger? Mais uma vez os números nos dão motivo para preocupação. Em 35% dos casos, autoridades governamentais ou militares são os responsáveis suspeitos pelos crimes. Com isso o jornalismo se torna vítima de um efeito de medo que silencia a opinião crítica em todos os setores da sociedade. Em um ambiente desse tipo, a justiça é possível? Em última análise, os autores intelectuais -aqueles que deram a ordem, pagaram pelo crime ou escolheram um jornalista individual como alvo-ficam ainda mais longe de serem levados à justiça. Dos jornalistas mortos desde 1992, 87% (976) foram jornalistas locais. Vistos isoladamente, esses números revelam pouco. Mas, quando sobrepomos a eles os países mais letais nesse período -entre eles o Iraque (166 jornalistas mortos desde 1992), Síria (80), Somália (56), Paquistão (56) e México (32)–, começamos a entender que jornalistas locais, provavelmente menos bem treinados e financiados e contando com suporte menor, estão cobrindo áreas aos quais jornalistas estrangeiros não têm mais acesso ou para as quais suas empresas de jornalismo não querem mais enviá-los. É preciso encontrar uma solução para melhor proteger e equipar todos os jornalistas em risco, mas em especial os repórteres locais que fornecem notícias às organizações noticiosas estrangeiras. Trata-se de uma meta alcançável, que o setor tem plenas condições de realizar. Se o conteúdo fornecido por esses jornalistas locais está sendo usado, existe uma obrigação moral de contribuir para a proteção daqueles que colocam suas vidas em risco para fornecer esse conteúdo. Conflitos e guerras ainda são responsáveis por uma grande parcela do número total de mortes registradas. Enquanto no passado o fato de um jornalista se identificar como "imprensa" os protegia, desde que os dados começaram a ser registrados os perigos decorrentes dessa identificação cresceram. Ao todo 426 jornalistas morreram cobrindo guerras, e estimados 224 morreram em combates ou situações de fogo cruzado. Outros 146 jornalistas foram mortos cobrindo pautas perigosas. Uma estatística final que merece consideração especial pela WAN-IFRA e sua comunidade: 51% de todas as mortes registradas desde 1992 envolveram jornalistas a serviço da mídia impressa. Creio que não faríamos nenhuma objeção se essa cifra diminuísse. ANDREW HELSOP é diretor da WAN-IFRA (World Association of Newspapers and News Publishers) para a liberdade de imprensa Tradução de CLARA ALLAIN
2015-03-05
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/05/1623959-andrew-helsop-o-que-representa-um-numero.shtml
Vicente Cândido: Em defesa dos empregos e dos interesses nacionais
O desafio está posto: os culpados por desvios e irregularidades cometidas em contratos com a Petrobras, conforme apurações da Operação Lava Jato, devem ser punidos e eventuais danos aos cofres públicos, ressarcidos, mas é preciso combinar essa ação com o interesse nacional e social. A ameaça do desemprego ronda de 500 mil a um milhão de trabalhadores, já que mais de 50 mil empresas orbitam as 23 investigadas. São responsáveis por empregar em massa, mas podem reduzir suas atividades ou fechar suas portas. Executivo, Judiciário e Legislativo têm a função de buscar soluções para preservar empregos, evitar a paralisação de obras e manter o ritmo da economia brasileira. É preciso separar a pessoa física, que praticou o ilícito, das empresas, que detêm know-how, tecnologia e geram renda e empregos no Brasil. Essa separação, tão necessária ao momento atual, é usada em processos semelhantes em outros países, como os Estados Unidos, Alemanha, entre outros. Daí a importância de proposta da Advocacia-Geral da União (AGU) sobre acordo de leniência a ser realizado entre a Controladoria Geral da União (CGU) e empresas investigadas na Operação Lava Jato. Merece elogios a petição da AGU encaminhada ao Tribunal de Contas da União (TCU), no qual pede a rejeição de representação encaminhada pelo Ministério Público solicitando que a CGU seja impedida de fazer acordos de leniência com empresas investigadas na Operação Lava Jato. MP mostra, no mínimo, insensibilidade com os interesses econômicos e sociais, mas o TCU, estando em sintonia e no caminho para o acordo de leniência, aceitou o pedido. O acordo de leniência protege a atividade econômica e os empregos de milhares de trabalhadores, pois as empresas nacionais são altamente competitivas, num mercado mundial extremamente disputado. Enfraquecê-las é abrir as portas para grandes grupos estrangeiros e desnacionalizar empregos. A sociedade brasileira precisa saber que acordo de leniência sintoniza-se com o clamor das ruas contra a corrupção, pois estimula o combate à ela quando exige o reconhecimento dos ilícitos praticados pelas empresas, a colaboração no processo de investigação, o ressarcimento ao Erário e a adoção de medidas anticorrupção no âmbito de suas atividades. Ou seja, o acordo não atrapalha as investigações em curso e tampouco impede a necessária responsabilização individual penal de gestores que tenham praticado ilícitos. Os instrumentos previstos são administrativos, não tem a capacidade de isentar o criminoso ou impedir a produção de provas. São feitos com pessoas jurídicas, que, pela lei, não cometem ilícito penal. A histórica corrupção no País vem sendo combatida pelos governos do PT e aliados desde 2003 de forma nunca vista. Mas combater a corrupção não significa adotar a política de terra arrasada, com base em princípios moralistas e midiáticos. Os interesses gerais do país e dos trabalhadores devem ser preservados, e devemos e garantir os investimentos e continuidade de obras e projetos de importância estratégica para a população, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o Minha Casa, Minha Vida e de combate a enchentes e outras obras de infraestrutura importantes para a população. E, caso necessite nova legislação para aprimorar a lei, o Legislativo não faltará com suas responsabilidades. É preciso ter responsabilidade social e econômica, para preservar a capacidade de trabalho do país. Não se pode assistir passivamente a destruição de nosso parque industrial e muito menos a entrega de empresas nacionais para o capital estrangeiro, que vê no Brasil apenas uma mera possibilidade de negócios e lucros. Nossas empresas tem quadros técnicos altamente capacitados e não podem ser destruídas. VICENTE CÂNDIDO é deputado federal (PT-SP) e presidente da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-01-05
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/05/1622895-vicente-candido-em-defesa-dos-empregos-e-dos-interesses-nacionais.shtml
Roberto Amaral: A falência do presidencialismo
O Brasil vive um parlamentarismo de fato, imposto como golpe de Estado branco, o que vai totalmente na contramão do pronunciamento eleitoral do ano passado, que reafirmou o presidencialismo. Foi instalado pelo Congresso a partir da composição entre Eduardo Cunha e Renan Calheiros em aliança oportunista do baixo clero (bem representado pelo presidente da Câmara) com a oposição biliosa, irresignada com a derrota eleitoral. No primeiro e no segundo reinados, tínhamos um poder moderador, ora ressuscitado e que é exercido pelo vice-presidente da República, Michel Temer. É uma engenhosa alternativa à governança, mas está longe de abrir caminho para a saída da crise de representação política que nos aflige. O regime representativo brasileiro faliu, o presidencialismo de coalizão está esgotado e as instituições da República não estão à altura dos desafios do país de hoje, mais próximo daquele das marchas de 2013, denunciadoras da orfandade político-partidária da cidadania. Há uma crise rotunda do sistema de partidos, em profunda putrefação, incapaz que foi de recuperar-se do estupro da ditadura militar, primeiro decretando o fim das siglas que vinham da Constituição de 1946, depois impondo o bipartidarismo permissível com duas siglas de fancaria (Arena e MDB), virtualmente criadas por decreto. A liberação, iniciada em 1982, e a reorganização partidária, em 1985, não foram suficientes para restabelecer o verdadeiro sistema de partidos, se entendidos como representações de interesses coletivos distinguidos ideologicamente. Ao contrário, a proliferação desmedida e irresponsável de partidos –32 é o número de hoje– resultou ainda mais na desmoralização das siglas. A permissividade desnaturou as coligações majoritárias e proporcionais, reduzidas a vil instrumento de cessão de tempo de rádio e TV e acesso ao fundo partidário. A crise política deve ser entendida como crise republicana, da qual o mal-estar da economia é apenas um dos reflexos, requerendo transformações na organização do Estado e no processo eleitoral. É preciso rever o funcionamento do Judiciário e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Este deve ser aberto à sociedade, leniente que é com as falhas morais e éticas de parte da magistratura. É preciso acabar com a indústria das liminares e dos pedidos de vista que atingem o STF. Como um ministro interrompe votação já com placar de 6 a 1 (decidida) com pedido de vista dos autos e sentado sobre eles permanece por um ano? É preciso rever o funcionamento do STF, que delibera menos de oito meses por ano, que absorve poderes do Legislativo e que, ao contrário deste e do Executivo, julga-se espaço de deuses inalcançáveis pela fiscalização da cidadania. Os presidentes das Casas não podem ser os imperadores das pautas e das agendas, e o colégio de líderes não pode substituir o plenário. A Câmara dos Deputados não pode ser instrumento do atraso social que a sociedade rejeita e o Senado precisa ter suas atribuições revistas. Assim, este pode concentrar-se na justificativa de sua existência, que é a representação igualitária dos interesses dos Estados e a estabilidade federativa, em face da representação proporcional assimétrica que caracteriza a Câmara. O presidencialismo de coalizão impõe ao presidente a chantagem de siglas que o obrigam a abandonar o programa pelo qual foi eleito para poder governar, mesmo assim tendo de distribuir prebendas a cada votação do interesse do Executivo. Uma forma de evitar esse deletério presidencialismo é manter eleições gerais no mesmo ano, separando as presidenciais das parlamentares e ensejando, assim, a coerência política entre a eleição do primeiro mandatário e a do Congresso que lhe der respaldo. ROBERTO AMARAL, 75, ex-presidente do Partido Socialista Brasileiro, foi ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação (governo Lula) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-30
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/04/1622917-roberto-amaral-a-falencia-do-presidencialismo.shtml
Raffaele Trombetta: Expo Milão e o Brasil
Quando este jornal chegar ao leitor, faltarão poucas horas para o início da Exposição Universal que a Itália hospeda em Milão de 1º de maio até 31 de outubro de 2015. O fio condutor da Expo Milão 2015 será "Alimentar o Planeta, Energia para a Vida", tema este que a Itália escolheu para ressaltar o próprio compromisso no campo da sustentabilidade ambiental e da segurança dos alimentos. Da capacidade da comunidade internacional de enfrentar esses desafios globais dependerá o destino do planeta. É com essa convicção que a Itália resolveu tornar a Expo um lugar de encontro das melhores práticas científicas e das tradições culturais dos 145 Estados participantes, chamados a fornecer eficazes respostas aos temas escolhidos. A Expo Milão 2015 será, portanto, uma extraordinária oportunidade de colaboração entre os países, mas também um momento de interação entre a comunidade científica e o mundo produtivo, com a plena consciência de que os resultados da pesquisa devam proporcionar um valor agregado às empresas, principalmente para aquelas que operam nos setores da indústria alimentícia e das energias renováveis. Para favorecer esse virtuoso intercâmbio entre conhecimento e economia, a Itália construiu uma estrutura de mais de um milhão de metros quadrados que fica próxima à cidade de Milão para este evento. Muitos desses países estarão presentes com pavilhões nacionais, com o objetivo de assegurar a maior visibilidade do que de melhor essas nações podem oferecer à comunidade internacional. Nesta edição da Expo Milão, o Brasil ocupa um lugar de grande destaque, com o quarto maior pavilhão em tamanho dentre os 53 que, nesta sexta-feira (1º), abrem as portas para cerca de 20 milhões de visitantes de todo o mundo. Além disso, as diversas temáticas ligadas à alimentação e à sustentabilidade se integram perfeitamente aos grandes progressos alcançados pelo Brasil no campo da segurança alimentar, e com o alto nível atingido pela agroindústria. Progressos que tornaram o Brasil o primeiro produtor e exportador mundial de commodities agrícolas e de produtos derivados: café, açúcar, soja, etanol e suco de laranja. O trabalho desenvolvido pelo Brasil no campo da alimentação é, portanto, bem representado pela frase "Alimentando o mundo com soluções", escolhida como título do pavilhão brasileiro, destinado a construir uma vitrine da experiência única que o país possui no combate à fome e à marginalização social. A Expo poderá deixar para o mundo uma herança sobre os temas da alimentação e utilização sustentável de recursos. É com essa aspiração que a Itália prepara a inauguração do evento: juntar a organização de um lugar de encontro também à realização de uma herança imaterial para o futuro. Sob essa ótica, a Itália está concebendo a "Carta de Milão", documento que recolhe as propostas de vários protagonistas, como instituições, empresas e sociedade civil sobre alimentação e desenvolvimento sustentável. A carta será apresentada por ocasião do Fórum dos Ministros da Agricultura em 4 e 5 de junho e entregue ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. A Itália e a cidade de Milão se abrem para o mundo e estão prontas para acolher também os visitantes brasileiros que aproveitarão esta ocasião para visitar em grande número o "Bel Paese", a Itália. RAFFAELE TROMBETTA, 54, é embaixador da Itália no Brasil * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-30
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Steve Herbert: Os caminhos para contornar a crise da água
Urbanização, crescimento populacional e degradação do meio ambiente estão colocando uma crescente pressão sobre os fornecedores de água globais. Esse também é o caso, aqui no Brasil, assim como em muitas partes do mundo. Enfrentar esses desafios exige uma nova maneira de pensar. Os governos, pesquisadores e a indústria da água, todos reconhecem que há a necessidade das cidades e países tornarem-se "sensibilizados pela água". Em Melbourne, capital de Victoria –estado do sudeste da Austrália–, estamos acostumados ao clima seco. Afinal de contas, o país faz parte do continente mais seco do planeta. Esse contexto nos deu a oportunidade de aprender a lidar com os problemas relacionados com o acesso e qualidade da água em todos os níveis, desde a utilização para o consumo humano até o seu uso sustentável na indústria e na agricultura. Eficiência é fundamental. Isso começa com a gestão adequada de uma das fontes de água mais críticas da Austrália, a bacia hidrográfica Murray-Darling, que abrange quatro estados, incluindo metade do território do Estado de Victoria. Essa bacia é responsável por 40% da renda agrícola nacional. Essa eficiência na gestão da água levou a Austrália a ser reconhecida como um dos mais eficientes produtores agrícolas do mundo, com um mercado de exportação excedente no valor de 36 bilhões de dólares australianos. A necessidade de investir pesadamente em pesquisa e desenvolvimento foi algo que identificamos em Victoria algum tempo atrás, nasceu da realidade de se viver em um país que tem tido diversos episódios de seca, historicamente. Como resultado, nos tornamos líderes em todas as facetas da gestão da água. Tanto que, apesar de a Austrália ser o continente mais seco do mundo, as estratégias eficazes de gestão da água significam que Victoria produz agora 30% do total de alimentos da Austrália, usando apenas 3 por cento do total de terra arável. Victoria é especialmente avançada em pesquisa e desenvolvimento para as cidades com questões em relação à água. Enquanto as nações ao redor do mundo lutam contra os desafios da rápida urbanização e alta densidade populacional, Victoria exporta suas inovações. Isso é possibilitado por Victoria ser o lar de pesquisadores renomados internacionalmente na gestão da água. O compromisso com os princípios sobre o tema, com a capacidade da força de trabalho e com a pesquisa e desenvolvimento tem sido a chave para o nosso sucesso. Nosso campo de pesquisa e desenvolvimento se concentra nas três áreas críticas da gestão da água: integração urbana da gestão da água e design; distribuição de água e modernização do armazenamento; e tratamento de água e reciclagem. Atualmente, temos mais de seis instalações mundiais de ponta, também em operação em Victoria. A área de pesquisa e desenvolvimento em Victoria é por natureza multidisciplinar, incluindo engenharia avançada e melhorias de fabricação para gestão de ativos da água. Distribuição de água automatizada e avançada, sistemas de armazenamento, e políticas mais amplas e soluções de gerenciamento sustentáveis, tais como tarifa e liberação de fluxo de água e regulação são apenas algumas das áreas de expertise do Estado. A água é um tema global que requer uma resposta global. Isso significa trabalhar em parceria em todos os níveis da sociedade, de governos à indústria, pesquisadores e centros de pesquisa, a fim de fomentar uma cultura de compartilhamento de conhecimentos e aprendizagem mútuos. Portanto, uma grande prioridade na nossa viagem para a América do Sul está em torno da partilha de conhecimentos, aprendendo com as situações de cada um e, com isso, fomentando novas parcerias na gestão da água. Queremos levar o que aprendemos e trabalhar com o governo e indústria nos países que visitaremos para desenvolver programas, como a nossa parceria de 2013, no desenvolvimento de um programa para remover resíduos da indústria de curtume da bacia do Ganges, na Índia. Por todas essas razões, acreditamos que a nossa experiência pode ser compartilhada com os países da América Latina, que requerem soluções semelhantes às encontradas na Austrália. Manter o abastecimento de água suficiente, confiável e seguro continuará a ser um desafio crítico para os governos em todos os lugares. Apesar da distância geográfica entre nossos países, precisamos de todos os parceiros juntos para encontrar soluções que sejam eficazes e sustentáveis - sabemos que dará certo. STEVE HERBERT, professor, é ministro para Formação e Competências do estado australiano de Victoria * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-30
