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Conclamação do PSDB
Se sobrasse a Dilma Rousseff e a Eduardo Cunha um mínimo de patriotismo e respeito pelo povo brasileiro, eles renunciariam. Mas, se não pudermos contar com eles, voluntariamente, devemos mobilizar o povo nas ruas para que suas renúncias se imponham ou os processos de perda de seus mandatos se efetivem por ação do Congresso Nacional, nos termos da Constituição. Dilma perdeu a capacidade de exercer o mandato de presidente da República. Não comanda nem seu próprio ministério. Lula tem de fato o comando do governo. A Cunha falta a autoridade moral indispensável para presidir a Câmara dos Deputados. Isso fica mais claro a cada dia. Na Câmara, o resultado será um novo presidente. Na Presidência da República, a assunção de Michel Temer, substituto legal, a não ser que a investigação sobre recursos eleitorais supostamente advindos de corrupção leve o TSE a cassar os mandatos de ambos. O PSDB não pode mais adiar sua posição. Já perdemos muito tempo de forma, no mínimo, ingênua. Ela deve ser clara, incisiva e mobilizadora, propositiva de algumas reformas, um mínimo consenso para enfrentar a crise e abrir a perspectiva de retomada do desenvolvimento. O ajuste fiscal é premente. Significa limitação dos gastos públicos, de maneira a não afetar os que mais dependem do Estado, com o objetivo de combate à inflação e retomada de investimentos. O Estado brasileiro precisa de reformas que lhe dê condições de articular e regular as diversas forças da sociedade, sem que o exagerado ativismo governamental coíba a ação dos mercados e sem que esses predominem sobre o interesse público. Dentre as reformas, garantir o futuro da Previdência é crucial. Não há como sustentar aposentadorias precoces quando a taxa de natalidade cai e a expectativa de vida sobe. A reforma trabalhista é imperiosa. As relações de trabalho, subordinadas aos princípios de equidade e razoabilidade, devem ter flexibilidade para que patrões e trabalhadores possam se ajustar, sem a imposição de regras rígidas, para garantir empregos e salários. A questão federativa é essencial para que o Estado –nos níveis nacional, estadual e municipal– possa funcionar adequadamente e atender às necessidades da população. A questão energética é urgente. Deve ser focada em fontes não poluidoras, que não devastem florestas, não agridam o meio ambiente e não expulsem milhares de pessoas de suas regiões. A segurança pública não pode ser mais vista como um problema dos Estados, mas uma questão nacional. É preciso mudanças nas instituições políticas, a começar pela limitação da existência de partidos e o fim das coligações nas eleições legislativas, fonte de negociatas. Finalmente, como questão estratégica mais importante, a educação. Precisamos buscar uma escola pública de qualidade, da pré-escola até o ensino médio, uma preparação técnica para o exercício de uma profissão e um ensino superior formando quadros capazes de guiar nosso desenvolvimento. Essa é a agenda que o PSDB, com a responsabilidade que tem para com o país, deve assumir. ALBERTO GOLDMAN, 78, ex-governador de São Paulo (2010-2011), é vice-presidente nacional do PSDB * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-24
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1710074-conclamacao-do-psdb.shtml
Nova Argentina
O inédito segundo turno presidencial na Argentina fez mais que definir o opositor Mauricio Macri como novo titular da Casa Rosada. Ao consagrar um candidato de centro-direita, a disputadíssima eleição realizada no domingo (22) demarcou o fim de um ciclo histórico em que se viam com clareza acertos e, sobretudo, os erros da esquerda latino-americana. Iniciado em 2003, o período Kirchner se caracterizou a princípio pela capacidade de reerguer a economia após o colapso cambial de 2001. Néstor (morto em 2010), embalado pela retórica peronista, adotou programas de redução da pobreza e ampliou o papel do Estado para acelerar a recuperação. Beneficiando-se do boom mundial das commodities, a Argentina cresceu a taxas superiores a 8% com Néstor –e para ele foi fácil conduzir a vitória de sua mulher, Cristina, na disputa de 2007. Ocorre que o cenário internacional se alterou com a crise de 2008. O casal Kirchner, todavia, decidiu dobrar a aposta, ampliando a intervenção estatal no setor privado. A presidente elevou investimentos públicos, reestatizou empresas e, a fim de arranjar recursos, aumentou impostos sobre exportações, para desespero dos fazendeiros. Pressionada pelas críticas, Cristina respondeu com a truculenta Lei de Mídia, de 2009, desenhada para intimidar a imprensa. A Argentina ainda cresceu 8,4% em 2011, quando Cristina foi reeleita, mas a taxa despencou para 0,8% em 2012. A inoportuna matriz expansionista elevou a inflação (hoje estimada em 28% ao ano) e deixou a economia estagnada. Dada a degradação geral dos indicadores, seria razoável esperar vitória mais folgada de Mauricio Macri. O candidato da coalizão Mudemos, porém, obteve 51,4% dos votos, ao passo que o governista Daniel Scioli alcançou 48,6%. Parte da explicação talvez esteja nos estímulos oficiais. Como afirmou Martín Redrado, ex-presidente do Banco Central argentino, não há uma percepção de crise. "Quando as pessoas estão consumindo, não têm sensação ruim", disse em entrevista a esta Folha. Há, ademais, as ações do governo Kirchner voltadas para as camadas mais pobres. O próprio Macri, durante a campanha, prometeu manter todos os programas sociais. O novo presidente sabe, contudo, que terá de "realizar uma mudança para o futuro". Não será fácil. Além de se deparar com um eleitorado dividido e com uma população que ainda não sente todos os efeitos das distorções na economia, Mauricio Macri precisará lidar com um Legislativo em que prevalecem as forças kirchneristas. Faz bem, assim, em buscar apoio externo. Já eleito, Macri reiterou o compromisso de fazer do Brasil seu primeiro destino internacional, no intuito de retomar o dinamismo da relação bilateral. Após muito tempo, eis uma agenda da Argentina que interessa aos brasileiros. editoriais@grupofolha.com.br
2015-11-24
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1710114-nova-argentina.shtml
Islã e democracia
"Quando houver moça virgem, desposada, e um homem a achar na cidade, e se deitar com ela, então trareis ambos à porta da cidade, e os apedrejareis, até que morram." Versículo do Alcorão? Não, está na Bíblia (Deuteronômio 22:23,24). "Quem matar uma pessoa (...) será considerado como se tivesse assassinado toda a humanidade; quem a salvar, será reputado como se tivesse salvo toda a humanidade." Sermão de Jesus? Não, revelação a Maomé (Alcorão 5:32). Há entre islã, judaísmo e cristianismo mais semelhanças do que diferenças e eles compartilham muitos valores que estão na base dos direitos humanos; mas incluem outros valores, opostos. As maiores diferenças não estão entre as religiões monoteístas, mas dentro delas. O momento é de luto. François Hollande, Barack Obama e Angela Merkel podem declarar que os terroristas não tem nada a ver com o islã, religião de paz. Mas, na verdade, os assassinos são muçulmanos cuja específica leitura da religião motivou os massacres. Há no mundo muçulmano uma enorme diversidade de posições, de Osama bin Laden com sua prole política –os fanáticos do atual califado– até intelectuais muçulmanos reformistas e/ou "relapsos". Os perpetradores são uma ínfima minoria. Mas não podemos negar que há um problema. O caráter islâmico dos assassinos de Paris é inegável. Será o islã mais violento do que outras fés, um viés que o torna incompatível com a democracia à ocidental? A resposta é "não, porém...". A maioria dos muçulmanos rejeita o terrorismo, buscando um meio termo entre sua religião e a convivência na democracia. Mesmo assim o Alcorão propõe um ideal de sociedade diferente da democracia advinda do iluminismo: não a soberania do povo e a autodeterminação da nação, mas a soberania de Deus e Seu governo. Nisto, contudo, o islã pouco difere do cristianismo e do judaísmo. A solução para o dilema também será análoga: encontrar na sua teologia "jeitos" que permitam o casamento com a modernidade. A palavra de Deus não é mais lida literalmente, mas simbolicamente. Eventualmente tal solução acomodará também a maioria muçulmana. Como no caso cristão e judaico, encontram-se também entre os muçulmanos os que rejeitam a modernidade. Alguns se afastam do mundo "corrupto". Outros tentam explodi-lo. Terroristas não são psicopatas que matam por matar. São pessoas que usam a razão a serviço de um ideal paradisíaco que mergulhou num totalitarismo mortífero. A analogia é menos com o PCC ou nazistas do que com Mao Tse-tung ou Che Guevara: idealistas portadores de visão que se torna pesadelo. Talvez seja possível derrotar militarmente o Estado Islâmico e os que nele se inspiram. Mas enquanto o ideal vive, novos seguidores surgirão. E não é possível extirpar o ideal pelo frio "realismo" baseado em êxito econômico, consumismo e prestígio social, a "vida boa" que o ocidental propõe. O ser humano não vive apenas de pão. Nem é a falta de pão que turbina o terrorismo jihadista, por mais que colonização e imperialismo tenham seu papel na sua gênese. Como foi o caso dos bolcheviques, os que hoje se enquadram no jihadismo abraçam as soluções erradas, mas fazem-no em resposta a perguntas bem reais. Pode-se temer agora entre os europeus uma reação xenófoba, o que jogaria mais jovens desiludidos nos braços da jihad. Só uma outra ideologia pode satisfazer o buraco que o jihadismo preenche. A não ser que a sociedade desenvolva um ideal que satisfaça desejos de inclusão, dignidade e transcendência embutidos em todos, ideologias com alas violentas continuarão preenchendo o vácuo. Hoje temos pela primeira vez amplas diásporas muçulmanas no Ocidente. As reações, tanto no âmbito da sociedade "anfitriã" quanto na comunidade muçulmana, são diversas. Pode-se esperar dos recém-chegados uma dose de adaptação, mas nós ocidentais não podemos negar nossa responsabilidade histórica. A alternativa, um choque de civilizações, colocaria em perigo nosso futuro coletivo. PETER DEMANT, 64, é professor de história e relações internacionais na USP e autor de "O Mundo Muçulmano" (ed. Contexto, 2010) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-23
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1709035-isla-e-democracia.shtml
Creches para as calendas
No seu primeiro ano de mandato, o prefeito Fernando Haddad (PT) prometeu entregar 243 novas creches à cidade de São Paulo. Conseguiu deixar prontas apenas 34. Atendeu até agora, portanto, meros 14% do seu compromisso com os cidadãos. Há famílias que esperam até 840 dias –dois anos e quatro meses– para obter esse serviço essencial do poder público, como em Paraisópolis (zona sul da capital). O efeito dessa omissão pode ser devastador para a economia doméstica. Mães e pais se veem impedidos de permanecer no emprego, por falta de alternativa para cuidar dos filhos. Ou, então, comprometem uma parcela considerável de seus rendimentos contratando serviços precários de vizinhos. Haddad não foi o único, não foi o primeiro e decerto não será o último político brasileiro a dizer uma coisa e fazer outra. Todos alegam depois, como faz agora o petista, que lhes faltam recursos para saldar a dívida assumida. Sob esse verniz de argumento irrecorrível oculta-se arraigada irresponsabilidade administrativa. Com sua experiência como ministro da Educação da presidente Dilma Rousseff (PT), o prefeito tinha plena condição de desconfiar que tal meta se provaria irrealizável. O alcaide contava com as verbas do Proinfância, programa lançado pelo governo federal em 2007 para ajudar prefeituras a construir 8.787 creches. Apenas cerca de 6.300 saíram do papel –o que não quer dizer que estejam construídas, pois várias se encontram em obras e, de acordo com uma auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União), até 25% delas estão paralisadas. Os atrasos não surgiram de forma repentina após 2012, quando se realizavam as campanhas eleitorais nos municípios. E, se as verbas federais minguaram de modo mais acelerado desde então, o que é um fato, isso decorreu da gestão destrambelhada e populista das contas públicas conduzida pelo governo que Fernando Haddad integrava e pelo partido no qual ainda hoje se abriga. A prefeitura pondera que há 258.617 crianças matriculadas em creches próprias ou conveniadas e que, dessas, 56.595 foram incorporadas após a última eleição (acréscimo de 28%). Continuam na fila, porém, 151.755 desassistidos. No ritmo observado nestes primeiros 34 meses do governo Haddad, seriam necessários outros 91 –sete anos e seis meses– para zerar o deficit. Se o prefeito prometer agora alcançar tal resultado até o fim do mandato, ou mesmo se jurar fazê-lo num eventual segundo termo, sobram razões aritméticas para duvidar de sua palavra. editoriais@uol.com.br
2015-11-23
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1709612-creches-para-as-calendas.shtml
Queda vertiginosa
Em meio à queda livre da economia brasileira que se observa desde o início do ano, o aumento do desemprego é o dado mais preocupante. Projeções de que a taxa de desocupação atingirá dois dígitos, consideradas alarmistas há poucos meses, soam agora plausíveis. A Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE atesta que a deterioração do mercado de trabalho nas seis regiões metropolitanas acompanhadas (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife e Porto Alegre) avança numa velocidade cada vez maior. A população ocupada caiu 3,5% em outubro, em relação ao mesmo mês de 2014, um ritmo inédito na série histórica. Por sua vez, a taxa de desemprego subiu para 7,9%. Há um ano, era de 4,7%. A alta só não é maior porque continua a encolher a parcela dos que procuram emprego. A chamada taxa de participação, que mede o número de pessoas economicamente ativas em relação à população total em idade de trabalho, diminuiu de 56,2%, há um ano, para 55,4% em outubro. Se o índice tivesse ficado constante, o desemprego estaria em torno de 9%. Talvez esteja em curso, por ora, o chamado "efeito desalento" –muitos indivíduos deixam de procurar emprego por acreditar que dificilmente terão sucesso em uma conjuntura tão negativa. Alguns recorrem às famílias, outros contam com seguros pagos pelo governo. Por suas próprias características, contudo, tal efeito dura poucos meses. Com o elevado nível de endividamento das famílias e a queda da renda real (acima da inflação), logo não haverá alternativa senão voltar ao mercado em algum momento –e isso vai pressionar as taxas de desemprego. O drama adquire contornos ainda mais cruéis quando se observa que a faixa etária mais afetada é a de jovens de 18 a 24 anos, entre os quais o desemprego saltou de 11,8% para 19,5% em apenas 12 meses. Assiste-se, assim, à reversão da dinâmica dos últimos anos, quando esse grupo passou a adiar a busca por trabalho –muitas vezes para estender os estudos. Outra consequência desse quadro está na queda da massa real de salários: decréscimo de 10,3% no período. Trata-se do pior resultado desde 2003, quando caiu 12%. Não espanta que a recessão ora se aprofunde, com queda adicional das vendas e dos empregos. A formalização do mercado também regrediu. Fecham-se empregos com carteira assinada; criam-se vagas somente entre autônomos. Mantido o ritmo atual de deterioração, o desemprego deve logo superar 10%. Eis uma tragédia forjada pelo populismo e pela incompetência do governo Dilma Rousseff (PT). editoriais@uol.com.br
2015-11-22
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1709331-queda-vertiginosa.shtml
Recriando a vida no rio Doce
A velocidade da ação humana na exploração dos recursos naturais provocou grande desequilíbrio ambiental no vale do rio Doce. Um quadro agora agravado pela tragédia promovida pelo rompimento da barragem da Samarco em Mariana, com sério comprometimento na vida do rio Doce e da população que vive em seu entorno. É um desastre ambiental sem precedentes, que revolta e nos deixa perplexos. A lama que escorre pelo leito do rio já soterrou vidas, histórias, e esteriliza a diversidade ecológica. Sabemos que muitas perdas serão irreparáveis, mas não podemos deixar a tragédia nos imobilizar. Evitar que os danos se multipliquem, responsabilizar todos os envolvidos e acelerar as medidas compensatórias são apenas os primeiros passos. É necessário ir além, com a estruturação de um plano que permita a reconstrução do vale, de forma responsável e comprometida, para assegurar a dignidade na vida de mais de 4 milhões de pessoas que ali residem. Há quase duas décadas atuando no vale do rio Doce, com um trabalho de resgate da natureza em uma área profundamente afetada pela destruição da mata atlântica, o Instituto Terra defende a proposta de criação de um fundo com volume financeiro significativo, subsidiado pelos responsáveis pela tragédia, em um modelo que permita gerar recursos contínuos para projetos ambientais, sociais, econômicos e de geração de emprego e renda em toda a região da bacia. O fundo deverá custear todas as ações compensatórias, exigindo grande comprometimento dos governos federal, estaduais e municipais envolvidos. Exigirá também importante atuação do Ministério Público Federal e dos estaduais de Minas Gerais e Espírito Santo. Diante do cenário desafiador da recuperação ambiental exigida, vai ser preciso também um grande compartilhamento de conhecimento e de tecnologias, ouvindo principalmente a sociedade, universidades, centros de pesquisa. Um grande esforço coletivo pode ser capaz de transformar uma região já deteriorada ambientalmente em um modelo de reconstrução ecossistêmica, produção de água e desenvolvimento sustentável. A constituição, o controle e a destinação desse fundo também devem ser um trabalho coletivo, transparente, para evitar desvios em sua função ou mesmo o emprego inadequado frente às reais necessidades de reabilitação do vale do rio Doce. Os valores da compensação necessitam primeiro ser mensurados a partir do levantamento minucioso e técnico dos danos envolvidos, evitando tanto a aplicação de multas aleatórias que não tenham como destinação específica a recuperação do vale quanto a tentação de utilizar esses recursos em programas ou ações que já eram devidos à população antes da catástrofe. Precisamos evitar o varejo desse fundo, pois se trata mais de questão de interesse social e coletivo do que de políticas de governo. Muito importante é o depósito desses valores em uma entidade bancária responsável, nos moldes do já existente fundo especial para a Amazônia, sob custódia do BNDES. O Instituto Terra pode somar nesse processo com um programa de recuperação de nascentes, com técnicas já testadas e reconhecidas pela ANA (Agência Nacional de Águas) e a ONU-Água. Mais do que nunca precisamos produzir água para reimplantar a vida no rio Doce. O processo de reconstrução ambiental do vale será de longo prazo, e deve estar associado a outras inúmeras intervenções de resgate social e econômico, feitas por diferentes atores. Momentos como este devem ser encarados com uma visão mais ampla, pois permitem a reflexão profunda sobre o modo de vida atual e as saídas possíveis para um futuro de reconexão com a natureza. SEBASTIÃO SALGADO, 72, fotógrafo, é cofundador e vice-presidente do Instituto Terra * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-22
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1709019-recriando-a-vida-no-rio-doce.shtml
Não são apenas três centavos
Alguns absurdos que ocorrem na vida dos advogados fazem com que os que como eu estão na profissão a mais tempo pensem na verdadeira natureza da prestação jurisdicional e na genuína seriedade de alguns entendimentos e orientações jurisprudenciais, especialmente os que por formalismos exagerados impõe às partes e aos advogados posições de autêntica injustiça e dissimulada negação da prestação jurisdicional, uma negação travestida de rigor formal. Vamos a um exemplo. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) é autora de mais um desses absurdos. O órgão do Poder Judiciário em questão desproveu agravo de instrumento interposto por uma empresa por insuficiência do depósito recursal. A empresa depositou três centavos a menos que o valor fixado pelo Tribunal Regional. Isso mesmo: 1, 2, 3 centavos. Um absurdo! A Turma conduziu a decisão com base na Orientação Jurisprudencial, que orienta a deserção do recurso pelo recolhimento insuficiente, ainda que a diferença em relação ao montante correto seja insignificante. Os fatos são corriqueiros para nós advogados. A empresa foi condenada por vara do Trabalho a pagar valor certo a um empregado que não usufruía de intervalos durante a jornada de trabalho. A empresa recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho, que manteve a sentença de origem e majorou o valor da indenização. Não satisfeita com a decisão, a empresa interpôs recurso de revista ao TST, mas o TRT negou seguimento ao apelo devido à falta de autenticação das guias recursais. A empresa então apresentou agravo de instrumento. Vê-se que o trabalho dos advogados foi diligente. Ao examinar o processo, o relator, ministro Douglas Alencar Rodrigues, afastou a deserção pela inautenticidade das guias, porém observou que o depósito recursal efetuado pela empresa somava R$ 8.999,97, três centavos abaixo do valor fixado pelo TRT. Diante da inconformidade de valores, negou provimento ao agravo de instrumento. A jurisdição, como poder ou função estatal, é una e abrange todos os litígios que se possam instaurar em torno de quaisquer assuntos de direito, negar a análise de um recurso por conta de três centavos representa absurdo com o qual não podemos concordar sob pena de renuncia ao amplo direito de defesa e ao devido processo legal. PEDRO BENEDITO MACIEL NETO, 51, advogado, sócio da Maciel Neto Advocacia, autor de "Reflexões sobre o estudo do Direito" (ed. Komedi, 2007) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-21
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1708711-nao-sao-apenas-tres-centavos.shtml
Clima incerto
Os atentados terroristas em Paris dificilmente levarão ao adiamento da conferência mundial sobre mudança do clima (COP21), marcada para começar no próximo dia 30, na capital francesa. Tal é a disposição reafirmada pelo presidente François Hollande e apoiada pelos líderes do G20 na reunião que terminou na segunda-feira (16). Não há dúvida, de todo modo, de que a 21ª reunião da Convenção da ONU sobre Mudança do Clima ocorrerá à sombra de prioridades alteradas. Quando vários países se deparam com ameaça tão chocante e imediata, terminam em segundo plano os riscos climáticos que terão de enfrentar no futuro. Esse não foi o único fator, porém, que levou as 20 maiores economias do mundo a obter escasso avanço nessa questão durante o encontro realizado na Turquia. O processo internacional de negociação sobre formas de combater o aquecimento global se arrasta há mais de duas décadas porque precisa obter a concordância de 195 países quanto à melhor maneira de descarbonizar a economia global —ou seja, de reduzir sua dependência de combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás natural). A meras duas semanas do evento decisivo na capital francesa, a reunião do G20 evidenciou como ainda é muito incerto que de Paris resulte um acordo capaz de pôr o mundo na trilha necessária para minimizar o risco de fenômenos extremos, como tormentas, ondas de calor e secas devastadoras. Considera-se prudente impedir um aumento da temperatura média da atmosfera terrestre acima de 2°C (ou 1,2°C além do 0,8°C já registrado). Para isso, as emissões de gases do efeito estufa precisariam ser zeradas até 2050. Os compromissos nacionais até agora, voluntários, não garantem isso. Pelas últimas estimativas, caminha-se ainda para um inquietante aquecimento de 3°C. Um poderoso instrumento para reverter esse rumo seria suspender os subsídios aos combustíveis fósseis, calculados em US$ 5,3 trilhões anuais (mais que o dobro do PIB do Brasil). O G20 pôs o tema em pauta, mas nada de concreto incluiu no comunicado final. "Reafirmamos nosso compromisso de racionalizar e eliminar subsídios ineficientes a combustíveis fósseis que encorajem o consumo desnecessário, no médio prazo, reconhecendo a necessidade de apoiar os pobres", diz o documento. "Estaremos empenhados em fazer progresso adicional na direção desse compromisso." As lideranças mundiais se limitaram a repetir a ladainha sobre a necessidade de um acordo ambicioso e com força legal em Paris —mas os sinais que emitiram na Turquia apontam no sentido oposto. editoriais@uol.com.br
2015-11-21
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1709214-clima-incerto.shtml
Países europeus devem fechar fronteiras para combater o terrorismo? Não
PRECISAMOS DE ESTRATÉGIA Como era de se esperar, os terríveis ataques terroristas que deixaram mais de 120 mortos em Paris na semana passada rapidamente levaram a um debate sobre como os países europeus podem garantir tanto as liberdades civis quanto a segurança dos seus cidadãos. Nessa contenda, um dos assuntos mais importantes é a livre circulação de pessoas entre os estados membros da União Europeia, uma das garantias do direito comum do cidadão europeu. Dentro desse contexto, o Acordo de Schengen, que dispensa os controles fronteiriços entre a maioria dos países do grupo, está sendo basicamente desfeito, com controles e até muros reaparecendo em muitos pontos da Europa. O argumento a favor desses desenvolvimentos é simples: sem controles fronteiriços, é possível que os terroristas cruzem as fronteiras livremente para cometerem ataques. Se houvesse controle nas fronteiras, haveria a possibilidade de detê-los antes de praticarem qualquer ação. Esse argumento, todavia, apresenta vários problemas. O mais crucial deles é imaginar que os terroristas agiriam exatamente da mesma forma, independentemente das ações dos governos. Por exemplo, se houvesse um controle rigoroso de todo o tráfego de pessoas entre a Bélgica e a França, é muito provável que as mesmas pessoas belgas agora consideradas líderes dos ataques em Paris simplesmente tivessem ficado em casa para coordenar os ataques. Com os modernos meios de comunicação de que dispomos hoje, não seria muito difícil. A Al Qaeda já havia demonstrado isso em 2001. Em outras palavras, terroristas se adaptam às ações de governos. Por exemplo, o fato de, hoje, ser quase impossível entrar em aviões com facas não impediu que o Estado Islâmico derrubasse um avião russo no Egito no final de outubro. Isso nos leva a uma consideração mais estratégica. Qual seria o objetivo da política antiterrorista após os ataques em Paris? Se for segurança total, nunca conseguiremos. A França tem leis de segurança duríssimas, com milhares de policiais e militares na rua há meses e, mesmo assim, não conseguiu evitar um novo ataque terrorista. Segurança total não existe. O presidente François Hollande declarou que a França está em guerra. Isso dá legitimidade ao Estado Islâmico e exige que a França considere mandar soldados para Síria, Iraque e Líbia, o que divide a opinião pública. Também é preciso mencionar a hipocrisia francesa ao vender armas para a Arábia Saudita, país que mais financia o Estado Islâmico. De qualquer forma, o controle de fronteiras ou de pessoas, o estado de exceção que agora existe na França e os ataques aéreos são táticas que ainda estão em busca de uma estratégia. Essa, sim, está faltando. Desfazer o Acordo de Schengen não irá contribuir para o fim do terrorismo. Além disso, provocaria perdas econômicas e impactaria a ideia normativa da União Europeia. Seria mais uma tática em busca de uma estratégia. Até agora, a reação aos ataques tem sido benéfica para o Estado Islâmico, criando as condições para uma "luta de civilizações" que a facção terrorista tanto quer. Está na hora de pensarmos o que nós realmente queremos e o que realmente estamos defendendo. Ao tomar tais decisões, os riscos serão inevitáveis, mas iremos assumi-los em defesa de políticas que possam vencer as ideais do Estado Islâmico, e não assimilar as nossas ao ideário deles. KAI ENNO LEHMANN é professor do Departamento de Relações Internacionais da USP * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-21
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1709005-paises-europeus-devem-fechar-fronteiras-para-combater-o-terrorismo-nao.shtml
Abaixo da média
Dados o colapso da economia neste ano e as projeções cada vez mais preocupantes para 2016, mostra-se irrelevante a rotineira revisão do PIB feita pelo IBGE. Com as novas informações sobre 2012 e 2013, o crescimento anual médio no primeiro mandato de Dilma Rousseff (PT) subiu de 2,1% para 2,2%. No agregado, a economia ficou 0,4 ponto percentual maior. Como se vê, a inclusão de dados que não estavam disponíveis à época da divulgação original não fez muita diferença em relação ao passado –e certamente não fará nenhuma quanto ao futuro. Em março, uma alteração mais ampla havia incorporado investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Na ocasião, a alta média do PIB de 2011 a 2014 passou de 1,7% para 2,1%. Efetuadas as atualizações, o período Dilma pode parecer um pouco menos ruim, mas permanece essencialmente o mesmo. O desempenho de seu governo é o pior das últimas décadas, seja em termos absolutos, seja em termos relativos. Seu primeiro mandato, além disso, deixou o legado mais deplorável. Tomem-se as gestões de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e de Lula (PT). De 1995 a 2002, com o tucano na Presidência, o Brasil cresceu em média 2,4% ao ano, em um período marcado não só por recorrentes crises internacionais mas também baixos preços de matérias-primas. A América Latina, para comparação, avançou 2,2%. Lula, por sua vez, vivenciou ambiente internacional bem melhor. Houve maior dinamismo na América Latina, em decorrência da demanda chinesa por bens primários. A economia da região, assim como a do Brasil, expandiu-se em média 4,1% de 2003 a 2010. Esse padrão mudou com Dilma Rousseff. De 2011 a 2014, o crescimento latino-americano desacelerou, mas ficou em 3% na média, taxa bem superior à do Brasil –que só se saiu melhor que países quase arruinados, como a Venezuela. Quando se considera o segundo mandato da petista, a situação se torna dramática. Caso se confirmem as projeções de analistas compiladas pelo Banco Central, o PIB cairá 3,1% neste ano e 2% em 2016. O crescimento voltaria em 2017 e 2018, mas em ritmo insuficiente para produzir uma média acima de zero no quadriênio. Não há novidade em dizer que foram muitos e grandes os erros dos últimos anos. O real custo da incompetência, contudo, aparece no longo prazo: uma década de estagnação e a desmobilização das forças sociais para o crescimento. Que o desastre causado pela irresponsabilidade dilmista sirva de motivação para fortalecer as instituições e a gestão das contas públicas, pilares para um projeto de desenvolvimento que possa durar mais que um ciclo eleitoral. editoriais@grupofolha.com.br
2015-11-20
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1708835-abaixo-da-media.shtml
Machistas não passarão; nós, passarinho
"Vocês têm tem que morrer, suas assassinas." "Arranca os úteros, bando de satânicas." "Ao invés de abortar, se mate." "Morre uma puta que fez um aborto, eu vibro como se fosse um gol do meu time." Esses foram alguns dos comentários que invadiram os perfis dos atores e realizadores do vídeo "Meu Corpo, Minhas Regras". O vídeo "viralizou" nas redes sociais, atingindo em uma semana 12 milhões de visualizações. Ele foi idealizado a partir dos temas de "Olmo e A Gaivota," longa que codirigi com Lea Glob, no qual acompanhamos a gravidez da atriz Olivia Corsini. O filme, em cartaz, nasceu do desejo de investigar o que se passa na mente de uma mulher durante esses nove meses. Queríamos sublinhar o absurdo de quase não haver retratos disso no cinema, apesar de todo ser humano vir ao mundo por meio de uma gravidez. Em "Meu Corpo, Minhas Regras", homens e mulheres aparecem "grávidos/as", com o figurino da protagonista do longa. Estão ali Alexandre Borges, Bruna Linzmeyer, Bárbara Paz, Johnny Massaro, Fernando Alves Pinto, Ricardo Targino, Julia Lemmertz, Mumu, Nanda Costa, Gustavo Machado e Julia Bernat. Um dos objetivos era colocar a questão: o que aconteceria se os homens engravidassem? O vídeo destaca também a falta de representação das mulheres no cinema. Segundo o conhecido Teste de Bechdel, apenas em 30% dos filmes as mulheres falam e, quando falam, falam sobre homens, ou com homens. Muitas vezes elas não têm nome nem história. Fomos acusados de vilipêndio religioso e de apologia ao aborto. A situação chegou ao absurdo de um vereador de Campinas propor uma moção de censura ao vídeo. Jamais "pregamos" o aborto. Defendemos sua descriminalização, medida que, em outros países, tem levado à diminuição de sua ocorrência. A taxa de abortos nos EUA (onde é legalizado desde 1973) é duas vezes menor do que no Brasil. No Uruguai, após a legalização em 2012, a média de abortos caiu de 33 mil para 7.000 por ano. Desde então, não foi registrada nenhuma morte materna por consequência de aborto. No Brasil, abortos clandestinos são a quinta causa desse tipo de morte. Como diz a OMS, "acabar com a epidemia silenciosa de abortos clandestinos é assunto urgente de saúde pública". A violência contra a mulher tem diversas facetas no país. É impressionante que, no século 21, falar em descriminalização do aborto gere comentários tão abusivos. Na última semana, me senti num país bem diferente daquele que imaginava habitar. Um país no qual crenças religiosas são brandidas com ódio. Como dialogar com aqueles que se apresentam tão certos de suas verdades? É urgente resistir a essa intolerância. Aprender com os pássaros a buscar a resistência das alianças, como numa revoada. Na peça "A Gaivota", de Tchekhov, que inspirou nosso filme, um rapaz vê uma gaivota voando sobre um lago e atira nela com uma espingarda. Ao ver a ave morta, o escritor Trigorin concebe o argumento para um conto: "Uma jovem vive na beira de um lago. Ela ama o lago, e é feliz e livre, como uma gaivota. Mas de repente aparece um homem"¦ e por pura falta do que fazer, ele a destrói, como aconteceu com essa gaivota". Nós, gaivotas, somos agora protagonistas de nossas histórias. Nós, gaivotas, não aceitamos mais sermos silenciadas. Machistas e fascistas não passarão. Nós, passarinho. PETRA COSTA, 32, é cineasta, diretora do filme "Olmo e A Gaivota", em cartaz * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-19
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1708216-machistas-nao-passarao-nos-passarinho.shtml
Leitores comentam sobre rompimento de barragem e vazamento de lama
Negligência absurda, legislação frágil que atende a interesses de poucos e deixa à margem a população –desassistida e lamentavelmente na linha de frente do caos iminente. O editorial Controlar a lama traz à tona o mal sedimentado pela inépcia de governos e seus braços, enlameados, que tornaram o curso dos dias uma tragédia difícil de contar, triste de pensar e confusa de se ver. MARCOS NUNES DE CARVALHO (São Bernardo do Campo, SP) * * Adriana Ramos, em A lama que encobre o Brasil, toca em pontos importantes em relação aos licenciamentos ambientais e revela uma realidade que vem crescendo em todo o país: os esforços para "agilizar" (leia-se "tornar inócuos" os licenciamentos). Em Minas, o governador Fernando Pimentel tenta empurrar goela abaixo um projeto de lei que torna políticas as decisões sobre licenciamentos ambientais, que deveriam ser técnicas. O projeto de lei 2.946 foi enviado em regime de urgência à Assembleia, desconsiderando a pressão popular, a frente ampla de mais cem ONGs ambientalistas e o posicionamento do Ministério Público, contrários ao projeto. MAURÍCIO BOUISSOU MORAIS (Belo Horizonte, MG) * Visitei, em 2013, as barragens de Santarém e do Fundão e, na época, achei que poderia ocorrer rompimento. O risco geológico nesse tipo de obra é imprevisível. O fator de segurança da ABNT acima de 2 que indica "folga" para obras de terra dessa magnitude é errado –barragens em terra com volume a jusante dessa magnitude só existem no Brasil. O depósito diário de material e a mudança no regime de chuvas, associados às falhas geológicas naturais, tornam essas barragens extremamente inseguras. CARLOS EDUARDO DE SAMPAIO FREITAS, engenheiro e empresário (São Paulo, SP) * O artigo de Ruy Castro Terror e inépcia chega a uma perfeita e, ao mesmo tempo, triste conclusão de que o desastre ambiental provocado pela ruptura das barragens em Mariana será para sempre. Não precisamos ir atrás das causas. Elas são claras: detentores dos poderes de braços dados com a corrupção e a incompetência, empresários gananciosos e, infelizmente, povo sem educação. JAIME BERTOLACCINI COSTA (Vargem Grande do Sul, SP) * A inépcia que Ruy Castro fala em sua coluna é conhecida nas tragédias brasileiras, e ademais sempre é usada para dispensar licitações pela urgência. Após algum tempo, são descobertos os valores superfaturados. MARCOS BARBOSA (Casa Branca, SP) * Qual o preço de um rio e tudo que nele contém? Qual o preço de vidas humanas, projetos, cidades, vida indígena? R$ 250 milhões de reais? R$ 1 bilhão? Finalmente esta Folha se deu conta da magnitude do desastre em Mariana. Editorial, Ruy Castro e Adriana Ramos abordam a tragédia. Não há como reverter o dano. Não há indenização que pague a enorme e ainda mal avaliada destruição. A saída, muito bem o aponta o editorial, são medidas rigorosas regulamentando a atividade da mineração, impedir a todo custo que mineradoras financiem legisladores encarregados de fazer e aprovar as leis que regem a relação da atividade econômica e meio ambiente no Brasil. A mineração é uma atividade especial, mas não pode ser importante a ponto de destruir um Estado como vem acontecendo em Minas Gerais. Quiçá um país. MARIA HELENA RABELO CAMPOS (Nova Lima, MG) * PARTICIPAÇÃO Os leitores podem colaborar com o conteúdo da Folha enviando notícias, fotos e vídeos (de acontecimentos ou comentários) que sejam relevantes no Brasil e no mundo. Para isso, basta acessar Envie sua Notícia ou enviar mensagem para leitor@grupofolha.com.br
2015-11-19
paineldoleitor
Painel do Leitor
http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2015/11/1708226-leitores-comentam-sobre-rompimento-de-barragem-e-vazamento-de-lama.shtml
Denúncia vazia, má-fé plena
"A ética é a estética de dentro", disse o poeta francês Pierre Reverdy, nascido no ano da proclamação da nossa República. Esta jovem senhora de 126 anos está precocemente envilecida. A "alma" da Câmara dos Deputados obscurece em chantagens e golpes baixos. Pioneiro na luta pela elucidação das tenebrosas transações pelas quais Eduardo Cunha é investigado, o PSOL virou alvo da fúria da tropa de choque do presidente da Casa. As ações no Conselho de Ética contra mim e Jean Wyllys e, na Corregedoria, contra Edmilson Rodrigues e Glauber Braga, se inserem nessa ofensiva. O deputado Paulo Pereira (o Paulinho da Força), do Solidariedade, se autoindicou membro titular do Conselho de Ética. Visa, declaradamente, defender seu aliado Cunha e nos atacar, "pois não esqueceu a ação de 2008" movida contra ele, pelos fatos que o tornaram réu de uma ação penal no STF (Supremo Tribunal Federal). As peças vingativas, orientadas por Cunha, não são propriamente representações, mas retaliações. São repletas de afirmações enganosas, de mera "vendetta" política, que não merecem respostas, mas sim desmentidos. No meu caso, a primeira "denúncia" é a de que recebi doações de membros da minha equipe. É verdade: eu e pelo menos 125 deputados reeleitos, inclusive o próprio acusador! Doações voluntárias e declaradas, absolutamente legais, que não excederam o teto permitido, como atesta a Justiça Eleitoral. Contribuições de 82 pessoas físicas vieram espontaneamente para a minha campanha, uma das cinco menos dispendiosas entre os 46 eleitos pelo Rio de Janeiro: R$ 180.746,65. Ainda há quem faça política com espírito coletivo e busca do voto de opinião. A segunda "acusação", tão pífia como a primeira, é a de que utilizei "empresa fantasma" para fazer peças publicitárias de campanha por meio de "volumosas quantias" da cota parlamentar. Os autores do texto esqueceram as regras da Câmara, que proíbem reembolso de prestação de serviços eletrônicos via internet 120 dias antes das eleições. A empresa contratada, de fato, tornou-se irregular a partir de 2009, cometendo a irresponsabilidade de não nos informar, nem ao órgão da Câmara que verifica as notas fiscais. Os serviços continuaram a ser prestados, as notas foram aceitas. Ao tomar conhecimento do problema, ressarci os cofres públicos, ainda no mandato passado, até para evitar uma exploração política baixa como esta. O Ministério Público abriu procedimento investigatório, como é seu dever –e sobre vários deputados, diga-se. Em agosto, a procuradora Mirella Aguiar determinou, no meu caso, o arquivamento do processo. Em seu parecer, ela destacou a "boa fé do deputado", a "inexistência de qualquer improbidade administrativa", a "comprovação do serviço prestado" e o "integral, pleno e espontâneo ressarcimento ao erário". É inepta uma iniciativa baseada em denúncias vazias e matérias que já passaram pelo crivo dos órgãos específicos, bem como as que visam calar os parlamentares mais críticos. Ética como "estética de dentro" pressupõe caráter, transparência e moralidade pública. Não há botox para melhorar a fisionomia que livre quem quer que seja de pagar por práticas como peculato, corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas ou formação de quadrilha. Disso ou de qualquer outro crime do gênero nenhum de nós do PSOL está sendo acusado ou investigado. A verdade prevalecerá! CHICO ALENCAR, 66, é professor de história e deputado federal (PSOL/RJ) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-19
