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Um ano de leitores
O setor editorial e toda a cadeia produtiva do livro no Brasil precisam, especialmente neste momento de grave crise econômica, multiplicar e somar esforços para ampliar os índices de leitura no país, independentemente das políticas promovidas pelo governo. Por mais que elas sejam importantes, responsabilidades constitucionais do Estado para a educação e a cultura da população, nossas estatísticas de produção e vendas não podem variar de modo tão intenso em decorrência das oscilações das verbas governamentais. Isso ficou muito evidente no ano passado, quando o ajuste fiscal da União impôs reduções orçamentárias em todas as áreas da administração pública. O contingenciamento de recursos do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) e do Plano Nacional de Alfabetização e Cidadania (Pnac) teve grande impacto no mercado editorial: queda de faturamento superior a R$ 200 milhões, o que representa uma redução de 12% em relação a 2014. Uma quebra dessa proporção atinge editoras, autores e profissionais do setor, gráficas e toda a cadeia produtiva do livro. As compras feitas pelo Poder Público chegam a corresponder a até 36% do orçamento das editoras em alguns anos. Certamente é importante que os programas governamentais de aquisição de livros sejam mantidos e ampliados, em especial por seu caráter inclusivo e por uma questão de justiça social, num Brasil onde ainda há imensas disparidades na distribuição de renda. No entanto, é necessário que o segmento privado do mercado seja cada vez mais dinâmico e capaz de garantir autonomia econômico-financeira à cadeia produtiva. Em 2014, segundo a pesquisa Produção e Vendas do Mercado Editorial Brasileiro, realizada pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), foram comercializados em livrarias, sites de editoras, porta a porta e outros pontos do varejo 277,3 milhões de exemplares. Considerando que o índice de leitura dos brasileiros é de apenas 1,7 livro/ano, há potencial para o aumento das vendas no segmento privado do país. Assim, é preciso imenso esforço de todo o mercado para que os 88 milhões de leitores do país, segundo pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, leiam mais neste ano que começa. Também precisamos formar novos leitores. Tais metas, se cumpridas com êxito, serão um grande estímulo para toda a cadeia produtiva e demonstrarão que podemos e devemos ser mais proativos no desenvolvimento de nosso mercado, cuja pujança também se reflete no progresso nacional, pois este é inviável sem a disseminação do conhecimento e da cultura. Editoras, livrarias, distribuidores e canais de venda porta a porta, unidos sob a representatividade de suas entidades de classe, precisam adotar firme atitude propositiva voltada ao fomento do mercado privado e à promoção do livro. A despeito da grave crise nacional, vamos arregaçar as mangas e trabalhar muito para que 2016 seja um ano de leitores. LUÍS ANTONIO TORELLI, 64, é presidente da CBL - Câmara Brasileira do Livro * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-07-01
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/01/1726679-um-ano-de-leitores.shtml
Legalização do jogo é alternativa para arrecadação
Até que enfim após 69 anos da proibição do jogo no Brasil, diante da crise econômica e da necessidade de aumento de arrecadação, o governo volta a discutir tema cercado de preconceitos. O projeto de lei 442, apresentado em 1991, voltou ao debate. É chegada a hora de conhecer para rever. E experiências internacionais poderão ajudar. De acordo com entidades que estudam o setor, como o Instituto do Jogo Legal, o potencial de geração de renda e arrecadação é na casa dos bilhões de reais. Além disso, a construção de novos cassinos, hotéis, bingos e todo dinheiro que a indústria do entretenimento gera, somados às receitas que entrariam para cofres públicos com devidas concessões, autorizações e licenças, teríamos aumento exponencial de arrecadação e mais geração de empregos em vários setores da economia, como na construção civil, no setor turístico, de serviços e principalmente uma considerável quantidade de empregos para a classe artística brasileira. No entanto, uma atividade tão importante não pode funcionar de forma limitada. Algumas das Loterias Estaduais foram fundadas há mais de 100 anos e exercem forte influência na vida social, cultural, esportiva dos cidadãos. A luta do Rio de Janeiro e da maioria dos estados é pela autonomia dos entes da federação. A competência da União para legislar sobre sistemas de consórcios e sorteios não deve se traduzir em monopólio. Decretos que dão suporte ao funcionamento das Loterias Estaduais estão completamente obsoletos; são da época Vargas (1947) e do Regime Militar (1964). Por isso, nos encheu de esperança a criação e implantação na Câmara dos Deputados da Comissão Especial do Marco Regulatório dos Jogos no Brasil, a fim de que seja reparada uma injustiça histórica com as Loterias Estaduais. Acreditamos que a exploração das modalidades do âmbito federal seja repetida pelas Loterias Estaduais. A União não pode instituir restrições à atividade dos Estados, inviabilizando ou esvaziando competências. Não podemos deixar passar essa oportunidade de regulamentar o jogo de forma moderna e transparente, garantindo recursos para União e para Estados, como é feito no resto do mundo. Respeitamos o papel da Caixa e consideramos que o Governo Federal deve operar produtos através do modelo que entenda como mais apropriado, seja em operação direta ou por concessão. É fundamental que a Caixa continue a ajudar, como já faz, o Ministério do Esporte, o Comitê Paraolímpico, o Comitê Olímpico, o Fies, o Fundo Nacional da Cultura, o Fundo Penitenciário, ou seja, projetos estruturantes nacionais. Mas queremos continuar a fazer o que nos cabe: ajudarmos Apaes (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais), Pestalozzis, asilos, creches, entidades filantrópicas nas mais longínquas cidades, onde governo federal não chega. Somente Estados enxergam as verdadeiras demandas e têm capilaridade suficiente para atender. Trata-se de modelo complementar. Em países de dimensões continentais, loterias estaduais são protagonistas. A crítica de alguns setores ao jogo procede e esse é um desafio. O fato é que hoje recursos estão em operações ilegais, sem fiscalização e com nenhum centavo revertido em benefícios à população. Mas temos Receita Federal atuante e Ministério Público forte, que aliados à Polícia Federal, têm condições de ajudar governo federal e Estados a desenvolver regulamentação e fiscalização eficientes. O Brasil não pode esperar nem mais um minuto. Entre os 193 membros da ONU, 75,52% têm jogo legal, sendo que o Brasil está nos 24,48% que ainda não o legalizaram. No G-20 –grupo dos países mais ricos do mundo– apenas Arábia Saudita e Indonésia não permitem o jogo por motivos religiosos. Chegou a hora do governo federal, com apoio decisivo do Congresso, Forças de Segurança, Ministério Público, Receita, Caixa, Loterias Estaduais, empresários nacionais e estrangeiros construírem um modelo de negócios para sustentação do setor de jogos e loterias, sem preconceitos e se auxiliando das poderosas ferramentas tecnológicas, ajudando o Brasil e os Estados a saírem da crise, com a geração de novas receitas, impostos, renda e empregos formais. SÉRGIO RICARDO DE ALMEIDA, 51, é presidente da Loterj - Loteria do Estado do Rio de Janeiro * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-07-01
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/01/1726562-legalizacao-do-jogo-e-alternativa-para-arrecadacao.shtml
Universidade para quê?
As universidades brasileiras reúnem em seu corpo docente e discente (professores, alunos e pesquisadores) uma boa parte dos talentos de nossa sociedade. O conhecimento acadêmico se espalha em inúmeras áreas: saúde, educação, habitação, transporte, economia, ciência em geral, produção, administração pública e privada, direito público e privado, urbanismo, entre outros. Muitas dessas universidades têm parcerias internacionais que facilitam a relação entre alunos e professores. Mas essa imensa riqueza de conhecimento, esse fantástico potencial, tem contribuído em sua plenitude para melhorar o país? Acredito que não. Sabemos que uma boa parte da produção científica não ultrapassa os muros da academia. A grande maioria de nossas lideranças políticas é constituída de pessoas com poder de mobilização, de articulação e de comunicação, o que lhes permitiu, com carisma e faro, galgar posições na hierarquia política partidária e ganhar eleições. Entretanto, ao serem eleitos, deparam-se com o desafio de colocar em prática suas propostas. A formação das equipes –ministros, secretários, assessores e segundo escalão– é pautada muitas vezes por acordos partidários e por compromissos assumidos com os apoiadores da campanha eleitoral. Em geral, as equipes não são constituídas por pessoas com notório saber de suas áreas. Os baixos salários da administração pública inibem e acabam por afastar os grandes talentos, já que estes conseguem uma remuneração muito maior na iniciativa privada. Por isso, muitos administradores e dirigentes públicos enfrentam grande dificuldade para contratar gente competente. Não é por acaso que no Brasil, país com uma das maiores cargas de impostos do mundo, as políticas públicas são, em geral, de muito baixa qualidade. Tanto é que as pessoas de maior renda recorrem a serviços privados. Os conhecimentos acumulados nas universidades brasileiras poderiam dar uma enorme contribuição para melhorar a qualidade dos nossos serviços públicos. As eleições municipais de 2016 oferecem essa oportunidade. Cada universidade poderia mobilizar seus professores, pesquisadores e alunos para produzir propostas que beneficiem suas cidades, as cidades vizinhas e até mesmo todas as cidades do país. Essas propostas, nas áreas de educação, saúde, mobilidade, habitação, planejamento urbano, meio ambiente, cultura, esporte, energia, crianças e adolescentes, economia e tantas outras, seriam apresentadas, por meio de seminários e outras atividades, à sociedade, aos meios de comunicação e a todos candidatos e partidos. O debate político teria, assim, maior conteúdo, fugindo da superficialidade e do casuísmo habituais. Após as eleições, as universidades poderiam, e até deveriam, se tornar parceiras dos eleitos para implementar tais ideias. Ao colocarem a diversidade de seus ricos conhecimentos a serviço da sociedade, as universidades cumpririam mais amplamente a missão primordial de serem parceiras na construção de um país melhor para todos. A eleição deste ano é uma ótima oportunidade para que o saber acadêmico se torne prática nas políticas públicas das próximas administrações municipais. ODED GRAJEW, 71, é coordenador geral da Rede Nossa São Paulo e presidente emérito do Instituto Ethos. É idealizador do Fórum Social Mundial. Foi assessor especial do presidente da República em 2003 (governo Lula) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-07-01
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/01/1726680-universidade-para-que.shtml
O que diz a ciência sobre corrupção
Mensalão, Lava-jato, contas na Suíça, desvio de verbas, obras superfaturadas, caixa dois. Corruptos e corruptores, surpresos e moralistas. É uma orgia de escândalos que interessa a todos, mas que pode gerar confusão e pouca compreensão real. Não caia na "falácia do caso especifico" indo atrás de detalhes, isso é fofoca política. A investigação é tarefa da polícia, do judiciário e da mídia. Aproveite para estudar a "ciência da corrupção", para entender as causas, as consequências e as soluções. Interrogue a literatura científica. Os estudos empíricos mostram correlações entre corrupção e pobreza, instabilidade política, baixos investimentos e imunidade política. Os leigos tendem a pensar que as causas sejam antropológicas, como cultura, gênero, nacionalidade, religião, mas a ciência política e a economia são quase unanimes ao afirmar que as causas são sistêmicas –tipos de regras, intervencionismo, muita regulamentação, discricionariedade. É uma questão de incentivos, há regras que estimulam comportamentos negativos e um sistema deste já atrai pessoas dispostas a tudo. Nada de jeitinho então. O famoso economista Gordon Tullock nota que geralmente se consegue um grande favor com uma propina relativamente pequena. Vista a grande recompensa, a corrupção podia até ser maior. E isso é devido à pressão da opinião pública, à competição entre os burocratas baixa o preço e à falta de confiança entre corrupto e corruptor que não podem processar a outra parte em caso de desrespeito do acordo. E quais as consequências da corrupção? Menores desenvolvimento e inovação; incentivo a mais corrupção; visão de curto prazo; monopólios; e desigualdade, pois afeta mais os pobres. O Prêmio Nobel Edward Prescott (em um estudo com Stephen Parente) mostrou que a corrupção causa também a regulamentação mais dura contra empresas estrangeiras, a necessidade de licenças para poder comprar nova tecnologia, normas de aplicação assimétricas contra empresas estrangeiras –e o Brasil é primeiro do ranking nisso– e a não importação de tecnologia melhor. Mas para não acabar no pessimismo, quais as soluções propostas? Limitar o poder politico, reduzir o tamanho do estado, transparência, departamento anti-corrupção, tribunais específicos, metas claras, meritocracia, auditoria e accountability, propagandear casos, aumentar salários dos empregados estatais, aumentar sanções negativas e Fazer Índices e relatórios. Os ingênuos acham que "é só substituir o corrupto com um honesto". Mas é o carro que deve ser trocado, não o motorista. Os utopistas queriam mudar a natureza do homem para criar o "homem novo" (Lênin) e acabaram gerando só distopias. Precisamos construir um sistema que incentive e recompense comportamentos virtuosos, uma arquitetura compatível com a natureza humana, assim como se constrói uma ponte já tendo em consideração a gravidade. Como mostra o jurista peruano Enrique Ghersi, a corrupção, mais que a causa da pobreza, é o efeito, é o resultado de protecionismo, estado forte e hiperregulamentação. Até Tácito sabia que "mais um estado é corrupto e mais legisla". A corrupção é o sintoma, o poder político é a doença. É o que 2000 anos depois os economistas Art Carden e Lisa Verdon demonstram que protecionismo e intervencionismo, dando mais poder ao burocrata, ao "homem de sistema", geram mais corrupção, no quep jornalista P. J. O'Rourke resume assim: "Quando comprar e vender são controlados pela legislação, a primeira coisa a ser vendida e comprada são os legisladores". Mais concentração de poder político, mais corrupção. ADRIANO GIANTURCO, 32, é professor de ciência política do Ibmec - MG * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-06-01
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/01/1726134-o-que-diz-a-ciencia-sobre-corrupcao.shtml
Pedaladas digitais
Assim fica fácil. Ao fazer comentários sobre o programa Banda Larga nas Escolas, o Ministério das Comunicações, sem considerar a qualidade do serviço prometido, diz que "o objetivo de massificação do acesso à internet nas escolas públicas urbanas foi alcançado." A afirmação, feita a propósito de reportagem desta Folha, pode ser levada a sério somente de uma perspectiva muito restrita. Segundo informações dos ministérios das Comunicações e da Educação, o programa do governo federal chega hoje a quase 70 mil escolas urbanas, o equivalente a 91,7% do total. Se, em 2008, "à época de lançamento do programa, poucas escolas possuíam algum acesso", houve avanço digno de nota –mesmo considerando que a meta era conectar 100% dos colégios até o final de 2010. Quem der atenção a outro aspecto, contudo, dificilmente chegará a diagnóstico tão otimista. É de apenas 2,3 megabits por segundo a velocidade média da internet nas escolas atendidas. São meros 3% do que o próprio governo considera ideal, 78 megabits por segundo. Sem aprimorar a velocidade da conexão, uma iniciativa do Ministério da Educação perde muito de seu sentido. Em 2012, a pasta lançou edital para comprar tablets e distribuir entre professores da rede pública. Quase 500 mil equipamentos foram adquiridos, ao custo de R$ 152 milhões. Pensava-se, sem dúvida, em estimular o uso de novas tecnologias no ensino. Como muitas escolas não dispõem de internet com boa velocidade, porém, docentes não conseguem fazer pesquisas e, às vezes, nem mesmo usar o tablet para tarefas administrativas online. A inadequação é tanta que o próprio MEC adaptou seu site para que diretores e professores da rede pública não precisem manter navegação permanente na internet ao consultar documentos sobre o currículo nacional para a educação básica, atualmente em debate. Seria mais proveitoso que o Ministério das Comunicações, em vez de celebrar um objetivo ainda longe de ser atingido a contento, se empenhasse em encontrar soluções para o problema. A não ser, é claro, que a pasta pretenda inovar com essa espécie de pedalada digital. editoriais@grupofolha.com.br
2016-05-01
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/01/1725868-pedaladas-digitais.shtml
Recusar embaixador de Israel não é solução
Há meses o governo brasileiro vem negando as credenciais para que o embaixador Dani Dayan, indicado por Israel, assuma suas funções no Brasil. Trata-se de um diplomata preparado escolhido legitimamente por um país amigo, mas contra ele pesa a acusação de defender os assentamentos israelenses na região da Cisjordânia. É um motivo fraco para tamanha descortesia e tanta inabilidade política. Os dois países têm laços profundos, que precisam ser preservados. O brasileiro Oswaldo Aranha presidiu a histórica reunião da ONU que criou o Estado de Israel. Aqui, como em outras partes do mundo, os judeus deram grandes contribuições à ciência e à cultura. Israel é um parceiro importante do Brasil em tecnologia de ponta para a indústria aeronáutica e de defesa, contribuindo inclusive para alguns êxitos da nossa Embraer. Muitas das acusações que pesam contra Israel decorrem de uma incompreensão de sua situação geopolítica. Com apenas 20 mil quilômetros quadrados, o país é um enclave moderno e democrático em uma região que ainda não adquiriu uma configuração minimamente estável. No Oriente Médio não estão em jogo apenas disputas fronteiriças ou rivalidades econômicas, mas questões muito mais fundamentais, como a própria existência das entidades políticas. Guerras de sobrevivência ainda estão na ordem do dia, e não há acordo sobre as regras do jogo. A permanência do atual arranjo regional é cada vez mais incerta. A própria crença na legitimidade de Estados nacionais laicos, que para nós é natural, é um credo alienígena em sociedades que há mais de mil anos se organizam em torno de uma lei sagrada que governa toda a vida, inclusive a política. A dificuldade estrutural de Israel, em termos de território e de recursos naturais, precisa ser compensada por uma extraordinária capacidade de defesa e uma doutrina de segurança nacional. Israel não pode aceitar guerras defensivas, travadas em seu próprio território, pequeno demais. O país não teria sobrevivido caso não fosse capaz de se antecipar a ameaças. Daí tantas controvérsias sobre suas relações com vizinhos hostis. Temos dificuldades para entender isso, pois a situação geopolítica do Brasil é completamente diferente. Desconhecemos a sensação de conviver permanentemente com ameaças iminentes à nossa existência. No século 20, nosso território se expandiu de maneira pacífica e legítima. Graças ao talento e à capacidade de trabalho do Barão do Rio Branco, obtivemos o reconhecimento internacional de nossos direitos sobre 900 mil quilômetros quadrados -45 vezes o tamanho de Israel-, aí incluídas grandes extensões da maior floresta tropical úmida do planeta. Não temos nenhuma disputa de fronteira com nossos vizinhos, nenhum deles nos ameaça. Essa excepcional combinação de história e geografia nos permite assumir uma posição de vanguarda em dois temas cruciais para a humanidade no século 21: a preservação da paz e a proteção ao meio ambiente. Esses temas, somados ao direito universal ao desenvolvimento, deveriam ser os aspectos centrais de nossa política externa. Se quisermos ser reconhecidos como legítimos agentes da paz, precisamos facilitar o diálogo entre as outras nações, especialmente entre aquelas que ainda lutam pela existência em regiões turbulentas. Além disso, há um movimento na Europa de boicote aos produtos de Israel vindos dos assentamentos. Se isso se espalhar pelo mundo, 500 mil israelenses que vivem na Cisjordânia não terão como sobreviver. São fazendas comunitárias, vilarejos de fronteira e inclusive cidades como Ariel, com cerca de 45 mil habitantes. Trazer essas pessoas de volta a um país com 20 mil quilômetros quadrados é impossível. Onde iriam morar? Como conseguir emprego para tanta gente? A resolução da ONU, da qual o Brasil é entusiasta signatário, que determina o fim dos assentamentos só pode ser levada a sério em condições de paz estável, o que não ocorre nesse momento. Recusar o embaixador pode ser entendido como uma mensagem de que o Brasil apoia o boicote. Deixar Israel sem embaixador no Brasil não ajuda ninguém. MARCELO CRIVELLA é senador pelo PRB-RJ. Foi ministro da Pesca e Aquicultura (governo Dilma) CARLOS SIQUEIRA é presidente nacional do PSB MARCOS PEREIRA é presidente nacional do PRB * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-05-01
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/01/1725857-recusar-embaixador-de-israel-nao-e-solucao.shtml
Por que não se consegue cortar gastos
Em 17 de fevereiro, a Folha publicou o artigo "A qualidade do ajuste fiscal", onde comentei as medidas que o governo central acabara de tomar para tentar reequilibrar as contas públicas. Comentei as dificuldades de cortar gastos impostas pela rigidez orçamentária no país, que resultam na necessidade de aumentar impostos, e, portanto, de um ajuste fiscal recessivo. E propus a adoção do orçamento base-zero. A proposta foi reforçada recentemente pelo PMDB, que anunciou que irá incorporá-la como diretriz do partido. O atual processo orçamentário brasileiro é incremental. Nesse sistema as propostas para exercícios futuros tomam como base os projetos e programas em execução no exercício em curso. Adota-se como premissa que gastos e ações em andamento são justificáveis pelo simples fato de já existirem, cabendo aos que elaboram, aprovam e executam os orçamentos públicos interferirem apenas em decisões marginais de acréscimos ou reduções. Os orçamentos tornam-se rígidos, inflexíveis e com inúmeras vinculações obrigatórias. Atualmente, programas, ações e atividades, uma vez incluídos no orçamento público, dificilmente são avaliados periodicamente para justificar sua continuidade. Tornam-se permanentes, e frequentemente transformam-se em programas e instituições sem aderência às necessidades reais da sociedade. Sobrevivem por continuísmo, e por vezes sem objetivos a serem atingidos, porém sempre consumidores de escassos recursos públicos. Orçamentos de base-zero invertem a lógica orçamentária atual. Têm a grande qualidade de partirem a cada ano de uma página orçamentária em branco, e assim, de quebrarem a rigidez que ocorre hoje. A manutenção de programas e atividades preexistentes, sua exclusão ou alteração, bem como a criação de novas ações e gastos, exigem criteriosas avaliações anuais. Assim, no orçamento base-zero, cada projeto deve passar por rígida avaliação custo-benefício antes de ser incluído na peça orçamentária para o ano seguinte. Se os gestores públicos analisassem criteriosamente os orçamentos, nos três níveis de governo, certamente chegariam à conclusão de que há incontáveis dispêndios, programas e ações injustificáveis que se perpetuam por inércia sem que sejam questionados em termos de eficácia e eficiência. Se fossem avaliados a fundo, segundo critérios de análise social de projetos, muitos seriam eliminados ou redimensionados, e suas dotações canalizadas para promover o equilíbrio fiscal, custear outras despesas ou reduzir a dívida pública. Sob a ótica do orçamento base-zero, programas como os do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), cujo orçamento para 2016 supera R$ 75 bilhões, jamais seriam continuados sem avaliações da eficácia. Benefícios fiscais (gastos tributários) de R$ 35 bilhões como os concedidos este ano para as empresas localizadas em áreas classificadas como de desenvolvimento regional teriam que comprovadamente ser testados para justificar se deveriam ser mantidos ou alterados. Recursos demandados em áreas como a da saúde pública não teriam que ser buscados em incrementos de arrecadação tributária, como ocorre hoje, se todos os programas de governo fossem periodicamente avaliados e hierarquizados do ponto de vista do interesse social. O orçamento base-zero é uma inovação que imporia a racionalidade que falta na gestão das contas públicas no Brasil. E adotá-lo seria importante complemento à Lei de Responsabilidade Fiscal, tornaria a política fiscal flexível e eficaz. MARCOS CINTRA é doutor em Economia pela Universidade Harvard e professor titular de Economia na FGV - Fundação Getulio Vargas. Foi deputado federal (1999-2003) e autor do projeto do Imposto Único * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-04-01
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/01/1724236-por-que-nao-se-consegue-cortar-gastos.shtml
Blecaute na ciência brasileira
Desde tempos imemoriais a luz foi o principal instrumento que permitiu ao homem perscrutar a natureza e dominá-la em uma certa medida. O homem pode usar o tato, o olfato, a audição como instrumentos importantes para sua sobrevivência, mas sem a visão não seria capaz de subsistir. Não é, pois, por acaso que o progresso da Ciência e da tecnologia, dependem primordial de novas fontes de luz. No começo bastava a luz solar. Depois, lâmpadas convencionais iluminavam microscópios. O homem continuava em busca de fontes de luz mais potentes. O cientista chama de luz toda forma de radiação eletromagnética: ultravioleta, raios-X, gama, infravermelho, micro-ondas, etc. pois elas têm a mesma natureza que a luz visível. Assim nasceu o "laser" previsto por Einstein. Durante algum tempo, décadas de 60 e 70, permitiu o laser, em suas múltiplas modalidades, um progresso explosivo da ciência em geral. Mas cientistas são ambiciosos, insaciáveis. Durante a década de 70 perceberam que um antigo instrumento construído com a finalidade de acelerar elétrons, denominado síncrotron, também emitia luz. A primeira geração desse dispositivo com a finalidade precípua de emitir luz foi uma adaptação precária da tecnologia usada para estudar propriedades de elétrons e outras partículas elementares. O Brasil só ousou entrar neste campo da tecnologia avançada na década de 1980. Projetou e construiu um síncrotron de segunda geração enfrentando o ceticismo da comunidade científica. A despeito dessa descrença, o resultado foi imensamente recompensador. Vários diretores de síncrotrons europeus e americanos confessam não entender como foi possível, com tão poucos recursos financeiros –entre um terço e metade do que fora aplicado em instrumentos congêneres–, projetar e construir um equipamento competitivo. Hoje, embora ainda extremamente útil, o síncrotron brasileiro está deixando de ser competitivo com novos equipamentos de terceira geração –continuando a ser, contudo, o único síncrotron construído no hemisfério Sul. A mesma equipe que projetou e construiu o primeiro síncrotron brasileiro apresentou um projeto pioneiro para um novo, de quarta geração, que colocará o Brasil na fronteira da ciência. O projeto foi aprovado pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação em 2014 e colocado no plano plurianual, com verba alocada de R$ 1,3 bilhão, distribuída de 2015 a 2018. Considerado internacionalmente um dos três mais importantes projetos da ciência mundial da década está ameaçado de fracasso, devido a cortes indiscriminados e principalmente pela retenção de recursos já comprometidos. Apenas 20% da verba de 2015 foi liberada. E com ele irão também os quatro laboratórios que constituem o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), para onde apenas 30% do montante de 2015 foram pagos, além da desmoralização da fórmula organização social, que é a esperança do pesquisador brasileiro consciente. Corre-se o risco de ter de dispensar os 550 pesquisadores e técnicos e os 300 bolsistas que lá trabalham, e de não mais atender os 2.000 usuários de outras instituições que anualmente desenvolvem seus projetos nos laboratórios abertos do CNPEM, além de mais de 30 projetos que serão interrompidos. Este será um crime tão sério quanto os desvendados pela Lava-jato, pois compromete o futuro do país. ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, 84, físico, é professor emérito da Unicamp e membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e do Conselho Editorial da Folha * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-04-01
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/01/1724238-blecaute-na-ciencia-brasileira.shtml
Crescimento é essencial
A recessão já se tornou formal com o crescimento negativo do PIB nos dois primeiros trimestres, chegando aos 2,6% nos últimos 12 meses. A estabilização e o início da recuperação só a partir de 2017, se tudo correr como previsto. Um cenário que trava o crescimento do país, principalmente pela desindustrialização que nos afeta há décadas. Desde 95 a Protec alerta para a necessidade do fomento à inovação tecnológica na indústria. Mas, os órgãos públicos não criaram estímulos às empresas, compartilhando os investimentos na inovação de seus produtos e processos de fabricação. Maltrataram a indústria com o câmbio absurdamente apreciado. Assim, nesses 20 anos o nosso PIB cresceu apenas 80%, bem abaixo de países como China, Coreia e Índia. A Índia, país com desigualdades, miséria e analfabetismo, cresceu 7,1% em 2014, mais até que a China. E já se espera 7,5% para 2015 e anos seguintes, pois essa foi a promessa do novo líder Narenda Modi. Com a recessão e a depreciação cambial, somos neste ano a 10ª economia (US$ 1,7 trilhão ou menos) enquanto a Índia ocupa o 7º lugar (US$ 2,2 trilhões), invertendo as posições. Porém, em dezembro de 1995, a Índia promulgou a lei nº 44/1995 e implementou o Conselho de Desenvolvimento Tecnológico para aplicar todos os tipos de estímulos aos que investissem em inovação tecnológica. Desde então, as patentes indianas no USPTO (sigla em inglês do escritório de patentes americano) cresceram 80 vezes e as brasileiras só cinco. O PIB da Índia cresceu 283%, no período. A "crise mundial" só existe para nós, pois até Grécia e Espanha cresceram neste segundo trimestre. Vale lembrar também que diversas entidades industriais se reuniram e criaram a Protec e, inspirados na lei indiana, foram propostos, pela primeira vez, incentivos fiscais (renúncia do Imposto de Renda e da CSLL) para as empresas de lucro real (grandes empresas) que investissem em inovações tecnológicas. Essa lei, nº 10.637, foi sancionada em 2002, criando incentivos para inovações e patentes nos artigos 39, 40, 42 e 43. Com esforço do setor produtivo, esses artigos foram incorporados (com incentivos 60% menores, em média) na Lei do Bem (nº 11.196/2005). Faltou o estímulo às empresas médias e pequenas que foram incorporados à Lei da Inovação (nº 10.973/2004) na forma de subvenção econômica, sendo aplicados em 2006. Como na Índia, o incentivo acelerou as patentes no USPTO: de 2009 a 2014 cresceram 3,2 vezes, ritmo próximo do indiano (4,2) e do chinês (4,0). Infelizmente, a subvenção econômica, que fora aplicada ainda que em pequena escala até 2010, foi praticamente suspensa nos anos seguintes. Uma fonte de desânimo frente a concorrência dos produtos chineses, com sua baixa tributação, custo de mão de obra e quase nenhuma burocracia. É inaceitável um país com 200 milhões de habitantes não ter uma política de crescimento do conhecimento. Algo que defina uma ação prioritária e metas que acelerem o PIB para atender às necessidades dos jovens que se agregam ao mercado de trabalho. É essencial que tenhamos uma política ousada de fomento à inovação tecnológica aplicando com coragem as leis existentes. ROBERTO NICOLSKY, físico, assessor de relações institucionais da Uezo (Fundação Centro Universitário Estadual da Zona Oeste), diretor-presidente da Protec (Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-04-01
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/01/1724045-crescimento-e-essencial.shtml
O sol que nos protege
O futuro da energia pode ser mais sustentável do que se pensa. Ao se unir uma fonte que temos de sobra no Brasil - o sol, ao metal que é infinitamente reciclável - o alumínio, pode-se produzir painéis fotovoltaicos para gerar energia ecologicamente correta, elevando o Brasil a uma potência nesse quesito, avant-garde de seu tempo. Isso por que o país contribuiria e muito para a meta de redução de emissão de gases ao meio ambiente, amplamente discutida na última Conferência do Clima, em Paris. Ao utilizar o alumínio nacional na produção de módulos fotovoltaicos, essa indústria tem como matéria-prima um metal com elevados índices de reciclagem e com uma pegada de carbono menor que os itens importados. Para alavancar esse mercado, foram realizados alguns leilões durante este ano e no ano passado, que somaram 30 projetos contratados com capacidade para injetar 833,8 Mw de energia solar fotovoltaica no sistema e contam com potência instalada de 1.043 Mwpico. A garantia física dessas usinas está definida em 232,9 Mw médios e o investimento previsto pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) para a construção dos parques solares deve somar R$ 4,341 bilhões. Diante do potencial de crescimento desse setor, a Associação Brasileira do Alumínio (ABAL) prevê uma utilização adicional de 53 mil toneladas de alumínio nos próximos três anos, apenas para atender aos projetos contratados nos leilões de Energia Reservada (LER), exclusivos para a venda de energia solar fotovoltaica, realizados em outubro de 2014 e, mais recentemente, em agosto de 2015. Ainda em agosto, o governo federal anunciou investimentos no Programa de Investimento em Energia Elétrica (PIEE) da ordem de R$ 186 bilhões. O objetivo seria fornecer mais energia aos brasileiros a preços competitivos com o mercado internacional, mantendo a matriz elétrica brasileira com predominância de fontes limpas e renováveis. De acordo com o programa, pretende-se aprofundar o caminho da diversificação energética, com a ampliação do uso da biomassa, da energia eólica e da energia solar fotovoltaica. Vale dizer que em países como Alemanha, Espanha e Portugal praticamente todos os módulos solares levam, majoritariamente, o alumínio em sua construção. De olho nesse potencial, empresas canadenses, norte-americanas e chinesas acabam de anunciar suas intenções de abrirem fábricas de painéis solares fotovoltaicos no país. Não faz muito tempo, li a respeito de uma empresa chamada Airlight Energy que desenvolveu, em parceria com a IBM, uma estrutura em formato de girassol para a captação de energia gerada pelo sol, combinando energia fotovoltaica e termal. São 36 painéis solares que recebem o sugestivo nome de Solar Sunflower –todos feitos de alumínio, o que permite uma eficiência de 80% na produção de energia. Este é um exemplo de tecnologia e pesquisas que têm sido realizadas acerca desse tipo de energia e que o Brasil, tão rico desse precioso astro, poderia encampar. Estamos na torcida por uma política que estimule o desenvolvimento da indústria solar no Brasil, mas ainda há grandes desafios. De acordo com a International Aluminum Association, a energia solar irá fazer crescer a demanda mundial de alumínio. Esse é uma tendência já nos países desenvolvidos. Por enquanto, o mercado brasileiro importa muito mais do que produz módulos. Para os próximos projetos, a intenção é que se invista na nacionalização dos componentes. Vamos esperar! MILTON REGO, economista, engenheiro mecânico e presidente executivo da Associação Brasileira do Alumínio (ABAL) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-02-01
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/01/1724035-o-sol-que-nos-protege.shtml
Argentina, nova direção
Passado pouco mais de um mês de sua eleição, o novo presidente da Argentina, Mauricio Macri, já delineia com clareza a política econômica de seu governo. Macri optou por verdadeira terapia de choque no início de seu mandato, com vistas a desmontar o intervencionismo que marcou o período do casal Kirchner no poder. Ao mesmo tempo, o presidente busca promover um entendimento com sindicatos e empresários, no intuito de minorar os impactos sobre a população e, assim, manter apoio para reformas de fôlego. Entre as principais medidas está a eliminação do imposto sobre a exportação de produtos agrícolas e industriais, com exceção da soja. A mudança deve incentivar a venda de estoques, reforçando as reservas internacionais. Outra ação importante é a redução dos controles sobre a compra de dólares, como a necessidade de licença prévia das autoridades. Espera-se destravar o comércio e regularizar pagamentos em atraso, inclusive com empresas brasileiras. A liberalização do mercado de câmbio provocou desvalorização imediata de 30% do peso, mas a derrocada da moeda foi menor do que se temia, sinal de incipiente confiança dos investidores. O desafio principal, porém, está no campo do Orçamento, no que o desastre argentino difere pouco do que se passa no Brasil. O deficit público beira os 7% do PIB, em grande parte por causa de subsídios, sobretudo no setor de energia. No curto prazo, tais medidas devem gerar mais inflação, que já caminha a 25% ao ano. Evitar uma espiral inflacionária será a prova de fogo da nova política econômica. Para o Brasil, a chegada de Macri representa uma lufada de ar fresco. Superar o desgaste dos últimos anos e dinamizar o comércio será importante para a indústria. A Argentina, afinal, ainda é o segundo maior comprador de manufaturados brasileiros (17% do total). Em visita ao Brasil em dezembro, o presidente argentino anunciou a intenção de destravar as amarras ideológicas que paralisam o Mercosul e expressou o desejo de concluir as negociações que já duram 15 anos com a União Europeia. Eis uma janela para o Brasil adotar a mesma agenda de abertura. A arquitetura dos acordos comerciais mudou, com a perda de influência do multilateralismo da OMC (Organização Mundial do Comércio) e a proliferação de pactos regionais. Quanto ao Mercosul, é preciso que o bloco proporcione efetiva ampliação do comércio da região com o restante do mundo, deixando de ser mero espaço protecionista. Ao mesmo tempo, sem abrir mão do bloco, o Brasil deve ter suficiente autonomia para conduzir sua abertura no ritmo e na profundidade adequada. Nesse sentido, o status atual do Mercosul –uma união aduaneira, que implica adoção de tarifa comum nas transações com países de fora do grupo– deve ser revisto. editoriais@uol.com.br
2016-02-01
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/01/1725078-argentina-nova-direcao.shtml
Governo deve fixar idade mínima obrigatória para aposentadoria? Não
CHEGA DE PAGAR A CONTA O Brasil é um caso raro de país que busca o seu desenvolvimento por meio do sofrimento de trabalhadores e aposentados. Pelo menos, parece ser esse o roteiro de todo governo, seja ele conservador, desenvolvimentista, liberal ou trabalhista, como é o atual. Posso garantir desde já que nós, da UGT (União Geral dos Trabalhadores), somos contra qualquer proposta que penalize trabalhadores ao adotar regras para a aposentadoria, seja por idade mínima (como quer o governo em 2016), pelo famigerado fator previdenciário (de 1999), ou pela fórmula 85/95 (em estudo). Cada vez que se fala de ajuste fiscal ou reforma previdenciária, os trabalhadores tremem, pois sabem que vai sobrar para eles. Adivinhem qual foi uma das primeiras medidas anunciadas pelo novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, tão logo assumiu o cargo? Reforma na Previdência, com o estabelecimento de uma idade mínima para todos os trabalhadores se aposentarem. É uma forma de penalizar, mais uma vez, aqueles que contribuíram com o desenvolvimento do nosso país e deveriam ter agora o merecido descanso para cuidar de suas vidas e famílias. Idade mínima, meus amigos, é um castigo para trabalhadores que entraram no mercado aos 12, 14 ou 16 anos. Quando chegam aos 50 anos, com o limite de tempo de contribuição já atingido (30 anos para mulheres e 35 para homens), eles têm de esquecer os sonhos de uma aposentadoria digna e retornar para seus postos de trabalho. A bem da verdade, entre 12 e 16 anos, os jovens deveriam estar na escola, como prega a Constituição de 1988, para termos uma população mais capacitada para os desafios do mercado de trabalho. Certas ou não, as políticas de Estado que se sucederam ao longo dos anos tentaram ter esse norte, mas nem sempre os planos deram certo. Por outro lado, as famílias precisam que os jovens entrem rápido no mercado de trabalho, para ajudar na sobrevivência de todos. Vale lembrar que o ajuste fiscal feito até agora pelo governo já penalizou os trabalhadores com uma série de restrições. O seguro-desemprego, por exemplo, só pode agora ser retirado pela primeira vez após 12 meses de trabalho ininterruptos, e não mais 6. O golpe principal em quem se aposenta veio em 1999, com a criação do fator previdenciário por Solange Paiva Vieira, economista que bolou, no governo de Fernando Henrique Cardoso, uma "formulinha" que terminou por atacar o bolso dos aposentados em até 40%. Só para lembrar: na época, FHC chamou de "vagabundos" os que se aposentam com menos de 50 anos. No entanto, em seu governo, o ministro da Previdência e Assistência Social entre 1995 e 1998, Reinhold Stephanes, por exemplo, se aposentou aos 47 anos. Caso o brasileiro possa se aposentar pela fórmula 85/95, escapará do fator previdenciário, mas terá que trabalhar mais tempo para conseguir o benefício. Podemos concluir, portanto, que as três propostas –por idade, fator previdenciário ou 85/95– retiram direitos dos trabalhadores. A melhor solução ainda é a aposentadoria por tempo de serviço. Não há dinheiro para isso? Sabemos que ainda não. Então a melhor solução é chamar os trabalhadores para discutir o que pode ser feito dentro das restrições orçamentárias. O que não queremos é receber pacotes prontos e pagar a conta. O nosso país precisa se organizar para proteger sua maior riqueza: seus trabalhadores e aposentados. RICARDO PATAH, 62, é presidente nacional da UGT - União Geral dos Trabalhadores * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-02-01
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/01/1724172-governo-deve-fixar-idade-minima-obrigatoria-para-aposentadoria-nao.shtml
O controle da dívida
O setor público chega ao fim de 2015 com deficit primário (excluídos gastos com juros) próximo a 1% do PIB, uma diferença de mais de R$ 100 bilhões em relação à economia que o governo Dilma Rousseff (PT) prometera no início do ano. União, Estados e municípios têm dificuldades para pagar despesas essenciais, como mostrou de forma trágica o colapso da saúde no Rio. Nesse quadro de terra arrasada da administração pública, soa etérea a polêmica em torno de projeto em tramitação no Senado, com relatoria de José Serra (PSDB-SP), para fixar limites de longo prazo para a dívida governo federal. Desde 2001, Estados e municípios não podem ter dívida superior a duas vezes a receita, mas a regulamentação para a esfera federal nunca avançou. Serra propõe que os limites sejam fixados em relação à dívida bruta do governo federal. Esse critério abarca todas as operações financeiras, inclusive os polêmicos empréstimos ao BNDES e as ofertas de títulos por parte do Banco Central. Pelo projeto, a dívida bruta, hoje em torno de 5,6 vezes a receita, poderia chegar a 7,1 vezes até 2020, caindo a partir de então para 4,4 vezes até 2030. Somente ao final desse prazo o teto constituiria limite à contração de novos empréstimos. Mesmo assim, permaneceriam inúmeras válvulas de escape, entre elas a prerrogativa do presidente da República de propor alteração dos limites e alongamento de prazos em caso de recessão. Opositores argumentam que limites e prazos são draconianos e acentuariam a recessão. Haveria ainda risco de instabilidade, pelo fato de o aumento do teto depender de aprovação do Congresso. É evidente que os limites devem ser realistas, mas não frouxos demais a ponto de serem inócuos. De resto, não se pode ignorar que o colapso econômico atual decorre do nefasto legado do expansionismo inconsequente dos últimos anos. A crítica mais pertinente é a que aponta para a inconsistência entre um limite para a dívida e a ausência de regras para impedir o crescimento das despesas. Nenhum teto será crível se não forem atacadas as causas do aumento de gastos. Entre elas está o descontrole da Previdência, o excesso de vinculações das receitas (com contribuição de Serra na sua passagem pelo Ministério da Saúde) e os inflados custos da máquina pública. É preciso atuar em todas essas frentes. editoriais@uol.com.br