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Roberto Grosman: Quando uma imagem fala por mil palavras
O universo da comunicação vive o auge da fragmentação da audiência. Antes, convivia-se com formatos limitados aos filmes de 30 segundos, às páginas de jornais ou revistas e comerciais de rádio. Com a internet, as possibilidades de escolha dos anunciantes evoluíram de maneira exponencial, mas o que mudou para sempre a indústria foi o surgimento de modelos específicos para cada plataforma. Encabeçados pelo Google, os buscadores saíram na frente, seguidos pelas redes sociais. O território, logo cercado pelo Facebook, hoje divide espaço com Twitter, Tumblr, Instagram, WhatsApp, entre outras redes que encontraram nos smartphones seu crescente fértil. O Instagram é um dos mais promissores expoentes dessa nova geração de plataformas, pois consolida o modelo dominante dessas redes, oferecendo publicidade nativa, está voltado para uma única função e é primordialmente móvel. Dispositivo mais pessoal e importante do novo século, o smartphone mescla uma capacidade gradual de processamento com uma conectividade contínua. Somada ao fato de as informações estarem cada vez mais em "nuvem", essa combinação o torna indispensável para qualquer tipo de comunicação e muito apropriado também para o entretenimento. Não à toa, YouTube e Facebook revisaram o seu foco a fim de fazer frente às novatas, que já nascem para um ambiente pautado pela relevância de conteúdo e não pela interrupção, priorizando a mobilidade. A estreia de publicidade no Instagram, anunciada no último dia 13 de abril, carimba a presença das marcas justamente onde o público passa a maior de seu tempo. Seja pela busca de imagens e vídeos inspiradores (Instagram), pelo interesse em fotos publicadas por tempo determinado (Snapchat) ou ainda pela necessidade de se trocar mensagens instantâneas (WhatsApp), a verdade é que as pessoas acabaram se acostumando a utilizar os aplicativos nos celulares. Diferentemente do que ocorreu no acesso à web pelo computador –em que portais e redes sociais querem ser o destino final e, muitas vezes, único do usuário–, na era do celular dificilmente surgirá uma plataforma dominante. É bastante provável que o mesmo usuário utilize três ou quatro aplicativos com frequência. Daí a ânsia dos gigantes Facebook e Google, por exemplo, pela compra ou criação de diferentes apps, entre eles WhatsApp, Waze e Paper, além do próprio Instagram, comprado pela rede de Mark Zuckerberg em 2012. Rede social de compartilhamento de fotos e vídeos que mais cresce no Brasil – o País é o segundo mercado em número de usuários, atrás apenas dos Estados Unidos–, o Instagram tem agora a oportunidade de fazer parte do plano de comunicação dos maiores anunciantes globais, mostrando que uma imagem pode valer por mil palavras. Nada mal para o currículo do brasileiro Mike Krieger e de seu sócio Kevin Systrom, que em 2010 criaram a rede. Com a audiência fragmentada entre dispositivos e plataformas com funções tão específicas, o Instagram surge como uma alternativa certeira para o trabalho do profissional de marketing e de suas agências. Some-se a isso a situação macroeconômica do País, que clama por eficiência no investimento de comunicação, o que torna o caminho ainda mais desafiador. As inovações trazidas pela tecnologia aumentaram a quantidade de meios; a disputa por atenção é acirrada; e o conhecimento das novas ferramentas é fundamental para transmitir a mensagem certa, no momento ideal, e no dispositivo correto. Mas ao fim do dia, ou da timeline. ROBERTO GROSMAN é sócio e copresidente da F.biz * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-29
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Arthur Virgílio Neto: Final precoce ou desimportância
A presidente Dilma Rousseff cometeu o maior estelionato eleitoral da história deste país para ganhar perdendo a eleição de 2014. O senador Aécio Neves conquistou 51 milhões de votos para perder ganhando. E nenhum dos dois governa. Quem manda no Brasil é o PMDB. Esse partido, aliás, é "genial". Não tem candidato à Presidência há 20 anos, não teve votos, não pôs tanques nas ruas, não rasgou a Constituição. E controla o país inventando o parlamentarismo bicameral: Renan Calheiros em uma Casa e Eduardo Cunha na outra. O parlamentarismo, que infelizmente foi derrotado pelo eleitorado em plebiscito, acabou sendo implementado na prática pelo PMDB. O primeiro-ministro é Michel Temer, que jura a cartilha dos dois comandantes do Congresso. Para Dilma, fica reservada a prerrogativa de receber visitantes estrangeiros de importância sofrível, como Evo Morales, Nicolás Maduro, Fidel e Raul Castro e Daniel Ortega, todos de corte autoritário e visão econômica retrógrada, figuras ultrapassadas que nada têm a nos ensinar. Nesse modelo, a ela coube ainda decidir se cumprimentaria ou não o presidente de uma certa republiqueta situada ao norte do Equador. Como sempre, ela o fez dando as costas para quem importa de fato e poderia conosco compor parcerias para desenvolver o país e tirar nossa economia do buraco. Mais uma vez, ela prioriza os relacionamentos ideológicos, aqueles sem peso comercial e político. E o gigante, que adora dormir, deu para acordar à noite, atormentado pelo pesadelo de não poder voltar a dormir tão cedo! O Brasil da presidente Dilma Rousseff é inacreditável. Verdadeira "Ópera do Malandro", fazendo 200 milhões de "distintos públicos" de otários. Otários que confiaram na promessa de que não haveria corte de direitos trabalhistas nem que a vaca tossisse. E que hoje veem a possibilidade de sofrerem com a precarização do seguro-desemprego, dos abonos e dos demais direitos. Que acreditaram ainda que a inflação estava sob controle. E agora sofrem com a maior carestia em 12 anos, causada sobretudo pela elevação nas tarifas e nos alimentos. Com o mês mais longo do que o salário, resta aos brasileiros raspar suas economias para honrar as contas, provocando assim o pior desempenho da história da caderneta de poupança, com os saques superando os depósitos em R$ 23 bilhões. Pobres brasileiros, cujo pecado ingênuo foi votar em Dilma Rousseff, sem saber que, na realidade, elegia os efeitos especiais do marqueteiro João Santana. E nem sequer ocorreu à ilustre mandatária fazer um mea-culpa público, pedindo desculpas sinceras pelo contraste lamentável entre o que disse na campanha e o que faz no governo. Com pouco mais de cem dias de mandato, Dilma comanda um governo que parece na contagem regressiva para terminar. Sem apoio de seu próprio partido, sem base no Congresso, ameaçada de traição pelo padrinho que só pensa em sucedê-la, a presidente deu sua última cartada para tentar sair da crise política e ganhar um mínimo de legitimidade para conduzir a nação. A bala de prata é esse bizarro parlamentarismo à brasileira. Se Michel Temer conseguir unificar o PMDB, o governo ganha uma sobrevida. Caso contrário, fica em um beco sem saída, refém dos novos José Gomes Pinheiro Machado desta velha República por mais 44 meses. Não mais do que isso. As perspectivas para a presidente da República são sombrias: terminar isolada e solitária, como José Sarney, ou acabar por uma via turbulenta, como a que tragou Fernando Collor. Em outras palavras: um fim precoce ou a desimportância. ARTHUR VIRGÍLIO NETO, 69, diplomata, é prefeito de Manaus pelo PSDB. Foi deputado deputado federal, senador e ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República (governo FHC) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-29
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Ricardo Semler: Tortura escolar nunca mais
Se eu fosse estudante hoje faria milhares de bótons com a hashtag #chegadetortura para ostentar na sala de aula. Hoje, terça-feira (28), é o Dia Mundial da Educação, e cá estamos nós tentando melhorar a gestão –reciclagem e firulas– de um sistema medieval. Paremos de culpar professores, acusando-os de corporativistas e letárgicos. Cessemos o giro da engrenagem da tortura que mói os alunos, vítimas da ditadura das aulas maçantes. O conceito da escola atual caducou. Fim. Os pais não saberiam hoje achar uma raiz quadrada, e são incapazes de dizer qual a capital da Holanda ou da Suíça. Tentem. Ou, então, citem dois escritores românticos brasileiros, diferenciem um sujeito oculto de um indeterminado ou mesmo lembrem de dois elementos seguidos da tabela periódica. A escola que temos é resultado da ideia iluminista de que tudo precisa ficar guardado na cabeça. Na era do Google, é um crime insistir no método da decoreba. Argumenta-se que a meninada está aprendendo a aprender. Que balela: quem tem filho sabe que eles aprendem a andar e até a falar sem ajuda –já chegam de fábrica com a capacidade de aprender a aprender. Os pais não têm coragem de confrontar a escola. Nas reuniões discutem a inclusão de alimentos orgânicos na merenda e a fila na saída do colégio. E se eximem: fiz o que pude, minha filha cursou uma boa escola, agora seja o que Deus quiser. O tal mercado de trabalho, então, é um algoz de pijama. Ou alguém acredita que passar por uma escola rigorosa, usar uniforme e decorar a tabuada prepara alguém para trabalhar nos Instagrams da vida? Queremos preparar nossos filhos para trabalhar na General Motors de 1952? Indignado e frustrado, comecei o Instituto Lumiar, que é administrado pela Fernanda, minha mulher. Por lá passaram os nossos cinco pequenos. A meta era redesenhar com pessoas do ramo uma escola contemporânea. Foi fácil criar e adotar escolas, inclusive uma pública, que conseguem notas muito mais altas do que conseguiam antes. Ideias novas de educação envolvem mistura de faixas etárias e crianças que escolhem a ordem do que querem aprender. Incluem momentos diários em que os educandos olham as notícias e escolhem algo para investigar. Além de aplicativos que medem diariamente e por anos o domínio de cada aluno sobre as várias áreas do conhecimento. Esse monitoramento digital dá baixa nos itens dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ministério da Educação, que são muito mais modernos e flexíveis do que o aplicado pelas escolas. Estas acham mais fácil seguir o método centenário: os alunos fazem de conta que entenderam, a escola finge que ensinou, e os pais fingem que acreditam. Há alguns anos falei em um simpósio para 59 ministros de Educação. Conversando com o finlandês que desenhava o currículo deles, descobrimos que éramos partidários do fim das disciplinas estanques, um sistema esquizofrênico. No mês passado, a Finlândia anunciou que vai eliminar as disciplinas como matemática e línguas, e trocá-las por tópicos de interesse. A Finlândia vem caindo no ranking do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), cedendo lugar para as ditaduras escolares. Os países que sobem a cada ano são os que têm as escolas mais rígidas, horários mais longos e o suplício das provas reducionistas. Por aqui, o defeituoso Pisa virou estrela guia. Vale perguntar: queremos subir no ranking de maneira truculenta e primitiva ou acompanhar a Finlândia em modernidade intelectual? O fato de estarmos tão mal colocados não justifica focarmos no básico, do jeito antigo e inútil. É hora de desenharmos escolas que resgatem a magia do conhecimento. Vamos nos irmanar com a Finlândia. Seria muito mais eficaz saltarmos por cima de métodos arcaicos do que fazermos mudanças marginais numa metodologia obsoleta. Pois é o que estamos fazendo: disfarçando tortura usando capuz de rigor pedagógico. Deixemos os saudosos da ditadura sozinhos na chuva no meio da avenida Paulista. RICARDO SEMLER, 55, empresário, é sócio da Semco Partners e fundador do Instituto Lumiar, que administra as escolas Lumiar. Foi professor visitante da Harvard Law School e professor do MBA no MIT - Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-28
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Rogério Schumann Rosso: Energia e desenvolvimento em meio ao lixo
Em meio à discussão sobre os impactos de uma das piores crises energéticas da história do Brasil um outro setor tão ou mais grave emite sinais de alerta sem o mesmo alarde: o lixo. São 150 mil toneladas de resíduos urbanos que brotam em nossas ruas diariamente, despejados a céu aberto em mais da metade das cidades brasileiras. A lei que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, prestes a completar cinco anos, não tratou de um ponto que pode aliar a solução dos dois problemas, com a queima do lixo urbano para a geração de energia elétrica. Para enfatizar a quantidade de lixo produzida no país e que não tem destinação correta, em 30 dias seria possível dar 187 voltas em torno da Terra com os 375 mil caminhões enfileirados que seriam necessários para coletar todo o material. Os governos federal, estaduais e municipais gastam milhares de reais todos os anos só com a coleta dos resíduos e o acúmulo deles em soluções paliativas, como os aterros. O dinheiro público que vira montanhas de lixo esconde outra solução. A geração de energia elétrica pode desafogar principalmente o abastecimento público e diminuir a sobrecarga do setor que responde a mais da metade da inflação oficial e teve um aumento de 60% em 12 meses. A cada 20 anos um novo aterro é necessário, com disposição final inadequada e grandes impactos ambientais. A alternativa que tem se tornado a mais acertada no mundo é o tratamento térmico do lixo nas chamadas usinas "lixo-energia" (da sigla em inglês WTE). A maior delas, localizada em Amsterdã, produz energia para abastecer 100% da iluminação pública da cidade e os resíduos incinerados viram matéria-prima para a pavimentação de vias públicas e a utilização na construção civil. Temperaturas elevadas associadas a um sofisticado sistema de limpeza dos gases da combustão satisfazem as normas ambientais mais exigentes. São cerca de 650 destas usinas em operação nos países desenvolvidos. O maior destaque, no entanto, é a geração de energia com impacto ambiental positivo. Dar condições à iniciativa privada para investir nesses sistemas é um dos temas que vem sendo amplamente discutido no Congresso Nacional. É necessário incluir na Política Nacional de Resíduos a queima de resíduos sólidos para a geração de energia. Urgente também é analisar a concessão de incentivo tributário para as empresas que queiram investir nesse setor e gerar, também, emprego e renda. É preciso discutir, ainda, essa forma de incentivo fiscal ao setor, que já conta com benefícios previstos na Política Nacional de Recursos Sólidos. A ideia é que a isenção incida na aquisição de máquinas, equipamentos, instrumentos e aparelhos, tendo em vista a solução das usinas lixo-energia representarem um custo muito elevado. Também é preciso levar em conta que as empresas têm que manter, em concomitância, uma política pública de apoio às cooperativas e associações responsáveis pela coleta seletiva de resíduos sólidos. Investir nas duas formas de tratamento do lixo urbano é potencializar a solução do problema. Implementar novas políticas públicas que desonerem custos e estimulem novos investimentos é trazer o tema à tona de forma definitiva, responsável e transparente. ROGÉRIO SCHUMANN ROSSO, 46, é advogado e músico, ex-governador do Distrito Federal, deputado federal e líder do PSD na Câmara dos Deputados * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-28
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Oded Grajew: Uma transformação política
Em meio ao desalento pelo sistema político brasileiro e pela qualidade da gestão pública, abre-se uma oportunidade única aos congressistas para recuperarem a credibilidade dos governos e da democracia. Está prestes a ser votada no Congresso Nacional a PEC do Plano de Metas expressa na forma de um substitutivo aprovado na comissão especial que sistematiza o essencial das duas PECs –a nº 52/2011, do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), e a nº 10/2011, do deputado Luiz Fernando Machado (PSDB-SP). A PEC exige a elaboração de um Plano de Metas, baseado em diretrizes de sustentabilidade, para os quatro anos de mandato dos Executivos municipais, estaduais e federal, complementado pela demonstração de indicadores de resultados e prestação de contas periódica à sociedade. O que significa, antes de tudo, investir no aperfeiçoamento da administração pública, na sua modernização democrática e na busca pela eficiência e qualidade dos serviços prestados à população. Com isso, teremos condições de superar boa parte dos obstáculos básicos que impedem o salto de qualidade definitivo para tornar a gestão pública brasileira contemporânea da própria importância econômica e internacional do país. A aprovação da PEC das Metas proporcionará ao país os seguintes benefícios: o aprimoramento dos instrumentos de planejamento e da gestão para os quatro anos de mandato dos prefeitos, governadores e presidente da República, a consolidação programática dos partidos e de suas propostas e a promoção da participação, transparência e ampla corresponsabilização social em relação à execução das políticas públicas. Em setembro deste ano serão anunciados pela ONU os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que são os compromissos de todas as nações com o desenvolvimento sustentável. E é nesse contexto que a PEC do Plano de Metas ganha ainda mais importância. Caso seja aprovada, a PEC comprometerá os eleitos a cargos executivos a apresentar um Plano de Metas para a gestão, contendo, no mínimo o programa de governo apresentado nas eleições. Ficarão também obrigados a prestar contas do programa durante o mandato. A proposta torna o processo eleitoral mais responsável e melhora a qualidade e a transparência da gestão pública, além de promover a participação da sociedade e o voto mais consciente. No momento que o povo brasileiro se manifesta por mais transparência, eficiência e ética na gestão pública, por maiores compromissos dos políticos com suas promessas de campanha e com o bem-estar da população, os partidos políticos e o Congresso Nacional, têm nas mãos a oportunidade de dar uma resposta clara e concreta a esses anseios. Ao aprovar essa PEC, o Brasil se destacaria internacionalmente pelo compromisso assumido em nossa Constituição com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. ODED GRAJEW, 70, é coordenador-geral da Rede Nossa São Paulo, presidente emérito do Instituto Ethos e idealizador do Fórum Social Mundial. Foi presidente da Fundação Abrinq e assessor especial do presidente da República (governo Lula) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-28