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1708215-denuncia-vazia-ma-fe-plena.shtml
Zelotes e concessão de incentivos tributários
Além de todos os problemas políticos, econômicos e fiscais enfrentados pelo governo Dilma Rousseff nesse início de segundo mandato, recentemente, mais um ingrediente foi acrescentado a essa já explosiva mistura. Segundo apontam investigações coordenadas pela Polícia Federal (em nova fase da operação zelotes), há fundadas suspeitas de que algumas medidas provisórias (e respectivas leis de conversão), editadas entre os anos de 2009 e 2013, tenham criado ou renovado incentivos tributários para o setor automobilístico mediante o pagamento de vantagens indevidas a membros do poder executivo e / ou poder legislativo federal. As denúncias são gravíssimas e põem em xeque a lisura de um dos principais instrumentos de implementação de políticas públicas utilizado pelo governo da presidente: os incentivos e benefícios tributários. Esse tipo de despesa pública indireta, que consiste em renúncias de receitas de tributos, com a finalidade de incentivar comportamentos dos contribuintes ou compensar situações específicas relacionadas aos mesmos, tem sido bastante utilizada nos últimos anos, especialmente como forma de estimular a economia. Alguns números extraídos dos demonstrativos de gastos tributários, elaborados pela Receita Federal do Brasil, dão uma noção de como esse instrumento vem sendo utilizado de forma crescente pelo governo federal. Apenas entre os anos de 2011 e 2015, a previsão de gastos tributários (renúncias de receitas decorrentes da concessão de benefícios e incentivos tributários) saltou de R$ 137 bilhões para R$ 282 bilhões. Um absurdo crescimento nominal de mais de 210%. Mais que isso: o somatório dos valores renunciados nesse período ultrapassou a casa de um trilhão de reais. Embora os valores sejam expressivos, a concessão dos incentivos tributários não tem sido permeada da necessária transparência. Veja, da análise da respectiva legislação, não é possível obter, sequer através de seus anexos, os critérios, dados e documentos que motivaram a escolha de determinado incentivo, segmento econômico ou contribuinte. Além disso, tanto o governo federal, quanto o congresso nacional não têm demonstrado qualquer preocupação com uma pluralização prévia do debate, de forma que os contribuintes e a sociedade possam discutir possíveis consequências dessa política. Outrossim, auditorias recentes do Tribunal de Contas da União asseveram a pouca ou nenhuma preocupação do governo federal com a análise dos resultados dos incentivos tributários concedidos. Em outras palavras: Após a concessão de um incentivo, o governo não realiza qualquer controle acerca do alcance dos objetivos pretendidos, razão pela qual não se pode afirmar se os incentivos devem ou não ser mantidos. A concessão de incentivos tributários é uma forma legítima de atuação estatal. Deve, contudo, ser direcionada a atender fins e mandamentos constitucionais, e não interesses corporativos e/ou de determinados setores econômicos. Em virtude disso, impõe-se que sua concessão seja cercada da mais ampla transparência possível. Sua manutenção ou extinção deve, ademais, ser constantemente avaliada, através da verificação de seus resultados, de modo a justificar e legitimar sua utilização. Temos, pois, muito a melhorar GILSON PACHECO BOMFIM, 37, é procurador da Fazenda Nacional * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-18
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1707683-zelotes-e-concessao-de-incentivos-tributarios.shtml
Exageros sobre os Brics
Para que uma ideia tenha impacto, não basta que seja boa; é preciso que chegue na hora certa. Assim foi com o acrônimo Brics, cunhado em 2001 por um economista do banco americano Goldman Sachs para agrupar países tão diversos como Brasil, Rússia, Índia e China –e depois África do Sul. Tratava-se de chamar a atenção para a perspectiva de crescimento acelerado dessas nações, que teriam influência reforçada na economia global e suscitariam lucrativas ocasiões de negócios. A sigla, porém, também adquiriu significado geopolítico, dando margem a exageros quanto às possibilidades de ação de seus membros. Nos últimos anos, a excitação virou decepção. A China desacelerou, minando o otimismo, e os ganhos financeiros não se mostraram espetaculares. Num gesto carregado de simbolismo, o Goldman Sachs, conforme se noticiou na semana passada, fechou seu fundo de investimentos nos Brics, que chegou a ter US$ 800 milhões. A realidade econômica da década passada, com o forte empuxo da demanda chinesa por matérias-primas, foi essencial para lastrear a narrativa de que estava em curso uma transição na ordem mundial. As lideranças dos Brics logo enxergaram oportunidades de mudar percepções a respeito de seus países e formataram iniciativas conjuntas nos fóruns globais. O movimento saiu reforçado da crise financeira de 2008, que abalou o prestígio das potências ocidentais e moveu a bússola ideológica, ao menos por um tempo, na direção de modelos de desenvolvimento mais intervencionistas. Medidas como a criação de um banco de desenvolvimento dos Brics e acordos de uso conjunto de reservas internacionais em momentos de necessidade pretenderam oferecer alternativa às instituições multilaterais dominantes, como o Banco Mundial e o FMI. Com o mesmo exagero, mas com sinais trocados, argumenta-se que a ideia por trás dos Brics não faz mais sentido, tendo em vista as diferenças de valores e a incompatibilidade entre suas estratégias nacionais de política externa. O enfraquecimento econômico dos últimos anos, ademais, indicaria tendência negativa. A maioria dos emergentes enfrenta um legado de dívidas e desequilíbrios de uma década de excessos. Na verdade, pelo menos no âmbito econômico, os Brics permanecem atraentes, sobretudo pela pujança populacional de China e Índia. Mas corrigir os rumos domésticos será crucial caso os membros do grupo queiram reaver o prestígio que já tiveram –em particular o Brasil, que não dispõe da mesma vantagem que seus parceiros. editoriais@grupofolha.com.br
2015-11-17
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1707329-exageros-sobre-os-brics.shtml
O dia seguinte de Paris
Os atentados ocorridos em Paris evidenciaram uma mudança de estratégia do Estado Islâmico (EI), levando-o a uma atuação pirotécnica além de suas fronteiras para impedir o incremento das ações militares em seu território, por meio de uma agenda de terror. Fruto da inação do Ocidente na Síria, onde milhares de vidas foram ceifadas pelo regime de Bashar al-Assad, o EI também é resultado de uma ação equivocada no Iraque perpetrada pelos Estados Unidos, que não planejaram, de modo claro, o "dia seguinte" à queda de Saddam Hussein. Aliás, a falta de planejamento do "dia seguinte" tem sido um dos grandes erros nas ações realizadas naquela região. A França foi escolhida não só por seu "apelo imoral", segundo o EI, mas também por conta da vulnerabilidade resultante de suas fronteiras abertas. O país é governado por um presidente fraco politicamente e possui pouca experiência no combate ao terrorismo, uma vez que a inocência francesa quanto a esse tipo de ataque foi perdida só há 10 meses, no episódio do Charlie Hebdo. Agregue-se a isso a presença de uma enorme população muçulmana no país, que enfrenta as barreiras do preconceito e da exclusão, e a elevação do fluxo migratório derivado da Síria e norte da África. A receita do desastre está completa. O que esperar? Os ataques franceses ao centro de operação do EI eram aguardados. O governo francês tinha de dar uma resposta imediata, particularmente em razão das eleições regionais que se avizinham. Preocupa-me saber, no entanto, se a inteligência francesa estará preparada para enfrentar as possíveis retaliações internas, organizadas ou individuais, que poderão ocorrer no futuro próximo, uma vez que o "inimigo" já se encontra na França e na Europa. O fluxo migratório constitui uma preocupação porque a associação de ideias já se faz presente, numa Europa onde a xenofobia parece crescente. A alegação de que a Europa abriu suas fronteiras para terroristas e fundamentalistas encontrará particular reverberação no discurso político mais extremo. O resultado terá enorme impacto sobre a imagem da chanceler alemã, Angela Merkel, que passará de heroína da causa dos refugiados ao papel de ingênua, por introduzir as sementes de possíveis ações do terror no continente. Lamentável será essa associação, pois impactará negativamente as poucas ações realizadas para proteger os refugiados, privando a milhares de indivíduos a possibilidade de escaparem do pesadelo sírio e do fundamentalismo. Resta ao Ocidente uma única solução: livrar-se de Bashar al-Assad, com um plano efetivo e estratégia clara de longo prazo para o "dia seguinte" à saída do ditador, no qual a vida dos sírios melhore profundamente. A partir disso, com ação militar efetiva e fomento ideológico contra o fundamentalismo, será possível conquistar os corações e mentes daqueles subjugados pelo EI, para que enfrentem e extirpem a sua liderança e atuação. Com maior crescimento econômico e oferta de mais oportunidades de inclusão, a Europa deverá aprender a conviver com seus novos cidadãos, tornando-os parte do tecido social e fortalecendo, ainda mais, o conceito de cidadania europeia. O projeto europeu de união deve continuar. MARCUS VINÍCIUS DE FREITAS, 47, é professor de direito e relações internacionais da Faap - Fundação Armando Alvares Penteado * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-17
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Opinião
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Não dá para engolir tudo
Jornalistas odeiam censura e cerceamento à liberdade de expressão, mas alguns se assustam quando chefes militares da ativa fazem colocações verdadeiras e oportunas sobre a conjuntura nacional. Vale recordar que os profissionais das três Forças se dedicam, durante a carreira, ao estudo de problemas brasileiros e à avaliação da conjuntura internacional. Além da Universidade Militar (quatro anos), cursam, como capitães, a Escola de Aperfeiçoamento (um ano); depois, mediante concurso, já oficiais superiores, a Escola de Comando e Estado Maior (dois anos); e, por último, durante um ano, um pós-doutorado, na área de política e estratégia. Saem da teoria e vivem os problemas "in loco". Residem, invariavelmente, nos lugares mais inóspitos do território nacional, particularmente na Amazônia, onde, quase sempre, só os "milicos" se fazem presentes. Conhecem o país como poucos. Pagam impostos e são obrigados a votar. Importante notar que a incapacidade de boa parte dos governantes lhes custa caro. Por conta disso, distribuem água no Nordeste; constroem e reparam estradas e pontes; ocupam comunidades para reprimir o crime; monitoram, sozinhos, boa parte das imensas fronteiras; retomam invasões ilegais; cuidam de inúmeras comunidades indígenas abandonadas; cobrem deficiências do sistema de saúde; gerenciam catástrofes; combatem a dengue, entre outros. Ou seja, os militares cumprem qualquer missão, além de suas tarefas constitucionais. Ainda assim, são mal remunerados e dispõem de orçamento destroçado. Por motivos óbvios, não podem se organizar em sindicatos, nem fazer greves. Os chefes militares exigem de seus comandados dedicação integral, até em fins de semana e feriados, sem qualquer remuneração extra. Devem, portanto, mantê-los inteirados da situação. O general de Exército Antônio Hamilton Martins Mourão construiu sua carreira pautado pela lealdade, retidão e respeito aos subordinados. Soldado exemplar, líder inconteste, nunca se permitiu mentir, blefar, caluniar ou se omitir. Desafio que apontem qualquer inverdade nas palavras que Mourão dirigiu a outros militares, em atividade interna. Um dos slides de sua palestra informava que "a maioria dos políticos de hoje parecem privados de atributos intelectuais próprios e de ideologias, enquanto dominam a técnica de apresentar grandes ilusões que levam os eleitores a achar que aquelas são as reais necessidades da sociedade". O comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, julgou que esses são assuntos institucionais que cabiam a ele, comandante, abordar. Pediu a transferência de Mourão do Comando Militar do Sul para outra função, na secretaria de Finanças, igualmente nobre, compatível com o posto que ocupa. Assunto encerrado. Princípios de hierarquia e disciplina. Simples assim. Fica a dica: autoridades civis, que conduzem os destinos do Brasil (aquelas que enfiarem a carapuça), se querem evitar esse tipo de desconforto, comportem-se com um mínimo de dignidade, competência e probidade, evitando tantas mentiras, escândalos e roubalheiras. Não dá para engolir tudo. Esquerdopatas, fiquem calmos. São outros tempos. As Forças Armadas seguirão apolíticas e apartidárias, mas, pelo que levam na alma, jamais serão bolivarianas. Os castrenses não pensam em tomar o poder, nem pretendem violar as instituições do regime democrático em que vivemos, ainda que pleno de imperfeições. No entanto, não somos robôs descerebrados e insensíveis. Guardamos, tanto quanto vocês, o direito e o dever de espernear contra tantos desmandos e falcatruas. Brasil, acima de tudo! AUGUSTO HELENO PEREIRA, 68, general da reserva do Exército. Foi comandante da Missão das Nações Unidas no Haiti (2004 e 2005) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-16
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Em guerra
Menos de um ano após o selvagem ataque ao semanário "Charlie Hebdo" –quando 12 pessoas foram assassinadas em janeiro–, Paris sofreu, na sexta-feira (13), uma investida terrorista de caráter indiscriminado, com dimensões muito maiores (mais de 120 mortos e centenas de feridos), e que deverá exacerbar a xenofobia na Europa. Várias perguntas se colocam, mais uma vez, após a bárbara ação do extremismo islâmico. Mecanismos de rastreamento de comunicações, infiltração de agentes em comunidades ligadas ao fundamentalismo, detectores de metais, policiamento ostensivo nas ruas –o que estará faltando, e o que há ainda para ser inventado, de modo a reduzir a sensação de risco que se apodera de qualquer cidade civilizada? É fora de dúvida que as ações do Estado Islâmico (EI) vão assomando a outro patamar nos últimos tempos. De iniciativas restritas ao território sob sua ocupação, a organização terrorista passa a atuar de forma global. Não há como assistir passivamente a essa escalada. Impõe-se a coordenação multilateral dos esforços para esmagar uma milícia que, apesar do nome, ainda não se instituiu como um Estado. Ademais de uma empreitada militar conjunta e cabal contra o grupo terrorista, cumpre atuar de forma implacável contra seus mecanismos de financiamento, comunicação e aliciamento de militantes. O EI se fortalece através da venda do petróleo e da energia elétrica, produzidos nos territórios sob seu domínio. As fontes de seu financiamento podem ser monitoradas e estancadas por meio de rígida vigilância internacional. Não há razão, apesar do impacto emocional que tantos atos de barbárie inevitavelmente produzem, para dar como impossível ou distante uma vitória sobre o grupo. Segundo alguns analistas, em um ano e meio de ataques ao EI, sua área de poder reduziu-se em 25%. A multiplicação de frentes de batalha, com os recursos de tecnologia à disposição dos países mais poderosos do planeta, tem revelado deficiências na organização. Numa ordem diversa de considerações, as fontes ideológicas do islamismo radical também precisam ser enfrentadas. Os extremistas pretendem, sem dúvida, arrebanhar –pelo sucesso das mutilações, do assassinato, do horror e da maldade– um punhado a mais de jovens sem rumo, postos à margem de uma sociedade próspera. Não há, como é fácil de ver, resposta única ao desafio, que exige mais prevenção policial, mais integração das minorias islâmicas e redobrado esforço militar. O desafio é imenso e não será resolvido tão cedo. Mas por sua essência ser plural, diferenciada, flexível e, sobretudo, menos irracional do que a de seus adversários, a civilização democrática conta, por isso mesmo, com as condições de vencer o terror e a estupidez.
2015-11-16
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1706875-em-guerra.shtml
A ética de Ali Babá
O Brasil assiste, estarrecido, a uma aula magna de sem-vergonhice, descaramento e falta de ética. A lição descabida de corporativismo é digna dos 40 ladrões de Ali Babá. Em matéria de política, a criminalidade resulta da soma de imunidade com impunidade. A CPI da Petrobras gasta fortunas do contribuinte e termina com um relatório pífio, no qual o único culpado é quem, por meio de delação premiada, colabora com a Justiça na identificação de criminosos. Pretender impor uma lei que proíba a delação premiada é o mesmo que convocar a nação à omissão geral frente ao crime. Se você souber que alguém rouba os cofres públicos, sonega tributos, compra parlamentares, faça vista grossa, fique calado, associe-se ao criminoso pela via da omissão cúmplice. Boa lição para as nossas crianças e jovens! Só falta suprimir das delegacias o boletim de ocorrência. Ao ser assaltado ou furtado, cale-se, jamais delate o crime e o bandido. Há décadas se fala em ética na ou da política e pouco se avança. Nem as provas inquestionáveis do crime são suficientes para ao menos envergonhar parlamentares que, como o rei da parábola, estão nus, mas insistem que todos admirem seus lindos trajes. Uns, porque sonham com o golpe paraguaio de decretar o impeachment de Dilma. Outros, porque Ali Babá sabe distribuir benesses aos 40 ladrões e agora os mantém com o rabo preso. Se o traírem, haverão de pagar com a secura das fontes escusas de abastecimento de campanhas eleitorais. Por que a nação não se mobiliza pela ética? Porque estamos, como diria Guimarães Rosa, na terceira margem do rio. Saímos do longo período em que a ética era pautada por valores religiosos, consciência de pecado, culpa diante de Deus. Quantos jovens estão, hoje, preocupados com pecado? E ainda não atingimos a margem socrática da ética fundada na razão, alicerçada em princípios kantianos e assegurada por instituições que sejam mais fortes que as virtudes humanas. Assim, o limbo ético abre espaço à política do "toma lá, dá cá"; do corporativismo que coa mosquitos ao se tratar do adversário e engole camelos quando se trata de defender sua "tchurma"; da omissão e do silêncio que buscam encobrir a mentira, a malversação, o nepotismo e a corrupção. Na casa da mãe Joana, o debate "ético" consiste em medir se o meu corrupto amealhou mais que o seu. Haja Jesus batizando empresas de fachadas! Usa-se e abusa-se do Santo Nome em vão, já que isso ilude os incautos e amealha votos para a seara dos lobos em pele de cordeiros. Se o Brasil não reagir a tanto descaramento e cinismo, faltarão bananas para espelhar o baixo nível de nossa republiqueta. CARLOS ALBERTO LIBANIO CHRISTO, 71, o Frei Betto, é assessor de movimentos sociais e escritor. É autor de "Paraíso perdido "" Viagens aos Países Socialistas" (Rocco), entre outros livros * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-16
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1706295-a-etica-de-ali-baba.shtml
O tempo é outro
No parlamentarismo basta um desgaste agudo para o governo cair. Se não cair, fortalece-se. E a vida segue. No presidencialismo, ficamos atados ao mandato inteiro. Mesmo com a pior das crises, mesmo com a maior impopularidade ou incompetência que atinja o governo, há de se esperar o fim do mandato do presidente da República. Mas nem sempre foi assim. Além da renúncia, o remédio constitucional no presidencialismo é o impeachment. Mas é preciso haver crime de responsabilidade comprovado, ambiente político disposto, população mobilizada e interpretações jurídicas confluentes a um único objetivo. Ainda assim é preciso cumprir um demorado e complexo rito legislativo, com todas as fases, prazos, recursos, quóruns e instâncias para garantir lisura do processo e ampla defesa. Do contrário, deixa de ser instrumento da lei maior e passa a ser uma "quartelada parlamentar". Aliás, assim já foi. A dificuldade do processo mostra-se no mais recente e contundente caso de pedido de impeachment contra a atual presidente. O primeiro e elementar ato –leitura do pedido e despacho do presidente da Câmara para instalar a comissão especial– sequer aconteceu. E lá se vai quase um mês. Depois, virão prazos para oitivas, defesa, relatoria, votação. Aprovado, o relatório vai a plenário, com discursos, debates e votações. Autorizada a abertura, o presidente é afastado e o processo segue para o Senado. Começa novo e longo processo, agora para julgar. Há exceções, claro. Às vezes, entre o pedido de impeachment e o afastamento bastam 28 dias. Imperativo ainda é que todo o processo seja respaldado por sólida e consagrada base constitucional, legal, regimental. A menos que a suma Justiça altere pela terceira vez seu entendimento. Ademais, as instituições precisam atuar com imparcialidade. Entidades representativas da sociedade também, assim como a mídia. Os fundamentos da democracia não admitem rito sumário, não apreciam a seletividade, não aceitam tribunais de exceção ou de inquisição. Muito menos, coadunam-se com a execração pública. Mas nem sempre foi assim. Não se pode também transfigurar suposto crime comum em eventual crime de responsabilidade, mesmo por interpretações genéricas. Não se devem inverter funções das instâncias decisórias. Não se podem reverter atos da vida particular, de um único agente privado, em atos de ofício do presidente da República, ainda que cercado por dezenas de atores públicos e partidários já presos. O conceito do domínio do fato é recente e a omissão é um não ato relativo. Diante de um Estado paquiderme, ninguém se sustenta a uma rigorosa apuração nesse sentido. Há quem admita omissão após duas décadas. Há quem diariamente subverta a razão a seu discurso canhestro. Nunca antes o Brasil viveu tantas crises paralelas, porém entrelaçadas. Nunca antes o país ficou sem matriz econômica. Nunca antes admitiu-se previamente um rombo orçamentário. Nunca antes a política se viu estagnada à espera de uma única cabeça pendurada. Nunca antes os que se apoderaram privadamente de uma empresa a cirandaram contra sua privatização. Se, como dizem, as instituições estão funcionando, como chegamos a esse ponto? Desconheço detalhes do dito atentado às leis orçamentária e de Responsabilidade Fiscal e, consequentemente, à probidade administrativa. Mas não acho que a presidente da República deva sofrer impeachment. No máximo, seu crime é culposo. Ela é vítima da miopia progressista e da astúcia de seu criador. E convenhamos, o tempo é outro. A quadra OAB-ABI-UNE-CUT tornou-se avestruz, Lima Sobrinho se foi, Lavenère mudou. FERNANDO COLLOR, 65, senador (PTB) por Alagoas, foi presidente da República (1990-1992) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-15
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1706282-o-tempo-e-outro.shtml
Sempre a cracolândia
Preocupa a notícia de que uma centena de frequentadores da chamada cracolândia deixou a frente de trabalho da prefeitura paulistana no programa De Braços Abertos. De fato se trata de má nova, ainda que previsível diante do desafio de resolver problema tão complicado. A iniciativa do prefeito Fernando Haddad (PT) está para completar dois anos. Se alguém tinha expectativa de vê-la bem-sucedida nesse prazo, que se desfaça dela já. Não só parece difícil definir o que seja sucesso, no caso, como também a dependência química constitui condição crônica. Cabe mais falar em controle que em erradicação. As taxas internacionais de recaída oscilam de 40% a 60%, e a maioria das metrópoles conhecem tal infortúnio. A repressão policial ao tráfico na região, embora imprescindível, não traz muito resultado quando empregada sozinha –e ainda menos se isso é feito de forma modesta e esporádica. É imprescindível complementá-la com medidas de redução de danos, como faz a prefeitura ofertando uma base mínima para a árdua reabilitação: hospedagem, alimentação e trabalho. Dos cerca de 500 inscritos no De Braços Abertos, quase 400 se alistaram para trabalhar com varrição e jardinagem. Esse contingente se reduziu agora a 300. A prefeitura também oferece cursos e apoio na busca de empregos, mas só 12 pessoas se encontram nessa trilha para a porta de saída. O retorno ao mercado formal de trabalho não deve figurar como critério único de sucesso na redução de danos. Deixar a vida na rua, diminuir a frequência do uso de drogas, retomar contato com a família, tratar da saúde e da higiene também são passos necessários. A prefeitura se vangloria de que a iniciativa teria reduzido em 80% o "fluxo" –multidão ambulante que consumia droga às claras na região da Luz–, de 1.500 pessoas dois anos atrás para cerca de 300, hoje. Mesmo que haja exagero na cifra, algum resultado se observa. É preciso refinar o programa, contudo. Equipes de abordagem e acompanhamento funcionam mal. Tendas de atendimento e hotéis necessitam de manutenção mais cuidada. A capacitação para o trabalho pode melhorar. Por fim, é imperativo que o De Braços Abertos dê mais transparência a seus resultados. A prefeitura promete para breve um cadastro detalhado de cada um dos beneficiários do programa, que permitirá aquilatar a redução de danos. Só assim será possível obter instantâneos mais fiéis, não propagandísticos, do que de fato está mudando na cracolândia. editoriais@grupofolha.com.br
2015-11-14
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1706350-sempre-a-cracolandia.shtml
Estatuto do Desarmamento deve ser revogado? Não
UMA PROPOSTA IRRESPONSÁVEL No Brasil, em momentos de crises macroeconômica e política, o debate nacional se reduz à agenda econômica e o olhar do Poder Público se afasta de outros temas. Neste cenário de acentuada polarização social, grupos valem-se da oportunidade para pautar a agenda política com temas reacionários que incitam ódio e intolerância. Prova disso é que o Brasil, contra todas as evidências disponíveis, deu um passo largo rumo ao precipício com a aprovação, pela comissão especial da Câmara dos Deputados, do projeto de lei 3.722/12, que revoga o Estatuto do Desarmamento. Os parlamentares aprovaram um texto que, entre outros pontos, reduz de 25 para 21 anos a idade mínima para a compra de armas e autoriza pessoas processadas ou investigadas a ter e portar armas. O aumento do acesso às armas de fogo não impedirá o crime violento. Há várias pesquisas científicas que indicam que o Estatuto do Desarmamento, em vigor desde 2004, conteve a escalada de homicídios. O crescimento médio anual de assassinatos por arma de fogo antes do estatuto era mais de 15 vezes maior do que o observado entre 2004 e 2013; 121 mil pessoas deixaram de ser mortas, segundo pesquisa de Daniel Cerqueira, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), e Glaucio Soares, da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). O Congresso, com honrosas exceções, teima em avançar numa agenda conservadora e retrógrada, desmontando os avanços conquistados na esteira da Constituição de 1988. A pauta é fundada em prognósticos equivocados e soluções comprovadamente ineficientes ao longo das últimas décadas. Abre-se mão da ideia de justiça pública. Os Anuários Brasileiros de Segurança Pública demonstram que convivemos anualmente com mais de 58 mil mortes violentas, cerca de 50 mil estupros e graves violações aos direitos humanos. Isso para não falar das constantes ameaças do crime organizado, do crescimento dos roubos, do medo e da insegurança. A violência faz parte do cotidiano brasileiro. Não bastasse a ação de criminosos, a intervenção policial já é a segunda causa de mortes violentas intencionais. Em paralelo, sobe o número de policiais mortos em vários Estados. Estamos diante de um "mata-mata" extremamente cruel, que incentiva a ideia de policial vingador, porém não oferece a ele nada além de uma insígnia de herói quando de sua morte em "combate". Temos uma sociedade fraturada sobre como lidar com crimes e criminosos. Segundo pesquisa Datafolha, encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 50% dos residentes nas grandes cidades brasileiras concordam com a frase "bandido bom é bandido morto". Esse percentual é maior entre homens moradores da região Sul do país e autodeclarados brancos. Por outro lado, 45% da população discorda dessa afirmação. Esse grupo é proporcionalmente mais composto por mulheres, autodeclarados negros, jovens e moradores da região Sudeste. Há uma disputa pela legitimidade do matar e já não é mais possível afirmar que a sociedade clama para que as polícias mantenham o confronto violento como modelo de padrão de atuação. Ao invés de armar a sociedade e cultuar a morte, há espaço para modernizar e aperfeiçoar a segurança pública e valorizar a vida. A redução das mortes violentas no Brasil é uma causa maior para a democracia e deve estar fundada numa ampla aliança suprapartidária. Diante desta realidade, a revogação do Estatuto do Desarmamento é uma proposta irresponsável, mal informada, demagógica e que atenta contra a proteção da vida dos cidadãos. Ela ainda pode e deve ser barrada na Câmara dos Deputados ou no Senado. SÉRGIO ADORNO, 63, é professor titular de sociologia e coordenador do Núcleo de Estudos da Violência - NEV/USP RENATO SÉRGIO DE LIMA, 45, é vice-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professor da Fundação Getulio Vargas PAULO SÉRGIO PINHEIRO, 71, é ex-secretário de Estado de Direitos Humanos (governo FHC) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-14
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1706237-estatuto-do-desarmamento-deve-ser-revogado-nao.shtml
OAB presente
A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) completa 85 anos neste mês celebrando conquistas para a classe que representa e para a sociedade brasileira. Prezamos pela lógica de que, se o advogado é valorizado, o cidadão está bem representado e a OAB exercita seu papel de voz constitucional da sociedade. Nesta quinta (12) a ordem obteve grande vitória para os brasileiros ao conseguir com que o STF (Supremo Tribunal Federal), por unanimidade, suspendesse a eficácia do trecho da legislação eleitoral que permitia as doações eleitorais ocultas. Essa conquista vale já para as eleições municipais de 2016 e garante às pessoas o direito de saber quais são os interesses econômicos associados aos candidatos. A OAB tem orgulho de ter participado, com papel de liderança, dos movimentos vitoriosos recentes que defenderam a aprovação da Lei da Ficha Limpa e a proibição do financiamento de empresas às campanhas eleitorais, resultando em avanços para a democracia e para a construção de um ambiente eleitoral mais sadio. A ordem não será usada como instrumento de defesa dos clientes dos advogados. Seu papel é olhar para a classe que representa, prezando pelo coletivo. Desde 2013, inovações importantes foram introduzidas na estrutura da instituição. Uma delas foi a criação da Procuradoria Nacional de Defesa das Prerrogativas, incumbida de atividades de cunho preventivo e repressivo para garantir os direitos dos advogados, inclusive o da inviolabilidade de seus escritórios e o de ter conversas privadas com seus clientes. O habeas corpus concedido pelo STF, já transitado em julgado, em favor da advogada Beatriz Catta Preta preserva o sigilo dos honorários advocatícios e representa mais uma ação da OAB. Nos casos das violações às prerrogativas profissionais, temos ingressado nos autos como assistente dos advogados e mantido a discrição que requerem os casos sigilosos. O novo Código de Processo Civil foi elaborado com participação ativa da OAB nacional e coloca o advogado como protagonista do processo. O direito aos honorários de sucumbência, a contagem dos prazos em dias úteis e as férias dos advogados são algumas das conquistas do novo código. Outra grande vitória da advocacia foi a inclusão da classe no Simples Nacional, em 2014. Isso reduz encargos, estimula a criação de empregos e permite que mais de 900 mil profissionais saiam da informalidade. Agora avança no Congresso o projeto que permite a sociedades individuais de advogados também aderirem ao regime simplificado. A OAB evolui junto com a sociedade. Neste ano, foi aprovado seu novo Código de Ética, que, entre outras importantes novidades, introduz regras mais rígidas de disciplina para seus próprios dirigentes. A partir do próximo ano, quando o código entrar em vigor, também estará permitida a advocacia gratuita em favor das pessoas que não podem pagar pelos serviços advocatícios. Essas novidades engrandecem a classe e contribuem para o avanço da sociedade brasileira. Na mesma linha foi a atuação da OAB nacional em favor de maior rigor por parte do poder público no momento de autorizar os cursos de direito. A instituição não é comentarista de casos nem auxiliar do governo ou da oposição. Nosso partido é a Constituição e nossa ideologia é o Estado democrático de Direito. MARCUS VINICIUS FURTADO COÊLHO, 43, é advogado e presidente do conselho federal da OAB - Ordem dos Advogados do Brasil * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-13
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1705674-oab-presente.shtml
A dor da burocracia
Utilizados para fins medicinais desde a Antiguidade, os opioides são classificados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como essenciais para o tratamento da dor e seu consumo é um dos fatores que compõe o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de uma nação. Mesmo assim, o excesso de regulamentação em torno da prescrição e uso dessas substâncias acabam por restringir o acesso dos pacientes a tratamentos mais eficazes –situação que, no Brasil, ainda exige a superação de barreiras físicas, econômicas e sociais, fazendo com que o país figure entre aqueles com menor consumo de opioide per capita no mundo. Primeiro, é preciso ter consciência de que a dor pode e merece ser tratada. No paciente com câncer, o manejo adequado da dor possibilita maior adesão ao tratamento oncológico, além de impactar diretamente na qualidade de vida e ganho de sobrevida. No entanto, a dor permanece como um sintoma extremamente prevalente, podendo atingir uma incidência maior que 80%. Infelizmente, a desinformação não é só por parte dos pacientes, pois a educação técnica voltada ao tratamento da dor também é precária no Brasil. Todos os anos, as universidades formam centenas de novos médicos e enfermeiros, mas poucas horas são destinadas em sala de aula ao manejo correto da dor. Quando o paciente consegue transpor a barreira da informação, entendendo que não precisa conviver com dor e encontrando um médico que compartilha dessa consciência –não sem, antes, passar por quatro ou cinco profissionais diferentes–, surge a burocracia estampada em papel amarelo. No Brasil, alguns opioides só podem ser prescritos em um tipo específico de receituário, amarelo e destinado a substâncias controladas, aquelas que podem ser utilizadas de forma abusiva, causando dependência. Para obtê-lo, o médico precisa seguir um longo processo burocrático, indo pessoalmente à Secretaria de Saúde, munido de diversos documentos e com uma boa justificativa para a solicitação; quando finalmente consegue, só recebe um número limitado de receitas, como se prescrever opioides fosse crime. Então, na falta do receituário amarelo, muitos médicos optam por prescrever outras classes de medicamentos, que isoladamente não são eficazes para tratar a dor. Se o paciente tem sorte e encontra um médico munido do receituário amarelo, vem a peregrinação em busca do medicamento, pois encontrar opioides em farmácias também não é tarefa fácil. Estabelecimentos que comercializam substâncias controladas são submetidos a mais fiscalização e burocracia, reduzindo o número de locais dispostos a assumir essa contrapartida. Já o paciente que recorre ao sistema público fica restrito a poucas opções terapêuticas, o que muitas vezes impossibilita um tratamento efetivo, e é notório que pacientes tratados inadequadamente oneram mais o sistema de saúde, pois apresentam reinternações frequentes, com mais leitos ocupados e superlotação do sistema, aumento do custo com procedimentos invasivos e maior absenteísmo no trabalho. Os órgãos de saúde precisam entender que desburocratizar a obtenção do receituário amarelo tem impacto positivo em toda a cadeia de saúde e que isso não implica, necessariamente, em facilitar a obtenção dessas substâncias para uso indiscriminado. Significa, sim, diminuir o controle puramente burocrático, que dificulta o acesso dos pacientes que sofrem diariamente com dores intensas a um tratamento digno e eficaz. Os pacientes, hoje, enfrentam muitas dificuldades em busca de um pouco de alívio. É preciso dividir essa conta, e a mudança do receituário é o primeiro passo. IRIMAR DE PAULA POSSO, 73, é advogado, médico anestesiologista e vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-13
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1705570-a-dor-da-burocracia.shtml
Lava-Jato e a crônica de uma crise
Apesar das ineficiências típicas de qualquer monopólio, desde sua criação em 1953, a Petrobras se desenvolveu e virou realidade. O ápice foi alcançado em 2007 com a descoberta do pré-sal. A empresa, inclusive, figurou em oitavo lugar entre as maiores empresas do mundo em 2011 no ranking da revista "Forbes". Porém, mais recentemente, a empresa se viu em uma sucessão de escândalos descobertos pela Operação Lava-Jato. Até aqui cerca de R$51 bilhões em prejuízos foram reconhecidos entre corrupção e má gestão. Na conta da má gestão estão ativos que foram adquiridos a preços superiores aos de mercado, obras com custo acima do esperado e unidades de negócio de baixo desempenho. Porém, os indícios de má gestão já eram detectáveis antes disso. O valor de mercado da empresa no final do mês de março de 2014, mês em que teve início a fase ostensiva da Operação Lava-Jato, estava 45,6% menor em relação a novembro de 2009, momento em que a empresa atingiu maior valor após a crise nos EUA. No mesmo período o Ibovespa caiu 24,8%. Os problemas da empresa podem ser explicados a partir de alguns indicadores que já mostravam a perda de dinamismo operacional entre 2000 e 2013. Nesse período, o seu imobilizado (instalações, máquinas e equipamentos) cresceu 860%, já descontada a inflação no período. Os investimentos no imobilizado visam ampliar as atividades da empresa desde que, claro, aumentem o volume de vendas. Porém, as receitas líquidas operacionais deflacionadas da Petrobrás cresceram bem menos: 170% no mesmo período. A baixa eficiência da Petrobras também pode ser observada no Giro do Ativo. O Giro do Ativo indica quantos Reais em Receita Operacional a empresa obtém por cada Real investido em seu Ativo. Entre 2000 e 2013, o melhor momento foi em 2001 com R$0,80 e de lá para cá declinou até chegar em R$0,40 em 2013. Isso pode ser creditado tanto à elevação dos ativos de maneira açodada, com superfaturamento em obras e investimentos ruins, quanto no controle de preços dos combustíveis para segurar a inflação. Se olharmos a Margem de Ebtida temos mais um indício de que as coisas não iam bem. O Ebtida demonstra a capacidade de geração de caixa da empresa com suas atividades considerando Receitas e Despesas ligadas à atividade operacional. A Margem de Ebtida é a divisão entre o Ebtida e a Receita Operacional Líquida e, no caso da Petrobras, ela vem se reduzindo sistematicamente desde 2000 caindo de 34% para 20,8% em 2013. Esses dados nos mostram que os problemas da Petrobrás vão muito além dos efeitos da Operação Lava-Jato. Para reverter essa situação a empresa precisa atacar pelo menos três frentes: melhorar seu processo decisório a fim de evitar a seleção adversa de investimentos e desvios de recursos, avaliar cuidadosamente seus ativos e colocar a venda aqueles com baixo rendimento e concentrar esforços naquilo que é foco principal do negócio e racionalizar custos e despesas operacionais a fim de recuperar as margens para fazer frente aos pesados compromissos financeiros resultantes de seu elevado endividamento e para retomar sua capacidade de investimento. Não podemos esquecer que a empresa ainda vai enfrentar uma batalha pesada nos próximos meses envolvendo as ações movidas junto aos órgãos reguladores e a justiça nos Estados Unidos, que podem resultar em severas penalidades pecuniárias envolvendo multas e indenizações a investidores. O que agrava ainda mais as dificuldades para a recuperação da empresa. EDUARDO COUTINHO, 46, doutor em administração, é professor e coordenador de curso do Ibmec/MG * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-11
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Cadê a OAB?