2016-02-01
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/01/1725079-o-controle-da-divida.shtml
Um feliz 2016 para o povo brasileiro
O ano de 2015 chegou ao final e a virada do calendário nos faz reavaliar expectativas e planejar novas etapas e desafios. Assim, como sempre, nos traz a necessidade de refletir sobre erros e acertos de nossas decisões e atitudes. Este 2015 foi um ano muito duro. Revendo minhas responsabilidades nesse ambiente de dificuldades, vejo que nossos erros e acertos devem ser tratados com humildade e perspectiva histórica. Foi um ano no qual a necessária revisão da estratégia econômica do país coincidiu com fatores internacionais que reduziram nossa atividade produtiva: queda vertiginosa do valor de nossos principais produtos de exportação, desaceleração de economias estratégicas para o Brasil e a adaptação a um novo patamar cambial, com suas evidentes pressões inflacionárias. Tivemos também a instabilidade política que se aprofundou por uma conduta muitas vezes imatura de setores da oposição que não aceitaram o resultado das urnas e tentaram legitimar sua atitude pelas dificuldades enfrentadas pelo país. Mais do que fazer um balanço do que se passou, quero falar aqui da minha confiança no nosso futuro e reafirmar minha crença no Brasil e na força do povo brasileiro. Estou convicta da nossa capacidade de chegarmos ao fim de 2016 melhores do que indicam as previsões atuais. A principal característica das crises econômicas do Brasil, desde os anos 1950, é uma combinação entre crise externa e crise fiscal. As economias emergentes sempre foram pressionadas pela combinação de deficit e dívida externa, com desarranjos fiscais do Estado. A realidade brasileira hoje é outra. A solidez da nossa economia é a base da retomada do crescimento. Temos uma posição sólida nas reservas internacionais, que se encontram em torno de US$ 368 bilhões, a sexta maior do mundo. O deficit em transações correntes terá recuado no final do ano de cerca de 4,3% para 3,5% do PIB, comparativamente a 2014. O investimento direto estrangeiro na casa de US$ 66 bilhões demonstra a confiança dos investidores no nosso país. Em 2016, com o apoio do Congresso, persistiremos pelos necessários ajustes orçamentários, vitais para o equilíbrio fiscal. Em diálogo com os trabalhadores e empresários, construiremos uma proposta de reforma previdenciária, medida essencial para a sobrevivência estrutural desse sistema que protege dezenas de milhões de trabalhadores. É claro que os direitos adquiridos serão preservados, e devem ser respeitadas as expectativas de quem está no mercado de trabalho, mas de forma efetivamente sustentável. Convocarei o Conselho de Desenvolvimento Social, formado por trabalhadores, empresários e ministros, para discutir propostas de reformas para o nosso sistema produtivo, especialmente no aspecto tributário, a fim de construirmos um Brasil mais eficiente e competitivo no mercado internacional. Não basta apenas a modernização do nosso parque industrial, é fundamental continuarmos investindo em educação, formação tecnológica e científica. Precisamos também respeitar e dialogar com os anseios populares, desenvolvendo uma estrutura de poder mais próxima da sociedade, instituições fortes no combate à corrupção, oferta de serviços públicos de qualidade e ampliação dos instrumentos de participação e controle da sociedade civil. As diferentes operações anticorrupção tornaram as instituições públicas mais robustas e protegidas. Devem continuar assegurando o amplo direito de defesa e punindo os responsáveis, sem destruir empregos e empresas. Reafirmo minha determinação pela reforma administrativa que iniciei. Quero um governo que gaste bem os recursos públicos, que seja racional nos processos de trabalho e eficiente no atendimento às demandas da sociedade. O governo está fazendo sua parte. Executamos um duro plano de contenção de gastos, economizando mais de R$ 108 bilhões em 2015 -o maior contingenciamento já realizado no país. Para 2016, firmamos o compromisso de produzir um superavit primário de 0,5% do PIB. Fizemos e faremos esse esforço sem transferir a conta para os que mais precisam. Sei que as famílias brasileiras se preocupam com a inflação. Enfrentá-la é nossa prioridade. Ela cairá em 2016, como demonstram as expectativas dos próprios agentes econômicos. O governo manteve, no ano de 2015, os investimentos que realizamos para melhorar a vida dos brasileiros. Por exemplo, foram cerca de 389 mil moradias entregues e mais de 402 mil contratadas no Minha Casa, Minha Vida. Quase 14 milhões de famílias receberam o Bolsa Família. Oferecemos 906 mil novas vagas em universidades públicas e privadas e 1,3 milhão no Pronatec. Entregamos 808 km de rodovias, tanto por meio de obras públicas como pelas concessões privadas. Autorizamos dez terminais portuários privados, concedemos e modernizamos aeroportos. Ampliamos a oferta de energia em 5.070 MW. É hora de viabilizar o crescimento. O plano de concessões em infraestrutura já é uma realidade. Os leilões de portos, aeroportos, rodovias e ferrovias vão impulsionar a nossa economia e contribuirão para a geração de empregos. Não vamos parar por aí. É importante ressaltar que em 2015 as instituições da nossa democracia foram exigidas como nunca e responderam às suas responsabilidades, preservando a estabilidade institucional do Brasil. Todos esses sinais me dão a certeza de que teremos um 2016 melhor. Mesmo injustamente questionada pela tentativa de impeachment, não alimento mágoas nem rancores. O governo fará de 2016 um ano de diálogo com todos os que desejam construir uma realidade melhor. O Brasil é maior do que os interesses individuais e de grupos. Por isso, quero me empenhar para o que é essencial: um Brasil forte para todo o povo brasileiro. DILMA ROUSSEFF, 68, é presidente da República
2016-01-01
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/01/1724926-um-feliz-2016-para-o-povo-brasileiro.shtml
O ano do clima
Este 2015 termina como o ano mais quente já registrado. Supera, assim, o de 2014, que detinha a marca anterior. E 2016, a confirmar-se a previsão do Met Office (agência meteorológica britânica), ultrapassará ambos. Tais registros se referem à temperatura média da atmosfera terrestre. No caso de 2015, ela esteve cerca de 1°C acima dos níveis anteriores ao século 19, quando se acelerou o uso de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás) e a consequente emissão de gases do efeito estufa, como o CO2. A temperatura das massas de ar sofre grande influência da que se observa nos oceanos. Esta também se encontra em níveis inéditos. A principal anomalia se localiza no Pacífico, onde uma imensa bacia de águas anormalmente aquecidas se acumulou a oeste da América do Sul, no fenômeno batizado de El Niño. O nome, que significa "o menino (Jesus)", faz referência ao Natal, época em que ele se torna evidente, como agora. Os anos de ocorrência observam intervalos muito irregulares -desde a década de 1960, houve nove deles. Seus efeitos são bastante conhecidos: no caso do Brasil, chuvas intensas no Sul e secas pronunciadas no Nordeste e na Amazônia. O presente El Niño, um dos mais fortes já medidos, é em grande parte o responsável pela proeminência de 2015 entre os anos escaldantes. Mas não se viu aquecimento extraordinário do Pacífico em 2014, e ainda assim sua temperatura média excedeu as anteriores. Em realidade, evidencia-se que El Niños ocorrem agora contra o pano de fundo de um planeta já aquecido pela concentração crescente de gases do efeito estufa. O Met Office baseia sua predição de novo recorde precisamente na certeza de que a edição atual do fenômeno continuará vigoroso em 2016. No futuro, os livros de história apontarão como mais que coincidência o fato de que, em dezembro de 2015, as 195 nações que integram a Convenção da ONU sobre Mudança do Clima tenham chegado a um novo pacto. Foram necessários 18 anos de negociações, após o Protocolo de Kyoto, para que se adotasse o Acordo de Paris. O documento consagra metas voluntárias de redução de emissões, pela primeira vez para todos os países. No entanto, dá força de lei apenas à obrigação de monitorá-las e reportá-las, não à de cumpri-las. Mesmo elas são insuficientes para manter-se no limite de segurança que o acordo preconiza, máximo de 2°C de aquecimento sobre as temperaturas pré-industriais -de preferência 1,5°C. A prolongar-se essa sucessão anômala de anos quentes, parece provável que as nações envolvidas voltem à mesa de negociação com renovada disposição para alcançar compromissos mais fortes. Por outro lado, fica evidente que a janela para prevenir o pior do aquecimento global se estreita a cada ano que passa. editoriais@grupofolha.com.br
2015-12-31
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1724619-o-ano-do-clima.shtml
Isenção dos dividendos é erro grosseiro
O Brasil tributava os dividendos com uma alíquota de 15% até 1995. Desde então, passaram a ser isentos do Imposto de Renda e as alíquotas da tabela do IR foram reduzidas. Os melhores trabalhos de política tributária do mundo nem falam em isentar os dividendos. O Reino Unido, a França, os nórdicos, a Austrália e outros países nem discutem isentar os dividendos. Procura-se a melhor forma de tributá-los, ainda que signifique aplicar uma alíquota baixa ou dar um crédito correspondente ao imposto pago na pessoa jurídica. A isenção dos dividendos gera muitos efeitos graves. Primeiro fraudes, pois empregados são feitos sócios apenas no papel e grupos de empregados criam empresas para reduzir os gastos trabalhistas dos seus empregadores e receberem a remuneração em dividendos. Em segundo lugar os planejamentos que beiram a simulação, pois os sócios que trabalham nas empresas passam a ter salários menores e fazer retiradas maiores em dividendos. Gera também distorções nos investimentos, que deveriam ter um tratamento tributário similar e cobra-se menos imposto de quem tem mais renda, pois, em regra, os sócios de empresas são pessoas abastadas e as famílias abastadas do país quase sempre são grandes acionistas de empresas. Por último, aumenta-se outros tributos, pois a perda de arrecadação termina exigindo recuperação das receitas. A isenção dos dividendos, com outras medidas que reduziram a arrecadação federal, geraram os nocivos PIS (2002) e Cofins (2003) não-cumulativos, que contribuem para a vergonhosa carga tributária da indústria e do comércio do Brasil, e geram altos gastos administrativos para fisco e cidadão. Frente a tantos efeitos negativos, qual a genial sacada brasileira para se isentar os dividendos? Não se sabe. Alega-se fomento aos investimentos. Analisemos, então, se, na literatura e na prática estrangeiras, isentar dividendos gera investimentos e crescimento, e, mais importante, chequemos se o Brasil obteve benefícios que superassem os custos apontados. Estudos que utilizaram como base a diminuição da tributação dos dividendos em 2003 nos Estados Unidos demonstram que houve pouca influência nos investimentos, pois um dos seus efeitos foi elevar o preço das ações, o que reduziu parte do ganho dos acionistas. Além disso, muitas empresas investem em seus projetos por meio dos lucros retidos. Com mais distribuição, há menos retenção na empresa, e a sobra de renda dos sócios pode ser simplesmente usada por eles no consumo, e não reinvestida. Não se tem conhecimento de qualquer estudo profundo como esses realizados no exterior para entender quais foram os efeitos da isenção dos dividendos no Brasil. As fraudes e os planejamentos são observados no dia a dia. Estudos demonstram a queda da progressividade da tributação. Há provas de que a isenção dos dividendos é ruim e há teorias e práticas estrangeiras que endossam o argumento. Apenas não se conhece uma prova sequer de que isentar os dividendos foi bom para o Brasil. Analisemos brevemente as alterações no PIB e na taxa de investimento do país. O PIB cresceu 4,3% em 1995. Com as medidas tributárias que começaram a valer em 1996, o crescimento do PIB caiu para 2,2%. Houve uma melhoria em 1997, quando o aumento foi de 3,4%, e depois quase não houve crescimento em 1998 (0,4%) e em 1999 (0,5%). Segundo o IBGE, a taxa de investimento no país era de 20,5% em 1995. Ela passou a ser 18,6% em 1996, 19,1% em 1997, 18,5% em 1998 e 17% em 1999. Essas séries históricas sugerem que as péssimas desonerações tributárias vigentes a partir de 1996 geraram pouca ou nenhuma melhoria de crescimento no PIB ou na taxa de investimento. Pelo contrário, houve oscilação em 1996 e 1997, seguida de dois anos terríveis para o país. O Brasil precisa estudar mais a teoria e a prática dos países desenvolvidos. Tem-se tomado medidas tributárias grosseiras, talvez mais pautadas em interesses políticos e privados do que em sólidos fundamentos socioeconômicos. O país precisa tributar os dividendos, elevar muito a progressividade do IRPF e, em contrapartida, fazer uma grande reforma da tributação do consumo, pois essa sim irá elevar o PIB e a taxa de investimento, conforme também indicam a literatura e a prática estrangeiras. MARCOS DE AGUIAR VILLAS-BÔAS, professor universitário, Doutor pela PUC-SP, é conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda e pesquisador independente na Harvard Law School e no Massachusetts Institute of Technology * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-31
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1724033-isencao-dos-dividendos-e-erro-grosseiro.shtml
Jovem, moro na periferia e quero estudar
Tenho 21 anos. Nasci e cresci no Grajaú, na zona sul da capital, considerado um dos piores lugares para se viver em São Paulo. Sempre vi as histórias do meu bairro, amigos e lugares que frequento sendo contadas de maneira preconceituosa, cheia de estereótipos. Isso foi despertando em mim a vontade de contar o que acontece de verdade nas periferias. Nessa época, o jornalismo não era ainda uma realidade. Como a maioria dos jovens desta cidade, minha educação fundamental foi toda na rede pública. Comecei em uma escola no Jardim Campinas, no Grajaú. Estudei em quatro escolas no total. Na terceira, fiquei até arrumar meu primeiro emprego, de office-boy. Com o trabalho, fui obrigado a morar com a minha avó, e me transferi novamente de escola, para uma mais próxima. Eu levava uma hora da empresa para escola, e mais uma hora da escola para casa. Esse primeiro ano foi difícil. Acabei sendo reprovado e tive de repetir o segundo ano do ensino médio. Além de chegar cansado na escola à noite, nada me motivava ali. Mesmo chegando ao fim do ensino médio, nas escolas da periferia ninguém nos fala sobre a importância de ingressarmos em uma universidade. E eu queria ser jornalista. Tudo na escola era burocrático. Eles proibiam a entrada de alunos que não conseguiam chegar no início da primeira aula. Via e ouvia professores sem entusiasmo de nos formar, apesar de não faltar energia para eles participarem das partidas de truco com os alunos. Quando terminei o ensino médio, fiquei um ano sem estudar. Depois decidi ir atrás do meu sonho de ser jornalista. Entrei no site do MEC e fui olhando as faculdades com curso nota 5 que eu poderia pagar. Achei a FAPSP (Faculdade do Povo), que tinha nota 4. Quando entrei na faculdade, em 2014, tive de reorganizar minha vida. Enquanto procurava um emprego mais perto dali, comecei a atrasar as mensalidades. Só quando comecei a estagiar na faculdade, ganhando a bolsa integral e o auxílio de um salário mínimo, minha vida se estabilizou. Na quinta-feira (17/12), cheguei na faculdade para trabalhar e o clima estava tenso. Por volta das 11h, recebemos a notícia de que todos os professores foram demitidos. Às 14h, o diretor-geral, Éber Cocareli, chamou funcionários, estagiários e aprendizes para informar que todos também seriam demitidos e que a faculdade seria fechada, pois, segundo sua mantenedora, que pertence à Igreja Internacional da Graça de Deus, a instituição não se mantinha financeiramente. Dois dias antes, na terça (15/12), eu havia levado minha primeira "cacetada da educação" de um cassetete da polícia, enquanto cobria manifestação de estudantes secundaristas que tinham como pauta o não fechamento de escolas. Mesmo afirmando ser estudante de jornalismo, que escrevia a história para o meu blog, fui atingido na cabeça e levei cinco pontos. Saí do Hospital das Clínicas na madrugada de quarta (16/12). No dia seguinte, na quinta, levei mais duas "cacetadas": o fim do meu estágio e o fechamento do meu curso. Nós, alunos, organizamos reuniões para pedir respostas sobre nossos futuros. Seremos "remanejados", dizem, mas provavelmente eu não terei as mesmas condições, pois só era bolsista integral por estagiar na faculdade. Assim, sem nenhuma perspectiva, e com tudo indicando que o sonho de me formar jornalista será interrompido, espero o início de 2016. KAÍQUE DALAPOLA, 21, é estudante, autor do blog Fala, Kaique (falakaique.com) e correspondente do Grajaú da Agência Mural de Jornalismo das Periferias (agenciamural.com.br) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-31
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1724069-jovem-moro-na-periferia-e-quero-estudar.shtml
Lucro social em tempos de crise
O capitalismo tem sido o sistema mais eficaz na promoção de oportunidades e garantia de um padrão digno de sobrevivência para grandes contingentes populacionais. O fracasso do modelo soviético e a conversão do regime chinês ao que poderíamos chamar, por mais estranho que pareça, de livre mercado controlado pelo Estado, evidenciam a clarividência de Adam Smith, ao escrever "A Riqueza das Nações", em 1776, quanto à vocação indomável do ser humano ao liberalismo, à competição pelo capital e à produção pela iniciativa privada. Foi assim que o capitalismo chegou ao século 21 como o regime econômico eleito pela humanidade, depois da revolução industrial, duas guerras mundiais na disputa exatamente pela riqueza das nações, ascensão e queda do marxismo-leninismo e do maoismo e do desenvolvimento das potências do Ocidente e do Japão. No entanto, como toda criação humana, o sistema tem imperfeições. As duas mais graves são as seguintes: sua incapacidade, na maioria dos países, de eliminar a miséria; e sua suscetibilidade às crises econômicas, como as de 1929 e 2008, de caráter global, e a que estamos enfrentando agora no Brasil. Constata-se, ainda, que os períodos de adversidade e recessão agravam a pobreza e o contingente de excluídos, efeitos colaterais perversos da escalada do desemprego. Fator que tem contribuído para atenuar esses dois problemas do capitalismo e propiciado oportunidades de ascensão socioeconômica a numerosas pessoas e famílias ao longo da história é o trabalho de instituições sem fins lucrativos. Sua atuação é importante nos momentos de prosperidade e decisiva em tempos de recessão. Isso é bastante perceptível se observarmos um exemplo concreto da educação no Brasil: segundo o Fórum Nacional das Instituições Filantrópicas (Fonif), estas são responsáveis por 1,13 milhão de alunos matriculados no Ensino Superior, representando 16,1% de todos os universitários do País. Nesse segmento, elas investem um bilhão de reais por ano e geram 122 mil empregos. No contexto da grave crise econômica brasileira, o papel das organizações sem fins lucrativos é relevante para se evitarem retrocessos em conquistas sociais que demandaram anos para se consolidar. Nesse sentido, mais um exemplo vem da educação, muito afetada pelo pacote fiscal da União, que retirou cerca de 10 bilhões de reais do setor. Para não prejudicar os alunos afetados pelo corte de 70% nas verbas do Fies (Financiamento Estudantil), a Universidade Presbiteriana Mackenzie criou linha própria de crédito, negociando condições favoráveis de financiamento. A instituição mantém, ainda, quatro mil bolsistas diretos, que não dependem da intermediação do ProUni e utilização de dinheiro público. Devido à relevância da missão que desempenham, as organizações sem fins lucrativos precisam ter gestão eficiente, garantindo sua saúde financeira e perenidade. Com isso, podem investir, ampliar e aperfeiçoar de modo contínuo os serviços prestados. Quando agem desse modo, há lucro sim, mas para a sociedade. MAURICIO MELO DE MENESES, graduado em engenharia florestal pela Universidade Federal do Mato Grosso e pós-graduado em Heveicultura pela Universidade Federal do Pará, é presidente do Instituto Presbiteriano Mackenzie, instituição mantenedora da Universidade Presbiteriana Mackenzie * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-30
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1724030-lucro-social-em-tempos-de-crise.shtml
Não é golpe, mas remédio aos abusos
Nunca é tarde para se reafirmar: impeachment não é golpe. É remédio da democracia aos abusos do poder. O que a presidente Dilma Rousseff fez preenche os requisitos da lei para ser enquadrado como crime: é fato típico e antijurídico, e estão presentes o dolo e a finalidade. Típico porque previsto na lei como infração penal (lei n° 1.079, artigo 10, incisos 6 a 9). Antijurídico porque afronta o ordenamento jurídico nacional. O dolo salta aos olhos: foi meticulosamente planejado, com a finalidade de esconder a realidade financeira do país para garantir a reeleição. A presidente cometeu um crime de consequências gravíssimas. Isso não pode ser ignorado, a despeito das tentativas de desqualificar o impeachment. Um dos principais argumentos contrários ao processo de afastamento de Dilma, que tem sido entoado exaustivamente como uma cantilena de mau gosto, é o de que as acusações são infundadas porque "pedalada fiscal" não é crime. Sustentam os que defendem a presidente que as operações envolvendo recursos de bancos públicos são meros "contratos de prestação de serviços" e, portanto, não configuram crime de responsabilidade. Dilma, nesse tipo de raciocínio, não descumpriu a lei ao pegar empréstimos de bancos públicos para manter em dia pagamentos de programas como Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida. Ora, a Lei de Responsabilidade Fiscal condena a prática como crime nos artigos 36 e 37. Quando afirmam que atentar contra leis orçamentárias não é justificativa para destituir a presidente, querem, na realidade, convencer a população de que existem categorias de malfeitos mais ou menos ofensivos à sociedade. Como se agir contra a lei não fosse suficientemente grave a alguém que ocupa o mais alto cargo da nação. Por isso, o governo do Partido dos Trabalhadores partiu para o vale-tudo: busca-se a todo instante convencer os brasileiros de que as leis que regem as finanças públicas foram feitas para serem desrespeitadas. Nada mais falacioso e irresponsável. O que está em jogo é a soberania popular. Ao achincalhar o processo de impeachment, a presidente revela desdém e escárnio. A lei é expressão da vontade popular. Impeachment não é golpe, mas resposta constitucional contra o abuso e a perversão decorrentes do apego ao poder político. Atentar contra a responsabilidade fiscal e as leis orçamentárias é, sim, crime de responsabilidade. É o que dizem a Constituição e a lei nº 1.079. Quando um presidente da República atenta contra o orçamento, sua ação repercute diretamente sobre a vida dos brasileiros: as "pedaladas" trouxeram altas taxas de desemprego, desvalorização da moeda, diminuição do poder aquisitivo, retração da economia, rombo nas contas públicas e rebaixamento do Brasil pelas agências de risco. Esse cenário desalentador exige, agora, tempos de ajustes fiscais: corte de gastos, de investimentos públicos e aumento de tributos. Portanto, quando Dilma comete "pedaladas", age de forma criminosa, com graves consequências. No fim, é o cidadão quem paga a conta. Nos regimes democráticos, o povo é o juiz dos governantes. Nada mais justo, então, do que submeter a presidente ao julgamento pelos representantes do povo no Congresso. O impeachment, além de uma ferramenta constitucional, é, também, instrumento legítimo da consciência popular. Desqualificar o processo é o mesmo que vilipendiar o próprio regime democrático. ALOYSIO NUNES FERREIRA, 70, é senador (PSDB-SP) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-30
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1724023-nao-e-golpe.shtml
Lei e (des)ordem
Enquanto o país assiste, estarrecido, aos desvios de recursos públicos no chamado petrolão, o governo, silenciosamente, permanece conspirando contra o erário. É fato percebido por poucos que o Brasil não peca pela falta de leis, mas ao contrário, pelo excesso delas. Por outro lado, o risco de nos tornarmos uma nação refém de leis de exceção nunca foi tão grande como nos últimos anos. Um dos melhores exemplos dessa prática é a existência do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC). Assumindo sua incompetência administrativa no trato dos recursos públicos, o governo federal, como num passe de mágica, transformou a medida provisória nº 527/11, cuja temática referia-se à organização interna da Presidência da República, na lei nº 12.462/11, que criou o RDC, cujo conteúdo não teve a publicidade necessária, não foi debatido, nem sequer questionado. A lei visava, inicialmente, agilizar as contratações de obras e serviços necessários à viabilização de eventos internacionais assumidos pelo país: a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Seu conteúdo, entretanto, representa a burla oficial aos fundamentos constitucionais que balizam as licitações públicas, violando os princípios de impessoalidade, moralidade e publicidade, além de zombar da legalidade. Usando como bandeira o ufanismo nacional, o RDC foi criado para "libertar" a administração das "amarras da burocracia". Alegou-se que a Lei de Licitações vigente comprometia a agilidade das contratações e estaria inviabilizando as obras necessárias aos eventos previstos para 2014 e 2016. Assim, foi criada uma legislação que, excepcionalmente, relega a segundo plano, quando não simplesmente desconsidera, a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei Orçamentária e a Constituição. A simples existência do RDC representa um atestado de incapacidade de gestão do Poder Público e a ausência de planejamento para realizar grandes eventos. O tempo consolidou a farsa. Os prazos não foram cumpridos; os custos das obras mais que dobraram e não existe qualquer garantia quanto à sua perenidade. Mais ainda, tais obras limitaram-se às "arenas", condenando ao esquecimento projetos de infraestrutura, transporte público e urbanização, esses sim, importantes e de interesse público. Todavia, como agora já é evidente, a verdadeira finalidade do governo ao propor o RDC é substituir a atual Lei de Licitações. Com tal desígnio a sociedade civil não pode compactuar. A possibilidade de o erário ser apropriado por fornecedores que serão convidados sem orçamentos prévios e sem projetos, mediante apenas ao desejo dos governantes da vez, é potencialmente ruinosa. Para além das discussões acerca da corrupção e modos de combatê-la, é vital para o futuro do país que o STF declare, de uma vez por todas, a inconstitucionalidade dessa legislação tão deletéria. Devemos prosseguir nas reformas necessárias à Lei de Licitações, que, não obstante careça de ajustes importantes, ainda é a melhor legislação, tanto para a administração pública como para o mercado e para a sociedade civil. FLÁVIO NIEL é advogado e assessor jurídico da Associação de Pequenas e Médias Empresas de Construção Civil - Apemec * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-29
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1723803-lei-e-desordem.shtml
O brasileiro e a corrupção
Não é o desemprego, nem a violência. O maior problema do país é atualmente a corrupção, segundo 34% das pessoas consultadas em recente pesquisa Datafolha. O segundo lugar ficou com a saúde, mencionada por 16% dos entrevistados. Desde 1996, quando o levantamento começou a ser feito, é a primeira vez que a corrupção aparece no topo da lista de preocupações dos brasileiros. O que isso significa? Pode significar simplesmente que os brasileiros acompanharam até aqui os desdobramentos da Operação Lava Jato e ficaram cansados de tanta corrupção. Existiria entre nós um certo nível de tolerância com os desvios cometidos pelas autoridades públicas, um limite, que foi ultrapassado. A prisão de um senador bem no meio da pesquisa teria sido a gota d'água. É uma interpretação plausível. Mas algo mais profundo parece estar acontecendo. Entre 1996 e 2013, período no qual a corrupção esteve quase sempre na lanterna do ranking, outros escândalos aconteceram, também com a participação de políticos graúdos e ampla exposição na mídia. No mensalão, por exemplo, tivemos de tudo: vídeo com funcionário público embolsando maços de dinheiro, entrevistas bombásticas, julgamentos televisionados e ex-ministros presos. Foram vários anos de ilícitos estampados nos jornais. Por que o enredo do mensalão não foi suficiente para fazer transbordar o inconformismo dos brasileiros com a corrupção? Uma primeira explicação está provavelmente na economia. Entre 2005, ano em que a palavra mensalão começou a povoar as manchetes, e 2013, quando o ex-deputado José Dirceu foi preso pela primeira vez, o PIB brasileiro cresceu a taxas consideráveis. Em 2014 e 2015, anos da Operação Lava Jato, temos recessão. O bem-estar econômico experimentado durante o desenrolar do mensalão pode ter servido de anestésico contra a indignação popular. O atual quadro recessivo, ao contrário, inflama a opinião pública. Uma segunda explicação pode estar em certas diferenças entre o julgamento do mensalão e a execução da Operação Lava Jato. No mensalão, existia uma polarização política maior. Muitas pessoas se perguntavam se os réus estavam, de fato, recebendo um tratamento justo e objetivo do Judiciário. A crítica de que o STF estava fazendo um julgamento político e não estritamente jurídico do caso encontrou eco em alguns círculos nas universidades e na imprensa. Nesse ambiente político-ideológico, as sessões do plenário do STF acabaram se transformando em palco de duros embates. Houve polêmica entre os ministros do tribunal e muitas condenações foram decididas em votações apertadas. A Operação Lava Jato é diferente. Percebe-se uma espécie de monotonia em seus procedimentos. O juiz Sérgio Moro decreta prisões sozinho em seu gabinete. Seus despachos não são televisionados. Os indícios de corrupção são tão fortes e as confissões tão numerosas que não sobra muito espaço para polêmicas partidárias. Busca-se simplesmente a aplicação da lei. Provocado, o STF também deu uma demonstração de firmeza quando decretou, em votação unânime, a prisão de um senador em pleno exercício do mandato, que foi mantida pelo Senado Federal. A mensagem que vem sendo transmitida lentamente pela Operação Lava Jato –e que talvez não tenha ficado tão clara no julgamento do mensalão– é que as instituições estão funcionando, de maneira largamente impessoal, sem grandes sobressaltos. Pessoas estão presas porque cometeram crimes. A corrupção existe, não é mera troca de acusações entre partidos. E, se existe, é um problema que deve ser enxergado e repudiado por todos. Em passagem pouco lembrada do livro "Minha Formação", Joaquim Nabuco escreve que as instituições modificam o caráter de um povo. Ao que tudo indica, ele tinha razão. ANDRÉ DE CASTRO O. P. BRAGA, 31, advogado, mestre em direito e desenvolvimento pela FGV Direito SP e mestre em administração pública pela EBAPE/FGV FELIPE BUCHBINDER, 29, engenheiro, doutor em administração pela EBAPE/FGV, professor da EBAPE/FGV * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-28
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1722161-o-brasileiro-e-a-corrupcao.shtml
Óleo farto
A guerra de preços no mercado de petróleo continua. A Opep, organização que reúne grandes produtores, reafirmou na semana passada sua política, vigente desde meados do ano passado, de não restringir a oferta do óleo no intuito de sustentar o preço. O impacto foi imediato. O barril, que custava US$ 100 em setembro de 2014, foi negociado a US$ 36 na semana passada, o menor patamar em uma década. A Opep busca derrubar o preço para expulsar do mercado competidores que têm utilizado novas tecnologias de custo mais elevado. Entre os alvos principais estão produtores independentes dos EUA, cuja produção ganhou impulso com a extração do óleo de xisto. Trata-se de estratégia bastante arriscada. Com a diminuição de preços, os países da Opep perdem muito no curto prazo –calcula-se retração de US$ 360 bilhões nas receitas de exportação desde meados de 2014. Até a Arábia Saudita precisará lançar mão de suas reservas para sustentar os gastos públicos. No médio prazo viria a recompensa, com maior domínio de mercado e preços crescentes. Por ora, há sinais de que a oferta ainda é excessiva. A produção norte-americana quase não caiu; em breve o petróleo do Irã também entrará em cena, com a redução das sanções comerciais. Estima-se um preço próximo a US$ 40 ao longo de 2016 para que a oferta comece a se alinhar à demanda. Um retorno para o patamar acima de US$ 60 ocorreria somente a partir de 2017, ou mesmo depois –o ritmo desse ajuste depende da restrição na produção decorrente dos cortes de investimentos. Em qualquer hipótese, o cenário será totalmente diferente daquele visto há poucos anos, quando o Brasil tomou a decisão de apostar no pré-sal. A Petrobras diz que o projeto continua viável mesmo com os novos preços e que o custo de extração vem caindo rapidamente. Além disso, a redução global de investimentos barateia toda a cadeia de suprimentos. Pode ser, mas o quadro é obviamente difícil, pois grande parte das dívidas da empresa, hoje em torno de US$ 100 bilhões, foi contraída para financiar uma empreitada que agora se mostra menos rentável, talvez promotora de prejuízos. A permanência do preço baixo por mais tempo não deve ser descartada. Nesse caso, a Petrobras precisar realizar revisão ainda mais ampla de custos e planos. Na área financeira, a empresa registra progressos. Conseguiu alongar prazos de empréstimos e, no terceiro trimestre, ter saldo positivo nas suas operações. É preciso ação muito mais ambiciosa, porém, para adequar a estrutura administrativa da empresa à nova realidade. editoriais@grupofolha.com.br
2015-12-28
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1723476-oleo-farto.shtml
Inovação em risco
Torna-se cada vez mais difícil exagerar nas avaliações negativas a respeito dos danos provocados pela crise econômica. Os efeitos adversos não apenas se fazem sentir no presente, sobretudo na forma de inflação e desemprego, mas também comprometem o futuro, do que dá prova a retração do investimento em inovação. Como parte das ações voltadas ao ajuste das contas públicas, o governo editou no início de outubro a medida provisória 694, que na prática acaba com a chamada Lei do Bem –que permitia às empresas deduzir do Imposto de Renda os dispêndios em pesquisa e desenvolvimento no país. A medida provisória ainda não foi votada pelo Congresso Nacional, mas suas consequências já foram mensuradas por um levantamento realizado pelo Departamento de Competitividade da Fiesp. Consultando 75 empresas, o estudo aponta que 60% delas pretendem demitir pesquisadores, com uma redução potencial de 12.600 postos de trabalho. Além disso, 74% das companhias afirmam que haverá redução ou cancelamento de projetos e 17% estudam transferir atividades para o exterior. Calcula-se que R$ 2,8 bilhões deixarão de ser investidos em 2016. A crise econômica piora o que já era ruim. O Brasil nunca foi o campeão em incentivos para a inovação. Em 2012, eles representaram 0,02% do PIB; em termos proporcionais, EUA e China alocam o triplo, enquanto a França destina fatia mais de dez vezes maior. Quando se leva em conta o investimento total em inovação, incluindo institutos de pesquisa, universidades e empresas, a posição brasileira não melhora. Mesmo no auge da gastança pública, de 2011 a 2014, o país não conseguiu superar 1,2% do PIB, marca inferior ao padrão mundial. Ainda mais grave, a falta de recursos não resume o problema; o Brasil carece de acompanhamento dos resultados das políticas de incentivo e de efetiva integração para que da pesquisa decorram aplicações práticas no setor produtivo. Há uma extensa agenda de melhoria institucional para que essas práticas atinjam a escala necessária. A revolução da tecnologia da informação reforça cada vez mais o papel da inovação para a prosperidade econômica. O Brasil, porém, permanece dependente de setores tradicionais. Se o país quiser sair da estagnação, precisará se acoplar aos elementos mais dinâmicos do capitalismo mundial. Esse passo decisivo será dado apenas com abertura para o comércio internacional, maior integração nas cadeias produtivas globais e, acima de tudo, mudança de mentalidade nas universidades públicas, no mais das vezes reféns de corporações retrógradas e distantes de uma cultura aberta ao novo. editoriais@grupofolha.com.br
2015-12-26
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1723125-inovacao-em-risco.shtml
Conceito de família deve abranger todas as formas de relacionamento? Não
EQUILÍBRIO NECESSÁRIO É lei da física: contra toda ação há uma reação oposta e de igual intensidade. Vivemos isso em projetos de lei sobre o núcleo básico da sociedade, a família. De um lado, o projeto de lei do Senado 470/2013, chamado Estatuto das Famílias, propõe a atribuição de direitos típicos da entidade familiar às relações de mancebia –que, para aliviar a carga, seus defensores chamam de relações paralelas. Desse mesmo lado da quebra do princípio da monogamia, pretende-se a tipificação de relações poligâmicas como entidade familiar. Viu-se isso na recente escritura pública lavrada no 15º Tabelionato do Rio, que pretendeu atribuir a uma relação de três mulheres a natureza de entidade familiar. A institucionalização da poligamia tornou-se uma proposta de diversas frentes. Por outro lado, há o projeto de lei da Câmara 6.583/2013, denominado Estatuto da Família, que pretende definir a entidade familiar pelo núcleo formado por um homem e uma mulher ou pela comunidade formada por um dos ascendentes com seus descendentes. O debate, portanto, vai muito além do que se tem falado sobre a atribuição ou não de direitos de família e sucessórios às uniões entre pessoas do mesmo sexo, o que está servindo de cortina para encobrir a desconstrução do conceito de família em nosso país. Aliás, presenciei cena chocante em audiência pública na Câmara dos Deputados, ocorrida quando outro projeto, hoje arquivado, ali tramitava com o mesmo conteúdo e o mesmo nome, Estatuto das Famílias. Os defensores do projeto levantavam a bandeira da tutela dos direitos dos homossexuais, mas, na verdade, não havia sequer uma linha nesse projeto sobre as relações entre pessoas do mesmo sexo. O que havia era a proposta de destruição da família brasileira, com a atribuição de direitos familiares às amantes. Portanto, era um engodo. Agora, no projeto que tramita no Senado, seus defensores voltam a levantar a bandeira da defesa dos homossexuais. A proposta, contudo, vai muito além: quer eliminar o princípio básico da monogamia no casamento e na união estável. O Congresso Nacional precisa encontrar o equilíbrio necessário para enfrentar esse debate. O direito deve estar de acordo com os costumes, a moral e os anseios da sociedade. É evidente que a população brasileira não aceita que amantes tenham direitos de cônjuges, ou que um trio possa constituir uma entidade familiar, independentemente do sexo de seus componentes. As relações entre pessoas do mesmo sexo merecem proteção não só do Poder Judiciário, mas, principalmente, do Poder Legislativo, que tem a atribuição constitucional de regular a matéria. É preciso ter em consideração, para o que basta a leitura do acórdão do STF, que a união entre pessoas de mesmo sexo, para constituir uma entidade familiar, precisa ser monogâmica. Nem poderia ser diferente diante do texto da Constituição, que diz expressamente que somente a união entre duas pessoas pode ser enquadrada como entidade familiar. As pessoas são livres para se relacionar como bem ou mal entendem, mas os relacionamentos poligâmicos não têm natureza de família. Portanto, o conceito de família, que sustenta uma nação e fortalece esse núcleo essencial da sociedade, não pode abranger todas as formas de relacionamento. REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA, advogada, é doutora em direito civil pela USP e presidente da ADFAS - Associação de Direito de Família e das Sucessões * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-26
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1722286-conceito-de-familia-deve-abranger-todas-as-formas-de-relacionamento-nao.shtml
Natal em família
Não sem razão, Natal é festa em família. O Natal cristão faz referência a um acontecimento sagrado, vivido no seio familiar. Na história de Deus com os homens, a vida do casal, a paternidade, a maternidade e a filiação são realidades por meio das quais Ele se insere na história humana e se comunica conosco. A família é o lugar onde Deus revela sua proximidade e seu desígnio salvador. O acontecimento do Natal mostra como Deus entra na família e se revela no entrelaçamento das relações familiares. Deus envia ao mundo o seu Filho unigênito, que nasce humanamente de uma jovem mulher, Maria, noiva de José. Ela tem parentes e uma prima, chamada Isabel, está casada com o sacerdote Zacarias; ela é citada pelo anjo Gabriel, que anuncia a maternidade a Maria. Nessa história de Deus, vindo ao encontro da humanidade, há duas mulheres grávidas, ambas envolvidas pela ação surpreendente de Deus. Uma anciã, que se torna mãe, toda feliz, tendo a seu lado um marido incrédulo. Bem que Zacarias queria ter um filho, mas já havia desistido de esperar, porque estava velho, assim como sua mulher. Ele duvida das palavras do anjo, que lhe anunciava o nascimento do filho, João Batista. Depois de ficar mudo por um tempo, tudo termina bem e o filho nasce, espalhando grande alegria pela vizinhança. O pai proclama as misericórdias de Deus, fiel às suas promessas. José, o noivo de Maria, pensa em abandonar a companheira porque, perplexo, a vê tornar-se mãe e não sabe como isso está acontecendo. O anjo de Deus o tranquiliza e lhe revela o segredo: é mistério bonito de Deus, para quem nada é impossível. E José, homem justo e cheio de fé, abraça a missão de amparar Maria e o "filho do Altíssimo Deus", que dela nasce para este mundo. As histórias de família continuam com os dois nascimentos. O de João, o precursor, faz todo mundo perceber que algo de grande está por acontecer, pois a mão de Deus estava sobre esse menino. O de Jesus, embora bem humilde e despojado, foi envolto em luz e sinais prodigiosos, que logo fizeram atrair para Ele os olhares e as homenagens. Para Ele voltam-se bem depressa também as atenções dos poderosos: uns chegam de longe para o homenagear, atraídos pela luz que dele irradia; outros, de perto, já se sentem ameaçados e pensam em eliminar o recém-nascido. Maria, a mãe, fica a pensar: o que será que Deus quer dele e de nós? Os pais pensam nisso, quando olham para seus filhos pequenos... O destino dos filhos não lhes pertence. Como pais religiosos e de profunda fé, José e Maria levam o pequeno ao templo, para apresentá-lo a Deus; ali se alegram com a bênção recebida. O filho é sempre uma bênção. Maria, entretanto, ouve palavras que a preocupam, pois já se anuncia que o menino será causa de sofrimentos para a mãe e muitos o rejeitarão e o perseguirão. José e Maria trabalham, cuidam do filho e passam também pela experiência da incerteza e até do exílio. A vida desta família está nas mãos de Deus. A história do Natal lembra a vida cotidiana da sagrada família de Nazaré que, entre alegrias e esperanças, vê o filho crescer e faz de tudo para ajudá-lo a ser o que Deus quer dele. De alguma forma, é a história de todas as famílias, que também são lugares onde Deus está presente e se revela. CARDEAL DOM ODILO PEDRO SCHERER, 66, doutor em teologia pela Universidade Gregoriana (Roma), é arcebispo de São Paulo * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-25
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1722278-natal-em-familia.shtml
Mudança espanhola