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/04/1621875-oded-grajew-uma-transformacao-politica.shtml
Isaac Roitman: Perguntas sem respostas
Uma pessoa minimamente informada faz em diferentes momentos indagações sem adequadas respostas. Listo algumas: Até quando teremos no noticiário da mídia notícias sobre guerras, atentados desumanos, violência desenfreada, corrupção endêmica e balas perdidas? Até quando teremos que testemunhar no nosso cotidiano a crescente injustiça social no país e no planeta em um cenário de crianças desassistidas, atraídas para o mundo das drogas e do crime, e gente morrendo sem assistência em postos de saúde e hospitais? Até quando vamos ter que ouvir as promessas de campanha que não são cumpridas pela maioria de nossos políticos? Até quando teremos que testemunhar o uso irracional de nossos recursos naturais que comprometerão a vida das próximas gerações? Alguns países com governantes de bom senso e que conduziram políticas de estado acertadas nas áreas da educação, saúde, segurança e meio ambiente minimizaram as consequências das questões apontadas. Uma educação voltada não só voltada para o mercado, mas voltada para a promoção e consolidação de valores e virtudes –solidariedade, ética, justiça social, compreensão e respeito a diversidade e ao meio ambiente– certamente nos levará a uma sociedade mais justa onde todos possam ter uma melhor qualidade de vida e conquistar a felicidade. Povoar o País com uma nova geração bem educada é o nosso grande desafio e a nossa prioridade. No entanto uma questão que vai além de nossas fronteiras tendo uma dimensão planetária e que coloca em cheque a humanidade. Até quando o planeta suportará o crescimento contínuo da população humana e das ações que contribuem para as mudanças climáticas? No ano 1 da nossa era, estima-se que havia cerca de 150 milhões de pessoas no nosso planeta. Esse número dobrou em 1350, quadruplicou em 1700 e chegou ao primeiro bilhão em 1804. No século 20, quando a urbanização e os avanços da medicina fizeram a população saltar de 1,6 bilhão de pessoas para 6,2 bilhões. Nas últimas décadas a taxa de nascimento tem diminuído. Apesar disso o mundo recebe 77 milhões de pessoas a cada ano. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU) a estimativa é que em 2050 teremos 9,3 bilhões de pessoas no planeta. Segundo James Lovelock, um dos mais influentes cientistas do século 20, as próximas décadas serão sombrias. Segundo ele a seca e os extremos climáticos serão cada vez mais intensos e em 2040 o Saara vai invadir a Europa. Várias cidades, como Atlanta, Phoenix, Miami e Londres serão inabitáveis. Na sua visão pessimista ele estima que a população da Terra encolhera para 500 milhões, sendo que a maior parte dos sobreviventes habitará altas latitudes como Canadá, Islândia, Escandinávia e bacia ártica. O matemático Safa Motesharrei da Universidade de Maryland estudioso das ciências ambientais e sociais concluiu que a modernidade não vai livrar o homem do caos. Segundo ele, "o processo de ascensão e colapso é, na verdade, um ciclo recorrente encontrado que se repete na historia". Segundo a Nasa a civilização está a um salto do abismo considerando que as raízes do colapso são o crescimento da população e as mudanças climáticas. Emerge então uma nova pergunta. Essa previsão apocalíptica pode ser evitada? A própria pesquisa da Nasa, no entanto, ressalta que o fim da civilização ainda pode ser evitado, desde que ela passe por grandes modificações. As principais são controlar a taxa de crescimento populacional e diminuir a dependência por recursos naturais, além disso, estes bens deveriam ser distribuídos de um modo mais igualitário. Segundo Leonardo Boff sempre que uma cultura entra em crise, como a nossa, faz suscitar mitos de fim do mundo e de destruição da espécie. Segundo ele o que importa agora é mostra amor à vida, ter compaixão com todos que sofrem, realizar rapidamente a justiça social necessária e amar a Grande Mãe, a Terra. E completa, as escrituras judaico-cristã devem nos incentivar: "Escolha a vida e viverás". Andemos depressa, pois não temos muito tempo a perder. ISAAC ROITMAN, 76, é professor emérito da Universidade de Brasília e membro titular da Academia Brasileira de Ciências * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-25
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/04/1620961-isaac-roitman-perguntas-sem-respostas.shtml
MP do Futebol, que propõe o refinanciamento das dívidas dos clubes, deve ser aprovada? Sim
DIDA E JUAN: UMA LEI PELA MELHORIA DO FUTEBOL Depois de décadas de caos na organização do futebol brasileiro e do sufoco financeiro em que estão os nossos clubes, finalmente vemos uma luz no fim do túnel que não seja mais um trem alemão para nos atropelar. Conhecida como MP do Futebol, a medida provisória 671 é um alento aos amantes do esporte, que querem mudanças de verdade na estrutura do nosso futebol. A medida provisória oferece um generoso refinanciamento das dívidas dos clubes com a União, estimada em R$ 4 bilhões, com critérios de responsabilidade fiscal e trabalhista, para que paguem em dia os salários dos atletas, da comissão técnica e dos funcionários, e mantenham em dia seus tributos. Ainda, a MP cria incentivos para a democratização das federações estaduais e da CBF (Confederação Brasileira de Futebol). Tudo isso dentro da lei, de acordo com a Constituição Federal, que estabelece em seu artigo 217 a autonomia, e não a soberania da entidade desportiva. O Bom Senso F.C. apoia vigorosamente a medida provisória. Ela contempla medidas concretas de transparência e democracia à gestão do futebol. Justamente o que causa pânico a alguns cartolas que comandam a CBF e os clubes. A "nova" diretoria da CBF promove um alvoroço contra a MP, acusando-a de ser "intervencionista". Amparada na Fifa, faz um terrorismo entre os clubes e a opinião pública, dizendo que a MP leva à proibição das equipes brasileiras na Libertadores da América e da seleção brasileira na Copa do Mundo. Isso é balela, todos sabem que as leis nacionais só têm validade no Brasil. De qualquer maneira, o Bom Senso F.C. irá propor aos parlamentares que tornem isso explícito por escrito na lei, para não haver ninguém que se deixe enganar. As medidas que verdadeiramente incomodam a CBF são estas: a limitação de quatro anos de mandato a seus dirigentes, com direito a apenas uma reeleição, e a garantia de participação de atletas nos colegiados de direção e na eleição para os cargos da entidade. Querem continuar com mandatos ilimitados e que os atletas não tenham direito a voto, ou seja, farão de tudo para se manter no poder, custe o que custar. Mesmo que isso gere 20 mil desempregados no futebol ao ano, vítimas de um calendário irracional, que sobrecarrega as grandes equipes e permite apenas três meses de competição para 80% dos clubes do país. Os clubes estão à beira do colapso financeiro com dívidas bilionárias com a União, com atletas, com técnicos e com profissionais do esporte. A MP é uma sólida e segura saída. Os mecanismos de responsabilidade fiscal são úteis aos clubes, uma prevenção aos péssimos dirigentes, que insistem em seguir a lógica de endividamento dos clubes. Com a nova legislação, quem cometer gestão irregular ou temerária será punido: o clube com sanções desportivas, que vão desde advertências a medidas mais rígidas como rebaixamento. Os dirigentes responderão com seus próprios bens e se tornarão inelegíveis por dez anos ao comando dos clubes. Apoiamos a MP porque ela traz a salvação financeira que os clubes precisam. Em resumo, a medida provisória oxigena o autoritário comando do futebol brasileiro e moderniza a administração dos clubes profissionais de futebol. Trata-se de uma contribuição decisiva dos amantes do futebol ao desenvolvimento do esporte. Será o maior legado esportivo desde os 7 a 1 para a Alemanha na Copa do Mundo. Uma lei que melhora o futebol sem ferir a Constituição. NELSON DE JESUS SILVA, o Dida, 41, e JUAN SILVEIRA DOS SANTOS, 36, são jogadores do Sport Club Internacional, com passagens pela seleção brasileira, e integrantes do Bom Senso F.C., associação dedicada a promover reformulações no esporte * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-25
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/04/1620987-mp-do-futebol-que-propoe-o-refinanciamento-das-dividas-dos-clubes-deve-ser-aprovada-sim.shtml
MP do Futebol, que propõe o refinanciamento das dívidas dos clubes, deve ser aprovada? Não
ANDRÉ RAMOS TAVARES: CHUTANDO O JOGO Não tenho dúvida alguma em afirmar que boas práticas legislativas e esportivas poderiam contribuir para alavancar o horizonte de perspectivas de qualquer sociedade. A recentíssima medida provisória 671 aparenta perseguir esse caminho, com o discurso do "novo" padrão, de democracia e eficiência, para o futebol brasileiro. Na realidade, porém, nela estão embutidos dois outros pressupostos: o sistema de futebol brasileiro padeceria de um mal congênito e a solução para esse problema seria, naturalmente, legislativa. A busca pela eficiência é o mote da medida provisória –contra um sistema supostamente arcaico, irresponsável e disfuncional–, alcançando, assim, com facilidade, o imaginário e a simpatia dos mais inocentes. Na prática, a MP 671 efetivamente oferece atenção financeira a alguns clubes, permitindo parcelar débitos tributários e não tributários, inclusive o FGTS. Ela toma de assalto, entretanto, todo o sistema do futebol, admitindo seu resgate caso sejam satisfeitas suas comprometedoras vontades, algumas verdadeiras excentricidades, outras meros experimentalismos disfuncionais. Uma reflexão nos permite facilmente compreender o pressuposto indigno (para o futebol) do qual parece ter partido a medida provisória. O ato de força e de ódio nela inseridos adotam, porém, o discurso fácil da linguagem neutra, da amizade, apenas ressaltando haver benefícios para as entidades que atendam a sua lista de exigências explícitas. Está implícita a intenção de manipular o sistema, interferindo de maneira desigual e desarrazoada. Fosse vedada a ajuda do Estado, nem se cogitaria essa discussão. Assim, exatamente sob esse pretexto de fomento e de promoção do desporto, que são deveres do Estado, a medida provisória atropela direitos, impede a participação de clubes em campeonatos e decreta a legitimidade da morte prematura para algumas entidades a fim de exercer seus experimentos legislativos. Esquece-se de que o funcionamento das entidades do futebol é, e deve ser, decisão dos próprios membros das entidades, no exercício democrático de suas vontades sociais e da autonomia da sociedade para se organizar. A postura da MP, nitidamente, ignora a vontade da maioria. Ademais, nela é construída uma categoria de privilegiados, que passarão a integrar forçadamente órgãos colegiados, incluindo os de direção das entidades. Seria um programa de "quotas" para os atletas? A MP perde totalmente sua aura de inocência quando estimula e até enfatiza a organização de entidades contrárias às atuais. Para clubes já em dificuldades, a medida provisória "chuta a escada" de acesso aos campeonatos internacionais e de maior expressão econômica. Estará se incitando não a saudável competição profissional, mas o duelo daqueles constrangidos a gravitarem em torno da MP. O que resta é sintomático dos pressupostos e projetos nela embutidos: um sistema desigual de força, que não assume responsabilidades por resultados catastróficos que daí derivem. Reconheço que não se deve fomentar um modelo absolutamente liberal, sem fiscalização e sem resultados para o esporte nacional, especialmente quando estiverem envolvidos valores públicos e valores da cidadania brasileira. Não é essa, porém, a discussão aqui posta. As mudanças podem ocorrer, mas devem respeitar as "regras do jogo". Assistimos a um ambicioso projeto de desmonte do futebol brasileiro, flagrantemente vedado pela Constituição e pelo bom senso: um único horizonte vislumbrável na MP é a falta deste. ANDRÉ RAMOS TAVARES, 42, é professor de direito econômico da USP e professor da PUC-SP * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-25
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/04/1620990-mp-do-futebol-que-propoe-o-refinanciamento-das-dividas-dos-clubes-deve-ser-aprovada-nao.shtml
Laura Carvalho: A sinuca do ajuste para o crescimento
Muitos defendem a ideia de que, em vez de desestimular a economia, uma contração fiscal pode aumentar o nível de confiança dos empresários e, por essa via, ajudar na recuperação do investimento e do crescimento econômico. Um ajuste assim facilitaria muito a vida dos ministros da Fazenda: o corte de gastos permitiria, numa só tacada, controlar a dívida pública e estimular a economia. Infelizmente, não é o que sugerem as evidências. Na Grécia, por exemplo, a tacada foi tão direta que encaçapou a bola branca. A economia desacelerou, prejudicando o investimento e a arrecadação de impostos, e a tal austeridade levou a dívida pública de cerca de 100% para 175% do PIB. Felizmente, nem todo ajuste é igualmente nocivo e contraproducente. Fica a pergunta: como reduzir o deficit fiscal sem prejudicar a retomada da economia brasileira? A única saída é o aumento da receita. Em vez de cortar investimentos públicos, que têm alto efeito multiplicador sobre a renda e o emprego, o esforço deve ser o de aumentar a progressividade da nossa estrutura tributária. É preciso também eliminar as desonerações de impostos, que pouco surtiram efeito, e reduzir a evasão fiscal e atos de corrupção conexos, como os desvelados na Operação Zelotes. Focando a estrutura tributária, um orçamento público equilibrado pode até estimular a economia, se as receitas oriundas da tributação dos mais ricos, que consomem uma parcela relativamente baixa da sua renda, for utilizada para beneficiar –direta ou indiretamente– os mais pobres, que consomem uma parte maior do que ganham. Ao aumentar a progressividade dos impostos, o governo é capaz de estimular o consumo das famílias, a demanda agregada e o crescimento econômico, sem gerar qualquer prejuízo às contas públicas. A alíquota máxima de imposto de renda no Brasil, de 27,5%, ainda é muito menor do que a verificada em países avançados (39,6% nos EUA, 45% na Inglaterra, 57% na Suécia) e nos coloca em 55º no ranking feito pela consultoria e auditoria KPMG, atrás de países como a África do Sul e o Chile, ambos com 40%. Dados da última Pesquisa de Orçamento Familiar (referente a 2009) indicam que a classe de renda mais alta na classificação do IBGE gasta cerca de 56% da renda total com despesas de consumo, contra uma média de 77,5% nas demais classes, e mais de 100% na classe mais pobre (de renda familiar mensal menor que R$ 840). Um exercício simples com esses dados sugere que se o governo aumentasse em 10% a alíquota do imposto de renda sobre essa classe mais alta, arrecadaria aos preços atuais cerca de R$ 5 bilhões a mais. Se destinasse metade disso a um aumento da renda dos mais pobres, seja a partir de investimentos públicos com geração de empregos, seja por meio de programas de transferência de renda, além de gerar R$ 2,5 bilhões em superavit, aumentaria o consumo total das famílias em R$ 1,9 bilhões. Ainda que uma parte da expansão da demanda vá para produtos importados, o aumento das vendas no varejo gera efeitos multiplicadores em diversos setores da indústria nacional e estimula o investimento para aumento da produção. Se somássemos a isso a criação de um imposto sobre grandes fortunas e a federalização, com eventual aumento, do imposto sobre heranças, estaríamos num melhor caminho para um ajuste em que todos acabariam se beneficiando do crescimento maior. LAURA CARVALHO, 31, é professora do Departamento de Economia da FEA-USP * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-24
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/04/1620460-laura-carvalho-a-sinuca-do-ajuste-para-o-crescimento.shtml
Luís Antonio Torelli: Livros em todos os sentidos