"A advocacia não é para covardes" (Sobral Pinto) A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) já foi, indiscutivelmente, a entidade da sociedade civil mais relevante do país. Nos anos de chumbo da ditadura militar, deu respaldo aos advogados que lutaram pelos direitos de seus mandatários. Defendeu com bravura a liberdade de imprensa, as eleições livres, as prerrogativas dos advogados. Juntamente com a ABI (Associação Brasileira de Imprensa), teve papel importante no processo do impeachment do ex-presidente Fernando Collor. Mário Sérgio Duarte Garcia, Approbato Machado, José Roberto Batochio, Raymundo Faoro, Mariz de Oliveira, entre outros, foram presidentes da OAB que entraram para a história do Brasil por seu compromisso com o exercício da advocacia, o direito de defesa e o Estado democrático de Direito. Nos últimos tempos, infelizmente, a entidade encolheu. Parece acovardada, com receio de colocar a cabeça para fora, com medo da opinião pública, de debater com a imprensa –que julga e condena por vezes de maneira leviana–, de se posicionar contra medidas populares. Sem contar as inúmeras notas publicadas nos jornais em que os dirigentes da ordem mostram interesse em deixar seus cargos para ocupar postos no Executivo ou nos tribunais superiores. Onde foi parar a OAB que se posicionava para valer contra os pedidos de vista com prazos indeterminados nos processos que tramitam nos tribunais superiores? Cadê a OAB que defendia para valer os advogados com suas prerrogativas violadas? Foi preciso contar com o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Marco Aurélio Mello, quando o advogado de José Genoino foi atingido no seu mister, ao atuar na Corte Suprema. Não faltam exemplos e situações, como quando o advogado, em visita a seu cliente em presídio ou em vista de inquérito na Polícia Federal, é tratado de maneira agressiva, com desdém. E a OAB nada faz. Quando muito, solta uma notinha na imprensa para inglês ver. O quinto constitucional –advogados indicados para integrar os tribunais superiores– virou motivo de chacota pelos critérios muito mais políticos do que técnicos para a sua indicação. Listas e mais listas são devolvidas pelos tribunais. Uma vergonha para todos. Mas sempre dá para piorar. O ministro do STF Teori Zavascki determinou a quebra do sigilo fiscal e bancário de dois escritórios de advocacia para apurar a origem dos honorários recebidos. Cadê a OAB? Emitiu uma nota! O presidente do conselho federal deveria ter convocado uma entrevista coletiva e se posicionado firmemente contra o retrocesso dessa decisão, não apenas soltar uma nota. Deveria solicitar audiência com o presidente do STF, com o ministro da Justiça, mobilizar a classe. Restaria uma dúvida: a imprensa compareceria a essa hipotética coletiva? Afinal, a entidade está desacreditada não só junto aos advogados, mas também junto à sociedade civil. O país vive um péssimo momento. A corrupção é assustadora. A falta de lideranças, associada à crise de autoridade e ao descrédito nas instituições, prejudica a todos. Mas isso não justifica a omissão continuada dos dirigentes da OAB. Teremos eleições no dia 18. Um bom momento para refletir sobre o que a advocacia espera para a sua entidade. E para o país. JOSÉ LUIS OLIVEIRA LIMA, 49, advogado criminal, é membro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa e ex-presidente da Comissão de Prerrogativas e Direitos da OAB-SP - Ordem dos Advogados do Brasil * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-11
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1705183-cade-a-oab.shtml
Pesquisa de opinião e a verdade dos fatos
A reportagem publicada no caderno "Cotidiano" desta Folha, na sexta (6) ["60% dos paulistanos têm medo da PM, aponta Datafolha"], deixa inúmeros questionamentos em aberto quanto ao tipo de trabalho realizado. Cabe contestação. O momento escolhido para a coleta de opiniões, logo após uma tragédia humana envolvendo maus policiais, induz, de certo modo, um conceito a priori negativo. Some-se a isso a metodologia utilizada, que não deixa claro o critério empregado e, pelo que parece, limita as respostas dos entrevistados ao extremo –ou seja, "confiar absolutamente" ou "não confiar". Isso impede uma conclusão mais precisa sobre o efetivo nível de confiança da população. A Polícia Militar é uma instituição pautada pelo compromisso com a cidadania, constituindo-se num dos maiores sustentáculos da democracia no país e no maior órgão de defesa dos direitos humanos. Cabe ressaltar que os eventuais maus policiais são implacavelmente punidos pela PM, reafirmando-se os valores absolutos de legalidade que ela sustenta. A Polícia Militar trabalha incessantemente para melhorar o relacionamento com a comunidade. Para tanto, encontra-se em fase de contratação de uma pesquisa de opinião que permita aferir, com precisão, o índice de confiança no trabalho policial, a sensação de segurança e a de vulnerabilidade, com o objetivo de desenvolver ações específicas e de responsabilidade. O trabalho de pesquisa precisa ser desenvolvido de modo a não se deixar influenciar por momentos específicos ou perguntas e conclusões reducionistas, diante de um tema de grande complexidade. A abordagem de episódios negativos envolvendo policiais certamente condiciona as respostas de alguns cidadãos, vez que não refletem com a devida racionalidade sobre o assunto. É natural que se fale da Polícia Militar e que se abordem as excepcionais intervenções irregulares, pois ela é a linha de frente da segurança pública no Estado. Por isso, é compreensível que seja alvo de críticas descabidas, longe da realidade dos fatos. Não se pode questionar os números apresentados pelos valorosos policiais militares, com milhões de intervenções e milhares de salvamentos todos os anos. No Estado de São Paulo, mais de 4,5 milhões de pessoas acionam os serviços da instituição todos os meses e, note-se, esse número vem aumentando. Essa é uma das mais inquestionáveis provas da confiança crescente no trabalho da PM. A Polícia Militar vem melhorando continuamente seus processos e serviços e leva em conta todas as opiniões e trabalhos técnicos que permitam extrair lições objetivas e verdadeiras. Contudo, não se pode concordar com as conclusões tiradas de uma pesquisa com recorte temporal e metodologia questionáveis, sem identificação de pontos específicos do desejo social por uma polícia que atenda amplamente os seus anseios. O objetivo da pesquisa aparenta ser o de arranhar a imagem da Polícia Militar e, quanto a isso, não podemos silenciar. RICARDO GAMBARONI, 50, é coronel e comandante-geral da Polícia Militar de São Paulo * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-11
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1705184-pesquisa-de-opiniao-e-a-verdade-dos-fatos.shtml
Rugas em vantagem
Estamos cansados de saber que os últimos 30 anos foram e continuam sendo dos jovens, dos belos, dos fortes –dos que têm um futuro pela frente. Com mais de 50 anos já é difícil arranjar emprego. Os homens ainda ganham uns anos a mais do que as mulheres, enquanto dignos para o usufruto da cidadania. Mas pobre idoso! Quem tem paciência com os anciões? As leis, os decretos, as normas protegem os velhos. Meia-entrada, bancos especiais, filas especiais, isenção de certas taxas, sindicatos, instituições corporativas. Isso é bom, porque afinal o velho –longe da flor da idade, ausentando-se devagar dos meios de produção– precisa de alguns privilégios. No império do jovem, por incrível que pareça, os idosos estão começando a receber agrados, gentilezas, certos privilégios das relações interpessoais. As famílias deixam os idosos sentarem na frente no carro. O idoso, quando não atrapalha, quando não é chato, quando não é repetitivo, goza de simpatia –recebe muito mais sorrisos nos espaços públicos do que gente madura ou mesmo jovem. O velho tem mais tempo para jornal e revistas. O velho novidadeiro tem tempo para pescar novidades, é visto como um cara divertido. E se ele assim for, nem importa que seu caminhar seja mais lento e que para entrar e sair de veículos emita alguns "ai-ai-ais". Como é que nós vamos achar uma explicação para isso, neste mundo tão preconceituoso com as rugas e as dores tão próprias da "melhor idade"? Tenho uma hipótese, que quase acho ser uma tese: a vida profissional e afetiva hoje em dia está tão competitiva, tão difícil e estressante que os maduros, isto é, os adultos jovens, não podem se permitir sorriso, simpatia, contato suave e despretensioso. Já o velho não tem que competir na raia da corrida pela vida glamorosa. Ele já é tudo o que podia vir a ser. Não sendo doente, o idoso vive num espaço relaxado. É livre para curtir o aqui/agora. Os indivíduos que estão no centro do universo da inclemente vida pública têm que ser eternamente desconfiados, atentos, sempre à busca de eficiência. O idoso no aeroporto, no parque, na praia, de manhã pelas ruas, depara-se com um mundo de sorrisos. Se ele sorrir ele receberá uma acolhida afetiva. Naturalmente isso não vale para a mãe carente que telefona com frequência. Ou o pai, tio ou avô que atrapalha com suas perguntas, queixas. O bem querer do idoso tem a ver com ajudar sem atrapalhar. Tem a ver com o sorriso. Fala-se que as conquistas da ciência aumentarão o número de idosos nas próximas décadas. Mas não creio que seja sorriso/investimento. Os sorrisos que acolhem são uma libertação dos jovens e adultos, que podem olhar sem ver competição. Muita coisa na relação entre adultos e velhos vai além da educação ou da legislação. Há uma imensa alegria em torno de não mais competir, apenas fazer, contar o que sabe e o que viveu. A gentileza, a alegria, a simpatia desabrocham em volta do idoso lúcido que não ameaça nem atrapalha. O velho que sorri e ajuda é sempre bem acolhido. ANNA VERONICA MAUTNER é psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-11
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1704625-rugas-em-vantagem.shtml
Agora é lei
No momento em que o transporte público recebe status diferenciado, alçado à condição de direito social, graças à lei que acaba de ser promulgada, a conquista é recebida com grande satisfação pelo setor de ônibus urbano. Em especial, por todos aqueles que sempre se empenharam para que o tema tivesse o justíssimo tratamento legal, em benefício do cidadão. Agora, reconhecido como direito social pela Constituição, incluído no mesmo artigo que já contempla a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, a segurança e outros direitos da mesma grandeza, o transporte público, enfim, é valorizado como importante elo para a realização das tarefas essenciais do cotidiano e como instrumento de preservação de outro direito primordial ao ser humano - o direito de ir e vir. A feliz e louvável iniciativa da deputada Luiza Erundina (PSB-SP), por meio de uma proposta de emenda à Constituição, coroa também os esforços daqueles que sempre lutaram para que o transporte público tivesse prioridade sobre o transporte individual. Com a lei, o cidadão terá, de fato, respaldo para recorrer ao Ministério Público quando se sentir lesado no seu direito. Nada mais justo do que o reconhecimento de um direito, que tem no serviço prestado pelo ônibus (86,8%), um forte aliado da mobilidade urbana no Brasil. De acordo com dados da NTU - Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos, o país tem hoje uma frota de 107 mil coletivos públicos, distribuídos entre 1.800 empresas, que geram 537 mil empregos diretos. O ônibus transporta 40 milhões de passageiros por dia e tem participação de 50% nos deslocamentos motorizados nas cidades. Esse é o perfil do veículo propulsor do segmento de transporte público, finalmente reconhecido pelo seu grau de importância, na prestação de serviços à sociedade. Vista de outro ângulo, a conquista imputa ao Poder Público e aos envolvidos com a oferta desse serviço, o ônus, agora maior, de oferecer atendimento de melhor qualidade. Esse ponto leva à reflexão sobre a necessidade de investimentos exclusivos para honrar esse compromisso na íntegra. E não, permanecer como hoje, quando a constante pressão sobre o custo das tarifas e a omissão do poder público na questão, só aponta um caminho - o bolso do cidadão. É notório que a conquista social chega no cenário econômico e político pior possível para abordar o assunto, mas esse não deve e não pode ser mais um motivo para cessar investimentos na área de mobilidade urbana. Ao contrário, é hora de olhar além, de entender o que não pode mais render resultados satisfatórios diante da nossa combalida economia e ousar soluções que possam, verdadeiramente, resolver o desafio. Por que não criar um Fundo de Transportes para subvencionar os custos desse serviço? Simples, assim. Essa área já sofre com paralisia de investimentos contínuos há 20 anos. Portanto, o cenário de hoje não deve ser impeditivo, mas sim, instigante, se for levado em conta o direito do cidadão, de ter serviços de qualidade. Felizmente, já há registros de bons avanços nesse sentido. Empresas de ônibus investem em aplicativos, em cartões magnéticos e em outras tecnologias de ponta que aproximam o Brasil de países evoluídos nesse quesito, como a Suíça, por exemplo. No entanto, o país ainda engatinha nessa área. Podemos ter os melhores recursos tecnológicos do mundo para facilitar a acessibilidade e dar conforto aos passageiros. Mas, segundo a NTU, em sondagem do setor, o item que mais aflige e afasta cidadãos dos ônibus brasileiros é a demora nos deslocamentos diários. Tanto é assim que a campanha do setor por prioridade ao transporte público urbano visa políticas públicas que devolvam a dignidade ao transporte que agora sobe no primeiro degrau do direito social, mas que, do governo, recebe tratamento de quinta categoria. Quanto vale, para o poder público, esse direito que o cidadão acabou de conquistar? OTÁVIO VIEIRA DA CUNHA FILHO, 75, é administrador e presidente-executivo da NTU - Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-11
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1704614-agora-e-lei.shtml
Carga política
A greve arruaceira de motoristas de caminhão que bloqueou estradas em pelo menos uma dezena de Estados nesta semana oferece exemplo gritante de irresponsabilidade. Convocada à revelia dos sindicatos da categoria, parece veicular mais uma carga pesada de ressentimento político do que reivindicações classistas razoáveis. Mal se conhece a pauta propriamente corporativa da paralisação. Piquetes já haviam prejudicado a vida de milhares de pessoas em março e abril passados. Alguns pedidos tinham sido atendidos pelo governo federal, mas não o de uma tabela com valores mínimos de frete –item que volta à tona agora, de carona com uma não menos descabida exigência de redução do preço do diesel. Paradoxalmente, representantes do movimento deixam claro que se recusam a negociar com o Planalto. Mais que frete e diesel, o que trombeteiam nas rodovias interditadas são palavras de ordem contra a presidente Dilma Rousseff (PT) e a favor do impeachment. Tanto o direito de greve quanto o de livre manifestação contam com inequívoco amparo constitucional. Isso não autoriza ninguém, contudo, a tomar o público como refém, com vistas a obter repercussão para objetivos sectários, mais que corporativistas. Não é a única categoria a valer-se do expediente autoritário, lamentavelmente. Outras classes de motoristas e até professores cultivam o mau hábito de promover manifestações com o intuito explícito de parar o trânsito e chamar a atenção. Pouco importa a eles que dezenas de milhares de trabalhadores se atrasem para chegar ao emprego ou percam horas de descanso merecido. Menos ainda que seus bloqueios resultem em colapso do abastecimento à população, proporcionando prejuízos de monta. Acusam-se o Comando Nacional do Transporte –uma entidade cuja existência parece reduzir-se às redes sociais– e seu líder, Ivar Luiz Schmidt, de compor uma linha auxiliar e barulhenta do aglomerado de movimentos pró-impeachment. Em uma democracia, não se pode proibir ninguém de ter preferências políticas, por certo. Mas a questão não é de conteúdo na manifestação, e sim de forma: regras mínimas de convivência em sociedade foram desacatadas por um grupo minoritário. Se não se mostrarem de todo incapazes de aprender, como já sugere a sucessão de iniciativas paralisantes, um dia talvez percebam que por essa via terminarão atolados no repúdio da população à sua causa. Na ânsia de fustigar o poder central, e no delírio de derrubar com buzinadas um governo constituído, arriscam-se a perder o rumo e chegar a lugar nenhum. editoriais@grupofolha.com.br
2015-11-11
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1704712-carga-politica.shtml
Temidos dois dígitos
Apesar dos juros nas alturas e de o país amargar a recessão mais profunda e duradoura das últimas três décadas, ainda não há sinal claro de moderação da inflação. Ao contrário, os riscos parecem ter crescido nos últimos meses, dificultando o trabalho do Banco Central e jogando por terra a tênue esperança de que o aperto monetário pudesse ser aliviado em breve. Com alta de 0,82% em outubro, o índice oficial de inflação subiu 9,93% nos últimos 12 meses. Trata-se da maior taxa acumulada desde novembro de 2003 (11,02%). A correção de 17,5% nos preços administrados, como energia e combustíveis, continua a ser o principal fator por trás dessa escalada, mas não é o único –infelizmente. Os preços de serviços, que tendem a refletir a dinâmica inflacionária como um todo, aumentam 8,5% ao ano, mesmo num quadro de demanda fraca. A desvalorização do real, por sua vez, resulta em correção de valores de bens duráveis e itens como higiene e limpeza, impactados pelo encarecimento de insumos importados. Para piorar, soma-se a esses itens uma circunstância nada auspiciosa: desde julho, quando ficou evidente que o rombo nas contas do governo Dilma Rousseff (PT) era maior do que se supunha, tornou-se palpável um cenário de descontrole inflacionário persistente. Não se descarta que o ora incontido desequilíbrio orçamentário resulte em fuga de ativos brasileiros, em particular da dívida pública, com desvalorização adicional da moeda e repasses mais rápidos para os preços internos. As projeções para 2016, de fato, têm mostrado taxas cada vez mais elevadas, já apontando para 6,5% –o teto do regime de metas. Eis um dos frutos podres semeados pela administração petista. Ao agir com leniência diante do avanço dos preços em geral, o governo Dilma contribuiu para cristalizar as expectativas nas alturas. A descrença quanto ao controle da inflação reforça a cultura da indexação, e choques que deveriam ser pontuais reverberam por mais tempo. Na semana passada, por causa disso, o Banco Central se viu forçado a reafirmar que estará pronto para aumentar a dose de juros (a taxa Selic) caso as perspectivas para a inflação insistam em piorar. Por enquanto, o novo arrocho não passa de hipótese; a autoridade monetária acredita que o governo resolverá o imbróglio do Orçamento e calcula que a recessão, afinal, reduzirá o ímpeto dos repasses. A paciência do BC encontra boas justificativas apenas na conjuntura: taxas de juros mais elevadas pouco farão para restaurar a credibilidade da política econômica. O essencial, para retomar as rédeas da inflação, é promover um ajuste estrutural nas contas públicas –raciocínio que cabe repetir até ser devidamente assimilado pelo governo e pelo Congresso. editoriais@grupofolha.com.br
2015-10-11
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1704240-temidos-dois-digitos.shtml
Pessoas incomparáveis
O saudoso empresário Octavio Frias de Oliveira, publisher da Folha, foi um dos incentivadores de iniciativas para o desenvolvimento das ciências, letras e artes do país. Em nossos encontros em seu gabinete no jornal, eu recolhia valiosas contribuições para aperfeiçoar o Prêmio Moinho Santista, que anualmente convidava os reitores de universidades e dirigentes de instituições voltadas às ciências, às letras e às artes do país a indicarem personalidades que contribuíram para essas áreas. Hoje a homenagem é outorgada pela Fundação Bunge, que deu seu nome ao prêmio e aperfeiçoou esse relevante trabalho. Criado há 60 anos, o prêmio já contemplou quase 200 brasileiros. Neste ano, o conselho da fundação escolheu como temas a recuperação de solos degradados para a agricultura, na área de ciências agrárias, e saneamento básico e manejo de água, na área de ciências biológicas, ecológicas e da saúde. Na primeira das áreas foram contemplados profissionais que dedicaram vida e obra ou desenvolvem projetos que contribuem para a expansão e consolidação do agronegócio de forma sustentável, conservando mais e desmatando menos. Água e solo compõem o binômio da sustentabilidade, indispensáveis na vida das comunidades. A fundação premia duas personalidades pelo conjunto de seus trabalhos e dois jovens talentos de até 35 anos. O processo de escolha dos ramos de atividade e dos contemplados é conduzido com extremo rigor. Não há inscrições e sim indicações para o prêmio que contempla seis áreas do conhecimento humano: ciências biológicas, ecológicas e da saúde; ciências exatas e tecnológicas; ciências agrárias; ciências humanas e sociais; letras; e arte. Os candidatos são indicados pelas principais universidades e entidades culturais e científicas do país. A partir das indicações, as comissões técnicas, integradas por especialistas brasileiros e estrangeiros, escolhem os jovens premiados e selecionam os que concorrerão na categoria vida e obra. O grande júri, formado por reitores e representantes de instituições, recebe os pareceres das comissões técnicas e, por votação secreta, escolhe os premiados, que são divulgados em cerimônia no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. A última etapa do prêmio acontece no Palácio dos Bandeirantes, quando o governador do Estado de São Paulo, presidente honorário da Fundação Bunge, homenageia os contemplados com a entrega solene dos prêmios. Neste ano, na área de recuperação de solos degradados para a agricultura, o grande júri escolheu a professora Marlene Cristina Alves (categoria vida e obra), da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, e Diego Antonio França de Freitas (categoria juventude), da Universidade Federal de Viçosa. No ramo de saneamento básico e manejo de água, o professor José Fernando Thomé Jucá (vida e obra), da Universidade Federal de Pernambuco, e Dulce Buchala Bicca Rodrigues (jovem), graduada pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, foram os premiados. Lembrando as preciosas contribuições transmitidas por Octavio Frias de Oliveira, veio à mente lição de Fernando Pessoa: "O valor das coisas não está no tempo que duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso, existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis". RUY MARTINS ALTENFELDER SILVA, 76, é presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas, presidente emérito do CIEE - Centro de Integração Empresa-Escola e curador do prêmio Fundação Bunge * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-10-11
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1704206-pessoas-incomparaveis.shtml
Simplificando o caminho para formar campeões
No mês de agosto do próximo ano, receberemos, no Brasil, mais especificamente na cidade do Rio de Janeiro, os Jogos Olímpicos. Milhões de brasileiros estarão presentes para prestigiar e apoiar os nossos atletas –verdadeiros heróis que superam inúmeras dificuldades e realizam feitos excepcionais. Já são 108 medalhas olímpicas desde o primeiro evento, realizado na Bélgica, no ano de 1920. Certamente, outras virão. Porém, antes do legado que o evento deverá proporcionar à economia e ao orgulho nacional, com ações concretas nas áreas sociais, de inclusão e cultura, devemos falar de outra seara de incentivos ao esporte: os fiscais. A captação de recursos para projetos na área esportiva passa por uma fase inédita. Nunca houve um volume tão grande de dinheiro disponível para este fim. São aproximadamente R$ 500 milhões disponíveis para que os clubes desenvolvam ações esportivas de diversos tipos. Vamos fazer as contas: no ano passado, a legislação federal de incentivo ao esporte tornou acessíveis R$ 252 milhões para esses projetos; mais R$ 120 milhões, originados pela Lei Pelé, foram depositados em um fundo administrado pela Confederação Brasileira de Clubes (CBC) que recebe 0,5% da arrecadação de loterias; outros R$ 80 milhões vieram da lei de incentivo do Estado de São Paulo, que destina ao esporte dinheiro gerado pela renúncia fiscal ao ICMS; e há também as verbas disponibilizadas por legislações municipais, como as que destinam ao esporte recursos originados pelo Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Estas verbas podem ser usadas totalmente por clubes –maiores formadores de atletas olímpicos– e outras entidades interessadas para concretizar obras e outras iniciativas para a preparação de novos campeões. Mas não é o que acontece. A ausência de informações sobre como funcionam as leis de incentivo ao esporte funcionam como uma barreira que impede a utilização plena desses recursos públicos para o fim a que eles se destinam. Para que se tenha uma ideia da importância dos clubes para o cenário esportivo mundial, cabe ressaltar que o Brasil ganhou, na última edição dos Jogos Pan-Americanos, disputados em Toronto, no Canadá, 141 medalhas em diversas especialidades, terminando a competição em 3º lugar no quadro geral de medalhas. Do total de atletas agraciados, mais da metade são oriundos de clubes. Mais de 40% dos medalhistas mencionados foram (e são) treinados e preparados em clubes paulistas. O acesso aos recursos de incentivo ao esporte, vital para oferecer apoio, estrutura e condições materiais aos atletas, exige o cumprimento de condições meticulosas e pormenorizadas. Trata-se de um processo necessário que, executado da maneira adequada, evita erros comuns na fase de sua apresentação, apesar de sua complexidade. No final, nossos clubes devem se sentir estimulados em buscar com mais frequência esta via de incentivo e apresentar novos pedidos. O Ministério do Esporte tem regras para a concessão do benefício e, para isto, precisa que o interessado comprove a capacidade de executar o projeto esportivo ou paradesportivo. Para tanto, faz questão de que o processo inclua diversas informações e documentos. A relação é extensa. Entre outras exigências, o processo deve apresentar as características, propriedades e habilidades de quem se candidata a participar, além dos currículos de seus membros e outros envolvidos no trabalho. O portfólio deve conter fotos, reportagens, publicações e endereços de sites; o proponente precisa comprovar eventos realizados. Parcerias com entidades que possuam experiência na execução de projetos semelhantes ou com o órgão controlador da modalidade esportiva devem ser citadas, bem como a comprovação de capacidade técnica e operacional em determinada modalidade, que não evidencia essa competência para outros esportes, necessariamente. O Sindicato dos Clubes do Estado de São Paulo (Sindi-Clube) vem realizando um árduo trabalho para simplificar o caminho que deve levar a novos campeões, com encontros regulares a fim de explicar todos os detalhes sobre a viabilização da captação de verbas públicas para o esporte e consultoria especializada a projetos incentivados. Depois de anos de expectativa do setor esportivo pela criação de condições favoráveis para seu futuro, nos moldes do que é a Lei Rouanet para a cultura, chegamos a diversas legislações de incentivo ao esporte. Os clubes, qualquer que seja o seu tamanho, têm agora ao seu dispor uma fonte de recursos que nunca deve ser ignorada e podem estimular profundamente o crescimento das suas atividades. A boa notícia é que estamos atentos, encorajando os clubes esportivos a desempenhar cada vez mais seu papel histórico de grandes formadores de atletas para o Brasil e oferecendo a estrutura da entidade para ajudar nossos associados a ter sucesso em seus pleitos junto aos órgãos públicos. E que venham as medalhas! CEZAR ROBERTO L. GRANIERI, 69, é presidente do Sindi-Clube - Sindicato dos Clubes do Estado de São Paulo * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-10-11
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Opinião
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Adeus bacon?
A Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou um relatório que classifica como carcinógena a carne processada, como o bacon e a salsicha. Além disso, incluiu a carne vermelha na lista de prováveis carcinógenos. Isso significa um tchau para bacon, cachorro-quente ou churrasco? A resposta não é um simples "sim" ou "não". Primeiro é necessário entender o que está sendo classificado como carcinógeno ou provável carcinógeno, o porquê da classificação, e o que isso significa, para então responder a pergunta. Primeiro vamos destrinchar as definições das carnes. A definição da OMS para carne processada inclui qualquer carne, branca ou vermelha, que tenha sido transformada por adição de sal, fermentação, cura, defumação, adição de nitritos e nitratos ou qualquer processo para realçar sabor ou preservá-la. Entre as carnes processadas estão bacon, salsicha, presunto, linguiça, carne seca, paio e várias outras que fazem parte do nosso dia a dia. Já a carne vermelha, a carne muscular de mamífero não processada, inclui carne suína, bovina, ovina e de outros mamíferos. A classificação de carcinógeno do Grupo 1 é dada para substâncias nas quais a OMS considera existir dados científicos suficientes que comprovem a relação com o desenvolvimento de um câncer. Isso coloca a carne processada no mesmo grupo do cigarro e do amianto. Os estudos dizem que consumir por dia mais de 50 gramas de carne processada aumenta em 18% o risco de desenvolver câncer colorretal. Já a classificação de provavelmente carcinógeno ou Grupo 2A é dada para substâncias cuja relação com o desenvolvimento do câncer não é tão clara. No caso da carne vermelha, metade dos estudos são positivos e metade negativos. Mesmo assim, a OMS avalia que o consumo diário de mais de 100 gramas de carne vermelha provavelmente aumenta o risco de câncer. As carnes processadas estimulam a produção de compostos que podem causar dano ao DNA das células do intestino grosso e, eventualmente, um câncer. Já a carne vermelha, quando aquecida, principalmente sob fogo direto (tipo churrasco), gera substâncias que também provocam dano ao DNA das células, podendo levar ao câncer. O que a OMS não esclarece é o tamanho do risco. Soa muito forte dizer que as chances de câncer aumentam em 18% com a carne processada, mas quando comparamos com o tabagismo, que eleva o risco de câncer para fumantes em 2.000%, entendemos que o perigo do bacon é bastante menor. Em números mais claros e não tanto alarmistas, considerando que a chance de uma pessoa contrair câncer colorretal ao longo de sua vida é em torno de 4%, o consumo diário de 50 gramas de carne processada aumentaria o risco para 5%. Vale lembrar que o câncer colorretal é um raro tipo que pode ser prevenido com rastreamento por colonoscopia. Os pacientes devem iniciar esse exame após os 40 anos. É oportuno destacar que o consumo de expressivas quantidades de verduras, legumes, frutas, concomitantemente à ingestão de carne vermelha, nos protege, pelo menos em parte, do efeito carcinogênico alertado pela OMS. Portanto a resposta é que qualquer carne deve ser consumida com moderação. Basta pensar que a doença metabólica e a hipercolesterolemia, também associadas ao consumo exagerado desse alimento, são mais letais do que o próprio câncer colorretal. ANGELITA HABR-GAMA é professora da Faculdade de Medicina da USP e presidente da Associação Brasileira de Prevenção do Câncer de Intestino * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-09-11
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1703320-adeus-bacon.shtml
Cacau mais doce
Mundialmente conhecida graças aos romances de Jorge Amado ("Terras do Sem-Fim" e "Gabriela, Cravo e Canela", entre outros), a cultura do cacau da Bahia esteve ameaçada de subsistir apenas como um ente de ficção. A produção da amêndoa, que chegou a representar 4,2% das exportações brasileiras na Primeira Guerra Mundial, entrou em colapso nos anos 1990. Enfermidade originária da região amazônica, a vassoura de bruxa devastou as plantações baianas. Os números são eloquentes: as 397.362 toneladas obtidas na safra de 1986/87 reduziram-se para 96.039 toneladas em 1999/00. De grande exportador, o Brasil regrediu à condição de importador de cacau. Muitos produtores rurais foram à falência, e os desempregados encheram as periferias de Ilhéus e Itabuna. Plantações viraram pastagens, e a população de alguns municípios encolheu. As tentativas de combater a doença com fungicidas não tiveram sucesso. A recuperação só começou após a substituição das árvores afetadas por clones e variedades mais resistentes, num notável esforço de pesquisa aplicada. Demorou, mas em 2012/13 a Bahia colheu 180.527 toneladas. Agora, no início deste mês, o porto de Ilhéus voltou a exportar amêndoas em larga escala: 100 mil sacas, ou 6.600 toneladas. É uma notícia animadora, pois isso não acontecia desde 1999. Contudo, não convém reviver um passado que a doença sepultou. Antes, a Bahia produzia uma matéria-prima de baixa qualidade, vendida a preços ínfimos. Isso tem mudado. Os produtores brasileiros perceberam a importância de investir em frutos melhores, com aromas mais intensos, e na fabricação de chocolates finos. Vale a pena: uma tonelada de cacau fino pode alcançar US$ 8.000; o comum sai por um quarto desse valor. Os produtores, por isso, começaram a despender mais nos tratos culturais e, sobretudo, reforçaram a qualificação dos empregados. O custo da força de trabalho no Brasil é hoje bem mais elevado do que nos países competidores da África. Em compensação, o preço médio do produto nacional também é maior. Um bom sinal. A civilização do cacau dos romances de Jorge Amado –conhecido na Alemanha como um "Balzac da selva"– desapareceu. Os coronéis que comandavam centenas de trabalhadores não qualificados cederam lugar a pequenos produtores, preocupados em atender as expectativas de um mercado exigente. O sul da Bahia amargou anos sombrios, mas hoje seu cacau é mais doce. editoriais@grupofolha.com.br
2015-09-11
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1703768-cacau-mais-doce.shtml
O dito e o não dito
Pelo menos uma obra-prima literária, impregnada de sarcasmo, resultou das controvérsias religiosas que agitaram a França no século 17. Trata-se de "As Provinciais", do filósofo Blaise Pascal (1623-1662), cuja leitura, em alguns trechos, ganha notável atualidade quando se pensa no tipo de argumento a que recorre este ou aquele político flagrado em irregularidades. A defesa do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) alega ter sido verdadeiro o seu depoimento à CPI da Petrobras, quando o presidente da Câmara negou ter contas em seu nome no exterior. Como se sabe, informações em sentido inverso foram divulgadas por autoridades da Suíça; dada a discrepância, abre-se contra o peemedebista, no Conselho de Ética da Câmara, um processo por quebra de decoro parlamentar. Cunha diz que não faltou com a verdade quando negou ser proprietário de tais contas. É que, a rigor, não estavam em seu nome, mas no de empresas sob seu controle. Polemizando com o que considerava a duplicidade dos teólogos jesuítas, Pascal dá exemplo dos estratagemas pelos quais se pode enganar o interlocutor sem incorrer, teoricamente, no pecado da mentira. Um cristão, afirma, pode dizer "juro que não roubei" mesmo sabendo que roubou. O truque estaria em acrescentar, com voz inaudível: "aos dois meses de idade". Nosso personagem não mentiu, mesmo que ninguém tenha escutado seu aditivo de conveniência. Pascal enumera outras "restrições mentais", este o termo, pelas quais o dito e o não dito se confundem. Segundo o "jesuitismo" caricaturado pelo filósofo, se eu disser "farei isto", estou na verdade afirmando que "farei isto se não mudar depois de opinião". Pois não seria correto que me privasse definitivamente de minha liberdade. O relator do caso Cunha no Conselho de Ética, deputado Fausto Pinato (PRB-SP), obteve seu mandato na carona do 1,5 milhão de votos de Celso Russomanno, do mesmo partido. A sigla tem sido fiel sustentáculo do presidente da Câmara. "Eduardo Cunha vai ser julgado como um deputado comum", promete Pinato, enquanto Russomanno declara que não haverá arquivamento sumário do processo. É de esperar que tais promessas não estejam cercadas das restrições inaudíveis ironizadas por Pascal. As explicações de Cunha sobre recursos no exterior –que incluem a devolução inadvertida de um empréstimo milionário feito a um colega hoje morto– desafiam a imaginação até do mais crédulo leitor de patranhas de província. Truques de quatro séculos se renovam na política brasileira; a dúvida é se o Conselho de Ética está disposto a lhes dar aceitação. editoriais@grupofolha.com.br
2015-08-11
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1703484-o-dito-e-o-nao-dito.shtml
Av. Paulista deve permanecer fechada para veículos aos domingos? Não
ROMPENDO O ACORDO As sucessivas polêmicas que a atual gestão municipal vem "patrocinando", como as faixas exclusivas para ônibus e, mais recentemente, o fechamento da av. Paulista para lazer, fazendo-as parecer questões cruciais para a cidade (e nisso os veículos jornalísticos têm sua parcela de culpa), são hábeis manobras midiáticas que tiram de foco questões que realmente deveriam ter tamanha dimensão. Por exemplo, a licitação, em andamento, do serviço de transporte público que valerá para os próximos 20 anos, a falta de creches e moradias populares, a saúde pública quase inexistente e etc. No que diz respeito ao tema do momento, convém lembrar que no ano de 2007 a Prefeitura de São Paulo firmou um Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público, documento pelo qual ficou determinado que "o uso da av. Paulista para eventos, manifestações, comemorações ou outras atividades de duração prolongada que impliquem a obstrução dessa via" seria limitado a três vezes ao ano. O acordo também fixou que a restrição somente se daria entre a al. Joaquim Eugênio de Lima (exceto esta via) e a r. da Consolação, e que os fechamentos teriam duração de até cinco horas (exceção à corrida de São Silvestre e ao Réveillon). Já naquela época, a prefeitura se mostrava preocupada, e sensível, com os enormes reflexos e impactos negativos que os fechamentos causavam, tanto que o acordo expressamente ressalta "o interesse convergente da Prefeitura de São Paulo em disciplinar o uso dessa importante via, limitando-o no tempo, no espaço e no número de autorizações". Pois bem. Hoje temos uma frota notoriamente maior de veículos na cidade, o que potencializa os transtornos ao trânsito e à vida das pessoas, situações que o Termo de Ajustamento de Conduta buscou minimizar quando foi firmado. Ainda assim, de forma unilateral e arbitrária, a prefeitura rompe com o acordo e, sob o manto de um pseudodebate –a exemplo do que fez em relação à implantação das ciclovias ou faixas de ônibus–, impõe sua vontade sem qualquer concessão. Desconsidera sugestões e não apresenta qualquer alternativa. A prefeitura não explica, e parece não se preocupar, por exemplo, como vai lidar com as divergências que certamente ocorrerão entre os diversos grupos dividindo e disputando o mesmo espaço: ciclistas, esqueitista, crianças, idosos e etc. À medida que mais pessoas passarem a frequentar a Paulista, os conflitos e acidentes, como atropelamentos, serão inevitáveis. A isso, some-se que a Paulista não conta com equipamentos destinados ao lazer, tampouco com bebedouros ou banheiros públicos. Se a Prefeitura de São Paulo pretende fomentar o lazer, porque não utilizar os bens públicos naturalmente vocacionados para tanto, como parques, praças e CDCs (Clubes da Comunidade), estes últimos, em sua grande maioria, situados nos bairros mais carentes? Se as pessoas dispusessem de alternativas de lazer próximas a suas residências, onde mantêm seus convívios pessoais, não precisariam buscá-las em espaços que são desprovidos de infraestrutura para tanto. Se hoje o fazem, é pela ausência de melhores opções, bem como de investimentos e melhorias nos já existentes. Todos nós almejamos uma cidade mais humanizada, mas que isso seja feito de forma coerente e responsável. JOSÉ FERNANDO CECCHI JUNIOR, 47, é membro do Ministério Público do Estado de São Paulo desde 1993 e atualmente ocupa o cargo de 1° promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da capital * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-07-11
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1703300-av-paulista-deve-permanecer-fechada-para-veiculos-aos-domingos-nao.shtml
Processos estacionados
São muitos os estudos que procuram explicar a morosidade do Judiciário lembrando dos problemas estruturais que afetam esse Poder: carência de magistrados, excesso de recursos permitidos, imenso volume de novas ações. Descobrir gargalos dessa natureza é sem dúvida crucial para que sejam propostas modificações legislativas capazes de reduzir o tempo de tramitação dos processos. Tais iniciativas, porém, não só demoram para produzir efeitos como tendem a relevar a influência de fatores bem mais prosaicos sobre a produtividade da Justiça. Um deles, inacreditável, foi objeto de reportagem desta Folha. Inspeção do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) constatou que em parte da garagem do prédio onde funciona o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, estão estacionados não veículos de funcionários, mas 62 mil processos praticamente esquecidos há décadas. São casos da primeira turma do tribunal, que, não satisfeita, ainda mantém um estoque de 18 mil petições que deveriam ter sido anexadas aos respectivos autos. Algumas delas datam de 2008. É assombroso que um órgão de segunda instância judicial viva descontrole dessa magnitude. Alertados por sucessivas reclamações, os técnicos do CNJ haviam percebido que a produtividade do TRF-1 caíra demais, de 4.116 processos analisados por magistrado, em 2012, para 2.803, em 2014. Ignoravam, porém, que milhares de ações eram acomodadas, não se sabe se "ad eternum", numa garagem do próprio tribunal. Alguns conselheiros do CNJ atribuíram a baixa produtividade a um movimento pela instalação de quatro novos tribunais regionais federais –questionável medida determinada por emenda constitucional promulgada em 2013. Se for verdade, o incidente resultará ainda pior do que se imaginava a princípio. Não se trataria somente de inépcia administrativa, mas de manifesta sabotagem com vistas a conquistar mais recursos. O TRF-1 atribui a baixa produtividade ao subdimensionamento de seu quadro de pessoal –uma justificativa inaceitável. Não há desculpa para despejar processos em uma garagem. Se os magistrados creem que merecem melhores condições de trabalho, que as reivindiquem abertamente, e não condenando cidadãos a um limbo do qual jamais conseguirão se libertar. editoriais@grupofolha.com.br
2015-07-11
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1703353-processos-estacionados.shtml
Fortalecer a saúde
