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FRAGMENTS | |
DE MEMORIAL | |
As Encruzilhadas no Caminho¹ | |
Este capítulo é dedicado aos companheiros do Kibutz Bror Chail, das diversas gerações, | |
que em suas vidas realizaram a vivência do movimento, criaram | |
um estabelecimento no Neguev e definiram fronteira. | |
Introdução | |
A geração dos fundadores do movimento encontrou-se no mundo caótico que se | |
formou depois da grande guerra, diante de questões cuja compreensão global era difícil. | |
A Europa estava destruída, e o que sabíamos sobre o Holocausto não nos possibilitava | |
compreender a profundidade da tragédia. No pano de fundo da matança de populações | |
gigantescas (ainda não conhecíamos o número monstruoso da morte de 57 milhões de | |
pessoas), parecia a luta da pequena coletividade em Eretz Israel frente ao império | |
britânico e o mundo árabe verossímel somente aos olhos de sionistas crentes, e esses | |
eram poucos. Lidamos com o começo do estabelecimento do povo, sem saber de | |
antemão as dimensões de nossa ação e o preço do sacrifício. Não sabíamos quem | |
seriam os futuros parceiros na construção do país, e poucos foram os que previram que | |
faríamos frente aos nossos vizinhos nas desgastantes guerras de várias gerações. No fim | |
da guerra, quando tomamos conhecimento do holocausto acontecido na Europa, eu me | |
encontrei em pleno processo de assimilação à sociedade e cultura brasileiras. A | |
contradição entre os dois processos, o pessoal de um lado, e o do povo judeu de outro | |
lado, me conduziu a uma crise espiritual e emocional profunda. Essa diferença acionou | |
dentro de mim um processo intransigente de procura espiritual e intelectual, não só nas | |
minhas raizes familiares, mas também na tentativa de entender o meu judaismo, a | |
natureza do Holocausto e suas causas. Queria saber para onde conduzem os caminhos | |
do judaismo após o evento de caráter apocalíptico. Nessas procuras, e com a sensação | |
interna que meu caminho e meu futuro exigem respostas apropriadas, comecei a jornada | |
sem que tivesse idéia da longitude do tempo e para onde me conduziria ao fim do | |
caminho. As incertezas se apresentavam diante de mim quando saí para o caminho no | |
qual os pontos de interrogação conduziam. | |
A Família na Polônia | |
Minha família é originária da Polônia e se espalhou pela região de Lublin. Eu nasci | |
no ano de 1927, na casa de meu avô, Zeev Goldman, pai de minha mãe, na cidade de | |
Chelm. Quando eu tinha dois anos de idade, meu pai viajou para o Brasil à procura de | |
sustento, e nós continuamos a viver com meu avô até a sua morte, em 1933. A irmã de | |
minha mãe vivia em Lublin e seu irmão numa fazenda cerca de Zamosc2 Meu avô | |
Aharon Zimering, pai de meu pai, vivia com sua grande família em um Shtetel (aldeia) em | |
Piaski. Eu chegava em visitas constantes em casa de meus parentes, uma ou duas vezes | |
ao ano na casa dos tios, e nas festas grandes na casa de meu avô Aharon. | |
Mas a vida real vivi com meu avô Zeev Goldman. Ele foi a figura proeminente da | |
minha vida. Foi para mim um atenuante em muitas horas de angústia que tive em minha | |
vida. | |
No princípio de 1934 recebemos as passagens e embarcamos para o Brasil. | |
Durante a viagem através do grande oceano, sobre o qual eu sabia somente das estórias, | |
senti-me solitário e livre. Ao an do mar, que purifica a alma, lembrei-me da época em que | |
a figura de meu avô se elevava, e só ela me proporcionava a justificativa de existência, | |
nessa época. Saí da Polônia com as sensações de uma criança alienada, sem vivência | |
judaica arraigada. Não vivenciei uma casa judaica organizada, sinagoga com suas rezas | |
e comportamentos, e nem escola judaica em yidisch ou em hebraico. Tudo isso me | |
prejudicou quando me expus à corrente arrastadora e assimilante da cultura brasileira. | |
2 | |
Falava polonês e ouvia yidisch em casa, enquanto que o russo era o idioma que falavam | |
os adultos quando não queriam que eu entendesse, de forma que eu não podia sentir | |
nenhuma delas como minha língua-mãe. o português, aprendi rapidamente, como meio | |
de integração no novo ambiente. | |
Brasil | |
Moramos em Santos, numa casa conjugada, com uma família local. Os assuntos | |
materiais não me preocupavam, a maior dificuldade que encontrei na minha chegada ao | |
Brasil foi o encontro com meu pai, entender e aceitar a sua posição na hierarquia familiar, | |
e aceitar que a vida que tive com meu avô tinha sido especial. Lembrança que aparecia e | |
sentia com saudade e em sonhos. | |
Também no Brasil eu não tive uma casa judaica ativa, sem sinagoga e sem escola | |
judaica. Expus-me inteiramente à vivência brasileira, que era católica na sua essência e | |
assimiladora em seu caráter. | |
A luta principal pela minha sobrevivência eu mantive na escola. Em um ano aprendi | |
o português, esqueci completamente o polonês que sabia, e absorvi o yidisch, que era | |
necessário para a comunicação em casa. | |
Os quatro anos de escola primária passaram rapidamente. Eles deixaram frutos | |
valiosos, como o domínio do idioma, integração na sociedade juvenil, que incluiu a | |
introversão da tolerância, principalmente a tolerância racial com relação aos tons de cor | |
dos mestiços, mulatos, cafusos, e as misturas deles. Os japoneses também entraram na | |
mistura de todos os tons de branco e suas raizes, os italianos, os espanhois, os | |
portugueses. Meu relacionamento para com os alemães era diferente, em comparação | |
com os outros grupos étnicos. Diferença que se desenvolveu durante a guerra civil | |
espanhola e depois, com o domínio de Hitler sobre a Europa. Meu pai lia os jornais diários | |
em português e jornais em yidisch e nos explicava o que ocorria no mundo, o que me | |
ajudava muito nas discussões que tinha na escola. No ambiente de pré-guerra, com a | |
presença de representantes de todas as partes do conflito, eu me via obrigado a participar | |
nelas, principalmente por ser judeu-polonês. E eu o fiz numa proporção de violência não | |
despresível, para me sobrepor à timidez e aos temores que se desvendaram no processo | |
de minha adolescência. | |
Minha Libertação do Gringo | |
Não entendi o conceito de gringo como um símbolo coletivo, não identifiquei que | |
entre eu e os japoneses e os alemães houvesse alguma ligação essencial, a vivência de | |
imigrante. Os professores ajudaram muito, o diretor da escola foi como um raio de luz. Eu | |
me esforcei muito, deve-se ter sucesso para escapar do estigma de imigrante, de | |
estranho, da con e natureza diferente dele, expressando isso com um quase cinismo. No | |
início se olha para ele, escarnea e zomba dele. Porém, no momento em que ele perde um | |
pouco da característica estranha e estrangeira do imigrante, ele desaparece e é engolido | |
pelo todo. No final das contas, eu tive que me defrontar com essa questão, com minha | |
identidade polonesa judaica, frente a necessidade de chegar a ser como um deles. | |
No folclore e na cultura brasileira, Judas Iscariotes é lembrado e comemorado com | |
a queima de sua imagem numa orgia popular. Em português, a semelhança entre judeu e | |
judas (o nome de Judas Iscariotes) tem origem na crença popular. Esta semelhança entre | |
os dois conceitos é percebida mais na realidade histórica. Emigraram para o Brasil muitas | |
famílias de "cristãos novos", com o objetivo de fugir da Inquisição, pois que foram | |
perseguidos também lá por seus emissários. Quase ao mesmo tempo, chegaram ao | |
Brasil cerca de um milhão de escravos da África, que adotaram o cristianismo e a cultura | |
por compulsão e violência de padres fanáticos. | |
o Brasil dos anos de 30 estava sob a ditadura de Vargas, regime parecido ao | |
fascismo, equipado de todos os elementos por nós conhecidos de regimes como este, tais | |
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como censura jornalística, polícia secreta, prisão de suspeitos políticos, torturas, | |
desaparecimento de opositores, e existência do movimento fascista, o Integralismo, que | |
não chegou ao poder. O regime revelou simpatia para com os paises do Eixo (Alemanha, | |
Itália e Japão), e fizeram isso com todo o cuidado, pois o Brasil se encontra na América. | |
Durante a guerra civil espanhola, o ambiente geral era favorável a Franco, e não | |
somente entre os imigrantes espanhois e descendentes dos paises do eixo. Eu não sabia | |
distinguir entre os nacionalistas e os republicanos, até que meu pai me explicou a | |
realidade mundial e que a luta que estavam empreendendo os republicanos na Espanha | |