O Dia Mundial do Livro e dos Direitos Autorais, comemorado nesta quinta-feira (23) e instituído há 19 anos pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), celebra escritores antológicos. Nessa data, em 1616, faleceram Miguel de Cervantes e Shakespeare e, em anos distintos, nasceram Maurice Druon, autor de "O Menino do Dedo Verde", e Vladimir Nabokov, conhecido pelo best-seller "Lolita". Em paralelo à vida e obra desses famosos escritores, outra ideia que foi inspiradora para se instituir a comemoração veio da tradição catalã, na Espanha, de, também nesse dia, oferecer uma rosa a quem compra um livro. Trata-se, portanto, de uma ocasião muito oportuna para enfatizarmos nossa meta de ampliar o índice de leitura no Brasil, de 1,3 livro por ano na população de adultos e 3,3, entre os jovens. A média é muito baixa para uma nação que busca o desenvolvimento. É verdade que, nos últimos anos, observa-se mobilização no tocante às políticas de leitura. No entanto, é preciso ir além, disseminando o livro em todos os sentidos: em casa, na escola, nas praças públicas, como subsídio às carreiras profissionais, no lazer, na cultura e em todas as faixas de renda. Para isso, é importante que o governo prossiga com seus projetos de políticas públicas e o setor editorial empenhe-se cada vez mais, numa ampla mobilização de editoras, livrarias, distribuidores, creditistas, escritores, capistas, produtores gráficos e todos os profissionais que atuam na produção do livro, bem como bibliotecários, escolas e universidades. Ou seja, toda a cadeia produtiva do livro engajada e trabalhando em sinergia. Em tempos de mobilização por direitos e opiniões, nada mais sadio e próspero do que promovermos uma grande iniciativa pela leitura. Afinal, é somente através dela que atingiremos o nível de educação que almejamos. A Câmara Brasileira do Livro (CBL) também está propondo a realização de um programa, em âmbito nacional, de leitura nos parques, incluindo a criação de bibliotecas volantes. O projeto teria a participação do mercado editorial e suas entidades de classe, ao lado de organismos estatais. A ideia é a de que o livro aproxime-se da população. Com o mesmo propósito, a CBL aprimorará a Bienal Internacional do Livro de São Paulo e seguirá apoiando eventos similares em todo o Brasil. As feiras também aproximam o público das obras e seus autores, estimulando a formação de leitores. Para incentivar ainda mais o público jovem, criaremos o Concurso Nacional de Contos, envolvendo escolas de todo o Brasil. Motivados a escrever, nossos estudantes tendem a despertar maior interesse pela literatura. É necessário empreender todos os esforços - poder público e iniciativa privada - para que, juntos, em futuro próximo, comemoremos o Dia Mundial do Livro e dos Direitos Autorais como uma grande nação de leitores. LUÍS ANTONIO TORELLI é presidente da Câmara Brasileira do Livro - CBL * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-23
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Ary Bergher e João Bernardo Kappen: Fazer a coisa certa ou desaparecer
O direito está em constante mutação, sempre tentando adaptar-se às mudanças da sociedade. Geralmente, essas mudanças são uma evolução que assegura maiores proteções para a coletividade. Uma nova lei, muitas vezes, opera mudanças profundas nos costumes, obrigando a todos nós, cidadãos, operadores do direito e sociedades empresariais, a nos adaptar aos novos tempos. Esse parece ser o caso da Lei sobre Lavagem de Dinheiro, de 2012, e, especialmente, da Lei Anticorrupção, que entrou em vigor em agosto de 2013. Com essas duas leis, o legislador colocou em evidência no Brasil o "compliance", um instituto já conhecido nos Estados Unidos desde os anos 1970, que certamente acarretará mudanças nas relações do mundo corporativo. O "compliance" pode ser entendido como um programa empresaria para o controle prévio da ética e da legalidade nas relações comerciais. O objetivo é assegurar a competição em igualdade de condições e evitar que a sociedade venha a ser onerada por eventuais ineficiências. A Lei Anticorrupção, que dispõe sobre a responsabilização das pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública nacional ou estrangeira, estabeleceu que as empresas que possuam sistemas de "compliance" podem ter significativa redução de uma eventual aplicação de pena de multa, o que pode significar, muitas vezes, a sua sobrevivência. O ponto nevrálgico do "compliance" parece residir no âmbito criminal. Somente com a adoção desse conjunto de práticas é que se pode dificultar –e até mesmo eliminar– práticas de crimes dentro de uma empresa e a consequente responsabilização criminal de seus respectivos acionistas e executivos. A realidade indica, contudo, que o monitoramento prévio das atividades e processos empresariais com o objetivo de evitar práticas delituosas só terá efetividade se supervisionado, ao menos no momento de sua implantação, por profissionais com olhar treinado para a identificação de delitos de natureza penal. Nesse campo, situam-se os advogados criminalistas. Tanto a Lei Anticorrupção quanto a Lei sobre Lavagem de Dinheiro impõe uma nova realidade corporativa, que terá que ser aceita e assimilada pelas empresas. A legislação estabelece que, mesmo que o "compliance" de uma empresa identifique e comunique aos órgãos públicos competentes a prática de atos ilícitos, ela ainda será triplamente punida, no âmbito administrativo, civil e criminal. As punições incluem multa de 20% do faturamento bruto, interrupção temporária das atividades e, até mesmo, a dissolução da pessoa jurídica. A adoção do "compliance" será uma atenuante considerada. Essa é uma exigência da sociedade que quer melhor governança e mais transparência. Nesse sentido, a adoção do "compliance" criminal traz um duplo benefício: inibe a prática de crimes nas corporações (e a consequente responsabilização criminal de sócios e dirigentes) e aprimora as práticas empresariais, com o estabelecimento da justa competição. Isso trará um conjunto de benefícios para o ambiente empresarial e para a sociedade brasileira. Quem não se adaptar não sobreviverá. ARY BERGHER, 48, e JOÃO BERNARDO KAPPEN, 38, advogados, são sócios do escritório Bergher e Mattos * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-23
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Opinião
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José Renato Nalini e Wilson Levy: Novos amigos para a Justiça
O Judiciário brasileiro enfrenta um enorme desafio: a cultura do litígio. De acordo com dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), estão em andamento mais de 100 milhões de processos judiciais no país. Fazendo uma contabilidade simplória, se cada processo envolver ao menos duas partes, é como se todos os 200 milhões brasileiros estivessem a litigar, inclusive as crianças, os interditados e os inimputáveis nos termos da lei. É evidente que o cálculo não espelha a realidade. O percentual de ações envolvendo indivíduos é ínfimo se comparado aos movidos pelos clientes habituais do sistema Justiça: o poder público e as empresas prestadoras de serviços. No Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), o quadro não é menos complexo: são 44,2 mil servidores, 2.000 juízes e 352 desembargadores responsáveis por gerir 21,3 milhões de processos. Todos premidos por um Orçamento de cerca de R$ 9,5 bilhões, dos quais 95,7% estão comprometidos com a folha de pagamento. Como lidar com esse cenário? A resposta fornecida pelo senso comum aponta para a equação mais processos/mais servidores/mais juízes. Só que não há almoço grátis: se essa opção for levada a sério, a sociedade pagará a conta. Daí a necessidade de repensar a cultura corporativa e o aprofundamento do diálogo com toda a sociedade. É o que pretendem os programas Empresa Amiga da Justiça e Município Amigo da Justiça. Instituídos pelas portarias nº 9.126 e nº 9.127, ambas de 2015, são políticas públicas judiciárias orientadas a estabelecer uma nova forma de o TJ-SP se relacionar com as instituições. Articuladas com a Estratégia Nacional de Não Judicialização, do Ministério da Justiça, e a Política Nacional de Atenção Prioritária ao Primeiro Grau de Jurisdição, do CNJ, os programas têm como foco o estabelecimento de compromissos de redução de ações judiciais novas, por meio de metas construídas de maneira dialogada com os participantes –empresas e municípios. Ao aderir à iniciativa, os parceiros receberão um selo estilizado. Essa certificação poderá ser utilizada na divulgação das marcas e na prestação de contas dos gestores públicos. O setor produtivo já incorporou novos valores, como a responsabilidade ambiental e a proteção das crianças. Nos EUA, empresas se engajam na defesa de questões que vão do estímulo a uma vida saudável à defesa do casamento gay. Por que não instituir como novo valor corporativo a responsabilidade judicial, baseado na opção por não recorrer ao Judiciário? Que tal considerar o grau de responsabilidade judicial de uma empresa no cálculo de seu valor, inclusive no mercado de capitais? A medida está adequada aos novos modelos de governança corporativa e regras de "compliance", que impõem políticas internas rigorosas para o relacionamento das empresas com clientes, investidores e o poder público. Conciliação, mediação e as formas alternativas de solução de conflitos convergem para esse fim. Já o programa destinado aos municípios terá importante função pedagógica. É importante que a população saiba quanto custa manter o Judiciário e que possa avaliar como seu prefeito trata o assunto. Por que não optar pelo protesto da dívida ativa junto aos cartórios, celeiros de eficiência e inovação? A taxa de recuperação de crédito nessa modalidade é maior do que no sistema judicial das execuções fiscais, que custam, de acordo com o Ipea, cerca de R$ 4,4 mil e têm tramitação de quase dez anos. A Justiça do século 21 não pode mais se fechar em si mesma, o que sempre deu margem a incompreensões sobre seu papel. Deve se abrir à sociedade civil e chamá-la ao exercício da cidadania, sendo parte de seu processo de aperfeiçoamento. Deve, portanto, contar com o auxílio de novos amigos. JOSÉ RENATO NALINI, 69, doutor em direito pela USP, é presidente do TJ-SP - Tribunal de Justiça de São Paulo WILSON LEVY, 29, doutorando em direito pela PUC-SP, é diretor da presidência do TJ-SP * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-22
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Opinião
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Daniel Balaban: Brasil à frente da agenda pós-2015 da ONU
O ano que se inicia será crucial para o futuro do desenvolvimento global, com a adoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Essas metas irão substituir os atuais Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), que expiram no final de 2015, e definir as prioridades do mundo para os próximos 15 anos. Como um país com um excelente desempenho em alcançar os ODM, o Brasil pode exercer um papel importante na elaboração e concretização dos novos objetivos. Setembro de 2015 foi definido como prazo para a adesão dos ODS pelos Estados membros da ONU. Após um período de amplas consultas com governos e sociedade civil, foram identificados 17 objetivos abrangendo questões como pobreza, fome, educação, mudança climática e acesso à justiça. Há um novo conjunto de metas, com foco na preservação dos recursos naturais e na sustentabilidade. Enquanto os governos avançam rapidamente para adotar os ODS, eles devem utilizar o que foi alcançado com os ODM para garantir novas metas mais ambiciosas. O Brasil tem um histórico notável no cumprimento dos objetivos atuais, e já atingiu quatro dos oito Objetivos do Milênio –erradicação da pobreza extrema e da fome, educação primária universal, promoção da igualdade de gênero e combate à Aids. Por meio de um conjunto de políticas inovadoras e coordenadas, o Brasil demonstrou que é possível diminuir radicalmente a pobreza e a fome no espaço de uma década, com atenção especial aos grupos mais vulneráveis. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) é um exemplo. Em 2009, a alimentação escolar foi reconhecida como um direito, segundo o qual todos os alunos de escola pública têm direito à alimentação saudável, preparada por nutricionistas e respeitando as tradições locais. Pelo menos 30% dos alimentos usados para preparar as refeições devem ser adquiridos de produtores locais, com incentivos para a compra de produtos orgânicos. Em sua totalidade, o programa aborda um amplo leque de questões, combinando ações de combate à fome, garantia de uma nutrição adequada, apoio aos agricultores locais, e participação da sociedade civil, em linha com os princípios da inclusão, equidade e sustentabilidade que são também princípios orientadores dos futuros ODS. O Pnae é um exemplo de como a incorporação de características inovadoras a políticas pré-estabelecidas pode resultar em mais inclusão e sustentabilidade, ao mesmo tempo em que otimiza recursos. Ao ocupar um papel de destaque no cenário mundial, o Brasil tem participado ativamente na cooperação Sul-Sul para auxiliar outros países a alcançar avanços semelhantes. O Centro de Excelência contra a Fome é o resultado deste engajamento. Nos últimos três anos, apoiamos mais de 30 países a conhecerem de perto a experiência brasileira no combate à fome e à pobreza. Hoje, o Brasil está em excelente condição para apresentar as iniciativas que concretizou durante as negociações dos ODS como prova de que, com uma forte vontade política, é possível construir programas de impacto. Articulação e ações multi-setoriais serão imprescindíveis se os países estiverem determinados a enfrentar as necessidades mais urgentes da humanidade relacionadas a fome, padrões de vida adequado para as populações excluídas e desenvolvimento, enquanto combatem as mudanças climáticas e uso insustentável dos recursos naturais. O mundo está em uma encruzilhada para garantir a sustentabilidade. Se as escolhas certas não forem feitas agora, gerações futuras pagarão o preço. Por mais desafiadora que a tarefa possa ser, este é o momento de agir. DANIEL BALABAN é diretor do Centro de Excelência contra a Fome (programa mundial de alimentos da ONU) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-22
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Aloysio Nunes Ferreira: Em defesa da Petrobras
Em meio às denúncias de corrupção que atingem a Petrobras, a empresa calcula que tenha perdido até R$ 6 bilhões com o esquema de propinas investigado pela Operação Lava Jato. Embora a presidente Dilma Rousseff tenha dito que a Petrobras se livrou dos "que se aproveitaram" da companhia, há um longo caminho para restabelecer a credibilidade da maior estatal do país. Conforme cálculo da Tendências Consultoria, a redução esperada de 30% nos investimentos da petroleira faria o PIB brasileiro cair 1,2%. O BNDES, por sua vez, teve uma perda de R$ 2,6 bilhões com o que chamou de "declínio prolongado e significativo no valor de mercado" da empresa de petróleo. Tais fatores refletem a dificuldade da Petrobras em viabilizar seus planos de negócio. É mais do que necessário reacender a discussão de como o petróleo deve ser explorado em nosso país. Sou autor do projeto de lei do Senado nº 417/14, que busca extinguir o regime de partilha para os contratos de exploração do petróleo do pré-sal. A matéria está na Comissão de Constituição e Justiça e aguarda designação do relator. As regras estabelecidas na partilha impõem que a empresa interessada em explorá-lo constitua consórcio com a Petrobras, no qual a empresa pública tenha participação mínima de 30%. Além disso, os comitês operacionais dos consórcios devem ter metade dos membros indicados pelo governo. Esse modelo afugenta investidores. Nenhuma companhia investirá em longo prazo ao lado de uma empresa fragilizada. A escolha pelo regime de partilha, estabelecido no governo Lula, trouxe problemas desde o início. No leilão do pré-sal em 2013, apenas 11 empresas se inscreveram. O número ficou abaixo das 40 esperadas pela Agência Nacional de Petróleo. Vale lembrar que duas gigantes do setor, Exxon e Chevron, desistiram de participar da disputa. A demora na realização do leilão (o pré-sal foi descoberto em 2007) e a forte interferência estatal foram alguns dos motivos para a desistência dessas empresas. Como alternativa para garantir o melhor aproveitamento dos recursos do pré-sal, proponho retomar o regime de concessão, que ainda vale para os demais campos de petróleo do país. O modelo –instituído no governo Fernando Henrique Cardoso–, aliado à abertura do capital da empresa, foi o que nos aproximou da autossuficiência. É válido recordar que foram nas duas crises do petróleo, de 1973 e 1979, que a dívida externa brasileira chegou a mais de US$ 200 bilhões. O Brasil tinha de pedir dinheiro emprestado lá fora para pagar à vista o petróleo em escassez no planeta e, assim, acumulava dívidas monumentais. Foi o modelo de concessão, portanto, que contribuiu para gerar lucro de R$ 62 bilhões na Petrobras durante o governo FHC e abriu caminho para uma ascensão da empresa nos anos seguintes. É preciso dizer que uma eventual privatização da Petrobras nada tem a ver com o sistema de exploração do petróleo, mas com a composição de seu capital social. De acordo com a lei nº 9.478/1997, sancionada por FHC, a União mantém o controle acionário da Petrobras com a posse de, no mínimo, 50% mais uma das ações do capital votante. A concessão traz mais competição entre as empresas e torna a Petrobras mais eficiente. Além disso, a população não fica refém das vontades de grupos de burocratas. E já está claro: aparelhar uma estatal de acordo com o interesse de certos partidos políticos só gera prejuízos. Não somente para a empresa, mas para todos os brasileiros. ALOYSIO NUNES FERREIRA, 70, é senador pelo PSDB-SP * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-21
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/04/1619072-aloysio-nunes-ferreira-em-defesa-da-petrobras.shtml
Samuel Moreira: O fim das coligações e a cláusula de desempenho