Realizadas no domingo (20), as eleições parlamentares da Espanha mudaram o palco político do país. Saiu de cena o bipartidarismo, protagonista desde os anos 1980, e ganharam espaço novos atores, oriundos de movimentos sociais ou de expressão apenas regional até pouco tempo atrás. Juntas, as duas sigla tradicionais –Partido Popular (PP) e Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE)– amealharam 50% dos votos. O percentual está muito aquém dos 84% de 2008 e dos 73% de 2011. Apesar de vitorioso, o PP, do primeiro-ministro Mariano Rajoy, viu sua bancada reduzir-se de 186 para 123 assentos, perdendo a maioria no Parlamento de 350 cadeiras. O PSOE passou de 110 para 90, no pior desempenho de sua história. A esse encolhimento correspondeu a expansão das novas forças partidárias, Podemos e Cidadãos, que assumem destaque na próxima legislatura. O primeiro conquistou 69 assentos, e o segundo, 40. Os números escancaram o quanto uma fatia crescente de espanhóis está insatisfeita com os partidos que governaram o país nas últimas décadas. As legendas tradicionais, atingidas por denúncias de corrupção e pelas dificuldades na economia, já haviam perdido espaço nas disputas regionais, em maio. Por ironia, contudo, o desejo de mudança resulta, ao menos num primeiro momento, em paralisia. É que, a partir de janeiro, o Parlamento equivalerá a um quebra-cabeças de peças não só numerosas mas também, ao que tudo indica, incompatíveis entre si. No dia seguinte ao pleito de domingo, o líder do Cidadãos, partido de centro-direita até recentemente restrito à Catalunha, anunciou que não se aliará a outras siglas. Já o Podemos, cevado nos protestos de 2011 contra medidas de austeridade econômica, estabeleceu condições difíceis de serem satisfeitas. A mais polêmica é a defesa de um referendo sobre a independência da Catalunha, ideia rechaçada pelas demais legendas. Desse modo, restaria como opção para formar um governo a insólita associação do PP com o PSOE, antagonistas históricos. Mais que ameaçar a constituição de um governo estável –para o que são necessárias pelo menos 176 cadeiras–, o impasse pode prejudicar a recuperação da economia espanhola. Após cinco anos consecutivos de contração ou estagnação, o PIB voltou a crescer no ano passado (1,4%) e, em 2015, deve chegar a 3%. O desemprego, porém, mantém-se acima dos 20%. Os espanhóis votaram por mudanças. O desafio agora é coaduná-las com a realidade. editoriais@grupofolha.com.br
2015-12-25
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1722881-mudanca-espanhola.shtml
A verdadeira alegria
Natal é tempo de festa. E festa sempre lembra alegria. A alegria do Natal, contudo, não é alegria de festa, pois esta quando termina faz a alegria ir embora. É fato mesmo que muitos chegam a ficar aborrecidos com o tempo do Natal, pois o mercantilismo e o emocionalismo exagerados causam mal-estar. No entanto, o Natal tem a sua própria alegria. Eis o anúncio do anjo, na cena magna do primeiro Natal: "Trago boa-nova de grande alegria" (Lucas 2:10). Não se trata de uma alegria tímida, escusa, mas incontida, verdadeiramente grande. Primeiro de tudo, ela é uma alegria alicerçada na palavra de Deus. São as promessas das Escrituras que trazem alento e força ao nosso coração. "Pois tudo quanto, outrora, foi escrito para o nosso ensino foi escrito a fim de que, pela paciência e pela consolação das Escrituras, tenhamos esperança." (Romanos 15:4) Não é uma alegria infundada, inventada de última hora. É a alegria prometida e cumprida no curso da história. Estamos diante da alegria que é fruto da fé. Quando cremos de verdade, abrimos espaço no coração para experimentar a alegria que vem da presença de Deus. Nem as tristezas são capazes de retirar nossa alegria. Ao contrário, suportamos todas as lutas e provações, maldade e falsidade, porque nossa fé está posta em Cristo, aquele que foi anunciado pelas Escrituras –afinal, "nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor" (Lucas 2:11). Além disso, a alegria do Natal vence o medo. Os pastores ficaram impactados com a manifestação do anjo; a reação deles foi de temor. O que levou o anjo a dizer: "Não temais" (Lucas 2:10). A mensagem do Natal traz coragem e ousadia. Os últimos acontecimentos que marcaram o ano de 2015 provocaram grande medo em toda a humanidade. Terror e violência à solta; embarcar num avião tornou-se uma tarefa muito arriscada; não é possível mais sair para recrear-se sem correr o risco de um atentado. E que dizer da crise econômica que se agrava dia a dia em nosso país? Soma-se a ela a crise política e, a maior de todas, a crise moral. É de se ficar apavorado. Que Natal pesado! A alegria do Natal, entretanto, nos transporta para uma nova atmosfera, onde as apreensões e ansiedades são superadas, não por circunstâncias momentâneas, mas pela presença constante de Cristo em nós e conosco. Estejamos certos de sua companhia. Ele sempre estará conosco, derramando o seu amor que lança fora o medo. Por fim, a alegria do Natal é permanente. Muitos, apenas, passam pelo Natal. Para tantos, a ocasião não passa de um feriado. O último mês do ano chega e entramos numa contagem regressiva, que vai anunciando a proximidade do Natal. Chega o dia, passa o dia, e o Natal vai embora. Natal não é só uma data. É um acontecimento histórico e uma manifestação poderosa da graça de Deus. O dia passa, mas a realidade da presença de Deus não passa. As celebrações do Natal acabam cedendo lugar a outras celebrações, mas Cristo continuará conosco. Que a mensagem genuína do Natal nos acompanhe durante todo o ano que vai se iniciar. Não importa como serão os dias que se seguem. Mesmo com lutas e dissabores, a alegria do Natal vai permanecer em nós. REVERENDO JUAREZ MARCONDES FILHO, 56, pastor, é presidente do Conselho de Curadores do Instituto Presbiteriano Mackenzie e secretário executivo da Igreja Presbiteriana do Brasil * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-25
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1722279-a-verdadeira-alegria.shtml
Eficácia e tecnologia para ajudar na crise
Em épocas de crise, alguns mecanismos básicos de reação ressurgem. É um fenômeno que vale para pessoas, governos e empresas. Basicamente, pode ser dividido em duas vertentes. De um lado, tenta-se achar uma forma de aumentar as receitas. Do outro, a resposta está no corte de custos. Quase óbvios e complementares na sua essência, as duas ações comungam de um problema. Na imensa maioria dos casos, elas dão errado, tentativa atrás de tentativa, e, com as contas e outras obrigações batendo cada vez mais forte na porta, a esperança vira desespero. Chega-se a outra fase clássica das crises, principalmente nas mais graves: o sentimento de "salve-se quem puder", que só agrava a situação. Ainda que as atuais dificuldades que o Brasil enfrenta tenham proporções históricas, não significa que as possibilidades de solução inexistam. No caso de muitas empresas, há uma saída mais eficiente e mais inteligente baseada em algo que não estava disponível em furacões passados. Até pouco tempo atrás, muitas das decisões nas companhias eram baseadas em pesquisas e na experiência acumulada por seus profissionais. Nos últimos anos, a tecnologia acrescentou um dado novo na equação. Um, não. Milhões. Bilhões de dados. Batizada lá fora como "Big Data", trata-se da capacidade de organizar e analisar quantidades monumentais de informações para descobrir padrões, tendências, preferências, enfim, oportunidades de negócio. Com a ajuda de ferramentas e metodologias cada vez mais precisas, as empresas conseguem ver o que é de fato relevante numa determinada operação. Veja o caso das microrregiões, um dos mais bem sucedidos exemplos de "Big Data" aplicado às companhias. Hoje é possível recortar qualquer parte do Brasil por, digamos, grupos de 300 domicílios. Com o uso de modelagens estatísticas e o cruzamento de informações públicas sobre a área podem ser obtidos diversos indicadores sobre o consumo e os habitantes daquela região. Itens como anos de instrução, penetração de cartão de crédito, nível de receita familiar comprometida, tipo de consumo por ramo de atividade. A questão do "Big Data", no entanto, não é falar sobre um grupo específico de 300 casas. É repetir a análise, em alta velocidade, por quantos grupos de 300 forem necessários para a empresa. Ao fim do processo, no lugar de um levantamento sobre uma cidade, trazendo um padrão único, agora há um mapa detalhadíssimo, com as nuances de cada pedaço do todo. E como o "Big Data" ajuda nesses tempos de crise? Num ambiente com baixa capacidade de investimento e pressão por redução de custo, o "Big Data" usa a tecnologia para aumentar a eficácia das ações. Combinado com soluções analíticas adequadas, ele empurra para o lado os achismos e dá ao gestor melhores condições para saber o que as pessoas estão comprando, onde estão os consumidores de determinado tipo de produto ou se há uma tendência maior de inadimplência em certas áreas, entre outras inúmeras informações que vão depender dos bancos de dados disponíveis. Essas são as vantagens "externas", que afetam a empresa no mercado. Há também repercussões intramuros. A adoção continuada do "Big Data" mostrou que há repercussões na gestão. Saber melhor quando, o quê e quando vender abre a oportunidade de adequar os recursos da empresa para onde eles realmente façam diferença. Treinar com o foco certo. Rever os processos internos. Gerir com objetivos agressivos mas factíveis. Fazer melhor com o que já se tem. Ou seja, aumentar a produtividade - para ver a crise pelas costas. PAULO HENRIQUE CARDOSO é formado em ciências sociais pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp. Trabalhou na Companhia Siderúrgica Nacional - CSN e na distribuidora de energia elétrica Light. Foi vice-presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável - CEBDS * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-24
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1722147-eficacia-e-tecnologia-para-ajudar-na-crise.shtml
A energia para crescer
O custo com a energia elétrica no Brasil atingiu patamares superiores a 60% de aumento nos últimos 12 meses, segundo os últimos dados divulgados no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), e é hoje uma questão central na discussão sobre a crise econômica brasileira. O alto preço com a eletricidade não diminui apenas o poder de compra do consumidor brasileiro, mas também reduz drasticamente a competitividade no setor produtivo, à medida que fábricas, estabelecimentos comerciais e o agronegócio têm de assumir um aumento expressivo no custo operacional, o que, no fim das contas, impacta diretamente em produtividade, emprego e renda. Segundo dados do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), a queda prevista na produção industrial é de 7% neste ano, ante os 3,3% apurados no ano passado. De janeiro a agosto, a produção de bens de capital caiu 22% e o uso de capacidade instalada está em 77,9%, o mais baixo desde 2003. A escalada no valor das tarifas de energia é também uma das grandes responsáveis pelo aumento da inflação no Brasil em 2015. A pressão por conta da alta do dólar, dos leilões indexados das hidrelétricas, do baixo nível dos reservatórios no País e das medidas para socorrer as distribuidoras deve repercutir em mais reajustes em 2016. Estima-se que os preços do megawatt devem subir até 15%. A discussão para viabilizar a retomada do crescimento no Brasil passa, portanto, por uma revisão no atual modelo comercial do setor elétrico, em especial pela expansão do mercado livre de energia, que oferece um valor por megawatt significativamente menor, em função da competição entre as empresas. O preço publicado em estudo da consultoria especializada Dcide revela que o Ambiente de Comercialização Livre pratica uma média de R$ 210,21 por Megawatt-hora (MWh), enquanto que, no mercado cativo, a tarifa média de energia das distribuidoras publicadas pela Aneel é de R$ 270,30, uma diferença de 22% entre as duas contas. O mercado livre de energia é responsável atualmente por mais de 60% de todo o abastecimento energético da grande indústria brasileira. Nos últimos 12 anos, esses consumidores com liberdade de escolha já economizaram cerca de R$ 27 bilhões na conta de luz. A energia mais barata garante ao setor produtivo processos mais sustentáveis, mais competitividade, redução de custos e utilização de fontes renováveis. Não sem motivo, hoje é forte a pressão dos consumidores industriais das distribuidoras em exercer a portabilidade na conta de luz, direito que é negado pelo Poder Concedente aos demais brasileiros. Portanto, assegurar o livre acesso a todos os consumidores a essa energia é o mesmo que ampliar a competitividade do setor produtivo, aumentar o poder de consumo do cidadão, garantir o abastecimento energético e estimular a diversificação da matriz geradora por fontes renováveis. De qualquer forma, algumas medidas recentes na área elétrica têm servido de alento para o setor produtivo. A Medida Provisória nº 688, de 2015, que dispõe sobre a repactuação do risco hidrológico e institui uma bonificação pela outorga das hidrelétricas que serão licitadas, prevê, dentre outras, a alocação de até 30% do risco hidrológico de cada usina que será licitada ao gerador, agente que tem capacidade de gerenciamento, tirando a responsabilidade do consumidor. Também prevê a destinação de até 30% da garantia física de cada empreendimento ao mercado livre, contribuindo assim para maior liquidez das empresas do setor. É fato que os consumidores de energia que migraram para o mercado livre têm uma vantagem competitiva com relação aos que, embora já autorizados pela legislação, permanecem no ambiente de contratação regulado, principalmente por renitentes barreiras regulatórias à entrada . Porém, desde a política de realidade tarifária implantada na gestão do ministro Joaquim Levy, as comercializadoras de energia têm recebido constantes pedidos de novos clientes para o mercado livre. Para as empresas, a conta é muito simples: obter vantagens competitivas, por meio da redução do custo de energia elétrica, o que lhes permite sobreviver num ambiente de crise econômica. REGINALDO MEDEIROS é presidente da Associação Brasileira das Comercializadoras de Energia - Abraceel * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-23
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1722150-a-energia-para-crescer.shtml
Preocupação sem pânico
Em 2009, quando foram confirmados no Brasil os primeiros casos de gripe A H1N1, houve natural alvoroço, dúvidas e preocupação por parte da sociedade, incluindo médicos e formadores de opinião. À época, muito se especulou a respeito do comportamento do vírus e de sua letalidade, mas pouco a pouco, à luz dos fatos e das pesquisas ao longo da pandemia, ficou claro que ele não era mais agressivo do que outras cepas que causavam gripe, circulantes no país e no mundo. Diante de um cenário de incertezas quanto ao A H1N1, e para quem me perguntava, eu costumava dizer que era necessário ter certa dose de preocupação, mas sem pânico, sem alarmismos desnecessários. Essa é a mesma cautela que devemos ter com relação ao vírus zika, transmitido pelo mesmo mosquito da dengue, o Aedes aegypti. É compreensível que o desconhecido gere temores. Os profissionais e gestores de saúde pública, contudo, não podem e não devem, de forma nenhuma, trabalhar com base em suposições ou hipóteses frágeis, mas sim à luz do rigor científico e das evidências, de modo a esclarecer e jamais confundir a população. O Ministério da Saúde confirmou, com base em um caso ocorrido em Pernambuco, que há correlação entre a microcefalia (má-formação cerebral) em recém-nascidos e a infecção das grávidas pelo zika. Desde então, mais de 2.000 casos suspeitos de microcefalia (circunferência da cabeça inferior a 32 cm) em bebês já foram notificados, especialmente no Nordeste. Sem um teste confirmatório disponível na rede pública, as ocorrências vêm sendo relacionadas diretamente à infecção por zika, mas ainda não sabemos o real tamanho do problema. Também não é possível ter certeza da dimensão de casos do vírus zika no Brasil. Projeções como a do Ministério da Saúde, que oscilam entre 500 mil e 1,5 milhão de ocorrências, tomando como base apenas os casos descartados de dengue, necessitam ainda de maior precisão epidemiológica. O Estado de São Paulo montou uma rede sentinela para tentar identificar a circulação do zika. No primeiro semestre foram identificados apenas dois casos autóctones (contraídos no próprio Estado), além de seis importados. Outros quatro estão em investigação. Por meio da rede de laboratórios do Instituto Adolfo Lutz, a Secretaria de Estado da Saúde vem realizando testes de RT-PCR (Reação em Cadeia da Polimerase, com Transcriptase Reversa, em Tempo Real) em amostras que deram negativas para dengue, visando identificar o genoma do vírus zika. Esses exames são aplicados sobretudo em regiões em que há notificação de casos de microcefalia. Até o momento, nenhum teste deu positivo para zika neste segundo semestre. Ainda assim, São Paulo aderiu ao protocolo do Ministério da Saúde para notificação de todo e qualquer caso suspeito de microcefalia relacionado ao zika. Epidemias são combatidas com vacinas e medicamentos. No caso do zika, não há nenhuma das duas alternativas, muito embora o Instituto Butantan, que está prestes a iniciar a terceira fase de testes clínicos em humanos da primeira vacina brasileira contra a dengue, já esteja se preparando para elaborar um protocolo em busca de um imunizante contra zika. Enquanto isso, especialistas da Fiocruz e do Adolfo Lutz trabalham para desenvolver e aprimorar o teste sorológico para detectar o novo vírus. A principal arma de que dispomos atualmente é reforçar o combate ao mosquito Aedes aegypti. Por isso lançamos o Plano Estadual de Combate às Arboviroses, mobilizando 12 secretarias do governo paulista. O plano contará com a atuação de policiais militares, Defesa Civil e bombeiros no trabalho de extermínio dos focos do mosquito. A esse esforço se associarão também o Exército brasileiro e diversas lideranças comunitárias. Mais uma vez, o apoio da população será fundamental, pois 80% dos focos do Aedes aegypti estão no interior das residências. É preciso redobrar forças para exterminar o mosquito. O cenário é preocupante, de fato. A hora é de agir, munido de informação de qualidade, mas sem pânico e alarmismo, que só atrapalham. DAVID UIP, 63, médico infectologista, é secretário da Saúde do Estado de São Paulo * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-22
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1721888-preocupacao-sem-panico.shtml
Recesso de resultados
Salvo na hipótese improvável de uma recaída de bom senso e espírito público entre deputados e senadores, o Congresso Nacional entrará em recesso nesta quarta-feira (23). Os trabalhos serão retomados somente em 2 de fevereiro. A incerteza quanto ao encaminhamento da crise econômica e política em que o país vem mergulhado, assim, se prolongará por longas e desnecessárias seis semanas. Os parlamentares agem como se não estivesse em pauta nenhum "caso de urgência ou interesse público relevante", premissas previstas na Constituição para convocar de forma extraordinária o Congresso. Se a escolha de uma nova comissão especial da Câmara para começar a analisar o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) não satisfaz, para deputados e senadores, as condições de urgência e relevância, fica difícil imaginar o que, a seu juízo, as satisfaria. No caso das siglas de oposição, pode-se concluir sem risco de errar que procrastina movida pelo mais rasteiro cálculo político. Tendo embarcado de início numa aliança de conveniência com o desatinado presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), as bancadas de partidos como PSDB e DEM parecem já se dar conta de que seria mais prudente desvincular o impeachment de sua figura. Mais ainda, avalia-se nas fileiras oposicionistas que a aprovação do afastamento de Dilma seria mais factível bem depois do Carnaval, que começa na semana de retorno do recesso parlamentar. Passadas as festividades, acredita-se, os protestos contra o governo federal ganhariam novo ímpeto, originando a pressão das ruas sem a qual muitos consideram ser inviável aprovar o impedimento. Após os resultados discretos da semana passada, movimentos anti-Dilma depositam esperanças no evento marcado para 13 de março. Com outros três meses de paralisia, fermentaria ainda mais o ingrediente decisivo da crise econômica, com o agravamento de efeitos que já inquietam o país: desemprego e inflação em alta, atrasos no pagamento de funcionários públicos, retração de serviços sociais etc. Antes disso, um processo contra Dilma teria menos chance de prosperar, entende a oposição calculista –e, como o Datafolha mostrou, houve nos últimos meses leve melhora na imagem da presidente. Para usar uma expressão que no passado se assestava com frequência contra o PT, o grupo capitaneado por PSDB e DEM aposta na tese do quanto pior melhor. Não é só a oposição que se apequena, mas o Congresso inteiro. Pôr-se de folga quando uma das piores crises consome o país dá demonstração cabal de que ali imperam a miopia e a alienação. editoriais@grupofolha.com.br
2015-12-22
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1721896-recesso-de-resultados.shtml
Imoralidade e anacronismo implodem o castelo Brasil
Estamos assistindo à destruição da estabilidade econômica de quase 20 anos, construída com muito sacrifício nas décadas de 1980 e 1990. Quem era adulto naquela época lembra-se da hiperinflação, troca de moedas, congelamento de preços e da poupança e outras loucuras que vivenciamos. Fomos submetidos a políticas econômicas malucas, nas quais muitas empresas morreram e seus colaboradores ficaram sem emprego. Foi um desastre total, até a chegada da lucidez encontrada durante governo Itamar Franco que implementou o Plano Real, com medidas básicas e concretas. As medidas puseram fim à inflação e geraram confiança na sociedade. Começamos, então, a sair do buraco. Hoje, as pessoas perguntam-se sobre o que deu errado e por que a maré virou tão rapidamente. Acredito que o fator crucial tenha sido a alteração da política econômica promovida pela presidente Dilma Rousseff, a partir de seu primeiro mandato. Implementando medidas intervencionistas e contrárias à iniciativa privada, vem minando as bases do "castelo Brasil". Tais práticas obsoletas e equivocadas foram amplamente analisadas e contestadas pelos setores produtivos e numerosas pessoas nos últimos cinco anos, e é comprovado que não funcionam. São ideias reprovadas pela prática e que levaram muitos países ao atual estágio de miséria em que vivem. Dentre eles, nossos vizinhos Venezuela e Argentina. Infelizmente, de nada adiantaram os alarmes emitidos pela sociedade. Para se construir uma empresa sólida, leva-se uma vida, mas para destruí-la bastam alguns meses. Após cinco anos de política econômica equivocada, o "castelo Brasil" ruiu e a confiança da população foi a zero. Os brasileiros estão abismados com os escândalos e desanimados ante a baixíssima qualidade moral das pessoas que ocupam posições de relevância na estrutura da República, seja situação ou oposição, seja nos poderes Executivo ou Legislativo, federal, estadual ou municipal. É uma vergonha e um desastre o cenário atual! A conjuntura é muito pior do que se notícia, pois a mídia foca os dados de ontem ou resultados recente. As previsões futuras são feitas sobre uma arrecadação tributária que não se concretizará, visto que o ritmo da economia continua diminuindo, devido à falta de confiança no futuro. Isso significa que o estouro do orçamento será muito maior do que os absurdos 70 bilhões de reais já anunciados. A ideia estupida de aumentar os impostos causará aumento de preços, o que causará menor consumo e menor arrecadação, num ciclo interminável de demissões e inflação alta, até que se atinja uma economia de nível basal muito abaixo do atual. O cenário final será de milhões de desempregados, milhares de empresas fechadas e inflação sem controle. Já assistimos a esse filme na década de 80. Muitos de nossos governantes e representantes foram eleitos legalmente, mas moralmente já não representam nosso povo. Temos vergonha de nos referir a essas pessoas, sejam de situação ou oposição. Muitos desses políticos enojam seus eleitores e a população com suas atitudes e posicionamento, que agridem todos. Posam de inocentes, mas os fatos demonstram sua imoralidade. O brasileiro não é isso que está aí. Graças a algumas poucas instituições fortes, a sociedade tem se sentindo minimamente protegida e alimentada da esperança de justiça. Infelizmente, somente o tempo nos ajudará a aposentar os que destruíram 30 anos de suor dos brasileiros. Esperamos com ansiedade, a cada dia, a oportunidade de votar e nos livrar da desgraça que nos abateu. Até que chegue essa data, teremos um período muito difícil para todos os cidadãos honestos e de caráter, empreendedores e trabalhadores, que lutam todos os dias e ajudam a construir um país bom para se viver. RUBENS F. PASSOS, 53, economista pela Faap e MBA pela Duke University, é presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes e Importadores de Artigos Escolares e de Escritório (ABFIAE), diretor titular do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo - CIESP Bauru, presidente da Tilibra e membro de vários conselhos * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-22
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1721823-imoralidade-e-anacronismo-implodem-o-castelo-brasil.shtml
A madeleine de Dilma
Na última vez em que tirou férias de verdade, no século passado, a presidente Dilma Rousseff foi com amigas por um roteiro de lugares ligados à vida e aos personagens do escritor francês Marcel Proust. Aficionada pelo autor de "Em Busca do Tempo Perdido", Dilma é capaz de citar de cor trechos do livro no original e fala das características de Charles Swann, da duquesa de Guermantes e de madame Verdurin com a intimidade que muitos de nós usamos para tratar tios e primos. Clássico, o livro é conhecido por quem nunca abriu uma página de seus sete volumes pelo episódio da madeleine, quando, a partir da mordida de um biscoito, o narrador evoca, involuntariamente, recordações de sua infância. O processo de impeachment é a madeleine de Dilma. A presidente da República gosta do enfrentamento, a palavra usada por ela para definir as situações de conflito. Reside aí a sua principal diferença com construtores de consensos, como Lula e Fernando Henrique Cardoso. É no antagonismo que Dilma acredita ter vivido seus momentos mais gloriosos no Palácio do Planalto –as respostas aos protestos de junho de 2013 e as eleições de 2014. A estratégia presidencial para repetir no processo de impeachment as superações de crise do seu primeiro mandato foi escolher um campo de batalha (o exagero de se afastar, por conta de uma manobra contábil, um presidente eleito) e um adversário (o presidente da Câmara, Eduardo Cunha). Como uma madeleine, a operação é reconfortante, mas é só memória afetiva. Na vida como ela é, o confronto em torno do impeachment não é jurídico. A denúncia das "pedaladas" é só um pretexto. Também não é uma batalha de biografias, na qual Cunha perderia logo de início. A batalha do impeachment é sobre o Brasil de 2016, 2017 e 2018. O destino de Dilma depende mais dela mesma do que da tabulação de votos no Congresso. É dela a responsabilidade de recuperar a confiança no país, abalada pelos rebaixamentos das notas das agências de classificação de risco. Caso a presidente consiga convencer a sociedade de que é capaz de executar uma agenda de crescimento, controle da inflação e redução do desemprego, o impeachment se dissipa por si. Caso não consiga, a ameaça de afastamento será uma tormenta hoje e por todo o mandato. É justo? Não, mas, como a presidente Dilma gosta de repetir, a vida não é justa. É como uma nova eleição, só que desta vez Dilma concorre sozinha. Em 2014, a presidente recebeu o voto de 54,5 milhões de brasileiros, prometendo um governo de mudanças. Está claro, porém, que as mudanças entregues neste ano causaram só desalento e desencanto. Mesmo entre os defensores do governo, o ano de 2015 ficará como uma madeleine perturbadora. Se, em busca do tempo redescoberto, Dilma reconectar a confiança de seus eleitores, e de ao menos parte dos não eleitores, ela recuperará a liderança do país. Caso contrário, aí sim estará aberta a janela para um governo Michel Temer ou uma nova eleição. Esse é o verdadeiro terceiro turno. THOMAS TRAUMANN, 48, jornalista, foi ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (governo Dilma) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-21
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Vítimas colombianas
Foi dado na última semana um dos passos mais importantes e delicados para a conclusão do acordo de paz entre as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e o governo colombiano. Após negociar por quase um ano e meio apenas esse item, chegou-se a um entendimento sobre as reparações às vítimas do conflito que já dura mais de 50 anos e matou cerca de 220 mil pessoas. Definiu-se que elas terão direito a compensações, como receber indenizações e pedidos oficiais de perdão; além disso, será criada uma comissão para encontrar e identificar mortos e desaparecidos. Também se alcançou um acordo sobre a instalação de um sistema jurídico especial para julgar quem tenha praticado crimes na guerra civil -tanto guerrilheiros como paramilitares e agentes do Estado. Pelo texto, delitos menores, como roubo e sublevação, serão anistiados. Já crimes de lesa-humanidade, como sequestros e assassinatos por razões políticas, serão punidos com sanções alternativas (não haverá encarceramento). Poderá se valer dessas condições especiais somente quem reconhecer seus crimes e colaborar com uma comissão da verdade, que terá a responsabilidade de esclarecer os fatos ocorridos durante as décadas de conflito. Os que se recusarem a cooperar precisarão se submeter à Justiça comum, podendo receber penas de até 20 anos de cadeia. Superou-se desse modo o impasse que atravancava a negociação. De um lado, o grupo narcoguerrilheiro não aceitava se sujeitar às leis colombianas. De outro, o governo tinha de produzir um acordo que respeitasse tratados internacionais -segundo os quais crimes atrozes não podem ficar impunes- e assegurasse às vítimas o direito à verdade e a reparações. Resta agora definir os detalhes do último ponto das negociações -a desmobilização das Farc- para a assinatura final, marcada para 23 de março de 2016. Apesar das perspectivas promissoras, os colombianos reagem de forma ambígua ao acordo de paz. Segundo pesquisas, 70% da população apoia as tratativas, mas quase 80% não aceitam que os guerrilheiros sejam anistiados. Não se trata de questão de somenos -e talvez por isso o Congresso da Colômbia tenha decidido que o acordo passará por uma consulta popular. Parece ser a maneira mais adequada de fechar um longo capítulo de violência que marcou de forma profunda toda a sociedade colombiana. editoriais@grupofolha.com.br
2015-12-21
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1721452-vitimas-colombianas.shtml
Uma nova era de oportunidades
Há 70 anos, a ONU foi criada a partir das cinzas da Segunda Guerra Mundial. Sete décadas depois, em Paris, as nações se uniram em face de uma outra ameaça –a ameaça à vida tal como a conhecemos, devido ao rápido aquecimento de nosso planeta. Os governos inauguraram uma nova era de cooperação global sobre a mudança climática, uma das questões mais complexas que a humanidade já enfrentou. Ao fazer isso, eles promoveram progressos significativos em relação ao mandato da nossa Carta de "preservar as gerações vindouras". O Acordo de Paris é um triunfo para as pessoas, para o meio ambiente e para o multilateralismo. É um seguro de saúde para o planeta. Pela primeira vez, todos os países do mundo se comprometeram a reduzir suas emissões, reforçar a capacidade de resiliência e agir internacionalmente e internamente para enfrentar a mudança climática. A vitória em Paris encerra um ano notável, em que as Nações Unidas provaram sua capacidade de fornecer esperança e cura para o mundo. Desde meus primeiros dias no cargo, classifiquei a mudança climática como o desafio que define nossa época. Falei com quase todos os líderes mundiais sobre a ameaça que representa para nossas economias, nossa segurança e nossa própria sobrevivência. Tenho visitado todos os continentes e conhecido comunidades que vivem nas frentes de batalha climáticas. As três Cúpulas do Clima que organizei mobilizaram a vontade política e catalisaram a ação inovadora de governos, das empresas e da sociedade civil. O que antes era impensável agora não pode mais ser detido. O Acordo de Paris forneceu todos os pontos fundamentais que eu enfatizei. Mercados têm agora o sinal claro para aumentar investimentos pelo desenvolvimento de baixas emissões. Todos os países concordaram em trabalhar para manter o aumento da temperatura global abaixo dos 2ºC e, diante dos graves riscos, promover um esforço rumo a 1,5ºC. Em Paris, eles concordaram em limitar as emissões globais dos gases de efeito estufa o mais rapidamente possível na segunda metade do século; 188 países já apresentaram suas contribuições nacionais. Coletivamente, contudo, elas ainda nos deixam com um aumento da temperatura, inaceitavelmente perigoso, de 3ºC. Por isso, os países prometeram rever seus planos climáticos nacionais a cada cinco anos, a partir de 2018, permitindo que eles sejam mais ambiciosos, de acordo com o que exige a ciência. Agora nossos pensamentos devem imediatamente se voltar para a implementação desses planos. Ao abordar a mudança climática, faremos avançar a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. O Acordo de Paris tem implicações positivas para todos os objetivos dessa agenda. Estamos prestes a entrar em uma nova era de oportunidades. Neste momento em que governos, empresas e sociedade civil dão início ao monumental projeto de promoção do desenvolvimento sustentável e combate às mudanças climáticas, a ONU apoiará os Estados-membros e a sociedade em geral em todas as fases. Como um primeiro passo na implementação do Acordo de Paris, vou convocar, conforme solicitado pelo documento final e pela convenção, uma cerimônia de assinatura de alto nível em Nova York, no dia 22 de abril de 2016. Convidarei os líderes mundiais a participar e ajudar, a manter e ampliar esse momento positivo. Trabalhando juntos, podemos alcançar nosso objetivo comum de acabar com a pobreza, fortalecer a paz e garantir uma vida de dignidade e oportunidade para todos. BAN KI-MOON, 71, é secretário-geral da ONU - Organização das Nações Unidas. Foi ministro das Relações Exteriores e do Comércio da Coreia do Sul * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-20
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1721023-uma-nova-era-de-oportunidades.shtml
Rito organizado
Foi sobretudo uma vitória da transparência e da institucionalidade o resultado do julgamento sobre o ritual do impeachment no Supremo Tribunal Federal. Ainda que tenha partido do campo governista o pedido para que se avaliasse a compatibilidade entre alguns pontos do processo -regidos ainda por lei de 1950- e a Constituição de 1988, não cabe considerar a decisão do STF sob uma estreita ótica partidária. Tratava-se de garantir curso claro e legítimo a um conjunto de eventos que a retórica petista insiste, sem nenhuma razão, em classificar como tentativa de golpe contra o governo Dilma Rousseff (PT). Assegurou-se, no STF, que o Senado não está obrigado a encetar o julgamento presidencial depois que a Câmara houver proferido o seu veredito. Aos deputados compete, por resolução de pelo menos dois terços do plenário, somente autorizar a instauração do processo. Os senadores, então, decidirão se o caso seguirá adiante. Foram exatamente esses os passos dados em 1992, quando se discutia o futuro de Fernando Collor. Não seria justo nem razoável que se adotassem agora ritos distintos. Ainda assim, o ponto suscitou polêmica -não tanto no Supremo, pois 8 dos 11 ministros apoiaram a tese vencedora, mas nas esferas políticas. É que ficou consignado que, para Dilma ser temporariamente afastada do cargo (enquanto corre seu julgamento), não bastará a deliberação dos deputados; será preciso que os senadores também se manifestem nesse sentido. Pode-se supor que, com isso, o Planalto ganhe maior margem de manobra política. Entretanto, é difícil prever o comportamento dos senadores e do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), na hipótese de completa derrocada da base governista na Câmara. De consequências mais imediatas foi outra decisão do STF. Por 6 a 5, a corte rejeitou a adoção do voto secreto na eleição da comissão especial que começará a análise do impeachment na Câmara. Com isso, a escolha dos integrantes desse colegiado precisará ser refeita. Como se sabe, por manobra do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), uma chapa alternativa àquela indicada pelos líderes partidários terminou vitoriosa. É direito do eleitor saber em quem votou o parlamentar, ainda mais em contexto tão relevante. Houve quem dissesse que invalidar a eleição da comissão seria casuísmo; que eventual impeachment não seria evitado por subterfúgios destinados a inverter o sentido das demandas populares. Se se trata de estar atento ao eleitor, porém, não haveria sigilo. A transparência assegura o controle do representado sobre os atos de seu representante. É disto que cuida o próprio impeachment, aliás -cujo processo se ordena, ganhando em clareza, a partir de agora. editoriais@grupofolha.com.br
2015-12-20
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1721181-rito-organizado.shtml
Tragédia a caminho
A epidemia de microcefalia será uma das mais graves da história da saúde brasileira. Milhares de crianças tendem a nascer com uma diminuição importante do cérebro, o que acarreta danos mentais severos, crises convulsivas e dificuldades motoras para o resto de suas vidas. A multiplicação de casos repercutirá profundamente nas famílias afetadas, na sociedade e nas políticas públicas do país durante décadas. Segundo o Ministério da Saúde, neste ano, já são 2.165 casos suspeitos de recém-nascidos com má-formação em 19 Estados e no Distrito Federal. Os números só não são maiores porque o ministério mudou o critério para notificação. Só contabiliza agora os bebês com circunferência da cabeça menor ou igual a 32 centímetros (antes a referência era 33 centímetros). Em 2016 poderão ser mais de 100 mil casos, uma tragédia sem precedentes. O causador deste dano é o vírus zika –detectado no Brasil, pela primeira vez, em abril deste ano–, da mesma família do vírus da dengue. O mosquito transmissor é o mesmo, o Aedes aegypti. Diante da epidemia, o governo federal não pode esperar. A cada dia dezenas ou centenas de gestantes podem ser infectadas, e seus filhos terão alta possibilidade de nascer com problemas. Como o vírus causa danos ao feto principalmente nos primeiros meses de gestação, as crianças nascidas com microcefalia em outubro foram contaminadas no primeiro trimestre de 2015, antes da comprovação oficial de circulação do zika no país. Outro dado assustador: para cada caso de doença sintomática, existem de 6 a 10 casos com levíssimos sintomas, a ponto de passarem despercebidos. Além da microcefalia, o aumento súbito de pessoas afetadas pela síndrome neurológica de Guillain-Barré, que causa paralisia, tem relação também com o zika. Como não há remédio nem vacina, o eixo principal de seu enfrentamento é o combate ao mosquito, com todos os recursos humanos e materiais possíveis. Temos de agir muito rápido. Forças Armadas, bombeiros e voluntários devem ser mobilizados, num gigantesco e urgente mutirão. Precisamos de uma campanha emergencial e mais intensa, sobre os riscos e cuidados necessários, em todos os meios de comunicação. Mulheres em idade fértil devem ser aconselhadas a adiar a gravidez enquanto houver epidemia. A União tem que prover recursos extraordinários para o esforço de combate ao vírus. Também é fundamental organizar atendimento às crianças com microcefalia. O governo deve priorizar a pesquisa para a produção, em tempo recorde, de vacinas para esse vírus. Para tal, precisa trabalhar com grandes laboratórios internacionais e organismos como a OMS (Organização Mundial de Saúde). São louváveis as medidas tomadas pelo Ministério da Saúde. O ministro decretou estado de emergência nacional na saúde e formou um comitê de crise. Medidas importantes, mas também é decisivo que o governo federal como um todo priorize e aja rapidamente nessa mobilização, sob pena de, a cada dia, piorar a tragédia que se delineia no Brasil. OSMAR TERRA, 65, médico e deputado federal (PMDB-RS), é presidente das Frentes Parlamentares da Saúde e da Primeira Infância * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-20
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1721025-tragedia-a-caminho.shtml
COP21 trará avanços no combate ao aquecimento global? Sim
REGRAS PARA UM JOGO COLABORATIVO Pense em um jogo de tabuleiro cujo objetivo é evitar a intensificação das mudanças climáticas. Para alcançá-lo, os jogadores precisam de boas estratégias individuais e coletivas, das cartas certas e de um conjunto de regras. A COP21 (Conferência do Clima da ONU, em Paris) proveu-nos exatamente o último ponto: as normas para a atuação dos jogadores e, como princípio, o engajamento dos mesmos. Pela primeira vez, praticamente todos os países da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima publicaram metas de redução de emissões de gases de efeito estufa antes mesmo do início da conferência. As 186 contribuições apresentadas cobrem mais de 90% das emissões globais, um avanço notável em relação ao Protocolo de Kyoto. A narrativa construída nesse processo, em que as partes tiveram liberdade para sugerir a forma e a medida de envolvimento, conferiu às negociações um tom de colaboração. Feito inédito, a União Europeia se juntou ao Brasil para submeter uma proposta ao acordo climático em negociação –o mecanismo para a transferência de créditos de carbono entre países. Já o grupo Basic (Brasil, África do Sul, Índia e China) concordou com referências, no texto final do acordo, a contribuições financeiras voluntárias de países em desenvolvimento. Tal dinâmica política refletiu-se em importantes avanços nas regras do jogo, mesmo sobre questões mais delicadas, como o financiamento. Os US$ 100 bilhões (R$ 394 bilhões) anuais de ajuda dos países ricos aos mais pobres para mitigação dos efeitos das mudanças climáticas foram assumidos como piso mínimo para o período pós-2020. O valor será reajustado ao longo da implementação do acordo e complementado com recursos de cooperação Sul-Sul –a China já sinalizou que ajudará o Fundo Climático Verde da ONU com US$ 3,1 bilhões (R$ 12 bilhões). Até mesmo o objetivo de longo prazo do Acordo de Paris ganhou ambição na COP21. Antes o desafio era limitar o aumento da temperatura média do planeta em 2ºC. Agora os países se esforçarão para mantê-lo em 1,5ºC. Outra conquista crucial para avanços na questão de financiamento foi a definição do mecanismo de revisão periódica dos esforços e ajustes. Ao redor das negociações, agentes econômicos, governos e sociedades civis se mostraram mobilizados pelo combate ao aquecimento global. Mais de 500 investidores institucionais, que representam cerca de US$ 3,4 trilhões em ativos (R$ 13 trilhões), retiraram suas aplicações em projetos de combustíveis fósseis. Da parte das empresas, algumas multinacionais prometeram investimentos bilionários em desenvolvimento tecnológico para energia limpa. Anunciaram metas como o balanço positivo de carbono em 2017 e o fim das emissões líquidas de gases em toda a cadeia de valor na próxima década. Atores subnacionais também entraram em cena, como Acre e Mato Grosso. Os Estados firmaram compromisso de desmatamento zero líquido até 2020, dez anos antes do compromisso para a Amazônia. O desafio agora é cultivar essa sinergia vista na COP21, principalmente na internalização do acordo climático na legislação e nas políticas públicas dos governos. O acordo é o ponto de partida num jogo que precisa nos levar, de forma global e coordenada, a uma economia neutra em emissões. Tudo isso por meio de um processo transparente, inclusivo e flexível, capaz de estimular e apoiar a cooperação, assumindo mudanças climáticas, equidade e erradicação da pobreza como elementos de uma mesma agenda. MARIANA NICOLLETTI, 32, é pesquisadora e gestora da Plataforma Empresas pelo Clima do GVces (Centro de Estudos em Sustentabilidade) da FGV - Fundação Getulio Vargas BRUNO TOLEDO HISAMOTO, 28, é pesquisador do GVces da FGV * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-19
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1720987-cop21-trara-avancos-no-combate-ao-aquecimento-global-sim.shtml
Alface ou chocolate?
