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Hora de unificar
Os inevitáveis ajustes na economia impõem uma indispensável redução da máquina pública. Não há justificativa plausível para manter 39 ministérios, sobretudo no momento em que atravessamos as turbulências decorrentes de uma inédita conjugação de crises econômica, política, ética e social. A sociedade brasileira não irá aceitar a solução fácil do aumento da carga tributária. Estamos todos indignados com os elevados impostos, as contribuições compulsórias que pagamos e a má alocação desses recursos. O governo precisa reduzir suas despesas, preservar os investimentos e incentivar a iniciativa privada. Nesse contexto, será muito oportuna a extinção do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) e do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). No caso do Ministério da Pesca e Aquicultura, a solução é simples. Basta transferir todas as suas atribuições para o Ministério da Agricultura, como era no passado. O Ministério do Desenvolvimento Agrário, por outro lado, deveria ser desmembrado, transferindo suas atividades de fomento para o Ministério da Agricultura e as atividades assistenciais para o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Além da economia de recursos, a extinção desses dois ministérios iria proporcionar maior eficiência na gestão das políticas públicas para o setor, evitando a superposição de atribuições e eventuais conflitos entre programas. O agro teria uma governança mais racional. Os programas de promoção da agricultura familiar e desenvolvimento da agricultura orgânica, por exemplo, seriam incorporados aos projetos de ampliação da classe média rural -uma das prioridades da ministra Kátia Abreu. Os denominados Planos Safra, lançados anualmente pelo governo, especificando as linhas de financiamento para o setor agrícola, seriam unificados. Para a safra 2015/2016, as taxas de juros e os limites são diferenciados conforme o porte do tomador do crédito e o tipo de operação. Em alguns casos, os encargos financeiros são livres. Os agricultores familiares têm condições favoráveis, com juros negativos, ou seja, inferiores à inflação. Em ambos os planos, há previsão de recursos para os médios agricultores, com taxas de 7,75% para custeio e 7,5% para investimento. Tratar os pequenos agricultores apenas com políticas assistencialistas, como defendem alguns baluartes dos denominados movimentos sociais, é um equivoco, porque inibe seu potencial de desenvolvimento, condenando-os a uma condição de permanente miserabilidade. Ao contrário, é preciso estimular o espírito empreendedor dos micro e pequenos produtores, incentivando-os à adoção de modernas tecnologias, e proporcionando condições para que possam conquistar maior produtividade, bem como sua inserção na economia de livre mercado. Uma saudável agricultura familiar é aquela que permite ao pequeno produtor desenvolver-se e tornar-se médio ou grande empreendedor. Temos inúmeros casos de sucesso dentre os atuais gigantes de nosso agronegócio. O Brasil precisa de uma robusta classe média rural que preserve as famílias de agricultores no campo. Para tanto, é preciso garantir a eles oportunidades de ascensão social, prosperidade e melhoria em sua qualidade de vida. ANTONIO ALVARENGA é presidente da Sociedade Nacional de Agricultura * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-09-24
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/09/1685692-hora-de-unificar.shtml
Seis tragédias aeronáuticas por dia
A publicação do relatório "Errar é humano: construindo um sistema de saúde mais seguro", pelo Instituto de Medicina Norte-Americano (IOM), alertou a comunidade científica e leiga para a dimensão dos riscos aos quais os pacientes internados em hospitais estão submetidos. Em outras palavras, o documento questionou o ambiente hospitalar como um local seguro para os pacientes. Após mais de 15 anos desta publicação, as melhorias começam a aparecer, em grande parte decorrente da adoção de conhecimentos advindos de outras áreas de atividade. Uma delas é a aviação, onde a cultura e prática da segurança estão incorporadas ao dia a dia de todos os participantes, incluindo pilotos, comissários de bordo e passageiros. É preciso ter ciência da imensa tarefa que a área da saúde ainda precisa desenvolver para alcançar, pelo menos em parte, os patamares da aviação. Em ambos os casos, estamos falando da defesa de vidas humanas diante de situações extremas em relação ao gerenciamento de riscos. As semelhanças, no entanto, terminam por aqui. Temos a noção quase intuitiva dos elevados níveis de segurança na aviação. As grandes catástrofes nessa área chamam a atenção pelo número de vidas envolvidas em um só evento. Mas índices recentes comprovam que há só um óbito para cada oito milhões de decolagens. Os ganhos de segurança, quando comparados à década de 1960, são imensos. Porém, quando falamos de acidentes por erro humano em hospitais, o número de vítimas nos Estados Unidos corresponde a um acidente com um jato do tipo jumbo por dia ("a jumbo-jet a day", na expressão em inglês). Mas a maneira quase silenciosa como este "acidente aeronáutico" ocorre faz com que o tema da segurança do paciente em hospitais não receba tanta atenção de autoridades e profissionais da área da saúde. No Brasil, a situação é ainda mais dramática. Enquanto nos EUA o índice de óbitos decorrentes de eventos adversos corresponde a 0,4% do total de cirurgias, por aqui temos uma taxa de 2,2% – ou 5,5 vezes a taxa das instituições norte-americanas. O que nos leva a deduzir que temos entre cinco e seis "tragédias aeronáuticas" diárias ocorrendo silenciosamente dentro dos hospitais do nosso país. Recebem destaque apenas os casos mais dramáticos, que vêm à tona quando chegam à mídia e, consequentemente, à sociedade. Ainda assim, da mesma forma como aparecem, somem das manchetes e da nossa percepção. Mas, apesar da complexidade e da gravidade da situação, iniciativas estão sendo implementadas individualmente por alguns hospitais: a disseminação da prática do "time-out" em cirurgia, com uma lista definida de itens a serem checados antes do início dos procedimentos; o treinamento em ambiente de simulação realista; sistemas de relatos de eventos adversos locais, desenvolvidos por entidades de classe; e a incorporação de código de barras em medicamentos injetáveis. O Brasil começa, também, a adotar uma agenda propositiva e positiva, com o objetivo de debater o problema na busca de solução efetiva. Cresce a percepção de que precisamos fugir da atitude simplista representada pela punição individual se quisermos avançar em uma discussão mais aprofundada e resolutiva sobre as causas dos incidentes –e sobre como combatê-las. Um exemplo é a Fundação para a Segurança do Paciente, uma instituição que surge da união de autoridades, entidades médicas, representantes da sociedade civil, das vítimas de eventos adversos e seus familiares. O grupo nasce com a missão de servir de fórum de participação a todos os interessados, para discutir e implementar ações que possam resultar em melhoria na segurança do paciente. Estamos ainda engatinhando neste tema, mas chegou a hora de darmos os primeiros passos: trazê-lo para discussão e implementar a cultura da segurança do paciente, para que as tragédias hoje vividas nos hospitais sejam em número cada vez menor. ENIS DONIZETTI SILVA é médico anestesista e presidente da Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo (Saesp) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-09-22
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/09/1684490-seis-tragedias-aeronauticas-por-dia.shtml
Uber versus táxis
A polêmica entre os táxis e o aplicativo Uber não é mais novidade. Porém, a forma pela qual essa questão tem sido enfrentada pelo Legislativo e Judiciário brasileiro incomoda muitos. Em meio ao cabo de guerra para decidir se o serviço Uber é de transporte privado ou público, a análise das reais implicações de aplicativos como esse fica em segundo plano. No momento em que o direito deveria se abrir para a discussão regulatória sobre novas plataformas tecnológicas "peer-to-peer" (diretamente de uma máquina à outra), percebemos o contrário. O projeto de lei 1.667/2015, que tramita na Câmara, por exemplo, veda a prestação do serviço de transporte individual de aplicativos de celulares, sites, outros meios de comunicação ou futuras inovações tecnológicas. O retrocesso desse texto resume um caráter ludista, que, na tentativa desesperadora de manutenção do status quo, lança mão de um conservadorismo irrefletido para extinguir novas tecnologias. Isso não significa que as plataformas devam permanecer desreguladas. Longe disso. A regulação parte da existência de falhas de mercado e visa à promoção do interesse público. A ausência de regulação sobre alguns setores pode gerar externalidades negativas, como ameaças à segurança da população, à mobilidade urbana e até risco de predação do próprio mercado, no caso dos táxis. Como então estimular a inovação, aprimorar a mobilidade urbana e proteger o consumidor? Deve-se analisar o tema à luz da função social dos contratos, entendendo que efeitos de um negócio jurídico podem tocar interesses e direitos de terceiros. Daí existirem limites à vontade das partes. Como em todo debate complexo, também aqui a resposta mais simples (a mera proibição) parece equivocada. Não há como negar as limitações humanas enfrentadas no processo de disciplina da vida social. O direito não pode ser estático. Nesse sentido, estudo da Associação Interlab demonstra que a regulação do serviço de transporte individual é dinâmica e enraizada em contextos históricos e políticos específicos. À medida que o aplicativo Uber escorre por centros urbanos ao redor do mundo, diferentes reações se sobressaem. Em Portland, o Uber foi proibido inicialmente, mas após negociações com o Conselho Municipal incluiu-se nova categoria na regulação local, a Transportation Network Services (TNS), que abarca o caso do Uber. O projeto pormenorizou requisitos para adequação dos serviços prestados e foi aprovado por período teste. Já em Milão, a autoridade de transporte italiana entendeu que "serviços tecnológicos para a mobilidade obrigam a reconsiderar a adequação dos institutos e das categorias jurídicas sobre as quais foi fundada a regulação da matéria". Experiências como essas são precedidas de debates entre as partes interessadas e o poder público. O processo é fundamental na busca por novos modelos regulatórios, ainda que experimentais. Engana-se quem nega a força de um mercado em que vendedores e compradores encontram-se com menores custos de transação. As plataformas de negociação direta (como Uber, 99Taxis e Airbnb) trazem comodidade aos consumidores e desafiam maneiras tradicionais de oferecer serviços como transporte ou aluguel de imóveis. Porém, o amadurecimento da economia de compartilhamento requer regulação sólida e clara para que haja segurança jurídica ao prestador de serviços, ao consumidor e à coletividade. Só assim amplia-se a concorrência sem criar condições desiguais e injustas aos agentes. Apesar das particularidades dos diversos setores afetados, é necessária uma regulação conjunta das tecnologias de intermediação. Não parece ser pedir demais, até porque a Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU) incentiva o "desenvolvimento científico-tecnológico". Neste caminho sinuoso, o bom senso e o olhar para o futuro devem vencer o ódio do discurso retrógrado e ludista, afinal a mesma PNMU tem o objetivo de "consolidar a gestão democrática como instrumento e garantia da construção contínua do aprimoramento da mobilidade urbana". FABIO RODARTE, 21, é estudante de direito da USP * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-09-19
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/09/1683689-uber-versus-taxis.shtml
Jogo de azar deve ser legalizado no Brasil? Não
DESTRUIDOR DE LARES A prática e a exploração dos jogos de azar em nosso país têm ocasionado graves danos à sociedade e acobertado atividades criminosas, proporcionando lucros estrondosos a organizações suspeitas. O jogo facilita a lavagem de dinheiro, a prostituição, a corrupção de menores, enfim, problemas sociais que buscamos combater. Legalizar os bingos é atentar contra a estrutura familiar, é um retrocesso brutal que vai causar grande impacto em toda a sociedade. O jogo no Brasil estava proibido desde 1946, por meio de decreto-lei do presidente Eurico Gaspar Dutra (1946-1951) e foi readmitido pela Lei Zico (lei nº 8.672/1993) e reafirmada cinco anos depois pela Lei Pelé (lei nº 9.615/98). Uma nova tentativa de proibir o jogo veio no governo do presidente Lula, por meio da Medida Provisória 168, de 2004, que determinava o fechamento imediato dos bingos. A MP foi aprovada na Câmara, mas foi surpreendentemente rejeitada pelo Senado, deixando o país sem legislação a respeito. Hoje, a prática do jogo é considerada contravenção penal, de competência dos juizados especiais, no qual as penas primam, sempre que possível, pela conciliação ou simples transação penal. Os que defendem a liberação dos bingos no Brasil justificam essa posição dizendo que esse mercado cria diversos postos de trabalho e aquece o setor de turismo. Na verdade, os jogos de azar não criam riquezas, portanto, não há um acréscimo no PIB (Produto Interno Bruto). As casas de jogo podem até prestar um serviço, mas vão absorver um dinheiro que já existe e que está na economia familiar. A OMS (Organização Mundial de Saúde) considera o jogo um vício, uma questão de saúde pública. Há trabalhos da USP mostrando a gravidade da ludopatia –vício compulsivo ou patológico em jogar–, que leva uma pessoa a não poder resistir ao impulso de jogar mais e mais, provocando como consequência graves problemas econômicos, psicológicos e familiares. Alguns defendem a criação de um cadastro nacional de ludopatas. É possível alguém achar que essa medida absurda resolveria o problema? É muito mais sério do que uma lista do Serasa ou qualquer outra. Essa questão é extremamente preocupante e devemos dar toda a atenção de que o caso necessita. Estudos realizados na USP revelam que há jogadores que descrevem sensações de alguma forma similares às experimentadas por usuários e dependentes de drogas, como sensações tranquilizadoras ou estimulantes, podendo ocorrer as duas em curto espaço de tempo. Pesquisas ressaltam ainda que, assim como o dependente de drogas faz uso exagerado de substâncias psicotrópicas, o tamanho das apostas de um jogador patológico é aproximadamente dez vezes superior às de outros. Frequentemente apresentam humor depressivo, irritabilidade, agitação motora, tremores, falta de concentração e uma variedade de sintomas físicos, sendo os mais comuns náuseas e dores de cabeça. Diante de tantos problemas apresentados até aqui, ficam as perguntas: a legalização dos jogos de azar no Brasil interessa a quem? Quem será beneficiado com isso: as famílias brasileiras ou apenas um grupo de contraventores? Legalizar o bingo no Brasil é ignorar todo o avanço conquistado até aqui. É por isso que devemos dizer não a qualquer tipo de atividade que coloque em risco o bem-estar da coletividade. ANTONIO CARLOS MENDES THAME, 69, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da USP, é deputado federal pelo PSDB-SP e presidente do capítulo brasileiro da Organização Global de Parlamentares contra a Corrupção - Gopac * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-09-19
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/09/1683691-jogo-de-azar-deve-ser-legalizado-no-brasil-nao.shtml
Coca-Cola, Google e Facebook
Novas tecnologias quase sempre assustam até que aprendemos a viver com elas, mesmo sem compreendê-las muito bem. Ninguém precisa entender de aerodinâmica para se sentir seguro dentro de um Boeing. Por interesse de todos os envolvidos no negócio da aviação, foram criadas regras efetivas e transparentes para manter o risco de voar em níveis muito baixos. Para usar o Google ou o Facebook, outro tipo de ferramenta complexa, também não é preciso entender de algoritmos e programação. Porém, há uma sensação de que existem muitas nuvens em volta dessas operações e começa a surgir a noção de que também há uma taxa risco no uso dessas ferramentas. Na Europa, Estados Unidos, Índia e aqui no Brasil a discussão está esquentando. Em um estudo emblemático conduzido nos laboratórios do Facebook em parceria com a Universidade de Cornell em 2012, os pesquisadores manipularam conteúdos apresentados no feed de notícias de 700 mil usuários com o propósito de manipular suas emoções. Segundo os autores, a experiência foi um trabalho acadêmico sem maiores consequências. Porém, o debate sobre o caso foi um marco na discussão sobre os limites desse tipo de intervenção e ainda deixou uma pergunta: quem está realmente no comando, as pessoas ou essas empresas? Dizem que o algoritmo do Google é a nova fórmula da Coca-Cola, uma comparação interessante. O refrigerante está em teste há 130 anos e já se especulou tanto sobre seus ingredientes que há muito tempo o segredo é só no marketing. Mas demorou para que o real problema, o açúcar, entrasse em pauta. Google tem menos de 20 e Facebook pouco mais de dez anos. Não se sabe muito sobre suas operações, onde recolhem impostos, o que fazem com os dados que os usuários lhes entregam de graça e coisas desse tipo. Algumas empresas avançam tão rápido e investem tanto em cérebros e tecnologia que a sociedade não consegue acompanhar. Natural. Mas o Google e Facebook também fazem mistério em áreas onde outras empresas já aprenderam a valorizar a transparência. Desde a década de 90, as empresas de comunicação no Brasil divulgavam o valor de investimentos em mídia recebidos. As informações eram reunidas pelo projeto Inter-Meios. São dados tão importantes que a Inglaterra obriga a divulgação. Aqui o projeto foi interrompido porque Facebook e Google, que são vistas pelo mercado como duas empresas de mídia, negaram-se a fornecer seus números. Embora não existam informações objetivas, calcula-se que devam estar entre as maiores vendedoras de publicidade no Brasil. Aliás, quanta ironia. Tanto investimento em pesquisa e tecnologia para fazer algo tão antigo como vender publicidade, os "reclames", como diziam nossos avós. Toda essa conversa nos conduz a um projeto de lei apresentado pelo deputado federal Cláudio Cajado (DEM-BA) que propõe a responsabilidade criminal para redes sociais, portais e provedores que hospedarem sites com ofensas e difamações contra políticos. E a um outro, de Silvio Costa (PSC-PE), que sugere a coleta de dados pessoais de pessoas que fizerem comentários em fóruns e atualizações em redes sociais. As medidas, segundo eles, permitiria punir eventuais excessos. Ninguém discute as boas intenções dos parlamentares, apesar do Congresso já ter empregado anos em discussões para a aprovação do Marco Civil da internet, que já é lei e prevê essas situações. Revela uma tentativa de proteger o cidadão daquilo que ainda é, sob vários aspectos, uma grande novidade. Mas essas preocupações mostram também como ainda estamos longe do momento em que vamos enfrentar as discussões no nível das complexidades e desafios apresentados por empresas como Google e Facebook. ALEXANDRE SECCO, 46, jornalista, é diretor da Medialogue Comunicação Digital e do Comitê de Marketing Político da Abradi - Associação Brasileira dos Agentes Digitais * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-09-16
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/09/1681958-coca-cola-google-e-facebook.shtml
Revisão de políticas e marco regulatório para petróleo e gás
O novo plano de negócios para o período de 2015 a 2019, anunciado em 29 de junho pela Petrobras, com dispêndios de US$ 130,3 bilhões, representando corte de US$ 76,5 bilhões ou 37%, foi um novo capítulo da crise no setor de petróleo e gás. Diversas áreas foram afetadas, inclusive a exploração e produção, impactando boa parte da cadeia fornecedora. Em consequência, deixarão de ser criados, no período, 349 mil empregos diretos e o PIB crescerá 0,45% menos a cada ano. Para a recuperação da cadeia é fundamental o aperfeiçoamento das políticas públicas e seu marco regulatório. Isso não elimina a necessidade de medidas de curto prazo, como a conclusão das apurações de corrupção, punição legal dos culpados, compliance e absorção do contundente impacto de custos na contabilidade da Petrobras. O processo de revitalização baseia-se em dois pilares interdependentes: atração de investimentos; e avanço da curva de produção de petróleo e gás, incluindo o desenvolvimento da cadeia de suprimentos do setor e a inovação. Com relação à atração de investimentos, sobretudo nas áreas de exploração e produção, vale lembrar que o Brasil disputa com várias nações a preferência das grandes empresas internacionais, que detêm tecnologia e capital. Em relação a outras regiões que competem com o país na área, os investimentos feitos aqui são inversamente proporcionais ao tamanho de nossas reservas. A abertura de oportunidades de negócios requer maior previsibilidade de leilões de novas áreas pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis). Eventuais flutuações de preços de óleo não deveriam ser motivo para sua interrupção. Outra melhoria necessária é que, sem prejuízo do rigor técnico, o licenciamento ambiental seja acelerado, pois sua lentidão tem ocasionado "descasamento" com os prazos estabelecidos nos contratos. Isso desestimula o ingresso de novas companhias e retarda investimentos das já instaladas no país. O segundo pilar (avanço da curva de produção de petróleo e gás) é importante para que a cadeia fornecedora obtenha economias de escala e planeje seus investimentos com otimização e racionalização de linhas de produção. Para tanto, é necessário que os leilões tenham frequência estável, possibilitando que a cadeia de fornecimento prepare-se de modo adequado para futuras demandas, deixando de enfrentar incertezas. O Congresso Nacional precisa refletir com urgência sobre a atual obrigatoriedade de a Petrobras ser a operadora única dos blocos do pré-sal e deter no mínimo 30% de participação nos consórcios em certas áreas (conforme a lei n° 12.351/2010). Essas regras deveriam ser opcionais, deixando que a empresa priorize investimentos nos projetos que lhe tragam melhores resultados. É necessário considerar que a estatal levará algum tempo para reconstituir sua capacidade de investimentos. Assim, se atrairmos outras operadoras poderemos acelerar o aporte de capital exigido e continuar desenvolvendo novas fronteiras de produção, concorrendo com desenvolvimento de novas tecnologias e processos e fortalecendo a cadeia de suprimentos. Também sabemos não ser verdadeiro que isso prejudicaria o fluxo de royalties destinados à educação e tecnologia. Do ponto de vista da contratação de financiamentos e posicionamento estratégico das empresas fornecedoras, sabemos não ser recomendável ter um só cliente, pois, ante qualquer problema na Petrobras, a crise é automaticamente transferida, destruindo anos de trabalho na formação da cadeia produtiva. Também será imperativo recuperar o importantíssimo segmento das empresas de engenharia de projetos, que foi desmobilizado e relegado a segundo plano. A engenharia nacional deve estar presente na concepção básica e em todas as etapas dos projetos, em alianças com empresas estrangeiras detentoras de "know how" e tecnologia. Nas parcerias, a liderança deve ser das brasileiras ou de estrangeiras com forte base no país. Quanto ao incentivo à inovação, os contratos de exploração e produção determinam, para os campos de alta produtividade, a obrigatoriedade de investimento de 1% de sua receita bruta em pesquisa e desenvolvimento. A maior parte desses recursos deve destinar-se às empresas fornecedoras, sobretudo indústrias, às quais cabe a missão do desenvolvimento tecnológico. A execução dessas ações, com monitoramento da especificação, detalhamento, implementação e coordenação das medidas, tem papel fundamental na recuperação e desenvolvimento da cadeia de petróleo e gás. Em um contexto de contração do mercado interno, o fomento de uma atividade com forte potencial de exportação e grande repercussão no setor produtivo nacional torna-se ainda mais estratégico. O momento também exige rediscutir a aplicação de multas e necessidades de seu provisionamento, que apenam indiscriminadamente todos os que estão no setor. É chegada a hora de o Brasil adotar uma postura pragmática no desenho das políticas para a cadeia de petróleo e gás, que sofreu um grande revés. Porém, se formos rápidos e objetivos, promoveremos sua retomada e tornaremos o país um dos grandes players mundiais na exploração e produção. JOSÉ RICARDO RORIZ COELHO é vice-presidente da FIESP e do Conselho Superior de Inovação e Competitividade (CONIC) e diretor titular do Departamento de Competitividade e Tecnologia (DECOMTEC) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-09-15
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/09/1681467-revisao-de-politicas-e-marco-regulatorio-para-petroleo-e-gas.shtml
Aumentar impostos e contribuições é a melhor solução para fechar as contas do governo? Não
LIMITAR DESEJOS AO ORÇAMENTO Quando criança, ouvia muito meu pai falar que "tínhamos que limitar nossos desejos ao nosso orçamento". No fundo, ele estava me ensinando que só podíamos comprar aquilo que a renda familiar nos permitia. Quando ouvi que o governo está assumindo que terá um deficit de R$ 30 bilhões, pensei que seus representantes deveriam ter tido a mesma lição que recebi na infância. Em vez de cortar despesas para equilibrar o Orçamento, o governo pretende aumentar a arrecadação com a elevação de tributos. Já fez isso com folha de pagamento, com as bebidas alcoólicas, com eletrônicos. Além disso, o governo pensa em criar um "imposto de travessia" para a época mais aguda da crise. Segundo o próprio ministro da Fazenda, Joaquim Levy, esse imposto seria de caráter temporário, sem especificar, no entanto, a sua natureza: se imposto sobre a renda, se sobre consumo ou se a volta da famigerada CPMF. Trabalho na área tributária há mais de 25 anos. Já presenciei diversas crises econômicas e aprendi com muitos pacotes tributários. Sei que o direito tributário possui características que não dependem de lei ou de decreto para serem validadas. Uma delas diz respeito ao princípio da capacidade contributiva. Esse princípio busca uma sociedade mais justa em que a maior tributação recaia sobre aqueles que possuam maior riqueza. Isso significa que paga mais imposto quem tem maior poder econômico. Como fazer isso criando impostos sobre o consumo, onde o mais rico paga a mesma coisa que o mais pobre? De acordo com estudo do Ipea, de 2008, a carga tributária representava 22,7% dos 10% mais ricos, enquanto para os 10% mais pobres a carga tributária equivalia a 32,8% de sua renda, comprovando o alto grau de injustiça tributária no Brasil. Boa parcela dessa injustiça está concentrada nos chamados impostos indiretos, aqueles embutidos nos preços dos produtos e serviços, tais como IPI, ICMS e ISS. Se considerarmos que somente 5% da população possui uma renda mensal superior a R$ 6.780 e 46% da população possui uma renda de até R$ 1.356 por mês, conseguiremos comprovar que quem paga mais imposto no Brasil é, sem sombra de dúvidas, o pobre. A tributação sobre o consumo é muito perversa e faz com que o imposto embutido no preço do feijão seja exatamente o mesmo, tanto para o rico, como para o pobre. Foi exatamente isso que o governo federal acabou de fazer ao aumentar o tributo dos computadores, dos tablets e das bebidas alcoólicas. Todo o ganho incorporado pelas classes mais baixas de renda da população nos últimos anos está se exaurindo em razão do aumento de tributação que, num primeiro momento, parece aumentar a arrecadação, mas que, a médio e longo prazo, vão se equilibrar e voltar ao patamar de arrecadação anterior. Isso é explicado por uma característica da economia: se o valor de determinado bem aumenta de preço, parece lógico que a demanda por esse bem não será igual à demanda anterior, com o preço mais baixo. Assim, não é dobrando o tributo que se pode dobrar a arrecadação do referido tributo. Com o poder de compra reduzido pelo aumento dos tributos, haverá queda no consumo, que levará à queda na produção, que gerará desemprego, que resultará em economia estagnada, em uma espiral negativa e constante. Assim, a única coisa que combate com eficiência a queda de arrecadação é o aumento da atividade econômica. E o governo sabe disso. Mas talvez não saiba como fazê-lo. Para tanto, recorre ao procedimento mais fácil, mas não o mais eficaz. BERNARDO OLIVEIRA, 50, especialista em tributação formado em administração e em ciências contábeis, é diretor-executivo da empresa de consultoria tributária Andersen Tax Brasil * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-09
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/09/1680723-aumentar-impostos-e-contribuicoes-e-a-melhor-solucao-para-fechar-as-contas-do-governo-nao.shtml
A outra face da crise na saúde
A violência não é um acidente na história. Há quem diga que o processo civilizatório é também uma tentativa de domesticá-la, já que é impossível aniquilá-la. No entanto, em pleno século 21, ainda é desconcertante quando a violência agride o trabalho de uma categoria inerentemente pacífica cujo escopo é o alívio dos sofrimentos humanos. É o que acontece nos últimos tempos, nas principais áreas urbanas do estado de São Paulo, com os médicos e demais profissionais de saúde. A injustiça social tende a ser apontada como a causa subjacente das principais formas de violência. Na área médica, isso implica em más condições de trabalho e estruturas inadequadas para o exercício profissional. Mas aquilo que era um fenômeno esporádico, fruto do desespero de um ou outro usuário do serviço público e privado, vem se generalizando e alcançando uma dimensão que cria um círculo vicioso de difícil interrupção pela omissão das autoridades. A consequência imediata é o aumento da dificuldade dos serviços de saúde em manter profissionais nos locais onde as agressões são frequentes. Paradoxalmente, aquilo que deveria ser o estopim para mudanças emergências, torna-se nêmese do fracasso de um sistema de saúde que não se equipa para atender às demandas da população. E pasme, não obstante, os apelos das entidades médicas, dos colegas agredidos e da ampla divulgação na imprensa, tudo isso, não têm sido suficientes para criar uma mobilização que aponte no equacionamento dessa situação. O Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) –entidade pública que supervisiona e regulamenta a prática médica, defende o exercício profissional ético e de qualidade– não tem medido esforços nesse cenário nada promissor. Não bastassem às audiências com autoridades locais e estaduais, mais recentemente, temos discutido com setores responsáveis pela segurança pública como enfrentar esse grave problema. Neste sentido, juntamente com o Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo iniciamos uma parceria com a Secretaria da Segurança do Estado. Dentre as propostas encontram-se a identificação dos locais onde há maior ocorrência de violência e a possibilidade de criação de uma guarda especial para garantir a segurança dos profissionais de saúde nos locais de trabalho. Sabemos, contudo, que essas são medidas paliativas e circunstanciais. Precisamos entender o que faz que uma categoria que sempre mereceu da população respeito e carinho passe a sofrer esse tipo de abuso? Sabemos que vivemos tempos difíceis, sociais e econômicos. Sabemos também que há uma mudança no comportamento da população em relação aos serviços públicos. Longe se vão, entretanto, os tempos em que o atendimento de saúde era uma dádiva ou concessão de alguns hospitais ou clínicas caridosas. Hoje, constitucionalmente, é um direito inalienável cada vez mais exigido pela população. Por conseguinte, exigem-se que as condições do SUS estejam à altura dessa justa demanda. Por outro lado, não podemos olvidar que o desprestígio da categoria médica se acentuou nos últimos anos, instrumentalizados ou não pelos órgãos estatais. A verdade é que precisamos avaliar em profundidade as razões e desrazões dessa constatação. Neste sentido, recentemente, o Cremesp contratou duas pesquisas científicas sobre os fatores e visões dos médicos, dos pacientes e usuários dos serviços de saúde sobre esse relevante tema. Esperamos, com os dados consolidados, obter informações que nos permitam uma abordagem mais precisa e resolutiva sobre o porquê da violência contra os médicos e demais profissionais da saúde. A sociedade brasileira merece uma saúde de qualidade para todos. Os instrumentos constitucionais já existem. Não será por omissão dos médicos que não lograremos esse intento. O Cremesp conclama todos para participarem desse processo. Ressaltamos, entretanto, que a boa prática médica se faz com médicos bem formados, éticos, que exercem seu mister em locais onde as condições de trabalho e segurança estejam garantidos. Este é o nosso compromisso inarredável e dele não nos afastaremos. BRÁULIO LUNA FILHO, 61, é presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo - Cremesp e professor livre-docente em cardiologia na Unifesp * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-09
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/09/1680186-a-outra-face-da-crise-na-saude.shtml
Florestas brasileiras na COP 21
Nos próximos meses, dois importantes eventos liderados pela ONU debaterão a relação entre clima e sustentabilidade . Em 27 deste mês, em Nova York, chefes de Estado das principais nações do mundo deverão assumir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), elaborados a partir das diretrizes da Rio+20 e que substituirão os Objetivos do Milênio, criados em 2000. Já em dezembro, em Paris, será a vez da Conferência das Mudanças Climáticas, a COP-21, cuja maior expectativa refere-se à assinatura de um novo acordo climático que substitua, de forma efetiva, o Protocolo de Kyoto a partir de 2020. O Brasil deve levar importante contribuição à COP-21, com o estabelecimento de compromissos de redução de emissões de gases causadores do aquecimento global. Na COP-21, entretanto, haverá muitas outras frentes de ação. Uma das mais relevantes para as atividades que se valem de florestas plantadas diz respeito às negociações de crédito de carbono florestal por causa das oportunidades de mitigação de emissões de CO2 pelas árvores plantadas e de preservação das matas nativas a elas associadas. Sabe-se que as florestas desempenham um papel importante sobre o clima, uma vez que têm alta capacidade de sequestrar carbono, contribuindo para a diminuição do aquecimento global. O plantio de florestas, a adoção de processos de gestão mais eficazes e amplos, a recuperação de áreas degradadas e a preservação de matas nativas atuam para reduzir a concentração de CO2 na atmosfera. É reconhecido que árvores jovens são mais eficientes do que as adultas no sequestro de carbono –além do que utilizam para se alimentar, elas permitem a fixação do carbono na madeira–, incentivar o plantio de florestas e atividades que precisem dessa matéria-prima é atuar em benefício do planeta. Nos plantios destinados à produção e nas áreas de conservação, a formação e a manutenção de estoques de carbono resultam em remoções dos gases de efeito estufa com a consequente redução de sua concentração na atmosfera e durante todo o tempo em que o estoque for mantido. Em 2014, os 7,7 milhões de hectares de áreas de plantios florestais no Brasil foram responsáveis pelo estoque de cerca de 1,7 bilhão de toneladas de CO2, o que equivale a um ano das emissões nacionais. Além da manutenção ou aumento dos estoques de carbono, cada produto originário de árvores plantadas pode evitar ou reduzir emissões associadas ao uso de produtos oriundos de matérias-primas fósseis ou não renováveis. O potencial de mitigação do setor está relacionado à superação dos principais entraves ao seu desenvolvimento no Brasil, como a elevada carga tributária de investimentos, gargalos de infraestrutura e logística e questões trabalhistas. Além de questões estruturais, os principais desafios à expansão do setor estão vinculados à base plantada. O aprofundamento de mecanismos existentes e o desenvolvimento de novas alternativas, que valorizem economicamente os benefícios climáticos gerados pelo setor, representam sinergias positivas de grande valor para o desenvolvimento sustentável brasileiro. ELIZABETH DE CARVALHAES é presidente-executiva da Ibá - Indústria Brasileira de Árvores e presidente do ICFPA - International Council of Forest and Paper Associations * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-09
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/09/1680188-florestas-brasileiras-na-cop-21.shtml
Leitor questiona quem pagará pela mudança de nomes de logradouros
Gostaria de lançar um novo olhar na discussão sobre a necessidade de mudanças dos nomes de logradouros que homenageiam pessoas relacionadas à ditadura. Quem irá bancar os custos dessas alterações? Nós. Teríamos gastos desnecessários para efetuar a troca em registro de imóveis, IPTU, ISS, INSS, Sabesp, Detran, Correios etc. * PARTICIPAÇÃO Os leitores podem colaborar com o conteúdo da Folha enviando notícias, fotos e vídeos (de acontecimentos ou comentários) que sejam relevantes no Brasil e no mundo. Para isso, basta acessar Envie sua Notícia ou enviar mensagem para leitor@uol.com.br
2015-09-09
paineldoleitor
Painel do Leitor
http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2015/09/1679266-leitor-questiona-quem-pagara-pela-mudanca-de-nomes-de-logradouros.shtml
Paulistas vivem cenário surreal do governo Geraldo Alckmin, diz leitor
Os paulistas estão convivendo diariamente com problemas no ensino em todos os níveis, crise hídrica, adiamentos sucessivos de obras do Rodoanel, do Metrô e do monotrilho. Na segurança pública, além das recorrentes chacinas, assistimos a cenas estarrecedoras de festas de detentos regadas a cachaça e cocaína, e de funcionários, com direito a striptease de anão (Anão go-go boy dança em festa em delegacia de SP ). Diante desse cenário surreal, Geraldo Alckmin tenta emplacar a candidatura de Alexandre Moraes. * * PARTICIPAÇÃO Os leitores podem colaborar com o conteúdo da Folha enviando notícias, fotos e vídeos (de acontecimentos ou comentários) que sejam relevantes no Brasil e no mundo. Para isso, basta acessar Envie sua Notícia ou enviar mensagem para leitor@uol.com.br
2015-09-09
paineldoleitor
Painel do Leitor
http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2015/09/1679256-paulista-vivem-cenario-surreal-do-governo-geraldo-alckmin-diz-leitor.shtml
O médico veterinário em defesa da Saúde Única
De acordo com a OIE (Organização Mundial da Saúde Animal), seis de cada dez doenças infecciosas humanas conhecidas têm sua origem em animais, domésticos ou selvagens. Além disso, a ingestão de alimentos como leite, ovos e carne impróprios para consumo pode gerar contaminação, trazer prejuízos para a saúde humana e, consequentemente, para a saúde pública. O fluxo de pessoas por todo o mundo a negócios ou turismo, além da comercialização de produtos, permite que agentes causadores de doenças rompam as barreiras de proteção territorial e se estabeleçam onde antes não existiam. Doenças, vírus e bactérias encontram na globalização a oportunidade de se multiplicarem e difundirem. À medida que aumenta o deslocamento de pessoas, a interligação entre humanos, animais e meio ambiente torna-se mais significativa, criando uma dinâmica na qual a saúde de cada um está intimamente ligada. Promover uma Saúde Única torna-se estratégico. Tal conceito define a interdependência da saúde humana, animal e ambiental e foi pensado nos anos 60 pelo médico veterinário Calvin Schwabe. O desmatamento e a invasão das florestas aproximou a convivência do homem com diferentes espécies de animais. As mudanças climáticas permitem que os patógenos, através de vetores, como os mosquitos, colonizem áreas que até então eram muito frias, contribuindo para a proliferação de zoonoses –doenças infecciosas transmitidas entre os animais e o homem. Para citar alguns exemplos, ebola, raiva, leishmaniose, tuberculose, leptospirose, dengue, febre amarela. Diante desse cenário, constata-se que os profissionais de Medicina Veterinária não são apenas médicos dos animais. Trabalham na supervisão da produção e na inspeção dos alimentos de origem animal que chegam à mesa dos consumidores, atuando nos frigoríficos, fábricas de conservas de carnes, pescado e laticínios, por exemplo. Além de trabalhar em pesquisas na área da saúde pública, no controle de zoonoses, cuidando da saúde de diferentes espécies animais e proteção do meio ambiente. Aos poucos, o mundo desperta para a importância de se trabalhar em prol dessa integração, incentivando a ação conjunta de várias profissões. Devido ao amplo leque de competências, a Medicina Veterinária é a profissão de natural articulação no processo de convergência entre as saúdes humana, animal e ambiental. A eficácia dessa abordagem depende da colaboração entre a Medicina Veterinária e a Medicina Humana, compartilhando experiências de forma a preparar os profissionais para os desafios da saúde pública mundial. A Organização Mundial de Saúde (OMS) tem solicitado aos países membros a participação dos médicos veterinários nas equipes de administração, planejamento e coordenação dos programas de saúde. No Brasil, desde 2011, os médicos veterinários integram as equipes multiprofissionais do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) trabalhando, ao lado de outros profissionais, na atenção básica à saúde nos municípios brasileiros. Durante as visitas domiciliares é feito o diagnóstico de risco à saúde na interação entre os seres humanos, animais e meio ambiente, orientando a população sobre a prevenção das zoonoses. O Conselho Federal de Medicina Veterinária atua para que o Brasil se torne um dos protagonistas mundiais na Saúde Única com médicos veterinários capacitados para garantir a harmonia das várias frentes da saúde. Com isso, ganha a sociedade e ganham os profissionais. BENEDITO FORTES DE ARRUDA, 66, médico veterinário, é presidente do Conselho Federal de Medicina Veterinária * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-09-09
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/09/1678992-o-medico-veterinario-em-defesa-da-saude-unica.shtml
Haddad e a realidade
Perto de completar seu terceiro ano no comando da cidade de São Paulo, o prefeito Fernando Haddad (PT) não tem resistido ao teste da realidade. Suas promessas feitas durante a campanha e mesmo as metas fixadas após as eleições continuam, ainda hoje, mais no plano do discurso do que no da prática. O deficiente padrão administrativo, indesejável em qualquer parte da metrópole, é ainda mais danoso nos extremos da cidade, onde se faz maior a necessidade de intervenção do poder público. Levantamento desta Folha mostra que não saíram do papel duas em cada três melhorias anunciadas para as regiões periféricas da capital nas áreas de educação, saúde, mobilidade e infraestrutura. Das 751 obras constantes do plano da prefeitura, 479 (64%) nem chegaram a ser iniciadas, 131 (17%) encontram-se em andamento e 141 (19%) foram entregues. No setor da saúde, por exemplo, quase 70% das metas ainda são ficção. Os moradores da periferia viram até agora só 5 das 61 prometidas novas unidades responsáveis pelo atendimento primário. Melhorias educacionais estão no mesmo patamar pífio. A expansão dos CEUs (Centros Educacionais Unificados) bateu em barreira intransponível com Haddad. Das 20 unidades prometidas, só a de Heliópolis foi concluída. As demais nem tiveram sua construção iniciada. Os atrasos talvez ajudem a explicar porque apenas 20% dos paulistanos aprovam a gestão do petista. Fernando Haddad decerto discorda dessa avaliação, pois, segundo a prefeitura, a culpa pela letargia administrativa é do Executivo federal, que não estaria repassando recursos prometidos para as obras. Logo ele que, em 2012, fez das parcerias com o governo federal um mote de campanha. O Ministério das Cidades –que, numa ironia do destino, é hoje comandado pelo predecessor de Haddad, Gilberto Kassab (PSD)– afirma que as verbas só podem afluir de Brasília para São Paulo após o início efetivo das obras. Em outras palavras, a ineficiência da gestão municipal em superar entraves burocráticos que antecedem as construções seria a grande responsável pela seca de recursos. Os paulistanos, e não só os que residem na periferia, por certo esperavam mais do prefeito que, enquanto candidato, se apresentava como o "homem novo". Novas, pelo visto, nem as desculpas. editoriais@uol.com.br
2015-09-09
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/09/1679232-haddad-e-a-realidade.shtml
Que país queremos?