Recentemente, o instituto Datafolha publicou pesquisa mostrando que 71% dos brasileiros não têm partido político de sua preferência. Os dados, de fevereiro de 2015, reforçam a percepção de que precisamos mudar as regras atuais para criação e funcionamento de partidos, pois –ao meu ver– são inadequadas e ineficientes. Não é o caso, nem o meu desejo, limitar a criação de legendas. Porém, é preciso ter regras mais rigorosas do que as atuais. Por exemplo, para criar um partido é necessário um número menor de assinaturas (0,5% dos eleitores que votaram na última eleição) do que para apresentar um projeto de lei de iniciativa popular (leis nacionais demandam 1% dos eleitores). É preciso considerar ainda que exista um vínculo inicial entre o eleitor e o partido, a partir da filiação à legenda a ser criada. Não é prudente que a mesma pessoa assine simultaneamente pedidos de criação de partidos diferentes. Outra questão relevante é o funcionamento dos partidos após a sua criação. Não é razoável que siglas sem um número mínimo de votos nas eleições gerais tenham acesso ao fundo partidário e ao tempo de TV e rádio. Pois, para terem esses direitos devem ter um determinado desempenho, um número mínimo de votos. Ter representação de fato. Vejam, não se trata de criação de partido. Criem-se quantos puder. Trata-se de funcionamento de partidos existentes. Uma boa proposta seria que a legenda obtivesse ao menos 5% de votos, o que possibilitaria termos até 20 partidos em funcionamento. Observem que para qualquer candidato exercer o mandato, ele precisa obviamente se eleger, ter necessariamente um bom desempenho, ou seja, precisa ter votos. Isso deve valer também para os partidos políticos. Já que não é viável que partidos sem um número mínimo de votos possam ter direito a parte do fundo partidário, parte do tempo de TV e rádio como ocorre nos dias de hoje. Por conta da ausência de boas regras, a criação de partidos no Brasil tornou-se, para alguns, um bom negócio. Quase sempre a criação dessas novas legendas estão a serviço de alguém, de governantes ou de caciques políticos que viram verdadeiros donos desses "cartórios" e que formam coligações num verdadeiro 'toma lá, dá cá', numa farra que o eleitor sequer consegue perceber. Farra, na maioria das vezes, realizada a portas fechadas, chancelada pelas tais comissões provisórias que estão mais para permanentes pelo seu longo e indefinido tempo de duração. São coligações realizadas à revelia do eleitor, muitas dissolvem-se logo após as eleições, servindo apenas a interesses imediatos e inconfessáveis. Segundos preciosos de TV e rádio viram moeda de troca, usados para conseguir cargos, ainda que em escalões inferiores. São ajuntamentos que o eleitor desconhece pois um mesmo partido coligado para um candidato à presidente da República alia-se aos adversários na disputa para governador, com outras siglas para deputado federal e ainda outras para deputado estadual. Difícil que o eleitor entenda. Impossível que ele aprove. Além disso, a fórmula para a eleição é ininteligível para a maioria dos eleitores. Mistura os desconhecidos (e complicados) quocientes eleitorais, dando margem a distorções como as de um astro puxador de votos eleger quem não teve votação relevante ou ainda votar em um partido e eleger outro. Proibir as coligações é bom para o eleitor, que saberá efetivamente em que partido está votando. E cria ainda mecanismos para que as agremiações se esforcem para disputar eleições com seus próprios candidatos e cresçam a cada pleito. O fim das coligações nas eleições proporcionais e a introdução de uma clausula de desempenho seriam mudanças que fortaleceriam os partidos e melhorariam nosso sistema político. SAMUEL MOREIRA, 52 anos, é deputado federal pelo PSDB-SP e membro da Comissão de Reforma Política na Câmara * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-21
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/04/1618255-samuel-moreira-o-fim-das-coligacoes-e-a-clausula-de-desempenho.shtml
Mauro Vieira: Instituto Rio Branco, 70 anos
O Instituto Rio Branco completou 70 anos neste sábado (18). É a terceira academia diplomática mais antiga do mundo, após a Academia de Viena (Áustria) e a Pontifícia Academia Eclesiástica do Vaticano. Desde a sua fundação, em 1945, em meio às comemorações do centenário do Barão do Rio Branco, o instituto tem formado os diplomatas brasileiros, selecionados por meio de concurso público. Sua criação foi um marco no processo de profissionalização do Estado brasileiro. Reconheceu-se, com isso, ser a diplomacia uma carreira de Estado, essencial para a defesa dos interesses do país, exigindo formação técnica específica e uma estrutura meritocrática. A academia diplomática brasileira busca a um só tempo conservar as melhores tradições e princípios da diplomacia brasileira e formar profissionais em sintonia com os desafios contemporâneos. O Instituto Rio Branco é também a mais antiga escola de governo do Brasil. É com justo orgulho que o Ministério das Relações Exteriores comemora os 70 anos de uma instituição que ocupa papel central na defesa dos interesses nacionais e na representação do país no mundo. O Rio Branco contribui também para a projeção internacional do Brasil, por meio de seu programa de bolsas para diplomatas estrangeiros. Criado em 1976, o programa já formou mais de 200 diplomatas de cerca de 50 países, muitos dos quais ocupam hoje os mais altos cargos de suas chancelarias, inclusive ministros de Estado e embaixadores. O serviço diplomático brasileiro deve ter a cara do país e refletir sua diversidade. Ainda há desafios a vencer para atingir representação na carreira diplomática mais fiel à composição da população brasileira. A participação crescente das mulheres na carreira é uma das mudanças em curso na composição do nosso serviço diplomático. Apenas em 1954, nove anos depois da criação do instituto, o ingresso de mulheres na carreira foi permitido por lei. Desde então, de 2.096 novos diplomatas, 421 mulheres foram admitidas no Rio Branco, o que corresponde a 20% do total. Esse número tem crescido nos últimos anos, e a proporção é de 26%, se considerado o período a partir do ano 2000. Em tempos recentes, o Instituto Rio Branco tem buscado ainda promover o ingresso de afrodescendentes na carreira diplomática. Trata-se de projeto específico do Ministério das Relações Exteriores, previsto no Programa de Ação Afirmativa do Instituto Rio Branco, em 2002. O programa concede bolsas de estudos anuais para potenciais candidatos afrodescendentes se prepararem para prestar o concurso de admissão à carreira de diplomata. É um programa único no âmbito da administração pública federal. Já concedeu 530 bolsas para 319 candidatos e possibilitou o ingresso de 20 bolsistas afrodescendentes na carreira diplomática. Há também um esforço para ampliar a representatividade regional da diplomacia. Os Concursos de Admissão à Carreira de Diplomata são aplicados em todas as capitais e no Distrito Federal. Mais do que a celebração do passado, contudo, os 70 anos do Instituto Rio Branco recordam o Itamaraty da necessidade de constante renovação e de aperfeiçoamento. É com os olhos no futuro que devemos preparar as novas gerações de diplomatas, que atuarão num mundo de interconexão inédita e complexidade crescente. A construção dessa nova diplomacia, cada vez mais pública e mais transparente, em um mundo ligado pelas novas tecnologias e pelas mídias sociais, constitui o atual desafio da academia diplomática brasileira. Superá-lo é um imperativo para que o Rio Branco continue à altura da missão a ele confiada. MAURO VIEIRA, 64, é ministro das Relações Exteriores. Foi embaixador nos Estados Unidos (2010-2014) e na Argentina (2004-2010) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-19
opiniao
Opinião
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Maria Rita Kehl e Daniel Pierri: STF na ponta da flecha
Na semana anterior ao Dia do Índio, foi enviada aos ministros do Supremo Tribunal Federal uma cópia do "capítulo indígena" que compôs o relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV). Ele descreve o modo como povos indígenas do país foram vítimas de gravíssimas violações patrocinadas pelo Estado brasileiro, de 1946 a 1988. Foram massacres para a abertura de rodovias, torturas de vários tipos, proibição do uso das línguas maternas e etnocídios. Crimes subordinados ao propósito de removê-los de suas terras de acordo com os interesses dos diferentes governos. Segundo a CNV, ao menos 8.350 indígenas foram mortos nesse período. A comissão reconhece que essa cifra deva ser muito maior, já que só foi possível analisar alguns casos, mas ela já representa 20 vezes o número da lista oficial de mortos e desaparecidos. O capítulo foi enviado ao STF, pois sua 2ª Turma invalidou recentemente três processos de demarcação de terras sem sequer permitir a produção de provas. Dois dos casos –Guyraroka, dos kaiowa, e Limão Verde, dos terena– localizam-se no Mato Grosso do Sul, onde o "modus operandi" dos governos militares foi amplamente descrito pela CNV, que reconheceu a responsabilidade do Estado no esbulho dessas terras. Se consolidarem jurisprudência, as teses mobilizadas nessas decisões resultariam na anulação de quase todas as demarcações em curso, abrindo um novo ciclo de remoções forçadas, desta vez sob respaldo judicial. A partir desse capítulo indígena, o Supremo terá elementos para rever essas decisões quando forem submetidas ao plenário. Com base em uma ampla análise documental, a CNV sustenta que o esbulho das terras indígenas foi fruto de uma ação sistemática e deliberada do Estado brasileiro, que emitia certidões negativas da presença indígena em áreas sabidamente ocupadas por índios e patrocinava a ação de particulares para efetivar a sua expulsão forçada. A crise humanitária que acomete o povo guarani kaiowa é conhecida: altíssimas taxas de violência e de suicídios, resultado direto da falta de terras e do confinamento em reservas diminutas, que mais se parecem com campos de concentração. Passados 26 anos da promulgação da Constituição, a realidade desse povo afetado pelas ações do Estado ditatorial é ainda mais grave. Isso em razão da expansão da fronteira de colonização, que ocupou completamente as áreas onde os índios podiam se refugiar para organizar sua resistência cultural e política refundando seus tekoha ("lugar onde exercemos nossa maneira de viver"). Há situações similares no Sul, Sudeste e Nordeste. Entre as recomendações apresentadas no capítulo indígena, a CNV elencou o avanço nas demarcações de terras como a principal forma de reparação coletiva pelas violações sofridas no período investigado. O Brasil não tem ideia da riqueza humana e cultural que se perde ao insistir em uma política que não se cansa de tentar transformar índios em pobres, "integrados" às levas de marginalizados que ocupam as periferias das grandes cidades. Nesse Dia do Índio, convidamos a sociedade brasileira a se somar ao apelo para que o STF reconheça o caráter reparatório da política de demarcação de terras indígenas e abandone quaisquer interpretações restritivas do artigo 231 da Constituição que resultem na anulação de processos de demarcação. Não podemos aceitar que os povos indígenas sejam novamente penalizados em um conflito que tem o Estado brasileiro como principal responsável. MARIA RITA KEHL, 63, psicanalista, integrou a CNV - Comissão Nacional da Verdade na coordenação do grupo de trabalho sobre povos indígenas e camponeses DANIEL PIERRI, 30, antropólogo, foi colaborador do grupo de trabalho sobre povos indígenas e camponeses da CNV * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-19
opiniao
Opinião
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Utilização do aplicativo de transporte Uber deve ser autorizada no Brasil? Não
NATALÍCIO BEZERRA: O QUE O TÁXI NÃO OFERECE? "Não precisa explicar. Eu só queria entender!". Esse bordão resume bem a situação de desconforto que os taxistas vivem hoje. A frase do macaco Sócrates, no programa humorístico "Planeta dos Homens", nos remete a respostas óbvias, mas distorcidas por interesses obscuros. A frase cabe bem no contexto dessa discussão sobre as ilegalidades dos aplicativos de corridas que dizem ser de caronas. O serviço e a profissão de taxista são reconhecidos e regidos por leis federais e municipais. Só em São Paulo são mais de 30 mil trabalhadores transportando mais de meio milhão de passageiros. Reconhecidamente, o serviço paulistano é tido como o melhor do país e serve de exemplo para outras capitais, inclusive mundo afora. Temos plena consciência que todo serviço pode e deve ser melhorado e buscamos isso reiteradamente. Tanto é que, às vésperas da Copa, milhares de taxistas se formaram nos cursos de capacitação promovidos em parceria com a SPTuris (empresa de turismo e eventos do município de São Paulo) e com o Sebrae para a qualificação turística do motorista profissional. O resultado pôde ser conferido por meio de levantamento, realizado durante o Mundial pela Fundação Getulio Vargas, que apontou o serviço de táxi com avaliação positiva por quase 90% dos entrevistados –compostos por jornalistas e turistas estrangeiros–, que usaram como base de parâmetro e de comparação o serviço equivalente em seus países. São dados que merecem ser trazidos à tona e à discussão. Hoje, a aceitação de cartões de crédito e débito, além de aplicativos de corridas, é uma realidade entre os taxistas. O que nos incomoda não é a concorrência, mas o desrespeito e a afronta à legislação vigente e reguladora de nosso serviço. Nós sempre tivemos problemas com carros clandestinos e os aplicativos para celular que fazem uso de veículos particulares só reforçam essa ilegalidade. Start-ups se apresentam como empresas de tecnologia que ligam motoristas particulares e clientes, mas na prática qual foi a grande inovação que fizeram? Isso o serviço de táxi já oferece. Não custa lembrar novamente. Somos considerados umas das melhores e mais novas frotas do mundo. Se a questão é oferecer carros de luxo, possuímos também uma frota numerosa (com alguns deles inclusive, blindados) com motoristas bilíngues, wi-fi, vídeo, frigobar e carregadores de celulares. Em alguns pontos de grande circulação, oferecemos jornais diários, revistas e entretenimento para garantir o melhor conforto possível ao passageiro na hora da corrida. Se a intenção no futuro é a de compartilhar carros sem motoristas, como as bicicletas que encontramos pela cidade, não é o que eles fazem hoje. Aliás, pelo contrário, estão colocando mais carros nas ruas. Carona, culturalmente, não é paga e, nos moldes adotados, o serviço de táxi já é "compartilhado". Diante desse cenário, nos sobram muitas questões que merecem respostas. A cobrança é legal? Quem responde pela segurança do passageiro? Quem fiscaliza o serviço? Quantos mais veículos clandestinos farão o serviço de táxis ilegalmente? E ainda, essas empresas recolhem impostos? E o mais inacreditável de tudo, os valores desse serviço são maiores dos que um serviço executado por um motorista profissional, devidamente credenciado, qualificado e legalizado. Será mesmo que os Tribunais de Justiça da Europa que baniram o aplicativo e os consideraram ilegais também estão equivocados? Fica a reflexão. Como bem questionava o macaco Sócrates: "Não precisa explicar, eu só queria entender". NATALÍCIO BEZERRA, 77, presidente do Sindicato dos Taxistas Autônomos de São Paulo * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-18
opiniao
Opinião
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Wilen Manteli: Melhor infraestrutura a caminho dos portos
Priorizar a infraestrutura para atrair investimentos ao Brasil. Esta foi a missão atribuída pela presidente Dilma Rousseff ao ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, Nelson Barbosa. O motivo é simples: o reaquecimento da economia e o desenvolvimento do país dependem da melhora da infraestrutura e da logística. Recentemente, o ministro do Planejamento e o secretário de Portos receberam a Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP) em Brasília, inaugurando uma agenda para discutir e implementar ações visando o desenvolvimento do setor portuário. Entre os principais temas abordados destacaram-se a portaria da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) nº 404/2012, que estabelece uma taxa a ser cobrada pelo uso do espelho d´água, cobrança que aumenta os custos portuários e retarda os pedidos de ampliação e implantação de terminais privados. Também na pauta estava a portaria da Secretaria de Portos (SEP) nº 110/2013 que limita a expansão dos terminais privados, a morosidade na análise de pedidos de antecipação da prorrogação de contratos de arrendamento, a revisão da Taxa Interna de Retorno dos empreendimentos portuários, a prorrogação do Reporto e os serviços de dragagem. Uma boa notícia transmitida pelo ministro da SEP, Edinho Araújo, foi o agendamento de audiência pública presencial sobre o projeto de concessão dos canais de acesso aos portos, que terá como objetivo estruturar modelagem de longo prazo, de maneira a alinhar os interesses públicos e privados e possibilitar à iniciativa privada a participação em um novo mercado, atraindo para o setor portuário novos investimentos. Em 2012, foram projetados investimentos nos portos brasileiros de R$ 54 bilhões em 10 anos, sendo R$ 50 bilhões em capitais privados e R$ 4 bilhões em recursos públicos. Estes últimos, destinados especialmente ao aprofundamento e/ou manutenção dos acessos aquaviários. Quanto aos investimentos privados, 77% encontram-se travados pela lentidão da burocracia. Atualmente, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAq) e a SEP acumulam mais de 40 pedidos de adaptação e de antecipação da prorrogação de contratos de arrendamento, todos eles vinculados a compromissos com melhorias e/ou ampliação de instalações, a serem realizadas exclusivamente com recursos privados. Em relação aos investimentos públicos, Barbosa garantiu a sua continuidade, contudo, a ideia é endereçar o maior número possível de obras para o setor privado, pois é o setor que possui maior capacidade de execução de obras. O Brasil tem terminais portuários bem equipados e com capacidade de receber os mesmos navios que aportam no Porto de Roterdã na Holanda, por exemplo, referência no assunto. Todavia, a qualidade da infraestrutura brasileira apresenta constante queda no ranking do Relatório de Competitividade do Fórum Econômico Mundial. Em 2010/2011 o ranking de qualidade de infraestrutura apontava o Brasil na 84ª posição. No período de 2013/2014, fomos rebaixados para a 114ª, perdendo 30 colocações. Esta avaliação na nossa infraestrutura não condiz com o esperado da sétima economia mundial. Uma das evidencias para tal disparidade está justamente na falta de infraestrutura no entorno dos portos, ou seja, na deficiência dos acessos terrestres (rodovias/ferrovias) e aquaviários (canais), vitais para a movimentação das cargas que entram e saem do país. Esperamos mudanças, fundamentais para o desenvolvimento econômico e social do país, venham a ser implementadas. WILEN MANTELI é diretor-presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários- ABTP * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-18
opiniao
Opinião
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Fernando Capano: Segurança pública além das medidas paliativas