Gastar mais do que se ganha vai te deixar no vermelho, certo? Parece óbvio. Não precisa ser um expert em finanças pessoais para saber que a conta não vai fechar no fim do mês. É a mesma lógica das dietas para emagrecer. Se consumirmos mais calorias do que gastamos no dia, na semana e no mês, vamos engordar. E parece que é assim também com o dinheiro, uma mera equação entre causa e efeito, correto? Errado. As pessoas sabem que é preciso ter uma relação saudável com o dinheiro para equilibrar o orçamento, sabem que é desejável ter uma reserva de emergência e que é preciso poupar para ter uma aposentadoria tranquila. Apesar disso, a inadimplência ameaça as famílias, a mesma renda hoje quase que não dá conta das despesas de antes, o cenário é de instabilidade e as dívidas se acumulam, aumentando a preocupação. Então, porque o conhecimento não necessariamente se converte em decisões melhores? A resposta está no prato do self-service e na sua conta bancária: as suas escolhas. Nossa vida financeira é o resultado de hábitos que repetimos no microcosmo da nossa rotina. O comportamento no dia-a-dia, que muitas vezes confunde o que é necessário ou supérfluo, é o que dita as nossas relações de consumo e a nossa relação com o dinheiro. Uma pesquisa qualitativa recém-concluída pelo Itaú Unibanco mostra que a questão do equilíbrio ou desequilíbrio financeiro permeia todas as classes econômicas e sociais. O problema é do rico e do pobre, está estreitamente ligado ao comportamento e isso vem de longe. Somos o resultado de uma sociedade acostumada com o imediatismo, que sofreu com a inflação alta, que dormia ou acordava surpreendida por um novo plano econômico ou pelo confisco da poupança. Eventos importantes que mudaram o significado do dinheiro nas nossas vidas. Quando observamos pelo aspecto social, a evolução recente, tanto do consumo quanto do acesso ao crédito, trouxe consigo sentimentos de participação e pertencimento, sem, entretanto, a experiência e conhecimento necessários para a tomada da melhor decisão financeira. Esse mesmo levantamento mostra que, se por um lado o consumo representa uma série de coisas positivas, o poupar é quase que seu antagonista, visto como mesquinho ou até mesmo um fator de risco. Mesma percepção que se tem em relação a investimento, considerado um negócio de alto risco. O crédito é encarado como uma espécie de selo de aprovação social pelas pessoas, o empréstimo é entendido como resultado de uma imprudência e o endividamento é quase que uma questão moral. O entendimento é desbalanceado, construído em cima de valores e regras subjetivas e impacta negativamente a própria gestão do dinheiro. Os resultados nos levam a reflexões importantes sobre escolhas, comportamento e, até mesmo, o papel dos bancos neste contexto, sendo instrumento para direcionar estratégias e iniciativas no tema. Como as instituições financeiras podem se tornar parceiras de escolhas mais eficientes? Como produtos e serviços financeiros podem ser usados a favor da prosperidade das pessoas e do país? Como podemos ajudar as pessoas a usar o crédito com planejamento contribuindo para a realização de seus objetivos? Como podemos ajudar no entendimento sobre o compromisso que vão assumir ao contratar produtos financeiros ou parcelar uma compra antes de tomarem essa decisão? Essas são perguntas que norteiam a agenda das instituições comprometidas com a educação financeira. Entendemos que o protagonismo é das pessoas, porém o papel do setor como um todo é potencializar a conquista real e financeiramente saudável com ofertas transparentes, sendo parceiros na tomada consciente de decisão. Queremos impulsionar o tema na sociedade, inspirar as pessoas a fazer melhores escolhas com o dinheiro, trazendo prosperidade individual e coletiva. Estamos falando da vida das pessoas e do que elas colocam no prato. A decisão é sempre sua. DENISE HILLS é superintendente de Sustentabilidade do Itaú Unibanco * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-19
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1720945-alface-ou-chocolate.shtml
Ponham a mão na consciência
Deveras preocupante o comportamento dos nossos legisladores, embora não todos. Os senadores e deputados estão lá no Senado da República e na Câmara Federal, em Brasília, para legislar em benefício do cidadão e da sociedade. Enfim, para a Nação. O Brasil é uma Republica Federativa, um país dito democrático, com uma Constituição Federal normatizando e balizando a convivência social dos indivíduos e as atividades de empresas, corporações, ONGS, órgãos do governo e intergovernamentais. Os deputados e senadores deveriam zelar pelo cumprimento da Constituição e dos direitos e garantias do cidadão, sem que sequer fosse necessário nos socorrermos do Poder Judiciário. Mas o que se observa, além do nepotismo, dos desmandos e da corrupção, é a proliferação de leis cada uma mais esdrúxula do que a outra. A propriedade intelectual, que fomenta e mantém a cultura de um país e que se encontra resguardada no art 5° da nossa Carta Magna, vem sendo constantemente agredida. Criam-se leis retirando dos criadores os seus direitos fundamentais arrolados na Constituição, como as que isentam alguns segmentos de usuários do pagamento àqueles de sua justa e equitativa remuneração - os direitos autorais. A Câmara dos Deputados instituiu recentemente, uma Comissão Especial para analisar mais de quarenta Projetos de Lei que pretendem regulamentar as atividades de autores e artistas e, pasmem, isentar do pagamento de direitos autorais hotéis, rádios comunitárias, Prefeituras, entidades religiosas, escolas e instituições filantrópicas. Em contrapartida, os criadores do espírito passarão a receber cada vez menos pelo uso de suas obras e interpretações. Querem fazer mesura com o chapéu alheio. Por outro lado, não instituíram até agora a denominada "Lei da Cópia Privada", como já o fizeram mais de trinta e cinco países, obrigando os fabricantes, ao pagamento de um valor, a título de remuneração, de natureza autoral, no ato da fabricação de produtos que se prestem à reprodução, ao armazenamento e à execução pública de obras musicais, lítero-musicais e de fonogramas. Produtos como computadores, smartphones, CDs e DVDs virgens, ou todo e qualquer aparelho ou suporte físico apto a copiar, armazenar e comunicar ao público obras literárias, artísticas, científicas e produções fonográficas. Isso para compensar o que os titulares deixam de receber em face da ação, cada vez mais facilitada, de copiar e transmitir arquivos de música, cinema, literatura, artes plásticas (desenhos, pinturas e esculturas), fotografias e demais criações protegidas, sem que tais utilizações gerem qualquer remuneração em favor dos legítimos detentores dos direitos patrimoniais (de autor e conexos) sobre tais criações e produções protegidas. Pesquisa realizada pela União Européia revela que dos suportes físicos fabricados 75% se destinam a copiar e armazenar músicas. Se acabar a música, muitas indústrias por certo encerrarão seus negócios. Desde que nascemos até o dia em que morremos, a música esteve, está e estará sempre presente em nossas existências. Respiramos o ar que nos mantêm vivos; escutamos a música e apreciamos as artes em geral, o que nos relaxa, emociona, nos faz sonhar, nos faz viver. Mas boa parte dos nossos deputados e senadores lamentavelmente não se dão conta disso. Talvez por esse motivo deixam de promulgar uma lei assegurando aposentadoria especial aos artistas, autores e atores, e/ou outorgando-lhes alguma isenção de impostos ou outro beneficio qualquer. Em sentido contrário, o que vemos com tristeza é a apresentação de diversos projetos de lei visando a restringir progressivamente os direitos das referidas categorias, com a concessão indiscriminada de isenções, e a interferir indevida e abusivamente na gestão coletiva ou individual de seus direitos, especialmente no campo da execução pública de obras musicais, lítero-musicais e de fonogramas. A pretensão do Estado de flexibilizar os direitos de autores e artistas representa uma nefasta ingerência, claramente inconstitucional, em relações jurídicas regidas pelo direito privado. Por favor, senhores parlamentares, ponham a mão na consciência. JORGE COSTA, advogado, autor, é presidente da Sociedade Brasileira de Administração e Proteção de Direitos Intelectuais - Socinpro e vice-presidente da Federação Iberolatinoamericana de Artistas Intérpretes e Executantes - Filaie * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-18
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1720400-ponham-a-mao-na-consciencia.shtml
Mais do mesmo na OMC
O cenário é bastante desanimador na 10ª Conferência Ministerial da OMC (Organização Mundial do Comércio), que será realizada até esta sexta (18) em Nairóbi, no Quênia. Na pauta permanece a negociação da Rodada Doha, focada na temática do desenvolvimento. Após pequenos, mas importantes, avanços na última Conferência Ministerial em Bali, esperava-se concluir a rodada logrando conquistas principalmente na área de agricultura. Porém, em sua primeira conferência na África, o provável fracasso demonstrará certo simbolismo. Ainda é evidente a desigualdade na balança de poder na negociação entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Sem os avanços esperados nas tratativas em agricultura, o comércio agrícola continuará a ser regido por regras internacionais de interesse somente dos países desenvolvidos. Na falta de resultados da Rodada Doha, eles avançam na criação de novas regras por meio de mega acordos regionais que prejudicarão ainda mais o acesso a bens agrícolas dos países em desenvolvimento. Nesse contexto, onde se encaixa o Brasil e a agricultura brasileira? A posição do governo sempre foi a de buscar um pacote robusto nas negociações agrícolas, levando em consideração o potencial distorcivo das políticas de apoio doméstico e de subsídios à exportação. No Brasil, as perdas do contínuo fracasso das negociações da Rodada Doha crescem ao tamanho da importância do agronegócio para o país. Nos últimos anos, o setor tem garantido o crescimento econômico do país e apresentado ganhos de produtividade não registrados em outras áreas da economia. O nosso país, que se tornou uma potência agrícola por conta da competitividade e excelência dos seus produtores, fez o seu papel. Defende um tratamento sério e justo para a agricultura na OMC, organização que nasceu para trazer maior equidade nas práticas comerciais. A agricultura é parte fundamental das economias dos países em desenvolvimento. Avanços no comércio agrícola são ferramentas para a prosperidade desses países. Como setor privado, podemos apenas indicar o caminho. E esse caminho deve ser na direção da maior liberalização do mercado. É necessário desenvolver um mecanismo, na OMC, para monitorar as políticas agrícolas de seus membros e evitar que elas gerem grandes distorções nas trocas entre países. É imprescindível eliminar os subsídios às exportações e os subsídios à produção de caráter desleal. A solução permanente para a questão dos estoques públicos para fins de segurança alimentar deve ser fundamentada e orientada para o mercado e para os preços internacionais, pois o uso sem racionalidade e transparência desses estoques podem causar danos potenciais aos produtores brasileiros. Por fim, o pilar de acesso a mercados, encolhido por acordos bilaterais e regionais, precisa voltar ao âmbito multilateral para ser mais justo e universal. Existe um caminho possível, mas a falta de vontade política e de compromisso dos membros da OMC traz desalento às expectativas. As previsões indicam que o sistema multilateral de comércio, se milagres não ocorrerem, entregará na África nada mais nada menos do que a mesma história de sempre. JOÃO MARTINS DA SILVA JUNIOR, 74, produtor rural, é presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-17
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1720006-mais-do-mesmo-na-omc.shtml
Cunha quer se salvar escondendo-se atrás de Dilma e do PT, afirma leitor
Legítimo, com certeza (Meu legítimo direito de defesa )! Importante peça para mostrar com clareza a lisura, a boa conduta, a bela história de vida política de Eduardo Cunha, desde os tempos da Telerj até hoje, liderando com dignidade a Câmara. Nada de contas na Suíça, de uso do poder para atrapalhar processos e de mentiras. Vimos a PF fazendo busca e apreensão na casa do deputado. Espero nova carta com desmentidos. Não resisti à ironia. CARLOS VALMER P. THOMÉ DA SILVA (Rio de Janeiro, RJ) * * Eduardo Cunha quer se salvar da cassação escondendo-se atrás de Dilma e do PT. Acusar a Folha de defender Dilma chega a ser hilário, pois, para a mídia em geral, o PT é o lobo mau. Por muito menos, mais da metade dos envolvidos na Lava Jato está presa. APARECIDO RIBEIRO (Bauru, SP) * Eduardo Cunha atira no mensageiro que aponta o desejo de expressiva parcela da opinião pública. Também é um indicativo de sombras pairando sobre o presidente da Câmara a sua preocupação com uma possível prisão de sua mulher e filha. Haveria algo de criminoso nas ações das familiares do deputado? Afinal, é usual transferir "bens" para terceiros para se proteger e elas não têm direito a foro privilegiado. ÂNGELA LUIZA S. BONACCI (Pindamonhangaba, SP) * Estão corretos o presidente da Câmara e os corruptos no exercício de seus mandatos em invocar o legítimo direito de defesa. Está na Constituição, mas também está na boca do povo que "quem não deve não teme". Não entendo por que insistir em protelar um julgamento, gastando um caminhão de dinheiro. OSMAR G. LOUREIRO (Cravinhos, SP) * Eduardo Cunha teme a prisão da mulher, o que é justo, afinal mulher, filhos, cunhados, quando se beneficiam do ilícito, têm corresponsabilidade ou algum termo jurídico mais correto. Nós, cidadãos trabalhadores, tememos pela impunidade, não só dos políticos com dinheiro ilícito e desvios comprovados, mas também dos que desrespeitam a Lei de Responsabilidade Fiscal. OTAVIO DE QUEIROS (São Paulo, SP) * O Brasil carece de grandes lideres. A grandeza de um "gigante" é a percepção de quão nocivo ele pode estar sendo para a nação e para seu povo. Quando o líder carece dessa constatação, ele se transforma em um " gnomo institucional". Gigantes sabem o momento de renunciar. RICARDO PEDREIRA DESIO (São Paulo, SP) * * Reduzir a meta fiscal para satisfazer a base aliada e ganhar ponto com isso? O que de fato deve ser feito é olhar o país como um todo, investir mais, priorizar as exportações, ganhar a confiança mesmo nesse cenário e fazer que o Brasil volte a crescer. SONIA VALENTIM PEIXOTO (São Paulo, SP) * O irretocável e contundente artigo do deputado Eduardo Cunha expressando, energicamente, que jamais deixará de exercer seu direito de defesa, esclarecendo fatos e retrucando maledicências, leviandades e mentiras de seus covardes e cínicos detratores leva-me a recordar trechos da carta de minha autoria sobre o presidente da Câmara: Eduardo Cunha deu à Câmara um atributo que jamais foi introduzido na sua história: independência e, em sequência, autoridade. Isso contrariou muitos setores públicos e privados. Tem muitas forças sorrateiras e venais atrás da perseguição montada contra ele. Mas Cunha é homem de fibra. VICENTE LIMONGI NETTO (Brasília, DF) * A Folha vai ficar quieta com o puxão de orelhão dado por Cunha? Depois dessa, o jornal deveria se posicionar nitidamente e mostrar o poder de fogo da imprensa e a favor da democracia, já que o que está acontecendo é uma afronta aos cidadãos de bem deste país! Esses caras são empregados do povo, são pagos com o nosso dinheiro. CLAUDIR JOSÉ MANDELLI (Tupã, SP) * Faltou, no artigo de Eduardo Cunha, ele denunciar o golpismo do STF, que se imiscuiu no trâmite do impeachment de forma totalmente indevida e favorecendo o governo Dilma. A atuação do presidente da Câmara tem sido muito protocolar no trato com o STF na questão do impeachment. Ele devia ser menos politicamente correto. RAFAEL ALBERTI CESA (Caxias do Sul, RS) * PARTICIPAÇÃO Os leitores podem colaborar com o conteúdo da Folha enviando notícias, fotos e vídeos (de acontecimentos ou comentários) que sejam relevantes no Brasil e no mundo. Para isso, basta acessar Envie sua Notícia ou enviar mensagem para leitor@grupofolha.com.br
2015-12-17
paineldoleitor
Painel do Leitor
http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2015/12/1720046-cunha-quer-se-salvar-escondendo-se-atras-de-dilma-e-do-pt-afirma-leitor.shtml
Socialdemocracia no século 21
A socialdemocracia surgiu de cisão do socialismo alemão no século 19. Em oposição à revolução comunista de Karl Marx, criou-se uma dissidência que pregava a promoção pacífica do socialismo no processo democrático-parlamentar. O apogeu da socialdemocracia ocorreu na Europa pós-1945, quando o Estado de bem-estar social combinou capitalismo e amplo sistema de benefícios sociais, como meio-termo entre a União Soviética comunista e a economia de mercado estadunidense. No Brasil, a socialdemocracia foi a via média entre o nacional-estatismo e o "Centrão" conservador na Assembleia Constituinte, com uma perspectiva de centro-esquerda decisiva para a Constituição de 1988. Replicou-se o sistema do Estado de bem-estar social europeu, que, entretanto, tinha sua viabilidade fiscal desafiada desde os anos 1970, com o fim da bonança do pós-guerra. Não surpreende que o sistema adotado pela Constituição Federal tenha acarretado gastos governamentais crescentes nas últimas décadas. Diante da deterioração corrente das finanças públicas, com as mazelas econômicas consequentes, espera-se, ou melhor, torce-se para que a sociedade brasileira entenda que não é possível atender todas as demandas contempladas em um amplo Estado de bem-estar social. As despesas precisam caber no orçamento que a sociedade transfere ao Estado. É necessário, portanto, estabelecer prioridades. Desde os seus primórdios, a socialdemocracia priorizou o trabalhador, elo mais vulnerável do conflito distributivo expresso na luta de classes. No século 21, em que ainda pese a necessidade de se combater a pobreza e redistribuir renda, o principal conflito distributivo que se desenha é o de gerações. Com a degradação do meio-ambiente, assim como o envelhecimento demográfico, empenha-se o futuro de modo flagrantemente insustentável para que a geração corrente possa consumir e receber benesses governamentais. Cabe à socialdemocracia do século 21 seguir sua tradição ideológica e priorizar o elo mais frágil e vulnerável deste conflito distributivo: as gerações vindouras. Até porque a natureza deste conflito é muito mais perversa do que a do conflito de classes. Ao contrário dos movimentos trabalhistas, não é possível às gerações futuras se organizar para defender seus direitos. Se as crianças, os recém e não nascidos pudessem se fazer representar, pipocariam Brasil afora manifestações exigindo a reforma da previdência. Na ausência desta, o próprio governo projeta que, em 2050, as despesas públicas com a previdência serão 12,6 por cento do PIB. A magnitude dos tributos que incidirão, direta e indiretamente, sobre a renda futura das crianças de hoje (e de amanhã) será proibitiva. A reforma da previdência, portanto, não se destina apenas a contribuir para o necessário reequilíbrio fiscal, mas também proteger as gerações futuras. Mais uma vez, se os não nascidos pudessem ser expostos às projeções alarmantes, ainda que incertas, sobre os efeitos do aquecimento global, estes exigiriam prioridade ao tema. Caso a trajetória de aquecimento global não seja mitigada, um estudo recém-publicado pela revista britânica "Nature" estima que, em 2100, o PIB per capita brasileiro será 83% menor do que aquele que vigoraria em um mundo sem mudanças climáticas. É imperativo, portanto, que o progresso de hoje permita às gerações futuras usufruir de condições ambientais ao menos semelhantes às atuais. O mundo mudou faz tempo. A dimensão do conflito distributivo, que exige uma atenção maior da socialdemocracia, já não é a luta entre o trabalho e o capital, mas a luta entre o cidadão de hoje e o cidadão de amanhã. É notável que as supostas forças brasileiras de esquerda, ao centrar seu discurso nos oprimidos, não se levantem em defesa daqueles que, de todos, são os mais vulneráveis. Cabe à socialdemocracia brasileira retomar para si bandeiras associadas erroneamente pelo senso comum "à direita", como a reforma da previdência, e "à esquerda", como a sustentabilidade. Nossos filhos e netos agradecem. EDUARDO ZILBERMAN, 33, é doutor pela Universidade de Nova York e professor de economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio IGOR ABDALLA, 34, é doutor pelo Instituto Universitário Europeu, professor do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio e presidente do Instituto Teotônio Vilela - Rio de Janeiro * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-17
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1719931-socialdemocracia-no-seculo-21.shtml
Desastre anunciado
Não foi por falta de aviso. Há muito tempo o governo Dilma Rousseff (PT) sabe –ou deveria saber– que o descaso com as contas públicas levaria o país a deixar de ser considerado um destino seguro para investimentos internacionais. Em setembro, a agência de classificação de risco Standard & Poor's retirou do Brasil o selo de bom pagador. Nesta quarta-feira (16), outra empresa, a Fitch, tomou a mesma decisão. Por infeliz coincidência, o segundo rebaixamento da nota de crédito se deu no mesmo dia em que o Fed (o banco central dos EUA) resolveu subir o teto dos juros americanos (de 0,25% para 0,5%) pela primeira vez em quase uma década. As consequências desse quadro são nefastas. Verdade que boa parte dos efeitos deletérios vêm sendo registrados há meses. Um deles se traduz no chamado risco Brasil (medida do preço de um seguro contra calote do país), que quase dobrou de junho para cá e é um dos maiores do mundo. Ainda assim, alguns resultados da perda do selo de bom pagador podem ser reforçados. Fundos de pensão estrangeiros, por exemplo, muitas vezes têm estatutos que proíbem aportes em locais considerados arriscados por pelo menos duas das principais agências. Mesmo os investidores internacionais que não se veem formalmente obrigados a se desfazer de mais papéis brasileiros se sentirão na prática compelidos a fazê-lo. Isso porque as agências de classificação de risco, ainda que por vezes de forma tardia, resumem uma percepção geral: como a administração Dilma não se mostra capaz de interromper a explosiva trajetória de crescimento da dívida pública, cada vez menos gente confia na solvência do governo. A fuga de recursos para o exterior reforça o processo de desvalorização do real, que por sua vez estimula o aumento da já elevada inflação (pelo repasse dos preços de produtos importados). A alta de juros norte-americanos agrava a situação. Embora o mercado financeiro já se preparasse desde 2013 para a resolução do Fed, a nova taxa pode ampliar o fluxo de recursos para os EUA e intensificar a valorização do dólar diante da maior parte das moedas. Diga-se que a elevação de 0,25 ponto percentual é em si mesma pequena; o Fed, ademais, reafirmou que os próximos passos serão lentos, argumentando que a inflação nos EUA permanece baixa e convém observar o impacto que terá a decisão atual. Por causa disso, talvez alguns países até percebam certo alívio nas próximas semanas. Dificilmente, contudo, este será o caso do Brasil. Em cinco anos, Dilma Rousseff desfez duas décadas de avanços na política econômica e deixou a sociedade exposta a uma tempestade perfeita que a arrasta para uma recessão cada vez mais profunda. editoriais@grupofolha.com.br
2015-12-17
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1720065-desastre-anunciado.shtml
Professora aposentada critica artigos sobre escolas ocupadas em São Paulo
Causa revolta a atitude irresponsável de alguns articulistas que escrevem o que não sabem. Quer conhecer uma escola pública? Vá trabalhar nela e sinta o que realmente se passa no recinto. Escola não é "sagrada", é necessária. Que fique claro para Tati Bernardi que fechar escolas, quando não há aluno, faz bem para o bolso do contribuinte (Borracha neles! ) e para Antonio Prata que a meia dúzia de alunos que encontrou acampados na escola não representa o universo de alunos que temos (Numa escola ocupada ). Lecionei 27 anos no ensino médio e saí ofendida, injuriada com a indisciplina e falta de vontade de estudar dos educandos. * PARTICIPAÇÃO Os leitores podem colaborar com o conteúdo da Folha enviando notícias, fotos e vídeos (de acontecimentos ou comentários) que sejam relevantes no Brasil e no mundo. Para isso, basta acessar Envie sua Notícia ou enviar mensagem para leitor@grupofolha.com.br
2015-12-17
paineldoleitor
Painel do Leitor
http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2015/12/1720059-professora-aposentada-critica-artigos-sobre-escolas-ocupadas-em-sao-paulo.shtml
Fissuras na base
Aos poucos vai ficando claro que não há por que precipitar-se no processo de elaboração da Base Nacional Comum Curricular. A afobação do Ministério da Educação (MEC) produziu um documento preliminar eivado de falhas graves. Cabe agora debatê-lo com o vagar imprescindível quando se trata de definir o que cada criança tem o direito de aprender, e cada professor, o dever de ensinar. Teve início nesta semana o exame de cerca de 8 milhões de sugestões encaminhadas ao MEC na consulta pública aberta em meados de setembro. Pelo calendário fixado, a comissão de especialistas deveria produzir uma nova proposta para exame e adoção, até junho, pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). Falta ainda transparência, contudo, sobre como se efetuará a análise das contribuições. Que critérios serão utilizados? Por quem? De que modo o público poderá exercer controle sobre essa filtragem? Cabe ao MEC esclarecer melhor essa tramitação. Caso contrário, manterá vivas as dúvidas sobre sua capacidade de presidir a deliberação sem ceder à influência indevida de grupos ideológicos. No primeiro documento da base nacional divulgado, essa ingerência se mostrou patente nas diretrizes para ciências humanas. Em especial, manifesta-se no capítulo de história, que despreza períodos inteiros da evolução do Ocidente, como a Antiguidade Clássica. No de linguagem, há desvalorização inaceitável da gramática e da aquisição de competências como leitura e escrita. Especialistas criticam ainda certo desfalque na coerência interna, como lacunas na progressão do aprendizado. E não é só o conteúdo do texto, mas o que ele não cobre. A primeira versão da base carece de clareza quanto ao que deve preencher os 40% do tempo letivo reservados à "parte diversificada". Muitos a interpretaram como espaço para regionalização do conteúdo, mas isso não faz sentido em relação à matemática, por exemplo. Por fim, há a questão da implementação do currículo comum. Como será compatibilizado com os já definidos em alguns Estados? E que efeitos terá sobre a formação e a avaliação de professores? Restam questões demais em aberto para esperar desfecho razoável até junho. A pressa, no caso, só interessa àqueles que preferem esquivar-se do escrutínio público e preservar espaço para usar a escola como aparelho ideológico. editoriais@grupofolha.com.br
2015-12-17
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1720066-fissuras-na-base.shtml
Meu legítimo direito de defesa
A Folha tem todo o direito de expressar sua opinião, mas o fez de forma agressiva e desproporcional, na "Primeira Página", na edição de domingo (13). A Folha também tem todo o direito de defender o governo Dilma Rousseff e se posicionar contra o processo de impeachment. No entanto, confundir o exercício do meu legítimo direito de defesa, pautado integralmente na legalidade, com manipulações e métodos inadmissíveis reflete princípios ditatoriais, onde o justiçamento se sobrepõe ao julgamento democrático. Ou será que os advogados da Folha não usam todos os instrumentos legais disponíveis para a defesa do jornal nas ações em que ele é parte? Isso é o exercício do direito de defesa que conquistamos com a Carta Magna de 1988. Da mesma forma, repudio o tratamento desonroso dispensado aos parlamentares que se manifestam contra decisões que afrontam o regimento interno da Câmara dos Deputados. Eles agem em respeito aos deveres de seus respectivos mandatos e não como meros defensores de meus interesses. Seriam aqueles que agem de acordo com o interesse da presidente da República simples cumpridores de ordens do Palácio do Planalto? Sem reconhecer o legítimo e constitucional direito de defesa, a Folha chega ao ponto de afirmar, em reportagem interna da edição do mesmo dia, que a apresentação de defesa dentro de seu prazo a uma denúncia contra mim é ação protelatória de meus advogados. O jornal também ignora o fato de que uma denúncia contra o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), está há quase três anos sem apreciação. O meu papel no processo de impeachment já foi concluído com a aceitação dada. A decisão futura será colegiada e, inclusive, objeto de discussão no STF (Supremo Tribunal Federal), que, ao que parece, definirá as regras do processo. Há três meses, em 13/9, a Folha publicou longo editorial, também na "Primeira Página", com o título "Última Chance". Pregava a renúncia da presidente caso inúmeras condições não fossem atendidas. Pois bem: tais condições não foram atendidas, a presidente não renunciou, e o jornal não mais se pronunciou sobre isso, sugerindo que a sua posição mudou conforme o verbo do momento. Deixemos que as instituições funcionem e que o processo siga o curso previsto sob a Constituição. Quanto a mim, perante o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, sou acusado de supostamente ter mentido em uma CPI instalada por mim mesmo, onde compareci de forma espontânea, sem ser convocado, sendo, aliás, o único político citado a fazê-lo. Jamais faltei com a verdade, segundo parecer de grande jurista. Jamais a Folha analisou ou criticou o conteúdo do parecer entregue aos seus jornalistas. Os leitores do jornal desconhecem o referido parecer e os argumentos de meus advogados. Voltamos aos tempos de exceção, quando somente a voz do Estado acusador é reconhecida como a única verdade a ser publicada. Aliás, por falar no Estado, o que diz a Folha sobre as mentiras da presidente Dilma e seu governo, que, pelo mesmo princípio, mereceria a deposição? O governo chega até a mentir oficialmente, atribuindo ao vice-presidente, Michel Temer (PMDB), supostas conversas com Dilma, posteriormente desmentidas por ele. A mentira é hábito do governo petista e não exceção em seu comportamento; isso sem contar as barganhas espúrias feitas à luz do dia para tentar se preservar. Defendo integralmente que a Folha exerça sua opinião e a manifeste em editorial, mas creio que o bem da democracia, que o jornal sempre defendeu, não condiz com agressões e adjetivações caluniosas e tratamentos desiguais. Submeto-me ao Judiciário com zelo, respeito e obediência, como deve ser em um Estado de Direito. Somente ele, o Judiciário, pode contestar qualquer ato ou conduta que macule o ordenamento jurídico. A Constituição Federal, as leis e o regimento interno da Câmara são sim minhas únicas armas institucionais. Como a Folha escreveu, "Já chega", basta de hipocrisia sobre o meu direito constitucional de defesa. EDUARDO CUNHA, 57, deputado federal (PMDB-RJ), é presidente da Câmara dos Deputados * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-16
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1719502-meu-legitimo-direito-de-defesa.shtml
A improbidade, o impeachment e o Supremo
O impeachment surge na Inglaterra, na Idade Média, como um processo criminal perante o Parlamento. Ao transplantar-se para os EUA, no século 18, deixou de ser utilizado como instrumento de punição à pessoa, para traduzir a proteção do Estado contra os abusos da autoridade, seja por ações ou omissões, dolosas ou culposas, tal como proclamado na Constituição norte-americana, no art. 2º, Seção 4ª, que abandonou o modelo inglês. No Brasil, adotou-se o modelo norte-americano: o impeachment por crime de responsabilidade não tem natureza de processo penal, mas político, ou penal/político, ainda que dotado de características próprias do devido processo legal. Por revestir-se de caracteres mistos (políticos e jurídicos), exige formalidades previstas na Constituição e na lei nº 1.079/50. Cabe à Câmara dos Deputados receber, instaurar o processo e aprovar a acusação, e ao Senado Federal o julgamento final. E o Judiciário não pode controlar ou contestar o mérito político do julgamento realizado pelo Legislativo, salvo se houver vícios formais no processo. Uma causa ampla para impeachment é a improbidade administrativa, modalidade de crime de responsabilidade (lei nº 1.079/50), que expõe seu autor, quando presidente da República, a processo de perda do cargo. A improbidade pode ser arguida como forma de má gestão pública, caracterizada por desonestidade ou incompetência administrativa. A origem da expressão –improbitas– indica falta de honra e isso não significa apenas desonestidade, pois alcança a intolerável incompetência administrativa ou gerencial no trato da coisa pública. Todas as Constituições republicanas contemplaram a improbidade como forma de crime de responsabilidade dos governantes. E a legislação anterior, desde o Império, abrigava a responsabilização dos altos ministros do Rei por inaptidão notória ou desídia habitual, dentre outros ilícitos culposos. Assim, quem não demonstra competência, pode também não ter probidade. De acordo com a lei nº 1.079/50, os crimes de responsabilidade têm natureza essencialmente política e, por sua gravidade, atentam contra a probidade na administração e contra os deveres de honestidade ou eficiência que se exigem do governante. Constitui crime de responsabilidade omitir ou retardar a publicação das leis e resoluções do Legislativo ou dos atos do Executivo. Neste caso, há necessidade de que se faça presente o agir doloso. Porém, de modo mais aberto, noutras hipóteses o legislador silenciou quanto à exigência de atuações dolosas do presidente, tanto que a lei tipificou a conduta de quem procede de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo, sem nada mencionar sobre dolo ou culpa. Assim, a improbidade pode caracterizar-se por atitudes intencionais ou não. Pessoas bem intencionadas podem destruir vidas alheias e nações inteiras. São os parlamentares que julgam o presidente, a partir do processo do impeachment, em que devem constar as acusações e as descrições dos crimes cometidos, o que envolve ilícitos e nexos de causalidade entre ações, omissões e resultados lesivos aos interesses da Nação. O Parlamento, todavia, é soberano na avaliação dos fatos, provas e julgamento, inclusive não se vinculando à narrativa da denúncia, tanto que o voto não é fundamentado (sendo ou não secreto). Há crimes de responsabilidade que atentam contra as leis orçamentárias ou contra a guarda e legal emprego de dinheiros públicos, ligados à Lei de Responsabilidade Fiscal (lei nº 10.028/2000), pois houve uma absorção dos ilícitos de irresponsabilidade fiscal pela Lei do Impeachment. Esses ilícitos estão ligados ao princípio da boa governança pública e à eficiência administrativa. Trata-se de exigir dos governantes algo mais do que honestidade: deve-se exigir pautas mínimas de eficiência e correção no proceder, lastreando-se sua sustentação política no Parlamento e no princípio democrático. FÁBIO MEDINA OSÓRIO, 48, é presidente do Instituto Internacional de Estudos de Direito do Estado - IIEDE * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-16
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1719324-a-improbidade-o-impeachment-e-o-supremo.shtml
De volta à gramática
Com a presença de grandes especialistas da área, a ABL (Academia Brasileira de Letras) promoveu um ciclo de conferências sobre a valorização da língua portuguesa. O evento é coerente com o artigo 1º do seu pétreo estatuto, assinado por Machado de Assis, que prevê cuidados especiais com a nossa língua e a literatura nacional. No dia em que falaram os professores Cláudio Cezar Henriques e José Carlos de Azeredo, sob nossa presidência, o tema específico referiu-se à gramática, considerada a essência da linguagem. Hoje, há uma luta surda entre gramáticos e linguistas, com evidentes prejuízos para os estudantes. Uma das consequências dessa realidade é a presença menor da literatura nas questões do Enem, um evidente absurdo, perpetrado por linguistas das universidades oficiais, contratados pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) para a formulação das provas. Esse fato levou a Câmara dos Deputados, por iniciativa da deputada Maria do Rosário (PT-RS), a convocar uma audiência pública para tratar da matéria. Lá estivemos, como representantes da ABL, defendendo o nosso ponto de vista, que coincide com o pensamento da Casa de Machado de Assis: "Sabedora de que as obras literárias oferecem uma possibilidade ímpar para diversificar experiências, compreender o outro, confrontar pontos de vista e ampliar ideias, bem como para refletir sobre valores, reforçar o humanismo e o pensamento crítico, a Academia Brasileira de Letras reitera que o acesso a esse universo da literatura é um direito de todos os cidadãos, um patrimônio de todos os brasileiros que não pode de nenhuma forma ser subestimado". Em manifestação aprovada por unanimidade pelo seu plenário, a ABL insiste na defesa da língua, da literatura e da cultura nacional como patrimônios inalienáveis dos brasileiros, alertando para a necessidade de que não se reduzam os espaços de acolhimento desses elementos no processo educacional. Retornando ao seminário "De volta à gramática", assistido por um grande público no Teatro R. Magalhães Jr., entendemos que não se deseja a gramática limitada a um rol de recomendações que discriminam formas corretas ou erradas, ou a uma lista de classes e respectivos rótulos, mas a gramática como o sistema que organiza as estruturas da língua no exercício de suas infinitas possibilidades significativas e de suas variadas finalidades socioculturais. Num país em que 14 milhões de estudantes não têm acesso a qualquer tipo de biblioteca, nem mesmo às chamadas salas de leitura, manifestamos igualmente nossa preocupação com a deficiente formação de professores e especialistas, em todos os níveis, quando é sabido que o ideal seria o seu aperfeiçoamento e o necessário contato com a literatura, de modo a valorizar esse importante legado. ARNALDO NISKIER, 80, é membro da Academia Brasileira de Letras e presidente do CIEE - Centro de Integração Empresa-Escola no Rio de Janeiro * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-15
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1719061-de-volta-a-gramatica.shtml
Olhos no IDH
Há diversas maneiras de contemplar o índice de desenvolvimento humano (IDH) compilado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Dar atenção demais à variação de um ano para o outro não é a melhor delas. Esse indicador se baseia em três dados básicos: expectativa de vida ao nascer, escolaridade e renda per capita. Com exceção da renda, que pode sofrer alterações mais significativas com a evolução do PIB, não são quantidades que oscilem muito em intervalos de 12 meses. Considerem-se os escores do Brasil em 2013 (0,752) e 2014 (0,755), ambos no patamar de três quartos do caminho até o índice desejável (1). Bastaram para fazer o país ser ultrapassado por Sri Lanka e perder uma posição na lista de 188 países, caindo da 74ª para a 75ª colocação, mas não para eclipsar o avanço na escala de décadas. Desde 1990, quando foi divulgado pela primeira vez, o índice brasileiro melhorou. Saímos de 0,608 para 0,755. Tal evolução não teria sido possível sem a estabilização da economia, sem as políticas de inclusão escolar e sem a queda das taxas de mortalidade infantil. Isso tudo não é, nem poderia ser, obra de um governo ou um partido apenas. Tampouco poderá ser responsabilidade de um demiurgo solitário arcar com tudo que resta por fazer –e muito resta. Não se deve perder de vista que o Pnud também calcula uma variante do IDH que toma em conta o nível de desigualdade. Neste caso se revela muito da iniquidade que ainda perpassa a sociedade brasileira: o país cai 20 posições na classificação, com o constrangedor índice de 0,587. Com essa nota, o Brasil fica entre os países em que a desigualdade mais afeta o desenvolvimento humano. E isso apesar dos avanços obtidos nas últimas décadas, em especial nos governos do PT. No período, a renda familiar per capita dos 10% mais pobres da população progrediu 129%. Esses tempos, porém, ficaram no passado. Em 2014, o crescimento do PIB parou; a renda per capita diminuiu, portanto, vez que a população não parou de crescer. Com a irrecorrível retração do PIB e a piora dos serviços públicos, diante da atrofia de recursos orçamentários que ainda deve perdurar alguns anos, não é difícil prever que, num futuro próximo, o IDH nacional ficará congelado, ou até recuará um pouco. Um legado lamentável do governo Dilma Rousseff (PT). editoriais@grupofolha.com.br
2015-12-15
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1719098-olhos-no-idh.shtml
A mídia está sempre errada
