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Então, sobre o que eu vou falar um pouquinho pra vocês?
Eu vou falar diretamente sobre esta questão da consciência, tentar trazer um pouquinho essa questão do que é, pelo menos a partir da tradição judaica, que é o território onde eu mais funciono... E, já que eu ia ser o primeiro da manhã, eu quis colocar exatamente esta foto aí, que é essa sensação, ainda mais nós aqui, com esse friozinho gaúcho, e contar pra vocês duas histórias.
Vou contar algumas histórias, é uma das formas de prática da tradição judaica, de muitas tradições, que é a maneira de a gente, rapidamente, se contextualizar.
E a história sempre toca o coração de cada um de uma maneira pessoal e esse pessoal é o que nos engaja.
Essas duas histórias são sobre um menino que acorda no meio da noite.
Numa primeira história, ele acorda e o pai está estudando.
É um sábio, é um rabino.
E ele vem ao pai e pergunta pro pai... curioso com a própria experiência de ter acordado, ele pergunta pro pai: "Pai, se existe acordar de estar dormindo, existe acordar de estar acordado?"
E o pai responde: "Sim, existe acordar de estar acordado".
Na segunda história, todas elas relativas ao despertar, o menino acorda tendo um sonho e ele vai ao pai, que é um sábio, mesma condição, está lá estudando, e ele pergunta ao pai: "Pai, se eu estou no sonho, quando estou dormindo, e agora, como tenho certeza que eu também não estou sonhando?"
E o pai diz: "Sempre que você estiver se fazendo essa pergunta, você não está sonhando".
Então é um pouco sobre esses dois aspectos, essa ideia de a gente estar desperto, de estar acordado de estar acordado, e essa ideia de a gente saber fazer perguntas que nos colocam lúcidos, que nos colocam num lugar em que a gente não está num delírio ou numa ilusão, num lugar que não é um território desperto.
Eu uso isso porque um dos mestres místicos mais importantes da tradição judaica, Reb Nachman de Bratslav, usava uma expressão, em iídiche, que é a expressão "gevalt".
E "gevalt" quer dizer uma espécie de: "Uau!"
E é uma expressão de a gente acordar, de a gente despertar, de a gente se dar conta que as coisas são de uma maneira diferente do que a gente imaginava.
Então vou querer fazer, rapidamente, um passeio com vocês...
Na verdade, eu vou voltar pra cá, porque, pra tradição judaica, os grandes despertares acontecem em duas áreas importantes da vida: uma que é a dimensão que a gente chama "emuna", que tem a ver com fé... com graça, fé... e uma outra que se chama "bitachon"; mas eu já volto, porque quero terminar com elas.
E quero ir com vocês, pensar rapidamente, um pouquinho, nesses lugares da gente despertar, só pra gente fazer um exercício, e depois eu volto pra esse lugar que é, pra tradição judaica, e acho que em outras tradições, com outros nomes ou com outros olhares, o grande despertar que todos nós temos que realizar.
Eu vou rapidamente fazer um passeio por três áreas muito comuns pra gente, porque talvez esses sejam os territórios mais simples ou mais básicos da vida da gente, que é o território que a gente sempre usa acoplado aos verbos, que são os nossos pronomes.
O lugar do "eu", como a gente desperta um pouquinho nesse lugar do eu, como a gente desperta nesse lugar do nós, e como a gente desperta no lugar do tu.
Tu é perfeito pra cá.
Pro Rio é você; aqui é tu, mesmo.
Vou trabalhar o eu como um lugar que tem a ver com a consciência da existência; a nossa passagem do tempo, que é onde a gente elabora esse território mais.
Depois nós, não mais o tempo, mas o espaço; assim como a gente está agora aqui, dividindo esse espaço, e dividimos tantos espaços aí, em outros lugares, na cidadania e tanto mais.
E o tu, que tem a ver com essa outra dimensão da nossa consciência, que é onde a gente descobre que a gente está certo ou errado.
O outro é sempre a medida da nossa liberdade, a medida em que a gente escuta uma fala diferente, etc.
E eu vou querer rapidamente olhar esses territórios, pra gente pensar o que é acordar, um pouquinho, e despertar um pouquinho nesses territórios.
Então, primeiro, essa relação nossa com a existência e com o tempo, em que, muitas vezes, a gente racionalmente tem que ir pra esse lugar.
Mas acho essas duas histórias contemplam bem o lugar de estar acordado no tempo.
Esta primeira história acho tem origem persa, é dessas regiões onde eles fazem esses tapetes inacreditáveis, que são tapetes que levam décadas, às vezes, pra serem realizados, e em que uma pessoa vai visitar um desses artesãos e vê esse artesão ainda no meio do trabalho e pergunta pra ele: "Você não tem medo de não conseguir concluir este trabalho?"
E o artesão responde: "Não, mas não tenho medo de não concluir, porque eu não o comecei".
Este é um marco, um parâmetro pra nós.
O outro, uma história clássica lá do Meio Oriente, onde você tem um senhor de idade já plantando um cedro e vem uma pessoa e pergunta: "Por que você está plantando um cedro?
Porque esse cedro leva muitos anos pra crescer.
Até poder usufruir da sombra desta árvore, talvez você não esteja aqui".
E ele fala alguma coisa semelhante, e ele diz: "Sim, mas meus antepassados plantaram cedros pra mim, e eu estou realizando a mesma coisa".
Assim, por um lado é o despertar de uma relação nossa com a própria existência, com nossa própria finitude, em que a gente se descobre desperto, não iniciando nada nem concluindo quando a gente termina, de a gente estar de alguma forma referenciado de outra maneira.
É o que na tradição judaica, na "Ética dos Pais", a ética dos ancestrais, por assim dizer, é um livro só sobre despertares, tentativas de deixar um legado dos ancestrais pra que as pessoas acordem e que elas possam não ficar adormecidas durante sua vida, e isso diz: você não tem que terminar nenhum trabalho.
A vida não tem nada a ver com conclusão de nada.
Ao mesmo tempo, você não tem como se eximir da responsabilidade de fazer as coisas, de trabalhar.
Esse é um parâmetro de desperto muito interessante de a gente se ver como parte de um processo em que a gente não tem que terminar nem vai terminar nada, mas que a gente tem uma responsabilidade enorme de estar aí participando e aperfeiçoando durante a nossa existência.
E essa relação com o caminho, que é uma relação sempre tão difícil.
Eu botei aqui uma sobremesa, porque talvez o lugar da alimentação é sempre o lugar mais direto pra todos nós.
E, quando a gente é criança, uma das grandes brigas da vida da gente é a gente querer comer a sobremesa e não ter que passar por todos os outros pratos.
