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A improbidade administrativa e os limites constitucionais impostos às medidas cautelares previstas na Lei Federal nº 8.429/92
Verifica-se na sistemática atual crescente inquietude quanto à concessão exaltada de medidas cautelares no bojo dos procedimentos judiciais que visam coibir os atos de improbidade administrativa. Referidos atos ímprobos se encontram sob a égide da lei federal nº 8.429/92, que permite a adoção de medidas cautelares, de caráter patrimonial ou preventivo, a fim de resguardar a efetividade do processo. Todavia, tais medidas assecuratórias vêm sendo adotadas de forma exaltada e ilimitada, em completo desrespeito às normas constitucionais vigentes, bem como aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade insertos na Constituição da República Federativa do Brasil.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO Apesar da linha tênue que separa a improbidade administrativa da corrupção, não se pode olvidar que ambas resumem-se em garantir e preservar a defesa do patrimônio público em razão de condutas perfilhadas por seus agentes, inclusive pelos Administradores Públicos, no tocante aos atos que o atingem patrimonialmente ou violam valores socialmente preservados pelo texto constitucional. Sabe-se que a improbidade administrativa engloba o enriquecimento ilícito, o dano ao erário e a violação aos princípios da administração pública. Neste diapasão, o legislador constituinte, visando coibir referidos atos, fez menção expressa destes no texto constitucional, conforme as palavras de Pedro Roberto Decomain: “Passo adiante de larga importância foi dado pela Constituição Federal de 1988. No parágrafo 4º de seu art. 37, o texto constitucional afirma que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.[1]” Assim, é inolvidável que o legislador constituinte deu grande importância ao combate à atuação improba de seus agentes, insertando na Carta magna parâmetros de controle e censura à adoção de tais condutas. 1. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA 1.1. Legislação aplicada Conforme dito no introito do presente trabalho, a Constituição Federal em seu artigo 37, §4º fez previsão expressa quanto às sanções aplicáveis aos atos de improbidade administrativa. “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:[…] §4º – Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.” No tocante ao tema, o distinto doutrinador brasileiro Hely Lopes Meirelles (2016, p.118) já defendia que “o dever de probidade está constitucionalmente integrado na conduta do administrador público como elemento necessário à legitimidade de seus atos. O velho e esquecido conceito romano do probus e do improbus administrador público está presente na nossa legislação administrativa, como também na Constituição da República, que pune a improbidade na Administração com sanções políticas, administrativas e penais, nos seguintes termos: "Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao Erário, na forma e gradação prevista em lei, sem prejuízo da ação penal cabível" (art. 37, § 4º)”. Com efeito, com advento do dispositivo constitucional que cuida dos atos de improbidade administrativa, apesar da existência de legislação infraconstitucional (Lei Federal nº 3.502/58) que regulava alguns tipos de ato de improbidade, carecia no ordenamento pátrio de legislação infraconstitucional mais ampla e eficiente, que englobava as hipóteses revistas na Constituição Federal, bem como tratava a matéria não só de forma repressiva, mas também preventivamente. À luz desta necessidade, o legislador infraconstitucional editou a lei federal nº 8.429 de 2 de junho de 1992, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências. Com a edição e publicação da antedita norma regulamentadora, o texto constitucional passou a ser dotado de aplicabilidade e eficiência. Todavia, vale ressaltar que a lei de improbidade, em que pese contemplar sanções aplicáveis aos agentes públicos que incorrem em atos de improbidade, referida legislação não se reveste de caráter penal, sendo apenas uma norma que visa proteger o direito difuso à probidade administrativa, bem como a integridade moral e material da Administração Pública. 1.2. Conceito De fato, pode-se conceituar a improbidade administrativa como uma conduta de um agente público que contraria as normas morais, a lei e os costumes, incidindo em falta de probidade e atuação ilibada no que tange aos procedimentos esperados da administração pública, seja ela direta, indireta ou fundacional. O vocábulo improbidade, de acordo com o dicionário Houaiss da língua portuguesa é definido como “1. ausência de probidade; desonestidade e 2. ação má, perversa; maldade, perversidade. Em contrapartida, a palavra “probidade” na mesma compilação das unidades léxicas da língua português é definida como “o qualidade do que é probo; integridade, honestidade, retidão”. (HOUAISS, 2009) 1.3. Sujeito Ativo No que tange a legitimidade para figurar como sujeito ativo dos atos de improbidade administrativa, a priori, em uma visão mais limitada, pode-se afirmar que a legislação é expressa no sentido de que referidos atos somente podem ser praticados por agentes públicos, auxiliados ou não por terceiros não vinculados à Administração Pública. Neste sentido é o artigo 2º da lei nº 8.429/92, in verbis: “Art. 2°. Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior”. Conforme as palavras do doutrinador e Promotor de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Emerson Garcia, “a concepção de agente público não foi construída sob uma perspectiva meramente funcional, sendo definido o sujeito ativo a partir da identificação do sujeito passivo dos atos de improbidade, havendo um nítido entrelaçamento entre as duas noções”.[2] Conjugando o entendimento supramencionado com o disposto no texto normativo resta evidente que o status do agente público será definido com exatidão a partir do exame da relação existente entre o autor do fato e o sujeito passivo que suportou referida conduta ilícita. Todavia, pode-se afirmar que o sujeito ativo para fins de improbidade administrativa é bastante amplo, envolvendo agentes públicos, servidores ou não, e até mesmo particulares beneficiados, mantenham ou não estes vínculo direto com a Administração Pública, conforme se extrai do artigo 3º da legislação de regência: “Art. 3°. As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta”. Assim, tem-se como potenciais sujeitos ativos os agentes públicos, os agentes meramente particulares, terceiros e pessoas jurídicas. 1.4. Sujeito Passivo O sujeito passivo, também conhecido como sujeito imediato, é aquele que sofre a investida do sujeito ativo, ou seja, é aquele prejudicado pela conduta ímproba. In casu, o artigo 1º da lei de improbidade traz o rol de sujeitos passivos dos atos de improbidade: “Art. 1°. Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei. Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos”. Com efeito, é inolvidável que se trata de norma de natureza imperativa, categórica, cuja aplicação não pode ser afastada pela vontade dos interessados, como ocorre no direito privado. Neste caso, o Estado sempre fará parte da relação jurídica como sujeito passivo formal, que reclama a aplicação imediata da norma a fim de que seja o direito objetivo material. De acordo com o professor Waldo Fazzio Junior (WALDO FAZZIO, 2012), integram o elenco constitutivo dos entes atingidos pelos atos de improbidade administrativa: “a) Administração direta, indireta ou fundacional dos poderes em todos os níveis; b) Empresa incorporada ao patrimônio público; c) Entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de 50% do patrimônio ou receita anual; d) Entidade de receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício de órgão público; e) Entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de 50% do patrimônio ou receita anual.” 2. ATOS DE IMPROBIDADE A Lei n. 8.429/1992, em linhas gerais, positivou três espécies de improbidade administrativa: aqueles decorrentes de ato ilícito, os de lesão ao erário e de atos ou omissões que atentem contra nos princípios da administração. Entretanto, não se pode afirmar serem estes os únicos atos de improbidade administrativa. O escopo do legislador constituinte, bem como do legislador infraconstitucional foi tão somente exemplificar os atos, ou seja, trata-se de rol meramente exemplificativo, cabendo ao intérprete da norma interpretá-la de acordo com os preceitos atuais que envolvem a sociedade. 2.1. Atos que importam em enriquecimento ilícito Os atos de improbidade administrativa que importam em enriquecimento ilícito encontram-se insertos no artigo 9º da lei nº 8.429/92, contudo, conforme dito alhures, o rol previsto no dispositivo normativo em comento é meramente ilustrativo, não obstando o hermeneuta de interpretar a norma e aplicá-la a casos que ainda que não insertos no dispositivo, se enquadram perfeitamente no escopo do legislador. Neste sentido, são os escólios de Alexandre de Moraes ao afirmar que “a tipificação dos atos de improbidade administrativa, por serem de natureza civil, são descrições mais genéricas e conceituais do que as exigidas pelo Direito Penal, possibilitando uma interpretação mais construtiva por parte da doutrina e jurisprudência” (2007, p. 2.756). Com efeito, no que tange a expressão “enriquecimento ilícito” podemos presumir a ocorrência de algum acréscimo ao patrimônio do ímprobo. Referidos atos de improbidade são elencados como os mais graves, tendo em vista que o agente explora da fração de poder que lhe é outorgada na Administração Pública para auferir, em detrimento da coletividade, vantagem ilícita e em total ofensa a ética do serviço público. 2.2. Atos que causam prejuízo ao Erário Aludidos atos se encontram estabelecidos no artigo 10 da LIA. Neste caso, o legislador caracteriza como ato de improbidade administrativa aqueles que causem lesão ao erário através de ação ou omissão, dolosa ou culposa, que tenha reflexos patrimoniais ou desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres de entes da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual. Como se constata pela singela leitura do regramento legal, a configuração do ato de improbidade que caracterize prejuízo ao erário carece dos seguintes requisitos: a) Ação ou omissão do agente; e, b) Ocorrência de dolo ou culpa. A ação implica na adoção de conduta ativa, enquanto a omissão deve ser analisada sob o prisma do comportamento desconforme com a exigência legal de agir ao dever da escorreita administração. Dolo naturalmente é evidenciado através da vontade desenfreada do agente em causar prejuízo ao erário, enquanto a culpa se mostra caracterizada pela negligência, imperícia ou imprudência existente por ato culposo. Assim, os atos de improbidade administrativa, considerados ofensivos ao erário, podem ser comissivos ou omissivos, dolosos ou culposos. In specie, o legislador evidencia hipóteses de dolo e culpa, extraídas do Direito Penal, em face do caráter sancionador que reveste a Lei 8.429/92. Registre-se que de uma visão não tão ampla parece surgir um aspecto excessivo a existência de atos de improbidade culposos, com a imposição das sanções previstas na Lei nº 8.429/92, todavia, referido entendimento, bem como sanções se mostram necessárias no âmbito do Direito Administrativo, pois aqui se exige do agente público total observância aos princípios constitucionais de legalidade, moralidade, lealdade para com a Administração, bem como responsabilidade com os interesses públicos. 2.3. Atos que violam princípio da Administração Pública Não menos importantes que os demais, também se consideram atos de improbidade administrativa aqueles que violam os princípios que regem a administração pública. Referidos atos possuem grande amplitude e podem se caracterizar pela ofensa dolosa contra os diversos princípios que balizam o administrador no trato com a coisa pública. Conforme leciona Emerson Garcia, o dispositivo em apreço “é normalmente intitulado ‘norma de reserva’, o que é justificável, pois ainda que a conduta não tenha causado danos ao patrimônio público ou acarretando enriquecimento ilícito do agente, será possível a configuração da improbidade sempre que restar demonstrada a inobservância dos princípios regentes da atividade estatal”.[3] 3. SANÇÕES 3.1. Perda de bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio e o ressarcimento integral do dano O artigo 5º da legislação de regência preceitua que “ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano”. Com efeito, os incisos I e II, do artigo 12 da lei de improbidade confere ao Estado a faculdade de reaver o patrimônio lesado, através do ressarcimento levado a termo pelo autor do ato improbo, bem como, quando possível, todo enriquecimento ocorrido pelo ato improbo em conjunto com este patrimônio ressarcido. Vale ressaltar que tal procedimento está inerente em todos os danos causados a título de improbidade, seja ao particular, seja ao erário, bem como sejam os atos oriundos de agentes públicos, particulares ou terceiros. Todavia, quadra registrar que a sanção em epigrafe não possui o condão de penalizar, mas sim de reparação ao dano causado. 3.2. Perda da função pública Tal sanção reflete obviamente o mínimo necessário a repressão aos atos de improbidade administrativa perpetrados por agentes públicos, atingindo a meu ver o fim específico da norma sancionatória. Não se pode olvidar que aqueles que praticarem atos de improbidade administrativa, não devem continuar a exercer o múnus público que lhe fora conferido, ou seja, exercendo suas respectivas funções. Destaca-se que referidos atos, antes de tudo, ofenderam a coletividade, um bem jurídico comum a todos. Neste diapasão, a perda da função pública pode ser considerada a sanção mais merecida ao praticante de ato de improbidade. Por derradeiro, destaca-se que assim como na suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública somente ocorre com o trânsito em julgado da sentença condenatória, nos termos do artigo 20 da lei nº 8.429/92: “Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória. Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual.” 3.3. Suspensão dos direitos políticos A Constituição Federal veda expressamente, em seu artigo 15, caput, a cassação dos direitos políticos, ao estabelecer que “é vedada a cassação de direitos políticos […]”. Não obstante essa afirmação destaca-se a máxima de que “toda regra tem sua exceção”. Neste diapasão, evidencia-se nos incisos I, II, III, IV e V do retro mencionado artigo, os fundamentos que balizam eventuais perdas e ou suspensões dos direitos políticos. In casu, destacamos o inciso V do aludido dispositivo legal, que permite expressamente à suspensão para os casos improbidade administrativa, nos termos do artigo 37, §4º, da CF/88. Urge salientar que na dicção do artigo 2º da lei de regência, a suspensão dos direitos políticos somente se torna efetiva, a partir do trânsito em julgado da decisão, o que significa dizer que o prazo da suspensão somente começa a ser contado a partir da referida data. 3.4. Multa civil Referida sanção é aplicável a todo e qualquer ato de improbidade administrativa, independentemente de qualquer outra sanção adotada, inclusive ressarcimento integral dos danos causados. Todavia, vale ressaltar que a multa civil não se encontra incluída entre as sanções para a improbidade administrativa, prevista no artigo 37, §4º da Constituição Federal. Em que pese referida omissão, a mesma não se mostra apta a ensejar qualquer alegação de inconstitucionalidade, haja vista que compete às leis ordinárias a previsão de sanções para atos ilícitos. Quanto ao valor, a multa civil deverá ser fixada em até três vezes o montante do indevido acréscimo patrimonial nos casos do artigo 9º e em até duas vezes nas hipóteses do artigo 10 da lei nº 8.429/92. Concernente à hipótese de ato de improbidade nos termos do ao artigo 11, a multa civil poderá fixada em até 100 vezes a remuneração percebida pelo agente. O legislador foi omisso quanto ao destinatário dos valores provenientes da multa civil, sendo prudente entender que o destinatário seja a entidade prejudicada pelo ato de improbidade. Por fim, a multa civil tem o caráter exclusivamente punitivo e não indenizatório, razão pela qual o dever de realizar o pagamento não se transfere aos sucessores do ímprobo ao qual a multa tenha sido aplicada. 3.5. Proibição de contratar com o poder público ou receber incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário Quanto às referidas proibições, deve-se registrar que a teor dos incisos do artigo 12, elas alcançam não só o autor do ato de improbidade e todos que tenham lhe prestado auxílio, mas também pessoas jurídicas das quais o agente autor da improbidade seja sócio majoritário. Assim, o efeito desta condenação estende-se a todos que direta e indiretamente poderão estar ligados ao infrator. 4. MEDIDAS CAUTELARES 4.1. Afastamento do agente público Evidencia-se que o parágrafo único do artigo 20 da lei de improbidade administrativa (lei federal n° 8.429/92) confere à autoridade judiciária ou administrativa a faculdade de proceder ao afastamento do agente público de suas funções com o primordial escopo de se garantir a harmônica instrução processual, in verbis: “Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória. Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual.” Com efeito, o legislador ao estabelecer referida regra, não limitou referida atuação, deixando sem obstáculos e a discricionariedade da autoridade específica, o desligamento transitório do agente público, criando desta forma, nos termos do direito positivo, uma concessão de poderes ilimitada. Todavia, em que pese à corrente forte do direito positivo, há de se consignar que a concessão de liminar de afastamento do agente público na ação civil pública, por se tratar de medida extrema somente é admissível quando estiverem preenchidos essencialmente os pressupostos do fumus boni juris e do periculum in mora, que se traduz numa razoável expectativa da procedência do direito postulado em virtude da prática de ato de improbidade administrativa, bem como no fundando receio de que a permanência do agente no cargo influenciará efetivamente em dano à produção de provas e escorreita instrução processual. Urge salientar ainda que referido afastamento do cargo tem natureza eminentemente cautelar, e não de antecipação de tutela, motivo pelo qual deve ser levado a termo por prazo determinado, sendo sempre observado os princípios gerais do direito como proposições lógicas fundamentais aptas a conferir o respaldo e a coerência infalíveis a magistral aplicação da lei. Isto porque o escopo da norma é manifesto, no sentido de que o afastamento provisório do agente, tem por finalidade fornecer ao magistrado um instrumento com vistas à busca da verdade real, afiançando a verossímil instrução processual, e via reflexa resguardando qualquer atuação dolosa do agente que macule ou estorve a produção dos elementos essenciais à formação do convencimento da autoridade judiciária. Ao lado disso, assevera-se que a medida cautelar em capítulo resume-se a uma tutela de urgência, a qual somente pode ser concedida diante da efetiva comprovação de que o agente público, alvo da ação, no exercício do cargo e utilizando-se dele, promoveu ou promoverá atos tendentes a comprometer a regular instrução do processo. Ocorre que na realidade, este dito afastamento provisório vem sendo concedido pela as autoridades competentes por períodos indeterminados e sem qualquer prova hábil da deturpação processual, em absoluta ofensa aos princípios norteadores do direito, em especial os princípios do contraditório, da proporcionalidade e da razoabilidade. Com efeito, adentrando na questão da Teoria Geral do Direito, não se pode olvidar que os princípios gerais do direito têm dupla função, vez que orientam tanto o legislador na feitura das normas, quanto o aplicador do Direito, diante de uma lacuna ou omissão legal. Neste diapasão, quadra registrar que, devido ao caráter essencialmente amplo dos Princípios Gerais do Direito, o aplicador do Direito, bem como o legislador, que neles se baseiam, devem ter cautela e limites para a atuação, sob pena busca incoerente a solução para uma determinada situação. Ressalta-se que, para utilizar os Princípios Gerais de Direito, há de existir uma perfeita identidade, entre a situação e o princípio utilizado, sob o aspecto da coerência e harmonia. Neste sentido, aplicando os referidos princípios norteadores aliados a teoria geral do direito, tem-se que para o afastamento cautelar do agente público devem-se ser observados os princípios constitucionais, em especial do contraditório, em razão da própria gravidade do provimento, só se admitindo a sua mitigação em situações extremas, bem como os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, de modo a manter o afastamento cautelar do agente público tão somente pelo exato período necessário a instrução processual, e desde que haja reais indícios de possibilidade de tumulto ou conspurcação da fase instrutiva. Por derradeiro, para arrematar a questão, não poderíamos deixar de embrenhar no estudo do juízo de ponderação e sua aplicação no caso em apreço. Evidencia-se que a doutrina moderna depreende que o juízo de ponderação estabelece ligação permanente com a ideia de que as normas podem revelar-se na forma de princípios, de modo que sua incidência no caso em concreto factivelmente pode ser mitigada quando em choque com outras normas, sem, contudo, perder sua validade jurídica. Robert Dworkin entende que o magistrado quando da aplicação da norma deve ter por base toda a história jurídica da comunidade, suas leis e expectativas, visando sua compreensão, voltando-se para o futuro, construindo soluções coerentes, não dispensando para tanto a dimensão da adequação, impedindo interpretações sem nexo com a história e o texto (DWORKIN, 1999). Já a ponderação no conceito de Robert Alexy[4] cinge-se ao entendimento de que os princípios incitam a sua aplicação e execução em proporções que ultrapassam as medidas ou o grau habitual, enquanto as normas impõem sua ação dentro do fático e juridicamente possível, de modo que um princípio pode ser levado a termo em uma escala variável entre menor ou maior grau, enquanto as regras somente podem ser cumpridas ou não. Ainda no tocante ao tema, Alexy destaca a importância da proporcionalidade para os estudos dos direitos fundamentais, in verbis: “Los principios son mandatos de optimización con respecto a las posibilidades jurídicas y fácticas. La máxima de la proporcionalidad en sentido estricto, es decir, el mandato de ponderación, se sigue de la relativización con respecto a las posibilidades jurídicas. Si una norma de derecho fundamental con carácter de principio entra en colisión con un principio opuesto, entonces la posibilidad jurídica de la realización de la norma de derecho fundamental depende del principio opuesto. Para llegar a una decisión, es necesaria una ponderación en el sentido de la ley de colisión. Como la aplicación de princípios válidos, cuando son aplicables, está ordenada y como para la aplicación en el caso de colisión se requiere una ponderación, el carácter de principio de las normas iusfundamentales implica que, cuando entran en colisión con principios opuestos, está ordenada una ponderación. Pero, esto significa que la máxima de la proporcionalidad en sentido estricto es deducible del carácter de principio de las normas de derecho fundamental.[5]” Por derradeiro, diante de todo exposto e das considerações de Robert Dworkin e Robert Alexy, e levando em consideração ainda o juízo de ponderação na jurisdição constitucional e sua exata aplicação ao parágrafo único do artigo 20 da Lei de Improbidade Administrativa (Lei n° 8.429/92), resta manifesto a necessidade de proporcionalidade na aplicação da norma diante dos princípios constitucionais postos, de modo a garantir a real eficiência da regra e asseverar a observância dos anteditos princípios, em especial o do contraditório, da proporcionalidade e da razoabilidade. Desta forma, é inolvidável que o afastamento cautelar do agente público somente poderá ser levado a termo desde que oferecido o mais amplo contraditório, e, caso evidenciados o fumus boni iuris e o periculum in mora necessários a concessão da tutela de urgência, seja ainda conferido o afastamento preventivo por período certo, determinado e indispensável para a devida instrução processual, devendo a medida ser imediatamente revogada assim que efetivada a instrução. 4.2. Indisponibilidade de bens Outra hipótese de providência cautelar a ser adotada é a indisponibilidade de bens, prevista no artigo 7º da lei nº 8.429/92, que estabelece que quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado, bem como que a indisponibilidade a que se refere o caput do aludido artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito. Neste diapasão, previu a Lei 8.429/92, em seu artigo 7º, a indisponibilidade de bens, que pode ser deferida em caráter liminar, initio litis, desde que concorram os requisitos cumulativos do fumus boni iuris e do periculum in mora, bem como quando se revele bastante provável a lesão ao patrimônio público por ação ou omissão dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, devendo, nessas hipóteses, recair a indisponibilidade sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito. Sobre a matéria, o ilustre doutrinador Nelson Nery Júnior define que a liminar é medida de antecipação provisória de alguns dos efeitos da tutela pretendida de forma principal, efeitos estes que repercutem no plano fático. Analisando individualmente os pressupostos para a concessão da medida, tenho que a fumaça do bom direito consiste na probabilidade, em tese, de vir a ser acolhido pelo Poder Judiciário, o direito material objeto da demanda. O perigo da demora, embora não condicionado à comprovação de que o Agravante poderia estar tentando subtrair seus bens à ação da Justiça, deve decorrer de evidente, concreta e comprovada lesão ao Erário Público, de modo que a medida se torne necessária para garantir o ressarcimento futuro dos danos causados. A indisponibilidade de bens na ação de improbidade administrativa é regida pelos artigos 7º e 16 da Lei nº 8.429/92, que dispõem que havendo fundado indícios de responsabilidade poderá o Ministério Público ou a autoridade administrativa pedir a indisponibilidade e o sequestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público. Tal ação tem por finalidade assegurar a eficácia da condenação final, evitando-se a prática de atos fraudulentos ou dissipação patrimonial com o fim de frustrar a execução da sentença final. Assim, muitas vezes resta manifesta a necessidade de se decretar a indisponibilidade dos bens para evitar que o agente ímprobo possa dilapidar seu patrimônio ou transferi-lo para terceiros. Assim, garante-se que o Estado possa, no final do processo, recuperar as verbas desviadas. O entendimento doutrinário brasileiro vem solidificando seu entendimento de que a indisponibilidade de bens baseia-se no poder geral de cautela do juiz, visando resguardar o ressarcimento aos cofres públicos, e não a indisponibilidade de um determinado bem. Contudo, vale destacar que a indisponibilidade dos bens não deve ser somente determinada sobre o prisma de uma possível dilapidação patrimonial, dos bens que a posteriori seriam utilizados como meio de ressarcimento pelos danos causados ao erário público. Com efeito, resta claro que a indisponibilidade de bens nada mais é, do que medida de segurança do resultado útil do processo (artigos 7º, 9º, 12, inciso I e 18, da Lei nº 8.429/92), evitando a redução à insolvência e, em última análise, a impunidade. A perda de bens opera um provimento jurisdicional condenatório. Todavia, não se pode olvidar que resta patente a necessidade de limitação do raio de incidência da indisponibilidade de bens, uma vez que o gravame deve atingir justamente os valores ilicitamente acrescidos ao patrimônio do agente, sendo proporcional ao dano praticado, devendo limitar-se aos bens suficientes para garantir o débito. Sobre o tema, os tribunais superiores brasileiros vêm firmando o entendimento de que a indisponibilidade de bens configura medida acautelatória, devendo restringir-se ao valor do dano causado ou ao acréscimo patrimonial decorrente da atividade ilícita. 4.3. Sequestro Por fim, evidencia-se que o legislador no artigo 16 da lei nº 8.429/92 garantiu um direito, mediante a imobilização custodiada de bem do agente ímprobo: “Art. 16. Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão representará ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente a decretação do sequestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público. §1º. O pedido de sequestro será processado de acordo com o disposto nos arts. 822 e 825 do Código de Processo Civil. § 2° Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras mantidas pelo indiciado no exterior, nos termos da lei e dos tratados internacionais.” Vale ressaltar, nas palavras de Emerson Garcia que o sequestro “deve recair sobre coisa certa, determinada, não podendo alcançar, genérica e indiscriminadamente, de todo o patrimônio do agente”.[6] Deve-se observar que no que tange o sequestro dos bens do agente, a constrição patrimonial deve se limitar aos bens adquiridos durante o exercício da função pública, mais precisamente àqueles adquiridos a partir e em razão do ato de improbidade administrativa. 5. LIMITES CONSTITUCIONAIS 5.1. Princípios da proporcionalidade e da razoabilidade Referidos princípios, em sua essência, emanam ideias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins; precede e condiciona a positivação jurídica, inclusive de âmbito constitucional; e, ainda, enquanto princípio geral do direito, serve de regra de interpretação para todo o ordenamento jurídico. De acordo com o professor Pedro Lenza[7], como parâmetro, pode-se destacar a necessidade de preenchimento de 03 importantes elementos: a) necessidade: por alguns denominada exigibilidade, a adoção da medida que possa restringir direitos só se legitima se indispensável para o caso concreto e não se puder substituí-la por outra menos gravosa; b) adequação: também chamado de pertinência ou idoneidade, quer significar que o meio escolhido deve atingir o objetivo perquirido; c) proporcionalidade em sentido estrito: sendo a medida necessária e adequada, deve -se investigar se o ato praticado, em termos de realização do objetivo pretendido, supera a restrição a outros valores constitucionalizados. Podemos falar em máxima efetividade e mínima restrição. Sob este prisma, o princípio da proporcionalidade funciona como limitação à discricionariedade administrativa (BARROSO, 2009). Tendo em vista os excessos produzidos nos atos administrativos, o mesmo princípio precisa ser reafirmado pelas decisões judiciais, de modo a consolidar o valor nele impresso. Quanto ao tema, Fredie Didier Junior preceitua que este princípio nos ensina a medida a ser adotada, ao “estabelecer um iter procedimental lógico seguro na tomada de uma decisão, de modo a que se alcance a justiça do caso concreto”.[8] No mesmo sentido são os escólios de Wilson Antônio Steinmetz, salientando ser o instrumento necessário ao operador de direito, que ajuda a balancear o meio ao fim pretendido pela lei, in verbis: “O princípio ordena que a relação entre o fim que se pretende alcançar e o meio utilizado deve ser proporcional, racional, não excessiva, não arbitrária. Isso significa que entre meio e fim deve haver uma relação adequada, necessária e racional ou proporcional.[9]” Igualmente ao princípio da proporcionalidade, a razoabilidade serve como instrumento de valoração do fato concreto em relação ao direito a ser aplicado. Sob o prisma deste princípio, interpreta-se um fato jurídico com base em aspectos qualitativos, adotando por base critérios sociais, culturais, políticos e econômicos, sem se afastar dos parâmetros legais. O julgador atinge os fins pretendidos pela norma jurídica, utilizando-se dos meios adequados, agindo com razoabilidade, pautado no bom senso e na prudência em seus atos, de modo que sejam moderados, aceitáveis e desprovidos de excessos. Todavia, urge salientar que na aplicação das normas constitucionais ao fato concreto, observa-se que os valores contidos na Constituição podem conflitar-se entre si, caso sejam considerados individualmente. É o que ocorre no caso das medidas cautelares. Se o operador do direito aplicar a norma sem antes interpretá-la de acordo com os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, a medida acauteladora perderá seu caráter garantidor e passará a ter um caráter ilegal e constrangedor. Conforme dito alhures, estes princípios emanam ideias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins, etc. Neste diapasão, a adoção de medidas cautelares, seja ela de afastamento do agente público, indisponibilidade ou sequestro de bens, deve ser levada a efeito com a estrita observância aos limites constitucionalmente impostos, a fim de resguardar o devido processo legal e rechaçar os excessos por parte do operador do direito. Em que pese o legislador ordinário ao conferir à autoridade judiciária ou administrativa a faculdade de proceder ao afastamento do agente público de suas funções com o primordial escopo de se garantir a harmônica instrução processual não ter limitado expressamente o período de afastamento, tal limitação não tem o condão de conceder poderes ilimitados ou não impor limites a Administração Pública. À luz do mencionado, resta manifesto que a medida cautelar possui natureza nitidamente transitória, que não deve permanecer até o trânsito em julgado do processo, sob pena de incorrer em ofensa a garantias constitucionais, bem como na inobservância aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. De igual forma, tornar indisponíveis todos os bens do réu, ainda que seu valor total ultrapasse em muito o valor do suposto dano ao erário causado pelo agente, ofende frontalmente referidos princípios constitucionais. Assim, é cediço que a ordem constitucional vigente, consagrou os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, estando estes insertos implicitamente na redação do texto da Constituição Federal. Considerada a força normativa da Carta Constitucional, os princípios nela referenciados provocam reflexo em todo ordenamento jurídico, orientando os operadores do direito para a sua efetivação concreta, evitando-se, via reflexa, abusos e excessos em detrimento das garantias constitucionais. CONCLUSÃO A Lei nº 8.429/92 prevê a aplicação de diversas sanções ao responsável pela prática de um ato de improbidade administrativa: ressarcimento do dano causado ao erário, suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, multa civil, proibição de contratar com o poder público e outras. Entretanto, diante dos preceitos constitucionais, o julgador, na ocasião de concessão de medidas cautelares deverá levar em conta a extensão do dano causado ao patrimônio público e o proveito patrimonial obtido pelo agente aliados aos critérios da proporcionalidade e da razoabilidade, em razão da extrema gravidade das medidas preventivas. A observância dos referidos primados constitucionais, que produzem verdadeiros limites à atuação desmedida do aplicador da norma jurídica, tem o escopo único e exclusivo de se evitar vista do caso concreto, medidas que se mostrem desarrazoadas ou por demais gravosas. Com efeito, referidos princípios constitucionais cingem-se a ferramentas de natureza pública, necessárias a realização da justiça, estando implicitamente insertos no texto constitucional, bem como expressamente em várias legislações infraconstitucionais. Assim, diante da sistemática atual concernente a concessão de medidas cautelares por cometimento de atos de improbidade administrativa, sabe-se que o julgador se encontra diante de limites constitucionais, devendo este eleger a solução necessária, mais coerente, mais adequada, mais prudente, mais apropriada para o caso concreto visando buscar a justiça da decisão, bem como com o intuito de aplicar a lei atendendo aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
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A responsabilidade do município de promover as obras de infraestrutura de loteamento irregular sob a perspectiva do Superior Tribunal de Justiça
O presente trabalho realiza a análise do art. 40 da lei federal n.º 6.766, publicada em 19 de dezembro de 1979, que traz as normas gerais acerca do Parcelamento do Solo Urbano. O dispositivo legal em questão versa sobre possibilidade de regularização de loteamento por parte dos municípios, especificamente no que diz respeito à realização de obras de infraestrutura, quando estas não tiverem sido feitas pelo loteador. Tal tema possui relevantes contornos que serão esmiuçados ao longo deste estudo, gerando posicionamentos divergentes nos Tribunais acerca de como se dá a responsabilidade dos municípios. Dentro desse contexto, foram utilizados os textos legais atinentes ao tema, citações doutrinárias, bem como os julgados mais recentes dos Tribunais Superiores acerca da matéria.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO A lei federal n.º 6.766, publicada em 19 de dezembro de 1979 e vigente até os dias atuais, disciplina o parcelamento do solo para fins urbanos no território nacional, trazendo em seu texto uma série de normas de natureza civil, administrativa, urbanística, penal, entre outras. O presente artigo pretende trazer à baila o art. 40 da referida lei, que trata da possibilidade de regularização de loteamento por parte dos municípios, especificamente no que diz respeito à realização de obras de infraestrutura, quando estas não tiverem sido feitas pelo loteador. Trata-se de uma situação recorrente, em que o loteador obtém a aprovação do projeto de loteamento pelos órgãos competentes do município, efetua o registro do loteamento no Cartório de Registro de Imóveis, mas não executa as obras de infraestrutura necessárias que constavam do projeto aprovado. Nesses casos, estaria o município obrigado a realizar as obras de infraestrutura não executadas pelo loteador, ou consiste numa faculdade do ente público? Trata-se de atuação vinculada ou discricionária? Para responder tais indagações, far-se-á primeiramente a análise do dispositivo legal que versa sobre o tema, abordando como a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem enfrentando a questão ao longo do tempo. 1 A LEI N.º 6.766/79 E OS LOTEAMENTOS IRREGULARES Para a análise jurídica da matéria em discussão no trabalho, convém esposar, primeiramente, o que dispõe o art. 40 da Lei Federal nº. 6.766/79, que traz as normas gerais acerca do Parcelamento do Solo Urbano: “Art. 40. A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, se desatendida pelo loteador a notificação, poderá regularizar loteamento ou desmembramento não autorizado ou executado sem observância das determinações do ato administrativo de licença, para evitar lesão aos seus padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos dos adquirentes de lotes. § 1º A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, que promover a regularização, na forma deste artigo, obterá judicialmente o levantamento das prestações depositadas, com os respectivos acréscimos de correção monetária e juros, nos termos do § 1º do art. 38 desta Lei, a título de ressarcimento das importâncias despendidas com equipamentos urbanos ou expropriações necessárias para regularizar o loteamento ou desmembramento. § 2º As importâncias despendidas pela Prefeitura Municipal, ou pelo Distrito Federal quando for o caso, para regularizar o loteamento ou desmembramento, caso não sejam integralmente ressarcidas conforme o disposto no parágrafo anterior, serão exigidas na parte faltante do loteador, aplicando-se o disposto no art. 47 desta Lei. § 3º No caso de o loteador não cumprir o estabelecido no parágrafo anterior, a Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, poderá receber as prestações dos adquirentes, até o valor devido. § 4º A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, para assegurar a regularização do loteamento ou desmembramento, bem como o ressarcimento integral de importâncias despendidas, ou a despender, poderá promover judicialmente os procedimentos cautelares necessários aos fins colimados. § 5o A regularização de um parcelamento pela Prefeitura Municipal, ou Distrito Federal, quando for o caso, não poderá contrariar o disposto nos arts. 3o e 4o desta Lei, ressalvado o disposto no § 1o desse último”. (Incluído pela Lei nº 9.785, de 1999) Com efeito, o parcelamento do solo para fins urbanos é uma instituição jurídica, especificamente de direito urbanístico, servindo a legislação federal supracitada como norma orientadora do comportamento da administração local. Por sua vez, para se ter um adequado ordenamento territorial, necessário que haja um planejamento urbano por parte do Poder Público municipal, conforme as diretrizes gerais fixadas na legislação federal acima citada. Tal planejamento tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, conforme preceitua a Constituição Federal em seu art. 182, que também estabelece que “o plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana”. Após a breve digressão acima, importante se faz conceituar o que se chama de “loteamento irregular”, tendo em vista que o caput do art. 40 da Lei Federal nº. 6.766/79 trata da possibilidade de o município “regularizar loteamento”. De acordo com o catedrático doutrinador José Afonso da Silva (2010, p. 339), os loteamentos irregulares constituem outro mal do sistema de parcelamento do solo, especialmente nas grandes cidades. Os loteadores, nesse caso, providenciam junto à Prefeitura a aprovação do seu loteamento e, depois de consegui-la, abandonam o caminho da legalidade e enveredam pela ilegalidade, provocando dificuldades aos compradores de lotes, sob vários aspectos, inclusive quanto à obtenção de licença para edificá-los. Uma das irregularidades costumeiras é a inexecução das obras de infraestrutura necessárias que constavam do projeto aprovado, conforme mencionado alhures. A infraestrutura básica, nos termos do art. 2º, §5º, da referida lei, é constituída pelos equipamentos urbanos de escoamento das águas pluviais, iluminação pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, energia elétrica pública e domiciliar e vias de circulação. Exsurge, neste ponto, o questionamento nevrálgico do presente estudo, qual seja, se a realização das obras de infraestrutura constitui um dever ou uma faculdade do Poder Público Municipal. A resposta será dada sob o enfoque jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, que transitou por caminhos diferentes ao longo do tempo, conforme será visto a seguir. 2 O POSICIONAMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA O entendimento que há tempos se firmou a respeito da interpretação do dispositivo acima transcrito era no sentido de que, na hipótese de o loteador não cumprir com sua obrigação de implantar os serviços públicos necessários ao loteamento, o Município deveria assumir tal ônus, urbanizando o local e integrando-o à cidade. Em vários julgados, o Superior Tribunal de Justiça assentou que “o Município tem o poder-dever de agir para fiscalizar e regularizar loteamento irregular, pois é o responsável pelo parcelamento, uso e ocupação do solo urbano, atividade essa que é vinculada, e não discricionária” (vide Resp 1170929/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJ 27/05/2010). Dessa forma, de acordo com o julgado acima mencionado, a competência do município para regularizar os loteamentos seria vinculada, podendo o Judiciário compeli-lo a realizar as obras de infraestrutura caso haja omissão nesse sentido. Ocorre que, em julgado posterior, o Colendo Superior Tribunal de Justiça modificou o posicionamento anteriormente adotado, passando a entender que o art. 40 da Lei n. 6.766/1979 confere ao município a faculdade de promover a realização de obras de infraestrutura em loteamento, sob seu o critério de oportunidade e conveniência. Eis a ementa do referido julgado, publicado em 16/03/2012: “RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO. LOTEAMENTO. OBRAS DE INFRA-ESTRUTURA. EXEGESE DO ART. 40 DA LEI N. 6.766/79. – O art. 40 da Lei n. 6.766/1979 confere ao município a faculdade de promover a realização de obras de infra-estrutura em loteamento, sob seu o critério de oportunidade e conveniência. Recurso especial não conhecido”. (REsp 859.905/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Rel. p/ Acórdão Ministro CESAR ASFOR ROCHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/09/2011, DJe 16/03/2012) No voto vencedor, o eminente Ministro Cesar Asfor Rocha asseverou que “a norma transcrita concede ao município o direito, não a obrigação, de realização de obras de infraestrutura em loteamento. O verbo utilizado pelo legislador, revela uma faculdade da municipalidade. Quer dizer que esta empreenderá nos loteamentos quando considerar, por razões superiores, de interesse social, que tem condições de fazê-lo. Não cabe outra interpretação ao preceito legal, não só diante da clareza do texto como dos princípios informadores da administração pública, não se mostrando razoável impor ao município a realização de obras que eventualmente não sejam do interesse da coletividade ou obrigá-lo a assumir encargos que não tenha condições de cumprir”.  Tal posicionamento tem sido mantido até os dias atuais, como se pode inferir do recente aresto: “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL.  PRINCÍPIOS DA ECONOMIA PROCESSUAL E DA FUNGIBILIDADE.  RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO. LOTEAMENTO. OBRAS DE INFRAESTRUTURA. EXEGESE DO ART. 40 DA LEI N. 6.766/79. DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA. 1. Os embargos de declaração podem ser recebidos como agravo regimental em obediência aos princípios da economia processual e da fungibilidade. 2. Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, "o Município tem o poder-dever de agir para fiscalizar e regularizar loteamento irregular, pois é o responsável pelo parcelamento, uso e ocupação do solo urbano, atividade essa que é vinculada" (AgRg no AREsp 446.051/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 27/03/2014, DJe 22/04/2014.). 3. Todavia, "o art. 40 da Lei n. 6.766/1979 concede ao município o direito e não a obrigação de realização de obras de infraestruturas em loteamento, o que revela uma faculdade do ente federativo, sob o critério de conveniência e oportunidade" (REsp 859.905/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Rel. p/ Acórdão Ministro Cesar Asfor Rocha, Segunda Turma, julgado em 1º/09/2011, DJe 16/03/2012.).” Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, mas improvido. (EDcl no REsp 1459774/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/11/2015, DJe 16/11/2015) É importante frisar que não se trata de afastar a atividade de fiscalização por parte do município, que é impositiva, mas de reconhecer que não está o ente compelido a promover a realização de obras de infraestruturas em loteamento, pois sua atuação será pautada a critério de conveniência e oportunidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante da clareza do entendimento jurisprudencial atual e da legislação aplicável, conclui-se que é obrigação do loteador, e não do Município, realizar e executar as obras de infraestrutura mínima do loteamento, constantes dos projetos aprovados pelos órgãos competentes. Caso o loteador não cumpra com sua obrigação de realizar e executar as obras de infraestrutura, o Município terá a faculdade, isto é, o Administrador Municipal terá poder discricionário para optar pela realização das obras, sem prejuízo de seu permanente dever de fiscalizar os loteamentos em seu território. É de se destacar que, caso o Administrador Municipal, após avaliação discricionária, opte por realizar as referidas obras de infraestrutura não executadas pelo loteador, deverá fazê-lo com fulcro nos parágrafos do art. 40, da Lei Federal 6.766/79, que conferem ao Município a possibilidade de levantar da garantia prestada pelo loteador para a execução das obras, buscar o restante junto ao loteador ou, ainda, receber os valores diretamente dos promitentes compradores, a título de ressarcimento das importâncias despendidas com equipamentos urbanos ou expropriações necessárias para regularizar o loteamento. Caso o poder público municipal, após avaliação discricionária, decida por regularizar o loteamento, sua atuação deve ser restrita às obras essenciais a serem implantadas, em conformidade com a legislação urbanística local (art. 40, § 5º, da Lei 6.799/1979), visando a atender os moradores eventualmente já instalados.
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Agências reguladoras e o seu papel no Brasil
A desestatização provocou no Brasil o crescimento do setor privado e a extinção do monopólio estatal na prestação de serviços públicos. A descentralização de serviços próprios de Estado a outras pessoas jurídicas de direito público e a concessão e permissão de serviços públicos para instituições privadas deram origem às agências reguladoras com intuito de regular, fiscalizar e normatizar as entidades privadas prestadoras de serviços públicos.*
Direito Administrativo
Introdução O objetivo textual do presente artigo é definir o conceito de Agências Reguladoras. Observar a sua natureza jurídica e a sua origem. Bem como apresentar a sua função no âmbito nacional, através da discriminação de suas atividades para uma melhor compreensão de suas finalidades. As agências reguladoras são autarquias e têm um papel bastante importante no desenvolvimento do país. Para Celso Antônio Bandeira de Melo, as agências são: "autarquias sob regime especial, ultimamente criadas com a finalidade de disciplinar e controlar certas atividades" Para que os cidadãos na condição de consumidor possam exercer os seus direitos diante dos serviços e produtos fornecidos por instituições privadas, é de suma necessidade a fiscalização de tais atividades por parte do Estado, um terceiro que busca o bem da sociedade evitando então, abusos. O presente trabalho visa contribuir de alguma maneira ao conhecimento do eleitor, para que assim possa melhor compreender o que ocorre por trás de cada serviço público prestado a um cidadão. A intenção é explicar o porquê que um bem que poderia ser oferecido pelo Estado é fornecido por um particular e qual a responsabilidade que o Estado tem diante dessa transferência de atividades. O eleitor vai entender que as agências reguladoras existem para beneficiar os usuários mediante a fiscalização, regulação e normatização dos serviços públicos. A inexistência de abusos é uma das exigências dos usuários e é justamente um dos fatores zelados pelas agências reguladoras. Serão apresentados inicialmente os entes da Administração Pública Direta e Indireta, tendo como foco o conceito de Autarquia Pública para melhor compreensão da natureza jurídica das agências reguladoras. A definição das Agências Reguladoras será discutida no momento oportuno para que, em seguida, as suas eventuais atividades expostas sejam minuciosamente analisadas. Por fim, será posto em destaque a importância das agências reguladoras, visando apresentar os seus benefícios gerados pelas atividades como forma de garantir desenvolvimento e qualidade nos serviços públicos. 1. Administração Indireta Os entes da Administração Pública se dividem entre os entes da Administração Pública Indireta que prestam serviços diretamente pelos entes federativos, sejam eles União, Estados, Distrito Federal ou Municípios. E entes da Administração Pública Indireta, que prestam serviços públicos mediante descentralização por parte do Estado a outras pessoas jurídicas, divididas entre Autarquias, Fundações Públicas, Empresas Públicas e Sociedade de Economia Mista. O fenômeno da descentralização ocorre por conta de haver necessidade de especialização de atividades prestadas pelo Estado, que serão oferecidas à sociedade como forma de serviço público. Na opinião de Matheus Carvalho: “Isso é feito porque a transferência a pessoa especializada na prestação de determinado serviço garante uma maior eficiência no desempenho da atividade administrativa, sempre na busca do melhor ao interesse da coletividade.” (Carvalho, 2016, p.159) Embora as entidades da Administração Descentralizada gozem de características diferentes e regime específico, tais entidades compartilham de algumas características comuns a todas. São elas: personalidade jurídica, patrimônio próprio, capacidade de autoadministração, lei específica para a sua criação e sua finalidade pública. Autarquia Diferente das Fundações Públicas, Empresas Públicas e Sociedade de Economia Mista, que são criadas por autorização de lei específica, as Autarquias Públicas são criadas por lei, conforme dispõe o artigo 37, XIX da Constituição Federal. Vejamos: “Somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação” Para que a Autarquia exista juridicamente, basta que a lei que a criou seja publicada. A lei de sua criação já deixa definida a sua finalidade, que deverá ser pública e não lucrativa, sujeitando-se ao controle do ente da Administração Pública Direta que a criou. Vale salientar que o controle abordado não se trata de subordinação, mas apenas controle finalístico, servindo-se de tutela administrativa. Conforme dispõe o artigo 5.º, I do decreto-lei 200/67, a Autarquia é um serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, que executa atividades típicas da Administração Pública que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada. As Autarquias podem ser de controle ou de regime especial. São de controle os conselhos de classes, que se tratam de particulares que prestam serviços públicos por delegação e tem como atividade principal o poder de polícia, além de gozar do benefício da parafiscalidade. As Autarquias em regime especial têm regime legal diferenciado e gozam de uma maior liberdade perante os entes da administração direta em relação às autarquias comuns. Se dividem entre as Autarquias Culturais – Universidades Públicas, Agências Reguladoras e Agências Executivas. As Agências Reguladoras possuem autonomia financeira, devido a garantia de receitas vinculadas. Gozam de poder normativo, por poderem regulamentar e normatizar diversas atividades de interesse coletivo que obrigam os prestadores de serviços, buscando assim o interesse público. 3 – Origem das Agências Reguladoras A Partir da década de 30, passaram a surgir no Brasil determinados meios de controle conhecidos como agências estatais. Surgiam conselhos, institutos, departamentos e órgãos ligados ao Executivo. Tais agências tinham a finalidade de regulação de serviços públicos e atividades econômicas até então de valores altos, como petróleo, gás, álcool, etc. A desestatização, com a transferência de serviços de responsabilidade estatal e o reconhecimento pela então atual Constituição Federal do Estado como agente normativo das atividades econômicas, foi que a tendência reguladora passou a existir no Brasil. Exemplos de entidades reguladoras, não tratadas como agências, eram o Instituto de Defesa Permanente do Café – IBC e o Instituto do Açúcar e do Álcool – IAA. As agências reguladoras passaram a surgir no ordenamento brasileiro com o fim total e parcial do monopólio estatal. Os serviços públicos e outras atividades de competência do Estado foram, assim, transferidos ao setor privado, por meio de concessões, permissões ou autorizações, que deram origem às Agências Reguladoras. A doutrina moderna aponta duas tarefas, entre outras, da Administração Pública, a prestação de serviço público e a regulação de atividades de interesse público, com fomento de atividades privadas. A atividade exercida por particulares que estimulam o desenvolvimento da ordem social e econômico que geram o crescimento do País traz como consequência a função regulatória. As Agências Reguladoras possuem autonomia financeira devido a garantia de receitas vinculadas. Gozam de poder normativo, por regulamentar e normatizar diversas atividades de interesse coletivo que obrigam os prestadores de serviços, buscando assim o interesse público. Tais funções regulatórias admitem poderes especiais para impor disciplina a condutas individuais e coletivas. 4 – Funções das Agências Reguladoras Com o Programa Nacional de Desestatização consequentemente houve a criação das agências reguladoras. A sua criação tinha como finalidade fiscalizar, regular e normatizar a prestação de serviços públicos por particulares. Tais atuações visavam evitar o interesse sem medidas pelo lucro excessivo por meio do serviço público. Vale salientar que há casos, desde que expressos em lei, de agências reguladoras assumirem o papel de poder concedente em contratos de concessão de serviços públicos, como no caso da ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica. As agências reguladoras regulam e normatizam atividades de interesse público. Essas funções alocam o controle de prestação de serviços públicos e a exploração de atividades econômicas de interesse coletivo. Ademais, o poder normativo concedido a estas entidades para executar a função de controle e regulação não permite que sejam extrapolados os limites da Lei. É dever atentar-se às orientações de natureza técnica, sujeitando-se à subordinação e obediência à Lei, através de resoluções. As agências que regulam a prestação de serviços públicos funcionam na fiscalização de serviços públicos propriamente ditos. São elas a ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, ANTT – Agência Nacional de Transporte Terrestre e outras. As agências que fiscalizam atividades de fomento funcionam na execução de atividades privadas que dependem de fiscalização do Estado, por serem de interesse da coletividade. Como exemplo, a ANCINE – Agência Nacional de Cinema. As agências que controlam a exploração de atividades econômicas funcionam na normatização da exploração de atividades econômicas de interesse coletivo. Tem como exemplo a ANP- Agência Nacional do Petróleo. As agências que regulamentam serviços de utilidade pública, trabalham no controle de serviços públicos não exclusivos do Estado. São elas a ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar e também a ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Entre as principais funções de uma agência reguladora estão o levantamento de dados sobre o mercado de atuação e a elaboração de normas disciplinadoras para o setor regulado. A fiscalização dessas normas, a defesa dos direitos dos consumidores e a gestão de contratos de concessão de serviços públicos delegados e incentivo à concorrência são o foco das agências, além de minimizar os efeitos dos monopólios naturais e desenvolver os mecanismos de suporte à concorrência. Por mais que a preocupação das agências sejam os usuários dos serviços públicos, as agências reguladoras não solucionam um caso individual.  Outrossim, as denúncias recebidas nas agências são essenciais para tornar o problema visível e, então, melhorar a qualidade dos serviços. Feitas as reclamações, processos administrativos são instaurados e se, ao final, detectar irregularidades, a empresa poderá ser multada ou sofrer sanções administrativas, como a suspensão temporária do fornecimento do serviço. Conclusão O Brasil, por dispor de um sistema capitalista que admite intervenções estatais, nada mais justo que ele próprio regularize as instituições privadas que prestam serviços públicos ao País. A consequência da desestatização foi o crescimento econômico e a possibilidade de que o País não sofra com serviços precários. A solução foi a criação das agências reguladoras. As agências reguladoras surgem para regularizar, fiscalizar e normatizar o setor privado que oferece serviços públicos que poderiam ser prestados pelo Estado, mas que, por força de concessão e permissão, o particular poderá executar. As agências reguladoras existem no intuito de que os usuários dos serviços possam obter garantias e qualidades no que recebem. Com as agências reguladoras, evita-se a busca desenfreada pelo lucro. Devido as políticas éticas exigidas, o serviço não pode chegar aos usuários de forma e com preços abusivos. A livre concorrência no mercado é uma das garantias constitucionais, e a função do Estado é intervir em setores privados, seja junto, conjunto ou isoladamente, para impor normas de condutas que os obriguem a atingir o bem-estar da comunidade e repreender qualquer abuso ao poder econômico. O objetivo da regulação econômica é facilitar, limitar ou intensificar os mercados com as devidas correções e, então, lidar com preço, confiabilidade do serviço, entrada e saída do mercado, além de intervir na infraestrutura. Ademais, conclui-se que o papel do Governo é formular as políticas públicas setoriais, enquanto que o das agências é de garantir tais formulações, regulando e fiscalizando o mercado.
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Da inexigibilidade de laudêmio e taxa de foro para imóveis situados em Barueri-SP e da consolidação do domínio
O artigo discute sob os pontos de vista histórico e jurídico a questão da exigibilidade de taxas de foro e laudêmio pela União em bens que seriam supostamente de sua propriedade. Discute-se, desta maneira, a existência jurídica do regime enfitêutico numa argumentação que busca o horizonte histórico do instituto, no exemplo paradigmático da região de Barueri-SP, para ao final concluir pela inexigibilidade daquelas taxas e sobre a possibilidade de consolidação do domínio.
Direito Administrativo
I – INTRODUÇÃO Surge questionamento sobre se o Laudêmio, cujo dever de recolhimento brota dos casos de transmissão onerosa de domínio útil de terreno da União, e se a Taxa de Foro, cujo dever exsurge anualmente em função do uso e posse do mesmo domínio, ambos na ambiência da enfiteuse administrativa, são devidos, notadamente na região de Barueri-SP, à luz dos fatos históricos e da legislação aplicável. Observando-se a questão mais de perto, no entanto, foram percebidas outras nuances muito mais densas e complexas do que puramente a inexigibilidade da taxa de foro e do laudêmio, porquanto impõe-se investigar prejudicialmente as razões de fundo para que ambas sejam afastadas dos seus respectivos âmbitos de incidência. Tal vem a ocorrer porque é preciso, antes de tudo, desconstituir a enfiteuse administrativa que porventura recaia sobre o exercício do então domínio útil, a qual por sua vez, depende, para sua existência no mundo jurídico, de que se trate efetivamente de bem público, tal qual insculpido na Constituição da República de 1988, precisamente no artigo 20. Em complemento diz-se enfiteuse que porventura recaia porque em se tratando de negócio jurídico solene, a ser lavrado em livro próprio da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), deve o mesmo ser exibido e demonstrado ao enfiteuta ou foreiro. A inexistência factual deste requisito, que vem determinado no artigo 109 da Lei. N.º 9.760/46[1], muito embora haja registro na matrícula do imóvel, tornará esta nula de pleno direito – circunstância que, se observada mediante pesquisa e avaliação de cada matrícula interessada, poderá fazer com que a etapa desconstitutiva/declaratória seja de pronto ultrapassada a fim de se chegar velozmente àquela da consolidação da propriedade. II – DA INEXISTÊNCIA DE DOMÍNIO DA UNIÃO FEDERAL NA REGIÃO DE BARUERI-SP II.1 – ASPECTOS HISTÓRICOS Primeiro questionamento que vem à perquirição e – diríamos – talvez o mais determinante para a solubilidade do problema é saber se a União Federal possui domínio, isto é, possui a nua-propriedade das terras da região de Barueri-SP, sobremodo porque nelas fez incidir regime enfitêutico, com as cobranças derivadas de taxa de foro e laudêmio. A disputa pelo tema é longa e vem sendo debatida com ênfase na literatura histórica que se dedica a inventariar o que de fato ocorreu com essa faixa de terra desde quando era um aldeamento indígena até sua extinção, apossamento e aforamento, ambos ilegais, com o suposto início do domínio da União. O centro referencial de pesquisa para fins de elucidação no presente caso é a dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, intitulada “Assenhorear-se de térreas indígenas: Barueri – Sécs. XVI-XIX”, pela Prof.ª Katiane Soares Verazani, o qual, juntamente com obras de outros historiadores, permite chegar a conclusões no mínimo interessantes. Do ponto de vista, então, da verdade dos fatos, diz-se que: “Havia grande número de índios congregados em Barueri, os quais, por intermédio dos jesuítas, solicitaram terras para se assentarem com segurança. E, em 1656, receberam a concessão de uma sesmaria de três léguas em quadra. Tal concessão despertava a cobiça em seus vizinhos, tornando-se, assim, ponto de atrito na contenda pela disponibilidade de acesso às posses do aldeamento”.[2] No século XVII, em continuidade, a pesquisa aponta a realização de uma devassa no aldeamento de Barueri, “por assim convir ao serviço de Sua Majestade”[3] Segundo a mesma, o assalto ao aldeamento de Barueri foi chefiado por Antônio Raposo Tavares acompanhado de outros. Como o aldeamento era ainda chefiado pelos jesuítas, “os assaltantes invadiram o aldeamento […], expulsaram os padres e ainda levaram os índios consigo”[4]. Após o evento os jesuítas denunciaram os assaltantes que, apesar de julgados e condenados, zombaram e rasgaram o processo. O mesmo incidente é narrado por John M. Monteiro[5], fixando, inclusive, outra sorte de fatores que poderiam ter contribuído para o ataque mencionado, notadamente o embate que existia entre os colonos e os padres, porquanto estes haviam acumulado certo patrimônio em virtude da zona de produção de trigo na qual, por volta de 1650, os jesuítas haviam se estabelecido como principais produtores. O acesso destes à mão-de-obra indígena também foi objeto de cobiça pelos colonos que, como se sabe, queriam tão-somente escravizá-la. Os colonos acreditavam que os jesuítas abusavam do controle exercido sobre os aldeamentos e diante deste cenário apelaram para a Câmara Municipal da vila de São Paulo, exigindo, com insistência, a remoção dos jesuítas do aldeamento, lançando contra os padres os mais diversos tipos de acusações. Ademais, estabeleceram um ultimato: se a Câmara não retirasse os jesuítas de Barueri, eles os expulsariam à força – e foi justamente o que ocorreu em 1633[6]. Ato contínuo, em meio a grande disputa sobremodo pelas terras, não se sabendo a quem de fato pertenciam, a Câmara da vila de São Paulo determinou que seus oficiais deveriam tomar posse do aldeamento de Barueri, em 24 de setembro de 1633. Os oficiais chegaram à cidade, “fecharam a igreja e proibiram a pregação dos padres em suas imediações.”[7] Posteriormente, “os padres tentaram recorrer ao Governo Geral e ao Rei enviando um relatório que descrevia os métodos violentos adotados em relação à igreja e aos índios da comunidade. A posição do Governo Geral foi favorável aos padres e reprovou severamente os procedimentos da Câmara paulista.”[8] A devassa que se instaurou em decorrência dos acontecimentos no aldeamento de Barueri trouxe à baila diversas questões que contribuíram para a expulsão dos jesuítas da capitania. A contenda fornece indícios da relevância desse aldeamento em decisões tomadas dentro da capitania, provavelmente, por reunir o maior contingente populacional indígena da região. A expulsão dos jesuítas também teve relação com a influência exercida pelos colonos junto à Câmara da vila de São Paulo.[9] Documentação arquivada na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo apresenta outra devassa, no ano de 1829, a respeito de outro ataque promovido contra o aldeamento de Barueri no mesmo ano. Essa contenda parece haver marcado a extinção definitiva da comunidade através do apossamento de suas terras por lavradores vizinhos. Logo, chegou ao conhecimento do Conselho Geral da Província de São Paulo, requerimento descrevendo a invasão ocorrida no aldeamento de Barueri, perpetrada pelo capitão Francisco de Castro do Canto e Mello e pelos alferes José Inácio Leite Penteado, Joaquim Teodoro Leite Penteado e Bernardo José Leite Penteado, em 12 de agosto do mesmo ano. Em conjunto com seus escravos, o grupo chegou ao núcleo, invadiu suas terras, utilizando espadas e armas de fogo contra os índios, e ateou fogo às plantações locais. Não satisfeitos com o praticado, no dia seguinte, o mesmo grupo voltou ao local, ateou fogo às casas dos índios e colocou cercas ao redor das terras para que seus moradores não mais voltassem. O documento, relatando o ocorrido, foi enviado ao Presidente da Câmara pelos índios, para que fosse tomada providência a esse respeito e para que eles pudessem retornar às suas terras o mais breve possível, pois encontravam-se vagando incertos e sem abrigo[10]. Dois anos depois, em 28 de maio de 1831, a pedido da Câmara, foi elaborada uma certidão de testemunhas da ação contra os índios do extinto aldeamento de Barueri, com a assinatura de diversos moradores da Villa de Parnaíba[11], comprovando as arbitrariedades cometidas pelo capitão Francisco de Castro do Canto e Mello e seus cunhados, integrantes da família Penteado[12]–[13]. De acordo com a documentação histórica, os invasores do aldeamento de Barueri não se manifestaram acerca das possíveis razões para a violenta invasão e apossamento. Porém, um fato histórico não pode ser desprezado, de sorte que em 1822 uma resolução extinguiu a concessão de sesmarias, de modo que, a partir daí, a posse pura e simples das terras foi incentivada. Logo, o assalto aos índios pela família Penteado garantiu a posse de fato e de direito aos seus integrantes sobre essas terras. Segundo Katiane Soares Verazani[14], a primeira invasão parecer ter sido motivada pelos anseios dos colonos pela mão-de-obra indígena, sendo que o desejo pelas terras vinha somente em segundo lugar. Já na segunda invasão, em 1829, a possibilidade de aquisição de mão-de-obra não parece ser o elemento mais atrativo aos colonos, pois que os índios foram complemente abandonados a vaguear sem rumo, não sendo aproveitados, do ponto de vista exploratório, para nenhum fim. Isso porque o objetivo da segunda invasão era a posse da terra, o que, com efeito, aconteceu. Interessante questão começa a surgir em razão de se investigar qual a razão pela qual a família Penteado tinha tanto interesse no apossamento do aldeamento indígena de Barueri. Primeiro deve-se consignar que os Penteado receberam o aforamento de uma das terras da porção indígena no ano de 1739, em enfiteuse eclesiástica pelos jesuítas da Companhia de Jesus, relativamente a uma das terras pertencentes aos índios do aldeamento de Pinheiros, as quais compuseram o Sítio Tamboré, cuja transcrição merece citação: “Aforei a Francisco Rodrigues Penteado, como Superior da Aldeia de Pinheiros, o sítio Tamboré, com todos os seus cultivos, que é desde a barra de um córrego chamado Rio do Mico, e daí acompanhando o mesmo córrego até o Ribeirão Itaú até dar um Pinheiro Velho, e daí tomando por um Ribeiro acima até beirar os cultivados das capoeiras do Coronel Jeronymo Pedroso de Barros, e daí endireitando para um morro chamado Porto do Tamboré, pegando de foro por ano cinco patacas, e por assim ser verdade passei esta de minha letra e sinal. Aldeia de Pinheiros, 31 de maio de 1739. Frei Antônio de Santa Maria, Superior Missionário. Confirmo o aforamento da mesma forma que foi passado. – São Paulo, 3 de maio de 1739. Frei Antônio da Madre de Deus, dom Abade de São Paulo”.[15] Percebe-se que as delimitações referidas no documento acima indicam que essas terras teriam feito parte, originalmente, do território pertencente aos índios do aldeamento de Pinheiros. “Em contraponto a essa documentação, outra, localizada no GRPU-SP, destaca que as delimitações entre os aldeamentos de Pinheiros e Barueri eram imprecisas, pois teriam recebido em conjunto, em 1580, uma doação de sesmaria de seis léguas em quadra que nunca foi devidamente medida”[16]. E a pesquisadora Katiane prossegue: “Com base nesses dados, pode-se crer que as terras doadas a Francisco Rodrigues Penteado estavam, em parte, localizadas próximas ou mesmo dentro de terras pertencentes ao aldeamento de Barueri. Regina Santos também acredita nesta possibilidade, pois, conforme seus apontamentos, os quais tiveram por base o processo localizado na GRPU-SP, as delimitações entre as terras dos aldeamentos de Pinheiros e Barueri eram imprecisas, sendo, assim, difícil estabelecer os limites de cada um. Neste sentido, segundo Regina Santos, as terras adquiridas por Francisco Rodrigues Penteado estavam mais próximas do núcleo original do aldeamento de Barueri do que do de Pinheiros, apesar de a documentação referente ao aforamento indicar que essas terras faziam parte deste último”[17]­-[18]. Deste modo, em decorrência da contiguidade entre as terras do aldeamento de Barueri e aos pertencentes à família Penteado, provavelmente, a área tornou-se alvo do ataque de seus integrantes em 1829, como referido. A presença do indígena nas terras do aldeamento representava barreira a ser transposta e, para garantir a posse, era necessário provar que as terras não eram habitadas, sendo, portanto, devolutas e passíveis de aforamento. O ataque de 1829 e o registro Paroquial de 1856 bem demonstram isso, porque os Penteado precisavam assegurar que aquele não constituía terra indígena, do que haveria a sujeição lógica ao regime de aforamento e, consequentemente, a perpetuidade do regime enfitêutico para todas as gerações da família que continuariam a deter o domínio útil sobre tais terras. No entanto, é preciso considerar que as terras aforadas em nome de Francisco Rodrigues Penteado assim o foram no contexto de uma enfiteuse eclesiástica, isto é, instituída e regida segundo parâmetros da Igreja. A ilegalidade de tal ato, estabelecido no domínio jesuítico da Companhia de Jesus nas terras indígenas de Pinheiros e Barueri, aí incluído, por obviedade, o pranteado Sítio Tamboré, é patente, de sorte que ia de encontro à proteção dispensada aos povos indígenas e, é claro, aos aldeamentos que lhe pertenciam. A ajuda jesuíta no fortalecimento destes aldeamentos não os autorizaria a aforar o que não lhes pertencia, muito embora a prática tenha sido constante. Assim, ao longo de todo o período colonial houve providências régias no sentido de coibir os abusos cometidos em relação às terras indígenas, o que ocorria na forma da edição de atos, decretos, regimentos e outros. A legislação indigenista portuguesa reconhecia o direito originário dos índios às suas terras. No século XVII, Cartas Régias de 1609 e 1611 afirmavam o pleno domínio dos índios sobre seus territórios. Um alvará de 1680 determinava que as doações de sesmarias não podiam afetar os direitos originais dos índios sobre suas terras e que não deviam ser concedidas sesmarias em territórios pertencentes aos indígenas. Apesar das ameaças de punições àqueles que infringissem a lei, a prática provou que tais regulamentações não surtiram o efeito desejado, pois os aldeamentos continuaram sendo usurpados de suas terras. Isso não significa, no entanto, que tais regulamentos não existiram e de que não podem repercutir efeitos histórico-jurídicos, sobretudo neste momento em que estamos analisando a ausência de interesse e domínio da atual União Federal sobre tais aldeamentos remotamente extintos; porque, inclusive, representa um plus à argumentação constitucional subsequente, à medida que se não se podia aforar terras indígenas, porquanto pertencentes aos mesmos; o apossamento das mesmas, por exemplo, pela família Penteado, constituiu usurpação ilegal e, com a pressão dos colonos pela legalização de tais apossamentos e aforamentos só aumentava (porque após expulsar os índios diziam que se tratava de terras devolutas sujeitas à enfiteuse), acabou por forçar a Câmara de São Paulo a aceitar tal situação – fato histórico que simboliza o processo de passagem dos então aldeamentos de vilas para, após, cidades, em claro resultante da política desrespeitosa de apropriação de terras indígenas. Nunca demais lembrar que a Carta Política de 1824, por exemplo, sequer fez menção à consolidação dos aforamentos então perpetuados, tampouco no intuito de consolidar a propriedade do Império sobre as terras então aforadas. PAUSA EXCURSIVA SOBRE O DIREITO ORIGINÁRIO DOS ÍNDIOS SOBRE AS TERRAS QUE LHES PERTENCIAM Ainda no século XVII, a Coroa Portuguesa havia editado diplomas legais que visavam coadunar o processo de colonização com o resguardo de direitos territoriais dos povos indígenas, a exemplo do Alvará Régio de 1680, primeiro reconhecimento, pelo ordenamento jurídico do Estado português, da autonomia desses povos, seguido da Lei de 06 de junho de 1755, editada pelo Marquês de Pombal. Juntos, esses diplomas reconheceram o caráter originário e imprescritível dos direitos dos indígenas sobre suas terras, compondo o que o Direito Brasileiro dos séculos XIX e XX chamou de instituto do indigenato, base dos direitos territoriais indígenas posteriormente consagrados no art. 231 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB). O Alvará Régio de 1º de abril de 1680 assim consignava: “[…] E para que os ditos Gentios, que assim decerem, e os mais, que há de presente, melhor se conservem nas Aldeias: hey por bem que senhores de suas fazendas, como o são no Sertão, sem lhe poderem ser tomadas, nem sobre ellas se lhe fazer moléstia. E o Governador com parecer dos ditos Religiosos assinará aos que descerem do Sertão, lugares convenientes para neles lavrarem, e cultivarem, e não poderão ser mudados dos ditos lugares contra sua vontade, nem serão obrigados a pagar foro, ou tributo algum das ditas terras, que ainda estejão dados em Sesmarias e pessoas particulares, porque na concessão destas se reserva sempre o prejuízo de terceiro, e muito mais se entende, e quero que se entenda ser reservado o prejuízo, e direito os Índios, primários e naturais senhores delas.” Tal direito – congênito e originário – dos indígenas sobre suas terras, independente de titulação ou reconhecimento formal, consagrado ainda no início do processo de colonização, foi mantido no sistema legal brasileiro, por meio da Lei de Terras de 1850 (Lei 601 de 1850), do Decreto 1318, de 30 de janeiro de 1854 (que regulamentou a Lei de Terras), da Lei nº 6.001/73, das Constituições de 1934, 1937 e 1946 e da Emenda de 1969. Todavia, até os anos 1970, a demarcação das terras indígenas, amparada na Lei 6001/73 (Estatuto do Índio) pautava-se pelo modelo da sociedade dominante, qual seja, a moradia fixa associada exclusivamente ao trabalho agrícola, desconsiderando que a subsistência de vários povos baseia-se na caça, na pesca e na coleta, atividades que exigem extensões mais amplas que o contorno imediato das aldeias. Desse modo, a perspectiva etnocêntrica e assimilacionista vigorou na tradição do direito até 1988 quando, devido à luta do movimento indígena e de amplos setores da sociedade civil, em meio ao processo de redemocratização do país, foi sancionado na nova Constituição o princípio da diversidade cultural como valor a ser respeitado e promovido, superando-se definitivamente o paradigma da assimilação e a figura da tutela dos povos indígenas. Nos anos 1990, a garantia do direito originário dos povos indígenas às suas terras passou a se alicerçar sobre o estudo minucioso da territorialidade dos diferentes povos indígenas, considerando-se não apenas seus usos passados e presentes, mas também a perspectiva de uso futuro, tudo isso "segundo seus usos, costumes e tradições", conforme o artigo 231 do texto constitucional. Pensando com mais sensatez e perspicácia chegar-se-á à conclusão de que tais aforamentos simplesmente não o eram propriamente, mas tão-somente ocupações exercitadas, por sua vez, em circunstâncias que demandavam contraprestações pelos ditos foreiros ou enfiteutas, aos senhorios aparentes (não de direito!), o chamado foro, assim como o laudêmio, quando incidentes – tudo o que, à luz do movimento epocal de disjunção da propriedade indígena para consolidação da usurpação consistia muito mais num acordo de leniência do que, propriamente como visto, num acordo dotado de força jurígena. Ocorre que, com a cessação da posse injusta de tais aldeamentos pela leniência do Império para com os posseiros, a conclusão lógica a que se deveria chegar é que considerando-se atualmente que tais aforamentos foram, a bem da verdade histórica, absolutamente nulos e, sabendo-se que a nulidade, por óbvio, faz retornar as partes ao status quo antes da celebração do negócio, tais terras continuariam a ser dos índios e, por força do atual diploma constitucional, o aforamento poderia, paradoxalmente, continuar a existir, porquanto é bem da União as terras correspondentes. No entanto, não é tão simples assim. Porque a própria atitude dos que se apossaram das terras indígenas, numa política de usurpação e extirpação dos índios de suas moradas, à medida que precisavam desta circunstância para pressionar o Império a estabelecer os aforamentos nas respectivas terras que, então, eram tidas por devolutas e passíveis de enfiteuse, como visto, tornou estas mesmas terras, à luz, ainda, da curiosidade histórica de que as constituições brasileiras não consideravam (e ainda não considera) como bem da União ou do Estado Brasileiro as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios em passado remoto, impossíveis de serem aforadas no atual regime e, notadamente, nos regimes constitucionais das Constituições de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969 e 1988. Quer dizer – noutras palavras – os apossadores fizeram com que os aldeamentos fossem extintos para instituírem um regime de aforamento ilegal e inconstitucional, como se viu. Porém, vendo da perspectiva atual (que mais nos importa), a nulidade de tal enfiteuse não restitui a terra como indígena e, no atual sistema, a legitima para fins de validade da enfiteuse como tendo a União como senhorio (CRFB/88, art. 20, XI), porque não existe tutela deste passado remoto a justificar interesse desta pessoa política. Os apossadores, por conseguinte, conseguiram a posse mansa e pacífica no atual sistema, pressuposto que aliado ao tempo, permite não só o afloramento da usucapibilidade, todavia seu jurídico reconhecimento. Fixou-se, no atual sistema constitucional, bem como nos antecessores, que a matéria concernente à tutela indígena é reservada ao domínio da Constituição e não da legislação infraconstitucional. Isso ficará ainda mais patente na análise feita no tópico subsequente, mas é imperioso destacar neste momento que quando, por exemplo, o Decreto-Lei n. 9.760 de 1946, em seu artigo 1º, alínea “h”, diz que incluem-se entre os bens da União “os terrenos dos extintos aldeamentos de índios”, tal não pode ser considerado como válido em dois sentidos: (i) se se considerar que por aldeamento extinto entende-se extinto a qualquer tempo, então todo o território brasileiro foi território indígena (o que, aliás, é verdade) e, neste sentido, todos deveríamos pagar taxa de foro e laudêmio à União, o que é um absurdo e;[19] (ii) se se levar em conta, destarte, que a Constituição Federal não tutelou o domínio da União sobre aldeamentos indígenas extintos, apenas os tradicionalmente ocupados que, aliás, se destinam à sua habitação, uso e proteção permanentes, como se infere da simples leitura do artigo 231, §§1º, 2º e 3º, da Constituição da República de 1988 – do que, enfim, se conclui pela não recepção da sobredito Decreto pela atual conjuntura constitucional. A Constituição atual, bem como as anteriores, poderia ter tutelado os aldeamentos extintos em passado remoto, mas isso não aconteceu. Esta hilária circunstância histórico-constitucional faz que tais aldeamentos extintos fujam ao domínio da União e impeçam a continuidade do regime enfitêutico. Então, nos século XVII a XIX, os apossadores instituíram, juntamente com os clérigos e senhores do Império, um regime enfitêutico que mesmo à época era ilegal e inconstitucional, porém que hoje em dia, ainda que de tal forma se reconheça, como a história constitucional e jurídica não tutelou os aldeamentos que os mesmos apossadores tanto batalharam (literalmente) para serem agraciados como zonas que não haviam sido habitadas por índios e assim pressionar o Governo para a pseudorregularização das enfiteuses, não pode ser considerado como válido, porque inexiste tutela do remoto, até por um princípio de razoabilidade. A consequência é que muito embora nulos os aforamentos pretéritos, tais também não voltam para os índios e legitimam nova instituição enfitêutica no atual sistema, circunstância um tanto quanto irônica para a própria União. Nada havendo que ser feito pela União e diante das circunstâncias jurídicas, tem-se que pensar em solução criativa e condizente à Carta Magna de 1988, para a qual devemos homenagem. Logo, não haveria posse injusta das terras dos aldeamentos extintos, da perspectiva atual, porque agora se deve observar a destinação da posse de tais imóveis, a qual se movimentou, ao longo de mais de 100 anos, na esteira do tributo ao que o direito civil-constitucional contemporâneo convencionou designar de função social da posse, sobremodo na geração de empregos, movimentação econômica, geração transversal de renda, valorização do território etc. Todos os elementos que, reunidos, e estando presentes desde o apossamento (muito embora ilegal, teve razão por finalidades produtivas inicialmente agrícolas), deram início à contagem do prazo da prescrição aquisitiva – nos moldes contemporâneos da dogmática jurídica – no que respeita à usucapibilidade de tais imóveis decorrentes, em suma de três fatores fundamentais ao mesmo tempo históricos e jurídicos: (i) a nulidade dos aforamentos pretéritos; (ii) o fato de que aldeamentos extintos não pertencem à União Federal e; (iii) a destinação econômico-funcional global dos terrenos em termos de cumprimento da função social da posse e a consequente cessação da posse precária em virtude dos acontecimentos retromencionados. Ademais, tais terrenos ficaram num verdadeiro limbo jurídico, num vazio institucional, quanto à catalogação, algo que demanda resolução por vias extraordinárias somente subsumíveis e respondíveis no nível do cumprimento da função social da posse e da razoabilidade. III – ASPECTOS JURÍDICOS PARA A NULIDADE DO REGIME ENFITÊUTICO E INEXIGIBILIDADE DE TAXA DE FORO E LAUDÊMIO Compulsando melhor as razões decisórias dos precedentes judiciais brasileiros, sobretudo aqueles pertinentes ao Supremo Tribunal Federal, percebe-se, com certa facilidade, que o comportamento dispensado às questões que giram em torno do interesse da União Federal em ações de usucapião acha-se constantemente volvido á remansosa jurisprudência daquela corte, da qual, aliás, fez-se surgir o enunciado da súmula 650 do Excelso Pretório, o qual prescreve que “os incisos I e XI do art. 20 da Constituição Federal não alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto”. Nos casos desta espécie, a União costuma aduzir o malferimento do artigo 20, incisos I e XI, da Carta Política de 1988, argumentando que, com a extinção dos aldeamentos indígenas, as terras abandonadas foram devolvidas à nação,[20] ficando o Governo, a partir da Lei nº 1.114/60, autorizado a aforá-las. Saliente-se, ainda, que as terras em questão não foram transferidas ao Estado, por força da Constituição de 1891, pois não se incluem entre as terras devolutas, nem entre os próprios nacionais desnecessários ao Governo Federal à data da promulgação da mencionada Carta. Daí a invocação do enunciado da súmula nº 334 do Supremo Tribunal Federal, cuja orientação é no sentido de impossibilidade de serem adquiridos, por usucapião, os bens dominiais e os demais bens públicos. Preceituam os dispositivos apontados como infringidos: “Art. 20 – São bens da União: I – os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos;[…] XI – as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios;[…]” Pertinente, no entanto, realizar um breve apanhado histórico-constitucional a fim de se melhor compreender a noção de bem da União na conjectura dos aldeamentos indígenas extintos. A Constituição de 1891 revelava como do domínio da União a parte do território necessária à defesa nacional, cabendo aos Estados o que se situasse no respectivo âmbito. Eis o preceito: “Art. 64 – Pertencem aos Estados as minas e terras devolutas situada nos seus respectivos territórios, cabendo à União somente a porção de território que for indispensável para a defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais. Parágrafo único. Os parques nacionais, que não forem necessários para serviço da União, passarão ao domínio dos Estados, em cujo território estiverem situados.” A Constituição Federal de 1934 não trouxe alteração substancial a esse quadro. Eis os preceitos alusivos à espécie: “Art. 20 – São do domínio da União: I – os bens que a esta pertencem, nos termos das leis atualmente em vigor; II – os lagos e quaisquer correntes em terrenos do seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites como outros países ou se estendam a território estrangeiro; III – as ilhas fluviais e lacustres nas zonas fronteiriças. Art. 21 – São do domínio dos Estados: I – os bens da propriedade destes pela legislação atualmente em vigor, com as restrições do artigo antecedente; II – as margens dos rios e lagos navegáveis destinados ao uso público, se por algum título não forem do domínio federal, municipal ou particular. “ Relativamente às terras ocupadas pelos indígenas, previu-se: “Art. 129 – Será respeitada a posse de terra de silvícolas que nela se achem permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las.” Já aqui é dado notar atenção maior para a realidade, ou seja, para o fato de os silvícolas terem a posse das terras, nelas estando permanentemente localizados. Prosseguindo, a Constituição Federal de 1937 dispôs: “Art. 36 – São do domínio federal: a – os bens que pertencerem à União, nos termos das leis atualmente em vigor; b – os lagos e quaisquer correntes em terrenos do seu domínio ou que banhem mais de um estado, sirvam de limites com outros países ou se estendam a territórios estrangeiros; c – as ilhas fluviais e lacustres nas zonas fronteiriças. Art. 37 – São do domínio dos Estados: a – os bens de propriedade destes, nos termos da legislação em vigor, com as restrições do artigo antecedente; b – as margens dos rios e lagos navegáveis, destinadas ao uso público, se por algum título não forem do domínio federal, municipal ou particular”. Pouco antes da entrada em vigor da Carta de 1946, foi editado o Decreto-Lei nº 9.760/46, constantemente evocado pela União. Por força de emenda constitucional, em face do regime de exceção vivido, acabou sendo alijado do cenário político pela carta de 1946, isso no que veio a emprestar novo tratamento aos bens públicos da União. Assim, sob a vigência da Constituição Federal de 1946, dispôs-se: “Art. 34 – Incluem-se entre os bens da União: I – os lagos e quaisquer correntes de água em terrenos do seu domínio ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limite com outros países ou se estendam território estrangeiro, e bem assim as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; II – a porção de terras devolutas indispensável à defesa das fronteiras, às fortificações, construções militares e estradas de ferro. Art. 35 – Incluem-se entre os bens do Estado os lagos e rios em terrenos de seu domínio e os que têm nascente no território estadual.” Nota-se que, até aqui, nada se dispôs, expressamente, sobre as terras ocupadas pelos indígenas. A Constituição Federal de 1967 mostrou-se mais explícita, relativamente aos bens da União, e, agora sim, veio à baila preceito neles incluindo as terras ocupadas pelos silvícolas. De qualquer forma, mais uma vez considerou-se a ocupação em si: “Art. 4º – Incluem-se entre os bens da União: I – a porção de terras devolutas indispensável à segurança e ao desenvolvimento nacionais; II – os lagos e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, constituem limite com outros países ou se estendam a território estrangeiro; as ilhas oceânicas, assim como as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; III – a plataforma continental; IV – as terras ocupadas pelos silvícolas; V – os que atualmente lhe pertencem; e VI – o mar territorial.” Mediante o preceito do artigo 5º, revelou-se incluírem-se entre os bens dos Estados e Territórios “os lagos em terrenos de seu domínio, bem como os rios que neles têm nascente e foz, as ilhas fluviais e lacustres e as terras devolutas não compreendidas no artigo anterior”. A emenda constitucional nº 1 de 1969, não introduziu modificação na regência da matéria, contemplando, tal como a Carta anterior, as terras ocupadas pelos silvícolas como sendo da União (cf. artigos 4º e 5º, retro). O constituinte de 1988 mostrou-se preocupado com a situação dos indígenas. Nota-se a inserção, na Carta, de um capítulo sob o título “Dos Índios”. Aí previu-se: “Art. 231 – São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarca-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.” Ao mesmo tempo, fez-se inserir no artigo 20 da Carta, definidor dos bens da União, não só a regra linear remissiva aos que, à época, lhe pertenciam e os que viessem a lhe ser atribuídos, como também “as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios” (incisos I e XI). Diante de tal perspectiva, vem à lume o conteúdo do julgamento do Recurso Extraordinário nº 219.983-3, oriundo de São Paulo, da lavra do eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio, que assim consignou, em conclusão à análise dos dispositivos constitucionais também realizada nesta oportunidade: “A esta altura, cabe indagar: nas previsões das Cartas pretéritas e na da atual, no que alude a “… terras que tradicionalmente ocupam…”, é dado concluir estarem albergadas situações de há muito ultrapassadas, ou seja, as terras que foram, em tempo idos, ocupadas pelos indígenas? A resposta é, desenganadamente, negativa, considerando não só o princípio da razoabilidade, pressupondo-se o que normalmente ocorre, como também a própria letra dos preceitos constitucionais envolvidos. Os das Cartas anteriores, que versaram sobre a situação das terras dos silvícolas, diziamda ocupação, ou seja, de um estado atual em que revelada a própria posse das terras pelos indígenas. O legislador de 1988 foi pedagógico. Após mencionar, na cabeça do artigo 231, a ocupação, utilizando-se da expressão “… as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”, veio, no §1º desse mesmo artigo, a definir o que se entende como terras tradicionalmente ocupadas. Atente-se para a definição, no que, ante a necessidade de preservar-se a segurança jurídica, mais uma vez homenageou a realidade: §1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para as suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. Mais que isso, no parágrafo seguinte, cuida a Carta da República de deixar explícita a necessidade de ter-se, como atual, a posse: §2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se à sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. Seguindo-se na leitura dos diversos dispositivos do artigo (231), constata-se que, mediante o §5º, vedou-se a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo ad referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população ou no interesse da soberania do país, após deliberação do Congresso Nacional, garantindo, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cessado o risco. Novamente, tem-se, na Carta, a demonstração inequívoca de se haver preservado situação concreta por ela apanhada. No penúltimo dos parágrafos do citado artigo 231, apontou-se, como nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos praticados com o objetivo de ter-se a ocupação e domínio e a posse das terras referidas ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvando relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar. Mais do que isso, previu-se que a nulidade do ato praticado e a respectiva extinção não é capaz de gerar indenização ou ações contra a União, salvo, na forma da lei, se envolvidas benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé. Conclui-se, assim, que a regra definidora do domínio dos incisos I e XI do artigo 20 da Constituição de 1988, considerada a regência sequencial da matéria sob o prima constitucional, não alberga situações como a dos autos, em que, em tempos memoráveis, as terras foram ocupadas por indígenas. Conclusão diversa implicaria, por exemplo, asseverar que a totalidade do Rio de Janeiro consubstancia terras da União, o que seria um verdadeiro despropósito”. A posse na enfiteuse corresponde a uma mera parcela do domínio, pois que útil é a sua designação. Pensa-se na hipótese de a enfiteuse vir a ser declarada nula, de sorte que, se inexiste circunstância fática que a motive enquanto instituto e nascedouro de obrigação, tampouco há que se falar na produção de qualquer efeito oriundo de sua suposta existência, inclusive a não-precariedade da posse enquanto aspecto limitador da usucapibilidade do imóvel correspondente. Ademais, se não existe enfiteuse é porque não existe domínio da União – na verdade, nunca houve – assim como a operação inversa também é verdade: se não existe domínio da União é porque não há (nem deve haver) enfiteuse. Isso porque o lastro da enfiteuse, administrativa no caso, é a nua-propriedade da União ou o chamado domínio direto ou até eminente, pela pressuposição de que o terreno lhe pertence. Como se esta a tratar de aldeamento indígena há muito extinto, isto é, em período remoto, bem como a par da analítica constitucional levada a efeito para se saber a progressão da tutela da propriedade indígena como sendo da União Federal ao longo da história, distinguindo-se, ainda, que o direito de conquista colonial não atingiu em absoluto tal domínio primevo por força dos reconhecimentos de direitos originários já comentados, não há que se falar em qualquer direito real da União sobre a matéria nesta quadra de tempo em que vivemos. A jurisprudência pesquisada é neste sentido, muito embora limite-se a sustentar, por ora, a inexigibilidade da taxa de foro e laudêmio. “AGRAVO. ART. 557, § 1º, DO CPC. FORO. LAUDÊMIO. INEXIGIBILIDADE. 1. De acordo com a jurisprudência do STF (Súmula 650), os aldeamentos extintos, ainda que ocupados por indígenas em passado remoto, não são bens de propriedade da União. 2. As terras existentes em Pinheiros e Barueri, ainda que tradicionalmente ocupadas pelos índios, não contam com ocupação atual destes, não bastando a posse memorial. 3. Inexigível, portanto, o laudêmio para a transferência da propriedade imóvel situada no município de Barueri. 4. Agravo legal não provido. (TRF-3 – AI: 5602 SP 2008.03.00.005602-6, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ STEFANINI, Data de Julgamento: 29/06/2010, PRIMEIRA TURMA) PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – COBRANÇA PELA UNIÃO DE LAUDÊMIO DECORRENTE DO REGIME ENFITÊUTICO DO IMÓVEL SITUADO NO ANTIGO ALDEAMENTO INDÍGENA PINHEIROS/BARUERI – AUSÊNCIA DE RECONHECIMENTO DO DOMÍNIO DA UNIÃO NAQUELA ÁREA – RECURSO IMPROVIDO. 1. Agravo de instrumento interposto pela União contra decisão que, em sede de 'ação declaratória' destinada a obter a declaração de inexistência de relação jurídica a justificar o regime enfitêutico com o escopo de obter a restituição dos valores pagos a título de laudêmio, bem como a exclusão do registro de imóveis do aforamento averbado em favor da União, concedeu em parte antecipação de tutela autorizando o depósito dos valores exigidos a título de laudêmio pela União, suspendendo a exigibilidade das referidas quantias. 2. Não há que se falar em indevida antecipação de tutela contra a fazenda pública porquanto o depósito das quantias em relação às quais instaurou-se a controvérsia no processo originário em verdade acabou por efetivar medida de nítida natureza cautelar, mormente por tratar-se de providência albergada expressamente pelos artigos 273, § 7º do Código de Processo Civil. 3. A União fundamenta o direito ao laudêmio no Decreto-lei 9.760/46 e na existência de averbação do aforamento junto ao registro de imóveis, direito esse oriundo da circunstância de encontrar-se o terreno edificado em antigo aldeamento indígena denominado Pinheiros/Barueri. 4. Sobre o tema é pacífica a jurisprudência tanto do Supremo Tribunal Federal quanto do Superior Tribunal de Justiça no sentido que a União não possui o domínio em relação à área na qual se situa o imóvel objeto da controvérsia (v.g. RE 335887; RESP 263995/SP). 5. Não sendo reconhecido pela jurisprudência o domínio da União em relação à área na qual se situa o imóvel objeto da controvérsia, aparentemente não há respaldo para o exercício do direito à percepção de laudêmio por parte da agravante. 6. Recurso improvido. (TRF-3 – AG: 44284 SP 2003.03.00.044284-6, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO, Data de Julgamento: 23/08/2005, PRIMEIRA TURMA). Destarte, com efeito, reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal asseveram a ausência de interesse processual da União nas causas que envolvam extintos aldeamentos indígenas. A propósito, confiram-se as ementas da AC–QO 1005, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ 9.12.2005; do RE 285098, Rel. Min. Moreira Alves, Primeira Turma, DJ 10.8.2001; e do RE 212251, Rel. Min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, DJ 16.10.1998, a seguir transcritas: Medida cautelar em recurso extraordinário: deferimento: a questão objeto do RE – acerca da competência da Justiça Federal ou da Justiça Estadual para a causa – é daquelas em que se deve afastar a regra de retenção do recurso contra decisões interlocutórias (C.Pr.Civil, art. 542, § 3º). Ademais, densa a plausibilidade do RE, à vista da Súmula 650 (‘Os incisos I e XI do art. 20 da Constituição Federal não alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto’). Ação de usucapião. Antigo aldeamento de índios de São Miguel e Guarulhos no Estado de São Paulo. Falta de interesse processual da União. – Esta primeira Turma, ao julgar o RE 212.251 sobre questão análoga à presente, assim decidiu: Ação de usucapião. Antigo 'Aldeamento de índios de São Miguel e Guarulhos', no Estado de São Paulo. Extinção ocorrida antes do advento da Constituição de 1891. Decreto-Lei n. 9.760/46, art. 1º, alínea 'h'; CF/1891, art. 64; CF/46, art. 34. Tratando-se de aldeamento indígena abandonado antes da Carta de 1891, as terras nele compreendidas, na qualidade de devolutas, porque desafetadas do uso especial que as gravava, passaram ao domínio do Estado, por efeito da norma do art. 64 da primeira Carta republicana. Manifesta ausência de interesse processual da União que legitimaria sua participação na relação processual em causa. Ausência de espaço para falar-se em inconstitucionalidade da alínea 'h' do art. 1º do DL n. 9.760/46, que alude a aldeamentos extintos que não passaram para o domínio dos Estados, na forma acima apontada. Ofensa inexistente aos dispositivos constitucionais assinalados (art. 64 da CF/1891; art. 34 da CF/46). Recurso não conhecido’. Essa orientação foi endossada pelo Plenário ao julgar o RE 219.983. Recurso extraordinário conhecido e provido. AÇÃO DE USUCAPIÃO. ANTIGO 'ALDEAMENTO DE ÍNDIOS DE SÃO MIGUEL E GUARULHOS', NO ESTADO DE SÃO PAULO. EXTINÇÃO OCORRIDA ANTES DO ADVENTO DA CONSTITUIÇÃO DE 1891. DECRETO-LEI Nº 9.760/46, ART. 1º, ALÍNEA 'H'; CF/1891, ART. 64; CF/46, ART. 34. Tratando-se de aldeamento indígena abandonado antes da Carta de 1891, as terras nele compreendidas, na qualidade de devolutas, porque desafetadas do uso especial que as gravava, passaram ao domínio do Estado, por efeito da norma do art. 64 da primeira Carta republicana. Manifesta ausência de interesse processual da União que legitimaria sua participação na relação processual em causa. Ausência de espaço para falar-se em inconstitucionalidade da alínea 'h' do art. 1º do DL nº 9.760/46, que alude a aldeamentos extintos que não passaram para o domínio dos Estados, na forma acima apontada. Ofensa inexistente aos dispositivos constitucionais assinalados (art. 64 da CF/1891; art. 34 da CF/46). Recurso não conhecido. No mesmo sentido, ainda, as seguintes decisões monocráticas: RE 792.970, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 1º.12.2010 e RE 572.954, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 2.8.2010.
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O controle externo do Tribunal de Contas da União e as contratações de serviços terceirizados pela administração pública
Este artigo faz uma análise da atuação do Tribunal de Contas da União quando, ao exercer a sua atribuição constitucional de controle externo, atua de forma efetiva para auxiliar na criação de mecanismos legais que possam otimizar as contratações públicas de serviços, em especial, serviços continuados.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O presente artigo tem como objetivo analisar a atuação do Tribunal de Contas da União quando, ao exercer a sua atribuição constitucional de controle externo, atua de forma efetiva para auxiliar na criação de mecanismos legais que possam otimizar as contratações públicas de serviços, em especial, serviços continuados, que são aqueles que não podem sofrer interrupção, sob pena de causar prejuízos aos órgãos ou entidades públicas no cumprimento das atribuições constitucionais ou infraconstitucionais. Inicialmente falaremos do controle externo existente na Administração Pública, exercido pelo Tribunal de Contas da União no âmbito federal, e, também, no âmbito estadual e municipal, quando da ocorrência de repasses de recursos federais, em especial quando da realização de convênios entre a União e os Estados, Distrito Federal ou Municípios. Na sequência, abordaremos os aspectos gerais do Tribunal de Contas da União, em especial, a história de sua criação, como o tema era abordado nas Constituições Federais Brasileiras e como foi o desenvolvimento das suas atribuições ao longo do tempo, até chegarmos nas atribuições atuais, constantes nos artigos 70 a 75 da Constituição Federal de 1988. Após tratarmos do controle externo na Administração Pública e do Tribunal de Contas da União, falaremos a respeito da terceirização, haja vista que o objetivo deste artigo é analisar a influência do referido Tribunal, na sua atuação como órgão de controle externo, contribuindo para o desenvolvimento da legislação que regulamenta as contratações de serviços continuados pela Administração Pública. Quando estivermos falando da terceirização, trabalharemos o seu conceito, as funções que podem ser objeto de terceirização na Administração Pública e a legislação que disciplina o assunto no âmbito público, em especial, a Instrução Normativa n° 02/2008 editada pela Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Orçamento, Planejamento e Gestão, que apesar de ter sido revogada pela Instrução Normativa nº 05/2017, também do Ministério do Planejamento, ainda se encontra eficaz até 23 de setembro de 2017, regulando os processos autuados ou registrados até a referida data. A referida Instrução Normativa, que sofreu várias alterações desde a sua edição, será objeto de minuciosa análise neste artigo, tendo em vista que ela funciona como um verdadeiro manual de como deve ser conduzido os processos de contratação de serviços continuados pela Administração Pública. Posteriormente, apresentaremos o Acórdão n° 1.214/2013, do plenário do Tribunal de Contas da União, que é um dos principais exemplos de como o referido Tribunal, na sua função de controle externo, contribui para o desenvolvimento e busca da eficiência na atividade administrativa, em especial, na contratação de serviços continuados pela Administração Pública, versando sobre questões relativas às fases de planejamento, licitação e gestão contratual. Veremos, também, que as recomendações proferidas no referido acórdão foram incorporadas no texto da Instrução Normativa n° 02/2008, contribuindo, como já dito, para o aumento da eficiência nas contratações de serviços continuados. Tópico fundamental deste artigo é o que cita os pontos mais importantes da redação atual da Instrução Normativa n° 02/2008. Alguns dos pontos que serão tratados foram objeto de incorporação na referida IN, após a recomendação exarada no Acórdão n° 1.214/2013 do plenário do Tribunal de Contas da União. Finalizando, concluiremos o presente artigo com as considerações finais sobre o tema e a importância da atuação do órgão de controle externo Tribunal de Contas da União no dia a dia das atividades desenvolvidas pelos órgãos públicos. 1. O CONTROLE EXTERNO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL Podemos definir controle na administração pública como a faculdade que um determinado órgão ou entidade pública tem de fiscalizar os seus próprios atos de gestão ou de outro ente. Para Herick Santos Santana tal controle pode ter dois sentidos, um negativo e um positivo: “Por sentido negativo entende-se o controle como sendo sinônimo de fiscalização, ou seja, quando a ação incide sobre pessoas. Por sentido positivo entende-se o controle capaz de realizar as atividades de gestão conforme o prévio planejamento, com vistas ao alcance dos objetivos.” Em relação à necessidade de existência do controle dos atos da Administração Pública, Herick Santos Santana diz que: “O controle dos atos realizados em nome da Administração Pública é imprescindível porque há interesse público na análise da eficiência dos serviços postos à disposição da população. Por isso, a Administração Pública deve atuar sempre com legitimidade, de acordo com a finalidade e o interesse coletivo na sua realização.” Tal controle pode ser externo ou interno, sendo o externo realizado por órgão localizado fora da estrutura do órgão controlado e o interno quando o controle é realizado “interna corporis”, ou seja, por departamento localizado na estrutura do órgão controlado. O controle externo é conceituado por Evandro Martins Guerra da seguinte forma: “O controle externo é aquele desempenhado por órgão apartado do outro controlado, tendo por finalidade a efetivação de mecanismos, visando garantir a plena eficácia das ações de gestão governamental, porquanto a Administração Pública deve ser fiscalizada, na gestão dos interesses da sociedade, por órgão de fora de suas partes, impondo atuação em consonância com os princípios determinados pelo ordenamento jurídico, como os da legalidade, legitimidade, economicidade, moralidade, publicidade, motivação, impessoalidade, entre outro”. Já Jorge Ulisses Jacoby Fernandes apresenta o seguinte conceito sobre o tema: “O sistema de controle externo pode ser conceituado como o conjunto de ações de controle desenvolvidas por uma estrutura organizacional, com procedimentos, atividades e recursos próprios, não integrados na estrutura controlada, visando fiscalização, verificação e correção de atos”. No Brasil o controle externo das contas públicas é realizado pelo legislativo, seja federal, estadual ou municipal, com o auxílio dos Tribunais de Contas, sendo que quem auxilia no âmbito da União é o Tribunal de Contas da União, no âmbito dos Estados os Tribunais de Contas Estaduais e no âmbito dos municípios, o responsável por auxiliar as câmaras municipais no controle externo são, onde tiverem sido instalados, os Tribunais de Contas dos Munícipios, e onde não, os Tribunais de Contas dos Estados. 2. O TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO 2.1. ASPECTOS GERAIS O Tribunal de Contas da União foi criado em 1890, inserido na Constituição de 1891 e efetivamente instalado em 1893, sendo que as contas de 1934 foram as primeiras a serem efetivamente examinadas no ano de 1935. Em relação ao Tribunal de Contas da União, a Constituição Federal de 1988 em seus artigos 73 e 74, estabelece a sua composição, a forma e requisitos para nomeação dos ministros, suas garantias, prerrogativas, impedimentos e vantagens. “Art. 73. O Tribunal de Contas da União, integrado por nove Ministros, tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território nacional, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no art. 96. . § 1º Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão nomeados dentre brasileiros que satisfaçam os seguintes requisitos: I – mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade; II – idoneidade moral e reputação ilibada; III – notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública; IV – mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional que exija os conhecimentos mencionados no inciso anterior. § 2º Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão escolhidos: I – um terço pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, sendo dois alternadamente dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal, segundo os critérios de antigüidade e merecimento; II – dois terços pelo Congresso Nacional. § 3° Os Ministros do Tribunal de Contas da União terão as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, aplicando-se-lhes, quanto à aposentadoria e pensão, as normas constantes do art. 40. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) § 4º O auditor, quando em substituição a Ministro, terá as mesmas garantias e impedimentos do titular e, quando no exercício das demais atribuições da judicatura, as de juiz de Tribunal Regional Federal”. 2.2. FUNÇÃO CONSTITUCIONAL A Constituição Federal de 1988, em seu art. 71, estabelece que o controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, sendo que o art. 70 estabelece que a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional. O Parágrafo único do art. 70 apresenta a previsão legal de que deverá prestar contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária. Assim, conforme exposto pelo Professor Edimur Ferreira de Faria, “Ao Tribunal de Contas da União compete a fiscalização direta da atuação da Administração Pública Federal, compreendendo os órgãos do Poder Executivo e as empresas vinculadas. Além do exame das contas prestadas pelos responsáveis pela arrecadação, guarda, aplicação e guarda de dinheiro público, o Tribunal de Contas da União controla a admissão, promoção, exoneração, demissão e aposentadoria de serviços públicos, com exceção dos detentores de cargos comissionados ou de função de confiança. É também do mesmo Tribunal de Contas o controle das licitações, dos contratos administrativos e dos convênios formados pela União. Os Governadores e os Prefeitos municipais obrigam-se a prestar contas perante o Tribunal de Contas da União dos recursos recebidos em virtude de convênios celebrados com a União por intermédio dos Ministérios.” 2.3. COMPETÊNCIAS A Constituição Federal de 1988, ao definir que o Tribunal de Contas da União seria órgão de auxílio do Congresso Nacional na fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial das entidades ligadas à União, definiu também quais seriam as suas competências, conforme art. 71 e incisos, que seguem transcritos abaixo: “Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: I – apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento; II – julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público; III – apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório; IV – realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II; V – fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo; VI – fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município; VII – prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por qualquer de suas Casas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados de auditorias e inspeções realizadas; VIII – aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário; IX – assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade; X – sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal; XI – representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados.” A Lei n° 8.443 de 16 de julho de 1992, editada para regulamentar os artigos 70 a 75 da Constituição Federal, dispõe sobre a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União estabelecendo qual será a sua competência, sua jurisdição, sua organização e como será o procedimento de julgamento e de fiscalização das contas públicas. 3. A TERCEIRIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA O Decreto Lei n° 200 de 25 de fevereiro de 1967 estabeleceu em seu art. 10°, § 7° que a execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada, sendo que para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução. A expressão “execução indireta, mediante contrato” remete-se à terceirização que conceitualmente, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, “é a contratação de serviços por meio de empresa intermediária entre o tomador de serviços e a mão de obra, mediante contrato de prestação de serviços”. Com o objetivo de regulamentar o § 7° do art. 10° do Decreto Lei n° 200 de 25 de fevereiro de 1967, o Governo Federal editou, em 7 de julho de 1997, o Decreto n° 2.271, dispondo sobre a contratação de serviços pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional e dá outras providências. O referido decreto, em seu art. 1°, §§ 1° e 2° que seguem transcritos abaixo, estabelecem quais atividades poderão ser objeto de execução indireta, mais precisamente, estabelece quais as funções que poderão ser terceirizadas pela Administração Pública. “Art. 1º No âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade. § 1º As atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações serão, de preferência, objeto de execução indireta. § 2º Não poderão ser objeto de execução indireta as atividades inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal.” Diante da referida previsão legal, podemos concluir que as atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações poderão ser objeto de terceirização pelos órgãos públicos, que deverão realizar licitação para contratação de empresas para prestarem os referidos serviços. Tais funções executam atividade meio nos órgãos, sendo que as inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos, não poderão ser objeto de terceirização, conforme disposição constante no § 2° do art. 1° do Decreto n° 2.271/1997. Com a entrada em vigor da lei nº 13.429, de 31 de março de 2017, controvérsias surgiram a respeito da aplicação da lei no serviço público, ou seja, as novas regras valeriam para o funcionalismo público. O que podemos dizer é que por enquanto não se tem um entendimento concreto em relação à questão, mas para o relator do projeto na Câmara dos Deputados, deputado Laércio Oliveira, o texto é focado na iniciativa privada e não muda a situação do funcionalismo público. Assim, enquanto não temos uma posição majoritária da doutrina ou jurisprudência a respeito da aplicação da nova lei no funcionalismo público, adotamos o entendimento do relator do projeto. 4. LEGISLAÇÃO QUE TRATA DA TERCEIRIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Conforme já exposto acima, a questão da terceirização na Administração Pública Brasileira foi autorizada pelo Decreto Lei n° 200/1967. O Decreto n° 2.271 de 1997 regulamentou o referido decreto lei no que se refere à execução indireta de atividades na Administração Pública. Em 30 de abril de 2008, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, com o objetivo de disciplinar a contratação de serviços continuados, ou não, por órgãos ou entidades integrantes do sistema de serviços gerais- SISG, editou a Instrução Normativa n° 2. A referida instrução normativa veio satisfazer uma demanda existente em toda a Administração Pública, referente a como deveriam ser conduzidos os contratos de prestação de serviços pelos gestores públicos. Tal instrução normativa foi alterada pelas seguintes instruções normativas: Instrução Normativa nº 3, de 16 de outubro de 2009, Instrução Normativa nº 4 de 11 de novembro de 2009, Instrução Normativa nº 5 de 18 de dezembro de 2009, Instrução Normativa nº 6 de 23 de dezembro de 2013, Instrução Normativa nº 3, de 24 de junho de 2014 e Instrução Normativa nº 4 de 19 de março de 2015. Por fim, no dia 26 de maio de 2017, o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão publicou a Instrução Normativa nº 05/2017, com o objetivo de promover melhorias na terceirização de serviços nos órgãos vinculados ao Poder Executivo da União. Conforme disposição constante no art. 75, caput e parágrafo único da supracitada IN, fica revogada a Instrução Normativa nº 2 de 2008, porém, aquela só entrará em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação, ou seja, em 23 de setembro de 2017, sendo que os processos autuados ou registrados até a referida data serão regidos pela IN nº 2/2008. 5. O ACÓRDÃO Nº 1.214/2013 – PLENÁRIO – TCU Conforme já visto anteriormente, as competências do Tribunal de Contas da União estão elencadas nos onze incisos do art. 71 da Constituição Federal de 1988. Dentre elas, a constante no inciso II autoriza o TCU a julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público, e a constante no inciso IV autoriza o TCU a realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II. São essas duas competências que dão a prerrogativa ao Tribunal de Contas da União a expedirem acórdãos dos julgamentos realizados, firmando jurisprudências sobre diversos temas do direito administrativo, em especial, sobre o tema licitações e contratos. Em relação ao tema, um dos acórdãos mais importantes do Tribunal de Contas da União nos últimos anos, foi o Acórdão n° 1.214/2013 – Plenário. A origem deste acórdão foi o recebimento de representação formulada pela extinta Secretaria Adjunta de Planejamento e Procedimentos do Tribunal de Contas da União, com o objetivo de apresentar proposições de melhorias nos procedimentos relativos à contratação e à execução de contratos de terceirização de serviços continuados na Administração Pública Federal. Isto porque, nos últimos anos, passaram a ocorrer com maior frequência problemas na execução desse tipo de contrato, com interrupções na prestação dos serviços, ausência de pagamento aos funcionários de salários e outras verbas trabalhistas, trazendo prejuízos à administração e aos trabalhadores. Assim, houve uma determinação do Presidente do Tribunal de Contas da União, para que a Administração do Tribunal realizasse trabalhos conjuntos com outros órgãos da Administração Pública com o objetivo de formular propostas para ao menos mitigar tais problemas. Inicialmente, para cumprir essa determinação, realizou-se uma primeira reunião com representantes do Tribunal de Contas da União, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e da Advocacia-Geral da União, que corroboraram as percepções do Tribunal, reforçando a pertinência da realização do trabalho conjunto. Foi constituído um grupo de estudos, composto inicialmente por servidores das três instituições, passando a ser posteriormente integrado também por representantes do Ministério da Previdência Social, do Ministério da Fazenda, do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo e do Ministério Público Federal, que discutiram aspectos relacionados aos procedimentos licitatórios, à gestão e ao encerramento desses contratos. Ao final, após longos estudos e debates foi expedido o referido acórdão, que sugeriu a incorporação de diversos aspectos na Instrução Normativa n° 02/2008, aspectos esses, que veremos com detalhes no próximo tópico. 6. ASPECTOS ELENCADOS NO ACÓRDÃO N° 1.214/2013 – PLENÁRIO – TCU INCORPORADOS NA INSTRUÇÃO NORMATIVA N° 02/2008 – SLTI/MPOG Conforme dito no tópico anterior, várias foram as recomendações propostas pelo Acórdão n° 1.124/2013, a serem incorporadas na Instrução Normativa n° 02/2008. Tais recomendações se referiam a questões relativas: ao procedimento para pagamento dos serviços prestados; às condições para apresentação da garantia contratual; à forma de como comprovar o cumprimento, por parte da empresa contratada, das obrigações trabalhistas, previdenciárias e fiscais; às exigências para participação da licitação no que se refere à qualificação econômica financeira e à qualificação técnica, dentre outras. Diante de tais recomendações, várias alterações foram processadas no texto da Instrução Normativa n° 02/2008, alterações essas que foram efetivadas em sua maioria através da Instrução Normativa n° 6, de 23 de dezembro de 2013. 7. PRINCIPAIS PONTOS DA REDAÇÃO DA INSTRUÇÃO NORMATIVA N° 02/2008. 7.1.PLANEJAMENTO DA CONTRATAÇÃO Com o objetivo de disciplinar a contratação de serviços, continuados ou não, em especial na Administração Pública Federal, importante questão foi abordada logo no art. 2° da redação original da IN nº 02/2008, que segue transcrito abaixo: “Art. 2º As contratações de que trata esta Instrução Normativa deverão ser precedidas de planejamento, em harmonia com o planejamento estratégico da instituição, que estabeleça os produtos ou resultados a serem obtidos, quantidades e prazos para entrega das parcelas, quando couber.” A referida questão abordada é o planejamento, pouco utilizado na Administração Pública nos dias atuais, mas de fundamental importância para a eficácia das ações desenvolvidas no âmbito das contratações públicas. Não obstante a necessidade de o planejamento compor o conjunto de ações que envolve qualquer contratação pública, funcionando como uma fase, anterior à fase de licitação e fase do contrato, sucesso teve o legislador ao estabelecer que toda contratação de serviços continuados ou não devem ser precedidos de planejamento. O Parágrafo Único do art. 2° estabelece que o planejamento, quando dispor sobre serviços de natureza intelectual, deverá definir papéis e responsabilidades dos atores e áreas envolvidas na contratação, tais como: ateste dos produtos e serviços; resolução de problemas; acompanhamento da execução dos trabalhos; gerenciamento de riscos; sugestão de aplicação de penalidades; avaliação da necessidade de aditivos contratuais e condução do processo de repactuação, quando for o caso. Assim, a Instrução Normativa n° 2/2008 ao comtemplar a necessidade de planejamento anterior à licitação, faz com que as contratações possam ser mais eficientes, mitigando riscos que poderiam vir a ocorrer, evitando possíveis prejuízo para a Administração Pública. Dispositivo legal incluído na Instrução Normativa n° 02/2008, pela Instrução Normativa n° 03/2009 que reforça a necessidade de planejamento é o constante nos incisos I, II e III do § 3° do art. 6°, que estabelece a necessidade de elaboração de plano de trabalho para as contratações de serviços de terceirização, conforme segue transcrito abaixo: “§ 3º A contratação deverá ser precedida e instruída com plano de trabalho, aprovado pela autoridade máxima do órgão ou entidade, ou a quem esta delegar competência, e conterá, no mínimo: (Incluído pela Instrução Normativa nº 3, de 16 de outubro de 2009.) I – justificativa da necessidade dos serviços; (Incluído pela Instrução Normativa nº 3, de 16 de outubro de 2009.) II – relação entre a demanda prevista e a quantidade de serviço a ser contratada; (Incluído pela Instrução Normativa nº 3, de 16 de outubro de 2009.) III – demonstrativo de resultados a serem alcançados em termos de economicidade e de melhor aproveitamento dos recursos humanos, materiais ou financeiros disponíveis.” (Incluído pela Instrução Normativa nº 3, de 16 de outubro de 2009.) Em relação ao planejamento, importante avanço foi introduzido pela IN nº 05/2017, ao eleva-lo a uma das fases do procedimento de contratação pública, ao lado da seleção do fornecedor e da gestão do contrato. 7.2 CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DISTINTOS CONJUNTAMENTE Inovação que se incorporou à Instrução Normativa n° 02/2008, pela Instrução Normativa n° 06/2013 foi a possibilidade de licitação e contratação de serviços distintos, de forma conjunta, ou seja, no mesmo procedimento de contratação. Segue abaixo a redação atual do art. 3° incisos I e II e Parágrafo Único da referida Instrução Normativa, em que há o detalhamento das situações em que pode ocorrer a contratação de serviços distintos no mesmo procedimento. “Art.3º Serviços distintos podem ser licitados e contratados conjuntamente, desde que formalmente comprovado que: (Redação dada pela Instrução Normativa nº 6, de 23 de dezembro de 2013). I – o parcelamento torna o contrato técnica, econômica e administrativamente inviável ou provoca a perda de economia de escala; e (Incluído pela Instrução Normativa nº 6, de 23 de dezembro de 2013). II – os serviços podem ser prestados por empresa registrada e sob fiscalização de um único conselho regional de classe profissional, quando couber. (Incluído pela Instrução Normativa nº 6, de 23 de dezembro de 2013). Parágrafo único. O órgão não poderá contratar o mesmo prestador para realizar serviços de execução e fiscalização relativos ao mesmo objeto, assegurando a necessária segregação das funções.” (Incluído pela Instrução Normativa nº 6, de 23 de dezembro de 2013). Tal dispositivo legal trouxe eficiência para as contratações de serviços terceirizados, em especial na gestão de contratos, onde houve a redução do número de contratos a serem fiscalizados, quando o órgão público possuía diversos contratos com empresas diferentes e poucos postos de trabalho. 7.3 ASPECTOS REFERENTES À TERCEIRIZAÇÃO O art. 6° da redação original da Instrução Normativa n° 02/2008 permanece até hoje e reitera o que o Decreto n° 2.271/97 estabeleceu, ou seja, quais as atividades que poderiam ser objeto de terceirização. O art. 7° cita expressamente as funções que podem ser objeto de terceirização conforme podemos visualizar abaixo: “Art.7º As atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações serão, de preferência, objeto de execução indireta. § 1º Na contratação das atividades descritas no caput, não se admite a previsão de funções que lhes sejam incompatíveis ou impertinentes. § 2º A Administração poderá contratar, mediante terceirização, as atividades dos cargos extintos ou em extinção, tais como os elencados na Lei nº 9.632/98. § 3º As funções elencadas nas contratações de prestação de serviços deverão observar a nomenclatura estabelecida no Código Brasileiro de Ocupações – CBO, do Ministério do Trabalho e Emprego”. (Incluído pela Instrução Normativa nº 3, de 16 de outubro de 2009.) Por outro lado, o art. 9°, seus incisos e alíneas, que segue colacionado abaixo, discrimina quais são as atividades que não podem ser objeto de execução indireta, ou seja, de terceirização pela Administração Pública. “Art. 9º É vedada a contratação de atividades que: I – sejam inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, assim definidas no seu plano de cargos e salários, salvo expressa disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal; II – constituam a missão institucional do órgão ou entidade; e III – impliquem limitação do exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público, exercício do poder de polícia, ou manifestação da vontade do Estado pela emanação de atos administrativos, tais como: a) aplicação de multas ou outras sanções administrativas; b) a concessão de autorizações, licenças, certidões ou declarações; c) atos de inscrição, registro ou certificação; e d) atos de decisão ou homologação em processos administrativos.” Ponto importante que merece destaque e que deve ser devidamente observado pelos gestores públicos é o constante no § 1° do art. 6° e versa sobre questões relacionadas à configuração de relação de emprego entre o tomador de serviço e o empregado. O referido parágrafo, que segue transcrito abaixo, estabelece que os serviços terceirizados contratados pela Administração Pública não geraram vínculo empregatício entre as partes envolvidas. “§ 1º A prestação de serviços de que trata esta Instrução Normativa não gera vínculo empregatício entre os empregados da contratada e a Administração, vedando-se qualquer relação entre estes que caracterize pessoalidade e subordinação direta”. (Renumerado pela Instrução Normativa nº 3, de 16 de outubro de 2009) Não obstante, o que se vê no dia a dia dos órgãos públicos é o contrário, sendo que os servidores públicos tratam os funcionários terceirizados com pessoalidade e subordinação, ocasionando prejuízo aos cofres públicos com ações trabalhistas que reconhecem vínculo empregatício entre tomador de serviço e empregado, desvio de função, equiparação salarial com servidores por exercer atividades de igual conteúdo, dentre outras suscitadas junto à justiça do trabalho. Diante disso, o referido dispositivo normativo é claro ao estabelecer a impossibilidade de configuração de vínculo empregatício entre as partes e a vedação de relação que caracterize pessoalidade e subordinação. A Instrução Normativa n° 02/2008 volta a tratar da questão acima no seu art. 11 e incisos, que segue transcrito abaixo, ao vedar que os gestores públicos pratiquem atos de ingerência na administração da contratada para evitar, conforme já dito acima, a responsabilização trabalhista. “Art. 10. É vedado à Administração ou aos seus servidores praticar atos de ingerência na administração da contratada, tais como: I – exercer o poder de mando sobre os empregados da contratada, devendo reportar-se somente aos prepostos ou responsáveis por ela indicados, exceto quando o objeto da contratação prever o atendimento direto, tais como nos serviços de recepção e apoio ao usuário; II – direcionar a contratação de pessoas para trabalhar nas empresas contratadas; III – promover ou aceitar o desvio de funções dos trabalhadores da contratada, mediante a utilização destes em atividades distintas daquelas previstas no objeto da contratação e em relação à função específica para a qual o trabalhador foi contratado; e IV – considerar os trabalhadores da contratada como colaboradores eventuais do próprio órgão ou entidade responsável pela contratação, especialmente para efeito de concessão de diárias e passagens”. 7.4 ACORDO DE NÍVEIS DE SERVIÇO Com o objetivo de fornecer ao gestor público subsídios para incluir nos editais de licitação critérios objetivos para mensuração do pagamento a ser feito à contratada pelos serviços prestados, a Instrução Normativa n° 02/2008, já na sua redação original, instituiu o chamado acordo de níveis de serviços, que foi conceituado da seguinte forma no Anexo I da referida Instrução Normativa: “I – ACORDO DE NÍVEL DE SERVIÇO – ANS: é o ajuste escrito, anexo ao contrato, entre o provedor de serviços e o órgão contratante, que define, em bases compreensíveis, tangíveis, objetivamente observáveis e comprováveis, os níveis esperados de qualidade da prestação do serviço e respectivas adequações de pagamento.” Em seu art. 17, a Instrução Normativa n° 02/2008, que segue transcrito abaixo, informa as bases nas quais o Acordo de Níveis de Serviços será elaborado. “Art. 17. Quando for adotado o Acordo de Níveis de Serviços, este deverá ser elaborado com base nas seguintes diretrizes: I – antes da construção dos indicadores, os serviços e resultados esperados já deverão estar claramente definidos e identificados, diferenciando-se as atividades consideradas críticas das secundárias; II – os indicadores e metas devem ser construídos de forma sistemática, de modo que possam contribuir cumulativamente para o resultado global do serviço e não interfiram negativamente uns nos outros; III – os indicadores devem refletir fatores que estão sob controle do prestador do serviço; IV – previsão de fatores, fora do controle do prestador, que possam interferir no atendimento das metas; V – os indicadores deverão ser objetivamente mensuráveis, de preferência facilmente coletáveis, relevantes e adequados à natureza e características do serviço e compreensíveis. VI – evitar indicadores complexos ou sobrepostos; VII – as metas devem ser realistas e definidas com base em uma comparação apropriada; VIII – os pagamentos deverão ser proporcionais ao atendimento das metas estabelecidas no ANS, observando se o seguinte: a) as adequações nos pagamentos estarão limitadas a uma faixa específica de tolerância, abaixo da qual o fornecedor se sujeitará às sanções legais; e b) na determinação da faixa de tolerância de que trata a alínea anterior, considerar-se-á a relevância da atividade, com menor ou nenhuma margem de tolerância para as atividades consideradas críticas. IX – o não atendimento das metas, por ínfima ou pequena diferença, em indicadores não críticos, poderá ser objeto apenas de notificação nas primeiras ocorrências, de modo a não comprometer a continuidade da contratação.” O Acordo de Níveis de Serviços é uma ferramenta de extrema importância para os gestores e para os fiscais de contratos, pois, é com base nele que as medições dos serviços são feitas, fazendo com que possíveis faltas, desvios ou imperfeições na execução do contrato sejam detectadas e descontadas dos pagamentos devidos.
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Anotações à modalidade de servidão de energia elétrica
Inicialmente, ao se analisar o tema colocado em debate, prima anotar que a servidão administrativa se apresenta como direito real público que permite a Administração utilizar a propriedade imóvel para viabilizar a execução de obras e serviços que atendam ao interesse público. Nesta toada, é verificável que, com a substancialização da servidão administrativa, ocorre o exercício paralelo de outro direito real em favor de um prédio, o qual passa a ser denominado de dominante, ou mesmo de uma pessoa, de modo tal que o proprietário não é mais o único a exercer os direitos dominiais sobre a res. Os potenciais de energia hidráulica materializam propriedade distinta da do solo para fins de exploração ou aproveitamento e pertencem à União. No mais, consoante ofuscante dicção do artigo 21, inciso XII, alínea “b”, da Constituição de 1988 contém o princípio da competência da União para explorar, diretamente ou mediante autorização, permissão ou concessão, os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos d’água, em articulação com os Estados em que se situam os potenciais hidroenergéticos. No que atina ao regimento jurídico de aproveitamento dos potenciais de energia elétrica, incidem as normas encartadas no Decreto-Lei nº 24.643, de 10 de julho de 1934, que decreta o Código de Águas, cuja redação do artigo 151 afixa, para o concessionário de serviços de energia elétrica, determinados privilégios, em especial aqueles da alínea “c”.
Direito Administrativo
1 Intervenção do Estado na Propriedade: Breve Escorço Histórico Em uma primeira plana, o tema concernente à intervenção do Estado na propriedade decore da evolução do perfil do Estado no cenário contemporâneo. Tal fato deriva da premissa que o Ente Estatal não tem suas ações limitadas tão somente à manutenção da segurança externa e da paz interna, suprindo, via de consequência, as ações individuais. “Muito mais do que isso, o Estado deve perceber e concretizar as aspirações coletivas, exercendo papel de funda conotação social”[1], como obtempera José dos Santos Carvalho Filho. Nesta esteira, durante o curso evolutivo da sociedade, o Estado do século XIX não apresentava essa preocupação; ao reverso, a doutrina do laissez feire assegurava ampla liberdade aos indivíduos e considerava intocáveis os seus direitos, mas, concomitantemente, permitia que os abismos sociais se tornassem, cada vez mais, profundos, colocando em exposição os inevitáveis conflitos oriundos da desigualdade, provenientes das distintas camadas sociais. Quadra pontuar que essa forma de Estado deu origem ao Estado de Bem-estar, o qual utiliza de seu poder supremo e coercitivo para suavizar, por meio de uma intervenção decidida, algumas das consequências consideradas mais penosas da desigualdade econômica. “O bem-estar social é o bem comum, o bem do povo em geral, expresso sob todas as formas de satisfação das necessidades comunitárias”[2], compreendo, aliás, as exigências materiais e espirituais dos indivíduos coletivamente considerados. Com realce, são as necessidades consideradas vitais da comunidade, dos grupos, das classes que constituem a sociedade. Abandonando, paulatinamente, a posição de indiferente distância, o Estado contemporâneo passa a assumir a tarefar de garantir a prestação dos serviços fundamentais e ampliando seu espectro social, objetivando a materialização da proteção da sociedade vista como um todo, e não mais como uma resultante do somatório de individualidades. Neste sentido, inclusive, o Ministro Luiz Fux, ao apreciar o Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo N° 672.579/RJ, firmou entendimento que “ainda que seja de aplicação imediata e incondicional a norma constitucional que estabeleça direitos fundamentais, não pode o Ente Estatal beneficiar-se de sua inércia em não regulamentar, em sua esfera de competência, a aplicação de direito constitucionalmente garantido”[3]. Desta feita, para consubstanciar a novel feição adotada pelo Estado, restou necessário que esse passasse a se imiscuir nas relações dotadas de aspecto privado. “Para propiciar esse bem-estar social o Poder Público pode intervir na propriedade privada e nas atividades econômicas das empresas, nos limites da competência constitucional atribuída”[4], por meio de normas legais e atos de essência administrativa adequados aos objetivos contidos na intervenção dos entes estatais. Com efeito, nem sempre o Estado intervencionista ostenta aspectos positivos, todavia, é considerado melhor tolerar a hipertrofia com vistas à defesa social do que assistir à sua ineficácia e desinteresse diante dos conflitos produzidos pelos distintos grupamentos sociais. Neste jaez, justamente, é que se situa o dilema moderno na relação existente entre o Estado e o indivíduo, porquanto para que possa atender os reclamos globais da sociedade e captar as exigências inerentes ao interesse público, é carecido que o Estado atinja alguns interesses individuais.  Ao lado disso, o norte que tem orientado essa relação é a da supremacia do interesse público sobre o particular, constituindo verdadeiro postulado político da intervenção do Estado na propriedade. “O princípio constitucional da supremacia do interesse público, como modernamente compreendido, impõe ao administrador ponderar, diante do caso concreto, o conflito de interesses entre o público e o privado, a fim de definir, à luz da proporcionalidade, qual direito deve prevalecer sobre os demais”[5]. 2 Ponderações Introdutórias ao Instituto da Servidão Administrativa Inicialmente, ao se analisar o tema colocado em debate, prima anotar que a servidão administrativa se apresenta como direito real público que permite a Administração utilizar a propriedade imóvel para viabilizar a execução de obras e serviços que atendam ao interesse público. Nesta toada, é verificável que, com a substancialização da servidão administrativa, ocorre o exercício paralelo de outro direito real em favor de um prédio, o qual passa a ser denominado de dominante, ou mesmo de uma pessoa, de modo tal que o proprietário não é mais o único a exercer os direitos dominiais sobre a res. Com realce, insta ponderar que a servidão administrativa estabelecida em favor de prédio materializa a servidão real, ao passo que se beneficiar determinada pessoa constituirá a servidão pessoal. Afora isso, mister se faz sobrelevar que a servidão administrativa, consoante as lições apresentadas pelo festejado José dos Santos Carvalho Filho, consiste no “direito real público que autoriza o Poder Público a usar a propriedade imóvel para permitir a execução de obras e serviços de interesse coletivo”[6]. Não discrepa de tal entendimento Meirelles que, com o destaque reclamado, coloca em evidência que a “servidão administrativa ou pública é ônus real de uso imposto pela Administração à propriedade particular para assegurar a realização e conservação de obras e serviços públicos ou de utilidade pública”[7]. Ressoando o sedimento doutrinário, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ao apreciar a Apelação Cível N° 70039145073, já decidiu que a “servidão administrativa é direito real de uso, estabelecido em favor da Administração Pública ou de seus delegados, incidente sobre a propriedade particular”[8]. É plenamente observável, notadamente a partir do escólio adotado, que as servidões administrativas dão ao a um direito real público, eis que sua instituição decorre da atuação do Ente Estatal, com o fito primevo de atender a fatores de interesse público. Nesta senda, é observável, justamente, que o aspecto caracterizador que difere o instituto em tela da servidão decorrente do direito privado, norteada pelas disposições albergadas pela Lei N° 10.406, de 10 de janeiro de 2002[9], tendo como participantes da relação jurídica pessoas de iniciativa privada, descansa justamente na presença do Ente Estatal. Além disso, o núcleo fundamental de ambos os institutos ora mencionados se alicerçam no mesmo paradigma. Neste alamiré, em que pese a identidade de núcleos, perceptíveis são os aspectos distintivos da servidão privada e da servidão administrativa, quais sejam: a) a servidão administrativa busca atender a interesse público, ao passo que a servidão privada, respaldada pelo Estatuto Civil, visa satisfazer interesse privado; b) a servidão administrativa sofre o influxo dos ditames e princípios do direito público, ao passo que as servidões privadas estão sujeitas aos cânones e corolários do direito privado. Constitui verdadeiro ônus real imposto a um imóvel, particular ou público, no interesse de satisfazer o interesse público. Ao lado disso, com efeito, cuida salientar que, em sede de servidão administrativa, o imóvel serviente poderá ser tanto um privado, o que ocorre comumente, ou mesmo o público. Afora isso, em se tratando de limitação singular, a constituição do instituto em tela é passível de indenização ao proprietário. 3 Fundamentos da Servidão Administrativa Ao se analisar a servidão administrativa, mister se faz aludir que o fundamento da instituição da intervenção do Estado na propriedade privada encontra descanso na supremacia do interesse público sobre o interesse privado, tal como a função social da propriedade, claramente delineada no artigo 5°, inciso XXIII[10], e artigo 170, inciso III[11], ambos da Constituição Federal de 1988. Assim, o sacrifício da propriedade cede lugar ao interesse público que inspira e norteia a atuação interventiva do Ente Estatal. Inexiste uma disciplina normativa federal específica acerca das servidões administrativas, sendo comumente utilizada a norma insculpida no artigo 40 do Decreto-Lei N° 3.365, de 21 de junho de 1941[12], que dispõe sobre desapropriações por utilidade pública. “Com esforço interpretativo, contudo, podemos entender que o titular do poder de instituir as servidões é o Poder Público (que na lei é o expropriante) e que, em alguns casos, será observado o procedimento da mesma lei para a instituição do ônus real”[13]. São exemplos mais comuns da servidão administrativa a instalação de redes elétricas e a implantação de gasodutos e oleodutos em áreas privadas para a execução de serviços públicos. A acepção clássica do instituto em discussão envolve a nomeado servidão de trânsito, isto é, aquela que provoca a utilização do solo, promovendo a redução da área útil do imóvel do proprietário. Farta é a jurisprudência, inclusive, que explicita a natureza de servidões administrativas as hipóteses apresentadas acima, consoante se infere: “Ementa: Apelação cível. Servidão de eletroduto. Passagem de linha de transmissão de energia elétrica. Controvérsia quanto ao valor da indenização. – A servidão administrativa enseja ao proprietário do imóvel o direito a justa e prévia indenização em dinheiro. – Servidão administrativa é direito real de uso, estabelecido em favor da Administração Pública ou de seus delegados, incidente sobre a propriedade particular. Sua instituição acarreta indenização dos prejuízos efetivamente sofridos pelo particular, não se indenizando o valor total da propriedade. – Laudo pericial realizado judicialmente que não apresenta irregularidades, devendo ser utilizado para fins de arbitramento da indenização pelos prejuízos sofridos pelo proprietário do imóvel serviente. Negaram provimento à apelação”. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Terceira Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70036651628/ Relatora: Desembargadora Matilde Chabar Maia/ Julgado em 02.08.2012) (grifou-se). “Ementa: Apelação. Indenização. Desapropriação indireta. Prolongamento de ruas projetado. Canalização de esgoto. Servidão administrativa. No caso, não está em questão apenas a destinação futura da área, mas o uso atual, já efetivado, segundo os apelantes. O uso de imóvel para escoamento do esgoto municipal pode ser considerado como servidão administrativa, pois, nessa hipótese, não se efetiva a transferência da propriedade, configurando-se apenas um ônus especial ao bem. Sendo considerada servidão administrativa, embora os proprietários continuem com o domínio e a posse, cabível indenização se comprovado prejuízo decorrente da restrição de uso da propriedade. Nessas circunstâncias, não há como considerar a parte autora carecedora de ação por falta de interesse processual, pois necessita de tutela de utilidade jurídica. Sentença desconstituída. Deram parcial provimento ao apelo. Unânime”. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Quarta Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70037997202/ Relator: Desembargador Alexandre Mussoi Moreira/ Julgado em 13.06.2012) (destacou-se). “Ementa: Apelação cível. Condomínio. Ação de indenização. Corte de grama. Servidão administrativa de passagem. Ônus do proprietário do imóvel. 1. A servidão administrativa constitui-se em restrição ao uso da propriedade, imposta pelo Poder Público ao particular (neste caso) com o objetivo de resguardar interesse da coletividade, regendo-se ou por acordo firmado entre as partes, ou por sentença judicial. 2. No caso dos autos, houve acerto amigável formalizado através de Escritura Pública, da qual se extrai que os proprietários foram indenizados pela PETROBRÁS pelos prejuízos (presentes e futuros) decorrentes da mencionada servidão, ocasião em que outorgaram plena e irrevogável quitação, declarando nada mais ter a reclamar "a qualquer título". 3. Como se não bastasse os termos da quitação outrora outorgada, os proprietários permaneceram utilizando a área para circulação (inclusive para trânsito de veículos), devendo, portanto, suportarem os ônus decorrentes de sua conservação. Apelo desprovido”. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Décima Nona Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70046929196/ Relator: Desembargador Eugênio Facchini Neto/ Julgado em 27.03.2012) (grifou-se). “Algumas vezes as servidões administrativas são suportadas pelos particulares ou pelo Poder Público sem qualquer indenização, dado que sua instituição não lhes causa qualquer dano, nem lhes impede o uso normal da propriedade”[14], a exemplo do que se verifica na afixação de placa de denominação de rua ou de gancho para sustentar fios de rede energia elétrica dos trólebus em parede de prédio situado em determinados cruzamentos, bem como com a colocação de postes nas calçadas por concessionárias de serviço público. Com efeito, não se verifica nas situações explicitadas acima qualquer interferência, por parte do Ente Estatal, que possa produzir prejuízos ao proprietário particular, não cabendo, portanto, em teoria, verba indenizatória. 4 Anotações à Modalidade de Servidão de Energia Elétrica Em sede de ponderações gerais, cuida anotar que os potenciais de energia hidráulica materializam propriedade distinta da do solo para fins de exploração ou aproveitamento e pertencem à União. No mais, consoante ofuscante dicção do artigo 21, inciso XII, alínea “b”, da Constituição de 1988 contém o princípio da competência da União para explorar, diretamente ou mediante autorização, permissão ou concessão, os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos d’água, em articulação com os Estados em que se situam os potenciais hidroenergéticos. No que atina ao regimento jurídico de aproveitamento dos potenciais de energia elétrica, incidem as normas encartadas no Decreto-Lei nº 24.643, de 10 de julho de 1934, que decreta o Código de Águas, cuja redação do artigo 151 afixa, para o concessionário de serviços de energia elétrica, determinados privilégios, em especial aqueles da alínea “c”, a saber: “Art. 151 [omissis] c) estabelecer as servidões permanente ou temporárias exigidas para as obras hidráulica e para o transporte e distribuição da energia elétrica”[15]. O dispositivo supracitado encontrou regulamentação por meio do Decreto nº 35.851, de 16 de julho de 1954[16], estabelecendo, além do conteúdo da servidão, o processo de constituição. Assim, de acordo com a redação do artigo 1º do decreto executivo em comento, as concessões para o aproveitamento industrial das quedas d’água, ou, de modo geral, para produção, transmissão e distribuição de energia elétrica, conferem aos seus titulares o direito de constituir as servidões administrativas permanentes ou temporárias, exigidas para o estabelecimento das respectivas linhas de transmissão e de distribuição. O processo de constituição da servidão administrativa de energia elétrica se inicia com a expedição do decreto do Poder Executivo reconhecendo a conveniência da servidão e declarando de utilidade pública as áreas destinadas à passagem da linha de transmissão e de distribuição de energia elétrica, conforme preconiza o artigo 2º do decreto executivo em apreço. O segundo passo, no processo de constituição, implica no estabelecimento da escritura pública em que o concessionário e os proprietários interessados estipulam, nos termos do mesmo decreto, a extensão e os limites dos ônus e os direitos e obrigações de ambas as partes, conforme se extrai do artigo 4º. Havendo ocupação ampliada da área serviente, o entendimento jurisprudencial remansoso orienta na necessidade de pagamento de verba indenizatória equivalente a área afetada. Neste sentido, transcreve-se: “Ementa: Administrativo. Servidão efetivada sobre área superior à pactuada. Complementação devida. Precedentes. […] 2. Consoante se infere dos autos, incontroverso que os autores, ora recorrentes, firmaram acordo indenizatório com a ELETROSUL com fins de implantação de linha de transmissão de energia elétrica de alta tensão, e a efetivação da restrição administrativa ampliou-se sobre área de terras que não foram objeto do ajuste. 3. "Aferida que a servidão de passagem ocupa área maior do que aquela prevista na escritura pública, deve haver a complementação do valor para que se respeite o princípio do justo preço. Precedentes de ambas as Turmas de Direito Público: REsp 965.303/RS, Rel. Min. José Delgado, DJe 24.4.2008; REsp 954.081/RS, DJe 23.6.2008 e REsp 1.040.864/RS, DJe 28.4.2010, ambos de minha relatoria; e AgRg no REsp 1.070.826/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 21.8.2009" (REsp 1.050.641/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/08/2013, DJe 30/08/2013). Recurso especial provido”. (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp nº 1.366.012/RS/ Relator: Ministro Humberto Martins/ Julgado em 28 abr. 2015/ Publicado no DJe em 08 mai. 2015). “Ementa: Administrativo. Servidão. Energia elétrica. Área não indenizada. Justo preço. 1. Aferida que a servidão de passagem ocupa área maior do que aquela prevista na escritura pública, deve haver a complementação do valor para que se respeite o princípio do justo preço. Precedentes de ambas as Turmas de Direito Público: REsp 965.303/RS, Rel. Min. José Delgado, DJe 24.4.2008; REsp 954.081/RS, DJe 23.6.2008 e REsp 1.040.864/RS, DJe 28.4.2010, ambos de minha relatoria; e AgRg no REsp 1.070.826/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 21.8.2009. 2. Recurso especial provido”. (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 1.050.641/RS/ Relator: Ministro Castro Meira/ Julgado em 20 ago. 2013/ Publicado no DJe em 30 ago. 2013). Em havendo, porém, embaraço oposto pelo proprietário, medidas judiciais serão adotadas, com o espeque de reconhecer a servidão ou, ainda, utilização do processo de desapropriação, nos termos contidos no artigo 40 do Decreto-Lei nº 3.365/1941. No que atina ao conteúdo, a servidão compreende o exercício dos seguintes direitos por parte do concessionário: (i) praticar, na área por ela abrangida, todos os atos de construção, manutenção, conservação e inspeção das linhas de transmissão de energia elétricas e das linhas, sendo-lhe assegurado ainda o acesso à área da servidão, através do prédio serviente, desde que não haja outra via praticável, conforme preconiza o §2º do artigo 2º do Decreto nº 35.851, de 16 de julho de 1954[17]; (ii) mandar podar ou cortar quaisquer árvores, que, dentro da área da servidão ou na faixa paralela à mesma, ameacem as linhas de transmissão ou distribuição, consoante afixa o §2º do artigo 3º do Decreto supramencionado[18]. Em relação aos proprietários dos prédios servientes, o artigo 5º comina o direito à indenização correspondente à justa reparação dos prejuízos causados pelo uso público e pelas restrições estabelecidas ao seu gozo. Conquanto a legislação fale sobre servidões permanentes e temporárias, a designação, no segundo caso, é imprópria, eis que o, de fato, ocorre a ocupação temporária, que se caracteriza, de maneira pontual, pela utilização do imóvel de propriedade particular, para fins de interesse público. Neste aspecto, é a transitoriedade que enseja a distinção entre os dois institutos supramencionados.
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Transferência de recursos legais em pauta e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE): a concretização do direito humano à alimentação adequada
O escopo do presente é analisar a transferência de recursos legais em relação ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). A alimentação e nutrição se apresentam como elementos condicionantes para o desenvolvimento humano. Nesta esteira, a inserção do direito à alimentação no rol dos direitos sociais, na redação do artigo 6º da Constituição Familiar, passou a exigir da Administração Pública, em todos os seus diversos âmbitos, a conjugação de uma série de esforços para viabilizar sua concretização. Neste aspecto, a alimentação escolar se apresenta como importante instrumento de acessibilidade de alimentação, em quantidade e em qualidade, a parcela vulnerável da população, propiciando elementos para o desenvolvimento físico, psíquico e mental. Para tanto, a partir de um viés administrativo, a compreensão do procedimento de transferência de recursos legais faz-se imprescindível. A metodologia empregada na condução foi o método indutivo, auxiliado pela revisão de literatura específica e exame de fontes doutrinárias sensíveis ao tema.
Direito Administrativo
1 INTRODUÇÃO A Constituição Federal, de maneira ofuscante, em seu artigo 37, estabelece que a Administração Pública será regida por uma série de princípios peculiares, os quais desempenham importante papel na consecução e concretização das atribuições daquela. Dentre essas atribuições, faz-se carecido colocar em destaque a proeminência assumida pela inserção, em sede de redação do artigo 6º, caput, da alimentação como direito social. Ora, tratando-se de típico direito programático, revela-se imprescindível à conjunção de esforços dos âmbitos distintos do Estado (União Federal, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) para, por meio de políticas públicas, programas institucionais, reservas orçamentárias, transferências legais de recursos e ações pró-ativas, assegurar sua concretização no plano concreto.  Como direito social dotado de complexidade, o direito humano à alimentação adequada não se perfaz ou produz efeitos de maneira singular; ao reverso, trata-se de direito de complexidade que se substancializa em uma série de políticas e abordagens e incidem sobre diversos segmentos. Assim, a Administração Pública passa a desempenhar especial papel, notadamente no que atina ao aspecto de assegurador de direito sociais programáticos, a fim de, como fronteira última, promover o princípio da dignidade da pessoa humana e envidar esforços para que o mínimo existencial social seja, de fato, implementado, de maneira irrestrita e, de maneira especial, para os indivíduos que se encontram em situação de maior vulnerabilidade. Faz-se carecido, portanto, esmiuçar a natureza de transferências obrigatórias que emolduram a verba constituinte do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), maiormente quando se coloca exposto o aspecto de elemento concretizador e que permite, parcela da população, alimentação de qualidade e em quantidade condizente para o desenvolvimento físico, mental e psíquico da população atingida. Para o presente, estabelece-se como marco precípuo a proeminência da alimentação escolar como verdadeiro desdobramento do direito em tela, tendo como aspecto analítico o processo administrativo de transferência de recursos. A metodologia empregada se dá a partir do método indutivo e revisão bibliográfica, tendo como elemento analítico a legislação pertinente à transferência de recursos legais advindo do PNAE. 2 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS Inicialmente, não constitui tarefa simples delinear os aspectos inerentes à função administrativa. Consoante aponta Carvalho Filho (2011), há clara divergência entre os teóricos sobre a temática. Em que pese a celeuma, sobressai a percepção que a função administrativa do Estado consiste em realizar seus fins, norteado por uma ordem jurídica. Neste sentido, a função administrativa do Estado Brasileiro encontra, como flâmula, os principais alocados no caput do artigo 37 da Constituição Federal de 1988, a saber: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, os quais, em conjunto, visam assegurar, por meio de tal execução de atividades e fins, promover a dignidade da pessoa humana e o mínimo existencial. Carvalho Filho (2011), ainda, vai preconizar que, na realidade, a função administrativa tem sido considerada de aspecto residual, sendo, em decorrência disso, aquela que não representa a formulação da regra legal nem a composição de lides in concreto. “Mais tecnicamente, pode dizer-se que função administrativa é aquela exercida pelo Estado ou por seus delegados, subjacentemente à ordem constitucional e legal, sob regime de direito público, com vistas a alcançar os fins colimados pela ordem jurídica” (CARVALHO FILHO, 2011, p. 4). Ora, ao se considerar que o ponto central da função legislativa implica na criação do direito novo e o da função jurisdicional repousa na composição de litígios, na função administrativa o grande alvo é, concretamente, a gestão dos interesses coletivos na sua mais ampla dimensão, em decorrência das plurais tarefas a que se deve propor o Estado contemporâneo. Em razão de tal gestão, denota-se que a atividade administrativa desempenhada implica, comumente, a prática de vários atos e atividades alvejando determinado escopo, a Administração vale-se, comumente, de processos administrativos como instrumento para concretizar a função administrativa. Assim, em razão da ilimitada projeção de seus misteres é que parcela da doutrina tem apresentado distinção entre governo e administração, bem como função administrativa de função política, caracterizando-se por não ter subordinação jurídica direta, ao contrário daquela, sempre condicionada a regras jurídicas superiores. Constitui, nesse aspecto, função materialmente administrativa atividades desenvolvidas no Poder Judiciário de que são exemplos decisões em processos de jurisdição voluntária e o poder de polícia do juiz nas audiências; ou, ainda, no Poder Legislativo, como as denominadas leis de efeitos concretos, atos legislativos que, ao invés de fixarem normas gerais e abstratas, interferem na órbita jurídica de pessoas determinadas. Ao se analisar as transferências de recursos, faz-se carecido pontuar: (i) as definidas constitucionalmente, entendidas como dotadas de cunho obrigatório ou vinculadas; (ii) as denominadas voluntárias, cuja manifestação mais comum se concretiza sob a forma de convênios ou contratos de repasse, inobstante haja outras modalidades do gênero; (iii) as de gestão tripartite, que compreendem o SUS e o SUAS; (iv) as de transferência de renda (Bolsa Família); e, (v) excepcionalmente, as realizadas para atender a calamidades ou, ainda, a situações de emergência. 3 DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA: CONTORNOS CONCEITUAIS É fato que alimentação e nutrição são requisitos básicos para a promoção e a proteção da saúde, viabilizando a afirmação plena do potencial de crescimento e desenvolvimento humano, com qualidade de vida e cidadania, tal como estruturação de condições sociais mais próximas das ideais. Podestá (2011, p. 27-28) destaca que a locução segurança alimentar, durante o período da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), passou a ser empregado na Europa, estando associado estritamente com o de segurança nacional e a capacidade de cada país de produzir seu próprio alimento, de maneira a não ficar vulnerável a possíveis embargos, boicotes ou cercos, em decorrência de políticas ou atuações militares. Contudo, posteriormente à Segunda Guerra Mundial (1939-1945), sobretudo com a constituição da Organização das Nações Unidas (ONU), o conceito da locução supramencionada passa a se fortalecer, porquanto compreendeu. Assim, nas recém-criadas organizações intergovernamentais, era possível observar as primeiras tensões políticas entre os organismos que concebiam o acesso ao alimento de qualidade como um direito humano, a exemplo da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), e alguns que compreendiam que a segurança alimentar seria assegurada por mecanismos de mercado, tal como se verificou no Fundo Monetário Internacional (FMI) e no Banco Mundial. Após o período supramencionado, “a segurança alimentar foi hegemonicamente tratada como uma questão de insuficiente disponibilidade de alimentos” (PODESTÁ, 2011, p. 28). Passam, então, a ser instituídas iniciativas de promoção de assistência alimentar, que foram estabelecidas em especial, com fundamento nos excedentes de produção dos países ricos. Havia a visão de que a insegurança alimentar decorria da produção insuficiente de alimentos nos países pobres. Todavia, nas últimas décadas, a concepção conceitual de segurança alimentar que, anteriormente, estava restrita ao abastecimento, na quantidade apropriada, foi ampliada, passando a incorporar, também, o acesso universal aos alimentos, o aspecto nutricional e, por conseguinte, as questões concernentes à composição, à qualidade e ao aproveitamento biológico. Em uma perspectiva individual e na escala coletiva, sobreditos atributos estão, de maneira expressa, consignados na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, os quais foram, posteriormente reafirmados no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos e Sociais e incorporados à legislação nacional em 1992 (BRASIL, 1992, s.p.). Historicamente, a inter-relação entre a segurança alimentar e nutricional e o direito humano à alimentação adequada (DHAA) começa a ser delineada a partir do entendimento existente acerca dos direitos humanos na Declaração Universal de 1948. Durante aludido período histórico, a principal preocupação acerca do tema voltava-se para a ênfase acerca da acepção de que os seres humanos, na condição de indivíduos pertencentes a uma sociedade, eram detentores de direitos que deveriam ser reconhecidos e expressos nas dimensões das quais faziam parte, como alude Albuquerque (2009, p. 896). Para tanto, contribuiu para inserir a proposta de que, a efetivação dos direitos, seria imprescindível a inclusão das questões sociais, econômicas, civis e políticas, as quais foram essenciais para identificá-los como direitos atrelados às liberdades fundamentais e à dignidade humana. A partir de tais ponderações, é possível frisar que a concretização dos direitos humanos, sobretudo o direito humano à alimentação adequada (DHAA), abarca responsabilidade por parte tanto do Estado quanto da sociedade e dos indivíduos. Assim, nas três últimas décadas, denota-se que a segurança alimentar e nutricional passou a ser considerada como requisito fundamental para afirmação plena do potencial de desenvolvimento físico, mental e social de todo o ser humano, superando a tradicional concepção que alimentação é o mero ato de ingerir alimentos. A Cúpula de Roma de 1996 estabeleceu, em órbita internacional, que existe segurança alimentar quando as pessoas têm, a todo o momento, acesso físico e econômico a alimentos seguros, nutritivos e suficientes para satisfazer as suas necessidades dietéticas e preferências alimentares, com o objetivo de levarem uma vida ativa e sã. Afirma Podestá que “ao Estado cabe respeitar, proteger e facilitar a ação de indivíduos e comunidades em busca da capacidade de alimentar-se de forma digna, colaborando para que todos possam ter uma vida saudável, ativa, participativa e de qualidade” (PODESTÁ, 2011, p. 26). Dessa maneira, nas situações em que seja inviabilizado ao indivíduo o acesso a condições adequadas de alimentação e nutrição, tal como ocorre em desastres naturais (enchentes, secas, etc.) ou em circunstâncias estruturais de penúria, incumbe ao Estado, sempre que possível, em parceria com a sociedade civil, assegurar ao indivíduo a concretização desse direito, o qual é considerado fundamental à sua sobrevivência. Ao lado do exposto, convém ponderar que a atuação do Estado, em tais situações, deve estar atrelada a medidas que objetivem prover as condições para que indivíduos, familiares e comunidade logrem êxito em se recuperar, dentro do mais breve ínterim, a capacidade de produzir e adquirir sua própria alimentação. “Os riscos nutricionais, de diferentes categorias e magnitudes, permeiam todo o ciclo da vida humana, desde a concepção até a senectude, assumindo diversas configurações epidemiológicas em função do processo saúde/doença de cada população” (BRASIL, 2008, p. 11). Hirai (2011, p. 74) aponta que os elementos integrativos da concepção de segurança alimentar e nutricional foram sofrendo um processo de ampliação, passando, em razão da contemporânea visão, a extrapolar o entendimento ordinário de alimentação como simples forma de reposição energética. Convém destacar que, no território nacional, o novo conceito de segurança alimentar foi consolidado na I Conferência Nacional de Segurança Alimentar, em 1994. “Assim, no conjunto dos componentes de uma política nacional, voltada para a segurança alimentar e nutricional, estão o crédito agrícola, inclusive o incentivo ao pequeno agricultor; a avaliação e a adoção de tecnologias agrícolas e industriais; os estoques estratégicos; o cooperativismo; a importação, o acesso, a distribuição, a conservação e o armazenamento de alimentos, o manejo sustentado dos recursos naturais, entre outros” (BRASIL, 2008, p.11). No cenário nacional, as ações voltadas a garantir a segurança alimentar dão em consequência ao direito à alimentação e nutrição, ultrapassando, portanto, o setor de Saúde e recebe o contorno intersetorial, sobretudo no que se refere à produção e ao consumo, o qual compreende, imprescindivelmente, a capacidade aquisitiva da população e a escolha dos alimentos que devem ser consumidos, inclusive no que tange aos fatores culturais que interferem em tal seleção. Verifica-se que o aspecto conceitual de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), justamente, materializa e efetiva o direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade satisfatória, de modo a não comprometer o acesso a outras necessidades essenciais da dignidade da pessoa humana. “Nunca é demais lembrar que o direito humano à alimentação adequada tem por pano de fundo as práticas alimentares promotoras de saúde, atinentes à diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis” (MEDEIROS; SILVA; ARAÚJO, s.d., p. 34.). Atualmente, consoante Hirai (2011, p. 24), as atenções se voltam para as dimensões sociais, ambientais e culturais que estão atreladas na origem dos alimentos. Ademais, a garantia permanente de segurança alimentar e nutricional a todos os cidadãos, em decorrência da amplitude e abrangência das questões que compreende, passa a reclamar diversos compromissos, tais como: políticos, sociais e culturais, objetivando assegurar a oferta e o acesso universal a alimentos de qualidade nutricional e sanitária, atentando-se, igualmente, para o controle da base genética do sistema agroalimentar. De maneira expressa, a Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006 (Lei Orgânica da Segurança Alimentar), estabeleceu, em seu artigo 2º, que “[…] a alimentação adequada é direito fundamental do ser humano, inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos consagrados na Constituição Federal, devendo o poder público adotar as políticas e ações que se façam necessárias para promover e garantir a segurança alimentar e nutricional da população” (BRASIL, 2006, s.p.). Igualmente, o diploma legal supramencionado estabelece que a segurança alimentar e nutricional consiste na realização na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem que haja comprometimento do acesso a outras necessidades essenciais, tendo como fundamento práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis. Obtempera Ribeiro (2013, p. 38) que o direito humano à alimentação adequada não consiste simplesmente em um direito a uma ração mínima de calorias, proteínas e outros elementos nutritivos concretos, mas se trata de um direito inclusivo, porquanto deve conter todos os elementos nutritivos que uma pessoa reclama para viver uma vida saudável e ativa, tal como os meios para ter acesso. A partir da Lei Orgânica da Segurança Alimentar (LOSAN), a segurança alimentar e nutricional passou a abranger a ampliação das condições de acesso aos alimentos por meio de produção, em especial da agricultura tradicional e familiar, do processamento, da industrialização, da comercialização, incluindo-se os acordos internacionais, do abastecimento e da distribuição dos alimentos, compreendendo a água, bem como a geração de emprego e da redistribuição de renda. De igual forma, a locução supramencionada compreende, ainda, a conservação da biodiversidade e a utilização sustentável dos recursos, bem como a promoção da saúde, da nutrição e da alimentação da população, incluindo-se os grupos populacionais específicos e populações em situação de vulnerabilidade sociais. A LOSAN abrange, ainda, a garantia da qualidade biológica, sanitária, nutricional e tecnológica dos alimentos, bem como seu aproveitamento, estimulando práticas alimentares e estilos de vida saudáveis que respeitem a diversidade étnica e racial e cultural da população. Está inserido, igualmente, na rubrica em análise, a produção de conhecimento e o acesso à informação, bem como a implementação de políticas públicas e estratégias sustentáveis e participativas de produção, comercialização e consumo de alimentos, respeitando-se as múltiplas características culturais do País. Por derradeiro, a visão existente em torno do DHAA alcança como ápice, em sede de ordenamento jurídico interno, a Emenda Constitucional nº 64, de 4 de Fevereiro de 2010, responsável por introduzir na redação do artigo 6º, o direito fundamental em comento, incluindo-o no rol de direitos fundamentais sociais. Para a consecução do DHAA, é importante explicitar que o alimento deve reunir uma tríade de aspectos característicos, a saber: disponibilidade, acessibilidade e adequação. No que concerne à disponibilidade do alimento, cuida destacar que, quando requisitado por uma parte, a alimentação deve ser obtida dos recursos naturais, ou seja, mediante a produção de alimentos, o cultivo da terra e pecuária, ou por outra forma de obter alimentos, a exemplo da pesca, caça ou coleta. Além disso, o alimento deve estar disponível para comercialização em mercados e lojas. A acessibilidade alimentar, por seu turno, traduz-se na possibilidade de obtenção por meio do acesso econômico e físico aos alimentos. “La accesibilidad económica significa que los alimentos deben estar al alcance de las personas desde el punto de vista económico” (ONU, s.d., p. 03). Ainda no que concerne à acessibilidade, as pessoas devem ser capazes de adquirir o alimento para estruturar uma dieta adequada, sem que haja comprometimento das demais necessidades básicas. Neste aspecto, ainda, a acessibilidade física materializa-se pela imperiosidade dos alimentos serem acessíveis a todos, incluindo indivíduos fisicamente vulneráveis, como crianças, enfermos, deficientes e pessoas idosas. De igual modo, a acessibilidade do alimento estabelece que deve ser assegurado a pessoas que estão em ares remotas e vítimas de conflitos armados ou desastres naturais, tal como a população encarcerada. Renato Sérgio Maluf, ao apresentar sua conceituação sobre segurança alimentar (SA), faz menção ao fato de que se deve considerar aquela como “condições de acesso suficiente, regular e a baixo custo a alimentos básicos de qualidade. Mais que um conjunto de políticas compensatórias, trata-se de um objetivo estratégico […] voltado a reduzir o peso dos gastos com alimentação” (MALUF, 1999, p. 61), em sede de despesas familiares. Por derradeiro, o alimento adequado pressupõe que a oferta de alimentos deve atender às necessidades alimentares, considerando a idade do indivíduo, suas condições de vida, saúde, ocupação, gênero etc. “Los alimentos deben ser seguros para el consumo humano y estar libres de sustancias nocivas, como los contaminantes de los procesos industriales o agrícolas, incluidos los residuos de los plaguicidas, las hormonas o las drogas veterinarias” (ONU, s.d., p. 04). Ao lado disso, um alimento adequado, ainda, deve ser culturalmente aceitável pela população que o consumirá, estando inserido em um contexto de formação do indivíduo, não contrariando os aspectos inerentes à formação daquela. 4 ALIMENTAÇÃO ESCOLAR COMO DESDOBRAMENTO DO DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA A universalização do DHAA traduz-se em assegurar o respeito, a proteção, a promoção e o provimento desse direito a todos os seres humanos, independente de sexo e orientação sexual, idade, origem étnica, cor da pele, religião, opção política, ideologia ou qualquer outra característica pessoal ou social. Acresça-se que fartas são as evidências de que tal universalização é uma árdua tarefa que incumbe aos Estados e governos de alguns países. Ainda que existam ganhos importantes na órbita internacional, quanto à inclusão do tema na agenda social e política, e conquistas normativas e judiciais, subsiste um caminho longo a ser trilhado. “Com efeito, no mundo todo, o problema da universalização do DHAA não é apenas jurídico, mas, num sentido mais amplo, é também político, pois demanda mudanças estruturais, negociação e adoção de medidas concretas capazes de dar operacionalidade a esse direito social” (BRASIL, 2011, p. 11) nos ordenamentos jurídicos internos, o que se dá através de políticas e programas públicos voltados para a promoção e garantia da SAN. Ao lado disso, universalizar o DHAA compreende a concretização dos princípios da indivisibilidade, da interdependência e inter-relação dos direitos humanos, perseguindo a máxima isonômica que todos são igualmente necessários para assegurar uma vida digna e encontram-se organicamente vinculados. Dessa maneira, a vinculação de um reclama a garantia do exercício dos demais, não sendo, portanto, possível falar em liberdade ou em saúde sem uma alimentação adequada, sem acesso à água e a terra. Nesse cenário, é interessante que do Estado Social materializa, segundo o entendimento de Doehring (2008, p. 361), a ideia de uma justiça específica inserida dentro do Texto Constitucional que, entretanto, deve encontrar o seu limite, em que a previsibilidade e a segurança jurídica, ou seja, a concepção do Estado de direito, no sentido formal, será alcançado. Assim, partindo da premissa que orbita em torno da conformação do Estado Brasileiro, há que se reconhecer incumbe deveres quanto à efetividade dos direitos sociais, em especial no que toca à promoção e concretização do DHAA. Desse modo, “ao Estado, cabe prioritariamente a implementação de políticas públicas de segurança alimentar e nutricional, vez que a fome é uma questão que deve estar na agenda prioritária de atuação do poder público” (SEN, 2000, p. 08). Até a introdução do DHAA no Texto Constitucional, havia um debate acerca da possibilidade de exigi-lo tanto na seara administrativa quanto no judiciário. Entretanto, com a introdução daquele na Constituição Cidadã, tal debate não mais subsiste, materializando, doutro ponto, obrigações do Estado e responsabilidades de diferentes atores sociais em relação à concreção e promoção plena, assegurando a todo indivíduo o acesso universal. Examinando a questão sob uma perspectiva da SAN, é necessário resgatar alguns conceitos discorridos no curso da pesquisa, em especial no que se refere ao fato da Lei Orgânica da Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN) instituir um sistema nacional pautado no direito humano à alimentação adequada, culminando, posteriormente, na positivação de tal direito no artigo 6º da CF/88, e na soberania alimentar. Calcado nos princípios da universalidade, participação social, intersetorialidade e equidade, o sistema deve assegurar formas de produzir, abastecer, comercializar e consumir alimentos que sejam suscetíveis a partir de um viés socioeconômico e ambiental, respeitando a diversidade cultural e que sejam promotoras da saúde. Assim, a SAN coloca-se como um objetivo de políticas públicas, na medida em que ela estabelece as orientações a serem seguidas em vários campos, bem como requer mecanismos e instrumentos permanentes para permitir a consecução. Neste aspecto, a promoção da SAN possui três referências: a) direito humano à alimentação adequada; b) soberania alimentar; c) relação com a promoção do desenvolvimento. Dessa maneira, a SAN alude ao direito de todo cidadão e cidadã de estar seguro(a) em relação aos alimentos e à alimentação nos aspectos de suficiência (proteção contra a fome e a desnutrição), qualidade (prevenção de doenças associadas à alimentação) e adequação (preservação da cultura familiar). Burlandy et all explicitam que “assegurar a alimentação significa assegurar o direito elementar à vida. Por essa razão, o direito humano à alimentação adequada é um dos princípios ao qual se subordina a SAN” (2010, p. 38-39). No que toca ao ideário da soberania alimentar, é possível afirmar que SAN sustenta o direito dos povos definirem suas estratégias de produção e consumo de alimentos que necessitam. A terceira referência relaciona o objetivo da SAN com a promoção do desenvolvimento, permitindo afirmar que há uma questão alimentar nos processos de desenvolvimento nos países e regiões e a forma como eles a enfrentam, podendo contribuir para que tais processos promovam crescente equidade social e a melhoria sustentável da qualidade de vida de sua população. Nesta linha de dicção, ao reconhecer o direito à alimentação escolar como desdobramento robusto do direito humano à alimentação adequada, tem-se que tal instrumento é preponderante para assegurar, sobretudo no que tocam às crianças e adolescentes em situação de pobreza e extrema pobreza, a possibilidade refeições que contenham uma alimentação adequada. Neste aspecto, a Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009, que dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola aos alunos da educação básica; altera as Leis nos 10.880, de 9 de junho de 2004, 11.273, de 6 de fevereiro de 2006, 11.507, de 20 de julho de 2007; revoga dispositivos da Medida Provisória no 2.178-36, de 24 de agosto de 2001, e a Lei no 8.913, de 12 de julho de 1994; e dá outras providências, materializa importante instrumento, em nível nacional, da concretização do direito humano à alimentação adequada por meio da merenda escolar. Consoante dicção do artigo 1º diploma normativo ora mencionado, entende-se por alimentação escolar todo alimento oferecido no ambiente escolar, independentemente de sua origem, durante o período letivo.  Por sua vez, o artigo 2º da legislação em comento, em profundos sulcos, vai estabelecer que são diretrizes da alimentação escolar: (i) o emprego da alimentação saudável e adequada, compreendendo o uso de alimentos variados, seguros, que respeitem a cultura, as tradições e os hábitos alimentares saudáveis, contribuindo para o crescimento e o desenvolvimento dos alunos e para a melhoria do rendimento escolar, em conformidade com a sua faixa etária e seu estado de saúde, inclusive dos que necessitam de atenção específica; (ii) a inclusão da educação alimentar e nutricional no processo de ensino e aprendizagem, que perpassa pelo currículo escolar, abordando o tema alimentação e nutrição e o desenvolvimento de práticas saudáveis de vida, na perspectiva da segurança alimentar e nutricional; (iii) a universalidade do atendimento aos alunos matriculados na rede pública de educação básica; (iv) a participação da comunidade no controle social, no acompanhamento das ações realizadas pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios para garantir a oferta da alimentação escolar saudável e adequada;  (v) o apoio ao desenvolvimento sustentável, com incentivos para a aquisição de gêneros alimentícios diversificados, produzidos em âmbito local e preferencialmente pela agricultura familiar e pelos empreendedores familiares rurais, priorizando as comunidades tradicionais indígenas e de remanescentes de quilombos; (vi) o direito à alimentação escolar, visando a garantir segurança alimentar e nutricional dos alunos, com acesso de forma igualitária, respeitando as diferenças biológicas entre idades e condições de saúde dos alunos que necessitem de atenção específica e aqueles que se encontram em vulnerabilidade social.  Ainda em conformidade com o artigo 11, no que toca à universalização do direito humano à alimentação adequada, a responsabilidade técnica pela alimentação escolar nos Estados, no Distrito Federal, nos Municípios e nas escolas federais caberá ao nutricionista responsável, que deverá respeitar as diretrizes previstas na lei em comento e na legislação pertinente, no que couber, dentro das suas atribuições específicas. Os cardápios da alimentação escolar deverão ser elaborados pelo nutricionista responsável com utilização de gêneros alimentícios básicos, respeitando-se as referências nutricionais, os hábitos alimentares, a cultura e a tradição alimentar da localidade, pautando-se na sustentabilidade e diversificação agrícola da região, na alimentação saudável e adequada.  É interessante evidenciar que o §2º do artigo 12 da Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009, assinala que para os alunos que necessitem de atenção nutricional individualizada em virtude de estado ou de condição de saúde específica, será elaborado cardápio especial com base em recomendações médicas e nutricionais, avaliação nutricional e demandas nutricionais diferenciadas, conforme regulamento. No mais, a aquisição dos gêneros alimentícios, no âmbito do PNAE, deverá obedecer ao cardápio planejado pelo nutricionista e será realizada, sempre que possível, no mesmo ente federativo em que se localizam as escolas, observando-se as diretrizes de que trata o art. 2o da Lei em comento.  5 TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS LEGAIS EM PAUTA E O PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR (PNAE): A CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA Em um primeiro comentário, o artigo 2º da Resolução/CD/FNDE nº 38, de 16 de julho de 2009, que dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar aos alunos da educação básica do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), vai estabelecer que são princípios do PNAE: (i) o direito humano à alimentação adequada, visando garantir a segurança alimentar e nutricional dos alunos; (ii) a universalidade do atendimento da alimentação escolar gratuita, a qual consiste na atenção aos alunos matriculados na rede pública de educação básica; (iii) a equidade, que compreende o direito constitucional à alimentação escolar, com vistas à garantia do acesso ao alimento de forma igualitária; (iv) a sustentabilidade e a continuidade, que visam ao acesso regular e permanente à alimentação saudável e adequada; (v) o respeito aos hábitos alimentares, considerados como tais, as práticas tradicionais que fazem parte da cultura e da preferência alimentar local saudáveis; (vi) o compartilhamento da responsabilidade pela oferta da alimentação escolar e das ações de educação alimentar e nutricional entre os entes federados, conforme disposto no art. 208 da Constituição Federal; e (vii) a participação da comunidade no controle social, no acompanhamento das ações realizadas pelos Estados, Distrito Federal e Municípios para garantir a execução do Programa. Por sua vez, o artigo 3º estabelecer que são diretrizes do PNAE: (i) o emprego da alimentação saudável e adequada, que compreende o uso de alimentos variados, seguros, que respeitem a cultura, as tradições e os hábitos alimentares saudáveis, contribuindo para o crescimento e o desenvolvimento dos alunos e para a melhoria do rendimento escolar, em conformidade com a faixa etária, o sexo, a atividade física e o estado de saúde, inclusive dos que necessitam de atenção específica; (ii) a inclusão da educação alimentar e nutricional no processo de ensino e aprendizagem, que perpassa pelo currículo escolar, abordando o tema alimentação e nutrição e o desenvolvimento de práticas saudáveis de vida, na perspectiva da segurança alimentar e nutricional; (iii) a descentralização das ações e articulação, em regime de colaboração, entre as esferas de governo; (iv) o apoio ao desenvolvimento sustentável, com incentivos para a aquisição de gêneros alimentícios diversificados, produzidos em âmbito local e preferencialmente pela agricultura familiar e pelos empreendedores familiares, priorizando as comunidades tradicionais indígenas e de remanescentes de quilombos. O PNAE tem por objetivo contribuir para o crescimento e o desenvolvimento biopsicossocial, a aprendizagem, o rendimento escolar e a formação de práticas alimentares saudáveis dos alunos, por meio de ações de educação alimentar e nutricional e da oferta de refeições que cubram as suas necessidades nutricionais durante o período letivo. Ao lado do exposto, para fins do PNAE, será considerada educação alimentar e nutricional o conjunto de ações formativas que objetivam estimular a adoção voluntária de práticas e escolhas alimentares saudáveis, que colaborem para a aprendizagem, o estado de saúde do escolar e a qualidade de vida do indivíduo. São consideradas, entre outras, estratégias de educação alimentar e nutricional: a oferta da alimentação saudável na escola, a implantação e manutenção de hortas escolares pedagógicas, a inserção do tema alimentação saudável no currículo escolar, a realização de oficinas culinárias experimentais com os alunos, a formação da comunidade escolar, bem como o desenvolvimento de tecnologias sociais que a beneficiem. A partir da caracterização do PNAE, cuida voltar um olhar analítico acerca da transferência de recursos, cuja espécie se encontra alocada nas transferências ditas legais, ou seja, aquelas que “são regulamentadas em leis específicas que disciplinam os critérios de habilitação, forma de transferência, formas de aplicação dos recursos e prestação de contas” (BRASIL, 2000, p. 20). Logo, em observância ao diploma legal, consoante dicção do artigo 5º, §1º, “a transferência dos recursos financeiros, objetivando a execução do PNAE, será efetivada automaticamente pelo FNDE, sem necessidade de convênio, ajuste, acordo ou contrato, mediante depósito em conta corrente específica” (BRASIL, 2009), com o escopo único de adquirir gêneros alimentícios, conforme preceitua o §2º do artigo 5º da Lei nº 11.947/2009. Denota-se, portanto, tal como dito alhures, que a transferência do recurso financeiro advém do reconhecimento da alimentação escolar como desdobramento do direito humano à alimentação escolar. Tecidos tais comentários, passa-se ao exame do procedimento advindo de tal transferência legal de recursos. Nesta linha, o valor repassado, pela União Federal, é calculado com arrimo no número de alunos matriculados no ensino pré-escolar e fundamental de cada um dos entes governamentais, tendo como premissa os dados oficiais de matrículas obtidos no censo escolar, relativo ao ano anterior ao atendimento, realizado pelo Ministério da Educação, consoante preconiza o §4º do artigo 5º da Lei nº 11.947/2009. É importante esclarecer que, para os fins de transferência legal, consideram-se como parte da rede estadual, municipal e distrital os alunos matriculados em: I – creches, pré-escolas e escolas do ensino fundamental e médio qualificadas como entidades filantrópicas ou por elas mantidas, inclusive as de educação especial; II – creches, pré-escolas e escolas comunitárias de ensino fundamental e médio conveniadas com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios (BRASIL, 2009). Uma vez depositada a quantia advinda da transferência, os saques somente são permitidos para pagamento de despesas decorrentes de gêneros alimentícios, por meio de cheque nominativo ao credor ou ordem bancária ou para a aplicação obrigatória em caderneta de poupança se a previsão de uso dos recursos financeiros for igual ou superior a um mês.  “Quando a utilização estiver prevista para prazos menores, os recursos disponíveis devem ser aplicados em fundo de aplicação financeira de curto prazo, ou operação de mercado aberto lastreada em título de dívida pública federal” (BRASIL, 2000, p. 20), devendo, para tanto, os rendimentos serem aplicação na aquisição de gêneros alimentícios. O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação deixará de proceder ao repasse dos recursos do PNAE aos Estados-membros, ao Distrito Federal e aos Municípios, na forma estabelecida pelo seu Conselho Deliberativo, comunicando o fato ao Poder Legislativo correspondente, nos termos do artigo 20 da Lei nº 11.947/2009, quando esses entes: (i) não constituírem o respectivo CAE ou deixarem de efetuar os ajustes necessários, visando ao seu pleno funcionamento; (ii) não apresentarem a prestação de contas dos recursos anteriormente recebidos para execução do PNAE, na forma e nos prazos estabelecidos pelo Conselho Deliberativo do FNDE; (iii)- cometerem irregularidades na execução do PNAE, na forma estabelecida pelo Conselho Deliberativo do FNDE (BRASIL, 2009) “Cada Estado, Distrito Federal e Município deve ter um Conselho de Alimentação Escolar – CAE como órgão deliberativo, fiscalizador e de assessoramento, constituído por sete membros (com respectivos suplentes), para mandato de dois anos não remunerado (podendo ser reconduzidos uma única vez), com a seguinte composição: um representante do Poder Executivo, indicado pelo chefe desse poder; um representante do Poder Legislativo, indicado pela respectiva mesa diretora; dois representantes dos professores, indicados pelo órgão de classe; dois representantes de pais de alunos, indicados pelos conselhos escolares, associações de pais e mestres ou entidades similares; e um representante de outro segmento da sociedade local” (BRASIL, 2000, p. 22).  No mais, nos Municípios com número superior a cem escolas de ensino fundamental, bem como nos Estados-membros e no Distrito Federal, a composição do Conselho de Alimentação Escolar pode ser de até três vezes o número de membros mencionados acima, atentando-se à proporcionalidade. “Além da fiscalização exercida pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, pelo Conselho de Alimentação Escolar, e pelo sistema de controle interno do Poder Executivo Federal, o Tribunal de Contas da União poderá realizar auditorias e inspeções para verificar a correta aplicação dos recursos” (BRASIL, 2000, p. 22). As prestações de contas dos recursos recebidos à conta do PDDE, a serem apresentadas nos prazos e constituídas dos documentos estabelecidos pelo Conselho Deliberativo do FNDE serão feitas: I – pelas unidades executoras próprias das escolas públicas municipais, estaduais e do Distrito Federal e dos polos presenciais do sistema UAB aos Municípios e às Secretarias de Educação a que estejam vinculadas, que se encarregarão da análise, julgamento, consolidação e encaminhamento ao FNDE, conforme estabelecido pelo seu conselho deliberativo; II – pelos Municípios, Secretarias de Educação dos Estados e do Distrito Federal e pelas entidades qualificadas como beneficentes de assistência social ou de atendimento direto e gratuito ao público àquele Fundo.  6 CONCLUSÃO Historicamente, a fome apresenta-se como um evento constante nas sociedades, assumindo, por vezes, índices tão complexos e alarmantes que são capazes de colocar em risco a harmonia social. Trata-se da carestia, ou seja, a fome como crise social econômica acompanhada de má nutrição em massa e epidemias. É interessante, ainda, rememorar que essa manifestação de fome crônica é aquela permanente, ocorrendo quando a alimentação diária não consegue propiciar ao individuo energia suficiente para que seja mantido o seu organismo e para o desempenho de suas atividades cotidianas. Essa materialização da fome traz consigo efeitos devastadores, causando sofrimento agudo e lancinante sobre o corpo, produzindo letargia e debilitando, de maneira gradual, as capacidades mentais e motoras. Há que se reconhecer que o espectro da fome é capaz de desencadear a marginalização social, perda da autonomia econômica e desemprego crônico, em decorrência da incapacidade de executar um trabalho irregular. O ideário de soberania alimentar está assentado na autonomia alimentar do país e a menor dependência das importações e flutuações de preços do mercado internacional. É interessante destacar que o emprego da noção de soberania alimentar tem o início do seu fortalecimento no tema acerca da segurança alimentar, no próprio ano de 1996. Além disso, tal conceito busca dar importância à autonomia alimentar do país e à menor dependência das importações e flutuações de preços do mercado internacional.  Já a segurança alimentar e nutricional, parafraseando a concepção legal contida na Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional, em seu artigo 3º consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem que haja o comprometimento do acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis. Alimentar-se é muito mais do que a mera ingestão de alimentos. É, conforme o artigo 2º da LOSAN, a materialização de um direito fundamental do ser humano, inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos consagrados na CF/88, devendo o Poder Público adotar as políticas e ações que se façam necessária para promover a segurança alimentar e nutricional da população. O ato de alimentação requer a presença de alimentos em qualidade, em quantidade e regularmente. A reunião dos três pilares materializa o ideário de segurança alimentar e nutricional (SAN) e o direito humano à alimentação adequada (DHAA). A qualidade dos alimentos consumidos preconiza que a população não esteja à mercê de qualquer risco de contaminação, problemas de apodrecimento ou outros decorrentes de prazos de validade vencidos. Trata-se da possibilidade de consumir um conjunto de alimentos de maneira digna, sendo que a extensão de dignidade assume a feição de um ambiente limpo, com talheres e seguindo as normas costumeiras de higiene e as particularidades caracterizadoras de cada etnia ou região. A quantidade dos alimentos ingeridos deve ser suficiente para assegurar a manutenção do organismo e o desenvolvimento das atividades diárias. A regularidade da alimentação, por sua vez, assenta suas bases na premissa que as pessoas têm que ter acesso constante à alimentação, sendo esse compreendido como a possibilidade de se alimentar ao menos três vezes ao dia. Com efeito, inúmeros são os obstáculos a serem superados, sobretudo para a integral substancialização do direito em comento, notadamente quando se analisa uma sociedade dotada de contrastes tão robustos, sobretudo no que concerne à distribuição de renda desigual e a população que se encontra em situação de vulnerabilidade social acentuada. Denota-se, pois, que a materialização do direito humano à alimentação adequada é pilar primordial da promoção da dignidade da pessoa humana, pedra angular do ordenamento jurídico vigente, eis que busca atender a necessidade básica para o desenvolvimento humano.
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Uma análise do tratamento igualitário na responsabilização do agente político e do servidor público
Apresenta uma discussão acerca da responsabilização de agentes políticos e de servidores públicos. Sabe-se que apesar da existência de legislações voltadas especificamente para tais questões, quando se trata de aplicá-las na prática a realidade é bastante diferenciada. Dessa forma, existe uma polêmica entorno da responsabilização civil de agentes políticos e de servidores públicos, que atualmente se dá de modo diferenciado o que gera consideráveis e acaloradas discussões. É preciso considerar que quando se trata de um servidor público a sanção recebida poderá desencadear limitações para o exercício de seus direitos civis e políticos. Contudo, quando se trata de um agente político, as sanções possuem caráter temporário, e são destinadas para o seu direito político. Conclui-se que a questão relacionada com o tratamento igualitário de agentes políticos e servidores públicos é bastante discutida, sendo que independentemente do sujeito ao qual se refere, a responsabilização na esfera penal, administrativa ou civil deve acontecer para ambos, não admitindo-se a existência de tratamento diferenciado.[1]
Direito Administrativo
Introdução Sem dúvida um dos assuntos que mais chama à atenção da população brasileira faz menção a responsabilização de condutas errôneas que são praticadas na sociedade, indubitavelmente cresce o sentimento e o desejo de que tais sujeitos possam ser efetivamente e adequadamente penalizados em virtude de seus atos. É preciso considerar nesse rol, que a responsabilização de agentes políticos e servidores públicos é alvo de constantes discussões especialmente em decorrência do tratamento que é conferido para cada um destes sujeitos quando se trata de responsabilizá-los por condutas ilegais. É preciso notar que a conduta ilegal ou até mesmo imoral de agentes políticos e de servidores públicos não é recente, bem como não pode ser apontada como um privilégio da sociedade brasileira. Dessa forma, surge a necessidade de disciplinar acerca de tais condutas, estabelecendo sanções para que tais práticas possam ser coibidas. Merece destaque nesse cenário, o Estatuto do Servidor Público (Lei nº 8.112 de 11 de dezembro de 1990), bem como a Lei Lei nº 8.429/92 que buscam legislar sobre as condutas permitidas à estes sujeitos, além de estabelecer as consequências que o não cumprimento destas poderá ocasionar. No entanto, é preciso salientar que quando um servidor público é alvo de uma condenação, seja em um processos judicial ou administrativo, este acabará por receber uma sanção definitiva que desencadeará consideráveis limitações para que este possa exercer os seus direitos civis e políticos. Porém, quando se trata de um agente político, a sanção proferida possui caráter temporário e é destinada para o seu direito político. Assim, este estudo se torna importante e relevante justamente porque propõe analisar os diferentes pontos de vista existentes com relação ao tratamento igualitário que deveria existir para ambos os casos. Dessa forma, a reflexão que se desenvolvida é no sentido de perceber o Direito Eleitoral sob o prisma do Direito Administrativo, enaltecendo tal problemática e buscando apresentar os diferentes pontos de vista que existem à esse respeito. A discussão envolvendo o tratamento igualitário no que tange a responsabilização do agente político e do servidor público naturalmente é um assunto que acarreta muitas polêmicas. Dessa forma, existem diferentes posicionamentos e reflexões a esse respeito. Dessa forma, é preciso perceber que quando o servidor público recebe uma condenação em um processo seja este judicial ou administrativo, acabará por receber uma sansão definitiva e esta ocasionará consideráveis limitações em relação ao exercício de diversos direitos, políticos e civis. No entanto, quando se trata de um agente político, a sansão recebida terá caráter de temporária sendo destinada e direcionada para o seu direito político. Justamente nesse cenário, despontam muitas colocações no sentido de que deveria existir uma forma de tratamento que se mostrasse igualitária para os agentes.Existem diferenças de tratamento no que diz respeito à responsabilização do agente político e do servidor público. Acredita-se que o tratamento deveria ser igualitário para ambos, haja vista que em determinadas situações a sanção para o servidor público é mais rigorosa do que as aplicadas aos agentes políticos. 1. Desenvolvimento 1.1 Os agentes políticos Os agentes políticos são os titulares de cargos considerados estruturais para a organização política do país, bem como aqueles que integram a estrutura constitucional do Estado. Assim, podem ser considerados como agentes políticos o Presidente da República, Governadores, Prefeitos, os vices, bem como os auxiliares imediatos dos chefes do Executivo (Ministros e Secretários das mais variadas Pastas), além dos Senadores e dos Deputados Federais, Estaduais e os Vereadores (WEBER, 2008). “A Relação jurídica que os vincula ao Estado é de natureza institucional, estatutária. Seus direitos e deveres não advêm de contrato travado com o Poder Público, mas descendem diretamente da Constituição e das leis. Donde, são por elas modificáveis, sem que caiba procedente oposição às alterações supervenientes, sub color de que vigoravam condições diversas ao tempo das respectivas investiduras” (PEREIRA NETO, 2011, p.1). Para Pereira Neto (2011) é possível afirmar que o caracteriza os agentes políticos é justamente o cargo que estes ocupam, além da natureza especial que suas atribuições possuem, não se considerando necessariamente a pessoa que ocupa determinado cargo, mas si o cargo que é ocupado por esta. Conforme sinaliza Dallari (2000) o termo agente político é apresentado como uma expressão que contempla toda e qualquer pessoa que, de algum modo e a qualquer título, se encontrar no exercício de uma determinada função pública, em outras palavras, aquele que pratica atos imputáveis ao Poder Público, sendo possuidor de competência para tal finalidade. “Os agentes políticos exercem funções públicas, que podem consistir tanto na prática de atos políticos, quanto na prática de simples atos administrativos. Em qualquer caso, porém, não são isentos de responsabilidade, que é algo elementar ao sistema republicano, adotado em nossa Constituição. Em sistemas outros, como a monarquia, conforme já ocorreu no Brasil quando vigente a Constituição do Império, de 1824, pode-se adotar a regra de que o rei não erra, de que o rei é irresponsável” (DALLARI, 2000, p.1). De acordo com as colocações de Pereira Neto (2011) é possível dizer que o elemento caracterizador dos agentes políticos é basicamente o cargo que estes ocupam, que é dotado de elevada hierarquia na organização da Administração Pública, além das atribuições que estes desempenham que são de natureza especial. Ainda para o autor, é legítimo que estes possam contar com o deferimento de vantagens e benefícios, em função do cargo que exercem e não da pessoa que o ocupa. 1.2 Servidor público Em um primeiro momento, é necessário destacar que com o objetivo de executar os serviços da administração pública é preciso contar com recursos humanos, que consistem basicamente em um conjunto de pessoas, que possuem os mais variados tipos de vínculos, tais como estatutários ou celetista, que desenvolvem as suas atividade maneira transitória ou permanente (CARDOSO e PEDRO, 2011). Tem-se assim, que os servidores públicos são os titulares de cargos públicos de maneira efetiva e em comissão, tendo um regime jurídico que seja estatutário geral ou ainda peculiar, sendo também considerados como servidores públicos aqueles que trabalham na administração direta, nas autarquias ou ainda nas fundações públicas, tendo personalidade de Direito Público. De modo geral, trata-se dos cargos efetivos, assim aqueles que o possuem podem adquirir estabilidade, sendo integrantes a regime peculiar de Previdência Social (WOMMER, 2011). O autor Santiago (2012) sinaliza que se denomina como servidor público as pessoas físicas que realizam prestação de serviços para o estado e também para as entidades da administração indireta. Importante mencionar que estes sujeitos são dotados de vínculo empregatício e que os seus salários é quitado com a utilização de recursos públicos. Caminhando nessa direção, pode-se dizer que o servidor público civil é aquele titular de cargo público, e mantedor de relação estatutária, compondo assim, o quadro da administração direta, autarquia ou ainda fundação pública. Em síntese, pode-se dizer que o servidor público é a pessoa física que realizam a prestação de serviços direcionados para o Estado e também para as entidades vinculadas com a Administração indireta. Estes possuem fundamental importância no que tange a execução dos serviços, uma vez que se faz necessário o recurso humano e também pelo fato de que realizam seus trabalhos em prol do bem-estar comum. 1.2.1 Servidores estatutários O servidor público pode ser considerado como uma espécie dentro da amplitude do gênero servidores estatais, que são aqueles dotados de relação de trabalho profissional e não eventual com a administração. Assim sendo, pode-se dizer que os servidores estatutários são aqueles contratados para ocuparem cargo público por um regime, denominando de estatutário, que é regulamentado pelo Estatuto do Servidor Público, legislação federal nº 8.112/90, e no estado do Rio de Janeiro, possui regulamentação ainda pelo Decreto nº 2.479/79 (CARDOSO e PEDRO, 2011). Ademais, tem-se que o servidor para ser nomeado precisa passar anteriormente por concurso público realizado através de provas, ou de provas e títulos, em consonância com art. 37, inciso II da Constituição Federal. Sobremaneira, considera-se como cargo público, aquele cujo provimento é tido como efetivo, ou seja, de caráter permanente. Dessa forma, torna-se possível oferecer estabilidade para o servidor. Característica que se mostra contrária aos cargos em comissão, que não são dotados de efetividade e portanto, não ocasionam estabilidade justamente pelo fato de que a nomeação nestas situações é submetida a existência de confiança por parte de autoridades dotadas de competência para a realização de tal nomeação (CARDOSO e PEDRO, 2011). Como sinaliza Santiago (2012), os servidores estatutários são aqueles que ocupam cargos públicos em decorrência da participação e da aprovação em concursos públicos, legislação estabelecida por meio da Constituição Federal de 1988. Estes se encontram regidos por um estatuto, estabelecido por lei, para cada uma das unidades constantes da federação. Importante recordar que os servidores novos, que serão investidos nos cargos, já o fazem com uma situação jurídica delineada de modo prévio. É importante mencionar que o regime estatutário é regulamentado por uma série de regras que tem a finalidade de regulamentar as relações jurídicas que existem entre o servidor público que é estatutário e o Estado. Pode-se dizer que, as regras estatutárias básicas precisam ser constantes em leis, no entanto, existem ainda outras regras, porém essas de cunho mais organizacional previstas em atos administrativos, tais como portarias, circulares, decretos, dentre outros. Ademais, a lei estatutária deverá obedecer às determinações constitucionais acerca dos servidores (WOMMER, 2011). A grosso modo, os servidores estatutários se encontram submetidos, portanto, a um estatuto que é fixado por lei, dessa maneira assim que tomam posse do cargo público já ingressam em observância de determinações jurídicas prévias, sendo que as mesmas não podem ser alteradas haja vista que se tratam de normas públicas. 1.2.2 Servidores temporários Pode-se dizer que os servidores temporários são aqueles contratados para a realização de atividades temporárias, sendo submetidos a um regime jurídico de cunho especial que deverá ser disciplinado em legislação proveniente de cada unidade da federação. É importante dizer que só é permitida a contratação temporária destes, sendo que os mesmos não podem ser admitidos em cargos efetivos sem que tenham prestado concurso público (VINCI JÚNIOR, 2005). Para Wommer (2011) os servidores temporários são caracterizados como sendo uma espécie de categoria excepcional dentro do conceito geral de servidores públicos. A previsão legal para a contratação destes se encontra calcada no art. 37, IX da Constituição Federal que admite a contratação de pessoal por tempo determinado com a finalidade de prover o atendimento temporário e excepcional das atividades de interesse público. É admitido dessa maneira, a contratação destes na forma da lei, e para tanto, os mesmos são considerados como sendo integrantes da categoria geral dos servidores públicos. Como ensina Bonezzi e Pedraça (2008), os servidores denominados de temporários são contratados com o objetivo de exercer determinadas funções para a administração pública, sendo que estas funções são consideradas como temporárias. Assim, por meio de um regime jurídico especial, que deverá ser orientado por legislação própria de cada unidade da federação, admite-se a contratação destas pessoas. No entanto, é primordial destacar que, se trata somente de uma contratação temporária, sendo inadmissível que estes sejam admitidos de modo efetivo, sem a realização de um concurso público. Cardoso e Pedro (2011) advertem que quando os servidores temporários são contratos somente com a finalidade de exercer função pública que se faz necessária naquele momento, desde que tenham caráter excepcional, relevante e que possuam interesse público. Desse modo, esses sujeitos acabam por desempenhar uma atividade que pública, mas o fazem de maneira remunerada, temporária e em situações de necessidade. Por fim, como mencionado anteriormente, os autores advertem para o fato de que não é permitido, em hipótese alguma, que estes sujeitos sejam contratados de modo efetivo, para que isso se torne possível se faz necessária a realização de concurso público. 1.2.3 Empregados públicos Os empregados públicos também são admitidos em suas funções por meio da aprovação em concurso público, sendo submetidos também a todos os preceitos constitucionais referentes à investidura, acumulação de cargos, vencimentos e também determinadas garantias e obrigações que se encontram expressas no Capítulo VII da Constituição Federal de 1998. No entanto, estes são contratos por meio do regime da legislação trabalhista, com a realização de algumas alterações de caráter lógico em virtude das determinações do Direito Administrativo. Em outras palavras, os Estados e Municípios não são dotados da faculdade de alterar as suas garantias em termos trabalhistas, uma vez que, tal tarefa compete diretamente a União, que se encontra conforme art. 22, inciso I, da Constituição Federal dotada de competência para a realização destas mudanças (CARDOSO e PEDRO, 2011).  De acordo com as colocações realizadas por Vinci Júnior (2005), é possível dizer que o servidor público celetista se encontra subordinado a basicamente dois sistemas, tidos como integrados e dependentes, a saber, 1º ao sistema da administração pública, que realiza a imposição de suas regras relativas a necessidade de impessoalidade por parte do administrador, de publicidade, legalidade, moralidade administrativa, além da motivação do ato administrativo. 2º ao sistema funcional trabalhista, responsável por delinear os contornos referentes aos direitos e deveres que são mútuos no que tange a execução do contrato e também os efeitos de cancelamento do mesmo.Conforme ensina Santiago (2012), nos casos em que a administração pública contrata em observância com as regras estabelecidas pela CLT (Consolidação de Leis Trabalhistas), está equiparando-se ao empregador privado e portanto, se encontra sujeita aos mesmos direitos e as mesmas obrigações deste. Dessa maneira, pode-se inferir que os empregados públicos representam aqueles indivíduos em que possuem uma relação de trabalho ligada com as entidades de direito privado da administração pública indireta, ou seja, as fundações que possuem direito privado e que são mantidas pelo poder público, além das empresas que tem economia mista. Outrossim, se encontram submetidos ao regime celetista, mas possuem estabilidade do emprego, mesmo que do que aquela dos estatutários que ocupam cargos públicos. Por serem celetistas, naturalmente o seu regime de trabalho se encontra regulamentado pela Consolidação das Leis do Trabalho, sendo através da prestação de concursos públicos que ingressam na administração. É importante frisar que, os empregados públicos são dotados de uma maneira de estabilidade que se mostra um tanto quanto diferenciada do que a dos servidores públicos efetivos. No entanto, ainda sim a sua dispensa precisa observar e respeitar determinados requisitos. Em outras palavras, para que seja dispensados, a decisão administrativa depende necessariamente da existência de motivação considerada como indispensável em todo o ato administrativo, seja este de cunho vinculado ou ainda discricionário. Importante ressaltar que a sua previsão de modo implícito, se encontra no art. 93, X da Constituição Federal, sendo aplicado por analogia para a administração pública, ou ainda se encontra prevista no art. 5º, XXXIII da Constituição, além de se fazer presente nos artigos de número 2 e 50 da Lei 9.784/99. Portanto, a demissão dos empregados públicos só poderá acontecer posteriormente a instauração de um procedimento de caráter administrativo, que tenha como resultado a apuração de uma falta grave. Ademais, deve-se assegurar e garantir a existência do contraditório e também da ampla defesa nos mesmos termos dos servidores públicos celetistas (SANTIAGO, 2012). Recorda-se ainda que existem outras possibilidades de demissão do empregado público, encontram estabelecidas nos incisos do art. 3º da Lei 9.962/2000, que não menciona qualquer estabilidade do empregado público, tampouco a possibilidade de realização de inquérito administrativo ou ainda de sindicância para os casos de demissão do empregado público. Ressalta-se ainda, que tal legislação tem a finalidade de versar acerca do regime de emprego público do pessoal da administração em nível ferral direito, autarquia e também fundacional. Em síntese, a doutrina demostra a existência de uma certa divisão no que tange a garantia de estabilidade dos empregados públicos. Dessa forma, tem-se aqueles que compreendem que a mesma não se aplica, apesar destes profissionais terem sido submetidos e aprovados em concurso público. Já para outros existe a garantia desta estabilidade em observância as legislações e também ao fato dos empregados públicos terem passado pelo processo do concurso. Assim, nos dizeres de Emerson Santiago: “talvez, o mais seguro seja afirmar que sua estabilidade é atípica, especial ou sui generis, ou não-estabilidade moderada” (SANTIAGO, 2012, p.1). 1.3 Responsabilização dos servidores públicos No que se refere a responsabilidade dos servidores públicos, inicialmente, se faz necessário a definição do que vem a ser tal conceito. Vieira (2011), ensina que o descumprimento de deveres, bem como a inobservância das proibições estabelecidas, acabam por acarretar uma serie de consequências para os agentes públicos, sendo que estes se encontram sujeitos a três responsabilizações de naturezas concomitantes ou não. É possível que uma mesma conduta do servidor, configure-se em infração administrativa e que ocasione dano para à Administração, sendo tipificada como crime. Nestas situações, o servidor terá que arcar com as consequências advindas da responsabilidade administrativa, civil e criminal, haja vista que as três possuem fundamentos e natureza distintos. Dessa maneira, no exercício de suas atribuições, ou no pretexto de exercê-las, estes podem cometer infrações de cunho administrativo, civil ou criminal, e devem ser responsabilizados pela Administração e também diante da Justiça Comum. É preciso mencionar que a responsabilidade administrativa é correspondente ao encargo que ocasiona a violação das normas internas da Administração por parte do agente público, que naturalmente se encontra sujeito aos estatutos, decretos e também disposições complementares ou ainda provimentos regulamentadores das funções públicas (GUIDA, 2014). É preciso mencionar que as penalidades administrativas são independentes da existência de processo no campo civil ou penal, que possam sujeitar o servidor em virtude da decorrência do mesmo ato ilícito. Dessa forma, afasta-se a penalidade no âmbito administrativo caso haja a absolvição do servidor no âmbito penal, diante da comprovação da inexistência do fato, ou ainda se existirem circunstâncias que possam excluir o crime ou isentar o réu da pena (VIEIRA, 2011). O servidor pode ser responsabilizado em três esferas diferentes, civil, administrativa e penal, a respeito destas, há que se mencionar alguns aspectos: a) Responsabilização na esfera penal: as condutas que se encontram tipificadas como crimes e que desencadeiam responsabilizações criminais, administrativas e civis para os servidores públicos, se encontram expressas em diversas normatizações e legislações que são pertencentes ao ordenamento jurídico brasileiro e responsáveis por realizar a regulamentação das ações do Estado e também daqueles que ocupam algum cargo ou função pública. Nesse cenário, tem-se pois, que a responsabilidade criminal do servidor público, faz menção as consequências advindas da prática de condutas que se encontram tipificadas pelo ordenamento com sendo crimes relacionados ao exercício do cargo, função ou ainda do emprego público, justamente por essa razão, dá-se o nome de crimes funcionais. O servidor poderá responder penalmente nas situações em que pratica algum tipo de crime ou contravenção. Os elementos que podem caracterizar o ilícito penal são a ação ou omissão antijurídica, e que sejam previstas como contravenção ou crime, nas quais não se admite a responsabilidade objetiva. Para tanto, exigem-se a relação de causalidade, entretanto, não exige-se o resultado, haja vista que assim como na tentativa, o dano e o perigo de dano, podem ser passíveis de aplicação de sanções penais. Ademais, os crimes de responsabilidade representam infrações político-administrativas que se encontram definidas em legislação especial federal e que poderão ser cometidas no desempenho da função pública, podendo ocasionar o impedimento para o exercício da mesma. Portanto, dependendo da gravidade da ação infracional realizada pelo agente público, ela poderá ter seus efeitos sentidos nas esferas criminal, civil e também administrativa, de maneira independente (VIEIRA, 2011). A responsabilidade do servidor público é decorrente da prática de uma conduta que se mostre contrária as leis penais e também a lei de contravenção penal, estabelecida pelo Decreto-lei nº3.688, de 3 de outro de 1941. Ressalta-se que os fatos que constituem crimes se encontram previstos a partir do art. 121 do Código Penal, bem como nas demais legislações existentes no ordenamento jurídico brasileiro. Assim, os crimes que são cometidos pelos servidores públicos devem ser apurados pelos órgãos definidos na Constituição da República do Brasil e também no Código de Processo Penal (GOMES, 2013). b) Responsabilização na esfera administrativa: na esfera da administração os instrumentos de apuração dos servidores públicos por infrações praticadas quando se encontram exercendo as suas atribuições, ou as que possuam relação com as atribuições de seus cargos, são a sindicância e também o processo administrativo disciplinar, regulamentados nos arts. 143 a 182 da Lei 8.122/1990. É importante pontuar que ando uma determinada infração é cometida na esfera administrativa, é absolutamente necessário que a mesma seja apurada, como uma espécie de garantia para a Administração e também para o servidor. Dessa forma, o procedimento para essa apuração deverá ser formal a fim de que assegure para o servidor o exercício do direito de ampla defesa e também do contraditório, por meio dos quais busca ser inocentado da acuação que é oferecida contra ele (MACHADO e FRAZÃO, 2011). O servidor deverá responder administrativamente pela prática de ilícitos administrativos que se encontram definidos na legislação estatutária, sendo dotados dos mesmos elementos da responsabilidade civil. Em tais situações, a infração deverá ser apurada pela própria administração pública que irá realizar a instauração do procedimento adequado para tal finalidade, garantido a existência do contraditório e da ampla defesa para o servidor, conforme fora dito. Importante salientar ainda que, os mecanismos de apuração para tais situações se encontram estabelecidos nas legislações estatutárias sendo os sumários, e também o processo administrativo disciplinar. No que se refere à esfera federal, menciona-se a Lei 8.112/90, que prevê as penalidades de advertência, destituição de cargo em comissão, destituição de função comissionada, suspenção, demissão, e também cassação de aposentadoria. No que tange o ilícito administrativo verifica-se que a mesma tipicidade é a que caracteriza o ilícito penal. Assim, a administração dispõe de uma cerca margem de apreciação no enquadramento da falta dentre os ilícitos que se encontram previstos em legislação. Contudo, não significa que haverá arbitrariedade, haja vista que são impostos critérios que precisam ser observados. Em outras palavras, essa discricionariedade precisará ser pautada no princípio da motivação, o que representa um direcionamento para a Administração Pública. Menciona-se ainda que, como medida preventiva a Lei 8.112/90 prevê o afastamento do servidor por um prazo de 60 dias, que poderá ser prorrogado pelo mesmo período, a fim de que não se tenham influência na apuração (VERAS, 2011). A responsabilidade administrativa é decorrente da violação do servidor aos deveres e também as proibições que se encontram preconizadas nos respectivos estatutos. Assim, caso a conduta inadequada possa desdobramentos que afetem a ordem interna dos serviços, sendo caracterizada apenas como infração administrativa, tem-se a responsabilização dessa esfera, que poderá ocasionar que o agente sofra penalidades administrativas, sendo que a mesma é apurada mediante processo administrativo e a penalidade também é aplicada nesse âmbito. Entretanto, se o agente seja por omissão ou ação, culposa ou dolosa, provocou danos para a Administração, deverá repará-lo, sendo assim responsabilizado na esfera civil. Por fim, ressalta-se que a responsabilidade civil poderá ter início e término na esfera administrativa, ou ainda, ter início nesse âmbito, sendo objeto posterior de ação no judiciário (AUGUSTO, 2015). c) Responsabilização na esfera civil: Para que o agente público possa ser responsabilizado na esfera civil, precisará correr contra ele um processo administrativo com a finalidade de apurar se realmente houve dano e quem foi o real causador do mesmo, além disso, é necessário que exista nexo de causalidade entre o agente e o dano que fora praticado (MACHADO e FRAZÃO, 2011). A responsabilidade civil é de ordem patrimonial sendo decorrente do entendimento presentem no Código Civil de que todo aquele que causa um dano para terceiros se encontra obrigado a repará-lo. Para que exista a configuração do ilícito, é necessário que exista alguma ação ou omissão antijurídica por parte do servidor, bem como culpa ou dolo, relação de causalidade entre a ação ou omissão e o dano verificado, além da ocorrência de um dano moral ou material. O autor ainda salienta que, nos casos de danos ocasionados pelo servidor público se faz necessária a distinção de duas hipóteses: se o dano foi causado ao Estado ou a terceiros (VERAS, 2011).No caso de responsabilização na esfera civil o servidor precisará reparar o dano que fora causado à Administração em virtude da ação ou omissão, dolosa ou culposa. No que tange a sentença da ação penal ressalta-se que a mesma poderá possuir repercussões na esfera de responsabilidade administrativa e civil do servidor (AUGUSTO, 2015). Em se tratando de danos provocados a terceiros, “deverá realizar-se a aplicação da norma do art. 37, inciso VI, da Constituição Federal, em virtude da qual o Estado responde objetivamente, ou seja, de maneira independente de culpa ou dolo, possuindo o direito de regresso contra o servidor que ocasionou o dano desde que este tenha agido com culpa ou com dolo” (VIEIRA, 2011). Conforme se nota, existem várias possibilidades de responsabilização do agente público, que poderá sofrer consequências nas esferas penal, civil e também administrativa. Verifica-se dessa forma, que as sanções que são estabelecidas implicaram em sérias consequências para o mesmo, sendo que as penalidades aplicadas são de caráter permanente e por isso, o servidor irá sofrer consideráveis limitações. 1.4 Responsabilização dos agentes políticos No que diz respeito à responsabilização dos agentes políticos é imperativo recordar a Lei nº 8429/92 que, segundo Pereira Neto surgiu justamente a partir do amplo apelo popular diante das questões que assolavam a sociedade, “no que diz respeito às condutas dos agentes políticos, considerando especialmente a ineficácia do diploma que até então era vigente, o Decreto-Lei-Federal nº 3240/41” (PEREIRA NETO, 2011).Cardoso (2012) sinaliza ainda que a Lei 8.429/92 em tem a finalidade de regulamentar os atos dos agentes públicos, que em decorrência de improbidade, ocasionarem algum tipo de prejuízo para os recursos públicos e/ou importarem no enriquecimento ilício, além de prevê as sanções que podem ser aplicadas em tais situações. É importante ressaltar que os atos de improbidade se encontram divididos em três modalidades diferentes: 1. Atos que importam em enriquecimento ilícito: se encontram previstos no art. 9º da Lei nº 8.429/92 e contempla situações de aumento de patrimônio que o agente possui, em virtude de vantagem conseguida indevidamente em decorrência do exercício de um determinado cargo, mandato, função emprego ou atividade. 2. Atos que ocasionam prejuízo ao erário: são listados no art. 10 da legislação, e trata-se se ações, omissões dolosas ou culposas que acarretarem algum tipo de prejuízo aos cofres públicos. 3. Atos que atentam contra os princípios da Administração Pública: expressos no art. 11 da Lei). De acordo com Liberatti (2014) a responsabilização dos agentes políticos por atos de improbidade pode ser considerada como irrestrita. Na esfera penal a tutela é conferida para a moralidade administrativa de forma direta. Dessa forma, a responsabilização penal do agente público, é decorrente da prática de crimes que se encontram previstos no entre os artigos 312 e 326 e os artigos 359-A e 359-H do Código Penal, bem como da prática de delitos previstos nas legislações especiais.“O agente público, ao ser condenado, poderá sofrer a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo em caso de a pena privativa de liberdade ser igual ou superior a um ano nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever com a Administração Pública. Nos demais casos, o agente poderá perder cargo, função ou mandato, quando a pena privativa de liberdade for superior a 4 anos, conforme dispõe o art. 92 do Código Penal” (LIBERATTI, 2014, p.12).Conforme ensina Lopes (2014) a Lei nº 1079/50 prevê os crimes de responsabilidade para os seguintes agentes políticos: Presidente da República, Ministros do Estado, Procurador-Geral da República, Ministros do STF, Governadores, Secretários de Estado. Ademais, o Decreto-Lei 201/67 trata dos Crimes de Responsabilidade dos Prefeitos. Caminhando nessa direção, há que se considerar que em se tratando da esfera de responsabilidade político-administrava do agente público, tem-se a configuração de uma esfera distinta da penal e da civil, entretanto é importante salientar que um mesmo agente poderá incidir com igual conduta em uma ou mais esferas, a exemplo do que ocorre com os agentes públicos. Em outras palavras, o fato do agente político se encontrar inserido em outras esferas, não o exime de responder nas demais, ao menos, em tese. Liberatti (2014) salienta que uma grave consequência da não aplicabilidade da Lei 8.429 aos agentes políticos reside na violação da isonomia sob a ótica da isenção de responsabilização de terceiro não pertencente à Administração Pública e que age em conluio com agente político haja vista que a Lei 1.059 não trata acerca deste, se encontrando submetido somente as regras ordinárias do ordenamento penal, ao passo que a Lei de Improbidade Administrativa acaba incidido diretamente sobre ele, submetendo-o de maneira integral a essa. Em síntese, verifica-se que as sanções sofridas pelo agente político dizem respeito, de maneira geral, para o seu direito político, impulsionando dessa maneira a discussão a referente à existência de tratamento igualitário entre agentes públicos e políticos. 1.5 A discussão acerca do tratamento igualitário entre servidores públicos e agentes políticos No que tange a responsabilização dos servidores públicos e dos agentes políticos, é imperativo recordar que existe atualmente uma ampla discussão nesse sentido, justamente no que tange o tratamento igualitário entre estes para as sanções que são estabelecidas. O cerne da questão situa-se justamente no fato de que quando um servidor público é condenado em um processo, de caráter judicial ou administrativo, irá receber uma sanção definitiva o que ocasionará limitações no que tange o exercício de seus direitos. Porém quando se trata de um agente político, a sanção que é proferida é dotada de caráter temporária e destinada para o seu direito político. Como se nota, existe uma disparidade no que diz respeito aos tratamentos que são empregados. . Em se tratando dos cargos públicos, sabe-se que milhares de brasileiros se dedicam à essa atividade, ou pelo menos desejam ingressar nessa área. De acordo com dados fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aproximadamente 1,6% da população brasileira segue a carreira de funcionário público, o que representa cerca de 3,12 milhões de brasileiros.No que tange os agentes políticos basicamente tem-se, 27 governadores, 27 vice-governadores, 01 presidente e 01 vice, 81 senadores e 513 deputados federais, mais os prefeitos e seus vices, deputados estaduais e os vereadores, que possuem números variantes.Um levantamento realizado no ano de 2013 pela Revista Congresso em Foco demonstrou que de cada dez congressistas quatro estão sob suspeita do Supremo Tribunal Federal por participação em crimes. De acordo com a revista, são 224 deputados e senadores que respondem a cerca de 542 inquéritos e ações penais. Esse novo dado supera em 17% o número anterior que fora divulgado no ano de 2012. No rol das acusações que recaem sobre os parlamentares constam desde crimes mais graves como homicídios, envolvimento com o narcotráfico até mesmo denúncias voltadas para irregularidades em campanhas eleitorais. No que tange os servidores públicos, sabe-se que estes devem seguir as regras contidas na lei 8.112/1990, que é conhecida também como a lei do servidor, ademais os servidores municipais e estaduais devem cumprir as leis locais, e observarem as determinações da Constituição Federal acerca da conduta do funcionário público. Segundo a Controladoria Geral da União (CGU) no ano de 2013 entre os meses de janeiro e julho foram expulsos do serviço público, por razões diversas, somente no governo federal, 210 funcionários públicos.O agente público quando condenado poderá ter a perda de seu cargo, de sua função pública ou ainda mandato eletivo, nas situações em que a pena privativa de liberdade for igual ou superior a um ano, para os crimes praticados com abuso de poder ou ainda com violação de dever para com a Administração Pública. “Nas demais situações, o agente poderá ainda perder seu cargo, função ou mandato, nas situações em que a pena privativa de liberdade for superior a 04 anos, em conformidade com o disposto no art. 92 do Código Penal” (LIBERATTI, 2014). É possível perceber que a principal característica dos agentes políticos é sem dúvida alguma o cargo que estes ocupam, bem como a considerável hierarquia no que diz respeito a Administração Pública, além da natureza especial das atribuições que estes exercem. “Dessa forma, é imperativo perceber que não se trata de considerar que, ocupa o cargo, mas sim qual cargo é ocupado. Justamente seguindo esse raciocínio, tem-se que estes precisam ser pessoas com responsabilidade e que nas situações de descumprimento de suas atribuições ou ainda quando agem de maneira incorreta precisam arcar com tais responsabilidades” (PEREIRA NETO, 2011). A responsabilidade pode ser percebida como algo elementar, e dessa forma precisa existir. Assim sendo, nos casos em que se tem o exercício irregular do poder será necessário que se tenha a responsabilização, dessa forma o sistema jurídico brasileiro é dotado de uma série de responsabilidades que são aplicáveis aos agentes políticos e também aos servidores públicos. “No caso dos primeiros, tem-se um conjunto de medidas que variam de acordo com a ação específica que fora praticada, com por exemplo: política, patrimonial, penal, por improbidade administrativa, fiscal e também popular” (DALLARI, 2012).É preciso notar que a responsabilidade política se encontrava prevista no texto da Carta Magna, que remetia para a legislação ordinária tanto para os efeitos de sua tipificação como também para o seu julgamento, no entanto, o fato é que existem determinados elementos que acabam por dificultar a sua correta e devida aplicação. “Existe um verdadeiro caos legislativo no que diz respeito à responsabilidade política, haja vista que a responsabilidade política é peculiar apenas aos agentes políticos, sendo que as demais modalidades de responsabilidades podem ser atribuídas para todos os agentes públicos, incluindo nesse rol os agentes políticos” (DALLARI, 2012). No entanto, os dados apresentados demostram que quando se trata de responsabilizar agentes políticos e servidores públicos existe um verdadeiro tratamento desigual, seja nas sanções que são aplicadas, como também na qualidade de responsabilizações, indubitavelmente, os servidores públicos sofrem muito mais penalidades e responsabilizações civis e penais que os agentes políticos, realidade que precisa ser alterada. Conclusão Incialmente é preciso ter claro que os agentes políticos e os servidores públicos, compreendidos aqui também os empregados públicos e trabalhadores temporários, são peças fundamentais para o funcionamento da sociedade em virtude das ações que desempenham. De um lado tem-se os agentes políticos cuja responsabilidade é representar o povo, e zelar pelos interesses do mesmo. De outro, tem-se os servidores públicos que prestam uma infindável gama de serviços para a população em que se encontram inseridos em esferas municipais, estatuais e também federais. Dessa maneira, conclui-se pois, que estes são essenciais e que possuem um papel importante a ser cumprido, ainda que com notórias diferenciações, mas ambos caminham na mesma direção que é a prestação de um serviço de qualidade para a população. Assim, não é difícil perceber que tanto os agentes políticos como os servidores públicos precisam ser dotados de responsabilidade e honestidade para com a realização de suas tarefas. No entanto, esses aspectos nem sempre se fazem presentes haja vista que existem inúmeras situações em que agentes políticos e servidores públicos não observam corretamente as suas atribuições, caindo na questão da responsabilização destes pelos seus atos. Esse é um assunto que vem sendo consideravelmente debatido justamente em virtude do fato de que não existe um tratamento igualitário para estes no que se refere as sanções estabelecidas. O fulcro central reside justamente no fato de que quando um servidor público recebe condenação em um processo judicial ou ainda administrativa, receberá uma sanção definitiva que naturalmente irá ocasionar limitações no que tange o exercício dos seus direitos. Contudo, quando se trata de um agente político, a sanção que é estabelecida refere-se necessariamente a ao seu direito político. Portanto, é possível concluir que existe uma disparidade no que tange os tratamentos que são empregados. Diante de todas as discussões apresentadas é possível perceber que a responsabilização de agentes políticos, ou de servidores públicos é algo que deve fazer parte da realidade brasileira. O fato é que o Poder Público possui o dever de fornecer serviços básicos que sejam capazes de fazer com que a vida da população brasileira se torne cada dia mais digna e mais justa, para tanto é necessário que sejam observadas uma série de situações que precisam ser exercidas com eficiência, moralidade, legalidade, publicidade e também com impessoalidade. Nesse cenário encontram-se tanto o servidor público como o agente político que devem desenvolver suas funções, ainda que diferentes, em prol da população. Dessa forma, ambos devem ser responsabilizados por atos que possam resultar em algum prejuízo para a Administração, arcando de forma objetiva com tais atos, de modo independente de dolo ou de culpa. Conclui-se que a responsabilidade civil consiste basicamente no deve de fornecer indenização sobre os danos patrimoniais e morais que os seus agentes, agindo em nome da Administração Pública ocasionarem para a esfera jurídica. Por fim, ressalta-se que independentemente de se tratar de um agente político ou de um servidor público, a responsabilização civil, penal, ou administrativa deve acontecer para ambos, haja vista que não se pode admitir a existência de um tratamento diferenciado sob pretexto algum, somente dessa forma é que será possível a construção de um país de fato mais justo e que preze por suas legislações e faça a correta aplicação destas. Se faz necessário repensar tal questão, haja vista que o papel de ambos é contribuir para o bem-estar da sociedade, e portanto, merecem tratamento igualitário.