A divulgação do número de mortos em supostos confrontos com a polícia pela Ouvidoria da Polícia Militar de São Paulo, órgão independente responsável por coletar e avaliar dados acerca da atividade policial, no primeiro trimestre deste ano, revelou o número alarmante de 118 mortes. Porém, por trás desse número, encontramos questões complexas e que exigem profunda transformação na gestão da segurança pública. Os dados da Ouvidoria da Polícia apontam um aumento da letalidade da polícia sem observar, em primeiro lugar, que estamos vivendo em um Estado com 50 milhões de habitantes, sendo certo que, ao menos 18 milhões destes estão concentrados em uma única região, qual seja, a megalópole paulista. Temos que observar, em segundo lugar, que, no contexto da megalópole paulista, há um aumento exponencial da violência por parte dos bandidos, sendo certo que até hoje, por exemplo, o governo federal é incapaz de, no espírito do Estatuto do Desarmamento, fiscalizar com rigor nossas fronteiras, visando estancar o número absurdo de armas pesadas que entram todos os dias em nosso país, cujos clientes preferenciais são os bandidos localizados nas grandes cidades brasileiras. Enquanto isto, a Secretaria de Segurança Pública Paulista concentra-se em medidas meramente burocráticas, cujo resultado não ajuda a reduzir a letalidade ou para fazer justiça quando de fato o policial entra em combate com os criminosos. O número de mortes em supostos confrontos com a polícia é estarrecedor, assim como é estarrecedora a quantidade de policiais assassinados. Nos últimos três anos morreram cerca 120 policiais por ano. O número expressivo de mortes de policiais só pode significar, além da problemática do tráfico de armas, consequência direta do aumento de poder de fogo dos criminosos, reflexo da ineficiência na gestão de segurança no Estado de São Paulo, cujo trabalho, infelizmente, está calcado na péssima estrutura de trabalho do policial, na política remuneratória vergonhosa e na gestão do fator humano absolutamente equivocada. Nos últimos anos, a Secretaria de Segurança Pública parece responder ao aumento dos roubos e mortes, como dissemos, apenas com resoluções burocráticas. Uma delas, por exemplo, atendendo a demanda inclusive da própria Ouvidoria da Polícia, muda a classificação, no âmbito do registro do fato nas delegacias de polícia, das ocorrências em que ocorra morte no confronto entre policiais e bandidos, de 'resistência seguida de morte' para 'morte em decorrência de atividade policial'. Há que se falar, diga-se de passagem, que tal atitude colabora para que o agente de segurança fique sob constante suspeita. Outra ainda mais recente, anunciada em março, parece complementar a anterior, ao prever a preservação da cena do crime em que há morte envolvendo policiais civis, militares e integrantes da polícia técnico-científica, guardas civis municipais, agentes da Fundação Casa e agentes penitenciários, até a chegada do delegado de polícia e a realização da perícia, burocratizando ainda mais o serviço policial e tirando a necessária eficácia que esperamos do trabalho dos gestores dos serviços de Segurança. Sob o ponto de vista da transparência nas investigações, ambas tem sua importância, mas para obter resultados efetivos é necessário ir além. É imperativo tratar o problema com a adoção de medidas que ataquem a raiz do problema e não apenas acrescendo ao trabalho policial procedimentos meramente burocráticos. A premissa, neste caso, está equivocada, visto que, além de tirarmos a eficácia do trabalho, estamos imaginando que, por exemplo, o Delegado de Polícia não tem competência para sozinho, avaliar com correção se estamos diante de uma ocorrência de execução criminosa de vidas ou legítimo combate havido entre policiais e criminosos. Fiscalizar rigidamente nossas fronteiras, coibindo-se de verdade o tráfico de armas para dentro do país, e valorizar o trabalho policial, quer seja remunerando mais e melhor os integrantes das Forças de Segurança, quer seja respaldando e legitimando o trabalho diário do policial, parece ser a luz no fim do túnel para acabarmos com o pesadelo da falta de segurança que nos aflige todos os dias. FERNANDO CAPANO é sócio do Capano, Passafaro Advogados Associados, membro efetivo da Comissão Estadual de Segurança Pública da Ordem dos Advogados do Brasil seção São Paulo e professor universitário * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-17
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Opinião
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Raymundo Damasceno Assis: A CNBB e a reforma política
A reforma política, um dos itens mais citados na pauta das manifestações populares realizadas no país desde 2013, é necessidade urgente. No documento "Por uma reforma do Estado com participação democrática", a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em 2010, já apontava alguns dos graves motivos que justificam a necessidade da reforma política. O texto afirma: "As crises consecutivas nas Casas legislativas em todos os níveis da Federação, os escândalos que se sucedem nos Executivos em suas relações com o capital privado e nas suas relações nada republicanas com os legislativos pertinentes". O documento defende a participação "de todas as instâncias da cidadania" no processo da reforma política e sugere "alguns eixos básicos para nortear a definição das propostas". Tendo concluído que, ao consenso da inadiável necessidade da reforma, somava-se, na sociedade brasileira, o mais forte dissenso sobre como fazê-la e que pontos considerar, e entendendo que só a mobilização popular poderia lograr êxito no propósito da desejada reforma política, a CNBB uniu-se à OAB, ao Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral e à Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político. A CNBB decidiu convidar, em agosto de 2013, várias entidades para discutir uma proposta a ser apresentada ao Congresso Nacional por meio de um projeto de lei de iniciativa popular. Nascia, ali, a Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas, que hoje reúne mais de cem entidades. Houve consenso em torno de quatro pontos: a proibição do financiamento de campanhas por empresas, a adoção do voto proporcional em dois turnos –denominado voto transparente–, a alternância de homens e mulheres nas listas de candidatos e o fortalecimento da democracia mediante a regulamentação do artigo 14 da Constituição Federal, que trata das formas como é exercida a soberania popular. O projeto recebeu o endosso da 52ª Assembleia Geral da CNBB, em maio de 2014, com a aprovação do documento "Pensando o Brasil". Por iniciativa dessa coalizão, o projeto de lei nº 6.316/2013 foi apresentado, mediante subscrição de parlamentares de diversos partidos, à Câmara dos Deputados, onde tramita desde agosto de 2013. Para apoiá-lo, estamos realizando a coleta de 1,5 milhão de assinaturas de eleitores, providência fundamental para pressionar o Congresso Nacional a votar mais esta proposta de iniciativa popular. Ao declarar seu apoio ao projeto de lei, a CNBB o faz com a consciência de que é dever da Igreja cooperar com a sociedade para a construção do bem comum, conservando a autonomia e independência que a caracterizam em relação à comunidade política, como lembra o Concílio Vaticano 2º. Se à Igreja não cabe assumir a responsabilidade da organização política da sociedade nem colocar-se no lugar do Estado, como nos recorda Bento 16, tampouco pode ela ficar alheia à luta pela justiça. A CNBB acredita que, para levar a bom termo um empreendimento tão amplo e complexo como a reforma política, é preciso juntar esforços e superar os radicalismos e as ideias preconcebidas que obstruem a via do diálogo e impedem o aperfeiçoamento da democracia. Por isso, quanto ao projeto que tem o seu apoio, a CNBB se declara aberta ao debate e reitera profundo respeito à pluralidade que enriquece a sociedade brasileira. DOM RAYMUNDO DAMASCENO ASSIS, 78, arcebispo da cidade de Aparecida (SP), é presidente da CNBB "" Conferência Nacional dos Bispos do Brasil * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-17
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Almino Affonso: Gracias, Galeano
Na última segunda-feira (13), o dia amanheceu sem horizonte. Assim me senti envolvido com indisfarçada tristeza tão logo soube que Eduardo Galeano emudecera, como se ele, que tanto pelejara, já não tivesse o que acrescentar à vida. Não me detenho a evocar-lhe a trajetória intelectual, cuja grandeza se pressentira nos idos de 1971, quando irrompera com incontida audácia no livro "As Veias Abertas da América Latina". Eu estava no Chile à época, exilado como tantos outros –argentinos, bolivianos, peruanos. De imediato, ao lermos aquelas palavras de fogo, todos nós as assumimos como a expressão de nossa revolta contra as ditaduras militares que vinham se implantando na América Latina, com ostensivo respaldo dos Estados Unidos. Mas quero relembrar a valentia de Eduardo Galeano em plena juventude. Reporto-me ao início de meu exílio em Montevidéu, de 1964 aos primeiros meses de 1965. Estranhamente –sem razão de ser– o governo uruguaio não me concedera asilo político e decidira expulsar-me para a Iugoslávia, onde eu começara o percurso do exílio, que se alongaria por 12 anos. A comunicação me fora feita pelo então ministro do Interior do Uruguai, Adolfo Tejera. O argumento invocado era absurdo. Agredia o próprio Tratado de Caracas. O porquê daquela prepotência contra mim nunca soube. Mas o que me importa agora, como um dever de gratidão, é evocar a ousadia do jornalista Eduardo Galeano, nos seus 23 anos de idade, se tanto. Fazendo da Redação do jornal "Época" sua trincheira, enfrentara com desassombro o governo do seu país, criticando duramente a decisão que resultou na minha expulsão –a minha e a de minha família– para as incertezas do amanhã. Como assinalara por não dar-me a proteção institucional, o governo enodoava a memória de José Artigas, violentava os direitos humanos e a tudo o que o Uruguai tem de mais nobre na sua história. Galeano fora, a rigor, ao extremo na defesa do direito de asilo: conclamara a sociedade a reagir contra aquela decisão fascista. O protesto foi às ruas diariamente: trabalhadores, estudantes, intelectuais. O Parlamento –sensível à palavra ardorosa do deputado Enrique Erro– convocara o ministro Tejera a depor, a explicar-se. A dignidade do Uruguai, por fim, falou mais alto. Nesta homenagem que presto a Eduardo Galeano, ouso dizer para mim mesmo: na verdade ele começara a escrever "As Veias Abertas da América Latina" tão jovem ainda, naquele admirável confronto com a arrogância autoritária. Sinto-me honrado em tê-lo conhecido com a altivez daqueles anos, pronto para o bom combate, como se revivesse o célebre guerreiro do reino de Castela, Rodrigo Díaz de Vivar, o Cid Campeador, e em haver podido admirar-lhe a vida, com a grandeza que soube enriquecê-la. ALMINO AFFONSO, 86, é advogado. Foi deputado federal (1995-1999), ministro do Trabalho (governo João Goulart) e vice-governador de São Paulo (governo Orestes Quércia) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-16
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/04/1617137-almino-affonso-gracias-galeano.shtml
Alberto Toron e Celso Vilardi: Combate à corrupção e utopia punitiva
Recentemente, os juízes Sergio Moro e Antonio César Bochenek nos brindaram com um instigante artigo no jornal "O Estado de S. Paulo". No texto, afirmam que a Petrobras "sofreu danos econômicos severos, ilustrados pelo pagamento de propinas milionárias a antigos dirigentes e pelo superfaturamento bilionário de obras" e defenderam a necessidade de "incremento da justiça penal" com a atribuição de eficácia imediata da sentença do juiz, nos casos de crimes "graves em concreto", como grandes desvios de dinheiro público. Não se discute a ocorrência de fatos graves na Petrobras, mas a afirmação taxativa do juiz do caso sobre o processo, antes da sentença, é inadmissível. Qualquer cidadão pode antecipar um juízo de valor sobre os fatos públicos que envolvem a Petrobras. O juiz do caso, não! Além dos comentários sobre o caso em andamento, a proposta dos juízes significa que o acusado, ao ser condenado pelo juiz de primeiro grau, deve ir direto para a cadeia, ainda que possa apelar da sentença e vir a ser absolvido ou ter a pena mitigada. Com tal medida, os magistrados acreditam que vão contribuir para a solução da corrupção. A proposta causa assombro quando se verifica que dois juízes pugnam pela flexibilização de uma cláusula pétrea inscrita na Constituição e que, como eles bem sabem, foi objeto de apreciação pelo pleno do STF, quando ficou assentado que o princípio da presunção de inocência garante que os acusados aguardem em liberdade o julgamento final. A discussão é antiga. O Código de Processo Penal, de 1941, não permitia, como regra, a apelação em liberdade. Em plena ditadura militar a regra foi abrandada. A antiga Lei do Crime Organizado já previa a impossibilidade de se apelar em liberdade. Foi revogada pela nova lei que define a organização criminosa. Não parece que o combate à corrupção e a outros crimes de igual ou maior gravidade deva servir como mote para abandonarmos conquistas caras não só à democracia, mas ao processo civilizatório ocidental. Muitos utilizam o exemplo do modelo americano, no qual, julgado em primeira instância, o acusado vai para a cadeia. Ocorre que lá a maioria dos casos termina em acordo. Além disso, quando o caso prossegue, a pessoa é julgada pelo júri, isto é, um órgão colegiado. Aqui, o réu é julgado por um juiz apenas, que pode ser muito bom ou, ao contrário, arbitrário. Não há, por outro lado, um trabalho empírico demonstrando em que proporção as sentenças de primeiro grau são reformadas, mas, a julgar pela nossa experiência, ela não é pequena. O recrudescimento do sistema penal não implica diminuição da criminalidade. Parece óbvio que os empresários e os diretores da Petrobras envolvidos na Operação Lava Jato tinham os olhos postos em coisas distantes do "sistema punitivo". Há, na verdade, uma crise de valores combinada com mecanismos que permitem a corrupção, como a estrutura política que envolve a estatal. Se não buscarmos uma solução para a crise e sem mexer profundamente na estrutura que possibilita esse tipo de "negócio", o recrudescimento do sistema penal pouco ou nada alterará o fenômeno da corrupção. Antes da Lava Jato tivemos o julgamento do mensalão, que redundou em condenações e prisões. Em um passado não tão remoto tivemos outras operações com empresários presos e isso não funcionou como elemento dissuasório. Além disso, em relação aos chamados crimes hediondos, houve incremento do sistema punitivo com o aumento de penas, inviabilização da liberdade provisória nos casos de flagrante e a exigência do cumprimento integral da pena em regime fechado, que só muito tempo depois o STF veio a declarar a inconstitucionalidade, e não funcionou. Os índices de criminalidade não caíram a despeito do "incremento" do sistema penal. Agora, ilusoriamente, quer-se adotar fórmula assemelhada para se debelar a crise que não é nova. Afora a questão da constitucionalidade, sem estudos consistentes sobre a eficácia do aprisionamento precoce, a eficácia das apelações e sobre a própria criminalidade, vamos ter uma espécie de modelo-álibi destinado a tranquilizar a opinião pública momentaneamente com um pesado ônus sobre acusados que se presumem inocentes. ALBERTO ZACHARIAS TORON, 56, professor da Faculdade de Direito da Faap, é advogado de Ricardo Pessoa, presidente da UTC Engenharia CELSO SANCHEZ VILARDI, 47, professor da FGV Direito SP, é advogado de João Auler, presidente do conselho de administração da Camargo Corrêa * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-16
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/04/1617163-alberto-toron-e-celso-vilardi-combate-a-corrupcao-e-utopia-punitiva.shtml
AES Eletropaulo deixa deficiente sem luz por 13 horas, reclama leitora
A leitora Kelly Cristina Zequini Magrino reclama de demora para a AES Eletropaulo reestabelecer a energia em sua casa. Ela conta que sua irmã tem paralisia cerebral e, como consequência, depende de aparelho elétrico 24 horas por dia para respirar. Por isso, ela possuí cadastro especial na empresa, que garantiria prioridade no fornecimento de luz. Porém, após falha na rede, Kelly e sua irmã ficaram sem energia. O problema foi relatado diversas vezes, mas mesmo assim o reparo demorou 13 horas para ser feito. "A AES Eletropaulo deveria ter um plano de contingência, com atendimento imediato no local ou disponibilizar a transferência para um local seguro", reclama Kelly. Resposta - A AES Eletropaulo confirma que a cliente está cadastrada no sistema especial e que prestará todos os esclarecimentos. - Queixa de Odila Aparecida Shigaki: Conserto demorado Carro está aguardando reparo em concessionária da Kia há três meses. Questionada sobre demora, oficina afirma que quatro peças que precisam ser trocadas estão em falta, o que justificaria o atraso. Resposta da Kia Informa que já fez a solicitação das peças e informou o prazo de entrega à cliente. - Queixa de Jacira Pereira dos Santos: Documento inexistente Banco Santander não entrega escritura de apartamento comprado em leilão em 2008. Ao longo dos anos, instituição financeira nunca prestou esclarecimentos nem dá prazo para emissão do documento. Resposta do Santander Afirma que está tomando todas as medidas para regularização da matrícula do imóvel. - Queixa de Armando Adler: Cobrança extra Três meses após cirurgia de emergência, hospital envia cobrança referente a uma diária na internação, dizendo que cobertura foi negada pela Amil. Plano de saúde pediu fax da conta, mas não dá resposta sobre o caso. Resposta da Amil Diz que a cobrança foi cancelada e, em contato, prestou os esclarecimentos necessários. - Queixa de Joaquim Gonçalves Neto: Aparelho quebrado Ar-condicionado para de funcionar no dia seguinte à compra, feita na loja Poloar. Técnicos dizem que esperam chegada de peça para fazer o reparo do produto, que está parado desde janeiro. Resposta da Poloar Esclarece que encaminhou a reclamação sobre a falta da peça para a fabricante.