Essa é uma briga que nós fazemos a vida inteira, como adultos.
A gente está sempre querendo chegar na sobremesa.
A gente está sempre querendo viver os processos da vida de forma adormecida.
Então a gente vai ao supermercado fazer uma compra, e a gente já constrói a nossa vida, que é uma maneira mais fácil pra gente controlar as coisas, "Vou ao supermercado", e a gente vai ao supermercado sem estar acordado, sem estar se relacionando com as coisas que vão acontecendo pelo caminho, pelos sentimentos que a gente vai tendo, pelos vínculos que a gente vai fazendo, porque a gente está sempre construindo a nossa vida de chegar nesse lugar final.
E a grande descoberta da sobremesa, que é, na verdade - estávamos conversando há pouco sobre a gastronomia - que é a capacidade de ensinar, neste lugar que é tão animal, em todos nós, tão reptiliano que é o estômago, de poder usufruir toda essa caminhada nutricional da comida.
E a gente às vezes se esquece.
Porque o que é uma sobremesa?
A sobremesa é a parte da comida que a gente come quando a gente já não tem mais fome.
É o lugar da maturidade da nossa experiência gastronômica.
Porque a gente senta à mesa morrendo de fome.
E se a gente for comer a sobremesa na hora em que a gente está com fome, a gente vai fazer uma coisa totalmente equivocada; caloricamente e no sentido, também, daquela experiência.
Então a gravidade de a gente estar sempre querendo produzir esse efeito da sobremesa, esse efeito infantil de todos nós, é que a gente acaba saboreando uma coisa que tem a ver com maturidade, com estar desperto, num lugar de fome, num lugar totalmente equivocado.
Então este é um lugar pra gente trabalhar um pouco o nosso eu.
O nós.
Eu trago esta breve história do talmude, do Baba Bathra, que é um dos tratados, que conta sobre um homem que estava tirando pedras do seu terreno e colocando no meio da rua, e passa um sábio e diz pra ele: "Por que você está jogando essas pedras fora, de um terreno que não é teu, pra um terreno que é teu?"
E ele ri desse homem, não entende do que ele está falando.
Passam alguns meses, ele vende esse terreno, e um dia ele está andando, tropeça nas pedras e se dá conta: "Uau!
Como era sábio esse homem que me disse que eu estava tirando do terreno que não era meu e colocando no terreno que era meu".
Esse é o lugar desperto, tão, tão na contramão do que a gente imagina.
Tudo que é do nós, tudo que tem a ver com o público é muito mais nosso do que aquilo que é privado e particular.
E tem que despertar pra enxergar isso, não é uma coisa muito simples.
Por último, o tu, que é a nossa relação com o outro, com o que o outro pensa, que tem uma função muito importante pra nos ensinar um pouquinho sobre a vida, sobre a realidade, de forma despertada, que é a possibilidade.
Conto pra vocês uma história, um rabino que recebe dois indivíduos num litígio.
Eles estão brigando por terras, por demarcação de terras.
Ele escuta a fala de um dos que estão em litígio e, ao término, balança a cabeça, concordando e diz: "Você tem razão".
Logo depois, ele ouve o outro indivíduo, que traz os argumentos dele, e esse indivíduo também apresenta de maneira contundente ali a opinião dele, o rabino balança a cabeça e diz: "Você está certo".
E o secretário, que estava ali observando tudo isso, e vendo o rabino naquele lugar de arbítrio, de juiz, tendo dito que um está certo e o outro está certo, esse secretário diz: "Rabino, por favor, eles vieram aqui pra decidir um litígio.
Como o senhor diz que este está certo e que este está certo também?"
E o rabino olha pra ele e diz: "É, você está certo".
(Risos) Porque uma das coisas mais incríveis de a gente estar desperto e consciente é o fato de que não existe certo e errado.
Existem certos e errados, mas não necessariamente você tendo um certo tudo mais é o errado.
A descoberta, a capacidade da gente conter outras narrativas, que são as narrativas do outro, do outro olhar, isso produz em nós uma capacidade de lidar com o paradoxal e termos na nossa própria cabeça dois certos, três certos, quantos forem necessários, pra que a gente possa estar verdadeiramente desperto.
Então, realmente, rapidamente passando por todas essas questões que são pra gente decodificar ou digerir pela vida afora, eu queria, rapidamente, nos poucos momentos que me restam aqui, antes de a minha finitude determinar o meu desaparecimento... (Risos) Mas eu não tenho que terminar, eu só tenho que cumprir esses 18 minutos.
Esses dois lugares aqui são dois lugares muito impressionantes.
Nós todos, pra estarmos despertos, precisamos saber que a gente vive num mundo em que a gente não controla as coisas.
Daí o lugar da fé.
E a palavra graça tem a ver com fé.
Porque as coisas que a gente faz nem sempre vão dar certo, vamos ter controle e dar certo.
E todos nós temos que estar despertos de tal maneira, que a gente consiga trocar os grandes problemas da gente, que são as nossas compulsões, nossos hábitos, nossos vícios do passado, e, em relação ao futuro, os nossos medos.
Se a gente ficar engolido pelas nossas compulsões, pelos nossos hábitos e pelos nossos medos, a gente nunca vai ter a graça de não perder a graça quando as coisas não acontecem como a gente espera.
E as coisas não acontecem como a gente espera, porque essa é parte da realidade de não controle em que a gente está imerso.
E esta segunda aqui, que é o lugar da gente ter confiança, fé, de acreditar numa coisa que...
Os americanos usam uma expressão muito bonita, que diz: "Muito mais do que o bezerro quer mamar, a vaca quer dar o leite".
Nós estamos imersos, também, num universo que, às vezes, não desperto, a gente não reconhece.
Conto pra vocês uma coisa: estou saindo daqui correndo de volta pro Rio, pra um almoço na casa do Luciano Huck, que está celebrando eles terem se salvado de um acidente aéreo um ano atrás.
Nesta semana, uma pessoa que é diretora da pediatria do INCA, do Instituto Nacional do Câncer no Rio de Janeiro, me ligou e disse: "Nilton, você consegue um contato com o Luciano?
A gente está fazendo uma reforma, e precisamos da força dele pra levantar fundos".
Eu disse: "Vou tentar".
Desliguei o telefone, toca o telefone, é o Luciano.
Tocou na hora.
Eu disse: "Luciano?"
Ele disse: "É..." E ele: "Eu queria te pedir um favor".
Eu disse: "Sim?"
"Eu vou fazer uma semana aqui só de coisas de gratidão e queria ajudar, de alguma forma.
Você tem alguma ideia de alguma coisa que eu possa fazer pra ajudar e celebrar este momento?"
(Aplausos) Eu disse: "Tenho uma ideia".