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A responsabilidade do funcionário público no âmbito penal
Este artigo tem por finalidade discorrer sobre a responsabilidade penal do funcionário público, mediante o princípio da juridicidade e da legalidade, que norteiam a atuação da administração pública. Pretende-se abordar as alterações decorrentes do atual Estado Democrático de Direito no tocante ao princípio da legalidade, com a ampliação de seu conteúdo, abrangendo tanto a necessidade de obediência à lei em sentido estrito, mas, também, a todas as disposições contidas no ordenamento jurídico. Desta forma, o controle jurisdicional dos atos administrativos discricionários é dirigido pelos mesmos princípios que conduzem o direito. Quando o servidor público pratica ato ilícito, pode ser responsabilizado no âmbito administrativo, civil ou penal. Em relação à responsabilidade penal decorrente de prática ilícita, o mesmo responderá pela infração penal correspondente tipificada pela lei penal vigente.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO A corrupção tem sido tema recorrente entre os servidores públicos, em diversos países, inclusive no Brasil. São muitas as situações passíveis de prática de ilícitos por parte do funcionalismo público, mas, na maioria das vezes, sendo a corrupção a mais comum. No Brasil, há um dito popular que se refere ao “jeitinho brasileiro”. No entanto, essa ideia de brasileiro que “dá jeito pra tudo”, trás em seu bojo uma concepção de que, sob algumas condições, é passível burlar as leis. E, nesse aspecto, não se pode negar a participação de funcionários públicos, que deveriam estar a serviço dos interesses do País, mas acabam aceitando pagamentos e vantagens em troca de facilitar (burlar) leis através de atos que ultrapassam os limites da ética, se caracterizando como infrações penais. Visando regulamentar as atividades do funcionário público, foi criada a Lei nº 9.784/99, que estabelece normas básicas sobre processo administrativo, aplicáveis aos processos da órbita federal, porém, devido à existência de normas relativas às esferas estaduais e municipais, sua aplicação nessas searas é alvo de discussões. O Estado de São Paulo criou a Lei nº 10.177/98 para regular os atos e procedimentos administrativos, sem nada versar sobre processo disciplinar. Existe o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União e cada Estado da federação criou Estatuto próprio dos servidores civis. No processo administrativo disciplinar se ressalta a dignidade constitucional quando a Constituição Federal de 1988 fez referência à perda do cargo por servidor público, no seu artigo 41: “parágrafo 1º. – o servidor só perderá o cargo: II – mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada a ampla defesa  “ O Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de São Paulo, com o advento da Lei complementar estadual 942/03, ampliou os gravames decorrentes das penalidades, incompatibilizando por 5 (cinco) anos a nova investidura em cargo, servidor demitido e por 10 (dez) anos, o servidor que tenha sido demitido a bem do serviço público. Portanto, consequências tão gravosas, só podem advir de processo disciplinar conduzido ao abrigo dos princípios constitucionais aplicáveis ao processo administrativo disciplinar. Somente assim, garante-se a legalidade e conquista-se a segurança para o Estado e a decisão justa ao servidor. Afinal, trata-se de um processo em que aparecem de um lado, o interesse público e, do outro, a carreira do servidor e a honra do cidadão. Os atos da Administração Pública assumem características vinculativas ou discricionárias e se referem aos conteúdos previstos na lei, não se admitindo ao servidor fazer valer sua própria vontade, por isso existe a possibilidade de que os atos administrativos discricionários sejam controlados pelo Judiciário no tocante à legalidade e legitimidade. Além disso, tais atos devem atender, também, aos princípios norteadores do ordenamento jurídico, como prevê a Constituição Federal de 1988. Aliás, conhecida como Constituição Cidadã, devido a sua ênfase democrática e de valorização da dignidade da pessoa humana, em todos seus aspectos. E, como Estado Democrático de Direito, todos os brasileiros estão subordinados a uma Constituição que tem por base a garantia dos direitos fundamentais e a soberania, comportando os elementos representativo e participativo.  Dessa maneira, o Brasil é um Estado que se pauta no princípio da legalidade, tendo condições de realizar intervenções que alterem diretamente a situação da comunidade a fim de influir numa realidade social mais justa e igualitária. E, para que isso se concretize, é mister a prevalência da ética e do respeito às leis vigentes, especialmente por parte dos funcionários públicos, que trabalham em favor do Estado Democrático de Direito. Diante disso, a responsabilidade do servidor público abrange as esferas administrativas, civis e penais. Neste trabalho, portanto, aborda-se ligeiramente cada uma dessas áreas, porém, enfocando-se a responsabilidade penal, muito embora a mesma esteja bastante relacionada às demais, como se poderá observar. 1 ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA O Direito Constitucional juntamente com o Direito Administrativo compõem o Direito Público Interno, visando a regulamentação das atividades do Estado, e refletindo sobre a postura dos indivíduos. Os princípios do Estado Democrático de Direito, segundo José Afonso da Silva, são: “a) princípio da constitucionalidade b) princípio democrático c) sistema de direitos fundamentais individuais, coletivos, sociais e culturais d) princípio da justiça social e) princípio da igualdade f) princípio da divisão dos poderes g) princípio da legalidade h) princípio da independência do juiz i) princípio da segurança jurídica”.[1] Conforme J. J. Gomes Canotilho, os direitos de defesa do cidadão podem ser compreendidos mediante aos seguintes aspectos: “[…] a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objectivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico subjectivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa)”.[2] O conteúdo das Constituições se refere diretamente à edição de declarações de direitos do homem, cuja finalidade é a delimitação do poder político. Nesse sentido, fazendo valer os direitos fundamentais, entendidos como direitos inerentes à própria noção de pessoa, como direitos básicos da pessoa, como direitos que constituem a base jurídica da vida humana no seu nível atual de dignidade, como as bases principais da situação jurídica de cada pessoa.[3] A Constituição Federal brasileira privilegia os Direitos Humanos, demonstrando a consciência política e jurídica da sociedade. A efetivação de um estado de direito e o respeito às liberdades fundamentais é o alicerce do estado democrático, como afirma Hannah Arendt: “O Poder não é a arbitrariedade, mas corresponde à capacidade humana não somente de agir mas de agir de comum acordo. O Poder nunca é propriedade de um indivíduo; pertence a um grupo e existe somente enquanto o grupo se considera unido. Quando dizemos que alguém está no poder, queremos dizer que está autorizado por um certo número de pessoas a atuar em nome delas”.[4] Nesse sentido, o princípio da Indisponibilidade do Interesse Público pode ser visto através de duas correntes doutrinárias. Para Odete Medauar, “é vedado à autoridade administrativa deixar de tomar providências ou retardar as que são relevantes ao atendimento do interesse público”[5]. E exemplifica: autoridade que não apura responsabilidade por irregularidades, quando tem ciência de sua ocorrência, descumpre o princípio da indisponibilidade. Para Bandeira de Melo, significa que, “sendo interesses qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público – não se  encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis”.[6] Os interesses públicos aqui entendidos como bens, direitos ou interesses propriamente ditos, são confiados ao administrador para sua guarda e gestão. Ele tem o poder-dever de cuidar desses interesses públicos que têm a característica de serem indisponíveis, salvo por determinação legal. Ainda de acordo com os princípios do Estado de Direito, os cidadãos acusados de crime têm direito a um julgamento rápido e público, tendo ainda a oportunidade de questionar seus acusadores, ou seja, têm direito ao devido processo legal. Por sua vez, a atividade administrativa está submissa à lei, o que significa que o administrador público deve observar os ditames legais, na prática de seus atos, de acordo com o princípio da legalidade. De acordo com a Lei 4.717/65, em seu artigo 2º, parágrafo único, alínea “e”,  o ato praticado pelo administrador cuja finalidade, implícita ou explícita, seja diferente da regra de competência prevista, será considerado nulo. O constitucionalismo moderno consagrou a autonomia do Direito Administrativo, quanto à necessidade de limitação e controle dos abusos de poder do próprio Estado e de suas autoridades constituídas e a consagração dos princípios básicos da igualdade e da legalidade como regentes do Estado.[7] A constitucionalização das regras básicas da Administração Pública tem como finalidade atingir a neutralidade do aparelho estatal, coibindo o Poder Executivo de manipulá-lo, e impedindo o comprometimento dos ideais do Estado de Direito.[8] Além de cuidar da regulamentação dos servidores públicos, o Direito Administrativo tem o papel de viabilizar a execução de serviços, além de disciplinar  as relações da Administração Pública com os administrados. Enquanto o particular pode fazer tudo o que a lei não proíbe, a Administração Pública somente pode fazer o que a lei autoriza. Segundo Celso Antonio Bandeira de Mello, o sistema legal é o fundamento jurídico de toda e qualquer ação administrativa, estando, portanto, condicionada à Lei e ao Direito.[9] Dessa forma, além da legalidade, os princípios da impessoalidade, moralidade, publicidade e a eficiência também devem ser respeitados. A eficiência como princípio constitucional insere-se no capítulo da Administração Pública, integrando seu regime jurídico por ato do constituinte reformador constante da Emenda Constitucional 19/98. Tratando-se de preceito estruturante recente, os referenciais doutrinários estão em permanente efervescência para re-fundar paradigmas capazes de dar novas respostas aos desafios do Estado na prestação de serviços públicos. [10] Por outro lado, a Constituição Federal de 1988, assim expressa em seu art. 5°, inciso LV: “Aos litigantes em processo administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Atualmente, o contencioso administrativo restringe-se a questões específicas, especialmente no âmbito tributário, bem como no âmbito funcional da Administração Pública em relação aos seus servidores. Cabe, assim, ao Judiciário somente analisar a legalidade dos atos administrativos. O sistema de jurisdição única adotada no Brasil consagra a independência das instâncias penal e administrativa, só repercutindo aquela sobre esta quando se manifesta pela inexistência material do fato ou pela negativa de sua autoria. A interferência do Poder Judiciário em temas normalmente de competência da Administração tem aumentado, à medida que as normas básicas do Direito Administrativo foram constitucionalizadas, ampliando a possibilidade de interpretação judicial desses institutos. 1.1 Administração Pública e Função Administrativa Conforme Hely Lopes Meireles, administrar é gerir interesses e bens, de acordo com a lei e a moral. No âmbito da Administração Pública, os bens e os interesses geridos pertencem à coletividade, portanto, são públicos. Acrescenta ainda que, na seara do direito público, Administração Pública abrange não só as pessoas e os órgãos governamentais, como também a atividade exercida. Trata-se da junção de critérios subjetivos e objetivos. [11] Na definição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro o sentido subjetivo, formal ou orgânico, compreende as pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos encarregados de desempenhar a função administrativa; mas também pode ter sentido objetivo, material ou funcional designando a atividade administrativa normalmente exercida pelo Executivo.[12] Na forma estrita, a Administração Pública compreende subjetivamente os órgãos administrativos e objetivamente apenas a atividade administrativa. Na definição de Odete Medauar, a Administração Pública deve ser considerada ainda sob os aspectos funcional e organizacional. No sentido funcional, observa que: “[…] significa um conjunto de atividades do Estado que auxiliam as instituições políticas de cúpula no exercício das funções de governo, que organizam a realização das finalidades públicas postas por tais instituições e que produzem serviços, bens e utilidades para a população, como, por exemplo: ensino público, calçamento de ruas, coleta de lixo”.[13] Quanto ao sentido organizacional: “[…] Administração Pública representa o conjunto de órgãos e entes estatais que produzem serviços, bens e utilidades para a população, coadjuvando as instituições políticas de cúpula no exercício das funções de governo. Nesse enfoque predomina a visão de uma estrutura ou aparelhamento articulado, destinado à realização de tais atividades; pensa-se, por exemplo, em ministérios, secretarias, departamentos coordenadorias, etc.”[14] Dessa forma, pode-se subsumir que o vocábulo Administração Pública pode definir tanto os órgãos e agentes públicos que a compõem, como também a atividade exercida por estes últimos no exercício de suas funções. No Brasil, a Administração Pública adota o modelo burocrático, que  demonstra-se ineficiente, lento e oneroso, favorecendo a corrupção, como comenta Odete Medauar: “A importância da Administração se revela pelo tratamento amplo que hoje recebe nas Constituições, inclusive a brasileira. Revela-se, ainda, pela preocupação, quase universal, em modernizá-la, para que tenha eficiência, atue sem corrupção, não desperdice recursos públicos e respeite o indivíduo, tratando-o como cidadão, portador de direitos, não como súdito que recebe favor. […] Algumas idéias de fundo devem nortear a reforma administrativa: Administração a serviço do público; Administração eficiente, ágil, rápida, para atender adequadamente às necessidades da população, o que facilitará o combate à corrupção; economicidade e Administração de resultados; predomínio da publicidade sobre o segredo”.[15] A reforma administrativa brasileira iniciou-se com a edição da Emenda Constitucional nº 19/98, como observa Sérgio Ferraz: “A Emenda Constitucional 19, de 04/06/98, conhecida como "Emenda da Reforma Administrativa", trouxe profundas modificações na Administração Pública brasileira. O propósito fundamental dessa reforma era a substituição do antigo modelo burocrático, caracterizado pelo controle rigoroso dos procedimentos, pelo novo modelo gerencial, no qual são abrandados os controles de procedimentos e incrementados os controles de resultados. Essa linha de pensamento, esse novo valor afirmado pela Constituição, não pode ser ignorado pelo intérprete e aplicador da lei.”[16] Denota-se, assim, a prioridade dada à eficácia, demonstrando que a finalidade fundamental da Administração Pública é prover as necessidades públicas, de maneira eficiente, baseada na moralidade, impessoalidade, publicidade, economicidade, e, principalmente, na legalidade. Para Regis Fernandes de Oliveira, a função administrativa representa: “a atividade exercida pelo Estado ou por quem esteja fazendo suas vezes, como parte interessada numa relação jurídica estabelecida sob a lei ou diretamente realizada através de decretos expedidos por autorização constitucional, para a execução das finalidades estabelecidas no ordenamento jurídico.” [17] Apesar da dificuldade em se estabelecer uma exata definição da função administrativa praticada pelo Estado, devido suas múltiplas tarefas, algumas características possibilitam distinguir e, assim, identificar os atos praticados no exercício da função administrativa. 1.2  O ATO ADMINISTRATIVO A legislação brasileira não estabelece uma definição para ato administrativo, como afirma Celso Antônio Bandeira de Mello: “De fato, nada há que obrigue, do ponto de vista lógico, a uma coincidência de opiniões sobre a qualidade ou o número dos traços de afinidade que devam ser compartilhados pelos atos designáveis por tal nome; isto é: pelo nome "ato administrativo". [18] Os eventos que ocorrem a todo instante podem surgir naturalmente e também no decorrer da ação humana, sendo denominados fatos naturais ou fatos humanos, como observa Silvio Rodrigues, em sentido amplo: “(…) a expressão fatos jurídicos engloba todos os eventos, provindos da atividade humana ou decorrente de fatos naturais, capazes de ter influência na órbita do direito, por criarem, ou transferirem, ou conservarem, ou modificarem, ou extinguirem relações jurídicas. Os fatos jurídicos constituem gênero que inclui eventos puramente naturais (fatos jurídicos em sentido restrito), e atos humanos de que derivam efeitos jurídicos, quais sejam, atos  jurídicos e atos ilícitos.”[19] Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro,[20] o fato administrativo é todo fato jurídico que produza efeitos na seara do direito administrativo. E, assim, se o fato não produz efeito jurídico, mas é praticado no âmbito da Administração Pública, passa a ser denominado fato da administração. E, segundo essa autora: “No direito administrativo, onde a Administração Pública não dispõe de autonomia da vontade, porque está obrigada a cumprir a vontade da lei, o conceito de negócio jurídico não pode ser utilizado com relação ao ato administrativo unilateral.” [21] Portanto, o fato jurídico se refere a todo fato valorado pela norma jurídica, enquanto o fato administrativo refere-se a todo fato jurídico que produz efeitos no campo do direito administrativo. Conforme Themístocles Brandão Cavalcanti: "fato administrativo é uma ocorrência na esfera administrativa, que não pressupõe a manifestação da vontade, antes constitui um acontecimento verificado sem essa participação, pelo menos imediata".[22] De acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ato da administração tem sentido mais amplo que ato administrativo, referindo-se a "todo ato praticado no exercício da função administrativa",[23] constituindo, assim, uma espécie do gênero ato da administração. No entanto, complementa a autora que há vários atos praticados pela Administração Pública que não podem ser considerados atos administrativos, tais como: “- atos materiais praticados pela Administração Pública como a execução de uma obra, ou a destruição de mercadorias impróprias para o consumo; – atos praticados pela Administração Pública, mas regidos pelo direito privado, tais como a locação, a troca, a permuta, a compra e venda; – atos políticos, cuja prática encontra-se fundamentada diretamente na Constituição Federal e que se revestem de certa margem de discricionariedade, como, por exemplo, a concessão de asilo político, a sanção ou o veto às leis aprovadas pelo Congresso Nacional; – atos normativos praticados pela Administração Pública tais como portarias, resoluções, instruções normativas, cujos efeitos são gerais e abstratos; – atos enunciativos, como certidões, atestados e pareceres; –  contratos.” [24] A respeito do tema, Celso Antônio Bandeira de Mello define como atos da administração os atos políticos, os atos materiais e os atos regidos pelo direito privado. Em sentido amplo, conceitua o ato administrativo, como: “[…] declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional.” [25] Dessa forma, o ato administrativo abrange não apenas os atos que expressam uma vontade, mas também aqueles que contêm somente um juízo, uma declaração, uma opinião (atos enunciativos). O conceito amplo inclui ainda os atos normativos de caráter geral e abstrato. Em sentido estrito, ato administrativo pode ser conceituado como: “Declaração unilateral do Estado no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante comandos concretos complementares da lei (ou, excepcionalmente, da própria Constituição, aí de modo plenamente vinculado) expedidos a título de lhe dar cumprimento e sujeitos a controle de legitimidade por órgão jurisdicional”. [26] O ato administrativo em sentido estrito tem características que o distinguem, como a unilateralidade e a praticidade. Ainda, na definição de Hely Lopes Meirelles: “[…] ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública, que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria.”[27] Portanto, o ato administrativo pode ser entendido como um tipo de ato jurídico submetido a regime jurídico de direito administrativo, com atributos e elementos característicos, tais como; a presunção de legitimidade, imperatividade, exigibilidade, e executoriedade. Essas características decorrem do regime de direito público ao qual estão submetidos os atos administrativos, dando à Administração Pública determinadas prerrogativas e sujeições devido sua importante função na realização do interesse público. Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro[28], os atos administrativos são dotados de presunção de legitimidade, relativos à conformidade do ato com a lei; e presunção de veracidade, relacionado aos fatos, que, sendo alegados pela Administração Pública são considerados verdadeiros até prova em contrário. A presunção juris tantum de legitimidade atua em favor dos atos administrativos, implicando na produção de efeitos do ato até que sua invalidade seja decretada. Cabe a quem alega a existência de vício em relação ao ato administrativo apresentar prova do fato. O ato administrativo, assim como o ato jurídico, possui alguns elementos necessários à sua validação. Embora não haja consenso na doutrina, a maioria indica cinco principais: competência, forma, finalidade, motivo ou causa e objeto. A legislação brasileira reconhece esses elementos no artigo 2º da Lei 4.717, de 29/06/1965 (Lei da ação popular), como os casos de nulidade dos atos: “Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de: a) incompetência; b) vício de forma; c) ilegalidade do objeto; d) inexistência dos motivos; e) desvio de finalidade”. [29] O ato administrativo deve produzir efeitos jurídicos que, depois de exauridos, extinguem o ato. A respeito, Celso Antônio Bandeira de Mello enumera as seguintes hipóteses[30]: “1) pelo cumprimento de seus efeitos, que pode se dar pela fluência do prazo pelo qual estes deveriam perdurar, pela execução material do ato, ou pelo implemento de condução resolutiva ou termo final; 2) pelo desaparecimento do sujeito ou objeto da relação, como por exemplo, a morte do sujeito ou a perda do objeto; 3) pela retirada do ato pelo Poder Público, que nesse caso, conforme os motivos pode caracterizar a revogação, quando o ato é retirado pela Administração Pública por razões de conveniência e oportunidade; invalidação, quando o ato esteja em desconformidade com o ordenamento jurídico, a cassação, que ocorre quando o destinatário do ato descumpriu as condições necessárias para permanência do ato, a caducidade, quando norma jurídica posterior torne inadmissível a permanência do ato, pois este passa a ir de encontro ao ordenamento jurídico, e ainda a contraposição ou derrubada que ocorre quando “foi emitido ato, com fundamento em competência diversa da que gerou o ato anterior, mas cujos efeitos são contrapostos aos daquele”.[31] De acordo com Hely Lopes Meirelles: "Revogação é a supressão de um ato administrativo legítimo e eficaz, realizada pela Administração – e somente por ela – por não mais lhe convir sua existência".[32] Trata-se de ato realizado exclusivamente pela Administração Pública, requerendo a análise da conveniência e oportunidade do ato, que não pode ser realizada pelo Judiciário, a quem cabe o exame da legalidade. Tem como fundamento o interesse público, favorecendo a adequação às mudanças de cenários sociais, tendo em vista a administração mais dinâmica e eficiente. A revogação é permitida somente ao ato administrativo discricionário, cuja prática é facultada pela lei à Administração Pública, porém a mesma não pode  decidir sobre a conveniência ou a oportunidade da prática de ato administrativo vinculado, como disciplina a lei. Porém, a doutrina prevê a possibilidade de um ato administrativo vinculado ser posteriormente disciplinado em lei como ato discricionário, caso que possibilitará sua revogação. Lembra Odete Medauar que "se a norma conferir à autoridade subordinada competência exclusiva para editar o ato, descaberá à autoridade superior revogá-lo".[33] A respeito da obrigatoriedade da Administração Pública, ao verificar a existência de ilegalidade, proceder à anulação do ato, Odete Medauar e Maria Sylvia Zanella Di Pietro afirmam que a Administração Pública tem o dever de anular, tendo em vista a orientação do princípio da legalidade. No entanto, pode deixar de fazê-lo se, porventura, for mais proveitoso ao interesse público que o ato persista. De acordo com Odete Medauar, o ato administrativo representa uma das maneiras de se expressar decisões de órgãos e autoridades da Administração Pública, produzindo efeitos jurídicos, “em especial no sentido de reconhecer, modificar, extinguir direitos ou impor restrições e obrigações, com observância da legalidade”.[34] Segundo Hely Lopes Meirelles, “atos discricionários são os que a Administração pode praticar com liberdade de escolha de seu conteúdo, de seu destinatário, de sua conveniência, de sua oportunidade e do modo de sua realização. A rigor, a discricionariedade não se manifesta no ato em si, mas sim no poder de a Administração praticá-lo pela maneira e nas condições que repute mais convenientes ao interesse público.”[35] Assim, o administrador deve priorizar sempre a coletividade, orientar seu trabalho com base nos princípios do Direito Administrativo e também da Dignidade Humana. 1.3 Discricionariedade e Arbitrariedade A arbitrariedade é o procedimento que não tem amparo legal, contrário à ordem jurídica ou à moral social, que se caracteriza pelo abuso das próprias razões ou pela vontade do agente. Quando o Administrador Público pratica abuso de autoridade, esta se refere a uma ação considerada fora da lei. Conforme Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a discricionariedade implica liberdade de atuação nos limites traçados pela lei, e “se a Administração ultrapassa esses limites, a sua decisão passa a ser arbitrária, ou seja, contrária à lei”.[36] A discricionariedade, segundo Hely Lopes Meirelles, não pode ser exercida sem a lei, pois a ela está sujeita. Em relação à competência discricionária, o poder discricionário da Administração, não justifica “qualquer ação arbitrária, realizada ao arrepio da lei”.[37] Conforme Antonio Carlos Pedroso que a atuação do Administrador deve ter prudência, que o exercício da discricionariedade “implica atuação prudencial e exige ponderação de circunstâncias objetivas, segundo critérios de valoração, não contidos expressamente na ordem jurídica”.[38] A atuação discricionária é limitada pelos princípios constitucionais e administrativos, o que significa que o agente administrativo deverá realizar seu trabalho sempre balizado pela lei, ou seja, seguir rigorosamente o princípio da legalidade. Poderá haver atuação discricionária, porém, estritamente nos limites estabelecidos pela lei, pois atuação discricionária não é sinônima de atuação na ilegalidade. 1.4  Princípio da legalidade O princípio da legalidade é uma de suas mais importantes aplicações na teoria da tipicidade. Em qualquer sistema jurídico civilizado do mundo contemporâneo, os tipos são legais, isto é, somente o legislador pode criar, suprimir e modificar os tipos penais. Esse é o sistema adotado pelo nosso Direito, ao estabelecer o Código Penal, o princípio da reserva legal e da anterioridade da lei no seu art. 1o – “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”. Trata-se de princípio inerente à atividade administrativa, encontrando-se disposto no caput do artigo 37 da Constituição Federal. A Constituição Federal, ao estabelecer no caput do seu artigo 1º que a República Federativa do Brasil representa um Estado Democrático de Direito submeteu os princípios aos ditames dessa Lei. Dessa maneira, não apenas a Administração Pública deve se pautar na lei, mas também todos os outros órgãos dos Poderes, assim como os indivíduos. Nesse o caso, utiliza-se a regra estabelecida no artigo 5º, inciso II da Carta Magna que estabelece que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Consagrado como o mais importante da Administração Pública o princípio da legalidade é essencial ao Estado de Direito e ao Estado Democrático, respectivamente com a justiça material e a participação popular. É a vinculação da lei aos ideais de justiça.   O princípio da legalidade, expressamente previsto na Constituição, art. 37 caput, obriga a Administração Pública a fazer somente o que a lei permite. Para Celso Antônio, “é o princípio basilar do regime jurídico-administrativo” e complementa “é o fruto da submissão do Estado à lei” ou, ainda, “completa submissão da Administração às leis”[39]. Esclarece Helly Lopes Meirelles, “na Administração Pública, não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular, é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa pode fazer assim; para o administrador público significa deve fazer assim.”[40] O administrador, ao cumprir fielmente o princípio da legalidade, estará efetuando um gerenciamento sem favoritismos, perseguições ou desmandos. “O princípio da legalidade contrapõe-se, portanto, e visceralmente, a quaisquer tendências de exacerbação personalista dos governantes. Opõe-se a todas as formas de poder autoritário … é o antídoto natural do poder monocrático ou oligárquico, pois tem como raiz a idéia de soberania popular, de exaltação da cidadania.”[41] No seu estudo de discricionariedade administrativa, Maria Sylvia Di Pietro traz à reflexão os embates que o princípio da legalidade vem sofrendo, frente à Reforma da Administração Pública. O fato de que a “Administração só pode fazer o que a lei permite” vem prejudicando a agilidade no seu gerenciamento, em especial no momento em que a própria lei pede eficiência e agilidade aos dirigentes. A legislação vem dando sinais de que deseja ver a administração pública como gerenciamento, ou seja, com autonomia, responsabilidade e buscando resultados. Portanto, “seria necessário maior grau de liberdade decisória para a implantação do gerenciamento”[42]. Indiscutível é a necessidade da Administração Pública realizar seu trabalho com maior grau de competência e caráter de gerenciamento. Na conjuntura atual, os princípios da Administração Pública devem continuar a se conciliar e realizar um trabalho harmônico, dentro da legalidade. Essa harmonia poderá gerar uma atuação e um trabalho administrativo com qualidade. “A eficácia de toda a atividade administrativa está condicionada ao atendimento da lei”.[43] 1.5 O PODER DISCIPLINAR DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A Administração Pública detém os seguintes poderes: poder regulamentar, poder de polícia, poder disciplinar e poder hierárquico. O Poder Disciplinar tem a finalidade de possibilitar ao administrador a apuração e punição de falta funcional. Aplica-se aos subordinados, aos terceiros e aos subordinados à disciplina administrativa que cometem faltas na vigência dos contratos realizados com a administração. O poder disciplinar tem características de poder-dever, pois, tomando conhecimento de uma falta, compete ao administrador apurá-la e aplicar a punição cabível. Não fazê-lo significa responder por improbidade administrativa, no âmbito do direito administrativo, ou crime de condescendência criminosa, no âmbito do Direito Penal. Vale ressaltar que o uso do poder disciplinar goza de discricionariedade, porém limitada. Informado da ocorrência, o administrador, deve, primeiramente, efetuar a regular apuração da falta, pelos meios legais, garantindo o contraditório e a ampla defesa, no mais estrito cumprimento ao devido processo legal. Apurada e confirmada a irregularidade, o administrador, então, poderá usar da discricionariedade na escolha da sanção, em conformidade com a falta cometida. Em decorrência de seu Poder Disciplinar, a Administração deve apurar infrações e aplicar penalidades aos servidores públicos e demais pessoas sujeitas à disciplina administrativa. Porém, as sanções administrativas impostas aos particulares não decorrem do poder disciplinar, mas sim do poder de polícia. De acordo com Hely Lopes Meirelles[44], poder hierárquico é exercido pelo Executivo para distribuir e escalonar as funções de seus órgãos, estabelecendo a relação de subordinação entre os servidores de seu quadro de pessoal, além de controlar e corrigir as atividades e os erros dos agentes, não havendo como agir senão na permanência da relação administrativa: “O poder hierárquico tem por objetivo ordenar, coordenar, controlar e corrigir as atividades administrativas, no âmbito interno da Administração Pública direta ou indireta… a hierarquia atua como instrumento de organização e aperfeiçoamento do serviço e age  como meio de responsabilização dos agentes administrativos, impondo-lhes o dever de obediência. [45] Do poder hierárquico decorrem faculdades implícitas para o superior, tais como a de dar ordens e fiscalizar o seu cumprimento, a de delegar e avocar atribuições e a de rever os atos dos inferiores.”[46] Através da ideia de hierarquia impõe ao subordinado, ao subalterno, a estrita e pronta obediência às ordens e instruções legais de seus superiores hierárquicos e, assim, define-se a responsabilidade de cada um. As ordens e determinações legais devem ser realizadas satisfatoriamente e fielmente cumpridas, sem ampliação ou restrição ao exato sentido da ordem determinada pelo superior hierárquico, a menos que sejam ordens manifestamente ilegais. Nesse sentido, ensina Hely Lopes Meirelles: “…a doutrina não é uniforme, mas o nosso sistema constitucional, com o declarar que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de LEI" (…) (Art. 5º, II), torna claro que o subordinado não pode – e nem deve, ao nosso modo de ver – ser compelido, pelo superior, a praticar ato evidentemente ilegal", sob pena de ilegalidade ou abuso de poder (excesso ou desvio de  poder)..” [47] O respeito hierárquico, ou seja, a estrita, disciplinada e pronta obediência ao superior pelo subordinado, não tem a finalidade de suprimir, anular ou alijar, “no subalterno, o senso do legal e do ilegal, do lícito e do ilícito, do bem e do mal.”[48] Conforme Léo da Silva Alves, o poder hierárquico se refere ao poder-dever indisponível, podendo o servidor hierarquicamente superior ser administrativa e penalmente penalizado, como ocorre na hipótese de condescendência criminosa.[49] Assim sendo, a própria Lei Federal n.° 8.112/90, que trata dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, no seu art. 143, estabelece que "a autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurado ao acusado ampla defesa". Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, no tocante aos servidores públicos, “o poder disciplinar é uma decorrência da hierarquia"[50], enquanto para Hely Lopes Meirelles, "O poder disciplinar é correlato com o poder hierárquico, mas com ele não se confunde".[51] Portanto, o poder hierárquico e o disciplinar são complementares, ou seja, o poder disciplinar complementa o hierárquico. 2 Responsabilidade Penal O Código Penal vigente, nos artigos 579 a 584 dispõe sobre os Crimes Contra a Administração Pública. Qualquer dos atos tipificados nesta parte do Código corresponde à responsabilidade penal dentro da administração pública. Dessa forma, sendo aplicável a todo servidor público que agir com ação ou omissão tipificada, com dolo ou culpa, sem responsabilidade objetiva, houver a relação de causalidade e disso decorrer um dano o ameaça ao patrimônio público. A responsabilidade penal ou criminal é aquela decorrente da prática de crimes funcionais tipificados nas leis federais. O servidor responsável responde a processo crime e sofre os efeitos legais da condenação.[52] A maioria dos crimes contra a Administração Pública se encontra expressa nos artigos 312 a 326 do Código Penal: “Peculato Art. 312 – Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa. § 1º – Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário. Peculato culposo § 2º – Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem: Pena – detenção, de três meses a um ano. § 3º – No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta. Peculato mediante erro de outrem Art. 313 – Apropriar-se de dinheiro ou qualquer utilidade que, no exercício do cargo, recebeu por erro de outrem: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. Inserção de dados falsos em sistema de informações (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000) Art. 313-A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)) Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000) Modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000) Art. 313-B. Modificar ou alterar, o funcionário, sistema de informações ou programa de informática sem autorização ou solicitação de autoridade competente: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000) Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000) Parágrafo único. As penas são aumentadas de um terço até a metade se da modificação ou alteração resulta dano para a Administração Pública ou para o administrado.(Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000) Extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento Art. 314 – Extraviar livro oficial ou qualquer documento, de que tem a guarda em razão do cargo; sonegá-lo ou inutilizá-lo, total ou parcialmente: Pena – reclusão, de um a quatro anos, se o fato não constitui crime mais grave. Emprego irregular de verbas ou rendas públicas Art. 315 – Dar às verbas ou rendas públicas aplicação diversa da estabelecida em lei: Pena – detenção, de um a três meses, ou multa. Concussão Art. 316 – Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa. Excesso de exação § 1º – Se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza: (Redação dada pela Lei nº 8.137, de 27.12.1990) Pena – reclusão, de três a oito anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 8.137, de 27.12.1990) § 2º – Se o funcionário desvia, em proveito próprio ou de outrem, o que recebeu indevidamente para recolher aos cofres públicos: Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa. Corrupção passiva Art. 317 – Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 10.763, de 12.11.2003) § 1º – A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional. § 2º – Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa. Facilitação de contrabando ou descaminho Art. 318 – Facilitar, com infração de dever funcional, a prática de contrabando ou descaminho (art. 334): Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 8.137, de 27.12.1990) Prevaricação Art. 319 – Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa. Art. 319-A.  Deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente público, de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo: (Incluído pela Lei nº 11.466, de 2007). Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano. Condescendência criminosa Art. 320 – Deixar o funcionário, por indulgência, de responsabilizar subordinado que cometeu infração no exercício do cargo ou, quando lhe falte competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade competente: Pena – detenção, de quinze dias a um mês, ou multa. Advocacia administrativa Art. 321 – Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário: Pena – detenção, de um a três meses, ou multa. Parágrafo único – Se o interesse é ilegítimo: Pena – detenção, de três meses a um ano, além da multa. Violência arbitrária Art. 322 – Praticar violência, no exercício de função ou a pretexto de exercê-la: Pena – detenção, de seis meses a três anos, além da pena correspondente à violência. Abandono de função Art. 323 – Abandonar cargo público, fora dos casos permitidos em lei: Pena – detenção, de quinze dias a um mês, ou multa. § 1º – Se do fato resulta prejuízo público: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa. § 2º – Se o fato ocorre em lugar compreendido na faixa de fronteira: Pena – detenção, de um a três anos, e multa. Exercício funcional ilegalmente antecipado ou prolongado Art. 324 – Entrar no exercício de função pública antes de satisfeitas as exigências legais, ou continuar a exercê-la, sem autorização, depois de saber oficialmente que foi exonerado, removido, substituído ou suspenso: Pena – detenção, de quinze dias a um mês, ou multa. Violação de sigilo funcional Art. 325 – Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave. § 1o Nas mesmas penas deste artigo incorre quem: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000) I – permite ou facilita, mediante atribuição, fornecimento e empréstimo de senha ou qualquer outra forma, o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública; (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000) II – se utiliza, indevidamente, do acesso restrito. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000) § 2o Se da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública ou a outrem: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000) Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000) Violação do sigilo de proposta de concorrência Art. 326 – Devassar o sigilo de proposta de concorrência pública, ou proporcionar a terceiro o ensejo de devassá-lo: Pena – Detenção, de três meses a um ano, e multa.” O art. 327 do Código Penal, por ser anterior à Constituição de 1988, considera funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. A denominação utilizada atualmente é a de servidor público: “Art. 327 – Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. § 1º – Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.   (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000). § 2º – A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público. (Incluído pela Lei nº 6.799, de 1980)”. Tal previsão alcança, também os trabalhadores de empresas paraestatais ou que prestam serviços públicos, sendo aumentada a pena para aqueles que têm cargos de direção ou confiança. Por exemplo, a Lei nº n.º 9.982, de 14 de julho de 2000, dispõe sobre a prestação de assistência religiosa nas entidades hospitalares públicas e privadas, bem como nos estabelecimentos prisionais civis e militares, determinando que: “Art. 2º – Os religiosos chamados a prestar assistência nas entidades definidas no art. 1º deverão, em suas atividades, acatar as determinações legais e normas internas de cada instituição hospitalar ou penal, a fim de não pôr em risco as condições do paciente ou a segurança do ambiente hospitalar ou prisional”. No artigo transcrito, observa-se que o legislador preocupou-se com o direito à liberdade religiosa de cada um, mas também determinou o cumprimento das normas internas de cada instituição. A responsabilidade penal será apurada pelo Poder Judiciário, ao contrário da administrativa ou mesmo a civil. O artigo 229, da Lei 8.112/90, garante que família do servidor ativo receba o auxílio-exclusão, em valor relativo a dois terços da remuneração, quando o mesmo estiver preso, além da metade da remuneração, no caso de haver sentença definitiva de condenação, mas não estabelece a perda do cargo. Os benefícios serão concedidos somente àqueles com renda bruta mensal de R$ 360,00, devendo, ainda, o servidor estar filiado ao regime de previdência social. Tais infrações se originam no âmbito administrativo, por isso devem ser analisadas sob diferentes aspectos: o criminal e o administrativo. Quando ocorre infração penal e administrativa, concomitante, se requer a instauração de um processo criminal e outro administrativo. De acordo com o artigo 935 do CC, em alguns casos, a decisão do juiz criminal prevalece sobre as civis e administrativas. Se o servidor for absolvido na esfera penal, também o será na esfera administrativa, devido ao entendimento da inexistência de delito. E, se for condenado na esfera penal, deverá ser responsabilizado também na esfera administrativa. Dessa maneira, as decisões tomam a mesma direção. No entanto, há casos em que deve ser respeitada a independência das duas esferas. No caso do ato ilícito se caracterizar apenas como penal, sem afetar a esfera administrativa, a decisão do juiz criminal repercute na área administrativa, em razão da competência ser específica do Poder Judiciário. Além disso, há o entendimento de que o funcionário público que cometa ato infracional penal, além de ser condenado na esfera penal, não seja digno de confiança por parte da administração pública, acarretando-lhe, também, a pena administrativa em conformidade à infração cometida. Dessa forma, as responsabilidades impostas ao servidor público dependem da natureza do ato, sendo independentes entre si. Por um mesmo ato o mesmo poder responder, concomitantemente, a um processo administrativo disciplinar, a um processo penal e a um processo civil. E, dependendo do julgamento dos processos, poderá vir a sofrer uma sanção civil, uma sanção administrativa e uma sanção penal. Não há vinculação entre as sanções civis, penais e administrativas, que poderão ser cumulativas (Lei n.º 8.112/90, art. 125). Pelo fato dessa independência de responsabilidades, também as instâncias de apuração ocorrerão de forma independente. Assim, um processo independe do término de outro e o que ocorrer em um processo nem sempre implicará no outro. A aplicação de punição administrativa requer a conclusão do processo penal ou civil, como, por exemplo, na hipótese de um processo administrativo concluir que o servidor é inocente, isso não significará que ele deverá ser reconhecido como inocente no processo penal ou no processo civil, salvo raras exceções. As responsabilidades do servidor (civil, penal e administrativa) somente incorrerão se o mesmo praticar alguma irregularidade no exercício de suas atribuições (Lei n.º 8.112/90, art. 121). Semelhantemente, se ele praticar algum ato ilícito fora do âmbito do exercício de sua função pública, não haverá como se falar em sua responsabilidade enquanto servidor, muito embora seja passível de processo civil e penal, como indivíduo e cidadão, nada se referindo ao Direito Administrativo (Lei n.º 8.112/90, art. 124). Em relação à responsabilidade civil – obrigação imposta a alguém de reparar um dano causado a outrem – tal dano se denomina por ilícito civil (Cód. Civil, art. 186). O Direito prevê dois tipos de responsabilidade civil: a) a responsabilidade subjetiva; b) a responsabilidade objetiva. A responsabilidade civil subjetiva se refere ao dever de indenizar se o agente tiver causado o dano por atuar com dolo ou culpa, enquanto na responsabilidade civil objetiva se evidencia a desnecessidade de se verificar dolo ou culpa do agente ao provocar o dano. No tocante à responsabilidade civil do servidor, o mesmo responderá civilmente somente se causar, com ato omissivo (omissão) ou comissivo (ação), prejuízo ao erário ou a terceiros, tendo agido com dolo ou culpa (Lei n.º 8.112/90, art. 122, caput). Será considerado ato doloso quando o servidor agir com intenção de causar prejuízo, por meio de uma ação ou omissão. Quando se comprovar que o ato foi ocasionado por imprudência, negligência ou imperícia na sua ação ou omissão danosa, será considerada a culpa do servidor, nesse caso, crime doloso. Mas, se sua ação for ocorrido sem intenção, mas tiver sido imprudente, negligente ou imperito, terá agido com culpa. Em ambos os casos, o servidor estará  sujeito à responsabilidade civil, ou seja, terá o dever de pagar indenização pelo dano ocorrido, por ter agido com dolo ou culpa. Então, que a responsabilidade civil que tem o servidor público é do tipo subjetiva. A responsabilidade civil objetiva é o tipo de responsabilidade que têm as pessoas jurídicas de direito público (Estado), e as pessoas jurídicas de direito privado que prestam serviços públicos pelos danos que seus agentes causem a terceiros (art. 37, § 6.º, da Constituição Federal). Nesse caso, a responsabilidade civil independe de o servidor ter causado dano por meio de ato considerado doloso ou culposo. Em qualquer das hipóteses, o Estado terá a responsabilidade de indenizar ao terceiro que sofreu o dano. Em suma, a responsabilidade civil do Estado é tratada como objetiva, enquanto a do servidor público é considerada subjetiva. O dano decorrente de ato omissivo ou comissivo do servidor pode acarretar prejuízos ao  erário ou a terceiros. No caso de haver dano, caberá a Administração apurar a responsabilidade civil do servidor por meio da instauração de processo administrativo, sempre sendo observados os princípios do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5.º, LV). Porém, a apuração da responsabilidade civil do servidor somente poderá ser realizada se o mesmo tiver agido com dolo ou culpa. Quando houver dano ao erário, a Administração recorrerá ao Poder Judiciário, na esfera da jurisdição civil, sendo proposta ação de indenização contra o servidor responsável (Lei n.º 8.112/90, art. 122, § 1º, parte final). Em caso de dano a terceiros, quando se caracteriza a responsabilidade civil objetiva do ente público ao qual pertence o servidor, tanto em caso de ato doloso ou culposo, caberá ao Estado a indenização do terceiro prejudicado. Havendo dolo ou culpa por parte do servidor, o ente público terá o direito de regresso do valor ao erário, podendo propor uma ação judicial, denominada por ação regressiva ou ação de regresso, na esfera civil (Lei n.º 8.112/90, art. 122, § 2.º). Nesse caso, a responsabilidade civil do servidor é considerada regressiva. Entretanto, se não  houver dolo ou culpa do servidor, o Estado não terá o direito de reaver tal valor do servidor. A responsabilidade administrativa do servidor decorre de uma violação de norma interna da Administração, quando o servidor pratica um ilícito administrativo, que pode ocorrer mediante ato omissivo ou comissivo (Lei n.º 8.112/90, art. 124). O servidor tem obrigações e deveres, devendo cumprir as normas administrativas disciplinadas em leis, decretos e outros provimentos regulamentares, dentre as quais as dispostas nos artigos 116, 117 e 132 da Lei n.º 8.112/90. No processo administrativo, apura-se a responsabilidade administrativa, sendo garantido ao servidor o direito ao contraditório e a ampla defesa (CF, art. 5.º, LV; Lei n.º 8.112/90, art. 153). Sendo vez constatada a prática do ilícito administrativo, o servidor estará sujeito à sanção administrativa adequada, que poderá ser advertência, suspensão, demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, destituição de cargo em comissão ou destituição de função comissionada (Lei n.º 8.112/90, art. 127). A penalidade deve ser imposta pela autoridade competente, estando presentes os motivos de fato (os atos irregulares praticados pelo servidor) e de direito (os dispositivos legais ou regulamentares violados e a penalidade prevista). Na apuração da responsabilidade administrativa, a autoridade competente também verificará se o ilícito administrativo também se qualifica como ilícito penal, quando deverá informar o Ministério Público, através de cópia do processo, para que seja aberta ação a fim de o servidor responda também penalmente pelos atos ilícitos praticados (Lei n.º 8.112/90, arts. 171, 154, parágrafo único). A Constituição determina sanções para a improbidade no art 37, parágrafo 4º: “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e graduação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”. No âmbito penal, a responsabilidade do servidor decorre de conduta tipificada na lei como infração penal. A responsabilidade penal inclui crimes e contravenções imputadas ao servidor (Lei n.º 8.112/90, art. 123). Saliente-se que, tanto os crimes funcionais quanto as contravenções funcionais se incluem na responsabilidade penal do servidor. Tanto os crimes funcionais quanto as contravenções são tipificadas em leis federais, uma vez que a competência de legislar sobre direito penal é restrita à União l (CF, art. 22, I). Como já descritos, muitos dos crimes funcionais estão definidos no Código Penal, artigos 312 a 326, tais como; peculato, concussão, corrupção passiva, prevaricação etc. Outros se encontram previstos em leis especiais federais. A apuração da responsabilidade penal do servidor é realizada em Juízo Criminal. Caso o servidor seja responsabilizado penalmente, sofrerá uma sanção penal, que pode ser privativa de liberdade (reclusão ou detenção), restritiva de direitos (prestação pecuniária, perda de bens e valores, prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana) ou multa (Código Penal, art. 32). 3 CONCLUSÃO Dentre os principais aspectos abordados neste trabalho, ressalta-se: a) A administração pública só pode fazer o que a lei determina, o que a diferencia da atuação privada, que pode fazer tudo o que não for proibido pela lei. b) O Administrador Público, através do Poder Discricionário, poderá, diante de situação concreta, fazer uso da discricionariedade, emitir um juízo de oportunidade e conveniência, e praticar o ato administrativo discricionário. A discricionariedade administrativa é a liberdade de escolha na atuação do Administrador Público, ressaltando-se, todavia, que essa liberdade está estabelecida em lei, pois, ele pode praticar ato discricionário, nunca ato arbitrário. c) A limitação da discricionariedade decorre dos princípios constitucionais e dos próprios direitos fundamentais, determinada também pela própria lei. d) A utilização dos princípios estabelecidos no ordenamento jurídico é aceitável para analisar o ato administrativo discricionário, visto que a violação a qualquer um deles será passível de controle. e) Na Administração Pública existem diferentes formas de responsabilidade em se tratando do funcionalismo público, o que vai depender em que tipo e em que esfera a infração se enquadra. f) Porém, é necessário haver o conhecimento dos procedimentos adotados em cada uma das espécies de responsabilidade atribuídas aos servidores públicos, bem como suas fundamentações legais, doutrinárias e jurisprudenciais, e como se articulam no meio jurídico-administrativo. g) Importante ressaltar que, aos servidores públicos não é vedada a responsabilidade pelos seus atos, sendo estes civis, administrativos ou penais, tanto quando resultam em danos à Administração Pública, quanto em danos a terceiros. h) A decisão penal, apurada devido à responsabilidade penal do servidor, somente refletirá sobre a responsabilidade civil se houver prejuízo patrimonial decorrente do ilícito penal (direito civil). i) Na hipótese de o processo criminal afastar a responsabilidade civil do servidor, e o mesmo for absolvido por inexistência do fato ou quando não tenha sido imputada autoria do fato ao servidor. Porém, se o servidor for absolvido por falta ou insuficiência de provas, a responsabilidade civil não será afastada. j) Semelhantemente, a responsabilidade administrativa do servidor pode ser afastada somente se houver absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria (Lei n.º 8.112/90, art. 126). Se houver a absolvição criminal por falta ou insuficiência de provas, não será afastada a responsabilidade administrativa do servidor. Exemplificando-se, se o servidor foi demitido depois da apuração de sua  responsabilidade administrativa, não poderá ser reintegrado, caso o processo criminal determina a absolvição por insuficiência de provas. Entretanto, se a absolvição criminal ocorreu pela inexistência do fato ou porque o servidor foi declarado como não sendo o autor do ilícito penal, o mesmo deverá ser reintegrado, em consequência do afastamento da sua responsabilidade administrativa (Lei n.º 8.112/90, art. 28, caput).
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O acordo de leniência no direito pátrio: uma teoria embrionária
Este artigo aborda os acordos de leniência, visando contribuir para uma teoria geral que permita trazer bases seguras e atrativas para a celebração desses ajustes. O trabalho busca construir uma rede principiológica, apresentar elementos fundantes e questões controvertidas acerca do tema, para, ao final, trazer uma proposta a fim de tornar o acordo mais célere e convidativo.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO Os acordos de leniência têm gerado um grande debate no Direito Administrativo brasileiro. Apesar de a Lei Anticorrupção ter sido promulgada em 2013, esse instituto passou a ser amplamente discutido pelos diferentes setores da sociedade a partir dos escândalos do Mensalão e, notadamente, da investigação na Companhia Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras)– conhecido como Petrolão –em virtude da denominada Operação Lava Jato da Polícia Federal. Até o fechamento deste artigo, apesar do andamento de tratativas entre pessoas jurídicas interessadas em firmar esses ajustes com o poder público federal, apenas o acordo da empreiteira Andrade Gutierrez com a Procuradoria-Geral da República (PGR) havia sido celebrado. Segundo o Jornal Folha de São Paulo, as agências de publicidade FCB e MullenLowe Brasil – antiga BorghiLowe- estavam finalizando os acordos. Tais pessoas jurídicas foram acusadas na Operação Lava Jato de pagarem propina para obter contratos na Petrobras, Caixa Econômica Federal e Ministério da Saúde[1]. Lamentavelmente, a insegurança jurídica ainda é a tônica desse instituto, causada, sobretudo, pela disputa de poder entre órgãos governamentais. Os recentes acontecimentos, como: a perda da vigência da MP 703/2015, que buscava alterar alguns dispositivos da Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013), o afastamento da Presidente da República Dilma Rousseff e a mudança no status da Controladoria Geral da União – CGU aumentaram a incerteza a respeito do futuro deste instrumento, vital para combater a corrupção e manter saudável a atividade econômica no país. Este artigo científico tem como objetivo principal analisar o modelo jurídico adotado no Brasil, de modo a permitir, no futuro, a sedimentação de uma Teoria Jurídica acerca do tema. Busca-se, destarte, examinar a arquitetura vigente, a exemploda Lei Federal nº 12.846 e pelo Decreto nº 8.420/2015, a par de projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional e da extinta MP 703/2015,tendo como propósito apresentar soluçãoa fim de tornar esse instrumento mais célere e eficaz. Para alcançar os objetivos propostos neste trabalho, foi empreendida uma pesquisa bibliográfica relacionada ao Direito Administrativo, bem como análise de artigos e matérias jornalísticas. Este trabalho está estruturado em três capítulos. No primeiro, será feito um breve percurso histórico da corrupção no Brasil. Em seguida, será proposta uma conceituação do ajuste, além de uma apresentação da origem desses acordos,sua introdução no país, além de uma redeprincipiológica para celebração dos mesmos a fim de lhes emprestar condições mínimas de qualidade e legitimidade.Nocapítulo final, serão abordados os aspectos estruturantes do acordo e algumas questões controvertidas, como a reparação do dano ao erário e a polêmica envolvendo o controle exercido pelos Tribunais de Contas sobre tal instituto. 1 – BRASIL DO “JEITINHO” E DA CORRUPÇÃO ENDÊMICA O Brasil do “jeitinho” nasceu, possivelmente, na época do Descobrimento, quando Pero Vaz de Caminha, no final de sua Carta, aproveitou para pedir ao rei português D. Manuel I um emprego público para um de seus sobrinhos, numa evidente demonstração de nepotismo. Posteriormente, no primeiro governo, Tomé de Souza foi autorizado pelo rei D. João III, em 1549, a fazer “dádivas a quaisquer pessoas” a fim de consolidar a conquista das terras brasileiras. Durante o reinado de D. João VI, ficou famoso um ditado popular que dizia: "Quem furta pouco é ladrão; quem furta muito é barão; quem mais furta e mais esconde, passa de barão a visconde". A máxima era dirigida ao tesoureiro-mor do reino, Francisco Bento Maria Targini, Visconde de São Lourenço, em um exemplar caso de corrupção e impunidade nas mais altas esferas da Administração Pública brasileira. Tal prática, vigente à época, acabaria por transformá-lo em um “homem rico de um erário pobre”. Um dos boatos “que se contavam dizia respeito à compra de mantas para o Exército que Targini fizera a um fornecedor inglês. O hábil homem público teria mandado dividir cada uma das peças ao meio, revendendo-as depois ao governo pelo dobro do preço original”[2]. Apesar disso, conta a historiadora da Casa de Rui Barbosa/RJ, Isabel Lustosa, que, no folhetim "Correio", o célebre editor Hipólito José da Costa criticaria o fato de o Conde dos Arcos, principal ministro do regente D. Pedro, ter dado por justas e liquidadas as contas do tesoureiro-mor e ter concedido passaporte para aquele se pôr ao fresco. Segundo Oliveira Lima, o inquérito contra Targini– conduzido pelo Conde dos Arcos–"estabeleceu a integridade do funcionário, a quem foi concedida uma pensão"[3]. Esses atos de corrupção representam, segundo os historiadores, herança de uma formação de país baseado em um Estado centralizado, burocratizado e clientelista. Segundo o historiador e escritor Laurentino Gomes[4], nos “oito primeiros anos em terras brasileiras, D. João VI distribuiu mais títulos de nobreza do que em 700 anos de monarquia portuguesa. Portugal havia nomeado até então 16 marqueses, 26 condes, oito viscondes e oito barões. Apenas nos primeiros oito anos da transferência da Corte, o Brasil viu surgir 28 marqueses, oito condes, 16 viscondes e 21 barões. Certa vez,o historiador Pedro Calmon disseque “para ganhar título de nobreza em Portugal, eram necessários 500 anos, mas, no Brasil, bastavam 500 contos”. Há uma relação direta entre o excesso de burocracia estatal e o aumento dos níveis de corrupção da sociedade como um todo. Laurentino Gomes destaca ainda que “na época da constituinte de 1822 a 1823, um comerciante chegou a enviar uma carta ao governo afirmando que conseguiu um alvará para servir comida em seu restaurante, mas que, depois disso, funcionários públicos passaram a exigir um alvará para servir café. Ora, quem pode servir comida não pode servir café?” Ou seja, dificuldades eram continuamente introduzidas com a finalidade de que um representante do Estado pudessenegociar certas facilidades por meio da corrupção. No período regencial brasileiro, os liberais executaram uma engenhosa artimanha política no Senado, mediante a antecipação da maioridade do jovem D. Pedro II antes que ele completasse quinze anos, o que se tornou conhecido como oGolpe da Maioridade[5]. O nosso “jeitinho” já chamava atenção; a própria expressão “santo do pau oco” advêm do ouro escondido – no interior de imagens sacras – para escapar dos altos impostos. Portanto, o “jeitinho brasileiro” sempre esteve associado à esperteza, e mais recentemente à malandragem. O importante “é levar vantagem em tudo” como recomenda a Lei de Gérson. Ao subornar um policial, ao desviar milhões do erário ou ao burlar o fisco, tudo isso faz parte de um mesmo caldeirão de desvios éticos do dia-a-dia nacional. É precisamente o acordo de leniência uma ferramenta que pretende atingir de morte justamente essa estrutura nefasta, presente até os dias atuais na maneira de agir de nossa sociedade e instituições. 2 – O ACORDO DE LENIÊNCIA: CONCEITO, GÊNESE E PRINCÍPIOS APLICÁVEIS O acordo de leniência pode ser conceituado como um ato administrativo negocial, um contrato,representado pela manifestação de vontade realizada entre a Administração Pública e a pessoa jurídica responsável pela prática dos atos de corrupção –lesivos ao patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra compromissos internacionais –desde que colabore efetivamente com o Estado, de modo a possibilitar a identificação dos demais envolvidos na infração, bem como favorecer a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito. Importante salientar que na Administração Pública federal já existiam acordos celebrados pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE/MJ), com base na Lei Antitruste.Todavia, a Lei Anticorrupção inovou ao estabelecera responsabilidade objetiva para atingir pessoas jurídicas que cometam atos lesivos contra a Administração Pública brasileira ou estrangeira. A origem da Lei Anticorrupção brasileira, na qual foi inserido o acordo de leniência, remonta àLei de Combate ao Suborno Transnacional dos Estados Unidos da América, o ForeignCorruptPracticeAct – FCPA. Essa Lei entrou em vigor em 1977, instituiu responsabilizaçãocivil e criminal às pessoas físicas e jurídicas nos Estados Unidos e investiga atos relacionados ao suborno de agentes públicos estrangeiros. Além do FCPA, a Lei Anticorrupção brasileira buscou inspiração na Convenção Interamericana contra a Corrupção, editada pela Organização dos Estados Americanos (OEA, 1996, Decreto 4.410/2002); na Convenção sobre Combate à Corrupção de Funcionários Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, editada pela Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE, 1997, Decreto 3.678/2.000); na Convenção das Nações Unidas contra a corrupção (ONU, Convenção de Mérida, ratificada pelo Brasil em 2005, Decreto 5.687/2006); e finalmente na Lei Contra Suborno do Reino Unido,BriberyAct, Lei anticorrupção anglo-saxã de 2010, em vigor desde 2011, cuja incidência não se restringe–ao contrário da Lei americana– a atos praticados somente por agentes públicos. A evolução legislativa no direito comparado foi fruto de uma percepção dos Estados Unidos da América de que empresas fechavam negócios e participações no mercado a despeito da ineficiência competitiva. Curiosamente, uma externalidade causada pela Lei acabou por acarretar a difusão de legislações dessa natureza pelo mundo; a Lei alcançava sociedades empresárias americanas que concorriam no estrangeiro. Vale ressaltar: enquanto as empresas estrangeiras que atuavam fora dos EUA poderiam impunemente lançar mão de subornos; as companhias americanas estariam sujeitas a severas sanções nos EUA, ainda que atuassem no exterior. Pressionado por suas corporações, o governo americano procurou atuar junto aos organismos internacionais visando recrudescer a legislação de combate à corrupção. Inicialmente, fez gestão junto à Organização dos Estados Americanos e, posteriormente junto à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE. Ainda nos EUA, a competência para aplicação do FCPA é compartilhada entre duas agências norte-americanas: o Departamento de Justiça (DOJ) e a Comissão de Valores Mobiliários e Câmbio (SEC). Enquanto aquele aplica a lei no âmbito criminal a todos que a violam, e, no âmbito civil, às pessoas físicas e empresas não listadas em bolsa de valores; esta tem a competência de aplicar a lei, no âmbito civil e administrativo, a empresas listadas, em bolsa, que possuam ações negociadas nos EUA ou que tenham a obrigação de apresentar à SEC relatórios periódicos de suas atividades. A United KingdomBriberyAct do Reino Unido, cuja aplicação transcende o território do Reino Unido, procura combater não somente atos de suborno envolvendo servidores públicos nacionais ou estrangeiros, mas também, aqueles praticados por particulares, além de tipificar o crime de ausência de prevenção da pessoa jurídica de ato de suborno em seu nome. No Brasil, os acordos de leniência foram introduzidos na esfera do CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica. A Lei nº 10.149/2000 inicialmente introduziu os artigos 35-B e 35-C na Lei nº 8.884/94. Posteriormente a Lei nº 12.529/11 veio revogar a Lei nº 8.884, reiterando a possibilidade de celebração de acordo de leniência, nos seguintes termos: “(i) a empresa deve cessar a conduta desde o momento da propositura do acordo; (ii) deve confessar a prática da conduta e colaborar com a sua revelação durante toda a investigação e o processo; (iii) deve ser a primeira a delatar o cartel; (iv) os membros do cartel devem ser identificados pela empresa delatora e ela deve fornecer documentos que comprovem o ilícito e o envolvimento das outras empresas e pessoas físicas, (v) no momento da propositura do acordo, a Superintendência-Geral do CADE não pode ter informações suficientes sobre a empresa ou pessoa física para condená-la.” Importante registarque a Lei Anticorrupção brasileira, em cujo conteúdo se encontra a possibilidade do acordo de leniência (Lei 12.846/2013), deriva, em grande medida, de uma reação às manifestações populares ocorridas em meados de 2013. 2.1Princípios Aplicáveis aos Acordos de Leniência O ordenamento jurídico brasileiro atribui relevo aos princípios gerais do Direito. No âmbito do Direito Administrativo, no qual os acordos de leniência estão inseridos, os princípios possuem importância realçada por se tratar de um direito de elaboração recente e não codificado; a par disso, muitas normas desse ramo do Direito são editadas em vista de circunstâncias de momento, resultando em multiplicidade de textos, sem reunião sistemática[6]. Ademais, os princípios exteriorizam valores essenciais e devem necessariamente influenciar a decisão a fim de evitar escolhas inadequadas e o vale-tudo para quaisquer das partes envolvidas nos acordos. Assim, devem funcionar como uma embarcação segura que conduzirá as partes envolvidas, no caso concreto, à legitimação das ações realizadas ao longo das tratativas da leniência. Tendo em vista que os acordos de leniência trazem, em sua gênese, a característica de ato administrativo consensual,entende-se que os princípios, abaixo listados, devem necessariamente norteá-los: 2.1.1 – Princípio da Legalidade O princípio da legalidade é uma garantia fundamental do cidadão e guia a atividade do Estado[7]. Como condição de existência do Estado de Direito, esse princípio garante, no âmbito público, a submissão do agir do Estado à lei, ou seja, “a vontade da Administração Pública é aquela que decorre da lei”[8]. Tal princípio surge como espinha dorsal do acordo de leniência, haja vista que a Administração Pública, responsável pela celebração desses acordos, deve possuir uma submissão maior ao conteúdo positivado pelo Poder Legislativo. Sem embargo, no Direito Administrativo moderno, ganha relevo a noção de juridicidade administrativa para abordagem da legalidade, a qual parte do pressuposto de que a Constituição preocupou-se, em seu artigo 37, em colocar de forma expressa os princípios que necessariamente deveriam ser seguidos pela Administração Pública, mas não limitou-se a eles. Posto isto, o princípio da juridicidade nasce corroborado na atuação da atividade estatal, ancorado no pressuposto emanado da Constituição, com ênfase nos direitos fundamentais e no regime democrático de direito[9]. 2.1.2 – Princípio da Devido Processo Legal O princípio do devido processo legal consiste em um sistema de limitação de poder, imposto pelo próprio Estado de Direito para preservação dos seus valores democráticos[10]. Por intuitivo, o acordo de leniência se lastreia na cláusula geral do dueprocessoflaw, expressa no art. 5º, LIV, da Constituição de 1988, o qual define a garantiade que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. A cláusula do dueprocessoflaw ostenta duas vertentes conceituais: a do devido processo legal adjetivo e a do devido processo legal substantivo. O devido processo legal adjetivo é a garantia formal de observância de um procedimento legal, que assegura às partes, em processos administrativos ou judiciais, o direito à ampla defesa e ao contraditório, dentre outras garantias. O devido processo legal substantivo, por sua vez, está relacionado a um processo justo e razoável[11]. Assim, cumpre destacar quatro aspectos importantes do devido processo legal voltados para os acordos de leniência, a saber: inclusão no quadro das garantias do direito à prova, inadmissibilidade da prova obtida por meios ilícitos, sigilo das comunicações de dados e finalmente motivação dos atos administrativos. 2.1.3 – Princípio da Indisponibilidade do Interesse Público Princípio da supremacia do interesse público ou indisponibilidade do interesse público é a superioridade do interesse público em face do interesse particular. Jamais deve ser interpretado como a sobreposição do interesse do representante do Estado responsável pela condução do acordo, mas tão somente do interesse público. O Professor Celso Antônio Bandeira de Mello[12]sintetiza a noção de Interesse Público como um somatório dos interesses individuais representando o interesse majoritário da sociedade. Assim,Interesse Público não se pode confundir com interesse do Estado (Pessoa Jurídica de Direito Público);enquanto entidade que representa o todo.O Estado, como pessoa jurídica pode ter interesses que lhe são particulares, individuais ou similares aos interesses de qualquer outro sujeito. Entretanto, por ser o Estado concebido para a consecução do interesse público ou bem comum; a elesomentecaberá à defesa deoutros interesses – denominados secundários ou, apenas interesses do Estadostricto sensu–se foremtambém interesse público propriamente dito (primário) ou interesse social. Por essa razão, nos acordos de leniência, não é dado compor ou pactuar o interesse público envolvido, a exemplo de liberar o particular do ressarcimento do dano causado ao erário. 2.1.4 – Princípio do Atendimento ao Interesse Público ou Princípio da Finalidade Este princípio impede, em virtude de motivos quaisquer, que as autoridades envolvidas nos acordos se abstenham de tomar providências necessárias ou mesmo retardá-las, sob pena de impedirem o atendimento ao interesse público. Os condutores do acordo precisam ter a devida cautela com o emprego correto deste princípio, uma vez que não se mostra adequado, conforme leciona Medauar[13], invocá-lo como impedimento à realização de acordos e à utilização de práticas consensuais por parte da Administração Pública. Nesse sentido, deve o aplicador da leniência buscar o atingimento do interesse público primário, tido como aquele “resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da Sociedade e pelo simples fato de o serem”[14]. Assim, na linha da contribuição do professor Gustavo Binenbojm[15], devem os envolvidos nas tratativas, em razão das circunstâncias peculiares ao caso concreto, a par dos valores constitucionais concorrentes, alcançar a solução ótima que realize ao máximo cada um dos interesses públicos em jogo, de modo a alcançar o fim legítimo que orienta a atuação da Administração Pública. 2.1.5 – Princípio da Segurança Jurídica Outro princípio aplicável é o da segurança jurídica que, segundo a Lei 9.784/99, deve nortear a Administração Pública. Esse princípio preocupa-se com a preservação das relações, situações e vínculos jurídicos. Dentre as consequências importantes do referido princípio para o desenvolvimento dos acordos de leniência encontram-se: a proibição, em geral, da retroatividade de atos, o impedimento de nova interpretação a situações pretéritas, a proibição de anulação de atosde que decorram efeitos favoráveis aos destinatários,após longo tempo, e o respeito aos direitos adquiridos e ao ato jurídico perfeito. Medauar[16] destaca que um dos desdobramentos desse princípio consiste no princípio da proteção da confiança ou confiança legítima. A proteção da confiança deve ter destaque, no âmbito dos acordos de leniência, pois refere-se à preservação de direitos e expectativas particulares ante alterações inopinadas de posições e orientações administrativas, ainda que legais. Nesse escopo, quaisquer mudanças podem ser consideradas abruptas, radicais, ou de consequências desastrosas. A segurança jurídica também diz respeito ao cumprimento de promessas ou compromissos aventados pelos negociadores da leniência que geram esperanças para os celebrantes fundadas no seu cumprimento. Lastreia-se essencialmente na necessidade de justiça em todas as relações assimétricas de poder. Ressalta-se que no momento atual pelo qual passa o desenvolvimento do instituto em estudo, o legislador pátrio e os aplicadores da leniência devem reforçarsemelhante princípio. De sorte que o ingresso em tratativas não podese tornar uma aventura imprevisível ou desconhecida para o administrado. 2.1.6 – Princípio da Consensualidade O aludido princípio localiza-se no cerne dos acordos de leniência. Representa uma manifestação de boa governança pública e está longe de revelar condescendência. Ora, aqui não cabe, aos aplicadores do acordo, impor decisão às partes, mas tão somente considerar o resultado dos debates levados a efeito, a partir do qual será extraída a essência do trato que elas pretendem firmar. Na leniência, o Estado deve se abster de imposições ou decisões deliberadas; nesta seara,vigorará, invariavelmente, o consenso. 2.1.7 – Princípio da Voluntariedade A pessoa jurídica envolvida no acordo deve participar voluntária e espontaneamente, não se admitindo estar ali compelida. Deve agir movida pelo arrependimento, pelo anseio de mudar suas práticas e de colaborar com o Estado.Nesse cenário, a esfera de vontade da parte não pode sofrer coação ilegal, nem estar sujeita a chantagem por parte do poder público. Por fim, o Estado deve respeitar a autonomia da vontade do particular, de modo que lhe é defeso realizar bravatas ou intimidações para forçar um acordo, sob pena conspurcá-lo. 2.1.8 – Princípio da Confidencialidade As informações que forem trabalhadas durante as negociações serão de conhecimento apenas das partes. Em outras palavras, os negociadores estatais não poderão ser chamados a prestar depoimento como testemunha em nenhum processo judicial que as partes oponham envolvendo questões relacionadas ao acordo realizado. Nesse sentido, os §§ 6º e 7º do art. 16 da Lei 12.846/2013 informam que umaproposta de acordo de leniência somente se tornará pública após a efetivação do respectivo acordo, ressalvado o interesse das investigações e do processo administrativo. Destarte, um acordo fracassado não importará em reconhecimento da prática do ato ilícito investigado. Tal princípio tem como objetivo fundamental garantir que a pessoa jurídica deposite total confiança nos representantes estatais, a fim de que o procedimento ocorra com lisura entre as partes. 2.1.9 – Princípio da Boa Fé A boa fé aqui almejada e de relevo para o Direito consiste naquela externalizada por meio das condutas humanas, qual seja: a boa-fé objetiva. Nesse aspecto, durante as negociações, as condutas devem seguir padrões éticos de honestidade, respeito e confiança. Segundo as palavras de Carlos Roberto Gonçalves[17], tal conceito está fundado, na retidão, na lealdade e na consideração para com os interesses da outra parte, especialmente no sentido de não lhe sonegar informações relevantes a respeito do objeto e conteúdo das relações jurídicas. A boa-fé deve ser o fio condutor das ações dos participantes do acordo, de modo que suas condutas devem traduzir a boa intenção, isenta de dolo, engano ou ardil. Tais ajustes devem ser movidos pelo espírito da cooperação sincera e em conformidade com o Direito. 2.1.10 – Princípio da Lealdade Esse princípio assevera que todos os envolvidos – pessoa jurídica e representantes do Estado– devem se tratar e serem tratados com urbanidade, moralidade e probidade. A verdade é a mola propulsora do acordo, cujo escopo consiste na produção e obtenção célere de informações que permitam ao Estado identificar os responsáveis por atos lesivos: sejam eles sociedades empresárias, particulares ou agentes públicos. 2.1.11 – Princípio da Proporcionalidade/Razoabilidade Esse princípio exige que exista adequação de sentido entre as circunstâncias de fato (motivo), que ensejaram a instauração das negociações para o acordo e seus respectivos meios e fins. Neste ponto, ensina a doutrina, o princípio da proporcionalidade/razoabilidade desdobra-se em três elementos: (1) a adequabilidade da medida para atender ao resultado pretendido; (2) a necessidade da medida, quando outras que possam ser mais apropriadas não estejam à disposição do agente administrativo; e (3) a proporcionalidade, no sentido estrito, entre os inconvenientes que possam resultar da medida e o resultado a ser alcançado. Dessa forma, é defeso a imposição de exigências à pessoa jurídica “em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público”[18], consagrando a vedação de excessos. Assim, as partes envolvidas nas negociações devem adotar ações proporcionais ao bem jurídico tutelado no caso concreto, analisando aspectos como o grau de lesividade da conduta ilícita praticadacom vistas à elaboração dos encaminhamentos, especialmente quanto à estipulação das sanções a serem aplicadas. 3 – ALGUNS CONTEÚDOS ESTRUTURANTES DOS ACORDOS DE LENIÊNCIA E A DISPUTA DE ATRIBUIÇÕES ENTRE OS ÓRGÃOS DE CONTROLE A Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) fez uma opção pela responsabilização objetiva da pessoa jurídica na esfera administrativa e judicial. Prescreveu a aplicação de diversas sanções como multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo; publicação extraordinária da decisão condenatória; perdimento de bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtido pela infração, ressalvados o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé; suspensão ou interdição parcial de suas atividades; dissolução compulsória da pessoa jurídica; proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos. Algumas das críticas lançadas à lei brasileira referem-se à prescrição de possibilitar, apenas a primeira pessoa jurídica a manifestar seu interesse em cooperar com a apuração do ato ilícito,o direito de celebrar o acordo;eà necessidade de admissão pela pessoa jurídica desua participação no ilícito. O argumento de que ocorreria uma espécie debarganha entre as sociedades empresáriaspara partilhar o conteúdo dos acordos, com a finalidade de quevárias pessoas jurídicaspudessem obter a leniência,mostra-se desarrazoado. A bem da verdade, persiste a vantagem para a primeira sociedade empresária, haja vista a possibilidade de elafornecer maiores informações e obter com isso melhores benefícios, ao passo que as demais – caso não apresentem fato novo relevante – ficarão à míngua, ou terão encurtado significativamente seus benefícios,cuja redução poderia alcançar 2/3 da multa. A segunda imposição, qual seja: confissão de efetiva participação no ilícito, fere o direito fundamental à não autoincriminação (nemotenetur se detegere); além de revelar-se despicienda, na medida em que a pessoa jurídica responde objetivamente nos termosda Lei Anticorrupção. Por outro lado é bem-vinda, na medida em que serve como um processo psicológico-institucional de desenvolvimento e transformação da entidade para adoção de uma nova postura. Outro ponto relevante refere-se à discussão acerca da relação entre a reparação de dano ao erário e o acordo de leniência. Uma interpretação sistemática do artigo 16 da Lei 12.846/2013 conduz ao entendimento de que o acordo de leniência consiste em um meio célere e eficaz para alcançar, nas situações cabíveis, a recomposição integral do patrimônio público, porém não é esta a sua maior finalidade. A Lei Anticorrupção dispõe expressa e exaustivamente sobre os requisitos indispensáveis ao acordo de leniência (artigo 16, caput e § 1o, incisos I a III), a cargo da pessoa jurídica proponente, a saber: que seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar; que admita seu envolvimento no ato ilícito; que interrompa sua participação na infração sob apuração; e que contribua decisivamente com as investigações e o respectivo processo administrativo. Anote-se que não há dispositivo da Lei Anticorrupção estabelecendo a recomposição do erário pela pessoa jurídica como condição essencial à celebração do acordo. A finalidade basilar da leniência consiste na identificação dos implicados na ilicitude e na rápida obtenção de elementos comprobatórios, em troca da atenuação das sanções. Não se pretende afirmar que a reparação do dano seja impossível no âmbito do acordo de leniência, mas, tão somente, que não se trata de requisito básico para sua celebração, tampouco relegar a segundo plano a reparação do dano sofrido pela Administração Pública, mas, pelo contrário, consignar que a Lei Anticorrupção acaba por representar um notável instrumento para atingir esse desiderato[19]. 3.1– A Disputa de Atribuições entre os Órgãos de Controle O Tribunal de Contas da União – TCU publicou em fevereiro de 2015, a Instrução Normativa 74/2015 que pretende regular a fiscalização da celebração dos Acordos de Leniência.  A Instrução Normativa causou muita polêmica visto que ocorreu no auge da Operação Lava Jato. À época, o então deputado Raul Jungmann (PPS-PE) afirmou que “a gravidade é que o TCU, que deveria ser órgão de controle externo dos acordos de leniência da Operação Lava Jato, irá se envolver com aantiga Controladoria Geral da União – CGU, em tomadas de decisões que serão sigilosas”. Aumentando a polêmica, a extinta MP 703/2015 alterou a Lei Anticorrupção para estabelecer que o acordo de leniência seria encaminhado ao TCU somente após celebrado, a fim de que o órgão pudesse eventualmente instaurar tomada de contas especial para apurar prejuízo ao erário, quando entendesse que o dano não fora integralmente reparado. A MP 703/2015, editada no final de 2015, explicitou, no campo normativo, a queda de braço entre os órgãos de controle externo e interno, ao procurar dar uma resposta clara a IN 74/2015 do TCU, demarcando, no âmbito dos acordos de leniência, a fronteira de atuação da Corte de Contas. A reação foi imediata, numa decisão no início de 2016, o ministro Bruno Dantas, do TCU, determinou à então Controladoria Geral da União – CGU que enviasse à Corte de Contas as tratativas dos acordos em negociação. A Controladoria, por seu turno, impetrou junto ao STF um mandado de segurança, alegando o óbvio: que a Lei Anticorrupção previa que o acordo de leniência só deveria ser enviado ao TCU depois de assinado. O relator do processo no STF, ministro Gilmar Mendes, concedeu uma liminar que desincumbiu a CGU de encaminhar imediatamente ao TCU as informações referentes aos acordos de leniência em curso no órgão. Em maio de 2016, após o afastamento da Presidente da República Dilma Roussef e consequente posse do governante interino de Michel Temer, a MP 703/2015, por não ter sido convertida em lei, perdeu sua validade. A par disso, a CGU foi transformada no Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria geral da União. Com isso a articulação entre o TCU e o Governo parece ter melhorado substancialmente, de modo que o governo passou a concordar com o acesso ao Tribunal de Contas da União (TCU) às tratativas que antecedem à assinatura do acordo. É compreensível que as negociações prévias à celebração do acordo devam possuir o máximo de sigilo possível, até pela possibilidade de desistência dos partícipes em fechar o ajuste, o que acarretaria a devolução dos documentos apresentados; a par do não reconhecimento da prática do eventual ato ilícito cometido pela pessoa jurídica. Porém, esse receio, do ponto de vista prático, deve dar lugar a segurança jurídica que pode trazer o acompanhamento concomitante do TCU no processo de celebração do acordo. É sempre bom lembrar que o Tribunal de Contas,por força do art. 46 da Lei 8.443/1992, a despeito de acordos celebrados, pode declarar a inidoneidade da pessoa jurídica para participar de licitação promovida pela Administração Pública. Além disso, não se coaduna com natureza de uma república, a criação de normas a partir de concepções que levem à desconfiança para com determinado órgão, tampouco na ideia de que existem ilhas de probidade na esfera pública. No cerne dessa questão encontra-se o vetustodebate acerca da possibilidade de os Tribunais de Contas exercerem,não apenas o controle a posteriori mas,o controle prévio e concomitante. Essadiscussão ganhou força porque assim dispunha a Carta de 1946 (art. 77, § 1º): “os contratos que, de qualquer modo, interessarem à receita ou à despesa só se reputariam perfeitos depois de registrados pelo Tribunal de Contas, sendo que a recusa do registro suspenderia a execução do contrato até o pronunciamento do Congresso Nacional” No texto da Constituição de 1988, esse dispositivo específico foi retirado, não obstante, houve uma significativa ampliação das atribuições e das competências do Tribunal de Contas da União. Assim, o texto constitucional definiu, de forma mais aberta, a possibilidade de a Corte de Contas por iniciativa própria, a Câmara dos Deputados, o Senado Federal, ou uma comissão técnica ou de inquérito, realizar inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II (art. 71, IV da CF). Semelhantes modalidades de fiscalização representam nada mais que o controle prévio e concomitante dos atos administrativos no âmbito da União. Desse modo, o controle concomitante está na própria essência do Tribunal de Contas, que vem buscando maximizar as ações preventivas, evitando a ocorrência do dano. Esse tipo de controle se consolidou no campo infraconstitucional, a exemplo da Lei n.º 9.491/97, que estabelece procedimentos para o Programa Nacional de Desestatização, impondoa necessidade de preparação de todos os documentos dos processos de desestatização, para apreciação do Tribunal de Contas da União[20]. Com a tramitação de diversas propostas no Congresso Nacional a discussão não se encerrou. A propósito, há iniciativas no sentido de transferir, da antiga CGU para o Ministério Público – MP, a responsabilidade de firmar acordos, a exemplo das colaborações premiadas (Lei 12.850/13). Na esfera notadamente criminal, há uma razão para tal fato: o titular da ação é o MP. Por outro lado, no âmbito marcadamente administrativodos acordos de leniência, nos quais se verifica algum dano ao erário, o TCU e a CGUpossuemrelevante interesse de agir. Nesses casos, os aludidos órgãos, além da competência constitucional precípua, encontram-se estruturados funcionalmente para levar a efeito esse tipo de cálculo. CONCLUSÃO A Lei Anticorrupção representa um marco no enfrentamento da tradição de desvio de recursos públicos no país. Mostra-se um instrumento capaz de preservar os efeitos positivos da hodierna onda de combate à corrupção. Nesse sentido, os acordos de leniência possibilitam a manutenção da atividade econômica, garantindo o saneamento de pessoas jurídicas com posturas desonestas, evitando, num primeiro momento, a necessidade de dissolução. Por evidente, para que se torne uma realidade, é preciso que os órgãos de controle se entendam e evitemdisputas desnecessárias por espaços, pois uma parcela do sucesso da Lei Anticorrupção depende da boa articulação desses órgãos. Assim, defende-se uma câmara,com poder deliberativo,formada por diversos órgãos, de sorte a agilizar o trâmite dos acordos. É controverso que uma estrutura estanque – na qual existam manifestações sequenciais– possa garantir a eficiência que a sociedade ambiciona. O país não pode prescindirde semelhante instrumento cuja exitosa implementação é capaz de possibilitar um avanço nas instituições públicas e privadasde modo a torná-las menos permeáveis a condutas ilícitas. Por fim,é preciso enfrentar,com menos demagogia e moralismo e mais objetividade, o problema da corrupção endêmica – doença social responsável pela sabotagem de muitas das teorias jurídicas tendentes ao aperfeiçoamento das instituições públicas brasileiras– implementando métodos pragmáticos que já demonstraram ser eficientes em outras partes do mundo.
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Os diversos tipos de agentes públicos e seus vínculos jurídicos sob a perspectiva constitucional
A função pública encontra-se como a atividade realizadora dos objetivos políticos para o desenvolvimento da gestão pública, contando com os seus mais diversos agentes e vínculos jurídicos entre o agente e o Estado, para que seja possível atender as finalidades presentes na Constituição Federal. Desta feita, o escopo do presente trabalho está assentado em promover uma análise acerca dos aspectos caracterizadores da função pública, dos agentes que compõe a administração e relação deles com o Estado, sob a perspectiva jurídica constitucional.
Direito Administrativo
1) Introdução Incube ao Estado Democrático de Direito diversos serviços e objetivos, por imposição da Constituição Federal, regulamentada, em regra, pelas leis. Essas atividades a serem prestadas pelo Estado, através de seus agentes públicos, vinculados ou não com a Administração Pública, poderão ter uma infinidade de consequências. Somente através do estudo pormenorizado dos agentes e seus vínculos jurídicos com o Estado, que será possível definir a qual regramento jurídico o agente será responsabilizado por seus atos, caso atuem de encontro com interesse público, como também determinará as prerrogativas inerente ao agente público, além de determinar os limites de atuação que cada cargo possui. Deve-se levar em conta que, os agentes devem sempre atuar em conformidade aos princípios da administração pública, tendo como norte guiador dos seus atos a legalidade, eficiência, moralidade e impessoalidade, dentre outros, para que o interesse público possa prevalecer e os objetivos da Lei Maior apareçam na sociedade.  2) Origem do Vínculo Jurídico Entre a Administração Pública e o Agente Público O poder público possui funções para desempenho do encargo referente à administração pública regular, ou em situações de ordem pública. Esta função, contundo, visa o interesse estatal, agregando-se a ela, atividades de interesse público, de múnus público. A função pública traz em seu conceito a noção de movimento, de atividade realizada por órgão para alcançar determinados fins, que foram previamente estabelecidos na Constituição Federal. A origem das funções se dá por meio de lei, que irá regular os objetivos oriundos da Constituição, gerando para Administração Pública um dever, ao criar uma finalidade através da norma, assim leciona Carvalho: “[…] trata-se da atividade pública, propriamente dita e, cada uma destas funções, deve ser criada e extinta mediante a edição de lei, haja vista integrar a estrutura organizacional da Administração Pública, para cumprimento de suas finalidades” (CARVALHO, 2014, p. 770).” É a ligação, relacionamento jurídico entre o Estado e seus agentes. Assim, é o relacionamento entre o Estado e estes últimos. Sua natureza é jurídica e não contratual. Ela é consequente de determinações normativas e não meramente contratuais como se dá, por exemplo, entre as empresas privadas e seus empregados. Dessa forma, todo cargo ou emprego público deverá ter sua função com determinação legal estabelecida, que serão executadas pelo servidor público ocupante do cargo ou função, perseguindo, assim, as finalidades da Administração Pública. As funções permanentes da Administração Publica são atribuídas aos titulares dos cargos, já as funções de cunho transitório, serão exercidas por servidores designados, admitidos ou contratados precariamente. Os cargos dão estabilidade aos seus titulares, ao contrário das funções de transitórias que não dão essa prerrogativa aos seus ocupantes. A Emenda Constitucional de nº 19 restringe o exercício das funções de confiança aos titulares de cargos efetivos, ou seja, os concursados. Sendo assim, a confiança ficará restrita, ao âmbito interno da Administração. É oportuno dizer que a função pública engloba todas as atividades atribuídas a um cargo ou emprego público, seja este cargo isolado ou de carreira, para provimento efetivo, vitalício ou em comissão. Apesar de ser impossível existir cargo ou emprego público sem funções, o contrário não é. Efetividade é a qualidade jurídica que classifica a titularização do cargo efetivo, que só é ocupado por servidor aprovado em concurso público, diferenciando, assim, dos ocupantes de cargos comissionados. Através do provimento originário, pelo meio de provas ou provas e títulos, ocorrerá a posse do aprovado e este entra em exercício no cargo público, completando a relação estatutária. Porém, a posse não se confunde ou garantirá a estabilidade outorgada ao servidor efetivo, que terá que passar ainda pelo estágio probatório, até que este alcance o direito à estabilidade, terá somente a efetividade, que é atributo inerente ao cargo por ele ocupado. Já quanto as funções de confiança, é admissível, mediante lei, que a Administração Pública crie funções de confiança, para exercício de atividades de direção, chefia e assessoramento. A função de confiança é atribuída a um servidor público efetivo, sendo imputações que exigem confiança direta da autoridade pública nomeante. Não possuindo estabilidade ao ocupante de tal cargo, nem a necessidade de qualquer tipo de processo seletivo. 3) Função Pública Conforme a Constituição de 1988 Observadas são as mudanças no conceito de função pública, tendo por base as constituições de 1967 (EC n°1/69) e de 1988. Na constituição anterior, sob o regime de exceção, detinha um significado mais abrangente, já na atual Constituição, encontram-se apenas duas situações de aplicação do termo, primeiro, para contratação temporária, e segundo, para criar funções sem criar cargos: de chefia, direção e assessoramento. No que diz respeito a função de caráter temporário, terá por finalidade atender necessidades temporárias de excepcional interesse público, conforme previsão constitucional, no art. 37, IX, CF/88. Desempenhando assim, função de natureza pública, mas, sem possuírem vinculação a cargos ou empregos públicos. A outra hipótese é o caso das funções de chefia, assessoramento exercidas de forma exclusiva por servidores ocupantes de cargo efetivo, conforme o art. 37, V da CF/88. Há uma distinção precisa entre as funções de confiança e os cargos em comissão, contudo, a principal diferença entre elas se encontra no lugar ocupado no quadro funcional da Administração. Enquanto no cargo em comissão ocupa um espaço na sua estrutura da administração pública, nomeando uma pessoa qualquer para exercê-lo, baseada na simples confiança da autoridade nomeante em relação à pessoa nomeada, reservado aos limites exigido por lei, atribuindo-lhe um conjunto de atribuições e responsabilidades. Já no caso da função de confiança, é atribuída a um servidor efetivo, que já pertence aos quadros da Administração, não modificando, então, a estrutura organizacional da Administração Pública. A criação, transformação e extinção das funções públicas ocorrerão por meio de lei, através do Congresso Nacional, com a sanção do presidente da República, conforme o art. 48, X da CF/88, mas cabe privativamente ao chefe do Executivo a iniciativa de leis que tratem sobre a sua criação. E será mediante decreto do Presidente da República, conforme o art. 84 VI da CF/88, dispor sobre extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos. Um ocupante de cargo em comissão poderá ser nomeado em outro cargo em comissão, acumulando as funções, mas terá que ser de forma interina e só receberá uma remuneração. Conforme o parágrafo único do art. 9° da Lei 8112/90: “O servidor ocupante de cargo em comissão ou de natureza especial poderá ser nomeado para ter exercício, interinamente, em outro cargo de confiança, sem prejuízo das atribuições do que atualmente ocupa, hipótese em que deverá optar pela remuneração de um deles durante o período da interinidade.” Portanto, conforme a Constituição Federal de 1988, as funções públicas são um conjunto de atribuições definidas legalmente para certo cargo ou emprego público, mediante lei. Prestando serviços públicos, executando atividades de interesse coletivo para enfim, permitir que a Administração Pública atinja sua finalidade essencial. Mas sempre respeitando os princípios da razoabilidade e da moralidade administrativa, pois à criação indiscriminada de cargos em comissão chegou ao Supremo Tribunal Federal, frente a um caso concreto de criação de cargos comissionados pela Câmara Municipal de Blumenau, ante o princípio da razoabilidade, da proporcionalidade, da moralidade administrativa e da necessidade de concurso público, julgou, através do RE nº 365368 AgR/SC, enfatizando que não se tratava de apreciação do mérito administrativo e sim da inconstitucionalidade da criação dos referidos cargos, que seriam 42 comissionados e apenas 25 efetivos. 4) Titulares das Funções Públicas O desempenho da função pública fica a cargo dos agentes públicos, que podem ser considerados como toda pessoa física que desempenham qualquer tipo de serviço à administração pública. Sendo assim, o termo “agente público” é uma expressão muito ampla, que engloba aqueles sujeitos que atuam sob os mais diversos títulos jurídicos diferenciados, atuando de alguma forma, a título do Estado. Desta feita, é inegável a importância do agente público para o funcionamento do Estado, que não poderia existir sem a sua presença, estando incumbidos de exercer a vontade do Estado. A Constituição Federal assegura que os agentes públicos sejam tanto os que atuam em entidades de direito público, quanto às entidades de direito privado da administração pública, conforme Pietro: “Antes da Constituição atual, ficavam excluídos os que prestavam serviços às pessoas jurídicas de direito privado instituídas pelo Poder Público (fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista). Hoje o artigo 37 exige a inclusão de todos eles (PIETRO, 2.012, p. 581).” A Lei de Improbidade Administrativa (8.429/1992), nos artigos 1º e 2º traz uma ideia do que se pode considerar como agente público, apresentando-o como todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente, sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função na administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos poderes de qualquer ente federativo, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio, o erário haja concorrido ou concorra com mais de 50% do patrimônio ou da receita anual ou, ainda de entidade beneficiada, subvencionada ou incentivada por órgão público. É pertinente pontuar que, o Código Penal, que foi promulgado em 1940, atribui a mesma compreensão ao definir “funcionário público”, no art. 327, conceitua da seguinte forma: “Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública”. Vale ressaltar que essa expressão já está superada no Direito Administrativo, sendo substituída por agente público. Além das fontes legislativas, a doutrina também acrescenta novos termos para somar conhecimento, elucidando situações em que a legislação, por ser estática, não consegue acompanhar, e nem é essa a função da norma. O “agente público de fato”, mencionado pela doutrina, é aquele que exerce funções públicas, por uma situação excepcional ou por erro, sem que haja a correta investidura ao cargo. Já os “agentes públicos de direito”, são aqueles que possuem uma relação jurídica válida. Quanto aos agentes de fato, é possível, ainda, distingui-los entre “necessários” e “putativos”. Os necessários são àqueles que atuam em situações de necessidade pública, atuando como se fossem de direito. Neste caso, os atos são confirmados pelo estado, por motivo da excepcionalidade da ocasião e do interesse público, por isso, valida a competência do ato. Já os putativos, desempenham funções públicas na presunção de que estão exercendo de forma legal, embora tenham sido investidos com violação do procedimento legalmente exigido. Contudo, aos terceiros de boa-fé, seus atos possuem efeitos válidos, para evitar que sejam prejudicados pela falta de investidura conforme o ordenamento jurídico, que é uma falha da administração pública, não do terceiro. É possível classificar os agentes públicos de direito em quatro categorias: agentes políticos; particulares em colaboração com o poder público, servidores públicos e militares. Não há uniformidade na doutrina a respeito da conceituação de agentes políticos, mas o entendimento base é que são considerados àqueles que ocupam cargos estruturais da organização político-administrativa geral, não possuindo relação profissional com a administração; a vontade deste agente é formadora da vontade superior do Estado. Esses são caracterizados pelas funções de direção e orientação estabelecidas na Constituição e por ser temporário o exercício da função. A investidura se dá por meio de eleição, que é a regra, conferindo-lhes o direito a um mandato, que consequentemente serão transitórios os exercícios das funções, sendo um postulado básico da democracia republicana. Não estão sujeitos às regras comuns aplicáveis aos servidores públicos em geral, respondem normalmente as prerrogativas e à responsabilidade política. São eles: os Chefes do Executivo (Presidente, Governadores e Prefeitos), seus auxiliares (Ministros e Secretários Estaduais e Municipais) e os membros do Poder Legislativo (Senadores, Deputados Federais, deputados Estaduais e Vereadores). É nesta perspectiva que se fundamenta o pensamento de Filho (2014, p. 594). É possível encontrar o posicionamento doutrinário de que os membros da Magistratura e os membros do Ministério Público também serão considerados como agentes políticos, assim como os membros dos tribunais de contas. Ou o posicionamento tradicional, no qual classifica o agente político somente àqueles detentores de cargos eletivos, eleito por mandatos transitórios, como os Chefes de Poder Executivo e membros do Poder Legislativo, além de cargos de Ministros de Estado e de Secretários nas Unidades da Federação. Os agentes políticos, numa visão tradicional, são os integrantes da alta administração governamental, titulares e ocupantes de poderes de Estado e de responsabilidades próprias e especificamente enumerados na Constituição Federal. Com base em parecer vinculante da AGU GQ-35, os titulares de cargos eletivos, mandatos transitórios, como os Chefes de Poder Executivo e membros do Poder Legislativo, além de cargos de Ministros de Estado e de Secretários nas Unidades da Federação, não se submetem ao processo administrativo disciplinar. As prerrogativas oriundas da própria Constituição, distinguindo-os dos demais agentes públicos, não podem ser consideradas privilégios pessoais, são na verdade garantias necessárias para o regular exercício de suas funções. Desta feita, os agentes políticos terão plena liberdade para a tomada de suas decisões governamentais, sem que haja receio de serem responsabilizados segundo as regras comuns da culpa civil, que os demais agentes públicos estão sujeitos. Consta ainda mencionar a respeito dos militares, possuidores de regime jurídico próprio, que abarca os membros das Polícias Militares e Corpo de Bombeiros dos Estados, Distrito Federal e Territórios, além das Forças Armadas, nas palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “Até a Emenda Constitucional nº 18/98, eles eram tratados como ‘servidores militares’. A partir dessa Emenda, excluiu-se, em relação a eles, a denominação de servidores, o que significa ter de incluir, na classificação apresentada, mais uma categoria de agente público, ou seja, a dos militares. Essa inclusão em nova categoria é feita em atenção ao tratamento dispensado pela referida Emenda Constitucional. Porém, conceitualmente, não há distinção entre os servidores civis e os militares, a não ser pelo regime jurídico, parcialmente diverso. Uma e outra categoria abrangem pessoas físicas vinculadas ao Estado por vínculo de natureza estatutária.” Já no que diz respeito aos particulares que atuam em colaboração com o sérviço público, não possuem um vínculo de trabalho, prestando serviços a título oneroso ou gratuito, como por exemplo, os mesários, em época de eleição; aqueles que prestam serviço militar obrigatório; os que são convocados a participar como jurados; entre outros. Inclusos estão os empregados das empresas permissionárias ou concessionárias de serviços públicos, bem como das organizações sociais e afins, se enquadram também nesta categoria. Os agentes gestores de negócios públicos se destacam dos demais pelo fato de atuar de forma voluntária e espontânea perante uma situação anômala, numa situação excepcional. Será um particular, não estará agindo como se fosse agente público vinculado ao Estado por alguma espécie de vínculo contratual, que colaborará, auxiliando algum tipo de função administrativa. Diferente dos agentes públicos, é o particular em colaboração com Administração mediante requisição, no qual é convocado para exercer a função estatal, como o mesário que trabalha nas eleições, e o particular em colaboração mediante delegação, por meio de licitação ou de concursos públicos. Os servidores públicos se destacam pelo liame de trabalho que os vinculam ao Estado e as entidades da administração indireta. Prestam serviços mediante remuneração e existe a exigência de concurso público para o seu ingresso. 5) Considerações Finais Os diversos tipos de vínculos jurídicos e classificações de agentes públicos são necessários para a devida prestação dos serviços públicos, pois, se houvesse somente um tipo de vínculo e/ou agente público, os serviços públicos estariam restritos a poucas funções, atividades, prerrogativas etc. Porém, essas diversas formas são previstas em lei justamente para dar maior flexibilidade ao administrador público, podendo optar em delegar funções aos diversos tipos de agentes, no qual terão seus limites de atuação e suas responsabilidades, de acordo com o cargo e função, conforme suas características previamente determinadas. Tendo por base os critérios presentes no ordenamento jurídico brasileiro, sendo a lei a principal fonte do Direito Administrativo, não quer dizer que o Estado deva agir de forma estática, como a lei é. A constituição deverá ser interpretada pelos agentes públicos em conformidade com a realidade social, para que se possa resguardar o máximo da efetividade constitucional. Nessa toada, O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso: “A adaptação da Constituição a novas realidades pode dar-se por ações estatais ou por comportamentos sociais. A interpretação constitucional, normalmente levada a efeito por órgãos e agentes públicos – embora não exclusivamente -, é a via mais comum de atualização das normas constitucionais, sintonizando-as com as demandas de seu tempo. (BARROSO, 2.015, p. 163).” Assim, a constituição ao estipular funções e agentes públicos de diversas características, atribuições, prerrogativas e deveres, por meio de diversos vínculos jurídicos, teve como finalidade abrir mais possibilidades para os gestores públicos no ato da implantação de atividades realizadoras das funções públicas, tornando os objetivos constitucionais mais simples de serem realizados, instrumentalizando a maneira de exercer as atividades públicas.
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Vínculos jurídicos do estado com o empregado público
O empregado público possui vínculo jurídico com a administração pública de natureza mista, sendo regido em alguns pontos por normas de direito público e em outros por normas de direito privado. Desta feita, o escopo do presente trabalho está assentado em promover uma análise definindo a forma de ingresso, estabilidade e fim do vínculo desse servidor, estabelecendo se as normas aplicadas serão de caráter público ou privado.
Direito Administrativo
1) Introdução O art. 3º da CLT define o empregado como “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”. Assim, o empregado é a pessoa natural que está subordinada ao seu empregador, recebendo ordens, de maneira não eventual, ou seja, trabalha periodicamente, mediante remuneração, não sendo um trabalhador que presta seus serviços apenas de vez em quando ou esporadicamente, nem de forma voluntária. Além de ser um trabalhador que presta pessoalmente os serviços, havendo uma contraprestação, de um lado a venda da mão de obra, do outro lado o salário. Para comprovação desse vínculo, a lei põe em exame, principalmente, os fatos em caso concreto, não sendo decisivo somente o que tenha sido formalizado por escrito, através do contrato de trabalho. Afinal, os fatos são mais importantes do que os documentos, na relação trabalhista, que busca efetivar o princípio da verdade real. Essa premissa é feita tendo por base que a relação de trabalho quase sempre trazer uma relação de hipossuficiência, onde de um lado o empregador detém as condições e exigências para o empregado realizar o trabalho. Ficando clara a discrepância na relação entre empregado e empregador, onde por muitas vezes o empregado se permite concordar com ordens que transpassem sua função laboral, e até mesmo assinar documentos com mentiras, a fim de burlar a lei de proteção ao empregado. Não restando alternativa ao empregado, a não ser concordar com tal prática para manter seu emprego. O ingresso do empregado público deverá seguir alguns critérios que mais se assemelham ao do servidor público do que do empregado no setor privado, apesar do empregado ser regido, predominantemente, pelas normas do direito do trabalho. No setor privado, a escolha é feita através da liberdade do patrão, proprietário do meio de produção. Já no emprego público, por não ter patrão, a escolha do seu pessoal é feita através das normas jurídicas, pois, estamos falando de coisa pública, devendo ser o interesse público predominante na escolha do seu pessoal, não interesse particular. Neste artigo será explanado se o empregado público terá a cogitada estabilidade do servidor público; se terá somente direito ao FGTS ou quem sabe, as duas opções. Enfim, será tratado também da extinção do vínculo contratual do empregado público com a Administração Pública, quais as principais formas de desligamento do servidor com o Estado e qual regime jurídico será o adotado ao celetista. 2) A Origem da Vinculação do Empregado Público à Administração Pública O acesso ao serviço público é o conjunto de normas e princípios que disciplinam o ingresso dos agentes públicos. O processo de seleção de candidatos de maneira impessoal a cargos públicos teve origem na França, com Napoleão. Na Constituição Federal de 1988, em sua redação originária, delimitava o acesso a cargo, emprego e função pública, apenas aos brasileiros, sem distinção de natos ou naturalizados, no artigo 37, I. Os parâmetros que conduzem o ingresso ao serviço público causam vinculação para os órgãos administrativos, de modo que a Administração não poderá criar dificuldades maiores nem abrir caminhos de facilidades fora das regras que compõem o sistema. Torna-se verdadeiro direito subjetivo, direito de acesso aos cargos, empregos e funções públicas, observadas logicamente as normas aplicáveis em cada tipo de provimento, segundo Filho (2014, p. 653). Após a Emenda Constitucional n. 11/1996, tornou-se possível a admissão de professores, técnicos e cientistas estrangeiros (art. 207), na forma da lei (Lei n. 9.515/1997). Em seguida, com a EC n. 19/1998, os cargos e as funções públicas tornaram-se possíveis aos brasileiros que preenchessem os requisitos legais, assim como os estrangeiros, na forma da lei, segundo o art. 37, I. É preciso pontuar que o direito de acesso ao serviço público é aferido aos brasileiros que preencham os requisitos legais. Como não há qualquer restrição quanto ao sentido do termo, devemos entender que são titulares do direito não apenas os brasileiros natos como os naturalizados. Essa é a regra geral. A exceção está prevista no art. 12, § 3º, da CF, que elencou alguns cargos privativos de brasileiro nato: Presidente e Vice-Presidente da República; Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal; Ministro do STF; membros da carreira diplomática; oficial das Forças Armadas e Ministro de Estado da Defesa. Lembrando que, em ambos os casos, cada ente da federação que irá disciplinar, mediante lei, a contratação do seu pessoal, que deverá ser de modo impessoal, através de concorrência. A respeito do ingresso do agente público, o STF, na súmula 685, entende que toda forma de provimento sem anterior aprovação em concurso público é inconstitucional. Dessa forma, o ingresso do empregado público deverá ser através de concurso público. Acertada é a definição de concurso público segundo José Cretella Júnior (apud CAVALCANTE e NETO, 2014, p. 101): “Concurso é uma série complexa de procedimento que o Estado empreende para apurar as aptidões pessoais apresentadas pelo candidato, submetendo-o ao julgamento da comissão examinadora.” É de grande valia mencionar que existe o termo “processo seletivo público” como uma modalidade de concurso público. Esta expressão surgiu para mencionar, num passado recente, o concurso para admissão a empregos públicos (agentes comunitários de saúde e agentes de combate a endemias), ou seja, quando se tratava de cargos a serem providos. Precisar com detalhes as diferenças desses procedimentos é matéria controversa na doutrina, mas, sabemos que eram mais céleres e menos burocráticos em comparação ao concurso público tradicional, porém, sem fugir dos princípios norteadores do concurso público. A atual Constituição faz expressa exigência de concursos públicos tanto para cargos quanto para empregos públicos, impondo a necessidade de concursos públicos tanto para administração direta, quanto para a indireta, na qual os empregados públicos fazem parte. A necessidade do concurso público encontra respaldo, porque esse procedimento:   “[…] é o instrumento que melhor representa o sistema do mérito, porque traduz um certame de que todos possam participar nas mesmas condições, permitindo que sejam escolhidos realmente os melhores candidatos” (Filho, 2014, p. 634). Sendo assim, uma das finalidades da Administração ao realizar o concurso público é selecionar os mais aptos ao cargo ou função pública e permitir que os interessados possuam condições idênticas para disputar a vaga. Daí surge os princípios da igualdade, impessoalidade e da eficiência, uma vez que os critérios de seleção dos agentes são objetivos, não se admitindo quaisquer espécies de favoritismo ou discriminações indevidas. Sendo assim, estará em consonância com o princípio da moralidade, que visa acabar com o nepotismo ou a indicação de agentes para pagar dívidas políticas dos gestores eleitos. Hodiernamente, a obrigação da realização de concurso público envolve tanto os cargos como os empregos públicos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego. O ingresso no serviço público sem aprovação em concurso público implica nulidade do ato e punição da autoridade responsável, por ato de improbidade administrativa, tendo consequências nas esferas civil, administrativa e penal. 3) Estabilidade do Empregado Público A estabilidade do servidor estatal tem origem nos países da América do Norte, no qual foi concebido, inicialmente, para combater os prejuízos causados em razão da periódica alternância partidária no comando do Estado, uma vez que somente duas classes políticas polarizavam o Governo, a saber, o Partido Democrata e o Partido Republicano. Após cada pleito eleitoral, o partido legitimado eleito realizava as alterações necessárias, a fim de organizar seu corpo pessoal para sua gestão. Esta conduta antidemocrática, muito usual até os dias atuais, proporcionava demissões em massa daqueles que eram considerados adversários políticos, ideológicos e até mesmo pessoais do partido ou de lideranças deste. Outro problema surgia também aos servidores do Estado, pois com a expectativa de uma alteração da gestão pública, incertezas e preocupações surgiam por conta da transição de gestor, não importando o quanto o servidor fosse considerado bom. O que ocasionava falta de estímulo para o pessoal aperfeiçoar sua técnica e conhecimento laboral na área pública, devido a grande probabilidade de saída. Desta feita, a partir destas situações, tornou-se necessária a criação de um instituto jurídico capaz de proporcionar a segurança para o servidor exercer o seu labor da melhor forma possível, com a finalidade de amenizar as influências de circunstâncias alheias à rotina e vontade do agente público. É neste contexto que a estabilidade ganha importância. Tem como finalidade não só proteger o servidor estatal contra arbitrariedades perpetradas pelos gestores do Estado, mas também gerar um ambiente seguro no qual imperem a harmonia e a previsibilidade da manutenção ao cargo, possibilitando credibilidade à atuação estatal. A expressão “estabilidade” é originária do latim, tendo por significado etimológico aquilo que é estável, firme, inteiro. Está insculpida há algum tempo em nosso ordenamento, os primeiros vestígios remontam à época do Brasil Império. Estabilidade pode ser conceituada como uma prerrogativa constitucional atribuída aos servidores públicos, detentores de cargos de provimento efetivo, após aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, de permanência no serviço público, desde que não aconteça alguma situação prevista na Constituição Federal. Após a aquisição da estabilidade, o servidor público somente perderá o cargo nas hipóteses taxativas na Constituição, conforme Carvalho (2014, p. 802). A estabilidade do servidor público está prevista na Constituição Federal, no artigo 41: “São estáveis, após três anos de efetivo exercício, os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.” Sendo assim, a estabilidade não poderá ser adquirida ao empregado público, pois esse possui “emprego público” e não “cargo público efetivo”. Conforme mostra o art. 9°, da Lei 8.112/90, cargo efetivo é aquele intitulado de cargo isolado de provimento efetivo ou de carreira, que se dará quando preenchido os requisitos legais. A efetividade é atributo do cargo público, indispensável para obtenção da estabilidade. Será concedida quando houver aprovação em concurso público, o candidato é nomeado e, com a posse, se tornará efetivo. Ou seja, a estabilidade não é adquirida de forma imediata. Os celetistas estarão prestando serviços nas entidades da Administração Indireta, não atuando exclusivamente em prol do interesse público, em serviços de caráter público, mesmo que tenha o ingresso ao emprego público semelhante do servidor estatutário, com concurso público. Neste sentido, dispõe a Súmula nº 390, II do TST, que dispõe que mesmo que o empregado seja admitido mediante aprovação em concurso público, isso não garante a estabilidade prevista no art. 41 da CF/88. Aos empregados contratados para prestação de serviços na Administração Direta e autárquica, o TST firmou entendimento sumulado no sentido de que a estabilidade os alcança, “O servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988”.   Entretanto, a referida súmula não merece ser aplicada aos que ingressaram no serviço público, após o advento da EC n. 19/98 que alterou substancialmente as regras de aquisição de estabilidade. Desta feita, os empregados que tiveram o ingresso na Administração Direta, autárquica e fundacional antes de 1998, gozam de estabilidade nos moldes da súmula 390 do TST. Após a vigência da EC n. 19/98, não será mais possível a aquisição de estabilidade pelo celetista. Conforme o STF, a redação original do art. 41 da CF/88 garantia estabilidade aos empregados públicos, pois, o texto legal não fazia distinção daqueles que seriam beneficiados da estabilidade entre os servidores: “Constitucional. Administrativo. Agravo regimental em agravo de instrumento. Servidor público. art. 41 da constituição federal. Admissão por concurso público antes do advento da emenda constitucional 19/98. Estabilidade. Reintegração. Precedente do plenário. A jurisprudência desta corte consignou que a estabilidade assegurada pelo art. 41 da constituição federal, na sua redação original, estende-se aos empregados públicos, admitidos por concurso público antes do advento da ec 19/98, pois ‘se refere genericamente a servidores’. Precedente do plenário: ms 21.236/df. 2. agravo regimental improvido. (Stf – ai: 480432 sp, relator: min. Ellen gracie, data de julgamento: 23/03/2010, segunda turma, data de publicação: dje-067 divulg 15-04-2010 public 16-04-2010 ement vol-02397-04 pp-01271)” Atualmente o entendimento é de que o cargo ou função exercida que define o direito ou não à estabilidade. Conferir estabilidade ao empregado público, regido pela CLT e com a garantia do FGTS, é criar uma categoria especial de servidores públicos, com direito à estabilidade e à indenização, em caso de dispensa por justa causa, prejuízo ao servidor estatutário, portador somente de estabilidade no emprego. A opção pelo regime do FGTS implica renúncia à estabilidade, porque os dois regimes não coexistem. Nem mesmo a adoção do regime da CLT como regime jurídico único teria o condão de garantir ao empregado público a estabilidade prevista no art. 41 da CF. 4) Extinção do Vínculo Contratual A extinção da relação jurídica do servidor com a Administração pode se dar de diversas formas. As principais se dão por meio da demissão e exoneração, disciplinadas pelo Direito Administrativo. A primeira forma é em caráter punitivo, em ocorrência de falta grave, já a exoneração é quando a extinção da relação se dá por interesse de uma das partes. Na seara do Direito do Trabalho, as principais hipóteses de extinção da relação denominam-se demissão, quando a extinção ocorre por vontade do empregado, e dispensa, que se dá por vontade do empregador, podendo ser arbitrária, sem justa causa, ou motivado o ato, tido como justa causa, e ainda por meio da dispensa indireta, quando a justa causa é ocasionada pelo empregador, como ensina Cavalcante e Neto (2014, p. 174) As principais causas de dispensa motivada do empregado público encontram-se previstas no art. 482 da CLT, que servirá de parâmetro para o ato de demissão. Outra possibilidade é a aposentadoria, considerado como um ato complexo, porque tramita pela conjunção de duas vontades independentes (manifestação do órgão em que o servidor exerce suas atividades e a aprovação do ato de aposentadoria pelo Tribunal de Contas). Dúvidas poderão surgir na possibilidade do empregado público, por ser regido pela CLT, não ser compulsoriamente aposentado quando chegar à data limite do tempo de serviço na Administração Pública, como o servidor público estatutário é. Ocorre que, o termo “servidor público” é amplo e se refere aos servidores estatutários e aos empregados públicos contratados pela Administração Pública Direta, Autárquica e Fundacional. A aposentadoria compulsória, aos 75 anos de idade, prevista no Lei Complementar nº 152, de 03 de dezembro de 2015, constitui causa legítima de rescisão do contrato de trabalho do servidor público lato sensu da Administração Pública Direta, Fundacional ou Autárquica, independentemente do regime jurídico adotado, se estatutário ou celetista. Desta feita, considerando-se incontestável o fato de que o empregado público já alcançou a idade limite de 75 anos e, ainda, estava a serviço da Administração, a aplicação da disposição contida no art. 40, § 1º, II, da CF é medida que se impõe ao gestor público. Diverso do setor privado, no qual não existe limite de idade para o trabalho, o empregado poderá exercer suas atividades laborais conforme a vontade do seu patrão, na Administração Pública não existe uma vontade do gestor senão, aquela contida na lei. Mesmo com todas as proteções aos idosos presentes em nosso ordenamento jurídico, não há razão pública que justifique tratar de maneira excepcional um servidor pela vontade particular do empregado ou de seu chefe. 5) Considerações Finais A relação jurídica entre o empregado público e a Administração Pública é de natureza mista, possuindo assim normas de caráter público, por se tratar da administração pública indireta e normas de direito privado, por diversas vezes atuar no mercado em igualdade com particulares, no qual deverá ser respeitado o princípio da livre concorrência, não devendo o Estado atuar na atividade econômica com prerrogativas que o favoreçam em detrimento aos particulares. A origem do vínculo se dá através de concurso público, porque assim impõe o artigo 37 da Constituição Federal, para que haja respeito aos princípios administrativos, além da adoção do critério da meritocracia na escolha de seu pessoal, ao invés de livre escolha dos gestores, que culminaria em cabides políticos. O empregado público não disporá da prerrogativa da estabilidade, pois é ocupante de emprego público, não cargo público, fazendo jus aos direitos e deveres celetistas, mais os princípios administrativos. No entanto, gozará de FGTS e multa por dispensa sem justa causa, além da necessidade de motivação, por se tratar de um ato administrativo. Sendo assim, essa inclusão de normas de direito público e privado estarão presentes para que possa haver compatibilidade, obtendo prerrogativas somente quando a necessidade demanda interesse público, fora isso, deverá prevalecer a igualdade, diante dos particulares, para não haja um desequilíbrio por parte do Estado quando atuar no cenário econômico.
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Assédio moral como ato de improbidade administrativa
O assédio moral é uma violência moral que vem sendo muito discutida e estudada nas últimas décadas – Silva (2015) e está implicitamente ligada a saúde laboral e a gestão de pessoas, conforme alinhavado por Cândido (2011), Martins (2013) e Reis, Mello e Coura (2013). Com base nesta temática, este artigo atentou ao estudo acerca da importância da gestão de pessoas na Administração Pública, justificada ao reflexo da responsabilização dos atos administrativos, em especial salubridade no meio ambiente laboral, relativos à improbidade administrativa, trazendo características, espécies e consequências, por base de referencial teórico, alinhado a sistemática aplicação de leis gerais, projetos e planos de ação, como forma preventiva a manutenção a validade dos atos administrativos e da ordem pública. Como metodologia centrou-se no aspecto qualitativo do problema, ao que já se tem como aparato legal – Projeto de Leis 5.970/2001 e 8.178/14 e leis vigentes, teorias e método para melhoria das condições de trabalho dos profissionais. O propósito maior desta pesquisa foi à demonstração da necessidade de mudança de postura dos gestores públicos ao respeito à saúde física e mental dos trabalhadores da Administração Pública. Apesar dos resultados mostrarem dificuldades ao resultado da proposta, mostrou o aspecto prático em casos de assédio moral e necessidade de mudança de postura dos gestores públicos quando da constatação de assédio moral no seio da Administração.
Direito Administrativo
1. INTRODUÇÃO O tema proposto compõe a conceituação do instituto do Assédio Moral suas espécies, anatomia, reflexo a saúde do trabalhador e a responsabilidade civil nas relações laborativas e no meio ambiente do trabalho como improbidade administrativa. Nessa medida, a discricionariedade e práticas de arbitrariedade são atos autoritários na tentativa de impedir que alguns servidores obtenham a estabilidade ou perdas em razão de perseguições e constantes ameaças que tornam rotineiros – temor reverencial. O objetivo geral da pesquisa está em redimensionar a gestão de pessoas na Administração Pública, em especial, aos atos que tendem a retirar direitos do servidor, abalar a dignidade do trabalhador público. Desta feita, pretende-se destacar que o gestor público que age na prática de assédio moral age com dolo genérico, imprescindível ao enquadramento na modalidade da improbidade administrativa, cuja atuação, deve pautar – não somente, quando da proteção do patrimônio público – como o humano, incorrendo, assim, às penalidades previstas no inciso III do artigo 12 da Lei 8.429/92. O presente artigo tem por objetivo específico conduzir à reflexão quanto ao papel do gestor público, independentemente do nível de atuação na gestão de conflitos, na inviabilização do assédio moral, justificando um novo modelo de gestão aos fins colimados para proteção da saúde mental dos trabalhadores e da harmonia funcional nas organizações. Nesse sentido, depreende o destaque do problema de pesquisa a composição de ideias de até quando essa discriminação representa tipificação do assédio moral e deste, à vulneração da saúde do trabalhador em seu aspecto epidemiológico, aos princípios peculiares a Administração Pública e, consequentemente, a responsabilidade decorrente das ações e omissões do poder público quanto aos atos praticados. O referido problema apresentado serviu para redimensionar a gestão de pessoas na Administração Pública, em especial, aos atos que tendem a retirar direitos do servidor, abalar a dignidade do trabalhador perante a responsabilização por atos de improbidade administrativa decorrente de estudo de caso decidido na 2a Turma do STJ e projetos de lei perante a Câmara dos Deputados. O parâmetro base utilizado, passa pela reflexão da problemática compreendendo o cotejo sistemático de leis existentes no ordenamento jurídico e estudo literário justificando a importância do tema.
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Novas perspectivas sobre a responsabilidade civil do Estado por condutas omissivas
Por meio deste texto, pretende-se tratar de novas perspectivas sobre a responsabilidade civil do Estado por conta de condutas omissivas.
Direito Administrativo
1. A teoria da responsabilidade objetiva O dispositivo constitucional supracitado impõe a responsabilidade civil objetiva ao Estado no que tange os danos causados aos terceiros, não sendo necessário assim, para que se lhe imponha o dever de indenizar, sejam apresentados os elementos subjetivos dolo e culpa. Para que isso ocorra, basta haver a conjugação de certos requisitos: o fato administrativo ou a conduta do agente público, o dano e o nexo causal, como o Supremo Tribunal Federal aferiu: “Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva imputável a agente do Poder Público que tenha, nessa específica condição, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal. Precedentes. O dever de indenizar, mesmo nas hipóteses de responsabilidade civil objetiva do Poder Público, supõe, dentre outros elementos (RTJ 163/1107-1109, v.g.), a comprovada existência do nexo de causalidade material entre o comportamento do agente e o eventus damni, sem o que se torna inviável, no plano jurídico, o reconhecimento da obrigação de recompor o prejuízo sofrido pelo ofendido.[RE 481.110 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 6-2-2007, 2ª T, DJ de 9-3-2007.] Vide ARE 663.647 AgR, rel. min. Cármen Lúcia, j. 14-2-2012, 1ª T, DJE de 6-3-2012” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2016, p. 624). Quanto ao primeiro, há que se visualizar a conduta do agente público ainda que sua atuação esteja fora das suas funções, mas sob o seu pretexto, como Carvalho Filho fomenta: “Ainda que o agente estatal atue fora de suas funções, mas a pretexto de exercê-las, o fato é tido como administrativo, no mínimo pela má escolha do agente (culpa in eligendo) ou pela má fiscalização de sua conduta (culpa in vigilando)” (CARVALHO FILHO, 2017, p. 377). Matheus Carvalho, citando, inclusive, um exemplo trivial, corrobora a ideia do seguinte modo: “Dessa forma, ainda que o agente público não esteja em seu horário de trabalho, caso ele se aproveite da qualidade de agente para ensejar o dano, estará configurada hipótese de responsabilização do ente público. A situação é corolário da teoria da imputação (ou teoria do órgão) que define que a conduta do agente público deve ser imputada ao ente estatal que ele representa. Exemplo clássico da situação exposta ocorre quando um determinado policial militar que, mesmo estando fora do horário de serviço e sem farda, atira em alguém com a arma da corporação, com a intenção de separar uma briga de rua, gerando sua conduta responsabilização do ente estatal” (CARVALHO, 2017, p. 343). Logo, é relevante, aqui, evidenciar se a conduta do agente foi determinante para o ato causador do dano, como Alexandrino e Paulo aludem: “[…] Porém – e esse aspecto é de grande importância -, para restar configurada a responsabilidade civil objetiva da pessoa jurídica, é imprescindível que, ao praticar o ato lesivo, o seu agente estivesse atuando, corretamente ou não, na condição de agente público (ou de agente de delegatária de serviço público), no desempenho das atribuições próprias de sua função pública, ou, a pretexto de exercê-las. Nada importa perquirir se a atuação do agente foi lícita ou ilícita. O que interessa é exclusivamente a qualidade de agente público (ou de agente de delegatária de serviço público) ostentada na sua atuação. É pertinente, tão só, verificar se a condição de agente público (ou de agente de delegatária de serviço público) foi determinante para a prática do ato. Enfim, basta que, ao praticar o ato, lícito ou ilícito, o agente esteja atuando "na qualidade de agente público” (ALEXANDRINO; PAULO, 2017, p. 921-922).   Pelo segundo, o dano, obviamente, não se pode falar em dever no sentido de se indenizar, se a pessoa não demonstrar que a prática de um ato em conformidade com as passagens acima tenha lhe causado um prejuízo de ordem material e/ou moral.  O terceiro, nexo de causalidade, por sua vez impõe, o Estado somente será responsabilizado se o ato praticado por seu agente tenha sido elementar para a ocorrência do dano, como Carvalho salienta: “- Nexo de causalidade: Como regra, o Brasil adotou a teoria da causalidade adequada, por meio da qual o Estado responde, desde que sua conduta tenha sido determinante para o dano causado ao agente. Assim, se condutas posteriores, alheias à vontade do Estado, causam o dano a um terceiro, ocorre o que se denomina, na doutrina, de teoria da interrupção do nexo causal a excluir a responsabilidade estatal” (CARVALHO, 2017, p. 345). Encontra-se consagrada, portanto, a chamada teoria do risco, originária do direito francês, pela qual (CAVALIERI FILHO, 2007) aquele que pratica atos perigosos, com probabilidade de dano, deve assumir o risco e reparar eventual prejuízo dele decorrente.  Embora essa seja a regra, há, contudo, exceções, as quais, em ocorrendo, eximem o dever do Estado no sentido de indenizar, pois não está consubstanciada, em nosso direito, a teoria do risco integral. Referimo-nos à culpa exclusiva da vítima; à força maior e; ao fato exclusivo de terceiro. Relativamente à primeira, impera analisar, por vezes, a conduta do lesado se mostra imprescindível para a ocorrência ou não do dano. Dessa maneira: “Se o lesado em nada contribuiu para o dano que lhe causou a conduta estatal, é apenas o Estado que deve ser civilmente responsável e obrigado a reparar o dano. […] Entretanto, pode ocorrer que o lesado tenha sido o único causador de seu próprio dano, ou que ao menos tenha contribuído de alguma forma para que o dano tivesse surgido. No primeiro caso, a hipótese é de autolesão, não tendo o Estado qualquer responsabilidade civil, eis que faltantes os pressupostos do fato administrativo e da relação de causalidade. O efeito danoso, em tal situação, deve ser atribuído exclusivamente àquele que causou o dano a si mesmo. […] Se, ao contrário, o lesado, juntamente com a conduta estatal, participou do resultado danoso, não seria justo que o Poder Público arcasse sozinho com a reparação dos prejuízos. Nesse caso, a indenização devida pelo Estado deverá sofrer redução proporcional à extensão da conduta do lesado que também contribuiu para o resultado danoso. Desse modo, se Estado e lesado contribuíram por metade para a ocorrência do dano, a indenização devida por aquele deve atingir apenas a metade dos prejuízos sofridos, arcando o lesado com a outra metade. É a aplicação do sistema da compensação das culpas no direito privado. Exemplo interessante foi o de acidente de trânsito em que dois veículos colidiram em cruzamento por força de defeito no semáforo: provado que ambos trafegavam com excesso de velocidade, contribuindo para o resultado danoso, foi-lhes assegurada indenização do Poder Público apenas pela metade dos danos” (CARVALHO FILHO, 2017, p. 379).   Como exemplo da hipótese, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o suicídio em hospital público não gera a responsabilização estatal: “A discussão relativa à responsabilidade extracontratual do Estado, referente ao suicídio de paciente internado em hospital público, no caso, foi excluída pela culpa exclusiva da vítima, sem possibilidade de interferência do ente público. [RE 318.725 AgR, rel. min. Ellen Gracie, j. 16-12-2008, 2ª T, DJE de 27-2-2009.]” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2016, p. 622). No segundo caso, a força maior, subentende-se, a princípio, não se tratar de responsabilidade estatal o ressarcimento daqueles danos decorrentes de fenômenos da natureza, os quais são classificados como inevitáveis[2]. Já na terceira oportunidade, de acordo com Gonçalves, quanto a eventual responsabilização do Estado, necessário compreender: “[…] a Constituição Federal o responsabiliza objetivamente apenas pelos danos que os seus "agentes" causarem a outrem, agindo nessa qualidade. Não o responsabiliza por atos praticados por terceiros, como assaltos em via pública, atos predatórios etc., que não são causados por seus agentes” […] A Constituição não adotou a teoria do risco integral. O Poder Público só poderá ser responsabilizado nesses casos se restar provado que sua omissão concorreu diretamente para o dano, deixando de realizar obras ou de tomar outras providências indispensáveis, que lhe incumbiam (se os policiais, por exemplo, alertados a tempo, omitiram-se e, negligentemente, nenhuma providência tomaram para evitar o assalto). Nesse caso, a responsabilidade estatal será definida pela teoria da culpa anônima da administração” (GONÇALVES, 2017, p. 104). 2. A responsabilidade civil estatal por condutas omissivas será regida pela teoria objetiva ou pela subjetiva? Restou claro, até aqui, tratar-se de responsabilidade objetiva do Estado o dever de indenizar terceiro que sofra dano decorrente da conduta comissiva de seus agentes. O que se questiona é, em se tratando de conduta omissiva, aplicar-se-ia ao Estado, também, a teoria da responsabilidade objetiva ou a teoria da responsabilidade subjetiva, quando a responsabilização estatal só será possível com a devida comprovação de ato decorrente de dolo ou culpa do agente. Sobre a responsabilidade subjetiva, observemos os dizeres de Cleyson de Moraes Mello: “A responsabilidade civil subjetiva é aquela que pressupõe a existência de culpa. Logo, não havendo culpa, não há falar-se em responsabilidade. A culpa é o pressuposto da responsabilidade civil subjetiva. […] A responsabilidade civil subjetiva poderá ocorrer por violação à norma contratual válida (responsabilidade subjetiva contratual) ou em virtude de violação a um dever genérico de conduta (responsabilidade subjetiva extracontratual). […] O artigo 927[3], caput, do nosso Código Civil, afirma que “aquele que, por ato ilícito (arts 186 e 187[4]), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Aqui, se desvela a responsabilidade subjetiva extracontratual, a partir da violação do dever genérico de conduta. […] A responsabilidade civil objetiva dispensar a análise do elemento culpa. O parágrafo único do artigo 927 determina que “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. […] O artigo 931[5] do diploma civilístico representa uma cláusula geral de responsabilidade objetiva ao dizer que “ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação” (MELLO, 2017, p. 321). Pois bem, há divergência sobre eventual aplicação de uma ou de outra teoria, sufragando a corrente majoritária pela última. De acordo com Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo: “Não há na Carta Política regra expressa acerca da responsabilidade civil relacionada a eventuais danos ocasionados por omissões do poder público. Alguns de nossos mais respeitados administrativistas prelecionam que, nos casos de danos ensejados por omissão estatal a responsabilidade extracontratual segue, em regra, a teoria da culpa administrativa – na jurisprudência, essa parece ser, também, a orientação predominante” (ALEXANDRINO; PAULO, 2017, p. 925). De outra maneira, Carlos Roberto Gonçalves lembra que o Supremo Tribunal Federal já decidiu, por meio da 2ª Turma, no sentido de reconhecer a: “culpa do Poder Público por não zelar devidamente pela incolumidade física de detento, ameaçado por outros presos e por eles assassinado, proclamou que, tratando-se de "ato omissivo do Poder Público, a responsabilidade passa a ser subjetiva, exigindo dolo ou culpa, numa de suas três vertentes, negligência, imperícia ou imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la"” (GONÇALVES, 2017, p. 106).   Nesse horizonte, vejamos este acórdão do Pretório Excelso: “A omissão do poder público, quando lesiva aos direitos de qualquer pessoa, induz à responsabilidade civil objetiva do Estado, desde que presentes os pressupostos primários que lhe determinam a obrigação de indenizar os prejuízos que os seus agentes, nessa condição, hajam causado a terceiros. [ARE 655.277 ED, rel. min. Celso de Mello, j. 24-4-2012, 2ª T, DJE de 12-6-2012.]” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2016, p. 620). Flávio Tartuce, fomentando o raciocínio da aplicação da responsabilidade objetiva em caso de omissão estatal relativamente à segurança pública, propõe a seguinte reflexão sobre a realidade social do país e sua relação para com a criminalidade: “Nosso país vive uma triste realidade social. Nos grandes centros urbanos, a violência e a miséria se alastram. Turbas armadas, e até organizadas, causam terror e medo. Mesmo cidades do interior se veem invadidas por quadrilhas de criminosos profissionais, dispostos a assaltar os bancos locais. E o Estado Oficial nada faz. Em algumas cidades, há o Estado Paralelo, disputando poder com aquele que antes detinha o monopólio. […] Nesse cenário, balas traçam o ar. Algumas vezes atingem os alvos. Outras, atingem outros destinatários. Vivemos a realidade das balas perdidas. Algumas vezes, na verdade, balas achadas, como se quer denominar. Além de atingirem pessoas determinadas, não há dúvida de que as balas perdidas causam um enorme dano social. […] Diante dessa triste realidade contemporânea, parece a este autor que a ideia de dano social, antes exposta, pode servir para um novo dimensionamento à responsabilidade civil do Estado (no caso do Estado Oficial). Ora, se a responsabilidade civil tem um intuito pedagógico – ou punitivo como querem alguns –, o Estado não vem cumprindo as suas obrigações assumidas perante a sociedade. A sua conduta, nessa área, pode ser tida como socialmente reprovável. […] Desse modo, deve ser imediatamente revista e repensada a tese da responsabilidade civil do Estado por omissão e, portanto, subjetiva e dependente de culpa, nos casos de falta de segurança. […]” (TARTUCE, 2017, p. 605).     Reforçando a ideia, sobre o viés criminalidade e suas relações para com a responsabilidade civil objetiva do Estado em casos omissos, enumeremos alguns entendimentos da nossa Corte Constitucional: “1. Professora. Tiro de arma de fogo desferido por aluno. Ofensa à integridade física em local de trabalho. Responsabilidade objetiva. Abrangência de atos omissivos. [ARE 663.647 AgR, rel. min. Cármen Lúcia, j. 14-2-2012, 1ª T, DJE de 6-3-2012” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2016, p. 620). “2. Latrocínio cometido por foragido. Nexo de causalidade configurado. (…) A negligência estatal na vigilância do criminoso, a inércia das autoridades policiais diante da terceira fuga e o curto espaço de tempo que se seguiu antes do crime são suficientes para caracterizar o nexo de causalidade. Ato omissivo do Estado que enseja a responsabilidade objetiva nos termos do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição do Brasil. [RE 573.595 AgR, rel. min. Eros Grau, j. 24-6-2008, 2ª T, DJE de 15-8-2008.]” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2016, p. 623). “3. Impõe-se a responsabilização do Estado quando um condenado submetido a regime prisional aberto pratica, em sete ocasiões, falta grave de evasão, sem que as autoridades responsáveis pela execução da pena lhe apliquem a medida de regressão do regime prisional aplicável à espécie. Tal omissão do Estado constituiu, na espécie, o fator determinante que propiciou ao infrator a oportunidade para praticar o crime de estupro contra menor de doze anos de idade, justamente no período em que deveria estar recolhido à prisão. Está configurado o nexo de causalidade, uma vez que, se a lei de execução penal tivesse sido corretamente aplicada, o condenado dificilmente teria continuado a cumprir a pena nas mesmas condições (regime aberto), e, por conseguinte, não teria tido a oportunidade de evadir-se pela oitava vez e cometer o bárbaro crime de estupro. [RE 409.203, rel. p/ o ac. min. Joaquim Barbosa, j. 7-3-2006, 2ª T, DJ de 20-4-2007.]” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2016, p. 625). “4. Morte de detento por colegas de carceragem. Indenização por danos morais e materiais. Detento sob a custódia do Estado. Responsabilidade objetiva. Teoria do Risco Administrativo. Configuração do nexo de causalidade em função do dever constitucional de guarda (art. 5º, XLIX). Responsabilidade de reparar o dano que prevalece ainda que demonstrada a ausência de culpa dos agentes públicos. [RE 272.839, rel. min. Gilmar Mendes, j. 1º-2-2005, 2ª T, DJ de 8-4-2005.] = AI 756.517 AgR, rel. min. Cármen Lúcia, j. 22-9-2009, 1ª T, DJE de 23-10-2009. Vide RE 170.014, rel. min. Ilmar Galvão, j. 31-10-1997, 1ª T, DJ de 13-2-1998” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2016, p. 625-626). “5. Responsabilidade civil do Estado: caracterização: morte causada a particular por agente da Polícia Rodoviária em serviço: irrelevância, nas circunstâncias do caso, de ter sido o servidor absolvido por legítima defesa de terceiro, se a agressão a esse não atribuída à vítima, mas a outrem, não atingido” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2016, p. 627). “6. Ato omissivo do Poder Público: morte de presidiário por outro presidiário: responsabilidade subjetiva: culpa publicizada: faute de service. CF, art. 37, § 6º. A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, ocorre diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa; c) e desde que haja nexo causal entre o dano e a ação administrativa. Essa responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, admite pesquisa em torno da culpa da vítima, para o fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público ou da pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público. (…) Ação julgada procedente, condenado o Estado a indenizar a mãe do presidiário que foi morto por outro presidiário, por dano moral. Ocorrência da faute de service. [RE 179.147, rel. min. Carlos Veloso, j. 12-12-1997, 2ª T, DJ de 27-2-1998.]. Vide RE 272.839, rel. min. Gilmar Mendes, j. 1º-2-2005, 2ª T, DJ de 8-4-2005” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2016, p. 628). Carlos Roberto Gonçalves (2017), entretanto, citando Toshio Mukai, alerta que a conduta omissiva do agente deflagrador do evento causador do dano a terceiro é causa e não simples condição do evento danoso, devendo-se analisar, caso a caso, se o dano resultou de omissão gravosa do agente estatal. Nessa esteira, José dos Santos Carvalho Filho parece sustentar que se deva fazer uma análise arrojada a partir das minúcias do caso concreto, pois “quando a conduta estatal for omissiva, será preciso distinguir se a omissão constitui, ou não, fato gerador da responsabilidade civil do Estado. Nem toda conduta omissiva retrata um desleixo do Estado em cumprir um dever legal; se assim for, não se configurará a responsabilidade estatal. Somente quando o Estado se omitir diante do dever legal de impedir a ocorrência do dano é que será responsável civilmente e obrigado a reparar os prejuízos” (CARVALHO FILHO, 2017, p. 717).   Postas essas considerações, interessa afirmar ponto interessante a se discutir paralelamente às responsabilidades subjetiva e objetiva no sentido de serem aplicadas ou não ao Estado. Referimo-nos a responsabilidade pressuposta, à qual Flávio Tartuce se reporta fazendo menção a Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka: “É preciso visualizar novos horizontes para a responsabilidade civil, muito além da discussão de culpa (responsabilidade subjetiva) ou da existência de riscos (responsabilidade objetiva). Nesse contexto, deve-se pensar, antes de qualquer coisa e em primeiro lugar, em indenizar as vítimas, para depois verificar, em segundo plano, quem foi o culpado e quem assumiu os riscos de sua atividade. Em algumas situações a exposição de outrem ao risco ou ao perigo pressupõe a responsabilidade, como no caso da responsabilidade de ser Estado. […] A partir dessa ideia, os danos assumem o papel central na teoria geral da responsabilidade civil. Do ponto de vista das categorias jurídicas, anteriormente, poder-se-ia pensar ser inviável que a existência de danos pudesse gerar a responsabilidade civil sem que estivesse muito clara a existência do nexo de causalidade. A tese não mais prospera na realidade contemporânea com base na ideia de responsabilidade pressuposta. […] Em suma, o que se propõe, refletindo sobre os novos paradigmas da responsabilidade civil, é que seja dado um novo dimensionamento para a questão em debate. Como nos casos de balas perdidas há um dano em toda a sociedade, o Estado deve ser responsabilizado. O dano social entra em cena para reverter a antiga tese. A responsabilidade do Estado, por atos inoperantes de seus agentes, os quais não se preocupam com a segurança em sentido amplo ou estrito, deve ser objetiva. Além disso, pode-se até pensar que a responsabilidade do Estado é pressuposta, uma vez que as vítimas devem ser reparadas, para depois se investigar quem é o culpado” (TARTUCE, 2017, p. 609). Considerações finais A título de considerações finais, é preciso pontuar algumas questões a fim de se apurar em que sentido a responsabilidade civil do Estado se insere, com ênfase na omissiva. Antes de mais nada, necessário afirmar, o direito, como fomenta Ricardo Lorenzetti (2011), foi idealizado para ser aplicado a um Estado cujos habitantes tenham raízes e ideais em comum, ou seja, uma base cultural homogênea. Isso pode apresentar indício justificador da sensação de muitos no sentido de ser o Estado responsável por conduzir nossas vidas, tendo surgido, talvez, por conta disso, quanto à responsabilidade civil, a teoria do risco integral. Contudo, a sociedade atual, sob a égide do Estado Democrático de Direito, tem se mostrado, dia-a-dia, cada vez mais plural e heterogênea, o que tem propiciado severas reflexões acerca do posicionamento estatal. Pensamos pertencer ao Estado, nesse contexto, um papel duplo, que envolve a prática de condutas positivas e, também, de comportamentos negativos, pois há que se respeitar e efetivar, tanto os interesses coletivos quanto aqueles individuais, desde que normativamente amparados, portanto, legítimos.   Nesse sentido, por óbvio, em variadas situações, o Estado se coloca na posição de garante, como nos casos relativos à segurança pública e à criminalidade citados no decorrer deste texto, os quais se mostraram, até mesmo, em muitas ocasiões, extremos. A propósito, o que pensar da ausência de manutenção ideal das vias públicas, bem como a falta de fiscalização no sentido de retirar animais dessas? Ambas situações têm causado acidentes graves, mortes e prejuízos patrimoniais variados. Nesses casos, do nosso ponto de vista, os interesses coletivos são uníssonos, portanto, a responsabilidade civil do Estado, pela conduta omissiva, seria incontestável. Por outro lado, não se pode imaginar de antemão todas as possibilidades factuais oferecidas pela vida devido à celeridade das transformações cotidianas, o que pode prejudicar a aferição de tratar-se a responsabilidade do Estado de objetiva ou subjetiva, quando de omissões. Posto isso, nos parece mais adequado considerar que a responsabilidade pressuposta deverá ganhar mais força de agora em diante, pois como desenvolveu Tartuce (2017), deve-se pensar, antes de qualquer coisa e em primeiro lugar, em indenizar os lesados, para depois verificar, em segundo plano, quem foi o culpado e quem assumiu os riscos de sua atividade.
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Leniência do judiciário ao apreciar atos de improbidade administrativa
O referente artigo encontra ensejo na impunidade dos agentes políticos e públicos frente ao Poder Judiciário, orquestrando atos que originaram maiores ônus que propriamente benefícios, eis que pode-se observar que a verba pública é consumida com atos de motivação fútil e imoral, finalidade diversa do interesse público e em total transgressão á razoabilidade administrativa, havendo grande desproporcionalidade entre o erário despendido e os benefícios auferidos pela coletividade. A insensatez presente nas ações de tais administradores evidencia a existência de algo mais grave e preocupante, a decadência do caráter de muitos os que ascendem à gestão do interesse público. Onde, independente de investidura ou causas endêmicas, resultando uma inevitável interação com um meio viciado. [1]
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO Em consonância com o autor De Plácido e Silva, probo e probidade derivam do latim probus, probitas, aquilo que é reto, leal, justo, honesto, podendo ser interpretado também como uma "maneira criteriosa de proceder”. Decorrente de improbitas que significa, imoralidade, malícia, desonestidade, má conduta e índole. Ainda seguindo o ilustre autor supracitado, ímprobo “é o perverso, corrupto, devasso, desonesto, falso, enganador” (PLÁCIDO E SILVA, 2016 p. 432;454). Em outra descrição, o autor Antônio Geraldo da Cunha, no Do dicionário etimológico da língua portuguesa assim a define ,”probo refere-se a quem apresenta caráter íntegro” (CUNHA, 2011, p. 522.), ou seja, em sentido inverso, ímprobo é quem se encontra em estado de integridade. Em igual raciocínio, Garcia e Alves salientam: “probus" quer dizer "o que brota bem" (pro+bho – da raiz bhu, nascer, brotar)” (2011, p. 109). Portanto, probidade se define como, o comportamento honesto, baseado na retidão do caráter íntegro e em segundo plano, o surgir do bem, manter-se leal ao proceder nas atitudes. Improbidade administrativa, em compêndio, elucida o comportamento que rompe a honestidade e a lealdade que se espera ao gerir da coisa pública, independente da atribuição de agente público ou de correligionário privado. Improbidade administrativa traduz a mais alta desconfiguração da fidelidade assumida por quem faina com bens e poderes cujo tem como titular último o povo. A história e a filosofia nunca obliteraram a improbidade, tanto dos homens da sociedade quanto dos homens do Estado. Sendo aquela a improbidade comum, intrínseca da humanidade de forma geral; Locke em sua obra Dos Tratados de Governo Civil desperta a sociedade a caucionar-se contra qualquer atentado, mesmo dos legisladores, sempre que se mostrassem levianos ou maldosos e regessem planos contra a liberdade e propriedade dos indivíduos. E esta, a improbidade que alcança os valores morais da maior parte da sociedade, empregados ao Estado, tem-se Maquiavel que em seu livro O Príncipe aduz dentre as várias lições sobre a melhor conduta a ser adotada pelos soberanos, aconselhava o príncipe a não manter-se fiel às suas promessas quando suprimida a causa, eis que seu cumprimento poderia gerar gravame, uma vez que nem todos os homens eram bons. Os desvios comportamentais que postergam a normatividade estatal, ou os valores morais de determinado grupo em troca de uma vantagem correlata, manifestar-se-ão como principal via de degradação dos padrões ético-jurídicos que devem manear o comportamento individual nas esferas pública e privada. Segundo a história, especificamente a do Brasil, mostra que a corrupção tem suas entranhas na colonização do país. A Monarquia à época foi a base para a edificação do sistema colonial português, onde o monarca que detinha total poder, a exemplo, a Constituição de 1824, em que estabelecia 4 (quatro) poderes constituintes, o Poder Executivo, gerido pelo monarca, o Poder Legislador, formado por deputados, o Poder Judiciário, formado por juízes e ministros; e por último, talvez mais importante, o Poder Moderador, que detinha controle sobre todos os outro, também chefiado pelo monarca (VICENTINO; GIANPAOLO; 2012). Com a chegada da família real ao Brasil, o modelo aplicado por D. João VI para aproximar-se e conseguir apoio político e financeiro da elite local foi à concessão de honrarias e títulos de nobreza à época, transmutando a importância dos títulos de acordo com a intensidade do retorno e fortalecimento declinados à Coroa. Somente em oito anos, D. João VI distribuiu mais títulos de nobreza que Portugal nos trezentos anos anteriores. (GOMES. 2007, p. 196-197). Essa elite que se formou com esse exemplo, desprovida de valores éticos e instigada pelo espírito do "é dando que se recebe", ascendeu ao poder e sedimentou um verdadeiro cancro na estrutura administrativa. O tesoureiro de D. João VI Bento Maria Targini, foi nomeado barão e depois visconde, imortalizando-se na célebre frase "Quem furta pouco é ladrão, quem furta muito é barão, quem mais furta e esconde, passa de barão a visconde" (CAVALCANTI, 2011 p. 46). Diante desse cenário implantado, já no começo do século XIX, as distorções comportamentais não permaneciam restritas aos detentores de poder, mostrava-se disseminadas dentro do ambiente social. Thomas Lindley descreve em sua narrativa “Narrativa de uma viagem ao Brasil” assim aos comerciantes baianos da época: "[e]m seus negócios, prevalece à astúcia mesquinha e velhaca, principalmente quando efetuadas a s transações com estrangeiros, aos quais pedem o dobro do preço que acabarão aceitando por sua mercadoria, ao passo que procuram desvalorizar o que terão de obter em troca, utilizando-se de todos os artifícios ao seu alcance, Numa palavra, salvo algumas exceções, são pessoas inteiramente destituídas do sentimento de honra, não possuindo aquele senso geral de retidão que deve presidir a toda e qualquer transação entre os homens." Destacando que ética e honestidade já não eram valores que gozavam de grande prestígio à época. Essas distorções auferidas no Brasil à época de sua colonização continuaram a expandir quando tornou-se Reino, e institucionalizada durante a República, e absurdamente vivo nos dias atuais, leva-nos a uma descrença de solução e uma verdadeira crise de valores morais, éticos e políticos fazendo-me lembrar de um trecho da obra O Príncipe de Nicolai Maquiavel, onde escreve "também aqui, como dizem os médicos sobre a tuberculose, no início o mal é fácil de curar e difícil de diagnosticar. Mas, com o passar do tempo, não tendo sido nem reconhecida nem medicada, toma-se fácil de diagnosticar e difícil de curar. O mesmo sucede nos assuntos de Estado. Prevendo os males que nascem, o que só é permitido a um sábio, estes são curados rapidamente. Mas quando se permite que cresçam, por não havê-los previsto, todos os reconhecem, porém não há mais remédio". 2 AUTONOMIA CONSTITUCIONAL DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA O tema a ser tratado é tão antigo quanto à comunhão humana em sociedade e, ao mesmo tempo, abriga tamanha importância nos dias de hoje, eis que com a evolução da sociedade para o Estado Democrático de Direito, tal questionamento tornou-se de crucial importância. Para se compreender o referido estudo, é fulcral assimilar o contexto de construção da Improbidade Administrativa, ressaltando a autonomia constitucional. Tanto a doutrina quanto a jurisprudência sustentam três instâncias de responsabilidade jurídica inseridas pela Constituição da República Federal do Brasil e na ordenação jurídica, sendo: civil, criminal e administrativa. A responsabilidade civil tem por origem o próprio Direito, nas relações em que tem por elementos a conjuntura jurídica que rodeie qualquer hipótese de responsabilização de um indivíduo: sabendo ser a conduta objetiva ou subjetiva, ou por nexo causal e dano. Como a responsabilidade criminal, tem respaldo no Direito Penal, destaca-se a estrutura que reconhece a tipicidade dos comportamentos que findam em penas, e que podem chegar a cercear a liberdade humana. Já a responsabilidade administrativa, tem como objeto as relações jurídico-administrativas, ou seja, estabelecem elos entre o Estado e o cidadão, onde qualquer deste encontra-se potencialmente submetido a situações jurídicas estabelecidas em lei. Ora de sujeição especial, nos quais alguns cidadãos encontram-se submetidos de maneira forçosa ou espontânea. No direito positivo, o exercício do ato ímprobo deve ser esboçado como um sistema de responsabilização autônomo, por demonstrar os componentes, o tipo, a infração, a sanção, o bem jurídico, o processo e por não valer-se a outro sistema normativo para ser implementado. A constituição explana a responsabilidade como algo imprescindível pelo qual o direito reage ao ilícito do agente público e na medida em que a configuração de um ilícito adjunto a uma determinada sanção, estabelecida em razão da proteção do bem jurídico e por força do devido processo legal a ser imposto pelo processo administrativo judicial, temos então presente, o sistema de responsabilidade. Evidencia-se, portanto que a probidade é o bem jurídico protegido, mas encontrando-a estabelecida dentro dos moldes constitucionais e não o que a sociedade determina, como mero caráter de honestidade. O artigo 37, §4º da CRFB tem um caráter bem maior, o que implica em interpretação dentro da nova realidade constitucional do Brasil, não se referindo a um ordinário sistema de combate ao enriquecimento ilícito, constituindo-se como um sistema de responsabilidade por improbidade administrativa, que é implantado pela Lei nº 8.429/92. A Lei nº 8.429/92 surgiu para regulamentar o artigo 37, § 4º, da Constituição da República Federativa do Brasil, que coligiu três categorias de atos de improbidade administrativa, são elas: atos que importam em enriquecimento ilícito do agente (artigo 9º da referida lei), atos que causam lesão ao erário público (artigo 10º da já mencionada lei) e atos que vão contra os princípios da administração pública (artigo 11º da mesma lei em questão). Sabido que no que tange aos atos administrativos os princípios são premissas que estruturam o ordenamento jurídico, ostentando a forma de interpretação do direito. Onde a Lei nº 8.429/92 em seu artigo 11º, caput, o legislador fez um importante trabalho ao salientar a insistência doutrinária na valorização de tais princípios. Em razão do referido diploma legal, vale lembrar o que já afirmava Celso Antônio Bandeira de Melo, em Curso de Direito Administrativo, 1996: "violar um princípio é muito mais grave que violar uma norma isolada, pois os efeitos do gravame são, sem dúvida, muito maiores, devido à generalidade e raio de ação dos princípios". O artigo 4ª da Lei nº 8.429/92, determina que: "os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos.". Onde este, conjugado com o artigo 37, caput, da CRFB: "A administração pública direta, indireta, ou fundacional, de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência…". Mostrando tamanha importância e relevância destes para o funcionamento adequado do Estado Democrático de Direito. O ilustre autor Celso Antônio Bandeira de Melo, em sua já mencionada obra Curso de Direito Administrativo, pp. 43/62, salienta que "além dos princípios já elencados pela constituição de forma expressa, existem outros, sejam eles, o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, princípio da finalidade, princípio da razoabilidade, princípio da proporcionalidade, princípio da motivação, princípio do controle judicial dos atos administrativos e princípio da responsabilidade do Estado por atos administrativos". Com a juntura do Direito Sancionador a um capítulo independente do Direito Administrativo, foi possível estabelecer a harmonização de conceitos, instituições, um regime jurídico próprio e qualificado para compulsar infrações e suas respectivas sanções, facilitando a compreensão e sistematização nas relações de direito público. Na Constituição Federal de 1988, a nomenclatura improbidade administrativa aparece primeiramente em seu artigo 15, que alude a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão dar-se-á de acordo com inciso V do mesmo, por prática do predito ato. E outra vez em seu artigo 37, § 4º, quando aduz, “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”. A autonomia constitucional da responsabilização por improbidade administrativa não se limita nestes artigos, pelo contrário tem seu marco e incremento em leitura sistemática e pontual da Constituição da República Federativa do Brasil. Pode-se constatar tal afirmação ao observar o artigo 1º da CRFB, o texto normativo transmite os princípios fundamentais e atesta o Brasil como República, introduzindo o princípio republicano, sendo assim, ao avultar a res publica, ou seja, o agir em nome do que é público é uma atuação também em nome da sociedade e não devendo se possuir por interesse pessoal. E por esse princípio ter como base a responsabilidade que é intento fundador do atual Estado de Direito Democrático e Social do Direito, avir-se que a improbidade administrativa tem verdadeira autonomia enquanto instância de responsabilidade. Enfim, Improbidade Administrativa tem seu conceito definido como um desvio de conduta que transgride a honestidade e a lealdade na maneira de conduzir a coisa pública, independente da condição de agente público ou parceiro privado. Em síntese, representa a falta de integralidade por parte de quem lida com os bens e poderes cujo possui como único titular o povo. 3 LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA O sistema judiciário deve manter seu caráter punitivo primário. Tendo aquele, dificuldade de assegurar o cunho punitivo, por se enveredar em uma sanção que resultará em mera imposição da multa civil ou uma imposição da proibição de contratar, precisando resgatar o objetivo primário, deixando o efeito secundário, ressarcitório, a multa pecuniária, de lado e mostrando que o direito positivo evoluiu. A legislação específica que tratada da improbidade administra traz em seu bojo três hipóteses de improbidade administrativa. Artigos 9º, 10º e 11 da Lei nº 8.429/92 (LIA). São conceptualizados como atos de improbidade administrativa, as condutas dolosas ou culposas, sejam elas omissivas ou comissivas, que culminam em enriquecimento ilícito, que geram prejuízo ao erário público ou que atentem contra os princípios da Administração Pública. 3.1 ESTRUTURA NORMATIVA da IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Os atos de improbidade administrativa tem previsão na Lei nº 8.429/92 sob três espécies. Os atos que importam em enriquecimento ilícito (art. 9º), os que causam lesão ao erário (art. 10º) e os que atentam contra os princípios da administração pública (art.11). Na tipificação deste a lei utilizou de dois modelos de técnica legislativa para sua aplicação. O emprego de conceitos jurídicos indeterminados e outros de conteúdo mais específicos e determinado observados nos incisos dos artigos de cada espécie de improbidade. No caput dos artigos, a lei preceituou tipos amplos como: (i) auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida; (ii) provocar lesão ao erário por qualquer ação ou omissão que enseje perda patrimonial; (iii) praticar qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições. Essa amplitude permite o enquadramento de situações de fato mesmo diante da evolução dos métodos de infrações logrado aos princípios da administração pública, dando "flexibilidade normativa aos mecanismos punitivos, de tal modo a coibir manobras formalistas conducentes à impunidade" (OSÓRIO. 2010. p. 328). Tal método reforça o papel do Judiciário a quem compete decidir sobre a aplicação das sanções por improbidade e que irá desabrochar nos casos em julgamento os conceitos indeterminados, examinados os parâmetros legislativos e administrativos de incorporação. O outro modelo adotado na lei preconiza de maneira específica os tipos legais, a exemplo, "receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado" (art. 9º, X); "conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie" (art. 10º, VII); e "frustrar a licitude de concurso público" (art. 11, V). O sistema tripartite de improbidade detém um vínculo entre eles, de modo que todo ato de ímprobo já revela uma violação aos princípios da administração (art. 11), antes de poder ser classificado como lesão ao erário (art. 10º) ou enriquecimento ilícito (art. 9º). É comum nas ações de improbidade a desclassificação do fato imputado na petição inicial para outro. Para sanar tal abertura de depreciação, o STJ já firmou entendimento que não "infringe o princípio da congruência a decisão judicial que enquadra o ato de improbidade em dispositivo diverso do indicado na inicial, eis que deve a defesa ater-se aos fatos e não à capitulação legal" (REsp nº 842428. Rel. Min. Eliana Calmon). 3.2 Improbidade Administrativa e Enriquecimento Ilícito Os tipos que traduzem enriquecimento ilícito estão previstos no art. 9º, da Lei nº 8.429/92. São os atos que manifestam qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida e reproduzem maior gravidade, sancionadas com maior seriedade pelo legislador. Por isso, as sanções para quem é tipificado nessa conduta se amoldam no artigo 12, inciso I, da LIA. As penalidades possuem a opção de serem aplicadas de formas isoladas ou em conjunto e constituem: perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; o ressarcimento integral do dano, quando identificado; a perda da função pública; a suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos; o pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos. Tudo isso, sem dependência das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica. O reconhecimento do enriquecimento ilícito não implica necessariamente produção de dano ao erário. Algumas figuras típicas refletem o dano ao erário (art. 9° II, III, IV, VI, XI e XII) e outras não exigem o dano (art. 9º, caput, I, V, VII, VIII, IX e X). Compete evidenciar que certos tipos trazem a necessidade de exame do ato administrativo onde se deve identificar a ofensa à legalidade ou juridicidade para integrar a norma sancionatória (art. 9º, II, III, VI, X). O Judiciário Brasileiro tem alicerçado entendimento que nos casos de atos que contrariem os Princípios da Administração Pública e que corroboram em enriquecimento ilícito somente haverá punição se comprovado o dolo. Para os casos de atos que ocasionam prejuízo ao erário basta a culpa. Neste sentido: “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ALEGAÇÃO DE IRREGULARIDADES NA DISPENSA DE LICITAÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVA QUE DEMONSTRASSE O PREJUÍZO AO ERÁRIO E O DOLO DO AGENTE. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Não houve prejuízo ao Erário, tampouco dolo na conduta do agente, o que afasta a incidência do art. 11 da Lei 8.429/92 e suas respectivas sanções; esta Corte Superior de Justiça já uniformizou a sua jurisprudência para afirmar que é necessária a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado no dolo, para os tipos previstos nos arts. 9o. e 11 e, ao menos, na culpa, nas hipóteses do art. 10 da Lei 8.429/92” (REsp. 1.261.994/PE, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 13/04/12)." Ou seja, a conduta para se enquadrar no art. 9º requer dolo, a consciência pelo agente de sua ilicitude. 3.3 Prejuízo ao Erário Os tipos que prescrevem prejuízo ao erário estão contidos no art. 10º, da Lei nº 8.429/92. O referido ato é tido com gravidade intermediária, por não enriquecerem ilicitamente o agente, e sim provoca lesão aos cofres públicos, quer seja pela ação ou omissão dolosa ou culposa. As penalidades também podem ser impostas isolas ou em conjunto e constituem: ressarcimento integral do dano, perda dos bens acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se convergirem esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, o pagamento de multa civil pode chegar até duas vezes o valor do dano e acarretar a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação. As condutas sui generis dos incisos do art. 10º podem ser associadas através de dados comuns e que não estão presentes em norma geral e outros que refletem sua especificação, como: (i) o enriquecimento ilícito de terceiro (art. 10, I, II, III, XII, XIII); (ii) as fraudes em licitações (IV, V); (iii) a desídia na concessão de benefícios e na arrecadação tributária (VII, X) e, (iv) a gestão irregular de recursos e negócios públicos (VI, IX, XI). O STJ possui jurisprudência consolidada no entendimento de que o "ato de improbidade administrativa previsto no art. 10º da Lei nº 8.429/92 exige a comprovação do dano ao erário" (REsp 1151884/SC, Rel. Min. Castro Meira). Assim, é primordial que haja prejuízo patrimonial efetivo, o que fica evidente pela obrigatoriedade de ressarcir integralmente o dano previsto no art. 12, II para o caso do art. 10º e nas demais possibilidades de ressarcimento quando houver. 3.4 Atos que Atentam Contra os Princípios da Administração Os tipos que prescrevem ofensa aos princípios da administração pública estão contidos no art. 11, da Lei nº 8.429/92. Estes são tidos como atos de “menor gravidade”, eis que não causam enriquecimento ilícito ou dano ao Erário, mas depreciam os princípios da Administração Pública. Assim como as outras penalidades, também podem implicar na aplicação isolada ou em conjunto e constituem: ressarcimento integral do dano se houver perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, o pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos. Tudo isso, independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica. Ressaltando que o desrespeito aos princípios da Administração Pública, por si só, enseja a propositura da ação de improbidade administrativa. A norma do art. 11 caput estabelece um tipo abrangente de ação ou omissão que viola os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições. Podendo operar a função secundária, porque a conduta funcional, ilegal, e parcial não tipificada nesses incisos poderá ser subsumida na norma aludida ou atuará como norma de reserva, já que mesmo a conduta não ocasionando danos ao patrimônio público ou enriquecimento ilícito do agente, a improbidade ainda poderá se configurar sempre que restar demonstrada a inobservância dos princípios que norteiam a atividade estatal. Coincidindo com o dever de observância dos agentes públicos no tocante aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade expostos no art. 40 da CRFB com os deveres que exprimem o princípio da moralidade de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade presentes no art. 11. As atividades que importarem enriquecimento ilícito (artigo 9º) ou afrontarem os princípios da Administração Pública (artigo 11) somente estarão tipificadas se ficar demonstrado o dolo do agente, a vontade livre e consciente da prática do ato. Entretanto, se for o caso de dano ao Erário, à demonstração da culpa do agente, quer seja por negligência, imprudência ou imperícia, já será o suficiente. 4 Controle Judicial do Ato de Improbidade A instituição responsável pelo combate à corrupção tem como uma das principais formas a ação judicial aplicada à prática do ato de improbidade que transcorre pelo rito ordinário, devendo ser proposta pelo Ministério Público ou pessoa jurídica interessada. Não foi assegurada legitimidade ao cidadão para propositura da ação. Entretanto, qualquer pessoa capaz poderá propor representação direcionada à autoridade administrativa responsável para que seja instaurada investigação para apurar a prática de ato de improbidade. Far-se-á necessário a distinção entre improbidade formal e improbidade material: a primeira exige-se a acomodação da situação de fato à previsão legal de violação aos princípios da administração (art. 11). Calhando utilizar o recurso à integração das leis regedoras do conteúdo da matéria e dos pressupostos de validade do ato administrativo (art. 2º da Lei nº 4.717/65 – lei da ação popular), eis que grande parte dos tipos da lei de improbidade remetem a uma avaliação da ilegalidade do ato. A conduta deve ser apreciada no cotejo com os princípios da administração, pois, antes de configurarem enriquecimento ilícito a conduta é ofensiva a princípios da administração. Constatada a ilegalidade ou injuridicidade e classificada a conduta como ofensiva a princípio da administração deve-se mensurar se houve dano ao erário ou enriquecimento ilícito que justifique eventual mudança de classificação jurídica da conduta para o art. 9º ou art. 10º. Na segunda, tem-se como análise da conduta sob a ótica da ofensa relevante aos bens jurídicos tutelados nos artigos. 9º, 10º e 11, em concretização ao art. 37, da Constituição Federal Brasileira. Preza-se aqui pela conferência do desvalor da ação e do resultado no caso concreto para distinguir a relevância material da agressão criminosa pela conduta ilícita, de modo ao englobar o ato de interpretação para constatar o elemento axiológico no caso e que autoriza a tipificação material. Já com o caso concreto, ocupa-se mostrar a reduzida capacidade da ação em produzir ofensa ao bem jurídico tutelado. O próximo ponto é a aferição do elemento subjetivo para averiguar se houve dolo ou culpa na conduta. O dolo é exigido para os tipos dos artigos 9º, 10º e 11, e a culpa apenas para o art. 10º. 5 Ação de Improbidade Administrativa versus Agentes Políticos Maria Silvia Zanella Di Pietro aduz que: “São, portanto, agentes políticos, no direito brasileiro, apenas os Chefes dos Poderes Executivos federal, estadual e municipal, os Ministros e Secretários de Estado, além de Senadores, Deputados e Vereadores.”. Em outras palavras, a Lei nº 8.429/92 prossegue aplicável para os agentes públicos e políticos que não possuem foro por prerrogativa de função conforme trata o artigo 102, I, “c”, da Constituição da República Federativa do Brasil. Sendo este o desígnio pelo qual os prefeitos, são submetidos à lei de improbidade administrativa, e à ação penal por crime de responsabilidade, seguindo o entendimento do Decreto-lei nº 201/67, em decorrência do mesmo fato. 6 ESPÉCIES DE SANÇÕES A sanção lícita é a sequela que deve atingir o gestor público que não cumpre formalmente o que está expresso em norma jurídica que tem por finalidade, proteger a probidade administrativa. O art. 37, § 4º, da Constituição Federal da República do Brasil faz alusão as seguintes hipóteses de penalidade: (i) perda da função pública; (ii) suspensão dos direitos políticos; (iii) ressarcimento ao erário; e, (iv) indisponibilidade de bens. Esta última, mesmo contendo previsão no ordenamento jurídico ao lado das demais citadas, apresenta âmago diverso de uma sanção jurídica, qualificando-se como uma medida acautelatória a ser decretada nos termos do art. 7º, da LIA. A Lei de Improbidade Administrativa a respeito de ter conteúdo civil, solidifica-se em um regime jurídico coercitivo na defesa da probidade administrativa e soma às sanções constitucionais, as seguintes: (i) perda de bens ou valores acrescidos ilicitamente; (ii) multa civil; (iii) proibição de contratar com o Poder Público; e, (iv) proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios. 6.1 Perda da função pública Imputada somente aos administradores públicos que assumam a incumbência de exercer um composto de atribuições públicas fixadas por lei, com o intuito de que seja realizado o interesse público. O propósito desta punição é a extinguir o elo jurídico existente entre o agente público e o Poder Público. Alcançando aos titulares de cargos efetivos, permanentes, comissionados, os empregados públicos e os que têm mandato administrativo. 6.2 Ressarcimento ao erário Por ter ação reparatória, não pode ser taxada como uma sanção pura, o que resultaria em aplicação cumulativa com pena jurídica prenunciada no art. 12 da LIA. Logo, os bens podem ser penhoráveis por aplicação acertada da Lei 8009/90, art. 3º, inciso VI. 6.3 Multa civil Tara-se de uma pena pecuniária, que tem a opção de ser convertida em favor do prejudicado e não somente a previsão a que se refere o art. 13 da Lei nº 7.347/85. Tem escopo em punir o agente ímprobo. Por ser de caráter positivo obstrui a solidariedade e trespassa à pessoa do condenado. Por força do art. 20 da LIA, aplicando-se as regras do processo civil para a execução provisória do julgado e não exige o transito em julgado. 6.4 Contratar com o Poder Público Essa sanção vai da pessoa física à jurídica e tem como fim interpor barreiras nas relações bilaterais com o Poder Público. Caso esteja em vigência um contrato administrativo onde uma pessoa jurídica foi considerada ímproba, a abertura de um processo administrativo far-se-á necessário para que no final cumule na própria extinção unilateral do mencionado contrato. Agora, no que tange a fase licitatória, o agente corrompido deve ser inabilitado. Essa é a inteligência exalada nos artigos 32, par. 2º, 78, I, e 79, I, todos da Lei n. 8666/93. 6.5 Proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios Almeja dificultar ao agente ímprobo que agiu de má fé para com o Poder Público possa se valer de benefícios da legislação em vigor. Assim, temos os casos com moratória, do parcelamento de débitos tributários, da isenção tributária, da anistia, entre outros. 6.6 Indisponibilidade dos bens De exórdio acautelatória e disciplinada pelo Art. 7º, da LIA; não se trata verdadeiramente de uma sanção jurídica, condigno, ao seu conteúdo e regime jurídico. 7 Critério de Aplicação das Sanções Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade encontram-se firmados em qualquer estrutura de um sistemática jurídica punitiva pois, fazem o possível para a individualização da sanção aplicada; assumindo a personagem o papel de responsável pela adequação da sanção da improbidade administrativa e as circunstâncias de cada ilícito configurado. Tal qual jurisprudência do STJ, essas penalidades não requerem necessariamente aplicação de forma cumulativa, neste sentido: “Incumbe ao magistrado ministrar as sanções com base na feição, gravidade e consequências do ato. É elementar, sob pena de nulidade, a demonstração das razões para a aplicação de cada uma delas, levando em consideração os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade”(REsp 658.389, Rel. Min. ELIANA CALMON). 8 Prescrição e DecadênciA Em observância ao princípio da segurança jurídica, não é plausível descartar a prescrição, afora nos casos em que o Constituinte decida estabelecer a estratégia da imprescritibilidade, conforme art. 37, § 5º, CRFB em que a ação de ressarcimento do dano gerado pela improbidade é imprescritível, nos termos do dispositivo citado. Tanto o conteúdo da prescrição quanto ao tema diz respeito à pretensão punitiva estatal e não à extinção da ação. Seguindo o mesmo entendimento que José Carvalho dos Santos Filho, para quem a pretensão nasce com a violação do direito, sendo a ação a conduta positiva para fazer valer a pretensão que formalmente se desenvolve com a propositura de uma ação judicial. (CARVALHO FILHO, 2012. p. 109.) A LIA, em seu art. 23 decreta em dois incisos as hipóteses de prescrição, sendo que o inciso um se caracteriza pela transitoriedade, veja: (i) – até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança; enquanto que o inciso dois se mantém pontual: (ii) – dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego. O prazo aceitável ao agente político é o idêntico aos particulares relacionados ao ato ímprobo e que por ele poderão responder ao lado do agente público. E também no caso de o co-réu ser um particular, o ressarcimento de danos é imprescritível. O termo inicial da contagem coincide com o momento em que legitimado ativo apto a propositura da ação tem consciência inequívoca do ato ímprobo, conforme Superior Tribunal de Justiça. A prescrição é cessada pela notificação válida do requerido para apresentar a sua manifestação preliminar (art. 17, § 7º, da LIA), atentando-se, ao artigo 219 do CPC e o artigo 202 do Código Civil. Caso não ocorra notificação prévia, é a citação que terá a força interruptiva da prescrição. Ademais, nos termos da Súmula 106 do STJ: “Proposta ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição ou decadência". O prazo prescricional deve ser contado exclusivamente, de acordo com as condições de cada réu, por disposto e a própria essência subjetiva da pretensão sancionatória e do instituto em tela (CARVALHO FILHO. 2012. p. 120 e 121). CONSIDERAÇÕES FINAIS Os processos que correm em primeira instância da Justiça Federal ou na esfera Estadual, com fundamento na Lei 8.429/92 estão encalhados em obstáculos procedimentais sem perspectiva de julgamento ou que sá uma futura condenação. As ações, que entopem o judiciário na tentativa de protelar uma condenação certa, eis que resta provada a existência do ato de improbidade, disseminadas por diversas varas militam a favor dos acusados. Considerando que nesses processos, as sanções dos artigos. 9º, 10º e 11, da Lei de Improbidade Administrativa, podem acarretar em suspensão dos direitos políticos, o ressarcimento ao erário por lesões de vulto e diversas interdições de direito, o tempo já decorrido desde a apuração dos fatos e o ajuizamento das ações, até o indefinido presente, deixa no ar uma desoladora sensação de impunidade que, acredita-se, não se concretizar. Além do encravo que a violação dos princípios administrativos nos traz, a negação da eficácia da Lei nº 8.429 e, por conseguinte, do artigo 37 §4º da Constituição da República Federativa do Brasil, ao incidirem sobre personagens públicos de destaque. Leva-se a acreditar que são inúteis a esperança germinada no povo brasileiro por esses dispositivos políticos-jurídicos, quando se trata de uma Administração Pública proba, transparente e impessoal. A impunidade e a frustração da crença popular na realização da justiça têm sido ao longo da História a radiação da fragilização da democracia e o adubo que fertiliza o desprezo pelas leis e pela confiança popular. Para não dizer a perpetuação de um vício tão devastador que é a subversão das finalidades do Estado, direcionando o poder para a satisfação de interesses privados. Tal Leniência tem adequação perfeita ao ditado que os mais antigos sempre dizem ao ver à agitação de algum jovem para concluir logo uma atividade qualquer: “a pressa é inimiga da perfeição”, e hoje, dentro deste contexto, a lentidão passa a ser a mais forte aliada da imperfeição e atua contra a realização de uma justiça igualitária a todos.
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O instituto da concessão de serviço público e as novas tendências do direito administrativo
Este artigo faz uma análise do instituto da concessão de serviço público através de um viés voltado para as novas tendências do direito administrativo.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O presente artigo tem como objetivo analisar o instituto da concessão de serviço público através de um viés voltado para as novas tendências do direito administrativo. Para alcançar tal objetivo, iniciaremos o segundo tópico abordando como os autores dos grandes manuais conceituam o instituto da concessão de serviço público e, também, falaremos sobre a sua natureza jurídica. No terceiro tópico discorreremos a respeito do contexto histórico e contexto normativo do instituto da concessão de serviço público ao longo da história. No quarto tópico descreveremos as classificações do instituto adotada pelos doutrinadores José dos Santos Carvalho Filho, Celso Antônio Bandeira de Melo e Maria Sylvia Zanella Di Pietro. No quinto tópico adentraremos no tema parceria público-privada uma das modalidades de concessões de serviços públicos muito utilizada nos dias atuais, que pode ser considerada um instituto que exemplifica uma das novas tendências do direito administrativo, que serão pormenorizadamente tratadas no sexto tópico. No sétimo tópico faremos uma correlação entre o instituto das parcerias público-privadas e as novas tendências do direito administrativo, enquadrando tal instituto na terceira tendência. Não obstante, podemos dizer também, que ele pode ser um exemplo da segunda tendência, ou seja, a parceria público-privada é uma forma de participação cidadã, na qual as empresas privadas podem atuar em diversos segmentos de prestação de serviço público, juntamente com outros institutos como os consórcios públicos, os conselhos gestores e as audiências públicas. No oitavo tópico, trataremos do planejamento em detrimento da sua validação pelo direito administrativo, questão muito importante que deveria ser melhor trabalhada no contexto da administração pública brasileira. No nono tópico abordaremos, resumidamente, dois temas que foram muito trabalhados nas aulas da disciplina tendências do direito administrativo, disciplina esta do curso de mestrado em direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC-Minas. No décimo tópico faremos uma correlação entre as parcerias público-privadas e o instituto da licitação, abordando a questão da não exigência de projeto básico nas licitações que tenham como regime a contratação integrada, presente na legislação que regula o regime diferenciado de contratações – RDC. No décimo primeiro tópico a correlação se dará entre as parcerias público-privadas e o instituto da responsabilidade civil, no qual abordaremos a questão da responsabilidade objetiva do Estado em face do não usuário de serviço público objeto de concessão. Ao final, faremos uma conclusão sintetizando o que foi dito ao longo do trabalho, enfatizando os pontos de maior importância. 1. CONCEITOS E NATUREZA JURÍDICA A corrente unilateralista entende a concessão como um ato unilateral em que o Estado, por seu poder soberano, atribui ao particular a execução de um serviço público. (Otto Mayer e Fritz Fleiner). A configuração de contrato é afastada, uma vez que o serviço público estaria fora do comércio. Há ainda autores que vislumbram na concessão um ato misto, o qual contemplaria um ato administrativo unilateral e disposições tipicamente contratuais. Léon Duguit, por sua vez, considera a concessão um ato complexo em que se inserem disposições regulamentares (convenções-lei) e cláusulas de natureza contratual. Consagrou-se na doutrina pátria e internacional a concepção da concessão de serviços públicos como contrato administrativo, regido por normas específicas e que sofre influência do interesse público norteador do ajuste, com incidência de cláusulas exorbitantes. Maria Sylvia Zanella Di Pietro diz que não existe uniformidade de pensamento entre os doutrinadores na definição do instituto da concessão. Para fins de sistematização da matéria, pode-se separá-los em três grupos: “- Os que, seguindo a doutrina italiana, atribuem acepção muito ampla ao vocabulário concessão de modo a abranger qualquer tipo de ato unilateral ou bilateral, pelo qual a Administração outorga direitos ou poderes ao particular; não tem muita aceitação no direito brasileiro que, em matéria de contrato, se influenciou mais pelo direito francês; – Os que lhe dão acepção menos ampla, distinguindo a concessão translativa (concessão de serviço público e obra pública) da constitutiva (concessão de uso de bem público), e admitindo três tipos de concessão: a de serviço público, a de obra pública e a de uso de bem público; – Os que lhe dão acepção restrita, só considerando como concessão a delegação de poderes para prestação de serviços públicos, ou seja, a concessão de serviços públicos” Para Celso Antônio Bandeira de Melo, “… é o instituto através do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro, remunerando-se pela própria exploração do serviço, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço.” Para Maria Sylvia Zanella de Pietro, “… é o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública delega a outrem a execução de um serviço público, para que o execute em seu próprio nome, por sua conta e risco, assegurando-lhe a remuneração mediante tarifa paga pelo usuário ou outra forma de remuneração decorrente da exploração do serviço.” Para José dos Santos Carvalho Filho, “… é o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública transfere à pessoa jurídica ou a consórcio de empresas a execução de certa atividade de interesse coletivo, remunerada através do sistema de tarifas pagas pelo usuário.” 2. CONTEXTO HISTÓRICO E NORMATIVO 2.1. CONTEXTO HISTÓRICO Há registros de que a primeira delegação de serviço público a um particular ocorreu em 1850, para a exploração de estrada de ferro nos atuais Estados de Pernambuco e Rio de Janeiro. Segundo Marçal Justen Filho, as concessões de serviços públicos foram amplamente utilizadas no final do século XIX, início do século XX, período este que em que prevaleceu o Estado Liberal, o qual advogava ideias de Estado Mínimo e abstencionista. Com o fim do Estado Liberal e a ascensão do Estado Social, no qual o que prevalecia era a política intervencionista do Estado, verificou-se uma queda na utilização do instituto da concessão de serviços públicos, haja vista que o próprio Estado prestava os serviços ditos públicos. Com a falência do Estado Social, na última década do século XX, a Reforma Administrativa do Estado levou a um desmonte do Estado prestador, produtor, interventor e protecionista, e a um redimensionamento de sua atuação como agente regulador da atividade econômica, constituindo-se a privatização e a desregulação nos dois remédios mais importantes da receita neoliberal. 2.2. CONTEXTO NORMATIVO As Constituições de 34, 46, 67 e a EC 1/69 previam a edição de lei sobre o regime de prestação de serviço público sob a forma de concessão, porém essa lei nunca foi promulgada. A Constituição de 1988, seguindo as Constituições anteriores, estabeleceu em seu art. 175 que incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos, sendo que a lei disporá sobre: o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; os direitos dos usuários; política tarifária; e a obrigação de manter serviço adequado. Para cumprimento do referido preceito constitucional foi editada a Lei nº 8.987/1995 que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos e a Lei nº 9.074/1995 que estabelece normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos. Diante da diversificação e peculiaridade de cada serviço público foram sendo editadas leis específicas para regular setores específicos, como a Lei nº 9.427/1996 criando a ANEEL e a Lei nº 9.472/1997 sobre Telecomunicações. Aqui podemos visualizar a visão multifacetada do direito administrativo, conforme Carlos Ari Sundfeld cita em seu livro Direito Administrativo para Céticos, o qual tem uma lei geral que regula a concessão de serviços públicos e depois edita leis regulando a concessão de serviços públicos específicos como energia elétrica e telecomunicações. Por último foi editada a Lei nº 11.079/2004 que instituiu normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública. As parcerias público-privadas podem ser enquadradas na segunda tendência do Direito Administrativo que é a participação popular, na qual o particular, que detém poder econômico, se une ao Estado para prestação de serviço público que lhe renda vantagens econômicas, não se interessando por serviços não lucrativos que são suportados única e exclusivamente pelo Estado, que se incumbe de fazer o trabalho sujo ou melhor, prestar o serviço público sujo. 3. CLASSIFICAÇÃO José dos Santos Carvalho Filho divide as concessões de serviço público em comuns e especiais, sendo que as comuns reguladas pela Lei nº 8.987/95, se subdividem em concessões de serviços públicos simples e concessões de serviços públicos precedidas da execução de obra pública. Já as especiais, reguladas pela Lei nº 11.079/04, se subdividem em concessões patrocinadas e concessões administrativas. Celso Antônio Bandeira de Melo, apesar de citar a classificação concessão precedida e não precedida de obra pública e concessões administrativas e patrocinadas, faz críticas a ambas classificações. Em relação aos conceitos – concessão precedida e não precedida de obra pública – diz que padecem de qualidade técnica lastimável, concluindo que é melhor ignorar o conceito de concessão de serviço público não precedido de obra pública, tomando-o como um dispositivo cujo préstimo é o de indicar requisitos de válida formação de uma concessão de serviço público, sendo que em relação à concessão de serviços públicos precedidas de obra pública, devem ser feitos equivalentes reparos, esclarecendo que sob tal designação normativa estão impropriamente compreendidas ora uma concessão de serviço público, ora uma concessão de obra pública, conforme se trate de “delegação” para explorar serviço ou “delegação” para explorar obra, objetos perfeitamente distintos e discerníveis. Em relação às Parcerias Público Privadas, diz que: “Assim, percebe-se que o que a lei visa, na verdade, por meios transversos, não confessados, é a realizar um simples contrato de prestação de serviços – e não uma concessão -, segundo um regime diferenciado e muito mais vantajoso para o contratado que o regime geral dos contratos. Ou seja: quer ensejar aos contratantes privados (ou parceiros), nas “concessões” administrativas tanto como nas patrocinadas, vantagens e garantias capazes de atender aos mais venturosos sonhos de qualquer contratado. Pretendeu atribuir-lhes os benefícios a seguir indicados, e que existem tanto na concessão administrativa quanto na concessão patrocinada, assim como também ofertou aos seus financiadores benefícios surpreendentes.” Maria Sylvia Zanella Di Pietro, absorvendo algumas das críticas de Celso Antônio, diz que existem várias modalidades de concessões sujeitas a regime jurídico parcialmente diferenciados: – Concessões de serviço público; – Concessão patrocinada; – Concessão administrativa; – Concessão de obra pública; – Concessão de uso de bem público. 4. PARCERIAS PÚBLICO PRIVADAS A Lei 11.079/2004 trouxe uma nova espécie de concessão de serviço e de obra pública as Parcerias Público-Privadas. O contrato de Parceria Público-Privada é uma modalidade especial de contrato de concessão, pois a lei impõe regras específicas às características gerais trazidas pela legislação anterior, sendo vedada a celebração desse tipo de contrato quando o seu valor seja inferior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais), quando o período de vigência do contrato seja inferior a 5 (cinco) anos e quando por objeto único o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública. De acordo com o artigo 2º da referida lei, a Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa. A concessão especial patrocinada, a mais utilizada, é uma concessão comum em que há a presença de recurso público obrigatoriamente. Ou seja, o Estado tem que bancar parte do investimento. Assim, tem-se a tarifa do usuário, mais o recurso público. Exemplo: construção de rodovias. A concessão especial administrativa, modalidade muito criticada pela doutrina, ocorre quando a própria Administração é a usuária do serviço. Exemplo: o parceiro privado constrói um presídio e a Administração é a usuária indireta, pois os presos são usuários diretos. 4.1. CRÍTICAS AO INSTITUTO DAS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello: “A única distinção entre eles (contrato de prestação de serviços e concessão de serviços) é que no primeiro o contratado é remunerado pela Administração por prestar tal serviço, não passando de mero executor material; e no segundo o concessionário se remunera cobrando ele próprio sua retribuição dos usuários. É a modalidade de retribuição o que o faz distintos, já que nesta segunda hipótese o desempenho do serviço é transferido ao concessionário, que o presta em nome próprio, por sua conta, risco e perigos, de sorte que não é um simples executor material dele. (…) Ora, se é a Administração, e não o público, quem remunera o parceiro privado, aqui se vê novamente uma contradição entre o que é aduzido para justificar a instituição das PPPs – a alegada carência de recursos – e a disposição normativa de fazer com que a Administração assuma dispêndios que poderiam ser poupados com o uso da modalidade comum de concessão.” Carlos Ari Sundfeld aponta para os riscos desta modalidade: “O quarto risco de um programa de parcerias é o de desvio no uso da concessão administrativa. Essa nova modalidade contratual foi inventada para permitir que o prestador de serviço financie a criação de infraestrutura pública, fazendo investimentos amortizáveis paulatinamente pela Administração (…) É previsível, porém, que o interesse de certos administradores e empresas gere uma luta pelo afrouxamento dos conceitos, por via de interpretação, de modo a usar-se a concessão administrativa nas mesmíssimas situações em que sempre se empregou o contrato administrativo de serviços da Lei de Licitações. Se a manobra vingar, teremos absurdos contratos de vigilância ou limpeza de prédio público, de consultoria econômica, de manutenção de equipamentos, etc., tudo por 10, 20 ou 30 anos, sem que investimento algum justifique essa longa duração.” 5. AS NOVAS TENDÊNCIAS DO DIREITO ADMINISTRATIVO Passaremos a abordar agora as novas tendências do direito administrativo que estão sendo exploradas pela doutrina administrativista. Como primeira tendência temos a ressignificação do princípio da legalidade, a qual deixa de ser uma simples adequação ao sentido literal da lei, para se traduzir na ideia da adequação da conjugação da Lei com o Direito. O princípio da legalidade passa a ser chamado de princípio da juridicidade, o qual temos como exemplo a Lei n° 8.429/92, na medida em que o descumprimento dos princípios de direito administrativo, passam a ser classificados como improbidade, podendo culminar na responsabilização do agente público. Renato Alessi estabelece a diferenciação entre interesse público primário e secundário, sendo que no primeiro aloca-se a vontade popular e no segundo o viés patrimonial, que atualmente norteia a conduta do profissional que assessora juridicamente os agentes públicos. Como segunda tendência, podemos citar a participação cidadã na qual a relação entre administrado e administração pública deixa de ser vertical para se tornar horizontal, surgindo uma democratização da gestão do interesse público. A última tendência que abordaremos é a da gestão em rede que é um desdobramento da dimensão econômica que a abertura à participação popular produz. A gestão gerencial estatal evolui para um modelo de gestão em rede alinhado à ideia do estado mínimo, pois a economia global requer uma maior conexão entre a administração e os setores econômicos. 6. CORRELAÇÃO ENTRE O INSTITUTO DAS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS E AS TENDÊNCIAS DO DIREITO ADMINISTRATIVO As parcerias público-privadas podem ser enquadradas na terceira tendência do Direito Administrativo que é a gestão em rede. Esta tendência é um desdobramento da dimensão econômica que a abertura à participação popular produz, fazendo com que a gestão gerencial evolua para um modelo de gestão em rede alinhado à ideia de estado mínimo. O particular, que detém poder econômico, se une ao Estado para prestação de serviço público que lhe renda vantagens econômicas, não se interessando por serviços não lucrativos que são suportados única e exclusivamente pelo Estado, que se incumbe de fazer o trabalho “sujo” ou melhor, prestar o serviço público “sujo”. O modelo gerencial de gestão do interesse público, foi introduzido na Administração Pública pela EC 19/98 responsável pela reforma administrativa. A referida emenda constitucional, apresenta uma perspectiva neoliberal de gestão de interesse público, na qual ocorre as privatizações, que objetivam reduzir o tamanho do Estado, para torná-lo mais eficiente. 7. O PLANEJAMENTO NO CONTEXTO DO DIREITO ADMINISTRATIVO Um dos grandes problemas que afeta a função administrativa é a falta de planejamento, ou, caso esse exista, a falta de validação pelo direito administrativo. A falta de planejamento faz com que as ações públicas não sejam contínuas, o que é prioridade ou projeto de governo de uma administração, deixa de ser prioridade para a próxima e o trabalho e recurso púbico investidos são perdidos. Quando o planejamento existe, ele não é efetivo, pois não é validado pelo direito administrativo, haja vista que os Tribunais de Contas fazem o controle através de um viés contábil e financeiro. No caso das concessões de serviços públicos, o controle operacional, voltado para avaliar a efetividade da prestação dos serviços, deve ser feito pelas agências reguladoras, porém, muitas vezes, a falta de instrumentos jurídicos para cobrar tal efetividade, a chamada validação pelo direito administrativo, faz com que o planejado não seja cumprido e nada aconteça com o administrador público responsável por tal ato. 8. A LEGISLAÇÃO SIMBÓLICA E A ENCRIPTAÇÃO DO PODER A legislação simbólica como o próprio nome já diz, ocorre quando um instrumento normativo é criado para atender a uma determinada demanda social, regulando as relações que dali se originam, mas que por questões diversas pode não produzir efeitos efetivos. Para Marcelo Neves, para a legislação ter o rótulo de simbólica, ela tem que ser “inefetiva”, nunca produzindo efeitos materiais. Segundo ele, são três as características fundamentais da legislação simbólica: “- Atividade legiferante como forma de demonstrar supremacia do grupo no poder; – Leis que trazem aparente resposta aos anseios sociais; – Legislações que adiam a solução de problemas.” Já para a Professora Marinella Machado de Araújo, a legislação somente será simbólica se depois de alguns anos não alcançar os objetivos almejados quando da sua elaboração. Verificando se a legislação que regula o instituto das parcerias público-privas é simbólica, podemos concluir que não, tendo em vista o grande número de parcerias instituídas nos diversos entes federativos do Brasil. Em relação à encriptação do poder, tema objeto de estudo dos autores Gabriel Méndez Hincapie e Ricardo Sanín Restrepo, no artigo “A Constituição Encriptada”, podemos vislumbrar relação com o instituto da concessões quando a execução de determinado serviço público é concedido aos particulares, ficando na mão de poucas empresas sendo prestados com ineficiência, causando transtornos para a população e o Estado  através das agências reguladoras, fiscalizam a execução, porém essa fiscalização remete-se a um simulacro, haja vista o excesso de problemas na execução dos serviços. 9. CORRELAÇÃO DAS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS COM O INSTITUTO DA LICITAÇÃO A contratação de uma parceria público-privada, conforme já dito anteriormente, envolve a concessão da prestação de serviços públicos, em muitos casos, com o fornecimento e instalação de equipamentos e mão-de-obra bem como execução de obra pública. Nesse tipo de contratação, o particular não tem uma solução já previamente definida pela Administração. Ele apenas conhece a necessidade que deverá ser satisfeita. Isso ocorre porque, a Lei nº 11.079/2004 possibilita a realização de procedimento licitatório sem a elaboração de projeto básico, nos rígidos termos fixados no Art. 6º da Lei nº 8.666/1993, justamente para atribuir ao parceiro privado a possibilidade de escolher o melhor caminho para a satisfação da necessidade. Percebe-se, por conta disto, que o risco envolvido na contratação de uma parceria público-privada é grande, vez que além da necessidade envolver uma obrigação complexa, será o particular o responsável por encontrar a melhor solução para satisfazê-la e não a Administração, como ocorre nas contratações realizadas por meio da Lei nº 8.666/1993. Ademais, cumprirá ao Poder Público remunerar o particular por isto.
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Cinto de segurança: Legislação amplia uso, mas fiscalização é precária
O uso dos cintos de segurança nos bancos dianteiros e traseiros dos veículos é obrigatório por lei prevista no Código de Trânsito Brasileiro. Reduz consideravelmente o índice de mortes dos passageiros em caso de colisão no perímetro urbano e nas estradas. No entanto o índice de mortes pelo não uso do cinto de segurança nos bancos traseiros ainda é alto faltando uma forte campanha e fiscalização devido ao hábito e negligência dos passageiros.
Direito Administrativo
Abstract: The use of seat belts in the front and rear seats of vehicles is mandatory by law as provided for in the Brazilian Traffic Code. It significantly reduces passenger fatalities in the event of a collision in the urban perimeter and on the roads. However the death toll from non-use of seat belts in the rear seats is still high with a strong campaign and enforcement due to the habit and negligence of the passengers. Keywords: Seat belts in vehicles; Brazilian Traffic Code; Contran National Traffic Council; Security in the urban perimeter and on the roads; Efficiency demands care and improvement of design. Resumen: El uso de cinturones de seguridad en los asientos traseros de los vehículos delante y es requerido por la ley prevista en el Código de Tránsito Brasileo. reduce considerablemente la tasa de mortalidad de los pasajeros en caso de colisión dentro de los límites de la ciudad y en las carreteras. Sin embargo la tasa de mortalidad por falta de uso de cinturones de seguridad en los asientos traseros sigue siendo alta a falta de una fuerte campaa y supervisión debido al hábito y el abandono de los pasajeros. Palabras clave: Cinturón de seguridad en vehículos; Código de Tránsito Brasileño; CONTRAN Consejo Nacional de Tránsito; Seguridad dentro de los límites de la ciudad y en las carreteras; Cuidado de la demanda de eficiencia y mejora del diseo. Sumário: Cinto de segurança uso obrigatório por lei; número de mortes ainda é alto; legislação versus negligência; mais segurança com os três pontos; eficiência demanda cuidados; projeto deve ser aperfeiçoado. Obrigatório por lei em todo o território nacional, o uso do cinto nos bancos dianteiros e traseiros dos veículos angariou um grande número de adeptos, que optaram definitivamente pela segurança, assim que a legislação específica para essa finalidade entrou em vigência e instituiu as penalidades necessárias ao descumprimento da lei. No entanto, o número de usuários ainda não atinge a totalidade dos motoristas e passageiros, especialmente nos bancos traseiros, onde poucas pessoas utilizam o cinto de segurança, causando muitos acidentes, grande parte fatal. Apesar de indispensável, a utilização desse dispositivo no banco de trás tem sido constantemente negligenciada por uma série de fatores, inclusive design e facilidade de manuseio. E nem mesmo a obrigatoriedade motiva o uso desse equipamento. O hábito e o desconforto estão entre os motivos alegados, o que demanda também mudanças internas nos veículos por parte dos fabricantes para reverter esse quadro. Além disso, o trabalho de conscientização e fiscalização, hoje precário, precisa ser intensificado, já que – segundo informações da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego – o uso do cinto de segurança no banco da frente pode reduzir em até 45% o risco de mortes em acidentes de trânsito, porcentagem que, no banco de trás, é muito superior, podendo alcançar uma redução de 75%. Mas é aí que se concentra a maior incidência de falta de uso. No assento traseiro, as pessoas têm a falsa sensação de segurança e não dão a devida importância ao equipamento, sem saber que, em caso de acidentes, elas podem ser arremessadas para fora do carro ou contra uma pessoa que está no banco da frente, matando por esmagamento esse passageiro. Segundo relatos médicos, são comuns os casos de traumatismos cranianos quando o passageiro é arremessado para frente. E mesmo assim as pessoas ignoram os perigos e acabam se ferindo gravemente. Número de mortes ainda é alto Quando ocorre uma colisão, o impacto sobre o veículo aumenta em 35 vezes o peso das pessoas e coisas que estiverem soltas internamente, o que eleva consideravelmente os danos sofridos pelas vítimas. Assim, é fundamental que, ao entrar no carro, o motorista coloque o cinto e verifique se os ocupantes também estão usando, especialmente nas cidades, onde a ocorrência é maior, pois as pessoas acreditam que não correm riscos ao realizarem pequenos trajetos. Nas rodovias, a incidência é menor justamente pela atuação inibidora da Polícia Rodoviária Federal, fazendo com que os motoristas respeitem a legislação e utilizem o cinto com medo das penalidades. Para se ter uma ideia, no último ano, a Artesp – Agência de Transporte de São Paulo realizou uma pesquisa em 45 rodovias do estado com 19 mil veículos e revelou que 53% dos passageiros, que viajavam nos bancos traseiros, não utilizam o cinto de segurança. Destes, 70% morreram pela ausência desse dispositivo entre 2012 e 2014. Já, nos bancos dianteiros, 11% dos passageiros e 9% dos motoristas não usam o cinto e as vítimas fatais chegam a 38,4% e 50,1% respectivamente. Entre os caminhoneiros, 24% também não usam o cinto de segurança. Essa situação se confirma em outro estudo, que traçou o perfil das vítimas entre os pacientes admitidos em hospitais brasileiros, onde 67,3% não usava o cinto de segurança. Os dados indicaram, ainda, uma relação entre a idade dos pacientes e o uso do cinto. Há uma tendência de aumento do uso do cinto de segurança de acordo com a idade do paciente. Na faixa de 15 a 39 anos, que concentrou 62,7% do total de vítimas analisadas, a proporção de usuários cresceu de 18,4% até 50% a cada faixa etária. Acima de 40 anos, a porcentagem se manteve em torno de 40% dos casos investigados. Um bom sinal nessa direção, que pode contribuir para modificar esse quadro, está na iniciativa encabeçada pela Organização das Nações Unidas – a Década Mundial de Segurança no Trânsito 2011-2020. Para isso, a ONU conta com a colaboração dos órgãos competentes em cada uma das nações para atingir as metas de redução de mortes no trânsito, que, no Brasil, chegam a 40 mil por ano. Legislação X negligência Já se passaram mais de 23 anos do início da obrigatoriedade do uso do cinto no Brasil e muitos motoristas e passageiros ainda não adotaram esse hábito na sua totalidade. Esse dispositivo tornou-se obrigatório a partir de 1994, quando uma lei municipal determinou o uso do cinto para ocupantes do banco dianteiro em automóveis particulares e de aluguel na cidade de São Paulo. Essa lei também proibiu crianças menores de dez anos no banco dianteiro dos veículos. Em 1995, nova lei municipal impôs o uso do cinto nos assentos dianteiros de utilitários, caminhões e veículos da união, estados e municípios, além de motoristas de ônibus. E finalmente, em 23 de setembro de 1997, a lei nº 9.503, que instituiu o novo Código de Trânsito Brasileiro – CTB, dispôs, em seu artigo 65, sobre a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança para condutor e passageiros em todas as vias do território nacional, salvo em situações regulamentadas pelo CONTRAN. Segundo essa legislação, motoristas ou passageiros que não usarem o cinto estarão cometendo infração grave e receberão multa de R$ 195,23, além de perder cinco pontos na carteira. A lei prevê ainda a retenção do veículo até a colocação do equipamento pelo infrator. E isso vale para todos os ocupantes do carro. Posteriormente, a utilização de dispositivos que travem, afrouxem ou modifiquem o funcionamento normal dos cintos, foi proibida em nova Resolução do Contran nº 278/08, de 28 de maio de 2008. Mais segurança com os três pontos Mundialmente, o primeiro veículo de passeio equipado com cinto de segurança foi o Volvo PV544, entregue em 13 de agosto de 1959. O engenheiro sueco Nils Bohlin, que trabalhava na Volvo nessa época, foi o criador do cinto de três pontos, o mais usado atualmente, inclusive no Brasil, que também utiliza o cinto abdominal, fixando o passageiro ou o condutor pela cintura. O cinto de três pontos segura a pessoa pela cintura, passando pela clavícula e tronco. A lei atual obriga o cinto de três pontos para os passageiros da frente e os laterais no banco de trás. Por isso, esse tipo de cinto ainda é raro no assento do meio do banco traseiro, onde a maioria das montadoras ainda utiliza cinto abdominal. O mesmo ocorre com os apoios de cabeça. Mas a partir de 2 de fevereiro de 2018, segundo resolução do Contran, os modelos inéditos lançados no mercado já deverão sair apenas com esse tipo de cinto e com apoios de cabeça em todos os assentos dos automóveis, camionetas, caminhonetes e utilitários. E, a partir de 2020, essa determinação valerá para todos os veículos zero quilômetro, exceto os que tiverem algum banco virado para trás. Eficiência demanda cuidados No entanto, esse dispositivo que é tão importante para a preservação da vida, ainda possui algumas questões a serem resolvidas para alcançar maior eficiência no seu desempenho, tanto por parte dos usuários quanto dos fabricantes. Cabe ao usuário utilizar esse dispositivo adequadamente, observando alguns cuidados que poderão prolongar sua vida útil, prevista para ser a mesma do veículo. Para manter o bom funcionamento desse dispositivo, algumas medidas são importantes, como a revisão periódica, que irá identificar os possíveis defeitos comumente encontrados como desfiamento da cinta, engripamento da máquina ou problemas no fecho. A troca do dispositivo é recomendada em caso de colisão, se houver ativação do pré-tensionador ou quando apresentar marcas de deterioração ou cortes, observando-se as especificações do veículo e o rigoroso padrão de qualidade. Recomenda-se que a substituição seja feita na concessionária, pois há um torque certo do parafuso que fixa o cinto. Observar aspectos específicos de uso é outro ponto importante para se obter o desempenho correto, lembrando que o cinto deve estar devidamente ajustado ao corpo e nunca sobre o pescoço, sempre bem esticado para deslizar livremente. Gestantes, crianças, idosos e deficientes físicos devem seguir as orientações específicas de uso para maior segurança. Quanto à higienização – segundo consta em alguns manuais – os cintos devem ser lavados apenas com água e sabão neutro, evitando o uso de produtos químicos que possam enfraquecer as fibras. Os retratores automáticos não devem sofrer infiltrações de água para garantir seu correto funcionamento. Uma boa dica para o cinto retrátil é puxar a parte diagonal com rapidez para verificar se está travando ou se o recolhimento está adequado. O fecho também deve ser inspecionado, permitindo o encaixe, o travamento e o destravamento corretos. Na verdade, o cinto de segurança retrátil perde um pouco de sua eficiência, pois necessita de um pequeno deslocamento para travar. Isso pode ou não salvar uma vida, já que o corpo do ocupante desloca-se por alguns centímetros. Mas o cinto de segurança pode vir também equipado com um sistema chamado de pré-tensionador, que é ativo, ou seja, não apenas segura o corpo do ocupante do veículo como também diminui a folga entre o corpo e o cinto, reduzindo em alguns centímetros a projeção do corpo em casos de acidentes em que há disparo do sistema de air bag. Este tipo de acionamento do cinto deixa o sistema mais eficaz e mais completo, já que protege a cabeça, tórax e peito do motorista e passageiro. Deflagrado em fração de segundos, ele faz com que o cinto retraia o ocupante, deixando-o mais distante do painel do carro, por exemplo. Um sistema de desaceleração detecta a força do impacto e decide se haverá ou não o acionamento do cinto pré-tensionador. Se isso ocorrer, o retrator enrola a cinta no sentido contrário, puxando o ocupante e o posicionando o mais próximo possível do encosto do banco, e o mais distante das bolsas de airbag e do painel de instrumentos. Em uma colisão ou capotamento o cinto de segurança trava e mantém os ocupantes do automóvel quase imóveis, evitando grave lesão ou a morte. Projeto deve ser aperfeiçoado  Já as questões que envolvem o fabricante referem-se a conforto e segurança. O espaço lateral é importante para que o usuário possa usar o cinto confortavelmente, absorvendo impactos e diminuindo a possibilidade de atingir os ocupantes em caso de acidentes. Na frente existe espaço lateral para até dois adultos grandes, mas em diversos modelos falta espaço no compartimento traseiro para acomodar três pessoas. Os cintos traseiros são mais difíceis de usar que os dianteiros, mesmo na ausência de um terceiro ocupante no meio do banco. A maioria possui fivela ou lingüeta de engate que ficam caídas e escondidas, cadarços sem regulagem automática de comprimento e o terceiro ponto de fixação sem possibilidade de regulagem de altura. Seria mais ergonomicamente correto que todos os cintos traseiros fossem retráteis, que possuíssem regulagem de altura da fixação do terceiro ponto e que suas fivelas fossem rígidas e visíveis como acontece em quase todos os compartimentos dianteiros atualmente.  A lei que obriga o uso do cinto por todos os passageiros será sempre menos cumprida por quem viaja no banco traseiro, se depender exclusivamente da fiscalização, pois os bancos dianteiros obstruem, de forma significativa, a visão do que acontece no compartimento traseiro. É preciso propor soluções de um novo design dos cintos de segurança e do compartimento traseiro. Isto para que todos os seus ocupantes estejam protegidos num eventual acidente, diminuindo o enorme número de vítimas do banco traseiro e, consequentemente, na maioria dos casos, também dos dianteiros. Enfim, cabe às autoridades ouvir os especialistas e modificar a legislação referente ao projeto dos veículos, para que os fabricantes ofereçam ao consumidor um produto mais seguro, provido de cintos de segurança mais fáceis de usar.
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O princípio da não limitação do tráfego de pessoas e a ressalva do pedágio sem via alternativa
O presente estudo visa analisar a cobrança de pedágio a luz do princípio da não limitação ao tráfego de pessoas e a luz da ressalva de via alternativa, oportunidade em que será necessariamente tratada a natureza jurídica do instituto.. Dentro do estudo desse princípio, é confrontada a divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da possibilidade do pedágio ser cobrado em uma rodovia que não conte com uma via alternativa, isto é, se a cobrança do pedágio é permitida mesmo na hipótese da rodovia em que é auferida essa cobrança é a única possível ao cidadão. A hipótese, confirmada, é a inobrigatoriedade de via alternativa para a referida cobrança, sendo o pedágio uma tarifa (preço público) consoante entendimento do Supremo Tribunal Federal.
Direito Administrativo
1. Do Princípio da não Limitação ao Tráfego de Pessoas e Bens O princípio da não limitação ao tráfego de pessoas e bens está inscrito no inciso V do art. 150 da Constituição Federal de 1988 (CF/88), qual seja: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: V – estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público”; O artigo 150 inciso V da CF/88 funciona como uma espécie de especificação do dispositivo constitucional que abarca a liberdade de comoção, também conhecido como direito de ir e vir, no caso descrito no art. 5º inciso XV: “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens […]”. Coloca-se, anteriormente ao avanço na compreensão do princípio especificamente estudado, a observação sobre os tributos de forma genérica, no caso, a leitura que Sabbag (2016, p. 281), faz dos incisos I ao V do artigo 97 do Código Tributário Nacional (CTN), que “[…] compete ao legislador ordinário, no ato de instituição do tributo, confeccionar a lei de exação tributária, delimitando-lhe o fato gerador, entre outros elementos essenciais que compõem a tipologia tributária”. “O objetivo do legislador constituinte foi evitar que os entes políticos criassem tributos (normalmente taxas) incidentes sobre a passagem de pessoas e bens em seus territórios” (ALEXANDRE, 2015 p. 238), ou seja, evita-se aqui uma cobrança que teria como fato gerador a intermunicipalidade (divisa entre municípios) e a interestadualidade (divisa entre Estados-membros), protegendo o tráfego de pessoas e bens, nesses âmbitos, por regra de imunidade. “Esse preceito atende a uma preocupação que, segundo o relato de Pontes de Miranda, vem do primeiro orçamento brasileiro, na Regência de D. Pedro, que procurou imunizar o comércio entre as províncias; no Império, contudo, criou-se o imposto interprovincial; na República, apesar da vedação constitucional, algumas práticas contornaram o obstáculo. O que a Constituição veda é o tributo que onere o tráfego interestadual ou intermunicipal de pessoas ou de bens; o gravame tributário seria uma forma de limitar esse tráfego. Em última análise, o que está em causa é a liberdade de locomoção, mais do que a não discriminação de bens ou pessoas, a pretexto de irem para outra localidade ou de lá virem; ademais, prestigiam-se a liberdade de comércio e o princípio federativo” (AMARO, 2014, p. 145). Adiciona-se, ainda, seguindo entendimento de Sabbag (2016), que o princípio visa trazer imunidade a qualquer operação interestadual ou intermunicipal de pessoas e bens. Mas, em verdade, coibir a instituição de tributo que contenha como elemento fundante a transposição de fronteiras interestadual ou intermunicipal per se, sendo permitida, por exemplo, uma “taxa municipal de turismo”, em cidade litorânea, que se estruture como taxa de polícia, como o caso do município de Bombinhas, no estado de Santa Catarina; que, através da Lei Complementar n. 185/2013, instituiu a Taxa de Preservação Ambiental que, resumidamente, cobra uma taxa objetivando a mitigação de prejuízos de ordem ambiental provocados pelo elevado volume de pessoas e veículos na temporada de verão. A propósito desse exemplo da TPA, na cidade de Bombinhas-SC, a citação dos artigos 2º – sobre o fato gerador – e 3º – sobre a base de cálculo desse tributo – da LC n. 185/2013, cita-se: “Art. 2º: A TAXA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL – TPA tem como fato gerador o exercício regular do poder de polícia municipal em matéria de proteção, preservação e conservação do meio ambiente no território do Município de Bombinhas, incidente sobre o trânsito de veículos utilizando infraestrutura física e a permanência de pessoas na sua jurisdição. Art. 3º: A TAXA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL – TPA tem como base de cálculo o custo estimado da atividade administrativa em função da degradação e impacto ambiental causados ao Município de Bombinhas, no período compreendido entre 15 de novembro e 15 de abril do exercício seguinte.” O princípio comporta duas exceções. A primeira exceção, de caráter doutrinário, é referente ao ICMS e, sobre ele, versa Alexandre (2015, p. 239): “A regra possui exceções. A primeira é a possibilidade de cobrança do ICMS interestadual. Como um gravame incidente também sobre operações que destinam a outro Estado determinados bens e sobre a prestação de determinados serviços, o tributo interestadual acaba por constituir uma limitação ao tráfego de bens pelo território nacional. Como a cobrança tem fundamento constitucional, é plenamente válida, não havendo que se discutir sua legitimidade”. A segunda exceção, de caráter constitucional, é a constada na parte final do inciso V do art. 150 da CF/88, referente aos pedágios. Nessa exceção, o constituinte quis garantir que a exigibilidade do pedágio não fosse ameaçada pelo princípio da não limitação ao tráfego de pessoas e bens, como traz Amaro (2014, p. 133), com entendimento crítico acerca deste: “O preceito em análise abre exceção, em sua parte final, para a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público. Portanto, o pedágio, não obstante onere (e, nessa medida, limite) o tráfego, é lícito. O objetivo da ressalva é evidente. A técnica utilizada, porém, é canhestra, […] Se se pretendeu reconhecer a competência das pessoas políticas para cobrar pedágio, não era esse o lugar adequado, pois não é na seção das “Limitações do Poder de Tributar” que se definem poderes para tributar. Competências definem-se por preceitos afirmativos e não por meio de ressalvas a preceitos negativos. Por outro lado, se o pedágio já se inserisse na competência tributária (da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios), não seria necessário ressalvá-lo (assim como não foi necessário ressalvar o ICMS, que também pode onerar o transporte intermunicipal ou interestadual). Ademais, se a competência para instituição de pedágio só está prevista no dispositivo que trata da vedação de tributos intermunicipais ou interestaduais, lícito será concluir que o tráfego em trecho que se contenha dentro do território de um mesmo Município não é onerável pelo pedágio, ou seja, a Constituição estaria discriminando exatamente o que ela não quer discriminar: o tráfego interestadual ou intermunicipal pode ser tributado, sem que o tráfego local o seja, ainda que ambos se efetuem pela mesma via, conservada pelo mesmo Poder Público.” Compreendido o conceito basilar do princípio da não limitação ao tráfego de pessoas e bens, avança-se à compreensão da exceção que nomeia este trabalho, ou seja, analisar-se-á o pedágio, mencionado no próprio dispositivo constitucional (art. 150 inciso V), em sua última parte. 2. O Pedágio Como Taxa Ou Tarifa Há forte divergência doutrinária quanto à natureza jurídica do pedágio, isto é, se ele deve ser enquadrado como taxa ou como tarifa, urgindo o anterior entendimento dessas duas espécies tributárias. Dando início à análise doutrinária, coloca-se um sucinto conceito de Mazza (2015, p. 175) para contextualização: “[…] Se o serviço público uti singuli for prestado diretamente pelo Estado, ou por meio de entidades da Administração indireta, a remuneração tem a natureza tributária de taxa. Porém, se o Estado decide realizar a prestação por meio de concessionários e permissionários contratados para tal finalidade, a remuneração paga pelo usuário tem natureza não tributária de tarifa.” 2.1. TAXA Adentrando a uma análise mais específica dos institutos, inicia-se pela taxa, a qual é um tributo vinculado à ação estatal e à atividade pública e não à ação do particular. As taxas são tributos vinculados cobrados com o objetivo de remunerar atividades estatais específicas relativas ao contribuinte. Em termos técnicos, o fato gerador da taxa está vinculado a uma atividade estatal relacionada ao contribuinte. Diferentemente do que ocorre com os impostos, a arrecadação de taxas pressupõe um agir estatal (primeiro momento) e, só depois, promove-se a cobrança do tributo (segundo momento) com natureza de contraprestação da atuação realizada (MAZZA, 2015, pg. 167). Sobre o fato gerador da tarifa, versa Amaro (2014, p. 38), em entendimento bastante semelhante ao retrocitado de Mazza, mas, nesse contexto para demonstrar especificamente sobre o fato gerador, que: “[…] o fato gerador da taxa não é um fato do contribuinte, mas um fato do Estado. O Estado exerce determinada atividade e, por isso, cobra a taxa da pessoa a quem aproveita aquela atividade” Sobre a competência tributária da taxa e complementando a compreensão do fato gerador da taxa, traz Sabbag (2016, p. 478), com citação, também, de dispositivos legais: “No plano competencial tributário, a taxa deverá ser exigida pelas entidades impositoras – União, Estados, Municípios e Distrito Federal –, em face da atuação a elas adstrita, não se admitindo a exigência em virtude de atividade de empresa privada. Em outras palavras, as taxas são espécie de exações, classificável, pela sua hipótese de incidência, como tributos vinculados a atividades realizadas pelo Poder Público […] O disciplinamento do tributo ora estudado vem expresso no art. 145, II, da CF c/c art. 77 do CTN: Art. 145, II, CF: A União, Estados, Municípios e Distrito Federal poderão instituir os seguintes tributos: (…) II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição. Art. 77 do CTN: As taxas cobradas pela União, Estados, Municípios e Distrito Federal, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.” Sendo assim, o fato gerador da taxa pode ser o exercício regular do poder de polícia ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição. Essas hipóteses de fato gerador estão previstas no art. 78 (taxa de polícia ou de fiscalização) e art. 79 incisos II e III (taxa de serviço ou de utilização), ambos do CTN. 2.1.1. TAXA DE POLÍCIA Dando início à análise da taxa de polícia, cita-se o dispositivo legal que o abarca: “Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder”. Conceitua Amaro (2014, p. 39), que: “[…] a taxa de polícia é cobrada em razão da atividade do Estado, que verifica o cumprimento das exigências legais pertinentes e concede a licença, a autorização, o alvará e etc”. Não existe um rol taxativo das espécies de atividades fiscalizatórias, trazendo Sabbag (2016, p. 481), exemplos dos quais o renomado doutrinador julga ser principais: “a) Taxa de alvará (ou de funcionamento): exigida dos construtores dos imóveis, a taxa de alvará, também conhecida por taxa de localização, vem remunerar o município pela atividade fiscalizatória relativa às características arquitetônicas da obra realizada […] b) Taxa de fiscalização de anúncios: visa ressarcir o município na ação fiscalizatória de controle da exploração e utilização da publicidade na paisagem urbana, com vista a evitar prejuízos à estética da cidade e à segurança dos munícipes […] c) Taxa de fiscalização dos mercados de títulos e valores mobiliários pela CVM: o fato gerador é o exercício do poder de polícia atribuído à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), ex vi do art. 2º da Lei n. 7.940/89 […] (Súmula n. 665: “É constitucional a taxa de fiscalização dos mercados de títulos e valores mobiliários instituída pela Lei n. 7.940/89”) d) Taxa de controle e fiscalização ambiental (TCFA): trata-se de taxa que sucedeu à Taxa de Fiscalização Ambiental (TFA) […] e) Taxa de fiscalização dos serviços de cartórios extrajudiciais: a Lei n. 8.033/2003, do Estado do Mato Grosso, instituiu uma taxa de fiscalização de controle dos atos dos serviços notariais e de registro, para implantação do sistema de controle das atividades dos notários e dos registradores, bem como para obtenção de maior segurança jurídica quanto à autenticidade dos respectivos atos, com base no poder que assiste aos órgãos diretivos do Judiciário, notadamente no plano da vigilância, orientação e correição da atividade em causa, a teor do § 1º do art. 236 da Carta Magna (ADIn 3.151/2005-MT). f) Taxa para o FUNDAF: em 19 de setembro de 2013, o STJ (REsp 1.275.858/DF, rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T.) enfrentou relevante questão ligada à definição da natureza jurídica dos valores cobrados, pela União, a título de contribuição para o Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização – FUNDAF, se taxa ou preço público. Entendeu o STJ que se tratava de taxa e, ipso facto, considerou-a inexigível”. No entanto, valores referentes à taxa de polícia que estão sendo discutidos não podem ser desde já cobrados, como entendeu o STJ (REsp nº 1275858/DF) com base nos argumentos: “(I) a exação exigida tem natureza de taxa, uma vez que é compulsória e decorre do exercício do poder de polícia; (II) em sendo taxa, deve obedecer ao Princípio da Legalidade Estrita, de modo que, não havendo na lei instituidora da parcela exigida, previsão a respeito dos elementos constitutivos da obrigação tributária (os quais estão previstos apenas em Instruções Normativas da Receita Federal), não há embasamento para sua exigência”. Finalizando, portanto, a compreensão da taxa de polícia, coloca-se observação sobre o citado exercício regular do poder de polícia do parágrafo único do art. 78. Entendimentos mais antigos dos tribunais superiores traziam que o exercício regular significava policiamento efetivo, concreto ou real, traduzível por uma inequívoca materialização do poder de polícia, como exemplos: “EMENTA: TAXA DE LICENÇA DE LOCALIZAÇÃO, FUNCIONAMENTO E INSTALAÇÃO. COBRANÇA PELA MUNICIPALIDADE DE SÃO PAULO. (…) O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou pelo reconhecimento da legalidade da taxa cobrada pelo Município de São Paulo, pois se funda no poder de polícia efetivamente exercitado através de seus órgãos fiscalizadores (…)”. (RE 116.518/SP, 1ª T., rel. Min. Ilmar Galvão, j. em 13-04-1993) “EMENTA: TRIBUTÁRIO. TAXA DE LOCALIZAÇÃO E FISCALIZAÇÃO. ANÚNCIO LUMINOSO. COBRANÇA PELA FAZENDA MUNICIPAL: IMPOSSIBILIDADE, SALVO SE DEMONSTRADA A EFETIVA CONCRETIZAÇÃO DO PODER DE POLÍCIA. (…) I – A Fazenda Pública municipal só pode cobrar taxa de localização e fiscalização de anúncios luminosos se demonstrar a efetiva concretização do exercício do poder de polícia. II – Precedentes das Turmas de Direito Público do STJ: REsp 17.810/SP, REsp 27.615/SP e REsp 90.235/BA. III – Recurso especial conhecido e provido”. (REsp 152.476/SP, 2ª T., rel. Min. Adhemar Maciel, j. em 1º-09-1998) Entretanto, esse modus operandi vem diminuindo gradativamente, posto que não é de bom grado à Fazenda Pública tal rigidez para a cobrança de taxas, mudando, inclusive, o posicionamento do STF, permitindo atualmente que o simples fato de existir um órgão estruturado e em efetivo funcionamento viabiliza a exigência de taxa. Esse entendimento foi sacramentado em 2010 em decisão do Ministro Gilmar Mendes: “Recurso Extraordinário 1. Repercussão geral reconhecida. 2. Alegação de inconstitucionalidade da taxa de renovação de localização e de funcionamento do Município de Porto Velho. 3. Suposta violação ao artigo 145 inciso II da Constituição, ao fundamento de não existir comprovação do efetivo exercício do poder de polícia. 4. O texto constitucional diferencia as taxas decorrentes do exercício do poder de polícia daquelas de utilização de serviços específicos e divisíveis, facultando apenas a estas a prestação potencial do serviço público. 5. A regularidade do exercício do poder de polícia é imprescindível para a cobrança da taxa de localização e fiscalização. 6. À luz da jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, a existência do órgão administrativo não é condição para o reconhecimento da constitucionalidade da taxa de localização e fiscalização, mas constitui um dos elementos admitidos para se inferir o efeito exercício do poder de polícia, exigido constitucionalidade. Precedentes. 7. O Tribunal de Justiça de Rondônia assentou que o Município de Porto Velho, que criou a taxa objeto de litígio, é dotado de aparato fiscal necessário ao exercício do poder de polícia. 8. Configurada a existência de instrumento necessários e do efetivo exercício do poder de polícia. 9. É constitucional taxa de renovação de funcionamento e localização municipal, desde que efeito o exercício do poder de polícia, demonstrado pela existência de órgão e estrutura competentes para o respectivo exercício, tal como verificado na espécie quanto ao Município de Porto Velho/RO 10. Recurso extraordinário ao qual se nega provimento. “ 2.1.2.TAXA DE SERVIÇO A taxa de serviço é cobrada em razão da prestação estatal de um serviço público dito específico e divisível. Para a análise da taxa de serviço, cita-se o dispositivo legal que o abarca, no caso, o art. 79 do CTN:    “Art. 79. Os serviços públicos a que se refere o artigo 77 consideram-se: I – utilizados pelo contribuinte: a) efetivamente, quando por ele usufruídos a qualquer título; b) potencialmente, quando, sendo de utilização compulsória, sejam postos à sua disposição mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento II – específicos, quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade, ou de necessidades públicas; III – divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários.” Do conceito trazido, separam-se os termos, primeiramente, sob análise do caput e dos incisos II e III: a) serviço público; b) específicos; c) divisíveis. Sobre o serviço público, versa Machado (2010), que é “toda e qualquer atividade prestacional realizada pelo Estado, ou por quem fizer suas vezes, para satisfazer, de modo concreto e de forma direta, necessidades coletivas”. Quanto ao serviço público que implique cobrança de taxa ser específico e divisível traz Alexandre (2015, p. 93) que: “A criação das taxas de serviço só é possível mediante a disponibilização de serviços públicos que se caracterizem pela divisibilidade e especificidade. Segundo o Código Tributário Nacional, os serviços são específicos quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade ou de necessidade públicas; são divisíveis quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários (art. 79, II e III). Na prática, o serviço público remunerado por taxa é considerado específico quando o contribuinte sabe por qual serviço está pagando, o que não acontece, por exemplo, com a taxa de serviços diversos, cobrada por alguns municípios. […] Já a divisibilidade está presente quando é possível ao Estado identificar os usuários do serviço a ser financiado com a taxa. Assim, o serviço de limpeza dos logradouros públicos não é divisível, pois seus usuários não são identificados nem identificáveis, uma vez que a limpeza da rua beneficia a coletividade genericamente considerada”. Em resumo, diz-se que “serviço divisível, necessário para a instituição da taxa, é o suscetível de utilização individual pelo contribuinte, e específico é o destacável em unidade autônoma” (NOGUEIRA 1995., p. 162) Analisando desta vez o inciso I, percebe-se que além de conter os atributos de especificidade e divisibilidade, o serviço público, ensejador da taxa de serviço, poderá ser de utilização efetiva ou de utilização potencial. Esses requisitos, segundo Alexandre (2015, p. 96): “A cobrança de taxa de serviço, conforme já visto, pode ser feita em face da disponibilização ao contribuinte de um serviço público específico e divisível. Quando esse serviço é definido em lei como de utilização compulsória e é posto à disposição do contribuinte mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento, a taxa pode ser cobrada mesmo sem a utilização efetiva do serviço pelo sujeito passivo. É o que a lei denomina de utilização potencial (CTN, art. 79, I,b). Cabe ao legislador, ao instituir a taxa, verificar se o serviço transpõe a fronteira dos interesses meramente individuais, de forma que se fosse dado ao particular decidir por não utilizá-lo, o prejuízo pudesse reverter contra a própria coletividade. Em tais casos, o serviço deve ser definido em lei como de utilização compulsória e o contribuinte deve recolher a taxa mesmo que não use efetivamente o serviço; nos demais casos, o particular somente se coloca na condição de contribuinte se usar o serviço de maneira efetiva. A título de exemplo, o serviço de coleta domiciliar de lixo é definido em lei como de utilização compulsória, pois se fosse possível ao particular decidir por não utilizar o serviço, deixando seu lixo “às moscas”, a falta de higiene e de preocupação com a saúde pública, características de algumas pessoas, poderia prejudicar toda a coletividade. Já o serviço de emissão de passaportes não é definido em lei serviço de utilização compulsória, pois os particulares que não desejam viajar para o exterior e, por conseguinte, não utilizam o serviço, não trazem qualquer prejuízo para a coletividade.” Para ilustração, exemplifica Amaro (2014, p. 41): “Suponha-se que a legislação proíba os indivíduos, habitantes de área densamente povoada, de lançar o esgoto em fossas, obrigando-os a utilizar o serviço público de coleta de esgoto. Ora, a taxa que for instituída pelo Estado pode ser cobrada de quem tem o serviço à disposição, ainda que não utilize efetivamente” Seguindo o raciocínio do exemplo do doutrinador, ementa de decisão do STJ em 2008, no caso, isentando de cobrança quem não tem acesso ao serviço, ou seja, isentos por não terem utilização efetiva ou potencial do serviço: “EMENTA: (…) TAXA DE ESGOTO. (…) 4. Art. 77 do CTN. Se o acórdão recorrido firmou a premissa de que a CEDAE – Cia. Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro – não dispõe de sistema de tratamento de esgoto que atenda ao imóvel da autora, torna-se indevida qualquer contraprestação, em virtude, inclusive, de suposta utilização potencial do serviço. 5. Recurso especial conhecido em parte e não provido”. (REsp 1.032.975/RJ, 2ª T., rel. Min. Castro Meira, j. em 1º-04-2008) No caso da taxa de serviço referente ao esgosto, após discussão doutrinária e jurisprudencial, chegou-se à conclusão que é possível a cobrança de taxa. Outros serviços, porém, os ditos serviços gerais, não são passíveis de cobranças de taxas, posto que, como gerais, atendem toda a coletividade de forma indeterminada, não sendo possível, portanto, a determinação de pólo passivo. Taxas de serviço que não podem ser cobradas – observando-se que, nesse caso, são cobrados mediante impostos – incluem: a) Segurança Pública; b) Limpeza Pública; c) Iluminação Pública e d) Asfaltamento. Sobre estes exemplos, Sababg (2016, p. 492) referencia, “a) Segurança pública: trata-se de serviço público ao qual todos têm direito, conforme se depreende do art. 144, caput, V e § 5º, da Carta Magna. A segurança pública é um retumbante exemplo de serviço público geral, não passível de remuneração por meio de taxa, mas, difusamente, por impostos […] b) Limpeza pública: há inconstitucionalidade, para o STJ, na taxa de limpeza dos logradouros públicos, atrelada a atividades como varrição, lavagem, capinação, desentupimento de bueiros e bocas de lobo. Trata-se de taxa que, de qualquer modo, tem por fato gerador prestação de serviço inespecífico, indivisível, não mensurável ou insuscetível de ser referido a determinado contribuinte, não podendo ser custeado senão por meio do produto da arrecadação dos impostos gerais.[…] c) Iluminação pública: o STF julgou inconstitucional a taxa de iluminação pública, em face da ausência da especificidade e divisibilidade. Com efeito, o serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa, uma vez que não configura serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição (CF, art. 145, II) d) Asfaltamento: as obras de pavimentação asfáltica, estando inseridas no contexto de obra pública, devem ensejar a contribuição de melhoria, e não a taxa, em face da ausência dos requisitos da especificidade e divisibilidade”. 2.2. TAXA VS. TARIFA Embora ambos tenham a finalidade de suprir de recursos os cofres estatais por prestação de serviços públicos, a tarifa não se confunde com a taxa. Na diferenciação destes, Sabbag expõe (2016, p. 511): “[…] A tarifa (espécie de preço público), […] pode ser agora conceituada como o preço de venda do bem, exigido por empresas prestacionistas de serviços públicos (concessionárias e permissionárias), como se comuns vendedoras fossem. Assim, a contrapartida dos serviços públicos poderá se dar por meio de uma taxa ou de uma tarifa, excetuados aqueles considerados “essenciais”, que avocarão com exclusivismo as taxas […] O traço marcante que deve diferir taxa de preço público – do qual a tarifa é espécie – está na inerência ou não da atividade à função do Estado. Se houver evidente vinculação e nexo do serviço com o desempenho de função eminentemente estatal, teremos a taxa. De outra banda, se presenciarmos uma desvinculação deste serviço com a ação estatal, inexistindo óbice ao desempenho da atividade por particulares, vislumbrar-se-á a tarifa”. Ante os conceitos expostos, de prima facie, a inicial problemática do pedágio como taxa ou tarifa pareça solucionada pelos entendimentos trazidos pelos renomados doutrinadores, sendo o pedágio cobrado por entidade privada com fins lucrativos (concessionárias) uma tarifa ao passo que a cobrança de pedágio por autarquia estadual ou sociedade de economia mista teria o caráter de taxa. Contudo, há pontos controversos no aparentemente simples enquadramento conceitual, mencionando-se, por exemplo, o fato do pedágio ser instituído e reajustado por atos de diversos de lei, critério suficiente para dar o caráter de taxa em ambos os casos. Visando resumir os pontos controvertidos dessa questão, cita-se a ementa “ADI: pedágio e preço público – 1”, do informativo 750 do STF: “INFORMATIVO (EMENTA): (…) Afirmou que os defensores da natureza tributária, da subespécie taxa, o fariam sob os seguintes fundamentos: a) a referência ao pedágio, nas limitações constitucionais ao poder de tributar; b) o pagamento de um serviço específico ou divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição; e c) a impossibilidade de remunerar serviços públicos por meio outro que não o de taxa. Aludiu, entretanto, que os defensores da natureza contratual da exação como preço público o fariam com base nas seguintes considerações: a) a inclusão no texto constitucional apenas esclareceria que, apesar de não incidir tributo sobre o tráfego de pessoas ou bens, poderia, excepcionalmente, ser cobrado o pedágio, espécie jurídica diferenciada; b) a ausência de compulsoriedade na utilização de rodovias; e c) a cobrança se daria em virtude da utilização efetiva do serviço, e não seria devida com base no seu oferecimento potencial. (…)” 3. Da Necessidade de Via Alternativa Avança-se para a questão da via alternativa, com a discussão doutrinária e jurisprudencial, se a cobrança de pedágio deve contar com uma rodovia sem pedágio como via alternativa. Cita-se doutrina de Meirelles (1996) que vê no pedágio uma tarifa, isto é, o pedágio pode, pois, ser exigido pela utilização de rodovias, pontes, viadutos, túneis, elevadores e outros equipamentos viários que apresentem vantagens específicas para o usuário, tais como, o desenvolvimento de alta velocidade, encurtamento de distâncias, maior segurança, diversificando-os de obras semelhantes que se ofereçam como alternativa para o utente. Na doutrina corrente, dois são os requisitos que legitimam a cobrança desse preço público: a condição especial da obra, mais vantajosa para o usuário e a existência de outra, de uso comum, sem remuneração. Sem estes requisitos, torna-se indevida a cobrança do pedágio. Cita-se, ainda, entendimento do STF, no Recurso Extraordinário 597981, julgado pelo Ministro Eros Grau em 2010, favorável à necessária existência de via alternativa em caso de rodovia em que se cobre pedágio: “O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública contra a União e outros requerendo fosse determinado à empresa Convias se abstenha de cobrar o pedágio em todo o trecho da estrada por ela explorada na BR 116, até que seja providenciada uma via alternativa, em boas condições de uso, que leve o usuário ao mesmo destino proporcionado pela BR. […] Exige-se que a estrada apresente condições especiais de tráfego (via expressa de alta velocidade e segurança), seja bloqueada e ofereça possibilidade de alternativa para o usuário (outra estrada que conduza livremente ao mesmo destino), embora em condições menos vantajosas de tráfego.Os usuários que tiveram os valores cobrados indevidamente têm direito ao ressarcimento. Desta forma, os réus são condenados à devolução dos valores cobrados a título de pedágio, cabendo aos prejudicados procederem à liquidação e execução da sentença, na forma do art. 97 do CDC. […] O Ministério Público Federal propôs a presente ação civil pública com o objetivo de suspender a cobrança de pedágio, instituído em trecho da BR 116, até que seja providenciada uma via alternativa, gratuita, em boas condições de uso, que leve o usuário ao mesmo destino proporcionado pela BRA cobrança de pedágio, sem a disponibilização de vias alternativas de acesso, torna-se obrigatória e limita a liberdade de locomoção. Tratando-se de garantia fundamental, é objeto de cláusula pétrea e, portanto, inderrogável, mormente pela legislação ordinária. O direito fundamental à livre locomoção está previsto na Constituição Federal, em seu art. 5º, XV, o qual dispõe que é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens. Partindo desse raciocínio, entendo que a cobrança de pedágio imprescinde da existência de via alternativa, de forma a permitir a escolha por parte do usuário, no sentido de utilizar a rodovia tarifada, ou fazer uso de outro trajeto, sem pedágio, mesmo que em piores condições. A cobrança de pedágio desacompanhada de via alternativa proporciona uma única opção: ou o cidadão locomove-se, e paga por isso, ou não se locomove. Nesse aspecto, apresenta-se a inconstitucionalidade do pedágio. Existindo apenas uma possibilidade para o cidadão, que implica em cobrança para o uso da rodovia, entendo que há limitação demasiada e abusiva da liberdade de locomoção, logo, em desacordo com a ordem constitucional. […] Em conclusão, a falta de via de acesso alternativa, gratuita, em boas condições de uso, que leve o usuário ao mesmo destino proporcionado pelo trecho tarifado, impede a exploração de rodovia mediante a cobrança de pedágio. Ante o exposto, opina o Ministério Público Federal pelo parcial conhecimento dos recursos e, na parte conhecida, pelo desprovimento” [fls. 1.819-1.828].6. Adoto como razão de decidir os argumentos expendidos pelo Ministério Público Federal.Nego seguimento aos recursos com fundamento no disposto no artigo 21, § 1º, do RISTF. Publique-se.Brasília, 11 de fevereiro de 2010.Ministro Eros Grau-Relator.” Pode-se afirmar que os argumentos que advogam pela via alternativa se baseiam, resumidamente, no próprio princípio da não limitação ao tráfego, ou, nos termos do julgamento pelo Ministro Eros Grau: “[…] ou o cidadão locomove-se, e paga por isso, ou não se locomove”. Evocando entendimentos contrários e concomitantes à proposta deste estudo, cita-se, primeiramente, Sabbag (2016, p. 296): “[…] A Carta Magna não se furta de impor empecilhos à livre circulação das pessoas, desde que devidamente amparados em lei. O pedágio é cobrado com lastro em previsão constitucional, além de avocar necessário disciplinamento legal” Cita-se, ainda, a ementa “ADI: pedágio e preço público – 3” do Informativo 750 do STF: “O Plenário sublinhou que seria irrelevante também, para a definição da natureza jurídica do pedágio, a existência, ou não, de via alternativa gratuita para o usuário trafegar. Reconheceu que a cobrança de pedágio poderia, indiretamente, limitar o tráfego de pessoas. Observou, todavia, que (i) essa restrição seria agravada quando, por insuficiência de recursos, o Estado não construísse rodovias ou não conservasse adequadamente as existentes. Ponderou que, diante dessa realidade, a Constituição autorizara a cobrança de pedágio em rodovias conservadas pelo Poder Público, inobstante a limitação de tráfego que essa cobrança pudesse eventualmente acarretar. Registrou, assim, que a contrapartida de oferecimento de (ii) via alternativa gratuita como condição para a cobrança de pedágio não seria uma exigência constitucional, tampouco estaria prevista em lei ordinária. Consignou que (iii) o elemento nuclear para identificar e distinguir taxa e preço público seria o da compulsoriedade, presente na primeira e ausente na segunda espécie. Nesse sentido, mencionou o Enunciado 545 da Súmula do STF (“Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e têm sua cobrança condicionada à prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu”). ADI 800/RS, rel. Min. Teori Zavascki, 11.6.2014”. (ADI-800) Enfim, de acordo com o informativo 750, conclui-se sobre o pedágio que: i) é o valor pago pelo condutor do veículo para que ele tenha direito de trafegar por uma determinada via de transporte terrestre; ii) tem finalidade de custear a conservação das vias; e iii) é pago a um órgão ou entidade da Administração Pública ou uma empresa privada concessionária. Mais do que isso, o Supremo Tribunal Federal acabou se filiando à corrente doutrinária (defendida por Ricardo Lobo Torres e Sacha Calmon) de que o pedágio tem natureza de tarifa (preço público), cobrado apenas pela utilização efetiva do serviço (não utilização potencial) que a pessoa pode optar por não utilizar (não tem utilização compulsória), que assim pode ser instituído por meio de atos infralegais, diferentemente de tributos. Ora. a outra corrente, que determina a natureza jurídica de taxa (tributo), defende a observância do princípio da legalidade estrita, a impossibilidade de se remunerar serviços públicos por outro meio, a divisibilidade e especificidade destes serviços e a inserção desse conceito no capítulo da Constituição atinente a tributos e limitações ao poder de tributar, na doutrina de Roque Carrazza, Luciano Amaro e Leandro Paulsen. Eis o entendimento do STF sumulado, após o julgamento citado: 545 – preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e têm sua cobrança condicionada à prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu. Note-se que o STF não entende como determinante o fato de existir ou não via alternativa em cada caso concreto, que poderia conduzir o raciocínio de que o pedágio passaria a ser considerado taxa nas situações de compulsoriedade, de inexistência de via alternativa. Para o Ministro Teori Zavascki, então relator, a existência ou não de via alternativa gratuita para o usuário trafegar não é uma condição estabelecida na Constituição, somando-se ao fato do indivíduo deslocar-se por outro meio de transporte. De modo que, para o STF não é inconstitucional a cobrança de pedágio, ainda que não exista nenhuma outra via alternativa gratuita para o usuário trafegar. Eis que para o STF o regime jurídico do pedágio seria de direito privado atrelado a um contrato (com equilíbrio econômico e financeiro). Considerações Finais Os argumentos doutrinários e jurisprudenciais a favor da obrigatoriedade de via alternativa são inegavelmente honrosos e de bom grado, posto que visam a defesa de um princípio cristalizado do Direito Tributário em análise conjunta ao Direito De Ir E Vir, cláusula pétrea inscrita no inciso XV do art. 5º da Constituição Federal. Ocorre que, com a devida vênia e tendo como base igualmente consagrada doutrina e jurisprudência, vemos que a cobrança de pedágio, mesmo sem oferecer a via alternativa é: (i) constitucional, mesmo que pareça, de prima facie, infringir a garantia fundamental de locomoção, o pedágio tem por objetivo a manutenção da rodovia, ocasionando, em última análise, um reforço do direito de locomoção, posto que sem a cobrança do pedágio, a rodovia em questão poderia estar em situações intransitáveis, sendo aqui o verdadeiro cerceamento de ir e vir; (ii) o dispositivo constitucional do princípio da não limitação não faz qualquer menção à exigência de via alternativa; (iii) a inexistência de via alternativa na cobrança do pedágio acaba o enquadrando em um caráter compulsório, próprio da taxa, como ensina Sabbag (2016, p. 285): “não havendo a existência de via alternativa – rodovia de tráfego gratuito, localizada paralelamente àquela por cujo uso se cobra pedágio –, a exação se torna compulsória, sem liberdade de escolha, o que reforçaria a feição tributária, própria da taxa”.
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Processos licitatórios: a indicação de marcas na aquisição de produtos pela administração pública
Processo licitatório são atos administrativos pelos quais a Administração Pública realiza a aquisição de produtos e contratação de serviços e obras. Tais atos seguem regras que devem constar em instrumento convocatório e precisam respeitar especialmente os princípios presentes na Lei 8.666/93, mas também, outros espalhados pela Constituição Federal. Elaborou-se o presente trabalho com a intenção de analisar a possibilidade de indicação de marca nos editais de licitação. Após a realização de pesquisas, chegou-se a conclusão de que é possível indicar a marca dos produtos a ser adquiridos pela Administração Pública em três hipóteses: continuidade de utilização de marca adotada; adoção de nova marca mais conveniente que as utilizadas; padronização de marca ou tipo. Para tanto, deve-se justificar com laudos periciais que devem fazer parte do processo. Cabe ainda, destacar que é vedada a preferência pessoal e arbitrária. Por fim, verificou-se, algumas vantagens ao se indicar a marca nos editais.
Direito Administrativo
Introdução As aquisições de produtos e contratação de serviços e obras por parte da Administração Pública são realizadas por procedimentos formais, ou seja, por meio de licitação. Quando se fala em indicação de marca nos editais dos processos licitatórios existe uma polêmica acerca da legalidade. Costuma-se discutir se tal ato violaria ou não os princípios, especialmente o da isonomia, pois ao indicar uma marca o agente estaria direcionando à um determinado fornecedor que, pode ou não, levar vantagem indevida. Assim, questiona-se: A Administração Pública poderia adquirir produtos indicando marcas dos produtos sem violar os princípios que regem um processo licitatório? Para responder a questão, neste trabalho, adotou-se uma divisão em quatro itens com a finalidade de facilitar a compreensão do artigo e auxiliar na conclusão. Inicialmente, analisa-se os princípios que regem um processo licitatório. De acordo com o artigo 3º da Lei 8666/93 são: Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Igualdade, Publicidade, Probidade Administrativa, Vinculação ao Instrumento Convocatório, Julgamento Objetivo e dos que lhes são correlatos. Posteriormente verificam-se algumas situações em que ocorreriam violações dos princípios pela indicação de marca em instrumentos convocatórios. Em seguida, identificam-se as situações em que é admitida a indicação de marca em tais instrumentos. Por fim, faz-se um estudo para verificar se haveria vantagens para a Administração e para a sociedade indicar marca dos produtos que serão adquiridos em processos licitatórios. Desta forma, o objetivo deste trabalho é analisar a legislação vigente, doutrina e jurisprudência, a fim de verificar se haveria possibilidade de a Administração Pública indicar marca de produtos nos editais de licitação e se haveria vantagens em tal ato. É de grande importância que questões controversas sejam amplamente discutidas, pois podem abrir caminhos para uma atualização do posicionamento doutrinário e até mesmo da legislação atual, uma vez que, a sociedade está em constante evolução. Assim, tal estudo se mostra útil para enriquecer a discussão sobre o assunto e contribui para um melhor entendimento da legislação que rege um processo licitatório, na busca pela supremacia do interesse público frente ao privado. Para a realização deste trabalho aplica-se como metodologia a pesquisa bibliográfica, pois se baseia na análise de livros, periódicos, legislação vigente, artigos da internet e jurisprudência. 1 Princípios que regem um processo licitatório Os princípios que regem um processo licitatório são vários. Além daqueles previstos no artigo 3º da Lei 8.666/93 há previsão expressa de outros, como aqueles presentes no caput do artigo 37 da Constituição Federal, a serem observados no procedimento de compra pela Administração Pública. Para um melhor entendimento do presente trabalho optou-se por uma breve explanação de cada um dos princípios relacionados no artigo 3º da Lei 8.666/93 (“Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências”). 1.1 Princípio da legalidade Um dos princípios basilares do Direito Administrativo. De acordo com Bandeira de Mello (2007, p.97), é o que coloca o Estado numa posição sublegal, ou seja, de submissão à Lei. Embora um outro princípio denominado supremacia do interesse público esteja presente, o Estado não pode ter uma atuação sem limites, uma vez que, conforme palavras de Meirelles (2007, p.87), “na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal”. Então, para delimitar a atuação do Estado e evitar que este aja por mera liberalidade, o princípio da legalidade, para o Direito Administrativo, significa dizer que “a Administração Pública só pode fazer o que a lei permite (DI PIETRO, 2007, p.59)”, diferenciando-se da relação entre particulares em que é aplicado o princípio da autonomia da vontade, e assim, é permitido fazer aquilo que a lei não proíbe. 1.2 Princípio da impessoalidade Neste trabalho, o Princípio da Impessoalidade será interpretado no sentido de que a autoridade representante do Estado deve agir com imparcialidade, ou ainda, nas palavras de Meirelles (2007, p.92), buscando o interesse público e conveniência para a Administração e, jamais, praticar atos que visem interesses privados ou promoção pessoal. Interpreta-se desta forma, pois se molda ao assunto tratado. Porém, conforme ensinamento de Di Pietro (2007, p.62) “este princípio, (…) está dando margem a diferentes interpretações, pois, ao contrário dos demais, não tem sido objeto de cogitação pelos doutrinadores brasileiros”. 1.3 Princípio da moralidade Por este princípio, entende-se que os agentes públicos, devem agir não apenas em observância à lei jurídica, mas também à lei ética da instituição, e esta, por sua vez, deve servir ao interesse público. Verifica-se ainda, nas palavras de Di Pietro (2007, p.70), que tal princípio deve ser observado também pelo particular que se relaciona com a Administração Pública, pois frequentemente há conluios entre licitantes em processos licitatórios, o que fatalmente ofende ao Princípio da Moralidade. Assim, nas relações entre administração e administrados não pode haver malícia, desonestidade, ofensa à moral e bons costumes e desrespeito aos princípios que regem uma boa administração, pois, “a moralidade do ato administrativo juntamente com a sua legalidade e finalidade, além da sua adequação aos demais princípios, constituem pressupostos de validade sem os quais toda atividade pública será ilegítima (MEIRELLES, 2007, p.89)”. 1.4 Princípio da igualdade O Princípio da Igualdade tem base no artigo 5º da Constituição Federal e coloca que “todos são iguais perante a lei”. Por este princípio, o tratamento dispensado pela Administração Pública deve ser de forma igual à todos aqueles pertencentes ao mesmo grupo, ou seja, que estejam na mesma situação fática e jurídica (MEIRELLES, 2007, p.92). Desta forma, os iguais devem ser tratados de forma igual e os desiguais de forma desigual na medida em que se desigualam. Em aplicação à tal princípio, o artigo 37, inciso XXI impõe a necessidade do processo licitatório para contratos com a Administração Pública, visando garantir a igualdade de todos os concorrentes, conforme lição de Bandeira de Mello (2007, p.110). 1.5 Princípio da publicidade Por tal princípio, os atos praticados pela Administração Pública, salvo as exceções previstas em lei, não devem ser sigilosos. Significa dizer que, sendo o processo licitatório regido por este princípio, todos os procedimentos devem ser divulgados para que os interessados tomem conhecimento das intenções da Administração e possam acompanhar a legalidade dos atos praticados. Nesse sentido, de acordo com Filho (2013, p.16) “dar publicidade ao ato é torná-lo de conhecimento geral, dentre outras finalidades, para que possa ser exercido o controle de sua regularidade”. Portanto, um ato praticado sem publicidade não produz eficácia e assim, não está apto a produzir efeitos. 1.6 Princípio da probidade administrativa Um princípio no qual a honestidade do funcionário para servir a Administração deve estar em destaque, devendo respeitar os poderes inerentes à suas funções de tal forma a evitar favorecimentos ou facilidades, dela decorrentes, em proveito pessoal ou de outras pessoas. Assim, evita-se danos ao erário. Di Pietro (2007, p.333) resume da seguinte forma: “(…) nada mais é do que honestidade no modo de proceder”. 1.7 Princípio da vinculação ao instrumento convocatório Tal princípio pode ser encontrado no artigo 41 da Lei 8666/93: “a Administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha estritamente vinculada”. Assim, o princípio da vinculação ao instrumento convocatório coloca que, após estabelecidas as regras que disciplinarão o certame no edital de licitação, estas não podem ser alteradas, sob pena de nulidade. 1.8 Princípio do julgamento objetivo Este princípio determina que o julgamento das propostas deve estar de acordo com os critérios previstos no instrumento convocatório. Di Pietro (2007, p.336) coloca ainda, que se faltarem os critérios, presume-se que a licitação utiliza o critério de menor preço. 1.9 Princípios correlatos e outros Ao final do caput do artigo 3º da Lei 8.666/93 aparece a expressão “e dos que lhes são correlatos”, em relação aos princípios apresentados anteriormente. Dessa forma, explana-se brevemente acerca de alguns princípios que se enquadram como tal, bem como, outros princípios presentes no ordenamento e têm relação com os processos licitatórios. 1.9.1 Princípio da Indisponibilidade do Interesse Público A Administração não pode abrir mão de perseguir a proposta mais vantajosa, ou seja, a que melhor atenda ao interesse público. Por tal motivo, este é um princípio que gera restrição à liberdade administrativa na escolha do contratante. 1.9.2 Princípio da Adjudicação Compulsória Após a conclusão do processo licitatório, a Administração não pode adjudicar o objeto à outro que não seja o licitante vencedor, salvo impossibilidade de assinatura do contrato. Este princípio veda ainda, a abertura de nova licitação caso a adjudicação anterior ainda estiver vigente (MEIRELLES, 2007, p.276). 1.9.3 Princípio da Competitividade Por este princípio, a Administração não pode restringir arbitrariamente a participação de interessados no certame. Quanto maior a competição, maior as chances de a licitação atingir seu objetivo. 1.9.4 Princípio do Procedimento Formal Tal princípio coloca que o processo licitatório caracteriza um ato administrativo formal em qualquer esfera da Administração Pública, conforme artigo 4º, parágrafo único da Lei 8.666/93. 1.9.5 Princípio da Padronização O princípio é aplicado em decorrência do artigo 15, inciso I da Lei 8.666/93. Impõe que, sempre que possível, as compras deverão atender a este princípio. De forma sucinta, o objetivo é manter um padrão de qualidade a fim de utilizar bem o dinheiro público. 1.9.6 Princípio do Contraditório Princípio que garante a oportunidade de participar e dar a sua versão contra ato praticado pela Administração. Assim, fica reservado o direito de interposição de recurso administrativo contra os atos que possam violar o direito de qualquer licitante. 1.9.7 Princípio da Ampla Defesa Este é o princípio que garante o direito a apresentar todos os meios de provas legais para garantir a preservação de direitos. 1.9.8 Princípio da Autotutela A Administração Pública pode controlar seus atos, sem a necessidade de intervenção judicial. As possibilidades são comentadas pela Súmula 473 do STF: “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”. Dessa forma, a Administração Pública pode anular os atos ilegais ou revogar aqueles que forem inconvenientes. 2 ANÁLISE DE VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS Os princípios até aqui estudados são os que se apresentam no artigo 3º da Lei 8.666/93. Porém, há ainda outros princípios que mesmo não estando expressamente previstos na lei que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública, acabam por influenciar a adequação aos princípios previstos no ordenamento jurídico, como aqueles presentes no artigo 37 da Constituição Federal. A partir de então, passa-se a analisar quais os princípios que poderiam ser violados no caso de a administração indicar marcas nos processos licitatórios. Quando um particular precisa adquirir um produto, basta ir até um estabelecimento e escolher aquele que melhor atende aos seus critérios subjetivos de qualidade, necessidade e possibilidade econômica. Já para a Administração Pública, não há espaço para a liberalidade ou vontade pessoal, devendo todas as aquisições serem feitas através de procedimento preliminar preestabelecido na legislação. À este procedimento dá-se o nome de licitação (BANDEIRA DE MELLO, 2007, p.509). A licitação, portanto, está vinculada a regras e princípios da legislação e deve observar rigorosamente cada um deles. Em análise literal e isolada do artigo 15, §7º, inciso I da Lei 8.666/93 poderia se concluir por uma vedação absoluta à indicação de marca: “Nas compras deverão ser observadas, ainda: I – a especificação completa do bem a ser adquirido sem indicação de marca;”. Dessa forma, a indicação de marca nos editais de licitação, pura e simplesmente com fins arbitrários, ou seja, não previstos em lei, traria violação ao princípio da legalidade, uma vez que, neste caso, a Administração estaria contrariando norma expressa, o que ultrapassaria os limites de atuação. E acerca disso, Filho (2013, p.14) ensina “ao ultrapassar essa delimitação, a discricionariedade passa para o campo da arbitrariedade e, portanto, torna o ato ilegal”. Tal indicação, também poderia ferir o princípio da impessoalidade, pois, caso a Administração escolha a marca de modo arbitrário há o risco de o agente público agir com parcialidade e indicar a marca que melhor serve aos seus interesses pessoais. Nesse sentido, Bandeira de Mello (2007, p.518) diz que “o princípio da impessoalidade encarece a proscrição de quaisquer favoritismos ou discriminações impertinentes, sublinhando o dever de que, no procedimento licitatório, sejam todos os licitantes tratados com absoluta neutralidade”. Na presente hipótese, agindo o servidor conforme mencionado, dois outros princípios seriam atingidos: o da moralidade e o da igualdade. O primeiro porque, agindo desta forma, o servidor traria séria ofensa à moral e bons costumes, demonstrando desonestidade e fatalmente não atinge a proposta mais vantajosa para a administração, prevista pelo artigo 3º da Lei 8.666/93. Assim, Di Pietro (2007, p.70) ensina que, agir de forma contrária à moralidade “acarreta a invalidade do ato, que pode ser decretada pela própria Administração ou pelo Poder Judiciário”. O segundo por violar as condições de igualdade que deveriam ser observadas para uma disputa leal. Outras marcas que teriam características compatíveis com a necessidade da administração estariam fora da disputa por desonestidade do agente ou mesmo por arbitrariedade. De acordo com Meirelles (2007, p.275) o desrespeito a esse princípio quebra a isonomia entre os licitantes, o que tem levado o Judiciário a anular processos licitatórios em que percebe-se favoritismo ou perseguição, sem base legal ou interesse público. Também poderia haver violação ao princípio da probidade administrativa, uma vez que, o agente público poderia favorecer determinada marca em proveito pessoal ou de outrem, e certamente causaria danos ao erário. Meirelles (2007, p.276) lembra as possíveis consequências, previstas no artigo 37, §4º da Constituição Federal, para o administrador público que viola este princípio: “a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”. A indicação de marca de forma arbitrária poderia ainda, violar princípios correlatos se não estiverem claros os critérios que motivaram a escolha e, assim, não poderia ser incluída tal exigência no edital por se tratar de preferências arbitrárias, que não atendam ao interesse público, que não seja a proposta mais vantajosa para a administração ou que visem interesse pessoal. Cabe destacar que Administração Pública pode adotar as medidas de revogação ou anulação de seus atos, tendo por base o princípio da autotutela. Tais condutas devem observar o princípio do contraditório e ampla defesa. Destarte, em regra, não é permitido a indicação de marca, porém, de forma excepcional existem situações em que o administrador público pode escolher a marca do produto a ser adquirido nos processos licitatórios. As situações que autorizam tal exceção são apresentadas a seguir. 3 A POSSIBILIDADE DE INDICAÇÃO DE MARCAS EM EDITAIS DE LICITAÇÃO Estudados os princípios e regras que regem um processo licitatório, presentes no artigo 3º da Lei 8.666/93, bem como analisados quais deles poderiam ser violados pela indicação de marca nos editais de licitação, passa-se a estudar as exceções admitidas pela legislação, jurisprudência e doutrina. Em resposta à consulta formulada pelo presidente da Câmara Municipal de Uberaba, acerca da indicação de marca, a relatora Conselheira Adrienne Andrade menciona que “a palavra marca aparece três vezes na Lei n. 8.666/93: em duas é vedada a sua indicação e apenas em uma é admitida, mas como exceção”. O artigo 15, §7º, inciso I, da Lei 8.666/93, já mencionado, veda a indicação de marca. Percebe-se que, pelo caput do artigo, não se trata de uma vedação absoluta, sendo vedada apenas preferências subjetivas e arbitrárias de um produto sobre o outro, sem justificativas técnicas, econômicas ou de interesse público (ANDRADE, 2013, p.81). Um outro ponto em que é mencionada a palavra marca é no artigo 25, inciso I. Aqui, trata-se da situação em que é inexigível a licitação, ou seja, para fornecimento exclusivo, devendo ser a exclusividade comprovada por atestado fornecido por órgão de registro comercial do local da licitação ou demais entidades previstas na lei. Neste caso, a exclusividade não deve ser em decorrência da escolha arbitrária da marca. O terceiro ponto é o artigo 7º, §5º da Lei 8.666/93. Nesse artigo, verifica-se duas das exceções em que é admitida a indicação de marcas. Uma delas é quando se tratar de regime de administração contratada, que de acordo com Andrade (2013, p.80) foi vetada pelo Presidente da República, em duas ocasiões, pois, se tratava de “norma contrária ao interesse público”. A outra situação em que é admitida a indicação de marca pelo artigo 7º, §5º da Lei de Licitações é para os casos tecnicamente justificáveis e documentados. De acordo com Andrade (2013, p.80), a doutrina entende que a escolha de marca pelo administrador pode ocorrer em três hipóteses: “para a continuidade de utilização de marca adotada no serviço público; para a adoção de nova marca mais conveniente que as utilizadas; para padronização de marca ou tipo no serviço público”. Diz ainda, que em todas as hipóteses, a Administração deve demonstrar que a indicação é para atender ao interesse público, sem preferências pessoais. A partir de então, analisa-se as possibilidades apontadas pela doutrina. Quanto à indicação para a continuidade de utilização de marca adotada no serviço público ou adoção de nova marca mais conveniente que as utilizadas, pode-se relacionar com o princípio da padronização, uma vez que, a indicação de marca serviria como parâmetro de uma marca já utilizada pela Administração e assim, mantém-se ou melhora-se o padrão de qualidade. Então, haveria a possibilidade da indicação da marca para aquisição de produto com qualidades iguais ou superiores ao solicitado. De qualquer forma, em ambos os casos, é necessário demonstrar tecnicamente a real necessidade daquelas características, bem como demonstrar que a escolha não é para satisfazer preferências pessoais ou escolhas arbitrárias. Nesse sentido, já se pronunciou o TCU no Acórdão nº 1547-22/04-1: “O princípio da padronização não conflita com a vedação de preferência de marca, desde que a decisão administrativa, que identifica o produto pela marca, seja circunstanciadamente motivada e demonstre ser essa opção, em termos técnicos e econômicos, a mais vantajosa para a administração”. Tal conteúdo, também aparece no texto de Andrade (2013, p.81) e deixa claro a legalidade de indicação de marca desde que motivada tecnicamente e economicamente, bem como, que a opção seja pela preservação do interesse público. A análise aparece ainda na Ementa de Parecer em Consulta – Tribunal Pleno com processo nº 849.726 do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais: “Ementa: consulta – licitação – obras, serviços e compras – definição do objeto – indicação de marca – vedação, salvo se amparada em motivos de ordem técnica ou científica, excluindo-se influências pessoais – prevalência do interesse público – necessidade de justificação objetiva da decisão – indicação, no edital, de marca referência seguida das expressões “ou equivalente”, “ou similar” e “ou de melhor qualidade” – possibilidade – exigência de demonstração, pelo licitante, da compatibilidade do produto com a marca referência – possibilidade”. A questão já foi analisada em algumas oportunidades pelo Tribunal de Contas da União. Percebe-se que o posicionamento do TCU no Acórdão nº 0660-10/13-P é no mesmo sentido: “É pacífico no Tribunal o entendimento de que deve ser evitada a indicação de marcas de produtos para configuração do objeto, quando da realização de seus certames licitatórios para a aquisição de bens, salvo se seguidas das expressões “ou equivalente” ou “ou similar””. Assim como na Ementa anterior, o Acórdão coloca que pode-se indicar a marca de produtos desde que seguidas de expressões que denotam igualdade ou superioridade do produto a ser adquirido em relação ao que já é utilizado pela Administração. Quanto à indicação de marca para padronização, a Súmula nº 270 do Tribunal de Contas da União – TCU admite: “em licitações referentes a compras, inclusive de softwares, é possível a indicação de marca, desde que seja estritamente necessária para atender exigências de padronização e que haja prévia justificação”. Para tanto, um parecer técnico deve ser elaborado e acompanhar o processo licitatório a fim de fundamentar a escolha. Tal posicionamento pode ser comprovado no Acórdão nº 2664/2007 do Tribunal de Contas da União: “Ademais, mister se faz lembrar que a questão da preferência de marca já foi enfrentada diversas vezes por este Tribunal, estando pacificado o entendimento de que, no caso de eleição de produto de determinada marca ou determinado fabricante, para fins de padronização, as justificativas devem estar respaldadas em comprovação inequívoca de ordem técnica de que produto de marca similar não tem qualidade equivalente e que somente a marca escolhida atende às necessidades específicas da administração, considerando, sempre, que esse procedimento constitui exceção ao princípio constitucional da isonomia, bem como à regra que veda a restrição do caráter competitivo da licitação, prevista no art. 3º, § 1º, inciso I, da Lei n. 8.666/1993” Assim, a justificativa deve basear-se em motivação técnica e científica e, jamais em preferências pessoais do administrador, pois violariam o princípio da isonomia e o caráter competitivo da licitação. Ao indicar a marca, o administrador deve pensar apenas em identificar o produto ou serviço, a fim de adquirir algo que atenda às necessidades de modo a utilizar da melhor forma possível o dinheiro público. Para tais fins, assim comenta Justen Filho (2011, p.186/187 apud Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, 2015): “A padronização pode resultar na seleção de um produto identificável por meio de uma marca. Logo, o resultado será a escolha pela Administração de uma “marca” determinada, a qual será utilizada posteriormente para identificar os objetos que serão contratados. Isso não se traduz em qualquer tipo de atuação reprovável, não infringe à Constituição nem viola a Lei nº 8.666. O que se veda é a preferência subjetiva e arbitrária por um produto, fundada exclusivamente na marca. Não há infringência quando se elege um produto (serviço etc.) em virtude de qualidades específicas, utilizando-se sua marca apenas como instrumento de identificação. No caso, não há preferência pela marca, mas pelo objeto. A marca é, tão-somente, o meio pelo qual se individualiza o objeto que se escolheu”. Percebe-se, pela análise das possibilidades de indicação de marca que não é admitido interesses pessoais e arbitrariedades, devendo o Administrador demonstrar tecnicamente que a escolha é para atender aos princípios constitucionais e do processo licitatório. 4 AS VANTAGENS AO INDICAR MARCA NOS EDITAIS DE LICITAÇÃO No item anterior, verificou-se que, excepcionalmente, existe a possibilidade de indicação de marca apesar da vedação prevista no artigo 15, §7º, inciso I e artigo 25, inciso I, ambos da Lei 8.666/93. Tal exceção deriva do artigo 7º, §5º da mesma Lei, bem como, do princípio da padronização em conjunto com os princípios da supremacia do interesse público, da eficiência e da boa administração. Desse modo, passa-se ao estudo das vantagens de indicar a marca nos editais de licitação. Por diversas vezes a Administração sofre com ataques orais, no sentido de que os produtos ou serviços adquiridos para a população são de baixa qualidade. De fato, considerando que, normalmente as aquisições públicas são feitas tomando-se como critério de julgamento o menor preço, se a Administração não estiver preparada funcionalmente a ponto de preparar corretamente o instrumento convocatório – e isso inclui compreender as decisões e orientações dos tribunais de contas e do Poder Judiciário, pode-se fazer mau uso do dinheiro público e provocar danos ao erário. Se isso ocorrer, estará ferido o princípio da probidade administrativa. Esta seria uma oportunidade para contrariar a situação. A Administração escolhe uma marca como referência e aceita todos aqueles produtos ou serviços que tenham a mesma qualidade ou superiores àqueles de referência. Não restaria ferido o princípio da isonomia, tampouco a competitividade, pois, se o produto não atinge a qualidade solicitada, não pode querer forçar a Administração a adquirir algo de qualidade inferior ao que é necessário ou mesmo aceitável. Neste sentido, Di Pietro (2007, p.332) resume: “trata-se de tratar desigualmente os desiguais”. A alternativa serviria ainda para atender aos princípios da eficiência e da economicidade. Os produtos ou serviços seriam utilizados com todo o seu potencial sem limitações impostas pela baixa qualidade e assim, verifica-se uma economia que muitas vezes somente o particular percebe em suas aquisições. Trata-se da relação custo / benefício. Na verdade, quando há indicação de marca, esta se deve a uma necessidade da Administração atuar melhor, prestar serviços públicos com mais qualidade e eficiência, objetivando sempre o interesse público e a boa administração. Apenas como exemplo, faz-se uma analogia imaginando que ao invés de marca a Administração não pudesse escolher cores. Assim, imagina-se um auditório com vinte cadeiras vermelhas. Cinco delas se estragam. Sem indicar a cor não há como garantir que o produto do fornecedor que vencerá a licitação atenderá ao que a Administração necessita. Esta é a importância da liberdade de escolha motivada para fins de padronização. Conclusão Toda vez que a Administração Pública vai adquirir produtos e contratar empresas para prestar serviços ou executar obras, em regra, é indispensável e exigível a realização de um processo licitatório. Tal formalidade decorre da necessidade de observância dos princípios que regem a licitação. Os princípios tendem a forçar uma disputa justa e que traga benefícios para a Administração e para a sociedade. Esta, por vezes, desconhece a formalidade e burocracia a que se submete o órgão público ao adquirir um produto. Assim, é comum a crítica à qualidade de produtos que são distribuídos ao povo ou mesmo aqueles que servem para funcionamento da máquina administrativa. Este comportamento é até compreensível, uma vez que, o administrado, acaba por fazer uma comparação com as aquisições feitas por ele, particular. Porém, os procedimentos de compras realizados pelas pessoas ou instituições privadas são bastante diferentes, uma vez que, como visto, a Administração Pública não age por vontade própria e precisa respeitar princípios e formalidades. Enquanto o particular pode ir até a loja que quiser e escolher o produto e a marca que bem pretender, a Administração Pública precisa publicar instrumento convocatório com as regras para que todos os interessados possam ter a oportunidade de oferecer seus produtos ou serviços, tomando o cuidado de não violar nenhum princípio vinculado ao procedimento. A indicação de marca é um dos exemplos de tal diferença. Se não for feita dentro dos limites legais, a indicação fere vários princípios e, assim, resultará na anulação do processo licitatório. Para evitar problemas e garantir o sucesso da licitação, bem como, a satisfação da sociedade, atingindo assim a sua finalidade, percebe-se que a indicação de marca é possível em três situações: para a continuidade de utilização de marca adotada no serviço público; para a adoção de nova marca mais conveniente que as utilizadas; para padronização de marca ou tipo no serviço público. Cabe destacar, que a indicação de marca não pode basear-se em preferências pessoais ou arbitrárias. O administrador deve justificar a escolha, amparado em laudos periciais que farão parte do processo e demonstrarão que as características da marca indicada são essenciais ao interesse público. Se necessário, a Administração Pública pode inserir no instrumento convocatório expressões como: “ou equivalente”, “ou similar” e “ou de melhor qualidade”, conforme o caso. Assim, fica respondida a questão problema deste trabalho ao concluir que não há ilegalidade em indicar a marca do produto a ser adquirido desde que verificados os requisitos mencionados. Quanto às vantagens existentes, verifica-se a possibilidade de um melhor atendimento à população ao fornecer produtos de boa qualidade à população e prestação de serviço com os materiais de expediente nas mesmas condições. Um outro ponto é o respeito ao erário ao atuar com eficiência e economicidade, pois quando a administração adquire o produto de qualidade certamente ele atingirá plenamente a sua finalidade. Percebe-se, ainda, que interessa à Administração Pública manter uma padronização de seu patrimônio, pois assim, é reduzido o custo com manutenção, pois fica mais fácil manter peças em estoque, uma vez que, a variedade de fabricantes e modelos é menor. Por fim, destaca-se que o Poder Público não pode abrir mão da observância dos princípios que conduzem à uma boa administração. Assim, a indicação de marca nos editais, quando dentro da legalidade, pode se tornar uma ferramenta importante em processos licitatórios para atendimento ao interesse público.