No momento em que a economia brasileira precisa agir para fazer frente à queda de atividade e do emprego, ao aperto orçamentário e à inflação, entre outros problemas que a crise nos apresenta, convém que os formuladores da política olhem com a devida atenção para a saúde suplementar. Sim, a saúde –um setor que, com razão, é muito lembrado quando o assunto é assistência médico-hospitalar, mas que, injustamente, é pouco percebido por sua importância econômica. Pois esse setor pode ser um forte aliado na estratégia de reação à crise e de retomada do crescimento no futuro. A primeira boa razão em favor desse argumento é a extensão e a capilaridade da sua cadeia produtiva. A saúde privada movimenta quase 5% do Produto Interno Bruto, atende um mercado de 50 milhões de beneficiários e mantém uma infraestrutura com mais de 42 mil estabelecimentos privados de serviços de saúde, dentre eles 1.200 operadoras, 2.372 hospitais privados, 1.436 filantrópicos e dezenas de milhares clínicas, consultórios e centros de diagnóstico. Daí a atividade se espraia para setores afins, como comércio de medicamentos e produtos médicos, indústria farmacêutica e de equipamentos, construção civil, segurança, coleta e destinação de resíduos etc. etc. Outra boa razão em favor da saúde suplementar é a sua capacidade de gerar novos empregos –são quase 2 milhões de postos de trabalho diretos. Além disso, o setor gera cerca de 3,4 milhão de empregos indiretos. Esse enorme contingente de trabalhadores, até o momento, está entre os menos atingidos pela crise. Os dados divulgados mais recentemente pelo CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) mostram inclusive um saldo positivo de 48 mil novos postos de trabalho entre janeiro e agosto deste ano, se consolidando como o 3° setor que mais gera empregos no país. Na contramão, o comércio como um todo perdeu 210 mil vagas no período; a construção civil, 192 mil; a indústria automobilística, mais de 40 mil. Medidas apropriadas podem contribuir para preservar essas vagas na saúde. E é sempre bom lembrar que setores como o automobilístico e alguns outros são eternos beneficiários de estímulos financeiros oficiais - seja para estimular o crescimento, seja para contrapor-se à crise que afeta a todos. Quanto à saúde suplementar, apesar de sua importância econômica e social, nunca é considerada por essas políticas de governo. Por fim, entre os argumentos em favor do fortalecimento da saúde suplementar, está o fato de que ela presta um serviço essencial à população. Ao lado do Sistema Único de Saúde, ela é um dos pilares do sistema nacional de saúde. Evitar que haja um retrocesso no atendimento prestado pelos planos é uma forma de preservar a qualidade de vida da população, no quesito saúde. E é conveniente para o poder público, porque o encolhimento da saúde suplementar se transformaria automaticamente em pressão da demanda sobre o já deficitário Sistema Único de Saúde (SUS). São muitas as medidas que poderiam ser tomadas para fortalecer a saúde suplementar e transformá-la em uma trincheira contra a crise. E sequer envolvem recursos públicos ou financiamento. Cito algumas: rever as regras do setor que impedem a criação de planos mais acessíveis (e mais adequados a um período de contração do consumo); aperfeiçoar a legislação para pôr fim à judicialização da saúde e restabelecer a segurança jurídica dos contratos entre beneficiários e planos. Também são medidas para fortalecer liquidar as práticas anticoncorrenciais na importação e comercialização de dispositivos médicos; avaliar a possibilidade de estender alguns prazos de atendimento como forma de reduzir os custos assistenciais e, consequentemente, os aumentos de preços dos planos de saúde; compatibilizar o processo de inclusão de procedimentos no rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) ao quadro atual da economia e, de novo, à necessidade de reduzir custos. Por fim, substituir os controles burocrático-governamentais por uma política que leve em conta a efetiva variação dos custos médico-hospitalares na formação dos preços. Fica, portanto, a dica: fortalecer a saúde contra a crise. PEDRO RAMOS, 47, é diretor da Abramge Associação Brasileira Medicina Grupo - Abramge * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-05-11
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1702253-fortalecer-a-saude.shtml
Para evitar o colapso do país
Otimismo, omissão e delírio não nos salvarão do caos econômico. As 29 empresas envolvidas na Operação Lava Jato controlam a maioria dos projetos de infraestrutura essenciais ao país. Empreendimentos de vulto, caros, financiados por bancos públicos e fundos de pensão de estatais. O funcionamento desse modelo pressupõe que as empreiteiras não quebrem e que os projetos operem. A bancarrota generalizada dessas empresas implica na derrocada não só da infraestrutura como da economia. É um pesadelo que pode virar realidade. Calcula-se que sociedades controladas pelas empreiteiras da Lava Jato devam R$ 1 trilhão aos financiadores públicos. Esse débito é garantido pelos bancos privados e por companhias de seguro. Em última instância, serão eles que arcarão com o prejuízo em caso de calote. O Brasil construiu um elogiável aparato de combate à corrupção, manejado com maestria pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. Desbaratou um esquema que dragava os recursos da Petrobras. O combate à corrupção não provê, porém, soluções para preservar os projetos de infraestrutura. Eles já experimentam uma profunda dificuldade de caixa e de crédito. A administração pública parou de pagar as empreiteiras, sob os fortes indícios de que teriam causado danos ao erário. Os bancos não lhes dão crédito. Suspenderam repasses até mesmo de empréstimos contratados. A União já as processa por improbidade, exigindo indenização e multas, e, em alguns casos, obteve bloqueio de seus bens. Sem receber pagamentos, sem ter acesso aos bancos e proibidas de vender seus ativos, como farão frente a suas obrigações correntes? Muitos dos projetos podem entrar em colapso. A crise de infraestrutura, por si bastante grave, poderá se transmudar em crise financeira, comprometer muitos mercados e inexoravelmente toda a economia do país. Os acordos de leniência não resolvem o problema. Ninguém sabe ao certo se a Lei Anticorrupção, que fundamenta esses acordos, aplica-se ao petrolão. Além disso, a Lei de Improbidade Administrativa proíbe acordo se a beneficiada for ré em ações de improbidade, caso de muitas empreiteiras. Mais: a Lei Anticorrupção exige que o acordo seja celebrado apenas com a primeira pessoa jurídica a manifestar interesse de cooperar para a apuração do ilícito. As outras ficam de fora. Ou seja, não haverá leniência para todos. Gilberto Bercovici, José Francisco Siqueira Neto e eu propusemos uma solução pela qual os envolvidos em casos como o do petrolão podem ressarcir os cofres públicos. A empresa que aderir ao programa quita tudo o que deve à União: indenização e multa. Pode pagar com participações societárias nos seus empreendimentos de infraestrutura. O governo escolhe, avalia essas ações e determina a quantidade necessária para pagar a dívida. À empresa cabe aderir ou não. O que ganha? Não quebra, poderá voltar a contratar com o poder público, e, na esfera penal, seus dirigentes continuam a se defender. E o país, ganha o quê? Evita quebradeira de empresas, mantém obras em andamento, salva empregos, vende participações dos negócios, usa o dinheiro para engordar o Tesouro e evita uma crise econômica de proporções bíblicas. Essa ideia é uma contribuição desinteressada para o debate jurídico e econômico. Nas últimas semanas, teve a honra de conquistar o apoio de intelectuais dos mais diversos matizes, que têm em comum o compromisso com o destino do país: Joaquim Levy, Delfim Netto, Luiz Gonzaga Belluzzo, Heleno Torres e Modesto Carvalhosa. De qualquer modo, o que verdadeiramente importa é encontrar um meio de manter a economia nacional viva. Se não for por esse meio, que seja por outro. WALFRIDO JORGE WARDE JÚNIOR, 42, doutor em direito pela USP, é coautor de "Um Plano de Ação para o Salvamento do Projeto Nacional de Infraestrutura" (ed. Contracorrente) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-05-11
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1702328-para-evitar-o-colapso-do-pais.shtml
Turquia em transe
No auge da Primavera Árabe, em 2011, a Turquia, governada por um partido muçulmano moderado, era incessantemente lembrada como exemplo de compatibilidade entre islã e democracia. De 2011 para cá, em toda parte –à exceção da Tunísia– a primavera transmudou-se em inverno, e a Turquia, se não deixou de ser uma república democrática, flerta cada vez mais com o autoritarismo. As eleições do último domingo (1º) representaram inegável vitória do presidente Recep Tayyip Erdogan e sua agremiação, o AKP (Partido Justiça e Desenvolvimento). Mas representaram também a consagração de métodos reprováveis de fazer política. O AKP, no poder há 13 anos e desgastado por uma piora da situação econômica e por protestos de setores da classe média, saíra-se bastante mal no pleito anterior, realizado em junho. Embora tivesse sido o mais votado, o partido perdera a maioria no Parlamento e dependia de uma coalizão para governar. O resultado não só enfraqueceu Erdogan e seu premiê, Ahmet Davutoglu, como frustrou os planos do primeiro –ele tencionava convocar um referendo popular para ampliar os poderes da Presidência, e para isso precisaria obter 330 dos 550 assentos da Assembleia. Diante desse quadro, Erdogan recorreu a um velho truque: passou a ressaltar algumas ameaças reais e a produzir várias outras imaginárias, apenas para em seguida convocar nova eleição legislativa, na qual a população votaria motivada sobretudo pelo medo. O líder atiçou a retórica e as ações contra os curdos; apertou o cerco contra a imprensa e a oposição, fechando publicações e prendendo jornalistas e políticos, acusando-os, entre outras coisas, de compactuar com o terrorismo. O clima de instabilidade gerado pela guerra civil na vizinha Síria, com a milícia extremista Estado Islâmico rondando à espreita, tornava tudo muito crível. A estratégia funcionou. Com o novo pleito, o AKP saltou de 258 para 317 cadeiras e viu seus principais rivais sofrerem grandes perdas. A cada novo desenvolvimento, Recep Tayyip Erdogan vai-se assemelhando a figuras como o russo Vladimir Putin ou o venezuelano Hugo Chávez (morto em 2013). São líderes populares, até capazes de vencer eleições sem fraudes, mas que manipulam as instituições políticas em proveito próprio. Nenhum gesto configura uma ruptura muito clara; no conjunto, porém, o regime se mostra muito mais uma autocracia do que uma democracia genuína, calcada num sistema de freios e contrapesos. editoriais@grupofolha.com.br
2015-05-11
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1702393-turquia-em-transe.shtml
Desafio aos pessimistas
Ao discorrer sobre a mentira, Razumíkhin, patrício de Raskólnikov, o protagonista do romance "Crime e Castigo", de Dostoiévski, reflete: "(...) mas nós não somos capazes nem de mentir com inteligência!". Poderíamos, hoje, à luz das quimeras propagandísticas repetidas "ad nauseam", adaptar aquela sentença: "eles não são capazes nem de mentir com inteligência". Refiro-me a diatribes do tipo "o país quebrou" e "vivemos a pior crise da história". O país não quebrou. Crises, já tivemos muitas. O que está posto hoje no Brasil não é a disputa pelo receituário econômico mais adequado, é a disputa de projeto político. Para tanto é preciso constatar os avanços nos últimos 12 anos. Movido pela agenda do Ministério do Desenvolvimento Agrário, tenho viajado o Brasil. Por conta do projeto Territórios em Foco, quando mergulho numa região por três dias, experimento as políticas públicas e ouço a comunidade local. As andanças revelaram um Brasil muito maior do que a crise. Em especial, chamou a atenção os quatro anos da seca no semiárido nordestino. Há 12 anos poderíamos prever as consequências da estiagem: levas de retirantes clamando por comida. O cenário hoje é visceralmente distinto. Agora vi quilombolas, antes renegados, cultivando a terra e preservando suas tradições no Maranhão. Vi filhos de agricultores familiares nas escolas Família Agrícola, no Espírito Santo. No Ceará, vi plantação irrigada de feijão. Vi o sertanejo enfrentando a seca amparado em 1,2 milhão de cisternas. Vi a eficácia do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), que cresceu dez vezes nos últimos 12 anos e hoje assegura recursos de R$ 28,9 bilhões. Vi agricultoras recebendo títulos de terras das quais detinham apenas a posse. Vi filhos de agricultores beneficiados pelo Prouni. Viajando, vi a eficiência dos programas implantados desde que o presidente Lula assumiu a Presidência, em 2003. Senti os efeitos positivos do Bolsa Família, do Benefício de Prestação Continuada. Quando Lula lançou o Fome Zero, muitos disseram que o programa era inexequível. Duvidavam: "Acabar com a fome?". Pois em 2014 vi a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) retirar o Brasil do mapa da fome. Tudo isso não é passado, é presente. A propaganda que avassala o país cria o desvario da "terra arrasada", como se tudo o que foi construído nos últimos 12 anos tivesse desaparecido. Ao contrário, foi incorporado de forma incontornável à nossa realidade. Por isso precisamos ter consciência da ameaça representada pelo pessimismo. Claro que temos desafios pela frente. É preciso avançar nas reformas agrária, tributária e urbana. Acelerar o desenvolvimento da agricultura familiar, aumentando a produtividade, priorizando a produção de alimentos saudáveis, incrementando o cooperativismo. Radicalizar a distribuição do poder econômico, pois, sem ele, não teremos a distribuição do poder político. É necessário reconhecer que houve equívocos nessa trajetória, mas não podemos olvidar nossas conquistas. Precisamos perseverar na trilha do país de oportunidades iguais para todos. Prognósticos irreais alimentam a incerteza e o medo; precisamos de expectativas conscienciosas, que inflem o ânimo dos cidadãos. Como o otimismo versejado por João Cabral de Melo Neto ao final de seu "Morte e Vida Severina". Ao descrever a desventura, apontou a esperança diante do nascimento do rebento: "E não há melhor resposta/que o espetáculo da vida/ (...) vê-la brotar como há pouco/em nova vida explodida". PATRUS ANANIAS, 68, professor da PUC-MG, é ministro do Desenvolvimento Agrário * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-11
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1701823-desafio-aos-pessimistas.shtml
A barbárie da execução penal
O atual estágio de barbárie do sistema prisional brasileiro produziu mais uma atrocidade no campo dos direitos humanos. Em resumo, uma mulher, supostamente doente mental, estava grávida, em uma prisão comum, numa cela de isolamento, na qual teve sozinha sua filha. Posteriormente foi levada ao hospital com o cordão umbilical ainda preso à criança, a qual foi encaminhada a um abrigo. Sob o argumento de que se tratava de uma usuária de crack com crise de abstinência, a presa foi novamente colocada no isolamento. Os fatos foram comprovados e a documentação demonstra que não se trata de nenhuma presa de alta periculosidade. A diretora do presídio feminino no Rio de Janeiro foi temporariamente afastada, porém não há notícias do encaminhamento da mulher presa para tratamento de saúde. Foi descumprida a Portaria que institui o serviço de avaliação e acompanhamento de medidas terapêuticas no SUS à pessoa com transtorno mental em conflito com a Lei, bem como a lei da Reforma Psiquiátrica, que garante direitos às pessoas portadoras de transtornos mentais. Os direitos humanos das mulheres presas estão previstos nas Regras de Bancoc, definidas pelas Nações Unidas em 2010 e ratificadas pelo Brasil. Seguindo os princípios norteadores das Regras Mínimas para Tratamento de Reclusos (ONU, 1955) e das Regras Mínimas das Nações Unidas para Elaboração de Medidas Não Privativas de Liberdade (Regras de Tóquio) (ONU, 1990), as normas de Bancoc reconhecem que uma parcela das mulheres infratoras não representa risco à sociedade e seu encarceramento pode dificultar sua reinserção social. A Regra é clara ao determinar que não se aplicarão sanções de isolamento, instrumentos de coerção ou segregação disciplinar a mulheres grávidas, nem a mulheres com filhos ou em período de amamentação. Não são permitidas sanções disciplinares para mulheres presas em geral que correspondam à proibição de contato com a família, especialmente com as crianças. Mulheres não deverão ser separadas de suas famílias e comunidades sem a devida atenção ao seu contexto e laços familiares. A análise caso a caso deve ser conduzida com delicadeza e fundada no melhor interesse da criança, nos direitos de proteção à mulher contra qualquer forma de violência e no direito aos vínculos familiares. O Brasil instituiu, em janeiro de 2014, a Política Nacional Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). No mesmo mês, foi publicada a Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional (PNAMPE), a partir de um enfoque de gênero. Porém, a letra da lei de nada valerá se não houver interesse sócio-político para aplicá-la. O alto estigma que cerca a população carcerária, ainda mais a usuária de crack, etiqueta um grupo de "indesejáveis". Ao mesmo tempo em que o Estado exige que a presa se insira nas regras uma comunidade moral, pela suposta ressocialização, reiteradamente não são aplicadas essas mesmas normas morais para esse grupo extremamente vulnerável. Portanto, a questão ética da efetividade dos direitos da mulher presa e seus filhos representa atualmente um enorme desafio na implementação das políticas públicas. Identificar a responsabilidade institucional pelos danos causados e evitar outras atrocidades dirigidas àqueles que estão sob custódia do Estado é mais do que um imperativo moral; é uma exigência por justiça. LUCIANA SIMAS e MIRIAM VENTURA são advogadas e professoras da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-11
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1701783-a-barbarie-da-execucao-penal.shtml
Implosão demográfica
Atordoado pela rápida desaceleração da economia do país, o Partido Comunista da China desistiu da política do filho único. Adotado em 1979 com o objetivo de conter uma catástrofe demográfica, esse experimento populacional impediu o nascimento de 400 milhões de pessoas desde a sua implantação, segundo projeções oficiais. Pelo menos desde 2008, o governo chinês vinha estudando formas de atenuar o programa, em razão do impacto sobre a força de trabalho. Em 2012, a faixa em idade economicamente ativa (15 a 59 anos) perdeu 3,45 milhões de pessoas, fato que assombrou as autoridades. Um ano depois, o governo anunciou mudanças: permitiu que cada casal pudesse ter dois filhos, caso um dos pais fosse filho único. Mas a medida não teve o efeito esperado, já que poucas famílias solicitaram autorização para dar à luz a segunda criança –em parte devido às transformações culturais, pois, à medida que um país se desenvolve, o número de filhos por mulher tende a diminuir. Agora que se constata que o PIB do país cresceu menos de 7% no terceiro trimestre, a cúpula do PC houve por bem eliminar esse entrave ao desenvolvimento e permitir que casais tenham até dois filhos. A decisão talvez tenha chegado tarde. De 1979 até o ano passado, a participação dos jovens de 0 a 14 anos na população total (são hoje 1,3 bilhão de pessoas) despencou de 37,2% para 17,2%. Em 2007, existiam seis adultos economicamente ativos para cada aposentado; daqui a 25 anos, essa proporção deve cair para apenas dois por um. Trata-se de encargo pesado para uma sociedade distante dos níveis de renda dos países desenvolvidos. Por ironia, foi exatamente o medo de que a China não alcançasse o estágio das nações ocidentais que levou o PC a adotar estratégia tão brutal de controle da natalidade. As primeiras tentativas datam de 1962, após a grande fome –que talvez tenha custado a vida de 45 milhões de pessoas– provocada pelo Grande Salto para a Frente (plano econômico de Mao Tsé-tung que pretendia acelerar a coletivização do campo e a industrialização das cidades). Nova campanha, em 1971, reduziu a taxa de fertilidade de 5,4 para 2,7 nascimentos por mulher no fim daquela década, mas os técnicos avaliaram que o crescimento da população impediria o país de alcançar metas de prosperidade. A partir de 1979, casais que tivessem mais de um filho passaram a ser punidos com multas e a perda do emprego. Seguiram-se os abortos forçados, o infanticídio de meninas, a esterilização de mulheres. O governo teve êxito –e o temor de um excesso demográfico deu lugar ao medo de que faltem jovens no país mais populoso do mundo. editoriais@grupofolha.com.br
2015-03-11
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1701419-implosao-demografica.shtml
Em busca dos pequenos gênios
Carl Friedrich Gauss (1777-1855) é considerado o maior matemático de todos os tempos. Foi para a escola com oito anos. Na primeira aula assombrou o professor ao solucionar rapidamente um problema que deveria manter a turma ocupada durante toda a manhã: somar os números entre um e cem. Em vez de fazer as operações aritméticas, como era esperado, o pequeno Gauss notou que somando os extremos da série –1 mais 99, 2 mais 98, e assim por diante– sempre obtinha cem. Montou de relance uma fórmula e entregou o resultado correto. Nasceram ali as teorias das progressões aritmética e geométrica, dos arranjos, das permutações e das combinações, que hoje nos permitem escolher sem repetições as placas de trânsito e os números de celulares, por exemplo. O professor solicitou e obteve uma bolsa de estudos para o menino. Graças a isso, o talento de Gauss floresceu. Morreu com 77 anos, deixando uma obra extensa. Era um superdotado e foi reconhecido como tal, no momento certo. Evariste Galois (1811-1832), ao contrário, foi expulso da escola e teve uma adolescência marcada por diversas prisões. Era voluntarioso e indisciplinado. Desprezava os livros didáticos, mas nunca abandonou a paixão pela matemática. Com 20 anos, foi desafiado para um duelo. Sabendo de antemão que não sairia com vida, dedicou suas últimas horas a pôr no papel as ideias que tinha, às quais ninguém prestara atenção. Deixou somente algumas dezenas de páginas, escritas de maneira quase ininteligível. Onze anos depois, Joseph Liouville anunciou ao mundo que o jovem Galois resolvera um dos grandes problemas da história da matemática, tendo descoberto um método novo, que veio a revolucionar a álgebra. Galois também era um superdotado, mas não foi reconhecido como tal, em vida. Dois destinos que mostram a importância de um tema atual: a necessidade de criar mecanismos para identificar alunos superdotados para as ciências, as artes, a literatura e os esportes, para que possam desenvolver seus talentos e não sofram discriminações. Os superdotados podem ser indisciplinados e hiperativos, por isso diagnosticados erroneamente e submetidos a tratamentos inadequados. Têm facilidade para aprender, mas podem demonstrar desinteresse nas aulas e nas lições de casa. Nem sempre um superdotado é um excelente aluno. Por isso, o reconhecimento de sua condição não é trivial. Somente testes aplicados por psicólogos podem fazer o diagnóstico correto. A identificação precoce é muito importante, especialmente em crianças de baixa renda. Isso exige uma capacitação específica dos profissionais da educação. A OMS (Organização Mundial da Saúde) estima que cerca de 5% da população possui algum tipo de alta habilidade. Isso equivale a 2,5 milhões de crianças que frequentam o nosso sistema público de educação básica. No entanto, o Censo Escolar de 2014 reconhece apenas 13 mil alunos nessa condição. A escola brasileira não está preparada para identificar os alunos superdotados e nem é capaz de lhes proporcionar serviços pedagógicos suplementares. Uma população de 200 milhões de habitantes deve ter cerca de 10 milhões de superdotados. Precisamos descobrir quem são, como quem garimpa ouro. Esse é o objetivo de um projeto de lei de minha autoria, que agora vai à sanção da presidente Dilma Rousseff. Ele estabelece que o Estado brasileiro definirá procedimentos para identificar, cadastrar e atender alunos com altas habilidades todos os níveis. Os brasileirinhos que podem vir a ser um Gauss, um Mozart, um Guimarães Rosa ou um Messi merecem a chance de realizar seus talentos. A nação só tem a ganhar. MARCELO CRIVELLA, 58, é senador pelo PRB-RJ. Foi ministro da Pesca e Aquicultura (governo Dilma) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-03-11
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1700823-em-busca-dos-pequenos-genios.shtml
Bancos de células-tronco públicos e privados
Se você é jovem, talvez ache difícil acreditar, mas, há um século, as principais causas de morte no mundo eram gripe, pneumonia e diarreia. Hoje, o principal perigo vive dentro de nós: nossas próprias células, que passam a nos atacar ou que param de funcionar, causando câncer, doenças autoimunes ou doenças degenerativas. Não é surpresa, portanto, que uma das áreas de maior visibilidade da ciência nesse momento seja a medicina regenerativa, que promete revolucionar a medicina assim como antibióticos e vacinas fizeram no século passado. Para não perder o barco da história, cada vez mais famílias optam pelo armazenamento de células-tronco dos seus filhos. No entanto, há cada vez mais opções e decisões difíceis de serem tomadas. Como decidir o que é melhor para sua família em um mar de informações polarizadas e conflitantes? Algumas informações podem fazer toda a diferença. Há pelo menos dois tipos principais de células-tronco: hematopoiéticas e mesenquimais. As primeiras são as que dão origem a células sanguíneas; são encontradas no sangue do cordão umbilical e seu uso clínico já está estabelecido em doenças do sangue e do sistema imune. Mesenquimais são as células-tronco que dão origem aos tecidos sólidos do corpo (cardíaco, nervoso, ósseo, muscular); seu uso na prática clínica está em estágio inicial e chama a atenção pelo enorme número de pesquisas científicas investigando suas diferentes aplicações. Elas podem ser obtidas de diferentes fontes, entre as quais o tecido adiposo e os dentes de leite. A opção por armazenar células-tronco mesenquimais é para os pais que têm expectativas no desenvolvimento de terapias que ainda não estão disponíveis, mas que abrangem uma vasta gama de possibilidades (doenças de Parkinson, esclerose múltipla e doenças cardíacas estão na linha de frente). Células-tronco hematopoiéticas têm característica oposta: os tratamentos existem, mas abrangem um conjunto limitado de doenças (leucemias, linfomas, certos tipos de anemia). As chances de uma criança desenvolver essas doenças é baixa, e de precisar usar suas próprias células é ainda menor (estimativas do governo são de menos de 0,05%). Há uma exceção importante: famílias com histórico de doença genética tratável com células-tronco hematopoiéticas; nesse caso, a probabilidade de uso é muito mais alta, e vale o investimento. Para células-tronco mesenquimais, só existe armazenamento privado. Para as hematopoiéticas, é possível optar. Certamente, bancos públicos apresentam muitas vantagens, como amplamente divulgado na mídia. Por outro lado, infelizmente, isso não é uma opção para a grande maioria das famílias brasileiras, já que no Brasil apenas as maternidades que fazem parte da rede BrasilCord, cerca de 20, podem aceitar doações de cordão. Embora este número esteja crescendo, essa situação não deve mudar significativamente no futuro. Altos custos em infraestrutura e recursos humanos impossibilitam a implementação em larga escala desse serviço em hospitais públicos em um país com as dimensões do Brasil. Dessa forma, armazenamento público e privado não são antagônicos, são complementares. Quem tem a possibilidade de doar o cordão é encorajado a fazê-lo. Células-tronco mesenquimais apresentam o benefício extra de não serem apenas úteis para terapias celulares, mas também para testes de medicamentos e, possivelmente, no futuro, geração de um órgão completo. Crítico para as famílias é o acesso a informação confiável e baseada em evidências. Somente dessa forma as famílias brasileiras estarão preparadas para próxima revolução da medicina. ANA MARIA TEIXEIRA, 30, é mestre em ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e atualmente estuda na Northeastern University, em Boston, Massachusetts. * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-03-11
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1700711-bancos-de-celulas-tronco-publicos-e-privados.shtml
O caminho da tocha
O revezamento da tocha olímpica pelo Reino Unido produziu uma das imagens mais emblemáticas da história recente dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos no mundo. Quem assistiu ao vídeo da chama percorrendo cenários deslumbrantes daqueles países e envolvendo a população de forma tão emocionante sabe do que estou falando. Pois agora é a vez do Brasil marcar presença no imaginário mundial. Aproveitar a experiência adquirida com a realização de grandes eventos –Rio+20, Jornada Mundial da Juventude e a Copa do Mundo, por exemplo– para superar expectativas e oferecer ao público um espetáculo inesquecível. Afinal, vamos sediar os primeiros Jogos Olímpicos e Paralímpicos em solo sul-americano. Se na Copa, que organizamos com muita competência, recebemos 736 atletas de 32 nações, na Olimpíada serão 15 mil esportistas de 205 nacionalidades. São números grandiosos, proporcionais aos desafios que se impõem ao governo federal e aos gestores públicos de transformar tudo isso em ganhos para a economia, para a população e também para o turismo. Para fazer uma grande Olimpíada, nada melhor do que somar esforços. A integração dos diversos ministérios, secretarias e a parceria com estados e municípios têm sido fundamental para racionalizarmos os investimentos e avançarmos na preparação do evento. A orientação da presidenta Dilma Rousseff sempre foi de somarmos, para fazer mais, com menos. E esse tem sido nosso esforço. Essa é a mensagem que temos passado às lideranças políticas, governadores, secretários e empresários do setor do turismo. Não é uma questão de retórica, 2016 pode ser mesmo de oportunidades imperdíveis para o turismo brasileiro. Se o grande desafio do governo é envolver todo o país com a realização dos jogos, cujas competições acontecem majoritariamente no Rio de Janeiro, o tour da tocha olímpica é a chance de colocar na vitrine a imagem multifacetada do Brasil, com toda sua diversidade cultural, esportiva, patrimônios históricos e belezas naturais. Imaginem o efeito visual de um caleidoscópio formado por fragmentos de imagens de atrativos turísticos dos mais de 300 municípios que recepcionarão a chama olímpica durante seu passeio por todas as regiões do país. Um prato cheio para encantar os milhares de turistas dos jogos e os 5 bilhões de espectadores que assistirão as competições por todos os cantos do mundo. Ganharemos em visibilidade o que nenhuma campanha publicitária pode alcançar. Um dos resultados esperados para essa exposição excessiva, sem dúvida, é o aumento do fluxo de turistas internacionais para o país. Por isso, comemoramos na última semana a aprovação, pela Câmara dos Deputados, do projeto que isenta de vistos os estrangeiros que visitarem o país até setembro de 2016. Agora o projeto segue para o Senado e, se aprovado, precisa ser sancionado pela presidenta Dilma Rousseff. Tenho certeza que essa medida trará muitos ganhos para nossa economia. A desburocratização do processo de concessão do documento é o primeiro passo para atrairmos mais visitantes e deixarmos para trás a incômoda marca dos seis milhões de turistas estrangeiros. O primeiro passo de muitos que esperamos dar para ajudar o Brasil a enfrentar a instabilidade econômica e voltar a crescer. HENRIQUE EDUARDO ALVES, 66, é ministro do Turismo * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-02-11
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1700699-o-caminho-da-tocha.shtml
Enem, instrumento de cidadania
Nos primeiros seis meses de 2015, a Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência do governo federal registrou 179 relatos diários de agressão contra as mulheres. Foram mais de 32 mil ligações de todas as 27 unidades da federação, envolvendo 55% dos municípios brasileiros. Recente pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) revela que, entre 2001 e 2011, o Brasil registrou mais de 50 mil mortes de mulheres por agressões. Muitos desses crimes foram cometidos por homens com quem as vítimas tinham ou tiveram vínculo afetivo. Os dados mostram que, apesar dos avanços alcançados pela Lei Maria da Penha, uma cultura de violência contra as mulheres está ainda muito presente em nosso país. Diante disso, a discussão da "persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira" é necessária e oportuna. Por isso, foi justamente esse o tema da redação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) de 2015. A escolha segue a direção de temas de anos anteriores: "publicidade infantil em questão no Brasil" (2014) e "os efeitos da implantação da Lei Seca no Brasil" (2013). Ao colocar tais questões para a reflexão dos mais de 7,7 milhões de inscritos no Enem, o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) contribui para que os jovens que aspiram a uma vaga nas universidades brasileiras reflitam e posicionem-se. A discussão em torno do tema da redação do Enem não se encerra com o término das provas. Ele torna-se assunto de debate nos diversos grupos sociais envolvidos com o exame, tais como grupos familiares, sistemas educacionais, veículos de comunicação, governo e movimentos sociais. Em relação ao tema deste ano, pode-se buscar os motivos da persistência das agressões contra mulheres, apesar das leis já aprovadas e do protagonismo feminino em nossa sociedade em várias áreas. Por exemplo, 60% dos participantes do Enem são mulheres. A elaboração de propostas de redação para os exames do Inep segue uma metodologia colegiada. Docentes de universidades, que assessoram o órgão na produção dos testes, submetem assuntos inéditos e pertinentes à temática de ordem política, social, cultural ou científica. Esses professores, pertencentes a diversas áreas do conhecimento, colaboram com distintas opiniões sobre o mesmo tema. Os assuntos escolhidos devem possibilitar ao estudante produzir um texto em prosa, do tipo dissertativo argumentativo. O Enem não é apenas o grande caminho de oportunidades para o acesso à educação superior no Brasil. Pelo tema da redação, ele estimula a reflexão em torno de assuntos fundamentais para a consolidação da democracia e para o aprimoramento da cidadania. O próprio fato de que alguns sustentem que o tema da redação do Enem deste ano seria inadequado ou pouco importante mostra, infelizmente, que ainda não chegamos a um respeito unânime aos direitos das mulheres. Levando 7 milhões de candidatos e dezenas de milhões de brasileiros a discutir violência e liberdade, o Ministério da Educação contribui para que este assunto seja, sim, priorizado no debate e na ação dos nossos cidadãos. Isso também é educar. FRANCISCO SOARES, 64, é presidente do Inep e professor da Universidade Federal de Minas Gerais * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-01-11
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1700787-enem-instrumento-de-cidadania.shtml
Mentiras presidenciais
Já me referi, mais de uma vez, ao jantar que Ruy Fragoso, Paulo Bekin e eu tivemos com a juíza da Suprema Corte americana, Sandra O'Connor, à época do pedido de impeachment contra o presidente Bill Clinton (1993-2001). Perguntei-lhe como votaria, se o processo fosse levado à Suprema Corte, após deliberação do Congresso. Ela respondeu-me com espantosa rapidez: "Meu voto será pelo impeachment", acrescentando: "Ele mentiu para o povo americano e um presidente não pode mentir". Ficou provado depois que, com efeito, Clinton mentira, ao dizer que não mantivera relações com Monica Lewinsky. É de se lembrar que o pedido de impeachment foi rejeitado por mínima maioria. No Brasil, se analisarmos o comportamento verbal da presidente Dilma Rousseff, parece que nem sempre a verdade teve preferência. Durante a campanha de 2014, alardeou que a situação brasileira era maravilhosa, que o candidato de oposição iria buscar um ajuste recessivo, que, em seu segundo mandato, teria como meta a pátria educadora e que jamais tanto se fizera para o desenvolvimento econômico e social como em seu governo, com as contas públicas superiormente administradas, em face de sua ilibada idoneidade. Tão logo eleita, Dilma revelou ao país que tudo o que dissera não correspondia à realidade: o Brasil estava falido e não poderia mais financiar o ensino universitário como antes–muitos alunos não puderam cursar as universidades e muitas escolas, em todos os níveis, foram fechadas por falta de financiamento. Descobriu-se também que o governo disfarçara os furos orçamentários com as "pedaladas fiscais", empréstimos ilegais dos bancos públicos, e que um duro ajuste fiscal sobre a sociedade seria inevitável, pois Dilma não poderia reduzir as despesas com "os amigos do rei" de sua esclerosada administração. À evidência, a mentira do presidente Clinton ao povo americano foi infinitamente menor que aquelas da presidente Dilma ao povo brasileiro, pois a ilusão vendida para eleger-se custou um preço elevadíssimo à nação. A título apenas exemplificativo, enumero: congelamento de combustível e de energia elétrica, cujos preços explodiram em 2015; alta inflação; PIB negativo; altíssima taxa de desemprego; fuga de investimentos do país; retirada do Brasil do grau de investimento internacional pela mais importante agência de rating mundial; destruição da maior empresa estatal, que perdeu 70% de seu valor, assolada por uma onda fantástica de corrupção. Apesar de repetidas vezes Dilma, o ex-presidente Lula e alguns aliados terem sido citados nas delações premiadas feitas na Operação Lava Jato, o digno procurador-geral da República, Rodrigo Janot, houve por bem investigar em profundidade o principal adversário do governo, Eduardo Cunha, muito embora o Tribunal Superior Eleitoral, por 5 votos a 2, tenha pedido à Polícia Federal que apurasse se a campanha do PT foi ou não irrigada por recursos vindos do saque à Petrobras. Sobre tais investigações, todavia, não me manifesto, pois ainda em curso, embora esteja plenamente convencido de que o governo Dilma foi omisso, negligente, imprudente, imperito (são hipóteses de culpa grave, segundo decisões do STJ), tornando-se aquele em que houve o maior nível de corrupção da história mundial, segundo a imprensa internacional. Tais considerações, entretanto, eu as faço apenas para mostrar a concepção democrática de uma juíza da Suprema Corte americana, para a qual um presidente, por representar a nação e seu povo, tem que se revestir de tal dignidade, não pode mentir, mesmo em assuntos de natureza privada. Tal concepção conflita dramaticamente com a tolerância demonstrada pelos políticos brasileiros –não pelo povo, que reduziu a credibilidade de Dilma a menos de 10%_, para quem a "hipocrisia" é a "maior virtude" para conquistar o poder. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, 80, advogado e presidente da Comissão de Reforma Política da OAB-SP, é professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-01-11
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1700785-mentiras-presidenciais.shtml
Um contraponto ao falso consenso
Com o acirramento dos debates acerca da possibilidade de abertura de processo de impeachment da atual presidente da República, surgiram afirmações de que não seria possível a abertura de processo por crime de responsabilidade cometidos durante o primeiro mandato do cargo de presidente da República. Apesar da reprodução da afirmação com contornos de verdade insofismável, tal questão está longe de ser pacífica. O art. 86, §4°, da Constituição de 1988 dispõe que "o Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções." A Constituição proíbe a responsabilização por atos estranhos à função de presidente e não de atos praticados no mandato anterior. Já a Lei de Crimes de Responsabilidade (lei n° 1.079/50) expressa, acerca dos crimes de responsabilidade praticados por presidente da República, em seu artigo 15, que "a denúncia só poderá ser recebida enquanto o denunciado não tiver, por qualquer motivo, deixado definitivamente o cargo." Uma interpretação gramatical demonstra que a norma não faz referência a encerramento de mandato, mas a deixar definitivamente (ressalte-se) o cargo. O presidente reeleito, em momento algum, deixou o seu cargo, não havendo solução de continuidade entre seus mandatos. Por outro lado, a norma deve ser interpretada sistematicamente, garantindo a unidade do ordenamento jurídico. Interessante notar, portanto, a interpretação dada pelos tribunais ao analisar norma similar. A lei n° 8.429/92, em seu art. 23, I, afirma que a prescrição se dará em 5 anos, contados a partir do término do mandato, quando o ato de improbidade for praticado por detentor de cargo eletivo. Com o surgimento da reeleição, através da Emenda Constitucional 16/1997, surgiu a tese de que o detentor de cargo eletivo, ao se reeleger, teria tido seu mandato findado, razão pela qual o prazo prescricional deveria correr após o último dia do prazo de seu primeiro mandato. Contudo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou o entendimento de que o prazo prescricional, quando houver reeleição, somente se iniciará ao término do segundo mandato, pois "o vínculo com a Administração, sob o ponto de vista material, em caso de reeleição, não se desfaz no dia 31 de dezembro do último ano do primeiro mandato para se refazer no dia 1º de janeiro do ano inicial do segundo mandato". Ora, a expressão "deixar definitivamente o cargo" é muito mais clara e robusta do que "término de mandato", razão pela qual não há coerência em se modificar tal posicionamento, entendendo que o segundo mandato seria algo totalmente dissociado do primeiro, pois não há cessação de continuidade, nem de direito e nem de fato, entre os dois mandatos presidenciais. Deve-se ter sempre em mente a força dos precedentes e que eventual decisão que garanta essa irresponsabilidade será provavelmente repetida em face dos 27 governadores e dos mais de 5 mil prefeitos espalhados por todo o país, inclusive com possíveis reflexos na interpretação da lei de improbidade administrativa ( importante instrumento de combate à corrupção) no tocante ao termo inicial do prazo prescricional. Portanto, interpretação nesse sentido seria um retrocesso na busca de responsabilização dos agentes públicos e fragilizaria, inclusive, o princípio do republicanismo (que exige a responsabilização dos agentes políticos), não se devendo adotá-lo apenas para afastar um processo de impeachment que gere discordância sobre sua real legitimidade. Assim, não se defende que a atual presidente da República tenha praticado crimes de responsabilidade em seu primeiro mandato, mas que, havendo provas de tanto, esta é plenamente passível de responsabilização através do processo político de impedimento. PAULO SÉRGIO FERREIRA FILHO, 29, procurador da República, é especialista em direito aplicado ao Ministério Público pela Escola Superior do Ministério Público da União - ESMPU e mestrando em direito pela Universidade Católica de Brasília - UCB * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-10-31
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1700698-um-contraponto-ao-falso-consenso.shtml
Brasil precisa de uma lei antiterrorismo? Não
OS VERDADEIROS TERRORISTAS O que justifica o projeto de lei antiterror enviado ao Congresso Nacional? Noves fora as denominadas pautas-bomba lançadas pelo presidente da Câmara em causa própria e/ou contra a legitimidade democrática, onde mais encontramos ações que lembrem crimes de terrorismo na sociedade brasileira? Não, não me esqueci dos manifestantes presos em 2013 porque lançaram o rojão que matou um repórter da TV Bandeirantes. Mas eles foram julgados de acordo com a Constituição, sem necessidade de uma lei excepcional para tipificar o crime. Por outro lado, nada aconteceu aos sinistros black blocs que, de cabeça coberta, depredaram patrimônio público e privado e desmoralizaram o movimento popular. No passado, mesmo entre os grupos que pegaram em armas para lutar contra o terrorismo de Estado implantado pelos governos militares no período 1964-1985, poucas ações poderiam ser qualificadas como atos terroristas, isto é: aqueles praticados não em enfrentamentos entre grupos armados, e sim contra a população indefesa. Uma bomba acionada no aeroporto de Guararapes, em Recife, matou duas pessoas. O atentado não foi reivindicado por nenhuma organização armada. Outra bomba, contra o consulado americano em São Paulo, feriu três. Houve também os sequestros dos embaixadores dos Estados Unidos, Suíça e Alemanha –tratados com respeito pelos sequestradores, até serem trocados pela libertação de presos políticos. Terrorismo de Estado houve, sim. Prisões ilegais, torturas, assassinatos de prisioneiros e de pessoas já rendidas. Muitos desses crimes foram camuflados com falsos laudos de suicídio ou de "resistência seguida de morte", artifício conservado em plena democracia pelos comandantes das Polícias Militares para justificar execuções de prisioneiros rendidos, ou mortos por torturas em dependências do Estado. Os camponeses do Araguaia, presos ilegalmente e torturados de todas as formas, criaram uma resposta corajosa para responder à pergunta dos militares:"onde estão os terroristas?". "Não conheço nenhum terrorista", diziam. "Quem pratica o terror aqui são vocês." A ousadia fazia recrudescer a violência dos agentes da repressão: afogamentos, choques elétricos, espancamentos, confinamento de um grande número de pessoas em um buraco exposto ao sol e à chuva, passando fome e sede, práticas consideradas como crimes hediondos pela Constituição de 1988. Mas os crimes de Estado ficaram impunes, pois a Lei da Anistia, negociada com urgência entre governo e familiares de prisioneiros fragilizados, determinou igual perdão para os "dois lados". Ainda sofremos as consequências da equivalência jurídica entre crimes praticados por agentes do Estado e os cometidos por civis em luta contra aquele mesmo Estado fora da lei –como se fossem da mesma natureza. Até hoje mais pessoas são mortas pelas PMs do que durante os 21 anos de ditadura. Aliás: nossas polícias continuam militares. Por que submeter a treinamento de guerra os futuros agentes de segurança encarregados de enfrentar compatriotas civis, ainda que fora da lei? Se vivemos ainda algum resquício de terror no Brasil, isto se deve mais à ação de agentes do Estado que violam os direitos elementares do cidadão do que a abusos cometidos pela população ou por criminosos comuns –cujas punições estão previstas na Constituição. Não me parece que o projeto de lei contra o terrorismo atenda a uma necessidade da sociedade brasileira. Vale lembrar que movimentos sociais –ocupações do MST ou de luta por moradia– são parte da dinâmica democrática. É preocupante que possam ser criminalizados, se predominar a pauta conservadora orquestrada pelo presidente da Câmara dos Deputados. Tal projeto deveria nos aterrorizar, enquanto é tempo. MARIA RITA KEHL, 63, psicanalista, foi integrante da Comissão Nacional da Verdade. É autora "Processos Primários" (Estação Liberdade) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-10-31