"Só uso a palavra para compor meus silêncios." Manoel de Barros Triste o país que precisa de pretensos heróis, salvadores da pátria e pregadores da moralidade. É inadmissível que alguém, um juiz, um membro do Ministério Público ou da polícia, venha dizer que detém o monopólio do combate à corrupção. Todo cidadão de bem –jornalista, advogado, dona de casa– quer um país sem o flagelo da corrupção, que degenera o tecido social e leva a mais desigualdades. Ninguém detém o monopólio da virtude de ser honesto. Cada um de nós tem um papel importante no processo de amadurecimento democrático, no aperfeiçoamento do Estado de Direito. Diante do momento que vivemos, são estas algumas das perguntas que tenho feito Brasil afora: que tipo de país queremos depois desse enfrentamento? Queremos um país em que o processo se dê a qualquer custo? E, ainda, sem as garantias do devido processo legal? Sem o respeito ao amplo direito de defesa e à presunção de inocência? Onde a prisão seja a regra, não a exceção, como em todo país civilizado? Queremos um país em que um juiz tenha jurisdição nacional e diga que tem bônus de muitas prisões ainda, pois na Itália decretaram 800 prisões na Operação Mãos Limpas? Onde um procurador da República tem a ousadia de confessar que a prisão é uma forma de obter a delação e que, mesmo assim, nada tenha sido feito contra ele? Queremos um país em que o Ministério Público e a Polícia Federal incentivem a espetacularização do processo penal ao promoverem coletivas de imprensa a cada fase da operação, com exposição cruel, desumana, desnecessária e ilegal das pessoas investigadas? Queremos um país no qual a acareação entre delatores seja permitida sem que um ou outro seja preso ou perca os benefícios da colaboração premiada? Ora, se foi necessária a acareação, significa que um dos delatores mentiu e que a verdade, a base de toda delação, tem que ser restabelecida. A acareação significa, portanto, que nem o próprio Ministério Público acredita na versão que sustenta a acusação. Que país queremos? Um país em que a delação seja feita, na maioria das vezes, sob absurda pressão, sem prestigiar o ato voluntário previsto na lei? Um país no qual o processo penal esteja sendo levado a efeito sem que o advogado tenha o direito mínimo de conhecer a plenitude das provas? Até mesmo com a criminalização da defesa, como se esta fosse um mal necessário? Fica a reflexão: que país queremos que saia desse oportuno confronto? Um país com a preservação das garantias individuais e dos direitos constitucionais? Com o devido processo legal como regra das ações da Polícia Federal, do Ministério Público e do Poder Judiciário? Um país com o princípio constitucional da ampla defesa efetivamente garantido, e não sob o prisma formal? Com o respeito ao direito de não exposição do investigado e de não condenação prévia? Queremos um país sem heróis, mas onde se cumpram as leis e a Carta? Um país unido, onde as pessoas saibam que hão de se combater as mazelas e que a forma de combatê-las é o que distingue um país civilizado da barbárie institucionalizada? Eu quero o bom combate! Como diria Fernando Pessoa, "arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo?". ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO, o Kakay, 57, é advogado criminalista. Defendeu Alberto Youssef na Operação Lava Jato * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-09-09
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/09/1679124-que-pais-queremos.shtml
Não somos civilizados para merecer viver na Terra, afirma leitor
O que fica da fotografia do corpo do garotinho sírio caído morto numa praia turca foi sentir que não merecemos ocupar um planeta que deu tudo que precisamos para sobreviver e viver em paz. Ainda não somos civilizados para merecer a vida na Terra. * * PARTICIPAÇÃO Os leitores podem colaborar com o conteúdo da Folha enviando notícias, fotos e vídeos (de acontecimentos ou comentários) que sejam relevantes no Brasil e no mundo. Para isso, basta acessar Envie sua Notícia ou enviar mensagem para leitor@uol.com.br
2015-09-09
paineldoleitor
Painel do Leitor
http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2015/09/1679269-nao-somos-civilizados-para-merecer-viver-na-terra-afirma-leitor.shtml
Os ovos de ouro e os impostos
Diz a fábula que, por excesso de ambição e ganância, o fazendeiro acabou matando a galinha dos ovos de ouro. Ele achou que na barriga da pobre galinha havia muitos ovos de ouro e não teve paciência de esperar sua chegada dia a dia. Moral da história: dentro da galinha só encontrou suas vísceras, a galinha morreu e a pretendida riqueza se foi. Esta é a situação em que se encontra o contribuinte brasileiro (galinha), frente ao governo (fazendeiro) na sua sanha tributária (ovos de ouro). A tributação não suporta mais custear o aumento dos gastos públicos. Chegamos ao limite. A galinha dos ovos de ouro começa a morrer. No final, provavelmente, só se encontrarão vísceras. Essa realidade quem nos mostra são os números do próprio governo. As arrecadações federal, estadual e municipal vêm caindo a cada mês. O número de empresas em dificuldades financeiras e com pedidos de recuperação judicial tem aumentado visivelmente. O desemprego não para de crescer. Além disso, o fisco federal incrementou suas autuações a patamares incompreensíveis (R$ 75 bilhões na área federal este semestre). Apenas a título de exemplo, do total da arrecadação federal anual de tributos (R$ 1,2 bilhões), algo em torno de 75% são pagos por empresas. A grande maioria desses 75% são pagos por 20 mil empresas. São esses empresários que sustentam os gastos públicos no Brasil, enquanto as pessoas físicas contribuem também com um valor expressivo em torno de 25% da arrecadação direta. Contudo, o que se vê por parte do governo é uma pressão sempre maior para que o empresariado cubra o incremento desajustado dos gastos do Estado. Trata-se o empresariado como se ele fosse o vilão, o sonegador, o grande responsável pelo fracasso das contas públicas. Não se deram conta que essas empresas e os contribuintes pessoas físicas, na verdade, são os que viabilizam a existência desse Estado, o qual tem como principal fonte de receita os tributos. Não adianta querer tirar das empresas e demais contribuintes o que eles não têm. As margens de lucro estão em declínio em todos os grandes setores da economia. A desindustrialização é um fato notório. O desemprego está batendo na porta de muitas famílias brasileiras. Quando o empresariado e os trabalhadores não mais identificam que o seu esforço empreendedor vale a pena, a informalidade começa a crescer. Os tributos, por excelência, distorcem as escolhas das forças de trabalho. Já o excesso de tributação, as aniquila. Em economia é muito famosa a chamada curva de Lafer, a qual demonstra que o aumento de tributos pode atingir um determinado patamar, mas depois de atingir seu ponto máximo, qualquer tentativa de aumento acarreta perda arrecadatória. Esta é a situação atual. A corda da arrecadação rompeu-se. Quando o Estado não controla seus gastos, quem paga a conta é o contribuinte. E a partir daí há uma total distorção da realidade. O contribuinte passa a ser visto como o vilão da história, o único culpado de um Estado que está quebrado por sua própria incompetência em conter seus gastos. O Executivo passa a editar normas que pretendem impedir os contribuintes, e principalmente, o empresariado, de protegerem-se contra a sanha desenfreada da arrecadação. Assim, são editadas regras contra o planejamento tributário, as quais pretendem obrigar o contribuinte a ser "dedo duro" de si próprio. Instala-se a pressão para julgamentos pró fisco em esferas administrativas fiscais. Aumenta-se, de forma irresponsável, a tributação em atividades econômicas que, comumente, apresentam certa antipatia popular (bancos). Pode parecer fácil aumentar a carga tributária dos bancos, mas mal sabe a população que são essas entidades que financiam, na sua grande maioria, a dívida pública brasileira. Enfim, não se iludam. Não são os contribuintes os vilões do caos em que se encontram as finanças públicas. O contribuinte é como a galinha da fábula acima citada: bota um ovo por dia. Se abrirmos sua barriga pensando encontrar uma infinidade de ovos de ouro, com certeza, mataremos a fonte de recursos que sustenta este país e encontraremos apenas suas vísceras. ROBERTO QUIROGA MOSQUERA é professor de direito tributária na USP e na FGV Direito-SP e sócio do escritório Mattos Filho * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-08-09
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/09/1678754-os-ovos-de-ouro-e-os-impostos.shtml
Devem ser mudados os nomes de logradouros que homenageiam pessoas relacionadas à ditadura? Sim
O TEMPO DAS RUAS No dia 13 de agosto participei da sessão, na Prefeitura de São Paulo, que lançou o projeto "Ruas de Memória". Criado para promover o debate sobre os nomes de ruas em São Paulo que homenageiam os responsáveis por violações de direitos humanos durante regime militar, o projeto é inovador. Queremos discutir com as comunidades essas mudanças e, assim, trazer o debate sobre os direitos humanos para o cotidiano das pessoas. Alterar nome de ruas não é algo novo para a cidade de São Paulo. Ao longo de sua história, várias vezes, as trocas de nomes de ruas estiveram relacionadas a eventos marcantes de nossa história. Se fôssemos percorrer o centro da cidade há 150 anos, em 1865, não reconheceríamos os nomes das ruas em que caminhamos todos os dias. Podemos, por exemplo, pensar na rua 15 de Novembro, que hoje é fechada para carros e abriga a Bolsa de Valores, ligando o Pateo do Collegio ao largo São Bento. Foi uma das primeiras vias da cidade e, no século 18, tinha o nome de rua do Rosário. Depois de uma visita de suas majestades imperiais à cidade, ela foi renomeada para rua da Imperatriz. Quando é proclamada a República, em 1889, algumas vias do centro mudaram de nome. A rua da Imperatriz ganhou, então, o nome que guarda até hoje, celebrando a data da chegada do regime republicano, 15 de Novembro. A população, no entanto, não foi chamada a discutir a mudança: ela veio por imposição dos novos donos do poder. Alguns anos depois, mais uma vez ocorreu uma revisão de nomes de ruas da cidade. Em Campo Belo, tradicional reduto de imigração alemã, existia uma rua chamada Adolf Hitler. No começo dos anos 1930, seu nome foi alterado para rua Almirante Barroso. A região, junto com Santo Amaro, ainda não fazia parte de São Paulo e foi incorporada à cidade em 1935. Alguns vereadores perceberam que havia uma duplicidade de nomes (uma outra rua Almirante Barroso ficava no Brás) e a antiga Adolf Hitler ganhou o nome atual, Gil Eanes, um navegador português. Essas transformações fizeram parte da história da cidade e marcaram momentos específicos: a cidade imperial de ruas de paralelepípedos, a cidade da imigração alemã, a moderna cidade do século 20. A prefeitura de São Paulo acredita que a cidade está preparada para mais essa mudança. Mas queremos que isso seja feito de uma maneira diferente, de forma democrática e pedagógica. Para nós não adianta apenas alterar os nomes. É preciso haver uma consciência das cidadãs e dos cidadãos a respeito das mudanças. Por isso, cada comunidade pode acompanhar os processos de discussão acerca das mudanças da sua rua. É o começo da criação da consciência do próprio processo histórico da população. É o momento das comunidades perceberem que os crimes da ditadura não foram cometidos apenas contra os que lutaram diretamente contra um regime totalitário. Os crimes foram cometidos contra toda população. Assim, quem mora na rua que tem hoje o nome de um torturador vai poder contar para os filhos ou netos, orgulhoso, que ajudou a mudar a história do país e da sua rua. Que o nome daquele lugar mudou porque todos escolheram outro, dando um novo começo para um lugar marcado por uma história que, antes, envolvia tristeza e morte. Por isso, para nós, esse processo de discussão é mais importante do que simplesmente as substituições de placas. É o debate que esse processo propicia que fará com que os nomes dos violadores dos direitos humanos deixem de ser homenageados, para que seus crimes não sejam nunca esquecidos. JULIANA CARDOSO, 35, vereadora em São Paulo pelo PT, é líder do partido na Câmara Municipal * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-05-09
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/09/1678086-logradouros-que-homenageiam-pessoas-relacionadas-a-ditadura-devem-mudar-de-nome-sim.shtml
Um brasileiro, um número e uma digital
Hoje, cada brasileiro tem quase 20 registros. Isso, além de ser um excesso de burocracia, significa perda de tempo e de recursos. Todos perdem: o cidadão e o Estado. Mas, essa ideia não é nova. Há 18 anos foi sancionada a lei nº 9.454/1997 que previa um número único chamado Registro de Identidade Civil (RIC) e isso só foi possível graças ao ilustre senador Pedro Simon. Muitos brasileiros tiveram a esperança de se relacionar com o Estado com dignidade e facilidade. O número único seria a chave do relacionamento entre cidadão e Estado que garantiria maior acessibilidade aos serviços e benefícios para todos, universalidade e controle do gasto e dos recursos públicos. Infelizmente, a concretização do sonho de Pedro Simon não se efetivou. A burocracia, a falta de articulação inter e intra governamental e a morosidade da máquina pública naufragou com o ideal do senador e de tantos que com ele trabalharam. Os prejuízos não pararam aí. A falta do registro único abriu espaço para o descontrole e para o cipoal de ilícitos traduzidos nas fraudes com os subsídios públicos. Nesse contexto, milhares de cidadãos na linha da pobreza ainda não puderam receber benefícios justos, enquanto outros acumulam indevidamente vários deles. A omissão do poder público é flagrante. O Tribunal de Contas da União (TCU) vem apontando isso em suas auditorias. Em 2014, um relatório do TCU recomendou a correção do cadastro de 400 mil famílias, de 1.681.712 famílias auditadas do total de 13 milhões e 600 mil famílias que eram atendidas pelo programa Bolsa Família (PBF). O Tribunal determinou o cancelamento do pagamento a 15.788 óbitos confirmados e de 577 vereadores que foram eleitos recebendo bolsa família. Todos os relatórios do TCU apontam extrema necessidade de unificação dos cadastros municipais, estaduais e federais. Destacam a pertinência do uso do Cadastro da Pessoa Física (CPF) em razão de tratar-se de um número único e de ser o instrumento utilizado pela Receita Federal. Significa, portanto, termos aí uma sociedade que enxergue um brasileiro com apenas um registro e uma digital. Nada menos que a chave única da cidadania. Se há dezoito anos não existia base tecnológica capaz de tornar o registro único realizável, hoje o Brasil e os brasileiros são ávidos consumidores e geradores de novas tecnologias. Um exemplo é a urna eletrônica e seu insuperável desempenho e controle que agora será adaptada ainda para ter também um registro do voto em papel com cem por cento de segurança. É exatamente no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que poderemos nos apoiar para a construção desse sonho. Com 144 milhões de CPFs e 25 milhões de biometrias já feitas, o Tribunal faz hoje 5.000 novas biometrias por dia e para 2018 estima estar com 70 milhões de biometrizados. O TSE prevê completar o seu trabalho em 2020. O que é necessário então? Que todos nós brasileiros tenhamos conhecimento dessa possibilidade e que façamos a devida construção política rumo a desburocratização sem precedente no Brasil para uma nova cidadania em um contexto novo de ganho geral para todos os brasileiros. Medindo melhor e analisando melhor cada subsídio os brasileiros poderão ver com mais clareza que o sucesso do atendimento social e sua defesa não se mede pela quantidade se entrantes ou de assistidos mas pela quantidade de cidadãos que saem da assistência e com ela passam a contribuir. JULIO LOPES, 56, é deputado federal (PP-RJ) e relator do projeto de lei 1.775 que institui o Registro Civil Nacional-RCN * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-09
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/09/1677529-um-brasileiro-um-numero-e-uma-digital.shtml
Por trás da baixa elucidação de crimes no Brasil
A baixa taxa de elucidação de crimes no Brasil é frequentemente discutida quando se fala na eficiência das políticas de segurança pública. De acordo com os números divulgados pelo Governo Federal, menos de 8% dos crimes são solucionados no país. o tema não ficou fora do Seminário Internacional de Segurança Pública ocorrido recentemente na Câmara dos Deputados em Brasília, ocasião em que foi defendido o chamado "ciclo completo de polícia", modelo em que todas as Polícias exercem o poder de investigação, cuja atribuição constitucional hoje em dia cabe apenas à Polícia Civil. Antes de mais nada, é preciso alertar que a adoção do 'ciclo completo de polícia' demandaria um novo marco legislativo que mudasse os valores contemplados no artigo 144 da Constituição Federal. Neste sentido, seria necessário discutir e aprovar uma PEC, com todas as dificuldades inerentes a uma mudança de lógica constitucional. Em outras palavras, a solução, pela via legislativa, não é tão simples como parece. O legislador constituinte, por ocasião do nosso Pacto Social de 1988, preferiu conceder competências bem específicas para cada umas das polícias. Assim, grosso modo, à Polícia Civil cabe a atividade de polícia judiciária, responsável prioritária pela condução das investigações e do inquérito policial. De outro lado, a atividade policial ostensiva-repressiva, cujo foco é a prevenção de delitos e a manutenção da ordem pública destina-se à Polícia Militar. A nosso ver, a estrutura atual do serviço de segurança pública não nos permitiria adotar com vantagem o 'ciclo completo de polícia'. A razão é a mesma do ditado popular que nos ensina que "cachorro de dois donos, morre de fome", uma vez que o risco de ter as polícias cuidando de tudo (atividade repressiva e atividade judiciária) poderia ocasionar, ao revés do pretendido pelos defensores da ideia, a falta de atendimento regular e organizado das áreas cujas competências estão hoje bem definidas. A baixa percentagem de elucidação de crimes está essencialmente ligada à falta de aparelhamento das Polícias em suas atividades-fim, sejam elas civis ou militares. Exemplo disso é o que ocorre no Estado de São Paulo, em que menos de 20% dos investigadores da Polícia Civil, de acordo com dados apurados pelos órgãos de classe da categoria, está de fato exercendo a atividade de polícia judiciária, elucidando a autoria dos crimes cometidos. A grande maioria dos investigadores está, em verdade, envolvida em atividades que fogem completamente de seu mister, servindo como motoristas, datilógrafos, telefonistas ou até mesmo fazendo a segurança da Delegacia, visto temerem assaltos por parte dos criminosos. A solução não é mudar a lógica constitucional, eliminando a separação de atribuições em que tudo ficaria a cargo de todos e sim um maior investimento no material humano e aparelhamento das Polícias. Em países como Estados Unidos, a taxa de elucidação de crimes é alta muito mais pela valorização da instituição policial, do que por contar com o ciclo completo de polícia. Pergunte a algum cidadão norte-americano médio acerca de sua percepção sobre a Polícia e perceba, no mais das vezes, o grau de respeitabilidade, inclusive do ponto de vista cultural, que gozam os policiais naquela sociedade. Faça a mesma pergunta aqui no Brasil e, a exceção talvez da Polícia Federal, corremos o risco de ouvir, em uníssono, na melhor das hipóteses: - Coxinhas! No Brasil, segundo dados do governo federal, o fato de apenas 10% dos 5.570 municípios contarem com delegacias de polícia, com os policiais em verdadeira penúria, diz muito mais sobre a baixa taxa de elucidação de crimes do que a ausência do modelo do 'ciclo completo de polícia'. Até agora, quer seja nas discussões em fóruns de segurança pública, quer seja em resoluções, normas ou leis editadas pelos governos, não se tem tocado o 'dedo na ferida'. Assim, a falta de aparelhamento, os baixos vencimentos (em razão inversamente proporcional ao risco assumido pelos policiais) e a ausência de investimento no material humano, não são, nem de longe, assuntos que parecem de fato preocupar nossas autoridades. Frequentemente, as propostas se baseiam na criação de soluções aparentemente mágicas, sem levar em consideração problemas comezinhos como os aqui mencionados. São louváveis as tentativas de melhorar nossa política estatal de segurança pública. No entanto, para além da simples mudança legislativa, ainda que de âmbito constitucional, é preciso combater as causas que estão levando nossos órgãos policiais à falência. FERNANDO CAPANO, 37, é especialista em Segurança Pública, sócio do Capano, Passafaro Advogados e membro da Comissão Estadual de Direito Militar da OAB-SP * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-02-09
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/09/1674572-por-tras-da-baixa-elucidacao-de-crimes-no-brasil.shtml
Mudanças climáticas: o negócio é sério
Há mais de 250 anos, um empreendedor britânico chamado Richard Arkwright construiu a primeira máquina têxtil automática. Ao fazê-lo, deu início à Revolução Industrial –uma era movida a carvão e, com o passar dos anos, também a petróleo e gás. Esse período transformou a vida e a paisagem na Terra, tirou bilhões de pessoas da pobreza e criou grandes fortunas. A queima de combustíveis fósseis, no entanto, não mudou apenas nossa maneira de viver e trabalhar: ela mudou o planeta. Por isso, agora é preciso renovar nosso jeito de fazer negócios. O custo da inação é alto demais. Se continuarmos no mesmo caminho, vamos colocar em risco a segurança nacional e mundial, e também a prosperidade econômica. Ao longo da última década, os custos impostos por intempéries extremas nos Estados Unidos ultrapassaram 300 bilhões de dólares. Eles incluem episódios como o furacão Sandy e as secas que castigam a Califórnia e o Texas. São Paulo, responsável por um terço do PIB brasileiro e dependente de fontes hidrelétricas para obter 80% da energia que consome, atravessa a pior seca das últimas oito décadas. Segundo a ONU, desde o ano 2000 as perdas associadas a desastres naturais foram de 2,5 trilhões de dólares –e esses eventos são cada vez mais atribuídos ao aquecimento do planeta. De acordo com nossos cálculos, apenas na Unilever os custos ligados aos efeitos das mudanças climáticas chegam a 300 milhões de euros por ano. A boa notícia é que mudanças trazem oportunidades. Elas representam uma chance de transformar as empresas, cortar custos, reduzir riscos e incentivar a inovação. Publicado no ano passado pela Comissão Global sobre Economia e Clima (iniciativa internacional capitaneada pelo ex-presidente do México, Felipe Calderón), o relatório Better Growth, Better Climate (do inglês, Crescimento Melhor, Clima Melhor) demonstra que crescimento econômico e ações de combate às mudanças climáticas não precisam estar em confronto. Ao contrário: combinado à rápida adoção de fontes de energia limpa, o crescimento das cidades representa uma oportunidade de negócios que chega à casa dos trilhões. Nossa empresa tem apresentado possibilidades semelhantes. A proposta de reduzir nosso impacto ambiental ajudou a economizar mais de 400 milhões de euros desde 2008. Em 2014, nossas marcas com propósito sustentável responderam por metade do crescimento da empresa, e cresceram duas vezes mais rápido que as demais. Ou seja: os consumidores estão votando com o bolso. Isso ajuda a garantir a oferta. Mais de 55% das matérias-primas agrícolas usadas pela Unilever já são de origem sustentável. Esse número mostra que superamos metade do caminho na nossa meta de atingir 100% até 2020. Para chegar lá, estamos ajudando pequenos agricultores a aumentar a produtividade - até o momento, já treinamos 800 mil pessoas. Ao longo dessa jornada, contribuímos para melhorar a vida de muita gente, e preparamos nossa organização para enfrentar o futuro em um mundo volátil. Estamos provando que uma empresa pode crescer e, ao mesmo tempo, reduzir os impactos ambientais e aumentar os benefícios sociais. Fico ainda mais animado ao perceber que os jovens são os primeiros a entender essa lógica. Além daqueles que estavam entre as centenas de milhares de participantes da Marcha Popular pelo Clima, realizada em março em Nova York e outras cidades do mundo, há também os jovens empreendedores que venho conhecendo, capazes de compreender que a inovação pode melhorar a vida de milhões de pessoas. Dentro de apenas sete meses, líderes de mais de 190 países vão se reunir em Paris para assinar um acordo sobre o clima. O caminho à frente ainda é longo. No passado, houve quem criticasse as primeiras fábricas que adotaram os teares mecanizados de Arkwright; da mesma maneira, sempre haverá céticos e detratores representando interesses escusos, ou paralisados por uma apatia assustadora. Mas as empresas estão abraçando essa oportunidade. Cada vez mais negócios exigem metas ambiciosas por parte dos governos. Mais de mil organizações assinaram a Declaração sobre o Preço do Carbono, produzida pelo Banco Mundial, que conclama governantes a adotar um preço para o carbono. Integrantes do chamado B-Team, do qual eu e sir Richard Branson fazemos parte, pedem uma meta de Emissões Líquidas Zero até 2050. É um objetivo difícil, mas necessário para minimizar os riscos impostos ao planeta e maximizar as oportunidades para os negócios. Daqui a muitos anos, quando o mundo olhar para trás e enxergar 2015 em retrospecto (assim como falamos hoje sobre a grande invenção de Richard Arkwright), espero que este ano seja visto como o momento da virada, um marco no início da segunda grande revolução industrial: o ano em que governos, líderes de negócios e sociedade civil se uniram para estabelecer os alicerces de um mundo melhor. PAUL POLMAN, 59, é presidente-executivo da Unilever e presidente do World Business Council for Sustainable Development (Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-08-31
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/08/1674620-mudancas-climaticas-o-negocio-e-serio.shtml
Porte de drogas para uso pessoal deve ser descriminalizado no Brasil? Não
ISSO NÃO É LIBERDADE Morando em Santa Rosa (RS), conheci Diego quando fez um ano. Era uma criança muito risonha e fascinante, que cresceu dentro de uma família amorosa. Superdotado e dono de enorme empatia, foi o melhor aluno do seu colégio e muito cedo começou a cursar medicina na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Não usava drogas, nem lícitas nem ilícitas. Filho único, dava sentido especial à vida da família. Diego tinha 21 anos quando uma caminhonete desgovernada o esmagou contra uma parede. Foi o velório mais triste que já assisti. O motorista que o matou não estava alcoolizado, mas no exame toxicológico, detectaram níveis altíssimos de THC da maconha. Ele respondeu o processo em liberdade, e em liberdade está até hoje, 16 anos depois. Sempre que vejo a argumentação de que o uso de drogas prejudica só quem usa, eu me lembro do Diego. Neste caso, a liberdade do outro de usar a droga acabou com a liberdade de Diego de desfrutar de uma vida plena, cheia de realizações. Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, de 2009, com motoristas responsáveis por acidentes com vítimas fatais, revelou que a droga mais presente nos acidentes graves era a maconha. O álcool era a segunda, seguido bem de perto pela cocaína. Nas estradas é a metanfetamina a maior causa de acidentes com caminhões. Quantos Diegos inocentes não morrem assim todos os dias? A "liberdade" de usar drogas lícitas e ilícitas está atrás da maioria dos latrocínios, dos homicídios por causas banais, dos acidentes com veículos e dos suicídios. Além de ser a maior causa da violência doméstica no Brasil e de promover ressurgimento da Aids nos bolsões de consumo. Isso sem falar na violência do tráfico. A epidemia do crack, a partir de 2006, agravou esse quadro e levou o Brasil a bater todos os recordes mundiais de violência. O uso continuado das drogas leva à dependência química, que é uma alteração definitiva das conexões neuronais, conformando doença crônica, incurável. Nos adolescentes, esse efeito ocorre mais rápido e forte pela imaturidade dos circuitos cerebrais. Eles são suas maiores vítimas, pela ingenuidade e impulsividade que lhes é característica. E 70% daqueles jovens que usam drogas têm transtornos mentais prévios, o que os torna mais vulneráveis à dependência. O usuário de drogas começa a usá-las por um motivo e depois não consegue mais parar por outro, quando vira dependente. Não existe a liberdade individual de usar a droga quando se devasta toda a família, quando se submete outra pessoa à violência física para poder comprar mais drogas, quando se vende o corpo em troca de uma dose ou quando se mata um inocente em um acidente de trânsito. Pela saúde da população, temos que restringir mais as drogas lícitas, e não permitir liberar as ilícitas. Está em julgamento no STF uma ação que se for aceita, descriminalizará o uso de todas as drogas consideradas ilícitas. Isso significará, na prática, poder portá-las sem qualquer receio de punição. Certamente aumentará a quantidade de pessoas portando, e seu compartilhamento nas escolas, locais públicos e eventos. Assim aumentará muito o consumo de drogas e o número de viciados. Quem abastecerá esse mercado? Os traficantes que aumentarão seus lucros, poder e séquito de violência. Temos que proteger nossos jovens diminuindo a oferta de drogas na rua, e não o contrário. Temos que proteger os mais vulneráveis da dependência, suas famílias e a sociedade da devastação que as drogas causam. Temos que proteger os milhares de Diegos de uma morte prematura e sem sentido. OSMAR TERRA, 65, médico, é deputado federal pelo PMDB-RS e presidente da Frente Parlamentar da Saúde e Defesa do SUS * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-08-29
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/08/1675175-porte-de-drogas-deve-ser-descriminalizado-nao.shtml
Porte de drogas para uso pessoal deve ser descriminalizado no Brasil? Sim
LEI DE DROGAS VIOLA A CONSTITUIÇÃO O Brasil é um dos únicos países da América do Sul que ainda criminaliza o consumo de drogas. Se o STF seguir o recente voto dado pelo ministro Gilmar Mendes poderemos deixar de ser um dos países mais atrasado da região em matéria de legislação de drogas e aceitar que usuário não é caso de polícia. Não seria o Congresso o espaço mais apropriado para este debate? Não. O que está em jogo é o respeito à Constituição. Tribunais constitucionais de vários países já decidiram que o Estado não pode criminalizar alguém pela decisão de ingerir uma substância. Cabe proibir ou regular, mas não utilizar o direito penal para lidar com o caso. Além disso, o direito à saúde, amplamente garantido por lei, é desrespeitado ao se tratar o uso como crime. A dificuldade de se oferecer tratamento adequado nesse contexto é enorme. Foi graças à descriminalização do consumo que Portugal conseguiu praticamente zerar o número de overdoses. Nossa Constituição também é desrespeitada pela forma como a lei é aplicada. A grande maioria dos presos com drogas portava pequenas quantidades, era réu primário e pobre. Muitos são, na verdade, usuários. Mas hoje o pensamento é de que ricos com pequenas quantidades são usuários e que pobres são traficantes, ainda mais se forem negros. Pessoas estão sendo presas por sua condição social, o que viola a Constituição. O STF não pode admitir tamanha injustiça. Para que o tribunal corrija essa injustiça, não basta que decida pela descriminalização do consumo. É necessário que sejam estabelecidos critérios de distinção entre usuário e traficante. O Supremo pode e deve exigir que sejam estabelecidos critérios objetivos para acabar com a discriminação absurda com a qual convivemos hoje. Em dezenas de países o critério objetivo mais usado é o da quantidade de drogas consumidas em um espaço de tempo, em geral de dez dias a um mês. A quantidade varia para cada tipo de droga, buscando se aproximar ao máximo da realidade do padrão médio de consumo de uma sociedade. A maioria dos países que adotaram esse critério, como Portugal, Espanha, Áustria, alguns estados dos EUA e Uruguai, o fez levando em conta dados sobre o consumo real. Adotar quantidades muito baixas pode produzir efeitos perversos. O México estabeleceu quantidades muito pequenas e o efeito foi o aumento da quantidade de usuários presos. Para garantir o cumprimento da Constituição é necessário que sejam quantidades realistas. Além disso, o critério quantidades não deve ser absoluto. Deve ser confrontado com outras questões como porte de armas ou prova de venda. Nenhum critério é perfeito, mas não se pode mais conviver com um sistema punitivo que encarcera negros e pobres, desconsiderando o princípio da presunção de inocência. Importantes psiquiatras e neurocientistas brasileiros assinaram nota técnica com três cenários de quantidades de referência de consumo pessoal no Brasil. A nota foi escrita com base em pesquisas científicas, prática clínica e consultas a usuários, cultivadores, juristas, acadêmicos e lideranças sociais. É fundamental que o Supremo Tribunal Federal leve em conta a opinião desses especialistas para tomar uma decisão que garanta o respeito à Constituição e produza efeitos positivos para a população. A Constituição é descumprida cotidianamente na aplicação da lei de drogas no Brasil. Tratamento discriminatório, falta de acesso à saúde e violação à presunção de inocência são a regra. Cabe ao Supremo cumprir o seu papel de guardião da Constituição e garantir sua prevalência na execução da política de drogas em nosso país. ILONA SZABÓ é diretora do Instituto Igarapé e coordenadora da Comissão Global de Políticas sobre Drogas da ONU PEDRO ABRAMOVAY, 35, é diretor para a América Latina da Open Society Foundations, foi Secretário Nacional de Justiça (governo Dilma) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-08-29
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/08/1675172-porte-de-drogas-deve-ser-descriminalizado-sim.shtml
Protagonismo jovem no futuro do Brasil
No momento difícil pelo qual o Brasil passa, nossas ações como sociedade precisam ser focadas numa agenda com sustentabilidade a longo prazo. A formação de mão de obra mais qualificada e de cidadãos mais conscientizados e comprometidos com os desafios sociais, políticos e econômicos que enfrentamos devem ser os próximos passos nessa jornada. Desta forma, não há investimento mais seguro e sustentável do que aquele que começa nos bancos de nossas escolas e culmina em uma educação de maior qualidade. Para nortearmos o Brasil na temática da educação, um profundo debate do se quer e se espera do nosso sistema educacional não é apenas necessário, é urgente. Todavia, a grande questão é saber quem participará deste debate, pois avançaremos ou não, a depender dos atores que venham a contribuir e enriquecer nesse processo de construção do amanhã. Até então, as discussões e decisões do setor foram restritas à um nível muito técnico, no qual apenas especialistas debatiam o presente e o futuro da nossa educação. Tal dinâmica mostrou-se ineficaz e uma nova estratégia deve ser traçada. Precisamos fomentar debates mais inclusivos que garantam a participação da sociedade civil, sobretudo através do jovem. A pauta de aspirações para nossa educação deve levar em conta fortemente as inquietudes desse grupo. Lapide-se tais anseios com experiências de especialistas e, certamente, teremos um projeto ambicioso e viável. O ponto central aqui é não perder a oportunidade ímpar de pautar o debate dos novos rumos do Brasil, de maneira suprapartidária, como um projeto de Estado, incluindo o jovem ativamente nesse processo. Referir-se aos jovens e à nossa juventude dessa forma pode passar uma errônea sensação de homogeneidade. Num país continental como o Brasil só se pode falar em uniformidade em relação a juventude quando a temática é a vontade de mudar nosso país para melhor. Justamente por esta diversidade de anseios associada a sinergia de um sonho grande amplamente compartilhado que o encontro de jovens de todas as cinco regiões do país, desde as áreas mais remotas às metrópoles mais populosas, é tão importante. O dia 29 de agosto de 2015 tem tudo para ser um grande marco nessa direção. Neste dia, acontecerá a Conferência Mapa Educação que colocará jovens de todas as regiões do país juntos com especialistas e agentes de transformação pública e privada para debater a educação brasileira em Brasília, capital e centro de decisões do país. De um lado, o jovem com sua energia, seu poder de mobilização e sua vontade singular de transformar o ambiente ao seu redor. Do outro, políticos, empresários e professores com toda sua experiência, garantindo que o momento que clama por mudança não se esvazie com propostas inexecutáveis ou sem lastro com a realidade. Acreditamos que a dinâmica de troca de conhecimento desse encontro nos trará grandes resultados e aquecerá ainda mais o debate sobre a educação que queremos. A criação e fomentação de ideias por meio do protagonismo jovem será determinante para a elaboração de um sistema educacional mais inclusivo, solidário e colaborativo. Só assim, escolhendo a educação de qualidade como prioridade para o desenvolvimento do Brasil, é que conseguiremos construir uma verdadeira Pátria Educadora. Neste dia, como descrito no Manifesto Mapa do Buraco, nosso orgulho nacional será pode dizer: "Neste país, nenhum outro caminho é tão valioso e tão promissor, para cada uma de nossas crianças e jovens, como o caminho do conhecimento". RENAN FERREIRINHA, 21, e GABRIEL DOLABELLA, 19, são diretores do Movimento Mapa Educação, que tem como objetivo central engajar o jovem no debate nacional para uma educação de maior qualidade * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-08-28
opiniao
Opinião
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Somos bons de inovação?
Temos a impressão de que o Brasil inova pouco. Como medir nosso avanço? Um bom indicador poderia ser resumido em um número, se ele tiver poder de arraste para puxar consigo conceitos e desafios. O IBGE apura uma "taxa de inovação", conforme procedimentos internacionais, que mede a porcentagem das empresas que declaram ter feito pelo menos uma inovação naquele ano. O Brasil parece estar bem, pois nosso número é 33%. Entretanto, esse índice não é bom. Ele não se presta a comparações internacionais, pois as respostas em diferentes países têm compreensões diferentes sobre o que é uma inovação. Outra medição é a porcentagem do PIB que é investida em pesquisa e desenvolvimento. O Brasil investe apenas 1,3%, sendo metade investimento do governo e outra metade das empresas. Vários programas de fomento à pesquisa empresarial foram criados pelos governos federal e estadual, para incentivar o aumento do investimento privado em inovação: BNDES-Funtec, Embrapii e Fapesp-PITE. Em São Paulo o investimento das empresas é maior, e alcançamos 1,6% do PIB, o que nos coloca em patamar semelhante à Espanha, por exemplo. No entanto, os espanhóis depositam mais patentes e exportam mais que o Brasil. Precisamos então de um critério alternativo. Escolher um indicador e trabalhar para melhorá-lo exigirá que sejamos melhores planejadores do que temos sido. Câmbio, impostos, gastos públicos, inflação e juros são índices relevantes no curto prazo, mas o problema da competitividade é estrutural, e não apenas conjuntural. Qual seria esse índice? Qual o critério para escolher um indicador? Ele deve permitir comparações com outros países. Com o passado e com nossos competidores, num ranking global. Saber em que posição está o Brasil em relação ao planeta. Gostamos de ser a oitava maior economia do mundo. Existem rankings globais de competitividade. O World Economic Forum, sediado em Davos, estima a competitividade dos países com base em mais de 100 parâmetros, reunidos em 12 conjuntos, um deles a Inovação. Em 2014 o ranking de competitividade colocou o Brasil em 57º lugar entre 144 países. Mas no item inovação, que aqui nos interessa, estamos em 62º lugar. Nossa nota neste quesito prejudicou o ranking de competitividade do Brasil. Curioso é que o Global Innovation Index, baseado numa nota que é a composição de 81 parâmetros, legou-nos uma colocação parecida: O País está em 61º lugar entre 143 países. Parece que nosso lugar é mais ou menos esse. Uma reflexão sobre como melhorar nossas 81 notas deveria ajudar a estabelecer os programas, priorizar investimentos. É importante objetivar a discussão sobre os obstáculos culturais que nos atravancam. Não podemos continuar tendo apenas 0,3% das patentes do mundo, se nossa economia tem 3% do PIB do planeta. Ou apenas 1,2% das exportações mundiais. Toda nova gestão de governo tem o dever de construir um Plano Plurianual no primeiro ano de mandato. Um dos Objetivos Estratégicos do governo estadual para 2016-2019 antevê uma economia paulista competitiva, voltada para inovação tecnológica, incremento da produtividade e geração de empregos de boa qualidade. A inovação tinha mesmo que estar lá. A primeira tarefa é escolher um indicador de impacto, pelo qual acompanharemos nossa evolução nos próximos anos. Bem mais difícil será organizar programas que criem condições favoráveis para alcançarmos os desejados objetivos estratégicos. Temos muito trabalho pela frente. FERNANDO JOSÉ GOMES LANDGRAF, 60, diretor presidente do IPT - Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-08-27
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/08/1674049-somos-bons-de-inovacao.shtml
Andar pra frente
Coordenada pelo Ministério da Educação, está a pleno vapor a construção de uma proposta de Base Nacional Comum, documento que deve definir o que os alunos têm direito de aprender ao longo da Educação Básica. Felizmente, o debate sobre a Base está crescendo e incluindo novos atores. Está na pauta da imprensa e é tema de artigos de especialistas de diferentes áreas, de mesas de congressos em todo o país, de conversas de gabinete e de bastidores. O motivo de tanto debate é sua reconhecida importância como política pública, a diversidade de opiniões sobre seu conteúdo e também o modo como ela deve ser construída. Não poderia ser de outro modo. Afinal, definir o que nossas crianças e jovens vão aprender vai além de uma questão educacional: trata-se também de um projeto de nação. Contudo, apesar de ser uma etapa importantíssima, não podemos nos deixar encantar pela tarefa como se ela fosse um fim em si própria. Ter uma Base Nacional Comum bem definida é fundamental para alcançarmos justamente aquilo que parece ser contraditório a ela: escolas com mais autonomia e identidade própria. Curiosamente, a origem etimológica da palavra "base" não tem nada de estático. Do grego basís, quer dizer "andar com os pés". Ou seja, é necessário ter uma base que sirva de apoio para seguirmos adiante. Ela é condição para que aquilo que realmente importa seja efetivado: a aprendizagem, para que nossas crianças e jovens possam compreender, analisar e transformar o mundo cada vez mais complexo do século 21. Para isso, é necessário outro modelo de escola, mais articulada com o projeto de vida dos alunos, que os motive, os impulsione a andar com os próprios pés. Que seja a base. A base, obviamente não é o todo. Não pode ser. É fundamental que ela seja implementada como ponto de partida para algo muito mais ambicioso: assegurar e favorecer o trabalho criativo, inovador e contemporâneo de professores e escolas. É preciso que tenhamos total clareza da articulação da Base com as demais políticas educacionais, para não errar o alvo e não a tornar uma amarra, nivelando por baixo ou padronizando. A implementação é de fundamental importância, pois é uma fase que, se mal executada e mal articulada, pode destruir uma oportunidade extraordinária. O Brasil é excepcional formulador de novas leis e políticas públicas. Mas damos atenção infinitamente menor à execução. Para dar um exemplo de má implementação na Educação, a Progressão Continuada, que deveria garantir o progresso dos alunos ano a ano, com reforço escolar contínuo, efetiva-se como uma aprovação automática, que os empurra pelo sistema sem garantir sua aprendizagem e acaba por expulsá-los da escola. Nesse sentido, a Base Nacional Comum só terá efeito positivo com o absoluto compromisso de todos em fazê-la disparar as mudanças necessárias à modernização do nosso sistema educacional –tanto na avaliação de larga escala com melhores devolutivas e análise de contexto como na produção mais diversificada de materiais de apoio pedagógico e de gestão escolar e na formação inicial e continuada dos professores, para que eles possam ir muito além do que está na Base. A obsessão deve consistir em estimular uma nova forma de fazer e garantir Educação de qualidade para todos. Uma árdua tarefa. Mas, no campo da Educação, não há meia medida quando se trata de atingir a qualidade necessária. PRISCILA CRUZ é fundadora e diretora executiva do movimento Todos Pela Educação e mestre em Administração Pública pela Harvard Kennedy School * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-08-25
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/08/1672986-andar-pra-frente.shtml
O Estado Islâmico pode ser vencido?