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A (in)constitucionalidade da Lei 13.286/2016 que estabelece a responsabilidade civil subjetiva por ato dos notários e registradores
No presente artigo, com base em pesquisa bibliográfica, legislativa e jurisprudencial, analisa-seaconstitucionalidade da Lei 13.286/2016 que alterou o regime jurídico de responsabilidade civil por atos dos notários e registradores no exercício de suas funções, inovando ao estabelecer a responsabilidade civil subjetiva, ou seja, mediante análise de dolo ou culpa, sem considerar, por outro lado, o disposto no artigo 37, § 6º da Constituição Federal de 1988, que estabelece como regra, e sem abrir espaço para exceções, a responsabilidade civil de forma objetiva por atos danosos realizados no exercício do serviço público.
Direito Administrativo
Introdução A responsabilidade civil do Estado, também chamada de extracontratual, surge a partir de qualquer atividade exercida ou serviço prestado pelo Estado, de forma direta ou indireta, de onde decorrem danos ou ônus desproporcionais à uma pessoa ou grupo específico. Regulamentando a responsabilidade civil do Estado, a Constituição Federal de 1988 – CF/88, em seu art. 37, § 6º, dispõe que “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros…”. Estabelecendo, assim, a responsabilidade objetiva do Estado pelos danos causados aos particulares no exercício de suas atividades e serviços. Ocorre que, em maio de 2016, foi aprovada a Lei nº 13.286/2016 que altera o artigo 22 da Lei 8.935/1994 (Lei dos Cartórios), dispondo sobre a responsabilidade civil por ato dos notários e registradores. Referida alteração inovou o tipo de responsabilidade a qual se submetiam os serviços notariais, dispondo, agora, que será subjetiva, ou seja, a vítima deverá provar a culpa ou dolo. Diante desta situação, será realizada uma análise da Lei 13.286/16 que inovou o regime jurídico do serviço notarial e de registro, estabelecendo a responsabilidade civil subjetiva, em face do que dispõe o art. 37, §6º da Constituição Federal de 1988, ponderando, a partir daí sua constitucionalidade. A princípio, deve-se considerar que a atividade notarial e de registro é um serviço público exercido em caráter privado, por delegação do Poder Público (art. 236 da CF/88), e por isso deveria ser observado o previsto no art. 37, §6º da Constituição Federal, que estabelece a responsabilidade objetiva aos prestadores de serviço público. Para o estudo em voga será feita uma abordagem legal, doutrinária e jurisprudencial acerca do tema e suas nuances, buscando, ainda, os fundamentos utilizados para a inovação legislativa (Lei 13.286/16), que estabelece a responsabilidade civil subjetiva pelos atos dos notários e registradores, para, por fim, examinar a constitucionalidade da referida alteração em face do que estabelece o art. 37, §6º da CF/88. Segundo Mello (2003), desde a Constituição de 1946, o Brasil adota a responsabilidade objetiva do Estado, como regra para a responsabilização civil, no entanto, por vezes, a doutrina, a jurisprudência e o próprio legislativo vêm mitigando esta regra. A partir de tais constatações, denota-se a importância em traçar um debate mais aprofundado acerca do tema responsabilidade civil do estado e a (in)constitucionalidade dos entendimentos e leis que dispõe em sentido contrário, em atenção, especialmente, aos princípios da segurança jurídica, igualdade e supremacia do interesse público sobre o privado. O desenvolvimento do presente trabalho tem por base a utilização da pesquisa exploratória do tipo bibliográfica, que será desenvolvida com base em material já elaborado e publicado, como define Gil (2008), partindo do estudo da responsabilização civil objetiva estabelecida na Constituição Federal, art. 37, §6º para atos da administração pública, fundamentado no princípio da supremacia do interesse público e da igualdade. Em seguida, verificar-se-á o regime jurídico a qual se submete os serviços notariais e de registro, tendo em vista o que estabelece o art. 236 da CF/88. Para que assim possa ser feita uma comparação entre a novidade legislativa, que estabelece a responsabilidade subjetiva, com necessária comprovação de dolo ou culpa, por ato dos notários e registradores e, por outro lado, a responsabilidade objetiva prevista de forma geral pela Constituição Federal para os serviços prestados em caráter público, analisando seus impactos na relação entre o indivíduo e o Estado. 1. Serviço Público Numa visão ampla, a doutrina conceitua serviço público como toda atividade que tem por fim o oferecimento de utilidades ou comodidades materiais destinada à satisfação da sociedade em geral. O art. 175 da Constituição Federal de 1988 atribui ao poder público a titularidade dos serviços públicos de um modo geral, estabelecendo, inclusive, que o poder público pode prestar esses serviços de forma direta ou indireta, mediante delegação.Nesse ponto, é importante destacar que não se deve confundir a titularidade do serviço com a titularidade daquele que o presta, pois trata-se de realidade jurídica distinta,a qual irá fundamentar o regime jurídico em que se insere o serviço público. No entanto, é importante destacar que a delegação da prestação de um serviço público ao particular não transfere a sua titularidade. Nas palavras de Alexandrino (2014, p. 708),“o particular não presta serviço público por direito próprio, como titular do serviço, mas sim na qualidade de mero delegatário”. Ressalta, entretanto, que em qualquer caso, seja por prestação direta, como indireta, a prestação de serviço público está submetida a um rígido regime jurídico de direito público, a qual prima pela igualdade, segurança jurídica e supremacia do interesse público, principalmente. Esse é o entendimento exposto por Carvalho (2016, p. 597): “O serviço público está submetido ao regime de direito público, o que significa que deve obediência aos princípios de Direito Administrativo definidos, no texto constitucional, de forma expressa ou implícita. ” Sobre o regime jurídico a qual se submetem os serviços público, Mello (2003, p. 613): “Por meio de tal regime o que se intenta é instrumentar quem tenha a seu cargo garantir-lhes a prestação com os meios jurídicos necessários para assegurar a boa satisfação dos interesses públicos encarnados no serviço público. Pretende-se proteger do modo mais eficiente possível as conveniências da coletividade e, igualmente, defender a boa prestação do serviço não apenas (a) em relação a terceiros que pudessem obstá-la; mas também – e com mesmo empenho – (b) em relação ao próprio Estado e (c) ao sujeito que as esteja desempenhando (concessionário ou permissionário). Com efeito, ao erigir-se algo em serviço público, bem relevantíssimo da coletividade, quer-se também impedir, de um lado, que terceiros os obstaculem e; de outro; que o titular deles; ou qualquer que haja sido credenciado a prestá-los; procedam, por ação ou omissão, de modo abusivo, quer por desrespeitar direitos dos administrados em geral, quer por sacrificar direitos ou conveniências dos usuários dos serviços”. Diante do que foi exposto acerca dos serviços públicos em geral, cumpre destacar a posição dos serviços notariais e de registro, que, conforme destaca Alexandrino (2014, p. 718), encontram-se numa“situação muito peculiar”, pois, embora não se enquadre como serviço público propriamente dito (atividade material), é uma “atividade jurídica estatal” exercida por particulares, delegatários de serviço público pelo Estado, mediante aprovação em concurso público. Cumpre observar que tais atividades são realizadas com fundamento no poder de império do Estado, sendo, inclusive, de exercício obrigatório, além de gozarem de presunção de legitimidade. Registre-se que a atividade notarial e de registro compreende todas essas características, pois tem como titular o Estado. 2. Responsabilidade Civil do Estado A responsabilidade civil ou extracontratual tem seu fundamento no Direito Civil e se configura na obrigação de reparar economicamente um dano patrimonial ou moral causado a alguém em decorrência de comportamentos unilaterais, sejam eles lícitos ou ilícitos. Segundo Alexandrino (2014), na esfera do Direito Público, a responsabilidade civil é verificada na obrigação que tem o Estado de indenizar os danos, patrimoniais ou morais, que seus agentes, atuando em seu nome, ou seja, na qualidade de agentes públicos, causem à esfera juridicamente tutelada dos particulares. A atribuição de responsabilidade civil à Administração Pública passou, ao longo do tempo, por importante evolução, estando, atualmente, configurada a sua obrigação de reparar os danos causados. O art. 37, §6º CF/88 consagrou, no Brasil, a responsabilidade objetiva da administração pública na modalidade risco administrativo, pelos danos causados por atuação dos seus agentes. Tal modalidade de responsabilização atinge todas as pessoas jurídicas de direito público (administração direta e indireta), além das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos, inclusive as delegatárias. Numa análise do direito comparado sobre a responsabilidade extracontratual do Estado, expõe-se: “Esta noção é, hoje, curial no Direito Público. Todos os povos, todas as legislações, doutrina e jurisprudência universais, reconhecem, em consenso pacífico, o dever estatal de ressarcir as vítimas de seus comportamentos danosos. Estados Unidos e Inglaterra, últimos refratários da tese, acabariam por assumi-la em 1946 e 1947, respectivamente, embora sem a exceção que seria de desejar, posto que ainda apresenta caracteres restritivos (MELLO, 2003, p. 852)”. Importa destacar que o regime jurídico da Administração Pública está pautado por princípios próprios, compatíveis com a peculiaridade de sua posição jurídica e soberana frente aos particulares, e, por isso, sua responsabilização por atos danosos é mais extensa que a responsabilidade que pode incidir às pessoas privadas. Conforme destaca Mello (2003), as atividades estatais, sejam em suas funções típicas ou atípicas,são capazes de produzir danos mais intensos que os suscetíveis de serem gerados pelos particulares. Observa-se que muitas das atividades prestadas pelo Estado, à semelhança da atividade notarial e de registro, são caracterizadas por serem exercidas privativamente pelo Estado, mesmo que em caráter delegado, além de serem configuradas como obrigatórias aos particulares. Nesse sentido, ao particular não é permitido se furtar à submissão de determinados serviços estatais sob pena de incorrer no ilícito. Refletindo a peculiaridade inerente às atividades estatais, é imperiosa a responsabilidade extrapatrimonial da administração pública por danos advindos dos seus serviços, resguardando os particulares, nos seus interesses e bens jurídicos, contra os riscos decorrentes de falhas ou omissões. Discorrendo sobre a imperatividade do serviço público em face das relações com os particulares, Mello (2003, p. 856): “Ademais impende observar que os administrados não têm como se evadir ou sequer minimizar os perigos de dano provenientes da ação do Estado, ao contrário do que sucede nas relações privadas. Deveras: é o próprio Poder Público quem dita os termos de sua presença no seio da coletividade e é ele quem estabelece o teor e a intensidade de seu relacionamento com os membros do corpo social”. Conforme aponta Alexandrino (2014), o fundamento para responsabilidade estatalreside na busca de uma repartição igualitária do ônus decorrente das atividades da Administração, evitando, assim, que apenas alguns suportem os prejuízos ocorridos por causa de uma atividade desenvolvida pelo Estado no interesse de todos. Nesse sentido, se todos seriam beneficiados, todos deveria suportar o risco decorrentes desta atividade. 2.1. Evolução da responsabilidade civil do Estado A ideia de responsabilização estatal por atos danosos no exercício de sua atividade típica passou desde a sua origem por constantes evoluções, sendo que nos tempos mais remotos, na origem do direito público estatal, vigia o princípio da irresponsabilidade do Estado. Descrevendo o período, Alexandrino (2014, p. 814): “A teoria da não responsabilização do Estado ante os atos de seus agentes que fossem lesivos aos particulares assumiu sua maior notoriedade sob os regimes absolutistas. Baseava-se esta teoria na ideia de que não era possível ao Estado, literalmente personificado na figura do rei, lesar seus súditos, uma vez que o rei não cometia erros, tese consubstanciada na parêmia ‘the king can do no wrong’, conforme os ingleses, ou ‘leroi ne peut mal faire’, segundo os franceses”. Carvalho (2016, p. 322) afirma que as monarquias absolutistas tinham como fundamento a ideia de autoridade soberana, a qual não abria possibilidade de contestação pelos súditos, era considerada a “personificação divina do chefe de Estado”. Nesse sentido, o entendimento era de que os agentes públicos, atuando como representantes do rei, não poderiamser responsabilizados por seus atos, já que agiam em nome do rei e, por isso, tais ações não poderiam ser consideradas lesivas aos súditos. Em 1873, o famoso caso Blanco, julgado no Tribunal de Conflitos na França deu o ponta pé inicial para a responsabilização do Estado. Ressalta que nesse período não havia nenhum dispositivo legal que admitisse tal tipo de responsabilização, tendo a decisão se baseado em princípios do Direito Público. Segundo Carvalho (2016, p. 322): “O primeiro caso de responsabilidade do Estado (leading case) se deu na França e ficou conhecido como caso “Blanco”. Ocorreu que uma garota foi atropelada por um vagão ferroviário e, comovendo a sociedade francesa, embasou a responsabilização do ente público pelo dano causado. O Estado, que, até então, agia irresponsavelmente, passou a ser responsabilizado em casos pontuais, sempre que houvesse previsão legal específica para a responsabilidade”. Mello (2003) afirma que, em meados do século XIX, após ter sido admitida a responsabilidade do Estado, passou-se a sua expansão cada vez maior, evoluindo para uma responsabilidade subjetiva, baseada na culpa, e, em seguida, para uma responsabilidade objetiva, baseada na relação causa e efeito. Sobre a responsabilidade com culpa civil comum do Estado, chamada de Responsabilidade Subjetiva ou fase civilista, afirma a doutrina que fora influenciada pelo individualismo liberal, colocando o indivíduo no mesmo plano do Estado, a qual passou a ter responsabilidade de indenizar à semelhança das relações civis entre particulares. Para Carvalho (2016, p. 322), este foi outro marco de evolução para a responsabilização civil do Estado, já que sua obrigação de reparar os danos causados não necessariamente advinha de “expressa dicção legal”, mas pela simples incidência comprovada dos elementos indispensáveis como: conduta do Estado; dano; nexo causal e o elemento subjetivo. Para esta teoria, o Estado somente seria obrigado a indenizar quando os agentes tivessem agido com culpa ou dolo, cabendo, neste caso, ao particular lesado o ônus de comprovar a existência desses elementos subjetivos. Mais à frente, surgiu a teoria da culpa administrativa, baseada na responsabilidade pela falta do serviço, a qual estabelece o dever do Estado de indenizar o dano sofrido pelo particular quando comprovada a falta de determinado serviço público. Alexandrino (2014, p. 815)afirma que “Não se trata de perquirir da culpa subjetiva do agente, mas da ocorrência de falta na prestação do serviço, falta essa objetivamente considerada”. Assim, o que se apura é a irregularidade na omissão ou falta na prestação do serviço público, chamada pela doutrina de culpa administrativa ou culpa anônima. Evoluindo ainda mais, chegou-se a teoria do risco administrativo, a qual não importa em apurar a existência de dolo ou culpa do agente estatal, bastando tão apenas a atuação danosa ao particular, o nexo causal e o dano efetivo, sem que haja concorrência do particular lesado. Em resumo, Alexandrino (2014, p. 816) destaca: “(…) presentes o fato do serviço e o nexo de causalidade entre o fato e o dano ocorrido, nasce para o poder público a obrigação de indenizar. Ao particular que sofreu o dano não incumbe comprovação de qualquer espécie de culpa do Estado ou do agente público”. A partir de tudo quanto foi exposto, vê-se que história da responsabilidade do Poder Público por danos causados à esfera juridicamente tutelada do particular reflete uma contínua evolução e adaptação às peculiaridades decorrentes do regime jurídico a qual se submete o Estado. Segundo Mello (2003, 857): “No que atina às condições para engajar responsabilidade do Estado, seu posto mais evoluído é a responsabilidade objetiva, a dizer, independente de culpa ou procedimento contrário ao Direito. Essa fronteira também já é território incorporado, em largo trecho, ao Direito contemporâneo. Aliás, no Brasil, doutrina e jurisprudência, preponderantemente, afirmam a responsabilidade objetiva do Estado como regra de nosso sistema, desde a Constituição de 1946 (art. 194), passando pela carta de 1967 (art. 105), pela Carta de 1969, dita Emenda 1 à “Constituição” de 1967 (art. 105), cujos dispositivos, no que a isso concerne, equivalem ao atual art. 37, §6º”. Cabe observar que tal progresso visou a extensão e alargamento dos casos de responsabilidade estatal, buscando resguardar cada vez mais os interesses privados. 2.2. Responsabilidade subjetiva do Estado Tradicionalmente, admitia-se a responsabilidade subjetiva do Estado, verificando culpa ou dolo, nos específicos casos de omissão estatal, casos em que havia falta do serviço, configurada no seu não funcionamento ou mau funcionamento. Baseado na ideia da necessidade de comprovação de dolo ou culpa, a Câmara dos Deputados, através da deputada Erika Kokay, elaborou projeto de Lei, posteriormente aprovado no congresso, que modificou o regime de responsabilidade civil dos notários e registradores, prevendo a necessidade de comprovação do elemento subjetivo. Cumpre destacar que o regime jurídico de responsabilidade civil do Estado continua em evolução, atualmente, inclusive, os tribunais superiores vem modificando o seu entendimento acerca da responsabilidade subjetiva do Estado. O Supremo Tribunal Federal (STF), nos últimos anos, vem adotando o entendimento de que a responsabilidade extrapatrimonial do Estado mesmo nos casos de omissão por falta ou má prestação do serviço é também objetiva, fundamentando seu entendimento na interpretação literal do art. 37, § 6º da CF/88, que de forma geral determina a responsabilidade objetiva do Estado sem fazer distinção se a conduta é comissiva (ação) ou omissiva. “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSOEXTRAORDINÁRIO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS.RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO: § 6º DO ART.37 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. AGENTE PÚBLICO.ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. O Supremo TribunalFederal, por ocasião do julgamento da RE n. 327.904, Relator oMinistro Carlos Britto, DJ de 8.9.06, fixou entendimento nosentido de que ‘somente as pessoas jurídicas de direito público,ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviçospúblicos, é que poderão responder, objetivamente, pelareparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dosrespectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentespúblicos, e não como pessoas comuns’. Precedentes. Agravoregimental a que se nega provimento” (RE nº 470.996/RO-AgR,Segunda Turma, Relator o Ministro Eros Grau, DJe de 11/9/09)”. “DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. AGENTE PÚBLICO. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. 1. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 327.904, sob a relatoria do Ministro Ayres Britto, assentou o entendimento no sentido de que somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentes públicos, e não como pessoas comuns. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 593525 AgR-segundo / DF; Primeira Turma; Relator: Min. Roberto Barroso; Julgamento: 09/08/2016)”. Nesse sentido, o STF sedimentou seu entendimento afirmando que não cabe ao intérprete estabelecer exceções onde o texto constitucional não autorizou, e, por isso, a responsabilidade objetiva do Estado engloba tanto os atos comissivos como os omissivos, desde que demonstrado o nexo causal entre o dano e a omissão específica do Poder Público. Cumpre destacar que a alteração legislativa modificando o regime de responsabilidade extrapatrimonial dos serviços notariais e de registro, está em desarmonia com a evolução proposta pela jurisprudência para a responsabilização do Estado, a qual visa maior segurança jurídica e proteção aos administrados que se submetem ao serviço público. 3. Serviço Notarial e de Registro Conforme explanado anteriormente, o serviço notarial e de registro, embora não seja caracterizado como serviço público no sentido material, é uma serventia jurídica exercida por particulares delegatários de serviço público, que atuam no exercício do poder de império e em nome do Estado, submetendo-se assim ao regime jurídico de direito público. Nesse sentido, cumpre registrar o entendimento do STF, sedimentado no âmbito do julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI): “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PROVIMENTOS N. 747/2000 E 750/2001, DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE SÃO PAULO, QUE REORGANIZARAM OS SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO, MEDIANTE ACUMULAÇÃO, DESACUMULAÇÃO, EXTINÇÃO E CRIAÇÃO DE UNIDADES. 1. REGIME JURÍDICO DOS SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO. I – Trata-se de atividades jurídicas que são próprias do Estado, porém exercidas por particulares mediante delegação. Exercidas ou traspassadas, mas não por conduto da concessão ou da permissão, normadas pelo caput do art. 175 da Constituição como instrumentos contratuais de privatização do exercício dessa atividade material (não jurídica) em que se constituem os serviços públicos. II – A delegação que lhes timbra a funcionalidade não se traduz, por nenhuma forma, em cláusulas contratuais. III – A sua delegação somente pode recair sobre pessoa natural, e não sobre uma empresa ou pessoa mercantil, visto que de empresa ou pessoa mercantil é que versa a Magna Carta Federal em tema de concessão ou permissão de serviço público. IV – Para se tornar delegatária do Poder Público, tal pessoa natural há de ganhar habilitação em concurso público de provas e títulos, e não por adjudicação em processo licitatório, regrado, este, pela Constituição como antecedente necessário do contrato de concessão ou de permissão para o desempenho de serviço público. V – Cuida-se ainda de atividades estatais cujo exercício privado jaz sob a exclusiva fiscalização do Poder Judiciário, e não sob órgão ou entidade do Poder Executivo, sabido que por órgão ou entidade do Poder Executivo é que se dá a imediata fiscalização das empresas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos. Por órgãos do Poder Judiciário é que se marca a presença do Estado para conferir certeza e liquidez jurídica às relações inter-partes, com esta conhecida diferença: o modo usual de atuação do Poder Judiciário se dá sob o signo da contenciosidade, enquanto o invariável modo de atuação das serventias extra-forenses não adentra essa delicada esfera da litigiosidade entre sujeitos de direito. VI – Enfim, as atividades notariais e de registro não se inscrevem no âmbito das remuneráveis por tarifa ou preço público, mas no círculo das que se pautam por uma tabela de emolumentos, jungidos estes a normas gerais que se editam por lei necessariamente federal. 2. CRIAÇÃO E EXTINÇÃO DE SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS. As serventias extrajudiciais se compõem de um feixe de competências públicas, embora exercidas em regime de delegação a pessoa privada. Competências que fazem de tais serventias uma instância de formalização de atos de criação, preservação, modificação, transformação e extinção de direitos e obrigações. Se esse feixe de competências públicas investe as serventias extrajudiciais em parcela do poder estatal idônea à colocação de terceiros numa condição de servil acatamento, a modificação dessas competências estatais (criação, extinção, acumulação e desacumulação de unidades) somente é de ser realizada por meio de lei em sentido formal, segundo a regra de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Precedentes (…). (ADI 2.415/SP, rel. Min. Ayres Britto, 22.09.2011)”. Acerca do serviço notarial e de registro, a Constituição Federal de 1988, dispõe: “Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. § 1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário”. Partindo do entendimento de que os serviços notariais e de registro são delegados pelo Poder Público ao particular, entende-se que se trata, de fato, um serviço público, e por isso deve se submeter ao regime jurídico a qual se submetem todos os serviços públicos, inclusive quanto a responsabilização civil.      No entanto, a questão da responsabilidade civil por atos praticados no exercício dos serviços notariais sempre foi controversa, gerando fortes discussões, sobretudo quanto à necessidade do elemento subjetivo para caracterização da responsabilidade extracontratual. Nesse contexto, nasceram correntes distintas que procuravamesclarecer a natureza desta responsabilidade.      Segundo explica Kümpel(2016), o posicionamento majoritário, exarado nos acórdãos do Supremo Tribunal Federale acompanhado por parte da doutrina,com fundamento naliteralidade do art. 22 da lei 8.935/94, afirma que“os tabeliães e oficiais de registro são funcionários públicos, ainda que o exercício de seus serviços se dê em caráter privado”, nesse sentido, assegura que o Estado deve responder objetivamente pelos danos causados no exercício dos serviços cartorários.      A Lei 8.935/94 (Lei dos Cartórios), em seu art. 22, com a redação original, estabelecia a responsabilidade objetiva dos notários e oficiais de registros pelos danos que seus agentes causarem a terceiros, assegurando-se o direito de regresso nos casos de dolo ou culpa dos prepostos, em total consonância com o que estabelece a Constituição Federal, nos termos abaixo transcrito: “Art. 22. Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos”. No entanto, deve ser registrada a existência de corrente minoritária que sustentava a incidência de responsabilidade pessoal subjetiva de notários e registradores, baseada na interpretação analógica do art. 38 da lei 9.492/1997, que regulamenta os serviços de protesto de títulos, estabelecendo a responsabilidade extracontratual subjetiva. Tais interpretes entenderam que por ser a Lei 9.492/97 editada posteriormente, seria aplicável para todos os titulares de delegação. Nesse sentido, em maio de 2016 foi aprovada a Lei 13.286, que, dispondo sobre a responsabilidade civil dos notários e registradores, alterou a redação original do art. 22 da Lei dos Cartórios, prevendo agora a responsabilidade subjetiva para os danos causados em decorrência do serviço notarial. Nos seguintes termos: “Art. 22.Os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso”. Conforme publicado na página oficial da Câmara dos Deputados, a referida lei, de iniciativa da Deputada Federal Erika Kokay, teve como base o parágrafo primeiro do art. 236 da CF/88, a qual estabelece que a lei disciplinará a responsabilidade civil para os serviços notariais. Ademais, foi justificada na controvérsia existente, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, acerca do regime de responsabilização extracontratual, pois mesmo que a Lei 8.935/94, em sua redação original e nos moldes do art. 37, § 6º da CF/88, estabelecesse a responsabilidade objetiva; a Lei 9.492/97, que regulamenta os serviços de protestos de títulos, editada em momento posterior, estabelece que a responsabilização por seus atos só se dará se for verificada a ocorrência de culpa ou dolo, caracterizando a necessidade do elemento subjetivo. Nesses termos, buscando equiparar o regime de responsabilização civil para os serviços cartorários extrajudiciais, foi promovida a alteração na Lei 8.935/94, que rege os serviços notariais e de registro, passando a prever a necessidade do elemento subjetivo para que fique caracterizada a responsabilidade extracontratual. Embora o objetivo da alteração legislativa tenha sido dirimir as controvérsias existentes, cumpre registrar que os serviços públicos de um modo geral devem estar submetidos ao regime jurídico de direito público, pois os danos causados pelo Estado (titular dos serviços públicos) resultam de comportamentos produzidos com o fim de desempenhar missões no interesse de toda a sociedade. Nesse sentido, a doutrina e jurisprudência, ao defender a responsabilidade objetiva do Estado, alegam que os danos causados no exercício das funções públicas devem ser suportados por toda a sociedade de forma equânime, não sendo justo que apenas alguns arquem com os prejuízos gerados por ocasião de atividades exercidas em proveito de todos. Importa destacar que ainda está em tramitação perante o STF o Recurso Extraordinário nº 842.846-SC, ao qual já foi reconhecida repercussão geral, cujo objetivo é decidir acerca da responsabilidade civil do Estado em caso de serviços delegados. 3.1 A (in) constitucionalidade da previsão de responsabilidade civil subjetiva no âmbito do serviço público O ponto fundamental da responsabilidade extracontratual do Estado é teoria do risco administrativo, cujos preceitos determinam que nenhum particular deve suportar o dano advindo de uma atividade voltada ao interesse da coletividade. Ademais como o ordenamento jurídico acolhe o princípio da igualdade de todos perante a lei, é claro o entendimento de que não se deve aceitar o comportamento estatal que ofenda desigualmente a alguém, ao exercer atividades no interesse de todos, sem ressarcir ao lesado. É nesse sentido que a Constituição Federal de 1988 prevê a responsabilidade objetiva para os atos da Administração Pública. Nota que os atos notariais e de registro emanam do poder de império estatal, que obriga aos administrados a se submeterem a determinados serviços cartorários extrajudiciais, realizados por particulares em nome do poder público – tais serviços cartorários são desempenhados no interesse de toda a sociedade e visam resguardar interesse público. Ademais, não é dado ao particular a opção de não se submeter à tais serviços, nem tão pouco escolher o seu prestador, de forma que está vinculado à prestação estatal; ainda, cumpre destacar que tais atos, por serem respaldados de fé pública e segurança jurídica, ao causarem lesão específica e anormal à esfera do particular promovem danos muito mais amplos que àqueles que seriam promovidos nas relações entre particulares. Por isso, é possível entender que os serviços cartorários, assim como determinado de forma geral na CF/88, devem se submeter à responsabilidade civil objetiva. Diante da alteração legislativa, verifica-se afronta ao que, há muito tempo, já estabelecia o ordenamento jurídico brasileiro, que em compasso com outros países não preveem a necessidade do elemento subjetivo para caracterizar a responsabilidade estatal, de forma que, entender o contrário, seria um retrocesso. De fato, ainda não foi questionada a constitucionalidade da Lei 13.286/2016 perante o STF. No entanto, considerando que o entendimento corretamente aplicável aos notários e registradores seria a regra do art. 37, § 6º da CF/88, impõe-se a responsabilidade civil objetiva, entendo pela inconstitucionalidade da Lei 13.286/2016 que dispôs em sentido contrário. A inconstitucionalidade da referida lei é verificada de acordo com o princípio da supremacia da constituição, que segundo Lenza: “significa que a Constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos. É enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estruturação deste e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais do Estado, e só nisso se notará a sua superioridade em relação às demais normas jurídicas (2014, p. 275)”. A partir de tal interpretação, entende-se que a alteração legislativa afronta diretamente o regime jurídico do serviço público estabelecido na Constituição Federal, criando exceções não autorizadas pelo constituinte originário. A Lei 13.286/16, ao modificar o tipo de responsabilização a qual se submete os serviços notariais e de registro, violou a proteção atribuída pela Constituição Federal aos particulares, os quais encontram-se em situação em desigualdade jurídica frente ao Estado, portador de prerrogativas. Conclusão O tema responsabilidade extracontratual do Estado passou, durante séculos, por importantes evoluções, visando, principalmente, ampliar o âmbito de proteção atribuído aos administrados, que em suas relações com a administração pública, encontram-se em situação de vulnerabilidade. Atualmente, é possível vislumbrar como ponto mais alto da responsabilização estatal a responsabilidade objetiva, baseada na dispensa de comprovação de dolo ou culpa pelo particular que foi lesado. Nesse sentido, a previsão da necessidade do elemento subjetivo para configurar o dever de indenizar no âmbito do direito público, seja em relação à atos omissivos; seja na regulamentação de alguma atividade específica, como é o caso dos atos dos notários e registradores, caracteriza retrocesso à proteção atribuída pela Constituição (lei maior) aos administrados. Questiona-se a constitucionalidade de tais entendimentos e dispositivos frente ao que estabelece a Constituição Federal de 1988, que em seu art. 37, §6º, dispõe expressamente sobre a responsabilidade civil objetiva por atos praticados no exercício de serviços públicos, sem, no entanto, fazer nenhuma ressalva. Posicionamentos e leis em sentido contrário ao que foi previsto constitucionalmente, além de não ser dotado de legitimidade constitucional, afronta princípios como a segurança jurídica e igualdade, diminuindo o âmbito de proteção atribuído aos particulares em suas relações com o Estado, que dotado de prerrogativas jurídicas e imperatividade, está numa posição de superioridade frente aos administrados, podendo, inclusive, causar-lhes imensuráveis danos.
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Comentários às hipóteses de extinção da concessão de serviço público
A concessão encontra expressa referência no Texto Constitucional, respaldando-se no artigo 175 que dicciona, com clareza ofuscante, que “incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”. Em linhas conceituais, é possível descrever a concessão do serviço público é o contrato administrativo por meio do qual a Administração Pública transfere, sob condições, a execução e exploração de certo serviço público que lhe é privativo a um particular que para isso manifeste interesse e que será remunerado, de maneira adequada, mediante a cobrança, dos usuários, de tarifa previamente por ela aprovada. Neste sentido, o escopo do presente está assentado em promover uma análise acerca dos aspectos caracterizadores do instituto da concessão, bem como das hipóteses estabelecidas para extinção da concessão de serviço público.
Direito Administrativo
1 Comentários Introdutórios A concessão encontra expressa referência no Texto Constitucional, respaldando-se no artigo 175 que dicciona, com clareza ofuscante, que “incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”[1]. Com efeito, Carvalho Filho vai afirmar que o texto é claro no que concerne à prestação dos serviços públicos, instituindo uma alternativa para o exercício dessa atividade, a saber: atuação direta pela Administração ou a atuação descentralizada, por meio das concessões e permissões[2]. Em sede infraconstitucional, o instituto da concessão de serviços públicos, cuida mencionar que a Lei nº 8.987, de 13 de Fevereiro de 1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal e dá outras providências[3]. Em linhas conceituais, é possível descrever, de acordo com Diógenes Gasparini[4], a concessão do serviço público é o contrato administrativo por meio do qual a Administração Pública transfere, sob condições, a execução e exploração de certo serviço público que lhe é privativo a um particular que para isso manifeste interesse e que será remunerado, de maneira adequada, mediante a cobrança, dos usuários, de tarifa previamente por ela aprovada. Em seu escólio, Hely Lopes Meirelles[5] vai discorrer que a concessão consiste na delegação contratual da execução do serviço, na forma autorizada e regulamentada pelo Executivo. Logo, o contrato de concessão é pactuado nos termos do Direito Administrativo, sendo bilateral, oneroso, comutativo e realizado intuitu personae. Convém, diante de tais aspectos caracterizadores, nos termos da Lei nº 8.987, de 13 de Fevereiro de 1995[6], que a concessão só pode ser pactuada com pessoa jurídica ou consórcio de empresas. Assim, por dicção contrária do artigo 2º, incisos II e III, a concessão não será pactuada com pessoa natural. Meirelles[7], ainda, vai sustentar que é um acordo administrativo – e não um ato unilateral da Administração Pública -, com a presença de vantagens e encargos recíprocos, no qual são estabelecidas as condições de prestação do serviço, considerando-se o interesse coletivo na sua obtenção e as condições pessoais de quem se propõe à execução por delegação do poder concedente. Ora, tratando-se de contrato administrativo, está condicionado a todas as imposições da Administração necessária à formalização do ajuste, dentre as quais a autorização governamental, a regulamentação e a licitação. Com destaque, a concessão não acarreta a transferência da propriedade ao concessionário pelo poder concedente[8] nem se despoja de qualquer direito ou prerrogativa pública. Meirelles[9], ainda, vai aduzir que a concessão consiste apenas na delegação da execução do serviço público, nos limites e condições legais ou contratuais, estando, a todo tempo, sujeito à regulamentação e à fiscalização do concedente. Nesta trilha, como o serviço, apesar de concedido, continua sendo público, logo, o poder concedente nunca se despoja do direito de promover a exploração, direta ou indiretamente, por seus órgãos, suas autarquias e empresas estatais, desde que o interesse coletivo assim o exija. Em tais condições, o poder concedente permanece com a faculdade de, a qualquer tempo, no curso da vigência do contrato de concessão, retomar o serviço concedido, mediante adimplemento de indenização, ao concessionário, dos lucros cessante e danos emergentes advindos da encampação. É digno de nota que as indenizações, na materialização de tal hipótese, serão as previstas no contrato ou, caso omisso, as que foram apuradas amigável ou judicialmente. Ao lado disso, a concessão, a rigor, deve ser conferida sem exclusividade, com o escopo de propiciar, sempre que possível, a competição entre os interessados, favorecendo, desta sorte, os usuários com serviços melhores e tarifas mais baratas. Por seu turno, porém, o artigo 16 da Lei nº 8.987, de 13 de Fevereiro de 1995[10], irá afixar a hipótese de concessão com exclusividade, a saber: quando houver inviabilidade técnica ou econômica de concorrência na prestação do serviço, desde que, previamente, haja justificativa. “A atividade do concessionário é atividade privada, e assim será exercida, quer no tocante à prestação do serviço, quer no que entende com o seu pessoal” [11], como explana Meirelles. Ao lado disso, apenas para os fins expressamente assinalados em lei ou no contrato é que são equiparados os concessionários a autoridades públicas, estando, portanto, os seus atos sujeitos a mandado de segurança e demais ações cabíveis. No que atina às relações com o público, o concessionário fica atrelado à observância do regulamento e do contrato, que podem afixar direitos e deveres também para os usuários, além dos já cominados em legislação, para defesa dos quais dispõe o particular de todos os mecanismos judiciais comuns, em especial a via cominatória, para reclamar a prestação do serviço nas condições em que o concessionário se comprometeu a prestá-lo aos interessados. Findando o prazo do contrato de concessão, o concessionário deve reverter, ao poder concedente, os direitos e bens vinculados à prestação do serviço, nas condições estabelecidas previamente no contrato. 2 Concessão de Serviço Público Simples Ao se qualificar a concessão de serviço público como simples, distingue-se de modalidade diversa (a ser esmiuçada no item “3” do presente) que o Estado, também, delega a construção da obra pública. Em harmonia com o inciso II do artigo 2º da Lei nº 8.987, de 13 de Fevereiro de 1995[12], entende-se a modalidade em comento como a concessão de serviço público a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado. Carvalho Filho[13], ainda, vai destacar que, em decorrência dos contornos do instituto, trata-se de um serviço público que, por beneficiar a coletividade, deveria incumbir ao Estado. Contudo, esse decide transferir a execução para particulares, sob o estabelecimento de fiscalização, nos termos capitulados no caput do artigo 3º da legislação supramencionada[14]. Ademais, como o serviço vai ser prestado para os membros da coletividade, a estes incumbirá o ônus de remunerá-lo em prol do executor. Ao lado do exposto, conquanto haja uma relação principal que vincula concedente ao concessionário, há outros liames existentes nesse negócio típico de direito público, responsável, também, pela caracterização de situações jurídicas aptas para estabelecer um caráter triangular. Ora, se de um lado o negócio principia pelo ajuste entre o Poder Público e o concessionário, dele advêm outras relações jurídicas, como as responsáveis por vincular o concedente ao usuário e este ao concessionário, como aduz Carvalho Filho[15] em suas ponderações. Prosseguindo no exame da modalidade em comento, é interessante frisar que o objeto da concessão simples pode ser analisado a partir de dois aspectos distintos, quais sejam: mediato e imediato. De maneira mediata, a modalidade significa a vontade administrativa de gerir, em âmbito descentralizado, determinado serviço público, alicerçado na necessidade de agilizar a atividade, conferindo maior celeridade na execução e melhoria no atendimento aos indivíduos que a solicitam. O objeto imediato, por seu turno, é a execução de determinada atividade caracterizada como serviço público, a ser desfrutada pela coletividade. Neste passo, a Lei nº 9.074, de 07 de julho de 1995, que estabelece normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos e dá outras providências, sujeitou ao regime da Lei nº 8.987/1995, os seguintes serviços públicos federais: “Art. 1o Sujeitam-se ao regime de concessão ou, quando couber, de permissão, nos termos da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, os seguintes serviços e obras públicas de competência da União: I – (VETADO) II – (VETADO) III – (VETADO) IV – vias federais, precedidas ou não da execução de obra pública; V – exploração de obras ou serviços federais de barragens, contenções, eclusas ou outros dispositivos de transposição hidroviária de níveis, diques, irrigações, precedidas ou não da execução de obras públicas; VI – estações aduaneiras e outros terminais alfandegados de uso público, não instalados em área de porto ou aeroporto, precedidos ou não de obras públicas; VII – os serviços postais”[16].  Em alinho ao acima, o artigo 2º da Lei nº 9.074, de 07 de julho de 1995[17], vai excluir da necessidade de contratar a concessão em algumas atividades de transporte, como as de transporte de cargas por meio rodoviário; aquaviário de passageiros, desde que não realizado entre portos organizados; rodoviários e aquaviário de pessoas, realizados por empresas de turismo no exercício da respectiva atividade; e transporte de pessoas, realizado de forma privativa, por organizações públicas ou privadas, mesmo de maneira regular. Denota-se, assim, no que concerne ao objeto, que há, primeiramente, uma diretriz administrativa pela qual se constata a conveniência da concessão; posteriormente, ajusta-se o contrato para alcançar os fins almejados. 3 Concessão de Serviço Público Precedida da Execução de Obra Pública Além da modalidade de concessão de serviço público simples, a legislação de regência, ainda, instituiu outra modalidade, doutrinariamente denominada de concessão de obra pública ou, ainda, legalmente chamada como concessão de serviço público precedida da execução de obra pública, cuja acepção se apresenta mais técnica. Neste passo, o inciso III do artigo 2º da Lei nº 8.987, de 13 de Fevereiro de 1995[18], conceitua a modalidade em exame como a concessão que via a construção, total ou parcial, conservação, reforma, ampliação ou melhoramento de quaisquer obras de interesse público, delegada pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para a sua realização, por sua conta e risco, de forma que o investimento da concessionária seja remunerado e amortizado mediante a exploração do serviço ou da obra por prazo determinado. Na modalidade de concessão em destaque, o Estado pretende livrar-se do dispêndio que obras públicas acarretam, remanescendo todo o investimento ao concessionário. Ora, como esse investe vultuosos recursos na execução da obra, é permitida a exploração, com o escopo de recuperar o montante investido. De outro ângulo, a coletividade se beneficia da obra e o Estado, após o prazo de concessão, assume sua exploração, podendo, ou não, promover a transferência novamente, se for de sua conveniência. Carvalho Filho[19], ao examinar as nominatas estabelecidas na legislação em comento e na doutrina, leciona que a expressão concessão de obra pública denota que o Poder Público transferia ou concedia uma obra pública, o que não ocorre em tal negócio jurídico. Com destaque, a obra não pode ser tecnicamente concedida, porquanto o quê o Estado concede é a atividade, isto é, o serviço, autorizando, para tanto, o concessionário a executar obra previamente. Verifica-se, assim, que há duplicidade de objeto: em relação a este, o que é o objeto de concessão é o serviço público a ser prestado após a execução da obra. Em complemento, a delegação sob essa modalidade de concessão é compreendida uma duplicidade de objetos. O primeiro abarca um ajuste entre o concedente e o concessionário para o fito de ser executada determinada obra pública. Observa-se que há verdadeiro contrato de construção de obra, semelhante aos contratos administrativos de obra em geral, deles se diferenciando, todavia, pela circunstância de que o concedente não remunera o concessionário pela execução, o que não é verificado naqueles. Já o segundo objeto é responsável pela tradução da real concessão, ou seja, o concedente, ultimada a construção da obra, transfere sua exploração, por lapso temporal determinado, que, conquanto seja denominada de concessão de serviço público precedida da execução de obra pública, foi ela definida, em legislação, como a construção, total ou parcial, conservação, reforma, ampliação ou melhoramento de quaisquer obras de interesse público. “No que diz respeito à construção, reforma, ampliação ou melhoramento de obras, é assimilada o caráter de precedência em relação ao serviço a ser executado”[20]. É oportuno, ainda, frisar que tais argumentos não subsistem em relação à atividade de conservação. Ora, a atividade de conservar obras públicas guarda concomitância com o serviço prestado, e não precedência: à proporção que as obras são executadas, o concessionário explora o respectivo bem público por meio da cobrança de tarifa. A título de exemplificação, é o que ocorre com a concessão para a execução de obras e conservação de estradas de rodagem, remunerada pelo sistema de pedágios. Assim, conquanto subsista a expressão concessão de serviço público precedida da execução de obra, é possível a concessão ter por objeto a execução da obra realizada simultaneamente à prestação do serviço de conservação. 4 Natureza Jurídica No que atina à natureza jurídica da concessão de serviço público, é importante destacar que não há plena unanimidade, em que pese a doutrina majoritária assentar a perspectiva que se trata de contrato administrativo. José dos Santos Carvalho Filho[21], porém, vai afirmar que o negócio jurídico é de natureza contratual, conquanto seja forçoso reconhecer particularidades específicas que o configuram realmente como inserido no âmbito do direito público. No mais, a Constituição Federal, na redação do artigo 175, parágrafo único, quando faz alusão à lei disciplinadora das concessões, toca, no inciso I, ao caráter especial do contrato, o que explicita a natureza contratual do instituto. A Lei nº 8.987, de 13 de Fevereiro de 1995[22], em seu artigo 4º, colocou fim a eventual controvérsia, mencionando expressamente que a concessão, independente da modalidade, será formalizada mediante contrato. No mais, a concessão está condicionada a um conjunto de regras de aspecto regulamentar, as quais são responsáveis por estabelecer a organização e o funcionamento do serviço, e que, em decorrência de tal essência, comportam modificação unilateralmente pela Administração. Afora isso, a concessão é constituída, ainda, por regras essencialmente contratuais, a saber: as disposições financeiras que asseguram a remuneração do concessionário, norteadas pelo corolário do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos. Ora, é importante destacar que, tendo a natureza jurídica de contratos administrativos, as concessões estão submetidas, basicamente, a regime de direito público, cujos regramentos encontram disposição na Lei nº 8.987, de 13 de Fevereiro de 1995. Supletivamente, todavia, há admissibilidade da incidência das normas de direito privado, pois que neste é que se observa detalhada a disposição que norteia os contratos em geral. Contudo, repise-se, a fonte primeira é a norma especial reguladora. Carvalho Filho[23], ainda, vai afirmar que todos os elementos mencionados até o momento conduzem ao enquadramento das concessões na órbita da teoria clássica do contrato administrativo, sendo possível destacar três aspectos basilares: a) o objeto contratual é complementado por atos unilaterais posteriores à celebração do ajuste; b) a autoexecutoriedade das pretensões da Administração; c) o respeito ao corolário do equilíbrio econômico-financeiro fixado no início. Outro aspecto que reclama destaque repousa na natureza do objeto a que se destinam os contratos de concessão de serviços públicos. Ora, como se denota na própria denominação, configura objeto desse tipo de ajuste a prestação de um serviço público. A atividade delegada ao concessionário deve caracterizar-se como serviço público e os exemplos conhecidos de concessões comprovam o fato: firmam-se concessões para serviços de energia elétrica, gás canalizado, transportes coletivos, comunicações telefônicas etc. 5 Distinção entre Concessão e Permissão Ao se ter como substrato as ponderações aduzidas algures, denota-se que o traço diferencial entre a concessão e a permissão de serviço público jazia na natureza jurídica, isto é, enquanto a primeira era considerada como contrato administrativo, a segunda era detentora de natureza de atos administrativos. “A fisionomia contratual era, pois, inadequada para a permissão, como registrava a doutrina em quase unanimidade”[24]. Com a promulgação da Lei Nº. 8. 987, de 13 de Fevereiro de 1995, constata-se que tal distinção restou, de modo determinante, prejudicado, uma vez que, por meio do artigo 40[25], atribuiu ao instituto em comento o caráter de contrato de adesão, tratando, segurando alguns doutrinadores, como um equívoco e uma contradição por parte do legislador. O Supremo Tribunal Federal, ao decidir Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº. 1.491/DF, decidiu que a redação contida no parágrafo único do artigo 175 da Constituição Federal rechaçou qualquer distinção conceitual entre permissão e comissão, notadamente em decorrência de ter assegurado àquela o caráter contratual próprio desta. Deste modo, conquanto haja vozes dissonantes a respeito da natureza jurídica, a Suprema Corte firmou entendimento que, atualmente, a concessão e a permissão de serviços públicos possuem a mesma natureza jurídica, a saber: contrato administrativo. Constata-se, desta forma, que ambos os institutos são formalizados por meio de contratos administrativos, bem como possuem o mesmo objeto, qual seja: a prestação de serviços público, e representam a mesma forma de descentralização, sendo ambos resultantes da delegação negocial. Outrossim, denota-se  que ambos os institutos não dispensam prévia licitação e, de forma idêntica, recebem a incidência de várias particularidades inerentes a este tipo de delegação, como, por exemplo, supremacia do Estado, mutabilidade contratual, remuneração tarifária. Ultrapassando o texto legal, referente às definições dos institutos em tela, verifica-se a presença de dois pequenos pontos distintivos, que traçam a linha demarcatória. Primeiramente, “enquanto a concessão pode ser contratada com pessoa jurídica ou consórcio de empresas, a permissão só pode ser firmada com pessoa física ou jurídica”[26]. Ora, pelo expendido, denota-se que não há concessão com pessoa natural nem permissão com consórcio de empresas. Em segundo ponto, depreende-se do conceito insculpido no inciso IV do artigo 2º da Lei Nº. 8.897/1995, que o ajuste é proveniente de delegação a título precário, ressalva que não é aplicada na definição da concessão. Assim, considerou o legislador que a permissão é dotada de precariedade, estando o particular que firmou o ajuste com a Administração sujeito ao livre desfazimento por parte desta, sem que subsista direito à indenização por eventuais prejuízos. 6 Prazo de Concessão É importante assinalar que as concessões serão outorgadas mediante prazo determinado, como aludem as partes finais dos incisos II e III do artigo 2º da Lei nº 8.987, de 13 de Fevereiro de 1995. Em alinho ao exposto, caracterizando-se como contrato administrativo e exigindo sempre o prévio procedimento de licitação, conforme redação ofuscante do artigo 175 da Constituição Federal, a concessão por prazo indeterminado materializaria verdadeira burla, por linhas transversas, ao princípio constitucional, privilegiando por todo o tempo um determinado particular em detrimento de outros que também pretendessem colaborar com o Poder Público. Sobre o prazo determinado, o Superior Tribunal de Justiça já assentou entendimento plasmado no sentido que: “Ementa: Processual Civil e Administrativo. Concessão de Serviço Público. Transporte. Prorrogação do contrato sem licitação para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro. Impossibilidade. 1. O STJ entende que, fixado estabelecido prazo de duração para o contrato, não pode a Administração alterar essa regra e elastecer o pacto para além do inicialmente fixado, sem prévia abertura de novo procedimento licitatório, porquanto tal prorrogação implicaria quebra da regra da licitação, ainda que, in casu, se verifique a ocorrência de desequilíbrio econômico-financeiro do contrato com o reconhecimento de que as concessionárias dos serviços devam ser indenizadas. 2. O Superior Tribunal de Justiça também possui a orientação de que, nos termos do art. 42, § 2º, da Lei 8.987/95, deve a Administração promover certame licitatório para novas concessões de serviços públicos, não sendo razoável a prorrogação indefinida de contratos de caráter precário. 3. Recurso Especial provido”. (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 1.549.406/SC/ Relator: Ministro Herman Benjamin/ Julgado em 16 ago. 2016/ Publicado no DJe em 06 set. 2016). “Ementa: Administrativo e Processual Civil. Concessão de serviço público. Loteria. Prorrogação do contrato sem licitação. Impossibilidade. Alegado cerceamento ao direito de defesa. Verificação impossibilidade. Incidência do enunciado sumular n. 7/STJ. Alegada ofensa ao direito do concessionário ao equilíbrio econômico financeiro. Não demonstração. […] 2. Fixado determinado prazo de duração para o contrato e também disposto, no mesmo edital e contrato, que esse prazo só poderá ser prorrogado por igual período, não pode a Administração alterar essa regra e elastecer o pacto para além do inicialmente fixado, sem prévia abertura de novo procedimento licitatório, sob pena de violação não apenas das disposições contratuais estabelecidas mas, sobretudo, de determinações impostas pela Constituição Federal e por toda a legislação federal que rege a exploração dos serviços de loterias. 3. Não há ofensa ao equilíbrio contratual econômico financeiro em face dos investimentos realizados pela empresa recorrente, porquanto o ajuste de tal equilíbrio se faz em caráter excepcional por meio dos preços pactuados e não pela ampliação do prazo contratual. A prorrogação indefinida do contrato é forma de subversão às determinações legais e constitucionais que versam sobre o regime de concessão e permissão para exploração de serviços públicos, o que não pode ser ratificado por este Superior Tribunal de Justiça. 4. Recurso especial não provido.” (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 912.402/GO/ Relator: Ministro Mauro Campbell Marques/ Julgado em 06 ago. 2009/ Publicado no DJe em 19 ago. 2009). No mais, inexiste norma expressa que indique o limite de prazo, com o que a fixação deste ficará a critério da pessoa federativa concedente do serviço público. Com destaque, é oportuno consignar que o prazo, de maneira imprescindível, deverá observar o serviço a ser concedido. Além disso, tratando-se de serviços para cuja prestação seja reclamado o dispêndio de recursos vultuosos, impende que o contrato seja firmado em prazo que assegure ao concessionário o ressarcimento do capital investido, porque, admitir maneira diversa, não haveria interesse da iniciativa privada em colaborar com o Poder Público, consoante expõe Carvalho Filho[27]. Destarte, a concessão deve ser outorgada em prazo compatível com o princípio da igualdade de oportunidades a ser proporcionada a todos quantos apresentem interesse em executar atividades de interesse coletivo, culminando que seja reavaliado o serviço prestado, o prestador, o preço do serviço etc. em novo procedimento licitatório para tal escopo. 7 Intervenção na Concessão Tal como espancando alhures, a concessão implica a delegação, por parte do Poder Público, de certo serviço de interesse público ao concessionário, que o executa por sua conta e risco. A partir de tal acepção básica decorre a premissa que, em razão da delegação do serviço por parte do Estado, é reservado o poder-dever de fiscalizar a sua prestação, em decorrência de ser a população o alvo da atividade delegada. Assim, em virtude de tais elementos é que o concedente pode adotar várias medidas para assegurar a regular execução do serviço. “Uma dessas medidas consiste exatamente na intervenção do concedente na concessão. Trata-se de uma emergencial substituição do concessionário, que, por este ou aquele motivo, não está conseguindo levar a cabo o objeto do contrato”[28]. Nesta linha, é possível conceituar a intervenção como manifestação da ingerência direta do concedente na prestação do serviço delegado, em aspecto de controle, com o escopo de assegurar a manutenção do serviço adequado à sua finalidade e para garantir o fiel cumprimento das normas legais, regulamentares e contratuais da concessão. Desta forma, tratando-se de ingerência direta no contrato e na execução do serviço, a intervenção apenas se legitimará diante da presença de certos requisitos. O primeiro requisito a ser observado é o ato administrativo deflagrador, porquanto a legislação reclama que a intervenção seja feita por decreto do Chefe do Executivo da entidade concedente, devendo conter, da forma mais precisa possível, os limites, o prazo e o escopo da intervenção, bem como indique o interventor. O requisito importa modalidade de competência especial, porquanto apenas um agente da Administração – o Chefe do Executivo – possui aptidão jurídica para declarar a intervenção, consoante parágrafo único do artigo 32 da Lei nº 8.987, de 13 de Fevereiro de 1995[29]. O decreto, in casu, traz a característica da autoexecutoriedade, porque verificada a irregularidade da prestação do serviço e constatada a situação emergencial, desde logo, o ato produz seus efeitos. Após o decreto interventivo é que o concedente deve instaurar o procedimento administrativo e, nos termos do caput do artigo 33 da legislação supramencionada, o prazo será de trinta dias, oportunidade em que, no procedimento, buscarão as causas que geraram a inadequação do serviço, bem como apurarão as devidas responsabilidades. Obviamente, em decorrência dos princípios processuais constitucionais, o procedimento será norteado pelos corolários do contraditório e da ampla defesa. O §2º do artigo 33 vai cominar que o prazo para encerramento da apuração será de cento e oitenta dias. Contudo, ultrapassado o prazo afixado em lei, a Administração ter-se-á mostrado lenta e desidiosa, acarretando, como efeito de tal comportamento, a invalidade da intervenção, retornando o concessionário à gestão do serviço delegado. O procedimento, uma vez encerrado, alcançará uma de duas conclusões, a saber: concluído pela inadequação do concessionário para prestar o serviço, fato que acarretará a extinção da concessão; ou nenhuma culpa se terá apurado contra ele e, em tal hipótese, a concessão será restaurada sua normal eficácia. No mais, quadra reconhecer que o formalismo do procedimento é inarredável pelo administrador, que a ele está vinculado. Caso seja constatado vício no procedimento, o efeito, nos termos do §1º do artigo 33, será a sua nulidade e, se for o caso, o direito do concessionário à inteira reparação dos prejuízos causados pela intervenção. 8 Comentários às Hipóteses de Extinção da Concessão de Serviço Público A concessão do serviço público é sempre ajustada por prazo certo ou, quando não, celebrada para vigorar até que atenda aos interesses públicos. No sistema jurídico vigente, contudo, tal como pontuado em momento anterior, vigora apenas as concessões celebradas por prazo determinada, em decorrência das redações contidas nos incisos II e III do artigo 2º da Lei nº 8.987, de 13 de Fevereiro de 1995. Entrementes, é evidente que durante a vigência da concessão de serviço público podem ocorrer certos fatos ou atos jurídicos que acarretam a extinção da concessão de serviço público. Alguns desses acontecimentos têm o condão de extinguir automaticamente a concessão, ao passo que outros não, porém servem de motivo para sua extinção. Tais fatos e atos jurídicos são comumente chamados de causas extintivas de concessão. Segundo o escólio apresentado por Gasparini, “várias são as causas que podem levar a concessão de serviço público à extinção: I – um fato jurídico; II – um ato jurídico; III – um ato administrativo; IV – um ato consensual; V – um ato jurisdicional”[30]. A legislação de regência, sem qualquer sistematização e de modo incompleto, na redação do artigo 35[31], indicou as causas extintivas da concessão de serviço público. Com efeito, tais causas extinguem ou servem de motivo para a extinção da concessão do serviço público, isto é, para o desfazimento do contrato de direito administrativo firmado entre o poder concedente e o concessionário. Ora, as causas não precisam estar indicadas no edital licitatório, contudo o contrato de concessão de serviço público deve, porquanto configuram as denominadas cláusulas essenciais. Entretanto, algumas podem servir de alicerce de extinção desse contrato, ainda que não estejam arroladas, a exemplo da extinção por ilegalidade e pelo decurso do prazo contratual. “A concessionária, empresa privada instituída e dirigida por particulares, não desaparece com a extinção da concessão, embora deixe de ser, na qualidade de concessionária de serviço público”[32]. 8.1 Extinção da Concessão de Serviço Público por Fato Jurídico Considera-se fato como qualquer acontecimento do mundo fenomênico, podendo ser jurídico ou ajurídico. Neste sentido, fato jurídico é aquele que possui relevância para o Direito, como é o decurso do prazo; não sendo dessa forma, considera-se como fato ajurídico, a exemplo da luz do dia. Em complemento, são fatos jurídicos que culminam com a extinção da concessão de serviço público: (i) o decurso do prazo; (ii) o desaparecimento do concessionário. No caso da primeira hipótese, o decurso do prazo, cuida destacar que a concessão de serviço público sempre será pactuada por prazo certo, logo, ultimado o prazo, extingue-se. O advento do termo estabelecido tem o condão de colocar fim ao desfruto do privilégio, culminando em extinção automática, tratando-se, portanto, de hipótese capitaneada no inciso I do artigo 35 da Lei nº 8.987/1995. José dos Santos Carvalho Filho vai assinalar que “essa é a forma natural de extinção da concessão. Advindo o momento final previsto para o fim do contrato, a extinção opera-se pleno iure, sem necessidade de qualquer  ato anterior de aviso ou notificação”[33]. Com efeito, inexiste a necessidade de algum ato que declare a extinção da concessão do serviço público, conquanto seja carecido um termo circunstanciado do recebimento do serviço e dos bens público, bem como, quando for o caso, dos bens do concessionário, os quais passam para o domínio público do poder concedente, em decorrência da materialização do instituto da reversão. Os efeitos jurídicos da extinção são computados da data em que houve a consumação do prazo. “São efeitos ex nunc, e não há como pretender sejam de outro modo, pois todas as condições foram cumpridas a contento”[34], como observa Gasparini. Em mesmo sentido, Carvalho Filho vai apontar que os efeitos da extinção são ex nunc, de maneira que apenas a partir do termo final é que o serviço se considera revertido ao concedente. Igualmente, somente a partir do termo final é que o concessionário se desvincula de suas obrigações, perdendo, por consequência, os privilégios administrativos que possuíam em decorrência da vigência do contrato. A partir do termo final, o prosseguimento da execução e exploração do serviço concedido pelo concessionário torna-se eivada de irregularidade, porque cabe a Administração Pública concedente assumi-las. In casu, a assunção independe de qualquer previsão editalícia ou contratual, porquanto encontra amparo na redação do §2º do artigo 35[35]. “Contudo, se a Administração Pública então concedente nada fizer no sentido de retomada do serviço público concedido, não pode o concessionário, […], paralisar sua execução”[36], em razão do princípio da continuidade do serviço público. Ocorrendo tal hipótese, deverá o concessionário notificar ao poder concedente com o fito de obriga-la, dentro de determinado prazo razoável, a retomar o serviço que lhe fora concedido, sob pena de sua consignação em juízo. Assumindo o serviço público, cuja execução se encontrava a cargo do concessionário, incumbe à Administração Pública, nos termos do sobredito parágrafo, proceder aos levantamentos, avaliações e liquidações necessários. Em harmonia com o §3º do artigo 35[37] da legislação supramencionada, a assunção do serviço então concedido autoriza a Administração Pública ocupar as instalações e utilizar todos os bens reversíveis. A segunda hipótese é a extinção em razão do desaparecimento do concessionário, ou seja, em razão da falência da empresa concessionária do serviço público cuja execução e exploração lhe foram trespassadas. Com efeito, a hipótese em comento encontra previsão no inciso VI do artigo 35 da Lei nº 8.987/1995 e regulada pela Lei nº 11.101/2005, que disciplina a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária (Lei de Falências). “Com a decretação da falência ocorre o desaparecimento do concessionário, e isso impede lógica e juridicamente a continuidade da concessão de serviço público” [38], porque não há como manter-se em vigor o contrato sem a presença de uma das partes, qual seja: o concessionário. É automática a extinção, sendo despicienda para a caracterização qualquer manifestação estatal, conquanto seja necessário algum comportamento, por parte da Administração Pública concedente, visando a continuidade do serviço público e a defesa do interesse patrimonial. Os efeitos jurídicos produzidos são ex nunc, contando-se a partir da decretação da falência. Como pontuado, a falência é causa extintiva da concessão do serviço público, ocorrendo durante a vigência do contrato, logo, antes do termo do prazo estabelecido, devendo, in casu, a Administração Pública concedente indenizar os investimentos atrelados a bens reversíveis, ainda não amortizados ou depreciados. Os demais bens sofrerão o processo de arrecadação pela massa falida, salvo aqueles que são pertencentes à Administração Pública concedente. Doutra ponta, a falência, quando fraudulenta, é considerada como descumprimento do contrato de concessão do serviço público, na proporção em que o concessionário deveria manter durante toda a duração do ajuste as condições iniciais de sua habilitação, porém não manteve e desencadeou a quebra, culminando, assim, em prejuízo para Administração Pública concedente. Assim, deve a Administração Pública, na condição de concedente, apurar o prejuízo e aplicar a competente sanção, abatendo tais valores de uma eventual indenização a ser paga à massa falida. Se a falência não for qualificada como fraudulenta, descabe qualquer sanção ou ressarcimento de eventuais prejuízos. Igualmente, a dissolução da concessionária de serviço público por deliberação de seus sócios ou acionistas também tem o condão de extinguir a concessão de serviço público, supedaneado no inciso VI do artigo 35 da legislação supramencionada. Os efeitos jurídicos da extinção são contados do primeiro ato praticado no sentido da dissolução, a exemplo do termo de dissolução, no caso de sociedade de pessoa, e da aprovação da dissolução pela assembleia geral, em se tratando de sociedade de capital. “São, portanto, de agora em diante ex nunc. É extinção automática da concessão de serviço público, não tendo a Administração Pública concedente que praticar nesse sentido qualquer ato”[39], porém deve adotar algumas medidas, com o escopo de assegurar a continuidade do serviço e a preservação de seus interesses patrimoniais. A dissolução da empresa concessionária é causa extintiva da concessão do serviço público, ocorrendo durante a vigência do contrato, logo, antes do termo do prazo estabelecido, devendo, in casu, a Administração Pública concedente indenizar os investimentos atrelados a bens reversíveis, ainda não amortizados ou depreciados. É oportuno apontar que os demais bens terão o destino que lhes for determinado pelos sócios ou acionistas, excetuando-se os pertencentes à Administração Pública concedente. Nesta linha, a dissolução é encarada como descumprimento contratual, porquanto o concessionário devia, durante todo o prazo da concessão de serviço público, assegurar as condições iniciais de habilitação, que desapareceram com essa medida de seus sócios ou acionistas. A partir de tal aspecto, com o escopo de evitar repetição enfadonha, são operados os mesmos efeitos da falência fraudulenta. Por fim, a terceira variável abarcada pelo inciso VI do artigo 35 alude ao falecimento ou à incapacidade do titular, quando se tratar de empresa individual. Trata-se de extinção automática, não sendo necessário ato algum da Administração Pública concedente para tanto, embora seja necessária alguma medida para manter a prestação do serviço público e para preservar seus interesses patrimoniais. Se tais atos não foram causados pelo titular da empresa individual, descabe alguma sanção ou apuração e exigência de eventuais prejuízos. Contudo, “a morte de um dos sócios, ainda que participante da diretoria da concessionária de serviço público, não leva à sua extinção, salvo se em razão dela dissolver-se a sociedade”[40], como aponta Gasparini. Igualmente, se esta continuar com os sócios remanescentes e sucessores do de cujus, descabe falar em dissolução. 8.2 Extinção por Ato do Concedente A concessão de serviço público pode ser extinta por ato da Administração Pública concedente, pelos seguintes motivos: (i) o interesse público; (ii) a desafetação do serviço; (iii) o inadimplemento do concessionário; (iv) a ilegalidade da concessão. A primeira hipótese, interesse público, também nominado de mérito, poderá o poder concedente extinguir, antes do prazo, o contrato de concessão de serviço público. Com destaque, o mérito está relacionado à oportunidade ou à conveniência da extinção dessa espécie de contrato administrativo e à retomada do serviço público em que a execução e a exploração foram atribuídas ao particular. A hipótese em comento encontra amparo no inciso II do artigo 35 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995[41], qual seja: a encampação. Teóricos, ainda, nominam a retomada dos serviços públicos concedidos por esse motivo de resgaste. Com a extinção antecipada da concessão de serviço público é observável que os investimentos vinculados aos bens reversíveis que ainda não foram amortizados ou depreciados, devendo o poder concedente proceder à indenização correspondente, que há de ser prévia, ou seja, antes da retomada do serviço público, conforme preconiza o artigo 37 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995[42]. Com destaque, para a legitimidade da extinção da concessão na hipótese em apreço, a legislação de regência reclama autorização legislativa específica, isto é, lei que só prescreva a autorização extintiva e as suas regras. “Os efeitos da extinção da concessão de serviço público por interesse público são ex nunc, isto é, de agora em diante, respeitando-se todos os direitos e situações já consolidadas”[43]. “Sendo o concedente o titular do serviço, é de todo razoável que, em razão da peculiaridade de certas situações, tenha ele interesse em extinguir a delegação e, por conseguinte, a concessão. Os motivos, como bem consigna a lei, são de interesse público, vale dizer, a Administração há de calcar-se em fatores de caráter exclusivamente administrativo. Registre-se, no entanto, por oportuno, que, embora esses fatores sejam próprios da avaliação dos administradores públicos, estão eles vinculados à sua veracidade”[44]. Os direitos e o de receber a correspondente indenização quando os investimentos atrelados a bens reversíveis ainda não forem inteiramente amortizados ou depreciados, são os únicos a que faz jus o concessionário. Desta feita, não assiste o direito de opor-se à extinção do contrato de concessão de serviço público que até aquele momento titularizara, exceto se o motivo for ilegal. Sob alguns aspectos, a hipótese de encampação é descrita como ato administrativo discricionário da Administração Pública, como é o momento de sua prática, sem que acarrete praticar ou não praticar o ato de extinção. É oportuno salientar que o ato de extinção da concessão de serviço público por motivo de mérito é ato administrativo, veiculado por decreto. A segunda hipótese dispõe que a extinção da concessão de serviço público pode encontrar na desafetação do serviço público, cuja execução e exploração foram transferidas ao concessionário, o motivo de sua legalidade. Desta feita, apenas por lei um determinado serviço torna-se público, ou seja, da responsabilidade da Administração Pública, a fim de serem ofertados aos administrados, sob um regime de direito público, só por lei ele deixa de ser oferecido mediante esse regime. Na hipótese em comento, configura-se, no primeiro caso, a afetação e, no segundo, a desafetação. A afetação torna o serviço um serviço público, logo, só pela Administração Pública ou por seus concessionários e delegatários pode ser prestados aos usuários. A desafetação, por sua vez, retira o serviço público desse regime de execução, sendo que, a partir de então, o serviço passa a ser próprio dos particulares e a ser executado ou explorado como são os demais serviços caracterizados como da iniciativa privada. Com destaque, os efeitos da desafetação são contados da data da lei que a determinar e para o futuro, sendo, portanto, efeitos ex nunc. Concomitantemente com a desafetação ocorre a extinção antecipada da concessão do serviço público, sendo perceptível que os investimentos vinculados aos bens reversíveis, ainda não totalmente amortizados ou depreciados serão indenizados pela Administração Pública concedente. Distintamente da extinção por interesse público (encampação), como causa da extinção da concessão de serviço público, a indenização não há de ser prévia, tampouco requer a presença de lei autorizadora, conquanto que para a desafetação se vindique lei. Além disso, caso com a desafetação outros prejuízos forem causados ao concessionário, incumbe à Administração Pública o dever de indenizá-lo plenamente. O inadimplemento de obrigações a cargo do concessionário pode ser causa acarretadora da extinção da concessão do serviço público antes do termo final, estabelecido no contrato. Incumbe ao poder concedente, de forma discricionária, considerar se o inadimplemento é ou não causa suficiente a levar a extinção à concessão de serviço público. Sendo considerada com causa suficiente, é impositiva a extinção. Materializa-se, pois, a hipótese genérica albergada no inciso III do artigo 35 da legislação de regência, qual seja: a caducidade. Não comportando a extinção, aplica-se ao concessionário de serviço público a devida sanção, nos termos preconizados no caput do artigo 38 da mesma legislação[45]. Ainda em consonância com o dispositivo ora mencionado, o inadimplemento pode ser total ou parcial, porém as consequências serão as mesmas. “Ocorre o inadimplemento quando o concessionário descumpre as condições e termos especificados no edital licitatório, no contrato de concessão de serviço público ou na lei” [46], conforme escólio de Diógenes Gasparini. O descumprimento pode materializar um ato ou fato, comissivo ou omissivo, doloso ou culposo, atribuído ao concessionário e violador de suas obrigações. No mais, o ato de caducidade é ato administrativo punitivo, veiculado por decreto editado pela Administração Pública, em observância ao §4º do artigo 38[47]. Ademais, em consonância com o §1º do artigo 38, a caducidade poderá ser decretada quando restar materializada: “§ 1o A caducidade da concessão poderá ser declarada pelo poder concedente quando: I – o serviço estiver sendo prestado de forma inadequada ou deficiente, tendo por base as normas, critérios, indicadores e parâmetros definidores da qualidade do serviço; II – a concessionária descumprir cláusulas contratuais ou disposições legais ou regulamentares concernentes à concessão; III – a concessionária paralisar o serviço ou concorrer para tanto, ressalvadas as hipóteses decorrentes de caso fortuito ou força maior; IV – a concessionária perder as condições econômicas, técnicas ou operacionais para manter a adequada prestação do serviço concedido; V – a concessionária não cumprir as penalidades impostas por infrações, nos devidos prazos; VI – a concessionária não atender a intimação do poder concedente no sentido de regularizar a prestação do serviço; e VII – a concessionária não atender a intimação do poder concedente para, em 180 (cento e oitenta) dias, apresentar a documentação relativa a regularidade fiscal, no curso da concessão, na forma doart. 29 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993”[48].  Conquanto não se encontrem acinzelados no §1º do artigo 38, a doutrina[49] entende que a subconcessão, a transferência de concessão e a cessão do controle societário da concessionária sem prévia anuência da Administração Pública concedente é razão suficiente para a decretação da caducidade, de acordo com a redação do artigo 27[50]. A legalidade da decretação da caducidade carece de prévio processo administrativo em que restou devidamente comprovada a inadimplência do concessionário do serviço público e lhe assegurou amplo direito de defesa, conforme prescreve o §2º do artigo 38[51]. O processo em comento só comporta instauração após o concessionário do serviço público ser informado, detalhadamente, acerca do descumprimento de suas obrigações e se lhe dado um prazo para a promoção da correção das falhas e transgressões mencionadas e enquadrar-se novamente nos termos e condições da concessão de serviço público, consoante a dicção do §3º do artigo 38[52]. Denota-se, assim, que a extinção, in casu, não é automática; ao reverso, reclama pronunciamento solene da Administração Pública concedente, como está indicado no §4º do artigo 38, caso a causa esteja indicada na lei, no regulamento ou no ato de outorga. Se a causa não se encontrar disciplinada em qualquer daqueles atos, a cassação é requerida ao Judiciário. “A entidade competente para decretar a cassação é a titular dos serviços públicos […]. Esse procedimento e essas exigências somente são necessários para a decretação da caducidade”[53], ou seja, da extinção da concessão de serviço público. Revela-se, porém, mas simples a aplicação de outras sanções contratuais, que apenas reclamam procedimento administrativo em que seja assegurado ao concessionário do serviço público amplo direito de defesa. Com efeito, o ato da caducidade não desencadeia qualquer pedido de indenização ou a satisfação do lucro que seria aferido durante o restante do tempo ao concessionário do serviço público. Em mesma trilha, o poder concedente não possui nenhuma culpa pela inadimplência, logo, inexiste o dever de indenização, consoante redação do §4º do artigo 38[54], em especial quando estabelece que a caducidade ocorrerá  independente de indenização. De maneira diversa, caso o concessionário do serviço público tenha, com sua atitude, causado qualquer prejuízo para o poder concedente, deverá satisfazê-los, indenizando-o plenamente. Como regra, o pleito indenizatório deve ser deduzido e requerido em Juízo pelo poder concedente em face do concessionário do serviço público. No mais, como se denota que a caducidade só ocorre durante o transcurso da concessão do serviço público, é patente que se os investimentos atrelados aos bens reversíveis ainda não foram totalmente amortizados ou depreciados, devendo, pois, os valores correspondentes serem apurados e indenizados. Nesta linha, ainda sobre a caducidade, é importante assinalar que sobreditos valores, após devidamente apurados, serão pagos depois da decretação, deduzidos o montante da dívida regularmente aplicados e os prejuízos efetivamente avaliados, consoante a redação do §4º do artigo 38. Entretanto, os demais bens continuam de propriedade das partes anteriormente envolvidas na concessão do serviço público, cabendo a cada uma, em relação a tais bens, proceder em consonância com o respectivo interesse. Afora isso, nenhuma outra responsabilidade decorrente da caducidade é assumida pelo poder concedente. Em complemento, o artigo 38, em seu §6º[55], vai espancar que, declarada a caducidade, não resultará para o poder concedente qualquer espécie de responsabilidade em relação aos encargos, ônus, obrigações ou compromissos com terceiros ou com empregados da concessionária. Por derradeiro, a quarta hipótese consiste na ilegalidade. É fato que contrato de concessão de serviço público, conquanto emoldurado pela presunção de legitimidade dos atos administrativos, fosse celebrado com vícios que o inquinam, podendo ser declarados a qualquer tempo, desde que não prescrito tal direito. Em tal cenário, há uma ilegalidade que subsidia o motivo ao ato da extinção. Com efeito, o ato do poder concedente apto a extinguir a concessão do serviço público em razão de sua ilegalidade é administrativo, comumente nominado de ato de anulação, encontrando subsídio no inciso V do artigo 35 da Lei nº 8.987/1995, sendo que a decretação pode ocorrer tanto na esfera administrativa como na judicial. No primeiro caso a anulação será chamada de invalidação, ao passo que no segundo é anulação. “A extinção por ilegalidade, é incontroverso, não é automática, exigindo, portanto, um solene pronunciamento da Administração Pública concedente ou do Judiciário”[56]. Os efeitos produzidos pelo ato da extinção, quer seja na esfera administrativa, quer seja na esfera judicial, serão ex tunc, ou seja, retroagirão à data da concessão do serviço público ou mesmo antes, quando for verificada a existência do vício ainda na fase de licitação ou no ato de dispensa desse procedimento e a contratação direta. Destarte, só pode ocorrer, em teoria, durante a vigência da concessão do serviço público, porquanto o que se ambiciona com esse pronunciamento é a sua extinção. Após a extinção, por exemplo, em razão do decurso do prazo, a preocupação não mais subsiste, conquanto ainda seja possível buscar sua extinção com o escopo de apurar a responsabilidade de quem rendeu ensejo à causa de ilegalidade. Caso a extinção por ilegalidade somente ocorreu durante a vigência da concessão, é fato que os investimentos vinculados a bens reversíveis ainda não foram totalmente amortizados ou depreciados. Em tal situação, cabe ao poder concedente apurar o quanto devido a tal título e adimplir indenização ao concessionário, antes da extinção da concessão de serviço público, caso esse nada tenha feito para que a ilegalidade se instalasse. A indenização, porém, será posterior, caso o concessionário de serviço público contribuiu, de algum modo, para a ocorrência da ilegalidade. Na primeira hipótese, será possível o cabimento de uma indenização com espeque na norma insculpida no §6º do artigo 37 da Constituição Federal. Na segunda, porém, não é devida nenhuma indenização, cabendo, além disso, adimplir os prejuízos eventualmente causados ao poder concedente. Os valores serão deduzidos do montante a ser pago em decorrência dos investimentos vinculados aos bens reversíveis não integralmente amortizados ou depreciados. No que atina aos demais bens, esses continuam na propriedade das partes envolvidas na concessão do serviço público, que darão o destino que seus respectivos interesses afixem. 8.3 Extinção por Ato Conjunto das partes envolvidas na Concessão de Serviço Público É possível, quando não mais subsistir o interesse de ambas as partes, que o contrato de concessão de serviço público, por ato conjunto, seja extinto. Trata-se, com efeito, de acordo avençado entre a Administração Pública concedente e o concessionário para colocar fim à concessão do serviço público, antes do termo final contido no contrato. Nessa hipótese, “os interesses das partes envolvidas serão resolvidas por consenso. É a extinção da concessão de serviço público, denominada pela Lei federal n. 8.987/95, rescisão”[57]. Para o acordo, acredita-se que há necessidade de lei autorizadora, que, além da autorização, deverá afixar os limites e as condições para a realização do ajuste. Ao lado disso, compreende-se, como extinção por ato conjunto das partes envolvidas, que a lei responsável por tal hipótese é de iniciativa do Poder Executivo. 8.4 Extinção por Sentença A parte que considerar violado seu direito pode vindicar em Juízo a extinção da concessão de serviço público. Assim, por meio do emprego da adequada medida judicial, a parte inconformada exporá os fatos, bem como indicará o direito ofendido e promoverá o pedido de extinção da relação jurídica existente e a competente indenização que entenda ser cabível. Com ou sem a resposta da parte ex adversa, observados os trâmites processuais pertinentes, chega-se ao fim dessa medida com a prolação da sentença que extingue a relação existente e recompõe os interesses das partes. Com efeito, a recomposição está vinculada à indenização do concessionário de serviço público no que atina aos investimentos concernentes aos bens reversíveis, quando não totalmente amortizados ou depreciados, e à reversão dos bens e equipamentos para a Administração Pública concedente. Diógenes Gasparini vai afirmar que “os demais bens continuarão de propriedade das partes envolvidas na concessão de serviço público, que a eles darão o destino que mais convier aos seus respectivos interesses”[58]. Além disso, o concessionário ainda fará jus a uma indenização, caso não seja o responsável pela causa que culminou na extinção do contrato de concessão. É oportuno apontar que tal hipótese não encontra assento na redação do artigo 35 da Lei nº 8.987/1995[59], porém é perceptível que tal situação não encontra qualquer obstáculo, em especial se for ajuizada pela Administração Pública, em decorrência do princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição. Já o concessionário do serviço público encontra disposição específica na legislação de regência, eis que o artigo 39 comina que o contrato de concessão poderá ser rescindido por iniciativa da concessionária, no caso de descumprimento das normas contratuais pelo poder concedente, mediante ação judicial especialmente intentada para esse fim. Denota-se, portanto, que tal disposição não conferiu ao concessionário de serviço público qualquer competência para extinguir a concessão de serviço público, autorizando apenas a instauração do processo judicial com essa finalidade. Assim, em decorrência da interpretação do artigo em comento, alcança-se que o concessionário não poderá interromper a execução do contrato de concessão de serviço público até que sobrevenha decisão judicial transitada em julgado.
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Do estado executor e a intervenção no domínio econômico
Em harmonia com a dicção contida no artigo 170 da Constituição Federal de 1988, a ordem econômica encontra-se centrada em dois postulados fundamentais, quais sejam: a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa. Denota-se que, ao fixar os dois postulados como alicerces da ordem econômica, o Texto Constitucional de 1988 objetivou indicar que todas as atividades econômicas, independentemente de quem possa exercê-las, devem com eles encontrar compatibilidade. Das premissas ora mencionadas, extrai-se que, caso a atividade econômica estiver de alguma forma vulnerando os preceitos supramencionados, será a atividade considerada inválida e inconstitucional. Além disso, a intervenção do Estado na vida econômica substancia um redutor de riscos tanto para os indivíduos quanto para as empresas, sobremaneira quando identifica, em termos econômicos, a segurança como princípio. Repise-se, neste ponto, que a intervenção do Estado não poderá entender-se como uma limitação ou um desvio imposto aos próprios objetivos das empresas, mas sim como uma diminuição de riscos e uma garantia de segurança maior na prossecução dos fins últimos da acumulação capitalista. Assim, o presente busca promover uma análise acerca do papel desempenhado pelo Estado, enquanto executor, no domínio econômico, bem como as formas de intervenção.
Direito Administrativo
1 Comentários Introdutórios Em harmonia com a dicção contida no artigo 170 da Constituição Federal de 1988[1], a ordem econômica encontra-se centrada em dois postulados fundamentais, quais sejam: a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa. Denota-se que, ao fixar os dois postulados como alicerces da ordem econômica, o Texto Constitucional de 1988 objetivou indicar que todas as atividades econômicas, independentemente de quem possa exercê-las, devem com eles encontrar compatibilidade. Das premissas ora mencionadas, extrai-se que, caso a atividade econômica estiver de alguma forma vulnerando os preceitos supramencionados, será a atividade considerada inválida e inconstitucional. Carvalho Filho, em complemento, vai afirmar que “fundamentos, na verdade, são os pilares de sustentação do regime econômico e, como tal, impõem comportamentos que não os contrariem”[2].  Assim, a ordem econômica, também nominada de “Constituição econômica”, pode ser apresentada, enquanto elemento integrante da ordem jurídica, como o sistema de normas, institucionalmente, determinado modo de produção econômica. A ordem econômica diretiva abarcada pela Constituição Federal de 1988 objetiva a transformação do mundo do ser. Neste aspecto, inclusive, a redação do artigo 170 afixa que a ordem econômica deverá estar alicerçada na valorização do trabalho e na livre iniciativa, bem como ter por escopo assegurar a todos existência digna, consoante os ditames preconizados pela justiça social, observados determinadas diretivas. Diógenes Gasparini[3] vai afirmar que a intervenção do Estado no domínio econômico como ato ou medida legal que restringe, condiciona ou suprime a iniciativa privada em determinada área econômica, em benefício do desenvolvimento nacional e da justiça social, assegurados os direitos e garantias individuais. Além disso, a intervenção do Estado na vida econômica substancia um redutor de riscos tanto para os indivíduos quanto para as empresas, sobremaneira quando identifica, em termos econômicos, a segurança como princípio. Repise-se, neste ponto, que a intervenção do Estado não poderá entender-se como uma limitação ou um desvio imposto aos próprios objetivos das empresas, mas sim como uma diminuição de riscos e uma garantia de segurança maior na prossecução dos fins últimos da acumulação capitalista. Ora, a denominada intervenção do Estado no domínio econômico é não apenas adequada, mas indispensável à concretização e à preservação do sistema capitalista de mercado. Sobre o papel desempenhado pelo Estado, no que toca à intervenção na ordem econômica, o Supremo Tribunal Federal já assentou entendimento robusto que: “Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei n. 7.844/92, do Estado de São Paulo. Meia entrada assegurada aos estudantes regularmente matriculados em estabelecimentos de ensino. Ingresso em casas de diversão, esporte, cultura e lazer. Competência concorrente entre a união, estados-membros e o distrito federal para legislar sobre direito econômico. Constitucionalidade. Livre iniciativa e ordem econômica. Mercado. Intervenção do estado na economia. Artigos 1º, 3º, 170, 205, 208, 215 e 217, § 3º, da Constituição do Brasil. 1. É certo que a ordem econômica na Constituição de 1.988 define opção por um sistema no qual joga um papel primordial a livre iniciativa. Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só intervirá na economia em situações excepcionais. 2. Mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Postula um plano de ação global normativo para o Estado e para a sociedade, informado pelos preceitos veiculados pelos seus artigos 1º, 3º e 170. 3. A livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho. Por isso a Constituição, ao contemplá-la, cogita também da "iniciativa do Estado"; não a privilegia, portanto, como bem pertinente apenas à empresa. 4. Se de um lado a Constituição assegura a livre iniciativa, de outro determina ao Estado a adoção de todas as providências tendentes a garantir o efetivo exercício do direito à educação, à cultura e ao desporto [artigos 23, inciso V, 205, 208, 215 e 217 § 3º, da Constituição]. Na composição entre esses princípios e regras há de ser preservado o interesse da coletividade, interesse público primário. 5. O direito ao acesso à cultura, ao esporte e ao lazer, são meios de complementar a formação dos estudantes. 6. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.” (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADI 1.950/ Relator:  Ministro Eros Grau/ Julgado em 03 nov. 2011/ Publicado no DJ em 02 jun. 2006, p. 04). Neste sentido, no que toca à valorização do trabalho humano, é importante estabelecer que, entre os fundamentos da República Federativa do Brasil, a Constituição consignou os valores sociais do trabalho, em seu artigo 1º, inciso IV[4]. A dicção do dispositivo coloca em destaque a preocupação do Constituinte em promover a conciliação entre os fatores de capital e trabalho de forma a atender aos preceitos da justiça social. Assim, em decorrência de tal alicerce, não encontra mais amparo, por exemplo, comportamentos que conduzam à escravidão ou a meios de trabalho capazes de colocar em risco a vida ou a saúde dos trabalhadores. Ademais, é crucial assinalar, ainda, que a justiça social apresenta escopo protetivo e direcionado a categorias sociais mais desfavorecidas. No mais, a valorização do trabalho humano encontra relação intrínseca com os valores sociais do trabalho. Inexiste dúvida que, para condicionar o trabalho a aludidos valores, faz-se carecida a intervenção do Estado na ordem econômica. “A Constituição intervém notoriamente nas relações entre empregadores e empregados, estabelecidos nos arts. 7º a 11 um detalhado elenco de direitos sociais dos empregados”[5], como leciona Carvalho Filho. Os mandamentos retratam a preocupação estatal em adequar o trabalho aos ditames da justiça social. Ainda no que atina à valorização do trabalho humano, outro aspecto que decorre desse fundamento é o relativo à automação industrial. Assim, se o uso contemporâneo das recentes tecnologias faz parte do processo de desenvolvimento das empresas do país, não é menos verdadeiro que as máquinas não podem promover a substituição do homem para assegurar benefícios exclusivos do empresariado. Além disso, o Texto Constitucional é ofuscante ao impor a valorização do trabalho humano, logo, o homem deve ser considerado como alvo da tutela. A valorização do trabalho humano implica na necessidade de localizar o homem trabalhador em patamar mais elevado do que a outros concernentes a interesses privados, de maneira a ajustar o trabalho aos primados da justiça social. O outro fundamento norteador da ordem econômica é o da liberdade de iniciativa, o qual indica que todas as pessoas têm o direito de ingressar no mercado de produção de bens e de serviços por sua conta e risco. Com efeito, o postulado em comento desdobra na liberdade de exploração das atividades econômicas sem que o Estado execute sozinho ou, ainda, concorra com a iniciativa privada. A livre iniciativa materializa o postulado maior do regime capitalista adotado no território nacional. Afora isso, o alicerce em foco encontra complementação na redação do parágrafo único do artigo 170 do Texto Constitucional[6], consoante o qual a todos é assegurado o livre exercício de qualquer atividade econômica, sem necessidade de autorização de órgãos públicos, à exceção das hipóteses expressamente consagradas no ordenamento jurídico vigente. Tal como o postulado anterior, a liberdade de iniciativa materializa um fundamentos da própria República. Nesta senda, a acepção de livre iniciativa rememora que o Estado não é mero observador, mas desempenha papel de efetivo participante e fiscal do comportamento econômico dos particulares. Destarte, o Estado interfere, de fato, no domínio econômico, restringindo e condicionando a atividade dos particulares em favor do primado do interesse público. Carvalho Filho[7] vai mencionar que a garantia da liberdade de iniciativa ao setor privado goza de tamanha proeminência no regime vigente que prejuízos causados a empresários em decorrência da intervenção do Poder Público no domínio econômico são passíveis de serem indenizados em determinadas situações, nos termos preconizados no §6º do artigo 37 do Texto Constitucional de 1988[8], quando consagra a responsabilidade objetiva. O Supremo Tribunal Federal, em tal trilha, já decidiu que: “Ementa: Constitucional. Econômico. Intervenção estatal na economia: regulamentação e regulação de setores econômicos: normas de intervenção. Liberdade de iniciativa. CF, art. 1º, IV; art. 170. CF, art. 37, § 6º. I. – A intervenção estatal na economia, mediante regulamentação e regulação de setores econômicos, faz-se com respeito aos princípios e fundamentos da Ordem Econômica. CF, art. 170. O princípio da livre iniciativa é fundamento da República e da Ordem econômica: CF, art. 1º, IV; art. 170. II. – Fixação de preços em valores abaixo da realidade e em desconformidade com a legislação aplicável ao setor: empecilho ao livre exercício da atividade econômica, com desrespeito ao princípio da livre iniciativa. III. – Contrato celebrado com instituição privada para o estabelecimento de levantamentos que serviriam de embasamento para a fixação dos preços, nos termos da lei. Todavia, a fixação dos preços acabou realizada em valores inferiores. Essa conduta gerou danos patrimoniais ao agente econômico, vale dizer, à recorrente: obrigação de indenizar por parte do poder público. CF, art. 37, § 6º. IV. – Prejuízos apurados na instância ordinária, inclusive mediante perícia técnica. V. – RE conhecido e provido”. (Supremo Tribunal Federal – Segunda Turma/ RE 422.941/ Relator:  Min. Carlos Velloso/ Julgado em 06 dez. 2005/ Publicado no DJ em 24 mar. 2006, p. 55). Há um critério, ainda, que reclama apreciação. A acepção de liberdade de iniciativa, de certa forma, é antagônica à valorização do trabalho humano. Ora, a deixar-se à iniciativa privada inteira liberdade para exploração das atividades econômicas, existiria o risco inevitável de não se proteger o trabalho humano. Assim, é perceptível a necessidade de conciliar os fundamentos, desenvolvendo estratégias de restrições e condicionamentos à liberdade de iniciativa, com o escopo de que seja alcançada, de fato, a justiça social e os valores emanados. 2 Do Estado Executor O Estado não atua apenas como regulador, mas também como executor, exercendo a atividade econômica. Com efeito, o exercício estatal de tais atividades não pode materializar como regra geral; ao reverso, o Texto Constitucional estabelece uma série de limitações a tal natureza, com o escopo primordial de preservar o princípio da liberdade de iniciativa, concedido aos particulares em geral, conforme preconiza o parágrafo único do artigo 170: “É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”[9]. Na condição de exercente da atividade econômica, o Estado pode assumir duas posições distintas. A primeira consiste naquela que o próprio Estado se incumbe de explorar a atividade econômica por meio de seus órgãos internos. Carvalho Filho[10], ao examinar tal posição, vai exemplificar que é verificável quando a Secretaria Municipal de Saúde passa a fornecer medicamentos ao mercado de consumo, com o escopo primordial de favorecer a aquisição por pessoas de baixa renda. Em tal hipótese, é possível sustentar que há exploração direta de atividades econômicas pelo Poder Público. Em decorrência da peculiar situação, a atividade econômica acaba confundindo-se com a própria prestação do serviço público, eis que o fito do Estado é social e não persegue a obtenção do lucro. Contudo, o que corriqueiramente ocorre é a criação, pelo Estado, de pessoas jurídicas a ele vinculadas, destinadas mais apropriadamente à execução de atividades de cunho mercantil. Para tanto, normalmente, são instituídas empresas públicas e sociedades de economia mista, entidades adequadas a tais escopos. Conquanto sejam pessoas autônomas, que não se confundem com a pessoa do Estado, há que se reconhecer que o controle é exercido por esse, dirigindo e impondo a execução de seus objetivos institucionais. Destarte, caso elas não explorem diretamente a atividade econômica, é o Estado que, em uma fronteira, intervém na ordem econômica. Em tal cenário, é possível sustentar que a há exploração indireta das atividades econômicas pelo Estado. 3 Exploração Direta A regra concernente à exploração direta de atividades econômicas pelo Estado se encontra materializada na redação do caput do artigo 173 da Constituição Federal, preconizando que “ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”[11]. O dispositivo em comento deve ser analisado em conjunto com o artigo 170, inciso IV e parágrafo único. Deste modo, a exploração das atividades econômica incumbe, como regra, à iniciativa privada, materializando um dos postulados alicerçantes do regime capitalista. Destarte, a hipótese consagrada no artigo 173 deve ser vista como medida excepcional. Assim, o próprio dispositivo afixou os limites ensejadores da atuação do Estado, logo, a regra é que o Estado não explore atividades econômicas, podendo, contudo, fazê-lo em aspecto excepcional, desde que estejam presentes os pressupostos nele estabelecidos. É carecido repisar que, mesmo quando há exploração da atividade econômica, o Estado está preordenado, mediata ou imediatamente, à execução da atividade apta a traduzir benefício para a coletividade, retratando o interesse público. Carvalho Filho[12], neste sentido, vai apontar que não é possível conceber o Estado senão como sujeito apto a perseguir o interesse coletivo, logo, denota-se que a intervenção na economia apenas se correlaciona com a iniciativa privada porque é a esta que, inicialmente, incumbe a exploração. Entrementes, o escopo da atuação interventiva haverá de ser, a rigor, a busca pelo atendimento de algum interesse público, em que pese o Estado se revista com feições mercantis de comerciante ou industrial. Outro ponto digno de destaque alude à inconveniência de o Estado imiscuir-se nas atividades econômicas. Com efeito, sempre que o Estado intervém no domínio econômico, apresenta-se ineficiente e incapaz de alcançar seus objetivos, desencadeando uma série de problemas. Não é possível comparar os resultados do Estado com aqueles alcançados pela iniciativa privada. Denota-se, em última instância, que o Estado não deve mesmo exercer a função de explorar as atividades econômicas. Logo, o papel que deve desempenhar é, prioritariamente, de Estado-regulador, controlador e fiscal, remanescendo o desempenho para as empresas de iniciativa privada. Além disso, não é demasiado rememorar que nem sempre é fácil estabelecer a distinção entre os serviços públicos econômicos das atividades privadas eminentemente econômicas. Ambos propiciam lucratividade, porém, enquanto aquelas objetivam o atendimento de demandas da coletividade para assegurar sua maior comodidade, estas retratam atividade de aspecto empresarial, de indústria, de comércio ou serviços. Dessa forma, os primeiros encontram-se situados dentro da esfera normal de competência dos entes federativos, ao passo que as últimas devem ser insertas no setor privado e, somente por via excepcional, à exploração direta pelo Estado. Nesta linha, ao considerar que o Texto Constitucional[13] é ofuscante em não conceder liberdade ao Estado para explorar atividades dotadas de cunho econômico, três pressupostos, porém, são afixados para legitimar a intervenção. O primeiro é a segurança nacional, materializando pressuposto de natureza claramente política. Assim, caso a ordem econômica seja norteada pelos particulares estiver causando algum risco à soberania do país, fica o Estado autorizado a intervir no domínio econômico, direta ou indiretamente, com o escopo de restabelecer a paz e ordem sociais. Outro pressuposto é o interesse coletivo relevante, que, de acordo com o escólio de José dos Santos Carvalho Filho[14], traduz-se em conceito jurídico indeterminado, posto que lhe faltam a precisa e a identificação necessárias à sua determinabilidade. Em decorrência de tal aspecto, o Texto Constitucional[15] afixou que essa concepção seria espancada em legislação infraconstitucional, incumbindo, portanto, ao Estado editar lei definidora de interesse coletivo relevante para permitir a intervenção legítima do Estado no domínio econômico. O terceiro pressuposto encontra-se implícito no dispositivo legal. Assim, ao ressalvar os casos abarcados na Constituição de 1988, está a admitir que apenas o fato de existir disposição em que haja permissividade intervenção contida no texto é suficiente para promover a autorização da exploração da atividade econômica pelo Estado, independentemente de ser hipótese de segurança nacional ou de interesse coletivo relevante. Neste cenário, há interesse coletivo relevante presumido, pois se encontra inserto na Constituição de 1988, conquanto não foi definido em lei. Em síntese, é possível afirmar que a atuação do Estado como explorador da atividade econômica é, em princípio, vedada, encontrado permissão apenas quando: (i) o exigir a segurança nacional; (ii) atende o interesse coletivo relevante; (iii) houver expresso permissivo constitucional. 4 Exploração Indireta A forma mais comum pela qual o Estado intervém no domínio econômico é por meio de entidades paraestatais, isto é, as sociedades de economia mista e as empresas públicas são as entidades atreladas ao Estado às quais se atribui a tarefa de intervir no domínio econômico. Em tal situação, o Estado não é o executor direto das atividades econômicas, socorrendo-se das entidades que têm a sua criação autorizada por lei e já nascem com os escopos predeterminados, nos termos estatuídos no inciso XIX do artigo 37 da Constituição Federal[16]. Aludidas entidades realmente explorarão as atividades econômicas para as quais a lei as destinou. No mais, a exploração indireta de atividades econômicas pelo Estado encontra previsão na redação do §1º do artigo 173 do Texto Constitucional, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998[17], que modifica o regime e dispõe sobre princípios e normas da Administração Pública, servidores e agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas e custeio de atividades a cargo do Distrito Federal, e dá outras providências. É oportuno anotar que a referida lei disporá sobre vários aspectos, a exemplo da função social e a forma de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública; a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários; os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores. Carvalho Filho, em seu escólio, vai “conceituar a exploração indireta do Estado como aquela pela qual exercer atividades econômicas por intermédio de entidades paraestatais a ele vinculadas e por ele controladas”[18]. Do cotejo da redação do dispositivo constitucional aludido alhures, verifica-se que são enumeradas três categorias de pessoas jurídicas vinculadas ao Estado que podem explorar atividades econômicas. As duas primeiras são as denominadas empresas públicas e sociedades de economia mista, que se caracterizam por serem destinadas a dois escopos, a saber: (i) o desempenho de atividade econômica; (ii) a prestação de serviços públicos. Assim, quando exercem atividades econômicas, mencionadas entidades, que são dotadas de personalidade jurídica de direito privado, podem atuar como verdadeiras particulares no campo mercantil, seja no setor de comércio, seja no de indústria e, ainda, no de serviços. O dispositivo, ainda, alude a categoria de empresas subsidiárias, que são aquelas que, derivando de empresas públicas e sociedade de economia mista primária, estão sob o controle destas no que tange ao capital e, com efeito, às diretrizes operacionais. São, também, denominadas de empresas de segundo grau, pois que, a seu turno, podem controlar o capital de entidades derivadas, de terceiro grau, e sucessivamente. Fora das primárias, todas as subsidiárias e, em decorrência do mandamento constitucional, exigem autorização legislativa para sua instituição. Além disso, a execução de atividades econômicas por essas empresas paraestatais apresentam aspectos positivos e negativos. Como fatores positivos, é possível mencionar a personalidade jurídica própria e a autonomia financeira, assim como objetivos econômicos claramente definidos. Em contraparte, como característico negativo, é possível aludir que mesmo norteada para objetivos econômicos, não poderão se afastar do interesse geral. “O certo é que, contemplando expressamente tais entidades, a Constituição autoriza, também de forma expressa, que elas sirvam de meio para a execução pelo Estado, de forma indireta, de atividade de caráter mercantil”[19]. Ao lado do exposto, cuida, ainda, ponderar que autarquias e fundações públicas, conquanto também estejam vinculadas e controladas pelo Estado, não se prestam à execução de atividades econômicas, incompatíveis com sua natureza de entidades sem fins lucrativos, sem aspecto mercantil e voltadas para atividades eminentemente sociais. Além disso, o Texto Constitucional[20] é cristalino quando impõe que essas entidades se sujeitem a regime próprio das empresas privadas, no que toca às obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias. Verifica-se, assim, que o advérbio inclusive empregado no dispositivo em destaque não teve outro escopo senão enfocar quais os campos do regime privado que não poderiam deixar de aplicar-se às empresas paraestatais – o regime privado, trabalhista e tributário. Implica dizer, portanto, que os empregados devem sujeitar-se à CLT e que se tornam contribuintes tributários nas mesmas condições que as empresas privadas. Excetua-se, porém, que o regime aplicável às empresas privadas não estão cerceadas a esses dois campos; ao reverso, o texto estabelece que as empresas paraestatais estão submetidas a todo o regime aplicável às empresas privadas. Neste sentido, inclusive, o Supremo Tribunal Federal já assentou entendimento que: “Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Alínea "d" do inciso XXIII do artigo 62 da Constituição do Estado de Minas Gerais. Aprovação do provimento, pelo Executivo, dos cargos de presidente das entidades da administração pública indireta estadual pela Assembléia Legislativa. Alegação de violação do disposto no artigo 173, da Constituição do Brasil. Distinção entre empresas estatais prestadoras de serviço público e empresas estatais que desenvolvem atividade econômica em sentido estrito. Regime jurídico estrutural e regime jurídico funcional das empresas estatais. Inconstitucionalidade parcial. Interpretação conforme à Constituição. 1. Esta Corte em oportunidades anteriores definiu que a aprovação, pelo Legislativo, da indicação dos Presidentes das entidades da Administração Pública Indireta restringe-se às autarquias e fundações públicas, dela excluídas as sociedades de economia mista e as empresas públicas. Precedentes. 2. As sociedades de economia mista e as empresas públicas que explorem atividade econômica em sentido estrito estão sujeitas, nos termos do disposto no § 1º do artigo 173 da Constituição do Brasil, ao regime jurídico próprio das empresas privadas. […]” (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADI 1.642/ Relator:  Ministro Eros Grau/ Julgado em 03 abr. 2008/ Publicado no DJe em 18 set. 2008, p. 194). “Ementa: Agravo Regimental no Agravo de Instrumento. Administração pública indireta. Sociedade de economia mista. Concurso público. Inobservância. Nulidade do contrato de trabalho. Efeitos. Saldo de salário. 1. Após a Constituição do Brasil de 1988, é nula a contratação para a investidura em cargo ou emprego público sem prévia aprovação em concurso público. Tal contratação não gera efeitos trabalhistas, salvo o pagamento do saldo de salários dos dias efetivamente trabalhados, sob pena de enriquecimento sem causa do Poder Público. Precedentes. 2. A regra constitucional que submete as empresas públicas e sociedades de economia mista ao regime jurídico próprio das empresas privadas — art. 173, §1º, II da CB/88 — não elide a aplicação, a esses entes, do preceituado no art. 37, II, da CB/88, que se refere à investidura em cargo ou emprego público. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (Supremo Tribunal Federal – Segunda Turma/ AI 680.939 AgR/ Relator:  Ministro Eros Grau/ Julgado em 27 nov. 2007/ Publicado no DJe em 31 jan. 2008). “Ementa: Constitucional. Advogados. Advogado-empregado. Empresas públicas e sociedades de economia mista. Medida Provisória 1.522-2, de 1996, artigo 3º. Lei 8.906/94, arts. 18 a 21. C.F., art. 173, § 1º. I. – As empresas públicas, as sociedades de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica em sentido estrito, sem monopólio, estão sujeitas ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias. C.F., art. 173, § 1º. II. – Suspensão parcial da eficácia das expressões "às empresas públicas e às sociedades de economia mista", sem redução do texto, mediante a aplicação da técnica da interpretação conforme: não aplicabilidade às empresas públicas e às sociedades de economia mista que explorem atividade econômica, em sentido estrito, sem monopólio. III. – Cautelar deferida.” (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADI nº 1.552 MC/ Relator:  Ministro Carlos Velloso/ Julgado em 17 abr. 1997/ Publicado no DJ em 17 abr. 1998, p. 88). Ora, a mens legis contida no dispositivo em comento assinala que se as empresas paraestatais tivessem prerrogativas e vantagens específicas do Estado, elas poderiam usufruir de maiores facilidades que as empresas privadas, o que, com efeito, causaria a ruptura do princípio da livre concorrência e do equilíbrio do mercado. Assim, quis deixar plasmado que o fato de serem instituídas, controladas e fiscalizadas pelo Estado não será idôneo para coloca-las em vantagens perante suas congêneres privadas. Ao contrário, tal como poderiam usufruir as vantagens destas, teriam também de suportar seus ônus e dificuldades. Afora isso, a regra contida no dispositivo não pode ser interpretada literalmente, bem como a sujeição ao regime jurídico das empresas privadas também tem que ser visto pontualmente. Nesta linha, por mais que se aproximem das empresas de iniciativa privada e que sofram a incidência do regime jurídico destas, é ofuscante que não podem afastar os influxos de algumas regras advindas do direito público, indispensáveis na hipótese de que se espanca, isto é, de pessoas administrativas atreladas imprescindivelmente a uma pessoa federativa. Mesmo se tratando de pessoas privadas, as entidades encontram-se sujeitas às regras de vinculação com a respectiva Administração Pública Direta; obrigam-se à prestação de contas ministerial e ao Tribunal de Contas, tanto quanto à Administração; só podem promover recrutamento mediante concurso público de provas ou de provas e títulos; são norteadas pelo corolário da obrigatoriedade da licitação[21], além de outras normas de direito público inaplicáveis às empresas de iniciativa privada. Denota-se, assim, que se trata de um regime híbrido por meio do qual, de um lado, sofrem o influxo das normas de direito privado, no momento em que exploram atividades econômicas, e, de outro, submetem-se aos ditames de direito público, no que toca aos efeitos advindos de sua relação jurídica com o Estado. Inexiste dúvida que, mesmo diante de promulgação de lei que regule o estatuto jurídico da empresa pública ou da sociedade de economia mista, continuará o regime híbrido, porquanto, apesar de se aproximarem das pessoas de iniciativa privada, nunca deixarão de ser entidades que foram criadas pelo Estado, logo, terão que se sujeitar à incidência de normas de direito público. Outro aspecto a ser anotado faz alusão ao fato das entidades paraestatais são destinadas ao desempenho de atividades mercantis e agem como particulares, nas relações de mercado. Ademais, aludidas entidades nunca podem estar preordenadas apenas aos interesses econômicos, como as instituições de iniciativa privada em geral, porém, ao revés, devem buscar sempre o atendimento do interesse público. Ora, há que reconhecer esse é o fim último da atuação do Estado; a atuação interventiva na ordem econômica não pode ser um meio senão para a persecução e alcance de tal fito. Atinente aos privilégios fiscais, o §2º do artigo 173 da Constituição Federal[22] preconiza que as empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado. É possível dizer que a impossibilidade da concessão de privilégios fiscais às empresas paraestatais encontra localização dentro do princípio de que a elas se aplica o regime jurídico das empresas privadas, incluindo-se em tal concepção as obrigações tributárias. “O excesso normativo, porém, embora não muito técnico, revela a vontade do Constituinte de dar ênfase a aspectos especiais que envolvem a atuação do Estado no domínio econômico através de empresas paraestatais”[23], conforme observa Carvalho Filho. No mais, cumpre assinalar que o Estado não está proibido de conceder privilégios fiscais a suas empresas; a vedação repousa na premissa que tais privilégios sejam concedidos a elas apenas, logo, se as empresas paraestatais forem beneficiadas com privilégios fiscais, estes incidirão também sobre as empresas de iniciativa privada. Desta feita, trata-se, portanto, de materialização maximizada do corolário da isonomia.
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A (in)constitucionalidade da Lei 13.286/2016 que estabelece a responsabilidade civil subjetiva por ato dos notários e registradores
No presente artigo, com base em pesquisa bibliográfica, legislativa e jurisprudencial, analisa-seaconstitucionalidade da Lei 13.286/2016 que alterou o regime jurídico de responsabilidade civil por atos dos notários e registradores no exercício de suas funções, inovando ao estabelecer a responsabilidade civil subjetiva, ou seja, mediante análise de dolo ou culpa, sem considerar, por outro lado, o disposto no artigo 37, § 6º da Constituição Federal de 1988, que estabelece como regra, e sem abrir espaço para exceções, a responsabilidade civil de forma objetiva por atos danosos realizados no exercício do serviço público.
Direito Administrativo
Introdução A responsabilidade civil do Estado, também chamada de extracontratual, surge a partir de qualquer atividade exercida ou serviço prestado pelo Estado, de forma direta ou indireta, de onde decorrem danos ou ônus desproporcionais à uma pessoa ou grupo específico. Regulamentando a responsabilidade civil do Estado, a Constituição Federal de 1988 – CF/88, em seu art. 37, § 6º, dispõe que “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros…”. Estabelecendo, assim, a responsabilidade objetiva do Estado pelos danos causados aos particulares no exercício de suas atividades e serviços. Ocorre que, em maio de 2016, foi aprovada a Lei nº 13.286/2016 que altera o artigo 22 da Lei 8.935/1994 (Lei dos Cartórios), dispondo sobre a responsabilidade civil por ato dos notários e registradores. Referida alteração inovou o tipo de responsabilidade a qual se submetiam os serviços notariais, dispondo, agora, que será subjetiva, ou seja, a vítima deverá provar a culpa ou dolo. Diante desta situação, será realizada uma análise da Lei 13.286/16 que inovou o regime jurídico do serviço notarial e de registro, estabelecendo a responsabilidade civil subjetiva, em face do que dispõe o art. 37, §6º da Constituição Federal de 1988, ponderando, a partir daí sua constitucionalidade. A princípio, deve-se considerar que a atividade notarial e de registro é um serviço público exercido em caráter privado, por delegação do Poder Público (art. 236 da CF/88), e por isso deveria ser observado o previsto no art. 37, §6º da Constituição Federal, que estabelece a responsabilidade objetiva aos prestadores de serviço público. Para o estudo em voga será feita uma abordagem legal, doutrinária e jurisprudencial acerca do tema e suas nuances, buscando, ainda, os fundamentos utilizados para a inovação legislativa (Lei 13.286/16), que estabelece a responsabilidade civil subjetiva pelos atos dos notários e registradores, para, por fim, examinar a constitucionalidade da referida alteração em face do que estabelece o art. 37, §6º da CF/88. Segundo Mello (2003), desde a Constituição de 1946, o Brasil adota a responsabilidade objetiva do Estado, como regra para a responsabilização civil, no entanto, por vezes, a doutrina, a jurisprudência e o próprio legislativo vêm mitigando esta regra. A partir de tais constatações, denota-se a importância em traçar um debate mais aprofundado acerca do tema responsabilidade civil do estado e a (in)constitucionalidade dos entendimentos e leis que dispõe em sentido contrário, em atenção, especialmente, aos princípios da segurança jurídica, igualdade e supremacia do interesse público sobre o privado. O desenvolvimento do presente trabalho tem por base a utilização da pesquisa exploratória do tipo bibliográfica, que será desenvolvida com base em material já elaborado e publicado, como define Gil (2008), partindo do estudo da responsabilização civil objetiva estabelecida na Constituição Federal, art. 37, §6º para atos da administração pública, fundamentado no princípio da supremacia do interesse público e da igualdade. Em seguida, verificar-se-á o regime jurídico a qual se submete os serviços notariais e de registro, tendo em vista o que estabelece o art. 236 da CF/88. Para que assim possa ser feita uma comparação entre a novidade legislativa, que estabelece a responsabilidade subjetiva, com necessária comprovação de dolo ou culpa, por ato dos notários e registradores e, por outro lado, a responsabilidade objetiva prevista de forma geral pela Constituição Federal para os serviços prestados em caráter público, analisando seus impactos na relação entre o indivíduo e o Estado. 1. Serviço Público Numa visão ampla, a doutrina conceitua serviço público como toda atividade que tem por fim o oferecimento de utilidades ou comodidades materiais destinada à satisfação da sociedade em geral. O art. 175 da Constituição Federal de 1988 atribui ao poder público a titularidade dos serviços públicos de um modo geral, estabelecendo, inclusive, que o poder público pode prestar esses serviços de forma direta ou indireta, mediante delegação.Nesse ponto, é importante destacar que não se deve confundir a titularidade do serviço com a titularidade daquele que o presta, pois trata-se de realidade jurídica distinta,a qual irá fundamentar o regime jurídico em que se insere o serviço público. No entanto, é importante destacar que a delegação da prestação de um serviço público ao particular não transfere a sua titularidade. Nas palavras de Alexandrino (2014, p. 708),“o particular não presta serviço público por direito próprio, como titular do serviço, mas sim na qualidade de mero delegatário”. Ressalta, entretanto, que em qualquer caso, seja por prestação direta, como indireta, a prestação de serviço público está submetida a um rígido regime jurídico de direito público, a qual prima pela igualdade, segurança jurídica e supremacia do interesse público, principalmente. Esse é o entendimento exposto por Carvalho (2016, p. 597): “O serviço público está submetido ao regime de direito público, o que significa que deve obediência aos princípios de Direito Administrativo definidos, no texto constitucional, de forma expressa ou implícita. ” Sobre o regime jurídico a qual se submetem os serviços público, Mello (2003, p. 613): “Por meio de tal regime o que se intenta é instrumentar quem tenha a seu cargo garantir-lhes a prestação com os meios jurídicos necessários para assegurar a boa satisfação dos interesses públicos encarnados no serviço público. Pretende-se proteger do modo mais eficiente possível as conveniências da coletividade e, igualmente, defender a boa prestação do serviço não apenas (a) em relação a terceiros que pudessem obstá-la; mas também – e com mesmo empenho – (b) em relação ao próprio Estado e (c) ao sujeito que as esteja desempenhando (concessionário ou permissionário). Com efeito, ao erigir-se algo em serviço público, bem relevantíssimo da coletividade, quer-se também impedir, de um lado, que terceiros os obstaculem e; de outro; que o titular deles; ou qualquer que haja sido credenciado a prestá-los; procedam, por ação ou omissão, de modo abusivo, quer por desrespeitar direitos dos administrados em geral, quer por sacrificar direitos ou conveniências dos usuários dos serviços”. Diante do que foi exposto acerca dos serviços públicos em geral, cumpre destacar a posição dos serviços notariais e de registro, que, conforme destaca Alexandrino (2014, p. 718), encontram-se numa“situação muito peculiar”, pois, embora não se enquadre como serviço público propriamente dito (atividade material), é uma “atividade jurídica estatal” exercida por particulares, delegatários de serviço público pelo Estado, mediante aprovação em concurso público. Cumpre observar que tais atividades são realizadas com fundamento no poder de império do Estado, sendo, inclusive, de exercício obrigatório, além de gozarem de presunção de legitimidade. Registre-se que a atividade notarial e de registro compreende todas essas características, pois tem como titular o Estado. 2. Responsabilidade Civil do Estado A responsabilidade civil ou extracontratual tem seu fundamento no Direito Civil e se configura na obrigação de reparar economicamente um dano patrimonial ou moral causado a alguém em decorrência de comportamentos unilaterais, sejam eles lícitos ou ilícitos. Segundo Alexandrino (2014), na esfera do Direito Público, a responsabilidade civil é verificada na obrigação que tem o Estado de indenizar os danos, patrimoniais ou morais, que seus agentes, atuando em seu nome, ou seja, na qualidade de agentes públicos, causem à esfera juridicamente tutelada dos particulares. A atribuição de responsabilidade civil à Administração Pública passou, ao longo do tempo, por importante evolução, estando, atualmente, configurada a sua obrigação de reparar os danos causados. O art. 37, §6º CF/88 consagrou, no Brasil, a responsabilidade objetiva da administração pública na modalidade risco administrativo, pelos danos causados por atuação dos seus agentes. Tal modalidade de responsabilização atinge todas as pessoas jurídicas de direito público (administração direta e indireta), além das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos, inclusive as delegatárias. Numa análise do direito comparado sobre a responsabilidade extracontratual do Estado, expõe-se: “Esta noção é, hoje, curial no Direito Público. Todos os povos, todas as legislações, doutrina e jurisprudência universais, reconhecem, em consenso pacífico, o dever estatal de ressarcir as vítimas de seus comportamentos danosos. Estados Unidos e Inglaterra, últimos refratários da tese, acabariam por assumi-la em 1946 e 1947, respectivamente, embora sem a exceção que seria de desejar, posto que ainda apresenta caracteres restritivos (MELLO, 2003, p. 852)”. Importa destacar que o regime jurídico da Administração Pública está pautado por princípios próprios, compatíveis com a peculiaridade de sua posição jurídica e soberana frente aos particulares, e, por isso, sua responsabilização por atos danosos é mais extensa que a responsabilidade que pode incidir às pessoas privadas. Conforme destaca Mello (2003), as atividades estatais, sejam em suas funções típicas ou atípicas,são capazes de produzir danos mais intensos que os suscetíveis de serem gerados pelos particulares. Observa-se que muitas das atividades prestadas pelo Estado, à semelhança da atividade notarial e de registro, são caracterizadas por serem exercidas privativamente pelo Estado, mesmo que em caráter delegado, além de serem configuradas como obrigatórias aos particulares. Nesse sentido, ao particular não é permitido se furtar à submissão de determinados serviços estatais sob pena de incorrer no ilícito. Refletindo a peculiaridade inerente às atividades estatais, é imperiosa a responsabilidade extrapatrimonial da administração pública por danos advindos dos seus serviços, resguardando os particulares, nos seus interesses e bens jurídicos, contra os riscos decorrentes de falhas ou omissões. Discorrendo sobre a imperatividade do serviço público em face das relações com os particulares, Mello (2003, p. 856): “Ademais impende observar que os administrados não têm como se evadir ou sequer minimizar os perigos de dano provenientes da ação do Estado, ao contrário do que sucede nas relações privadas. Deveras: é o próprio Poder Público quem dita os termos de sua presença no seio da coletividade e é ele quem estabelece o teor e a intensidade de seu relacionamento com os membros do corpo social”. Conforme aponta Alexandrino (2014), o fundamento para responsabilidade estatalreside na busca de uma repartição igualitária do ônus decorrente das atividades da Administração, evitando, assim, que apenas alguns suportem os prejuízos ocorridos por causa de uma atividade desenvolvida pelo Estado no interesse de todos. Nesse sentido, se todos seriam beneficiados, todos deveria suportar o risco decorrentes desta atividade. 2.1. Evolução da responsabilidade civil do Estado A ideia de responsabilização estatal por atos danosos no exercício de sua atividade típica passou desde a sua origem por constantes evoluções, sendo que nos tempos mais remotos, na origem do direito público estatal, vigia o princípio da irresponsabilidade do Estado. Descrevendo o período, Alexandrino (2014, p. 814): “A teoria da não responsabilização do Estado ante os atos de seus agentes que fossem lesivos aos particulares assumiu sua maior notoriedade sob os regimes absolutistas. Baseava-se esta teoria na ideia de que não era possível ao Estado, literalmente personificado na figura do rei, lesar seus súditos, uma vez que o rei não cometia erros, tese consubstanciada na parêmia ‘the king can do no wrong’, conforme os ingleses, ou ‘leroi ne peut mal faire’, segundo os franceses”. Carvalho (2016, p. 322) afirma que as monarquias absolutistas tinham como fundamento a ideia de autoridade soberana, a qual não abria possibilidade de contestação pelos súditos, era considerada a “personificação divina do chefe de Estado”. Nesse sentido, o entendimento era de que os agentes públicos, atuando como representantes do rei, não poderiamser responsabilizados por seus atos, já que agiam em nome do rei e, por isso, tais ações não poderiam ser consideradas lesivas aos súditos. Em 1873, o famoso caso Blanco, julgado no Tribunal de Conflitos na França deu o ponta pé inicial para a responsabilização do Estado. Ressalta que nesse período não havia nenhum dispositivo legal que admitisse tal tipo de responsabilização, tendo a decisão se baseado em princípios do Direito Público. Segundo Carvalho (2016, p. 322): “O primeiro caso de responsabilidade do Estado (leading case) se deu na França e ficou conhecido como caso “Blanco”. Ocorreu que uma garota foi atropelada por um vagão ferroviário e, comovendo a sociedade francesa, embasou a responsabilização do ente público pelo dano causado. O Estado, que, até então, agia irresponsavelmente, passou a ser responsabilizado em casos pontuais, sempre que houvesse previsão legal específica para a responsabilidade”. Mello (2003) afirma que, em meados do século XIX, após ter sido admitida a responsabilidade do Estado, passou-se a sua expansão cada vez maior, evoluindo para uma responsabilidade subjetiva, baseada na culpa, e, em seguida, para uma responsabilidade objetiva, baseada na relação causa e efeito. Sobre a responsabilidade com culpa civil comum do Estado, chamada de Responsabilidade Subjetiva ou fase civilista, afirma a doutrina que fora influenciada pelo individualismo liberal, colocando o indivíduo no mesmo plano do Estado, a qual passou a ter responsabilidade de indenizar à semelhança das relações civis entre particulares. Para Carvalho (2016, p. 322), este foi outro marco de evolução para a responsabilização civil do Estado, já que sua obrigação de reparar os danos causados não necessariamente advinha de “expressa dicção legal”, mas pela simples incidência comprovada dos elementos indispensáveis como: conduta do Estado; dano; nexo causal e o elemento subjetivo. Para esta teoria, o Estado somente seria obrigado a indenizar quando os agentes tivessem agido com culpa ou dolo, cabendo, neste caso, ao particular lesado o ônus de comprovar a existência desses elementos subjetivos. Mais à frente, surgiu a teoria da culpa administrativa, baseada na responsabilidade pela falta do serviço, a qual estabelece o dever do Estado de indenizar o dano sofrido pelo particular quando comprovada a falta de determinado serviço público. Alexandrino (2014, p. 815)afirma que “Não se trata de perquirir da culpa subjetiva do agente, mas da ocorrência de falta na prestação do serviço, falta essa objetivamente considerada”. Assim, o que se apura é a irregularidade na omissão ou falta na prestação do serviço público, chamada pela doutrina de culpa administrativa ou culpa anônima. Evoluindo ainda mais, chegou-se a teoria do risco administrativo, a qual não importa em apurar a existência de dolo ou culpa do agente estatal, bastando tão apenas a atuação danosa ao particular, o nexo causal e o dano efetivo, sem que haja concorrência do particular lesado. Em resumo, Alexandrino (2014, p. 816) destaca: “(…) presentes o fato do serviço e o nexo de causalidade entre o fato e o dano ocorrido, nasce para o poder público a obrigação de indenizar. Ao particular que sofreu o dano não incumbe comprovação de qualquer espécie de culpa do Estado ou do agente público”. A partir de tudo quanto foi exposto, vê-se que história da responsabilidade do Poder Público por danos causados à esfera juridicamente tutelada do particular reflete uma contínua evolução e adaptação às peculiaridades decorrentes do regime jurídico a qual se submete o Estado. Segundo Mello (2003, 857): “No que atina às condições para engajar responsabilidade do Estado, seu posto mais evoluído é a responsabilidade objetiva, a dizer, independente de culpa ou procedimento contrário ao Direito. Essa fronteira também já é território incorporado, em largo trecho, ao Direito contemporâneo. Aliás, no Brasil, doutrina e jurisprudência, preponderantemente, afirmam a responsabilidade objetiva do Estado como regra de nosso sistema, desde a Constituição de 1946 (art. 194), passando pela carta de 1967 (art. 105), pela Carta de 1969, dita Emenda 1 à “Constituição” de 1967 (art. 105), cujos dispositivos, no que a isso concerne, equivalem ao atual art. 37, §6º”. Cabe observar que tal progresso visou a extensão e alargamento dos casos de responsabilidade estatal, buscando resguardar cada vez mais os interesses privados. 2.2. Responsabilidade subjetiva do Estado Tradicionalmente, admitia-se a responsabilidade subjetiva do Estado, verificando culpa ou dolo, nos específicos casos de omissão estatal, casos em que havia falta do serviço, configurada no seu não funcionamento ou mau funcionamento. Baseado na ideia da necessidade de comprovação de dolo ou culpa, a Câmara dos Deputados, através da deputada Erika Kokay, elaborou projeto de Lei, posteriormente aprovado no congresso, que modificou o regime de responsabilidade civil dos notários e registradores, prevendo a necessidade de comprovação do elemento subjetivo. Cumpre destacar que o regime jurídico de responsabilidade civil do Estado continua em evolução, atualmente, inclusive, os tribunais superiores vem modificando o seu entendimento acerca da responsabilidade subjetiva do Estado. O Supremo Tribunal Federal (STF), nos últimos anos, vem adotando o entendimento de que a responsabilidade extrapatrimonial do Estado mesmo nos casos de omissão por falta ou má prestação do serviço é também objetiva, fundamentando seu entendimento na interpretação literal do art. 37, § 6º da CF/88, que de forma geral determina a responsabilidade objetiva do Estado sem fazer distinção se a conduta é comissiva (ação) ou omissiva. “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSOEXTRAORDINÁRIO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS.RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO: § 6º DO ART.37 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. AGENTE PÚBLICO.ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. O Supremo TribunalFederal, por ocasião do julgamento da RE n. 327.904, Relator oMinistro Carlos Britto, DJ de 8.9.06, fixou entendimento nosentido de que ‘somente as pessoas jurídicas de direito público,ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviçospúblicos, é que poderão responder, objetivamente, pelareparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dosrespectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentespúblicos, e não como pessoas comuns’. Precedentes. Agravoregimental a que se nega provimento” (RE nº 470.996/RO-AgR,Segunda Turma, Relator o Ministro Eros Grau, DJe de 11/9/09)”. “DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. AGENTE PÚBLICO. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. 1. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 327.904, sob a relatoria do Ministro Ayres Britto, assentou o entendimento no sentido de que somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentes públicos, e não como pessoas comuns. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 593525 AgR-segundo / DF; Primeira Turma; Relator: Min. Roberto Barroso; Julgamento: 09/08/2016)”. Nesse sentido, o STF sedimentou seu entendimento afirmando que não cabe ao intérprete estabelecer exceções onde o texto constitucional não autorizou, e, por isso, a responsabilidade objetiva do Estado engloba tanto os atos comissivos como os omissivos, desde que demonstrado o nexo causal entre o dano e a omissão específica do Poder Público. Cumpre destacar que a alteração legislativa modificando o regime de responsabilidade extrapatrimonial dos serviços notariais e de registro, está em desarmonia com a evolução proposta pela jurisprudência para a responsabilização do Estado, a qual visa maior segurança jurídica e proteção aos administrados que se submetem ao serviço público. 3. Serviço Notarial e de Registro Conforme explanado anteriormente, o serviço notarial e de registro, embora não seja caracterizado como serviço público no sentido material, é uma serventia jurídica exercida por particulares delegatários de serviço público, que atuam no exercício do poder de império e em nome do Estado, submetendo-se assim ao regime jurídico de direito público. Nesse sentido, cumpre registrar o entendimento do STF, sedimentado no âmbito do julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI): “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PROVIMENTOS N. 747/2000 E 750/2001, DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE SÃO PAULO, QUE REORGANIZARAM OS SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO, MEDIANTE ACUMULAÇÃO, DESACUMULAÇÃO, EXTINÇÃO E CRIAÇÃO DE UNIDADES. 1. REGIME JURÍDICO DOS SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO. I – Trata-se de atividades jurídicas que são próprias do Estado, porém exercidas por particulares mediante delegação. Exercidas ou traspassadas, mas não por conduto da concessão ou da permissão, normadas pelo caput do art. 175 da Constituição como instrumentos contratuais de privatização do exercício dessa atividade material (não jurídica) em que se constituem os serviços públicos. II – A delegação que lhes timbra a funcionalidade não se traduz, por nenhuma forma, em cláusulas contratuais. III – A sua delegação somente pode recair sobre pessoa natural, e não sobre uma empresa ou pessoa mercantil, visto que de empresa ou pessoa mercantil é que versa a Magna Carta Federal em tema de concessão ou permissão de serviço público. IV – Para se tornar delegatária do Poder Público, tal pessoa natural há de ganhar habilitação em concurso público de provas e títulos, e não por adjudicação em processo licitatório, regrado, este, pela Constituição como antecedente necessário do contrato de concessão ou de permissão para o desempenho de serviço público. V – Cuida-se ainda de atividades estatais cujo exercício privado jaz sob a exclusiva fiscalização do Poder Judiciário, e não sob órgão ou entidade do Poder Executivo, sabido que por órgão ou entidade do Poder Executivo é que se dá a imediata fiscalização das empresas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos. Por órgãos do Poder Judiciário é que se marca a presença do Estado para conferir certeza e liquidez jurídica às relações inter-partes, com esta conhecida diferença: o modo usual de atuação do Poder Judiciário se dá sob o signo da contenciosidade, enquanto o invariável modo de atuação das serventias extra-forenses não adentra essa delicada esfera da litigiosidade entre sujeitos de direito. VI – Enfim, as atividades notariais e de registro não se inscrevem no âmbito das remuneráveis por tarifa ou preço público, mas no círculo das que se pautam por uma tabela de emolumentos, jungidos estes a normas gerais que se editam por lei necessariamente federal. 2. CRIAÇÃO E EXTINÇÃO DE SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS. As serventias extrajudiciais se compõem de um feixe de competências públicas, embora exercidas em regime de delegação a pessoa privada. Competências que fazem de tais serventias uma instância de formalização de atos de criação, preservação, modificação, transformação e extinção de direitos e obrigações. Se esse feixe de competências públicas investe as serventias extrajudiciais em parcela do poder estatal idônea à colocação de terceiros numa condição de servil acatamento, a modificação dessas competências estatais (criação, extinção, acumulação e desacumulação de unidades) somente é de ser realizada por meio de lei em sentido formal, segundo a regra de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Precedentes (…). (ADI 2.415/SP, rel. Min. Ayres Britto, 22.09.2011)”. Acerca do serviço notarial e de registro, a Constituição Federal de 1988, dispõe: “Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. § 1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário”. Partindo do entendimento de que os serviços notariais e de registro são delegados pelo Poder Público ao particular, entende-se que se trata, de fato, um serviço público, e por isso deve se submeter ao regime jurídico a qual se submetem todos os serviços públicos, inclusive quanto a responsabilização civil.      No entanto, a questão da responsabilidade civil por atos praticados no exercício dos serviços notariais sempre foi controversa, gerando fortes discussões, sobretudo quanto à necessidade do elemento subjetivo para caracterização da responsabilidade extracontratual. Nesse contexto, nasceram correntes distintas que procuravamesclarecer a natureza desta responsabilidade.      Segundo explica Kümpel(2016), o posicionamento majoritário, exarado nos acórdãos do Supremo Tribunal Federale acompanhado por parte da doutrina,com fundamento naliteralidade do art. 22 da lei 8.935/94, afirma que“os tabeliães e oficiais de registro são funcionários públicos, ainda que o exercício de seus serviços se dê em caráter privado”, nesse sentido, assegura que o Estado deve responder objetivamente pelos danos causados no exercício dos serviços cartorários.      A Lei 8.935/94 (Lei dos Cartórios), em seu art. 22, com a redação original, estabelecia a responsabilidade objetiva dos notários e oficiais de registros pelos danos que seus agentes causarem a terceiros, assegurando-se o direito de regresso nos casos de dolo ou culpa dos prepostos, em total consonância com o que estabelece a Constituição Federal, nos termos abaixo transcrito: “Art. 22. Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos”. No entanto, deve ser registrada a existência de corrente minoritária que sustentava a incidência de responsabilidade pessoal subjetiva de notários e registradores, baseada na interpretação analógica do art. 38 da lei 9.492/1997, que regulamenta os serviços de protesto de títulos, estabelecendo a responsabilidade extracontratual subjetiva. Tais interpretes entenderam que por ser a Lei 9.492/97 editada posteriormente, seria aplicável para todos os titulares de delegação. Nesse sentido, em maio de 2016 foi aprovada a Lei 13.286, que, dispondo sobre a responsabilidade civil dos notários e registradores, alterou a redação original do art. 22 da Lei dos Cartórios, prevendo agora a responsabilidade subjetiva para os danos causados em decorrência do serviço notarial. Nos seguintes termos: “Art. 22.Os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso”. Conforme publicado na página oficial da Câmara dos Deputados, a referida lei, de iniciativa da Deputada Federal Erika Kokay, teve como base o parágrafo primeiro do art. 236 da CF/88, a qual estabelece que a lei disciplinará a responsabilidade civil para os serviços notariais. Ademais, foi justificada na controvérsia existente, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, acerca do regime de responsabilização extracontratual, pois mesmo que a Lei 8.935/94, em sua redação original e nos moldes do art. 37, § 6º da CF/88, estabelecesse a responsabilidade objetiva; a Lei 9.492/97, que regulamenta os serviços de protestos de títulos, editada em momento posterior, estabelece que a responsabilização por seus atos só se dará se for verificada a ocorrência de culpa ou dolo, caracterizando a necessidade do elemento subjetivo. Nesses termos, buscando equiparar o regime de responsabilização civil para os serviços cartorários extrajudiciais, foi promovida a alteração na Lei 8.935/94, que rege os serviços notariais e de registro, passando a prever a necessidade do elemento subjetivo para que fique caracterizada a responsabilidade extracontratual. Embora o objetivo da alteração legislativa tenha sido dirimir as controvérsias existentes, cumpre registrar que os serviços públicos de um modo geral devem estar submetidos ao regime jurídico de direito público, pois os danos causados pelo Estado (titular dos serviços públicos) resultam de comportamentos produzidos com o fim de desempenhar missões no interesse de toda a sociedade. Nesse sentido, a doutrina e jurisprudência, ao defender a responsabilidade objetiva do Estado, alegam que os danos causados no exercício das funções públicas devem ser suportados por toda a sociedade de forma equânime, não sendo justo que apenas alguns arquem com os prejuízos gerados por ocasião de atividades exercidas em proveito de todos. Importa destacar que ainda está em tramitação perante o STF o Recurso Extraordinário nº 842.846-SC, ao qual já foi reconhecida repercussão geral, cujo objetivo é decidir acerca da responsabilidade civil do Estado em caso de serviços delegados. 3.1 A (in) constitucionalidade da previsão de responsabilidade civil subjetiva no âmbito do serviço público O ponto fundamental da responsabilidade extracontratual do Estado é teoria do risco administrativo, cujos preceitos determinam que nenhum particular deve suportar o dano advindo de uma atividade voltada ao interesse da coletividade. Ademais como o ordenamento jurídico acolhe o princípio da igualdade de todos perante a lei, é claro o entendimento de que não se deve aceitar o comportamento estatal que ofenda desigualmente a alguém, ao exercer atividades no interesse de todos, sem ressarcir ao lesado. É nesse sentido que a Constituição Federal de 1988 prevê a responsabilidade objetiva para os atos da Administração Pública. Nota que os atos notariais e de registro emanam do poder de império estatal, que obriga aos administrados a se submeterem a determinados serviços cartorários extrajudiciais, realizados por particulares em nome do poder público – tais serviços cartorários são desempenhados no interesse de toda a sociedade e visam resguardar interesse público. Ademais, não é dado ao particular a opção de não se submeter à tais serviços, nem tão pouco escolher o seu prestador, de forma que está vinculado à prestação estatal; ainda, cumpre destacar que tais atos, por serem respaldados de fé pública e segurança jurídica, ao causarem lesão específica e anormal à esfera do particular promovem danos muito mais amplos que àqueles que seriam promovidos nas relações entre particulares. Por isso, é possível entender que os serviços cartorários, assim como determinado de forma geral na CF/88, devem se submeter à responsabilidade civil objetiva. Diante da alteração legislativa, verifica-se afronta ao que, há muito tempo, já estabelecia o ordenamento jurídico brasileiro, que em compasso com outros países não preveem a necessidade do elemento subjetivo para caracterizar a responsabilidade estatal, de forma que, entender o contrário, seria um retrocesso. De fato, ainda não foi questionada a constitucionalidade da Lei 13.286/2016 perante o STF. No entanto, considerando que o entendimento corretamente aplicável aos notários e registradores seria a regra do art. 37, § 6º da CF/88, impõe-se a responsabilidade civil objetiva, entendo pela inconstitucionalidade da Lei 13.286/2016 que dispôs em sentido contrário. A inconstitucionalidade da referida lei é verificada de acordo com o princípio da supremacia da constituição, que segundo Lenza: “significa que a Constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos. É enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estruturação deste e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais do Estado, e só nisso se notará a sua superioridade em relação às demais normas jurídicas (2014, p. 275)”. A partir de tal interpretação, entende-se que a alteração legislativa afronta diretamente o regime jurídico do serviço público estabelecido na Constituição Federal, criando exceções não autorizadas pelo constituinte originário. A Lei 13.286/16, ao modificar o tipo de responsabilização a qual se submete os serviços notariais e de registro, violou a proteção atribuída pela Constituição Federal aos particulares, os quais encontram-se em situação em desigualdade jurídica frente ao Estado, portador de prerrogativas. Conclusão O tema responsabilidade extracontratual do Estado passou, durante séculos, por importantes evoluções, visando, principalmente, ampliar o âmbito de proteção atribuído aos administrados, que em suas relações com a administração pública, encontram-se em situação de vulnerabilidade. Atualmente, é possível vislumbrar como ponto mais alto da responsabilização estatal a responsabilidade objetiva, baseada na dispensa de comprovação de dolo ou culpa pelo particular que foi lesado. Nesse sentido, a previsão da necessidade do elemento subjetivo para configurar o dever de indenizar no âmbito do direito público, seja em relação à atos omissivos; seja na regulamentação de alguma atividade específica, como é o caso dos atos dos notários e registradores, caracteriza retrocesso à proteção atribuída pela Constituição (lei maior) aos administrados. Questiona-se a constitucionalidade de tais entendimentos e dispositivos frente ao que estabelece a Constituição Federal de 1988, que em seu art. 37, §6º, dispõe expressamente sobre a responsabilidade civil objetiva por atos praticados no exercício de serviços públicos, sem, no entanto, fazer nenhuma ressalva. Posicionamentos e leis em sentido contrário ao que foi previsto constitucionalmente, além de não ser dotado de legitimidade constitucional, afronta princípios como a segurança jurídica e igualdade, diminuindo o âmbito de proteção atribuído aos particulares em suas relações com o Estado, que dotado de prerrogativas jurídicas e imperatividade, está numa posição de superioridade frente aos administrados, podendo, inclusive, causar-lhes imensuráveis danos.
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Comentários às hipóteses de extinção da concessão de serviço público
A concessão encontra expressa referência no Texto Constitucional, respaldando-se no artigo 175 que dicciona, com clareza ofuscante, que “incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”. Em linhas conceituais, é possível descrever a concessão do serviço público é o contrato administrativo por meio do qual a Administração Pública transfere, sob condições, a execução e exploração de certo serviço público que lhe é privativo a um particular que para isso manifeste interesse e que será remunerado, de maneira adequada, mediante a cobrança, dos usuários, de tarifa previamente por ela aprovada. Neste sentido, o escopo do presente está assentado em promover uma análise acerca dos aspectos caracterizadores do instituto da concessão, bem como das hipóteses estabelecidas para extinção da concessão de serviço público.
Direito Administrativo
1 Comentários Introdutórios A concessão encontra expressa referência no Texto Constitucional, respaldando-se no artigo 175 que dicciona, com clareza ofuscante, que “incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”[1]. Com efeito, Carvalho Filho vai afirmar que o texto é claro no que concerne à prestação dos serviços públicos, instituindo uma alternativa para o exercício dessa atividade, a saber: atuação direta pela Administração ou a atuação descentralizada, por meio das concessões e permissões[2]. Em sede infraconstitucional, o instituto da concessão de serviços públicos, cuida mencionar que a Lei nº 8.987, de 13 de Fevereiro de 1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal e dá outras providências[3]. Em linhas conceituais, é possível descrever, de acordo com Diógenes Gasparini[4], a concessão do serviço público é o contrato administrativo por meio do qual a Administração Pública transfere, sob condições, a execução e exploração de certo serviço público que lhe é privativo a um particular que para isso manifeste interesse e que será remunerado, de maneira adequada, mediante a cobrança, dos usuários, de tarifa previamente por ela aprovada. Em seu escólio, Hely Lopes Meirelles[5] vai discorrer que a concessão consiste na delegação contratual da execução do serviço, na forma autorizada e regulamentada pelo Executivo. Logo, o contrato de concessão é pactuado nos termos do Direito Administrativo, sendo bilateral, oneroso, comutativo e realizado intuitu personae. Convém, diante de tais aspectos caracterizadores, nos termos da Lei nº 8.987, de 13 de Fevereiro de 1995[6], que a concessão só pode ser pactuada com pessoa jurídica ou consórcio de empresas. Assim, por dicção contrária do artigo 2º, incisos II e III, a concessão não será pactuada com pessoa natural. Meirelles[7], ainda, vai sustentar que é um acordo administrativo – e não um ato unilateral da Administração Pública -, com a presença de vantagens e encargos recíprocos, no qual são estabelecidas as condições de prestação do serviço, considerando-se o interesse coletivo na sua obtenção e as condições pessoais de quem se propõe à execução por delegação do poder concedente. Ora, tratando-se de contrato administrativo, está condicionado a todas as imposições da Administração necessária à formalização do ajuste, dentre as quais a autorização governamental, a regulamentação e a licitação. Com destaque, a concessão não acarreta a transferência da propriedade ao concessionário pelo poder concedente[8] nem se despoja de qualquer direito ou prerrogativa pública. Meirelles[9], ainda, vai aduzir que a concessão consiste apenas na delegação da execução do serviço público, nos limites e condições legais ou contratuais, estando, a todo tempo, sujeito à regulamentação e à fiscalização do concedente. Nesta trilha, como o serviço, apesar de concedido, continua sendo público, logo, o poder concedente nunca se despoja do direito de promover a exploração, direta ou indiretamente, por seus órgãos, suas autarquias e empresas estatais, desde que o interesse coletivo assim o exija. Em tais condições, o poder concedente permanece com a faculdade de, a qualquer tempo, no curso da vigência do contrato de concessão, retomar o serviço concedido, mediante adimplemento de indenização, ao concessionário, dos lucros cessante e danos emergentes advindos da encampação. É digno de nota que as indenizações, na materialização de tal hipótese, serão as previstas no contrato ou, caso omisso, as que foram apuradas amigável ou judicialmente. Ao lado disso, a concessão, a rigor, deve ser conferida sem exclusividade, com o escopo de propiciar, sempre que possível, a competição entre os interessados, favorecendo, desta sorte, os usuários com serviços melhores e tarifas mais baratas. Por seu turno, porém, o artigo 16 da Lei nº 8.987, de 13 de Fevereiro de 1995[10], irá afixar a hipótese de concessão com exclusividade, a saber: quando houver inviabilidade técnica ou econômica de concorrência na prestação do serviço, desde que, previamente, haja justificativa. “A atividade do concessionário é atividade privada, e assim será exercida, quer no tocante à prestação do serviço, quer no que entende com o seu pessoal” [11], como explana Meirelles. Ao lado disso, apenas para os fins expressamente assinalados em lei ou no contrato é que são equiparados os concessionários a autoridades públicas, estando, portanto, os seus atos sujeitos a mandado de segurança e demais ações cabíveis. No que atina às relações com o público, o concessionário fica atrelado à observância do regulamento e do contrato, que podem afixar direitos e deveres também para os usuários, além dos já cominados em legislação, para defesa dos quais dispõe o particular de todos os mecanismos judiciais comuns, em especial a via cominatória, para reclamar a prestação do serviço nas condições em que o concessionário se comprometeu a prestá-lo aos interessados. Findando o prazo do contrato de concessão, o concessionário deve reverter, ao poder concedente, os direitos e bens vinculados à prestação do serviço, nas condições estabelecidas previamente no contrato. 2 Concessão de Serviço Público Simples Ao se qualificar a concessão de serviço público como simples, distingue-se de modalidade diversa (a ser esmiuçada no item “3” do presente) que o Estado, também, delega a construção da obra pública. Em harmonia com o inciso II do artigo 2º da Lei nº 8.987, de 13 de Fevereiro de 1995[12], entende-se a modalidade em comento como a concessão de serviço público a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado. Carvalho Filho[13], ainda, vai destacar que, em decorrência dos contornos do instituto, trata-se de um serviço público que, por beneficiar a coletividade, deveria incumbir ao Estado. Contudo, esse decide transferir a execução para particulares, sob o estabelecimento de fiscalização, nos termos capitulados no caput do artigo 3º da legislação supramencionada[14]. Ademais, como o serviço vai ser prestado para os membros da coletividade, a estes incumbirá o ônus de remunerá-lo em prol do executor. Ao lado do exposto, conquanto haja uma relação principal que vincula concedente ao concessionário, há outros liames existentes nesse negócio típico de direito público, responsável, também, pela caracterização de situações jurídicas aptas para estabelecer um caráter triangular. Ora, se de um lado o negócio principia pelo ajuste entre o Poder Público e o concessionário, dele advêm outras relações jurídicas, como as responsáveis por vincular o concedente ao usuário e este ao concessionário, como aduz Carvalho Filho[15] em suas ponderações. Prosseguindo no exame da modalidade em comento, é interessante frisar que o objeto da concessão simples pode ser analisado a partir de dois aspectos distintos, quais sejam: mediato e imediato. De maneira mediata, a modalidade significa a vontade administrativa de gerir, em âmbito descentralizado, determinado serviço público, alicerçado na necessidade de agilizar a atividade, conferindo maior celeridade na execução e melhoria no atendimento aos indivíduos que a solicitam. O objeto imediato, por seu turno, é a execução de determinada atividade caracterizada como serviço público, a ser desfrutada pela coletividade. Neste passo, a Lei nº 9.074, de 07 de julho de 1995, que estabelece normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos e dá outras providências, sujeitou ao regime da Lei nº 8.987/1995, os seguintes serviços públicos federais: “Art. 1o Sujeitam-se ao regime de concessão ou, quando couber, de permissão, nos termos da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, os seguintes serviços e obras públicas de competência da União: I – (VETADO) II – (VETADO) III – (VETADO) IV – vias federais, precedidas ou não da execução de obra pública; V – exploração de obras ou serviços federais de barragens, contenções, eclusas ou outros dispositivos de transposição hidroviária de níveis, diques, irrigações, precedidas ou não da execução de obras públicas; VI – estações aduaneiras e outros terminais alfandegados de uso público, não instalados em área de porto ou aeroporto, precedidos ou não de obras públicas; VII – os serviços postais”[16].  Em alinho ao acima, o artigo 2º da Lei nº 9.074, de 07 de julho de 1995[17], vai excluir da necessidade de contratar a concessão em algumas atividades de transporte, como as de transporte de cargas por meio rodoviário; aquaviário de passageiros, desde que não realizado entre portos organizados; rodoviários e aquaviário de pessoas, realizados por empresas de turismo no exercício da respectiva atividade; e transporte de pessoas, realizado de forma privativa, por organizações públicas ou privadas, mesmo de maneira regular. Denota-se, assim, no que concerne ao objeto, que há, primeiramente, uma diretriz administrativa pela qual se constata a conveniência da concessão; posteriormente, ajusta-se o contrato para alcançar os fins almejados. 3 Concessão de Serviço Público Precedida da Execução de Obra Pública Além da modalidade de concessão de serviço público simples, a legislação de regência, ainda, instituiu outra modalidade, doutrinariamente denominada de concessão de obra pública ou, ainda, legalmente chamada como concessão de serviço público precedida da execução de obra pública, cuja acepção se apresenta mais técnica. Neste passo, o inciso III do artigo 2º da Lei nº 8.987, de 13 de Fevereiro de 1995[18], conceitua a modalidade em exame como a concessão que via a construção, total ou parcial, conservação, reforma, ampliação ou melhoramento de quaisquer obras de interesse público, delegada pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para a sua realização, por sua conta e risco, de forma que o investimento da concessionária seja remunerado e amortizado mediante a exploração do serviço ou da obra por prazo determinado. Na modalidade de concessão em destaque, o Estado pretende livrar-se do dispêndio que obras públicas acarretam, remanescendo todo o investimento ao concessionário. Ora, como esse investe vultuosos recursos na execução da obra, é permitida a exploração, com o escopo de recuperar o montante investido. De outro ângulo, a coletividade se beneficia da obra e o Estado, após o prazo de concessão, assume sua exploração, podendo, ou não, promover a transferência novamente, se for de sua conveniência. Carvalho Filho[19], ao examinar as nominatas estabelecidas na legislação em comento e na doutrina, leciona que a expressão concessão de obra pública denota que o Poder Público transferia ou concedia uma obra pública, o que não ocorre em tal negócio jurídico. Com destaque, a obra não pode ser tecnicamente concedida, porquanto o quê o Estado concede é a atividade, isto é, o serviço, autorizando, para tanto, o concessionário a executar obra previamente. Verifica-se, assim, que há duplicidade de objeto: em relação a este, o que é o objeto de concessão é o serviço público a ser prestado após a execução da obra. Em complemento, a delegação sob essa modalidade de concessão é compreendida uma duplicidade de objetos. O primeiro abarca um ajuste entre o concedente e o concessionário para o fito de ser executada determinada obra pública. Observa-se que há verdadeiro contrato de construção de obra, semelhante aos contratos administrativos de obra em geral, deles se diferenciando, todavia, pela circunstância de que o concedente não remunera o concessionário pela execução, o que não é verificado naqueles. Já o segundo objeto é responsável pela tradução da real concessão, ou seja, o concedente, ultimada a construção da obra, transfere sua exploração, por lapso temporal determinado, que, conquanto seja denominada de concessão de serviço público precedida da execução de obra pública, foi ela definida, em legislação, como a construção, total ou parcial, conservação, reforma, ampliação ou melhoramento de quaisquer obras de interesse público. “No que diz respeito à construção, reforma, ampliação ou melhoramento de obras, é assimilada o caráter de precedência em relação ao serviço a ser executado”[20]. É oportuno, ainda, frisar que tais argumentos não subsistem em relação à atividade de conservação. Ora, a atividade de conservar obras públicas guarda concomitância com o serviço prestado, e não precedência: à proporção que as obras são executadas, o concessionário explora o respectivo bem público por meio da cobrança de tarifa. A título de exemplificação, é o que ocorre com a concessão para a execução de obras e conservação de estradas de rodagem, remunerada pelo sistema de pedágios. Assim, conquanto subsista a expressão concessão de serviço público precedida da execução de obra, é possível a concessão ter por objeto a execução da obra realizada simultaneamente à prestação do serviço de conservação. 4 Natureza Jurídica No que atina à natureza jurídica da concessão de serviço público, é importante destacar que não há plena unanimidade, em que pese a doutrina majoritária assentar a perspectiva que se trata de contrato administrativo. José dos Santos Carvalho Filho[21], porém, vai afirmar que o negócio jurídico é de natureza contratual, conquanto seja forçoso reconhecer particularidades específicas que o configuram realmente como inserido no âmbito do direito público. No mais, a Constituição Federal, na redação do artigo 175, parágrafo único, quando faz alusão à lei disciplinadora das concessões, toca, no inciso I, ao caráter especial do contrato, o que explicita a natureza contratual do instituto. A Lei nº 8.987, de 13 de Fevereiro de 1995[22], em seu artigo 4º, colocou fim a eventual controvérsia, mencionando expressamente que a concessão, independente da modalidade, será formalizada mediante contrato. No mais, a concessão está condicionada a um conjunto de regras de aspecto regulamentar, as quais são responsáveis por estabelecer a organização e o funcionamento do serviço, e que, em decorrência de tal essência, comportam modificação unilateralmente pela Administração. Afora isso, a concessão é constituída, ainda, por regras essencialmente contratuais, a saber: as disposições financeiras que asseguram a remuneração do concessionário, norteadas pelo corolário do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos. Ora, é importante destacar que, tendo a natureza jurídica de contratos administrativos, as concessões estão submetidas, basicamente, a regime de direito público, cujos regramentos encontram disposição na Lei nº 8.987, de 13 de Fevereiro de 1995. Supletivamente, todavia, há admissibilidade da incidência das normas de direito privado, pois que neste é que se observa detalhada a disposição que norteia os contratos em geral. Contudo, repise-se, a fonte primeira é a norma especial reguladora. Carvalho Filho[23], ainda, vai afirmar que todos os elementos mencionados até o momento conduzem ao enquadramento das concessões na órbita da teoria clássica do contrato administrativo, sendo possível destacar três aspectos basilares: a) o objeto contratual é complementado por atos unilaterais posteriores à celebração do ajuste; b) a autoexecutoriedade das pretensões da Administração; c) o respeito ao corolário do equilíbrio econômico-financeiro fixado no início. Outro aspecto que reclama destaque repousa na natureza do objeto a que se destinam os contratos de concessão de serviços públicos. Ora, como se denota na própria denominação, configura objeto desse tipo de ajuste a prestação de um serviço público. A atividade delegada ao concessionário deve caracterizar-se como serviço público e os exemplos conhecidos de concessões comprovam o fato: firmam-se concessões para serviços de energia elétrica, gás canalizado, transportes coletivos, comunicações telefônicas etc. 5 Distinção entre Concessão e Permissão Ao se ter como substrato as ponderações aduzidas algures, denota-se que o traço diferencial entre a concessão e a permissão de serviço público jazia na natureza jurídica, isto é, enquanto a primeira era considerada como contrato administrativo, a segunda era detentora de natureza de atos administrativos. “A fisionomia contratual era, pois, inadequada para a permissão, como registrava a doutrina em quase unanimidade”[24]. Com a promulgação da Lei Nº. 8. 987, de 13 de Fevereiro de 1995, constata-se que tal distinção restou, de modo determinante, prejudicado, uma vez que, por meio do artigo 40[25], atribuiu ao instituto em comento o caráter de contrato de adesão, tratando, segurando alguns doutrinadores, como um equívoco e uma contradição por parte do legislador. O Supremo Tribunal Federal, ao decidir Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº. 1.491/DF, decidiu que a redação contida no parágrafo único do artigo 175 da Constituição Federal rechaçou qualquer distinção conceitual entre permissão e comissão, notadamente em decorrência de ter assegurado àquela o caráter contratual próprio desta. Deste modo, conquanto haja vozes dissonantes a respeito da natureza jurídica, a Suprema Corte firmou entendimento que, atualmente, a concessão e a permissão de serviços públicos possuem a mesma natureza jurídica, a saber: contrato administrativo. Constata-se, desta forma, que ambos os institutos são formalizados por meio de contratos administrativos, bem como possuem o mesmo objeto, qual seja: a prestação de serviços público, e representam a mesma forma de descentralização, sendo ambos resultantes da delegação negocial. Outrossim, denota-se  que ambos os institutos não dispensam prévia licitação e, de forma idêntica, recebem a incidência de várias particularidades inerentes a este tipo de delegação, como, por exemplo, supremacia do Estado, mutabilidade contratual, remuneração tarifária. Ultrapassando o texto legal, referente às definições dos institutos em tela, verifica-se a presença de dois pequenos pontos distintivos, que traçam a linha demarcatória. Primeiramente, “enquanto a concessão pode ser contratada com pessoa jurídica ou consórcio de empresas, a permissão só pode ser firmada com pessoa física ou jurídica”[26]. Ora, pelo expendido, denota-se que não há concessão com pessoa natural nem permissão com consórcio de empresas. Em segundo ponto, depreende-se do conceito insculpido no inciso IV do artigo 2º da Lei Nº. 8.897/1995, que o ajuste é proveniente de delegação a título precário, ressalva que não é aplicada na definição da concessão. Assim, considerou o legislador que a permissão é dotada de precariedade, estando o particular que firmou o ajuste com a Administração sujeito ao livre desfazimento por parte desta, sem que subsista direito à indenização por eventuais prejuízos. 6 Prazo de Concessão É importante assinalar que as concessões serão outorgadas mediante prazo determinado, como aludem as partes finais dos incisos II e III do artigo 2º da Lei nº 8.987, de 13 de Fevereiro de 1995. Em alinho ao exposto, caracterizando-se como contrato administrativo e exigindo sempre o prévio procedimento de licitação, conforme redação ofuscante do artigo 175 da Constituição Federal, a concessão por prazo indeterminado materializaria verdadeira burla, por linhas transversas, ao princípio constitucional, privilegiando por todo o tempo um determinado particular em detrimento de outros que também pretendessem colaborar com o Poder Público. Sobre o prazo determinado, o Superior Tribunal de Justiça já assentou entendimento plasmado no sentido que: “Ementa: Processual Civil e Administrativo. Concessão de Serviço Público. Transporte. Prorrogação do contrato sem licitação para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro. Impossibilidade. 1. O STJ entende que, fixado estabelecido prazo de duração para o contrato, não pode a Administração alterar essa regra e elastecer o pacto para além do inicialmente fixado, sem prévia abertura de novo procedimento licitatório, porquanto tal prorrogação implicaria quebra da regra da licitação, ainda que, in casu, se verifique a ocorrência de desequilíbrio econômico-financeiro do contrato com o reconhecimento de que as concessionárias dos serviços devam ser indenizadas. 2. O Superior Tribunal de Justiça também possui a orientação de que, nos termos do art. 42, § 2º, da Lei 8.987/95, deve a Administração promover certame licitatório para novas concessões de serviços públicos, não sendo razoável a prorrogação indefinida de contratos de caráter precário. 3. Recurso Especial provido”. (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 1.549.406/SC/ Relator: Ministro Herman Benjamin/ Julgado em 16 ago. 2016/ Publicado no DJe em 06 set. 2016). “Ementa: Administrativo e Processual Civil. Concessão de serviço público. Loteria. Prorrogação do contrato sem licitação. Impossibilidade. Alegado cerceamento ao direito de defesa. Verificação impossibilidade. Incidência do enunciado sumular n. 7/STJ. Alegada ofensa ao direito do concessionário ao equilíbrio econômico financeiro. Não demonstração. […] 2. Fixado determinado prazo de duração para o contrato e também disposto, no mesmo edital e contrato, que esse prazo só poderá ser prorrogado por igual período, não pode a Administração alterar essa regra e elastecer o pacto para além do inicialmente fixado, sem prévia abertura de novo procedimento licitatório, sob pena de violação não apenas das disposições contratuais estabelecidas mas, sobretudo, de determinações impostas pela Constituição Federal e por toda a legislação federal que rege a exploração dos serviços de loterias. 3. Não há ofensa ao equilíbrio contratual econômico financeiro em face dos investimentos realizados pela empresa recorrente, porquanto o ajuste de tal equilíbrio se faz em caráter excepcional por meio dos preços pactuados e não pela ampliação do prazo contratual. A prorrogação indefinida do contrato é forma de subversão às determinações legais e constitucionais que versam sobre o regime de concessão e permissão para exploração de serviços públicos, o que não pode ser ratificado por este Superior Tribunal de Justiça. 4. Recurso especial não provido.” (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 912.402/GO/ Relator: Ministro Mauro Campbell Marques/ Julgado em 06 ago. 2009/ Publicado no DJe em 19 ago. 2009). No mais, inexiste norma expressa que indique o limite de prazo, com o que a fixação deste ficará a critério da pessoa federativa concedente do serviço público. Com destaque, é oportuno consignar que o prazo, de maneira imprescindível, deverá observar o serviço a ser concedido. Além disso, tratando-se de serviços para cuja prestação seja reclamado o dispêndio de recursos vultuosos, impende que o contrato seja firmado em prazo que assegure ao concessionário o ressarcimento do capital investido, porque, admitir maneira diversa, não haveria interesse da iniciativa privada em colaborar com o Poder Público, consoante expõe Carvalho Filho[27]. Destarte, a concessão deve ser outorgada em prazo compatível com o princípio da igualdade de oportunidades a ser proporcionada a todos quantos apresentem interesse em executar atividades de interesse coletivo, culminando que seja reavaliado o serviço prestado, o prestador, o preço do serviço etc. em novo procedimento licitatório para tal escopo. 7 Intervenção na Concessão Tal como espancando alhures, a concessão implica a delegação, por parte do Poder Público, de certo serviço de interesse público ao concessionário, que o executa por sua conta e risco. A partir de tal acepção básica decorre a premissa que, em razão da delegação do serviço por parte do Estado, é reservado o poder-dever de fiscalizar a sua prestação, em decorrência de ser a população o alvo da atividade delegada. Assim, em virtude de tais elementos é que o concedente pode adotar várias medidas para assegurar a regular execução do serviço. “Uma dessas medidas consiste exatamente na intervenção do concedente na concessão. Trata-se de uma emergencial substituição do concessionário, que, por este ou aquele motivo, não está conseguindo levar a cabo o objeto do contrato”[28]. Nesta linha, é possível conceituar a intervenção como manifestação da ingerência direta do concedente na prestação do serviço delegado, em aspecto de controle, com o escopo de assegurar a manutenção do serviço adequado à sua finalidade e para garantir o fiel cumprimento das normas legais, regulamentares e contratuais da concessão. Desta forma, tratando-se de ingerência direta no contrato e na execução do serviço, a intervenção apenas se legitimará diante da presença de certos requisitos. O primeiro requisito a ser observado é o ato administrativo deflagrador, porquanto a legislação reclama que a intervenção seja feita por decreto do Chefe do Executivo da entidade concedente, devendo conter, da forma mais precisa possível, os limites, o prazo e o escopo da intervenção, bem como indique o interventor. O requisito importa modalidade de competência especial, porquanto apenas um agente da Administração – o Chefe do Executivo – possui aptidão jurídica para declarar a intervenção, consoante parágrafo único do artigo 32 da Lei nº 8.987, de 13 de Fevereiro de 1995[29]. O decreto, in casu, traz a característica da autoexecutoriedade, porque verificada a irregularidade da prestação do serviço e constatada a situação emergencial, desde logo, o ato produz seus efeitos. Após o decreto interventivo é que o concedente deve instaurar o procedimento administrativo e, nos termos do caput do artigo 33 da legislação supramencionada, o prazo será de trinta dias, oportunidade em que, no procedimento, buscarão as causas que geraram a inadequação do serviço, bem como apurarão as devidas responsabilidades. Obviamente, em decorrência dos princípios processuais constitucionais, o procedimento será norteado pelos corolários do contraditório e da ampla defesa. O §2º do artigo 33 vai cominar que o prazo para encerramento da apuração será de cento e oitenta dias. Contudo, ultrapassado o prazo afixado em lei, a Administração ter-se-á mostrado lenta e desidiosa, acarretando, como efeito de tal comportamento, a invalidade da intervenção, retornando o concessionário à gestão do serviço delegado. O procedimento, uma vez encerrado, alcançará uma de duas conclusões, a saber: concluído pela inadequação do concessionário para prestar o serviço, fato que acarretará a extinção da concessão; ou nenhuma culpa se terá apurado contra ele e, em tal hipótese, a concessão será restaurada sua normal eficácia. No mais, quadra reconhecer que o formalismo do procedimento é inarredável pelo administrador, que a ele está vinculado. Caso seja constatado vício no procedimento, o efeito, nos termos do §1º do artigo 33, será a sua nulidade e, se for o caso, o direito do concessionário à inteira reparação dos prejuízos causados pela intervenção. 8 Comentários às Hipóteses de Extinção da Concessão de Serviço Público A concessão do serviço público é sempre ajustada por prazo certo ou, quando não, celebrada para vigorar até que atenda aos interesses públicos. No sistema jurídico vigente, contudo, tal como pontuado em momento anterior, vigora apenas as concessões celebradas por prazo determinada, em decorrência das redações contidas nos incisos II e III do artigo 2º da Lei nº 8.987, de 13 de Fevereiro de 1995. Entrementes, é evidente que durante a vigência da concessão de serviço público podem ocorrer certos fatos ou atos jurídicos que acarretam a extinção da concessão de serviço público. Alguns desses acontecimentos têm o condão de extinguir automaticamente a concessão, ao passo que outros não, porém servem de motivo para sua extinção. Tais fatos e atos jurídicos são comumente chamados de causas extintivas de concessão. Segundo o escólio apresentado por Gasparini, “várias são as causas que podem levar a concessão de serviço público à extinção: I – um fato jurídico; II – um ato jurídico; III – um ato administrativo; IV – um ato consensual; V – um ato jurisdicional”[30]. A legislação de regência, sem qualquer sistematização e de modo incompleto, na redação do artigo 35[31], indicou as causas extintivas da concessão de serviço público. Com efeito, tais causas extinguem ou servem de motivo para a extinção da concessão do serviço público, isto é, para o desfazimento do contrato de direito administrativo firmado entre o poder concedente e o concessionário. Ora, as causas não precisam estar indicadas no edital licitatório, contudo o contrato de concessão de serviço público deve, porquanto configuram as denominadas cláusulas essenciais. Entretanto, algumas podem servir de alicerce de extinção desse contrato, ainda que não estejam arroladas, a exemplo da extinção por ilegalidade e pelo decurso do prazo contratual. “A concessionária, empresa privada instituída e dirigida por particulares, não desaparece com a extinção da concessão, embora deixe de ser, na qualidade de concessionária de serviço público”[32]. 8.1 Extinção da Concessão de Serviço Público por Fato Jurídico Considera-se fato como qualquer acontecimento do mundo fenomênico, podendo ser jurídico ou ajurídico. Neste sentido, fato jurídico é aquele que possui relevância para o Direito, como é o decurso do prazo; não sendo dessa forma, considera-se como fato ajurídico, a exemplo da luz do dia. Em complemento, são fatos jurídicos que culminam com a extinção da concessão de serviço público: (i) o decurso do prazo; (ii) o desaparecimento do concessionário. No caso da primeira hipótese, o decurso do prazo, cuida destacar que a concessão de serviço público sempre será pactuada por prazo certo, logo, ultimado o prazo, extingue-se. O advento do termo estabelecido tem o condão de colocar fim ao desfruto do privilégio, culminando em extinção automática, tratando-se, portanto, de hipótese capitaneada no inciso I do artigo 35 da Lei nº 8.987/1995. José dos Santos Carvalho Filho vai assinalar que “essa é a forma natural de extinção da concessão. Advindo o momento final previsto para o fim do contrato, a extinção opera-se pleno iure, sem necessidade de qualquer  ato anterior de aviso ou notificação”[33]. Com efeito, inexiste a necessidade de algum ato que declare a extinção da concessão do serviço público, conquanto seja carecido um termo circunstanciado do recebimento do serviço e dos bens público, bem como, quando for o caso, dos bens do concessionário, os quais passam para o domínio público do poder concedente, em decorrência da materialização do instituto da reversão. Os efeitos jurídicos da extinção são computados da data em que houve a consumação do prazo. “São efeitos ex nunc, e não há como pretender sejam de outro modo, pois todas as condições foram cumpridas a contento”[34], como observa Gasparini. Em mesmo sentido, Carvalho Filho vai apontar que os efeitos da extinção são ex nunc, de maneira que apenas a partir do termo final é que o serviço se considera revertido ao concedente. Igualmente, somente a partir do termo final é que o concessionário se desvincula de suas obrigações, perdendo, por consequência, os privilégios administrativos que possuíam em decorrência da vigência do contrato. A partir do termo final, o prosseguimento da execução e exploração do serviço concedido pelo concessionário torna-se eivada de irregularidade, porque cabe a Administração Pública concedente assumi-las. In casu, a assunção independe de qualquer previsão editalícia ou contratual, porquanto encontra amparo na redação do §2º do artigo 35[35]. “Contudo, se a Administração Pública então concedente nada fizer no sentido de retomada do serviço público concedido, não pode o concessionário, […], paralisar sua execução”[36], em razão do princípio da continuidade do serviço público. Ocorrendo tal hipótese, deverá o concessionário notificar ao poder concedente com o fito de obriga-la, dentro de determinado prazo razoável, a retomar o serviço que lhe fora concedido, sob pena de sua consignação em juízo. Assumindo o serviço público, cuja execução se encontrava a cargo do concessionário, incumbe à Administração Pública, nos termos do sobredito parágrafo, proceder aos levantamentos, avaliações e liquidações necessários. Em harmonia com o §3º do artigo 35[37] da legislação supramencionada, a assunção do serviço então concedido autoriza a Administração Pública ocupar as instalações e utilizar todos os bens reversíveis. A segunda hipótese é a extinção em razão do desaparecimento do concessionário, ou seja, em razão da falência da empresa concessionária do serviço público cuja execução e exploração lhe foram trespassadas. Com efeito, a hipótese em comento encontra previsão no inciso VI do artigo 35 da Lei nº 8.987/1995 e regulada pela Lei nº 11.101/2005, que disciplina a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária (Lei de Falências). “Com a decretação da falência ocorre o desaparecimento do concessionário, e isso impede lógica e juridicamente a continuidade da concessão de serviço público” [38], porque não há como manter-se em vigor o contrato sem a presença de uma das partes, qual seja: o concessionário. É automática a extinção, sendo despicienda para a caracterização qualquer manifestação estatal, conquanto seja necessário algum comportamento, por parte da Administração Pública concedente, visando a continuidade do serviço público e a defesa do interesse patrimonial. Os efeitos jurídicos produzidos são ex nunc, contando-se a partir da decretação da falência. Como pontuado, a falência é causa extintiva da concessão do serviço público, ocorrendo durante a vigência do contrato, logo, antes do termo do prazo estabelecido, devendo, in casu, a Administração Pública concedente indenizar os investimentos atrelados a bens reversíveis, ainda não amortizados ou depreciados. Os demais bens sofrerão o processo de arrecadação pela massa falida, salvo aqueles que são pertencentes à Administração Pública concedente. Doutra ponta, a falência, quando fraudulenta, é considerada como descumprimento do contrato de concessão do serviço público, na proporção em que o concessionário deveria manter durante toda a duração do ajuste as condições iniciais de sua habilitação, porém não manteve e desencadeou a quebra, culminando, assim, em prejuízo para Administração Pública concedente. Assim, deve a Administração Pública, na condição de concedente, apurar o prejuízo e aplicar a competente sanção, abatendo tais valores de uma eventual indenização a ser paga à massa falida. Se a falência não for qualificada como fraudulenta, descabe qualquer sanção ou ressarcimento de eventuais prejuízos. Igualmente, a dissolução da concessionária de serviço público por deliberação de seus sócios ou acionistas também tem o condão de extinguir a concessão de serviço público, supedaneado no inciso VI do artigo 35 da legislação supramencionada. Os efeitos jurídicos da extinção são contados do primeiro ato praticado no sentido da dissolução, a exemplo do termo de dissolução, no caso de sociedade de pessoa, e da aprovação da dissolução pela assembleia geral, em se tratando de sociedade de capital. “São, portanto, de agora em diante ex nunc. É extinção automática da concessão de serviço público, não tendo a Administração Pública concedente que praticar nesse sentido qualquer ato”[39], porém deve adotar algumas medidas, com o escopo de assegurar a continuidade do serviço e a preservação de seus interesses patrimoniais. A dissolução da empresa concessionária é causa extintiva da concessão do serviço público, ocorrendo durante a vigência do contrato, logo, antes do termo do prazo estabelecido, devendo, in casu, a Administração Pública concedente indenizar os investimentos atrelados a bens reversíveis, ainda não amortizados ou depreciados. É oportuno apontar que os demais bens terão o destino que lhes for determinado pelos sócios ou acionistas, excetuando-se os pertencentes à Administração Pública concedente. Nesta linha, a dissolução é encarada como descumprimento contratual, porquanto o concessionário devia, durante todo o prazo da concessão de serviço público, assegurar as condições iniciais de habilitação, que desapareceram com essa medida de seus sócios ou acionistas. A partir de tal aspecto, com o escopo de evitar repetição enfadonha, são operados os mesmos efeitos da falência fraudulenta. Por fim, a terceira variável abarcada pelo inciso VI do artigo 35 alude ao falecimento ou à incapacidade do titular, quando se tratar de empresa individual. Trata-se de extinção automática, não sendo necessário ato algum da Administração Pública concedente para tanto, embora seja necessária alguma medida para manter a prestação do serviço público e para preservar seus interesses patrimoniais. Se tais atos não foram causados pelo titular da empresa individual, descabe alguma sanção ou apuração e exigência de eventuais prejuízos. Contudo, “a morte de um dos sócios, ainda que participante da diretoria da concessionária de serviço público, não leva à sua extinção, salvo se em razão dela dissolver-se a sociedade”[40], como aponta Gasparini. Igualmente, se esta continuar com os sócios remanescentes e sucessores do de cujus, descabe falar em dissolução. 8.2 Extinção por Ato do Concedente A concessão de serviço público pode ser extinta por ato da Administração Pública concedente, pelos seguintes motivos: (i) o interesse público; (ii) a desafetação do serviço; (iii) o inadimplemento do concessionário; (iv) a ilegalidade da concessão. A primeira hipótese, interesse público, também nominado de mérito, poderá o poder concedente extinguir, antes do prazo, o contrato de concessão de serviço público. Com destaque, o mérito está relacionado à oportunidade ou à conveniência da extinção dessa espécie de contrato administrativo e à retomada do serviço público em que a execução e a exploração foram atribuídas ao particular. A hipótese em comento encontra amparo no inciso II do artigo 35 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995[41], qual seja: a encampação. Teóricos, ainda, nominam a retomada dos serviços públicos concedidos por esse motivo de resgaste. Com a extinção antecipada da concessão de serviço público é observável que os investimentos vinculados aos bens reversíveis que ainda não foram amortizados ou depreciados, devendo o poder concedente proceder à indenização correspondente, que há de ser prévia, ou seja, antes da retomada do serviço público, conforme preconiza o artigo 37 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995[42]. Com destaque, para a legitimidade da extinção da concessão na hipótese em apreço, a legislação de regência reclama autorização legislativa específica, isto é, lei que só prescreva a autorização extintiva e as suas regras. “Os efeitos da extinção da concessão de serviço público por interesse público são ex nunc, isto é, de agora em diante, respeitando-se todos os direitos e situações já consolidadas”[43]. “Sendo o concedente o titular do serviço, é de todo razoável que, em razão da peculiaridade de certas situações, tenha ele interesse em extinguir a delegação e, por conseguinte, a concessão. Os motivos, como bem consigna a lei, são de interesse público, vale dizer, a Administração há de calcar-se em fatores de caráter exclusivamente administrativo. Registre-se, no entanto, por oportuno, que, embora esses fatores sejam próprios da avaliação dos administradores públicos, estão eles vinculados à sua veracidade”[44]. Os direitos e o de receber a correspondente indenização quando os investimentos atrelados a bens reversíveis ainda não forem inteiramente amortizados ou depreciados, são os únicos a que faz jus o concessionário. Desta feita, não assiste o direito de opor-se à extinção do contrato de concessão de serviço público que até aquele momento titularizara, exceto se o motivo for ilegal. Sob alguns aspectos, a hipótese de encampação é descrita como ato administrativo discricionário da Administração Pública, como é o momento de sua prática, sem que acarrete praticar ou não praticar o ato de extinção. É oportuno salientar que o ato de extinção da concessão de serviço público por motivo de mérito é ato administrativo, veiculado por decreto. A segunda hipótese dispõe que a extinção da concessão de serviço público pode encontrar na desafetação do serviço público, cuja execução e exploração foram transferidas ao concessionário, o motivo de sua legalidade. Desta feita, apenas por lei um determinado serviço torna-se público, ou seja, da responsabilidade da Administração Pública, a fim de serem ofertados aos administrados, sob um regime de direito público, só por lei ele deixa de ser oferecido mediante esse regime. Na hipótese em comento, configura-se, no primeiro caso, a afetação e, no segundo, a desafetação. A afetação torna o serviço um serviço público, logo, só pela Administração Pública ou por seus concessionários e delegatários pode ser prestados aos usuários. A desafetação, por sua vez, retira o serviço público desse regime de execução, sendo que, a partir de então, o serviço passa a ser próprio dos particulares e a ser executado ou explorado como são os demais serviços caracterizados como da iniciativa privada. Com destaque, os efeitos da desafetação são contados da data da lei que a determinar e para o futuro, sendo, portanto, efeitos ex nunc. Concomitantemente com a desafetação ocorre a extinção antecipada da concessão do serviço público, sendo perceptível que os investimentos vinculados aos bens reversíveis, ainda não totalmente amortizados ou depreciados serão indenizados pela Administração Pública concedente. Distintamente da extinção por interesse público (encampação), como causa da extinção da concessão de serviço público, a indenização não há de ser prévia, tampouco requer a presença de lei autorizadora, conquanto que para a desafetação se vindique lei. Além disso, caso com a desafetação outros prejuízos forem causados ao concessionário, incumbe à Administração Pública o dever de indenizá-lo plenamente. O inadimplemento de obrigações a cargo do concessionário pode ser causa acarretadora da extinção da concessão do serviço público antes do termo final, estabelecido no contrato. Incumbe ao poder concedente, de forma discricionária, considerar se o inadimplemento é ou não causa suficiente a levar a extinção à concessão de serviço público. Sendo considerada com causa suficiente, é impositiva a extinção. Materializa-se, pois, a hipótese genérica albergada no inciso III do artigo 35 da legislação de regência, qual seja: a caducidade. Não comportando a extinção, aplica-se ao concessionário de serviço público a devida sanção, nos termos preconizados no caput do artigo 38 da mesma legislação[45]. Ainda em consonância com o dispositivo ora mencionado, o inadimplemento pode ser total ou parcial, porém as consequências serão as mesmas. “Ocorre o inadimplemento quando o concessionário descumpre as condições e termos especificados no edital licitatório, no contrato de concessão de serviço público ou na lei” [46], conforme escólio de Diógenes Gasparini. O descumprimento pode materializar um ato ou fato, comissivo ou omissivo, doloso ou culposo, atribuído ao concessionário e violador de suas obrigações. No mais, o ato de caducidade é ato administrativo punitivo, veiculado por decreto editado pela Administração Pública, em observância ao §4º do artigo 38[47]. Ademais, em consonância com o §1º do artigo 38, a caducidade poderá ser decretada quando restar materializada: “§ 1o A caducidade da concessão poderá ser declarada pelo poder concedente quando: I – o serviço estiver sendo prestado de forma inadequada ou deficiente, tendo por base as normas, critérios, indicadores e parâmetros definidores da qualidade do serviço; II – a concessionária descumprir cláusulas contratuais ou disposições legais ou regulamentares concernentes à concessão; III – a concessionária paralisar o serviço ou concorrer para tanto, ressalvadas as hipóteses decorrentes de caso fortuito ou força maior; IV – a concessionária perder as condições econômicas, técnicas ou operacionais para manter a adequada prestação do serviço concedido; V – a concessionária não cumprir as penalidades impostas por infrações, nos devidos prazos; VI – a concessionária não atender a intimação do poder concedente no sentido de regularizar a prestação do serviço; e VII – a concessionária não atender a intimação do poder concedente para, em 180 (cento e oitenta) dias, apresentar a documentação relativa a regularidade fiscal, no curso da concessão, na forma doart. 29 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993”[48].  Conquanto não se encontrem acinzelados no §1º do artigo 38, a doutrina[49] entende que a subconcessão, a transferência de concessão e a cessão do controle societário da concessionária sem prévia anuência da Administração Pública concedente é razão suficiente para a decretação da caducidade, de acordo com a redação do artigo 27[50]. A legalidade da decretação da caducidade carece de prévio processo administrativo em que restou devidamente comprovada a inadimplência do concessionário do serviço público e lhe assegurou amplo direito de defesa, conforme prescreve o §2º do artigo 38[51]. O processo em comento só comporta instauração após o concessionário do serviço público ser informado, detalhadamente, acerca do descumprimento de suas obrigações e se lhe dado um prazo para a promoção da correção das falhas e transgressões mencionadas e enquadrar-se novamente nos termos e condições da concessão de serviço público, consoante a dicção do §3º do artigo 38[52]. Denota-se, assim, que a extinção, in casu, não é automática; ao reverso, reclama pronunciamento solene da Administração Pública concedente, como está indicado no §4º do artigo 38, caso a causa esteja indicada na lei, no regulamento ou no ato de outorga. Se a causa não se encontrar disciplinada em qualquer daqueles atos, a cassação é requerida ao Judiciário. “A entidade competente para decretar a cassação é a titular dos serviços públicos […]. Esse procedimento e essas exigências somente são necessários para a decretação da caducidade”[53], ou seja, da extinção da concessão de serviço público. Revela-se, porém, mas simples a aplicação de outras sanções contratuais, que apenas reclamam procedimento administrativo em que seja assegurado ao concessionário do serviço público amplo direito de defesa. Com efeito, o ato da caducidade não desencadeia qualquer pedido de indenização ou a satisfação do lucro que seria aferido durante o restante do tempo ao concessionário do serviço público. Em mesma trilha, o poder concedente não possui nenhuma culpa pela inadimplência, logo, inexiste o dever de indenização, consoante redação do §4º do artigo 38[54], em especial quando estabelece que a caducidade ocorrerá  independente de indenização. De maneira diversa, caso o concessionário do serviço público tenha, com sua atitude, causado qualquer prejuízo para o poder concedente, deverá satisfazê-los, indenizando-o plenamente. Como regra, o pleito indenizatório deve ser deduzido e requerido em Juízo pelo poder concedente em face do concessionário do serviço público. No mais, como se denota que a caducidade só ocorre durante o transcurso da concessão do serviço público, é patente que se os investimentos atrelados aos bens reversíveis ainda não foram totalmente amortizados ou depreciados, devendo, pois, os valores correspondentes serem apurados e indenizados. Nesta linha, ainda sobre a caducidade, é importante assinalar que sobreditos valores, após devidamente apurados, serão pagos depois da decretação, deduzidos o montante da dívida regularmente aplicados e os prejuízos efetivamente avaliados, consoante a redação do §4º do artigo 38. Entretanto, os demais bens continuam de propriedade das partes anteriormente envolvidas na concessão do serviço público, cabendo a cada uma, em relação a tais bens, proceder em consonância com o respectivo interesse. Afora isso, nenhuma outra responsabilidade decorrente da caducidade é assumida pelo poder concedente. Em complemento, o artigo 38, em seu §6º[55], vai espancar que, declarada a caducidade, não resultará para o poder concedente qualquer espécie de responsabilidade em relação aos encargos, ônus, obrigações ou compromissos com terceiros ou com empregados da concessionária. Por derradeiro, a quarta hipótese consiste na ilegalidade. É fato que contrato de concessão de serviço público, conquanto emoldurado pela presunção de legitimidade dos atos administrativos, fosse celebrado com vícios que o inquinam, podendo ser declarados a qualquer tempo, desde que não prescrito tal direito. Em tal cenário, há uma ilegalidade que subsidia o motivo ao ato da extinção. Com efeito, o ato do poder concedente apto a extinguir a concessão do serviço público em razão de sua ilegalidade é administrativo, comumente nominado de ato de anulação, encontrando subsídio no inciso V do artigo 35 da Lei nº 8.987/1995, sendo que a decretação pode ocorrer tanto na esfera administrativa como na judicial. No primeiro caso a anulação será chamada de invalidação, ao passo que no segundo é anulação. “A extinção por ilegalidade, é incontroverso, não é automática, exigindo, portanto, um solene pronunciamento da Administração Pública concedente ou do Judiciário”[56]. Os efeitos produzidos pelo ato da extinção, quer seja na esfera administrativa, quer seja na esfera judicial, serão ex tunc, ou seja, retroagirão à data da concessão do serviço público ou mesmo antes, quando for verificada a existência do vício ainda na fase de licitação ou no ato de dispensa desse procedimento e a contratação direta. Destarte, só pode ocorrer, em teoria, durante a vigência da concessão do serviço público, porquanto o que se ambiciona com esse pronunciamento é a sua extinção. Após a extinção, por exemplo, em razão do decurso do prazo, a preocupação não mais subsiste, conquanto ainda seja possível buscar sua extinção com o escopo de apurar a responsabilidade de quem rendeu ensejo à causa de ilegalidade. Caso a extinção por ilegalidade somente ocorreu durante a vigência da concessão, é fato que os investimentos vinculados a bens reversíveis ainda não foram totalmente amortizados ou depreciados. Em tal situação, cabe ao poder concedente apurar o quanto devido a tal título e adimplir indenização ao concessionário, antes da extinção da concessão de serviço público, caso esse nada tenha feito para que a ilegalidade se instalasse. A indenização, porém, será posterior, caso o concessionário de serviço público contribuiu, de algum modo, para a ocorrência da ilegalidade. Na primeira hipótese, será possível o cabimento de uma indenização com espeque na norma insculpida no §6º do artigo 37 da Constituição Federal. Na segunda, porém, não é devida nenhuma indenização, cabendo, além disso, adimplir os prejuízos eventualmente causados ao poder concedente. Os valores serão deduzidos do montante a ser pago em decorrência dos investimentos vinculados aos bens reversíveis não integralmente amortizados ou depreciados. No que atina aos demais bens, esses continuam na propriedade das partes envolvidas na concessão do serviço público, que darão o destino que seus respectivos interesses afixem. 8.3 Extinção por Ato Conjunto das partes envolvidas na Concessão de Serviço Público É possível, quando não mais subsistir o interesse de ambas as partes, que o contrato de concessão de serviço público, por ato conjunto, seja extinto. Trata-se, com efeito, de acordo avençado entre a Administração Pública concedente e o concessionário para colocar fim à concessão do serviço público, antes do termo final contido no contrato. Nessa hipótese, “os interesses das partes envolvidas serão resolvidas por consenso. É a extinção da concessão de serviço público, denominada pela Lei federal n. 8.987/95, rescisão”[57]. Para o acordo, acredita-se que há necessidade de lei autorizadora, que, além da autorização, deverá afixar os limites e as condições para a realização do ajuste. Ao lado disso, compreende-se, como extinção por ato conjunto das partes envolvidas, que a lei responsável por tal hipótese é de iniciativa do Poder Executivo. 8.4 Extinção por Sentença A parte que considerar violado seu direito pode vindicar em Juízo a extinção da concessão de serviço público. Assim, por meio do emprego da adequada medida judicial, a parte inconformada exporá os fatos, bem como indicará o direito ofendido e promoverá o pedido de extinção da relação jurídica existente e a competente indenização que entenda ser cabível. Com ou sem a resposta da parte ex adversa, observados os trâmites processuais pertinentes, chega-se ao fim dessa medida com a prolação da sentença que extingue a relação existente e recompõe os interesses das partes. Com efeito, a recomposição está vinculada à indenização do concessionário de serviço público no que atina aos investimentos concernentes aos bens reversíveis, quando não totalmente amortizados ou depreciados, e à reversão dos bens e equipamentos para a Administração Pública concedente. Diógenes Gasparini vai afirmar que “os demais bens continuarão de propriedade das partes envolvidas na concessão de serviço público, que a eles darão o destino que mais convier aos seus respectivos interesses”[58]. Além disso, o concessionário ainda fará jus a uma indenização, caso não seja o responsável pela causa que culminou na extinção do contrato de concessão. É oportuno apontar que tal hipótese não encontra assento na redação do artigo 35 da Lei nº 8.987/1995[59], porém é perceptível que tal situação não encontra qualquer obstáculo, em especial se for ajuizada pela Administração Pública, em decorrência do princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição. Já o concessionário do serviço público encontra disposição específica na legislação de regência, eis que o artigo 39 comina que o contrato de concessão poderá ser rescindido por iniciativa da concessionária, no caso de descumprimento das normas contratuais pelo poder concedente, mediante ação judicial especialmente intentada para esse fim. Denota-se, portanto, que tal disposição não conferiu ao concessionário de serviço público qualquer competência para extinguir a concessão de serviço público, autorizando apenas a instauração do processo judicial com essa finalidade. Assim, em decorrência da interpretação do artigo em comento, alcança-se que o concessionário não poderá interromper a execução do contrato de concessão de serviço público até que sobrevenha decisão judicial transitada em julgado.
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Do estado executor e a intervenção no domínio econômico
Em harmonia com a dicção contida no artigo 170 da Constituição Federal de 1988, a ordem econômica encontra-se centrada em dois postulados fundamentais, quais sejam: a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa. Denota-se que, ao fixar os dois postulados como alicerces da ordem econômica, o Texto Constitucional de 1988 objetivou indicar que todas as atividades econômicas, independentemente de quem possa exercê-las, devem com eles encontrar compatibilidade. Das premissas ora mencionadas, extrai-se que, caso a atividade econômica estiver de alguma forma vulnerando os preceitos supramencionados, será a atividade considerada inválida e inconstitucional. Além disso, a intervenção do Estado na vida econômica substancia um redutor de riscos tanto para os indivíduos quanto para as empresas, sobremaneira quando identifica, em termos econômicos, a segurança como princípio. Repise-se, neste ponto, que a intervenção do Estado não poderá entender-se como uma limitação ou um desvio imposto aos próprios objetivos das empresas, mas sim como uma diminuição de riscos e uma garantia de segurança maior na prossecução dos fins últimos da acumulação capitalista. Assim, o presente busca promover uma análise acerca do papel desempenhado pelo Estado, enquanto executor, no domínio econômico, bem como as formas de intervenção.
Direito Administrativo
1 Comentários Introdutórios Em harmonia com a dicção contida no artigo 170 da Constituição Federal de 1988[1], a ordem econômica encontra-se centrada em dois postulados fundamentais, quais sejam: a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa. Denota-se que, ao fixar os dois postulados como alicerces da ordem econômica, o Texto Constitucional de 1988 objetivou indicar que todas as atividades econômicas, independentemente de quem possa exercê-las, devem com eles encontrar compatibilidade. Das premissas ora mencionadas, extrai-se que, caso a atividade econômica estiver de alguma forma vulnerando os preceitos supramencionados, será a atividade considerada inválida e inconstitucional. Carvalho Filho, em complemento, vai afirmar que “fundamentos, na verdade, são os pilares de sustentação do regime econômico e, como tal, impõem comportamentos que não os contrariem”[2].  Assim, a ordem econômica, também nominada de “Constituição econômica”, pode ser apresentada, enquanto elemento integrante da ordem jurídica, como o sistema de normas, institucionalmente, determinado modo de produção econômica. A ordem econômica diretiva abarcada pela Constituição Federal de 1988 objetiva a transformação do mundo do ser. Neste aspecto, inclusive, a redação do artigo 170 afixa que a ordem econômica deverá estar alicerçada na valorização do trabalho e na livre iniciativa, bem como ter por escopo assegurar a todos existência digna, consoante os ditames preconizados pela justiça social, observados determinadas diretivas. Diógenes Gasparini[3] vai afirmar que a intervenção do Estado no domínio econômico como ato ou medida legal que restringe, condiciona ou suprime a iniciativa privada em determinada área econômica, em benefício do desenvolvimento nacional e da justiça social, assegurados os direitos e garantias individuais. Além disso, a intervenção do Estado na vida econômica substancia um redutor de riscos tanto para os indivíduos quanto para as empresas, sobremaneira quando identifica, em termos econômicos, a segurança como princípio. Repise-se, neste ponto, que a intervenção do Estado não poderá entender-se como uma limitação ou um desvio imposto aos próprios objetivos das empresas, mas sim como uma diminuição de riscos e uma garantia de segurança maior na prossecução dos fins últimos da acumulação capitalista. Ora, a denominada intervenção do Estado no domínio econômico é não apenas adequada, mas indispensável à concretização e à preservação do sistema capitalista de mercado. Sobre o papel desempenhado pelo Estado, no que toca à intervenção na ordem econômica, o Supremo Tribunal Federal já assentou entendimento robusto que: “Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei n. 7.844/92, do Estado de São Paulo. Meia entrada assegurada aos estudantes regularmente matriculados em estabelecimentos de ensino. Ingresso em casas de diversão, esporte, cultura e lazer. Competência concorrente entre a união, estados-membros e o distrito federal para legislar sobre direito econômico. Constitucionalidade. Livre iniciativa e ordem econômica. Mercado. Intervenção do estado na economia. Artigos 1º, 3º, 170, 205, 208, 215 e 217, § 3º, da Constituição do Brasil. 1. É certo que a ordem econômica na Constituição de 1.988 define opção por um sistema no qual joga um papel primordial a livre iniciativa. Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só intervirá na economia em situações excepcionais. 2. Mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Postula um plano de ação global normativo para o Estado e para a sociedade, informado pelos preceitos veiculados pelos seus artigos 1º, 3º e 170. 3. A livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho. Por isso a Constituição, ao contemplá-la, cogita também da "iniciativa do Estado"; não a privilegia, portanto, como bem pertinente apenas à empresa. 4. Se de um lado a Constituição assegura a livre iniciativa, de outro determina ao Estado a adoção de todas as providências tendentes a garantir o efetivo exercício do direito à educação, à cultura e ao desporto [artigos 23, inciso V, 205, 208, 215 e 217 § 3º, da Constituição]. Na composição entre esses princípios e regras há de ser preservado o interesse da coletividade, interesse público primário. 5. O direito ao acesso à cultura, ao esporte e ao lazer, são meios de complementar a formação dos estudantes. 6. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.” (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADI 1.950/ Relator:  Ministro Eros Grau/ Julgado em 03 nov. 2011/ Publicado no DJ em 02 jun. 2006, p. 04). Neste sentido, no que toca à valorização do trabalho humano, é importante estabelecer que, entre os fundamentos da República Federativa do Brasil, a Constituição consignou os valores sociais do trabalho, em seu artigo 1º, inciso IV[4]. A dicção do dispositivo coloca em destaque a preocupação do Constituinte em promover a conciliação entre os fatores de capital e trabalho de forma a atender aos preceitos da justiça social. Assim, em decorrência de tal alicerce, não encontra mais amparo, por exemplo, comportamentos que conduzam à escravidão ou a meios de trabalho capazes de colocar em risco a vida ou a saúde dos trabalhadores. Ademais, é crucial assinalar, ainda, que a justiça social apresenta escopo protetivo e direcionado a categorias sociais mais desfavorecidas. No mais, a valorização do trabalho humano encontra relação intrínseca com os valores sociais do trabalho. Inexiste dúvida que, para condicionar o trabalho a aludidos valores, faz-se carecida a intervenção do Estado na ordem econômica. “A Constituição intervém notoriamente nas relações entre empregadores e empregados, estabelecidos nos arts. 7º a 11 um detalhado elenco de direitos sociais dos empregados”[5], como leciona Carvalho Filho. Os mandamentos retratam a preocupação estatal em adequar o trabalho aos ditames da justiça social. Ainda no que atina à valorização do trabalho humano, outro aspecto que decorre desse fundamento é o relativo à automação industrial. Assim, se o uso contemporâneo das recentes tecnologias faz parte do processo de desenvolvimento das empresas do país, não é menos verdadeiro que as máquinas não podem promover a substituição do homem para assegurar benefícios exclusivos do empresariado. Além disso, o Texto Constitucional é ofuscante ao impor a valorização do trabalho humano, logo, o homem deve ser considerado como alvo da tutela. A valorização do trabalho humano implica na necessidade de localizar o homem trabalhador em patamar mais elevado do que a outros concernentes a interesses privados, de maneira a ajustar o trabalho aos primados da justiça social. O outro fundamento norteador da ordem econômica é o da liberdade de iniciativa, o qual indica que todas as pessoas têm o direito de ingressar no mercado de produção de bens e de serviços por sua conta e risco. Com efeito, o postulado em comento desdobra na liberdade de exploração das atividades econômicas sem que o Estado execute sozinho ou, ainda, concorra com a iniciativa privada. A livre iniciativa materializa o postulado maior do regime capitalista adotado no território nacional. Afora isso, o alicerce em foco encontra complementação na redação do parágrafo único do artigo 170 do Texto Constitucional[6], consoante o qual a todos é assegurado o livre exercício de qualquer atividade econômica, sem necessidade de autorização de órgãos públicos, à exceção das hipóteses expressamente consagradas no ordenamento jurídico vigente. Tal como o postulado anterior, a liberdade de iniciativa materializa um fundamentos da própria República. Nesta senda, a acepção de livre iniciativa rememora que o Estado não é mero observador, mas desempenha papel de efetivo participante e fiscal do comportamento econômico dos particulares. Destarte, o Estado interfere, de fato, no domínio econômico, restringindo e condicionando a atividade dos particulares em favor do primado do interesse público. Carvalho Filho[7] vai mencionar que a garantia da liberdade de iniciativa ao setor privado goza de tamanha proeminência no regime vigente que prejuízos causados a empresários em decorrência da intervenção do Poder Público no domínio econômico são passíveis de serem indenizados em determinadas situações, nos termos preconizados no §6º do artigo 37 do Texto Constitucional de 1988[8], quando consagra a responsabilidade objetiva. O Supremo Tribunal Federal, em tal trilha, já decidiu que: “Ementa: Constitucional. Econômico. Intervenção estatal na economia: regulamentação e regulação de setores econômicos: normas de intervenção. Liberdade de iniciativa. CF, art. 1º, IV; art. 170. CF, art. 37, § 6º. I. – A intervenção estatal na economia, mediante regulamentação e regulação de setores econômicos, faz-se com respeito aos princípios e fundamentos da Ordem Econômica. CF, art. 170. O princípio da livre iniciativa é fundamento da República e da Ordem econômica: CF, art. 1º, IV; art. 170. II. – Fixação de preços em valores abaixo da realidade e em desconformidade com a legislação aplicável ao setor: empecilho ao livre exercício da atividade econômica, com desrespeito ao princípio da livre iniciativa. III. – Contrato celebrado com instituição privada para o estabelecimento de levantamentos que serviriam de embasamento para a fixação dos preços, nos termos da lei. Todavia, a fixação dos preços acabou realizada em valores inferiores. Essa conduta gerou danos patrimoniais ao agente econômico, vale dizer, à recorrente: obrigação de indenizar por parte do poder público. CF, art. 37, § 6º. IV. – Prejuízos apurados na instância ordinária, inclusive mediante perícia técnica. V. – RE conhecido e provido”. (Supremo Tribunal Federal – Segunda Turma/ RE 422.941/ Relator:  Min. Carlos Velloso/ Julgado em 06 dez. 2005/ Publicado no DJ em 24 mar. 2006, p. 55). Há um critério, ainda, que reclama apreciação. A acepção de liberdade de iniciativa, de certa forma, é antagônica à valorização do trabalho humano. Ora, a deixar-se à iniciativa privada inteira liberdade para exploração das atividades econômicas, existiria o risco inevitável de não se proteger o trabalho humano. Assim, é perceptível a necessidade de conciliar os fundamentos, desenvolvendo estratégias de restrições e condicionamentos à liberdade de iniciativa, com o escopo de que seja alcançada, de fato, a justiça social e os valores emanados. 2 Do Estado Executor O Estado não atua apenas como regulador, mas também como executor, exercendo a atividade econômica. Com efeito, o exercício estatal de tais atividades não pode materializar como regra geral; ao reverso, o Texto Constitucional estabelece uma série de limitações a tal natureza, com o escopo primordial de preservar o princípio da liberdade de iniciativa, concedido aos particulares em geral, conforme preconiza o parágrafo único do artigo 170: “É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”[9]. Na condição de exercente da atividade econômica, o Estado pode assumir duas posições distintas. A primeira consiste naquela que o próprio Estado se incumbe de explorar a atividade econômica por meio de seus órgãos internos. Carvalho Filho[10], ao examinar tal posição, vai exemplificar que é verificável quando a Secretaria Municipal de Saúde passa a fornecer medicamentos ao mercado de consumo, com o escopo primordial de favorecer a aquisição por pessoas de baixa renda. Em tal hipótese, é possível sustentar que há exploração direta de atividades econômicas pelo Poder Público. Em decorrência da peculiar situação, a atividade econômica acaba confundindo-se com a própria prestação do serviço público, eis que o fito do Estado é social e não persegue a obtenção do lucro. Contudo, o que corriqueiramente ocorre é a criação, pelo Estado, de pessoas jurídicas a ele vinculadas, destinadas mais apropriadamente à execução de atividades de cunho mercantil. Para tanto, normalmente, são instituídas empresas públicas e sociedades de economia mista, entidades adequadas a tais escopos. Conquanto sejam pessoas autônomas, que não se confundem com a pessoa do Estado, há que se reconhecer que o controle é exercido por esse, dirigindo e impondo a execução de seus objetivos institucionais. Destarte, caso elas não explorem diretamente a atividade econômica, é o Estado que, em uma fronteira, intervém na ordem econômica. Em tal cenário, é possível sustentar que a há exploração indireta das atividades econômicas pelo Estado. 3 Exploração Direta A regra concernente à exploração direta de atividades econômicas pelo Estado se encontra materializada na redação do caput do artigo 173 da Constituição Federal, preconizando que “ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”[11]. O dispositivo em comento deve ser analisado em conjunto com o artigo 170, inciso IV e parágrafo único. Deste modo, a exploração das atividades econômica incumbe, como regra, à iniciativa privada, materializando um dos postulados alicerçantes do regime capitalista. Destarte, a hipótese consagrada no artigo 173 deve ser vista como medida excepcional. Assim, o próprio dispositivo afixou os limites ensejadores da atuação do Estado, logo, a regra é que o Estado não explore atividades econômicas, podendo, contudo, fazê-lo em aspecto excepcional, desde que estejam presentes os pressupostos nele estabelecidos. É carecido repisar que, mesmo quando há exploração da atividade econômica, o Estado está preordenado, mediata ou imediatamente, à execução da atividade apta a traduzir benefício para a coletividade, retratando o interesse público. Carvalho Filho[12], neste sentido, vai apontar que não é possível conceber o Estado senão como sujeito apto a perseguir o interesse coletivo, logo, denota-se que a intervenção na economia apenas se correlaciona com a iniciativa privada porque é a esta que, inicialmente, incumbe a exploração. Entrementes, o escopo da atuação interventiva haverá de ser, a rigor, a busca pelo atendimento de algum interesse público, em que pese o Estado se revista com feições mercantis de comerciante ou industrial. Outro ponto digno de destaque alude à inconveniência de o Estado imiscuir-se nas atividades econômicas. Com efeito, sempre que o Estado intervém no domínio econômico, apresenta-se ineficiente e incapaz de alcançar seus objetivos, desencadeando uma série de problemas. Não é possível comparar os resultados do Estado com aqueles alcançados pela iniciativa privada. Denota-se, em última instância, que o Estado não deve mesmo exercer a função de explorar as atividades econômicas. Logo, o papel que deve desempenhar é, prioritariamente, de Estado-regulador, controlador e fiscal, remanescendo o desempenho para as empresas de iniciativa privada. Além disso, não é demasiado rememorar que nem sempre é fácil estabelecer a distinção entre os serviços públicos econômicos das atividades privadas eminentemente econômicas. Ambos propiciam lucratividade, porém, enquanto aquelas objetivam o atendimento de demandas da coletividade para assegurar sua maior comodidade, estas retratam atividade de aspecto empresarial, de indústria, de comércio ou serviços. Dessa forma, os primeiros encontram-se situados dentro da esfera normal de competência dos entes federativos, ao passo que as últimas devem ser insertas no setor privado e, somente por via excepcional, à exploração direta pelo Estado. Nesta linha, ao considerar que o Texto Constitucional[13] é ofuscante em não conceder liberdade ao Estado para explorar atividades dotadas de cunho econômico, três pressupostos, porém, são afixados para legitimar a intervenção. O primeiro é a segurança nacional, materializando pressuposto de natureza claramente política. Assim, caso a ordem econômica seja norteada pelos particulares estiver causando algum risco à soberania do país, fica o Estado autorizado a intervir no domínio econômico, direta ou indiretamente, com o escopo de restabelecer a paz e ordem sociais. Outro pressuposto é o interesse coletivo relevante, que, de acordo com o escólio de José dos Santos Carvalho Filho[14], traduz-se em conceito jurídico indeterminado, posto que lhe faltam a precisa e a identificação necessárias à sua determinabilidade. Em decorrência de tal aspecto, o Texto Constitucional[15] afixou que essa concepção seria espancada em legislação infraconstitucional, incumbindo, portanto, ao Estado editar lei definidora de interesse coletivo relevante para permitir a intervenção legítima do Estado no domínio econômico. O terceiro pressuposto encontra-se implícito no dispositivo legal. Assim, ao ressalvar os casos abarcados na Constituição de 1988, está a admitir que apenas o fato de existir disposição em que haja permissividade intervenção contida no texto é suficiente para promover a autorização da exploração da atividade econômica pelo Estado, independentemente de ser hipótese de segurança nacional ou de interesse coletivo relevante. Neste cenário, há interesse coletivo relevante presumido, pois se encontra inserto na Constituição de 1988, conquanto não foi definido em lei. Em síntese, é possível afirmar que a atuação do Estado como explorador da atividade econômica é, em princípio, vedada, encontrado permissão apenas quando: (i) o exigir a segurança nacional; (ii) atende o interesse coletivo relevante; (iii) houver expresso permissivo constitucional. 4 Exploração Indireta A forma mais comum pela qual o Estado intervém no domínio econômico é por meio de entidades paraestatais, isto é, as sociedades de economia mista e as empresas públicas são as entidades atreladas ao Estado às quais se atribui a tarefa de intervir no domínio econômico. Em tal situação, o Estado não é o executor direto das atividades econômicas, socorrendo-se das entidades que têm a sua criação autorizada por lei e já nascem com os escopos predeterminados, nos termos estatuídos no inciso XIX do artigo 37 da Constituição Federal[16]. Aludidas entidades realmente explorarão as atividades econômicas para as quais a lei as destinou. No mais, a exploração indireta de atividades econômicas pelo Estado encontra previsão na redação do §1º do artigo 173 do Texto Constitucional, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998[17], que modifica o regime e dispõe sobre princípios e normas da Administração Pública, servidores e agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas e custeio de atividades a cargo do Distrito Federal, e dá outras providências. É oportuno anotar que a referida lei disporá sobre vários aspectos, a exemplo da função social e a forma de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública; a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários; os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores. Carvalho Filho, em seu escólio, vai “conceituar a exploração indireta do Estado como aquela pela qual exercer atividades econômicas por intermédio de entidades paraestatais a ele vinculadas e por ele controladas”[18]. Do cotejo da redação do dispositivo constitucional aludido alhures, verifica-se que são enumeradas três categorias de pessoas jurídicas vinculadas ao Estado que podem explorar atividades econômicas. As duas primeiras são as denominadas empresas públicas e sociedades de economia mista, que se caracterizam por serem destinadas a dois escopos, a saber: (i) o desempenho de atividade econômica; (ii) a prestação de serviços públicos. Assim, quando exercem atividades econômicas, mencionadas entidades, que são dotadas de personalidade jurídica de direito privado, podem atuar como verdadeiras particulares no campo mercantil, seja no setor de comércio, seja no de indústria e, ainda, no de serviços. O dispositivo, ainda, alude a categoria de empresas subsidiárias, que são aquelas que, derivando de empresas públicas e sociedade de economia mista primária, estão sob o controle destas no que tange ao capital e, com efeito, às diretrizes operacionais. São, também, denominadas de empresas de segundo grau, pois que, a seu turno, podem controlar o capital de entidades derivadas, de terceiro grau, e sucessivamente. Fora das primárias, todas as subsidiárias e, em decorrência do mandamento constitucional, exigem autorização legislativa para sua instituição. Além disso, a execução de atividades econômicas por essas empresas paraestatais apresentam aspectos positivos e negativos. Como fatores positivos, é possível mencionar a personalidade jurídica própria e a autonomia financeira, assim como objetivos econômicos claramente definidos. Em contraparte, como característico negativo, é possível aludir que mesmo norteada para objetivos econômicos, não poderão se afastar do interesse geral. “O certo é que, contemplando expressamente tais entidades, a Constituição autoriza, também de forma expressa, que elas sirvam de meio para a execução pelo Estado, de forma indireta, de atividade de caráter mercantil”[19]. Ao lado do exposto, cuida, ainda, ponderar que autarquias e fundações públicas, conquanto também estejam vinculadas e controladas pelo Estado, não se prestam à execução de atividades econômicas, incompatíveis com sua natureza de entidades sem fins lucrativos, sem aspecto mercantil e voltadas para atividades eminentemente sociais. Além disso, o Texto Constitucional[20] é cristalino quando impõe que essas entidades se sujeitem a regime próprio das empresas privadas, no que toca às obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias. Verifica-se, assim, que o advérbio inclusive empregado no dispositivo em destaque não teve outro escopo senão enfocar quais os campos do regime privado que não poderiam deixar de aplicar-se às empresas paraestatais – o regime privado, trabalhista e tributário. Implica dizer, portanto, que os empregados devem sujeitar-se à CLT e que se tornam contribuintes tributários nas mesmas condições que as empresas privadas. Excetua-se, porém, que o regime aplicável às empresas privadas não estão cerceadas a esses dois campos; ao reverso, o texto estabelece que as empresas paraestatais estão submetidas a todo o regime aplicável às empresas privadas. Neste sentido, inclusive, o Supremo Tribunal Federal já assentou entendimento que: “Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Alínea "d" do inciso XXIII do artigo 62 da Constituição do Estado de Minas Gerais. Aprovação do provimento, pelo Executivo, dos cargos de presidente das entidades da administração pública indireta estadual pela Assembléia Legislativa. Alegação de violação do disposto no artigo 173, da Constituição do Brasil. Distinção entre empresas estatais prestadoras de serviço público e empresas estatais que desenvolvem atividade econômica em sentido estrito. Regime jurídico estrutural e regime jurídico funcional das empresas estatais. Inconstitucionalidade parcial. Interpretação conforme à Constituição. 1. Esta Corte em oportunidades anteriores definiu que a aprovação, pelo Legislativo, da indicação dos Presidentes das entidades da Administração Pública Indireta restringe-se às autarquias e fundações públicas, dela excluídas as sociedades de economia mista e as empresas públicas. Precedentes. 2. As sociedades de economia mista e as empresas públicas que explorem atividade econômica em sentido estrito estão sujeitas, nos termos do disposto no § 1º do artigo 173 da Constituição do Brasil, ao regime jurídico próprio das empresas privadas. […]” (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADI 1.642/ Relator:  Ministro Eros Grau/ Julgado em 03 abr. 2008/ Publicado no DJe em 18 set. 2008, p. 194). “Ementa: Agravo Regimental no Agravo de Instrumento. Administração pública indireta. Sociedade de economia mista. Concurso público. Inobservância. Nulidade do contrato de trabalho. Efeitos. Saldo de salário. 1. Após a Constituição do Brasil de 1988, é nula a contratação para a investidura em cargo ou emprego público sem prévia aprovação em concurso público. Tal contratação não gera efeitos trabalhistas, salvo o pagamento do saldo de salários dos dias efetivamente trabalhados, sob pena de enriquecimento sem causa do Poder Público. Precedentes. 2. A regra constitucional que submete as empresas públicas e sociedades de economia mista ao regime jurídico próprio das empresas privadas — art. 173, §1º, II da CB/88 — não elide a aplicação, a esses entes, do preceituado no art. 37, II, da CB/88, que se refere à investidura em cargo ou emprego público. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (Supremo Tribunal Federal – Segunda Turma/ AI 680.939 AgR/ Relator:  Ministro Eros Grau/ Julgado em 27 nov. 2007/ Publicado no DJe em 31 jan. 2008). “Ementa: Constitucional. Advogados. Advogado-empregado. Empresas públicas e sociedades de economia mista. Medida Provisória 1.522-2, de 1996, artigo 3º. Lei 8.906/94, arts. 18 a 21. C.F., art. 173, § 1º. I. – As empresas públicas, as sociedades de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica em sentido estrito, sem monopólio, estão sujeitas ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias. C.F., art. 173, § 1º. II. – Suspensão parcial da eficácia das expressões "às empresas públicas e às sociedades de economia mista", sem redução do texto, mediante a aplicação da técnica da interpretação conforme: não aplicabilidade às empresas públicas e às sociedades de economia mista que explorem atividade econômica, em sentido estrito, sem monopólio. III. – Cautelar deferida.” (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADI nº 1.552 MC/ Relator:  Ministro Carlos Velloso/ Julgado em 17 abr. 1997/ Publicado no DJ em 17 abr. 1998, p. 88). Ora, a mens legis contida no dispositivo em comento assinala que se as empresas paraestatais tivessem prerrogativas e vantagens específicas do Estado, elas poderiam usufruir de maiores facilidades que as empresas privadas, o que, com efeito, causaria a ruptura do princípio da livre concorrência e do equilíbrio do mercado. Assim, quis deixar plasmado que o fato de serem instituídas, controladas e fiscalizadas pelo Estado não será idôneo para coloca-las em vantagens perante suas congêneres privadas. Ao contrário, tal como poderiam usufruir as vantagens destas, teriam também de suportar seus ônus e dificuldades. Afora isso, a regra contida no dispositivo não pode ser interpretada literalmente, bem como a sujeição ao regime jurídico das empresas privadas também tem que ser visto pontualmente. Nesta linha, por mais que se aproximem das empresas de iniciativa privada e que sofram a incidência do regime jurídico destas, é ofuscante que não podem afastar os influxos de algumas regras advindas do direito público, indispensáveis na hipótese de que se espanca, isto é, de pessoas administrativas atreladas imprescindivelmente a uma pessoa federativa. Mesmo se tratando de pessoas privadas, as entidades encontram-se sujeitas às regras de vinculação com a respectiva Administração Pública Direta; obrigam-se à prestação de contas ministerial e ao Tribunal de Contas, tanto quanto à Administração; só podem promover recrutamento mediante concurso público de provas ou de provas e títulos; são norteadas pelo corolário da obrigatoriedade da licitação[21], além de outras normas de direito público inaplicáveis às empresas de iniciativa privada. Denota-se, assim, que se trata de um regime híbrido por meio do qual, de um lado, sofrem o influxo das normas de direito privado, no momento em que exploram atividades econômicas, e, de outro, submetem-se aos ditames de direito público, no que toca aos efeitos advindos de sua relação jurídica com o Estado. Inexiste dúvida que, mesmo diante de promulgação de lei que regule o estatuto jurídico da empresa pública ou da sociedade de economia mista, continuará o regime híbrido, porquanto, apesar de se aproximarem das pessoas de iniciativa privada, nunca deixarão de ser entidades que foram criadas pelo Estado, logo, terão que se sujeitar à incidência de normas de direito público. Outro aspecto a ser anotado faz alusão ao fato das entidades paraestatais são destinadas ao desempenho de atividades mercantis e agem como particulares, nas relações de mercado. Ademais, aludidas entidades nunca podem estar preordenadas apenas aos interesses econômicos, como as instituições de iniciativa privada em geral, porém, ao revés, devem buscar sempre o atendimento do interesse público. Ora, há que reconhecer esse é o fim último da atuação do Estado; a atuação interventiva na ordem econômica não pode ser um meio senão para a persecução e alcance de tal fito. Atinente aos privilégios fiscais, o §2º do artigo 173 da Constituição Federal[22] preconiza que as empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado. É possível dizer que a impossibilidade da concessão de privilégios fiscais às empresas paraestatais encontra localização dentro do princípio de que a elas se aplica o regime jurídico das empresas privadas, incluindo-se em tal concepção as obrigações tributárias. “O excesso normativo, porém, embora não muito técnico, revela a vontade do Constituinte de dar ênfase a aspectos especiais que envolvem a atuação do Estado no domínio econômico através de empresas paraestatais”[23], conforme observa Carvalho Filho. No mais, cumpre assinalar que o Estado não está proibido de conceder privilégios fiscais a suas empresas; a vedação repousa na premissa que tais privilégios sejam concedidos a elas apenas, logo, se as empresas paraestatais forem beneficiadas com privilégios fiscais, estes incidirão também sobre as empresas de iniciativa privada. Desta feita, trata-se, portanto, de materialização maximizada do corolário da isonomia.
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A unificação de dados no Município de Ipanema – MG
A unificação de dados e os compartilhamentos de informações públicas entre as mais diversas instituições governamentais se mostra de suma importância para a consecução das atividades ao Estado inerentes, o que nos leva a propor, neste artigo, sua adoção no Município de Ipanema, Estado de Minas Gerais, no sentido de facilitar, precipualmente, a atuação do Ministério Público.
Direito Administrativo
1. Introdução Por meio deste texto, pretende-se sugerir que se faça a unificação de dados e o compartilhamento de informações de caráter eminentemente públicas, por todas as instituições governamentais. Trabalhar-se-á com o foco voltado para a desburocratização e o aproveitamento de elementos já existentes nos bancos de dados de instituições públicas e os reflexos trazidos no sistema operacional do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, em especial, para a Promotoria de Justiça Única de Ipanema, com vistas à garantia de uma prestação de serviço público eficiente e de qualidade em atenção aos preceitos constitucionais. Pretende-se, ainda, verificar que a falta de aproveitamento de dados públicos resulta em sérios danos à sociedade. A propósito, no que pertine a estratégia e a unificação de banco de dados para a Rio 2016, ponderou Benetis: “Essa falta de comunicação entre bancos de dados resulta em um problema maior: muitos dos crimes cometidos em Pernambuco são desconhecidos no Rio de Janeiro ou em qualquer uma das outras 25 unidades da federação, por exemplo. Assim, um ladrão de bancos com um mandado de prisão no Recife pode passar incólume em uma blitz policial no Rio e vice-versa” (BENITES, 2015, p. S.N.). Observe-se, o cidadão é o maior prejudicado com a falta de dados interligados, tanto no âmbito político, econômico e social, quanto no pessoal, já que em variadas ocasiões sente-se deslocado de um setor para o outro, sem que seu problema seja solucionado. Imprescindível destacar, o mínimo que a sociedade espera do governo é a prestação de um serviço público eficiente, célere, justo e moral. A credibilidade institucional, inclusive, é de suma importância para o sucesso de qualquer gestão, já que as instituições dependem da confiança da sociedade, como Costa desenvolve: “As consequências de uma gestão ineficiente traz repercussão nos diversos setores da vida nacional, pois influencia o fluxo de investimentos, o crescimento econômico, a qualidade dos serviços públicos, os índices de desenvolvimento social, dentre outras consequências. Porém, talvez o mais grave problema seja o impacto sobre a credibilidade das instituições democráticas que, uma vez enfraquecidas, abre espaço para a desordem, insegurança, e até mesmo à criminalidade” (COSTA, 2008, p. 01). Assim, sublinhe-se, a proposta de intervenção em questão requer a construção da unificação de banco de dados públicos no governo como forma de atender fielmente aos princípios norteadores da Administração Pública elencados no caput do art. 37 da Constituição Federal,  ou seja, a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência, além dos princípios da transparência e da boa-fé, de maneira a atender, sob medida, às necessidades do povo, conquistando-se a confiabilidade das instituições, bem como proporcionar grande avanço no desempenho das atividades prestadas pela Promotoria de Justiça na Comarca de Ipanema, Estado de Minas Gerais. 2. O Ministério Público e o banco de dados É preciso informar, antes de mais nada, todos os atos afetos à atuação do Ministério Público de Minas Gerais – MPMG, são gerenciados pelo SRU – Sistema de Registro Único, ferramenta on-line do MPMG para o registro e tramitação de feitos na instituição. O aplicativo foi desenvolvido internamente e, ao longo dos anos, adquiriu novas funcionalidades, contribuindo para a celeridade na atuação (MPMG, 2016). Referido sistema se apresenta como ferramenta valiosa, proporcionando maior celeridade quando se tem em mente um controle efetivo da tramitação dos feitos e seus prazos, bem como a geração automatizada e padronizada de diversos documentos. Com a utilização desse sistema, as Promotorias de Justiças do interior obtiveram grandes avanços, já que muito do que hoje é feito, era realizado manualmente pelo servidor, ocasionando grande perda de tempo, conforme constata Frasão: “[…] a utilização do SRU várias tarefas que consumiam grande tempo dos servidores e membros foram automatizadas, como a expedição de intimações e notificações, geração de termos processuais/procedimentais, controle da alocação física dos autos, substituição de diversas comunicações interna corporis antes realizadas por meio de ofícios, via de regra, encaminhados pelos correios por comunicações eletrônicas automatizadas. Outro benefício que conferiu maior eficiência foi a padronização dos trâmites procedimentais por meio da edição de atos normativos que disciplinam a utilização do Sistema e o "iter" dos processos e procedimentos. Com a implementação do SRU, a Instituição agora dispõe de relatórios estratégicos e estatísticos que norteiam a Administração Superior, de forma objetiva, na alocação de recursos humanos e materiais, bem como na definição das políticas institucionais […]” (FRASÃO, 2010, p. S.N.). Apesar do sucesso com a implantação do SRU, a realidade de algumas Promotorias de Justiças no interior, como é o caso da Promotoria de Justiça Única de Ipanema, local ainda não contemplado com o processo judicial eletrônico, não é a ideal, acarretando-se, ainda, cadastramento manual dos autos judiciais. Dessa forma, muito tempo é gasto com cadastramentos processuais que já haviam sido realizados no Tribunal de Justiça, ou, na Delegacia de Polícia Civil, acarretando prestação de serviço dobrada, ou, até mesmo, triplicada, pois o Ministério Público, ao receber carga dos autos, precisa cadastrá-lo novamente, inserindo, no SRU, dados já informados anteriormente por outros setores públicos como o número do processo, o nome do autor, o nome do réu, o endereços de ambos, a origem dos autos, a tipificação do delito, a data da infração, entre outros. Verifica-se, também, a ocorrência de expedição de ofícios requisitórios sobre informações que deveriam ser públicas, além do preenchimento de relatórios de atividades ao CNMP – Conselho Nacional do Ministério Público, quando já se encontram registradas virtualmente. Há, igualmente, outras atividades que a Promotoria presta a título de obtenção ou prestação de informações de caráter público, já existentes em bancos de dados do próprio Órgão ou de outras instituições, mas que, porém, não são aproveitadas, ou, melhor dizendo, não compartilhadas, apesar de, na maioria das vezes, não reservarem nenhum conteúdo sigiloso. A unificação de bancos de dados, insistimos, é uma ferramenta de suma importância para o Ministério Público de Minas Gerais já que, por exemplo, caso a Promotoria de Justiça queira consultar a Certidão de Antecedentes Criminais – CAC do acusado para, eventualmente, ter condições de oferecer a transação penal ou a suspensão condicional do processo, deverá fazer requerimento ao Juiz de Direito. Portanto, o Ministério Público, por si só, não consegue analisar a CAC do agente, devendo requerê-la ao Poder Judiciário.  Embora o Ministério Público tenha a função institucional de exercer o controle externo da atividade policial, com base no inciso VII do art. 129 da Constituição da República, não possui o mesmo dados públicos interligados à Delegacia de Polícia. Dessa maneira, sequer tem ciência dos mandados de prisão em aberto e, até mesmo, conhecimento da lista dos inquéritos sobrestados, ainda não remetidos à Justiça.  Pode-se mencionar, também, o Ministério Público de Minas Gerais não tem conhecimento das pessoas que possuem mandado de prisão em aberto. Além disso, a Promotoria de Justiça e, até mesmo o próprio Poder Judiciário, em variadas ocasiões, diligenciam esforços no sentido de encontrar endereço de determinada parte processual, quando essa se encontra presa. Assim, se não fosse trágico seria cômico, o mesmo Estado que procura pelo indivíduo é quem o detém sob tutela, face à privação de sua liberdade. Se não bastasse, por variadas vezes, a Promotoria de Justiça é procurada por uma pessoa para que seja instaurado procedimento administrativo a fim de se apurar a Notícia de Fato quando, o mesmo solicitante do requerimento administrativo, já tenha distribuído ação no Poder Judiciário, mas que, porém, o sistema operacional não detecta o ajuizamento da ação. Note-se, os problemas narrados, entre outros, poderiam ser sanados se trabalhada a questão da unificação de bancos de dados, ocasionando melhoramentos palpáveis para a sociedade, atingindo-se a eficiência da máquina governamental, a efetividade das políticas públicas e a qualidade no que tange ao gasto do dinheiro público. 3. A Promotoria Pública do Município de Ipanema – MG A Promotoria de Justiça Única da Comarca de Ipanema/MG, atende a quatro municípios: o de Ipanema, com aproximadamente 19.603 (dezenove mil seiscentos e três) habitantes; Conceição de Ipanema, detentor de, por volta, 4.636 (quatro mil seiscentos e trinta e seis) habitantes; Pocrane, com algo em torno de 8.889 (oito mil oitocentos e oitenta e nove) habitantes e; Taparuba, possuidor de, aproximadamente, 3.199 (três mil cento e noventa e nove) habitantes. Sendo assim, apesar da Promotoria de Justiça de Ipanema atender, atualmente, a uma população aproximada de 36.327 (trinta e seis mil trezentos e vinte e sete) habitantes, conta com apenas três servidores públicos (promotor de justiça, analista do Ministério Público e oficial do Ministério Público), além do estagiário de Pós-Graduação. Conforme informações constantes do SRU, se verifica que a Promotoria de Ipanema recebeu somente no período de 07/01/2016 a 25/08/2016, 2.861 (dois mil oitocentos e sessenta e um) processos judiciais, desses, 2.745 (dois mil setecentos e quarenta e cinco) foram devolvidos com manifestação ministerial. Quanto aos feitos extrajudiciais, registra-se que já existiam 129 (cento e vinte e nove) procedimentos do acervo anterior, ou seja, procedimentos que não foram encerrados no ano de 2015 e, considerando que foram instaurados 148 (cento e quarenta e oito) novos procedimentos em 2016, significa dizer que 277 (duzentos e setenta e sete) procedimentos estiveram em “aberto” no período entre janeiro a agosto, porém, 137 (cento e trinta e sete) já foram encerrados e, dos que sobraram, 138 (cento e trinta e oito) foram movimentados, conforme registro do SRU. Ora, embora o Sistema de Registro Único – SRU, sistema institucional do Ministério Público em Minas Gerais, confira maior eficiência, o fato é que cada procedimento ainda é cadastrado manualmente pelo servidor e, na maioria dos casos, todo cadastramento é feito a partir de dados que já foram cadastrados ou que já existam em bancos de dados de outras instituições públicas. Considerando os demonstrativos consolidados dos feitos (judiciais e extrajudiciais) da Promotoria de Justiça de Ipanema, ressalte-se, apesar da mão de obra escassa, a demanda de serviço público é enorme. Estima-se que aproximadamente 30% (trinta por cento) a 40% (quarenta por cento) do serviço público da Promotoria é gasto com expedições de ofícios requisitórios, preenchimento manual de relatório de atividades ao CNMP e cadastramentos de autos processuais e fichas de atendimento. Nesse sentido, verifica-se que o projeto de intervenção beneficiará o órgão ministerial no que se refere, principalmente: 1. Cadastramento de autos processuais no SRU; 2. Colocar em prática a atividade de controle externo da atividade policial; 3. Economizar recursos e tempo de trabalho do servidor público com a expedição de ofícios requisitórios para conseguir informações cadastradas previamente em bancos de dados; 4. Erradicar o preenchimento manual de relatório de atividades e; 5. Aperfeiçoar o atendimento ao público. 4. Considerações finais Com o avanço da tecnologia, os órgãos públicos puderam criar novas maneiras de interagir com os usuários de seus serviços, por sistemas de atendimento e comunicação digital e eletrônica. Contudo, a diversidade de documentos e cadastros torna distante e complexa a relação da pessoa para com o Estado e, até mesmo, a relação entre as instituições que integram este último. Posta assim, a questão, é de se dizer que a intervenção proposta visa analisar as bases de dados existentes no governo brasileiro, com o objetivo de identificar as possibilidades de integração, de modo a aprimorar a prestação dos serviços públicos, economizar e racionalizar recursos para facilitar a vida das pessoas, além de delimitar os reflexos que poderão ser trazidos, principalmente, junto à Promotoria de Justiça de Ipanema/MG. Para que isso ocorra, no entanto, deve-se verificar quais dados públicos poderão ser compartilhados em face do direito fundamental inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, previsto no inciso XII do art. 5º da Constituição da República.