estava relacionada com a luta global que empreendem as forças liberais e esquerdistas | |
contra o fascismo. | |
o Incidente Anti Semita na Escola | |
Os descendentes de imigrantes alemães, espanhóis, italianos e portugueses que | |
estudavam na escola apoiavam a tendência nazi fascista difundida pelo mundo, e no | |
seu entendimento, este modelo será o modelo do mundo de amanhã. Quer dizer, eles | |
vencerão os regimes democráticos, que não são senão "burguesia podre na sua | |
essência". | |
No quarto ano de meu estudo ginasial, desenvolveu-se na classe uma situação à | |
qual eu não estava atento. Num diálogo tenso com o professor, Abraham Ziman, meu | |
amigo judeu da classe fez uma observação, em consequência da qual o professor elevou | |
sua voz e vociferou: "vocês os judeus têm que se calar, pois vocês são um povo de | |
covardes" Levantei-me instintivamente, passei voando os passos até o professor, e então | |
saltaram sobre mim três ou quatro alunos e à força me imobilizaram, me afastaram dele, e | |
me mandaram para casa. Espalhou-se o boato que resolveram me expulsar da escola. | |
Um ato como esse, no qual um aluno ameaça o professor é considerado uma atitude | |
muito grave em qualquer critério. Voltei para casa e contei tudo a meu pai. Ele respeitou a | |
minha coragem, tentou me acalmar e disse que iria falar com um advogado renomado. | |
Passei dias difíceis de tensa expectativa e incerteza. No fim das contas, fomos | |
convidados, meu pai e eu, ao diretor da escola, que condenou o meu comportamento, e | |
sem se relacionar ao motivo da crise, exigiu que eu me comprometesse a voltar a ser um | |
aluno quieto e comportado. Meu pai reagiu positivamente, e eu entendi que este era um | |
caminho inteligente para encerrar o caso. Com a minha volta à classe, senti que o | |
relacionamento para comigo mudou para pior. Meu pai viu no incidente expressão do anti | |
-semitismo enraigado, diferente do católico polonês, na expressão mas não no conteúdo. | |
A Doença de Meu Pai | |
No quinto ano do curso médio meu pai adoeceu, e ficou claro que somente eu | |
poderia substitui-lo nos seus negócios de vendedor ambulante, "profissão" judaica que | |
era muito difundida entre imigrantes em todo o continente. o vendedor ambulante, que | |
geralmente mal conhece algumas palavras da língua local, oferece a sua mercadoria, | |
utensílios domésticos e roupa popular, para a população mais pobre. Os vendedores | |
ambulantes viajavam de bonde, o meio de transporte coletivo mais barato, e | |
principalmente andavam a pé. As compradoras eram mulheres que não podiam comprar | |
as mercadorias nas lojas ou não podiam pagar à vista. As mercadorias eram de baixa | |
qualidade e baratas. Elas compravam a prestação e costumavam dividir o pagamento por | |
muitos meses. Elas tinham todas as tonalidades de pele, desde o negro até o branco, | |
com mesclas de amarelo índio. Havia famílias inteiras que não conheciam uma letra | |
escrita, e em muitos casos as crianças não frequentavam escolas para trabalhar e ajudar | |
na economia familiar. Eles eram candidatos naturais ao crime, à prostituição e à pobreza. | |
Parte dos chefes de família eram trabalhadores do porto, organizados em sindicatos, e | |
cuja situação era estável. | |
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o vendedor ambulante se punha à porta da casa do cliente, batia palmas, | |
conforme o hábito local, e então ouvia-se a voz de uma menina, pequena ou grande, que | |
anunciava, em tom de desprezo, a chegada do estrangeiro: "mãe, o judeu, ou em | |
alternativa, o turco, o sírio, o libanês, o polaco, o russo ou o gringo". As negociações se | |
realizavam como num bazar turco, com a diferença que o imigrante dificilmente falava a | |
língua de seus fregueses. Ele tinha que vender e ela queria comprar. As limitações | |
econômicas criavam pressões psicológicas, pois ela não tinha dinheiro próprio. Ela era | |
jovem quando encontrou o seu "amigo", e na maioria dos casos não se casaram. Quando | |
engravidou, passaram a viver juntos. As crianças vieram ao mundo uma após a outra. o | |
amigo é o mantedor e nem sempre ele está ciente de suas compras do mascate. Mais de | |
uma vez ele batia em sua mulher: "porquê você compra dele, são todos uns ladrões". E | |
não poucas vezes lhe batiam a porta. | |
Este era um trabalho duro, que exigia andança e carga de mercadoria durante todo | |
o dia, num clima quente e úmido na maior parte dos dias do ano. Na época das chuvas | |
era ainda mais difícil. A dificuldade estava no desconhecimento da língua, no primeiro | |
contato insultante, e depois, a dificuldade de receber o dinheiro da venda da mercadoria a | |
prestações. Os compradores sempre tinham desculpas. Mas os vendedores não tinham | |
outra alternativa. Alguns tiveram sucesso em seu trabalho e após alguns anos abriram | |
loja, e alguns passaram da loja para pequenas empresas ou fábricas. Essa geração se | |
sacrificou nesse trabalho para sustentar sua família e educar seus filhos, e com a | |
resolução firme de não permitir que eles experimentassem a mesma vivência. De fato, | |
seus filhos não concordaram em se ocupar disto, em qualquer condição e a nenhum | |
preço. | |
Meu pai adoeceu, era necessário operá-lo. Passamos juntos sobre o material | |
escrito e selecionado para o dia seguinte. Ele mapeava para mim as ruas e os meios de | |
transporte. Antes da minha entrada na casa do cliente, me atacava uma sensação interna | |
de vergonha e medo, e mais de uma vez eu saia depressa para que não me vissem. | |
Girava pela redondeza, e no fim me via batendo palmas. Os clientes aproveitaram a | |
ausência do meu pai e a minha falta de experiência para escaparem do pagamento das | |
dívidas. Os primeiros dias andava com medo e profunda frustração de que o dinheiro era | |
necessário para a manutenção da casa. Esta foi a primeira vez que entrei em contato com | |
o povo. Era difícil não valorizar a capacidade de resistência e não desenvolver empatia | |
em face ao seu sofrimento. Nós também sofremos, mas era um sofrimento com | |
esperança, vimos vizinhos e amigos que sairam dessa situação e viram bênção no seu | |
trabalho. Eu não tinha instrumentos de análise intelectuais para analisar a sua situação, | |
só sentimentos de identificação, preocupação mesclada com vergonha e desespero. | |
Olhar as suas dificuldades, a situação sub-humana de suas vidas. Gostava deles, | |
honrava sua coragem no enfrentar o destino, que começou na época da escravidão, e é | |
muito difícil ver as suas condições, cerca de cem anos após a abolição da escravatura. | |
Toda a minha alma se revoltou contra a profunda brecha existente entre a riqueza da | |
natureza e a miséria do homem. Na perspectiva do tempo, eu agradeço a oportunidade | |
que me possibilitou conhecer aquelas pessoas. Ela me possibilitou cristalizar, com | |
respeito a elas, uma relação de honradez e estima e basificar concepções sociais, que | |
adotei não somente na sabedoria escrita, mas também no respeito humano. | |
No quinto ano de meus estudos no curso médio, foi realizada uma reforma no | |
sistema educacional brasileiro, segundo o qual eu teria o direito de passar a estudar um | |
ano no curso pré-universitário. Por motivos burocráticos e econômicos, encontrei-me dois | |
anos na cidade de Itu. Vou passar por sobre os motivos, sobre o programa, sobre o nível | |
dos estudos e as vivências nesta cidade provinciana e especial e me concentrarei nos | |
assuntos que se juntaram ao meu conhecimento e à minha consciência. | |
Num mundo em estado de guerra, e num ambiente carregado de ideologia, nos | |
ocupamos dela em abundância. Quis meu destino e encontrei dois excelentes | |
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porofessores para a vida, que estiveram na Europa após a Primeira Guerra Mundial e | |
vivenciaram na própria carne a subida do fascismo na Itália e a guerra civil na Espanha. | |
Passei muitas horas nas sapatarias deles e escutei as suas opiniões sobre a classe | |
operária européia entre as duas guerras mundiais. Um era socialista e o outro anarco | |
sindicalista. o que unia as suas opiniões era a potência da Alemanha nazista e o | |
retrocesso real do comunismo stalinista. Absorvi essas idéias sem críticas. Aprendi com | |
os dois, para a cristalização das minhas concepções. | |
Próximo ao fim da guerra, nos anos de 1944 1945, houve uma trégua entre | |
Vargas, o presidente para fascista do Brasil, e Prestes, o líder lendário do Partido | |
Comunista. Foi permitido ao Partido Comunista aparecer em público sob o disfarce de | |
organizações em prol da democracia, e em pouco tempo apareceram em todo o Brasil | |