O grupo terrorista Exército Islâmico do Iraque e do Levante, ou simplesmente Estado Islâmico (EI), completou um ano de atividades em 29 de junho deste ano. Diferentemente de outros grupos terroristas e de seu gênesis, a Al-Qaeda, trata-se de uma organização militar organizada com recursos financeiros, liderança e unidades de combate, composta por ex-agentes do serviço secreto e militares experientes do antigo Exército e da Guarda Republicana de Saddam Hussein, desmobilizados com a invasão do Iraque pela coalizão. Estas características têm possibilitado manter e consolidar o califado que autoproclamou em zonas territoriais da Síria e do Iraque, por meio de ataques coordenados, armas modernas, uso de tecnologias digitais como WhatsApp e redes sociais –Facebook e Twitter– somadas as barbáries contra os inimigos como ferramenta de intimidação. Um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) aponta que o grupo já praticou mais de 60 ataques terroristas em diversos países, portanto, fora da zona de combate, com mais de mil vítimas fatais. Um fenômeno que chama a atenção e ainda pouco compreendido é o fato de que, mesmo com os atos de barbárie humana cometidos como decapitações, crucificação e a queima de pessoas vivas, ainda contam com uma legião de colaboradores e simpatizantes em todo o mundo, e tem atraído cada vez mais pessoas com sua ideologia extremista global, utilizando-se das tecnologias contemporâneas como propaganda. Estimativas oficiais apontam que cerca de 12 mil cidadãos de diversas nacionalidades já aderiram a sua ideologia e atuam no EI o que representa um grave problema de segurança interna para estes países. Isto porque ao retornarem a seus países de origem, estarão aptos a atuar como células adormecidas, prontas para agir mediante convocação de seu Califa, Al-Baghdadi, ou por iniciativa própria, o que ainda é pior. Em especial, este fator torna estas ações praticamente impossíveis de serem detectadas mesmo com a adoção de medidas protetivas, pois o inimigo, desta vez, tem a mesma face. Diante desta conjuntura, constata-se que o EI não é apenas mais um grupo terrorista, mas uma tendência que inobstante seus métodos, cresce e se fortalece na região do Oriente Médio, na promessa de uma nova Nação (califado) que trará prosperidade e desenvolvimento, afastando-se de imposições e políticas intervencionistas do Ocidente. A questão central é se o Estado Islâmico pode ser vencido? Parte desta resposta está em uma mudança de paradigma do Conselho de Segurança da ONU, expresso na Resolução nº 2.178 de 24 de setembro de 2014 quando reconhece que o terrorismo internacional já não pode ser vencido apenas com o emprego de forças bélicas, sugerindo a seus Estados-membros o fortalecimento das medidas de segurança interna. Contudo, tais ações também não têm surtido os efeitos desejados e os exemplos da Austrália e dos dois atentados na França parecem reforçar esta hipótese. Enquanto nesta discussão, o poder territorialista como organização estruturada se consolida e se expande. ANDRÉ LUÍS WOLOSZYN, 51, especialista em segurança estratégica e contraterrorismo, é diplomado pela Escola Superior de Guerra e diretor do Instituto de Seguridad Global (Brasil-Espanha), * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-08-24
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/08/1672120-o-estado-islamico-pode-ser-vencido.shtml
Presidente reeleito pode sofrer impeachment por ato realizado em mandato anterior? Sim
PODER E RESPONSABILIDADE A presidente Dilma Rousseff terá suas contas do ano passado julgadas, depois de ganhar alguns dias de respiro, pelo TCU (Tribunal de Contas da União). A possibilidade de ela sofrer um processo de impeachment torna-se viva se as contas de 2014 foram rejeitadas. Antes, porém, será preciso definir um pressuposto legal: é cabível ou não processo de impedimento do presidente da República reeleito, por atos praticados no exercício da função no mandato anterior? A Constituição Federal e a lei nº 1.079/50 não preveem expressamente tal possibilidade, mas também não trazem explícita vedação. A Constituição, ao tratar da responsabilidade do presidente da República, é silente. Apenas o parágrafo 4º do artigo 86 estabelece que "o presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções". Ou seja, um presidente não pode ser responsabilizado, por exemplo, por um escândalo sexual. Mas não está se exigindo, por outro lado, que a responsabilização se dê por "ato praticado no exercício do próprio mandato". Se o fizesse, vedaria o impeachment por ato funcional do mandato anterior. A lei nº 1.079/50, no artigo 15, ao tratar do processo e julgamento do presidente da República, prevê que "a denúncia só poderá ser recebida enquanto o denunciado não tiver, por qualquer motivo, deixado definitivamente o cargo". Então, se o presidente foi reeleito, e ainda não deixou o cargo no segundo mandato, não me parece haver um óbice para o processo de impedimento, mesmo que tenha sido por ato praticado no exercício da função no primeiro mandato. A lei não veda tal possibilidade. Não se pode ignorar, porém, que a Constituição, em sua redação original, e a lei nº 1.079/50 não foram elaboradas para uma sistemática eleitoral que admitisse a reeleição do presidente da República. Tal possibilidade só ocorreu com a Emenda Constitucional nº 16, de 1997. Nos sistemas que admitem a recondução, o impeachment por ato anterior é perfeitamente viável e necessário. Deve ser admitido o processo de impedimento por crime de responsabilidade cometido no exercício da função, por ato do mandato anterior, desde que o presidente seja reeleito e reinvestido na Cargo. Como explica Paulo Brossard em seu livro "O Impeachment", de 1965, "o fim do processo de responsabilidade é afastar do governo ou do tribunal um elemento mau; não se instaura contra governo renunciante, porém atinge o reconduzido". A lógica do processo de impeachment é que não há poder do presidente sem respectiva responsabilidade pelo exercício do mandato. Sendo possível a reeleição, com o pleito ocorrendo três meses antes do término do mandato, a impossibilidade de impeachment por ato do primeiro mandato significaria na prática que haveria um "bill de indenidade" para os atos nos momentos derradeiros, mas decisivos do mandato, pois não haveria tempo para um processo de impedimento. Se perdesse a reeleição, com o término do mandato, deixaria o cargo e perderia sentido o impeachment. Se fosse reeleito, o ato maléfico praticado no mandato anterior não seria passível de responsabilização. O político violador da Constituição se reelegeria e não poderia ser impedido de continuar no cargo por infrações recentes, mas do mandato anterior. Seria a irresponsabilidade temporária, no período que mais se necessita de responsabilidade. Poder sem responsabilidade é incompatível com Estado de Direito, mesmo para governante que o recebeu eleito pelo povo. Como lembra Raul Pilla, em "Presidencialismo, Parlamentarismo e Democracia", "governo irresponsável, embora originário de eleição popular, pode ser tudo, menos governo democrático". GUSTAVO BADARÓ, 43, é professor de direito penal da Faculdade de Direito da USP, é sócio do escritório Badaró Advogados * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-08-22
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/08/1672125-presidente-reeleito-pode-sofrer-impeachment-por-ato-realizado-em-mandato-anterior-sim.shtml
Pela manutenção do exame da Ordem
Como sucede em dezenas de países mundo afora, mesmo aqueles conhecidos pela excelência de seu ensino superior, como é o caso dos Estados Unidos, França ou Reino Unido, o graduado em direito - isto é, o bacharel - para se tornar advogado precisa ser aprovado numa prova aplicada pela OAB e conhecida como exame de Ordem. Como afirma com propriedade o Presidente da OAB/SP Marcos da Costa, o exame de Ordem não é um instrumento de proteção da advocacia, mas sim da cidadania, na medida em que visa a assegurar mínima qualificação para aqueles que têm a relevante tarefa de patrocinar direitos alheios. E a importância desse filtro é revelada com a eloquência dos números: a aprovação nunca supera a marca de 20%, e o número de bacharéis que não lograram êxito já passou da casa de 3 milhões. E não se pense que o exame é só para sumidades: sua dificuldade é quando muito mediana. Mas há interesses contrários ao exame, vinculados não à massa dos despreparados, porque eles normalmente são inocentes no despreparo, mas a quem assim os forma, pois esses sim estão conscientes do embuste que vendem à guisa de ensino. É grei poderosa, já que o Brasil é de longe o país que mais cursos de direito possui no mundo - 1.300, na sua maioria abaixo da crítica (os EUA, com população maior, conta com 232, para ficar num exemplo). Fruto da atuação desse influente lobby, os advogados fomos brindados, no dia em que se celebra a nossa profissão, 11 de agosto, com o avanço dessa formidável ameaça ao seu exercício - a aprovação, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, de projeto de lei que extingue a exigência de aprovação no exame de Ordem. O STF já teve a oportunidade de proclamar a constitucionalidade do exame de Ordem: cabe mesmo à lei impor requisitos de qualificação profissional. Mas do alto de sua sabedoria jurídica de engenheiro civil, o Relator na CCJ da Câmara, Deputado Ricardo Barros, decretou que o STF estava errado, e certo ele. Sem temor à gafe, a Excelência diz que o exame, criado, nos moldes atuais, em 1994, somente se justificava "na mentalidade do Império de onde se originou", quando na monarquia não havia nem exame e nem OAB –ao contrário, na linha do ideário da Revolução Francesa, a Constituição de 1824 aboliu as "corporações de ofício". Diz o deputado que se presume qualificado quem concluiu uma faculdade. Mas como se viu dos resultados do exame essa presunção é falsa, e não se pode, por conta dela, inundar o país com profissionais ineptos, que certamente porão a pique o direito dos incautos que lhes confiarem as causas do mesmo modo como naufragaram nos exames que prestaram. Para arrematar, o presidente da Câmara, o notório Deputado Eduardo Cunha (autor ele de um dos projetos contrários à prova), disparou no Facebook, dentre outros vitupérios, que o exame seria "nefasto e corrupto", sendo a OAB "um cartel". A Ordem, como toda instituição humana, merece críticas, mas de cartel não pode ser acusada, pois cartel é um ajuste entre 2 ou mais agentes para burlar a concorrência –não, o nobre deputado tem a língua viperina, mas não sabe bem do que está xingando. Já a acusação contra a lisura do exame é mil vezes leviana. Mas às invectivas do deputado talvez se aplique a resposta do senador Nabuco de Araújo a uma acusação do Visconde de Mauá: quem julga os outros por si mesmo não comete injúria. RICARDO TEPEDINO, advogado, é membro do Conselho Seccional da OAB-SP e sócio do escritório Tepedino, Migliore e Berezowski Advogados * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-08-22
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/08/1672110-pela-manutencao-do-exame-de-ordem.shtml
Presidente reeleito pode sofrer impeachment por ato realizado em mandato anterior? Não
GARANTIAS REPUBLICANAS A aplicação do impeachment ao presidente da República face à prática de conduta típica –ilícita– no exercício de suas funções é um recurso excepcional e que demanda o acolhimento de uma compreensão da Constituição à luz dos princípios republicano e democrático, devendo-se evitar a compreensão literal e isolada dos artigos 85 e 86 da Carta e da lei nº 1.079/50. Como se sabe, a investidura de um mandado representativo submete os agentes públicos ao exercício do múnus, ou seja, a um conjunto de deveres e responsabilidades, em benefício da coletividade. Trata-se de uma decorrência do princípio republicano, que é o alicerce do Estado brasileiro. Em outras palavras, ao longo do exercício do mandato popular, os representantes podem ser responsabilizados por atos praticados no decorrer deste mesmo mandato. Em regimes presidencialistas, o chefe de governo e de Estado –reunidos em uma só pessoa– pode sofrer o impedimento de seu mandato pelo Legislativo, mas apenas com a comprovação de condutas caracterizadoras de ilícitos e mediante métodos processuais que garantam ampla defesa e contraditório. Conforme estipulado no artigo 85 da Constituição, o presidente poderá sujeitar-se à excepcional medida de perda do mandato por infração político-administrativa, desde que preenchidos determinados requisitos. Eles compreendem, basicamente, uma intencional violação do dever e a prática de conduta típica no exercício do mandato atual. É importante ressaltar que, especificamente com relação à questão da prática de conduta típica, para que o mandatário sofra impedimento, a conduta em questão necessariamente deve estar vinculada ao mandato vigente, e não ao anterior, em consonância com o caráter republicano das representações populares, marcadas, essencialmente, pela periodicidade dos mandatos. Por essa razão é que a possibilidade, em tese, de reeleição não significa que ambos os mandatos –cada um de quatro anos– serão considerados um mesmo período para fins de responsabilização político-administrativa. Para os chamados agentes políticos não se aplica a regra da continuidade administrativa incidente sobre os agentes públicos, que possuem vínculo profissional com o Estado. Para estes, a habilitação técnica os qualifica a entreter relação que se prolonga no tempo, sem qualquer descontinuidade. No caso do presidente da República, sua reeleição não faculta que seja responsabilizado por ato pretérito, praticado no primeiro mandato. Ademais, os requisitos jurídicos para a cominação por infração político-administrativa ao presidente da República deve seguir uma tipologia constitucional estrita. Isso significa que o crime de responsabilidade deve ser compreendido à luz do princípio republicano, o qual é assinalado pela eletividade, pela responsabilidade e, essencialmente, pela periodicidade dos mandatos. Nesse cenário, não há possibilidade de impeachment do presidente da República por ato praticado em mandato anterior. A Carta conferiu ao presidente todas as garantias do regime republicano-representativo, sem o qual estaria inviabilizado o exercício da relevante função pública de chefia do Estado e do governo, imunizando-o de oportunismos ilegítimos. É preciso cuidado para que, no Brasil, não se reproduzam os golpes de Estado e medidas de exceção que ocorreram, por exemplo, em Honduras e no Paraguai. O Brasil possui uma dimensão e solidez democráticas incompatíveis com medidas dessa natureza, as quais, em última análise, podem ter repercussões catastróficas para a vida do nosso povo. PEDRO ESTEVAM SERRANO, 52, é professor de direito constitucional na PUC-SP e sócio do escritório Teixeira Ferreira e Serrano Advogados Associados * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-08-22
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/08/1672129-presidente-reeleito-pode-sofrer-impeachment-por-ato-realizado-em-mandato-anterior-nao.shtml
O problema da falta de licença
Atualmente, para que uma empresa funcione regularmente na capital paulista, ela necessita de uma licença, ou seja, do alvará de funcionamento. Não basta ter CNPJ, IE e CCM e, nem mesmo, pagar a TFE (Taxa de Fiscalização). A legislação vigente é implacável: se o empresário sofre fiscalização e não tem esta licença, ele tem poucos dias para regularizar sua situação, podendo ter sua empresa fechada em menos de um mês. A Prefeitura estima que apenas cerca de 20 a 30% das empresas em funcionamento na cidade têm o alvará de funcionamento. Isso nos leva à seguinte pergunta: quando mais de 70% dos estabelecimentos não conseguem uma licença obrigatória, o problema está nas empresas? Ou está na lei? A Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo –mais conhecida como Lei de Zoneamento– determina que, para que o empresário obtenha a licença, ele precisa comprovar a regularidade do imóvel onde está instalado. Como a maior parte do parque edificado da cidade é irregular, o empresário não consegue a licença. Resolver a regularidade das edificações é um enorme desafio, para o qual não existe, ainda, uma alternativa apontada. Leis de anistia foram ineficientes no sentido de regularizar as edificações. Esta questão precisa ser tratada de modo estrutural e não será resolvida em pouco tempo, mesmo que o Executivo sinalize essa intenção - e isso ainda não ocorreu. Como lidar com este descompasso presente em nossa cidade? No que diz respeito às atividades econômicas, a Associação Comercial de São Paulo (ACSP) defende que exigir atestados técnicos comprovando a segurança e a salubridade destas edificações –ao invés de um documento comprovando regularidade– é uma alternativa para lidar com os empecilhos e, ainda, garantir mais segurança aos usuários. Enxergar e tomar como base a cidade existente para as propostas de Revisão da Lei de Zoneamento, sendo elaborada neste momento pelo Executivo, é o desafio que se coloca. Um clamor que vem por parte dos movimentos de moradia, presentes em grande parte do território ocupado por habitações informais. Clamor que vem, também, de áreas periféricas ou centrais ocupadas por atividades econômicas. Para ilustrar a situação em que se encontram as proposições da Minuta do Projeto de Lei disponibilizada pela Prefeitura até agora, áreas com comércio pujante e existente há anos ficarão na berlinda da irregularidade. Partes da avenida do Cursino, da avenida Indianópolis e da rua São Benedito, por exemplo, não podem mais ter comércio de âmbito local (casa de carnes, adega, mercearia, entre outros). Avenida Europa e avenida Gabriel Monteiro da Silva não podem ter mais locais de exposição (show rooms). Nesta situação estão centenas de ruas de comércio e serviços na cidade. Outra grande preocupação com a atual minuta é a complexidade do texto e dispositivos contrários a bandeiras tão caras defendidas pela ACSP, como a simplificação e a desburocratização. Neste ponto, a ACSP elaborou propostas para implementação de uma lei com normas de ocupação realmente baseadas em índices de incomodidade e medidas mitigadoras, e não em tabelas genéricas feitas em gabinetes, conceito adotado na lei vigente - e que não se mostra eficiente para conciliar os territórios residenciais e não residenciais na cidade. Por outro lado, propostas importantes para a atividade empresarial –em especial a de pequeno porte e localizada em áreas periféricas– estão contempladas nesta minuta, como a não exigência de vagas de estacionamento para atividades instaladas em edificações menores de 250 metros quadrados. O Executivo aproveitará a chance de criar uma lei simplificada, para que todos entendam e cobrem sua aplicação e que considere a cidade que existe de fato, a cidade real? Diante de todas essas distorções, precisamos avaliar se a revisão da lei vai resolver esses problemas reais da cidade –ou se vai dar regras a quem não terá a menor condição de cumpri-las. ALENCAR BURTI, 84, presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-08-21
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/08/1670955-o-problema-da-falta-de-licenca.shtml
Sobre drogas e masmorras
O debate sobre a descriminalização do consumo de drogas é mundial, e chegou a vez de o Brasil protagonizar essa discussão. O STF (Supremo Tribunal Federal) vai decidir em breve se é ou não crime portar drogas para uso próprio. Hoje é crime, mas a pena para o infrator, em vez de prisão, é a aplicação de medidas socioeducativas, como prestação de serviços à comunidade. A decisão do colegiado de ministros vai pacificar o entendimento do Judiciário sobre o assunto e produzirá efeitos automáticos sobre milhares de ações que tramitam na Justiça em todo o país. Eu sou contra. O segmento evangélico é contra. As lideranças dos cristãos católicos têm o mesmo entendimento. Marchamos juntos nessa batalha. Somos contra a descriminalização não porque queremos que o dependente seja castigado, encarcerado. O viciado precisa ser tratado como paciente, receber acolhimento que lhe dê suporte, buscar a reabilitação e, então, se preparar para voltar ao convívio em sociedade, novamente senhor de sua consciência, responsável por suas atitudes, com direitos e deveres de cidadão. Cabe às famílias e ao Estado prover esse amparo, mas, por vários motivos, a ação dessas instituições se mostra insuficiente e/ou ineficaz. As políticas públicas priorizam o combate às consequências do tráfico, que alimenta os índices de violência no país inteiro. Até por falta de meios, recursos humanos e materiais, o Estado se volta para a repressão, mas o problema persiste e aumenta na origem, ou seja, na desigualdade social, no sistema de saúde e ensino minguados. É no vácuo deixado pelas instituições que o consumo de drogas se espalha, contamina a sociedade e alimenta o tráfico. Jovens vivem sob o chamado "gatilho": quando se sentem deprimidos ou decepcionados com algo, buscam abrigo nas drogas. É fato que a legislação em vigor não define de forma clara, com critérios técnicos, exatamente a fronteira entre usuário e traficante. Também é fato que esse defeito da lei fez disparar o número de condenados pelo crime de tráfico, o que certamente contribuiu para a superlotação das cadeias. Além da pena, o infrator recolhido ao sistema penitenciário paga pelo crime com a própria dignidade, destruída pela vida nas masmorras em que se transformaram as prisões no Brasil. É no calor da superlotação do sistema prisional que se debate a descriminalização das drogas no Brasil, como se isso fosse a solução para o problema. Se hoje a lei considera o porte de drogas crime, o Estado vem perdendo a guerra contra a dependência e o tráfico, imaginem o que poderá ocorrer se não houver restrições a fumar maconha, cheirar cocaína ou fumar crack. Vamos pensar que, por um azar do destino, um motorista de ônibus tenha ido trabalhar sob o efeito de maconha ou cocaína. Não seria exagero admitir que dezenas de vidas estariam sob risco durante o trajeto. E se isso ocorresse com um controlador de voo? Seguir essa linha é apostar na solução de um problema criando outros, que têm potencial de dano à sociedade bem maior que as consequências do vício. Tenho fé e trabalharei até o último segundo possível para que os ministros do STF não banquem essa aposta. ROBSON RODOVALHO, 58, físico, é presidente da igreja evangélica Sara Nossa Terra. Foi deputado federal pelo Distrito Federal (2006-2010) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-08-19
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/08/1670434-sobre-drogas-e-masmorras.shtml
Saída mais elegante para Dilma Rousseff é a renúncia, afirma leitor
A presidente não tem apoio do Congresso e, muito menos, do povo. O povo brasileiro já foi às ruas três vezes neste ano para pedir a ela que abandone o cargo. Os índices econômicos e financeiros mostram claramente que o país está em rota de colisão. É impossível governar desse jeito. A saída mais elegante para Dilma é a renúncia (FHC diz que renúncia seria 'ato de grandeza' de Dilma). JOSÉ CARLOS SARAIVA DA COSTA (Belo Horizonte, MG) * * Fernando Henrique Cardoso e Dilma Rousseff têm poucas diferenças, mas, em um ponto, são quase gêmeos: jamais pensaram no Brasil como uma nação. MARCOS SGARABOTO (Brasília, DF) * O PSDB está desesperado para achar um meio de voltar ao poder. Enquanto as pedaladas de Dilma não forem julgadas, não há por que os tucanos considerarem o governo da petista ilegítimo. Se o impeachment acontecer, Aécio e companhia terão de esperar o fim do mandato para depois pensar em concorrer à cadeira do Palácio do Planalto. FHC, ato de grandeza é respeitar o processo democrático. DANIEL CAMARGO (Curitiba,PR) * Opinião de FHC sobre Dilma ganha manchetes. Bastante interessante o grande espaço oferecido ao ex-presidente tucano e a generosa repercussão que a mídia lhe oferece. Curiosamente, durante períodos eleitorais, muitos de seus correligionários sequer querem deixá-lo falar –pior, alguns fingem até que ele não existe! SIDNEI JOSÉ DE BRITO (São Paulo, SP) * O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso pede, em gesto de grandeza, a renúncia da presidente Dilma Rousseff em virtude de toda a crise. A questão é que, além do ex-presidente, outros caciques do PSDB pedem novas eleições. Só se esquecem que se, isso realmente acontecer, Lula poderá se candidatar sem nenhum problema. E do jeito que a oposição está desarticulada e sem discurso único, o PT governa por mais quatro anos. ANDRÉ PEDRESCHI ALUISI (Rio Claro, SP) * FHC, o senhor também poderia ter feito esse "ato" quando o Brasil agonizou sob sua administração. É surpreendente como os sujos sabem falar dos mal lavados. SÉRGIO EDUARDO MAURER (Taubaté, SP) * O fato mais marcante nas manifestações foi a demonstração de desrespeito e ódio a Lula. A maioria dos manifestantes era da classe média que, no governo Lula, teve condições favoráveis de crédito e financiou casa, comprou carro zero e foi a Miami. AMAURI ALVARES (Marília, SP) * O que se viu em mais um domingo movido a partidarismo político e preconceitos, travestidos de "protestos populares"? As mesmas caras, o mesmo palavreado, a mesma ausência do povo propriamente dito. Nada aconteceu além da mesmice. A habitual contagem "superfaturada" mostra que a alardeada "voz das ruas" não atingiu miserável parcela de 0,4% da população. UDOVALDO J. EID (Curitiba, PR) * Renan Calheiros disse um monte de obviedades (A saída da crise). A coisa mais importante o senador não citou: como colocar na cabeça do locador de limusines de San Francisco que o Brasil é um país sério (Itamaraty atrasa pagamento de aluguel de carros nos EUA)? PAULO ABREU (Brasília, DF) * Renan Calheiros acena com uma crítica da realidade, e do presente, ao afirmar que "é um equívoco subordinar os interesses do país às aspirações políticas ou partidárias". Cabe lembrar que, nessa época acelerada em que vivemos, uma capacidade que vem mudando pouco é a de acreditar na seriedade de nossos políticos. Portanto, ao ler o artigo de Renan, surge uma pergunta que não quer calar: o senador ensina melhor o que mais precisa aprender ou brinca com a nossa memória e capacidade de reflexão? PAULO FERNANDO CAMPBELL FRANCO (Santos, SP) * É gravíssimo um governo falido, que submete o povo às agruras econômicas, gastar US$ 100 mil para transportar uma comitiva gigante com limusines, vans, ônibus e até um caminhão. Não há dinheiro para os aposentados, mas cortar várias despesas desnecessárias nem pensar. LEILA E. LEITÃO (São Paulo, SP) * PARTICIPAÇÃO Os leitores podem colaborar com o conteúdo da Folha enviando notícias, fotos e vídeos (de acontecimentos ou comentários) que sejam relevantes no Brasil e no mundo. Para isso, basta acessar Envie sua Notícia ou enviar mensagem para leitor@uol.com.br
2015-08-19
paineldoleitor
Painel do Leitor
http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2015/08/1670524-saida-mais-elegante-para-dilma-rousseff-e-a-renuncia-afirma-leitor.shtml
Centralização de poder e ruptura da República
Para muitos brasileiros a retirada do atual governo executivo parece ser a resolução adequada de vários problemas estruturais que o Brasil enfrenta. Depois de varias manifestações e uma marcha heroica de jovens pelo impeachment, será que esses objetivos estão alinhados com o que o Brasil precisa? Poucos tem a consciência de que o problema maior não é a falta de ética e legitimidade do atual governo mas sim o fator que tornou esse governo tão relevante: centralismo de poder federal. Por quê isso é relevante neste momento? Há somente dois fatores históricos fundamentais que, são comprovadamente forças causadoras de aspectos negativos em nossa evolução como país: o primeiro é nossa escolha recorrente por modelos de governo centralizadores e o segundo é a nossa dependência do Estado Federal como provedor de bem estar social. No século 19, a primeira constituição brasileira limitava o poder de D. Pedro I, mas era explicita em centralizar o poder político e econômico na capital do Império. Ao final do século 19 o modelo centralizado já se demonstrava inadequado para atender as necessidades básicas das diversas localidades do Império. Para corrigir isso, a primeira constituição republicana tentou por decreto conclamar o Brasil como uma federação de estados membros autônomos e limitar os poderes da união. No entanto seu efeito não durou muito, logo no inicio do século 20 essa constituição já falhara com seu intento inicial e o poder político e econômico voltou a ser centralizado nas mãos das oligarquias. Varias outras constituições brasileiras subsequentes declararam o Brasil como federativo mas todas também falharam neste quesito. Na atual constituição de 1988 o resultado não foi diferente. Na Constituição de 1988, foi nítido o seu intento federalista, e até mesmo municipalista, mas por ironia ela tornou possível a centralização no poder federal de maneira nunca antes vista. Ao se auto-intitular "Cidadã", esta Constituição auferiu ao Estado Federal a defesa de vários direitos individuais. Para um governo populista como o atual, bastou uma leitura desviada da carta magna de 1988 para justificar poderes federais ilimitados e passar a sugar ainda mais recursos dos contribuintes. Em função desta centralização, nos quase 130 anos de República um ciclo reruptura constitucional se formou com reincidência alarmante: o que gerou a criação de outras constituições - 6 constituições até agora. Neste ciclo um governo oligárquico centraliza o poder, altera leis e emendas para manter benefícios e afasta forças oposicionistas do dialogo político. Essas forças alienadas alimentam a formação de um governo rival, invariavelmente populista. Uma vez no poder, o governo populista também viola a constituição para extrair benefícios e se manter no poder. Em nenhum momento de nossa historia republicana surgiram lideres republicanos com desejo de descentralizar fortalecendo a independência de instituições e reforçar a autonomia dos estados membros. Por quê? A resposta curta está no eh necessário para controlar do poder político. Com o poder político fragmentado entre os estados membros fica mais difícil de controlar a nação com um todo. É esse desejo de controle total do estado que é o elo comum de populistas e oligarcas. Ambos precisam de governo centralizado para poder controlá-lo. Este ciclo de alternância de poder entre oligarquias e populistas só será rompido quando houver descentralização efetiva do poder político e econômico. Países federativos como Canadá, Suíça, Alemanha e Estados Unidos denotam governos livres deste ciclo negativo desde sua formação (desde o pós-guerra no caso da Alemanha). Nestes países, forças políticas de oligarcas e populistas permanecem fragmentadas por isso não criam raízes fortes o bastante para romper a ordem constitucional da federação. Se o Brasil fosse de fato um pais federativo, com o poder da união limitado e os estados membros mais autônomos e representativos, pode-se dizer que o Brasil não estaria vivendo tamanha instabilidade estrutural, a beira de mais uma ruptura constitucional. Também pode-se dizer que com estados membros retendo a maior parte dos tributos em seu território e no comando de alocação de seus recursos, o governo local seria mais representativo. Com isso boa parte das frustrações básicas dos contribuintes nas ultimas manifestações rua estariam mitigadas. Portanto mais do que remover uma presidente incompetente é necessário federalizar de fato o sistema de governo tornando o custo do desgoverno do poder central inócuo. A criação de uma República Federativa de fato, com poderes federais limitados, instituições e estados membros independentes, com praticas transparentes e políticos representativos do contribuinte não surge naturalmente. Requerem ativismo focado, profundo e constante. Para aqueles movimentos de rua que acabaram de acordar para esta perspectiva, um novo objetivo está lançado. LUIZ PHILIPPE DE O. BRAGANÇA, 46, empresário, é um dos fundadores do Movimento Acorda Brasil * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-08-17
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/08/1668990-centralizacao-de-poder-e-a-ruptura-da-republica.shtml
Programa Mais Médicos vem sendo eficaz? Não
A VERDADE OMITIDA As medidas governamentais improvisadas e, por consequência, provisórias, muitas delas editadas com nítido interesse eleitoral, como as que deram origem ou estimularam o consumo com uma pseudoinclusão social –sem investimentos em educação, tecnologia e infraestrutura– determinaram uma grave crise política, a volta da inflação e da recessão no país. A lei que instituiu o Mais Médicos decorre da aprovação legislativa de mais uma dessas medidas de exceção e desprovida de razão. Decorridos dois anos da implantação desse programa do governo com base em publicidade milionária e falaciosa, continuam as divulgações de dados estatísticos sob seus resultados, sem informações das metodologias utilizadas nas pesquisas, na tentativa de se evitar as críticas que possam tornar evidentes as suas inconsistências. Propaga-se, por exemplo, o maior controle de morbidades, como hipertensão arterial e diabetes, de modo paradoxal às conclusões emitidas pelo TCU (Tribunal de Contas da União) em seu relatório de auditoria sobre o Mais Médicos. Entre outros pontos levantados, o TCU constatou a fragilidade do sistema de supervisão e de tutoria do programa. Concluiu, por meio do cruzamento de informações, que dos 13.790 inscritos na época da verificação, 4.375 (31,73%) não possuíam supervisores indicados. Os auditores também revelaram que em 49% dos primeiros locais atendidos pelo programa com a chegada dos bolsistas, houve dispensa de profissionais anteriormente contratados pela rede pública. Assim, fica fácil de constatar que há menos médicos e menos saúde. Em nove meses, o total de médicos nessas localidades passou de 2.892 para 2.288. Ocorreu a diminuição no volume de consultas médicas em 25% dos municípios. Outras distorções ressaltam a precariedade do programa. Por exemplo, a lei nº 12.871/13 determina que até outubro de 2018 o governo dote as Unidades Básicas de Saúde com equipamentos e infraestrutura de qualidade. Contudo, é evidente que sem financiamento e gestão adequada essa meta não será atingida. O atual ritmo do Programa de Aceleração do Crescimento na área da saúde é indício dessa dificuldade do governo federal. Após quatro anos de seu lançamento, de 14.425 obras prometidas em Unidades Básicas de Saúde, mais de 2.100 sequer saíram do papel. De modo complementar, o corte de quase R$ 13 bilhões no orçamento do Ministério da Saúde, em 2015, compõe esse perverso ciclo, alimentado pela carência de recursos e pela descontinuidade de ações administrativas em Estados e municípios, além da leniência e da corrupção. Não se pode ignorar a falta de assistência à população em regiões longínquas e até em áreas metropolitanas. Portanto é natural que alguém se apresentando como médico e ouvindo as queixas dos pacientes faça surgir a esperança de atenção à saúde, que, no entanto, não se traduzirá em fatos concretos, em respostas efetivas, mas apenas em expectativas de caráter paliativo. Quando há incentivo e condições de trabalho não existe falta de médico no Brasil para ocupação dos postos de trabalho nestas regiões. O Estado precisa oferecer infraestrutura adequada para que o atendimento seja realmente eficaz e valorize recursos humanos nacionais, oferecendo aos médicos e às equipes multiprofissionais acesso à educação continuada, possibilidade de progressão funcional e remoções por mérito e tempo de serviço, no contexto de uma carreira de Estado. O país ganhará com essas medidas bem planejadas uma verdadeira assistência à dignidade, à saúde e à vida dos 150 milhões de brasileiros dependentes do SUS. Haverá mais médicos e mais saúde. CARLOS VITAL TAVARES CORRÊA LIMA, 65, é presidente do Conselho Federal de Medicina * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-08-15
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/08/1668999-programa-mais-medicos-vem-sendo-eficaz-nao.shtml
O direito ao cuidado
A Organização dos Estados Americanos (OEA) anunciou a aprovação da Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos das Pessoas Idosas. Seu conteúdo estabelece novos direitos significativos frente ao desafio regional de pensar políticas públicas em um contexto de transformações demográficas: segundo estudos da ONU, o número de pessoas com 60 anos ou mais deve saltar de 700 milhões (2009) para 2 bilhões em 2050. A convenção reconhece a independência, autonomia e plena capacidade jurídica das pessoas idosas para tomar todas as decisões que afetam suas vidas. Ela também avança em temas como a regulação das residências de estadia prolongada, espaços que até hoje se encontram, em muitos casos, sem regulação estatal. Estes são apenas alguns exemplos que refletem a nova concepção do lugar ocupado pelas pessoas idosas em nossas sociedades e do que deve ser feito para garantir de maneira concreta os seus direitos. Também é reconhecido o direito ao cuidado, que envolve o desenvolvimento efetivo de um sistema integral de assistência e apoio às pessoas idosas, representando uma mudança de paradigma na concepção tradicional de abordagem do trato, atenção e políticas públicas na matéria. Já há algum tempo o Mercosul vem refletindo sobre os bons tratos como forma de reafirmar o direito a uma vida livre de violência para pessoas idosas, mulheres e crianças. Agora, este conceito foi reconhecido pela primeira vez em um instrumento internacional de direitos humanos das pessoas idosas, de maneira sem precedentes, partindo da América Latina e do Caribe. O direito ao cuidado talvez seja um dos temas mais inovadores com potencial de transformar em políticas públicas uma tarefa que historicamente esteve reservada ao âmbito privado, com evidente sobrecarga para as mulheres. Contar com um instrumento desta natureza supõe modificar a maneira de pensar e atuar nesse tema desde a família, passando pela sociedade em geral e pelo Estado. A convenção está permeada por conceitos como o de igualdade substantiva, assumindo que, em muitos casos, as pessoas idosas se encontram em desvantagem comparativa para exercerem seus direitos, o que requer a tomada de medidas especiais e efetivas que possam derrubar definitivamente tais obstáculos. Medidas ensejadas por um Estado forte e garantidor dos direitos fundamentais, com capacidade de ação sólida e efetiva para atender as demandas destas pessoas, pensando a longo prazo. Este novo piso de direitos é o resultado do trabalho comprometido de vários Estados, que impulsionaram esta convenção agora vigente, bem como de movimentos sociais de pessoas idosas, que demandam permanentemente a plena realização dos seus direitos, que implicam em atenção integral e tratamento em condição de igualdade. Cabe destacar que o processo de redação e negociação da convenção pelos governos, com o objetivo de estabelecer consensualmente as obrigações previstas no texto, teve o imprescindível acompanhamento técnico da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) e do Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do Mercosul (IPPDH). A aprovação desta convenção representa o reconhecimento de que os países da região estão avançando, pensando e planejando a agenda de direitos humanos, igualdade e desenvolvimento. Ainda há um longo caminho a percorrer, compromissos para cumprir, legislações a adequar, políticas a desenhar, orçar e implementar, garantindo a prioridade que a temática das pessoas idosas exige. O momento é de celebrar o grande passo que foi dado para poder avançar cada vez mais preparados na direção do futuro. PEPE VARGAS, 57, ministro-chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República PAULO ABRÃO, 40, doutor em direito pela PUC-Rio, secretário executivo do Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do Mercosul e presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-08-14
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/08/1668302-o-direito-ao-cuidado.shtml
Como conter a alta da tarifa de energia
Esse ano as tarifas de energia sofreram grande elevação devido à estiagem, ao retorno do custeio de políticas públicas por meio de encargos setoriais, ao represamento de tarifas e aos erros de gestão do governo. Embora o aumento tarifário seja necessário, seu impacto é penoso para os consumidores, pois a energia elétrica é um insumo essencial tanto para as famílias como para as empresas. A elevação das tarifas tem impactos distributivos, atingindo mais fortemente o orçamento das famílias mais pobres. Também prejudica a competitividade das empresas, elevando o custo dos bens e serviços produzidos no país. É necessário, portanto, achar formas de mitigar a elevação das tarifas sem prejudicar a sustentabilidade do setor. O caminho mais promissor para conseguir isso é a redução da tributação da energia elétrica. Hoje a energia elétrica é tributada mais pesadamente que a média dos bens e serviços produzidos na economia. O setor elétrico responde por pouco mais de 2% do PIB, mas sua participação na arrecadação do Pis e Cofins é superior a 5% (mais que o dobro de sua participação no PIB) e sua participação no ICMS é superior a 8% (cerca de quatro vezes maior que sua participação no PIB). O ônus da tributação sobre a energia elétrica também é evidente na Demonstração de Valor Adicionado contida nos balanços padronizados das empresas. O Valor Adicionado consiste da receita obtida pela empresa com a venda de seu produto, deduzidos os custos dos insumos adquiridos de terceiros e a depreciação dos seus ativos devido a desgaste ou obsolescência. Tem o objetivo de demonstrar a riqueza econômica produzida pela empresa e como ela é distribuída entre os diversos agentes. Examinando os balanços de 37 empresas de geração, transmissão e distribuição no Brasil constata-se que em 2014 a maior parte da riqueza produzida - 59% - foi apropriada pelo governo por meio de tributos e encargos. Os 41% restantes destinaram-se a pagar 17% para os financiadores, 11% para os funcionários, 10% para os acionistas e o saldo, cerca de 2,5%, foi retido para futura distribuição. Embora seja um ano difícil para os governos devido a desaceleração econômica, há uma oportunidade para redução de alíquotas dos principais tributos que incidem sobre a energia elétrica sem prejudicar a arrecadação advinda do setor. A receita obtida pelos principais tributos que incidem sobre a energia elétrica aumentou com a elevação das tarifas. Entre janeiro e maio de 2015 a arrecadação dos estados com o ICMS cobrado nas tarifas de energia elétrica subiu 35% relativo ao mesmo período do ano passado e a arrecadação do governo federal com o Pis e Cofins em abril subiu 46% relativo ao mesmo mês do ano anterior. Uma redução dos tributos federais sobre energia elétrica já é aguardada pelo eleitorado desde outubro de 2010 quando Dilma Rousseff prometeu zerar as alíquotas do Pis e Cofins sobre energia elétrica. Se zerar tornou-se impossível, uma redução da alíquota já aliviaria os consumidores deste setor que sofreu forte elevação de carga tributária quando esses dois tributos passaram para o regime não-cumulativo com alíquotas mais altas. Os estados também poderiam colaborar reduzindo as alíquotas de ICMS. A maioria dos estados cobram alíquotas de ICMS sobre o consumo de energia elétrica acima da média aplicada aos demais produtos. Isso vai contra o princípio da seletividade previsto na Constituição Federal, pelo qual alíquotas diferenciadas são permitidas em função da essencialidade do produto, ou seja, alíquotas mais altas para produtos supérfluos e mais baixas para os essenciais, como energia elétrica. Esse entendimento foi confirmado em recente decisão do Supremo Tribunal Federal que declarou inconstitucional a Lei 2.657 do estado do Rio de Janeiro, que previa alíquotas de até 25% para o consumo de energia elétrica, muito acima da alíquota média no estado que é de 18%. Além das alíquotas aplicadas sobre o consumo de energia elétrica, os estados fariam bem se eliminassem a cobrança de ICMS sobre a compensação de energia, conforme previsto no Convênio Confaz ICMS 16/2015. Tal medida não só aliviaria os consumidores, mas também impulsionaria a micro e minigeração. A redução da tributação de energia elétrica traria um alívio muito importante para o consumidor neste momento delicado em que enfrentam alta da inflação e do desemprego. CLAUDIO J. D. SALES, 67, é engenheiro e presidente do Instituto Acende Brasil, centro de estudos voltado ao setor elétrico RICHARD LEE HOCHSTETLER, 47, é economista do Instituto Acende Brasil * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-08-13
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/08/1667928-como-conter-a-alta-da-tarifa-de-energia.shtml
Reduzir a produção de lixo
Hoje qualquer consumidor da maior capital da América Latina tem como saber exatamente quanto custa uma sacola plástica no supermercado. Até recentemente, o custo de uma sacola menor, mais frágil e barata estava embutido no preço das mercadorias compradas, da mesma forma que os gastos com a água, a energia, a mão de obra e todos os demais custos relacionados à operação. Agora, um novo modelo, maior, mais resistente, mais ecológico e bem mais caro, é cobrado de forma transparente e justa. Todo o consumidor tem o poder de escolha: optar pela comodidade e pagar por ela ou não. Como era de se esperar, a nova legislação levantou críticas ao mexer com um hábito arraigado por décadas. Leves e impermeáveis, as sacolas foram distribuídas sem custo aparente, criando-se um cenário propício ao consumo desmedido: atualmente cada paulistano consome, em média, 708 unidades ao ano, segundo a Prefeitura. Nos países da União Europeia, o consumo 3,6 vezes menor, de 198 sacolas, foi considerado alarmante, levando o Parlamento a fixar uma meta de redução para as 28 nações do bloco, de 40 sacolas anuais por cidadão até 2025. As críticas às medidas de redução do uso de sacolas plásticas trazem à mente a Tragédia dos Comuns. Descrita há quase 50 anos pelo ecologista Garrett Hardin, a teoria explica como um grupo de pessoas tende a agir em proveito próprio quando acredita que seu benefício individual é grande e o prejuízo do outro é diminuto. Isso leva muita gente a jogar a bituca de cigarro no chão –achando que não faz diferença– sem pensar nas milhões de bitucas pelas ruas; ou o morador de condomínio decidir não economizar água, já que o seu gasto superior será dividido entre os demais. Quando o esforço individual não é notado para o grupo como um todo, defende o economista e cientista social Mancur Olson, o benefício coletivo depende da "coerção ou indução externa que leve os membros do grande grupo a agirem em prol de seus interesses comuns". É difícil aceitar essa ideia nos tempos atuais, em que a liberdade individual de decisão de consumo é tão enaltecida. Mas foi assim que o brasileiro se acostumou com o uso do cinto de segurança, parou de fumar em lugares públicos e passou a temer ser pego dirigindo embriagado. O momento atual nos obriga a repensar hábitos, falsas comodidades e consumo de produtos que demandam excesso de água e energia para a sua fabricação. Afinal, no caso do plástico, o futuro da própria reciclagem está em xeque. Matéria recente do jornal Wall Street Journal mostra que a reciclagem do plástico deixou de ser um negócio lucrativo depois da queda superior a 50% no preço do barril de petróleo. A reportagem aponta que duas recicladoras quebraram desde dezembro na Europa e que a britânica ECO Plastics, "a maior processadora mundial de plásticos", entrou em recuperação judicial. Nos Estados Unidos, os novos contratos entre prefeituras e recicladoras já não garantem mais um preço mínimo de pagamento pelo plástico para reciclagem. Claro que lá o custo municipal para manter os aterros deverá levar as prefeituras e persistirem na reciclagem, mesmo tendo prejuízo. Mas não é o que acontece no Brasil, onde a proibição dos lixões, que deve completar um ano em agosto, ainda não saiu do papel em muitas regiões do país. O cenário atual aponta que, no tripé dos erres da reciclagem, ou seja, reduzir, reciclar e reaproveitar, o R de reduzir é cada vez mais relevante. Reciclar é ótimo, mas não produzir lixo é muito melhor. Afinal, as cidades mais limpas, não são as que mais limpam, mas as que menos sujam. CARLOS CORREA, 51, é superintendente da Associação Paulista de Supermercados * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-08
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/08/1667418-reduzir-a-producao-de-lixo.shtml
Tristeza ou depressão?