opiniao
Opinião
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Brasil precisa de uma lei antiterrorismo? Sim
RESPOSTA DEMOCRÁTICA AO TERROR A lei antiterrorismo proposta pelo governo Dilma é uma resposta tardia e um tanto hesitante diante de uma necessidade real do país. É tardia porque chega mais de uma década após a ONU ter lançado sua estratégia global contra o terrorismo. A OEA (Organização dos Estados Americanos) e o Conselho Europeu foram no mesmo caminho e aprovaram suas respectivas convenções antiterroristas ainda na década passada. Esses esforços multilaterais de cooperação levaram países tão diversos quanto Índia, África do Sul, Colômbia e Argentina a adotar legislações específicas que tipificam o crime de terrorismo. Se o Projeto de Lei 2016/15, do Executivo, for aprovado pelo Congresso, o Brasil terá a oportunidade de colaborar de forma mais direta para o desenvolvimento de um regime internacional que seja efetivamente capaz de prevenir as ameaças perpetradas por grupos e indivíduos que recorrem à violência e à ameaça como meio de ação política. Quanto mais países adotarem leis domésticas contra o terrorismo, mais ágil será a cooperação global nas ações de inteligência, a extradição de acusados, o envio de provas para ações no exterior e o recebimento de informações que podem ser decisivas para investigações e processos em curso no Brasil. A medida também contribui para dar mais segurança ao ambiente de negócios do país e atrair investimento estrangeiro direto. Mas nem todos estão convencidos dessas vantagens e o debate sobre a matéria caminha com alguma dificuldade. Há a desconfiança, compartilhada pelos partidos e setores da opinião pública mais de esquerda, de que a lei antiterrorismo, se aprovada, poderá ser dirigida contra os movimentos sociais. Após 30 anos de estabilidade democrática, a desconfiança reflete pessimismo exagerado com relação ao funcionamento de nossas instituições, uma vez que a resposta típica do Estado à violência política, que eventualmente praticam os movimentos sociais, tem sido muito mais a tolerância do que a repressão. Isso não aconteceu por acaso. A estabilidade social da qual usufruímos no atual ciclo democrático é produto de um sistema político que em alguns momentos pode não ter a agilidade ou eficiência desejadas pela maioria, mas que inegavelmente tem sido bem-sucedido na tarefa de acomodar interesses das minorias e tensões sociais e políticas. É nesse contexto democrático que estamos legislando sobre o terrorismo. Não vivemos sob uma autocracia que tenta punir de forma desproporcional seus opositores, como fez a Venezuela na condenação de Leopoldo López sob a alegação de que ele havia patrocinado atos terroristas contra o governo. As ameaças que o Estado e a sociedade brasileira enfrentam são distintas. Há enormes facilidades operacionais para a atuação de organizações terroristas no país, como a extensa e crescente presença do crime organizado e as fronteiras porosas por onde fluem continuamente drogas, armas e carros roubados. Embora o crime organizado e o terrorismo sejam fenômenos distintos, conectam-se constantemente no uso comum da mesma cadeia logística de serviços ilícitos. Há ainda o contexto internacional que precisa ser considerado e diante do qual temos responsabilidades. As mentalidades isolacionistas e aquelas forjadas no contexto da Guerra Fria podem ter consequências particularmente negativas para a inserção global do Brasil. Países com os quais temos um longo histórico de cooperação enfrentam a ameaça do Estado Islâmico, califado que usa o terror como o principal, se não o único, método de relacionamento com Estados, governos e grupos sociais que cruzam o seu caminho em qualquer parte do mundo –sem ideologia de esquerda ou de direita. O que faremos diante disso e quanto nos custará não fazer nada? LEANDRO PIQUET CARNEIRO, 51, é professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-10-31
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1700752-brasil-precisa-de-uma-lei-antiterrorismo-sim.shtml
Reflexos da obsolescência programada
Como se sabe, o desgaste natural do produto e a necessidade de sua substituição no decorrer do tempo são normais. Antigamente, a substituição do produto por outro da mesma espécie ocorria em período muito superior ao que ocorre hoje em dia. Os produtos eram fabricados para durarem muito tempo e, a preocupação naquela época, girava em torno da qualidade e durabilidade. Nos dias atuais, contudo, cada vez mais os produtos são planejados e produzidos para terem uma vida útil mais curta. Tal prática é o que chamamos de obsolescência programada. Especificamente, o que significa? A obsolescência programada, também chamada de obsolescência planejada, nada mais é do que a redução deliberada e voluntária do tempo de vida útil de um produto, a fim de que seja efetivada a sua recompra. Essa prática foi criada para enfrentar a crise de 1929. Com a crise, os fabricantes de bens duráveis perceberam que os produtos com durabilidade muito extensa desfavoreciam a economia, pois reduziam o consumo. Com isso, havia um número muito elevado de produtos estocados, sem falar do desemprego. Assim, decidiram os fabricantes, de forma voluntária e estratégica, reduzir o ciclo de vida útil dos produtos para aumentar o consumo. Sendo assim, houve o incremento das oportunidades de emprego, especialmente nos setores de desenvolvimento, planejamento, produção e marketing. Além disso, a obsolescência programada, em razão dos avanços tecnológicos, fez com que as empresas passassem a fabricar produtos que apresentassem maior versatilidade, funcionalidade e inovação. Por outro lado, tal prática também trouxe o aumento desordenado do lixo. Apesar de muito criticada, a obsolescência programada é um meio de manter a economia aquecida, com maior enriquecimento de diversos setores do mercado e o aumento da geração de emprego. Por outro lado, não se pode negar, a formação de resíduos sólidos cresceu significativamente, indo de encontro aos princípios norteadores do Direito Ambiental, especialmente no que diz respeito ao desenvolvimento sustentável. Por esta e outras razões, em 02/08/2010, foi instituída a Política Nacional de Resíduos Sólidos, tornando-se uma obrigação legal dos fabricantes a produção de bens providos de qualidade e durabilidade, bem como o desenvolvimento de um sistema de logística reversa, visando a minimizar o volume de resíduos sólidos. Além da geração desordenada de lixo, outra crítica que se direciona à obsolescência programada diz respeito à proteção dos direitos do consumidor. Muitos entendem que esta prática seria ilegal, pois afronta princípios básicos da legislação consumerista, tais como transparência das informações, durabilidade dos produtos, oferta de componentes e peças de reposição, bem como publicidade enganosa ou abusiva. A jurisprudência ainda é muito tímida a respeito. Sobre o tema, merece leitura o recurso especial nº 984.106/SC de relatoria do Min. Luis Felipe Salomão, que trata do assunto e cita exemplos de obsolescência programada: reduzida vida útil de componentes eletrônicos com o estratégico inflacionamento desses componentes, tornando mais vantajosa a recompra; incompatibilidade entre componentes antigos e novos, impondo atualizar por completo o produto (software); lançamento de nova linha, cessando antecipadamente a fabricação de insumos ou peças de reposição à antiga. Em termos de legislação sobre o tema, o avanço também é modesto. Existem alguns projetos de lei (PL 5367/2013 e PL 32/2015) que não objetivam, nem de longe, resolver a questão. De outra parte, há uma proposta interessante que foi apresentada recentemente pelo ministro Luis Felipe Salomão, que visa à realização de alterações significativas no CDC. A proposta consiste na obrigação dos fornecedores de indicar o tempo de vida útil nos produtos e prevê punição aos que praticarem a obsolescência programada, mas sem limitar a evolução tecnológica. Nesse contexto, considerando os avanços tecnológicos e o aquecimento da economia, a proibição da obsolescência, sem dúvida, pode caracterizar um retrocesso no tempo. Assim, parece-nos essencial o desenvolvimento de políticas públicas que garantam um meio ambiente equilibrado, bem como a conscientização do mercado de consumo de que, em um mundo com recursos finitos e sem solução adequada para os resíduos sólidos, até a própria obsolescência programada terá data para morrer. LUCIANA GOULART PENTEADO, 48, e JULIANA FONTÃO LOPES CORRÊA MEYER, 38, são sócias de Demarest Advogados * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-10-30
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1700262-reflexos-da-obsolescencia-programada.shtml
Confusão escolar
Cerca de um mês atrás, esta Folha chamou a atenção neste espaço para os eventuais transtornos suscitados pelo governo de São Paulo com a proposta, então embrionária, de reorganizar as escolas da rede pública estadual. Pouco detalhamento e muita desinformação se seguiram. Protestos de professores, alunos e pais contra a gestão de Geraldo Alckmin (PSDB) conturbaram o processo, em si defensável, de racionalizar o uso dos prédios oficiais. O sistema estadual perdeu 2 milhões de alunos desde 1998. O total hoje é de 3,8 milhões. Tal diminuição se deveu sobretudo à retração do número de filhos por família. Mas também houve transferência de estudantes de estabelecimentos públicos para privados, devido ao aumento da renda e à queda na qualidade do ensino oficial. A reorganização se justificaria ainda, para a Secretaria da Educação, pelo ganho pedagógico esperado em colégios dedicados a determinadas faixas etárias. Escolas de segmento único, como são chamadas, apresentam resultados 15% a 28% superiores aos das que abrigam mais de um nível de ensino. A carência de informações e a imaturidade do projeto podem ser aquilatadas pela discrepância entre o que se deu a conhecer, na época, e o que veio à luz na segunda-feira (26). Falava-se antes em algo entre 1 milhão e 2 milhões de alunos afetados; agora, diz-se que pouco mais de 300 mil serão transferidos. O governo tucano nega ter recuado diante da pressão exercida por docentes e pela clientela da rede oficial. Afirma que o desenho atual resultou de estudos técnicos. No fim das contas, haverá aumento de 52% no número de escolas de segmento único, que passarão de 1.443 para 2.197 (num total de 5.147 colégios da rede). Aquelas mais complexas de administrar, que concentram num só prédio os três níveis de ensino, recuarão 34%, de 479 para 315 unidades. O remanejamento permitirá voltar a usar 2.956 salas de aula que estavam ociosas. Eis aí boa oportunidade para diminuir a superlotação de algumas classes e para expandir o ensino em tempo integral, o que poderá contribuir para elevar a baixa eficiência do aprendizado. A Secretaria da Educação, porém, não aprendeu a lição: anunciou primeiro o número de alunos e escolas afetados; dias depois, indicou quais. Teria sido melhor apresentar o plano todo de vez. editoriais@grupofolha.com.br
2015-10-29
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1699838-confusao-escolar.shtml
Parcerias para potencializar transplantes
Recentemente centros no exterior obtiveram bons resultados no tratamento da síndrome do intestino curto –uma redução do comprimento do intestino delgado que impede a absorção normal de alimentos. A prevalência no Brasil é de cerca de 1.500 casos por ano, metade deles em crianças. Em 90% dos casos o tratamento é clínico, baseado em nutrição parenteral. Nos demais, o tratamento é cirúrgico, por transplante de intestino ou, frente a lesões de outros órgãos, por transplante multivisceral, que substitui em bloco fígado, estômago, pâncreas e intestino delgado. Podem ainda ser transplantados intestino grosso, rins e baço. São procedimentos muito complexos, tanto do ponto de vista cirúrgico quanto do manuseio pré e pós-operatório. Atualmente, um dos melhores resultados e a maior casuística mundial são apresentados pelo Instituto de Transplantes de Miami, chefiado pelo cirurgião brasileiro Rodrigo Vianna. A divulgação no Brasil desses resultados estimulou ações judiciais determinando o tratamento dos pacientes nesse centro, já que esse transplante ainda não é realizado no Brasil com bons resultados. Saliente-se, porém, que o custo do transporte em avião UTI, do transplante e do tratamento pós-operatório se aproxima de US$ 2 milhões. Impedido judicialmente de discutir os aspectos éticos, médicos e sociais de se investir recursos públicos elevados no tratamento de pacientes isolados, o Ministério da Saúde decidiu aproveitar esses procedimentos também para a capacitação de equipes nacionais. Obteve-se da câmara técnica do ministério uma autorização inédita para reunir os pacientes dos diferentes centros numa casuística única, de tal forma que, por telemedicina, todos os prontuários clínicos e os atos cirúrgicos sejam compartilhados por todas as equipes. Pelo seu pioneirismo no transplante de órgãos, a Faculdade de Medicina da USP foi escolhida para coordenar o projeto. Por sua liderança no transplante de fígado, do qual o transplante multivisceral representa uma extensão, foram incluídos os seguintes centros de excelência: os hospitais das clínicas da Faculdade de Medicina da USP e da Universidade Federal de Porto Alegre, os hospitais Albert Einstein, Sírio -Libanês e Samaritano. O desenvolvimento de novas tecnologias é indispensável para acompanhar o progresso da medicina moderna, mas muitas vezes é exageradamente dispendioso. A convergência de universidades públicas com centros de excelência privados potencializa os resultados e a todos favorece. Nesse sentido, recentemente representantes da iniciativa privada constituíram um grupo denominado Coalizão Saúde (vide o artigo "O setor da saúde em momento de crise", publicado em 8/10 nesta página) para contribuir de forma propositiva para enfrentar os diferentes problemas da saúde. A solução encontrada para o transplante multivisceral sugere a oportunidade de incluir também instituições de ensino nesse grupo de trabalho. SILVANO RAIA, 85, professor emérito da Faculdade de Medicina da USP * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-10-29
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1699815-parcerias-para-potencializar-transplantes.shtml
A inércia na gestão de resíduos
Mais de 75 milhões de pessoas, cerca de um terço da população brasileira, ainda são afetadas pela destinação de resíduos em locais inadequados, o que mostra a inércia e o descaso com que esse tema tem sido tratado no Brasil. Atualmente, 42% dos resíduos coletados, ou quase 30 milhões de toneladas por ano, ainda é despejada em lixões e aterros controlados, espaços ambientalmente inadequados, que continuam sendo utilizados por 3.334 municípios de todas as regiões do país. Embora a cobertura dos serviços de coleta seja de mais de 90% na média nacional, e esse serviço já possa ser considerado universalizado, faz-se necessária a ampliação das ações de recuperação, tratamento e destinação final adequada para a totalidade dos resíduos gerados no país. Esse é o principal ponto para o qual toda a sociedade deve mirar os holofotes, pois a adequação da destinação dos resíduos sólidos é a única forma de se evitar a perpetuação de ações danosas ao meio ambiente e à saúde pública. Os lixões e outras formas de destinação impróprias de resíduos representam crime ambiental, e além de todo o passivo ambiental que provocam, são ainda um campo altamente propenso à proliferação de graves doenças e vetores, que atingem a parcela menos favorecida da população. Para demonstrar a gravidade dessa situação, um estudo inédito elaborado por renomados técnicos da Associação Internacional de Resíduos Sólidos, a ISWA, foi apresentado em São Paulo, com o objetivo de quantificar os impactos dos lixões sobre o sistema de saúde e meio ambiente. Os resultados são alarmantes, e comprovam que a situação é emergencial. Segundo esse estudo, de 2010 a 2014, o Brasil desperdiçou R$ 1,5 bilhão por ano com gastos na Saúde para tratamento das doenças causadas pela destinação inadequada de resíduos. E se os lixões continuarem abertos por mais cinco anos, o país vai desperdiçar, através do SUS, um valor adicional entre R$ 14 bilhões e R$ 18 bilhões. Trata-se de muito dinheiro gasto para remediar uma situação negativa, na tentativa de minimizar os efeitos danosos de uma prática criminosa, que não resolve o foco do problema. Por outro lado, a demanda por investimentos para viabilizar a universalização da destinação adequada dos resíduos sólidos no Brasil apresentada em estudo recente lançado pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), mostra que, até 2023, o país necessita de R$ 7,5 bilhões para implantar os sistemas adequados para tratamento de resíduos, seguindo as determinações da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Considerando os números das duas pesquisas, fica evidente que os investimentos necessários para adequação do sistema, e a consequente resolução do problema, equivalem à metade do dinheiro desperdiçado com saúde e meio ambiente, ou seja, o custo da inércia é o dobro do custo para a ação adequada. Os R$ 7,5 bilhões devem ser investidos em infraestrutura que permita um sistema cíclico de gestão de resíduos, e que abranja o maior aproveitamento e recuperação dos materiais através da coleta seletiva, compostagem, reciclagem, recuperação energética e disposição final em aterros sanitários. A viabilização desse sistema sustentável, com foco na recuperação de recursos, possibilitará inúmeros benefícios para o país e, principalmente, para os municípios, pois, além de proteger o meio ambiente e conservar os recursos naturais, também trará ganhos econômicos para a população local, que lucrará com a criação de novos negócios e empregos, e observará uma considerável redução nos gastos com saúde, advindos justamente da melhoria nas condições ambientais. A inércia observada até hoje, e o impulso de adiar ainda mais as soluções, leva a um aumento no impacto negativo, e nos custos decorrentes, tornando as soluções mais caras e mais complicadas, com implicação direta nos gastos com o nosso já tão combalido sistema de saúde e dando causa para o crescimento dos índices de mortalidade, uma consequência direta do descaso para com a gestão de resíduos. CARLOS ROBERTO VIEIRA DA SILVA FILHO, 38, advogado, é diretor-presidente da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais - Abrelpe e vice-presidente da International Solid Waste Association -ISWA * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-10-29
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1699721-a-inercia-na-gestao-de-residuos.shtml
Retrocesso armado
Como se o Legislativo já não merecesse críticas suficientes pelo envolvimento de parlamentares em escândalos de corrupção e pela estultice diante da crise econômica, alguns deputados deram nesta semana mais uma lamentável demonstração de irresponsabilidade. Dando de ombros para os avanços conquistados desde 2004, uma comissão especial da Câmara aprovou um projeto de lei que revoga o Estatuto do Desarmamento. O texto reduz de 25 para 21 anos a idade mínima para a compra de armas, amplia a validade do porte de três para dez anos e, para espanto geral, autoriza que pessoas respondendo a inquérito policial ou processo criminal também possam ter e carregar esses artefatos. Há mais: o projeto em tramitação concede o porte de arma –hoje em geral restrito aos responsáveis pela defesa e pela segurança pública– a parlamentares, advogados da União, oficiais de Justiça e agentes de trânsito, entre outros. Se existisse alguma dúvida sobre a orientação da medida, o deputado Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC) tratou de eliminá-la. "Hoje a regra é praticamente a proibição da posse e do porte de armas; pelo meu projeto de lei, a regra passa a ser a permissão." A linha de pensamento é conhecida: o "cidadão de bem" precisa se proteger da "bandidagem". De resto, segue o raciocínio, o elevado número de assassinatos prova que o estatuto se mostrou infrutífero. Os dados sobre violência, contudo, embasam conclusão bem distinta. De 1980 até 2003, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes cresceu de 11,7 para 28,9. Após a adoção do estatuto, em 2004, essa escalada foi interrompida. Flexibilizar a lei fará aumentar as cifras dessa tragédia –e em parte por culpa de "cidadãos de bem". Um estudo revelou que 83% dos assassinatos no Estado de São Paulo em 2011-2012 com motivação esclarecida foram cometidos por razões fúteis, como rixas e brigas de casal. Tais leviandades tendem a crescer com a maior circulação de armas. A "bandidagem", por seu turno, terminará se beneficiando. Pesquisas já indicaram que cerca de 80% das armas apreendidas em São Paulo, sobretudo as vinculadas a crimes, eram de fabricação nacional –vale dizer, um dia foram vendidas legalmente. Impedir o comércio, portanto, diminui a oferta de artefatos para criminosos. Críticos do desarmamento, todavia, não se deixam convencer. Na falta de melhor argumento, reclamam que a lei fez cair o número de estabelecimentos que comercializam armas, de 2.400 para 200. Ruim? Talvez para fabricantes e vendedores desses artefatos, bem como para parlamentares que receberam doações do setor –11 deles integravam a comissão da Câmara. Talvez isso explique por que o colegiado avaliza o porte para quem responde a inquéritos policiais ou processos criminais. Afinal, o cliente sempre tem razão. editoriais@grupofolha.com.br
2015-10-29
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1699837-retrocesso-armado.shtml
De carrascos e cadafalsos
A Constituição Federal, em seu Título IV, "Da Organização dos Poderes", Capitulo I, do Poder Legislativo, enuncia em seu Artigo 45, o sistema eleitoral para a eleição de representantes do povo na Câmara dos Deputados, estabelecendo que a eleição se dá pelo sistema proporcional. A esta regra se subordina também a eleição de deputados estaduais para as Assembleias Legislativas e vereadores para as Câmaras Municipais. Em nenhum momento, ainda que de forma oblíqua, admite a Constituição condicionamentos para que a eleição de parlamentares para o Poder Legislativo, em todas as suas esferas, não se dê única e exclusivamente pelo sistema proporcional. A lei nº 13.165 de 29 de setembro de 2015, em seu Artigo 4º, ao alterar o Artigo 108 da lei nº 4.737 de 11 de julho de 1965 do Código Eleitoral, fere de morte o sistema proporcional para a eleição de representantes do povo, ao Poder Legislativo. Efetivamente, o novo diploma legal introduz no Artigo 108 do Código Eleitoral, a seguinte condição: alcançando um partido o quociente eleitoral, as vagas a que fizer jus, somente poderão ser preenchidas por candidatos que tiverem alcançado no mínimo 10% do quociente eleitoral. Não atingindo seus candidatos esta marca, o partido perderá as vagas que houver conquistado. Um exemplo prático em 2016, em São Paulo, um partido com chapa pura tem 84 candidatos a vereador. Se atingir uma média de 4.000 votos por candidato, terá alcançado 336.000 votos. Como o quociente eleitoral, estimado para as eleições municipais de São Paulo é de 110.000 votos, o partido teria conquistado 3 vagas. Entretanto, foi introduzida agora a exigência para que as vagas alcançadas pelo partido só possam ser preenchidas por candidatos que tenham alcançado uma votação igual ou superior a 10% do quociente eleitoral, ou seja, 11 mil votos. Desta forma, se nenhum dos candidatos do partido tiver obtido esta marca (11 mil votos), mesmo conquistando 3 cadeiras, não terá conquistado nenhuma. Como Constituinte de 88, e sendo um dos autores da Constituição do meu país, repudio da forma mais veemente esta agressão à Lei Maior. A exemplo do que se pretendia, sorrateiramente, com o chamado "sistema distritão", esta violência constitucional também esmagará, mais uma vez, as minorias, favorecendo somente ricos, famosos e poderosos. Ao proporem tão vil agressão ao Direito, seus mentores assumem o papel de carrascos da Constituição e transformam o Congresso Nacional, em cadafalso. JOSÉ MARIA EYMAEL, 76, deputado constituinte e presidente nacional do PSDC * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-10-28
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1699159-de-carrascos-e-cadafalsos.shtml
Sem testes, com riscos
Veio em boa hora, pelos esclarecimentos que presta, a entrevista com o farmacêutico Adilson Kleber Ferreira veiculada na quinta-feira (22) por esta Folha. Atualmente pesquisador do Instituto de Ciência Biomédicas da USP, Ferreira é coautor de seis artigos publicados em revistas internacionais sobre a fosfoetanolamina, substância que tem sido vista como uma droga milagrosa por muitos pacientes com câncer. O composto tornou-se recentemente objeto de uma polêmica depois que decisões da Justiça obrigaram a USP a produzi-lo e fornecê-lo a mais de mil pessoas, apesar de nunca ter sido submetido a testes clínicos com seres humanos. Desde então, a discussão polarizou-se. De um lado, pacientes e simpatizantes fazem campanha pela liberação da substância e acusam a indústria farmacêutica de bloquear o acesso à droga; de outro, oncologistas e associações médicas lembram os riscos embutidos na ingestão de produto sem comprovação de segurança e eficácia. Do ponto de vista de quem vive o drama dessa doença tão terrível, entende-se que avisos dessa natureza sejam relativizados. Isso não quer dizer, contudo, que os poderes públicos possam seguir o mesmo caminho. Há um todo um protocolo científico a ser observado. Afigura-se oportuno, assim, ouvir a opinião de um dos responsáveis pelas pesquisas com a fosfoetanolamina. Ferreira deixa claro, por exemplo, como ainda é incipiente o conhecimento acerca das propriedades da substância. Trata-se de uma molécula que mostrou bom potencial em relação a certos cânceres; contudo, segundo o próprio pesquisador, os dados conhecidos, obtidos em experimentos com células e camundongos, não são conclusivos. Em outras palavras, a fosfoetanolamina encontra-se no mesmo patamar de outros milhares de compostos que, em ensaios laboratoriais, conseguiram inibir a proliferação de células tumorais. O que separa o joio do trigo são os testes clínicos em seres humanos, processo no qual cerca de 90% das substâncias são reprovadas. Os experimentos são divididos em três fases. Apenas pelo cumprimento dessas etapas, custosas e demoradas, descobrem-se características essenciais de um composto, contraindicações, efeitos colaterais, vantagens e desvantagens. Nada disso ocorreu com a fosfoetanolamina –que nem chegou à primeira fase. Por ora, a única coisa que se sabe é que sua administração envolve riscos imponderáveis. editoriais@grupofolha.com.br
2015-10-27
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1698948-sem-testes-com-riscos.shtml
Ajuste precisará ser de todos
O Brasil teve importantes avanços sociais na década de 2000 em decorrência de conjuntura externa favorável aliada a mais de uma década de reformas que resultaram em maior crescimento e forte aumento do emprego, com ganhos reais do salário mínimo. Esse ciclo se encerrou em 2011. Nos últimos anos, houve queda da geração de emprego formal, da produtividade e do investimento, resultando na recessão iniciada em 2014, que se prolonga indefinidamente, com o consequente retrocesso dos ganhos sociais da década passada. A causa mais imediata da crise é o desequilíbrio das contas públicas; um Estado em que a despesa cresce mais do que a receita. O deficit das contas públicas, descontados a inflação (IPCA) e o gasto com as intervenções do Banco Central para conter a valorização do dólar (swaps cambiais), estava em 2% do PIB no começo do governo, e se agravou desde então, devendo ficar entre 4% e 5% no fim de 2015, dependendo da extensão da correção das pedaladas fiscais. Esse desequilíbrio resulta no paradoxo de uma economia em recessão de 3% e inflação de 10% neste ano. A superação da crise passa pela revisão das regras de diversas políticas. Cerca de 75% das despesas, excluindo juros sobre a dívida, são indexadas e aumentam com o PIB quando a economia cresce, porém não podem ser reduzidas nas fases de retração, resultando em gasto que cresce acima da renda nacional. Além disso, algumas políticas são insustentáveis com as regras em vigor. A idade média de aposentadoria por tempo de contribuição no Brasil é de 52 anos para mulheres e 55 anos para homens, e a despesa com Previdência e Assistência Social compromete 60% do gasto do governo federal, excluindo os juros. A melhora contínua da qualidade de vida torna inevitável a adoção da idade mínima para aposentadoria, em geral superior a 60 anos nos países desenvolvidos. Por outro lado, nesses países a intervenção do Estado reduz a desigualdade por meio da maior tributação sobre os grupos com renda mais elevada e do maior gasto nas famílias mais vulneráveis. No Brasil, porém, a ação do Estado de cobrar tributos e transferir recursos na melhor das hipóteses preserva a desigualdade, se não a agrava. Apesar de nossa elevada carga tributária, a qualidade da política pública no Brasil decepciona, como documenta o livro "Avaliação da Qualidade do Gasto Público e Mensuração da Eficiência" (organizado por Rogério Boueri, Fabiana Rocha e Fabiana Rodopoulos), publicado pelo Tesouro Nacional. A evidência indica que a maioria dos países assemelhados consegue melhores resultados com recursos equivalentes aos gastos no Brasil. Segundo uma estimativa, o Brasil gasta 3% do PIB a mais do que seria necessário para a atual qualidade da política pública em saúde, educação, assistência e investimento público. Por fim, parte relevante dos recursos públicos é destinada a grupos com maior renda ou a instituições parafiscais. Os créditos subsidiados concedidos pelo BNDES custam, anualmente, bem mais do que os cerca de R$ 28 bilhões investidos neste ano no Bolsa Família. O mesmo ocorre com outras políticas regionais e setoriais que no total provocam renúncia tributária equivalente a 5% do PIB. Em uma sociedade desigual como a brasileira há, naturalmente, maior resistência para reformas, mesmo para aquelas que avancem na direção correta para benefício de todos. Essa resistência é agravada pela baixa qualidade dos serviços públicos e por um Estado que concede demasiados privilégios para os grupos de maior renda. A construção de um acordo político para o difícil ajuste necessário requer uma ampla avaliação dos diversos programas, identificando os grupos beneficiados e os resultados obtidos, permitindo assim selecionar os projetos que devem ser preservados e os que devem ser reformulados ou extintos. A revisão de benefícios, como a nossa insustentável regra para aposentadoria, requer, igualmente, a reforma dos privilégios dos grupos com maior renda. A alternativa é um ajuste ainda mais severo imposto pelo aprofundamento da crise, para prejuízo de todos. MARCOS DE BARROS LISBOA, 51, é presidente do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa ZEINA ABDEL LATIF, 48, é economista chefe da XP Investimentos * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-10-27
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1698898-ajuste-precisara-ser-de-todos.shtml
Esperança de cura
É comum que volta e meia apareçam na imprensa e nas redes sociais alternativas às quais se atribui o poder excepcional de curar o câncer, sendo inevitável que legiões de pacientes e familiares se mobilizem para obter cada droga milagrosa noticiada. O que está por trás desse comportamento é um dos sentimentos mais caros que acompanha os homens, a esperança. Quando o problema é a saúde, o homem tende a reagir não apenas de forma racional, mas muitas vezes agregando um forte componente emocional que o faz acreditar que nenhuma doença é mais forte do que ele, exercitando seu sentimento da esperança. Ao longo de algumas décadas atuando como cirurgião e tendo cuidado de muitíssimas centenas de pacientes com câncer, aprendi que a esperança é legítima e fundamental. Meu primeiro paciente com câncer tinha um tumor avançado, sem condições de tratamento e, segundo seus médicos anteriores, iria sobreviver apenas alguns meses, que foi o que realmente aconteceu. Em seu leito de morte, ele, agradecido, me fez a seguinte observação: "Você é jovem e preciso lhe dizer: nunca tire totalmente a esperança de alguém, como fizeram comigo". Porque é justamente a esperança que nos dá alento para combater as intempéries e barreiras do dia a dia, mesmo quando essas parecem intransponíveis. No caso do câncer, onde tantas surpresas acontecem, por que não acreditar nos efeitos de um novo medicamento, de uma planta, de uma bênção, de uma cirurgia não convencional ou até mesmo espiritual? Raras vezes, em toda minha vida profissional, vi pessoas aceitarem a ineficácia dos tratamentos e esperarem o fim da vida com leveza. Contudo, existe um óbice: a esperança vã não deve ser oferecida, muito menos vendida. Escrevo este texto pensando nas pessoas que recentemente se empolgaram com a fosfoetanolamina, divulgada de modo viral pelas redes sociais e pela mídia escrita e televisiva. A cura do câncer é desejada por qualquer paciente, mas não cabe depositar esperanças em alternativas não comprovadas cientificamente. Não fosse a metodologia científica desenvolvida nas últimas décadas –que inclui testes iniciais em animais ou em laboratório e, a seguir, "in anima nobile", com o objetivo de se definir doses eficazes e efeitos colaterais indesejáveis– seria impossível aquilatar o impacto dos diversos tipos de tratamento disponibilizados para as doenças, em especial o câncer, e assim tornar possível, hoje, curar-se cerca de 60% dos casos. Ora, a fosfoetanolamina nunca foi devidamente estudada e, dessa forma, é injusto com todos os pacientes que buscam curar ou controlar seus tumores malignos ser divulgada como salvadora da pátria. Um outro problema é o da obtenção de medicamentos por via judicial, que, diga-se de passagem, cria sinucas de bico para os juízes, que têm que decidir sobre questões que não lhe são familiares. Esse caminho custa para o nosso sistema público de saúde algo como R$ 1 bilhão por ano para atender casos nos quais nem sempre se justifica o emprego do medicamento solicitado. O paciente precisa ter esperança, mas esta não pode ser inconsequente. O ditado "mal não faz" aqui não se aplica. RAUL CUTAIT, 65, professor associado do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da USP, é membro da Academia Nacional de Medicina * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-10-27
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1698899-esperanca-de-cura.shtml
Sobre fraudes, indícios e máscaras
A impunidade deixou de ser uma verdade ontológica no Brasil, como vêm mostrando as grandes decisões judiciais da atualidade. Em comum nesses processos há um elemento jurídico indispensável: o indício. No julgamento da ação penal 470, o mensalão, o então ministro Cezar Peluso, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, relembrou que o indício vale tanto quanto a prova: "No sistema processual, e não apenas no sistema processual penal, a eficácia retórica dos indícios ou da prova indiciária é a mesma da eficácia das provas diretas ou histórico-representativas". Em sentença mais recente, relacionada à Operação Lava Jato, o juiz Sérgio Moro também identificou fraudes em licitações a partir de indícios: "Poucas propostas apresentadas; repetição dos resultados das licitações; falta de inclusão de novas empresas na renovação da licitação; apresentação de propostas não competitivas pelas concorrentes, com preços superiores ao limite máximo admitido; propostas vencedoras com preços pouco abaixo e até uma acima do limite máximo". A formação da prova indiciária ocorre por meio de um raciocínio lógico ao que se dá o nome de presunção: a existência do fato central decorre da demonstração de outra circunstância, de um fato auxiliar que é, justamente, o indício. A produção de provas por presunção, com base em indícios, não é nenhuma novidade, como já afirmou o ministro Felix Fischer, ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça: "Desde os primórdios do Direito, os indícios e presunções são admitidos como elementos de convicção, e integram o sistema de articulação de provas (art. 239 do CPP)" . E não se trata de um instituto restrito à matéria penal. Dissimulada, uma fraude não é registrada por seus autores como tal. A ocultação é de sua essência e são os indícios que a revelam. A fraude se prova por presunção, como destacou o jurista Moacyr Amaral Santos: "Tratando-se de intenções suspeitas, ou melhor, nos casos de dolo, fraude, simulação e atos de má-fé em geral, as presunções assumem papel de prova privilegiada, ou, sem que nisso vá qualquer exagero, de prova específica". Outro bom exemplo é a sucessão fraudulenta de empresas, estratagema muito comum no Brasil. A companhia endividada desaparece, como se o negócio tivesse se encerrado. As portas se fecham aos olhos do Fisco, do Judiciário e, claro, dos credores em geral. Contudo, na prática, permanecem escancaradas ao mercado, aos mesmos clientes e fornecedores, porém sob novo registro na Junta Comercial e nova inscrição na Receita Federal. Nessa nova roupagem, o novo CNPJ serve como uma máscara, por trás da qual se esconde aquele mesmo negócio de origem. Os melhores ativos são aproveitados, à margem das dívidas largadas na inscrição do CNPJ antigo. Óbvio que a sucessão empresarial não pode ser constatada, nem descartada, pela comparação do número dos CNPJs. O que atesta a continuidade do negócio é a prova de que as empresas, embora sejam pessoas jurídicas distintas, confundem-se por possuir mesmo dono de fato, mesma atividade, mesmo caixa, mesma marca comercial, mesmo quadro de funcionários, mesmo endereço. Indícios não são meras pistas e a presunção não é uma conjectura aleatória. Negar autossuficiência à prova indiciária seria tornar quase que impossível a tarefa de retratar a face oculta das fraudes. Sob o risco de que a impunidade volte a ser uma verdade. Pior: uma verdade mascarada. FABIO DA ROCHA GENTILE, 40, é advogado e sócio do escritório BGR Advogados * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-10-26
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1697978-sobre-fraudes-indicios-e-mascaras.shtml
Cidade Kemel não é favela, reclamam leitores
Considero importante a visibilidade que a Folha está proporcionando com essa reportagem: "Romero Britto pinta painel gigante em favela da Grande São Paulo. Contudo, utilizar a palavra "favela" para definir um bairro onde todos os moradores adquiriram seus lotes regularmente com suor do trabalho, e pagam em dia todas taxas e tributos, pode repercutir negativamente e desviar o foco desse belo trabalho. REINALDO SOUZA (São Paulo, SP) * Lamentável o tratamento de forma pejorativa que deram ao bairro da cidade de Poá, bairro esse que, por sua dimensão, é limítrofe a quatro cidades: Poá, Itaquaquecetuba, Ferraz de Vasconcelos e São Paulo. Com certeza o colunista não conhece o bairro ou tampouco onde está exposta a obra de Romero. Cidade Kemel, sim este é o nome do bairro em questão. Ele não verá ao redor barracos de madeira ou casebres, que são as construções que caracterizam uma favela. Nada contra as favelas, pois é sabido que é um lugar de gente simples e batalhadora, mas o desprezo com que tratam a zona leste de São Paulo é um incômodo que fere a todos os habitantes, mais uma vez. Lamentável. EDIMAR F MATOS * Existe um equivoco conceitual nesta reportagem: na verdade, o local que recebeu o painel não é uma favela. O bairro Cidade Kemel está localizado sim na periferia do município de Poá (Grande São Paulo), porém está longe de ser uma favela ou comunidade, como acharem melhor. Ainda bem que esta inconsistência de informações não diminui em nada a beleza do trabalho realizado e a generosidade do artista em compartilhar conosco um pouco de seu talento... Mas talvez diminua as vendas do jornal, não é mesmo? Triste pela apelação! CINTIA CARVALHO (Poá, SP) * * PARTICIPAÇÃO Os leitores podem colaborar com o conteúdo da Folha enviando notícias, fotos e vídeos (de acontecimentos ou comentários) que sejam relevantes no Brasil e no mundo. Para isso, basta acessar Envie sua Notícia ou enviar mensagem para leitor@grupofolha.com.br
2015-10-26
paineldoleitor
Painel do Leitor
http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2015/10/1698447-cidade-kemel-nao-e-favela-reclamam-leitores.shtml
Saber e fazer
O escritor francês Antoine de Rivarol (1753-1801) decretou que "o mais difícil em tempos conturbados não é cumprir o dever, mas identificá-lo". Estamos em plena crise e ainda não temos claro qual o nosso dever de casa para sairmos da turbulência e provermos o ambiente em que viceje uma nova realidade. Ninguém duvida de que a reorganização das contas públicas é fundamental para a governabilidade e, antes de tudo, para o desenvolvimento socioeconômico sustentado. No saudável debate qualificado em torno da atual crise, temos aqueles que defendem o ajuste fiscal como a melhor saída para o reequilíbrio das contas públicas. Há, ainda, os que priorizam uma melhora na gestão como forma de reorganizar a base financeiro-orçamentária do setor público. Essa discussão acerca de alternativas à superação da crise mostra bem a validade e atualidade do pensamento de Rivarol. No entanto, das opções arroladas, protagonistas dos principais debates atuais, não escolho uma; fico com as duas. O Brasil precisa de um ajuste fiscal profundo e também de uma revolucionária atualização da gestão pública. É preciso promover uma reforma fiscal ampla e significativa, que dê conta das necessidades mais urgentes do ajuste, mas que, também discutindo a questão previdenciária, esteja essencialmente focada na revisão estratégica e na redução dos gastos públicos. A modernização da gestão pública é crucial para tirar o Brasil da crise e viabilizar de forma efetiva um novo país. Estamos enredados numa malha administrativa e gerencial obsoleta, rígida e excessivamente burocratizada, que privilegia os processos e não os fins na administração pública. Isso é nefasto e perverso, pois nega a essência do serviço público, que é servir ao cidadão e não especialmente à máquina governativa. O rebaixamento da nota de crédito do Brasil por agências internacionais tem muito o peso desse brutal descontrole a que assistimos, dessa desorganização política que estamos vivendo. No Espírito Santo, desde o primeiro dia de nosso mandato, estamos enfrentando a crise basicamente com a depuração modernizante da gestão. Além de mirar nesses dois grandes campos de batalha, é tarefa inadiável dar especial atenção aos setores que podem nos ajudar a sair do olho do furacão, garantindo empregos, geração de renda e um fôlego maior à arrecadação. São eles o comércio exterior, potencialmente beneficiado com a valorização do dólar frente ao real; as concessões e parcerias público-privadas, atraindo recursos dos empreendedores nacionais e estrangeiros; o agronegócio, setor em que o país alcançou excelência em pesquisa e desenvolvimento; e o segmento de petróleo e gás, a partir da atualização de seu marco regulatório. O debate com foco na superação da crise, além de nos poder legar uma saída da tormenta, tem outro efeito positivo, que é a reflexão sobre os descaminhos que nos trouxeram até ela e, ato contínuo, a discussão sobre a rota que nos levará em direção a um outro patamar histórico para a nação. Voltando a Rivarol, a tarefa mais importante por ora –em verdade, a que já deveria ter sido cumprida–, é decidir o que fazer. Fixada a missão, é o caso de trabalharmos incansavelmente por meio de uma rede colaborativa em favor do Brasil e dos brasileiros. E mais: devido à complexa crise atual, diria que tão difícil quanto definir o que fazer é executar o que ficar decidido como tarefa. Mas não temos um outro caminho, se queremos um outro Brasil. PAULO HARTUNG, 58, é governador do Espírito Santo (PMDB) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-10-25
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1697964-saber-e-fazer.shtml
Mulheres, onde ainda estamos?