clubes abertos que se denominaram "Centro Democrático", cujo sucesso lhes foi | |
garantido graças à grande experiência que acumularam na ilegalidade. | |
Só falta de experiência e precipitação podem explicar a minha prontidão de ser | |
atraído para a experiência comunista. o meu "recrutador" era também aluno da escola e | |
os encontros entre nós se revestiram de caráter subversivo. As células eram pequenas e | |
só ele sabia sobre elas. Ouvi conferências, participei de encontros com os "Heróis | |
Subterrâneos". Mas, compreendi que meu amigo era mais entendido em recrutar e | |
organizar do que no campo ideológico do modelo stalinista. Pedi material e livros que me | |
eram difíceis de conseguir, como "A Introdução ao Marxismo", de Plekhanov, "O Estado e | |
a Revolução", de Lenin, "O Problema Nacional", de Stalin, e a adição de brochuras que | |
glorificavam "o sol dos povos" e o paraíso soviético, e principalmente hinos de louvor ao | |
heroísmo supremo do Exército Vermelho e do povo russo. A contribuição das Forças | |
Unidas na vitória sobre a Alemanha não era lembrada siquer por uma palavra. o meu | |
"recrutador" desapareceu de repente, e pude escapar dessa armadilha. No futuro, quando | |
ainda me ocupava de discissões ideológicas entre os diversos movimentos, abençoei o | |
hábito que adquiri de prestar atenção e a importância do estudo ideológico. Sem isso, não | |
há possibilidade de estudar e compreender a realidade social e política. | |
Nos anos de 40, Itu era uma cidade católica, com muitas igrejas e ampla atividade | |
religiosa eclesiástica, principalmente aos domingos, nos quais costumavam famílias | |
inteiras ir à igreja e os jovens costumavam se encontrar antes e depois da missa. Eu | |
também vivi esta experiência, e costumava me encontrar com a minha namorada após a | |
missa, sob o olhar inquiridor da sua mãe, e passeávamos em torno do jardim público. À | |
pergunta porque não entra na igreja, se os poloneses, em geral, são católicos apegados? | |
"Eu tenho um adendo ao meu polonês, eu sou também judeu". A resposta não | |
surpreendeu, pois em diversas ocasiões eu assim respondia, e ao mesmo tempo evitava | |
conversas sobre assuntos religiosos. Eles eram entendidos na tradição católica, e eu não | |
senti a necessidade de ser adversário, tinha consciência da minha ignorância como judeu. | |
À minha namorada perturbava o fato que eu a esperava fora da igreja. Ela voltava ao | |
assunto e à sua perturbação, e lembrou as palavras do padre que à entrada da igreja, | |
antes da "cisterna de água benta" há um espaço grande, que segundo a tradição católica, | |
é permitido aos "não crentes" visitar, inclusive aos judeus. Suas preocupações, e não a | |
explicação teológica, elas que me fizeram esperá-la no lugar destinado aos "não crentes". | |
A missa em latim e o canto gregoriano na igreja provinciana no estilo português colonial, | |
tudo isso não me impressionou. Mas continuei realizando o cerimonial até que deixei Itu. | |
o período de dois anos que passei em Itu, no seio da sociedade brasileira, longe da | |
família e da comunidade judaica, possibilitou-me ampliar a minha compreensão dela, de | |
ângulos e pontos de vista diferentes, e é impossível não gostar dela. | |
Após menos de um ano, na crise espiritual e sentimental em que me encontrei no | |
meu retorno ao judaismo ativo, lembrei-me com relutância do período "eclesiástico" de Itu. | |
Pois, eu vinha de casas muito religiosas, meu avô era de Piaski, devoto declarado do | |
"rabino de Trisk", e meu avô Zeev, à sombra de quem fui educado, construiu uma | |
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sinagoga em nome de sua família, e cumpria os preceitos religiosos, tanto os fáceis | |
quanto os difíceis. Meu pai era religioso que cumpria os preceitos nas condições da | |
época, a comida Kosher ele trazia de São Paulo, e em sua velhice construiu a sinagoga | |
da coletividade em Santos. | |
São Paulo | |
Inscrevi-me numa escola que era uma espécie de preparação para a universidade | |
(cursinho), na qual estuda-se as matérias para o vestibular da Faculdade de Medicina, | |
física, química e biologia. Depois de poucas semanas de estudo, tive a certeza que não | |
tinha chance de enfrentar a prova de ingresso para a universidade, que estava lotada de | |
candidatos que vieram dos melhores ginásios do Estado de São Paulo. Entrei em crise | |
pessoal, pois sabia das dificuldades econômicas de meu pai, dificuldades que se | |
agravaram devido à operação que minha mãe tinha que ser submetida com urgência pelo | |
seu estado crítico. Minha irmã Ida cresceu, e com ela as despesas. Sentei com meu pai e | |
expus diante dele as alternativas e eu disse-lhe que eu achava que não estava capacitado | |
para ser bem sucedido no vestibular e que eu necessitava aulas intensivas, e também | |
achava que não haverá prejuízo para mim se eu interromper os estudos por um ou dois | |
anos, para ajudá-lo, pois eu conheço o trabalho, e quando sentirmos que a tensão baixou, | |
voltarei a estudar. Meu pai disse simplesmente que ele não trabalhou a vida toda para | |
que eu volte a esse trabalho desprezível. Sua posição bancária era estável, e não há | |
investimento melhor do que financiar estudos. Aceitei o veredito e cheguei a São Paulo, | |
onde encontrei uma residência, onde me forneciam alimentação a preços razoáveis, e | |
havia também transporte fácil para chegar à escola. | |
Hershel Mlinash | |
o catalizador que mudou a minha vida na época da minha crise foi um amigo de | |
meu pai, no passado membro da direção do Hashomer Hatzair de Varsóvia, homem culto, | |
que sabia hebraico e manteve relações com seus companheiros que emigraram para | |
Israel. Quando passei, por acaso, em frente à sua loja na Rua Prates, me chamou e disse | |
que tinha um assunto importante sobre o qual queria conversar comigo. Voltei no dia | |
seguinte e ele começou a conversa contando sobre o Holocausto e a destruição do | |
judaísmo europeu. Eu sentei, tenso e atento. Ele falou durante horas, às vezes eu o | |
interrompia com perguntas, e ele contou de forma seca, exata, aquilo que sabia. Ele foi | |
obrigado a se confrontar com as minhas perguntas sobre o povo judeu, a religião e a | |
história judaica, pois eu era completamente ignorante no assunto. Não deixei em branco | |
nenhuma pergunta. Eu tinha necessidade de um apoio interno mais sólido, para me | |
defrontar com problemas de tal amplitude. Ainda não havia usado a expressão l'extermínio | |
do povo judeu na Europa'. Depois disso, começou a falar comigo sobre Eretz Israel, | |
Palestina, as lutas, sobre os ingleses e os árabes. Falou sobre a Palestina como único | |
refúgio para a salvação dos sobreviventes do holocausto. Estávamos na época do 'livro | |
branco' também esse conceito ele me esclareceu ele, entretanto, falou em termos | |
gerais, e eu entendi o princípio da história do processo da colonização em Israel, dos | |
kibutzim, dos movimentos juvenis. Ele, claro, acentuou o "Hashomer Hatzair" e me | |
explicou que existe movimento sionista no Brasil. Isso não era um processo de | |
"recrutamento", ele não tentou me recrutar, ele também não era ativo em qualquer | |
instituição judaica. Eu não sabia que, na realidade, eu começara um processo doloroso e | |
difícil de identificação com o sofrimento dos outros, a aproximação repleta de dor à | |
tragédia do povo judeu. Ainda não conseguia dizer simplesmente meu povo, o povo ao | |
qual pertenço. Ao fim de muitas horas de conversas com Mlinash, senti uma carga | |
emocional e intelectual que me foi muito difícil de suportar. Disse-lhe que eu precisava ler. | |
Esta é uma estória difícil, e eu tenho dificuldade de absorvê-la sem leitura adicional. Ler | |
atenciosamente eu já sabia. Ele disse que podia me dar jornais, mas não era isso: no | |
jornal de ontem ou da semana passada não poderia ler sobre a Europa e nem sobre o | |
judaísmo europeu ou a Polônia ou todas as coisas que me havia explicado sobre o povo | |
judeu. Pois, ele usou o conceito de 'nacionalidade judaica' e negligenciou a religião | |
judaica. Então, também sobre a história judaica de que falou, eu tinha que ler. Ele me | |
explicou que não tinha tal literatura, mas que numa rua próxima havia uma organização | |
de jovens com uma boa biblioteca. Mlinash não se propos a me orientar nesta tarefa, | |
dizendo claramente que não era instruído suficientemente. | |
Leitura e Primeiras Palestras | |
o material para a leitura encontrei no Centro Hebreu Brasileiro, onde se localizava | |
parte das instituições sionistas; ali também se encontravam moços e moças sionistas para | |