A depressão ganha cada vez mais a atenção da mídia, principalmente quando tem como porta-vozes pessoas de grande visibilidade já acometidas por ela. É o caso do padre Marcelo Rossi, que assumiu publicamente ter sofrido da doença em seu mais recente livro, "Philia" (ed. Principium). Nele, o padre fala das emoções que o levaram à depressão, como a tristeza, e conta como derrotou esses e outros "males contemporâneos" com o auxílio do amor fraternal, significado da palavra grega que dá nome ao livro. Primeiramente, é importante deixarmos clara a diferença entre o sentimento e a doença. A depressão é um conjunto de sintomas que abrange o organismo como um todo, afetando negativamente o físico, o humor e até a forma como a pessoa vê o mundo a seu redor. Já o sentimento de tristeza, isolado, não caracteriza depressão. Ela pode acometer qualquer pessoa, por exemplo, quando ela termina um relacionamento ou quando perde um emprego, situações que tendem a se resolver sem a necessidade de tratamento. O psiquiatra tem papel fundamental nesse diagnóstico e a fé, nos dois casos, pode contribuir para a melhora dos pacientes. A importância da espiritualidade nos tratamentos psiquiátricos tem sido demonstrada por milhares de pesquisas pelo mundo. As pessoas com crenças e práticas religiosas tendem a ter melhor saúde física e mental, além de melhores resultados nos tratamentos de depressão. Mas a fé deve ser vista como um item do tratamento, e não como a cura. É importante frisar que a depressão necessita de tratamentos específicos e que a fé pode, sim, contribuir para a melhoria do quadro, assim como atividades físicas e a retomada do convívio social. Vale ressaltar que quem tem um episódio depressivo tem quase 50% de chance de ter um segundo. E, uma vez que reincide, tem de 75 a 90% de chance de ter o terceiro se não for tratado corretamente. Por isso, é fundamental o diagnóstico e a fidelidade ao tratamento. Cada doença tem características próprias, diferentes tipos de remédio, de mudanças de comportamento. Com a depressão não é diferente. Seu tratamento pode envolver medicação, atividade física, psicoterapia, eliminação do consumo de drogas e álcool e estimulação da retomada de contatos sociais. Para se ter uma ideia: a cada três segundos, uma pessoa atenta contra a própria vida e, a cada 40, alguém se suicida. E a depressão está entre as doenças mais associadas a esses episódios. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), para cerca de 17% da população adulta, a doença é uma realidade em algum momento das suas vidas. Isto significa que 30 milhões de brasileiros já tiveram, têm ou terão depressão. Uma pesquisa da OMS também indica que a maioria dos que sofrem de transtornos mentais no mundo não buscou ajuda profissional e não recebeu tratamento adequado, baseado nas evidências científicas disponíveis, mesmo nos países desenvolvidos. Apesar de a doença afetar esse pedaço considerável da população, o preconceito ainda é grande. E quando uma pessoa da notoriedade do padre Marcelo Rossi vem a público e fala abertamente sobre o transtorno, ela ajuda milhões de pessoas que têm depressão e sofrem caladas a buscarem auxílio. Mais do que isso: faz com que essas pessoas aceitem que têm o diagnóstico e comecem a se tratar. Esse é o primeiro passo para vencermos esse mal do milênio. ANTÔNIO GERALDO DA SILVA, 51, é presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria ALEXANDER MOREIRA-ALMEIDA, 41, é professor associado de psiquiatria da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e coordenador da Comissão de Estudos e Pesquisa em Espiritualidade e Saúde Mental da ABP * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-08
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A reforma que não houve
O país acompanha o segundo turno de votação da reforma política na Câmara dos Deputados. O que se nota, até agora, é que o Parlamento perde uma grande oportunidade de avançar, de promover mudanças no sistema político do Brasil. Nada mudou no sistema de escolha, em que pese a nossa luta pelo voto distrital, que melhoraria a relação entre representante e representado, além de promover campanhas mais baratas. Infelizmente, não implantamos a cláusula de barreira e tão pouco acabamos com as coligações nas eleições proporcionais. O eleitor continuará votando em um candidato e elegendo nomes de outro partido, coligações de ocasião, de partidos que dificilmente andarão juntos no exercício do mandato. Os partidos continuarão se proliferando e recebendo o fundo partidário, tendo o seu tempo de TV, tendo candidatos eleitos sem ter uma quantidade de votos representativos. O processo da reforma política não tem sido conduzido com o espírito público necessário, para produzir resultados que permitam o Brasil avançar. A fraqueza do governo Dilma também contribui para isso, pela sua ausência, pela sua falta de agenda, pela sua total falta de opinião sobre o assunto. Insistindo no fracasso da reforma, a Câmara aprovou outra medida, em primeiro turno, que só beneficia a classe política. A pretexto do usar da máquina pública decidiu-se pelo fim da reeleição. Infelizmente, parece que o eleitor perderá a prerrogativa de reeleger os seus governantes. Nós já tivemos casos em que o governante para fazer um sucessor usou a máquina mais do que para fazer a própria reeleição, a exemplo do ex-presidente Lula, na eleição da presidente Dilma Rousseff. No entanto, há casos de reeleição em que o candidato não lança mão desta ilegalidade, trabalhando ainda com mais vigor para se reeleger, o que é um ponto favorável para o eleitor. Acabar com a reeleição foi um erro. Com o argumento de não mais termos reeleição, alguns desejavam estender os mandatos de quatro para cinco anos. Felizmente, na retomada da votação dos destaques da Proposta de Emenda Constitucional 182/07, o Plenário manteve o período de mandatos da forma como vigora atualmente. Imaginem vocês como seria se um município com um prefeito ruim, por exemplo, que não trabalha em benefício do seu povo ou que vai na contramão do que todos esperavam tivesse de suportar de mãos atadas um ano a mais antes de os eleitores poderem tirá-lo do cargo. Quatro anos pode parecer pouco, mas para quem tem um mal governante, quatro anos é uma eternidade. O governo do ex-presidente José Sarney teve cinco anos e, quem bem lembra, foi um período difícil. Já Itamar Franco com apenas dois anos foi responsável por conduzir uma série de avanços para o país, entre eles a implantação do Plano Real. São provas de que quatro anos é uma boa medida. Outro ponto da reforma votada na Câmara dos Deputados, com o qual, não concordo é a janela de 30 dias para troca de partido sem perder o mandato. Em 2007, o Tribunal Superior Eleitoral determinou que os mandatos pertencem aos partidos, não aos políticos. Afinal, todo representante também é eleito pelos votos na legenda a qual pertence, não só por seu nome. E sejamos francos - estamos no começo de um mandato abrir janela é oportunismo. A reforma política até agora nada modifica para melhor a vida do eleitor, pelo contrário. Vemos imperar no nosso Brasil o corporativismo, onde minorias olham apenas para o próprio umbigo e deixam de lado o melhor para a sociedade. A reforma política não poderia jamais ser feita só para os políticos. Deveria ser feita em benefício do país e de seus cidadãos. O eleitor deveria ser o centro de desta questão. Sigo atento aos próximos passos da reforma. Não podemos desistir de propor mudanças importantes no sistema político brasileiro, e devemos seguir agarrados em cada chance de promovermos as mudanças tão necessárias ao nosso país. Por isso, continuo empenhado na aprovação de um projeto de minha autoria, o qual tramita agora anexado à proposta semelhante feita pelo Senador José Serra, já aprovado no Senado Federal, que implanta voto distrital nas cidades com mais de 200 mil eleitores. Esse sempre foi e continua sendo o primeiro passo para alcançarmos um sistema que é, de verdade, melhor para o eleitor! SAMUEL MOREIRA, 52, é deputado federal pelo PSDB-SP e foi membro da Comissão Especial da Reforma Política * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-08-08
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/08/1666093-a-reforma-que-nao-houve.shtml
Governo criminaliza planejamento tributário
Certas leis, por seu viés ideológico, transcendem o universo dos especialistas e merecem a atenção de toda a cidadania. É o caso da Medida Provisória 685, que obriga o contribuinte a declarar à Receita Federal as operações que lhe tenham gerado economia tributária, quando desprovidas de outra motivação econômica ("extratributária") ou revestidas de forma jurídica não usual. A regra mira os atos lícitos praticados pelo particular, dentro da liberdade negocial própria ao capitalismo, com o intuito de reduzir a carga fiscal a que está submetido. Tudo às claras, sem meias-palavras, pois o respeito devido pelo Fisco ao planejamento tributário decorre do princípio constitucional da legalidade. De fato, tributar quem não realizou o fato gerador definido em lei - mas ato diverso, ainda que com efeitos similares - é tributar sem lei, por mera analogia. Se o planejamento se faz à luz do dia, quais os problemas com a regra que determina a sua comunicação ao Fisco? Primeiro, a deslealdade. Sabe-se que a Receita Federal, fazendo pouco da legalidade estrita, autua as operações em que ocorre qualquer das circunstâncias listadas na medida provisória. Vale dizer, desconsidera todos os planejamentos dignos deste nome, só admitindo as reduções de tributos que consistam em efeito acidental e quase indesejado das decisões empresariais do contribuinte. Trata-se, portanto, sob a capa de uma relação de transparência e confiança com o Fisco, do dever do contribuinte de preparar a própria autuação. Segundo, a extrema indeterminação. Nos últimos anos, os juristas que admitem a tributação por analogia - pois eles existem! - e a jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais têm-se debruçado sobre os termos empregados na medida provisória, sem chegar nem perto de um consenso sobre o seu significado. Como, então, exigir-se do particular que identifique a existência daquelas situações, para saber se deve ou não declarar a sua operação? Mas o pior está por vir: a falta de declaração, quando devida, ou a omissão nesta de algum elemento essencial - qualificação que também dá margem a enorme subjetivismo - são tratadas como "omissão dolosa", "com intuito de sonegação ou fraude". As consequências são a exigência do tributo, com multa de 150%, e a denúncia do contribuinte por crime de sonegação. Omitir a declaração de um ato lícito (o planejamento), quando a lei a exige, sem dúvida constitui infração que poderia ensejar uma multa. Mas não torna exigível tributo cujo fato gerador foi licitamente evitado, porque tributo não é pena. E muito menos equivale a sonegação, pois não se sonega tributo inexistente. Pela nebulosidade dos comandos e pela dureza das penalidades, a intenção da medida provisória fica clara: aterrorizar os contribuintes, para que evitem toda economia fiscal, como se houvesse um dever de, ante alternativas igualmente lícitas, escolher-se sempre a mais onerosa. A norma subjuga o cidadão ao Estado e impõe-lhe obrigações de forma vaga, lançando-o na insegurança; nega a sua liberdade de organização econômica, desprezando a opção da Constituição pelo capitalismo; ofende o seu direito de ser tributado apenas na medida da lei; e transforma o tributo em sanção pela falta de comunicação de fato gerador inexistente, que ademais criminaliza. O destino certo da MP é a rejeição pelo Congresso Nacional ou a invalidação pelo Judiciário. IGOR MAULER SANTIAGO, advogado tributarista, membro da Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e sócio do escritório Sacha Calmon - Misabel Derzi Consultores e Advogados * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-08-08
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/08/1666101-governo-criminaliza-planejamento-tributario.shtml
Hora de repensar os lixões
Dois fatos recentes aproximam a população das discussões em relação ao lixo: o adiamento do prazo para o fim dos lixões e a legislação paulistana sobre sacolas plásticas pelo comércio. O Senado aprovou o projeto que prorroga o prazo para os municípios se adequarem à Política Nacional de Resíduos Sólidos, que, entre outras medidas, determina a extinção dos lixões. No caso das sacolas, depois o período de dois meses, quando foi garantida a distribuição gratuita de até duas sacolinhas regulamentadas pela Prefeitura por compra, os supermercados foram autorizados a cobrar todas as unidades, entre R$ 0,08 e R$ 0,10 por sacola, um valor que eu considero elevado. O prazo para que os municípios atendessem a Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos no tocante à implantação de aterros sanitários foi adiado para 2019 face à alegação dos prefeitos municipais que não dispunham dos recursos necessários. A política, formulada em 2010, foi imposta a municípios sem a devida capacitação técnica para projetar aterros ou capacidade financeira para manter profissionais nos quadros das prefeituras. A saída seria contratar firmas especializadas, mas de onde viriam os recursos já que não houve a criação de um novo imposto ou estabelecimento de uma real política pública de investimento? Infelizmente, a destinação do lixo não é um investimento de retorno político. Esse retorno é mais evidente na varrição das ruas, na inauguração de escolas e hospitais ou nas obras de mobilidade urbana. No caso das sacolinhas, o custo também está em jogo. Sem o saco plástico gratuito, o cidadão terá que repensar até mesmo no tamanho da lixeira de casa. Assim que vai para a lixeira, o material orgânico já começa a degradar e a gerar uma série de compostos líquidos e gasosos. Na medida em que você reduz a quantidade de sacolinhas plásticas comumente empregadas nos recipientes domésticos para armazenar temporariamente o resíduo domiciliar, começa a conviver com odores e proliferação de vetores. Se as sacolas são cobradas, haverá um custo maior para o usuário, que terá que comprar uma sacola para acondicionar o seu lixo. Cobrar pode ser uma solução paliativa. Claro que a educação ambiental está em jogo, mas é preciso relativizar a questão do plástico. O material demora a se degradar, mas o tempo depende do tipo de polímero utilizado. Existem plásticos que se degradam em pouco mais de dez anos e não obrigatoriamente em um século. Também é preciso se pensar a função do plástico em um aterro sanitário. Ele pode ser prejudicial porque é pouco permeável, mas também tem presença benéfica porque vai conferir maior estabilidade para a massa de lixo. A escolha de materiais, como plástico ou papel, não podem levar em consideração apenas o tempo de degradação ou o custo unitário de cada produto. É preciso avaliar todo o ciclo de vida de cada um deles e analisar qual traz menores impactos e custos para a cadeia. Os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Rio Grande do Sul, por exemplo, possuem polos petroquímicos e, por isso, é mais fácil e barato de produzir. Por outro lado, existe a indústria de papel em outros estados. Por esse motivo, as boas escolham dependem, na verdade, da avaliação do ciclo de vida de cada produto. Essa análise começa na matéria-prima, de onde ela vai ser extraída e avaliações sobre a real necessidade dessa extração. Será que não dá para fazer embalagens de lixo domiciliar só com os materiais oriundos da reciclagem já existente? O que a análise de ciclo de vida faz é realizar esse balanço para emitir um parecer. E isso, esse parecer, poderia ser utilizado nas próprias políticas de logística reversa ou de concepção de um novo produto. É algo que pode demorar um pouco mais para chegar na realidade do dia a dia, mas já está acontecendo. Você começa a observar isso em produtos concentrados, que mesmo com embalagens menores, garantem a mesma eficiência. JOSÉ ARARUNA JÚNIOR, 49, professor de engenharia Civil do Centro Técnico Científico da PUC-Rio - CTC/PUC-Rio * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-06-08
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/08/1664927-hora-de-repensar-os-lixoes.shtml
Médico mais prédio novo é igual a saúde?
Assistimos, pela TV, nossos governantes inaugurarem periodicamente novos hospitais, unidades de pronto-atendimento e ambulatórios. O programa federal Mais Médicos atingiu cidades dificilmente alcançadas antes. Porém, eu me pergunto: o que estamos entregando à população é saúde? A resposta a essa pergunta está em iniciativas simples como a proposta no projeto de lei nº 4.135/12, da senadora e farmacêutica Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), que foi aprovado pela Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados dia 1º de julho. Resta, agora, a apreciação da Comissão de Constituição e Justiça para o PL ser enviado à sanção presidencial. O projeto propõe a obrigatoriedade do farmacêutico no Sistema Único de Saúde, uma luta antiga da categoria. Hoje, o número de farmacêuticos que atuam no setor público é insuficiente para atendimento da demanda e prestação de todos os serviços que cabem a esse profissional. É claro que o farmacêutico não é a única solução para aperfeiçoar o SUS. Porém o PL está entre as poucas iniciativas governamentais que não se restringem a mais médicos e mais edifícios. No SUS, o farmacêutico tem conhecimento para fazer uma gestão melhor dos medicamentos, poupando dinheiro público. Ele tem também como garantir a integridade desses produtos com o armazenamento adequado. Ele deve também acompanhar o tratamento dos pacientes, com orientações importantes que são prestadas no momento da dispensação do medicamento. A isso, nós, da área, damos o nome de assistência farmacêutica. Neste momento, o leitor estará se perguntando se um presidente de Conselho Regional de Farmácia (CRF), como eu, não estaria apenas defendendo o seu quinhão, a sua fatia de mercado de trabalho, ao brigar por isso. O governo do Estado de São Paulo, por exemplo, entende a questão como corporativismo, e, por isso, mantém liminar na Justiça para garantir que não seja obrigado a contratar farmacêuticos. Respondo que o questionamento é pertinente, sim. Uma entidade como o CRF-SP trabalha para garantir o exercício profissional da sua categoria, mas, em primeiro lugar, defende a saúde por meio do trabalho ético do farmacêutico, punindo, inclusive, os próprios inscritos que infringem a lei. O CRF-SP defende a promoção da assistência farmacêutica e o uso racional de medicamentos. Sugiro que o leitor passeie pelos dispensários dos postos de saúde e hospitais públicos. Armazenamento precário, geladeiras quebradas, desperdício, assistentes administrativos e outros servidores despreparados para lidar com esses produtos e pacientes confusos na fila de atendimento, indo embora cheios de caixas nas mãos e muitas dúvidas na cabeça. Que aderência ao tratamento terá um paciente assim? Que eficácia terá esse tratamento? Saúde não é apenas garantir um diagnóstico, muito menos distribuir medicamentos gratuitos em programas cheios de estratégias de marketing político. Jogar diagnóstico e caixas de remédios nas mãos da população, assim, como se tivesse feito "a sua parte", abrindo mão da orientação e acompanhamento do tratamento, da educação sobre hábitos saudáveis, é desperdiçar recursos e negar aos brasileiros o que há de mais importante numa saúde pública de êxito: a promoção da qualidade de vida. PEDRO EDUARDO MENEGASSO, 48, é presidente do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo - CRF-SP * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-05-08
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/08/1664512-medico-mais-predio-novo-e-igual-a-saude.shtml
Coleção Folha Soul & Blues conta a história de Robert Johnson
Em seu 23° volume, que será lançado no dia 9 de agosto, a Coleção Folha Soul & Blues conta a misteriosa história do rei do blues do Delta, Robert Johnson. As poucas informações disponíveis sobre a vida desse cantor e compositor do Mississipi fizeram com que muitos relatos fantasiosos a seu respeito fossem repetidos durante muito anos após sua morte. Johnson ficou conhecido como o solitário bluesman que teria feito um pacto com o demônio –lenda que algumas de suas composições, como "Me and the Devil Blues" e "Hellhound on My Trail", ajudaram a propagar. O mito se fortaleceu a tal ponto que inspirou o filme "A Encruzilhada" (1986), em que Ralph Macchio faz um duelo de guitarras com Steve Vai. Sua habilidade também contribuiu para fazer de Johnson uma lenda. O bluesman Son House contou, em entrevista ao músico e escritor John Fahey, o quanto se surpreendeu quando Johnson pediu a ele que o desse uma chance de subir ao palco: "Eu nunca tinha visto algo assim antes, nenhum de nós. Quando ele terminou, nossas bocas estavam abertas. Todas!", relembrou. Após sua morte prematura em 1938, aos 27, sua obra ficou esquecida até os anos 1960, quando passou a ser cultuada por músicos de rock que regravaram canções suas, como "Me and My Devil Blues", por Eric Clapton, "Travelling Riverside Blues", pelo Led Zeppelin, e "Love in Vain", pelos Rolling Stones.
2015-04-08
paineldoleitor
Painel do Leitor
http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/agendafolha/2015/08/1664326-colecao-folha-soul--blues-conta-a-historia-de-robert-johnson.shtml
Regularização de ativos lícitos do exterior
Como resultado da CPI do HSBC, pode-se ter o maior programa de compliance fiscal já visto no Brasil, em linha com a prática adotada mundialmente de "Offshore Voluntary Disclosure", caso seja aprovado o projeto de regularização voluntária dos recursos ou bens de pessoas físicas ou jurídicas, localizados no exterior, de origem lícita, a ser confirmada documentalmente, segundo a situação patrimonial em 31.12.2013, unicamente nos casos em que não foram declarados. No exterior estão ativos ilícitos e lícitos. A exemplo de todos os países que empregaram esse tipo de regularização, o modelo afasta sua aplicação a ativos de origem ilícita, que seguirão submetidos à jurisdição penal e ação dos órgãos de controle. E como identificar? Pelos documentais suficientes para provar a titularidade e fonte. Logo, qualquer valor de "lavagem de dinheiro" estará fora da sua aplicação, além de ser vedada a regularização de bens ou ativos de condenados ou denunciados em processos judiciais em curso pelos crimes anistiados. A origem lícita, em muitos casos, não inibiu a falta de declaração. Para alguns, fora uma "legítima defesa" patrimonial contra um Estado confiscador, nos tempos dos famigerados planos econômicos. Para outros, as dificuldades dos regimes que proibiram câmbio para pagamentos no exterior. Houve os casos derivados das crises internacionais graves e tantos outros. Por isso, estimativas indicam que a arrecadação aos cofres da União poderá atingir cerca de R$ 100 bilhões, diante do volume não declarado. A proposta visa a "regularizar" os ativos mediante pagamento de 17,5% de imposto e multa de 100% sobre este valor, o que totaliza 35%, além do IOF no câmbio e os tributos aduaneiros, quando couber, sobre os bens que vierem a ser importados. O contribuinte deverá efetuar a declaração dos ativos (de dinheiros e bens, móveis ou imóveis, materiais ou imateriais), segundo o valor de mercado, junto a uma instituição financeira que se comprometerá com os procedimentos de controle e identificação das pessoas, origem e qualificação dos ativos. A experiência de vários países com esses programas credenciam os bancos estrangeiros como agentes qualificados neste processo. Segundo o texto final, a adesão far-se-á em 120 dias. E as declarações de renda de pessoa física e jurídica deverão ser retificadas, a partir do exercício de 2013. O sigilo bancário, além do sigilo fiscal inerente a todo o procedimento, estão garantidos. Logicamente, isso não tolhe, e nem poderia, a possibilidade de eventuais procedimentos investigativos específicos das autoridades competentes, em relação a delitos de natureza diversas (a exemplo de corrupção ou lavagem de dinheiro), caso o poder judiciário decida pela quebra de sigilos bancário e fiscal. Afasta-se apenas qualquer investigação quanto aos delitos anistiados. Atendidos aos requisitos, o contribuinte terá a extinção da punibilidade em relação aos crimes tributários, além daquele relativo à evasão de divisas (lei nº 7.492/86, art. 22). E, nisto, não há qualquer novidade, porquanto desde o art. 34 da lei nº 9.249/95, além dos art. 168-A, § 2º, e art. 337-A, § 1º, ambos do Código Penal, sempre que pago o tributo, tem-se o efeito da exclusão da pretensão punitiva do Estado. A novidade recai sobre a anistia ao crime de evasão de divisas, substituído pela multa (sanção patrimonial). Contudo, se o contribuinte, ainda assim, preferir correr o risco de manter-se na ilicitude, é fundamental ter presente que os tempos mudaram, o sigilo bancário já não protege contra a sonegação e os países cooperantes do Facta (em vigor a partir de setembro de 2015), assim como os 128 integrantes do "Global Forum" (Convenção "Troca automática de informações financeiras em questões fiscais") e do BEPS da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), estão prontos para trocar estas informações a partir de 2016. Por isso, as novas dimensões de "Fisco Global", tolherão qualquer fuga. Afora estimular a transparência e a regularização de patrimônios no exterior, este Projeto visa a recuperar riquezas as quais, por enquanto, só servem ao recolhimento de tributos para os países de localização, inclusive paraísos fiscais. Assim, ao realizar uma "justiça de transição", entre os regimes anteriores e a nova legislação proposta para coibir a evasão de divisas (projeto de lei do Senado nº 126/2015), e todas as demais medidas de trocas de informações internacionais, os recursos lícitos de brasileiros regressarão para o cumprimento da sua função social, como prevê a Constituição (art. 5º, XXIII). HELENO TAVEIRA TORRES, 47, advogado, é professor titular de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da USP. Foi Vice-Presidente da International Fiscal Association - IFA * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-08
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/08/1664091-regularizacao-de-ativos-licitos-do-exterior.shtml
É correta a redução dos limites de velocidade nas marginais Tietê e Pinheiros? Não
SOLUÇÃO MIDIÁTICA Embora o tempo de retomada do exercício de práticas democráticas seja ainda recente no Brasil, pouco menos de 30 anos, ele já demonstra vigor, e a sociedade civil não aceita mais imposições que resultam de decisões tomadas a quatro paredes pelas autoridades públicas. Mudar as velocidades em vias expressas vitais para a circulação de pessoas e mercadorias na cidade de São Paulo não se pode restringir aos impulsos da gestão municipal. Há que ouvir o cidadão que será o mais afetado pela iniciativa. Trata-se, na essência, de respeito à cidadania. A decisão de mover uma ação civil pública contra a medida que reduz a velocidade das marginais Tietê e Pinheiros foi tomada pela seção São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) pautada por esse princípio fundamental que nasce da defesa da Constituição Federal, da democracia, da República e, por conseguinte, da legalidade. O Conselho da Ordem, ao qual propus a demanda, considerou que, antes mesmo de quaisquer outros argumentos, medidas com tamanha repercussão na vida não só dos habitantes da cidade, mas de todos os que circulam por São Paulo, não podem ser levadas adiante sem ampla, geral e irrestrita consulta à sociedade civil. São várias as ponderações que deveriam ser consideradas para efeito de alteração tão drástica. A Prefeitura de São Paulo argumenta que a mudança vai melhorar a segurança nas marginais já que, à medida que os automóveis circulem com velocidade reduzida, o número de atropelamentos será menor. Então, cabe logo a pergunta: por que antes de escolher essa saída, não levou em conta outras? A questão dos atropelamentos não parece restrita à movimentação dos veículos, há problemas que precisam ser enfrentados. Enquanto houver ambulantes transitando entre veículos durante congestionamentos, sujeitos a atropelamento não só por motociclistas, o problema persistirá com ou sem a redução pretendida. Como prioritárias, há questões que deveriam estar na pauta da gestão pública da municipalidade, como é o caso da movimentação pelas marginais dos habitantes que vivem embaixo dos pontilhões ou de dependentes de crack que se arriscam por essas vias expressas. Fora não resolver problemas complexos, que talvez contribuam para inflar os índices de acidentes naquelas vias, a adoção da medida prejudica o cotidiano dos que por ali transitam a caminho do trabalho ou transportando mercadorias. Se nas rodovias do Estado de São Paulo a velocidade máxima permitida é de 120 km/h, os veículos ao desembocar nas marginais têm agora de reduzir para 50 km/h. Algo que poderá prejudicar a fluidez, contrariando um ponto fundamental do Código de Trânsito Brasileiro, que é a busca pelo respeito à condição de trânsito das vias. E, apesar da recente divulgação do fato pela polêmica que está gerando, muitos motoristas vão descobrir a drástica mudança depois de terem sido surpreendidos ao tomar uma multa, pois não houve campanha de informação sobre a mudança. No mínimo, uma medida que afeta a tantos deveria ser aplicada gradativamente com um amplo período para a adaptação. Some-se a esses prismas o impacto à saúde e ao meio ambiente, pois a redução da velocidade resulta em aumento da poluição como indicam estudos a respeito. Em suma, do ponto de vista legal, a ação da prefeitura contraria o princípio da proporcionalidade, que determina que uma medida tomada pelo poder público não pode ser desproporcional a ponto de causar danos maiores do que ela pretende evitar. Há soluções mais duradouras do que a simples redução de velocidade, embora, lógico, bem menos midiáticas. MARCOS DA COSTA, 51, advogado, é presidente da seção de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-01-08
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/08/1663185-e-correta-a-reducao-do-limite-de-velocidade-nas-marginais-tiete-e-pinheiros-nao.shtml
O direito de conviver
A questão da identidade\diferença se tornou o elemento chave na maioria dos conflitos sociais existentes: expulsão por Israel e por sul africanos de trabalhadores estrangeiros; violência letal do Estado Islâmico contra fiéis de outras religiões ou vertentes distintas do Islã; proibição do uso de símbolos da fé na França; violência policial e judicial contra os negros nos EUA; expulsão de muçulmanos de países com maioria budistas, tais como Bangladesh e Mianmar; o assassinato crescente de jovens negros e pobres no Brasil e violências afins. Desde o século 18, especialmente, dois grandes temas dominaram o cenário político, econômico e cultural das sociedades ocidentais: a questão da liberdade –e, por extensão, a defesa dos direitos individuais; e a questão da igualdade. Antagonizadas no passado, elas são direitos inseparáveis no contemporâneo. A elas precisamos adicionar outro termo: o que seria nos tempos atuais a "fraternidade" da Revolução Francesa, a menos conhecida, discutida e praticada das palavras de ordem dos revolucionários de então? Traduzimos, numa perspectiva política, a expressão como o Direito da Convivência. Sem ele, não se torna possível afirmar os inevitáveis pertencimentos aos grupos sociais –etários, religiosos, étnicos, de gêneros, de orientação sexual– e, ao mesmo tempo, vivermos a comunhão que exige a condição de seres da mesma espécie humana. A prefeitura do Rio de Janeiro está iniciando o Planejamento Estratégico da cidade para os próximos 50 anos. Isso exige saber que cidade e que cidadão queremos. Três direitos devem estar nos seus fundamentos: os individuais; um patamar básico de dignidade para todos; e, mais do que nunca, o direito de conviver com a diferença de forma ética e solidária. A individualização crescente da vida urbana, especialmente nos bairros formais, leva muitas pessoas a viver dominadas por uma lógica particularizada de vida, se relacionando apenas com os mesmos e tendo uma atitude temerosa ou hostil com os outros. Uma cidade não pode se construir na clivagem entre nós e eles. Precisamos viver plenamente o direito à mobilidade. Criarmos condições para que todos tenham meios de circular pelos seus diferentes territórios e equipamentos, que se sintam pertencentes à cidade como um todo e não apenas a um determinado lugar social, cultural ou econômico. O direito de conviver pode ser identificado, mensurado e\ou construído como política pública. Seus indicadores são: os níveis de mobilidade urbana dos indivíduos; as formas de uso e regulação dos espaços públicos da cidade; os resultados de meios de mediação de conflitos para lidar com as intolerâncias; a diminuição do número de encarcerados; a diminuição da violência letal; o resultado de políticas que ampliem os meios de convivência social no conjunto da cidade, particularmente para os idosos. A oferta de equipamentos e serviços públicos, embora fundamentais, são insuficientes para garantir a qualidade de vida urbana em todas as suas possibilidades. Políticas públicas centradas no estímulo da convivência nos permitirão viver nossa plena humanidade, e aprender a lidar de forma mais sábia com as diferenças. JAILSON DE SOUZA E SILVA é professor da UFF e diretor do Observatório de Favelas. ELIANA SOUSA SILVA é diretora da Redes da Maré e da Divisão de Integração Universidade Comunidade - DIUC\UFRJ * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-07-31
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/07/1662559-o-direito-de-conviver.shtml
Os jovens rurais e o desenvolvimento sustentável no campo
Nos últimos 20 anos, as distâncias físicas e conceituais entre campo e cidade no Brasil diminuíram. Com a expansão das cidades, as regiões metropolitanas acabaram "engolindo" as cidades menores. As fronteiras estão menos polarizadas. Somam-se a este movimento as inovações tecnológicas, às redes sociais acessadas tanto por jovens urbanos quanto pelos novos rurais, e o empoderamento comunitário, que promove articulações em prol do desenvolvimento sustentável do campo, em especial da agricultura familiar. No Brasil existem 4,3 milhões de estabelecimentos da agricultura familiar, representando 84% do total de unidades. A agricultura familiar produz a maior parte dos alimentos consumidos pelos brasileiros: 70% do feijão, 83% da mandioca, 69% das hortaliças, 58% do leite e 51% das aves. E ainda responde por 74% da mão de obra no campo. De acordo com anúncio feito no final do mês passado pelo ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, a agricultura familiar contará com R$ 28,9 bilhões de crédito para operações de custeio e investimento no ano safra 2015/2016, um aumento de 20% sobre o valor destinado ao setor no último ano safra. Além do maior volume de recursos destinado à agricultura familiar nos 20 anos do Pronaf, o Plano Safra prevê a criação de dois programas e uma série de medidas para regulamentar a agroindústria familiar e de pequeno porte, expandir os mercados de compras públicas e ampliar a assistência técnica com foco na produção sustentável e especial atenção à região semiárida. O Nordeste era muito agrário até os anos 1990, quando a região avançou significativamente em tecnologia e equipamentos, ampliando também a visão dos jovens em relação às oportunidades no campo. No semiárido do Ceará, por exemplo, a Agência de Desenvolvimento Econômico Local (Adel) já atendeu cerca de 600 jovens e 800 agricultores familiares, desde 2007. O que observamos hoje é um espaço rural que vai além da produção agrícola, com a presença de produtos e serviços que antes só eram possíveis na cidade. Eu mesmo, que vivi no município de Apuiarés –na área rural chamada Monte Alverne, uma comunidade com cerca de 30 famílias– poderia ter mudado de vez para a "cidade grande", Fortaleza, onde me graduei em Economia. Mas retornei para minha terra para empreender, ao contrário de muitos habitantes que voltam apenas para visitar a família ou fazer turismo nos finais de semana. A Adel atua em quatro frentes: formação, microcrédito, acesso à tecnologia da informação e redes cooperativas. E assim como outras entidades, incluindo o Instituto Souza Cruz, de quem somos parceiros no projeto Novos Rurais, somos verdadeiros agentes de reconfiguração do espaço rural. Um dos nossos focos de atuação é incentivar os jovens a empreender no campo. São filhos de agricultores que podem ou não seguir os passos dos pais. E, se decidirem permanecer na zona rural, podem trilhar caminhos próprios, diversificando a produção na propriedade dos pais, com projetos agrícolas ou não. Já incentivamos projetos bem sucedidos de criação de ovelhas e aves para corte, confecção de roupas, lan house, oficina mecânica e até salão de beleza. WAGNER GOMES é diretor executivo da Agência de Desenvolvimento Econômico Local (Adel), do Ceará * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-07-30
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/07/1662094-os-jovens-rurais-e-o-desenvolvimento-sustentavel-no-campo.shtml
Queda no PIB é provocada por corrupção, dizem leitores
Presidente Dilma, por que não se cala? A queda do PIB não seria, por acaso, causada pela corrupção no seu governo? OSMAR G. LOUREIRO CRAVINHOS (São Paulo, SP) * A presidente Dilma disse que a culpa pelo mau desempenho da economia é da Operação Lava Jato. Culpados são todos os personagens envolvidos direta ou indiretamente na fenomenal roubalheira dos recursos públicos no maior escândalo de corrupção da nossa história. O juiz Sergio Moro e o Ministério Público Federal prestam um grande serviço e nos dão a esperança de que algum dia possamos ter condições de viver dignamente e melhorar a vida daqueles que realmente precisam de escolas e hospitais públicos para atendê-los. ODILÉA MIGNON (Rio de Janeiro, RJ) * PARTICIPAÇÃO Os leitores podem colaborar com o conteúdo da Folha enviando notícias, fotos e vídeos (de acontecimentos ou comentários) que sejam relevantes no Brasil e no mundo. Para isso, basta acessar Envie sua Notícia ou enviar mensagem para leitor@uol.com.br
2015-07-29
paineldoleitor
Painel do Leitor
http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2015/07/1661596-queda-no-pib-e-provocada-por-corrupcao-dizem-leitores.shtml
Educação profissional e a lição que os jovens ensinam ao Brasil
O dado de que emprego e profissão desejados lideram a lista de aspirações dos jovens brasileiros revela um novo Brasil em construção. Pesquisa recente publicada pelo Instituto Datafolha indica uma preocupação da juventude com o próprio futuro. Por outro lado, é impossível negar os impactos coletivos desse novo cenário. Outros números, inclusive, apontam para realidade semelhante. A pesquisa Transições da escola para o mercado de trabalho de mulheres e homens jovens no Brasil, da OIT, avalia que os jovens brasileiros são trabalhadores e, parte significativa deles, tem se esforçado para combinar trabalho e estudo. Com menos experiência e, em geral, pouca qualificação profissional, eles são os que sofrem primeiro quando o mercado de trabalho piora. Essa maior dificuldade para colocar em prática projetos de vida parece ter ensinado ao Brasil uma lição: é preciso estar mais bem preparado para o mundo do trabalho. O impacto coletivo dessa mudança de percepção pode ser visto também com a nova cara dos estudantes do ensino médio. A maior chance de conquistar um emprego e um bom salário aumentou o interesse dos estudantes em relação ao ensino técnico de nível médio. Dados do Censo da Educação Básica, analisados pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), mostram aumento de 55,3% no número de matrículas nesses cursos, passando de 927.978 em 2008 para 1.441.051 em 2013. Historicamente, a procura por cursos de formação profissional segue uma lógica anticíclica - a procura cresce mais quando o mercado de trabalho não apresentava bom desempenho. Os trabalhadores buscavam se qualificar para manter ou conseguir novo emprego, ou seja, pela necessidade de elevar/manter a sua empregabilidade. Na última década, quando foram registrados baixos índices de desemprego no Brasil, essa dinâmica parece ter sido rompida, uma vez que a sociedade brasileira começou a mudar a sua percepção sobre a educação profissional, entendendo que ela pode ser o caminho mais curto para a inserção, com qualidade, no mercado de trabalho. Em outras palavras, mesmo com o mercado de trabalho ativo, houve expansão significativa da procura por cursos, motivada principalmente pela falta de mão de obra especializada e pela necessidade de atualização tecnológica, além - é claro - do entendimento que o trabalho abre a perspectiva da mobilidade social. O aumento do interesse na educação profissional é importante e aponta que estamos no caminho certo da valorização da educação profissional, mas ainda é pouco se comparado a outras nações. Países da União Europeia, em 2010, segundo o Centro Europeu para o Desenvolvimento da Educação Profissional, tinham em média 49,9% dos estudantes do ensino secundário também matriculados na educação profissional. Na Áustria, por exemplo, que registra o índice mais alto, 76,8% dos estudantes do secundário fazem ensino técnico. Finlândia vem em seguida com 69,7% e Alemanha com 51,5%. No Brasil, esse índice alcançou os 7,8% em 2013. A educação profissional melhora o ambiente de negócios, podendo ser um parâmetro importante para decisão de novos investimentos por empresários. Na perspectiva do trabalhador, a qualificação pode reduzir o risco de desemprego ou, ao menos, reduzir o tempo de permanência fora do mercado de trabalho. Em um momento de arrefecimento do mercado de trabalho, como o atual, não se pode abrir mão da qualificação de trabalhadores, estejam eles empregados ou não. Essa é, inclusive, uma estratégia para facilitar a retomada de crescimento do país. Um técnico que será contratado para preencher uma vaga em 2017, por exemplo, deve começar a se qualificar hoje. Os jovens já tem nos dado o exemplo. Agora, cabe à geração madura do Brasil nos governos e setores produtivos seguir seu exemplo e fazer a aposta correta. RAFAEL LUCCHESI, 50, é diretor-geral do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). Economista formado pela Universidade Salvador (Unifacs), possui pós-graduação em economia e regulação da indústria de energia * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-07-29
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/07/1661561-educacao-profissional-a-licao-que-os-jovens-ensinam-ao-brasil.shtml
Leitor critica expressão usada por colunista para falar de Cuba
Vladimir Safatle foi infeliz ao dizer que Cuba tem um "Estado degenerado". Gostaria que em outros artigos o eminente filósofo desenvolvesse melhor o seu autoproclamado pensamento complexo a esse respeito, pois o leitor de esquerda ignorante que aqui escreve não entendeu o que ele quis dizer com o adjetivo. * PARTICIPAÇÃO Os leitores podem colaborar com o conteúdo da Folha enviando notícias, fotos e vídeos (de acontecimentos ou comentários) que sejam relevantes no Brasil e no mundo. Para isso, basta acessar Envie sua Notícia ou enviar mensagem para leitor@uol.com.br
2015-07-29
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Painel do Leitor
http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2015/07/1661601-leitor-critica-expressao-usada-por-colunista-para-falar-de-cuba.shtml
População precisa de árvores, não de shoppings, diz leitora
Sobre o projeto de um novo shopping de luxo na marginal Pinheiros, observo que tanto o rio Pinheiros quanto a população paulistana precisam muito mais de áreas verdes do que de templos do consumismo. Suprimir vegetação na capital, só em caso de extrema necessidade. Seria bom se a prefeitura entendesse isso. * PARTICIPAÇÃO Os leitores podem colaborar com o conteúdo da Folha enviando notícias, fotos e vídeos (de acontecimentos ou comentários) que sejam relevantes no Brasil e no mundo. Para isso, basta acessar Envie sua Notícia ou enviar mensagem para leitor@uol.com.br
2015-07-29
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Painel do Leitor
http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2015/07/1661608-populacao-precisa-de-arvores-nao-de-shoppings-diz-leitora.shtml
Coleção Folha Soul & Blues apresenta sucessos de Fats Domino
No domingo dia 2 de agosto, a "Coleção Folha Soul & Blues" lança seu 22° livro-CD. O tema é Fats Domino, e o material foi escrito pelo jornalista Helton Ribeiro. O cantor, pianista e compositor nascido em 26 de fevereiro de 1928 em Nova Orleans, Louisiana (EUA), foi um dos pioneiros e maiores astros do rhythm & blues –de onde viria o rock and roll– nos anos 1950. Embora não desfrute hoje do mesmo reconhecimento de Elvis Presley (1935-1977), Chuck Berry e Little Richard, Fats Domino recebeu 18 discos de ouro pela venda de mais de 30 milhões de cópias, ficando apenas atrás de Elvis e superando os números de qualquer outro artista daquela geração. De todos os astros do rock, Domino talvez tenha sido o mais ousado musicalmente. Era comum que experimentasse outros gêneros como o jazz, blues, country e até música mexicana. Sua canção "Ain't That a Shame" (1955) rompeu as barreiras racial e de gênero musical, estourando na parada pop, até então dominada por artistas brancos. A faixa teve grande influência sobre o rock por décadas: foi regravada por John Lennon (1975), pela banda Cheap Trick (1979) e por Paul McCartney (1988 e 1990). Depois da chegada da "invasão britânica" aos Estados Unidos na década de 1960, Domino conseguiu emplacar apenas hits esporádicos. Em 2005, houve rumores de que morrera após a passagem do furacão Katrina por Nova Orleans, porém o músico foi resgatado em sua casa três dias depois, são e salvo. Apesar de já ter completado 87 anos, o cantor continua se apresentando, principalmente em festivais.