Em março de 2014, mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, escrevi para a Folha um artigo intitulado "Mulheres, onde estamos?", com o objetivo de demonstrar como a participação feminina na política brasileira ainda é tímida. Passado mais de um ano, oportuno analisarmos se houve avanço, especialmente em tempos de "reforma política". Todo dia é dia de refletirmos sobre o tema, mas o Outubro Rosa é sugestivo e nos leva naturalmente a lembrar das mulheres e de sua importância. No ano de 1934, a primeira mulher brasileira a ocupar uma cadeira no Legislativo, a médica Carlota de Queirós, em seu discurso de posse ressaltou que lhe cabia "a honra, com a minha simples presença aqui, de deixar escrito um capítulo novo para a história do Brasil: o da colaboração feminina para a história do país". Passados mais de 80 anos, nós mulheres ainda estamos lutando para que essa presença não seja meramente ilustrativa. Muito embora a nossa Constituição Cidadã, ao tratar dos direitos e garantias fundamentais, tenha colocado as mulheres em posição de igualdade com os homens, é forçoso reconhecer que tal isonomia ainda não saiu do papel, especialmente em relação à participação feminina na política. Em um país predominantemente machista, de raízes patriarcais, no qual o homem sempre ocupou postos de comando, os desafios das mulheres ainda são gigantescos. A Reforma Eleitoral, sancionada e publicada no último dia 29/9, trouxe alguns poucos avanços. Normatiza, por exemplo, a propaganda institucional da Justiça Eleitoral para incentivar a participação feminina na política; aumenta o percentual mínimo de recursos do Fundo Partidário para a criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, bem como aumenta a multa em caso de inobservância. Ainda é pouco, muito pouco. É hora de avançarmos mais. A exemplo de outros países, busquemos a paridade de gênero e a reserva de cadeiras no Parlamento. O tema da reserva de vagas está em discussão na proposta de emenda à Constituição nº 98/2015, já aprovado em dois turnos pelo Senado Federal e aguardando votação na Câmara dos Deputados. A proposta defende que as cadeiras deverão ser reservadas para as mulheres, nas três legislaturas subsequentes à promulgação da emenda, na proporção de 10% para a primeira, 12% para a segunda e 16% para a terceira. Ora, pode-se dizer que as mulheres já ocupam 16% das vagas no Senado e 9,9% na Câmara! Logo, indaga-se, essa alteração representa um avanço significativo? Significativo, não... mas avanço, sim! As maiores democracias do mundo, como Alemanha e Reino Unido, possuem uma representação feminina na política de, respectivamente, 36,5%, e 29,4%, sendo que são os próprios partidos políticos que abrem as suas portas ao fixarem percentual mínimo de participação. Já em relação à paridade, ainda é um sonho distante. Muito distante, mas possível, já que México, Equador, Guatemala, Bolívia, Costa Rica e Nicarágua possuem legislação que assegura a participação igualitária, impondo aos partidos que lancem o mesmo número de candidatos homens e mulheres para o Legislativo. E quando o cargo é majoritário, se o cabeça de chapa for homem, o vice deve necessariamente ser mulher, e vice-versa. A luta é árdua, os avanços são lentos, mas a persistência feminina é colossal! O progresso da participação das mulheres na política é fundamental para o fortalecimento da democracia, já que a igualdade é um dos pilares do Estado democrático de Direito. LUCIANA LÓSSIO, 41, é ministra do TSE - Tribunal Superior Eleitoral * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-10-25
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1697962-mulheres-onde-ainda-estamos.shtml
"Pedalada" policial
Assim fica fácil. Na última quinta-feira (22), o governo de Geraldo Alckmin (PSDB) anunciava redução expressiva (20%) nos homicídios cometidos pela polícia no terceiro trimestre, em comparação com o mesmo período de 2014. Seria um dado digno de nota, ainda que no acumulado do ano o progresso fosse muito menor: uma diminuição de somente 2%. Chegue-se mais perto e os 2% se revelam fruto de prestidigitação. A Secretaria da Segurança Pública omitiu as mortes ocasionadas por policiais militares em dias de folga, bem como por policiais civis. No trimestre anterior, tais números tinham sido contabilizados. Levando-os em consideração, o indicador final é inverso ao que fora celebrado pela administração estadual. A polícia do governo Alckmin aumentou sua taxa de vítimas em 1% no período até setembro de 2015. A queda de 2% não existiu. O que existiu, vale o termo da moda na política, resume-se a uma indisfarçável "pedalada" policial. Só depois da insistência desta Folha foram liberadas, às 21h de quinta-feira, as informações que invertiam o anúncio feito antes. Tão grave quanto, nada se sabe sobre o que fizeram os PMs em folga no ano passado, pois os dados são mantidos em segredo. Há razões para temer os atos de agentes de segurança assim acobertados. A maior chacina do ano em São Paulo –com pelo menos 23 mortos, em Osasco e Barueri– foi cometida, segundo as investigações, por policiais em seus momentos de folga. Não há dúvida de que mortes em confronto com bandidos podem ocorrer em qualquer lugar onde a violência é endêmica. A prioridade da polícia é proteger a população –e o governo de São Paulo tem obtido sucesso nesse aspecto, com as menores taxas de homicídio por 100 mil habitantes. Não está autorizada, porém, a aplicar pena de morte contra quem bem entender, fuzilando pessoas por suspeita, vingança ou racismo. As estatísticas que se quis esconder são eloquentes. Seria preciso mais provas de truculência e descontrole? O noticiário as oferece. Quando até um membro da Polícia Civil se vê na necessidade de ser escoltado para proteger-se de represálias da PM –caso do delegado Raphael Zanon–, a distinção entre policial e criminoso já se ocultou na fumaça dos tiroteios. O delegado prendera um sargento da Polícia Militar, suspeito de tortura –e a distinção entre torturador e agente da lei também se confunde, de forma abominável. Já o secretário da Segurança, Alexandre de Moraes, nega existir conflito entre as polícias. Ao que parece, seu compromisso com a verdade também se conta entre as vítimas dos massacres em curso. editoriais@grupofolha.com.br
2015-10-24
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1698011-pedalada-policial.shtml
A falaciosa droga contra o câncer
Há dias que a suposta droga contra o câncer produzida pela USP é debatida na mídia e nos meios científicos. O assunto é de extrema importância porque nos faz refletir sobre pontos frágeis no desenvolvimento de medicamentos no Brasil. Em primeiro lugar, vale ressaltar que o processo de desenvolvimento de uma droga demora de sete a dez anos (em média) em qualquer parte do mundo, desde a etapa inicial de sua descoberta (seja química ou por meio de plantas). Pode, em muitos casos, ultrapassar em muito esse tempo (no caso do Taxol, importante quimioterápico, foram mais de 15 anos). De 10 mil moléculas inicialmente estudadas, apenas uma ou duas chegam ao mercado, depois de todos esses anos de estudos não clínicos e clínicos. Esse desenvolvimento é baseado em processos validados internacionalmente e aprimorados a cada ano. Assim, há necessidade absoluta de estudos não clínicos (em células e animais) e clínicos (em suas três fases). O método é reconhecido por todos os órgãos reguladores. Por mais que os resultados não clínicos sejam promissores, não há justificativa científica para seu uso sem uma avaliação prévia de segurança e eficácia. Do contrário, corre-se o risco de a droga interagir negativamente no efeito da quimioterapia tradicional. No caso específico da "droga da USP", há a necessidade de se percorrer um longo caminho de pesquisa para que ela possa estar disponível no mercado. O seu uso precoce é anticientífico (pois sem comprovação), antiético (sem nenhuma base clínica) e ilegal (não é aprovado pela Anvisa). Há de se compreender o desespero das famílias em busca de alguma esperança para o tratamento do câncer. No entanto, cirurgias, quimioterapias e radioterapias têm se mostrado bastante úteis em diversas formas da doença e estão disponíveis em muitos centros do SUS. Rotineiramente surge um novo tratamento miraculoso para a cura do câncer sem que haja, posteriormente, comprovação científica e aprovação dos órgãos reguladores. Este caso mais recente teve desdobramentos em todas as áreas. Vemos a comunidade científica atônita, já que não foi consultada para avaliar os dados de segurança e eficácia –até porque inexistentes. A Anvisa tornou-se impotente para tomar qualquer iniciativa após a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de liberar cápsulas de um composto experimental, a fosfoetanolamina, a pacientes com câncer. O Conselho Nacional de Saúde, instância última da avaliação da ética em pesquisa, ficou em silêncio conveniente, pois não considera esse uso como uma pesquisa. A USP permitiu que houvesse a distribuição da droga por muito tempo, sem que tomasse alguma atitude, seja para coibir ou, o melhor ainda, para permitir e incentivar o desenvolvimento correto de um novo medicamento, através de estudos não clínicos e clínicos. O protagonismo messiânico de Gilberto Chierice, ex-professor do Instituto de Química da USP em São Carlos, que desenvolveu e distribuiu a substância para pacientes durante anos, vai contra os princípios da boa ciência. O Judiciário avalizou o uso de uma droga sem comprovação científica e sem consulta prévia dos oncologistas e da Anvisa. Não nos cabe entrar na discussão jurídica, mas, mesmo partindo da premissa de que o paciente está em primeiro lugar (onde sempre deveria estar), ainda assim devemos levar em conta os riscos assumidos quando permitimos o acesso a drogas novas e não testadas previamente. A pergunta inevitável permanecerá sem resposta: o que acontecerá se houver comprovação da toxicidade da "droga da USP" e mortes em decorrência dela? Quem serão os responsáveis? JOÃO MASSUD FILHO, 67, é presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Farmacêutica * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-10-23
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1697375-a-falaciosa-droga-contra-o-cancer.shtml
Santos e a elevação da maré
Chegou em ótimo momento o resultado da primeira fase da mais recente pesquisa internacional sobre mudanças climáticas e elevação do nível do mar. Apenas três localidades tiveram o privilégio de servir de modelo para a projeção personalizada sobre os cenários climáticos futuros: Broward (EUA), Selsey (Reino Unido) e Santos, a única cidade de toda a América Latina. O Projeto Metropole reúne os mais renomados cientistas locais e estrangeiros na busca de soluções para a adaptação humana ao aumento do nível do mar, tempestades e ressacas. Após dois anos de pesquisas em Santos, cientistas chegaram a conclusões inúmeras, entre elas a de que haverá elevação mínima de 18 cm no nível do mar até 2050 (daqui a 35 anos) e que isso pode chegar a um metro em 2100, se for considerada projeção do painel de mudanças climáticas da ONU. Um desavisado que more em cidade ao nível do mar, como milhões de brasileiros, a esta altura do texto já preparou suas malas e fugiu para as montanhas. Nós, santistas, não. É fato amplamente divulgado pelos cientistas do Metropole, inclusive nesta Folha, que Santos não terá pontos de alagamento permanentes. Mas terá, sim, de se planejar para maré mais alta, tempestades e ressacas. A escolha de Santos como base de estudos não se deve ao acaso. O município possui registros de maré desde 1945 e foi objeto de inúmeras pesquisas. O projeto, financiado pela Fapesp, teve apoio de engenheiros da prefeitura e contou com informações das secretarias de Finanças, Desenvolvimento Urbano, Meio Ambiente e Defesa Civil. Antes mesmo de apoiar o estudo científico, a cidade havia concluído um sistema de georrefenciamento de última geração, a laser. Também já havia iniciado obras e projetos de macrodrenagem para se antecipar às mudanças. O município tem duas regiões sensíveis ao nível do mar. A primeira é a orla, onde já se identifica processo de erosão na Ponta da Praia. Isso pode estar sendo causado tanto pelo aumento da calha do porto para passagem de navios de maior porte quanto pela alteração do mar. O fato é que Santos está perdendo duas praias e precisa avançar em busca de uma solução. A segunda região sensível é a Zona Noroeste, fundada sobre uma ampla área de manguezal. Lá, o lençol freático está a meio metro de profundidade e ocorre enchente seca, sem chuva, quando o nível do mar está alto ou a ressaca é muito intensa. O fenômeno, de ordem mundial, exigirá empenho em milhares de cidades para a população se adaptar às mudanças climáticas. E é exatamente por isso que Santos é uma cidade privilegiada. Ao ser estudada por esse seleto grupo de cientistas e saber antecipadamente o que pode mudar no ambiente nos próximos 85 anos, a cidade sai na dianteira em planejamento de ações que resultem em melhor qualidade de vida aos cidadãos. São dados que pouquíssimos municípios possuem. Com esse intuito está sendo criada uma comissão permanente para sugerir as intervenções necessárias na cidade, como construção de quebra-mar, engordamento das faixas de areia nas praias, melhoria do sistema de drenagem e expansão e aprimoramento de diques. O grupo será multissetorial e envolverá representantes dos mais diversos segmentos da sociedade. Estamos falando de como a cidade, que abriga o maior porto da América Latina e é referência em turismo e qualidade de vida, se adaptará às mudanças climáticas. O grupo multissetorial tem o ponto de partida e o de chegada: que cidade deixaremos para nossos descendentes? Mais uma vez Santos se antecipa. Mais uma vez a cidade se apodera da história futura. PAULO ALEXANDRE BARBOSA, 36, é prefeito de Santos (PSDB) NELSON GONÇALVES DE LIMA JÚNIOR, 54, é secretário de Desenvolvimento Urbano de Santos * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-10-23
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1697385-santos-e-a-elevacao-da-mare.shtml
Esperança já
"Hoje as pessoas já não respeitam nada. Antes, colocávamos em um pedestal a virtude, a honra, a verdade e a lei. A corrupção campeia na vida destes dias. Quando não se obedece outra lei, a corrupção é a única lei. A corrupção está minando este país. A virtude, a honra e a lei se transformaram em fumaça e desapareceram de nossas vidas." Palavras de Alphonse Gabriel "Al" Capone, o Al Capone, contrabandista e vendedor de bebidas durante a Lei Seca, nos Estados Unidos. Também matou muitas pessoas. Foi preso por sonegação fiscal dias depois da entrevista à revista "Liberty", de outubro de 1931. Neste momento do Brasil, a reflexão do gângster gera questionamentos: o que busca o povo brasileiro quando vai às ruas em plena democracia? Que desejam jovens, adultos e idosos com diferentes mensagens, gritando antigas e novas palavras de ordem? Os brasileiros estão cansados de problemas crônicos: saúde, educação, desemprego. A roubalheira ao longo de décadas teve, no petrolão, a gota d'água. Transbordou com a crise política, econômica, social e, acima de tudo, moral. Não há mais espaço para discurso vazio, promessa não cumprida, corrupção, desmando e incompetência. Muito menos para delatores ou não, criminosos que cometeram absurdos contra o povo. Como Al Capone, ao falar deles mesmos, tentam nos enganar outra vez, posando como "heróis da pátria". Com falso arrependimento, prometem devolver o que roubaram e entregar comparsas. Não enganam ninguém. Queremos mudanças para valer, reformas estruturais que garantam inalienáveis direitos. Mais sintomático do que o povo nas ruas, em legítimo ato de cidadania, são as pessoas que se revoltam caladas nas casas, nas fábricas e nas universidades. A desesperança é muito perigosa. Em tempos em que o povo retorna às ruas para exigir honestidade, lembro-me de um cidadão brasileiro, morto há 13 anos (ironicamente o número do partido que ajudou a criar): Carlito Maia. Publicitário brilhante, jornalista irreverente, responsável agitador e o melhor amigo de qualquer um. Suave e forte. Apaixonado convicto, solidário e bem-humorado, integrou o seleto grupo dos seres em extinção. Carlito veio ao mundo a passeio, não em viagem de negócios –como dizia de si mesmo. Foi o único sonhador realista que conheci. Transbordando ternura, mas também repleto de coragem, era capaz de derrubar montanhas para que elas não fossem a Maomé, só para o profeta não se acomodar. Nestes tempos bicudos, com tantas revelações de corrupção, imagino a decepção de Carlito. Ele que preconizou: "A esquerda, quando começa a contar dinheiro, vira direita". Ao ver o povo protestando contra os (des)governos nos três níveis, sinto saudade de suas frases, flores e cartões escritos com canetas bicolores, configurando sua comunicação criativa e emocionada que faz refletir, querer e transformar. Meu velho, você estava certo: "Nós não precisamos de muita coisa. Só precisamos uns dos outros". Sem perder a esperança, mantendo a determinação de lutar por nossos direitos, podemos com mais educação e cultura mudar o Brasil pelo voto consciente e responsável. RICARDO VIVEIROS, 65, jornalista e escritor, é autor de "A Vila que Descobriu o Brasil" (Geração Editorial), entre outros, e presidente da empresa de comunicação Ricardo Viveiros & Associados * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-10-22
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PEC do conflito, do retrocesso e do extermínio
No último dia 29 de agosto, o indígena Simião Vilhalva Guarani Kaiowá foi brutalmente assassinado no município de Antônio João, no Estado do Mato Grosso do Sul, em conflito com milícia rural. Seis dias depois, houve novo confronto envolvendo indígenas que ocupavam suas terras ancestrais e fazendeiros armados, desta vez no município de Douradina, no mesmo Estado. Estes são os exemplos mais recentes de uma guerra longa, silenciosa e intensa entre povos indígenas sem terras e fazendeiros com terras. Segundo o Conselho Indigenista Missionário, CIMI, 138 indígenas foram assassinados no Brasil por conflitos por terra em 2014 –130% a mais do que no ano anterior. A violência também atinge a fazendeiros e agentes do Estado, como funcionários da FUNAI, policiais estaduais e federais. Ninguém ganha com esta situação. Existe urgência na resolução de conflitos no campo. Ignorando este cenário, deputados ruralistas insistem em votar a Proposta de Emenda Constitucional 215 de 2000. Dentre outras mudanças constitucionais, esta PEC transferirá na prática a competência da demarcação de terras indígenas e quilombolas para o Congresso Nacional, retirando a exclusividade do Poder Executivo para esta tarefa. Além do conteúdo flagrantemente inconstitucional desta PEC, sua simples tramitação já é nociva ao ambiente tenso visto no campo e a politização dos processos democráticos que criaram, certamente, mais tensões conflitivas com graves consequências a indígenas, como à sociedade, em geral. Juristas reconhecidos como Dalmo Dallari, professor de Direito da Universidade de São Paulo, e Carlos Marés, professor de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, defendem que a PEC 215 fere a Constituição Federal no que diz respeito à separação de poderes. Além disso, a proposta abre espaço para outra inconstitucionalidade, que é o não reconhecimento do "direito originário" dos povos indígenas. Além disso, o Ministro da Justiça já alertou para a possibilidade desta PEC ser questionada no Supremo Tribunal Federal, o que paralisaria processos demarcatórios por muitos anos. Deputados favoráveis à aprovação da PEC 215 argumentam que indígenas têm muita terra. Ao longo dos últimos anos, os ruralistas investiram esforços em construir uma narrativa que aponta (inegáveis) falhas no atendimento básico às comunidades indígenas, e sugere soluções que passam pela assimilação dos índios por não-índios –uma violenta aculturação de indígenas. Nesta lógica, retira-se destes povos o direito à terra e território já reconhecido no Art 231 da Constituição Federal de 1988. Tal narrativa está diretamente conectada com a morte de Simião Vilhalva, e com a morte de muitos outros indígenas. A esperança de fazendeiros de acabar com processos demarcatórios é fator que motiva a disputa por terras, e não deve ser alimentada. Por outro lado, a morosidade insuportável para a homologação final de terras indígenas leva os povos originários a buscarem seus direitos com as próprias mãos. No confronto entre arco-e-flecha e armas de fogo, sabe-se quem leva a melhor. Não é trivial a solução dos conflitos fundiários entre fazendeiros e indígenas. Ocupantes de boa fé, motivados pela sanha Estatal de expandir a colonização e a produção agropecuária no interior do Brasil, misturam-se a grileiros que roubaram por décadas milhões de hectares em terras públicas. É preciso separar estes dois tipos de ocupantes de terras indígenas, garantindo a justa indenização para os primeiros, e a justa punição para os últimos. Este é um debate contido em outra PEC, de número 132 de 2011 (antiga PEC 71/2011), que abre a possibilidade de indenização de ocupantes de boa fé pela terra nua, além das benfeitorias já previstas atualmente na Constituição. Além disso, o Ministério da Justiça, ainda que tardiamente, editou portaria criando grupo de trabalho para a resolução de conflitos agrários em terras indígenas, proposta apresentada por este parlamentar nos debates dentro da Comissão da PEC 215. Neste grupo, dialogariam diretamente entidades representativas de produtores rurais e comunidades indígenas afetadas, além de agentes do Estado. Tanto esse GT quanto a PEC 132/2011 buscam saídas para o problema. Outra proposta que apresentei e que pode ajudar na busca de solução é a criação de uma comissão permanente no âmbito do Congresso Nacional com vistas a mediar conflitos democraticamente. A PEC 215, por outro lado, é a PEC do conflito. Ela não garante os direitos constitucionais aos povos indígenas nem soluciona impasses para os ocupantes de terras de boa fé. Derrotar a PEC 215 significa defender os direitos indígenas e a soberania nacional. Retirar esta proposta de tramitação é apostar na paz social, nos avanços democráticos e no desenvolvimento econômico com justiça social e equilíbrio ecológico. EDMILSON RODRIGUES, 58, é deputado federal (PSOL-PA) e membro da Comissão Especial da PEC 215 p(star). * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-10-22
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1696827-pec-do-conflito-do-retrocesso-e-do-exterminio.shtml
Sergio Moro fala por meio de suas sentenças, afirma juiz federal
Ainda que previsível, todos assistimos a mais uma infame CPI do nada (Relator de CPI da estatal ataca Lava Jato e isenta Cunha em parecer final ). Ninguém desse probo grupo de políticos foi capaz de apontar um relevante crime cometido por quaisquer dos membros da confraria desse respeitado Congresso. JOEL ARNAS RAMOS (Curitiba, PR) * * Emílio J. Cárdenas, em Observando o Brasil na sua encruzilhada, faz declarações imprecisas e injustas contra Sergio Moro. As investigações e denúncias criminais da Lava Jato são de responsabilidade da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, os acusadores. O juiz Moro preside o processo judicial decidindo pedidos dos acusadores e defensores, segundo seu entendimento da lei e da Constituição. As decisões do juiz estão sujeitas a recursos ao Tribunal Regional Federal 4, STJ e Supremo. A manutenção das decisões pelas instâncias superiores, como tem ocorrido, confirma a posição do Judiciário contra a corrupção. O juiz Sergio Moro fala por meio de suas sentenças e não é dado a abusos e publicidade midiática. A Lava Jato está ajudando o Brasil na sua encruzilhada. JOSÉ JÁCOMO GIMENES, juiz federal (Maringá, PR) * A propósito da possibilidade de impeachment da presidente, o professor David Teixeira de Azevedo afirma que os crimes de responsabilidade praticados em exercício anterior não têm a capacidade de comunicar-se com o mandato subsequente (O presidencialismo e o impeachment ). Será? Como fica a súmula 164 do STJ que afirma que o prefeito municipal, após a extinção do mandato, continua sujeito a processo por crime de responsabilidade? São reiteradas as decisões do STJ no sentido de que o processo por crime de responsabilidade pode se iniciar após o mandato. ROGER ALBERTON (Maringá, PR) * É um escárnio a troca de farpas, por meio da imprensa, entre a presidente da República, Dilma Rousseff, e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (Não há corrupção no governo, diz Dilma ao rebater Cunha ). É como lavar roupa suja fora de casa e nos envergonha ainda mais perante o mundo civilizado. Com esses políticos que estão no poder, o Brasil virou um grande barco sem rumo, à deriva, lotado com 204 milhões de brasileiros revoltados. TURÍBIO LIBERATTO (São Caetano do Sul, SP) * Prezado Ahmed Zoghbi, diverti-me com teus conceitos sobre minha pessoa. Imagino que Bush deve ser um demônio para ti, cuja doutrina parece ser uma visão maniqueísta radical dos contrários, mas não sou nada disso. Achei preciosa a recomendação de mais leituras. Janio de Freitas é um grande jornalista, mas que ao defender as posições do PT, o chamaria de "porta-voz oficioso do PT junto à Folha", pois lendo ele sei o que o PT pensa. Também rio de ser na tua visão um quase fascista, que não aceita o que consideras verdades. Deves ser um jovem petista que ataca quem não está do teu lado. Estás muito mais para Bush do que imaginas. Saudações! ULF HERMANN MONDL (Florianópolis, SC) * A conclusão da CPI da Petrobras, isentando parlamentares de qualquer culpabilidade e, de quebra, acusar a Lava Jato de "excesso " de delações premiadas, só confirma aquilo que estamos cansados de saber: essas CPIs não levam a nada e não responsabilizam ninguém. Seus constituintes estão apenas a serviço de interesses partidários que passam bem longe da verdade e de qualquer noção de moralidade. Enquanto o povo brasileiro não aprender a votar e continuar elegendo figuras patéticas e desonestas como nossos representantes, só nos resta confiar na Justiça. LUCIANO HARARY (São Paulo, SP) * Com brilhantismo e criatividade, nosso grande Ferreira Gullar convida, em Carta Aberta, os militantes e simpatizantes do PT, a uma grande reflexão sobre tudo que aí está há quase 15 anos. A prova do brilhantismo do Ferreira é a reação dos leitores Eurico Faria Reis (Painel do Leitor ) e João Alberto de Carvalho (Painel do Leitor ). Atacam o poeta, em vez da autocrítica penitente. RUI P. DE LIMA CASTRO (Belo Horizonte, MG) * PARTICIPAÇÃO Os leitores podem colaborar com o conteúdo da Folha enviando notícias, fotos e vídeos (de acontecimentos ou comentários) que sejam relevantes no Brasil e no mundo. Para isso, basta acessar Envie sua Notícia ou enviar mensagem para leitor@grupofolha.com.br
2015-10-22
paineldoleitor
Painel do Leitor
http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2015/10/1696924-sergio-moro-fala-por-meio-de-suas-sentencas-afirma-juiz-federal.shtml
Paisagista critica prefeito por querer tirar bromélias de hotel em Ilhabela
O prefeito de Ilhabela, Antônio Colucci, ordenou que o DPNY Beach Hotel retire de seus jardins as bromélias, alegando serem as causadoras da dengue (Guerra das bromélias ). Que tal eliminar também as palmeiras da cidade? Elas atraem lagartas que podem causar asma, hemorragia e problemas renais. O alcaide pode aproveitar arrancar as árvores da paisagem litorânea, visando preservar a saúde dos munícipes, já que elas atraem insetos vetores de uma série de enfermidades. * PARTICIPAÇÃO Os leitores podem colaborar com o conteúdo da Folha enviando notícias, fotos e vídeos (de acontecimentos ou comentários) que sejam relevantes no Brasil e no mundo. Para isso, basta acessar Envie sua Notícia ou enviar mensagem para leitor@grupofolha.com.br
2015-10-22
paineldoleitor
Painel do Leitor
http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2015/10/1696936-paisagista-critica-prefeito-por-querer-tirar-bromelias-de-hotel-em-ilhabela.shtml
Os passos do Irã
Entrou em vigor no último domingo (18) o histórico acordo nuclear assinado em julho pelo Irã e pelo chamado P5+1: as cinco potências do Conselho de Segurança da ONU (EUA, China, Rússia, Reino Unido e França) e a Alemanha. As partes haviam definido a data como "o dia da adoção", quando os sete países iniciariam procedimentos específicos para materializar os compromissos. O Irã entabulou trâmites a fim de aderir ao Protocolo Adicional do Tratado de Não Proliferação Nuclear, que permitirá inspeções muito mais intrusivas. Não é questão de somenos; o Brasil, por exemplo, até hoje não acolheu esse protocolo. Teerã também está prestes a desmontar a maior parte das instalações nas quais pesquisa e desenvolve material nuclear com possível uso militar, como urânio e plutônio. A União Europeia encetou alterações em seu aparato jurídico com vistas a levantar as sanções econômicas que estrangulam o Irã. Nos EUA, onde o acordo suscitou aversão em parte do Congresso e da sociedade, o presidente Barack Obama solicitou medidas que permitam a normalização dos negócios com empresas iranianas em setores como petróleo e aviação. A rede de sanções, porém, será mantida até as potências chancelarem avanços do lado iraniano. Relatórios da AIEA, a agência nuclear da ONU, serão o principal parâmetro. O próximo estudo, esperado para dezembro, ajudará a definir o "dia da implementação", quando Teerã começará a sentir algum alívio –talvez no primeiro semestre de 2016. O caminho, entretanto, será longo até o "dia da transição", que selará a remoção das últimas sanções (marcado para 2023), e o "dia da rescisão" (2025), data de fechamento do dossiê iraniano. O processo exigirá paciência e boa vontade, itens incertos no médio prazo. Um dos riscos está na eleição presidencial dos EUA –os candidatos com chances de vencer não se entusiasmam com o acordo. Em Teerã, os ultraconservadores condenam o pacto, apesar de ele ter o respaldo do envelhecido líder supremo, aiatolá Ali Khamenei. Há, ainda, outras variáveis. O que fariam as potências ocidentais se Israel sofresse ataque pesado do Hizbullah, temível arma a serviço de Teerã no Levante? Como o Irã reagiria à eventual queda do ditador da Síria, Bashar al-Assad, seu maior aliado regional? Apesar das inevitáveis tensões e desajustes, o acordo constitui o melhor caminho. A alternativa é a confrontação, que traria graves prejuízos econômicos, políticos e sociais para todos os envolvidos. editoriais@grupofolha.com.br
2015-10-22
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1696949-os-passos-do-ira.shtml
Leitores comentam coluna de João Pereira Coutinho sobre colonização
Ao ler o artigo de João Pereira Coutinho Chega de desculpas, me veio à memória a frase de Jean-Paul Sartre: "Não importa o que fizeram com você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram de você". LUIS COUTINHO (Valinhos, SP) * Instigado pelo artigo de João Pereira Coutinho, acrescento a versão mais atualizada das desculpas: " A culpa de tudo o que está aí é da Bulgária....". É tempo dos sofredores de vira-latismo associado à nostalgia da ausência de um passado colonial norte-europeu, especialmente britânico, francês ou holandês, serem informados de que seus problemas existenciais estão resolvidos: peguem o primeiro voo para as suas respectivas vitrines tropicais nas Guianas. Boa viagem. WILSON C. FERREIRA JR. (Campinas, SP) * PARTICIPAÇÃO Os leitores podem colaborar com o conteúdo da Folha enviando notícias, fotos e vídeos (de acontecimentos ou comentários) que sejam relevantes no Brasil e no mundo. Para isso, basta acessar Envie sua Notícia ou enviar mensagem para leitor@grupofolha.com.br
2015-10-22
paineldoleitor
Painel do Leitor
http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2015/10/1696933-leitores-comentam-coluna-de-joao-pereira-coutinho-sobre-colonizacao.shtml
Agora é a deflação
Do ponto de vista do brasileiro, receoso de que os preços entrem em disparada, talvez pareça coisa de outro planeta o que se observa na economia global: o medo de que a tendência de redução da inflação se acentue e fuja de controle. É justamente esse, contudo, o quadro atual, resultado de fatores como o desempenho frustrante dos países mais desenvolvidos, a desaceleração da China e a desvalorização das matérias-primas. Normalmente, uma situação de inflação baixa é positiva. Empresas e famílias sentem-se mais seguras num ambiente em que os preços se comportam de modo previsível. As circunstâncias mudam, porém, quando a inflação fica baixa demais, levando a uma deflação, ou queda generalizada dos preços –cenário inquietante que muitos analistas já enxergam no horizonte. O problema existe porque, com a queda dos preços, as receitas geradas pelo comércio de bens e serviços diminui. Ao longo do tempo, os salários também caem. As dívidas contraídas por países, empresas e famílias, por sua vez, tornam-se proporcionalmente mais pesadas. Diante da ameaça constante de recaídas recessivas, os bancos centrais costumam agir no sentido de evitar tanto a escalada inflacionária quanto os quadros de deflação. Ocorre que, atualmente, o remédio usual contra a queda dos preços –corte de juros– está pouco disponível: as taxas já se aproximam de zero nos principais países. Mesmo assim, o mundo cresce pouco. A razão, no fundo, é que a crise financeira de 2008 não foi totalmente superada. Originalmente centrada no sistema financeiro americano, ainda hoje produz sobressaltos em outras regiões. Uma segunda onda da crise ocorreu na Europa, de 2011 a 2013, quando a combinação de baixo crescimento com pesadas dívidas na periferia colocou em xeque a sobrevivência da moeda única. O nó atual está nos emergentes, que se endividaram desde que os países desenvolvidos adotaram a política de juro zero. Com custo barato, governos e empresas do mundo em desenvolvimento obtiveram cerca de US$ 9 trilhões em financiamento dolarizado desde 2009. Reconhecendo o problema, o banco central dos EUA adiou a alta dos juros esperada para setembro. O mundo não parece prestes a recair numa recessão, mas o estresse recente nos emergentes evidencia que ainda existem fragilidades. editoriais@grupofolha.com.br
2015-10-21
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1696424-agora-e-a-deflacao.shtml
Diplomacia fora do eixo
A diplomacia comercial brasileira parece não perceber as transformações pelas quais passa o sistema de comércio internacional, insistindo em estratégia que afasta o país cada vez mais das principais cadeias produtivas globais e reduz a participação no total de trocas internacionais, com prejuízos para economia e sociedade. Segundo a OMC (Organização Mundial do Comércio), o Brasil exportou US$ 256 bilhões em 2011, US$ 242 bilhões em 2013 e US$ 225 bilhões em 2014. A participação no comércio internacional, que já foi de 2,5% do total, agora é de 1,1%. Em termos de proporção entre bens e serviços exportados e importados em relação ao PIB, o Brasil (11,5%) só perde para a República Central Africana (10,5%), enquanto a média mundial é de 29,8%. Não coincidentemente esse período de decréscimo coincide com a queda no crescimento do PIB. Das 12 maiores economias mundiais, 10 também estão entre os 12 maiores exportadores. Como oitava economia mundial, o Brasil representa uma das duas únicas exceções, ao ocupar o 25° lugar, atrás de Cingapura (14°), México (15°), Emirados Árabes (16°) e Tailândia (24°). Deve ser superado por Polônia, Áustria e Indonésia em 2015, todos com PIB bem inferior, o que indica, além de falta de competitividade, a inexistência de uma política industrial coerente e integrada e o desacerto de nossa política comercial externa, apegada a padrões ideológicos e estratégias anacrônicas. Histórico defensor do multilateralismo, o Brasil se recusa a aceitar a lógica dos atuais fluxos comerciais e a reconhecer que o novo sistema está sendo gestado quase que integralmente às margens da OMC, organização paralisada por burocracia incapacitante, processo decisório lento e interesses conflitantes. Fora do eixo dos grandes projetos globais, o Brasil não participa das negociações da TTIP (Transatlantic Trade and Investment Partnership), que ligará comercialmente América do Norte e Europa; da TPP (Trans-Pacific Partnership), que criou imensa zona de livre comércio entre os países da orla do Pacífico; nem da Aliança do Pacífico, zona de livre comércio formada pelos países economicamente mais dinâmicos da América Latina: México, Peru, Chile e Colômbia. Esse último grupo já formou acordo de livre comércio com Estados Unidos, Europa e China. Sua taxa anual de crescimento do PIB nos últimos cinco anos foi de 4%, enquanto a do Brasil, no governo Dilma, é inferior a 1,5%. Assim como as exportações nacionais decresceram nos últimos quatro anos, as da Aliança cresceram, em média, 3,5% desde seu lançamento, em 2012, representando 47% das exportações da América Latina. O Brasil nem sequer participou das discussões para a expansão da lista de produtos cobertos pelo Acordo de Tecnologia da Informação, negociado na OMC, que zerou as tarifas referentes ao comércio de semicondutores, aparelhos de ressonância magnética e tomografia computadorizada, além de 200 produtos eletrônicos, não podendo se beneficiar das novas tarifas. Atrelado ao Mercosul e a suas economias instáveis e problemáticas, sem estratégia de negociações comerciais, desprovido de competitividade industrial e incapaz de reagir política e diplomaticamente às transformações no sistema de governança comercial mundial, o Brasil cada vez mais se isola comercialmente, perdendo oportunidades, influência e investimentos. Sem um reposicionamento estratégico de sua política comercial externa, continuará exercendo o papel de coadjuvante de luxo, aplaudindo as iniciativas de países mais assertivos, mas exercendo pouca ou nenhuma influência na elaboração de questões de interesse global. MARCOS DEGAUT, 45, cientista político, é doutor em estudos de segurança e professor-adjunto na Universidade da Flórida Central (EUA) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-10-21
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1696397-diplomacia-fora-do-eixo.shtml
A irresponsabilidade pesa no bolso e é prejudicial à Saúde
A saúde é apontada pela população como um dos principais problemas do país há anos. Precisamos melhorar a infraestrutura da área e, para isso, os recursos previstos no orçamento precisam ser realmente investidos. Estudo recente do CFM (Conselho Federal de Medicina) mostra que, de 2001 a 2013, o governo federal destinou R$ 80,5 bilhões, mas somente R$ 33 bi foram investidos, ou seja, para cada R$ 10 previstos para melhoria da infraestrutura, apenas R$ 4 foram aplicados. A carência de leitos no país já é latente. Entre 2007 e 2012, 16 mil leitos privados foram fechados no país. Este ano, o orçamento do setor representa 37% dos investimentos do governo. Em 2016 cairá para 35%. São R$ 3,8 bilhões a menos. Para que programas prioritários do Ministério da Saúde não sejam afetados, o governo pretende direcionar recursos das emendas parlamentares para os atendimentos de média e alta complexidade. Com isso, afirma que não há corte, esquecendo-se que os valores do SUS estão defasados há mais de uma década e que tal política levou muitos hospitais e santas casas à insolvência. Momentos de crise trazem oportunidades. E a nação precisa aproveitar a ocasião para rediscutir o modelo do seu sistema de saúde. Os setores público e privado podem implantar uma rede de cuidados que torne o sistema mais eficiente e aumente a qualidade dos serviços. A palavra-chave para isso é cooperação. Hoje, 25% dos cidadãos possuem planos de saúde, mas 56% do total dos gastos no setor no país estão na esfera privada. Além disso, 64% dos leitos hospitalares são geridos por instituições privadas, e metade deles atende SUS. Os números atestam a importância da iniciativa privada na área. Por isso, ela precisa ser chamada para discutir e planejar as políticas nacionais de saúde. É premente desburocratizar e simplificar as parcerias público-privadas (PPP), inclusive permitindo a participação de empresas com fins lucrativos. Implantar políticas de Estado na Saúde, contra as atuais políticas de governo, para garantir a continuidade das ações. O Brasil tem a maior carga tributária da América Latina e uma das maiores do mundo. Aproxima-se dos 40% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2000 esse percentual era de 30%. Segundo estudo da Organização para Cooperação Econômica (OCDE) divulgado recentemente, de 2010 a 2013 a arrecadação no Brasil cresceu 2,5% em relação ao PIB, enquanto a América Latina registrou crescimento de 1,5% e os países desenvolvidos de 1,3%. O crescimento da receita, porém, não foi suficiente para cobrir o aumento dos gastos públicos. Só com pessoal, incluindo funcionários públicos federais da ativa e inativos, o governo gastava R$ 79 bilhões em 2003. Em 2013 esse gasto saltou para R$ 222 bi. Os dados são do Ministério do Planejamento. Paralelamente, os juros da dívida pública praticamente dobraram nos últimos dois anos, passaram de R$ 250 bi para R$ 450 bi. Fechamos 2014 no vermelho, em R$ 32,5 bi. A dívida já é de 65% do PIB. O diagnóstico dos problemas já foi feito. Infelizmente, o governo vem empurrando essas discussões com a barriga, temendo a adoção de medidas impopulares. Essa falta de vontade política de consertar o que é necessário é típica de governos populistas. A atual crise é o retrato desses desmandos. Como resultado, podemos retroceder aos anos 80 do século passado, a chamada "década perdida", com estagnação econômica, retração industrial e aumento do déficit público. YUSSIF ALI MERE JR., 56, é médico e presidente da Federação dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo (FEHOESP), com MBA em Economia da Saúde * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-10-21
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1695916-a-irresponsabilidade-pesa-no-bolso-e-e-prejudicial-a-saude.shtml
A vaca, o vampiro e o Pinóquio
No momento em que o Brasil se debruça sobre as crises que o afligem, valendo-se da análise de circunstâncias que ameaçam a governabilidade, três entes resumem o repertório de conceitos, mazelas e problemas que devastam as esferas da gestão, da política e da economia. São eles: a vaca, o vampiro e o Pinóquio. A vaca é a grande mãe, a deusa que, para o homem primitivo, se repartia nos rios, nas árvores, nos fenômenos naturais. Entre nós ela assume também a posição de entidade que encobre, abriga, defende e acalenta. É fácil deduzir que a vaca é o próprio Estado, que acaba oferecendo o bico para milhares de brasileiros sugarem suas tetas. O Estado brasileiro jamais deixou de ser considerado por parcela significativa da elite política uma "cosa nostra", núcleo da grande família, dos donos do poder, que cultivam o filhotismo, o nepotismo e o familismo, transformando a função pública em patrimônio pessoal. O país ainda não entrou no século 21 em matéria de gestão do Estado, cujos pilares repousam em critérios de mérito, racionalidade, controles, transparência, qualidade de serviços e descentralização. São quase 12 milhões de servidores públicos nas três instâncias federativas, ou seja, 1 em cada 10 brasileiros em idade de trabalhar, número que poderia não impressionar se o contingente fosse qualificado, não escudado no patronato político. A mamãezada, que, segundo o dicionário Houaiss, é o "descaso ou conivência dos responsáveis que dão cobertura a subordinados, em caso de imoralidade no serviço público", constitui a base da muralha que esconde desvios e atos ilícitos. Eliminar essa chupeta com os instrumentos da modernização do Estado, implicando nova metodologia para composição dos quadros públicos, é a primeira providência que se espera. Não adianta fusão ou enxugamento de estruturas sem que esse gesto leve a um profundo corte nos 12% do PIB consumidos na administração pública. O segundo ente a ser eliminado é o vampiro. É sabido que vampiro só aparece na calada da noite. O país, de Norte a Sul, é uma gigantesca festa de vampiros. São encontros na surdina para conluios, emboscadas, negociatas e tramoias. É assim que o sangue da ação é sugado. A receita para eliminar a vampiragem é única: raio de Sol. Maços de alho e crucifixos não são suficientes para afugentar vampiros. Com luz na cara, eles correm para suas tumbas e caixões. Em suma, escancarar as administrações. Por último, resta cortar o enorme nariz de Pinóquio, o boneco que domina os palcos da política. Pinóquio é a encarnação do Estado-espetáculo. Essa concepção deriva do conceito de política como teatro. Remonta aos tempos antigos, mas ganhou força a partir dos meados do século passado, com as campanhas políticas norte-americanas. Napoleão calculava o efeito de suas palavras e gestos. Hitler recebia aulas de declamação. Na história mais recente, Kennedy, exuberante, derrotou um cansado e gripado Nixon na campanha de 60. No Brasil, a oratória ensinada pelo marketing é um exercício de prestidigitação. O importante é a versão, não a verdade. A palavra é usada para encobrir o pensamento, driblar a intenção. A verdade pouco aparece em locuções encadeadas com sujeito, verbo e complemento. O reino do Pinóquio ocupa a vastidão do território. Arabescos, cosméticas exageradas, jargões, discursos retumbantes e mentiras repetidas -esse é dicionário usado por Pinóquio. O serrote para cortar o nariz de Pinóquio é a consciência. Um valor em crescimento no país. GAUDÊNCIO TORQUATO, 70, jornalista, é professor titular aposentado da USP e consultor político * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-10-21