2015-04-15
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Painel do Leitor
http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/acidadeesua/2015/04/1616669-aes-eletropaulo-deixa-deficiente-sem-luz-por-13-horas-reclama-leitora.shtml
Diego Werneck Arguelhes e Ivar A. Hartmann: Pedido de vista é poder de veto
O pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), no julgamento sobre financiamento de campanha já passou de um ano. O relatório do projeto Supremo em Números, da FGV Direito Rio, de setembro de 2014, já havia mostrado que essa prática é comum. Agora, o próprio ministro dá declarações reveladoras sobre o que está por trás dessa prática. O pedido de vista é um poder unilateral de veto não previsto no nosso direito. No Supremo, como em outros tribunais do país, os ministros podem "pedir vista" de um processo sempre que consideram necessário estudá-lo mais profundamente. É raro, porém, que uma vista respeite o prazo previsto no regimento do STF. Os ministros cumprem o prazo de 20 dias em apenas 1 de cada 5 pedidos. Os que não cumprem o prazo duram, em média, 443 dias. Atrasos que não ocorrem por acidente. A ação contestando aspectos da privatização das telecomunicações, por exemplo, iniciada em 1996, nunca foi julgada. Conta com três pedidos de vista que, juntos, somam mais de 14 anos. Os ministros devolvem os processos quando querem. Não há carga de trabalho que justifique, por exemplo, a vista do ex-ministro Sepúlveda Pertence no Agravo de Instrumento nº 132.755, que durou mais de 19 anos. Novos dados do projeto Supremo em Números indicam que a duração dos pedidos não está relacionada ao volume de processos. Tampouco encontramos relação entre a eficiência do gabinete do ministro e a duração de suas vistas. Qual é, então, a finalidade de retardar um julgamento já iniciado? As vistas podem ser livremente usadas para controlar o momento em que um caso será decidido. Em muitos deles, isso é suficiente para garantir ao ministro que pede a vista que ele não será derrotado jamais. Um ministro sozinho prevalece contra relator, presidente e tribunal. Questionado sobre a demora para devolver a vista do financiamento de campanha eleitoral, mesmo diante de uma maioria pública de seis votos contrários à sua posição, o ministro Gilmar Mendes não se justificou com base na complexidade do processo. O ministro declarou que o financiamento de campanha "é uma matéria do Congresso por excelência. Alguém já imaginou o Supremo definindo qual vai ser o sistema eleitoral?", questionou. É um argumento de mérito. Não há qualquer tentativa de disfarçar o uso da vista como poder de veto individual. Se o ministro Gilmar Mendes já tem posição clara, a questão é de voto –não de vista. Deveria apresentar seu voto perante o tribunal e aceitar uma eventual derrota. Curiosamente, em outros casos, o próprio Gilmar Mendes concordou que esse poder de veto é um problema. No julgamento da reclamação nº 2.138, em 2007, com o placar já indicando uma maioria de seis votos, o então ministro Joaquim Barbosa pediu vista. Mendes objetou: "Incomoda tremendamente esse pedido de vista que, nesse caso, rima com perdido de vista. "Na verdade, estamos a demorar demais ["¦] já com uma definição, porque, neste caso, o pedido de vista ocorreu quando havia seis votos." Os ministros trocam de papéis, mas ninguém abre definitivamente mão do seu próprio poder de veto individual. Hoje, para os ministros do Supremo, perder é opcional. Esse poder não tem base legal –ninguém desenhou o Supremo assim. A Constituição Federal prevê um tribunal colegiado, de deliberação coletiva e decisão por maioria. A transformação da vista limitada em veto ilimitado foi obra da prática de sucessivas gerações de ministros. Precisamos de uma maioria de ministros com coragem republicana para acabar com esse poder individual de veto. DIEGO WERNECK ARGUELHES, 33, doutor em direito pela Universidade Yale (EUA), é pesquisador e professor da FGV Direito Rio IVAR A. HARTMANN, 30, mestre em direito pela Universidade Harvard (EUA), é professor da FGV Direito Rio e coordenador do projeto Supremo em Números * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-15
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/04/1616685-diego-werneck-arguelhes-e-ivar-a-hartmann-pedido-de-vista-e-poder-de-veto.shtml
Leitores criticam artigo de Ivan Valente sobre doações de empresas
O deputado Ivan Valente ("Petrobras e financiamento de campanha", Tendências/Debates, 14/4) é de uma desfaçatez absurda. Acha que a causa de todos os males do país é o financiamento empresarial, e não a falta de ética da sua classe. Porque eles nos roubam diariamente sem moral alguma, passaremos nós, cidadãos brasileiros, a pagar a conta das campanhas? Acabem com as doações e aí veremos o verdadeiro achaque às estatais. Tenham vergonha na cara e nada precisará ser proibido. RODRIGO BLAS (São Paulo, SP) * O lobo perde o pelo, mas não perde o vício. O deputado Ivan Valente parece que ainda não se desprendeu das ideias de seu antigo partido, o PT, ao tentar arrastar o PSDB para dentro do lamaçal do petrolão. Com a devida vênia, excelência, os três partidos com representantes para assaltar a Petrobras, segundo delação premiada de Paulo Roberto Costa, são PT, PMDB e PP. ANTONIO AUGUSTO DE CASTRO OLIVEIRA (Osasco, SP) * PARTICIPAÇÃO Os leitores podem colaborar com o conteúdo da Folha enviando notícias, fotos e vídeos (de acontecimentos ou comentários) que sejam relevantes no Brasil e no mundo. Para isso, basta acessar Envie sua Notícia ou enviar mensagem para leitor@uol.com.br
2015-04-15
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Painel do Leitor
http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2015/04/1616731-leitores-criticam-artigo-de-ivan-valente-sobre-doacoes-de-empresas.shtml
Leitor critica "profecia jornalística" na coluna de Valdo Cruz
Extraordinariamente animadora a coluna Sem chance de errar. Diante das dificuldades atuais, Valdo Cruz nos brinda com a profecia de que tudo vai piorar, o desemprego vai aumentar, a inflação seguirá em alta e o país vai desacelerar ainda mais, ingredientes que vão azedar o humor dos brasileiros. O que há de alvissareiro nisso é que, em geral, a análise de muitos dos nossos jornalistas é calcada mais no subjetivo do que no objetivo. Reside aí nossa esperança: o costumeiro reverso da profecia jornalística. * PARTICIPAÇÃO Os leitores podem colaborar com o conteúdo da Folha enviando notícias, fotos e vídeos (de acontecimentos ou comentários) que sejam relevantes no Brasil e no mundo. Para isso, basta acessar Envie sua Notícia ou enviar mensagem para leitor@uol.com.br
2015-04-15
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Painel do Leitor
http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2015/04/1616724-leitor-critica-profecia-jornalistica-na-coluna-de-valdo-cruz.shtml
Leitores divergem sobre legitimidade dos protestos contra o governo Dilma
A quantidade projetada de participação popular no último domingo (12) de maneira alguma diminui a importância ou reduz a insatisfação dos brasileiros com o atual momento da política interna, que se encontra em rota de colisão com as demandas sociais e econômicas, com sérias consequências no cotidiano dos brasileiros ("Ato reuniu 100 mil na Paulista, diz Datafolha", "Poder", 13/4). Os movimentos populares causaram imenso desconforto nos ministros e líderes políticos que até então entendiam, pelo seu histórico de lutas, que possuíam a exclusividade de organizarem movimentos de massa articulados e com apoio da elite das centrais sindicais. HÉLIO PILNIK, economista (São Paulo, SP) * Infelizmente, a contagem de público do Datafolha, confiável, se restringe a São Paulo. Temos que "acreditar" no total de 700 mil participantes no país, apresentado por muitos como cifra impressionante. Esse número corresponde a menos de 0,50% do eleitorado brasileiro e a menos de 0,35% da população do país. Não fosse o estardalhaço feito pela imprensa, todo mundo veria que foi pouquíssimo representativo. UDOVALDO J. EID (Curitiba, PR) * Acho injusto o libelo contra a classe média feito pelo colunista Luiz Fernando Vianna ("Vitória Parcial", "Opinião", 13/4). A classe média não desconhece a história brasileira, não menospreza a democracia nem é seguidora incondicional dos grupos de comunicação. A classe média tem valores e os defende -o principal é o trabalho. Nos países avançados, ela teve papel fundamental no desenvolvimento econômico. LAERCIO LESSA, economista (São Paulo, SP) * Será que os manifestantes carnavalescos do domingo passado sabem que está sendo deflagrada pela Polícia Federal a Operação Zelotes, caracterizada por um esquema de propina cujo rombo nos cofres da Receita ultrapassa duas vezes o apurado na Petrobras? Se fossem petistas... KAREN SCHETTINO (Nova Lima, MG) * Interessante a coluna de Clóvis Rossi ("Classe média à la carte", "Mundo", 14/4). Diz: "Você pode amar ou odiar a classe média, mas pegar dela apenas o pedaço que lhe agrada é desonesto". Rossi se refere à estigmatização que estão querendo impor sobre essa faixa da população, tirando a sua legitimidade. Fazer isso é o jogo do Lula, que está empobrecendo todo mundo e tenta colocar uma classe contra a outra. JAIME PEREIRA DA SILVA (São Paulo, SP) * Parabéns a Janio de Freitas pelo artigo "A alegre política" ("Poder", 14/4). Essas encenações alegres e raivosas das recentes manifestações se traduzem em demandas desconexas, despolitizadas e, por vezes, aviltantes, ao admitirem o retorno da ditadura militar. "Fora, Dilma!". E daí? A maioria nem sabe ou nem quer saber o que virá. Talvez o impulso maior dessa saída às ruas seja o ódio mortal entre estas duas facções partidárias: PT e PSDB. ANETE ARAUJO GUEDES (Belo Horizonte, MG) * "Pessoas da classe média com nível superior de escolaridade têm juízo crítico e conseguem pensar" enquanto que "os pobres e analfabetos ainda não perceberam ser massa de manobra". (José Luiz Belderrain, Painel do Leitor, 14/4). Eis aí o resumo da mediocridade, segundo a qual escolaridade significa automaticamente sabedoria e pobreza, ignorância. E é o PT quem divide o país, não é? ADEMAR G. FEITEIRO, advogado (São Paulo, SP) * Li a carta do sr. Antônio Beethoven Cunha de Melo (Painel do Leitor, 14/4/) e não entendi sua indignação. Fiquei me perguntando: em qual Brasil ele gostaria de viver, em um onde "80% dos habitantes possuem nível superior e apenas 35% são assalariados", ou em outro onde a ignorância grassa, os índices de analfabetismo são elevados e grande parte da população vive às custas do Estado? Afinal, o que há de errado nessa "elite"? GILBERTO ASSAD (São Paulo, SP) * PARTICIPAÇÃO Os leitores podem colaborar com o conteúdo da Folha enviando notícias, fotos e vídeos (de acontecimentos ou comentários) que sejam relevantes no Brasil e no mundo. Para isso, basta acessar Envie sua Notícia ou enviar mensagem para leitor@uol.com.br
2015-04-15
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Painel do Leitor
http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2015/04/1616705-leitores-divergem-sobre-legitimidade-dos-protestos-contra-o-governo-dilma.shtml
Editorial: América pragmática
A histórica reunião entre o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e o ditador cubano, Raúl Castro, deu tom pragmático à Cúpula das Américas, encerrada no fim de semana, no Panamá. O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, bem que tentou inocular no encontro a desgastada retórica anti-imperialista, mas Obama e Raúl prosseguiram com os gestos de reaproximação entre seus dois países, iniciada há dois anos por meio de negociações secretas. Encerrou-se, assim, um hiato de 54 anos sem encontros bilaterais. A normalização das relações, no entanto, continua incerta. A reabertura das embaixadas –principal medida anunciada em dezembro pelos dois mandatários– não avança porque Cuba rejeita a exigência norte-americana de que seus diplomatas tenham plena liberdade para circular na ilha. Além disso, os EUA ainda não cumpriram a promessa de retirar Cuba da lista das nações que patrocinam o terrorismo, o que mantém o país praticamente isolado do sistema financeiro internacional. Embora a Casa Branca tenha tomado iniciativa com esse fim, a medida depende de aprovação do Congresso, dominado pela oposição. Também se sujeita ao Legislativo a anulação do emaranhado de leis que formam o embargo econômico à ilha. Mantendo relação tumultuada com a maioria republicana, Obama dificilmente conseguirá derrubar o anacrônico mecanismo até o fim de seu mandato. É improvável, de todo modo, que o próximo ocupante da Casa Branca se disponha a reverter as iniciativas de reaproximação. As críticas ao embargo, que fracassou no objetivo de derrubar a ditadura cubana, são unânimes na região. Não deixa de ser curioso que atores identificados com a esquerda, mais que a própria direita americana, rendam-se ao pragmatismo econômico. Com a crise da Venezuela, que substituiu o papel de provedor outrora exercido pela União Soviética, o governo dos Castro precisou ceder. Guardadas as diferenças, o mesmo vale para quase todos os demais países latino-americanos, aparentemente dispostos a modernizar sua relação com a maior economia do mundo. A Venezuela, com sua retórica mofada, fica a cada dia mais isolada. A 7ª Cúpula das Américas marcou um avanço em relação aos encontros anteriores, depreciados por disputas ideológicas. Minimizado esse entrave, o desafio será aprimorar a cooperação entre os países para pressionar os regimes de Cuba e da Venezuela a atuar dentro dos marcos da democracia.
2015-04-15
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/04/1616697-editorial-america-pragmatica.shtml
Indio da Costa: Reforma política para valer
Tal como nas manifestações de junho de 2013, o recado inequívoco dos atuais protestos contra a corrupção no país aponta na direção da insustentabilidade do atual sistema político-eleitoral. Há dois anos, pesquisa feita pelo Ibope sobre as principais razões que levaram os brasileiros às ruas naquele mês já mostrava que o combate à corrupção era a preocupação de 49% dos entrevistados. De lá para cá, a frustração das promessas de que a reforma política sairia do papel, aliada as revelações ao escândalo na Petrobras, só aumentou a insatisfação da sociedade que democraticamente voltou às ruas para cobrar uma resposta. Um tema imposto ainda pelo alto grau de abstenções (19,4%) de votos brancos (3,8%) e nulos (5,8%) registrados nas eleições de 2014. Com um governo sem iniciativas estruturantes e as voltas com medidas de ajuste da economia e das contas públicas, a Câmara dos Deputados assumiu o protagonismo com a instalação da comissão especial para fazer a reforma política. No sistema político vigente, as campanhas são caríssimas e há um abismo entre representantes e representados. Além disso, vencem as eleições quem conhece melhor o sistema e não quem tem mais voto, situação que distorce a representatividade. Afinal, sem reduzir os atuais 33 partidos, não adianta pensar em fortalecê-los. Se aprovadas a cláusula de desempenho e o fim das coligações proporcionais, teremos um efeito virtuoso, com a redução do excessivo pluripartidarismo que propicia as legendas de aluguel. A reforma deve buscar a aproximação entre sociedade e políticos após o período eleitoral; campanhas eleitorais mais baratas e acessíveis, com programas de TV econômicos; e garantir que o eleito cumpra com o que se comprometeu na campanha, proposta que tento emplacar na reforma. Com a mesma responsabilidade de ter sido um dos relatores do projeto que se transformou na Lei da Ficha Limpa, apresentei à comissão especial da reforma o embrião do Código de Defesa do Eleitor. O Código obrigaria ao eleito, no final de cada mandato, a comprovação de que trabalhou na efetivação das propostas feitas na campanha e registradas na Justiça Eleitoral, caso contrário não poderia se candidatar na eleição seguinte. A coincidência das eleições; instituição da federação partidária; suplência do Senado para os não eleitos mais votados; fim da reeleição com mandatos de cinco anos para todos os cargos eletivos e a introdução do voto distrital, sugerida pelo senador José Serra para as eleições municipais em cidades com mais de 200 mil habitantes, completariam a lista de aperfeiçoamentos das atuais regras. Neste momento de crises institucional, hídrica, elétrica, financeira e econômica, baixo crescimento, aumento da inflação e a perda da confiança na política, a reforma no sistema político-eleitoral deve ser a prioridade para resgatar a boa política, próxima do eleitor, mais transparente e mais democrática. Há ainda a proposta do presidente do PMDB, Michel Temer, que deve ser considerada, o distritão. Embora enfraqueça os partidos, lugar onde a batalha política deveria se concentrar, este modelo simplificaria o sistema e resolveria boa parte dos ajustes propostos. O que não podemos é deixar de ouvir as ruas e continuar sem mudanças. Reforma política já! INDIO DA COSTA é deputado federal pelo PSD-RJ e membro titular da Comissão Especial da Reforma Política da Câmara dos Deputados. * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-15
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/04/1616687-indio-da-costa-reforma-politica-para-valer.shtml
Diego Vinicius Santinelli Pestana: Convivência pacífica entre calouros e veteranos
Diálogo, transparência e mudanças. Essas três palavras resumem a atitude assumida recentemente pelos alunos veteranos da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Contrastando com o turbilhão das recentes denúncias sobre trotes violentos em todo o Estado de São Paulo, a comunidade da FMUSP vem se destacando pela adoção de uma postura firme contra os maus tratos e o bullying, buscando construir uma convivência pacífica e plural entre veteranos e calouros, alunos e professores. A diretoria da Associação Atlética Acadêmica Oswaldo Cruz (AAAOC) está firmemente engajada nesse processo, criticando e corrigindo os erros do passado, empenhando-se em debater e compartilhar ideias e pontos de vista diferentes e abrindo espaço para que encontremos soluções conjuntas contra a violência no campus. Trata-se de um esforço para defender a tradicional instituição Faculdade de Medicina, cujos valores estão comprometidos com os princípios da ética, do respeito ao indivíduo, da humanização, da honestidade, do pioneirismo e da excelência. Um exemplo dessa postura da AAAOC foi a campanha movida contra o consumo de bebidas alcoólicas nas festividades acadêmicas e contra o trote (que, aliás, não realizamos há mais de dez anos). A recepção aos calouros deve ser marcada por um espírito de confraternização, após um período de muita dedicação aos estudos. É preciso ter tolerância zero com abusos e humilhações. A Atlética se une a toda a comunidade acadêmica na exigência da apuração rigorosa das denúncias de abusos ocorridos no passado. Estamos, inclusive, implantando uma Ouvidoria em apoio aos alunos que foram vítimas de mau comportamento de alguns. É importante deixar claro que, ao contrário do que tem sido divulgado, a Atlética da FMUSP e seus dirigentes estão colaborando com todas as investigações realizadas pela CPI da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), esclarecendo inclusive vários pontos obscuros. Vale lembrar também que as acusações relacionadas a abusos sexuais, homofobia, machismo e agressões físicas e morais estão sendo devidamente apuradas pelas instâncias adequadas e não envolvem participação de qualquer membro da Atlética. Deixamos claro, aqui, nosso compromisso com o diálogo franco e pela reconstrução da confiança coletiva dentro da FMUSP. Trata-se de uma instituição que forma profissionais de alta qualidade, que prestarão, por muitos anos, serviços relevantes às comunidades de São Paulo e do país. É preciso que essa formação de excelência inclua também os princípios de tolerância e da convivência democrática, excluindo radicalismos de qualquer tipo, que só alimentam soluções autoritárias e excludentes. Assumimos o compromisso público de manter as portas abertas a estudantes, professores, à diretoria da Faculdade a aos ex-alunos, sem distinção, para resgatarmos o legado humanista da FMUSP. E esperamos que essa experiência de autocrítica e de reconstrução de boas práticas seja absorvida por outras faculdades em todo o país, contribuindo assim para enterrar de vez o triste passado de violência e de abusos contra calouros. A universidade deve se esforçar para não reproduzir mecanismos de opressão, intolerância e preconceito desenvolvidos em alguns setores da sociedade. Ela deve ser também uma escola de cidadania. DIEGO VINICIUS SANTINELLI PESTANA é presidente da AAAOC e estudante do terceiro ano de medicina na USP * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-14