2015-07-28
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Painel do Leitor
http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/agendafolha/2015/07/1661299-colecao-folha-soul--blues-apresenta-sucessos-de-fats-domino.shtml
A guerra fiscal e as empresas
Está em curso uma guerra fiscal entre os Estados buscando atrair investimento para seus territórios através de renúncia de parte do ICMS, usualmente sem respaldo legal. Recentemente, analisando um caso isolado (ADI 4481) dessa disputa, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que as empresas que haviam se beneficiado de incentivos fiscais concedidos irregularmente pelo Estado do Paraná não poderiam ser cobradas retroativamente pelos tributos que tinham deixado de recolher ao longo dos anos em que se beneficiaram da lei. Trata-se de uma novidade, pois até então o STF julgava impondo a cobrança retroativa de todo o imposto. A decisão adotou um caminho adequado: as empresas agiram de boa fé ao acreditar na lei que concedia os incentivos fiscais estaduais e realizaram os investimentos que só foram economicamente viáveis graças à redução de tributos. Por outro lado, a cobrança retroativa dos impostos iria gerar uma enorme insegurança jurídica e poderia até mesmo representar uma quebradeira de vários setores econômicos que se beneficiaram da lei. Isso para não mencionar as incontáveis ações judiciais que seriam geradas, pois existem fortes razões para amparar a inconstitucionalidade da retroação dessa cobrança. A decisão mostra um caminho que o STF pode trilhar para começar a resolver o problema que o fim desses incentivos vai causar. Porém, ainda não é suficiente. É necessário dar tempo às empresas para que reorganizem seus negócios. O ideal é que o Tribunal conceda efeitos futuros, algo como 12 meses após a publicação do acórdão. Caso contrário, como ficarão as empresas que foram atraídas para esses Estados justamente por causa dos incentivos? Terão viabilidade econômica? Como o custo de distribuição para os distantes grandes centros de consumidores será compensado? Retirar esse benefício da noite para o dia pode significar o fechamento de várias empresas e postos de trabalho justamente nos Estados menos desenvolvidos, em pleno período recessivo. Essas empresas terão um forte aumento de carga tributária com a revogação desses incentivos, em especial se considerarmos que as isenções federais estão sendo retiradas, fruto do ajuste fiscal, com forte impacto na produtividade e na geração e emprego e renda. Reforçará a sensação de que é melhor colocar dinheiro na ciranda financeira do que arriscar na formação de empresas. Empreendedorismo em baixa. Ou seja, além da queda, o coice. Os secretários de Fazenda acenam com um pedido de vários milhões de reais em um fundo criado pela União, a ser utilizado pelos Estados, visando manter as finanças públicas equilibradas. Será usado para manter a atração das empresas nos Estados? A União aportará dinheiro nesse fundo, em face de suas combalidas finanças? São dúvidas que cercam as negociações que vem sendo realizadas, enquanto permanece a guerra entre os Estados por mais recursos, com ações judiciais para rever a negociação das dívidas com a União, dentre outras disputas. O risco está em que, na busca dos Estados por mais recursos, as empresas pereçam, entre o mar e os rochedos. Não basta se preocupar com os efeitos passados, para os quais existem remédios judiciais individuais, é necessário também olhar para a sustentabilidade econômica desses empreendimentos. FERNANDO FACURY SCAFF é professor da USP e livre docente em direito pela USP. É sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff - Advogados * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-07-28
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/07/1661115-a-guerra-fiscal-e-as-empresas.shtml
O Estado deveria incentivar programas de delação premiada? Não
ISCARIOTES E SILVÉRIOS Em 1º de julho de 2012, sustentei em artigo nesta seção da Folha a inconveniência da adoção da delação premiada como instrumento de política criminal. Sempre me pareceu absurdo admitir como virtuosa a parceria entre Estado e criminoso, formalizada com o objetivo de facilitar a investigação pela deduragem, em troca de perdão ou diminuição de pena, em vez de se aprimorarem as técnicas de investigação. Eventual punição de criminoso dedurado não apagaria, pensava e penso, o mal produzido pelo mau exemplo dado pelo Estado ao abraçar o criminoso interesseiro, pois num Estado democrático os fins não justificam os meios, mas estes qualificam aqueles. A lei nº 12.850/2013 tratou do combate a organizações criminosas, regulamentando a delação. Interessa notar que a lei chama de colaboração o que o senso comum tem por traição, com o fito de perfumar conduta que, desde crianças, sabemos não prestar. Um arrependido que confesse merece acolhida. Quem aponta o dedo para diminuir sua responsabilidade merece repulsa. Mudar o nome da estrovenga não altera sua natureza. O hoje dito colaborador nada mais é que o delator de ontem, feito do mesmo material que Iscariotes e Silvérios. Os delatados podem ter praticado crimes, mas a vileza do ato delatório não se desfigura só porque atinge quem não se senta à direita do pai. Desfaz-se, pois, sofisma comumente invocado durante o debate: ao pregar a inadmissibilidade de prêmio à delação, não se defende ética mantida entre comparsas, mas se opõe à premiação de ato que é patife em si. E patifaria não pode servir a processo penal que, numa sociedade civilizada, precisa ser sempre virtuoso. A delação passa de conduta repulsiva a elemento central de investigações, como se só saíssem verdades da boca do dedo-duro. Será que delator diz sempre tudo sobre todos os participantes do malfeito? Nunca mente para prejudicar desafeto ou omite para salvar parceiro, indicando caminhos tortuosos que desviem investigações de seu objetivo? E se a delação se dá sob coação, por estar preso ou ameaçado de o ser? Mesmo que o delator fosse um poço de virtudes –e não o é, senão não teria participação em fatos criminosos para contar–, convém às autoridades deixarem-se guiar por ator controverso e interessado? Melhor fugir da colaboração premiada como instrumento investigatório. Premiar malfeitor por informações que são indignas de confiança por origem maculada constitui a menos importante das razões para desestimular a delação premiada. Pior é o mau contágio que a delação premiada proporciona. Quem olha de longe, vê autoridade de mãos dadas com criminosos, o que, convenhamos, é constrangedor. Quem vê de perto, percebe uma cada vez menos sutil mudança no proceder dos agentes públicos, que abandonam a excelência para se renderem a desvios inadmissíveis. Vale tudo em busca de novos delatores: vazamentos de elementos de autos sigilosos são cada vez mais frequentes, em busca de intimidar quem se presume ter agido mal, mas ainda não foi descoberto, e o Ministério Público já não cora em admitir que prisões cautelares são utilizadas para induzir novas delações. Quem garante que, nessa toada, o próximo passo não será a adoção de "afogamentos controlados" como técnica de interrogação, em busca de deduragem a premiar? Enfim, são tantas as chagas causadas pela delação, que não vale impor à cidadania o ônus de ver premiado quem mereceria justiça. Paremos de bater palmas enquanto agentes públicos e colaboradores dançam aloucados o minueto da perfídia. ROBERTO SOARES GARCIA, 44, é advogado criminal. Foi vice-presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa - IDDD * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-07-25
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/07/1660208-o-estado-deveria-incentivar-programas-de-delacao-premiada-nao.shtml
O Estado deveria incentivar programas de delação premiada? Sim
RESISTÊNCIA CULTURAL A delação premiada recebe críticas por incentivar a traição, o que traria implicações morais. O legado cultural de rejeição à delação reforça essa posição. Judas traiu Jesus, Brutus traiu César, e ambos se encontram no último dos círculos do Inferno de Dante, onde o próprio Satã aplica as penas eternas. Estados totalitários e autocráticos estimularam a delação como forma de controle social, levando aos horrores do nazismo e do fascismo. No Brasil, as histórias vão desde a delação de Joaquim Silvério dos Reis até episódios traumáticos da ditadura militar. O delator é estigmatizado, referido como "X-9" (pavilhão do extinto Carandiru onde ficavam delatores e estupradores), dedo-duro e alcaguete. A questão, porém, é menos trivial do que parece. Do ponto de vista moral, deveria o Estado preservar uma suposta "coesão social" ao conferir valor negativo a qualquer delação? Ou deveria evitar que vítimas inocentes sofram as consequências do crime, ainda que se valendo de delação? O embate moral se coloca entre uma ética de princípios, por vezes vagos, e uma consequencialista. Na linha do pregado pelo filósofo John Stuart Mill, o critério moral para avaliar uma ação deveria residir nas consequências que esta tem sobre o bem-estar social. E, do ponto de vista moral, os críticos do programa têm de demonstrar que banir esse instrumento traria, em concreto, consequências positivas. Aqueles que atribuem valor ético negativo à delação pretendem equiparar pactos feitos no campo da licitude com aqueles feitos à margem da lei. É como sustentar que o assassino profissional tem o dever moral de matar a vítima já que recebeu pagamento para tanto. Não se pode esperar que o direito dê valor positivo à lealdade desse tipo. No caso do exemplo, o direito não o faz ao considerar nulos contratos com objetos ilícitos. Seria, então, nosso direito civil imoral por não estimular as pessoas a manterem sua palavra? Do ponto de vista prático, associações criminosas são naturalmente instáveis. Quem se entrega ao mundo do crime não pode esperar de seus comparsas a mesma confiança que embasa relações lícitas. Programas de delação se aproveitam exatamente dessa instabilidade para pôr fim à conduta que, por definição, ataca valores constitucionalmente protegidos e socialmente desejados. Em 2002, a revista americana "Time" escolheu como "personalidades do ano" as delatoras das fraudes da Enron e Worldcom, até hoje dois dos maiores escândalos corporativos globais. França e Japão são também países que enfrentaram com sucesso o dilema cultural que o Brasil encara. O famoso cartel internacional das vitaminas foi delatado por uma empresa francesa, em 1998. No Japão, país com forte cultura de cooperação empresarial, mais de 500 investigações foram iniciadas com base em delação. Apesar de a percepção pública brasileira não ter chegado a esse ponto –isso dependerá também do uso consciente do instituto pelas autoridades e de campanhas de conscientização– fato é que, aos poucos, a resistência parece se reduzir. A experiência do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), que firmou, desde 2003, mais de 50 acordos de leniência, pode servir de modelo. Não cometer crimes é o que a ética exige de nós. Mas, uma vez que o crime foi cometido, assumir os erros, colaborar com as investigações e se dispor a reparar os danos causados não pode ser tido como conduta indesejada. Eticamente, isso deveria ser preferível à manutenção do "código de silêncio" que viabiliza as organizações criminosas. ANA PAULA MARTINEZ, 34, advogada, é doutora em direito penal pela USP e professora responsável pelo curso de pós-graduação em direito econômico regulatório da FGV Rio * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-07-25
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/07/1660205-o-estado-deveria-incentivar-programas-de-delacao-premiada-sim.shtml
Eu sou duzentos!
Imodestamente, com esse título parafraseando a bela auto epígrafe de Mário de Andrade, estrela da recente Flip, onde, sem nenhuma coincidência (ora direis!) foi lançada a "Antologia da Poesia Erótica Brasileira", de Eliane Robert Moraes, e para a qual fui convidado a ceder dois poemas sem custos (sim, ganhei um exemplar, unzinho!). Vejo-me compelido a denunciar a forma e o conteúdo desrespeitosos e canhestros com que meu fabro erótico foi contemplado nesta obra da Ateliê Editorial, ilustrada com exuberantes desenhos de Arthur Luiz Piza. Peço vênia ao leitor pela, idem, própria referência, autor que sou de mais de duzentos poemas –o único do país com esse repertório distribuído em cinco livros, a saber "O caderno erótico de Sylvio Back", "A vinha do desejo", "boudoir", "As mulheres gozam pelo ouvido" e "Quermesse"– na ilustre e quase sempre omitida, quando não proscrita, vertente da obra de dezenas de soberbos poetas do mundo e tempos afora. E, no caso, honrosamente, sem que eu financiasse a edição de nenhum deles (toada comum à maioria dos vates), tudo publicado por editoras nacionais nos últimos trinta e cinco anos (Guilherme Mansur, editor, Geração Editorial, 7Letras, Demônio Negro,Topbooks, EdUFSC). Portanto, não estou chegando agora e já quero sentar na janelinha, como se diz. Nem sou nenhum neófito no quesito em tela, nem poeta acidental que vez por outra comete seus versos fesceninos e, rara e ralamente, ousa que venham a lume, valendo-se dos mesmos argumentos do genial Carlos Drummond de Andrade que só permitiu que seu maravilhoso gomo pornográfico fosse conhecido post-mortem, temente que maculassem a obra. Ao não lograr delimitar a polêmica linda entre erótico e pornográfico, tão mal alinhavada na introdução teórica à "Antologia da Poesia Erótica Brasileira", é que Eliane Robert Moraes, engessada por um provecto cilício moral e beletrista acadêmicos, pegou no meu pé, digo, no pé dos meus versos "inquebráveis". Mimoseando-me com uma das mais enxutas dentre as biografias (até Álvares de Azevedo teve parte do nome limado), culminando com uma rata de dar dó: o meu poema "hosana ao grelo" teve grosseiramente suprimidos três versos no livro, ficando largado, inconcluso na página, sem o sintagma que o arremata: "o grelo é ninfeu". E, fechando a inglória fatura, Moraes destrói espacialmente os poemas editados (o branco da página e o locus da palavra fazem parte da coisa, hein?). Por sorte, meu minimalista florilégio, tão chicoteado pela desídia e a displicência do livro, vem de alhures mui a cavaleiro de uma consistente fortuna crítica que desvaneceria qualquer pobre coitado como eu, autores esses, por sinal, com todos os méritos, a maioria presente na antologia. Entre outros, Décio Pignatari, Affonso Romano de Sant´Anna, José Paulo Paes, Manoel de Barros, Paulo Leminski, Carlos Nejar, Xico Sá, Alexei Bueno, Josely Baptista Vianna, João Ubaldo Ribeiro, Douglas Diegues, Régis Bonvicino, Marcelino Freire, Roberto Muggiati, aí incluído o poeta e critico, Felipe Fortuna, que apresenta "Quermesse", conferindo-me a expressão "poeta original" (desculpe, leitor). Tome tento, Eliane Robert Moraes! SYLVIO BACK é cineasta, escritor e poeta * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-07-24
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Opinião
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Agronegócio: como e para quem investir?
A ministra da Agricultura Pecuária de Abastecimento, Kátia Abreu, comemorou em mídia social no último dia 6 de julho a suspensão de embargos da carne brasileira na Argentina, Estados Unidos e China. Concomitante a sua publicação, acontecia na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul uma audiência pública que reuniu centenas produtores rurais, um indígena e autoridades estaduais, da câmara federal e senado, que mais uma vez buscam alternativas para solucionar a disputa por terras na região. Já se aproxima de 90 o número de propriedades sul-mato-grossenses legítimas, invadidas por diversas etnias indígenas. O cenário, que é estático, é de extrema contradição. Uma liberação história de mercado internacional, que exige cada vez mais por carne de qualidade, enquanto que a casa se encontra em desordem, a ponto de o produtor rural buscar financiamentos pelo Banco do Brasil, afim de maiores investimentos em genética, pastagem e infraestrutura e se depararem com o bloqueio de crédito, em virtude de sua propriedade, titulada, estar inclusa em relatórios desenvolvidos por um órgão federal indigenista, a Fundação Nacional do Índio (Funai). Como investir se a propriedade consta em um laudo desenvolvido por uma única entidade, sem o menor crivo técnico? E para quem investir, já que hoje temos a posse, mas amanhã centenas de indígenas, inclusive do vizinho Paraguai, poderão dominar o território? É sabido que Mato Grosso do Sul atualmente responde pela produção das melhores carnes bovinas e que as ações técnicas de entidades como a Embrapa Gado de Corte e Novilho Precoce, fazem do Estado referência em tecnologias voltadas para pecuária. Mas essas informações são insuficientes para se exigir um posicionamento da União –que se detém a marcar reuniões com o ministro da justiça, José Eduardo Cardozo, e alimentar esperança de indígenas e pecuaristas– e mudança na omissão da presidente da República, Dilma Rousseff. Segundo a senadora Simone Tebet (PMDB-MS), que participou da audiência pública no Mato Grosso do Sul, duas medidas a serem tomadas para se solucionar parte desse impasse entre índios, pecuaristas e poder público é a aprovação da PEC 71/2011, que garante a indenização da terra nua e benfeitorias, além da pressão sob o governo federal, para que tomem medidas e impossibilitem que as terras invadidas possam ser demarcadas, amenizando assim os conflitos. Infelizmente, possíveis soluções a longo prazo, para um país que quer visibilidade e superávit econômico urgente. Diferentemente da senadora, apesar do convite, representantes do Ministério Público e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), se pouparam da discussão, recusando o convite da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul a participar da audiência. O ato foi considerado pelos produtores rurais como um "desrespeito" e os ausentes como "covardes". Não faltaram adjetivos também para a União, considerada no ato público como inerte perante a situação, empurrando com a barriga fatos que fazem da comunidade indígena e produtores rurais vítimas do poder público. RICARDO ALMEIDA CORDEIRO é produtor rural em Mato Grosso do Sul * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-07-22
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/07/1658646-agronegocio-como-e-para-quem-investir.shtml
Reação à impunidade
O Brasil atravessa atualmente uma grave crise política, econômica e moral. É necessário, entretanto, salientar que uma das vertentes da crise –a corrupção– está enfrentando uma poderosa reação republicana nos últimos anos, iniciando-se processos de apuração, investigação, julgamento e punição dos responsáveis pela odiosa e imperdoável posse do dinheiro público para fins particulares, de maneira ilegal e imoral. Essa novidade deve ser apoiada e aplaudida, pois nunca houve punição com prisão de políticos importantes vinculados ao governo vigente, nem de proprietários de grandes empresas de âmbito nacional, o que vem ocorrendo agora de modo intensivo e com grande satisfação da população brasileira. É preciso salientar que esse ambiente republicano de denúncias, apuração e julgamento de corruptos, de transparência, de liberdade total do poder judiciário, da Polícia Federal, do poder judiciário, da imprensa e do Congresso é uma extraordinária novidade. Não tem havido nenhuma ação governamental nem popular nem de grupos econômicos de intensidade suficiente para contestar ou tentar suspender essas novas medidas Obviamente, sempre há pontuais críticas às instituições que têm realizado esse processo, mas constituem apenas o direito de defesa de acusados e de seus advogados, não exercendo nenhum efeito restritivo sobre as novas ações. Houve um fato atual, noticiado pela Folha no dia 2 de julho, que reflete essa situação: grupos radicais, que pretendem livrar acusados na Operação Lava Jato por meio de ações políticas do governo, tiveram uma forte negativa de interferência governamental nos processos judiciais, por meio da ação irrepreensível do ministro da Justiça, que não acionou mecanismos escusos para inibir ou coagir os autores dos processos judiciais. É importante salientar que a Polícia Federal, que tem tido uma atuação intensa nos processos, é subordinada ao Ministério da Justiça. Foi uma atuação firme e republicana do ministro, que chegou a considerar a hipótese de afastar-se do cargo, considerando que a pressão desses grupos foi muito intensiva e incorreta. Essas ações que estão em plena execução estão conseguindo trazer à tona, divulgar e punir atos que são praticados no Brasil há séculos e, especialmente, em inúmeros governos anteriores, mas que foram ocultados, engavetados ou negociados após articulações espúrias, não tendo nem mesmo a intensiva cobertura da imprensa que existe hoje. A corrupção, portanto, não é um fato novo, o que é novidade é o processo de apuração, divulgação e punição. Foi dito recentemente que todo esse clima republicano democrático que permite essa extraordinária novidade no país foi em grande parte criado pela luta de uma geração contra a ditadura militar e pela implantação de uma nova atitude de abertura democrática e de abordagem da corrupção dos poderosos. Atualmente, muitos países do planeta, inclusive das Américas Central e do Sul, não teriam essa liberdade, essa cobertura e esse apoio para apurar a corrupção vigente e punir os responsáveis. É muito preocupante a crise brasileira atual, mas devemos aplaudir e apoiar a fase de abertura e de reação à impunidade que tem ocorrido de maneira vigorosa. CID VELLOSO, 78, foi reitor da Universidade Federal de Minas Gerais em 1986-90 * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-07-21
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/07/1658204-reacao-a-impunidade.shtml
Cidadão pacífico não é cidadão indefeso
Depois de 15 anos de negociações, o governo brasileiro anunciou no final de 2014 a compra de 36 caças supersônicos que farão parte da frota da Força Aérea Brasileira. O Brasil também está construindo cinco submarinos, um deles de propulsão nuclear. Com uma fronteira de mais de 8 mil quilômetros, a maior floresta equatorial do mundo, uma das maiores reservas de petróleo e riquezas naturais imensuráveis, o país precisa mostrar que tem poder de dissuasão, para compelir qualquer ameaça estrangeira. O governo atual, de fato, acredita no poder dissuasório. A Estratégia Nacional de Defesa está sustentada pela possibilidade de oferecer resistência ao inimigo. De maneira correta e responsável, o Brasil se previne para defender seu povo de possíveis ameaças externas. Entretanto, outra frase estampada na primeira página do Livro Branco de Defesa, documento que reúne as estratégias das Forças Armadas brasileiras, é de uma verdade inconteste: o Brasil é um país pacífico. Atualmente, 65 nações estão em conflito bélico e o Brasil não é uma delas. O país vive em harmonia com seus vizinhos e há exatos 70 anos, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, não envia tropas para combates, com exceção em missões de paz, como no Haiti. A questão é que essa tranquilidade na relação com outras nações contrasta com um crescente da violência e dos homicídios dentro do país, registrando atualmente mais mortes do que regiões em guerra, segundo levantamentos. Recentemente, em um almoço de confraternização das Forças Armadas, a presidente Dilma Rousseff citou: "Um país pacífico não pode nem deve ser confundido com um país indefeso". Se por um lado o país não deve ser indefeso, por outro o mesmo governo torna seus cidadãos indefesos ao tolher o direito de adquirir legalmente e utilizar-se de meios proporcionais ao risco que de fato lhe está sendo imputado. É legítimo concluir que para isso não deveria ser cerceado o acesso legal aos instrumentos de defesa. É o que impõe o Estatuto do Desarmamento que, em virtude do excesso de burocracia e a inexistência de estrutura do órgão responsável pelos registros, atualmente, está colocando na irregularidade quase nove milhões de brasileiros e falhou ao tentar ser uma política de segurança pública. Sendo assim, não seria coerente também garantir e respeitar o direito a legítima defesa do cidadão brasileiro e de sua família? SALESIO NUHS presidente da Associação Nacional da Indústria de Armas e Munições (Aniam) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-07-18
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/07/1657370-cidadao-pacifico-nao-e-cidadao-indefeso.shtml
Falta pulso ao governo no combate ao contrabando
O governo pensa que o Brasil está em alta. Realmente: energia, inflação, gasolina, juros, desemprego, impostos, tudo está em alta. É uma verdadeira extorsão tributária contra quem produz no país. Além disso, o modelo fiscal em discussão não considera algo igualmente importante: o combate ao contrabando, que representa uma evasão de R$ 100 bilhões, e já poderia estar sendo feito de forma efetiva e contundente defendendo o emprego dos brasileiros, a estabilidade das empresas e contribuindo para a redução da criminalidade, além de melhorar a arrecadação dos cofres públicos. Os meios de comunicação vêm amplamente divulgando os prejuízos que este crime traz para toda a sociedade. Recentemente, o Instituto Datafolha divulgou os resultados de uma pesquisa nacional que mostra que a população já sabe qual deve ser a lição de casa do governo. De acordo com a pesquisa apenas 5% acham que o trabalho feito pelo governo federal contra a entrada de produtos contrabandeados muito eficiente, e a maioria esmagadora considera as ações do governo pouco ou nada eficientes. Entre os entrevistados 60% responderam que o reforço no policiamento e controle nas fronteiras, além da adoção de leis mais duras são as principais medidas para evitar o contrabando. Esta pesquisa mostra o grito de socorro da sociedade de norte a sul do país exigindo medidas imediatas do governo federal. Em anos recentes, o governo tem realizado, sempre em maio, as bem sucedidas operações Ágata, uma união das forças federais como o Exército, a Polícia Federal, entre outras, para o fechamento das fronteiras. Essa é uma das formas mais efetivas de combate ao contrabando. Mas neste ano de 2015, ao entrarmos no segundo semestre, nada foi feito neste sentido. O Exército brasileiro está pronto, e é altamente qualificado para essa ação, mas aparentemente o governo federal tem outras prioridades. E com isto, nossas portas estão abertas para o ingresso de todo tipo de ilegalidade. Aliás, uma pergunta: por quê estas operações não acontecem com frequência? Considerando as perdas anuais de R$ 100 bilhões com o contrabando e outros ilícitos –todos passando pelas fronteiras– o país pode obter arrecadação potencial de R$ 4,2 bilhões com uma Operação Ágata de 15 dias. Isso sem citar a apreensão de drogas e armamentos! Desta forma poderíamos impedir que medicamentos ilegais entrem no Brasil, representando um enorme risco para a saúde de quem compra um medicamento sem controle sanitário. Os brinquedos, que tão inocentemente são comprados nos chamados centro populares, são também um enorme perigo para as nossas crianças. O líder do ranking de produtos contrabandeados, os cigarros, já representam 33% do mercado nacional. O setor está demitindo trabalhadores brasileiros, a arrecadação do governo caiu muito e os criminosos fazem a festa. Agora em julho os chefes de estado do Mercosul se reúnem em Brasília e é uma excelente oportunidade para o governo brasileiro cobrar do presidente do Paraguai, Horácio Cartes, sobre o contrabando indiscriminado de produtos que passam pela fronteira rumo à Foz do Iguaçu em plena luz do dia. Entretanto, parece que a solidariedade ideológica com o Paraguai falará mais alto que a responsabilidade com quem produz no Brasil. Aliás, é uma vergonha a situação das nossas fronteiras. Estudo recente realizado pelo Sindireceita mostra que o número de servidores disponíveis para a fiscalização é insuficiente para conter entrada no país de produtos contrabandeados, armas, munições e drogas que chegam às cidades e abastecem o crime organizado. São pouco menos de 3 mil servidores atuando em 35 terminais de passageiros, 41 terminais aeroportuários de cargas, 38 terminais organizados, 44 instalações portuárias fluviais e lacustres, 165 instalações portuárias marítimas e 27 pontos alfandegados instalados na fronteira do Brasil com outros dez países. Os Estados Unidos possuem 20 mil servidores, a Alemanha 40 mil e a China mais de 50 mil. Frente a este cenário a dúvida é: o que falta ao governo é vontade política ou falta de pulso? Os governantes brasileiros estão de costas ao problema e não fazem nada para acabar com esta triste realidade. É hora de abandonar esta letargia e passar para ações constantes e trabalho duro no combate ao crime do contrabando, desta forma teremos um país mais viável e decente para todos os brasileiros. EFRAIM FILHO, 36, advogado, é deputado federal (DEM/PB) e presidente da Frente Parlamentar Mista de Combate ao Contrabando e à Falsificação * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-07-17
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/07/1656760-falta-pulso-ao-governo-no-combate-ao-contrabando.shtml
Auto-representação política?
Imaginemos um condomínio residencial em que a decisão sobre o aumento ou redução da quota condominial do síndico coubesse ou ao próprio síndico ou a um funcionário da administradora do condomínio. Qual das duas alternativas os demais condôminos prefeririam? Guardadas as devidas proporções, a situação acima serve para ilustrar o desenvolvimento, no último ano, do tema das doações para campanhas e partidos políticos, feitas por pessoas jurídicas. Quando esse tema restringia-se ao julgamento pendente no STF (da ação direta de inconstitucionalidade movida pela OAB), houve quem lamentasse o protagonismo do Supremo em um assunto cuja definição cabia aos nossos representantes políticos. De fato, não é assim tão óbvio que a opinião de onze juízes (ou da maioria deles), amparada em suas leituras da Constituição, possa sobrepor-se à decisão dos representantes políticos que elegemos; que essas onze pessoas, nem sempre dispostas a esforços de deliberação e consenso, incumbam-se de cancelar regras importantes do processo democrático, fixadas por nossos representantes. Nem todo eleitor se convencerá de que questões envolvendo o direito dele e de todos os demais eleitores –questões que são complexas e polêmicas tanto para ele quanto para especialistas na matéria– devam ser decididas por alguns poucos indivíduos cultos, escolhidos por outras poucas pessoas. "Quem nos governa, afinal?", perguntará esse eleitor. Mais recentemente, com os rápidos desdobramentos do assunto na Câmara dos Deputados, em particular, a potencial alteração da Constituição Federal, para autorizar as doações de que se trata, há quem lamente o protagonismo do Legislativo no caso. Isso porque os representantes políticos que elegemos, em sua grande maioria, são aqueles que dispõem de volumosos recursos para suas campanhas; recursos que, em sua esmagadora maioria, provêm de doações feitas por pessoas jurídicas. Assim, é por conta desse apoio financeiro que muitos dos nossos representantes políticos se tornaram nossos representantes políticos. Se tais doações forem proibidas (como já decidido pela maioria do STF), os parlamentares que buscarem novos mandatos terão apoio financeiro semelhante (ou menos dessemelhante) ao dos demais candidatos, e ainda poderão encontrar, como candidatos, pessoas que não pensavam em disputar eleições frente ao custo das campanhas. Nesse cenário, o quão democrático seria deixar aos atuais parlamentares a decisão sobre o destino das doações eleitorais por pessoas jurídicas? Não seria uma decisão em causa própria (lembremos, a propósito, que nossos parlamentares raramente evitam propor e aprovar, em nome de um interesse maior, medidas de teor financeiro e não financeiro que os favoreçam direta e exclusivamente)? Dessas duas visões do tema, independentemente da (in)correção da futura decisão do STF ou do Legislativo sobre as doações, sobressai a pergunta sobre qual dessas visões, ou qual mistura delas, pode fortalecer nossa democracia. MARCELO DE AZEVEDO GRANATO é doutor em Direito pelas Universidades de São Paulo e Turim (Itália), juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, professor da FMU e consultor de BGR Advogados * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-07-13
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/07/1653256-auto-representacao-politica.shtml
É correta decisão de Contran de obrigar o uso de cadeirinhas em vans escolares? Sim
PROTEGER OS MAIS VULNERÁVEIS O ideal de uma sociedade é não existir o acidente de trânsito (Meta Zero). Sem ele não haveria mortes, feridos e sequelas e, ainda, no caso brasileiro, significaria economizar R$ 70 bilhões todos os anos, dos quais R$ 11 bilhões gastos com o resgate, hospitalização e reabilitação de vítimas, segundo valores atualizados pelo o estudo da Associação Nacional de Transportes Públicos(ANTP)/IPEA. Segundo o DataSUS (banco de informações do Sistema Único de Saúde), a terceira causa de morte violenta de crianças com menos de nove anos de idade no Brasil é o acidente de trânsito durante seu transporte, que representa 2,5% do total de fatalidades. Mesmo em países com eficientes planos de redução de acidentes, nos quais se observam índices de mortes no trânsito muito inferiores ao nosso –3,1 mortes para cada 100 mil habitantes no Reino Unido, contra 23,2 no Brasil, por exemplo–, os acidentes ainda acontecem. As crianças são mais vulneráveis em virtude do seu desenvolvimento físico e motor. Já os projetos dos bancos dos veículos e os cintos de segurança são projetados pela indústria automobilística para o adulto, daí a necessidade de previsão de sistemas de proteção adequados à idade, altura e peso da criança. Equipamentos eficientes foram desenvolvidos para este fim, que são os dispositivos de retenção que, como o nome indica, destinam-se a impedir que a criança seja jogada para frente ou para os lados em caso de colisão, reduzindo os danos decorrentes e mesmo a morte em 70% dos casos, como indica o Relatório da Global Status Report on Road Safety de 2013 da Organização Mundial da Saúde (OMS). O artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que a família, a comunidade, a sociedade em geral e o poder público têm o dever de assegurar, com absoluta prioridade, os direitos da criança, dentre os quais aqueles relativos à vida, à saúde e ao transporte. O transporte escolar, no que diz respeito às condições do veículo e do condutor, é regulamentado pelo Código de Trânsito Brasileiro e pelas normas do Conselho Nacional de Trânsito (Contran). Este agiu corretamente ao baixar recente medida exigindo os dispositivos de retenção para crianças com até sete anos e meio de idade, corrigindo norma anterior que isentava inadequadamente a obrigatoriedade deste equipamento no transporte escolar. Milhares de crianças são transportadas em veículos escolares e expostas diariamente ao trânsito violento das cidades e estradas brasileiras. Os primeiros a observar e a exigir o atendimento à nova obrigação são seus pais ou seus responsáveis. Ao poder público cabe a orientação e a fiscalização da regra. Naturalmente que a norma causará algum impacto no setor de transporte escolar. Trata-se de um serviço privado, em geral de um único proprietário, e as dificuldades de implantação derivam da necessidade de adaptação do veículo, o que pode ir além da aquisição de cadeirinhas de segurança e envolver também adaptações estruturais. Ainda, como o mesmo veículo serve em muitos casos a múltiplas finalidades a cada período do dia –crianças, adolescentes e universitários– também poderá exigir de alguma forma alteração no modelo atual de prestação do serviço. O Contran estabeleceu a data de vigência da norma para a volta às aulas em 1º de fevereiro de 2016. A medida é necessária e positiva e os impactos iniciais sobre os prestadores de serviço não podem servir de pretexto para a "lei não pegar". Resta saber se o prazo será suficiente para o setor se reorganizar. LUIZ CARLOS MANTOVANI NÉSPOLI, 64, engenheiro, é superintendente da Associação Nacional de Transportes Públicos - ANTP * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-07
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/07/1653418-e-correta-decisao-de-contran-de-obrigar-o-uso-de-cadeirinhas-em-vans-escolares-sim.shtml
Iniciativa nuclear privada
O Brasil está prestes a vivenciar uma nova era em seu desenvolvimento. Em breve começará um ciclo virtuoso de oportunidades quando a iniciativa privada passar a ser responsável pelos projetos, financiamentos e construções das novas usinas nucelares que o país precisa em sua matriz energética. A palavra do Ministro das Minas e Energia, Eduardo Braga, dando o aval do governo federal para este novo modelo de construção em nosso país é histórico. O Brasil poderá redirecionar seus orçamentos para investimentos em outras áreas, sem abrir mão da operação do empreendimento de geração nuclear. Uma iniciativa que atende a todos. Garante o fornecimento de energia a preços contratados previamente, gera de milhares de empregos, forma mão de obra especializada, cria uma nova cadeia de suprimentos e proporciona o crescimento econômico de várias regiões no Brasil que receberão os novos projetos nucleares e não nucleares. O Brasil tem a necessidade de construir 12 novas usinas até 2050, sendo que até 2030, precisaremos pelo menos que quatro já estejam operando. Há empresas estabelecidas no Brasil com grande experiência no setor que estão dispostas a investir nestas construções. Pela primeira vez as novas usinas poderão ser projetadas, construídas e financiadas pela própria iniciativa privada. Isso precisa ser cada vez mais incentivado. Já há sítios analisados para abrigar essas novas usinas: Pernambuco, Bahia, Minas Gerais e Espírito Santo, estão entre os Estados que poderão receber estes projetos. Em todos esses casos a participação da Eletronuclear será fundamental neste novo processo. Com a experiência que acumulou através dos anos, a estatal precisa estar presente em todos os projetos, participando ativamente nas operações dessas usinas. Uma usina nuclear precisa de quatro a cinco anos para ser licenciada e mais outros cinco anos para ser construída. É um desafio imenso, assim como o número de empresas fornecedoras que atende à projetos desta envergadura. São milhares de empregos criados. Desde a mão de obra, passando pela indústria e serviços. Por isso, a autorização para suas construções precisa ser dada ainda este ano. A nossa economia será reaquecida, possibilitando uma melhor distribuição de riquezas. Um processo de que passa por criação de novos cursos técnicos e universitários e formação de empresas especializadas. Esta é a bandeira da Abdan. O nosso país, que já gastou muita esperança, pode ver renascer um novo ciclo, com segurança e independência. Nós temos a sexta maior reserva de urânio do mundo e precisamos privilegiar agora esta matriz energética. Gerar uma matriz econômica, sustentável e ambientalmente amigável. ANTÔNIO MULLER é presidente da Abdan - Associação Brasileira de Desenvolvimento das Atividades Nucleares * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-07
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/07/1653249-a-iniciativa-nuclear-privada.shtml
A quem interessa um fisco sem autonomia?