atividades de estudo, mas principalmente para se divertirem, e como foi dito, havia lá uma | |
bibliteca judaica. | |
Nós nem sempre demos o devido valor histórico ao Centro Hebreu Brasileiro. | |
Deve-se acentuar que ele foi o ninho de onde surgiram todos os movimentos juvenis | |
pioneiros de São Paulo. Papel semelhante ao que foi preenchido no Rio de Janeiro o | |
Ginásio Hebreu. | |
Li A Questão Nacional de Chaim Zhitlovski em yidish, um trabalho duro, Simon | |
Dubnow, Heinrich Graetz e Theodor Herzl em espanhol, a Autoemancipação de Leon | |
Pinsker em português, com uma introdução excelente de Idel Becker. | |
Escrevi notas sem fim, passaram-se dias, passaram-se noites. Lia em meu quarto | |
e não me saciava. E em cada livro descobria coisas novas. Fiz uma lista de temas que | |
sabia, ao lado de uma lista inteira de assuntos que eu deveria repassar e reestudar, e era | |
preciso procurar outros livros, e outros assuntos que eu só podia adivinhar a sua | |
existência. Vivia de forma espartana. Não chegava em casa, nã me encontrei com meu | |
pai, e não me preparei para o curso próximo. | |
Resolvi procurar trabalho e me sustentar. Fiszel Czeresnia era secretário da Magbit | |
(Fundo Nacional) e me deixou preparar a lista dos contribuintes. Fazia o trabalho às | |
noites. Minha vida começou a mudar e nas manhãs sentava-me horas na leitura de | |
livros. De repente, apareceu um elemento novo na minha vida-o tema da "nacionalidade". | |
O material básico encontrei em Zhitlovski e Dubnow, e no livro de Stalin sobre "O | |
Problema Nacional". As notas que fiz desses livros eram matéria imatura, mas quando | |
comecei a dar palestras (a primeira foi no centrinho) ela chamou a atenção. Com o correr | |
do tempo, quando acumulei conhecimento e experiência, voltei a ela muitas vezes, era | |
sério e sombrio. Não me lembro que nesta época tivesse alegria de viver, riso e sorriso | |
não me vinham à face. Os estudos, abandonei. Não era conhecido, mas começaram a se | |
dirigir a mim jovens, não muito mais do que eu, e me esforcei em responder-lhes. Fui | |
convidado uma, duas vezes a encontros do 'Hashomer Hatzair', que foram orientados por | |
dois adultos, antigos ativistas do movimento polonês, cheios de entusiasmo. Não me | |
empolguei da intromissão extranha do "escotismo", e das palestras em yidish sobre a | |
política sionista. | |
Um dia recebi um convite para me apresentar numa grande assembléia que foi | |
realizada num cinema, com a finalidade de protestar contra o 'livro branco" dos ingleses. | |
Não tinha qualquer experiência em apresentação diante de público, e estava bem | |
emocionado e tenso. Preparei-me por escrito, o que se tornou um hábito. A sala foi se | |
enchendo devagar. No palco sentaram-se os representantes das autoridades, e o orador | |
principal foi Beno Milnitski, líder conhecido dos estudantes judeus nas universidades. o | |
discurso do Beno foi uma obra-prima e falou em tom moderado e numa linguagem rica. | |
Quando chegou a minha vez, à minha falta de experiência se juntou o meu | |
temperamento, que libertou de dentro de mim a raiva e o protesto que nunca tinha sido | |
ouvido até então. Meu discurso foi forte e agressivo. Seu motivo era um protesto contra a | |
política britânica e alusão ao fato de que o Brasil não moveu um dedo na campanha | |
internacional. Não sei onde ele se criou com certeza na minha alma, que já sofria há | |
alguns meses. No começo fez-se um silêncio absoluto, que parecia prolongar-se pela | |
eternidade, e então de repente, veio uma tremenda explosão de aplausos e gritos, o | |
coração do público fez-se ouvir. A instituição judaica criticou a minha apresentação, de | |
onde apareceu esse selvagem? | |
Depois da minha aparição no cinema, que teve muita repercussão, fui convidado a | |
todas as partes de São Paulo. Intensificaram-se as conversas com jovens, e fui convidado | |
a dar palestras sobre assuntos que desenvolvi. Comecei a dar palestras em reuniões em | |
casas de família, em organizações, em sinagogas, em casas particulares e eventos | |
públicos em São Paulo e em seminários nacionais sobre assuntos como: "Sionismo e | |
Nacionalidade Judaica", "Socialismo e Sionismo Socialista", "O Holocausto e o Anti- | |
semitismo Moderno", "Movimentos Juvenis e sua Divisão Partidária", " o Conflito Entre | |
Judeus e Árabes em Eretz Israel", "O Judaísmo Brasileiro e a Realidade da Assimilação". | |
Senti um enorme cansaço do ano carregado que passei e do processo de | |
amadurecimento. Meu calendário se preencheu, mas senti que as minhas energias | |
espirituais se enfraqueceram. Senti e pensei que era chegada a hora de uma auto - | |
revisão, ainda não assumi a responsabilidade sobre a ação, mas senti que isso era | |
inevitável quanto mais falava, mais ampliava-se a minha compreensão do sentido da | |
ação. Eu não só falava, mas também ouvia e considerava uma ampla variedade de idéias. | |
Minhas Conversas com Idel Becker | |
Tive contatos com as pessoas principais do Centro, na maioria pessoas boas e | |
capacitadas, entre os quais alunos do seminário para professores de hebraico, donos de | |
rico conhecimento judaico, sendo que parte deles vinha de casas tradicionais. Este | |
pessoal passaria no futuro para o movimento Dror, e ele passou para si o Centro. Neste | |
grupo salientava-se Benjamin Raicher, que foi agraciado com uma rara capacidade para | |
idiomas. Ele estudou no seminários para professores e tinha grande conhecimento | |
judaico e geral. Desde o princípio ele demonstrou grande ceticismo a meu respeito, na | |
maior parte das vezes fazia perguntas nas quais ele era o mestre e eu simplesmente | |
principiante. Finalmente ele propos que fôssemos falar com o Doutor Idel Becker, | |
professor de espanhol no ginásio, cujo nome era muito considerado entre seus alunos. | |
Ele ficou conhecido pela sua tradução da Autoemancipação de Pinsker, ao qual ele juntou | |
uma introdução, trabalho louvável do ponto de vista intelectual. Ele manteve distância de | |
qualquer atividade pública. | |
Benjamin não preparou o Dr. Becker sobre o conteúdo da conversa. Ele começou | |
explicando as dificuldades da tradução, principalmente da introdução, para facilitar a | |
divulgação do livro e sua receptividade pela juventude. Ele era uma pessoa | |
impressionante, e as conversas com ele eram interessantes, porém não tocaram na | |
realidade trágica dos judeus em Eretz Israel, na luta contra os ingleses, e o destino do | |
povo judeu depois do Holocausto. o que me preocupava era: o que fazer agora? Ler | |
Hertzel e Pinsker e ampliar a minha compreensão? Para pessoas como eu, levanta-se a | |
pergunta, será a autoemancipação possível? E no caso positivo, o que nós devemos fazer | |
para concretizar a situação histórica? | |
Na conversa com Idel Becker falei em linguagem incisiva, procurei evitar o rococó | |
intelectual e o virtuosismo da linguagem. Criou-se uma situação muito desconfortável. | |
Ficou claro que Becker não tinha qualquer interesse pelas minhas perguntas, e ele não | |
via qualquer obrigatoriedade de agir. Sua parte neste grande drama ele terminou com a | |
tradução do livro, com a escrita da introdução e com conversas com pessoas, enquanto | |
eu procurava uma pessoa que me desse respostas aos problemas centrais da minha vida, | |
e ele não era a pessoa. Não conhecia, então o ditado de Zen: "Você adquire um Mestre | |
para se libertar do Mestre". Quando saímos, o Benjamin estava abalado. "Não é assim | |
que se fala com o Idel Becker") A mim, a conversa não emocionou. Não fui para um | |
desafio intelectual, jogar xadrês com um adversário melhor do que eu. | |
Minhas atividades atraíram as atenções. Talvez pela minha personalidade diferente | |
e extranha. Eu ardia internamente, pensava e investigava, estudava e perguntava, na | |
minha apresentação não havia qualquer elemento de pose, eu era transparente. | |
Judeus Cosmopolitas | |
Uma vez fui convidado para uma conversa num grupo diferente, todo ele europeu. | |
Parte dele era de imigrantes e parte dele pertencia à camada intelectual literária do tipo | |
Stephan Zweig e semelhantes, gente do grande mundo. A particularidade se expressava | |
na atmosfera, nos seus livros e no tipo de pessoas que vieram à sua casa. Eles me | |
convidaram para uma conversa. Frente ao meu provincialismo, eles apresentaram um | |
extremo mundo cultural e espiritual. Eu penso que o que me atraiu a eles foi o seu amplo | |
horizonte, e a visão de mundo e de vida deles além do shtetel. Eles falaram sobre Riga, | |