Não é necessário sequer nos focarmos em um caso. A mídia estava errada no caso Samarco/Vale, porque não teria dado, no início, suficiente atenção e cobertura ao desastre ecológico. Esteve equivocada, em seguida, ao dar excessiva cobertura ao massacre na França. Errou ao dar voz e espaço para os defensores do impeachment. Assim, como falhou, também, ao dar, mais recentemente, coro aos que acreditam que seja um golpe democrático. Em todos os casos, insinuam (geralmente, garantem!) relações perniciosas entre empresas jornalísticas e a Vale, ou o governo, ou a oposição. Decretam o fim do jornalismo. Denotam as redes sociais como a única salvação. Em verdade, muitas críticas a respeito de "a" mídia são inocentes, equivocadas ou, simplesmente, destrutivas. Em resumo, pouco compreendem acerca do processo de mediação. Geralmente, baseiam-se em ideias ultrapassadas e mesmo inocentes da imprensa como "espelho" da realidade. Não imaginam que o jornalismo que desejam demandaria um espaço próximo do infinito, assim como um tempo e paciência igualmente extensos para serem acompanhados. Acusam o jornalismo de não cobrir todos os lados da história, entretanto, no fundo, estão esperando que cada acontecimento, cada fenômeno, cada minúcia esteja presente nos relatos. Reclamam de determinados enquadramentos (sem entender como funcionam) ou enfoques, todavia ignoram, por exemplo, que o jornalismo é sempre uma narrativa, uma visão que tenta reconstruir fatos anteriores e que, naturalmente, é sempre subjetivo e incompleto. Ademais, esta narrativa não se resume ou se encerra em um único produto. Simultaneamente, enquanto demandam imparcialidade, exigem, paradoxalmente, mais cobertura, maior destaque a determinado grupo, evento ou causa. Ignoram, por exemplo, que esta cobertura "ideal" está, usualmente, ligada a valores morais, políticos e culturais da pessoa que está emitindo a crítica. Rejeitam ou desconhecem o fato de que não existe "a" mídia. Na verdade, temos um sistema midiático complexo, que não envolve apenas a maligna "grande imprensa", mas que é composto por mídias alternativas, mídias partidárias (esquerda, direita, progressistas, conservadoras), blogs, websites, jornais e rádios comunitárias de agentes da sociedade civil, agências de notícias, assessorias de imprensa de políticos e partidos, agências governamentais, entre outros. Isso tudo não quer dizer que o jornalismo profissional e nosso sistema midiático não mereçam (ou precisem de) críticas. Como é de notório saber, temos um sistema regulatório antigo e ultrapassado, concentração e oligopólios de empresas midiáticas (geralmente controladas por famílias com entradas na política formal), que, em muitas situações, podem afetar diretamente na cobertura jornalística. Mas não matem o jornalismo. Não matem a mídia Não é necessária uma visão romântica do jornalismo para afirmar que este continua mantendo um papel central na produção de visibilidade sobre temas e discussões de interesse público e também no constrangimento às ações de elites e instituições políticas. As redes sociais online têm uma grande importância para acelerar os fluxos da comunicação, especialmente como reverberação de acontecimentos públicos, porém são incapazes de substituir o jornalismo em suas atuais atribuições. Ao contrário, é o intercruzamento entre os diferentes veículos, meios, mídias, que gera maiores possibilidades para nossa democracia. RAFAEL CARDOSO SAMPAIO, 34, jornalista, é doutor em comunicação e professor de ciência política na UFPR - Universidade Federal do Paraná * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-15
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1718899-a-midia-esta-sempre-errada.shtml
Crise econômica e responsabilidade social
O ano de 2015 será lembrado, por nós brasileiros, como um ano de profunda instabilidade política e desaceleração econômica. Os sinais da crise são evidentes: decréscimo do PIB, aumento da inflação, redução de crédito, contração do consumo, queda na arrecadação de impostos e aumento da taxa de desemprego. Em julho, o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) lançou a 23° Edição do Boletim de Políticas Sociais. Nele, evidenciou-se o aumento da extrema pobreza no país. O mesmo documento correlacionou esse fato à crise econômica e ao desemprego. O Estado de São Paulo não passou ileso por esse processo de empobrecimento. A Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado registrou maior procura da população pelos serviços oferecidos pelos Cras (Centro de Referência de Assistência Social), que contam com 1.071 unidades presentes em 641 municípios do Estado. Além disso, também registrou aumento na ordem de 15% na busca por refeições nos 49 restaurantes populares Bom Prato em todo Estado. De um lado, as demandas são sinais do recrudescimento da pobreza e aumento da exclusão social, com o crescente aumento da situação de vulnerabilidade; de outro, refletem a queda na receita das três esferas de governo. Diante da situação atual, o governo do Estado de São Paulo tomou medidas arrojadas para reverter este quadro. O governador Geraldo Alckmin instituiu o Fundo Estadual de Combate à Pobreza, cujos recursos serão aplicados em programas de assistência social, nutrição, habitação, educação e saúde. No conjunto das medidas, foi reduzido o ICMS dos medicamentos genéricos e zerado o imposto do arroz e do feijão. Além disso, houve diminuição da carga tributária da areia, produto essencial para a construção civil, a fim de manter o estímulo ao emprego. Para abastecer o Fundo de Combate à Pobreza, as alíquotas de ICMS sobre cerveja e fumo serão elevadas de 18% para 20% e de 25% para 30%, respectivamente. O governo apenas equipara o ICMS da cerveja com outras regiões do país. Dois por cento deste ICMS abastecerá o fundo com R$ 1 bilhão por ano. O governo pretende arrecadar R$ 3 bilhões, sendo que destinará R$ 1 bilhão para o fundo, R$ 1,5 bilhão para manter serviços e investimentos e R$ 500 milhões para municípios do Estado. O projeto que acaba de ser aprovado pela Assembleia Legislativa começa a valer a partir de 1º de janeiro de 2016. A Secretaria de Desenvolvimento Social possui um orçamento anual de quase R$ 1 bilhão. O fundo aumentará consideravelmente os recursos disponíveis, quase duplicando o orçamento, para podermos responder às necessidades sociais do Estado neste momento de crise aguda. Estamos no caminho certo! A aprovação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) em julho de 2005 foi uma grande vitória! Com ele superamos o assistencialismo e o individualismo. O Fundo Estadual de Combate à Pobreza vem para fortalecer as políticas públicas, numa filosofia que visa a dignidade do atendido e a possibilidade de rompimento com a miséria, mantendo também nossa responsabilidade fiscal. FLORIANO PESARO, 47, é secretário Estadual de Desenvolvimento Social de São Paulo * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-14
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1718190-crise-economica-e-responsabilidade-social.shtml
Conquistas e desafios do Ministério Público
A busca pela reparação aos danos ambientais da tragédia de Mariana; a intervenção para processar e punir os envolvidos nas operações Lava Jato e Zelotes; a utilização de recursos do Fundo de Interesses Difusos no restauro do Castelinho da rua Apa, na capital paulista; e a atuação na defesa do direito das crianças e mães por vagas em creches em todo estado de São Paulo são ações aparentemente desconexas, mas que têm em comum o protagonismo do Ministério Público na defesa dos direitos difusos, da sociedade, da democracia e da justiça. A Constituição de 1988 incumbiu ao MP a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais, difusos e individuais indisponíveis. Tais atribuições, juntamente com sua independência e autonomia em relação aos demais poderes, colocam o MP brasileiro em patamar superior em comparação com outras legislações do mundo. Em verdade, a nenhuma outra instituição brasileira foi atribuída, de forma explícita e direta, pelo legislador, a tarefa de zelar pelos direitos constitucionais, promovendo as medidas necessárias à sua garantia. Tem o MP o dever de impedir o uso seletivo das normas, democratizando o acesso à Justiça e opondo-se a eventuais interesses políticos e econômicos que se afastem das premissas delineadas pela Carta da República. Para dar conta de todas as missões das quais foi incumbido, o MP precisou se qualificar, se equipou, evoluiu. Deixou para trás a lendária figura do Promotor de Justiça e sua máquina de escrever, símbolo de heroísmo nas décadas anteriores, aquele que se esmerava visando a punição penal ao criminoso individual, e passou a se aproximar de forma cada vez mais intensa dos problemas da sociedade. Aprendeu a trabalhar em rede, em parceria com outras instituições e com a sociedade civil. Abriu inúmeras frentes de atuação: proteção à infância e juventude, às pessoas com deficiência, aos idosos, às mulheres vítimas de violência, ao meio ambiente, aos direitos do consumidor, o combate às organizações criminosas. Tornou-se uma instituição que participa ativamente do processo de construção da cidadania, atuando em defesa dos ostensivamente mais fracos. O futuro demanda do MP uma aproximação ainda maior dos problemas brasileiros, onde quer que eles estejam. A atuação deve ser prioritariamente preventiva e não reativa. Assim, se os brasileiros apontam a corrupção como o maior problema do país, temos de aprimorar ainda mais os instrumentos de controle e transparência. Se são as jovens mulheres negras as que mais sofrem com a violência, são elas que precisam receber especial atenção. Se são os jovens a maioria da população carcerária, temos de voltar nossa ação para resgatar uma geração. Se a violência policial alcança números alarmantes, temos de fazer justiça e reforçar o caráter exemplar da pena. Esses são apenas alguns exemplos. No seu dia nacional, 14 de dezembro, o MP tem a comemorar a respeitabilidade que angariou junto ao povo brasileiro, que se expressou no movimento de rejeição à PEC 37, que pretendia tolher nossos poderes de investigação. A ocasião também nos convida a resgatar sua história e projetar seu futuro. Assim como a sociedade, o MP não está pronto e acabado. Avança de acordo com as necessidades e requer cada vez mais conhecimento, independência, dinamismo e criatividade. É uma obra coletiva que cresce e se aperfeiçoa na coragem, no trabalho e no idealismo de seus membros. ELOISA DE SOUSA ARRUDA, 54, procuradora de Justiça, foi secretária estadual da Justiça e da Defesa da Cidadania de São Paulo (2011-2014) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-14
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1718153-conquistas-e-desafios-do-ministerio-publico.shtml
O patrimônio de portas abertas
Nesse final de semana, São Paulo estava novamente em festa. Para sensibilizar os cidadãos sobre a necessidade de proteger o patrimônio e, ao mesmo tempo, mostrar que ele está vivo e que pode estar integrado ao cotidiano da cidade, a Secretaria Municipal de Cultura (SMC), através do seu Departamento de Patrimônio Histórico (DPH), promoveu a Jornada do Patrimônio. Inúmeras entidades e proprietários aceitaram o convite de abrir seus imóveis de interesse histórico para o público, incluindo visitas guiadas e roteiros que permitiram conhecer melhor a nossa história. Para dar mais vida aos espaços e atrair um público leigo ainda não habituado a esse tipo de programa, foram agendados nesses edifícios inúmeros eventos artísticos –apresentações de música, teatro, cinema e dança, além de debates e palestras. A proposta se relaciona com a educação patrimonial, elemento essencial para massificar o interesse da população sobre esse tema. A Jornada marca o esforço que a SMC está fazendo para integrar o patrimônio na efervescente vida cultural da cidade, de modo articulado com o desenvolvimento urbano e econômico. Ao invés de ser visto como um obstáculo, a preservação da memória deve ser vista como um ativo, que gera oportunidades para os proprietários e um leque imenso de possibilidades de uso e fruição. Dessa forma, avançamos na política de preservação, que hoje sensibiliza especialistas, movimentos urbanos e coletivos culturais, mas ainda está longe do grande público. O acelerado crescimento de São Paulo gerou a destruição de bens culturais relevantes, sob o argumento de que "era o preço do progresso". Privada de edifícios representativos, mirantes e paisagens, a cidade foi ficando sem memória e identidade, processo que a criação do Iphan e do tombamento, em nível nacional, em 1937, não conseguiu interromper. Essa trajetória começou a ser alterada há 40 anos, em 1975, quando foi criado o DPH, no âmbito da política cultural do municipal, e realizado um grande inventário dos bens de interesse arquitetônico e urbano. Esses bens foram incluídos no zoneamento como uma nova "zona" (Z8/200), que passou a protegê-los do processo imobiliário. Em 1985, a lei nº 10.035 criou uma legislação municipal abrangente, com a instituição do Conpresp e do tombamento municipal. Com o Plano Diretor de 2002 ocorreu um grande avanço, pois a política patrimonial passou a se articular com o desenvolvimento urbano. Foram criadas as Zepec's para proteger edifícios, conjuntos urbanos, bairros e paisagens. Em 2014, o novo Plano Diretor ampliou esse conceito, criando as Áreas de Proteção Cultural (Zepec-APC), que protegem, sem engessar sua transformação, "lugares" significativos para a memória e identidade da cidade, como cinemas e teatro de rua e outros espaços, mesmo que não tenham interesse como bens arquitetônicos. Os avanços têm sido significativos, mas ainda é pouco. As Jornadas marcam também algumas iniciativas concretas de política patrimonial do município. Além da promulgação do decreto de regulamentação das Zepec-APC, está sendo lançado o "selo de valor cultural da cidade de São Paulo", um instrumento que identifica os locais de reconhecido valor cultural. Esperamos que, em breve, possamos comemorar a criação de novos mecanismos para financiar a recuperação do nosso patrimônio. As Jornadas poderão contribuir para esse resultado. NABIL BONDUKI, professor titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, é secretário municipal de Cultura de São Paulo. Foi o relator do Plano Diretor Estratégico na Câmara Municipal, aprovados em 2002 e 2014 NADIA SOMEKH, professora titular do programa de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie, é presidente do Conpresp - Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-14
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1718193-o-patrimonio-de-portas-abertas.shtml
Acordo de Paris
O dia 12 de dezembro de 2015 pode ficar na história como a data em que as nações do mundo tomaram a decisão política mais abrangente de todos os tempos: trocar a fonte de energia que propeliu o fantástico crescimento econômico dos séculos 19 e 20. Ou não. O Acordo de Paris, como se batizou o documento adotado na 21ª conferência do clima (COP21), emite um claro sinal para que governos, empresas e cidadãos abandonem sua predileção desmedida por carvão, petróleo e gás natural. Eles são as principais fontes de gases do efeito estufa, como o dióxido de carbono, que se acumulam na atmosfera e a aquecem globalmente. Se esse sinal bastará para um desvio de rota que encerre o domínio dos combustíveis fósseis, contudo –eis aí algo difícil de prever. Há pelo menos duas trajetórias plausíveis conflitantes com o objetivo declarado por 195 países em Paris: impedir que o aquecimento global ultrapasse 2ºC ou, preferencialmente, 1,5ºC. Na primeira delas, aprofunda-se o processo já iniciado de transição energética, dos fósseis para fontes renováveis, mas não em tempo de manter a atmosfera na rota almejada. Já emitimos mais da metade do carbono que pode ser queimado antes de aquele limiar seguro de temperatura ser superado. O CO2 lançado perdura décadas no ar, de modo que a perturbação do clima ora experimentada na Terra em verdade se produziu com o desenvolvimento econômico do passado –de forma predominante nos países ricos. A maior parte dos entraves que arrastaram as negociações climáticas já por um quarto de século decorre da impossibilidade –prática e ética– de exigir que os pobres se desviem desse rumo. No segundo e pior cenário, os combustíveis fósseis seguem reinando. Os preços do petróleo observam uma baixa continuada, derrubados pelo aumento de produção capitaneado pela Arábia Saudita. Enquanto o presidente Barack Obama determinava a guinada na política americana habitual de obstruir as negociações, a economia de seu país produzia a contraditória revolução do gás e do óleo de folhelho (ou xisto). O governo brasileiro se perfilou como hábil intermediário entre ricos e pobres em Paris, mas ainda aposta fundo no pré-sal. Acordos políticos como o de Paris se esforçam por pisar com força no freio, mas os governos que os negociam mantêm o pé no acelerador. Se não adotarem com mais celeridade e afinco, no plano doméstico, políticas capazes de embutir no preço dos combustíveis fósseis o custo ambiental global de sua queima, o limite de velocidade do aquecimento será ultrapassado. Por isso se diz, tantas vezes, que Paris é só o começo. Quase todo o esforço ainda resta por fazer. editoriais@grupofolha.com.br
2015-12-14
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1718631-acordo-de-paris.shtml
O futebol brasileiro vai mudar
A derrota para a Alemanha na semifinal da Copa de 2014 expôs ao mundo o perigoso estágio de paralisia, letargia e atraso do futebol brasileiro. Nos impôs a busca urgente de caminhos que devolvam à nossa seleção a primazia da genialidade e a exclusividade da arte ao jogar o mais belo e completo dos esportes. Afinal, futebol é arte, é gênio e é sinônimo de Brasil. Não se troca governo, não se exorciza os fantasmas do esporte nem se conserta as mazelas de gestões infelizes atropelando leis e ritos. Agir assim é ilegal e ilegítimo, tanto na política quanto no futebol. Fora das regras, tudo é jogo sujo. O futebol brasileiro mudará a partir da base, representada por centenas de ligas amadoras que sustentam competições envolventes, pelos clubes e pelas federações estaduais. Modernizaremos a gestão da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) em quatro eixos. O primeiro é intensificar a capacitação de treinadores, preparadores físicos, supervisores e dirigentes de clubes e federações, processo que já iniciamos. Em segundo lugar, priorizar a capacitação e o treinamento do quadro de árbitros e assistentes, seguindo com rigor as normas da Fifa. O terceiro eixo é criar os campeonatos brasileiros sub-15 e sub-17 e o Brasileiro sub-20 de seleções estaduais. Isso assegura as "certidões de nascimento" dos atletas na base e fortalece ligas amadoras, clubes e federações. E em quarto lugar, internacionalizar, de fato, o futebol brasileiro. Transformar nossos torneios em produtos atrativos para o mercado internacional dará nova fonte de recursos para os clubes. A final da Major League Soccer (MLS), a principal liga de futebol dos EUA, foi transmitida para cem países. Há quatro anos a MLS pagava a quem desejasse transmitir seus jogos. Em 2016 as transmissões da liga americana renderão US$ 1 bilhão –algo em torno de R$ 3,9 bilhões. Já nossos clubes penam para fechar suas contas, honrar contratos, investir na base e rolar dívidas. Ter clubes fortes, com melhores elencos, fortalece as federações e atrai público. Vender as competições brasileiras para o exterior gerará novos recursos que terão de ser revertidos integralmente para os clubes que disputam os campeonatos de cada série. Bem gerido, o futebol é um grande e lucrativo negócio. Nos EUA, os empreendimentos que orbitam em torno dele representam 3,5% do Produto Interno Bruto. Aqui, o futebol não representa sequer 0,25% do PIB. Ainda assim, temos cerca de 300 mil pessoas envolvidas diretamente com ele. O peso de nossa atividade na geração de riquezas é ínfimo ante seu potencial. Profissionalizaremos o espetáculo dentro e fora de campo. Não é possível fazer isso sem restaurar a força e o prestígio dos clubes, sem investir na base e sem fortalecer as nossas federações. Sem olhar para os adolescentes que batem nas portas dos clubes aos 13 anos, sem lhes dar a "certidão de nascimento" para o mundo do futebol já ali, sem federá-los aos 16 anos, seguiremos assistindo ao êxodo de talentos para centros em que são tratados com mais profissionalismo e onde os contratos são mais rentáveis. O tripé transparência, gestão e resultados está em implantação na CBF e será a pedra de toque do novo futebol brasileiro. Faremos isso respeitando os limites que a interinidade me impõe. Mergulhei de cabeça no planejamento, nos problemas, nas contas e nos contratos do futebol brasileiro. Críticas virão e serão ouvidas, porém não dialogaremos com preconceitos nem com interlocutores que defendam a quebra de princípios legais que regem a vida associativa. Iremos à base buscar o sopro de genialidade e de renovação que nos trarão a tão sonhada sexta estrela, mudando de vez o perfil do futebol brasileiro. Queremos fazer do Brasil, novamente, uma constelação do esporte no mundo. MARCUS VICENTE, 61, é presidente interino da CBF - Confederação Brasileira de Futebol e deputado federal licenciado (PP-ES) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-13
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1718177-o-futebol-brasileiro-vai-mudar.shtml
Já chega
A presença do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) na presidência da Câmara é um problema que não se limita aos veementes indícios de corrupção e às claras evidências de mendacidade que pesam contra ele. As acusações reiteradas de que recebeu propina; a reincidência em práticas destinadas a intimidar adversários; a mentira flagrante em uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito), negando ter contas bancárias no exterior –esse conjunto probatório já seria suficiente para justificar a cassação de seu mandato. Há muito mais, contudo. Sua permanência à frente da Câmara dos Deputados assume características nocivas para a ordem institucional do país, e não só porque sua rede de manipulações bloqueia as atividades do Conselho de Ética encarregado de julgá-lo. Valendo-se de métodos inadmissíveis a alguém posicionado na linha de sucessão da Presidência da República, o peemedebista submeteu a questão do impeachment de Dilma Rousseff (PT) a um achaque em benefício próprio. Seus expedientes infames conspurcam o processo em curso, que parece encarar como vendeta pessoal. Exacerbam-se com isso as paixões em um tema extremamente explosivo; alimenta-se a falsa versão de que tudo não passaria de lamentável confronto entre ele e Dilma Rousseff. Já chega. O personagem que Eduardo Cunha representa, plasmado em desfaçatez e prepotência, está com os dias contados –ele próprio sabe disso. É imperativo abreviar essa farsa, para que o processo do impeachment, seja qual for seu desenlace, transcorra com a necessária limpidez. editoriais@grupofolha.com.br
2015-12-13
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1718475-ja-chega.shtml
Guerra e pacificação
No domingo passado, o presidente dos EUA, Barack Obama fez um discurso em que reafirmou sua intenção de guerrear contra a facção radical Estado Islâmico e tentou pacificar ânimos que vêm se exaltando contra muçulmanos. Enfatizou que a histeria ameaça tanto os planos de combater o terrorismo como as liberdades e o próprio convívio democrático. Dias depois, teve-se notícia do sucesso da extrema-direita nas eleições regionais francesas e de um discurso em que o pré-candidato republicano à Casa Branca, Donald Trump, advogava o fechamento das fronteiras aos muçulmanos. São evidências de que o ódio e a xenofobia firmam-se no núcleo da política de dois dos países mais democráticos do mundo. Por vias tortas, trata-se de um pequeno sucesso do terror, que outra vez contamina democracias com a doença da intolerância. Combater esse mal e o terrorismo será tarefa difícil. Não é possível tolerar o Estado Islâmico ou redes terroristas que se dizem de inspiração muçulmana, mas é preciso dar combate firme a tais ameaças sem que se promova uma guerra de civilizações. É improvável que se obtenha sucesso nessas campanhas sem dar conta da desordem e do sofrimento impostos às populações do Oriente Médio, em parte relevante fruto das intervenções desastrosas do Ocidente nessa região. As intromissões mais evidentes foram as invasões militares, lideradas pelos EUA, sendo especialmente grave o ato imperial da invasão do Iraque em 2003. A comunidade internacional agora tem as múltiplas missões de derrotar o terrorismo, conter as guerras civis e reconstruir um ordenamento político que possa apaziguar as sociedades da região. Frear o terror, o ódio e as reações xenofóbicas de lado a lado depende não só de um programa de combate mas também de um plano que contemple a pacificação dos ânimos de populações que viram suas vidas destruídas pela guerra. O desastre que se criou no Oriente Médio e cercanias não será reparado com soluções pontuais. Parecem corretos os princípios que norteiam o discurso de Barack Obama: guerra ao terror e pacificação dos espíritos. Mais duvidoso é que os americanos apresentem um programa prático que sustente tais ideias e evite atiçar mais ódios no mundo muçulmano. editoriais@grupofolha.com.br
2015-12-13
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1718350-guerra-e-pacificacao.shtml
Um imposto que pode salvar vidas
A Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou em novembro o projeto de lei nº 1.404/2015, enviado à Casa pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) que, dentre outras iniciativas, prevê o aumento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) da cerveja de 18% para 20% e do cigarro de 25% para 30%. Apesar das medidas, que seguem agora para sanção do governador, terem como um de seus objetivos oferecer uma resposta à crise econômica, seu principal benefício pode ocorrer em outro aspecto: na saúde da população. O motivo? A Organização Mundial de Saúde (OMS) tem evidências de que regulação e aumento de preços e impostos são considerados hoje algumas das políticas públicas mais impactantes no combate ao consumo abusivo de álcool e cigarro. Isso pode ser constatado em medidas adotadas em outros países. Na cidade de Nova York, nos Estados Unidos, o ex-prefeito Michael Bloomberg, além de aumentar impostos sobre o cigarro, implantou em 2013 uma medida que estabeleceu um preço mínimo para um maço de cigarros, proibindo a concessão de descontos e promoções para vendê-los. O resultado? O número de fumantes caiu mais rapidamente em Nova York do que a média nacional americana. Já o governo da Escócia encontra-se neste momento em uma batalha judicial com a Scotch Whisky Association para implantar uma medida similar em nível nacional –o preço mínimo do álcool. Os escoceses conseguem exceder o consumo semanal recomendado de álcool (252 ml de álcool puro no caso dos homens) por apenas £5 (cerca de R$ 29), já que muitas bebidas que contém um alto teor alcoólico são extremamente baratas para o padrão do país. Além de estabelecer um preço mínimo de venda, o projeto prevê também que quanto mais álcool a bebida tiver, mais cara será. Essas são políticas públicas a favor da saúde da população. Em ambos os casos, as ações visam aumentar o custo destes produtos, diminuindo seu consumo. Mas no Brasil, eles ainda são vendidos a um preço acessível, em comparação com outros locais. Ao contrário de Nova Iorque, onde atualmente o maço de cigarros é vendido, em média, a US$ 13 (quase R$ 50), em São Paulo o valor é de aproximadamente R$ 7, ou US$ 1,31 - uma diferença de 992% nos valores. E o uso não é baixo. Em relação ao álcool, por exemplo, a Organização Mundial de Saúde estima que, entre os adultos brasileiros, o consumo é de cerca de 8,7 litros de álcool puro por ano, superando a média mundial. Já dados do Ministério da Saúde apontam que o número de fumantes, apesar de recentes quedas, ainda representa 10,8% da população brasileira. Atualmente, o cigarro é a principal causa de morte prevenível no mundo - uma em cada dez mortes por ano em todo o planeta está relacionada ao tabaco, segundo a OMS. O álcool também não fica muito atrás, vitimando cerca de 3,3 milhões de pessoas anualmente em consequência do consumo nocivo, o equivalente a 5,9% de todas as mortes. Sabemos que uma medida isolada não é suficiente para diminuir o número de fumantes ou o abuso de álcool no país. Ela deve estar aliada a um conjunto de ações, algumas delas já em curso em estados brasileiros, como a proibição do fumo em locais fechados e restrições à propaganda, além da melhoria na oferta de tratamento adequado contra a dependência, um dos principais pontos no qual precisamos evoluir. Porém, o aumento nos impostos destes produtos –e o consequente reajuste em seu valor final– por si só representa uma alternativa, que impactará, principalmente, quem realiza o uso abusivo de álcool e cigarro. Ao diminuir o consumo, além da questão financeira, diversos benefícios são esperados, como a promoção de saúde, de qualidade de vida e, principalmente, várias vidas salvas, livres da dependência nestas drogas. RONALDO LARANJEIRA, 59, médico psiquiatra, é presidente da Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-12-12
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1718022-um-imposto-que-pode-salvar-vidas.shtml
Desafios argentinos
O novo presidente da Argentina, Mauricio Macri, tomou posse na última quinta-feira (10) tendo à frente o desafio de reunificar um país fraturado pelo sectarismo ideológico e recuperar a credibilidade internacional perdida nos 12 anos de domínio kirchnerista. Não serão tarefas fáceis. No plano interno, a ex-presidente Cristina Kirchner já deu seguidas demonstrações de que pretende dificultar o trabalho de seu sucessor. A transição entre os dois governos foi marcada por rusgas. Começou com diferenças sobre o local de entrega da faixa presidencial, passou por uma liminar judicial obrigando Cristina a deixar o poder à meia-noite de quarta-feira e culminou com o ridículo boicote dela à posse no novo mandatário. Ainda que o gesto tenha uma conotação sobretudo simbólica, mostra a disposição inicial da ex-presidente pela oposição empedernida e estridente. Até como resposta, Mauricio Macri pregou a conciliação em seu primeiro discurso. "Chegou um momento em que todos temos de nos unir. Queremos o apoio de todos, dos que se sentem de esquerda e dos que se sentem de direita, peronistas e antiperonistas." O apelo de Macri, mais do que meramente retórico, possui uma razão prática. Com a coalização que o elegeu (Cambiemos) em minoria na Câmara e no Senado argentino, o novo presidente precisa do apoio de congressistas ligados ao kirchnerismo para aprovar medidas que permitam reorganizar as finanças do país. Na arena externa, Macri tenta vender uma nova Argentina a fim de atrair investidores estrangeiros: um país que passará a ter "regras claras e previsibilidade econômica" e agirá despido dos impulsos ideológicos do passado recente. Afastou-se da Venezuela ao mesmo tempo em que fez acenos em direção ao Chile, Peru e México, membros da exitosa aliança comercial do Pacífico. A escolha do Brasil como primeiro destino, além disso, explicitou a disposição de Macri de retomar uma relação cujos laços têm se afrouxado ano após ano. De 2011 a 2014, o intercâmbio comercial entre os dois países caiu de US$ 39,5 bilhões para US$ 28 bilhões, regredindo ao patamar de 2007. Ademais, a participação da Argentina no conjunto das exportações brasileiras encolheu nos últimos dez anos, de 8,3% para 6,3%. Mauricio Macri, por fim, defendeu fortalecer o Mercosul e destravar o acordo comercial com a União Europeia, que se arrasta há 15 anos e cujo avanço passa pela redução do protecionismo do país vizinho. Por isso são altas as expectativas em relação ao novo governo argentino –e muitos os obstáculos decorrentes do arraigado corporativismo e da forte presença peronista. editoriais@grupofolha.com.br
2015-12-12
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1718207-desafios-argentinos.shtml
Mais senso de urgência
O Brasil conheceu em 2015 a pior epidemia de dengue de sua história. Segundo o Ministério da Saúde, foram notificados mais de 1,5 milhão de possíveis casos da doença, que resultaram em 811 mortes. Viu, além disso, a chegada do vírus zika, que rapidamente se espraia pelo território. Dados oficiais estimam em ao menos 500 mil o número de possíveis contaminações por esse agente infeccioso. A princípio considerado pouco perigoso, o zika tornou-se motivo de inquietação após ser confirmada a relação entre o vírus e o nascimento de bebês com microcefalia. Tais números evidenciam as diversas falhas no combate ao mosquito transmissor dos dois patógenos, o famigerado Aedes aegypti. Como se não bastasse, é provável que esse quadro se agrave em 2016. Dados oficiais mostram 199 municípios sob risco de novas epidemias de dengue, zika e chikungunya e 665 em situação de alerta –cifras mais expressivas do que as registradas no ano passado. Diante de tal situação, seria de esperar que as autoridades buscassem com máxima presteza todos os meios para enfrentar a doença e o seu transmissor. O sentido de urgência, entretanto, parece não contaminar a burocracia nacional. Exemplo eloquente é o da vacina contra a dengue desenvolvida pelo Instituto Butantan. Foram necessários oito meses para que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) desse aval à última fase de estudos clínicos, que irá testar a eficácia do composto em cerca de 17 mil voluntários. Não há dúvida de que o órgão não deve queimar etapas em suas análises, mas circunstâncias emergenciais impõem a busca de soluções mais ágeis e formas mais céleres de atuar, sobretudo num caso definido como prioritário pela própria agência. O mesmo raciocínio se aplica ao uso de mosquitos transgênicos no combate ao A. aegypti, cuja liberação também depende da Anvisa. Desenvolvidos por uma empresa britânica, os insetos modificados possuem um gene que faz a descendência morrer antes de atingir a fase alada. Após ser testada algumas vezes em Juazeiro (BA), a tecnologia reduziu em até 95% a população local de mosquitos. A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança já atestou a segurança do inseto transgênico em abril de 2014. Desde então, o caso está em análise na Anvisa, sem prazo para a conclusão do processo. Já passa da hora de a agência rever seus trâmites diante de ameaças prementes à saúde pública. editoriais@grupofolha.com.br
2015-11-12
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1717681-mais-senso-de-urgencia.shtml
Direitos na democracia
A marca da recente democracia brasileira são os direitos humanos. Nos últimos 25 anos a sociedade foi, progressivamente, conquistando direitos. Isso porque desde 1988, o Brasil fez uma opção definitiva pela afirmação dos Direitos Humanos no país, alinhando-se às diretrizes da Declaração Internacional dos Direitos Humanos da ONU, que completa 67 anos essa semana. Demos um passo significativo rumo à consolidação dos direitos sociais, culturais e econômicos no país, e o ápice desse movimento em torno da garantia de direitos no Brasil se deu com a erradicação da miséria, o que significou que os brasileiros, finalmente, não mais são privados das condições mínimas para viver com dignidade. Avançamos no campo material e da subsistência e também nas lutas históricas e simbólicas. No período mais recente aprovamos o 3º Plano Nacional de Direitos Humanos, PNDH-3, que é uma linha mestra condutora das nossas políticas públicas, instalamos a Comissão Nacional da Verdade e Mecanismo de Combate à Tortura, fortalecemos os programas de proteção a vítimas e defensores de direitos humanos, influenciamos os processos de educação formal e não formal com Educação em Direitos Humanos, lançamos o Programa Viver Sem Limites que dá à população com deficiência outra qualidade de vida. Também é digno de nota a erradicação do subregistro civil de nascimento, que, em 2014, segundo dados divulgados pelo IBGE recentemente chegou a apenas 1% de crianças não registradas, quando a ONU considera que se alcançando um patamar de 5% o subregistro já estaria erradicado - entre diversas outras ações. Com instituições públicas cada vez mais sólidas, o Brasil e suas políticas públicas se fortaleceram progressivamente. A incorporação das vozes da sociedade civil e dos movimentos sociais ao processo de formulação de políticas públicas foi fundamental para o desenvolvimento do país e permitiram que tivéssemos as condições necessárias para que nos destacássemos no cenário internacional como exemplo de políticas de Direitos Humanos a ser seguido por muitas Nações. Barrar esse processo contínuo de conquistas pode ter danos inimagináveis para nosso país, e para tantas populações vulneráveis e minorias, que vêm de uma trajetória de afirmação e conquista de direitos, uma trajetória de luta pela igualdade de direitos e condições de vida em todos os cantos. Nós não podemos colocar tudo isso em risco. As ameaças de retrocessos institucionais e a nossa dificuldade de reagir a essas dificuldades nos apontam o grande desafio que temos ela frente que é o de, sob as atuais condições conjunturais, avançar no diálogo democrático. Precisamos debater exaustivamente os diversos temas dos direitos humanos Brasil afora, discutir em cada estado, em cada município, diretamente com o nosso povo, sobre os direitos dos idosos, da população LGBT, de crianças e adolescentes, das pessoas com deficiência, assim como a importância dos defensores de direitos humanos, o combate ao racismo, ao trabalho escravo, à violência contra a mulher, a promoção da diversidade religiosa, o direito à saúde, à segurança pública, ao trabalho, à educação, à mobilidade urbana, o direito à cidade. Afinal, os direitos humanos não são de um partido ou de um parlamentar, os direitos humanos são o que há de mais nobre em nós, que é nossa capacidade de reconhecer no outro e nas nossas diferenças, as nossas iguais condições. Sem democracia não é possível garantir direitos, da mesma forma que sem direitos uma democracia não pode vigorar. A luta pela democracia que atravessa a história do Brasil mais uma vez nos convoca a elevarmos nossas vozes para garantir que o país mantenha-se firme em sua opção definitiva pela cidadania plena. Os direitos humanos não são negociáveis. NILMA LINO GOMES é ministra das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos ROGÉRIO SOTTILI é secretário especial dos Direitos Humanos * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-12
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1717579-direitos-na-democracia.shtml
Saída para o futuro
A humanidade se encontra diante de um cenário que pode ser considerado catastrófico. Os problemas de maior visibilidade não foram criados recentemente. Os dilemas humanos de hoje são facilmente interligados à Revolução Industrial, ao modelo de colonização europeia e à forma de produção e consumo das sociedades, perpetuada nos hábitos mais simples de cada um de nós. Nestes dias, a atenção do mundo repousa sobre Paris, na COP21 (Conferência do Clima). Lideranças estão propondo alternativas de produção de energia limpa e também lutando para conseguir a adesão efetiva das potências mundiais que, por meio de seus modelos econômicos, colocam em risco a viabilidade futura da vida no planeta. Uma pergunta precisa ser feita: serão esses acordos, se realizados, capazes de parar o aumento da temperatura da terra? Apenas outro modo de vida poderá alterar o cenário de tragédias a que assistimos e, muitas vezes, vivemos. A vida nas grandes cidades se aproxima do insuportável e as pessoas não aguentam mais perder tanto tempo paradas no trânsito. A arquitetura das metrópoles sufoca a todos. A produção de gases poluentes nos aglomerados urbanos é crescente. Nenhum Estado conseguirá pagar a conta desse modelo de vida. A Europa, que antes mostrava caminhos, já não consegue se reinventar. Perderam a criatividade. É urgente entender que a vida, o planeta e a natureza foram feitos para os seres humanos desfrutarem. Isso não significa que a natureza seja intocável. Defendo o desenvolvimento sustentável e com responsabilidade. A natureza tem que ser usada a favor do homem e temos que manejá-la para o nosso bem, para o bem de nossos filhos. A vida pós-contemporânea passa pelo contato com a cultura e a natureza, que despertam a curiosidade das pessoas e as estimulam a aprender cada vez mais. A superação das diferenças entre raças ou classe social se dará em territórios menores de convivência entre os diversos. Para mim, a beleza traduzida na natureza é um dos principais vetores da dignidade, pois ela pode moldar o mundo. Se o mundo gira em torno de informação e se a tecnologia interliga o mundo, então podemos estar no Brasil e trabalhar com pessoas no mundo inteiro. E algo fundamental: não é possível criar sonhos dentro de uma megalópole. No Instituto Inhotim, estamos tentando criar e mostrar ao mundo um exemplo de vida pós-contemporânea. O acesso à cultura e a uma plataforma de educação não formal, que usa a arte e a natureza como bases para produção de conhecimento, fará a mudança local com reflexos globais. Desejo ver avanços a partir da COP21, claro, e lá estamos, junto ao BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), apresentando um projeto de cooperação técnica que pode ser uma semente a ser replicada no mundo. Para o futuro da humanidade, acredito na construção de pequenas vilas, com pessoas aprendendo a dividir os recursos naturais. A vida futura não permite grandes fortunas, mas permite um grande conforto. É uma questão de escolha. Acredito na potência da tecnologia para diminuir as distâncias entre os homens e aumentar a difusão de conhecimento. E, acima de tudo, acredito no belo, no encontro da arte com a natureza para iluminar a vida pós-contemporânea. BERNARDO PAZ é empresário, idealizador do Instituto Inhotim e presidente do Conselho de Administração do Instituto * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-12