O diabo mora nos detalhes, diz a sabedoria popular. E é verdade que detalhes foram e são os responsáveis por ruínas emblemáticas, principalmente daqueles que se consideraram acima do bem e do mal, isentos das regras legais, válidas a todos, e apoiados muitas vezes por organismos de fiscalização não independentes, sujeitos a interferências estranhas ao bojo técnico que deve nortear essas organizações. A sonegação, como a história demonstra, é a ferramenta tradicional dos chamados "crimes do colarinho branco". Escândalos recentes levantados pela Operação Lava-jato ou pelas investigações sobre a Fifa e a CBF comprovam a importância fundamental da determinação de tais "detalhes" fiscais indevidos para que varreduras completas sejam promovidas, prisões sejam decretadas e uma centelha de esperança na justiça paire sobre a sociedade. E cabe aos fiscos essas investigações, o levantamento de provas e a determinação desses desvios, aqui chamados de "detalhes" fiscais, para que os demais órgãos da justiça possam levar adiante seu trabalho, e efetivamente todo o processo culmine na identificação e prisão dos agentes criminosos. O estranho é observar que está em curso uma enérgica e prolixa cruzada contra a ação fiscal livre e simplificada, que lentamente toma forma no governo do Estado de São Paulo, seja na forma de acusações infundadas e genéricas contra integrantes do fisco paulista, seja por meio da simples estratégia de protelar e ignorar as propostas de melhoria e modernização contidas, em sua íntegra, no anteprojeto da Lei Orgânica da Administração Tributária que está há um ano aguardando por um parecer do governador Geraldo Alckmin. A Administração Tributária é que garante a correta arrecadação dos tributos e trabalha para que os tais "detalhes" sejam cumpridos de maneira clara e objetiva evitando, assim, que cifras milionárias sejam desviadas do seu propósito inicial, que é a formação de recursos para serem aplicados em políticas públicas para suprir as necessidades dos cidadãos, que são os verdadeiros donos desses recursos. Essa é a essência do trabalho dos agentes fiscais de rendas, os servidores da Administração Tributária do Estado de São Paulo. Para se entender a dimensão deste cenário, apenas nos dois últimos anos os Agentes Fiscais de Rendas foram os responsáveis pela arrecadação de mais de R$ 8 bilhões extras para o governo estadual, como resultado da cobrança de autos de infração, ferramenta de efetivo combate à corrupção, ao crime organizado e à sonegação. Isso além de zelar para que os R$ 150 bilhões normalmente recolhidos todo ano cheguem sem atropelos aos cofres públicos. Caso apenas o esforço extra da fiscalização –mais de R$ 8 bilhões– fosse aplicado em benefícios para a sociedade, poderíamos ter, por exemplo, mais 32 km de metrô, ou 200 grandes escolas, ou 30 novos hospitais ou mais 200 km de corredores para o tráfego rápido de ônibus, um cenário em linha com a grandeza do Estado. Mas essa não é a realidade. O Fisco com autonomia tem maiores condições de promover a justiça fiscal, que se traduz no aumento da eficiência técnica, com o tratamento isonômico dos contribuintes. Isso torna possível aumentar a arrecadação sem aumentar a carga tributária. E até mesmo arrecadar mais com efetiva redução dos tributos. Hoje, mesmo sem as condições ideias, o trabalho do fisco vai além da arrecadação e gera provas concretas para que o Ministério Público e o Judiciário possam trabalhar. Um exemplo é a "Operação Yellow", idealizada e executada pelos agentes fiscais de rendas e que auxiliou na redução da sonegação e da prática do crime organizado. O fisco também realiza ações cotidianas que impactam positivamente a sociedade, como a operação "De Olho na Bomba", que fechou inúmeros postos que vendiam combustível adulterado, elevando a qualidade do combustível oferecido ao cidadão. Além desses há muitos outros exemplos notórios de como se garantir um bom funcionamento do sistema tributário. Então, afinal por que o governo de São Paulo não promove a autonomia da Administração Tributária? Observa-se pelas publicações na Imprensa como é mal investida a arrecadação tributária, fruto do trabalho dos agentes fiscais de rendas. São exemplo o monotrilho da zona leste (R$ 7,1 bilhões) que só opera menos de 3 Km, o monotrilho "Congonhas" (R$ 5,1 bilhões) que deveria ter sido inaugurado na Copa e as duas estações inacabadas da linha amarela do metrô, que já custaram aproximadamente R$ 200 milhões. A proposta para autonomia da Administração Tributária foi apresentada. É hora do governo escolher entre um caminho em linha com a racionalidade e justiça fiscal, que cria condições para diminuir a carga tributária, ou a manutenção de um sistema fiscal sem autonomia, confuso e sujeito a influências políticas. MIRIAM ARADO é presidente do Sindicato dos Agentes Fiscais de Rendas (Sinafresp) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-10-07
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/07/1653221-a-quem-interessa-um-fisco-sem-autonomia.shtml
Justiça fiscal, condição para justiça social
Em resposta ao nosso requerimento de informação sobre o impacto econômico-social que poderia resultar de uma tributação sobre o grande capital, o Governo Federal confirma a injustiça do sistema tributário brasileiro e da atual política fiscal –a mesma de há 20 anos–, cujo caráter regressivo penaliza os pobres e privilegia os ricos. Todos reclamam do peso da carga tributária, agravado pela corrupção de agentes públicos. Porém, não se fala da distribuição desigual de impostos entre as camadas da população, com níveis de renda absurdamente díspares. Tributa-se pesadamente o consumo e o trabalho, enquanto a renda e o patrimônio são isentos de encargos tributários. Serve de exemplo o ano de 2012, quando, segundo a Receita Federal, os tributos sobre o consumo e os salários representaram 76,26% da arrecadação, enquanto nos países ricos da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) correspondiam, em 2011, a 58,35%. Enquanto a tributação sobre a renda e o patrimônio somava 21,69% da arrecadação no Brasil, na OCDE era 38,27%. No mesmo ano, quem ganhou até dois salários mínimos contribuiu com 53% para a carga tributária bruta, enquanto os que receberam mais de trinta salários mínimos contribuíram com, apenas, 28,5%. A população de baixa renda também é onerada pela falta de atualização da tabela do Imposto de Renda Pessoa Física, beneficiando os mais ricos. Os cálculos para a definição dos que estariam isentos deveriam ser refeitos anualmente, levando-se em conta a inflação e reajustes do salário mínimo, sem o que, pequenas alterações deste, incluem novos contribuintes na lista dos que pagam. Atualmente, o grande capital é beneficiado com a isenção do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) sobre os lucros e dividendos distribuídos, sob o argumento falacioso de que estes seriam reinvestidos. Além disso, são isentos do IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) os chamados Juros sobre Capital Próprio, disfarçados de empréstimos à empresa. Não obstante, entidades como a Febraban e a Fiesp protestam contra o que identificam como quantidade exorbitante de impostos pagos pelos brasileiros. Essa visão é reforçada pelos meios de comunicação e desconsidera que, do déficit de R$ 90 bilhões registrado no Relatório de 2014 do Banco Central, nada menos que R$ 40 bilhões referem-se a remessas de lucros ao exterior e são isentos de imposto de renda e da contribuição social. No intuito de contribuir para mudar essa realidade e buscar aliviar o peso que recai sobre o contribuinte de baixa renda, apresentamos iniciativas legislativas à MP 670/2015, que atualizam a tabela do Imposto de Renda Pessoa Física; criam mais faixas de renda tributáveis; determinam que o grande capital passe a pagar o IR e incentivam o reinvestimento dos lucros e dividendos. Os efeitos dessas medidas não afetam as micro, pequenas e médias empresas, regidas por regras simplificadas. Tais iniciativas contribuiriam para a construção de um sistema tributário progressivo e justo. Assim, as classes mais favorecidas, formadas por acionistas de bancos, empresas ou corporações, teriam maior ônus tributário. Essa seria a forma mais adequada de distribuição de renda no país, condição para a correção das desigualdades e garantia de justiça social. LUIZA ERUNDINA DE SOUSA é deputada federal PSB/SP e foi prefeita de São Paulo (1989-1993) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-09-07
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/07/1653213-justica-fiscal-condicao-para-justica-social.shtml
O uso político da crise na Santa Casa
A Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, maior hospital filantrópico do Brasil, vive a principal crise de sua história, fruto de problemas graves de gestão que culminaram com a troca de toda a sua cúpula, incluindo o provedor. Segundo o Ministério Público, há claros indícios de malfeitos, que justificaram o pedido de quebra de sigilo bancário, fiscal e dos cartões de crédito de 22 pessoas físicas e jurídicas ligada ao corpo gestor da instituição. Auditoria contratada pela Secretaria de Estado da Saúde apontou que o patrimônio da Santa Casa derreteu desde 2009. Foram apontadas falhas como contratos desfavoráveis com prestadores de serviço, excesso de funcionários por leito e má gestão do patrimônio imobiliário da Irmandade, com imóveis alugados por preços até 81% abaixo do valor de mercado. Além disso, ficou comprovado que a Santa Casa tinha R$ 6,4 milhões aplicados, resgatáveis a qualquer momento, no dia 22 de julho do ano passado, data em que o antigo provedor da instituição decidiu intempestivamente, e sem avisar a população, fechar o pronto-socorro do Hospital Central. É uma triste e delicada situação, que terá de ser enfrentada com muito empenho e profissionalismo pelos novos integrantes do corpo diretivo, para reerguer uma instituição centenária, resgatando sua credibilidade e qualidade na assistência como centro de excelência da rede pública de saúde. Mais triste ainda foi assistir ao lamentável uso político-eleitoreiro deste episódio por parte do ministro da Saúde, Arthur Chioro, que, espertamente, para lançar uma cortina de fumaça no real problema da saúde brasileira, que é o subfinanciamento da saúde por parte do governo federal, acusou falsamente o governo do Estado de São Paulo de Paulo de ter deixado de repassar recursos da União destinados à Santa Casa. Tese que ele defende até hoje, mesmo que o relatório final da auditoria feita pelo Denasus (Departamento Nacional de Auditoria do SUS), órgão do Ministério comandado por Chioro, divulgado no último mês, inocente o governo do Estado das ilações e acusações levianas feitas pelo ministro. O relatório do órgão federal, disponível na Internet, chegou à conclusão de que o governo de São Paulo não cometeu nenhuma irregularidade nos repasses de recursos federais para a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. A auditoria realizada com base no período de 2004 a 2014, mostrou que os valores disponibilizados pelo Ministério da Saúde foram integralmente repassados pela Secretaria de Estado da Saúde à instituição filantrópica, em conformidade com os convênios firmados com a Santa Casa. O documento aponta que, a partir de 2010, o valor global do contrato com a Santa Casa esteve inferior ao valor da somatória dos incentivos federais e da produção aprovada do hospital. Mas a explicação para a diferença consta do próprio relatório do Denasus. Em 2010, atendendo a uma recomendação do Tribunal de Contas da União, a Secretaria promoveu uma mudança no teto financeiro de alta e média complexidade de Santa Casa, que foi reduzido de R$ 19.731.685,02 em verbas federais para R$ 11.355.655,52 por mês. No entanto, conforme a auditoria, a Secretaria firmou um termo aditivo ao convênio com a Irmandade e passou a conceder R$ 8,3 milhões mensais com recursos do tesouro estadual. "Portanto, a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo manteve os valores até então percebidos no mesmo montante, cabendo afirmar que não há razão para se falar em redução de teto financeiro de Assistência ou mesmo de retenção de valores, fato este comprovado nos quadros de valores repassados a instituição", diz o relatório de auditoria. "A instituição, Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo continuou a receber o valor total de R$ 19.731.685,02 por mês, sendo R$ 11.355.655,52 por mês com recursos repassados pelo Ministério da Saúde e R$ 8,3 milhões por mês com recursos próprios do Fundo Estadual. O documento do órgão fiscalizador do Ministério ainda conclui que, "apesar de se observar que a partir de 2010 o valor global do contrato esteve inferior ao valor da somatória dos incentivos federais e da produção aprovada do hospital, é prerrogativa do gestor local estabelecer o valor a ser contratualizado com os prestadores sob sua gestão". Em recente entrevista a um canal de TV, Arthur Chioro disse que teve "rolo" nos repasses de recursos federais à Santa Casa pelo governo de São Paulo. Qual foi o "rolo", ministro, que o seu próprio departamento de auditoria não conseguiu enxergar? PEDRO TOBIAS, médico, é deputado estadual e presidente do diretório estadual do PSBD em São Paulo * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-08-07
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/07/1652906-o-uso-politico-da-crise-na-santa-casa.shtml
Corra, Dilma, corra
SÃO PAULO - Alice tem Alzheimer. Tinha destaque numa universidade de ponta, família encaminhada, 50 anos com fôlego e saúde. Uma proteína anormalmente produzida formou placas, porém, no seu cérebro; átomos de fósforo em massa criaram emaranhados com outra proteína, e ela passou a esquecer palavras, depois caminhos, pessoas. Tarde demais, diz o médico ao casal atônito: quem tem muitos recursos intelectuais cria estratégias para contornar os danos da doença. Quando os sintomas incomodam, o mal já se tornou crítico. O Brasil é a Alice dos recursos naturais. A crise é feia? "O país é grande", respondem: temos água, terra, sol e gente em abundância. Que gastamos em abundância, enquanto acumulamos placas de ineficiência. Estamos no 61º lugar do ranking global de inovação, mas plantamos muita soja. Perdemos de 120 países na atratividade a negócios, mas na entressafra da soja plantamos milho. Somos os reis do boi e da galinha. Mas queimamos um terço dessas riquezas em nossas estradas e portos. Tratamos pessoas como porcos e pés de cana –temos muitos braços. E assim, metade dos alunos não consegue interpretar textos, estamos no mais baixo nível de aplicação científica, 2 em cada 3 brasileiros de 15 anos não entendem percentuais, frações ou gráficos. O país é o penúltimo de ranking global de patentes. Sobram braços, faltam sinapses. Por fim, escorados em nossas vantagens competitivas naturais, assistimos a homens públicos (não apenas no Legislativo), como átomos desgovernados de fósforo, formarem grumos perigosos no tecido do país. Em entrevista à Folha nesta terça (folha.com/no1652517 ), a presidente Dilma Rousseff prometeu reformas que chamou de "tipo tipo": "Medidas estruturantes, que contribuem ao mesmo tempo para o ajuste como para o médio e longo prazos". Mas corra, Dilma, corra! É tarde demais para Alice. Para o Brasil pode ficar também.
2015-08-07
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/07/1652988-corra-dilma-corra.shtml
Taxistas tem isenção de IPVA e ICMS, diz leitor sobre Uber
Sobre a guerra "taxistas x Uber" não sou a favor de uma atividade remunerada funcionar sem qualquer tipo de regulamentação, mas certamente os taxistas teriam bem mais aliados se fizessem sua parte. Já viajei muitas vezes a trabalho a Belo Horizonte. Quando tomo um táxi, necessito de recibo identificando a placa do veículo. Na grande maioria das vezes, anotam uma placa fria, quando não dão a desculpa de estarem sem talão. Alguns taxistas correm como loucos e frequentemente usam telefone celular, inclusive para ler e escrever mensagens. Não raramente, os cintos de segurança do banco traseiro estão sob o assento, impedindo o uso. E, absurdo completo, os taxistas do terminal rodoviário cobram extra se o passageiro levar bagagem! Sobre a alegação da concorrência desleal, é sempre bom lembrar que os taxistas possuem isenção de IPVA e ICMS em seus carros. Que o Uber seja bem vindo * PARTICIPAÇÃO Os leitores podem colaborar com o conteúdo da Folha enviando notícias, fotos e vídeos (de acontecimentos ou comentários) que sejam relevantes no Brasil e no mundo. Para isso, basta acessar Envie sua Notícia ou enviar mensagem para leitor@uol.com.br
2015-08-07
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Painel do Leitor
http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2015/07/1653045-taxistas-tem-isencao-de-ipva-e-icms-diz-leitor-sobre-uber.shtml
Brasil e Venezuela mantêm a amizade, por enquanto
Quando uma delegação de senadores brasileiros chegou à Venezuela recentemente para visitar Leopoldo López e Antonio Ledezma, dois líderes venezuelanos detidos como prisioneiros políticos, tiveram problemas imediatos. Na saída do aeroporto, os próprios senadores foram detidos e o micro-ônibus em que estavam foi barrado e atacado violentamente por uma multidão aos gritos de "Chávez não morreu, ele se multiplicou!". As forças de segurança presentes no aeroporto deixaram o ataque continuar, apesar de os senadores serem visitantes estrangeiros de alto nível. Um oficial da guarda nacional venezuelana revelou a esta Folha que a multidão não foi uma turba espontânea. Segundo ele, o governo nacional recrutou partidários para atacar os senadores brasileiros e impedir que visitassem os prisioneiros. Forçados a voltar ao aeroporto, os senadores tiveram que embarcar de volta ao Brasil no mesmo dia, sem poder visitar os presos políticos. A última vez em que o veículo de um político estrangeiro foi cercado por manifestantes irados em Caracas foi em 1958. O carro do vice-presidente norte-americano Richard Nixon foi atacado devido ao apoio dado pelos EUA à ditadura militar de Marcos Pérez Jiménez, que acabava de ser deposto. O então presidente Dwight D. Eisenhower respondeu enviando tropas ao Caribe. No entanto, apesar de a delegação brasileira ter sido atacada, a presidente brasileira ainda não condenou o incidente publicamente –e os senadores disseram que a embaixada do Brasil em Caracas não lhes prestou a assistência necessária. Esses fatos revelam a dependência mútua entre Caracas e Brasília. Embora os EUA ainda seja o maior parceiro comercial da Venezuela, graças ao petróleo (responsável por 95% da receita venezuelana de exportações), o Brasil formou um superávit comercial de US$6 bilhões com a Venezuela. O Brasil tornou-se fornecedor crucial de alimentos e medicamentos à Venezuela e a escassez cada vez mais grave de produtos básicos torna esse país ainda mais dependente das importações brasileiras. A liberalização comercial não é a única explicação da proximidade entre os dois governos. Antes mesmo da entrada da Venezuela no Mercosul, Hugo Chávez mantinha uma relação estreita com o então presidente Lula, e os partidos dos dois líderes se mantêm no poder há mais de uma década. A situação na Venezuela também tem implicações internas para Dilma. Quando Chávez chegou ao poder, em 1999, seu governo inaugurou uma nova onda de governos de esquerda na América Latina, incluindo o Brasil, em 2003. Mas o sonho esquerdista brasileiro está se esgotando. A popularidade de Dilma caiu para o nível mais baixo já registrado diante da insatisfação ampla com o desaquecimento da economia brasileira e o enorme escândalo de corrupção na Petrobrás –da qual Dilma foi presidente. Enfrentando chamados por seu impeachment, Dilma pode relutar em desagradar à sua base de esquerda. Seria de se esperar que Dilma se posicionasse em favor de presos políticos como Leopoldo López, considerando que ela própria foi presa e torturada pela ditadura militar brasileira nos anos 1970. Em vez disso, seu silêncio sugere que ela prioriza a solidariedade com causas políticas de esquerda, em detrimento da situação dos presos políticos. Do mesmo modo como seus índices de aprovação foram prejudicados pelo mal-estar econômico do Brasil, o colapso econômico da Venezuela vem dizimando a popularidade de Maduro, que está na casa dos 20%. Com as prateleiras dos supermercados vazias e a violência em alta, o partido político de Chávez, antes popular, vem se rachando em facções. A visita dos senadores brasileiros ofereceu ao governo de Maduro uma carta nacionalista bem-vinda com a qual jogar. Como fazia Hugo Chávez, Maduro caracteriza as críticas internacionais e internas dos abusos dos direitos humanos na Venezuela como golpismo e intervencionismo. Da mesma maneira, seu governo fez pouco caso de uma declaração de preocupação feita por 25 líderes estrangeiros antes da Cúpula das Américas, em abril de 2015. Depois do ataque, os senadores brasileiros pediram que seu governo exclua a Venezuela do Mercosul, conforme o previsto na cláusula democrática do pacto comercial. A Venezuela rejeita a supervisão de mecanismos internacionais fundamentais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos, descrevendo-os como cartéis dominados pelos Estados Unidos. Mas o Mercosul é um adversário inteiramente diferente: todos seus membros são sul-americanos. Cinco semanas antes da visita dos senadores brasileiros que não se concretizou, López entrou em greve de fome. Uma de suas reivindicações é que o governo de Maduro defina uma data para as eleições parlamentares de 2015, coisa que Caracas vinha se negando a fazer. Em 22 de junho as autoridades venezuelanas finalmente anunciaram que a próxima eleição terá lugar em 6 de dezembro. Mas o governo rejeitou a reivindicação da oposição de que a eleição seja monitorada pela OEA (Organização dos Estados Americanos) e União Europeia e disse que só vai permitir o monitoramento pela Unasul, organismo regional pensado por Hugo Chávez que inclui o Brasil. O período que antecede a eleição parlamentar venezuelana não será tranquilo para Maduro ou Dilma. O Brasil busca há muito tempo um papel de mais destaque no palco mundial, incluindo uma vaga no Conselho de Segurança da ONU, mas ainda não está claro se vai agir como o líder global que quer ser e fazer o que é preciso para restaurar a democracia e os direitos humanos na Venezuela. Dilma já deixou clara sua posição moral: em 2010, declarou que "pelo fato de ter vivido pessoalmente a situação de presa política, tenho um compromisso histórico com todos os que foram ou são presos apenas por terem expressado seus pontos de vista, sua opinião pública, suas próprias opiniões". Para honrar essas palavras, ela precisa exortar publicamente a Venezuela a libertar López e Ledezma e definir um caminho político que não vincule seu país ao Estado mais volátil da América Latina. MARCO APONTE-MORENO é professor de liderança no University College London LANCE LATTIG é professor direitos humanos no University College London Tradução de CLARA ALLAIN * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-07-07
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/07/1652420-brasil-e-venezuela-mantem-a-amizade-por-enquanto.shtml
A essência da universidade deve ser mantida, jamais corrompida
De origem latina, universidade significa conjunto, comunidade. Este termo deve ser carregado para além da congregação entre estudantes e mestres detentores do conhecimento, os quais visam fundir-se intelectualmente dentro de um conceito multidisciplinar. Universidade deve envolver a todos, dentro e fora de suas paredes, para, assim, criar o universo do saber –cujo poder transformador é imensurável. Isso posto, afirmo categoricamente que a visão dessa instituição no Brasil deve ser remodelada com urgência. Atualmente, o Conselho Universitário, órgão máximo, é composto por integrantes de diversas faculdades e que, infelizmente, encaminham as discussões coletivas para interesses pessoais e/ou segmentados. Como é possível um imenso conflito de ideias, sem eixo comum, levar a decisões que beneficiem a todos? Isto acarreta em grande perda qualitativa nas grandes universidades públicas nacionais, haja vista que o núcleo executivo é, muitas vezes, refém de ligações político-partidárias. Logo, manchado por arranjos ideológicos, o nivelamento de seus cursos ocorre por baixo, desvalorizando-se na essência e sem aulas expoentes. Reflexo dessa realidade é, por exemplo, o resultado do Exame do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), realizado em outubro de 2014, reprovando mais da metade dos recém-formados - 55% não acertaram nem 60% da prova, o mínimo esperado. Também podemos debruçar sobre o Exame de Ordem dos Advogados do Brasil (OAB): entre 2010 e 2014, apenas 18% foi aprovado. Uma má gestão afeta o geral; alunos, professores e comunidade. Para reverter tal quadro, também é imperioso erradicar da lista tríplice, a qual indica pessoas para o cargo de diretor de uma escola. Desconsiderando o número de votantes, indivíduos completamente incapacitados colocam em risco o futuro de um centro universitário; cenário presenciado por nós durante as recentes eleições de uma das mais renomadas escolas de Medicina do Estado de São Paulo. A responsabilidade de arcar com uma universidade é gigantesca e não pode ser assumida por qualquer um, só para satisfazer uma corrente político-ideológica. Voltamos, assim, à questão ideológica, política e individual, levando em consideração apenas o que é vantajoso para si próprio. O ensino público está em decadência evidente e não é à toa que 75% das universidades são particulares. No horizonte enxergamos que estas, em curto prazo, ocuparão lugar de enorme destaque no campo científico, acadêmico e profissional, no Brasil. As universidades públicas estão perdendo cada vez mais espaço graças a interferências externas que corrompem o espírito genuíno do campo de compartilhamento e aprimoramento de saber. O que vemos hoje é a migração de docentes para instituições que estimulem a liberdade de criar, de respirar e de avançar com as próprias asas a fim de desenvolver inovações científicas e tecnológicas. Isto só ocorre em ambientes férteis, com reitores bem alinhados com as necessidades do coletivo. Aproveito, então, para parabenizar Marco Antonio Zago, reitor da Universidade de São Paulo, que trabalha arduamente para recuperar o alto patamar antigamente ocupado pela USP, além de erguer-se da crise financeira. Atuando de modo a incentivar a ousadia dos pesquisadores, Zago é o modelo de gestor culto e inteligente, fundamental para o bom desempenho de toda escola. Universidade, bem como conhecimento, deve ser livre de fronteiras, mantendo as bases fortemente fincadas em terrenos sólidos e fecundos. Deve ter a participação do coletivo, alunos, docentes, técnicos administrativos em educação e servidores. Nada pode ser capaz de perverter sua essência, sobretudo os embates políticos. Devemos lutar pela qualidade, pela força, pela veridicidade e pela autenticidade de nossas instituições. Olhando para o norte, sempre desejando o melhor, nunca podemos perder nosso propósito e nossa virtude. ANTONIO CARLOS LOPES é presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-06-07
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/07/1651397-a-essencia-da-universidade-deve-ser-mantida-jamais-corrompida.shtml
Financiamento empresarial e conflito de interesse
"Não existe doação de empresas que não queiram recuperar. Quem me disse isso foram empresários. Se ele doa R$ 5 milhões, ele vai querer recuperar R$ 20 milhões". Bastaria este trecho de uma fala do ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, durante a CPI, para justificar a importância do debate sobre financiamento em campanhas eleitorais. As doações de empresas para campanhas de políticos, presentes de forma unânime nos últimos grandes escândalos de corrupção estão em debate na mais alta corte do país e no Congresso Nacional. Seis, dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal, já se manifestaram pela proibição em ação proposta pela OAB em 2011 contra as doações de empresas. O julgamento, ainda que interrompido por pedido de vistas que já dura 14 meses do Ministro Gilmar Mendes, inclina-se para a proibição. As contribuições de empresas trazem pelo menos três problemas. Ao aportarem milhões à campanha de candidatos, essas organizações causam interferência direta e desigual na disputa eleitoral. Inflam os custos e consequentemente afastam candidatos que não dispõem de tantos recursos. Levantamento da Folha mostra que os custos da última eleição foram de 4,9 bilhões de reais. A terceira razão é que ao aportarem vultuosos recursos, muitas esperam um retorno após a eleição. Como se pode ver nos últimos escândalos de corrupção, no Executivo, muitas vezes estes 'retornos' se concretizam na facilitação ou superfaturamento de contratos. No Legislativo se dá a partir de apadrinhamentos de causas por parte de parlamentares financiados por um setor. Três de cada quatro reais usados nas campanhas eleitorais nas últimas eleições vieram de empresas privadas que, como se viu, podem cobrar a conta, e caro. Não é de todo surpreendente que o projeto de reforma política aprovado em primeira votação na Câmara e que deve ser submetido à uma nova rodada, queira constitucionalizar este tipo de doação. Em 2013, o deputado Guilherme Campos (PSD-SP) assumiu a relatoria de um projeto de lei que aumentava impostos para a indústria de armas e munições (que havia financiado sua campanha), como era de se esperar, seu parecer foi pela rejeição do projeto com acolhimento dos seus pares. O Código de Ética da casa veda essa prática, mas os parlamentares não parecem muito incomodados. O caso de conflito não é isolado. Em 2010, o deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS), apresentou um Projeto para sustar uma consulta pública da Anvisa, visando a proibição de aditivos nos cigarros. O deputado é financiado pela indústria do tabaco. Nas últimas eleições a indústria vem aumentando a doação para partidos e diminuindo para candidatos individuais, o que torna mais difícil rastrear conflitos de interesse. Nas duas situações e nos casos trazidos como exemplo o interesse público fica em segundo plano para beneficiar o interesse privado. A mesma indignação que os brasileiros têm com relação à indicação de parentes por políticos ou juízes se dá neste tema. Isto porque nos dois casos há violação direta a princípios republicanos como os da moralidade e impessoalidade. Em uma pesquisa recente realizada pelo Datafolha, 92% e 87% dos eleitores afirmaram que não votariam em um candidato se soubessem que ele recebeu respectivamente da indústria de armas e tabaco. No entanto, na mesma pesquisa, 70% dos eleitores se declararam nada informados sobre financiamento de campanhas eleitorais. Dado agravado pelo fato de que a maior parte das prestações de conta só são entregues ao TSE depois das eleições. Espera-se que em 2016 estas distorções sejam corrigidas devolvendo as cartas do jogo para quem é de direito, os cidadãos brasileiros. IVAN MARQUES, 34 advogado, é diretor executivo do Instituto Sou da Paz PAULA JOHNS, 48, socióloga, é diretora executiva da Aliança de Controle ao Tabagismo * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-07
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/07/1651326-financiamento-empresarial-e-conflito-de-interesse.shtml
CPMF deve voltar a ser cobrada? Sim
RECRIAR E REPENSAR O movimento "volta, CPMF" começou a ensaiar seu enredo no início deste ano. Hoje tem o apoio, ainda que discreto, de governadores e prefeitos. A equipe econômica, também discretamente, apoia a ideia, apesar de o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, ter dito recentemente que "não há perspectiva" de que a contribuição volte a ser cobrada. Um estudo da Unafisco (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil) mostrou que em dez anos de CMPF o percentual médio destinado efetivamente à saúde foi de 45%. Já os Estados gastaram em média 18% a mais, em 2013, do que os 12% exigidos pela Constituição. O Amazonas chegou quase a dobrar, atingindo 22,9%. Nas capitais, os gastos médios foram 39% maiores que a vinculação de 15%. Campo Grande (MS) atingiu 31,2%. Os municípios responderam por 30,7% dos gastos do SUS, em 2013, e os Estados, por 26,7%. A União, que em 2000 financiava quase 60% dos gastos, reduziu para 42,6%. Gastou R$ 83 bilhões com o SUS e abriu mão de R$ 20,9 bilhões em deduções fiscais na área da saúde. Uma visão desapaixonada sobre a saúde pública brasileira vai constatar que efetivamente faltam recursos financeiros e de gestão. O setor de saúde suplementar contou com R$ 2.187 per capita (2013) para atender seus 49,6 milhões de usuários. O SUS (Sistema Único de Saúde), mais amplo, teve de operar com 44% desse valor, R$ 965 per capita. Além da distribuição gratuita de medicamentos e vacinas, o SUS responde pela vigilância epidemiológica e sanitária à população. Os gastos totais do SUS atingiram R$ 195 bilhões em 2013. Se ajustados pela saúde suplementar deveriam ter atingido algo como R$ 440 bilhões. A estimativa é de que o retorno da CPMF nas mesmas bases renderia, em 2013, uma arrecadação de R$ 60 bilhões, ou 30% dos gastos do SUS. O SUS, porém, não precisa só de mais recursos financeiros, precisa rediscutir seu modelo de gestão e também aí são os Estados e municípios que estão na dianteira. Enquanto a União faz intervenções importantes, porém pontuais, como as UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) e o Mais Médicos, Estados e municípios avançam na contratualização com as organizações sociais sem fins lucrativos, chamadas a gerenciar hospitais, redes de unidades de saúde e até as UPAs. Recriar a CPMF como era não vai agregar valor às forças transformadoras do SUS, vai apenas aliviar os cofres federais. É importante, entretanto, lutar para que ela seja recriada de forma diferente para que venha colocar recursos adicionais onde eles podem fazer diferença. Os secretários de Saúde deveriam liderar um movimento com a sociedade e o Congresso defendendo uma nova matriz de distribuição dos recursos. Os valores arrecadados pela CPMF seriam distribuídos republicanamente entre União, Estados e municípios em partes iguais. As parcelas dos Estados e municípios seriam rateadas a partir da população, mas apenas aos que estejam cumprindo a vinculação constitucional. A legislação teria que ser muito dura para proibir a substituição de fontes, impedindo que a CPMF sirva apenas para reduzir os recursos gastos hoje. Se tivesse sido implantada em 2013, a contribuição teria significado algo como R$ 100 per capita ao ano a mais para Estados e municípios. É claro que o ideal seria não aumentar a nossa já pesada carga tributária, mas lembro da anedota do sujeito que diante da ameaça de ser atacado por um enorme touro, teria dito: "Que venha o touro, mas que venha em forma de bife". Que venha a nova CPMF, mas que venha para ajudar de verdade a melhorar o sistema público de saúde e a vida das pessoas. JANUARIO MONTONE, 60, foi secretário municipal de Saúde de São Paulo (gestão Kassab) e diretor-presidente da ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar (1999-2003). É autor de "Plano de Saúde - 10 anos Depois" (MedBook) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-07
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/07/1651475-cpmf-deve-voltar-a-ser-cobrada-sim.shtml
Política Nacional das Artes é presente para o futuro
Se o leitor quiser abrir um equipamento cultural hoje, poderá pagar pelo kilowatt de energia quase duas dezenas de vezes mais do que paga uma fábrica de automóveis. E, ao contratar funcionários, seus encargos trabalhistas chegarão a ser quatro vezes maiores que em setores considerados estratégicos no nosso modelo atual de desenvolvimento. Se o leitor quiser produzir um festival internacional de artes, sua situação não será melhor. Entre imposto de renda, taxas de importação provisória de equipamentos e outros custos, seus gastos podem chegar a duplicar o valor empregado no cachê dos artistas convidados. Criar condições econômicas de produção e circulação mais favoráveis é um passo fundamental para ajudar a florescer o sistema das artes no Brasil como um todo. Com efeito, a economia da cultura é percebida pelo MinC (Ministério da Cultura) e a Funarte (Fundação Nacional de Artes) como um campo de atuação decisivo para a Política Nacional das Artes (PNA), cujo processo de construção acaba de ser lançado. A tendência antropológica do ex-ministro Gilberto Gil deve se desdobrar agora numa tendência econômica, capaz de massagear as cadeias produtivas das artes, vitalizando-as, e com elas sua dimensão simbólica, experiência ampliadora do sentido e dos sentidos, fim primordial da ação. Mas não único, já que a cultura pode se revelar uma alternativa para a diversificação da economia brasileira, dependente ainda do mercado de commodities e suas variações. Enquanto a ONU estima que o setor criativo já responde por 7% do PIB mundial, no Brasil o segmento movimenta menos de 3% da economia. Como observa o ministro Juca Ferreira, "estamos falando de um mercado na mais franca expansão em um mundo em crise, e para o qual ainda não nos organizamos para nele competir". É necessário construir indicadores precisos e uma reflexão consistente sobre o assunto, pois isso pode viabilizar finalmente a reivindicação da cultura por ser percebida como um setor estratégico para o país, com orçamento condizente. Mas há muito mais a formular e implementar no conjunto ambicioso de políticas públicas que se pretende a PNA: estabelecer um pacto federativo para o fomento, articulando as instâncias federal, estadual e municipal, a fim de gerar maior eficiência e aumentar os recursos; reformar a lei Rouanet, no sentido de garantir uma distribuição mais equilibrada dos recursos, incluir possibilidades de linhas de investimento e exigir do empresariado um percentual de contrapartida; discutir e transformar os marcos legais da cultura que regem a gestão pública, desburocratizando e flexibilizando o que for possível; estabelecer uma política clara e continuada para a internacionalização da arte brasileira, entre outros temas. Isso só será possível se conseguirmos mobilizar artistas, setores artísticos e a sociedade em geral no sentido de impor a política para as artes como uma agenda fundamental no Brasil. Para tanto, a PNA terá quatro eixos de ação: uma plataforma digital, onde qualquer cidadão poderá participar da construção das políticas públicas (culturadigital.br/pna); seminários temáticos para aprofundamento de temas específicos; encontros setoriais; e uma "caravana das artes", que percorrerá todos os estados do país, produzindo a mobilização necessária e assegurando que as singularidades territoriais do Brasil sejam levadas em conta no processo. Não podemos nos contentar mais com ações pontuais e incrementais para nossa arte. É hora de encetar um grande processo estruturante: um presente para o futuro. FRANCISCO BOSCO é presidente da Fundação Nacional de Artes - Funarte * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-02-07
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/07/1650341-politica-nacional-das-artes-e-presente-para-o-futuro.shtml
Buddy Guy é destaque de novo volume da Coleção Folha Soul & Blues
"O céu está ajoelhado aos pés de Buddy Guy enquanto o ouve tocar guitarra", declarou Jimi Hendrix sobre o bluesman de Louisiana que é tema do próximo livro-CD da "Coleção Folha Soul & Blues", que chega às bancas no próximo domingo (5/7). Buddy Guy, embalado desde cedo no blues tradicional, conseguiu conciliar o gênero sulista com o rock 'n' roll –tornou-se ídolo dos melhores guitarristas brancos do rock tanto dos Estados Unidos quanto do Reino Unido. Sua carreira começou no início da década de 1950, tocando para plateias rurais. Em 1957, Guy se mudou para Chicago e, sem ter o que comer havia dias, foi levado para o 708 Club a fim de tocar guitarra em troca de um hambúrguer. Lá, ele ganhou mais que comida: chamou a atenção de Muddy Waters, que o ajudou a gravar dois singles. ESTÚDIO Como outras estrelas do blues de Chicago, Guy assinou com a Chess Records e tornou-se músico de estúdio, além de lançar discos próprios. A canção "Stone Crazy" (1962), por exemplo, chegou ao 12° lugar da parada de rhythm & blues. Em 1967, Guy se apresentou no Mariposa Folk Festival, em Toronto, no Canadá. Conquistou fãs usando um sapato como palheta e lançando-se ao público, que o carregou "como se tivesse sido eleito presidente dos Estados Unidos", descreveu. O músico caiu no gosto da audiência hippie e branca canadense e, três anos depois, voltou ao país para se apresentar com Janis Joplin e The Grateful Dead, entre outros. CLUBES Durante parte dos anos 1970 e 1980, Guy continuou a circular pelos clubes de blues americanos e pela Europa, porém sem receber muita atenção das bandas que em outros tempos o admiravam, dependendo de shows para ganhar a vida. Sua sorte mudou quando abriu o clube de blues Legends, em Chicago, em 1989. Além de apresentações de Guy com convidados diferentes, o Legends tornou-se parada obrigatória para outros músicos e fãs de blues de todo o mundo. Aos 78 anos, continua na ativa. Seu próximo disco, "Born to Play Guitar," que tem lançamento marcado para 31/7, traz parcerias com Van Morrison, Joss Stone, Kim Wilson e Billy Gibbons.
2015-06-30
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Painel do Leitor
http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/agendafolha/2015/06/1649629-buddy-guy-e-destaque-de-novo-volume-da-colecao-folha-soul--blues.shtml
Mercado imobiliário e economia nacional
Desde a ponderação de 2013 de Robert Shiller, vencedor do prêmio Nobel de Economia, sobre a falta de fundamento para o aumento dos preços dos imóveis no Brasil, ouve-se falar em bolha imobiliária. Desde então, venho destacando que a observação dele foi criteriosa: a taxa de crescimento de preços dos imóveis superou às do custo da construção civil e da renda da população. Hoje, a preocupação divide-se na contínua redução da carteira de poupança e no aumento das taxas de juros de financiamento. Ambas comprometem as concessões de crédito imobiliário e preocupam a economia nacional. A redução na velocidade do segmento imobiliário causa contração em toda a cadeia da construção civil. A diminuição da carteira de poupança, em função da migração de valores para aplicações financeiras mais rentáveis, num contexto de taxa Selic em elevação, obrigou os bancos a criar novos instrumentos de captação. Quanto às taxas de juros de financiamento imobiliário, não basta nos apoiar exclusivamente nas indicações de possível estabilização da taxa Selic para assegurar sua estabilização. A complementação do fundo de poupança com demais recursos de tesouraria das instituições financeiras contribui para elevação das taxas praticadas, pois seu custo de captação é mais alto. Recentemente foi divulgado que um pacote de medidas está em estudo, dentre elas a redução do compulsório da poupança, que gerará maior disponibilidade, e a ampliação do teto do valor dos imóveis para uso do fundo do FGTS. Eis o dilema: estimula-se o segmento com novas medidas, dando mais velocidade a toda a cadeia, gerando emprego e renda agregada, o que pode permitir que a taxa de aumento dos preços dos imóveis permaneça descolada daquela de crescimento da renda das famílias. Ou, por outro lado, mantém-se a contenção do segmento, promovendo a desaceleração da referida cadeia e um aumento da taxa de desemprego no setor, mas possibilitando que o nível de preço dos imóveis se ajuste? Se tomarmos o mercado imobiliário como um indicador de conjuntura, parece-nos pertinente perguntar: num momento de contração da economia, que política econômica se pode adotar para o controle da inflação, sem gerar recessão? Até agora se caminha na direção de uma diminuição de disponibilidade e, consequentemente, da velocidade de crescimento, o que não nos desvia da recessão. Voltemo-nos, então, para uma questão mais originária. Serão mesmo o aumento da demanda e a disponibilidade de moeda no mercado os fundamentos da inflação brasileira ou este fundamento seria o dispositivo que, até certo ponto, determina o comportamento da economia? Isto é, parece relevante propor uma reflexão sobre o elemento que deve ser atacado: controle de indicadores e disponibilidade de moeda ou o dispositivo que determina o comportamento e o modo de ser dos agentes econômicos? Nesta última perspectiva, não se deve terceirizar totalmente a responsabilidade sobre a economia. Não é somente o governo, mas o Estado propriamente –conjunto de todos os cidadãos–, que constitui a rede de relações a que chamamos economia. É preciso que o ajuste de expectativas destes agentes não seja somente promovido e motivado por medidas governamentais, mas por um sentido coletivo e autêntico de responsabilidade econômica e social. Termina-se, aqui, com a indicação de uma reflexão por ser empreendida, e não com uma resposta. Talvez sejamos acusados de certo "epistemologismo" econômico, mas vale sublinhar que necessariamente a reflexão teórica nasce de uma prática e visa à sua transformação. A economia e as políticas econômicas precisam mais do que nunca experimentar uma metamorfose. ALESSANDRO FRANCISCO é economista e professor da pós-graduação da FAAP-SP e integra o Núcleo de Estudos sobre Arqueologia das Ciências Humanas, do Grupo de Pesquisa Michel Foucault da PUC-SP. É pesquisador vinculado à Université Paris 8 * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-06-29
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/06/1648503-mercado-imobiliario-e-economia-nacional.shtml
É válido o leilão por menor tarifa?