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Recursos no Tribunal de Contas da União – uma análise estatística e jurisprudencial
O presente estudo faz uma breve análise dos recursos no âmbito do Tribunal de Contas da União – TCU, tendo por base uma análise estatística dos recursos apreciados durante o exercício de 2015, fazendo um panorama da jurisprudência daquele tribunal administrativo. Os dados estatísticos analisados possibilitam um conhecimento diferenciado acerca dos recursos e uma visão estratégica da viabilidade de cada recurso. No que tange à contagem dos prazos processuais, alertou-se que não há aplicação do Código de Processo Civil, devendo-se atenção às disposições da Lei Orgânica do TCU e do Regimento Interno (arts. 183 a 187 e 285 a 289 do RI/TCU). Constatou-se, ainda, que a maioria dos recursos providos total ou parcialmente decorreu da elisão/supressão ou correção total ou parcial dos fatos apontados como irregulares ou ilegais pela unidade técnica. Foram 160 recursos providos pela elisão/supressão das irregularidades. Tal informação é apresentada nos recursos como argumentos novos, aos quais os auditores não tiveram acesso durante a instrução processual, seja porque as irregularidades ainda não haviam sido corrigidas/elididas ou porque não foram objeto de análise dos auditores no âmbito das unidades técnicas.
Direito Administrativo
Introdução O presente estudo tem o objetivo de fazer uma breve análise dos recursos no âmbito do Tribunal de Contas da União – TCU, tendo por base uma análise estatística dos recursos apreciados durante o exercício de 2015, fazendo um panorama da jurisprudência daquele Tribunal Administrativo. Os dados estatísticos utilizados foram fornecidos pelo TCU por meio de solicitação na ouvidoria daquele Tribunal. A jurisprudência foi buscada em pesquisa no sitio do TCU e selecionados de acordo com a recorrência e relevância do tema, segundo a percepção deste autor. Entende-se que o conhecimento detalhado de informações numéricas e jurisprudenciais acerca dos recursos interpostos na Corte de Contas e, principalmente, das causas de provimento e não provimento de recursos constitui instrumento importante para a identificação de possíveis erros de procedimento na atuação do advogado perante aquela casa e da inobservância ou aplicação indevida de formalidades processuais e procedimentais cometidas na instrução processual no âmbito das unidades técnicas do TCU ou, até mesmo, erros de julgamento (equívoco resultante da má apreciação dos fatos ou do direito, relacionados à questão de fundo do processo, ou melhor, ao mérito). Tudo isso, pode possibilitar aos operadores do direito o aprimoramento da atuação perante aquela Corte, seja em sede recursal ou não. No presente trabalho, inicialmente será abordado o conceito de recurso, em seguida serão abordados os aspectos gerais dos recursos, tal como os prazos. Na abordagem de cada espécie recursal serão expostos os principais entendimentos jurisprudências acerca da espécie recursal, inclusive com os dados estatísticos relativos ao exercício de 2015. Ao final, analisa-se as principais causas de provimento de recursos no TCU e seus efeitos. 1. Conceito de recurso no processo civil É da natureza do ser humano o inconformismo diante de situações incômodas e desfavoráveis. Do mesmo modo, os julgadores estão sujeitos a erros de procedimento ou de julgamento. Nesse diapasão, há a necessidade de mecanismos que possam possibilitar a impugnação das decisões judiciais ou administrativas, em consonância com os sistemas processuais democráticos. Deste modo, pode-se conceituar o recurso como o meio idôneo para provocar a impugnação e, consequentemente, o reexame de uma decisão judicial, com vistas a obter, na mesma relação processual, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração do julgado.[1]  Nem todo meio para impugnação de decisões judiciais ou administrativas constitui recurso. Existem ações autônomas que se prestam a impugnar atos decisórios do juiz, a exemplo do habeas corpus e a ação rescisória. Em tais casos, portanto, não se cuidam de recursos no sentido próprio da palavra no direito processual. O recurso não se confunde com ação, uma vez que, por meio dele, não se forma novo processo, há apenas uma dilação da relação processual. Uma das características dos recursos é a voluntariedade. Ou seja, a parte que se sentir prejudicada com uma decisão judicial tem o ônus de recorrer, mas não há obrigatoriedade. Deixando de recorrer, há a preclusão, ou seja, supera-se uma fase procedimental ou forma-se a coisa julgada. 2. Recursos no âmbito do Tribunal de Contas da União – Análise Estatística e Jurisprudencial 2.1. Princípios Processuais aplicáveis ao processo no âmbito do Tribunal de Contas da União Conforme se extrai da leitura do § 2º do art. 5º[2] e também do art. 37 da Constituição Federal, no exame do caso concreto, há a necessidade de se perquirir sobre todos os princípios, como os da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, da supremacia do interesse público sobre o privado, da celeridade processual, da finalidade, da razoabilidade, da proporcionalidade, da motivação, do devido processo legal e da ampla defesa e do contraditório, da segurança jurídica, etc., nesse trabalho só iremos focar os princípios processais mais evidenciados na atividade instrutória no âmbito do TCU, conforme abaixo: 2.1.1. Princípio do Formalismo Moderado Na doutrina de Odete Medauar, o princípio do formalismo moderado consiste, em primeiro lugar, na previsão de rito e formas simples, suficientes para propiciar um grau de certeza, segurança, respeito aos direitos dos sujeitos, o contraditório e a ampla defesa. Em segundo lugar, se traduz na exigência de interpretação flexível e razoável quanto a formas, para evitar que estas sejam vistas como um fim em si mesmas, desligadas das verdadeiras finalidades do processo Em verdade, esse princípio se traduz em viés processual do princípio da proporcionalidade, no sentido de que a forma não pode se sobrepor à substância, de tal maneira que meros rigores formais não devem impedir o exercício de um direito. E mais, no campo processual, pode-se lembrar que o formalismo moderado nada mais sintetiza que a ideia da instrumentalidade do processo e das formas. No TCU, por exemplo, em homenagem ao princípio do formalismo moderado, a apresentação de alegações de defesa por meio de e-mail pode excepcionalmente superar a revelia. 2.1.2. Princípio da Economia Processual O princípio da economia significa a obtenção do máximo resultado na atuação do direito com o mínimo possível de dispêndio. É a conjugação do binômio: custo-benefício. A aplicação típica desse princípio encontra-se em institutos como a reunião de processos por conexão ou continência, reconvenção, ação declaratória incidente, litisconsórcio etc. No TCU, por economia processual, arquiva-se o processo de tomada de contas especial (TCE), a fim de evitar que o custo de cobrança seja superior ao valor de ressarcimento, quando o valor atualizado do débito é inferior ao limite fixado pelo Tribunal para que a TCE seja processada e julgada. No entanto, após a instauração da tomada de contas especial e a citação dos responsáveis, não se admitirá o arquivamento, mesmo na hipótese de o valor apurado como débito for inferior ao limite estabelecido. 2.1.3. Princípio da Verdade Material O princípio da verdade material assevera que, na apuração dos fatos, deve-se sempre buscar o máximo de aproximação com a certeza. Sua aplicação ao processo administrativo justifica-se na medida em que a Administração, na busca constante pela satisfação do interesse público, não deve conformar-se com a verdade meramente processual. Tem o poder-dever de avançar na atividade investigatória, valendo-se de elementos diversos daqueles trazidos aos autos pelos interessados, desde que os julgue necessários para a solução do caso. Destaca-se que, no Regimento Interno do TCU — Resolução TCU n. 246, de 30 de novembro de 2011 —, há dispositivo consagrando expressamente o princípio da verdade material: “Art. 145. As partes podem praticar os atos processuais diretamente ou por intermédio de procurador regularmente constituído, ainda que não seja advogado. § 1º Constatado vício na representação da parte, o relator fixará prazo de dez dias para que o responsável ou interessado promova a regularização, sob pena de serem tidos como inexistentes os atos praticados pelo procurador. § 2º Não se aplica o disposto no final do parágrafo anterior ao caso de juntada de documentos que efetivamente contribuam na busca da verdade material.” O efeito da revelia no TCU, diferentemente do previsto no Código de Processo Civil, não faz presumir a veracidade de todas as imputações levantadas contra o responsável, sendo necessária, para a condenação, a existência de provas robustas e contundentes que caracterizem a conduta irregular. Em consonância com o princípio da verdade material, o TCU pode analisar novos documentos de defesa mesmo se apresentados depois de encerrada a etapa de instrução processual (art. 160, §§ 1º e 2º do Regimento Interno. No entanto, é necessário que os documentos sejam efetivamente novos e tenham alguma eficácia contra as irregularidades imputadas ao responsável. Por fim, na busca da verdade material, julgamentos pretéritos não têm o condão de fazer coisa julgada e não impedem que diante de novas situações se apontem falhas anteriormente não identificados por quaisquer motivos. 2.2. Aspectos Gerais A Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União, Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992, consigna a partir do art. 31, a disciplina acerca dos recursos cabíveis no âmbito daquela Corte, ou seja, os recursos que podem ser interpostos pelo interessado com o escopo de alcançar a reexame de decisões por ela prolatadas. A referida lei é regulamentada por meio do regimento interno do tribunal, o qual trás em detalhes a disciplina aplicável aos recursos. Nos termos do artigo 277 do Regimento Interno do TCU, são cabíveis os seguintes recursos em face de decisões prolatadas naquele tribunal, quais sejam: recurso de reconsideração, pedido de reexame, embargos de declaração, recurso de revisão e o agravo. 2.2.1. Dos Prazos para Recorrer O prazo recursal é contado a partir da data do recebimento da notificação no correspondente endereço ou, se for o caso, da data de publicação do acórdão no Diário Oficial da União. Na contagem, exclui-se o dia de início e inclui-se o do vencimento. A contagem é realizada de forma contínua, mas só se inicia a partir do primeiro dia em que houver expediente no Tribunal. De igual modo, se o vencimento recair em dia em que não houver expediente, o prazo será estendido até o primeiro dia útil seguinte. Não há aplicação do art. 219 do CPC, portanto, a contagem dos prazos no TCU inclui os dias não uteis, desde que o prazo já tem iniciado. No caso de recesso do Tribunal de Contas da União (art. 68 da Lei 8.443/1992), no entanto, o prazo para recorrer não se suspende nem se interrompe, uma vez que nesse período o funcionamento do Tribunal ocorre em regime diferenciado, mas não há a paralisação dos trabalhos institucionais. Portanto, não há a aplicação do art. 220 do CPC. O Regimento Interno (RITCU), ao regulamentar a disposição expressa no art. 32, parágrafo único, da Lei 8.443/1992, prevê, no art. 285, § 2º, a possibilidade de se conhecer de recurso intempestivo desde que haja superveniência de fatos novos e dentro do intervalo de 180 (cento e oitenta) dias, contados do término do prazo de 15 (quinze) dias, na forma prevista no seu art. 185. Entretanto, argumento novo ou tese jurídica nova não são considerados fatos novos para fins de conhecimento de recurso intempestivo. Não há um prazo único para todos os tipos de recursos, como se verifica na tabela abaixo. Por fim, não se admite, no âmbito do TCU, o cômputo de prazo duplicado para o Ministério Público recorrer, visto que os prazos para interposição de recursos perante aquele Tribunal estão expressamente fixados na Lei 8.443/1992. 2.3. Recursos em Espécie 2.3.1. Recurso de Reconsideração Esse recurso possui previsão nos arts. 32, I, e 33 da Lei Orgânica do TCU e nos arts. 277, I e 285 do Regimento Interno. Possui o prazo de interposição de 15 dias. Trata-se de recurso específico para impugnar decisões definitivas em processos de prestação ou tomada de contas, inclusive especial. Ou seja, possui como principais interessados administradores, gestores públicos que ou qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada que de alguma forma utilizem, arrecadem, guardem, gerenciem ou administrem dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assumam obrigações de natureza pecuniária.      Pela origem dos processos, o recurso de reconsideração tem como objetivo rever decisões que julgam as contas irregulares ou regulares com ressalva, sendo que apenas no julgamento de contas irregulares há débitos a serem ressarcidos ou a fixação de multa. Não se conhecerá de recurso de reconsideração quando intempestivo, salvo em razão de superveniência de fatos novos e dentro do período de cento e oitenta dias, caso em que não terá efeito suspensivo. Se o recurso de reconsideração for interposto no prazo ordinário de quinze dias, não exige requisitos de admissibilidade específicos e terá efeito suspensivo dos itens da decisão impugnados. Vencido esse prazo, e dentro do período adicional de cento e oitenta dias, tem como requisito adicional de admissibilidade a superveniência de fatos novos e não terá efeito suspensivo. No recurso de reconsideração, a audiência do Ministério Público é obrigatória, ainda que o recorrente tenha sido ele próprio. No julgamento, admite-se sustentação oral. A jurisprudência do TCU admite, em sede de recurso de reconsideração, uma vez reconhecida a boa-fé do responsável, a desconstituição do acórdão recorrido para que lhe seja concedido novo e improrrogável prazo para o recolhimento do débito (art. 12, §§ 1º e 2º, da Lei 8.443/1992). Dados Estatísticos Em 2015 foram apreciados 731 recursos de reconsideração, ou 29,9% dos recursos interpostos naquela Tribunal. Desse total, 112 recursos foram providos totalmente, outros 127 foram providos parcialmente e 2 tiveram nulidade do processo declarada de ofício. Ou seja, 241, ou 32,69% dos recursos de reconsideração tiveram algum tipo de provimento no TCU. 2.3.2. Pedido de Reexame Trata-se de recurso cabível contra decisões proferidas em processos concernentes a ato sujeito a registro (admissão de pessoal e concessão de aposentadorias, reformas e pensões) e a fiscalização de atos e contratos (ou seja, nos processos que não sejam de prestação ou tomada de contas, inclusive especial). Está previsto no art. 48 da Lei Orgânica do TCU e nos artigos 277, II, e 286 do Regimento Interno do TCU. Possui o prazo ordinário de quinze dias para interposição. Se interposto no prazo ordinário de quinze dias, não exige requisitos de admissibilidade específicos e terá efeito suspensivo quanto aos itens da decisão impugnados. Vencido esse prazo, e dentro de um período adicional de cento e oitenta dias, tem como requisito adicional de admissibilidade a superveniência de fatos novos e não terá efeito suspensivo. No pedido de reexame em processo de fiscalização de ato ou contrato, a audiência do Ministério Público não é obrigatória. No julgamento, admite-se sustentação oral. Por fim, ressalta-se que o descumprimento de determinação do TCU, por parte do gestor, em vista de tal determinação encontrar-se com efeitos suspensos em decorrência da interposição de pedido de reexame pelo próprio gestor, não o exime de responsabilidade por dano ao erário. Dados Estatísticos Em 2015 foram apreciados 823 pedidos de reexame, ou 33,6% dos recursos interpostos naquela Tribunal. Desse total, 126 recursos foram providos totalmente, outros 123 foram providos parcialmente e 3 tiveram nulidade do processo declarada de ofício. Ou seja, 252, ou 30,62% dos pedidos de reexame tiveram algum tipo de provimento no TCU. 2.3.3.Embargos de Declaração Tal qual no âmbito do processo civil, os embargos de declaração são cabíveis quando houver obscuridade, omissão ou contradição em acórdão do Tribunal. Na doutrina, há vários questionamentos acerca da natureza jurídica de recurso para os embargos de declaração. No entanto, prevalece o conceito legal que os coloca na classe dos recursos, tanto no processo civil como na Lei Orgânica do TCU. Possui previsão nos artigos 32, II e 34 da Lei Orgânica do TCU e nos artigos 277, III e 287 do Regimento Interno. O prazo de interposição é de 10 dias. No âmbito do TCU, diferentemente da disciplina do Novo Código do Processo Civil (Lei 13.105/2015), os embargos de declaração suspendem o prazo para a interposição dos demais recursos, não havendo interrupção da contagem. Em relação aos itens da decisão recorrida não alcançados pela impugnação não há falar-se em suspensão do prazo. Os prazos voltam a correr, pelo restante, a partir da ciência da decisão que apreciou os embargos ou da sua publicação no Diário Oficial da União. Esse efeito não ocorre, porém, se forem considerados meramente protelatórios. Esses recursos não objetivam discutir erros de procedimento ou de julgamento do processo, razão por que não são aptos a anular ou reformar a decisão recorrida. Excepcionalmente, porém, é possível que a correção do vício alegado (a omissão sobre ponto relevante da defesa, por exemplo) leve naturalmente a um daqueles resultados. Nessa hipótese, são conferidos efeitos infringentes aos embargos de declaração. Se isso ocorrer, os prazos para os demais recursos são devolvidos a todos os interessados. Ressalta-se, contudo, que os embargos de declaração só podem ter efeitos infringentes como consequência inevitável da eliminação da obscuridade, contradição ou omissão do ato recorrido. A relatoria dos embargos de declaração compete ao próprio redator da decisão impugnada. No caso de acórdão relatado por ministro substituto convocado, este permanece vinculado ao processo. Se o redator do acórdão embargado já tiver deixado de integrar o colegiado que proferiu o julgamento, ainda assim relatará o processo e proferirá seu voto no colegiado de origem. No julgamento, não se admite sustentação oral. A audiência do Ministério Público não é obrigatória. A apreciação de embargos declaratórios no TCU observa os seguintes critérios: i) não se prestam para rediscussão do mérito nem para reavaliação dos fundamentos que conduziram à prolação do acórdão recorrido; ii) a contradição deve estar contida dentro dos termos do inteiro teor da deliberação atacada; iii) não há omissão quando a matéria é analisada na instrução da unidade técnica que consta do relatório e integra as razões de decidir da deliberação; iv) o julgador não está obrigado a apreciar todos e cada um dos argumentos desfiados pela parte, sendo suficiente que se atenha àqueles bastantes à formação de sua convicção acerca da matéria; v) eventual erro de julgamento deve ser corrigido por outra via recursal própria. É possível a oposição de embargos de declaração contra acórdão do TCU que proferiu recomendações, pois, a despeito de não possuírem natureza cogente, o órgão é detentor do interesse de agir para esclarecer eventual omissão, obscuridade ou contradição, de forma obter as informações necessárias à sua avaliação sobre as medidas preconizadas pelo Tribunal. Destaca-se, por oportuno, que a oposição reiterada de embargos de declaração com nítido caráter protelatório implica o recebimento de futuras impugnações dessa espécie como mera petição, sem efeito suspensivo, nos termos do art. 287, § 6º, do Regimento Interno do TCU. Em março de 2017, o plenário do TCU aplicou subsidiariamente o art. 1.026, §2º, do CPC/2015 e aplicou multa ao recorrente que se utilizou abusivamente do direito de recorrer ao interpor sucessivos embargos de declaração (Acórdão nº 593/2017 – TCU – Plenário). Dados Estatísticos Em 2015, foram apreciados 727 embargos de declaração, o que representa 29,7% dos recursos interpostos naquele Tribunal. Desse total, 69 recursos foram providos totalmente, outros 77 foram providos parcialmente e 1 teve a nulidade do processo declarada de ofício. Ou seja, 147, ou 20,22% dos embargos de declaração tiveram algum tipo de provimento no TCU. Percebe-se que, assim como no âmbito judicial, o índice de provimento de embargos de declaração no Tribunal de Contas da União é baixo. É de relevo destacar que nos casos em que os embargos forem declarados meramente protelatórios os prazos dos demais recursos não são suspensos. 2.3.4. Recurso de Revisão O recurso de revisão é cabível em face de decisões definitivas em processo de prestação ou tomada de contas, inclusive especial, em casos de erro de cálculo nas contas, em falsidade ou insuficiência de documentos em que se tenha fundamentado o acórdão recorrido e na superveniência de documentos novos com eficácia sobre a prova produzida. O recurso de revisão está previsto nos artigos 32, II e 35 da Lei Orgânica do TCU e no artigo 288 do RI/TCU. O prazo de interposição é de cinco anos e não possui efeito suspensivo automático. Para a excepcional concessão de efeito suspensivo a recurso de revisão é imprescindível a comprovação dos requisitos relativos às medidas cautelares no âmbito do TCU, a saber: plausibilidade jurídica do direito, perigo da demora, além do receio de grave lesão ao erário ou ao interesse público ou risco de ineficácia da decisão de mérito. Não são aceitáveis alegações de possível prejuízo a patrimônio particular ou a interesse do recorrente, a exemplo da inscrição do nome no Cadin e na dívida ativa, ou da possibilidade de bloqueio de bens, ou, ainda, de inelegibilidade para eleições municipais. O recurso de revisão constitui instância excepcional, semelhante à ação rescisória no processo civil, não sendo nele possível revisitar argumentos e teses jurídicas expostas no julgamento da tomada de contas especial e do recurso de reconsideração. Além disso, as hipóteses de cabimento do recurso de revisão limitam-se àquelas indicadas no art. 35 da Lei 8.443/1992, não se estendendo aos casos de ação rescisória previstos no Código de Processo Civil. No entanto, o efeito devolutivo do recurso de revisão é pleno, abrange o reexame de todos os elementos constantes dos autos. A admissão do recurso de revisão impõe a análise de todas as alegações do recorrente, mesmo que não tenham relação direta de causalidade com o requisito específico apontado como fundamento: (i) erro de cálculo; (ii) falsidade ou insuficiência de documentos em que se tenha fundamentado o acórdão recorrido; (iii) superveniência de documentos novos com eficácia sobre a prova produzida Por fim, é de relevo destacar que, embora possua similaridade com a ação rescisória, as hipóteses de cabimento do recurso de revisão limitam-se àquelas indicadas no art. 35 da Lei 8.443/1992, não se estendendo aos casos de ação rescisória previstos no Código de Processo Civil. Dados Estatísticos Em 2015, foram apreciados 105 recursos de revisão, isto é, 4,3% dos recursos interpostos naquele Tribunal. Desse total, 25 recursos foram providos totalmente, outros 21 foram providos parcialmente e em 1 teve a nulidade do processo declarada de ofício. Ou seja, 47, ou 44,76% dos recursos de revisão tiveram algum tipo de provimento no TCU. Por ter critérios de admissibilidade bem rígidos e por ser medida excepcional, o recurso de revisão é pouco utilizado. No entanto, quase a metade dos recursos de revisão apreciados são providos, total ou parcialmente. 2.3.5. Recurso de Agravo O Agravo é o recurso cabível para impugnar despacho decisório do Presidente do Tribunal, de presidente de câmara ou de relator, desfavorável à parte, ou acórdão que tenha adotado medida cautelar. Possui previsão apenas no Regimento Interno do TCU, nos artigos 277, V e 289. O prazo de interposição é de cinco dias. Em regra, não há efeito suspensivo, porém o relator poderá atribuir efeito suspensivo em função das especificidades do caso concreto. A relatoria do agravo compete à autoridade que proferiu o despacho decisório impugnado ou ao redator do acórdão, se for o caso. Se for interposto contra acórdão proferido em processo relatado por ministro substituto convocado, este permanecerá vinculado ao respectivo processo. Se o despacho agravado for do Presidente do Tribunal ou de presidente de câmara, o julgamento será presidido por seu substituto, e o presidente agravado votará no julgamento. O agravo permite o juízo de retratação, ou seja, o prolator da decisão agravada pode reformar seu despacho, caso entenda procedentes as razões do recurso. No julgamento, não se admite sustentação oral e a audiência do Ministério Público não é obrigatória. De acordo com a jurisprudência do TCU, não cabe agravo em face de medida cautelar, proferida mediante acórdão, que determina o afastamento temporário ou a indisponibilidade de bens de responsável (arts. 273 e 274 do Regimento Interno do TCU[3]), por ausência de previsão regimental. Nos termos do art. 289 do RITCU, caberá agravo “de despacho decisório do Presidente do Tribunal, de presidente de câmara ou do relator, desfavorável à parte, e da medida cautelar adotada com fundamento no art. 276. Ou seja, a cautelar a que se refere o art. 276 do RITCU é utilizada para obstar a realização de atos administrativos que podem trazer grave lesão ao erário ou ao interesse público e que sejam de difícil reparação. Nesse caso, a medida acautelatória ataca ato administrativo que, a despeito da questionada legalidade, esteja produzindo efeitos no mundo jurídico. Pretende-se, nessa situação, evitar a concretização de relações jurídicas que, no futuro, o TCU pode considerar ilegais ou prejudiciais ao interesse público. Está a se tutelar a legalidade dos atos administrativos. Em geral, o comando do Tribunal traduz-se em uma obrigação de não fazer. Assim, para se evitar que os efeitos da decisão adotada pela Corte possam gerar malefícios maiores para a administração pública que o próprio ato questionado, o RITCU, de forma acertada, possibilita a interposição de recurso a fim de afastar a medida acautelatória. Isto pode ocorrer quando a decisão de suspender a eficácia de ato administrativo for mais gravosa para o interesse público do que se deixar perpetuar a ilegalidade. Deste modo, o Tribunal poderia deixar prosseguir o ato atacado sem prejuízo de, no futuro, perseguir os responsáveis pela ilegalidade, é o que a doutrina chama de periculum in mora reverso. Já a medida cautelar de indisponibilidade de bens do responsável a que se refere o art. 274 do RITCU não questiona a legalidade de determinado ato administrativo, até porque não existe qualquer ato sendo avaliado. A medida acautelatória consiste em decretar, por prazo não superior a um ano, a indisponibilidade de bens do responsável. Nesta situação, o bem jurídico tutelado é o erário e não a legalidade dos atos administrativos como na situação anterior. O comando do Tribunal traduz-se em uma obrigação de fazer, diferente, também, da situação pretérita. Essa é a razão para não caber agravo. Trata-se de decisão consolidada no âmbito da Corte de Contas, mas a reversão da decretação da indisponibilidade de bens pode ser buscada no âmbito do judiciário. Contudo, destaca-se que, nos termos do artigo 289 do RITCU a única possibilidade de cabimento do recurso de agravo em face de decisão colegiada refere-se àquela proferida em sede de medida cautelar adotada com fundamento no artigo 276 do Regimento Interno/TCU. Dados Estatísticos Em 2015, foram apreciados 57 agravos, o que significa 2,3% dos recursos interpostos naquele Tribunal. Desse total, apenas 1 agravo foi provido totalmente, outros 13 foram providos parcialmente. Ou seja, 14, ou 24,56% dos agravos tiveram algum tipo de provimento no TCU. O Número de medidas cautelares proferidas pelo TCU em 2015 não foi muito relevante. Além disso, o fato de não caber agravo das decisões liminares proferidas pelos órgãos colegiados, exceção da medida cautelar do art. 276 do RITCU, limita muito a utilização desse recurso. Torna-se mais prático recorrer ao judiciário. 3. Principais Causas de Provimento de Recursos Julgados em 2015 Na classificação estatística das principais causas para provimento de recursos no TCU, aquele tribunal se vale de duas categorias básicas, denominadas de causas próximas e causas remotas de provimento. De acordo com o relatório elaborado pela Secretaria de Recursos do TCU – SERUR, a causa próxima indica a razão imediata da anulação, reforma ou integração do acórdão recorrido, ou seja, o motivo direto do provimento do recurso. Imagine-se, por exemplo, que ao julgar o recurso o Tribunal exclua multa anteriormente aplicada a um responsável. Várias razões podem motivar esse desfecho. Suponha-se, por exemplo, que o colegiado considere que a conduta descrita no processo não é irregular, ao contrário do que concluiu a decisão recorrida. Nesse caso, haverá a descaracterização da ilicitude do fato, sendo esta a causa próxima. Da simples indicação dessa causa é possível extrair conclusões relevantes sobre o processo, como as seguintes: (a) a conduta ocorreu (pois não foi descaracterizada a existência do fato); (b) o responsável punido foi efetivamente quem a praticou (já que não foi elidida a autoria do fato), (c) ao julgar o recurso, porém, o Tribunal entendeu que a conduta não seria irregular (houve a “descaracterização da ilicitude”). Conclusões diversas seriam extraídas se a causa próxima fosse outra, como, por exemplo, a “desproporcionalidade da sanção”. Nesse caso, seria possível concluir que: (a) houve o fato; (b) o responsável foi corretamente indicado no processo; (c) a conduta efetivamente é irregular (ao contrário da situação descrita no exemplo anterior); (d) todavia, o Tribunal entendeu que a sanção aplicada fora desproporcional, e por isso a reduziu ou mesmo a excluiu (informação que se extrai dos efeitos do provimento). A causa remota, por sua vez, especifica uma razão mais genérica, menos imediata para o provimento do recurso, mas igualmente relevante para uma adequada análise da atuação do Tribunal. No exemplo acima, uma questão que poderia surgir é: “o que motivou o reconhecimento da causa próxima, ou seja, da descaracterização da ilicitude do fato?”. Em outras palavras, por que, ao julgar o recurso, o Tribunal considerou lícita uma conduta que, num primeiro momento, havia considerado irregular? É exatamente o que busca indicar a “causa remota”. Se a causa remota for “alteração legislativa”, é possível inferir, por exemplo, que a lei em que se baseou o julgamento anterior foi expressamente modificada (passando a admitir o que antes era vedado, por exemplo), num contexto em que o Tribunal considerou necessário rever a decisão anterior, para excluir a sanção (ou alterar uma determinação etc.). Por outro lado, se a causa remota for “alteração jurisprudencial”, o que se modificou não foi a lei que fundamentou o julgamento, mas a compreensão do Tribunal acerca de seu sentido ou alcance, passando a extrair consequências diferentes do texto normativo. Ressalta-se que a exata compreensão das estatísticas exige a interpretação conjunta dessas duas espécies de causa (próxima e remota), aliadas, inclusive, a outras informações coletadas. Da análise conjunta dos gráficos 1 e 2, percebe-se que a maioria dos recursos providos total ou parcialmente decorrem da elisão/supressão ou correção total ou parcial dos fatos apontados como irregulares ou ilegais pela unidade técnica. Foram 160 recursos providos pela elisão/supressão das irregularidades. Tal informação é apresentada nos recursos como argumentos novos, aos quais os auditores não tiveram acesso durante a instrução processual, seja porque as irregularidades ainda não haviam sido corrigidas/elididas ou porque não foram objeto de análise dos auditores no âmbito das unidades técnicas. Outras duas causas relevantes para o provimento de recursos foram a não caracterização da punibilidade do agente e a não caracterização da ilicitude do fato apontado como irregular ou ilegal, essas causas próximas são apontadas, principalmente, por meio de argumentos novos apresentados apenas na via recursal. Foram 77 recursos providos em razão da não caracterização da punibilidade do agente e 76 em razão da não caracterização da ilicitude do fato. Além dessas, constituem causas igualmente relevantes para provimento de recursos a ausência de isonomia ou desproporcionalidade da sanção aplicada, com 49 recursos providos, e a não caracterização da autoria ou responsabilidade do agente e em razão da segurança jurídica. Tais causas podem não ser fatos novos, ou seja, já tinha sido objeto de apreciação pela unidade técnica, mas foram objeto de reavaliação do tribunal em uma segunda análise do caso concreto. Portanto, para o provimento do recurso foi decisivo o esforço de persuasão do recorrente, que esclareceu melhor os fatos ou argumentos que convenceram o Tribunal acerca da necessidade de reformar, anular ou integrar a decisão recorrida. Por fim, vale destacar que a alteração jurisprudencial só representou 3,4% das causas de provimento dos recursos em 2015, no entanto, vale uma atenção especial a essa causa remota, tendo em vista que uma mudança de entendimento do TCU acerca de determinado assunto pode ser fundamental para o provimento de diversos recursos. Por exemplo, em 2011[4] houve um expressivo número de provimento de recursos que resultaram na anulação da decisão recorrida, tendo como causa próxima a “ausência de citação/audiência/oitiva” (76 recursos providos). A consideração isolada dessa causa poderia sugerir a existência de falhas graves na instrução dos processos, em vista do significativo número de decisões anuladas por inobservância do contraditório. Entretanto, na maior parte desses casos, a causa remota era “alteração jurisprudencial”, e não a simples “reavaliação do caso (novo juízo) ”, a indicar que não se tratava de erro decorrente da má instrução processual, e sim de alteração da jurisprudência do tribunal. 5. Dos Efeitos do Provimento dos Recursos em 2015 Mostra-se importante destacar os efeitos do provimento dos recursos sobre a deliberação impugnada, ou seja, saber se o provimento do recurso resultou na reforma, integração ou anulação da deliberação impugnada. Nesse aspecto, do total de recursos providos, 548 (78%) resultaram na reforma da deliberação impugnada, 81 (12%) ocasionaram a integração da decisão e 70 (10%) resultaram na anulação da decisão impugnada.   5.1. Dos efeitos sobre as sanções ou débitos Nas fiscalizações realizadas pelo TCU pode haver o reconhecimento de débito ou a fixação de multa. O débito é o dano quantificado, possuindo caráter ressarcitório, isto é, visa compensar o erário de um prejuízo ocorrido, ao passo que a multa tem caráter punitivo e pedagógico, ou seja, visa inibir a repetição da irregularidade eventualmente cometida. Trata-se de institutos perfeitamente cumuláveis, isto é, o Tribunal pode, a um só tempo, imputar débito e aplicar multa. No caso de fraude comprovada à licitação, o TCU declarará a inidoneidade do licitante fraudador para participar, por até cinco anos, de licitação na Administração Pública Federal, art. 46 da Lei Orgânica do TCU. Há a previsão ainda de o TCU, por maioria absoluta de seus membros, considerar grave a infração cometida e declarar o responsável inabilitado por um período que variará de cinco a oito anos, para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança no âmbito da Administração Pública. No que tange às sanções e débitos os recursos providos somam 521, incluindo recursos do Ministério Público junto ao TCU. Desses casos, 326 resultaram na exclusão ou redução da multa, 12 excluíram a inabilitação ou inidoneidade ou reduziram o tempo da pena. Já outros 12 casos resultaram na aplicação ou aumento da multa. No que se refere à imputação de débito, 161 recursos resultaram na exclusão ou redução do débito e 10 recursos ocasionaram a imputação do débito. No âmbito do TCU, a dosimetria da pena tem como balizadores o nível de gravidade dos ilícitos apurados, com a valoração das circunstâncias fáticas e jurídicas envolvidas, e a isonomia de tratamento com casos análogos. O Tribunal não realiza dosimetria objetiva da multa, comum à aplicação de normas do Direito Penal, e não há um rol de agravantes e atenuantes legalmente reconhecidos. Por fim, destaca-se que a redução, em sede recursal, do valor do débito imputado ao responsável impõe a redução proporcional do valor da multa aplicada com base no art. 57 da Lei 8.443/1992. Do mesmo modo, o acatamento parcial das justificativas dos responsáveis, em sede recursal, enseja a redução proporcional da multa imposta. A revisão do julgado sem a devida alteração do valor da multa originalmente aplicada caracteriza error in procedendo e afronta o princípio da proporcionalidade Conclusão O presente estudo fez um panorama geral sobre os recursos no âmbito do Tribunal de Contas da União, com ênfase na jurisprudência e em dados estatísticos fornecidos pela ouvidoria do TCU. Pautou-se na ideia de que o conhecimento detalhado de informações numéricas e jurisprudenciais acerca dos recursos interpostos na Corte de Contas e, principalmente, das causas de provimento e não provimento de recursos constitui instrumento importante para a identificação de possíveis erros de procedimento na atuação do advogado perante aquela casa e da inobservância ou aplicação indevida de formalidades processuais e procedimentais cometidas na instrução processual no âmbito das unidades técnicas do TCU. Conforme se extrai da leitura do §2º do art. 5º e também do art. 37 da Constituição Federal, no exame do caso concreto, há a necessidade de se perquirir sobre todos os princípios, como os da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, da supremacia do interesse público sobre o privado, da celeridade processual, da finalidade, da razoabilidade, da proporcionalidade, da motivação, do devido processo legal e da ampla defesa e do contraditório, da segurança jurídica, etc., nesse trabalho houve foco nos três princípios processais mais evidenciados na atividade instrutória no âmbito do TCU, quais sejam: o formalismo moderado, da economia processual e da verdade material. No que tange à contagem dos prazos processuais, alertou-se que não há aplicação do Código de Processo Civil, devendo-se atenção às disposições da Lei Orgânica do TCU e do Regimento Interno do TCU (arts. 183 a 187 e 285 a 289 do RI/TCU). Constatou-se que que a maioria dos recursos providos total ou parcialmente decorreu da elisão/supressão ou correção total ou parcial dos fatos apontados como irregulares ou ilegais pela unidade técnica. Foram 160 recursos providos pela elisão/supressão das irregularidades. Tal informação é apresentada nos recursos como argumentos novos, aos quais os auditores não tiveram acesso durante a instrução processual, seja porque as irregularidades ainda não haviam sido corrigidas/elididas ou porque não foram objeto de análise dos auditores no âmbito das unidades técnicas. No que tange às sanções e débitos os recursos providos somam 521, incluindo recursos do Ministério Público junto ao TCU. Desses casos, 326 resultaram na exclusão ou redução da multa, 12 excluíram a inabilitação ou inidoneidade ou reduziram o tempo da pena. Já outros 12 casos resultaram na aplicação ou aumento da multa.
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Dispensa médica, atestado médico de 01 (um) dia na PMGO e as alterações da Portaria nº 8684/16
O tema é bastante polêmico, em que de um lado existe a dispensa ao serviço amparada por prescrição médica e onde existem policiais militares que utilizam atestados médicos para se esquivar de suas obrigações, principalmente os discriminados atestados médicos de 01 (um) dia, sendo a legislação pertinente alterada pela Portaria nº 8684/16.
Direito Administrativo
Introdução O artigo trata de tema polêmico na Polícia Militar do Estado de Goiás, onde de um lado existe a dispensa ao serviço amparada por prescrição médica e outro onde servidores utilizam atestados médicos para se esquivar de suas obrigações, principalmente se utilizando de atestado médico de 01 (um) dia, que tem resistência em serem aceitos dentro da Corporação. Ocorre que o atestado médico é um direito do servidor militar conforme estabelece o Estatuto, no entanto, se o servidor utiliza esse direito com dolo, fraude ou má-fé para ser esquivar de suas obrigações, cabe a administração pública através dos mecanismos legais provar esse uso irregular desse direito e tomar as medidas legais contra os envolvidos na trapaça.    1. Do direito a dispensa do serviço Nos termos da Lei nº 08.033/75, que trata do Estatuto dos Policiais Militares do Estado de Goiás, no Capítulo V, das Recompensas e das Dispensas do Serviço, o art. 132, estabelece que: “Art. 132 – As dispensas de serviço podem ser concedidas aos Policiais-Militares: I – como recompensa; II – para desconto em férias; e              III – em decorrência de prescrição médica. Parágrafo Único – As dispensas de serviço serão concedidas com a remuneração integral e computadas como tempo de efetivo serviço”. Conforme ratifica a Lei, a dispensa de serviço pode ser concedida ao Policial Militar, em três situações, no inciso III, estabelece em decorrência de prescrição médica, com ressalva do parágrafo único, que essa dispensa será concedida com a remuneração integral e computada como tempo de efetivo serviço, ou seja, sem prejuízo ao militar convalescente de reposição da ausência ao trabalho, amparado por atestado médico. 2. Do afastamento do serviço O art. 131, do Estatuto, estabelece que: “As dispensas do serviço são autorizações concedidas aos Policiais-Militares para afastamento total do serviço, em caráter temporário. ”, desta forma fica evidente que quando afastado em uma das situações do art. 132 o militar está autorizado a se afastar do serviço, sem qualquer prejuízo em sua folga, carreira ou qualquer outro direito. Temos, ainda, a Portaria nº 8684/16, em seu art. 34, I, que: “o comandante imediato do policial militar não poderá desconsiderar atestado médico; ”, e pode, ainda, homologa-lo nos 03 (três) primeiros dias, na falta de médico na OPM (art. 34, II). Com a previsão do art. 34, III da Portaria nº 8684/16, em caso de dúvida no atestado o comandante encaminhará (ordem) o atestado e o Policial para a unidade mais próxima provida de médico para ser analisado e homologado, uma vez homologado não cabe mais discussão sobre a matéria, sendo corroborado por outro profissional da área, sendo este um Oficial do quadro de saúde. Assim, mesmo com exigência de não desconsiderar o atestado médico, nada impede que o comandante diligencie para verificar a sua veracidade e legitimidade conforme determinação do art. 42 da Portaria nº 8684/16, principalmente quando relativo a 01 (um) dia, causador de muita polêmica na Corporação, vez que pode o militar agraciado com o citado atestado médico ter utilizado de subterfugio para consegui-lo através de simulação, falsidade, falsificação ou qualquer outro artificio (ver item 5), há ainda, previsão do art. 34, III do mesmo dispositivo, que em caso de dúvida no atestado o comandante encaminhará (ordem) o atestado e o PM para ser analisado e homologado pelo médico militar mais próximo, onde o profissional poderá autenticar ou invalidar o atestado (Ver item 4). Confirmada a irregularidade deve ser a conduta apurada e os envolvidos, tanto o servidor quanto o médico, responsabilizados, conforme o caso concreto, conforme o Art. 42, § 1º (Ver item 5). Assim, conforme a disposição legal, não pode o atestado ser desconsiderado, mas pode ser questionado, tanto no aspecto formal (requisitos legais de validade) quanto material (a moléstia propriamente dita). Desta forma não há que se falar que o policial militar deixa de cumprir sua escala de serviço quando amparado por atestado médico, mesmo que seja de 01 (um) dia, não fará jus a sua folga, ou, deve comparecer a unidade para cumprir outra escala em compensação aquela que faltou, vez que se encontrava dispensado do serviço, conforme estabelece a Lei, com a remuneração integral e computadas como tempo de efetivo serviço, ou seja, se encontrava para todos os efeitos dispensado em decorrência de atestado médico (art. 132, III, Lei nº 08.033/75), sendo a sua falta abonada. Como demonstrado, cabe a Administração Pública, provar que o atestado foi emitido com má-fé, simulação de doença, falsidade, falsificado ou qualquer outra situação que enseje pratica de crime ou transgressão disciplinar, resguardados seus direitos e garantias legais quando não demonstrada qualquer pratica irregular ou ilícita, podendo ainda ensejar a responsabilidade da Autoridade que desencadear o referido procedimento sem justa causa ou razão (Ver item 5). 3. Da ausência ao trabalho Como exposto, a dispensa de serviço em decorrência de prescrição médica é estabelecida em Lei, desta forma não pode nenhum outro ato administrativo ser contrário à sua disposição legal, ou seja, o policial militar amparado por atestado médico (que seja de 01 dia) está autorizado a afastar-se do serviço, com remuneração integral e computado como tempo de efetivo serviço (art. 132, III, Lei nº 08.033/75). Assim, por ser lei, nenhum outro ato administrativo lhe pode ser contrário, sob pena de abuso ou legislar por portaria, vez que a lei é a vontade do povo manifestada através de seus representantes eleitos e somente por estes ou por ato do chefe do executivo poderá ser regulamentada, sendo nula com efeitos ex tunc, conforme Parecer PA 002436/2011, no processo 201100003002358, a Procuradora Deusa de Fátima Pereira, em seu item 12, decide: “12. Os Comandantes Gerais, não podem expedir decretos, portarias ou instruções para regulamentar uma lei. Com fundamento no texto constitucional somente o chefe do executivo poderá regulamentar uma lei, sob pena de nulidade.” Desta forma qualquer ato de Autoridade Administrativa que regulamenta Lei é inócuo, no caso da Portaria nº 2550/12 que define a Jornada de Trabalho e a carga horária dos Policiais Militares, onde em seu art. 2º, onde demonstra que existem períodos de descanso e a folga regulamentar (que é matéria constitucional), determina que o PM que deixar de cumprir a sua escala não fara jus a sua folga, o que não se aplica no caso de atestado médico, devendo ser respeitado o período de 72 horas para homologação (Portaria nº 8684/16, art. 34, V). Verifica-se ainda que quanto a falta do Policial deve ser instaurado o devido procedimento administrativo (art. 2º, § 5º, Portaria nº 2550/12) para apurar a sua falta e os motivos por deixar de cumprir a sua escala, este não pode simplesmente, ser tolhido de sua folga (art. 2º, § 3º, Portaria nº 2550/12). Determina a Portaria nº 2550/12, litteris: “Art. 2º – A Jornada de Trabalho corresponde a toda e qualquer carga horária de trabalho diário, formalizada para fins de execução dos serviços operacionais ou administrativos da PMGO, dos quais decorrem o período de descanso e a correspondente folga regulamentar. §1º – Para o emprego operacional e administrativo do policial militar, em situações normais fica definida a jornada de 42 (quarenta e duas) horas semanais. §2º – O policial militar empregado no serviço de tele atendimento, cumprirá jornada de, no máximo, 6 (seis) horas, podendo ser empregado em outra atividade, a fim de se cumprir sua carga-horária. §3º – O policial militar que deixar de cumprir sua escala de serviço integralmente não fará jus à folga relativa à mesma. §4º- Em caso de falta ao serviço, o policial militar deverá se apresentar ao seu Comandante imediato posteriormente ao dia em que faltou ao serviço, ou para a próxima escala, dependendo do que ocorrer primeiro. §5º – O faltoso deverá apresentar as razões pelas quais deixou de comparecer ao serviço, ficando a cargo de seu comandante imediato, analisar o caso e, se necessário, determinar a apuração dos fatos.” Negritei. Desta forma, a previsão da presente Portaria não se aplica aos atestados médicos, sob pena de abuso de poder e autoridade, improbidade administrativa, sem prejuízo de transgressão disciplinar pelo Superior Hierárquico do Militar, que determinar qualquer ordem no sentido de que o Policial cumpra escala de serviço ou faça a reposição das horas não trabalhadas sem do devido processo legal, cabendo ao Militar prejudicado a representação do superior que emite tal ordem, ressaltando que deve nos termos do Regulamento Disciplinar exigir deste ordem por escrito, por ser claramente ilegal (art. 7º do Decreto nº 4.717/96), figurando transgressão disciplinar capitulada no art. 68, item 41 (dar, por escrito ou verbalmente, ordem ilegal ou claramente inexequível, que possa acarretar ao subordinado responsabilidade, ainda que não chegue a ser cumprida;). 4. Da licença para tratamento da saúde Como já discutido a Portaria nº 8684/16, aprova as normas para inspeções de saúde na Polícia Militar de Goiás, trata nos art. 34 e 35 das licenças e atestados médicos onde trouxe algumas inovações sobre o tema, verbis: “Art. 34 – A licença para tratamento da saúde própria do PM obedecerá aos seguintes critérios: I – o comandante imediato do Policial Militar não poderá desconsiderar atestado médico; II – os 3 (três) primeiros dias de licença médica poderão ser homologados pelo comandante da Unidade, na falta de médico na OPM; III – em caso de dúvida, o comandante encaminhará o atestado e o PM para a Unidade mais próxima provida de médico, para ser analisado e homologado; IV – o militar que necessitar homologar atestado médico, e não apresentar condições físicas de deslocamento, fica a cargo da OPM, encaminhar o atestado (original) via ofício informando o impedimento e solicitando a homologação sem a presença do mesmo; V – o prazo máximo para a apresentação do policial militar ao Oficial médico encarregado da homologação será de 72 (setenta e duas) horas, ou o primeiro dia útil após o vencimento deste período, quando a conclusão do prazo recair em dia não útil; VI – os documentos médicos e hospitalares, só serão considerados quando em papel timbrado, sem rasuras, constando a CID-10 (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde) da enfermidade em questão, com carimbo, CRM e assinatura do médico; VII – após homologação dos três primeiros dias, se houver necessidade de prorrogação ou novo atestado no mês em curso, o PM deverá ser encaminhado ao médico da OPM mais próxima ou a JCS; VIII – após o 30º (trigésimo) dia de licença médica, o PM deverá ser encaminhado mediante oficio à JCS para homologação de novo atestado. IX – a enfermidade deverá ser comprovada através de exames complementares (Rx, exames de laboratório e etc), a critério do médico encarregado da homologação; X – nos casos de internação para tratamento clínico ou cirúrgico, o policial militar deverá anexar ao atestado a declaração fornecida pelo hospital ou clínica informando a data da internação e da alta hospitalar devidamente assinada; XI – O militar que se apresentar à JCS sem o ofício de sua unidade e/ou atestado médico não será atendido e, tal fato, será comunicado ao comandante de sua unidade para que sejam tomadas as medidas disciplinares cabíveis, e será considerado pela JCS como falta administrativa; XII – A apresentação do militar à JCS, após o não comparecimento a mesma sem justa causa, será realizada de forma regulamentar, porém o(s) atestado(s) médico(s) será(ão) considerado(s) a partir da data de sua apresentação e não será(ão) homologado(s) retroativamente. XIII – Quando o militar estiver agendado para comparecer à JCS, e o mesmo se encontrar em gozo de férias ou licença, a sua unidade deverá encaminhar ofícío via fax ou email, informando o período de afastamento, para que seja providenciado o reagendamento, evitando assim, o lançamento da falta do militar. Art. 35 – A licença para tratamento de pessoa da família será concedida pela JCS quando a pessoa enferma necessitar de ajuda de terceiros para sua higiene e alimentação e não existir outro membro da família em condições de prestar tal assistência. § 1º – Para fins de concessão da licença de que trata o caput deste artigo, entende-se por pessoa da família, o pai, a mãe, os filhos, a esposa (o) ou companheira (o). § 2º – A licença de que trata este artigo será concedida, de forma periódica, por período de até 02 (dois) anos, nos casos em que o afastamento seja necessário mediante comprovação, através de: I – exames complementares; II – relatório do médico assistente; III – relatório de visita de assistência social ou de um oficial médico ao doente. § 3º – Caso seja necessário manter a concessão da licença para tratamento de saúde de pessoa da família por um período superior a 02 (dois) anos, deverão ser observadas e aplicadas as regras contidas no inciso V, do artigo 90 da Lei 8.033, de 03 de agosto de 2010.” 4.1. Do atestado médico: A presente norma impõe ao Comandante imediato do policial militar, certos deveres e obrigações, dirigido sempre o seu bem-estar e melhora clínica do paciente, que é o policial militar, proporcionando sempre a recuperação e reabilitação da sua saúde, para que possa retornar ao seu labor, da seguinte forma: 4.1.1. Não poderá desconsiderar atestado médico (art. 34, I). 4.1.2. Na falta de médico na OPM, homologar os 03 (três) primeiros dias de atestado (art. 34, II), se houver necessidade de prorrogação ou novo atestado após a homologação dos 03 primeiros dias, o Militar deverá ser encaminhado ao médico da OPM mais próxima ou a JCS (art. 34, VII). 4.1.3. Quando o militar que necessitar homologar atestado médico, e não apresentar condições físicas de deslocamento, fica a cargo da OPM, encaminhar o atestado (original) via ofício informando o impedimento e solicitando a homologação sem a presença do mesmo (art. 34, IV). Essa situação, é uma inovação, que deixa a cargo do Comando do Militar, quando seu subordinado se encontra internado ou incapacitado de locomoção de evitar seu deslocamento, o que gera gastos e desgastes ao servidor. Nessa situação o Superior, conhecedor da situação de seus subordinados atesta o impedimento, encaminha somente o atestado via oficio que é homologado, sendo a inspeção do servidor quando na sua melhora, permitindo o deslocamento. 4.1.3. Quando o militar estiver agendado para comparecer à JCS, e o mesmo se encontrar em gozo de férias ou licença, a sua unidade deverá encaminhar ofícío via fax ou email, informando o período de afastamento, para que seja providenciado o reagendamento, evitando assim, o lançamento da falta do militar (art. 34, XIII). 4.2. Da homologação 4.2.1. Do prazo para homologação do atestado O regramento estabelece o prazo máximo de 72 horas para apresentação ao Oficial Médico (ou Comandante) para homologação de seu atestado ou primeiro dia útil após o vencimento deste período, quando a conclusão do prazo recair em dia não útil (art. 34, V). Essa determinação vai de encontro ao art. 2º, § 4º, da Portaria nº 2550/12, que determina que: “Em caso de falta ao serviço, o policial militar deverá se apresentar ao seu Comandante imediato posteriormente ao dia em que faltou ao serviço, ou para a próxima escala, dependendo do que ocorrer primeiro.”. Nessa situação entendemos que o mais sensato e obediência a Portaria nº 8684/16 em caso de falta por atestado médico, quanto a outros motivos, esses serão disciplinado pela outra norma. 4.2.2. Das características dos documentos médicos e hospitalares Estabelece a norma que os documentos médicos e hospitalares apresentados para que sejam considerados, devem conter as seguintes características (art. 34, VI), sendo: 1) em papel timbrado; 2) sem rasuras; 3) constar CID-10 da enfermidade; 4) identificação do médico com carimbo, CRM e sua assinatura; Assim, tais exigências remetem a Resolução do CFM, sendo: RESOLUÇÃO CFM nº 1.658/2002 “Art. 3º Na elaboração do atestado médico, o médico assistente observará os seguintes procedimentos: I – especificar o tempo concedido de dispensa à atividade, necessário para a recuperação do paciente; II – estabelecer o diagnóstico, quando expressamente autorizado pelo paciente; III – registrar os dados de maneira legível; IV – identificar-se como emissor, mediante assinatura e carimbo ou número de registro no Conselho Regional de Medicina.” 4.2.3. Da apresentação de “novo atestado” Quando o Militar após o trigésimo dia de licença medica, deverá ser encaminhado mediante oficio a JCS, para homologação de novo atestado, ou seja, decorrido o afastamento de trinta dias, deve se apresentar munido de “novo atestado”, onde o anterior não terá validade (art. 34, VIII), conforme dicção da norma. A regra estabelece que após 30 dias de licença o militar deve apresentar para homologação de “novo atestado”, onde o texto deixa claro que o atestado anterior deixa de ter validade, e desta forma o enfermo traga outro atestado (novo atestado) do seu médico assistente. Situação da qual discordamos, em situação em que o médico assistente, por exemplo, concede 90 dias de afastamento, durante esse período o médico assistente não expedirá “novo atestado”, por já ter se manifestado, sendo este revogado somente se a situação clínica do combalido houver mudado, demonstrando essa exigência desproporcional ou sem razoabilidade. Neste caso deve a JCS ao requerer novo atestado, deve demonstrar e fundamentar a sua necessidade, como dito, o médico assistente já emitiu seu diagnóstico, o que pode ser modificado caso o quadro do paciente se altere. Assim, no exemplo do atestado de 90 dias, a JCS pode exigir o seu retorno de trinta em trinta dias até o findar do atestado do médico assistente, mas para que apresente novo atestado de 30 em 30 dias essa exigência se demonstra completamente sem motivação ou fundamentação. Como exposto a exigência de novo atestado dentro do prazo de validade do atestado do médico assistente é completamente descabida, sem a devida motivação e fundamentação. 4.2.4. Da comprovação da enfermidade A critério do médico encarregado da homologação (art. 34, IX), a enfermidade deverá ser comprovada através de exames complementares (raios x, exames de laboratório, etc.), essa exigência se justifica para evitar casos de fraude para obter afastamento ou restrição médica temporária, com simulação de enfermidade conforme descrito no art. 42, § 1º. Temos ainda o estabelecido no art. 18, § 6º, que quando surgirem dúvidas sobre a elucidação diagnóstica, a JCS poderá encaminhar o caso à Perícia Psiquiátrica, bem como solicitar pareceres complementares do médico assistente (Anexo V). Sobre a questão esclarece o Parecer CREMEC nº 01/99: “Por fim, manifesta-se este CREMEC, no sentido de que todo atestado médico emitido por médico legalmente habilitado, revestido de lisura e perícia, é válido e possui todas as prerrogativas legais a que se destina, devendo ser sempre levado em consideração pelo médico da empresa, como peça importante para seu raciocínio clínico e suas conclusões, dele discordando somente se fundamentado em sólidas razões científicas ou éticas.” Conforme exposto quando houver qualquer dúvida no atestado durante a homologação, deverá a enfermidade ser comprovada através de exames complementares (raios x, exames de laboratório, etc.), por iniciativa da JCS devidamente motivada e fundamentada, pois o médico assistente é revestido de lisura e pericia, portanto, valido para todos os fins legais, servindo como peça essencial para o raciocínio clinico e as conclusões da JCS, deste deve discordar somente se fundamentado em razões solidas e razões cientificas ou éticas, situação que se não for comprovada gera responsabilidade para o referido colegiado. 4.2.4. Da internação para tratamento clinico ou cirúrgico Há ainda casos de internação para tratamento clinico ou cirúrgico (art. 34, X), que deverá vir anexado ao atestado a declaração fornecida pelo hospital ou clinica informando a data da internação e da alta hospitalar devidamente assinada. Essa exigência, pelo texto legal visa os casos de cirurgia eletiva ou de internação voluntária, involuntária ou compulsória para qualquer fim de tratamento, caso que destacamos o tratamento estético, além do uso abusivo de álcool ou drogas, o que é cada vez mais frequente pelos profissionais da área de segurança. 4.2.5. Da apresentação na JCS O enfermo para se apresentar na JCS deve vir munido de oficio de sua unidade e do atestado do seu médico assistente, sem os quais não será atendido (art. 34, XI), sendo essa situação considerada como falta administrativa pela JCS. Nesse caso, além do não atendimento o fato será comunicado ao Comandante do faltoso para que sejam tomadas as medidas disciplinares cabíveis, ainda, no mesmo sentido, quando for o militar devidamente encaminhado para: 4.2.5.1. Inspeção de Saúde; 4.2.5.2. Programa de Reabilitação e Inserção Social (CRIS); 4.2.5.3. Convocado para o Programa de Saúde do Policial Militar (CSIPM); Em qualquer dessas situações, deixar de comparecer sem motivo justificável, deverá ser comunicado o seu Chefe imediato para fins de apuração e providências disciplinares cabíveis conforme determinado no art. 41, da presente norma. A norma inova e regula que os períodos de afastamento relativo a férias e licença, deve ser informado antecipadamente pela Unidade do Militar, que deverá encaminhar ofício via fax ou e-mail, informando o período de afastamento, para que seja providenciado o reagendamento, evitando assim, o lançamento da falta do militar (art. 34, XII). 4.2.6. Do controle, acompanhamento e apuração quando em tratamento de saúde A lex novae atribui competência para o controle, acompanhamento e apuração da conduta do policial militar em licença para tratamento da saúde própria ou com restrições médicas temporárias como de responsabilidade do seu comandante ou chefe, o qual, diante de comunicação do Comando de Saúde ou constatando qualquer irregularidade disciplinar deverá apurar e aplicar as sanções disciplinares cabíveis conforme estabelece o art. 42, que vislumbra ainda as seguintes situações: “§ 1º – Caso houver suspeita de que o policial militar tenha cometido fraude para obter afastamento médico ou restrição médica temporária, esteja simulando enfermidade ou exercendo qualquer atividade laborativa fora da Corporação, o comandante ou chefe do PM deverá elaborar relatório circunstanciado e encaminhar, juntamente com formulário do Anexo VII preenchido, ao Comando de Saúde. § 2º – O Comando de Saúde, após recebida a comunicação prevista no § 1º deste artigo, deverá diligenciar através de perícia médica ou psicológica, via JCS, emitindo, ao final, relatório confirmando ou não as suspeitas e enviar para o comandante ou chefe do PM, para as providências previstas no caput deste artigo. § 3º – Para a elaboração dos relatórios mencionados nos §§ 1º e 2º deste artigo, o comandante ou chefe do PM e o Comando de Saúde poderão requisitar a PM/2 para cumprir diligências de buscas e coletas de dados.” Assim, fica estabelecido que após a apresentação do militar à JCS, após o não comparecimento ao agendamento, quando, sem justa causa, será realizada a apuração de forma regulamentar, porém o atestado médico será considerado a partir da data de sua apresentação e não será homologado retroativamente conforme entendimento do art. 34, XII. Conforme interpretação literal da norma, sem a demonstração da falta por justa causa, o lapso temporal entre a homologação e o novo comparecimento não será considerado como justificado através do respectivo atestado médico, ou seja, aquele período será desprezado pela JCS, situação que refletirá disciplinarmente na vida do militar, o elaborador da norma visa com essa redação para que se evite ausências injustificadas. Situação que teimamos em discordar pois a justificativa quanto ao comparecimento na JCS não elide o teor do atestado médico ou a situação clínica do paciente, mesmo diante da boa intenção ao elaborar a norma, esta não possui competência para desconsiderar parcialmente o atestado ou relatório médico, que somente será ineficaz se estiver em desconformidade com a Lei pertinente ao assunto. 4.1. Licença para tratamento de pessoa da família No intuito de esgotar o tema, o Policial Militar pode ainda ter licença para afastar-se totalmente do serviço em caráter temporário para tratamento de saúde de pessoa da família ou saúde própria, nos termos do art. 64, § 1º, do Estatuto:  “Art. 64 – Licença é a autorização para o afastamento total do serviço, em caráter temporário concedida ao Policial-Militar, obedecidas as disposições legais e regulamentares. § 1º – A licença pode ser: … III – para tratamento de saúde de pessoa da família; e IV – para tratamento de saúde própria. V – à gestante, por 180 (cento e oitenta) dias, mediante inspeção médica; VI – maternidade de 180 (cento e oitenta) dias à adotante ou à que obtenha a guarda judicial de criança de até 1 (um) ano de idade, mediante apresentação de documento oficial comprobatório da adoção ou da guarda.” A Portaria nº 8684/16, no art. 35, sobre licença para tratamento de saúde de pessoa da família: “Art. 35 a licença para tratamento de pessoa da família será concedida pela JCS quando a pessoa enferma necessitar de ajuda de terceiros para sua higiene e alimentação e não existir outro membro da família em condições de prestar tal assistência. § 1º para fins de concessão da licença de que trata o caput deste artigo, entende-se por pessoa da família, o pai, a mãe, os filhos, a esposa (o) ou companheira (o). § 2º – A licença de que trata este artigo será concedida, de forma periódica, por período de até 02 (dois) anos, nos casos em que o afastamento seja necessário mediante comprovação, através de: I. exames complementares; II. relatório do médico assistente; III. relatório de visita de assistência social ou de um oficial médico ao doente.” § 3º – Caso seja necessário manter a concessão da licença para tratamento de saúde de pessoa da família por um período superior a 02 (dois) anos, deverão ser observadas e aplicadas as regras contidas no inciso V, do artigo 90 da Lei 8.033, de 03 de agosto de 2010.” Devido à falta de informação é comum o militar imaginar que o acompanhamento de familiares é automático, ou seja, basta apresentar o atestado médico para lhe ser garantido o abono de faltas ao trabalho sem prejuízo de sua remuneração, o que somente acontece quando é concedida quando devidamente homologada pela JCS após a solicitação do interessado (Portaria nº 8684/16, art. 35), isso quando a pessoa enferma necessitar de ajuda de terceiros para sua higiene e alimentação, sendo estendida ao pai, mãe, filhos, esposa ou companheira (Portaria nº 8684/16, art. 35, § 1º). No entanto, há ressalva a esse direito, vez que ultrapassado o prazo de 01 (um) ano para tratamento de saúde própria ou de 06 (seis) meses contínuos para tratamento de pessoa da família o militar é agregado, nos termos do Estatuto no art. 75, § 1º, III, “c” e “e”, ipsis litteris: “Art. 75 – A agregação é a situação na qual o Policial-Militar da ativa deixa de ocupar vaga na escala hierárquica do seu Quadro, nela permanecendo sem número. § 1º – O Policial-Militar deve ser agregado quando: … III – for afastado temporariamente do serviço ativo por motivo de: … c) haver ultrapassado um (1) ano contínuo de licença para tratamento de saúde própria; … e) haver ultrapassado seis (6) meses contínuos em licença para tratamento de saúde de pessoa da família;” Ainda, nos termos do § 3º, caso seja necessário manter a concessão da licença para tratamento de saúde de pessoa da família por um período superior a 02 (dois) anos, deverão ser observadas e aplicadas as regras contidas no inciso V, do artigo 90 da Lei 8.033/75, que determina: “Art. 90 A transferência "ex-officio" para a reserva remunerada dar-se-á sempre que o policial militar: … V – ultrapassar dois (2) anos contínuos em licença para tratamento de saúde de pessoa da família;” 5. Da irregularidade na apresentação do atestado Diante do exposto o Policial Militar que apresenta atestado médico por meio de algum subterfugio, simulação de doença, falsidade, falsificação ou qualquer outro artificio, incorre tanto em crime quanto em transgressão disciplinar, responsabilidade estendida ao médico, quando este é cumplice do paciente, quanto ao crime e violação do Código de Ética Médica, podendo incorrer em crime. Assim, nos termos do art. 34, IX, a enfermidade deverá ser comprovada através de exames complementares (raios x, exames de laboratório, etc.) e ainda o estabelecido no art. 18, § 6º, que quando surgirem dúvidas sobre a elucidação diagnóstica, a JCS poderá encaminhar o caso à Perícia Psiquiátrica, bem como solicitar pareceres complementares do médico assistente (Anexo V), o que poderá esclarecer a dúvida quanto a veracidade ou não do atestado. Nesse sentido destaco o Parecer CREMEC nº 01/99, que retrata o exposto: “O atestado médico, portanto, não deve “a priori” ter sua validade recusada, porquanto estarão sempre presentes no procedimento do médico que o forneceu a presunção de lisura e perícia técnica, exceto se for reconhecido favorecimento ou falsidade na sua elaboração, quando então, além da recusa, é acertado requisitar a instauração do inquérito policial e, também, a representação ao Conselho Regional de Medicina para a instauração do indispensável procedimento administrativo disciplinar.” Lembrando que o controle e o acompanhamento da conduta do policial militar em licença para tratamento de saúde são de responsabilidade do seu comandante ou chefe (art. 42) que dever promover o seu controle, acompanhamento e apuração. 5.1. Quanto aos crimes militares: “Falsificação de documento Art. 311. Falsificar, no todo ou em parte, documento público ou particular, ou alterar documento verdadeiro, desde que o fato atente contra a administração ou o serviço militar: Falsidade ideológica Art. 312. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, desde que o fato atente contra a administração ou o serviço militar: Certidão ou atestado ideologicamente falso Art. 314. Atestar ou certificar falsamente, em razão de função, ou profissão, fato ou circunstância que habilite alguém a obter cargo, pôsto ou função, ou isenção de ônus ou de serviço, ou qualquer outra vantagem, desde que o fato atente contra a administração ou serviço militar: Uso de documento falso Art. 315. Fazer uso de qualquer dos documentos falsificados ou alterados por outrem, a que se referem os artigos anteriores:” 5.2. Quanto as transgressões disciplinares: As transgressões disciplinares se encontram inseridas no art. 68 do Decreto nº 4.717/96, neste caso especifico nos seguintes itens: “42. prestar informação a superior induzindo-o a erro, deliberada ou intencionalmente; 62. faltar com a verdade; 77. simular doença para esquivar-se ao cumprimento de qualquer dever militar;” 5.3. Quanto ao Código de Ética Médica: “Capítulo III RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL É vedado ao médico: Art. 11. Receitar, atestar ou emitir laudos de forma secreta ou ilegível, sem a devida identificação de seu número de registro no Conselho Regional de Medicina da sua jurisdição, bem como assinar em branco folhas de receituários, atestados, laudos ou quaisquer outros documentos médicos. DOCUMENTOS MÉDICOS É vedado ao médico: Art. 80. Expedir documento médico sem ter praticado ato profissional que o justifique, que seja tendencioso ou que não corresponda à verdade. Art. 81. Atestar como forma de obter vantagens.” Conclusão: O tema atestado médico gera sempre grande polêmica na Corporação, devido a utilização indevida desse direito por alguns servidores, mas a grande discussão paira em torno do atestado de 01 (um) dia, o que não deve gerar qualquer polêmica, vez que é um direito do servidor, previsto em Lei. O próprio texto legal não deixa dúvida, o art. 131, do Estatuto, estabelece que: “As dispensas do serviço são autorizações concedidas aos Policiais-Militares para afastamento total do serviço, em caráter temporário.”, desta forma fica evidente que quando afastado em uma das situações do art. 132 o militar está autorizado a se afastar do serviço, sem qualquer prejuízo em sua folga, carreira ou qualquer outro direito. Neste contexto a exigência da Portaria nº 2550/12, de que o PM que deixar de cumprir a sua escala não fara jus a sua folga, pode, até ocorrer, mas somente quando o militar não justificar a sua falta, situação que deve ser precedida do devido processo legal, e não como pregoa o § 4º, art. 2º, onde narra que o policial militar deverá se apresentar ao seu Comandante imediato posteriormente ao dia em que faltou ao serviço, ou para a próxima escala, dependendo do que ocorrer primeiro, ou seja, sem qualquer apuração do fato, o que é viável somente no caso do militar dispensar o devido processo legal, por não estar legalmente amparado. Essa ressalva de da pela própria Portaria nº 2550/12 que define a Jornada de Trabalho e a carga horária dos Policiais Militares, onde em seu art. 2º, deixa claro que existem períodos de descanso e a folga regulamentar (garantia constitucional). É claro que nenhum direito é absoluto, pois em caso de qualquer suspeita de validade do atestado médico, cabe ao Comandante ou o médico responsável pela homologação verificar sua veracidade e legitimidade, promovendo diligencias junto ao médico que o expediu a confirmação de sua validade,  onde pode o militar agraciado com o atestado médico ter utilizado de algum subterfugio para consegui-lo através de simulação, falsidade, falsificação ou qualquer outro artificio, devendo tanto o servidor quanto o médico devem ser responsabilizados, quando incorrerem em alguma irregularidade, mas nunca recusar ou desconsiderar o atestado médico. Assim, mesmo não podendo recusar ou desconsiderar o atestado médico, nada impede que o comandante diligencie para verificar a veracidade e legitimidade deste, principalmente os expedidos com 01 (um) dia de afastamento, onde inclusive pela nova norma se tornou competência do comandante do paciente em acompanhar a conduta de seu subordinado quando em tratamento de saúde (art. 42). No entanto, a falta do servidor, atestada por médico, é dispensa do serviço, não é passível de reposição ou qualquer outra retaliação, vez que o militar se encontra dispensado do Serviço Policial Militar (SPM), cabendo somente prova em contrário de sua veracidade e legitimidade que deve ser apurada e provada em competente procedimento administrativo quando na dúvida de sua autenticidade, responsabilizando os envolvidos.
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Licitude da interrupção do serviço público pela concessionária por inadimplemento do usuário
este artigo trata da discussão entre a licitude ou não da interrupção de um serviço público por inadimplência do usuário de serviço público. Temática abordada no curso de Direito Constitucional Aplicado da XXXIII turma do Curso de Pós-graduação em Direito Público da Universidade Anhanguera-LFG.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO Esse trabalho trata da discussão a respeito da licitude da interrupção do serviço público por parte da concessionária de serviço em decorrência da inadimplência da tarifa para o custeio por parte do usuário. 2. DESENVOLVIMENTO Antes de analisar a premissa central, devem-se estudar alguns pontos importantes. O primeiro deles é o conceito de concessionária de serviço público. Tal definição é estabelecida pelo professor José dos Santos Carvalho Filho: “Concessão de serviço público é o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública transfere à pessoa jurídica ou a consórcio de empresas a execução de certa atividade de interesse coletivo, remunerada através do sistema de tarifas pagas pelos usuários. Nessa relação jurídica, a Administração Pública é denominada de concedente, e, o executor do serviço, de concessionário.” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. 2014, p. 374) Observa-se que o autor vai além, define concessão e também a pessoa fruto desta, a concessionária. O primeiro é um instituto jurídico que concede à segunda o poder e dever de prestar o serviço público em substituição ao Estado, a administração pública, enquanto que o administrado se compromete, no outro polo do contrato, às suas devidas obrigações e direitos que vão ser analisados no decorrer deste trabalho. A Constituição Federal disciplina superficialmente tais relações jurídicas: “Art. 175. Parágrafo único. A lei disporá sobre: I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II – os direitos dos usuários; III – política tarifária; IV – a obrigação de manter serviço adequado”.(BRASIL, Constituição Federal. 1988) Alguns pontos podem ser analisados da Carta Magna, dentre eles: o instituto jurídico de conceder a terceiros o cumprimento do serviço público em nome da administração pública; a asseguração dos direitos dos usuários desse serviço; e a obrigação de manter o serviço adequado. A própria norma constitucional deixou claro em vários pontos que precisa de complemento, este veio com a promulgação da Lei 8987 que estabeleceu o Regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos. Abaixo está transcrito o capítulo 2 desta lei que trata do serviço público adequado supracitado pelo poder constituinte originário. “Art. 6o § 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas. § 2o A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço. § 3o Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando: I – motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; II – por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade”. (BRASIL, Lei 8987. Regime de concessão e permissão do serviço público. 1995) O serviço público adequado é dever da concessionária e o artigo 6º define tais medidas para alcançar esta premissa assim como cita os princípios do serviço público (são eles: regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas). No entanto tal previsão não é de responsabilidade apenas das concessionárias, uma vez que o inciso II do parágrafo 3º deixou claro que o inadimplemento do usuário pode gerar interrupção da prestação de serviço por não considerar tal situação uma hipótese de descontinuidade do serviço público. Surge em torno dessa norma o questionamento de estar ou não violando o princípio da dignidade da pessoa humana quando permite a interrupção de serviço público indispensável. Nesse sentido, vale ressaltar o garantismo presente no Código de Defesa do Consumidor no artigo 22 abaixo transcrito: “Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código”. (BRASIL, Lei 8078, Código de Defesa do Consumidor. 1990.) Apesar de tal interrupção, quando necessária, realmente gerar um desconforto para o usuário, é necessária para custear o serviço público e o consequente serviço público adequado de acordo com o que determina a Lei 8987, acima analisado. É o que estabelece a doutrina atualmente, vale citar novamente o professor José dos Santos Carvalho Filho que esclarece: “[…] incumbe aos usuários o pagamento da tarifa ao concessionário pelos serviços que lhes foram prestados. A tarifa, como vimos, é modalidade de preço público e se caracteriza por remunerar serviços públicos objeto de contratação. Desse modo, o não pagamento configura-se como inadimplência por parte do usuário, criando para o concessionário o direito de suspender a prestação do serviço enquanto perdurar o descumprimento, o que encontra suporte no art. 6º, § 3º, 11, da Lei nº 8.987/1995.95 A matéria, como já vimos, vem sendo pacificada nos tribunais.” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. 2014, p. 374) Esse entendimento também é compartilhado pela jurisprudência. É o que orienta a Súmula 83 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: "É lícita a interrupção do serviço pela concessionária, em caso de inadimplemento do usuário, após prévio aviso, na forma da lei". 3. CONCLUSÃO A interrupção da prestação de serviço público por parte de concessionárias, portanto, não é vista como ilícita nem pela doutrina nem pela jurisprudência conforme determinam a Lei 8987 e a Súmula 83. No entanto, parte da doutrina considera violação ao princípio da dignidade da pessoa humana a interrupção de serviços essenciais quando comprovada a baixa renda do administrado. Orienta-se às concessionárias, ao perceber a inadimplência do usuário e comprovado o comprometimento da prestação adequada do serviço público, fundamentando-se na necessidade de garantir o serviço público adequado para a coletividade, informe com devida antecedência o administrado para que possa realizar o pagamento.    .
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Interesse público em detrimento do interesse privado: a intervenção do estado na propriedade em prol da preservação do patrimônio cultural
O escopo do presente artigo está assentado em analisar a intervenção do Estado na propriedade privada, calcada na preservação do patrimônio cultural, em detrimento do interesse privado, com especial atenção para o instituto do tombamento. É cediço que a Constituição Federal de 1988, em seus artigos 215 a 216-A, confere especial proteção ao patrimônio cultural, reconhecendo-o como direito fundamental e indissociável do superprincípio da dignidade da pessoa humana, bem como conferindo especial proteção às diversas formas de manifestação, quer sejam imateriais, quer sejam materiais. Neste aspecto, o Texto Constitucional, de maneira ilustrativa, apresenta diversos instrumentos protetivos, os quais autorizam a intervenção na propriedade privada, com o escopo de assegurar a preservação e integridade dos bens protegidos. Dentre tais instrumentos, é possível citar o tombamento como medida extrema protetiva, incentivada pela materialização do interesse público em detrimento do interesse privado. A metodologia empregada na condução do presente é o método indutivo, conjugado com a utilização da revisão bibliográfica[1].
Direito Administrativo
1 INTRODUÇÃO Após a primeira Constituição Brasileira de 1824, os direitos culturais vieram à tona para a população nacional. Com o decorrer do tempo, múltiplas constituições foram outorgadas e promulgadas, trazendo consigo um soerguimento apreciável num leque alusivo a cultura.  No presente, os direitos culturais que já foram desvalorizados em épocas passadas, pertencem aos direitos fundamentais. Com o progresso estabelecido em virtude a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, todos os bens materiais e imateriais com valor artísticos, históricos, que fazem “referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” (BRASIL, 1988), constituem o Patrimônio Cultural Brasileiro. Com a criação dos artigos 215° e 216° da constituição, a cultura passou a fazer parte da rotina da população. Numerosas formas de esmero foram atribuídas aos bens materiais e imateriais nacionais. O Estado garantiu a preservação do Patrimônio Cultural em nome da coletividade, e não apenas de um ser privado.  Através dessas medidas de proteção, qualquer pessoa passou a ter competência para solicitar algum meio de acautelamento e preservação de um bem que desfrute de interesse histórico. O poder público não permitirá que nenhuma memória seja destruída, tomando as medidas cabíveis para cada situação de preservação.  2 PATRIMÔNIO CULTURAL NA CONSTITUIÇÃO DE 1988  Após o remate do período imperial brasileiro, a primeira Carta Magna foi outorgada por D. Pedro I em 25 de março de 1824. Em seu todo, ela emite somente um item relacionado à cultura, este é o art. 179 que garante “a inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade (…)” (BRASIL, 1824). O inciso XXXIII, garante aos “Collegios, e Universidades, aonde serão ensinados os elementos das Sciencias, Bellas Letras, e Artes” (BRASIL,1824), destarte, mesmo que mínima, a erudição estava presente na primária constituição nacional. Em oposição à constituição supramencionada anteriormente, a Lei Maior de 1891 evolucionou com seu art. 35, “2º animar no Pais o desenvolvimento das letras, artes e ciências, bem como a imigração, a agricultura, a indústria e comércio, sem privilégios que tolham a ação dos Governos locais;” (BRASIL, 1891). Com a cessação do período escravocrata brasileiro, o governo investiu na imigração, colocando este fator em seu texto constitucional. Possivelmente, este foi o artigo que mais contribuiu para a miscigenação brasileira. A partir da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil em 1934, os direitos culturais alcançaram um leque incógnito nas constituições anteriores. No art. 10, em que determina a competência à União e aos Estados, o inciso terceiro estabelece que “proteger as belezas naturais e os monumentos de valor histórico ou artístico, podendo impedir a evasão de obras de arte;” (BRASIL, 1934), são responsabilidades do poder público. A CF/1934 também foi pioneira ao criar um capítulo intitulado “Da Educação e da Cultura”, “CAPÍTULO II Da Educação e da Cultura  Art 148 – Cabe à União, aos Estados e aos Municípios favorecer e animar o desenvolvimento das ciências, das artes, das letras e da cultura em geral, proteger os objetos de interesse histórico e o patrimônio artístico do País, bem como prestar assistência ao trabalhador intelectual.” (BRASIL, 1934) Doravante a este artigo, os direitos culturais encetaram um enorme progresso na sociedade. A cultura, mais do que nunca, fazia parte do quotidiano do cidadão brasileiro. A partir da Era Vargas, foi outorgada a Constituição de 1937. Se a constituição que a precedeu modernizou os benefícios pertencentes à cultura, esta foi o estopim para a promulgação do Decreto-Lei n° 25, de 30 de novembro de 1937. Este decreto pôs em prática o tombamento, sendo reconhecido como a primeira forma de preservação e conservação do patrimônio histórico e artístico brasileiro, conceituando-o como: “[…] o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interêsse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”. (BRASIL, 1937) Se não o bastasse, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937 dispunha de mais dois artigos em sua composição a respeito da cultura, explicitando que incumbia ao Estado, direta ou indiretamente, contribuir para o estímulo e favorecimento da temática. Com clareza ofuscante, o artigo 128 da Constituição supramencionada dispunha que: “Art 128 – A arte, a ciência e o ensino são livres à iniciativa individual e a de associações ou pessoas coletivas públicas e particulares. É dever do Estado contribuir, direta e indiretamente, para o estímulo e desenvolvimento de umas e de outro, favorecendo ou fundando instituições artísticas, científicas e de ensino”. (BRASIL, 1937) Nesta esteira, ainda, é possível mencionar que outro dispositivo constitucional dotado de importância, no que toca ao patrimônio cultural, era o artigo 134, conferindo, de maneira expressa, a proteção e os cuidados especiais dos Entes Federativos para os monumentos dotados de aspecto histórico, artístico e natural. Em complemento, o dispositivo em comento dicciona que “os monumentos históricos, artísticos e naturais, assim como as paisagens ou os locais particularmente dotados pela natureza, gozam da proteção e dos cuidados especiais da Nação, dos estados e dos municípios” (BRASIL,1937). Para tanto, com o escopo de estabelecer estrutura administrativa específica para a substancialização de tal preceito constitucional, foi instituído o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), posteriormente nominado de Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Ainda nesta marcha histórica, a promulgação da Constituição Federal Brasileira de 1946 cuidou da cultura em três dispositivos distintos. Em seu artigo 174, por exemplo, o Texto cuidou de estabelecer que o amparo à cultura configurava dever do Estado, logo, caberia a legislação infraconstitucional instituir institutos de pesquisas de preferência aos estabelecimentos de ensino superior para a consecução de tal fito, consoante aludia o parágrafo único do dispositivo retro. Por sua vez, o artigo 175 afixava, com objetividade, que as obras, os monumentos e os documentos dotados de valor histórico e artístico, tal como os monumentos naturais, as paisagens e os locais dotados de particular beleza se encontravam sob a proteção do Poder Público. Com efeito, colacionam-se os dispositivos que norteavam a temática: “Art. 173 – As ciências, as letras e as artes são livres. Art. 174 – O amparo à cultura é dever do Estado. Parágrafo único – A lei promoverá a criação de institutos de pesquisas, de preferência junto aos estabelecimentos de ensino superior. Art. 175 – As obras, monumentos e documentos de valor histórico e artístico, bem como os monumentos naturais, as paisagens e os locais dotados de particular beleza ficam sob a proteção do Poder Público.” (BRASIL, 1946) Dessemelhante as Constituições Brasileiras anteriores, a Carta Constitucional Militar, de 24 de janeiro de 1967, promoveu uma aglutinação na temática cultural, estabelecendo tal assunto em conjunto com a família a e a educação, no titulo VI. Neste sentido, o artigo 172 do Texto de 1967 vai repetir a disposição já entalhada no artigo 174 da Constituição revogada de 1946, afixando, igualmente, que o amparo à cultura configuraria dever do Estado. No parágrafo único do artigo 172, a Constituição de 1967 vai alargar a proteção especial concedida pelo Poder Público, passando a acobertar, também, as jazidas arqueológicas como elementos integrantes do patrimônio cultural. Assim, pode-se citar os seguintes dispositivos: “Art.171 – As ciências, as letras e as artes são livres. Parágrafo único – O Poder Público incentivará a pesquisa científica e tecnológica Art. 172 – O amparo à cultura é dever do Estado. Parágrafo único – Ficam sob a proteção especial do Poder Público os documentos, as obras e os locais de valor histórico ou artístico, os monumentos e as paisagens naturais notáveis, bem como as jazidas arqueológicas.” (BRASIL, 1967) Apesar de serem normas constitucionais, no período de ditadura militar brasileiro, a cultura sofreu diretamente com a censura, culminando, inclusive, no amordaçamento da liberdade de expressão e no contingenciamento das manifestações de cunho artístico-cultural. Neste passo, é possível aludir ao texto contido no artigo 171, preconizando, expressamente, que as ciências, as letras e as artes são livres, porém, contratando com tal disposição, a censura promoveu o exílio de diversos artistas nacionais, a exemplo de Caetano Veloso e Gilberto, em decorrência de suas canções criticarem o regime em vigor (REVISTA QUEM, 2013, s.p). Com os militares no governo, os brasileiros viviam um período de caos. Em decorrência do desgaste da ditadura civil-militar, conjugado com uma série de manifestações em prol da redemocratização do cenário nacional, inicia-se o processo de abertura política e anistia dos exilados políticos. Além disso, na década, tem origem o processo de construção de uma nova Constituição, plural, garantista e compreendendo os diversos segmentos sociais que compunham a sociedade, o que rende à alcunha de “Constituição Cidadã”. Temáticas sensíveis passam a ganhar relevo e passam a compor o Texto Constitucional, a exemplo do direito à saúde, à educação, à cultura, à previdência e à assistência social. “(…) destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias (…)”. (BRASIL,1988) De maneira expressa, a Constituição de 1988 introduz uma nova ordem jurídica, alicerçada no primado axiológico da dignidade da pessoa humana e reconhecendo uma pluralidade de direitos direcionados à realização do indivíduo e ao atendimento de todas as suas potencialidades. Os direitos fundamentais desempenham papel singular e as três dimensões usufruem de salvaguarda constitucional. Neste passo, os direitos culturais, integrantes da rubrica dos direitos de segunda dimensão, recebem disposição própria, nos artigos 215 a 216-A. Sobre os direitos culturais, Rocha e Aragão lecionam: “Os direitos culturais podem ser elencados como aqueles que dizem respeito à valorização e proteção do patrimônio cultural; à produção, promoção, difusão e acesso democrático aos bens culturais, à proteção dos direitos autorais e à valorização da diversidade cultural. Direitos que exigem um protagonismo por parte do Estado, eles estão intrinsecamente relacionados à consolidação da democracia, ideais de cidadania plena e fator de desenvolvimento”. (ROCHA; ARAGÃO. s.d., p. 01) Com a percepção de Sophia Cardoso Rocha e Ana Lúcia Aragão (s.d, p. 01), é possível afirmar que o Patrimônio Cultural Brasileiro faz parte dos direitos essenciais para uma boa qualidade de vida, desempenhando papel proeminente na persecução da dignidade da pessoa humana. Trata-se de verdadeiro mínimo existencial social indissociável da realização humana, não comportando, em decorrência do princípio da vedação ao retrocesso social, mitigação ou supressão na novel realidade instituída pela Constituição Federal de 1988. É possível, nesta linha de exposição, argumentar que o acesso ao patrimônio cultural configura, contemporaneamente, mecanismo de formação e fortalecimento da população com o cenário em que está inserido.  Em virtudes dos fatos supramencionados, tal como dito algures, o Constituinte teve especial atenção com a preservação dos direitos culturais, inserindo a seção II ao Texto Constitucional. Assim, o artigo 215, de maneira ofuscante, traz o reconhecimento de aludido direito, estabelecendo que o Estado assegurará, a todos, o pleno exercício dos direitos culturais, tal como mecanismos que fomentem o acesso às fontes de cultura nacional, inclusive apoiando e incentivando a valorização e a difusão das manifestações culturais (BRASIL, 1988). Denota-se, em um primeiro momento, que o artigo 215 estabelece o acesso à cultura substancializa elemento indissociável da realização humana e da concretização de cada indivíduo. Como dito anteriormente, o artigo em comento preconiza que o direito à cultura e ao acesso à cultura constitui elementos integrantes do mínimo existencial social. Por sua vez, o artigo 216, de maneira ilustrativa, concedendo especial tratamento, estabelece os elementos integrantes do patrimônio cultural brasileiro, bem como as formas de manifestação em que eles se exteriorizam. Nesta linha de exposição, o artigo 216 preconiza que: “Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico”. (BRASIL, 1988) O referido artigo avultou o conceito de Patrimônio Cultural Brasileiro, ele acrescentou em seu conceito os bens imateriais, tendo como escopo a proteção e valorização destes. Constata-se, assim, que “a alteração incorporou o conceito de referência cultural e a definição dos bens passíveis de reconhecimento, sobretudo os de caráter imaterial” (IPHAN, 2014), de modo que o patrimônio cultural, nesta perspectiva, não está alicerçado apenas nas expressões edificadas, mas também nos modos de criar, fazer e viver apresentados pela sociedade em suas relações dinâmicas. Para o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), os bens imateriais são: “[…] as formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico”. (IPHAN, 2014) A característica mais marcante dos bens imateriais é a projeção em relação ao saber, com a mudança do conceito de patrimônio cultural pela CRFB/1988 foi possível salvaguardar os conhecimentos passados de geração para geração, “os bens culturais de natureza imaterial dizem respeito àquelas práticas e domínios da vida social que se manifestam em saberes, ofícios e modos de fazer; celebrações; formas de expressão cênicas, plásticas, musicais ou lúdicas; e nos lugares (…)” (IPHAN, 2014). Denota-se, portanto, que o patrimônio cultural imaterial explicita a identidade cultural de determinado grupamento, reconhecendo sua influência para a formação de elemento comum vinculativo dos envolvidos em sua construção. O Patrimônio Cultural material brasileiro são “cidades históricas, sítios arqueológicos e paisagísticos e bens individuais; ou móveis, como coleções arqueológicas, acervos museológicos, documentais, bibliográficos, arquivísticos, videográficos, fotográficos e cinematográficos.” (IPHAN, 1988). Tanto os bens materiais e imateriais possuem sua proteção “por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.” (BRASIL,1988). 3 INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE EM PROL DA PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL O direito a propriedade está previsto no art. 5°, no titulo II, referente aos direitos e garantias fundamentais da Constituição de 1988. Faz parte o inciso “XXII – é garantido o direito de propriedade;” (BRASIL, 1988). O pretexto da intervenção do Estado no quesito Patrimônio Cultural em propriedade privada está no fato que a preservação dos bens culturais é algo coletivo, pertencente a toda sociedade por ser um direito fundamental, conforme impõe José dos Santos Carvalho Filho, “Saindo daquela posição de indiferente distância, o Estado contemporâneo foi assumindo a tarefa de assegurar a prestação dos serviços fundamentais e ampliando seu espectro social, procurando a proteção da sociedade vista como um todo, e não mais como um somatório de individualidades. Para tanto, precisou-se imiscuir nas relações privadas”. (CARVALHO FILHO, 2009, p.733) Em razão dos fatos aludidos, o Estado frui do princípio da Supremacia de Interesse Público, que tem como incumbência restringir, limitar e até mesmo extinguir a propriedade. O texto constitucional de 1988 estabelece que “a propriedade atenderá a sua função social” (BRASIL, 1988), portanto, ela irá trazer benefícios para todos e não apenas a um ser privado.  Sob esse aspecto, o Patrimônio Cultural Brasileiro de bens materiais e imateriais, cujo valor cultural é de extrema relevância para a sociedade, retém de variadas formas de proteção, sendo atribuídas através do art. 216 da CRFB/1988. “§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação”. (BRASIL, 1988) Todos “os instrumentos de proteção do patrimônio material utilizados pelo Iphan visam garantir legalmente a preservação dos bens de interesse cultural para o país.” (IPHAN, 2014). Em vista disso, foram estabelecidas “diferentes legislações ao longo do tempo, e atualmente constituem uma gama de alternativas a serem empregadas a depender da natureza do bem”. (IPHAN, 2014). O primeiro instrumento, seguindo o texto constitucional brasileiro, são os inventários. Este recurso, segundo o Inventário de Proteção do Acervo Cultural de Minas Gerais (IPAC), “[…] é uma das atividades fundamentais para o estabelecimento e priorização de ações dentro de uma política de preservação efetiva e gestão do patrimônio cultural. Toda medida de proteção, intervenção e valorização do patrimônio cultural depende do conhecimento dos acervos existentes”. (IPAC, s.d, s.p.) O inventário foi reconhecido como instrumento de proteção cultural na década de 1970, quando o estado da Bahia e Pernambuco realizaram os inventários de Proteção do Acervo Cultural (IPAC’s). Esse método contribuiu para a recuperação das cidades nordestinas, entretanto, o instrumento só teve base legal em 1988, com a promulgação da “Constituição Cidadã”. Dentre os instrumentos de preservação, o inventário é considerado como um mecanismo de preservação, consistentes na elaboração de um documento escrito responsável por reunir as informações necessárias à caracterização de determinado patrimônio, material ou imaterial. Trata-se de um instrumento de conhecimento preliminar, responsável pela descrição e reunião dos primeiros elementos para a proteção de determinado bem. Neste sentido, Vieira, Oliveira e Souza complementam que: “[…] o inventário, objeto desse estudo e sua atuação junto ao poder público preservacionista, seria uma espécie de documento escrito com informações reunidas, a principio, de bens móveis e imóveis de uma determinada localidade, sendo um instrumento de conhecimento e proteção dos patrimônios de uma cidade, ou seja, um item de apoio a gestão pública”. (VIEIRA; OLIVEIRA; SOUZA, 2012, p.03) Há que se destacar, assim, que o inventário dos bens culturais implica no levantamento minucioso e completo dos bens culturais, objetivando abarcar a diversidade de patrimônio existente. Insta anotar que o inventário é uma das atividades elementares para o estabelecimento e priorização de ações dentro de uma política volvida para a preservação e gestão do patrimônio cultural, notadamente quando há que se considerar que toda medida de proteção, intervenção e valorização do patrimônio cultural reclama o prévio conhecimento dos acervos existentes.  Após a CRFB/1988, o inventário passou a ser uma forma de proteção dependente, como defendia Nogueira “uma concepção de preservação que coloque o inventário no centro da prática preservacionista, legitimando-o como instrumento de preservação em si” (2007, s.d). Sobre a temática colocada em exame, Marcos Paulo de Souza Miranda, em seu magistério, explica: “Sob o ponto de vista prático o inventário consiste na identificação e registro por meio de pesquisa e levantamento das características e particularidades de determinado bem, adotando-se, para sua execução, critérios técnicos objetivos e fundamentados de natureza histórica, artística, arquitetônica, sociológica, paisagística e antropológica, entre outros. Os resultados dos trabalhos de pesquisa para fins de inventário são registrados normalmente em fichas onde há a descrição sucinta do bem cultural, constando informações básicas quanto a sua importância histórica, características físicas, delimitação, estado de conservação, proprietário etc” (MIRANDA, 208, s.p.). Após o decreto-lei n° 3.551, de 4 de agosto de 2000, “Fica instituído o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro.” (BRASIL, 2000).  Imperioso se faz assinalar que a criação do instituto do registro está vinculada a diversos movimentos em defesa de uma compreensão mais ampla no que se refere ao patrimônio cultural brasileiro. “No Brasil, a publicação do Decreto 3.551/2000, insere-se numa trajetória a que se vinculam as figuras emblemáticas de Mário de Andrade e de Aloísio Magalhães, mas em que se incluem também as sociedades de folcloristas, os movimentos negros e de defesa dos direitos indígenas” (Fonseca, 2003, p. 62), como bem observa Maria Cecília Londres Fonseca. Igualmente, o instituto em comento reflete as reivindicações dos grupos de descendentes de imigrantes das mais diversas procedências, alcançando, desta maneira, os “excluídos” do cenário do patrimônio cultural brasileiro, estruturada a partir de 1937. Nesta esteira, evidencia-se que o registro tem por finalidade reconhecer e valorizar bens da natureza imaterial em seu processo dinâmico de evolução, viabilizando uma apreensão do contexto pretérito e presente dessas manifestações em suas distintas versões. Márcia Sant’Anna (2003, p. 52), ao discorrer acerca do instituto em comento, coloca em realce que “não é um instrumento de tutela e acautelamento análogo ao tombamento, mas um recurso de reconhecimento e valorização do patrimônio imaterial, que pode também ser complementar a este”. Ora, neste cenário, o registro corresponde à identificação e à produção de conhecimento acerca do bem cultural de natureza imaterial, equivalendo a documentar, pelos meios técnicos mais adequados, o passado e o presente dessas manifestações, em suas plurais facetas, possibilitando, a partir de uma fluidez das relações, o amplo acesso ao público. Nesta perspectiva, o escopo é manter o registro da memória dos bens culturais e de sua trajetória no tempo, eis que este é o mecanismo apto a assegurar a sua preservação. Em razão da dinamicidade dos processos culturais dinâmicos, as mencionadas manifestações desbordam em uma concepção de preservação diversa daquela da prática ocidental, não podendo ser alicerçada em seus conceitos de permanência e autenticidade. Os bens culturais de natureza imaterial, a partir do esposado, são emoldurados por uma dinâmica de desenvolvimento e transformação que não pode ser engessado nesses conceitos, sendo mais importante, nas situações concretas, o registro e a documentação do que intervenção, restauração e conservação. Acrescente-se, ainda, que os bens escolhidos para registro serão inscritos em livros denominados: (i) Livro de registros dos saberes, no qual serão registrados os conhecimentos e modo de fazer; (ii) Livro das formas de expressão, o qual conterá as manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas; (iii) Livro dos lugares, no qual se inscreverá as manifestações de espaços em que se concentram ou mesmo reproduzem práticas culturais coletivas; e, (iv) Livro das celebrações, no qual serão lavradas as festas, rituais e folguedos, consoante afixa o Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Este se tornou o súpero na proteção dos bens culturais imateriais. Para Humberto Cunha Filho (2000, p.125), o registro é “[…] uma perenização simbólica dos bens culturais. Esta perenização dá-se por diferentes meios os quais possibilitam às futuras gerações o conhecimento dos diversos estágios porque passou o bem cultural.” O registro alcança um maior acesso a população que almeja resguardar os bens culturais existentes, como garante Marcos Paulo Souza (2006, p.105), “o registro implica na identificação e produção de conhecimento sobre o bem cultural pelos meios técnicos mais adequados e amplamente acessíveis ao publico, permitindo a continuidade dessa forma de patrimônio, assim como sua disseminação.”. Para registrar um bem, é necessário que a proposta seja realizada por alguém legitimado no Ministério da Cultura ou outros órgãos que tenha incumbência semelhante. Com o Decreto-lei n°25, de 30 de novembro de 1937, o Patrimônio Histórico e Artístico Nacional passou a dispor de uma proteção mais sensata, conferindo salvaguarda ao patrimônio imaterial. A vigilância passou a incorporar tal paládio no “art. 20. As coisas tombadas ficam sujeitas à vigilância permanente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (…)” (BRASIL, 1937). O conceito referente a tal instrumento segundo o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA) é uma “(…) medida administrativa de proteção ao patrimônio cultural por meio de ação integrada com a administração federal, com as administrações municipais e as comunidades. Nessa direção, a proteção de bens culturais de interesse de preservação deve ser facilitada por meio de orientações e recomendações técnicas destinadas de modo geral à coletividade, na qualidade de detentora e co-responsável por sua guarda, juntamente com o poder público”. (MINAS GERAIS, s.d, s.p) Um epítome mais inteligível, vigilância é o arbítrio que o Poder Público tem de delegar infindamente a proteção e vigilância do Patrimônio Cultural Brasileiro. O Estado “poderá inspecioná-los sempre que fôr julgado conveniente, não podendo os respectivos proprietários ou responsáveis criar obstáculos à inspeção, sob pena de multa de cem mil réis, elevada ao dôbro em caso de reincidência.” (BRASIL, 1937).  Assim, a vigilância como desdobramento do poder de polícia do Estado acaba por incidir sobre todos os bens que constituem o patrimônio cultural brasileiro, de natureza material e imaterial, esta intervenção é obrigatória, para que haja a conservação e não ocorra a evasão de obras de arte do território nacional. À luz das ponderações aventadas a vigilância pode ser concebida como uma das plurais manifestações do poder de polícia do Estado, voltado especialmente para a promoção e salvaguarda do patrimônio cultural. Com espeque na concepção de Carvalho Filho (2011, p. 70), o poder de polícia materializa a prerrogativa de direito público que, assentada na lei, autoriza a Administração Pública a restringir o uso e o gozo da liberdade e da propriedade em favor do interesse da coletividade. Segundo Mello (2013, p. 853), o poder de policia, em uma conotação mais restrita e assentada em função precípua administrativa, materializa atividade da Administração Pública, sendo expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com arrimo em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, por meio de ação ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, cominando coercitivamente aos particulares um dever de abstenção (non facere), com o escopo de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo em vigor.  Trata-se, em linhas conceituais, do modo de atuar da autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício das atividades individuais suscetíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por escopo evitar que sejam produzidos, ampliados ou generalizados os danos sociais que os diplomas legais procuram prevenir. No que tange ao benefício resultante do poder de polícia, materializa fundamento dessa prerrogativa do Poder Público o interesse público. Logo, a intervenção do Estado no conteúdo dos direitos individuais somente encontra amparo ante a finalidade que deve sempre orientar a ação dos administradores públicos, qual seja: o interesse da coletividade. Noutro ângulo, a prerrogativa em si está alicerçada na supremacia geral da Administração Pública, ou seja, aquela mantida em relação aos administrados, de modo indistinto, flagrante superioridade, pelo fato de satisfazer, como expressão de um dos poderes do Estado, interesses públicos. No que pertine à finalidade, salta aos olhos que o poder de polícia objetiva promover a proteção dos interesses coletivos, o que explicita umbilical conotação como próprio fundamento do poder, ou seja, se o interesse público é o axioma inspirador da atuação restritiva do Estado, há de constituir alvo dela a proteção do mesmo interesse. Neste talvegue, cuida anotar, oportunamente, que este deve ser compreendido em sentido amplo, abarcando todo e qualquer aspecto. Neste sentido, a vigilância, como materialização do poder de polícia do Estado, voltado especificamente para a proteção e salvaguarda do patrimônio cultural, recebe especial avulte. Há que se reconhecer que tal instrumento substancializa o instrumento imprescindível da tutela do patrimônio cultural, considerado como elemento integrante da extensa rubrica imprescindível para a concreção da dignidade da pessoa humana. Outras formas de acautelamento e preservação do patrimônio cultural brasileiro são as ações civis públicas e ações populares. A ação civil pública, segundo Edis Milaré (2001, p.215) é “Expressa disposição do art. 1º. Da Lei 7.347/85, que disciplina a Ação Civil Pública, regulam-se por esta Lei as ações de responsabilidade por dano patrimoniais e morais causados a bens de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, bem como a qualquer outro interesse difuso ou coletivo”. (MILARÉ, 2001, p. 215) Enquanto, a ação popular é um direito alcançado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, “Art. 5º [omissis] inciso LXXIII: qualquer cidadão é parte legitima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio publico ou de entidade de que o Estado participe, a moralidade administrativa, ao meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e de ônus de sucumbência.” (BRASIL, 1988). O governo brasileiro ao criar o inciso LXXIII, garante que para ter o poder de propor ação popular é inescusável que a pessoa esteja em dia com seus deveres, já que é utilizada a palavra ‘cidadão’. Para o dicionário Aurélio, a palavra Cidadão significa “Indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um estado livre” (AURÉLIO, 2016). Ou seja, o indivíduo terá que está com suas obrigações eleitorais em dia.  Com o propósito de acautelar e preservar o “valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico” (BRASIL, 1988) do patrimônio cultural brasileiro foi sancionado o decreto-lei n° 25, de 30 de novembro de 1937. Este decreto aludia à preservação do patrimônio histórico e artístico nacional, como era chamado na época.  Para tal, foi criado o “primeiro instrumento legal de proteção do Patrimônio Cultural Brasileiro e o primeiro das Américas.” (IPHAN, 2014), denominado, tombamento. 4 O INSTITUTO DO TOMBAMENTO Por ser pioneira no quesito proteção e preservação do Patrimônio Cultural Material Brasileiro, o tombamento é a forma mais popular de intervenção do Estado na propriedade. Fiorillo (2012, p. 428-429) anuncia, com bastante propriedade, que “dizemos tombamento ambiental, porquanto este instituto tem a finalidade de tutelar um bem de natureza difusa, que é o bem cultural”. Desta sorte, a utilização do tombamento como mecanismo de preservação e proteção do patrimônio cultural brasileiro permite o acesso de todos à cultura, substancializando verdadeiro instrumento de tutela do meio ambiente. A Lei de Tombamento, instituída na Era Vargas em 1937, foi o primeiro instrumento legal do Brasil e das Américas que visava à salvaguarda e preservação do patrimônio cultural, “cujos preceitos fundamentais se mantêm atuais e em uso até os nossos dias” (IPHAN, 2014). Poderão ser tombados todos os bens moveis e imóveis brasileiros “cuja conservação é de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.” (IPHAN, 2014). A forma mais grave de intervenção de propriedade privada pelo Estado é a desapropriação. Esta, só deve ser usada quando todos os instrumentos de proteção e conservação do Patrimônio Cultural não obtiveram êxito ou se mostraram muito dificultosas. Este instrumento está presente no art. 19 do Decreto-lei n° 25, de 1937 “§ 1º Recebida a comunicação, e consideradas necessárias as obras, o diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional mandará executá-las, a expensas da União, devendo as mesmas ser iniciadas dentro do prazo de seis mezes, ou providenciará para que seja feita a desapropriação da coisa.”( BRASIL, 1937, grifo nosso). Com realce, o instituto em comento se revela, em sede de direito administrativo, como um dos instrumentos criados pelo legislador para combater a deterioração do patrimônio cultural de um povo, apresentando, em razão disso, maciça relevância no cenário atual, notadamente em decorrência dos bens tombados encerrarem períodos da história nacional ou, mesmo, refletir os aspectos característicos e identificadores de uma comunidade. À luz de tais ponderações, é observável que a intervenção do Ente Estatal tem o escopo de proteger o patrimônio cultural, busca preservar a memória nacional. Ao lado disso, o tombamento permite que o aspecto histórico seja salvaguardado, eis que constitui parte da própria cultura do povo e representa a fonte sociológica de identificação de vários fenômenos sociais, políticos e econômicos existentes na atualidade. A forma de proteção e conservação foi legalizada em 1941, pelo Decreto-lei 3.365 “art. 1° A desapropriação por utilidade pública regular-se-á por esta lei, em todo o território nacional” (BRASIL, 1941). Com essa nova legislação, o Poder Público passou a dispor de competência para retirar a posse do bem cultural de outrem em virtude do art. 5° do Decreto-Lei mencionado acima, “Art. 5° Consideram-se casos de utilidade pública: (…) k) a preservação e conservação dos monumentos históricos e artísticos, isolados ou integrados em conjuntos urbanos ou rurais, bem como as medidas necessárias a manter-lhes e realçar-lhes os aspectos mais valiosos ou característicos e, ainda, a proteção de paisagens e locais particularmente dotados pela natureza; l) a preservação e a conservação adequada de arquivos, documentos e outros bens moveis de valor histórico ou artístico;” (BRASIL, 1941). Desta feita, o proprietário não pode, em nome de interesses particulares, usar ou fruir de maneira livre seus bens, se estes se traduzem em interesse público por atrelados a fatores de ordem histórica, artística, cultural, científica, turística e paisagística. “São esses bens que, embora permanecendo na propriedade do particular, passam a ser protegidos pelo Poder Público, que, para esse fim, impõe algumas restrições quanto a seu uso pelo proprietário” (CARVALHO FILHIO, 2011, p. 734). Os exemplos de bens a serem tombados são extremamente variados, sendo os mais comuns os imóveis que retratam a arquitetura de épocas passadas na história pátria, dos quais podem os estudiosos e pesquisadores extrair diversos meios de conhecimento do passado e desenvolver outros estudos com vistas a proliferar a cultura do país. Além disso, é possível evidenciar que é corriqueiro o tombamento de bairros ou até mesmo cidades, quando retratam aspectos culturais do passado. A palavra ‘tombo’ em Portugal, segundo o dicionário Google, significa “registro ou relação de coisas ou fatos referentes a uma especialidade, a uma região etc.” (GOOGLE, 2017). Ela começou “a ser empregada pelo Arquivo Nacional Português, fundado por D. Fernando, em 1375, e originalmente instalado em uma das torres da muralha que protegia a cidade de Lisboa.” (IPHAN, 2014). Nessas torres eram guardados documentos com valores imprescindíveis, todos os registrados especiais eram acondicionados nesse local. Decorrente a está nova função, o local passou a ser apelidado de Torre do Tombo. “No Brasil, como uma deferência, o Decreto-Lei adotou tais expressões para que todo o bem material passível de acautelamento, por meio do ato administrativo do tombamento, seja inscrito no Livro do Tombo correspondente.” (IPHAN, 2014). Os livros do Tombo foram subdivididos em quatro categorias específicas de acordo com o decreto-lei n°25 de 1937. Cada um poderá ter vários volumes, são eles: “Art. 4º O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional possuirá quatro Livros do Tombo, nos quais serão inscritas as obras a que se refere o art. 1º desta lei, a saber: 1) no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, as coisas pertencentes às categorias de arte arqueológica, etnográfica, ameríndia e popular, e bem assim as mencionadas no § 2º do citado art. 1º. 2) no Livro do Tombo Histórico, as coisas de interêsse histórico e as obras de arte histórica  3) no Livro do Tombo das Belas Artes, as coisas de arte erudita, nacional ou estrangeira; 4) no Livro do Tombo das Artes Aplicadas, as obras que se incluírem na categoria das artes aplicadas, nacionais ou estrangeiras”. (BRASIL, 1937). O tombamento é uma das formas de o Estado Brasileiro assegurar a população nacional a preservação e proteção dos bens culturais aqui existentes. O termo é definido por Maria Coeli Simões Pires, como: “[…] o ato final resultante e procedimento administrativo mediante o qual o Poder Público, intervindo na propriedade privada ou Pública, integra-se na gestão do bem móvel ou imóvel de caráter histórico, artístico, arqueológico, documental ou natural, sujeitando-o a regime jurídico especial e tutela pública, tendo em vista a realização de interesse coletivo de preservação do patrimônio.” (PIRES, 1994, p. 78) Existem vários bens moveis e imóveis que podem ser aplicados o instrumento de tombamento, todos têm que usufruir de interesses culturais e ambientais, podendo citá-los: “fotografias, livros, mobiliários, utensílios, obras de arte, edifícios, ruas, praças, cidades, regiões, florestas, cascatas etc. Somente é aplicado aos bens materiais de interesse para a preservação da memória coletiva.” (CODEPAC, 2012). Há três formas de procedimentos para tombar um bem cultural de acordo com o Decreto-Lei n° 25, de 1937. A primeira delas se chama Tombamento de Ofício, este meio utiliza o art. 5° da referida legislação, “Art. 5º O tombamento dos bens pertencentes à União, aos Estados e aos Municípios se fará de ofício, por ordem do diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, mas deverá ser notificado à entidade a quem pertencer, ou sob cuja guarda estiver a coisa tombada, afim de produzir os necessários efeitos.” (BRASIL, 1937). Presentemente, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, é o Iphan. Outra maneira de tombar um bem é através do Tombamento Compulsório, utiliza-se o art. 8 como base, “art. 8º Proceder-se-á ao tombamento compulsório quando o proprietário se recusar a anuir à inscrição da coisa.” (BRASIL, 1988). Nesta forma, a resistência é a característica do proprietário quanto ao bem cultural. O Iphan irá gerar um ato administrativo, e terá um prazo de quinze dias para homologar ou negacear o tombamento.  Já o Tombamento Voluntário acontece quando o proprietário de um bem cultural deseja por livre e espontânea vontade, inscreve-lo no Livro do Tombo. Mas, para tal procedimento ser realizado, é necessário que o bem detenha de todos os requisitos necessários, conforme dispõe o art. 7, “Art. 7º Proceder-se-à ao tombamento voluntário sempre que o proprietário o pedir e a coisa se revestir dos requisitos necessários para constituir parte integrante do patrimônio histórico e artístico nacional, a juízo do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ou sempre que o mesmo proprietário anuir, por escrito, à notificação, que se lhe fizer, para a inscrição da coisa em qualquer dos Livros do Tombo.” (BRASIL, 1937). O tombamento poderá ser solicitado ao Iphan por qualquer pessoa física ou jurídica, bastando levar o pedido para superintendência do Iphan do Estado que o bem se localiza, no presidente do Iphan ou no Ministério da cultura (IPHAN, 2016). Entretanto, o instrumento de proteção cultural e ambiental só poderá ser realizado “Pela União, por intermédio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, pelo Governo Estadual, por meio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado ou pelas administrações municipais, utilizando leis específicas ou a legislação federal”. (CODEPAC, 2012). O bem protegido pelo tombamento não terá sua propriedade alterada e nem precisará ser desapropriado. O objetivo é condicionar todas as características que possuía antes da vigência do tombamento, como garante a Prefeitura de Ouro Preto, “quando um bem, conjunto de bens ou uma cidade é tombado pelo poder público, seus bens culturais estão sendo valorizados e reconhecidos, e todos, materiais ou não, devem ser protegidos, conservados e divulgados.” (OURO PRETO, s.d, grifo nosso). O escopo do tombamento é a desautorização de destruição ou descaracterização do bem, nada impede que o bem seja alugado ou vendido desde que continue sendo preservado, como garante o Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Bauru “Desde que o bem continue sendo preservado. Não existe qualquer impedimento para a venda, aluguel ou herança de um bem tombado. No caso de venda, deve ser feita uma comunicação prévia à instituição que efetuou o tombamento, para que esta manifeste seu interesse na compra do mesmo”. (CODEPAC, 2012). A área a ser tombada também é limitada, mas estará proibida a construção ou alteração de algum bem imóvel ou ambiental que alteram a visão ou valor do bem tombado, como garante a Secretária de Estado da Cultura do Paraná, é proibido que “que novos elementos, obstruam, reduzam sua visibilidade, afetem as interações sociais tradicionais ou ameacem sua integridade” (PARANÁ, s.d). O órgão responsável pelo tombamento, da mesma forma será incumbido por estabelecer limites e diretrizes das áreas que rodeiam o bem tombado, “quando algo é tombado, aquilo que está próximo, em torno a ele, sofre a interferência do processo de tombamento, embora em menor grau de proteção.” (PARANÁ, s,d). 5 CONCLUSÃO A preservação e o acautelamento do Patrimônio Cultural são de caráter fundamental para a salvaguarda e valorização da identidade nacional.  Todos os bens que usufruem dessa proteção construíram uma identificação da historia brasileira. O Constituinte, ao insculpir, a redação do §1° do artigo 216 da Carta de Outubro estabeleceu que o Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. O tombamento é um dos institutos que têm por objeto a tutela do patrimônio histórico e artístico nacional, que implica na restrição parcial do imóvel, conforme se verifica pela legislação que o disciplina. Ao lado disso, com o escopo de explicitar a proeminente natureza do instituto em comento. São nos bens que estão acondicionados a maior herança brasileira, a sua cultura. Os locais e ensinamentos protegidos guardam memórias de significação altíssima, nem todo o ouro retirado de Minas Gerais poderia pagar o valor histórico da cidade de Ouro Preto, que foi totalmente tombada. São esses bens que corroboram todo o processo evolutivo de uma pátria que já passou pela escravidão, intolerância religiosa, golpes de Estados, ditadura Militar e até mesmo impeachment. São lugares e memórias que pertencem sociedade, sendo obrigação do Estado e da população a sua proteção.
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In dubio pro monumento e a preservação do patrimônio cultural
Definida por doutrinadores da corrente antropológica como todo o complexo de conhecimento, crenças, arte, moral, leis, costumes e habilidades adquiridas pelo homem no desenvolver da história, a cultura é, em outras palavras, o legado de valor imprescritível deixado por povos do passado, formada por diversos aspectos angariados ao passar dos anos. Nesta esteira, o escopo do presente estudo consiste em apresentar, de um ponto de vista jurídico, o que tange no resguardo e salvaguarda daquilo que constitui o patrimônio cultural e natural, bem como abordando o princípio de dignidade da pessoa humana, abarcado pela Constituição Cidadã, tal qual prevê o acesso a todos à cultura como forma de concretização da figura ''cidadão'', e as principais características do que seria o in dubio pro monumento em prol da preservação do patrimônio cultural. [1]
Direito Administrativo
1 INTRODUÇÃO O próprio conceito de cultura pode ser entendido como um conjunto de tradições de um povo, compondo-se de suas crenças, valores, religião, costumes e aspectos responsáveis pela formação de sua identidade enquanto um povo, o que torna as diferentes culturas ao redor globo majestosamente diferenciadas. No que se refere ao meio ambiente cultural brasileiro, este é constituído por diversos bens culturais, materiais ou imateriais, cuja acepção compreende os de valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico e/ou científico para os mais diversos grupos constituintes da própria sociedade, dentre eles afrodescendentes, indígenas e europeus de diversas partes, o que refletirá, essencialmente, em suas características e na forma como o homem constrói o meio em que vive. Desta forma, pode-se dizer que o meio ambiente cultural é decorrente de uma forte interação entre homem e o meio em que está inserido, agregando valores diferenciadores. A cultura brasileira é o resultado daquilo que era próprio das populações tradicionais indígenas e das transformações trazidas pelos diversos grupos colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo sistema, é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens culturais materiais e imateriais portadores de referência à memória, à ação e à identidade dos distintos grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: (I) as formas de expressão; (II) os modos de criar, fazer e viver; (III) as criações cientificas, artísticas e tecnológicas; (IV) as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; (V) os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (BRASIL, 1988). Isto posto, o presente estudo atuará no escopo de apresentar conceitos jurídicos e doutrinários acerca do meio ambiente cultural, na concepção de patrimônio histórico e artístico-cultural, tratando dos princípios englobados pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 no que se referem ao acesso à própria cultura. Além disso, apresentar e discutir como o in dubio pro monumento se apresenta como mais uma das formas do Estado tutelar e resguardar todo o bem histórico existente em seu território, salvaguardando a fatos memoráveis e, até mesmo, a própria história de seus entes. 2 PATRIMÔNIO CULTURAL: DA DELIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL DO TEMA E DO DIREITO AO ACESSO Ao final do século XVIII, mais precisamente nos embalos da Revolução Francesa, surgiam as primeiras preocupações para com políticas que zelassem pela salvaguarda de bens que constituem tudo aquilo conhecido como patrimônio cultural. Em sede de comentários explicativos, no que tange ao conceito de patrimônio cultural, nas palavras de Ribeiro Junior, tem-se: “[…] o conceito de patrimônio cultural, que por muito tempo se direcionou apenas a bens móveis e imóveis, passou a expressar também valores imateriais, intangíveis, como formas de expressão, modos de criar, fazer e viver das coletividades humanas” (RIBEIRO JÚNIOR, 2009, s.p.).   Assim, o patrimônio cultural constitui-se do reconhecimento e preservação da cultura, história e identidade de um povo. Portanto, aflorou-se, a partir daí, uma sensibilidade em volta daquilo que fez parte da história de criação e evolução de um povo, impedindo assim o esquecimento dos feitos do passado. Como asseveram Ribeiro e Zanirato (2006, s.p.), a partir daí, foram implementadas as ações políticas para fins de conservação dos bens de denotação poderosa; que representassem a grandeza da grandeza da nação que os portava, nas quais uma administração qualificada era encarregada de elaborar instrumentos jurídicos e técnicos para a salvaguarda, bem como procedimentos técnicos fundamentais para a conservação e restauração dos monumentos. Ao longo dos anos, de forma gradativa, essa preocupação com legados de um passado distante estendeu-se por diversas partes do mundo ocidental, sempre embasada no entendimento de que tudo aquilo que era julgado como patrimônio era como um "testemunho irrepreensível da história". Ainda com o que os autores supramencionados lecionam: “Tal compreensão vinha ao encontro de um entendimento da história centrada em fatos singulares e excepcionais, uma história pautada nas minúcias dos grandes acontecimentos, capazes de mostrar a evolução das ações humanas, seu aprimoramento e seu caminhar em direção à civilização, ao progresso” (RIBEIRO; ZANIRATO, 2006, s.p.). No curso do século XX, no Brasil, o princípio de proteção dos bens que histórico-culturais surge na Era Vargas, mais precisamente, no artigo 10 da Carta Constitucional de 1934. Com o Decreto-Lei n.° 25, de 30 de novembro de 1937, tem-se a criação de uma instituição nacional de proteção do patrimônio, o SPHAN (1937-1946) – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Tal decreto definia o patrimônio histórico e artístico nacional como: “[…] conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico” (BRASIL, 1937). Eram também considerados patrimônio "[…] os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pelo natureza ou agenciados pelo indústria humana" (BRASIL, 1937). Todos ao alcance do instrumento de preservação criado na época, o tombamento. Tal qual, nas palavras de Di Pietro (2013, s.p.), segundo o Texto Constitucional em vigência, trata-se de: “[…] modalidade de intervenção do Estado em qualquer tipo de bem, dentre eles móveis ou imóveis, materiais ou imateriais, públicos ou privados, em virtude da preservação do patrimônio histórico ou artístico cultural. Pode-se considerar requisitório de tal preservação o bem cuja conservação seja de interesse público, seja por sua vinculação a fatos memoráveis da história brasileira, ou por seu grande valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”. O SPHAN era subordinado ao Ministério da Educação, passando a ser, posteriormente, Departamento, Instituto, Secretaria e, de novo, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), como é conhecido atualmente (2017). Segundo Gastal et al (2013, p. 06), a proteção dos bens culturais foi ampliada com base nos ideais da Convenção Relativa à Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural (realizada em 23 de novembro de 1972, em Paris), sendo ratificada pelo Congresso Nacional, através do Decreto-Lei n. 74, de 1977, que contrapunha o Decreto-Lei n.25, de 1937. Foram criadas novas possibilidades de intervenção, como a vigilância o poder de polícia. Ainda com o exposto pelos autores supramencionados, as Constituições de 1934 e 1937 cuidaram de tutelar sobre o patrimônio cultural a plano constitucional, embora tenha sido a promulgação da Constituição Federal de 1988 que trouxe grandiosas e importantes alterações no tange à tutela para com o mesmo, ampliando seu conceito e criando novas formas e instrumentos de salvaguarda e preservação. Empregadas como um dos princípios fundamentais para o bom funcionamento do Estado Democrático de Direito, tais quais trazidos e utilizados como base de ramificação pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a proteção e fomentação de todo o patrimônio histórico e artístico-cultural brasileiro devem ser, eminentemente, asseguradas, conforme, claramente, expresso nos artigos 215 e 216 da Constituição Federal em vigor. Nesta toada, consoante a dicção do artigo 216, cuida explicitar que a cultura compreenderá bens de natureza material ou imaterial, considerados individualmente ou em conjunto, tudo aquilo que remeta à identidade, à ação, em virtude da preservação da memória dos diferentes grupos formadores da sociedade e cultura brasileira. Tomaz (2010, p. 02), expressando o que se entende por patrimônio cultural, tem-se: “Ao se contemplar um espaço de relevância histórica, esse espaço evoca lembranças de um passado que, mesmo remoto, é capaz de produzir sentimentos e sensações que parecem fazer reviver momentos e fatos ali vividos que fundamentam e explicam a realidade presente. Essa memória pode ser despertada através de lugares e edificações, e de monumentos que, em sua materialidade, são capazes de fazer rememorar a forma de vida daqueles que no passado deles se utilizaram. Cada edificação, portanto, carrega em si não apenas o material de que é composto, mas toda uma gama de significados e vivências ali experimentados.” Deste modo, há de se reconhecer que tal concepção, em decorrência de sua amplitude, inclui objetos móveis e imóveis, documentações, edificações, criações artísticas, científicas e/ou tecnológicas, conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. O interesse federal na preservação do patrimônio histórico-cultural é tão abrangente que, em prol de tal proteção e para que seja assegurado o bem-estar social entre seus entes/cidadãos, permite ao Estado usar de seus institutos (I. Limitações Administrativas; II. Ocupação Temporária; III. Requisição Administrativa; IV. Desapropriação; V. Servidão Administrativa; VI. Tombamento), cada qual com suas hipóteses e condições de aplicação, para interferir até mesmo em bens privados, quando estes se mostram de demasiado interesse público, independendo da aquiescência de terceiros. Com o que preleciona Gastal et al (2013, p. 05), o conceito de patrimônio cultural passou por alterações legais ao longo dos anos. Com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu art. 27, fora estabelecido que "[…] toda a pessoa tem direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir das artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios" (ONU, 1948). A partir deste ponto, nascera a ideia de que o acesso a todo a patrimônio de cultura e/ou remetente à história é algo indispensável para a formação da figura "cidadão"; de uma pessoa plena de direitos e deveres para com a sociedade. Algo que está diretamente ligado à dignidade da pessoa humana, também princípio fundamental da Constituição Cidadã. Em outras palavras, tudo aquilo relacionado ao patrimônio cultural é resultante de um elo de direitos-deveres entre cidadão e Estado. O primeiro, se mostrando incentivado e disposto ao aprendizado inerente aos bens referidos, enquanto o Estado tratará de incentivar tal interesse, promovendo, da melhor forma possível, o devido acesso ao que esteja relacionado à cultura, bem como partilhando com seus entes o dever de preservar o meio ambiente cultural. Um processo dinâmico e complexo. Em alinho ao expendido, é importante consignar que o Texto Constitucional de 1988 confere a competência de legislar, proteger e fornecer meios de acesso ao patrimônio cultural à União, aos estados-membros, Distrito Federal e municípios. Ademais, salienta-se que os entes federativos supramencionados são responsáveis por tratar dos danos causados a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. O motivo de tal hierarquia vem do diferente ponto de vista pelo qual a necessidade de preservação de um bem está compreendida, ou seja, os critérios avaliativos, capazes de justificar o tombamento de um objeto, podem variar, de acordo com o ponto de vista avaliativo da União, de um estado-membro ou de um município, pois é evidente que haverá bens de valores únicos para um município, mas que não terão a mesma significância para a União ou para o próprio estado-membro. Ainda nessa linha de pensamento, o artigo 215 estabelece, in verbis: "O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes de cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais" (BRASIL, 1988). Diante das ponderações apresentadas até o momento, quadra assinalar que os bens e as prestações de serviços constituem o próprio objeto do direito, conforme se lecionado por Pereira (2008). Logo, no momento em que o enunciador constituinte afirmar que o exercício dos "direitos culturais" será garantido a todos, estará afirmando que a cultura é objeto do direito, sendo tratado na atual Constituição Federal como um bem jurídico, patrimônio, valor e povo. No que atina à noção jurídica de "bem", esta se refere a toda utilidade, física ou ideal, que possa impactar na faculdade das ações do indivíduo, ou seja, compreenderão os "bens" propriamente ditos, os passíveis e não passíveis de apreciação financeira. 3 PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO MONUMENTO Nas palavras de Rangel (2014, p. 16), tratando-se do corolário do in dubio pro monumento, este encontra amparo na Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, de 23 de novembro de 1972, já supramencionada. A fim de aprofundar conhecimentos sobre o documento em questão, a Convenção se deu pela preocupação para com o futuro incerto do patrimônio cultural e natural. Ora, esse se encontrava (e ainda se encontra) ameaçado de destruição pelo desenvolvimento econômico e, consequentemente, expansão das áreas urbanas e degradação dos bens históricos, sejam encontrados em área verde ou em centros urbanos. Tal fato decorre da premissa que não haviam instrumentos rígidos de total tutela ambiental que visassem a promoção de diálogo entre crescimento e preservação, resguardando a história cultural e o meio ambiente ecologicamente equilibrado, tratados no artigo 225 da Constituição Federal de 1988. No mais, cuida reconhecer que "[…] alçam o acesso ao meio ambiente como direito humano de terceira dimensão, impregnado pelos valores de solidariedade e fraternidade" (RANGEL, 2014, p. 16). Mais deliberadamente, ainda quanto às motivações para a promoção da Convenção em comento, o documento delibera: “[…] Constatando que o patrimônio cultural e o patrimônio natural estão cada vez mais ameaçados de destruição, não apenas pelas causas tradicionais de degradação, mas também pela evolução da vida social e econômica que as agrava através e fenômenos de alteração ou de destruição ainda mais importantes; Considerando que a degradação ou o desaparecimento de um bem do patrimônio cultural e natural constitui um empobrecimento efetivo do patrimônio de todos os povos do mundo; Considerando que a proteção de tal patrimônio à escala nacional é a maior parte das vezes insuficiente devido à vastidão dos meios que são necessários para o efeito e da insuficiência de recursos econômicos, científicos e técnicos do país no território do qual se encontra o bem a salvaguardar; […] Considerando que as convenções, recomendações e resoluções internacionais existentes no interesse dos bens culturais e naturais demonstram a importância que constitui, para todos os povos do mundo, a salvaguarda de tais bens, únicos e insubstituíveis, qualquer que seja o povo a que pertençam; Considerando que determinados bens do patrimônio cultural e natural se revestem de excepcional interesse que necessita a sua preservação como elementos do patrimônio mundial da humanidade no seu todo; Considerando que, perante a extensão e a gravidade dos novos perigos que os ameaçam, incumbe à coletividade internacional, no seu todo, participar na proteção do patrimônio cultural e natural, de valor universal excepcional, mediante a concessão de uma assistência coletiva que sem se substituir à ação do Estado interessado a complete de forma eficaz; Considerando que se torna indispensável a adoção, para tal efeito, de novas disposições convencionais que estabeleçam um sistema eficaz de proteção coletiva do patrimônio cultural e natural de valor universal excepcional, organizado de modo permanente e segundo métodos científicos e modernos” (ONU, apud RANGEL, 2014, p. 17). Diante dos fatos, fica evidente que a Convenção de Paris de 1972 a fez ascender à preocupação em resguardar o patrimônio ambiental e cultural presente na história de todos os povos ao redor do globo, evitando assim a alteração ou depredação de toda a representatividade emanada do espaço no qual se desenvolveu a própria espécie humana, tocando no ideário de desenvolvimento pleno do indivíduo. Com o que leciona Rangel (2014, p. 17), a presente convenção empregou a adoção de uma política geral, como paradigmas orientadores, por parte dos Estados, em prol de definir a finalidade do patrimônio cultural e natural inserido na coletividade, integrando-o em programas de resguardo e planificação em modo geral. Nas palavras do autor: “[…] a Convenção de Paris de 1972 orientou a imprescindibilidade da tomada, por parte dos Estados, das medidas jurídicas, cientificas, técnicas, administrativas e financeiras adequadas para a identificação, proteção, conservação, valorização e restauro do patrimônio, com o fito primordial de assegurar sua integridade […]” (RANGEL, 2014, p. 17). Pode-se afirmar que o princípio do in dubio pro monumento tem como base o artigo 12 da Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, no qual explícita que, embora não inscritos em uma das listas — previstas também no documento da própria convenção, mais precisamente, em seu artigo 11 —, os bens tidos como patrimônio cultural e natural não terão seus valores excepcionais desqualificados. Isto é, o valor materializado naquele bem continua inafastável. O artigo, in verbis: “O fato de um bem do patrimônio cultural e natural não ter sido inscrito em qualquer das duas listas referidas nos parágrafos 2 e 4 do artigo 11 não poderá de qualquer modo significar que tal bem não tenha um valor excepcional para fins diferentes dos resultantes da inscrição nas referidas listas” (ONU, 1972, p. 07). Nas palavras de Rangel (2014, p. 18), a presunção que há de vigorar, em face do corolário objeto de estudo, é a de que o patrimônio não precisa, necessariamente, estar disposto em uma lista devida para que a tutela jurídica sobre sua própria essência seja assegurada. Ora, o patrimônio cultural reclama a tutela, a salvaguarda e a proteção em decorrência dos valores peculiares encerrados em sua dimensão, sobretudo no que toca ao fortalecimento de uma identidade própria e que colabora para a formação da população. Cuida salientar que, referente ao Direito Cultural Brasileiro, ainda que se tenha uma legislação que se atente a mais ampla e espessa tutela jurídica sobre o patrimônio cultural e natural, em face de sua peculiaridade robusta na formação da identidade cultural da população, afetando, de forma direta o desenvolvimento humano, inolvidável faz-se os obstáculos encontrados em sua aplicação, notadamente no que pertine à preservação. Conforme expresso, ao se apreciar os monumentos naturais, importante se faz emprestar interpretação provinda do corolário em comento à temática trabalhada. A utilização corriqueira do vocábulo "monumento", referente apenas aos monumentos culturais e urbanísticos, faz necessário o reconhecimento na vigente constitucional, a qual "[…] concebe o meio ambiente ecologicamente equilibrado como manifestação multifacetada e diversificada […]" (RANGEL, 2014, p. 18), reclamando, destarte, a tutela soberana sobre os monumentos naturais, pois estes carecem do mesmo amparo. Efetivamente, em hipótese de omissão legislativa sobre a temática apresentada, cuida asseverar que os monumentos naturais são sítios preciosos, únicos ou de grande beleza, e o reconhecimento de tais atributos é o que fundamenta a estabilização do mesmo como Unidade de Conservação. Outrossim, para que se tenha êxito na promoção de total resguardo, como assim objetiva a própria Unidade de Conservação, poderá o monumento natural ser constituído de áreas particulares. Além disso, cuida ponderar que “expressa esse enunciado a ideia de que, mesmo não incluído nos fichários previstos na convenção, pode o bem ser merecedor de algum tipo de tutela” (MARCHESAN, 2006, p. 184). Em contrapartida, caso a utilização do território e dos recursos naturais ali existentes pelo proprietário não for nos conformes do objetivado, e não haja a anuência do proprietário às condições propostas pelo órgão administrativo responsável da unidade para a convivência harmônica entre o monumento natural e o desfruto da propriedade, o interesse público então vigorará, resultando na desapropriação da área, conforme asseverado por Rangel (2014, p. 19). Por conseguinte, cuida salientar que, o reconhecimento dos monumentos naturais como bens dotados de substancial importância, resultará na vindicação da carecida e devida tutela jurídica, assegurando, portanto, a materialização do princípio constitucional do meio ambiente ecologicamente equilibrado. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante de todo o objeto de estudo até então, depreende-se que todo bem cultural ou natural, o próprio meio ambiente cultural em si, é um artefato humano que nos fora passado de diversas coletividades culturais e que está em constante fase de transformação. Destarte, imperiosa se faz a necessidade de o Estado assegurar que tal pertence humanitário seja preservado como algo de importância comunitária enquanto estiver em sua posse, promovendo total acesso de seus cidadãos à cultura, ao mesmo tempo em que estes cumprem seus papeis como ajudantes de tal proteção. É disso que se trata a tão frisada “dignidade da pessoa humana" na Constituição Cidadã. Com espeque em tais premissas, o princípio do in dubio pro monumento, que tem seu corolário na Convenção de Paris de 1972, atua como mais um dos instrumentos utilizáveis pelo Estado para a promoção de proteção e salvaguarda de bens remetentes à memória dos povos, mais precisamente, àqueles que, ainda que não estejam inseridos ou que não sejam tratados em listas específicas, também são de massivo interesse público, sendo impassíveis de descaso, pois também integram o meio ambiente cultural. Como supradito, para que o Estado cumpra sua missão de zelo, é de ilustre importância que toda a coletividade social trabalhe em conjunto, pois só assim será garantido que as atuais e futuras gerações desfrutem de tudo aquilo que contribuiu para a formação de um povo; que se encantem e gozem das mesmas maravilhas de um passado cheio de histórias. Eternizando, destarte, a própria cultura.
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Da atuação do estado no domínio econômico: reflexões sobre o estado regulador e as formas de intervenção na economia
Em harmonia com a dicção contida no artigo 170 da Constituição Federal de 1988, a ordem econômica encontra-se centrada em dois postulados fundamentais, quais sejam: a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa. Denota-se que, ao fixar os dois postulados como alicerces da ordem econômica, o Texto Constitucional de 1988 objetivou indicar que todas as atividades econômicas, independentemente de quem possa exercê-las, devem com eles encontrar compatibilidade. Das premissas ora mencionadas, extrai-se que, caso a atividade econômica estiver de alguma forma vulnerando os preceitos supramencionados, será a atividade considerada inválida e inconstitucional. Além disso, a intervenção do Estado na vida econômica substancia um redutor de riscos tanto para os indivíduos quanto para as empresas, sobremaneira quando identifica, em termos econômicos, a segurança como princípio. Repise-se, neste ponto, que a intervenção do Estado não poderá entender-se como uma limitação ou um desvio imposto aos próprios objetivos das empresas, mas sim como uma diminuição de riscos e uma garantia de segurança maior na prossecução dos fins últimos da acumulação capitalista. Assim, o presente busca promover uma análise acerca do papel desempenhado pelo Estado, enquanto regulador, no domínio econômico, bem como as formas de intervenção.
Direito Administrativo
1 Comentários Introdutórios Em harmonia com a dicção contida no artigo 170 da Constituição Federal de 1988[1], a ordem econômica encontra-se centrada em dois postulados fundamentais, quais sejam: a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa. Denota-se que, ao fixar os dois postulados como alicerces da ordem econômica, o Texto Constitucional de 1988 objetivou indicar que todas as atividades econômicas, independentemente de quem possa exercê-las, devem com eles encontrar compatibilidade. Das premissas ora mencionadas, extrai-se que, caso a atividade econômica estiver de alguma forma vulnerando os preceitos supramencionados, será a atividade considerada inválida e inconstitucional. Carvalho Filho, em complemento, vai afirmar que “fundamentos, na verdade, são os pilares de sustentação do regime econômico e, como tal, impõem comportamentos que não os contrariem”[2].  Assim, a ordem econômica, também nominada de “Constituição econômica”, pode ser apresentada, enquanto elemento integrante da ordem jurídica, como o sistema de normas, institucionalmente, determinado modo de produção econômica. A ordem econômica diretiva abarcada pela Constituição Federal de 1988 objetiva a transformação do mundo do ser. Neste aspecto, inclusive, a redação do artigo 170 afixa que a ordem econômica deverá estar alicerçada na valorização do trabalho e na livre iniciativa, bem como ter por escopo assegurar a todos existência digna, consoante os ditames preconizados pela justiça social, observados determinadas diretivas. Diógenes Gasparini[3] vai afirmar que a intervenção do Estado no domínio econômico como ato ou medida legal que restringe, condiciona ou suprime a iniciativa privada em determinada área econômica, em benefício do desenvolvimento nacional e da justiça social, assegurados os direitos e garantias individuais. Além disso, a intervenção do Estado na vida econômica substancia um redutor de riscos tanto para os indivíduos quanto para as empresas, sobremaneira quando identifica, em termos econômicos, a segurança como princípio. Repise-se, neste ponto, que a intervenção do Estado não poderá entender-se como uma limitação ou um desvio imposto aos próprios objetivos das empresas, mas sim como uma diminuição de riscos e uma garantia de segurança maior na prossecução dos fins últimos da acumulação capitalista. Ora, a denominada intervenção do Estado no domínio econômico é não apenas adequada, mas indispensável à concretização e à preservação do sistema capitalista de mercado. Sobre o papel desempenhado pelo Estado, no que toca à intervenção na ordem econômica, o Supremo Tribunal Federal já assentou entendimento robusto que: “Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei n. 7.844/92, do Estado de São Paulo. Meia entrada assegurada aos estudantes regularmente matriculados em estabelecimentos de ensino. Ingresso em casas de diversão, esporte, cultura e lazer. Competência concorrente entre a união, estados-membros e o distrito federal para legislar sobre direito econômico. Constitucionalidade. Livre iniciativa e ordem econômica. Mercado. Intervenção do estado na economia. Artigos 1º, 3º, 170, 205, 208, 215 e 217, § 3º, da Constituição do Brasil. 1. É certo que a ordem econômica na Constituição de 1.988 define opção por um sistema no qual joga um papel primordial a livre iniciativa. Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só intervirá na economia em situações excepcionais. 2. Mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Postula um plano de ação global normativo para o Estado e para a sociedade, informado pelos preceitos veiculados pelos seus artigos 1º, 3º e 170. 3. A livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho. Por isso a Constituição, ao contemplá-la, cogita também da "iniciativa do Estado"; não a privilegia, portanto, como bem pertinente apenas à empresa. 4. Se de um lado a Constituição assegura a livre iniciativa, de outro determina ao Estado a adoção de todas as providências tendentes a garantir o efetivo exercício do direito à educação, à cultura e ao desporto [artigos 23, inciso V, 205, 208, 215 e 217 § 3º, da Constituição]. Na composição entre esses princípios e regras há de ser preservado o interesse da coletividade, interesse público primário. 5. O direito ao acesso à cultura, ao esporte e ao lazer, são meios de complementar a formação dos estudantes. 6. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente”. (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADI 1.950/ Relator:  Ministro Eros Grau/ Julgado em 03 nov. 2011/ Publicado no DJ em 02 jun. 2006, p. 04). Neste sentido, no que toca à valorização do trabalho humano, é importante estabelecer que, entre os fundamentos da República Federativa do Brasil, a Constituição consignou os valores sociais do trabalho, em seu artigo 1º, inciso IV[4]. A dicção do dispositivo coloca em destaque a preocupação do Constituinte em promover a conciliação entre os fatores de capital e trabalho de forma a atender aos preceitos da justiça social. Assim, em decorrência de tal alicerce, não encontra mais amparo, por exemplo, comportamentos que conduzam à escravidão ou a meios de trabalho capazes de colocar em risco a vida ou a saúde dos trabalhadores. Ademais, é crucial assinalar, ainda, que a justiça social apresenta escopo protetivo e direcionado a categorias sociais mais desfavorecidas. No mais, a valorização do trabalho humano encontra relação intrínseca com os valores sociais do trabalho. Inexiste dúvida que, para condicionar o trabalho a aludidos valores, faz-se carecida a intervenção do Estado na ordem econômica. “A Constituição intervém notoriamente nas relações entre empregadores e empregados, estabelecidos nos arts. 7º a 11 um detalhado elenco de direitos sociais dos empregados”[5], como leciona Carvalho Filho. Os mandamentos retratam a preocupação estatal em adequar o trabalho aos ditames da justiça social. Ainda no que atina à valorização do trabalho humano, outro aspecto que decorre desse fundamento é o relativo à automação industrial. Assim, se o uso contemporâneo das recentes tecnologias faz parte do processo de desenvolvimento das empresas do país, não é menos verdadeiro que as máquinas não podem promover a substituição do homem para assegurar benefícios exclusivos do empresariado. Além disso, o Texto Constitucional é ofuscante ao impor a valorização do trabalho humano, logo, o homem deve ser considerado como alvo da tutela. A valorização do trabalho humano implica na necessidade de localizar o homem trabalhador em patamar mais elevado do que a outros concernentes a interesses privados, de maneira a ajustar o trabalho aos primados da justiça social. O outro fundamento norteador da ordem econômica é o da liberdade de iniciativa, o qual indica que todas as pessoas têm o direito de ingressar no mercado de produção de bens e de serviços por sua conta e risco. Com efeito, o postulado em comento desdobra na liberdade de exploração das atividades econômicas sem que o Estado execute sozinho ou, ainda, concorra com a iniciativa privada. A livre iniciativa materializa o postulado maior do regime capitalista adotado no território nacional. Afora isso, o alicerce em foco encontra complementação na redação do parágrafo único do artigo 170 do Texto Constitucional[6], consoante o qual a todos é assegurado o livre exercício de qualquer atividade econômica, sem necessidade de autorização de órgãos públicos, à exceção das hipóteses expressamente consagradas no ordenamento jurídico vigente. Tal como o postulado anterior, a liberdade de iniciativa materializa um fundamentos da própria República. Nesta senda, a acepção de livre iniciativa rememora que o Estado não é mero observador, mas desempenha papel de efetivo participante e fiscal do comportamento econômico dos particulares. Destarte, o Estado interfere, de fato, no domínio econômico, restringindo e condicionando a atividade dos particulares em favor do primado do interesse público. Carvalho Filho[7] vai mencionar que a garantia da liberdade de iniciativa ao setor privado goza de tamanha proeminência no regime vigente que prejuízos causados a empresários em decorrência da intervenção do Poder Público no domínio econômico são passíveis de serem indenizados em determinadas situações, nos termos preconizados no §6º do artigo 37 do Texto Constitucional de 1988[8], quando consagra a responsabilidade objetiva. O Supremo Tribunal Federal, em tal trilha, já decidiu que: “Ementa: Constitucional. Econômico. Intervenção estatal na economia: regulamentação e regulação de setores econômicos: normas de intervenção. Liberdade de iniciativa. CF, art. 1º, IV; art. 170. CF, art. 37, § 6º. I. – A intervenção estatal na economia, mediante regulamentação e regulação de setores econômicos, faz-se com respeito aos princípios e fundamentos da Ordem Econômica. CF, art. 170. O princípio da livre iniciativa é fundamento da República e da Ordem econômica: CF, art. 1º, IV; art. 170. II. – Fixação de preços em valores abaixo da realidade e em desconformidade com a legislação aplicável ao setor: empecilho ao livre exercício da atividade econômica, com desrespeito ao princípio da livre iniciativa. III. – Contrato celebrado com instituição privada para o estabelecimento de levantamentos que serviriam de embasamento para a fixação dos preços, nos termos da lei. Todavia, a fixação dos preços acabou realizada em valores inferiores. Essa conduta gerou danos patrimoniais ao agente econômico, vale dizer, à recorrente: obrigação de indenizar por parte do poder público. CF, art. 37, § 6º. IV. – Prejuízos apurados na instância ordinária, inclusive mediante perícia técnica. V. – RE conhecido e provido.” (Supremo Tribunal Federal – Segunda Turma/ RE 422.941/ Relator:  Min. Carlos Velloso/ Julgado em 06 dez. 2005/ Publicado no DJ em 24 mar. 2006, p. 55). Há um critério, ainda, que reclama apreciação. A acepção de liberdade de iniciativa, de certa forma, é antagônica à valorização do trabalho humano. Ora, a deixar-se à iniciativa privada inteira liberdade para exploração das atividades econômicas, existiria o risco inevitável de não se proteger o trabalho humano. Assim, é perceptível a necessidade de conciliar os fundamentos, desenvolvendo estratégias de restrições e condicionamentos à liberdade de iniciativa, com o escopo de que seja alcançada, de fato, a justiça social e os valores emanados. 2 Do Estado Regulador Compreende-se Estado regulador como aquele que, por meio de regime interventivo, se incumbe de estabelecer as regras norteadoras e disciplinadoras da ordem econômica com o escopo de ajustá-la aos primados da justiça social. O artigo 174 da Constituição Federal oferta o subsídio sustentador do Estado regulador, notadamente quando dicciona que, “como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”[9]. Assim, na condição de agente normativo, cabe ao Estado criar as regras jurídicas que são destinadas à regulação da ordem econômica. Incumbem-lhe três formas de atuação, a saber: fiscalização, incentivo e planejamento. A atuação de fiscalização consiste na verificação dos setores econômicos para o fim de serem evitadas formas abusivas de comportamento de alguns particulares, desencadeando gravames a setores menos favorecidos, a exemplo dos consumidores e dos hipossuficientes. Por sua vez, o incentivo representa o estímulo que o governo deve oferecer para o desenvolvimento econômico e social do país, estabelecendo as medidas a serem empregadas, a exemplo das isenções fiscais, o aumento das alíquotas para importação, a abertura de créditos especiais para setores produtivos agrícolas e de outros gêneros. O planejamento, por derradeiro, consiste em um processo técnico instrumentado para alterar a realidade existente, com o escopo de atender objetivos previamente determinados. “Planejar no texto constitucional significa estabelecer metas a serem alcançadas pelo governo no ramo da economia em determinado período futuro”[10]. Em especial no que toca ao incentivo – denominado por alguns de fomento -, incumbe ao Estado disponibilizar o maior número possível de instrumentos para o desenvolvimento econômico a ser perseguido pela iniciativa privada. Na verdade, trata-se de estímulo para o desenvolvimento econômico, logo, configuram instrumentos de incentivo os benefícios tributários, os subsídios, as garantias, os empréstimos em condições favoráveis, a proteção aos meios nacionais de produção, a assistência tecnológica e outros mecanismos semelhantes que persigam tal fito. No que atina à natureza da atuação, cumpre esclarecer que, quando figura como regulador, o Estado não abandona sua posição interventiva; ao reverso, a intervenção em tal cenário dá-se por meio das imposições normativas destinadas, maiormente, aos particulares, tal assim os mecanismos jurídicos preventivos e repressivos para coibir eventuais condutas abusivas. Além de substancializar um meio de intervenção na ordem econômica, a atuação do Estado regulador se materializa de forma direta, sem intermediação de ninguém. Ora, as normas, os fatores preventivos e os instrumentos repressivos tem origem diretamente do Estado. Assim, é possível caracterizar a função do Estado regulador como intervenção direta no domínio econômico. Atinente à competência, quadra ponderar que, em decorrência do sistema vigente de partilha constitucional de atribuições, a competência quase que absoluta da atuação do Estado regulador ficou concentrada na União Federal. Assim, no elenco da competência administrativa privativa, insculpida no artigo 21 do Texto Constitucional[11], encontram-se várias atribuições que acenam essa forma de atuar estatal. Entre elas, pode-se mencionar: (i) fiscalização das operações financeiras, como a de crédito, de câmbio, de seguros e de previdência privada (inciso VIII); (ii) elaboração e execução de planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social (inciso IX); (iii) a reserva relativa à função postal (inciso X); (iv) a organização dos serviços de telecomunicações, de radiodifusão, de energia elétrica (incisos XI a XII); (v) o aproveitamento energético dos cursos d’água e os serviços de transporte (inciso XIII, “b”, “c”, “d” e “e”). Verifica-se o mesmo com relação à competência legislativa privativa, insculpida no artigo 22 da Constituição Federal[12], dentro da qual se encontram incluídas diversas atribuições específicas. Neste sentido, é possível sublinhar: (i) as competências para legislar sobre comércio exterior e interestadual (inciso VIII); (ii) diretrizes da política nacional de transportes (inciso IX); (iii) sobre jazidas, minas e outros recursos minerais (inciso XII); (iv) organização do sistema nacional de empregos (inciso XVI); (v) sobre os sistemas de poupança, de captação e de garantia da poupança popular (inciso XIX). Ora, em cada uma das atribuições delineadas pelo Texto Constitucional, observa-se que pouco, ou nada, restou para os demais entes federativos, “o que denuncia claramente a supremacia da União como representante do Estado-Regulador da ordem econômica”[13]. Não é demasiado assinalar, ainda, que a União desenvolve atividade de regulação do setor econômico privado por meio das agências reguladoras, ou seja, autarquias instituídas diretamente para esse escopo. Incumbe-lhes, ainda, a regulação dos serviços públicos econômicos, quando delegados a empresas privadas, em especial por intermédio de concessões e permissões de serviços públicos. Nesta linha, os demais entes federativos possuem competência para criação de entidades reguladoras próprias, com o fito de regular as atividades de sua parcela de partilha. Na relação de atribuições que formam a competência legislativa concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal que o Texto Magno contemplou algumas funções supletivas para estes últimos entes federativos. Seguindo tal senda, a redação do artigo 24 afixa que compete, de maneira concorrente, a essas pessoas: (i) legislação sobre direito econômico e financeiro (inciso I); (ii) sobre produção e consumo (inciso V); (iii) sobre proteção do meio ambiente (inciso VI). A competência da União, em aludidas hipóteses, concentra a produção de normas gerais, incumbindo aos demais entes federativos a edição de normas complementares, nos termos dos §§1º e 2º do artigo 24 da Constituição[14]. A competência administrativa comum, contida no artigo 23, igualmente aponta atividades vinculadas à intervenção estatal no domínio econômico. Logo, em decorrência de tal competência, incumbe, de modo concorrente, a todas as entidades federativas, a saber: (i) proteger o meio ambiente (inciso VI); (ii) fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar (inciso VIII); (iii) combater as causas da pobreza e promover a integração social dos segmentos hipossuficientes (inciso X). 3 Repressão ao Abuso de Poder Econômico Tradicionalmente, o poder econômico advém do acúmulo de riquezas e, verificada que a ordem econômica encontra-se em situação regular e sem as frequentes crises que a assolam, tal poder desempenha papel positivo, promovendo o aperfeiçoamento dos produtos e dos serviços, bem como das condições de mercado. O poder em comento, entrementes, pode provocar distorções no plano econômico, extremamente prejudiciais aos setores mais desfavorecidos da coletividade. Materializando tal cenário, tem-se o uso do poder transformado em abuso de poder econômico, reclamante a intervenção do Estado-regulador. De maneira mais usual, “o abuso de poder econômico é cometido pela iniciativa privada, na qual alguns setores do empresariado, com ambição desmedida e total indiferença à justiça social, procuram e executam fórmulas altamente danosas ao público em geral”[15]. Assim, a repressão ao abuso do poder econômico é descrita como o conjunto de estratégias empregadas pelo Estado que, mediante intervenção na ordem econômica, têm o escopo de neutralizar os comportamentos causadores de distorção nas condições normais de mercado em decorrência do acúmulo de riquezas. Gasparini vai preconizar que é possível definir tal repressão como “a medida ou conjunto de medidas estatais que ajustam o poder econômico ao desenvolvimento nacional e à justiça social”[16]. A Constituição em vigor foi ofuscante ao estabelecer a necessidade de reprimir o abuso econômico, dispondo no §4º do artigo 173 que a “lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”[17]. Ademais, em decorrência da reforma tributária introduzida pela Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003[18], que altera o Sistema Tributário Nacional e dá outras providências, o artigo 146-A, em sua redação, dispôs que “lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo”. Como é denotável, o mandamento contido no dispositivo supramencionado tem por escopo em assegurar a concorrência como fator inafastável do setor econômico, guardando harmonia com o corolário contido no inciso IV do artigo 170 do Texto de 1988[19]. Trata-se, portanto, de típica situação interventiva do Estado-regulador. Nesta linha, é conveniente afirmar que o próprio Texto Constitucional aponta para as formas pelas quais se consuma o abuso de poder econômico. A primeira delas encontra esteio na dominação dos mercados, consistindo na busca, pela empresa, do desaparecimento do equilíbrio das forças oriundas do fornecimento e do consumo e a da possibilidade de a empresa dominante impor condições que somente sejam favoráveis a ela. Com destaque, a dominação do mercado traz uma série de efeitos nocivos à coletividade. A eliminação da concorrência configura a segunda forma, encontrando íntima relação com a primeira. Conquanto seja difícil admitir-se a concorrência perfeita, o certo é que ela regula e confere relativo equilíbrio ao mercado, porquanto a intenção abusiva de um encontra limites na atuação idônea de seu concorrente. Nesta senda, pode-se afirmar que é o regime de competição de preços e produtos que merece defesa. Ademais, conforme preconiza a Constituição Federal, em seu artigo 170, inciso IV, a livre concorrência é um dos baldrames sustentadores da ordem econômica. Por fim, tem-se como forma abusiva o aumento arbitrário dos lucros, que também possui liame com as duas outras espécies. Logo, quando a empresa intenta dominar o mercado e eliminar o sistema de concorrência, o escopo é o mesmo de auferir lucros de maneira despropositada e arbitrária. Desta feita, verificando-se que o lucro é arbitrário, percebe-se, por consequência, que seu pagamento é efetuado pela massa de consumidores do produto ou do serviço. Ocorrendo tal conduta, incumbe ao Estado-regulador reprimir, eis que é abusivo e ilegal. O domínio abusivo dos mercados no setor econômico se apresenta sob múltiplas espécies, dentre as quais é possível destacar os trustes, os cartéis e o dumping. É possível caracterizar o truste, conforme magistério de Carvalho Filho, como “a forma de abuso de poder econômico pela qual uma grande empresa domina o mercado e afasta seus concorrentes, ou os obriga a seguir a estratégia econômica que adota”[20]. É considerada como uma forma impositiva do grande sobre o pequeno empresário. Gasparini, por seu turno, vai apresentar a concepção de truste como “pressão das grandes empresas sobre suas concorrentes menores com o fito de afastá-las do mercado ou para que concordem com sua política de preço”[21]. O cartel, por sua vez, é substancializado pela materialização da conjugação de interesses entre grandes empresas com o mesmo escopo, ou seja, promover a eliminação da concorrência e ampliar, de maneira arbitrária, seus lucros. “Diante do poderio econômico desses grupos, o pequeno empresariado acaba por sucumbir e, por vezes, se deixar absorver pelo grupo dominante”[22]. Gasparini[23], ainda, elucida que o cartel é considerado como composição voluntária dos concorrentes sobre um ou mais aspectos do negócio explorado. Por derradeiro, o dumping encerra o abuso de caráter internacional, porquanto uma empresa recebe subsídio oficial de seu país, de maneira a baratear em excesso o custo do produto. Desta feita, como o preço é muito inferior ao das empresas que arcam com os seus próprios custos, estas ficam alijadas da livre concorrência, desencadeando para as empresas com custos baixos uma inevitável elevação dos lucros[24]. 4 Controle de Abastecimento De acordo com Carvalho Filho[25], o controle de abastecimento é a forma interventiva do Estado que objetiva a manter no mercado consumidor produtos e serviços suficientes para atender à demanda da coletividade. Gasparini, ainda, vai definir o controle de abastecimento como “todo ato ou medida que assegura a livre distribuição de bens e serviços essenciais à coletividade”[26]. Em momentos de crise econômica, ou, ainda, de processo inflacionário galopante, é comum que as empresas retenham seus produtos ou deixem de prestar seus serviços, desencadeando insuficiência de consumo no mercado e obstando que a população obtenha regularmente os bens e os serviços. Denota-se, comumente, que tal situação é especulativa e representa modalidade de abuso de poder. Diante de tal quadro, faz-se necessária a figura do Estado-regulador para que, mesmo contra a vontade dos fornecedores, regularize o abastecimento da população, conquanto sejam carecidas algumas medidas de cunho coercitivo para atender tal escopo. Neste sentido, a Lei Delegada nº 4, de 26 de setembro de 1962[27], que dispõe sobre a intervenção no domínio econômico para assegurar a livre distribuição de produtos necessários ao consumo do povo, estabelece várias hipóteses que são justificadoras da intervenção do Estado no setor econômico. Com o escopo de fortalecer as ponderações já apresentadas, o artigo 2º da sobredita legislação apresenta as modalidades em que a intervenção se dará: “Art. 2º A intervenção consistirá: I – na compra, armazenamento, distribuição e venda de: a) gêneros e produtos alimentícios; b) gado vacum, suíno, ovino e caprino, destinado ao abate; c) aves e pescado próprios para alimentação; d) tecidos e calçados de uso popular; e) medicamentos; f) Instrumentos e ferramentas de uso individual; g) máquinas, inclusive caminhões, "jipes", tratores, conjuntos motomecanizados e peças sobressalentes, destinadas às atividades agropecuárias; h) arames, farpados e lisas, quando destinados a emprêgo nas atividades rurais; i) artigos sanitários e artefatos industrializados, de uso doméstico; j) cimento e laminados de ferro, destinados à construção de casas próprias, de tipo popular, e as benfeitorias rurais; k) produtos e materiais indispensáveis à produção de bens de consumo popular. II – na fixação de preços e no contrôle do abastecimento, neste compreendidos a produção, transporte, armazenamento e comercialização; III – na desapropriação de bens, por interêsse social; ou na requisição de serviços, necessários à realização dos objetivos previstos nesta lei; IV – na promoção de estímulos, à produção”[28]. Do rol apresentado, verifica-se que a intervenção pode ocorrer por meio da compra (aquisição), armazenamento, distribuição e venda de produtos alimentícios, animais, tecidos, medicamentos, máquinas etc. É possível, ainda, que a intervenção seja materializada por meio da fixação de preços dos produtos. O dispositivo, também, preconiza que a intervenção se dará pela desapropriação por interesse social. “Nota-se, portanto, que o legislador ofereceu ao Poder Público todos os instrumentos necessários à manutenção de bens e serviços no mercado, de modo a permitir o abastecimento regular a toda a coletividade”, conforme explicita Carvalho Filho[29]. Em aditamento, Gasparini[30] vai mencionar a necessidade de uma rápida intervenção por parte do Poder Público, pois cuida considerar que se encontram escasseados no mercado. A hipótese em comento dispensa qualquer procedimento licitatório, nos termos previstos na redação do inciso VI do artigo 24 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993[31], que regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências: “Art. 24.  É dispensável a licitação: [omissis] VI – quando a União tiver que intervir no domínio econômico para regular preços ou normalizar o abastecimento”. 5 Tabelamento de Preços Os preços de bens e de serviços existentes em um determinado sistema econômico retratam a expressão monetária de seus valores. A regra geral, como é sabido, consiste na atribuição de preços a tudo o que se encontra oferecido para consumo. Raros são os bens que não têm valores monetários intrínsecos. Os preços são classificados em privados, aqueles que se originam das condições normais do mercado, e públicos, aqueles estabelecidos unilateralmente pelo Poder Público para os serviços que ele ou seus delegados prestem à coletividade, cobrados através de tarifas. Gasparini[32], ainda, apresenta os preços semiprivados, ou seja, aqueles que são fixados pela União sob a influência do mercado. Carvalho Filho[33], em seu escólio, assinala, ainda, que a atuação interventiva do Estado ocorre em relação aos preços privados. A expressão monetária dos preços privados se origina das condições do mercado, por meio da natural lei da oferta e procura, aquela que equilibra ou desequilibra o mercado conforme a natureza dos acontecimentos do sistema econômico. No mais, quando a oferta é maior que a procura, os preços tendem a reduzir-se; contudo, quando a procura é maior que a oferta, ocorre o reverso, ou seja, a tendência é a elevação dos valores. Assim, os preços devem, naturalmente, ser fixados pelo mercado, porém nem sempre é isso que ocorre. Em determinados momentos, a sonegação de bens e serviços para o consumo regular do mercado, levada a cabo por alguns setores empresariais, desencadeia uma alta artificial dos preços. Ocorrendo tal cenário, em que há o desequilíbrio nas condições de mercado, deve o Estado-regulador atuar de forma interventiva. Em tal situação, o mecanismo mais apropriado para a regulação do mercado é o tabelamento de preço. Nos dizeres de Carvalho Filho, “tabelamento de preços, portanto, é a fixação de preços privados de bens e produtos pelo Estado, quando a iniciativa privada se revela sem condições de mantê-los nas regulares condições de mercado”[34]. Tal mecanismo também é denominado de controle de preços ou congelamento de preços, o que não deixa de ser um tabelamento protraído no tempo. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que: “Ementa: Direito econômico. Intervenção do estado no domínio econômico. Tabelamento. Preço único. Setor sucro-alcooleiro. Congelamento de preços. Planos econômicos. IAA – Instituto do Álcool e do Açúcar. Apuração de custo de produção pela FGV – Fundação Getúlio Vargas. indenização pleiteada por prejuízo ocasionado por política de fixação de preços em desacordo com os critérios do art. 9° da Lei n.º 4.870/65. I – O exercício da atividade estatal, na intervenção no domínio econômico, não está jungido, vinculado, ao levantamento de preços efetuado por órgão técnico de sua estrutura administrativa ou terceiro contratado para esse fim específico; isto porque há discricionariedade do Estado na adequação das necessidades públicas ao contexto econômico estatal; imprescindível a conjugação de critérios essencialmente técnicos com a valoração de outros elementos de economia pública. II – O tabelamento de preços não se confunde com o congelamento, que é política de conveniência do Estado, enquanto intervém no domínio econômico como órgão normativo e regulador do mercado, não havendo quebra do princípio da proporcionalidade ao tempo em que todo o setor produtivo sofreu as consequências de uma política econômica de forma ampla e genérica. III- Apesar de inviável, em sede de recurso especial, a quantificação dos danos sofridos pelas usinas e engenhos de açúcar – com a fixação de preços únicos para o setor sucro-alcooleiro, decorrente de tabelamento de preço – porque implica em reexame de prova vedado pela Súmula n.º 07/Colendo Superior Tribunal de Justiça, é possível a discussão da legalidade dos critérios exteriorizadores da defasagem do setor.” (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 79.937/DF/ Relaora: Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 06 fev. 2001/ Publicado no DJ em 10 set. 2001, p. 366). É importante apontar que o tabelamento de preços encontra previsão expressa no inciso II do artigo 2º da Lei Delegada nº 4, de 26 de setembro de 1962[35], retratando uma das formas de atuação interventiva do Estado no domínio econômico. Carvalho Filho[36] vai sustentar que a competência para essa atuação é privativa da União ou de entidades a ela vinculadas, às quais foram delegadas essa atribuição. Logo, estão excluídos de tal possibilidade os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Com efeito, o tipo de intervenção estatal, contudo, não pode se afastar de sua finalidade. O escopo a que se dirige o Estado é a regularização do mercado, de modo que se afigura ilegítima a atuação estatal pela qual sejam tabelados preços privados sem observância à natural lei da oferta e da procura.  As empresas também não possuem amparo constitucional para a exploração das atividades econômicas, primado da liberdade de iniciativa. 6 Microempresas e Empresas de Pequeno Porte Além do grande empresariado, o setor econômico possui um elevado número de empresas menores que são, igualmente, responsáveis pelo desenvolvimento econômico do país. Sensível a tal realidade, a Constituição Federal, na redação do artigo 179[37], estabeleceu, de maneira expressa, que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei. Denota-se, portanto, que o escopo constitucional foi de propiciar a categoria de empresas em destaque a oportunidade de competição ou, ao menos, de desenvolvimento, diante das grandes empresas que, naturalmente, carecem de menor auxílio por deterem situação econômica mais sólidas e melhores meios para alcançarem seus fitos. Em decorrência da reforma tributária, a Constituição, em seu artigo 146, inciso III, alínea “d”, com a Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003[38], que altera o Sistema Tributário Nacional e dá outras providências, passou a prever que a lei complementar sobre matéria tributária, também, deve definir o tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, bem como instituir regimes especiais ou simplificados no caso de imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias (artigo 155, inciso II[39]), das contribuições para o PIS (artigo 239[40]) e das contribuições previdenciárias previstas no artigo 195, inciso I, alínea “b”, e inciso IV, do Texto Constitucional[41]. Neste sentido, a Constituição de 1988 atribuiu competência concorrente a todas as entidades federativas no que concerne a ações protetivas para as microempresas, em decorrência de diversos aspectos se encontrarem insertos em competências constitucionais diversas. Com o escopo de regulamentar a temática em âmbito infraconstitucional, foi promulgada a Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006[42], que institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte; altera dispositivos das Leis no 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, da Lei no 10.189, de 14 de fevereiro de 2001, da Lei Complementar no 63, de 11 de janeiro de 1990; e revoga as Leis no 9.317, de 5 de dezembro de 1996, e 9.841, de 5 de outubro de 1999. O diploma legislativo foi responsável pela introdução de um sucedâneo de modificações em outros diplomas, bem como revogou legislações, com o escopo de promover a unificação da temática. Assim, apesar de uma série de alterações trazidas pelo diploma em destaque, dois pontos merecem maior reflexão. O primeiro consiste no aspecto tributário, posto que a Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006[43], embora com algumas normas diferenciadas, repetiu o Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições, nominado “Simples Nacional”, cujas disposições encontram-se espancadas do artigo 12 a 41. “A lei visou a facilitar os pequenos empresários no que diz respeito ao débito de impostos e outras contribuições, inclusive reduzindo as exigências formais adotadas normalmente para o pagamento de despesas fiscais”[44]. Em relação ao segundo ponto, cuida mencionar que o acesso aos mercados pretendeu ofertar oportunidades mais robustas às microempresas e às empresas de pequeno porte por meio de preferências no setor de aquisições de bens e serviços pela Administração Pública e da diminuição de formalismos em sede de procedimentos licitatórios, conforme a redação dos artigos 42 a 49. Igualmente, foi introduzida a inovação de permitir a tais empresas a emissão de cédula de crédito microempresarial, dotada de natureza de título de crédito e regida, subsidiariamente, pela legislação norteadora de cédulas de crédito comercial.
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A atuação da Procuradoria do Estado do Rio de Janeiro dentro dos processos administrativos disciplinares
Analisando a atuação da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro em relação ao Processo Administrativo Disciplinar, busca-se avaliar se tal órgão de assessoramento jurídico pode participar do processo, em especial no que tange ao mérito do que será objeto de apreciação pela autoridade administrativa. Sendo certo de que, na qualidade de advocacia pública, a Procuradoria tem o condão de prestar assistência jurídica ao Chefe do Poder Executivo Estadual e seus órgãos.[1]
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O presente trabalho analisa a atuação da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro junto ao Processo Administrativo Disciplinar, tendo como fundamento o controle interno da legalidade dos atos da Administração Pública e subsidiar a defesa judicial dos interesses do Estado. Como Trabalho de Conclusão de Curso de Bacharel em Direito, não é o objetivo desta pesquisa, esgotar o assunto, tampouco, estabelecer quaisquer parâmetros da atuação da Advocacia Pública. Busca-se apresentar, sob uma ótica científica, a importância de um acompanhamento processual dos Processos Administrativos Disciplinares, a fim de garantir-lhes maior efetividade, fazer com que estes atendam os Princípios da Administração Pública, e, evitar ou sanar vícios que possam gerar a anulação destes pela autoridade administrativa ou pelo Poder Judiciário. Atenção do presente trabalho voltar-se-á para a atuação das Procuradorias dos Estados, em especial a do Rio de Janeiro, deixando em um segundo plano à atuação da Advocacia Geral da União, as Procuradorias dos Municípios e das autarquias. Observando ainda que os Processos Administrativos poderão sujeitar-se a apreciação do Poder Judiciário que, em regra, não poderá analisar o mérito das decisões da Administração Pública, entretanto, sempre poderá analisar as questões formais, podendo a Procuradoria Geral do Estado, realizar um controle preventivo no aspecto formal, evitando assim que a Administração Pública tenha que arcar com processos constantemente declarados nulos em razão de vícios dessa natureza. Verifica-se ainda, a possibilidade da Procuradoria do estado analisar o mérito do Processo Administrativo Disciplinar, em razão de se tratar de órgão do Poder Executivo composto por juristas de carreira. Para tanto será necessário algumas considerações a cerca do funcionamento da Procuradoria Geral do Estado, voltado à assessoria jurídica do Chefe do Poder Executivo, bom como a sua participação no Processo Administrativo Disciplinar, seja como uma exigência legal ou uma faculdade da autoridade administrativa. Observaremos que, em alguns casos é indispensável à participação da Procuradoria do Estado, em outros caberá a Advocacia Pública providenciar todo o Processo Administrativo, restando ainda à hipótese desta sequer acompanhar ou se manifestar a tais procedimentos. Para tanto, será necessário uma breve comparação entre as diversas Procuradorias dos Estados da Federação, no que concerne a sua atuação junto ao Processo Administrativo Disciplinar. 1 PROCURADORIA GERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO A Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro é o órgão responsável pela representação judicial ou extrajudicial do Poder Executivo Estadual, cabendo-lhe a consultoria e assessoramento jurídico. É a face da Advocacia Pública no âmbito deste Estado membro, define Alexandre de Moraes (2011), “os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas e serão organizadas em carreira”. Definida como função essencial à Justiça, pela Carta Magna, a Advocacia Pública é indispensável tanto no assessoramento jurídico quanto na própria do interesse estatal perante o Poder Judiciário. Os Procuradores serão membros de carreira, formalmente constituídos e por concurso público, os quais, além da representação judicial também exercem a consultoria para todos os órgãos da administração direta, salvo quando determinado órgão já dispuser de assessoria antes da promulgação da constituição, nos termos do artigo 69 do ADCT. Segundo Pedro Lenza, embora exista essa exceção à regra, em geral, a representação e consultoria será exclusiva dos Procuradores do Estado. Este órgão, mesmo antes da CRFB/88, já existia com base na legislação infraconstitucional, sendo certo de que, a outrora chamada de Procuradoria Geral do Estado da Guanabara, e mesmo antes desta a Procuradoria dos Feitos da Fazenda Municipal, já cuidavam da representação e consultoria da Administração Pública. Observando que a Procuradoria Geral do Estado da Guanabara, já previa a contratação de Procuradores por meio de concurso público, podendo se afirmar que o berço da Advocacia Pública no nosso ordenamento jurídico fora na verdade, a Procuradoria Geral do Estado ou ao menos, das instituições que lhe deram origem. Para melhor apontarmos as atribuições da Advocacia Pública, recorremos à definição de Francesco Conte a Advocacia Pública o qual indica que esta possui uma função preventiva e a atuação postulatória. “Especificamente com relação à advocacia pública, sua função compreende, de um lado, por força dos artigos 131 e 132 da Constituição de 1988, atuação preventiva, que se concretiza por intermédio da consultoria jurídica, e, de outro lado atuação postulatória, referente à representação judicial e extrajudicial do ente público” (Pedro Lenza, 2012. p. 869) Em síntese, a Procuradoria Geral do Estado tem o dever de atuar preventivamente, dando suporte jurídico as decisões da Administração Pública Estadual, evitando que os atos administrativos sejam praticados eivados de vícios sejam estes de cunho formal ou material. 1.1 Previsão Constitucional da PGE e suas atribuições A Advocacia Pública, como mencionado acima, trata-se de função essencial à Justiça, logo, órgão indispensável para atuação da Administração Pública em um Estado Democrático de Direito. O texto constitucional aponta tal importância, que foi reconhecida, em sua plenitude através da Emenda Constitucional nº 19, de 1998, a qual instituiu a Seção II no Capitulo que trata das funções essenciais à Justiça. Define o artigo 131 da CRFB/88 que, “Artigo 131- A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo”. Tratando o citado artigo da Advocacia Pública exclusiva da União, a saber, a Advocacia Geral da União, entretanto, a Lei Maior do ordenamento jurídico pátrio também prevê a existência das Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal, sendo estas legitimadas ao exercício da Advocacia Pública dos referidos entes federativos. Reservando para tanto o artigo 132, em que aponta, “Artigo 132- Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas”. Por sua vez, a Constituição do Estado do Rio de Janeiro trata da Procuradoria Geral do Estado em seu artigo 176, que dispõe, “Artigo 176- A representação judicial e a consultoria jurídica do Estado, ressalvados o disposto nos artigos 121 e 133, parágrafo único, são exercidas pelos Procuradores do Estado, membros da Procuradoria-Geral, instituirão essencial à Justiça, diretamente vinculada ao Governador, com funções, como órgão central do sistema de supervisão dos serviços jurídicos da administração direta e indireta no âmbito do Poder Executivo”. No que diz respeito as suas atribuições, podemos destacar, no caso do estudo em tela, que tal órgão exerce o controle interno dos atos administrativos praticados pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, conforme indica o § 3º do artigo 176 da Constituição Estadual, in verbis: “Artigo 176 […] § 3º – A Procuradoria Geral oficiará obrigatoriamente no controle interno da legalidade dos atos do Poder Executivo e exercerá a defesa dos interesses legítimos do Estado, incluídos os de natureza financeiro-orçamentária, sem prejuízo das atribuições do Ministério Público”. Ao afirmar que a atuação deste órgão está ligada ao controle interno da legalidade dos atos do Poder Executivo, sendo tal atuação obrigatória, define a norma que a Procuradoria Geral do Estado irá atuar em todos os atos praticados pelo Governo, dentre os quais se incluem os Processos Administrativos Disciplinares. 2. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR O Processo Administrativo Disciplinar é o meio pelo qual a autoridade administrativa apura os ilícitos administrativos, garantindo o contraditório e a ampla defesa ao servidor a quem fora imputada a falta. “No direito brasileiro, os meios de apuração de ilícitos administrativos são o processo administrativo disciplinar e os meios sumários, que compreendem a sindicância e a verdade sabida. O processo administrativo disciplinar é obrigatório, de acordo com o artigo 41 da Constituição, para a aplicação das penas que impliquem perda de cargo para o funcionário estável. A Lei nº 8112/90 exige a realização desse processo para a aplicação das penas de suspensão por mais de 30 dias, demissão cassação de aposentadoria e disponibilidade, e destituição de cargo em comissão (art.146); o artigo 100 do Decreto-lei nº 200, de 25-2-67 (Reforma Administrativa federal), ainda exige o mesmo processo para a demissão ou dispensa do servidor efetivo ou estável, comprovadamente ineficiente no desempenho dos encargos que lhe competem ou desidioso no cumprimento de seus deveres”. (Di Pietro, 2011, pp. 638 e 639) Podemos concluir que o Processo Administrativo Disciplinar é obrigatório para que seja aplicada a pena de perda de cargo ao funcionário estável, de forma que, é o procedimento desta natureza que pode resultar na mais grave sanção, sendo, portanto, de maior relevância jurídica que os meios sumários de apuração de ilícitos administrativos, quais sejam, a sindicância e a verdade sabida. “O objeto do processo administrativo-disciplinar é a averiguação da existência de alguma infração funcional por parte dos servidores públicos, qualquer que seja o nível de gravidade”. (Carvalho Filho, 2015, p. 1023) Por esta razão, o Processo Administrativo Disciplinar exige maior formalidade, devendo ser conduzido dentro dos preceitos processuais determinados pela lei. Tais preceitos devem garantir o exercício do contraditório e da ampla defesa, bem como, o devido processo legal. Além dos princípios mencionados, que estão ligados à natureza do processo em si, por se tratar de processo no âmbito da Administração Pública, não se podem afastar os princípios basilares do Direito Administrativo, devendo ser tal procedimento pautado pela legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, nos termos do artigo 37 da CRFB/88. “Processo administrativo-disciplinar é o instrumento formal através do qual a Administração apura a existência de infrações praticadas por seus servidores e, se for o caso, aplica as sanções adequadas. Quando uma infração é praticada no âmbito da Administração, é absolutamente necessário apurá-la, como garantia para o servidor e também da Administração. O procedimento tem que ser formal para permitir ao autor do fato o exercício do direito de ampla defesa, procurando eximir-se da acusação a ele oferecida.” (Carvalho Filho, 2015, p. 1022) Por vezes a autoridade administrativa instituirá comissões para conduzir o processo, devendo esta, garantir o cumprimento das formalidades e elaborar relatório motivado, manifestando-se pela absolvição ou aplicação de punição. “A fase final é a de decisão, em que a autoridade poderá acolher a sugestão da comissão, hipótese em que o relatório corresponderá à motivação; se não aceitar a sugestão, terá que motivar adequadamente a sua decisão, apontando os elementos do processo em que se baseia. É comum a autoridade julgadora socorrer-se de pareceres de órgãos jurídicos antes de adotar a sua decisão”. (Di Pietro, 2011, p.640) Nota-se que a doutrina menciona que a autoridade julgadora poderá pautar sua decisão em pareceres exarados por órgão jurídicos. Diante de tal possibilidade cabe analisar quais seriam tais órgãos jurídicos Em um primeiro momento, órgão jurídico leva diretamente a ideia de Advocacia Pública, posto que, a atribuição de emitir pareceres a título de consultoria jurídica ao Poder Executivo recai de forma inequívoca à Advocacia Geral da União e as Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal, entretanto, aponta Pedro Lenza hipóteses de que os órgãos da administração pública indireta possuam consultoria jurídica independente, ou, nos casos em que a administração direta tenha órgãos de consultoria jurídica, contudo, neste segundo caso, estes devem ter sido instituídos antes da promulgação da CRFB/88, nos termos do artigo 69 do ADCT. “A única exceção a esta regra no tocante à administração direta está contida no art. 69 do ADCT, que permite aos Estados manter consultorias jurídicas separadas de suas Procuradorias-Gerais ou Advocacias-Gerais, desde que, na data da promulgação da Constituição, tenham órgãos distintos para as respectivas funções. A regra, contudo, é a da exclusividade da representação e consultoria pelos Procuradores do Estado ou do DF”. (Pedro Lenza, 2012, pp. 880 e 881). Ressalvadas estas exceções, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, incumbe à PGE emitir pareceres de a fim de orientar a autoridade administrativa quanto à decisão a ser tomada. Não se afastar o fato de que a autoridade administrativa deve enfrentar as questões formais no Processo Administrativo Disciplinar, observando os ditames da legislação específica que rege o processo em questão. “A autoridade julgadora deve fazer exame completo do processo para verificar a sua legalidade, podendo declarar a sua nulidade, determinar o saneamento do processo ou a realização de novas diligências que considere essenciais à prova. Tudo com base no princípio da oficialidade”. (Di Pietro, 2011, p. 640) Fica evidente que se a autoridade administrativa deve verificar tanto o mérito quanto as formalidades do Processo Administrativo Disciplinar, podendo se socorrer de pareceres emitidos por órgão jurídicos, a Procuradoria Geral do Estado, quando a autoridade administrativa, entender que cabe, irá elaborar parecer o qual poderá analisar os aspectos formais, ou mesmo o mérito. No tocante a Constituição do Estado do Rio de janeiro, como já mencionado, o artigo 176, §3º, aponta que a PGE oficiará obrigatoriamente no controle interno de legalidade, deixando claro, que nos aspectos formais a PGE está obrigada a se manifestar. 2.1 Aspectos Legais do Processo Administrativo Disciplinar O Processo Administrativo no âmbito da União tem previsão legal na Lei 9.784/99, e, no Estado do Rio de Janeiro na Lei 5.427/09, tendo tais normas, disposições relativas aos procedimentos a serem adotados, bem como, o objeto dos processos. “O processo administrativo está hoje disciplinado, no âmbito federal, pela Lei nº 9784, de 29-01-99, alterada pelas Leis nº 11917, de 19-12-06, e 12008, de 29-7-09. Ela estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, visando à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração”. (Di Pietro, 2011, p. 626) A Administração Pública poderá iniciar de ofício o Processo Administrativo Disciplinar, posto que, em regra, a autoridade administrativa, ao tomar conhecimento do ilícito administrativo por meio admitido pela legislação, terá o poder dever de apurar a existência da falta, qual o servidor responsável pela mesma e, se for o caso, qual a sanção a ser aplicada. O processo pode ser instaurado por requisição de interessado, o que no caso do PAD, pode-se definir como órgão de controle ou fiscalização externa, ou mesmo órgão correcional da Administração Pública. “Na Lei nº 9784/99, está previsto, como um dos critérios a serem observados nos processos administrativos, a “impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos interessados” (art.2°,XII). No artigo 5º, está expresso que o processo pode iniciar-se de ofício ou a pedido de interessado, e o artigo 29 contém a determinação de que as atividades de instrução destinadas a averiguar e comprovar os dados necessários à tomada de decisão realizam-se de ofício ou mediante impulsão do órgão responsável pelo processo, sem prejuízo do direito dos interessados de propor atuações probatórias. A lei ainda permite que nos processos administrativos de que resultem sanções a revisão se faça a pedido ou de ofício, quando surgirem fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada, ficando expressamente vedado o agravamento da sanção”. (Di Pietro, 2011, p. 628) Outro aspecto importante é que o Processo Administrativo deve respeitar formalidades imposta pela legislação pertinente, para garantir o devido processo legal, bem como, a fiscalização externa do ato em si, evitando abusos e vícios em geral. “Às vezes, a lei impõe determinadas formalidades ou estabelece um procedimento mais rígido, prescrevendo a nulidade para o caso de sua inobservância. Isso ocorre como garantia para o particular de que as pretensões confiadas aos órgãos administrativos serão solucionadas nos termos da lei; além disso, constituem o instrumento adequado para permitir o controle administrativo pelos Poderes Legislativo e Judicial. A necessidade de maior formalismo existe nos processos que envolvem interesses dos particulares, como é o caso dos processos de licitação, disciplinar e tributário. Nesses casos, confrontam-se, de um lado, o interesse público, a exigir formas mais simples e rápidas para a solução dos processos, e, de outro, o interesse particular, que requer formas mais rígidas, para evitar o arbítrio e a ofensa a seus direitos individuais”. (Di Pietro, 2011, pp. 629 e 630) Fica evidente a necessidade da participação da PGE, no que tange ao controle das formalidades, sendo certo de que a obrigatória participação exigida pela Constituição Estadual faz com que, necessariamente, o PAD submeta-se ao crivo da Procuradoria, para que esta faça analise quanto ao cumprimento das formalidades. Não se pode afastar o fato de que o Princípio do Devido Processo Legal, se impõe ao processo administrativo, exigindo-se que os demais princípios processuais sejam aplicados no caso. “Dos princípios constitucionais do Direito Processual, o mais importante, sem sombra de dúvida é o devido processo legal. Consagrado no art. 5º, LIV, da Constituição da República, este princípio é, em verdade, causa de todos os demais. Quer-se dizer, com o que acaba de ser afirmado, que todos os outros princípios constitucionais do Direito Processual, como os da isonomia e do contraditório – para citar apenas dois-, são corolários do devido processo legal e estariam presentes no sistema positivo ainda que não tivessem sido incluídos expressamente no texto constitucional. A consagração na Lei Maior do princípio do devido processo legal é suficiente para que se tenha por assegurados todos os demais princípios constitucionais do Direito Processual.” (Alexandre Câmara, 2011, pp. 35 e 36). Não se pode deixar de apontar que, ao submeter o Processo Administrativo Disciplinar à análise da PGE, podem ser sanados vícios e evitadas ilegalidades que possam ofender a ampla defesa do servidor submetido ao PAD, não sendo necessário que o mesmo tenha que rever a decisão administrativa através do Poder Judiciário. Neste sentido Di Pietro, informa a importância do contraditório e da ampla defesa. “Este princípio, amplamente defendido pela doutrina e jurisprudência já na vigência de Constituições anteriores, está agora expresso no artigo 5º, inciso LV, da Constituição de 1988: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recurso a ela inerentes”. Especificamente com relação aos servidores estáveis, o mesmo direito está assegurado no artigo 41,§1º, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998, que só permite a perda do cargo em virtude de sentença judicial transitada em julgado, mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa ou mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa”. (Di Pietro, 2011, p. 631). 3 ANÁLISE DO MÉRITO NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR Como já exposto, o processo administrativo disciplinar deve ter suas exigências formais cumpridas, em razão dos princípios da legalidade e publicidade, em se tratando de um processo deve estar de acordo com as exigências legais, tais como, instauração, instrução processual e decisão. Contudo, o processo administrativo disciplinar, assim como processo judicial, busca apreciar o mérito da questão, ou seja, não havendo vício formal ou quaisquer outras preliminares de mérito, deverá a Administração Pública enfrentar o mérito da infração atribuída ao servidor, bem como acolher ou refutar suas teses de defesa. A análise do mérito é de suma importância tendo em vista, que é ali que se discutirá a situação em si, não se restringindo a análise da legalidade apenas, mas também da moralidade da conduta do servidor, ora submetido ao PAD. O processo, embora atrelado às formalidades, busca em verdade a analise dos fatos cuja Administração Pública considera como infrações administrativas, fatos esses que serão analisados quando enfrentado o mérito. Em alguns casos, poderá a Administração Pública instituir comissões disciplinares responsáveis por processar e emitir relatório ou mesmo decisão em relação ao PAD. “O processo é realizado por comissões disciplinares (comissões processantes), sistema que tem a vantagem de assegurar maior imparcialidade na instrução do processo, pois a comissão é órgão estranho ao relacionamento entre o funcionário e o superior hierárquico. Para garantir essa imparcialidade, tem-se entendido, inclusive na jurisprudência, que os integrantes da comissão devem ser funcionários estáveis e não interinos ou exoneráveis ad nutum. O processo desenvolve-se nas seguintes fases: instauração, instrução, defesa, relatório e decisão. O processo tem início com despachos de autoridade competente, determinando a instauração, assim que tiver ciência de alguma irregularidade; ela age ex officio, com fundamento no princípio da oficialidade. Não havendo elementos suficientes para instaurar o processo, determinará previamente a realização de sindicância. Determinada a instauração e já autuado o processo, é este encaminhado à comissão processante, que o instaura, por meio de portaria em que conste o nome dos servidores envolvidos, a infração de que são acusados, com descrição sucinta dos fatos e indicação dos dispositivos legais infringidos”. (Di Pietro, 2011, p. 639) A comissão disciplinar, nomeada regularmente para instruir o PAD, deverá laborar tal qual uma corte, procedendo julgamento observando as formalidades e o mérito, podendo diante de um vício formal sanável promover a correção e ainda assim a análise do mérito, furtando-se de enfrentar o mérito tão somente diante de um vício formal insanável. A cerca da instrução do processo administrativo disciplinar “A instrução rege-se pelos princípios da oficialidade e do contraditório, este último essencial à ampla defesa. Com base no primeiro, a comissão toma a iniciativa para levantamento das provas, podendo realizar ou determinar todas as diligências que julgue necessárias a essa finalidade. O princípio do contraditório exige, em contrapartida, que a comissão dê ao indiciado oportunidade de acompanhar a instrução, com ou sem defensor, conhecendo e respondendo a todas as provas contra ele apresentadas. Concluída a instrução, deve ser assegurado o direito de “vista” do processo e notificado o indiciado para a apresentação da sua defesa. Embora esta fase seja denominada de defesa, na realidade as normas referentes à instauração e à instrução do processo já têm em vista propiciar a ampla defesa ao servidor. Nesta terceira fase, deve ele apresentar razões escritas, pessoalmente ou por advogado da sua escolha; na falta de defesa, a comissão designará funcionário, de preferência bacharel em direito, para defender o indiciado. A citação do indiciado deve ser feita antes de iniciada a instauração e acompanhada de cópia da portaria para permitir-lhe pleno conhecimento da denúncia; além disso, é permitido a ele assistir a inquirição das testemunhas e reperguntar às mesmas, por intermédio da comissão, devendo comparecer acompanhado do seu defensor. Terminada a instrução, será dada vista dos autos a indiciado e aberto o prazo para a defesa. O princípio do contraditório é, pois, assegurado em toda a sua extensão. Terminada a defesa, a comissão apresenta o seu relatório, no qual deve concluir com proposta de absolvição ou de aplicação de determinada penalidade, indicando as provas em que baseia sua conclusão. O relatório é peça apenas opinativa, não obrigando a autoridade julgadora, que poderá, analisando os autos, apresentar conclusão diversa.  Fase final é a de decisão, em que a autoridade poderá acolher a sugestão da comissão, hipótese em que o relatório corresponderá à motivação; se não aceitar a sugestão, terá que motivar adequadamente a sua decisão, apontando os elementos do processo em que se baseia. É comum a autoridade julgadora socorrer-se de pareceres de órgãos jurídicos antes de adotar a sua decisão. A autoridade julgadora deve fazer exame completo do processo para verificar a sua legalidade, podendo declarar a sua nulidade, determinar o saneamento do processo ou a realização de novas diligências que considere essenciais à prova. Tudo com base no princípio da oficialidade. Concluído o processo, pela absolvição ou aplicação de penalidade, cabem, neste último caso, o pedido de reconsideração e os recursos hierárquicos, além da revisão admitida na legislação estatutária”. (Di Pietro, 2011, pp. 639 e 640) Como podemos ver, a analise das formalidades e do mérito será sempre essencial no PAD, mesmo porque, a defesa poderá questionar tanto as formalidades quanto o mérito em si, especialmente quando houver uma espécie de órgão revisor ou mesmo recursos de caráter hierárquico e reconsideração de atos. Ocasiões em que ocorrerá a revisão da matéria por parte daquele que puder modificar a decisão ora impugnada, bem como, poderá ocorrer à anulação se reconhecido a presença de vício formal insanável. A importância da analise do mérito é tamanha, uma vez que, é nessa ocasião que a Administração Pública irá deliberar a cerca da infração em si, sendo o fator preponderante para a decisão. Outro aspecto de tamanha relevância, ainda no que diz respeito no julgamento do mérito é que os vícios formais poderão sujeitar-se ao controle do Poder Judiciário, um controle externo, admitindo, portanto, que um erro formal em um PAD poderá ser corrigido pela ação do judiciário, entretanto, o julgamento equivocado do mérito, em tese, não permite que o servidor prejudicado socorra-se do controle externo para questionar tal prejuízo. Pode-se admitir então, que as questões formais são de importância, pois pode gerar a nulidade de todo o Processo Administrativo Disciplinar, o que poderá ocorrer também pela a intervenção do Poder Judiciário, contudo, quando o prejuízo decorrer de uma má apreciação do mérito, não haverá socorro em razão do Princípio da Separação dos Poderes. 3.1 Separação de Poderes Observar o Princípio da Separação de Poderes faz-se necessário, como mencionado, pois sendo o PAD responsabilidade de um determinado Poder, este deverá promover o julgamento formal e material num âmbito de sua atuação. O Processo Administrativo Disciplinar terá o aspecto de um julgamento, o que de fato é, entretanto, não seria admissível que os servidores do Poder Legislativo e Executivo fossem submetidos a um processo no âmbito do Poder Judiciário para análise tão somente da questão administrativa, o que faria com que um outro Poder avaliasse o interesse em aplicar a sanção a um servidor que com ele não tem vinculo, para tanto Alexandre de Moraes define a separação dos poderes da seguinte forma “A Constituição Federal, visando, principalmente, evitar o arbítrio e o desrespeito aos direitos fundamentais do homem, previu a existência dos Poderes do Estado e da Instituição do Ministério Público, independentes e harmônicos entre si, repartindo entre eles as funções estatais e prevendo prerrogativas e imunidades para que bem pudessem exercê-las, bem como criando mecanismos de controles recíprocos, sempre como garantia da perpetuidade do Estado democrático de Direito. A divisão segundo o critério funcional é a célebre “separação de Poderes”, que consiste em distinguir três funções estatais, quais sejam, legislação, administração e jurisdição, que devem ser atribuídas a três órgãos autônomos entre si, que as exercerão com exclusividade, foi esboçada pela primeira vez por Aristóteles, na obra “Política”, detalhada, posteriormente, por John Locke, no Segundo tratado do governo civil, que também reconheceu três funções distintas, entre elas a executiva, consistente em aplicar a força pública no interno, para assegurar a ordem e o direito, e a federativa, consistente em, manter relações com outros Estados, especialmente por meio de alianças. E, finalmente, consagrada na obra de Montesquieu O espírito das leis, a quem devemos a divisão e distribuição clássicas, tornando-se princípio fundamental da organização política liberal e transformando-se em dogma pelo art. 16 da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, e é prevista no art. 2º da nossa Constituição Federal”. (Alexandre de Moraes, 2010, p. 410). O autor indica ainda que, o Princípio da Separação de Poderes apoia-se na manutenção do Estado Democrático de Direito conferindo garantias institucionais aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, bem como ao Ministério Público, este último que assemelha-se a um poder em si “O objetivo colimado pela Constituição Federal, ao estabelecer diversas funções, imunidades e garantias aos detentores das funções soberanas do Estado, Poderes Legislativo, Executivo, Judiciário e a Instituição do Ministério Público, é a defesa do regime democrático, dos direitos fundamentais e da própria Separação de Poderes, legitimando, pois, o tratamento diferenciado fixado a seus membros, em face do princípio da igualdade. Assim, estas eventuais diferenciações são compatíveis com a cláusula igualitária por existência de um vínculo de correlação lógica entre o tópico diferencial acolhido por residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em função dela conferida, pois compatível com interesses prestigiados na constituição”. (Alexandre de Moraes, 2010, p. 412) Considerando ainda que sem esta separação o conflito poderá desestruturar determinado poder tendo como resultado óbvio a sua inoperância bem como, potencializar um único poder perante aos demais, o que poderia criar um sistema autoritário, posto que, aquele determinado Poder não encontraria em um outro quem pudesse frear as suas ações logo poderia agir como um Poder absoluto em relação aos demais, fazendo valer a sua vontade como a única do Estado “Os órgãos exercentes das funções estatais, para serem independentes, conseguindo frear uns aos outros, com verdadeiros controles recíprocos, necessitavam de certas garantias e prerrogativas constitucionais. E tais garantias são invioláveis e impostergáveis, sob pena de ocorrer desiquilíbrio entre eles e desestabilização do governo. E, quando o desequilíbrio agiganta o Executivo, instala-se o despotismo, a ditadura, desaguando no próprio arbítrio, como afirmava Montesquieu ao analisar a necessidade da existência de imunidades e prerrogativas para o boom exercício das funções do Estado. Se por um lado as imunidades e as garantias dos agentes políticos, previstas na Constituição Federal, são instrumentos para perpetuidade da separação independente e harmônica dos Poderes de Estado, por outro lado, igualmente defendem a efetividade dos direitos fundamentais e a própria perpetuidade do regime democrático”. (Alexandre de Moraes, 2010, pp. 413 e 414). Esclarecendo ainda que ainda a separação de Poderes resulta no fato de que cada poder possui uma determinada função, o que tanto Alexandre de Moraes quanto Pedro Lenza preferem definir como Separação das Funções Estatais, uma vez que o poder em si não se separa apenas se divide em funções em determinados órgãos, cabendo ressaltar que o termo Separação de Poderes tem mais uma conotação histórica do que técnica, pois a boa técnica, como menciona os autores define como separação de funções estatais, a fim de observar a função atípica “Se retirarmos o caráter dogmático e sacramental impingido ao princípio da separação dos poderes, ele poderá, sem perder a vitalidade, ser colocados em seus devidos termos, que o configuram como mera divisão das atribuições do Estado entre órgãos distintos, ensejando uma salutar divisão de trabalho e um empecilho à, geralmente perigosa, concentração das funções estatais. O Princípio da Separação dos Poderes não pode levar à assertiva de que cada um dos respectivos órgãos exercerá necessariamente apenas uma das três funções tradicionalmente consideradas_ legislativa, executiva e judicial. E mais, dele também não se pode inferir que todas as funções do Estado devam sempre se subsumir uma destas espécies classificatórias”. (Alexandre Aragão, revista 57 PGE, 2012, p. 35) Se a Separação das Funções está ligada ao fato de que parcela do Estado desempenha determinada função, cabe discorrer sobre qual é a função que cada Poder, assim dizendo, desempenha na estrutura do Estado “A teoria da “tripartição de Poderes”, exposta por Montesquieu, foi adotada por grande parte dos Estados modernos, só que de maneira abrandada. Isso porque, diante das realidades sociais e históricas, passou-se a permitir maior interpenetração entre os Poderes, atenuando a teoria que pregava a separação pura e absoluta dos mesmos. Dessa foram, além do exercício de funções típicas (predominantes), inerentes e ínsitas à sua natureza, cada órgão exerce, também, outras duas funções atípicas (de natureza típica dos outros dois órgãos). Assim, o Legislativo, por exemplo, além de exercer uma função típica, inerente à sua natureza, exerce, também uma função atípica de natureza executiva e outra função atípica de natureza jurisdicional. Importante notar que, mesmo no exercício da função atípica, o órgão exercerá uma função sua, não havendo aí ferimento ao princípio da separação de Poderes, porque tal competência foi constitucionalmente assegurada pelo poder constituinte originário”. (Pedro Lenza, 2012, p. 482) Fica evidente que o Poder Executivo tem como função típica a administração pública, entretanto, no desempenho de sua função atípica tem o poder dever de promover Processo Administrativo Disciplinar, na ocorrência de ilícito administrativo, tratando-se de uma faceta do exercício jurisdicional do Poder Executivo, posto que, também o faz quando julgando recursos das decisões administrativas. Observando ainda que o Poder Legislativo também poderá exercer a função jurisdicional como no exemplo em que o Senado julga o Presidente da República nos crimes de responsabilidade, artigo 52, I da CRFB/88 e nos casos de Conselhos de Ética que ocorre em todas as Casas Parlamentares. Cabe aqui observar que os Conselhos de Ética são pautados em regimento interno das casas legislativas, não estando ligados aos princípios da Administração Pública dificilmente poderão ser revistos pelo Poder Judiciário, exceto em caso de descumprimento acintoso das formalidades, pois, em se tratando em casa legislativa poder-se-ia presumir que trata de um julgamento político-jurídico. Não é sobre esse prisma que o presente trabalho se debruça, em que pese algumas casa s legislativas terem seus assessores jurídicos instituídos, como no caso do artigo 121 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, que cria uma Procuradoria Geral da Assembleia Legislativa. O que se pretende discutir é a atividade jurisdicional desenvolvida pelo Poder Executivo, que estando ligada aos princípios que regem a Administração Pública, artigo 37 da CRFB/88, tanto no aspecto formal quanto material deve ater-se a tais princípios, evitando que tal processo seja realizado em desacordo com o ordenamento jurídico. Fica evidente que, no aspecto formal poderá aquele que se sentir prejudicado em razão de PAD socorrer-se do Poder Judiciário, considerando o artigo 5º, XXXV da CRFB/88, o que não poderá ocorrer em se tratando de questões materiais. No caso da Administração Pública como esta tem o dever de agir com legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, não seria lógico admitir que prosperar-se um processo administrativo disciplinar que violasse tais princípios, pois o prejuízo dar-se-ia não somente ao servidor, mas ao serviço público de maneira em geral. Não se discute que violado o princípio da legalidade e da publicidade poderá o servidor buscar a tutela jurisdicional, entretanto, qual seria a solução nos casos de violação dos princípios da moralidade e da eficiência, se o Poder Judiciário não pode entrar no mérito da questão para proteger a existência da função da Administração Pública, o Poder Executivo. Atentando ainda para o fato de que uma violação ao princípio da impessoalidade só poderia ser observada em se enfrentando o mérito, salvo na hipótese de ser esta violação exacerbada. Por vezes as comissões instituídas para processar e julgar os Processos Administrativos Disciplinares não são compostas por juristas, podendo resultar em um julgamento deficiente no aspecto técnico. O que pode ensejar vícios formais, que por vezes poderiam ser sanados pela Administração Pública, mas podem gerar nulidades quando da apreciação pelo Poder Judiciário, talvez até em razão da prescrição, pois quando detectado o vicio formal sanável no âmbito do Poder Judiciário pode não ser mais tempestivo o saneamento do PAD. Os vícios formais, como sabidos, poderão causar prejuízo em relação a analise do mérito, já o julgamento de mérito realizado por uma comissão sem conhecimento jurídico poderá resultar em decisões que não se encontram amparadas pela legislação ou com base em convicções da comissão processante em desacordo com o ordenamento jurídico, a saber, decisões desproporcionais, desarrazoadas, sem isonomia com outras exaradas com o mesmo órgão ou por órgão similar sem a observância da lei maior e de todo arcabouço jurídico que poderia ser levado em consideração por uma comissão ao menos um membro jurista, não se podendo exigir de um leigo da ciência do Direito a interpretação com equidade ou analogia por exemplo. A participação da Procuradoria Geral do Estado, assim como da Advocacia Pública, em geral, nos Processos Administrativos Disciplinares seria a alternativa para a Administração Pública submeter o PAD a apreciação jurídica, sem, contudo, violar o princípio da separação dos poderes, posto que, tal órgão é composto por profissionais da área do Direito, sendo estes membros do Poder Executivo cuja as atribuições principais são a representação judicial e extrajudicial da Administração Pública e o seu assessoramento jurídico através de pareceres técnicos. 4 ANÁLISE DA ATUAÇÃO DAS PROCURADORIAS DOS ESTADOS A presença das Procuradorias nos mais diversos Estados membros, permite que as disposições legais a respeito da Advocacia Pública apresente algumas variações, entretanto, tais variações não se apresentam no que diz respeito à representação judicial e extrajudicial da Administração Pública estadual de uma forma geral, havendo sim tais diferenças no que diz respeito a emissão nos pareceres técnicos, pois em alguns Estados podemos verificar que a simples definição de parecer técnico permite uma variação mais aberta não limitando a utilização da procuradoria como consultoria. Em outras situações pode se verificar que a determinados assuntos dos quase a Procuradoria do estado tem o dever de se manifestar para melhor ilustrar essas variações, far-se-á necessário a análise de algumas Constituições Estaduais no que concerne as Procuradorias, verificando assim os dispositivos legais basilares de tais instituições. Interessante observar a Constituição Riograndense, a qual, o seu artigo 115, IV aponta a atuação incisiva da Procuradoria Geral do Estado no que tange ao Processo Administrativo Disciplinar. “Artigo 115- Competem à Procuradoria-Geral do Estado a representação judicial e a consultoria jurídica do Estado, além de outras atribuições que lhe forem cometidas por lei, especialmente: I – propor orientação jurídico-normativa para a administração pública, direta e indireta; II – pronunciar-se sobre a legalidade dos atos da administração estadual; III – promover a unificação da jurisprudência administrativa do Estado; IV – realizar processos administrativos disciplinares nos casos previstos em lei, emitindo pareceres nos que forem encaminhados à decisão final do Governador; V – prestar assistência jurídica e administrativa aos Municípios, a título complementar ou supletivo; VI – representar os interesses da administração pública estadual perante os Tribunais de Contas do Estado e da União”. Nota-se que o não cumprimento do dispositivo mencionado pode gerar vício no PAD, inclusive, insanável, no caso do Governador do Estado decidir sem a presença do parecer que deveria servir de auxílio em tal deliberação. Neste caso o parecer ao qual se refere à norma não se limita as questões formais, logo, a decisão do Chefe do Poder Executivo Estadual poderá apresentar um vício material em razão de não ter sido este identificado pelo Advogado Público, todavia, o vício formal já se verifica presente pela simples ausência de um documento exigido pela Constituição Estadual, que após a decisão do Chefe do Executivo não poderia ser emitido para que fosse juntado aos autos, pois, a consultoria jurídica seria oferecida de forma superveniente a decisão final, o que resultaria em um prejuízo para análise técnica que deveria ter sido realizada sem o conhecimento da posição a ser adotada pelo governante. Em outra vertente, a Constituição do Estado de São Paulo em seu texto, delimita a atuação da Procuradoria no que tange a realização de Processo Administrativo quando não houver legislação especial, informando assim que quando o PAD possuir uma legislação específica estará dispensado à atuação da Procuradoria, situação em que a simples ausência do parecer técnico da Procuradoria não irá caracterizar vício formal, podendo, contudo, existir vício formal ou material tão somente pela falta de uma análise técnica no caso em que a comissão processante não for composta por agente com conhecimento jurídico para fazê-lo. “Artigo 99- São funções institucionais da Procuradoria Geral do Estado: I – Representar judicial e extrajudicialmente o Estado e suas autarquias, inclusive as de regime especial, exceto as universidades públicas estaduais; II – exercer as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo e das entidades autárquicas a que se refere o inciso anterior; III – representar a Fazenda do Estado perante o Tribunal de Contas; IV – exercer as funções de consultoria jurídica e de fiscalização da Junta Comercial do Estado; V – prestar assessoramento jurídico e técnico-legislativo ao Governador do Estado; VI – promover a inscrição, o controle e a cobrança da dívida ativa estadual; VII – propor ação civil pública representando o Estado; VIII – prestar assistência jurídica aos Municípios, na forma da lei; IX – realizar procedimentos administrativos, inclusive disciplinares, não regulados por lei especial; X – exercer outras funções que lhe forem conferidas por lei;” A Constituição Fluminense, por sua vez, aponta que a Procuradoria oficiará obrigatoriamente no controle da legalidade, o que dá a entender que tal órgão faz o controle formal dos atos praticados pelo Poder Executivo, não havendo no texto constitucional a previsão expressa de uma participação ativa do órgão no PAD. O que se pode concluir é que a Procuradoria verifica ou cria parâmetros no que diz respeito às formalidades, deixando as questões de mérito para as autoridades administrativas, que poderão socorrer-se dos pareceres técnicos da PGE, não se tratando de uma obrigação formal, mas sim de uma faculdade do responsável pelo julgamento do PAD. “Artigo 176 – A representação judicial e a consultoria jurídica do Estado, ressalvados o disposto nos artigos 121 e 133, parágrafo único, são exercidas pelos Procuradores do Estado, membros da Procuradoria-Geral, instituirão essencial à Justiça, diretamente vinculada ao Governador, com funções, como órgão central do sistema de supervisão dos serviços jurídicos da administração direta e indireta no âmbito do Poder Executivo. § 1º – O Procurador-Geral do Estado, nomeado pelo Governador do Estado dentre os integrantes das duas classes finais da carreira, maiores de 35 (trinta e cinco) anos e com mais de 10 (dez) anos de carreira, integra o Secretariado Estadual. § 2º – Os Procuradores do Estado, com iguais direitos e deveres, são organizados em carreira na qual o ingresso depende de concurso público de provas e títulos realizados pela Procuradoria Geral do Estado, assegurada a participação da Ordem dos Advogados do Brasil, observados os requisitos estabelecidos em lei complementar. § 3º – A Procuradoria Geral oficiará obrigatoriamente no controle interno da legalidade dos atos do Poder Executivo e exercerá a defesa dos interesses legítimos do Estado, incluídos os de natureza financeiro-orçamentária, sem prejuízo das atribuições do Ministério Público. § 4º – Lei complementar disciplinará a organização e o funcionamento da Procuradoria Geral do Estado, bem como a carreira e o regime jurídico dos Procuradores do Estado. § 5º – A Procuradoria Geral do Estado terá dotação orçamentária própria, sendo-lhe assegurada autonomia administrativa e financeira, bem como a iniciativa, em conjunto com o Governador do Estado, de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias. § 6º – Compete privativamente à Procuradoria Geral do Estado a cobrança judicial e extrajudicial da dívida ativa do Estado.” Conforme a Constituição do Estado de Ceará, em seu artigo 151, IV, a Procuradoria do Estado será responsável por realizar os processos contra os servidores civis da administração direta e fundacional, não alcançando a administração direta em se tratando de Autarquia ou Pessoa Jurídica de Direito Privado, em razão destas, em tese serem responsáveis pelo PAD, bem como, exclui da apreciação da Procuradoria, a contrário senso, os militares estaduais também em razão de procedimento próprio. No que concerne aos sujeitos ao PAD que serão realizados pela Procuradoria Geral do Estado fica evidente que esta será responsável pela análise do mérito da questão, mesmo que através de parecer para decisão final do Chefe do Poder Executivo. “Artigo 151- Compete, privativamente, à Procuradoria-Geral do Estado:  I – representar judicial e extrajudicialmente o Estado, em defesa de seu patrimônio e da Fazenda Pública, observadas as competências das procuradorias autárquicas; II – representar os interesses do Estado junto ao Contencioso Administrativo Tributário, ao Tribunal de Contas do Estado e ao Tribunal de Contas dos Municípios; III – exercer as atividades de consultoria e assessoria jurídica do ente federado, observado o final do inciso I; IV – realizar processos administrativo-disciplinares, instaurados contra servidores civis da administração direta e fundacional do Estado, inclusive os da Polícia Civil;  V – propor ações judiciais em defesa dos interesses e do patrimônio público estadual, na forma da lei processual pertinente;  VI – fiscalizar a legalidade dos atos da administração pública estadual direta e fundacional, cabendo-lhe propor, quando se fizer necessário, as ações judiciais competentes;  VII – exercer outras funções que lhe forem conferidas por lei, compatíveis com a natureza da instituição;” Um bom exemplo de Procuradoria que verifica diretamente as questões formais e de mérito no âmbito de toda Administração Pública Estadual, verifica-se na leitura do artigo 95 da Constituição do estado do Amazonas, em que a expressão legalidade e moralidade implicam diretamente numa fiscalização formal e de mérito de todos os atos praticados pela Administração Pública, dentre os quais, inclui-se o Processo Administrativo Disciplinar, observando ainda, que o inciso V do artigo 95, não delimita o alcance desse controle a determinados órgãos da Administração Pública, de forma que, ao informar que observância dos princípios ocorrerá no âmbito da Administração Pública, faz presumir que a Procuradoria do Estado do Amazonas também atua em relação à Administração Pública Indireta, mesmo em se tratando de pessoa jurídica de direito privado e no caso dos militares das forças auxiliares, inclusive em caso de Processo Administrativo Disciplinar. “Artigo 95- A Procuradoria Geral do Estado, instituição permanente, essencial à defesa dos interesses do Estado e à orientação jurídica da administração, vincula-se, direta e exclusivamente, ao Governador do Estado, e tem por funções, sem prejuízo de outras compatíveis com sua finalidade: I – a representação judicial e extrajudicial do Estado; II – a defesa dos interesses do Estado junto ao Tribunal de Contas do Estado; III – a assessoria e consultoria jurídica em matéria de alta indagação do chefe do Poder Executivo e da administração em geral;  IV – a unificação da jurisprudência administrativa; V- a observância dos princípios da legalidade e da moralidade no âmbito da Administração Pública.  1º. A competência, a organização e o funcionamento da Procuradoria Geral do Estado serão estabelecidos em lei orgânica, de iniciativa do Governador, ouvido o conselho de Procuradores. § 2º. As atribuições da Procuradoria Geral do Estado serão desempenhadas através de procuradorias especializadas” Após a verificação odos dispositivos legais que fundamentam a existência de algumas Procuradorias, no caso em tela as Constituições Estaduais, a fim de ilustrar melhor um exemplo da atuação da Advocacia Pública no que tange o Processo Administrativo Disciplinar, cabe fazer uma breve analise de trecho do Parecer nº 16.044/13 da Procuradoria Geral do Estado do Rio Grande do Sul, no qual observa-se a analise formal do procedimento. “Preliminarmente, incumbe registrar não haver nenhuma nulidade a sanar, pois as formalidades legais foram atendidas, sendo legítimas as partes indiciadas, constando ainda ser o objeto da persecução disciplinar lícito e juridicamente possível, atendido o princípio do devido processo legal e oportunizados o exercício do contraditório e da ampla defesa”. (Parecer PGE/RS nº 16.044/13) No trecho acima verifica-se que a Procuradoria do Estado antes de enfrentar o mérito verifica se há vícios formais no processo, para então discutir a matéria em si. No mesmo parecer outro trecho ilustra bem a analise do mérito feito pela Procuradoria do Estado, como fator indispensável, como visto na Constituição Estadual do Rio Grande do Sul, na qual serão verificados, além dos fatos em si, o respeito ao princípio da moralidade e o interesse da Administração Pública de forma geral. “No mérito propriamente dito, em relação às faltas disciplinares atribuídas aos indiciados que não se encontram alcançadas pela prescrição antes reconhecida, prossegue o feito disciplinar, sendo de concluir-se pela procedência da portaria instauradora. A instauração processual deixou clara a autora e a materialidade das infrações disciplinares imputadas aos indiciados, em decorrência da pratica de graves condutas, consistentes nas agressões praticadas contra o apenado”. (Parecer PGE/RS nº 16.044/13) Verifica-se portando que há diferenças na atuação das Procuradorias em vários Estados, o que pontua-se no presente trabalho, para não discorrer individualmente sobre todas as Procuradorias Estaduais existentes, de forma que, tal exposição debruça-se na possibilidade da Procuradoria analisar o mérito do Processo Administrativo Disciplinar, posto que, no que diz respeito às formalidades a Procuradoria poderá pré-estabelecer formas de controle, entretanto, a analise do mérito só poderá ser feita com o acompanhamento mesmo que na fase final. CONCLUSÃO  Após analisarmos a Advocacia Pública, focando especialmente na Procuradoria do Estado do Rio de Janeiro, observa-se que a garantia trazida pela Constituição da República Federativa do Brasil, em que tal instituição figura como sendo função essencial à justiça, diante da sua atribuição de representar judicial e extrajudicialmente a Administração Pública, bem como, a assessoria desta de uma forma geral. A Procuradoria do Estado é a face da assessoria jurídica bem como, o patrocínio no âmbito da justiça da Administração Pública. Pode-se concluir que todas as questões jurídicas no âmbito da Administração Pública poderiam estar afetas ao serviço prestado pela Procuradoria do Estado, tratando-se de órgão técnico-jurídico do Poder Executivo Estadual, assessorando diretamente o Chefe de tal Poder. Noutro aspecto, quanto à análise do Processo Administrativo Disciplinar sendo este uma garantia do servidor ora acusado de infração administrativa contra possível abuso, excesso ou desvio por parte dos seus superiores, bem como, a possibilidade da Administração Pública avaliar a infração administrativa praticada por um servidor e quando for o caso, aplicar-lhe a sanção cabível, sendo este indispensável quando na aplicação da demissão. Assim como o processo judicial, o Processo Administrativo Disciplinar decorre de fundamentos legais, seja com base na lei maior, respeito ao Contraditório, Ampla Defesa, ao Devido Processo Legal, e ainda, aos princípios norteadores da Administração Pública, quais sejam, Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência, bem como, pelas normas infraconstitucionais que regeram determinado PAD. Tal processo, por mais que busque apenas a apuração de infração administrativa e aplicar ou não uma sanção decorrente da infração ao servidor público, demanda conhecimento jurídico considerável, o que nem sempre ocorrerá. Passa-se a discutir a necessidade da participação efetiva da Advocacia Pública no âmbito formal e material dos Processos Administrativos Disciplinar. Para identificar a existência do Processo Administrativo Disciplinar foi necessário ainda um estudo sobre a Teoria da Separação dos Poderes, ou Separação de Funções como alguns autores preferem chamar de uma forma mais didática, mais que para uma fácil compreensão manteremos a expressão Separação de Poderes, pois tal terminologia tem origem histórica e é amplamente difundida. Em tal teoria, os Poderes possuem funções precípuas, ligadas a existência do mesmo, que a título de resumo verifica-se, ao Legislativo cabe elaborar lei e fiscalizar o seu cumprimento, ou seja, legislar, ao Judiciário cabe processar e julgar com base nas fontes do Direito, interpretando as leis e criando a jurisprudência, em síntese julgar e aplicar as normas vigentes no ordenamento jurídico, enquanto, ao Poder Executivo cabe administrar a coisa pública, a Administração Pública em si. Contudo, não se poderia admitir que um poder autônomo e harmônico em relação aos demais se este dentro da sua própria estrutura dependesse da participação direta do outro, daí surgem às chamadas funções atípicas permitindo que determinado Poder atue fora da sua natureza principal garantindo assim que não haverá a intervenção externa do outro poder na sua autonomia. O Processo Administrativo Disciplinar, nada mais é que uma espécie de um processo administrativo, que de uma forma geral é a exceção em que o Poder Executivo processa e julga determinadas questões, tratando o PAD tão somente dos casos em que determinado servidor público é acusado de praticar ilícito administrativo. Esta atividade atípica, embora comum, depende, em tese de uma atuação de agentes com conhecimento jurídico suficiente para evitar que vícios formais gerem nulidades, causando entraveis futuros ou mesmo a revisão do processo perante o Poder Judiciário, pois como visto este não se furtará de analisar qualquer violação ao Direito. Para tanto, resta como órgão mais indicado para analisar as formalidades do processo administrativo disciplinar a Procuradoria do Estado, pois é órgão composto de jurista de carreira, os quais tem como função o assessoramento jurídico da Administração Pública, o que ocorre na maioria dos casos, entretanto o que se quer buscar é a possibilidade ou a necessidade da atuação da Procuradoria do Estado no Processo Administrativo Disciplinar no que diz respeito a analise do mérito. Se por um lado existe a independência entre os poderes, por outro lado a melhor forma de garantir a observância das leis e demais fatores jurídicos que possam influenciar no julgamento do mérito de um PAD é a atuação de um órgão composto por juristas de carreira, estando estes comprometidos com a Administração Pública, uma vez que servidores estáveis, e ainda, sendo possuidores de conhecimento técnico próprio para auxiliar ou mesmo conduzir tais processos. Numa breve analise de algumas Constituições Estaduais, pode-se observar que há casos em que a participação efetiva da Procuradoria do Estado tem previsão expressa naquela norma, sendo em alguns casos uma exigência de validade para o Processo Administrativo Disciplinar, em outros a atuação será restrita a determinados órgãos ou só ocorrerá quando requerida, havendo ainda hipóteses em que a participação da Procuradoria do Estado não consta expressamente em lei, ficando a cargo do Chefe do Executivo implementar ou não esta atividade na seara da PGE. Conclui-se que, a participação da Procuradoria do Estado na analise formal e do mérito nos Processos Administrativos Disciplinares é de tamanha relevância que, em tese não deveria ser dispensada em nenhuma hipótese, salvo naquelas em que um determinado órgão ou pessoa jurídica vinculada à administração pública indireta possuírem em seus quadros um órgão jurídico técnico, o qual poderá fazer às vezes da Advocacia Pública. Que a separação de poderes, ou funções, seria ainda preservada uma vez que esse órgão jurídico, que é a advocacia pública, faz parte do Poder Executivo, logo não haveria a intervenção de outro Poder, sendo ainda dotado de conhecimento técnico-jurídico par não permitir violação flagrante ao ordenamento jurídico pátrio. Chega-se ao ponto em que, em respeito ao principio da eficiência e a qualificação do servidor público, e por consequência, a qualidade técnica exigida no PAD, ter-se-ia como ideal, a realização ou mesmo a efetiva contribuição da Advocacia Pública nos Processos Administrativos em geral, especialmente o Processo Administrativo Disciplinar, em todos os entes federativo o que seria dizer, da Advocacia Geral da União, as Procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios quando houver.
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As parcerias público-privadas no estado brasileiro subsidiário
O presente artigo visa analisar o contexto de surgimento das modalidades de concessão no Brasil – concessão patrocinada e concessão administrativa, identificadas em conjunto pela denominação de Parceria Público-Privada em sentido estrito pela doutrina jurídica pátria. Nesse esteio busca-se orientar a atenção especificamente ao papel exercido pelo fenômeno de reestruturação do Estado Brasileiro na década de 90, que se conforma a um modelo de Estado Regulador ou Subsidiário, à luz dos fundamentos e princípios estabelecidos pela Constituição Federal de 1988, tornando propício a construção dessa modalidade de concessão pautada sob um novo formato normativo de celebração entre a Administração Pública e a iniciativa privada, voltados aos objetivos de investimento em projetos de infraestrutura, bem como revelador de uma inovadora era de negociação na qual se assiste a flexibilizações no paradigma tradicional dos contratos administrativos.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO. As Parcerias Público-Privadas (PPP) instituída pela Lei Federal n° 11.079, de 30 de dezembro de 2004, representa a criação de um instituto que aprimora o regime de concessões, do qual se vale o Estado Subsidiário para a prestação dos serviços públicos de forma eficiente a coletividade. A legislação supracitada é promulgada em momento de plena vigência das leis que dispõem sobre as licitações e contratos da Administração Pública (Lei n°8.666∕1993) e acerca do regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos (Lei n°8.987∕1995). Isso leva crer, que nas razões sobre as quais se ancoram os fundamentos para o estabelecimento das inovações jurídicas dispostas pela Lei n° 11.079∕2004, concentra-se uma trama de questões econômicas e sociais, que não puderam ser supridas com o recurso ao modelo de concessão tradicional, tais como “gargalhos de infraestrutura impeditivas do crescimento”, e ainda a “ existência de uma série de atividades de relevância coletiva, muitas delas envolvendo as referidas infraestruturas, não sustentáveis financeiramente e sem que o estado tenha condições de financiá-las sozinho”.[1] Oliveira (2015) elenca determinantes semelhantes para o aparecimento das novas modalidades de concessão:“a) limitação ou esgotamento da capacidade de endividamento público(…); b) necessidade de prestação de serviços públicos não autossustentáveis(…)” e, nesse trajeto, destaca um fator a mais, qual seja, o “c) princípio da subsidiariedade e necessidade de eficiência  do serviço: o Estado subsidiário valoriza a atuação privada, considerada mais eficiente que a atuação estatal direta.(…)”.[2]  É importante atentar que, desde o marco histórico de nascimento dos Estados Modernos, não há registro da existência de um Estado de Direito que tenha se apartado absolutamente de intervir na economia e no âmbito social. Mesmo no Estado de Direito Liberal cujo ideário criado pela classe burguesa defendeu a criação do Estado negativo, é reconhecido à atuação estatal, ainda que mínima. Pois, se não fosse de tal modo, “estaríamos diante da supressão do Estado como ente artificial que deve responder às características postas pelo Contrato Social”[3]. Sendo assim, é válido afirmar que o processo intervencionista estatal sempre se fez presente no Estado Moderno, direta ou indiretamente, em menor ou maior extensão. Entende-se que ao intervir de forma direta, o Estado exerce a atividade econômica e de prestador de bens e serviços públicos, sendo ao mesmo tempo, empresário e interventor. Já quando elege a forma de intervenção indireta, efetivamente dirige e controla a atividade econômica privada; ou seja, opera “não como partícipe, mas como legislador. É o Estado enquanto ordenamento que atua, podendo fazê-lo no âmbito do fomento econômico, da polícia econômica ou através da criação de infraestruturas” [4].  No Brasil o padrão intervencionista sofreu modificações ao longo das últimas décadas, sendo certo afirmar que durante o chamado Estado Social de Direito vigorou a atuação estatal direta na atividade econômica. Ao assumir o redimensionamento de suas funções públicas o Estado Brasileiro retrata uma nova fisionomia em sua atuação no domínios econômico e social. 1.    A redefinição do papel do Estado. De forma recorrente a doutrina jurídica aponta como pressuposto básico para o estudo da Lei das Parcerias Público-Privado a consideração às transformações pelas quais passou o Estado Brasileiro de Direito, ao longo do percurso histórico de evolução do capitalismo. Nesse contexto importa tanto as transformações do Estado compelidas pela sua retração na economia, sob orientação  dos princípios do neoliberalismo e da globalização econômica, seja pela força da perspectiva constitucional contemporânea, que legitima a participação da iniciativa privada na trajetória de efetividade dos direitos fundamentais à população brasileira. Do ponto de vista histórico, constata-se que para muitos países o século XX representou longas décadas de árduo trabalho de reconstrução econômica, política e social por força de grandes acontecimentos bélicos e colapsos econômicos, como foram respectivamente, as Duas Grandes Guerras Mundiais e a crise econômica da década de 1930. Nessa conjuntura pós-guerra em que se consolida o Estado Social de Direito no continente europeu e também na América Latina, consolida-se a figura do Estado Nacional, eminente centralizador do poder e decisões; provedor da população demandante de bens de consumo e serviços essenciais, em crescente movimento de ampliação das responsabilidades da Administração Pública[5], e diga-se, também, controlador das atividades da iniciativa privada. Quando o modelo de Estado de Direito em tela reflete sinais irrevogáveis de exaurimento em sua estrutura econômica em diversos países na década de 70, incluindo-se entre eles o Brasil, a aclamação pela redução da máquina estatal acompanhado de apelos à saída do Estado da esfera econômica assume o primeiro plano, apoiado, sobretudo, na experiência de outros países, como a Inglaterra, que em severa crise fiscal aderiu às práticas político-econômicas sustentadas pela teoria do neoliberalismo e consegue se reerguer economicamente. Se a adoção dessas práticas e medidas seriam bem-sucedidas para todos os países da América Latina corresponde a um questionamento, que não se ousou aguardar demasiadamente, posto a realidade de medidas desestatizantes e de descentralização das instâncias decisórias e administrativas presentes em quase todos os lugares, conforme descreve Rafael Carvalho Rezende de Oliveira; “A partir da década de 1980, diversos países iniciaram um movimento de ajuste fiscal e de privatizações, com destaque para a Grã-Bretanha, Estados Unidos e Nova Zelândia. No Brasil, a reformulação do papel e do tamanho do Estado foi implementada na década de 90, por meio de alterações legislativas importantes que liberalizaram a economia e efetivaram a desestatização.”[6] A reformulação do Estado nesses termos implicou, antes de tudo, mutações quantitativas e qualitativas nas funções públicas, porquanto se defendeu políticas em prol da desregulação e abertura das economias à competição, favorecendo, em última instância a progressão do fenômeno de desterritorialização da capacidade decisória e da relativização da soberania estatal.[7]  Ressalta-se em meio a tantas transformações que não houve momento na historia dos Estados Modernos em que o poder estatal tenha se apartado absolutamente de intervir na economia e no âmbito social. Mesmo no Estado Liberal de Direito cujo ideário criado pela classe burguesa defendeu a criação do Estado negativo, é reconhecido à atuação estatal, ainda que mínima. Pois, se não fosse de tal modo, “estaríamos diante da supressão do Estado como ente artificial que deve responder às características postas pelo Contrato Social”.[8] No Brasil desde as fases primordiais do capitalismo, o Estado atuou na prestação de serviço público com a provisão de bens e serviços com vistas à integração (ferrovias, navegação) e assim o fez por meio da intervenção na atividade econômica, sob titularidade da iniciativa privada, concedendo apoio financeiro, garantias e proteção aos empreendedores em face de eventual falência, encarnando o papel de “Leviatã como garantia contra o fracasso” dos empreendedores.[9] Nos anos que se seguem a década de 30, o Estado Brasileiro é retratado com características bem nítidas ao Estado-Providência: detentor de grandes empresas estatais expansionista; empreendedor ostensivo; explorador de monopólios naturais, protecionista, impulsionador do setor industrial (petróleo, eletricidade, mineração). O Estado brasileiro intervencionista investiu “pesado” em infraestrutura (ferrovias, navegação, indústria básica) e pela via indireta atuou por meio do sistema tributário, controle do câmbio e cotas de importação.[10] No final da década de 60 tornou-se imperioso para o governo brasileiro iniciar uma reforma administrativa, em que a prioridade recaísse sobre a politica de industrialização e aumento da eficiência das empresas públicas[11], momento em que se decidiu pela atribuição de maior autonomia a elas, a partir da descentralização administrativa. Costuma-se afirmar que nesse período a intervenção estatal em setores como indústria e energia decorria da “miopia dos empresários”, [12] que não percebiam a economia externa de escala, não as considerava em seus cálculos de custo, desfavorecendo que enxergassem o investimento em infraestrutura, energia e indústria como algo promissor. Apesar da conjuntura do “milagre econômico brasileiro”, na década de 70, o Estado Social emitia sinais de declínio e, nesse contexto, sinalizavam-se os efeitos da ausência da ingerência estatal nas empresas estatais. As tentativas de administrar a situação, controlar os gastos e de desacelerar a expansão das empresas estatais federais foram materializadas em 1979, com a criação do Plano Nacional de desburocratização e da Secretaria Especial de Controle das Empresas estatais. [13] Por fim, a crise econômica da década de 80 que assola o país decorrente de uma conjuntura de fatores: alta do preço do petróleo desde o final dos anos 70 (o Brasil era potencial importador); da redução da oferta de crédito com os bancos internacionais, das altas taxas de juros sobre empréstimos externos, do decréscimo nas exportações; desvalorização cambial e inflação galopante[14] culminaram na emergência de medidas governamentais para equacionar a crise econômica, sendo as medidas de privatizações uma delas. Na década de 90 definitivamente a finalidade de redimensionar o papel do Estado nesses termos começa a se materializar com crescentes privatizações de empresas estatais e por uma política de retração do Estado no domínio econômico. De acordo com Salama (2011), nesses casos ou o Estado reduz ou descarta as politicas de industrialização com vistas a criar ou reforçar setores estratégicos ou alta tecnologia e intervém na atividade econômica sob titularidade do setor privado, não como parceiro, mas como legislador; assume uma atuação direta na esfera econômica, em que recorre a privatização das empresas públicas da infraestrutura, indústria e de serviços (bancos) sejam eles prestadores ou não de serviços públicos. Gilberto Bercovici (2015, p.25) interpreta essa retração do Estado brasileiro como uma a “tendência à hostilidade ao Estado” da qual restou a intensificação da transferência da prestação dos serviços público de toda ordem para o setor privado, conduzindo ao fenômeno de comodificação, ou seja, “a mercantilização e privatização dos serviços públicos, dos bens públicos e da própria infraestrutura”.  “Anteriormente, o Estado exercia as atividades para o desenvolvimento de infraestrutura por meio de empresas públicas. O Estado financiava, geria e recapacitava os grandes projetos do país, fortemente escorados em empréstimos internacionais. A elevada dívida do Estado, somado a um discurso que clamava pela diminuição da atuação estatal na economia motivou a retração de domínios e de ações do Estado-empreendedor, pelo que, substituído pelo desenvolvedor privado de projetos (supostamente mais eficiente, transmudou-se em Estado-Financiador, conectado às estruturas de  Project Finance como principal provedor de financiamento externo da macroempresa no Brasil”[15]. Dessa feita, devido a um ciclo de transformações pela qual passou o país por força de fatores diversos, conforme supracitado, a regra, nos dias de hoje, é a ingerência indireta do Estado na ordem econômica. Com efeito, essa conjuntura histórica considerada na complexidade que lhe é inerente acarretou transformações de grandes proporções na convivência entre o setor público e o setor privado, respaldando o caráter Subsidiário do primeiro em diversas dimensões que legalmente é autorizado a atuação do setor privado na prestação de serviços públicos. 2. PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE. Embora a subsidiariedade não corresponda a princípio explícito na Carta Constitucional de 1988, o princípio é acolhido pela doutrina jurídica e pelo direito público brasileiro. A doutrina preconiza que as pioneiras alusões ao termo subsidiariedade são indicadas na Carta Papal Rerum Novarum(1891), na qual o Pontífice Leão XIII não chega a conceituá-lo, ao passo que o associa a valores como a dignidade da pessoa humana.[16] No século XX a subsidiariedade torna-se princípio basilar da doutrina social da igreja católica, veiculado por intermédio de diversas outras encíclicas, a exemplo das Cartas  Quadragésimo Anno (1931), Mater et Magistra (1961), Caritas in Veritate (2009). Nesse contexto, a subsidiariedade em sua definição aparece conjugada a valores e princípios, tais qual a solidariedade; a dignidade da pessoa humana; a liberdade individual; o bem comum e a justiça social. A ideia precípua  em torno do qual a igreja edifica o  princípio  é a conciliação entre solidariedade e liberdade, isto significa, conceder ajuda sempre que alguém se mostrar  incapaz, temporariamente ou de forma permanente, de suprir suas necessidades sozinhas ou com o auxilio de particulares, mas, com pretensão de emancipar o individuo que deve ser senhor do seu destino . Importa priorizar as relações de reciprocidade entre o individuo e as instâncias que lhe são mais próximas. A intervenção de instâncias superiores representa uma opção derradeira; “A subsidiariedade respeita a dignidade da pessoa, na qual vê um sujeito sempre capaz de dar algo aos outros. Ao reconhecer na reciprocidade a constituição íntima do ser humano, a subsidiariedade é o antídoto mais eficaz contra toda a forma de assistencialismo paternalista.”  [17] Em face à dificuldade de se definir o princípio da subsidiariedade, de maneira que transpareça seus elementos constitutivos, encontra-se em Mohn e Souza (2007) a sistematização dos elementos que o esclarecem como, “uma forma específica de concepção e regulação das relações que constituem a vida do homem em sociedade”: “Para sua mais fácil compreensão, o princípio da subsidiariedade pode ser decomposto em quatro parâmetros, que refletem essa forma de organização da sociedade e do Estado: 1º) a organização social compõe-se de coletividades que se expandem progressivamente, em uma formação que tem na base o ser humano, desenvolve-se por sociedades intermédias e chega ao Estado; 2º) deve haver uma primazia da pessoa e das coletividades menores em relação às coletividades maiores; 3°) deve-se respeitar a autonomia da menor unidade (pessoa ou coletividade), que merece dispor da liberdade de atuar até o limite de sua capacidade; 4 °) a intervenção da unidade maior justifica-se em face das incapacidades da menor unidade e em proveito do bem comum.”[18] Noutro polo, evidencia-se a capacidade do princípio ser assimilado por distintos campos teóricos (filosófico, social, econômico, jurídico e etc.), o que pode ser justificado pelo caráter ambíguo que o constitui, conforme se lê: “O princípio de subsidiariedade aplica-se em numerosos domínios, seja no administrativo ou no econômico. Apesar de sugerir uma função de suplência, convém ressaltar que compreende, também, a limitação da intervenção de órgão ou coletividade superior. Pode ser interpretado ou utilizado como argumento para conter ou restringir a intervenção do Estado. Postula-se, necessariamente, o respeito das liberdades, dos indivíduos e dos grupos, desde que não implica determinada concepção das funções do Estado na sociedade”[19]. No Brasil, o Estado contemporâneo passa a ser norteado pelo princípio da subsidiariedade, à medida que incorpora o compromisso de construção de uma sociedade livre, justa e solidária na busca da efetividade aos princípios do Estado  Democráticos de Direito[20] . Em outras palavras, ao incorporar o dever de promover e efetivar valores (liberdade), princípios (dignidade da pessoa humana) e fundamentos (valorização do trabalho humano e da livre iniciativa, por ex.), estabelecidos na Carta de 1988, o princípio da subsidiariedade com eles forma uma unidade, de modo que  o Estado Democrático de Direito ao princípio vincula-se. Isso faz com que o Estado Democrático de Direito possa ser reconhecido também como Estado Pós Social ou Subsidiário. Nota-se que o que se realça com a lógica da subsidiariedade é o modo de ingerência do Estado na ordem social e econômica. Ele age em prol da satisfação das necessidades sociais, preferencialmente, quando esgotado as condições e meios da iniciativa privada, posto que, “(…) a iniciativa privada, seja através dos indivíduos, seja através das associações, tem primazia sobre a iniciativa estatal (…)”[21]. 3. SUBSIDIARIEDADE E PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA (PPP). As normas gerais estabelecidas para a concessão patrocinada e a concessão administrativa, concessões definidas pela Lei Federal n° 11.079∕2004[22], induz a imediata percepção de que a PPP é um contrato de caráter extravagante, se comparado ao regime de concessões já existente. Em regra, a PPP é reservada para hipóteses peculiares, envolvendo investimentos vultosos em infraestrutura, logo, “(…) não se destina a ser usada pela Administração Pública de forma generalizada, mas sim focadamente em determinados projetos prioritários do ponto de vista do desenvolvimento nacional (…).”[23] Ademais, a Lei Federal n° 11.079∕2004 introduz com o regime das parcerias público-privada muitas flexibilizações no paradigma do direito administrativo no que concerne aos contratos administrativos. Há consenso na doutrina quanto a ideia de que o desenho de Parcerias Público-Privadas criado no Brasil acompanha fielmente o modelo de  concessão denominado Private Finance Initiatives presente na Grã-Bretanha, entendendo-se que em sua solo britânico tal modelo se refere a duas modalidades, quais sejam, uma provedoras de serviços não autossustentáveis e outra modalidade, os  Project Finance, voltados para parcerias autossustentáveis, isto é, “uma forma de engenharia financeira suportada contratualmente pelo fluxo de caixa de um projeto, servindo como garantia os ativos e recebíveis desse mesmo projeto”.[24] Na verdade, no Brasil a adesão a Projetos de Financiamento do governo para concessões já existiram. Há registros que desde épocas remotas o Estado fez uso de concessões, preferencialmente, no setor elétrico, mas é só na década de 70/80 que se identifica projetos mais semelhantes aos empregados na atualidade, como os referentes a concessão no setor petrolífero (pesquisa e exploração), nos quais o ente privado recebia do Estado à contraprestação pelos riscos assumidos na atividade econômica. Na visão de Warde Júnior e Nébias (2015) projetos de financiamento do vulto das Parcerias-Público Privadas passaram mesmo a ser materializadas na década 90, sob impulso dos programas de privatizações. A edição da Lei Federal n.11.079/2004 constrói-se um arranjo contratual, composto por duas modalidades de concessão- a concessão administrativa e a concessão patrocinada[25], ambas submetidas a uma sistematização que as concede um desenho inovador devido seu caráter exorbitante em relação  ao padrão convencional dos contratos administrativos, celebrados nas concessão comuns, regidas pela Lei Federal n.8.987/1995. Nessa medida, sublinha-se na qualidade de características gerais das Parcerias-Público Privadas a demarcação de valores elevados para o projeto de financiamento, ou seja, valor superior a 20 milhões de reais (artigo 2°, parágrafo 4º, inciso I da Lei nº11. 079/2004) e tempo de vigência do contato de concessão bastante alongados, mínimo de cinco e máximo trinta e cinco anos. Cabe frisar que, no requisito tempo, a Lei que autoriza a prorrogação do prazo eventualmente (artigo 5º, inciso I, Lei nº11. 079/2004). Destaca-se a exigência legal para a  formação das parcerias a criação da sociedade de propósito específico que deverá organizar e implantar o projeto, composta pelos que seriam os “organizadores” (artigo 9º da Lei n.11.079/2004), ou seja, “são sócios de grandes grupos econômicos, com interesses em diversas sociedades, constituídas para explorar inúmeras atividades, em diferentes setores econômicos, para além daquela atividade desenvolvida pela sociedade de propósito especifico” (WARDE JÚNIOR e NÉBIAS, 2015, p.54). No tocante ao sistema de garantias verifica-se, no artigo 8º e seus incisos da Lei n.11.079/2004, a previsão delas ao parceiro privado em face de eventual inadimplemento do Estado no cumprimento do acordado para a Parceria Público-Privada, sob a forma fontes variadas. Não menos importante, é a menção ao Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas, o FGP (artigo 16 da Lei nº11. 079/2004). “O Fundo Garantidor de PPP (FGP) foi um instrumento criado para evitar, dentro de seus limites de manter o fluxo de caixa, o uso de precatórios para os pagamentos exigidos. Entretanto, há também uma corrente de juristas que entendem ser ele inconstitucional, pois significa não respeitar a isonomia na ordem de pagamentos da União. Embora de natureza privada, pertence à União e será gerido por um agente financeiro estatal federal. Há, pois, que, para defendê-lo, reconhecer que ele tem personalidade jurídica própria, através da interpretação da lei que lhe dá todas as características de uma sociedade estatal: administração própria, natureza privada, patrimônio, direitos e deveres próprios"[26]. No que concerne à seara de risco inerente a execução do objeto contratual, a lei das Parcerias Público-Privadas inova na normatização inédita da repartição objetiva dos riscos entre os parceiros, conforme previsão disposta no artigo 4º, inciso VI e artigo 5°, inciso III, da Lei n.11.079/2004, e, ainda estabelece, o compartilhamento dos ganhos econômicos, conforme estabelecido no artigo 5°, inciso IX da Lei n. 11.079/2004). Acerca da repartição objetiva dos riscos é preciso relativizar a ideia de que não há limites nesse aspecto para o setor público. Há de se visualizar situações em que a repartição dos riscos, permanece circunscrita aos liames legais, como por exemplo, o fato da repartição dos riscos possuir para o Estado “natureza interna (contratual), como fator importante para a fixação da remuneração do parceiro privado e para a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, não gerando responsabilidade solidária perante terceiros”.[27] Observa-se que a parte relacionada aos riscos é vasta- riscos políticos, de construção, operacional, cambial, comercial e financeiro. Entretanto, pela natureza dos altos investimentos envolvidos em infraestrutura há uma ênfase sobre a previsibilidade do fluxo de caixa, destacando-se mais incisivamente na temática das Parcerias Público-Privadas os riscos financeiro, comercial e os riscos políticos.[28] A previsão de compartilhamento dos ganhos econômicos também é peculiar por obrigar a efetividade de princípios como a eficiência, a transparência e publicidade na gestão dos recursos financeiros aplicados no curso da Parceria. No que concerne ao aspecto remuneração a Lei das Parcerias Público-Privadas imprime um inédito regime de remuneração, o qual pode ser considerado, no caso específico da concessão patrocinada um regime misto em que o pagamento do setor público ao parceiro privado exige a contraprestação estatal e o sistema de tarifas. O que equivale a dizer, que se contempla o recurso advindo do pagamento realizado pelos usuários dos serviços (tarifas), bem como a complementação com a remuneração proveniente do próprio Estado, sendo a norma clara ao estabelecer que quando o valor ultrapassar dado montante (70%) deverá proceder à autorização legislativa específica (artigo2°, parágrafo1° da Lei n. 11.079/2004.) Noutro passo, para as concessões administrativas a lei estabelece fontes de receitas variadas-ordem bancária, cessão de créditos não tributários e etc., conforme se lê no artigo 6° da Lei n. 11.079/2004. O artigo contem um rol meramente exemplificativo delas, autorizando a Administração Pública a admitir outras formas de remuneração pela aquisição do serviço pelo parceiro privado. A contraprestação na concessão administrativa é de 100% paga pelo setor público. Consoante a melhor doutrina, as concessões administrativas podem se constituir em duas formas de prestação de serviço ao Estado: a Parceria Público-Privada administrativa de serviços públicos e a Parceria Público-Privada administrativa de serviços administrativos (artigo 2°, parágrafo 2°, da Lei n. 11.079/2004). A Parceria Público-Privada administrativa de serviços públicos é reservada a execução de atividades em que a coletividade é o destinatário final dos serviços prestados. Já na Parceria Público-Privada administrativa de serviços administrativos aplica-se a prestação de serviços para o próprio Estado, tornando-se a Administração a destinatária direta das atividades e a coletividade, nesse caso, usuária indireta. Cumpre lembrar que a implantação de Parcerias Público-Privadas deve estar  em consonância com o Plano Plurianual, “essa necessidade explica as inovações da legislação e os cuidados para que não haja retrocessos.” (Borges e Neves 2006, p.77).Nesse ponto, recentes alterações a Lei Federal n.11.079∕2004 ocorreu por força do Decreto 8.791, de 29 de junho de 2016, que dispõe sobre o Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República, que passa a coordenar, avaliar, fiscalizar, definir, as atividades prioritariamente reservadas as Parceria Público-Privada no âmbito federal, conforme preceito contido no artigo 3°, inciso II, alínea a do Decreto.[29] Nesse sentido, resumidamente cita-se algumas disposições, tais como, a participação do Estado na repartição objetiva dos riscos (artigo 5º, inciso III da Lei nº 11.079/2004) e  na remuneração  ao parceiro privado(artigo 6º §1º e artigo 10,§3º, ambos da Lei nº11.079/2004); a demarcação expressa à questão dos valores  e tempo de duração do contratos fixados, no caso, valor superior a 20 milhões de reais (artigo 2, §4º, inciso I da  Lei nº11.079/2004) e tempo de vigência do contato de concessão,  mínimo de cinco e máximo trinta e cinco anos, autorizando a Lei prorrogação do prazo eventualmente(artigo 5º, inciso I, Lei nº11.079/2004). Não menos importante, se destaca a previsão aos instrumentos de garantias (artigo 8º e seus incisos da Lei nº11.079/2004), com destaque para o Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas, o FGP(artigo 16 da Lei nº11.079/2004). Em que pese à relevância das críticas e divergências da doutrina acerca das inovações trazidas pela lei, haja vista as disposições relacionadas a repartição objetiva dos riscos e as garantias embutidas no contratação com a iniciativa privada, a implementação das PPP’s retrata a evolução do padrão de atuação do Estado contemporâneo no domínio econômico. Desse modo, o modelo de parceria publico-privada pode ser compreendido como uma alternativa a mais dentre os institutos em que o  Estado age indiretamente para a prestação de serviços públicos, elegendo como via privilegiada, o fomento ,“(…) o Estado deve fomentar, coordenar, fiscalizar a inciativa privada, de tal modo a permitir aos particulares, sempre que possível, o sucesso na condução de seus empreendimentos.”[30] 4. CONCLUSÃO. O princípio da subsidiariedade deve ser avaliado sob duas formas, para entendimento de sua referência nas razões que embasam a criação das PPP no Estado Subsidiário. Sob uma vertente negativa, o princípio embasa a imposição de limites ao Estado, propriamente a abstenção de intervenção no domínio econômico.  A tônica no cenário nacional é o Estado regulador, fiscalizador, planejador; que se abstém de interferir diretamente na atividade econômica, sob pena de suprimir a livre iniciativa. A atuação direta do Estado na atividade econômica constitui, portanto, uma exceção, sendo admitida apenas na hipótese de autorização constitucional. O instituto das PPP é uma modalidade de concessão e, logicamente,  corresponde a uma forma de delegação da prestação de serviço público a iniciativa privada ,porém,  marcada pelo traço distintivo de receber suporte financeiro do Estado, conforme se apreende com o regime das remunerações e garantias expressos na Lei nº11.079/2004. Assim, o Estado por meio do fomento atrai, incentiva entes privados a parceria, a fim de captar recursos financeiros para investimentos em infraestruturas, que ele mesmo Estado por questões fiscais e de recursos financeiros não possui condições de promover, mas que são indispensáveis para o desenvolvimento econômico e social do país.O papel do Estado redefinido estabelece novos parâmetros nas relações com a iniciativa privada e com a atividade econômica advinda deste setor. Noutro passo, em sentido positivo, o princípio da subsidiariedade chama o Estado a uma prestação positiva, suplementar, para promoção do bem comum. É o Estado na ingerência para suprir a coletividade com condições para satisfazer suas necessidades sociais, não realizáveis pela atuação da iniciativa privada (indivíduos, associações e etc.). Incluem-se aqui hipóteses em que pela natureza do serviço é notoriamente mais eficiente a atuação estatal para satisfazer o interesse público em jogo. Disso infere-se que a lógica da subsidiariedade não é sustentar um Estado que se exime de atuar, serão a forma, as métodos, os instrumentos eleitos para as ações estatais que demonstram uma nova forma de ingerência (indireta) na ordem social e econômica. Sob essa ótica os modelos de concessão instituídos pela Lei nº11. 079/2004 integram o corpo de instrumento do qual o Estado Subsidiário poderá dispor para promover à prestação de serviços básicos a sociedade e de forma eficiente, visto que as concessões são bem cotadas no âmbito dos contratos do Estado com a iniciativa privada pelo requisito de eficiência na prestação dos serviços públicos.