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1717601-saida-para-o-futuro.shtml
Voz das ruas vai derrotar o impeachment
Haverá uma grande reação da sociedade civil, dos movimentos sociais e das diversas forças democráticas do Brasil se avançar a proposta chantagista de impedimento da presidente Dilma Rousseff, protocolada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. A mesma postura terão os estudantes. Não há como esperar algo diferente da UNE, que ao longo de 80 anos sempre esteve ao lado do interesse nacional, da soberania do país e da luta contra todas as formas de golpe e autoritarismo. Ao contrário do que previu delirantemente nesta Folha o líder fake Kim Kataguiri, coordenador do Movimento Brasil Livre (MBL), as ruas não causarão o impeachment da presidente, mas, na verdade, derrotarão a movimentação baseada em farsas políticas e pouco respeito à normalidade institucional tão dolorosamente conquistada ao longo das últimas décadas. No Brasil, a voz das ruas cisma de estar é do lado correto do jogo, a favor da democracia e da garantia dos direitos, no caminho dos avanços e não do retrocesso. Talvez Kim Kataguiri e outros arremedos de liderança congêneres não o saibam porque se mobilizam apenas a favor de seus próprios interesses –ou daquilo que interessa a seus obscuros financiadores. Onde estava Kataguiri quando mais de 200 escolas de São Paulo foram ocupadas na bravíssima batalha dos estudantes pela educação pública e contra o fechamento das instituições de ensino? Onde estava o MBL na primavera das mulheres pela liberdade, contra o machismo e a violência de gênero? Aliás, onde estão as representantes femininas desses pseudomovimentos? Não são eles que representam os trabalhadores, os negros, a população rural, indígena e muito menos a juventude. A UNE não respeita a proposta de impeachment por desconhecer sua base legal e por reconhecer no processo a reles motivação de vingança de um parlamentar imerso até o pescoço em denúncias de corrupção. O movimento estudantil está, na verdade, totalmente empenhado na campanha "Fora Cunha!", reconhecendo nele um grande inimigo das conquistas sociais do país e da população mais desfavorecida. A campanha contra a redução da maioridade penal, o levante feminista e os estudantes mostraram o caminho e compreendem que o presidente da Câmara representa o que há de pior e de mais asqueroso na política nacional. Há aqueles que tentam traçar paralelo entre o processo de impeachment contra Fernando Collor e a presidente Dilma, nunca acusada de absolutamente nada. O cenário, no entanto, parece muito mais o de 1964 do que o de 1992. A rapinagem dos que desejam derrubar a república não difere tanto daquela promovida pelos golpistas que depuseram João Goulart. O resultado dessa ação foi a ditadura que manchou a história do Brasil, cassou as liberdades civis, perseguiu, torturou e matou aqueles que pensavam diferente, em grande parte jovens e estudantes. Coube ao movimento estudantil resistir, ser um dos protagonistas da luta contra o regime, pela reconstrução institucional do país. Procure pela democracia e nos encontrará. Procure pela afirmação dos direitos, pela luta a favor da educação brasileira, e nos encontrará. Procure pela transformação da sociedade, pelo combate às injustiças, pelo apoio aos que mais precisam, e nos encontrará. A UNE tem lado. Procure pelo golpe, pela chantagem e pela mentira daqueles que não gostam das regras do jogo e estaremos sempre na direção oposta. As ruas derrotarão o impeachment. A começar pelo próximo dia 16 de dezembro, data em que os movimentos sociais tomarão as ruas contra o golpe, em defesa da democracia e do Brasil. CARINA VITRAL, 27, é estudante de economia da PUC- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e presidente da UNE - União Nacional dos Estudantes * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-12
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1717598-voz-das-ruas-vai-derrotar-o-impeachment.shtml
Prudência suprema
O ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, conseguiu uma proeza na noite de terça-feira (8): proferiu decisão que contentou tanto o governo federal como as forças oposicionistas. Examinando petições ajuizadas pelo PC do B, o ministro houve por bem suspender a formação da comissão especial que começará a analisar o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). Até o próximo dia 16, quando o plenário do Supremo se debruçará sobre o tema, o processo permanecerá travado, com a interrupção de todos os seus prazos. Com uma ressalva de cautela, Fachin acrescentou que os atos já praticados, ao menos por ora, serão preservados. A oposição não tem o que lamentar. Deputados e senadores anti-Dilma vinham se esforçando para retardar o desenrolar do episódio; num cálculo de conveniência, queriam esperar a deterioração ainda maior da situação econômica para ver facilitada a tarefa de mobilizar a sociedade contra a presidente. O governo tampouco haverá de se queixar. O intervalo determinado pelo STF dá ao Planalto alguns dias para recompor suas tropas após a derrota expressiva que sofrera na própria terça-feira –por 272 votos a 199, a Câmara indicara para a comissão especial uma maioria favorável à deposição da petista. Tais considerações, naturalmente, não influenciaram Edson Fachin. Tratava-se, como assinalou o ministro, de evitar "atos que eventualmente poderão ser invalidados pelo Supremo" e "apresentar respostas céleres aos questionamentos suscitados", a fim de dar ao caso maior segurança jurídica. Nada mais necessário, e não só porque está em questão uma sanção tão extrema quanto o afastamento da presidente da República. Como argumentou o PC do B em ação protocolada na semana passada, a lei 1.079, que regula o impeachment, foi editada em 1950 e jamais passou por atualização. Em 1992, no julgamento de Fernando Collor, o STF resolveu alguns pontos de conflito entre essa norma e a Constituição, mas não todos. Eliminar as incongruências remanescentes, mais que uma faculdade do Supremo, é um dever. Já o seria em qualquer circunstância; quando Eduardo Cunha (PMDB-RJ) preside a Câmara dos Deputados, contudo, essa obrigação se transforma em verdadeiro imperativo. Mestre do contorcionismo regimental, Cunha deu sinais evidentes de que consegue realizar variadas manobras no pouco espaço que a legislação lhe oferece. Com desfaçatez, impôs o sistema de sua preferência para escolher a comissão especial do impeachment; como se não bastasse, atropelou a palavra dos líderes das bancadas e tornou secreto o voto que deveria ser aberto, segundo jurisprudência fixada pelo STF (cite-se a ADI 1.057). O país precisa que, ao final do julgamento da presidente Dilma Rousseff, pouco importando o desfecho, não perdure dúvida quanto à legalidade do processo. editoriais@grupofolha.com.br
2015-10-12
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1717137-prudencia-suprema.shtml
Receita contra corrupção
Levantamento recente do Datafolha mostrou que a corrupção foi considerada, pela primeira vez, o problema mais grave do Brasil. Essa percepção mostra não apenas o tamanho da crise do nosso modelo político mas uma oportunidade única de trabalhar pelo aperfeiçoamento das práticas de prevenção e enfrentamento da corrupção. Nunca os brasileiros estiveram tão dispostos a lutar para dar um basta no saque aos cofres públicos. Chegou a hora de mudar a cultura de corrupção que assola o país. Nesse contexto, acaba de nascer o instituto Não Aceito Corrupção, que será oficialmente apresentado nesta quarta (9), dia internacional de combate a essa prática nefasta. Temos muito mais perguntas do que respostas –e, acreditamos, essa é a nossa maior virtude. Pouco se sabe hoje sobre a eficácia das leis e do sistema de Justiça. Temos a sensação, por exemplo, de que a maioria dos processos judiciais sobre o tema naufraga antes de se chegar a uma condenação definitiva. Essa sensação corresponde à realidade? Em que medida? Se sim, por que naufraga? As provas produzidas pela polícia e pelo Ministério Público têm sido suficientes? A Justiça conduz o processo dando margem a nulidades? Quem erra? Em que fase? Quantas denúncias são apresentadas por ano? Qual percentual do dinheiro desviado retorna aos cofres públicos? Qual a pena média dos condenados? Cabe aqui um paralelo com a medicina. Não se receita remédio a mal que se desconhece, nem se prescreve droga cujo efeito se ignora. Infelizmente, é assim que se tem feito política pública no Brasil. Legisla-se no casuísmo. De crise em crise, para acalmar o povo, ideias populistas e mal planejadas viram lei. O que tantas legislaturas no Congresso Nacional produziram no enfrentamento à corrupção e à improbidade administrativa? Neste ano, foram propostos na Câmara dos Deputados aproximadamente quatro vezes mais projetos de lei sobre esses dois temas do que a média anual da última década. Já estamos trabalhando na mais ampla análise da atividade legislativa sobre esses assuntos feita no país. Encomendamos também uma pesquisa que vai radiografar os processos de improbidade administrativa que chegaram a condenações definitivas. E lançaremos nesta quarta um crowdfunding (financiamento coletivo) para viabilizar o 1º Mapa Nacional de Corrupção e Improbidade, o qual tentará responder as perguntas acima e tantas outras. A ideia é usar esses dados para fazer uma discussão qualificada de políticas públicas, de forma a contribuir para a adoção de medidas eficientes. Pretendemos atuar junto ao setor produtivo, não contra ele. A lei anticorrupção, de 2013, deu um impulso importantíssimo para a adoção de políticas de "compliance" (termo em inglês relacionado a boas normas de conduta nos negócios) dentro das empresas. Queremos enaltecer as melhores práticas, difundi-las e incentivá-las, atuando numa esfera educativa. Um de nossos projetos em andamento nessa área, por exemplo, é a elaboração de um guia de "compliance" para pequenas e médias empresas que atuam como fornecedoras e prestadoras de serviço de multinacionais, já mais avançadas em seus mecanismos de controle interno. Somos técnicos, rigorosamente apartidários, e sem fins lucrativos. Temos formações diferentes e profissões distintas. Contamos com o direito, a estatística e a comunicação como principais instrumentos de trabalho. Somos uma união de pessoas, de inteligências e de ferramentas pela transformação da cultura de corrupção, combate à impunidade e fortalecimento das instituições. Resumindo, por um país melhor para as próximas gerações. ROBERTO LIVIANU, 47, é promotor de Justiça LAURA DINIZ, 34, é jornalista MONICA ROSENBERG BRAIZAT, 47, é advogada * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-09-12
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1716606-receita-contra-corrupcao.shtml
É hora de refundar o modelo
O Brasil passa por um momento de grande dificuldade, uma de suas maiores crises desde a redemocratização. Os períodos de turbulência passados já não servem de referência para o ciclo atual de deterioração do cenário econômico, que se aprofunda pela combinação de inflação com desemprego. Nesse emaranhado de indicadores negativos e horizonte nebuloso, a construção civil aproxima-se do seu limite e busca uma saída que evite o seu desmonte. Tradicional indutor da geração de empregos e renda, o setor fecha postos de trabalho e reduz o ritmo de suas obras e lançamentos em velocidade jamais registrada em sua história. É grande a expectativa por um ajuste no foco que permita ao país retomar o caminho do desenvolvimento. É preciso mudar já. Entre 2003 e 2013, nosso setor cresceu e contribuiu para o bem-estar de muitos brasileiros, sejam aqueles que conquistaram e mantiveram emprego e renda, sejam aqueles que alcançaram o sonho da casa própria. Saltamos de pouco mais de 1,3 milhão de postos de trabalho formais para mais de 3,5 milhões. O salário real do trabalhador cresceu mais de 40%. Hoje, a drástica inversão de expectativas, cujos vetores mais aparentes são a suspensão de investimentos e o atraso nos pagamentos das obras, nos deixará como saldo a redução de 500 mil vagas em 2015: são mais de 2 milhões de pessoas com sua subsistência ameaçada, seus planos adiados e sonhos mais distantes. Os empresários veem no programa de concessões uma saída decisiva para a infraestrutura brasileira –temos defendido junto ao governo federal que haja mais segurança e condições para que mais empresas possam entrar. Quanto mais concorrência, maior a transparência do programa que pode recuperar a economia brasileira. Nos preocupa o ajuste fiscal, que corta investimentos e propõe o aumento de impostos. É o momento de o Brasil enfrentar seus problemas estruturais, que independem do governante. Enquanto não forem atacados esses gargalos, tudo será só "remedinho". Está na hora da cirurgia. Para sermos justos e honestos, esses não são problemas de um ou outro governo, traduzem uma visão antiquada de país, enraizada e perene. A construção civil vai cobrar uma nova mentalidade para o gasto público. É preciso reequilibrar a relação entre Estado e sociedade e criar um novo contrato social entre empresas e poder público, pautado por valores como a justiça, o mérito, a eficiência, a produtividade, a livre iniciativa, a responsabilidade. Há que reavaliar a qualidade do gasto público no país. Hoje, apenas 2,5% do orçamento federal vão para investimento em obras. Os outros 97,5% são recursos de destino obrigatório. É neles que devemos focar o ajuste, qualificando melhor o gasto público. O país não aguenta mais. A construção civil vai mobilizar sua força para propor mudanças na legislação, de modo que, nos momentos em que o orçamento ou sua execução forem deficitários, sejam vedados automaticamente os efeitos de legislações anteriores que gerem aumento de despesas. Para isso, vamos mostrar à população a importância desse passo. É nosso dever colocar esse debate na pauta das pessoas comuns, que são as mais prejudicadas pelos problemas do país. O Brasil precisa mudar e cabe a cada cidadão, ao empresário, ao empreendedor, fazerem a pressão que gere avanços. É nessa mudança que vamos colocar nossa energia e união. JOSÉ CARLOS MARTINS, 61, engenheiro, é presidente da CBIC - Câmara Brasileira da Indústria da Construção * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-09-12
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1716608-e-hora-de-refundar-o-modelo.shtml
Bofetada em Caracas
Muitas análises ainda serão feitas a respeito do resultado histórico das eleições parlamentares realizadas na Venezuela no domingo (6), mas dificilmente alguma superará, em sinceridade e insuspeição, o que afirmou o presidente Nicolás Maduro. "Foi uma bofetada", resumiu o sucessor de Hugo Chávez em pronunciamento no qual reconheceu a derrota de sua agremiação –a primeira em uma disputa nacional nos 16 anos de domínio chavista. Apesar das condenáveis manobras de um governo cada vez mais autoritário e truculento, o PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela) amargou queda expressiva no número de cadeiras na Assembleia Nacional unicameral do país. A legenda chavista, que tinha cem deputados, elegeu cerca de 50 dentre os 167 parlamentares, segundo resultados extraoficiais. A MUD (Mesa da Unidade Democrática), por sua vez, saltou de 54 para estimados 112 assentos. Se confirmados os números da coalizão oposicionista, serão grandes as consequências. Com dois terços do Legislativo, terá a possibilidade de aprovar referendos e reformas constitucionais, além de designar ou remover autoridades de outros Poderes, como juízes do Supremo Tribunal de Justiça. Escancarado seu fracasso, Maduro não pôde deixar de capitular. Renegando sua ameaça de resistir com violência, o presidente chegou mesmo a louvar o triunfo da Constituição e da democracia. O que poderia haver de estadista em Maduro, porém, logo cedeu espaço à persona sectária: "Venceu uma contrarrevolução (...) Não me resta dúvida de que a guerra econômica inibiu parte do eleitorado". Na fantasia chavista, "empresários golpistas" provocam o desabastecimento de produtos. Na realidade, a Venezuela sofre com a inflação (estimada em 150%) e a recessão (de até 10% neste ano), em parte devido à queda do preço do petróleo, cujo barril caiu de US$ 101, em 2011, para US$ 35, hoje. A dependência do extrativismo, contudo, só fez crescer desde que Hugo Chávez chegou ao poder. Em 1999, 80% dos dólares arrecadados pelo país vinham do petróleo; em 2015, a fatia passa de 90%. Não admira que a MUD tenha insistido na ideia de que a conquista do Legislativo seria o primeiro passo para mudar a realidade econômica e reduzir os elevados índices de criminalidade –sem perder de vista, naturalmente, a eleição presidencial prevista para 2018. Para isso, a coalização oposicionista precisará antes conter suas divergências internas. Criada em 2008, a MUD aglutina partidos da centro-esquerda até a direita mais conservadora; as alas moderadas apostam na conciliação, enquanto as radicais prometem fazer de tudo para derrubar Nicolás Maduro. A Venezuela, todavia, não precisa que o revanchismo alimente um ambiente político já conflagrado. A vitória no pleito parlamentar mostrou aos oposicionistas –e ao mundo– que, por enquanto, ainda é possível buscar a alternância de poder pela força do voto. editoriais@grupofolha.com.br
2015-08-12
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1716204-bofetada-em-caracas.shtml
Democratizar o crédito já
Tramita no Congresso Nacional um projeto que altera a Lei Complementar 123, de 2006, para viabilizar a Empresa Simples de Crédito. Propõe medida revolucionária para democratizar o crédito a serviço da produção e lançar novo ciclo de desenvolvimento, liderado pelas médias e pequenas empresas e financiado pelas poupanças do povo brasileiro. O projeto merece apoio de todas as correntes políticas. No Brasil ninguém pode legalmente emprestar a juro seu próprio dinheiro para outro. O produtor tem de buscar um banco para obter crédito. O banco costuma só dar prata a quem tem ouro. Os agentes mais importantes de nossa economia –as pequenas e médias empresas– ficam à margem do crédito de que precisam para produzir. Grande parte da poupança do país não encontra vazão produtiva. Os bancos permanecem no gozo de um monopólio, agravado pelo desaparecimento das pequenas casas bancárias de antigamente. Tratam quem não for produtor graúdo com desconfiança. Ganham dinheiro fácil com a rolagem da dívida pública. O juro permanece alto e a produção, deprimida. Uma medida singela pode iniciar transformação profunda. O projeto que está no Congresso facilita a organização de Empresas Simples de Crédito. Qualquer um que se estabeleça poderá emprestar, sem burocracia, seus próprios recursos para outros que queiram produzir. Como o empreendedor não pode captar recursos –só deve usar os seus–, a regulação pode ser leve. Basta transmitir mensalmente escrituração ao Sistema Público de Escrituração Digital para que se possa comprovar que a Empresa Simples de Crédito faz o que deve –atuar na comunidade a serviço da produção– e evita o que não deve –captar poupança alheia. A melhor disciplina será a concorrência. Trata-se de um vale ovo de Colombo: faz muito com pouco. A prioridade nacional hoje é voltar a crescer com inclusão. Para isto, precisamos passar da democratização da demanda para a democratização da oferta: o acesso às oportunidades, às capacitações e aos recursos da produção, inclusive o crédito. Para democratizar a demanda, basta dinheiro. Para democratizar a oferta, é preciso inovar nas instituições econômicas –e isso não exige planos mirabolantes. Começa com ações práticas como o projeto em tramitação no Congresso, capazes de produzir grandes efeitos. Afinal, o que está em jogo nessa proposta não é apenas democratizar o crédito; é democratizar o dinheiro, já que dar crédito equivale a fazer moeda. Por que, quando debatemos a expansão do crédito para estimular o crescimento, a primeira medida que nos ocorre é provocar os bancos públicos e privados a emprestar mais? Emprestarão aos mesmos de sempre. Por que não derrubamos a barreira que impede a poupança de financiar amplamente a produção? Essa proibição reflete puro preconceito ideológico da esquerda tradicional e da direita tradicional. A esquerda quer só humanizar a economia de mercado com políticas sociais –isso quando desiste de substituí-la. A direita confunde as economias de mercado que existem, carcomidas por privilégios, com o ideal da iniciativa descentralizada. O preconceito casa com o interesse –nesse caso, dos que se beneficiam com a perpetuação do cartel financeiro. Na história dos maiores países, a democratização das finanças foi esteio de construção nacional. Os Estados Unidos, que a partir da terceira década do século 19 desenvolveram sistema financeiro radicalmente descentralizado, voltado para a produção, são um exemplo. Chegou a vez do Brasil. GUILHERME AFIF DOMINGOS, 72, é presidente do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) ROBERTO MANGABEIRA UNGER, 68, é professor na Universidade de Harvard * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-07-12
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1715305-democratizar-o-credito-ja.shtml
Novas jogadas
Em seu mais recente desdobramento, a investigação sobre o escândalo de corrupção na Fifa devassou a cúpula do futebol na América Latina. Na última quinta-feira (3), a Justiça dos Estados Unidos indiciou nada menos que 16 cartolas dessa região. A lista infame inclui Marco Polo Del Nero, presidente agora licenciado da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), e Ricardo Teixeira, ex-presidente da entidade. Todos são acusados de envolvimento em um esquema criminoso de propinas para a venda de direitos comerciais de competições, fraude e lavagem de dinheiro. Dois dos indiciados, os presidentes da Concacaf (confederação que cuida do futebol da América do Norte, América Central e Caribe) e da Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol), foram presos na Suíça, onde se encontravam para uma reunião da Fifa. Juntam-se, assim, aos sete dirigentes da entidade máxima do futebol detidos no final de maio em Zurique, quando a operação foi deflagrada –nessa leva estava José Maria Marin, sucessor de Teixeira e antecessor de Del Nero na CBF. Também investigado pelo Comitê de Ética da Fifa, Del Nero pediu na semana passada licença do posto de presidente da CBF para "dedicar-se a sua defesa". Dessa forma, vão sendo conhecidos cada vez mais os ricos detalhes do maior escândalo de corrupção da história do futebol. Segundo a procuradoria norte-americana, os cartolas acusados estiveram envolvidos em negócios ilícitos que movimentaram mais de US$ 200 milhões (quase R$ 800 milhões) em cerca de duas décadas. Ricardo Teixeira é suspeito não só de ter recebido propinas ligadas a direitos de transmissão de torneios mas também de ter embolsado milhões para que certos jogadores da seleção fossem escalados em partidas da Copa América. Como não há a possibilidade de extradição para os Estados Unidos, tanto Ricardo Teixeira como Marco Polo Del Nero não correm por ora o risco de serem presos. O jogo, contudo, pode virar em breve. Não se descarta, por exemplo, uma colaboração entre a Justiça norte-americana e a brasileira para o repasse de informações e provas colhidas, permitindo que as investigações prosseguissem por aqui. É, aliás, o que se espera. editoriais@uol.com.br
2015-07-12
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1715772-novas-jogadas.shtml
Domínio ameaçado
Norteando o exercício do poder na Venezuela desde 1999, o ideário chavista tem sido imbatível nas eleições nacionais desde então. Entretanto, a confiar nas projeções para o pleito que renovará as 167 cadeiras do Legislativo neste domingo (6), essa invencibilidade tem grande chance de ser quebrada. Todos os levantamentos recentes indicam larga preferência pelos políticos da oposição. Os resultados dessas pesquisas não surpreendem; há muitos motivos para os venezuelanos rejeitarem os aliados do presidente Nicolás Maduro. O PIB do país, que em 2014 caiu 4%, deve contrair-se 10% neste ano; a inflação alcança cerca de 150%; a população sofre com o desabastecimento de produtos. Esse tormento resulta da queda no preço do petróleo –origem de 90% dos dólares que entram no país–, mas também de ações desastrosas, como o controle de preços e do câmbio. O ataque ao setor produtivo, ademais, com expropriações e prisões abusivas de empresários, levou à fuga de capitais. Como consequência, a popularidade de Maduro, sucessor de Hugo Chávez, oscila entre 20% e 30%. Se, por tais razões, o governo perder o controle do Legislativo, nem por isso haverá uma mudança brusca na gestão da Venezuela, embora sejam patentes os efeitos simbólicos de eventual derrota. Alterações nos rumos do país só passarão a ser cogitadas caso a oposição eleja dois terços do Legislativo, o que lhe permitiria convocar membros do governo para prestar explicações e aprovar emendas constitucionais, por exemplo. Mesmo assim, a oposição precisaria olhar antes para suas fileiras. Não se descarta que a discordância entre moderados, que refutam o revanchismo, e radicais, que querem tirar Maduro do poder, promova um racha interno. O cenário parece muito favorável aos oposicionistas, mas não se deve esquecer de que o governo usa recursos públicos e instituições do Estado em benefício próprio. Ocorreram, além disso, ao menos cinco ataques a atos da oposição –o mais grave deles provocou uma morte. Apesar de tantos abusos, o sistema de apuração é considerado confiável. As irregularidades ocorrem antes do pleito ou fora das urnas, por meio de intimidações e hostilidades –e é sobretudo a isso que deve ficar atenta a missão da Unasul (União das Nações Sul-Americanas) que acompanhará a eleição. editoriais@grupofolha.com.br
2015-05-12
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1715345-dominio-ameacado.shtml
A polêmica observação internacional nas eleições venezuelanas
Com a aproximação do processo de escolha dos 167 deputados que irão compor a Assembleia Nacional na Venezuela em 6 de dezembro aumentaram as críticas à posição do governo de Nicolás Maduro com relação à participação de observadores internacionais no processo eleitoral. A relação com os observadores estrangeiros já vem a algum tempo se deteriorando com o fechamento em agosto do escritório da Organização na capital Caracas, após 13 anos de atividades no país. Além disso, o jurista brasileiro Nelson Jobim, indicado para chefiar a missão de monitoramento eleitoral da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), declinou o convite após constatar a falta de garantias por parte do governo venezuelano de que as eleições seriam realizadas de forma objetiva e imparcial. Destarte a negativa de Jobim a Unasul confirmou o envio de uma missão que até o momento é a única confirmada, haja vista o fato de que missões já tradicionais nas Américas, a exemplo daquelas da Organização das Nações Unidas (ONU), da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da União Europeia (UE) não foram convidadas para participar dos pleitos a serem realizados no país. Com tanta repercussão internacional Tibisay Lucena, presidente do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), organismo nacional responsável pela condução das eleições, anunciou que além dos observadores regionais, representantes da Comissão de Especialistas Eleitorais Latino-Americanos (CEELA) e de técnicos de organismos eleitorais da região iriam desembarcar no país para acompanhar o início das campanhas eleitorais, como parte do comprometimento do governo da Venezuela com a transparência do processo eleitoral. Em outras palavras, o organismo considerará apenas a observação por parte de convidados de seu interesse, e não de organizações que poderiam, devido seu prestígio e reconhecimento internacional, legitimar a condução da votação. A situação se complicou ainda mais com a solicitação por parte da aliança de oposição ao governo denominada Mesa da Unidade Democrática (MUD) de que os observadores internacionais de organizações multilaterais estejam presentes no país com ou sem o aval do CNE. A aversão do governo frente a permanência de estrangeiros em território nacional aconteceu em um momento bastante delicado, no qual são reportadas prisões de opositores políticos, grave crise econômica e crescente escassez de alimentos básicos, levando vários cidadãos a enfrentar filas em supermercados nos últimos meses. Assim, a Venezuela mantém uma tradição, que já vem desde a primeira eleição na qual Hugo Chávez foi eleito presidente, de evitar ao máximo a presença de observadores de organismos multilaterais –e imparciais– durante a realização de pleitos nacionais. Tal situação é vista com desconfiança por governos da região. Isto dificulta o apoio internacional à democracia venezuelana, uma vez que as eleições são apenas uma das categorias essenciais para que um país seja considerado democrático. PAULA GOMES MOREIRA, 28, internacionalista, doutoranda em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB). * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-05-12
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1715282-a-polemica-observacao-internacional-nas-eleicoes-venezuelanas.shtml
Quinto e a Constituição protegida
A Constituição Federal, lei máxima de nossa República, reserva um quinto das vagas nos tribunais para integrantes da advocacia e do Ministério Público. Essa regra, conhecida como "quinto constitucional", reforça a indispensabilidade dessas duas carreiras para o bom funcionamento do Judiciário. Aos que se opõem ao democrático mecanismo do quinto, cabe lembrar que ele leva aos tribunais colegiados, incumbidos de revisar decisões, a experiência dos advogados, do parquet e dos juízes. Só quem passa por rigoroso critério de seleção e controle obtém uma dessas vagas. E, não menos importante: o quinto constitucional é elemento inerente à separação dos Poderes e, por isso, cláusula pétrea. Ele não pode ser abolido. O magistrado que ingressa em um tribunal por meio do quinto constitucional precisa passar por diversos filtros. No caso do Ministério Público, primeiro, precisa ingressar na carreira por concurso público. No caso dos advogados, precisa ser aprovado no exame da OAB. Depois, nos dois casos, deve ter amplo reconhecimento de suas competências entre seus pares. Ou seja: é preciso capacidade técnico-jurídica. Depois, deve preencher o critério temporal, ao menos dez anos na carreira. A inclusão em lista sêxtupla da Ordem dos Advogados do Brasil ou do Colégio de Procuradores só ocorre após rigoroso filtro. Essa lista, submetida ao tribunal, será reduzida para apenas três nomes. E o chefe do Poder Executivo escolherá um. O processo envolve, portanto, representantes legítimos das classes profissionais e o Poder político legitimamente eleito para tomar as decisões, como a escolha das autoridades judiciárias que julgarão casos relevantes para a sociedade. A mesma Constituição que legitima o quinto, torna possível o exercício do Poder Judiciário por pessoas não indicadas pelo povo, mas aprovadas em concurso. É o que acontece no ingresso de juízes de primeiro grau no serviço público porque, neste campo, a função é essencialmente técnico-jurídica. E como esses juízes que entraram na carreira por meio de concurso podem conseguir vagas em tribunais colegiados? De duas formas. As indicações são feitas alternando dois critérios: antiguidade e merecimento. Mas, será que ser o juiz mais antigo significa ser o melhor? E os critérios de merecimento são os mais objetivos? Querer atacar as indicações da OAB e dos procuradores é o mesmo que atacar essas indicações e pretender o desmoronamento do Judiciário, da forma como está concebido, por completo. Os Poderes vivem harmônica e independentemente entre si. Para viabilizar esta convivência, tem-se o sistema de freios e contrapesos, que existe para que um Poder possa coibir abusos cometidos pelo outro. O quinto constitucional, inerente à harmonia e independência entre os Poderes, constitui-se em cláusula pétrea, sendo inconstitucional a emenda que tenda a lhe subtrair. Explico: o artigo 60 da Constituição veda que seja objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a separação dos Poderes. O quinto constitucional, enquanto legítimo elemento de harmonização e controle dos Poderes entre si, inclui-se no núcleo imutável da Constituição, tornando-se indubitável a inconstitucionalidade de sua extinção. O Poder constituinte derivado não possui a delegação do Poder originário para, no ponto, alterar a Carta Constitucional, por se tratar, o quinto constitucional, matéria que integra o rol das cláusulas pétreas, por ser elemento garantidor da separação entre os Poderes. O quinto integra o núcleo imodificável implícito da Constituição. Em outras palavras, por ser elemento conceitual integrativo da separação dos Poderes, o quinto constitucional não pode ser abolido. MARCUS VINICIUS FURTADO COÊLHO, 43, presidente nacional do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-12
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1714202-quinto-a-constituicao-protegida.shtml
Voz das ruas vai concretizar o impeachment
Na luta de Eduardo Cunha versus Dilma Rousseff, onde fica o Brasil? Parte da imprensa quer fazer parecer -e isso ficou muito claro pelas capas dos jornais desta quinta (3)- que o processo de impeachment é uma batalha entre o bem e o mal. O bem, é claro, é a presidente Dilma. Segundo a narrativa do adesismo, o impeachment é uma mera investida revanchista de Eduardo Cunha, que não conseguiu o apoio do PT para se salvar no Conselho de Ética da Câmara. Os que defendem tal argumento parecem esquecer que, até pouco tempo atrás, Cunha era aliado do governo, e inclusive já fez campanha para Dilma. Ignoram o fato de que, mesmo após a manifestação do dia 15 de março, a oposição ainda chamava o impeachment de "golpe" e Dilma, de "presidente honrada". Enquanto a população pressionava para que o impeachment se tornasse pauta em Brasília, tanto Cunha quanto a oposição estavam absolutamente confortáveis em suas posições. A voz das ruas não ecoava no Congresso Nacional. Depois de três gigantescas manifestações, uma caminhada simbólica de São Paulo até Brasília e um acampamento que permaneceu por mais de um mês em frente ao Congresso Nacional, o impeachment tornou-se pauta para a classe política. Não havia mais como ignorá-lo. O barulho do Brasil perfurara a bolha que isola Brasília. Ainda assim, o discurso da imprensa não era o de que a população brasileira havia, pela primeira vez em muito tempo, pautado o debate do Congresso. Construíram uma narrativa na qual a legitimidade de qualquer pedido de impeachment provinha de quem ocupa a presidência da Câmara. "Ok, vocês estão pedindo o impeachment da Dilma. Mas e o Cunha? Ele pode acolher? Não tira a legitimidade do pedido?" Parece que os jornalistas esqueceram o fato de que o presidente da Câmara dos Deputados é o único que pode acolher tal pedido contra a presidente Dilma. Infelizmente, Eduardo Cunha é o presidente da Câmara. Posso dizer "infelizmente", com todas as letras, porque, ao contrário do que alguns dão a entender, o Movimento Brasil Livre nunca foi aliado ou soltou nota de apoio a Eduardo Cunha, diferentemente de alguns petistas por aí. Assim como defendemos o impeachment da presidente Dilma, defendemos a cassação de Eduardo Cunha. Querer que um seja devidamente punido não faz com que você tenha que defender o outro. O descaramento na defesa do governo pode ser traduzido em números. Recentemente uma startup de tecnologia nos cedeu, pro bono, o direito de usarmos sua ferramenta, que monitora e analisa o fluxo de dados de veículos de imprensa na internet. Os resultados, confirmados também pelo Google Trends, são assustadores Eles nos revelaram que, entre setembro e outubro, ou seja, antes de o governo sinalizar um acordo com Eduardo Cunha, as notícias sobre o presidente da Câmara foram muito mais frequentes do que entre outubro e novembro, ou seja, depois da sinalização do acordo. O "G1", portal de notícias da Globo, por exemplo, publicou 258 notícias sobre Cunha entre setembro e outubro. Já no período de outubro a novembro, foram apenas 42 notícias. Essa queda drástica foi registrada em absolutamente todos os veículos de imprensa. A verdade é que o impeachment é bom para o Brasil. E o que é bom para o Brasil é ruim para a presidente Dilma. E vice-versa. Eduardo Cunha não tem votos suficientes para aprovar o impeachment na Câmara. Dilma também não tem votos suficientes para barrá-lo. O fator decisivo é a opinião pública. As ruas. Assim como as ruas fizeram o impeachment ser pauta em Brasília, farão agora com que ele se concretize. E não há nada que Cunha ou Dilma possam fazer sobre isso. Kim Kataguiri, 19, é coordenador do Movimento Brasil Livre. * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-12
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1714765-voz-das-ruas-vai-concretizar-o-impeachment.shtml
Apenas um grau
Para entender um país, vale a pena estudar seus símbolos de Estado: a bandeira e o hino nacional. Os do Brasil são muito expressivos; o verde, azul, amarelo e o branco da bandeira refletidos nas referências do hino. O Brasil atribui a si próprio a característica de ser um país verde. Nesta semana, em Paris, os líderes globais, incluindo a presidente Dilma Rousseff e o primeiro ministro britânico David Cameron, decidirão até que ponto o mundo, e o Brasil, vão se manter "verdes". Será a primeira tentativa séria das Nações Unidas, após o fracasso da cúpula em Copenhague, em 2009, de estabelecer meios para alcançar o objetivo comum entre os países: limitar o aumento da temperatura média global a 2ºC. Hoje, esse aumento é praticamente inevitável. A temperatura do planeta já avançou quase 1ºC desde 1850, e decisões sobre o uso de combustíveis fósseis tornam essa trajetória irreversível. Um grau pode não parecer muito, mas já sentimos as consequências: secas, enchentes e uma elevação no nível dos oceanos, que, juntamente com fenômenos naturais, provocam danos ainda maiores em centros urbanos costeiros. Tudo isso contribui para intensificar não só a miséria, mas também situações de conflito. Fala-se muito da crise humanitária na Síria, mas sem fazer menção à seca que afetou a região entre 2007 e 2011. Se não houver uma ação agora, o aumento da temperatura será de 4ºC até o fim do século. Isso poderá prejudicar boa parte do mundo, com riscos de desertificação de grandes áreas, aumento substancial de chuvas e secas ainda mais intensas. Uma abordagem inteligente perante um risco crescente e catastrófico é agir para diminuí-lo. Felizmente, parece haver um bom esforço para estabelecer em Paris o caminho para um futuro mais sustentável. O Brasil -que já vem conseguido uma redução clara nas suas emissões de gases de efeito estufa, graças a uma significativa diminuição nos índices de desmatamento- propõe cortar suas emissões em 37% até 2025. A União Europeia se comprometeu com pelo menos 40% até 2030, e o Reino Unido, com 50% até 2030 e 80% até 2050. Ao todo, quase 150 países já apresentaram suas contribuições, representando quase 90% das emissões globais. Entretanto, cumprir essas promessas não é suficiente para atingir a meta dos 2ºC. Temos que ir mais longe. Os argumentos contra uma maior ambição são conhecidos, mas fracos. Há quem reclame das consequências para a competitividade, mas o Reino Unido, por exemplo, já conseguiu reduzir suas emissões em quase 30% desde 1990, e sua economia aumentou em 60%. A parte da nossa economia atribuída ao baixo carbono está crescendo mais rapidamente que o restante. Há quem ache que podemos nos adaptar aos impactos das mudanças climáticas; mas a que custos em termos humanos e biológicos? Temos em Paris, vítima de uma ameaça global -o terrorismo-, uma oportunidade para definir ações coletivas contra outra ameaça global menos imediata, mas ainda significativa: a mudança climática. Uma união de forças entre as nações poderá dar um futuro aos nossos filhos e netos, para que lindos campos tenham mais flores e nossos bosques tenham mais vida. ALEX ELLIS, 48, é embaixador do Reino Unido no Brasil * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-04-12
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1714767-apenas-um-grau.shtml
Catástrofe obscura
Em 20 de abril de 2010, a plataforma Deepwater Horizon explodiu, matou 11 pessoas, derramou 780 milhões de litros de óleo no golfo do México por quase três meses e causou prejuízo de mais de US$ 50 bilhões à empresa BP. A resposta coordenada pelo governo norte-americano ao maior desastre ambiental dos EUA chegou a mobilizar 48 mil pessoas. Nem por isso o presidente Barack Obama escapou de críticas, em especial por ter minimizado, de início, o porte do derramamento. No caso do rompimento da barragem de rejeitos da Samarco em Mariana (MG), em 5 de novembro, não pairou dúvida sobre a maior catástrofe ambiental brasileira: 40 bilhões de litros de lama invadiram de uma vez a bacia do rio Doce e houve ao menos 13 mortes. As críticas a Dilma Rousseff (PT) se concentraram na lentidão do governo em reagir, ilustrada pela demora da presidente em deslocar-se ao local, uma semana depois. Um mês após o desastre, o país ainda está longe de vislumbrar uma orientação do Planalto que se mostre à altura do derramamento. Verdade que o Ibama autuou a Samarco em R$ 250 milhões. O Ministério do Meio Ambiente pretende levar adiante ação civil pública contra a empresa, ao lado de Minas Gerais e Espírito Santo, para que destine R$ 20 bilhões a um fundo de recuperação, de gestão privada. Não é improvável que a Samarco e suas proprietárias –Vale e BHP– tentem se esquivar desse comprometimento financeiro. Com a lentidão da Justiça brasileira, o processo pode arrastar-se pelos dez ou 15 anos que a recuperação propriamente dita do rio Doce pode durar. É no front da informação, porém, que os governos mineiro e federal já vão perdendo a guerra. Tome-se a suposta contaminação da lama de Mariana com metais pesados danosos à saúde, sobre a qual ainda paira um véu de opacidade. Brasília deu destaque para um laudo do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) e da Agência Nacional de Águas (ANA), que indicava não ter ocorrido aumento dessas substâncias tóxicas no rio Doce. Na mesma época veio a público análise do Instituto Mineiro de Gestão das Águas de Minas (Igam), atestando quantidades superiores ao recomendável de arsênio, cádmio, chumbo e até mercúrio. Trata-se de uma questão básica, que cabe ao poder público dirimir de vez. Permitir que a dúvida persista só vai agravar a angústia da população e turvar a perspectiva de que a recuperação da área se faça com eficiência e seriedade. editoriais@grupofolha.com.br