Em 9 de junho o governo federal divulgou a versão 2015 do PIL (Programa de Investimentos em Logística), seu mais recente pacote de concessões, com investimentos previstos de R$ 198 bilhões de 2015 a 2018 em rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, notando-se a falta –deliberada?– de hidrovias. Há muitos pontos do pacote que deveriam ser complementados, esclarecidos e ajustados pelo governo –aqui é discutido um deles: o critério de seleção do ganhador do leilão das concessões de rodovias pela menor tarifa ofertada sem que esteja previsto ressarcimento dos investimentos do governo para implantar essas rodovias. Note-se que esses investimentos do governo foram feitos com recursos obtidos de uma forma ou outra dos contribuintes em geral, independentemente do maior ou menor benefício que essas rodovias possam proporcionar a cada um. Para ilustração, a construção da Ponte Rio-Niterói custou ao governo, em 1968, o equivalente a cerca R$ 3 bilhões hoje. A anuidade que ressarciria esse investimento a uma taxa de retorno real de 8% ao ano –certamente não excessiva– em prazo indefinido ("perpetuidade") seria de R$ 240 milhões. Esse valor dividido pelos 28 milhões de veículos por ano que atualmente pagam pedágio na ponte resultaria em R$ 8,60 para cada um, enquanto a tarifa que resultou do leilão de concessão realizado em março deste ano é de apenas R$ 3,70. Portanto, para cada tarifa arrecadada dos veículos que usam a ponte há um subsídio no valor de mais de duas tarifas arcado pelos contribuintes em geral. No caso, o subsídio é atualmente ainda maior, uma vez que o investimento do governo não foi ressarcido desde 1968 até agora. Certamente caberia uma discussão mais aprofundada sobre a concessão de subsídios dessa natureza e magnitude, que ocorrem - de forma oculta, é de se notar - em todas as concessões leiloadas pelo critério de menor tarifa sem ressarcimento de investimentos feitos com recursos públicos. Para se corrigir essa distorção bastaria o edital estabelecer previamente um ônus da concessão que correspondesse ao ressarcimento desses investimentos –daí o leilão até poderia ser por menor tarifa. Alternativamente, o edital poderia fixar o valor total da tarifa de forma a remunerar tanto o investimento público quanto para cobrir os custos e lucros do concessionário e haver leilão por maior outorga. Caso fosse adotada uma dessas formas, as tarifas de pedágio que resultariam nos leilões seriam mais altas, mas, acima de tudo, seriam mais justas, fazendo com que o custo das rodovias concedidas seja arcado por seus usuários e por terceiros que também se beneficiam dessas rodovias, via repasse por meio de transações com usuários (é o caso de fretes, por exemplo). Deixaria de haver o alto subsídio que é arcado por contribuintes para os quais essas rodovias proporcionam pouco ou nenhum uso ou benefício. Também haveria outras vantagens, entre as quais menor congestionamento (e, portanto, menos poluição) e concorrência mais equitativa do transporte por autos ou caminhões com outros modos - coletivos para pessoas e ferrovias e hidrovias para cargas. Por fim, cabe lembrar que também propiciariam ao governo, de forma legítima, receita adicional de que tanto carece atualmente. VERNON RICHARD KOHL, 67, é consultor internacional de logística e transportes e foi diretor do Departamento de Engenharia de Mobilidade e Logística do Instituto de Engenharia de São Paulo (2009-2013) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-06-27
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/06/1648482-e-valido-o-leilao-por-menor-tarifa.shtml
O acesso à água tem implicações econômicas, sociais e ambientais
Um dos grandes desafios para as atuais e futuras gerações é atender a demanda de itens básicos para o desenvolvimento humano. A previsão para 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU) é que a população global vai necessitar de 40% mais água, 35% mais alimentos, e 50% mais energia. Vale lembrar que tanto a produção de alimentos quanto a de energia estão diretamente ligadas à oferta de água. Outra questão vital é a crescente necessidade de ampliação do tratamento de água e da cobertura de saneamento, que impactam tanto a saúde da população quanto a conservação do meio ambiente. Apesar de o acesso à água potável ter sido uma das maiores conquistas dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, atualmente, cerca de 750 milhões de pessoas no mundo não têm acesso à água tratada, 2,5 bilhões não melhoraram suas condições sanitárias e 1,3 bilhão não têm acesso à eletricidade, de acordo com a ONU. Neste sentido, é essencial o entendimento de que o recurso "água" está ligado a tudo na humanidade, da produção de alimentos à urbanização, da saúde ao transporte. E tem impacto no controle de doenças, no desenvolvimento sustentável e, até mesmo, na desigualdade social. Uma cidade que não tem acesso à água potável, por exemplo, pode ter grande prejuízo no seu desenvolvimento humano. Ainda hoje, a falta de acesso à água potável e saneamento é responsável pela morte de uma média de mil crianças todos os dias em consequência de doenças diarreicas. Além disso, a dificuldade de acesso à água condena mulheres e meninas a diminuir muito o tempo dedicado ao cuidado de suas famílias e aos estudos, aumentando ainda mais a desigualdade de oportunidades. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) estima que, na África, a soma do tempo gasto pelas pessoas a cada ano caminhando para se abastecer de água ultrapassa 40 bilhões de horas. E cada vez mais, não é possível dissociar a oferta do manejo. Qualidade ambiental e água estão intrinsecamente ligados. Uma das maiores crises hídricas de todos os tempos, enfrentadas pelo Brasil, em especial a região sudeste, a mais populosa e com as maiores metrópoles, colocam em xeque o tratamento que temos dado aos nossos recursos hídricos. Ao mesmo tempo em que a população sofria com a falta da água, tinha que conviver com enchentes. Por outro lado, as soluções caseiras encontradas para armazenar água tratada e água de chuva trouxeram outra ameaça à saúde: o crescimento de casos da dengue. Até abril deste ano, o Brasil já havia registrado um aumento de 240%, sendo que só em São Paulo, que tinha a mais grave situação de epidemia, foram registrados 258 mil casos de dengue nos primeiros três meses do ano, representando 56% dos casos no país, e número sete vezes superior ao mesmo período de 2014, conforme dados do Ministério da Saúde. Isso nos leva a repensar soluções imediatistas e sem planejamento, como se estivéssemos lidando com recursos infinitos ou uma situação pontual. E o que também deve ser repensado são as técnicas que temos usado para tratamento de águas servidas, que ocasionam uma série de problemas, como o descarte inadequado de medicamentos, que trazem efeitos devastadores para o meio ambiente. Quando antibióticos, anticoncepcionais, inibidores de apetite e diversos outros medicamentos chegam aos ecossistemas implicam, muitas vezes, na extinção de um conjunto significativo de microrganismos que têm papel importante na recomposição de corpos d'água degradados, além disso, podem contribuir para extinção de um vasto número de anfíbios, de peixes e da própria vegetação do entorno dos corpos d'água, por conta da poluição causada. Em suma, não dá para tratar a água sem pensar todo o ciclo e implicações econômicas, sociais e ambientais. E fica a pergunta: se não é possível desenvolvimento econômico sem água, por que colocar os interesses econômicos acima da preservação de mananciais e fontes de água potável? ADALBERTO LUIS VAL é pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA/MCTI) e membro do Conselho Administrativo da Fundação Bunge * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-06-27
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/06/1648469-o-acesso-a-agua-tem-implicacoes-economicas-sociais-e-ambientais.shtml
É correta a decisão da USP de adotar sistema de reserva de vagas pelo Enem? Não
A UNIVERSIDADE "SÉRIE B" A USP vive uma contradição atroz. Sofre pressões para se manter como a melhor universidade brasileira, liderar a produção acadêmica e brilhar nas classificações internacionais. Com seus 90 mil alunos e apenas 80 anos, precisa destacar-se em uma corrida liderada por instituições bem menores, mais estruturadas e ricas, com séculos de história, como Harvard, nos Estados Unidos, ou Oxford, no Reino Unido. Por outro lado, ela é cobrada a cumprir o seu papel social, dando oportunidades a todos e formando cada vez mais profissionais. O cálculo eleitoral dos políticos e os movimentos sociais pressionam para que ela se "democratize" e inclua mais estudantes das escolas públicas e de camadas mais desfavorecidas da população. Alguns sugerem mecanismos moderados e lentos de inclusão. Outros clamam por uma "universidade popular" e até pelo fim do vestibular. A USP tem administrado essa pressão de modo fragmentado, sem uniformidade institucional. Prefere agir no varejo, agravando as diferenças entre suas faculdades. A USP sempre foi um mosaico desigual, mas decisões equivocadas podem estar criando dois mundos em uma só universidade. No passado, a USP comprometeu-se a ampliar a oferta de cursos noturnos. Ideia louvável, mas, na prática, apenas algumas das faculdades deram sua contribuição, duplicando turnos e aumentando significativamente o número de estudantes. O impacto desigual ocorre também no atual sistema de bônus da Fuvest, o Inclusp. A intenção seria permitir maior ingresso de alunos de escolas públicas e dos chamados PPIs –pretos, pardos e indígenas. Entretanto, o mecanismos é desequilibrado: suficiente para fazer alguns alunos desfavorecidos passarem nas carreiras menos concorridas, mas inútil para alavancar os candidatos às carreiras com notas de corte elevadas. É bom para apresentar estatísticas gerais otimistas, mas apenas mascara a distorção. Agora, a USP decidiu por um uso parcial e fragmentado do Enem. E optou pelo pior caminho: permitiu que cada unidade decidisse pela adesão, ou não, e indicasse o número de vagas a serem preenchidas. Algumas faculdades optaram por destinar até 30% de suas vagas ao Enem; outras nem sequer cogitaram adotar essa modalidade, e continuarão com 100% de suas vagas preenchidas pela Fuvest. Sob o argumento de respeitar a autonomia das unidades, a reitoria promoveu um salve-se quem puder e embarcou no Enem depois que as inscrições ao exame já se encerraram. O próximo passo desse processo poderá ser o debate sobre as cotas raciais. Se essa temerária pulverização prevalecer, a presente gestão terá contribuído para criar uma USP de duas cores, separadas pela fronteira que divide cursos de primeira e de segunda linhas. Assim como para o Enem, qualquer decisão sobre as cotas deveria ser válida para o conjunto da universidade. Caso contrário, o risco é termos uma USP "série A", com cursos diurnos e integrais, unidades irrigadas por recursos de fundações privadas e estudantes selecionados por um vestibular mais rigoroso e, de outro lado, uma "USP do B", com cursos noturnos, faculdades dependentes só do Orçamento público e alunos recrutados por filtros menos exigentes, agravados por bônus ou cotas. Para enfrentar essas disparidades internas e evitar o "cada um por si", a USP necessita de uma política coerente, que valorize igualmente todas as áreas, adote sistemas de seleção homogêneos e assegure a todas as faculdades os meios para uma formação de alta qualidade. Só assim será justa com todos os candidatos, não importa se prestam medicina ou pedagogia. MARCELO REDE, 48, doutor em história pela Universidade de Paris 1 (Panthéon-Sorbonne), é professor de história antiga na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-06-27
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/06/1648505-e-correta-a-decisao-da-usp-de-adotar-sistema-de-reserva-de-vagas-pelo-enem-nao.shtml
Ganhando o jogo das nossas vidas
O papa Francisco fez um apelo para todos os seres humanos botarem seus corações e suas almas na luta contra a mudança climática por meio de uma encíclica, uma carta na qual expressa as nossas responsabilidades pessoais e coletivas de enfrentar um tema tão urgente e alarmante. A encíclica não poderia chegar em um momento mais crucial para o nosso planeta e para o movimento contra as mudanças climáticas. Em dezembro deste ano os governos de todo o mundo vão se reunir em Paris durante a Convenção do Clima da ONU - COP 21 para assinar um novo acordo global que impeça o aumento da temperatura acima dos 2ºC. É essencial que os governantes cheguem a um consenso e agarrem esta oportunidade com as duas mãos. E que, ao fazer isso, honrem os compromissos já feitos de reduzir suas emissões, incluindo os acordos assinados durante a Conferência do Meio Ambiente de 1992, no Rio de Janeiro. Como um jogador de futebol que teve o privilégio de viajar por todo o mundo durante minha carreira eu pude testemunhar muitas vezes o impacto da mudança climática na vida das pessoas. No Brasil, temos visto como temperaturas mais altas, mudanças drásticas no regime de chuvas, baixa produtividade agrícola e surtos inesperados de doenças tem afetado especialmente os mais pobres. De acordo com o Painel Brasileiro de Mudança Climática (PBMC), se as tendências atuais de emissão de gases de efeito estufa continuarem, a temperatura média no Brasil será de 3ºC a 6ºC mais alta em 2100 do que eram no final do século 20. Podemos ver esta tendência em todos os lugares. Como cidadãos do mundo, é nosso dever ajudar nossos líderes a tomar a decisão certa em Paris. Devemos demonstrar que estamos unidos para proteger a criação de Deus para as futuras gerações. A base científica para agir contra as mudanças climáticas está bem estabelecida. Mas, embora os fatos sejam importantes, devemos agora também ser movidos pelo desejo de respeitar a natureza. Neste sentido, não deveria existir diferença entre ser cristão e ser um protetor da natureza –já que ambos estão unidos na essência. Todos nós podemos fazer pequenas mudanças em nossas vidas diárias que, quando postas juntas com a de todos os outros, podem ter efeito contra as mudanças climáticas em uma escala global. Porém, o mais importante é que devemos demandar que nossos representantes, de todas as nações, tomem as decisões necessárias para proteger nosso planeta. A encíclica do papa Francisco, embora dirigida diretamente aos católicos, na verdade fala para cada um de nós, independente de confissão religiosa ou fé, já que todos nós vivemos juntos na nossa casa comum. Se lutar contra a mudança climática fosse uma partida de futebol seria a mais importante que já teríamos jogado. Este é o jogo das nossas vidas. E precisamos jogá-lo por nós, nossos filhos e nossos netos. Vamos atuar como um time unido contra as mudanças climáticas, e vamos vencer. RICARDO IZECSON DOS SANTOS LEITE, o Kaká, 33, é jogador de futebol do Orlando City (EUA) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-06-26
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/06/1647890-ganhando-o-jogo-das-nossas-vidas.shtml
Não existe direita no Brasil
Ela está em todos os cantos, virou a nova febre na política nacional. Vai às ruas, ergue bandeiras, entoa gritos, bate panelas, virou tendência. Uns dizem que ela andava meio escondida, depois de longas décadas de domínio. Outros insistem que ela sempre foi maioria por aqui. De fato, ame ou odeie, é impossível permanecer indiferente em relação a ela. Só tem um problema: ela não existe. Não, não existe "direita". Muito menos "nova direita", como boa parte das publicações tupiniquins insistem em classificar a nova onda política presente no país. Existe a esquerda e existe o resto. A esquerda é uma marca, uma grife, um produto cultural facilmente identificável. A "direita" é um palavrão, um xingamento, uma pilhéria –ou, ainda pior, um delírio, uma distração, aquilo-que-não-é-esquerda. Esse cenário é fácil de ser explicado. Na rasa dicotomia esquerda-direita, a esquerda é a protagonista do debate, a mocinha. A direita é a antagonista, a vilã ilegítima. Diga que você é de esquerda e todo mundo saberá o que você está dizendo –à exceção de uma vertente irrisória de liberais que se proclamam de esquerda e não passam de um mero asterisco entre os canhotos ("um bando de reaças", pra eles). E do outro lado? Resta a sobra: conservadores, nacionalistas, fascistas, neoconservadores, democratas-cristãos, anarquistas de mercado, teocratas, monarquistas, reacionários de almanaque, defensores da ditadura militar... Como diz o economista americano Thomas Sowell, "falar da 'esquerda' é assumir que existe implicitamente outro grupo adversário igualmente coerente que se constitui como 'direita'". Não há. A esquerda possui um passado, sentado à esquerda da Assembleia francesa no século dezoito, e sua luta, em distintos graus (e não sem seus arranca-rabos, é verdade), trabalha pela diminuição da desigualdade. O outro lado é o resto, uma abstração, com grupos sem qualquer conexão, que não raramente defendem pautas antagônicas como se digladiam com tanto furor quanto combatem a esquerda. Para Norberto Bobbio, a mera distinção entre os diferentes apelos em relação à igualdade justificam a natureza da dicotomia. Nesse cenário, a direita funciona como uma espécie de ideologização da saia justa, quando você é obrigado a acatar injustificadamente a vergonha por grupos completamente distintos ao seu pela mera simplificação do debate. Graças a essa mistura, que põe lado a lado Edmund Burke e a trupe grega do Aurora Dourada, ou figuras como Murray Rothbard e Eduardo Cunha, evidenciando os extremos, as pautas desses diversos grupos que compõe a direita são constantemente tratadas como ilegítimas e golpistas –e não raramente afastam aquele potencial simpatizante, envergonhado em assumir qualquer ideia tida como de direita pra não correr o risco de construir a imagem de um lambedor de botas ou de um troglodita preconceituoso qualquer. Nos simbolismos pré-estabelecidos da dicotomia, esquerda e direita são estados de espírito. A esquerda é humanitária, moderna, multicultural, politizada, zen, jovem. A direita é intolerante, atrasada, egoísta, ignorante, violenta, velha. A esquerda é solidária, antenada, científica, secular e engajada. A direita é mesquinha, sectária, poluente, extremista e acomodada. Na construção dos termos, a esquerda é tudo aquilo que a gente deveria ser. A direita é o contrário disso. A esquerda: um raio vívido, de amor e de esperança. A direita: deitada eternamente em berço esplêndido. No duelo, a esquerda, como protagonista, detém o monopólio sagrado daquilo que é entendido como povo, e por consequência, fala em nome dele, luta por ele, vive por ele. A direita, como sobra ideológica, é ilegítima. Vive como um vampiro às custas da vontade popular. As ruas não lhe pertence. Seus protestos, suas preces, seus lamentos ecoam apenas nas gargantas dos coxinhas insensíveis. Como resto que é, está condenada a viver como uma ofensa pessoal transformada em espectro político. Por isso, não há como escapar. Nesse cenário estereotipado de esquerda-direita só há um vencedor, que pauta e constrói a imagem de seu antagonista. E uma dica: não é a direita, seja lá o que isso signifique. RODRIGO DA SILVA, 28, é editor do site "Spotniks" * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-06-25
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/06/1647350-rodrigo-da-silva-nao-existe-direita-no-brasil.shtml
Marcos Antonio Monteiro: Responsabilidade fiscal e desenvolvimento
Em seu discurso de posse para o segundo mandato como governador do Estado, em 1999, Mario Covas afirmou que "São Paulo vai lançar mão de todos os meios ao seu alcance para buscar o ponto de equilíbrio entre a indispensável estabilidade econômica e a urgente retomada do desenvolvimento". Esse receituário que busca pensar o governo a longo prazo, distante do futuro incerto das gestões populistas, tem sido aplicado em São Paulo nos últimos anos, preparando o Estado tanto para períodos de crescimento econômico como para os de retração dos recursos. O Brasil vive atualmente esse último cenário que, numa lógica perversa, une menor emprego e renda com aumento da inflação. Como "governar é escolher", em tempos assim as escolhas feitas ganham relevância ainda maior para as pessoas. Em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin sempre acreditou na responsabilidade fiscal como valor inexorável da gestão do Estado. Exemplo disso foi a dívida de São Paulo, que passou de 2,2 vezes em relação a sua receita corrente líquida em 2002, para 1,3 em 2014. Isso apesar dos juros de agiotagem cobrados pelo governo federal. No ano passado, enquanto 18 Estados brasileiros tiveram deficit, São Paulo teve um superavit de R$ 4,6 bilhões. Recentemente, com a retração da economia nacional, o governador priorizou promover um ajuste baseado na diminuição dos gastos do governo, em contraponto ao caminho fácil do uso de pedaladas fiscais ou de medidas prejudiciais à população, como as que impliquem em aumento da carga tributária. Ficou estabelecido que os cargos em comissão, por exemplo, devem ser reduzidos em 15%. As horas extras serão diminuídas em 30%. Os gastos com a manutenção da máquina estatal vão cair de 5% a 10% para que investimentos sejam preservados. Nesse ponto, 58 órgãos do Estado já tiveram seus planos de redução aprovados, correspondendo a um corte de R$ 1,8 bilhão. Outra medida corajosa é a proposta de extinguir a Fundação Cepam, cuja atuação com municípios em pareceres técnicos, deixou de fazer sentido nos dias de hoje com a criação e o aprimoramento de estruturas jurídicas nas prefeituras. Não é o inchaço da máquina –o número de ministérios, de secretarias ou de estatais– que vai aproximar a população do poder público. O caminho que os tempos atuais demandam do governo estadual na atuação com as prefeituras é o da parceria e o da descentralização. Passa por projetos nas mais diversas áreas, como o Creche-Escola, na educação; a construção e reforma de Unidades Básicas de Saúde e Centros de Atenção Psicossocial, na saúde; o programa Água Limpa, no saneamento; a aquisição de caminhões para coleta seletiva pelo Fundo Estadual de Prevenção e Controle da Poluição, no meio ambiente; a compra de tratores, na agricultura. Apenas pela Casa Civil do Estado foram mais de 12,5 mil convênios celebrados desde 2011 que significaram mais de R$ 4,6 bilhões repassados para as prefeituras. São Paulo acredita que a racionalização dos gastos com dinheiro público é o caminho correto: serve de estímulo ao desenvolvimento, preserva o bolso do contribuinte e permite novos investimentos, inclusive aqueles destinados às prefeituras, os mais próximos das necessidades imediatas dos cidadãos. MARCOS ANTONIO MONTEIRO, 60, é secretário de Planejamento e Gestão do Estado de São Paulo * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-06-24
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Antonio Palocci: Versões e fatos
Em editorial ("Patrimônio parlamentar", 17/6), a Folha questionou minhas atividades de consultoria no período em que fui deputado federal (de 2007 a 2010). De saída, o jornal admite não haver ilegalidade em tais atividades. Em seguida, relativiza tal reconhecimento, afirmando que "Palocci tem alguma razão ao dizer que não há vedação legal ao exercício simultâneo do mandato e de atividades comerciais". Depois, suspeita que minha atuação "como articulador político se pautasse mais pela necessidade de agradar clientes do que pelos interesses públicos". Ora, se em uma atividade não há ilegalidade, ela é totalmente legal. Não se trata de ter "alguma razão". Não existe "meia legalidade". Ou estamos diante de uma legalidade ou de uma ilegalidade. A Constituição Federal e a legislação são claras nessa matéria: não é vedada a atividade privada concomitante com a atividade parlamentar, e por isso dezenas de parlamentares atuam em escritórios de advocacia, hospitais, empresas ou como profissionais liberais. Se a Folha suspeita que minha atividade parlamentar desviou-se do interesse público, tem todo o direito de dizer como isso teria ocorrido, com base em meus projetos, meus votos e minhas opiniões como deputado. Mas, ao ficar no terreno da hipótese, o editorial e as reportagens que o precederam incorrem na injustiça de lançar suspeitas infundadas ou de simplesmente acusar. O fato é que não existem bases para tais acusações. Desde 2011, apresentei ao Ministério Público Federal (MPF) todos os contratos de minha empresa, todas as notas fiscais e todos os estudos e trabalhos temáticos realizados. Ao longo desse tempo, o MPF teve a oportunidade de apreciar tais documentos à luz de eventuais suspeitas e tirar suas conclusões. Nos documentos entregues ao MPF, está demonstrado que, no período em que fui deputado, a minha empresa, a Projeto, atuou no aconselhamento de negócios privados, prestando as seguintes modalidades de serviço: 1) Palestras sobre temas de política econômica nacional e internacional, em formatos diversos, desde a participação em eventos corporativos até apresentações a grupos restritos de dirigentes e funcionários de empresas; 2) Serviços continuados de discussão de cenários econômicos e políticos de modo a subsidiar decisões estratégicas. Diga-se que, para tal finalidade, empresas de maior porte contam não apenas com um, mas com vários consultores com pontos de vista diversos; 3) Estudos e análises temáticas, seja em parceria com outras consultorias ou realizados por mim ou por minha equipe; 4) Apoio a processos decisórios de natureza estratégica, envolvendo aquisições, alienações de empresas e ativos. Contudo, agora que a Operação Lava a Jato agita o ambiente político, vazam-se dados de procedimento que corre em segredo de Justiça solicitado pelo próprio MPF. Por que acontece isso? Que interesses alimentam tais vazamentos? Por que autoridades de instituições tão fundamentais à Republica se dispõem a atuar ilegalmente, fora dos autos, violando o direito de terceiros? Estariam suspensos os direitos individuais, previstos na Constituição? São perguntas para as quais poderá haver diferentes respostas. Assim como a Folha considera seu papel noticiar os dados repassados à sua reportagem, pois estes são relativos a pessoa que já ocupou função pública, poderia também refletir por quê, após quatro anos, dados de um procedimento jurídico sejam divulgados dessa maneira. Todos louvamos a Folha quando registra em seus princípios editoriais o pluralismo e o compromisso com a verdade e com o Estado de Direito. É em nome desses princípios que venho perante os leitores do jornal contestar uma injustiça contra mim cometida. ANTONIO PALOCCI, 54, foi deputado federal, ministro da Fazenda (governo Lula) e ministro da Casa Civil (governo Dilma) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-06-23
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Luiz Carlos Motta: Quem paga a conta é o trabalhador
Aprovadas no Senado, as Medidas Provisórias 664 e 665 dificultam o acesso à concessão de benefícios trabalhistas fundamentais para a segurança financeira do trabalhador e dependentes. As MPs fazem parte do pacote de ajuste fiscal do governo federal e significam que, mais uma vez, quem paga a conta de todos os problemas econômicos do país é o trabalhador. São atingidos pelas medidas o abono salarial, seguro-desemprego, pensão por morte e auxílio-doença. Essas novas regras representam impacto maior exatamente nas classes que mais necessitam. Um exemplo é a mudança na concessão do seguro-desemprego, que teve o tempo mínimo de empresa para o pedido do benefício aumentado, além da diminuição no número de pagamentos para o desempregado. Esse tipo de mudança é um golpe para os trabalhadores que estão começando suas carreiras. Um exemplo é a categoria comerciária, dominada por trabalhadores jovens - cerca de 28% dos comerciários possuem de 18 a 24 anos e 19% estão entre 25 e 29 anos. Muitos deles estão no primeiro emprego, buscando estabilidade para pagarem estudos ou mesmo para ajudar no sustento da família. Em uma realidade econômica como a enfrentada no país, com inflação e um risco de desemprego elevado, esses trabalhadores são os mais afetados. Acompanhadas de cortes do orçamento de ministérios como Saúde, Transportes, Educação e Cidades, as mudanças das MPs são um golpe na estabilidade dos trabalhadores, que já sofrem com o panorama do Brasil. O governo apela para direitos trabalhistas em vez de fazer mudanças estruturais importantes. Questões como os sistemas de ingresso no mercado de trabalho, desenvolvimento e qualificação profissionais e até melhor regulação do mercado de trabalho são apenas alguns dos exemplos possíveis de mudanças positivas para o Brasil que deveriam estar em pauta, muito mais importantes do que as medidas que ceifam os direitos do trabalhador e contribuem com a instabilidade financeira. O governo brasileiro está cercado de diversos problemas econômicos que devem ser enfrentados urgentemente, mas essa conta não é dos profissionais que fazem a roda girar. Pelo contrário, cabe ao Estado ampará-los em momentos de crise, garantindo a estabilidade financeira que é seu direito. Nesse momento crítico, é extremamente importante que as centrais sindicais mantenham sua oposição às medidas, representando os trabalhadores e lutando contra o retrocesso dos direitos trabalhistas. LUIZ CARLOS MOTTA é presidente da Fecomerciários - Federação dos Empregados no Comércio do Estado de São Paulo e UGT-SP - União Geral dos Trabalhadores do Estado de São Paulo) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-06-23
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/06/1646363-luiz-carlos-motta-quem-paga-a-conta-das-medidas-provisorias-664-e-665-e-o-trabalhador.shtml
Patrus Ananias: Espaços de vida
"O imaginar o senhor não pode, como foi que eu achei gosto naquela comida, às ganas, que era: de feijão, carne-seca, arroz, maria-gomes e angu. Ao que bebi água, muita [...]" A epígrafe foi extraída de "Grande Sertão: Veredas", de Guimarães Rosa, mas referências da fartura à mesa nativa poderiam ser colhidas em tantas outras obras da nossa literatura. O melhor da nossa prosa nutre-se da variedade de alimentos que produzimos. Para que germinem cada vez mais saudáveis, a presidenta Dilma Rousseff anuncia o Plano Safra da Agricultura Familiar 2015-16 nesta segunda-feira (22). Resumir a agricultura familiar à produção de alimentos é muito, mas não é tudo. Cerca de 70% do que chega às mesas dos brasileiros provém da agricultura familiar –70% do feijão (que Riobaldo saboreou com "ganas"), 83% da mandioca, 69% das hortaliças, 58% do leite e 51% das aves. Se ela provisiona segurança alimentar, atestada pela ONU (Organização das Nações Unidas), também nos proporciona alimentos saudáveis, cada vez com menos agrotóxicos. Enquanto alimenta, reduz nossa dependência de alimentos importados e contribui no controle da inflação. Ou seja, traz segurança macroeconômica. Assim como brotam refeições das lavouras de 4,3 milhões de estabelecimentos da agricultura familiar (84% do total), vicejam em suas leivas farta riqueza, que gera distribuição de renda, protege a biodiversidade e mantém a juventude no meio rural. Que tece espaços de vida. Espaços estimulados pelo governo federal. Os R$ 2,4 bilhões do Plano Safra da Agricultura Familiar 2002-03 saltaram para R$ 24,1 bilhões em 2014-15 –dez vezes mais. Esse incentivo, que será maior em 2015-16, vem de políticas públicas como o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), dão segurança a quem produz, apoiam a comercialização e agregam valor à agricultura familiar dinâmica. É vital à economia, pois responde por 74% dos postos de trabalho nos campos do país –o dobro do que gera a construção civil. O imaginário do agricultor que calca o berço onde joga a semente à espera do orvalho que a faz germinar vai se evanescendo dos roçados. Entre 2008, primeiro ano da linha de crédito Mais Alimentos, e 2014, a venda de tratores destinados à agricultura familiar dobrou –alcançando 20.388 unidades, 31% do total produzido no Brasil. O arado, esteio da agricultura por milênios, vai cedendo à tecnologia, aumentando a produtividade no campo e a produção industrial. Essa imensa cadeia produtiva não se espraia só por rincões e querências afastados. A nova ruralidade, que abriga o conceito de territórios, engloba 4.963 municípios. O território rural, que integra campo e cidade, agrega-se pela coesão e identidade cultural, social e econômica. Esses programas de desenvolvimento rural são coordenados pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário em parceira com outros entes do governo federal. Políticas que buscam restringir os flagelos aos compêndios históricos, como o que as pesquisadoras Heloisa Starling e Lilia Schwarcz descrevem em seu alentado "Brasil: Uma Biografia". Com base em obra do jesuíta André João Antonil, a dupla descreve o desastre famélico entre os séculos 17 e 18 nos sertões mineiros. "Deslumbrados" pelo tesouro que brotava das minas, aventureiros morreram "com as mãos cheias de ouro", já que se esqueceram de plantar "mandioca, feijão, abóbora e milho". Assim, o Plano Safra da Agricultura Familiar significa mais que alimento na mesa dos brasileiros. Representa a agroecologia, a diversificação no plantio, o desenvolvimento territorial, a cultura preservada, a qualidade de vida, os mananciais resguardados, a geração de energia, a redução da pobreza, o desenvolvimento interiorizado, o crescimento com sustentabilidade. Representa a convivência solidária entre o campo e a cidade. PATRUS ANANIAS, 63, professor da PUC-MG, é ministro do Desenvolvimento Agrário * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-06-22
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/06/1645870-patrus-ananias-espacos-de-vida.shtml
Antonio Risério: Um prefeito necessário
São Paulo tem, hoje, o prefeito que deveria ter conhecido há mais de uma década. A engenharia antiurbanística da ditadura militar, que se apresentava como solução para o futuro, era, na verdade, um atraso de vida, uma obsessão viarista de olhos fechados para a qualidade de vida na cidade. As administrações de Luiza Erundina (1989-93) e Marta Suplicy (2001-05) se voltaram para realizações sociais, mas não exatamente citadinas. José Serra (2005-06) e Gilberto Kassab (2006-2013) deixaram correr solto o barco da urbe neoliberal. E perdemos tempo. Só agora, com Fernando Haddad, São Paulo se concentra em si mesma como realidade socioespacial específica, carente de ações que a direcionem para um novo modo de vida. Haddad entrou em campo muito mal, cambaleante, quase ferido de morte por seus supostos companheiros. Ainda durante a campanha eleitoral, a novidade que ele pretendia encarnar foi desfigurada impiedosamente por uma aliança oportunista com Paulo Maluf, que foi obrigado por Lula a fazer. Em seguida, Dilma o humilhou publicamente, obrigando-o a recuar numa decisão sobre aumento do preço da passagem de ônibus. Haddad parecia um perdido, um sujeito que seria manobrado facilmente em qualquer direção determinada por seus superiores na hierarquia política (ou partidária) brasileira. Mas não é isso o que vem acontecendo. Haddad descobriu, em tempo, que a saída era ser ele mesmo. E tirar partido, inclusive, da distância e do isolamento com relação aos ditames tantas vezes estreitos do PT. Sim, há momentos em que a solidão política é boa conselheira. Até porque o pensamento de Haddad encontrou uma "ecologia" favorável para medrar. Era cada vez maior o número de paulistanos convencidos de que a cidade precisava buscar soluções fora da cartilha de sempre, encarando a questão da mobilidade urbana e discutindo sem temor o beco sem saída automobilístico, com todas as suas implicações ambientais. É certo que esses paulistanos abertos para as novas soluções constituem ainda uma minoria –e não tão barulhenta quanto a dos proprietários de automóveis individuais. O que significa que Haddad se move, ao mesmo tempo, numa conjuntura mental propícia, mas minoritária. A situação cultural e política é complicada. Se é cada vez maior o número dos que aceitam a vantagem ambiental da cidade compacta e a mescla programática de classes sociais no espaço citadino, assim como o retorno ao centro, persistem, na contramão, tabus arraigados, signos de status, falsos direitos adquiridos. E a batalha é pesada. Mas Haddad entendeu três coisas fundamentais. Que teria de trabalhar com dificuldades orçamentárias, sem esperar qualquer solidariedade federal. Que teria de repensar e rediscutir o sentido desta cidade em maré adversa, enfrentando os preconceitos do conjunto da população, sem contar com a boa vontade da mídia. E deixar taticamente de lado o projetismo tipo "Arco do Futuro" em favor de um realismo mais pedestre, no horizonte do possível. Não teremos mais de levar utopia alguma à sociedade. A sociedade é que se verá obrigada a entender que a cidade ideal, agora, está se fazendo cidade necessária. ANTONIO RISÉRIO, 61, antropólogo e urbanista, é autor de "A Cidade no Brasil" (Editora 34) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-06-21
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/06/1645390-antonio-riserio-um-prefeito-necessario.shtml
Escolas devem estimular discussão de gênero entre crianças? Sim
TONI REIS: RESPEITO NA FAMÍLIA, ESCOLA E SOCIEDADE Nas discussões sobre os Planos Estaduais e Municipais de Educação, espraiou-se uma falácia que, de tanto ser repetida, se transformou em verdade para quem segue de forma acrítica os semeadores dessa mentira deslavada. A falácia recebeu o nome de "ideologia de gênero" e suas principais alegações são as de que há uma conspiração internacional que, por meio da educação, quer "perverter" as crianças, ensiná-las a ser gay e destruir a família tradicional. Existe, sim, uma ideologia de gênero, mas não é essa que usurpou seu nome e distorceu seus objetivos. O "Relatório sobre Violência Homofóbica no Brasil: Ano de 2012", publicado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, revela que naquele ano houve 9.982 denúncias de violações dos direitos humanos de pessoas LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros), bem como pelo menos 310 homicídios de LGBT no país. A Pesquisa sobre Preconceito e Discriminação no Ambiente Escolar (2009), do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), em uma amostra nacional de 18,5 mil estudantes, pais e mães, diretores, professores e funcionários, revelou que as atitudes discriminatórias mais elevadas se relacionam a gênero (38,2%); orientação sexual (26,1%); étnico-racial (22,9%); e territorial (20,6%). Esses dados mostram que o Brasil enfrenta graves problemas de machismo, sexismo, racismo, homofobia, discriminação e violência. Não é censurar os Planos de Educação que vai resolver o problema, isto só vai garantir sua persistência. Nos fóruns de discussão sobre os Planos Estaduais e Municipais de Educação –os quais deverão ser aprovados na forma de leis até 24 de junho de 2015– foram retomadas as deliberações dos sete eixos da Conae (Conferência Nacional de Educação) 2014, que abarcaram medidas para promover a igualdade na educação para os grupos da sociedade mais atingidos por injustiças. São meninas e mulheres, pessoas com deficiência e necessidades especiais, pessoas negras, quilombolas, indígenas e de outras raças e etnias, pessoas LGBT, ciganos, e povos do campo, da floresta, itinerantes e das águas, entre outros. No entanto, em muitos casos, quando as propostas de Planos de Educação chegaram nas casas legislativas para serem transformadas em lei, esbarram com uma cruzada fundamentalista e medieval contra a "ideologia de gênero". Embora o furor e a histeria se centrassem na questão LGBT, na família e nas mulheres, acabou atingindo os demais setores sociais, raças e etnias, transformando-se em uma alarmante intolerância à diversidade humana e uma preocupante imposição antidemocrática de valores que chegam a ser fascistas. Se há uma ideologia, deveria ser a do respeito, da pluralidade, da não violência, de poder viver em paz. Para essa discussão, precisamos ter serenidade, racionalidade, lógica, dados e paciência para escutar todos os lados. Não existem soluções binárias e dualistas para questões complexas. Algumas das escolas brasileiras são do século 19, alguns/algumas professores(as) são do século 20, os/as estudantes são do século 21 e alguns/algumas dos/das legisladores(as) são da Idade Média. Nossa discussão é a dignidade humana, nossa demanda é pelo respeito, não queremos destruir a família de ninguém, queremos o respeito para todas as famílias. TONI REIS, 51, doutor em educação, é integrante dos Fóruns Nacional, Estadual (Paraná) e Municipal (Curitiba) de Educação e secretário de Educação da ABGLT - Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-06-20
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/06/1645375-escolas-devem-estimular-discussao-de-genero-entre-criancas-sim.shtml
Escolas devem estimular discussão de gênero entre crianças? Não
FELIPE AQUINO: COMPROMISSO COM A REALIDADE A "ideologia de gênero" é uma revolução cultural que ensina que a identidade sexual é baseada exclusivamente na cultura, algo subjetivo, e que há outras formas de vivência sexual, devendo todas fazerem parte da educação das crianças. Nela, a identidade –homem ou mulher– não existe. Seria a mera imposição de um modelo educacional de tipo patriarcal. Ora, se os sexos estão destinados a desaparecer, então, deverão desaparecer também todas proibições sexuais. As crianças não têm a mínima condição crítica para analisar uma questão tão complexa. O que grupos de pressão pretendem incluir nos Planos Estaduais e Municipais de Educação não é a discussão da "ideologia de gênero" nas escolas, mas, sim, a sua imposição. É uma ideologia que destrói os fundamentos do direito natural. A diferença sexual é a origem da humanidade e a reprodução humana ocorre devido a essa diferenciação. A educação verdadeira exige uma imparcialidade ideológica. Neste caso, mais do que combater a discriminação, o que se pretende é "desconstruir" a família, o matrimônio e a maternidade e, desse modo, fomentar um estilo de vida que incentiva todas as formas de experimentação sexual desde a infância, acabando com o conceito de pai e mãe. Assim, os "controladores da população", os ativistas dos direitos arbitrários, podem manipular a sociedade. Fala-se tanto em sustentabilidade e respeito à natureza, mas, e o respeito à natureza humana? A "ideologia de gênero" destrói a pessoa na sua identidade. Nela, nossas crianças aprenderão que não são meninos ou meninas e que precisam inventar um gênero para si próprias. Para tal, receberão materiais didáticos –como já ocorre em algumas escolas– que deformam a sua identidade. Sendo obrigatório por lei, os pais que se opuserem, poderão ser criminalizados por isso. Na Alemanha, um casal foi detido por ter se recusado a permitir que seus filhos assistissem às aulas de gênero. A genética mostra, pelos cromossomos que definem a sexualidade, que só há dois tipos de sexo: XX (mulher) e XY (homem). A psicologia elenca uma enorme série de diferenças entre o homem e a mulher. Negar a biologia e a psicologia é negar a ciência e a escola deve ter compromisso com a verdade e a realidade, não com ideologias. Toda ideologia introduzida nos planos de educação para a infância e a juventude tem a pretensão de utilizá-la para objetivos de determinados grupos. O objetivo é garantir que as crianças percam todos os pontos de referência. A ideologia tira das crianças o último reduto que permite a sua identificação: a identidade sexual. Quebra-se a unidade entre a alma e o corpo, o corpo tendo um sexo e a alma outro. A harmonia humana é desfeita com sérias consequências. A "ideologia do gênero" não convence, e por isso mesmo, só pode ser implantada de forma totalitária por meio da ditadura do relativismo, tão na moda hoje. O papa Francisco, no discurso aos bispos porto-riquenhos no começo de junho, afirmou que "a ideologia de gênero é um erro da mente humana que provoca muita confusão e ataca a família". Ele lamentou a prática ocidental de impor uma agenda de gênero a outras nações por meio de ajuda externa. Chamou isso de "colonização ideológica", comparando-a à máquina de propaganda nazista. A imposição dessa ideologia é mais um passo para que o Estado substitua os pais na educação moral de seus filhos e não tenham nenhum controle sobre eles. Estamos, então, diante de um Estado totalitário, que impõe a sua ideologia. FELIPE AQUINO, 65, doutor em engenharia mecânica pela Unesp, foi diretor da atual Escola de Engenharia de Lorena. É professor de História da Igreja no Instituto de Teologia Bento 16, de Lorena, e autor de "Para Entender a Inquisição" (ed. Cleofas) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-06-20
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/06/1645373-escolas-devem-estimular-discussao-de-genero-entre-criancas-nao.shtml
Paulo Lourenço: Portugal na Virada
Cidadãos portugueses e brasileiros terão a oportunidade participar, neste sábado (20) e domingo (21), de um dos maiores eventos de arte e cultura portuguesa já realizados em São Paulo: o Experimenta Portugal. No parque do Ibirapuera, o público paulistano vai sentir de perto o que é a realidade contemporânea de Portugal, não apenas enquanto cultura mas também como país inovador e destino turístico. Haverá apresentação de grandes nomes do fado e da música eletrônica, atrações literárias, degustação de vinhos e de pratos típicos da gastronomia portuguesa, exibição de filmes, espetáculos infantis etc. Não se trata apenas de uma vitrine sobre a sua identidade contemporânea. É também a possibilidade de fazê-la dialogar com a cidade e o espaço urbano de São Paulo por meio de conteúdos e de artistas dos dois países, especialmente no momento em que Brasil e Portugal vivem um redescobrimento mútuo. Nunca tantos artistas, escritores, estudantes, acadêmicos, empresários, engenheiros e arquitetos cruzaram o Atlântico em um dos cerca de 80 voos semanais da TAP –uma companhia aérea cada vez mais luso-brasileira– que unem cidades portuguesas e brasileiras. Nunca tantos brasileiros visitaram ou investiram em Portugal. Nunca o trânsito artístico, comercial e intelectual entre as duas sociedades –que sempre tiveram o instinto de se buscarem– foi tão marcante, intenso e capilar. As dezenas de eventos do Experimenta Portugal neste fim de semana integram a programação da Virada Cultural de São Paulo que, neste ano, por meio de uma parceria inédita com a Secretaria Municipal de Cultura, fez de Portugal o seu primeiro país convidado, aproveitando a celebração em junho dos dias de Portugal, de Camões e das comunidades portuguesas. Trata-se de um feliz encontro de vontades: por um lado, o desejo do secretário municipal de Cultura, Nabil Bonduki, acompanhado pela comissão de curadores e pela equipe da Virada, de descentralizar e diversificar aquele que já é um dos maiores eventos de rua do mundo. Por outro, é a oportunidade de propor uma nova leitura sobre a cultura portuguesa contemporânea a um público abrangente e heterogêneo na capital econômica e cultural do Brasil, oferecendo-lhe referências menos óbvias sobre o país de Cabral e de Fernando Pessoa. A proposta é ainda mais oportuna se olharmos para o DNA de São Paulo, marcado desde a sua origem por migrações portuguesas regulares, sucessiva e periodicamente enriquecidas por imigrantes de outros países e culturas. Maior cidade de língua portuguesa do mundo, São Paulo permanece ligada aos valores de cultura, tolerância e de trabalho dos portugueses. A cidade se apresenta hoje como um dos elos mais dinâmicos da recodificação operada nos últimos anos na percepção que temos uns dos outros: uma que já não se limita a evocar uma história e uma língua partilhadas, mas que se propõe partir das afinidades familiares e pessoais únicas para abrir um capítulo de redescoberta. O Experimenta Portugal faz esse apelo à razão e aos sentidos para conhecer mais intimamente um país e uma sociedade à qual o Brasil está ligado desde sempre. É um convite a todos, com a alegria e a cumplicidade própria de dois países que merecem se conhecer melhor. PAULO LOURENÇO, 43, é cônsul-geral de Portugal em São Paulo * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-06-19