Multilingual TEDx (Portuguese speech and transcripts)

NOTE: This dataset contains only the Portuguese portion of the mTEDx dataset, already processed and segmented into parts.

Multilingual TEDx (mTEDx) is a multilingual speech recognition and translation corpus to facilitate the training of ASR and SLT models in additional languages.

The corpus comprises audio recordings and transcripts from TEDx Talks in 8 languages (Spanish, French, Portuguese, Italian, Russian, Greek, Arabic, German) with translations into up to 5 languages (English, Spanish, French, Portguese, Italian). The audio recordings are automatically aligned at the sentence level with their manual transcriptions and translations. Each .tgz file contains two directories: data and docs. docs contains a README detailing the files provided in data and their structure. Test sets for all IWSLT 2021 language pairs can be found in mtedx_iwslt2021.tgz. For more information on the dataset please see the dataset paper.

Contact: Elizabeth Salesky, Matthew Wiesner. esalesky@jhu.edu, wiesner@jhu.edu

Citation: If you use the Multilingual TEDx corpus in your work, please cite the dataset paper:

@inproceedings{salesky2021mtedx,
  title={Multilingual TEDx Corpus for Speech Recognition and Translation},
  author={Elizabeth Salesky and Matthew Wiesner and Jacob Bremerman and Roldano Cattoni and Matteo Negri and Marco Turchi and Douglas W. Oard and Matt Post},
  booktitle={Proceedings of Interspeech},
  year={2021},
}
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