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/04/1616070-diego-vinicius-santinelli-pestana-convivencia-pacifica-entre-calouros-e-veteranos.shtml
Raul Cutait e Bernardo Garicochea: Câncer e história familiar
A atriz americana Angelina Jolie tomou duas decisões sérias: retirar os seios e, agora, os ovários, com o intuito de se prevenir de um possível câncer nesses órgãos, em função de sua história familiar. Essas atitudes trouxeram à tona três perguntas que médicos e pesquisadores se fazem há décadas: como identificar famílias de alto risco para desenvolver câncer? Como identificar os integrantes dessas famílias que de fato têm o risco de desenvolver câncer? E a terceira e crucial questão: uma vez identificadas as famílias e seus membros em risco, o que fazer? As respostas para essas questões, ainda que não conclusivas, começaram a ser dadas há um século, com a descrição de uma família com múltiplos casos de câncer de intestino e útero, dentre outros. Desde então, a conotação de hereditariedade vinha sendo percebida pela história familiar. Foi a partir dos anos 90, graças à tecnologia de avaliação do DNA, que se tornou possível identificar defeitos genéticos específicos que poderiam ser transmitidos de pais para filhos, o que facilita definir as famílias de risco para os vários tipos de câncer hereditário. Dentre eles, destacam-se o câncer de mama, o mais frequente em mulheres, com 5% de todos os casos, e o de intestino grosso, o segundo mais frequente em homens e mulheres, com 3% dos casos. Em menor escala, a hereditariedade pode também estar ligada a tumores de útero, ovários, estômago e pele. Como tem sido constantemente repetido nos meios científicos e entre gestores de saúde, a prevenção do câncer é o melhor remédio por evitar sofrimento e custos desnecessários. Assim, é factível fazer prevenção e diagnóstico precoce de câncer em famílias de alto risco, o que leva a índices de cura mais altos e tratamentos menos agressivos. Os integrantes dessas famílias devem ser avaliados a partir de idades mais precoces com exames periódicos. Caso a mutação genética seja reconhecida, a cirurgia profilática –retirada do órgão com risco de desenvolver câncer– pode ser uma conduta tranquilizadora, como no caso de Angelina Jolie. Em outras situações, como em câncer colorretal, a cirurgia pode ser substituída por colonoscopias anuais. É importante ressaltar que essas cirurgias podem trazer implicações emocionais e, eventualmente, funcionais. Assim, extirpar as mamas pode ter forte conotação na sexualidade das mulheres, a perda dos ovários pode implicar menopausa precoce, a retirada do útero pode gerar a sensação de agressão e a ressecção do intestino grosso pode levar a distúrbios funcionais. Operar ou acompanhar com exames periódicos, portanto, é uma decisão que tem que ter embasamento científico e, ao mesmo tempo, ser a opção de cada paciente em risco. A experiência ao longo de décadas cuidando de famílias com câncer hereditário tem nos mostrado que as reações individuais são as mais diversas, indo desde os que preferem ser operados até aqueles que se recusam inclusive a fazer exames periódicos de prevenção. O estudo das alterações genéticas que geram câncer hereditário é fascinante e mobiliza milhares de médicos e pesquisadores mundo afora. Em futuro próximo, com o aprimoramento tecnológico e custos menores, será possível, por meio de exames de DNA, saber seu risco hereditário. O apogeu virá quando forem disponibilizados medicamentos que possam agir de modo a prevenir a manifestação do câncer, poupando as pessoas de cirurgias profiláticas. É fundamental que os sistemas de saúde, público e privado, reconheçam a necessidade de se investir em famílias afetadas, tratando-as como um grupo populacional que requer atenção especial. Afinal, salvar vidas é a missão. RAUL CUTAIT, 65, é professor associado do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da USP e membro da Academia Nacional de Medicina BERNARDO GARICOCHEA, 54, é diretor da Unidade de Aconselhamento Genético do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-09-04
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/04/1614110-raul-cutait-e-bernardo-garicochea-cancer-e-historia-familiar.shtml
Hilton Thadeu Zarate do Couto: A vez do eucalipto transgênico
A cultura de eucalipto no Brasil beira os 6 milhões de hectares, a maior parte localizada no Sudeste. Há plantações comerciais, entretanto, em praticamente todos os Estados. Graças ao trabalho de muitos pesquisadores, o Brasil é um dos maiores produtores florestais no mundo, chegando à média anual de 40 m3/ha em algumas unidades da Federação. Inicialmente, as plantações de eucalipto no Brasil eram feitas com sementes colhidas em talhões comerciais. Logo se descobriu que o eucalipto respondia bem ao melhoramento genético. Outra etapa na evolução dos plantios de eucalipto foi o desenvolvimento da propagação vegetativa, por meio da clonagem, que praticamente dobrou as produtividades das plantações. Isso vem tornando o Brasil um grande competidor internacional na produção de produtos oriundos da madeira, como a celulose e papel, chapas de fibras e aço (com o uso de carvão vegetal). No dia 5 de março, cerca de mil mulheres militantes do MST e Via Campesina ocuparam o centro de pesquisa da empresa brasileira FuturaGene, em Itapetininga (SP) e, protestando contra o cultivo de eucaliptos transgênicos, destruíram um importante banco de material genético. Nove anos e todo o investimento em pesquisa foram perdidos. Ao mesmo tempo, em Brasília, cerca de 200 pessoas invadiram a reunião da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), impedindo a votação do processo de liberação comercial do eucalipto transgênico. As alegações levantadas para impedir a aprovação do eucalipto transgênico no Brasil são baseadas em cinco pontos principais: agravamento da crise hídrica, fluxo gênico, ou seja, a possibilidade de contaminação de outros plantios de eucalipto, a segurança da proteína NPT 2, perda de competitividade do mel brasileiro e restrição à certificação florestal por parte do FSC. Alguns pesquisadores deixam transparecer para o público leigo que o eucalipto –seja transgênico ou convencional– some com a água que cai no solo pelas chuvas. Grande parte dessa água evapora e outra parte vai para os cursos de água alimentando os rios e reservatórios. Apenas 0,1 % da água é retida pelas plantações de eucalipto. Portanto atribuir ao eucalipto o agravamento da crise hídrica é sobrepor a crença à ciência. Boa parte das plantações de eucalipto no Brasil é oriunda de propagação vegetativa, ou seja, a possível contaminação por pólen transgênico não resultará em plantas com algum grau de transgenia. A proteína NPT 2, presente em alguns órgãos da planta do eucalipto transgênico e que os ativistas contra a liberação comercial consideram perigosa, já é estudada há muito tempo e importantes órgãos internacionais de proteção ao consumidor a consideram-na segura para o consumo humano. Abelhas do gênero Apis e nativas que foram expostas ao pólen do eucalipto transgênico não apresentaram diferenças na sua morfologia, comportamento ou reprodução, segundo estudos realizados pela FuturaGene. Sobre a possível perda de competitividade do mel brasileiro no mercado internacional por causa da presença de material transgênico, esta, se existir, estará bem abaixo das quantidades exigidas para a rotulagem de transgênico. Estudos mostram que o mel para exportação é filtrado e os resíduos, inclusive a presença de pólen, são retirados junto dos demais resíduos. Mas, mesmo assim, a proteína NPT 2 não causa danos ao organismo humano. O Conselho de Manejo Florestal (FSC), que certifica plantações florestais no mundo, ainda não aprovou a certificação de material transgênico no Brasil. O FSC não apresenta justificativa técnica para essa negativa. Esse é um dos motivos que faz com que os ativistas critiquem a liberação do plantio e comercialização do eucalipto transgênico. As empresas aderem voluntariamente aos processos de certificação e têm autonomia para decidir se interessa ou não mantê-los, de acordo com suas estratégias de mercado. Portanto é um assunto que não diz respeito à biossegurança do organismo geneticamente modificado. Assim como com outros organismos geneticamente modificados, qualquer atraso na liberação comercial do eucalipto fará com que o Brasil continue atrás no desenvolvimento de tecnologias avançadas. HILTON THADEU ZARATE DO COUTO, professor titular Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da USP, é membro titular da CTNBio * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-08-04
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/04/1613600-hilton-thadeu-zarate-do-couto-a-vez-do-eucalipto-transgenico.shtml
Mark Weisbrot: O preço político das sanções à Venezuela
A última Cúpula das Américas, em Cartagena, na Colômbia, em 2012, foi um desastre para o presidente Barack Obama. Houve escândalos entre agentes do serviço secreto americano e profissionais do sexo, uma rebelião do sul contra a fracassada "guerra às drogas" americana e, sobretudo, oposição unânime ao embargo dos EUA a Cuba. O sinal mais decisivo de que não era apenas um caso de os suspeitos de sempre causando problemas foi o aviso dado pelo presidente Manuel Santos, da Colômbia –um dos poucos "amigos" de Washington na região–, de que não haveria outra cúpula sem Cuba. No ano passado, Barack Obama ofereceu um presente de Natal surpresa aos seus vizinhos do sul: depois de mais de meio século de agressão contra Cuba, ele finalmente começaria a normalizar as relações. Bem-vindos ao século 21! Embora republicanos jihadistas e neoconservadores tentem adiar o processo no Congresso, a Casa Branca expressou publicamente a esperança de que houvesse pelo menos embaixadas abertas nos dois países antes da cúpula de 10 de abril. Mas o que Deus dá com uma mão, ele tira com a outra. Em 9 de março a Casa Branca declarou "emergência nacional" devido à "extraordinária ameaça à segurança nacional" representada pela Venezuela. A administração Obama tentou minimizar a linguagem empregada, descrevendo-a como mera formalidade, mas o mundo sabe que esse tipo de linguagem ameaçadora e as sanções que a acompanham podem ser bastante prejudiciais à saúde do país designado. No passado, houve ocasiões em que até foram seguidas de ações militares. Fato mais alarmante, no caso atual, foi que em uma audiência no Senado, em 17 de março, Alex Lee, do Departamento de Estado, declarou que as sanções atuais são apenas "a primeira saraivada" contra a Venezuela. É claro que o mundo fora de Washington sabe que as sanções não guardam relação alguma com as supostas violações dos direitos humanos na Venezuela. Mas as sanções também deixaram claro que a abertura do presidente Obama não representou nenhuma mudança na estratégia de Washington para a região: a intenção de ampliar as relações comerciais e diplomáticas visou apenas propiciar uma estratégia mais eficaz de enfraquecimento do governo cubano –e de todos os governos de esquerda na região. Isso inclui o Brasil, onde, em 2005, o Departamento de Estado dos Estados Unidos financiou esforços para enfraquecer o governo petista, segundo documentos do próprio governo norte-americano. Representantes do Brasil, do México, da Colômbia, da Argentina e quase todos os países das Américas manifestaram-se contra as sanções na OEA (Organização dos Estados Americanos). A Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), por exemplo, pediram a sua revogação. O governo cubano também respondeu com força, jogando por terra as esperanças de algum acordo antes da próxima cúpula, à qual Obama irá de mãos abanando após essa iniciativa mal pensada. Esperemos que o Brasil –e que todos os outros países presentes à Cúpula das Américas, nesta sexta-feira (10) e sábado (11) no Panamá– deixe claro que esse tipo de comportamento de "Estado fora da lei", com sanções unilaterais que violam a Carta da OEA, não será tolerado. MARK WEISBROT é codiretor do Centro de Pesquisas Econômicas e Políticas, em Washington, e presidente da Just Foreign Policy, organização norte-americana especializada em política externa Tradução de CLARA ALLAIN * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-08-04
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/04/1613554-mark-weisbrot-o-preco-politico-das-sancoes-a-venezuela.shtml
Patricia Blanco: Uma ideia fora do lugar
"Toda pessoa tem o direito de externar suas opiniões por qualquer meio e forma. A associação obrigatória ou a exigência de títulos para o exercício do jornalismo constituem uma restrição ilegítima à liberdade de expressão. Essa atividade deve reger-se por condutas éticas, as quais, em nenhum caso, podem ser impostas pelo Estado." Esse princípio, extraído da Declaração de Princípios da OEA (Organização dos Estados Americanos) sobre a liberdade de expressão, concebido há 15 anos, merece ser lembrado neste momento em que a Câmara Federal se prepara para votar a Proposta de Emenda Constitucional que restabelece a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista. Programada para esta terça (7), Dia do Jornalista, a decisão em torno desse tema, conhecido como a PEC do Diploma, exige, porém, que a razão se coloque acima das paixões. O que está em questão é o alcance da liberdade de expressão, não uma questão corporativa. O ângulo da nova votação da PEC do diploma é o mesmo que aquele já decidido em 2009 pelo Supremo Tribunal Federal. Naquele ano, por oito votos contra um, os ministros derrubaram a exigência do diploma de curso superior de comunicação social com habilitação em jornalismo para a prática da profissão. Entenderam que o decreto-lei que tratava do tema afrontava a Constituição. Ao tomar a decisão, o Supremo se apoiou em evidências concretas. Constava que a obrigatoriedade do diploma fazia parte do sistema de controle do regime militar. Pelo filtro de suposta legalidade, era possível acompanhar, por meio dos registros no Ministério do Trabalho, aqueles que estavam empregados na mídia e, mais do que isso, ter informações atualizadas de todos os que editavam ou financiavam meios de comunicação. Com a democratização e respaldo da Constituição, ganhava força naquele momento a possibilidade de qualquer cidadão poder expressar suas opiniões livremente, sem nenhum obstáculo de natureza legal, podendo inclusive criar suas próprias publicações jornalísticas. A obrigatoriedade do diploma, existente apenas em países onde a democracia e a liberdade de expressão sofrem severas ameaças, limita a seleção de profissionais aos que detêm um título, o que empobrece o debate e o fortalecimento de uma sociedade democrática. O fim do diploma não tem impedido que, na maioria das vezes, as empresas procurem profissionais em faculdades de jornalismo. O fato é que o fim da obrigatoriedade fez com que as empresas jornalísticas ficassem livres para escolher os profissionais que consideram melhores para as suas demandas e, por consequência, para as dos leitores, abrindo, em lugar de reserva de mercado corporativista, espaço para uma profissão que por origem e formação sempre foi livre. Hoje, voltar ao tema soa como uma ideia fora do lugar. Não há motivo para incluir na Constituição a regulamentação de uma profissão, por mais relevante que ela seja. Nesse particular, o princípio geral, fundamento essencial da decisão do Supremo, é a liberdade como cláusula pétrea. Um direito que tem feito história e precisa ser garantido a qualquer cidadão. PATRICIA BLANCO, 43, é presidente do Instituto Palavra Aberta, organização dedicada à promoção da liberdade de expressão e da livre iniciativa * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-07-04
opiniao
Opinião
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Sexto volume da coleção Folha Soul & Blues traz Diana Ross & The Supremes
No próximo domingo (12), a Coleção Folha Soul & Blues leva às bancas os sucessos de Diana Ross & The Supremes. O sexto volume da Coleção, que já lançou Stevie Wonder e Jackson 5, apresenta agora a trajetória do grupo feminino em um livro-CD, com texto do jornalista especializado em música Mauro Ferreira. Em 1959, as adolescentes Florence Ballard, Diana Ross, Mary Wilson e Betty McGlown se juntaram para formar o grupo The Primettes, em Detroit. Diante da fraca repercussão, Betty deixou o grupo e Barbara Martin assumiu seu lugar. O quarteto conseguiu um contrato com a Motown, em 1961, e mudou o nome para The Supremes. Seu primeiro álbum, "Meet The Supremes", também não rendeu grande coisa e foi a vez de Barbara deixa-las. Assim, o grupo chegou à formação clássica que com "Where Did Our Love Go" alcançou o topo da parada Billboard, em 1964. O caminho estava aberto para o trio que nos anos seguintes emplacou também "Baby Love", "Stop! In The Name of Love" e "You Keep me Hangin' On". As canções que interpretavam eram uma versão mais pop e esbranquiçada da música negra norte-americana, o que ajudou a quebrar barreiras raciais e fez do grupo um fenômeno de massa. CARREIRA SOLO A voz de Diana estava presente no primeiro plano das principais gravações do trio de 1964 a 1970. Florence ficou enciumada e passou a beber e a faltar em gravações. "Saí das Supremes em 1967 porque queriam que Diana fosse a líder do grupo", ela declarou mais tarde. Diana, hoje aos 71, deixou as Supremes em 1970 e seguiu carreira solo. Ela foi substituída por Jean Terrel e o grupo seguiu até 1977, porém sem o mesmo brilho. Nos cinemas, sua trajetória foi revivida não oficialmente em "Dreamgirls" (Bill Condon, 2006), que deu o Oscar de melhor atriz coadjuvante para Jennifer Hudson.
2015-06-04
paineldoleitor
Painel do Leitor
http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/agendafolha/2015/04/1617440-sexto-volume-da-colecao-folha-soul--blues-traz-diana-ross--the-supremes.shtml