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Aplicação do princípio do desenvolvimento sustentável em licitações para realização de obras públicas de saneamento básico
O presente estudo tem por objetivo demonstrar a necessidade de conscientização da efetivação do Princípio do Desenvolvimento Sustentável em Obras Públicas, que, devido a suas proporções e constantes realizações alteram facilmente as condições, não só ambientais, mas também, sociais e econômicas mundiais. Um dos meios de se garantir o Desenvolvimento Sustentável é através de sua observância e aplicação, como princípio basilar e orientador nas Licitações para Obras Públicas.
Direito Administrativo
1 INTRODUÇÃO No contexto atual em que se vive, necessita-se adquirir noções e conhecimentos de tudo aquilo que se refere a consumo e aquisição de bens e serviços em qualquer modalidade e por qualquer pessoa, quer seja nossa comunidade ou até pelos administradores de nosso país. Pois, só assim, cria-se a consciência de que é preciso fazer algo para mudar a realidade contemporânea, ao passo em que o que se faz agora irá repercutir futuramente, talvez de uma maneira não muito agradável para as próximas gerações. Neste sentindo, vislumbrando o consumo de forma consciente, mesmo que poucos façam a sua parte, cada um em seu próprio lar, em sua família, em sua escola e até mesmo em seu trabalho, diante da totalidade de habitantes do planeta, ou se quer em nosso imenso país, talvez não faça tanta diferença se comparar com a atuação Governamental, em se tratando de proporção em relação à suas obras, serviços, aquisições de bens, etc. O Estado, como por exemplo, necessita executar obras, esta será de uma proporção bem maior do que as que se costuma observar em nosso dia a dia, como uma construção de uma casa em nosso bairro. Outro exemplo, quando precisa adquirir impressoras multifuncionais para uma repartição pública, esta aquisição, geralmente é muito maior do que o número de impressoras que cada indivíduo possa adquirir durante toda vida. Desta forma, se não houvesse uma regulamentação para instituir tal atuação Estatal, poderia ocorrer um consumo desenfreado, contribuído para um consumismo em grande escala, desnecessário, faltaria verbas para cumprir o orçamento público, não teria um controle das finanças do Estado, poderia prejudicar toda a sociedade, bem como gerações futuras, dentre outras consequências gravosas. O objetivo da presente monografia é elucidar a aplicação do Princípio do Desenvolvimento Sustentável em Licitações para Obras Públicas de Saneamento Básico, apresentando peculiaridades das fases da licitação para Obras Públicas, do Evolução Histórica do Princípio em questão e da aplicação destes institutos nas obras de saneamento básico, dentre outros assuntos necessários para se conduzir a melhor exposição do estudo. 2 LICITAÇÃO O procedimento administrativo que deve ser seguido para o Estado atingir o escopo de satisfazer suas necessidades em que se faz imprescindível a utilização de verbas públicas denomina-se LICITAÇÃO. 2.1 Conceito de licitação O instituto da Licitação vem exposto na vigente Constituição da República de 1988 em seu artigo 37, no inciso XXI, preceituando que “Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.” Tal disposição foi regulamentada pela Lei 8.666/93, legislação da qual iremos esclarecer pontos relevantes mais adiante. Com isso, faz-se necessário compreender melhor como é conceituada a Licitação pela ótica de alguns autores que versam sobre este assunto. Segundo Hely Lopes Meirelles (2005,p. 268) “Licitação é o procedimento administrativo mediante o qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse. Como procedimento, desenvolve-se através de uma sucessão ordenada de atos vinculantes para a Administração e para os licitantes, o que propicia igual oportunidade a todos os interessados e atua como fator de eficiência e moralidade nos negócios administrativos.” A autora Odete Medauar (1996, p. 205) expõe que “Licitação, no ordenamento brasileiro, é processo administrativo em que a sucessão de fases e atos leva à indicação de quem vai celebrar contrato com a Administração. Visa, portanto, a selecionar quem vai contratar com a Administração, por oferecer proposta mais vantajosa ao interesse público. A decisão final do processo licitatório aponta o futuro contratado.” 2.2 Princípios aplicáveis às licitações Para a realização dos procedimentos licitatórios deve-se observar alguns princípios Gerais – Legalidade, Isonomia, Moralidade e Improbidade Administrativa, Publicidade – e princípios específicos da Licitação como a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável. Pois bem, os Princípios gerais da Licitação encontram-se elencados no art. 37 da Constituição da República, o primeiro disposto é o princípio Legalidade, este vincula a Administração Pública e os participantes da Licitação aos princípios e normas legais vigentes em nosso ordenamento jurídico que ditam regras, requisitos formais e objetivos, bem como o procedimento que deve ser seguido e assuntos peculiares de determinada finalidade que se pretende atingir. Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2012, p.379) o Princípio da Legalidade “É de suma relevância, em matéria de Licitação, pois esta constituiu um procedimento inteiramente vinculado à Lei; todas as suas fases estão rigorosamente disciplinadas na Lei nº 8.666/93, cujo artigo 4º estabelece que todos quantos participem de licitação promovida pelos órgãos ou entidades a que se refere o artigo 1º têm direito público subjetivo à fiel observância do pertinente procedimento estabelecido na lei.” Já o princípio da Impessoalidade visa tratar igualmente todos os interessados no procedimento Licitatório, é essencial a garantia de igualdade na competição que ocorre para a escolha do vencedor da Licitação. Nesse sentido Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p.526) ensina que "o Princípio da Impessoalidade encarece a proscrição de quaisquer favoritismo ou discriminações impertinentes, sublinhando o dever de que, no procedimento licitatório, sejam todos os licitantes tratados com absoluta neutralidade”. Pelo princípio da Moralidade e Improbidade Administrativa, pode-se depreender que os integrantes da Administração Pública, bem como os participantes da Licitação devem agir conforme a moral, a ética e os bons costumes, sem infringir normas, como por exemplo, obter vantagens para um determinado participante ilicitamente. Para Celso Antonio Bandeira de Melo (2019, p.529) este princípio “significa que o procedimento licitatório terá de se desenrolar na conformidade na conformidade de padrões éticos prezáveis, que o impões, para a Administração e licitantes um comportamento escorreito”. O princípio da Publicidade, entende-se que deve ser público todos os atos praticados pelos administradores no que concerne a Licitação Pública, pois, sendo assim, todos os interessados podem exercer uma forma de controle mediante a divulgação de tais atos. E de acordo com Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2008, p.502) o objetivo evidente do princípio da Publicidade, no que diz respeito as Licitações é “permitir o acompanhamento e controle do procedimento não só pelos participantes, como também, quiçá principalmente, pelos administrados em geral.” Considerando os princípios específicos da Licitação tem-se o princípio da Seleção da Proposta Mais Vantajosa que pode-se compreender que para a escolha do vencedor no procedimento licitatório, deve-se observar, em meio a todas as propostas dos participantes aquela que for mais vantajosa para a Administração Pública tendo em vista as modalidades, o objeto do contrato, o preço bem como a qualidade. O princípio do Desenvolvimento Sustentável, presente na Licitação, está relacionado não só com o âmbito ambiental, como a maioria das pessoas pensam quando ouve falar em sustentabilidade, mas aqui também refere-se ao desenvolvimento sustentável em diversos aspectos, como social, econômico, político, ético e também o ambiental. Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2012, p.383) “o princípio da sustentabilidade da licitação ou da licitação sustentável, liga-se a ideia de que é possível, por meio do procedimento licitatório, incentivar a preservação do meio ambiente”. Este princípio, por fazer parte do escopo de nosso estudo, será esclarecido mais adiante. 3 PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL O princípio em questão é um assunto muito recente em nosso ordenamento jurídico, tendo em vista a data de sua definição pela Organização das Nações Unidas, bem como, sua entrada como princípio em nossa Vigente Constituição. O desenvolvimento sustentável, em uma análise simplória, pode ser definido como a garantia de que ao satisfazer as necessidades da geração presente não se comprometa o suprimento da geração futura. Em nosso ordenamento jurídico, o Princípio do Desenvolvimento Sustentável está presente no art. 225 da Constituição da República de 1988 “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” Este é um exemplo do princípio em âmbito ambiental. E também, a garantia do desenvolvimento nacional constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, conforme art. 3°, inciso II da Constituição da República de 1988. Pois bem, adiante será abordada a origem e a evolução histórica do princípio em questão, que traz também alguns conceitos importantes para sua compreensão. 3.1 Do desenvolvimento sustentável em licitações Como já se viu, o princípio do desenvolvimento sustentável foi introduzido na Lei 8.666/93 no ano de 2010, através da Lei 12.349 que o incluiu como princípio norteador da Licitação. Na conjuntura atual é extremamente necessário possuir tal princípio como pilar basilar na estrutura da Licitação. Pois sem a observância do mesmo poderia não só prejudicar a geração atual, como a futura, em sentido amplo, não só no Brasil mas também do mundo inteiro dependendo do comprometimento do que se utiliza para a satisfação da necessidade que se deseja suprir. As licitações podem causar grandes impactos na esfera econômica de um país, ao passo em que se analisar o comprometimento de receitas futuras ao arcar com os custos de um contrato.  Na esfera social, as licitações devem causar impactos se não atender os anseios da sociedade, sendo que, a Administração Pública deve agir conforme o Interesse público, não no sentido individual, mas sim representando o interesse da coletividade.  Na esfera ambiental se não observar os impactos que a execução do contrato pode causar, instantânea e futuramente, a Licitação estará suprimindo o desenvolvimento sustentável, ou seja, atenderá as necessidades da geração presente, mas comprometerá a geração futura.  Na esfera ética e política não se pode abandonar o princípio em questão, todavia ele deva ser analisado juntamente com outro princípio inerente ao da Licitação, qual seja o Princípio da Proposta Mais Vantajosa, que muitas vezes, empiricamente temos notícias de privilégios concedidos a determinadas empreses em uma licitação objetivando beneficiá-las e também Agentes Políticos e servidores da Administração Pública. Nesse sentido, Juarez de Freitas (2012, p. 51) diz que “Por força do princípio constitucional da sustentabilidade e das regras associadas, as licitações precisam sem protelação incorporar ao escrutínio das propostas critérios paramétricos de sustentabilidade para ponderar custos (diretos e indiretos) e os benefícios sociais, ambientais e econômicos.” Ademais, o Princípio em questão não deve ser obedecido individualmente nas Licitações, pelo contrário, há de ser efetivo em conjunto com os demais previsto na Lei 8.666/93, bem como princípios Constitucionais aplicados à matéria, como dito anteriormente. Juarez de Freitas ( 2012, p.54) também nos ensina que “A proposta mais vantajosa será sempre aquela que, entre outros aspectos a serem contemplados, apresentar-se a mais apta a causar, direta ou indiretamente, o menor impacto negativo e, simultaneamente, os maiores benefícios econômicos, sociais e ambientais.” Portanto, Juarez de Freitas também propõe o conceito de licitações norteadas pelo princípio constitucional da sustentabilidade (2012, p. 69) “São aquelas que – com isonomia e compromisso efetivo com o desenvolvimento sustentável, visam a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração Pública, ponderados, com a máxima objetividade possível, os custos e benefícios (direito e indireto) sociais, econômicos e ambientais.” Com isso, já é possível dar um passo adiante no presente estudo para uqe se possa elucidar a aplicação de tal princípio nas Obras Públicas para Saneamento Básico. 4 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL EM LICITAÇÕES PARA OBRAS PÚBLICAS SANEAMENTO BÁSICO Conforme as necessidades globais vão sofrendo alterações, as ações humanas também necessitam-se adequar para a promoção da qualidade de vida, respeitando a dignidade da pessoa humana, bem como o ambiente em que se vive. Uma das formas de se promover a sustentabilidade é a implementação de práticas de melhorias em Obras Públicas, que pela extensão e complexidade desta, contribui notoriamente para um grande consumo energético e produção de resíduos. Com isso, mais adiante será esclarecido alguns pontos relevantes que servirá para compreender este grande ciclo de consumo necessário para o desenvolvimento, tanto nacional como global, mas que pode e deve ser realizado com plena consciência para atender as necessidades da geração presente sem comprometer gerações futuras. Obras Públicas são todas aquelas que são realizadas para atender tanto as necessidades da sociedade – postos de saúde, escolas públicas, etc.- como as da Administração Pública, por exemplo, secretarias, sede da Administração Estadual e repartições públicas em geral. A mencionada Lei 8666/93, traz em seu artigo 6° a definição de obras públicas, considerando como tal “toda construção, reforma, fabricação, recuperação ou ampliação, realizada por execução direta ou indireta”. O Tribunal de Contas da União reafirma o artigo supracitado, e ainda diz que “ela pode ser realizada de forma direta, quando a obra é feita pelo próprio órgão ou entidade da Administração, por seus próprios meios, ou de forma indireta, quando a obra é contratada com terceiros por meio de licitação". É possível compreender construir como o ato de iniciar a execução ou edificação de uma nova obra. Já o ato de ampliar, pode-se entender como o aumento da extensão e dimensão de uma obra que já exista. E reforma consiste em alterar parte das características ou seu todo, desde que mantenha o volume e a área construída sem acréscimo ou mudança na função atual. Ademais, as obras públicas, tendo em vista a sua complexidade, podem ser consideradas de grande porte em relação a obras civis comuns. Pois, para atender a sociedade precisam de um estrutura bem mais elaborada do que as obras civis que costuma-se ver em nosso dia-a-dia. Com isso, o impacto causado pelas obras são gigantescos, como o consumo de energias não renováveis, de matéria prima oriunda do meio ambiente, dos gastos financeiros e até mesmo da produção de resíduos gasosos, líquidos e sólidos, enfatizando que a construção é considerada a responsável pela produção de 50% dos resíduos sólidos do total dos produzidos por todas as formas de atividades humanas. Portanto se as Obras Públicas não forem regidas por legislações e princípios que as guiem podem correr um grande risco de serem feitas sem sua real necessidade, sem a viabilização da obra, sem calcular os custos da mesma, e dentre outras consequências terríveis que prejudicaram todos os indivíduos que seriam beneficiados bem como aqueles que não poderão satisfazer suas necessidades futuramente por conta do mal uso de recursos da geração presente. Afinal, a importância da observância do Princípio do Desenvolvimento Sustentável já foi exposta de maneira que se pode inferir que o planejamento e execução das Obras Públicas não podem afastar tal princípio. E, além do mais, junto com tal princípio, para se alcançar a um fim desejado de determinada obra, deve-se seguir disposições legais pertinentes ao assunto, objetivando a plena satisfação da necessidade atual sem comprometer a capacidade de satisfação das necessidades das gerações futuras. As obras públicas relacionadas a saneamento básico devem ser orientadas pela Lei 11.445 de 2007 que estabeleceu as diretrizes nacionais para o saneamento básico e para a política federal de saneamento básico. Além do mais, a referida Lei traz em seu artigo 2º, inciso VII, a sustentabilidade como um princípio do Serviço Público de saneamento básico. Mas tal sustentabilidade não deve ser pensada apenas no âmbito ambiental, mas também Econômico. Nesse sentido, Alessandra Bagno de Almeida e Marinella Machado Araújo (2013, p. 45) dizem que “O termo desenvolvimento Sustentável, inicialmente utilizado unicamente para referir-se à necessidade de compatibilizar as atividade econômicas com o meio ambiente, tem sido ampliado, tornando-se multidimensional, de modo a abarcar em seu conteúdo também preocupações de natureza econômica política e social.” Com isso, a preocupação com o desenvolvimento sustentável deve ir bem mais além da preservação do meio ambiente, tornando possível ser considerado como um princípio geral, de aplicação ampla, em diversas áreas que visam a busca da efetivação de garantias constitucionais e um orientador para atuação Estatal. Ademais, pode-se constatar na Lei em questão em seu artigo 48º que a União, no estabelecimento de sua política de saneamento básico, deve ter como diretriz a promoção do desenvolvimento sustentável através da aplicação dos recursos financeiros por ela administrados. Sendo assim, quando a Administração Pública necessitar contratar uma prestação de serviço de saneamento básico deverá realizar prévia audiência e consulta pública sobre o edital de Licitação, conforme artigo 11º da Lei supra citada.Como já dito antes, no conteúdo acerca da Licitação, essa orientação do artigo 11º da lei 11.445 de 2007 deve ocorrer na fase de Preliminar e na fase Interna, sendo importante analisar tanto a viabilidade da obra ou serviço, como a elaboração do edital.  O Plano Municipal de Saneamento Básico deve ser quadrienal, e deve ser avaliado a cada dois anos, no intuito de buscar a eficácia e eficiência. Em tal plano, é possível demonstrar a viabilidade, objetivos sustentáveis, metas de implantação, obras a serem realizadas,etc. Como por exemplo, no vigente plano municipal de saneamento de Belo Horizonte 2012/2015, pode-se perceber que “O Projeto Sustentador 28 – Coleta, Destinação e Tratamento dos Resíduos Sólidos, tem como público-alvo a população do Município de Belo Horizonte, geradores de resíduos de construção civil e de resíduos de serviços de saúde, além de empreendedores da área de tratamento, beneficiamento e/ou reaproveitamento energético de resíduos sólidos.” Além do mais, neste mesmo plano dispõe-se que “As intervenções necessárias para realizar o controle de vetores no Município representam um desafio cotidiano, por seu caráter global, transcendendo o setor saúde. O grande desafio é fomentar a integração e implementar atividades em parceria, de maneira sustentada e contínua, entre os órgãos ligados ao saneamento, à limpeza urbana, às obras públicas, ao meio ambiente, à educação e à comunicação. Aliado a isto, é fundamental a existência de ações permanentes de educação ambiental e em saúde, garantindo assim a sustentabilidade das mudanças geradas a partir das medidas de controle executadas.” Tudo isso deve ser levado em consideração pela Administração Pública na orientação da elaboração de editais para a realização de Licitações na esfera do saneamento básico. A audiência e consulta pública sobre o edital de licitação, como condição de validade dos contratos relativos a implementação de saneamento básico, é uma forma de inserir a população em assuntos de interesses públicos. Assim, possibilitando o acesso a informações, os cidadãos tornam-se capazes de exercer um controle a cerca da necessidade, da viabilidade, dos gastos, e da execução da Obra, quer seja de saneamento básico objeto de estudo, quer seja qualquer outro tipo de Obra Pública. Com isso, Celso Antônio Pacheco Fiorilli( 2014, p. 257), dispõe que a formação da audiência publica no âmbito ambiental ocorrerá “a)quando o órgão competente para a concessão da licença julgar necessário; b) quando cinquenta ou mais cidadãos requererem ao órgão ambiental a sua realização; c) quando o Ministério Público solicitar a sua realização.” Sendo assim, na elaboração do Edital para uma obra de saneamento básico, faz necessário uma audiência pública requerida por alguns dos interessados na licença ambiental, que se faz necessária para a execução do objeto da Licitação. No artigo 3º da Lei 11.445 de 2007, em seu inciso I, pode-se encontrar o que é considerado como saneamento básico: “Saneamento básico: conjunto de serviços, infra-estruturas e instalações operacionais de: a) abastecimento de água potável: constituído pelas atividades, infra-estruturas e instalações necessárias ao abastecimento público de água potável, desde a captação até as ligações prediais e respectivos instrumentos de medição; b) esgotamento sanitário: constituído pelas atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, tratamento e disposição final adequados dos esgotos sanitários, desde as ligações prediais até o seu lançamento final no meio ambiente; c) limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos: conjunto de atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destino final do lixo doméstico e do lixo originário da varrição e limpeza de logradouros e vias públicas; d) drenagem e manejo das águas pluviais urbanas: conjunto de atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de drenagem urbana de águas pluviais, de transporte, detenção ou retenção para o amortecimento de vazões de cheias, tratamento e disposição final das águas pluviais drenadas nas áreas urbanas.” Com isso, percebe-se há diversas formas de se aplicar o Princípio do Desenvolvimento Sustentável nas Obras Públicas relacionadas ao saneamento básico. Como por exemplo, na drenagem e manejo das águas pluviais urbanas, no esgotamento sanitário, na instalação necessária que permite o abastecimento público de água. Ocorre que, geralmente as obras consideradas sustentáveis apresentam um custo mais elevado do que uma obra comum, e se contrapondo ao princípio da Proposta mais vantajosa, sendo que nesta o que se leva em conta é o proveito econômico, ou seja, é escolhida por se apresentar mais barata. Segundo o site Atitudes sustentáveis “Comparados aos produtos convencionais, os sustentáveis são destinados a um público específico de consumidores, os quais estão dispostos a pagar mais caro para possuir algo diferenciado, cujo principal objetivo é a preservação do meio ambiente. Como esse público é ainda pequeno, o resultado são produtos em menor quantidade e valor elevado.” Portanto, a lei de mercado da oferta e da procura influencia no valor de uma obra sustentável, podendo concluir que o custo diminua deverá ocorrer uma conscientização no momento de escolha de um projeto sustentável que gerará benefícios futuros em detrimento daquele mais vantajoso economicamente que não consegue atingir padrões sustentáveis prejudicando as gerações presentes e futuras. O engenheiro civil Luiz Roberto Santos Moraes é pós-graduado em Engenharia Sanitária e professor titular do departamento de Hidráulica e Saneamento da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia, em entrevista ao portal Ecodesenvolvimento.org diz que: “Eu entendo como saneamento básico os componentes de abastecimento de água, o manejo de águas pluviais e o de resíduos sólidos. Já o saneamento ambiental é algo mais amplo. Ele pode ser compreendido como o conjunto de ações que visam melhorar a salubridade ambiental contemplando o abastecimento de água em quantidade e qualidade, a coleta, tratamento e disposição final adequada dos resíduos líquidos, sólidos e gasosos, a prevenção e o controle do excesso de ruídos, a drenagem das águas pluviais, promoção da disciplina sanitária do uso e ocupação do solo, o controle ambiental de vetores de doenças transmissíveis e demais serviços e obras especializados, buscando contribuir para prevenir doenças e promover a saúde, o bem-estar e a cidadania.” Sendo assim, o saneamento básico deve ser construído e implantado de forma que garanta o bem estar social atual, possibilitando a população futura suprir suas necessidades, conforme o ideal do desenvolvimento sustentável. Há diversas formas de se garantir uma Obra de saneamento básico sustentável no momento da Licitação. Na fase preliminar, por exemplo, o estudo da viabilidade apresentando a necessidade e o anteprojeto, como dito anteriormente, é possível realizar audiências públicas como dispõe o artigo 11º em seu inciso IV da Lei 11.445 de 2007 como já mencionado. A fase interna da Licitação consiste na elaboração do Projeto Básico, Projeto Executivo, Recursos Orçamentários e Edital de Licitação. Com isso, ao compor o projeto deve-se buscar soluções sustentáveis que visem a efetivação do Princípio do Desenvolvimento Sustentável, optando pelo uso de energias renováveis na construção, melhor gestão dos recursos hídricos e propondo inovações tecnológicas para reaproveitamento de resíduos sólidos. Já na fase externa e de contratação deve-se levar em consideração, alem da proposta mais vantajosa, a escolha de projetos que visem minimizar impactos ambientais, que possam trazer uma autossustentação econômica e que traga benefícios ao desenvolvimento urbano. E, por fim, na fase posterior a contratação, deve-se realizar um efetivo controle e uma eficiente fiscalização, que pode ser realizada pelo próprio poder público ou até mesmo pela população, que se beneficiará com atitudes desenvolvimentistas. Uma proposta de obra de saneamento básico sustentável foi apresentada por Mário Rodrigues Pereira da Silva e Antônio Oliveira Netto no VI Simpósio de Engenharia de Produção no ano de 2014. Eles propuseram a Utilização de fossas verdes para o saneamento básico no Nordeste, que segundo os mesmos o objetivo da fossa verde é “É tratar o esgoto doméstico, para prevenir a contaminação do solo e do lençol freático, evitando a pratica de ter esgoto domiciliar ao céu aberto, e reduzindo a carga orgânica a ser despejada na etapa posterior ao tratamento. […] O sistema de Biorremediação Vegetal apresentado pela força verde auxilia a legislação de Saneamento Básico Nacional. Para o país esse sistema aparece como solução para o cenário do saneamento básico, tendo apresentado boa adaptação no Nordeste, principalmente devido às elevadas temperaturas.” Mas a realidade em que se vive atualmente é bem diferente, podendo perceber que não há interesse na maior parte a geração atual em preservar o planeta para as gerações futuras, ao passo em que se encontra em grandes centros urbanos a menor preocupação com esgoto a céu aberto, vias inundadas em épocas de chuva sem seu devido escoamento, e contaminação de solos pela falta de política pública de tratamento de resíduos sólidos e químicos, dentre outros que fogem totalmente do escopo das diretrizes para a implementação do saneamento básico trazido pela Lei 11.445 de 2007. 5 CONCLUSÃO O princípio do Desenvolvimento Sustentável, apesar de ser mais elucidado na esfera ambiental, deve ser levado em consideração em todos os âmbitos de atuação da Administração Pública, inclusive no momento de contratação para a realização de alguma obra ou serviço.  Apesar de estar presente na vigente Constituição da República, e em diversas normas infraconstitucionais que visam orientar a atuação estatal, o princípio em questão não é efetivamente aplicado, inclusive no objeto de estudo do presente trabalho, qual seja, nas licitações para a realização de obras públicas de saneamento básico. Neste sentido, as autoras Alessandra Bagno F. R. de Almeida e Marinella Machado Araújo (2013,p.47), dizem que “Contou-se uma inefetividade quanto à aplicação do Princípio do Desenvolvimento Sustentável em sua dimensão material e finalística, o que consequentemente denota a extensão simbólica impressa nesse princípio constitucional entre nós.” E ainda expõem que “A possível solução para o problema estaria na aplicação da norma ao caso concreto de modo a viabilizar maior razoabilidade no uso do supracitado princípio com fins de efetivar a proteção ambiental, sim, mas aliada à promoção dos direitos fundamentais e sociais.” Com isso, percebe-se que uma das soluções para a devida aplicação do princípio em questão seria levá-lo em consideração na aplicação de normas. Como, por exemplo, aplicá-lo como requisito para atuação do ente Estatal para realizar uma Licitação. Outra forma de aplicar o Princípio do Desenvolvimento Sustentável em Licitações para Obras Públicas de Saneamento Básico seria a flexibilização da proposta mais vantajosa, considerando esta como aquela que só será vantajosa para Administração Pública se seguir parâmetros de sustentabilidade. Isto faria com que em todas as fases da Licitação fosse possível adotar medidas de conscientização, desenvolvimento de projeto básico sustentável, a busca de alternativas sustentáveis, bem como promover resultados que visam possibilitar o desenvolvimento sem impactos destrutivos, dentre outros.  Ocorre que, os resultados de um projeto sustentável são vistos a longo prazo, trazendo benefício mais futuros que imediatos, alem de serem mais onerosos devido a baixa procura por essa alternativa, com isso, a proposta de um projeto mais barato, ou seja, mais vantajoso economicamente, abrilhanta mais aos olhos do responsável pela contratação, o seu resultado se mostra erroneamente mais vantajoso com benefícios imediatos, deixando aquele que se apresenta mais sustentável fora dos parâmetros para um Licitação. Porém, ao passo em que se opta mais por determinados bens, produtos, serviços, ou algo disponível no mercado, a tendência é que ele se torne mais barato tornando-se mais acessível. Isso seria uma boa alternativa para abaixar os custos de uma Obra Sustentável, mas também, seguindo a lógica do mercado, deverá ocorrer uma maior oferta.  Sendo assim, o Estado, como o maior interessado em promover e garantir o desenvolvimento sustentável, deveria investir e incentivar pesquisas relacionadas ao Sistema de Saneamento Básico, permitindo que seja implementado, tanto nas áreas urbanas como rurais, com técnicas sustentáveis, buscando impactar beneficamente os âmbitos sociais, educacionais, ambientais, tecnológicos, econômicos, dentre outros que garantam a efetivação do Princípio. Ademais, a realização da fiscalização das Licitações, em todas as suas fases, e principalmente na execução das Obras de Saneamento Básico, deveria ser melhor efetivada, tanto por parte do Tribunal de Contas da União, que possui competência para isso, quanto pelo ente federativo da localidade da realização da Obra.  A fiscalização deve ser efetivada não só pelo Estado, mas também, pela população em geral, pelo fato de que o Saneamento Básico é um direito de todos e impacta diretamente a qualidade de vida do ser humano. Esse controle populacional pode ser através de convocação de audiências públicas, acompanhamento dos gastos públicos disponíveis em portais eletrônicos de prefeituras e governos estaduais e federal, votar e acompanhar propostas realização de obras do PAC- Programa de Aceleração do Crescimento, se reunirem para exigir do Poder Público a elaboração de um Edital para Licitações de Obras de Saneamento com diretrizes sustentáveis. Essas medidas fazem com que ocorra uma conscientização da obrigação de se aplicar o Princípio do Desenvolvimento Sustentável para que a qualidade de vida da população atual melhore, possibilitando a garantia de que a população futura possa suprir suas próprias necessidade, construindo assim, a longo prazo cidadãos conscientes.
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Das faltas do servidor público durante o período de greve – das implicações jurídicas
O Direito de greve no serviço público é uma realidade, com respaldo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF e do Superior Tribunal de Justiça – STJ, no entanto, ainda surgem alguns questionamentos acerca das implicações nos assentamentos funcionais do servidor público do período em que esteve parado em decorrência da greve. O artigo 7º da Lei n.º 7.783/89 prevê de maneira expressa que a adesão dos trabalhadores à greve implica a suspensão do contrato de trabalho, o que, em regra, viabiliza a realização dos descontos nos salários dos servidores públicos referente aos dias não trabalhados, salvo tratar-se de matéria a ser decidida no julgamento do dissídio de greve ou se a paralisação foi provocada por situações excepcionais aptas a justificar o afastamento da relação de trabalho. Mesmo que o desconto dos salários não seja considerado uma sanção, o lançamento das faltas como injustificadas causaria prejuízo funcional ao servidor público que estava no exercício regular de um direito garantido constitucionalmente, causando-lhe duplo prejuízo: desconto de salário e lançamento de faltas injustificadas. Assim, configura-se direito do servidor público a retificação dos seus assentos funcionais para abono das faltas relativas ao período de greve lançadas como injustificadas.
Direito Administrativo
Introdução O Direito de greve no serviço público é uma realidade, com respaldo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF e do Superior Tribunal de Justiça – STJ, no entanto, ainda surgem alguns questionamentos acerca das implicações nos assentamentos funcionais do servidor público do período em que esteve parado em decorrência da greve. Alguns órgãos públicos lançam as faltas como injustificadas, outros lançam como justificadas. Há, ainda, quem entenda que o período em que o servidor público esteve em greve não deve ser descontado da sua remuneração. Este artigo tem o objetivo de compilar os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais mais recentes acerca das implicações jurídicas decorrentes das faltas do servidor público no período em que esteve em greve. 1 Do Direito de Greve no Serviço Público Nas lições de Odete Medauar[1], a Constituição Federal remete a disciplina da greve dos servidores a uma lei específica, que estabelecerá os termos e limites desse direito. No entanto, por omissão legislativa não foi editada a referida lei. Daí terem surgido, pelo menos, três entendimentos: “a) a ausência de lei não elimina esse direito, que o servidor poderá exercer; b) a ausência de lei impede o servidor de exercer o direito de greve; c) a ausência de lei não tem o condão de abolir o direito reconhecido pela Constituição Federal, devendo-se, por analogia, invocar preceitos da lei referente à greve dos trabalhadores do setor privado (Lei 7.783, de 28.06.1989), em especial quanto a serviços essenciais.” Inicialmente, a jurisprudência nacional fixou o entendimento de que a ausência de lei impedia o exercício do direito de greve pelos servidores públicos. Na primeira vez em que a questão foi levada ao STF, no MI 20 (rel. Min. Celso de Mello, DJ 22.11.1996) ficou decidido que o direito de greve é atribuído por norma de eficácia limitada, o que significava a ausência de aplicabilidade da norma constitucional – especialmente tomando em vista a função então atribuída ao instituto do mandado de injunção. Em que pese o entendimento restritivo dos tribunais superiores, as greves sempre ocorreram no âmbito do serviço público sem que as autoridades administrativas, em sua maioria, se valessem da orientação jurisprudencial para instaurar processos disciplinares contra os servidores que aderiam às greves, especialmente porque o art. 132 da Lei nº 8.112/1990 não estabelecia a greve como infração funcional. Nesse sentido, fez-se necessário avançar jurisprudencialmente para conciliar o direito de greve do servidor público e a continuidade das atividades administrativas, de modo que a população não sofra as consequências da interrupção de serviços públicos essências, tais como: assistência médica, fornecimento de água, energia elétrica, telefone e segurança pública. Assim, o tema voltou a ser apreciado pelo STF no MI 712, 708 e 670 e, seguindo a alteração da interpretação adotada em relação à função do mandado de injunção, O Supremo Tribunal Federal – STF decidiu que, na ausência de regulamentação do art. 37, VII, da CF/88, aplica-se ao servidor público a lei que disciplina o direito de greve no âmbito da iniciativa privada, qual seja: a Lei nº 7.783/1989. Este é o entendimento que prevalece. 2 Da Aplicação da Lei nº 7.783/89 às Greves dos Servidores Públicos Uma vez reconhecida a possibilidade de o servidor público exercer o direito de greve, resta apenas conferir limites a este com base na aplicação da Lei n.º 7.783/89 e das peculiaridades cabíveis ao serviço público, consoante os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Destarte, para ser considerada legal a greve dos servidores públicos o movimento grevista deve obedecer, principalmente, aos seguintes requisitos: “"Art. 4º. Caberá à entidade sindical correspondente convocar, na forma do seu estatuto, assembleia geral que definirá as reivindicações da categoria e deliberará sobre a paralisação coletiva da prestação de serviços. § 1º – O estatuto da entidade sindical deverá prever as formalidades de convocação e o quórum para a deliberação, tanto da deflagração quanto da cessação da greve. (…)  Art. 6º (…) § 3º As manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa. (…)  Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. (…)  Art. 13 Na greve, em serviços ou atividades essenciais, ficam as entidades sindicais ou os trabalhadores, conforme o caso, obrigados a comunicar a decisão aos empregadores e aos usuários com antecedência mínima de 72 (setenta e duas) horas da paralisação.” Deflagrada a greve sem observação dos ditames da Lei nº 7.783/89, haverá abuso de direito e a greve será considerada ilegal. A essencialidade dos serviços paralisados indica, na realidade, um chamado à razão e à responsabilidade de todos os atores envolvidos – Estado, sindicato e Poder Judiciário – para que busquem resolver o litígio coletivo da forma mais rápida e mais duradoura possível. Ao Judiciário, de forma especial, não cabe simplesmente interromper o exercício de um direito constitucional, mas zelar para que o seu exercício não viole o regime legal aplicável à greve no serviço público. 3 Das Faltas do Servidor Público Durante o Período de Greve – Implicações Jurídicas. 3.1 Do Corte de Salário em Razão dos Dias Não Trabalhados O artigo 7º da Lei n.º 7.783/89 prevê de maneira expressa que a adesão dos trabalhadores à greve implica a suspensão do contrato de trabalho, o que, em regra, viabiliza a realização dos descontos nos salários dos servidores públicos referente aos dias não trabalhados, salvo se se tratar de matéria a ser decidida no julgamento do dissídio de greve, nesse caso, caberá ao Tribunal, apreciando a questão, deliberar pelo pagamento dos dias parados, ou se a paralisação for provocada por atraso no pagamento ou se, em situações excepcionais, justificar-se o afastamento da relação de trabalho. Este é o entendimento do Supremo Tribunal Federal desde o julgamento dos Mandados de Injunção n.ºs 670/ES e 708/DF. A propósito, vale destacar as palavras do Ministro Gilmar Mendes na decisão que indeferiu a liminar na cautelar no Mandado de Injunção 3085 MC, julgado em 26/08/2010, DJe 162, in verbis: “Segundo a decisão proferida, nos termos do art. 7º da Lei no 7.783/1989, a deflagração da greve, em princípio, corresponde à suspensão do contrato de trabalho. E, havendo a suspensão, não há que se falar propriamente em prestação de serviços, tampouco no pagamento de salários. Como regra geral, portanto, os salários dos dias de paralisação não deverão ser pagos, salvo no caso em que a greve tenha sido provocada justamente por atraso no pagamento ou por outras situações excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão do contrato de trabalho. Por outro lado, não se diga que a natureza alimentar dos vencimentos impede a aplicação do artigo 7o da Lei no 7.783/1989. Caso contrário, estaria configurada hipótese de greve subvencionada pelo Poder Público. Ademais, a remuneração dos trabalhadores do setor privado também possui caráter alimentar e, em caso de greve, é plenamente aplicável o corte do ponto. Assim, não se justifica o tratamento diferenciado entre os servidores públicos e os trabalhadores do setor privado no que diz respeito ao desconto dos dias parados. Portanto, no caso ora em análise, salvo melhor juízo por ocasião do julgamento de mérito, não vislumbro a plausibilidade jurídica do pedido apta a ensejar a concessão da medida liminar pleiteada. Ante o exposto, indefiro o pedido de medida liminar.”  Ainda de acordo com o STF, o desconto do salário não configura "pena", mas mera consequência jurídica da "suspensão do contrato de trabalho", diferentemente das penalidades disciplinares dos servidores públicos. Deste modo, é desnecessária a instauração de sindicância ou processo administrativo, para realização dos descontos decorrentes de faltas durante a greve. No mesmo sentido vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça – STJ, sob o fundamento de que com a greve passa a vigorar a “suspensão do contrato de trabalho”: “PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL – SÚMULA 266/STF – MANDADO DE SEGURANÇA – CORTE DO PONTO DE SERVIDORES GREVISTAS – MEDIDA QUE PODE SER LEVADA A TERMO PELA ADMINISTRAÇÃO. 1. O mandado de segurança não é sucedâneo de ação direta de inconstitucionalidade. Aplicação da Súmula 266/STF. 2. O Pretório Excelso, a partir do julgamento do MI n° 708/DF, firmou entendimento de que a paralisação de servidores públicos por motivo de greve implica no consequente desconto da remuneração relativa aos dias de falta ao trabalho, procedimento que pode ser levado a termo pela própria Administração. Precedentes. 3. Segurança denegada.” (MS 15.272/DF, Rel. Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 29/09/2010, DJe 07/02/2011). Portanto, prevalece na jurisprudência brasileira a legitimidade da Administração Pública para proceder ao desconto da remuneração relativa aos dias parados, ressalvada a adoção da autocomposição em benefício dos servidores que aderiram às paralizações, consoante o disposto no art. 7º da Lei nº 7.783/89. Assim, a Administração Pública possui a faculdade de adotar mecanismos de recomposição dos dias em que o servidor público permaneceu em greve como alternativa ao desconto de salário, tais como extensão da jornada diária de trabalho durante determinado período, trabalho aos sábados e etc. 3.2 Da Natureza das Faltas Decorrentes do Período de Greve Outra implicação jurídica decorrente das faltas no período de greve refere-se à natureza das faltas, se justificadas ou injustificadas. A natureza das faltas do servidor público pode repercutir diretamente na concessão de vantagens e direitos, tais como a concessão de licenças-prêmio ou capacitação, progressão funcional na carreira, reconhecimento de anuênios e etc. Tais vantagens são condicionadas a inexistência determinada quantidade de faltas injustificadas em um certo período. Segundo o Superior Tribunal de Justiça – STJ, no caso de participação em movimento paredista, a falta do servidor público deve ser considerada justificada, o que dá ensejo à compensação, nos termos do art. 44, inciso II, do Estatuto do Servidor Público Federal. Ora, qualquer greve tem como pressuposto a falta ao trabalho, assim considera-la como injustificada seria um verdadeiro cerceamento ao direito constitucional de greve. “MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. SINDICATO NACIONAL DOS SERVIDORES DO MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO – SINASEMPU. GREVE. PRELIMINAR: SÚMULA N.º 266/STF.  NÃO INCIDÊNCIA. ATO COMBATIDO QUE EXPRESSAMENTE DETERMINA A REALIZAÇÃO DE DESCONTOS. MÉRITO: DESCONTOS NA REMUNERAÇÃO DECORRENTES DOS DIAS NÃO TRABALHADOS. CABIMENTO. FALTAS JUSTIFICADAS. PREVISÃO LEGAL. COMPENSAÇÃO DAS FALTAS. POSSIBILIDADE. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE. DEVER DE ASSIDUIDADE DO SERVIDOR. DEVER DE JUSTIFICAR A FALTA À CHEFIA IMEDIATA. (…) 2. É pacífica a jurisprudência, em conformidade com a do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que é licito o desconto dos dias não trabalhados em decorrência de movimento paredista, na medida em que o exercício do direito de greve acarreta a suspensão do contrato do trabalho, consoante disposto no art. 7º da Lei 7.783/1989, não gerando direito à remuneração, salvo acordo específico formulado entre as partes. (…) 5. A falta decorrente de participação do servidor em movimento paredista é considerada ausência justificada, que, segundo a referida dicção legal, pode ser compensada, evitando o desconto na remuneração. 6. Aplicando a mesma sistemática para todas as faltas justificadas não compensadas, prescinde de processo administrativo a realização dos descontos na remuneração do servidor decorrentes das referidas ausências. 7. Segurança denegada.” (MS 14.942/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 09/05/2012, DJe 21/05/2012) Mesmo que o desconto dos salários não seja considerado uma sanção, o lançamento das faltas como injustificadas causaria prejuízo funcional ao servidor público que estava no exercício regular de um direito garantido constitucionalmente, causando-lhe duplo prejuízo: desconto de salário e lançamento de faltas injustificadas. Portanto, configura-se direito do servidor público a retificação dos seus assentos funcionais para abono das faltas lançadas como injustificadas. “CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO RETIDO. SERVIDOR PÚBLICO. DIREITO DE GREVE. DESCONTO DOS DIAS NÃO TRABALHADOS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. PRÉVIO PROCESSO ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE. LANÇAMENTO DE FALTA INJUSTIFICADA. REDUÇÃO DE GRATIFICAÇÃO POR CRITÉRIO DE INASSIDUIDADE. PENALIDADE DUPLA. IMPOSSIBILIDADE. LIMITAÇÃO PERCENTUAL DOS DESCONTOS. RAZOABILIDADE. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA (8) 1. Não se conhecerá de agravo retido se a parte não requerer expressamente sua apreciação pelo Tribunal nas razões ou na resposta da apelação (CPC, art. 523, § 1º). 2. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar os mandados de injunção 708 e 712, estabeleceu que, até a edição de lei específica pelo Congresso Nacional, os servidores públicos teriam assegurado o direito ao exercício de greve, na forma regulada pela Lei 7.783/89.  (…) 7. Não havendo falta injustificada, os dias parados não podem ser também causa de redução do pagamento da Gratificação de Incremento da Fiscalização e da Arrecadação – GIFA sob este fundamento. 8. Agravo retido não conhecido. Apelação a que se dá parcial provimento. Remessa oficial não provida. (AC 0010511-87.2008.4.01.3500/GO, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL ÂNGELA CATÃO, PRIMEIRA TURMA, e-DJF1 p. 581 de 11/10/2013 (grifamos) APELAÇÃO CÍVEL. SERVIDOR PÚBLICO. PROFESSOR. DIREITO DE GREVE. DESCONTO DOS VENCIMENTOS. FALTAS NÃO JUSTIFICADAS. ABONO. 1. O direito de greve é assegurado aos servidores públicos, todavia, não há impedimentos para que sejam descontados os vencimentos do período não trabalhado. Entendimento pacífico no Superior Tribunal de Justiça. 2. Direito do servidor em ter abonadas as faltas não justificadas do período em que esteve em movimento grevista, estando no exercício regular do direito garantido constitucionalmente e que, por força de decisão do STF, está regulado pela Lei Federal nº 7.783/89, não podendo gerar prejuízo funcional. 3. Ônus sucumbenciais invertidos. RECURSO PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70045991858, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rogerio Gesta Leal, Julgado em 29/03/2012) AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. FALTA NÃO JUSTIFICADA. MOVIMENTO GREVISTA. LICENÇA-PRÊMIO. De acordo com o julgamento da apelação cível nº 70045991858, as faltas não justificadas, decorrentes de movimento grevista do qual o servidor faça parte, devem ser abonadas por força de decisão do STF, com base na Lei nº 7.783/89, por tratar-se a greve do exercício de direito garantido constitucionalmente. (…)” DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. (Agravo de Instrumento Nº 70056050073, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Matilde Chabar Maia, Julgado em 31/10/2013) No caso de servidor que tenha trocado de órgão, e o lançamento de faltas injustificadas tenha sido feito pelo órgão de origem do servidor, a retificação dos seus assentos funcionais deve ser feita pelo órgão onde exerce atualmente as suas atividades. É que embora o lançamento tenha sido efetuado pelo órgão de origem, eventuais direitos decorrentes da retificação dos assentos funcionais serão suportados pelo órgão ao qual se encontra lotado. Conclusão Conclui-se, portanto, que prevalece na jurisprudência brasileira a legitimidade da Administração Pública para proceder ao desconto da remuneração relativa aos dias parados em razão de greve, ressalvada a adoção da autocomposição em benefício dos servidores que aderiram às paralizações, consoante o disposto no art. 7º da Lei nº 7.783/89. Entretanto, não se pode admitir em qualquer hipótese que a falta do servidor grevista se equipare a falta injustificada, pois sua inassiduidade constitui o próprio exercício do direito de greve. Compensadas ou não as faltas, não podem elas ser lançadas como injustificadas nos registros funcionais dos servidores, devendo, ao contrário, ser o registro feito como faltas justificadas. Portanto, configura-se direito do servidor público a retificação dos seus assentos funcionais para abono das faltas lançadas como injustificadas.
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Pensão civil das filhas solteiras (Lei nº 3.373/58) e o entendimento do Tribunal de Contas da União – necessidade de respeito ao ato jurídico perfeito e ao princípio da confiança
A Lei nº 3.373/1958 c/c a Lei nº 6.782/1980 estabelece que, ocorrendo o óbito de servidor público, suas filhas solteiras e maiores de 21 anos teriam direito ao recebimento de pensão. No âmbito da União, inúmeras pensões foram constituídas com fundamento nessa legislação. Segundo a referida lei, a filha perderia sua condição de pensionista se deixasse de ser solteira ou se viesse a ser “ocupante de cargo público permanente”. Todavia, o Tribunal de Contas da União – TCU, por meio dos Acórdãos nº 892/2012 e 2780/2016 – TCU – Plenário, estabeleceu critérios para fiscalização e manutenção do benefício pensional e asseverou que filha maior de 21 anos solteira, para fazer jus à pensão da referida lei, deverá comprovar dependência econômica em relação ao instituidor da pensão tanto na concessão da pensão civil quanto na sua manutenção e beneficiárias que tiverem recebimento de renda própria, perdem o direito à pensão. Ocorre que a aplicação dos referidos Acórdãos deve observar princípios constitucionais que regem a relação entre o Poder Público e os cidadãos, quais sejam, princípio do direito adquirido, do ato jurídico perfeito, da segurança jurídica, da proporcionalidade e razoabilidade, da boa-fé e da confiança legítima.
Direito Administrativo
Introdução No âmbito da União há milhares de pensionistas civis com fundamento na Lei nº 3.373/1958 c/c a Lei nº 6.782/1980, segundo a qual as filhas de servidores públicos teriam direito a recebimento de pensão desde que na data do óbito do seu genitor ou genitora fossem solteiras e maiores de 21 anos. Segundo a referida lei a filha solteira perderia sua condição de pensionista se deixasse de ser solteira ou se viesse a ser “ocupante de cargo público permanente”. Portanto, a manutenção da pensão temporária da filha solteira depende da permanência de sua condição de solteira e da permanência de sua condição de não ser “ocupante de cargo público permanente. Ocorre que o Tribunal de Contas da União – TCU, por meio do Acórdão nº 892/2012 – TCU – Plenário, entendeu que a filha maior de 21 anos solteira, para fazer jus à pensão da referida lei, deverá comprovar dependência econômica em relação ao instituidor da pensão tanto na concessão da pensão civil quanto na sua manutenção, pois, segundo o TCU, uma eventual perda dessa dependência poderá ensejar a extinção do benefício. Posteriormente, o Acórdão 2780/2016 – TCU – Plenário, restringindo ainda mais a interpretação do TCU acerca da Lei nº 3.373/58, asseverou que perdem o direito à pensão as beneficiárias que tiverem recebimento de renda própria, advinda de relação de emprego, na iniciativa privada, de atividade empresarial, na condição de sócias ou representantes de pessoas jurídicas ou de benefício do INSS, recebimento de pensão, titularidade de cargo público efetivo federal, estadual, distrital ou municipal ou de aposentadoria pelo Regime do Plano de Seguridade Social do Servidor Público, ocupação de cargo em comissão, de emprego em sociedade de economia mista ou em empresa pública federal, estadual, distrital ou municipal. No entanto, a aplicação dos Acórdãos nºs 892/2012 e 2780/2016 ambos do Plenário do TCU, devem ser aplicados respeitando-se os princípios constitucionais do direito adquirido, do ato jurídico perfeito, da segurança jurídica, da proporcionalidade e razoabilidade, da boa-fé e da confiança legítima, que devem reger as relações entre Poder Público e os cidadãos. 1 Direito Adquirido e a Impossibilidade de Aplicação Retroativa de Jurisprudência Restritiva do TCU – Acórdãos 892/2012 E 2780/2016 – TCU – Plenário Conforme o parágrafo único do art. 5º da Lei nº 3.373/1958 a perda da condição de beneficiária da pensão civil, sendo filha solteira e maior de vinte e um anos, só ocorrerá no caso de ocupação de cargo público permanente. Vejamos: “LEI Nº 3.373, DE 12 DE MARÇO DE 1958 Art. 5º Para os efeitos do artigo anterior, considera-se família do segurado: (…) II – Para a percepção de pensões temporárias: a) o filho de qualquer condição, ou enteado, até a idade de 21 (vinte e um) anos, ou, se inválido, enquanto durar a invalidez; (…) Parágrafo único. A filha solteira, maior de 21 (vinte e um) anos, só perderá a pensão temporária quando ocupante de cargo público permanente.” (Grifou-se) Dessa forma, não resta dúvida de que os acórdãos do Tribunal de Contas da União estão inovando no ordenamento jurídico, criando restrição não prevista na legislação de regência, qual seja: a Lei nº 3.373/58.  Além disso, está consolidado o entendimento no âmbito do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o direito à pensão regula-se pela norma vigente ao tempo do óbito do instituidor (ARE 644801 AgR, Relator(a): Min. Marco Aurélio, Primeira Turma do STF, julgado em 24/11/2015, Dje 07/12/2015; AgRg no AREsp 67.283/CE, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma do STJ, julgado em 20/03/2012, DJe 28/03/2012). As únicas exigências que se depreendem da leitura do dispositivo são a manutenção da condição de solteira e a não ocupação de cargo público permanente. Esse, inclusive, é o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, a seguir destacado: “RECURSO ESPECIAL Nº 1.584.572 – RN (2016/0050059-0) DECISÃO (…) No caso em comento, o Tribunal de origem entendeu que a ora recorrida não aufere renda que lhe assegure uma vida digna, nunca assumiu um cargo público, tampouco contraiu matrimônio e não considerou a dependência econômica como um requisito para o deferimento da referida benesse. No ponto (e-STJ, fls. 245/246): '(…) 11. Além disso, não há nos autos nenhum documento que indique que a impetrante ocupa cargo público permanente. Ao contrário, a declaração de ID. 4058400.878592, pág. 8, informa que a Sra. Cristina de Freitas Barreto manteve, junto à UFRN, apenas vínculo temporário e não efetivo. (…) 14. Inexistindo outros requisitos legais à concessão/manutenção do benefício, como a "dependência econômica em relação ao instituidor", outra medida não há que ser tomada a não ser a do acolhimento da pretensão formulada na inicial, já que a pensão foi concedida em conformidade com a Lei 3.373/58, não podendo o Acórdão Nº 892/2012/TCU/Plenário incluir novo requisito a um ato já consumado de acordo com a lei vigente ao seu tempo.' Entendimento que se coaduna com a jurisprudência desta Corte, segundo a qual, "[…] com base numa interpretação teleológica protetiva do parágrafo único do art. 5º da Lei 3.373/1958, reconhece à filha maior solteira não ocupante de cargo público permanente, no momento do óbito, a condição de beneficiária da pensão por morte temporária" (EDcl no AREsp 784.422/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 4/2/2016). (…)” (Ministra DIVA MALERBI (DESEMBARGADORA CONVOCADA TRF 3ª REGIÃO), 17/03/2016) (Grifou-se) “RECURSO ESPECIAL Nº 1.571.799 – AL (2015/0308044-9) DECISÃO Desse modo, tratando-se de óbito anterior à edição da Lei 8.112/1990, como no casu, a jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de reconhecer à filha maior e solteira o direito à pensão temporária prevista na Lei 3.376/1958 desde que não ocupe de cargo público permanente ou, na hipótese de ocupar cargo público, então que renuncie aos vencimentos do cargo, pois vedada a cumulação da pensão temporária com os vencimentos do cargo público, sendo que a comprovação da dependência econômica em relação ao instituidor do benefício ao tempo do seu falecimento só é exigida da filha divorciada, separada ou desquitada.” (Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, 16/02/2016) No mesmo sentido vem decidindo os Tribunais Regionais Federais: “ADMINISTRATIVO. PENSÃO. LEI 3.373/53. LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA. ÓBITO DO INSTITUIDOR. FILHA SOLTEIRA, MAIOR DE 21 ANOS E NÃO DETENTORA DE CARGO PÚBLICO. DIREITO ASSEGURADO. RECURSO DA UNIÃO FEDERAL E REMESSA DESPROVIDOS. -Cinge-se a controvérsia ao direito de a Administração cancelar ou suspender o pagamento de benefício recebido ao longo de 52 anos, proveniente do óbito de seu pai, ex-Promotor Público. -Encontra-se consolidado na jurisprudência o entendimento segundo o qual a concessão do benefício de pensão por morte rege-se pela legislação vigente à época do óbito do instituidor do benefício. Na espécie, o falecimento do servidor público deu-se em 29.04.1959, na época em que estava em vigor a Lei 3.373, de 12 de março de 1958, que dispõe sobre o Plano de Assistência ao Funcionário e sua Família. -Com efeito, segundo se depreende da leitura do parágrafo único do artigo 5º, da lei supra, tem direito à pensão temporária a filha solteira, maior de 21 (vinte e um) anos, que não seja ocupante de cargo público permanente. -Assim, a legislação regente admitia o deferimento de pensão temporária à filha maior, desde que solteira e não ocupante de cargo público permanente, como no caso, verificando-se, dos elementos carreados aos autos, que a impetrante, à época da concessão do benefício, em 01.05.1959, preenchia os requisitos legais, tendo sido mantidos-os até o momento. -Como bem realçou o Ilustre Representante do Parquet Federal, em primeira instância, (…) No caso em tela, houve uma mudança radical, irrazoável e drasticamente tardia no entendimento da referida norma pela Administração Pública, uma vez que o fundamento para a concessão destes benefícios era antes baseado, naturalmente, na inequívoca aplicação da Súmula 232 do Extinto Tribunal Federal de Recursos, litteris: “A PENSÃO DO ART. 5, PARÁG. ÚNICO, DA LEI N. 3373, DE 58, AMPARA COM EXCLUSIVIDADE AS FILHAS DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO FEDERAL”. Restou evidenciado, assim, o abuso de direito no ato revisório da concessão deste benefício, uma vez que se trata de prestação alimentar legalmente adquirido pela parte impetrante há mais de cinquenta anos, motivada pelo óbito do instituidor desta pensão e pelo natural preenchimento das condições legais então exigidas na época da sua implementação. -Desta forma, não há falar em cancelamento ou suspensão do benefício recebido pela impetrante. -Recurso da União Federal e remessa desprovidos.” (TRF-2 – APELREEX: 201151010063828 RJ 2011.51.01.006382-8, Relator: Desembargadora Federal VERA LUCIA LIMA, Data de Julgamento: 15/08/2012, OITAVA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: E-DJF2R – Data::28/08/2012 – Página::265/266) Deste modo, a intepretação do TCU aplicada pelos Acórdãos 892/2012 e 2780/2016 é extremamente restritiva e não pode ser aplicada para restringir direitos assegurados por lei. Vale ressaltar, por oportuno, que constitui regra de hermenêutica a assertiva de que ao intérprete não cabe distinguir quando a norma não distingue, sendo inconcebível interpretação restritiva, assim como o estabelecimento de óbices não-expressamente previstos na lei. Nesse sentido, vem entendendo o Superior Tribunal de Justiça – STJ: “ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ARTS. 480, 481 E 482 DO CPC. CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. PREQUESTIONAMENTO.AUSÊNCIA. QUESTÃO SURGIDA NO ACÓRDÃO RECORRIDO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. SÚMULAS 282/STF E 356/STF. TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE PASSAGEIROS. ALTERAÇÃO DE ITINERÁRIO. AUTORIZAÇÃO. ART. 94 DO DECRETO N.º 952/93. PRORROGAÇÃO. (…) 4. O art. 94 do Decreto n.º 952/93, que prorrogou, por quinze anos e sem regime de exclusividade, as "permissões e autorizações decorrentes de disposições legais e regulamentares anteriores", não ressalvou ou excepcionou qualquer situação, sendo vedada a interpretação restritiva. É princípio de hermenêutica que não pode o intérprete restringir onde a lei não restringe ou excepcionar quando a lei não excepciona, sob pena de violar o dogma da separação dos Poderes. 5. Recurso especial conhecido em parte e provido.” (REsp 663.562/RJ, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/06/2005, DJ 05/09/2005, p. 367) “SERVIDOR PÚBLICO. PROVENTOS. CÁLCULO. LEI 8.112/90 ART. 192, II.REMUNERAÇÃO E NÃO VENCIMENTO. 1. Não é dado ao intérprete distinguir onde não o fez a norma legal, por isso que quando o Art. 192, II, da Lei 8.112/90 utiliza o termo remuneração não pode o intérprete, restritivamente, ler vencimento. 2. Recurso conhecido e provido.” (REsp 222.043/RS, Rel. Ministro EDSON VIDIGAL, QUINTA TURMA, julgado em 08/02/2000, DJ 08/03/2000, p. 144) “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PRESCRIÇÃO. TRATO SUCESSIVO. APLICAÇÃO DA SÚMULA 85/STJ. GRATIFICAÇÃO. DECRETO-LEI Nº 2.365/87. AUTARQUIAS FEDERAIS. NÃO EXCLUSÃO. RECURSO DESPROVIDO. (…) II – Segundo o princípio de hermenêutica jurídica, não pode o intérprete criar ressalvas onde a lei não o faz, uma vez que as exceções devem ser interpretadas restritivamente. III – O art. 1º do Decreto-Lei nº 2.365/87 é claro ao estabelecer qual extensão da referida gratificação, não havendo qualquer ressalva quanto à natureza das autarquias federais. Logo, se o texto do dispositivo mencionado não excluiu os servidores das autarquias sob regime especial, não há que se fazer interpretação restritiva de modo a não permitir a concessão da gratificação àqueles servidores. IV – Recurso especial desprovido” (REsp 643.342/PE, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 17/08/2006, DJ 11/09/2006, p. 337) Assim, a intepretação do TCU não pode retroagir para prejudicar direito adquirido e o ato jurídico perfeito, sob pena de ofensa ao disposto no art. 5º, XXXVI, da CF e o art. 6º do Decreto-Lei 4657/42 – LINDB. II – Da Necessidade de Preservação da Confiança e da Boa-fé nas Relações entre o Poder Público e os Particulares/Administrados Está consagrado, há muito tempo, que a segurança – e, no seu âmbito, a segurança jurídica – é um dos fundamentos do Estado e do direito, ao lado da justiça. (Humberto Ávila[1]). As teorias democráticas acerca da origem e justificação do Estado, de base contratualista, assentam-se sobre uma cláusula comutativa: recebe-se em segurança aquilo que se concede em liberdade. Desde a Revolução Francesa, no art. 2º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, a segurança é um direito natural e imprescritível. Na Constituição Brasileira, foi positivada como um direito individual, ao lado dos direitos à vida, à liberdade, à igualdade e à propriedade, na dicção expressa do caput do art. 5º. Assim, o princípio da segurança jurídica está ligado à garantia de que novas obrigações somente podem ser exigidas dos cidadãos após sua prévia e válida introdução na ordem jurídica. Tal entendimento é reforçado pelos princípios da legalidade e irretroatividade, como corolários daquele direito natural. Essas são, de certa forma, garantias formais, já que prescrevem determinada forma de criação de obrigações e proíbem sua exigência em relação a fatos anteriores, tal qual aconteceria se aplicássemos os Acórdãos 892/2012 e 2780/2016 – TCU – Plenário a casos já consolidados. Ao lado desse aspecto formal, a segurança jurídica assume também uma dimensão material, identificada com a possibilidade que os administrados devem ter de antever razoavelmente as obrigações decorrentes do sistema normativo. Nesse sentido, as garantias inerentes ao princípio da segurança jurídica não se destinam a proteger os indivíduos apenas contra os enunciados normativos em abstrato, antes de um ato de interpretação e aplicação que defina as normas efetivamente impostas. Destarte, embora incumba à lei inovar na ordem jurídica para criar direitos e obrigações, juízes e tribunais é que vão pronunciar, de modo definitivo, o alcance e o sentido da lei. Dentro dessa linha, é natural que o princípio da segurança jurídica se dirija também à atividade jurisdicional e também às decisões do Tribunal de Contas da União  e aos tribunais administrativos. Mesmo porque, se a cada momento o judiciário ou o TCU pudessem modificar o seu entendimento sobre a legislação em vigor e atribuísse às novas decisões efeitos retroativos, instalar-se-ia absoluta insegurança jurídica. Nada do que ocorreu no passado poderia ser considerado definitivo pelos administrados ou particulares, já que, a qualquer momento, a questão poderia ser revista por um novo entendimento da instância competente, seja no TCU ou no Judiciário. Ou seja, se vier a prevalecer a intepretação do TCU aplicada por meio dos Acórdãos 892/2012 e 2780/2016 – TCU – Plenário, aquele Tribunal estará impondo aos seus jurisdicionados obrigação nova, diversa e altamente restritiva, considerando o disposto na Lei nº 3.373/1958. Não se ignora a possibilidade do TCU ou qualquer tribunal de modificar sua posição acerca de determinada questão, seja para se adaptar a novos fatos, seja simplesmente para rever interpretação anterior. Ao fazê-lo, entretanto, o TCU, a exemplo dos demais Poderes Públicos, está vinculado ao princípio constitucional da segurança jurídica, por força do qual a posição jurídica dos particulares que procederam de acordo com a orientação até então vigente acerca da aplicação da Lei nº 3.373/1958 deve ser preservada. O art. 2º da Lei nº 9.784/99, consagrou o princípio da segurança jurídica no âmbito do processo administrativo. O inciso III do parágrafo único do referido artigo aduz expressamente que é vedada a aplicação retroativa de nova interpretação jurídica. In verbis: “Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: (…) XIII – interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação”. Ademais, a Decisão nº 1.020/2000 TCU – Plenário, assevera que a Lei do Processo Administrativo da Administração Pública Federal, Lei nº 9.784/1999 tem aplicação subsidiária naquele Tribunal, quando exerce a sua competência constitucional de controle externo. Confiança legítima significa que o Poder Público não deve frustrar, deliberadamente, a justa expectativa que tenha criado no administrado ou no jurisdicionado. Ela envolve, portanto, coerência nas decisões, razoabilidade nas mudanças e a não imposição retroativa de ônus imprevistos. A boa-fé traduz-se em uma atitude de lealdade e transparência. Exemplo de aplicação do princípio da proteção da confiança, refere-se à manutenção de ascensão funcional sem concurso público. O ato de ascensão, aprovado pelo Tribunal de Contas da União há mais de 10 anos estava sendo objeto de revisão pelo próprio TCU. “EMENTA: SERVIDOR PÚBLICO. Funcionário (s) da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT. Cargo. Ascensão funcional sem concurso público. Anulação pelo Tribunal de Contas da União – TCU. Inadmissibilidade. Ato aprovado pelo TCU há mais de cinco (5) anos. Inobservância do contraditório e da ampla defesa. Consumação, ademais, da decadência administrativa após o quinquênio legal. Ofensa a direito líquido e certo. Cassação dos acórdãos. Segurança concedida para esse fim. Aplicação do art. 5º, inc. LV, da CF, e art. 54 da Lei federal nº 9.784/99. Não pode o Tribunal de Contas da União, sob fundamento ou pretexto algum, anular ascensão funcional de servidor operada e aprovada há mais de 5 (cinco) anos, sobretudo em procedimento que lhe não assegura o contraditório e a ampla defesa”. (MS 26782 / DF. Rel. Min. Cezar Peluso. Julgamento: 17/12/2007. Órgão Julgador: Tribunal Pleno) Apesar de a decisão fazer referência aos princípios da ampla defesa e do contraditório, há especifico respaldo no princípio da confiança. Trecho do voto esclarece o reconhecimento explícito do princípio da confiança: “Tais ascensões funcionais são, pois, atos perfeitos, que já não podem alcançados pela revisão do Tribunal de Contas… por força da decadência, nem ademais, sem ofensa aos subprincípios da confiança e da segurança jurídicas…” Finalizando: os Acórdãos 892/2012 e 2780/2016, ambos do Plenário do TCU, uma vez que importam modificação da ordem jurídica material apenas poderá afetar os fatos futuros, não se admitindo que lhe sejam atribuídos efeitos retroativos ou ex tunc. Conclusão Dado o exposto, verifica-se que os Acórdãos nº 892/2012 e 2780/2016 do Tribunal de Contas da União estão inovando no ordenamento jurídico ao criar novo impeditivo (necessidade de comprovação de dependência econômica) não previsto na legislação de regência, qual seja: a Lei nº 3.373/58. Trata-se de imposição de obrigação nova, diversa e altamente restritiva aos jurisdicionados e é notória a inadequação de tal conduta, vez que constitui regra de hermenêutica a assertiva de que ao intérprete não cabe distinguir onde a norma não distingue. Desse modo, a dependência econômica com o instituidor da pensão não pode revelar-se critério determinante para a manutenção do pagamento das pensões fundamentadas no artigo 5º da Lei 3.373/58, porquanto a referida legislação não estabelece o aludido requisito. Só existem dois requisitos que a pensionista deverá preencher para concessão ou manutenção do benefício, quais sejam, a condição de solteira e a não ocupação de cargo público. Ademais, na hipótese de ser considerada válida a nova interpretação firmada pelo Tribunal de Contas da União, é certo que essa interpretação não alcançaria pensões recebidas com fundamento no artigo 5º da Lei 3.373/58, pois, nos termos do artigo 2º, inciso XIII, da lei nº 9.784/99, é vedado aplicação retroativa de nova interpretação de normas administrativas. Em razão da necessidade de adaptação a novos fatos ou revisão de anterior interpretação, é plenamente possível que o TCU ou qualquer tribunal modifique sua posição acerca de determinada questão. Entretanto, vincula-se aos princípios constitucionais do direito adquirido, do ato jurídico perfeito, da segurança jurídica, da proporcionalidade e razoabilidade, da boa-fé e da confiança legítima.
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O regime diferenciado de contratações: inovações e aspectos polêmicos
O Regime Diferenciado de Contratações, instituído pela Lei nº 12.462 de 2011, disciplina um procedimento licitatório com novidades em relação à legislação vigente com o objetivo de imprimir celeridade e trazer maior eficiência às contratações públicas. Alvo de diversas controvérsias, o diploma legislativo trouxe dispositivos que certamente serão incorporadas ao regime tradicional de licitações e contratos, ampliando ainda mais seu campo de aplicação. O presente trabalho aborda seus aspectos gerais, e a análise dos pontos inovadores e peculiaridades do novo regime, cuja aplicação representa um importante esforço em prol da modernização e eficiência dos certames licitatórios.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO A Lei nº 12.462/2011, a chamada Lei do RDC, trouxe acaloradas discussões jurídicas sobre o tema das licitações públicas, não restritas à comunidade acadêmica ou a operadores do Direito. Logo de início, foram apontadas flagrantes inconstitucionalidades na lei, com a promoção de exacerbados debates relacionados ao receio sobre a adequada aplicação de suas inovações e a um possível descontrole dos gastos públicos. Passada a euforia, verificou-se procedência de algumas críticas, porém também se observou que a novel legislação trouxe importantes e esperadas soluções para a Administração Pública desenvolver o mister da atividade administrativa relacionada às aquisições públicas.  Nas palavras do ministro do Tribunal de Contas da União, Benjamin Zymler, a lei representou “uma evolução em relação à 8.666 e ponta de lança para um novo regime”, na medida em que permitiu “licitações mais transparentes, mais rápidas e eventualmente por preços menores” [1], tornando-se, assim, propulsora de mudança no âmbito das licitações e contratações públicas. Os desafios e questionamentos trazidos pela nova lei ainda estão em fase inicial de enfrentamento. Cabe reflexão crítica, levando-se em consideração o precário ambiente administrativo no qual o RDC terá aplicação, por todos os envolvidos em sua aplicação, seja o legislador, intérprete, os estudiosos do Direito, o particular licitante e contratado, visando o aperfeiçoamento da norma. O presente trabalho tem como objetivo a análise dos pontos polêmicos trazidos pela referida lei, buscando sempre apresentar, sem pretensão de exaustividade, suas vantagens e desvantagens, com a perspectiva de superação das objeções iniciais e aplicação futura cada vez mais ampla. 1. A INSTITUIÇÃO DO REGIME DIFERENCIADO DE CONTRATAÇÕES E SUA RELAÇÃO COM A LEI DE LICITAÇÕES – LEI Nº 8.666/93 A Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, trouxe ao ordenamento jurídico um regime diferenciado para as licitações e contratações públicas, cuja causa principal para sua criação foi a necessidade de tornar mais céleres as contratações de obras e serviços imprescindíveis à realização de importantes eventos esportivos previstos a ocorrer no país: a Copa das Confederações de 2013, a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Tais eventos esportivos são de grande importância para a sociedade brasileira, principalmente a Copa do Mundo de 2014, dada a importância do futebol no imaginário coletivo brasileiro, sendo uma das manifestações culturais mais importantes do país. Há de se ressaltar também que dado o exíguo prazo para a conclusão das obras, complicadores advindos do numeroso número de cidades-sede em um país de dimensões continentais, acabou por dar caráter de emergência às contratações relacionadas às obras destinadas à Copa do Mundo. A motivação inicial para adoção do novel sistema licitatório, as circunstâncias extraordinárias trazidas pelo compromisso do governo brasileiro em realizar os megaeventos esportivos, constituiu oportunidade para promover reforma legislativa na área de licitações e contratações públicas, invocando-se inclusive como indicador da necessidade de mudanças a ineficiência da Lei 8.666/93 em atender a contento ao cenário de contratações para as obras e serviços necessários à realização dos eventos. Este fato deixou clara a insatisfação com o regime tradicional trazido pela Lei 8.666/93. Diante deste cenário, se fez oportuna uma espécie de “experimentação legislativa” trazida pelo Regime Diferenciado de Contratações (RDC), que, de acordo com Marçal Justen Filho[2], visa à implantação gradual e controlada de um novo modelo licitatório. Esta solução se tornou interessante na medida em que não se revogou o sistema antigo, criando-se uma sistemática que convive com a anterior para um contexto específico, trazendo uma migração para um novo modelo de forma controlada sem trazer consigo uma ruptura radical e abrupta com o regime vigente.  O sistema licitatório trazido pela Lei nº 8.666/93 e o implantado pelo RDC convivem no ordenamento jurídico, não tendo a Lei nº 12.462 revogado diplomas anteriores que versam sobre contratação e licitação pública, continuando inclusive alguns temas a serem disciplinados exclusivamente pela Lei nº 8.666/93, a exemplo da disciplina dos requisitos de habilitação. Tem-se então grande oportunidade para se construir um novo modelo a partir da observação da aplicação prática da nova legislação, não obrigatória e de aplicação limitada, de onde se pode observar as limitações existentes e, consequentemente, propor soluções não previstas na etapa legislativa, constituindo importante laboratório para a elaboração de normas que incorporem os resultados desta experiência. A experimentação legislativa conduzirá à sobrevivência do regime mais satisfatório às necessidades públicas. Caso bem sucedida a aplicação do RDC, normas com origem no regime trazido pela Lei nº 12.462, somados aos resultados de sua experiência concreta, tendem a substituir a disciplina anterior trazida pela Lei nº 8.666/93. 2. INOVAÇÕES E PECULIARIDADES DO REGIME DIFERENCIADO DE CONTRATAÇÕES A Lei nº 12.462/11 trouxe diversas inovações e peculiaridades frente à legislação vigente que trata de licitações. As inovações buscam imprimir máxima agilidade aos processos ao reduzir a burocracia envolvida nestes, a busca pela maior vantajosidade possível para a Administração Pública, buscando trazer maior precisão das propostas com os custos reais de mercado, transferindo para o particular que tem maior conhecimento sobre as melhores soluções tecnológicas a concepção e execução de objetos complexos, remunerando de acordo com o desempenho o contratado, além de proporcionar diversas soluções ao Poder Público destinadas à condução do procedimento licitatório. Apesar disto, as inovações e peculiaridades trazidas pela nova legislação não estão a salvo de críticas, que, juntamente com as vantagens serão analisadas a seguir. 2.1 Sigilo de orçamento estimado O sigilo de orçamento estimado trazido pelo art. 6º da Lei nº 12.462/11 é um dos temas mais controvertidos do RDC, tendo inclusive sido dado grande destaque, na mídia, a seu respeito.[3] A compreensão deste ponto passa pela análise de sua ruptura (especificamente pelo § 3º) com o pressuposto tradicional trazido pela Lei nº 8.666/93, que consiste na publicação de orçamento estimado da contratação como informação imprescindível aos licitantes ao subsidiar a elaboração de suas propostas. Permanece a necessidade, porém, de divulgação do detalhamento dos quantitativos e demais informações necessárias para a elaboração das propostas. A disciplina do orçamento trazida pelo RDC traz diversas consequências para o tema. Primeiramente, na licitação tradicional, o orçamento estimado não se traveste de tanta importância, haja vista que tem a função de mostrar um possível descompasso entre a proposta e o orçamento elaborado, que pode ser saneado pelo particular através da correção de sua proposta ou apontamento de defeitos no orçamento. Já no contexto do RDC, o orçamento possui uma maior relevância, uma vez que se impõe como regra a invalidade das propostas que ultrapassem seu valor, exigindo uma maior precisão que reflita os custos reais de mercado levando-se em consideração as circunstâncias específicas da contratação. Deverão ser levadas em consideração as decorrências jurídicas do sigilo do valor do orçamento estimado, a começar pela impossibilidade do apontamento de defeitos pelos interessados previamente, o que traz consequências na possibilidade da desclassificação das propostas por preço maior que o estimado, não podendo imputar ao particular concordância com este valor. Devido a isto, a elaboração do orçamento estimado no âmbito do RDC está subordinada a disciplina muito mais severa, trazendo diversas dificuldades, que passam pela assimetria de informações com a iniciativa privada e a dificuldade em obter informações confiáveis. Em segundo lugar existe a problemática da manutenção do sigilo, que demanda providências concretas rigorosas e eficazes a assegurar sua preservação, através das quais se deve garantir a ausência de qualquer possibilidade de acesso de terceiros ao valor do orçamento, como por exemplo, a contemplação em autos apartados dos procedimentos relativos ao orçamento e a dissociação de atividades e informações entre os agentes administrativos. O sigilo do orçamento estimado foi consagrado pelo RDC fundado no incentivo à competitividade, onde os participantes deixariam de balizar seus preços no orçamento estimado, que por vezes traz valor superior ao possível, apresentando propostas condizentes com seus custos efetivos, Além disto, a desclassificação das propostas de valor acima ao estimado pelo orçamento prévio sigiloso estimularia os participantes a apresentar a menor proposta possível a ele. Este foi uma das motivações do Legislativo para a adoção de tal regramento, conforme se pode observar do parecer do Senado, de autoria do relator-revisor do Projeto de Lei de Conversão nº 17 de 2011, proveniente da MP nº527/11, que defende o sigilo de orçamento nos seguintes termos: “Em mercados cartelizados, é comum que os agentes econômicos combinem previamente como se comportarão nos certames. Eles dividem o mercado de obras públicas entre si, tornando a licitação um jogo de cartas marcadas, no qual os participantes do conluio já sabem de antemão qual deles irá vencer a disputa. Sabedor de que os outros licitantes irão ofertar a sua de modo que a margem de desconto em relação ao orçamento prévio da Administração seja mínima. Se o orçamento prévio não for divulgado, o cartel não saberá qual é o valor máximo que o Poder Público está disposto a pagar. Com isso, haverá um incentivo à redução dos preços, já que são desclassificadas as propostas em valor superior ao limite definido pela Administração. Como se vê, o sigilo do orçamento, longe de ser uma medida reprovável, como sugerido por setores da mídia, traduz-se em inegável avanço na legislação, constituindo prática recomendada pela OCDE e adotada pela legislação de diversos países, como a França e os Estados Unidos”.[4] Estes pressupostos, entretanto, são de impossível comprovação prática, além de terem concepção questionável. Primeiramente, a tese que incentiva os licitantes a apresentar valores superiores devido à divulgação do orçamento estimativo não vai ao encontro da natureza competitiva do mercado, uma vez que os participantes não se disporiam a aumentar seu risco de derrota e, ao contrário, buscariam obter a vitória por meio da proposta mais vantajosa ao Poder Público. A hipótese trazida pela lei somente se tornaria realidade caso existisse conluio entre os participantes, uma vez que haveria combinação prévia de quem seria o vencedor na oportunidade, limitando-se as ofertas. Porém, nesta hipótese, de nada adiantaria o orçamento prévio estabelecido pela Administração, uma vez que o preço seria previamente combinado de modo a privilegiar o grupo de licitantes mal intencionados. Deste raciocínio depreende-se que a Lei do RDC reconhece como inevitável o acordo ilegal entre os participantes, e de acordo com Marçal Justen Filho, "a Administração renuncia à repressão deste tipo de conduta reprovável e apenas se satisfaz em obter um preço ao menos igual àquele constante do orçamento estimado."[5] Outro argumento que pode ser trazido contrário à utilização do sigilo é a previsão pela Lei do RDC, trazida do pregão, da admissibilidade da competição direta entre os licitantes para se obter o menor preço possível após a apresentação das propostas escritas, ocasião na qual os participantes terão oportunidade de oferecer lances de valor mais reduzido, o que afasta o risco de conluio entre eles, trazendo uma contratação mais vantajosa possível à Administração. Esta possibilidade esvazia o possível problema trazido pela publicidade do valor do orçamento estimado, já que não se extingue a competição quando do atingimento deste valor. Além disto, a comprovação da tese é problemática, uma vez que não está embasada em levantamentos científicos baseados na avaliação de casos concretos, com estudos estatísticos apropriados com margem de abrangência confiável. Desta forma, o legislador baseou-se apenas em uma opinião, dentre diversas equivalentes entre si. Há ainda que se arguir a constitucionalidade da previsão legal do sigilo, que em princípio vai de encontro ao princípio da publicidade dos atos administrativos. Tal princípio só pode se excetuado quando existir previsão legal, necessária para o atingimento de certos fins, observando-se a manifestação da proporcionalidade-adequação. No caso em tela, pode-se afirmar que será constitucional o sigilo do valor do orçamento estimado quando a negativa do acesso à informação for apta a promover a ampliação da competitividade e, consequentemente, a obtenção de propostas mais vantajosas, além de não trazer prejuízos a outros princípios e valores constitucionalmente protegidos. Desta forma, afastam-se outros dispositivos legais que disciplinam a publicidade e o sigilo no âmbito da Administração Pública, a exemplo da Lei nº 12.527[6]. O sigilo do orçamento não é de adoção compulsória. Retira-se do § 3º do art. 6º que a informação acerca de sua utilização ou não deverá vir expressa no edital, cabendo à Administração decidir num ou noutro sentido.  Dever-se-á analisar o caso concreto para se optar, utilizando a motivação em qualquer um dos casos. Não se pode olvidar dos potenciais efeitos danosos trazidos pelo sigilo do orçamento, uma vez que gera cenário propício à corrupção na medida em que o conhecimento acerca do valor (já que há a desclassificação de propostas de preço que o ultrapassa) traz um grande poder ao potencial interessado com más intenções, concedendo-lhe uma grande vantagem competitiva. Concluindo, a solução trazida pelo RDC traz benefícios questionáveis, sem a comprovação devida, envolvendo responsabilidades e riscos para a Administração, que dificilmente consistirá em um bom custo-benefício.  A Lei não disciplinou, também, as consequências no caso da violação do sigilo do orçamento, deixando lacuna legislativa quanto às possibilidades de sua ocorrência. 2.2 A contratação integrada e seus principais aspectos A Lei nº 12.462/11 traz em seu artigo 9º a solução da contratação integrada, que consiste em um contrato de empreitada de obra e serviços de engenharia no qual a Administração, a partir de um anteprojeto de engenharia, contrata o particular que assume a obrigação de conceber as soluções, elaborar os projetos básico e executivo e, posteriormente, executar o objeto com fornecimento de materiais, equipamentos, insumos dentre outras coisas necessárias para a entrega do objeto em funcionamento, mediante remuneração dependente da operação em condições predeterminadas. O objeto da contratação integrada é de natureza complexa, vinculada ao desenvolvimento de certa atividade, não abrangendo somente obras e serviços, mas também montagem, testes e a pré-operação do empreendimento. Ressalta-se que pela inteligência do dispositivo legal, somente cabe o uso da contratação integrada caso a obra ou serviço for pressuposto e instrumento para o desempenho de atividades diferenciadas (a exemplo de estabelecimentos fabris, usinas de fabricação de energia, estabelecimentos prisionais, hospitalares, educacionais, etc.), não cabendo para contratos cujo objeto seja apenas obras ou serviços de engenharia. Como se pode observar, há grande semelhança com a empreitada integral (ou contrato turn key), diferenciando-se desta por incumbir ao contratado a concepção da solução além da execução. Diante da complexidade do objeto e das dificuldades existentes, a elaboração dos projetos básico e executivo é atribuída a um particular especializado, que terá responsabilidade sobre suas escolhas, assumindo os riscos pertinentes. Outra peculiaridade é a remuneração vinculada ao funcionamento adequado e compatível com os requisitos predeterminados. O funcionamento fora destes parâmetros autoriza a rejeição pela Administração, já que houve inadimplemento do contrato pelo particular. Isto configura uma obrigação de resultado, que deve ser remunerada tendo em vista os riscos previsíveis e encargos assumidos pelo particular. Segundo Marçal Justen Filho, a "contratação integrada destina-se a ser adotada nos casos em que a complexidade técnica do objeto impede recorrer ao conhecimento assentado e exige atribuir ao particular contratado uma margem de autonomia adequada à concepção de soluções inovadoras, de modo a assegurar a obtenção de um resultado predeterminado."[7] A introdução da contratação integrada se deu devido ao reconhecimento da incapacidade dos modelos tradicionais de empreitada, essencialmente obrigações de meio, em proporcionar contratações adequadas a estes objetos complexos. Isto posto, não se pode concluir que a contratação integrada possa ser utilizada de forma indiscriminada nos casos que poderiam ser solucionadas utilizando-se de ferramentas tradicionais. Sua utilização há de ser motivada mediante, inclusive, a comprovação de seus pressupostos, somente sendo admitida quando técnica e economicamente justificada. Não há que se falar na adoção da contratação integrada motivada simplesmente pela incapacidade administrativa de elaborar os projetos básico e executivo e executar os demais expedientes administrativos visando uma contratação adequada, tampouco por ser procedimento mais célere. A utilização desta solução acentua a responsabilidade do particular, aumentando os custos devido à locação dos riscos, devendo ser utilizada, então, somente quando estritamente necessário. A desnecessidade de elaboração de projetos básico e executivo não se traduz no afastamento da necessidade de uma suficiente descrição do objeto e determinação das obrigações das partes. O contrato deve ser minucioso e exaustivo quanto aos resultados esperados com a contratação, contemplando índices objetivos que permitam a avaliação do desempenho do contratado, uma vez que disto dependerá a remuneração dele. Não há impedimento de adoção de obrigações e meio, desde que não interfira na autonomia do particular quanto à assunção de riscos. Exemplo de obrigação de meio que possa ser adotada é a submissão prévia dos projetos à Administração para fins de aprovação, além da exigência de adoção de práticas ambientalmente sustentáveis quando da execução do empreendimento, dentre outras. Uma crítica que pode ser feita ao dispositivo legal é a ausência de previsão de disciplina pelo edital quanto à viabilidade e exequibilidade da proposta, uma vez que ao atribuir ao particular autonomia para conceber soluções, estas podem ser fantasiosas e tecnicamente impossíveis, envolvendo custos incompatíveis. Diante desta lacuna, o edital deve trazer exigência quanto à apresentação de documentação técnica por parte do particular que comprove a viabilidade e exequibilidade da proposta formulada, devendo-se ter muito mais cautela que nos casos que se utilizam dos regimes tradicionais de licitação. 2.3. A contratação com remuneração variável O artigo 10 da Lei nº 12.462/11 trouxe uma novidade muito interessante e útil: a remuneração variável, que consiste no pagamento referente ao adimplemento de contratação de obras e serviços de acordo com o desempenho baseado em metas, padrões de qualidade, critérios de sustentabilidade ambiental e prazo de entrega predeterminados no edital e contrato. Esta solução visa remunerar diferentemente, a depender dos variados níveis de satisfação do interesse administrativo, variando do mínimo aceitável ao nível ótimo, nos casos em que é possível esta mensuração, ou seja, quando uma prestação de qualidade superior satisfaz o interesse administrativo em maior grau que o de qualidade inferior, que continua apresentando vantajosidade, desde que acima de um nível mínimo. Há a identificação do contrato com remuneração variável com o comum, uma vez que a Administração estabelece um padrão mínimo de qualidade aceitável. O que é adicional é o acordo no qual a superação da qualidade mínima atribuirá ao particular uma remuneração proporcional ao índice de qualidade atingido, ou seja, uma contrapartida devida a uma atuação superior ao exigível, tratando-se de claro incentivo a excelência, fomentando a busca por uma maior qualidade, e consequentemente por um maior benefício à Administração. A compensação econômica, além do caráter de prêmio, também tem caráter indenizatório, uma vez que o particular arca com maiores custos destinados ao atingimento de maior qualidade. Como em hipóteses anteriores, a utilização da remuneração variável depende da presença de pressupostos, como a não essencialidade do nível superior ao mínimo contratual, a desnecessidade de um nível máximo de qualidade, a fixação de um nível mínimo de qualidade, a utilidade diferenciada do desempenho superior ao mínimo contratual, o vínculo de causalidade entre a conduta e o benefício e, por fim, a proporcionalidade entre a remuneração e o benefício. Ressalta-se que a remuneração variada não poderá violar a exigência de recursos orçamentários para a despesa. A remuneração variável traz em sua concepção grande vantajosidade para a Administração e, por conseguinte, para toda a coletividade, uma vez que a qualidade superior desejável, cenário ótimo pretendido pela Administração, quando exigência intrínseca ao objeto sem permitir uma graduação, traz problemas em virtude das dificuldades técnicas, custos e carência de recursos públicos, o que impossibilita que a Administração imponha o atingimento deste resultado, acarretando inclusive a redução da competição. Há a tradução, de forma precisa, da expressão segundo a qual o ótimo é inimigo do bom, uma vez que, como exposto, o comprometimento com o atingimento do resultado ótimo tem como consequência a situação de que a Administração não realiza sequer o bom. A remuneração variável pode ser aplicada à contratação integrada, com parâmetros objetivos expressos no anteprojeto, para que se possa definir com precisão a qualidade mínima aceitável a os parâmetros de remuneração quanto ao desempenho superior. É oportuno ressaltar que a avaliação deste desempenho é de difícil implantação e aferição, trazendo a necessidade de um trabalho de grande rigor técnico como pressuposto da obtenção de resultados confiáveis. O conjunto de interesses da Administração norteia a avaliação do desempenho do particular contratado, que por sua vez é parâmetro para a remuneração variável devida a ele. O artigo 10 traz um rol de ângulos de avaliação, segundo o qual a remuneração variável poderá ser estabelecida, que são: atingimento de metas, padrões de qualidade, critérios de sustentabilidade ambiental e prazo de entrega. Cabe ressaltar que a elaboração satisfatória da metodologia de avaliação pressupõe a realização de um estudo prévio confiável e meios eficazes de pesquisas. A respeito destes critérios de avaliação, Maurício Portugal Ribeiro exemplifica: “Vale trazer alguns exemplos de indicadores de serviço para que nossa argumentação se faça mais clara: o assim chamado IRI, que é o índice de regularidade longitudinal, utilizado no setor rodoviário para medir o comprimento pelo pavimento de rodovias de qualidade contratualmente pactuada; ou a taxa de energia interrompida no setor elétrico, que é um indicador operacional da qualidade do serviço; ou a taxa de disponibilidade usada nos setores de telecomunicações e tecnologia da informação, que mede a disponibilidade do serviço e uma infraestrutura em determinado intervalo temporal; ou ainda o índice de rugosidade do pavimento, que é usado, também no setor rodoviário, para determinar se o pavimento tem condições de gerar o nível de atrito adequado (para evitar pavimentos escorregadios, que comprometem a segurança). Para cada um desses índices há uma metodologia e técnicas para sua aferição. Em regra, o contrato estabelece não só os indicadores a serem utilizados para a medida do desempenho do serviço, mas também o nível mínimo aceitável para cada índice, a metodologia e técnica para a mensuração desse índice e o procedimento para a sua aferição”.[8] As metas são os fins a serem atingidos, estabelecendo relação entre um nível de desempenho e um cronograma. Padrões de qualidade consistem em atributo de composição, rendimento, vida útil etc., podendo referir-se ao objeto em si ou aos efeitos produzidos pela prestação. Não se pode confundir com o padrão de qualidade mínimo aceitável. Os padrões de qualidade que autorizam a remuneração variável devem elevar o nível de qualidade e propiciar algum benefício à Administração. Cabe aqui o comentário de Guilherme Reisdorfer, tecido em estudo acerca da contratação integrada no RDC: “Surge evidente, aqui, novamente a ênfase em relação mais aos fins e metas que devem ser atingidos pelo particular do que em relação aos meios. A remuneração variável vincula-se ao atingimento de certos resultados, na medida em que serve de estímulo para o particular contratado atingir certos padrões de qualidade previamente fixados. Maurício Portugal Ribeiro e Lucas Navarro Prado apontam que se trata de tendência no ‘sentido de centrar atenção nos resultados, no output que o Poder Público deseja obter com a contratação. O objetivo é gerar o incentivo adequado para que o parceiro privado busque a forma e os meios mais eficientes para a prestação dos serviços.’(NR: RIBEIRO, Maurício Portugal, PRADO, Lucas Navarro. Comentários à Lei de PPP – parceria público privada: fundamentos econômicos e jurídicos. São Paulo, Malheiros, 2010, p.141). O particular levará em conta que o incremento de qualidade da prestação a ser entregue à Administração proporcionará um retorno maior”.[9] Já os critérios de sustentabilidade ambiental são parâmetros objetivos destinados a avaliar o alinhamento da prestação executada com soluções ambientalmente adequadas, devendo proporcionar extraordinária compatibilidade com a sustentabilidade ambiental comparada a sua usual obrigação através de providências adicionais. Finalmente, quanto ao prazo de entrega, este consiste no adimplemento da prestação por parte do particular em prazo inferior ao contratual, antecipação esta apta a propiciar um benefício material objetivo ao poder público. Ressalta-se ainda que pode haver a cumulatividade destes aspectos de avaliação. Cabe ao edital o estabelecimento de critérios objetivos de avaliação do desempenho superior ao padrão por parte do contratado que resultará no direito deste à remuneração adicional, devendo-se estabelecer critérios compatíveis e adequados à finalidade desejada, refletindo de modo adequado o interesse satisfeito pela prestação executada com padrão superior ao mínimo exigido. Também cabe ao edital a definição das demais regras necessárias à aplicação da solução de modo exaustivo. 2.4 Os procedimentos auxiliares e a pré-qualificação permanente como uma das melhores inovações trazidas pela novel legislação Os procedimentos auxiliares das licitações no âmbito do RDC estão previstos no artigo 29 da Lei nº 12.462, em seus quatro incisos[10], consistindo em procedimentos que são desenvolvidos pela Administração desvinculados de um processo licitatório específico, tendo seus resultados aproveitados por vários certames ou contratações. Alguns dos procedimentos em estudo já eram conhecidos e praticados na atividade administrativa, enquanto outros têm caráter de novidade, trazendo aperfeiçoamento relevante. Não têm como objetivo a satisfação direta de interesses administrativos, e sim a redução da complexidade e consequente aumento da dinamicidade dos procedimentos licitatórios, através da padronização e autonomia de atividades necessárias aos procedimentos. Desta forma, o procedimento auxiliar proporciona celeridade e eficiência, além de assegurar a seleção de proposta vantajosa, permitindo que o procedimento licitatório em si se desenvolva com muito mais velocidade, uma vez que os atos geradores de maiores controvérsias foram realizados no curso do procedimento auxiliar. Não é demais ressaltar a importância da aplicação dos princípios e regras das licitações aos procedimentos auxiliares, já que estes trazem atos de caráter decisório e produzem efeitos em procedimentos posteriores destinados à seleção da proposta mais vantajosa ou ao aperfeiçoamento da contratação administrativa, sujeitando-se inclusive ao controle jurisdicional apropriado. Os procedimentos do art. 29 não possuem caráter obrigatório; são alternativas postas a disposição do Poder Público. A pré-qualificação permanente disciplinada no art. 30 consiste, segundo o doutrinador Marçal Justen Filho, em "uma das melhores inovações trazidas pela Lei nº 12.462(…)” [11]. Algumas das soluções guardam semelhança com o modelo da tomada de preços trazido pela Lei nº 8.666; outras, porém, são inovadoras e permitem enfrentar alguns importantes problemas enfrentados pela Administração Pública. Pode ser dividida em duas modalidades, a subjetiva que envolve a habilitação do potencial fornecedor, e a objetiva, referente à qualidade do bem. A pré-qualificação subjetiva tem como objetivo a identificação de fornecedores com condições de habilitação para futuras contratações. Já a subjetiva destina-se à identificação de bens que satisfaçam as exigências técnicas e de qualidade da Administração. É cabível quando do fornecimento de bens, mesmo a hipótese de contrato de obras e serviços que o envolva. A pré-qualificação pode ser conceituada como um ato administrativo que declara um particular detentor de requisitos determinados de qualificação técnica (pré-qualificação subjetiva) ou que declara um objeto detentor de qualidade mínima (pré-qualificação objetiva) que produzirá efeitos para procedimentos licitatórios e contratações futuras. Não tem caráter obrigatório, configurando um ônus para os particulares interessados em participar de licitações futuras. A utilidade da pré-qualificação está na produção de uma única decisão administrativa que possuirá eficácia junto a futuras licitações. Desenvolve-se em procedimento autônomo, o que traz a vantagem da desnecessidade da verificação de requisitos de habilitação ou qualidade de um objeto no curso de um procedimento licitatório determinado. Produz efeitos para uma pluralidade de licitações e contratações futuras, o que implica em uma racionalização da atividade administrativa, ampliando sua eficácia e celeridade e reduzindo a burocracia. Pode-se trazer também a redução de custos para os particulares, que não necessitarão de arcar com despesas relativas à qualificação técnica ou qualidade mínima toda vez que participarem de um certame. Há a eliminação dos riscos de decisões contraditórias, uma vez que há uma única e prévia decisão que terá efeito sobre uma série de licitações e contratações futuras. Por fim, é útil ao trazer a obtenção de ofertas mais vantajosas, já que a redução da incerteza e da insegurança dos licitantes acarreta a redução dos custos de transação. A disciplina da pré-qualificação cabe a cada entidade adotante, que definirá regras administrativas e os requisitos pertinentes, empregando um regulamento particular que refletirá os princípios e regras das licitações, mas sem trazer exigências excessivas ou desnecessárias. Para se combater o risco de defasagem entre a pré-qualificação e a realidade dos fatos, o Regulamento, em seu art. 82, traz a validade máxima de um ano para a pré-qualificação permanente. Esta limitação também traz como efeito positivo o incentivo aos licitantes em manter as condições exigidas para a pré-qualificação. Não há empecilho de que haja atualização das condições desta, envolvendo, por exemplo, a ampliação dos requisitos técnicos. É possível também a extinção por outros motivos que não o decurso do prazo, como a extinção devido fato superveniente e a com cunho sancionatório, especialmente vista no caso da extinção da pré-qualificação objetiva. O art. 86 do Regulamento traz a possibilidade de a Administração realizar licitação limitada aos pré-qualificados, desde que motivadamente e com os quantitativos a serem contratados no período de doze meses expresso na convocação. Dever-se-á promover a publicidade ampla do registro cadastral dos pré-qualificados, além da possibilidade de inscrição permanente aos interessados, possuindo a unidade administrativa a responsabilidade da realização do chamamento público anual para atualização e da admissão de novos interessados. Conforme já exposto, o dispositivo legal traz outros procedimentos auxiliares além da pré-qualificação, consistindo no cadastramento, do sistema de registro de preços e do catálogo eletrônico de padronização. O cadastramento é largamente conhecido e praticado pela Administração Pública, sendo que inclusive o Regulamento Federal remete o tratamento da matéria ao Regulamento do SICAF[12]. Consiste em um banco de dados com informações sobre os requisitos de habilitação de potenciais fornecedores, que podem ser aproveitadas em diversas licitações, simplificando a atividade administrativa. Já o Sistema de Registro de Preços, também já trazido por legislações anteriores, resulta de uma licitação em específico cujo resultado poderá ser utilizado em contratações futuras com condições pré-determinadas no instrumento convocatório, possuindo diversas vantagens ao propiciar obtenção de ganhos econômicos para a Administração Pública através da redução da burocracia (realização de uma única licitação), possibilidade de contratação imediata, conjugação de necessidades comuns de órgãos distintos, o que gera economia de escala e a variação de quantitativos, que possibilita a Administração realizar contratações com quantitativo específico em face da necessidade efetiva. Como desvantagens pode-se apontar a obsolescência dos dados do SRP, não refletindo a redução de preços com o passar do tempo, por exemplo, e a possibilidade de ausência de adequação do objeto em face de exigências peculiares. Observando o disposto no inciso I do art. 88 do Decreto nº 7.581/11, que normatiza o Sistema de Registro de Preços no âmbito do RDC – SRP/RDC[13], observa-se a ampliação do rol de objetos que possam constar do Registro de Preços, não se limitando à aquisição de bens e de serviços comuns, como o disposto no art.15 da Lei nº 8.666 e jurisprudência consolidada do TCU, aplicando-se também à prestação de serviços, inclusive de engenharia.[14] Finalmente o catálogo eletrônico de padronização de compras, serviços e obras trazidos pelo art. 33, segundo sua redação “consiste em sistema informatizado, de gerenciamento centralizado, destinado a permitir a padronização dos itens a serem adquiridos pela administração pública que estarão disponíveis para a realização de licitação”. A solução envolve a formulação de soluções homogêneas e padronizadas no que tange aos objetos a serem adquiridos pelo poder público, visando à simplificação e a redução de custos da atividade administrativa. Aplica-se a licitações de menor preço ou maio desconto, tendo caráter sugestivo. A padronização define requisitos mínimos de qualidade, não acarretando efeito restritivo da competição, uma vez que se estabelecem requisitos genéricos e abstratos que possam ser fornecidos por grande número de particulares. CONCLUSÃO Este trabalho buscou trazer as principais características, inovações e aspectos polêmicos do Regime Diferenciado de Contratações, que, com seus problemas e virtudes, vem aos poucos ampliando seu espaço de aplicação em razão da crescente necessidade da Administração Pública brasileira de conferir maior celeridade aos processos licitatórios. As sucessivas alterações legislativas sofridas pela Lei nº 8.666/93, juntamente com as críticas a ela direcionadas, culminaram na necessidade de novos mecanismos licitatórios e contratuais, visando reverter a burocratização do processo licitatório existente, consequência do hiperformalismo. Ainda que a Lei nº 8.666/93 norteie as licitações e contratações públicas, a cada dia tem sua aplicabilidade diminuída em favor de sistemas que conferem uma maior agilidade e eficiência a este mister administrativo, mostrando clara tendência de sua substituição em favor destes, cenário no qual se destaca o RDC. Há que se ressaltar ainda o cenário da edição da Lei 12.462/2011, a ocorrência de grandes eventos esportivos sediados pelo país juntamente com a pressão sofrida pelo Executivo federal devido à escassez de tempo para finalizar as obras necessárias através dos mecanismos tradicionais existentes, o que demandou regime específico com institutos que conferem celeridade. O RDC responde a estes anseios, trazendo maiores eficiência, celeridade e competitividade com seus institutos, muitos deles semelhantes aos existentes no setor privado, a exemplo da utilização de contratação com remuneração variável, pré-qualificação permanente de licitantes e a adoção do orçamento sigiloso, formando um rol extenso de ferramentas a disposição da Administração Pública destinado à escolha da proposta mais vantajosa. Além disto, trouxe importantes diretrizes para os processos licitatórios por ele regidos, demonstrando preocupação com problemas atuais antes muitas vezes deixados em segundo plano pelo Estado em suas aquisições, a exemplo da preocupação com a disposição final de resíduos sólidos, mitigação de danos ao meio ambiente, escolha de soluções que proporcionem a redução do consumo de energia e de recursos naturais proteção do patrimônio cultural, histórico, arqueológico e imaterial e promoção da acessibilidade para portadores de limitações. Há de ser ressaltar também a nova sistemática trazida pela Lei 12.462/2011 para as contratações públicas, tratando-se de modalidade licitatória única, afastando-se a divisão do procedimento em diversas modalidades licitatórias previstas na Lei nº8.666/93 (convite, tomada de preços e concorrência), o que acaba por afastar inúmeras controvérsias acerca da modalidade adequada para determinada licitação, além de diminuir erros na realização de contratações públicas. De um regime aplicável exclusivamente às aquisições e contratações necessárias a preparação dos eventos esportivos em tela, o que hoje se observa é a constante expansão da aplicabilidade do RDC através de sucessivas alterações legislativas, demonstrando a tendência de sua aplicabilidade em detrimento da lei tradicional de licitações. Os institutos benéficos trazidos pelo regime especial, que nasceu para ser aplicado apenas para certos projetos eleitos merecedores de maior agilidade e eficiência como exposto, devem ser aplicados em importantes setores da sociedade não abrangidos pela lei, também merecedores de seus benefícios, a exemplo de educação, saúde e segurança, que hoje sofrem de discriminação, a exemplo de que importante equipamento hospitalar necessitaria seguir a risca o procedimento licitatório tradicional, ao contrário de um equipamento de estádio de futebol teve de momento para o outro exigências burocráticas consideravelmente reduzidas. Acreditamos não ter havido até este momento tempo hábil para sua avaliação no plano concreto, de modo a demonstrar cabalmente as vantagens e desvantagens do diploma legislativo.  Passado, porém, o primeiro momento de perplexidade e de incredulidade diante de suas inovações, o ambiente administrativo é cada vez mais propício à sua aplicação, o que certamente ensejará no futuro sua ampliação às mais diversas necessidades de aquisições por parte do Poder Público. Corrobora este entendimento o sucesso de sua aplicação neste curto espaço de tempo por algumas entidades públicas, a exemplo da Infraero, que conseguiu a redução do tempo necessário à contratação pela metade, além da obtenção de melhores preços.[15] Desta forma, a discussão em torno do RDC deve ser a mais produtiva possível, o que permitirá que seus aplicadores, acadêmicos e legisladores contribuam para seu aperfeiçoamento, que por sua vez findará em importante etapa na modernização do procedimento licitatório, a exemplo da instituição da modalidade pregão instituída pela Lei nº 10.520/2002, cuja utilização, hoje, é a mais ampla possível.  O acompanhamento dos resultados e problemas decorrentes da aplicação do novel regime, acompanhado de uma análise crítica e madura, traz uma oportunidade ímpar de modernização dos trâmites administrativos licitatórios e contratuais, que permitirá a superação de inúmeras manifestações críticas que a Lei nº 8.666/93 vem sofrendo ao longo do tempo, contribuindo sobremaneira para um melhor aproveitamento dos recursos do Estado, o que sem dúvida impacta a vida de todos os cidadãos brasileiros.
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A competência do Ministério Público para firmar acordo de leniência
A evolução de valores axiológicos na sociedade trouxe a necessidade de adoção de critérios hermenêuticos consentâneos com a necessidade de compatibilizar os anseios sociais com a garantia de princípios e direitos fundamentais previstos no nosso ordenamento jurídico. A teoria dos poderes implícitos garante à própria sociedade a adoção de medidas por parte do órgão constitucional com competência para uma determinada função que adote medidas necessárias à consecução de suas finalidades. Os princípios da segurança jurídica e do interesse público legitimam a atuação do Ministério Público na condição de parte legítima com atribuição para firmar acordo de leniência, haja vista sua missão constitucional relacionada à defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais.  Defende-se que o acordo de leniência deve ser firmado, de forma conjunta, pelo Ministério Público e demais órgãos do Poder executivo, conferindo segurança jurídica e legitimidade na repressão aos atos ilícitos e contrários às leis, em consonância com os princípios da eficiência e da prevalência do interesse público; contudo, ainda que firmado exclusivamente pelo MP, não se pode alegar nulidade, ou ausência de atribuição legal ou constitucional, diante da teoria dos poderes implícitos, e da correta exegese oriunda do texto Constitucional (artigo 129, IX, da Lei Maior), assim como diante das cláusulas gerais de atribuições ligadas à pertinência temática do Parquet previstas nas Leis Orgânicas do Ministério Público e na Lei Complementar 75/93.
Direito Administrativo
Introdução O presente artigo tem por finalidade analisar o fundamento da atribuição do Ministério Público para firmar acordos de leniência, quando estiverem presentes atos lesivos ao patrimônio público e à probidade administrativa. Com fundamento na teoria dos poderes implícitos, sustenta-se a necessidade de assegurar os meios (o que inclui os instrumentos e medidas necessárias) para assegurar a eficácia do lastro probatório contido nas ações civis públicas e de improbidade, que, por missão constitucional, estão a cargo do Parquet. Defende-se que o acordo de leniência deve ser firmado, de forma conjunta, pelo Ministério Público e demais órgãos do Poder executivo, conferindo segurança jurídica e legitimidade na repressão aos atos ilícitos e contrários às leis, em consonância com os princípios da eficiência e da prevalência do interesse público. Por fim, ainda que exclusivamente firmado pelo MP, diante da teoria dos poderes implícitos, e da correta exegese oriunda do texto Constitucional (artigo 129, IX, da Lei Maior), o Ministério Público detém atribuição derivada da lógica sistemática que vigora no ordenamento jurídico nacional. Conceito do acordo de leniência: O acordo de leniência é uma espécie de delação premiada para empresas, por meio do qual as companhias se comprometem a revelar fatos ilícitos apurados nas investigações internas relacionadas aos atos ilícitos praticados no âmbito da Petrobrás ou outras pessoas jurídicas vítimas ou envolvidas com atos de corrupção no Brasil. A avença permite que as empresas continuem suas atividades – inclusive participando de contratos com o poder público- a fim de gerar os valores necessários à reparação dos atos ilícitos praticados. O pacto também estabelece mecanismos destinados a assegurar a adequação e a efetividade das práticas de integridade das empresas, prevenindo a ocorrência de novas irregularidades, privilegiando, em grau prioritário, a ética e a transparência na condução de seus negócios. A Atribuição do Ministério Público Federal (MPF):  Desde o ano 2014, o MPF (Ministério Público Federal) tem firmado diversos acordos de leniência no bojo da operação lava jato, suscitando-se algumas dúvidas e questionamentos sobre sua respectiva atribuição legal. Conquanto a Lei 12.846/2013 (Lei anticorrupção) não tenha expressamente conferido poderes ao MP para firmar acordo de leniência, a referida atribuição decorre dos poderes conferidos pela própria Constituição Federal e Leis de regência.  O art. 129, IX, da Lei Maior, expressamente trouxe a previsão de competência constitucional para que o MP exerça “outras funções”, que tenham pertinência temática com as suas finalidades institucionais. Com efeito, o MP é o órgão responsável pela fiscalização da correta aplicação da lei e do combate efetivo à corrupção e formas de burla ao sistema legal e normativo. Nesse sentido, considerando que o acordo de leniência tem por finalidade impor medidas de reparação do ilícito causado por atos violadores da Lei pelas empresas privadas, tendo por escopo promover o ressarcimento ao ente lesado, exsurge a respectiva atribuição do Parquet para firmar os compromissos contidos no pacto de leniência. A Teoria dos Poderes Implícitos:  A teoria dos poderes implícitos pode ser explicada, em linhas gerais, pelo famoso adágio “quem pode o mais, pode o menos”. Assim, se o Ministério Público detém ampla atribuição para determinada ação (exemplo: propor a ação penal), possuirá, como decorrência lógica, a atribuição para realizar investigações tendentes a colher provas necessárias ao processo criminal (realização de investigações criminais, de acordo com o procedimento previsto e regulado pela resolução n.º 13/2006 do CNMP- Conselho Nacional do Ministério Público). No mesmo sentido, a teoria dos poderes implícitos explica que a Constituição Federal, ao outorgar atribuições a determinado órgão, confere-lhe, implicitamente, os poderes necessários para a sua execução. Desse modo, não faria o menor sentido incumbir à polícia a apuração das infrações penais, e ao mesmo tempo vedar-lhe, por exemplo, a condução de suspeitos ou testemunhas à delegacia para esclarecimentos Basicamente, a indigitada teoria aduz que, em decorrência de a Constituição atribuir uma competência expressa a determinado órgão, estaria conferindo, na forma de poderes implícitos, ao respectivo órgão estatal, os meios necessários à integral realização de tais fins, que lhe foram outorgados, ficando sujeitas às proibições e limites estruturais da Constituição Federal. Exemplificando, como a Constituição Federal atribuiu ao TCU, em seu artigo 71, diversas competências, o Tribunal de Contas da União disporia de poderes implícitos para imprimir efetivo cumprimento às suas funções institucionais expressamente previstas pela CF/88. Registre-se, porém, conforme ensinamento do professor Pedro Lenza, que os meios implicitamente decorrentes dos poderes expressos devem ser analisados, sob o crivo dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Os precedentes na jurisprudência pátria respaldam as decisões emanadas da teoria em tela, destacando-se o da Ministra Relatora Ellen Gracie, in verbis: “se ao CNJ foi concedida a faculdade de avocar processos disciplinares em curso, fase seguinte à sindicância administrativa e mais completa, nada o impede de obstar o processamento de uma sindicância, que é mero procedimento preparatório”. (STF, 2ª Turma, Rel. Ellen Gracie, MS 29925/DF, 13/10/2010). No mesmo sentido, decidiu o STF, apreciando sobre a teoria dos poderes implícitos: (…) é princípio basilar da hermenêutica constitucional o dos “poderes implícitos“, segundo o qual, quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios. Se a atividade fim – promoção da ação penal pública – foi outorgada ao parquet em foro de privatividade, não se concebe como não lhe oportunizar a colheita de prova para tanto, já que o CPP autoriza que “peças de informação” embasem a denúncia. (STF, RE 441004/PR, Rel. Joaquim Barbosa, 17/12/2009). Com efeito, se o MP é o detentor exclusivo da promoção da ação penal segundo a constituição (atividade fim), implicitamente teria poderes para a respectiva investigação criminal (meios para se chegar na atividade fim). Referido entendimento também foi defendido pelo Ministro Marco Aurélio no RE 593727, e pela Ministra Ellen Gracie no RE 535478. O tema voltou ao debate com a proposta de emenda constitucional de número 37, a popularmente chamada “Pec da impunidade”, na qual o poder investigatório seria retirado do MP e ficaria a cargo somente da polícia federal e civil, nos termos do artigo 144 da Constituição Federal, a qual, porém, não foi objeto de aprovação pelo Parlamento.  De outra parte, é princípio basilar da hermenêutica constitucional o dos “poderes implícitos “, segundo o qual, quando a Constituição Federal outorga os fins, confere os meios para atingir o desiderato Nesse sentido, se a atividade fim – promoção da ação penal pública – foi outorgada ao Parquet privativamente, não se cogita em não lhe oportunizar a colheita de provas para tanto, porquanto o CPP autoriza que “peças de informação” embasem a denúncia. (STF, RE 441004/PR, 2ª Turma, Rel. Joaquim Barbosa, 19/12/2009) O entendimento doutrinário reforça a tese ora defendida. Nesse ponto, conforme lições de Alexandre de Moraes, " a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe conceda"(MORAES, p. 10). No mesmo diapasão, preleciona Lenza: “…também chamado de princípio da eficiência ou da interpretação efetiva, o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais deve ser entendido no sentido de a norma constitucional ter a mais ampla efetividade social" (LENZA, p. 73). Vale salientar que, se cabe ao MP propor ações penais para combater crimes contra a ordem econômica, e que envolvam atos de corrupção passiva, fraudes em licitações, e ações civis públicas, decorre, pela teoria dos poderes implícitos, sua atribuição para propor investigações em inquéritos civis ou procedimentos criminais, que tenham por objetivo investigar, reprimir, e reparar condutas lesivas ao interesse público, e que decorram de suas atribuições legais previstas na Lei Orgânica do Ministério Público – Lei 8263/93, e na Lei Complementar 75/93. No plano metódico, porém, deve-se afastar a invocação de ‘poderes implícitos’, de ‘poderes resultantes’ ou de ‘poderes inerentes’ como formas autônomas de competência, sendo admissível uma complementação de competências constitucionais, por intermédio da aplicação de instrumentos doutrinários de interpretação (sobretudo de interpretação sistemática ou teleológica). Por esta via, chegamos a duas hipóteses de competência complementares implícitas, conforme preleciona Canotilho: (1) competências implícitas complementares, enquadráveis no programa normativo-constitucional de uma competência explícita e justificáveis porque não se trata tanto de alargar competências mas de aprofundar competências (ex.: quem tem competência para tomar uma decisão deve, em princípio, ter competência para a preparação e formação de decisão); (2) competências implícitas complementares, necessárias para preencher lacunas constitucionais patentes através da leitura sistemática e analógica de preceitos constitucionais.” (Canotilho, p. 543). Nota-se, portanto, que o sistema constitucional não repudia a ideia de competências implícitas complementares, desde que necessárias para colmatar lacunas constitucionais evidentes. Por isso, afigura-se incorreta e contrária à jurisprudência pacífica a afirmação segundo a qual a competência do STF deve ser interpretada de forma restritiva. (STF, Pet 3433 / DF). Previsão Legal para a Propositura do Pacto de Leniência pelo MP: No plano da legalidade, destaque-se o teor do artigo 6º, da Lei 75/93, XIV, o qual atribui ao MP a missão de promover “outras ações necessárias ao exercício de suas funções institucionais, em defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”, especialmente quanto: a) ao Estado de Direito e às instituições democráticas; b) à ordem econômica e financeira; c) à ordem social; d) ao patrimônio cultural brasileiro; e) à manifestação de pensamento, de criação, de expressão ou de informação; f) à probidade administrativa; g) ao meio ambiente; As “ações” aqui compreendida devem ser interpretadas em seu sentido amplo, a fim de abranger não só as ações judicias, mas as medidas necessárias para instrumentalizar e embasar os processos que serão movidos pelo Parquet, como guardião do interesse público e fiscal da correta aplicação da Lei, com fundamento, inclusive, na teoria dos poderes implícitos. Demais disso, decorre do texto Constitucional, mais precisamente do art. 129, IX, da Lei Maior, o qual conferiu ao MP a atribuição para “exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas”, ou seja, atribui expressamente o munus de exercer funções que atendam ao interesse público decorrente de sua missão constitucional. Não obstante, o pacto de leniência, a fim de conferir segurança jurídica às partes signatárias, evitando futuros questionamentos acerca de sua extensão e validade, deve ser firmado pelo Ministério Público, conjuntamente com os órgãos do Executivo que tenham pertinência temática com os fatos (v.g, CGU, TCU, CADE, entre outros). Referida providência, além de atender aos imperativos de segurança jurídica, atende aos princípios constitucionais que norteiam a Administração Pública da eficiência, legalidade, e da supremacia do interesse público, conferindo ampla legitimidade e qualidade técnica ao aludido instrumento legal. Conclusão O acordo de leniência deve ser firmado, de forma conjunta, pelo Ministério Público e demais órgãos do Poder executivo, conferindo segurança jurídica e legitimidade na repressão aos atos ilícitos e contrários às leis, em consonância com os princípios da eficiência e da prevalência do interesse público. Contudo, ainda que firmado exclusivamente pelo MP, não se pode alegar nulidade, ou ausência de atribuição legal ou constitucional, diante da teoria dos poderes implícitos, e da correta exegese oriunda do texto Constitucional (artigo 129, IX, da Lei Maior), assim como diante das cláusulas gerais de atribuições ligadas à pertinência temática do Parquet previstas nas Leis Orgânicas do Ministério Público e na Lei Complementar 75/93.
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Os fundamentos da prorrogação dos contratos de concessão de serviço público ferroviário de carga
A prorrogação de prazo em contrato de concessão é medida que suscita debates acerca da existência de fundamento legal, o que acaba por trazer insegurança jurídica ao estatuto da prorrogação. No entanto, a cláusula de prorrogação consta em todos os Contratos de Concessão do Serviço Público de Transporte Ferroviário celebrado entre a União Federal e as operadoras das ferrovias. Ademais, os fundamentos constitucionais da prorrogação dos contratos de concessão são, portanto, principiológicos visto que a Constituição Federal de 1988 reservou à lei o disciplinamento da matéria relativa às concessões de serviços públicos. Portanto, no tocante ao princípio da legalidade a celebração do negócio jurídico da prorrogação encontra amplo respaldo.
Direito Administrativo
1. Os fundamentos constitucionais da prorrogação dos contratos de concessão Em nível constitucional, o instituto jurídico da prorrogação do prazo de vigência dos contratos de concessão e de permissão de serviços públicos foi estabelecido pela Constituição Federal[8], art. 175, § único, inciso I; in verbis: “Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão”. Ao utilizar a forma “a lei disporá”, a Constituição Federal estabeleceu uma reserva de lei sobre o regime jurídico das concessionárias e permissionárias de serviços públicos, notadamente sobre o estatuto jurídico da prorrogação do prazo de vigência dos contratos de concessão e de permissão de serviços públicos, de modo que a edição de atos normativos originários sobre tais matérias foi reservada à lei em sentido formal. O serviço público ferroviário de carga busca, a partir da sua contribuição na circulação de bens e serviços, o atingimento dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, notadamente aquele que visa garantir o desenvolvimento nacional, guiados pelo art. 170, II, da Constituição Federal: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:(…) II – propriedade privada;(…)”. Os fundamentos constitucionais da prorrogação dos contratos de concessão são, portanto, principiológicos visto que a Constituição Federal reservou à lei o disciplinamento da matéria relativa às concessões de serviços públicos, o que nos leva a analise dos fundamentos legais da prorrogação dos contratos de concessão. 2. Os fundamentos legais da prorrogação dos contratos de concessão A transferência dos serviços públicos, antes explorados pelo Estado, para regime de exploração privada é regulada pela Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995[9], que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal. Nos termos da Constituição Federal a lei disporá sobre o contrato e suas condições de sua prorrogação dos contratos de concessão e foi exatamente o que previu o art. 23 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, ao trazer as condições para prorrogação do contrato como uma das cláusulas essenciais do contrato de concessão. Há ainda o não menos relevante preceito do art. 14 do aludido diploma legal segundo o qual: “Art. 14. Toda concessão de serviço público, precedida ou não da execução de obra pública, será objeto de prévia licitação, nos termos da legislação própria e com observância dos princípios da legalidade, moralidade, publicidade, igualdade, do julgamento por critérios objetivos e da vinculação ao instrumento convocatório”. Portanto, não se presume concessão sem previa licitação, trata-se de condição que remete à validade jurídica do negocio de transferência do serviço público ao particular. No caso em apreço, todos os contratos que hora se analisa a prorrogação decorreram de leilões promovidos pelo BNDES nos anos de 1996 a 1998. Nesses termos, tendo sido feita a licitação em obediência diploma legal supracitado, presume-se que os demais dispositivos também tenham sido observados, é o caso do inciso XII art. 23 que estabelece as cláusulas essenciais do contrato de concessão: “Art. 23. São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas:(…) XII – às condições para prorrogação do contrato;(…)”. Fica patente, portanto, que dentre as demais cláusulas essenciais do contrato de concessão deve constar aquela que versa sobre as condições para prorrogação do contrato, ou seja, a minuta do futuro contrato já deve trazer essa previsão de modo a tornar público esse direito do futuro concedente e prorrogativa do poder concedente. De sua parte, a Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001, a qual, em seu art. 34, I, estabelece que: “Art. 34-A As concessões a serem outorgadas pela ANTT e pela ANTAQ para a exploração de infraestrutura, precedidas ou não de obra pública, ou para prestação de serviços de transporte ferroviário associado à exploração de infraestrutura, terão caráter de exclusividade quanto a seu objeto e serão precedidas de licitação disciplinada em regulamento próprio, aprovado pela Diretoria da Agência e no respectivo edital. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.217-3, de 4.9.2001).(…) § 2º O edital de licitação indicará obrigatoriamente, ressalvado o disposto em legislação específica: (Redação dada pela Lei nº 12.815, de 2013). I – o objeto da concessão, o prazo estimado para sua vigência, as condições para sua prorrogação, os programas de trabalho, os investimentos mínimos e as condições relativas à reversibilidade dos bens e às responsabilidades pelos ônus das desapropriações; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.217-3, de 4.9.2001)”. A Lei Geral das Concessões foi absorvida pelo ordenamento jurídico que disciplinou a criação do órgão regulador, fazendo expressa referência aos seus dispositivos e adstringindo a atuação deste ao disciplinamento anterior à sua criação. Resta, portanto, saber se os contratos de concessão celebrados pelo BNDES nos anos de 1996 a 1998 já traziam essa possibilidade. 3. Os fundamentos contratuais da prorrogação dos contratos de concessão A cláusula de prorrogação consta em todos os Contratos de Concessão do Serviço Público de Transporte Ferroviário celebrado entre a União Federal e as operadoras das ferrovias, Companhia Ferroviária do Nordeste – CFN, Ferrovia Centro Atlântica – FCA, MRS Logística S.A, Ferrovia Bandeirantes – Ferroban, Ferrovia Novoeste S. A., América Latina e Logística – ALL, Ferrovia Teresa Cristina S. A. No caso da Ferrovia Centro Atlântica – FCA a disposição consta da: “CLÁUSULA TERCEIRA – DA PRORROGAÇÃO DO CONTRATO Em havendo interesse manifesto de ambas as partes, o presente contrato poderá ser prorrogado até o limite máximo total de 30 anos, a exclusivo critério da CONCEDENTE. Parágrafo 1.º – Até 60 meses antes do termo final do prazo contratual, a CONCESSIONÁRIA deverá manifestar seu interesse na prorrogação contratual, encaminhando pedido à CONCEDENTE, que decidirá, impreterivelmente, sobre o mesmo até 36 meses antes do término deste contrato. Parágrafo 2.º – A CONCESSIONÁRIA poderá pleitear a prorrogação da CONCESSÃO, desde que não tenha sido reincidente em condenação administrativa ou judicial por abuso de poder econômico e tenha atingido e mantido a prestação de serviço adequado. Parágrafo 3.º – A partir da manifestação de interesse da CONCESSIONÁRIA, verificada sua conveniência e oportunidade pela CONCEDENTE, esta definirá as condições técnico-administrativas e econômico-financeiras necessárias à prorrogação do contrato”. Numa interpretação da aludida cláusula contratual, Guimaraes, 2015[10] chega a conclusão de que o negócio jurídico da prorrogação estaria sujeito às seguinte condições: “(a) Condição Positiva: a concessionária “tenha mantido a prestação de serviço adequado” ao longo da concessão; (b) Condição Negativa: a concessionária “não tenha sido reincidente em condenação administrativa ou judicial por abuso de poder econômico”; e (c) Cláusula Geral: todas as demais “condições técnico-administrativas e econômico-financeiras” estabelecidas pelo Poder Concedente no momento da prorrogação”. As condições, positiva e negativa, funcionam no processo como requisitos de admissibilidade do pedido, ou seja, são condições a serem ultrapassadas para que se chegue a análise do mérito do pedido à luz das demais condições gerais estabelecidas pelo Poder Concedente, aqui entendido como o administrador do contrato, qual seja, a ANTT. O estabelecimento de condições gerais que remetam às condições técnicas para aceitação das propostas de prorrogação nos leva a discutir os fundamentos normativos da prorrogação dos contratos de concessão. 4. Os fundamentos normativos da prorrogação dos contratos de concessão As condições técnico-administrativas e econômico-financeiras são aquelas trazidas pela Resolução ANTT nº 4975, de 18 de dezembro de 2015 que estabelece procedimentos e diretrizes para a repactuação dos contratos de concessão de ferrovias no caso de pedido de prorrogação de prazo formulados por concessionária. O ato do órgão regulador a espelhar as diretrizes trazidas pela Portaria do Ministro dos Transportes nº 399, de 17 de dezembro de 2015 que também traz diretrizes para a repactuação dos contratos de concessão de ferrovias e o fez, nos termos do art. 87, parágrafo único, inciso I da Constituição Federal, na qualidade de orientador das politicas públicas para o setor de transportes. É certo que não poderia ser outra a intensão do Ministério dos Transportes que não a de estabelecer uma diretriz governamental para fazer convergir os Novos Investimentos em Concessões Existentes – NICE com o Programa de Investimento em Logística – 2015 ao estabelecer no art. 1º, § 1º do aludido dispositivo as seguintes diretrizes: “I – necessidade de realização imediata de novos investimentos na malha ferroviária concedida, visando: a) ampliar a capacidade de transporte da infraestrutura ferroviária concedida, quando necessário; b) aumentar a segurança do transporte ferroviário; e c) melhorar a qualidade da infraestrutura ferroviária concedida e a eficiência na operação ferroviária; II – ratificação, adaptação e adequação dos contratos de concessão às boas práticas de regulação, nos termos da legislação vigente; e III – ampliação do compartilhamento de infraestrutura ferroviária e de recursos operacionais entre as concessionárias, autorizatárias e transportadores de carga própria de forma a fomentar a concorrência e a eficiência setorial”. Tal documento tem o condão de não ferir a autonomia administrativa do órgão regulador, mesmo porque tem caráter orientador além do que se amolda perfeitamente no ordenamento jurídico contribuindo para balizar pelo interesse público as ações regulatórias do negocio jurídico da prorrogação dos contratos. Incorporando tais diretrizes, vem a Resolução ANTT nº 4975, de 18 de dezembro de 2015 e estabelece o termo de referência do qual conta: – Metodologia para definição de indicadores e metas; – Metodologia para indicação dos investimentos para minimização dos conflitos urbanos; – Caderno de Obrigações de Infraestrutura de Transporte Ferroviário; – Caderno de Obrigações de Prestação de Serviço Adequado; – Metodologia para Modelagem Econômico Financeira; – Diretrizes para a Elaboração do Termo Aditivo. Todos esses parâmetros visam resguardar o interesse público na formulação e apresentação do Plano de Negócio pelas concessionárias que manifestarem interesse em exercer o direito à prorrogação dos contratos. Trata-se da definição das condições técnico-administrativas e econômico-financeiras necessárias à prorrogação dos contratos. 5. Considerações Finais A regulamentação da ANTT remete a deliberação de tais negócios ao juízo a diretoria colegiada da entidade, previsão que mostra inteira sintonia com art. 13, X do Decreto nº 4.130, de 13 de fevereiro de 2002[11] que aprovou a estrutura regimental da Agência: “Art. 13.  À Diretoria da ANTT compete, em regime de colegiado, analisar, discutir e decidir, em instância administrativa final, as matérias de competência da Autarquia, bem como:(…) X – aprovar editais de licitação, homologar adjudicações, bem assim decidir pela prorrogação, transferência, intervenção e extinção em relação a concessões, permissões e autorizações, obedecendo ao plano geral de outorgas, na forma do regimento interno, normas, regulamentos de prestação de serviços e dos contratos firmados;(…)”. O decreto supracitado, por sua vez, se abriga no art. 25 da Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001 e se mostra alinhado com as atribuições específicas da ANTT pertinentes ao Transporte Ferroviário. Não é demais lembrar que esta lei em nada destoa da Lei Geral das Concessões no que concerne à prorrogação dos contratos de concessão. À luz de todo o exposto não se vislumbra obscuridade no ordenamento, constitucional, legal e normativa que possa vir a ensejar insegurança jurídica ao estatuto da prorrogação dos contratos de concessão de ferrovias no caso de manifestado interesse pelas concessionárias. Portanto, no tocante ao princípio da legalidade a celebração do negócio jurídico das prorrogações encontra amplo respaldo e a legislação em análise regula, de forma generalizada, a competência das instituições envolvidas, notadamente àquelas relativas aos papéis a serem exercidos pelo órgão regulador, no caso a ANTT.
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O reconhecimento do acesso ao patrimônio cultural como direito fundamental
O escopo do presente artigo reside em analisar a caracterização do patrimônio cultural como típico direito fundamental de segunda dimensão. O leque de direitos alcançados pela segunda dimensão é extenso, sobretudo no que toca aos direitos vinculados à educação, à saúde, à previdência e à assistência social. Ocorre, porém, que outro conjunto de direitos tão importantes quanto aqueles retro mencionados, mesmo recebendo amparo constitucional, são pouco explorados, a saber: os direitos culturais. Assim sendo, há que se reconhecer que o acesso ao patrimônio cultural configura mecanismo indissociável do próprio desenvolvimento humano, compondo, pois, a rubrica da dignidade da pessoa humana. O Texto Constitucional, então, sensível a tais direitos reservou disposições próprias, a saber: artigos 215 a 216-A, com vistas a promover o amparo, salvaguarda e fomento dos hábitos culturais caracterizadores da realidade multifacetada e heterogênea da sociedade brasileira. Além disso, a Constituição de 1988 foi responsável por reconhecer, a título meramente exemplificativo, uma série de instrumentos peculiares à proteção das distintas formas de patrimônio cultural. A metodologia empregada é o método indutivo, auxiliado por revisão bibliográfica.[1]
Direito Administrativo
1 INTRODUÇÃO Com a descoberta das novas terras em 1500, os portugueses chegaram ao Brasil. Por algumas décadas o país foi negligenciado, e só voltou a ter valor com a descoberta do ouro em 1693. Para trabalhar nas terras desconhecidas os índios foram sujeitos a trabalho escravo, mas como a igreja católica proibiu tal prática, se deu inicio a imigração dos africanos no país. O período escravocrata nacional durou até 1888, seu fim foi graças a Lei Áurea, assinada pela Princesa Izabel.  Após esta conquista, vários imigrantes começaram a vir para a nação brasileira. Eles trouxeram junto consigo a formação da identidade nacional, que passou a ser mais valorizada após a CRFB/1988.  Anteriormente a promulgação da Constituição Brasileira de 1988, o país vivenciava um período de calamidade em consequência da Ditadura Militar. Inúmeras pessoas tiveram seus direitos fundamentais cassados nesta época, simplesmente, por não pleitear o Estado. Os cidadãos brasileiros coabitavam sob um território em que o medo de se opor a União era maior do que os ideais franceses (liberdade, igualdade e fraternidade) alcançados em 1789. Com a comutação da constituição brasileira ainda na década de 80, o país passou por um período em que a população passou a ser protegida novamente pelo governo. A lei maior de 1988 ficou conhecida como “Constituição Cidadã”, pois resguarda o princípio da dignidade da pessoa humana e proporciona a seção de direitos fundamentais. Estes são os direitos inerentes à vida, sendo função do Estado garantir uma vida digna e de boa qualidade para o povo. Os direitos culturais passaram a ser considerados cruciais para uma boa qualidade de vida, sendo instituído na Constituição Federal de 1988, como fundamentais. Agora o conhecimento, o lazer e preservação dos bens culturais do povo brasileiro passaram a ser de interesse coletivo, e se tornou oficio do Estado assegurar sua proteção. 2 CARACTERIZAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL DE SEGUNDA DIMENSÃO: OS DENOMINADOS DIREITOS CULTURAIS Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil em 1988, o país passou a ser um Estado Democrático de Direito. Desse modo, ele instaurou um maior respeito aos direitos humanos e noções fundamentais por meio de uma proteção jurídica. Diferente das seis constituições anteriores, a Carta Magna de 1988, em seu preâmbulo, já traz uma simbólica diferença sobre a importância dos direitos fundamentais, “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias” (BRASIL, 1988). De acordo com Sarlet (2008, p. 35), muitas pessoas confundem direitos humanos com direitos fundamentais, “a consideração de que o termo ‘direitos humanos’ pode ser equiparado ao de ‘direitos naturais’ não nos parece correta”. Ao lado disso, ainda em harmonia com o mesmo autor supramencionado, os direitos fundamentais “se aplicam para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado” (SARLET, 2008, p. 36), enquanto direitos humanos se baseiam no direito internacional, já que são todas as “posições jurídicas que se reconhecem o ser humano como tal”. Ao longo do processo de reconhecimento, construção e salvaguarda dos direitos fundamentais, diversas legislações foram promulgadas com tal escopo, já que a cada geração mais legislações eram necessárias para manter a paz social. Por meio destas inclusões, foram reconhecidas as dimensões dos direitos fundamentais. Para o professor Cavalcante Filho (s.d., p.12), “trata-se de uma classificação que leva em conta a cronologia em que os direitos foram paulatinamente conquistados pela humanidade e a natureza de que se revestem.” Vale ressaltar que nenhuma geração de direito substitui a outra, juntas, elas formam as dimensões dos direitos fundamentais, como explica Novelino (2009, p. 362) “o surgimento de novas gerações não ocasionou a extinção das anteriores, há quem prefira o termo dimensão por não ter ocorrido uma sucessão desses direitos: atualmente todos eles coexistem.”. Atualmente, três dimensões são reconhecidas e pacificadas na doutrina mundial, em que pese o entendimento, por parte de alguns autores, de outras dimensões que desdobram e complementa aquelas. A primeira delas, segundo Marcelo Novelino (2009, p. 362), ”são os ligados ao valor liberdade, são os direitos civis e políticos. São direitos individuais com caráter negativo por exigirem diretamente uma abstenção do Estado, seu principal destinatário.” A partir desta época, o Estado teve seu poder limitado, ele não poderia mais infringir a vida do cidadão. Basicamente, a dimensão em comento passa a salvaguardar os direitos civis e políticos, compreendendo-se em tal relação o direito à vida e a liberdade de expressão, bem como o direito ao voto. A segunda dimensão, segundo Cavalcante Fillho (s.d., p.12), “São direitos sociais os de segunda geração, assim entendidos os direitos de grupos sociais menos favorecidos, e que impõem ao Estado uma obrigação de fazer, de prestar (direitos positivos, como saúde, educação, moradia, segurança pública e, agora, com a EC 64/10, também a alimentação)”. (CAVALCANTE FILHO, s.d. p.12; ) Em outras palavras, a segunda dimensão dos direitos fundamentais, complementando a primeira, exige que o Estado atue de maneira positiva em prol do cidadão, em especial quando este se afigura como integrante do proletariado, visando assegurar direitos sociais, previdenciários, econômicos e culturais. Trata-se da dimensão que visa estabelecer o reconhecimento de direitos e garantias ao cidadão em relação ao outro, eliminando condições de desigualdade em decorrência da condição econômico-político-social. Para Marcelo Novelino, os direitos da terceira geração são, “ligados ao valor fraternidade ou solidariedade, são os relacionados ao desenvolvimento ou progresso, ao meio ambiente, à autodeterminação dos povos, bem como ao direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e ao direito de comunicação. São direitos transindividuais, em rol exemplificativo, destinados à proteção do gênero humano”. (NOVELINO, 2008. p.362;) Sem embargo, nas palavras de João Trindade Cavalcante Filho (p.13; s.d), “são direitos transindividuais, isto é, direitos que são de várias pessoas, mas não pertencem a ninguém isoladamente”. Esta geração desenvolveu-se para alcançar e proteger os direitos resultantes de uma sociedade modernizada que passava por uma metamorfose, já que na época o mundo se encontrava no fim da Segunda Guerra Mundial. Os direitos da terceira geração se referem, sobretudo, a paz. Por ultimo, porém sem encerrar as dimensões apresentadas por diversos autores que tratam da temática, é possível fazer alusão à quarta dimensão de direitos fundamentais. Vários doutrinadores ainda não aceitam essa dimensão, como explica João Trindade Cavalcante Filho, “Há autores que se referem a essa categoria, mas ainda não há consenso na doutrina sobre qual o conteúdo desse tipo de direitos. Há quem diga tratarem-se dos direitos de engenharia genética (é a posição de Norberto Bobbio 37), enquanto outros referem-nos à luta pela participação democrática (corrente defendida por Paulo Bonavides)”. (CAVALCANTE FILHO, s.d., p.12) Entretanto, o professor Marcelo Novelino (2009, p.362), afirma que “introduzidos no âmbito jurídico pela globalização política, os direitos de quarta geração compreendem os direitos à democracia, informação e pluralismo”. Os direitos da quarta geração estão relacionados com o mundo moderno, eles não surgiram para entrar no lugar das outras dimensões, mas sim, para reconhecer um mundo, agora, globalizado. Um mundo em que se é possível manipular animais e vegetais e até mesmo seres humanos, através desse avanço biotecnológico, se tornou necessário à proteção e respeito dos seres na orbita jurídica. Dentre todas as dimensões, vale ressaltar a segunda dimensão, em decorrência do enfoque concedido no presente e encontrar sedimento constitucional no rol do artigo 6º, tal como de demais dispositivos da Constituição Federal. “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. (BRASIL, 1988) Todos os direitos da segunda geração são obrigações do Estado proporciona-los às pessoas. Em 2014, dados fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) afirmam que o Brasil tinha cerca de 201.032.714 habitantes e em dados fornecidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) comprovou-se que cerca 150.515.722 brasileiros são dependentes do Sistema Único de Saúde (SUS). Ou seja, a população brasileira usufrui dos direitos fornecidos pelo Estado diariamente, desde ao transporte público até a saúde de cada cidadão.  O leque de direitos alcançados pela segunda dimensão é extenso, sobretudo no que toca aos direitos vinculados à educação, à saúde, à previdência e à assistência social. Ocorre, porém, que outro conjunto de direitos tão importantes quanto aqueles retro mencionados, mesmo recebendo amparo constitucional, são pouco explorados, a saber: os direitos culturais. Logo, no art. 4º da CRFB/88, em seu paragrafo único, é encontrado um país que se importa com as suas relações internacionais e que utiliza a cultura como uma fonte para manter a união e contato com outras nações. “A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações” (BRASIL, 1988). Para Maelly Steffny de Souza Silva et all, o termo cultura “(…) é um todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade, em outras palavras, todo comportamento aprendido, que independe de transmissão genética, constituindo seu modo de vida”. (SILVA et all, s.d., p.01;) Em outras palavras, a cultura encontra seu surgimento com a própria humanidade e os seus modos de desenvolvimento e identificação como tal. Foi nela que as primeiras pessoas buscaram a criação das leis, a criação de uma crença, até mesmo o próprio idioma. A cultura é um dos direitos fundamentais mais importantes, já que ela é algo indispensável na vida dos seres humanos.  Para Sophia Cardoso Rocha e Ana Lúcia Aragão, “Os direitos culturais podem ser elencados como aqueles que dizem respeito à valorização e proteção do patrimônio cultural; à produção, promoção, difusão e acesso democrático aos bens culturais, à proteção dos direitos autorais e à valorização da diversidade cultural. Direitos que exigem um protagonismo por parte do Estado, eles estão intrinsecamente relacionados à consolidação da democracia, ideais de cidadania plena e fator de desenvolvimento”. (ROCHA; ARAGÃO. s.d., p.01) Com um maior reconhecimento dos aspectos multifacetados e heterogêneos que colaboraram para a formação do povo brasileiro, os direitos culturais, a partir da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, passaram a ser de interesse coletivo, porquanto influenciam, de maneira direta, para a formação de uma identidade cultural e refletem os anseios e os interesses de um grupo determinado ou, ainda, de uma nação. Para Cunha Filho, “Direitos Culturais são aqueles afetos às artes, à memória coletiva e ao repasse de saberes, que asseguram a seus titulares o conhecimento e uso do passado, interferência ativa no presente e possibilidade de previsão e decisão de opções referente ao futuro, visando sempre à dignidade da pessoa humana”. (CUNHA FILHO, 2000, p. 34) O Brasil é um país muito extenso em território. Possui diferenças climáticas, econômicas, sociais e culturais enormes. Consequente, em suas terras se desenvolveram hábitos variados, é visível a diferença cultural entre todas as regiões brasileiras. Dessa forma, os direitos culturais tem um papel grandioso no território nacional, já que são eles que resguardam a identidade de cada lugar. É indispensável que os direitos culturais evoluam junto com a sociedade, porquanto essa é, de fato, seu nascedouro e as dinâmicas produzidas têm o condão de imprimir nova feição, remodelas hábitos e estabelecer formas distintas de manifestações culturais. Em 1948, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no art. 27, estabeleceu que “toda a pessoa tem direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir das artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios” (ONU, 1948). Desse modo, cada ser deve procurar saber mais sobre sua cultura, conhecer novos lugares. De certa forma, ele estará valorando a sua diversidade cultural e possivelmente terá um melhor desempenho pessoal. A nova Constituição inovou, no ordenamento jurídico, no que se refere a direitos culturais, em uma de suas cláusulas pétreas, o art. 5, trouxe em seu inciso LXXIII, o direito que todos os cidadãos poderão propor ação popular para a proteção dos bens culturais. Verifica-se, portanto, que o Texto Constitucional não apenas assegurou o acesso aos direitos culturais, mas também conferiu legitimidade à popular para a proteção, conforme se infere do dispositivo transcrito “LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”; (BRASIL, 1988) Esta ação tem como objetivo evitar a degradação, alteração desautorizada ou, ainda, destruição do patrimônio cultural. Desse modo, a ação popular de boa fé será gratuita, e se caso o autor de tal ação perder, ficará isento de qualquer custo judicial. Outra forma de proteção foi o Art. 23 que declara que é competência da União, dos Estados e do Distrito Federal a proteção dos bens culturais e do meio ambiente. Entretanto, toda a população tem que está ciente da importância dos bens culturais para a nação e para cada um, é ela que forma a identidade brasileira, e é essencial a sua preservação. É imprescindível, portanto, o zelo e a salvaguarda com o patrimônio cultural, eis que desempenha papel direto na formação da sociedade brasileira. Assim, de acordo com o Decreto-Lei nº 25/1937, a locução patrimônio cultural pode ser apresentada como “[…] constitue o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interêsse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”. (BRASIL, 1937) Para um melhor reconhecimento cultural, a Constituição Federal Brasileira alterou este conceito no art. 216, na seção referente à cultura, “constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” (BRASIL, 1988). Esclarecimentos prestados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em seu site oficial garante que esta redefinição quanto ao patrimônio cultural teve total importância, foi em decorrência dela que foi possível incluir: “(…) as formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico”. (BRASIL, 2014a) O patrimônio cultural brasileiro, com os arts. 215 e 216 da atual Constituição, dividiu-se em: imaterial e material. A Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), classifica Patrimônio Cultural Imaterial como “as expressões de vida e tradições que comunidades, grupos e indivíduos em todas as partes do mundo recebem de seus ancestrais e passam seus conhecimentos a seus descendentes.”. Enquanto, o Patrimônio Cultural Material, são as “cidades históricas, sítios arqueológicos e paisagísticos e bens individuais; ou móveis, como coleções arqueológicas, acervos museológicos, documentais, bibliográficos, arquivísticos, videográficos, fotográficos e cinematográficos.” (BRASIL, 2014b). Em uma linguagem mais compreensível, o Patrimônio Cultural Imaterial são aqueles que dependem da ação humana para existir, dependem que o conhecimento seja repassado de geração para geração. Já o Patrimônio Cultural Material é algo concreto, que pode ser visível, como prédios, monumentos e outros. O Ministério da Cultura (MinC) em 2016, teve sua pagina do Facebook censurada ao publicar uma foto de um casal de índios botocudos seminus em 1909. Este caso levou a um desabafo sobre as críticas que eles receberam a respeito da fotografia. O MinC alegou que eles apenas exerceram um direito fundamental, e que não tinha motivo para tanto, e dissertaram que “são os direitos culturais que permitem o respeito à dignidade, a partir do reconhecimento da identidade do indivíduo e o aproveitamento de suas qualidades.” Os direitos culturais são sim fundamentais, e estes estão assegurados na própria constituição federal, ninguém deve tentar ferir tal lei. 3 CULTURA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 A Cultura brasileira é umas das mais ricas e diversificadas do mundo. Antes da colonização portuguesa no século XVI, existia apenas a população indígena com seus costumes e seu idioma. Após a chegada de Pedro Álvares Cabral e seus tripulantes, os portugueses ficaram assustados com os nativos brasileiros. Na carta que Pero Vaz de Caminha, ele os descreveu como “(…) pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijos sobre o batel;” (CAMINHA, 1500, p. 02). Com a colonização os índios foram obrigados a seguir seus costumes e religião (cristianismo), dando início a primeira miscigenação existente no país, entre indígenas e portugueses. Como a igreja católica proibiu a escravidão indígena, os europeus tiveram que achar outra solução para seus empreendimentos nas novas terras, a América. Desse modo, eles começaram a comprar escravos no continente africano, já que esta sempre foi uma prática muito antiga. O tráfico negreiro durou até a Lei Eusébio de Queiroz ser aprovada, a lei proibia todas as embarcações que traziam escravos de chegarem ao Brasil para o comércio. Porém, a escravidão, de maneira formal, só acabou quando a Princesa Isabel, por meio da Lei n ° 3.353, de 13 de maio de 1888, assinou “A Princesa Imperial Regente, em nome de Sua Majestade o Imperador, o Senhor D. Pedro II, faz saber a todos os súditos do Império que a Assembléia Geral decretou e ela sancionou a lei seguinte: Art. 1°: É declarada extincta desde a data desta lei a escravidão no Brazil. Art. 2°: Revogam-se as disposições em contrário. Manda, portanto, a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram, e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nella se contém”. (BRASIL, 1888) Estes fatos foram os mais importantes para a identidade brasileira, foram os negros que trouxeram as danças, as comidas típicas, cultivo e até mesmo a cor do país. Em uma pesquisa realizada pelo IBGE em 2014, foi comprovado que aproximadamente 53% dos brasileiros se consideram pardos ou negros, este fato provou a frase que o Professor e coordenador do Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser) da UFRJ, Marcelo Paixão, usou no início de uma das suas palestras "O Brasil é o segundo país mais negro do mundo. Só perde para a Nigéria, nação mais populosa da África" (PAIXÃO, 2014). Com a abolição dos escravos, milhares de imigrantes começaram a chegar no Brasil. O próprio governo brasileiro incentivava a entrada de imigrantes europeus no país pra substituir a mão-de-obra escrava, os povos que mais migraram para o território nacional brasileiro foram os alemães e italianos. A formação de uma identidade totalmente nacional demorou décadas para ser construída, como explica José Luiz Fiorin “A identidade nacional é construída, dialogicamente, a partir de uma autodescrição da cultura. Dois grandes princípios regem as culturas: o da exclusão e o da participação. Com base neles, elas autodescrevem-se como culturas da mistura ou da triagem. A cultura brasileira considerasse uma cultura da mistura”. (FIORIN, 2009, p.115) Até a formação de tal identidade, foi necessária a espera de toda miscigenação dos povos.  É essencial preservar o patrimônio, o valor cultural e todos os bens jurídicos da cultura brasileira. Para isso o governo colocou a proteção do direito cultural na maior lei de todas: a Constituição Federal. Diferente das Constituições Federais anteriores, a Carta de 1988 insculpi uma seção inteira relacionada à cultura e a sua proteção. Esta começa pelo artigo 215, “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.” (BRASIL, 1988). Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), em seu site oficial, garantiu que não será tolerada a crueldade em animais, e cita a “farra de boi” como exemplo. “A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância da norma do inciso VII do art. 225 da CF, no que veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional denominado "farra do boi"”. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, s.d, s.p) Apesar de ser uma festa que reflete os costumes brasileiros, a crueldade faz tal festa se tornar inconstitucional, já que na Constituição Cidadã os direitos dos animais também são resguardados. Como já citado anteriormente, o Estado ficou responsável por garantir a segurança dos patrimônios culturais populares, indígenas e afro-brasileiras. Desse modo, foi criado o inciso primeiro, pertencente ao artigo 215: “§ 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.” (BRASIL, 1988). Para garantir o cumprimento desse inciso, o STF em nota de sua constituição comentada (2015, p.1934), declara que “O Plenário do STF, no julgamento da Pet 3.388, decidiu pela demarcação continuada área de 1,7 milhão de hectares da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, a ser ocupada apenas por grupos indígenas.”. Dados fornecidos pelo IBGE em 2010 informam que existem aproximadamente 896,9 mil indígenas em todo o território nacional, um número pequeno se comparado com toda a população brasileira. O Brasil por ser povoado por várias etnias distintas é natural que tenha vários tipos de doutrinas. Os indígenas tinham crenças e religião diferentes da dos portugueses, os portugueses eram diferentes dos africanos, e os africanos eram diferentes dos italianos. Até que chegou à identidade nacional que é hoje. Com diversos costumes misturados em um único país, o governo achou necessário ao criar a CRFB/1988 ter um inciso a respeito dos dias comemorativos de cada grupo étnico, “2º A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais.” (Art.215). Este inciso preserva as datas mais importantes para cada cultura, respeitando desde Iemanjá (cultura africana) até Bumba-meu-boi (cultura brasileira). Para assegurar o direito constitucional relacionado à cultura, foi criado o inciso 3° do art.215, “§ 3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à: I – defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; II – produção, promoção e difusão de bens culturais; III – formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões; IV – democratização do acesso aos bens de cultura; V – valorização da diversidade étnica e regional” (BRASIL, 1988). A criação do Plano Nacional de Cultura (PNC), segundo o próprio Ministério da Cultura tem como objetivo: “(…) o fortalecimento institucional e definição de políticas públicas que assegurem o direito constitucional à cultura; a proteção e promoção do patrimônio e da diversidade étnica, artística e cultural; a ampliação do acesso à produção e fruição da cultura em todo o território; a inserção da cultura em modelos sustentáveis de desenvolvimento socioeconômico e o estabelecimento de um sistema público e participativo de gestão, acompanhamento e avaliação das políticas culturais” (BRASIL, 2014c, s.p;) O PNC possui 53 metas para serem alcançadas, e esses fins terão que ser alcançados até 2020. Todos os entes federados estarão envolvidos por meio do Sistema Nacional da Cultura. A Constituição Federal Brasileira de 1988, ao criar o Art. 216, ampliou a visão de patrimônio cultural ao incluir bens materiais e imateriais em tal classe. “Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico”. (BRASIL,1988). O patrimônio cultural para o Portal Brasil (2009), “pode ser definido como um bem (ou bens) de natureza material e imaterial considerado importante para a identidade da sociedade brasileira.”. Para o Iphan, o patrimônio cultural “é composto por um conjunto de bens culturais classificados segundo sua natureza, conforme os quatro Livros do Tombo: arqueológico, paisagístico e etnográfico; histórico; belas artes; e das artes aplicadas”. Em decorrência das disposições contidas na Constituição de 1988, o patrimônio cultural brasileiro ficou dividido em bens materiais e imateriais, os bens materiais podem ser moveis ou imóveis.   “Os bens tombados de natureza material podem ser imóveis como os cidades históricas, sítios arqueológicos e paisagísticos e bens individuais; ou móveis, como coleções arqueológicas, acervos museológicos, documentais, bibliográficos, arquivísticos, videográficos, fotográficos e cinematográficos”. (BRASIL, 2014b) Um exemplo de bens materiais móveis é a cidade mineira de Ouro Preto. A cidade inteira foi tombada, e não poderá haver qualquer mudança em suas ruas sem autorização. Já os bens imateriais estão relacionados com os saberes humanos, são aqueles que são passados de geração para geração, de pais para filhos.  “Os bens culturais de natureza imaterial dizem respeito àquelas práticas e domínios da vida social que se manifestam em saberes, ofícios e modos de fazer, celebrações, formas de expressão cênicas, plásticas, musicais ou lúdicas; e nos lugares (como mercados, feiras e santuários que abrigam práticas culturais coletivas). São referências culturais fundadas na tradição e manifestada por indivíduos ou grupos de indivíduos como expressão de sua identidade cultural e social”. (BRASIL, 2014a) Um dos mais famosos exemplos de patrimônio cultural imaterial são as paneleiras de Goiabeiras no Espírito Santo.  A arte e a técnica, aprendida por centenas de anos atrás, fizeram que o conhecimento das paneleiras se tornasse o primeiro bem a ser reconhecido no livro dos saberes. A criação do art. 216, não inovou somente ao quesito bens materiais e imateriais. Mas, foi graças a ele que o valor sentimental de cada objeto foi levado em consideração. O valor de cada habilidade aprendida por décadas foi reconhecido. Uma reportagem postada pelo Portal Brasil em 2014 no seu site oficial, disse que os bens imateriais estão relacionados “ao modo de ser das pessoas”. Para a proteção do Patrimônio Cultural Brasileiro foi desenvolvido o art. 216, o parágrafo 1°,  “§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação” (BRASIL, 1988). Inúmeras formas de preservação foram concebidas neste artigo. A primeira delas é o inventário. Para a revista CPC (2008, p. 121), o inventario “é instrumento de conhecimento de bens culturais, seja de natureza material ou imaterial, que subsidia as políticas de preservação do patrimônio cultural”. Em palavras mais simples, o inventário irá caracterizar e descrever as peculiaridades do patrimônio, e apontar o estado de conservação em que o bem se encontra, para a sua salvaguarda.   Os registros é outra forma de proteção para a herança cultural brasileira, para Humberto da Cunha Filho (2000, p.125), registros são “[…] uma perenização simbólica dos bens culturais. Esta perenização dá-se por diferentes meios os quais possibilitam às futuras gerações o conhecimento dos diversos estágios porque passou o bem cultural”.  Este meio de proteção foi criado principalmente para o patrimônio imaterial, essa conquista se deu graças a Mario de Andrade que em 1936 já se preocupava com a importância das manifestações e expressões populares. A vigilância é uma das proteções mais simples, é a autoridade que o Poder Público tem de se encarregar permanentemente da segurança e vigilância dos bens culturais. Enquanto o tombamento é o meio mais complexo e usado para a proteção do patrimônio cultural. Nas palavras de Maria Coeli Simões Pires, o instituto do tombamento é descrito como “[…] o ato final resultante e procedimento administrativo mediante o qual o Poder Público, intervindo na propriedade privada ou Pública, integra-se na gestão do bem móvel ou imóvel de caráter histórico, artístico, arqueológico, documental ou natural, sujeitando-o a regime jurídico especial e tutela pública, tendo em vista a realização de interesse coletivo de preservação do patrimônio”. (PIRES, 1994, p. 78) O tombamento foi “o primeiro instrumento legal de proteção do Patrimônio Cultural Brasileiro e o primeiro das Américas, e cujos preceitos fundamentais se mantêm atuais e em uso até os nossos dias.” (BRASIL, 2014a). O Brasil adotou o termo “tombo” devido ao significado da palavra que é “registro”. Logo, o termo em comento “começou a ser empregada pelo Arquivo Nacional Português, fundado por D. Fernando, em 1375, e originalmente instalado em uma das torres da muralha que protegia a cidade de Lisboa. Com o passar do tempo, o local passou a ser chamado de Torre do Tombo. Ali eram guardados os livros de registros especiais ou livros do tombo”. (BRASIL, 2014b). Atualmente, qualquer pessoa sendo física ou jurídica pode solicitar o tombamento de algum bem material com valor histórico importante. Basta “encaminhar correspondência à Superintendência do Iphan em seu Estado, à Presidência do Iphan, ou ao Ministério da Cultura.” (Iphan, 2014). A desapropriação é o meio de proteção menos utilizado, não é por acaso que ela está por último no artigo. Este meio consiste em retirar a posse do bem cultural de outrem para por em poder público, isto é permitido pelo Decreto 3.35/41.  Para Marcos Paulo de Souza Miranda (2006, P.160), “Esse tipo de desapropriação, que não pressupõe o prévio tombamento dos objetos a serem desapropriados, tem sido utilizado principalmente para a preservação de conjuntos urbanos, com o objetivo de alterar o uso de regiões da cidade de fora que conjuntos históricos e arquitetônicos não sejam deteriorados”. (MIRANDA, 2006, p. 160) A desapropriação só deve ocorrer quando os outros meios de proteção forem difícil ou impossível de se realizar.  Este artifício está relacionado a uma propriedade privada, e todo procedimento legal de ambas as partes tem que ser levados em consideração.   4 ACESSO AO PATRIMÔNIO CULTURAL E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA A palavra dignidade vem do latim dignĭtas e significa: merecimento, valor, nobreza. No dicionário Google, o significado de dignidade é a “consciência do próprio valor”. Ao que diz respeito a patrimônio cultural, a atual constituição brasileira em seu art. 216, conceitua-o como “portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” (BRASIL, 1988). O patrimônio cultural brasileiro ao ser encaixado na dignidade da pessoa humana estará preservando o seu próprio valor, o valor da identidade nacional, já que este é o significado de dignidade. A Constituição Federal Brasileira de 1988 garante o princípio da dignidade humana em seu primeiro artigo, “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político”. (BRASIL,1988, grifo nosso) Para Ingo Wolfgang Sarlet (2007), o termo dignidade da pessoa humana são os direitos e deveres que o Estado tem a obrigação de conceder para cada pessoa, e proporcionar a ela no mínimo uma vida saudável. O sobredito autor, ainda, vai lecionar que “Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”. (SARLET, 2007, p.62) Desse modo, a dignidade da pessoa humana de forma alguma poderá ser contrariada. No livro A Constituição e o Supremo (2011, p. 23), o próprio STF em seu comentário para o inciso terceiro, aprova que “a dignidade da pessoa humana precede a Constituição de 1988 e esta não poderia ter sido contrariada, em seu art. 1º, III, anteriormente a sua vigência.”. Esta frase se refere ao período da ditadura militar brasileiro, vivenciado no governo de Costa e Silva em que centenas de pessoas foram torturadas ou até mesmo desaparecidas pelo Ato Institucional n°5 (AI – 5). Nessa época, os brasileiros tiveram vários direitos que são considerados fundamentais nos dias de hoje cassados, um exemplo foi o de direito ao habeas corpos. Este foi retirado pelo AI – 5 em seu “Art. 10 – Fica suspensa a garantia de habeas corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular”. Devido à promulgação da Constituição de 1988, foi possível o estabelecimento da salvaguarda e proteção dos direitos culturais foi possível. O acesso ao patrimônio cultural foi garantido a todos pelo art. 215 da constituição. Desse modo, qualquer cidadão brasileiro possui o direito de conhecer as fontes da cultura nacional, já que graças ao art. 5°, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (BRASIL, 1988). Para garantir tal acesso, o governo brasileiro levou em consideração a educação. Segundo o Ministério da Cultura (2015), “desde os anos 60, a arte-educação foi incluída como atividade curricular nas escolas brasileiras”, os alunos aprendiam sobre teatro, capoeira, manifestações tradicionais entre outros meios de arte que estão incluídas na cultura brasileira, “a partir dessas atividades, o encantado mundo da cultura e das artes vem fortalecendo a noção de direitos para quem nunca os teve” (BRASIL, 2015). Entretanto, “nas últimas décadas, a presença da arte e da cultura foi minguando nas salas de aulas brasileiras, assim empobrecendo o ambiente das nossas escolas” (BRASIL, 2015.). Com a falta de conhecimento, muitas pessoas que pertenciam a uma cultura diferente se sentiam discriminados. Para mudar tal situação, o Ministério da Cultura optou por levar o acesso ao patrimônio cultural brasileiro até as escolas de forma mais abrangente, para que este novo conhecimento sirva “como importante meio de recuperação da autoestima de grupos humanos com acesso restrito a direitos e oportunidades, e como instrumento e coesão social” (BRASIL, 2015). Em 2014, com a grande dificuldade de acesso ao patrimônio cultural foi aprovada a lei Política Nacional de Cultura Viva (PNCV). Esta lei garante a circulação da cultura brasileira nos 26 estados brasileiros e mais o Distrito Federal. A sua função é “A Lei Cultura Viva grava a importância para o desenvolvimento cultural do povo brasileiro de uma gama enorme de experiências, manifestações, projetos e ações que acontecem pelo Brasil afora e que adquiriram significados que vão além do fazer cultural: práticas efetivas, ações, ao mesmo tempo culturais, políticas, sociais e estéticas superam o discurso sobre direitos e deveres. Cultura e dignidade humana como direito de todos os brasileiros, sem limites, nem fronteiras é isso o que representa o Cultura Viva”. (BRASIL, 2015) O Brasil, por muito tempo não deu o valor necessário a cultura. Mesmo sendo classificada como um direito fundamental, pouquíssimas ajudas eram recebidas para valoração desta, “Até o governo Lula, o Estado contribuía muito pouco, como que houvesse renunciado a cumprir sua missão constitucional de formulador e executor de uma política capaz de promover o desenvolvimento cultural da sociedade brasileira.” (BRASIL, 2015) Antes quem contribuíam para levar a cultura até as pessoas eram alguns artistas, mães de santo, líderes culturais e alguns empresários (BRASIL, 2015). Mas, após alguns anos de luta o Estado reconheceu a importância que a cultura tem na vida de cada cidadão e “nos últimos doze anos, apesar de todas as dificuldades, o Estado retomou seu lugar e seu papel na vida cultural brasileira” (BRASIL, 2015). Em outras palavras, o governo brasileiro reconheceu que a cultura é um direito de todos os cidadãos. A Constituição Cidadã também levou em consideração a educação, unindo novamente educação e cultura. Em seu art. 242, inciso primeiro, garante o conhecimento das diferentes culturas que foram responsáveis pela formação da identidade nacional “§1º O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro” (BRASIL, 1988). Todas as crianças e adolescentes que vivem no Brasil devem conhecer a história do país, já que este conhecimento se tornou um direito exigido por lei. O saber cultural, assim como a dignidade da pessoa humana não tem preço. Ao comentar o artigo primeiro, inciso terceiro da CF/1988, o STF afirma que estamos em perigo quando alguém tenta tirar nossa dignidade. “Ao afirmar que a dignidade não tem preço. As coisas têm preço, as pessoas têm dignidade. A dignidade não tem preço, vale para todos quantos participam do humano. Estamos, todavia, em perigo quando alguém se arroga o direito de tomar o que pertence à dignidade da pessoa humana como um seu valor (valor de quem se arrogue a tanto). É que, então, o valor do humano assume forma na substância e medida de quem o afirme e o pretende impor na qualidade e quantidade em que o mensure. Então o valor da dignidade da pessoa humana já não será mais valor do humano, de todos quantos pertencem à humanidade, porém de quem o proclame conforme o seu critério particular. Estamos então em perigo, submissos à tirania dos valores”. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2011, p. 23-24) Assim sendo, quando alguém declara não conhecer sua cultura, a pessoa teve um dos direitos referente à dignidade da pessoa humana retirado de si mesma. Ela deixou de usufruir de um direito que demorou décadas para se conquistado. A Carta Magna de 1988, aceita qualquer forma de expressão religiosa e crença.  Este direito está previsto no art. 5°, “VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” (BRASIL, 1988). Este inciso dar a liberdade para o cidadão escolher qualquer religião que ele queira seguir, ele pode ter acesso a várias doutrinas para escolher em qual quer se fixar. E, caso houver alguma forma de intolerância religiosa, a pessoa tem proteção assegurada pela lei n° 7.716, de 5 de janeiro de 1989, ”Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional” (BRASIL, 1989). O acesso ao patrimônio cultural se tornou algo intrínseco para a sociedade moderna. Como o país é considerado emergente, o desenvolvimento tem que está presente em todas as situações. A Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO, 2016) declara que “o momento é de reconhecimento dos direitos culturais como necessidade básica e direito dos cidadãos, o que conduz à busca de uma agenda integrada com as políticas sociais e de desenvolvimento”. Assim sendo, a cultura é indispensável para o crescimento econômico do país. Na maior festa popular do mundo, o carnaval, a música e a dança brasileira viram destaques mundiais. Nesse período, milhares de pessoas vão às ruas para festejar, e acabam gerando lucros para o país. No ano de 2016, o carnaval paulista superou a marca dos R$400 milhões em negócios (O GLOBO, 2016). Além do lucro evidente, a maior festa brasileira traz a oportunidade de demonstrar todo o seu espetáculo cultural para nações estrangeiras. 5 CONCLUSÃO Com a nova perspectiva alcançada graças à promulgação da Constituição Brasileira de 1988, os direitos culturais passaram a exercer um papel com bastante relevância para a vida do cidadão. Eles alcançaram um patamar jamais imaginado em décadas anteriores. Estes, que muitas vezes foram banidos da vida da população, se tornaram fundamentais e pétreos no século XXI. Díspar do pensamento da maioria, os direitos culturais não asseguram apenas a proteção e preservação do Patrimônio Cultural Brasileiro. Eles também asseguram a liberdade de expressão no requisito religião, muitas matrizes africanas são vista com olhos preconceituosos dentro do território nacional. Hodiernamente, é proibida qualquer forma de intolerância religiosa no país em virtude dos direitos relacionados à cultura. As matrizes africanas colaboraram de forma abundante para formar a tão conhecida identidade brasileira. Ao lado disso, é oportuno apontar que o Brasil é reconhecido internacionalmente por seus hábitos. É de grande mérito ter tantas legislações que protegem sua identificação.  No país da maior festa cultural do mundo, a cultura faz parte do dia-a-dia de cada pessoa. Os brasileiros usufruem dos direitos culturais até mesmo na educação, já que conhecer a formação da população nacional é um direito assegurado por lei.
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Responsabilidade civil do estado: uma análise das formas de responsabilidade extracontratual na jurisprudência pátria
O presente artigo versará acerca da Responsabilidade Civil do Estado por condutas omissivas e seus reflexos na jurisprudência brasileira, abordando os elementos que a constituem, suas teorias e aplicação aos casos concretos. O ponto principal deste, é a análise da Responsabilidade Extracontratual do ente estatal por omissão e seus desdobramentos doutrinários e jurisprudenciais apontando os pontos em comum e suas divergências que tornam o tema controvertido. O objetivo é demonstrar que não é absoluta a aplicação de uma ou outra teoria omissiva a todos os casos, há, portanto, uma análise do que vem sendo o entendimento mais recente da doutrina e jurisprudência sobre o assunto.
Direito Administrativo
Introdução: O presente trabalho tem por objetivo analisar a responsabilidade civil do Estado em danos causados por omissão a particulares na esfera privada, tendo em vista que este assunto tem grande importância diante das garantias constitucionais de proteção ao cidadão e em face de abusos do poder público. Será abordado, pois, a responsabilidade extracontratual do Estado e o dever de indenizar nos casos de omissão, tendo como base as teorias da responsabilidade objetiva e subjetiva. Abordaremos, ainda a evolução histórica destas teorias, a sua abordagem pela doutrina e pela jurisprudência, buscando a melhor aplicação a sua responsabilidade objetiva e subjetiva nos casos omissivos ente estatal. O primeiro tópico deste trabalho abordará a responsabilidade civil em geral, buscando conceitua-la e esclarece-la para que possamos entender e nos situarmos dentro do tema. Perpassaremos pelas teorias objetiva, identificando seus elementos, quais sejam, conduta, dano e nexo de causalidade, bem como as hipóteses de exclusão da responsabilidade e o prazo prescricional nos casos de   responsabilidade estatal por omissão. O segundo tópico abrangerá a responsabilidade civil por omissão conceituando-a, expondo posicionamentos de doutrinadores e esclarecendo seus elementos, quais sejam, a omissão genérica e a especifica, com base no dolo ou culpa, objetivando compreender ao final sua aplicação em cada caso concreto. O terceiro tópico irá expor a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e STJ e não menos importante, Tribunais Estaduais acerca da responsabilidade civil do Estado por omissão sendo aplicável a teoria subjetiva, analisando os elementos dolo e culpa. Por fim, o quarto tópico, far-se-á a abordagem da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal pertinentes a responsabilidade civil extracontratual do Estado por omissão em casos de aplicação da teoria objetiva, tendo por base a omissão especifica para caracterizar o dever de indenizar o particular por danos sofridos. Para a elaboração do presente trabalho, foi utilizado o método da pesquisa bibliográfica, pesquisa esta, que teve por base os principais doutrinadores administrativistas que lecionam sobre o tema, também entendimentos jurisprudenciais do STF, STJ e outros tribunais estaduais.    1. CONCEITO DE RESPONSABILDADE CIVIL DO ESTADO Inicialmente, vamos tratar da parte conceitual sobre responsabilidade civil do Estado, as suas nuances basilares e compreendermos o desenvolvimento das maneiras em que o Estado se comporta diante do dever de reparar os administrados fora das relações contratuais. E para adentrarmos ao tema, vamos analisar o conceito demonstrado por Maria Sylvia Zanella de Pietro. Vejamos: “A responsabilidade extracontratual do Estado corresponde à obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos” (DI PIETRO, 2014, P. 716). Inicialmente, percebemos a partir do conceito da renomada doutrinadora, que o Estado tem o dever e obrigação de reparar os danos causados, que podem ser lícito ou ilícito. Quanto a estes, é fácil percebemos o dever de reparar, visto que o ato ilícito atinge a esfera jurídica do particular, causando um dano e nada mais justo do que a sua reparação. Quanto aqueles, temos várias definições que tratam dos atos lícitos, e que no momento oportuno deste trabalho acadêmico serão abordados com maior profundidade, principalmente quando tratarmos de responsabilidade civil por omissão. Por seu turno, o doutrinador Hely Lopes Meirelles tem uma visão que ao nosso ver é mais restrita. Vejamos: “Preferimos a designação responsabilidade civil da Administração Pública ao invés da tradicional responsabilidade civil do Estado, porque, em regra, essa responsabilidade surge de atos da Administração, e não de atos do Estado como entidade política. Os atos políticos, em princípio, não geram responsabilidade civil, como veremos adiante. Mais próprio, portanto, é falar-se em responsabilidade da Administração Pública do que em responsabilidade do Estado, uma vez que é da atividade administrativa dos órgãos públicos, e não dos atos de governo, que emerge a obrigação de indenizar” (MEIRELLES, 1991, P. 529). O referido autor, diferencia a responsabilidade extracontratual sendo esta apenas os atos da administração pública, na função administrativa. Ressalte-se que os atos da administração são também feitos de atos políticos. Caracterizando assim um conceito mais restrito. Portanto, percebemos que a responsabilidade civil estatal é necessária como meio de responsabilizar Estado, este tendo várias prerrogativas diante dos particulares, prerrogativas essas que o colocam em patamar superior, e quando abusos ocorrem dolosamente ou até mesmo por omissões, resta ao particular a busca de seus direitos por meio deste instituto que é alvo do estudo do Direito administrativo. Trataremos de seus desdobramentos nos próximos tópicos afim de entendermos o seu início, a evolução dentro do ordenamento jurídico brasileiro, seus elementos essências, a responsabilidade civil por omissão do Estado com sua aplicação jurisprudencial nos tribunais brasileiros. 1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA A responsabilidade civil do Estado se faz necessária diante dos abusos e falhas da administração pública, contudo, nem sempre foi assim. Inicialmente, no cenário mundial a regra aplicada era a irresponsabilidade do Estado, como aponta Hely Lopes Meirelles: “Sob o domínio dos Governos absolutos negou-se a responsabilidade do Estado, secularizada na regra inglesa da infalibilidade real -“The King can do no wrong” -, extensiva aos seus representantes” (Meirelles,1991, P.531). Partindo-se desse preceito embrionário, aos poucos a responsabilidade civil do Estado foi tomando forma, este que até então se escusava desta responsabilidade, passou a admitir formas ainda que remotas. Os primeiros gritos se insurgiram nos Estados Unidos e na Inglaterra por meio do Federal Tort Claim Act, de 1946, e Crown Proceeding Act, de 1947, respectivamente. Ambos começaram a regular o tema sobre a responsabilidade civil do Estado. Nesta senda, esclarece Maria Sylvia Zanella di Pietro que: “Foi no século XIX o momento em que a tese da irresponsabilidade começou a ser superada. Porém, ao admitir-se, inicialmente, a responsabilidade do Estado, adotavam-se os princípios do Direito Civil, apoiados na ideia de culpa; daí falar-se em teoria civilista da culpa” (DE PIETRO, 2014, P. 727). Com o decorrer do tempo, a necessidade dos particulares de se obter êxito na busca da responsabilidade Estatal aumentou cada vez mais, visto que, a comprovação da culpa por parte do mesmo era muito difícil de se comprovar. A doutrina foi evoluindo no sentido de que não bastaria mais o requisito da culpa do agente Estatal de forma específica, porém, bastava que se não houvesse a não prestação do serviço público ou a prestação de forma ineficiente ou até mesmo a inexistência do serviço, caracterizaria a responsabilidade civil extracontratual. Há de se observar, contudo, que nesta fase, o particular estava incumbido de provar a falha do serviço público, assim esclarece José Carvalho dos Santos Filho que: “A teoria foi consagrada pela clássica doutrina de Paul Duez, segundo a qual o lesado não precisaria identificar o agente estatal causador do dano. Bastava-lhe comprovar o mau funcionamento do serviço, mesmo sendo impossível apontar o agente que provocou. A doutrina, então, cognominou o fato como culpa anônima ou falta do serviço” (CARVALHO FILHO, 2009 P.523). Posteriormente, a responsabilidade civil extracontratual foi evoluindo, e no Direito francês foi se transformando para a fase objetiva, onde o Estado arcaria com os fatos danosos a particulares, mesmo que fosse de forma licita ou ilícita, bastando a comprovação do nexo de causalidade do agente público ou do agente Estatal e o dano sofrido pelo particular. Assevera assim Maria Sylvia que a fase objetiva teve como marco o conhecido caso Blanco. Vejamos: “O primeiro passo no sentido da elaboração de teorias de responsabilidade do Estado segundo princípios do direito público foi dado pela jurisprudência francesa, com o famoso caso Blanco, ocorrido em 1873 : a menina Agnes Blanco, ao atravessar uma rua da cidade de Bordeaux, foi colhida por uma vagonete da Cia. Nacional de Manufatura do Fumo; seu pai promoveu ação civil de indenização, com base no princípio de que o Estado é civilmente responsável por prejuízos causados a terceiros, em decorrência de ação danosa de seus agentes . Suscitado conflito de atribuições entre a jurisdição comum e o contencioso administrativo, o Tribunal de Conflitos decidiu que a controvérsia deveria ser solucionada pelo tribunal administrativo, porque se tratava de apreciar a responsabilidade decorrente de funcionamento do serviço público” (DI PIETRO, 2014, P.718). Nascendo assim a responsabilidade objetiva do Estado, compreendendo-se que o administrado por si só não era capaz de suportar o ônus de provar a culpa do Estado, e este, como representante da coletividade assumiria o risco por ser incumbido de garantir o encargos de suas atividades, surgindo assim a teoria do risco Administrativo. Por seu turno, no Brasil a responsabilidade civil do Estado tomou forma na Constituição Federal de 1946 ao tratar do tema como uma forma do Estado de reparar os seus danos. Vejamos: “Art. 194 – As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros. Parágrafo único – Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes.” Percebemos que no Brasil a responsabilidade recaia apenas nas pessoas jurídicas de direito público interno, ficando de fora desse conceito as pessoas jurídicas de direito público privado. Ressalte-se ainda, que há semelhanças na ação regressiva estatal em face do agente causador da conduta, do mesmo modo que no atual modelo de responsabilidade estatal, havendo de se perquirir se houve culpa do agente, ao que nos remonta aos resquícios da fase civilista da reponsabilidade do Estado. Por sua vez, a responsabilidade objetiva que começou na carta maior de 1946 veio a ser aperfeiçoada na Constituição Federal de 1988, que em seu art. 37, § 6° consolidou o entendimento teórico da responsabilidade objetiva do Estado. Vejamos: “§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.” Apesar de ter semelhanças com a responsabilidade apontada na constituição de 1946, a nossa atual constituição inovou ao incluir as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos como pessoas passivas da responsabilidade extracontratual. Ademais, o direito de regresso contra o agente público causador do dano veio expressamente, sendo obrigado a análise da culpa ou dolo, ou seja, a responsabilidade é subjetiva em face desses agentes, cabendo ao Estado e não ao particular que teve o dano sofrido, o ônus de provar a responsabilidade. Saindo da seara constitucional e adentrando a legislação infraconstitucional, após a Carta Maior de 1988 a legislação civil trouxe em seu bojo a abordagem a respeito da responsabilidade civil do Estado. O código civil de 2002 menciona no seu art. 43 que: “Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.” A legislação ora exposta seguiu o posicionamento constitucional acerca da responsabilidade objetiva do Estado, e no tocante a esse ponto, há que se ressaltar a sua compatibilidade com o texto constitucional. Contudo, cabe uma crítica doutrinária a respeito da ausência das prestadoras de serviço público elencadas como responsáveis civilmente, como aduz Maria Sylvia: “O Código Civil de 2002 não repete a norma do artigo 15 do Código Civil de 1916. Determina, no artigo 43, que “as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos de seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores de dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo”. De certa forma, está atrasado em relação à norma constitucional, tendo em vista que não faz referência às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público” (DI PIETRO, 2014, P.722). Sendo assim, o código civil destoa do comando constitucional acerca da responsabilidade extracontratual. Todavia, o dispositivo constitucional prevalece sobre o infraconstitucional, sendo amplamente admitido e aceito pelo nosso ordenamento jurídico pátrio. 1.2 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL Passado as considerações conceituais e a evolução histórica da responsabilidade do Estado, vamos nos debruçar neste momento, sobre os elementos da responsabilidade extracontratual do Estado, qual sejam, a conduta, o nexo de causalidade e o dano. Primeiramente, vamos tratar da conduta do agente estatal. E nos vem um questionamento básico, conduta de que agente? O que entendemos sobre agente público? A lei 8.429/92, lei de improbidade administrativa traz em seu art. 2° e o art. 327 Código Penal Brasileiro, o conceito amplamente usado no mundo jurídico para acepção de agente público. Vejamos: “Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo; Art. 327 – Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. § 1º – Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.” Percebemos que o entendimento por agente público é amplo, fugindo da ideia básica de que agente público seria apenas aqueles que passassem em concurso público de provas e provas e títulos, como preconiza o art. 37, II da CF/88. No entanto, o texto legal supracitado alarga o rol de possibilidades a serem aplicadas as pessoas que podem ser elencadas como agente públicos, até mesmo aqueles que transitoriamente sejam investidos de tal prerrogativa. Superado o entendimento de agente público, a conduta que enseja reponsabilidade civil do Estado é definida por parâmetros, para que a mesma possa ser reconhecida e aplicada. E para analisarmos, a melhor doutrina, segundo Carvalho Filho estabelece que a conduta é: “A ocorrência do fato administrativo, assim considerado como qualquer forma de conduta, comissiva ou omissiva, legítima ou ilegítima, singular ou coletiva, atribuída ao Poder Público ainda que o agente estatal atue fora de suas funções mas a pretexto de exerce-las, o fato é tido como administrativo, no mínimo pela má escolha do agente (culpa in eligendo) ou pela má fiscalização da sua conduta (culpa in vigilando)”, (CARVALHO FILHO, 2009, P.531). Ressalte-se que diante da conduta do agente estatal, apertamos o gatilho da responsabilidade, ou seja, é dada a partida da tríade que vai configurar a responsabilidade extracontratual, mas só a conduta não é o suficiente, sendo necessários ainda haver o nexo de causalidade e o dano. Por seu turno, o dano é o resultado a lesão sofrida pelo particular perante o Estado, dano este, que pode ser de ordem material, mas também de cunho moral. E assim assevera Marçal Justen Filho: “A responsabilidade civil do estado depende da consumação de um dano, material ou moral, imputável a ele. O dano material consiste na redução da esfera patrimonial de um sujeito, causando a supressão ou a diminuição do valor econômico de bens ou de direitos que integravam ou poderiam vir a integrar sua titularidade. O dano moral é a lesão imaterial e psicológica, restritiva dos processos psicológicos de respeito, de dignidade e de autonomia” (JUSTEN FILHO, 2014, P.1330). A responsabilidade decorre do fato de que a lesão agride o particular fora da esfera contratual do Estado, sendo assim, efetua-se a regra constitucional de reparação de danos e por consequência a responsabilidade imposta na seara civil. No mesmo sentido de esclarecer o dano efetuado pelo Estado, e assim elenca José dos Santos Carvalho Filho: “O segundo pressuposto é o dano. Já vimos, não há que falar em responsabilidade civil sem que a conduta haja provocado um dano. Não importa a natureza do dano: tanto é indenizável o dano patrimonial como o dano moral. Logicamente, se dito lesado não prova que a conduta estatal lhe causou prejuízo, nenhuma reparação a postular” (CARVALHO FILHO, 2009, P. 531). Portanto, para que haja o dano propriamente dito, tem que existir conduta de um agente público que realmente agrida a esfera dos direitos do particular. Esse dano tem que decorrer de uma conduta comissiva, ou seja, quando o agente teve a intenção de alcançar o fim danoso. E omissiva quando o agente deixou de fazer ou fez de forma ineficiente o serviço público. Passando para a compreensão do nexo de causalidade, este, é caracterizado como o liame que envolve a conduta e o dano, para que possa haver a responsabilidade extracontratual. Desse modo, assim aduz Maria Sylvia que “seja causado danos a terceiros, em decorrência da prestação do serviço público; aqui está o nexo de causa e efeito; como o dispositivo constitucional fala em terceiros” (ZANELLA, 2014, P. 723). Continuando a análise do dano nexo de causalidade, assevera Marçal Justen Filho que: “Deve existir uma relação de causalidade necessária e suficiente entre a ação ou omissão estatal e o resultado danoso. Aplicam-se aqui as considerações acima, no sentido de ser insatisfatória a pretensão de estabelecer, de modo puro e simples, uma relação de causalidade física ou natural entre a ação ou omissão estatal e o resultado danoso. É evidente que, se o resultado danoso proveio de evento imputável exclusivamente ao próprio lesado ou de fato de terceiro ou pertinente ao mundo natural, não há responsabilidade do estado” (JUSTEN FILHO, 2014, P. 1331). Sendo assim, mister se faz a comprovação de uma relação existente da causalidade.    Ressalte-se que a responsabilidade civil do estado será comprovada apenas se houver algo que relacione a conduta do Estado, por meio de um agente estatal conjugado a um dano. Se o particular por exclusiva culpa o evento danoso ou algo de ordem natural, como por exemplo um fenômeno da natureza, ficaria desobrigado de responsabilidade o Estado. Portanto, a conjugação desses três elementos é fundamental para configurar a responsabilidade do Estado. Contudo, não é simplesmente de qualquer forma que será comprovada, mesmo sendo objetiva, há de se observar a harmonia desses elementos, fugindo um deles, poderemos estar diante de uma das hipóteses de exclusão da responsabilidade. Essa exclusão geralmente ocorre no elemento, nexo de causalidade, furtando este, como no exemplo da culpa exclusiva da vítima. Discorrendo mais sobre a exclusão do nexo de causalidade, Mateus Carvalho explica que: “Ocorre o que se denomina, na doutrina, de teoria da interrupção do nexo causal a excluir a responsabilidade estatal. Com efeito, interrompe-se o nexo de causalidade e, consequentemente, se exclui a responsabilidade do Estado todas as vezes em que a atuação do agente público não for suficiente, por si só, a ensejar o dano ora reivindicado. Dessa forma, se, por exemplo, um preso foge de um determinado presídio, encontra velhos amigos e monta uma quadrilha, meses depois, planeja um assalto a banco, ainda suborna o segurança do banco e, no assalto, assassina friamente um bancário, seria possível requerer indenização do ente público, em decorrência da fuga ocorrida meses atrás? Nestes casos, a doutrina e jurisprudência explicam que a fuga não foi suficiente a ensejar o dano à vítima, tendo concorrido para tanto outras situações que interrompem (ou excluem) a responsabilização do Estado. Essas situações, nas quais ocorre a interrupção do nexo de causalidade, são apontadas, pela doutrina, como hipóteses excludentes de responsabilidade do Estado e, em provas objetivas é comum a menção a três dessas situações, quais sejam, Caso Fortuito, Força Maior e Culpa Exclusiva da Vítima – que são, repita-se, nada mais do que hipóteses de exclusão do nexo de causalidade” (Carvalho, 2015, P.333). O conceito de caso fortuito e foça maior por vezes se confundem nos conceitos doutrinários. Podemos dizer que estes são um dos eventos alheios a vontade da administração pública. Como exemplo, temos um presidiário que estava tomando banho de sol no pátio do presidio, vindo um raio a atingi-lo com sua morte consequentemente. E para ilustrarmos a culpa exclusiva da vítima, visualizemos o caso de um motorista de ônibus de prestadora de serviço público, que é equiparado a agente público, sendo que este estava dirigindo na faixa reservada para ônibus, na velocidade permitida, tendo habilitação para tanto. E um particular qualquer, invade a faixa do ônibus, colidindo com o mesmo por excesso de velocidade e vindo esse particular a óbito. Perceba, que o motorista de ônibus estava dentro de todos os parâmetros necessários e legais de sua conduta, contudo, o particular de forma desordenada e irresponsável, quebrou o nexo de causalidade por culpa exclusiva do mesmo. Portanto, nestes casos deve ser afastada a responsabilidade extracontratual do estado. Como exemplo na jurisprudência temos um julgamento do STF a respeito da culpa exclusiva da vítima. Vejamos: “AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO NÃO CONFIGURADA. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA RECONHECIDA. NECESSIDADE DE NOVA ANÁLISE DOS FATOS E DO MATERIAL PROBATÓRIO. SÚMULA 279/STF. AUSÊNCIA DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. Acórdão recorrido que afasta o nexo de causalidade entre os danos experimentados pela parte ora agravante e a alegada falta do serviço público, assentando, ainda, a responsabilidade exclusiva da vítima. Hipótese em que resolução da controvérsia demandaria o reexame dos fatos e do material probatório constantes dos autos, de modo que a alegada afronta ao art. 37, § 6º, da Constituição encontra óbice na Súmula 279/STF. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STF – AI: 763873 SP, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 18/02/2014, Primeira Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-054 DIVULG 18-03-2014 PUBLIC 19-03-2014) Portanto, no exemplo exposto quebra-se a responsabilidade do estado por ausência de nexo causal. Analisaremos agora a prescrição da responsabilidade do estado. De logo, cumpre-nos frisar que o tema é turbulento na doutrina. Porém o prazo prescricional hoje aceito pela jurisprudência em sua maioria é de 5 anos. Tal controvérsia se dá pelo fato de algumas mudanças legislativas. Primeiramente o código civil de 1916 estabelecia o prazo prescricional de 10 anos, porém, com o advento do decreto 20.910/32 no seu art. 1° e no art. 1°-C da lei 9.494/97 estabeleceu-se o prazo para cinco anos, gerando um benefício para o Estado. Contudo, com a vigência do código civil de 2002, este prazo passou a ser de 3 anos. No entanto, esse prazo de 3 anos não deve prospera, e tal afirmativa vem sendo aceita pela maioria da doutrina, visto que o código civil de 2002 é um lei geral e esta não tem o condão de anular a lei especifica, que no nosso caso é o decreto 20.910 e a lei 9.494/97. Portanto, o prazo prescricional adotado é o de 5 anos. Vale lembrar, que, os elementos estudados da responsabilidade estatal até o momento são da teoria do risco administrativo, que como regra, estabelece ser a responsabilidade objetiva do Estado. Ressalte-se ainda, que o presente artigo cientifico vai fazer a análise da responsabilidade civil do Estado por omissão, que será alvo de tópicos posteriores, visto que, vamos explorar a responsabilidade por omissão juntamente com sua aplicação na jurisprudência brasileira. 2. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO Existem situações em que um agente público por ato comissivo causa prejuízo à particular, são chamados os danos por ação. Todavia, há casos em que o Estado fica inerte e, assim, não consegue impedir um resultado danoso à particular, são chamados de atos por omissão. São exemplos, as enchentes, roubos, assaltos, queda de uma arvore, bueiros entupidos, buracos nos asfaltos, que por ventura causar danos aos particulares. Nestes casos não há uma ação de agente público que seja causa para tais prejuízos.  Vale destacar o entendimento de José dos Santos Carvalho Filho, que em sua obra, Manual de Direito Administrativo, acredita que deve ser aplicada a responsabilização objetiva do Estado, mesmo quando decorrente de simples omissão de seus agentes. Será, pois, o Estado obrigado a ressarcir o particular, caso o Estado tenha o dever de agir e não agiu, de forma que esteja configurada uma omissão dolosa ou culposa. A omissão dolosa se dá quando o agente público encarregado de praticar a conduta decide não agir e, neste caso, não evita qualquer prejuízo. Já a omissão culposa, o agente público não agiu porque assim decidiu, mas sim por negligência na forma de exercer a função administrativa. A responsabilidade subjetiva é a obrigação de indenizar que se sobrepõe a alguém em razão de um procedimento contrário ao Direito, que pode ser doloso ou culposo, que consiste em causar dano a outrem ou deixar de impedi-lo quando obrigado a isto. Não é, pois, necessária a identificação de uma culpa individual para atribuir a responsabilidade civil do Estado, eis que a noção civilista é ultrapassada pela ideia denominada faute du servisse entre os franceses. Há a culpa do serviço ou “falta do serviço” quando este não funciona, devendo funcionar, funciona mal ou funciona atrasado. 3. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO NA JURISPRUDENCIA A Carta Magna, em seu § 6.º do art. 37, entende ser a responsabilidade civil do Estado objetiva na ação de seus agentes.  No entanto, no caso de omissão estatal, existe a responsabilidade de natureza subjetiva, em que se exige que o potencial prejudicado prove que houve culpa ou dolo por parte da Administração Pública.  Segue o entendimento doutrinário e jurisprudencial majoritário: “Em se tratando de ato omissivo, embora esteja a doutrina dividida entre as correntes dos adeptos da responsabilidade objetiva e aqueles que adotam a responsabilidade subjetiva, prevalece na jurisprudência a teoria subjetiva do ato omissivo, de modo a só ser possível indenização quando houver culpa do preposto” (STJ- Resp. 602102/RS). Sobre o tema, a jurisprudência do STJ vinha sendo idêntica à do STF ao considerar em caso de omissão do Estado a teoria subjetiva. A seguir, trechos dos Recursos Extraordinários 369820/RS e 130764/PR: “…I. – Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, esta numa de suas três vertentes, a negligência, a imperícia ou a imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço. II. – A falta do serviço – faute du service dos franceses – não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre a ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro.( Recurso Extraordinário 369820/RS) Responsabilidade civil do Estado. Dano decorrente de assalto por quadrilha de que fazia parte preso foragido vários meses antes. – A responsabilidade do Estado, embora objetiva por força do disposto no artigo 107 da Emenda Constitucional n. 1/69 (e, atualmente, no parágrafo 6. do artigo 37 da Carta Magna), não dispensa, obviamente, o requisito, também objetivo, do nexo de causalidade entre a ação ou a omissão atribuída a seus agentes e o dano causado a terceiros. – Em nosso sistema jurídico, como resulta do disposto no artigo 1.060 do Código Civil, a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade e a teoria do dano direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo causal. Não obstante aquele dispositivo da codificação civil diga respeito a impropriamente denominada responsabilidade contratual, aplica-se ele também a responsabilidade extracontratual, inclusive a objetiva, até por ser aquela que, sem quaisquer considerações de ordem subjetiva, afasta os inconvenientes das outras duas teorias existentes: a da equivalência das condições e a da causalidade adequada. – No caso, em face dos fatos tidos como certos pelo acórdão recorrido, e com base nos quais ele reconheceu o nexo de causalidade indispensável para o reconhecimento da responsabilidade objetiva constitucional, e inequívoco que o nexo de causalidade inexiste, e, portanto, não pode haver a incidência da responsabilidade prevista no artigo 107 da Emenda Constitucional n.1/69, a que corresponde o parágrafo 6. do artigo 37 da atual Constituição Com efeito, o dano decorrente do assalto por uma quadrilha de que participava um dos evadidos da prisão não foi o efeito necessário da omissão da autoridade pública que o acórdão recorrido teve como causa da fuga dele, mas resultou de concausas, como a formação da quadrilha, e o assalto ocorrido cerca de vinte e um meses após a evasão. Recurso extraordinário conhecido e provido.” (Recurso Extraordinário 130764/PR). Essa tem sido a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal, perfilhando a doutrina, entre outros, do ilustre doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello. Com efeito, do voto vencedor do Min. Sepúlveda Pertence, no julgamento do RE 237.536, em que foi relator, extrai-se a seguinte passagem: “Parece dominante na doutrina brasileira contemporânea a postura segundo a qual somente conforme os cânones da teoria subjetiva, derivada da culpa, será admissível imputar ao Estado a responsabilidade pelos danos possibilitados por sua omissão”. (RE 237.536, Rel. Min. Sepúlvera Pertence). Em outro julgado (RE 179.147, Rel. Min. Carlos Velloso), o STF, por unanimidade, firmou a distinção entre a responsabilidade civil do Estado decorrente da ação de seus agentes (responsabilidade objetiva) e aquela verificada no caso de danos possibilitados pela alegação da omissão da Administração. Transcreve-se parte da ementa do acórdão: “CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. DANO MORAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO E DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO: MORTE DE PRESIDIÁRIO POR OUTRO PRESIDIÁRIO: RESPONSABILIDADE SUBJETIVA: CULPA PUBLICIZADA: FAUTE DE SERVICE. C.F., art. 37, § 6º. I. – A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, ocorre diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa; c) e desde que haja nexo causal entre o dano e a ação administrativa. II. – Essa responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, admite pesquisa em torno da culpa da vítima, para o fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público ou da pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público. III. – Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, numa de suas três vertentes, negligência, imperícia ou imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a faute de service dos franceses. IV. – Ação julgada procedente, condenado o Estado a indenizar a mãe do presidiário que foi morto por outro presidiário, por dano moral. Ocorrência da faute de service.” O acórdão acima transcrito considerou a responsabilidade subjetiva no caso de morte de presidiário por outro presidiário. Exigindo a análise de dolo ou culpa, considerando numa de suas três vertentes, negligência, imperícia ou imprudência. Vale ressaltar recente julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul onde entendeu configurada a responsabilidade subjetiva do Estado em caso que o condutor de uma motocicleta caiu bruscamente ao solo ao tentar desviar de buraco situado na via pública.  Segue decisão: ‘EMENTA – INDENIZAÇÃO – RESPONSABILIDADE CIVIL DE ENTE PÚBLICO – QUEDA DE MOTOCICLETA AO DESVIAR DE BURACO NA VIA PÚBLICA – RESPONSABILIDADE SUBJETIVA – DANOS DE ORDEM MATERIAL – DANOS MORAIS INDEVIDOS – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Em se tratando de omissão, a responsabilidade civil de pessoa jurídica de direito público, tanto a doutrina como a jurisprudência majoritária entendem que é subjetiva, devendo, portanto, ser demonstrada a ocorrência de uma das modalidades da culpa: negligência, imperícia ou imprudência. Trata-se de doutrina baseada no que os franceses chamaram de faute du service (falta do serviço). 2. Incumbe ao Município a manutenção e conservação das vias públicas, devendo tomar todas as cautelas necessárias a fim de impedir que os munícipes sofram acidentes em decorrência de sua má conservação A inobservância deste dever, comprometendo a segurança, gera o dever de indenizar os danos materiais. 3. Não restando demonstrado o dano moral, não há se falar na sua indenização.” (TJMS, Apelação Cível 0801321-38.2013.8.12.0045, Sidrolândia, Des. Rel. Sideni Soncini Pimentel, 5ª Câmara Cível, julgado em 10/11/2015). Todavia, em algumas situações bem peculiares, o STF vem reconhecendo a responsabilidade objetiva do Estado, casos que serão demonstrados no próximo tópico. 4. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO SOB A ÓTICA DA TEORIA OBJETIVA Após a análise da responsabilidade civil do Estado por omissão na jurisprudência sob o enfoque subjetivo, passaremos a demonstrar jurisprudências e tecer comentários das mesmas no viés da responsabilidade extracontratual do Estado por omissão objetiva. Muito embora a doutrina dominante decline para a responsabilidade subjetiva do Estado nos casos de omissão, existem fundamentos e jurisprudências   plausíveis que sustentam a responsabilidade objetiva do Estado. Partindo dessa ideia, a omissão do Estado pode gerar um dano ao particular, e consequente responsabilidade objetiva, vejamos: “EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL DO PODER PÚBLICO POR OMISSÃO (ART. 107, EC 1/69).  EXPLOSÃO DE LOCAL DESTINADO AO COMÉRCIO DE FOGOS DE ARTIFÍCIO. COMUNICAÇÃO PRÉVIA À AUTORIDADE MUNICIPAL COMPROVADA. EFETIVO PAGAMENTO DE TAXA PARA EXPEDIÇÃO DE LICENÇA. AUSÊNCIA DE PRECEDENTES ESPECÍFICOS. NECESSIDADE DE SUBMISSÃO AO PLENÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. A Turma, ao apreciar agravo regimental interposto pelo município de São Paulo à decisão monocrática proferida pelo min. relator, reconheceu a existência de repercussão geral (art. 543-A, § 4º , CPC) e, considerando a inexistência de precedentes específicos – responsabilidade civil do poder público por omissão relativa à fiscalização de local destinado ao comércio de fogos de artifício cujo proprietário requerera licença de funcionamento e recolhera a taxa específica -, deu provimento ao agravo regimental para submeter o recurso extraordinário a julgamento do Plenário, oportunizando-se às partes a possibilidade de sustentações orais.”  (STF – RE: 136861 SP, Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 01/02/2011,   Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-072 DIVULG 14-04-2011 PUBLIC 15-04-2011 EMENT VOL-02504-01<span id=”jusCitacao”> PP-00080</span>) No caso em apreço, o município de são Paulo deixou de fazer a fiscalização do estabelecimento comercial de fogos de artifícios em uma área residencial, mesmo com o proprietário do negócio ter tomado as providencias necessárias junto a prefeitura municipal. No referido julgado, o município foi condenado em sede de recurso extraordinário no Supremo Tribunal federal, por responsabilidade objetiva pela omissão no não proceder em fiscalizar o estabelecimento de fogos de artifícios, omissão esta, que poderia evitar a explosão do estabelecimento. Mostrando assim, que a suprema corte adota também a responsabilidade por omissão objetiva. No mesmo entendimento: “Responsabilidade civil do Estado: morte de passageiro em acidente de aviação civil: caracterização. 1. Lavra dissenção doutrinária e pretoriana acerca dos pressupostos da responsabilidade civil do Estado por omissão (cf. RE 257.761), e da dificuldade muitas vezes acarretada à sua caracterização, quando oriunda de deficiências do funcionamento de serviços de polícia administrativa, a exemplo dos confiados ao D.A.C. – Departamento de Aviação Civil -, relativamente ao estado de manutenção das aeronaves das empresas concessionárias do transporte aéreo. 2. No caso, porém, o acórdão recorrido não cogitou de imputar ao D.A.C. a omissão no cumprimento de um suposto dever de inspecionar todas as aeronaves no momento antecedente à decolagem de cada vôo, que razoavelmente se afirma de cumprimento tecnicamente inviável: o que se verificou, segundo o relatório do próprio D.A.C., foi um estado de tal modo aterrador do aparelho que bastava a denunciar a omissão culposa dos deveres mínimos de fiscalização. 3. De qualquer sorte, há no episódio uma circunstância incontroversa, que dispensa a indagação acerca da falta de fiscalização preventiva, minimamente exigível, do equipamento: é estar a aeronave, quando do acidente, sob o comando de um “checador” da Aeronáutica, à deficiência de cujo treinamento adequado se deveu, segundo a instância ordinária, o retardamento das medidas adequadas à emergência surgida na decolagem, que poderiam ter evitado o resultado fatal.” (STF – RE: 258726 AL, Relator: SEPÚLVEDA PERTENCE, Data de Julgamento: 14/05/2002, Primeira Turma, Data de Publicação: DJ 14-06-2002 (<span id=”jusCitacao”> PP-00146 </span>EMENT VOL-02073-05<span id=”jusCitacao”> PP-01000</span>). No caso em epigrafe, em sede de recurso extraordinário, é desqualificado o acordão proferido, no que se refere ser inviável a inspeção das aeronaves antes do voo. Ora, o não agir do “checador” configurou a omissão do Estado. Sendo assim, o Estado foi responsabilizado civilmente por omissão objetiva. Ressalte-se que esse não agir quando o Estado deveria agir, ou seja, o dever legal de minimamente tomar as precauções para evitar o dano, é o cerne da omissão objetiva, se o Estado se omite ao ponto de deixar de cumprir seus deveres mínimos, cabe sim a responsabilidade civil por omissão de forma objetiva. Continuando a analise, mister se faz a exposição do julgado do Supremo Tribunal Federal, pelo ministro Dias Toffoli, vejamos: “EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Administrativo. Estabelecimento de ensino. Ingresso de aluno portando arma branca. Agressão. Omissão do Poder Público. Responsabilidade objetiva. Elementos da responsabilidade civil estatal demonstrados na origem. Reexame de fatos e provas. Impossibilidade. Precedentes. 1. A jurisprudência da Corte firmou-se no sentido de que as pessoas jurídicas de direito público respondem objetivamente pelos danos que causarem a terceiros, com fundamento no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, tanto por atos comissivos quanto por omissivos, desde que demonstrado o nexo causal entre o dano e a omissão do Poder Público. 2. O Tribunal de origem concluiu, com base nos fatos e nas provas dos autos, que restaram devidamente demonstrados os pressupostos necessários à configuração da responsabilidade extracontratual do Estado. 3. Inadmissível, em recurso extraordinário, o reexame de fatos e provas dos autos. Incidência da Súmula nº 279/STF. 4. Agravo regimental não provido”.  (STF – ARE: 697326 RS, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 05/03/2013, Primeira Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-078 DIVULG 25-04-2013 PUBLIC 26-04-2013). A suprema corte tem se também posicionado no sentido que a responsabilidade por omissão se encaixa na responsabilidade constitucional do art. 37, § 6° da CFRB, no referido julgado, o Egrégio Tribunal reconheceu a responsabilidade objetiva na omissão estatal. Demonstrando assim uma instabilidade na da jurisprudência pátria, que por vezes aponta para a responsabilidade subjetiva e outras para a objetiva. Corroborando o entendimento da possível responsabilidade por omissão objetiva, um dos defensores desta tese, José dos santos Carvalho Filho, afirma que: “Quando a conduta estatal for omissa, será preciso destingir se a omissão constitui ou não, fato gerador da responsabilidade civil do Estado. Nem toda conduta omissiva retrata um desleixo do Estado em cumprir um dever legal; se assim for, não se configurará a responsabilidade estatal. Somente quando o Estado se omitir diante do dever legal de impedir a ocorrência do dano é que será responsável civilmente e obrigado a reparar os prejuízos.” Sendo assim, se Estado não agir com desídia em sua atuação para evitar o dano por meio da omissão, não vamos vislumbrar a responsabilidade por omissão objetiva. Continuando na jurisprudência, na negação ao provimento ao agravo de instrumento do interposto pelo Estado da Paraíba, confirmando a decisão do juízo a quo, a ministra do supremo tribunal federal Carmem Lucia confirmou a decisão vejamos: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. OMISSÃO ESTATAL. ROMPIMENTO DE BARRAGEM. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA N. 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.” (STF – RE: 698254 PB, Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 11/09/2012, Segunda Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-188 DIVULG 24-09-2012 PUBLIC 25-09-2012). “Não restam dúvidas ao analisarmos o vasto caderno processual que, de fato, estamos diante de uma omissão específica do Estado da Paraíba, qual seja, a fiscalização e manutenção da Barragem. Com isso, a responsabilidade de indenizar do ente público necessita de prova da ocorrência do ato danoso, omissão específica e nexo de causalidade entre ambos. Assim, temos que óbvia é a ocorrência do evento danoso, vastamente divulgado na imprensa falada e escrita. No que tange à omissão específica, a mesma se verificou já que há alguns meses a Barragem vinha apresentando problemas e não houve a prática de atos comissivos para a resolução do problema. Em relação ao nexo de causalidade, não carece maiores explanações devido à sua obviedade solar. Desta forma, o Estado foi negligente, imprudente, já que confiou na sorte, e até imperito, pois não previu as possibilidades da concretização do evento”. No caso em apreço a omissão do estado foi determinante para ocorrer o dano do rompimento da barragem, é certo que houve uma omissão capaz de ensejar a responsabilidade por omissão objetiva, por isso que foi mantida a decisão do juízo a quo. Ressalte-se ainda, que a omissão do Estado em fiscalizar, sanar, ou até mesmo intervir se for preciso, não tem como classificar essa omissão subjetiva, como dependendo de dolo ou culpa. No caso em epigrafe, apesar do evento ser organizado pela a igreja em conjunto com o estado, não tem como afastar a omissão em que ensejou o Estado, quando a artista foi agredida por pessoa da plateia, o Estado tinha o dever de manter a segurança no local evento, e por isso essa omissão acarretou na responsabilização objetiva estatal com o dever de indenizar. Por conseguinte, é notório que a jurisprudência pátria tem se posicionado de forma divergente. Percebemos que no âmbito do Supremo Tribunal Federal é bem aceita a ideia da responsabilidade do estado por omissão subjetiva, contudo, temos jurisprudência em todo judiciário nacional acerca da responsabilidade por omissão objetiva. Sendo assim, a jurisprudência ainda deve oscilar entre as duas formas de responsabilidade por omissão, afim de que com o decorrer dos anos e o amadurecimento da jurisprudência possamos concluir qual responsabilidade por omissão prevalecerá. CONCLUSÃO Concluímos, pois, que a responsabilidade civil do Estado é fundamental na relação do Poder Público com os particulares. A administração pública é a responsável por gerir a condução do desenvolvimento nacional, sendo esta, incumbida de usar do seu poder dever de garantir os direitos fundamentais do cidadão. Quando o Estado nesse dever, deixa de atender as necessidades da coletividade está sujeito a sanções civis. Ao analisarmos esta responsabilidade, fomos a suas raízes históricas partindo dos primórdios do entendimento sobre Estado, e assim, percebemos que ao longo dos séculos o que se pensava sobre responsabilidade civil do Estado evoluiu e transformou-se até chegar na compreensão que prevê o art. 37, § 6º da Constituição Federal de 1988. Chegamos ao cerne do nosso trabalho cientifico, que seria o esmiuçamento da responsabilidade civil por omissão, tema este, que é muito controverso e tem opiniões divergentes tanto na doutrina como na jurisprudência pátria. Por fim, este artigo cientifico entende que a doutrina e a jurisprudência são divergentes acerca do tema, que mesmo com a predominância da responsabilidade civil por omissão ser subjetiva, não há como nos desviarmos da responsabilidade extracontratual por omissão objetiva. As duas teorias são controversas, só o tempo e a consolidação da doutrina e jurisprudência, poderá estabelecer a melhor aplicação da responsabilidade civil por omissão. Portanto, o instituto da responsabilidade civil é fundamental para a reparação de danos causados pelo ente estatal, tanto comissivos como omissivos, que garante ao particular a proteção de direitos fundamentais estampados na carta maior.