2015-04-12
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1714806-catastrofe-obscura.shtml
Batalha contra o zika
A população brasileira já se mostrava preocupada, mas o alerta mundial emitido na terça-feira (1º) pela Organização Mundial da Saúde atraiu ainda mais a atenção para a epidemia do vírus zika. No comunicado, o órgão pede que os governos se preparem para um aumento no número de ocorrências, reforçando atendimento pré-natal e neurológico. Confirma, ademais, contaminações em nove países do continente americano. Até meses atrás praticamente restrito a ilhas do Pacífico e tido como pouco perigoso, o zika mudou de status devido ao surto de microcefalia no Brasil. No último final de semana, o Ministério da Saúde confirmou a relação entre o agente infeccioso e a escalada de registros de malformação craniana. O boletim epidemiológico divulgado na segunda-feira (30) contava 1.248 casos suspeitos de microcefalia. De 2010 a 2014, a média anual ficou em 156 notificações. Diante dessa explosão, Estados bastante afetados passaram a decretar situação de emergência, mulheres começaram a cancelar viagens ao Nordeste (região mais atingida), especialistas chegam a recomendar que se evite a gravidez. Uma das explicações para reações dessa natureza está no pouco conhecimento existente sobre o vírus. O estabelecimento da ligação do zika com a microcefalia, por exemplo, é inédita na medicina. Essa ignorância levou o secretário estadual da Saúde de São Paulo, David Uip, a comparar a situação atual à da Aids no anos 1980. "Não sabíamos nada, fomos aprendendo no dia a dia. O zika é diferente de tudo o que vimos até hoje." A outra explicação decorre da primeira: por ora não existe vacina ou tratamento. Esse fato não só assusta as pessoas mas também dificulta o trabalho das autoridades sanitárias –a única maneira de conter a epidemia é pela prevenção. Transmitido pelo mosquito Aedes aegypti (o mesmo da dengue e da chikungunya), o vírus, que já circula em 18 Estados, tende a se espraiar ainda mais nos próximos meses, quentes e chuvosos. É necessário, portanto, aprofundar o conhecimento a respeito do zika; urgente, além disso, que prefeituras, governos estaduais e federal intensifiquem as ações preventivas –um esforço que também inclui campanhas para promover o engajamento da população, fundamental para evitar o surgimento de criadouros dentro das casas. editoriais@grupofolha.com.br
2015-03-12
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1714276-batalha-contra-o-zika.shtml
O vício contra o vício
Pelas mãos suspeitíssimas do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), deflagrou-se o processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT). Às voltas com as ameaças que pesam sobre seu próprio mandato, Cunha já deixava claro, nas últimas semanas, o poder de chantagem que estava disposto a exercer. Esperava que o Planalto o apoiasse no Conselho de Ética da Câmara, que parece inclinado, em meio a dúvidas, hesitações e tratativas, a recomendar seu julgamento por quebra do decoro parlamentar. A pressão sobre os três petistas do conselho se fazia em sentidos opostos. A cúpula da agremiação, buscando alguma sintonia com a opinião pública, recomendava o rompimento com Cunha. O governo, temendo a retaliação que agora se concretiza, fazia esforços para contornar as flagrantes evidências contra o potencial algoz. Prevaleceu, nesse dilema, a orientação partidária, e poucas horas depois de o PT anunciar que votaria contra o peemedebista no Conselho de Ética chegou-se, com a decisão tomada por Eduardo Cunha, a um doloroso paradoxo. Em nome dos padrões de seriedade e ética que o petismo tem dado tantas mostras de desprezar, eis que o processo de impeachment de Dilma se inaugura por obra de um político denunciado na Operação Lava Jato, acusado de corrupção e flagrado em pleno controle de contas bancárias na Suíça –a respeito das quais mentira de forma deslavada na CPI da Petrobras. Já se disse muitas vezes que a hipocrisia é uma homenagem que o vício presta à virtude. Aqui, rompeu-se por fim a hipocrisia, e é do vício contra o vício que se trata. Acuada entre o cinismo e a incompetência, entre a chantagem e o esbulho, entre a propina e a pedalada, a virtude parece silenciar-se, depois de ter ido às ruas tantas vezes nos últimos anos –para confundir-se, que seja dito, em meio a um tumulto de grupos que iam dos black blocs criminosos de 2013 aos embrutecidos defensores da ditadura militar de 2015. Talvez, entretanto, Eduardo Cunha tenha razão em uma das considerações com que acompanhou sua desesperada artilharia. O impasse político em torno do impeachment tem feito mal ao país. Que se decida de uma vez, renovando a legitimidade da presidente Dilma Rousseff, ou negando-a em favor de uma solução pacífica, institucional e democrática –por traumática que possa ser. A presidente Dilma reagiu, em pronunciamento curto, mas contundente, ao novo lance da crise. Seus argumentos, bem como os de quem pede o afastamento da presidente, haverão de ser debatidos pelos políticos e pela sociedade com mais vagar. O processo que ora se abre dará ocasião a que todos examinem, com paixão, mas também com razão e prudência, os motivos concretos em torno do impeachment. editoriais@grupofolha.com.br
2015-03-12
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1714277-o-vicio-contra-o-vicio.shtml
Prioridades em tempos de crise
Se em anos de pressuposta abundância os recursos da saúde já foram questionados, não seria agora, em plena crise econômica, que isso poderia ser diferente. Vale lembrar, porém, que o orçamento público é elaborado em função de prioridades dos governos. No caso da saúde, a retórica da crise não pode ser usada para justificar falta de recursos. Tratá-la como tal reflete pouco entendimento de questões elementares da estrutura. O pensamento não cria a realidade, como entendia Hegel. Pelo contrário, esse é o modo pelo qual os seres humanos buscam aprendê-la e explicitá-la. O economista Theodoro Schultz percebeu que nos EUA muitas pessoas investiam fortemente em si mesmas e que esse investimento teria peso representativo sobre o crescimento econômico. Foi a partir dessas observações que surgiu o conceito de Capital Humano, segundo o qual determinados investimentos trazem retornos adicionais futuros. Aqueles que se preocupam com marcos legais deveriam entender que, para o cidadão, o que vale é a inclusão na prática, não a euforia do momento. A teoria do Capital Humano demonstra que investimentos em saúde e educação podem aprimorar as aptidões e as habilidades dos indivíduos, tornando-os mais produtivos –o que, em larga escala, poderia influenciar as taxas de crescimento dos países. Quem sabe por isso opções compensatórias na forma de bolsas alocadas em orçamento possam explicar atrasos e incapacidades produtivas de países. De acordo com análises do economista André Medici, não houve, nas últimas décadas, correlações claras entre os gastos em saúde e o crescimento do PIB. Se, por um lado, a emenda constitucional 29 garantiu estabilidade orçamentária, por outro não tornou a saúde uma prioridade dos governos. Nos momentos de crise criam-se ótimas oportunidades para definirmos o país que queremos, pois são nesses períodos que prioridades devem ser estabelecidas. Aceitar reduções sem considerar as consequências de médio e longo prazo significa negar a necessidade de políticas estruturantes, vitais para países pujantes. Por outro lado, imaginar que priorizar significa apenas destinar dinheiro pode levar à cultura do desperdício, a mesma que causou uma perda de mais de US$ 700 bilhões em 2012 nos EUA por conta de erros e incentivos impróprios. Sob a perspectiva do momento e das opções compensatórias, o contexto do Capital Humano foi preterido por uma política rígida concentrada em bolsas assistencialistas, sem verdadeiro foco em saúde e educação. O fato é que até em coisas básicas, como rede de esgoto e água encanada, nosso país está em larga desvantagem. Programas como o Minha Casa, Minha Vida, por exemplo, apontados como estrelas e que deveriam contribuir para evitar doenças hídricas, não avançaram mais que 1% ao ano na profilaxia. As reformas não dependem de lutas de classes, mas sim da honestidade intelectual das classes. Entre 1980 e 2015, os gastos federais em saúde nunca foram inferiores a 1,1% do PIB e nem superiores a 1,7 %. Paradoxalmente, é o período que sucede à promulgação da Constituição de 1988, o pior momento para o financiamento da saúde no Brasil. A obrigatoriedade de investimento não priorizou o compromisso com a saúde, mas sim um mínimo de verba a ser destinado ao setor, o que tem valor relativo. Agora a discussão volta, atribuída à incapacidade de alocação e de dispêndio adequado dos recursos. A crítica não passa por aí. Na verdade, o que se observa são recursos da saúde sendo utilizados como moeda de troca política e sem suporte técnico na discussão que deveria nortear o relacionamento entre a casa legislativa e o Poder Executivo. Orçamento é objeto de votação e isso significa dizer que pode e deve ultrapassar mínimos orçamentários, desde que seja prioritário. E quem define prioridade é o governo, apoiado na estrutura de Estado. CLAUDIO LOTTENBERG, 55, é presidente do Hospital Israelita Albert Einstein e do Instituto Coalização Saúde * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-03-12
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1714204-prioridades-em-tempos-de-crise.shtml
Direito de avançar
Empoderar as pessoas com deficiência e garantir os seus direitos significa promover avanços para toda a sociedade. A frase do vice-secretário-geral da ONU, Jan Eliasson, durante a 8ª Conferência dos Estados Partes da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, em junho, exprime o princípio de luta das entidades representantes desse segmento também no Brasil. E é o norte das ações da Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo, que se dedica a conquistas fundamentais não só para os 45 milhões de brasileiros com algum tipo de deficiência, nove milhões deles em São Paulo. Não pleiteamos favores, e sim garantias de direitos. Hoje, Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, é data de celebração dos avanços representados pela Lei Brasileira de Inclusão (Lei Federal nº 13.146/2015), em vigor a partir de janeiro. Moderna e sintonizada com a agenda de Desenvolvimento Sustentável da ONU para 2030, a Lei, resultado de 15 anos de discussões e pressão dos movimentos sociais, evidencia a tendência mundial de se trazer a inclusão para o debate. Desde a apresentação da Lei na Câmara dos Deputados, o que se viu foi uma intensa participação social, por meio de diversas audiências públicas e debates pela internet. Sob relatoria da deputada federal Mara Gabrilli (PSDB-SP), o texto aprovado e sancionado garante direitos como o auxílio inclusão para trabalhadores com deficiência que exerçam atividade remunerada (antes restrito a quem não trabalhava), a liberação de recursos do FGTS para aquisição de órteses e próteses, além das proibições aos planos de saúde de praticarem qualquer tipo de discriminação e às escolas de cobrarem taxas adicionais de alunos com deficiência. Acreditamos que esse engajamento nos trará sucesso em mais uma luta urgente para a sociedade, que começamos a desbravar hoje. Representantes dos três níveis de governo, associações profissionais, usuários e ativistas pelos direitos das pessoas com deficiência, fabricantes e distribuidores de cadeiras de rodas e profissionais de saúde e reabilitação, realizaram em outubro a 1ª Reunião de Partes Interessadas no Fornecimento de Cadeiras de Rodas no Brasil. Desse encontro veio a decisão de pleitearmos a pronta instituição de um Comitê junto ao Ministério da Saúde, com objetivo de redefinir a política pública de tecnologias assistivas. Para cerca de dois milhões de brasileiros, a autonomia esta relacionada ao uso de uma cadeira de rodas apropriada. Entretanto, segundo a Organização Mundial de Saúde, somente 5% a 15% do público-alvo tem acesso a elas. Propomos uma gestão mista e democrática, que estabeleça rigorosos padrões de qualidade, organize uma fila única de acesso aos serviços, implante um canal de financiamento para a aquisição de tecnologias assistivas pelas instituições e se comprometa com a formação de excelência dos profissionais da área. Já está na hora de a deficiência ser entendida como uma condição humana que se modifica de acordo com o contexto cultural, econômico, social e arquitetônico no qual o indivíduo está inserido. Não queremos criar um novo mundo exclusivamente para pessoas com deficiência, precisamos transformar o mundo que habitamos num lugar digno e de vida em plenitude para todos. O caminho é longo e complexo, mas os 2015 ficará marcado como o ano em que conquistamos o direito de avançar. LINAMARA RIZZO BATTISTELLA é médica fisiatra, professora titular da USP e secretária de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-03-12
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1714173-direito-de-avancar.shtml
A magistratura para juízes
Ninguém em sã consciência pode deixar de reconhecer que Getúlio Vargas foi o maior ditador da história do Brasil, particularmente no período denominado de Estado Novo (1937-1945). Vargas chegou ao poder em 3 de novembro de 1930, através de um golpe de Estado, e, depois de esmagada a resistência com a derrota dos Constitucionalistas (1932), conseguiu promulgar a Carta de 1934, que, além de assegurar-lhe um mandato presidencial de quatro anos (até 1938), sutilmente inaugurou um processo mais intenso de controle dos Poderes Judiciário e Legislativo. No caso do Poder Judiciário, em particular, criou o instituto do Quinto Constitucional nos Tribunais (art. 104, §6º, CF/34), permitindo que nomeasse, à sua inteira discricionariedade, juízes estranhos à magistratura, alterando, em consequência, a composição dos Tribunais e subvertendo a natural escala hierárquica da carreira. Não satisfeito, numa ousadia sem precedentes, simplesmente extinguiu a Justiça Federal (art. 185 da CF/37), e manietou as prerrogativas dos juízes (arts. 91 e 92 da CF/37, c/c, D.L nº 6 de 16 de novembro de 1937), concebendo um novo Golpe de Estado em que a Ditadura Autoritarista inicial (1930/36) foi substituída pelo Estado Totalitário (1937/1945). Alijado do poder em 1945, por obra de ventos democratizantes, fruto da vitória da democracia anglo-americana na 2ª Guerra Mundial, o frágil processo liberalizante de 1946, todavia, não foi suficiente para recompor plenamente a Instituição do Poder Judiciário, posto que a Justiça Federal de 1º grau somente foi recriada muito posteriormente (art. 20 do AI-2, de 27 de outubro de 1965) e o malsinado Quinto Constitucional não somente permaneceu em nossa previsão constitucional como ainda foi ampliado para o Terço Constitucional no órgão de cúpula da Justiça comum Federal e Estadual: o Superior Tribunal de Justiça (arts. 94 e 104 da CF/88). Oportuno destacar que o instituto do Quinto Constitucional representa não somente uma arbitrária ingerência na carreira do Judiciário, como ainda um afrontoso desrespeito à concepção estrutural da Tríade da Justiça, a incluir, além dos juízes, na qualidade de membro do Poder Judiciário, os advogados (art. 132 da CF/88) e os membros do Ministério Público (art. 127 da CF/88) como partes, respectivamente, indispensáveis e essenciais. Permitir,- reafirmando uma herança autoritária que já deveria ter sido há muito sepultada-, a simples nomeação de juízes, sem o correspondente concurso de acesso, não só afronta o princípio da separação dos poderes, como ainda diminui a própria importância da Advocacia e do Ministério Público como instituições fundamentais ao pleno funcionamento da Justiça, que, ao reverso do que a ideia do Quinto Constitucional pode insinuar, estão rigorosamente ao lado do Poder Judiciário, e não em posição de absurda e inaceitável inferioridade. Nunca é demais reforçar a lembrança de que a Justiça não se confunde com o Poder Judiciário, pois compreende, necessariamente, além dos juízes, os advogados e os membros do Ministério Público, todos munidos de igual hierarquia e importância, sendo, inclusive, condenável as coloquiais expressões "Justiça Federal, Estadual, Trabalhista, etc.", como pseudo sinônimos do "Poder Judiciário Federal, Estadual e Trabalhista". A magistratura deve ser, portanto, exclusivamente voltada para os juízes, assim como o Ministério Público para os promotores e a advocacia para os advogados. Esse é o necessário resgate democrático que o Brasil ainda deve realizar para completar,finalmente, o ciclo de restabelecimento pleno da nossa jovem e ainda incipiente democracia. REIS FRIEDE é desembargador federal e vice-presidente do TRF2 - Tribunal Regional Federal da 2ª Região * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-02-12
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1713619-a-magistratura-para-juizes.shtml
Só o Brasil oficial não sabia?
O desastre de Mariana, possivelmente, é o pior acidente ambiental brasileiro. Além de soterrar comunidades, matando 11 pessoas, e deixando 8 desaparecidos até agora, provocou a morte do rio Doce. O Saae (Serviço Autônomo de Água e Esgoto), de Baixo Guandu (ES), analisou a água do rio e encontrou metais pesados: chumbo, alumínio, ferro, bário, cobre, boro e mercúrio. "O rio está morto, o cenário é o pior possível", disse Luciano Magalhães, diretor do Saae. Morte anunciada em razão de uma legislação frouxa e inexistência de fiscalização. Além da Samarco, propriedade da Vale e da anglo-australiana BHP Billiton, o governo federal também deveria ser punido; afinal, a responsabilidade é dele. O Código de Mineração, no capítulo 2º, artigo 21º, inciso 24, estabelece que "compete à União organizar, manter e executar a inspeção do trabalho". Já o capítulo 1º, artigo 174, é claro: "Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado". Infelizmente, como denuncio em meu trabalho, a ausência de fiscalização é unânime em todas as comunidades nativas do litoral. A Folha noticiou, em junho passado, que o principal órgão de controle ambiental do governo federal, o Ibama, tem apenas três barcos em atividade para fiscalizar os mais de 7.300 km do litoral brasileiro. Em entrevista para o site "Mar sem Fim" (www.marsemfim.com.br), Maria Tereza Jorge Pádua, um dos ícones do ambientalismo brasileiro, sentenciou: "o meio ambiente nunca foi prioridade no Brasil". Alguém duvida? Fui aos sites. Descobri que a "missão" da Vale é "transformar recursos naturais em prosperidade e desenvolvimento sustentável". Desconfio de quem se diz "verde", "sustentável", "eco isso ou aquilo". Cansei de ver a destruição do litoral por empresas que abusam do jargão. De toda forma, continuei a leitura. A Vale lista no site seis valores que norteiam a atuação da empresa. O primeiro e o terceiro foram duros de engolir. Respectivamente, "a vida em primeiro lugar" e "cuidar de nosso planeta". Argh! O pior estava por vir. Vasculhando sobre a BHP, a casa caiu. O governo federal foi tão omisso que não se preocupou com o histórico de acidentes da empresa. A BHP Billiton, ao contrário de Midas, tem dedo podre. Acidentes graves são frequentes onde atua. Um dos piores aconteceu em Papua-Nova Guiné, ao abrir uma mina de ouro e cobre, a OK Tedi Copper Gold Mine, em 1984. Durante 20 anos despejou, dia após dia, 80 mil toneladas de rejeitos contendo cobre, cádmio, zinco e chumbo, diretamente na bacia do rio Fly, o que arruinou terras de milhares de agricultores, envenenando 2.000 quilômetros quadrados de floresta. E detonou dois rios, o Fly e o Ok Tedi. Para fugir das responsabilidades, assinou acordos com líderes comunitários, que isentaram a empresa do pagamento de indenizações. ONGs informaram que "ao conversarem com os nativos, ficou claro que eles não sabiam o que estavam assinando". O histórico da BHP gerou um relatório alternativo, "BHP Billiton Dirty Energy", informando sobre a destruição de comunidades na Colômbia, acidentes na Indonésia e Austrália. Já o "Mining Journal" cita outros, como o da mina de cobre em Pinto Valley, Arizona (EUA). Só o Brasil oficial não sabia? JOÃO LARA MESQUITA, 60, jornalista, mantém o site www.marsemfim.com.br. Foi diretor, de 1982 a 2003, da Rádio Eldorado, do Grupo Estado * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-02-12
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1713684-so-o-brasil-oficial-nao-sabia.shtml
Colapso
Poucas vezes se viu, na história brasileira, um encolhimento tão expressivo de nossa economia. De abril de 2014 a setembro deste ano, o PIB ficou 5,8% menor, e inexistem sinais de que a redução será interrompida no curto prazo. Não se vê nada parecido desde o início dos anos 1980; antes disso, é preciso voltar à década de 1930. Com os resultados do terceiro trimestre –queda de 1,7% em relação aos três meses anteriores–, o PIB deve fechar 2015 com contração próxima a 4%. Esvaem-se, com isso, as esperanças de que 2016 possa trazer algum alento. O ano que vem será de nova retração. Com sorte, o crescimento voltará, tímido, apenas em 2017. O colapso da demanda interna afeta quase todos os setores, algo também raro. A combinação de crise em segmentos de grande peso para o investimento e o emprego –como a construção civil, toda a cadeia de óleo e gás e a indústria– torna mais difícil antever o possível caminho da recuperação. A extensão da degradação social ainda está por ser plenamente estabelecida. Já se nota, porém, a reversão de tendências positivas da última década. Aumentam a informalidade da mão de obra e a desocupação entre os jovens, por exemplo. A se confirmarem prognósticos que não soam pessimistas, até o ano que vem o país terá perdido 4,5 milhões de postos de trabalho. Por essas razões, a recessão atual se anuncia muito mais prolongada do que as contrações de 2003 e 2009. Nos dois casos, nossa economia voltou a se expandir menos de um ano depois e não tardou a superar o tamanho que tinha antes da crise. Desta vez, é quase certo que o país chegará a 2018 com patamar de produção inferior ao de 2014. Evidencia-se, pois, a precariedade do modelo petista, que se baseou unicamente em aproveitar os bons ventos internacionais para distribuir dinheiro e obter, de políticos e empresários, apoio mercenário a um projeto econômico primitivo. Não foi por falta de aviso que falhou a via do intervencionismo tosco e da escolha arbitrária de setores a serem agraciados com benesses oficiais. Não surpreende que nesse ambiente opaco tenham vicejado a corrupção e as piores práticas de administração pública. Mudar esse quadro sombrio demandará a implementação de um regime oposto ao que se construiu nas gestões petistas. Trata-se, para começar, de basear o sistema em produtividade, abertura e transparência e de reforçar o que há de republicano nas instituições políticas e econômicas. A grande vantagem é que o nível de degradação da economia chegou a tal ponto que se torna cada vez mais consensual a necessidade de mudanças profundas. editoriais@grupofolha.com.br
2015-02-12
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1713755-colapso.shtml
Rejeitar não é combater o terror
Após os terríveis ataques de 11 de Setembro em Nova York e Washington, o governo do então presidente Bush reagiu de forma violenta e sem o devido respeito aos direitos humanos: tortura, detenções secretas ou indefinidas e espionagem marcaram a política contra o terror. Essas ações, replicadas por muitos outros governos, comprometeram direitos fundamentais e estigmatizaram comunidades inteiras, além de fracassarem em eliminar a ameaça que se propunham a combater. Com os recentes ataques em Paris, Bamako, Beirute e Sinai, crescem os apelos entre líderes em todo o mundo pela adoção de medidas similares que restrinjam liberdades individuais e enfraqueçam políticas humanitárias para refugiados –a despeito da maior crise migratória desde o fim da Segunda Guerra, com mais de 60 milhões de pessoas forçadas a deixar suas casas. Os que fugiram da mesma violência e crueldade manifestadas nesses ataques são agora punidos e usados como bode expiatório. Igualar extremistas a refugiados é errado e moralmente condenável: de acordo com as autoridades francesas, cidadãos europeus ou residentes de longa data no continente foram, em grande parte, os perpetradores dos ataques em Paris. Embora os governos tenham a obrigação de proteger seus cidadãos, devem fazê-lo sem rejeitar os que fogem da morte e destruição na Síria, Iraque e outros lugares. Um esforço mais coordenado nas fronteiras europeias e um maior comprometimento de países de todo o mundo no reassentamento dos refugiados beneficiariam aqueles que buscam um novo lar e permitiriam melhores normas de segurança. Entre os grupos particularmente vulneráveis estão crianças desacompanhadas, famílias com crianças pequenas, vítimas do tráfico de pessoas, mulheres viajando sozinhas, grávidas ou lactantes, pessoas com deficiência, pessoas sujeitas à violência de gênero. O Brasil acolheu por volta de 2.100 dos mais de 4 milhões de refugiados da guerra na Síria. A presidente Dilma Rousseff declarou que o Brasil está aberto a receber outros mais. Apoiamos essa declaração e esperamos que o Brasil permaneça fiel a seus princípios, evitando a xenofobia que levou vários governos europeus e governadores republicanos dos EUA a insistirem que não aceitarão mais refugiados. À decisão de acolher refugiados deve seguir-se um esforço organizado entre os vários níveis do governo para promover uma integração genuína, que combata os casos de abuso e discriminação. O Brasil também não deve permitir que os atentados em Paris se tornem justificativa para a aprovação de um equivocado projeto de lei contra o terrorismo, em tramitação na Câmara dos Deputados. A Human Rights Watch, entidade internacional de defesa dos direitos humanos, já se manifestou sobre os termos vagos do projeto, que poderão ser usados para restringir liberdades e direitos básicos. Enquanto o mundo ainda se recupera dos recentes ataques, governos são tentados a responder de forma similar àquela escolhida pela administração Bush. Em vez disso, os países, e particularmente líderes regionais como o Brasil, país que recebeu o maior número de refugiados sírios na região, devem reconhecer que, mais do que nunca, este é o momento de permanecerem firmes em valores fundamentais. IAIN LEVINE, 55, é vice-presidente da Human Rights Watch MARIA LAURA CANINEU, 36, é diretora do escritório Brasil da Human Rights Watch * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-01-12
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1713169-rejeitar-nao-e-combater-o-terror.shtml
Ainda longe de um Brasil sem Aids
O ministro da saúde recém-demitido, Arthur Chioro, previu o colapso do SUS (Sistema Único de Saúde) em 2016. O atual, Marcelo Castro, disse que o que hoje está ruim vai piorar. O SUS vive sua pior crise desde que Congresso Nacional e governo aprovaram, no começo deste ano, emenda constitucional que reduziu o financiamento federal da saúde. Depois vieram a diminuição de repasses a Estados e municípios e a recessão que minou as fontes de financiamento da saúde dependentes de tributos ligados à atividade econômica. A ruína do SUS é agravada pelas desonerações e pela regulação frouxa, que beneficiam planos de saúde e hospitais privados –vide a abertura irrestrita do setor ao capital estrangeiro. A essas medidas que inviabilizam o sistema universal constitucional soma-se a ameaça de uma agenda ultraconservadora, que coloca em risco até mesmo políticas outrora exemplares. É o caso do combate à Aids, que mudou para pior. Relegada a especialistas, fora da mídia e da visibilidade pública, a Aids não é mais a causa excepcional que fez emergir a ousadia do ativismo, a inovação na prevenção, a coragem dos programas governamentais, o engajamento de profissionais e de redes associativas solidárias. O distanciamento de setores como educação, direitos humanos e trabalho é outro sintoma do encolhimento da luta contra a Aids no Brasil. Os retrocessos são também expressão do conservadorismo e do pragmatismo medíocre que imperam na política. Abandonou-se a abordagem dos determinantes sociais da epidemia –entre eles a violência, o preconceito, a homofobia– e deixou-se de promover os direitos e a dignidade das pessoas e populações mais afetadas. A autocensura do Ministério da Saúde, ao impedir campanha dirigida a jovens gays, precedida da suspensão de material que tratava de sexualidade nas escolas, selou a rendição à direita hidrófoba e aos religiosos fundamentalistas que, agora na Câmara dos Deputados, querem impedir o aborto de mulheres vítimas de violência sexual e definir como família apenas as relações entre homens e mulheres. A propaganda governamental alardeia a suposta estabilidade do número de casos e vende a ideia de que a doença será detida apenas com as novidades biomédicas. O início do tratamento passou a ser recomendado a todas as pessoas com HIV. O teste rápido está no SUS e o autoexame já pode ser adquirido em farmácias. Para pessoas que praticaram relações sexuais desprotegidas estão disponíveis antirretrovirais, que também já são recomendados para prevenção dirigida –por exemplo, homens que fazem sexo com homens e que têm dificuldades de usar a camisinha. Por causa de medicamentos eficazes, mais aceitos pelo organismo, uma pessoa infectada recentemente pode ter a mesma esperança de vida que uma pessoa sem HIV. Tudo isso –a chamada "prevenção combinada"– é um grande avanço, sem dúvida. Mas não é o que vai garantir um Brasil sem Aids no futuro. A volta da Aids com força total está evidente nas novas infecções, no aumento de mortes nas regiões Sul e Norte, na retomada dos comportamentos de risco e na baixa realização de teste de HIV entre populações mais vulneráveis. Pintar de cor-de-rosa a Aids, como fazem as autoridades, é uma farsa evidente. Hoje, quando se celebra o Dia Mundial de Luta Contra a Aids, é preciso dizer que a epidemia não será vencida apenas com testes, pílulas e preservativos. MÁRIO SCHEFFER, 49, é professor da Faculdade de Medicina da USP e vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva. CAIO ROSENTHAL, 66, é médico infectologista e membro do Conselho Regional de Medicina de São Paulo * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-01-12
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1713163-ainda-longe-de-um-brasil-sem-aids.shtml
Dez anos sem Oscar Corrêa
Algumas amizades, no curso de minha vida, marcaram-na. Falo de amigos que já se foram e cujas lembranças e saudades permanecem. Não falarei de meu pai, José da Silva Martins, morto aos 102 anos, exemplo para os quatro filhos, ensinando-nos a nunca desistirmos da luta, a sermos otimistas e, fundamentalmente, éticos nas relações familiares, profissionais e sociais. Viveu em três séculos (do fim do 19 ao começo do 21). Apenas mencionarei quatro amigos com quem convivi e que me deixaram muitas saudades. O primeiro foi Octavio Frias de Oliveira. Apesar de nunca aceitar o título, foi, a meu ver, o maior jornalista do país. Lembro-me de um episódio que mudou a história do Brasil. Refiro-me à invasão da Folha, quando decidiu, numa tensa reunião, à noite, que reagiria aos atos arbitrários do recém-empossado presidente Collor, lançando a campanha que estancou sua crescente violência contra direitos da cidadania. Sua reação –com o jornal tornando-se paladino do retorno aos princípios democráticos– animou políticos e cidadãos a reagirem também, com o que o país voltou à normalidade. Lembro-me quando nos disse: "Ou seremos presos ou restabeleceremos a democracia na nação". Roberto Campos foi outro amigo inesquecível. Prefaciou meu primeiro livro sobre finanças públicas (1971), fundamos a Academia Internacional de Direito e Economia e tive o privilégio de saudá-lo quando ingressou na Academia Mato-grossense de Letras. O livro intitulado "O Homem mais Lúcido do Brasil", em que suas melhores frases foram selecionadas por Aristóteles Drummond, demonstra o que foi. Meira Mattos é o terceiro saudoso amigo. Talvez o maior geopolítico do Brasil. Na 2ª Guerra, ao tomar trincheiras em Monte Castelo comandando companhia que recuara no dia anterior sob outro comando, foi a principal testemunha de defesa no processo militar promovido contra o capitão que recuara as tropas. Em seu depoimento, foi firme em atestar que se o batalhão não tivesse sido muito bem treinado por aquele que sucedera nunca teriam as tropas sob seu comando conseguido tomar as trincheiras dos alemães. Por fim, cabe-me lembrar de Oscar Corrêa, que, exatamente, há dez anos morria. Deputado estadual, federal, professor titular de direito da UFMG, ministro da Justiça e do Supremo Tribunal Federal, acadêmico da Academia Brasileira de Letras, economista, jurista, político, filósofo e poeta, deixou profunda marca. Lembro-me de uma viagem juntos, em virtude de um caso profissional, quando ele já estava aposentado. Paramos no Rio, para que seu filho, então deputado federal, viajasse conosco. Oscar Filho, quando entrou no avião, beijou sua mão dizendo "Bênção, pai". Impressionou-me tal respeito, hoje pouco comum. São quatro amigos que influenciaram decididamente minha vida. Quis homenageá-los por ocasião desses dez anos de ausência de Oscar Corrêa. Quando presidi a Academia Paulista de Letras, tínhamos o hábito de lembrar a efeméride dos acadêmicos mortos da semana, sempre com a frase "Não podemos esquecer dos nossos imortais". É o que faço neste breve artigo de saudades, memória e reverência a esses brasileiros, cujo espírito cívico falta hoje. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, 80, advogado, é professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-30
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1712673-dez-anos-sem-oscar-correa.shtml
Base frágil
Não começou nada bem o processo de formulação de um imprescindível currículo mínimo para a educação básica no Brasil. A Base Nacional Comum Curricular (BNC) apresentada em setembro está longe de oferecer fundamento sólido para dar clareza a docentes e familiares sobre o que alunos têm o direito de aprender e escolas têm a obrigação de ensinar. O documento de 300 páginas tem suscitado debates acalorados. Organizado pelo Ministério da Educação, contou com a participação de 116 especialistas -cuja identidade permanece desconhecida, o que no mínimo impede o público de aquilatar sua proficiência em matéria de tamanho significado social. Reservaram-se de início três meses para a coleta de críticas e sugestões ao trabalho. A mobilização para debates nas escolas vai de 2 a 15 de dezembro. É pouco tempo. A sistematização e a decisão sobre as propostas recebidas precisam ser concluídas até meados de junho de 2016, quando o currículo final deverá ser submetido ao Conselho Nacional de Educação. Não está claro como será a revisão, nem quem cuidará dela. É crucial ampliar e dar mais transparência ao debate, para tirar a educação do péssimo nível em que se acha. A BNC por ora se mostra mais parte do problema que da solução. Embora a defesa de uma base curricular comum se inspire nas experiências benignas de países como Austrália, Chile, EUA e Reino Unido, o que aqui se produziu difere delas em gênero, número e grau. Seu propósito é estipular o que se deve aprender em cada nível de ensino, mas a proposta não chega a designar quanto do ano letivo deve ser dedicado a cada meta -e são centenas. Há uma vaga indicação de que 40% do tempo seria preservado para regionalizar o aprendizado, o que parece exagerado e soa mais como concessão à superestimada autonomia docente. Outros currículos nacionais são mais prescritivos. Em Portugal, por exemplo, 56% da carga horária tem de ser obrigatoriamente dedicada a aulas de língua portuguesa e matemática. A diretriz lusa chega a indicar livros para cada faixa etária, uma lista com 676 páginas -o professor pode escolher que obras utilizar, mas não deixar de fazê-lo. Quanto ao conteúdo propriamente dito da BNC, a área de linguagens e a de ciências humanas concentram o grosso das críticas que o documento vem recebendo. Há muito menos problemas no campo da matemática e das ciências da natureza, setores em que o curso do aprendizado é mais estruturado, porque o avanço dos estudos pressupõe a aquisição prévia de competências definidas. No caso das ciências humanas, o debate, amplamente desfavorável ao texto, concentra-se nas recomendações para o ensino de história -disciplina propícia às mais variadas contaminações ideológicas. Os defeitos se concentram na excessiva valorização das histórias africana, latino-americana e ameríndia, em detrimento do clássico percurso que abrange Antiguidade, Idade Média, Renascimento, Modernidade e Era Contemporânea. Nada há de errado em dedicar um pouco mais de atenção a civilizações asiáticas e pré-colombianas, ou para a miríade de reinos na África que a colonização e o tráfico negreiro desarranjaram. A nova ênfase na BNC, todavia, foi longe demais, abandonando o fio condutor da temporalidade. Como entender a expansão marítima europeia, por exemplo, sem estudar antes a transição do mundo medieval para o Renascimento, com a explosão de conhecimento que garantiu aos colonizadores a superioridade tecnológica e bélica? O ensino tradicional de história decerto necessita ser expurgado da carga positivista que se associa a essa sequência, em geral qualificada como marcha do progresso. Por outro lado, omitir a transformação das ideias e as revoluções europeias, como o Iluminismo e a Revolução Francesa, implica privar os jovens de compreensão mais profunda sobre a origem de valores centrais no Brasil e alhures, como democracia representativa, liberdades civis e direitos humanos. No capítulo das linguagens, nota-se a predominância de noções pedagógicas um tanto espontaneístas. Dá-se destaque demais a "práticas" (artístico-literárias, político-cidadãs, investigativas) e à "apropriação" de códigos, e de menos a ferramentas cruciais como ortografia, gramática e vocabulário. Faz pouco sentido, no mundo atual, estipular que as crianças tenham de treinar caligrafia ou declamação. Mas será realmente necessário normatizar num currículo comum que elas precisem aprender a redigir mensagens em redes sociais e abaixo-assinados? Não será neste espaço limitado que se resolverão todas as mazelas da BNC. Tal objetivo só poderá ser alcançado num debate aberto, com o concurso de especialistas reconhecidos -não de ideólogos anônimos- e de todas as entidades empenhadas em salvar a educação brasileira. Ainda há tempo. editoriais@grupofolha.com.br
2015-11-29
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1712422-base-fragil.shtml
A Folha errou
No primeiro dia deste mês, a manchete desta Folha foi a reportagem "BNDES suavizou exigências para socorrer amigo de Lula", na qual o jornal afirma que o banco contornou norma interna que impediria conceder empréstimos para empresa cuja falência tenha sido requerida. A matéria insinua que o objetivo seria dar tratamento privilegiado à empresa São Fernando Energia e a seu acionista José Carlos Bumlai por conta de uma suposta relação com o ex-presidente Lula. Não houve nenhuma flexibilização de normas internas do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). A operação referida pela Folha foi feita na modalidade indireta, em que o BNDES atua em parceria com bancos credenciados. Nesse caso, a análise do crédito e o risco de inadimplemento (pagar os valores devidos caso o mutuário não o faça) são assumidos pelos agentes repassadores, que foram BTG e Banco do Brasil. Em particular, cabem aos agentes atestar que fizeram a análise cadastral, o que incluiu identificar e avaliar processos judiciais e apontamentos que ameacem a solvência do postulante final. O jornal tentou fazer crer que a operação seria irregular em razão da suposta existência de uma norma interna que vedaria financiar uma pessoa jurídica contra a qual exista um pedido de falência. O normativo em questão, contudo, tem sua finalidade ligada intimamente à etapa de análise de crédito, que, repita-se, nas operações indiretas não cabe ao BNDES, mas aos repassadores da operação. A Folha não tinha nenhum indício de que teria havido tráfico de influência, mas tentou por dias encontrar algo atípico na operação. Não encontrou nada, mas nem assim deixou de levar sua insinuação à frente. O jornal também ignorou o contexto em que os financiamentos ao grupo ocorreram. O primeiro, em 2008, aconteceu em um período de crescimento do setor, quando o BNDES e outras instituições financeiras apoiaram dezenas de empreendimentos semelhantes. Nas operações da São Fernando Açúcar e Álcool, todos os procedimentos foram observados, as devidas garantias exigidas, o rating e o cadastro da empresa eram bons. O projeto foi concluído. Em 2012, o financiamento indireto à São Fernando Energia ocorreu como parte da reestruturação do grupo, o que melhorou a posição de crédito do BNDES. Quando a empresa deixou de honrar com sua recuperação judicial, o banco não hesitou em pedir sua falência. O erro da Folha foi grave, pois lançou uma suspeição indevida sobre o BNDES, que se espalha nas redes sociais e contribuiu para associar o nome do banco a operações policiais. Para ser aprovado, um financiamento no BNDES passa pela avaliação de pelo menos duas equipes de análise e dois órgãos colegiados, num processo que envolve mais de 50 pessoas. Ingerências impróprias são virtualmente impossíveis. O banco tentou em vão por 25 dias obter uma retratação da Folha. A concessão foi abrir este espaço de artigos, que não tem o mesmo impacto de uma manchete de domingo. Embora a nova Lei de Direito de Resposta seja um avanço, optamos por não nos valer de seus mecanismos judiciais para reestabelecer mais rapidamente os fatos para os leitores. O BNDES não teme o debate e nem ser avaliado por suas opções estratégicas. Mas as informações precisam ser fidedignas para que a discussão seja justa. LUCIANO COUTINHO, 69, economista e professor da Unicamp, é presidente do BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-29