Berlin, Londres, Suécia e Normandia. Desde o início interessei-me pelo caráter especial | |
do nacionalismo judaico e judaismo laico. Eles viviam vidas cosmopolitas, num judaísmo | |
que estava mesclado com a cultura universal. Eu não tomei a iniciativa de siquer um | |
desses conhecimentos, mas eu sou feliz por eles terem acontecido no meu caminho, e | |
eles tiveram uma contribuição de valor inestimável no meu amadurecimento intelectual e | |
espiritual. | |
Outro conhecimento foi com Itzchak Kissin, engenheiro florestal que falava | |
hebraico fluente. Ele me contou sobre Eretz Israel, que visitou muitas vezes. Dele aprendi | |
muito sobre Israel, sobre o kibutz, sobre o moshav e sobre os problemas fundamentais do | |
país desértico. Ele me mostrou um livro sobre os judeus da África do Norte, do lemen, do | |
Iraque, sob o nome generalizado de "Os Judeus Exóticos", que foi publicado na | |
Alemanha. Ele apresentou diante de mim um quadro objetivo e complexo da realidade em | |
Israel, sem idealizações, principalmente no que diz respeito à crise cultural que acontecia | |
em Israel que, na sua opinião, iria perdurar por gerações. Também a sua visão sobre a | |
realidade política com respeito às relações entre a colónia judaica e os árabes em Eretz | |
Israel era singular e pessimista. No seu círculo, já entendiam o desenvolvimento do | |
nacionalismo árabe. Ele criticava a fraqueza da posição do Hashomer Hatzair, que | |
defendia a solução de um país bi-nacional. Ele apresentou uma visão geral e realista da | |
situação em Israel, frente às estórias que ouvimos, lemos e vimos nas fotografias que nos | |
eram apresentadas pelo Keren Kaiemet (fundo para a compra de terras). | |
A Casa do Povo | |
Todas as semanas, à noite, tínhamos discussões numa das esquinas das ruas do | |
Bom Retiro, com um grupo de estudantes, a maioria deles sob a camuflagem da Casa do | |
Povo. Eles eram membros do Partido Comunista, ou seus simpatizantes e apoiadores. o | |
objetivo das discussões era o de influenciar na opinião pública da comunidade, mas | |
principalmente na opinião da juventude. Os assuntos iam desde o Holocausto e a | |
Alemanha, o destino do povo judeu depois dele, o conflito em Eretz Israel, a influência da | |
União Soviética, o comunismo como solução do problema do judaísmo e dos judeus, e a | |
relação com a política local. Eles apresentavam a linha comunista. Na questão judaica | |
eles adotaram a posição do "Bund" europeu, segundo o qual o futuro dos judeus terá sua | |
solução em todos os lugares através da luta dos operários e das forças "progressistas", | |
as "forças do amanhã", conceitos abrandados da palavra comunistas. Eles rejeitavam o | |
conflito em Eretz Israel na suposição que as forças imperialistas britânicas e americanas | |
não permitirão o término da época colonialista imperialista. Claro que o ênfase estava | |
no heroísmo de Exército Vermelho, o sacrifício do povo russo, quando eles atrbuem o | |
mérito da luta dos partisanos judeus a si mesmos, ignorando a contribuição das grandes | |
democracias, como se elas nem tivessem participado da guerra. | |
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Minha posição, então, baseou-se no Holocausto como expressão do anti-semitismo | |
substancial, em toda a cultura européia, depois de os judeus se encontrarem lá mil anos. | |
Sobre a tentativa de salvar os reminiscentes, que não foi permitido em lugar nenhum do | |
mundo, a não ser em Israel. Lembramos a eles o acordo Ribentrop Molotov, assinado | |
às vésperas de Segunda Guerra Mundial entre a União Soviética e a Alemanha nazista, | |
que causou uma crise no movimento esquerdista, e com que comunistas cessassem sua | |
oposição à Alemanha nazista de Hitler. Isto, até a invasão da União Soviética pela | |
Alemanha, na operação "Barbarossa", em Junho de 1941. As minhas citações de escritos | |
comunistas e a capacidade de usá-los contra eles por meio da retórica e dos slogans | |
deles próprios, aumentaram a credibilidade das minhas posições. | |
Avaliamos que após a guerra, a Grä Bretanha deixará de ser uma potência, e | |
acentuamos a possibilidade real da instituição de um lar nacional para o pavo judeu em | |
Eretz Israel, devido à realidade mutante. Grande parte dos assuntos relacionados à | |
realidade eretzisraelense eu estudei nessa época sobre as colônias judaicas, sobre os | |
combatentes, e sobre a Haganá (forças de defesa) e sobre a Palmach (tropas de ação), e | |
sobre a liderança da comunidade, especialmente Ben- Gurion. A suposição básica era | |
que se os árabes vencerem a guerra, no final eles exterminarão a coletividade judaica, e o | |
que restará? Comecei a desenvolver coisas, que depois me aprofundarei, sobre a | |
civilização judaica, pois nós somos parte do mundo moderno; nós somos organizados, e o | |
nosso nível de instrução é mais alto, nossa coesão social e o regime democrático, e a | |
liderança bem sucedida, e a capacidade, não só devido ao "não tem alternativa", mas por | |
causa da cultura, da instrução, do caráter moderno. Na minha opinião de então, o Império | |
Britânico começaria a se esfarelar no mundo todo, e apesar do heroísmo e do grande | |
sacrifício que pagaram na guerra, os grandes vencedores eram os Estados Unidos e a | |
União Soviética, e eles não tinham a política ou a obrigação de manter o império britânico. | |
A importância da proposta americana de trazer cem mil judeus da Europa para Israel, não | |
tinha só importância numérica, senão que pela ruptura entre os Estados Unidos e | |
Inglaterra, e na América, a influência de parte dos grandes líderes judeus, como Stephan | |
Weiss10 e o Rabino Hilel Silver11. se fez sentir. | |
A Discussão com o Hashomer Hatzair no Rio de Janeiro | |
Recebi um convite de me encontrar com Natan Bistritski. Ele era o sheliach | |
(enviado) principal ao Brasil e membro da direção mundial do Hashomer Hatzair, que me | |
convidou para um fim de semana no Rio de Janeiro para um esclarecimento ideológico | |
sobre o socialismo e o sionismo. Lá se encontrava a direção nacional do Hashomer | |
Hatzair, e seus elementos eram conhecidos por seu nível e sua formação. Parte | |
importante deles estudaram em universidades, era explicitamente um grupo de elite. | |
Falamos entre nós abertamente. Disse-lhe: "Não sei como as pessoas no Rio de | |
Janeiro me receberão, pois eu não sou membro do Hashomer Hatzair. Além disso, eu não | |
tenho o conhecimento de sionismo socialista para participar de um debate nesse nível". | |
Ele me disse que os líderes da coletividade lhe haviam contado sobre as discussões que | |
tive com as pessoas da Casa do Povo. | |
Durante dois dias dirigi o combate principal. Era impossível esconder de mim a | |
fraseologia do Partido Comunista ou a sua forma de pensamento. Também não a política | |
do Comintern¹ que entretanto mudou o seu nome para Cominform ¹. Em comparação a | |
eles, eu possuia o conhecimento apropriado para o seu relacionamento ao problema | |
nacional, e apesar dos meus temores, eles não sabiam mais do que eu sobre o sionismo | |
socialista, e como não entraram de forma específica nos problemas dos partidos | |
israelenses, eu pude me confrontar. o meu objetivo era o de salvar aquelas pessoas | |
magníficas para o sionismo, e não entregá-las de presente ao Partido Comunista, | |
relacionei-me a eles com respeito e empatia. | |
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Próximo ao resumo, eu disse que receava que parte deles já se encontram, | |
teoricamente, a caminho do Partido Comunista, seja do ponto de vista ideológico, ou | |
simplesmente isso. Não ouvi deles sobre o problema nacional judaico, nenhuma palavra | |
sobre o Holocausto. Suas preocupações com o mundo colonial eram maiores do que com | |
os problemas fatais do povo judeu e da sorte da luta anti-colonialista que emprendia a | |
coletividade de Eretz Israel contra a Inglaterra. Acrescentei que, apesar da maioria dos | |
participantes terem estudado no Ginásio Hebreu e continuaram a viver em casa dos seus | |
pais, do ponto de vista espiritual eles estão profundamente envolvidos na cultura local a | |
caminho da assimilação e de casamento misto. | |
Retirei-me antes da discussão interna incisiva entre eles. Bistritzki me contou que a | |
continuação da discussão foi ardente, e em consulta que ele realizou com Yaakov | |
Chazan, dos líderes da direção mundial, resolveram expulsar essa célula do movimento. | |
Duas Convenções do Dror | |
Conclui, do meu encontro com o Hashomer Hatzair, que atividade sionista não se | |
pode realizar como um lobo solitário, e isto é o que eu era. Dentro de pouco tempo, fui | |