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O que são os Conselhos Profissionais? Uma análise da jurisprudência sobre o regime de pessoal das Autarquias Coorporativas
O regime de contratação de pessoal dos Conselhos Profissionais é polêmico em razão da ausência de previsões constitucionais e legislativas expressas. São também extremamente escassas as obras doutrinárias sobre o assunto, geralmente resumidas a pequenas referências em manuais. A construção do regime jurídico dos Conselhos e, consequentemente, do regime de pessoal destes é, principalmente, jurisprudencial por julgados dos tribunais superiores e decisões do TCU, motivo pelo qual basearão esta análise. O presente trabalho pretende, então, lançar um rápido exame sobre as principais alterações legislativas e decisões dos Tribunais Superiores relativas ao regime de pessoal dos Conselhos Profissionais: I) o regime jurídico de direito público dos conselhos profissionais; II) a obrigatoriedade de contratação exclusivamente por concurso público; III) a questão dos “empregados em comissão”; III) o regime jurídico aplicável: celetista ou estatutário. Ao final, espera-se demonstrar a necessidade de adequação do pessoal dessas autarquias ao Regime Estatutário, em consonância com a Constituição Federal e Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Direito Administrativo
I. INTRODUÇÃO Os Conselhos de Fiscalização Profissional foram, em sua maioria, criados há cerca de 5 (cinco) décadas. Inicialmente, as normas que os instituíram previam que eles teriam natureza pública, mas seriam hierárquica e funcionalmente desvinculados do Poder Executivo. Assim, foram agrupados como “autarquias” pela doutrina e jurisprudência, embora tivessem organização mais semelhante à de entidades privadas que recebem contribuições para fiscais e prestam serviços de interesse público ou social, previstas no Art. 183 do Decreto-lei 200/67 (QUINTINO, 2008, p. 152-153). A conceituação das entidades e organizações de interesse público está no Art. 183 do Decreto-lei 200/67: “Art . 183. As entidades e organizações em geral, dotadas de personalidade jurídica de direito privado, que recebem contribuições para fiscais e prestam serviços de interêsse público ou social, estão sujeitas à fiscalização do Estado nos têrmos e condições estabelecidas na legislação pertinente a cada uma”. A das autarquias, no Art. 5º, I do DL 200/67: “Art. 5º Para os fins desta lei, considera-se: I – Autarquia – o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada”. A Constituição Federal de 1988, por sua vez, não estabeleceu de modo expresso a natureza jurídica dos Conselhos de Fiscalização Profissional. Da mesma forma, não há referência específica constitucional sobre o regime de pessoal dos Conselhos. É encontrada, apenas, de forma genérica, a previsão de um Regime Jurídico Único no Art. 39 do texto original da Carta “para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas” (BRASIL, 1988). O regime de contratação de pessoal dos Conselhos Profissionais, pela ausência de previsões constitucionais e legislativas expressas, é polêmico. São, também, extremamente escassas as obras doutrinárias sobre o assunto, geralmente resumidas a pequenas referências em manuais. A construção do regime jurídico dos Conselhos e, consequentemente, do regime de pessoal destes é, principalmente, jurisprudencial por julgados dos tribunais superiores e decisões do TCU, motivo pelo qual basearão esta análise. O presente trabalho pretende, então, lançar um rápido exame sobre as principais alterações legislativas e decisões dos Tribunais Superiores relativas ao regime de pessoal dos Conselhos Profissionais. Ao final, espera-se demonstrar a necessidade de adequação do pessoal dessas autarquias ao Regime Estatutário, em consonância com a Constituição Federal e Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. II. DO REGIME JURÍDICO DE DIREITO PÚBLICO DOS CONSELHOS PROFISSIONAIS E DA OBRIGATORIEDADE DE CONTRATAÇÃO EXCLUSIVAMENTE POR CONCURSO PÚBLICO Alguns autores discordam da classificação dos Conselhos como autarquias porque o fato de as entidades serem criadas por lei, apesar do disposto no Art. 37, XIX da CF/88, não induz que, necessariamente, todas as pessoas jurídicas criadas por lei serão autarquias (QUINTINO, 2008, p.52-53). A própria fiscalização profissional, para parte da doutrina, não seria atividade típica da Administração Pública (QUINTINO, 2008, p. 53). O regime de adesão obrigatória ao Conselho Profissional também não implicaria, por si só, na caracterização da entidade como pública (QUINTINO, 2008, pp. 147-148). Aprofundando a observação deste autor, poder-se-ia apontar outras entidades, como as do “Sistema S”, em que haveria contribuições obrigatórias por particulares, mas isso não as tornaria públicas ou mesmo autarquias. Apesar de a Constituição apenas ter tipificado as figuras das autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista como entidades da Administração Indireta, isso não impossibilitaria, em tese, a criação de outras entidades (QUINTINO, 2008, p. 53). Seguindo o entendimento apontado, o Art. 58 da Lei 9.649/98 transformou os Conselhos Profissionais em entidades de direito privado por delegação do Poder público, mediante autorização legislativa, com exceção da OAB: “Art. 58. Os serviços de fiscalização de profissões regulamentadas serão exercidos em caráter privado, por delegação do poder público, mediante autorização legislativa. (Vide ADIN nº 1.717-6) § 1º A organização, a estrutura e o funcionamento dos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas serão disciplinados mediante decisão do plenário do conselho federal da respectiva profissão, garantindo-se que na composição deste estejam representados todos seus conselhos regionais. (Vide ADIN nº 1.717-6) § 2º Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, dotados de personalidade jurídica de direito privado, não manterão com os órgãos da Administração Pública qualquer vínculo funcional ou hierárquico. (Vide ADIN nº 1.717-6) § 3º Os empregados dos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas são regidos pela legislação trabalhista, sendo vedada qualquer forma de transposição, transferência ou deslocamento para o quadro da Administração Pública direta ou indireta. § 4º Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas são autorizados a fixar, cobrar e executar as contribuições anuais devidas por pessoas físicas e jurídicas, bem como preços de serviços e multas, que constituirão receitas próprias, considerando-se título executivo extrajudicial a certidão relativa aos créditos decorrentes. (Vide ADIN nº 1.717-6) § 5º O controle das atividades financeiras e administrativas dos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas será realizado pelos seus órgãos internos, devendo os conselhos regionais prestar contas, anualmente, ao conselho federal da respectiva profissão, e estes aos conselhos regionais. (Vide ADIN nº 1.717-6) § 6º Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, por constituírem serviço público, gozam de imunidade tributária total em relação aos seus bens, rendas e serviços. (Vide ADIN nº 1.717-6) § 7º Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas promoverão, até 30 de junho de 1998, a adaptação de seus estatutos e regimentos ao estabelecido neste artigo. (Vide ADIN nº 1.717-6) § 8º Compete à Justiça Federal a apreciação das controvérsias que envolvam os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, quando no exercício dos serviços a eles delegados, conforme disposto no caput. (Vide ADIN nº 1.717-6) § 9º O disposto neste artigo não se aplica à entidade de que trata a Lei no 8.906, de 4 de julho de 1994”. Entretanto, após discussão doutrinária, o STF resolveu sobre a natureza pública da autarquia dos Conselhos profissionais na ADI 1717. Neste julgado, foi declarada a inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei nº 9.649, de 27.05.1998, que atribuíam personalidade jurídica de direito privado às entidades: “EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 58 E SEUS PARÁGRAFOS DA LEI FEDERAL Nº 9.649, DE 27.05.1998, QUE TRATAM DOS SERVIÇOS DE FISCALIZAÇÃO DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS. 1. Estando prejudicada a Ação, quanto ao § 3º do art. 58 da Lei nº 9.649, de 27.05.1998, como já decidiu o Plenário, quando apreciou o pedido de medida cautelar, a Ação Direta é julgada procedente, quanto ao mais, declarando-se a inconstitucionalidade do "caput" e dos § 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º do mesmo art. 58. 2. Isso porque a interpretação conjugada dos artigos 5°, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados. 3. Decisão unânime”. (BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 1717, Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 07/11/2002, DJ 28-03-2003 PP-00061 EMENT VOL-02104-01 PP-00149). O julgado afirmou a natureza autárquica dos Conselhos, principalmente, pela indelegabilidade do Poder de Polícia estatal, exercido por meio dos Conselhos Profissionais, à iniciativa privada. A jurisprudência citada tem sido reafirmada desde então pelo STF, como se vê em recente acórdão: “Ementa: 1) MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. ATO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. NATUREZA JURÍDICA. AUTARQUIA FEDERAL. ENTIDADES CRIADAS POR LEI. FISCALIZAÇÃO DE EXERCÍCIO PROFISSIONAL. ATIVIDADE TIPICAMENTE PÚBLICA. DEVER DE PRESTAR CONTAS. 2) EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO. ART. 37, II, DA CRFB. 3) DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. DECISÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO PROFERIDA MESES DEPOIS DA REALIZAÇÃO DA SELEÇÃO SIMPLIFICADA PELO IMPETRANTE. 4) SEGURANÇA DENEGADA. 5) EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PREJUDICADOS. 1. As autarquias, forma sob a qual atuam os conselhos de fiscalização profissional, que são criados por lei e possuem personalidade jurídica de direito público, exercendo uma atividade tipicamente pública, qual seja, a fiscalização do exercício profissional, é de rigor a obrigatoriedade da aplicação a eles da regra prevista no artigo 37, II, da CF/1988, quando da contratação de servidores. Precedentes (RE 539.224, Rel. Min. Luiz Fux, DJe18/6/2012). 2. In casu, o Acórdão nº 2.690/2009 do TCU determinou ao Conselho Federal de Medicina Veterinária que: “9.4.1. não admita pessoal sem a realização de prévio concurso público, ante o disposto no art. 37, inciso II, da Constituição Federal, e adote as medidas necessárias, no prazo de sessenta dias, a contar da ciência deste Acórdão, para a rescisão dos contratos ilegalmente firmados a partir de 18/5/2001;” 3. Segurança denegada”. (BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MS 28469, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 09/06/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-151 DIVULG 31-07-2015 PUBLIC 03-08-2015). Quanto à contratação por concurso público, há previsão legislativa expressa de sua necessidade para admissão de empregados públicos para além do Art. 37, II da Constituição da República de 1988. A Lei 9.962/2000, que disciplina o regime de emprego público do pessoal da Administração federal direta, autárquica e fundacional, prevê, expressamente, que a contratação de pessoal na Administração federal direta, autárquica e fundacional deve ser precedida de concurso público: “Art. 2º A contratação de pessoal para emprego público deverá ser precedida de concurso público de provas ou de provas e títulos, conforme a natureza e a complexidade do emprego”. O STJ, em julgado de 03/02/2016 e acompanhando a jurisprudência do STF, reafirma a natureza autárquica dos Conselhos de Fiscalização Profissional. Portanto, a estes se aplica o regime jurídico de direito público e a necessidade de contratação exclusivamente por concurso público: “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. ALTERAÇÃO DO ART. 114 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EC 45/2004. PREVALÊNCIA DA SÚMULA 66 DO STJ. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. NATUREZA JURÍDICA. AUTARQUIA FEDERAL. REGIME ESTATUTÁRIO. DEMISSÃO. AUSÊNCIA DO REGULAR PROCESSO ADMINISTRATIVO. NULIDADE. PRECEDENTE DO STF E DO STJ. 1. Permanece incólume a Súmula 66/STJ, embora a Emenda Constitucional 45/2004, ao dar nova redação ao art. 114 da Constituição Federal, tenha ampliado a competência da Justiça do Trabalho de maneira expressiva, passando a estabelecer, nos incisos I e VII do citado dispositivo, que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar "as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios" e "as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho". 2. Com efeito, segundo a orientação da Primeira Seção desta Corte de Justiça, a atividade fiscalizatória exercida pelos conselhos profissionais, decorrente da delegação do poder de polícia, está inserida no âmbito do direito administrativo, não podendo ser considerada relação de trabalho e, consequentemente, não está incluída na esfera de competência da Justiça Trabalhista. 3. Os conselhos de fiscalização profissional possuem natureza jurídica de autarquia, sujeitando-se, portanto, ao regime jurídico de direito público. Precedentes do STF e do STJ. 4. Até a promulgação da Constituição Federal de 1988, era possível, nos termos do Decreto-Lei 968/1969, a contratação de servidores, pelos conselhos de fiscalização profissional, tanto pelo regime estatutário quanto pelo celetista, situação alterada pelo art. 39, caput, em sua redação original. 4. Para regulamentar o disposto na Constituição, o legislador inseriu na Lei 8.112/1990 o art. 253, § 1º, pelo qual os funcionários celetistas das autarquias federais passaram a ser servidores estatutários, não mais sendo admitida a contratação em regime privado, situação que perdurou até a edição da Emenda Constitucional 19/1998 e da Lei 9.649/1998. 5. No julgamento da ADI 1.717/DF, o Supremo Tribunal Federal reafirmou a natureza jurídica de direito público dos conselhos fiscalizadores, ao declarar a inconstitucionalidade do art. 53 da Lei 9.649/98, com exceção do § 3º, cujo exame ficou prejudicado pela superveniente Emenda Constitucional 19, de 4 de junho de 1998, que extinguiu a obrigatoriedade do Regime Jurídico Único. 6. Em 2 de agosto de 2007, porém, o Supremo Tribunal Federal deferiu parcialmente medida liminar na ADI 2.135/DF, com efeitos ex nunc, para suspender a vigência do art. 39, caput, da Constituição Federal, com a redação atribuída pela referida emenda constitucional. Com essa decisão, subsiste, para a administração pública direta, autárquica e fundacional, a obrigatoriedade de adoção do regime jurídico único, ressalvadas as situações consolidadas na vigência da legislação editada nos termos da emenda declarada suspensa. 7. In casu, o agravado foi contratado pelo Conselho Regional de Contabilidade do Estado do Rio Grande do Sul em 5 de junho de 2006, tendo sido demitido em 14 de janeiro de 2013, ou seja, após o mencionado julgamento da Suprema Corte, sem a observância das regras estatutárias então em vigor. Assim, existe ilegalidade na demissão por ausência de prévio processo administrativo, uma vez que, à época do ato, o ora agravado estava submetido ao regime estatutário. 8. Agravo Regimental não provido”. (BRASIL SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AgRg no AgRg no AREsp 639.899/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/11/2015, DJe 03/02/2016). O TCU, como não poderia deixar de ser, também entende que a contratação de pessoal pelos Conselhos Profissionais deve ser realizada exclusivamente por concurso público: “TC-016.441/2005-7 (c/ 03 anexos). Natureza: Representação. Entidades: Conselho Regional de Técnicos em Radiologia/PR, Conselho Regional de Biblioteconomia/PR, Conselho Regional de Psicologia/PR, Ordem dos Músicos do Brasil – Conselho Regional do Estado do Paraná, Conselho Regional de Fonoaudiologia/PR, Conselho Regional de Serviço Social/PR, Conselho Regional de Química/PR, Conselho Regional de Museologia/PR, Conselho Regional de Administração/PR, Conselho Regional de Contabilidade/PR, Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia/PR, Conselho Regional de Odontologia/PR, Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional/PR, Conselho Regional de Representantes Comerciais/PR, Conselho Regional de Medicina Veterinária/PR, Conselho Regional de Corretores de Imóveis/PR, Conselho Regional de Economia/PR, Conselho Regional de Farmácia/PR, Conselho Regional de Enfermagem/PR, Conselho Regional de Educação Física/PR, Conselho Regional de Medicina/PR.  SUMÁRIO: REPRESENTAÇÃO. CONSELHOS DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. ADMISSÃO DE PESSOAL SEM CONCURSO PÚBLICO. PROCEDÊNCIA. 1. Os conselhos de fiscalização profissional sujeitam-se aos princípios constitucionais aplicáveis à Administração Pública e devem, portanto, observar a regra do concurso público para a admissão de pessoal. 2. São irregulares as contratações de pessoal sem concurso público a partir de 18/05/2001, data da publicação no Diário da Justiça da deliberação do Supremo Tribunal Federal acerca do julgamento do mérito do Mandado de Segurança n. 21.797-9. BRASIL. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. ACÓRDÃO 578/2006. PLENÁRIO. Relator MARCOS BEMQUERER. Processo 016.441/2005-7. Tipo de processo REPRESENTAÇÃO (REPR). Data da sessão 19/04/2006. Número da ata 15/2006. Unidade Técnica SECEX-PR – Secretaria de Controle Externo – PR”. No inteiro teor do TC-016.441/2005-7, já citado, o TCU explicita a tese da inconstitucionalidade da contratação de pessoal pelos Conselhos de Fiscalização Profissional sem concurso público: “o entendimento do Supremo Tribunal Federal – STF por ocasião do julgamento do Mandado de Segurança n. 21.797-9 e da ADIN n. 1.717/DF, cuja eficácia deu-se com a publicação no Diário da Justiça em 18/05/2001 e 28/03/2003, respectivamente; nesta assentada o STF se pronunciou, em definitivo, pela natureza autárquica dos referidos conselhos e pela procedência da Ação, declarando a inconstitucionalidade do art. 58, caput, e seus parágrafos, da Lei Federal n. 9.649/1998, ficando assim obrigatória a realização de concurso público para a admissão de pessoal, ainda que de modo simplificado (Acórdãos TCU ns. 1.720/2003 e 341/2004, ambos do Plenário), informando a este Tribunal no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, as medidas adotadas pelo Conselho Federal e Regionais para a rescisão dos contratos ilegalmente firmados a partir de 18/05/2001, data da publicação no Diário da Justiça do julgamento do mérito do Mandado de Segurança n. 21.797-9 (TC 015.344/2002-4);”. BRASIL. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. ACÓRDÃO 578/2006. PLENÁRIO. Relator MARCOS BEMQUERER. Processo 016.441/2005-7. Tipo de processo REPRESENTAÇÃO (REPR). Data da sessão 19/04/2006. Número da ata 15/2006. Unidade Técnica SECEX-PR – Secretaria de Controle Externo – PR. Assim, não restam dúvidas de que a contratação de pessoal em Conselhos Profissionais deve ser realizada exclusivamente por concurso público após o Mandado de Segurança n. 21.797-9 e da ADIN n. 1.717/DF, cuja eficácia deu-se com a publicação no Diário da Justiça em 18/05/2001 e 28/03/2003. A obrigatoriedade de realização de concurso público se deve à natureza autárquica dessas entidades, bem como pelo desempenho de atividades que exigem poder de polícia e são indelegáveis à iniciativa privada, ressalvadas as vozes doutrinárias em sentido contrário (QUINTINO, 2008). Entretanto, há divergência sobre se o regime jurídico de pessoal seria de Direito Administrativo e os empregados, obrigatoriamente, submetidos ao Regime Jurídico Único da União ou se o regime cabível seria o Celetista. A jurisprudência diverge sobre o tema e, atualmente, nem mesmo entre os Conselhos há consenso. Alguns contratam pelo Regime Celetista, enquanto há decisões judiciais obrigando outros a aderir ao RJU (FREITAS, 2013, 86-114), como se passa a expor. III. A QUESTÃO DOS “EMPREGADOS EM COMISSÃO”. Conforme exposto, os empregados públicos efetivos dos Conselhos Profissionais devem ser contratados, obrigatoriamente, por concurso público. Todavia, são levantadas dúvidas sobre a possibilidade de contratação para “empregos em comissão” para as funções de direção, chefia e assessoramento. Isso porque, conforme exposto, a maioria dos Conselhos ainda contrata pessoal pelo regime celetista. A literalidade do Art. 37, II da CR/88 apenas faz menção à figura do “cargo em comissão”: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;”. Como se percebe, a Constituição apenas prevê “cargo em comissão”, cargo este regido pelo regime jurídico estatutário e declarado em lei de livre nomeação e exoneração. Não seria possível, segundo a literalidade da CR/88, a criação de “empregos públicos” sob regime de livre nomeação e exoneração, apenas cargos públicos. A Lei 9.962/2000, que disciplina o regime de emprego público do pessoal da Administração federal direta, autárquica e fundacional, já citada, proíbe expressamente que pessoal contratado por Cargo em Comissão seja submetido ao Regime Celetista na Administração Pública: “Art. 1º O pessoal admitido para emprego público na Administração federal direta, autárquica e fundacional terá sua relação de trabalho regida pela Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e legislação trabalhista correlata, naquilo que a lei não dispuser em contrário. § 1º Leis específicas disporão sobre a criação dos empregos de que trata esta Lei no âmbito da Administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo, bem como sobre a transformação dos atuais cargos em empregos. § 2º É vedado: I – submeter ao regime de que trata esta Lei: a) (VETADO) b) cargos públicos de provimento em comissão; II – alcançar, nas leis a que se refere o § 1o, servidores regidos pela Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990, às datas das respectivas publicações. § 3o Estende-se o disposto no § 2o à criação de empregos ou à transformação de cargos em empregos não abrangidas pelo § 1º”. O MPT e o MPF vêm atuando de forma enérgica contra o “emprego em comissão”. Como consequência, o emprego em comissão será extinto na ECT[1] e a Justiça Trabalhista anulou empregos em comissão na Eletrobrás[2]. Nesse sentido, jurisprudência do TST: “AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. CONTRATO NULO. A Corte Regional reconheceu que a contratação do autor se deu sem a aprovação em concurso público, à margem do disposto no artigo 37, II, da Constituição Federal. A indicação de afronta ao artigo 7º, I, da Constituição Federal não tem o condão de impulsionar o apelo, pois não se trata de dispensa arbitrária ou sem justa causa, mas sim da nulidade da relação. Agravo de instrumento a que se nega provimento”. (AIRR – 1863-95.2011.5.10.0003, Relator Ministro: Cláudio Mascarenhas Brandão, Data de Julgamento: 21/10/2015, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 29/10/2015) No inteiro teor do acórdão citado há trecho elucidativo sobre a questão: “Com a promulgação da Carta da República de 1988, ficou definitivamente obstada a contratação de empregado pela Administração Pública direta e indireta sem a prévia aprovação em concurso público, conforme dicção expressa do artigo 37, inciso II, nos seguintes termos: ‘a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.’ A norma em comento foi expressa em exigir a submissão a concurso público para a investidura em cargos ou empregos públicos, sendo os ocupantes desses últimos regidos pela legislação trabalhista. A exceção da contratação por tempo determinado, para atender necessidade temporária de excepcional interesse público (CRFB, art. 37, inciso IX), a possibilidade de investidura nos quadros da administração pública sem a realização do concurso público ocorre em relação aos cargos declarados em lei de livre nomeação e exoneração. Estes são os chamados cargos em comissão destinados apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento (CRFB, artigo 37, V), submetendo-se os seus ocupantes ao regime estatutário. A Constituição da República não faz alusão à figura do ‘emprego em comissão’, que seria uma situação sui generis do dito ‘cargo em comissão’, pois, apesar de destinados à função de direção, chefia e assessoramento, de livre nomeação e exoneração, estariam os seus ocupantes sujeitos às normas trabalhistas”. Ainda, nos raros casos em que julgados do TST[3] admitem empregados em comissão, a Corte exige lei para sua criação. No entanto, como destacado, os empregos públicos do Conselhos Profissionais são criados por atos administrativos, na contramão da jurisprudência: “NECESSIDADE DE PREVISÃO LEGAL. O Tribunal Regional assentou que os empregos em comissão no âmbito da Administração Indireta se sujeitam à previsão em lei, sendo claro no sentido de que inexiste "instrumento legal instituindo empregos em comissão no âmbito da empresa ré", ora Agravante, logo não está caracterizada a violação dos arts. 37, II, e 173, § 1º, II, da CF/88. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se nega provimento”. (BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. AIRR – 89-16.2010.5.10.0019. Relatora Desembargadora Convocada: Cilene Ferreira Amaro Santos, Data de Julgamento: 21/10/2015, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 23/10/2015) Nos Conselhos profissionais, a conduta fica ainda mais delicada. Os Planos de Cargos, Carreiras e Salários, em regra, não são criados por lei, mas por Resoluções Administrativas das entidades (FREITAS, 2013, 86-114). Assim, caso seja autorizado que criem, livremente, cargos comissionados, a autarquia poderia, facilmente, burlar a obrigatoriedade da contratação de empregados por via do concurso público. Bastaria continuar a “inventar” empregos como “gerentes” e “assessores” diversos para empregar apadrinhados políticos ou quem fosse do interesse da diretoria da entidade. Destaca-se que a própria diretoria de um Conselho Profissional é eleita pelos pares da profissão, possuindo interesses políticos. Assim, nesse trabalho, entendemos pela inconstitucionalidade do uso de emprego em comissão para direção, chefia e assessoramento em Conselhos Profissionais, devendo as funções serem preenchidas por empregados aprovados previamente em concurso público. Dessa forma, com a contratação isonômica, imparcial e após a aferição da capacidade técnica do profissional por concurso público, esperamos que haverá maior controle sobre as normas de Direito Público dos Conselhos (licitações e contratos), bem como profissionalização e autonomia da fiscalização. Apesar de todo impasse, o TCU tem admitido empregos em Comissão nos Conselhos Profissionais. Segundo Orientações do próprio órgão às entidades, cabendo citar: “7.2.3 Cargos Comissionados Ao analisar o TC 016.756/2003 – 0, relativo ao percentual de cargos comissionados junto aos Conselhos de Fiscalização Profissional, o TCU concluiu da seguinte forma (Acórdão TCU 0341 – Plenário): • Necessidade de os conselhos de fiscalização profissional adequarem suas instruções normativas internas ao art. 37, inciso V, da Constituição Federal, estabelecendo, ainda, o percentual mínimo de 50% dos cargos em comissão a serem preenchidos por empregados de carreira, a exemplo da orientação fixada pelo art. 14 da Lei 8.460/92. • Nos termos das disposições constantes do art. 37, inciso V, da Constituição Federal, ‘as funções de confiança devem ser exercidas, exclusivamente, por servidores ocupantes de cargos ou empregos efetivos, enquanto que os comissionamentos, jungidos ao aspecto de confiança, devem ser preenchidos, preferencialmente, por servidores efetivos do quadro de carreira da entidade, em percentuais pré-fixados, destinando-se estes, apenas, às atribuições próprias de direção, chefia e assessoramento’. • Inexistindo lei que estabeleça para os conselhos os percentuais mínimos, seria plausível fixar o percentual de 50% dos comissionamentos para o pessoal com vínculo efetivo com as entidades, ficando a outra metade para livre escolha dos administradores. • Para que seja evitada a ocorrência de fraude à exigência de concurso público, os casos de terceirizações devem limitar-se às modalidades de mão de obra que não constituem ‘invasão ou substituição das atribuições próprias e inerentes ao pessoal do quadro de carreira’ (TCU, 2014, p. 110)”. Dessa forma, o TCU tem aceitado a existência de “empregados em comissão” nos Conselhos Profissionais, desde que respeitado o parâmetro mínimo de 50% dos empregos preenchidos pelo pessoal de carreira. Esses empregos em comissão deverão, também, ser exclusivos para funções de “direção, chefia e assessoramento” e não implicarem em “invasão ou substituição das atribuições próprias e inerentes ao pessoal do quadro de carreira”. Respeitados esses requisitos, seriam legais as contratações. Todavia, entendemos que este entendimento viola o Art. 37, II da Constituição da República caso o Conselho Profissional contrate pessoal pelo regime do “emprego público”, pois não tem previsão constitucional a figura do “empregado em comissão”, além de violar a literalidade do Art. 1º, § 2º, I, b da Lei 9.962/2000. IV. DO REGIME JURÍDICO APLICÁVEL: CELETISTA OU ESTATUTÁRIO. O ponto mais polêmico sobre o regime jurídico de pessoal dos Conselhos Profissionais é a questão se o pessoal deveria ser contratado pelo regime celetista ou estatutário. Para não fazer referência à origem remota da controvérsia, será analisada apenas a questão pós Constituição de 1988, que estabeleceu, em seu Art. 39, o Regime Jurídico Único (estatutário) para os servidores das autarquias da Administração Indireta. Conforme exposto no tópico II, a Lei 9.649/1998, em seu Art. 58, estabeleceu a natureza privada dos Conselhos de Fiscalização das Profissões. Como consequência, seus empregados seriam contratados por meio do regime celetista e dispensado o concurso público. Na ADI 1.717, já citada, o STF julgou diversos dispositivos da Lei nº 9.649/1998 inconstitucionais, em especial o que estabeleciam a natureza privada das entidades. Entretanto, na data deste julgamento, 07/11/2002, o Art. 39 da Constituição da República estava alterado pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998, de 04 de junho de 1998, que extinguia o Regime Jurídico Único na Administração Pública Brasileira. Por isso, o Supremo julgou prejudicado o pedido de declaração de inconstitucionalidade do Art. 58, §3° da Lei 9.649/1998[4], que determina a contratação dos servidores dos Conselhos Profissional sob o regime celetista. Como se sabe, na ADI nº 2.135, julgada em 02/08/2007, o STF entendeu pela inconstitucionalidade da Emenda Constitucional nº 19, de 1998, retornando a redação original do Art. 39 da Constituição e a vigência do Regime Jurídico Único. O Supremo, todavia, ressalvou, “em decorrência dos efeitos ex nunc da decisão, a subsistência, até o julgamento definitivo da ação, da validade dos atos anteriormente praticados com base em legislações eventualmente editadas durante a vigência do dispositivo ora suspenso” (BRASIL, STF, ADI 2135). Acontece que o julgamento do mérito da ADI 2.135 não ocorreu até o presente momento e parte dos Conselhos continua contratando pelo regime celetista, enquanto decisões judiciais pontuais obrigam outra parte a aderir ao regime estatutário, como a já citada do STJ[5]. Além disso, decisões de Tribunais Regionais Federais também têm passado a reconhecer a necessidade de implementação do regime estatutário nos Conselhos Profissionais independente do julgamento final da ADI 2.135. Como exemplo, julgado do TRF1: “CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONSELHOS PROFISSIONAIS. NATUREZA JURÍDICA. AUTARQUIAS FEDERAIS CORPORATIVAS. REGIME JURÍDICO DE SEUS SERVIDORES. ESTATUTÁRIO. INVESTIDURA. PRÉVIA APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO. ILEGALIDADE DE RECRUTAMENTO POR SIMPLES TESTE DE SELEÇÃO E DE CONTRATAÇÃO SOB O REGIME CELETISTA. INEXISTÊNCIA DE ESTABILIDADE ÀQUELE ASSIM ADMITIDO. – Os conselhos de fiscalização profissional são autarquias federais corporativas. O art. 58 da Lei n. 9.469/98, que lhes atribuía personalidade de direito privado, foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (ADIN n. 1.847-7). – Por conseguinte, o recrutamento de seus servidores sujeita-se à prévia aprovação em concurso público, conceito este que não alberga simples teste de seleção, devendo a relação de trabalho materializar-se ainda sob o regime estatutário. Art. 37, I e II, da CF; e Lei n. 8.112/90. – O funcionário admitido após a realização de teste de seleção e sob a forma preconizada pela CLT não pode ser considerado servidor público federal, não gozando, portanto, da estabilidade deferida pela Constituição, ainda que seja dirigente sindical. Há nulidade de pleno direito na investidura não sanável sob qualquer ótica. Lícita a sua demissão, já que não enquadrável nas disposições do art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. – Apelação improvida. (BRASIL. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO. AC 0011679-03.1998.4.01.0000 / MT, Rel. JUIZ JULIER SEBASTIÃO DA SILVA (CONV.), TERCEIRA TURMA SUPLEMENTAR (INATIVA), DJ p.291 de 08/10/2001)”. Decisões mais recentes reconhecem, inclusive, o direito à estabilidade excepcional prevista no Art. 19 do ADCT aos “empregados públicos” dos Conselhos Profissionais, visto que deveriam estar enquadrados no regime estatutário. Nesse sentido, o julgado do TRF4: “DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. ADI'S 1717 E 2.135/STF. CONSELHOS PROFISSIONAIS. DECRETO-LEI Nº 968/69. LEI 9.649/98. AUTARQUIA FEDERAL. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO. ART. 19 DO ADCT C/C LEI 8.112/90. ESTABILIDADE FUNCIONAL DE SERVIDOR. RECONHECIMENTO. REINTEGRAÇÃO. DIREITO ÀS VERBAS SALARIAIS DESDE A DEMISSÃO IMOTIVADA. CONSECTÁRIOS LEGAIS. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. FORMA DE CÁLCULO E ATUALIZAÇÃO. DIFERIMENTO PARA A FASE DE EXECUÇÃO. HONORÁRIOS. OBSERVÂNCIA DA PREVISÃO CONTIDA NO ART. 20 §§ 3º E 4º DO CPC. APELO PROVIDO. 1. De acordo com a interpretação dada pelo Superior Tribunal de Justiça no AgRg no REsp 1164129/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, tem-se que por força no disposto no Decreto-Lei nº 968/69, o regime dos funcionários dos Conselhos de Fiscalização de Profissões era o celetista. Após a Constituição Federal de 1988 e com o advento da Lei nº 8.112/90, foi instituído o regime jurídico único, sendo os funcionários dessas autarquias alçados à condição de estatutários, situação que perdurou até a Emenda Constitucional nº 19/98 e a entrada em vigor da Lei nº 9.649/98, a qual instituiu novamente o regime celetista. 2. No julgamento da ADI nº 1.717/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do art. 58 e seus §§ 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º, da Lei nº 9.649/98, afirmando que os conselhos de fiscalização profissional possuem natureza de autarquia de regime especial, permanecendo incólume o art. 58, § 3º, que submetia os empregados desses conselhos à legislação trabalhista. 3. No entanto, o próprio Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2.135/DF suspendeu, por força de liminar, a redação emprestada pela EC n.º 19/98 ao caput do artigo 39 da CF, restabelecendo, assim, a redação original dispositivo legal, apenas ressalvando as contratações ocorridas com suporte na Emenda Constitucional 19/98. Tem-se, portanto, que os Conselhos de Fiscalização Profissional são considerados Autarquias Federais e a eles também se aplica o Regime Jurídico Único previsto no art. 39 da Constituição Federal de 1988. Igualmente a eles incide o disposto no art. 243 da Lei nº 8.112/1990, de sorte que os funcionários por eles contratados e cujo vínculo era regido pela CLT passaram a ser submetidos à referida Lei. 4. Na sucessão das normas no tempo, constata-se que a Constituição da República de 1988 instituiu o Regime Jurídico Único, do qual se beneficiaram, nos termos do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, somente os empregados que, em 05-10-1988, haviam já completado pelo menos 5 (cinco) anos de exercício continuado nos respectivos empregos, os quais restaram transformados em cargos pelo § 1º do art. 243 da Lei n. 8.112/90. 5. Na hipótese em tela, a parte autora faz jus à estabilidade nos termos do art. 19 do ADCT, haja vista que na data de promulgação da atual Constituição Federal (05-10-1988) contava com mais de 05 (cinco) anos continuados de exercício no emprego público. 6. Desse modo, a sua demissão ocorrida no ano de 1992, mostrou-se ilegal, já que só poderia ser afastada do serviço público mediante regular processo administrativo. 7. Portanto, é de rigor o reconhecimento da nulidade do ato de demissão, e imperativa a condenação da autarquia à reintegração da autora e ao pagamento dos valores devidos, pertinentes à remuneração vencida, com juros e correção monetária no percentual e índice, respectivamente, constantes da legislação em vigor em cada período em que ocorreu a mora da fazenda pública, ficando o montante para ser apurado por cálculos no processo de execução, compensando-se, ainda as verbas rescisórias eventualmente pagas. 8. Firmado em sentença e/ou em apelação ou remessa oficial o cabimento dos juros e da correção monetária legais por eventual condenação imposta à Fazenda Pública e em razão da falta de pacificação dos temas pelos Tribunais Superiores, a forma como será apurada a atualização do débito deve ser diferida (postergada) para a fase de execução, observada a norma legal em vigor. Precedentes. 9. Com a modificação na solução da lide, é automática inversão dos ônus sucumbenciais, devendo, contudo, ser levada em conta nova apreciação equitativa do julgador do recurso de apelação, quanto à previsão contida nos parágrafos 3º e 4º do artigo 20 do Código de Processo Civil. No caso em tela, fica condenada a parte ré a pagar custas processuais e verba honorária no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). 10. Apelo provido”. (BRASIL. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA QUARTA REGIÃO. AC 50684541820124047100. Relatora: SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, TRF4 – TERCEIRA TURMA, D.E. 26/10/2015.) Recentemente, em 03 de junho de 2015, o Ministro Luiz Fux decidiu na RCL 19537 do Sindicato dos Servidores dos Conselhos de Fiscalização do Exercício Profissional no Estado do Rio Grande do Sul e a Central Única dos Trabalhadores (CUT-RS) impor aos Conselhos Regionais de fiscalização profissional daquele estado a adoção do Regime Jurídico Único aos servidores aprovados em concursos públicos[6]. O Ministro Luiz Fux assim se pronuncia na primeira decisão monocrática da Rcl 19537: “Nesta primeira análise dos autos, própria das tutelas de urgência, verifico a plausibilidade das alegações, haja vista que os atos reclamados parecem dissentir da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, revestida, portanto, de caráter vinculante. Isso porque os Conselhos reclamados possuem natureza autárquica e, portanto, o ingresso nos seus quadros depende de aprovação em concurso público, e a contratação deve observar o regime estatutário”. Seguindo a nova jurisprudência do STF, o PGR propôs em 20/08/2015 a ADI 5367, em que questiona: “(…) dispositivos de leis que autorizam os conselhos de fiscalização profissional a contratarem pessoal sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Ele pede a declaração de inconstitucionalidade dos artigos atacados, sem declaração de nulidade por 24 meses, para que a presidente da República tenha tempo para instaurar processo legislativo para edição de norma que trate do regime jurídico para contratação de servidores por essas entidades[7]”. Como se percebe, decisões recentes de Tribunais Regionais Federais, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal apontam a necessidade de adoção do Regime Jurídico Estatutário nos Conselhos Profissionais. A decisão final sobre a controvérsia, que poderá unificar o regime de pessoal dos Conselhos Profissionais como estatutário, poderá vir da ADI 5367, proposta pelo PGR, ou por meio da RCL 19537, proposta pela CUT-RS e o Sindicato dos Servidores dos Conselhos de Fiscalização do Exercício Profissional no Estado do Rio Grande do Sul. Defende-se que este entendimento está em consonância com a Constituição Federal, visto a natureza autárquica dos Conselhos Profissionais, bem como pelo desempenho do poder de polícia nas atividades de fiscalização. V. CONCLUSÕES Desse modo, o STF consolidou sua jurisprudência no sentido da natureza autárquica dos Conselhos Profissionais e da aplicação a eles do regime de direito público em ADI, com efeitos erga omnes e vinculante (ADI 1717). Da mesma forma, o STF solidificou jurisprudência sobre a obrigatoriedade de contratação de pessoal nos Conselhos Profissionais exclusivamente por concurso público (MS 22.6432 e MS 28469), no que é seguido pelo TCU (TC-016.441/2005-7) e pelo STJ (AgRg no AgRg no AREsp 639.899/RS). Por os Conselhos Profissionais desempenharem atividades que exigem o poder de polícia, bem como pela natureza autárquica e a existência do Regime Jurídico Único (Art. 39 da CR/88), entendemos que o regime mais adequado para o pessoal dos Conselhos Profissionais é o estatutário. A jurisprudência dos Tribunais superiores, conforme exposto ao longo do trabalho, parece convergir nesse sentido e a solução do impasse pode ocorrer com o julgamento da ADI 5367, proposta pelo PGR, no STF ou por meio da RCL 19537, proposta pela CUT-RS e o Sindicato dos Servidores dos Conselhos de Fiscalização do Exercício Profissional no Estado do Rio Grande do Sul. Conforme exposto no tópico III, entendemos também pela inconstitucionalidade do uso de emprego em comissão de livre provimento para direção, chefia e assessoramento em Conselhos Profissionais, devendo as funções serem preenchidas por empregados aprovados previamente em concurso público, em consonância com o Art. 37, II da Constituição da República e a literalidade do Art. 1º, § 2º, I, b da Lei 9.962/2000. Caso haja a conversão do regime de pessoal para o estatutário, esperamos que a utilização de cargos comissionados de livre provimento fique restrita a casos muito pontuais e mediante previsão legal. A jurisprudência do TST já parece apontar no sentido da inconstitucionalidade da figura do empregado em comissão nos Conselhos Profissionais (BRASIL, TST, AIRR – 89-16.2010.5.10.0019), ressalvado entendimento do TCU (TCU, 2014, p. 110). Por estes possuírem quadros de pessoal reduzidos, a utilização de cargos comissionados de livre provimento para, por exemplo, chefiar as atividades de fiscalização ou para assessoria jurídica pode influenciar na atividade fim do órgão, bem como diminuir o necessário controle jurídico sobre as licitações e demais normas de Direito Público a serem aplicadas pela autarquia. No entanto, ainda que o STF decida pela natureza estatutária do regime de pessoal dos Conselhos, acreditamos que será feito um regime de transição. Será necessário tempo para que sejam editadas leis criando os planos de carreira, cargos e salários (que, atualmente, são criados por resoluções dos Conselhos) (FREITAS, 2013, 86-114), bem como regulamentando a adaptação dos cargos ao regime da Lei nº 8.112/1990. Ainda será necessário muito debate entre Governo Federal, Tribunais Superiores e os empregados públicos dos Conselhos Profissionais, que não podem ser excluídos da discussão, para definição das controvérsias. Acreditamos que, com a aplicação do regime jurídico único aos Conselhos Profissionais, haverá maior profissionalização na fiscalização realizada pelas entidades. Não se pode esquecer que os Conselheiros exercem importante de papel de orientação das atividades administrativas e de fiscalização nessas autarquias. Estes são eleitos pelos pares, e não escolhidos pelo chefe do executivo, como no restante da Administração Indireta da União. Assim, possuirão interesses políticos na gestão dos Conselhos, o que, em alguns casos, pode conflitar com a imparcialidade da fiscalização exercida pelos fiscais concursados. Com a garantia do regime jurídico único e, por consequência, da estabilidade, a fiscalização ficará mais independente e com maior condição de resistir a pressões externas, o que atenderá ao interesse público.
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As limitações das alterações unilaterais dos contratos administrativos
Sendo as contratações públicas grandes protagonistas no sistema de gestão pública atualmente adotado no Brasil, o presente trabalho tem por escopo expor as controvérsias interpretativas, por parte da doutrina e jurisprudência, acerca das disposições do artigo 65 da Lei nº 8.666/93. O referido dispositivo regula as alterações unilaterais nos contratos administrativos, sendo esta uma das prerrogativas da Administração ao contratar com o particular. Diante disso, há grandes polêmicas envolvendo os limites para, em especial, alterar-se qualitativamente um contrato administrativo. Além do confronto das posições adotadas pelos doutrinadores administrativista e pelos tribunais, será demonstrado diversos casos concretos em um capítulo dedicado exclusivamente a este fim.
Direito Administrativo
Introdução A recorrente utilização dos contratos administrativos como instrumento de auxílio para a almejada satisfação das finalidades públicas tem se demonstrado cada vez mais frequente, seja em qualquer dos poderes ou entes pertencentes à administração pública brasileira. Todos os dias são celebradas diversas contratações, tais como prestações serviços, obras públicas, fornecimentos de bens e coisas móveis, concessões, permissões, dentre outras arroladas na Lei nº 8.666/93, com intuito de promover e prover os serviços públicos necessários para atendimento dos administrados. Ao passo que tais contratações de particulares pelo supracitado instrumento crescem a cada ano para a consecução dos ditos serviços públicos, aumenta-se também a insatisfação da população com recorrentes denúncias de desvios de condutas e danos ao erário por parte dos gestores públicos e particulares. Nesse cenário, o presente estudo analisará um dos pontos doutrinários que gera diversas controvérsias jurídicas nas assessorias e órgãos de controle no país: os limites das alterações unilaterais qualitativas. Utilizados como meio de adequação dos contratos a posteriori da fase licitatória, ou mesmo de dispensa, os aditivos que tratam das alterações unilaterais qualitativas repercutem no sentido de que se estes devem ou não sofrer limitações previstas, inicialmente, somente para alterações quantitativas. Dessa forma, disposto no inciso I alínea “a” do art. 65 da Lei nº 8.666/93, existem aditivos qualitativos que acrescentam ao objeto da contratação duas ou mais vezes o valor inicialmente pactuado, colocando em questão, em diversas ocasiões, a moralidade e a probidade dos gestores público. Assim, tema ora proposto torna-se de relevante importância para toda a sociedade, uma vez que a má utilização dos recursos públicos e a inobservância do princípio norteadores do direito administrativo podem causar prejuízos difusos a toda coletividade. Equacionar limites do interesse público com a necessidade de adequação dos objetos das contratações tornam-se tarefas complexas e necessárias para os envolvidos na administração pública. Desta forma, é imprescindível estudos sobre o tema, para que haja cada vez mais contribuições ao esclarecimento, principalmente, daqueles que estão intimamente ligados ao exercício das atividades administravas, evitando-se, portanto, o desvio de finalidade e o dano ao erário. Nesse sentido, o presente artigo objetiva responder os seguintes questionamentos: incidem os limitadores previstos para as alterações quantitativas nos aditivos que tratam das alterações qualitativas? Caso negativo, quais as justificativas jurídicas pertinentes? Caso positivo, há exceções a tal regra? As respostas a esses questionamentos serão desenvolvidas nos capítulos a seguir. 1. Das alterações unilaterais nos contratos administrativos Em decorrência da crescente demanda da população por serviços públicos mais eficazes e especializados, a Administração Pública vivencia hoje uma verdadeira “contratualização” da gestão pública, considerando que, para quase todas as atividades da Administração, há espaço para contratações, seja essas em obras, serviços ou aquisições. Nesse cenário, os contratos tornam-se grandes protagonistas na órbita administrativa e, consigo, trazem para juristas inúmeros temas que acarretam em diferentes interpretações. As discussões das referidas divergências, bem como a exposição dessas de forma clara e didática, fazem-se necessárias para dirimir eventuais dúvidas que figuram no dia a dia dos gestores públicos. Conforme já consignado no presente, as alterações unilaterais dos contratos administrativos, também estão incluídas nas diversas formas de explicações, seja pela doutrina ou pelos tribunais, e mesmo nas assessorias jurídicas e órgãos de controle. Frisa-se que as alterações contratuais podem se dar, incialmente, de forma unilateral ou consensual. O tema ora proposto visa analisar apenas as interpretações dada ao art. 65, inciso I da Lei nº 8.666/93, focando, portanto, nas alterações unilaterais. O texto legislativo traz a seguinte redação no que concerne a citadas modificações contratuais[1]: “Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: I – unilateralmente pela Administração: a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos; b) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei; (…) §1º O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinquenta por cento) para os seus acréscimos. (…) § 1º  O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinquenta por cento) para os seus acréscimos. § 2º Nenhum acréscimo ou supressão poderá exceder os limites estabelecidos no parágrafo anterior. (…) § 6º Em havendo alteração unilateral do contrato que aumente os encargos do contratado, a Administração deverá restabelecer, por aditamento, o equilíbrio econômico-financeiro inicial.” Contudo, antes de adentrar em tal mérito, mister se faz analisar certos conceitos pertinentes aos contratos pactuados pela administração, vez que se torna imprescindível, por exemplo, entender o regime jurídico destes, bem como diferenciar as espécies de alterações previstas em lei. 1.1 Do regime jurídico dos contratos administrativos Os contratos celebrados pela Administração Pública com particulares guardam certas semelhanças com os contratos privados. Entretanto, os chamados contratos administrativos possuem um regime jurídico diferenciado. Significa dizer que haverá presença em tais instrumentos de certas prerrogativas não comuns aos particulares. Sem prejuízo às divergentes posições doutrinárias quanto ao conceito e mesmo a existência de contratos administrativos, as diferenças supracitadas consistem na existência das chamadas cláusulas exorbitantes. Neste sentido, definiu a professora Di Pietro: “São cláusulas exorbitantes aquelas que não seriam comuns ou que seriam ilícitas em contrato celebrado entre particulares, por conferirem prerrogativas a uma das partes (a Administração) em relação à outra; elas colocam a Administração em posição de supremacia sobre o contratado.” [2] As cláusulas exorbitantes, também chamadas de prerrogativas extraordinárias da administração, pois exorbitam do direito comum, funcionam como prerrogativas que colocam a Administração em posição de vantagem em relação ao particular que é contratado, criando, portanto, um regime jurídico diferenciado. Tais prerrogativas se fazem por vontade do legislador a fim de atenderem os próprios princípios norteadores do direito administrativo, como a supremacia do interesse público sobre o particular e da indisponibilidade[3]. Contudo, para Marçal Justen Filho, não há que se falar que tais cláusulas ocasionem uma situação jurídica de “privilégio” da Administração sobre o particular, vez que é vedada atuação administrativa sem o devido respeito aos direitos e interesse do contratado.[4] Registra-se, ainda, que existem diversas críticas doutrinárias acerca dessa relação vertical exercida pela administração, onde se verifica a necessidade cada vez maior da ponderação dos interesses coletivos com os individuais e, por conseguinte, uma relativização das cláusulas exorbitantes[5]. Contudo, fato é que para a majoritária doutrina, como preconiza o professor Carvalho Filho[6], entendem que tais cláusulas fazem parte da estrutura que caracteriza o regime jurídico de direito público, constituindo verdadeiros princípios, aplicáveis aos contratos da administração. Dado o conceito das cláusulas exorbitantes, deve-se apresentar sua previsão legal, que se encontra no art. 58 da Lei nº 8.666/93, com a seguinte redação: “Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituídos por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de: I – modificá-los unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitado os direitos do contratado; II – rescindi-los unilateralmente, nos casos especificados no inciso I do art. 79 desta Lei; III – fiscalizar-lhes a execução; IV – aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste; V – nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens móveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese   da necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hipótese de rescisão do contrato administrativo; § 1º as cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos administrativos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado. § 2º Na hipótese do inciso I deste artigo, as cláusulas econômico-financeiras do contrato deverão ser revistas para que se mantenha o equilíbrio contratual.” [7] Nota-se que o dispositivo regula as prerrogativas da administração e sujeição aos contratados, sendo o inciso I o tema do presente trabalho. As alterações unilaterais consistem em modificações das especificações do objeto contratado ou de sua dimensão, para melhor atingimento do interesse público. Tal fato consubstancia a característica mutável do contrato. Neste sentido, informa o professor Hely Lopes Meirelles que “nenhum particular, ao contratar com a Administração, adquire direito à imutabilidade do contrato ou à sua execução integral ou, ainda, às suas vantagens in specie, porque isto equivaleria a subordinar o interesse público ao interesse privado do contratado”. Logo, tal característica de mutabilidade está intimamente ligada às alterações unilaterais. Prevista no art. 65, inciso I da Lei n° 8.666/93, podemos dizer que tais modificações unilaterais podem se dar de duas formas: qualitativa ou quantitativamente. Para Marçal Justen Filho, trata-se na realidade de um poder-dever da Administração, visto que está “dispõe de um poder jurídico que lhe é outorgado não no interesse próprio – mas para melhor realizar um interesse indispensável” [8]. Destarte, será apresentado a seguir um subcapítulo a cada uma das espécies de modificação. 1.2 Das alterações unilaterais quantitativas Prevista na alínea “b” do art. 65 da Lei de Licitações e Contratos, as alterações quantitativas podem ocorrer para acréscimos e supressões que se fizerem necessárias, nos limites estabelecidos no § 1º do mesmo dispositivo. O referido parágrafo impõe limitações para tais alterações, podendo estas se dar em até 25% do valor inicial atualizado do contrato, para obras, serviços ou compras e em até 50% nos casos de reforma de edifício ou equipamento. Ressalta-se que não se confundem alteração qualitativa com modificação de preços. Nesse sentido, José dos Santos Carvalho Filho[9] avisa que, enquanto uma consiste em uma alteração primária, pois atinge os quantitativos do objeto, a outra, respectivamente, pode ser chamada de alteração derivada, vez que ocorre como efeito das alterações quantitativas (ou qualitativas), não sendo realizada de forma direta. Sendo o objeto do contrato a representação da forma e finalidade do contrato, verifica-se que poderá ocorrer alteração na primeira, mas, nunca na segunda. Não se pode, portanto, descaracterizar o objeto do contrato. Por exemplo, imagina-se que a administração adquira automóveis para frota de determinado órgão. Não se admitiria, portanto, que se transformassem esses automóveis em compra de motocicletas. Contudo, caso seja identificada a necessidade, é possível acrescer ou suprimir, em sua dimensão, o número de automóveis inicialmente previstos, observando-se, desde logo, os limites estabelecidos no §1º do artigo 65 (no caso em tela, 25%). Assim, fica o contratado obrigado a aceitar tal acréscimo ou supressão dentro desses limites. Entretanto, há exceção a tal limitação, nos casos de supressão que houver concordância do contratado. Ao se estabelecer uma alteração na dimensão do objeto contratado, o limite percentual estabelecido na legislação incidirá sobre o valor do contrato, e não sobre a dimensão do objeto. Conforme o exemplo dado, nada impede que a administração, que inicialmente compraria 100 automóveis, altere para 130, contanto que o valor de tal majoração não ultrapasse o valor incialmente previsto. Contudo, apesar da simplicidade quando se trata de contratação com preços unitários, conforme o exemplo, complexo fica a realizar tal alteração quando se fala em preço global. Nesse sentido, leciona Marçal: “Suponha-se, por exemplo, o contrato para construção de uma edificação. Poder-se-ia afirmar que a redução de 25% da metragem quadrada da obra corresponderia a uma redução de 25% do preço? É evidente que não. Diante dessa dificuldade, a lei determina que a ausência de preços unitários no contrato será solucionada através de comum acordo entre as partes. Logo, o problema é remetido para o âmbito negocial, escapando da prerrogativa unilateral da Administração”[10]. Ainda, o mesmo autor informa que tal problemática pode persistir mesmo quando houver preços unitários, vez que nem sempre as reduções ou acréscimos proporcionais acompanham a variação de preços, considerando os princípios básicos de uma economia de escala. Frisa-se que sempre haverá necessidade de motivação para que o administrador utilize de sua discricionariedade, conforme ensinamentos de Di Pietro: “O princípio da motivação exige que a Administração Pública indique os fundamentos de fato e de direito de suas decisões. Ele está consagrado pela doutrina e pela jurisprudência, não havendo mais espaço para as velhas doutrinas que discutiam se a sua obrigatoriedade alcançava só os atos vinculados ou só os atos discricionários, ou se estava presente em ambas as categorias. A sua obrigatoriedade se justifica em qualquer tipo de ato, porque se trata de formalidade necessária para permitir o controle de legalidade dos atos administrativos.”[11] Dessa forma, é inadmissível que um acréscimo ou supressão de forma quantitativa em determinado contrato administrativo ocorra sem a devida demonstração da motivação, instruindo essa, consequentemente, os autos do processo administrativo com os documentos necessários que a comprove. Portanto, conforme se pode observar, as dimensões do objeto podem ser majoradas ou suprimidas, ao passo que fique demonstrado devidamente interesse público, observando-se sempre os limites estabelecidos na lei, ficando o contratado obrigado à aceita-la. 1.3 Das alterações unilaterais qualitativas No que concerne às alterações unilaterais qualitativas, segundo a legislação, essas encontram espaço “quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos” nos termos da alínea “a” do art. 65, inciso I da Lei de Licitação[12]. Dessa forma, mister analisar o conceito de melhor adequação técnica, eis que essa é pressuposto para eventual modificação do projeto ou das especificações. Para Marçal Justen Filho, a adequação consistiria na descoberta ou revelação de circunstâncias desconhecidas à época da elaboração da proposta para o certame, ou ainda na constatação de melhor solução técnica, sendo mais adequada do que a anterior estabelecida. Por logo, verifica-se que se trata de situações supervenientes à elaboração do edital. Marçal ainda acredita que não se aplica tal hipótese de alteração em contratos de execução instantânea. [13] Portanto, a superveniência de fatos da época da elaboração da proposta é pressuposto para realização de modificação qualitativa. No entanto, é entendimento que a má elaboração do projeto ou proposta não dá ensejo a eventual alteração, não merecendo a celebração de aditivo que verse sobre modificações qualitativas a fim de corrigir a falta de planejamento adequado ou cautela na contratação.[14] Registra-se que, por vezes, podem aparentar tênues as distinções entre as alterações qualitativas e quantitativas. Nesse sentido, Eros Roberto Grau exemplificou em sua obra as seguintes situações: “(a) contrata-se a pavimentação de 100km de rodovia; se a Administração estender a pavimentação por mais 10km, estará acrescendo, quantitativamente, o seu objeto – a dimensão do objeto foi alterada; (b) previa-se, para a realização do objeto, a execução de serviços de terraplanagem de 1000m3; se circunstâncias supervenientes importarem que se tenha de executar serviços de terraplanagem de 1200m3, estará sendo acrescida a quantidade de obras, sem que, contudo, se esteja a alterar a dimensão do objeto – a execução de mais 200m3 de serviços de terraplanagem viabiliza a execução do objeto originalmente contratado objeto originalmente contratado.” [15] Portanto, na ocorrência de fatores imprevisíveis à época da elaboração do projeto básico ou executivo da contratação, em que acarrete necessidade de adequação técnica dos mesmos, a fim de tornar sua execução viável, seja pela modificação do projeto ou alteração das especificações, estaremos diante, finalmente, de uma alteração unilateral qualitativa. Vencida tais distinções, cumpre ainda esclarecer que o objeto do contrato se confunde com o da licitação[16]. É possível conceituar esse como “a obra, o serviço, a compra, a alienação, a concessão, a permissão e a locação que, afinal, será contratada com o particular”, nas palavras do professor Hely Lopes Meirelles[17]. Diante de tal conceito, é necessário reforçar que modificar o projeto ou suas especificações não significa alterar a natureza da contratação, conforme já esclarecido anteriormente. A finalidade da Administração pactuar aditivos que versem sobre modificação qualitativa deve ser a de empregar melhor técnica afim de atingir a consecução do objeto do contrato. Ou seja, fica vedada a descaracterização da essência do objeto inicialmente contratado. Ressalta-se, ainda, que a administração deve demonstrar que a alteração qualitativa é via mais adequada para a satisfação do interesse público, em comparação a possibilidade de rescisão contratual, uma vez que se atenda os princípios da economicidade, da eficiência, da inalterabilidade do objeto, da igualdade, da moralidade e da motivação[18]. Nas palavras de Márcio Cammarosano: (…) devidamente configurada a necessidade, e não mera conveniência, de alteração contratual, de sorte a assegurar a adequada execução do objeto do contrato para que seja atendida plenamente a finalidade a que se destina, em face mesmo de situações imprevisíveis ou razoavelmente não previstas, desde que não configurado aumento quantitativo do objeto do contrato[19] Por derradeiro, aplicando-se as alterações unilaterais qualitativas, provavelmente haverá impacto na órbita econômica do contrato, obrigando a administração a adoção de medidas cabíveis para realizar o equilíbrio-econômico financeiro e a adequação de prazos para execução. Nesse momento, enseja-se o tema ora proposto pela presente pesquisa. Assim, mister se faz analisar a existência ou não de limites estabelecidos na legislação, para as consequências econômicas que uma alteração qualitativa pode trazer na contratação. A seguir, serão apresentadas as principais teses discutidas pela doutrina e pelos tribunais quanto ao referido tema.  2. Polêmicas doutrinárias acerca dos limites das alterações qualitativas Vencida a análise sobre o regime dos contratos administrativos, bem como a ilustração das alterações unilaterais qualitativas e quantitativas, passa-se a discorrer sobre o ponto nodal deste trabalho. Conforme exposto anteriormente, as alterações unilaterais qualitativas são realizadas pela Administração no intuito de melhor adequação técnica do objeto da contratação. No entanto, é provável que a referida modificação traga impacto direto na órbita econômica do contrato. Nesse sentido, questiona-se: há limites nas consequências de ordem financeiro para supressão ou acréscimos nas alterações qualitativas? Tal questionamento passará a ser tratado nos próximos tópicos. 2.1 Os limites do parágrafo primeiro do art. 65 Lei nº 8.666/93 Não obstante à necessidade de expor no presente trabalho o posicionamento da parte da doutrina que entende pela não incidência dos limitadores previstos no art. 65 da Lei de Licitações, é oportuno ressaltar, desde logo, um breve comentário acerca do contexto histórico de criação da Lei nº 8.666/93. No ano de 1992, ocorrera o impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello, após denúncias de corrupção em seu governo[20]. Nesse contexto, havia na população brasileira, liderada pela mídia, um clamor por leis mais severas que inibissem as práticas de atos ilícitos por parte dos gestores públicos, maximizando a previsão dos atos a serem praticados nas contratações públicas. Dessa forma, em 21 de junho de 1993, foi publicada a Lei nº 8.666/93, também conhecida como Lei Geral de Licitações. Conclui-se, então, que tamanho detalhamento e restritividade imposta pelo legislador, no mencionado diploma legal, deve-se ao objetivo de assegurar a moralidade dos atos realizados por aqueles que se envolvem diretamente nas contratações públicas. Ou seja, a lei acaba por ter maior preocupação em resguardar a integridade da forma de contratação do que com o próprio objeto que está sendo contratado.  Diante disso, é possível afirmar que a Lei nº 8.666/93 é mais preocupada com os meios que os fins, sendo tal fato consequência do contexto histórico de sua elaboração, dada as limitações imposta ao gestor público. Frente a tal entendimento, podemos identificar que o disposto no parágrafo primeiro e segundo do art. 65 ilustra, em meio a várias outras disposições, a dita restritividade da lei, uma vez que este visa estabelecer limites de acréscimos e supressões nas alterações unilaterais contratuais. Elencado na então Lei Geral de Licitações, os referidos parágrafos trazem a seguinte redação: Art. 65 (…) § 1o  O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinquenta por cento) para os seus acréscimos. § 2o  Nenhum acréscimo ou supressão poderá exceder os limites estabelecidos no parágrafo anterior, salvo: (…) II – as supressões resultantes de acordo celebrado entre os contratantes Ao deparar-se com tal disposição, parte da doutrina filia-se ao entendimento de que os limites estabelecidos no citado dispositivo se aplicariam em todas e quaisquer alterações, com exceção das supressões acordadas entre as partes, conforme inciso II do parágrafo segundo do art. 65. O procurador do estado do Rio de Janeiro, Marcos Juruena Villela Souto, em parecer exarado naquele órgão (PGE-RJ), se posicionou, justamente, no sentido de que tais limitadores são consequência da vontade legislativa decorrente do contexto histórico da edição da Lei: Tal direito (refere-se ao poder da Administração Pública de alterar qualitativa e unilateralmente o objeto contratual), contudo, não implica em dizer que tal poder de revisão do contrato seja ilimitado por parte da Administração Pública. Isto porque o art. 65, §2º da Lei n.º 8.666/1993, inovando em relação ao antigo art. 55, § 4º do DL n.º 2.300/1986, estabelece que “nenhum acréscimo ou supressão poderá exceder os limites estabelecidos no parágrafo anterior”. Tal limite é de 25% do valor atualizado do contrato (que, no caso dos autos, já foi ultrapassado). Aplica-se o mandamento legal tanto às alterações quantitativas quanto às alterações qualitativas, voluntárias ou não. Não é demais lembrar que o contexto histórico que ensejou a edição da Lei n.º 8.666/1993 envolvia a necessidade de se impor limites à liberdade do administrador.[21] Já para o administrativista Carlos Ari Sundfeld, o particular contratado não deve ser compelido a suportar acréscimo ou supressão superiores aquelas elencadas na legislação. Primeiramente porque ele já sabe, quando ratifica a contratação realizando sua proposta no procedimento licitatório, os limites que deverá suportar, vez que esses estão elencados na lei. Ainda, caso ocorrer um acréscimo desmensurado, estaria diante de provável inviabilidade a execução do contrato, por mais que houvesse incremento na remuneração, vez que a empresa poderia não ter capacidade operacional para tamanha alteração. Por fim, para o doutrinador, a execução do contrato acrescido com os mesmos preços unitários poderia tornar a contratação excessivamente onerosa.[22] José Carvalho dos Santos Filho, em seu Manual de Direito Administrativo, articula que o Legislador não distinguiu a espécie de alteração para os limites do parágrafo primeiro, aplicando-se, portanto, em todas as modificações, informando ainda que tal limitação visa preservar o núcleo do objeto contratado: De fato, o art. 65, § 1º, não faz qualquer distinção entre os tipos de alteração contratual e alude a obras, serviços e compras em geral. Se o legislador pretendesse discriminar as espécies de modificação, deveria tê-lo feito expressamente, o que não ocorreu. Assim, onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir. Avulta, ainda, observar que o art. 65, § 2º, com a alteração da Lei nº 9.648/1998, é peremptório no sentido da impossibilidade de exceder os referidos limites, ressalvando apenas a hipótese de supressão, desde que consensual. Ademais, é preciso lembrar que a fixação de limites visou exatamente a evitar que alterações profundas no contrato chegassem ao extremo de desnaturá-lo ou de alterar o núcleo originário de seu objeto. [23] Corrobora com tal entendimento, mais uma vez, o professor Jessé Torres Pereira Júnior, proferindo que acréscimos significativos importariam na configuração de objeto diverso do licitado.[24] Jessé Torres ainda ressalta em sua obra que:       (…) a limitação em 25% dos eventuais acréscimos contratuais, estabelecidos no art. 65 § 1º, decorre da própria obrigação constitucional de licitar (CF, art. 37, XXI), impedindo que os responsáveis prolonguem indefinidamente os contratos já firmados. [25] Logo, assim que seja identificada pelo gestor contratual a necessidade de majoração do objeto contratual que ultrapassem os limites de 25% para obras, serviços ou compras e, no caso de reforma de edifício ou equipamento, 50%, deverá ser deflagrado um novo procedimento licitatório. Seguindo o entendimento pela aplicabilidade dos limites do parágrafo primeiro para todas as alterações contratuais, o professor Rafael Rezende Oliveira se valeu dos seguintes fundamentos: (…) aplica os limites às duas espécies de alteração unilateral (quantitativa e qualitativa). Não se afigura razoável permitir a alteração unilateral do contrato sem qualquer limite na repercussão econômica no preço, uma vez que esta situação conflitaria com os seguintes princípios constitucionais: a) segurança jurídica e boa-fé: a alteração ilimitada acarretaria insegurança para o contratado que deveria se sujeitar à vontade da Administração mesmo nas hipóteses em que não tenha condições materiais (equipamentos ou bens) ou econômicas para implementar o objeto alterado; b) economicidade: em virtude dos riscos incalculáveis assumidos pelo particular, a sua proposta de preço na licitação seria incrementada e não representaria, necessariamente, os custos e os lucros esperados; c) moralidade: na ausência de limites percentuais, o preço contratual poderia sofrer enorme variação, o que colocaria em dúvida, eventualmente, a modalidade de licitação utilizada para escolher o licitante. Lembre-se que a concorrência, a tomada de preços e o convite são modalidades de licitação que, normalmente, levam em consideração o valor estimado do contrato e possuem exigências diferenciadas em relação à participação dos licitantes (ex.: a Administração utiliza-se do convite, direcionando a contratação para alguns convidados, para celebrar o contrato que sofre alteração posterior para elevar o preço ao patamar que demandaria a concorrência – esta última modalidade admite a participação de qualquer interessado); e d) razoabilidade: não se pode pretender transformar a contratação pública em loteria ou aventura jurídica. [26] No tocante a tal interpretação doutrinária, em apreciação ao REsp 1.021.851/SP de 12/08/2008, o Superior Tribunal de Justiça[27], filiou-se a tal corrente afirmando que “13. Os limites de que tratam os §§ 1º e 2º do art. 65 da Lei nº 8.666/93 aplicam-se tanto para as hipóteses da alínea "a", quanto da alínea "b" do inciso I do mesmo dispositivo legal.” Por sua vez, o Tribunal de Contas da União se posicionou, na Decisão 215/99[28], no sentido da aplicabilidade do parágrafo primeiro para as alterações unilaterais qualitativas ou quantitativas, no entanto, foi permissivo a exceções, desde que preenchidos uma série de requisitos, que serão analisados em título oportuno. A decisão supracitada teve repercussão histórica, sendo adotada por aquele tribunal e, consequentemente, por diversos tribunais de contas dos estados, como parâmetro para análise da questão. Entretanto, há nos últimos anos novas decisões alargando as possibilidades ali elencadas. Mais detalhes sobre esta importante decisão, bem como as novas jurisprudências do TCU serão abordadas com o merecido detalhamento em capítulo dedicado aos casos concretos. Sem prejuízo ao já explanado, existe ainda àqueles que acreditam em uma posição mais conciliadora. Ou seja, entende que se aplica os limites dos §§ 1º e 2º do Art. 65 da Lei nº 8.666/93 tanto nas alterações unilaterais qualitativas quanto nas quantitativas, mas que haveria possibilidade de se tornar viável a execução do contrato realizando uma alteração qualitativa, respeitando alguns requisitos. Tal posição é defendida pelo Procurador do Estado do Rio de Janeiro, Flávio Amaral Garcia: (…) Eventual alteração qualitativa acima dos limites previstos em lei somente poderá se efetivar no caso de existir consenso entre as partes, dependendo, assim, da aquiescência do particular (…) sendo preciso, também, que a alteração qualitativa decorra de uma situação excepcional e superveniente ao contrato, como, por exemplo, circunstâncias imprevisíveis, imprevistas ou até mesmo o advento de uma tecnologia mais avançada, sob pena de burlar os princípios norteadores da licitação, da isonomia e moralidade.[29] Conclui, ainda, o referido autor: “a-) as alterações unilaterais qualitativas do objeto do contrato se  submetem aos limites impostos no § 1º do artigo 65 da Lei n.º 8.666/93, como forma de preservar os direitos do contratado; b-) logo, eventual alteração qualitativa acima de tais limites depende da expressa concordância do contratado; c-) estas alterações qualitativas acima dos limites dependem, entretanto, da ocorrência de circunstâncias excepcionais e supervenientes – sob pena de burla aos princípios da licitação, isonomia e moralidade – e da comprovação (princípio da motivação) de que a realização de nova licitação acarretará grave prejuízo ao interesse público; d-) quando for o caso, torna-se indispensável justificativa técnica comprovando que a alteração contratual proposta não poderia ser dimensionada na fase anterior à contratação, em especial no projeto básico. Na hipótese de erro, devem-se apurar as responsabilidades dos agentes pelo equivocado dimensionamento do objeto na fase interna de contratação.”[30] Observa-se que, na realidade, tal entendimento converge com a posição do Tribunal de Contas da União na decisão 215/99. Ante o exposto, resta consignar que os tribunais vêm se filiando a tal entendimento. Contudo, verifica-se que a maior parte dos doutrinadores tendem à juízo diverso, conforme será explanado a seguir. 2.2 A não incidência dos limites previstos na Lei nº 8.666/93 Contrapondo-se com exposto, grande parte da doutrina defende veementemente a inaplicabilidade dos limites previstos no parágrafo primeiro do Art. 65 da Lei de Licitação nas alterações unilaterais de natureza qualitativa (alínea “a” do inciso I), acreditando que tal limitação torna efeito apenas para as modificações na ordem quantitativa (logo, no caso da alínea “b” do inciso I). Incialmente verifica-se que não há nenhum tipo de menção de limites no texto legislativo referente à alínea “a”, diferentemente conforme acontece com a alínea “b”, que é destacado ao final de sua disposição a expressão “nos limites permitidos por esta Lei”. Portanto, em uma interpretação gramatical do dispositivo, não há que se falar em limitação para as alterações qualitativas, conforme preconiza Maria Sylvia Zanella Di Pietro[31]: “(…) Somente as alterações quantitativas estão sujeitas aos limites de 25% ou 50%, referidos no artigo 65, § 1 º, da Lei nº 8.666, até porque o inciso I, "b" (que trata especificamente dessa hipótese de alteração), faz expressa referência à modificação do valor contratual "em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta lei'', não se encontrando a mesma referência no inciso I, "a'', que trata das alterações qualitativas.” No mesmo sentido, entendeu o Celso Antônio Bandeira de Mello articulando a falta de previsão limitadora na hipótese de alteração qualitativa: (…) o § 2º do artigo 65 (que declara inaceitáveis quaisquer acréscimos ou supressões excedentes dos limites fixados) remete expressamente ao parágrafo anterior. Ora, neste, ou seja, no § 1º, está estabelecido que o contratado fica obrigado a aceitar acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras até 25% ou, no caso de reforma 50%. Portanto, ambos os parágrafos (1º e 2º) estão reportados a “acréscimo” ou “diminuição”: expressões idênticas ou equivalentes às utilizadas na letra “b” do art. 65, I (“acréscimo ou diminuição”), que é o que trata de alteração de quantitativos. Demais disto, é também nesta legra “b” – e unicamente nela – que se faz referência a “nos limites permitidos por esta lei” – expressão que inexiste na letra “a” (que trata de “modificação do projeto ou das especificações para melhor adequação técnica aos seus objetivos”). Esta inclusão dos limites em uma e exclusão em outra não pode ser desconsiderada[32] O administrativista ainda ressalta em sua obra que tal fato não autoriza o gestor público a realizar modificações qualitativas com total e ilimitada liberdade para modificações do objeto, sendo sempre justificada eventual alteração na dependência do caso concreto. Já para Floriano Azevedo Marques, em estudo dedicado ao tema, reflete-se que a questão é explicada pela ciência do legislador quanto à impossibilidade de se limitar alteração dessa natureza na norma, vez que as alterações de ordem qualitativas decorrem de superveniências técnicas que impedem a consecução do objeto: “(…) Na primeira hipótese, modificações no projeto ou nas especificações ditadas por necessidade técnicas supervenientes que obstam a plena realização dos seus objetivos, não há qualquer menção aos limites, certamente porque o legislador estava ciente da impossibilidade de se limitar tais alterações, estranhas à vontade das partes, ditadas por imperativos técnicos supervenientes. Repetimos à farta: onde o legislador diferiu as hipóteses, não podemos nós, intérprete procurar uniformizá-las”[33] Corroborando com tal articulação, destacou Marçal Justen Filho[34] que “a modificação unilateral do contrato pressupõe eventos ocorridos ou apenas conhecidos após a contratação”, conforme já afirmamos anteriormente. Marçal, ainda, alerta que aplicar a vedação do § 2º (logo, também do §1º) nas alterações previstas na alínea “a” ensejaria situação incompatíveis com o princípio da razoabilidade, uma vez que as alterações qualitativas decorrem da inviabilidade da execução o projeto conforme foi concebido originalmente. Dessa forma, a Administração tem o dever de promover a citada alteração, sendo, no caso de omissão, uma infração ao princípio da indisponibilidade do interesse público.[35] Conclui o referido autor que ao se aplicar as limitações nas alterações qualitativas, estaria se ocasionando três situações mais danosas à Administração[36]: 1) a manutenção do projeto inicial, que seria contrário ao interesse público; 2) alterar respeitando os limites de 25%, que também seria contrário ao interesse público, posto que não atenderia em pleno a necessidade de modificação; 3) a rescisão do contrato e realização de novo procedimento licitatório, podendo esse ser mais dispendioso aos cofres públicos, indo de encontro ao princípio da proporcionalidade. Ressalta-se, ainda, posição do Ministro Eros Grau, afirmando pela não aplicabilidade dos limitadores, ainda que se tenha acréscimo de obra ou serviços: Neste caso, das modificações de projetos podem decorrer encargos para o contratado, encargos aos quais, mercê da incidência da regra do § 6º do art. 65 da Lei n. 8.666/93 — que confere concreção ao princípio do equilíbrio econômico e financeiro do contrato —, evidentemente, deve corresponder o aumento de sua remuneração. Aqui não há alteração quantitativa do contrato, porém, qualitativa, razão pela qual não alcança o caso a limitação quantitativa de seu objeto — art. 65, § 1º, b, da Lei n. 8.666/93 — explicitada como acréscimo (nas obras) — § 2º desse mesmo art. 65. Note-se bem: o aumento da remuneração do contratado decorre de modificação do projeto, ainda que envolva acréscimo de obras — classe de casos abrangidos pela hipótese da regra veiculada pelo art. 65, I, a, da Lei n. 8.666/93 —, e não de acréscimo ou diminuição quantitativa do objeto do contrato (conceito cujo termo é completado na menção a acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras) — classe de casos abrangidos pela hipótese da regra veiculada pelo art. 65, I, b, da Lei n. 8.666/93. Exemplificando com a hipótese da compra, pela Administração, de unidades de determinado equipamento: (I) a Administração poderá, com esteio no que dispõe o art. 65, I, b, da Lei n. 8.666/93, adquirir número maior de unidades desse mesmo equipamento, até 25% do valor inicial atualizado do contrato; (II) a Administração poderá, com esteio no que dispõe o art. 65, I, a, da Lei n. 8.666/93, exigir a modificação das especificações dos equipamentos, desde que “para melhor adequação técnica aos seus objetivos”, ainda que dessa modificação de especificações decorra aumento, do valor inicial atualizado do contrato, superior a 25% dele. A única limitação que no caso incide é enunciada pelo texto desse art. 65, I, a: “melhor adequação técnica (do contrato) aos seus objetivos. [37] Já no que se refere ao entendimento nos tribunais, foi consignado outrora, em subcapitulo anterior, que o Tribunal de Contas da União, em sede da Decisão 215/99, entendeu que as limitações dos §§ 1º e 2º aplicam-se para todos os casos de alteração. Conforme também já fora consignado na presente pesquisa, apesar de ainda não ter o merecido detalhamento, daquela decisão abriu-se precedente para exceções que permitiriam o gestor público, preenchendo uma série de requisitos, aplicar a alteração qualitativa com impacto financeiro superior aos 25%. Um dos requisitos é a necessidade de consentimento da contratada para tal alteração. Rebatendo tal entendimento da Corte de Contas, a professora Di Pietro acredita que não haveria que se falar em consentimento da contratada: O entendimento do Tribunal de Contas da União, no sentido de que a alteração qualitativa que ultrapasse os limites do § 1º do artigo 65 depende de acordo entre as partes e da ocorrência de fatos supervenientesdestoa, data venia, do que dispõe o artigo 65 e restringe indevidamente as hipóteses legais de alteração unilateral. Isto porque o dispositivo distingue duas hipóteses diversas: de um lado, a de alteração qualitativa, a ser feita unilateralmente pela Administração, desde que haja justificativa adequada de interesse público; e, de outro, a alteração por acordo, quando ocorram fatos supervenientes ou imprevisíveis no momento da celebração do contrato provocando desequilíbrio econômico-financeiro do contrato. Em uma e outra hipótese, não se cogita de imposição de limite quantitativo, porque isto seria contrário ao interesse público e à razoabilidade. [38] Ainda, no que pese a supracitada decisão, a mesma faz menção aos princípios da economicidade, da licitação, da eficiência, da inalterabilidade do objeto, da igualdade, da moralidade, e da motivação. Sendo de observância obrigatória tais princípios em toda a alteração qualitativa. Conclui Daniel Uchoa[39] que o “preenchimento dos requisitos em questão não é necessário apenas para a hipótese de ultrapassagem dos aludidos limites, mas para todas as alterações qualitativas, razão pela qual não se justifica o entendimento segundo o qual aqueles lhes são aplicáveis. ” Não obstante a tese defendida pelos citados doutrinadores, interessante se faz transcrever a recomendação do jurista Márcio Cammarosano, em trabalho dedicado ao tema estudado: “(…) é verdade que a inexistência de limites rígidos para fazer frente a alterações qualitativas e ou situações imprevistas não autoriza desnaturar o objeto do contrato, nem realizar intervenções de tal ordem que lhe alterem profundamente as características consoante inicialmente concebidas e consubstanciadas no projeto e orçamento anexos ao edital do certame licitatório. Alterações dessa magnitude poderiam caracterizar burla à licitação realizada, ofensa aos princípios da isonomia, da moralidade administrativa e da razoabilidade, razão suficiente para que a execução do contrato não prossiga, seja e fosse elaborado novo projeto e realizado novo certame. Nesse sentido, cogitando-se de modificações que, mesmos fundadas na alínea a do inciso I do art. 65 da lei nº 8.666/93, .venham implicar aumento substancial do valor do contrato, especialmente aumentos superiores aos percentuais previstos no §1º do mesmo artigo, recomenda-se prudência”[40] Logo, mesmo pautado nas posições doutrinárias expostas no presente capítulo, deve o gestor público analisar com o máximo de cautela e criterioso exame do caso todas as possibilidades para melhor atingimento do interesse público, vez que quanto maior o valor para se modificar mais balizadas terão que se encontrar as justificativas para tal. Por derradeiro, tais posicionamentos tornam-se de grande relevância para uma gestão pública voltada a resultados, sendo uma interpretação com características mais acentuadas para a desenvoltura dos órgãos contratantes, o que vem de encontro às posições adotadas, principalmente, pelos órgãos de controle, que propendem sempre pela existência de maiores limites e estreita atuação dos agentes públicos, a fim de preservação do próprio erário. 3. Estudos de casos Conforme já previamente adiantado, o presente capítulo visa ilustrar as situações explanadas acima, citando casos e julgados nos principais tribunais, conforme veremos a seguir. 3.1 A Decisão Plenária nº 215/99 Trata-se aqui de uma das competências da Corte de Contas, de análise a casos hipotéticos, sendo tal decisão proferida em análise ao processo TCU-930.039/98-0, que consistia em consulta realizada pelo Ministro do Meio Ambiente (ex-Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal), quanto a possibilidade de alteração de contrato administrativo em valor excedente ao estabelecido na Lei Geral de Licitações e Contratos. Em síntese, o caso hipotético trazido àquela Corte remetia a existência de obra pública com a finalidade de construção de uma barragem, onde verificou-se a necessidade de alteração que acarretaria elevação superior aos 25% permissivo. É descrito que a obra se encontrava com adiantado estágio de execução, no momento em que foi identificada a necessidade de acréscimos no quantitativos de obras e serviços, sendo este decorrente da situação encontrada na escavação da fundação, pleiteando, dessa forma a troca do maciço de terra, originalmente previsto, para utilização de um maciço de concreto compactado a rolo (CCR), ressaltando que o último traria uma série de benefícios econômicos e sociais. Ainda é informado na consulta formulada pelo Ministério que à época da elaboração do projeto básico, a tecnologia CCR quase não era utilizada, que tal alteração não compromete a segurança da obra e nem altera suas características e, finalmente, que mesmo mantendo o processo construtivo original, superar-se-ia o limite legal permitido de 25%. No voto do Ministro-Relator, José Antonio Barreto de Macedo (Relator), fazendo um comparativo entre as espécies de interesse público, informando que “O interesse público primário – às vezes distinto do interesse da Administração, que é o interesse público secundário – é não só o fundamento da mutabilidade nos contratos administrativos, como também o seu real limite (..)”, conclui, de forma preliminar, que as alterações de ordem qualitativas quase sempre seriam necessárias para a consecução do objeto, ou seja, para o cumprimento do interesse público primário. O Relator afirmou ainda que, para essas alterações, é necessário aplicar limites genéricos, a fim de respeitar os direitos do contratado e evitar fraudes à licitação. Ainda, no decido, afirma não haver dúvidas quanto à aplicabilidade dos §§1º e 2º do art. 65 da Lei nº 8.666/93. Após invocar argumentos dos juristas já explanados na presente pesquisa, tais como Carlos Ari Sundfeld e Jesse Torres Pereira, conclui que, no que se refere à aplicabilidade dos limites para as alterações qualitativas, estas “estão sujeitas aos mesmos limites escolhidos pelo legislador para as alterações unilaterais quantitativas, previstos no art. 65, § 1.º, da Lei 8.666/93, não obstante a falta de referência a eles no art. 65, I, a.” Entretanto, na continuidade da decisão, o Ministro ressaltou que, no intuito de ser realizado o interesse público, a Administração poderia, em caráter excepcional, ultrapassar esses limites, devendo faze-lo consensualmente, revisando as obrigações e os valores contratados. Tal alteração excepcional deveria ocorrer de forma consensual a fim de evitar onerosidade excessiva nas obrigações do contratado. Ainda, estas poderiam ser somente qualitativas, não se admitindo nos casos de alterações quantitativas: “Além de consensuais, sustentamos que tais alterações devem ser necessariamente qualitativas. Estas, diferentemente das quantitativas – que não configuram embaraços à execução do objeto como inicialmente avençado -, ou são imprescindíveis ou viabilizam a realização do objeto.” Nesse sentido, o Relator ressalta que a alteração qualitativa objetiva a satisfação do interesse público, entendendo que essa consiste na modificação do projeto ou especificação, podendo ser necessária independente de fato superveniente ou de conhecimento superveniente. A fim de exemplo de tal hipótese, cita “o 'domínio de nova tecnologia mais avançada' ou a 'disponibilidade de equipamentos tecnicamente mais aperfeiçoados”. Finalmente, suscitou-se no voto uma terceira característica para admissão da ultrapassagem dos limites de 25%: “Além de bilaterais e qualitativas, sustentamos que tais alterações sejam excepcionalíssimas, no sentido de que sejam realizadas quando a outra alternativa – a rescisão do contrato, seguida de nova licitação e contratação – significar sacrifício insuportável do interesse coletivo primário a ser atendido pela obra ou serviço. Caso contrário, poder-se-ia estar abrindo precedente para, de modo astucioso, contornar-se a exigência constitucional do procedimento licitatório e a obediência ao princípio da isonomia.” Com base no supracitado voto do Relator, o Pleno do Tribunal de Contas da União decidiu, em sede de consulta, pelo seguinte entendimento: “a) tanto as alterações contratuais quantitativas – que modificam a dimensão do objeto – quanto as unilaterais qualitativas – que mantêm intangível o objeto, em natureza e em dimensão, estão sujeitas aos limites preestabelecidos nos §§ 1º e 2º do art. 65 da Lei nº 8.666/93, em face do respeito aos direitos do contratado, prescrito no art. 58, I, da mesma Lei, do princípio da proporcionalidade e da necessidade de esses limites serem obrigatoriamente fixados em lei; b) nas hipóteses de alterações contratuais consensuais, qualitativas e excepcionalíssimas de contratos de obras e serviços, é facultado à Administração ultrapassar os limites aludidos no item anterior, observados os princípios da finalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, além dos direitos patrimoniais do contratante privado, desde que satisfeitos cumulativamente os seguintes pressupostos: I – não acarretar para a Administração encargos contratuais superiores aos oriundos de uma eventual rescisão contratual por razões de interesse público, acrescidos aos custos da elaboração de um novo procedimento licitatório; II – não possibilitar a inexecução contratual, à vista do nível de capacidade técnica e econômico-financeira do contratado; III – decorrer de fatos supervenientes que impliquem em dificuldades não previstas ou imprevisíveis por ocasião da contratação inicial;  IV – não ocasionar a transfiguração do objeto originalmente contratado em outro de natureza e propósito diversos; V – ser necessárias à completa execução do objeto original do contrato, à otimização do cronograma de execução e à antecipação dos benefícios sociais e econômicos decorrentes; VI – demonstrar-se – na motivação do ato que autorizar o aditamento contratual que extrapole os limites legais mencionados na alínea "a", supra – que as consequências da outra alternativa (a rescisão contratual, seguida de nova licitação e contratação) importam sacrifício insuportável ao interesse público primário (interesse coletivo) a ser atendido pela obra ou serviço, ou seja gravíssimas a esse interesse; inclusive quanto à sua urgência e emergência;” Portanto, vislumbra-se que essa decisão se filiou ao entendimento doutrinário de que ambas as formas de alteração contratual – qualitativa ou quantitativa – subordinam-se aos limites previstos nos §§ 1º e 2º do Art. 65 da Lei de Licitação, apesar da possibilidade de exceção apresentada. 3.2 A flexibilização do TCU nos Acórdãos nº 2.931/2010 e nº 448/2011 Seguindo o entendimento da decisão 215/99, o Tribunal de Contas vem flexibilizando em seus acórdãos as exigências para realização de modificações unilaterais que ultrapassem os limites dos §§1º e 2º do Art. 65 da Lei nº 8.666/93. O Acórdão nº 2.931/2010 apreciou um pedido de reexame interposto pelo então Diretor do Diretor Geral do Departamento de Estradas de Rodagem do Acre – Deracre, em face do Acórdão 1.192/2009-Plenário, vez que foi aplicada multa ao gestor por ter promovido, dentre outras condutas, alterações contratuais superiores aos limites de 25%. Tratava-se de obra em que, verificada a superveniência técnica, segundo Acórdão impugnado, foi celebrado aditivo com acréscimos contratuais que infringiam os limites dos§§1º e 2º do art. 65 da Lei 8.666/93. O valor original da contratação era de R$ 16.166.879,37, e sofreu supressões de R$ 6.027.029,67 (37,3%) e acréscimos de R$ 5.352.024,87 (33,1%). Logo, tanto as supressões quanto os acréscimos teriam ocorrido em desacordo com a referida disposição legal. Entretanto, o gestor foi apenado somente pelos acréscimos. Ressalta-se que, ao realizar as modificações, o valor final do contrato foi inferior ao incialmente avençado. Contudo, na ocasião, Ministro Benjamin Zymler entendeu, fundamentando-se parcialmente com a Decisão 215/99, que: (…) não havia como se exigir conduta diversa do gestor, pois as alterações contratuais foram ao encontro do interesse público, reduzindo os custos da obra e permitindo a sua conclusão. Em situações da espécie, não é demais ressaltar, a extrapolação do limite previsto no § 2º do art. 65 da Lei 8.666/93 é mais uma consequência de uma conduta ilícita anterior do que uma falha de per si. Isso porque a necessidade de extrapolação do limite legal, em princípio, decorre de imprecisões no projeto básico as quais, para sua correção, demandam significativas alterações no objeto licitado. Desta feita, as condutas censuráveis seriam daqueles que elaboraram e/ou aprovaram tal projeto básico deficiente e que deu causa a necessidades de alterações contratuais em desacordo com a lei. A conduta consistente em efetuar as alterações seria mera consequência dessa irregularidade, podendo ocorrer de não ser exigível conduta diversa desse responsável quando da execução contratual. Logo, a decisão se coaduna com a posição de Marçal Justen Filho, por exemplo, vez que o autor informa que “é perfeitamente possível que a solução mais compatível com o princípio da economicidade seja a manutenção da contratação original, com as alterações necessárias e indispensáveis, ainda que importe superação do limite de 25%”.[41] Por sua vez, o Acórdão nº 448/2011, de Relatoria do Ministro Aroldo Cedraz, analisou o Contrato 22/2007, celebrado entre a Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia – Hemobrás e o Laboratório Français Laboratoire Français du Fractionnement et des Biotechnologies – LFB, que teve em seu termo aditivo de nº 01/2010 majoração do valor inicial do contrato, de um total de R$ 9.030.000,00 para R$ 230.601.874,32, considerando-se a cotação do Euro em 6/5/2010, o que consistiu em um acréscimo de aproximadamente 2.700% em seu valor original. A contratação em comento tinha por objeto a transferência de tecnologia referente ao processo de produção de hemoderivados. Segundo relatório do Ministro, a alteração do objeto contratual consistia no acréscimo de serviço da contratada, que não somente se encarregaria da transferência de tecnologia referente ao processo de produção de hemoderivados, mas também da própria execução dos serviços de fracionamento de plasma captado no Brasil. Na oportunidade, entendeu o Ministro: 4. A exemplo do que concluiu a Secex/4, entendo que, embora a assinatura do aditivo 01/2010 não se coadune com a decisão 215/1999-Plenário e, por conseguinte, tenha representado, a princípio, afronta ao art. 65, § 1º, da Lei 8.666, de 21/6/1993, o resultado prático da realização de processo licitatório distinto possivelmente seria o mesmo, qual seja, a contratação do Laboratoire Français du Fractionnement et des Biotechnologies, uma vez que este laboratório foi o único a participar da concorrência internacional que precedeu o contrato 22/2007. [42] Portanto, a alteração se justificaria tendo em vista que mesmo se fosse realizada nova licitação, esta não teria efeitos práticas, pela inexistência de viabilidade de competição, importando na contratação da mesma empresa. Logo, entendeu aquela Corte que tal fato ensejaria alterações superiores aos limites de 25%. O Ministro aludiu ainda em seu voto: “6. Acrescente-se que a contratação de outro laboratório que não o LFB resultaria em retrabalho para a Hemobrás, eis que seus técnicos, após a construção da fábrica, teriam de se adaptar a rotinas e fluxogramas distintos daqueles adotados até então, haja vista se diferenciarem, de laboratório para laboratório, muitos dos procedimentos afetos.” Por fim, tais decisões demonstra uma flexibilização do Tribunal de Contas da União na própria exceção criada por aquela corte na Decisão 215/99, vez que os acórdãos ora analisados não preenchem, necessariamente, todas os requisitos anteriormente exigidos, conforme ilustrado alhures no presente estudo. 3.3 O TCE-São Paulo e o julgamento de Aditamentos da CPTM O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo já se posicionou no sentido da não limitação das alterações qualitativas em termo aditivo realizado pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Tratava-se de contratação de obra entre o ente e a construtora Andrade Gutierrez S.A, vencedora de Concorrência pública internacional realizada, cujo objeto era “execução das obras civis brutas das vias, estacoes e pátios da ligação Campo Limpo – Santo Amaro – lotes 1, 2, 3 e 4 – Capão Redondo, Campo Limpo, Vila das Belezas e Giovani Gronchi”. O contrato foi celebrado em 1997, com o valor original de R$36.697.236,22. Em 1999 foi realizado termo aditivo no intuito de prorrogação de prazo, adequação da lista de quantidades e preços e majoração no valor, julgados procedentes pelo Tribunal de Contas paulista. Entretanto, entre 2000 e 2001, foram celebrados novos termos aditivos majorando novamente os valores da contratação. Apesar de não ser especificado na decisão o quantum acrescido, é relatado no julgamento TC-33931/026/97: “A E. Primeira Câmara do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, em sessão de 14 de maio de 2002, pelo voto dos Conselheiros Eduardo Bittencourt Carvalho, Presidente, e Robson Marinho, considerando que as modificações introduzidas pelos aditivos analisados derivaram de eventos supervenientes, invulgares e imprevisíveis na concepção dos projetos originários, sendo formalizadas apenas para que a administração pudesse alcançar o escopo originalmente pactuado, considerando a existência de acréscimos exclusivamente qualitativos, na exata medida em que não houve alteração da dimensão da obra, mas tão somente a incorporação das adaptações necessárias à finalização de empreendimento de relevante interesse público, consistente em linha de trem metropolitano situada em região de alta densidade, beneficiando população de baixa renda, além da impactação positiva no trânsito da cidade; considerando os aspectos peculiares e excepcionais envolvidos nos aditamentos aqui apreciados, gerando alterações e acréscimos por absoluta e inquestionável necessidade técnica; considerando, finalmente, que os laudos técnicos produzidos pela administração demonstram satisfatoriamente que a opção pela continuidade da obra ofereceu economia real aos cofres do Estado, tal como reconhecido expressamente pelo próprio agente financiador, DECIDIU, nas conformidades das razões elencadas nas correspondentes notas taquigráficas juntadas aos autos, JULGAR REGULARES os termos de aditamento em exame.”[43] Diante de tal posição, conclui Márcio Cammarosano: “Portanto, em se tratando das chamadas “sujeições imprevistas”, não há que se cogitar da limitação estabelecida pelo §1º do art. 65 da Lei nº 8.666/93, seja pelo absurdo da rescisão do contrato diante de situações excepcionais, que devem ensejar, isto sim, alterações contratuais, seja pela não incidência mesmo do disposto na alínea b do inciso I do art. 65 e seus parágrafos 1º e 2º, como sustentamos. Já no que concerne às alterações contratuais qualitativas, previstas na alínea a do inciso I do art. 65, que compreendem inclusive correções de projeto e de especificações, perfilhamos a orientação no sentido de que a essas, assim como ocorre nas decorrentes de “sujeições imprevistas”, também não se aplicam os limites do §1º.”[44] Portanto, verifica-se que a Corte de Contas paulista assume a posição da doutrina majoritária, dando maior relevância as peculiaridades do caso concreto, indo de encontro a quaisquer limites percentuais genéricos existentes na legislação.  Conclusão Como se pôde observar, as alterações contratuais de forma unilateral são verdadeiras prerrogativas da Administração, sendo consequência da presunção das chamadas cláusulas exorbitantes, de presença obrigatória nos contratos administrativos. Tem o gestor público a obrigação de realizar as modificações sempre que se verificar necessidades supervenientes ao objeto contratual. Tais necessidades devem ser essenciais para a satisfação do interesse público inserido na contratação. Ainda, cabe lembrar que uma nova tecnologia também poderia dar ensejo a um aditivo contratual alterando a ordem qualitativa, desde que traga maiores benefícios à Administração. Ressalta-se que, como foi devidamente demonstrado, as alterações qualitativas não se confundem com as alterações de ordem quantitativa, uma vez que as últimas alteram as dimensões do objeto, enquanto as primeiras realizam adequações técnicas que são imprescindíveis para a consecução do objeto contratado. Sendo, portanto, essenciais para a consecução do objeto, dá-se ensejo as discussões doutrinárias levantadas, constituindo o objetivo desse estudo responder quais seriam os limites para essas alterações, uma vez que há dúvidas quanto à aplicabilidade dos limites previstos nos §§1º e 2º do Art. 65 da Lei de Licitação. Em primeiro momento, verifica-se que parte da doutrina entende, com razão, que não poderia ser ilimitada a atuação do gestor público para realização das modificações contratuais, principalmente pelo risco de descaracterização do objeto. Contudo, faz razão a doutrina majoritária ao afirmar que não pode estar submetido aos percentuais genéricos previstos para as alterações quantitativas, uma vez que se estaria subordinando o próprio interesse público a tais percentuais. Ainda, não resolve a posição doutrinária que defende as limitações de 25%, ou 50% excepcionalmente, quando identificada a necessidade de alteração qualitativa, uma vez que não se realizando a alteração, ou realizando essa dentro dos limites, provavelmente não se atenderia o interesse público da contratação, pois ela não teria sua consecução da forma necessária.  Portanto, aplicar as limitações do §1º do Art. 65 da Lei nº 8.666/93 para as alterações qualitativas parece ir de encontro com as novas intepretações que se tem dado aos contratos administrativos, onde cada vez mais se busca uma Administração Pública voltada para resultados concretos, com menor burocratização e maior aproveitamento dos recursos público. É o que vem entendendo as novas decisões das Cortes de Contas, flexibilizando o entendimento e analisando caso a caso para a devida aplicação da norma. No entanto, em vista a impedir prováveis prejuízos ao erário público, há necessidade de melhor planejamento dos gastos e dos projetos objetos de contratação. Muitas falhas que resultam na necessidade de celebração de aditivos modificativos decorrem de projetos mal dimensionados ou mal elaborados. Tais situações são reflexos da grande deficiência da administração pública atual: a capacidade de se planejar. Ainda, quanto aos desvios de condutas dos agentes, estes somente podem ser inibidos com uma fiscalização cada vez mais acentuada, tanto pelos órgãos de controle quanto pela própria população. Há necessidade de se aferir além do cumprimento dos requisitos legais, dando-se maior atenção na verificação se de fato a contratação foi vantajosa, eficiente e eficaz. Dessa forma, há grandes problemáticas envolvendo as contratações públicas brasileiras, o que demonstra a ineficiência não só da Administração Pública mas da atual Lei de Licitação e Contratos. Portanto, acredito que esta merece ser revistas – quiçá substituída – pois a mesma se demostra ineficaz no seu principal objetivo, que é a prevenção dos desvios dos agentes, e por diversas vezes prejudiciais para a própria satisfação os anseios da população por serviços públicos efetivos e de melhor qualidade. Por fim, frisa-se que, no que pese a regulamentação de uma nova lei de licitação e contratos mais voltada para resultados e menos preocupada com os meios, estas não colocariam em risco uma maior abertura para os desvios de condutas dos agentes, vez que tais ilícitos decorrem de uma crise moral, não exclusiva somente dos agentes públicos, mas da cultura brasileira. Portanto, por mais que o legislador objetive prevenir os ilícitos com normas mais rígidas e restritivas, esses só diminuirão com severas mudanças comportamentais do brasileiro.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/as-limitacoes-das-alteracoes-unilaterais-dos-contratos-administrativos/
Desmilitarização: hierarquia e disciplina não são um problema para a Polícia Militar
O artigo elaborado analisa dentro da legislação constitucional brasileira o tema da desmilitarização, seus reflexos e perigos para a segurança pública. Tal estudo foi realizado com base em pesquisa científica e doutrinária, considerando, dentre outros, artigos de ASSIS (2012), DORNELLES (2008), VIANA (2013), FERREIRA (2015) e ROCHA (2014), visando trazer a lume argumentos para contrapor a tese de que a desmilitarização das polícias militares é o caminho para o alcance da paz social. Conclui-se que o estamento militar, calcado na hierarquia e disciplina não é circunstância impeditiva à atividade civil desempenhada pela polícia militar, mas sim garantia para as instituições civis e o regime democrático, fazendo-se, contudo, necessária uma reformulação do sistema de defesa social para a melhoria da segurança pública.
Direito Administrativo
Introdução O regime de ditadura militar que vigorou no Brasil depois do golpe de 1964 deixou muitas sequelas, notadamente em razão do sistema repressivo policial-militar adotado pelo governo, que aboliu os direitos e garantias do cidadão. Sob a égide da Constituição de 1988, inaugurou-se um novo arcabouço jurídico-institucional no país, com ampliação das liberdades civis e dos direitos e garantias individuais. A despeito da redemocratização política, pouco avanço é detectado na área de segurança pública, porquanto as instituições responsáveis pela atividade policial ainda são retrógradas e não conseguem conter a violência urbana que se alastra no país. Diante de tal celeuma, há quem defenda a desmilitarização das polícias militares como solução para os males que afligem a segurança pública do país, notadamente após a recomendação de sua extinção pelo Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). De fato, urge a reformulação do sistema de defesa social. Contudo, o estamento militar não é circunstancia impeditiva à atividade civil desempenhada pela polícia militar. Portanto, pretende-se com o presente artigo fomentar as discussões sobre a (ausência) de efetividade da alteração da organização estrutural da polícia militar para a melhoria da segurança pública. 2 Desenvolvimento 2.1 Origem da polícia militar Registros históricos dão conta de que a ideia de polícia no Brasil surgiu em 1500, com a expedição de Martim Afonso de Souza para as capitanias hereditárias. À época, a administração, promoção da justiça e organização de serviços de ordem pública foram a ele outorgados por D. João III através de uma carta régia. Em 1808, com a vinda forçada da Coroa Portuguesa para o Brasil, D. João VI, diante da necessidade de instrumentos para governar, criou, mediante Alvará, a Intendência-Geral de Polícia da Corte e do Estado do Brasil. Em 1810 foi criado o Corpo de Comissários da Polícia e, em 1842, as funções da polícia administrativa e judiciária foram definidas. Após a Revolução de 1932, a Constituição Federal de 1934 passou a adotar a denominação “polícia militar”. A Constituição de 1946 fez referência expressa às Policiais Militares como forças auxiliares e reservas do Exército. Em 1967, foi criada a Inspetoria Geral das Polícias Militares (IGPM) e, no mesmo ano, o Decreto-Lei 667 reorganizou as polícias militares e os corpos de bombeiros militares. Com o advento da Constituição Federal de 1988, as atribuições de cada uma das polícias responsáveis pela segurança pública – polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, policias civis e polícias militares e corpos de bombeiro militares – foi delimitada, cabendo às polícias militares o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública, bem como a atuação eventual como forças auxiliares e reserva do Exército. 2.2 A distinção da missão das Forças Armadas e da Polícia Militar Conforme preconiza o artigo 142, caput, da CF/88 é missão das Forças Armadas a defesa da Pátria, a garantia dos poderes constitucionais e, por inciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. Lado outro, nos termos do artigo 144, §5º, da CF/88, às polícias militares cabe o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública. Portanto, Forças Armadas e polícias militares possuem missões diferentes. As primeiras têm finalidade militar e destinam-se à defesa da Pátria; e estas, têm fins civis, isto é, destinam-se a proteger e socorrer comunidades. 2.3 As polícias militares como forças auxiliares e reserva do Exército Além do papel precípuo da polícia militar de prevenir ostensivamente a prática de futuras infrações penais, para fins de preservação da ordem pública, o art. 144, §6ª da Constituição Federal determina que as polícias militares são as forças auxiliares e a reserva do Exército. Neste ponto, mister consignar que a atuação das polícias militares como “forças auxiliares” e “reserva do Exército” só se aplicam nos “casos de comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fato que comprove ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa ou, ainda, declaração de estado de guerra ou resposta à agressão armada estrangeira” (art. 137, caput, da CF/88), como conclui Jorge Cesar Assis. Entende, também, o autor, que: “para o desempenho das atividades constitucionais específicas das polícias militares e corpos de bombeiros militares previstas no art. 144, §5º, da CF/88, as instituições estaduais e distritais não agem na condição de auxiliar e reserva do exército. Neste sentido, as referidas instituições aparecem como principais instrumentos da preservação da ordem pública, bem como das atividades concernentes à defesa civil, sem nenhuma parcela de subsidiariedade.” Assim, em caso de decretação de estado de emergência ou estado de sítio ou em decorrência de uma guerra, poderão os integrantes da polícia militar ser requisitados pelo Exército para exercerem funções diversas da área de segurança pública. 2.4 A organização da polícia militar sob os pilares da hierarquia e disciplina Os membros da Polícia Militar, consoante dispõe o artigo 42, caput, da CF/88 são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios e constituem instituições organizadas com base na hierarquia e na disciplina. Nos termos do artigo 14, §§1º e 2º, da Lei 6880/80 (Estatuto dos Militares), entende-se como hierarquia e disciplina, o seguinte: “Art. 14. […] §1º A hierarquia militar é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes […] O respeito à hierarquia é consubstanciado no espírito de acatamento à sequência de autoridade. §2º Disciplina é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições que fundamentam o organismo militar e coordenam seu funcionamento regular e harmônico, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes desse organismo.” Thomaz Francisco Madureira, ao citar Pallovitch, esclarece que aludido autor, em seu famoso livro “O Ideal Democrático e a Disciplina Militar” define que: “a disciplina não é, simplesmente, feita de obediência passiva, porém, de inteligência e devotamento, e, assim, transforma e prolonga a obediência passiva em uma iniciativa subordinada aos interesses raramente expressos em conjunto. Torna-se uma virtude coletiva, o cimento da união moral, intelectual e física, que multiplica a força de cada um pela força de todos.” Acerca da estruturação da polícia militar sobre aludidos pilares, mister trazer à baila as lições do Cel PM Leonel Archanjo Affonso (1985, p. 40), ex-Comandante-Geral da Polícia Militar de Minas Gerais: A manutenção da Ordem Pública, envolvendo o risco de vida, a coragem física e moral, a obediência rígida às leis e regulamentos, a lealdade a superiores e subordinados, uma vasta gama de virtudes e qualidades, além do adequado preparo técnico-profissional, exige unidade de comando e ação, objetivos inatingíveis por outros meios, senão pela estrutura militar, disciplina, hierarquia e valores policiais-militares. Argumenta, ainda, o ex- Comandante, que o militar, em razão da submissão a regulamentos rígidos, à disciplina, à hierarquia e escala de valores obrigatória, forma uma filosofia peculiar de vida, a qual constitui o instrumento de controle da força policial, e ressalta que as leis para os que encarnam a força têm que ser mais rígidas, como garantia de seu uso para o bem comum. A polícia militar, portanto, constitui a força pública destinada à atividade civil de manutenção da ordem pública, determinando o texto constitucional que a investidura pessoal seja militar e a destinação institucional seja civil. 2.5 A imagem da polícia militar A sociedade civil tem um posicionamento ambíguo sobre a imagem da polícia militar, consoante relatam as lições de João Ricardo W. Dornelles (2008, p. 71): “Por um lado, parte considerável da sociedade exige uma polícia que respeite os direitos e que seja cumpridora da lei, ao mesmo tempo em que não deixe de garantir a segurança de todos. Por outro lado, essa mesma sociedade tem expectativa geral de que a polícia se comporte de acordo com o estereótipo negativo que marca a instituição, isto é, a conduta brutal, violenta, arbitrária, corrupta e ilegal. Assim, a imagem que a população tem da polícia se reforça, formando uma cadeia difícil de se desfazer”. Outrossim, esclarece o autor que a polícia busca a aceitação de sua atuação pela sociedade, pretendendo ser sinônimo da proteção dos direitos, da lei e da justiça, ao garantir a segurança de todos. Contudo, “ao mesmo tempo, reforça a sua imagem social negativa quando não apenas deixa de garantir a segurança geral, como também passa a ser identificada como violenta, corrupta e transgressora das leis”. 2.6 A desmilitarização da polícia militar Durante a ditadura militar, a política de segurança pública era utilizada como instrumento de garantia da ordem pública antidemocrática. Portanto, com o processo de restauração da democracia e diante da nova ordem político-jurídica, tornou-se imperiosa a reestruturação do modelo de segurança pública, que era centrado no poder autoritário e no uso da força e da violência em detrimento dos Direitos Humanos. De acordo com Túlio Viana, “Uma das heranças mais malditas que a ditadura militar nos deixou é a dificuldade que os brasileiros têm de distinguir entre as funções das nossas Forças de Segurança (polícias) e as das nossas Forças Armadas (exército, marinha, aeronáutica). […] As polícias […] só deveriam matar nos casos extremos de legítima defesa própria ou de terceiro. Seu treinamento não é para combater um inimigo, mas para neutralizar ações criminosas praticadas por cidadãos brasileiros (ou por estrangeiros que estejam por aqui), que deverão ser julgados por um poder próprio da República: o Judiciário. Em suma: enquanto os exércitos são treinados para matar o inimigo, polícias são treinadas para prender cidadãos. […] O militarismo se justifica pelas circunstâncias extremas de uma guerra, quando a disciplina e a hierarquia militares são essenciais para manter a coesão da tropa. O foco do treinamento militar é centrado na obediência e na submissão, pois só com estas se convence um ser humano a enfrentar um exército inimigo, mesmo em circunstâncias adversas, sem abandonar o campo de batalha.” Cotejando “a estrutura organizacional, articulação, desdobramento, instrução, adestramento, aprestamento, flexibilidade, coesão, unidade de princípios gerais, valores e concepções estratégicas, observadas as adaptações necessárias às missões peculiares de cada uma, não há diferença entre as Forças Armadas e Polícias Militares”, diz AFFONSO (1985, p. 40). Contudo, a formação militar não pode se confundir com a natureza das missões que serão executadas. O militarismo não se justifica apenas pelas circunstâncias extremas de uma guerra. A estrutura organizacional baseada na hierarquia e na disciplina, no caso da polícia, é uma garantia para a sociedade contra o arbítrio e o despotismo de uma força sem controle. Nestes termos, o militarismo, ao contrário do que defende o Professor Túlio Viana, reforça no policial a importância do respeito ao Direito e à cidadania. Afinal, a observância da lei é um dos pressupostos da ética militar. Na mesma linha do Professor Túlio Viana, Gabriela Sutti Ferreira defende que “a formação policial se pauta em treinar mecanicamente os agentes, retirando-lhes a capacidade de pensar criticamente sobre questões sensíveis […]”. Com efeito, a hierarquia e disciplina não são um cabresto do policial. O espírito de acatamento à autoridade e às leis está atrelado respectivamente à hierarquia e à disciplina e não autoriza a equiparação da conduta do agente a de um animal que age “às cegas”, seguindo o comando de seu dono. O Estado Democrático de Direito ora vigente é lastreado por uma Carta Constitucional que acolhe o cidadão através de inúmeras garantias e direitos. Portanto, eventual excesso cometido por determinado agente não pode delinear a imagem de toda a instituição. Nesse sentido, oportuna as lições de Fernando Carlos Wanderley Rocha: “Foi nas Polícias Civis de São Paulo e do Rio de Janeiro que a eliminação sumária de bandidos surgiu, na década de 1960, como instrumento de vingança pela morte de policiais e de controle da criminalidade como uma reação ao aumento dos crimes em cidades que cresciam desordenadamente. […] Foi na Polícia Civil do Rio de Janeiro que surgiu a expressão “bandido bom é bandido morto”. Na medida em que as Polícias Civis saíram das ruas e as Polícias Militares passaram ao policiamento ostensivo, alguns dos seus integrantes herdaram os mesmos procedimentos ilegais originalmente adotados por alguns de seus colegas das corporações civis, todos entendendo que o prender criminosos não passava de um mero “enxugar gelo”. Portanto, a letalidade da Polícia Militar não resultou de sua militarização durante os governos militares nem é herança da ideologia da segurança nacional, como querem alguns. Por tudo isso, há de se perceber no tipo de missão e nas circunstâncias a serem enfrentadas, e não a natureza militar, a razão das alegadas violência e letalidade das Polícias Militares.” Gabriela Sutti Ferreira também argumenta que em decorrência de suas missões distintas, não se justifica a manutenção das polícias militares como força auxiliar das Forças Armadas e que “a hierarquização apenas serviria para subordinar melhor as polícias militares às Forças Armadas”. Ora, as polícias militares são forças auxiliares e reserva do Exército. A subordinação da polícia militar ao Exército, portanto, só ocorre nos casos de mobilização ou intervenção federal, não havendo subsidiariedade da polícia quando do exercício das atividades concernentes à preservação da ordem pública e policiamento ostensivo. Ademais, não se pode olvidar que a Inspetoria-Geral das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares (IGPM) é o órgão do Exército responsável por executar ações de coordenação e controle das polícias militares e corpos de bombeiros e atua para evitar que as polícias militares se transformem em verdadeiros exércitos estaduais, com poder militar para confrontar a União. Portanto, aludida tese não se sustenta. 2.7 O perigo da desmilitarização Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, várias são as Propostas de Emenda Constitucional pretendendo a desmilitarização. O Deputado Hélio Bicudo, através da PEC nº 046/91 pretendeu a desvinculação do estamento militar da polícia sob o argumento de que tal desvinculação acarretaria o melhor desempenho de aludida instituição, bem como permitiria que os Estados organizassem suas polícias tornadas civis, o que faria desnecessária a existência dos tribunais militares estaduais. A PEC nº 102/2011, dentre outras modificações, pretende que seja facultado à União e aos Estados a adoção de uma polícia única, cujas atribuições congregam as funções de polícia judiciária, apuração de infrações, polícia ostensiva, administrativa e preservação da ordem pública. Contudo, referida polícia única – instituição de natureza civil – será organizada com base na hierarquia e disciplina e estruturada em carreiras. Em conjunto com aludida proposta, tramita também a PEC nº 51/2013, que tem como um de seus pleitos que todo órgão policial deverá se organizar em ciclo completo, responsabilizando-se cumulativamente pelas tarefas ostensivas, preventivas, investigativas e de persecução criminal. Contudo, caso aprovada a PEC 102/2011 ou a 51/2013, não se pode olvidar dos reflexos negativos para as Forças Armadas. Nos termos do Estudo elaborado por Fernando Carlos Wanderley Rocha, conclui-se que: “haveria perda de uma expressiva reserva pronta para imediata mobilização; aumentaria consideravelmente o emprego das Forças Armadas em missões tipicamente policiais, desviando-as e descaracterizando-as ainda mais da sua atividade-fim; nas operações de garantia da lei e da ordem, o controle operacional dos órgãos de segurança pública, nos termos da Lei Complementar nº 97/1999, seria mais difícil em se tratando de uma corporação de natureza civil; nas hipóteses de decretação de estado de sítio, estado de defesa ou de intervenção federal, não haveria corporação militar estadual a ser passado ao controle operacional da força federal.” Sobre as PEC’s, conforme se extrai da síntese das propostas de emenda que estão em tramitação, as soluções apontadas na hipótese de desmilitarização das policiais militares seria a criação de uma polícia de ciclo completo, na qual uma só corporação policial realizaria o policiamento ostensivo e as atividade de investigação; a criação de uma só polícia de natureza civil, como por exemplo, a extinção das atuais polícias militares e polícias civis e a criação de uma nova polícia civil unificada, com uma nova geração de policiais; ou a fusão das atuais polícias militares e polícias civis em uma só polícia civil. Contudo, qualquer dessas alternativas apresenta problemas de resolução de curto e longo prazo, como, por exemplo, os atritos atinentes aos integrantes das duas corporações, a carreira de seus integrantes, a remuneração. Portanto, não é uma tarefa fácil. Ademais, transformadas as polícias em uma corporação civil, torna-se viável a realização de greve e a sindicalização dos agentes responsáveis pela manutenção da ordem pública, o que é extremamente temerário. Portanto, a força pública tem que ser disciplinada, limitada, contida. E neste ponto o acatamento proveniente da hierarquia e da disciplina são preponderantes para a manutenção de um Estado ordenado. 3 Conclusão A segurança pública ainda é um fardo a ser carregado. Busca-se soluções para a diminuição da violência urbana e frequentemente as discussões se concentram nos órgãos por ela responsáveis. As cicatrizes deixadas pelo regime militar ainda incitam discursos apaixonados, muitas das vezes sem fundamentação lógica, pretendendo extirpar a “pecha” do militarismo que regula a estrutura da polícia militar, como se a hierarquia e a disciplina tornassem a instituição o problema da segurança pública, o que não é verdade. Também em razão da ditadura, a atividade policial, por si só, causa antipatia natural ao leigo, sinalizando a necessidade da polícia militar modificar sua imagem. Afinal, a sociedade civil não pode ter um conceito dúbio sobre a instituição, que deve não só inspirar, mas trazer uma segurança efetiva ao cidadão. Noutro norte, a polícia militar não é uma organização passivamente obediente, feita e trabalhada pelo temor e pela punição. “A formação militar pressupõe a assimilação de valores que envolvem o sentimento do dever a ser cumprido, o culto à hierarquia e disciplina, a obediência às ordens recebidas e ao ordenamento jurídico, ética, civismo […]”, nas lições de ROCHA. Entretanto, sem disciplina, os agentes de polícia podem converter-se em bandos armados, com riscos para o cidadão, as instituições civis e o próprio regime democrático. Caos é a expressão de menor impacto para relatar o que se tornaria o país no caso de deflagração de uma greve. Pergunta-se quem iria manter a paz social e conter eventual desordem? Portanto, a investidura como militares desses servidores estaduais é fator de garantia e estabilidade à sociedade, que terá assegurada a prestação de um serviço público essencial – segurança pública – de forma contínua e ininterrupta, eis que proibida a greve para os militares. Enfim, considerando o impacto das atribuições da polícia militar nas políticas adotadas em prol da segurança pública, é mister que haja uma reformulação da instituição, tal como já vem ocorrendo desde a redemocratização (após o fim do regime militar), de forma que seus agentes possam exercer sua função em consonância com os preceitos de um Estado Democrático de Direito, assegurando à sociedade paz e tranquilidade, a despeito de sua estrutura organizacional.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/desmilitarizacao-hierarquia-e-disciplina-nao-sao-um-problema-para-a-policia-militar/
A advocacia pública e o controle de juridicidade
Este artigo abordará alguns aspectos da controle dos atos administrativos, sob o prisma da advocacia pública. A discricionariedade, cujo poder mítico reinou outrora, agora da lugar a uma análise crítica da política pública, frente as diretrizes da Constituição Federal de 1988.
Direito Administrativo
1. Introdução O direito administrativo como qualquer ramo do direito responde as evoluções culturais e sociais. Com a promulgação da Constituição Federal inaugurou-se nova era no Brasil. O exercício do poder deve ser sempre vigiado. As políticas públicas deveriam servir a sociedade e concretizar as normas e valores constitucionais. Em última análise, o arcabouço jurídico atual deverá dar condições ao povo de alcançar a felicidade. Para tanto, o ambiente social deverá ser permeado de liberdade e segurança jurídica, contrabalanceado com limites justos e democráticos. As principais bases deste estudo residem na exposição do conceito de interesse público e como ele deverá ser empregado na análise de um caso concreto. O mérito administrativo também será escrutinado e dessacralizado, notadamente na mudança de paradigma, saindo de uma análise meramente legalista para um confronto do ato administrativo/legal frente ao ordenamento jurídico como um todo. Sempre em busca do direito justo. Para que os desideratos constitucionais sejam alcançados e sustentados, os advogados públicos são engrenagem vital para o sucesso das políticas publicas, assim como na fiscalização preventiva dos atos administrativos. Ao atuar profilaticamente prejuízos com o dinheiro público serão evitados, seja para prevenir erros e ilegalidades ou no combate a corrupção. O estudo em questão é muito mais complexo do que se imagina e jamais seria exaurido um livro, quanto mais num singelo artigo. 2. Interesse público A evolução social através da história proporcionou a sociedade do século XXI a consolidação de direitos, notadamente manifestados em liberdades públicas. Alguns dos direitos inerentes a condição humana (liberdade, moradia…) foram alçados ao patamar constitucional máximo, configurando assim, créditos em favor do cidadão contra o apetite voraz do Estado. Há prestigio consensual de que institutos normativos, em maior ou menor escala, devem ser posicionados de modo a conduzir a sociedade a uma ordem jurídica e social justas. Com a transformação proporcionada pelo século das luzes, os direitos dos indivíduos com relação ao estado tiveram um marco evolucionário importante. Para mero fim de ilustração, admite-se aqui a dicotomia direito público e privado. O critério científico médio para a sua diferenciação, reside na predominância do interesse a ser protegido. Em lépidas linhas e grosso modo, portanto, o direito público terá como escopo as relações jurídicas que envolvam a sociedade, em detrimento, a priori, do interesse restrito a orbe de um único indivíduo.  A expressão do princípio do atendimento do interesse público[1] deve ser vinculada ao bem de toda a coletividade, ou seja, à percepção geral das exigências da vida na sociedade. Esse princípio vem elencado tradicionalmente como a base de vários institutos e normas do direito administrativo e, também, de prerrogativas e decisões. Por vezes, de modo equivocado, se invoca o seu atendimento, com o sentido de atendimento de interesse (“supremo”) fazendário ou para justificar decisões arbitrárias.   Referido princípio direciona a atividade da Administração no sentido da realização do interesse da coletividade e não de interesses administrativo-burocrático, das autoridades, dos partidos políticos… Assim, a finalidade da atuação da Administração situa-se no atendimento do interesse público constitucionalmente posto e pressuposto[2]. O desvirtuamento dessa finalidade suscita o vício do desvio de poder ou desvio de finalidade. No juízo da profª Odete Medauar[3], os desejos estatais devem ficar submetidos aos anseios da coletividade postos na Constituição Federal de 1988, sendo a vontade desta última a verdadeira suprema e não ao contrário, in verba magistri: “Em alguns cursos ou manuais de Direito Administrativo encontra-se a menção ao chamado "princípio" da supremacia do interesse público sobre o interesse privado. Esse "princípio", se algum dia existiu, está ultrapassado, por várias razões, aqui expostas de modo sucinto: a) Ante a Constituição Federal de 1988, que prioriza os direitos fundamentais, direitos estes essencialmente dos particulares, soa ilógico e incoerente à diretriz constitucional invocá-lo como princípio do Direito Administrativo. b) Mostra-se pertinente à Constituição de 1988 e à doutrina administrativa contemporânea a ideia de que à Administração cabe realizar a ponderação de interesses presentes numa determinada situação, para que não ocorra sacrifício a priori de nenhum interesse; o objetivo desta função está na busca de compatibilidade ou conciliação dos interesses, com a minimização de sacrifícios. Até os autores que se aferram a este princípio reconhecem a necessidade de sua "reconstrução", de sua adequação à dinâmica social, de sua adaptação visando à harmonização dos interesses. c) O princípio da proporcionalidade também matiza o sentido absoluto do preceito, pois implica, entre outras decorrências, a busca da providência menos gravosa, na obtenção de um resultado.” Desta feita, se torna inequívoca a vontade da Constituição Federal em determinar, que o Estado sirva a sociedade e não ao contrário. Resta consignar que o Estado, como toda nau precisa de uma tripulação engajada em navega-la. Do contrário fica-se ao sabor do capitão resmungão e seus asseclas, do tempo e das tempestades. A omissão não trará nenhum proveito útil. Desta feita a fiscalização popular, aqui exemplificada pela Ação Popular, é medida de primeira ordem para se alcançar o desenvolvimento da nau Brasil. O destino do navio descontrolado é irremediavelmente a ruína. Marcada a posição de sobre a questão da supremacia, ainda há a necessidade de se viver em sociedade, via estado. A realização das políticas são realizadas pelos Entes Federativos e suas respectivas entidades autárquicas e fundacionais de direito público. Como eles existem para servir a sociedade, ainda se faz necessidade de destrinchar o conceito de interesse público[4], fato este que necessariamente norteará a atuação da Advocacia Pública[5]. O Professor Celso Antônio Bandeira de Mello[6] nos traz à baila a distinção feita pela doutrina italiana entre as duas acepções elementares do dito interesse público, in verbis: “Interesse público ou primário é o pertinente à sociedade como um todo e só ele pode ser validamente objetivado, pois este é o interesse que a lei consagra e entrega à compita do Estado como representante do corpo social. Interesse secundário é aquele que atina tão-só ao aparelho estatal enquanto entidade personalizada e que por isso mesmo pode lhe ser referido e nele encarna-se pelo simples fato de ser pessoa” Neste diapasão, pela classificação aqui adotada, pode ser depreendido que a defesa do patrimônio coletivo, tem por maior bem a Constituição Federal[7] e as normas infra legais que a cercam, sendo certo que os interesses e aspirações dos entes, entidades estatais e gestores possuem caráter eminentemente subalterno. In casu, o advogado vive para servir na constante luta[8] contra a ignorância, o erro, injustiça, opressão, tirania e no combate contra a corrupção. Ademais, em virtude do seu mandato constitucional, deve atuar pela manutenção da liberdade, do estado democrático de direito, ética[9] [10]e pela autodeterminação dos indivíduos[11]. Portanto, o advogado esta intrinsicamente ligado com a defesa do interesse público primário e com o direito justo, consolidando assim, a pratica de uma advocacia tipicamente de estado e democrática. A proposito, este também é o pensamento defendido pela profª Maria Sylvia Zanella Di Pietro[12] externado quando tratou das funções do advogado público em renomado estudo a seguir transcrito: “O papel do advogado público que exerce função de consultoria não é o de representante de parte. O consultor, da mesma forma que o juiz, tem de interpretar a lei para apontar a solução correta; ele tem de ser imparcial, porque protege a legalidade e a moralidade do ato administrativo; ele atua na defesa do interesse público primário, de que é titular a coletividade, e não na defesa do interesse público secundário, de que é titular a autoridade administrativa.” Assim, para que o advogado público consiga combinar as atribuições de função essencial a justiça, guardião do controle de juridicidade dos atos administrativos[13], sentinela da prevenção a corrupção, etc há necessidade de existência de um arcabouço jurídico que dê condições mínimas de trabalho. Ela é personificada no instituto legal da prerrogativa. Como é cediço, elas não constituem benesses estatais, mas sim ferramentas de trabalho a serviço da sociedade. Estas prerrogativas no sentir dos professores[14] Eroulths Cortiano Jr. E André Luiz Ramos, constituem “…instrumento de viabilização de políticas públicas, fim de facilitar a consecução do bem comum…a inviolabilidade assegurada ao advogado é garantia do cidadão, na advocacia pública é garantia dos cidadãos…” O propósito do Advogado deverá sempre ser digno. Precipuamente deverá perseguir e encarnar o ideal de justiça universal preconizada na Constituição Federal. Como Função Essencial a Justiça, a advocacia deve primar pelo estado democrático de direito justo. Nas palavras do profº. John Rawls[15], in verbis: “O princípio norteador é o de se estabelecer uma constituição justa que garanta as liberdades da cidadania igual. Os justos devem guiar-se pelos princípios da justiça e não pelo fato de que os injustos não podem se queixar…Desse modo, os princípios da justiça podem julgar entre moralidades opostas …O que é essencial é, quando pessoas de convicções diferentes apresentam a estrutura básica exigencias conflitantes, devido a princípios políticos, essas reinvindicações sejam decididas em conformidade com princípios de justiça”. Não obstante, o desafio que o tema impõe, o debate deve ser sempre inteligente e profícuo[16]. Para aplicação da norma ao caso concreto, o hermeneuta[17] deve se cercar de cuidados para que o produto do seu trabalho intelectual, seja coerente com o ordenamento jurídico a qual faz parte, alcançando assim a já referida teleologia da norma. Grandes injustiças e descalabros são frequentemente disfarçados com a máscara do exercício regular do direito, notadamente quando o dinheiro público e poder encontram-se envolvidos. Nesta senda intelectiva é a cátedra de Diogo de Figueiredo Moreira Neto[18]: “Ora, as atividades desenvolvidas pelos Advogados de Estado se situam inequivocamente no plano das atividades-fim, ou seja: SÃO AÇÕES VOLTADAS AO ESTABELECIMENTO, À MANUTENÇÃO, AO CUMPRIMENTO E AO APERFEIÇOAMENTO DA ORDEM JURÍDICA, e apenas secundariamente, referidas ao aparelhamento do Estado. Com efeito, o dever precípuo cometido aos Advogados e Procuradores de qualquer das entidades estatais, é indiscutivelmente o de sustentar e de aperfeiçoar a ordem jurídica, embora secundariamente, mas sem jamais contrariar a primeira diretriz constitucional, possam esses agentes atuar em outras missões de natureza jurídica administrativa voltadas para a atividade meio, como por exemplo, aquelas que se desenvolvam em sustentação à medidas governamentais… …Mas é muito importante ter-se presente que, em caso de colidencia entre as atribuições secundárias, que porventura lhe sejam cometidas, com aquelas duas , primárias, estas deverão prevalecer sempre, por terem radical constitucional, ou seja, em síntese: por serem missões essenciais de sustentação da ordem juridica” (grifei) Significa dizer que o compromisso do Advogado Público é com o Ordenamento Jurídico (interesse público primário). Os objetivos da instituição (interesse público secundário) não influenciam em sua determinação ou no seu trabalho em defesa da juridicidade. Muito mais que a mera legalidade, o procurador público zela pela legitimidade dos atos administrativos, isto é, o desiderato reside na busca da solução justa de qualquer questão dentro do Ordenamento jurídico e não numa única norma isolada. Neste diapasão é o escólio de Odete Medauar[19]: “…conformidade ao justo…No direito administrativo pátrio a legitimidade, nesta acepção, mantém a interface, em especial, com o mérito, o interesse público, a moralidade administrativa” As políticas públicas pertencem a outras esferas. Não é dever do Advogado de Estado se arvorar para satisfazer os objetivos do Gestor e do seu programa de governo ou projetinho de poder dos seus afilhados. Portanto, o Advogado Público deve atuar pela viabilidade da política pública, desde que, o meio e o fim empregado estejam em estrito acordo com a Constituição Federal e com o direito justo. Corroborando com esta tese o prof º Claudio Granzotto[20] confere-nos a seguinte lição: “No exercício dessas atribuições, deve estar buscando uma atuação pautada no interesse público primário ou até o secundário, desde que este não colida com aquele. Não obstante a sua atuação deva estar voltada para a consecução do interesse público, mormente o de viés primário, a natureza de vinculação constitucional com os demais poderes, principalmente a estreita ligação com o Poder Executivo poderá desvirtuar essa missão. Movido à pressão de certos setores, sem poder fazer uso de prerrogativas inerentes a magnitude de sua função, inevitável seria o comprometimento com o seu mister constitucional de defesa do interesse público” Portanto eis a pedra fundamental do procurador público. Atender o ordenamento jurídico (Advocacia de Estado) e não aos interesses do ocupante temporário do cargo executivo (advocacia de governo: agrado aos desígnios políticos do Administrador sazonal)[21]. Os “objetivos institucionais” do Ente ou da Entidade sempre ficam para segundo plano e não podem servir de base para denegrir o trabalho do Procurador. Arrematando a questão, segue doutrina do profº. Carlos Marden Coutinho[22], in verbis: “… Nesse sentido, cabe à Advocacia Pública exercer uma advocacia de Estado, mediante a qual se assegure que o governo se conduza de acordo com o Ordenamento Jurídico. Em outras palavras, não cabe à Advocacia Pública envergar o Ordenamento Jurídico para que ele se faça conveniente ao governo, mas sim moldar o governo, para que ele realize a sua atividade nos termos das leis e da Constituição. Sendo assim, só se pode falar que a Advocacia Pública exerça uma Função Essencial à Justiça, se ela exercer junto ao governo uma Advocacia de Estado…” (sem grifos no original). O advogado institucionalmente protegido e remunerado adequadamente, não poderá ser acossado a não fazer o seu trabalho[23], razão pela qual, é imperativa a harmonização estrutural da advocacia pública entre a administração direta e a indireta, respeitadas portanto, as carreiras dos procuradores de estado e autárquicos no âmbito dos Estados, DF e Municípios, como alias já acontece no âmbito da União. Por ultimo e não por menos, é imperativo e salutar lembrar que o exercício da Advocacia Pública é restrita aos servidores de cargo de provimento efetivo que se submeteram a concurso público específico. A jurisprudência do STF [24] [25], TJ/RJ[26] [27], TJ/SP[28] e TCU[29] são perenes neste sentido. 3. A proporcionalidade O Estado não constitui um fim em si. Ele existe para servir os interesses e conveniências da maioria da população, admitindo-se, que o estado democrático de direito constitua seu alicerce inabalável de atuação. Independente da formatação do estado e se há predileções ao liberalismo, socialismo, entre outras, uma coisa permanece a mesma: o exercício do poder e o seu potencial abuso. Em qualquer época histórica o agente estatal busca legitimar o seu agir na norma, seja ela laica, religiosa, produzida democraticamente ou não. Com certa frequência o agente público se utiliza do exercício da micro parcela[30] do poder estatal que lhe é atribuída para satisfazer interesses pessoais, sadismos ou até no cumprimento de normas impor regramento sem o menor sentido de justiça[31]. A prática demonstra que quanto menor o cargo do agente, maior é a sua predisposição de abusar do seu pequeno leque de poder. O poder sem um propósito virtuoso, acarretará fatalmente no cometimento de ato vazio ou imbuído de vilania[32] e na maioria das vezes embuçado com ares de legalidade, mas sem legitimidade alguma. Ademais, tendo por escopo que a dignidade da pessoa humana e que valores ético-morais, não são uma opção, só há justiça quando há proporcionalidade entre os meios empregados e os fins almejados. O desequilíbrio puro e simples pode levar a situações irremediavelmente gravosas e irreversíveis, surgindo o injusto. Neste ponto se faz oportuna a citação de outra observação feita por John Rawls[33], in verbis:  “…os cidadãos justos devem se esforçar para preservar a constituição com todas as liberdades iguais, desde que a liberdade em si e a liberdade deles mesmos não corra perigo…é possivel exigir que uma pessoa respeite os direitos estabelecidos pelos princípios que ela reconheceria na posição original…. …Os cidadãos de uma sociedade livre e justa não devem considerar-se mutuamente incapazes do senso de justiça, a menos que isso seja necessário por causa da liberdade igual…A teoria da justiça apenas caracteriza a constituição justa, o objetivo da ação política apenas caracteriza a constituição justa, o objetivo da ação política a que devemos buscar para tomar decisões práticas. Na busca deste objetivo a força natural das instituições livres não deve ser esquecida, nem se deve supor que as tendencias a um afastamento em relação a elas crescam livremente e sempre triunfem. Conhecendo a estabilidade inrente a uma constituição justa, os membros da sociedade bem ordenada confiam que só será preciso limitar a liberdade dos intolerantes em casos especiais, quando for necessário par preservar a própria liberdade igual” Para o bem ou para o mal, vive-se hoje na era dos direitos. Toda a maledicência praticada no cotidiano visa o seu desiderato com um mínimo de lastro no Ordenamento. O desperdício de recursos, bem como os desvios escandalosos de dinheiro público, especialmente os relacionados ao procedimento licitatório, nascem como um ato presumidamente legal e documentalmente proporcional com o fim lá descrito. O escólio do profº Manuel de Medeiros Dantas[34] é neste sentido, verbis: “Não é por outra razão que, em atos de corrupção identificados na execução de políticas públicas, dificilmente se encontra um parecer que já tenha apontado os inconvenientes que já revelaram problemas. O corrupto sempre quer um entendimento que o proteja, pelo menos formalmente, no iter criminis que irá percorrer.” A proporcionalidade revela-se um princípio jurídico basilar e um alicerce argumentativo, preservando direitos fundamentais, ao retratar um pensamento aceito como sendo justo e de comprovada utilidade no equacionamento das questões práticas nos mais diversos ramos do direito.  É numa situação envolvendo conflito de princípios e regras constitucionais que a proporcionalidade mostra o seu grau máximo de importância. Como critério para solucionar a melhor forma de dirimir o conflito entre normas de mesma hierarquia, num juízo de ponderação, haverá acatamento de uma norma, com prejuízo mínimo a outra. Sobre o resultado da técnica ligada a descoberta da ação proporcional, o profº Willis Santiago28 aduz o seguinte: “O maior benefício possível da comunidade com o mínimo de sacrifício necessário de seus membros individualmente”  O princípio da legalidade está condicionado à proporcionalidade. Os atos legais devem, ao mesmo tempo, estar a serviço do Estado de Direito em aliança irrevogável com a isonomia, dignidade da pessoa humana e a segurança jurídica. O desígnio da proporcionalidade constitucional sempre será de servir a democracia e a liberdade. A sociedade não pode ser submetida ao risco da rapinagem por quem a deveria servir e na verdade acaba por se fartar com os recursos públicos, sem a menor cerimônia, quer embolsando pecúnia, traficando influencia ou empregando parentes. É escandalosamente bestialógico e frívolo conjecturar que a raposa zelará pelo maior interesse do galinheiro. Exatamente nesta senda intelectiva é o magistério da profº Leila Cuellar e do profº. Clóvis Bertolini[35], verbis: “… os Advogados Públicos têm papel de destaque no controle da legalidade dos atos administrativos, como nos procedimentos licitatórios, e que as opiniões versadas nos pareceres emitidos tem suma relevância para a atuação da Administração Pública. Ainda, por meio da atuação consultiva, por exemplo, podem os advogados públicos efetuar esse controle sobre determinados procedimentos licitatórios.” Para se alcançar qualquer desiderato o meio empregado deverá ser sopesado com o fim almejado, visando o menor trauma para os envolvidos[36]. O excesso deverá sempre ser tolhido, de modo a não se causar mais um injusto, aqui qualificado como um elemento desabonador do equilíbrio e harmonia social dos envolvidos. Acerca da estruturação do raciocínio constituinte da visão mais moderna de proporcionalidade, o profº Willis Santiago Guerra Filho[37] leciona o seguinte: “a proporcionalidade, desdobra-se em três aspectos, a saber: proporcionalidade em sentido estrito, adequação e exigibilidade. No seu emprego, sempre se tem em vista o fim colimado nas disposições constitucionais a serem interpretadas, fim esse que pode ser atingido por diversos meios, entre os quais se haverá de optar. O meio escolhido deverá, em primeiro lugar, ser adequado para atingir o resultado almejado, revelando conformidade e utilidade ao fim desejado. Em seguida, comprova-se a exigibilidade do meio quando esse se mostra como “o mais suave” dentre os diversos disponíveis, ou seja, menos agressivo dos bens e valores constitucionalmente protegidos, que por ventura colidem com aquele consagrado na norma interpretada. Finalmente, haverá respeito à proporcionalidade em sentido estrito quando o meio a ser empregado se mostra como o mais vantajoso, no sentido da promoção de certos valores como o mínimo de desrespeito de outros, que a eles se contraponham, observando ainda, que não haja violação do “mínimo” em que todos devem ser respeitados…” Desta feita, o direito deve adotar uma visão ampla, rejeitando assim o uso de antolhos. A interpretação normativa deve ser sempre inteligente, sistemática e, sobretudo teleológica[38]. Há de se extrair um produto compatível com a Constituição Federal, notadamente em harmonia com os direitos e garantias dispostos no art. 5º da Lei Maior. O exercício hermenêutico em sua magnitude, isto é, visando depreender qual é espírito da norma, tem mutatis mutandis, a mesma dinâmica da proporcionalidade. Muito embora existam algumas semelhanças nos objetivos finais (controle da atividade estatal) da razoabilidade e da proporcionalidade elas possuem algumas diferenças, que não inviabilizam a sua convivência harmônica. A proporcionalidade sempre executará o sopesamento do fato entre duas normas do mesmo nível hierarquico, numa relação eminentemente de causa e efeito, podando os excessos e visando o melhor aproveitamento da solução constitucional para indivíduo e não para o Estado. Já a razoabilidade na análise fática necessariamente levará em consideração padrões subjetivos[39] de comportamento, além das normas conflitantes para enfim, se chegar a solução. Logo, o critério da proporcionalidade sempre terá elementos científco-jurídicos para o seu sustento, enquanto a razoabilidade dependerá empiricamente da formação sociocultural do interprete e da sociedade que o rodeia (“standards” de comportamento) O Ordenamento Jurídico pátrio não pode mais ser concebido como um sistema fechado de regras, com interpretação estreita. A ideia de proporcionalidade revela-se não só um importante princípio jurídico fundamental, mas também uma autentica fonte argumentativa, ao manifestar um pensamento aceito como justo e razoável de um modo geral, de comprovada utilidade no equacionamento de questões práticas, não só do Direito, como também noutras áreas. Em termos de norma enquanto direito positivada, a proporcionalidade não encontra dispositivo específico na Constituição Federal de 1988. Fato este que não impede de ser deter o caráter de normativo supraconstitucional, sendo aplicada pelo Supremo Tribunal Federal[40] com saudável e regular habitualidade. Não obstante a isso diversas normas infra-constitucionais, direta ou indiretamente fazem previsão a proporcionalidade no seu bojo[41]. Por ocasião do aniversário do 28º aniversário da promulgação da Constituição Federal de 1998 (05/08/2016), coube ao decano, Min. Celso de Melo[42], a incumbência de fazer uma leitura acerca da função interpretativa da Suprema Corte e a sua relação com a Carta Magna., vejamos: “Mostra-se relevante enfatizar que a interpretação judicial desempenha um papel de fundamental importância não só na revelação do sentido das regras normativas que compõem o ordenamento positivo, mas, sobretudo, na adequação da própria Constituição às novas exigências, necessidades e transformações resultantes dos processos sociais, econômicos e políticos que caracterizam a sociedade contemporânea. Daí a precisa observação de FRANCISCO CAMPOS (“Direito Constitucional”, vol. II/403, 1956, Freitas Bastos), cujo magistério enfatiza, corretamente, que no poder de interpretar os textos normativos inclui-se a prerrogativa judicial de reformulá-los, em face de novas e cambiantes realidades sequer existentes naquele particular momento histórico em que tais regras foram concebidas e elaboradas.” Não é incomum que os princípios e regras constitucionais, cheguem ao um nível de estresse ao ponto de gerar uma incompatibilidade momentânea. Em caso de colidência entre eles, entra em cena a proporcionalidade. Ela funcionará como um mediador, onde se buscará atender um princípio de forma prioritária, com um prejuízo mínimo a outro. Da mesma forma deve proceder o advogado público. Para se investigar a existência de algum tipo de desvio/abuso, o procurador deve emitir o seu juízo valor empregando os critérios da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito, além de estar munido de raciocínio jurídico constitucional. No pleno exercício das suas funções, o advogado público, repita-se, deve ter como norte, o interesse público primário. A doutrina jusfilósofa pode ainda não ter encontrado o consenso sobre o que é justo, contudo, se tem plena visão de um fato é injusto, notadamente, ao se repudiar a opressão, o assédio, abusos e desvios de toda a espécie[43]. O estado fundado na justiça e democracia, deverá garantir as demandas sociais, com a participação efetiva dos indivíduos de modo a se alcançarem as finalidades constitucionais. Remeto novamente ao magistério de John Rawls[44]: “…Um tipo de ação injusta é a incapacidade, por parte de juízes e outras autoridades, de aplicar a regra apropriada ou de interpreta-la da forma correta…” 4. Mérito administrativo Em teoria, o iluminismo tinha o fito de libertar o homem[45] (rectius: ser humano), seja no aspecto econômico ou social. Portanto, o Estado (monarca) e todo o seu poderio absolutista deveriam ser relegados a um plano inferior ao indivíduo, notadamente respeitando a autonomia de vontade deste último. Assim, a razão e a cientificidade deveriam sobrepujar a ignorância e o arbítrio. Neste particular, sobre a derrota das trevas pela luz, na saída de um período obscuro dos agouros para a racionalidade, faz-se oportuna a citação a Immanuel Kant[46]: “Esclarecimento (Aufklärung) significa a saída do homem de sua menoridade, pela qual ele próprio é responsável. A menoridade é a incapacidade de se servir de seu próprio entendimento sem a tutela de um outro. É a si próprio que se deve atribuir essa menoridade, uma vez que ela não resulta da falta de entendimento, mas da falta de resolução e de coragem necessárias para utilizar seu entendimento sem a tutela de outro. Sapere aude! (Ousa saber!) Tenha a coragem de te servir de teu próprio entendimento, tal é portanto a divisa do Esclarecimento. Preguiça e covardia são as causas que explicam por que uma grande parte dos seres humanos, mesmo muito após a natureza tê-los declarado livres da orientação alheia ainda permanecem, com gosto e por toda a vida, na condição de menoridade. As mesmas causas explicam por que parece tão fácil outros afirmarem-se como seus tutores. É tão confortável ser menor! Tenho à disposição um pastor que tem consciência por mim, um médico que me prescreve uma dieta então não preciso me esforçar. Não me é necessário pensar, quando posso pagar; outros assumirão a tarefa espinhosa por mim. “Resposta à pergunta: O que é o Esclarecimento?” O Poder Executivo tem a função de direção política e administrativa, aí incluído o poder regulamentar. Tais funções não poderiam ser desempenhadas corretamente se tudo fosse predeterminado, de modo absoluto, pela lei. O Estado contemporâneo é multifacetado, albergando diversas culturas e interesses antagônicos. Não é mais possível atuar sem algum nível de discricionariedade[47]. Para a efetivação das políticas públicas, é fundamental deixar margem de maleabilidade à Administração, ainda mais num período histórico onde as mudanças sociais são um pouco mais dinâmicas, notadamente com as novas práticas de mercado, políticas de inovação e desenvolvimento, além da rapidez das comunicações. A atuação com certa margem de escolha, discricionariedade[48], constitui uma necessidade institucional de sobrevivência. Contudo, não deve ser afastada vigilância sobre os agentes. Apesar da margem de manobra ser restrita, eminentemente, pela legalidade, ainda assim, há grande terreno para o cometimento de ilícitos ocasionais[49] ou intencionais. Mesmo que a discricionariedade, dentro do universo de atuação da Administração Pública, seja uma parcela de poder, se faz imperativo controle sobre ele. O Ordenamento Jurídico necessariamente é constituído por um conjunto de regras e princípios. O sistema constitucional inaugurado em 1988, impôs a fiscalização dos atos administrativos e parte desta sistemática, em termos profilácticos, envolve a atuação dos advogados públicos, vejamos o que diz o profº Alexsandro Leopoldo[50]: “O dispositivo constitucional da advocacia pública nos Estados, criou um sistema integrado, de tal forma que quando a Constituição confere a representação judicial, necessariamente encontra-se inserida a representação administrativa que é um minus, em relação a representação ad juditia. Na mesma esteira, quando a Carta Constitucional faz menção a consultoria jurídica, também abrange o assessoramento e a fiscalização quanto a legalidade, a probidade e a ética dos atos da administração pública. Constituindo nosso País um Estado Democrático de Direito, que tem como um de seus pilares o amplo acesso ao Poder Judiciário pelos cidadãos, tal princípio aplica-se inclusive contra o próprio Estado, posto que vencida a fase histórica "o rei não erra" (the king can do no wrong) Sobre a dicotomia legalidade e mérito do ato administrativo, modernamente não se tolera mais um uso indiscriminado e absoluto do estado e os seus recursos para fins pessoais e infames. A dinâmica do “les etat c'est moi” é insuportável no regime constitucional atual. Aquele que ocupa, temporariamente, o posto de gestor administrativo tem de prestar contas do que faz com o patrimônio público, além de ter de suportar passivamente as críticas e a devassa nos atos pretéritos, assim como na preparação dos atos futuros. A marcação tem de ser cerrada. Neste passo é a lição da profª Odete Medauar[51]: “Os aspectos de legalidade e mérito, de modo conjunto, pode ser o foco do órgão ou agente controlador interno.” Aquele que se predispõe a atuar na gestão administrativa gere a coisa pública. Dessa maneira desperta o interesse coletivo dos administrados na obtenção de resultados oriundos dos mandamentos constitucionais e das promessas eleitorais feitas pela chapa vencedora do Executivo. A população possui a legítima expectativa de ser servida pelo Estado. Criticar uma má gestão e exigir a substituição do Administrador incompetente é um direito absoluto. O gestor -pessoa maior e capaz-, não pode ser infantilizado, como se na maioria dos casos, não soubesse que o seu ato ocasionalmente é carregado de ilicitude. Daí decorre a necessidade de ser ter esclarecimento e conhecimento crítico da realidade a que Kant fazia referencia. A ignorância quanto a discricionariedade[52] e o mérito administrativo invariavelmente levam ao desvio e o abuso. Evidentemente que tais condutas acobertadas pelo manto da legalidade levam prejuízos a população. Fato corriqueiro é relacionado com a alocação de recursos na composição orçamentária do ente administrativo. Todo ano as prioridades da lei orçamentária desprezam as necessidades primordiais da população e mesmo prejudicado, o povo, reiteradamente não usa dos meios democráticos para fazer valer a sua vontade constitucionalmente positivada Para salvar o dia, resta a atuação casuística do Judiciário[53] [54]. Todos os requisitos do ato administrativo estão sujeitos a revisão e julgamento por qualquer um. A presunção de legalidade dos atos estatais é eminentemente relativa. A primazia absoluta e ilimitada da vontade do estado está mais do que ultrapassada.. A esse propósito, colaciono lição do profº José Cretella Jr.[55]: “Ao contrário do que julgam muitos tratadistas, a legalidade não é formada apenas de elementos externos, relacionados com a competência, objeto e forma. A legalidade penetra até os motivos e, principalmente, até o fim do ato. É ilegal ato em que o fim é viciado. Sendo o desvio de poder o uso indevido ou viciado que de suas atribuições faz a autoridade, tudo se resolve, afinal, num problema de excesso ou abuso de poder e este, por sua vez, conduz a incompetência. Daí, dizer-se que o juiz do ato administrativo não sai do exame da legalidade quando pronuncia a nulidade do procedimento inquinado daquele vício que se define por uma incompetência, não formal, mas material” Afirmar que o Advogado Público não exerce função de controle, revela-se impertinente e incompatível com a dignidade da advocacia. Relegar o causídico a patamar, onde ele deveria se ater somente a circunstancias teóricas e burocráticas, me parece afrontoso a inteligência, e um contrassenso com o dever de controle de juridicidade inerente ao ônus imposto ao Procurador Público. 4.1 controle de juridicidade Solidificada a separação entre interesse particular do gestor e aquele vocacionado a coletividade, para que não ocorram desvio de qualquer natureza há a imperatividade de se manter um corpo de servidores com vínculo efetivo e vocacionados a defesa e guarda do Ordenamento Jurídico[56] e acima de tudo imbuído de aguerrido espírito crítico. A visão antiga de que a lei infra-constitucional era suprema e a Constituição constituía num mero coadjuvante, foi a muito superada[57]. No regime Constitucional inaugurado em 1988, houve a inversão desta lógica. Sob a Nova República, todas as normas e atos devem se curvar perante a Carta Magna de 1988, seja em termos materiais ou de hermenêutica. Um dos seus alicerces fundamentais, reside no acatamento ao conceito de juridicidade. Tendo os poderes do estado encontrado limites, via norma fundamental, não se alcançaria o ideário de um direito justo, se houvesse uma predisposição estatal para o arbítrio gratuito. Neste ponto presto a devida deferência ao magistério dos professores Canotilho e Vital Moreira[58], in verbis: “A juridicidade significa que a Constituição, ao decidir-se por um estado de direito, procura constituir e conformar as estruturas do poder político segundo a medida do direito, isto é, através de um meio de ordenação racional, vinculativamente prescritivo de regras, formas e procedimentos que excluem o arbítrio e a prepotência. Forma e conteúdo justificam-se e pressupõem-se reciprocamente nesta ideia de juridicidade: como meio de ordenação racional, o direito é indissociável da realização da justiça e da efectivação de valores políticos, sociais e culturais; como forma, ela aponta para a necessidade de garantias jurídico-formais, de maneira a evitar açções e comportamentos dos poderes públicos irregulares ou até mesmo, arbitrários.” (grifei) Sendo assim, dada a alteração de paradigma, me parece mais adequado a atuação em prol da juridicidade dos atos da Administração, em franco detrimento da opaca visão de mera legalidade, cujo papel da advocacia pública é imprescindível para se alcançarem a plenitude de todas as normas constitucionais. Nesta senda intelectiva, a profº Carmem Lúcia Antunes Rocha[59] trata do princípio da juridicidade[60], ressaltando sua importância para se atingir à justiça material: “O Estado Democrático de Direito material, com o conteúdo do princípio inicialmente apelidado de "legalidade administrativa” e, agora, mais propriamente rotulada de “juridicidade administrativa”, adquiriu elementos novos, democratizou-se. A juridicidade é, no Estado Democrático, proclamada, exigida e controlada em sua observância para o atingimento do ideal de Justiça social” Especialmente no art. 133 da CF, houve elevação dos advogados a função essencial da justiça, cabendo-lhes, em conjunto com os membros do ministério público e defensoria, a defesa intransigente da própria Constituição Federal e os seus valores, simplificado aqui, para fins meramente didáticos, como sendo o direito justo. O advogado tem por dever de ofício a combatividade, mesmo que o seu entorno seja hostil. Diz o professor Paulo Lobo: “Sem independência, a advocacia fenece. Sem dignidade ela se amesquinha”[61] Em sede doutrinária foi cunhada a seguinte expressão: “o advogado é o primeiro juiz da causa”[62]. Significa dizer que é obrigação do advogado privado instruir e esclarecer o seu cliente sobre os riscos da demanda e sobre a juridicidade ou não da sua pretensão[63] e evidentemente não se coligar com o cliente para cometer ilícitos[64] ou partir para aventuras judiciais (lide temerária). Afirma Paulo Lobo[65]: “ao contrário da advocacia curativa, ou de postulação em juízo, em que seus argumentos são ad probandum, o advogado, ao emitir conselhos, vale-se de argumentos essencialmente ad necessitatem…”. Em sede extrajudicial, isto é, nas modalidades de assessoria e consultoria, o Advogado Público não se distancia das tarefas dos seus colegas da esfera privada. O procurador emprega toda a sua erudição jurídica para analisar o fato posto a sua frente em cotejo rígido e analítico com o ordenamento jurídico. Tudo sem desprezar as máximas de experiência [66]. Por se tratar da esfera da Administração Pública, usualmente nomina-se de controle preventivo (interno) dos atos administrativos. Não há lógica num ato de controle esquivar-se do juízo crítico. Neste ponto prestemos a devida atenção a profª Odete Medauar[67]: “O controle interno visa ao cumprimento do princípio da legalidade, à observância dos preceitos da "boa administração", a estimular a ação dos órgãos, a verificar a conveniência e a oportunidade de medidas e decisões no atendimento do interesse público (controle de mérito), a verificar a proporção custo-benefício na realização das atividades e a verificar a eficácia de medidas na solução de problemas…” Um Advogado público no pleno exercício das suas funções poderá impedir o desperdício de milhões de reais do contribuinte. Agindo conforme o direito, ele garante que o dinheiro advindo do tributo será investido dentro do constitucionalmente esperado. No sentido da advocacia preventiva, por via de consequência na fiscalização da juridicidade do agir do Administrador Público, a doutrina de Diogo Figueiredo Moreira Neto[68] é no seguinte sentido: “Para este cometimento, os membros da Advocacia de Estado tem, com muito mais razão, garantia sua independência funcional, na qual se inclui o mesmo e já referido dever genérico de custos legis, no caso, voltado às atividades administrativas da unidade política a que está vinculado” (grifei) Considerando as regras e princípios normativos regentes da Administração Pública, o Advogado de Estado não meramente aconselha protocolarmente o Administrador, ou se empenha em achar “a lei que deixa”. Mas sim exerce função de controle preventivo de juridicidade[69] dos atos administrativos e caso constate ilegalidade deve reportar aos órgãos de controle. O particular lida com direito disponível, o gestor púbico não. Sobre a intensidade do agir do procurador público, no âmbito dos seus deveres, trago a baila lição do profº Roberto Luis Luchi Demo[70]: “Há um compromisso funcional do advogado público com a nação em defesa da probidade administrativa. E, na atual tendência de crescimento de controle interno dos atos administrativos, o fortalecimento ético das instituições públicas e a materialização dos objetivos fundantes da República pressupões uma atuação incisiva da Advocacia Pública em cumprir seu cometimento institucional de guardião da lei no seu sentido material. Não se pode olvidar, ainda, o relevo de papel no âmbito da defesa do patrimônio público que, disponibilizado em grande parte pelo Administrado, via tributo, há de se converter em serviços e bens para a sociedade, em especial aos economicamente menos favorecidos A visão aética tende a autorizar a manipulação da forma para derrotar o propósito constitucional considerado em sua magnitude. Admitindo-se a visão bipartida de interesse público, o seu viés primário tem o condão de impedir o uso da máquina pública para atender interesses outros, isto é, com roupagem legal e fito obscuro. Toda e qualquer situação concreta tem de ser analisada em perspectiva constitucional, ou seja, de acordo com a sua substância, deixando assim, os ares de legalidade do ato em segundo plano. A visão contextual crítica do advogado público responde a tensão “propósito vs forma”, imposta pelo gestor malicioso. A vigilância contra os desvios de toda a espécie, proposital ou não, deverá ser permanente. A seguinte máxima preconizada pelo profº William H. Simon[71] pode ser empregada para resolver aparente dilema entre cumprir “cegamente a lei” e a teleologia constitucional: “A visão dominante tende a licenciar a manipulação da forma para derrotar o propósito; embora os seus pronunciamentos sejam menos claros, a visão do interesse público tende a proibir tal manipulação. A visão contextual responde a tensão proposito versus forma com a seguinte máxima: quanto mais claros e fundamentais os propósitos relevantes, mais justificado está o advogado em tratar formalmente as normas relevantes; Trata-las formalmente significa trata-las de maneira que a visão dominante[72] prescreve para todas as normas jurídicas – compreende-las para permitir qualquer objetivo que não esteja claramente excluído pela linguagem das normas. As referencias a propósitos fundamentais e problemáticos evocam a prática estabelecida de favorecer interpretações dos textos jurídicos compatíveis com os valores aos quais a cultura jurídica atribui forte importância e desfavorecer interpretações que ameacem tais valores. Um propósito fundamental vindica um valor básico; um propósito problemático ameaça tal valor…” A democracia e o Estado de Direito só se fortalecem com sólidas instituições voltadas para o controle da juridicidade, o que exige a garantia constitucional de um corpo permanente, profissionalizado, bem preparado, protegido e remunerado, sem riscos de interferências políticas indevidas no exercício de funções eminentemente técnicas[73], seja procurador da administração direta ou indireta. A fiscalização dos atos dos agentes públicos, num estado democrático de direito, antes de qualquer coisa é um questão de cidadania. Qualquer um do povo deve zelar pela adequada aplicação e gestão da coisa pública[74]. Se qualquer um, isto é, independente de formação cultural, credo, crença política pode e deve fiscalizar o estado, ter acesso a atos administrativos, com muito mais razão lógica e técnica o Advogado Público tem de exercer todo o seu Juízo crítico para prevenir o erro, a injustiça, opressão, desvios de todo o gênero, a corrupção. Seguindo a melhor corrente com vistas a sociedade, a profª Leila Cuellar[75] traz a lume a seguinte lição: “Observa-se que a Advocacia de Estado toma para si o dever constitucional de resguardo do ente público, efetuando não somente a consultoria ou a defesa em juízo da Administração Pública. Por exemplo, os advogados públicos tem desenvolvido relevante papel de controle dos procedimentos administrativos, controle de legalidade, garantindo também aos cidadãos segurança de que a Administração Pública cumprirá com os princípios que lhe informam como aqueles que estariam elencados na Constituição Federal (art. 37, caput). Realizam igualmente, a defesa de interesses públicos, do interesse do cidadão… Como parte essencial de sua função de orientação da Administração Pública, a Advocacia Pública possui desempenho capital no procedimento licitatório, mediante orientação da Administração quanto a regularidade, conveniência e legalidade da licitação, esta compreendida como um procedimento.” A mítica envolvendo o motivo administrativo[76], como algo intangível aos meros mortais deve ser desconstruída e deixado no seu passado medieval. Em sede consultiva ou judicial, o Advogado Público, como o primeiro grande filtro da Administração deverá analisar criteriosamente o que lhe é submetido e se for o caso suscitar qualquer coisa que pareça irregular. A lógica de se ter uma presunção de legalidade, parte do pressuposto de que todos os requisitos legais foram atendidos e passados pelo crivo de um procurador público, notadamente nas hipóteses de que criem, modifiquem ou extingam direitos/obrigações. Dentro das circunstancias do caso concreto, os motivos do ato devem sofrer o escrutínio do advogado público. Mais uma vez, recorro ao magistério do profº Celso Antônio Bandeira de Melo[77]: “Ocorre que se a lei, ao caracterizar o motivo, utiliza-se de conceitos chamados fluidos, vagos, indeterminados, o confronto entre a previsão normativa e a situação fática tomada como base para a prática do ato apresentará dificuldades inerentes a imprecisão relativa do padrão legal. E.g., se a regra aplicada mencionar “comportamento indecoroso, perturbação da tranquilidade pública, urgência, valor histórico ou artístico, decurso de prazo razoável ou quejando, obviamente, o campo recoberto por esses conceitos carecerá de uma liberdade demarcatória definida com rigor e precisão indisputáveis… Nota-se, pois (seja qual for a posição que se adote na matéria), que de toda sorte, ao Judiciário caberá, quando menos, verificar se a intelecção administrativa se manteve, ou não, dentro dos limites do razoável perante o caso concreto, e fulmina-la sempre se vislumbre ter havido uma imprópria qualificação dos motivos à face da lei, uma abusiva dilatação do sentido na norma, uma desproporcional extensão do sentido extraível do conceito legal ante os fatos a que se quer aplica-lo…” Neste sentido, o desvio de poder ou finalidade é encontrado quando o agente pratica ato subvertendo os princípios constitucionais (impessoalidade, moralidade administrativa…), redirecionando o ato para lhe satisfazer interesse ou de grupo que esteja ligado e em ultima análise sem a menor congruência com o interesse público primário. Muito menos, o ato administrativo pode servir como meio covarde para satisfazer vinditas e represálias. O desvio de finalidade ou poder constitui corrupção do sistema, onde a máquina pública é operada para prejudicar alguém. Para ser caracterizado, devem ser reunidos tantos quantos forem possíveis os elementos fáticos capazes de produzir o contexto real dos fatos (indícios denunciadores)[78] por detrás do ato reputado profanado pelo desvio. Novamente deve ser invocado o magistério do profº Celso Antonio Bandeira de Mello[79] e a sua metodologia para revelar a obscura conduta abusiva: “Em suma: para detectar o desvio de poder analisa-se o plexo de circunstâncias que envolvem o ato, seus antecedentes, os fatos que o circundam, o momento que foi editado, a fragilidade ou densidade dos motivos propostos como justificadores, a ocorrência ou inocorrência de fatores que possam ter interferido com a serenidade do agente, a coerência das razões alegadas com o teor da providencia em causa, a razoabilidade da medida, sua proporcionalidade com os objetivos a que se declara preordenada e até mesmo os precedentes da autoridade acaso reveladores de atitudes sóbrias e reverentes com as leis ou, pelo contrário comportamentos exaltados, vindicativos e insubmissos aos parâmetros legais. Deveras, trata-se de colher um “feixe de indícios convergentes”, conforme a precitada expressão de Rivero, capaz de levar `”convicção moral”, a que se refere Garcia de Enterria, de que o ato distorceu o fim legal. Esta convicção, é bem de ver, forma-se segundo o senso comum dos homens normais diante de circunstancias concretas, imersas na realidade administrativa de seu País, Estado ou Município e governantes”. Sempre respeitando a divergência, mas relegar o papel do advogado a mero conjurador de formulários, isto é, mero verificador de requisitos formais (burocrata servil), sem o devido cotejo do mérito do ato, frente as normas e princípios constitucionais, proporcionalidade e razoabilidade, invariavelmente, levará prejuízo ao Erário, quer na forma de desperdício ou via desvio em suas mais varias modalidades (recursos, finalidade…) 4.2 A palavra Para que o controle deixe o campo da semântica, há imperatividade que o seu instrumento, o discurso jurídico crítico, seja proferido de modo que o Advogado Público, dentro do contexto do art. 133 da CF e do EOAB, não seja censurado, ignorado ou que suas palavras sejam o mote para o seu demérito profissional ou até mesmo a sua destruição[80]. Ao atuar diretamente no front, isto é, num caso concreto (mundo real)[81] determinadas orientações jurídicas merecem ênfase ou uma abordagem mais pedagógica para que o leigo e às vezes nem tão competente gestor, obtenha o resultado prático-jurídico esperado. Sem falar no exame dos aspectos relativos ao mérito administrativo. Eventual excesso de linguagem não pode servir como parâmetro de recriminação a um Advogado, dado a sua altíssima carga de subjetividade. Com relação à forma que o advogado deve agir, há a seguinte imposição legal, o EOAB possui clareza solar[82]: “Art. 7º São direitos do advogado: I – exercer, com liberdade, a profissão em todo o território nacional omissis Art. 31. O advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia. § 1º O advogado, no exercício da profissão, deve manter independência em qualquer circunstância. § 2º Nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da profissão.” (grifei) O advogado público não atua em teoria ou como se estivesse laborando nas respostas de provas de concurso público, para agradar o examinador da prova. Sendo deliberadamente redundante: problemas reais demandam soluções concretas, proporcionais e razoáveis. Esta pedra fundamental erige este estudo. É uma temeridade ignorar as regras comuns de experiência na orientação jurídica de um caso em concreto[83]. Um erro do advogado público pode custar milhões! Corroborando com esta tese, em louvado artigo[84] doutrinário publicado em obra acadêmica coletiva, o profº Manuel de Medeiros Dantas ao discorrer sobre a postura adequada do advogado no seu cotidiano laboral, lega-nos a seguinte lição: “A independência técnica do advogado público depende mais de sua postura no exercício diário de suas atribuições do que propriamente de previsão expressa no ordenamento jurídico… …Somente com o efetivo exercício da advocacia, na dinâmica da vida a demonstrar que sem independência e coragem o advogado não consegue defender os interesses dos seus clientes, é que são forjados os verdadeiros advogados. A dinâmica do serviço público, calcada na burocracia cega e entediante, que não oferece soluções que a sociedade requer, tem o poder até de transformar águias (advogados) em galinhas (burocratas servis), para utilizar de uma metáfora africana contada por Leonardo Boff, quanto mais o de formar galinhas que nunca foram águias. É um processo diário e contínuo de “barnaberização” da advocacia pública.” (sem grifos no original) Neste sentido, deve ser prestigiada a defesa intransigente da liberdade e da independência[85]. A ofensa a um membro, na realidade é um atentado contra toda a Ordem, passível inclusive de desagravo público[86]. Calar o advogado[87] no exercício regular de suas atribuições legais, equivale a censurar ditatorialmente um sem número de vozes, que só tem vez com a percuciente atuação do Advogado Público[88]. Como exercício de qualquer poder, ele deve ser usado moderadamente, portanto os mecanismos da proporcionalidade e razoabilidade devem ser respeitados, para não ocorrer qualquer sorte de abuso. É a lição da Prof.ª Gisele Gondim Ramos[89], ipsis litteris: “A liberdade de expressão do advogado, pois, não se limita ao exercício de um direito. Representa, sobretudo um dever, já que é, fundamentalmente, o meio pelo qual ele exerce a sua função. Sem liberdade de usar a palavra conforme manda a consciência, é impossível o exercício da advocacia..” (grifei) Arrematando a questão, cito ainda o profº Diogo Figueiredo Moreira Neto[90], in verbis: “Compete ainda, ao Advogado de Estado, no desempenho apropriado desse dever constitucional de aperfeiçoamento da ordem jurídica aconselhar, persuadir e induzir os agentes políticos no sentido de adotarem, invariavelmente, todas as providencias, normativas e concretas, que se destinem a afirmação do primado dos valores jurídicos e democráticos, sempre que se apresentem ocasiões concretas de fazê-lo, dentro ou fora do processo judicial ou administrativo sob os seus cuidados” Para que a atividade relacionada ao controle de juridicidade dos atos administrativos[91] possa ser levada a cabo sem receio de sofrer retaliações, pressões, sanções ou ter de se preocupar se o seu vocabulário agradaria o leitor, devem existir um complexo de prerrogativas específicas para o advogado público, ou seja, além das já previstas do EOAB, de modo a garantir e proteger o profissional dos desmandos do mau administrador e dos seus asseclas. A realidade social brasileira denota um peculiar positivismo obscuro. Tudo tem de estar descrito minuciosamente na lei, até mesmo regular o uso de mochila em elevador[92]. Raciocinar dói, apesar de não conter nenhuma contraindicação médica conhecida. Advogados públicos concursados não são tolos e aduladores burocratas, ocupantes de cargo público por falta de opção na vida. São verdadeiros agentes políticos vocacionados a defesa dos mais altos valores da Constituição Federal de 1988. O desatendimento deste postulado não configura apenas falha de caráter profissional, mas sim verdadeira infração acintosa a nobre missão legada a advocacia. Neste diapasão, ressai a importância do ensinamento do profº Alexandre Margo Aguiar[93], verbis: “Ressalte-se que o advogado público deve obedecer à hierarquia da entidade em que atua, mas apenas em questões meramente administrativas, como escala de férias, distribuição de processos… Essa hierarquia desaparece quando se trata do conteúdo das manifestações do advogado público, que tem a liberdade de expressão garantida como qualquer advogado. Assim, a chefia tem a prerrogativa de distribuir os processos que considerar mais pertinentes ao subordinado, mas não pode de maneira alguma, determinar qual a peça a ser feita em determinado caso e nem os argumentos jurídicos a serem utilizados nessa petição…” Não custa lembrar que o advogado público é órgão unipessoal por excelência e seu dever é com a manutenção/defesa da ordem jurídica (atividade-fim). Novamente o profº Diogo de Figueiredo Moreira Neto, nos traz outra lição[94]: “ a violação dessa independência funcional se se der no plano hierárquico, a pretexto de imposição de vontade atentatória à consciência do Advogado de Estado, poderá caracterizar abuso de poder, mesmo se perpetrado no controle interno da hierarquia do órgão coletivo de criação infraconstitucional (procuradorias), uma vez que o Advogado de Estado, desde logo por ser um advogado, por definição constitucional, é um órgão unipessoal.” Neste ponto façamos mais uma breve reflexão sobre as regras de comportamento impostas ao Advogado Público, lavradas sob a arguta pena do profº Diogo de Figueiredo Moreira Neto[95]: “Nessas condições, o Advogado ou Procurador de Estado se subordina ao estatuto do servidor público civil no que lhe for aplicável. Acrescem-se, assim, aos deveres de advogado e, mais, aos já referidos de advogado de estado, os deveres funcionais e hierárquicos e disciplinares próprios do servidor público, mas sempre com a ressalva: desde que compatível, tanto em relação aos já referidos deveres gerais de advogado, como com relação aos deveres específicos de advogado de estado. Notadamente com relação ao dever geral de obediência, o advogado ou procurador de estado, como qualquer outro servidor público, porem com mais razão, por se tratar de um profissional do direito, estará desobrigado de obedecer a ordens hierárquicas quando manifestamente ilegais, expressão que aqui deve ser tomada em sentido amplo (ilegais, ilegítimas e ilícitas), incluindo-se entre essas, qualquer determinação para agir contra sua própria ciência e consciência, enquanto órgão funcionalmente independente” (grifei) Para a aplicação da norma ao caso concreto, o hermeneuta deve se cercar de cuidados para que o produto do seu trabalho intelectual, seja coerente com o ordenamento jurídico a qual faz parte, alcançando assim a já referida teleologia da norma. Não custa lembrar que grandes injustiças[96] são frequentemente embuçadas sob o véu do exercício regular de um direito, especialmente quando o binômio controle de juridicidade e interesses não republicanos é o foco de discussões. A advocacia[97] como voz constitucional do cidadão, não é mera peça publicitária. Prestemos a devida atenção a verdadeira lição subscrita pelo Min. Celso de Mello do STF: “O Poder Judiciário não pode permitir que se cale a voz do Advogado, cuja atuação livre e independente, há de ser permanentemente assegurada pelos juízes e pelos Tribunais, sob pena de subversão das franquias democráticas e da aniquilação dos direitos do cidadão”. MS nº 30.906-DF. D.O. : 05/10/2011 (grifo nosso) O instrumento primordial de trabalho do Advogado é a palavra. Em hipótese alguma deverá haver uma interpretação subjetiva e distante do contexto em que a manifestação jurídica foi proferida[98]. O estilo de redação do Advogado tem proteção inerente a liberdade[99] e independência[100] constitucionalmente previstas no art. 133 da CF/1988. Somente a OAB, tem competência administrativa para apurar desvios de conduta relativas ao exercício da advocacia stricto sensu. Rememoro aqui lição do profº Paulo Lobo[101], vejamos: “…Apenas a OAB tem competência para punir o excesso do advogado, por suas manifestações, palavras e atos, no exercício da advocacia… O advogado é o mediador técnico dos conflitos humanos e, as vezes, depara-se com abusos de autoridade, prepotências, exacerbação de ânimos. O que em situações leigas, possa se considerar uma afronta, no ambiente do litígio ou do ardor da defesa deve ser tolerado. Os excessos que transbordem dos limites admitidos pelo Código de Ética e Disciplina e pelo Estatuto serão punidos disciplinarmente pela OAB” (grifei) Nesta senda, a investigação administrativa quanto a uma suposta conduta infracional fora do âmbito da OAB[102], será nula de pleno direito. A não ser que no estatuto próprio da carreira do Advogado Público, exista previsão de um ambiente impessoal, onde ele será julgado por seus pares advogados de estado comprometidos com o direito justo e longe da política. Dado o rigor das atividades funcionais, a crítica acerca da sua atuação profissional do advogado, deverá ser lastreado em critérios técnicos relativos a defesa do ordenamento jurídico, produção jurídica, adequação a Constituição Federal, EOAB e seu código de ética. O processo jamais deverá ser instrumento para encobrir vendetas espúrias.  Como qualquer agente estatal, o Advogado Público, especialmente em virtude de suas altíssimas responsabilidades, deve ser vigiado e cobrado pelo exercício do seu munus (advocacia de estado). Mas não por quem tem o interesse mesquinho na sua falha ou no seu demérito (advocacia de governo), muito menos pelo Gestor e seus sacripantas, cujoos atos administrativos[103] são fiscalizados por aquele servidor. A correição deverá ser executada por advogados públicos estáveis e detentores de cargo efetivo equivalente ao do avaliado. Não custa lembrar que Ministério Público e o Judiciário estão sempre vigilantes para coibir ilegalidades, superando assim, neste ponto, o dilema do quis custodiet ipsos custodis? Assim, os advogados devem ser rigorosamente avaliados[104] sob o signo da objetividade. Em se tratando de avaliação funcional para os fins do art. 41 § 1º III da CF/88, é imperativa o predomínio de critérios de caráter técnico-jurídicos. Os quesitos tem que elaborados de modo aferir o cumprimento de prazos, a qualidade do raciocínio jurídico, atualização profissional, utilização congruente de jurisprudência dos Tribunais Superiores e dos mais pujantes Tribunais Estaduais, além dos Tribunais de Contas. Tudo para aperfeiçoar o serviço, jamais para satisfazer sadismos. Sobre a responsabilidade do Advogado Público, aproveito para trazer a colação o seguinte: “É possível a responsabilização de advogado público pela emissão de parecer de natureza opinativa, desde que reste configurada a existência de culpa ou erro grosseiro”. MS 27867 AgR/DF. Rel Min. Dias Toffoli Info nº 680. Repetindo: só o eventual erro crasso ou culpa podem ser objeto de penalidade. Do contrário qualquer opinião que desagrade[105], será encarada como um erro passível de sanção! Neste sentido, é o entendimento do profº Carlos Studart Pereira[106] acerca da responsabilização do advogado público, in verbis: “…atribuir a um procurador a responsabilidade por eventuais erros, equívocos ou desvirtuamento funcional por este externar livremente a sua opinião, constitui inaceitável forma de censura a uma atividade que deve ser exercida com ampla liberdade, pois não lhe pode retirada a sua isenção técnica.” (sem grifos no original) Ademais, não custa lembrar que a Administração Pública possui rotatividade enorme de pessoal administrativo. São infindáveis trabalhadores com contrato temporário, comissionados nas atividades meio e fim e nem sempre comprometidos com a moralidade administrativa e a eficiência. Fato este que implica em deficiência gigantesca na motivação dos atos e instrução processual. Advogado Público faz o que pode com o que tem!   Neste diapasão, acerca da inviolabilidade do advogado por suas manifestações no estrito cumprimento do seu mandato constitucional, é imperativo transcrever trecho do voto do Ministro Celso de Mello no Habeas Corpus n. 98.237-SP[107], in verbis: “(…)Vale rememorar, neste ponto, por inteiramente aplicável ao caso ora em exame, expressivo fragmento de conhecida decisão, da lavra do saudoso Desembargador RAPHAEL MAGALHÃES, do E. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que bem destacou a ratio subjacente à imunidade profissional concedida aos Advogados em geral (RF 51/628): “O advogado precisa da mais ampla liberdade de expressão para bem desempenhar o seu mandato. Os excessos de linguagem que porventura comete, na paixão do debate, lhe devem ser relevados. São, muitas vezes, recursos de defesa que a dificuldade da causa justifica ou, pelo menos, atenua. Mesmo no arrazoado escrito, onde tais demasias mais facilmente se pode evitar, a lei as não reputa passíveis de pena criminal (…).” Não constitui demasia assinalar que as prerrogativas profissionais dos Advogados representam emanações da própria Constituição da República, pois, embora explicitadas no Estatuto da Advocacia (Lei n. 8.906/94), foram concebidas com o elevado propósito de viabilizar a defesa da integridade dos direitos fundamentais das pessoas em geral, tais como formulados e proclamados em nosso ordenamento constitucional. Compõem, por isso, considerada a finalidade que lhes dá sentido e razão de ser, o próprio estatuto constitucional das liberdades públicas.(…)” (grifo no original). Não sendo o caso de parecer vinculante, caso o Gestor não concorde[108] com a opinião avalizada apresentada pelo procurador público, basta empregar motivação clara, congruente e ponto final! O que não pode ocorrer é o pronunciamento do Advogado[109] servir de base para descalabros[110]. Portanto, o trabalho do advogado público deve ser rigorosamente aferido sob o signo da objetividade, isto é, onde exista o predomínio de caráter técnico-jurídico[111]. Os critérios tem que elaborados de modo aferir o cumprimento de prazos, a qualidade e erudição[112] do raciocínio jurídico, atualização profissional e utilização congruente de jurisprudência dos Tribunais Superiores e dos mais pujantes Tribunais Estaduais, além dos Tribunais de Contas. Tudo para aperfeiçoar o serviço, jamais para satisfazer sadismos ou atender quanto aos caros postulados da independência[113] e liberdade. CONCLUSÃO O princípio do atendimento do interesse público deve ser vinculada ao bem de toda a coletividade, ou seja, com proveito útil as exigências da vida na sociedade, segundo as diretrizes e valores constitucionais. Esse princípio vem elencado tradicionalmente como a base de vários institutos e normas do direito administrativo e, também, de prerrogativas e decisões. Jamais o interesse público deve ser invocado para privilegiar o Poder Público ou os seus agentes. O grau de sacrifício do indivíduo devera ser mínimo e proporcional aos ganhos que a sociedade terá com o seu gesto involuntário.   O Referido princípio direciona a atividade da Administração no sentido da realização do interesse da coletividade e não de interesses administrativo-burocrático do gestor público. Assim, a finalidade da atuação da Administração situa-se no atendimento do interesse público constitucionalmente positivado. O desvirtuamento dessa finalidade suscita o vício do desvio de poder ou desvio de finalidade. O Ordenamento Jurídico não pode mais ser concebido como um sistema fechado de regras, com interpretação estreita. A ideia de proporcionalidade revela-se não só um importante princípio jurídico fundamental, mas também uma autentica fonte argumentativa, ao manifestar um pensamento aceito como parte de uma solução justa e de comprovada utilidade no equacionamento de questões práticas, não só do Direito, como também noutras áreas. O desvio de poder ou finalidade é encontrado quando o agente pratica ato subvertendo os princípios constitucionais (impessoalidade, moralidade administrativa…), redirecionando o ato para lhe satisfazer interesse ou de grupo que esteja ligado e em ultima análise sem a menor congruência com o interesse público primário. Muito menos, o ato administrativo pode servir como meio covarde para satisfazer vinditas e represálias. O desvio de finalidade ou poder constitui corrupção do sistema, onde a máquina pública é operada para prejudicar alguém. Para ser caracterizado, devem ser reunidos tantos quantos forem possíveis os elementos fáticos capazes de produzir o contexto real dos fatos (indícios denunciadores) por detrás do ato reputado profanado pelo desvio. Defender posicionamento de que o Advogado Público não exerce função de controle, revela-se impertinente e incompatível com a dignidade da advocacia. Relegar o causídico a patamar, onde ele deveria se ater somente a circunstancias teóricas e burocráticas, é afrontoso a inteligência, e um contrassenso com o dever de controle de juridicidade inerente ao ônus imposto ao Procurador Público. Neste sentido, deve ser prestigiada a defesa intransigente da liberdade e da independência do Advogado Público. A ofensa a um membro, na realidade é um atentado contra toda a Ordem, passível inclusive de desagravo público. Calar o advogado no exercício regular de suas atribuições legais, equivale a censurar ditatorialmente um sem número de vozes, que só tem vez com a percuciente atuação do Advogado Público.
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Nomeação de candidatos aprovados em concurso público: percurso da jurisprudência dos tribunais superiores e as atuais hipóteses de discricionariedade e vinculação da administração pública
Este estudo traça o percurso da jurisprudência dos tribunais superiores brasileiros em relação à nomeação de candidatos aprovados em concurso público desde a Súmula 15/1963 até os dias atuais. O objetivo é mostrar e sistematizar a mudança de entendimento desses tribunais em relação à discricionariedade da Administração Pública. Para tanto, realizou-se um levantamento de decisões desses órgãos através do tempo. A análise desse material mostrou que os tribunais superiores mudaram seu posicionamento sobre a vinculação e discricionariedade da Administração Pública na nomeação dos candidatos aprovados em concurso público. Será mostrado também que tal processo de mudança está sendo recepcionado apenas parcialmente em projeto de lei do Senado Federal.
Direito Administrativo
Introdução Este estudo expõe a posição atual do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça em relação à nomeação de candidatos classificados dentro e fora do número de vagas em concursos públicos, mostrando a mudança pela qual passou esse processo. Serão apresentados os posicionamentos já adotados por esses dois tribunais, além de sua posição mais recente sobre o assunto. Faremos, assim, uma sistematização da jurisprudência sobre o tema. Acreditamos que a mudança de posicionamento verificada nesses tribunais foi condicionada, principalmente, pela insistente inobservância do poder público na nomeação de candidatos aprovados no concurso, muitas vezes nomeando para cargos vagos pessoas que não se submetiam ao certame. Essa preterição fez com que muitos candidatos aprovados dentro do número de vagas buscassem o Poder Judiciário, a fim de garantir um direito que, como veremos, nem sempre foi líquido e certo. Tal pesquisa se justifica pelo fato de não haver legislação sobre o tema. Há um projeto de lei do Senado Federal (Projeto de Lei nº 74/2010 – Lei Geral dos Concursos), que "cria regras para a aplicação de concursos para a investidura em cargos e empregos públicos no âmbito da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal". O projeto já foi remetido à Câmara dos Deputados, onde se encontra sem tramitação desde 2013. Além disso, é importante mostrar a mudança pela qual passou o entendimento dos tribunais, para que não haja risco de voltar a um estado jurídico já superado pela jurisprudência. Dessa forma, a pesquisa jurídica torna-se de suma importância, sendo necessária uma sistematização do tema. Por fim, mostraremos que tal processo de mudança da jurisprudência brasileira está sendo refletido no referido projeto do Senado, que, ao regulamentar o inciso II do artigo 37, recepciona apenas parcialmente a jurisprudência atual. 1. A súmula nº 15/1963 do STF A súmula nº 15 do STF trata da preterição no concurso público. Editada em 1963, ela determina que “Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem o direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem observância da classificação”. Ou seja, apenas no caso de, havendo um concurso público vigente, prescindir-se de seu resultado para o preenchimento de cargo, é que aqueles aprovados passariam a ter direito subjetivo à nomeação. Era necessário o preenchimento das duas condições para caracterizar o direito líquido e certo do candidato: o edital de concurso estar em vigência e ocorrer nomeação sem respeito ao resultado classificatório. Apenas a aprovação dentro das vagas não era o suficiente, segundo o STF, para garantir a nomeação. É importante salientar que a expressão “sem observância da classificação” diz respeito a três hipóteses de preterição: (i) nomeação de candidatos do concurso sem respeito à ordem de classificação; (ii) nomeação de candidatos aprovados em concurso posterior, sendo que o anterior ainda está vigente, situação de que trata o inciso IV do artigo 37 da Constituição Federal e (iii) contratação de pessoal a título precário, com desrespeito não à ordem de classificação, mas ao próprio concurso, já que a vaga existente que a Administração Pública mostrou ter interesse em preencher foi ocupada de forma precária, ignorando-se a seleção pública feita. As decisões criaram um padrão para o órgão – expresso na Súmula n° 15/1963 –, que passou a adotar o entendimento segundo o qual não há direito líquido e certo de candidatos aprovados em concurso público. Vê-se que, com esse entendimento, a discricionariedade do poder público recaía não apenas sobre a oportunidade da nomeação, mas sobre o próprio ato da nomeação. Ele decidia quando e se nomeava. No entanto, se nomeasse, deveria obedecer estritamente à classificação do concurso vigente. 2. Discricionariedade e vinculação da Administração Pública para candidatos aprovados dentro do quantitativo de vagas Até pouco tempo, seguindo a orientação da Súmula 15/1963, jurisprudência e doutrina defendiam que a aprovação em concurso público, ainda que dentro do número de vagas, gerava tão somente expectativa de direito, ficando a nomeação do candidato, durante o prazo de validade do concurso, condicionada à discricionariedade da Administração Pública, que se pautava na conveniência e na oportunidade do ato. O Poder Público estava obrigado a nomear o candidato apenas nas hipóteses de preterição já mencionadas. Sobre esse posicionamento, Fernandes (1999) comenta o seguinte: "Somente quando violada a ordem de classificação, o candidato poderia ter direito perante o Judiciário. Levado ao extremo, esse entendimento permitiu a ocorrência de situações esdrúxulas como a de candidatos que, após intensa dedicação, obtinham a aprovação dentro do número das vagas oferecidas e amargavam o dissabor de ver expirar-se o prazo de validade de um concurso sem nomeação". (FERNANDES, 1999) Os acórdãos a seguir demonstram essa visão e como ela perdurou até bem pouco tempo: "ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PRETERIÇÃO DE CANDIDATOS APROVADOS. CONTRATAÇÃO PRECÁRIA DENTRO DO PRAZO DE VALIDADE. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. NÃO EXISTÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSO. 1. É unânime na jurisprudência o entendimento de que os candidatos aprovados em concurso público possuem mera expectativa de direito à nomeação; nasce esse direito se, dentro do prazo de validade do concurso, são preenchidas as vagas por terceiros, concursados ou não, à título de contratação precária”. [Grifo nosso] (RMS 11.714/PR, Rel. Min. Edson Vidgal, DJU de 08/10/2001) “ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO APROVADO. EXPECTATIVA DE DIREITO À NOMEAÇÃO. – É incontroverso na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que os candidatos aprovados em concurso público são detentores de mera expectativa de direito à nomeação pela Administração, a qual não tem a obrigação de nomeá-los dentro do prazo de validade do certame. – O direito à nomeação somente nasce havendo preterição dos habilitados em benefício de outros servidores para ocupar as vagas existentes dentro do prazo de validade do certame, ou ainda em virtude de desrespeito à ordem classificatória, hipóteses inexistentes na espécie. [Grifos nossos] – Recurso ordinário desprovido.” (ROMS 10.838/PB, Relator Min. Vicente Leal, DJ de 21.10.2002)". Esse entendimento foi modificado, reconhecendo-se o direito líquido e certo à nomeação dos candidatos aprovados dentro do número de vagas ofertadas no edital. Como bem explica Di Pietro (2016): "Não tem sentido e contraria o princípio da razoabilidade o Poder Público deixar de nomear os candidatos aprovados […]. Menos justificável ainda é a hipótese cogitada no inciso IV do artigo 37 da Constituição, em que a Administração Pública inicia outro concurso público quando existem candidatos habilitados em concurso anterior". (DI PIETRO, 2016, p. 674). Os acórdãos seguintes ilustram o atual posicionamento dos tribunais superiores: "ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. NOMEAÇÃO. DIREITO SUBJETIVO. CANDIDATO CLASSIFICADO DENTRO DAS VAGAS PREVISTAS NO EDITAL. ATO VINCULADO. Não obstante seja cediço, como regra geral, que a aprovação em concurso público gera mera expectativa de direito, tem-se entendido que, no caso do candidato classificado dentro das vagas previstas no Edital, há direito subjetivo à nomeação durante o período de validade do concurso. Isso porque, nessa hipótese, estaria a Administração adstrita ao que fora estabelecido no edital do certame, razão pela qual a nomeação fugiria ao campo da discricionariedade, passando a ser ato vinculado. Precedentes do STJ e STF. Recurso provido”. [Grifos nossos] (ROMS 15.034/RS, Relator Min. Felix Fischer, DJ de 29.03.2004) “RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. CONCURSO PÚBLICO. PREVISÃO DE VAGAS EM EDITAL. DIREITO À NOMEAÇÃO DOS CANDIDATOS APROVADOS. I. DIREITO À NOMEAÇÃO. CANDIDATO APROVADO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS NO EDITAL. Dentro do prazo de validade do concurso, a Administração poderá escolher o momento no qual se realizará a nomeação, mas não poderá dispor sobre a própria nomeação, a qual, de acordo com o edital, passa a constituir um direito do concursando aprovado e, dessa forma, um dever imposto ao poder público. Uma vez publicado o edital do concurso com número específico de vagas, o ato da Administração que declara os candidatos aprovados no certame cria um dever de nomeação para a própria Administração e, portanto, um direito à nomeação titularizado pelo candidato aprovado dentro desse número de vagas”. [Grifo nosso].[…]V. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.(RE 598.099/MS, Relator Min. Gilmar Mendes, DJ de 3.10.2011)." Vê-se, com essas decisões, que a visão jurisprudencial passou a considerar que aqueles aprovados dentro do número de vagas oferecidas pelo edital têm direito líquido e certo à nomeação. É importante frisar que, nessa visão, o direito subjetivo é incondicional[1], isto é, surge unicamente da situação de ter sido aprovado dentro do número de vagas, independendo de qualquer outra circunstância. 3. Posicionamentos dos tribunais sobre os aprovados fora do número de vagas Se a nomeação dos aprovados dentro das vagas passou a ser ato administrativo vinculado, a nomeação dos classificados fora das vagas permanecia como ato não vinculado da Administração, que, segundo a jurisprudência do STF e do STJ, tinha a discricionariedade de aproveitar ou não esses candidatos, a não ser que eles fossem preteridos em relação a candidatos de pior classificação. Muitas vezes os candidatos recorriam ao Judiciário alegando que, se uma pessoa nomeada deixava de tomar posse no cargo, este permanecia vago, devendo ser chamado a próxima na lista de classificação. Outras vezes demonstrava-se que a Administração, após preencher as vagas do edital, mantinha terceirizados ou os contratava a título precário para desempenhar as mesmas funções previstas para o cargo pleiteado. Outra circunstância alegada era o fato de o órgão criar novas vagas e demonstrar o interesse em preenchê-las. Em qualquer caso, o Judiciário afirmava que a nomeação de aprovados fora do número de vagas situava-se no âmbito da discricionariedade da Administração, que se pautava na conveniência e oportunidade do ato. A única hipótese que vinculava a Administração à nomeação desses candidatos continuava sendo a preterição da ordem classificatória ou da ordem de concursos. Os acórdãos a seguir ilustram tal posicionamento. "ADMINISTRATIVO – RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – CONCURSO PÚBLICO – FHEMIG – CANDIDATOS APROVADOS, PORÉM NÃO CLASSIFICADOS DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS – MERA EXPECTATIVA DE DIREITO À NOMEAÇÃO – INOCORRÊNCIA DE PRETERIÇÃO. 1 – […]. 2 – Verificado que as impetrantes não se classificaram dentro do número de vagas previstas pelo edital e que inexiste prova de que as mesmas foram preteridas por conta de nomeações de outros candidatos de pior classificação, não há direito líquido e certo a ser amparado. 3 – Recurso conhecido, porém, desprovido.” [Grifo nosso] (ROMS 10.961/MG Relator Min. Jorge Scartezzini, DJ de 13.8.2001) “DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. EXISTÊNCIA. CONCURSO PÚBLICO. HOMOLOGAÇÃO. NOVAS VAGAS. CRIAÇÃO. NOMEAÇÃO. EXPECTATIVA DE DIREITO. DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO. PRECEDENTES. EMBARGOS ACOLHIDOS SEM EFEITOS INFRINGENTES.[…] 3. Tendo os embargantes sido aprovados no concurso público para preenchimento dos cargos de Delegado Federal fora das vagas originalmente previstas no edital do certame, a criação de novas vagas não lhes garante o direito à nomeação, por se tratar de ato discricionário da Administração, não havendo falar em direito adquirido, mas tão-somente em expectativa de direito. Precedentes.[…]”. [Grifo nosso] (EDcl no REsp n. 824.299/RS, Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, DJe 2.6.2008)". Essa posição foi revista pelos tribunais superiores, que passaram a reconhecer o direito subjetivo de nomeação. Esse direito, contudo, depende de algumas condições para que exista, ou seja, é um direito subjetivo condicional, já que ele não surge apenas da situação de ter sido aprovado fora das vagas, mas da conjugação dessa situação e de uma circunstância externa a ela. Essas circunstâncias, juntamente com as outras duas que já eram aceitas, estão sistematizadas a seguir[2]: a) inobservância da ordem classificatória do concurso; b) abertura de novo concurso público enquanto ainda vigente o atual; c) criação por lei de novas vagas ou ocorrência de vacância de cargo durante o prazo de validade do certame e, concomitantemente, interesse da Administração no preenchimento dos cargos criados ou vagos; d) desistência de candidatos mais bem posicionados, antes da expiração do prazo do concurso, em número suficiente para alcançar aquele candidato classificado fora do número de vagas; ou e) contratação, no decorrer do prazo de validade do edital, de pessoal de forma precária para o preenchimento de vagas existentes, com preterição daqueles que, aprovados em concurso público, estariam aptos a ocupar o cargo ou a função. Todas essas situações demonstram a necessidade de pessoal e a existência de cargos para serem preenchidos. A jurisprudência mais recente as reconheceu como circunstâncias que vinculam o Poder Público à nomeação dos candidatos classificados além das vagas oferecidas no certame, inexistindo, assim, motivo para não nomeá-los. Os julgados a seguir expressam o atual posicionamento jurisprudencial: "ADMINISTRATIVO – RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – CONCURSO PÚBLICO – NECESSIDADE DO PREENCHIMENTO DE VAGAS, AINDA QUE EXCEDENTES ÀS PREVISTAS NO EDITAL, CARACTERIZADA POR ATO INEQUÍVOCO DA ADMINISTRAÇÃO – DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO – PRECEDENTES. 1. A aprovação do candidato, ainda que fora do número de vagas disponíveis no edital do concurso, lhe confere direito subjetivo à nomeação para o respectivo cargo, se a Administração Pública manifesta, por ato inequívoco, a necessidade do preenchimento de novas vagas. 2. A desistência dos candidatos convocados, ou mesmo a sua desclassificação em razão do não preenchimento de determinados requisitos, gera para os seguintes na ordem de classificação direito subjetivo à nomeação, observada a quantidade das novas vagas disponibilizadas.” [Grifos nossos] (RMS 32.105/DF, Relatora Min. Eliana Calmon, DJe de 30.08.2010). “ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. DEFENSOR PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ. CONVOCAÇÃO DE CANDIDATOS CLASSIFICADOS FORA DO NÚMERO ESTABELECIDO NO EDITAL. ANÚNCIO DE NOVO CONCURSO DURANTE A VIGÊNCIA DO ANTERIOR. DEMONSTRADA PELA ADMINISTRAÇÃO A NECESSIDADE DE CONTRATAÇÃO DE PESSOAL. DISCRICIONARIEDADE. INEXISTÊNCIA. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. RECONHECIMENTO. CONVERSÃO DA EXPECTATIVA EM DIREITO LÍQUIDO E CERTO DOS IMPETRANTES. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA. DECISÃO UNÂNIME. 1. A discricionariedade do Poder Público de nomear candidatos classificados fora do número previsto no edital, deixa de existir a partir do momento em que a Administração pratica atos no intuito de preencher as vagas surgidas e demonstra expressa a sua necessidade de pessoal.[…] 4. Ordem concedida, unânime.” (RG no RE 837.311/PI, Relator Min. Luiz Fux, DJ de 05.12.2014). 4. O PL 74/2010      O Projeto de Lei 74 de 2010, do Senado Federal, conhecido como Lei Geral dos Concursos, em seu artigo 8º, §§ 1º e 2º, recepciona a jurisprudência atual em relação aos aprovados dentro das vagas. Vejamos: "Art. 8º É vedada a realização de concurso que se destine, exclusivamente, à formação de cadastro de reserva. § 1º – Todos os candidatos aprovados dentro das vagas ofertadas deverão ser empossados até o decurso do prazo legal de validade do concurso, com a prorrogação, vedada a realização de novos certames durante o referido período. § 2º – A aprovação dentro das vagas anunciadas no edital assegura ao candidato direito líquido e certo à investidura no cargo ou emprego público, dentro do cronograma previsto no Caput deste artigo.[…]". (Grifo nosso). Vê-se, assim, que a mais recente jurisprudência firmada pelo STF e pelo STJ em relação aos aprovados dentro do número de vagas foi incorporada à Lei Geral dos Concursos. Relativamente àqueles aprovados fora do número de vagas, o projeto de lei diz o seguinte: "Art. 8º […] § 3º Durante o período de validade do concurso público, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão poderá autorizar, mediante motivação expressa, a nomeação de candidatos aprovados e não convocados, podendo ultrapassar em até cinquenta por cento o quantitativo original de vagas." Há aqui, a meu ver, pelo menos duas interpretações possíveis para esse dispositivo, que pode estar se referindo: (i) aos candidatos aprovados fora do número de vagas em qualquer concurso ou (ii) a concursos públicos federais em que há mais de uma fase, inclusive com curso de formação, por exemplo, Auditor Fiscal da Receita Federal. Se o dispositivo estiver se referindo a esta última interpretação, logo ele é omisso em relação à primeira, não incorporando a jurisprudência atual sobre esse aspecto. Se ele estiver se referindo à primeira hipótese, o PL 74, deliberadamente, não recepciona o entendimento da jurisprudência de que os aprovados fora do número de vagas também têm direito líquido e certo à nomeação, caso haja alguma das circunstâncias elencadas no item 4 deste artigo. O que o projeto de lei fez foi dar ao Ministério do Planejamento a incumbência de autorizar a nomeação desses candidatos em até 50% além do quantitativo de vagas ofertadas no edital. Ou seja, o ato fica dependente de uma decisão do Ministério do Planejamento, deixando toda a Administração Pública – em âmbito federal, estadual, municipal e distrital – sem poder discricionário para fazê-lo. De forma ilustrativa, imagine-se que a Câmara Municipal de Igarapé abre concurso para preenchimento de 1 vaga de auxiliar administrativo. O segundo colocado só poderá ser nomeado se o referido Ministério autorizar, mediante motivação expressa, a nomeação desse candidato. Além da morosidade, transtorno e ineficácia que isso poderá causar, quase inviabilizando o ato, esse dispositivo fere a autonomia administrativa dos órgãos, já que a decisão pela nomeação desses candidatos estará com outro órgão. Qualquer que seja a interpretação, é necessário que ela fique clara. Conclusão A jurisprudência foi, com o tempo, delimitando o campo de discricionariedade e de vinculação da Administração Pública em relação à nomeação de candidatos dos concursos públicos. Para essa delimitação, foram se estabelecendo critérios e condições que, atualmente, podem ser assim sistematizados: I- aprovados dentro das vagas oferecidas: direito subjetivo incondicional não absoluto. O poder público deve nomear esses candidatos, exceto na hipótese de circunstâncias excepcionais previstas no RMS 598.099/MS. Neste caso, o ato de recusa deverá ser apreciado pelo Judiciário; II- aprovados fora das vagas oferecidas: direito subjetivo condicional não absoluto – apenas o fato de ter sido aprovado fora das vagas não gera direito líquido e certo à nomeação; ocorrendo uma das condições listadas no item 4, a Administração deve nomear esses candidatos, salvo, é claro, no caso das mesmas circunstâncias excepcionais já mencionadas. Pode-se então inferir que, atualmente, apenas os candidatos desclassificados em concurso público, isto é, que não atingiram os requisitos mínimos para investidura no cargo, é que não têm direito, em nenhuma circunstância, à nomeação. Isso porque a Administração não é obrigada a nomear candidato que, em tese, não atende aos critérios estabelecidos para exercer a função. Por fim, o Senado Federal brasileiro mostra que anda em dissonância com a jurisprudência superior. Isso porque um dos dispositivos do seu projeto de lei ou não contempla uma questão já assentada nos tribunais superiores ou a contempla com outro entendimento. O problema desse entendimento diferente é que ele não traz nenhum benefício para a sociedade e para a Administração Pública. Ao contrário, além de ser praticamente inviável, ele fere a autonomia administrativa dos órgãos, já que transfere para o Ministério do Planejamento a responsabilidade de nomeação de candidatos aprovados fora do quantitativo de vagas dos concursos públicos de todo o país. Caso o projeto volte a tramitar, essa questão – e provavelmente outras – deve ser revista pela Câmara dos Deputados.
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Comentários ao art. 15 da Lei nº 15.704/06, da Lei de Promoção, que institui o plano de carreira de praças da polícia militar e do corpo de bombeiros militar do Estado de Goiás
A Lei nº 15.704/06, estabelece o plano de carreira das Praças da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Miliar do Estado de Goiás, esse direito de promoção encontra restrição no rol taxativo do art. 15 da Lei em estudo, que será discutido nesse trabalho.
Direito Administrativo
Introdução Dada a previsão legal de promoção aos servidores militares através de seus respectivos Estatutos, foram editadas normas para definir, conceituar e estabelecer a progressão funcional destes militares através de Lei. Essa Legislação estabelece o direito de promoção do militar a graduação subsequente, no entanto, há restrições previamente estabelecidas dos casos em que o militar não constara do quadro de acesso através de um rol taxativo (numerus clausus). No entanto, ocorre desrespeito a essa exigência legal, quando o administrador promove a exclusão do quadro de acesso sem a devida motivação e fundamentação cerceando este direito, já que existe, pelo menos em tese uma carreira, a qual tem sido negligenciada pela ausência da obediência aos critérios legais estabelecidos (fair trial), diante de atos discricionários praticados pelos Administradores públicos, quando deveria vincular-se a previsão legal. Assim, vê-se, então, que se a Praça que preencher os requisitos previstos na lei deve a Autoridade proceder ao ato vinculado de promoção, sem possibilidade de qualquer escolha, vinculando-se rigorosamente aos princípios da antiguidade e merecimento, as quais obedecem a composição do quadro de acesso, que em caso contrário comete ato ilegal e em abuso de autoridade de poder ao agir de forma discricionária. 1. Do direito a promoção na PMGO Estabelece o Estatuto dos Policiais Militares do Estado de Goiás (Lei nº 08.033/76) os direitos dos Policiais Militares, dentre estes a promoção, conforme art. 49, III, “g”, art. 58 e art. 59, in verbis: “Art. 49 – São Direitos dos Policiais-Militares: (…) III – nas condições ou nas limitações impostas na legislação e regulamentação específicas: (…) g) a promoção; (…) Art. 58 – O acesso na hierarquia policial-Militar é seletivo, gradual e sucessivo e será feito mediante promoções, de conformidade com o disposto na legislação e regulamentação de promoções de Oficiais e de Praças, de modo a obter-se um fluxo regular e equilibrado de carreira para os Policiais-Militares a que esses dispositivos se referem. § 1º – O planejamento da carreira dos Oficiais e das Praças, obedecidas as disposições da legislação e regulamentação a que se refere este artigo, é atribuição do Comando-Geral da Polícia Militar. § 2º – A promoção é um ato administrativo e tem como finalidade básica a seleção dos Policiais-Militares para o exercício de funções pertinentes ao grau hierárquico superior. § 3º – A promoção de Praças será feita de conformidade com o disposto em regulamento a ser baixado pelo Chefe do Poder Executivo. “ Conforme estabelece o § 3º do art. 58, a promoção de praças será feita de conformidade com o disposto em regulamento a ser baixado pelo chefe do poder executivo, nos moldes da atual Lei nº 15.704/06 que que institui o Plano de Carreira. Assim, devem, todas as vagas ociosas serem computadas, vez que qualquer modificação no quadro de acesso que gera a vacância, deve ser considerada e imediatamente preenchida, com a promoção do militar subsequente, conforme relata o mandado de segurança nº 252081-62.2013.8.09.0000: “Pois bem. Inicialmente, necessário se destacar que entendo que a promoção interna de oficiais militares é ato vinculado e está atrelado a abertura de vaga no posto imediatamente superior. (…) O contrário se passa quanto aos atos discricionários. Nestes se defere ao agente administrativo o poder de valorar os fatores constitutivos do motivo e do objeto, apreciando a conveniência e oportunidade da conduta, o que não se verifica na legislação estadual em vigência (Leis nºs. 8.000/75, 15.704/06 e 17.866/12). Na carreira militar, a promoção constitui forma de provimento pela qual o servidor passa para um cargo integrante de outra classe de maior responsabilidade e maior complexidade de atribuições, por antiguidade ou merecimento, dentro da carreira que pertence.” 2. Da legislação a promoção das Praças (Lei nº 15.704/06) Já em relação as Praças tanto da Polícia Militar (PMGO) quanto do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Goiás (CBMGO) a legislação é una, regida pela Lei nº 15.704/06, que institui o Plano de Carreira de Praças da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Goiás, conforme art. 3º onde prevê que: “Art. 3º A ascensão às demais graduações da Carreira de Praça ocorrerá mediante promoção ao grau hierárquico imediatamente superior, de acordo com os critérios estabelecidos nesta Lei”. Assim, a promoção visa o preenchimento de vagas existentes, sendo a edição deste ato de competência do Comandante-Geral, tendo como finalidade o preenchimento das vagas existentes, conforme art. 4º, § 1º, da mesma Lei: “Art. 4o A promoção de Praças tem como finalidade o preenchimento das vagas existentes através dos melhores processos de escolha e o crescimento profissional. § 1o Compete ao Comandante-Geral a edição do ato administrativo de promoção. Negritei.” Podem as promoções das Praças ocorrer da seguinte forma: “Art. 6o As promoções de Praças dar-se-ão: I – por antiguidade; II – por merecimento; III – por ato de bravura; IV – por ocasião da passagem para a reserva remunerada; V – post mortem; VI – extraordinariamente, em ressarcimento de preterição.” O caso em estudo trata do art. 15 da Lei de Promoção que trata especificamente dos impedimentos para composição do quadro de acesso (QA). 2.1. Do Quadro de Acesso e Almanaque O Quadro de acesso, são relações nominais dos candidatos a promoção, com três candidatos por vaga, conforme artigo 13, da Lei de Promoção das Praças: “Art. 13. Quadros de Acesso são relações nominais dos candidatos a promoção, com três candidatos por vaga, organizadas a partir: I – do mais antigo, observando-se a ordem de antiguidade estabelecida no almanaque, quando se tratar de Quadro de Acesso por Antiguidade (QAA); II – do mais bem colocado na apuração da Ficha de Pontuação, constante do Anexo I, quando se tratar de Quadro de Acesso por Merecimento (QAM). § 1o Havendo empate entre candidatos à promoção, na pontuação de que trata o inciso II, prevalecerá aquele que contar com maior tempo de efetivo serviço, obtiver melhor nota na seleção específica e tiver menor número de Registro Geral, sucessivamente. § 2o Para promoção por antiguidade e por merecimento é condição imprescindível ter o candidato o seu nome previamente incluído no Quadro de Acesso por Antiguidade (QAA), ou no Quadro de Acesso por Merecimento (QAM) respectivamente.” Essa organização da relação por Antiguidade (Quadro de Acesso por Antiguidade – QAA) conforme inciso I, do mais antigo, da ordem de antiguidade estabelecida no almanaque, conforme estabelece o art. 7º: “Art. 7o A promoção por antiguidade é aquela que se baseia no tempo de permanência na graduação.” Almanaque, é a relação nominal dos policiais militares pertencentes a cada graduação em cada quadro, por ordem de antiguidade. É o rol de todo o efetivo da PMGO, dentro de seus respectivos postos e graduações (equivalente a um quadro de acesso geral da PMGO – do mais antigo ao mais moderno), assim, todo policial militar deve ter seu nome inscrito no Almanaque, servindo inclusive como importante instrumento para acompanhar a ascensão funcional do militar, pela sua ordem sequencial, demonstrando a colocação pertinente, bem como a lisura do processo de promoções dentro da Corporação e a publicidade desses atos. Já a relação por Merecimento (Quadro de Acesso por Merecimento – QAM), é a classificação do mais bem colocado na apuração da Ficha de Pontuação, conforme o art. 8º: “Art. 8o A promoção por merecimento é aquela que se baseia no mérito do candidato, aferido por meio do Teste de Avaliação Profissional, previsto no art. 17 e pela Ficha de Pontuação de que trata o art. 19 e Anexo I.” De tal modo o quadro (QAA e QAM), são compostos pela relação nominal dos candidatos com três candidatos para cada vaga, demonstrando ser uma relação montada somente para a promoção naquela época conforme o número de vagas, obedecendo uma proporção de duas por antiguidade e uma por merecimento, na dicção do art. 6º § 1º, da Lei de Promoção: “Art. 6o As promoções de Praças dar-se-ão: (…) § 1o As promoções obedecerão à proporção de duas por antiguidade e uma por merecimento, em todas as graduações, exceto para a graduação a Cabo que será três por antiguidade e uma por merecimento. Negritei.” Conforme exposto o QA é confeccionado antes das promoções, uma proporção de duas para uma, a cada duas promoções por Antiguidade (QAA) ocorre uma por Merecimento (QAM), proporção 2/1, completando três vagas, como exemplo, existindo seis vagas, ocorreram quatro por antiguidade e duas por merecimento. Desta forma, o entendimento dominante defendido pelo Supremo Tribunal Federal – STF tem confirmado que a promoção de militar é ato administrativo vinculado, bastando que haja a abertura de vagas, como devido controle pelo poder judiciário, conforme aresto abaixo transcritos. É ver: “(…) I – A promoção dos policiais militares constitui ato administrativo vinculado, e não discricionário, sujeito, neste passo, ao controle pelo Poder Judiciário, sem que haja mácula ao art. 2º da Carta Magna de 1988…” (STF, 1ª Turma, AI 736.499 AgR, Relator Min. LUIZ FUX, DJe 102 de 25/05/12). 3. Do art. 15 da Lei nº 15.704/06 O art. 15 da Lei nº 15.704/06, estabelece quando a Praça não poderá constar do quadro de acesso, litteris: “Art. 15. Não poderá constar de nenhum Quadro de Acesso a Praça: I – cujo comportamento esteja classificado como "insuficiente" ou "mau"; II – que esteja respondendo a qualquer processo judicial: a) na área penal; ou b) na área cível, quando se tratar ilícito infamante, lesivo à honra e ao pudor policial ou bombeiro militar; III – presa preventivamente ou respondendo a Inquérito Policial Militar ou Inquérito Policial; IV – condenada a pena privativa ou restritiva de liberdade, mesmo que beneficiada por livramento condicional ou suspensão condicional da pena; V – que esteja submetida a conselho de disciplina; VI – que tenha atingido o limite de idade para permanência no serviço ativo ou vá atingi-lo até a data da promoção; VII – agregada no desempenho de cargo, emprego ou função pública civil temporária, não eletiva, ainda que da administração indireta, exceto em relação ao Quadro de Acesso por Antiguidade, nos termos do § 3º do art. 100 da Constituição do Estado de Goiás; VIII – em gozo de licença para tratar de interesse particular; IX – que esteja na condição de desertora; X – incapacitada definitivamente para o serviço militar, segundo parecer da junta de saúde da Corporação; XI – considerada desaparecida ou extraviada. § 1o Quando o fato tiver ocorrido em conseqüência de serviço e não constituir ilícito infamante, lesivo à honra e ao pudor policial ou bombeiro militar, a Comissão de Promoção de Praça – CPP – poderá, por maioria de votos, decidir pela inclusão nos Quadros de Acesso do militar que incidir nas hipóteses previstas nos incisos II, “a”, III e IV do “caput” deste artigo. § 2o Para efeito deste artigo, considera-se ilícito infamante, lesivo à honra e ao pudor policial ou bombeiro militar, a inobservância de quaisquer dos preceitos da ética policial militar e bombeiro militar, previstos nos respectivos estatutos.” Conforme demonstrado o art. 15 elenca um rol taxativo com 11 (onze) situações com “numerus clausus” em que a Praça não poderá constar do quadro de acesso, no entanto, o seu § 1º elenca situação de exceção à regra. Esse rol taxativo ou numerus clausus, impede a possibilidade do perigo de ser o texto legal interpretado de forma ampla, dada a impossibilidade de prever todas as situações passíveis de inclusão na lei, neste caso o legislador traz no texto legal as situações possíveis no caso concreto, de forma expressa, onde visa limitar a atuação do aplicador da norma, evitando abusos e discricionariedade excessiva, como nesse caso, onde deve o agente com base na concepção dos direitos, exclusivamente, elencados na lei, nascendo por força legislativa. 3.1. Do rol taxativo do art. 15 O Art. 15 determina que não poderá constar de nenhum Quadro de Acesso a Praça, que estiver em determinadas situações, devidamente motivada e comprovada pela Comissão de Promoção de Praças (CPP): 3.1.1. Comportamento esteja classificado como "insuficiente" ou "mau"; Determina a norma que o militar, cujo comportamento esteja classificado como "insuficiente" ou "mau", não poderá constar do quadro de acesso, o Regulamento Disciplinar (art. 48 PMGO e art. 46 CBMGO) classifica o comportamento da seguinte forma: “Art. 48 – O comportamento militar das Praças deve ser classificado em: I – excepcional – quando, no período de 7 (sete) anos de efetivo serviço, não tenha sofrido qualquer punição disciplinar; II – ótimo – quando, no período de 4 (quatro) anos de efetivo serviço, tenha sido punida com até 1 (uma) detenção; III – bom – quando, no período de 2 (dois) anos de efetivo serviço, tenha sido punida com até 2 (duas) prisões; IV – insuficiente – quando, no período de 1 (um) ano de efetivo serviço, tenha sido punida com 2 (duas) prisões ou, no período de 2 (dois) anos, tenha sido punida com mais de 2 (duas) prisões; V – mau – quando, no período de 1(um) ano de efetivo serviço, tenha sido punido com mais de 2 (duas) prisões. Parágrafo único – O policial militar que ingressar no insuficiente comportamento ou se envolver em fato social tipificado como crime, será submetido a orientação psicológica.” Perceba que os comportamentos "insuficiente" ou "mau", são os dois últimos comportamentos, que nos termos do parágrafo único, o policial militar que ingressar no insuficiente comportamento ou se envolver em fato social tipificado como crime, será submetido a orientação psicológica. O Militar inclui no Bom Comportamento e o legislador ao restringir o acesso do militar a graduação superior quando nos comportamentos "insuficiente" ou "mau", se justifica como uma forma de regular a conduta dos interessados em ascender na carreira para evitar desvios de conduta, na dicção do Regulamento o comportamento militar das Praças espelha o seu procedimento civil e militar sob o ponto de vista disciplinar (art. 47 PMGO e art 46 CBMGO). Assim ao ingressar nos referidos comportamentos o militar demonstra um comportamento negativo, vez que o comportamento espelha a sua conduta disciplinar, onde essa situação permite uma avaliação objetiva de sua atuação profissional e social desajustada ou distorcida, pois o comportamento é relativo as sanções disciplinares sofridas devidamente apurada através de procedimento administrativo disciplinar, ou seja, os seus antecedentes na Instituição, avaliando a sua conduta, permitindo a ascensão hierárquica dos militares que tem conduta profissional impecável, pois a autoridade e a responsabilidade crescem com o grau hierárquico e consecutivamente a violação dos preceitos da ética Policial-Militar é tão mais grave quanto mais elevado for o grau hierárquico de quem a cometer, conforme estabelecem os Estatutos. O mau comportamento, tem o caráter de desqualificar a conduta profissional do militar, além de trazer efeitos práticos relevantes, como restrição: a promoção, obtenção de condecorações, realização de cursos e concursos internos, agravamento de sanção disciplinar, além de uma série de outras restrições, em inúmeras normas, destacando: 3.1.1.1. Regulamento Disciplinar – Decreto nº 4.717/06: “Art. 18 – No julgamento das transgressões podem ser levantadas causas que as justifiquem ou circunstâncias que as atenuem ou agravem. § 4º – São circunstâncias agravantes da transgressão: I – o MAU comportamento; … Art. 27 – O licenciamento e a exclusão a bem da disciplina consistem no afastamento do policial militar das fileiras da Corporação. § 3º – Aplicação do licenciamento a bem da disciplina compete ao Comandante-Geral da Corporação, quando:… II – a praça estiver classificada no comportamento MAU e evidente a impossibilidade de melhoria de comportamento, como está prescrito neste regulamento; “ Quanto ao CBMGO temos as referências nos art. 14, § 2º, I e Art. 27, II. 3.1.1.2. Decreto nº 4.713/06 (Conselho de Disciplina): “Art. 3º – Ficam sujeitas à declaração de incapacidade para permanecer como policiais militares as praças referidas no art. 2º e seus parágrafos que: I – se encontrando no comportamento MAU, vierem a cometer nova falta disciplinar grave;” Além do estabelecido nesta norma, onde não poderá figurar no QA, quando o comportamento esteja classificado como "insuficiente" ou "mau", enquanto persistir essa situação. 3.1.2. Esteja respondendo a qualquer processo judicial: A norma restringe que não poderá constar do QA, o servidor que esteja respondendo a qualquer processo judicial, sendo este os instrumentos postos à disposição do Poder Judiciário para o exercício de suas funções típicas. O processo judicial é o instrumento pelo qual se opera a jurisdição, cujos objetivos são eliminar conflitos e fazer justiça por meio da aplicação da Lei ao caso concreto, a presente lei trata ainda essa situação em duas espécies, sendo: na área penal e na área cível, com tratamentos diferentes para cada caso. 3.1.2.1. na área penal, que é a parte do ordenamento jurídico que define as infrações penais (crimes e contravenções) e comina as respectivas sanções (penas e medidas de segurança), assim, quando o militar violar esse códex será fatalmente excluído do quadro de acesso, com a devida ressalva do § 1º do art. 15 (ver item 3.2.). 3.1.2.2. na área cível, que tem por função regular os direitos e obrigações de ordem privada concernentes às pessoas, aos bens e suas relações, ou seja, no caso do militar, incorrer em qualquer violação nessa área e este se tratar ilícito infamante, lesivo à honra e ao pudor policial ou bombeiro militar, será o servidor retirado do quadro de acesso (ver item 3.2.2.). 3.1.3. Presa preventivamente ou respondendo a Inquérito Policial Militar ou Inquérito Policial: Primeiramente merece destacar que o presente inciso de impedimento está incluído no § 1º do art. 15 (ver item 3.2.). 3.1.3.1. Presa preventivamente A prisão preventiva se encontra capitulada do art. 311 a 316 do Código de Processo Penal, sendo: “Art. 311.  Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.     Art. 312.  A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.     Parágrafo único.  A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o).    Art. 313.  Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:    I – nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;      II – se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal; III – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; Parágrafo único.  Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida. Art. 314.  A prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato nas condições previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 23 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Art. 315.  A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada. Art. 316. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no correr do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem. “  Desta forma se o militar cumprindo prisão de forma preventiva, não poderá constar de quadro de acesso, no entanto, cessada esta situação e não houver qualquer outro impedimento deverá voltar ao QA. A prisão preventiva não viola a garantia constitucional de presunção de inocência, se a decisão for devidamente motivada e a prisão for estritamente necessária, sendo uma prisão cautelar que tem o objetivo de evitar que o réu cometa novos crimes ou ainda que em liberdade prejudique a colheita de provas ou fuja, pode ser decretada inclusive na fase investigatória da persecução criminal, ou seja, durante o inquérito policial. 3.1.3.2. Respondendo a Inquérito Policial Militar ou inquérito policial 3.1.3.2.1. Inquérito Policial Militar Conforme o artigo 9° do Código de Processo Penal Militar (CPPM) deixa clara a função do inquérito policial militar (IPM), como a apuração sumária de fato que configure crime militar, com caráter de instrução provisória, com finalidade de ministrar elementos a propositura da ação penal, in verbis: “Art. 9º O inquérito policial militar é a apuração sumária de fato, que, nos termos legais, configure crime militar, e de sua autoria. Tem o caráter de instrução provisória, cuja finalidade precípua é a de ministrar elementos necessários à propositura da ação penal. … Art. 20. O inquérito deverá terminar dentro em vinte dias, se o indiciado estiver preso, contado esse prazo a partir do dia em que se executar a ordem de prisão; ou no prazo de quarenta dias, quando o indiciado estiver solto, contados a partir da data em que se instaurar o inquérito.” Havendo um prazo para essa conclusão deste que é de 20 dias (réu preso) ou 40 dias (se solto), que pode ser prorrogado por mais 20 dias (§ 1°) não havendo outra prorrogação, nesse sentido, exaurido o prazo encerrada a instrução, o militar deixa de responder ao inquérito policial militar, pelo seu caráter de instrução provisória, com finalidade de ministrar elementos a propositura da ação penal. 3.1.3.2.2. Inquérito policial O Inquérito Policial é o procedimento administrativo persecutório, informativo, prévio e preparatório da Ação Penal. É um conjunto de atos concatenados, com unidade e fim de perseguir a materialidade e indícios de autoria de um crime, onde: “Art. 5º Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado: … § 3º Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito. § 4º O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, não poderá sem ela ser iniciado. § 5º Nos crimes de ação privada, a autoridade policial somente poderá proceder a inquérito a requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la. … Art. 10.  O inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela.” 3.1.3.2.3. Do prazo do Inquérito Fica assim demonstrado que após os prazos legais de encerramento ou da propositura da ação penal o inquérito deve deixar de servir como impedimento para o quadro de acesso, devido a sua função de caráter provisório, vez que não tem o condão de aplicar punição, por seu ato inquisitivo que não contempla o devido processo legal, servindo somente para demonstrar elementos necessários a instauração de outro procedimento ou ação penal. Além do mais a própria Lei n° 15.704/06, quando se refere ao inquérito, tanto policial quanto policial militar, os associa a prisão preventiva (III – presa preventivamente ou respondendo a Inquérito Policial Militar ou Inquérito Policial) desta forma conforme demonstrado, tal procedimento após essa fase será inócuo, pois já teria cumprindo sua função (caráter provisório) de instruir outro procedimento, pois no sistema processual penal vigente, “É vedado ao Magistrado proferir sentença condenatória baseada exclusivamente em elementos de convicção colhidos nos autos do inquérito policial. Inteligência do artigo 155 do Código de Processo Penal (com redação dada pela Lei 11.690/2008).” (STJ, Sexta Turma, AgRg no HC 118761 MS 2008/0230534-2, Rel. Ministro CELSO LIMONGI, DJe 16/03/2009). Assim, não pode o Inquérito servir como impedimento para promoção, vez que teria “expirado sua finalidade” aguardaria o Investigado ad eternum, o termino de um procedimento inquisitivo que tem finalidade e duração provisória, visando embasar a condenação de alguém é imprescindível que os fatos apurados no inquérito policial sejam confirmados em juízo (TJDF, 2ª Turma Criminal, APR 87359820018070007 DF 0008735-98.2001.807.0007, Rel.: Getúlio Pinheiro, publicado em 13/08/2010, DJ-e p. 384). Fica demonstrando que tal impedimento para o quadro de acesso configura abuso de poder e/ou autoridade por parte da comissão, vez que não tem o condão de aplicar punição, somente demonstrar elementos necessários a outro procedimento, superada com dito essa finalidade, não pode servir com impedimento para promoção do militar, conforme o próprio termo utilizado no tipo legal,  “respondendo” no gerúndio o que demonstra um “andamento” o que como exposto ao seu termo, não mais representa, “respondendo”, vez que findo. 3.1.4.  Condenada a pena privativa ou restritiva de liberdade, mesmo que beneficiada por livramento condicional ou suspensão condicional da pena; Necessariamente merece destacar que o presente inciso de obstáculo promocional está incluído no § 1º do art. 15 (ver item 3.2.). 3.1.4.1. Privativa de liberdade, conforme o Código Penal, em seu art. 33, define na seção I das penas privativas de liberdade, como reclusão e detenção, sendo: “Art. 33 – A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado.” Desta forma a Praça que estiver condenada a pena privativa de liberdade em qualquer uma de suas modalidades não poderá constar do quadro de acesso. 3.1.4.2. Restritiva de liberdade, se encontram definidas na seção II das penas restritivas de direitos (art. 43), onde as penas restritivas de direitos são sanções penais impostas em substituição à pena privativa de liberdade e consistem na supressão ou diminuição de um ou mais direitos do condenado, como: “Art. 43. As penas restritivas de direitos são: I – prestação pecuniária; II – perda de bens e valores; III – limitação de fim de semana. IV – prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; V – interdição temporária de direitos; VI – limitação de fim de semana.” O tipo legal acrescenta que, mesmo que beneficiada por livramento condicional ou suspensão condicional da pena, assim, mesmo que beneficiado pelos citados institutos o militar não poderá figurar no quadro de acesso. 3.1.5. Que esteja submetida a conselho de disciplina; O Conselho de Disciplina tem previsão no Estatuto (Lei nº 08.033/75), no art. 48: “Art. 48 – O Aspirante-a-Oficial PM, bem como as Praças com estabilidade assegurada, presumivelmente incapazes de permanecerem como Policiais-Militares da ativa, serão submetidos a Conselho de Disciplina, na forma da legislação específica. § 1º – O Aspirante-a-Oficial PM e as Praças com estabilidade assegurada, ao serem submetidos a Conselho de Disciplina, serão afastados das atividades que estiverem exercendo. § 2º – Compete ao Comandante-Geral da Polícia Militar julgar, em última instância, os processos oriundos dos Conselhos de Disciplina, convocados no âmbito da Corporação. § 3º – O Conselho de Disciplina também poderá ser aplicado às Praças reformadas e na reserva remunerada.” A Lei estabelece que o Conselho de Disciplina, será definido na forma da legislação específica, sendo regido pelo Decreto Estadual nº 4.713/96 que destina a julgar a incapacidade do Aspirante-a-Oficial PM e das demais Praças da Polícia Militar do Estado de Goiás com estabilidade assegurada para permanecerem na ativa, sendo reformados ou excluídos a bem da disciplina se forem considerados, incapacitados de permanecer como policiais militares da ativa, nos seguintes termos: “Art. 1º – O Conselho de Disciplina, através de processo administrativo disciplinar, destina-se a julgar a incapacidade do Aspirante-a-Oficial PM e das demais Praças da Polícia Militar do Estado de Goiás com estabilidade assegurada para permanecerem na ativa, criando-lhes, ao mesmo tempo, condições para se defenderem. Art. 2º – O Aspirante-a-Oficial PM e as Praças com estabilidade assegurada serão reformados ou excluídos a bem da disciplina se forem considerados, pelo Conselho de que trata o artigo anterior, incapacitados de permanecer como policiais militares da ativa.” De tal modo, não poderá constar do quadro de acesso a Praça que esteja submetida a Conselho de Disciplina, vez que visa a sua permanecia na ativa, assim, enquanto tramitar o procedimento, que poderá culminar em sua exclusão dos quadros da Corporação, não poderá constar de QA. De outra forma, quando encerrado o Conselho de Disciplina, sendo favorável a permanência na Corporação tem o militar o direito a sua promoção em ressarcimento por preterição. 3.1.6.  Que tenha atingido o limite de idade para permanência no serviço ativo ou vá atingi-lo até a data da promoção; Essa questão é dirimida pelo Estatuto que estabelece as idades limites para a permanência no serviço ativo no art. 90: “Art. 90 A transferência "ex-officio" para a reserva remunerada dar-se-á sempre que o policial militar: I – atingir a idade de 62 (sessenta e dois) anos; II – completar, cumulativamente, 06 (seis) anos no último posto da carreira e 30 (trinta) anos, no mínimo, de efetivo serviço;” Desta forma o Estatuto estabelece a transferência "ex-officio" para a reserva remunerada sempre que o policial militar atingir a idade de 62 (sessenta e dois) anos (I) ou completar, cumulativamente, 06 (seis) anos no último posto da carreira e 30 (trinta) anos, no mínimo, de efetivo serviço (II), não poderá ingressar no QA. 3.1.7.  Agregada no desempenho de cargo, emprego ou função pública civil temporária, não eletiva, ainda que da administração indireta, exceto em relação ao Quadro de Acesso por Antiguidade, nos termos do § 3º do art. 100 da Constituição do Estado de Goiás; A agregação é definida no art. 75 da Norma Estatutária: “Art. 75 – A agregação é a situação na qual o Policial-Militar da ativa deixa de ocupar vaga na escala hierárquica do seu Quadro, nela permanecendo sem número”. A norma encontra consonância com o § 1º, III, “n”, do Estatuto, que possui redação idêntica: “§ 1º – O Policial-Militar deve ser agregado quando: … III – for afastado temporariamente do serviço ativo por motivo de: n) ter sido nomeado para qualquer cargo público civil temporário, não eletivo, inclusive da administração indireta;” A Lei estabelece exceção em relação ao Quadro de Acesso por Antiguidade, quando a Praça se encontrar nos termos do § 3º do art. 100 da Constituição do Estado de Goiás, conforme Redação dada pela Emenda Constitucional nº 46, de 09/09/2010, que estabelece o seguinte: “Art. 100. Os membros da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar, instituições organizadas com base na hierarquia e na disciplina, são militares estaduais, regidos por estatutos próprios. … § 3º O militar da ativa que, de acordo com a lei, tomar posse em cargo, emprego ou função pública civil temporária, não eletiva, ainda que da administração indireta, ficará agregado ao respectivo quadro e somente poderá, enquanto permanecer nessa situação, ser promovido por antiguidade, contando-se-lhe o tempo de serviço apenas para aquela promoção e transferência para a reserva, sendo depois de dois anos de afastamento, contínuos ou não, transferido para a reserva, nos termos da lei.” 3.1.8. Em gozo de licença para tratar de interesse particular; A previsão de licença para tratar de interesse particular se encontra regida pelo Estatuto no art. 66: “Art. 66 – A licença para tratar de interesse particular é a autorização para afastamento total do serviço, concedida ao policial militar com mais de 5 (cinco) anos efetivo serviço, que requerer com aquela finalidade.   § 1º – A licença será sempre concedida com prejuízo da remuneração e da contagem do tempo de efetivo serviço. § 2º – A concessão de licença para tratar de interesse particular é regulada pelo Comandante-Geral da Polícia Militar, de acordo com o interesse do serviço.” A licença para tratar de interesse particular é regulada pelo Comandante-Geral da Polícia Militar, de acordo com o interesse do serviço, que deve ser requerida pelo interessado que deve à época contar com mais de 05 anos de efetivo serviço, sendo concedida com prejuízo da remuneração e da contagem do tempo de efetivo serviço, bem como pelo estipulado pela norma do quadro de acesso, estas poderão ser interrompidas nos termos do art. 67 do mesmo regramento legal. 3.1.9.  Que esteja na condição de desertora; O crime de deserção se encontra capitulado no art. 187 do Código Penal Militar, que prevê: “Art. 187. Ausentar-se o militar, sem licença, da unidade em que serve, ou do lugar em que deve permanecer, por mais de oito dias:” O instituto da deserção também tem previsão Estatutária, no art. 115: “Art. 115 – A deserção do Policial-Militar acarreta uma interrupção de serviço Policial-Militar, com a consequente demissão "ex officio" para o Oficial ou exclusão do serviço ativo para a Praça. § 1º – A demissão do Oficial ou a exclusão da Praça com estabilidade assegurada processar-se-á após um (1) ano de agregação, se não houver captura ou apresentação voluntária antes deste prazo. § 2º – A Praça sem estabilidade assegurada será automaticamente excluída após oficialmente declarada desertora. § 3º – O Policial-Militar desertor, que for capturado ou que se apresentar voluntariamente depois de haver sido demitido ou excluído, será reincluído no serviço ativo e a seguir agregado para se ver processar. § 4º – A reinclusão em definitivo do Policial-Militar, de que trata o parágrafo anterior, dependerá da sentença do Conselho Permanente de Justiça.” A deserção conforme o § 1º do art. 115, determina a exclusão da Praça com estabilidade assegurada processar-se-á após um (1) ano de agregação, por motivo da deserção, se não houver captura ou apresentação voluntária antes deste prazo, após a captura ou apresentação voluntária, será reincluído no serviço ativo e a seguir agregado para se ver processar (§ 3º), caso reincluído, fará jus a promoção por antiguidade, descontado o tempo em que esteve desertor. No caso da Praça sem estabilidade assegurada será automaticamente excluída após oficialmente declarada desertora (§ 2º). 3.1.10. incapacitada definitivamente para o serviço militar, segundo parecer da junta de saúde da Corporação; Conforme esclarecido pela norma, não pode figurar em quadro de acesso o militar declarado incapaz definitivamente para o serviço militar, segundo parecer da junta de saúde da Corporação, nesse sentido a Lei nº 08.033/75, elenca rol taxativo das situações em que o militar pode ser declarado incapaz para o serviço militar: “Art. 96 – A incapacidade definitiva pode sobrevir em consequência de: I – ferimento recebido na manutenção da ordem pública ou enfermidade contraída nessa situação ou que nela tenha a sua causa eficiente; II – acidente em serviço; III – doença, moléstia ou enfermidade adquirida, com relação de causa e efeito a condições inerentes ao serviço; IV – tuberculose ativa, alienação mental, neoplasia maligna, cegueira, lepra, paralisia irreversível e incapacidade, cardiopatia grave, mal de Parkison, pênfigo, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave e outras moléstias que a lei indicar com base nas conclusões da medicina especializada; e V – acidente ou doença, moléstia ou enfermidade, sem relação de causa e efeito com o serviço. § 1º – Os casos de que tratam os itens I, II e III deste artigo serão provados por atestado de origem ou inquérito sanitário de origem, sendo os termos do acidente, baixa ao hospital, papeletas de tratamento nas enfermarias e hospitais e os registros de baixa utilizados como meios subsidiários para esclarecer a situação. § 2º – Nos casos de tuberculose, as Juntas de Saúde deverão basear seus julgamentos obrigatoriamente, em observações clínicas, acompanhadas de repetidos exames subsidiários, de modo a comprovar, com segurança, a atividade da doença, após acompanhar sua evolução até três (3) períodos de seis (6) meses de tratamento clínico-cirúrgico metódico, atualizado e, sempre que necessário, nosocomial, salvo quando se tratar de formas "grandemente avançadas" no conceito clínico e sem qualquer possibilidade de regressão completa, as quais terão parecer imediato de incapacidade definitiva. § 3º – O parecer definitivo a adotar, nos casos de tuberculose, para os portadores de lesões aparentemente inativas, ficará condicionado a um período de consolidação extra-nosocomial, nunca inferior a seis (6) meses, contados a partir da época da cura. § 4º – Considera-se alienação mental todo caso de distúrbio mental ou neuro-mental grave persistente, no qual, esgotados os meios habituais de tratamento, permaneça altaração completa ou considerável na personalidade, destruindo a autodeterminação do pragmatismo e tornando o indivíduo total e permanentemente impossibilitado para qualquer trabalho. § 5º – Ficam excluídas do conceito de alienação mental as epilepsias psíquicas e neurológicas, assim julgadas pelas Juntas de Saúde. § 6º – Considera-se paralisia todo caso de neuropatia grave e definitiva que afeta a motilidade, sensibilidade, troficidade e mais funções nervosas, no qual, esgotados os meios habituais de tratamento, permaneçam distúrbios graves, extensos e definitivos que tornem o indivíduo total e permanentemente impossibilitado para qualquer trabalho. § 7º – São também equiparados às paralisias os casos de afecção ósteo-músculo-articulares graves e crônicos (reumatismos graves e crônicos ou progressivos e doenças similares), nos quais, esgotados os meios habituais de tratamento, permaneçam distúrbios extensos e definitivos, quer ósteo-musculo-articulares residuais, quer secundários das funções nervosas, motilidade, troficidade ou mais funções que tornem o indivíduo total e permanentemente impossibilitado para qualquer trabalho. § 8º – São equiparados à cegueira não só os casos de afecções crônicas, progressivas e incuráveis, que conduzirão à cegueira total, como também os de visão rudimentar que apenas permitam a percepção de vultos, não susceptíveis correção por lentes, nem removíveis por tratamento médico-cirúrgico. Art. 97 – O Policial-Militar da ativa, julgado incapaz definitivamente por um dos motivos constantes dos itens I, II, III e IV do artigo 96, será reformado com qualquer tempo de serviço. Art. 98 – O Policial-Militar da ativa, julgado incapaz definitivamente por um dos motivos constantes dos itens I e II do Art. 96, será reformado com os proventos calculados com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediato ao que possuir na ativa.” Em todo caso essa incapacidade definitiva para o serviço militar, só terá validade se declarada por parecer da junta de saúde da Corporação, sendo este conceituado nos termos do art. 3º, VII, da Portaria nº 8684/16, que aprova as Normas para Inspeções de Saúde na Polícia Militar do Estado de Goiás: “VII – Parecer: manifestação escrita de caráter conclusivo emitido pelas Juntas Policiais Militares de Saúde ou por profissional médico devidamente habilitado;” 3.1.11.  Considerada desaparecida ou extraviada. A Praça é considerada desaparecida ou extraviada conforme regula o Estatuto, em caso de naufrágio, sinistro aéreo, catástrofe, calamidade pública ou outros acidentes oficialmente reconhecidos, nos termos do art. 117 e 118: “Art. 117 – O extravio do Policial-Militar da ativa acarreta interrupção do serviço Policial-Militar, com o conseqüente afastamento temporário do serviço ativo, a partir da data em que o mesmo for oficialmente considerado extraviado. § 1º – O desligamento do serviço ativo será feito seis (6) meses após a agregação por motivo de extravio. § 2º – Em caso de naufrágio, sinistro aéreo, catástrofe, calamidade pública ou outros acidentes oficialmente reconhecidos, o extravio ou o desaparecimento do Policial-Militar da ativa será considerado como falecimento, para fins deste Estatuto, tão logo sejam esgotados os prazos máximos de possível sobrevivência ou quando se dêem por encerradas as providências de salvamento. Art. 118 – O reaparecimento de Policial-Militar extraviado ou desaparecido, já desligado do serviço ativo, resulta em sua reinclusão e nova agregação, enquanto se apuram as causas que deram origem ao seu afastamento. Parágrafo Único – O Policial-Militar reaparecido será submetido a Conselho de justificação ou a Conselho de Disciplina, por decisão do Comandante-Geral da Polícia Militar, se assim for julgado necessário.” 3.2. Da Exceção à Regra (§ 1º do art. 15) A Promoção tem como finalidade o preenchimento das vagas existentes através dos melhores processos de escolha e o crescimento profissional, conforme celebra o § 1°, do art. 15, faz exceção à regra quanto a exclusão do quadro de acesso, nos seguintes termos: “§ 1o Quando o fato tiver ocorrido em conseqüência de serviço e não constituir ilícito infamante, lesivo à honra e ao pudor policial ou bombeiro militar, a Comissão de Promoção de Praça – CPP – poderá, por maioria de votos, decidir pela inclusão nos Quadros de Acesso do militar que incidir nas hipóteses previstas nos incisos II, “a”, III e IV do “caput” deste artigo.” Neste sentido o § 1°, do art. 15 estabelece três situações, que poderá a CPP por maioria de votos, decidir pela inclusão do militar no quadro de acesso e a sua consequente promoção a graduação superior, quando: 1) quando o fato tiver ocorrido em consequência de serviço; 2) não constituir ilícito infamante, lesivo à honra e ao pudor policial ou bombeiro militar; 3) a Comissão por maioria de votos, decidirá pela inclusão no Quadros de Acesso quando incidir nas hipóteses previstas nos incisos II, “a”, III e IV deste artigo, sendo estas hipóteses: “II – que esteja respondendo a qualquer processo judicial: a) na área penal; ou … III – presa preventivamente ou respondendo a Inquérito Policial Militar ou Inquérito Policial; IV – condenada a pena privativa ou restritiva de liberdade, mesmo que beneficiada por livramento condicional ou suspensão condicional da pena;” 3.2.1. Quando o fato tiver ocorrido em consequência de serviço. Sabiamente o legislador fez tal exceção, no entanto, a maioria dos militares retirados do quadro de acesso ocorre justamente por fato gerado em consequência de serviço, ou seja, durante as operações policiais de repressão ao crime, ironicamente, a sua exclusão do quadro de acesso ocorre em decorrência do próprio trabalho, em diversas oportunidades, esse resultado é procedente da denúncia temerária do próprio criminoso no sentido de prejudicar o servidor, que dada a morosidade administrativa ou judiciaria leva bons anos da vida desse profissional. Tal premissa não é respeitada pela Comissão de Promoção de Praça (CPP), vez que a retirada do QA por fato que ocorreu em conseqüência de serviço, deve ser obrigatoriamente demonstrada (ato vinculado) se o fato constitui ilícito infamante, lesivo à honra e ao pudor, ao verificar essa demonstração cabe a CPP e não ao militar provar o contrario, pela inversão do ônus da prova, in bonam partem. Com base nessa premissa, já houve entendimento da CPP, onde a Administração Pública Militar reconheceu a lesão a direito do Impetrante, que ocorreu em consequência de serviço para inclui-lo no quadro de acesso, através de decisão no DOPM nº 138/2014, pelo Protocolo CPP-01458-2014 datado de 13/06/2014, decide nos seguintes termos: “(…) encontra-se sub-judice, por responder pelos crimes de tortura, extorsão e extorsão mediante sequestro (art. 1º, Lei 9455/97, arts. 243 e 244 do Código Penal Militar). Alega o requerente, em suma, que tem direito a constar no quadro de acesso à promoção em virtude de nos supostos crimes de tortura não ter sido oferecida denúncia, estando ainda na fase de inquérito. Quanto aos crimes de extorsão e extorsão mediante sequestro, alega que trata-se de apenas um fato que gerou dois processos distintos sendo que os fatos ainda estão sendo apurados. após análise criteriosa verifica-se que o recorrente juntou certidões do poder judiciário que comprovam o alegado em relação à acusação que ainda está em fase de inquérito e os dois processos que referem-se a uma única conduta, sendo um deles extintos para evitar a litispendência, estando esse último ainda em fase saneadora, portanto, não há condenação com trânsito em julgado em qualquer processo, motivo pelo qual não pode ser preterido de sua tentativa e esforço em ascender às graduações da carreira policial militar. Sabemos todos os desafios enfrentados no dia a dia da operacionalidade que muitas vezes se apresenta revestida de armadilhas para envolver e comprometer nossos profissionais. Estratégia muito comum e empregada pelos criminosos para dissuadir nossos PPMM de realizarem seu trabalho. Falsas notícias de crime apoiadas por órgãos de imprensa inescrupulosos preocupados apenas em vender seus periódicos, são exemplos que se encaixam perfeitamente no presente caso. No jargão policial militar, o requerente alega ser vítima de "armação" e que as informações constantes dos processos apontam para isso. O § 1º do artigo 15 da lei nº 15.704/06, determina que: quando o fato tiver ocorrido em consequência de serviço […] a comissão de promoção de praça – CPP – poderá, por maioria de votos, decidir pela inclusão nos quadros de acesso do militar que incidir nas hipóteses previstas nos incisos II, "a", III e IV do "caput" deste artigo. (Grifo nosso). 2. Conclusão: analisados os fatos e pretensões citadas no pedido de reconsideração de ato interposto pelo requerente diante da narrativa apresentada acima, opino pela aceitação do presente recurso. Isso posto, por ser da mais lídima justiça, manifesto-me pelo deferimento e incluí-lo no quadro de acesso para fins de promoção. É o parecer, salvo melhor juízo. Goiânia, 08 de julho de 2014. Juverson Augusto De Oliveira – Cel PM. relator. A comissão votou por maioria de votos deferindo o pleito”. Conforme exposto o Relator decide de forma justa e imparcial, onde demonstra de forma irrefutável a situação vivenciada pelos militares estaduais, que diariamente no enfrentamento com a criminalidade, acaba vítima desses criminosos que criam ardis para dificultar a atividade policial, com verdadeiras armadilhas para envolver e comprometer os profissionais da segurança, uma estratégia comum é justamente quando de sua prisão, representa contra os policiais responsáveis pela detenção, através de seus advogados com falsas notícias, por lides temerárias, apoiadas pela imprensa preocupados apenas em vender seus periódicos. Assim, deve a denúncia ser analisada com muita cautela e discernimento, para não prejulgar o servidor, que se esforça na sua luta contra o crime, e quando no momento de sua promoção se torna a maior vítima de seu trabalho, que ocorre em forma de represália desse labor. 3.2.2. Não constituir ilícito infamante, lesivo à honra e ao pudor policial ou bombeiro militar. Assim, quando o fato ocorrer em consequência de serviço e não constituir ilícito infamante, lesivo à honra e ao pudor policial ou bombeiro militar, onde nos termos § 2º do dispositivo legal define o ilícito, infamante, lesivo a honra e ao pudor policial militar como a inobservância de quaisquer dos preceitos da ética policial militar, nos seguintes termos: “§ 2o Para efeito deste artigo, considera-se ilícito infamante, lesivo à honra e ao pudor policial ou bombeiro militar, a inobservância de quaisquer dos preceitos da ética policial militar e bombeiro militar, previstos nos respectivos estatutos.” Desta forma a ética policial militar se encontra na Lei nº 08.033/75, no Título II, Capitulo I, Seção II, da ética policial militar, já a ética do bombeiro militar, vigora pela Lei nº 11.416/91 Título II, Capitulo I, Seção II, da ética do bombeiro militar, art. 30 a 32, com redações idênticas, in verbis a legislação pertinente a PMGO: “Da Ética Policial-Militar Art. 27 – O sentimento do dever, o denodo Policial-Militar e o decoro da classe impõem, a cada um dos integrantes da Polícia Militar, conduta moral e profissional irrepreensível, com observância dos seguintes preceitos da ética Policial-Militar. I – amar a verdade e a responsabilidade como fundamento da dignidade pessoal; II – exercer com autoridade, eficiência e probidade as funções que lhe couberem em decorrência do cargo; III – respeitar a dignidade da pessoa humana; IV – cumprir e fazer cumprir as leis, os regulamentos, as instruções e as ordens das autoridades competentes; V – ser justo e imparcial no julgamento dos atos e na apreciação do mérito dos subordinados; VI – zelar pelo preparo próprio, moral, intelectual, físico e, também, pelo dos subordinados, tendo em vista o cumprimento da missão comum; VII – empregar todas as suas energias em benefício do serviço; VIII – praticar a camaradagem e desenvolver permanentemente o espírito de cooperação; IX – ser discreto em suas atitudes, maneiras e em sua linguagem escrita e falada; X – abster-se de tratar, fora do âmbito apropriado, de matéria sigilosa relativa à Segurança Nacional; XI – acatar as autoridades civis; XII – cumprir seus deveres de cidadão; XIII – proceder de maneira ilibada na vida pública e na particular; XIV – observar as normas da boa educação; XV – garantir assistência social moral e material ao seu lar e conduzir-se como chefe de família modelar; XVI – conduzir-se, mesmo fora do serviço ou na inatividade, de modo que não sejam prejudicados os princípios da disciplina, do respeito e do decoro Policial-Militar; XVII – abster-se de fazer uso do posto ou da graduação para obter facilidades pessoais de qualquer natureza ou para encaminhar negócios particulares ou de terceiros; XVIII – abster-se o Policial-Militar na inatividade do uso das designações hierárquicas quando: a) em atividades político-partidárias; b) em atividades comerciais; c) em atividades industriais; d) para discutir ou provocar discussões pela imprensa a respeito de assuntos políticos ou Policiais-Militares, excetuando-se os de natureza exclusivamente técnica, se devidamente autorizado; e e) no exercício de funções de natureza não Policial-Militar, mesmo oficiais. XIX – zelar pelo bom nome da Polícia Militar e de cada um dos seus integrantes, obedecendo e fazendo obedecer aos preceitos da ética Policial-Militar. Art. 28 – Ao Policial-Militar da ativa, ressalvando o disposto no § 2º, é vedado comerciar ou tomar parte na administração ou gerência de sociedade ou dela ser sócio ou participar, exceto como acionista ou quotista em sociedade anônima ou por quotas de responsabilidade limitada. § 1º – Os Policiais-Militares na reserva remunerada, quando convocados, ficam proibidos de tratar, nas organizações Policiais-Militares e nas repartições públicas civis, dos interesses de organizações ou empresas privadas de qualquer natureza. § 2º – Os Policiais-Militares da ativa podem exercer, diretamente, a gestão de seus bens, desde que não infrinjam o disposto no presente artigo. § 3º – No intuito de desenvolver a prática profissional dos integrantes do Quadro de Saúde, é-lhes permitido o exercício da atividade técnico-profissional, no meio civil, desde que tal prática não prejudique o serviço. Art. 29 – O Comandante-Geral da Polícia Militar poderá determinar aos Policiais-Militares da ativa que, no interesse da salvaguarda da dignidade dos mesmos, informem sobre a origem e natureza dos seus bens, sempre que houver razões que recomendem tal medida.” Desta forma para que o militar seja retirado do quadro de acesso deve a comissão indicar quando este responde a qualquer processo judicial (II, “a” e “b”), preso preventivamente, respondendo a inquérito policial ou policial militar (III) ou condenado a pena privativa de liberdade, mesmo que beneficiada por livramento condicional ou suspensão condicional da pena (IV), nesta ilação deve motivar o ato com base na ética policial ou bombeiro militar, sem essa fundamentação reputa-se ilegal o ato, por violar o § 2º e ainda a motivação dos atos administrativos conforme estabelece o art. 50 da Lei nº 13.800/01. Na dicção legal, quando o fato ocorrer em consequência de serviço e não constituir ilícito infamante, lesivo à honra e ao pudor policial ou bombeiro militar, a CPP, poderá, por maioria de votos, decidir pela inclusão nos Quadros de Acesso do militar que incidir nas hipóteses previstas nos incisos II, “a”, III e IV do “caput” deste artigo. Neste contexto fica evidente que o ato administrativo deve ser devidamente motivado, quando a comissão excluir o militar do quadro de acesso, deve expor de forma clara, explicita e congruente demonstrar (motivar) que o militar nos termos da lei violou a ética militar. Essa situação não é vislumbrada atualmente onde o militar é excluído do QA, diante pesquisa no site do Tribunal de Justiça e/ou no Sistema da Corregedoria que constata processo ou procedimento é automaticamente retirado do QA, sem fundamentar o ato de exclusão do quadro, que, desta forma, ocorre de forma abusiva e arbitrária, sem qualquer procedimento que permita o devido processo legal, já ausente de motivação, relatado somente o processo. Essa situação cria subjetividade da Comissão, em situação que deve ser vinculada, vez que a ética militar elenca rol taxativo com 03 artigos, 03 parágrafos e 19 incisos, assim, deve a CPP embasar suas decisões devidamente motivadas nesse contexto jurídico, quando retirar o servidor do quadro de acesso em homenagem aos princípios gerais do direito em especial ao devido processo legal, dando condições de defesa e demonstrar suas alegações, e não com o caráter estritamente discricionário, fixado conforme a conveniência e oportunidade administrativas, ante a análise pormenorizada da ação policial e suas consequências, que gera ato discricionário sem respaldo com a legalidade, conforme decisão do TJGO, em Mandado de Segurança nº 18824-1/101, Rel. Des. Camargo neto: “Pior ainda quando, havendo uma única exceção na lei (§1º), o que possibilitaria o Impetrante de figurar no Quadro de Acesso mesmo estando respondendo a ação penal, a Comissão responsável conclui pela sua efetiva exclusão, entendendo que os fatos constituem “ilícito infamante, lesivo à honra e ao pudor policial”. Restou ao Impetrante na ocasião ofertar o recurso administrativo cabível (fls. 27/34), o qual foi indeferido (fls. 16/17), mantendo-o fora do Quadro de Acesso. E como as datas de promoção da Polícia Militar são fixados na mesma lei citada (15.704/06), em 21 de maio e 21 de setembro de cada ano (art. 6º, §2º), as promoções de 2009 já foram realizadas, tendo o Impetrante ficado de fora. Ante o exposto, necessário se faz averiguar se houve ilegalidade nos atos praticados pela Comissão de Promoção de Praça da Polícia Militar do Estado de Goiás. Ora, o critério de subjetividade ofertado pelo § 2º do art. 15 da multicitada Lei nº 15.704/06, quando explica o que seria ilícito infamante, lesivo à honra e ao pudor policial, tem caráter estritamente discricionário, fixado conforme a conveniência e oportunidade administrativas, ante a análise pormenorizada da ação policial e suas consequências. O limite desta discricionariedade esbarra apenas na adequação da conduta à finalidade que a lei expressa e os motivos que levaram a Administração Pública a decidir desta forma, conforme ensina José dos Santos Carvalho Filho. Assim, não há dúvidas de que uma ocorrência policial que termina com a morte de um bandido desarmado e ferimento de um policial por fogo amigo, gera certo desconforto na corporação, sendo objeto, inclusive, de ação penal. A questão é que o Impetrante está sendo lesado, proibido de figurar em lista de Promoção, antes mesmo de ser julgado no processo criminal em curso, o que feriria o Princípio da Inocência encartado no art. 5º, inciso LVII, da CF/88. Isto porque ele pode ser absolvido e, diante das promoções findas, amargar o prejuízo de não ter galgado cargo superior. Aliás, aproveito o ensejo para refutar aqui as alegações, tanto do Impetrado quanto da Procuradoria de Justiça, acerca da perda do objeto do presente writ, uma vez que, por esta ótica, o direito líquido e certo de figurar em lista de promoção já realizada seria impossível de ser levado à prática. É que o Impetrante deixa bem claro no pedido de fl. 08 que pretende “reaver” seu direito mitigado, “com efeito retroativo a 21 de setembro de 2009”, data em que deveria ter participado de lista de promoção e não o foi pelas razões já expostas. Logo, verifico que perfeitamente cabível o remédio constitucional com fins a recuperar eventual prejuízo sofrido.” Conforme a doutrina dominante e os julgados recentes a discricionariedade administrativa encontra-se limitada pela lei, conforme destacado em decisão em Ação Revisional de Ato Administrativo c/c Obrigação de Fazer, Autos nº 1683/07 – Protocolo nº 200704938493: “Acerca da limitação do poder discricionário, JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO explica que 'um dos fatores exigidos para a legalidade do exercício desse poder consiste na adequação da conduta escolhida pelo agente à finalidade que a lei expressa. Se a conduta eleita destoa da finalidade da norma, é ela ilegítima e deve merecer o devido controle judicial. Outro fator é o da verificação dos motivos inspiradores da conduta. Se o agente não permite o exame dos fundamentos de fato ou de direito que mobilizaram sua decisão em certas situações em que seja necessária a sua averiguação, haverá, no mínimo, a fundada suspeita de má utilização do poder discricionário e de desvio de finalidade. Tais fatores constituem meios de evitar o indevido uso da discricionariedade administrativa e ainda possibilitam a revisão da conduta no âmbito da própria Administração ou na via judicial.”' (in 'Manual de Direito Administrativo', 23ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, ano 2010, p. 55, g.)      Em resumo a Comissão de Promoção não pode simplesmente declarar que o policial militar está fora do quadro de acesso. Deve quando decidir pelo afastamento através dos incisos II, “a”, III e IV do art. 15, essa restrição deve ser precedida de um procedimento administrativo disciplinar para declarar se o militar violou ou não esse preceito (ética militar), no entanto, a analise em bonam partem é permitida (o que não acontece), vez que ocorre a presunção de culpa, que deve ser demonstrada, ao revés da inocência que é presumida, invertendo os valores dos Estado Democrático de Direito. Assim, não cabe ao administrador agir de forma discricionária quando a lei estabelece os paramentos para sua atuação através do rol taxativo do art. 15 combinado com o § 1º, que faz exceção à regra, delineando o campo de atuação do administrador, essa é a legalidade, citado pelo em Mandado de Segurança 463816-79.2011.8.09.0000, Rel. Dr. Mauricio Porfirio Rosa: “Conforme o escólio de Paulo Hamilton Siqueira Jr. A ilegalidade é a desconformidade de atuação ou omissão da autoridade em relação à lei. O abuso de poder é o ato praticado por autoridade competente, entretanto, realizado com finalidade diversa daquela prevista em lei (desvio de poder) ou quando, observadas as formalidades legais, extrapola os limites da lei (excesso de poder)”. (in Direito Processual Constitucional, São Paulo: Saraiva, 2006, p. 365). Assim, o vício ocorre quando a comissão não informa qual a circunstância do processo em questão teve o condão de excluí-lo do quadro de acesso sem demonstrar os elementos de convicção dos autos onde incorre o servidor nos artigos 27, 28 e 29 da Lei 08.033/75, que poderiam configurar ilícito, infamante, lesivo a honra e ao pudor policial militar e desta forma cerceando o direito a ampla defesa e consecutivamente ao devido processo legal e ainda a motivação do ato administrativo que ocorre sem a indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses e imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções diante da explicitação dos motivos que firmaram o convencimento pessoal da autoridade julgadora, nos termos do art. 50 da Lei nº 13.800/01: “Art. 50 – Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses; II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções; III – decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública; IV – dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório; V – decidam recursos administrativos; VI – decorram de reexame de ofício; VII – deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais; VIII – impliquem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo. § 1o – A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo basear-se em pareceres anteriores, informações ou decisões, que, neste caso, serão parte integrante do ato, o que não elide a explicitação dos motivos que firmaram o convencimento pessoal da autoridade julgadora.” Qualquer ato administrativo praticado fora deste contexto é visceralmente nulo, vez que torna inviável a defesa do preterido, bem como devido processo legal ainda pela ausência de motivação. 3.2.3. A Comissão por maioria de votos, decidirá pela inclusão no Quadros de Acesso quando incidir nas hipóteses previstas nos incisos II, “a”, III e IV deste artigo. Diante de todo o exposto supra, onde a decisão quanto a exclusão do quadro de acesso deve ser devidamente motivada, a sua inclusão no quadro de acesso não pode ser diferente, conforme o relatório colacionado (ver item 3.2.1.). Desta forma, após a análise dos elementos que excluíram o militar do quadro de acesso, a comissão decide por maioria de votos pelo seu retorno ao QA. Assim, é importante destacar que a análise da CPP deve promover a “paridade de armas”, ou seja, a comissão deve decidir pelo seu retorno diante das provas que promoveram a sua exclusão que devem ser fornecidas pela própria comissão, pois como já dito, a comissão para retirar do QA, apenas pesquisa no sitio de internet ou cita procedimentos da corregedoria, sem ter acesso a elementos de convicção contidos nos autos, utilizando de caráter estritamente discricionário, fixado conforme a conveniência e oportunidade administrativas, o que não deve prosperar por ser o ato vinculado pela sua previsão legal, ante a análise pormenorizada da ação policial e suas consequências que deve categoricamente demonstrar onde incursionou o militar gerando a violação de sua respectiva ética, para ser retirado e também a este retornar. A Comissão ao analisar o caso concreto, quando em maioria de votos e o militar retirado do quadro de acesso por responder a qualquer processo judicial (II, “a” e “b”), preso preventivamente, respondendo a inquérito policial ou policial militar (III) ou condenado a pena privativa de liberdade, mesmo que beneficiada por livramento condicional ou suspensão condicional da pena (IV), poderá ser incluído no quadro de acesso nos termos do § 1º do art. 15, que também deve ocorrer de forma motivada diante do caso concreto e das provas trazidas pela própria CPP para sua retirada do quadro, conforme discutido pormenorizadamente supra. 3.2. Da necessidade do devido processo legal para a retirada do QA Assim, quando atua a CPP em restringir o direito do militar à promoção retirando-o do quadro de acesso deve agir com lisura e probidade, demonstrando de forma clara explicita e congruente a motivação da exclusão do servidor do QA, demonstrando os fatos e as circunstâncias constantes do processo que teve o condão de excluí-lo do quadro de acesso, principalmente quando implicando em violação a ética militar devidamente demonstrada na legislação vigente. Na pratica, ocorre de forma bem diferente, simplesmente mediante consulta ao site do Tribunal de Justiça e consulta ao Sistema da Corregedoria (SiCor), sem ter acesso aos elementos de convicção contidos nos autos (sem consulta-lo) e sem informar essa particularidade ao militar, verificando apenas a sua tipificação inicial, assim, utiliza de caráter estritamente discricionário, caso o banido do quadro no sentido de recorrer a CPP e solicite o seu processo de retirada do quadro com a toda a documentação pertinente, com certeza terá frustrada sua expectativa, pois esse procedimento não existe. Igualmente, por se tratar de uma situação delicada, por se tratar da carreira do profissional de segurança pública deveria as corporações tratar com mais respeito a questão que envolve a retirada do quadro de acesso e seguir a risca o que determina a norma, ao revés de determinados casos são utilizados como meio de perseguição, com a exclusão do militar sem qualquer amparo legal para a retirada do quadro de acesso como por exemplo Sindicâncias ou Processos Administrativos Disciplinar (PAD), que não tem amparo legal no rol do art. 15, mas que por puro assedio , já ocorreu casos de retirada do QA e sua consecutiva não promoção, por mero capricho do Administrador. Do mesmo modo, deveria ocorrer diante de procedimento especifico, pois não basta apenas acessar o site do Tribunal de Justiça e constatado o nome do militar, declará-lo fora do QA, que por negar, limitar ou afetar direito deve ser motivado (art. 50, I, Lei nº 13.800/01), por ser concernente a promoção (Direito), deveria autuar um processo, juntando todas as circunstancias capazes de subsumir ao art. 15 e principalmente ao § 1º, demonstrando através de motivação irrefutável, se o militar estava de serviço e a partir dai, demonstrar de que forma o militar constitui ilícito infamante, lesivo à honra e ao pudor policial ou bombeiro militar, para somente então retira-lo do QA. Isto é a motivação (art. 50, Lei nº 13.800/01). Destarte, retirado do QA deve o militar requerer da CPP toda a documentação autuada, atinente a sua exclusão do quadro de acesso, para somente depois fazer o seu recurso de retorno a este diante das provas apresentadas, isso é o devido processo legal, demonstrando a Comissão os elementos de convicção e motivação de seu banimento, vez que, como dito, trata de um procedimento, e como tal deve respeitar os corolários constitucionais e legais, evitando a CPP simplesmente de retirar o servidor do quadro sem qualquer prova cabal, vez que o ônus da prova cabe a quem acusa (inclusive a CPP) e apresentar os fatos dos quais é acusado e não deixar a quem se defende juntar provas de uma inocência, vez que é o hipossuficiente da relação, o que atualmente acontece, devendo ser homenageados os princípios do Estado Democrático do Direito, onde vigora os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, motivação, razoabilidade e proporcionalidade e do devido processo legal. Assim, não cabe ao administrador agir de forma discricionária tendo em vista que a norma estabelece critérios objetivos para não constar do QA, deve a administração cabalmente fornecer as provas demonstrando que o militar não deve figurar no quadro, por ser este um direito líquido e certo do militar e somente diante destas extirpa-lo de seu direito. De tal modo, não sendo procedida a devida motivação, ocorre vício formal quando ausente de qual dispositivo legal foi responsável para excluir o interessado do QA, e, ainda, em se tratando de processo penal qual situação insere em violação dos artigos 27, 28 e 29 da Lei 08.033/75, que poderiam configurar ilícito, infamante, lesivo a honra e ao pudor policial militar e desta forma cercear o direito à ampla defesa e consecutivamente ao devido processo legal, apontando no processo qual ponto insere tais circunstancias. Assim, perceba que a exclusão do quadro de acesso deve atender ao princípio da motivação e fundamentação dos atos administrativos, pois a Comissão deve informar o dispositivo legal, bem como qual a implicação do mencionado processo (se constitui ilícito infamante, lesivo à honra e ao pudor policial), demonstrando quais os itens violados na legislação castrense, não havendo uma restrição clara e objetiva, pois o § 1o do art. 15 da lei em questão, narra que se o fato for em consequência de serviço e não constituir ilícito infamante, lesivo à honra e ao pudor policial ou bombeiro militar, a Comissão poderá, por maioria de votos, decidir pela inclusão nos Quadros de Acesso do militar que incidir nas hipóteses previstas nos incisos II, “a”, III e IV do “caput” deste artigo. No entanto, a comissão não o faz e assim, qual a circunstância constante do processo em questão teve o condão de excluí-lo do quadro de acesso, o que ocorre de forma injusta e ilegal, por violar a lei de promoção, conforme sentença 2013004101995, da 3ª Vara da Fazenda Pública, pelo MM Juiz Ari Ferreira Queiroz: “Já tive oportunidade de examinar situação como esta diversas vezes, sempre entendendo excessiva a punição ao militar sub judice, que, se poderá ser absolvido no final, fica, desde agora, impedido de concorrer à promoção. Sendo o direito à promoção assegurado a todos, medidas restritivas devem ser interpretadas também restritivamente, de modo que responder a processo penal não pode obstaculizá-lo, razão porque defiro a liminar.” Conforme sentença no processo nº 201204080814, da 3ª Vara da Fazenda Pública, pelo MM Juiz Ari Ferreira Queiroz: “O impetrante se insurge contra ato da autoridade impetrada que, excluindo seu nome da relação que representa o quadro de acesso para promoção, nega seu direito de ser promovido ou pelo menos de concorrer à promoção, pelo simples fato de estar respondendo a processo criminal. Por mandamento constitucional, ninguém se presume culpado enquanto não sobrevier sentença penal condenatória com trânsito em julgado, porquanto pode ser que o acusado acabe absolvido, de modo que reputá-lo culpado antes é o mesmo que aplicar pena sem o devido processo legal. Logo, esse motivo – responder a processo criminal – não pode ser obstáculo a impedir o impetrante de concorra à promoção, quando naturalmente poderá ser promovido ou rejeitado, mas desde que tenha assegurados o direito ao contraditório e à ampla defesa. Sendo assim, defiro a liminar, não na extensão pedida, mas para determinar a inclusão do nome do impetrante entre os habilitados para o quadro de acesso, permitindo-lhe concorrer à promoção da qual foi excluído.” CONCLUSÃO Conforme se verifica a promoção é um direito do policial militar, no entanto, pode ser preterido desse direito com a sua retirada do quadro de acesso para promoção. Como todo ato administrativo essa exclusão do quadro de acesso deve obedecer a requisitos legais e objetivos guiados pela Lei 15.704/06, devidamente classificados no rol taxativo do art. 15, no qual deve se embasar devidamente motivado para ter validade, caso contrário pratica ato ilegal e fatalmente nulo. Deveria a CPP seguir um rito, inicialmente constata-se que o militar se enquadra em algum requisito que não deve constar do QA. Em seguida publica-se o quadro de acesso com seus respectivos afastamentos demonstrando com base no art. 15 por qual motivo se encontra fora do quadro, a CPP juntaria a documentação pertinente, no sentido de permitir a ampla defesa e o contraditório, oportunizando o devido processo legal. Diante da documentação apresentada pela CPP e devidamente motivada sua supressão temporária do QA, promove sua defesa de acordo com a documentação e argumentação apresentada pela Comissão, que apresentada tempestivamente sua justificativa em decisão fundamentada mantem sua exclusão ou retorna a Praça ao quadro. Esse ato administrativo de competência do Comandante Geral (§1° do art. 4° Lei 15.704/06), que age conforme orientação da CPP, que deve examinar e emitir parecer nos recursos relativos a promoção (artigo 22, § 1°, inciso II e VI, da Lei 15.704/96), sendo que as decisões da comissão serão submetidas ao Comandante Geral para avaliação, aprovação e publicação (artigo 25 da Lei 15.704/96), demonstrando novamente sua competência, com o aval da Comissão. Conforme demonstrado não existe uma aplicação efetiva da Lei nº 15.704/06, vez que os atos administrativos realizados com base nesta norma, sendo desrespeitados os elementos de validade desses atos, principalmente no tocante a motivação, especialmente quanto a aplicação da exceção do § 1º do art. 15. Assim, na pratica, não existe um devido processo legal para garantir segurança jurídica quando o militar é retirado do quadro de acesso, com documentos que demonstrem a necessidade da retirada do quadro de acesso, e, ainda com a análise da violação da ética militar devidamente motivada nos respectivos estatutos quando o fato tiver ocorrido em consequência de serviço. Nesse sentido o administrador deve se pautar pelos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, motivação e do devido processo legal, para decidir e promover atos administrativos em conformidade com a legislação vigente, decidindo com razoabilidade, proporcionalidade, isonomia e principalmente justiça.