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Opinião
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A privatização perversa das prisões
As prisões pernambucanas se tornaram verdadeiros empreendimentos privados. Imagine, se puder, como é estar preso ali. Por R$ 2.000, você pode comprar um "barraco", cubículo de madeira onde poderá jogar um colchão. Se você não tiver dinheiro, terá de competir com outros presos por algum espaço para dormir no corredor. Para passar o tempo, você pode consumir cachaça artesanal, maconha e crack. Está sem grana? Você pode comprar a crédito, pelo dobro do preço, e pagar no próximo fim de semana, quando sua mãe lhe trouxer dinheiro. Você, porém, terá de separar uma parte para pagar uma "cota" semanal, ou será espancado. Quem embolsa os lucros é o "chaveiro", o preso que goza da confiança das autoridades do presídio. Cada chaveiro recebe as chaves de um pavilhão e exerce o controle sobre ele. O chaveiro usa uma milícia, formada por outros presos, para espancá-lo, caso você conteste sua autoridade ou deva dinheiro a ele. Ele também pode fazer com que você termine em uma cela de castigo. Os agentes penitenciários fazem vista grossa, ou recebem propina. Essa é a terrível fotografia da vida nas prisões pernambucanas após visitar quatro delas. Entrevistei dezenas de detentos, egressos, familiares e autoridades. Embora a existência dos chaveiros seja uma característica particular de Pernambuco, a situação que ali impera reflete um problema nacional: a superlotação e a escassez de pessoal qualificado tornam praticamente impossível controlar as prisões. No Maranhão, as maiores facções criminosas do Estado foram criadas pelos presos para se protegerem, dado o fracasso do governo em garantir sua segurança. As prisões brasileiras abrigam mais de 607 mil pessoas, mas só têm vagas para cerca de 377 mil. As prisões pernambucanas são as mais superlotadas (31.700 presos em agosto de 2015, de acordo com dados do Estado), com três vezes mais presos que a sua capacidade. Em Curado, o maior complexo penitenciário do Estado, entrei em uma cela com seis leitos de cimento para 60 homens, onde não havia espaço no chão para que todos se deitassem. O cheiro de suor, fezes e mofo era insuportável. O chaveiro permitia que os presos saíssem por apenas uma ou duas horas por semana. Não surpreende, pois, que a incidência do HIV nas prisões pernambucanas seja mais de 40 vezes maior que a verificada na população em geral e a recorrência de tuberculose seja quase cem vezes maior. Obviamente, quem comete crimes deve responder por eles e, se a lei o determinar, cumprir pena recluso, desde que a sentença seja proporcional ao crime. No entanto, quase 60% dos detentos em Pernambuco estão ali aguardando julgamento. Ainda que fossem condenados, ninguém deveria sofrer com esse tipo de condição desumana. Apesar disso, há um sinal de esperança. Neste ano, todos os Estados iniciaram programas de audiências de custódia, durante as quais os juízes veem os suspeitos logo após sua detenção para decidir se devem permanecer presos ou aguardar o julgamento em liberdade. Os juízes também podem identificar sinais de maus-tratos por parte da polícia. Tais audiências ajudam a reduzir a superlotação ao prevenir o encarceramento ilegal de suspeitos de crimes não violentos enquanto aguardam julgamento. Solucionar os problemas do sistema prisional é de interesse dos cidadãos. A formação de facções criminosas nas prisões resulta em violência fora delas. O Brasil precisa retomar o controle de suas prisões, além de parar de encarcerar pessoas que não deveriam estar presas. Viabilizar uma audiência de custódia para toda pessoa presa seria um bom primeiro passo. CESAR MUÑOZ ACEBES, 42, é pesquisador da ONG Human Rights Watch e autor de um novo relatório sobre as prisões de Pernambuco. * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-10-20
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1695836-a-privatizacao-perversa-das-prisoes.shtml
Prevenir, não antecipar
Na última sexta-feira (16), o ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, decidiu livrar da cadeia Alexandrino Salles de Alencar. Acusado de participar do esquema de corrupção da Petrobras, o ex-diretor da Odebrecht estava na prisão desde junho deste ano. Nesta segunda (19), o juiz Sergio Moro, responsável pelos processos da Operação Lava Jato, estendeu os efeitos da determinação do Supremo a Cesar Ramos Rocha, ex-executivo da mesma empreiteira também detido em junho. Prevaleceu nesses casos a percepção de que não havia motivos para manter a prisão preventiva. De acordo com a lei, o instrumento destina-se a impedir a continuidade de um crime, evitar que o réu interfira no andamento da investigação ou impossibilitar sua fuga. Ao analisar a situação de Alencar, o ministro Teori Zavascki considerou que tais requisitos não estavam presentes e ponderou que a prisão preventiva poderia ser substituída por medidas cautelares –entre outras, o réu está proibido de entrar em contato com os demais suspeitos e deverá entregar seu passaporte às autoridades. É de perguntar, naturalmente, se o raciocínio não deveria beneficiar todos os presos da Lava Jato. Das 97 pessoas que se viram encarceradas no curso das investigações, 27 permanecem atrás das grades. Haveria razão suficiente para isso? Assim como na sexta-feira, o STF já dera sua resposta em abril, quando pôs em liberdade nove acusados de envolvimento no petrolão. Com o voto vencedor do ministro Teori, a segunda turma afirmara que a prisão preventiva não pode servir de condenação antecipada de quem quer que seja, bem como não pode ser usada a fim de forçar o recurso da delação premiada. Nas palavras de Teori Zavascki, ainda que existam motivos para se indignar com os crimes, "a credibilidade das instituições, especialmente do Poder Judiciário, somente se fortalecerá na exata medida em que for capaz de manter o regime de estrito cumprimento da lei". Como já se disse inúmeras vezes neste espaço, o problema é generalizado. Os presos provisórios (sem condenação definitiva) respondem por cerca de 40% da população carcerária, que hoje passa de 600 mil pessoas. Se a Justiça merece elogios quando rompe com a cultura de impunidade que beneficiava as elites nacionais, não pode passar sem críticas quando repete vícios que igualmente precisam ser superados. editoriais@grupofolha.com.br
2015-10-20
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1695953-prevenir-nao-antecipar.shtml
Amortecedor externo
No mar de más notícias na economia, avistam-se sinais de melhoria na situação das contas externas. Depois de amargar anos de deficit crescentes e subtrair demanda da indústria, o comércio exterior mudou de direção e já assume papel de amortecedor da recessão. O deficit nas transações de bens e serviços com o restante do mundo deve cair de US$ 100 bilhões em 2014 para menos da metade até o ano que vem. A maior virada tende a ocorrer na balança comercial, que passará de um resultado negativo de US$ 4 bilhões para um superavit de US$ 30 bilhões. O colapso da demanda doméstica –espera-se queda do PIB de 3% em 2015– e a desvalorização do real constituem combinação poderosa para alterar a dinâmica de consumo interno e exportações. Como de costume, o principal impacto inicial se dá pela retração da economia, que reduz as importações de insumos, maquinário e bens de consumo. Até setembro, o país comprou 23% a menos que no mesmo período do ano passado. O câmbio também interfere, pois o real mais fraco encarece os produtos importados e favorece sua substituição por similares nacionais. Há, naturalmente, um choque de custos, mas são cada vez mais comuns relatos de empresas em processo de readequação produtiva com fornecedores locais. Quanto às exportações, os efeitos demoram mais. O real mais barato ajuda, pois reforça a competitividade da produção nacional. Mas é preciso buscar mercados, retomar relações e abrir canais de distribuição. Passos que tomam tempo. Embora o valor exportado tenha caído 17% até agora no ano, em decorrência de preços mais baixos das matérias-primas, houve alta de 6% na quantidade de produtos vendidos. É um bom resultado no atual contexto global. A nova combinação de salários internos depreciados e câmbio desvalorizado favorece especialmente a indústria. O deficit comercial do setor atingiu US$ 109 bilhões no ano passado; deve cair à metade até 2016. Uma mudança dessa ordem significa um acréscimo de demanda para produção local próxima a 2,5% do PIB, amortecendo a recessão interna. Verdade que, por ora, a indústria enfrenta a tempestade. A fraqueza doméstica predomina, e a produção deve cair cerca de 6% em 2015. Mesmo assim, novas possibilidades se abrem a médio prazo. A capacidade ociosa precisa ser usada. Um exemplo é o setor automobilístico, montado para atender um mercado interno que não existe. Com custos corretos e uma nova estratégia, as empresas podem se reconfigurar como plataformas exportadoras. Para tanto, é preciso atuar na agenda da competitividade e inserção nas cadeias globais de produção. O caminho é a abertura ao comércio exterior. editoriais@grupofolha.com.br
2015-10-19
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1695526-amortecedor-externo.shtml
Fim de um contrabando
O Supremo Tribunal Federal deu, na semana passada, importante contribuição para o aprimoramento das medidas provisórias no Brasil. Ao analisar um caso específico, decidiu que, a partir de agora, o Congresso não poderá mais embutir nesse instrumento legislativo artigos que nada tenham a ver com o tema original da norma. A prática era conhecida e recorrente, mas nem por isso menos absurda. Seus apelidos indicam o quanto tinha de bizarro. Na versão mais fraca, "jabutis" –que só conseguem subir na árvore com a ajuda de alguém. Na menos contida, "contrabando legislativo" –alcunha que dispensa explicações. Tome-se como exemplo o episódio analisado pelo STF. A medida provisória em questão, de número 472/2009, terminou convertida na lei 12.249/2010. Partiu do Executivo com 61 artigos; saiu do Legislativo com 140. Entre os acréscimos estava a extinção da profissão de técnico em contabilidade, assunto sem nenhuma relação com a já variada temática inicial. Considerando a ação impetrada pela Confederação Nacional das Profissões Liberais, o Supremo resolveu manter a validade da lei questionada, assim como das regras que, no passado, foram aprovadas por meio do mesmo atalho. Os ministros consideraram que, de outro modo, abririam as portas para infindáveis processos de argumentação semelhante. Haveria imensa insegurança jurídica. A corte, porém, entendeu ser oportuno declarar o "contrabando legislativo" incompatível com a Constituição. De acordo com a relatora do caso, ministra Rosa Weber, o procedimento é "marcadamente antidemocrático", pois permite ao parlamentar esquivar-se dos caminhos naturais para aprovar leis. De fato, deputados e senadores costumam utilizar o expediente sorrateiro quando querem aprovar normas de alto custo político –a saber, aquelas que afrontam a opinião pública, que não conquistariam apoio majoritário em uma das Casas ou que atendem a interesses inconfessáveis. As medidas provisórias prestam-se a esse papel pois, em tese, surgem como resposta a demandas urgentes e relevantes. Têm, por esse motivo, tramitação prioritária no Congresso. É bom saber que o Judiciário pôs um freio no contrabando dentro do Legislativo. Resta, agora, enfrentar o abuso no recurso às medidas provisórias, uma distorção provocada pelo Executivo. editoriais@grupofolha.com.br
2015-10-19
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1695527-fim-de-um-contrabando.shtml
Sócio-torcedor, saída para a crise econômica no futebol
A retração da economia nacional produz efeitos contraditórios no futebol brasileiro. Clubes podem faturar mais com a alta do dólar em transferências internacionais, mas o êxodo de talentos prejudica o futebol no Brasil. O mercado publicitário tende a reduzir patrocínios, porém os clubes podem rentabilizar mais a relação direta com suas torcidas, principalmente em razão do crescimento exponencial de novas mídias, que coloca em cheque o atual modelo de negócio do futebol, baseado fundamentalmente em receitas diretas e indiretas da televisão. Senso Ibope/Repucom demonstra que 87% dos torcedores brasileiros acessam a internet enquanto assistem TV. Dados divulgados na Soccerex deste ano sinalizam que 40% de todos os tweets do mundo são relacionados a esporte. O Facebook declara que seus usuários visualizam 3 bilhões de vídeos por dia, 65% no celular. Hoje, todo mundo tem potencial para produzir conteúdo e dispõe de meios para sua veiculação. O alto interesse que o futebol desperta estimula que seja objeto destas produções. Se anunciantes puderem atingir os mesmos consumidores através de novas plataformas, investindo menos, será que a TV continuará sendo capaz de manter seu faturamento e pagar pelos direitos de transmissão nos patamares atuais? Como a origem dos clubes no Brasil foi custeada pela contribuição direta dos seus sócios que, juntos, pagavam todas as despesas de investimento e manutenção, os programas de sócio-torcedor na era da internet podem ser ferramentas poderosas de crowdfunding para os clubes. O Itaú, em recente análise econômico-financeira do futebol brasileiro, reconhece um "salto de qualidade na gestão" com o fortalecimento destes programas, que fidelizam a torcida e contribuem significativamente para estabilizar o balanço. Apesar da queda de 3% das receitas totais dos clubes no último ano, o faturamento com estas iniciativas subiu de R$ 199,3 milhões para R$ 240,2 milhões. Em 2015, estima-se que chegue a R$ 400 milhões. Um dos principais motivos deste incremento é a união de clubes com grandes empresas como AmBev, Unilever, Pepsico, Sky, Shell, TIM e as principais redes de varejo do país no Movimento por um Futebol Melhor, que até agora já deu quase R$ 80 milhões em descontos diretos ao consumidor, o que, aliado ao alto investimento destas empresas em ações de marketing nos grandes meios de comunicação, contribuiu decisivamente para consolidar uma base substancial de sócios-torcedores no Brasil. Atualmente, os 67 clubes que fazem parte do Movimento por um Futebol Melhor reúnem mais de 1 milhão de sócios-torcedores. Em 2015, até setembro, mesmo com toda instabilidade econômica, houve 260 mil novos associados, um aumento de 128% em relação a 2014, quando o crescimento foi de 114 mil. Um recorde na história do programa. O potencial é enorme! A título de ilustração, segundo a última pesquisa Lance-Ibope, do ano passado, o Flamengo tem 32,5 milhões de torcedores, apenas 71 mil associados. O Corinthians, respectivamente, 27,3 milhões e 127 mil. O São Paulo, 13,6 milhões e 76 mil. O Palmeiras, 10,6 milhões e 129 mil. O Fluminense, 3,6 milhões e 36 mil. O Inter, 5,6 milhões e 147 mil. O Grêmio, 6 milhões e 85 mil. Se crise é sinônimo de oportunidade, os clubes têm obrigação de aproveitar este momento para intensificar seus programas de sócio-torcedor para que sejam realmente do tamanho das suas torcidas. PEDRO TRENGROUSE, 36, é professor da FGV, foi consultor da ONU para a Copa e professor visitante em Harvard * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-10-19
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1695017-socio-torcedor-saida-para-a-crise-economica-no-futebol.shtml
Observando o Brasil na sua encruzilhada
Até há pouco tempo, observar o Brasil da Argentina era perceber um país que crescia confiante de si mesmo, com aspirações de liderança que iam além de sua própria região. Um país otimista, que anulava sua pobreza interior ao ritmo de 10% ao ano. Democrático, organizado, com uma baixa taxa de inflação. Não tinha, nem dava indícios de que viria a ter, crises institucionais de magnitude. Merecedor de confiança, consequentemente. Para investidores e poupadores. O Brasil de algum modo construía suas aspirações de estar entre as nações que compõem a liderança mundial sobre a plataforma de sua influência em sua própria região. Seguro de si mesmo, até procurava ingressar como membro permanente do Conselho de Segurança. Com um terço do PIB regional e uma diplomacia ativa, estava adiante de seus pares. Liderando sem pressionar, apesar das pretensões de um Hugo Chávez que tecia alianças paralelas à base de conceder subsídios petrolíferos, convencido de que o preço internacional do petróleo cru só podia crescer. Assim ganhava influência, sem por isso ofuscar o Brasil. Hoje o Brasil está em recessão. Paralisado. Dividido. Com um deficit fiscal importante. Com uma dívida pública enorme, cuja quinta parte está em mãos de estrangeiros. Já sem grau de investimento. Nervoso. Frustrado e de mau humor. Por isso, já não seduz. Ao contrário, preocupa a todos. A antiga liderança midiática do ex-presidente Lula tem se apagado. Consideram-no corresponsável pelo momento de caos que se apoderou do país, da gastança excessiva e, ainda pior, da onda de corrupção que está sendo objeto de uma investigação judicial intensamente divulgada e que está a cargo do juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Criminal Federal no Estado do Paraná. O processo parece ter deslegitimado um tanto as autoridades brasileiras. A imagem da sucessora e sócia política de Lula, a presidente Dilma Rousseff, também foi atingida de forma danosa. Dentro e fora do Brasil. O fim da extensa hegemonia do PT parece, assim, estar à vista. A imagem de excelência, a de país responsável, tem sido substituída pela de um Brasil que desconfia de suas autoridades e de sua classe política em geral. Pleno de instabilidade política e econômica. Dividido em dois, entre o sul do país, desenvolvido, e o norte, com indicadores socioeconômicos distantes da ideia de um desenvolvimento feliz. Com sombras, além disso. Como as de uma polícia com suspeitas de ineficiência e corrupção. Ou aquelas do juiz Moro. Deve-se reconhecer o empenho dele em atacar a corrupção, mas também cabe criticá-lo pela notória falta de apego às normas que regulam o processo penal, incluindo as constitucionais. Sergio Moro abusa da prisão preventiva, das delações induzidas e da publicidade midiática, quando os juízes devem sempre falar somente por meio de suas sentenças. Por tudo isso, preocupa até os argentinos, também vítimas de uma visão política perversa e equivocada. Contemplamos como nosso Poder Judiciário é objeto de constantes manipulações para que as causas nas quais sejam investigadas a corrupção oficial não cheguem à parte alguma. Observando o Brasil de fora, já não se percebe a urgência de consolidar uma liderança. Hoje o país, incomodado, vê fundamentalmente a si mesmo. Procurando organizar-se e buscando recuperar um futuro que as pessoas sentem que lhes foi roubado. E é urgente que o faça. O destino do Brasil está em jogo, atado ao da região. Quando seu ciclo político interno mostra sinais de esgotamento, seus problemas, cabe advertir, impactam muito além de suas próprias fronteiras –impactam toda uma região que parece começar a querer livrar-se do danoso mal bolivariano. EMILIO J. CÁRDENAS, 73, ex-embaixador da Argentina nas Nações Unidas. Ex-presidente da International Bar Association e de seu Instituto de Direitos Humanos * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-10-19
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1695294-observando-o-brasil-na-sua-encruzilhada.shtml
Horizonte crítico
A campanha quase aberta das lideranças maiores do petismo contra o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, contribui para levar a um ponto crítico a política econômica que, segundo se supõe, é a do governo Dilma Rousseff (PT). O programa de ajuste precário das contas públicas emperrou em um Congresso tomado pelo tumulto político, no qual a presidente da República não consegue formar nem mesmo maiorias circunstanciais. As recentes intervenções do ex-presidente Lula, em particular na reforma ministerial, animaram os adversários de Joaquim Levy e da política econômica que ele quase solitariamente personifica. Ataques descabidos contra as diretrizes propostas pelo ministro solapam o apoio necessário para que sejam aprovados projetos de aumentos de impostos. Nas atuais circunstâncias, dissipam-se, sem tais medidas, as possibilidades de mero equilíbrio entre receitas e despesas primárias do governo (excluídos gastos com juros da dívida). Assim, praticamente se relega para o ano que vem a vigência dos novos tributos. Tal atraso, uma espécie de sabotagem, adia ainda mais –talvez para 2017– a desejada retomada de algum crescimento. Pior, esse pode nem ser o maior dos danos. O governo fracassou no cumprimento das metas de economia que anunciara neste ano. Em julho, reduziu a quase zero o superavit primário para 2015. Em agosto, enviou ao Congresso um Orçamento deficitário para 2016. Tais recuos provocaram o rebaixamento do crédito do país, com as decorrentes altas de taxas de juros e do preço do dólar. No momento, o governo está à beira de reconhecer que deve ter deficit neste ano. Uma nova rendição do Planalto, em especial quanto às metas de 2016, tende a provocar outra rodada de descrédito, com deterioração ainda maior da economia. Além das turbulências imediatas, tal degradação deve implicar o aprofundamento da recessão. A reversão de tal estado de coisas, no entanto, é tão possível quanto uma piora adicional e aguda da crise. Na maior parte, tal risco se deve à incerteza sobre a disposição do governo de controlar o acentuado aumento de sua dívida. Em outros termos, deve-se à incapacidade do Planalto de oferecer um programa de reformas que, mesmo sem impacto imediato, crie esperança de estabilidade no horizonte. A aprovação do pacote de ajuste, a apresentação de um plano de reformas crível e a derrota dos quintas-colunas no governo não daria cabo da crise, mas seria um ponto de inflexão –o sinal de que se aproxima o fim de um ciclo desastroso. editoriais@grupofolha.com.br
2015-10-18
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1695263-horizonte-critico.shtml
Justiça pré-científica
A situação é surreal. Decisões judiciais têm obrigado a USP a produzir e fornecer a pessoas com câncer uma substância cujos efeitos não são conhecidos, que não teve sua eficácia comprovada e, pior, jamais foi submetida a testes de segurança em seres humanos. As liminares concedidas não só ignoram princípios básicos da pesquisa científica como também colocam em risco a vida dos mais de mil pacientes autorizados a receber um composto a respeito do qual praticamente nada se sabe. Estudada por um professor do Instituto de Química da USP de São Carlos, a fosfoetanolamina só passou por experimentos em células e animais, nos quais mostrou algum potencial contra certos cânceres. Noticia-se que o docente, seguro das possibilidades terapêuticas da substância –que não pode ser considerada um remédio–, a distribuía por conta própria. Em 2014, uma portaria da universidade interrompeu o fornecimento. Iniciou-se, então, uma disputa judicial. Centenas de liminares determinando que a USP providenciasse a droga foram concedidas na primeira instância, mas, em setembro, terminaram suspensas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. No começo de outubro, o ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, ordenou que um paciente recebesse cápsulas de fosfoetanolamina. Ato contínuo, o presidente do TJ-SP, José Renato Nalini, reconsiderou a suspensão de entrega da substância. A argumentação dos magistrados denuncia profundo desconhecimento dos protocolos universalmente adotados para o desenvolvimento de fármacos. Fachin, por exemplo, parece considerar o registro na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) um detalhe desimportante. Não é. Trata-se de garantia de que a droga passou por todos os testes devidos –razão pela qual nem sequer há pedido de registro da fosfoetanolamina na agência. Nalini, por sua vez, afirma que "não se podem ignorar os relatos de pacientes que apontam melhora no quadro clínico". Ocorre que a ausência de testes controlados torna impossível saber se os alegados progressos decorreram de propriedades do composto. Mais: sem as pesquisas apropriadas, não se podem descartar efeitos colaterais e graves problemas gerados pela interação com substâncias presentes em medicamentos. Compreende-se que a luta contra o câncer leve pacientes a buscar todo tipo de tratamento –mas essa é uma questão individual. O Poder Judiciário, entretanto, ao decidir casos dessa natureza, não pode atropelar as normas de validação científica. editoriais@grupofolha.com.br
2015-10-18
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1695264-justica-pre-cientifica.shtml
É correta a decisão do governo de São Paulo de separar alunos por ciclo escolar? Não
QUALIDADE NA CONTRAMÃO "É que a ideologia tem que ver diretamente com a ocultação da verdade dos fatos, com o uso da linguagem para penumbrar ou opacizar a realidade" (Paulo Freire) A população de São Paulo foi surpreendida com o anúncio, pela Secretaria Estadual da Educação, de reorganização e fechamento de escolas em 2016. Como justificativa, a secretaria usa argumentos de uma medida semelhante implantada em 1995: redução demográfica; maior qualidade no atendimento dos níveis de ensino, separando crianças de adolescentes; possibilidade de expansão do ensino médio. Retomar a história pode elucidar problemas de implantação dessas medidas. Chama a atenção a coincidência do grupo político autor de ambas as propostas, o PSDB. É preciso lembrar que, em 1995, esse grupo se encontrava à frente do Ministério da Educação (governo FHC). As medidas paulistas eram parte de um programa de ajuste estrutural, impulsionado por organismos internacionais –especialmente pelo Banco Mundial–, com empréstimos e assessorias preconizando o atendimento público só para o ensino fundamental regular. Isso gerou uma maior responsabilização dos municípios por esse atendimento, uma progressiva privatização dos níveis posteriores (ensino médio e superior) e um caráter comunitário e assistencialista para a educação infantil –contrariando a ampliação da cidadania e do dever do Estado, determinados pela Constituição, então submetida à modificação pela Proposta de Emenda Constitucional nº 233/1995, apresentado ao Congresso Nacional. Nesta época de crise econômica, o mesmo partido, o PSDB, pretende dirigir o país e prepara, a partir de São Paulo, um projeto eficiente de corte de gastos públicos para políticas destinadas ao povo. As medidas de 1995 não melhoraram a qualidade da escola paulista. Pelo contrário, destruíram a única rede pública brasileira que tinha alcançado a condição de universalizar o ensino fundamental num único prédio, ampliando o diálogo entre os professores na passagem dos anos iniciais para os anos finais do ensino fundamental e médio. A municipalização distanciou ainda mais os professores e seus projetos; a população viu-se às voltas com a matrícula de seus filhos em escolas nem sempre próximas; e jovens de diferentes territórios urbanos foram expostos ao relacionamento imposto num mesmo espaço. A contenção do gasto público, contudo, foi exitosa. Em 1999, a Secretaria da Educação voltou ao número de professores e especialistas de dez anos antes. Foram desativadas, pelo menos, 150 escolas, diminuindo 10.014 classes, já na passagem de 1995 para 1996. A rede estadual diminuiu 376.230 atendimentos entre 1995 e 1998, com um decréscimo de 5,61%, enquanto as redes municipais aumentaram 841.860 atendimentos, crescendo quase 60%. O projeto atual movimentará mais de 1 milhão de alunos. As entidades do magistério preveem mesmo número de escolas fechadas. Na sequência da mais longa greve do magistério paulista, esse anúncio ameaça a categoria, dificultando a qualidade no fim deste ano letivo. A população não é gado que se remove e se confina em espaços predeterminados. O passado nos faz descrentes de qualquer benefício à qualidade e à oferta da educação dessas medidas. Os jovens já se organizam e o movimento de contestação ganha as ruas. Reagir é preciso! Adiar a implementação é necessário e de bom senso. SONIA M. PORTELLA KRUPPA, 64, professora da Faculdade de Educação da USP, foi chefe de gabinete da Secretaria municipal de Educação de São Paulo nas gestões Paulo Freire e Mario Sergio Cortella (governo Erundina * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-10-17
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1695049-e-correta-decisao-do-governo-de-sao-paulo-de-separar-alunos-por-ciclo-escolar-nao.shtml
O buraco dos Estados
Muito se fala do governo federal quando se trata de debater a situação calamitosa dos cofres públicos, mas não convém esquecer que Estados e municípios também enfrentam sérios problemas para fechar seus balanços. A maior parte deles, aliás, apresentará resultado negativo neste ano e em 2016. O problema é grave. Com o desarranjo nas três esferas de governo, torna-se mais difícil recuperar a credibilidade das contas públicas. Isso porque as finanças de todos os entes da Federação são consideradas no cálculo de superavit primário (saldo de receitas e despesas antes do pagamento de juros), cuja meta para este ano se mantém em inverossímil 0,15% do PIB. Como os números da arrecadação têm mostrado, a retração da economia e das transferências federais provoca queda nas receitas, mas não há nada que faça cessar o crescimento das despesas. Elas se expandem devido a compromissos assumidos em 2014 –um ano eleitoral–, sobretudo reajustes para o funcionalismo. São muitas as adversidades, mas nada justifica que governantes, seguindo o mau exemplo da presidente Dilma Rousseff (PT), enviem para apreciação do Legislativo propostas orçamentárias com deficit. O Executivo não pode transferir aos deputados uma tarefa que é obviamente sua. Os rombos previstos por apenas dois Estados, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, montam a R$ 13,5 bilhões, quase a metade do estimado em proposta enviada pelo Planalto ao Congresso em agosto e que desencadeou o rebaixamento da nota de crédito do país. Outras unidades federativas tentam preservar a imagem de equilíbrio –somente a imagem, pois lançam mão de projeções tão otimistas quanto irreais. No fundo, as agruras contábeis do setor público têm a mesma explicação. Nos anos mais endinheirados, grassa o populismo perdulário: contratam-se funcionários, aumentam-se salários, dilatam-se despesas indiscriminadamente. Quando o cenário muda, caem as receitas, mas é muito difícil cortar gastos. As vítimas acabam sendo os serviços essenciais para a população. De outro lado, preservam-se os desembolsos com uma estrutura inchada e muito bem defendida por grupos de interesse. O país passa por grandes dificuldades, e o setor privado tem sido obrigado a apertar o cinto. Neste momento, o ideal é que o Estado possa atuar como fator de estabilização, mantendo dispêndios para o atendimento da população como um todo, mas sem perder de vista a prudência orçamentária. Infelizmente, a rigidez da folha de pagamento é um grande impeditivo para isso. editoriais@grupofolha.com.br
2015-10-16
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1694589-o-buraco-dos-estados.shtml
O acordo de paz na Colômbia
No dia 23 de setembro, o governo colombiano celebrou um importante acordo de paz com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Nele, as partes comprometem-se a criar um "sistema integral de verdade, justiça, reparação e não-repetição", a fim de satisfazer os direitos das vítimas e estabelecer uma paz duradoura. No campo da justiça de transição, dois elementos chamam a nossa atenção. O primeiro é a criação de uma jurisdição especial com a finalidade de obter a verdade, a reparação das vítimas e impor sanções aos responsáveis por graves violações cometidas durante o conflito armado. O segundo é a escolha das sanções aplicáveis. Para os que reconheçam de imediato as graves violações de direitos humanos que cometeram, penas restritivas de liberdade que variam de cinco a, no máximo, oito anos em condições especiais de encarceramento. Para os que reconheçam apenas tardiamente seus crimes e já no tribunal, penas de cinco a oito anos em condições ordinárias. E, finalmente, aos que se neguem a reconhecer sua responsabilidade, uma pena de prisão que pode chegar a 20 anos. Esses dois elementos colocam, de saída, o desafio de obter legitimidade interna e internacional no que diz respeito às fortes exigências da justiça transicional. A Jurisdição Especial para a Paz tem de ser implementada de modo a afastar as suspeitas de ser um "tribunal de exceção", criado apenas para promover julgamentos de fachada. Nesse sentido, vale destacar que o acordo tenha previsto que essa jurisdição contará com magistrados colombianos, além da participação de estrangeiros. O professor colombiano Rodrigo Uprimny Yepes, em sua coluna no jornal "El Espectador", destacou o fato de que, dada a gravidade do conflito naquele país, a justiça que se busca, ainda que imperfeita, atende a padrões que se resumem a: reconhecer as vítimas e repará-las, esclarecer a verdade, fornecer garantias de não-repetição e que os responsáveis prestem contas. É sempre preciso lembrar que, conforme indicou o relatório Basta Ya!, publicado há dois anos, entre 1958 e 2012, cerca de 220.000 pessoas perderam suas vidas no conflito. Outra grande dificuldade diz respeito à mitigação das penas. A título de exemplo, no direito penal brasileiro, quem furta um automóvel em São Paulo e o leva para outro Estado pode ser condenado à pena máxima de 8 anos. Como a mesma punição pode servir para condenar quem torturou ou cometeu qualquer outra grave violação de direitos humanos? A resposta só pode ser encontrada se pusermos de lado a visão retributivista do direito penal, segundo a qual a prisão deve ser sempre proporcional ao mal cometido pelo infrator. Felizmente o direito internacional conta hoje com instâncias, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos e o Tribunal Penal Internacional, que pressionam as partes nos acordos de paz a abandonar soluções que desconsiderem os direitos das vítimas, como é o caso das anistias totais. Porém, essas mesmas instâncias precisam restringir seu papel a fim de viabilizar as duras negociações políticas para a paz e garantir que um referendo do acordo, já prometido pelo presidente Juan Manuel Santos, possa ocorrer. Reflexo da busca por esse difícil equilíbrio, o Centro Internacional por Justiça de Transição (ICTJ, em inglês) divulgou uma nota sobre o acordo de paz em sua página na internet em que afirma que a legitimidade da jurisdição proposta "não depende exclusivamente das sanções penais que se imponham, mas sim que o processo judicial em si mesmo seja transparente, público e oportuno para a satisfação das expectativas das vítimas e da sociedade". Talvez estejamos diante de um caso paradigmático, como foi o da África do Sul, que nos force a analisar de forma crítica o modo como o discurso dos direitos humanos vem se entrelaçando com o direito penal internacional nas últimas décadas. Tendo desempenhado um papel irrelevante na negociação colombiana e com muitas lições a aprender, é importante que o Brasil entre nesse debate. RAPHAEL NEVES, 35, doutor em política pela New School for Social Research (EUA), é pesquisador do Núcleo Direito e Democracia do Cebrap * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-10-16
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1694445-o-acordo-de-paz-na-colombia.shtml
Lei Sergio Moro
O Congresso Nacional voltou a debater projetos de lei que buscam introduzir de forma expressa a possibilidade de uma condenação não transitada em julgado ser utilizada para fundamentar a prisão do réu. Ninguém discute que no Brasil um indivíduo somente poderá iniciar o cumprimento da pena depois que a sua condenação for irrecorrível. Igualmente, não se questiona o fato de ser possível a prisão preventiva no curso de um processo no qual sequer haja condenação. O que se debate é a possibilidade de uma condenação recorrível servir como um fundamento a mais para a prisão do réu. É comum vermos réus que permanecem detidos cautelarmente durante o processo e que são soltos no momento em que são condenados. Ora, mas se alguém pode ser preso preventivamente mesmo sem sentença condenatória, com a sua prolação não é natural que a permissão legal para a prisão do acusado seja menos restritiva? São duas as principais justificativas para a libertação (ou não prisão) do réu após ser condenado. A primeira tem assento na norma constitucional que assegura a presunção de inocência. A segunda tem a ver com o tempo que os recursos levam a ser analisados. Dentro deste raciocínio, se alguém é presumidamente inocente, como pode permanecer preso até que os tribunais julguem seus recursos, sendo que isto por vezes demora? A ideia, apesar de sedutora, é equivocada. Com relação à presunção de inocência, alguém só pode ser considerado "absolutamente" culpado quando houver contra si uma condenação irrecorrível. Assim, havendo uma condenação recorrível o indivíduo é considerado "relativamente" culpado. Nesse sentido, uma pessoa só é presumidamente inocente até ser condenada em primeiro grau, quando se inverte a presunção, cabendo ao réu comprovar, em sede de recurso, que não é culpado, mas sim inocente. Negar eficácia a uma condenação só por que contra ela cabe recurso resultaria, ao menos, em duas consequências. A primeira seria a de considerar a decisão "letra morta". A segunda seria fazer com que uma pessoa já condenada fosse aos olhos do Estado considerada presumidamente inocente ao invés de supostamente culpada. O segundo fundamento para a soltura (ou não prisão) de réus condenados consubstancia-se no fato de que os recursos costumam demorar a ser julgados. Mas a possível demora no julgamento de recursos não autoriza, de imediato, a libertação de alguém. Somente caso se verifique concretamente atraso exacerbado em julgamentos de recursos, poderá o réu ser solto por este motivo. O que não pode é o Estado, de antemão, soltá-lo só porque ele interpôs recurso, assumindo previamente que haverá excesso de prazo mesmo sem saber se naquela situação ocorreria, de fato, atraso. Aliás, se o recurso em liberdade continuar como regra quase intangível, o réu, sabendo que meras interposições de recursos vão automaticamente resultar em sua liberdade, não pensará duas vezes antes de abarrotar os tribunais com infindáveis reclamos. Desse modo, não há dúvida de que uma sentença condenatória deve ser fundamento apto a reforçar a necessidade de prisão preventiva. Em português claro, uma condenação, mesmo recorrível, deve ser antes um fundamento para a prisão do que para a soltura de alguém. Contudo, como a decisão proferida por um juiz tem, por assim dizer, mais chance de conter algum equívoco, uma sentença condenatória deve ser considerada como fundamento para a prisão apenas depois de confirmada em segundo grau (por um colegiado de magistrados). Enfim, ainda faltam muitos consensos em torno de eventual lei sobre esta matéria. No entanto, o importante é que este tema voltou à cena, sendo o momento de empenharmo-nos para a aprovação de uma lei que traga este avanço ao país. Se isto ocorrer, nada mais justo do que ser o novo diploma conhecido com o nome daquele que está dando "rosto" à presente iniciativa. Assim, como nós temos no Brasil a Lei Maria da Penha, a nova lei, se aprovada, também deveria ser homenageada com o nome de seu maior expoente. Oxalá, pois, um dia tenhamos a Lei Sergio Moro. DIEGO DUTRA GOULART, 33, é promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-10
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1692492-lei-sergio-moro.shtml
Em defesa das importações de bens de capital
Poucas visões na esfera econômica são menos distorcidas do que a que mostra o importador de bens de capital como um vilão. Trata-se de uma herança da abertura do mercado brasileiro, quando a indústria nacional, ao sentir a ameaça pela concorrência estrangeira, fez o que pôde para criar esse estigma, que persiste até hoje. É preciso, no entanto, que se deixe claro: a indústria brasileira é absolutamente incapaz de suprir a demanda e o nível de qualidade e tecnologia em mais de 30 categorias, entre as de insumos como aço, ferro maleável e cobre, e as de máquinas como tornos, centros de usinagem, prensas e injetoras, o que torna a importação essencial. A questão dos tornos, por exemplo, é emblemática: em todo chão de fábrica existe um, de tão fundamental que é sua função em qualquer indústria. A demanda média anual por essa categoria de máquina está entre 2.500 e 3.000 unidades. Mesmo assim, as quatro empresas que fabricam tornos instaladas no Brasil seriam capazes de fornecer apenas 1.500 unidades por ano, em plena capacidade produtiva. Enquanto este tipo de equipamento tem que pagar imposto de importação de 14%, máquinas como centros de usinagem -de ampla utilização em qualquer indústria metal-mecânica- pagam uma alíquota acima de 20%. Tal medida tem a clara intenção de proteger os três fabricantes deste tipo de máquina no Brasil, cuja capacidade de produção não chega a 1.200 máquinas por ano. Enquanto isso, a demanda usual é de 2.000 a 2.500 unidades anuais. Essa medida incoerente teve como único efeito aumentar a importação de peças e componentes manufaturados por outros países mais equipados e competitivos. Isso tira o trabalho de milhares de empresas nacionais que certamente poderiam atender encomendas características do setor automotivo, de petróleo e gás, de geração de energia etc. O deficit é justamente o que faz das importações de bens de produção um requisito fundamental para a competitividade da indústria brasileira. É possível, historicamente, observar que o protecionismo exagerado de qualquer área leva à estagnação. Os meios necessários para produção dos bens não são renovados, a tecnologia existente é rapidamente superada, as máquinas quebram e ficam sucateadas, a mão de obra também se desqualifica e para no tempo. Portanto, proteger um segmento não autossuficiente é andar na contramão da realidade econômica mundial globalizada e altamente competitiva. Diante de uma das maiores crises nacionais das últimas décadas, virar as costas para os bens de capital importados é um erro gravíssimo. Um crescimento sustentável requer que o governo brasileiro passe a incentivar mais a produção e menos o consumo. É preciso que os bens manufaturados sejam produzidos dentro do país, gerando emprego e renda, mas o nível tecnológico e de produtividade da indústria nacional não a capacita para suprir essa demanda. Importar máquinas e equipamentos industriais só tem a contribuir com esse esforço, mas há outras medidas que precisam ser tomadas. A mera desvalorização do câmbio é insuficiente para garantir que o país retome o rumo do crescimento sustentável através das exportações. Alguns passos precisam ser dados com rapidez. É urgente, por exemplo, uma desoneração fiscal, principalmente quando se trata de investimentos em produção. Hoje, as importações de bens de capital não representam nem 20% do total de importações do país. É muito pouco. Essa desoneração traria benefícios tanto para os fabricantes nacionais quanto para os importadores de bens de capital, e a renúncia fiscal seria compensada pela arrecadação com a venda dos manufaturados no Brasil. Se queremos de fato ser um país moderno e internacionalmente competitivo, é preciso acima de tudo mudar essa cultura de incentivos exclusivos ao consumo. Isso leva tempo e requer vontade política. No entanto, enquanto medidas nesse sentido não são tomadas, o Brasil continua a ser exportador de commodities e a participação de produtos manufaturados despenca ano a ano. ENNIO CRISPINO, 52, é presidente da Abimei - Associação Brasileira dos Importadores de Máquinas e Equipamentos Industriais * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-06-10
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1690413-em-defesa-das-importacoes-de-bens-de-capital.shtml
Profut: gol de placa ou gol contra?