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/06/1644757-paulo-lourenco-portugal-na-virada.shtml
Jan Carlo Delorenzi: Estado e população juntos no combate à dengue
Pelos padrões da Organização Mundial da Saúde (OMS) –mais de 300 pessoas acometidas por 100 mil habitantes–, o Brasil está diante de uma epidemia de dengue. Dados oficiais do governo, referentes ao boletim da 15ª Semana Epidemiológica, mostram que, até 18 de abril, haviam sido notificados 746 mil casos em todo o país, com 229 óbitos confirmados. Há especial preocupação com o Estado de São Paulo, onde, segundo o mesmo relatório, havia 402 mil indivíduos infectados, com 169 mortes. É interessante notar que, em 2013, quando o Brasil enfrentou situação ainda mais grave, registrando, na mesma 15ª Semana Epidemiológica, mais de um milhão de casos, o número no território paulista foi de 154 mil. Isto significa incidência de 228,3 por 100 mil habitantes, contra 911 por 100 mil, em 2015. Ou seja, é notória a alteração na dinâmica da epidemia, exigindo olhares e ações diferenciados da população e do poder público, na tentativa de conter o problema. Outro aspecto preocupante é que, de acordo com os dados da América do Sul referentes à 12ª Semana Epidemiológica, o Brasil é o país com o maior número de incidências, com um número de casos notificados 33 vezes maior em relação ao Paraguai, segundo colocado. Sendo assim, a pergunta premente é: quais são os fatores que, em 2015, têm levado ao aumento da ocorrência da doença? Um dos muitos debates nestes tempos de seca de reservatórios dá-se em torno do recolhimento e estoque de água de chuva, que estariam sendo feitos inadequadamente pela população. É possível que isso tenha contribuído para a proliferação do Aedes aegypti, transmissor do vírus da dengue, cuja larva se desenvolve em água parada, especialmente se for limpa. Outro tema levantado há anos que retorna à pauta é relativo ao acúmulo de lixo, como foco para a disseminação do mosquito. Resíduos descartados de maneira inadequada sempre serão veículos de contaminação do ambiente, quando acumularem água parada. Esse descarte inadequado ocorre principalmente nos chamados pontos viciados, locais onde moradores vizinhos utilizam muros ou esquinas para colocar o lixo. No que diz respeito especificamente ao lixo domiciliar, sua coleta no município de São Paulo tem frequência diária ou em dias alternados. Segundo o Instituto Oswaldo Cruz e a Secretaria de Saúde do Município de São Paulo, o ciclo de desenvolvimento do mosquito até a sua forma adulta ocorre em 10 dias. Assim, considerando a frequência da coleta em São Paulo e o ciclo reprodutivo do Aedes aegypti, a associação do descarte de lixo com a proliferação do mosquito não é direta. Então, temos duas questões importantes. Primeira: como a população faz o descarte e manejo do seu lixo? Segunda: como é a gestão da coleta e destinação do lixo coletado? Como cidadãos, devemos cuidar do lixo, de modo a reduzir o impacto ambiental, buscando separar o que é passível de ser reciclado. Ao realizarmos o descarte, todo material deve estar acondicionado em sacolas próprias, fechadas de maneira a evitar que haja espalhamento do conteúdo no momento da coleta e transporte, dispondo sempre no horário correto. Na outra ponta, estão a coleta e a destinação. É imperativa uma ação sempre eficiente do poder público na gestão desses dois serviços e da limpeza pública, pagos pela população em seus impostos, como o IPTU. Também é essencial que a prefeitura tome providências para a eficiência e agilidade da limpeza total dos pontos viciados, adotando frequências curtas de remoção, similares à dos serviços regulares de coleta domiciliar, realizados diariamente ou a cada dois dias. JAN CARLO DELORENZI, doutor em Ciências Biológicas, é professor de Imunologia e Saúde Pública na Universidade Presbiteriana Mackenzie e pesquisador sênior em pesquisa clínica * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-06-18
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Pilar del Río: Reivindicar os nossos deveres
"Foi-nos proposta uma Declaração Universal de Direitos Humanos, e com isso julgámos ter tudo, sem repararmos que nenhuns direitos poderão subsistir sem a simetria dos deveres que lhes correspondem, o primeiro dos quais será exigir que esses direitos sejam não só reconhecidos, mas também respeitados e satisfeitos", disse José Saramago no banquete de recepção do Prêmio Nobel de Literatura, em 10 de dezembro de 1998, em Estocolmo. Era para ser apenas um brinde, mas o escritor português preferiu usar a palavra para lançar um desafio no dia em que se completavam os 50 anos da promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos: e se começássemos a exigir que se respeitem, também, os deveres humanos? José Saramago morreu em 18 de junho de 2010, aos 87 anos, combativo e lúcido como poucos. Até os últimos dias de vida escreveu. Esteve às voltas com a história de um empregado de uma fábrica de armas, um sujeito pacato e apagado, que nunca disparou uma arma, que vive entre papéis e carimbos, e que de repente vê-se diante da possibilidade (ou seria do dever?) de insurgir-se, de levantar-se, de dizer não. Em "Alabardas, Alabardas, Espingardas, Espingardas", livro publicado postumamente, o autor que já havia feito com que, a partir de uma cegueira branca, enxergássemos e reparássemos no próximo, desta vez assalta a consciência dos leitores com a possibilidade de construção de um futuro distinto edificado sobre um não. "Chega sempre um momento na nossa vida em que é necessário dizer não. O não é a única coisa efectivamente transformadora, que nega o status quo. Aquilo que é tende sempre a instalar-se, a beneficiar injustamente de um estatuto de autoridade. É o momento em que é necessário dizer não", declarou em entrevista a esta Folha em 1991. Na Suécia, na mesma ocasião em que recebeu o Prêmio Nobel, Saramago pediu aos cidadãos comuns, grupo no qual se incluiu, que tomassem a palavra e a iniciativa. "Com a mesma veemência e a mesma força com que reivindicarmos os nossos direitos, reivindiquemos também o dever dos nossos deveres. Talvez o mundo possa começar a tornar-se um pouco melhor." Mais de 15 anos depois desse chamamento, a Fundação José Saramago, em parceria com a UNAM (Universidade Autónoma do México) e com a World Future Society, entidade que reúne especialistas em prospectar as tendências da economia e da sociedade para o futuro, convoca um encontro na capital mexicana com o intuito de dar corpo à ideia lançada pelo autor de "Ensaio sobre a Cegueira". Entre 24 e 25 de junho meia centena de académicos, intelectuais e pensadores de várias nacionalidades estarão reunidos na Cidade do México com o objetivo de criar uma proposta de Carta dos Deveres Humanos a ser encaminhada à ONU (Organização das Nações Unidas). Ratificada há quase 70 anos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos está longe de ser uma realidade para muitos habitantes deste nosso planeta, infelizmente. Dizia José Saramago que quem efetivamente governa o mundo são as empresas "multinacionais e pluricontinentais", e o fazem a partir de um poder tirânico que reduziu "a uma casca sem conteúdo" o que ainda havia do ideal de democracia. Mas se é certo que os governos e as grandes corporações não respeitam os direitos básicos dos cidadãos, nós também não estamos a cumprir com o dever de cidadão que somos, acrescentou. Com esperança de que a elaboração de um documento que estabeleça obrigações significará, ao mesmo tempo, o fortalecimento da proteção dos direitos humanos é que estaremos reunidos com a sociedade civil na Cidade do México nos próximos dias. Dizer não, mais do que um direito, é nos dias de hoje também um dever. Sobre isso escreveu José Saramago. Sobre isso falaremos na capital mexicana, deixando neste espaço também um apelo ao debate e à discussão de propostas. PILAR DEL RÍO, 50, tradutora e jornalista, é presidente da Fundação José Saramago * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-06-18
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Nabil Bonduki: Secretaria Municipal de Cultura, 80
Em 30 de maio de 1935, por inspiração de intelectuais modernistas, como Mário de Andrade, Paulo Duarte e Rubens Borba de Moraes, o prefeito Fábio Prado assinou o ato nº 861, que instaurou o Departamento Municipal de Cultura e de Recreação. Em seguida, Mário foi nomeado diretor do primeiro órgão público do país dedicado exclusivamente à promoção de políticas culturais. Oitenta anos após a criação da secretaria, fica nítida a perspectiva visionária de Mário como gestor público de cultura. Além de incorporar unidades isoladas existentes, como o Theatro Municipal, o departamento implementou ações baseadas na ideia de que a cultura deveria ser colocada ao alcance de todos, o que hoje chamamos de cidadania cultural. Em um momento em que o crescimento de São Paulo gerava uma periferia carente de serviços, Mário buscou democratizar a cultura e articulá-la com a educação e as comunicações. Iniciativas como a criação de cinemas educativos, de uma rádio-escola, de uma discoteca e da Orquestra Sinfônica Municipal para promover concertos públicos ou com preços populares em teatros municipais, na rádio ou ao ar livre. A proposta da rádio-escola revela a sintonia com a necessidade de democratização das comunicações, tema de grande atualidade. A Discoteca Municipal, uma referência nacional e internacional, se destacou no registro de música clássica, popular e no chamado Arquivo da Palavra. Para registrar e dar um novo estatuto à cultura popular brasileira, o departamento promoveu a Missão de Pesquisas Folclóricas, que percorreu o Norte e o Nordeste e realizou um dos primeiros mapeamentos musical e etnológico do país. Frente à impossibilidade de construir bibliotecas em todos os bairros populares, criou-se uma biblioteca ambulante em uma "jardineira" que percorria a periferia garantindo o acesso aos livros. Ainda hoje, mesmo com 110 bibliotecas municipais, os 12 ônibus-biblioteca da secretaria continuam prestando um serviço muito apreciado. Os parques infantis, criados em 1935, foram a origem da rede municipal de educação infantil e a primeira experiência brasileira de educação não escolar para crianças de famílias pobres. Em ambientes públicos privilegiados, os parques articulavam cultura, recreação, formação não escolar e assistência. Sua arquitetura antecipou o conceito das escolas-parques e dos CEUs (Centros Educacionais Unificados ). Ali, as crianças brincavam, movimentavam-se em grandes espaços, e não em salas de aula, convivendo com a natureza e com a diversidade da cultura. As origens da octogenária Secretaria de Cultura nos inspiram a gerir com criatividade e intersetorialidade a política cultural de São Paulo. Assim como Mário e seu grupo pensaram a cultura como estratégica na modernização e democratização do país, hoje ela pode desempenhar um papel central nos grandes desafios do século 21. NABIL BONDUKI, 60, arquiteto e urbanista, é professor titular da USP e secretário Municipal de Cultura de São Paulo * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-06-17
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/06/1642983-nabil-bonduki-secretaria-municipal-de-cultura-80.shtml
Guilherme Afif Domingos: Batalhadores do Brasil
Nesta semana comemoramos uma vitória da classe batalhadora de nosso país, formada pelos microempreendedores individuais (MEIs). Alcançamos a marca de cinco milhões de brasileiros formalizados, que passaram a contar com a segurança do Estado e o acesso a direitos previdenciários. Em 2011, escrevi nesta Folha um artigo com uma análise das mudanças da legislação do Simples. À época destaquei a importância da medida adotada pela presidenta Dilma Rousseff, quando o governo assumiu a responsabilidade de reduzir de 11% para 5% os encargos previdenciários a serem pagos pelo microempreendedor individual. Eu tinha certeza de que essa medida corajosa da presidenta Dilma contribuiria para que houvesse um aumento significativo nas formalizações dentro do universo de mais de dez milhões de brasileiros que se enquadravam no perfil de MEI –e que sempre procuraram garantir sua sobrevivência por meio de muito trabalho e de criatividade. Hoje vemos o resultado. Os 657 mil microempreendedores individuais do Brasil, em 2010, saltaram para os cinco milhões de hoje, o que representa uma vez e meia a população do Uruguai sendo formalizada –ou o equivalente às populações de países como Dinamarca, Noruega, Cingapura ou Irlanda. Isso ratifica a decisão acertada de investir em inclusão econômica e social, movida pela simplificação, descomplicação e redução de carga tributária, confirmando um princípio que sempre vou defender: quando todos pagam menos, os governos arrecadam mais. Um fato importante é que cerca de 500 mil pessoas cadastradas no Bolsa Família fizeram do MEI a alternativa para buscar o seu sustento. Mais: uma boa parcela destes microempreendedores individuais do Bolsa Família procuraram o Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego) para melhorar suas condições e para dar mais eficiência a seus negócios, mostrando o poder transformador da inclusão e da qualificação. O MEI é hoje, no mundo, o maior programa de inclusão econômica e social. Quando levamos a ideia do projeto para o presidente Lula, em 2003, falávamos em dar cidadania a mais de dez milhões de trabalhadores informais. Em seis anos de trabalho (2009-2015), chegamos aos cinco milhões –e vamos formalizar o restante nos próximos cinco anos. Estamos falando de cidadania e formalização que tiraram cidadãos da marginalização, da informalidade, garantindo a eles o acesso a benefícios sociais que todo brasileiro deve ter. Acreditando na importância dessa inclusão, batizamos o carnê enviado ao MEI de Carnê da Cidadania. Outro passo importante foi quando promovemos, no ano passado, uma ampla revisão na legislação do Simples, com a aprovação da lei nº 147/14, possibilitando que mais pessoas pudessem se formalizar. Entre os 81 pontos inovadores, resolvemos o problema de quem reside em áreas sem regularização fundiária, dando oportunidade para que a formalização e o empreendedorismo florescessem dentro das comunidades e favelas de nosso país. Acreditamos que essas pessoas serão rapidamente formalizadas, gerando emprego e renda em seus espaços coletivos. Hoje o sonho do brasileiro de trabalhar por conta própria tem no MEI a sua maior expressão –e o seu ponto de partida para a autossustentação. Todos sonham crescer. O microempreendedor individual sonha se tornar microempresa, a micro quer ser pequena, e a pequena deseja ser grande. E os dados mostram que 140 mil MEIs já se transformaram em microempresas e podem alçar voos maiores para continuar crescendo –porém, crescer sem medo. Mais uma vez, reafirmo a coragem da presidenta Dilma de incentivar e alavancar o microempreendedor individual, dando condições para melhorar a vida do cidadão brasileiro e apoiar o seu crescimento econômico e social. O MEI é a maior prova de que, no Brasil, nós podemos trabalhar com agenda positiva suprapartidária, investindo em benefícios diretos ao cidadão e em políticas públicas eficientes e capazes de gerar renda e emprego em nossa sociedade. GUILHERME AFIF DOMINGOS, 71, é ministro-chefe da Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-06-17
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/06/1642985-guilherme-afif-domingos-batalhadores-do-brasil.shtml
Rodolfo Rizzotto: Quando a lei e a vida não valem nada
O Conselho Nacional de Trânsito (Contran) adiou, para 1º de janeiro de 2016, a obrigatoriedade dos exames toxicológicos dos motoristas profissionais na renovação da carteira nas categorias C, D e E, que entraria em vigor na próxima segunda-feira, dia 1º de junho. A medida é ilegal, pois altera, com uma simples resolução, o prazo que havia sido estabelecido pela Lei 13.103/15, revelando a irresponsabilidade do órgão em relação à segurança nas rodovias. As consequências desse adiamento são novos acidente e vítimas, porque não existe categoria que faça mais uso de drogas no exercício da sua profissão que a dos caminhoneiros. São também os que mais morrem e, provavelmente, os que mais matam inocentes. Há centenas de estudos que comprovam o uso de drogas por esses profissionais. No transporte de perecíveis, o índice chega a 50%. Em 2014, foram 56.343 acidentes nas rodovias federais envolvendo caminhões. São mais de 100 mil acidentes por ano, somando as estaduais, com gravidade muito maior em função do peso e da dimensão dos veículos. Vale lembrar que este é o quarto adiamento imposto pelo Contran, o que significa que milhares de vidas poderiam ter sido poupadas nesse período em que a lei deveria estar em vigor. O exame toxicológico de larga janela de detecção permite identificar com a coleta de cabelo ou queratina o uso de drogas nos 90 dias anteriores, o que contribui para a prevenção, pois o motorista sabe que precisará deixar as drogas 90 dias antes de renovar a CNH. A "tese" defendida por algumas autoridades é de que o exame não identifica "risco imediato de o motorista profissional dirigir sob influência de drogas, nem proporciona medida de intervenção imediata". O objetivo é punir quem estiver dirigindo sob o efeito de drogas e não evitar que o profissional que faz uso de drogas pegue na direção. Estes esquecem que, quando o caminhoneiro perde a CNH por esta razão, ele fica sem condições de trabalhar por um ano. O exame de larga janela, por sua vez, de caráter preventivo, estimula o caminhoneiro a deixar as drogas antes de ser penalizado. O combate ao uso de drogas por parte de quem dirige veículos está previsto desde 1998 no Código de Trânsito Brasileiro (CBT) em seu artigo 165. Quando finalmente surge uma iniciativa para controlá-lo, o Contran, sob o comando do diretor geral do Denatran, a protela sob as mais injustificadas razões. Mas a tese agrada importadores de equipamentos que identificam na saliva o uso de drogas, laboratórios que não têm certificação para realizar os exames, além de atender os interesses dos eternos exploradores dos caminhoneiros: os donos da carga e transportadores irresponsáveis. Atropelar a legislação é rotina no atual Denatran, pois, além de adiar para o ano que vem os exames previstos em lei para junho de 2015, o seu diretor legitimou também a possibilidade de dois motoristas se revezarem por 72 horas ao volante, usando o pequeno leito que fica atrás do banco do motorista como local de descanso. Local que não oferece as condições para isso e que não dispõe de cinto de segurança, cujo uso é obrigatório pelo CTB. Por que o diretor do Denatran não registrou na ata do Contran a incoerência desse artigo da nova lei? Com o adiamento dos exames toxicológicos, os caminhoneiros drogados continuarão nas estradas. Já os que trabalham sem drogas, que ainda são a maioria, vão sofrer com a concorrência desleal dos que usam, que terão direito a mais sete meses de impunidade. Autoridades podem adiar a entrada em vigor da Lei, mas não as mortes decorrentes da sua irresponsabilidade. RODOLFO RIZZOTTO é coordenador do programa SOS Estradas e do estudo "As drogas e os motoristas profissionais" * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-06-15
opiniao
Opinião
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Maria Rita Kehl: Justiça ou vingança?
Sou obrigada a concordar com Friedrich Nietzsche: na origem da demanda por justiça está o desejo de vingança. Nem por isso as duas coisas se equivalem. O que distingue civilização de barbárie é o empenho em produzir dispositivos que separem um de outro. Essa é uma das questões que devemos responder a cada vez que nos indignamos com as consequências da tradicional violência social em nosso país. Escrevo "tradicional" sem ironia. O Brasil foi o último país livre no Ocidente a abolir a prática bárbara do trabalho escravo. Durante três séculos, a elite brasileira capturou, traficou, explorou e torturou africanos e seus descendentes sem causar muito escândalo. Joaquim Nabuco percebeu que a exploração do trabalho escravo perverteria a sociedade brasileira –a começar pela própria elite escravocrata. Ele tinha razão. Ainda vivemos sérias consequências desse crime prolongado que só terminou porque se tornou economicamente inviável. Assim como pagamos o preço, em violência social disseminada, pelas duas ditaduras –a de Vargas e a militar (1964 e 1985)– que se extinguiram sem que os crimes de lesa-humanidade praticados por agentes de Estado contra civis capturados e indefesos fossem apurados, julgados, punidos. Hoje, três décadas depois de nossa tímida anistia "ampla, geral e irrestrita", temos uma polícia ainda militarizada, que comete mais crimes contra cidadãos rendidos e desarmados do que o fez durante a ditadura militar. Por que escrevo sobre esse passado supostamente distante ao me incluir no debate sobre a redução da maioridade penal? Porque a meu ver, os argumentos em defesa do encarceramento de crianças no mesmo regime dos adultos advém dessa mesma triste "tradição" de violência social. É muito evidente que os que conduzem a defesa da mudança na legislação estão pensando em colocar na cadeia, sob a influência e a ameaça de bandidos adultos já muito bem formados na escola do crime, somente os "filhos dos outros". Quem acredita que o filho de um deputado, evangélico ou não, homofóbico ou não, será julgado e encarcerado aos 16 anos por ter queimado um índio adormecido, espancado prostitutas ou fugido depois de atropelar e matar um ciclista? Sabemos, sem mencioná-lo publicamente, que essa alteração na lei visa apenas os filhos dos "outros". Estes outros são os mesmos, há 500 anos. Os expulsos da terra e "incluídos" nas favelas. Os submetidos a trabalhos forçados. São os encarcerados que furtaram para matar a fome e esperam anos sem julgamento, expostos à violência de criminosos periculosos. São os militantes desaparecidos durante a ditadura militar de 1964-85, que a Comissão da Verdade não conseguiu localizar porque os agentes da repressão se recusaram a revelar seu paradeiro. Este é o Brasil que queremos tornar menos violento sem mexer em nada além de reduzir a idade em que as crianças devem ser encarceradas junto de criminosos adultos. Alguém acredita que a medida há de amenizar a violência de que somos (todos, sem exceção) vítimas? As crianças arregimentadas pelo crime são evidências de nosso fracasso em cuidar, educar, alimentar e oferecer futuro a um grande número de brasileiros. Esconder nossa vergonha atrás das grades não vai resolver o problema. Vamos vencer nosso conformismo, nossa baixa estima, nossa vontade de apostar no pior –em uma frase, vamos curar nossa depressão social. Inventemos medidas socioeducativas que funcionem: sabemos que os presídios são escolas de bandidos. Vamos criar dispositivos que criem cidadãos, mesmo entre os miseráveis –aqueles de quem não se espera nada. MARIA RITA KEHL, 63, psicanalista, foi integrante da Comissão Nacional da Verdade. É autora de "O Tempo e o Cão - A Atualidade das Depressões" (Boitempo) e de "Processos Primários" (Estação Liberdade) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-06-14
opiniao
Opinião
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Luís Roberto Barroso: A fé, a razão e outras crenças
Sou filho de mãe judia e pai católico. Cresci indo a sinagogas e igrejas. Aos 15 anos, fiz um intercâmbio no exterior e vivi com uma adorável família presbiteriana. Ao fazer meu mestrado na Universidade Yale, nos Estados Unidos, meu vizinho de porta e amigo era muçulmano, da Arábia Saudita. Desde cedo aprendi a conviver com a diversidade e a apreciá-la. Ao longo do tempo, reforcei a minha convicção de que as pessoas são essencialmente iguais. Não consigo imaginar nada mais triste para o espírito do que uma pessoa se achar melhor do que a outra, seja por sua crença, cor, sexo, origem ou por qualquer outro motivo. No Supremo Tribunal Federal, sou relator de uma ação direta de inconstitucionalidade na qual se discute o papel do ensino da religião nas escolas públicas. Há basicamente duas posições em debate. De um lado, há os que defendem que o ensino religioso possa ser ligado a uma religião específica, sendo ministrado, por exemplo, por um padre, um pastor ou um rabino. É o que se chama de ensino religioso confessional. De outro, há os que sustentam que o Estado é laico e que o ensino de religião tem de ser de caráter histórico e plural, com a apresentação de todas as principais doutrinas. Isto é: não pode ser ligado a um credo específico. São diferentes formas de ver o papel da educação religiosa. Ao Supremo Tribunal Federal caberá determinar qual dessas duas posições realiza mais adequadamente a vontade constitucional. A Constituição não tem uma norma expressa a respeito, mas prevê a existência de ensino religioso facultativo, assim como prevê que o Estado é laico e que não deve apoiar ou embaraçar qualquer culto. Convoquei para esta segunda-feira (15), no Supremo, uma audiência pública para debater o tema e convidei representantes de todas as principais religiões no país. Com essa iniciativa, busco promover um debate aberto e plural, no qual pretendo colher a opinião de todos. Também se inscreveram pensadores religiosos, leigos e ateus, que igualmente serão ouvidos. Em seguida, farei um relatório com as principais posições e apresentarei meu voto em plenário. Há três grandes valores em questão. O primeiro é a liberdade de religião, a possibilidade legítima de se professar uma crença e pretender conquistar adeptos para ela. O segundo é o dever de neutralidade do Estado, que deve se abster de promover qualquer religião, bem como de dificultar o seu exercício. O terceiro valor envolve o papel da religião na educação e no espaço público, no âmbito de um Estado democrático e de uma sociedade multicultural. A vida civilizada aspira ao bem, ao correto e ao justo. Há os que buscam esse caminho em princípios religiosos. Há os que o procuram na filosofia moral. Muitas pessoas combinam ambas, a verdade revelada e a ética. E há muitos que professam um humanismo agnóstico ou ateu. A verdade não tem dono, e o papel do Estado é assegurar que cada um possa viver a sua convicção, sem a exclusão do outro. O caminho do meio, feito do respeito ao próximo e da tolerância. Como ensinam o "Velho Testamento", os evangelhos, o budismo, Aristóteles, Immanuel Kant e todos aqueles que viveram para um mundo melhor e maior. LUÍS ROBERTO BARROSO, 57, professor titular de direito constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e professor visitante da Universidade de Brasília, é ministro do Supremo Tribunal Federal * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-06-14
opiniao
Opinião
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Denis Bruza Molino: Masp em retrocesso
Idos de janeiro, 2015. Preparando uma matéria sobre a nova gestão do Masp (Museu de Artes de São Paulo), uma jornalista de TV pede a minha opinião enquanto menciona as cifras fabulosas captadas pelo museu até aquele momento. Respondi apenas que ficava feliz pelo museu, porém, acabara de me desligar dele, e que o propalado novo Masp era, apesar do êxito financeiro, uma catástrofe cultural. Surpresa, a mesma jornalista questiona acerca de minha saída; falei dos absurdos que presenciei nas poucas semanas em que tentei contribuir para a nova diretoria artística, que tentou me enquadrar num sistema de inexplicável vassalagem: em lugar de debater conceitos expositivos, deveria eu satisfazer caprichos ególatras, como fazer fotocópias de páginas de livros que já pertenciam ao setor. A contragosto constatei que a área curatorial, da qual fazia parte, estava fadada a se converter num setor de decoração, o que as exposições confirmaram. A primeira delas, "Masp em Processo", felizmente já encerrada, (des)organizou o primeiro andar à maneira dos salões do 19 (ou das feiras de arte atuais?) a partir de um acúmulo casual de obras. Em seguida, vieram mostras dedicadas à arte brasileira que decoram dois ambientes com os painéis que Lina Bo Bardi projetara para o antigo Masp da rua 7 de abril e para a Faap (Fundação Armando Alvares Penteado). Ainda que o discurso curatorial insista na "radicalidade" dos painéis de Lina, ele não vai além do suporte já que o agenciamento das obras obedece ao convencional critério cronológico e geográfico, como já revelam os títulos de rara imaginação "Arte do Brasil até 1900", "Arte do Brasil no século 20". Sobre "Masp em Processo", o atual diretor artístico declara "revisitar o acervo sem criar uma ordem hierárquica". Contrassenso, uma vez que as obras figuravam em paredes segundo a hierarquia dos gêneros: retratos masculinos, retratos femininos, paisagem, etc. Mas o melhor comentário sobre a referida exposição não veio da curadoria, mas de um colega de outro setor do museu: "O critério é simples: o que couber". Conjecturo que sua consternação decorria da constante mudança e andança de obras enquanto o público transitava pelo espaço espreitando o curador trabalhar. Não entendo como se permitiu semelhante showroom da vaidade pessoal. E a segurança das obras? Ademais, desde quando museu é reality-show que divulga e convida o visitante a votar na obra que deseje ver no "paredão" do primeiro andar? Se o curador não sabe o que expor, é o público que deve instruí-lo? Mais do que a arquitetura do prédio, o que se revela e transparece aqui é a imprudente ingenuidade de seu diretor artístico em relação ao rico e variado acervo que tem em mãos. E como poderia ser diferente se ele declara sem constrangimento desconhecer a coleção permanente do museu? Então, veio fazer o que no Masp? Estágio muito bem remunerado? Quem já viu uma empresa séria - do ramo marítimo, por exemplo - contratar um jangadeiro para pilotar um navio cargueiro? Para o pop-conceitual contemporâneo –de egos translúcidos e engenhos opacos– o atual diretor artístico do Masp Adriano Pedrosa, detém um notório saber e sabida circulação; só um detalhe escapou ao incauto que o contratou: o MASP e sua história nada têm a ver com essa bazófia. Fins de novembro, 2014: numa conversa sobre uma possível exposição dedicada às mulheres artistas presentes no acervo, mencionei, a certa altura, as gravuras de Käthe Kollwitz. Ouço, estarrecido, do mesmo diretor artístico: "Quem?" Ter na direção cultural alguém que desconheça a Coleção MASP me parece grave; que desconheça a própria história da arte, inadmissível. Noutra ocasião, quando selecionávamos obras para figurarem num livro-guia do museu, proponho a inclusão de um desenho de Marcello Grassmann. O referido diretor exclama olhando a imagem: "Mas que coisa feia!". Eis o qualificativo que um dos protagonistas das artes gráficas no Brasil recebe neste Masp. Se há 20 anos Grassmann recebia exposição comemorativa no museu, agora a prioridade é a moda brasileira, como noticiou a Folha. É sabido que os últimos anos do museu foram difíceis: funcionários destratados, salários depreciados. Muitos resistiram, utópicos; poucos resistem. A direção fala muito em resgatar Lina Bo Bardi; ainda que a fachada e os painéis voltem, o pensamento político-arquitetônico dela, nunca. Leitora de Antonio Gramsci, Lina era contra a mentalidade publicitária que se apoderou do museu. É conhecido o texto em que Lina fala do Masp arejado de um "novo sentido social", pois o estima dirigido "especificamente à massa não informada". Sabendo-se que a nova administração reajustou em quase 70% o valor do ingresso –R$ 25,00 torna o Masp um dos museus mais caros do Brasil– é difícil imaginar quando o público visado por Lina poderá ver além das fachadas. DENIS BRUZA MOLINO, 42, mestre em filosofia pela USP, trabalhou por mais de uma década no MASP em diferentes funções: orientador de visita, professor de história da arte e curador assistente * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-06-13
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Opinião
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O Brasil precisa de um novo Código Comercial? Não
PAULO CEZAR ARAGÃO: DISTINÇÃO ANACRÔNICA Antes de discutirmos se o projeto de Código Comercial, hoje em análise no Congresso Nacional, é bom ou não, convém analisar se ele satisfaz alguma necessidade dos agentes econômicos, se precisamos efetivamente de um Código Comercial ou se ele constitui apenas uma solução –boa ou má– em busca de um problema. Nesses termos, fica mais fácil debater a questão sem transformá-la em um duelo de torcidas. Hoje tramitam no Congresso dois projetos de novo Código Comercial. Um na Câmara dos Deputados –o projeto de lei nº 1.572/2011 do deputado Vicente Cândido (PT-SP)– onde uma comissão especial foi formada para analisar os mais de mil artigos do projeto. Outro –o projeto de lei do Senado nº 487/2013 de autoria do senador Renan Calheiros (PMDB-AL)–, onde o texto elaborado por uma comissão de juristas aguarda a escolha de um relator. Lá se vão alguns séculos desde quando uma discussão similar teve lugar no que viria a se transformar na Alemanha, com a edição do Código Civil alguns anos após a unificação nacional. Tanto o código alemão como outros têm esse traço comum: a sinalização de uma mudança relevante na sociedade. Se, como se diz, o Código Civil é a Constituição do homem comum, entende-se a necessidade de um código ao ensejo de uma grande ruptura na ordem jurídica. Além da Alemanha, foi assim com o Código Napoleônico, após a queda da monarquia, e com o Código Civil italiano, no pós-guerra. E, no Brasil independente, com muita demora, após idas e vindas de vários anteprojetos. Dito isso, a pergunta é inevitável é esta: o que mudou que fez com que o Código Civil, em vigor desde 2003, tenha que ser retalhado e, na atividade econômica, substituído? A resposta é simples: nada. As mudanças reais tiveram lugar há décadas atrás, e correspondem ao reconhecimento de que a regulamentação específica do direito dos comerciantes, do ordenamento jurídico do ato de comércio, fazia sentido em 1850, quando da edição do Código Comercial, mas não hoje. Lá havia um direito dos negócios civis, centrados na propriedade fundiária, em oposição ao direito dos atos de comércio, objeto de um decreto imperial da mesma data. Conforme já se disse, evoluímos da mercancia, da regulação do ato de comércio, para a regulamentação unificada dos mercados, da atividade empresarial e da sociedade empresária. Isso foi percebido pelo Congresso quando buscou unificar no Código Civil à disciplina das relações negociais e empresariais. A regulação jurídica específica da economia fundada no comércio, como atividade isolada, não faz mais sentido. Essa distinção é anacrônica num cenário onde os serviços são cada vez mais importantes. Não precisamos de um novo código. Precisamos, sim, de uma urgente revisão da regulamentação das sociedades empresárias, que é muito deficiente. Não precisamos incluir em um código novo certos negócios jurídicos hoje regulados em leis extravagantes, até porque outros continuariam fora do código. Não precisamos de uma regulamentação dos títulos de crédito, já confusamente regidos ao mesmo tempo por leis especiais, convenções internacionais e Código Civil. Argumenta-se que princípios gerais da atividade negocial são importantes, mas isso é um equívoco. Se forem idênticos aos do Código Civil, a parte geral do Código Comercial é redundante. Se forem diferentes, será inconveniente, já que não é possível imaginar uma boa-fé objetiva comercial e outra civil. Nem tampouco uma função social do contrato comercial e outra civil. Se o Código Civil está ruim, não o consertamos nem o atualizamos. Propomo-nos a fazer outro. Não é o melhor caminho, e certamente o Congresso o reconhecerá. PAULO CEZAR ARAGÃO, 64, advogado, é membro da Comissão de Juristas da Câmara Federal e vice-presidente da Câmara de Arbitragem do Mercado. Foi superintendente jurídico da CVM - Comissão de Valores Mobiliários * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-06-13
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Carlos Rodolfo Schneider: Sempre pagaremos a conta
A dívida pública do Brasil voltou ao radar das agências de classificação de risco, que ameaçam revogar o grau de investimento conquistado pelo país. A dívida líquida, que tradicionalmente serve de base para esse monitoramento, deixou de ser considerada pelos analistas que acompanham o Brasil graças à manipulação de dados, conhecida por contabilidade criativa, que era prática corrente da equipe econômica anterior. A referência por aqui passou a ser a dívida bruta, que durante o primeiro mandado da presidente Dilma subiu quase 20%, da faixa de 53% do PIB para 63%. Nessa questão somos campeões entre os países emergentes, e pior, temos também a dívida mais cara. É um sintoma claro de crise fiscal que pressiona a inflação e obriga o aumento da taxa de juros. O déficit nominal do setor público, melhor indicador da saúde das contas do governo, fechou em 6,7% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2014, pior número da série histórica do Banco Central. O Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê para os países emergentes uma média de 1,9%, em 2014, e 3,9% para os desenvolvidos. Essa deterioração das contas tem a ver especialmente com o aumento das despesas públicas. O gasto primário da União cresceu 12,8% no ano passado, um adicional de R$ 108 bilhões, já excluído aquele proveniente da desoneração da folha de pagamento. O total do ano atingiu R$ 1,013 trilhão, 19,7% do PIB, contra 17,4% no início do mandato. E 15,9% ao final do mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O governo nunca gastou tanto como em 2014 e isso compromete a nossa capacidade de crescer. Como disse o economista Alexandre Scheinkman, de Princeton, o crescimento não será resolvido com relaxamento de gastos fiscais e sim com a solução dos problemas básicos do Brasil. Que o digam, por exemplo, os estouros nos orçamentos dos estádios para a Copa ou da Refinaria Abreu e Lima da Petrobras, que de um orçamento inicial de US$ 2,5 bilhões já está com previsão de gastos de R$ 35,8 bilhões. Infelizmente, as medidas corretivas só têm sido adotadas quando a situação fica crítica. E aí com um custo maior para a sociedade, à exemplo do pacote fiscal do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Como afirma Luiz Guilheme Schymura, diretor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas: "mudar o modelo das pensões equivale a iniciar o desarme de uma das bombas-relógio fiscais da economia brasileira, quando se pensa na combinação das regras generosas do regime anterior com o veloz envelhecimento da população". O projeto com as mudanças propostas já fora concluído há mais de dois anos, mas não encontrava vontade política para ser implantado. No quadro atual certamente gerará recessão na economia. Se for flexibilizado pela pressão de setores da sociedade, o custo será ainda maior. Bem diz o economista Paulo Rabello de Castro, que não existe governo grátis. CARLOS RODOLFO SCHNEIDER, empresário, é coordenador do Movimento Brasil Eficiente - MBE * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-06
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/06/1640933-carlos-rodolfo-schneider-sempre-pagaremos-a-conta.shtml
Maria Ângela D'Incao: O silêncio dos bons
Começamos nosso pequeno artigo com uma passagem de Martin Luther King, o negro que deu sua vida pela a cidadania de seus semelhantes nos Estados Unidos: "O que mais preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons." A juventude brasileira está em perigo por essa distopia (que significa lugar infeliz, ruim) adotada por maioria de nossos deputados que aprovaram a discussão da proposta da diminuição da idade penal no país, contrariando a própria Constituição Nacional. É vergonhoso o despreparo de políticos que entendem pouco do país a que deveriam servir. E o mais desesperador é que pagam assessores com generosas verbas dispostas pelo povo não branco deste país. Temos uma grande população que não se enquadra entre os considerados brancos e que sofrem a discriminação de cor desde o nascimento. Acresce a evidencia de que o Brasil não é um país sem preconceito de raça e de cor, ainda que haja quem goste de se iludir repetindo a grande mentira de que Brasil não tem preconceito de cor. Temos milhões de nuances de cores entre o preto e o branco, para hoje tocar somente nas cores e não nas distintas raças. Mas será ela a maioria dos criminosos deste país? Parece que não, os adolescentes são responsáveis por menos de 10% das infrações registradas, sendo que deste percentual, 73,8% são infrações contra o patrimônio, das quais mais de 50% são meros furtos (sem, portanto, o emprego de violência ou ameaça à pessoa), geralmente de alimentos e coisas de pequeno valor, que para o Direito Penal se enquadrariam nos conceitos de "furto famélico" e "crime de bagatela", impedindo qualquer sanção maior. De acordo com o Promotor de Justiça do Paraná Murillo José Digiácomo, aí situa-se a questão central do absurdo dessa PEC. Passando os olhos em fotos de jovens mortos nas favelas diariamente, o que vemos em nossa TV? Jovens não brancos. Olhando igualmente estudantes das escolas públicas primárias dos grandes centros, mas não só, o que vemos? Estudantes de infinitas cores não brancas. Se observarmos fotos de prisioneiros abarrotados em presídios que só crescem no país e especialmente no Estado de São Paulo, o que vemos? As mesmas cores. Não brancas. Mas, à medida que vamos subindo nas séries escolares vamos constatando um branqueamento das classes de estudantes. Como entender esse fato? - Os brancos vão para escolas melhores que os não brancos. Em igual medida, também nossos times genais de futebol vieram sofrendo certo branqueamento. É só revisarem as fotos de nosso passado futebolístico. O Senador, afinal poderia contribuir com o país se, por exemplo, tivesse formulado uma PEC em direção a qualidade do ensino nas escolas públicas e ao aumento salarial dos professores desde as primeiras séries até a universidade. Teria feito sim um papel digno de senador de um país com professores primários ganhando um pouco a mais de dois salários mínimos por oito horas de trabalho e uma imensa juventude não branca, mas não só, que vai deixando a escola para trabalhar e poder sobreviver em um país com os mais altos impostos e taxas governamentais. Encerro esse artigo lembrando aos leitores que não se trata de uma questão partidária, no sentido eleitoreiro. Ao contrário, trata-se de um questionamento ao racismo e a questão da importância da educação no desenvolvimento humanitário de uma sociedade, no caso, a brasileira. Resquícios do sentimento de escravidão onde o preconceito encarcera jovens de 18 a 29 anos em nossas prisões. A vigilância policial está focada nos jovens negros, especialmente em São Paulo. "Eles são o alvo das prisões e compõem a maior parte da população carcerária", como revela Jacqueline Sinhoretto. E decorrente desse foco, nesse governo estadual, o número de mortos jovens negros prevalece nas periferias e entre moradores de áreas metropolitanas do país. MARIA ÂNGELA D'INCAO, 72, professora do Pós-Graduação em Geografia da UNESP/ Presidente Prudente * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-06
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/06/1640938-maria-angela-dincao-o-silencio-dos-bons.shtml
Roberto Kalil Filho: Ancorado no passado
O SUS (Sistema Único de Saúde) trouxe inegáveis avanços para a saúde brasileira e é um dos melhores programas sociais que o país já criou. Seu modelo de financiamento, no entanto, é arcaico, não acompanhou a evolução da medicina nos últimos 25 anos, tampouco está em conformidade com o atual cenário do país. Nesse sentido, o sistema está ancorado no passado. Os tratamentos avançaram, novas e modernas tecnologias foram surgindo, centros de excelência foram criados e a expectativa de vida aumentou, trazendo novos desafios. Décadas atrás, as pessoas morriam antes de terem câncer. As doenças do sistema cardiovascular eram descobertas tardiamente, com altas taxas de mortalidade, não havia um sistema organizada de transplantes de órgãos. Tudo isso mudou desde então, mas não houve um trabalho efetivo visando corrigir distorções que limitam a assistência, colocando milhares de brasileiros em situação de penúria, nas filas de consultas, exames e, principalmente, cirurgias. Hoje há centros públicos de excelência em saúde no Brasil, com medicina do mais alto nível, comparada a hospitais de renome internacional e com tecnologia avançada. E é fundamental incentivar a criação de outros tantos centros especializados para a efetiva regionalização do atendimento. É fato que os recursos para a saúde são finitos e sempre serão, mas há de se repensar o financiamento de uma área crucial e que, no Brasil, apresenta inúmeros gargalos. Sem aporte de mais recursos por governos será inviável manter a qualidade dos serviços e atender à demanda crescente por atendimentos. O Incor (Instituto do Coração) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), referência nacional em medicina cardiorrespiratória, em São Paulo, vem combatendo a carência de recursos com a profissionalização da gestão e aumento do controle de processos e de qualidade. Nos últimos anos, a instituição passou por um processo de recuperação e vem colhendo resultados positivos, nas áreas de assistência, pesquisa e ensino. O número de transplantes realizados no Incor aumentou 67% entre 2011 e 2013. Em 2014, foram 96 cirurgias desse tipo, 26% a mais do que no ano anterior. O total de exames laboratoriais chegou a 3,3 milhões em 2013, contra 2,3 milhões em 2007. No mesmo período, o número de cirurgias cardíacas e torácicas pulou de 3,5 mil anuais para 4,5 mil. Os artigos científicos produzidos pela instituição passaram de 353 em 2010 para 399 em 2013. Implantamos um sistema de metas de cirurgias para as equipes, bem como um núcleo de gerenciamento de leitos para dar maior eficácia aos tratamentos e ampliar a rotatividade, garantindo assim, mais internações. Em outubro de 2013 entregamos o novo Centro de Pesquisa Clínica e Medicina Translacional, que dará suporte a cerca de mil estudos clínicos em andamento no Instituto do Coração e a outros cuja fase em seres humanos deverá ter início nos próximos anos. Visando modernizar suas instalações e adequar o atendimento à atual demanda, entregaremos em 2016 o bloco 3 do Incor, o que permitirá a atualização tecnológica e aumento da estrutura da Clínica de Emergência, Unidade de Internação em Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista, Hospital-Dia e Central de Endoscopia Digestiva e Respiratória. Com planejamento e ousadia, estamos preparando o InCor para o futuro. Esperamos poder contar com o imprescindível apoio do governo federal para manter o padrão de excelência para continuar atendendo com qualidade os cidadãos paulistas e brasileiros que necessitam de cuidados especializados. ROBERTO KALIL FILHO, 55, cardiologista, é presidente do Conselho Diretor do InCor (Instituto do Coração) do Hospital das Clínicas da FMUSP * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-06
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/06/1641030-roberto-kalil-filho-ancorado-no-passado.shtml