convidado a participar da convenção nacional do Dror. A direção do movimento era em | |
Porto Alegre, e precisava-se viajar para lá, a caminho do congresso sul americano do | |
movimento. Conhecia as idéias do movimento, mas sabia pouco de suas atividades. | |
Esclareci a eles que ainda não tinha resolvido a quem me afiliar, e que eu via no minha | |
participação no congresso deles parte do meu "processo de estágio". Mas os | |
companheiros do Dror pensavam que eu estava ligado ao movimento do ponto de vista | |
ideológico, e supuzeram que eu estava a caminho do seu movimento, e que este era um | |
risco calculado. | |
Viajei com Rivka Averbuch (Berezin) que mais tarde se tornou chefe da cátedra | |
de Estudos do Judaísmo e da Língua Hebraica da Universidade de São Paulo. À cabeça | |
do movimento havia gente competente, Efraim Bariach¹4. Moshé e Betty Kersh¹5. Eles | |
eram conhecidos também além do movimento. Havia uma discussão séria sobre o futuro | |
dos idiomas no povo judeu. A discussão estorou por motivos sentimentais, porque um dos | |
participantes, que era um completo ignorante, insistiu para que os educandos do | |
movimento falassem somente hebraico. Este era eu, que apesar da língua materna ser o | |
yidish, e então não saber uma frase em hebraico; mas eles me calaram. Eu, tudo bem, | |
mas num assunto importante como este, como conseguirão fazer calar a Ben Gurion? | |
o tema seguinte era baseado na suposição de que nossos companheiros viam na | |
Argentina o centro do movimento. Lá encontravam-se os seus líderes, lá eram publicados, | |
em espanhol, o melhor material ideológico, e principalmente as notícias do que acontece | |
no movimento operário em Israel. Em resumo, os companheiros do Dror do Brasil viam lá | |
o modelo para a imitação ou para o aprendizado. À cabeça do movimento da Argentina | |
achavam-se líderes importantes que vieram da Polônia e construiram o movimento | |
segundo o modelo do movimento mãe. A coletividade Argentina era grande e rica do | |
ponto de vista da cultura judaico, em escolas judaicas, e ela vivia com a sensação de que | |
eles são a continuação natural do judaísmo europeu. | |
Sobre todos os assuntos relacionados com o caráter do movimento do Brasil, não | |
achei conveniente polemizar com eles em base aos meus pensamentos primários, que | |
ainda exigiam estudo e cristalização. Pensei que a visita à Argentina me possibilitará | |
observar de forma crítica para estudar o assunto. | |
o Choque na Argentina e a Cisão no Movimento | |
A convenção foi preparada pelo escritório localizado em Buenos Aires. Depois da | |
tragédia na Europa, e extermínio de todos os movimentos juvenis pioneiros, salientou-se | |
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a existência desse continente. A liderança local era formada por pessoas importantes. A | |
personalidade dominante era Moshé Kostrinski (Kitron)¹6, líder do Poalei Tzion. Ao seu | |
lado estava Itzchak Harkavi, que veio a ser, depois, embaixador de Israel para paises da | |
América Latina, e ele também, assim como Kitron, tinha raizes na Europa. A discussão foi | |
aberta sobre um assunto ideológico, que logo se tornou uma discussão política, no centro | |
da qual estava a cisão do Mapai em Israel. Na convenção havia dois grupos organizados: | |
um grupo de argentinos que representavam a direção do movimento na América Latina. | |
Entre eles havia pessoas muito competentes, cuja maioria emigrou para Israel e fundou o | |
Kibutz Mefalsim. Frente a eles, havia um pequeno grupo de pessoas muito capazes do | |
Chile, que só uma pequena parte deles emigrou para Israel. Não conhecia a matéria que | |
estava sendo discutida, que em pouco tempo se tornou em polêmica violenta, combate de | |
palavras e citações de Berl Katzenelson, Itzchak Tabenkin ¹7. Mein Yaari18, Ygal Alon¹9 e | |
Ben Gurion. No duelo entre os grupos, não pouparam nenhum exercício para machucar | |
uns aos outros. Eu não entendia as motivações ideológicas dos dois grupos rivais. Mas | |
entendi o palavreado político. o tema se referia à cisão, que como resultado do mesmo | |
foram criados dois partidos políticos em Israel: Mapai e Achdut Haavodá. Mais tarde | |
cindiu-se também o movimento kibutziano Kibutz Hameuchad. | |
Eu rejeitava a abordagem divisória. Os nossos movimentos estavam em processo | |
de formação, e a cisão em base a assuntos que não pertencem à essência de sua | |
existência na América Latina, no final das contas atingirá a sua própria existência. A | |
convenção não discutiu sobre a característica do movimento, sobre os instrumentos | |
educativos necessários ou sobre a necessidade de adaptar o movimento à cultura local, à | |
juventude que se educa no mundo novo. Essas eram discussões que caracterizavam | |
organização de juventude de partido, e não movimento juvenil educativo, que deveria se | |
afastar da política e afastá-la de si. Estava em estado de choque, e isso me aconteceu | |
mais de uma vez durante a vida. Sempre vinha acompanhado de confronto com idéia ou | |
fato que contrariava minhas posições ou meus pensamentos, e na maioria dos casos eu | |
necessitava uma certa distância até que pudesse encontrar a solução apropriada ao | |
problema. Mas meu silêncio recebeu uma interpretação política; como se eu escondesse | |
minha identificação política, e como se eu pertencesse à corrente radical, ao Achdut | |
Haavodá. Em todos os temas da ordem do dia, não foi realizada qualquer discussão | |
essencial, só polemizaram, e os dois lados só queriam uma corrida desvairada para a | |
cisão do movimento, e conseguiram. A esta loucura não foi dada legitimidade no | |
movimento do Brasi, e ele não foi parte de nenhuma cisão que acometeu os partidos em | |
Israel. Passei a convenção sem abrir a boca. Ela aprofundou meus conflitos internos no | |
processo de reconstrução do nosso movimento no Brasil. | |
No fim da convenção, fui a todas as instituições importantes e recolhi todas as | |
publicações apropriadas que pudessem contribuir para o meu conhecimento. Durante o | |
vôo estudei duas publicações: uma de Berl Katzenelson sobre o "Socialismo Construtivo", | |
e dois artigos polêmicos de Ben Gurion. Para meu alívio, descobri que toda a sabedoria, | |
na qual todos se basearam durante a convenção estava, na íntegra, nesses dois | |
panfletos. | |
Os Princípios de Minha Concepção Sobre os Caminhos do Movimento | |
Chegou a hora de resolver a que movimento me juntar. Os companheiros ouviam | |
recusas claras de minha parte com respeito a dois movimentos, que não vinha em conta | |
juntar-me a eles: (a) ao Hashomer Hatzair por causa de sua idéia de "bi-nacional como | |
resposta à idéia de divisão do país", e a aproximação ao "mundo do amanhã", o que | |
significa a identificação com a política da União Soviética. Desgostava bastante do | |
dogmatismo doutrinário deste regime e do centralismo político de sua direção. (b) ao | |
Betar por seu caráter chauvinista, por sua compreensão da solução dos problemas | |
existentes e dos que virão no futuro, quando Israel for instituída e seus vizinhos, e pelo | |
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seu caráter para militarista. o movimento Dror que encontrei em São Paulo era, na | |
realidade, um clube de intelectuais, judeu e sionista, com altas qualidades de seus | |
participantes, mas sem qualquer compromisso com a aliá e estabelecimento. o Dror, na | |
consciência de seus membros, não era um movimento educativo realizador. | |
Não era um fato trivial vir como visitante, e dar instruções aos habitantes da casa | |
como mudar seu estilo de vida. As minhas incertezas não eram abstratas, mas deram | |
soluções parciais. Conheci de forma geral os demais ramos do movimento e seus líderes, | |
e tudo me parecia semelhante a São Paulo, isto é, seus cabeças eram geralmente | |
também pessoas capazes. Estudaram em escolas judaicas, parte deles veio de casas | |
tradicionais, outros de casas cujos pais eram ativistas e até chefes de organizações | |
públicas, principalmente de instituições sionistas. Seus filhos se destacaram: Chana | |
Tzikinovski (Raicher), cujo pai era o rabino chefe do Rio de Janeiro, um sábio e | |
personalidade estimada por todas as partes da coletividade, Max e Ruth Resh, David | |
Roterman, Avraham Baunwol (Hatzamri), Alberto Dines, filho de um dos líderes mais | |
importantes do sionismo brasileiro, Bernardo Einisman (Dov Bar Natan), Mariam Genauer | |
(Bariach), Yossef e Arieh Etrog. Eles constituiam um grupo forte e mantiveram distância e | |
uma boa medida de independência do escritório de São Paulo, cuja atividade era limitada, | |