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1712448-a-folha-errou.shtml
Ocidente deve enviar tropas terrestres para combater o Estado Islâmico? Sim
DOGMAS DO POLITICAMENTE CORRETO "Lembra-te que defendes não teus interesses pessoais, mas os do teu país". Sun Tzu – "A Arte da Guerra" O modelo de estratégia a ser utilizado pelo Ocidente no combate ao Estado Islâmico é alvo de discussão. No centro da controvérsia está a possibilidade do envio de tropas terrestres ao Oriente Médio. Em meio a argumentos contra e a favor, é preciso observar alguns princípios milenares da estratégia. O poder do Estado Islâmico não está na sua força militar, mas em certas debilidades da sociedade ocidental, como a tibieza de alguns líderes políticos, a ignorância sobre seu inimigo e a relativização da barbárie. Os jihadistas possuem uma milícia numerosa, estimada entre 30 e 50 mil homens, boa parte com pouco treinamento militar e coagida a integrá-la. Ao contrário de um exército regular, a estrutura operacional do Estado Islâmico entranha-se na vida civil dos territórios ocupados. Assim, sob o ponto de vista militar, a vitória sobre o Estado Islâmico depende, necessariamente, do êxito de uma operação em solo inimigo. Todavia, a invasão terrestre lidará com os perigos do combate urbano e o risco de baixas consideráveis. Eis o núcleo da questão: os líderes ocidentais estão dispostos a arcar com o ônus político da campanha? Há mais de 2.000 anos, o estrategista chinês Sun Tzu identificou os cinco defeitos básicos de um líder durante a guerra: a precipitação, a hesitação, a irascibilidade, a excessiva complacência e a preocupação com as aparências (o politicamente correto contemporâneo). De todos eles, este último é recorrente nos governantes ocidentais, zelosos em preservar a imagem pessoal junto à opinião pública. O argumento de que uma intervenção militar terrestre contra o Estado Islâmico despertaria ainda mais o ódio contra o Ocidente serve para resguardar tais interesses políticos. Além disso, mostra o desconhecimento da história recente e do inimigo –um pecado mortal, segundo Sun Tzu. A união desses vícios consolidou o poder das redes terroristas. Nos anos 1990, os EUA foram alvo de inúmeras ações da Al Qaeda, com destaque para a detonação de meia tonelada de explosivos no subsolo do World Trade Center e os ataques às suas embaixadas no Quênia e na Tanzânia. A resposta militar do presidente Bill Clinton às centenas de mortes limitou-se ao disparo de mísseis de cruzeiro contra uma fábrica de medicamentos no Sudão e a campos de treinamento terroristas, semidesertos, no Afeganistão. A estratégia não intervencionista do democrata foi vitoriosa na política interna, granjeando-lhe tanto a reeleição quanto o maior índice de aprovação ao término de um mandato presidencial desde o final da Segunda Guerra Mundial. Porém, Clinton deixou como herança a Al Qaeda fortalecida e seus subprodutos: o 11 de Setembro e uma longa, custosa e sangrenta guerra ao terror. A preocupação com as aparências repetiu-se na administração Obama, que ordenou a retirada prematura das forças terrestres dos EUA do Oriente Médio, permitindo o ressurgimento da Al Qaeda no Iraque, que viria a assumir depois o nome de Estado Islâmico. Tão nocivo quanto a prevalência dos interesses políticos é ignorar a estratégia e motivação do inimigo. O Ocidente aplaudiu a ascensão do jihadismo disfarçado de Primavera Árabe –origem da tragédia migratória europeia. Embevecida pelas falsas promessas do multiculturalismo, parte da intelectualidade ocidental se nega a admitir o choque civilizatório que alimenta o terror islâmico. Por tudo isso, a vitória do Ocidente na guerra contra o terror depende da derrota do seu inimigo interno: os dogmas do politicamente correto. DURVAL LOURENÇO PEREIRA, 47, tenente-coronel do Exército, é mestre em operações militares pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais do Exército Brasileiro. Escreveu o livro "Operação Brasil" (editora Contexto) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-28
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1712255-ocidente-deve-enviar-tropas-terrestres-para-combater-o-estado-islamico-sim.shtml
O bom bocado
Em uma reviravolta surpreendente, o Partido Socialista voltou ao comando de Portugal quatro anos depois da bancarrota de 2011, que obrigou o país a pedir socorro à União Europeia e ao FMI. Nas eleições daquele ano, a coalizão conservadora liderada por Pedro Passos Coelho derrotou os socialistas, que estavam no poder desde 2005. O novo governo adotou rigoroso programa de austeridade: elevou impostos, cortou subsídios, demitiu funcionários, suspendeu feriados; privatizou os correios, as empresas de energia, os aeroportos, os seguros. O PIB português caiu 4% em 2012 e 1,6% em 2013, mas o receituário amargo permitiu que a economia voltasse a crescer 0,9% em 2014. Neste ano, projeta-se expansão de 1,7%, o deficit público ficará abaixo de 3% e as exportações devem aumentar 4,8%. O desemprego recuou de 17,5%, em janeiro de 2013, para 13,7%, dois anos depois. Os tempos sombrios, porém, cobraram seu preço nas urnas. Em outubro, a aliança do primeiro-ministro Passos Coelho perdeu a maioria no Legislativo. Como ainda assim continuou sendo o bloco mais numeroso, com 107 dos 230 assentos da Assembleia da República, o presidente de Portugal, Aníbal Cavaco Silva, reconduziu o partido à chefia do governo. O novo ministério, contudo, durou meros 12 dias. Pela primeira vez desde a Revolução dos Cravos, as legendas de esquerda esqueceram suas divergências e se uniram. Por 123 votos a 107, aprovaram no dia 10 de novembro uma moção de rejeição ao governo de Passos Coelho. Sem opção, o presidente viu-se obrigado a nomear o socialista Antônio Costa como primeiro-ministro. Controlando 37,4% da Assembleia e dividido internamente, seu partido se manterá no poder apenas se cumprir a promessa de relaxar o programa de austeridade. Isso incluiria a concessão de aumentos salariais, a suspensão das privatizações e a redução da jornada de trabalho. Apesar da fragilidade parlamentar do novo governo, o plano é até factível com a economia em expansão. Em Portugal, corre a máxima "a direita poupa, a esquerda gasta". Talvez seja injusta com alguns líderes, mas decerto reflete o comportamento partidário dos últimos anos. O governo que implementou as medidas mais duras foi, paradoxalmente, punido por seu sucesso. A perspectiva de uma firme recuperação da economia levou boa parte do eleitorado a acreditar que a hora da austeridade já passou –e o país voltou às compras. editoriais@grupofolha.com.br
2015-11-28
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1712319-o-bom-bocado.shtml
Iluminismo à brasileira
Vivemos, nos últimos tempos, no Brasil uma espécie de Iluminismo. Aos poucos, a sociedade brasileira começa a tomar consciência dos desmandos da classe política e econômica, torna-se intolerante com a corrupção e clama cada vez mais pelo bom funcionamento da justiça. Entre outras coisas, o jeitinho brasileiro, antes celebrado como marca característica do povo brasileiro, já não é visto com bons olhos, mas como uma herança nefasta a ser erradicada. Esse clamor pela moralidade, entretanto, muitas vezes vem acompanhado por um certo moralismo, no mau sentido da palavra. Junto com a reivindicação por justiça e por mais moralidade na política, cresce o sentimento de desconfiança em relação ao outro, a vigilância, bem como a intolerância da qual as redes sociais dão testemunho. A perseguição incondicional do ideal de uma sociedade justa e moral deve ser acompanhada de perto para que não se transforme em seu oposto, numa sociedade desconfiada, intolerante e vigilante, baseada no ódio. A história, afinal, nos mostra como é tênue a linha que separa o sentimento moral do moralismo, o clamor por justiça, do ódio da vingança. Ao estudarmos o Iluminismo europeu, é chocante constatar como um movimento nascido em prol da autonomia do homem e da razão desandou num ato de violência, marcado exatamente pelo moralismo e pela intolerância. A Revolução Francesa, espécie de efeito desse movimento, acabou por transformar o lema liberdade, igualdade e fraternidade numa matança encabeçada por Robespierre, um dos seus ideólogos mais aguerridos. Nascido como um movimento legítimo que clamava pela libertação das classes oprimidas, o Iluminismo, aos poucos, transformou-se em ideologia. Tornou-se uma busca incondicional e obsessiva pelo homem perfeito, destituído de crenças e de preconceitos, inteiramente racional e absolutamente autônomo, deixando para trás as causas pelas quais surgiu pela primeira vez: o inconformismo político e a indignação diante dos abusos da nobreza. De uma hora para outra, o que era um clamor por racionalidade e por autonomia transformou-se numa busca irracional por um ideal que extrapolava os reais motivos de todo aquele período: o de uma sociedade perfeita, constituída de homens perfeitos. Desnecessário dizer que a ideologia do nazismo se nutriu dessa mesma essência. Embora os tempos e as pessoas fossem outros, o sentimento de purificação do homem e da raça era o mesmo. Theodor Adorno foi o primeiro, na história da cultura, a chamar a atenção para o "mito do iluminismo". O filósofo procurou pensar como essa busca desenfreada pela racionalidade absoluta conduz, ao fim e ao cabo, sempre a uma forma renovada do mito ou a uma nova forma de mitologia: a mitologia da racionalidade pura, da moralidade absoluta, em nome da qual a humanidade, por fim, chegou à barbárie e ao holocausto. Nas ruas das cidades brasileiras, vemos um crescente sentimento de intolerância entre os diversos grupos que, cada qual à sua maneira, clamam por mais justiça e por mais direitos. Nas manifestações Brasil afora, muitos são os relatos de discussões violentas e mesmo agressões entre os diferentes grupos partidários, uns defendendo mais transparência na política e outros, mais justiça social. O que deve ficar claro, em todo caso, é que, quando a discussão sai do plano da argumentação e da discussão e se torna violência e agressão é porque as coisas não estão claras o suficiente. A bem dizer, é porque reina a mais obscura treva, contra a qual se opõe toda forma de iluminismo. ULISSES RAZZANTE VACCARI é professor no Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-28
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1712210-iluminismo-a-brasileira.shtml
Resposta necessária
Em boa hora a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) ajuizou ação no Supremo Tribunal Federal na qual pede a declaração de inconstitucionalidade da recém-aprovada Lei do Direito de Resposta. Soma-se, desse modo, aos esforços da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), embora esta entidade tenha limitado suas críticas ao artigo 10º da nova lei. Entende-se a escolha da OAB. Ao determinar que eventual recurso contra decisão judicial dependerá da análise prévia de um colegiado, esse dispositivo extingue, na prática, as possibilidades de defesa do veículo de comunicação. Imagine-se que um juiz deu razão a uma pessoa que tenha se declarado ofendida por determinada reportagem; a sentença obriga o órgão a publicar a resposta; deve fazê-lo em 24 horas, sob pena de precisar pagar multa elevada. Caso queira se defender dessa decisão, o órgão poderá, naturalmente, contar com o reexame da situação por um tribunal. Precisará esperar, entretanto, que um colegiado de desembargadores se reúna; caso isso não aconteça a tempo –o que decerto constituirá a regra–, terá de arcar com os termos da sentença. Não espanta que esse estapafúrdio juízo colegiado não figure em nenhuma outra parte do ordenamento jurídico brasileiro. Sua existência contraria os princípios do contraditório e da ampla defesa, duas garantias banidas somente por governos ditatoriais. Os problemas, todavia, não se resumem no artigo 10º. Ele apenas sintetiza com clareza e precisão os graves defeitos dessa lei. Como bem argumenta a ABI, "a arquitetura jurídica do texto adota princípios de um regime de exceção, ao se mostrar desproporcionalmente desequilibrada, exigindo mais de uma parte que da outra". Esta Folha, não custa repetir, tem defendido a criação de uma lei específica para regular o direito de resposta. Isso é necessário tanto para assegurar prazos razoáveis a ambas as partes como para definir os parâmetros de sua utilização. Obviamente, nada disso pode ser feito em desrespeito à Constituição. Dessa lição básica, contudo, o legislador se esqueceu –e só o Supremo Tribunal Federal, agora, pode aplicar o devido corretivo. editoriais@grupofolha.com.br
2015-11-27
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1711733-resposta-necessaria.shtml
A "privatização" do Banco Central
Ainda nos tempos da ditadura militar, quando indagado sobre uma proposta de estatização do sistema bancário, o ex-ministro da Indústria e Comércio, Severo Gomes, saiu com essa: "Já me daria por satisfeito se conseguíssemos estatizar o Banco Central!" Se, naqueles tempos, Severo Gomes achava que o Banco Central estava "privatizado", o que diria se tivesse vivido o suficiente para ver o que aconteceu no pós-Real, com o esvaziamento do Conselho Monetário Nacional, a criação do Copom e a adoção do Sistema de Metas de Inflação? O que diria se tivesse visto a presidência do Banco Central ocupada por um ex-funcionário do mega especulador George Soros, no segundo mandato do governo FHC, e por um executivo de notórias ligações com o capital financeiro nacional e estrangeiro, nos dois mandatos do governo Lula? É paradoxal constatar que, depois de treze anos de ocupação petista no governo federal, na qual participaram muitos dos que outrora clamavam pela estatização completa do sistema bancário brasileiro, a fina ironia de Severo Gomes continue atual. De fato, o Banco Central brasileiro parece ainda mais sintonizado com os interesses do capital financeiro do que nos tempos de Severo Gomes. Senão, como explicar a vigência de uma taxa de juros básica próxima de 15% ao ano (cerca de 14 pontos percentuais acima do que se pratica na Europa, EUA e Japão) combinada com previsão de crescimento econômico negativo? Como explicar a vigência de spreads de 15 pontos percentuais acima da taxa básica, nas linhas de crédito mais baratas (crédito consignado e financiamento de veículos) e mais de 300 pontos, em média, acima da taxa básica, nas linhas de crédito automático (cheque especial e crédito rotativo do cartão)? Para enfrentar perguntas desse tipo, certos "porta vozes" do capital financeiro ainda recorrem a um paradigma científico que "caducou" há quase oitenta anos, quando Keynes publicou a Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. Trata-se do paradigma clássico e sua teoria da taxa natural de juros, segundo a qual "cada sociedade tem a taxa de juros que merece". Somos um país de caloteiros, imprevidentes e consumidores compulsivos, entre outros vícios culturais, por isso é que os juros são mais altos aqui do que nos EUA, na Europa e no Japão. Mas precisam ser tão mais altos assim? Os economistas do Banco Central e seus colegas do mercado financeiro, muitos deles formados em prestigiosas universidades norte-americanas, com bolsas de estudos custeadas pelo povo brasileiro, parecem formar uma grande confraria. Segundo eles, para baixar a taxa de inflação é preciso elevar a taxa básica de juros, e se a primeira não ceder é porque a segunda ainda não subiu o suficiente. Essas e outras "teorias áureas" dos rentistas são passadas para o grande público como verdades científicas, quando não passam de ideologias, no sentido de Marx, ou "visão conveniente" (conventional wisdom), no sentido de Galbraith. Em qualquer ciência econômica que se preze não há respostas cabíveis às questões postas acima que não sejam consistentes com a hipótese de alta concentração de poder econômico no sistema bancário, com participação conivente do Banco do Brasil e aquiescência do Banco Central. Há fortes evidências empíricas que apoiam essa hipótese e recomendam uma urgente revisão do papel das instituições estatais no mercado financeiro, para que a estabilidade macroeconômica do País não seja apenas um pretexto para outros fins. JOSÉ MARIA ALVES DA SILVA, 63, doutor em economia, professor da Universidade Federal de Viçosa, e autor do livro "Análise Macroeconômica e Avaliação Governamental" (Edufsm, 2015) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-26
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1711099-a-privatizacao-do-banco-central.shtml
A flexibilização do mal
A tentativa de mudar o Estatuto do Desarmamento, atualmente em debate no Congresso Nacional, pode representar o maior retrocesso da história política recente do Brasil. O projeto de lei 3.722/2012 é recheado de verdadeiras barbaridades que não combinam em nada com a cultura de paz que desejamos estabelecer no nosso país. Falar em mudança no Estatuto do Desarmamento é querer impor uma cultura da violência, de resolver qualquer questão na base do tiro. A proposta em questão traz ideias absurdas, como reduzir a idade mínima para comprar armas de fogo, dos 25 para os 21 anos; liberar a publicidade; ampliar a validade do porte de três para dez anos; ampliar para nove armas e 600 munições para cada uma a aquisição por ano (hoje o limite é de cinco armas e 50 munições). Chega ao cúmulo de autorizar pessoas que respondam inquérito ou processo a ter e portar armas. Qualquer pessoa de bom senso que leia esse conjunto de proposições conclui que o projeto pretende transformar o Estatuto do Desarmamento numa verdadeira Lei de Incentivo ao Porte de Armas. Trata-se de uma aberração, disfarçada de "desburocratização". É inaceitável. Os dados positivos sobre o Estatuto do Desarmamento são públicos e conhecidos, mas precisam ser repetidos sempre: entre 2003 (ano da aprovação da nova legislação) e 2012, cerca de 120 mil mortes por armas de fogo foram evitadas; o aumento médio do número de homicídios por armas de fogo caiu de 8,36% ao ano para 0,53% ao ano; de 1980 até 2003, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes cresceu de 11,7 para 28,9 e caiu após a implantação do estatuto. Andar armado não significa estar seguro. Diariamente, vemos exemplos bárbaros comprovando o contrário, casos nos quais a existência de uma arma de fogo causou mortes, seja por acidente ou por uma briga de motivação banal. Outro efeito imediato das mudanças propostas para a lei será abastecer os criminosos e não os "cidadãos de bem", como querem fazer acreditar aqueles que pretendem destruir o Estatuto do Desarmamento. E por quê? Porque pesquisas recentes comprovam que a maioria das armas apreendidas no país atualmente é de fabricação nacional. Restringir a venda de armas é o melhor caminho para impedir que essa tendência se amplie. É comprovado que o desarmamento é um instrumento fundamental no combate à violência e à criminalidade. Por todas essas razões, o governo do Estado de Pernambuco resolveu promover o Ato Contra a Flexibilização do Desarmamento. Em Pernambuco, sob a liderança e a inspiração do então governador Eduardo Campos, construímos, dia a dia, uma das mais bem-sucedidas políticas de enfrentamento da questão da violência e da segurança pública do país, por meio do programa Pacto pela Vida. As pessoas engajadas na construção de um Brasil civilizado, desenvolvido social e economicamente, têm a obrigação cívica de se mobilizar contra esse retrocesso sem tamanho. Esse encontro é mais um exemplo do espírito de vanguarda dos pernambucanos, que sempre estiveram sintonizados com os ideais progressistas, com as bandeiras baseadas na Justiça e nos princípios democráticos e republicanos. PAULO CÂMARA, 43, é governador de Pernambuco e vice-presidente nacional do PSB * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-26
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1711141-a-flexibilizacao-do-mal.shtml
Cartel no trânsito
No país das corporações em que se transformou o Brasil, soa alvissareira a notícia de que a Superintendência-Geral do Cade (Conselho de Defesa Econômica) investigará condutas de taxistas e entidades da categoria que tiveram por objetivo impedir a atuação da empresa Uber no mercado de transporte. O raciocínio é cristalino: enquanto não houver definição a respeito da legalidade do aplicativo, a companhia que o controla deve ser considerada uma concorrente como outra qualquer. Não pode, portanto, ser alvo de iniciativas anticompetitivas descritas na Lei de Defesa da Concorrência. Na nota em que anunciou o processo, a superintendência-geral menciona agressões e ameaças contra motoristas e usuários do Uber; afirma haver, ademais, indícios de que órgãos representativos dos taxistas contribuem "de maneira relevante" para essas práticas. Fomentar o medo entre usuários de Uber e seus motoristas, pelos óbvios efeitos almejados por quem se vale desse comportamento, seria uma forma ilegal de bloquear a entrada do aplicativo no mercado. Se a superintendência, após ouvir a defesa dos taxistas, concluir que houve de fato infração à ordem econômica, remeterá o caso ao Tribunal do Cade. Este julgará a contenda, podendo impor a pessoas físicas e jurídicas multas que vão de R$ 50 mil a R$ 2 bilhões. É positivo que um órgão oficial avalie a questão do ponto de vista do cidadão-usuário, e não da perspectiva das corporações, que tendem a exercer maior influência. Basta notar, a esse propósito, que a Comissão de Defesa do Consumidor (sic) da Câmara dos Deputados enviou à Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor, do Ministério da Justiça, uma representação pedindo a suspensão do Uber em todo o território nacional. Independentemente das pretensões monopolistas dessa empresa e das várias outras facetas da disputa por mercado, estranha que o órgão parlamentar responsável pela defesa do consumidor atue no sentido de limitar as escolhas dos usuários, em vez de ampliá-las. O papel do poder público nessa novela é relativamente simples. Deve assegurar que a Uber pague impostos –em carga semelhante à que incide sobre os taxistas–, que as responsabilidades da empresa estejam bem definidas e que ela observe requisitos mínimos de segurança em favor do usuário. Caberia, além disso, incentivar o surgimento de empresas que compitam com o aplicativo americano. O resto a concorrência resolve. editoriais@grupofolha.com.br
2015-11-26
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1711167-cartel-no-transito.shtml
O falso realismo da mídia
O STJ (Superior Tribunal de Justiça) já teve a oportunidade de assentar, com absoluta correção, que "a liberdade de imprensa assegura o direito de informar; não justifica a mentira e a injúria". Definitivamente, o show midiático não pode acarretar a destruição de reputações. Essa, infelizmente, não é a nossa realidade; pelo contrário, e apenas contribui para isso a falta de posicionamento mais firme por parte dos tribunais. É constrangedor verificar que o mesmo STJ, que fixou a orientação, tenha criado uma tabela com parâmetros para a reparação de danos morais, na qual a publicação de notícia inverídica, quando assim reconhecida, pode render indenização de máximo R$ 22,5 mil. Isso (a)paga a injustiça? É evidente que não. O Brasil de 2015 transportou-se para 2018 e antecipou a luta política. Publicações inflamadas pelo ódio servem de matéria-prima para alguns agentes públicos que, utilizando-se de seus cargos e prerrogativas, criam situações de indevido constrangimento, aptas à exploração de toda ordem. Há um sistema de retroalimentação: a falsa notícia é usada para abrir procedimentos administrativos/judiciais e justificar iniciativas ousadas que, depois, servirão de insumo para novas reportagens. Os Lulas da Silva são hoje um exemplo claro dessa situação. A diligência profissional não impede de sermos surpreendidos por atos de causar perplexidade a qualquer membro da comunidade jurídica isento de paixões ou de ideologias. Exemplo disso é o caso de um membro do Ministério Público Federal que buscou na internet notícias e comentários opinativos e, exclusivamente com base nesse material, subscreveu um libelo acusatório contra o ex-presidente Lula. A referida pessoa mantinha publicações, nas redes sociais, claramente alinhadas a posições políticas adversárias ao "acusado". Antes mesmo que o principal interessado fosse notificado para apresentar sua defesa, o fato já estava na capa de uma revista de circulação nacional. Já Fábio Luís Lula da Silva, filho do ex-presidente, foi vítima de tentativa de relacionar seu nome a uma das delações firmadas na chamada Operação Lava Jato. Quase um mês depois, quando já havia ação cível e penal tratando do tema, o erro foi admitido na primeira página de um grande jornal. Mas, no momento seguinte, estavam todos novamente atrás de novas "evidências". No âmbito da Operação Zelotes, após sete meses de investigação, a Polícia Federal não encontrou qualquer vinculação entre os supostos desvios oriundos de julgamentos feitos pelo Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) e a atuação de Luís Cláudio Lula da Silva, outro filho do ex-presidente, no mercado de marketing esportivo. Lançada a suspeita em reportagem, dois membros do Ministério Público Federal dedicaram quatro de suas cinco intervenções no processo (80% da atuação) para pedir busca e apreensão nas empresas do filho de Lula, pedido atendido por uma juíza de primeiro grau. Ao rever o caso, a desembargadora do TRF (Tribunal Regional Federal) da 1ª Região Neuza Alves considerou ter a medida ocorrido em "flagrante desproporcionalidade" e baseada "unicamente em ilação" dos agentes ministeriais. Os advogados do nosso escritório receberam a primeira procuração de Lula ainda nos anos 1980. Naquela época, sua bandeira era a defesa da liberdade contra as arbitrariedades de um regime de exceção que queria calar seus opositores. Hoje, a defesa de Lula é a defesa do regime democrático contra as arbitrariedades dos que detêm grande parcela de poder e dele se utilizam movidos pelo preconceito, por um inexplicável sentimento de ódio. Antes, como agora, é indispensável a apuração isenta sobre a veracidade dos fatos, sem qualquer espécie de julgamentos antecipados ou muito menos feitos por quem não detém poder para essa função no Estado democrático de Direito. ROBERTO TEIXEIRA, 71, advogado de Lula desde os anos 1980, foi presidente da subseção da OAB - Ordem dos Advogados do Brasil - de São Bernardo do Campo (1981 a 1985) CRISTIANO ZANIN MARTINS, 40, é advogado * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-25
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1710595-o-falso-realismo-da-midia.shtml
Estado de caos e terror
Desde os atentados de Paris, a França pediu às potências envolvidas na guerra civil da Síria que se unam contra a milícia Estado Islâmico. A derrubada do ditador Bashar al-Assad ficaria para depois. Os Estados Unidos, porém, sinalizaram nesta semana que não abrem mão de derrubar Assad, enquanto dois aliados do ditador, a Rússia e o Irã, se reuniram para reafirmar sua posição no conflito. O desconcerto das principais forças externas envolvidas nas hostilidades foi ressaltado nesta terça-feira (24) pela derrubada de um caça russo pela aviação turca. Por complexa que seja a política mundial, tal coreografia diplomática esconde uma desordem mais profunda. A guerra necessária contra o Estado Islâmico é parte do problema, não a sua solução. A região está convulsionada pelo solapamento da precária ordem estabelecida nas primeiras décadas do século 20 pelas potências ocidentais, baseada em governos autoritários e na repressão a grupos divergentes ou minoritários. Tal crise começou com ações catastróficas dos EUA, sobretudo nas guerras do Golfo, e se aprofundou com a invasão do Iraque em 2003. O poder iraquiano, há séculos da minoria sunita, foi entregue a um governo xiita também corrupto e feroz. O norte curdo se tornou quase independente. Seguiu-se guerra civil entre sunitas e xiitas, que tripartiu de vez o país. O Estado Islâmico, entre outros fatores imediatos, derivou da revolta sunita. A Primavera Árabe na Síria foi reprimida com mãos de ferro por Assad, que acabou por detonar outro confuso conflito civil, um verdadeiro caos do qual se valeu o Estado Islâmico para criar seu regime de terror. A facção se alimenta dessa convulsão e já começa a fazer aliados na Jordânia e no Líbano. Uma guerra total contra a milícia terrorista aumentaria a escalada da morte; sabe-se que os eleitores dos países mais desenvolvidos mostram-se cada vez menos tolerantes a baixas em conflitos. No mundo muçulmano, os massacres e uma eventual ocupação ocidental só multiplicariam o ódio. Ainda que fosse possível destruir o grupo, a desordem na qual vegeta deve permanecer: guerras no Iraque e Síria, conflitos latentes em outros países, o fim dos Estados criados há quase um século. O encaminhamento do conflito depende de planos para uma nova ordem política no Oriente Médio; ao menos de um programa para atenuar o caos criado pela política americana desde os anos 1990. Tal programa, porém, esbarra nas divergências das potências mundiais –e sua previsível demora em chegar a um acordo significa, lamentavelmente, que o drama continuará ainda por muito tempo. editoriais@grupofolha.com.br
2015-11-25
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1710659-estado-de-caos-e-terror.shtml
Planejando o atraso
Neste momento, está em discussão na Assembleia Legislativa paulista um Plano Estadual de Educação (PEE), para o qual havia, originalmente, três propostas, duas delas preparadas por pesquisadores e militantes da área educacional e uma apresentada pelo governo estadual. Entretanto, dada a composição do legislativo paulista, onde o poder executivo tem ampla maioria, apenas a proposta governamental chegou até o processo de votação pelo plenário da Assembleia, descartando-se qualquer contribuição significativa das outras duas. A proposta governamental tem gravíssimos problemas, sendo o financiamento, possivelmente, o maior deles, pois sem maiores recursos é estritamente impossível viabilizar qualquer melhora na educação pública do estado. É necessário observar que um plano estadual de educação não é um plano para o governo, mas, sim, um plano de como deva se dar a educação no estado, seja ela oferecida pelos municípios, pelo estado, pelo governo federal ou por instituições privadas, uma vez que há instâncias públicas que têm a obrigação de regulamentar estas últimas, o que é especialmente importante no caso do ensino superior. Atualmente, a soma de todos os recursos públicos municipais, estaduais e da União em educação em São Paulo resulta em um valor próximo dos 3,7% do PIB estadual. Excluindo os recursos destinados ao ensino superior, transferidos a instituições privadas e usados para outras despesas não educacionais, aqueles 3,7% do PIB estadual correspondem a alguma coisa entre R$ 300 e R$ 400 por mês e por aluno na educação básica. Esse valor inclui salários de professores e demais trabalhadores do setor, contas de água, luz e telefone, insumos educacionais (como, por exemplo, papel, livros, uniformes, merenda, serviços de terceiros e transporte), manutenção e construção predial etc. É impossível instituir um sistema de ensino minimamente razoável com tão poucos recursos. Países com menores proporções de jovens em suas populações, com um sistema educacional já bem estabelecido e sem pessoas necessitando de educação formal fora da idade normal, investem, em relação a seus PIBs, perto de duas vezes mais do que aqueles 3,7%; países que tinham ou têm atrasos educacionais graves como os nossos, só os superaram ou estão superando com investimentos ainda maiores. Para grande parte da população atendida pelo setor público a única forma de educação é a obtida na escola –não há cursos de línguas, aulas particulares, atividades esportivas orientadas, viagens culturais, espaço de estudo em casa, cursinhos preparatórios etc. Como consequência desse fato e do subinvestimento na educação pública, o desempenho médio dos estudantes fica abaixo de qualquer padrão aceitável. Além disso, dezenas de milhares de crianças são excluídas da escola a cada ano antes de completar o ensino fundamental e de cada três jovens, um abandona a escola antes do final do ensino médio. Como o abandono da escola está muito concentrado nos segmentos mais pobres da população, o sistema educacional paulista está contribuindo para preservar, no futuro, nossas desigualdades atuais. Se uma educação formal fraca, restrita, em tempo parcialíssimo e reduzida a poucos anos de estudo já hoje seria insuficiente para uma inserção plena na sociedade, quando consideramos que os jovens e as crianças que estão hoje na escola estarão ativas daqui a 50 ou 60 anos, vemos quão calamitosa é a situação. Ninguém pode esperar que o estado de São Paulo venha a ter uma sociedade menos desigual, culturalmente avançada e mais amena quando sua população adulta tiver o nível de educação formal que as escolas básicas públicas paulistas estão oferecendo hoje. Nos níveis mais avançados de ensino, a consequência mais grave da falta de recursos é a não formação dos quadros profissionais de que o Estado precisa já hoje e precisará, cada vez mais intensamente, nas próximas várias décadas. Como fomentar o crescimento da economia, na forma de produção de bens e na oferta de serviços, sem que haja quadros profissionais suficientes e bem preparados? A proposta de PEE do governo estadual, pela ausência de previsão de uma política de investimentos educacionais maiores, sejam eles feitos pelos municípios, pelo governo estadual ou pela União, é a garantia de que São Paulo continuará a formar profissionais em quantidade insuficiente e ter seus enormes bolsões de atraso e miséria, tanto nas periferias das grandes cidades com em vastas e populosas regiões. Não alterar aquela proposta é garantir que o futuro não será melhor do que o presente. OTAVIANO HELENE, 66, professor do Instituto de Física da USP, foi presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas), ex-presidente da Adusp (Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo) e autor do livro "Um diagnóstico da educação brasileira e de seu financiamento" (ed. Autores Associados, 2013), entre outros * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-25
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1710396-planejando-o-atraso.shtml
Belo Monte rumo à geração de energia
Depois de mais de 40 anos de estudos, debates e realizações, é um orgulho para o Brasil ver Belo Monte se tornando uma realidade. Com a liberação da licença de operação pelo Ibama, atingimos mais um marco importante do empreendimento, pois assinala o início do enchimento do reservatório, que, quando concluído, permitirá o início da geração de energia elétrica em Belo Monte. A usina, localizada no sudoeste do Pará, teve os estudos de seu potencial energético no rio Xingu iniciados em 1975, 40 anos atrás, mas foi especialmente a partir da concessão da licença prévia pelo Ibama, no início de 2010, que ocorreram as negociações mais intensas. No mesmo período, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) aprovou os estudos de viabilidade da usina. Em junho de 2011, foi concedida a licença de instalação para a hidrelétrica. Com 11.233 megawatts de potência instalada e um custo de R$ 25,9 bilhões, em valores de abril de 2010, data do leilão público de concessão da usina, Belo Monte, quando concluída em 2019, será a maior hidrelétrica genuinamente brasileira – Itaipu pertence ao Brasil e ao Paraguai– e a quarta do mundo. Sua energia chegará a 17 Estados brasileiros, com capacidade para atender 18 milhões de residências, ou 60 milhões de pessoas –população equivalente à soma dos moradores dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro. A importância da hidrelétrica, no entanto, vai muito além da produção de energia. Seu projeto de engenharia é inovador, composto por dois reservatórios, um canal de 20 quilômetros de extensão, quase 300 metros de largura e 25 metros de profundidade, com 28 diques de contenção, alguns com até 60 metros de altura e outros com até 2.000 metros de extensão. Foi a solução desenvolvida para aproveitar o potencial hidrelétrico do rio Xingu, com o mínimo impacto ambiental, e, principalmente, manter intactas as terras indígenas. De fato, nenhum centímetro de área indígena será afetado pelo reservatório. Outro grande marco de Belo Monte é o valor investido em projetos socioambientais, cujo montante atinge cerca de R$ 4,2 bilhões em valores nominais, em áreas urbanas, rurais e em terras indígenas, além de projetos estruturantes para o desenvolvimento sustentável da região de influência da hidrelétrica. Nenhum outro projeto de infraestrutura no Brasil tem valores tão significativos em ações sociais e de mitigação de impactos. O cumprimento do Projeto Básico Ambiental (PBA) exigiu investimentos que levaram melhoria na qualidade de vida da população dos municípios do entorno da obra. A usina de Belo Monte deixa um legado de realizações e de transformações socioambientais para as comunidades indígenas e tradicionais –dentre tantas ações registra-se as 30 Unidades Básicas de Saúde e 4 hospitais construídos e equipados. Nossas ações na área de educação contemplaram mais de 22 mil alunos. Também retiramos cerca de 25 mil pessoas de áreas afetadas, beneficiando mais de 3,7 mil famílias que receberam casas de qualidade em novos bairros equipados. Todos esses benefícios só foram possíveis pela ação direta da Norte Energia na construção dessa colossal obra de infraestrutura que é a usina hidrelétrica de Belo Monte. DUÍLIO DINIZ DE FIGUEIREDO, 66, engenheiro, é presidente da Norte Energia, empresa responsável pela construção da usina de Belo Monte * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2015-11-25
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1710598-belo-monte-rumo-a-geracao-de-energia.shtml
Epidemia cruel
O governo federal anunciou na segunda-feira (23) a criação de uma força-tarefa para tentar conter o surto de microcefalia que já atinge 160 municípios de nove Estados. Até agora o país contabiliza 739 registros de episódios suspeitos, um aumento assustador em relação ao último quinquênio. De 2010 a 2014, a média anual ficou em 156 casos. Embora as autoridades sanitárias ainda mantenham como hipótese a explicação para esse fenômeno, tudo leva a crer que o aumento de ocorrências de malformação do crânio esteja ligado à propagação do vírus zika, identificado no Brasil pela primeira vez em junho. Transmitido pelo mosquito Aedes aegypti –também responsável pela difusão da dengue–, o zika produz uma infecção mais branda e menos prolongada; 80% dos infectados nem sequer têm sintomas. Há grande preocupação, porém, com seu até então desconhecido potencial teratogênico. Não se ignorava que certos vírus (o causador da rubéola, por exemplo) podem afetar o desenvolvimento cerebral de um feto, mas tal conexão não fora estabelecida para o zika. Trata-se, afinal, de agente infeccioso algo discreto. Isolado em 1952, na África, só veio a provocar uma epidemia em 2007, numa ilha do Pacífico (Yap). No ano passado, durante surto na mesma região (Nova Caledônia), suspeitou-se que o zika pudesse estar associado à síndrome de Guillain-Barré, que leva o sistema imunológico a atacar o sistema nervoso por engano. A possibilidade de esse vírus provocar microcefalia é ora aventada pela coincidência temporal entre o aparecimento do zika e a súbita disparada de casos da anomalia em recém-nascidos. Tal desconfiança viu-se reforçada quando mães de bebês microcéfalos afirmaram que, na gestação, exibiram sintomas de zika, como manchas vermelhas na pele. Agora, os resultados de exames de duas gestantes confirmaram a contaminação dos fetos pelo vírus. Além disso, a explosão do número de registros aponta para uma doença transmitida por um vetor. É crucial identificar a causa de um surto para melhor enfrentá-lo, mas, no contexto brasileiro, as notícias são pouco alvissareiras. Até o último dia 14, assinalaram-se 1,5 milhão de casos prováveis de dengue no país; no mesmo período de 2014, a conta parava em 555 mil. Em outras palavras, o combate ao Aedes aegypti, transmissor da dengue e do zika, tem-se revelado dos mais precários. Ainda que persistam dúvidas sobre a relação entre o vírus e a microcefalia, o poder público, nas três esferas de governo, não pode tardar a agir. editoriais@grupofolha.com.br
2015-11-25
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1710657-epidemia-cruel.shtml