Há pouco mais de um mês, a Medida Provisória 671 foi convertida na lei nº 13.155. O diploma estabelece princípios e práticas de responsabilidade financeira para entidades desportivas profissionais de futebol; em outras palavras, tenta instalar uma governança corporativa nos clubes brasileiros. Contudo, será que a lei da "governança futebolística" atingirá seu objetivo? E mais: será que ela é constitucional? Como é de conhecimento geral, os clubes brasileiros passam por sérias dificuldades financeiras e, em razão disso, buscaram o governo federal para tentar um acordo de parcelamento de suas dívidas tributárias. Posteriormente, o Bom Senso FC tomou conhecimento do pleito dos clubes e exigiu que houvesse contrapartidas. Essa tentativa frutificou e gerou a MP 671. Apesar de a intenção original dos clubes e do Bom Senso ser positiva para futebol brasileiro, a conversão da MP em lei ocorreu de maneira espúria. Após diversos debates, ao final do processo de conversão da lei, no apagar das luzes, foi inserida uma série de alterações, comprometendo a sistemática da MP, excluindo itens importantíssimos e acrescentando outros absolutamente inconstitucionais e inexequíveis. A aprovação do novo texto a toque de caixa e sem reflexões, deu origem a uma lei questionável. A lei 13.155/15 não respeitou princípios constitucionais e infraconstitucionais, como a autonomia das entidades desportivas, a livre associação e a livre iniciativa, retirando dela sua legalidade e eficácia. Alguns dos requisitos estabelecidos pelo Profut são: regularidade de pagamentos fiscais e trabalhistas; proibição de antecipação de receitas de períodos posteriores ao ano corrente; proibição de deficit pelos clubes, dentre outros. A primeira conclusão é simples: a maioria esmagadora dos clubes brasileiros não possui a menor condição de cumprir tais requisitos. A lei acabará por "enterrar" os pequenos e médios clubes. Ademais, a regularidade fiscal que passou a ser critério técnico para que um clube evite o rebaixamento -independentemente da colocação que obteve no campeonato anterior- fere frontalmente a Constituição. Nesse sentido, já é pacificado pela jurisprudência que não pode haver sanção política para a cobrança de tributo. Ademais, sancionar desportivamente um clube para obrigá-lo a estar em dia com a União é também impraticável, já que os clubes sofrem fiscalizações diárias. Imagine-se que um clube seja autuado cinco dias antes do início da habilitação para um campeonato, retirando-lhe a possibilidade de obtenção imediata da CND (Certidão Negativa de Débito). Tal clube será imediatamente rebaixado? Outro ponto que deve ser destacado é que há afronta ao princípio da autonomia das entidades desportivas, obrigando-as a reformar seus estatutos e regulamentos para se adequarem à lei. Apesar de a intenção de implementar uma governança corporativa nos times brasileiros ser extremamente necessária, o Profut possui sérios problemas. O programa acabará com clubes de pequeno e médio porte, bem como fará com que os times grandes diminuam de tamanho e estrutura. Por fim, as inconstitucionalidades são patentes e devem ser discutidas no Poder Judiciário. A pressa e a sanha arrecadatória, nesse caso, podem ter minado o intuito modernizador da MP 671. A implementação da lei através do decreto regulamentador que está por vir mostrará se o Profut marcou um gol de placa ou se aumentou o placar para 8 a 1. ANDRÉ SICA, AMÉRICO ESPALLARGAS e GABRIEL CUNHA são, respectivamente, sócio e advogados da área desportiva e tributária do CSMV Advogados * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-03-10
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1689440-profut-gol-de-placa-ou-gol-contra.shtml
Juizados especiais, 20 anos
A instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no Brasil completou 20 anos no último dia 26 de setembro. A longevidade dessa jovem Justiça, menos burocrática e mais próxima dos cidadãos, deve ser celebrada. Mas o momento também enseja uma breve reflexão sobre as origens, o presente e o futuro desse importante instrumento de pacificação social. Em alguns países desenvolvidos, é indispensável a transição da tradicional Justiça formalista para uma mais simples, com o espectro mais amplo de abrangência social. Se comemoramos 20 anos dos juizados especiais, sistema semelhante existe no Canadá desde 1837, onde hoje é ampla a disponibilização de formulários on-line para facilitar o acesso pela população, que os aprova com altos índices. No Brasil, até o começo da década de 1980, não havia um sistema de Justiça acessível aos cidadãos mais necessitados. Foi quando uma experiência pioneira no Rio Grande do Sul deu o impulso para a criação do sistema que foi precursor dos juizados especiais. Depois de constatar que pessoas deixavam de reivindicar seus direitos em face do alto custo e da morosidade da Justiça, um grupo de magistrados gaúchos começou um trabalho de atendimento diferenciado à comunidade, à noite, na sede do Fórum de Rio Grande. A ideia cresceu e a associação dos juízes, com o aval do Tribunal de Justiça, instalou na comarca de Rio Grande o primeiro Conselho de Conciliação e Arbitramento, em 1982. A experiência foi tão bem-sucedida que resultou na lei federal de 1984 que criou os antigos Juizados de "Pequenas Causas" –o nome pode soar pejorativo, pois o que pode ser considerado uma causa pequena em termos pecuniários pode ser de inestimável valor pessoal para o consumidor dos juizados. Contudo, só em 26 de setembro de 1995 entraria em vigor a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Foi um verdadeiro divisor de águas na história do Judiciário brasileiro, já que cumpria um dos preceitos da Constituição de 1988: a democratização do acesso à Justiça. Os juizados especiais começaram como coadjuvantes, mas hoje respondem por grande fatia dos processos em tramitação no Judiciário. Segundo a última edição do relatório "Justiça em Números", do Conselho Nacional de Justiça, eles respondem por 27% dos processos novos que chegaram ao Judiciário estadual em 2014 e a quase 60% dos que chegaram à Justiça Federal. Consciente do potencial benéfico à sociedade, e com olhos no futuro dos juizados, a Corregedoria Nacional de Justiça iniciou neste ano o programa "Redescobrindo os Juizados Especiais". O objetivo é incentivar os juízes a uma releitura contemporânea da lei nº 9.099/95, a fim de concretizar pontos não totalmente executados, como é o caso do juiz leigo, além de estimular a retomada de princípios fundamentais da Justiça Especial, como a oralidade, a simplicidade, a informalidade, a economia processual e a celeridade. Isso significa retomar seus ideais originários para evitar os embaraços processuais vivenciados na Justiça comum. A experiência angariada em 20 anos pelos juízes que atuam nos juizados, o resgate de suas ideias originais, a melhor noção sobre dificuldades e soluções possíveis de acordo com a realidade de cada local, além da facilidade gerada pela tecnologia, só enriquecem essa espécie de retorno às origens. Esse retorno às origens ocorre sem ser um retrocesso, mas sim uma forma de melhor trilhar o futuro dos juizados e atingirmos o desiderato constitucional de razoável duração do processo na Justiça Especial. FÁTIMA NANCY ANDRIGHI, 62, é ministra do STJ - Superior Tribunal de Justiça e corregedora nacional de Justiça * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-01-10
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1688589-juizados-especiais-20-anos.shtml
Saúde é direito fundamental, mesmo com crise
Saídas para a crise política e fiscal não podem promover crises sociais. A proposta de desobrigação parcial e temporária com gastos compulsórios em saúde e educação é inconstitucional, imoral e deveria ser rechaçada por toda a sociedade. Em tempos difíceis, o Estado tem o dever de proteger direitos fundamentais de seu povo e maximizar a justiça social permitida no capitalismo. Nem na década "perdida" de 1980, com inflação e recessão, foi cogitada uma solução como esta. Ao contrário, foi a partir da 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, que o Brasil deu o grande passo de criar o Sistema Único de Saúde (SUS), com atendimento integral e universal –princípios que estão sob ataque no Congresso Nacional. Além de autorizar a ampliação da entrada do capital estrangeiro na assistência à saúde, o Congresso tirou do baú a PEC 451/2004, de Eduardo Cunha, que propõe desobrigar o Estado de prover saúde como direito universal do povo brasileiro, e autoriza seu arrendamento para empresas e operadoras de planos privados. Houve também a grave tentativa de passar a cobrar pelo atendimento do SUS por faixa de renda, que constava da Agenda Brasil, de Renan Calheiros. Esses políticos esquecem que, num país onde a concentração de riquezas é secular e os direitos sociais são conquistas recentes, uma crise social aumentaria a desigualdade, a discriminação e os preconceitos, gerando conflitos e violência social. O SUS vem sendo implantado no país sob forte militância de entidades e movimentos sociais e populares, que pressionam todas as esferas de governo para tornar realidade seus princípios constitucionais. Neste ano, está sendo realizada a 15ª Conferência Nacional de Saúde, na qual um dos principais temas debatidos é como superar o subfinanciamento do SUS. O Brasil investe 3,9% do PIB em saúde, enquanto a Organização Mundial de Saúde preconiza um percentual acima de 7%. A saúde de cada brasileiro custa, em média, cerca de R$ 3 ao dia. Iludem-se aqueles que entendem que o SUS é somente para atender as classes populares. No Brasil, a saúde pública cuida não apenas da recuperação da saúde, mas também de sua promoção e prevenção. Dentre os inúmeros serviços ofertados pelo SUS estão a fiscalização de cargas perigosas em portos, aeroportos e estabelecimentos comerciais e industriais, o registro e a avaliação de medicamentos e cosméticos, e ainda o monitoramento da qualidade da água e dos alimentos. Mas de onde viriam mais recursos para saúde? Além de cortar mordomias dos congressistas, o Conselho Nacional de Saúde defende acabar com os planos privados de saúde para servidores públicos e autoridades, acabar com o subsídio e a isenção fiscal aos planos privados de saúde. Do ponto de vista tributário, há cinco propostas: ampliar permanentemente a alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); criar uma contribuição sobre as grandes transações financeiras e a tributação das remessas de lucros das multinacionais; taxar grandes fortunas; revisar o DPVAT (seguro sobre acidentes de trânsito) para ampliar a destinação de recursos ao SUS; e elevar a taxação sobre os produtos derivados de tabaco, as bebidas alcoólicas e as motocicletas. Saúde não é programa governamental, é direito fundamental. Em tempos de crise, é preciso mobilizar a sociedade para salvar o SUS e mantê-lo como medida de proteção social. LENIR SANTOS, 61, doutora em direito sanitário, é coordenadora do Idisa (Instituto de Direito Sanitário Aplicado) MARIA DO SOCORRO DE SOUZA, 50, filósofa e mestre em política social, é presidente do Conselho Nacional de Saúde * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-01-10
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Opinião
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Estados, municípios e o 13º salário
A crise fiscal é uma realidade. Jornais e analistas discorrem diariamente sobre o caos fiscal nas contas públicas brasileiras. Contudo, tal análise costuma ter seu foco na União. Poucos têm comentado sobre a situação fiscal de Estados e municípios. O Rio Grande do Sul está com dificuldades de pagar seus funcionários, Minas Gerais já avisou que não pagará determinados bônus de desempenho, e o Distrito Federal já anunciou cortes de despesas e aumentos de impostos importantes. E os demais? Como será que andam as finanças dos pequenos municípios, ou o caixa de alguns Estados? Existe um grande número de profissionais qualificados monitorando as contas da União. Boa parte dos desvios e incoerências são logo percebidos e denunciados. Contudo, isso não é verdade para outros entes federados. Ora, se a União com toda essa vigilância executou as famosas pedaladas fiscais, imagine o que Estados e municípios, muito menos vigiados, não fizeram. Em 2014, vários governadores e prefeitos tentaram a reeleição. Para tanto, muitos deles aumentaram consideravelmente os gastos públicos e aplicaram aos seus balanços a mesma ética contábil adotada pela União. Existe uma verdadeira caixa preta na contabilidade de Estados e municípios, muitos deles claramente insolventes a longo prazo. Desnecessário dizer que boa parte das cidades pequenas sobrevive apenas das transferências da União. Quedas nessas transferências são motivo de preocupação para eles. Com a arrecadação federal em queda, nuvens negras se formam no horizonte. Dados do Tesouro Nacional indicam uma piora nos indicadores fiscais de vários Estados. Por exemplo, na relação entre despesa corrente líquida (DCL) e receita corrente líquida (RCL), um indicador de vulnerabilidade fiscal. No Amapá, o índice saiu de 0,17 em abril de 2014 para 0,30 em abril de 2015 (uma piora de 73% em doze meses). Outros Estados seguiram o mesmo caminho. No Ceará, esse indicador piorou em 69% no mesmo período. São Paulo teve piora de 7,5%, Minas Gerais, de 7%, e Rio de Janeiro, de 14%, mostrando uma deterioração na situação fiscal medida por esse indicador. Claro que, para Estados pequenos e com poucas alternativas de financiamento, esse problema é mais sério. Para o município de São Paulo, com data base de abril de 2015, a despesa corrente líquida já é 81% superior à receita corrente líquida. Outros municípios paulistas também estão em situação delicada, como é o caso de Mauá com um DCL 15% maior que sua respectiva RCL, o que mostra bem o tamanho das dificuldades futuras. Outro detalhe pouco comentado refere-se à bomba-relógio dos fundos de pensão municipais e estaduais. Qual deles é realmente solvente? Qual deles necessitará de vultosas transferências públicas para manter seus pagamentos em dia? A hora da verdade se aproxima: em dezembro, vários Estados e municípios terão dificuldades para pagar o 13º salário a seus funcionários. O caos fiscal brasileiro é bem mais profundo e vai bem além da União: Estados, municípios, e várias empresas estatais também têm muitos ajustes a serem feitos. ADOLFO SACHSIDA, 43, doutor em economia, é autor do livro "Fatores Determinantes da Riqueza de uma Nação" (ed. Interciência) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-09-30
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/09/1687990-estados-municipios-e-o-13-salario.shtml
O Brasil em Paris
Os compromissos do Brasil com o combate ao aquecimento global anunciados pela presidente Dilma Rousseff (PT) em Nova York tiveram boa repercussão. Não poderia ser de outra maneira, uma vez que se manteve uma atitude mais avançada que a de outras nações, ricas e emergentes, nessa matéria. A presidente prometeu que as emissões nacionais de gases do efeito estufa serão reduzidas em 37%, até 2025, e 43%, até 2030, em relação ao patamar de 2005. Essas substâncias, a maioria compostos com a presença de carbono (como o gás carbônico), aprisionam radiação solar na atmosfera e, com isso, contribuem para aquecê-la. Em quase um quarto de século de negociações sobre a mudança climática, convencionou-se que seria arriscado demais deixar que a temperatura média do planeta superasse em mais de 2ºC os níveis pré-industriais (0,85ºC já se deu). Na trajetória atual, calcula-se, esse aquecimento pode ultrapassar 4ºC antes de 2100. Em que pese a urgência do desafio, é enorme a dificuldade de concertar as iniciativas de quase duas centenas de países na direção de tal objetivo. Reuniões como a que terá lugar em Paris em dezembro, em geral, patinam sobre o terreno escorregadio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Em linguagem simples, os países industrializados –os maiores poluidores em termos históricos– precisam fazer mais esforços e mais cedo que as nações em desenvolvimento, além de ajudá-las com financiamento e tecnologia. Como de hábito, foi em torno desses pontos que a Conferência de Copenhague fracassou em 2009. A cada ano que passa, a janela para conter o efeito estufa se torna mais estreita. Os cientistas estimam que as emissões de carbono precisam cair fortemente até 2050 e chegar a zero logo depois. Gigantes populosos como China e Índia, contudo, aceitam quando muito desacelerar a curva de crescimento de sua poluição climática. Cortes profundos, até aqui, só foram prometidos pela União Europeia. Recentemente, os EUA mudaram de atitude e assumiram metas de redução, ainda que limitadas. Diante desse cenário, a posição assumida no domingo (27) pelo Brasil faz diferença: pela primeira vez uma grande nação emergente adota a meta de fazer reduções absolutas, com percentuais altos. Pode-se questionar se a referência no ano de 2005 –quando as taxas de desmatamento e de emissões eram elevadas– não torna o alvo um pouco fácil demais de acertar. É indiscutível, entretanto, que um padrão se rompeu. Não está claro se os avanços obtidos até aqui serão suficientes para destravar um acordo em Paris. Só se pode afirmar com certeza que não bastam para assegurar o limite de 2ºC e que muito trabalho haverá pela frente até 2050. editoriais@uol.com.br
2015-09-29
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/09/1687765-o-brasil-em-paris.shtml
São Luiz do Tapajós e a farsa do Estudo de Impacto Ambiental
A bacia do Tapajós é a mais recente "fronteira hidrelétrica" do Brasil. Além da usina de São Luiz do Tapajós, 42 outras grandes barragens estão planejadas nesse rio e seus afluentes. O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) tem uma clara tendência a minimizar ou ignorar impactos. Um relatório compilado pelo Greenpeace reúne análises de estudiosos dos assuntos tratados neste estudo. É uma documentação contundente das suas falhas. A publicação foi lançada primeiramente em uma aldeia Munduruku na sexta-feira (25) e na Universidade de Brasília nesta terça (29). A perda dos recursos pesqueiros, fundamentais para o povo Munduruku e para os ribeirinhos tradicionais, é provável, mas o EIA afirma que há "baixa expectativa de que altere significativamente as condições naturais dos ambientes aquáticos". A destruição de locais sagrados dos Mundurukus é simplesmente ignorada. A prioridade dada para a represa resultou no bloqueio da criação da terra indígena Sawré Muybu para os Munduruku, que vivem em parte da área a ser inundada, bem como no da criação de outras terras indígenas em toda a Amazônia. Os Munduruku não foram consultados, como exigido por lei (Decreto 5.051/2004). Com exceção de uma única comunidade reconhecida legalmente (Montanha-Mangabal), os ribeirinhos não são considerados pelo EIA como "povos tradicionais". Mesmo a comunidade reconhecida não é consultada. A atração pelas hidrelétricas vem dos seus supostos custos mais baixos. No entanto, um padrão praticamente universal de custos muito maiores do que os orçamentos originais e de atrasos das obras fazem com que essa economia seja ilusória, como foi mostrado recentemente na revista acadêmica "Energy Policy" em uma extensa revisão mundial. Belo Monte, por exemplo, já custa mais que o dobro da estimativa na época da decisão inicial. Além disso, somente os custos monetários são considerados. Barragens seriam ainda menos atraentes se os impactos sociais e ambientais tivessem peso adequado nas decisões. O Brasil tem muitas opções energéticas melhores. Violações das proteções legais são permitidas a permanecer como fatos consumados e inalterados por meio de decisões judiciais, que invocam disposições decretadas durante a ditadura militar, mas ainda presentes na legislação do país (por exemplo, a Lei 12.016/2009). As "suspensões de segurança" dispostas na lei permitem derrubar qualquer decisão que implica em dano à "economia pública". Elas já foram usadas 12 vezes para derrubar liminares contra as barragens do Tapajós, ou seja, ainda mais que os oito usos no caso de Belo Monte. Ao invés de servir como base para a tomada de decisão racional, os EIAs são elaborados para favorecer a aprovação do projeto pelo Ibama, não importando quão graves sejam os impactos. Isto precisa ser mudado, começando por garantir que os proponentes e o processo de EIA sejam separados. Por exemplo, colocando o dinheiro para preparar o EIA em um fundo independente e realizando a seleção e pagamento de empresas de consultoria (e outros) sem a participação dos proponentes. Hoje, um EIA não tem influência sobre a decisão global de proceder com um projeto, já que a decisão é tomada antes que as informações sobre impactos sejam coletadas. Este sistema precisa ser alterado para que a coleta de informação e o debate público ocorram antes da decisão. São Luiz do Tapajós serve como um aviso da fraqueza das proteções contra impactos das dezenas de outras grandes barragens planejadas na Amazônia brasileira. PHILIP MARTIN FEARNSIDE é pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 2007 junto a outros cientistas do Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-09-29
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/09/1687522-sao-luiz-do-tapajos-e-a-farsa-do-estudo-de-impacto-ambiental.shtml
Culpar são Pedro é covardia
É da natureza humana a tentativa de transferir ao próximo a responsabilidade por seus erros. Reconhecer a própria deficiência é um ato nobre e o primeiro passo para a correção de rumos. É muito cômodo, diante de uma situação de grave falta de água, atribuir a culpa ao pobre santo, que certamente não descerá do céu para se defender. Apesar de são Pedro possuir milhares de devotos, infelizmente, não deixou procuração para nenhum deles realizar a sua defesa, pois não previu há 2.000 anos que seria acusado pelo homem de ser o responsável pela ausência de água. Sem sombra de dúvidas, os órgãos do Estado falharam; ignoraram a regra da Constituição da República que prevê o planejamento como determinante para o setor público. Diversos estudos técnicos demonstraram, com base na história e nos ciclos naturais do nosso planeta, que passaríamos por um longo período de escassez de chuvas. Esse fato, somado ao crescimento natural da demanda decorrente do aumento populacional, exigiria a construção de equipamentos públicos com maior capacidade de armazenamento e de interligação dos recursos hídricos. Em regra, a ausência de planejamento gera a necessidade de realização de obras emergenciais, normalmente mais caras e menos eficientes, em prejuízo do interesse público. As formigas nos fornecem a importante lição de que é preciso promover ações em períodos de abundância para enfrentar o momento de escassez. Infelizmente, repito, falhamos. Agora, é preciso deixar o orgulho de lado e buscar alternativas para enfrentar o período de crise, e não somente aguardar a "boa vontade" de São Pedro. Foi com esse intuito que o Ministério Público do Estado de São Paulo, em parceria com o Ministério Público de Contas, o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho e a Defensoria Pública, promoveu nos dias 20 e 21 de agosto uma audiência pública, relevante instrumento de democracia direta, com o objetivo de compreender a situação do presente, apurar as responsabilidades pelos erros do passado e tentar construir uma saída viável para o futuro. Durante os debates, quando foram ouvidas mais de 80 pessoas, entre especialistas, técnicos, professores e representantes da sociedade, dois fatos emergiram como consenso, pois foram sentidos por todos: a falta de água nas torneiras e a ausência de transparência dos órgãos do Estado. A água é o principal bem da vida. Sua falta é sentida imediatamente e a sociedade paulista tem feito a sua parte com o racionamento voluntário, visando à economia desse precioso produto de valor incalculável. Aliás, se possível for retirar algo de bom deste momento de crise, a reeducação no uso racional da água com certeza será a maior lição aprendida pela população. Por outro lado, a ausência de informações sobre a crise é algo assustador. Em tempos de Lei de Acesso à Informação, não é razoável que sejam negados à sociedade, de forma transparente, dados objetivos de por que chegamos a nível tão crítico e quais medidas estão sendo implementadas para evitar o colapso que se prenuncia. É lastimável que os principais representantes do Estado, com atribuição administrativa para solucionar o problema, não tenham comparecido à audiência pública, apesar de devidamente convidados, para ouvir os reclamos sociais. Todos nós, na condição de agentes públicos, devemos satisfação à população que nos remunera e temos, em razão do princípio republicano, o dever de prestar contas de nossos atos e omissões. O uso racional da água como requisito de um ambiente ecologicamente equilibrado, único direito intergeracional -compromisso com gerações futuras- previsto na Constituição, é uma responsabilidade compartilhada entre o poder público e a sociedade. Esta já deu mostras de que está pronta para atender ao chamado. Cabe agora ao Estado fazer a sua parte. THIAGO PINHEIRO LIMA, 32, é procurador do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-09-26
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/09/1686551-culpar-sao-pedro-e-covardia.shtml
Deve acabar a restrição a capital estrangeiro em empresas de transporte aéreo? Sim
MAIOR FOMENTO À INDÚSTRIA Em dezembro de 2012, o governo federal lançou o Programa de Aviação Regional e incluiu entre seus objetivos a ambiciosa meta de operacionalizar 270 novos aeroportos em todo o território nacional. A medida fomentou diversos questionamentos. Dois pontos levantados na época eram o de quem voaria nesses aeroportos e quem os operaria, já que um sítio aeroportuário sem movimento é impraticável economicamente. Após várias discussões, chegou-se à conclusão da necessidade de se atualizar o Código Brasileiro de Aeronáutica (lei nº 7.565/86), o que poderia flexibilizar algumas regras para a certificação de aeroportos de menor demanda e possibilitaria abertura da participação de capital estrangeiro nas empresas aéreas, atualmente limitada a 20%. Dessa forma, foi instalada a Comissão de Especialistas para a Reforma do Código Brasileiro de Aeronáutica do Senado (CERCBA), que decidiu, por maioria, pela abertura total do capital das empresas, fundamentando-se na legalidade da medida e em suas diversas vantagens para a sociedade. Uma companhia aérea com capital estrangeiro que venha a se instalar no Brasil ou a estabelecer parcerias no país será uma empresa brasileira de capital estrangeiro e precisará passar por todos os trâmites obrigatórios a qualquer empreendimento. Ou seja, vai precisar possuir CNPJ, integralizar capital, obedecer às exigências dos órgãos de controle da economia, possuir sócios brasileiros, obedecer à legislação trabalhista do país, contratar seguros, certificar-se pelo órgão regulador e fiscalizador do setor, a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) etc. Esse processo ocorreria da mesma maneira que já o fazem diversos empreendimentos de capital estrangeiro no país, que atuam na área de aviação, de automóveis, de distribuição de combustíveis, de educação e muitas outras. Na prática, o artigo 181 do atual Código Brasileiro de Aeronáutica, que limita a um quinto a participação do capital estrangeiro, já foi revogado pela emenda constitucional nº 6, de agosto de 1995. A preocupação de que a abertura do capital equivaleria a total "abertura comercial dos céus", o que permitiria que empresas estrangeiras operassem o transporte de passageiros diretamente em seu território sem constituir uma subsidiária no Brasil (caso de cabotagem ou nona liberdade do ar) é infundada e depende de outros mecanismos envolvendo acordos bilaterais. Sobre o temor de que haverá a formação de oligopólios ou de que, após uma concorrência ruinosa, todas as empresas brasileiras puro-sangue sairiam de cena, vale ressaltar que tal fato não depende do capital estrangeiro, sendo que os mecanismos brasileiros de fiscalização de mercado têm se mostrado eficientes em conter tais pretensões. A abertura do capital poderá ser o renascimento não apenas da aviação comercial regular mas também de outros setores que estão precisando de alento, como o de táxi-aéreo, que atende, a custo de poucas contrapartidas, mais de 3.000 localidades no Brasil. A entrada de novos atores e a demanda por mais empregos deverão fomentar a indústria do transporte aéreo, levando o governo a criar de fato uma política pública para amparar esse novo cenário. Os debates estão abertos e aqueles que estão interessados em contribuir, em opinar ou em conhecer os trabalhos da Comissão de Especialistas para a Reforma do Código Brasileiro de Aeronáutica poderão fazê-lo por meio do site da comissão: http://bit.ly/CERCBA. GEORGES FERREIRA, 40, advogado especialista em direito aeronáutico, é presidente da Comissão de Especialistas para a Reforma do Código Brasileiro de Aeronáutica do Senado * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-09-26
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/09/1686793-deve-acabar-a-restricao-a-capital-estrangeiro-em-empresas-de-transporte-aereo-no-brasil-sim.shtml
O que está por trás dos protestos no Equador
O artigo "Conheça o rei dos coxinhas", publicado por Clóvis Rossi na edição de 24/8, começa ironicamente perguntando aos leitores se eles conhecem Gene Sharp, cientista político norte-americano reconhecido como o teórico das estratégias conspiratórias para desestabilizar governos. Até poderia existir divergência em definir quem é o criador do denominado "golpe brando", mas seria insensato negar a existência deste processo em curso para derrubar governos eleitos democraticamente. É fato que há espaço para suposições que passam longe de teorias da conspiração: o golpe brando é uma estratégia real de desestabilização. No Equador, a intentona golpista de 2010, disfarçada de descontentamento por parte de policiais e militares em relação à lei de serviço público, é a mais evidente prova do "golpe brando". Viu-se que o suposto "ato espontâneo" de um grupo de servidores das forças de defesa do país "coincidiu" com a tomada do Aeroporto Internacional de Quito, da televisão pública ECTV, da Assembleia Nacional e o sequestro do presidente Rafael Correa. Tudo acompanhado por cartazes elaborados previamente e cobertura ao vivo dos meios de comunicação privados exatamente nos lugares de conflito horas antes dos ditos "atos espontâneos". Rossi também afirma que "a recente mobilização no Equador não foi obra dos 'coxinhas', mas, predominantemente, do movimento indígena". Só um total desconhecedor da realidade do Equador se atreve a sustentar tal argumento ou o usa com o objetivo de confundir o leitor -ou ambos. A última mobilização no Equador foi deslegitimada publicamente pela mesmas bases desses movimentos indígenas, que questionaram os líderes das manifestações, já que junto aos pseudodirigentes indígenas marcharam donos de bancos e políticos tradicionais de direita. No Equador, a história dos levantamentos indígenas, quando impulsionados desde suas bases, chegaram a mobilizar entre 100 e 200 mil pessoas. O protesto em agosto não mobilizou, no seu melhor momento, mais do que mil pessoas, e muitas não foram capazes de explicar o real motivo da marcha. Em 13 de agosto, data que concentrou mais gente da oposição, misturando de representante de bancos à sindicalistas alinhados à direita, não havia mais de seis mil pessoas. Com certeza a maioria dos que participaram das manifestações conhece Sharp. Para eles, não faz diferença a estratégia que se usa, seja de direita ou de extrema esquerda, desde que se alcance o objetivo de derrubar o governo. Seguindo o raciocínio que Clóvis Rossi tenta incutir aos leitores, como explicar que os dirigentes indígenas que promoveram a estatização dos bancos agora marchem junto aos banqueiros? Ou ao lado dos empresários que promovem acordos comerciais internacionais em detrimento dos interesses indígenas? Não faria qualquer sentido. Fato é que as bases desses movimentos não apoiam estas manifestações promovidas pelos que se autodenominam seus dirigentes, mas que na prática são instrumentos dos interesses da direita. Finalmente, o colunista se mostra um profundo desconhecedor do mecanismo constitucional do Equador que permite encerrar antecipadamente um mandato, conhecido como "revocatória de mandato". Este foi um instrumento criado durante a própria gestão de Rafael Correa, que inclusive sugeriu aos opositores para que o usassem, prova de seu compromisso com as instituições democráticas. Não temos medo de fantasmas. Não se trata de temer golpes tradicionais ou brandos. O que denunciamos são estratégias reais que estão em curso contra os governos progressistas da América Latina. Seria bom se Clóvis Rossi sugerisse à oposição equatoriana que recorressem às vias constitucionais para a "revocatória do mandato" caso de fato tivessem certeza do "descontentamento generalizado" da população contra o governo. A verdade é que não utilizam as vias constitucionais por não terem apoio da população. Só assim, nas urnas -uma vez mais-, demonstraremos quem são os mentirosos com problemas patológicos e ideológicos. Sabemos, de antemão, de que lado o povo equatoriano está. VIVIANA BONILLA é secretária nacional de Gestão Política do Equador * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-09-25
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/09/1686171-o-que-esta-por-tras-dos-protestos-no-equador.shtml