assim como sua autoridade. Em Curitiba, dirigiam o movimento Sara e Shaul Shulman. | |
Bem cedo juntou-se Felipe Kraun. | |
Consciência da Hora de Crise | |
Liderança é a capacidade de receber sobre si resoluções que contêm uma | |
dimensão pública que influem sobre ele. Esta é uma propriedade que não se aprende nas | |
escolas. Movimentos existentes e enraigados desenvolvem trajetórias de aperfeiçoamento | |
para pessoas que têm propriedades naturais de liderança. Há situações espirituais ou | |
necessidades de uma realidade que impulsionam as pessoas naturalmente dotadas, ou | |
aquelas que têm carisma, que aparentemente não se expressaram, a agirem. | |
Não era esse o meu caso. Eu não me via como uma pessoa com capacidade, e o | |
mesmo ocorria com as pessoas que me circundavam. Não me destaquei durante a minha | |
juventude e em nenhum momento do meu desenvolvimento me vi situado à cabeça de | |
qualquer coisa. Ao longo do desenvolvimento da minha personalidade e nas diversas | |
estações da minha vida, acumulei e acrescentei conhecimento, e examinava os diferentes | |
ângulos da realidade existente e os seus problemas. Só no processo concreto da "crise | |
respiritual" que passei, num processo de amadurecimento acelerado, senti pela primeira | |
vez o impulso de prestar atenção e a capacidade de formular para mim mesmo as | |
dificuldades intelectuais, e também de delinear caminho. Depois de incubar por dois anos, | |
fui impulsionado para a ação. Ninguém se dirigiu a mim, nenhuma instituição me elegeu, | |
não preparei qualquer plano escrito e não apresentei documento algum para aprovação. | |
Entre a Ideologia e a Obra de Construção do Movimento | |
Esta redação não é um documento programático, ela não passa de uma história | |
pessoal, de forma que tomei a liberdade de não ser preciso na separação entre os vários | |
elementos. Até aqui, os dois assuntos já existem de formas diversas, tanto os temas | |
ideológicos como os pensamentos sobre a construção do movimento. Pensei que deveria- | |
se cristalizar um movimento adequado às características da juventude que cresceu no | |
mundo novo, e que deve-se libertar dos modelos que trouxeram os enviados de Israel ou | |
passoas que vieram da Polônia ou de outros paises antes do Holocausto, isto é, modelos | |
que estiveram enraigados na vivência dos movimentos na Europa. A juventude judaica do | |
Brasil tem características específicas, e era preciso encontrar os caminhos adequados | |
para ela. Nós vivemos aqui numa cultura diferente, talvez possa se dizer numa civilização | |
diferente. A educação, o contato com os vizinhos, com nossos amigos, com os colegas de | |
classe. É outro mundo. Fala-se outra língua, e nós não só tentamos nos assemelhar a | |
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eles, mas também assimilar-se para não nos sentirmos diferentes. Às vezes | |
atravessamos os limites dessa aproximação e assim rompemos a corrente de gerações. | |
O processo de assimilação numa sociedade em formação, sociedade de imigração multi | |
nacional e multi cultural, acontece de forma inconsciente. | |
Havia necessidade de adaptar o movimento à singularidade da juventude judaica | |
brasileira, às condições históricas e culturais que ele se encontra. A análise do caráter | |
assimilador da sociedade brasileira e a posição da juventude judaica frente a esse | |
processo, foi ele que me levou à resolução de me abster de discutir "a negação da golá" | |
como parte da concepção sionista. E me perdoará Ben Gurion por ferir a coerência. | |
Apesar de ter-se formado um movimento juvenil realizador, a realidade nos demonstrou | |
que éramos uma minoria na coletividade judaica, e porisso temos hoje que apoiar, com | |
todos os instrumentos ao nosso dispor, a preservação do judaísmo da coletividade, | |
escolas judaicas, sinagogas e yeshivot, e apoiar a coletividade com possibilidades. Na | |
Alemanha de antes do Holocausto, e nos Estados Unidos, não impediram que a juventude | |
perseguisse o modernismo, ainda mais impedir qua a juventude judaica persiga com | |
avidez a vida e a cultura brasileira. | |
Processos de Mobilização | |
Em conversas pessoais que entabulei com jovens, aprendi a escutar com atenção | |
as suas palavras e também entender a sua alma. A expressão proselitismo, religiosa em | |
sua origem, e que com o tempo se tornou fluente no movimento, não expressa o espírito | |
do processo. A intenção do conceito é um diálogo intelectual que era realizado entre duas | |
pessoas que procuravam entender uma à outra, antes que começassem a convencer esta | |
àquela. Era importante criar um ambiente de confiança mútua que possibilitasse | |
conversas profundas no longo prazo. Muitas vezes essas conversas criaram laços de | |
amizade e cooperação frutíferas. As discussões, e principalmente as conversas pessoais | |
basificaram a minha concepção. | |
Os temores se justificaram, ninguém me fez a vida fácil, trocamos idéias, | |
discutimos, muitas conversas sobre tudo, quase não houve assunto que não foi tocado | |
nelas, e houve casos em que eu simplesmente respondi que não sei. Falamos sobre o | |
anti semitismo no Brasil; se Israel conseguirá fazer frente aos seus inimigos; ao tipo de | |
socialismo a implantar em Israel. Como tinha tanta certeza das minhas respostas? Pois | |
muitos dos temas eram somente suposições, crenças ideológicas ainda não testadas. | |
Como era possível se comprometer pela vida toda? Se na Europa aconteceu o | |
Holocausto, porque pôr em perigo o destino do povo judeu numa região encharcada de | |
ódio e violência como o Oriente Médio? | |
Eu não tenho anotações das conversas. Eu não tinha nenhuma possibilidade de | |
avaliar a influência da ação de mobilização na época carregada de tensão, preocupação e | |
interesse, época na qual quasi todo o povo judeu, em todos os cantos do mundo, estava | |
atento à sua sorte. Não tenho a menor dúvida que, nessas condições, nossas palavras | |
não cairam em ouvidos tapados. No fim da "maratona" de mobilização, durante a qual eu | |
estava em verdadeira euforia, fui acossado pelo medo. Pois, parte das conversações | |
pareciam um compromisso mútuo. | |
A realidade foi favorável ao desenvolvimento do movimento. Formaram-se grupos | |
mais velhos que começaram a reunir grupos mais jovens, e o movimento parecia como | |
adequado à natureza do movimento educativo. Viram-nos discutindo sobre uniforme, | |
sobre realização pioneira, isto é, emigrar para Israel, ligar-se ao kibutz e até filiar-se | |
individualmente ao movimento juvenil. Tudo isso ainda não se cristalizara num conjunto | |
ideológico coerente. Então, ainda me debatia como apresentar diante dele uma | |
concepção de mundo generalizada, que inclui um projeto de vida completo num mundo | |
diferente do meu. Eu já introvertira a essência e o caráter da sociedade israelense. A | |
Chevrat Ovdim (Sociedade dos Trabalhadores) e o kibutz eram, sem dúvida, instrumentos | |
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apropriados, que podiam responder às aspirações socialistas que se difundiram no mundo | |
depois da Segunda Guerra Mundial. Vi também diante dos meus olhos o processo de | |
mobilização da camada mais velha, que pudesse dirigir o movimento e que fosse capaz | |
de mobilizar e criar grupos mais jovens, educá-los no espírito aberto, e criar instrumentos | |
educacionais que os ajude, junto com a família e as escolas, a fazer frente a um mundo | |
complexo, onde a assimilação é uma opção que se encontra na palma da mão. Vi a | |
dificuldade na preparação da camada mais velha para a ida a Israel e ao mesmo tempo | |
de um quadro organizado que garanta a continuidade do movimento. Debati-me no dilema | |
com o qual o movimento deveria se confrontar com respeito aos estudos universitários, se | |
concordar com a continuação dos estudos nas universidades ou deixá-los para in para | |
Israel e para o kibutz? Senti a dificuldade de formular a generalidade, e não só os | |
problemas em si, | |
o encontro com o meu pai, com o objetivo de comunicá-lo de forma final que eu | |
estava a caminho da realização, de abandonar os estudos no Brasil, não dava mais para | |
adiar, e então viajei para casa, em Santos. Nós dois procuramos manter um bom estado | |
de espírito, mas o encontro foi difícil, pois ambos sentimos que ele iria ferir de forma grave | |
o nosso relacionamento. Não tinha o que renovar, a não ser expressar em voz alta um | |
pensamento que pela primeira vez expressei também para mim próprio: "Eu acho que | |
estou a caminho da Palestina". Não há por que repetir tudo o que foi dito entre nós, mas | |