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O princípio da impessoalidade e sua efetividade na Administração Pública brasileira
O presente trabalho tem como objetivo uma análise mais abrangente sobre a conceituação doutrinária, aplicabilidade e efetividade do princípio da Impessoalidade na Administração Pública Brasileira em momentos históricos específicos. Trata-se de um artigo elaborado a partir de consulta a diversos doutrinadores renomados no campo do Direito Administrativo; mais detalhadamente mostrando que a Constituição visa impedir através do princípio da Impessoalidade atuações que gerem benefícios, discriminações, antipatias, privilégios a determinados grupos em detrimento de outros. Busca-se, a ideia de que os poderes são conferidos ao interesse de toda a coletividade, sendo, portanto, desconectados de razões pessoais. Viabiliza que a função desempenhada pelo administrador deve reconhecer todas as vedações de condutas que levem ao mau desempenho da função pública. Mostrando, inclusive, que o dever de imparcialidade surge como o aspecto mais importante do princípio da impessoalidade administrativa, tendo um lugar significativo no âmbito decisório da Administração Pública. Por fim, alertando para a necessidade de um sistema legal mais eficaz, que inviabilize o descumprimento tão frequente do referido princípio.[1]
Direito Administrativo
1. BASE HISTÓRICA DO PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE O Regime colonial era fortemente centralizado, Raymundo Faoro demonstra como era tênue a linha que separava a casa real da Administração Pública, pois “o senhor de tudo, das atribuições e das incumbências é o rei- o funcionário será apenas a sombra real”. Diante do subjetivismo, abusos do referido sistema, a objetividade e impessoalidade que se buscava nas relações entre o súdito e autoridade, com vínculos racionais de competência limitada e controles hierárquicos são obras que ficam para um futuro distante e incerto. Assim, o Estado pré-liberal não admitia a fortaleza dos direitos individuais, armados contra as arbitrariedades dos reis.  Sob o período das monarquias absolutistas reinava o autoritarismo do Estado, que chegava ao extremo de confundir-se com a pessoa do monarca. Enquanto, centro da estrutura Estatal o soberano tinha poderes ilimitados e dele usava e abusava segundo o seu mero querer, o que denotava a maior expressão de pessoalidade do Poder Estatal. A forma como a atividade Estatal era conduzida segundo a vontade do monarca e os seus caprichos geravam uma grande insegurança aos cidadãos e, diante da mudança da conjuntura social com a busca das classes menos favorecidas por seus ideais, o sistema foi de certa forma enfraquecendo, surgindo à imediata despersonalização do poder com o nascimento do Estado Democrático de Direito. Dessa forma, o Estado de Direito veio para reconhecer a soberania popular, sendo o poder legítimo da vontade do povo, devendo ser representado pelo Parlamento e afirmado pela ideia de separação de poderes, surgindo um maior controle dos atos do Poder Público. Cumpre salientar, que o princípio da impessoalidade possui origem remota no conhecido princípio da imparcialidade administrativa do Direito Inglês, onde foi desenvolvido  na Inglaterra a partir do instituto da “natural justice”, sendo, desde muito tempo, acolhida pelo sistema inglês para a limitação da atividade administrativa. Conforme preleciona Wade (1994 apud Ávila, 2004, p.11): “Mediante a aplicação deste princípio, as cortes inglesas desenvolveram uma espécie de código para um justo procedimento administrativo- o “fair procedure”. Assim como as regras relativas à razoabilidade e desvio de finalidade permitiam o controle da substância dos atos administrativos, o princípio da “natural justice” permitia o controle do procedimento pelo qual os atos administrativos se formavam.” As regras que se extrai do princípio da “natural justice” mostra uma restrição da liberdade de atuação da Administração Pública, pois na Inglaterra foi encarado, desde cedo, que os administradores deviam levar em consideração as limitações legais e regras procedimentais, assinalando como verdadeiro obstáculo à eficiência. O princípio comentado acima apresenta duas regras procedimentais: a de que ninguém pode ser juiz em causa própria e a de que todo homem tem direito de que sua defesa seja ouvida. Por serem normas tão universais, “naturais” e justas, não podem ser confinadas somente à função jurisdicional do Estado. Elas são aplicadas também à função administrativa, e no Brasil, não há outra conclusão, como podemos perceber pelo exposto no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal de 1988: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Por fim, embora o princípio da impessoalidade sempre tenha existido na concepção de Estado de Direito só foi inserido no Brasil a partir da promulgação da Constituição Federal  de 1988, como um dos princípios a serem seguidos pela Administração Pública, conforme dispõe o seu art. 37, “caput” que passamos a descrever: “ A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. 2. ASPECTOS DOUTRINÁRIOS ACERCA DO PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE A partir da Constituição de 1988, apareceu pela primeira vez estampado o princípio da impessoalidade e, assim, muitos autores passaram a compreendê-lo como um instituto que se coaduna com os princípios da igualdade, finalidade e da própria legalidade. O entendimento majoritário, que apesar de considerar que é da natureza dos princípios da Administração sua capacidade de interação, dispõe que o princípio da impessoalidade não pode ser analisado separado dos demais. Dessa forma, temos várias análises doutrinárias acerca do princípio da impessoalidade com conceitos distintos referentes ao tema, que passaremos a analisar: Para a autora LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, existe a possibilidade de inclusão da noção de imparcialidade no conceito de impessoalidade, caracterizando-se pelos deveres de isenção e valoração objetiva dos interesses públicos e privados na relação que vai se formar, independentemente de qualquer interesse político. Dessa forma, a impessoalidade obriga o Estado a ser neutro, objetivo e imparcial. Assim, deduz da sua obra que a primeira vista, o princípio da impessoalidade se consubstancia no da igualdade. E, no entanto, é possível  haver tratamento igualitário a determinado grupo, mas se este for estabelecido por conveniências pessoais do grupo, estará nitidamente ferindo o princípio em estudo. Na mesma linha de raciocínio DIOGO MOREIRA NETO, estabelece que a impessoalidade é reflexo da imparcialidade, pois sendo o administrador imparcial este não pode de maneira alguma beneficiar, privilegiar, prejudicar, discriminar, perseguir qualquer pessoa. CARMEM LÚCIA ANTUNES ROCHA, por sua vez, depois de realizar diversos estudos sobre o princípio da impessoalidade, atribuiu a este autonomia em relação aos demais princípios. Sob esta ótica, foram atribuídos dois significados ao princípio da impessoalidade: o primeiro envolve a imputação dos atos administrativos não ao agente que os pratica, mas ao órgão ou entidade da Administração Pública, já que este é o autor institucional do ato. Contendo no texto constitucional uma disposição expressa estampada no art. 37, §1º, discorrendo que não devem constar nomes, símbolos ou imagens em obras ou serviços públicos que caracterizem a promoção pessoal das autoridades. A segunda acepção se refere ao tratamento igualitário dispensado pela Administração Pública aos administrados. A administração deve abster-se de demonstrar simpatias, privilégios, ódio, aversão pessoais por determinado grupo, devendo dispensar a todos um tratamento isonômico. Em conformidade com o pensamento anterior, MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, observa que o princípio da impessoalidade, previsto no art. 37, caput da Constituição Federal pode ser visto por dois prismas: o do administrado- significa que o comando da atividade administrativa não deve fazer acepção de pessoas, deve tratar todos de forma igualitária- e do administrador- em que os atos não devem ser imputados ao agente que o pratica, mas sim ao órgão que ele pertence. CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELO E DIÓGENES GASPARINI possuem a mesma linha de raciocínio, pois equiparam o princípio da impessoalidade ao princípio da igualdade ou isonomia, traduzindo a ideia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem animosidades ou privilégios. A par dos entendimentos mencionados, DI PIETRO, estabelece que o princípio da impessoalidade está relacionado ao princípio da finalidade pública, conforme transcrito (1992, p.71) “ a Administração Pública não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que deve nortear o seu comportamento”. Outra aplicação da autora para esse princípio, conforme já citado por outros doutrinadores, que os atos devem ser imputados ao órgão e não ao agente que o pratica. Porém, esta se distingue, pois inclui na impessoalidade as hipóteses de impedimento e suspeição da lei 9.784 de 1999, tendo em vista que criam a presunção de parcialidade no processo administrativo. Por fim, diante dos vários conceitos distintos mencionados para o princípio da impessoalidade, ANA PAULA OLIVEIRA ÁVILA (2004, p. 25-26), apresenta uma interligação dessas várias definições, explicando de uma forma mais abrangente o reportado princípio, conforme se aduz: “A impessoalidade restará explicada como princípio que impõe à Administração Pública o dever de respeitar o direito de igualdade dos Administrados e de não se valer da máquina pública para lograr proveito pessoal ou de outrem; o dever de proceder com objetividade na escolha dos meios necessários para a satisfação do bem comum; o dever de imparcialidade do administrador quando da prática de atos e decisões que afetem interesses privados perante a Administração, e, inclusive, na decisão sobre o conteúdo dos interesses públicos em concreto; o dever de neutralidade do administrador, que deve caracterizar a postura institucional da Administração e determinar aos agentes públicos o dever de não deixar que suas convicções políticas, partidárias ou ideológicas interfiram no desempenho de sua atividade funcional; e, ainda, na sua exteriorização, o dever de transparência”. 3. VÍCIOS DA IMPESSOALIDADE A doutrinadora Cármen Lúcia Antunes Rocha foi a pioneira em apresentar uma sistematização dos vícios que atingem o princípio da impessoalidade. A referida autora arrolou quatro possibilidades de vícios que são: o nepotismo, o partidarismo, a pessoalidade administrativa na elaboração normativa e a promoção pessoal. Mesmo não tendo citado a parcialidade como vício, ela reconhece esta possibilidade, pois em sua obra afirma que quando a finalidade do ato não leva em consideração o interesse público, mas o benefício pessoal ou o prejuízo particular, por razões subjetivas e, portanto, parciais, o comportamento do administrador vai estar maculado de invalidade, pois este não atua como agente público, mas privado, nele introduzindo pecado sem perdão no Direito. Dentre os vícios que passamos a discorrer, o mais comum é o vício da pessoalidade, ocorrendo quando o administrador deixa-se levar pela influência externa e passa a motivar subjetivamente sua conduta no desempenho da função pública. A similitude entre as diferentes formas de vício de pessoalidade é a perspicácia com que esses interesses alheios se amoldam às finalidades públicas, subjetivando uma atividade, que estando legalmente determinada deve ser objetivamente cumprida. Diante do exposto, vamos analisar individualmente alguns vícios apontados: 3.1.  PARCIALIDADE Ocorre quando na tomada de decisões ou na prática de atos administrativos, o administrador possa agir influenciado por fatores contrários às finalidades públicas e ao bem comum. Assim, para o atingimento concreto das finalidades públicas deve o servidor público apresentar-se despido de qualquer vontade pessoal. No entanto, p assamos a analisar as diferentes formas como Galligan classifica a parcialidade que são três: parcialidade pessoal, parcialidade sistêmica e parcialidade cognitiva. O primeiro tipo de parcialidade, refere-se a ampla esfera de interesses pessoais, sentimentais ou financeiros em benefício de terceiros, que se existirem, maculam a decisão ou o ato administrativo, devendo o servidor público ser considerado incapaz de decidir de forma adequada qualquer decisão. Já a parcialidade sistêmica, diz respeito às tendências do indivíduo, que resultam do fato de ele pertencer a uma determinada classe social, ou ter tido determinada vida pregressa, ou trabalhar em determinado segmento. É natural que existe certa afinidade entre indivíduos do mesmo segmento ou que tenham tido experiências semelhantes. Todavia, não significa dizer que essa forma de pessoalidade seja algo tolerável ou inevitável. Até porque é uma forma de pessoalidade tão prejudicial como qualquer outra, devendo ser evitada, já que provoca distorções no processo administrativo. A última forma de parcialidade é chamada de cognitiva que compreende a ideia de que no processo de formação da decisão assumem-se certas premissas que são injustificáveis à luz dos fatos e que levam as conclusões falsas. Devendo a decisão ser baseada dentro dos parâmetros legais, pois nenhuma escolha legítima inclui a opção por razões baseadas em sentimentos pessoais ou interesses financeiros. A simples presunção de que possa haver um posicionamento parcial do gestor, já é suficiente para violar a tomada de decisão ou a prática do ato, devendo ser arguida a invalidade do processo. Dessa forma, a mera suspeita já obscurece o processo e ameaça o interesse público na necessidade de uma Administração transparente, que mereça a total confiança dos administrados. Para concluir, as hipóteses de impedimento e suspeição servem como forma para proteger o agente público de influências que possam contaminar suas decisões e, assim, mostrar uma repercussão negativa da prática de atos por servidores presumivelmente interessados. 3.2. NEPOTISMO A prática denominada de nepotismo é um vício frequente à impessoalidade. A razão de ser um vício é mais do que evidente, pois manifesta a intervenção do subjetivismo e preferências em razão de laços de parentesco na atividade administrativa. O nepotismo surgiu no Brasil juntamente com os seus descobridores, pois fazia parte de um Estado onde vigia o regime monárquico, mostrando que já estavam habituados ao personalismo imprimido pelo Poder Público. Todavia, mesmo com práticas contrárias ao princípio da impessoalidade pela Corte Imperial, a Constituição de 1824 já apresentava disposições legais nitidamente opostas à pessoalidade. Atualmente, temos na Constituição Federal de 1988 uma vedação para afastar nitidamente uma possível prática de nepotismo ao expor que para o ingresso na carreira pública é necessário a prévia aprovação em concurso público, conforme dispõe o art. 37, inciso II, da CRFB de 1988, transcrito: “(…) a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.” Mesmo deixando claro que para ingresso em carreira pública é necessário aprovação em concurso público, encontramos uma ressalva no dispositivo ao permitir a livre nomeação para cargos em comissão o que deixa uma porta aberta para a prática do nepotismo. No entanto, a emenda constitucional nº 19 veio prestigiar o princípio da impessoalidade ao limitar, na redação do inciso V do artigo 37 da Constituição Federal, o exercício das funções de confiança aos servidores ocupantes de cargo efetivo e destinar aos cargos em comissão apenas as atribuições de direção, chefia e assessoramento, em percentuais mínimos estabelecidos em lei.    Dessa forma, vemos que o nepotismo é uma prática que, infelizmente, afeta a esfera dos três poderes e está longe de ser resolvida. Os parlamentares, por exemplo, tem interesses próprios a serem resguardados no que diz respeito a essa questão, visto que muitos são aglutinadores de familiares em seu gabinete. Assim, ressalta-se que o entendimento jurisprudencial apresentado atualmente, refere-se que quando o art. 37 da CRFB dispõe sobre cargo em comissão e função de confiança, está tratando de cargos e funções singelamente administrativos, não de cargos políticos. Somente os cargos e funções singelamente administrativos são alcançados pela superioridade do artigo 37, com seus importantes princípios. Então, essa distinção parece necessária para, no caso, excluir do âmbito, como exemplo, os secretários municipais, os secretários de Estados e os ministros de Estrado.  Assim, em 2008 foi editada a súmula vinculante nº 13, sendo inseridas hipóteses de nepotismo, todavia, não houve o exaurimento de todas as possibilidades de configuração do nepotismo na Administração Pública e, diante do exposto, temos um julgado abaixo transcrito do Ministro Relator Dias Toffoli, que relata perfeitamente esse entendimento:  “Reclamação- Constitucional e administrativo- Nepotismo- Súmula vinculante nº 13- Distinção entre cargos políticos e administrativos- Procedência. 1. Os cargos políticos são caracterizados não apenas por serem de livre nomeação ou exoneração, fundadas na fidúcia, mas também por seus titulares serem detentores de um múnus governamental decorrente da Constituição federal, não estando os seus ocupantes enquadrados na classificação de agentes administrativos. 2. Em hipóteses que atinjam ocupantes de cargos políticos, a configuração do nepotismo  deve ser analisado caso a caso, a fim de se verificar eventual ‘ troca de favores’ ou fraude a lei. 3. Decisão judicial que anula ato de nomeação para cargo político apenas com fundamento na relação de parentesco estabelecida entre o nomeado e o chefe do poder Executivo, em todas as esferas da federação, diverge do entendimento da Suprema Corte consubstanciado na Súmula Vinculante nº 13”. (Rcl 7590, Relator Ministro Dias Toffoli, Primeira Turma, julgamento em 30 de setembro de 2014, DJe de 14 de novembro de 2014)      3.3 PROMOÇÕES PESSOAIS A promoção pessoal está manifesta no artigo 37, §1º da Constituição Federal, vedando expressamente a promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos quando constar nomes, símbolos e imagens que os caracterizem, diante da publicidade de atos, programas, obras, serviços e campanha de órgãos públicos. O mencionado dispositivo parece reconhecer que, geralmente, os interesses públicos e privados se encontram interligados e, por isso, ele permite a realização de publicidade pelos órgãos públicos, desde que sujeita a limitações e seja investida em caráter educativo, informativo ou de orientação social. É bom ressaltar que o artigo 37, §1º da Constituição Federal de 1988 não proíbe que da publicidade constem nomes, símbolos ou imagens, todavia, o que ele condena é a utilização para caracterizar a promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos de nomes, símbolos ou imagens. Um recente caso que temos notícia, enquadrando-se perfeitamente com o mencionado acima foi a perda do cargo, suspensão dos direitos políticos, desembolso de valores e multa aplicadas aos atuais prefeito e vice do município de Serra Negra. A condenação se deu por acolhimento de Ação Civil Pública, movida pelo Ministério Público, por ato de improbidade administrativa, em razão da distribuição de revista intitulada “Honestidade e Juventude”, cujo conteúdo trazia noticias sobre a Administração, com intuito de propaganda e promoção pessoal dos agentes públicos. De acordo com os autos, a revista foi patrocinada por empresas privadas que mantinham contratos em vigor com a Prefeitura. Por fim, a incidência do dispositivo em questão deve ser analisado observando caso por caso e, uma vez constatada a ilicitude da manifestação publicitária, estará configurado desvio de finalidade, considerando-se, via de regra, o ato inválido e a consequente responsabilidade do agente pelos prejuízos causados ao erário. Corroborando com o que foi citado, vamos transcrever dois julgados que mostram interpretações diferentes, restando comprovado que o preceito em questão é analisado caso por caso: “IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. Promoção pessoal de prefeito municipal. 1. Publicidade redacional paga com recursos públicos, em que é enaltecida a pessoa do prefeito municipal, constitui ato de improbidade administrativa tipificada no art. 11 da lei nº 8.429 /92, por ofender o art. 37, § 1 º, da CRFB. 2. Anúncio destinado a divulgar láurca obtida por empresa local, notadamente quando associado a dístico ligado à gestão do prefeito em exercício, mandando publicar pela Prefeitura, também ofende o art. 37, caput e §1 º da CRFB. 3. Não é ofensivo, porém, anúncio que faça alusão en passant a cumprimento de meta de campanha, quando desacompanhado de nomes, símbolos ou imagens que o liguem diretamente à pessoa do candidato vitorioso. 4. A simples instauração do inquérito civil, por consistir terapêutica eficaz, desautoriza aplicação de sanção outra que não multa correspondente a um vencimento do agente, aliada à condenação na reparação do dano. 5. Ação julgada parcialmente procedente. Recurso do autor não provido. Recurso do réu provido em parte para excluir da condenação indenização relativa a anúncio não considerado ilegal.” (TJ-SP- Apelação: APL 994092504328 SP).     Outra percepção do referido artigo podemos analisar nesse julgado de reexame necessário: “DIREITO CONSTITUCIONAL E DIREITO ADMINISTRATIVO- REEXAME NECESSÁRIO- AÇÃO POPULAR- PREFEITURA MUNICIPAL DE DOIS VIZINHOS- PROPAGANDA PUBLICITÁRIA PARA PROMOÇÃO DA “EXPOVIZINHOS 2003”- INOCORRÊNCIA DE PROMOÇÃO PESSOAL DO PREFEITO MUNICIPAL OU DO PARTIDO POLÍTICO AO QUAL É FILIADO- NÃO CARACTERIZADA OFENSA AO ARTIGO 37, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL-SENTENÇA MANTIDA EM SEDE DE REEXAME NECESSÁRIO. 1. O artigo 37, § 1º,da Constituição Federal, estabelece que a publicidade de atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais deverá ter caráter meramente educativo, informativo ou de orientação social, ficando absolutamente vedada qualquer espécie de benefício ou proveito individual do administrador. 2. Como o material publicitário apresenta caráter meramente informativo e de orientação social, não restando configurada qualquer vinculação entre a divulgação da exposição e a pessoa do Prefeito Municipal, nem ao partido político a que este é filiado, não há que se falar em auto promoção às expensas do erário público.” (TJ-PR- Reexame Necessário: REEX 3413778 PR 0341377-8)    4.  O DEVER DE IMPARCIALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A ideia de impessoalidade abrange a de imparcialidade, refere-se a mesma definição de necessidade de atuações e tomadas de decisões desinteressadas, isentas e objetivamente orientadas.  A imparcialidade diz respeito à forma como a Administração se relaciona com os particulares no modo como faz a composição dos interesses que se colocam no seu contexto decisório. É indiscutível que tanto os órgãos administrativos como os órgãos judiciais buscam  objetivos predeterminados pelo legislador, empenhando-se na aplicação da lei. Existem, no entanto, similitudes entre a atividade da Administração e a atividade judicial, tais semelhanças procedem devido a circunstância da Administração emitir “juízos” no exercício da função administrativa, necessários para uma atuação objetiva, perseguindo sempre o interesse público. Assim, na criação da sentença e do ato administrativo põem-se semelhantes questões, eis que ambos são atos de aplicação da lei, afetando diretamente interesses individuais. Dessa forma, os procedimentos administrativos e processos judiciais se estruturam sob a égide de princípios comuns como legalidade objetiva, imparcialidade, impulsão oficial, garantia da defesa, igualdade, publicidade, tipicidade e motivação.  Temos como exemplo de violação ao dever de imparcialidade um julgado proferido pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de mandado de segurança, afirmando como desrespeito ao dever de imparcialidade investigados com interesse na causa ouvidos na qualidade de testemunha e o processo disciplinar deflagrado por portaria emitida por um dos investigados, que também designou os membros da comissão disciplinar, sendo  inadmissível, por ferir o art. 18 da lei 9.784 /99, abaixo transcrito: “ADMINISTRATIVO. PROCESSO DISCIPLINAR DEFLAGRADO POR PORTARIA EMITIDA POR UM DOS INVESTIGADOS, QUE TAMBÉM DESIGNOU OS MEMBROS DA COMISSÃO DISCIPLINAR. INADMISSIBILIDADE. ART. 18 DA LEI 9.784 /99. INVESTIGADOS OUVIDOS NA QUALIDADE DE TESTEMUNHAS, SEM COMPROMISSO DA VERDADE. INIDONEIDADE DA PROVA. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA IMPARCIALIDADE E IMPESSOALIDADE. ORDEM CONCEDIDA, EM CONFORMIDADE COM O PARECER MINISTERIAL. 1. O Processo Administrativo Disciplinar se sujeita a rigorosas exigências legais e se rege por princípios jurídicos de Direito Processual, que condicionam a sua validade, dentre os quais a da isenção dos Servidores Públicos que nele tem atuação; a Lei 9.784 /99 veda, no seu art. 18, que participe do PAD quem, por ostentar vínculos com o objeto da investigação, não reveste as indispensáveis qualidades de neutralidade e de isenção. 2. É nula a aplicação de sanção demissionária a Servidor Público Autárquico, em conclusão de PAD destinado a apurar as irregularidades constatadas pela Controladoria-Geral da União na Gerência regional de Administração do Ministério da Fazenda do Estado da Paraíba, que foi inaugurado justamente por um dos gestores em cuja gerência foram detectadas irregularidades, que exerceu sua competência como se não estivesse entre os acusados. 3. O mesmo entendimento deve ser aplicado no que pertine à prova testemunhal, que foi prestada por Servidores também relacionados no relatório da CGU e que, por estarem sendo objeto de investigação, sequer prestaram o compromisso de dizer a verdade perante a Comissão. 4. Ordem que se defere, para anular a Portaria 300, de 23 de dezembro de 2008, do Ministro do Estado da Fazenda, determinando o restabelecimento da aposentadoria do impetrante, garantido os proventos e direitos inerentes à aposentadoria desde a data de sua cassação, sem prejuízo da instauração de outro procedimento punitivo, se couber.”   Vale Ressaltar, que o cabimento do dever de imparcialidade deve estar inserido nas diversas atividades executadas pela Administração, sejam essas tipicamente exercidas pela Administração ou não. E, sabendo que a atividade administrativa se expressa por meio de atos administrativos, ao longo desse tópico analisaremos a aplicação do dever de imparcialidade nas duas grandes modalidades de atos administrativos, vinculados e discricionários, e no processo administrativo. 4.1. IMPARCIALIDADE NA PRÁTICA DE ATOS VINCULADOS  Atos vinculados são aqueles em que a lei regula antecipadamente, em todos os aspectos o comportamento que deve ser adotado pela Administração. Dessa forma, na prática de atos vinculados poderá ser abstraído o próprio interesse público, uma vez que o importante para a administração é dar cumprimento às leis. A execução da lei é a forma confiável pela qual a Administração vai realizar as finalidades públicas, e se algum interesse puder ser imputado à Administração, este só pode consistir no interesse de executar a lei com objetividade, diante disso sem contrariar o princípio da impessoalidade, é que estará desincumbido de perseguir as finalidades (ou interesses públicos) veiculadas na norma. Assim, existem críticas diante da imparcialidade da Administração Pública, primeiro como ela é parte e possui interesse próprio, o interesse público a ser perseguido, não é seu próprio. A Administração é apenas o meio ao qual se confia a sua realização. Segundo, na atividade vinculada, a realização do interesse público é o resultado do cumprimento da norma, já que estamos tratando de um Estado democrático de Direito. Não há espaço para o interesse próprio da Administração, a não ser quanto ao cumprimento da norma.   Como a atividade administrativa se relaciona diretamente com a lei, no plano da prática pode-se abstrair esse interesse público, já que ele deve estar contido na norma. Assim, a realização da ordem jurídica se faz por atos humanos, interessados, razoavelmente aptos para impor os valores e interesses estabelecidos pelo legislador. Por fim, a busca pelo dever de imparcialidade, objetividade e desatenção aos interesses inapropriados ao Estado e à sociedade deve ser imperativo sempre pretendido incessantemente pelo agente público. 4.2 DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA Conforme dispõe Celso Antônio Bandeira de Mello (1999, p. 266) atos discricionários “seriam os que a Administração pratica com certa liberdade de avaliação ou decisão segundo critérios de conveniência ou oportunidade formulados por ela mesma, ainda que adstrita à lei reguladora da expedição deles” valoração da conduta. O agente avalia a conveniência e a oportunidade dos atos que vai praticar na qualidade de administrador dos interesses coletivos. Podemos perceber que o interesse público assume posicionamentos diversos em relação aos atos vinculados, pois nestes não resta margem para a definição de interesse público, já que vem predeterminado na lei. Quando se fala em atividade discricionária, o dever de imparcialidade também deve ser utilizado e aplicado e, ainda, adquire plena vigor a sua função limitadora. O administrador, no exercício do poder discricionário, para a tomada de decisão diante do espaço legal que lhe é conferido, suas opções devem ser condicionadas a imparcialidade e devidamente explicitadas, para que possam ser controladas, através de necessária motivação. Vale ressaltar, que o dever de imparcialidade determina que a Administração não pode prender-se exclusivamente nas suas próprias razões, desprezando a qualificação do interesse descrito pelas demais pessoas envolvidas. Considerando que em razão da competência definida em lei, para que a Administração integre o interesse público, não exposto por completo na norma, e surgindo interesses considerados pertencentes à própria Administração, deverão ser estes ponderados e confrontados juntamente com todos os demais afetados pela atividade administrativa, não havendo, necessariamente, de prevalecer o interesse da Administração em relação aos demais, assim, deve ser analisado caso por caso. O papel indispensável que a imparcialidade vem a apresentar é a ponderação feita pelo administrador de forma desinteressada, imparcial, isenta e objetiva, porque senão o administrador poderá utilizar a competência discricionária para satisfazer os interesses que bem entender, desconsiderando as circunstâncias do caso concreto para manipular as suas próprias circunstâncias. Corroborando com o que foi anteriormente apresentado, fazem-se as seguintes conclusões: a) A competência discricionária é competência para definir administrativamente o interesse público, deve a administração definir, todavia, o interesse público total ou parcial indefinido na norma; b) Tendo que definir o interesse público é necessário percorrer um iter, passando pela identificação dos interesses e bens jurídicos envolvidos no caso em questão e pela ponderação imparcial dos mesmos; c) Se não existe a prevalência, a priori, dos interesses públicos, estes entram para a “balança” das ponderações com o mesmo peso dos possíveis interesses privados envolvidos, de modo que não se verifica o interesse que impeça o Administrador de agir de forma impessoal e imparcial; d) O Administrador por causa do dever de imparcialidade no momento de fazer a ponderação deverá agir tendo em vista um único e determinado interesse, mas deve ter em vista a possibilidade de satisfazer ao máximo todos os interesses envolvidos (concordância prática), o que será, então, determinante para a idoneidade do resultado que apontará o interesse público a ser perseguido.    5. CONCLUSÃO Ao longo de toda a pesquisa evidenciou-se que o princípio da impessoalidade acena para diversas significações, levando sempre em consideração a necessidade de imparcialidade e objetividade nas avaliações e atividades procedidas pela Administração Pública. O dever de imparcialidade surge como o aspecto mais importante do princípio da impessoalidade, pois impõe uma postura de isenção e objetividade aos agentes administrativos com relação aos interesses dos administrados, em praticamente toda a extensão da atividade administrativa. No entanto, existem diversos mandamentos de imparcialidade que passaremos a expor: o dever de colocar em segundo plano o interesse próprio, seus ou de outrem, que sejam insignificantes para dar cumprimento às finalidades estabelecidas pela norma para atividade administrativa; o poder de isonomia em relação a todos os possíveis interessados nos atos praticados pela Administração Pública, mantendo-se a isenção desejada; o dever de ponderação de todos os interesses, públicos ou privados, envolvidos na execução das normas pelos entes administrativos; para não contaminar os procedimentos e processos, o dever de afastamento dos agentes que tenham interesses próprios, diretos ou indiretos, nos feitos que realizam em nome da Administração Pública. Vale ressaltar, que analisamos nesse trabalho que o dever de imparcialidade tem lugar no âmbito decisório, além da prática de atos vinculados e discricionários da Administração Pública. No ato vinculado, a atividade que deverá ser desempenhada pela Administração já está previamente inserida na norma posta pelo legislador. Já no ato discricionário, a Administração atua com certa margem de liberdade, mas sempre dentro dos limites legais, exigindo uma atuação imparcial na delimitação do interesse público específico, motivo da discricionariedade, diante do caso concreto. Podemos perceber que o agir com discricionariedade tem sido o pano de fundo para a execução de inúmeras ações contrárias ao direito atingindo diretamente os princípios básicos e necessários para a correta prática de atividades administrativas; concomitantemente, as brechas da lei e a falta de controle da administração por parte dos administrados têm deixado margem para uma política desprezível em que os interesses particulares se sobrepõem aos públicos. Ao invés de ações sempre pensadas com vistas ao interesse público, são normalmente destinadas a fins eleitoreiros e diversos do que realmente seria correto, inclusive, por vezes, concede vantagens a determinados grupos, onerando demasiadamente o erário público, comprometendo, desta forma, sua credibilidade junto à população. Mesmo com políticas anti-nepotistas, sem favoritismos, os administradores continuam trazendo aos locais de confiança da administração pessoas que são ligadas a eles por um grau de parentesco, deixando, portanto, de colocar nestas funções, técnicos especializados na atividade em questão para beneficiar uma pequena parcela pelo simples fato de serem aliados políticos ou de existir uma espécie de simpatia entre eles. Portanto, temos exemplos infindáveis de casos que ferem diretamente o princípio da impessoalidade e apesar das divergências apresentadas por diversos doutrinadores acerca desse referido princípio, conclui-se que a problemática não é de fato o entendimento doutrinário, mas a dificuldade que se verifica quanto a sua aplicabilidade, buscando uma maior necessidade de fiscalização popular, atuando como fiscal da coisa pública, de modo a impedir de maneira veemente arbitrariedades por parte do administrador.
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Licitações públicas sustentáveis uma análise das compras sustentáveis realizadas pelo setor público
O presente artigo tem um caráter exploratório e objetivo, visando analisar o comportamento das compras sustentáveis do setor público, procura traçar um perfil desse comportamento com base nas informações disponíveis pelo ministério do planejamento. Com base nas informações obtidas foi possível traçar o perfil do comportamento das compras e licitações sustentáveis, as quais ainda estão insignificantes, a grande maioria das instituições fazem poucas compras nessa modalidade. Assim, recomendasse uma melhor gestão de capacitação de pessoal para o desenvolvimento do setor.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO Na atual conjuntura mundial, torna-se cada dia mais importante se pensar na sustentabilidade ambiental em todas as esferas, sendo do poder público o dever de instituir e incentivar as ações que visem a difusão da conscientização da importância do tema, bem como se responsabilizar pela contribuição em suas ações. Assim, foi notável a necessidade e implantação do tema sustentabilidade nas contratações e aquisições públicas Brasileiras. A lei das licitações e contratos, Lei 8.666/93, foi alterada e incluindo em seu teor a Lei 12.349/2010, a qual originou-se da Medida Provisória 495/10. A mesma conjectura uma inquietação com o desenvolvimento sustentável, na qual observa-se que a licitação passa a ter mais um desígnio: assim, além de se escolher a proposta mais vantajosa e garantir a isonomia entre os licitantes, a mesma deve motivar o desenvolvimento sustentável. Segundo Ferreira (2010) em torno de 10% a 15% do PIB, é que se empregam as licitações públicas como incentivadoras, visando as empresas utilizarem mecanismos e tecnologias que conduzam ao consumo sustentável, as quais devem se adequarem às exigências ou serão afastadas do mercado de compras públicas. Nos países desenvolvidos, observa-se que a grande maioria, já utiliza o edital de licitação como um instrumento importante e eficiente para garantir o desenvolvimento sustentável na esfera administrativa, e esse papel adotado pelas empresas públicas tem reflexo direto na iniciativa privada. “A Constituição Federal, art. 37, inciso XXI, prevê para a Administração Pública a obrigatoriedade de licitar. Esse artigo foi regulamentado pela Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, que estabeleceu normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.” Segundo o art. 3o da Lei No 8.666/1993 Licitação Sustentável é aquela que se destina a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável… (Redação dada pela Lei no 12.349, de 2010). Assim, pode-se proferir que a licitação sustentável é o artifício administrativo formal que colabora para a ascensão do desenvolvimento nacional sustentável, com a inserção de critérios sociais, ambientais e econômicos nas aquisições de bens, contratações de serviços e execução de obras. De uma maneira geral, trata-se da utilização do poder de compra do setor público para gerar benefícios econômicos e socioambientais. As compras e licitações sustentáveis possuem um papel estratégico para os órgãos públicos e, quando adequadamente realizadas promovem a sustentabilidade nas atividades públicas. Para tanto, é fundamental que os compradores públicos saibam delimitar corretamente as necessidades da sua instituição e conheçam a legislação aplicável e características dos bens e serviços que poderão ser adquiridos. De acordo com o conceito do Relatório de Brundtland (1987) sobre sustentabilidade diz: “suprir as necessidades da geração presente sem afetar a possibilidade das gerações futuras de suprir as suas” perceber assim, a necessidade da adoção de práticas de sustentabilidade em todos os setores econômicos, sejam industriais, comerciais ou prestadores de serviços, inclusive nas Instituições de Ensino Superior. Tavares (2013, p.01) afirma que “o Estado existe para promover o bem comum, garantir que as pessoas tenham acesso a direitos básicos definidos na constituição, bem como assegurar que interesses privados não se sobreponham ao interesse público”. A sustentabilidade apresenta-se como a configuração de afiançar o futuro da sociedade com qualidade de vida, nas diversas áreas econômicas, ambientais e sociais. Nesse contexto, destacamos que o principal desafio para as instituições é encontrar ações que englobem o desenvolvimento no tripé da sustentabilidade social, ambiental e econômica. Dessa forma, e com essa consciência, a sociedade vem buscando alternativas que possam sustentar o desenvolvimento harmonizado com processos que empreguem práticas de sustentabilidade. Essa consciência vem sendo difundida a partir da Conferência da Organização das Nações Unidas em 1987, a qual expandiu a discussão em torno da temática “sustentabilidade”, inserindo sua enfoque e aplicação nas atividades das empresas, entidades, órgãos públicos e instituições de ensinos, entre outros (WARKEN et al., 2014). Assim, objetiva-se analisar o nível de implementação da sustentabilidade ambiental no âmbito da administração demonstrando como o Poder Público vem trabalhando a questão do desenvolvimento sustentável. 1. LICITAÇÂO A firmação de contrato na administração pública, em qualquer instância, requer a existência de um processo licitatório, pois não possui autonomia para celebrar contratos, pois os recursos utilizados são públicos e requer prestação de contas e seguir o que rege a lei. No processo de licitação devem poder participar todos que desejam prestar serviço ao poder público, é sendo igualitário a todos que atendem os pré-requisitos estabelecidos na legislação. De acordo com a Lei 8666 de 1993 a licitação estabelece critérios de seleção das propostas de contratação, visando selecionar a mais benéfica para o interesse público. Está subordinado a Lei 8.666, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. No seu Art. 2oprevê que as obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei. Ainda de acordo com a mesma Lei, citada anteriormente, a licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. Silva (2009) cita a licitação como o processo que antecede ao empenho da despesa e tem por objetivo verificar, entre várias empresas, quem oferece a proposta mais vantajosa ao setor estatal. Os princípios a serem observados no processo licitatório são: Moralidade, Impessoalidade, Legalidade, Probidade, Publicidade, Julgamento objetivo, Vinculação ao Instrumento Convocatório, Sigilo das propostas, Competitividade. No processo licitatório temos 6 modalidades a seguir descritas de acordo com a Lei: “- Concorrência: a modalidade de licitação entre quaisquer interessados que, na fase inicial de habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação exigidos no edital para execução de seu objeto. – Tomada de preços: é a modalidade de licitação entre interessados devidamente cadastrados ou que atenderem a todas as condições exigidas para cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas, observada a necessária qualificação. – Convite: é a modalidade de licitação entre interessados do ramo pertinente ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados em número mínimo de 3 (três) pela unidade administrativa, a qual afixará, em local apropriado, cópia do instrumento convocatório e o estenderá aos demais cadastrados na correspondente especialidade que manifestarem seu interesse com antecedência de até 24 (vinte e quatro) horas da apresentação das propostas. – Concurso: é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, mediante a instituição de prêmios ou remuneração aos vencedores, conforme critérios constantes de edital publicado na imprensa oficial com antecedência mínima de 45 (quarenta e cinco) dias. – Leilão: é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para a venda de bens móveis inservíveis para a administração ou de produtos legalmente apreendidos ou penhorados, ou para a alienação de bens imóveis previstos no art. 19, a quem oferecer o maior lance, igual ou superior ao valor da avaliação. – Pregão: foi estabelecido pela lei 10520/02, e aborda a aquisição de bens e serviços comuns. Consideram-se bens e serviços comuns, para os fins e efeitos, aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado.” (http://e-negocioscidadesp.prefeitura.sp.gov.br/Ajuda/Modalidade.aspx) 2. LICITAÇÃO SUSTENTÁVEL Com o crescimento populacional, e o aumento de ações antrópicas agredindo o meio ambiente, tornando diversos recursos mais rapidamente escasso, além da geração de resíduos poluentes ao meio ambiente no decorrer da modernização, as preocupações aumentam visando medidas necessárias para que os recursos não se tornem cada dia mais escassos, bem como não seja comprometida a saúde da população, assim surge a preocupação e a necessidade de medidas que visem estimular e estabelecer regras para minimizar a situação. O poder público tem grande responsabilidade em atuar estimulando ações que possa colaborar com a redução desses impactos ambientais. Assim, nesse contexto foi criado no setor público a licitação sustentável, que objetiva gerar benefícios econômicos e socioambientais. A licitação sustentável é retratada por Biderman et al. (2006, p.  21), como um recurso para agregar considerações ambientais e sociais em todos os estágios do processo de compra (de governo) visando reduzir os impactos à saúde humana, ao meio ambiente e aos direitos humanos. A licitação sustentável surge como uma necessidade de garantir a sustentabilidade a sociedade, reeducando está para uma nova forma de vida, assim não é uma nova modalidade de licitação e sim uma forma de licitar (CASTRO et, al. 2014). A Instrução Normativa Nº 01, de 19 de janeiro de 2010, estabelece: “Art. 1ºNos termos do art. 3º da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, as especificações para a aquisição de bens, contratação de serviços e obras por parte dos órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional deverão conter critérios de sustentabilidade ambiental, considerando os processos de extração ou fabricação, utilização e descarte dos produtos e matérias-primas. Art. 2ºPara o cumprimento do disposto nesta Instrução Normativa, o instrumento convocatório deverá formular as exigências de natureza ambiental de forma a não frustrar a competitividade. Art. 3ºNas licitações que utilizem como critério de julgamento o tipo melhor técnica ou técnica e preço, deverão ser estabelecidos no edital critérios objetivos de sustentabilidade ambiental para a avaliação e classificação das propostas.” O art. 3º da Lei Nº 8.666/1993 define a Licitação Sustentável como aquela que se destina a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável… (Redação dada pela Lei no 12.349, de 2010).      De acordo com o portal do Ministério do Meio Ambiente: “ As compras e licitações sustentáveis possuem um papel estratégico para os órgãos públicos e, quando adequadamente realizadas promovem a sustentabilidade nas atividades públicas. Para tanto, é fundamental que os compradores públicos saibam delimitar corretamente as necessidades da sua instituição e conheçam a legislação aplicável e características dos bens e serviços que poderão ser adquiridos. O governo brasileiro despende anualmente mais de 600 bilhões de reaiscom a aquisição de bens e contratações de serviços (15% do PIB). Nesse sentido,direcionar-se o poder de compra do setor público para a aquisição de produtos e serviços com critérios de sustentabilidade implica na geração de benefícios socioambientais e na redução de impactos ambientais, ao mesmo tempo que induz e promove o mercado de bens e serviços sustentáveis. A decisão de se realizar uma licitação sustentável não implica, necessariamente, em maiores gastos de recursos financeiros. Isso porque nem sempre a proposta vantajosa é a de menor preço e também porque deve-se considerar no processo de aquisição de bens e contratações de serviços dentre outros aspectos os seguintes: a) Custos ao longo de todo o ciclo de vida: É essencial ter em conta os custos de um produto ou serviço ao longo de toda a sua vida útil – preço de compra, custos de utilização e manutenção, custos de eliminação. b) Eficiência: as compras e licitações sustentáveis permitem satisfazer as necessidades da administração pública mediante a utilização mais eficiente dos recursos e com menor impacto socioambiental. c) Compras compartilhadas: por meio da criação de centrais de compras é possível utilizar-se produtos inovadores e ambientalmente adequados sem aumentar-se os gastos públicos. d) Redução de impactos ambientais e problemas de saúde: grande parte dos problemas ambientais e de saúde a nível local é influenciada pela qualidade dos produtos consumidos e dos serviços que são prestados. e) Desenvolvimento e Inovação: o consumo de produtos mais sustentáveis pelo poder público pode estimular os mercados e fornecedores a desenvolverem abordagens inovadoras e a aumentarem a competitividade da indústria nacional e local. ” A tabela a seguir reúne um resumo dos decretos que estão os decretos que regulamentam o desenvolvimento sustentável no setor público. “A licitação sustentável não é uma solução cara, normalmente reduz o gasto do contribuinte. Tem um efeito positivo na economia nacional e regional porque, diferentemente dos regulamentos de comando e controle, a licitação sustentável usa forças eficientes de mercado, a instrução e a parceria para alcançar objetivos ambientais e, em muitos casos, sociais. A licitação sustentável ainda oferece à indústria a liberdade de descobrir a solução mais barata para satisfazer as demandas do mercado para produtos mais sustentáveis e promove a competição na indústria” (BIDERMAN, et al., 2006) Nesse contexto é de suma importância o papel das instituições em licitar produtos sustentáveis visando o melhor custo benéfico para a sociedade, tanto no caráter econômico como o aspecto socioambiental. As compras públicas sustentáveis podem ser definidas como aquelas que ponderam os fatores sociais e ambientais juntamente com fatores financeiros nas tomadas de decisão de compras (BETIOl, 2012). FGV (2010) comenta sobre as práticas de produção e consumo que aprimoram a eficiência no uso de produtos e recursos naturais, econômicos e humanos, que amortizam o impacto sobre o meio ambiente, que promovem a igualdade social e a diminuição da pobreza, que instigam novos mercados e recompensam a inovação tecnológica, mas que dificilmente são priorizadas. As compras públicas sustentáveis são ações que estimulam tais práticas. Assim, o poder de compra dos governos pode entusiasmam os mercados e colabora para a solidificação de atividades produtivas que favoreçam o desenvolvimento sustentável, agindo diretamente sobre o centro da questão: produção e consumo. 3. DADOS, ANÁLISE E DISCUSSÃO Os dados usados para a reflexão sobre a atual conjuntura das licitações sustentáveis no Brasil, tem por base as informações disponíveis na página do ministério do planejamento, na área de licitações sustentáveis (http://cpsustentaveis.planejamento.gov.br/licitacoes-sustentaveis). Diante da importância do papel do setor público no incentivo a sustentabilidade ambiental, analisamos a relação de licitações realizadas pelo Comprasnet no período de 2010 a 2012 disponível em planilha no Portal do Ministério do Planejamento. Identificamos um total de 2.291 licitações realizadas com itens sustentáveis, nesse período, o que reflete ainda um pequeno número diante do total de compras efetuadas pelos mais diferentes órgãos do governo, sendo que este deve ser o incentivador e disseminador dessa prática. O governo deve ser um indutor de políticas sociais e públicas, sendo as instituições ligadas ao poder público os consumidores que devem agir de modo responsável, sendo o exemplo e incentivador do uso de produtos sustentáveis, mas o que se observa e ainda um quantitativo muito pequeno das ações incentivadoras, tanto o mercado consumidor, como o produtor deve ser estimulado nesse processo, para o sucesso das ações voltadas a sustentabilidade. Nesse período, que os dados disponíveis foram avaliados identificamos 48 diferentes produtos na relação licitada, o que reafirma que a gama de ofertas pelo mercado que deve ser incentivada, para produzirem e comercializarem este produto, de forma mais eficaz. Ressaltamos que das diversas instituições relacionadas na Planilha, a grande maioria não ultrapassa a compra de 10 tipos de produtos adquiridos, o que reflete a pouca importância que se vem dando em priorizar a compra dos mesmos. No quadro a seguir se pode também observar, que poucos são os editais específicos lançados com essa finalidade, dentre dos listados temos um total de 32 editais no período de 2008 a 2015, o que expõe o pouco incentivo ao andamento do processo. Diante do observado, verificamos que muito pouco tem sido feito para aumentar o consumo de produtos sustentáveis, o que se faz necessário dentro de toda uma conjuntura de garantia a gerações futuras.   4. CONCLUSÃO Os avanços nas Licitações Sustentáveis, dependem para se consolidarem do envolvimento das instituições, em busca desses produtos na hora de elaborar seus processos de compras. Destaca-se nesse avanço a importância de se ter um corpo técnico treinado e a criação de processos internos que favoreçam o prosseguimento desse novo hábito, pois a falta de pessoal capacitado pode ser um entrave para a sistematização do processo. A evolução dessa forma de licitação, depende muito da vontade institucional em fazer diferente e contribuir com a sustentabilidade ambiental.
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O termo de ajustamento de conduta no âmbito do Poder Executivo Federal
O artigo trata nesse primeiro momento do consensualismo e os meios alternativos de solução de conflitos no Brasil. É discutido o juízo de admissibilidade e os meios de apuração de conflitos utilizados no Poder Executivo Federal como o Processo Administrativo Disciplinar e a Sindicância. Posteriormente, analisamos a origem, conceito, natureza jurídica, previsão legal, estrutura, forma, validade e eficácia do Termo de Ajustamento de Conduta como alternativa para o gestor público na  resolução de incidentes disciplinares.
Direito Administrativo
Abstract: This article deals with this first moment of consensualism and alternative means of conflict resolution in Brazil. It discussed the judgment of admissibility and conflicts of calculation methods used in the Federal Executive Branch as the Administrative Procedure Discipline and Inquiry. Subsequently, we analyze the origin concept, legal, legal provision, structure, form, validity and effectiveness of the Conduct Adjustment Term as an alternative to the public manager in resolving disciplinary incidents. Keywords: Conduct Adjustment Term. Administrative Disciplinary Process. Inquiry. Sumário: 1. Consensualismo e Meios alternativos de solução de conflitos. 2. Juízo de Admissibilidade. 3. Processo Administrativo Disciplinar e Sindicância. 4. Origem do Termo de Ajustamento de Conduta. 5. Natureza jurídica. 6. Previsão legal, estrutura e forma. 7. Validade e Eficácia. 8. Considerações finais. Referências. 1 CONSENSUALISMO E MEIOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS Antes de iniciarmos a discussão sobre o Termo de Ajustamento de Conduta, faremos um breve histórico sobre os meios alternativos de solução de conflito. Moreira Neto (2006) acredita que na época, o refluxo da economia ao mercado livre e a reposição do Estado na condição de instrumento dos interesses legítimos das sociedades, foram dois fatores que reabriram inúmeros canais de relação entre sociedade e Estado e que possibilitaram o ressurgimento da contratualidade administrativa, como hoje se apresenta, notadamente com a transferência de várias atividades que antes era conduzida pelo Estado para a iniciativa privada. Posteriormente essas atividades se diversificaram e com isso os novos módulos organizativos e funcionais caracterizados por uma atividade consensual e negocial era chamada de administração concertada. Maia (2014) entende que a Administração Pública dialógica ou consensual é o realinhamento do Direito Administrativo a um discurso efetivamente moderno e apto ao seu papel essencial que é o de compatibilizar a existência de prerrogativas públicas, imprescindível a atuação estatal, com uma série de direitos e garantias fundamentais assegurados pela Carta Política vigente, inserindo o ser humano na condição de aspecto nuclear na ordem jurídica. Medauar citada por Maia (2014) considera que a consensualidade faz com que Administração volta-se para a coletividade, passando a conhecer melhor os problemas e aspirações da sociedade. A Administração passa a ter uma atividade de mediação para dirimir e compor conflitos de interesses entre várias partes ou entre essas e a Administração decorrendo numa atividade aberta à colaboração dos indivíduos. Em sentido restrito, Palma (2015) conceitua a consensualidade como uma técnica de gestão administrativa por meio da qual, acordos entre Administração Pública e administrado são firmados com vistas a terminação consensual do processo administrativo pela negociação do exercício do poder de autoridade estatal. Para Moreira Neto (2006:59), “é inegável que a renovada preocupação com o consenso, como forma alternativa de ação estatal, representa para a política e para o direito uma benéfica renovação, pois, como já se consignou, contribui para aprimorar a governabilidade (eficiência), propicia mais freios contra os abusos (legalidade), garante a atenção de todos os interesses (justiça), proporciona decisão mais sábia e prudente (legitimidade), evita os desvios morais (licitude), desenvolve a responsabilidade das pessoas (civismo) e torna os comandos estatais mais aceitáveis e facilmente obedecidos (ordem)”. Com o intuito de visualizar toda essa teoria na prática, podemos encontrar vários exemplos que ganharam o prêmio Innovare (cujo objetivo é o reconhecimento e a disseminação de práticas transformadoras que se desenvolvem no interior do sistema de justiça do Brasil). Dentre eles, o balcão de justiça e cidadania, implantado nos bairros periféricos da capital e interior do estado da Bahia. Esse projeto tem como objetivo a democratização do acesso à justiça, recebendo orientação jurídica e resolvendo boa parte dos conflitos na área de família, cíveis de menos complexidade e relações de consumo. Tudo de forma simples, célere, sem burocracia e, sobretudo, satisfatória aos interessados.  Esse tipo de prática fortalece a consciência cidadã, por valorizar a capacidade de o indivíduo resolver seus conflitos e ainda, possibilita ao poder judiciário e as entidades parceiras o exercício da função social, com o consequente estreitamento de suas relações com a comunidade (OLIVEIRA, 2011).   Na esfera disciplinar, nas últimas décadas tem sido questionado se o processo judicial é sempre o método mais adequado para se fazer justiça. Existem outros mecanismos para a resolução de determinados conflitos com mais justiça? O agente estatal e as regras formais parecem distanciar a justiça da sociedade ao invés de aproximá-la. Há uma carência de mecanismos mais céleres e menos formais de solução de conflitos (SALLES, LORENCINI e SILVA, 2013). Ainda há um desconhecimento generalizado sobre a arbitragem, a mediação, a conciliação e os meios ditos alternativos de modo geral, apesar da crescente de utilização deles. A frase “meios alternativos de solução de conflitos” é derivada da língua inglesa “alternative dispute resolution” (ADR) que representa uma variedade de meios alternativos de resolução de incidentes substitutivo da sentença proferida em um processo judicial. Como  exemplo, temos a arbitragem, a mediação, a conciliação, a avaliação neutra, dentre outros (SALLES, LORENCINI e SILVA, 2013). Na visão de Moreira Neto (2006), na conciliação as partes devem envidar esforços para promover um acordo que ponha fim ao conflito, centrando-se na figura do conciliador que teria a tarefa de conduzir as partes na negociação e oferecer-lhes alternativas. Na mediação a condução das negociações por um mediador dar-se-á de modo a reduzir as divergências identificadas e a ampliar as convergências, levantando os inconvenientes de prolongar-se o conflito, de modo que seja encontrada uma solução satisfatória para as partes. E na arbitragem as partes aceitarão a solução do conflito decidida por árbitros. Para Salles, Lorencini e Silva (2013), o início da oscilação recente em prol das ADR aconteceu no século XX, nos Estados Unidos e na época era observada a crescente insatisfação popular com as instituições legais. Na década de 70, o movimento das ADRs encontrou considerável resistência. Um dos principais argumentos contrários as ADRs foi proferido pelo professor Owen Fiss que, apoiando-se na função pública da jurisdição e do processo, diz: que os acordos não necessariamente produzem justiça e ainda impedem que o Estado o faça; e que, além disso, também intensificam a não rara dessimetria entre os litigantes. Segundo ele, o papel do juiz vai além de produzir paz entre as partes. Exige-se dele que promova a proteção aos valores públicos considerados mais importantes pela sociedade. O acordo impediria a tutela destes valores. Apenas a decisão judicial seria capaz de promover um estágio desejado de justiça substancial (SALLES, LORENCINI e SILVA, 2013).   O fato é que justos ou não, em três décadas os mecanismos de ADR ganharam largo espaço nos sistema de justiça em todo o mundo. A arbitragem está entre as principais formas de resolução de conflitos no comércio internacional. No Brasil, a ADR foi inicialmente ancorada pela arbitragem, para mais tarde, disseminar-se pela conciliação e mediação. Seguindo uma linha de estudos fundada na efetividade e no acesso a justiça, a ideia de tutela jurisdicional passa a ser compreendida em função das carências do direito material. Dessa feita, o direito processual passa a ser pautado mais pelo caráter dialógico do debate e da justiça da decisão do que a partir da natureza formal da condução estatal. Embora não prestada pelo Estado, a decisão arbitral enquadra-se no conceito de tutela jurisdicional (SALLES, LORENCINI e SILVA, 2013). O emprego em larga escala de métodos e técnicas negociais pode envolver unicamente a participação de órgãos e entidades públicas como também contemplar a interação  com organizações de finalidade lucrativa ou sem fins lucrativos.  Com isso, a figura do Estado passa a ser vista como aquele que conduz sua ação pública segundo outros princípios, favorecendo o diálogo da sociedade consigo mesma. A Administração Pública monológica dá lugar a Administração Pública dialógica, administração por contrato, Administração por acordos, Administração paritária e mais recentemente Administração consensual (OLIVEIRA e SCHWANKA, 2009). A conciliação e a mediação ganharam espaço junto aos expedientes forenses com muito mais rapidez e amplitude e com menos resistência interna que a arbitragem sofrera anos antes. Por meio de políticas públicas específicas que se deram início as tentativas de mudança por se tratar mais de uma questão de cultura jurídica que de carência legislativa (SALLES, LORENCINI e SILVA, 2013).  A arbitragem, a conciliação e a mediação possuem características funcionais bem distintas. Por um determinado ponto de vista, todas integram a mesma categoria que é o fato de serem uma “alternativa” à jurisdição. De acordo com Auerbach, a arbitragem nasceu para resolver conflitos complexos verificáveis em uma camada específica da sociedade que já utilizava os serviços da justiça mas estava insatisfeita com seus resultados. Já a mediação e conciliação foram inicialmente oferecidas a uma “clientela marginal” com pouco acesso ao sistema de justiça (SALLES, LORENCINI e SILVA, 2013).    Pode-se destacar que as técnicas consensuais vêm sendo utilizadas como soluções preferenciais e não unicamente como alternativas. Com isso, há abertura de consideráveis espaços para a consensualidade no direito administrativo (OLIVEIRA e SCHWANKA, 2009). Com a expansão dos meios alternativos de solução de conflitos é necessária a ampliação do conceito de jurisdição e a abrangência do direito processual. De fato, com a valorização do caráter participativo das partes e do juiz na interpretação e aplicação do direito processual é possível admitir que esse mesmo diálogo possa escolher e regular o método de resolução de resolução de determinado conflito. Assim, entendemos que a jurisdição é atividade para resolver conflitos de forma justa e que o direito processual concentra regras para que isso seja feito de forma isonômica, pela participação, cooperação entre as partes e o juiz, independente do método e do tipo de resultado (SALLES, LORENCINI e SILVA, 2013). A partir da denúncia, o gestor público deve decidir por qual o melhor método para investigação, a essa escolha chamamos de juízo de admissibilidade. 2 JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE Segundo o manual da Controladoria Geral da União (CGU, 2015), o juízo ou exame de admissibilidade é a análise prévia da notícia de irregularidade exigida de forma indireta pela Lei nº 8.112/90 e a subsequente decisão adotada pela autoridade competente. Em contraponto com o artigo nº 143 da Lei nº 8.112/90, o artigo nº 144, parágrafo único transcreve que quando o fato narrado não configurar evidente infração disciplinar ou ilícito penal, a denuncia será arquivada, por falta de objeto. Na análise desses artigos, percebe-se que a autoridade que tiver ciência de irregularidade deve promover a apuração imediata mas, quando a denúncia é muito vaga ou não ser objeto de apuração disciplinar o administrador público pode arquivá-la sem necessidade de apuração. Em relação ao juízo de admissibilidade, o Enunciado nº 4 da CGU, publicado no Diário Oficial de 05 de maio de 2011, Seção nº 1, p. 22, também adiciona a prescrição como ponto a ser considerado: “PRESCRIÇÃO. INSTALAÇÃO. A Administração Pública pode, motivadamente, deixar de deflagrar procedimento disciplinar, caso verifique a ocorrência de prescrição antes da sua instauração, devendo ponderar a utilidade e a importância de se decidir pela instauração em cada caso” (BRASIL, CGU,  Enunciado nº 4). Nesse caso, a autoridade competente pode decidir instaurar ou não procedimento disciplinar para apurar irregularidade funcional já prescrita, ou seja, quando a Administração não pode mais punir o autor em razão do término do prazo legal estabelecido para isso. Cabe ressaltar, que este enunciado não alcança casos em que a prescrição ocorra durante a investigação, devendo finalizar a investigação normalmente. No art. 14 do Decreto-Lei nº 200/67 discorre que: “O trabalho administrativo será racionalizado mediante simplificação de processos e supressão de controles que se evidenciarem como puramente formais ou cujo custo seja evidentemente superior ao risco”. Interpretando esse artigo para a área disciplinar, podemos verificar que há casos em que o valor do prejuízo causado à União por uma irregularidade ocorrida, muitas vezes é irrelevante ao custo gerado para instaurar um processo disciplinar. A Portaria nº 335 de 30 de maio de 2006 da CGU, que regulamenta o Sistema de Correição do Poder Executivo Federal, em seu art. 4º, inciso I, diz que a investigação preliminar é um procedimento sigiloso, instaurado pelo órgão central e pelas unidades setoriais com o objetivo de coletar elementos para verificar o cabimento da instauração de sindicância ou Processo Administrativo Disciplinar. A função do juízo de admissibilidade é verificar os requisitos necessários para a tomada de decisão do administrador, seja para a instauração ou não de processo disciplinar ou para escolha de outro meio alternativo para a resolução de incidentes. Desta forma, a Lei nº 8.112/90 deixa a critério da autoridade a instauração de processo disciplinar, que deve balizar sua decisão de acordo com os elementos constantes na Lei.  A averiguação ou investigação preliminar são formas simplificadas para recolher informações e conhecer o incidente que permitam identificar a justa e proporcional escolha da decisão. 3 PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR E SINDICÂNCIA Para os órgãos do poder executivo federal foi criado em trinta de junho de 2005, o Decreto nº 5.480 dispõe sobre o sistema de correição desses órgãos e dá outras providências. Esse sistema de correição corresponde às atividades relacionadas à prevenção e apuração de irregularidades, por meio da instauração e condução de procedimentos correcionais. Para tanto, é utilizado como instrumento a investigação preliminar, a inspeção, a sindicância, o processo administrativo geral e o Processo Administrativo Disciplinar (Decreto nº 5480/2005). Nesse trabalho conceituaremos o Processo Administrativo Disciplinar e a Sindicância, para melhor compreensão desses meios de resolução de conflitos. Gasparini (2010:1082) conceitua o Processo Administrativo Disciplinar como “procedimento formal instaurado pela Administração Pública, para apuração das infrações e aplicação das penas correspondentes aos servidores”. Segundo Medauar (2004:362) o Processo Administrativo Disciplinar “é a sucessão ordenada de atos destinados a averiguar a realidade de falta cometida por servidor, a ponderar as circunstâncias que nela concorreram e aplicar as sanções pertinentes”.  Para Meirelles (2010:730), Processo Administrativo Disciplinar "é o meio de apuração e punição de faltas graves dos servidores públicos e demais pessoas sujeitas ao regime funcional de determinados estabelecimentos da Administração". Mello (2010) conceitua como um procedimento apurador de compostura mais complexa, instruído pelos autos da sindicância e obediente ao princípio da ampla defesa, conduzido por uma comissão formada por três servidores estáveis, sob a presidência de um deles.  Conforme o artigo 148 da Lei nº 8.112/90 (BRASIL, 1990) traz o conceito de processo disciplinar como “instrumento destinado a apurar responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido”. Na Portaria nº 335/2006 CGU, temos um conceito semelhante ao da Lei nº 8.112/90. O Processo Administrativo Disciplinar é o instrumento destinado a apurar responsabilidade de servidor público federal por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido (CGU, 2006). Já a Sindicância é “derivada da palavra ‘sindico’ do grego ‘súndikos’ que quer dizer sindicação, averiguação, inquérito, função do síndico e desempenho dessa função” (SILVA, 2008, p. 73). Di Pietro (2010:640) afirma que “sindicância significa, em português, à letra, a operação cuja finalidade é trazer à tona, fazer ver, revelar ou mostrar algo, que se acha oculto”. Segundo Medauar (2004) existem duas modalidades de sindicância. A sindicância preliminar a processo administrativo que configura meio de apuração prévia em relação ao Processo Administrativo Disciplinar, com o objetivo de colher elementos informativo para instaurá-lo ou não. E a segunda modalidade é a sindicância de caráter processual pois  se destina a apurar a responsabilidade  do servidor identificado, por falta leve, podendo resultar em aplicação de pena. Costa (2002:331) conceitua a sindicância na acepção mais genérica como “um conjunto de atos ou diligências empreendidos no seio de uma repartição pública objetivando apurar o cometimento de possíveis irregularidades por parte de seus servidores”. Justen Filho (2014) define sindicância como um processo administrativo com procedimento simplificado, em vista da reduzida gravidade da infração a ser apurada. Edson Jacinto Silva (2008:80) argumenta que a sindicância administrativa ou investigativa, “quando realizada com as devidas cautelas, serve para poupar a administração de processos dispendiosos e demorados, e por outro lado, serve para que o servidor se livre do Processo Administrativo Disciplinar, no qual certamente lhe acarretaria sérios prejuízos, já que naquele teria a obrigatoriedade de defender-se, caso fosse ou não culpado”. Nesse entendimento o autor acrescenta que para uma Sindicância cumprir sua finalidade é necessário que a mesma seja construída sobre certos princípios, tais como a brevidade, clareza e a exatidão. Antes a Sindicância era apenas investigativa, sem a figura do acusado, defesa e contraditório. Apenas uma investigação para apurar a autoria e materialidade e diante da confirmação desses elementos, instaura-se o Processo Administrativo Disciplinar. Na fase da Sindicância Investigativa não há suspensão do prazo de prescrição da pena. Visando a celeridade da apuração e conclusão dos fatos, a legitimação da sindicância  acusatória (chamada também de contraditória ou punitiva) surge nos arts. 143 e 145, II da Lei nº 8.112/90. Nesses artigos é incluída na Sindicância a ampla defesa para o acusado e a possibilidade de aplicação de penas de advertência ou suspensão de até 30 dias. Na Portaria nº 335/2006 CGU, a sindicância acusatória é definida como procedimento preliminar sumário, instaurada com o fim de apurar irregularidades de menor gravidade no serviço público, com caráter eminentemente punitivo, respeitados o contraditório, a oportunidade de defesa e a estrita observância do devido processo legal. Sobre a necessidade de adoção de um procedimento mais célere, Lessa (2009) comenta que: “A realidade do dia a dia da Administração fez ver a necessidade de se adotar um procedimento concentrado e célere para apuração de transgressões de menor potencial ofensivo, evitando-se assim, a instauração de um número considerável de processos disciplinares” (LESSA, 2009:81). Sobre essa necessidade de procedimento mais célere, analisaremos outro instrumento para coibir os ilícitos administrativos que é o termo de ajustamento de conduta, recentemente utilizado nos órgãos públicos para coibir os conflitos administrativos. 4 ORIGEM DO TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA Na década de 80, surge o Termo de Ajustamento de Conduta. Nesta década houve grande evolução na seara jurídica, inclusive a edição do Código de Defesa do Consumidor. Neste período, a celeridade e instrumentalidade se destacam na análise processual. Com base no artigo 840, do Código Civil que diz “é lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas” (BRASIL, Código Civil, 2002, art. 840), o Termo de Ajustamento de Conduta é validado. No artigo 211 da Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da criança e do adolescente) já era previsto o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), quando escreve: “Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, o qual terá eficácia de titulo executivo extrajudicial” (BRASIL, Lei nº 8.069, 1990, art. 211). O TAC passa a ser regulamentado nos termos do artigo 113 do Código de Defesa do Consumidor, que introduz o parágrafo 6º, no artigo 5º, da Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), passando a ser aplicável a quaisquer interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Há previsão, também, expressa nos parágrafos 1º ao 4º, da Lei nº 8.884/94, aplicável à ordem econômica e nos parágrafos 1º ao 8º, do artigo 79, da Lei nº 9.605/98, que trata das infrações contra o meio ambiente. No artigo 5º, da Lei nº 7.347/85, estabelece os órgãos que possuem legitimidade para promover esta ação, tais como o Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, os Estados, O Distrito Federal e os municípios, a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista, dentre outros. Até então, a Lei estava restrita somente a estes órgãos públicos legitimados. Não havia uma base legal no ordenamento jurídico do Brasil que legitimasse o ajustamento de conduta para as ocorrências envolvendo servidores da Administração Pública. Com a utilização dos princípios da oportunidade, da eficiência e da razoabilidade, hoje, muitos órgão públicos já estão regulamentando este instrumento para utilizá-lo como ferramenta para solucionar pequenos incidentes, evitando assim a instauração de sindicâncias e/ou processo administrativos disciplinares. O principio da discricionariedade da ação disciplinar ou da oportunidade, surgiu na Alemanha, em 1963. Com este princípio o gestor público pode decidir por uma solução alternativa ao invés da aplicação de pena, sempre visando o interesse público. Algumas definições do Termo de Ajustamento de Conduta estão relacionadas à sua aplicação na esfera civil e ambiental, tais como: “Compromisso de ajustamento de conduta é transação híbrida, lavrado por instrumento público ou privado, celebrado entre o interessado e o poder público, por seus órgãos públicos, ou por seus agentes políticos, legitimados à propositura da ação civil pública, por cuja forma se encontra a melhor solução para evitar-se ou para pôr fim à demanda judicial, que verse sobre ameaça ou lesão a bem da natureza metaindividual” (NERY, 2012:216). Luciana Aboim Silva (2004) conceitua o Termo de Ajustamento de Conduta como um instituto jurídico que soluciona conflitos metaindividuais firmado por algum órgão público legitimado para ajuizar ação civil pública e pelo empregador, no qual se estatui, de forma voluntária, o modo, lugar e prazo em que o inquirido deve adequar sua conduta aos preceitos normativos, mediante cominação, sem necessidade de provocação do Poder Judiciário, nesse primeiro momento, com vistas à natureza jurídica de título executivo extrajudicial. Carvalho Filho (2001) entende que o Termo de Ajustamento de Conduta é um ato jurídico pelo qual a pessoa assume o compromisso de eliminar a ofensa, reconhecendo implicitamente que sua conduta ofende interesse difuso ou coletivo e adequa o seu comportamento às exigências legais. Quanto a sua aplicação na resolução de incidentes da Administração pública, Alves (2014) traz a seguinte definição: o Termo de Ajustamento de Conduta é um instrumento formal, onde o gestor moderno operacionaliza o principio que veio do direito alemão, substituindo o processo tradicional, dispendioso e ineficiente por um compromisso moral que restabelece a ordem em curto prazo. Fiorillo (2013) ressaltou a importância do Termo de Ajustamento de Conduta como meio de efetivação do pleno acesso à justiça, mostrando-se como instrumento de satisfação da tutela dos direitos coletivos, à medida que, evita o ingresso em juízo, repelindo os reveses que isso pode significar à efetivação do direito material. Acerca da sanção administrativa e acordo administrativo, Palma (2015) comenta que não há como afirmar o acordo administrativo como mecanismo alternativo de atuação administrativa típica e nem como forma preferencial de satisfação das competências pela Administração em detrimento da atuação imperativa. Mas são instrumentos à disposição da Administração Pública quando do cumprimento de suas competências, que predicam a análise racional concreta, considerando todos os elementos que compõem o contexto no qual se inserem. 5 NATUREZA JURÍDICA A doutrina se diverge em relação a esse assunto. Para alguns autores como Fernando Grella Vieira (2002, p. 270), “o compromisso de ajustamento de conduta seria uma espécie de transação, com peculiaridades próprias e distintas da figura comum aplicável às obrigações meramente patrimoniais, de natureza privada”. Nesse mesmo entendimento, Daniel Roberto Fink (2001:119-120) conclui que “o Termo de Ajustamento de Conduta tem como natureza jurídica constituir-se em transação, de cunho contratual, com eficácia de título executivo extrajudicial”. Já para outros autores como Hugo Nigro Mazzilli (2008:404), o compromisso de ajustamento seria “um título executivo extrajudicial, por meio do qual um órgão público legitimado toma do causador do dano o compromisso de adequar sua conduta às exigências da lei”. Continuando seu raciocínio: “Como tem natureza bilateral e consensual, poderíamos ser tentados a identificá-lo como uma transação do direito civil. Mas esse raciocínio não é correto. Se tivesse mesmo a natureza de transação verdadeira e própria, seria um contrato, porque suporia o poder de disposição dos contraentes, que, por meio de concessões mútuas, preveniriam ou terminariam o litígio (CC, art. 840)” (MAZILLI, 2009:407). Carvalho Filho (2001:202) entende que “a natureza jurídica do instituto é, pois, a de ato jurídico unilateral quanto à manifestação volitiva, e bilateral somente quanto à formalização, eis que nele intervêm o órgão público e o promitente”. Entretanto, a aplicação do Termo de Ajustamento de Conduta na Administração Pública difere na sua forma e efeitos do TAC aplicado pelo Ministério Público no âmbito dos direitos metaindividuais. No argumento de Alves (2014) há dois novos instrumentos de resolução de conflitos no ordenamento jurídico brasileiro que é a transação penal e o ajustamento de conduta. Na transação penal, a Lei nº 9.099/95 que dispõe sobre Juizados Especiais Cíveis e Criminais é considerada um marco no Direito Penal-Processual brasileiro, introduzindo um novo paradigma na ordem jurídico-penal nacional que é a justiça criminal consensual. Nesse mesmo entendimento, o autor afirma que o objetivo principal na transação penal é a reparação dos danos sofridos pela vítima e aplicação de pena alternativa que não prive a liberdade, mas que efetivamente leve a pessoa à reflexão. No entanto, na transação, o compromisso assumido pelo infrator nem sempre está diretamente relacionado ao problema que causou e no ajustamento de conduta o funcionário é levado a adequar àquilo que estava desajustado. Podemos frisar que a aplicação do ajustamento de conduta na Administração Pública não é o mesmo aplicado pelo Ministério Público. O fundamento desse instrumento na esfera administrativa é o princípio da oportunidade que tem origem na discricionariedade da ação disciplinar e seu rótulo está associado ao documento que é firmado para a solução do problema (ALVES, 2014). Portanto, o ajustamento de conduta não tem natureza contratual, porque o órgão público não assume um compromisso, somente aquele que deu causa ao ilícito. O Termo de Ajustamento de Conduta não é um direito do servidor, mas um instrumento a ser avaliado pelo gestor, quanto a sua aplicação no controle disciplinar. 6 PREVISÃO LEGAL, ESTRUTURA E FORMA Conforme parágrafo 6º, do artigo 5º da Lei nº 7.347 (BRASIL, 1985), Lei da Ação Civil Pública, descreve a previsão legal expressa para o Termo de Ajustamento de Conduta: “os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial”. Esse instrumento também encontra previsão no artigo 211 da Lei nº 8.069 (BRASIL, 1990), artigo 113 do Código de Defesa do Consumidor, parágrafos 1º ao 4º da Lei nº 8.884 (BRASIL, 1994), aplicável a ordem econômica, parágrafos 1º ao 8º do art. 79-A da Lei nº 9.605 (BRASIL, 1998), que trata das infrações contra o meio ambiente, artigo 627 alínea “a”, da CLT (Ministério do Trabalho e Emprego) e artigo 876 da CLT (título executivo extrajudicial).  Na área administrativa, o inciso I, artigo 2º da Lei nº 9.784 (BRASIL, 1999) determina que nos processos administrativos devam ser observados critérios como atuação conforme a lei e o Direito. O Direito contempla os fundamentos da discricionariedade da ação disciplinar, com isso a autoridade tem a possibilidade de eleger outra solução para os conflitos internos. Contudo, deve sempre atender ao interesse público de forma a melhorar o serviço e o funcionário (ALVES, 2014). O Termo de Ajustamento de Conduta decorre do princípio da oportunidade e está ancorado na Constituição Federal que exige eficiência nos atos da Administração Pública e economicidade nas ações de controle. Mubarak e Costa (2010) esclarecem que pelo princípio da oportunidade, o órgão estatal tem a faculdade de promover ou não a ação penal tendo em vista o interesse público. O fundamento desse princípio vincula-se à ideia de que o Estado não deve cuidar de coisas insignificantes, podendo deixar de promover o ius puniendi quando verificar que dele possam advir mais inconvenientes do que vantagens. A razoabilidade, a proporcionalidade e o respeito à dignidade humana devem ser pensados nesse estudo. Di Pietro (2010) ressalta que a discricionariedade acontece quando a Administração Pública, diante do caso concreto, tem a possibilidade de apreciá-lo segundo critérios de oportunidade e conveniência e escolher uma dentre duas ou mais soluções, todas válidas para o direito. O TAC é um instrumento que brota do encontro da vontade do agente com o interesse da administração. Alves (2014:125) comenta que “a ausência de expressa previsão em lei não impede a aplicação do ajustamento de conduta, nem viola o princípio constitucional da legalidade”. E que há soluções jurídicas que não estão na leitura estrita da lei, mas na jurisprudência, na doutrina, em analogias e nos princípios. O Termo de Ajustamento de Conduta deve ocorrer em uma instância superior à chefia imediata que pode ser uma corregedoria, comissão permanente de disciplina, consultoria jurídica ou diretoria de recursos humanos, partindo do pressuposto de que a chefia imediata não logrou êxito na sua intervenção (ALVES, 2014). Alves (2014) também ressalta que o compromisso assinado tem caráter formal, na qual o servidor será assistido para que não exista dúvida quanto a sua espontaneidade ou ocorrência de vício de vontade. Precisa ser revestida de um mínimo de solenidade para que não pareça algo mecânico. O ambiente e a postura das pessoas na celebração da tomada de compromisso devem passar a ideia de importância daquele ato e do valor que é dado àquilo que ali será produzido. Para o servidor compromissado deve ficar claro que a medida decorre uma decisão de confiança. O Termo de Ajustamento de Conduta deve ser um procedimento formal, com o intuito de criar um clima que leve o funcionário à reflexão. No TAC a publicação do ato não é necessária. Sua publicação traria a inibição do servidor compromissado. Não é uma solução imposta, mas sim uma solução que vai de encontro à vontade do agente com o interesse da Administração. Recomenda-se que o servidor seja assistido por advogado ou outro servidor de grau hierárquico igual ou superior durante a assinatura do termo para atestar a regularidade do ato e a espontaneidade da assinatura (ALVES, 2014). 7 VALIDADE E EFICÁCIA ALVES (2014) comenta que o TAC exige que a autoria e a materialidade estejam bem delineadas nos documentos. É fundamental também que o fato esteja todo mapeado. Quando a autoria ou a materialidade não está esclarecida, necessário se faz uma averiguação preliminar que pode ser realizada pela chefia imediata ou pelo Setor responsável por processos disciplinares. A aplicação mais provável acontece quando o funcionário admite a ocorrência e compreende sua falta disciplinar. A maior utilidade desse instrumento acontece nas situações de erro. Para facilitar o exame das condições de aplicação do Termo de Ajustamento de Conduta, Alves (2014) elabora as seguintes questões que ele chama de demarcadores da conduta: “Identifica-se no perfil do agente algum nível de perversidade (má-fé, desvio de caráter, desprezo com direito de terceiros)? a) O funcionário tem se mostrado pessoa de difícil relacionamento ou recalcitrante às orientações superiores? b) O fato foi praticado contra administrado, com consciente afronta aos direitos da cidadania? c) O fato foi praticado com nítido desafio ao principio da autoridade? d) A ocorrência gerou, objetivamente, comprometimento à regularidade dos serviços? e) Houve lesão ao erário, sem reparação?” (ALVES, 2014:172). Com respostas negativas para cada uma das questões acima, segundo Alves (2014) , entende-se como possível a aplicação do Termo de Ajustamento de Conduta. Outro quesito que deve ser considerado é o histórico do servidor. Esta pesquisa não deve ser restrita a ficha funcional, mas a manifestação informal de chefias. O Termo de Ajustamento de Conduta pode ser adotado após a instauração de sindicância ou Processo Administrativo Disciplinar. A Comissão processante, durante a investigação, pode perceber que seria mais adequado um TAC, recomendando nos autos que o servidor ajuste sua conduta por meio de um compromisso ético, firmado solenemente perante a autoridade administrativa. Nesse caso, o servidor precisa reconhecer expressamente a sua falta em termo de declarações ou no interrogatório. O processo disciplinar também pode ser sobrestado por um determinado tempo, no caso de aplicação do TAC. Com o efetivo cumprimento do que ficou ajustado o processo é arquivado. Caso não cumprido o compromisso no prazo e na forma estabelecidos, o processo disciplinar prossegue na sua tramitação (ALVES, 2014). Em alguns casos, para evitar a deflagração de medidas ineficientes e obedecendo aos princípios da economicidade, da razoabilidade e da eficiência, se faz necessário um esclarecimento mínimo que pode ser realizado por um servidor designado pela chefia imediata. Esse servidor realizará diligencias de maneira discreta e simplificada, sem termos e procedimentos burocráticos. Ao final faz um relatório sucinto informando as medidas adotadas e as conclusões. Dessa conclusão poderá ser recomendada uma sindicância para aprofundar e formalizar as investigações (ALVES, 2014). Nos casos em que o episódio é de fácil resolução, uma alternativa é convocar o servidor envolvido e outras pessoas para auxiliar no esclarecimento quanto ao fato e também quanto ao perfil do agente. Nesse caso, Bicca (2009) explica que se trata de uma chamada ou convite e não de uma intimação como processo disciplinar propriamente dito. Se o servidor não comparecer, nem justificar a sua ausência, a Administração entende como um perfil incompatível com a clientela do ajustamento de conduta. Enquanto a Sindicância recolhe provas, a averiguação preliminar e a convocação servem para recolher informações. O instrumento do TAC é utilizado para dar celeridade à reação, objetividade no esclarecimento e rapidez na solução. É necessário frisar que procedimentos complexos, demorados e onerosos são utilizados na Sindicância e Processo Administrativo Disciplinar (ALVES, 2014). Com O TAC, o servidor envolvido admite o erro e evita o desconforto do processo disciplinar. Já a Administração recompõe a ordem rapidamente e praticamente sem custos e o servidor envolvido volta consciente dos seus deveres e mais apto para o trabalho (ALVES, 2014). Durante a audiência é possível que o servidor não concorde com a proposta e queira discutir as suas razões. O responsável pela audiência fará constar na ata a recusa e encaminhará para que a autoridade instaure a sindicância ou Processo Administrativo Disciplinar, observando assim o direito ao devido processo legal (ALVES, 2014). Em outros casos, é possível que o servidor que está sendo investigado em uma Sindicância ou Processo Administrativo venha requerer a Administração a adoção do TAC. Esse direito não é líquido e certo, mas a Administração pode examinar os argumentos da defesa e se procedentes, a autoridade, no seu poder discricionário, poderá optar pelo TAC (ALVES, 2014). 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS O Processo Administrativo Disciplinar e a Sindicância são utilizados como instrumentos de apuração de ilícitos administrativos. Contudo, demandam tempo e recurso público para a investigação que em alguns casos são desproporcionais a pena aplicada.  Diante desse cenário, os meios alternativos estão deixando de ser unicamente alternativos para ser utilizados como solução preferencial tendo em vista a celeridade e justiça atribuída a eles. O Termo de Ajustamento de Conduta foi utilizado pela primeira vez, como método alternativo de resolução de conflito administrativo, pelo Estado do Tocantins através da Lei 1.818 de 23 de agosto de 2007. Posteriormente, alguns órgãos públicos adotaram o método por meio de criação de Leis e Decretos, outros por meio de normativas internas (ALVES, 2014). No âmbito do Poder Executivo Federal, o Termo de Ajustamento de Conduta ainda não foi regulamentado, mas há uma previsão de regulamentação pela Controladoria Geral da União. Com efeito, o Termo de Ajustamento é uma ferramenta nova, disponível para que o gestor público controle de forma racional e célere os conflitos administrativos de menor gravidade.
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O princípio da impessoalidade e sua efetividade na Administração Pública brasileira
O presente trabalho tem como objetivo uma análise mais abrangente sobre a conceituação doutrinária, aplicabilidade e efetividade do princípio da Impessoalidade na Administração Pública Brasileira em momentos históricos específicos. Trata-se de um artigo elaborado a partir de consulta a diversos doutrinadores renomados no campo do Direito Administrativo; mais detalhadamente mostrando que a Constituição visa impedir através do princípio da Impessoalidade atuações que gerem benefícios, discriminações, antipatias, privilégios a determinados grupos em detrimento de outros. Busca-se, a ideia de que os poderes são conferidos ao interesse de toda a coletividade, sendo, portanto, desconectados de razões pessoais. Viabiliza que a função desempenhada pelo administrador deve reconhecer todas as vedações de condutas que levem ao mau desempenho da função pública. Mostrando, inclusive, que o dever de imparcialidade surge como o aspecto mais importante do princípio da impessoalidade administrativa, tendo um lugar significativo no âmbito decisório da Administração Pública. Por fim, alertando para a necessidade de um sistema legal mais eficaz, que inviabilize o descumprimento tão frequente do referido princípio.[1]
Direito Administrativo
1. BASE HISTÓRICA DO PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE O Regime colonial era fortemente centralizado, Raymundo Faoro demonstra como era tênue a linha que separava a casa real da Administração Pública, pois “o senhor de tudo, das atribuições e das incumbências é o rei- o funcionário será apenas a sombra real”. Diante do subjetivismo, abusos do referido sistema, a objetividade e impessoalidade que se buscava nas relações entre o súdito e autoridade, com vínculos racionais de competência limitada e controles hierárquicos são obras que ficam para um futuro distante e incerto. Assim, o Estado pré-liberal não admitia a fortaleza dos direitos individuais, armados contra as arbitrariedades dos reis.  Sob o período das monarquias absolutistas reinava o autoritarismo do Estado, que chegava ao extremo de confundir-se com a pessoa do monarca. Enquanto, centro da estrutura Estatal o soberano tinha poderes ilimitados e dele usava e abusava segundo o seu mero querer, o que denotava a maior expressão de pessoalidade do Poder Estatal. A forma como a atividade Estatal era conduzida segundo a vontade do monarca e os seus caprichos geravam uma grande insegurança aos cidadãos e, diante da mudança da conjuntura social com a busca das classes menos favorecidas por seus ideais, o sistema foi de certa forma enfraquecendo, surgindo à imediata despersonalização do poder com o nascimento do Estado Democrático de Direito. Dessa forma, o Estado de Direito veio para reconhecer a soberania popular, sendo o poder legítimo da vontade do povo, devendo ser representado pelo Parlamento e afirmado pela ideia de separação de poderes, surgindo um maior controle dos atos do Poder Público. Cumpre salientar, que o princípio da impessoalidade possui origem remota no conhecido princípio da imparcialidade administrativa do Direito Inglês, onde foi desenvolvido  na Inglaterra a partir do instituto da “natural justice”, sendo, desde muito tempo, acolhida pelo sistema inglês para a limitação da atividade administrativa. Conforme preleciona Wade (1994 apud Ávila, 2004, p.11): “Mediante a aplicação deste princípio, as cortes inglesas desenvolveram uma espécie de código para um justo procedimento administrativo- o “fair procedure”. Assim como as regras relativas à razoabilidade e desvio de finalidade permitiam o controle da substância dos atos administrativos, o princípio da “natural justice” permitia o controle do procedimento pelo qual os atos administrativos se formavam.” As regras que se extrai do princípio da “natural justice” mostra uma restrição da liberdade de atuação da Administração Pública, pois na Inglaterra foi encarado, desde cedo, que os administradores deviam levar em consideração as limitações legais e regras procedimentais, assinalando como verdadeiro obstáculo à eficiência. O princípio comentado acima apresenta duas regras procedimentais: a de que ninguém pode ser juiz em causa própria e a de que todo homem tem direito de que sua defesa seja ouvida. Por serem normas tão universais, “naturais” e justas, não podem ser confinadas somente à função jurisdicional do Estado. Elas são aplicadas também à função administrativa, e no Brasil, não há outra conclusão, como podemos perceber pelo exposto no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal de 1988: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Por fim, embora o princípio da impessoalidade sempre tenha existido na concepção de Estado de Direito só foi inserido no Brasil a partir da promulgação da Constituição Federal  de 1988, como um dos princípios a serem seguidos pela Administração Pública, conforme dispõe o seu art. 37, “caput” que passamos a descrever: “ A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. 2. ASPECTOS DOUTRINÁRIOS ACERCA DO PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE A partir da Constituição de 1988, apareceu pela primeira vez estampado o princípio da impessoalidade e, assim, muitos autores passaram a compreendê-lo como um instituto que se coaduna com os princípios da igualdade, finalidade e da própria legalidade. O entendimento majoritário, que apesar de considerar que é da natureza dos princípios da Administração sua capacidade de interação, dispõe que o princípio da impessoalidade não pode ser analisado separado dos demais. Dessa forma, temos várias análises doutrinárias acerca do princípio da impessoalidade com conceitos distintos referentes ao tema, que passaremos a analisar: Para a autora LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, existe a possibilidade de inclusão da noção de imparcialidade no conceito de impessoalidade, caracterizando-se pelos deveres de isenção e valoração objetiva dos interesses públicos e privados na relação que vai se formar, independentemente de qualquer interesse político. Dessa forma, a impessoalidade obriga o Estado a ser neutro, objetivo e imparcial. Assim, deduz da sua obra que a primeira vista, o princípio da impessoalidade se consubstancia no da igualdade. E, no entanto, é possível  haver tratamento igualitário a determinado grupo, mas se este for estabelecido por conveniências pessoais do grupo, estará nitidamente ferindo o princípio em estudo. Na mesma linha de raciocínio DIOGO MOREIRA NETO, estabelece que a impessoalidade é reflexo da imparcialidade, pois sendo o administrador imparcial este não pode de maneira alguma beneficiar, privilegiar, prejudicar, discriminar, perseguir qualquer pessoa. CARMEM LÚCIA ANTUNES ROCHA, por sua vez, depois de realizar diversos estudos sobre o princípio da impessoalidade, atribuiu a este autonomia em relação aos demais princípios. Sob esta ótica, foram atribuídos dois significados ao princípio da impessoalidade: o primeiro envolve a imputação dos atos administrativos não ao agente que os pratica, mas ao órgão ou entidade da Administração Pública, já que este é o autor institucional do ato. Contendo no texto constitucional uma disposição expressa estampada no art. 37, §1º, discorrendo que não devem constar nomes, símbolos ou imagens em obras ou serviços públicos que caracterizem a promoção pessoal das autoridades. A segunda acepção se refere ao tratamento igualitário dispensado pela Administração Pública aos administrados. A administração deve abster-se de demonstrar simpatias, privilégios, ódio, aversão pessoais por determinado grupo, devendo dispensar a todos um tratamento isonômico. Em conformidade com o pensamento anterior, MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, observa que o princípio da impessoalidade, previsto no art. 37, caput da Constituição Federal pode ser visto por dois prismas: o do administrado- significa que o comando da atividade administrativa não deve fazer acepção de pessoas, deve tratar todos de forma igualitária- e do administrador- em que os atos não devem ser imputados ao agente que o pratica, mas sim ao órgão que ele pertence. CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELO E DIÓGENES GASPARINI possuem a mesma linha de raciocínio, pois equiparam o princípio da impessoalidade ao princípio da igualdade ou isonomia, traduzindo a ideia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem animosidades ou privilégios. A par dos entendimentos mencionados, DI PIETRO, estabelece que o princípio da impessoalidade está relacionado ao princípio da finalidade pública, conforme transcrito (1992, p.71) “ a Administração Pública não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que deve nortear o seu comportamento”. Outra aplicação da autora para esse princípio, conforme já citado por outros doutrinadores, que os atos devem ser imputados ao órgão e não ao agente que o pratica. Porém, esta se distingue, pois inclui na impessoalidade as hipóteses de impedimento e suspeição da lei 9.784 de 1999, tendo em vista que criam a presunção de parcialidade no processo administrativo. Por fim, diante dos vários conceitos distintos mencionados para o princípio da impessoalidade, ANA PAULA OLIVEIRA ÁVILA (2004, p. 25-26), apresenta uma interligação dessas várias definições, explicando de uma forma mais abrangente o reportado princípio, conforme se aduz: “A impessoalidade restará explicada como princípio que impõe à Administração Pública o dever de respeitar o direito de igualdade dos Administrados e de não se valer da máquina pública para lograr proveito pessoal ou de outrem; o dever de proceder com objetividade na escolha dos meios necessários para a satisfação do bem comum; o dever de imparcialidade do administrador quando da prática de atos e decisões que afetem interesses privados perante a Administração, e, inclusive, na decisão sobre o conteúdo dos interesses públicos em concreto; o dever de neutralidade do administrador, que deve caracterizar a postura institucional da Administração e determinar aos agentes públicos o dever de não deixar que suas convicções políticas, partidárias ou ideológicas interfiram no desempenho de sua atividade funcional; e, ainda, na sua exteriorização, o dever de transparência”. 3. VÍCIOS DA IMPESSOALIDADE A doutrinadora Cármen Lúcia Antunes Rocha foi a pioneira em apresentar uma sistematização dos vícios que atingem o princípio da impessoalidade. A referida autora arrolou quatro possibilidades de vícios que são: o nepotismo, o partidarismo, a pessoalidade administrativa na elaboração normativa e a promoção pessoal. Mesmo não tendo citado a parcialidade como vício, ela reconhece esta possibilidade, pois em sua obra afirma que quando a finalidade do ato não leva em consideração o interesse público, mas o benefício pessoal ou o prejuízo particular, por razões subjetivas e, portanto, parciais, o comportamento do administrador vai estar maculado de invalidade, pois este não atua como agente público, mas privado, nele introduzindo pecado sem perdão no Direito. Dentre os vícios que passamos a discorrer, o mais comum é o vício da pessoalidade, ocorrendo quando o administrador deixa-se levar pela influência externa e passa a motivar subjetivamente sua conduta no desempenho da função pública. A similitude entre as diferentes formas de vício de pessoalidade é a perspicácia com que esses interesses alheios se amoldam às finalidades públicas, subjetivando uma atividade, que estando legalmente determinada deve ser objetivamente cumprida. Diante do exposto, vamos analisar individualmente alguns vícios apontados: 3.1.  PARCIALIDADE Ocorre quando na tomada de decisões ou na prática de atos administrativos, o administrador possa agir influenciado por fatores contrários às finalidades públicas e ao bem comum. Assim, para o atingimento concreto das finalidades públicas deve o servidor público apresentar-se despido de qualquer vontade pessoal. No entanto, p assamos a analisar as diferentes formas como Galligan classifica a parcialidade que são três: parcialidade pessoal, parcialidade sistêmica e parcialidade cognitiva. O primeiro tipo de parcialidade, refere-se a ampla esfera de interesses pessoais, sentimentais ou financeiros em benefício de terceiros, que se existirem, maculam a decisão ou o ato administrativo, devendo o servidor público ser considerado incapaz de decidir de forma adequada qualquer decisão. Já a parcialidade sistêmica, diz respeito às tendências do indivíduo, que resultam do fato de ele pertencer a uma determinada classe social, ou ter tido determinada vida pregressa, ou trabalhar em determinado segmento. É natural que existe certa afinidade entre indivíduos do mesmo segmento ou que tenham tido experiências semelhantes. Todavia, não significa dizer que essa forma de pessoalidade seja algo tolerável ou inevitável. Até porque é uma forma de pessoalidade tão prejudicial como qualquer outra, devendo ser evitada, já que provoca distorções no processo administrativo. A última forma de parcialidade é chamada de cognitiva que compreende a ideia de que no processo de formação da decisão assumem-se certas premissas que são injustificáveis à luz dos fatos e que levam as conclusões falsas. Devendo a decisão ser baseada dentro dos parâmetros legais, pois nenhuma escolha legítima inclui a opção por razões baseadas em sentimentos pessoais ou interesses financeiros. A simples presunção de que possa haver um posicionamento parcial do gestor, já é suficiente para violar a tomada de decisão ou a prática do ato, devendo ser arguida a invalidade do processo. Dessa forma, a mera suspeita já obscurece o processo e ameaça o interesse público na necessidade de uma Administração transparente, que mereça a total confiança dos administrados. Para concluir, as hipóteses de impedimento e suspeição servem como forma para proteger o agente público de influências que possam contaminar suas decisões e, assim, mostrar uma repercussão negativa da prática de atos por servidores presumivelmente interessados. 3.2. NEPOTISMO A prática denominada de nepotismo é um vício frequente à impessoalidade. A razão de ser um vício é mais do que evidente, pois manifesta a intervenção do subjetivismo e preferências em razão de laços de parentesco na atividade administrativa. O nepotismo surgiu no Brasil juntamente com os seus descobridores, pois fazia parte de um Estado onde vigia o regime monárquico, mostrando que já estavam habituados ao personalismo imprimido pelo Poder Público. Todavia, mesmo com práticas contrárias ao princípio da impessoalidade pela Corte Imperial, a Constituição de 1824 já apresentava disposições legais nitidamente opostas à pessoalidade. Atualmente, temos na Constituição Federal de 1988 uma vedação para afastar nitidamente uma possível prática de nepotismo ao expor que para o ingresso na carreira pública é necessário a prévia aprovação em concurso público, conforme dispõe o art. 37, inciso II, da CRFB de 1988, transcrito: “(…) a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.” Mesmo deixando claro que para ingresso em carreira pública é necessário aprovação em concurso público, encontramos uma ressalva no dispositivo ao permitir a livre nomeação para cargos em comissão o que deixa uma porta aberta para a prática do nepotismo. No entanto, a emenda constitucional nº 19 veio prestigiar o princípio da impessoalidade ao limitar, na redação do inciso V do artigo 37 da Constituição Federal, o exercício das funções de confiança aos servidores ocupantes de cargo efetivo e destinar aos cargos em comissão apenas as atribuições de direção, chefia e assessoramento, em percentuais mínimos estabelecidos em lei.    Dessa forma, vemos que o nepotismo é uma prática que, infelizmente, afeta a esfera dos três poderes e está longe de ser resolvida. Os parlamentares, por exemplo, tem interesses próprios a serem resguardados no que diz respeito a essa questão, visto que muitos são aglutinadores de familiares em seu gabinete. Assim, ressalta-se que o entendimento jurisprudencial apresentado atualmente, refere-se que quando o art. 37 da CRFB dispõe sobre cargo em comissão e função de confiança, está tratando de cargos e funções singelamente administrativos, não de cargos políticos. Somente os cargos e funções singelamente administrativos são alcançados pela superioridade do artigo 37, com seus importantes princípios. Então, essa distinção parece necessária para, no caso, excluir do âmbito, como exemplo, os secretários municipais, os secretários de Estados e os ministros de Estrado.  Assim, em 2008 foi editada a súmula vinculante nº 13, sendo inseridas hipóteses de nepotismo, todavia, não houve o exaurimento de todas as possibilidades de configuração do nepotismo na Administração Pública e, diante do exposto, temos um julgado abaixo transcrito do Ministro Relator Dias Toffoli, que relata perfeitamente esse entendimento:  “Reclamação- Constitucional e administrativo- Nepotismo- Súmula vinculante nº 13- Distinção entre cargos políticos e administrativos- Procedência. 1. Os cargos políticos são caracterizados não apenas por serem de livre nomeação ou exoneração, fundadas na fidúcia, mas também por seus titulares serem detentores de um múnus governamental decorrente da Constituição federal, não estando os seus ocupantes enquadrados na classificação de agentes administrativos. 2. Em hipóteses que atinjam ocupantes de cargos políticos, a configuração do nepotismo  deve ser analisado caso a caso, a fim de se verificar eventual ‘ troca de favores’ ou fraude a lei. 3. Decisão judicial que anula ato de nomeação para cargo político apenas com fundamento na relação de parentesco estabelecida entre o nomeado e o chefe do poder Executivo, em todas as esferas da federação, diverge do entendimento da Suprema Corte consubstanciado na Súmula Vinculante nº 13”. (Rcl 7590, Relator Ministro Dias Toffoli, Primeira Turma, julgamento em 30 de setembro de 2014, DJe de 14 de novembro de 2014)      3.3 PROMOÇÕES PESSOAIS A promoção pessoal está manifesta no artigo 37, §1º da Constituição Federal, vedando expressamente a promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos quando constar nomes, símbolos e imagens que os caracterizem, diante da publicidade de atos, programas, obras, serviços e campanha de órgãos públicos. O mencionado dispositivo parece reconhecer que, geralmente, os interesses públicos e privados se encontram interligados e, por isso, ele permite a realização de publicidade pelos órgãos públicos, desde que sujeita a limitações e seja investida em caráter educativo, informativo ou de orientação social. É bom ressaltar que o artigo 37, §1º da Constituição Federal de 1988 não proíbe que da publicidade constem nomes, símbolos ou imagens, todavia, o que ele condena é a utilização para caracterizar a promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos de nomes, símbolos ou imagens. Um recente caso que temos notícia, enquadrando-se perfeitamente com o mencionado acima foi a perda do cargo, suspensão dos direitos políticos, desembolso de valores e multa aplicadas aos atuais prefeito e vice do município de Serra Negra. A condenação se deu por acolhimento de Ação Civil Pública, movida pelo Ministério Público, por ato de improbidade administrativa, em razão da distribuição de revista intitulada “Honestidade e Juventude”, cujo conteúdo trazia noticias sobre a Administração, com intuito de propaganda e promoção pessoal dos agentes públicos. De acordo com os autos, a revista foi patrocinada por empresas privadas que mantinham contratos em vigor com a Prefeitura. Por fim, a incidência do dispositivo em questão deve ser analisado observando caso por caso e, uma vez constatada a ilicitude da manifestação publicitária, estará configurado desvio de finalidade, considerando-se, via de regra, o ato inválido e a consequente responsabilidade do agente pelos prejuízos causados ao erário. Corroborando com o que foi citado, vamos transcrever dois julgados que mostram interpretações diferentes, restando comprovado que o preceito em questão é analisado caso por caso: “IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. Promoção pessoal de prefeito municipal. 1. Publicidade redacional paga com recursos públicos, em que é enaltecida a pessoa do prefeito municipal, constitui ato de improbidade administrativa tipificada no art. 11 da lei nº 8.429 /92, por ofender o art. 37, § 1 º, da CRFB. 2. Anúncio destinado a divulgar láurca obtida por empresa local, notadamente quando associado a dístico ligado à gestão do prefeito em exercício, mandando publicar pela Prefeitura, também ofende o art. 37, caput e §1 º da CRFB. 3. Não é ofensivo, porém, anúncio que faça alusão en passant a cumprimento de meta de campanha, quando desacompanhado de nomes, símbolos ou imagens que o liguem diretamente à pessoa do candidato vitorioso. 4. A simples instauração do inquérito civil, por consistir terapêutica eficaz, desautoriza aplicação de sanção outra que não multa correspondente a um vencimento do agente, aliada à condenação na reparação do dano. 5. Ação julgada parcialmente procedente. Recurso do autor não provido. Recurso do réu provido em parte para excluir da condenação indenização relativa a anúncio não considerado ilegal.” (TJ-SP- Apelação: APL 994092504328 SP).     Outra percepção do referido artigo podemos analisar nesse julgado de reexame necessário: “DIREITO CONSTITUCIONAL E DIREITO ADMINISTRATIVO- REEXAME NECESSÁRIO- AÇÃO POPULAR- PREFEITURA MUNICIPAL DE DOIS VIZINHOS- PROPAGANDA PUBLICITÁRIA PARA PROMOÇÃO DA “EXPOVIZINHOS 2003”- INOCORRÊNCIA DE PROMOÇÃO PESSOAL DO PREFEITO MUNICIPAL OU DO PARTIDO POLÍTICO AO QUAL É FILIADO- NÃO CARACTERIZADA OFENSA AO ARTIGO 37, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL-SENTENÇA MANTIDA EM SEDE DE REEXAME NECESSÁRIO. 1. O artigo 37, § 1º,da Constituição Federal, estabelece que a publicidade de atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais deverá ter caráter meramente educativo, informativo ou de orientação social, ficando absolutamente vedada qualquer espécie de benefício ou proveito individual do administrador. 2. Como o material publicitário apresenta caráter meramente informativo e de orientação social, não restando configurada qualquer vinculação entre a divulgação da exposição e a pessoa do Prefeito Municipal, nem ao partido político a que este é filiado, não há que se falar em auto promoção às expensas do erário público.” (TJ-PR- Reexame Necessário: REEX 3413778 PR 0341377-8)    4.  O DEVER DE IMPARCIALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A ideia de impessoalidade abrange a de imparcialidade, refere-se a mesma definição de necessidade de atuações e tomadas de decisões desinteressadas, isentas e objetivamente orientadas.  A imparcialidade diz respeito à forma como a Administração se relaciona com os particulares no modo como faz a composição dos interesses que se colocam no seu contexto decisório. É indiscutível que tanto os órgãos administrativos como os órgãos judiciais buscam  objetivos predeterminados pelo legislador, empenhando-se na aplicação da lei. Existem, no entanto, similitudes entre a atividade da Administração e a atividade judicial, tais semelhanças procedem devido a circunstância da Administração emitir “juízos” no exercício da função administrativa, necessários para uma atuação objetiva, perseguindo sempre o interesse público. Assim, na criação da sentença e do ato administrativo põem-se semelhantes questões, eis que ambos são atos de aplicação da lei, afetando diretamente interesses individuais. Dessa forma, os procedimentos administrativos e processos judiciais se estruturam sob a égide de princípios comuns como legalidade objetiva, imparcialidade, impulsão oficial, garantia da defesa, igualdade, publicidade, tipicidade e motivação.  Temos como exemplo de violação ao dever de imparcialidade um julgado proferido pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de mandado de segurança, afirmando como desrespeito ao dever de imparcialidade investigados com interesse na causa ouvidos na qualidade de testemunha e o processo disciplinar deflagrado por portaria emitida por um dos investigados, que também designou os membros da comissão disciplinar, sendo  inadmissível, por ferir o art. 18 da lei 9.784 /99, abaixo transcrito: “ADMINISTRATIVO. PROCESSO DISCIPLINAR DEFLAGRADO POR PORTARIA EMITIDA POR UM DOS INVESTIGADOS, QUE TAMBÉM DESIGNOU OS MEMBROS DA COMISSÃO DISCIPLINAR. INADMISSIBILIDADE. ART. 18 DA LEI 9.784 /99. INVESTIGADOS OUVIDOS NA QUALIDADE DE TESTEMUNHAS, SEM COMPROMISSO DA VERDADE. INIDONEIDADE DA PROVA. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA IMPARCIALIDADE E IMPESSOALIDADE. ORDEM CONCEDIDA, EM CONFORMIDADE COM O PARECER MINISTERIAL. 1. O Processo Administrativo Disciplinar se sujeita a rigorosas exigências legais e se rege por princípios jurídicos de Direito Processual, que condicionam a sua validade, dentre os quais a da isenção dos Servidores Públicos que nele tem atuação; a Lei 9.784 /99 veda, no seu art. 18, que participe do PAD quem, por ostentar vínculos com o objeto da investigação, não reveste as indispensáveis qualidades de neutralidade e de isenção. 2. É nula a aplicação de sanção demissionária a Servidor Público Autárquico, em conclusão de PAD destinado a apurar as irregularidades constatadas pela Controladoria-Geral da União na Gerência regional de Administração do Ministério da Fazenda do Estado da Paraíba, que foi inaugurado justamente por um dos gestores em cuja gerência foram detectadas irregularidades, que exerceu sua competência como se não estivesse entre os acusados. 3. O mesmo entendimento deve ser aplicado no que pertine à prova testemunhal, que foi prestada por Servidores também relacionados no relatório da CGU e que, por estarem sendo objeto de investigação, sequer prestaram o compromisso de dizer a verdade perante a Comissão. 4. Ordem que se defere, para anular a Portaria 300, de 23 de dezembro de 2008, do Ministro do Estado da Fazenda, determinando o restabelecimento da aposentadoria do impetrante, garantido os proventos e direitos inerentes à aposentadoria desde a data de sua cassação, sem prejuízo da instauração de outro procedimento punitivo, se couber.”   Vale Ressaltar, que o cabimento do dever de imparcialidade deve estar inserido nas diversas atividades executadas pela Administração, sejam essas tipicamente exercidas pela Administração ou não. E, sabendo que a atividade administrativa se expressa por meio de atos administrativos, ao longo desse tópico analisaremos a aplicação do dever de imparcialidade nas duas grandes modalidades de atos administrativos, vinculados e discricionários, e no processo administrativo. 4.1. IMPARCIALIDADE NA PRÁTICA DE ATOS VINCULADOS  Atos vinculados são aqueles em que a lei regula antecipadamente, em todos os aspectos o comportamento que deve ser adotado pela Administração. Dessa forma, na prática de atos vinculados poderá ser abstraído o próprio interesse público, uma vez que o importante para a administração é dar cumprimento às leis. A execução da lei é a forma confiável pela qual a Administração vai realizar as finalidades públicas, e se algum interesse puder ser imputado à Administração, este só pode consistir no interesse de executar a lei com objetividade, diante disso sem contrariar o princípio da impessoalidade, é que estará desincumbido de perseguir as finalidades (ou interesses públicos) veiculadas na norma. Assim, existem críticas diante da imparcialidade da Administração Pública, primeiro como ela é parte e possui interesse próprio, o interesse público a ser perseguido, não é seu próprio. A Administração é apenas o meio ao qual se confia a sua realização. Segundo, na atividade vinculada, a realização do interesse público é o resultado do cumprimento da norma, já que estamos tratando de um Estado democrático de Direito. Não há espaço para o interesse próprio da Administração, a não ser quanto ao cumprimento da norma.   Como a atividade administrativa se relaciona diretamente com a lei, no plano da prática pode-se abstrair esse interesse público, já que ele deve estar contido na norma. Assim, a realização da ordem jurídica se faz por atos humanos, interessados, razoavelmente aptos para impor os valores e interesses estabelecidos pelo legislador. Por fim, a busca pelo dever de imparcialidade, objetividade e desatenção aos interesses inapropriados ao Estado e à sociedade deve ser imperativo sempre pretendido incessantemente pelo agente público. 4.2 DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA Conforme dispõe Celso Antônio Bandeira de Mello (1999, p. 266) atos discricionários “seriam os que a Administração pratica com certa liberdade de avaliação ou decisão segundo critérios de conveniência ou oportunidade formulados por ela mesma, ainda que adstrita à lei reguladora da expedição deles” valoração da conduta. O agente avalia a conveniência e a oportunidade dos atos que vai praticar na qualidade de administrador dos interesses coletivos. Podemos perceber que o interesse público assume posicionamentos diversos em relação aos atos vinculados, pois nestes não resta margem para a definição de interesse público, já que vem predeterminado na lei. Quando se fala em atividade discricionária, o dever de imparcialidade também deve ser utilizado e aplicado e, ainda, adquire plena vigor a sua função limitadora. O administrador, no exercício do poder discricionário, para a tomada de decisão diante do espaço legal que lhe é conferido, suas opções devem ser condicionadas a imparcialidade e devidamente explicitadas, para que possam ser controladas, através de necessária motivação. Vale ressaltar, que o dever de imparcialidade determina que a Administração não pode prender-se exclusivamente nas suas próprias razões, desprezando a qualificação do interesse descrito pelas demais pessoas envolvidas. Considerando que em razão da competência definida em lei, para que a Administração integre o interesse público, não exposto por completo na norma, e surgindo interesses considerados pertencentes à própria Administração, deverão ser estes ponderados e confrontados juntamente com todos os demais afetados pela atividade administrativa, não havendo, necessariamente, de prevalecer o interesse da Administração em relação aos demais, assim, deve ser analisado caso por caso. O papel indispensável que a imparcialidade vem a apresentar é a ponderação feita pelo administrador de forma desinteressada, imparcial, isenta e objetiva, porque senão o administrador poderá utilizar a competência discricionária para satisfazer os interesses que bem entender, desconsiderando as circunstâncias do caso concreto para manipular as suas próprias circunstâncias. Corroborando com o que foi anteriormente apresentado, fazem-se as seguintes conclusões: a) A competência discricionária é competência para definir administrativamente o interesse público, deve a administração definir, todavia, o interesse público total ou parcial indefinido na norma; b) Tendo que definir o interesse público é necessário percorrer um iter, passando pela identificação dos interesses e bens jurídicos envolvidos no caso em questão e pela ponderação imparcial dos mesmos; c) Se não existe a prevalência, a priori, dos interesses públicos, estes entram para a “balança” das ponderações com o mesmo peso dos possíveis interesses privados envolvidos, de modo que não se verifica o interesse que impeça o Administrador de agir de forma impessoal e imparcial; d) O Administrador por causa do dever de imparcialidade no momento de fazer a ponderação deverá agir tendo em vista um único e determinado interesse, mas deve ter em vista a possibilidade de satisfazer ao máximo todos os interesses envolvidos (concordância prática), o que será, então, determinante para a idoneidade do resultado que apontará o interesse público a ser perseguido.    5. CONCLUSÃO Ao longo de toda a pesquisa evidenciou-se que o princípio da impessoalidade acena para diversas significações, levando sempre em consideração a necessidade de imparcialidade e objetividade nas avaliações e atividades procedidas pela Administração Pública. O dever de imparcialidade surge como o aspecto mais importante do princípio da impessoalidade, pois impõe uma postura de isenção e objetividade aos agentes administrativos com relação aos interesses dos administrados, em praticamente toda a extensão da atividade administrativa. No entanto, existem diversos mandamentos de imparcialidade que passaremos a expor: o dever de colocar em segundo plano o interesse próprio, seus ou de outrem, que sejam insignificantes para dar cumprimento às finalidades estabelecidas pela norma para atividade administrativa; o poder de isonomia em relação a todos os possíveis interessados nos atos praticados pela Administração Pública, mantendo-se a isenção desejada; o dever de ponderação de todos os interesses, públicos ou privados, envolvidos na execução das normas pelos entes administrativos; para não contaminar os procedimentos e processos, o dever de afastamento dos agentes que tenham interesses próprios, diretos ou indiretos, nos feitos que realizam em nome da Administração Pública. Vale ressaltar, que analisamos nesse trabalho que o dever de imparcialidade tem lugar no âmbito decisório, além da prática de atos vinculados e discricionários da Administração Pública. No ato vinculado, a atividade que deverá ser desempenhada pela Administração já está previamente inserida na norma posta pelo legislador. Já no ato discricionário, a Administração atua com certa margem de liberdade, mas sempre dentro dos limites legais, exigindo uma atuação imparcial na delimitação do interesse público específico, motivo da discricionariedade, diante do caso concreto. Podemos perceber que o agir com discricionariedade tem sido o pano de fundo para a execução de inúmeras ações contrárias ao direito atingindo diretamente os princípios básicos e necessários para a correta prática de atividades administrativas; concomitantemente, as brechas da lei e a falta de controle da administração por parte dos administrados têm deixado margem para uma política desprezível em que os interesses particulares se sobrepõem aos públicos. Ao invés de ações sempre pensadas com vistas ao interesse público, são normalmente destinadas a fins eleitoreiros e diversos do que realmente seria correto, inclusive, por vezes, concede vantagens a determinados grupos, onerando demasiadamente o erário público, comprometendo, desta forma, sua credibilidade junto à população. Mesmo com políticas anti-nepotistas, sem favoritismos, os administradores continuam trazendo aos locais de confiança da administração pessoas que são ligadas a eles por um grau de parentesco, deixando, portanto, de colocar nestas funções, técnicos especializados na atividade em questão para beneficiar uma pequena parcela pelo simples fato de serem aliados políticos ou de existir uma espécie de simpatia entre eles. Portanto, temos exemplos infindáveis de casos que ferem diretamente o princípio da impessoalidade e apesar das divergências apresentadas por diversos doutrinadores acerca desse referido princípio, conclui-se que a problemática não é de fato o entendimento doutrinário, mas a dificuldade que se verifica quanto a sua aplicabilidade, buscando uma maior necessidade de fiscalização popular, atuando como fiscal da coisa pública, de modo a impedir de maneira veemente arbitrariedades por parte do administrador.
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Licitações públicas sustentáveis uma análise das compras sustentáveis realizadas pelo setor público
O presente artigo tem um caráter exploratório e objetivo, visando analisar o comportamento das compras sustentáveis do setor público, procura traçar um perfil desse comportamento com base nas informações disponíveis pelo ministério do planejamento. Com base nas informações obtidas foi possível traçar o perfil do comportamento das compras e licitações sustentáveis, as quais ainda estão insignificantes, a grande maioria das instituições fazem poucas compras nessa modalidade. Assim, recomendasse uma melhor gestão de capacitação de pessoal para o desenvolvimento do setor.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO Na atual conjuntura mundial, torna-se cada dia mais importante se pensar na sustentabilidade ambiental em todas as esferas, sendo do poder público o dever de instituir e incentivar as ações que visem a difusão da conscientização da importância do tema, bem como se responsabilizar pela contribuição em suas ações. Assim, foi notável a necessidade e implantação do tema sustentabilidade nas contratações e aquisições públicas Brasileiras. A lei das licitações e contratos, Lei 8.666/93, foi alterada e incluindo em seu teor a Lei 12.349/2010, a qual originou-se da Medida Provisória 495/10. A mesma conjectura uma inquietação com o desenvolvimento sustentável, na qual observa-se que a licitação passa a ter mais um desígnio: assim, além de se escolher a proposta mais vantajosa e garantir a isonomia entre os licitantes, a mesma deve motivar o desenvolvimento sustentável. Segundo Ferreira (2010) em torno de 10% a 15% do PIB, é que se empregam as licitações públicas como incentivadoras, visando as empresas utilizarem mecanismos e tecnologias que conduzam ao consumo sustentável, as quais devem se adequarem às exigências ou serão afastadas do mercado de compras públicas. Nos países desenvolvidos, observa-se que a grande maioria, já utiliza o edital de licitação como um instrumento importante e eficiente para garantir o desenvolvimento sustentável na esfera administrativa, e esse papel adotado pelas empresas públicas tem reflexo direto na iniciativa privada. “A Constituição Federal, art. 37, inciso XXI, prevê para a Administração Pública a obrigatoriedade de licitar. Esse artigo foi regulamentado pela Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, que estabeleceu normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.” Segundo o art. 3o da Lei No 8.666/1993 Licitação Sustentável é aquela que se destina a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável… (Redação dada pela Lei no 12.349, de 2010). Assim, pode-se proferir que a licitação sustentável é o artifício administrativo formal que colabora para a ascensão do desenvolvimento nacional sustentável, com a inserção de critérios sociais, ambientais e econômicos nas aquisições de bens, contratações de serviços e execução de obras. De uma maneira geral, trata-se da utilização do poder de compra do setor público para gerar benefícios econômicos e socioambientais. As compras e licitações sustentáveis possuem um papel estratégico para os órgãos públicos e, quando adequadamente realizadas promovem a sustentabilidade nas atividades públicas. Para tanto, é fundamental que os compradores públicos saibam delimitar corretamente as necessidades da sua instituição e conheçam a legislação aplicável e características dos bens e serviços que poderão ser adquiridos. De acordo com o conceito do Relatório de Brundtland (1987) sobre sustentabilidade diz: “suprir as necessidades da geração presente sem afetar a possibilidade das gerações futuras de suprir as suas” perceber assim, a necessidade da adoção de práticas de sustentabilidade em todos os setores econômicos, sejam industriais, comerciais ou prestadores de serviços, inclusive nas Instituições de Ensino Superior. Tavares (2013, p.01) afirma que “o Estado existe para promover o bem comum, garantir que as pessoas tenham acesso a direitos básicos definidos na constituição, bem como assegurar que interesses privados não se sobreponham ao interesse público”. A sustentabilidade apresenta-se como a configuração de afiançar o futuro da sociedade com qualidade de vida, nas diversas áreas econômicas, ambientais e sociais. Nesse contexto, destacamos que o principal desafio para as instituições é encontrar ações que englobem o desenvolvimento no tripé da sustentabilidade social, ambiental e econômica. Dessa forma, e com essa consciência, a sociedade vem buscando alternativas que possam sustentar o desenvolvimento harmonizado com processos que empreguem práticas de sustentabilidade. Essa consciência vem sendo difundida a partir da Conferência da Organização das Nações Unidas em 1987, a qual expandiu a discussão em torno da temática “sustentabilidade”, inserindo sua enfoque e aplicação nas atividades das empresas, entidades, órgãos públicos e instituições de ensinos, entre outros (WARKEN et al., 2014). Assim, objetiva-se analisar o nível de implementação da sustentabilidade ambiental no âmbito da administração demonstrando como o Poder Público vem trabalhando a questão do desenvolvimento sustentável. 1. LICITAÇÂO A firmação de contrato na administração pública, em qualquer instância, requer a existência de um processo licitatório, pois não possui autonomia para celebrar contratos, pois os recursos utilizados são públicos e requer prestação de contas e seguir o que rege a lei. No processo de licitação devem poder participar todos que desejam prestar serviço ao poder público, é sendo igualitário a todos que atendem os pré-requisitos estabelecidos na legislação. De acordo com a Lei 8666 de 1993 a licitação estabelece critérios de seleção das propostas de contratação, visando selecionar a mais benéfica para o interesse público. Está subordinado a Lei 8.666, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. No seu Art. 2oprevê que as obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei. Ainda de acordo com a mesma Lei, citada anteriormente, a licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. Silva (2009) cita a licitação como o processo que antecede ao empenho da despesa e tem por objetivo verificar, entre várias empresas, quem oferece a proposta mais vantajosa ao setor estatal. Os princípios a serem observados no processo licitatório são: Moralidade, Impessoalidade, Legalidade, Probidade, Publicidade, Julgamento objetivo, Vinculação ao Instrumento Convocatório, Sigilo das propostas, Competitividade. No processo licitatório temos 6 modalidades a seguir descritas de acordo com a Lei: “- Concorrência: a modalidade de licitação entre quaisquer interessados que, na fase inicial de habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação exigidos no edital para execução de seu objeto. – Tomada de preços: é a modalidade de licitação entre interessados devidamente cadastrados ou que atenderem a todas as condições exigidas para cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas, observada a necessária qualificação. – Convite: é a modalidade de licitação entre interessados do ramo pertinente ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados em número mínimo de 3 (três) pela unidade administrativa, a qual afixará, em local apropriado, cópia do instrumento convocatório e o estenderá aos demais cadastrados na correspondente especialidade que manifestarem seu interesse com antecedência de até 24 (vinte e quatro) horas da apresentação das propostas. – Concurso: é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, mediante a instituição de prêmios ou remuneração aos vencedores, conforme critérios constantes de edital publicado na imprensa oficial com antecedência mínima de 45 (quarenta e cinco) dias. – Leilão: é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para a venda de bens móveis inservíveis para a administração ou de produtos legalmente apreendidos ou penhorados, ou para a alienação de bens imóveis previstos no art. 19, a quem oferecer o maior lance, igual ou superior ao valor da avaliação. – Pregão: foi estabelecido pela lei 10520/02, e aborda a aquisição de bens e serviços comuns. Consideram-se bens e serviços comuns, para os fins e efeitos, aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado.” (http://e-negocioscidadesp.prefeitura.sp.gov.br/Ajuda/Modalidade.aspx) 2. LICITAÇÃO SUSTENTÁVEL Com o crescimento populacional, e o aumento de ações antrópicas agredindo o meio ambiente, tornando diversos recursos mais rapidamente escasso, além da geração de resíduos poluentes ao meio ambiente no decorrer da modernização, as preocupações aumentam visando medidas necessárias para que os recursos não se tornem cada dia mais escassos, bem como não seja comprometida a saúde da população, assim surge a preocupação e a necessidade de medidas que visem estimular e estabelecer regras para minimizar a situação. O poder público tem grande responsabilidade em atuar estimulando ações que possa colaborar com a redução desses impactos ambientais. Assim, nesse contexto foi criado no setor público a licitação sustentável, que objetiva gerar benefícios econômicos e socioambientais. A licitação sustentável é retratada por Biderman et al. (2006, p.  21), como um recurso para agregar considerações ambientais e sociais em todos os estágios do processo de compra (de governo) visando reduzir os impactos à saúde humana, ao meio ambiente e aos direitos humanos. A licitação sustentável surge como uma necessidade de garantir a sustentabilidade a sociedade, reeducando está para uma nova forma de vida, assim não é uma nova modalidade de licitação e sim uma forma de licitar (CASTRO et, al. 2014). A Instrução Normativa Nº 01, de 19 de janeiro de 2010, estabelece: “Art. 1ºNos termos do art. 3º da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, as especificações para a aquisição de bens, contratação de serviços e obras por parte dos órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional deverão conter critérios de sustentabilidade ambiental, considerando os processos de extração ou fabricação, utilização e descarte dos produtos e matérias-primas. Art. 2ºPara o cumprimento do disposto nesta Instrução Normativa, o instrumento convocatório deverá formular as exigências de natureza ambiental de forma a não frustrar a competitividade. Art. 3ºNas licitações que utilizem como critério de julgamento o tipo melhor técnica ou técnica e preço, deverão ser estabelecidos no edital critérios objetivos de sustentabilidade ambiental para a avaliação e classificação das propostas.” O art. 3º da Lei Nº 8.666/1993 define a Licitação Sustentável como aquela que se destina a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável… (Redação dada pela Lei no 12.349, de 2010).      De acordo com o portal do Ministério do Meio Ambiente: “ As compras e licitações sustentáveis possuem um papel estratégico para os órgãos públicos e, quando adequadamente realizadas promovem a sustentabilidade nas atividades públicas. Para tanto, é fundamental que os compradores públicos saibam delimitar corretamente as necessidades da sua instituição e conheçam a legislação aplicável e características dos bens e serviços que poderão ser adquiridos. O governo brasileiro despende anualmente mais de 600 bilhões de reaiscom a aquisição de bens e contratações de serviços (15% do PIB). Nesse sentido,direcionar-se o poder de compra do setor público para a aquisição de produtos e serviços com critérios de sustentabilidade implica na geração de benefícios socioambientais e na redução de impactos ambientais, ao mesmo tempo que induz e promove o mercado de bens e serviços sustentáveis. A decisão de se realizar uma licitação sustentável não implica, necessariamente, em maiores gastos de recursos financeiros. Isso porque nem sempre a proposta vantajosa é a de menor preço e também porque deve-se considerar no processo de aquisição de bens e contratações de serviços dentre outros aspectos os seguintes: a) Custos ao longo de todo o ciclo de vida: É essencial ter em conta os custos de um produto ou serviço ao longo de toda a sua vida útil – preço de compra, custos de utilização e manutenção, custos de eliminação. b) Eficiência: as compras e licitações sustentáveis permitem satisfazer as necessidades da administração pública mediante a utilização mais eficiente dos recursos e com menor impacto socioambiental. c) Compras compartilhadas: por meio da criação de centrais de compras é possível utilizar-se produtos inovadores e ambientalmente adequados sem aumentar-se os gastos públicos. d) Redução de impactos ambientais e problemas de saúde: grande parte dos problemas ambientais e de saúde a nível local é influenciada pela qualidade dos produtos consumidos e dos serviços que são prestados. e) Desenvolvimento e Inovação: o consumo de produtos mais sustentáveis pelo poder público pode estimular os mercados e fornecedores a desenvolverem abordagens inovadoras e a aumentarem a competitividade da indústria nacional e local. ” A tabela a seguir reúne um resumo dos decretos que estão os decretos que regulamentam o desenvolvimento sustentável no setor público. “A licitação sustentável não é uma solução cara, normalmente reduz o gasto do contribuinte. Tem um efeito positivo na economia nacional e regional porque, diferentemente dos regulamentos de comando e controle, a licitação sustentável usa forças eficientes de mercado, a instrução e a parceria para alcançar objetivos ambientais e, em muitos casos, sociais. A licitação sustentável ainda oferece à indústria a liberdade de descobrir a solução mais barata para satisfazer as demandas do mercado para produtos mais sustentáveis e promove a competição na indústria” (BIDERMAN, et al., 2006) Nesse contexto é de suma importância o papel das instituições em licitar produtos sustentáveis visando o melhor custo benéfico para a sociedade, tanto no caráter econômico como o aspecto socioambiental. As compras públicas sustentáveis podem ser definidas como aquelas que ponderam os fatores sociais e ambientais juntamente com fatores financeiros nas tomadas de decisão de compras (BETIOl, 2012). FGV (2010) comenta sobre as práticas de produção e consumo que aprimoram a eficiência no uso de produtos e recursos naturais, econômicos e humanos, que amortizam o impacto sobre o meio ambiente, que promovem a igualdade social e a diminuição da pobreza, que instigam novos mercados e recompensam a inovação tecnológica, mas que dificilmente são priorizadas. As compras públicas sustentáveis são ações que estimulam tais práticas. Assim, o poder de compra dos governos pode entusiasmam os mercados e colabora para a solidificação de atividades produtivas que favoreçam o desenvolvimento sustentável, agindo diretamente sobre o centro da questão: produção e consumo. 3. DADOS, ANÁLISE E DISCUSSÃO Os dados usados para a reflexão sobre a atual conjuntura das licitações sustentáveis no Brasil, tem por base as informações disponíveis na página do ministério do planejamento, na área de licitações sustentáveis (http://cpsustentaveis.planejamento.gov.br/licitacoes-sustentaveis). Diante da importância do papel do setor público no incentivo a sustentabilidade ambiental, analisamos a relação de licitações realizadas pelo Comprasnet no período de 2010 a 2012 disponível em planilha no Portal do Ministério do Planejamento. Identificamos um total de 2.291 licitações realizadas com itens sustentáveis, nesse período, o que reflete ainda um pequeno número diante do total de compras efetuadas pelos mais diferentes órgãos do governo, sendo que este deve ser o incentivador e disseminador dessa prática. O governo deve ser um indutor de políticas sociais e públicas, sendo as instituições ligadas ao poder público os consumidores que devem agir de modo responsável, sendo o exemplo e incentivador do uso de produtos sustentáveis, mas o que se observa e ainda um quantitativo muito pequeno das ações incentivadoras, tanto o mercado consumidor, como o produtor deve ser estimulado nesse processo, para o sucesso das ações voltadas a sustentabilidade. Nesse período, que os dados disponíveis foram avaliados identificamos 48 diferentes produtos na relação licitada, o que reafirma que a gama de ofertas pelo mercado que deve ser incentivada, para produzirem e comercializarem este produto, de forma mais eficaz. Ressaltamos que das diversas instituições relacionadas na Planilha, a grande maioria não ultrapassa a compra de 10 tipos de produtos adquiridos, o que reflete a pouca importância que se vem dando em priorizar a compra dos mesmos. No quadro a seguir se pode também observar, que poucos são os editais específicos lançados com essa finalidade, dentre dos listados temos um total de 32 editais no período de 2008 a 2015, o que expõe o pouco incentivo ao andamento do processo. Diante do observado, verificamos que muito pouco tem sido feito para aumentar o consumo de produtos sustentáveis, o que se faz necessário dentro de toda uma conjuntura de garantia a gerações futuras.   4. CONCLUSÃO Os avanços nas Licitações Sustentáveis, dependem para se consolidarem do envolvimento das instituições, em busca desses produtos na hora de elaborar seus processos de compras. Destaca-se nesse avanço a importância de se ter um corpo técnico treinado e a criação de processos internos que favoreçam o prosseguimento desse novo hábito, pois a falta de pessoal capacitado pode ser um entrave para a sistematização do processo. A evolução dessa forma de licitação, depende muito da vontade institucional em fazer diferente e contribuir com a sustentabilidade ambiental.
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Lei Complementar 157/2016 – as mudanças no regime do ISSQN, a guerra fiscal que gera improbidade administrativa e o compliance adequado para empresas
Este artigo trata da Lei Complementar 157, de 30 de dezembro de 2016.  Versa sobre as principais alterações à Lei do ISSQN e sobre a nova hipótese de ato de improbidade administrativa. A guerra fiscal também é abordada. Na sequência, é exposta a hipótese de responsabilização administrativa do empresário em conjunto com o agente público responsável pela violação legal. O escopo é esclarecer os aspectos relevantes sobre o tema e como este se tornará, inevitavelmente, após a produção de efeitos, mais um ponto a ser observado em atividade de Compliance. Este artigo direciona-se aos ramos:  Empresarial, Tributário e Administrativo. O escopo deste escrito é promover a atualização do operador de Direito Público para que entregue serviço atualizado aos clientes de consultoria jurídicas empresariais de cunho preventivo.
Direito Administrativo
Introdução O Poder Legislativo tem há muito debatido formas novas de combater o que se chama de Guerra Fiscal. Diz-se que as referidas práticas competitivas entre os entes da federação, da forma como têm sido feitas, trazem mais prejuízos do que benefícios. Como última e mais recente medida legislativa adotada para evitar essas condutas, publicou-se, no dia 30 de dezembro de 2016, a Lei Complementar 157/2016. Na onda do cerco à imoralidade na Administração Pública, a via eleita foi a punição administrativa severa dos gestores públicos. Muito comum na esfera estadual, desta vez o peso da lex recaiu sobre a esfera municipal, situação que reverbera e lança efeitos que balizarão a conduta do empresário prestador de serviços, que deve incluir o tema no cabedal dos itens de boas práticas a observar.  A seguir, os aspectos de maior relevância versam sobre as principais alterações efetuadas pela lei: a alteração à LC 116/2003 (“Lei do ISSQN”), fixando alíquota mínima de 2% e ampliando a incidência do imposto, e a alteração à Lei 8429/92 (“Lei de Improbidade Administrativa”). 1 A Expansão do Conceito de Improbidade Administrativa O conceito de improbidade administrativa é extraído diretamente da Lei 8.429/92. Caracterizava-se por ser conduta listada em rol numerus apertus que causam uma das três seguintes hipóteses: danos ao erário; e/ou enriquecimento ilícito; e/ou violação aos princípios administrativos. De modo geral, as condutas ímprobas resultam de violações sérias e graves ao interesse público e que, simultaneamente, se amoldam em alguma das três categorias do Capítulo II, respectivamente nos artigos 9º, 10 e 11.  O advento da LC 137/2016 ampliou o conceito, que atualmente envolve também a concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário como quarta categoria. Com isso, atualmente, define-se improbidade como ato que:   causa enriquecimento ilícito e/ou danos ao erário e/ou violação aos princípios da administração pública e/ou decorrentes de concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário. A alocação topográfica desse novo tipo de improbidade, inclusive, – na Seção II-A do Capítulo II – revela que há certa similitude da conduta com aquelas condutas que causam prejuízo ao erário. Porém, pelas próprias peculiaridades da Guerra Fiscal – que vão além de prejuízo financeiro aos cofres públicos – e, talvez pela necessidade de dar destaque ao tema, o legislador tenha optado por dar-lhe as luzes de uma seção própria.   A seguir: “Seção II-A Dos Atos de Improbidade Administrativa Decorrentes de Concessão ou Aplicação Indevida de Benefício Financeiro ou Tributário Art. 10-A. Constitui ato de improbidade administrativa qualquer ação ou omissão para conceder, aplicar ou manter benefício financeiro ou tributário contrário ao que dispõem o caput e o § 1º do art. 8º-A da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003.  (Incluído pela LC 157/2016). ” Importante notar que antes de se tornar um ato de improbidade, a prática passava praticamente despercebida e não gerava maiores consequência jurídicas imediatas aos gestores. Talvez, por essa razão, tenha havido a necessidade de tornar a conduta parte do rol de improbidades.   2. A Regulação do ISSQN e a Ampliação do Rol de Fatos Geradores A LC 116/2003 regula o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) e estabelece o rol de serviços que são considerados fatos geradores da exação. Por se tratar de imposto de competência municipal (art. 156, III, CF), cada Município e o DF (art. 156, II c/c art. 32, §1º, CF) edita sua lei própria, que deve, em regra, observar as disposições gerais da LC 116/2003. Com isso, a fixação de alíquota mínima de 2% (art. 8º-A da Lei LC 116) bem como o rol de fatos geradores do ISSQN (lista anexa à lei) devem ser observados pelos Municípios.    A novel legislação causa maiores impactos em virtude de ter expandido a lista dos serviços a serem objeto de cobrança. Com isso, serviços de streamings como Netflix e Spotify sofrerão a cobrança de alíquota de pelo menos 2%. Além disso, serviços de tatuagem e piercing, serviços de transporte como o metrô sofrerão acréscimo. Entram na lista também: decoração e jardinagem; dedetização, serviços de diversões e lazer. Foram excluídos a produção de eventos e espetáculos, bailes, teatros, óperas, concertos e outros assemelhados. A lista é extensa e consta do anexo à LC 116/2003, tornando necessário que o empresário do ramo se informe se sua atividade de prestação de serviço passou ou não a ser fato gerador de ISSQN. Certo que praticamente todas as áreas sofrerão impacto, a incluir até mesmo os serviços de cremação de cadáveres e cessão de uso de espaços em cemitérios para sepultamento. Importante salientar que a LC 157/2016 não alterou entendimentos importantes de cunho jurisprudencial, que permanecem válidos. É o caso da Súmula Vinculante 31, a seguir: “É inconstitucional a incidência do Imposto sobre serviços de Qualquer Natureza –  ISS sobre operações de locações de bens móveis dissociados da prestação de serviços. ” Ressalte-se que a referida súmula não exonera a incidência de imposto sobre serviços concomitantes à atividade de locação. Assim, “se houver ao mesmo tempo locação de bem móvel e prestação de serviços, o ISS incide sobre o segundo fato, sem atingir o primeiro. ” (STF, ARE 656.709-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 14/02/2012). Da mesma maneira, permanece intocado o entender jurisprudencial do STJ segundo o que não há incidência de ISSQ sobre atividades-meio, como é o caso de prestação de serviços de secretaria. A seguir, in verbis: “ (…) De igual maneira, é firme a orientação de que não incide o ISS sobre a atividade-meio utilizada na prestação do serviço, como é o caso de secretaria (anotação de recados e digitação de mensagens) envolvidas na prestação de serviços de ‘radiochamada’ envolvendo pagers. ” (STJ, REsp 848.490/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, Julgamento em 16/09/2008). ” Além disso, destaque-se que também permanece preservado o entendimento de que não há cobrança de ISSQN quando o prestador de serviço o faz em benefício próprio. Por exemplo, quando uma construtora constrói prédio em terreno próprio para si, não há incidência de imposto. Quando uma cabelereira realiza tintura de cabelo em si própria, ou quando o chaveiro produz chaves para sua própria casa, sem que o serviço seja direcionado a terceiros, não haverá incidência do imposto sobre serviços.  Por fim, por não terem sido objeto das mudanças promovidas, permanecem os entendimentos de que não é necessário o pagamento de ISSQN sobre: a prestação de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação (pois incide o ICMS); sobre a prestação de serviços pelo Poder Público (imunidade garantida pelo art. 150, VI, “a”, da CR); e sobre serviço classificável como específico e divisível, por é hipótese de cobrança de taxa, o que exclui a incidência do ISSQN. 3. A Guerra Fiscal envolvendo a Cobrança de ISSQN De acordo com o artigo 156, §3º, I, da CF, reserva-se à LC a atribuição de fixar as alíquotas máximas e mínimas de cobrança do imposto. A previsão constitucional revela a intenção primeira de evitar a tributação excessiva por meio de uma alíquota máxima e também de evitar a guerra fiscal por meio da fixação de uma alíquota mínima. Com relação ao “teto”, a LC 116 já previra o patamar de 5%; no entanto, quanto ao piso, não havia previsão expressa na lei, pelo que vigorava a disposição do artigo 88 do ADCT, que estabelecia alíquota mínima de 2%, exceto para serviços previstos no item 7. Por certo, essa previsão do ADCT foi negligenciada por vários municípios brasileiros envolvidos com a guerra fiscal. A prática reiterada levava ao estabelecimento de remissões (extinção crédito) e isenções (extinção da exigibilidade) violando o limite mínimo.                 Muitos argumentam que a guerra fiscal tem violado o pacto federativo e que se trata de ato ilegal, pois viola disposição constitucional de cobrança de percentual mínimo. Um dos argumentos mais fortes afirma ainda que a disparidade entre as condições econômicas de cada região do Brasil (inclusive entre municípios de um mesmo estado federado) não permite que os mesmos benefícios sejam ofertados em igualdade de condições. Assim, municípios (e estados) mais abastados permanecem atraindo empreendimentos enquanto os menos favorecidos, em geral no Nordeste e no Norte, seguem relegados a um lentíssimo passo do desenvolvimento econômico. Os mapas de concentração de renda no país revelam que o Brasil é marcado por forte desigualdade econômica entre os eixos sul-sudeste e norte-nordeste. Este, inclusive, um dos motivos pelos quais a federação brasileira é dita assimétrica. Diante desse quadro, possível inferir que a mens legis de se evitar a guerra fiscal é dar suporte coercitivo e sancionador em caso de desobediência ao art. 8º-A da LC 116/2003 e, com isso, gerar melhor distribuição de renda dentro dos estados federados e dentro da federação (art. 3º, III, da CF). Além disso, fatalmente a guerra fiscal de ISSQN tem significado “prejuízo” aos cofres públicos municipais. Estudos da Confederação Nacional de Municípios apontam que algumas municipalidades passarão a arrecadar cerca de R$ 6 milhões com a nova legislação. Além disso, a maleabilidade conferida aos entes federados tornou-se fonte de negociatas entre empresários e gestores públicos, em barganhas em troca de favores por alíquotas cada vez menores. Com advento da lei, após sua vocativo legis relativa à alíquota mínima de 2% (em 30/12/2017), não será possível a concessão de qualquer isenção ou redução de percentual abaixo do patamar mínimo, salvo no caso daquelas expressamente ressalvadas nos subitens 7.02, 7.05 e 16.01, do anexo da LC 157/2016. Com isso, as atividades contempladas com patamares possivelmente menores de incidência do imposto são: “7.02 – Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS). 7.05 – Reparação, conservação e reforma de edifícios, estradas, pontes, portos e congêneres (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços, fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS). 16.01 – Serviços de transporte coletivo municipal rodoviário, metroviário, ferroviário e aquaviário de passageiros. ” 4. A Conduta do Gestor Público Importante observar que o art. 10-A deixa bastante claro que configura ato de improbidade administrativa tanto a ação quanto a omissão do gestor público. Com isso, aqueles municípios que concederam isenção fiscal não poderão manter suas legislações abaixo do patamar mínimo, ainda que a prática tenha sido reiterada em anos anteriores e que tenha sido estabelecida antes do vigor da nova lei.  Isso significa que obrigatoriamente os Prefeitos precisão tomar previdências para adequação (caso a alíquota não respeite os patamares), sob pena de responsabilidade administrativa, independentemente do tempo em que a prática se estabeleceu (se durante seu mandato ou anteriormente). Isso porque, conforme expresso no art. 10-A, as condutas omissivas (caso comprovado o dolo) também são passíveis de punição. Quanto ao elemento subjetivo, como dito, a palavra de ordem é: dolo. Ou seja, intenção de cobrar abaixo do patamar legal. A mera culpa (negligência, imprudência ou imperícia) por si só já afastam a responsabilidade. Esse entendimento jurisprudencial do STJ, pautado diretamente na sistemática estabelecida pela Lei 8429/92 será mantido. Ou seja, o ato de improbidade administrativa só pode ser punido a título de mera culpa se houver expressa previsão legal, que não é o caso do artigo 10-A e sim do artigo 10, da Lei 8429/92.    5. Como o Empresário Pode Ser Responsabilizado por Improbidade Administrativa É possível vislumbrar a hipótese suposta de um prefeito que deixa de ajustar a legislação do ISSQN durante o prazo de adaptação de um ano por dolo em virtude de acordo realizado entre ele e o empresariado interessado. No exemplo, suponha-se que o prefeito não tenha revogado a isenção de ISSQN sobre serviços prestados por transporte aeroviário (20.02).   Nesse caso, a improbidade, em razão da atuação conjunta do particular com o prefeito é prevista no artigo 3º da Lei Improbidade. A seguir: “Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta. ” Dessa maneira, quando da produção de efeitos (pois já há vigor), se provado o conluio e o dolo, empresário e prefeito poderão ser responsabilizados. 6. Sanções Possíveis Quanto ao administrador público, as cominações abarcam, isolada ou cumulativamente, a perda da função pública, a suspensão dos direitos políticos de 5 a 8 anos e a multa civil de até 3 vezes o valor do benefício financeiro ou tributário concedido, conforme dispõe o novo inciso inserido no artigo 12, da Lei 8429/92. Em caso de condenação de particulares, a aplicação de sanção também somente poderá se operar caso comprovado o dolo na conduta do particular e, especialmente, que tenha havido benefício com o ato de improbidade. Em casos em que se constata a atuação do particular, é comum aplicação de sanções de cunho pecuniário como a multa. Por outro lado, outras sanções típicas da Lei de Improbidade como a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios não poderão ser aplicadas, em razão de ausência de expressa previsão legal.  8. Compliance Compliance trata-se de expressão de origem estrangeira relacionada a existência de conformidade no atendimento a requisitos oficiais, em especial das áreas reguladoras da atividade. A partir do conjunto legislativo interno e externo, a atividade de compliance visa a “previsão de erros” e o estímulo a adoção de medidas legais e morais que evitem prejuízos futuros.     Certo que o abrangente conceito de “conformidade” pode atender a vários aspectos. Nesse sentido, certamente a moralidade das atividades empresariais também se encontra envolvida dentro de um Compliance bem feito. Trata-se a final, de garantir a imagem escorreita de uma empresa frente a sua clientela.  Com isso em vista, certamente os aspectos de probidade tratados na recente mudança à Lei 8429/92 e à Lei Complementar 116/2003 tornar-se-ão tópicos de observância obrigatória em matéria tributária.   Além disso, é necessário, com vistas a evitar a cobrança excessiva (e aqui também se evita prejuízo), que o corpo jurídico busque saber se a atividade desenvolvida se enquadra dentro de alguma das exceções constitucionais, jurisprudências ou legais listas em tópicos anteriores.   Conclusão Por essa razão, conclui-se como necessária a adoção de medidas preventivas de observância do recolhimento de ISSQN dentro dos patamares legais de 2% a 5%, a partir da produção de plena de efeitos da LC 157/2016, o que ocorrerá em 30/12/2017, em especial por se tratar de imposto sujeito a lançamento por homologação. Reforça-se que o empresariado deve negar-se a firmar acordos com municipalidades em troca de percentuais abaixo de 2%, salvo para aquelas atividades contempladas nos mencionados itens 7.02, 7.05 e 16.01, do anexo da LC 157/2016. Também se deve atentar para evitar que, com as mudanças, algumas atividades desempenhadas e inseridas em algumas das exceções constitucionais, legais ou jurisprudências não passem a ser objeto de incidência indevida do ISSQN. Ou seja, necessária a inclusão da LC 157/2016 com tópico de observância obrigatória em Compliance, a fim de evitar prejuízos com processos judiciais de responsabilização administrativa. Também necessário observar como algumas atividades que antes não eram tributadas passarão a ser e, se algumas delas se enquadram em hipóteses de não cobrança por força constitucional ou de entendimento jurisprudencial.
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O controle jurisdicional do mérito administrativo: uma análise sobre os aspectos de legalidade e legitimidade nos atos discricionários
O mérito administrativo tem sido tema relevante e que vem sendo objeto de muito debate no âmbito da Administração Pública, de modo que, a sua análise, via de regra, não é admitida por grande parte dos estudiosos administrativistas, e que por via de exceção, tem gerado preciosos debates entre doutrinadores acerca do tema, pois a referida análise denota a imprescindibilidade em interferir o mérito de determinado tendo a devida cautela quanto ao grau de violação do ato sob a ótica da ilegalidade ou ilegitimidade de determinado ato. O método utilizado para o artigo é o científico ou racional, porquanto, tende-se a analisar a posição da jurisprudência e da doutrina atual quanto à possibilidade de intervenção jurisdicional no mérito administrativo. Após a análise do método tem-se o resultado do presente artigo, que é justamente expor se tem sido possível concretizar a intervenção do Poder Judiciário no que tange ao aspecto da ilegalidade ou ilegitimidade do ato administrativo.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO A análise do mérito administrativo pelo órgão do Poder Judiciário tem sido objeto de discussão na doutrina do Direito Administrativo, de modo que o mérito é constituído por dois elementos, sendo eles: oportunidade e conveniência. Estes formam o que se denomina por discricionariedade. Quanto a este ponto, sabe-se que o Poder Judiciário não pode intervir a ponto de analisar o conteúdo que integra o ato discricionário, porém há grande parcela da doutrina e da jurisprudência que admite o controle quando o ato discricionário ultrapassa dos seus limites legais, o que enseja a verificação de outro Poder, daí se aplicando o sistema de freios e contrapesos, ou a harmonia que existe entre os Poderes. O CONTROLE JURISDICIONAL DO MÉRITO ADMINISTRATIVO ENTEDIMENTO DOUTRINÁRIO O mérito administrativo é um instituto do Direito Administrativo que visa regular a atividade rotineira da administração e que por sua vez tais atividades gozam de certa margem de liberdade para o administrador atuar. Assim, em determinada situação o agente público poderá optar por apenas uma alternativa quando estiver em meio a duas ou mais alternativas. Destaca-se que são requisitos ou elementos do ato administrativo: competência, finalidade, forma, motivo e objeto. Tais elementos são imprescindíveis para o estudo dos atos administrativos, de modo que dois deles constituem o chamado mérito administrativo. São eles: motivo e objeto. Neste sentido explica o eminente doutrinador Matheus Carvalho em sua obra: “(…)registre-se que os elementos motivo e objeto do ato administrativo discricionário compõem o seu mérito, sob o que não pode haver controle por parte do Poder Judiciário de acordo com a maioria da doutrina e jurisprudência pátria, já que se refere à conveniência e oportunidade do administrador público.” Importante frisar que o mérito é constituído por dois elementos que possuem feição discricionária, permitindo, portanto, o arbítrio do administrador, porém nos limites legais, diferentemente da competência, finalidade e forma que podem possuir feição de ato vinculado ou discricionário a depender do caso. A problemática surge se é possível o Poder Judiciário intervir no mérito administrativo no que tange aos seus aspectos de oportunidade e conveniência ou apenas no que tange aos limites excedidos, isto é, aspectos de legalidade ou legitimidade, quando há um excesso no ato praticado pelo agente público. Para facilitar o entendimento da referida problemática ensina o mestre Matheus Carvalho que “o Poder Judiciário pode controlar a legalidade, mas não o mérito dos atos administrativos discricionários, sob pena de haver violação à separação de poderes determinada pela Carta Magna”. E continua o autor: “Dessa forma, admite-se o controle judicial incidente, inclusive, sobre o objeto e o motivo do ato administrativo, desde que a análise do Poder Judiciário se limite às regras legais impostas ao agente, como parâmetros a serem observados em relação a estes elementos.” Veja-se que a posição da doutrina é tendente a admitir a análise do mérito administrativo no que tange aos seus aspectos legais. Porém, faz-se necessário também fazer uma profunda análise na jurisprudência, a fim de se ter certeza da real violação. Cumpre notar os ensinamentos de Fernanda Marinela: “Na determinação dos elementos do ato administrativo, é relevante a análise quanto à liberdade para sua definição, identificando se tal elemento é vinculado ou discricionário. Para as hipóteses em que o elemento é vinculado, o administrador não tem liberdade. Terá que preencher o ato, segundo os ditames da lei, sem análise de conveniência e oportunidade. De outro lado, quando o elemento for discricionário, o administrador pode realizar um juízo de valor, avaliando a conveniência e a oportunidade do interesse público para a prática do ato. A vinculação ou a discricionariedade dos elementos do ato administrativo dependem do tipo de ato.” E continua a autora com o seu brilhantismo, o que lhe é peculiar: “Possibilidade de controle pelo poder judiciário No que tange ao controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, este é possível em qualquer tipo de ato, porém, no tocante à sua legalidade. Vale lembrar que tal análise deve ser feita em sentido amplo, abrangendo a análise das regras legais e normas constitucionais, incluindo todos os seus princípios. De outro lado, não se admite a análise da conveniência e oportunidade dos atos administrativos, ou seja, não se pode reapreciar o mérito dos atos discricionários. Nesse diapasão, encontram-se inúmeras orientações doutrinárias e jurisprudenciais. No atual cenário do ordenamento jurídico, reconhece-se a possibilidade de análise pelo Judiciário dos atos administrativos que não obedeçam à lei, bem como daqueles que ofendam princípios constitucionais, tais como: a moralidade, a eficiência, a razoabilidade, a proporcionalidade, além de outros. Dessa forma, o Poder Judiciário poderá, por vias tortas, atingira conveniência e a oportunidade do ato administrativo discricionário, mas tão somente quando essa for incompatível com o ordenamento vigente, portanto, quando for ilegal”. Imprescindível também destacar a opinião do nobre doutrinador Alexandre Mazza que possui notável saber jurídico e possui seu posicionamento acerca do tema. Neste sentido: “Embora a concepção tradicional não admita revisão judicial sobre o mérito dos atos administrativos discricionários, observa-se uma tendência à aceitação do controle exercido pelo Poder Judiciário sobre a discricionariedade especialmente quanto a três aspectos fundamentais: a) razoabilidade/proporcionalidade da decisão; b ) teoria dos motivos determinantes: se o ato atendeu aos pressupostos fáticos ensejadores da sua prática; c ) ausência de desvio de finalidade: se o ato foi praticado visando atender ao interesse público geral. Importante frisar que ao Poder Judiciário não cabe substituir o administrador público. Assim, quando da anulação do ato discricionário, o juiz não deve ele resolver como o interesse público será atendido no caso concreto, mas devolver a questão ao administrador competente para que este adote nova decisão”. ENTEDIMENTO JURISPRUDENCIAL A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça caminha no mesmo sentido. Senão vejamos: “MÉRITO ADMINISTRATIVO – CONTROLE PELO JUDICIÁRIO – LEGALIDADE – SANÇÃO (DISCIPLINAR …. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. MÉRITO ADMINISTRATIVO. REAPRECIAÇÃO. LEGALIDADE. SANÇÃO DISCIPLINAR. APLICAÇÃO. ASPECTO DISCRICIONÁRIO. INEXISTÊNCIA. COMISSÃO DISCIPLINAR. INTEGRANTE. SERVIDOR PÚBLICO NÃO ESTÁVEL. NULIDADE. I – Descabido o argumento de impossibilidade de reapreciação do mérito administrativo pelo Poder Judiciário no caso em apreço, pois a questão posta diz respeito exclusivamente a vício de regularidade formal do procedimento disciplinar, qual seja, defeito na composição da comissão processante. II – Ademais, é de se registrar que inexiste aspecto discricionário (juízo de conveniência e oportunidade) no ato administrativo que impõe sanção disciplinar. Nesses casos, o controle jurisdicional é amplo e não se limita a aspectos formais (Precedente: MS n" 12.983/DF, 3a Seção, da minha relatoria, DJ de 15/2/2008). III – É nulo o processo administrativo disciplinar cuja comissão processante é integrada por servidor não estável (art. 149, caput, da Lei n" 8.112/90). Ordem concedida.” (MS 12636 / DF, STJ – Terceira Seção, Relator(a) Min. Felix Fischer, Julgamento: 27.08.2008, DJe: 23.09.2008) (grifos da autora). “PODER VINCULADO E DISCRICIONÁRIO – PRINCÍPIOS – CONTROLE PELO PODER JUDICIÁRIO EMENTA: ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL – MILITAR – SARGENTO DO QUADRO COMPLEMENTAR DA AERONÁUTICA INGRESSO E PROMOÇÃO NO QUADRO REGULAR DO CORPO DE PESSOAL GRADUADO – ESTÁGIO PROBATÓRIO NÃO CONVOCADO – CONDIÇÃO "SINE QUA NON" – APLICAÇÃO DO Art. 49 DO DECRETO N" 68.951/71 – RECURSO ESPECIAL – LIMITAÇÃO DA DISCRICIONARIEDADE – MORALIDADE PÚBLICA, RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. 1. A discricionariedade atribuída ao Administrador deve ser usada com parcimônia e de acordo com os princípios da moralidade pública, da razoabilidade e da proporcionalidade, sob pena de desvirtuamento. 2. As razões para a não convocação de estágio probatório, que é condição indispensável ao acesso dos terceiros sargentos do quadro complementar da Aeronáutica ao quadro regular, devem ser aptas a demonstrar o interesse público. 3. Decisões desse quilate não podem ser imotivadas. Mesmo o ato decorrente do exercício do poder discricionário do administrador deve ser fundamentado, sob pena de invalidade. 4. A diferença entre atos oriundos do poder vinculado e do poder discricionário está na possibilidade de escolha, inobstante, ambos tenham de ser fundamentados. 0 que é discricionário é o poder do administrador. O ato administrativo é sempre vinculado, sob pena de invalidade. S. Recurso conhecido e provido”. (RESP 79761/ DF, STJ – Sexta Turma, Relator(a) Min. Anselmo Santiago, Julgamento: 29.04.1997, DJ: 09.06.1997) (grifos da autora). “EMENTA: MANDADO DESEGURANÇA. SERVIDOR. ATO DEREDISTRIBUIÇÃO. DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA. I – O ato de redistribuição de servidor público é instrumento de política de pessoal da Administração, que deve ser realizada no estrito interesse do serviço, levando em conta a conveniência e oportunidade da transferência do servidor para as novas atividades. II – 0 controle judicial dos atos administrativos discricionários deve-se limitar ao exame de sua legalidade, eximindo-se o Judiciário de adentrar na análise de mérito do ato impugnado. Precedentes. Segurança denegada”. (MS 12629 / DF, STJ – Terceira Seção, Relator(a) Min. Felix Fischer, Julgamento: 22.08.2007, DJ: 24.09.2007). Observa-se que o tema hoje tem mais aspectos favoráveis do que desfavoráveis, no entanto surgem determinados casos concretos em que o Judiciário se depara com hipóteses em que mesmo sendo situação de ilegalidade acaba deixando de intervir por não ter a certeza dos parâmetros legais, isto é, devido ao fato de o exame da ilegalidade ser uma nuvem nebulosa e que exige bastante cuidado. Na seara dos concursos públicos é possível analisar casos em que os magistrados evitam analisar questões que muita das vezes exorbita dos aspectos legais, quando, por exemplo, a banca avaliou determinado conteúdo que não se encontrava expresso em edital, logo, tratando-se de ilegalidade da banca examinadora. O mérito administrativo possui amplitude em todo o âmbito do Direito Administrativo e está presente em qualquer ato administrativo em que os requisitos objeto e motivo estão presentes. A professora e doutrinadora Fernanda Marinela traz em sua obra o seguinte exemplo de intervenção judicial no mérito administrativo: “Imagine que um determinado Município estivesse passando por uma fase de inúmeras dificuldades, precisando da construção de uma escola, assim como de um hospital. No entanto, a disponibilidade financeira só era suficiente para um deles. O administrador, realizando seu juízo de conveniência e oportunidade, decidiu construir o hospital. Nesse caso, a decisão do administrador não está sujeita a controle pelo Poder Judiciário, porque obedeceu a todas as exigências legais, inclusive quanto aos princípios constitucionais. Nesse mesmo contexto, caso o administrador, diante dessas necessidades, decidisse utilizar o dinheiro para construir uma praça, a decisão poderia ser revista pelo Judiciário, em face da violação do princípio da razoabilidade, o que gera a sua ilegalidade e possível invalidação.” No que tange ao que foi mencionado, isto é, a jurisprudência se afastando do seu controle de legalidade. Colaciona-se um julgado do Supremo Tribunal Federal em sede de Recuso Extraordinário, qual seja o RE nº 632853. Veja-se: “Recurso extraordinário com repercussão geral. 2. Concurso público. Correção de prova. Não compete ao Poder Judiciário, no controle de legalidade, substituir banca examinadora para avaliar respostas dadas pelos candidatos e notas a elas atribuídas. Precedentes. 3. Excepcionalmente, é permitido ao Judiciário juízo de compatibilidade do conteúdo das questões do concurso com o previsto no edital do certame. Precedentes. 4. Recurso extraordinário provido.” “No caso em tela, observa-se que o Judiciário não fez a análise de controle de legalidade, mesmo diante de uma hipótese de ilegalidade e que poderia ter sido enfrentada em caso de comprovação do abuso de bancas examinadoras, porém, como já mencionado no próprio julgado não houve tal análise.       No mesmo sentido que o Supremo Tribunal Federal também entendeu o Tribunal de Justiça mineiro no sentido de que o Judiciário não pode analisar mérito no que se refere a nota aplicada a determinado candidato, pois estaria, em tese, substituindo o papel de banca examinadora, porém se o controle fosse sobre o conteúdo de determinado edital que entra em confronto com o teor da prova aplicada, isto é, a desconformidade entre ambos, neste caso sim caberia o Judiciário intervir no caso analisando a questão de ilegalidade da banca examinadora. Neste diapasão: MANDADO DE SEGURANÇA – ADMINISTRATIVO – CONCURSO PÚBLICO – ELABORAÇÃO DA PROVA OBJETIVA – VIOLAÇÃO DAS NORMAS DO EDITAL – CONTROLE JUDICIAL DE LEGALIDADE – POSSIBILIDADE – REDISCUSSÃO SOBRE O MÉRITO DA BANCA EXAMINADORA – INVIABILIDADE – DIREITO LÍQUIDO E CERTO – AUSÊNCIA – SEGURANÇA DENEGADA. Em concurso público é vedado ao Poder Judiciário reexaminar questões relativas ao mérito do ato administrativo, assim como lhe é defeso substituir-se à Banca Examinadora nos critérios de correção de provas e de atribuição de notas, sob pena de violação ao princípio constitucional da separação de poderes. Contudo, admite-se, excepcionalmente, o controle jurisdicional sobre a aferição de legalidade do certame, assim entendida a possibilidade de apreciar se a questão objetiva foi elaborada de acordo com o conteúdo programático previsto no edital. Comprovado que todas as questões judicialmente impugnadas se encontram em sintonia com as regras do concurso público a que se submeteu a candidata, não há que se falar em ofensa a direito líquido e certo, indispensável à concessão da segurança. TJ-MG – Mandado de Segurança MS 10000130981236000 MG (TJ-MG), Data de publicação: 23/05/2014.” E no mesmo sentido do Tribunal Mineiro entende o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios: “CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PROFESSOR. EDUCAÇÃO BÁSICA. EDITAL Nº 01-SEAP/SEE/2013. PROVA OBJETIVA. PONTUAÇÃO MÍNIMA. NÃO ATINGIMENTO. CORREÇÃO DE QUESTÕES. MÉRITO ADMINISTRATIVO. BANCA EXAMINADORA. ILEGALIDADE. MATÉRIA NÃO CONTIDA NO EDITAL. INEXISTÊNCIA. NOVA CORREÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. A despeito de todas as vicissitudes por que passa o candidato a concurso público, mormente nos dias atuais em que os exames são cada vez mais complexos, entendo que, regra geral, ao Poder Judiciário não é dado se imiscuir no mérito das questões de prova. Não cabe ao magistrado modificar as conclusões d abanca examinadora, atribuindo pontos ao candidato, sob pena de invadir os limites da conveniência e oportunidade das decisões administrativas. Além do mais, tal atitude violaria, frontalmente, o princípio da isonomia, que garante igualdade de condições a todos os aspirantes a uma vaga no serviço público. É certo que o Judiciário não pode se furtar da sua atribuição constitucional de apreciar lesão ou ameaça a direito, nos termos do art. 5º , inciso XXXV , da Constituição Federal . Todavia, tal apreciação, em se tratando do mérito das questões de concursos públicos, deve ficar restrita ao exame da legalidade e da compatibilidade de seu conteúdo com a matéria objeto de avaliação exigida no edital. A banca examinadora constitui-se de órgão técnico e competente para a avaliação dos candidatos, escolhida conforme disposição prévia do edital do certame, ao qual anuiu o candidato no momento da inscrição do concurso. Tais condições, em conjunto, geram presunção de legitimidade e legalidade, arredável apenas mediante provas concretas em sentido diverso. Recurso conhecido e desprovido. TJ-DF – Apelação Cível APC 20140110249867 (TJ-DF), Data de publicação: 22/06/2015. Como se pode observar, a jurisprudência caminha no mesmo sentido quando a questão é a correção de notas pelo Judiciário, de modo que este órgão se nega a examinar tais questões, mesmo que em determinadas situações a ilegalidade seja patente, pois o pensamento é de que o Judiciário não pode substituir a banca. Porém, se o motivo for prova em desconformidade com o edital (instrumento convocatório), aí sim as questões de ilegalidades serão avaliadas pelo órgão jurisdicional. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do exposto, observa-se que o mérito administrativo é um tema bastante relevante e que tem gerado uma vasta discussão, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência brasileira. A questão da intervenção do Poder Judiciário, como já visto, é algo que exige bastante cautela e de acordo com o caso concreto deve-se ponderar quais as possibilidades da intervenção no mérito administrativo, porquanto via de regra não é possível, no entanto, excepcionalmente é possível o a intervenção no mérito, e veja-se que, a exceção só tem sido aceita em alguns casos pela jurisprudência, haja vista o Judiciário ter entendimentos de que muita das vezes não pode intervir, como nos casos em que envolve concursos públicos e não se pode substituir o papel que é da banca examinadora.
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A urgência de políticas públicas em razão do crescimento acentuado da população idosa
O aumento do número de idosos não vem sendo acompanhado de medidas tendentes a enfrentar o desafio das múltiplas questões inerentes ao envelhecimento. Dentro desta perspectiva, o idoso se vê inserido em um ambiente de novas adaptações. O presente artigo traz como objetivo tecer algumas considerações referentes ao novo perfil populacional ocasionado pelo aumento do contingente de idosos, trazendo para o estudo a importância de profundas transformações sociais e econômicas que devem participar deste processo. Busca descrever ainda, quais os motivos que impulsionaram esse fenômeno populacional, bem como quais os reflexos desta atual realidade, principalmente no setor da saúde em razão da falta de políticas públicas. Delimitando a pesquisa, faz-se necessária uma breve exposição acerca de como o idoso vem sendo tratado pela legislação. As conclusões emergem a partir de esclarecimentos e posições de estudiosos e suas posturas quanto ao assunto. Conclui-se ser de extrema necessidade a tomada de consciência por parte dos governantes e da sociedade, pois a cada dia avoluma-se o número de pessoas que ingressam nesse grupo etário sem o planejamento e investimento adequado às suas novas condições, e o pior de tudo, sem ter seus direitos respeitados.
Direito Administrativo
1. INTRODUÇÃO A evolução demográfica da população brasileira vem sendo marcada nas últimas décadas por um acentuado aumento no número de idosos. Dessa maneira, a sociedade se deparou com um aspecto ao qual não estava preparado: o Brasil é um país que está envelhecendo. Se antes apresentava-se como um país jovem, hoje o reordenamento da pirâmide etária demonstra ser urgente os desafios a serem enfrentados neste processo.   Diante do exposto, Bredemeier e Ruscheinsk apud Wolff (2009), destacam que as características das políticas sociais são alteradas por essa mudança na distribuição etária, exigindo-se assim estratégias e implementação de benefícios, serviços, programas e projetos diferenciados e relacionados aos idosos, por parte da administração Pública. Afirmam ainda, que devem ser reconhecidos aos idosos condições para que estes definam suas necessidades com a finalidade de poderem exercer seus papéis de “novos atores sociais” uma vez que permanecem ativos socialmente. Desse modo, a questão do idoso no país “deve merecer cada vez mais o interesse dos órgãos públicos, dos formuladores de políticas sociais e da sociedade em geral, dado o volume crescente desse segmento populacional, seu ritmo de crescimento e de suas características demográficas, econômicas e sociais.” (BERQUÓ APUD NERI E DEBERT, 1999, p. 38). Nesse cenário que se apresenta, salientam Freire e Sommerhalder apud Neri e Freire (2000) que o significado desse fenômeno em termos sociais e econômicos é desconhecido ou talvez levado ao descaso por parte das autoridades. Reforçam também, que estudiosos sobre o assunto declaram não haver no Brasil um programa sistemático de ações que possa beneficiar a população idosa, embora exista esforços de associações e sociedades não-governamentais. Além disso, as autoras afirmam que a participação do idoso na sociedade muda com o passar dos anos e que em 2020 todos os nascidos entre 1940 e 1949 estarão completando 80 anos o que faz com que tal geração imponha suas crenças e seu modo de vida podendo mudar a imagem que a sociedade tem da velhice. Assim, o objetivo geral desta pesquisa é analisar o novo perfil populacional identificando os motivos que levaram a este fenômeno, bem como evidenciar os impactos ocasionados por este processo de envelhecimento acentuado tanto na previdência, como na prestação de serviços de saúde. Dessa maneira esta pesquisa será desenvolvida com os seguintes objetivos específicos: a) expor de forma global, os reflexos decorrentes do aumento da população idosa; b) apontar quais os efeitos na revidência Social decorrentes desse crescimento populacional; c) analisar a eficiência dos serviços de Saúde prestados pela Administração Pública a esse segmento d) identificar a eficácia da legislação atual e os direitos inerentes aos idosos. Desse modo, espera-se contribuir para propor novas perspectivas ao debate sobre a velocidade com que a longevidade está se propagando através das projeções demográficas já realizadas sobre o crescimento da população idosa, destacando as consequências que tal fato pode trazer se não houver uma infraestrutura adequada e atenção por parte da administração pública, para receber esse contingente. Tal estudo procura ainda, ser uma fonte de conhecimento diante da necessidade premente de publicações que possibilitam a difusão e atualização de ideias, bem como de reflexões frente à realidade atual vivenciada por inúmeros idosos. 2. METODOLOGIA A metodologia empregada quanto aos objetivos, classifica-se como descritiva, em que entre outros aspectos, é abordado o novo perfil populacional a partir das causas e reflexos do crescimento no número de idosos e as influências ocorridas nessa população analisada. Conforme a concepção de Gil (1999), a pesquisa descritiva tem como principal objetivo descrever características de determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento de relações entre as variáveis. Este estudo, quanto aos procedimentos classifica-se como documental uma vez que é analisada as características do fenômeno de envelhecimento nos indivíduos e os impactos socioeconômicos bem como em nosso sistema de previdência decorrentes desse cenário populacional. O trabalho de pesquisa levará ainda em conta a evidenciação dos elementos mais substanciais, por demonstrarem mais afinidades a serem exploradas neste estudo. Conforme o exposto observa Armani (2009, p.45) “deve-se procurar selecionar apenas os problemas mais relevantes para a compreensão do fenômeno em análise”. Desse modo, é exposta a legislação em torno desta questão social abordando os direitos dessa população e insuficiências na área da saúde. Ademais, utilizou-se o método bibliográfico o qual permitiu descobrir informações acerca das temáticas descritas neste artigo, além disso, fez-se o uso de outras publicações da área de foco deste estudo. Com o intuito de obter respostas às investigações propostas, o estudo da pesquisa foi elaborado a fim de contemplar a exposição dos fatos e assim buscar uma apreciação dos resultados de acordo com os conhecimentos teóricos utilizados e a realidade social, salientando o valor das mudanças em prol dos idosos e de uma sociedade mais digna.
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A relativização do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado no direito administrativo contemporâneo
Na contemporaneidade juristas estão abordando o “princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado” de maneira mais lógico-científica, propondo relativizar a idéia absoluta de prevalência na medida que é realizado uma análise crítica aprofundando-se sobre o tema e desconstruindo a idéia clássica do famigerado princípio, demonstrando o impacto dessa nova perspectiva no ordenamento jurídico, mormento, no Direito Administrativo. A unidade dos interesses públicos e privados, que são indissociáveis, e a prevalência dos direitos e garantias individuais influenciam na concepção de relativização do interesse público e o presente estudo, de certa forma, apresenta nova forma de abordar os fundamentos da “supremacia” na resolução de conflitos desses interesses por meio do princípio  da proporcionalidade e razoabilidade.
Direito Administrativo
1. INTRODUÇÃO O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado sempre foi considerado a pedra de toque[1] que lança as bases do conhecimento do Direito Administrativo. Encontra-se nele toda a fundamentação das prerrogativas e da sobreposição conferida ao interesse público em detrimento do interesse privado em um eventual “choque” desses interesses. A Administração Pública está, por lei, adstrita ao cumprimento de certas finalidades, sendo-lhe obrigatório objetivá-las para colimar interesses de outrem: o da coletividade.[2]. A doutrina clássica considera que a “supremacia” encontra supedâneo, principalmente, na função exercida pela Administração Pública[3]. Por outro lado, a doutrina moderna vem abordando o tema da supremacia de interesse público de uma forma sutilmente diferente, interpretando-o mais em conformidade com a nossa Carta Magna. O objetivo é provocar uma reflexão mais aprofundada sobre a relativização ou desconstrução da idéia clássica do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, diante da nova concepção conferida pelos doutrinadores publicistas e, assim, demonstrar o impacto dessa nova corrente de pensamento no ordenamento jurídico, especialmente, no Direito Administrativo. 2 – A NATUREZA PRINCIPIOLÓGICA DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO: PRINCÍPIO NORMATIVO, POSTULADO OU AXIOMA Como bem pontua Humberto Ávila o objetivo da presente análise é diminuir a equivocidade que a descrição e a eventual aplicação deste “princípio” proporciona, considerando que atividade administrativa não pode ser exercida sob o influxo deste “princípio” e também o fato de que o interesse público pode possuir significado jurídico , mas não pode ser descrito como prevalente relativamente aos interesses particulares.[4] O uso do termo “princípio” está longe de ser uniforme. E não há qualquer problema nisso. Problemas há, sim, quando fenômenos completamente diversos são explicados mediante o emprego de denominação equivalente, de tal sorte que um só termo passa a fazer referência igual e indistintamente não só a fenômenos pertinentes a plano ou ciência distintas como também explicar fenômenos diversos descobertos em um mesmo objeto de conhecimento. É o que vem ocorrendo com os “princípios”. Eles passam a significar tudo, e, por isso mesmo, termina por não significar coisa alguma.[5] O termo “princípio” é uma disposição genérica que serve para criar, integralizar e interpretar as leis. Na doutrina clássica de matriz positivista Kelsiana os princípios assume um papel de informador do sistema e de preencher lacunas. Alguns autores extraí seus fundamentos para explicar algo não com base numa sistemática lógico-constitucional mas apenas com base no empirismo social considerando seus fundamentos premissas pré-concebidas terminantemente aceitas no seio da sociedade. É isso que acontece som o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado, pois as bases de seus fundamentos é tido como um dogma jurídico; um postulado ou axioma. E realmente partindo da idéia de como a Teoria Geral do Direito moderno analisa os princípios prima facie[6], conclui-se que os princípios jurídicos normativos resulta de uma recíproca implicação entre eles, e o princípio da supremacia nesse sentido, está mais para postulado ou axioma, pois nunca é contraposto a outro princípio, partindo de uma premissa tida como verdadeira. Também não seria um axioma (usado, originalmente, como sinônimo de postulado), pois, este denota uma proposição cuja veracidade é aceita por todos, dado que não é nem possível nem necessário prová-lo. Por isso mesmo são os axiomas aplicáveis exclusivamente por meio da lógica, e deduzidos sem a intervenção de pontos de vista materiais. São premissas consideradas evidente e verdadeiras, pelo que esse conceito se subsume ao fato já debatido de que os fundamentos da supremacia do interesse público não decorre lógica e sistematicamente da Constituição.  Bandeira de Melo, por sua vez, afirma: Trata-se de verdadeiro axioma reconhecível no moderno Direito Público. Proclama a superioridade dos interesses da coletividade, firmando a prevalência dele sobre o do particular, como condição até mesmo, da sobrevivência e asseguramento esse último[7]. Pois bem. Postulado, no sentido kantiano, significa uma condição e possibilidade do conhecimento de determinado objeto, de sorte que ele não pode ser apreendido sem que essas condições sejam preenchidas no próprio processo de conhecimento. Os postulados variam conforme o objeto cuja compreensão condicionam. Daí dizer-se que há postulados normativos e ético-político. O princípio da supremacia do interesse público sobre interesse privado está mais para postulado ético-político. Quanto ao tema em questão, o mais importante é deixar evidente que o princípio da supremacia não é uma norma-princípio. Uma norma-princípio caracteriza-se estruturalmente por ser concretizável em vários graus: seu conteúdo depende das possibilidades normativas advindas dos outros princípios, que podem derrogá-lo em determinado caso concreto. Então, só é possível o interesse público como resultado de um longo processo de produção e aplicação do direito. Não há interesse público prévio ao direito ou anterior à atividade decisória da administração pública. Uma decisão produzida por meio de procedimento satisfatório e com respeito aos direitos fundamentais e aos interesses legítimos poderá ser reputada como traduzindo o interesse público. Mas não se legitimará mediante a invocação a esse interesse público, e sim porque compatível com os direitos fundamentais[8]. No entanto, o presente trabalho pretende desconstruir essa idéia e demonstrar que não há uma “supremacia” e sim uma prevalência de um determinado interesse em um dado caso concreto. 3. A NÃO SUPERIORIDADE DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O INTERESSE COMUM A Constituição da República Federativa do Brasil proclamou em seu preâmbulo a instituição de um Estado Democrático de Direito, destinado a assegurar o exercício dos direitos individuais, a liberdade, a segurança pública , o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Pluralista é uma sociedade em que todos os interesses são protegidos. Vimos que, no dizer Marçal Justen Filho, “o critério da supremacia do interesse público não permite resolver de modo satisfatório os conflitos…”, isso porque no âmbito das relações jurídicas travadas na sociedade no dia-a-dia vai sempre surgir confrontos entre os interesses de toda ordem, dentre estes, o interesse público com o interesse privado, então, segundo a doutrina clássica, há de prevalecer o interesse público, ou seja, aquele que atende o maior contingente de pessoas. Portanto, é natural que haja a tensão de interesses numa sociedade naturalmente litigiosa. Os interesses entram em conflito não porque são estanques; absolutamente separados, mas porque fazem parte de uma composição harmônica de modo que jamais eles se anulam e sim se complementam, pois são indissociáveis o interesse público do privado. Nessa esteira, Humberto Àvila ensina que “O interesse privado e o interesse público estão de tal forma instruídos pela Constituição brasileira que não podem ser separadamente descritos na análise da atividade estatal e de seus fins. Elementos privados estão incluídos nos próprios fins do Estado (p. ex. preâmbulo e direitos fundamentais). Exagerando: o interesse privado é um ponto de vista que faz parte do conteúdo de bem comum da Constituição”. Em vez de uma relação de contradição entre os interesses privado e público há, em verdade, uma conexão estrutural[9]. A unidade de interesses também é esplanada nos ensinamentos da ilustre autora Maria Sylvia Zarnella Di Pietro, que diz que existem normas de direito privado que objetivam defender o interesse público ( como as concernentes ao Direito de Família) e existem normas de direito público que defendem também interesses dos particulares (como as normas de segurança pública, saúde, censura, disposições gerais atinentes ao poder de polícia do Estado e normas no capítulo da Constituição  consagrado aos direitos fundamentais do homem.[10] Se eles – o interesse público e o privado – são conceitualmente inseparáveis, a prevalência de um sobre outro fica prejudicada, bem como a contradição entre ambos. A verificação de que a administração deve orientar-se sob o influxo de interesses públicos não significa, nem poderia significar, que se estabeleça uma relação de prevalência entre os interesses públicos e privados. Interesse público e os interesses privados não estão principalmente em conflito, como pressupõe uma relação de prevalência[11]. É comum encontrar doutrina que discorre sobre essa matéria sem se utilizar de um raciocínio científico, lógico e coerente, ora uns autores realçam a supremacia com base no interesse público, ora dizem que deve haver um abrandamento na análise dessas questões uma vês que os interesses não se sobrepõem uns aos outros. A concepção clássica defende que essa ideia de interesse absoluto não se sustenta perante uma interpretação à luz da Constituição, o que leva a falta de coerência e cientificidade nos seus fundamentos. É justamente essa falta de metodologia faltante ao tema que faz com os autores não utiliza um rigor maior na sua linha de raciocínio, uma hora tratam como princípio, outra como postulado; além de ora considerar a flexibilidade da supremacia, ora realçar seu viés absoluto numa mesma obra doutrinária. Cita-se Luiz Roberto Barroso como exemplo de coerência e exposição dos argumentos condizentes com a perspectiva atual do princípio, que diz “que no atual marco do Estado Democrático de Direito, pautado, sobretudo, pelas noções de centralidade e supremacia da Constituição, a concretização do interesse público, muitas vezes, é consumada pela satisfação de determinados interesses privados. O interesse público se realiza quando o Estado cumpre satisfatoriamente o seu papel, mesmo que em relação há um único cidadão (que evidencia a transformação pragmática que vem passando o Direito Administrativo e seus respectivos pilares)”[12]. Ao dizer que o Estado cumpre o seu papel mesmo que em relação há um único cidadão, o notável autor e Ministro do STF está seguindo a linha da relativização da supremacia do interesse público, retirando a conotação absoluta do princípio como quer e ensina alguns doutrinadores. A solução do prestígio ao interesse público é tão perigosa para a democracia quanto todas as fórmulas semelhantes adotadas em regimes totalitários (o espírito do povo alemão ou o interesse do povo soviético). Bem por isso, todos os regimes democráticos vão mais além da fórmula da supremacia e indisponibilidade do interesse público. Esse é um pressuposto norteador das escolhas, mas há critérios de outra natureza que se impõem como parâmetro de controle das decisões administrativas”. [13] O descabimento da invocação vazia de um interesse público distinto e separado, segundo ensinamento de Marçal Justen Filho, se dá porque “o crintério da supremacia do interesse público apresenta utilidade reduzida, uma vez que não há um interesse única a ser reputado como supremo. O critério da supremacia do interesse público não permite resolver de modo satisfatório os conflitos, nem fornecer um fundamento consistente para as decisões administrativas. Mas ainda, a determinação do interesse a prevalecer e a extensão dessa prevalência dependem sempre da avaliação do caso concreto. Trata-se de uma questão de ponderação entre princípios e regras”.  Nessa esteira Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ao tratar de interesse público, dispõe o seguinte: “as normas de direito público, embora protejam reflexamente o interesse individual, tem o objetivo primordial de atender ao interesse público, ao bem-estar coletivo. Além disso, pode-se dizer que o direito público somente começou a se desenvolver quando, depois de superados o primado do Direito Civil (que durou muito tempo) e o individualismo que tomou conta dos vários setores da ciência, inclusive a do Direito, substituiu-se a ideia do homem com fim único do direito (próprio do individualismo) pelo princípio que hoje serve de fundamento para todo o direito público e que vincula a Administração em todas as suas decisões: o de que os interesses públicos tem supremacia sobre os individuais”. Portanto, quanto ao papel do interesse privado nas finalidades do estado ou na realização do bem comum, é de crucial importância perceber que não é o interesse privado menos importante e que deve ser preterido em toda ocasião em que se chocar com outros interesses. Para realçar melhor essa ideia fazemos citações da doutrina de Marçal Justen Filho[14]:  “a proteção atribuída ao direito subjetivo privado prevalece ainda quando estiver em jogo um interesse oposto que se configure como ‘interesse público’. Apenas haverá limites aos direitos subjetivos privados em face do interesse público na medida em que assim estiver previsto e determinado na ordem jurídica.” Mesmo para os casos em que o interesse público se sobrepujar sobre o privado, não significa dizer que há uma eliminação absoluta do referido direito. Marçal cita como exemplo o instituto da desapropriação que mesmo se impondo ao interesse do particular tem que obedecer a alguns requisitos legais para garantir que o bem não seja confiscado. Ademais, vale ressaltar que o a desapropriação só é válida porque prevista expressamente pelo ordenamento. Conclui-se que, não é uma simples conveniência do Estado que eliminará um direito subjetivo privado, pois a Constituição Federal resguarda ao direito subjetivo a oponibilidade não só a lei, mas também ao ato administrativo. O que se combate é a postura não democrática de promover o sacrifício dos interesses não estatais, sem maior preocupação, mediante a mera e simples invocação da conveniência estatal (denominada interesse público).[15] 4. IMPLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDASDE NA RELAVIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SUPREMACIA PÚBLICO. O bem comum é a composição harmônica do bem de cada um com o de todos, não havendo razão para uma sobreposição absoluta como defendida pela doutrina clássica. O Supremo Tribunal Federal vem manifestando entendimento de que qualquer medida decisória deve obedecer ao “princípio” da proporcionalidade e razoabilidade quando estiver em questões decorrentes do direitos e garantias individuais. Nesse diapasão é que o princípio da proporcionalidade e razoabilidade entram em cena propiciando uma análise mais ponderada dos interesses em questão e assim buscar equilíbrio o que é mais compatível com a idéia de Estado Democrático de Direito em que interesses individuais e coletivos coexistem e convivem harmoniosamente formando o bem comum. A relativização do princípio da supremacia do interesse publico sobre o interesse privado advém justamente da consideração desse método de aplicação dos princípios o qual faz uso da ponderação o intérprete do Direito para alcançara unidade estabelecida pelo ordenamento jurídico. Considerando o princípio da proporcionalidade um postulado, e não um princípio, e defendendo a tese de esse método é condição para a realização do Direito, Humberto Ávila[16] assim discorre: “Outro argumento a excluir um fundamento de validade a esse princípio de supremacia é a parcial incompatibilidade com postulados normativos extraídos de normas constitucionais, sobretudo com os postulados normativos da proporcionalidade e da concordância prática, hoje aceitos pela doutrina e jurisprudência brasileiras. Sendo o Direito o meio mediante o qual são estabelecidas proporções entre bens jurídicos exteriores e divisíveis, deve ser estabelecida uma medida limitada e orientada pela máxima realização.” Não se pode afirmar de modo generalizado e abstrato, algum tipo de supremacia absoluta produzida aprioristicamente em favor de algum titular de posição jurídica. Nem o Estado nem quaisquer sujeitos privados são titulares de posição jurídica absolutamente privilegiada em face de outrem. Todo e qualquer direito, interesse, poder, competência ou ônus são – limitados sempre pelos direitos fundamentais. Nenhuma decisão administrativa ofensiva dos direitos fundamentais pode ser reconhecida como válida. A idéia de um interesse público como um fim em si mesmo decorre talvez, segundo Celso de Mello, do fato “de que o Direito Administrativo é um Direito concebido em favor do Poder, a fim de que ele possa vergar os administrados”. No mesmo trecho o Eminente autor continua, “conquanto profundamente equivocada e antiética à razão de existir do Direito Administrativo, esta é a suposição que de algum modo repousa na mente das pessoas”.[17] É essa é a razão primordial que faz o Direito Administrativo ser encarado erroneamente, pois, ao surgir, foi encarado como um direito “excepcional”, que discrepava do “direito comum”, isto é, do direito privado, o qual, até então, era, com ressalva apenas do Direito Penal, o único que se conhecia. Com efeito, o Direito Administrativo tal como foi sendo elaborado, pressupunha a existência, em prol do Estado, de prerrogativas inexistentes nas relações entre os particulares, as quais, então, foram nominadas de “exorbitantes”, isto é, que exorbitavam dos direitos e faculdades que se reconheciam aos particulares em suas recíprocas relações[18]. Daí tem-se a ideia difundida que a posição de supremacia, extremamente importante, é muitas vezes metaforicamente expressada através da afirmação de que vigora a verticalidade nas relações entre Administração e particulares; ao contrário da horizontalidade, típica das relações entre estes últimos”. Essa ideia de verticalidade é que leva a concepção distorcida quando em jogo interesses públicos e privados, levando a crer que o aquele sobressalta em importância este. Apesar de compreensível que os privilégios e prerrogativas sirvam de instrumentos para a Administração Pública bem realizar suas funções, não devemos esquecer a importância dos Direitos e Garantias Fundamentais. Quanto a esses instrumentos, Bandeira de Mello alerta par o seguinte, que sem dúvida informam a atuação administrativa, de modo algum autorizariam a supor que a Administração Pública, escudada na supremacia do interesse público sobre o interesse privado, pode expressar tais prerrogativas com a mesma autonomia e liberdade com que os particulares exercitam seus direitos. É que a Administração exerce função: a função administrativa.[19] “Quem exerce ‘função administrativa’ está adstrito a satisfazer interesses públicos, ou seja, interesses de outrem: a coletividade. Por isso, o uso das prerrogativas da Administração é legítimo se, quando e na medida indispensável ao atendimento dos interesses públicos; vale dizer, do povo, porquanto nos Estados Democráticos o poder emana do povo e em seu proveito terá de ser exercido”[20]. É entendimento cogente que o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado constitui um dos pilares do Direito Administrativo. As relações jurídicas desse ramo do Direito são travadas entre o particular e a Administração Pública, aquele age na defesa de seu interesse pessoal e está em nome de toda sociedade. Assim, no choque entre o interesse privado e o interesse público deve prevalecer o interesse que Administração defende.  Ocorre que esse assunto merece questionamento quanto os seus fundamentos. Seria o princípio da supremacia do interesse público sempre prevalente sobre o interesse privado tão somente por tutelar o direito da coletividade (?) e quanto o posicionamento e relevância dos direitos e garantias individuais na Constituição Federal: Afinal, nossa Carta Magna é também codenominada de Constituição Cidadã justamente pela importância dada em seu corpo textual aos direitos individuais. Então, como fica sua observância por parte da Administração Pública. A resposta a esse questionamento está na relativização desse princípio com relação a sua visão incipiente. A sua força jurídica no ordenamento jurídico é a mesma de qualquer outro princípio, pouco importando ser eles implícitos ou explícitos, ou seja, aquele acepção abstrata de ser o interesse público absoluto é o fim em si mesma. Sendo assim, retomando o fio a meada, a supremacia do interesse público deve conviver com os direitos fundamentais dos cidadãos não os colocando em risco, sendo o princípio da proporcionalidade e razoabilidade balizadores no qual exigem que o meio e o fim estejam em uma relação de proporção, é nesse norte que os direitos e garantias individuais devem ser rigorosamente respeitados por todos, mormente pelo administrador público, por mais que este tenha o dever precípuo de buscar a satisfação de um interesse coletivo. “Como resultado prático, a afirmação da supremacia e indisponibilidade do interesse público propicia apenas a atribuição ao governante de uma margem indeterminada de autonomia para impor suas escolhas individuais. Ou seja, o governante acaba por escolher a solução que bem lhe apraz, justificando-a por meio da expressão supremacia do interesse público, o que é incompatível com a própria função reservada ao direito administrativo[21]. O princípio da razoabilidade e proporcionalidade entram em cena para propiciar, quando da ponderação dos interesses pelo aplicador do direito, bem como administrador público, um equilíbrio a fim que se possa chegar num Estado ideal e democrático, onde interesse individuais e coletivos coexistem, ou ainda, convivem harmoniosamente. Sendo assim, diante dessas duas visões, a clássica e a moderna, ver-se que a ideia de supremacia não é absoluta, pois, diante de uma visão sistemática da Constituição Federal, sua aplicação deve se utilizar do método da concordância prática, ou seja, com base na ponderação baseada nos princípio da razoabilidade e proporcionalidade. O princípio da concordância prática afirma que as normas constitucionais devem ser interpretadas em uma unidade de modo a evitar contradições entre elas. Entre o choque de normas, então, quando houver na análise de determinado caso concreto a solução está no método em que se extrai a aplicação máxima dos princípios e a que mais se adéqua a realização dos propósitos constitucionais. Não há ipse facto uma prevalência cega e rígida do interesse público, o que é há uma ponderação de princípios e a escolha daquele que mais está em consonância com a Constituição. O núcleo do direito administrativo não é o poder (e suas convenências), mas a realização dos direios fundamentais. Qualquer invocação genérica do interesse púnlico deve ser repudiada por ser incompatível com o E#stado Democrático de Direito. Não se trata de defender o direito privado de forma individualista ao ponto de sustentar uma tese defensiva da supremacia do indivíduo em face da coletividade, é importante ressaltar que, como ensina Marçal Justen Filho, Reconhece-se a integridade individual, mas de todos os indivíduos. O interesse da maioria é digno de maior proteção do que o interesse de uma quantidade menor de particulares. O que não se admite é a diluição dos direitos fundamentais (mesmo de minorias) em virtude da existência de incerto e indefinido interesse público. 5 CONCLUSÃO Conclui-se que como princípio gera, o princípio da supremacia possui não só um conteúdo indeterminável, como inconciliável com os interesses privados. Tal princípio se pudesse ser descoberto por meio de análise conjunta de vários dispositivos, teria certamente um conteúdo de sentido bem diverso de uma supremacia de interesse público sobre o particular. Essa prevalência colocada em termos absolutos por alguns administrativistas colide com a análise sincrônica do Direito, exigida pela unidade da Constituição ou do sistema jurídico. Portanto, os interesses públicos e privados não necessariamente estão em conflito, como pressupõe uma relação de prevalência, por ser inseparável no conceito, é importante destacar, por fim que, o interesse público como finalidade de atividade estatal e supremacia do interesse público sobre o particular não denotam o mesmo significado.
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A responsabilidade civil extracontratual do estado por omissão nas relações de trânsito
O presente artigo busca estabelecer como se dão os contornos legais, doutrinários e jurisprudenciais acerca da responsabilidade civil extracontratual do Estado, por omissão, nos casos que envolvam relações de Trânsito.
Direito Administrativo
Introdução O Direito Administrativo moderno admite a responsabilidade estatal pelos danos causados aos particulares no desempenho das suas funções. Embora nem sempre tenha sido assim, como se verá, em um Estado pautado pela legalidade e pelo respeito à dignidade da pessoa humana não se poderia cogitar da impossibilidade de ressarcimento, por parte do Estado, aos particulares lesados. Este trabalho buscará traçar, inicialmente, como esta responsabilidade estatal se dá. Se imprescinde da análise do elemento culpa, ou, ao revés, se ocorre de forma objetiva, bem como quais os fundamentos que escoram as posições em um ou em outro sentido. Posteriormente se buscará delimitar, dentro do modelo traçado, como se dá a responsabilidade do Estado especificamente nos casos de omissões nas relações de trânsito. A relevância deste corte metodológico não é preciosismo acadêmico, ao contrário, traz enormes consequências práticas. Com efeito não são raros os exemplos nas vias de rodagens e avenidas do país da observância de desníveis, buracos, entulhos, má-sinalização, animais na pista, ausência de equipamentos públicos, etc. que decorrem da omissão estatal no sentido de manter e fiscalizar a segurança que se espera no trânsito. São casos em que o Estado simplesmente deixa de atuar propiciando, ainda que indiretamente, riscos aos particulares que se utilizam do trânsito. Nestes casos, em que o Estado deveria atuar no sentido de garantir e fiscalizar um trânsito seguro, mas não o faz, em caso de dano, como se dará a responsabilização estatal? De forma objetiva? Subjetiva? Haverá a necessidade de o particular provar a culpa estatal? Este será um ônus seu?  Este trabalho buscará, nas linhas seguintes, estabelecer os contornos legais, doutrinários e jurisprudenciais do tema. 1- A responsabilidade civil extracontratual do Estado. A responsabilidade civil extracontratual do Estado nem sempre foi reconhecida, tendo evoluído ao longo do tempo até ser considerada em maior ou menor grau. Esta evolução se reflete na adoção de três fases teóricas, a saber: a fase da teoria da irresponsabilidade; a fase das teorias civilistas e a fase das teorias publicistas. Vejamos. 1.1.- Fase da irresponsabilidade do Estado. Antes do surgimento do Direito Administrativo, portanto, até ao menos a metade do século XIX, e, notadamente, nos Estados Absolutistas, o Estado não poderia jamais ser responsabilizado por seus atos já que predominava o ideal de que o rei nunca errava. Essa situação resultava de uma concepção político-teológica que sustentava a origem divina do poder. Os governantes eram considerados representantes de Deus na terra, escolhidos e investidos diretamente pela própria divindade, por isso eventuais prejuízos causados pelo Estado deveriam ser atribuídos à providência divina. Além disso, tinha-se o entendimento de que todos os componentes do corpo social se beneficiavam da segurança e dos demais serviços prestados pelo Estado, motivo pelo qual todos, igualmente, deveriam suportar os ônus decorrentes das atividades estatais. É certo que na França, já no ano de 1800, foi editada uma lei que tratava do ressarcimento por danos oriundos de obras públicas[1]. Porém, não se tratava ainda de reconhecer aí a responsabilidade por atos ilícitos do Estado. Se ato ilícito houvesse a ensejar indenização, esta seria da responsabilidade pessoal do agente causador do dano. Desta forma, a responsabilidade existiria em nome próprio e não como prepostos, como agentes do Estado. Diógenes Gasparini assim discorre sobre esta fase: “A fase da irresponsabilidade civil do Estado vigorou de início em todos os Estados, mas notabilizou-se nos absolutistas. Nestes, negava-se tivesse a Administração Pública a obrigação de indenizar os prejuízos que seus agentes, nesta qualidade, pudessem causar aos administrados. Seu fundamento encontrava-se em outro princípio vetor do Estado absoluto ou Estado de polícia, segundo o qual o Estado não podia causar males ou danos a quem quer que fosse[2]”. A teoria da irresponsabilidade estatal vigorou na França até meados do século XIX, sobretudo quando, por volta de 1873, o Tribunal de Conflitos julgou o famoso “Caso Blanco”, considerado pela doutrina como um dos marcos históricos da consolidação do Direito Administrativo. De fato, o Tribunal de Conflitos, órgão da estrutura francesa que decide se uma causa vai ser julgada pelo conselho de Estado ou pelo Poder Judiciário, em 8 de fevereiro de 1873, analisou o caso da menina Agnes Blanco que, brincando nas ruas da cidade de Bordeaux, foi atingida por um pequeno vagão da Companhia Nacional de Manufatura de Fumo. O Aresto Blanco foi o primeiro posicionamento definitivo favorável à condenação do Estado por danos decorrentes do exercício das atividades administrativas. Por isso, o ano de 1873 pode ser considerado o divisor de águas entre o período da irresponsabilidade estatal e a fase da responsabilidade subjetiva. Cumpre esclarecer, ainda, e conforme Hely Lopes Meirelles salienta, que alguns países de grande desenvolvimento só recentemente abandonaram a doutrina da irresponsabilidade do Estado. Os Estados Unidos da América, por exemplo, fizeram-no por meio de precedente, apenas em 1946, o mesmo ocorrendo na Inglaterra somente no ano de 1947[3]. 1.2- Fase das Teorias Civilistas. Sob influência do liberalismo restou superada a teoria da irresponsabilidade e se evoluiu para as teorias civilistas, as quais levavam em conta o elemento “culpa” para que se pudesse falar em responsabilidade. Eram, portanto, teorias acerca da responsabilidade subjetiva do Estado. Estas teorias de responsabilidade subjetiva estavam apoiadas na lógica do Direito Civil, na medida em que o fundamento da responsabilidade era a noção de culpa. Daí a necessidade de a vítima comprovar a ocorrência simultânea de quatro requisitos: a) ato; b) dano; c) nexo causal; d) culpa ou dolo. Isto é, para a teoria subjetiva era sempre necessário demonstrar que o agente público atuou com intenção de lesar (dolo) ou com negligência, imprudência, imperícia. Equiparava-se, portanto, o Estado ao particular para efeitos de indenização, procurando-se um agente culpado que justificasse a responsabilização. Na fase das teorias civilistas, o exame da culpa do agente estatal era feito segundo os mesmos parâmetros de avaliação da culpa dos particulares, isto é, o Estado e o particular eram, assim, tratados de forma igual. Ambos, em termos de responsabilidade patrimonial, respondiam conforme o direito privado, apenas se houvessem se comportado com culpa ou dolo. Caso contrário, não respondiam. Sem a demonstração da culpa do agente Estatal, nada seria apurado e nenhuma responsabilização seria devida. Como assinala Mazza, embora tenha representado grande avanço em relação ao período anterior, a teoria subjetiva nunca se ajustou perfeitamente às relações de direito público diante da hipossuficiência do administrado frente ao Estado. A dificuldade da vítima em comprovar judicialmente a ocorrência de culpa ou dolo do agente público prejudicava a aplicabilidade e o funcionamento prático da teoria subjetiva. Foi necessário desenvolver uma teoria adaptada às peculiaridades da relação desequilibrada entre o Estado e o administrado[4]. É a partir desta constatação que se desenvolvem teorias publicistas, mas afetas ao regime público a que se submete o Estado. Vejamos. 1.3- Fase das teorias Publicistas. As teorias publicistas podem ser divididas de acordo com a evolução histórica que a responsabilização estatal sofreu. Vejamos. 1.3.1- Teoria da culpa Administrativa Seguindo a evolução, passou-se a entender que a responsabilidade do Estado não poderia ser regida pelas regras comuns do Código Civil, porquanto deveria ser levada em conta a atuação ininterrupta estatal com prerrogativas sobre os particulares. Buscou-se então um regime especial a ser aplicado ao Estado, observadas as peculiaridades de sua atuação. Isto é, a solução civilista preconizada pela teoria da responsabilidade patrimonial com culpa, embora representasse um progresso em relação à teoria da irresponsabilidade patrimonial do Estado, não satisfazia os interesses de justiça. De fato, exigia-se muito dos administrados, pois o lesado tinha de demonstrar, além do dano, que ele fora causado pelo Estado e a atuação culposa ou dolosa do agente estatal. A primeira teoria publicista baseou-se na chamada “culpa administrativa” ou “acidente administrativo” decorrente da doutrina francesa (faute du service). Para ela a culpa a ser perquirida seria a culpa do serviço, isto é, quando o serviço não existiu, quando funcionou mal ou mesmo quando este atrasou, não se indagando acerca da culpa individual do agente. Sucede que, ainda apegada ao elemento culpa, trata-se de responsabilidade subjetiva do Estado que ocorrerá quando o serviço público simplesmente não funciona, ou, ainda, funciona de forma precária e insatisfatória. Dessa forma, fundamenta-se na culpa do próprio serviço denominada “culpa anônima”, já que não é preciso individualizá-la. Caberá, portanto, à vítima a comprovação da não prestação do serviço ou de sua prestação ineficiente, insatisfatória, a fim de ficar configurada a culpa do serviço e, consequentemente, a responsabilidade do Estado. Procurou-se, portanto, centrar a obrigação de indenizar na culpa do serviço sempre que este não funcionava, funcionava mal ou mesmo funcionava atrasado (devendo funcionar em tempo). O êxito do pedido de indenização ficava, dessa forma, condicionado à demonstração, por parte da vítima, de que o serviço se houvera com culpa, embora fosse dispensada a prova da culpa individual do agente administrativo[5]. A teoria da culpa administrativa representou um meio termo na transição da teoria da responsabilidade subjetiva para a responsabilidade objetiva do Estado, e pode ser encontrada ainda hoje, segundo entendimento doutrinário, na disciplina da responsabilidade civil do Estado nos casos de omissão, conforme se verá em tópico próprio do presente trabalho. 1.3.2- Teoria do Risco Administrativo. A evolução do tema da responsabilidade do Estado levou a uma gradativa substituição da ideia de “culpa administrativa” pela de “risco administrativo”, passando-se a reconhecer hipóteses de responsabilidade objetiva por parte do Estado. Aqui não se fala mais em culpa ou falta do serviço por parte da Administração Pública, que responderá quando ocorra dano produzido por um agente estatal no desempenho de uma função pública (nexo causal). Não se exige mais a falta do serviço, pois o próprio fato do serviço por si só já vincula o Estado ao eventual dano produzido. Pela Teoria do Risco Administrativo, a noção de culpa é substituída pela de nexo causal entre o comportamento do Estado e o dano sofrido pelo particular, sem se cogitar da culpa do serviço, tampouco da culpa do agente específico. Ela toma por base os seguintes aspectos: O risco que a atividade administrativa potencialmente gera para os administrados e a necessidade de se repartir, entre todos, os benefícios gerados pela atuação estatal, mas também os encargos decorrentes de sua atuação. Isto é, a teoria leva em conta o risco que a atividade do Estado proporciona para os particulares. Desta forma, quando uma pessoa sofre um ônus maior do que o suportado pelas demais, rompe-se o equilíbrio que necessariamente deve haver entre os encargos sociais. Para restabelecer esse equilíbrio o Estado deve indenizar o prejudicado utilizando recursos do erário público. Porém, é preciso atentar que o risco administrativo é uma teoria que apesar de lastreada na responsabilidade objetiva, admite excludentes e atenuantes que rompem com o nexo causal entre a conduta e o resultado lesivo. Ou seja, a responsabilidade fica diminuída ou até mesmo afastada se restar provado que a vítima concorreu, parcial ou totalmente, para o evento danoso, ou de que houve culpa de terceiro ou, ainda, motivo de força maior, e na hipótese de caso fortuito. Observada a evolução histórica da responsabilização estatal, passemos a observar como esta se encontra disciplinada em nosso ordenamento. Vejamos. 2 – A Responsabilidade extracontratual do Estado segundo o Direito Brasileiro 2.1- Evolução. A teoria da irresponsabilidade do Estado jamais foi adotada no Brasil. No entanto, em sua primeira fase, o Direito Brasileiro adotou as teorias civilistas fundadas na responsabilidade subjetiva, tal como previsto no art.15 do Código Civil de 1916. Com o advento da Constituição de 1934, o direito brasileiro afastou a ideia de culpa advinda das teorias civilistas, contemplando a culpa sob regime publicístico (culpa anônima). A responsabilidade do Estado continuou sendo apenas subjetiva, ainda que distinta do direito privado, situação mantida com a Constituição de 1937. Somente com a Constituição de 1946, passou-se a adotar no Brasil, além da responsabilidade subjetiva, também a responsabilidade objetiva do Estado, conforme previsto em seu art.194, cuja redação excluía a ideia comum de culpa disposta no Código Civil. Tal modelo perdurou com as Constituições de 1967/69 e 1988, com o acréscimo da possibilidade de ação regressiva contra o funcionário causador do dano, bem como da responsabilidade das pessoas jurídicas privadas prestadoras de serviços públicos. 2.2- Modelo atual. A responsabilidade extracontratual do Estado atualmente encontra previsão na norma do art.37, §6º, da Constituição Federal de 1988, vazada nos seguintes termos: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. O novo Código Civil (Lei 10.406/2002), em seu artigo 43, passou a disciplinar o tema em estrita conformidade com a Carta Magna estabelecendo, portanto, a regra da responsabilidade objetiva do Estado. Sucede que, mesmo com as previsões acima expostas a doutrina e jurisprudência vêm entendendo que ainda existe espaço, no nosso Direito, para a teoria da culpa administrativa, em especial no caso de omissão estatal, conforme se verá. 2.2.1- Responsabilidade objetiva do Estado. É a regra geral para os atos praticados pela Administração Pública, consistente na obrigação de indenizar em razão de um procedimento lícito ou ilícito que produziu uma lesão na esfera juridicamente protegida de outrem. Para configurá-lo basta a existência de um dano e um nexo que o ligue ao Estado, por força expressa do mandamento constante no art.37, §6º da Constituição da República. Todavia, como visto, a teoria do risco administrativo admite hipóteses excludentes da responsabilidade, fundadas na culpa exclusiva da vítima, culpa exclusiva de terceiro, caso fortuito ou força maior. Admite, ainda, a atenuação da responsabilidade estatal se houver culpa concorrente da vítima, conforme acima explicitado. Nesse prisma, já decidiu o colendo Supremo Tribunal Federal que: “O princípio da responsabilidade objetiva não se reveste de caráter absoluto, eis que admite o abrandamento e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade civil do Estado, nas hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias – como o caso fortuito e a força maior; ou evidentemente de ocorrência de culpa atribuível à própria vítima [6]”. Ademais, esclareça-se que a responsabilidade objetiva de sede constitucional não abarca apenas as pessoas Jurídicas de Direito Público, como, também, às pessoas jurídicas de Direito Privado, pertencentes à estrutura Estatal ou não (uma concessionária ou permissionária, por exemplo, está abarcada pela responsabilização objetiva, inclusive quanto a terceiros não usuários do serviço[7]) desde que prestadoras de Serviço Público. Em suma, estas pessoas respondem independentemente de culpa pelos danos que seus agentes, nesta condição, causarem a terceiros. É, portanto, a teoria do risco administrativo a regra em nosso ordenamento. 2.2.2- Responsabilidade Subjetiva do Estado. Esta teoria, na linha de pensamento seguida por grande parte da doutrina pátria[8], é aplicada em relação aos atos omissivos do Estado, o que ocorre quando o serviço público não funciona ou não funciona bem. Nesses casos, não se poderia aplicar simplesmente a teoria da responsabilidade objetiva, não bastando a mera relação causal entre a ausência do serviço e o dano produzido. Isto é, em se tratando de conduta omissiva, somente quando o Estado tivesse o dever legal de impedir a ocorrência do dano é que seria responsável civilmente e obrigado a reparar os prejuízos. A consequência, desta maneira, reside em que a responsabilidade civil do Estado, no caso de conduta omissiva, só se desenhará quando presentes estiverem os elementos que caracterizam a culpa. A culpa origina-se, na espécie, do descumprimento do dever legal, atribuído ao Poder Público, de impedir a consumação do dano[9]. De fato, alegam respeitados doutrinadores, eventual responsabilidade estatal objetiva, nos casos de atos omissivos, poderia determinar verdadeiro caos na hipótese de o Estado ser chamado a responder por todo evento danoso que não tenha causado diretamente. Seria transformar o Estado em uma espécie de segurador universal imputando-lhe a culpa por tudo que desse errado na vida cotidiana das pessoas. Salientando a importância do tema, Sylvio Motta e William Douglas asseveram que “através da habilidade de mentes instruídas e quase geniais, é possível criar em quase todo prejuízo de uma pessoa ou grupo econômico alguma relação com a Administração, seja por sua ação ou omissão[10]”. Trata-se, ressalte-se, de culpa anônima, ou seja, não individualizada, caracterizada pela falta do serviço. Isto é, a omissão não se daria pela culpa do agente, mas de todo o serviço que deixou de funcionar, permitindo o dano[11]. Assim, poder-se-ia cogitar de responsabilidade estatal por omissão, quando da ocorrência de um fato da natureza cujas consequências o poder público não evitou, quando possível e quando devesse fazê-lo, como o alagamento de uma casa por chuvas previsíveis, e se ficar demonstrado que a realização regular de determinados serviços de limpeza dos rios ou bueiros e galerias de águas pluviais teria sido suficiente para impedir a enchente, ou, ainda, diante de comportamentos de terceiros cuja atuação lesiva não foi impedida pelo Estado quando este podia e devia agir, um roubo realizado diante de uma guarnição policial, por exemplo. Em ambos casos, não se cogita de culpa de um agente específico, mas de todo o serviço público que falhou. Registre-se, por fim, que esta é uma construção doutrinária, capitaneada pelo ilustre Celso Antônio Bandeira de Mello[12], mas sem qualquer amparo legal, posto que nem o texto constitucional e nem a legislação pátria fazem tal divisão. Vencidos os aspectos introdutórios ingressaremos agora no corte metodológico proposto por este artigo. Isto é, passaremos a analisar a responsabilidade estatal, com destaque para os casos de omissão nas relações de trânsito. É o que veremos a seguir. 3- A responsabilidade extracontratual por omissão nas relações de trânsito 3.1- Contorno legal sobre a responsabilidade civil estatal, por omissão, nas relações de trânsito. O presente tópico destina-se a analisar qual tratamento foi dado, pelo legislador pátrio, à responsabilidade civil do Estado nas relações de trânsito, e mais especificamente às omissões estatais quando causadoras de danos à particulares. A resposta, sem dúvida alguma é dada pelo Art. 1°, § 3º do Código de Trânsito Brasileiro, que de forma enfática informa: “Os órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito respondem, no âmbito das respectivas competências, objetivamente, por danos causados aos cidadãos em virtude de ação, omissão ou erro na execução e manutenção de programas, projetos e serviços que garantam o exercício do direito do trânsito seguro”. Inicialmente, cumpre observar que andou de forma pouco técnica o legislador pátrio. De fato, sabemos que os órgãos não possuem personalidade jurídica, de modo que não podem ser responsabilizados civilmente. Isto é, como referido no tópico anterior, são as entidades a que estão ligados que serão responsáveis por eventual indenização. A despeito da imprecisão técnica acima observada não parece haver dúvidas, a responsabilidade pelas omissões do Estado é objetiva. Isto é, o dispositivo é claro e ainda que por uma interpretação hermenêutica simplista, literal, não parece haver margem para divergências. Presentes o dano e o nexo causal, não há que se falar da análise da culpa ou não, seja do Estado como entidade jurídica, ou, menos ainda, de algum dos seus agentes de forma específica. Esse entendimento é igualmente difundido em meio doutrinário, de modo a não prejudicar a pretensão deduzida na sua substância de reparação do dano. Tomemos como exemplo: “Em suma, ocorrerá esta modalidade de responsabilidade quando o Estado, embora não atue diretamente no dano, faz surgir a situação propiciadora do risco. Aqui a responsabilidade também será objetiva (…) haverá a responsabilidade do Estado, por esta hipótese, quando ocorre um acidente de trânsito causados por problemas nos semáforos[13]”.Também é a opinião de José Aras ao afirmar que: “O código de Trânsito, por sua vez, estabelece a responsabilidade do Estado (de acordo com suas respectivas competências) quanto aos danos decorrentes de ação, omissão ou erro na execução e manutenção de programas, projetos e serviços que garantam o exercício do direito ao trânsito seguro, ocasionando o direito a indenização baseada na responsabilidade objetiva do Estado[14]”. Abordado o aspecto legal da responsabilidade estatal por omissão nas relações de trânsito, cabe situar esta previsão no contexto doutrinário acima especificado. Isto é, foi dito que prevalece em nossa doutrina a ideia de que a responsabilidade estatal é objetiva para as ações do Estado, pelos comportamentos comissivos, enquanto que prevalece a ideia da responsabilização estatal subjetiva (por culpa anônima) para as omissões estatais. Como compatibilizar este entendimento com a disposição legal acima citada? É o que se espera abordar no próximo tópico. 3.2- Situações especiais: responsabilidade objetiva nos casos de omissão estatal. Como referido, predomina na doutrina pátria a ideia de que o Estado deve responder subjetivamente pelos seus atos omissivos, com fundamentos expressos em tópico próprio deste trabalho. Sucede que existem hipóteses, no entanto, em que mesmo nos casos de danos decorrentes da omissão estatal será objetiva a sua responsabilidade[15], aplicando-se a teoria do risco administrativo, isto é, sem a análise da presença ou não de culpa do serviço. Estas situações especiais se dão nas hipóteses em que o Estado não é o causador direto do dano, e sim indireto, de maneira que a Administração propicia uma situação que gera risco de dano, prevista na Constituição ou em lei, ou ainda porque presente uma situação de custódia. De fato, hipóteses existem em que a própria Constituição ou norma infraconstitucional reconhece que o Estado deve agir, e mesmo não sendo o causador direto do dano é reconhecida a responsabilidade objetiva pela situação que gerou o risco do prejuízo. Isto é, hipóteses em que o Estado não é o causador direto do dano, mas sim indireto. É o que ocorre, por exemplo, quando a Constituição Federal imputa responsabilidade objetiva ao Estado por danos nucleares, ainda que derivado de uma conduta omissiva, nos termos do artigo 21, XXIII, d, da Constituição Federal de 1988[16]. É o mesmo o que ocorre na responsabilidade por omissão nas relações de trânsito, por disposição do citado Art. 1°, § 3º do Código de Trânsito Brasileiro, hipótese em que os integrantes do Sistema Nacional de Trânsito respondem objetivamente ainda que o dano decorra da omissão na garantia do direito ao trânsito seguro, como visto. Situações de custódia, por sua vez, representam uma segunda classe de exceções. São casos em que o Estado possui vínculos especiais com certas pessoas, tais como servidores públicos, alunos de escolas públicas, presos mantidos em cadeias e penitenciárias, submetidas, portanto, a regime disciplinar mais rigoroso e que, por consequência, devem seguir parâmetros distintos de responsabilidade por parte do Estado. Assim, se um detento que possui vínculo especial com o Estado, mata ou lesiona outro detento dentro da prisão, o Estado é responsabilizado independentemente de culpa ante a omissão de seus agentes penitenciários[17]. Pode-se citar, ainda, como exemplos a criança vítima de violência dentro de escola pública ou a hipótese de bens privados danificados em galpão da Receita Federal. Nessas hipóteses de vínculo especial a responsabilidade guiar-se-á pela teoria do risco administrativo. A imputação de responsabilidade objetiva pela omissão estatal, é, portanto, situação excepcional dentro da qual se insere a omissão das entidades de trânsito. No entanto, ao contrário do que se possa supor, a disposição literal do Código de Trânsito Brasileiro não representa necessariamente o reconhecimento da responsabilidade por risco administrativo do Estado. Isso se dá porque a jurisprudência não é unânime no reconhecimento da responsabilização independente de culpa, havendo, ao revés, uma enorme controvérsia sobre o entendimento a ser aplicado no caso. É o que veremos a seguir. 3.3- Analise jurisprudencial acerca da responsabilidade estatal por omissão nas relações de trânsito. Conforme adiantado acima, em que pese a dicção literal do dispositivo do Código de Trânsito Brasileiro é possível vislumbrar, na jurisprudência dos nossos tribunais, verdadeira divergência de entendimento de modo que não há uma pacificação sobre o assunto, embora se possa perceber uma evolução jurisprudencial e uma tendência mais contemporânea, conforme se destacará. Passemos então a análise dos julgados. 3.3.1- Posição jurisprudencial a favor da aplicação da responsabilidade subjetiva do Estado. De fato, no âmbito do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça é possível se vislumbrar a adoção da tese da responsabilização subjetiva do Estado por conta de omissões nas relações de trânsito. Importante observar que este entendimento impõe ao particular o ônus de provar a culpa, em sentido lato, do Estado, enquanto que o reconhecimento da responsabilidade objetiva o libertaria do mesmo. São exemplos de julgados que adotaram a tese da responsabilidade subjetiva do Estado, por danos decorrentes de omissões em relações de trânsito: “AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANOS MORAIS DECORRENTES DE ACIDENTE DE TRÂNSITO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO ESTADO. CULPA CONCORRENTE DA VÍTIMA. MATÉRIA SUSCITADA DE MODO INAUGURAL NO AGRAVO REGIMENTAL. ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE NEXO CAUSAL ENTRE O FATO DANOSO E A CONDUTA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE FATOS E PROVAS. 1. A discussão sobre a possibilidade de existência de culpa concorrente da vítima é matéria trazida a debate tão somente neste momento processual. Cuida-se de inovação recursal, insuscetível, portanto, de apreciação. 2. A análise do acervo fático-probatório dos autos é providência incompatível com a via recursal extraordinária, nos termos da Súmula 279/STF. 3. Agravo regimental desprovido”[18]. “ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL AUSÊNCIA DE SINALIZAÇAO EM VIA PÚBLICA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ATO OMISSIVO AUSÊNCIA DE PRECAUÇAO DA CONDUTORA CULPA RECÍPROCA HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SÚMULA 7/STJ. 1. Omissão do Município em conservar de forma adequada a sinalização de trânsito, diante disso, deve ser responsabilizado subjetivamente pelos danos suportados. 2. Parcela de culpa também da condutora, uma vez que deveria ter tomado mais cuidado ao passar por cruzamento não sinalizado, uma vez que a mesma trafegava em pista com sinais horizontais informando a passagem de pedestres, sendo este outro fato que justifica o dever de cuidado. 3. Incidência da Súmula 7 do STJ em face de revisão de honorários advocatícios. 4. Recurso especial em parte conhecido, e nesta parte não provido”[19]. “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO. ACIDENTE DE TRÂNSITO PROVOCADO POR FALHA NA PAVIMENTAÇÃO (BURACO) DE RODOVIA FEDERAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. RITO SUMÁRIO. ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 277, § 5º, DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. CONVERSÃO PARA O RITO COMUM ORDINÁRIO. DESNECESSIDADE. DESPROVIMENTO. 1. A ação de indenização por danos materiais causados em acidente de veículo de via terrestre processar-se-á pelo rito comum ordinário, independentemente do valor da causa (CPC, art. 275, II, d). 2. O art. 277, § 5º, do CPC, autoriza a conversão do rito sumário para o ordinário quando houver necessidade de prova técnica de maior complexidade. 3. O TRF da 1ª Região, com base nos fatos e provas, conclui que: (I) restou caracterizada a responsabilidade civil da recorrente; (II) foram comprovados o ato lesivo, os danos materiais, o nexo de causalidade e a omissão do Estado; (III) não houve culpa (negligência) do motorista no acidente. 4. O conjunto de provas produzidas nos autos (documentos, testemunhas e perícia técnica) foi suficiente para julgar a lide. Portanto, revela-se completamente desnecessária a realização de prova técnica complexa e, assim, totalmente impertinente a conversão do procedimento. 5. Recurso especial desprovido”[20]. Pode-se observar que os referidos julgados, e outros tantos, quando enfrentam o mérito, ainda que como mera fundamentação, não fazem menção expressa à disposição do Código de Trânsito Brasileiro. De fato, limitam-se a destacar a cisão doutrinária acerca da responsabilidade civil por omissão e a necessidade de não se considerar o Estado como um segurador universal. Data vênia, o não reconhecimento da responsabilidade objetiva quando da omissão estatal na relação de trânsito significa discricionariedade judicial, pois faz preponderar argumentos práticos ou sociológicos sobre o direito ao trânsito seguro garantido por lei. Isto é, a lei ao reconhecer a responsabilidade do Estado, quando este se omite, deu ao mesmo tempo uma garantia ao cidadão tanto quanto impôs um dever de agir ainda mais acentuado ao Estado do que o que se observa naturalmente pelo manejo da coisa pública. Argumentos como a ausência de recursos, ou a cláusula da reserva do possível sequer deveriam estar presentes, ante o fato de que, por opção legislativa, a análise da culpa estatal é dispensada. Presente o dano e o nexo (que pode se dar pela ausência de conservação de rodovias e avenidas, a falta de sinalização, entulho na pista, etc.) a responsabilidade civil se impõe. Ante o exposto, percebe-se que a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, por vezes, ignora completamente a disposição do Art. 1°, § 3º do Código de Trânsito Brasileiro preferindo aplicar a este caso específico a regra predominante, em nossa doutrina, de que a responsabilidade pelas omissões estatais é subjetiva, baseada na doutrina da falta do serviço. Este, no entanto, não é um entendimento unânime, restando vezes em que nossos tribunais andam em direção completamente oposta, isto é, no sentido de reconhecer a responsabilidade objetiva do Estado nas omissões relacionadas ao trânsito. É o que se verá. 3.3.2- Posição jurisprudencial a favor da aplicação da responsabilidade objetiva do Estado. Como referido, em que pese o posicionamento acima descrito é possível se observar outros tantos julgados em que se reconhece a responsabilidade estatal objetiva nos casos de omissões nas relações de trânsito, tanto nos nossos tribunais superiores quanto em nível de Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais. São exemplos[21]: “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. ACIDENTE DE TRÂNSITO EM RODOVIA FEDERAL. BURACO NA PISTA. AUSÊNCIA DE SINALIZAÇÃO. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. DESNECESSIDADE. 1. O STJ tem entendimento de não ser obrigatória a denunciação à lide de empresa contratada pela administração para prestar serviço de conservação de rodovias, nas ações de indenização baseadas na responsabilidade civil objetiva do Estado. 2. Agravo Regimental não provido”.[22] “APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS CONTRA O DAER- DEPARTAMENTO AUTÔNOMO DE ESTRADAS E RODAGEM E CONTRA O ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANOS MATERIAIS. CONSERVAÇÃO DE RODOVIA ESTADUAL. BURACO NA PISTA ASFÁLTICA. DAER. NEXO CAUSAL CONFIGURADO. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO STJ. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. CUSTAS PROCESSUAIS. Tratando-se de omissão específica, o regime jurídico aplicável é o da responsabilidade objetiva, prescindindo, a responsabilização, da prova de dolo ou culpa. Assim, provada a má conservação da rodovia estadual, de responsabilidade do DAER, e provado que o buraco nela existente causou o dano no patrimônio dos autores, como no caso dos autos, impõe-se a procedência da demanda. Note-se que o automóvel dos autores teve seus dois pneus danificados quando a família trafegava pela rodovia, durante a noite. Nesse contexto, as provas produzidas – documentais e testemunhais – são suficientes para atestar os fatos narrados, constitutivos do direito de reparação do prejuízo experimentado.”[23] “CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO EM RODOVIA FEDERAL CAUSADO POR UM BURACO NA PISTA. LEGITIMIDADE PASSIVA DO DNIT. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS. VALOR DA CAUSA Restou demonstrado o nexo causal entre a conduta omissiva do DNIT e o dano material suportado pelo autor que, em face de acidente provocado pela má-conservação de rodovia federal, sofreu acidente e teve seu automóvel, bem como o de terceiro bastante danificados”[24]. “ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. DNER. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. MÁ CONSERVAÇÃO DE RODOVIA FEDERAL. BURACOS NA PISTA. SINALIZAÇÃO. AUSÊNCIA. ACIDENTE DE TRÂNSITO. MORTE DE FILHO MENOR. PERDA DE VISÃO DE UM OLHO PELO CONDUTOR. CAPACIDADE LABORATIVA. REDUÇÃO. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS E MATERIAIS.  A Constituição acolhe a teoria da responsabilidade objetiva da Administração por atos de seus agentes, bastando para sua responsabilização que a vítima demonstre o dano e o nexo causal (CF, art. 37, § 6º). Afasta-se, porém, a responsabilidade da Administração em caso de culpa exclusiva da vítima ou de terceiros e ainda na hipótese de caso fortuito ou força maior”[25]. As referidas jurisprudências, muitas das quais recentes, demonstram uma verdadeira evolução jurisprudencial. Isto é, pode-se observar uma evolução no sentido cada vez mais comum de se reconhecer a responsabilidade objetiva do Estado nos diversos casos que envolvem omissão em relações de trânsito, tais como buracos na pista, ausência de sinalização, desnivelamento, entulhos, etc. Quer-se com isso dizer que é possível se vislumbrar, por parte de nossos tribunais, o reconhecimento cada vez mais constante da responsabilidade independente de culpa por parte do Estado em hipóteses nas quais deveria atuar para promover o direito ao trânsito seguro e quedou-se inerte. São estas as considerações acerca da jurisprudência pátria. Conclusão O presente trabalho teve o objetivo, dentro das limitações a que se propôs, de definir qual o regime previsto no ordenamento brasileiro para os casos de responsabilidade extracontratual do Estado, quando verificadas omissões em relações que envolvem situações de trânsito, reguladas, portanto, pelo Código de Trânsito Brasileiro (lei 9503/97) Estabeleceu-se que a legislação de trânsito de forma expressa imputou ao Estado responsabilidade objetiva tanto pelos atos comissivos quanto omissivos dos integrantes do Sistema Nacional de Trânsito, no âmbito de suas competências. Isto é, de forma expressa a legislação impôs aos entes públicos a responsabilização objetiva pelos danos causados aos particulares. Procurou-se, igualmente, compatibilizar a opção legislativa com o tratamento dado à matéria pela doutrina nacional, chegando-se à conclusão que é possível, excepcionalmente, que a própria Constituição ou norma infraconstitucional reconheça que o Estado deve agir, e mesmo não sendo o causador direto do dano lhe imputar a responsabilidade objetiva pela situação que gerou o risco de prejuízo. Isto é, hipóteses em que o Estado não é o causador direto do dano, mas sim indireto, e mesmo assim será responsabilizado de forma objetiva. Demonstramos que apesar da literalidade do dispositivo legal, a jurisprudência pátria não é uníssona no reconhecimento da responsabilidade objetiva por omissão em relações de trânsito. Constatamos que diversos julgados optam pela construção doutrinária genérica impondo ao Estado uma responsabilização subjetiva pelos atos omissivos. Tais julgados, em regra, não fazem menção expressa à disposição do Código de Trânsito Brasileiro. De fato, limitam-se a destacar a cisão doutrinária acerca da responsabilidade civil por omissão e a necessidade de não se considerar o Estado como um segurador Universal. Apesar dos citados julgados, demonstramos que modernamente a jurisprudência passou a reconhecer o caráter objetivo da responsabilização estatal por omissão nas relações de trânsito. Concluímos que há, em curso, uma verdadeira evolução jurisprudencial no sentido de se reconhecer a responsabilidade objetiva, ainda que em casos de omissão, em consonância com a determinação legal. Tal reconhecimento caso se confirme, como a tendência aqui exposta, terá fundamental importância. Com efeito, não são raros os exemplos nas vias de rodagens e avenidas da observância de desníveis, buracos, entulhos, má-sinalização, ausência de equipamentos públicos, etc. que geram danos dos mais diversos, frutos da ineficiência do Estado em aplicar de forma satisfatória os recursos arrecadados com os impostos. Isto é, a lei ao reconhecer a responsabilidade objetiva do Estado, quando este se omite, deu ao mesmo tempo uma garantia ao cidadão tanto quanto impôs um dever de agir ainda mais acentuado ao Estado, que não deve se manter inerte. De todo o exposto, percebe-se que a jurisprudência vem evoluindo no sentido do reconhecimento da responsabilidade objetiva do Estado nas omissões que envolvem situações de trânsito, buscando dar efetividade ao disposto no Art. 1°, § 3º do Código de Trânsito Brasileiro. É a conclusão a que se pode chegar com este artigo.