no centro estava a palavra "ativista", que era uma expressão de vexame, cujo significado, | |
de sua boca, era o de uma pessoa que vive às custas de dinheiro público. O encontro | |
deixou, em nós dois, um gosto mau, os resultados aprenderia no futuro. | |
o Tinido do Tempo | |
Sem aviso prévio, chegou a São Paulo um dos líderes do Dror do Rio de Janeiro, | |
Arieh Etrog. Arieh era uma pessoa agradável, inteligente e instruída, e cada encontro com | |
ele sempre deixava um bom ambiente. Em conjunto formulamos as propostas para a | |
segunda convenção nacional do movimento, após o primeiro que foi realizado em Porto | |
Alegre, como dito. A discussão central era a instituição da hachshará (fazenda de | |
preparação para o kibutz) pioneira no Brasil. Expressei a minha opinião de que, do ponto | |
de vista do movimento, era prematuro, pois o movimento não formou uma reserva para a | |
sua formação no futuro. Ele explicou que companheiros importantes do Rio de Janeiro e | |
de Porto Alegre chegaram à conclusão de que o seu tempo amadureceu e que para os | |
companheiros veteranos que haviam fundado o movimento começa a se tornar tarde. | |
Eles não viam motivos para continuarem a ser ativos no movimento, parte deles já estava | |
casada, e havia a preocupação de que se não fossem a tempo, sua aliá seria adiada, e | |
poderia fracassar no caminho. Houve dois gritos de alarme ao mesmo tempo que me | |
assinalaram que a hora de agir para a renovação do movimento era premente. A | |
exigência de instituir a hachshará e a resolução dos companheiros do movimento | |
argentino e dos membros do Hashomer Hatzair do Brasil de fazer aliá e se voluntarizar | |
para a guerra de independência. Minha opinião não foi aceita, a segunda convenção foi | |
realizada e a hachshará instituída. o primeiro grupo foi constituído pelos fundadores do | |
movimento, que foram também os primeiros a fazer aliá para Israel. | |
o Enviado Yossef Almogui | |
No Brasil havia um enviado central, Yossef Krelembaum (Almogui)²0, e resolvi me | |
aconselhar com ele a respeito da resolução que foi aceita no movimento de fazer aliá para | |
Israel e se alistar no exército. Expliquei minha posição sobre a falta de preparação do | |
movimento para se desfazer de seus poucos companheiros maduros, e levantei diante | |
dele o dilema. Passados alguns dias ele me disse: "Falei com Israel; o destino dos jovens | |
que chegam nos kibutzim é o de trabalhar no lugar dos membros da Palmach que foram | |
convocados para a guerra". Perguntei sua opinião sobre a forma que eu agi, tanto no | |
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assunto do exército como o da antecipação da ida para a hachshará. Ele me respondeu | |
direto e sem subterfúgios: "Se eu tiver que resolver, então você fica; mas saiba que o | |
tempo pressiona". As coisas em Israel aconteceram exatamente conforme disse Almogui: | |
os jovens da Argentina ficaram no kibutz Gvat e os jovens do Hashomer Hatzair no kibutz | |
Negba, nenhum deles foi convocado. | |
Almogui não foi o único enviado com quem me aconselhei. Chegaram ao Brasil, | |
naquela época, muitos enviados para diversas missões, além daqueles que vieram ajudar | |
os diversos movimentos que se formaram no Brasil. Não perdi uma oportunidade de ouvir | |
o que tinham a dizer, participar em discussões e me aconselhar com eles. Os enviados | |
eram a única fonte para se receber informações sobre Israel e sobre os esforços | |
diplomáticos internacionais que foram feitos para a instituição do Estado. Eles | |
apresentavam uma ampla variedade de opiniões políticas, as quais aprendi a escutar e | |
respeitar, e elas contribuiram de forma significativa para a cristalização das minhas | |
concepções sionistas socialistas amplas e anti dogmáticas. | |
Na minha concepção cristalizou-se o pensamento de que a ideologia serve à | |
pessoa e ao homem público como uma bússola que orienta o seu caminho, e não como o | |
"shulchan aruch" (código de leis judáicas) ou um Vade Mécum (guia) que ensina e orienta | |
cada passo de sua vida. Não há uma bola de cristal que mostra os caminhos do futuro, os | |
desastres naturais, guerras, desenvolvimento tecnológico, mas as condições são que | |
cousam a incerteza da existência humana. A distinção entre um estadista maduro e um | |
simples político é que o primeiro usa a bússula e o segundo não. | |
A terceira convenção do movimento, realizada na hachshará, aprovou o plano de | |
trabalho por mim apresentado, e escolheu a nova direção, formada pelo melhor da | |
juventude judaica. o movimento vivia uma hora construtiva. | |
A Lapa | |
Realização era entendida no movimento como o resumo de todas as nossas | |
atividades educativas, quando o objetivo concreto é a aliá para Israel e se estabelecer aí. | |
o fato de basear-se em estudantes criou no movimento um paradoxo. Pois, a | |
existência do movimento dependia deles, e quando chegavam às classes mais altas e às | |
universidades, eles dedicavam seu tempo e sua energia aos estudos, e não restava | |
tempo para o movimento. Anos depois disso, estando em Israel, estudei na literatura | |
sobre os movimentos clássicos que se formaram na Europa que se você basifica o | |
movimento sobre a juventude de dentro da "intelligenzia", você a constrói em solo fértil | |
porém problemático, devido ao mesmo problema que apontei. Entendi o dilema desde o | |
início da grande mobilização da liderança futura, mas resolvi arriscar e tentar convocar | |
para o movimento justamente os mais talentosos, e deixar para o destino fazer a sua | |
parte nas resoluções futuras. Tive muito tempo para sofrer, imaginar e tentar outras | |
soluções, mas não consegui inventar soluções que não sejam na verdade substitutos, | |
tentar novamente o caminho trilhado pelos movimentos europeus, dar aos companheiros | |
mais maduros maior liberdade para in à universidade e confiar o destino do movimento à | |
suas consciências. | |
Entrei nas discussões da "Lapa" com temor e piedade, realmente com profunda | |
ansiedade. Entendi o dilema que eu colocava diante dos companheiros, e eu não joguei | |
nenhum jogo retórico. Expliquei o que meus olhos viam, ou seja, que sem o abandono | |
dos estudos pela camada dirigente, e sem sua dedicação completa às atividades do | |
movimento, ele não resistirá, ele se desmanchará ou fenecerá, Conhecia cada um dos | |
participantes do seminário, e via nessa equipe o potencial para a realização do | |
movimento. Eles eram os escolhidos e os dotados que conseguimos recrutar na ocasião, | |
e com eles se erguerá ou cairá o movimento. | |
Não imaginei que na era moderna pode-se abrir mão de estudos universitários; fato | |
que todos aqueles companheiros dotados queriam estudar, estudaram, e há entre eles | |
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professores e doutores que pode-se orgulhar deles. A resolução de interromper os | |
estudos não era técnica, mas de conteúdo, ela deu forma ao complexo conceito de | |
"liderança". Também sobre isso tive muito tempo para debater. o conceito que diz que | |
"somos todos iguais", esconde a complexidade das forças do espírito, caráter, vontade, | |
ambição, coragem do ponto de vista espiritual, carisma e componentes de personalidade. | |
Quando os componentes se revelam nas medidas e no ambiente social certos, eles criam | |
legitimação e liderança florescente, e o corpo social goza dos frutos abençoados. | |
Nem sempre pode-se descobrir o educando que possui parte das características | |
exigidas, só um ambiente estimulador possibilita a sua descoberta. Não santificamos o | |
processo que levou ao abandono dos estudos, e quando as condições mudaram, a | |
resolução mudou. As resoluções da Lapa trouxeram ao movimento anos abençoados, e a | |
todos aqueles companheiros que abandonaram os estudos, as universidades se abriram | |
diante deles, em Israel ou fora de Israel. Ela foi uma decisão coletiva em seu conteúdo e | |
moral na sua grandeza. | |
Resumo Temporário | |
Mesmo sem observar de forma retroativa, pode-se dizer que à nossa realização em | |
Israel houve uma justificativa humana e também nacional. o destino poupou de nós o que | |
causou a nossos antepassados na Europa, e para meu pesar Israel ainda não vive em | |
paz, assim como o mundo. A bênção de nossa realização e de outros como nós, com | |
nossas famílias, nossos filhos e nossos netos, não é medida só por números, mas pela | |
qualidade, pela voluntariedade, da capacidade, potencialidade ocultos na dimensão | |
do | |
tempo. A continuação da vida do movimento e sua realização em Israel serão escritos em | |
outro tempo, quando novamente florescer a inspiração. |