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Princípio de proteção do bem material: reflexões sobre o tombamento no município de Muqui-ES
Resultado do passar dos anos sobre o que hoje conta a história de um grande ícone da próspera época cafeeira e da grande imigração de europeus para o Brasil, Muqui atualmente é o maior sítio histórico do estado do Espírito Santo. Pode-se considerar a cidade como um grande museu vivo que conserva até os tempos atuais seus grandes prédios de estilos únicos de uma época passada, toda uma cultura resultante de diferentes povos que aqui viviam, e que hoje são preservados pelo Instituto do Tombo. Nesta toada, o objetivo do presente artigo é apresentar uma análise jurídica e doutrinária voltada para a atuação do instituto supramencionado na cidade de Muqui. [1]
Direito Administrativo
1 INTRODUÇÃO O meio ambiente cultural brasileiro é constituído por diversos bens culturais, materiais ou imateriais, cuja acepção compreende os de valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico e/ou científico para os mais diversos grupos constituintes da própria sociedade, dentre eles afrodescendentes, indígenas e europeus de diversas partes, o que refletirá, essencialmente, em suas características e na forma como o homem constrói o meio em que vive. Desta forma, pode-se dizer que o meio ambiente cultural é decorrente de uma forte interação entre homem e o meio em que está inserido, agregando valores diferenciadores. A cultura brasileira é o resultado daquilo que era próprio das populações tradicionais indígenas e das transformações trazidas pelos diversos grupos colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo sistema, é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens culturais materiais e imateriais portadores de referência à memória, à ação e à identidade dos distintos grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: (i) as formas de expressão; (ii) os modos de criar, fazer e viver; (iii) as criações cientificas, artísticas e tecnológicas; (iv) as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; (v) os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (BRASIL, 1988). A partir desta concepção, o Instituto do Tombamento tem o objetivo de proteger tudo aquilo que faça parte da história e da cultura de um povo. E nisto se enquadra o Sítio Histórico/Arquitetônico de Muqui. Um pequeno centro urbano, ao mesmo tempo que uma prestigiosa cidade histórica, que abriga em seu seio contos do final do século XIX e do século XX e diversas peculiaridades que tornam a cidade única e merecedora de atenção. Destarte, o estudo a seguir tem como objetivo, além de introduzir ao Instituto do Tombamento de uma forma geral, tal como seu princípio, sua aplicação e objetivos, analisá-lo enquanto guardião principal da cidade de Muqui, com olhar jurídico e doutrinário a respeito, com enfoque para a Lei ordinária n.º 070/1999, que dispõe sobre o tombamento do patrimônio histórico e artístico do município e dá outras providências, e a Lei Ordinária N° 89/2000, que altera e inclui dispositivos na Lei n° 070/99 (Lei do Tombamento) e dá outras providências. 2 PATRIMÔNIO CULTURAL E A PRESERVAÇÃO CONSTITUCIONAL A Constituição Federal em vigência traz consigo a promessa de proteger e fomentar, legalmente, todo patrimônio histórico-cultural brasileiro. Nesta linha de exposição, consoante a dicção do artigo 216, cuida explicitar que a cultura compreenderá bens de natureza material ou imaterial, considerados individualmente ou em conjunto, tudo aquilo que remeta à identidade, à ação, em virtude da preservação da memória dos diferentes grupos formadores da sociedade e cultura brasileira. Desta feita, há que se reconhecer que tal concepção, em decorrência de sua amplitude, inclui objetos móveis e imóveis, documentações, edificações, criações artísticas, científicas e/ou tecnológicas, conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. O interesse federal na preservação do patrimônio histórico-cultural é tão abrangente que, em prol de tal proteção e para que seja assegurado o bem-estar social entre seus entes/cidadãos, permite ao Estado usar de seus institutos (I. Limitações Administrativas; II. Ocupação Temporária; III. Requisição Administrativa; IV. Desapropriação; V. Servidão Administrativa; VI. tombamento), cada qual com sua hipótese e condições de aplicação, para interferir até mesmo em bens privados, independendo da vontade de terceiros. Em alinho ao expendido, é importante consignar que o Texto Constitucional de 1988 confere a competência de legislar, proteger e fornecer meios de acesso ao patrimônio cultural à União, aos estados-membros, Distrito Federal e municípios. Ademais, cuida salientar que os entes federativos supramencionados são responsáveis por tratar dos danos causados a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. O motivo de tal hierarquia vem do diferente ponto de vista pelo qual a necessidade de preservação de um bem está compreendida, ou seja, os critérios avaliativos, capazes de justificar o tombamento de um objeto, podem variar, de acordo com o ponto de vista avaliativo da União, de um estado-membro ou de um município, pois é evidente que haverá bens de valores únicos para um município, mas que não terão a mesma significância para a União ou para o próprio estado-membro. Ainda nessa linha de pensamento, o artigo 215 estabelece que: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes de cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais” (BRASIL, 1988). Diante das ponderações apresentadas até o momento, quadra assinalar que os bens e as prestações de serviços constituem o próprio objeto do direito, conforme se infere das ponderações de Pereira (2008). Logo, no momento em que o enunciador constituinte afirmar que o exercício dos “direitos culturais” será garantido a todos, estará afirmando que a cultura é objeto do direito, sendo tratado na atual Constituição Federal como um bem jurídico, patrimônio, valor e povo. No que atina à noção jurídica de “bem”, esta se refere a toda utilidade, física ou ideal, que possa impactar na faculdade das ações do indivíduo, ou seja, compreenderão os “bens” propriamente ditos, os passíveis e não passíveis de apreciação financeira. 3 TOMBAMENTO: PROTEÇÃO DO BEM CULTURAL MATERIAL Segundo Di Pietro (2013), o instituto do tombamento configura modalidade de intervenção do Estado em qualquer tipo de bem material, dentre eles móveis ou imóveis, materiais ou imateriais, públicos ou privados, em virtude da preservação do patrimônio histórico ou artístico cultural. Pode-se considerar requisitório de tal preservação o bem cuja conservação seja de interesse público, seja por sua vinculação a fatos memoráveis da história brasileira, ou por seu grande valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. O ideal num processo de tombamento é que não se tombem objetos isolados, mas conjuntos significantes. Neste sentido, já firmou entendimento o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais que “o tombamento é ato administrativo que visa à preservação do patrimônio histórico, artístico ou cultural das cidades, de modo a impedir a destruição ou descaracterização de bem a que for atribuído valor histórico ou arquitetônico” (MINAS GERAIS, 2008). Com realce, o instituto em comento se revela, em sede de direito administrativo, como um dos instrumentos criados pelo legislador para combater a deterioração do patrimônio cultural de um povo, apresentando, em razão disso, maciça relevância no cenário atual, notadamente em decorrência dos bens tombados encerrarem períodos da história nacional ou, mesmo, refletir os aspectos característicos e identificadores de uma comunidade. Partindo da ideia de conjunto significativo, atualmente, excetuando-se seres humanos e exemplares animais isolados, tudo pode ser tombado; até mesmo um ecossistema para a preservação de uma ou mais espécies. Em harmonia com o escólio de Di Pietro (2013), a origem do vocábulo ”tombar”, provém do direito português, no qual tem o significado de registrar, inventariar, inscrever nos arquivos do reino que serão guardados na Torre do Tombo (local onde ficavam os arquivos de Portugal). Ainda é sustentada a ideia de que todo bem tombado deve ser registrado no Livro do Tombo (Livro nº 1 do tombo arqueológico, etnográfico e paisagístico. Livro nº 2 do tombo histórico; Livro nº 3 do tombo das belas artes; Livro nº 4 das artes aplicadas), e, a partir deste momento, o bem passará a ser considerado bem de interesse público, impondo restrições ao particular, tudo em prol da preservação. Tal como ocorre com as demais espécies de intervenção na propriedade, o tombamento tem por fundamento a necessidade de adequar o domínio privado às necessidades de interesse público. Por mais uma vez, com realce, é possível verificar a materialização da premissa que o interesse público prevalece em relação aos interesses dos particulares. É por tal motivo que, ainda em relação ao presente instituto, se pode invocar as disposições contidas nos artigos 5°, inciso XXIII, e 170, inciso III, ambos da Constituição Federal, os quais objetivam assegurar que a propriedade alcance sua função social. Com efeito, a defesa do patrimônio cultural se apresenta como matéria dotada de interesse geral da coletividade. Assim, “para que a propriedade privada atenda a essa função social, necessário se torna que os proprietários se sujeitem a algumas normas restritivas concernentes ao uso de seus bens, impostas pelo Poder Público” (CARVALHO FILHO, 2011, p. 736). Uma vez obtida essa proteção, a propriedade estará cumprindo o papel para o qual a Constituição Federal a destinou. Destarte, é possível evidenciar que o tombamento encontra escora na necessidade de adequação da propriedade à correspondente função social e esta, por sua vez, se consubstancia na necessidade de proteção ao patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e científico. Ao lado disso, com destaque, a Emenda Constitucional N° 48, de 10 de agosto de 2005, que, ao acrescentar o §3° ao artigo 215 da Constituição Federal, estabeleceu que diploma legislativo criasse o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, com o escopo principal de fomentar o desenvolvimento cultural do País, tal como a interação de ações do Poder Público para a defesa e a valorização do patrimônio cultural brasileiro, produção, promoção e difusão de bens culturais e outras ações do gênero. Salta aos olhos o intuito de atribuir, cada vez mais, realce aos valores culturais do País. Tem se tornado corriqueiro, entretanto, o tombamento de imóveis urbanos para o fito de obstar suas demolições e evitar novas edificações ou, mesmo, edificações em determinadas áreas urbanas, cuja demanda de serviços públicos e equipamentos urbanos se apresente como incompatível com a oferta possível no local. “Com tal objetivo, certas zonas urbanas têm sido qualificadas como ‘áreas de proteção ao ambiente cultural’, e nelas se indicam os imóveis sujeitos àquelas limitações”, como bem espanca José dos Santos Carvalho Filho (2011, p. 736). Transparece, nesses atos, notório desvio da perspectiva, porquanto são flagrantemente ilegais e não apresentam qualquer conexão com o real motivo apresentado pelo instituto do tombamento. O fundamento real deste instituto está assentado na preservação do patrimônio público, contudo, naquelas áreas inexiste qualquer ambiente cultural que reclama preservação do Poder Público. Um processo de tombamento de um bem cultural ou natural pode ser solicitado por qualquer pessoa, seja física ou jurídica, proprietário ou não, por uma organização não governamental, pelo representante de órgão público ou privado, por um grupo de pessoas por meio de abaixo assinado ou por iniciativa do próprio órgão responsável pelo tombamento, sendo de grande importância a descrição da possível localização ou as dimensões e características do bem, juntamente com a justificativa do motivo pelo qual se solicita o tombamento pelo solicitante, assim discerne Lourenço (2006, s.p.). Quanto à competência legislativa do ato de tombamento, tem-se: “[…] na esfera federal, o tombamento é realizado pela União, através do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Na esfera estadual, realiza-se pela Secretaria de Estado da Cultura – CPC. Já na esfera municipal, é realizado quando as administrações dispuserem de leis específicas. O processo de tombamento poderá ocorrer inclusive, em âmbito mundial, o qual será realizado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, cujo bem será reconhecido como Patrimônio da Humanidade” (LOURENÇO, 2006, s.p.). Lourenço (2006, s.p.), ainda delibera que é de responsabilidade do órgão que efetuou o tombamento estabelecer os limites e as diretrizes para as possíveis interações sociais nas áreas próximas ao bem tombado. Ou seja, quando se tem o tombamento de um bem, o que próximo a ele estiver, também sofre interferência do processo, mesmo que em menor grau de proteção.Com o que Lourenço (2006, s.p.) leciona, um objeto tombado não deverá ter sua propriedade alterada, nem precisará ser desapropriado, ao contrário, embora deva-se manter as mesmas características de antes da data do tombamento. O objetivo, como supramencionado, é a proibição da destruição e da descaracterização do bem em questão, não havendo, desta forma, qualquer impedimento quanto a venda, aluguel ou herança de um bem tombado, desde que este continue em estado de preservação. Portanto, aquele que ameaçar ou destruir um bem tombado estará sujeito a processo judicial, que poderá definir multas, medidas compensatórias ou até a reconstrução do bem como se encontrava na data do tombamento, de acordo com a sentença final do processo.O autor ainda complementa que caso o proprietário possua a intenção de vender o bem, deverá, antecipadamente, reportar à instituição que realizou o ato de tombamento para que se atualize os dados. 3.1 Processo administrativo do tombamento Para Gomes (2014, p.4), o tombamento trata-se de um processdimento administrativo tal qual deve passar por uma série de atos até sua conclusão, com sua inscrição ou registro no Livro do Tombo. A lei não apresenta um procedimento padrão, embora descreva alguns atos indispensáveis para a organização do instituto. A não observância dos preceitos legais para sua realização gerará vícios formais passíveis de nulidades.Tais atos obrigatórios, são apontados porAlexandrino e Paulo (2011, p. 960): “a) Parecer do órgão técnico cultural; b) A notificação ao proprietário, que poderá manifestar-se, anuindo com o tombamento ou impugnando à intenção do Poder Público de intentá-lo; c) Decisão do Conselho Consultivo da pessoa incumbida do tombamento, após a menifestação dos técnicos e do proprietário. A decisão concluirá: c.1) Pela anulação do processo, caso haja ilegalidade; c.2) Pela rejeição da proprosta do tombamento; ou c.3) Pela homologação da proposta, caso necessário o tombamento; d) Possiblidade de interposição de recurso pelo proprietário a ser dirigido ao Presidente da República”. Como manda todo processo administrativo, far-se-á a garantia do contraditório e da ampla defesa, previstos constitucionalmente no art. 5º LVI, juntamente com a produção de provas legais por parte do proprietário do bem, para que se demonstre a inexistência de relação entre o bem tombado e a proteção ao patrimônio cultural. 3.2 Comparação com outros institutos restritivos de propriedades Morais (2001, s.p.) aponta distinções entre tombamento e os outros institutos restritivos mais semelhantes. Quanto à servidão administrativa, distinguem-se: quanto à finalidade, a servida administrativa visa a facilidade executória de obras e serviços público, enquanto o tombamento atua em virtude da proteção de objetos históricos/artísticos culturais; e quanto ao fato de a S.A. ser onerosa, ocasionando um ônus real de uso em virtude de terceiro, a medida que o Tombado é auto-executório, gratuito, e não transfere direitos à utilização do bem tombado, apenas limita-o. Mello, ainda, vai ponderar que: “[…] distinguem-se os institutos do tombamento e da servidão em que: a) a servidão é um direito real sobre a coisa alheia ao passo que o tombamento também pode afetar um bem próprio e ser satisfeito mesmo quando o bem terceiro é expropriado, sem que com extingam os gravames inerentes ao tombamento […]; b) a servidão não impõe ao titular do bem tombado o dever de agir, pois não se exige um facere, mas tão só um pati, ao passo que o tombamento constitui o titular do bem tombado o dever de conservá-lo em bom estado, no que se inclui todas as realizações de reforma para tanto necessárias; c) as servidões só oneram bens imóveis e o tombamento tanto pode se referir a bens imóveis quanto bens móveis, como quadros, estatuetas, jóias e outros objetos de interesse cultural” (MELLO, 2013, p. 927). E, quanto à limitação administrativa, primeiramente assemelham-se na gratuidade de imposição e no fato de haver finalidade estética em muitos casos. Em relação a suas diferenças, ressalta-se que o tombamento é um ato concreto, de limitação abstrata, e geralmente atinente a uma categoria de bens determinados, com finalidade preservação, cogitando valores de horizontes mais reduzidos. Enquanto que a limitação administrativa possui caráter genérico e abstrato, podendo se destinar a propriedades indeterminadas. Alexandrino e Paulo (2011) vai ponderar, ainda, que as limitações administrativas são determinações de caráter geral, por meio do qual o Poder Público comina a proprietários indeterminados, obrigações positivas, negativas ou permissivas, com o fito de condicionar as propriedades ao atendimento da multicitada função social. 3.3 Espécies de tombamento Para Lourenço (2006, s.p.), é possível mencionar duas classificações possíveis para o tombamento: quanto à manifestação da vontade e quanto à eficácia do ato. Tratando-se da manifestação da vontade, o tombamento poderá ser voluntário ou compulsório. Segundo Carvalho Filho (2011), tombamento voluntário é ato do particular do bem tombado não resiste à inscrição feita pelo Poder Público, ou no caso desse mesmo particular procurar o Poder Público para a procedência do tombamento de seu patrimônio. Já o tombamento compulsório é descrito como aquele em que o Poder Público irá inscrever o bem tombado independentemente da anuência do particular. Quanto à eficácia do ato, o tombamento pode ser considerado como provisório ou definitivo. É provisório enquanto está em curso o procedimento administrativo instaurado pela notificação, e definitivo quando, depois de concluído toda a tramitação do processo, o Poder Público procede a inscrição do bem no Livro do Tombo. Cuida salientar que, acerca da provisoriedade do tombamento, o Superior Tribunal de Justiça já manifestou entendimento que o tombamento provisório não constitui fase procedimental, mas sim consubstancia verdadeira medida assecuratória de preservação dobem até que sobrevenha a conclusão dos pareceres e a inscrição no livro respectivo. “O instituto do tombamento provisório não é fase procedimental precedente do tombamento definitivo. Caracteriza-se como medida assecuratória da eficácia que este poderá, ao final, produzir” (BRASIL, 2003). José dos Santos Carvalho Filho discorre que tal entendimento discrepa da disposição contida no artigo 10° do Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de 1937, eis que o tombamento será considerado provisório ou definitivo, consoante esteja o respectivo processo iniciado pela notificação ou concluído pela inscrição dos bens. “Segue-se, por conseguinte, que, a despeito de poder também revestir-se de caráter preventivo, o tombamento provisório encerra, na realidade, fase do processo, porquanto decretado antes do ato final do tombamento definitivo” (CARVALHO FILHO, 2011, p. 739). Doutro modo, a jurisprudência sustenta que “a existência de procedimento administrativo para o tombamento do imóvel do impetrante inviabiliza a demolição de seu bem, visto que o tombamento provisório se equipara ao definitivo, nos termos do artigo 10, §1º, do Dec. Lei 25/37” (MINAS GERAIS, 2006). 3.4 Obrigações impostas pelo tombamento Di Pietro (2013) explica que, com o tombamento de um bem, gera-se várias obrigações ao proprietário e às propriedades apensas. No que concerne às obrigações positivas, é possível elencar: I. Dever de conservação do bem destinado a preservação do mesmo, ou caso não houver meios, comunicar sua impossibilidade ao órgão competente, sob pena de incorrer em multa correspondente ao dobro da importância em que foi avaliado o dano sofrido pela coisa; II. Assegurar o direito de preferência de aquisição em caso de alienação onerosa. Isto é, caso o proprietário do imóvel resolva alienar este, deverá assegurar o direito de preferência, oferecendo, na seguinte ordem: primeiramente à União, em seguida Estados, e, por fim, Municípios, sob pena de nulidade do ato, sequestro do bem por qualquer dos titulares do direito de preferência e multa de 20% do valor do bem a que ficam sujeitos transmitente e o adquirente. As punições devem ser determinadas pelo Poder Judiciário; Morais (2001, s.p.) ainda acrescenta: ”III. Só haver transferência para esfera da federação, caso se trate de bem tombado público”. Em harmonia com o escólio apresentado por Di Pietro (2013), as obrigações negativas podem ser descritas como: I. Vedação à destruição, demolição ou mutilação, e, sem prévia autorização do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, atualmente IPHAN, repará-las, pintá-las ou restaurá-las, sob pena de multa de 50% do dano causado. Morais (2001, s.p.), em tom de complemento, acrescenta que o bem tombado só poderá sair do país por curto período de tempo, sem transferência de domínio, e para fim de intercâmbio cultural, a juízo do IPHAN. Ainda segundo Di Pietro (2013), há as obrigações dos imóveis vizinhos: I. As propriedades em questão sofrem as consequências provindas do tombamento, dentre elas a de não realizarem construções que possam impedir ou dificultar a visualização do bem tombado, juntamente a impossibilidade de colocar anúncios e cartazes próximos ao bem tombado, sob pena de destruição da obra ou multa de 50% do valor do objeto. 3.5 Indenização do tombamento Consoante o que pondera Gomes (2014), diferentemente das demais formas de proteção ao patrimônio cultural, a exemplo, a desapropriação, não cabe, via de regra, indenização ao proprietário. Isso se deve ao fato do ato ser gratuito realizado pelo Poder Público. A autora ainda complementa acerta a ausência da indenização: “[…] a justificativa se dá pelo fato da propriedade do bem não passar para as mãos da administração pública, ou seja, a posse, propriedade e direitos sobre o bem continuam em nome do proprietário” (GOMES, 2014, p. 6). Meirelles (2012) frisa a ideia de que a doutrina não é pacífica quanto a essa questão, isso devido a restrição dos direitos do proprietário impostos pelo tombamento em virtude do benefício coletivo, porquanto se o bem-estar social reclama o sacrifício de um ou de alguns, aqueles ou estes devem ser indenizados pelo Estado, ou seja, pelo erário comum do povo. Gomes (2014, p. 6) assevera ainda que essa corrente entende que com as restrições impostas surge um esvaziamento econômico do bem, o que gerará dano a seu proprietário. Nesta esteira, sempre que o tombamento de um imóvel reduzir-lhe o poder de uso, gozo e função, pela necessidade de preservação em prol da coletividade, impedindo de alterar seu estado de acordo com a vontade de seu proprietário, estará caracterizado um dano, uma perda, um esvaziamento econômico. Ainda mais se antes do tombamento o status da utilização (edilícia, comercial, etc.) do imóvel, era uma; e depois do tombamento, com as limitações havidas o status passa a ser outro, mais limitado. Gomes (2014, p. 7) afirma, em seu escólio, que tal ato indenizatório, para essa parte da doutrina, deve ter proporção relacionada com o dano, não sendo apenas um prejuízo econômico, mas sim, o prejuízo decorrente da constrição de um direito, gerando o dever de indenizar. 3.6 Destombamento Segundo Costa e Telles (2013, p. 5),o cancelamento do tombamento, o destombamento, trata-se de um instituto constitucional que serve de ferramenta de grande importância utilizada para salvaguardar bens jurídicos que se apresentarem, caso a caso, devendo sua utilização ser guiada por interesse público superveniente, somente em casos extremos e excepcionais, seguindo parâmetros para que se tome a devida cautela em sua utilização, evitando assim possíveis distorções em sua aplicação que violem princípios constitucionais e, sobretudo, desrespeitem os direitos culturais concebidos pela Constituição de 1988, como o direito à preservação do patrimônio cultural. O destombamento não somente afastará a proteção conferida, como também desvalorizará a coisa outrora tombada, retirando assim o valor que antes lhe fora atribuído. Isto é, com o cancelamento do tombamento, o bem deixará de ter papel de patrimônio, por esta razão deve ser usado somente em casos extremos, assim dispõem Costa e Telles (2013, p. 6). Os autores ainda complementam: “quando há o cancelamento de tombamento, […] mantém-se a inscrição de tombamento no Livro do Tombo intacta, a fim de preservar o registro histórico e documental de tal ato”. Ainda com o que Costa e Telles (2013, p. 8) lecionam, uma das principais condicionalidades para o cancelamento do tombamento é que tal ato deve ter precedido não só de manifestação do conselho, mas também de mecanismos que garantam participação popular em tal processo decisório. Quanto as principais hipóteses de aplicação, tem-se: a) perecimento da coisa tombada: caso haja inexistência física da coisa tombada, seja ela ocasionada por fatores naturais ou similares, no qual não se admitirá destombamento provindo de ações dolosas com intuito de causar irreversível ao patrimônio cultural, sem prejuízo da responsabilização civil e criminal para tais atos; b) desaparecimento do valor do bem: esta hipótese se refere ao desaparecimento do valor atribuído à coisa, considerando-se o tempo e espaço em que o valor se alterará, com possibilidades de ser retirado da coisa por meios de critérios técnico-científicos, em processo administrativo próprio, com participação popular e com consentimento do conselho consultivo; c) atendimento de interesse público superveniente: é a hipótese mais comum, por assim dizer. Visa atender o interesse público superveniente ao direito cultural de preservação ao patrimônio cultural. “As recentes políticas públicas de preservação, com base no art. 216, §1º da CF/88, prezam pela participação popular nos processos de patrimonialização de bens culturais, a fim de assegurar ressonância entre bem cultural e sujeitos diretamente envolvidos com tais bens, acarretando, desta feita, uma efetiva proteção ao patrimônio cultural” (COSTA; TELLES, 2013, p. 10). Neste sentido, decisões que revertam o status jurídico de um bem cultural reconhecido como patrimônio cultural devem ser compartilhadas com a comunidade, não podendo ser tomadas às suas revelias e contra o interesse da coletividade. Portando, devem ser assegurados os meios de participação da sociedade nesse processo delicado de “despatrimonialização”, tais como: “audiências públicas, consulta às associações de moradores e conselhos comunitários do entorno do bem tombado” (COSTA e TELLES, 2013, p. 11). Havendo pena de o bem cultural em questão ficar desprotegido e propenso a danos irreparáveis. Costa e Telles dispõem: “A colaboração da comunidade se faz mais ainda necessária quando o destombamento pode implicar não apenas na descaracterização dos valores identitários de um local, mas também ocasionar impactos ambientais, problemas de mobilidade urbana e de poluição visual, atmosférica e sonora. Por conseguinte, em interpretação sistemática do ordenamento jurídico brasileiro, não há como dissociar o Estatuto das Cidades, Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001, da proteção do patrimônio cultural e a aplicação de seus institutos” (COSTA; TELLES, 2013, p. 22). O Estatuto da Cidade, com suas normas a respeito das formas de organização dos centros urbanos, colabora ajudando a obstruir problemáticas do tombamento, principalmente com relação aos bens imóveis. ”[…] a inserção do patrimônio cultural material nos planos urbanísticos age de forma a apresentar resultados positivos” (COSTA; TELLES, 2013, p. 11). Logo, os instrumentos urbano-ambientais, potencialmente, colaborarão na preservação dos bens culturais, não impedindo a dinâmica de crescimento das cidades ou substituir o instituto jurídico do tombamento quando este for considerado inapropriado. Com o cancelamento do tombamento, além da participação obrigatória dos Conselhos Federal, Estadual ou Municipal de Proteção/ Preservação do Patrimônio Cultual (sendo permitida a possibilidade de tombamento cumulativo), de acordo com o procedimento de tombamento compulsório previsto em lei, indo de acordo com o(s) grau(s) de interesse federativo na questão, valendo dos métodos previstos no Estatuto da Cidade, para que seja assegurada a manifestação decisória da população e, consequentemente, sua audiência.Via de regra, conforme Costa e Telles (2013, p. 24) dispõem, o destombamento só poderá ser exercido: “[…] em prol da violação do procedimento administrativo previsto em lei ou por instauração de outro processo, garantidos a ampla defesa e o contraditório do particular e da sociedade como um todo, ouvindo o(s) Conselho(s) do Patrimônio Cultural”. Quanto aos critérios de conveniência e oportunidade do chefe do Poder Executivo, ainda que atendam o princípio administrativo-constitucional da motivação dentro de sua discricionariedade, não podem esquecer da intervenção e a participação da sociedade no zelo pelo patrimônio cultural, de acordo com o artigo 216, § 1º da Constituição da República de 1988. O interesse público deve estar de acordo com os reclames sociais da coletividade, já que os cidadãos e legitimados pela a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, tem o direito de contrariar a anulação do tombamento pela via judicial, através da Ação Popular e da Ação Civil Pública. 4 O TOMBAMENTO NO MUNICÍPIO DE MUQUI: UM ESTUDO DE CASO Localizado no sul do estado do Espírito Santo, a 164 km da capital, Vitória, o município de Muqui é reconhecido nacionalmente como um dos maiores sítios históricos do Estado, isso devido ao fato de abrigar o que resta de um marcante passado colonial de descendentes, principalmente, italianos. A cidade surgiu no final do século XIX, e até hoje abriga um grandioso e importante acervo arquitetônico e urbanístico (composto por casarios antigos, sobrados, palacetes, praças, igrejas e até a Estação da Leolpodina (atualmente desativada para transporte de passageiros e transformada em Centro Cultural) que guardam características de arquitetura eclética, requintada pelo apuro técnico de detalhes, que se destaca pelas fachadas decoradas com elementos florais e varandas laterais, com pinturas de temas de paisagem naturais, próprias do neoclássico) ― tal qual pode ser considerado a própria cultura viva, remetendo aos tempos antigos da escravidão e da época cafeeira ―, construído em função de diversos ciclos econômicos vinculados à produção cafeeira, bem como registros do passado estampados pela cidade, construídos no começo do século seguinte à sua fundação (época áurea do ciclo do café), como discorre Pauli (2015). Ainda com o que a autora dispõe, nessa toada, partindo do princípio do tombamento, o de proteger tudo aquilo que remeta às memórias de povos antigos, nasceu a necessidade de se preservar todo o acervo muquiense. Muito embora, segundo Gonzaga (2005, p. 23), o processo não fora realizado sem que a comunidade local da época tivesse se manifestado contrária à constante perda de seus referenciais arquitetônicos (no decorrer das últimas décadas, Muqui passava por um crescimento acelerado, tal qual levava à irreversível destruição do cenário configurado com o passar dos anos. Já não se restava muito do antigo Arraial do Lagarto, fundado em meados do século XIX, apenas alguns resquícios arruinados da Fazenda Entre Morros e da Fazenda Boa Esperança. Quanto a florescente cidade do café, das décadas de 20 e 30 do século XX, ainda restava um número considerável de estruturas arquitetônicas remanescentes, algumas destas de grande importância). O autor ainda pondera que, no ano de 1988, fora encaminhado um abaixo assinado de moradores, ainda que não houvesse registro algum de qualquer entidade de classe ou organização não governamental atuante na cidade, ao Conselho Estadual de Cultura, solicitando o tombamento da cidade a nível estadual. Dentre todas as desavenças, após variadas reuniões foram realizadas em conjunto com a comunidade local, o processo parou, deixando a comunidade desamparada e sem saber o que deveriam fazer. O que levou a organização de algumas manifestações isoladas, principalmente quando algum proprietário pretendia demolir ou alterar drasticamente sua morada, embora ainda não existissem instrumentos legais para impedi-los de tal. Foi a partir de 1999, próximo a data de comemoração dos 500 anos de descobrimento do Brasil, as discussões acerca do patrimônio cultural e sua relevância entraram novamente no plano de discussão da comunidade, não ocorrendo apenas em Muqui, mas, segundo dados do próprio IPHAN, de uma forma mais ou menos generalizada por todo o país. Destarte, fora instituída a “Comissão Pró-tombamento” que: “[…] será responsável pela gerência do processo de tombamento municipal, formada por membros da comunidade local, que, após discussões, encaminhou ao legislativo municipal ante-projeto de lei, tal qual fora transformado na lei nº 070/99, LEI DO TOMBAMENTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO DE MUQUI. Como conseqüência desse trabalho são criados o Conselho Municipal de Cultura e o Conselho Municipal de Turismo, além da Lei de Tombamento Municipal, uma vez que a nível Estadual o processo estava paralisado” (GONZAGA, 2005, p. 25). Gonzaga (2005, p. 26) leciona que, a fim de subsidiar o tombamento municipal do Sítio Histórico de Muqui, o inventário de seu patrimônio histórico-cultural fora desenvolvido por membros do Conselho Municipal de Cultura em conjunto a funcionários da Secretaria Municipal de Cultura. Tal inventário teve sua base nas edificações situadas na área urbana, como primeiro elemento a ser preservado.  Após vinte e um anos de processo em corrimento, no dia 05 de novembro de 2009, data em que comemorava-se o Dia Nacional da Cultura, o Conselho Estadual aprovou o processo de tombamento do sítio histórico em sua toada, após realizadas treze Reuniões Ordinárias para se discutir a respeito. Benevenute (2016, s.p.), acerca da décima terceira reunião, pondera: “[…] na reunião estavam presentes várias autoridades no assunto, dentre eles: os conselheiros do Conselho Municipal de Cultura, o membro do Ministério Público de Muqui, o Pároco da Igreja São João Batista, a Secretária Estadual de Cultura e membros da população Muquiense. A votação foi unânime no sentido de aprovar o tombamento estadual do Sítio Histórico de Muqui, “ressalvando a necessidade de uma responsabilidade compartilhada e o comprometimento do Prefeito, da Câmara de Vereadores e do Ministério Público, para que todos tomem conhecimento dos atos consequentes para a preservação do casario”. A respeito do tema, merece destaque a fala da presidente do Conselho Estadual de Cultura […]”. A partir deste momento a cidade de Muqui, com 186 imóveis já tombados na esfera municipal, passou a contar com seus bens preservados e reconhecidos historicamente na esfera estadual. totalizando 299 mil metros quadrados de área tombada, abrangendo quase toda a área urbana, com enfoque na avenida central da cidade, onde se encontram se encontram os principais imóveis construídos na década de 1920. Fora a primeira vez que os conselheiros se reuniram e votaram por um tombamento fora da sede, em Vitória. 5 LEGISLAÇÃO SOBRE O TOMBAMENTO NO MUNICÍPIO DE MUQUI: PRIMEIRAS REFLEXÕES O primeiro texto legislativo a despeito dos bens tombados, ainda na esfera municipal, entrou em vigor no dia 06 de outubro de 1999 e pode ser encontrado do site da Câmara Municipal de Muqui. Trata-se da Lei Ordinária N° 70/1999, que dispõe sobre o Tombamento do Patrimônio Histórico e Artístico do Município de Muqui e dá outras providências. O texto em si não é de grande extensão, contando com 23 artigos que ressaltam ainda mais a importância da preservação dos bens históricos. Dentre eles, destacam-se: art. 1.º e seus dois parágrafos, no qual será estabelecido o que constituirá/será considerado parte do Patrimônio Histórico e Artístico da cidade, bem como se dá o processo de inserção ao Tombamento: “Art. 1.º – Constitui o Patrimônio Histórico e Artístico do Município de Muqui, o acervo de bens imóveis existentes em seu território e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da História, quer por seu excepcional valor arquitetônico ou etnográfico, bibliográfico ou científico. § 1.º – Os bens a que se refere o presente artigo só serão considerados parte integrante do patrimônio Histórico e Artístico do Município de Muqui depois de inscritos separada ou agrupadamente num dos 04 (quatro) livros do Tombo do Conselho Municipal de Cultura, na forma desta lei. § 2.º – Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são também sujeitos a tombamentos ou monumentos naturais, bem como sítios e paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pela natureza ou agenciados pela indústria humana” (MUQUI, 1999). O art. 3.º, que conta com dois parágrafos, complementará, de certa forma, o art. 1.º e tratará, mais aprofundadamente dos Livros do Tombo, competentes ao Conselho Municipal de Cultura: “Art. 3.º – No Conselho Municipal de Cultura existirão quatro Livros de Tombo, nos quais serão inscritas as obras a que se refere o Art. 1.º, a Lei a saber: I – Livro de Tombo Arqueológico, Etnográfico, Paisagístico e Científico para as coisas pertencentes às categorias de arte arqueológica, etnográfica, ameríndia e popular, e bem assim as mencionadas no § 2.º do artigo 1.º desta lei. II – Livro de Tombo Histórico, para as coisas de interesse histórico, arquivos e as obras de arte histórica. III – Livro de Tombo das Belas Artes, para as coisas da arte erudita. IV – Livro do Tombo das Artes Aplicadas, para as obras que se incluírem na categoria das artes aplicadas. § 1.º – Cada um dos Livros de Tombo poderá ter vários volumes. §  2.º – Os bens que se incluem nas categorias enumeradas nas alíneas I, II, III e IV do presente artigo serão definidos e especificados no regulamento que for expedido para execução da presente Lei” (MUQUI, 1999). O art. 17, contando também com dois parágrafos, dispõe sobre as consequências da falta de prestação de recursos para que se proceda a preservação de um bem tombado, bem como, em caso de necessidade de reparação de um bem, o que deve ser feito para que se execute as obras: “Art. 17 – O proprietário da coisa tombada que não dispuser de recursos para proceder às obras de conservação e reparação que a mesma requer, levará ao conhecimento do Conselho Municipal de Cultura a necessidade das mencionadas obras, sob pena de multa correspondente ao dobro da importância em que for avaliado o dano sofrido pela mesma coisa. § 1.º – Recebida a comunicação e consideradas necessárias as obras, o Conselho Municipal de Cultura oficiará ao Secretário de Educação e Cultura para efeitos de execução de reparos ou desapropriação da coisa. § 2.º – A falta de qualquer das providências previstas no parágrafo anterior, poderá o proprietário requerer que seja cancelado o tombamento da coisa”  (MUQUI, 1999). E ainda o art. 20, que leciona sobre o que o Conselho Municipal da Cultura deverá fazer para que seja obtida a cooperação entre as autoridades para o benefício do patrimônio histórico e artístico do município: “Art. 20 – O Conselho Municipal de Cultura manterá entendimentos com as autoridades eclesiásticas, instituições científicas, históricas ou artísticas e pessoas naturais e jurídicas,, com o objetivo de obter a cooperação das mesas em benefício do Patrimônio Histórico e Artístico do Município” (MUQUI, 1999). No dia 11 de novembro de 2000, passa a vigorar a Lei Ordinária N° 89/2000, que conta com 5 artigos em virtude de se alterar e incluir dispositivos na lei n° 070/99 (Lei do Tombamento) e dar outras providências. O art. 1.º da Lei de 2000 altera o art. 2.º da Lei de 1999, que até aquele momento estabelecia: “Art. 2.º – A presente Lei se aplica às coisas pertencentes às pessoas naturais bem como às pessoas jurídicas de direito privado e de direito público interno (salvo a União)” (MUQUI, 1999). Com a alteração, sua redação passou a ser a seguinte: “Art. 2.º – A presente Lei se aplica às coisas pertencentes às pessoas naturais bem como às pessoas jurídicas de direito privado e de direito público interno, salvo o Estado e a União” (MUQUI, 2000). O art. 2.º da nova Lei altera o art. 9.º da Lei mais antiga, limitando seu poder de dispor sobre as coisas tombadas, no qual, antes, o artigo permitia que o Conselho Municipal de Cultura pudesse ouvir os casos de transferências de bens tombados pertencentes ao Estado ou ao Município entre pessoas de direito público interno, passando apenas a ouvir casos de bens tombados pertencentes somente ao município. “Art. 9.º – As coisas tombadas que pertençam ao Município, inalienáveis por natureza, só poderão ser transferidas entre pessoas de direito público interno, depois de ouvido o Conselho Municipal de Cultura” (MUQUI, 2000). O terceiro artigo da Lei nº 089/2000 não altera o art. 15 da Lei nº 070/99, mas sim anexa à ela dois novos parágrafos. Quanto ao texto do art. 15, tem-se: “Art. 15 – A coisa tombada não poderá, em caso nenhum, ser destruída, demolida ou mutilada, nem sem prévia autorização especial do Conselho Municipal de Cultura, ser reparada, pintada ou restaurada, sob pena de multa de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor da coisa” (MUQUI, 1999). Os novos parágrafos do art. 15 estabelecem que os projetos das obras no Sítio Histórico de Muqui deverão ser encaminhados à aprecisação do Conselho Municipal de Cultura, através da Prefeitura Municipal de Muqui (Secretaria Municipal de Transportes, Obras e Serviços Urbanos), com os elementos, expressos no parágrafo, devidamente anexados e, aprovados os projetos, deverão ser enviados à Prefeitura Municipal de Muqui, quatro cópias para serem carimbadas, sendo que a 1ª cópia será arquivada na Seretaria municipal de Transportes e Obras Públicas, a 2ª cópia será arquivada no Conselho Municipal de Cultura e a 3ª e 4ª cópias serão entregues ao proprietário do imóvel. O art. 4.º da Lei nº 089/2000 torna o art. 18 da Lei nº 070/99 mais claro. Nele fica expresso que a coisa tombada fica sujeita à vigilância permanente do Conselho Municipal de Cultural, no qual poderá este inspecioná-la sempre que conveniente, após ser notificado previamente 48 horas, o proprietário ou responsável. Caso o indivíduo em questão crie obstáculos à inspeção, este ficará sujeito ao pagamento de multa no valor de 280 UFIR. Ademais, o quinto artigo da Lei nº 089/2000 acrescenta ao texto do art. 19 da Lei nº 070/99 um parágrafo único. Tal qual passa a dispor que: ”o grau de proteção e intervenção nos imóveis do Sítio Histórico de Muqui será definido pelos seguintes critérios, de acordo com diferentes níveis” (MUQUI, 2000). São cinco níveis tratados pelo art. em comento. O primeiro deles, que conta com cinco alíneas, corresponde ao Nível de Proteção Rigorosa: “[…] diz respeito às edificações que possuem importância histórica e/ou arquitetônica relevantes para o conjunto urbano. Os aspectos originais de sua composição deverão ser mantidos, admitindo-se, porém, intervenções […]” (MUQUI, 2000). O Nível 2 também é de Nível de proteção rigorosa e seu texto é semelhante ao do Nível 1, embora possua um única diferença: corresponde às edificações historicamente importantes que sofreram, no decorrer do tempo, alterações que as desfiguraram, sendo passíveis de restauração que restitua sua composição original, mantendo seus aspectos originais de sua composição. Quanto ao Nível 3 e ao Nível 4, tratam-se de Níveis de Proteção Média. O primeiro: “[…] corresponde às edificações que possuem importância histórica e/ou arquitetônica pouco relevantes para o conjunto urbano. A edificação deverá ter suas fachadas e volumetrias mantidas” (MUQUI, 2000), admitindo ainda diferentes tipos de intervenções, dispostas em quatro alíneas. O Nível 4 é referente às edificações que possuem importância histórica e/ou arquitetônica relativamente baixas para o conjunto urbano, e, neste nível, mantendo as fachadas e volumetrias, são admitidas intervenções internas ou externas, de modo a harmonizar-se ao conjunto urbano, dispostas também em quatro alíneas. Consoante aos demais, o Nível 5 é de Nível de Proteção Flexível. Corresponde a espaços/lotes vagos ou às edificações que poderão ser substituídas integralmente. Logo, as novas edificações deverão seguir os padrões das edificações construídas em sua vizinhança imediata. As especificações são dispostas em oito alíneas. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Como o estudo até então, conclui-se que o Sítio Histórico de Muqui é um “artefato” humano, um patrimônio ambiental, que nos fora passado de diversas coletividades culturais e que está em constante fase de transformação. Sendo assim, fica clara a necessidade de preservar e zelar todos os aspectos, não só como patrimônio cultural ou monumentos isolados, mas como patrimônio ambiental de importância comunitária, preservando a cultura, de modo geral (linguagem, os usos, os lotes, a paisagem natural e o próprio homem). E para que o Instituto do Tombo cumpra sua missão, é de suma importância que toda a coletividade social trabalhe em conjunto, pois só assim será garantido que as atuais e futuras gerações desfrutem de tudo aquilo que contribuiu para a formação de um povo; que se encantem e gozem das mesmas maravilhas de um passado cheio de histórias; para que Muqui seja eterna.
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A dispensa de licitação em razão do valor e o princípio da eficiência
A preocupação básica deste estudo é refletir sobre a dispensa de licitação em razão do valor, inserta nos incisos I e II, do art. 24, da Lei nº 8.666/93, e o princípio da eficiência na Administração Pública, relacionando-os. O objetivo é analisar esta dispensa de licitação como instrumento do princípio da eficiência na administração pública. Realizou-se uma pesquisa bibliográfica e a experiência prática em setor de licitações, procurando suscitar a visão doutrinária e jurisprudencial da contratação direita nos moldes aqui apresentados hodiernamente. Concluiu-se que a administração pública deve instar o gestor público a utilizar-se da dispensa de licitação para compras de pequeno valor em respeito ao princípio da eficiência, resguardando, sempre, os aspectos legais dessa contratação.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O presente artigo tem como tema o estudo da dispensa de licitação para aquisições de pequeno vulto, bem como a sua relação com princípio da eficiência na Administração Pública. Nesta perspectiva, construiu-se uma questão que norteou este estudo: pode o gestor público, em respeito ao princípio da eficiência, rifar a regra geral do dever de licitar para utilizar-se da dispensa de licitação, quando os serviços ou compras forem de pequena monta? A questão é pertinente, pois é notório o temor de agentes públicos para a utilização da contratação direta de baixos valores, por entendê-la como uma ultima ratio, quando, na verdade, o princípio constitucional da eficiência e o da economicidade buscam adequar menores custos aos meios para a realização dos fins administrativos, e não o contrário. O prof. Diógenes Gasparini (2012, p. 581) advoga a tese de que pequenas compras não deverão se revestir de todas as formalidades intrínsecas a um certame licitatório, podendo catapultar a dispensa de licitação para essas aquisições, desde que obedecidas às formalidades. Neste contexto, o objetivo primordial deste artigo é, pois, analisar a dispensa de licitação, em função do valor da compra, como instrumento do princípio da eficiência na Administração Pública 1 Da Dispensa de Licitação em Razão do Valor O regramento licitatório encontra menção inicial na Constituição da República de 1988, consoante seu art. 37, inciso XXI: “XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. (BRASIL, 1988)” O regulamento dessa norma constitucional veio com a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, o Estatuto Federal das licitações. Nesta legislação, que trata dos princípios, tipos, modalidades e outras determinações em matéria de licitações e contratos administrativos, há a previsão, também, da dispensabilidade da formalidade de licitação, disposta em rol taxativo, no seu art. 24. Observa-se, também, que a opção pela contratação direta é resguardada em supedâneo constitucional, como se denota da parte inicial do inciso XXI, do art. 37, “ressalvados os casos especificados na legislação”, o qual mitiga para casos específicos na legislação a obrigatoriedade de licitar. Da legislação, cinge-se o previsto nos incisos I e II do art. 24 da Lei nº 8.666/93, os quais aduzem ser a licitação dispensável para obras e serviços de engenharia, e serviços e compras que não ultrapassem dez por cento dos valores previstos para a modalidade licitatória do convite, isto é, R$ 15.000,00 (quinze mil reais) e R$ 8.000,00 (oito mil reais), respectivamente, conforme excerto da lei abaixo: “Art. 24.  É dispensável a licitação: I – para obras e serviços de engenharia de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso I do artigo anterior, desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente;  II – para outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso II do artigo anterior e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez. (BRASIL, 1993” A previsão da dispensabilidade em razão do valor aqui apresentada está presente desde a promulgação da Lei de Licitações, sendo alterada, em último momento, pela Lei nº 9.648/98, que aumentou os percentuais dos iniciais cinco por cento, para os atuais dez por cento dos valores da modalidade Convite. Registre-se que essa percentagem aumenta para vinte por cento em caso de consórcios públicos, sociedades de economia mistas, empresas públicas e autarquias ou fundações públicas qualificadas como agências executivas. Trata-se, portanto, do que a doutrina chama de dispensa de licitação pelo valor. Nos ensinamentos do professor Diógenes Gasparini (2012, p. 581), tal dispensa de licitação é “coerente e de todo justificável”, vez que “a execução de pequenas obras ou a prestação de singelos serviços de engenharia [também as compras de pequeno vulto] são medidas simples que não se compatibilizam com procedimentos solenes, dotados de formalidades que só emperrariam a atividade da administração, sem vantagem alguma.” Carvalho Filho, por sua vez, pontua: “Anote-se que o administrador, mesmo nesses casos, poderá realizar a licitação, se entender mais conveniente para a administração. Não há obrigatoriedade de não licitar, mas faculdade de não fazê-lo.” (2014, p. 254. Como se vê, o legislador ordinário disponibilizou para o gestor público a oportunidade de adquirir bens ou contratar serviços (de engenharia ou não) de pequeno vulto, pela via que pudesse realizá-los de modo menos burocrático, do que impô-lo a todo ritual e custos necessários de lançamento e consecução de um certame licitatório. É aqui vislumbrado, pois, o princípio da eficiência, na sua faceta da economicidade. 2 Do Princípio da Eficiência na Administração Pública O princípio da eficiência foi insculpido na Carta Política de 1988 a partir da Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998, a vociferada “Reforma Administrativa”, passando a ombrear os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, todos previstos no caput do art. 37 da Magna Carta, vindo a ser “parâmetro jurídico como condicionante da atividade legislativa infraconstitucional, da atuação administrativa do Estado e do controle cabível na espécie”, em destacada sinopse da publicista Raquel Melo Urbano de Carvalho (2009, p. 196) O termo “eficiência”, no âmbito da administração pública, já foi tratado em outras normas e mesmo na Constituição da República de 1988, anterior à Reforma outrora citada. Na legislação infraconstitucional, o Decreto-Lei nº 200, de 1967, já dispunha que a supervisão ministerial visaria assegurar a eficiência administrativa da Administração Indireta, bem como “o trabalho administrativo será racionalizado mediante simplificação de processos e supressão de controles que se evidenciarem puramente formais ou cujo custo seja evidentemente ao risco”. Neste jaez, a Lei nº 8.987/95, que dispõe sobre a concessão e permissão no serviço público, atrela a satisfação do serviço adequadamente prestado ao que cumpre as condições de eficiência. No mesmo estribo, a lei que regula o processo administrativo federal, Lei nº 9.784/99, assevera ser o princípio da eficiência ditame regulador da Administração Pública (CARVALHO, 2009, p. 196). Não se furtaria a afirmar, ainda, a previsão na CF/88, anterior mesmo à EC nº 19/98, que o princípio da eficiência já margeava o alambrado principiológico constitucional, na sua vertente mais latente, qual seja, o princípio da economicidade, conforme caput do art. 70: “Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.” (BRASIL, 1988. Grifo nosso) e ainda no art. 74, inciso II: “Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de: […] II – comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado” (BRASIL, 1988) Maria Sylvia di Pietro (2007, p. 75) estabelece dois aspectos ao princípio da eficiência. O primeiro é cabido em relação ao modo de atuação do gestor público. Já o segundo seria o enfoque desse gestor para que obtenha o melhor desempenho possível de suas atribuições com fins a lograr os melhores resultados. Hely Lopes de Meirelles assim o define: “o que se impõe a todo o agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento profissional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros” (2002, p. 65). A precisa lição de Raquel Melo Urbano de Carvalho (2009, p. 197) informa que o “Referido princípio, neste contexto normativo, vincula os comportamentos positivos da Administração em favor dos cidadãos, bem como sua atividade interna instrumental da consecução das atuações finalísticas” e arremata, afirmando que se impõe “diminuir a burocratização e lentidão administrativa, e ao mesmo tempo, de obter um maior rendimento funcional e rentabilidade social, sem desperdício de material ou dos recursos humanos” (op. cit). Nesta esteira, em apertada síntese, o publicista inglês Dennis Gallingan elucida a efficiency como uma exigência e “o dever de atingir o máximo do fim com o mínimo de recursos” (1986, p. 129 apud ÁVILA, 2006). A doutrina, de modo geral, entende que tal princípio seja um mandamento de otimização de eficácia plena, cuja consecução não dependa de norma regulamentar. Aqui entendemos sê-lo, da mesma forma, norma cogente a delinear a atividade administrativa, sob todos os aspectos. Insta ressaltar que a eficiência administrativa não poderá, de forma alguma, sobrepor-se a outros princípios da administração pública, em especial ao da legalidade. Não compete ao administrador justificar atos que carecem de previsão em lei sob o manto da eficiência. Aqui cabe uma pequena digressão: como todo poder emana do povo, e a este são confiados representantes legais para impor os limites ao rei por meio de leis. O administrador, representando a longa manus do poder real, cabe tão somente acatar e executar o que o povo delimitou sobre sua atividade, nem mais nem menos. Eis, portanto, o princípio da legalidade ser a imposição da sociedade à atividade estatal, não podendo agir por sobre sua autoridade, o que caracterizaria o desvio ou excesso de poder. Disto, entendemos ser o princípio da legalidade um “sobreprincípio” a atuar perante todos os outros, e acima deles. É o escólio de Di Pietro (2007, p. 84) ao afiançar que “a eficiência é princípio que soma aos demais princípios impostos à Administração, não podendo sobrepor-se a nenhum deles, especialmente ao da legalidade, sob pena de sérios riscos à segurança jurídica e ao próprio Estado de Direito”. Na sua vertente prática, do princípio da eficiência deriva o princípio da economicidade (MOREIRA, 2009), sendo este a “a união da qualidade, celeridade e menor custo na prestação do serviço ou no trato com os bens públicos” (ARAÚJO, 2011). Em matéria de licitações, a título de exemplo, os princípios da eficiência e da economicidade se fizeram presente com a Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, que instituiu o pregão como mais uma modalidade de licitação a ser utilizada para aquisição de bens e serviços comuns, cuja formalidade é bem menos frívola em relação às outras modalidades. Some-se a isso o Decreto nº 5.450/05, que estabeleceu o pregão eletrônico, tornando-se verdadeiro paradigma na realização das licitações da administração pública federal que, em último levantamento realizado, foi responsável por 60% das aquisições do governo federal em 2013, com economia da ordem de R$ 9,1 bilhões (BRANCO, 2014). 3 Da Contratação Direta em Razão do Valor como Instrumento do Princípio da Eficiência na Administração Pública Abordado, então, institutos básicos referente à matéria, logro aclarar que o agente estatal, ao necessitar adquirir bens e serviços de pequena monta, deve sopesar a carga burocrática de um certame licitatório e a eficiência e economicidade advinda da realização de uma dispensa de licitação prevista nos incisos I ou II, do art. 24, da Lei de Licitações. Dos custos licitatórios teremos: hora-trabalhada dos servidores responsáveis (ressalte-se aqui, também, a da Procuradoria Jurídica encarregada do devido parecer jurídico), publicação em jornais de grande circulação e na Imprensa Nacional, insumos (material de expediente, energia, etc.) e outros custos indiretos.      Desta forma, é válido despender importante soma de custeio e dedicação de recursos humanos para se valer de um processo que poderia ser substituído por um procedimento bem menos oneroso, rápido e eficaz? Acreditamos que não. Amparado no princípio da legalidade, a contratação direta em razão do valor da compra não pode ser vista com maus olhos pelos gestores públicos. Entendemos a legalidade, no caso, ser dividida nos seguintes requisitos: valor no exercício financeiro, a proibição do parcelamento, vantajosidade da contratação e o respeito ao aspecto qualitativo da compra ou serviço. 4.1. Valor no Exercício Financeiro A dispensa de licitação pelo valor não poderá ultrapassar quinze mil reais em casos de obras ou serviços de engenharia, ou oito mil reais em sendo compras, serviços ou alienações. Embora não haja previsão expressa do período em que se possam utilizar as contratações insculpidas nos incisos I e II, do art. 24, da Lei nº 8.666/93, a doutrina (GASPARINI, 2012, p. 581) e a jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU) são firmes em tratar-se do limite temporal do exercício financeiro: “O TCU cientificou uma prefeitura municipal no sentido de que o administrador público deve realizar o planejamento prévio doos gastos anuais, de modo a evitar o fracionamento de despesas de mesma natureza, observando que o valor limite para as modalidades licitatórias é cumulativo ao longo exercício financeiro, a fim de não extrapolar os limites estabelecidos nos artigos 23, § 2º, e 24, inciso II, da Lei nº 8.666/1993” (BRASIL, 2012. Grifo nosso)     4. 2 Proibição do Parcelamento A proibição de parcelamento é tecnicamente chamada de “fracionamento da despesa”, ocasião em que o agente público, por ignorância ou má-fé, “fatia” uma obra completa em várias pequenas obras para executá-las por seguidas dispensas de licitação, ou contrata serviços e/ou compras de um mesmo objeto durante a vigência do exercício financeiro, com o mesmo desiderato. A pena precisa do prof. Diógenes Gasparini cita um elucidativo exemplo: “seria indispensável a promoção de um convite se o desejado no ano fosse a construção de três vestiários de R$ 12.000,00 cada um, cuja soma de R$ 36.000,00 exige essa modalidade licitatória (2012, p. 581)”. 4.3 Vantajosidade da Contratação No que se refere à vantajosidade, estamos diante de um fator cabal para a utilização da dispensa de licitação. Quando se quer utilizar a dispensa de licitação em função do baixo valor da contratação, do administrador público exigir-se-á uma breve análise em licitações homologadas de idêntico objeto, com fins a obter um valor-base do serviço ou material a serem adquiridos. De posse desse valor, o agente deve obter pelo menos três cotações de preço e conferir se a opção pela dispensa (oriunda de uma dessas cotações realizadas) é a mais vantajosa para a Administração. A regra – não escrita – das três cotações é entendimento jurisprudencial da nossa Egrégia Corte de Contas, como se observa: “A primeira das irregularidades seria a existência de vícios na condução, autorização e homologação de pesquisa de preços nos exercícios de 2004 e 2008. A esse respeito, a unidade técnica expôs que “Essa Corte de Contas vem defendendo, de forma reiterada, que a consulta de preços junto ao mercado, nos casos de dispensa de licitação, deve contemplar, ao menos, três propostas válidas…”.O relator, acolhendo a manifestação da unidade técnica, votou pela procedência da denúncia e expedição de determinação à Codesa no sentido de que, “faça constar dos processos de contratação direta, inclusive por meio de licitação com base no art. 24, incisos I e II, da Lei nº 8.666/93, pesquisa de preços de mercado, no número mínimo de três cotações válidas, elaborados por empresas do ramo, com identificação do servidor responsável pela consulta, conforme iterativa jurisprudência deste Tribunal”.O Plenário, por unanimidade, acompanhou o voto do relator.Precedentes citados: Acórdãos nº 1.545/2003-1ª Câmara – Relação nº 49/2003; nº 222/2004-1ª Câmara e n º 2.975/2004-1ª Câmara”. (BRASIL, 2010). A praxe administrativa da dispensa de licitação tem diferentes formas de execução nos entes federativos, assim como entre os órgãos do mesmo ente. No âmbito federal, por exemplo, uma importante ferramenta utilizada é a Cotação Eletrônica, que racionaliza e dá ampla concorrência aos fornecedores interessados em ofertar bens e serviços à administração. Esse instrumento impede, ainda, o direcionamento da contratação para o “fornecedor amigo”, sobrelevando o respeito aos princípios da impessoalidade e moralidade. Desta feita, acreditamos que a utilização da cotação eletrônica em sistema apropriado perfaça a obrigação acima contida, desde que o preço de referência seja obtido a partir de três propostas válidas ou de homologação de licitação cujo objeto seja semelhante. Ainda sobre a vantajosidade, mister se faz ponderar, também, cotejar o valor-base obtido em licitações homologadas e os valores cotados somados ao custos licitatórios concretos (despesas decorrentes de publicações, materiais empregados, energia etc.) e abstratos (horas-trabalhadas pelos servidores responsáveis). O cálculo pela opção da contratação direta deve se ater a essas variáveis e, aí sim, concluir pelo seu cabimento, ou pela opção do lançamento de uma licitação. 4.4 Aspecto Qualitativo da Compra ou Serviço A natureza do objeto da compra, ou o sobredito aspecto qualitativo da contratação, é mais um requisito da dispensa de licitação por valor. Esse requisito está intrinsecamente ligado ao fracionamento da despesa, vez que a lei fala na proibição de parcelamento de um mesmo serviço ou compra, consoante inciso II, do art. 24 da Lei. Ora, o que podemos entender como mesmo serviço ou compra? Embora desconheça doutrina ou lei que estabeleça o grau de similitude de um serviço ou de um material para outro, com fins a repercutir o disposto em lei, ousamos em corroborar entendimento de unidades administrativas que admitem a semelhança de discriminação de compras ou serviços com base nos subitens da despesa, isto é, utilizando-se da previsão de aglutinação dos materiais ou serviços dentro da mesma natureza de despesa. Por exemplo, se for adquirido material de consumo (ND 33.90.30), entendemos que se poderá utilizar o valor disponível da dispensa (oito mil reais) para cada um dos seus subitens: combustíveis e lubrificantes automotivos (01), material de expediente (16), material de copa e cozinha (21) e vários outros. Desse modo, caso seja ultrapassado o valor de oito mil reais em cada subitem desses, a Administração errou em não prever licitação para aquisição dos materiais ou contratação dos serviços discriminados nas suas respectivas natureza de despesas, por expressa vedação legal. Dessa forma, o administrador deve agir com planejamento, buscando sempre a eficiência, analisando concretamente, com base nas demandas de anos anteriores, todas as despesas que correrão no exercício financeiro vigente, utilizando-se da dispensa de licitação por valor quando entender cabível seus requisitos. Isto impõe, por óbvio, agir sempre obedecendo aos ditames da lei, em homenagem ao princípio da legalidade.    A opção pela contratação direta pelo critério de valor cabe, portanto, ao juízo de conveniência e oportunidade do administrador público. Saliente-se que a escolha pela dispensa dos valores abaixo do limite legal não requer justificativa (embora seja motivada), não necessite de ratificação da autoridade superior e tampouco demanda publicação em Diário Oficial para sua eficácia (MEDAUAR, 2015, p. 240). Entrementes, entendemos que seja desnecessário, inclusive, o parecer jurídico para tal desiderato. 5 Conclusão A guisa de conclusão, entendeu-se que o legislador ordinário não previra expressamente a opção pela dispensa de licitação previstas nos incisos I e II, do art. 24, do Estatuto Federal de licitações, com o fito de não utilizá-la. Ademais, no esteio de uma incipiente reforma administrativa conduzida pelo Governo Federal, a eficiência foi alçada a princípio vinculante da administração pública, devendo toda legislação infraconstitucional e a Administração Pública assenti-la como mandamento cogente a permear seus atos e atividades. Nesta senda, o princípio da eficiência e o seu derivado prático, o princípio da economicidade, serão consentâneos da atividade administrativa, em especial no ramo das licitações, mas sempre respeitando, sem ressalvas, o princípio da legalidade, aqui e ali elevado ao status de um “sobreprincípio”. Isto posto, conclui-se que a administração pública deve instar o agente estatal a utilizar-se da dispensa de licitação por valor para aquisições de pequeno vulto, visando emular o princípio da eficiência administrativa, sempre obedecendo,  porém, a seus requisitos objetivos e subjetivos, que consubstanciam o princípio da legalidade.
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As agências reguladoras no Brasil e a regulamentação no setor de saúde
O modelo de Estado empresário baseado na intervenção direta na economia foi substituído a partir dos anos 1990 pelo modelo de Estado regulador cuja intervenção ocorre por meio indireto. A função regulatória está ligada ao Poder Executivo, no exercício do poder de polícia administrativa, na intervenção do Estado na ordem econômica, e na prestação dos serviços públicos. Tem por escopo garantir a eficiência do serviço, proteger o administrado e defender a concorrência. Para tanto, optou-se por exercer a função reguladora por meio de entidades reguladoras independentes. As agências reguladoras são autarquias de natureza especial, criadas por lei, com o objetivo de regulamentar e fiscalizar a prestação de bens e serviços considerados de relevância publica. A legislação atribui às agências reguladoras poderes para regular, emitir normas, controlar e fiscalizar os serviços públicos delegados. O regime jurídico especial atribuído às agências reguladoras consiste na imputação de uma maior independência e autonomia administrativa e financeira perante o Poder Executivo. Esse regime, por sua vez tem por objetivo preservar as agências de interferências indevidas, até mesmo por parte do Estado e seus agentes. Por este motivo, procurou-se definir uma autêntica discricionariedade, com preponderância de juízos técnicos sobre as valorações políticas. Em 2000, com a criação da ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar ocorreu os primeiros passos no processo de regulação das operadoras de planos de saúde. A Agência nasceu com o objetivo de efetivar todas as previsões trazidas pela Lei nº 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde), e de ajudar a dificultar práticas lesivas aos consumidores e, ainda, estimular comportamentos que reduzam os conflitos e promovam a estabilidade do setor.
Direito Administrativo
Introdução A partir da década de 90 do século XX , houve uma redefinição do papel do Estado brasileiro que se tornou menos produtor e mais regulador. Optou-se pelo modelo de regulação setorial, sob o argumento de que, em prol da eficiência, a prestação dos serviços públicos passaria a ser realizada pela iniciativa privada. Contudo, tendo em vista o interesse público, o Estado continuaria exercendo o controle e a fiscalização desses serviços, por meio da atuação de entidades dotadas de maior celeridade na implementação de políticas públicas em razão de sua estrutura especializada. O art. 174 da Constituição Federal de 1988 prevê que o Estado, como agente normativo e regulador da atividade econômica, exercerá as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. Coube ao Estado promover e regular o desenvolvimento e não ser o responsável direto pela produção de bens e serviços. Para tanto, fez-se imperiosa a criação de entidades que realizassem a supervisão das atividades e serviços que foram transferidos ao setor privado. A regulação no ordenamento jurídico pátrio é realizada pelas agências reguladoras. A função é executar as políticas do Estado de orientação e planejamento da economia, com objetivo de dar maior eficiência ao mercado por meio de intervenção direta nas decisões dos setores econômicos. As agências reguladoras são autarquias de regime especial, criadas por lei e dotadas de poder de fiscalização e poder regulamentar. Caracterizam-se pela independência em face do Poder Executivo, por não se submeter a controle hierárquico. Emanam normas que regulamentam a matéria de sua competência e decidem litígios. A autonomia desses entes robustece-se com as seguintes características: (i) independência política de seus diretores, que possuem estabilidade diferenciada, mandatos não coincidentes com o mandato do Chefe do Executivo e por prazo determinado; (ii) independência técnica decisória, na qual devem predominar motivações fundamentadas em decisões técnicas; (iii) independência normativa, para o exercício da competência reguladora dos setores a seu cargo; (iv) independência orçamentária e financeira ampliada, com recursos próprios. O foco deste trabalho é analisar, sem esgotar o tema, os principais aspectos que definem as agências reguladoras. Especificando o tema, foi escolhida a regulação da saúde, representada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS. Tal autarquia regulatória, vinculada ao Ministério da Saúde, foi criada pela Lei nº 9.961, de janeiro de 2000, pela necessidade de regulamentação dos planos de saúde privados. E tem como objetivo a regulação, o controle e a fiscalização das atividades e serviços privados médico-hospitalar ou odontológico prestados por operadoras de planos de saúde. A Agência se diferencia das outras agências reguladoras, pois o setor de saúde suplementar não foi privatizado. Não existia qualquer tipo de intervenção do Poder Público até a promulgação da Lei nº 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde), que dispõe sobre a prestação de serviço e funcionamento das operadoras de planos privados de assistência à saúde. 1. AS AGÊNCIAS REGULADORAS 1.1. – As Agências Reguladoras no Brasil 1.1.1. – Origem A compreensão da origem das agências reguladoras implica no entendimento das modificações nas concepções quanto ao papel do Estado ocorridas no final do século XX. A redefinição do papel do Estado acarretou intensas transformações na Administração Pública que passou a adotar os princípios da desburocratização e descentralização como balizadores de suas ações. As experiências de desregulação nos Estados Unidos, e de desestatização na Europa transformaram-se em projetos de Reforma do Estado que se espalhou por vários países, inclusive no Brasil. Implantou-se a administração pública gerencial, que constituiu um afugentamento do sistema burocrático tradicional, conservando-se alguns de seus princípios essenciais. O foco da administração gerencial é a satisfação do indivíduo, devendo o Poder Público assegurar a maior eficiência e qualidade dos serviços públicos. Houve uma redefinição da função do Estado perante o cenário econômico e político. O Estado passa de intervencionista para subsidiário, aproximando-se da sociedade, uma vez que a sociedade passa a participar ativamente da realização do interesse público. Há, pois, uma delegação social. A discussão sobre as agências reguladoras no Brasil ocorreu em 1995, por ocasião da elaboração do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. O Plano objetivava a descentralização da prestação de serviços e o fortalecimento do núcleo estratégico do Estado. Nesse período de diminuição da intervenção do Estado na economia, efetivou-se o Programa Nacional de Desestatização (PND), instituído pela Lei 8.031/1990, substituída pela Lei 9.491/1997, que criou regras e diretrizes para o processo de privatização das empresas estatais. O PND buscou maior eficiência, afastando a burocracia, com o escopo de tornar o Estado mais gerencial. Dentre seus objetivos, o artigo 1º da referida Lei, dispõe: “Art. 1º O Programa Nacional de Desestatização – PND tem como objetivos fundamentais:  I – reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público; II – contribuir para a reestruturação econômica do setor público, especialmente através da melhoria do perfil e da redução da dívida pública líquida; III – permitir a retomada de investimentos nas empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa privada; IV – contribuir para a reestruturação econômica do setor privado, especialmente para a modernização da infra-estrutura e do parque industrial do País, ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia, inclusive através da concessão de crédito; V – permitir que a Administração Pública concentre seus esforços nas atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das prioridades nacionais; VI – contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais, através do acréscimo da oferta de valores mobiliários e da democratização da propriedade do capital das empresas que integrarem o Programa”. O estabelecimento desse novo ambiente na administração pública brasileira teve como resultado a alteração na forma de desempenho do Estado que passou a atuar indiretamente no setor de infraestrutura. A redução da participação estatal na economia ordenava, concomitantemente, o fortalecimento das instituições encarregadas de estabelecer políticas públicas e de regular os setores desestatizados. O Estado não exerce mais certas atividades, contudo, conserva, ainda, suas titularidades. Transfere-se somente o direito de execução das atividades pelo particular. O Estado controla tais atividades e as fiscaliza para a conservação da supremacia do interesse público e das garantias fundamentais. A ampliação do poder do Estado sobre a atividade privada exigiu instrumentos jurídicos e materiais compatíveis com necessidades que antes eram inexistentes. Desta feita, para regular esses serviços e atividades foram instituídos órgãos reguladores, conforme se pode extrair dos artigos 21, XI e 174 da CF/88 [1]. Foram criadas, assim, as agências reguladoras, entidades com função de controle, que regulam e fiscalizam um setor com eficiência e qualidade, definindo normas a serem observadas pelos agentes regulados, com respeito à livre concorrência e ao combate do abuso do poder econômico para garantir investimentos, equilíbrio dos contratos e a execução das políticas públicas. Atualmente o governo federal conta com dez agências reguladoras, como exemplos: a ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, criada pela lei 9.427/1996 e a ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações, Lei 9.472/1997, ANP – Agência Nacional do Petróleo, Lei 9.478/1997, ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar, Lei 9.961/2000, ANA – Agência Nacional de Águas, Lei 9.984/2000.  1.1.2. – Natureza Jurídica As agências reguladoras são pessoas jurídicas de Direito Público, parte da Administração Pública Indireta, sob a forma de autarquias de regime jurídico especial, dotadas de características próprias e caracterizadas por sua autonomia em relação ao Poder Público. São criadas por leis específicas, nos termos do artigo 37, inciso XIX da CF/88[2]. Marçal Justen Filho define as agências reguladoras como “autarquia especial, criada por lei para intervenção estatal no domínio econômico, dotada de competência para regulação de setor específico, inclusive com poderes de natureza regulamentar e para arbitramento de conflitos entre particulares e sujeita a regime jurídico que assegure autonomia em face da Administração direta” [3]. 1.1.3. – Características As agências reguladoras podem ser criadas nas esferas federal, estadual ou municipal, pois a competência para instituí-las decorre da titularidade do serviço público ou da previsão constitucional. Desta forma, as agências reguladoras podem ser classificadas em agências federais, estaduais e municipais de acordo com o ente federado instituidor. As agências podem adotar dois tipos de modelos, de acordo com o objeto da regulação: unissetorial (uma agência é criada para regular cada setor específico) e multissetorial (existe apenas uma agência que regula vários serviços públicos). Mais uma característica das agências reguladoras é a sua especialidade técnica. Essas entidades foram idealizadas como entes administrativos técnicos, especializados, impenetráveis às imposições e oscilações do processo político. A expertise e a especialidade propiciam as condições de se decidir pela melhor decisão dentro das especificidades do setor regulado, legitimando, desta maneira, a função reguladora. Outra característica das agências é a gestão colegiada. Com um órgão diretor colegiado, as decisões são tomadas pela composição dos votos dos membros, repartindo a responsabilidade e conferindo maior discussão, o que colabora para que exista maior legitimidade e imparcialidade. Assim, agências possuem imparcialidade e neutralidade no desempenho de suas funções e insubordinação hierárquica ao Governo. As agências têm um regime jurídico especial, que passa por uma autonomia reforçada. Essa autonomia é normativa, administrativa e financeira. Essas são três características básicas de todas as agências reguladoras. A autonomia política-administrativa se dá em relação ao Ente central, tendo em vista dois fundamentos: despolitização e necessidade de celeridade na regulação[4]. A autonomia administrativa da agência é fundamentada em duas particularidades: i)      Estabilidade reforçada dos dirigentes das agências reguladoras;  ii)    Impossibilidade do recurso hierárquico impróprio. A estabilidade reforçada dos dirigentes está disposta na Lei nº 9.986/2000[5], que trata do regime de pessoal das agências reguladoras. A nomeação dos dirigentes não será de maneira livre ou ad nutum. O chefe do Poder Executivo indica uma pessoa de reputação ilibada e de conhecimento técnico no setor que será regulado. Após, o indicado passa por uma sabatina no Senado Federal, que aprova ou não. Se aprovado, será nomeado pelo Chefe do Executivo para o exercício de um mandato. Após a nomeação, o dirigente somente poderá ser exonerado se cometer falta grave comprovada mediante processo administrativo em que haja o devido processo legal. A outra particularidade da autonomia administrativa das agências reguladoras é a impossibilidade de seus atos serem revistos por recurso hierárquico impróprio. Este, por sua vez, é um recurso que é interposto para conhecimento e julgamento por autoridade exógena à agência reguladora. Ou seja, a autoridade que não pertence à autarquia regulatória que proferiria a decisão recorrida. O recurso hierárquico impróprio é uma exceção à autonomia da entidade administrativa, e somente pode ser determinado pela lei de criação da autarquia especial. No entanto, a doutrina majoritária discorre que não é possível o recurso hierárquico impróprio contra as decisões das agências reguladoras. Na visão tradicional, só há hierarquia dentro do mesmo ente administrativo. A hierarquia é uma característica interna das entidades administrativas e, por isso, não existiria hierarquia entre entidades administrativas diversas, pois o que existe entre entes diversos é a chamada vinculação. Portanto, não há a possibilidade da interposição do recurso hierárquico impróprio, porque este minimizaria a autonomia da entidade administrativa que profere a decisão recorrida. Ao se admitir o recurso hierárquico impróprio, admitir-se-ia que uma entidade externa reveja a decisão proferida pela agência reguladora. Haveria, neste caso, um controle externo. Em âmbito federal não há lei criadora de agência reguladora que tenha previsto a interposição do recurso hierárquico impróprio. Por isso, não cabe recurso hierárquico impróprio para esses entes federais. Caso algum interessado discorde de ato ou decisão proferidos no âmbito da agência reguladora, deverá se socorrer no Poder Judiciário. Outro traço característico das agências reguladoras é a sua autonomia financeira. Entende-se que os entes regulatórios possuem recursos financeiros suficientes para exercerem suas atividades. As agências podem cobrar as chamadas taxas regulatórias do setor regulado.  Mais uma demonstração dessa autonomia financeira é a possibilidade das agências elaborarem o próprio orçamento e apresentarem ao Ministério respectivo ao qual são vinculados, para que seja incluído nos projetos de leis orçamentárias. Esta tarefa demonstra o controle com planejamento das receitas e despesas. A característica mais importante das agências reguladoras é a sua autonomia normativa. O poder normativo se efetiva por meio dos decretos regulamentares. Os principais fundamentos dessa autonomia são: (i) a existência de uma delegação legislativa; (ii) deslegalização; (iii) princípio da eficiência; (iv) decretos autônomos; e, (v) flexibilidade obtida com a norma regulamentadora. Sobre a autonomia normativa discorre o doutrinador Diogo de Figueiredo Moreira Neto: “Com efeito, está na atribuição de uma competência normativa reguladora a chave para operar em setores e matérias em que devem predominar as escolhas técnicas, distanciadas e isoladas das disputas partidárias e dos complexos debates congressuais, pois essas, distintamente, são métodos mais apropriados às escolhas político-administrativas, que deverão, por sua vez, se prolongar em novas escolhas administrativas, sejam elas concretas ou abstratas, para orientar a ação executiva dos órgãos burocráticos da Administração direta”[6]. Vê-se, deste modo, que a autonomia das agências reguladoras é um elemento crucial para construir a sua definição. 1.1.4. Constitucionalidade das agências reguladoras no Brasil Com as transformações na organização do Estado e na ordem econômica introduzidas por emendas constitucionais, passou-se a ter previsão na CF/88 de entidades reguladoras para os setores de telecomunicações e petróleo[7]. Essas modificações autorizaram a criação, pelo legislador infraconstitucional, de agências reguladoras nos setores de telecomunicações e petróleo. Também ensejaram a criação de outras autarquias reguladoras independentes nas áreas de energia elétrica, transportes, saúde, meio ambiente, saneamento e cinema. Sobre o tema existe a controvérsia quanto à constitucionalidade ou não da agência reguladora que não tem a sua instituição estabelecida diretamente na Constituição Federal. A partir desse aspecto, parte da doutrina começou a defender a tese de que as únicas agências reguladoras admitidas seriam àquelas previstas na Constituição Federal, sendo que a criação de outras autarquias regulatórias atentaria ao preceito do princípio constitucional da legalidade e do princípio da segurança jurídica. Todavia, há quem discorde de tal entendimento, como, por exemplo, Marçal Justen Filho, considerado um dos maiores doutrinadores em Direito Regulatório. Para este doutrinador, é irrelevante que haja a previsão constitucional explícita, pois se para se criar uma agência reguladora fosse necessária a previsão constitucional explícita, as únicas agências admitidas em nosso ordenamento seriam a ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações e a ANP – Agência Nacional do Petróleo. E, por consequência tornar-se-ia inadmissível a existência de outras. E mais, para o referido autor: “as duas entidades previstas constitucionalmente não são meras autarquias, mas podem ser configuradas como figuras dotadas de outros caracteres. Autarquias seriam as demais figuras criadas legislativamente, sem previsão constitucional. Já aquelas com assento constitucional seriam entidades supralegais, às quais se assegurariam atributos jurídicos excepcionais” [8]. 1.2. Poder normativo das agências reguladoras O poder regulamentar é a prerrogativa dos Chefes do Poder Executivo de expedirem atos normativos com o objetivo de conferir maior exequibilidade a uma lei[9]. Há alguns casos, porém, em que a Constituição autoriza a produção de atos que emanam diretamente do mandamento constitucional e, por isso, têm natureza primária. Nessas situações, não existe outro ato legislativo que paira entre a Constituição e o ato de regulamentação como ocorre tradicionalmente com o poder regulamentar[10]. O poder normativo das autarquias regulatórias deriva da conexão existente entre a entidade que regulamenta e a atividade a ser regulamentada. Sobre esse poder, há discussão na doutrina administrativista sobre se as agências reguladoras possuem ou não o poder normativo. Não há, contudo, consenso sobre o assunto. Essa controvérsia pode ser demonstrada por meio de duas posições doutrinárias: – A primeira corrente admite o poder normativo das agências reguladoras, uma vez que esse poder normativo foi estabelecido pela legislação criadora das agências. O fundamento para esse entendimento é a tese da deslegalização ou delegificação. Pela referida técnica, o legislador transfere o tratamento de determinado assunto do domínio da lei, passando-o para a competência da agência reguladora, isto é para o domínio do regulamento. Então, a matéria que era tratada por lei, passará a ser tratada por ato administrativo. Desta forma, a entidade administrativa pode regulamentar o setor, por meio de normas. Para essa corrente, a deslegalização tem guarida constitucional, sendo, inclusive, contemplada na Carta. Cita-se como exemplos o art. 96, inciso I, alínea “a”, que desloca do Poder Legislativo para o Poder Judiciário o dispor sobre a competência e funcionamento de seus respectivos órgãos; o art. 207, caput, que desloca do Poder Legislativo para as universidades o dispor sobre matérias didáticos-científicas; e o art. 217, inciso I, que desloca do Poder Legislativo para entidades desportivas, dirigentes e associações, o dispor sobre suas organizações e funcionamento. [11] A corrente ainda cita outros argumentos: (i) a deslegalização provém de lei votada e aprovada pelo Congresso Nacional; (ii) os dirigentes das agências reguladoras, são aprovados após sabatina pelo Senado Federal; e (iii) as regulações devem ser antecedidas de audiência pública, dando maior legitimidade aos atos emanados pelas agências reguladoras .[12] – A segunda corrente considera inconstitucional o poder normativo amplo às agências reguladoras. Ou seja, nega poderes normativos às agências, e, também, nega a tese da deslegalização. Essa corrente se fundamenta nas leis que criaram as agências reguladoras. Estas trouxeram apenas princípios genéricos que devem ser observados pela agência. O legislador não transferiu sua competência para o administrador público. Não pode haver a chamada delegação legislativa em branco ou delegação legislativa inominada, pois que esta violaria dois princípios constitucionais: o princípio da legalidade e o princípio da separação de poderes. Para a segunda corrente, o poder normativo das agências reguladoras é o mesmo poder normativo que qualquer outra entidade administrativa possui, isto é, um poder normativo limitado, que deve estar circunscrito aos seus agentes e as suas atividades internas. Em contra-argumento a segunda corrente, a primeira corrente diz que não há a delegação legislativa em branco, pois a delegação em branco ou inominada pressupõe uma delegação sem nenhum parâmetro ou critério, e isso não teria acontecido nas leis das agências. Ocorreu o que se chama de delegation with standards, delegação com parâmetros. Existem parâmetros delineados na legislação das agências que irão nortear a confecção das normas a serem editadas pelas autarquias regulatórias. Para corroborar o entendimento da primeira corrente, o Supremo Tribunal Federal (STF), em ação direta de inconstitucionalidade, entendeu ser constitucional o poder normativo das agências reguladoras, desde que previstos standards e mesmo que presentes genericamente na lei instituidora da autarquia regulatória[13]. Assim, entende-se que a competência das agências reguladoras de editarem normas não pode ser encarada como uma usurpação da função legislativa, pois para acompanhar os novos padrões da sociedade é preciso que exista a confecção mais ágil de normas diretas para tratar de assuntos específicos. Apesar de o ato normativo da agência reguladora não se apresentar como lei em sentido formal, ele se afigura como lei em sentido material, porquanto disciplina situações jurídicas de forma genérica e abstrata. Nesse aspecto, hão de existir limites ao exercício de tal poder normativo. Se o ato regulatório for perpetrado sem respeito ao procedimento previsto na lei que criou e disciplinou a agência reguladora, ou sem a observância da análise de impacto regulatório e da consulta popular, estará viciado, tendo em vista que a ele carecerá legitimidade na atuação regulatória, principalmente para estabelecer os interesses a serem ponderados. 2. Regulação no Setor de Saúde A concretização do direito fundamental à saúde é uma das maiores dificuldade sobre os problemas sociais enfrentados pelo Brasil. A preocupação com a saúde vem esculpida na Constituição Federal de 1988, que tratou do assunto criando uma seção inteira, com cinco dispositivos voltados à questão sanitária. Embora a existência de direitos e garantias e de vasta normatização, o sistema público de saúde, no Brasil, é ineficiente. A assistência à saúde pode ser dividida em dois sistemas: sistema público e sistema privado. Nos termos do artigo 195, §1º da CF/88, o Sistema Único de Saúde – SUS será financiado com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. O sistema privado de saúde está calcado no princípio da livre iniciativa, sendo seu financiamento proveniente da remuneração paga pelos particulares. A previsão do sistema de saúde suplementar está prevista na CF/88, em seu artigo 199, in verbis: “Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. § 1º – As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos. § 2º – É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos. § 3º – É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei. § 4º – A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização”. Esse dispositivo é um permissivo constitucional para o desenvolvimento do setor de saúde suplementar por agentes privados, e, ainda, confirma a escolha, por parte do constituinte, de não monopolizar o sistema de saúde. Forma-se, assim, o chamado sistema de saúde suplementar. A prestação de saúde privada é feita por médicos, odontólogos, laboratórios, clínicas, hospitais. E ela pode ser contratada de forma direta, ou por intermédio de planos privados de assistência à saúde. O ingresso ao sistema privado é livre para todos aqueles que se dispuserem a arcar com o preço do serviço. É um sistema contraprestacional, de responsabilidade direta dos contratantes dos serviços. O contrato de plano de saúde tem por base a mutualidade, visto que os pagamentos realizados pelos consumidores financiam a prestação de saúde para aqueles que necessitarem de atendimento à saúde. A saúde suplementar é uma área controlada pelo Estado, por meio da legislação regulamentar, por ter caráter público. De acordo com o artigo 197 da CF/88, cabe ao Poder Público dispor sobre a regulamentação, fiscalização e controle das ações e serviços de saúde. Como exemplos dessas legislações regulamentares têm-se as Leis nºs 9.656/98, 9.961/00, 10.185/2001 e 10.850/2004. Tais normas são imperativas e limitam a liberdade dos agentes privados que atuam no financiamento privado da assistência à saúde. À época que a Lei nº 9.656/98 entrou em vigor, já existia um segmento econômico, em plena atividade, de planos de saúde. As relações entre operadoras de planos de saúde e consumidores, não obstante estejam subordinadas ao Código de Defesa do Consumidor e à CF/88, careciam de regulamentação específica até a publicação da Lei nº 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde – LPS). Consoante se extrai do art. 1º da Lei nº 9.656/98, estão submetidas ao aludido diploma legal todas as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos privados de assistência à saúde.[14]Sendo assim, o primeiro requisito a ser observado para se aferir quem está afeto à legislação de saúde suplementar é saber se se trata de pessoa jurídica de direito privado. O segundo requisito consiste em saber se tal pessoa opera planos privados de assistência à saúde. Após o advento da citada lei muitas práticas exercidas pelas operadoras de planos de saúde passaram a ser restringidas ou até mesmo proibidas. A lei previu, por exemplo, que os planos de saúde deveriam fornecer a cobertura sem imposição de limite financeiro, em dispositivo que claramente protege os beneficiários perante práticas tidas como abusivas[15]. Da mesma forma, a lei limitou os procedimentos que poderiam ser excluídos da cobertura dos planos de saúde[16]; proibiu o reajuste de mensalidade para beneficiários com 60 anos ou mais, que contribuíram para o plano de saúde por mais de dez anos[17]; estabeleceu prazos de carência[18], entre outras disposições. Assim, para que atue no mercado de planos de saúde, a operadora de plano de saúde deverá cumprir o que dispõe a Lei nº 9.656/98 e se abster de praticar qualquer ato que viole os seus artigos. No ano de 2000, foi publicada a Lei nº 9.961, que criou a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, agência reguladora federal incumbida de fiscalizar, regulamentar e monitorar o mercado de saúde suplementar. A Lei nº 10.185/2001 promoveu a equiparação dos seguros de saúde aos planos privados de assistência à saúde, subordinando-os à Lei nº 9.656/98 e à regulação da ANS. A Lei nº 10.850/2004 atribuiu à ANS competência para a instituição de programas de incentivo à adaptação de contratos “antigos” de planos de saúde (aqueles firmados até 02 de janeiro de 1999), com o intuito de promover o acesso dos consumidores atrelados a esses tipos de contratos às garantias e direitos definidos na Lei nº 9.656/98. 2.1. ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar A regulação da saúde suplementar não resultou de processos de desestatização. Resultou da necessidade de se intervir no mercado que atua em uma atividade considerada de relevância pública. Neste sentido, a ANS iniciou o processo de regulação no setor. A Lei 9.961/2000 criou a Agência Nacional de Saúde Suplementar, autarquia de natureza especial, vinculada ao Ministério da Saúde. A ANS tem como finalidade institucional: “A ANS terá por finalidade institucional promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto suas relações com prestadores e consumidores, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no País”[19]. A referida Agência foi criada com o objetivo de garantir aos consumidores de planos de assistência à saúde os serviços contratados, assim como regular, normatizar, controlar e fiscalizar a prestação de planos e seguros privados de assistência à saúde. A Agência é subordinada às diretrizes fixadas pelo Conselho de Saúde Suplementar – Consu, órgão colegiado criado pelo artigo 35-A da Lei 9.656/98 composto pelo Ministro de Estado da Casa Civil, Ministro de Estado da Saúde, da Fazenda, da Justiça e do Planejamento, Orçamento e Gestão. Tal órgão integra a estrutura regimental do Ministério da Saúde, e tem por competência estabelecer e supervisionar a execução de políticas e diretrizes gerais do setor de saúde suplementar; aprovar o contrato de gestão da ANS; supervisionar e acompanhar as ações e o funcionamento da ANS; deliberar sobre a criação de câmaras técnicas, de caráter consultivo, de forma a subsidiar suas decisões. O Consu, ainda fixa diretrizes gerais sobre: (i) aspectos econômicos-financeiros; (ii) normas de contabilidade, atuariais e estatísticas; (iii) parâmetros quanto ao capital e ao patrimônio líquido mínimos, bem assim quanto às formas de sua subscrição e realização quando se tratar de sociedade anônima; (iv) critérios de constituição de garantias de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro, consistentes em bens, móveis ou imóveis, ou fundos especiais ou seguros garantidores; (v) criação de fundo, contratação de seguro garantidor ou outros instrumentos que julgar adequados, com o objetivo de proteger o consumidor de planos privados de assistência à saúde em caso de insolvência de empresas operadoras.[20] A direção da ANS é exercida por uma diretoria colegiada, integrada por cinco diretores, sendo um deles o diretor-presidente. Os diretores serão brasileiros, indicados e nomeados pelo Presidente da República, após aprovação prévia pelo Senado Federal. Somente perderão seus mandatos em caso de condenação penal transitada em julgado, condenação em processo administrativo, acumulação ilegal de cargos ou descumprimento não justificado de objetivos e metas estabelecidos no contrato de gestão. A agência está organizada em cinco áreas:[21] – Diretoria de normas e habilitação das operadoras: responsável pela regulamentação, registro e monitoramento do funcionamento das operadoras, inclusive dos processos de regime especial e liquidação extrajudicial; – Diretoria de normas e habilitação de produtos: responsável pela regulamentação, registro e monitoramento dos planos, inclusive as autorizações de reajustes de contratos; – Diretoria de fiscalização: responsável por todo o processo de fiscalização tanto dos aspectos econômicos-financeiros, quanto dos aspectos médico-assistenciais, além do apoio ao consumidor e articulação com os órgãos de defesa do consumidor; – Diretoria de desenvolvimento setorial: responsável pelo ressarcimento ao SUS e pelo desenvolvimento de instrumentos que viabilizem a melhoria de qualidade e o aumento da competitividade do setor; e – Diretoria de gestão: responsável pelo sistema de gerenciamento da ANS, o que envolve recursos financeiros, recursos humanos, suprimentos, informática e informação. A ANS goza de autonomia administrativa e financeira. Possui orçamento próprio composto pela Taxa de Saúde Suplementar – TSS, multas administrativas e multas mora. 2.1.1. Competências da ANS As competências organizacionais da ANS são[22]: (i) Regulação da saúde suplementar: conjunto de políticas e diretrizes gerais, ações normatizadoras e indutoras, que objetivam à defesa do interesse público e à sustentabilidade do mercado de assistência suplementar à saúde. (ii) Qualificação da saúde suplementar: conjunto de políticas, diretrizes e ações que buscam a qualificação do setor, em relação ao mercado regulado; qualificação das operadoras, nas dimensões atenção à saúde, econômico-financeira, estrutura e operação; (iii) Articulação Institucional: conjunto de políticas, diretrizes gerais e ações que aperfeiçoem as relações institucionais internas e externas viabilizando a efetividade do processo regulatório. Sobre as competências legais da ANS, a Lei 9.961/2000, em seu art. 4º dispõe que cabe à Agência propor políticas e diretrizes gerais ao Consu para a regulação do setor de saúde suplementar; estabelecer as características gerais dos instrumentos contratuais utilizados na atividade das operadoras; fixar critérios para os procedimentos de credenciamento e descredenciamento de prestadores de serviço às operadoras; estabelecer parâmetros e indicadores de qualidade e de cobertura em assistência à saúde para os serviços próprios e de terceiros oferecidos pelas operadoras; estabelecer normas para ressarcimento ao Sistema Único de Saúde – SUS, estabelecer normas relativas à adoção e utilização, pelas operadoras de planos de assistência à saúde, de mecanismos de regulação do uso dos serviços de saúde, normatizar os conceitos de doença e lesão preexistentes, estabelecer normas, rotinas e procedimentos para concessão, manutenção e cancelamento de registro dos produtos das operadoras de planos privados de assistência à saúde, autorizar o registro dos planos privados de assistência à saúde, dentre outros[23]. A ANS intensificou sua atuação com o objetivo de sanear o setor da saúde suplementar. Por isso, a autarquia tem se destacado em razão da numerosa quantidade de resoluções, instruções, súmulas e normatizações que a autarquia tem expedido. No âmbito de regulação de preços foram implantadas normas para reajustes e definidos mecanismos de acompanhamento da variação dos preços, com objetivo de formular uma política de controle, na busca da sustentabilidade do mercado. Na seara da assistência, foram regulamentados temas para a garantia de qualidade da atenção à saúde, como a atualização do rol de procedimentos de alta complexidade para a aplicação de cobertura parcial temporária. No campo econômico-financeiro, a Agência classificou as operadoras de saúde segundo suas peculiaridades. Estabeleceu a exigência de plano padrão, de envio de informações periódicas, de publicação de balanços. Também foi regulamentado e implantado o sistema de ressarcimento ao SUS, que deve ser ressarcido pelos procedimentos com cobertura contratual prestados aos consumidores de planos privados de assistência à saúde. 2.1.2. Fiscalização das operadoras de saúde suplementar no Brasil Diversas são as medidas adotadas pela ANS para tornar o setor de saúde suplementar mais justo, competitivo e cristalino, bem como mais seguro para os consumidores. Para ajudar em tal tarefa, a ANS conta com em sua estrutura com a Diretoria de fiscalização – DIFIS, que possui as seguintes atribuições[24]: “Promover a articulação com o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC); realizar a fiscalização da assistência suplementar à saúde; promover ações educativas para o consumo no setor de planos de saúde e a integração com órgãos e entidades integrantes do SNDC e da sociedade civil organizada; gerenciar a Central de Relacionamento, inclusive o Disque-ANS, para receber, analisar e encaminhar respostas a consultas e denúncias; instaurar e conduzir o processo administrativo de apuração de infrações e aplicação de sanções por descumprimento da legislação de saúde suplementar; promover a mediação ativa dos interesses para produzir consenso na solução de casos de conflito; desenvolver e manter, em articulação com as demais diretorias, sistema de informações sobre demandas de consumidores/beneficiários e a atividade de fiscalização; e definir as operadoras de planos de saúde a serem fiscalizadas.” A fiscalização realizada pela ANS pode ser dar de duas formas: a fiscalização direta e a fiscalização indireta. A fiscalização direta pode ocorrer: de forma planejada, com fiscalização permanente, com a verificação do cumprimento da legislação; ou de forma descentralizada, onde há participação da sociedade na denúncia de infrações cometidas à luz da legislação regente. A fiscalização direta é exercida por dois programas: cidadania ativa e olho vivo. O programa cidadania ativa conta com a participação do consumidor, que faz denúncias à Agência. Pela dinâmica de tal programa, o consumidor atua como parceiro das atividades de controle e fiscalização e melhoria do setor. A partir dessa participação, desencadeiam-se os procedimentos que vão do esclarecimento sobre a consulta trazida até a própria autuação da operadora, quando uma infração à norma é constatada. Assim, além de fomentar a participação cidadão na defesa de seus direitos, o programa também tem função saneadora, focado na mudança de comportamento da operadora de saúde, trazendo melhorias para os serviços prestados. O programa olho vivo é um modelo inovador da ação fiscalizadora, porquanto é uma fiscalização proativa e realizada de forma continuada, com vistas à crescente adequação das operadoras aos dispositivos estabelecidos pela legislação. O programa tem função preventiva e pedagógica, onde se espera a mudança nas condutas das operadoras de saúde em face de uma maior responsabilização. A fiscalização indireta é exercida por meio do acompanhamento e do monitoramento das operadoras, embasada em dados de sistemas de informações e no cruzamento de informações. Os instrumentos da fiscalização indireta são: (i) planos de recuperação; (ii) regimes especiais, tais como direção fiscal, direção técnica e liquidação extrajudicial; (iv) alienação compulsória de carteira; e (v) leilão. Os planos de recuperação são exigidos pela Agência quando a operadora apresenta problemas econômico-financeiros e precisa de ajuda para restabelecer o equilíbrio. Sobre os regimes especiais: a direção fiscal é decretada quando a ANS constata graves irregularidades econômico-financeiras das operadoras; a direção técnica é determinada quando a operadora de saúde põe em risco a continuidade e/ou a qualidade do atendimento ao beneficiário; já a liquidação extrajudicial é determinada quando a operadora não consegue se recuperar financeiramente, sendo transformada em falência ou insolvência civil, conforme sua organização societária. A alienação compulsória da carteira é decretada com o fito de garantir a continuidade de atendimento aos beneficiários, quando a operadora não demonstra capacidade de recuperação. Caso a alienação compulsória não se realize, determina-se o leilão da carteira, na busca por outras operadoras de saúde que possam absorver os novos beneficiários. 2.1.2.1 Instrumentos de fiscalização Os instrumentos de fiscalização da ANS podem ser classificados em : punitivos e consensuais. Os instrumentos de fiscalização punitivos são a regra geral para os processos administrativos inaugurados em consequência de denúncias que tenham produzido lesão aos direitos dos beneficiários. São aplicações de penalidades que podem ser: (i) advertência; (ii) multa pecuniária; (iii) suspensão do exercício do cargo; (iv) inabilitação para exercício do cargo; (v) cancelamento de autorização; e, (vi) alienação de carteira. Os instrumentos de fiscalização consensuais possibilitam o ajustamento da conduta. Caracteriza-se principalmente pelo Termo de Ajuste de Conduta – TCAC, previsto artigo 29 e parágrafos da Lei nº 9.656/98 e artigo 4º, inciso XXXIX, da Lei nº 9.961/2000, in verbis: “Art. 29.  As infrações serão apuradas mediante processo administrativo que tenha por base o auto de infração, a representação ou a denúncia positiva dos fatos irregulares, cabendo à ANS dispor sobre normas para instauração, recursos e seus efeitos, instâncias e prazos.     § 1º O processo administrativo, antes de aplicada a penalidade, poderá, a título excepcional, ser suspenso, pela ANS, se a operadora ou prestadora de serviço assinar termo de compromisso de ajuste de conduta, perante a diretoria colegiada, que terá eficácia de título executivo extrajudicial, obrigando-se a:     I – cessar a prática de atividades ou atos objetos da apuração; e      II – corrigir as irregularidades, inclusive indenizando os prejuízos delas decorrentes.     § 2º O termo de compromisso de ajuste de conduta conterá, necessariamente, as seguintes cláusulas:    I – obrigações do compromissário de fazer cessar a prática objeto da apuração, no prazo estabelecido;     II – valor da multa a ser imposta no caso de descumprimento, não inferior a R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e não superior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) de acordo com o porte econômico da operadora ou da prestadora de serviço.      § 3º A assinatura do termo de compromisso de ajuste de conduta não importa confissão do compromissário quanto à matéria de fato, nem reconhecimento de ilicitude da conduta em apuração.      § 4º O descumprimento do termo de compromisso de ajuste de conduta, sem prejuízo da aplicação da multa a que se refere o inciso II do § 2o, acarreta a revogação da suspensão do processo.      § 5º Cumpridas as obrigações assumidas no termo de compromisso de ajuste de conduta, será extinto o processo. § 6º Suspende-se a prescrição durante a vigência do termo de compromisso de ajuste de conduta. § 7º Não poderá ser firmado termo de compromisso de ajuste de conduta quando tiver havido descumprimento de outro termo de compromisso de ajuste de conduta nos termos desta Lei, dentro do prazo de dois anos. § 8º O termo de compromisso de ajuste de conduta deverá ser publicado no Diário Oficial da União.      § 9º A ANS regulamentará a aplicação do disposto nos §§ 1o a 7o deste artigo. Art. 4º Compete à ANS:(…) XXXIX – celebrar, nas condições que estabelecer, termo de compromisso de ajuste de conduta e termo de compromisso e fiscalizar os seus cumprimentos;” O TCAC visa obter dos agentes regulados o cumprimento da obrigação definida pela lei através de um procedimento que prioriza o diálogo, o comprometimento e o consenso. Celebrado o TCAC, a ANS suspende o processo administrativo sancionador, onde seria aplicada a penalidade, e abre a possibilidade de ver concretizado o interesse público aspirado com o implemento da obrigação original. O TCAC é utilizado em processos administrativos decorrentes da ação fiscalizatória proativa da ANS, no Programa Olho Vivo e da ação de monitoramento. Tal instrumento tem relativa importância, especialmente para o incremento da eficiência, redução do abuso de poder, aceitação da decisão administrativa pelo do setor regulado; melhoramento do atendimento aos interesses envolvidos; elevação do senso de responsabilidade dos administrados sobre a coisa pública; e para garantia de maior aceitabilidade social. 3. Considerações Finais As agências reguladoras brasileiras nasceram após a Reforma do aparelho estatal, em um contexto de privatização dos serviços públicos e de fiscalização de tais serviços por meio da regulação. As agências desempenham papel importante no equilíbrio entre os interesses dos consumidores, dos concessionários de serviços públicos e do Estado, com o intento de proteger de determinado segmento econômico. A finalidade das agências reguladoras é a estabelecimento de uma regulação independente, neutra e imparcial, apolítica e técnica. A independência é necessária, uma vez que garante a imparcialidade e neutralidade da entidade em relação aos diferentes interesses regulados. Essa independência pode se ser dividida em diversos aspectos: a) ausência de vínculo hierárquico com a pessoa administrativa central; b) autonomia administrativa; c) possibilidade de decidir as questões controversas postas à sua apreciação; d) autonomia normativa; e, e) autonomia financeira. Nesse fim, a legislação infraconstitucional confere às agências reguladoras poderes para regular, expedir normas de caráter secundário, controlar e fiscalizar as atividades econômicas em sentido estrito em prol do interesse público, e aplicar sanções. Na área da saúde suplementar, o setor somente foi devidamente regulamentado a partir da publicação da Lei nº 9.656/98, que regulamentou os planos de saúde, editando normas e regulamentações. A criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar, pela Lei nº 9.961/2000, ocorreu apenas dois anos após a entrada em vigor da LSP. A ANS possui como objetivo efetivar todas as previsões trazidas pela LPS, bem como centralizar as competências regulatórias e de fiscalização do setor de saúde suplementar, bem como controlar e punir os agentes controlados. O controle é realizado, principalmente, por meio de informações prestadas pelas operadoras de saúde, e a fiscalização ocorre de forma ativa, com intervenções quando existem irregularidades que coloquem em risco os beneficiários e os prestadores de serviço. A Agência regula o setor: (i) disciplinando critérios de ingresso, operação e saída do setor de saúde suplementar; (ii) utilizando instrumentos para o equilíbrio econômico-financeiro das operadoras; (iii) aplicando penalidades por descumprimento da lei e regulação; (iv) estabelecendo procedimentos para controle e adequação de preços, entre outros. O que se percebe é que a regulação com propriedade é uma das funções primordiais da ANS, pois, por meio dela é possível que o setor de saúde suplementar seja seguro e qualificado, sendo os benefícios dessa regulação o Estado, o beneficiário direto, e o agente regulado.
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A suspensão temporária prevista na Lei Federal nº. 8.666/93 e a extensão dos seus efeitos jurídicos
O presente estudo visa analisar a amplitude dos efeitos da sanção administrativa de suspensão temporária do direito de licitar e contratar, prevista no art. 87, inciso III, da Lei Federal nº. 8.666/93. Essa punição tem enorme relevância jurídica e social, pois se caracteriza pela retirada do direito do particular de participar de licitações e contratações com o governo, sendo assim inegavelmente é uma sanção dura. Ademais, cristalino perceber que as sanções administrativas são prerrogativas das cláusulas exorbitantes e são derivadas do poder disciplinar emanado da Administração Pública, em razão da necessidade de buscar a consolidação da supremacia e indisponibilidade do interesse público em detrimento do interesse privado. Além disso, insta ressaltar que a problemática da interpretação da amplitude dos efeitos dessa sanção origina-se da previsão legal que diferencia “administração” e a “Administração Pública”. O legislador, em seguida, previu que a suspensão temporária restringe-se ao âmbito da administração, enquanto que a declaração de inidoneidade afeta toda Administração Pública. Atualmente o Poder Judiciário comunga da doutrina que concede à penalidade de suspensão prevista no inciso III, do art. 87, da Lei Federal nº. 8.666/93 a amplitude extensiva de seus efeitos, ou seja, após estar suspenso o administrado não pode celebrar contratos administrativos com nenhum órgão do Poder Público no âmbito nacional, em virtude da indivisibilidade da Administração Pública brasileira. Por outro lado o Tribunal de Contas da União e a Advocacia-Geral da União, que controlam as realizações dos certames licitatórios, entendem que a suspensão só é válida para o órgão ou ente que impôs a sanção, em razão da interpretação literal da vontade do legislador responsável pela edição da lei de licitações e contratos administrativos. Nessa senda, o particular não tem segurança de qual entendimento irá prevalecer, além disso, em razão do princípio do acesso a justiça e da inafastabilidade da jurisdição, sempre que esse assunto for questionado perante o Poder Judiciário os atos administrativos sancionados pelo TCU e pela AGU serão revistos. Sendo assim, imperiosa a realização de uma análise doutrinária e jurisprudencial para a correta sedimentação do tema. Ademais, nem sempre o TCU e a AGU foram defensores da amplitude restritiva dos efeitos da suspensão temporária e até hoje há quem defenda a desnecessidade de ampliar os efeitos da referida sanção. É certo, porém, que a Lei Federal nº 8.666/93 possui lacunas que precisam ser revistas, não podendo deixar essa tarefa a cargo apenas dos princípios gerais do direito administrativo. [1]
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O presente estudo tem como título “A suspensão temporária prevista na lei federal nº. 8.666/93 e a extensão dos seus efeitos jurídicos”. Trata-se de um tema de Direito Administrativo, que envolve o estudo jurídico- dogmático da sanção administrativa de suspensão temporária do direito de participar de licitações e contratos, seu conceito, suas características, sua relação com os demais mecanismos sancionadores. Todavia, debruçando-se, principalmente, na temática da amplitude de seus efeitos na administração pública. A suspensão temporária da participação de licitações e o impedimento de contratar com a Administração objetiva punir o administrado que tenha inexecutado total ou parcialmente os termos do contrato administrativo. É, portanto, uma modalidade de sanção administrativa, possuidora de cunho repressor, derivada das prerrogativas contratuais exorbitantes da Administração, com origem no poder disciplinar do Estado. A referida sanção é objeto de intensa discussão doutrinária e jurisprudencial, a controvérsia do tema recai na amplitude dos efeitos da suspensão em razão de o legislador ter distinguido os conceitos de Administração e Administração pública. Além disso, a problemática aflora em razão existir previsão, nos incisos III e IV do Art. 87 da lei de Licitações, de que a suspensão ocorre no âmbito da Administração e que a declaração de inidoneidade atinge toda a Administração Pública. O Superior Tribunal de Justiça filia-se ao entendimento de que não existe distinção entre os dois termos, pugnando por uma amplitude igualitária para ambas as sanções. Já o Tribunal de Contas da União e a Advocacia-Geral da União firmaram entendimento de que existe uma diferença entre os termos empregados pelo legislador. Essa divergência causa grande insegurança jurídica, na medida em que o administrado não sabe qual posicionamento será adotado nas licitações e se esse posicionamento irá ser revisto no âmbito jurisdicional. O objetivo principal do presente trabalho reside nesse ponto: investigar a atual interpretação que é concedida à amplitude da punição em comento no âmbito do Poder Judiciário e dos órgãos de controle administrativo, quais sejam o Tribunal de Contas da União e a Advocacia-Geral da União. Para tanto, é necessário recorrer à história da relação de intervenção da Administração na vida dos administrados, além de abordar os principais princípios norteadores do presente estudo, com o fito de identificar a doutrina que vem sendo mais bem utilizada para descrever os efeitos da referida sanção. Nesse toar, inegável perceber a relevância acadêmica e social do tema, que abarca a intensa relação econômica dos contratos administrativos celebrados entre a Administração Pública e os particulares. Foi em decorrência de tal relação que o legislador estabeleceu mecanismos de proteção do Estado, quando esse se relaciona economicamente com os administrados, quais sejam as sanções administrativas. O método de abordagem utilizado foi o dedutivo, pois a pesquisa partiu do exame dos princípios administrativos e da interpretação doutrinária atual para conseguir concluir qual a interpretação é a mais indicada para a amplitude dos efeitos da suspensão temporária. Os métodos de procedimento utilizados foram o comparativo e o estudo do casuístico, além disso, para realizar a pesquisa foram utilizadas as técnicas de: coleta, fichamento do material, documentação escrita de todos os argumentos encontrados, com o objetivo de confrontá-los; exame de julgados exarados pelos Tribunais Superiores, Tribunal de Contas da União e de pareceres da Advocacia-Geral da União. Em relação à estruturação do Trabalho, serão estudados, primeiramente, os princípios norteadores do regramento jurídico do direito administrativo, que possuem extrema relevância com o tema, em virtude da utilização de interpretações da lei à luz dos princípios administrativos com o fito de delimitar a intenção do legislador na concessão da amplitude dos efeitos da suspensão temporária. A Segunda Seção cuidará das bases jurídicas que possibilitam a aplicação de sanções administrativas, visando atingir o interesse público, nos contratos em que a Administração celebra com os administrados. O segundo capítulo irá abordar também as demais espécies de sanções administrativas, delimitando e localizando a graduação da suspensão temporária. Por fim, a Terceira Seção tratará da questão específica da interpretação da amplitude da dos efeitos da punição no âmbito do Poder Judiciário, da Advocacia-Geral da União e do Tribunal de Contas da União. Atingindo, consequentemente, o objetivo do trabalho, qual seja a verificação de qual a doutrina é mais bem utilizada e se existe a necessidade de uma inovação interpretativa e legislativa do tema. 1. A PRERROGATIVA EXORBITANTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA O Direito, por ser um fenômeno social, está sujeito às constantes transformações da sociedade, que podem ter caráter político, cultural, econômico, dentre outros. Assim, nenhum instituto jurídico nasce acabado e permanece puro por muito tempo. Na verdade, todos os elementos do Direito são frutos de uma evolução histórica e nunca estão completamente prontos, se encontram sempre em processo de aperfeiçoamento, adaptando-se aos valores cultuados pela sociedade vigente. A sanção administrativa de suspensão do direito de licitar segue o mesmo raciocínio. Criada como mais um mecanismo de defesa do interesse público, percebe-se que sua interpretação não é uniforme, causando dificuldades jurídicas que impulsionam a sociedade a clamar por uma segurança jurídica e consequentemente mudança de entendimento. 1.1. ORIGEM HISTÓRICA Nesse introito, indispensável a abordagem, ainda que de forma superficial, da evolução acerca da relação entre o Estado e seus administrados, da organização política do Estado Moderno, pois é a partir da análise das mudanças que ocorreram no decorrer histórico, da referida interação, que se percebe a razão de a Administração utilizar-se de institutos jurídicos, em especial a aplicação de sanções administrativas aos administrados que de alguma maneira descumprem os regramentos jurídicos, para assegurar a estabilidade social. É justamente no âmbito da necessidade da manutenção da estabilidade social que se inicia a pequena análise das mudanças históricas desencadeadas no percurso da relação supramencionada, pois, conforme serão observadas, as transformações que ocorreram forma de o Estado atuar foram desencadeadas e inspiradas a partir dos descontentamentos sociais. Inicialmente, insta ressaltar que o foco da presente análise não será apontar a origem da organização Estatal, mas sim fazer uma apanhado genérico das mudanças governamentais que ocorreram a partir do governo monárquico, que se baseava em um poder totalitário e absoluto, nesse período histórico que ficou amplamente conhecido como a era absolutista, o modelo de governabilidade estava focado nos poderes de um monarca que assumia a personalidade do Estado e comandava todos os administrados com fulcro na sua vontade[2]. Percebe-se que, durante este período, não existiam regramentos basilares que regulamentassem as relações entre o Estado e os particulares. Essa insegurança e as constantes ações desarrazoadas do Rei levaram a população, insatisfeita com as desigualdades, a um ponto de descontentamento tão elevado que resultou nas revoltas que acarretaram na retirada do poder do monarca. Buscava-se, naquele momento, uma autonomia em relação aos mandamentos do rei, o objetivo da população insatisfeita era a diminuição dos poderes do governante. Um exemplo clássico de tamanho poder foi o Rei Luís XIV, o “rei-sol”, que proferiu a famosa frase “O Estado sou eu”. Ademais, nesse período de libertação o ideal liberal-democrático foi amplamente divulgado, que resultou na necessidade de se elaborar uma codificação que disciplinasse as estruturas do poder do Estado, ou seja, ficou consagrado neste momento de revolução, e saída do domínio monárquico, a necessidade de controlar os poderes da Administração Pública[3]. Nesta senda, foi idealizada a tripartição das responsabilidades estatais, como forma de diminuir a concentração de poderes. Consagrou-se, também, o sistema de freios e contrapesos em virtude dessa tripartição de atribuições. Além disso, pode-se destacar que as regras basilares, responsáveis por delimitar a convivência humana, emanavam dos representantes do povo e consubstanciavam-se na pequena intervenção do Estado na vida particular, reflexo das atrocidades realizadas em nome do monarca[4]. Entretanto, em meio a mais descontentamentos sociais, dessa vez oriundos da insegurança social advinda da inatividade do Estado, que deixou os particulares livres e sem o devido suporte estatal, os administrados se rebelaram contra aqueles que detinham o poder, pois a burguesia dominadora explorava de forma desumana o proletariado, em decorrência da liberdade mercantil.[5] Mais uma vez, percebe-se que o descontentamento social dá causa ao clamor por mudanças na relação do Estado para com seus administrados. A classe trabalhadora, então, protestou por mudanças e pela intervenção do Estado, para que este atuasse com maior vigor para a proteção dos administrados mais necessitados, zelando pelo bem estar social. Entretanto, ao contrário do período absolutista, a intervenção Estatal não se deu de forma agressiva, mas sim ocorreu em pontos chaves, capazes de garantir a dignidade humana para todos, transformando, assim, o Estado em um mero zelador da sociedade, com obrigações de intervir apenas quando necessário[6]. É a partir dessa concepção que se deve analisar as sanções administrativas, pois essa nova realidade estatal trouxe a necessidade da existência de serviços básicos que devem ser ofertados pelo Estado. 1.2. ANÁLISE PRINCIPIOLÓGICA Evoluindo no estudo do instituto jurídico da sanção administrativa de suspensão temporária do direito de licitar, imprescindível o estudo do regramento normativo da administração pública, ou seja, antes de adentrar na temática das sanções, demonstra-se necessário observar o regime jurídico que dá o aporte para a aplicação no caso concreto das sanções disciplinares. Nesse diapasão, a partir do estudo doutrinário, pode-se afirmar que as sanções estão inseridas no regime jurídico do direito administrativo que possui normas e princípios específicos do âmbito de atuação da administração. Celso A. B. de Mello[7] enuncia em sua obra que o regime jurídico do direito administrativo, inserto no direito público, se construiu em função de dois princípios principais, que dão base para os demais princípios relativos à administração pública, quais sejam o Princípio da Supremacia do Interesse Público e o Princípio da Indisponibilidade do Interesse Público. Preliminarmente, faz-se necessário destacar o posicionamento de José Afonso da Silva[8] que conceitua os princípios como sendo expressões que exprimem a noção de ‘mandamento nuclear de um sistema’. O referido doutrinador aponta, ainda, a possibilidade de os princípios comporem o regramento jurídico positivamente, ou seja, explicitamente inclusos no texto legal. Entretanto, embora não faça parte do rol dos princípios explícitos, a supremacia do interesse público é entendida como sendo o princípio norteador de todo o sistema administrativo, por isso, diz-se que todos os atos do agente público devem carregar o objetivo finalístico de consagrar o interesse público e caso o administrador atue com interesses obscuros que não se coadunem com o cerne do princípio desse postulado, pode-se considerar que aqueles atos são inválidos. No entanto, ressalte-se que apesar de possuir tamanha importância, não se pode identificar a incidência direta deste princípio em todos os atos da administração, Marcelo Alexandrino[9] ensina que o mencionado princípio apresenta-se com maior clareza, somente, quando a Administração atua utilizando-se do poder de império, ou seja, quando o Estado utiliza-se de sua posição dominante para criar imposições e restrições à atividade particular. Nesse toar, pode-se afirmar, preliminarmente, que a supremacia do interesse público é um dos principais argumentos que corroboram para a existência das sanções administrativas, dentre elas a suspensão temporária do direito de licitar. Pode-se assegurar, portanto, que esse princípio do direito administrativo justifica a posição de superioridade que o Estado possui em relação a seus administrados em razão da necessidade de alguma força, superior ao interesse particular, existir para manter o interesse coletivo – o bem maior. Inegável perceber, também, a relação que este princípio possui com os princípios expressos do regime jurídico-administrativo, pois a impessoalidade, a eficiência, a legalidade, a moralidade e a publicidade estão intimamente ligadas à finalidade da Administração Pública, qual seja o bem comum dos administrados. Lucas Rocha Furtado[10] ensina que a posição de superioridade do interesse público caracteriza-se como sendo o “exercício das prerrogativas públicas, prerrogativas que afastam ou prevalecem sobre outros interesses.” Em contrapartida, imperioso destacar que apesar de a supremacia do interesse público primar pelo bem estar coletivo, o interesse dos administrados não pode ser interpretado como o interesse de somente um particular, conforme será visto adiante, através do estudo do princípio da impessoalidade. Existe uma enorme diferença entre o interesse de particular e o interesse público, nas palavras de Celso A. B. de Mello[11] o interesse público se apresenta como sendo a plenitude dos “interesses de cada indivíduo enquanto partícipe da Sociedade”. Ademais, contrariando a opinião majoritária da doutrina administrativa, faz-se mister explicitar o posicionamento do doutrinador Gustavo Binenbjom[12] que opina no sentido de que o interesse público não pode ser interpretado como um princípio supremo que justifica a posição de superioridade do Estado. Para o referido pensador, não se pode colocar a supremacia do interesse público acima do direito do individual, que constitui a coletividade democrática formadora da nação. Entretanto, o presente trabalho monográfico corrobora com o entendimento de que o Estado precisa intervir no âmbito particular para garantir o bem estar social, conforme se interpreta na leitura do apanhado histórico da evolução da relação entre o Estado e os administrados. Por isso, faz-se necessário utilizar-se do princípio da superioridade do interesse público para justificar as ações da Administração. Além disso, não há o que se falar em conflito do princípio da supremacia com os princípios fundamentais da Constituição, pois apesar de existirem casos em que aparentemente os princípios estejam em conflito, conforme acertadamente ensina Gilmar Mendes[13], não existe embate ideológico entre os princípios, mas sim um momentâneo choque hermenêutico, conforme trecho que segue: “não se faz necessária a formulação de regras de colisão, porque essas espécies normativas – por sua própria natureza, finalidade e formulação – parece não se prestarem a provocar conflitos, criando apenas momentâneos estados de tensão ou de mal-estar hermenêutico, que o operador jurídico prima facie verifica serem passageiros e plenamente superáveis no curso do processo de aplicação do direito” De outra banda, os principais doutrinadores administrativos lecionam que o interesse público é dividido em duas facetas, o interesse primário e o secundário. De acordo com os ensinamentos do doutrinador italiano Alessi[14], o primeiro caracteriza-se pela atuação do estado visando assegurar o interesse da coletividade, ou seja, o interesse público propriamente dito que seria alcançado pelo estrito cumprimento da lei. Enquanto que o segundo perfaz-se quando a administração atua, em nome próprio, com interesses privados, desde que essa atuação não vá de encontro aos interesses da sociedade[15]. Essa possibilidade de o administrador atuar de acordo com interesses privados sofre limitações em decorrência do princípio da legalidade. Evoluindo na análise do sistema jurídico-administrativo, o segundo princípio apontado por Celso A. B. de Mello, base do regime jurídico da administração, é o princípio da indisponibilidade do interesse público. Essa indisponibilidade pode ser externada, mais uma vez, no princípio da impessoalidade, pois o administrador não possui capacidade legal para dispor, sem a indicação legal, dos interesses públicos. Ou seja, o administrador, que atua como gestor do maquinário público, representa os interesses dos particulares no momento em que comanda e dá personalidade aos órgãos públicos. Pode-se exemplificar tal indisponibilidade com a impossibilidade de bens públicos serem dispendidos ao bel-prazer do administrador. A doutrinadora Maria Di Pietro[16] esclarece que essa indisponibilidade traduz-se em forma de poder-dever, haja vista a impossibilidade de se olvidar do interesse público no momento das concretizações dos atos administrativos, ou seja, o administrador não pode deixar de realizar determinado ato que se caracterize como sendo indispensável para o interesse público. Consequentemente, a Administração, por intermédio do agente público, não pode deixar de punir o particular que descumprir as condições estabelecidas no contrato. Vencidos os princípios norteadores do regime jurídico-administrativo, destaca-se os princípios básicos que se encontram expressos no texto constitucional que, além de constituírem as orientações interpretativas do regramento jurídico-administrativo, também possuem o condão de suplementar as lacunas existentes no ordenamento jurídico. Destarte, utilizando-se dos ensinamentos do Doutrinador Alexandrino[17], pode-se afirmar que os princípios estabelecem diretrizes e dão sentido racional ao sistema jurídico, possibilitando uma compreensão lógica do arcabouço jurídico. Nesta senda, são conferidas aos princípios características que possibilitam a determinação do alcance da norma daquele sistema. Pois, a produção de novos regramentos, o preenchimento de lacunas e as soluções de conflitos entre normas devem ser realizados de acordo com os ditames daqueles ideais principiológicos. Por isso, assevera-se que os princípios oferecem parâmetros para a interpretação de determinado sistema jurídico, assim entende Lucas Rocha Furtado[18], cujo ensinamento indicou a utilização dos princípios sempre que se identificar o choque normativo. Ademais, os princípios possibilitam a utilização dos regramentos principiológicos para preencher as lacunas normativas existentes, em virtude da incapacidade natural de o legislador antever, no momento da edição de leis, todas as possíveis situações fáticas que irão ocorrer e que necessitarão da regulação legislativa para a solução do fato, em razão das transformações e evoluções sociais que ocorrem a todo o momento. Por isso, inegável perceber que no momento em que os regramentos positivados se mostrarem insuficientes, para determinar a melhor solução para o caso concreto, recorrer-se-á aos princípios para dirimir os problemas. Essa capacidade de preencher lacunas é essencial para atuação dos agentes públicos, uma vez que é obrigação do administrador atuar conforme os ditames legais e sempre que deparar-se com situação não contemplada pela norma positivada poderá se valer dos princípios para fundamentar suas decisões. Os princípios explícitos do direito administrativo são encontrados no texto constitucional a partir da Constituição Federal de 1988[19]. Tal regramento estabeleceu que a administração pública direta e indireta, de todas as esferas da Administração, deve sempre observar e aplicar os princípios da Legalidade, da Impessoalidade, da Moralidade, da Publicidade e da Eficiência. Ressalte-se que os princípios possuem, além das facetas já mencionadas, a capacidade de limitar a atuação do Estado, ou seja, eles estabelecem os parâmetros normativos que não podem ser olvidados para a atuação da Administração.[20] Nesse toar, o Princípio da Legalidade pode ser interpretado como sendo aquele que exige a submissão dos atos do administrador à norma posta, ou seja, esse princípio, também conhecido como reserva de lei, exige que toda a ação do agente público seja pautada no que está estabelecido no texto legal. A Constituição Federal indica que, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (Art. 5º, inciso II, da Constituição Federal)[21]. Assim, no direito privado o particular pode fazer tudo que não for proibido pelo regramento jurídico. Por outro lado, o princípio indica que para aqueles que detêm o controle da máquina estatal, seus atos são limitados pela existência de regramento permissivo.[22] Ou seja, com base no direito administrativo as ações do administrador são limitadas e moldadas pela subordinação de seus atos ao que está estabelecido em Lei. O administrador atua, portanto, secundum legem[23]. Assim, no momento em que o administrador atua subordinando seus atos ao texto legal, pode-se afirmar que o princípio da legalidade foi interpretado estritamente – resquícios da proteção dos administrados contra o governo tirano absolutista – onde todo o ato do administrador deve estar positivado. Entretanto, insta ressaltar que nem sempre o ato que foi cumprido de acordo com os ditames legais pode ser considerado válido, haja vista a possibilidade de práticas não razoáveis. Portanto, a interpretação do princípio da legalidade evoluiu para abarcar mais duas características básicas. A legalidade, portanto, evolveu para ser entendida em um primeiro momento como legitimidade, onde as ações do Estado não estão pautadas somente de acordo com o texto legal, mas também visando garantir a consolidação dos princípios da moralidade e a finalidade pública. Em seguida, a legalidade englobou a ideia de juridicidade, na qual se considera legal o ato administrativo que se vincula à lei e a todo o ordenamento jurídico.[24] Outro importante princípio, abalizador das atividades da administração, é o da Impessoalidade, que possui diversas formas de interpretação. O doutrinador Lucas Rocha Furtado[25] indica que são 3 (três) os aspectos do princípio, quais sejam o aspecto da isonomia, o aspecto do interesse público e o aspecto da imputação do ato. Destarte, pode-se afirmar que o princípio do direito administrativo da impessoalidade indica que os atos do Estado não podem objetivar conceder privilégios a um particular ou a um grupo específico. Pois, deduz-se do princípio da isonomia que todos são iguais perante a lei. A impessoalidade, portanto, atua como um instrumento deste poder isonômico que visa impedir o tratamento diferenciado que pode ser concedido a alguns particulares. Outro prisma da interpretação do referido postulado é identificado no interesse público do ato administrativo, já que o administrador não pode atuar de acordo com seus interesses pessoais e todo ato administrativo necessita concretizar e obedecer aos ditames do princípio da supremacia do interesse público. Por fim, retira-se do princípio da impessoalidade a possibilidade de ofertar proteção ao agente público, na medida em que os atos administrativos não são vinculados ao agente público, mas sim identificados por terem sido emanados do órgão da administração. Essa imputação do ato administrativo à Administração evita com que o agente público deixe de realizar suas funções, com receios de imputação direta de responsabilidade por seus atos ou por perseguições em razão do que fora realizado. Insta ressaltar que não obstante a impessoalidade e a não imputação do ato ao agente, caso este venha a cometer uma infração ou em decorrência de suas ações e omissões algo aconteça que caiba punição, o agente poderá sofrer uma ação regressiva por parte da administração. De outra banda, o referido princípio tem o escopo de evitar a autopromoção do agente público através das realizações do Estado que foram concretizados por ele[26]. Outrossim, Maria Sylvia de Pietro indica que o referido princípio assegura, também, a validade do ato administrativo, mesmo que este tenha sido realizado por autoridade “irregularmente investido no cargo ou função”.[27] Por outro lado, percebe-se a intenção do legislador, ao afirmar expressamente a moralidade como um princípio norteador da administração pública, de complementar os princípios da legalidade e da impessoalidade. Pois, não basta somente que o ato administrativo seja impessoal ou que esteja dentro da legalidade estrita, a administração deve atuar respeitando o ordenamento jurídico como um todo. O princípio da moralidade administrativa não pode ser encarado de igual maneira à moralidade comum que emana dos administrados, que foca na dicotomia bem x mal, o princípio da moralidade administrativa remete ao sentido de moralidade jurídica[28], que é observada no momento em que o ordenamento jurídico é corretamente obedecido. Além disso, o que é moralmente correto para o particular não significa ser moralmente correto para os agentes públicos. Portanto, a moralidade administrativa está intimamente ligada ao gerenciamento do Poder Público e à atividade do agente púbico no exercício de suas funções. Coadunando-se com o entendimento ao norte, o professor Marcelo Alexandrino28 aponta que “o princípio da moralidade torna jurídica a exigência de atuação ética dos agentes da Administração Pública”. Ainda de acordo com os ensinamentos do referido doutrinador, é possível invalidar (tornar nulo) os atos administrativos que porventura venham a ferir a moral jurídico- administrativa. A exigência da moralidade administrativa nos atos realizados pelos agentes públicos está ligada à ideia da necessidade de o Estado – na pessoa do agente público, que confere personalidade aos componentes da Administração – possuir em seus atos administrativos vinculação à probidade administrativa e à boa-fé. Acerca do princípio da publicidade, destaca-se a necessidade de os atos da administração serem cristalinos e públicos. Ou seja, o poder público deve ser transparente e oferecer meios acessíveis para sociedade fiscalizar as ações do Estado. Esse princípio pode ser ligado à necessidade de a população possuir meios de controle sob o Estado, em decorrência dos abusos de poder que foram cometidos durante o período absolutista. Além disso, o Princípio da publicidade está intimamente ligado com o princípio democrático. Lucas Rocha ensina que é direito da população e dever do estado divulgar ou oferecer mecanismos para que o administrado obtenha toda e qualquer informação, ressalvados os casos de sigilo necessário[29]. Ele aponta, ainda, duas conclusões oriundas da interpretação do texto constitucional que foi abaixo transcrito, quais sejam a impossibilidade de o agente público identificar com precisão qual informação é sigilosa e qual informação pode ser acessada[30]. Pois, a prerrogativa de declarar que determinada informação possui conteúdo sigiloso é oriunda da Lei. Além disso, o sigilo só pode ser declarado para proteger informações sensíveis que possam afetar a segurança da sociedade e do Estado, que afetem a intimidade de um particular e aquelas vão de encontro ao interesse social. “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LX – A lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;” Por fim, o princípio da eficiência, inserido no regramento constitucional através da Emenda Constitucional nº 19/98, consagra o entendimento de que o administrador deve atuar de forma eficiente, ou seja, com presteza, perfeição e rendimento funcional, de forma a consolidar a concepção de Administração Pública Gerencial. A concepção da Administração Pública Gerencial é abordada na obra de Marcelo Alexandrino[31] como um aspecto da doutrina do estado mínimo, que se caracteriza pela mínima intervenção do estado na sociedade. Uma vez que, apesar de se primar pela mínima intervenção estatal, conforme identificado no introito deste trabalho, ela se faz necessária. Por isso, o princípio da eficiência aduz que essa intervenção mínima deve atingir o maior grau de eficiência possível, concretizando, assim, o objetivo da Administração Pública Gerencial, qual seja a aproximação do modelo de administração do Estado do modelo das organizações privadas. Impossível não identificar que, não obstante o intuito de proteger o interesse público, o modelo de gestão da administração pública possui uma enorme gama de burocracia e contratempos que resultam em um engessamento do serviço público. O princípio da Eficiência tem o escopo de reduzir os entraves da burocracia, sem olvidar a legalidade, a impessoalidade e os demais princípios e regramentos do regime jurídico. A doutrinadora Maria Sylvia Zanella Di Pietro[32] leciona que o princípio da eficiência possui duas características principais, que derivam do Plano Diretor da Reforma do Estado que foi elaborado em 1995. A primeira interpretação deste princípio, no direito administrativo, diz respeito à maneira com que o administrador deve exercer suas atividades, pois à luz do referido princípio, espera-se que o agente público atue e desempenhe suas funções da melhor maneira possível, com o intuito de maximizar os resultados dos atos almejados em decorrência de sua função. O segundo aspecto deste princípio é percebido no próprio maquinário estatal, em sua forma organizacional e estrutural, pois se exige do Estado uma organização capaz de contribuir positivamente na consolidação dos serviços públicos. Assim, os objetivos – interesse público – do Estado poderão ser alcançados de maneira mais eficaz. O doutrinador constitucional Alexandre de Moraes[33] define o princípio da eficiência da seguinte maneira: “aquele que impõe à administração publica direta e indireta e aos agentes a persecução do bem comum, por meio de exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia, e sempre em busca de qualidade, primando pela adoção de critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar desperdícios e garantir-se uma maior rentabilidade social.” Dessa forma, conclui-se que o princípio da eficiência visa à máxima efetividade dentro do reduzido grau de intervenção do estado, com o intuito de atingir os objetivos estatais de maneira mais rápida, simples e econômica. Possibilitando, assim, o atingimento do melhor custo benefício nas mais diversas operações realizadas pela administração. Além disso, a eficiência reflete-se na atuação e organização do estado, na medida em que o resultado final da atuação estatal deve estar sempre relacionado à busca da qualidade atingida através da menor utilização possível do tempo e do dinheiro público. Neste toar, excetuando-se os princípios anteriormente mencionados, que se caracterizavam por estarem positivados no texto constitucional e serem oriundos dos princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público, faz-se necessário mencionar que existem diversos outros princípios norteadores do direito administrativo brasileiro. Entretanto, faz-se menção especial aos princípios a seguir: Segurança Jurídica; Razoabilidade; Contraditório/ampla defesa; e a Igualdade. Embora em um primeiro momento o princípio da Igualdade possa ser confundido com o princípio da impessoalidade, o primeiro difere do último no sentido que aquele tem como característica principal a igualdade isonômica de todos, conforme a máxima “todos são iguais perante a lei”. Pois bem, a igualdade isonômica refere-se à igualdade nas mesmas condições, refletindo, assim, no tratamento desigual em virtude do grau de desigualdade. Pode-se afirmar, portanto, que não existe confusão com o princípio da impessoalidade que, por sua vez, consagra a ideia de que o Estado não atua com o intuito, seja de prejudicar ou beneficiar particulares, que não represente o interesse público. O princípio da razoabilidade, por sua vez, é mais um princípio com enorme relevância para o presente estudo, haja vista a crescente cobrança jurisprudencial do respeito aos princípios administrativos que coíbe principalmente os excessos na prática de atos administrativos, inclusive os atos realizados no âmbito do direito administrativo sancionador. Ressalte-se que o Supremo Tribunal Federal utiliza-se abertamente do princípio da razoabilidade, conforme será visto no decorrer do presente trabalho, para o controle de constitucionalidade das leis. O professor Lucas Rocha Furtado[34] leciona que este princípio tem o fito de verificar a legitimidade dos atos realizados pelos administradores, pois “a razoabilidade se apresenta como mecanismo de controle da discricionariedade administrativa e pode ser representada pela seguinte expressão: adequação entre meios e fins”. Assim como a moralidade, a razoabilidade busca controlar as ações do Estado, no caso concreto, utilizando-se do plano abstrato dos princípios da moralidade, da razoabilidade e da proporcionalidade. Essa última, segundo a maioria da doutrina, apresenta-se como um aspecto do princípio da razoabilidade[35]. Ademais, no tocante ao princípio da Segurança Jurídica, destaca-se que o intuito do princípio recai sobre a necessidade de se existir certa previsibilidade dos atos administrativos, sem a preocupação com mudanças que deixem o particular, e até mesmo os próprios agentes públicos, sem segurança de que o que está sendo realizado irá perdurar e não será alterado. Nesse quesito, Di Pietro[36] afirma que a inclusão do presente princípio no ordenamento se deu em virtude da necessidade de proteção dos particulares contra a aplicação retroativa de leis posteriores ao acontecimento do fato. Ou seja, impede-se que seja aplicado entendimento que surgiu após o ato administrativo ter se desencadeado. De outra banda, outro princípio intrinsicamente relacionado com o tema do presente trabalho monográfico são os princípios do contraditório e da ampla defesa, que se encontram positivados na Constituição Federal no inciso LV do artigo 5º, quando afirma o legislador, ser direito do acusado, em sede de processo administrativo, a possibilidade de se defender com os meios e recursos cabíveis Enquanto que o contraditório apresenta-se como a igualdade que as partes possuem na possibilidade de responderem aos “ataques” da parte contrária. Isto posto, inegável que as sanções administrativas, em especial a suspensão temporária, só poderão ser impostas após todo o decurso do devido processo legal que garanta a ampla defesa e o contraditório. 1.3. CLÁUSULAS EXORBITANTES Com base no exposto, acerca da necessidade de o Estado continuar a intervir na vida da coletividade e dos princípios administrativos que darão luz ao tema em tela, adentra-se nos mecanismos utilizados pela Administração que possibilitarão a utilização das sanções. Para tanto, faz-se necessário começar o percurso com o conceito de serviço público. Através da leitura do artigo 175, da Constituição Federal de 1988[37], percebe-se que seu caput indica a necessidade de o Estado ofertar o serviço público para a coletividade, in verbis: Art. 175. Incube ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Insta ressaltar que não há disposição legal que conceitue o serviço público, por isso não se encontra na doutrina um conceito pacificado. Porém, grande parte dos doutrinadores busca definir o serviço público através do critério formal, que identifica o serviço público em razão do regime jurídico que dá sustentação à atividade[38], assim, os serviços públicos podem ser conceituados como sendo aqueles que são ofertados obedecendo aos regramentos inclusos no direito público. De outra banda, nota-se que em decorrência da teoria da intervenção mínima, da impossibilidade do Estado estar sempre presente em todo território nacional ou da necessidade de fomentar a economia de determinada região, nem sempre a máquina pública pode estar presente na linha de frente, atuando na coletividade. Acarretando em uma deficiência no fornecimento dos serviços públicos normalmente ofertados pela Administração e que são necessários à vida digna do ser humano. Essa insuficiência, ou melhor, a não onipresença da mão do Estado, relaciona-se com a necessidade de contratar, com os próprios administrados, pessoas capazes de, em nome do Poder Estatal, fornecer o suporte necessário aos serviços públicos. Ou seja, sempre que o serviço público não puder ser ofertado pelo Estado diretamente, ou quando este achar conveniente abster-se de participar diretamente do fornecimento de algum serviço público, a Administração realiza operações legais para contratar um particular, através de permissões e concessões, que irá atuar no lugar do Estado ofertando algum tipo de serviço. Entretanto, essa contratação não pode ocorrer de qualquer forma, a Administração deve obedecer aos princípios administrativos anteriormente mencionados, principalmente o princípio da legalidade e da impessoalidade. Dessa forma, o Estado organiza um certame com fulcro de identificar o administrado capaz de fornecer o melhor serviço, em nome da Administração, concretizando sempre a supremacia do interesse público. Esse certame, fase anterior e necessária à contratação, é chamado de Processo Licitatório. Cristalino perceber que a licitação não ocorre somente nos casos anteriormente mencionados (para a contratação de particular que irá fornecer um serviço), mas deve ocorrer, via de regra, sempre que a Administração Pública for exercer alguma atividade com cunho econômico para manter em funcionamento o maquinário público. A doutrina identifica como sendo objetos do certame licitatório as obras, os serviços, as compras, as vendas, as concessões, as permissões e as locações de bens públicos. Consoante com o Art. 2º da Lei Federal nº 8.666/93, in verbis: Art. 2º. As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei. O procedimento licitatório foi concebido com base em um sistema sob a égide dos princípios basilares do direito administrativo, capaz de conduzir a Administração a realizar a melhor contratação possível, utilizando-se, portanto, dos princípios anteriormente citados para obter o particular mais apto a oferecer a melhor proposta, capaz de consolidar o princípio da eficiência, que, consequentemente, irá atingir os interesses públicos em questão. Esse objetivo finalístico é evidenciado no texto do art. 3º da Lei nº 8.666/93, in verbis: “Art. 3º. A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos”. (grifo nosso) Di Pietro[39] indica que a licitação é um procedimento administrativo, portanto, possui atos preparatórios únicos que juntos formam a licitação. De igual maneira, Celso A. B. de Mello[40] divide o procedimento administrativo licitatório. Ele ensina que o certame possui duas fases, a interna e a externa. A primeira fase caracteriza-se por trazer elementos que irão dar as delimitações e regramentos da competição. Ou seja, é nessa fase que serão realizados os atos que irão ditar as regras e condições do instrumento convocatório. Como, por exemplo, a solicitação à autoridade competente, à confecção de projeto básico ou termo de referência, estimativa de preços e outros. Em contrapartida, na segunda fase, que se caracteriza por ser a fase externa, o procedimento administrativo tem como ponto de partida a aprovação da fase interna pelo órgão de assessoria jurídica e se caracteriza por ser o certame propriamente dito, onde serão utilizados os critérios pré-estabelecidos para a escolha da melhor proposta. Em seguida, após a escolha da melhor proposta, de acordo com a modalidade e o tipo de licitação, a administração iniciará o processo de contratação do particular que se sagrou vencedor do certame. Entretanto, insta ressaltar que nem sempre é preciso utilizar-se do processo licitatório para o início do processo de contratação. Existe a possibilidade de a administração dispensar a utilização da licitação, nos casos previstos em Lei que possibilitam a não utilização da licitação, quais sejam quando a licitação é inexigível, dispensada ou dispensável. Todavia, apesar de não ser necessário passar pelo crivo licitatório, a administração precisa apresentar o pleito ao órgão de assessoria jurídica para confirmar que o caso apreciado coaduna-se com as exceções legais. Esses contratos realizados com a Administração diferem dos contratos comuns – entre particulares –, em razão de aqueles estarem insertos no regime jurídico-administrativo, portanto, salvaguardados pelo direito administrativo e normas do direito público. Porém, ressalta-se que eles continuam possuindo características afins, como por exemplo, o conceito de que ambos são acordos de vontades com formação bilateral, não se fala em uma imposição do Estado para que o particular aceite o contrato. Imperioso destacar que, em virtude dos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público, os contratos administrativos devem estar de acordo com a legislação vigente e possuir objetos lícitos e possíveis. Outrossim, nem todos os contratos celebrados pela Administração Pública são envoltos pelo regime jurídico-administrativo. A doutrina[41] dissocia os contratos administrativos dos contratos da administração. Aquele tipo possui regência no direito público e é firmado quando a Administração atua como Estado, em posição de superioridade ao particular. Possuindo, portanto, o objetivo finalístico de atender aos interesses públicos. O segundo tipo, os contratos da administração, caracterizam-se pela atuação do Estado como um particular qualquer, sem fazer jus a sua posição de superioridade. Esses tipos de contrato são, consequentemente, regidos pelo direito privado. De outra banda, não obstante a todo o arcabouço protecionista existente para que a Administração contrate um particular – licitação –, o Estado não pode deixar de manter um rígido controle em relação ao contrato celebrado. Nesta senda, incontroverso perceber que, alicerçado nos princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público, o Estado utiliza-se de prerrogativas especiais para exercer um controle contratual mais eficiente, com o fito de garantir com que o contrato consiga atingir seu objetivo, sem ensejar prejuízos à Administração. Essas prerrogativas especiais são chamadas de cláusulas exorbitantes, pois dão poderes à Administração que normalmente não existem nas relações contratuais entre particulares[42]. Ou seja, o Estado utiliza-se de sua posição de superioridade para garantir a supremacia do interesse público na execução do contrato. No entendimento da doutrinadora Maria Sylvia Di Pietro[43], essas prerrogativas extraordinárias caracterizam-se por serem: Aquelas que não seriam comuns ou que seriam ilícitas em contrato celebrado entre particulares, por conferirem prerrogativas a uma das partes (a Administração) em relação à outra; elas colocam a Administração em posição de supremacia sobre o contratado. Portanto, pode-se perceber que o legislador conferiu à Administração poderes especiais para serem utilizados na proteção dos interesses públicos primários, durante a execução de contratos administrativos com os particulares, quando elaborou o artigo 58 da Lei nº 8.666/93, in verbis: “Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de: I- modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado; II- rescindi-los, unilateralmente, nos casos especificados no inciso I do art. 79 desta Lei; III- fiscalizar-lhes a execução; IV- aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste; V- nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hipótese de rescisão do contrato administrativo. § 1o As cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos administrativos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado. § 2o Na hipótese do inciso I deste artigo, as cláusulas econômico-financeiras do contrato deverão ser revistas para que se mantenha o equilíbrio contratual”. (grifo nosso) Ademais, cristalino identificar, após a leitura do artigo retro, que não seria razoável o Estado se utilizar de sua superioridade, nem do argumento do interesse público, para alterar unilateralmente contratos de cunho econômico-financeiros, como assim assevera o doutrinador Marcelo Alexandrino[44]. Dentre as cláusulas exorbitantes, também conhecidas como cláusulas derrogatórias, faz-se necessário focar na possibilidade de aplicação de sanções em decorrência da inexecução total ou parcial do contrato administrativo. Essa punição independe de decisão judicial, sendo obrigatório, entretanto, que o procedimento administrativo concretize os princípios da ampla defesa e do contraditório. É nesse contexto que o presente trabalho mergulha na análise das sanções administrativas, oriundas das cláusulas exorbitantes, e essenciais para a manutenção da moralidade durante a execução do contrato administrativo. A Administração, então, utiliza-se das sanções, dentre elas a suspensão temporária de licitar e contratar com a Administração, com o intuito de infligir sanções em detrimento da inexecução total ou parcial do contrato firmado. 2. A SUSPENSÃO TEMPORÁRIA NO DIREITO ADMINISTRATIVO Após realizar a análise da origem da intervenção estatal e dos princípios basilares do direito administrativo, que é pressuposto da prerrogativa extraordinária da administração nos contratos administrativos, é importante verificar a maneira pela qual a sanção administrativa de suspensão temporária é inserta no regime jurídico do direito administrativo. Além disso, vale estudar as demais sanções administrativas com o intuito de compará-las à sanção em comento, para que se possa identificar a correta amplitude dos efeitos da suspensão. 2.1. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS As sanções administrativas são maneiras coercitivas pela qual o Estado se utiliza para manter a ordem e o bem estar social. Conforme os apontamentos anteriores, o Estado é regido pelo regime jurídico- administrativo, uma espécie de codificação jurídica específica para dar norte às ações de governabilidade. Assim, pode-se frisar que as sanções administrativas emanam deste regramento jurídico. Isso posto, cristalino perceber que o Direito Sancionador Administrativo origina-se em razão da necessidade de supervisionar a relação entre o Estado e o particular. Marcelo Alexandrino indica que “toda e qualquer pessoa está sujeita ao poder punitivo do Estado”[45]. Não obstante defender em sua obra que as punições administrativas oriundas da regulação contratual não se classificam como sanções administrativas, Fabio Medina Osório[46] define, utilizando-se da relação entre o Estado e o administrado, a sanção administrativa de forma genérica, englobando todos os tipos sancionatórios emanados do Poder Estatal: “[…] um mal ou castigo, porque tem efeitos aflitivos, com alcance geral e potencialmente pro futuro, imposto pela Administração Pública, materialmente considerada, pelo Judiciário ou por corporações de direito público, a um administrado, jurisdicionado, agente público, pessoa física ou jurídica, sujeitos ou não a especiais relações de sujeição com o Estado, como consequência de uma conduta ilegal, tipificada em norma proibitiva, com finalidade repressora ou disciplinar, no âmbito de aplicação formal e material do Direito Administrativo. Fábio defende que as sanções, objeto do presente trabalho monográfico, não são consideradas sanções administrativas, em razão de considerar que o intuito desse tipo de sanção reside, somente, na desconstituição da “situação jurídico-administrativa que havia se formado em favor do particular”[47]. Entretanto, tal entendimento não deve prosperar. Pois, inegável perceber que as sanções administrativas, presentes nas cláusulas contratuais e nos demais instrumentos licitatórios, são insertas no regime jurídico-administrativo e emanam da necessidade de o Estado punir o particular que descumpra as cláusulas contratuais. Dessa forma, a não realização do acordado contratualmente pode prejudicar a consolidação do interesse público. Ademais, reproduzindo o pensamento de Fábio Medina Osório[48], essa prerrogativa punitiva não é exclusiva à Administração. Pois, o Poder Judiciário pode “de igual modo, aplicar essas medidas punitivas, desde que outorgada, por lei, a respectiva competência repressiva, na tutela de valores protegidos pelo Direito Administrativo”. A partir de tal entendimento, pode-se fazer um contraponto ao pensamento do referido autor, quando este não reconhece as sanções, oriundas das cláusulas contratuais, como sendo um tipo de sanção administrativa. O último ensinamento do doutrinador evidenciou que são várias as medidas punitivas do Estado. Não sendo desarrazoado entender que as sanções oriundas das cláusulas exorbitantes são, de fato, sanções administrativas. Pode-se identificar, ainda, que a raiz de tais instrumentos administrativos é o Poder Disciplinar do Estado. Marcelo Alexandrino ensina que o referido poder dá condições de a Administração Pública utilizar-se de maneiras coercitivas para punir os administrados que possuem algum vínculo com a administração – no estudo em comento, pode-se identificar esse vínculo como sendo o contrato (ou instrumento convocatório) firmado entre o particular e a Administração[49]. Outrossim, Alexandrino corretamente ensina que as sanções administrativas derivadas do Poder Disciplinar não são oriundas das sanções que são impostas aos agentes públicos, em decorrência da subordinação hierárquica. Ele indica que, embora possa existir sanção administrativa disciplinar em virtude do Poder Hierárquico, a sanção administrativa configurada como cláusula exorbitante – é vinculada ao Poder Disciplinar em virtude da existência do vínculo jurídico, entre o Estado e o particular, que precisa ser resguardado[50]. Por outro lado, não obstante estarem inseridas no âmbito do Direito Administrativo e, por esse motivo, vinculadas às regras e aos princípios norteadores da esfera administrativa, as sanções administrativas possuem uma estreita ligação com o Direito Público Punitivo. Conforme aponta Marçal Justen Filho[51]: “Nenhum crime pode ser reconhecido e nenhuma penalidade pode ser imposta senão em virtude de lei. A Legalidade é instituto fundamental tanto do Direito Penal como do Direito Administrativo. Logo, não poderia deixar de reconhecer-se que também o Direito Administrativo Repressivo se submete ao dito princípio. Não se pode imaginar um Estado Democrático de Direito sem o princípio da legalidade das infrações e sanções.” Desse trecho, pode-se entender que, além da necessidade da submissão do Direito Administrativo Sancionador ao princípio da Legalidade, esse instituto do regramento jurídico do direito está intimamente relacionado ao Direito Penal. Corroborando com esse entendimento de Marçal Justen Filho, deve-se destacar o ensinamento de Edmir Netto[52] no momento em que ele afirmou que “a administração não pode ‘inventar’ penalidades, sendo lícito impor apenas aquelas que constam nas normas legais de regência dos contratos administrativos, como as acima citadas, em virtude do princípio constitucional da legalidade”. Em contrapartida, Alexandrino[53] indica que existe uma diferença entre o poder disciplinar e o poder punitivo do Estado. Ou seja, apesar de estarem relacionadas, não se pode afirmar que as sanções penais são iguais às sanções administrativas. A primeira diferença é facilmente identificada, na medida em que cada uma está inserida em um regramento jurídico diferente. Além disso, a primeira é imposta por um órgão do Poder Judiciário. Enquanto que a última, objeto de estudo do presente trabalho, é aplicada sem a necessidade de decisão judicial. Entretanto, em virtude da necessidade de observância aos princípios do acesso à justiça e da inafastabilidade da jurisdição, inegável que o Poder Judiciário pode rever as punições impostas no âmbito da Administração. Imperioso destacar, de igual maneira, a necessidade de observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa no momento da imposição da pena, sendo necessário, por conseguinte, a realização de um processo administrativo.[54] Maysa Abrahão Tavares Verzola[55] indica outro fator característico que distancia a sanção administrativa do direito penal. A referida doutrinadora explicita que a sanção administrativa não é derivada de um fato típico de conduta antijurídica. Assim, enquanto que a sanção penal pune um delito penal, a punição administrativa tem por característica fundamental punir uma infração cometida no âmbito administrativo. Ou seja, as sanções administrativas não são punições que visam cercear a liberdade do administrado, na medida em que possuem o propósito de punir, na esfera administrativa, a conduta reprovável do administrado que descumpriu total ou parcialmente o disposto no contrato anteriormente firmado, ou instrumento convocatório. Insta ressaltar que essa diferenciação reflete na possibilidade de o administrado, ou o gestor público, sofrer repreensões nas 3 (três) esferas, quais sejam a Penal, a Administrativa e a Civil.[56] Além disso, outro fator que evidencia a diferença dos regramentos jurídicos é a impossibilidade de utilizar-se do remédio constitucional – mandado de segurança – para desconstituir uma sanção administrativa que foi concedida dentro dos limites legais e obedecendo o devido processo administrativo, conforme aduz o julgamento do Mandado de Segurança[57]. 2.2. O REGIMENTO LEGAL DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS Imperioso destacar que as sanções administrativas devem estar previstas em Lei[58]. Aliás, é tema pacífico na doutrina brasileira que o Poder Público só pode valer-se das sanções administrativas quando estas estiverem presentes nos instrumentos editalícios e nas cláusulas contratuais. Coadunando-se com o entendimento ao norte que indica a necessidade de submissão da aplicação das sanções ao princípio da Legalidade anteriormente abordado. Ou seja, é defeso ao gestor público criar sanções ou utilizar-se de sanções existentes, mas que não foram previstas nos regramentos editalícios e contratuais, para punir o particular que não honrou com o compromisso acordado. No mesmo sentido podem ser encontradas decisões nos tribunais brasileiros, a exemplo da decisão da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça[59]que proferiu o seguinte acórdão: “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. ITENS DO EDITAL. INVIABILIDADE DE EXAME. SÚMULA 05/STJ. LICITAÇÃO. RECUSA DE ASSINAR O CONTRATO ADMINISTRATIVO. MULTA. INVIABILIDADE DA APLICAÇÃO À FALTA DE PREVISÃO NO EDITAL. Não viola o artigo 535 do CPC, nem importa negativa de prestação jurisdicional, o acórdão que adota fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia posta. A ausência de debate, na instância recorrida, sobre a matéria tratada nos dispositivos legais cuja violação se alega no recurso especial atrai, por analogia, a incidência da Súmula 282 do STF. A interpretação de cláusula de edital de licitação não enseja recurso especial. Aplicação analógica da Súmula 05/STJ. 4. Inviável a aplicação de penalidade ao adjudicatário que se recusa a assinar o contrato (Lei 8.666/93, art. 81) sem que ela tenha sido prevista no edital (art. 40, III, do referido diploma legal). 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido” (grifo nosso). Nesse toar, faz-se necessário abordar as espécies de sanções administrativas oriundas das cláusulas exorbitantes. Esses instrumentos punitivos estão positivados através dos artigos 86 e 87 da Lei Federal nº 8.666/1993[60] (a Lei de Licitações) e do artigo 7º da Lei Federal nº 10.520/2002[61] (a Lei de Pregões). São quatro as espécies de sanções administrativas da Lei de licitações, quais sejam a advertência, a multa, a suspensão temporária e a declaração de inidoneidade, conforme aduz o art. 87 do referido regramento, a seguir: “Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções: I- advertência; II- multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato; II- suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos; IV- declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.” Além dessas sanções do artigo 87, Marçal Justen indica que a rescisão unilateral do contrato firmado e a multa, em decorrência do atraso injustificado na realização das atividades contratuais, do artigo 86, ambas da Lei de Licitações, são tipos de sanção administrativa[62]. Acerca da Lei de Licitações, Ronny Charles indica que, apesar de o texto legal não prever objetivamente os critérios para a adoção das sanções administrativas, não se pode fugir da submissão aos princípios reguladores da atividade administrativa (legalidade como juridicidade) [63]. Nesse sentido, opinou o Superior Tribunal de Justiça – STJ no julgamento do Recurso Especial nº 914087/RJ[64], conforme trecho que se segue: “DIREITO ADMINISTRATIVO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. INADIMPLEMENTO. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 87, LEI 8.666/93. MANDADO DE SEGURANÇA. RAZOABILIDADE. Cuida-se de mandado de segurança impetrado contra ato de autoridade militar que aplicou a penalidade de suspensão temporária de participação em licitação devido ao atraso no cumprimento da prestação de fornecer os produtos contratados. O art. 87, da Lei nº 8.666/93, não estabelece critérios claros e objetivos acerca das sanções decorrentes do descumprimento do contrato, mas por óbvio existe uma gradação acerca das penalidades previstas nos quatro incisos do dispositivo legal. Na contemporaneidade, os valores e princípios constitucionais relacionados à igualdade substancial, justiça social e solidariedade, fundamentam mudanças de paradigmas antigos em matéria de contrato, inclusive no campo do contrato administrativo que, desse modo, sem perder suas características e atributos do período anterior, passa a ser informado pela noção de boa-fé objetiva, transparência e razoabilidade no campo pré-contratual, durante o contrato e pós-contratual. Assim deve ser analisada a questão referente à possível penalidade aplicada ao contratado pela Administração Pública, e desse modo, o art. 87, da Lei nº 8.666/93, somente pode ser interpretado com base na razoabilidade, adotando, entre outros critérios, a própria gravidade do descumprimento do contrato, a noção de adimplemento substancial, e a proporcionalidade. Apelação e Remessa necessária conhecidas e improvidas.” De outra banda, imperioso destacar que o caput do artigo 87 utiliza-se da expressão “poderá aplicar”, para indicar a possibilidade de imposição de sanção. Entretanto, entende-se que a Administração não atua discricionariamente na imposição de punição, mas sim na escolha casuística de qual utilizar-se. O doutrinador Ronny Torres ensina que “Embora o dispositivo fale em ‘poderá’, não se trata necessariamente de uma livre faculdade do administrador. Em virtude de a Administração ter o poder-dever de apurar eventuais práticas sancionáveis e aplicar as punições exigíveis, no interesse do serviço público”[65]. Outro doutrinador que corrobora com tal entendimento é Edmir Netto[66], que também se utilizada da expressão “poder-dever” para indicar a vinculação do agente público à necessidade de aplicação da sanção administrativa. Percebe-se, concretamente, essa indispensabilidade ao analisar os modelos em anexo, quais sejam, o modelo de Edital, de Termo de Referência e de Contrato administrativo. O Tribunal de Contas da União – TCU já acordou no sentido de exigir que os agentes públicos obrigatoriamente apliquem as sanções administrativas. O referido Tribunal censurou aqueles que não efetuaram a devida apuração e consequente punição (TCU – Acórdão nº 2.470/2006 – 1º Câmara)[67] Ademais, faz-se mister indicar que o texto legal do artigo 88, da Lei de Licitações, reproduz ações reprováveis pela administração, que não estão vinculadas à execução das cláusulas contratuais. Entretanto, importante ressaltar que, apesar de não serem sanções aplicadas à inexecução contratual, a previsão de se aplicar a suspensão temporária e a declaração de inidoneidade, nas hipóteses previstas no artigo 88, deve estar precedida da existência de um vínculo jurídico especial entre a Administração e os administrados[68]. Outrossim, outro tópico que merece atenção é a possibilidade, concedida pelo §2º do artigo 87 da lei de licitações, de as sanções de advertência, suspensão temporária e declaração de inidoneidade serem aplicadas conjuntamente com a aplicação da multa do inciso II do referido artigo. Além dessa possibilidade, está previsto no artigo 7º, da lei de pregão, a igual possibilidade de cumulação com a multa do artigo 87. A concretização dos princípios da ampla defesa e do contraditório possibilita identificar outro ponto de convergência entre as espécies de sanção administrativa. Na medida em que os particulares, insatisfeitos com a imposição das punições, podem interpor recurso no prazo de 5 (cinco) dias úteis para todos os casos de sanção administrativa, exceto a declaração de inidoneidade. Ressalte-se que esse recurso deve ser encaminhado à autoridade superior, daquela que aplicou a pena[69]. 2.3. AS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS EM ESPÉCIE Por fim, cabe realçar o entendimento de que o legislador, responsável pela edição da lei de licitações, tinha por objetivo atingir a graduação das sanções. Ou seja, as sanções por ele positivadas, possuem uma “hierarquização”. Pois, é cristalino perceber que a advertência tem efeito reduzido em relação com a multa, que por sua vez é mais branda que a suspensão temporária que deve ser mais amena que a declaração de inidoneidade. Coadunando com tal entendimento, pode-se citar o ensinamento de Ronny Charles[70] ao indicar que será utilizado o princípio da proporcionalidade para a aplicação da pena. De mesmo modo ensinou Marçal Justen Filho[71] ao frisar que “não é possível colocar em um mesmo patamar a sanção de advertência e a declaração de inidoneidade”. Assim, imperioso destacar as sanções administrativas em espécie com o fulcro de perceber esse caráter gradual da sanção administrativa. 2.3.1. A ADVERTÊNCIA Partindo do pressuposto de que o legislador, no momento da criação da Lei de licitações, primou pela escala de gravidade das penalidades, cristalino notar que a sanção administrativa de advertência, positivada no inciso I do artigo supra, é a punição que possui menor grau de intervenção do Estado. Marçal Justen Filho[72] indica que a sanção de advertência, embora branda, possui um grande importância. Pois, em razão do descumprimento contratual, o gestor contratual passará a fiscalizar o cumprimento obrigacional de maneira mais atenta e minuciosa. De outra banda, Marçal Filho ao criticar a lacuna legislativa existente na Lei 8.666/93, indica que a advertência deveria possuir outra característica básica, qual seja a punição reincidente. Isto é, a advertência deveria vir acompanhada de uma notificação ao administrado acerca da impossibilidade de agir da mesma maneira, sob pena de aplicação de sanção mais gravosa. Entretanto, insta ressaltar que a Lei é silente quanto ao procedimento a ser prosseguido no momento de reincidência do particular. 2.3.2. A MULTA Acerca da sanção prevista no inciso II do artigo 87 da Lei federal nº 8.666/93, pode-se frisar que é permitida sua aplicação concomitantemente com as demais sanções, conforme aduziu o parágrafo segundo do referido artigo. Além do mais, no tocante à falta de indicação normativa acerca das condutas ensejadoras da sanção de multa, faz-se mister destacar que, embora seja um critério discricionário da administração, as multas devem estar previstas nos instrumentos do certame. Acentua-se que essa discricionariedade limita-se à escolha da sanção que será aplicada no caso concreto. Essa compreensão acerca da necessidade de previsão da multa, nos instrumentos contratuais e norteadores da licitação é compartilhada por Ronny Charles Lopes que indica, ao comentar a Lei de licitações, que a ausência da previsão impede a imposição da sanção[73]. De outra banda, frise-se que a multa prevista no artigo 87 da Lei de Licitações difere da multa regulamentada no artigo 86, do mesmo diploma legal, em virtude desta última estar associada à demora no cumprimento contratual. Não olvidando da necessidade de estar, igualmente, prevista nos instrumentos convocatórios. Sobre o tema, Marçal Justen[74] afirma que a primeira sanção imposta ao particular que atrasar injustificadamente a prestação contratual, deve ser a multa do artigo 86. No mesmo trecho, Marçal expõe que além da necessidade de previsão no instrumento contratual a sanção deve estar igualmente prevista no instrumento convocatório, com fito de delinear as condições de cobrança da multa. Ademais, a título de curiosidade, a aplicação da multa moratória do artigo 86, não impede que a administração rescinda o contrato em decorrência do atraso injustificado. Por outro lado, o §2 do artigo 86 indica que o montante a ser cobrado em virtude da multa deverá ser retirado, primeiramente, da garantia apresentada na assinatura contratual. Sendo defeso a aplicação de multa através do desconto dos valores ainda devidos ao contratado. Todavia, insta acentuar que Marçal Justen discorda desse entendimento[75]. Utilizando-se do art. 80 da lei de licitações para justificação, ele interpreta que o texto legal do inciso IV, do artigo supracitado, indica que a execução da garantia só irá ocorrer depois de descontados os valores devidos pela Administração. Dessa forma, somente utiliza-se do exarado no inciso III, do artigo 80 da lei 8.666/93, após a retenção dos valores devidos pela administração após a retirada da garantia. Ressalte-se que a utilização da garantia para pagamento das multas não se dá instantaneamente. Caso seja necessária a utilização da garantia, um processo judicial deverá ser instaurado. Além disso, as disposições contratuais que indicam a possibilidade de execução da garantia não são consideradas títulos executivos extrajudiciais – instrumentos que proporcionariam a execução direta – para os entes da Administração pública indireta[76]. Marçal Filho indica, ainda, que deverá ser instaurado um processo comum para que a sentença deste configure um título executivo judicial para que em seguida, durante a fase de execução, a garantia real possa ser executada. Todavia, caso o contrato tenha sido firmado com órgão da Administração direta, o processo já irá iniciar na fase de execução. Pois, nesses casos, o instrumento contratual equivale a um título executivo extrajudicial. Na escala gradual de aplicação das sanções administrativas, a ordem lógica das sanções indicaria a análise da Suspensão temporária. Entretanto, em razão do aprofundamento necessário no tema da amplitude dos efeitos da sanção de suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, será abordado, a seguir, a Declaração de inidoneidade (punição mais severa que a prevista no inciso III, art. 87, da lei de licitação) e o impedimento de licitar e contratar com a Administração (oriunda da Lei de Pregão). 2.3.3. A DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE Considerada a punição mais gravosa contra os particulares que não executem total ou parcialmente qualquer das obrigações contratuais, a declaração de inidoneidade é utilizada para as atitudes mais reprováveis. Mais uma vez, frisa-se que não há disposição legal acerca de qual descumprimento contratual ensejará a aplicação desta sanção. A respeito da declaração, Edmir de Araújo ensina que a “declaração de inidoneidade terá como consequência a exclusão, in limine, de licitantes cuja folha de serviços revele terem praticado atos dolosos ou de má-fé, quando trataram com autoridades administrativas” [77] Imperioso destacar que a competência para emitir a declaração de inidoneidade, ao contrário da suspensão temporária, é exclusiva do Ministro de Estado, Secretário Estadual ou Municipal. Percebe-se, nesse requisito, a intenção do legislador de conceder tal poder somente à autoridade superior, com o fulcro de evitar que a declaração de inidoneidade seja aplicada sem uma análise mais minuciosa[78]. A declaração de que o particular é inidôneo tem validade indeterminada. O texto legal, Inciso IV do artigo 87 da Lei nº 8.666/93, indica que ela se manterá válida “enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a administração”. A doutrinadora Di Pietro[79] afirma que, embora não possua validade determinada, os efeitos da declaração perduram-se enquanto as irregularidades que motivaram a punição continuarem a existir. Além disso, a declaração de inidoneidade só poderá ser retirada após o decurso do período mínimo de 2 (dois) anos caso o particular reabilite-se ou ressarça a administração, conforme o exposto no final do dispositivo legal que remete a duração da suspensão temporária. “Art. 87.[…] III- suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos; IV- declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior”. (grifo nosso) Por fim, ainda de acordo com a referida doutrinadora[80], o particular que, insatisfeito com a aplicação da sanção, desejar recorrer, precisa utilizar-se do pedido de reconsideração à autoridade que aplicou a pena dentro do prazo de 10 dias úteis contados a partir da intimação do ato, consonante com o inciso III do art. 109 da Legislação em análise, a seguir reproduzido: “Art. 109. Dos atos da Administração decorrentes da aplicação desta Lei cabem: III – pedido de reconsideração, de decisão de Ministro de Estado, ou Secretário Estadual ou Municipal, conforme o caso, na hipótese do § 4o do art. 87 desta Lei, no prazo de 10 (dez) dias úteis da intimação do ato”. 2.3.4. O IMPEDIMENTO Preliminarmente, faz-se necessário identificar as particularidades do pregão para que, em seguida, seja analisada a sanção de impedimento da lei de Pregão. Nas palavras de Maria Sylvia[81], o pregão caracteriza-se por ser a modalidade de licitação que visa adquirir bens e serviços comuns, conforme o trecho a seguir reproduzido: “Pregão é a modalidade de licitação para aquisição de bens e serviços comuns, qualquer que seja o valor estimado da contratação, em que a disputa pelo fornecimento é feita por meio de propostas e lances em sessão pública. O §1º do artigo 2º da Lei nº 10.520/2002 permite que o pregão seja realizado por meio da utilização de recursos de tecnologia de informação, nos termos de regulamentação específica. Essa regulamentação consta do Decreto nº 5.450, de 31-5-2005.” Insta ressaltar que conforme indicado pela doutrinadora ao norte, a Lei federal nº 10.520/02 possibilita a existência de uma modalidade eletrônica que é regulamentada pelo Decreto nº 5.450/05[82]. Por outro lado, a modalidade de pregão presencial é regulamentada pelo Decreto nº 3.555/00[83]. Curiosamente, este Decreto foi editado em data anterior à Lei federal que estabelece a existência do pregão. Pois, o pregão já era previsto através de Medidas Provisórias[84]. Vale dizer que a utilização de tal modalidade só pode ocorrer quando a licitação tiver por objetivo a aquisição de bens e a contratação de serviços comuns. Ambos possuem definição apontada no §1 do art. 2º do Decreto nº 5.450/05, in verbis: § 1o. Consideram-se bens e serviços comuns, aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais do mercado. De outra banda, a Lei nº 10.520/02 indicou, através de sua ementa, que a licitação na modalidade pregão poderá ser utilizada por todos os entes da União. Ronny Charles explica que os entes federativos devem regulamentar os conteúdos especiais, obedecendo aos regramentos gerais impostos nacionalmente[85]. A Constituição Federal de 1988[86] indica a competência para legislar sobre matérias de licitação, conforme os textos a seguir. Percebe-se, portanto, que a Lei de pregão é base geral para os demais entes federados que quiserem especificadamente e nos limites da lei geral, regulamentar o Pregão. “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: […] XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III; Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: § 2º – A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.” Por outro lado, Marcelo Alexandrino indica que “o pregão pode ser usado para qualquer valor de contrato, sendo a licitação sempre do tipo menor preço”[87]. Coadunando com esse entendimento, Ronny Charles indica que a modalidade de pregão tem objetivo de concretizar o binômio “Vantagem e Isonomia”[88]. Nesse toar, faz-se necessário analisar o texto positivado da sanção de impedimento, que possui previsão no artigo 7º da Lei Federal 10.520/2002 e possui a seguinte redação: “Art. 7º. Quem, convocado dentro do prazo de validade de sua proposta, não celebrar o contrato, deixar de entregar ou apresentar documentação falsa exigida para o certame, ensejar o retardamento da execução de seu objeto, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal, ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios e, será descredenciado no Siaf, ou nos sistemas de cadastramento de fornecedores a que se refere o inciso XIV do art. 4º desta Lei, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo das multas previstas em edital e no contrato e demais cominações legais.” (grifo nosso) Após a leitura do artigo ao norte, inegável perceber as evoluções legislativas trazidas pela edição da lei de pregão para a prática do direito administrativo sancionador. Ao contrário do regramento federal de 1993 (Lei federal nº 8.666), a Lei de Pregão previu, no próprio dispositivo que positiva a sanção, os atos que ensejam a punição de impedimento de licitar e contratar. Outra característica única da sanção de impedimento de contratar e licitar da lei de pregão é o período de validade desse impedimento. Ao contrário da declaração de inidoneidade, que possui lapso temporal indefinido e perdurará enquanto irregularidades continuem a existir – com período mínimo de 2 (dois) anos –, e a suspensão temporária, que possui validade de 2 (dois) anos, o impedimento do artigo 7º da lei 10.520/02 possui lapso temporal de 5 (cinco) anos. Ainda sobre a modalidade de licitação em comento, imperioso apontar que a Lei nº 10.520/02, embora tenha inovado, deixou o administrador com a possibilidade de escolher outra punição, existente na Lei de Licitações, que não configure causa de Impedimento do Art. 7º. Ou seja, o gestor público pode aplicar sanção da lei 8.666/93, desde que o ato ensejador da sanção administrativa não esteja prevista no rol do artigo 7º. Isso decorre da aplicação subsidiária da Lei de Licitações, conforme o texto que se segue: “Art. 9º. Aplicam-se subsidiariamente, para a modalidade de pregão, as normas da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.” Contudo, insta destacar a opinião do doutrinador Ronny Charles[89] ao ensinar que, apesar de existir previsão para a aplicação subsidiária da lei de licitação, o intuito do legislador que editou a lei de pregão, foi o de afastar a aplicação das demais penalidades da lei de licitações, em razão de ter previsto somente a aplicação da multa da Lei nº 8.666/93. Indica, ainda, que “deve-se lembrar que a alusão às ‘demais cominações legais’ é comumente usada para deixa claro que a verificação de uma infração administrativa não impede que sejam tomadas medidas necessárias para a responsabilização nas áreas civil e penal”. Ou seja, Ronny Charles acredita que a Lei de Pregão só possibilitou a aplicação da sanção de impedimento juntamente com a multa da lei de licitação, não dando espaço para a aplicação de outro tipo de sanção administrativa deste último regramento. Essa tese levantada pelo doutrinador ao norte já foi vencida no âmbito da Advocacia- Geral da União – AGU. Pois, este órgão, ao realizar o controle interno do certame licitatório, prevê, através do modelo de edital e seus anexos disponibilizados no sítio eletrônico da AGU, os quais foram anexados ao presente trabalho para ilustração, a possibilidade de aplicação das sanções dos dois regramentos nas licitações realizadas na modalidade Pregão. Conforme o anexo I do presente trabalho monográfico. De outra banda, imperioso destacar que esse tipo de sanção administrativa possui um ponto de interrogação causador de conflitos doutrinários. Em virtude da utilização do vocábulo “ou” no texto legal, quando o legislador aponta a amplitude dos efeitos da sanção, o criador do dispositivo legal deu margem à divergência interpretativa. Uma parte da doutrina acredita que o impedimento tem efeito por toda a Administração pública, englobando a União, os Estados e os Municípios. Enquanto que o restante da doutrina defende que o legislador escolheu utilizar a conjunção “ou”, ao invés da conjunção “e”, com o fito de delimitar os efeitos da sanção, restringindo a punição ao ente jurídico que aplicou a punição. Nessa senda, conclui-se que o impedimento da lei de sanções pode ser considerado uma evolução instrumental da legislação e que o Legislador, em norma mais recente – Lei de Pregão –, criou uma nova modalidade de sanção administrativa que possui efeitos mais brandos que a declaração de inidoneidade e mais severos que a suspensão temporária. 2.3.5. A SUSPENSÃO TEMPORÁRIA Evoluindo na análise das espécies de punições impostas pelo Estado ao particular, chega-se, finalmente, ao estudo da sanção administrativa de suspensão temporária do direito de licitar e impedimento de contratar com a administração. Cristalino perceber que esta espécie punitiva possui o segundo maior poderio das sanções da Lei de Licitações. Essa sanção tem por objetivo punir mais rigorosamente, que a multa e a advertência, os particulares que deixem de executar suas obrigações contratuais. Conforme já evidenciado, em razão da superficialidade da legislação norteadora do direito administrativo sancionador, nos contratos administrativos, não é possível identificar um critério específico, capaz de relacionar as ações realizadas pelo particular e a devida sanção administrativa que deve ser utilizada. Consequentemente, tal escolha acaba ficando a critério do agente público. Além disso, ressalta-se que é de fácil identificação o caráter temporário da presente sanção. Pois, o próprio texto legal afirma que o prazo máximo para vigência dos efeitos da suspensão é de 2 (dois) anos. Observa-se que, assim como as demais sanções administrativas anteriormente abordadas, a suspensão temporária deve também deve obedecer aos princípios administrativos anteriormente abordados. Ademais, Celso de Mello indica que a suspensão temporária do direito de participar das licitações realizadas pela a Administração, e a declaração de inidoneidade devem ser utilizadas somente quando o ato punível possa ser considerado crime à luz da Lei nº 8.666/93. Esse entendimento é uma clara tentativa de amenizar os defeitos legais, oriundos da não regulamentação legal acerca da especificação que relaciona o ato à punição cabível. Nessa senda, pode-se identificar que as divergências doutrinárias e jurisprudenciais, que culminaram na necessidade de realização do presente estudo, residem na tentativa de identificação da correta amplitude da aplicação da suspensão temporária de licitar e contratar com a Administração. Por um lado, a primeira corrente doutrinária afirma que o legislador desejou limitar a amplitude da penalidade do inciso III, em razão da utilização do vocábulo Administração. Note-se, que em seguida, no inciso IV, o legislador recorreu à expressão Administração Pública para delimitar o âmbito dos efeitos da declaração de inidoneidade. Essa aparente diferenciação seria confirmada, no entendimento dos defensores dessa hipótese, através da leitura das definições positivadas nos incisos XI e XII do artigo 6º, in verbis: “Art. 6o Para os fins desta Lei, considera-se: XI- Administração Pública – a administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou mantidas; XII- Administração – órgão, entidade ou unidade administrativa pela qual a Administração Pública opera e atua concretamente;” Nessa senda, a corrente doutrinária que defende a reduzida amplitude dos efeitos da sanção de suspensão utiliza-se da ideia de que o legislador não iria se utilizar de palavras inúteis para a edição de uma lei. No sentido de que existe uma diferenciação entre os conceitos de administração pública e de administração. Não cabendo, por conseguinte, ao intérprete da lei ampliar a aplicação da sanção. Pois, este, estaria indo de encontro ao pensamento do legislador. Portanto, para os defensores desta doutrina, a sanção do inciso III limita-se ao órgão que aplicou a penalidade, enquanto que a declaração de inidoneidade tem seus efeitos implantados perante todas as licitações e contratos da Administração Pública. Isto é, a declaração de inidoneidade tem eficácia para todo o Poder Público. Um dos doutrinadores que se filiam a este entendimento é o professor Toshio Mukai[90] que indica em sua obra o Novo Estatuto Jurídico das Licitações e Contratos Administrativos que: A sanção prevista no inc. III valerá para o âmbito do órgão que a decretar e será justificada, regra geral, nos casos em que o infrator prejudicar o procedimento licitatório ou a execução do contrato por fatos de gravidade relativa. Já aquela (sanção) prevista no inc. IV valerá para o âmbito geral, abrangendo a entidade política que a aplicou, e será justificada se o infrator age com dolo ou se a infração é de natureza grave, dentro do procedimento licitatório ou na execução do contrato. De outra banda, imperioso destacar o posicionamento doutrinário contrário, qual seja de que não existe diferença entre os termos: Administração e Administração Pública. Um dos argumentos utilizados por seus militantes recai na ideia de que a Administração Pública é una, portanto, indivisível. Além disso, opinam pela defesa da moralidade pública, indicando que uma empresa suspensa não pode estar livre para contratar com outro órgão da Administração. Coadunando com esse entendimento, o ilustre doutrinador Marçal Justen Filho[91]argumenta que: Se o agente apresenta desvios de conduta que o inabilitam para contratar com um determinado sujeito administrativo, os efeitos dessa ilicitude teriam de se estender a toda a Administração Pública. Assim se passa porque a prática do ato reprovável, que fundamentou a imposição da sanção de suspensão do direito de licitar e contratar, evidencia que o infrator não é merecedor de confiança. Comunga com a opinião acima, Edmir Netto[92] ao declarar que, embora a suspensão seja geralmente entendida como uma sanção aplicada somente no âmbito do órgão contratante, tanto a suspensão como a declaração de inidoneidade são aplicadas pelo órgão contratante e com efeitos para toda a Administração, cabendo, ainda, ao particular suspenso ou declarado inidôneo comunicar às demais entidades da administração. Assim, esse entendimento resulta em uma aparente igualdade nos efeitos da amplitude das sanções de declaração de inidoneidade e de suspensão do direito de licitar. Ante o exposto, imperioso realizar uma análise mais aprofundada da amplitude desta sanção administrativa, relacionando os posicionamentos doutrinários aos julgados do Tribunal de Contas da União, do Superior Tribunal de Justiça, além dos posicionamentos flutuantes da Advocacia-Geral da União. 3. A INTERPRETAÇÃO JURISPRUDÊNCIAL DA AMPLITUDE DOS EFEITOS DA SUSPENSÃO TEMPORÁRIA Conforme demonstrado no capítulo anterior, nem a jurisprudência nem a doutrina brasileira chegaram a um denominador comum acerca da amplitude dos efeitos da sanção administrativa de suspensão temporária do direito de licitar e contratar. De um lado pode-se identificar que o Tribunal de Contas da União – TCU e a Advocacia-Geral da União – AGU defendem a teoria mais restritiva da amplitude da punição, embora, esse nem sempre foi o posicionamento dominante. No outro extremo da balança, o Superior Tribunal de Justiça guia o Poder Judiciário na consolidação da teoria que concede um efeito mais alargado para a amplitude da suspensão. 3.1. A SUSPENSÃO DE LICITAR E CONTRATAR COM O PODER PÚBLICO Primeiramente, cabe frisar que todos os três órgãos citados anteriormente defenderam, em algum momento, a teoria em cotejo, qual seja a amplitude da suspensão temporária que atinge a todo o Poder Público. Podem ser encontradas, com facilidade, decisões nesse sentido nas jurisprudências do Poder Judiciário. Além disso, apesar de atualmente defenderem posicionamento contrário, tanto a AGU como o TCU já se filiaram à corrente defensora da amplitude mais alargada da suspensão temporária. Nessa senda, inicia-se a presente análise da amplitude da sanção prevista no inc. III do art. 87 da lei de licitações através dos julgados do Superior Tribunal de Justiça, instância que tem por obrigação zelar pelas leis infraconstitucionais por meio da uniformização da interpretação das leis federais. Já no ano de 2001, a ministra do STJ, Laurita Vaz, atuando no julgamento do RMS nº 9.707-PR[93], decidiu que a Administração Pública possui uma única natureza executiva, tendo atribuições delegadas e descentralizadas com o intuito de melhor atingir o interesse público nos mais variados locais do território nacional. Iniciou, assim, o entendimento do Superior tribunal de Justiça de que a administração pública é uma só. No ano de 2003, a Segunda Turma do STJ, através do julgamento do Recurso Especial nº 151.567/RJ[94], indicou que não havia distinção, para o poder judiciário, entre a conceituação de Administração e de Administração Pública. Conforme o trecho a seguir: “ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – LICITAÇÃO – SUSPENSÃO TEMPORÁRIA – DISTINÇÃO ENTRE ADMINISTRAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – INEXISTÊNCIA – IMPOSSIBILIDADE DE PARTICIPAÇÃO DE LICITAÇÃO PÚBLICA – LEGALIDADE – LEI 8.666/93, ART. 87, INC. III. É irrelevante a distinção entre os termos Administração Pública e Administração, por isso que ambas as figuras (suspensão temporária de participar em licitação (inc. III) e declaração de inidoneidade (inc. IV) acarretam ao licitante a não-participação em licitações e contratações futuras. A Administração Pública é una, sendo descentralizadas as suas funções, para melhor atender ao bem comum. A limitação dos efeitos da “suspensão de participação de licitação” não pode ficar restrita a um órgão do poder público, pois os efeitos do desvio de conduta que inabilita o sujeito para contratar com a Administração se estendem a qualquer órgão da Administração Pública. Recurso especial não conhecido”. (grifo nosso) Em seu voto, o Ministro relator Francisco Peçanha Martins afirmou que a distinção “é irrelevante e juridicamente risível”[95]. Bem como utilizou-se da boa doutrina de Marçal Justen para asseverar tal entendimento: "11) A Suspensão Temporária e a Declaração de inidoneidade As sanções dos incs. III e IV são extremamente graves e pressupõem a prática de condutas igualmente sérias.[..] 11.2) Distinção entre as figuras dos incs. III e IV A lei que regulamentar as figuras deverá distinguir a suspensão temporária de participar em licitação (inc. III) da declaração de inidoneidade (inc. IV). Ambas as figuras acarretam consequências similares. Nos dois casos, veda-se ao particular a participação em licitações e contratações futuras. Seria possível estabelecer uma distinção de amplitude entre as duas figuras. Aquela do inc. III produziria efeitos no âmbito da entidade administrativa que a aplicasse; aquela do inc. IV abarcaria todos os órgãos da Administração Pública. Essa interpretação deriva da redação legislativa, pois o inc. III utiliza apenas o vocábulo 'Administração', enquanto o inc. IV contém 'Administração Pública'. No entanto, essa interpretação não apresenta maior consistência, ao menos enquanto não houver regramento mais detalhado. Aliás, não haveria sentido em circunscrever os efeitos da 'suspensão de participação de licitação' a apenas um órgão específico. Se um determinado sujeito apresenta desvios de conduta que o inabilitam para contratar com a Administração Pública, os efeitos dessa ilicitude se estendem a qualquer órgão. Nenhum órgão da Administração Pública pode contratar com aquele que teve seu direito de licitar 'suspenso'. A menos que lei posterior atribua contornos distintos à figura do inc. III essa é a conclusão que se extrai da atual disciplina legislativa". O Referido tribunal, no ano de 2004, posicionou-se a favor da extensão mais ampla, a ser concedida para a suspensão temporária, conforme defende o Ministro Castro Meira no Julgamento do Recurso Especial nº 174.274/SP[96], in verbis: “ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DE PARTICIPAÇÃO EM LICITAÇÕES. MANDADO DE SEGURANÇA. ENTES OU ÓRGÃOS DIVERSOS. EXTENSÃO DA PUNIÇÃO PARA TODA A ADMINISTRAÇÃO. A punição prevista no inciso III do artigo 87 da Lei nº 8.666/93 não produz efeitos somente em relação ao órgão ou ente federado que determinou a punição, mas a toda a Administração Pública, pois, caso contrário, permitir-se- ia que empresa suspensa contratasse novamente durante o período de suspensão, tirando desta a eficácia necessária. Recurso especial provido.” (grifo nosso) Percebe-se, que em sua decisão, o Ministro Relator[97] apontou que a eficácia da sanção administrativa seria consideravelmente reduzida, caso fosse permitido que uma empresa suspensa, em decorrência de uma falta grave na execução de um contrato, pudesse participar de certames licitatórios e firmar contratos com o Poder Público. Ainda segundo o Ministro[98]: “O entendimento do Tribunal a quo, no sentido de que a suspensão imposta por um órgão administrativo ou um ente federado não se estende aos demais, não se harmoniza com o objetivo da Lei nº 8.666/93, de tornar o processo licitatório transparente e evitar prejuízos e fraudes ao erário, inclusive impondo sanções àqueles que adotarem comportamento impróprio ao contrato firmado ou mesmo ao procedimento de escolha de propostas. Há, portanto, que se interpretar os dispositivos legais estendendo a força da punição a toda a Administração, e não restringindo as sanções aos órgãos ou entes que as aplicarem. De outra maneira, permitir-se-ia que uma empresa, que já se comportara de maneira inadequada, outrora pudesse contratar novamente com a Administração durante o período em que estivesse suspensa, tornando esta suspensão desprovida de sentido.” (grifo nosso) De fácil compreensão que o referido julgado apontou outro fundamento utilizado pela doutrina defensora da amplitude mais alargada para a suspensão, qual seja o princípio da eficiência e a necessidade de consolidação da supremacia do interesse público. Pois, a amplitude reduzida da sanção não se coaduna com a finalidade da punição, que tem por fundamento punir os administrados que não executem o contrato total ou parcialmente ao realizar ações mais gravosas. Ademais, relembrando a boa doutrina de Celso de Mello[99], a suspensão e a declaração de inidoneidade somente deveriam ser impostas aos administrados que incorressem nos crimes previstos na Lei de Licitações. Em razão disso, indaga-se: qual seria a finalidade de punir, mesmo que temporariamente, o administrado que cometeu falta tão grave somente no âmbito do órgão que impôs a sanção? Inegável que não foi esse o intuito do legislador. Outrossim, pode-se indicar que o STJ continua defendendo tal posicionamento, em razão de continuar julgando casos semelhantes aplicando, no âmbito da jurisdição do poder judiciário, a amplitude alargada da sanção administrativa. Conforme se percebe na análise das decisões mais recentes do Superior Tribunal de Justiça, como por exemplo, o julgamento do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 32.628/SP[100]: “ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. HABILITAÇÃO SOMENTE DA MATRIZ. REALIZAÇÃO DO CONTRATO POR FILIAL. IMPOSSIBILIDADE. DESCUMPRIMENTO DO CONTRATO. SANÇÕES. PROPORCIONALIDADE. ADMINISTRAÇÃO X ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DISTINÇÃO. AUSÊNCIA. […] 10. Por fim, não é demais destacar que neste Tribunal já se pontuou a ausência de distinção entre os termos Administração e Administração Pública, razão pela qual a sanção de impedimento de contratar estende-se a qualquer órgão ou entidade daquela. Precedentes.” Além desses Julgados do Superior Tribunal, destaca-se que os Tribunais Regionais Federais e os Tribunais de Justiça estaduais mantem o entendimento externado pela instância superior, conforme os julgados: Reexame Necessário nº 2004.34.00.043802-3[101], Reexame Necessário n.º 2008.36.00.009788-0/MT[102], Apelação Cível nº. 533906/PE[103], Apelação em Mandado de Segurança nº. 2001.34.00.001228-5/DF[104], Mandado de Segurança nº 51843- 4/PR[105] e do Reexame necessário nº 0034032-40.2009.8.26.0576[106].Ademais, conforme já apontado, o Tribunal de Contas da União e a Advocacia-Geral da União já foram defensores da teoria doutrinária que concede à suspensão administrativa uma amplitude mais alargada. A AGU, através do Parecer nº 087/2011/DECOR/CGU/AGU[107], orientou a Consultoria Jurídica de Pernambuco a utilizar-se do posicionamento do STJ, afastando a participação dos particulares que foram punidos com a suspensão temporária de todas as licitações e contratos da Administração Pública. O advogado da união, responsável pelo referido parecer, indicou que: “Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça em algumas oportunidades já atestou o despropósito da distinção entre Administração Pública e Administração constante dos incisos XI e XII do art. 6.º da Lei n.º 8.666/93. Desse modo, entendeu o referido Tribunal, que é o guardião maior da legislação infraconstitucional no sistema jurídico pátrio, pelo alcance amplo da suspensão temporária de licitar e contratar, irradiando os seus efeitos a todos os órgãos da Administração Pública.” (grifo nosso) Além de atestar que o STJ é o legítimo guardião da legislação infraconstitucional e apontar que o referido tribunal já decidiu pela inexistência de distinção entre Administração e Administração Pública, O Advogado da União recorreu, também, à doutrina de Marçal Justen Filho e de José dos Santos Carvalho Filho para consolidar o entendimento do STJ. Apontou, ainda, que o fundamento da unicidade da Administração encontra-se o art. 1º, caput, da Constituição Federal de 1988[108]. Dessa forma, faz-se necessário expor o pensamento do professor José dos Santos Carvalho Filho[109], que apontou inexistir diferença na conceituação realizada pelo legislador na concepção do art. 6º da Lei nº 8.666/93. Para o ilustre doutrinador a administração e administração pública possuem natureza idêntica, haja vista que a Administração Pública é una. “Destarte, o Advogado da União apontou que: 18. Sem dúvida alguma, as penalidades previstas nos incisos III e IV do art. 87 da Lei n.º 8.666/93 são distintas. Porém, isso não significa dizer que todas as suas consequências devam ser diversas. Afirma-se aqui que os alcançados pelas penalidades há pouco mencionadas devem ser afastados das licitações e contratações de toda a Administração Pública. Os efeitos subjetivos serão os mesmos, abandonando-se, dessa forma, com apoio na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a absurda distinção legal entre Administração e Administração Pública. 19. A questão da dosimetria das penalidades administrativas levantada por muitos como um argumento contrário à interpretação aqui defendida não faz sentido, posto que a sanção prevista no inciso III do art. 87 da Lei n.º 8.666/93 é imposta “por prazo não superior a 2 (dois) anos’, o que permite uma gradação absolutamente diversa da declaração de inidoneidade constante do inciso IV do art. 87 do referido diploma. O administrador, a depender da gravidade da conduta da empresa infratora, pode impor curtas e médias punições, por exemplo. 20. Outro argumento manejado diz respeito ao art. 97 da Lei n.º 8.666/93, que só classifica como crime a prática de “admitir à licitação ou celebrar contrato com empresa ou profissional declarado inidôneo’, nada dizendo sobre a suspensão temporária. Ora, tal previsão legal só comprova que, de fato, a declaração de inidoneidade é punição mais grave que a suspensão temporária do direito de licitar e contratar. Isso não é questionado. Concorda-se com tal afirmativa. O que se diz é que a diferença de gravidade entre as sanções não determina automaticamente alcances subjetivos diversos.” (grifo nosso)[110] Nessa senda, não resta dúvidas de que a AGU posicionou-se a favor da concessão de uma amplitude mais alargada para a suspensão temporária, capaz de evitar com que os administrados, punidos por um determinado ente ou órgão da administração, possam participar de contendas licitatórias e celebrar contratos com outro órgão da administração pública. Outrossim, insta mencionar que Tribunal de Contas da União seguia para uma mudança de entendimento acerca da amplitude da punição em comento, atribuindo à suspensão a amplitude defendida pelo STJ e pelo parecer da AGU ao norte, todavia, vale dizer que tal mudança não prosperou. Imperioso ressaltar, entretanto, os argumentos utilizados nas decisões do ano de 2011, quais sejam o Acórdão nº 2218/2011[111] e o Acórdão nº 3757/2011[112], dando especial atenção àquele acórdão. No acórdão nº 2218/2011, interessante observar que, preliminarmente, o Ministro Relator José Múcio Monteiro decidiu continuar adotando o entendimento do TCU, opinando em seu voto inicial por restringir os efeitos da punição em comento ao âmbito do órgão concedente. Entretanto, após a intervenção do Ministro Revisor Walton Alencar Rodrigues, o relator mudou seu entendimento para abarcar a possibilidade de a suspensão temporária do direito de licitar ter sua eficácia ampliada para todo o Poder Público. Em seu voto, o Ministro Walton Rodrigues indicou a doutrina de Marçal Justen e os julgados do STJ para reforçar sua convicção de que, em defesa da moralidade administrativa e do interesse público, a penalidade do inciso III do art. 87 da lei 8.666/93[113]deve ter efeitos que alcancem e resguardem toda a administração Pública. O Ministro apontou, ainda, no momento em que indicou a possibilidade de desconsideração de personalidade jurídica para aplicação de sanção para outra pessoa jurídica com quadro diretor semelhante àquela punida, que o Estado da Bahia, utilizando-se da faculdade de legislar sobre matéria especial, editou a Lei Estadual nº 9.433/2005[114] que traz, em seu artigo 200, a ideia de que o administrado que esteja suspenso não pode participar das licitações e contratações da Administração Pública, in verbis: “Art. 200. Fica impedida de participar de licitação e de contratar com a Administração Pública a pessoa jurídica constituída por membros de sociedade que, em data anterior à sua criação, haja sofrido penalidade de suspensão do direito de licitar e contratar com a Administração ou tenha sido declarada inidônea para licitar e contratar e que tenha objeto similar ao da empresa punida.” (grifo nosso) Além disso, apontou a existência de um Projeto de Lei Federal (PL nº 7.709/2009[115]), que indica a impossibilidade de particulares, punidos pelas sanções de suspensão e declaração de inidoneidade, participarem de licitações e contratos com o Poder Público. O Projeto teria como objetivo inserir no artigo 28 da Lei Federal nº 8.666/93 o seguinte parágrafo único: “Parágrafo único. Não poderá licitar nem contratar com a Administração Pública pessoa jurídica cujos diretores, gerentes ou representantes, inclusive quando provenientes de outra pessoa jurídica, tenham sido punidos na forma do § 4º do art. 87 desta Lei, nos limites das sanções dos incisos III e IV do mesmo artigo, enquanto perdurar a sanção.” (grifo nosso) Apesar de indicar que esse impedimento irá obedecer aos limites das sanções positivadas nos incisos III e IV, é certo subsumir que a intenção do legislador foi indicar que a atribuição da sanção deve estar vinculada ao limite temporal enunciado naqueles dispositivos. Pois, o início do parágrafo único proposto é taxativo ao estabelecer que ficarão impedidos de contratar e licitar com a Administração Pública aqueles que estão sob os efeitos das punições indicadas. Nesse ponto é importante apontar os ensinamentos de Marçal Justen Filho que foram amplamente utilizados para fundamentar os julgados anteriormente abordados. Marçal[116] inicia sua análise frisando, mais uma vez, que a problemática acerca da amplitude dos efeitos da suspensão temporária deriva das lacunas legais existentes na Lei nº 8.666/93. Ele reconhece que o intuito do legislador foi o de instituir 4 (quatro) sanções distintas e gradualmente divididas, assim, ele inicia sua explicação, acerca da amplitude da suspensão, apontando as diferenças básicas entre as duas últimas sanções previstas na Lei de Licitações. A primeira diferença apontada por Justen Filho foi o prazo de duração dos efeitos da sanção de suspensão e de declaração de inidoneidade. Embora tenha afirmado que essa diferença pouco importa para a caracterização das sanções, faz-se necessário discordar de tal entendimento, em razão deste configurar-se como sendo uma grande característica diferenciadora das sanções. Pois, vale dizer que o prazo de duração é um dos pressupostos utilizados para discordar daqueles que defendem a ideia de que a amplitude alargada para a suspensão transformá-la-ia em uma sanção idêntica a declaração de inidoneidade. Em seguida, Marçal aponta a diferença na competência para a imposição das sanções, enquanto que a suspensão temporária pode ser imposta pela autoridade responsável pela gestão do contrato, a declaração de inidoneidade pressupõe que a punição seja decretada por uma autoridade de maior hierarquia. Destaca-se que essa diferenciação da competência dá munição para os defensores da doutrina que entende que a amplitude da suspensão deve ser reduzida. Isso porque a possibilidade de aplicar uma sanção que abrangesse toda a administração pública seria prejudicial aos particulares, que poderiam sofrer com sanções impostas incorretamente. Além disso, o doutrinador ao norte, defensor da amplitude mais alargada para a punição, critica a corrente doutrinária que pleiteia pela amplitude reduzida, pois, segundo ele, “a prática do ato reprovável, que fundamentou a imposição da sanção de suspensão do direito de licitar e contratar, evidencia que o infrator não é merecedor de confiança”[117]. Ante o exposto, pode-se inferir que essa primeira corrente doutrinária defende a amplitude extensiva dos efeitos da sanção em comento em razão da indivisibilidade da administração pública, da defesa dos princípios norteadores do direito administrativo – em especial o da moralidade – e em virtude dos objetivos e eficácia da sanção. 3.2. A SUSPENSÃO DE LICITAR E CONTRATAR COM O ÓRGÃO PUNIDOR Conforme já mencionado, o Tribunal de Contas da União e a Advocacia-Geral da União vão de encontro ao posicionamento do STJ, defendendo a necessidade de conceder interpretação mais reduzida para a amplitude dos efeitos da suspensão temporária. No ano de 2005, após os primeiros julgados do STJ, que concederam uma interpretação extensiva para a punição em comento, os ministros do Tribunal de Contas, reunidos em sessão plenária para julgar um caso concreto, acordaram de forma unânime que a FUNASA deveria evitar dispor sobre a impossibilidade da participação nos procedimentos licitatórios e contratuais das empresas suspensas temporariamente. Exceto quando a própria FUNASA tivesse imposto a punição[118]. No ano seguinte, a primeira câmara do TCU[119], mais uma vez, decidiu ser impossível incluir vedação da participação de empresas suspensas temporariamente, ressalvados os casos em que o próprio órgão tenha aplicado a sanção. O acórdão foi proferido quando realizaram a análise dos autos oriundos do relatório da auditoria realizada pela Secretaria de Controle Externo na Paraíba – SECEX-PB –, com o intuito de verificar a existência de irregularidades nas licitações e contratações pactuadas pela Superintendência Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária na Paraíba. A referida câmara da corte de contas da União decidiu, a partir do caso acima, ser impossível impedir a participação dos particulares que estejam sob efeito da penalidade de suspensão temporária, decretada por órgão da administração pública diverso, em razão da inexistência de amparo legal para tal vedação. Ademais, a primeira câmara do Tribunal de Contas da União apontou, no acórdão 538/2009[120], julgados anteriores que indicavam o posicionamento da corte de contas em relação à amplitude da suspensão temporária de licitar e contratar com a administração, quais sejam o acórdão nº 1533/2006[121], a decisão n.º 52/99[122] e a decisão nº 302/2001[123]. Outrossim, o TCU vem consolidando o entendimento acima exposto, abafando por completo os indícios de mudança jurisprudencial, acerca da amplitude da sanção em comento iniciadas na primeira câmara no ano de 2011. Após os julgamentos que se filiaram às decisões do STJ, o plenário da corte de contas vem reiteradamente decidindo pela interpretação restritiva dos efeitos da suspensão, como é percebido nos acórdãos nº 3243/2012[124], nº 3439/2012[125] e nº 1017/2013[126]. Insta destacar as divergências de entendimento entre os ministros, no momento da realização do julgamento que deu causa ao proferimento do primeiro Acórdão mencionado. O caso refere-se a uma representação de uma empresa que foi excluída de um certame licitatório, realizado pela prefeitura do município de Cambé/PR, em virtude de estar, à época, cumprindo as punições de suspensão temporária (da lei de licitações) e de impedimento de licitar (da lei de pregão), impostas pelos municípios de Piracicaba/SP, Valinhos/SP e, também, imposta pela Fundação Desenvolvimento Médico Hospitalar de Botucatu. O Ministro relator, Ubiratan Aguiar, utilizando-se dos acórdãos da primeira câmara do TCU anteriormente abordados, proferiu o seu voto externando entendimento de que a suspensão deveria ter sua amplitude mais larga, capaz de abarcar toda a Administração. Todavia, o Ministro revisor Raimundo Carreiro entendeu por manter o entendimento, que vinha sendo adotado pelo TCU, que defende a interpretação literal da lei. Consolidou, assim, a linha de raciocínio restritiva que se utiliza da diferenciação dos conceitos previstos no art. 6º da lei de licitações, para destacar a graduação necessária das punições. Ao fim do plenário, o relator foi voto vencido, ocasionado, desse modo, na sedimentação do entendimento, no âmbito do TCU, restritivo da amplitude dos efeitos da suspensão temporária. De outra banda, imperioso destacar o Parecer nº 02/2013/GT/Portaria nº 11, de 10 de agosto de 2012[127], do grupo de trabalho da AGU, responsável pela atualização dos modelos de editais de licitação, que, justificando-se nos julgados do TCU, decidiu mudar o entendimento do órgão acerca da amplitude dos efeitos da suspensão temporária. O Grupo de Trabalho utilizou-se dos argumentos já abordados, de que a Lei de licitações expressamente delimita a conceituação de Administração e da Administração Pública, para consolidar o entendimento restritivo da amplitude da sanção. Além disso, afirmou que essa diferenciação é o pressuposto para a competência da imposição da declaração de inidoneidade recair em uma autoridade de maior hierarquia. A AGU considerou, ainda, que se faz necessário existir uma diferença maior entre as punições do inc. III e IV, em razão de a Lei só considerar crime a contratação com empresa declarada inidônea. Entretanto, conforme anteriormente explicado, isto pode ser utilizado em favor da teoria do alargamento dos efeitos da sanção, pois a igualdade da amplitude não retira ou diminui as outras diferenças existentes entre as sanções. No mesmo sentido pode-se apontar o Parecer nº. 08/2013/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU[128] através do qual a AGU opinou pela restrição dos efeitos da sanção em apreço. Todavia, vale explicitar que o entendimento do referido parecer não restringiu a amplitude nos mesmos moldes do entendimento do TCU e do parecer anterior da AGU. Os procuradores federais entenderam que a suspensão temporária deve abranger todas as licitações e contratos realizados pelo Ente responsável pelo órgão que aplicou a sanção. Ou seja, utilizando-se da teoria do órgão, o parecerista indicou que não há sentido em punir somente no âmbito do órgão contratante. Pois, em verdade, a amplitude da sanção deve ser estendida para a entidade administrativa que engloba o órgão, em razão de este ser um componente da pessoa jurídica que caracteriza o Ente. Entretanto, não obstante essa interpretação externar que a amplitude dos efeitos da sanção não pode ser totalmente restringida é de fácil percepção que essa amplitude ainda não se coaduna com o entendimento do Poder Judiciário. Ante o exposto, inegável que a ideia relacionada à restrição da aplicação da sanção, defendida pelo TCU e pela AGU possui argumentos fortes. O primeiro deles, comungado por todos os defensores da restrição da sanção, é a utilização da literalidade da lei de licitações para diferenciar os termos Administração e Administração Pública, a partir das conceituações que o legislador positivou no artigo 6º da Lei nº 8.666/93. Outro argumento corriqueiramente utilizado para justificar tal restrição é o da necessidade de graduação das punições. Os defensores de tal doutrina entendem que a utilização de uma amplitude mais alargada transformaria a suspensão temporária em uma punição idêntica à declaração de inidoneidade. Complementando tal diferenciação, é argumentado pelos defensores dessa corrente que a possibilidade de um gestor de um contrato de um município “X” poder suspender, perante toda a União, uma empresa que não executou o contrato firmado, por si só já é capaz de identificar a necessidade de uma restrição da amplitude da punição. 3.3. A SUSPENSÃO DE LICITAR E CONTRATAR COM A ESFERA DO GOVERNO SANCIONADOR Face o exposto, inquestionável é a insegurança jurídica que emana da interpretação da amplitude da presente sanção administrativa. Pois, os órgãos de Consultoria Jurídica da União nos estados, lastreados pelo entendimento da AGU, bem como o Tribunal de Contas da União, posicionam-se, na seara administrativa, a favor de uma interpretação restritiva da amplitude da suspensão temporária. Assim, no momento da realização, pela administração, da análise interna e externa do procedimento licitatório, o entendimento utilizado será sempre no sentido de possibilitar ao particular, que foi suspenso temporariamente com um órgão ou ente, participar de licitações e contratos com outra entidade – ressalte-se que nem mesmo no âmbito interno da AGU essa amplitude tem interpretação pacificada, em razão da apontada distinção entre os entendimentos emanados dos pareceres nº 08/2013/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU e o nº 02/2013/GT/Portaria nº 11, de 10 de agosto de 2012. Entretanto, caso o administrado utilize-se da prerrogativa do acesso à justiça e da inafastabilidade da jurisdição, tal amplitude será judicialmente revista. Pois o Poder Judiciário já solidificou o afastamento das empresas punidas dos certames licitatórios realizados por toda a administração. Ante o exposto, imprescindível sanar essa insegurança jurídica, oriunda da não uniformização de entendimento dos órgãos de controle administrativos e judiciais. Cristalino perceber, portanto, que ambas as teorias de interpretação da amplitude da suspensão temporária possuem pontos positivos e negativos. Enquanto que o posicionamento do Poder Judiciário possui uma característica mais protecionista do Estado, a teoria restritiva, defendida pelo TCU e pela AGU, possui um cunho de proteção mais voltado para o particular. Após a realização do presente estudo, entende-se que se faz necessário efetuar uma interpretação diferencial das existentes. Deve-se aproximar a suspensão temporária à sanção prevista na Lei de Pregão, que em consonância com o abordado no decorrer deste estudo, mostrou-se uma verdadeira evolução legislativa. Destarte, com o intuito de continuar a proteger o Estado das ações perigosas dos administrados e de amenizar as consequências da concentração de poder na figura do gestor do contrato, entende-se que a solução desse impasse jurídico poderia ser sanada com a edição de uma Lei Federal, que alterasse os dizeres da Lei de licitações para corrigir as lacunas, tão criticadas, dando maior objetividade às disposições sancionatórias. Em especial, inclinando-se a conferir uma amplitude situada no meio termo entre as doutrinas existentes. Assim, a suspensão temporária seria entendida como uma punição, delegada pelo gestor contratual, que teria amplitude delimitada pela esfera do órgão ou ente que a impôs, da mesma maneira como ocorre na imposição da sanção de impedimento da lei de pregão. Desse modo, aquelas empresas que por um lapso ou descuido tenham sido suspensas pela administração de um município, continuam com possibilidade de participar de licitações e celebrar contratos com o estado e a União. Essa interpretação iria conferir característica de maior responsabilidade para aqueles administrados que deixassem de cumprir com alguma cláusula contratual de contratos realizados com a União, em razão da possibilidade de receber uma punição mais gravosa, qual seja a suspensão no âmbito de toda a união. Além do mais, essa amplitude fundada na esfera concederia uma proteção maior aos órgãos municipais que teriam a certeza de que a punição valeria para todo o município. A própria AGU já emitiu opinião de que a excessiva restrição da amplitude da suspensão temporária não condiz com o objetivo da sanção, conforme o trecho que se segue: “Portanto, não se pode justificar o atrelamento dos efeitos jurídicos da suspensão temporária ao âmbito restrito do órgão com supedâneo na competência do agente, pois o agente, ao expedir atos administrativos, o faz manifestando a vontade da pessoa jurídica, imputando o ato humano à coletividade organizada em pessoa jurídica”.[129] Ressalte-se que a doutrinadora Marcia Walquiria Batista dos Santos[130], apesar de defender a interpretação restritiva do alcance da suspensão temporária, explicita, em sua obra, uma amplitude que se coaduna com a teoria aqui defendida, qual seja a punição no âmbito da esfera da União que engloba o órgão ou ente punidor: “O legislador, por óbvio, quis dar uma abrangência maior para a declaração de inidoneidade, sendo lícito pensar que o contrato inidôneo assim o será perante qualquer órgão público do país. E aquele que for suspenso temporariamente será assim tratado perante os órgãos, entidades e unidades administrativas concernentes ao Poder Público que lhe aplicou a sanção”. (grifo nosso) Imperioso ressaltar que, na construção de seu voto no Acórdão 3243/2012, o Ministro do TCU José Jorge, na tentativa de combater o entendimento da amplitude mais abrangente da suspensão temporária, externou que a referida punição deve abranger a esfera do órgão ou entidade que impôs a sanção, conforme o trecho que se segue: “Valendo-me justamente dessa interpretação sistemática oferecida pelo Ministro Walton, afigura-se-me bastante razoável que os efeitos da sanção prevista no art. 87, III, da Lei nº 8.666/93 não se limitem ao órgão/entidade que aplicar a penalidade, mas se estendam para a Administração “da esfera respectiva como um todo”. Significa dizer que se a sanção for imputada por órgão ou entidade da esfera federal, deverá ela ter eficácia perante toda a ‘Administração’ – aqui considerada como expressão concreta da ‘Administração Pública’ – federal. Da mesma forma, caso a sanção venha a ser aplicada por órgão/entidade municipal, a sociedade apenada não poderá participar de licitação, tampouco ser contratada, para a execução de objeto demandado por qualquer ente público do respectivo município.” (grifo nosso)[131] De outra banda, importante mencionar que não se pode restringir o intuito da sanção em decorrência da possibilidade de estas sanções serem utilizadas de maneira equivocada pelos agentes públicos, haja vista que todo ato administrativo tem presunção de legalidade[132]. Por conseguinte, inegável que a interpretação restritiva da amplitude da suspensão temporária, em decorrência da possibilidade de o gestor de um contrato municipal punir o administrado perante toda a administração pública, não pode prosperar. Pois, não há o que se falar em necessidade de punição gradativa em relação à autoridade competente para impô-la, em virtude de não se poder garantir que o ato lesivo praticado pelo particular terá menor consequência no âmbito municipal. Conforme é percebido na leitura do voto do Ministro revisor do Acórdão ao norte, Walton Alencar Rodrigues, abaixo transcrito: “Não se trata, absolutamente, de sancionar de acordo com o grau de gravidade da conduta encetada pela empresa. Fraudes intentadas no âmbito municipal podem muito bem ser de lesividade e astúcia infinitamente maior do que qualquer outra praticada no âmbito federal, demonstrando a total incapacidade ética da empresa para atuar no âmbito social ou da Administração, em todas as suas distintas esferas federativas.” Qualquer distinção que se faça em relação aos efeitos e à abrangência das sanções, aplicadas por entidades da federação, minora e enfraquece o poder da Administração de efetivamente reprovar condutas lesivas de particulares”[133]. Além disso, com o fito de complementar a teoria aqui defendida, e assegurar a devida execução contratual, faz-se necessário estabelecer critérios objetivos para a punição em decorrência da reincidência do particular. Ou seja, um particular que se utiliza da fragilidade dos municípios para celebrar, e não executar, contratos deve sofrer punição mais severa que a suspensão de licitar na esfera municipal, como, por exemplo, a imposição de declaração de inidoneidade. Nesse diapasão, pode-se indicar o ensinamento do doutrinado Marçal Justen[134] que assevera a existência de uma característica implícita a sanção de advertência, no sentido de que a referida sanção tem o condão de alertar o particular de que a próxima advertência terá consequência mais gravosa. Analogamente, pugna-se, aqui, pela concessão de tal característica para as demais sanções, haja vista que a conduta reprovável não pode ser analisada exclusivamente. As reiteradas inexecuções contratuais mais brandas necessitam, por conseguinte, de uma punição mais contundente, com o fito de proteger o interesse público. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante de tudo o que foi exposto, percebe-se a imensa importância da correta delimitação da amplitude dos efeitos da sanção administrativa de suspensão do direito de licitar e contratar. Conforme o evidenciado, atualmente são duas as correntes doutrinárias que interpretam a amplitude dos efeitos da sanção administrativa prevista no inciso III do artigo 87 da lei de licitações. A primeira conceda uma amplitude extensiva, enquanto que a segunda pugna pela restrição dos efeitos da sanção, em razão do aparente choque com a declaração de inidoneidade, previsto no inciso IV do mesmo artigo. De um lado o Poder Judiciário entende que independente do órgão ou ente do governo que impôs a sanção de suspensão temporária a um particular, esse último terá sua possibilidade de participar de certames licitatórios e de celebrar contratos administrativos temporariamente suspensos. O Superior Tribunal de Justiça justifica tal entendimento afirmando que não há distinção entre a Administração e a Administração Pública. Além disso, indica que o particular que foi punido por uma inexecução contratual demonstrou que não possui condições de celebrar contratos com a administração, por isso merece sofrer as consequências da suspensão temporária. Ademais, o Poder Judiciário entende que a restrição da amplitude dos efeitos retira a eficiência da sanção, que visa à proteção da supremacia do interesse público e o resguardo dos princípios norteadores do direito administrativo. Inegável que tal linha de raciocínio possui acertos, haja vista que até mesmo os órgãos defensores da corrente restritiva já entenderam que a suspensão deve abarcar todo o Poder Público. Por outro lado, vale dizer que a teoria restritiva também possui suas qualidades, apesar do excessivo apego a literalidade da lei, o Tribunal de Contas da União e a Advocacia-Geral da União apontam que não foi a intenção do legislador dar tamanha amplitude à sanção. Pois, o dispositivo legal, que prevê a aplicação de sanções administrativas para as inexecuções contratuais, corretamente buscou dar certa graduação as punições. Entretanto, pode-se afirmar que a graduação da sanção, e consequente diferenciação da suspensão e da declaração de inidoneidade, não residem na amplitude de seus efeitos, mas sim nas diferentes competências e temporariedades das sanções. Essa dualidade de pensamentos ocasiona uma crescente insegurança jurídica, pois, apesar de os órgãos que exercem o controle administrativo pugnarem pela restritividade da amplitude da suspensão, em decorrência da inafastabilidade da jurisdição e do acesso a justiça toda a demanda que for analisada pelo poder judiciário irá rever o posicionamento do TCU e da AGU. Insta ressaltar que o objetivo principal do presente trabalho foi alcançado, qual seja a constatação de que nenhum dos atuais posicionamentos possui capacidade de atingir a consolidação do interesse público. Melhor mesmo seria a legislação preencher as lacunas existentes na aplicação das sanções administrativas, de forma exaustiva, para acabar com todas as dúvidas. Além disso, é preciso que o Poder Judiciário consolide de uma vez o tema, através da edição de uma súmula vinculante. Nesse toar, é necessário que haja uma urgente mudança legislativa, renovando as disposições da Lei nº 8.666 do ano de 1993, aproximando-a dos entendimentos positivados pela lei de pregão, Lei Federal nº 10.520 de 2002. Por fim, inegável que o Estado precisa proteger de forma mais eficaz a execução dos contratos administrativos, prevendo a punição mais enérgica as reiteradas inexecuções contratuais, haja vista que não há sentido manter disposições que prevejam a punição de um particular se não há uma punição mais dura para a reiteração, pensamento já consolidado no direito penal brasileiro.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/a-suspensao-temporaria-prevista-na-lei-federal-n-8-666-93-e-a-extensao-dos-seus-efeitos-juridicos/
Poder de polícia
O presente artigo aborda o poder de polícia administrativo passando pelo conceito, fundamentos, atribuições, possibilidade de delegação, extensão e limites de atuação. Ao final, concluiu-se que tal poder dentro da administração pública tem como finalidade proteger toda a comunidade. Utilizou-se de bibliografia dos maiores administrativistas brasileiros como suporte teórico para a construção deste trabalho.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO Ao iniciarmos a explanação do presente artigo, é importante que se faça introduzir o histórico do termo polícia, abordando assim o termo no decorrer da história, como também o poder de polícia e sua importância nos dias atuais. A palavra Polícia é de origem grega (politéia), empregada para mencionar as atividades referentes a polis, ou seja, a cidade-estado durante o Período Feudal, na Idade Média. O Príncipe era possuidor de uma faculdade conhecida como jus politiae e que instituía tudo que era necessário à boa ordem da sociedade civil sobre a autoridade do estado, enquanto que, contrapondo-se a isso, a ordem moral e religiosa era de alçada específica da Igreja. Na Alemanha, em fins do século XV, o jus politiae volta a instituir toda a celeridade do estado, abrangendo largos poderes ao Príncipe na vida particular e até na  vida religiosa e espiritual dos cidadãos, tudo isso sob o pretexto de alcançar a segurança e o bem-estar da sociedade como um todo. Porém, logo veio a se estabelecer a distinção entre a Polícia e a Justiça, sendo que, a Polícia significava as normas que eram baixadas pelo Príncipe, relacionadas à Administração, e que eram aplicadas aos indivíduos que não tinham possibilidades de apelo aos Tribunais da época, enquanto que, a Justiça abrangia as normas que estavam fora do Poder do Príncipe e que eram aplicadas pelos juízes. Segundo Flávia Martins André da Silva: “A expressão poder de polícia ingressou pela primeira vez na terminologia legal […] na suprema corte norte-americana, [….] em 1827; a expressão fazia referência ao poder dos Estados-membros de editar leis limitadoras de direitos, em beneficio do interesse coletivo. No direito brasileiro, a Constituição Federal de 1824, em seu artigo 169, atribuiu a uma lei a disciplina das funções municipais das câmaras e a formação de suas posturas policiais; a lei de 1º de outubro de 1828, continha título denominado “Posturas Policiais”. A partir desse momento, firma-se no nosso ordenamento jurídico o uso da locução poder de polícia, para definir o poder da Administração de limitar o interesse particular” (SILVA, 2006, p. 01). O condicionamento do direito individual aos interesses públicos foi apontado na Constituição de 1946, que em seu art. 147 condicionava o uso do direito de propriedade ao bem-estar social, sendo que tal princípio foi também reproduzido pela Lei Maior de 1988, que estabeleceu que a ordem econômica deve ser fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, e que tem por escopo resguardar a todos os brasileiros uma vida digna, assim como segue os ditames da justiça social. O direito de propriedade aqui citado foge do Poder de Polícia, assunto principal a ser abordado neste trabalho, mas vale salientar que todos os princípios que tenham como finalidade o bem do interesse público faz-se mister ser citado, já que, assim como o poder de polícia, visam levar ao bem maior da comunidade. 1. CONCEITO De acordo com o conceito clássico ligado à concepção liberal do século XVIII, o poder de polícia envolvia a atividade do Estado que limitava o exercício dos direitos individuais em favor da segurança. No conceito moderno, o poder de polícia adotado no direito brasileiro compreende a atividade do Estado em limitar o exercício dos direitos individuais em favor do interesse público. Interesse público este que diz respeito a vários setores da sociedade tais como: a saúde, a moral, a segurança, o meio ambiente, a defesa do consumidor, do patrimônio cultural e da propriedade. Por isso a necessidade em dividir a polícia administrativa em diversos ramos, assim como se segue: polícia sanitária, polícia de tráfego e trânsito, polícia de segurança, polícia da caça, pesca e ambiental, polícia edilícia, polícia de pesos e medidas, polícia de medicamentos, polícia de divertimentos públicos, polícia da atmosfera e águas, etc. De acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro, atualmente o poder de polícia encontra amparo legal no direito brasileiro estabelecido no art. 78 do Código Tributário Nacional que assim estabelece: “Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos” (DI PIETRO, 2006, p. 129). A Administração Pública é submetida ao regime jurídico-administrativo, já que, todo o direito administrativo cuida de temas em que se colocam em intenção dois aspectos adversos: a autoridade da administração pública e a liberdade individual. Nesse sentido, o poder de polícia vem colocar em confronto esses dois aspectos: de um lado o cidadão quer exercer plenamente seus direitos, enquanto que de outro a administração tem como missão condicionar o exercício daqueles direitos ao bem-estar coletivo, e o faz usando seu poder de polícia. Entre os direitos individuais e os limites a eles opostos pelo poder de polícia do Estado não existe nenhuma incompatibilidade, pois segundo nos ensina (Zanoni apud Di Pietro, 2006, p. 125), “a idéia de limite surge do próprio conceito de direito subjetivo: tudo aquilo que é juridicamente garantido é também juridicamente limitado”. Logo, o poder de polícia constitui um meio de assegurar os direitos fundamentais dos indivíduos em sociedade e que por ventura venham a ser ameaçado pelo exercício ilimitado e assim garantir a própria liberdade e os direitos inerentes ao homem. O poder de polícia se divide em Executivo e Legislativo, tendo como pressuposto o princípio da legalidade, o qual vem impedir que a Administração estabeleça obrigações ou proibições, a não ser em virtude da lei, visto que o poder de polícia é a forma de limitar o exercício de direitos individuais previstos em lei. Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, dois conceitos são expressados quanto ao poder de polícia: “1. em sentido amplo, corresponde à “atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade ajustando-as aos interesses coletivos”; abrange atos do Legislativo e do Executivo; 2. em sentido restrito, abrange “as intervenções, quer gerais e abstratas, como os regulamentos, quer concretas e específicas (tais como as autorizações, as licenças, as injunções) do Poder Executivo, destinadas a alcançar o mesmo fim de prevenir e obstar ao desenvolvimento de atividades particulares contrastantes com os interesses sociais”; compreende apenas atos de Poder Executivo” (MELLO apud DI PIETRO, 2006, p. 129). O Estado desempenha o poder de polícia que vem a incorrer em duas áreas específicas da atuação estatal, que é na administrativa e judiciária, sendo que, a principal distinção entre ambas está no caráter preventivo da polícia administrativa e no repressivo da polícia judiciária. Enquanto a primeira tem a finalidade de prevenir as ações anti-sociais, a segunda tem o poder de punir as infrações penais. A autora Maria Sylvia Zanella Di Pietro a esse respeito nos relata que: “A diferença não é, no entanto, absoluta, pois a polícia administrativa tanto pode agir preventivamente (como, por exemplo, proibindo o porte de arma ou a direção de veículos automotores), como pode agir repressivamente (a exemplo do que ocorre quando apreende a arma usada indevidamente ou a licença do motorista infrator). No entanto, pode-se dizer que, nas duas hipóteses, ela está tentando impedir que o comportamento individual cause prejuízos maiores à coletividade; nesse sentido, é certo dizer que a polícia administrativa é preventiva. Mas, ainda assim, falta precisão ao critério, porque também se pode dizer que a polícia judiciária, embora seja repressiva em relação ao indivíduo infrator da lei penal, é também preventiva em relação ao interesse geral, porque, punindo-o, tenta evitar que o indivíduo volte a incidir na mesma infração” (DI PIETRO, 2006, p. 129). Álvaro Lazzaríni (apud DI PIETRO, 2006, p. 129), também conceitua a respeito do referido assunto e diz: “a linha de diferenciação está na ocorrência ou não de ilícito penal. Com efeito, quando atua na área do ilícito puramente administrativo (preventiva ou repressivamente), a policia é administrativa. Quando o ilícito penal é praticado, é a policia judiciária que age”. Nesse sentido, a polícia administrativa se rege pelo Direito Administrativo, atuando sobre bens, direitos ou atividades, visando ao bem-estar social, envolvendo toda a administração; enquanto que a polícia judiciária se orienta segundo o direito processual penal, incidindo sobre pessoas, através de corporações específicas. Há ainda distinções quanto a polícia judiciária ser privativa de corporações especializadas como a Polícia Civil e a Polícia Federal, enquanto que, a polícia administrativa divide-se em vários órgãos da Administração, como diz Di Pietro “incluindo a própria polícia militar e ainda os vários órgãos de fiscalização aos quais a lei atribui esse mister, como os que atuam nas áreas da saúde, educação, trabalho, previdência e assistência social” (DI PIETRO, 2006, p. 130), nesta última se inclui, como detalharemos adiante, a Polícia Rodoviária Federal. 2. FUNDAMENTOS Nos relacionamentos privados, pessoas se submetem à autoridade de outrem em decorrência da existência de um vínculo jurídico anterior, é o que se denomina de Supremacia Especial. O exercício de tal supremacia trata-se apenas de uma convenção privada, não se falando em Poder de Polícia. Como exemplo desse instituto, podemos citar a obediência em fazer silêncio quando se adentra em uma biblioteca, o respeito de um funcionário ao seu patrão ou o respeito à ordem de chegada em uma fila qualquer. Portanto são situações particulares que não interessam a este trabalho. Agora, o fundamento para o exercício do Poder de Polícia advém de uma Supremacia Geral, que independe de um vínculo jurídico anterior. Assim, aos particulares (administrados) se impõe a vontade geral superior (administração). Nesse sentido, as atitudes individuais consideradas nefastas à sociedade serão reprimidas utilizando-se do Poder de Polícia. Portanto, busca-se o bem-estar social, o predomínio do interesse da coletividade. A propriedade, sendo um direito individual, assegura ao seu titular uma série de poderes que vem a constituir objeto do direito civil, ao qual compreende os poderes de usar, gozar e dispor da coisa, de modo absoluto, exclusivo e perpétuo. Porém, esses poderes não podem ser exercidos de forma ilimitada, pois coexistem com direitos alheios, de igual natureza, e porque existem interesses públicos maiores, cuja tutela incumbe ao Poder Público exercer, ainda que em prejuízo de interesses individuais. Assim como preleciona Diógenes Gasparini: “O fundamento da atribuição de polícia administrativa está centrado num vínculo geral, existente entre a Administração Pública e os administrados, que autoriza o condicionamento do uso, gozo e disposição da propriedade e do exercício da liberdade em benefício do interesse público ou social. Alguns autores chamam-no de supremacia geral da Administração Pública em relação aos administrados. Assim, o exercício de liberdade e o uso, gozo e disposição da propriedade estão sob a égide dessa supremacia, e por essa razão podem ser condicionados ao bem-estar público ou social. É um princípio inexpresso no ordenamento jurídico” (GASPARINI, 2006, p. 128). Ao entrar na esfera do poder de polícia do Estado, o estudo da propriedade sai da órbita do direito privado e passa a constituir objeto do direito público e a submeter-se a regime jurídico do direito comum. Nesse sentido José Cretella Júnior (apud DI PIETRO, 2006, p. 137), assevera que: “ao passo que o direito civil de propriedade confere ao titular cem por cento do jus utendi[1], fruendi[2] et abutendi[3], o direito público da propriedade, que considera o bem dentro de um conjunto maior, vai reduzindo o quantum daquela fruição, porque observa a totalidade dos direitos de propriedade bem como a necessidade pública, a utilidade pública e o interesse social”. O Estado começou a exercer tal atividade por meio do poder de polícia, que constitui o instrumento pelo qual é assegurado o bem-estar da coletividade, mediante a restrição dos direitos individuais que com ele conflitem. Diógenes Gasparini nos ensina que: “A par do conceito legal de polícia administrativa dado pelo art. 78 do Código Tributário Nacional, pode-se conceituar essa atribuição como sendo a que dispõe a Administração Pública para condicionar o uso, o gozo e a disposição da propriedade e restringir o exercício de liberdade dos administrados no interesse público e social” (GASPARINI, 2006, p. 128). Observa-se então que tal tributação vai incidir sobre os direitos de liberdade ou de propriedade, ou seja, “as limitações, os condicionamentos, as restrições incidem sobre a liberdade e a propriedade, não sobre os respectivos direitos”, nos ensina Celso Antônio de Mello (apud GASPARINI, 2006, p. 128). No entanto, o poder de polícia sofreu uma ampliação, não apenas de conteúdo, mas, também de extensão, já que, enquanto originariamente somente justificava a imposição de obrigações de não fazer, passou, com o tempo, a impor obrigações de fazer, ou seja, a impor o dever de utilizar o bem, fazendo surgir nesse momento a função social da propriedade, e em relação a esta, duas posições se colocam, como conceitua Carlos Ari Sundfeld: “Um se mantêm no âmbito do poder de polícia e interpretam a função social sob dois aspectos: o negativo e o positivo. Sob o aspecto negativo abrange as limitações impostas ao exercício da propriedade, que é a segurança, saúde, economia popular, proteção ao meio ambiente, ao patrimônio histórico e artístico nacional; inclui ainda as obrigações de não fazer e mesmo as obrigações de fazer, impostas como condições para o exercício de determinados direitos, como por exemplo, a obrigação de adotar medidas de segurança contra incêndios como condição do direito de construir. Sob o aspecto positivo, implica obrigação de fazer consistente no dever de utilização da propriedade. Outros distinguem: o aspecto negativo corresponde ao poder de polícia, e o aspecto positivo, à função social da propriedade, ou seja, a função social da propriedade seria “um novo instrumento, que, conjugado aos normalmente admitidos (as limitações, as desapropriações, as servidões etc.), possibilitam a obtenção de uma ordem econômica e social que realize o desenvolvimento com justiça social” (SUNDFELD apud DI PIETRO, 2006, p. 138). Logo, alguns autores consideram três elementos essenciais que são caracterizadores do poder de polícia, a saber: o subjetivo vindo do Estado, o finalístico que é o interesse público e o conteúdo que é a restrição à liberdade individual, enquanto pela nova concepção, teria havido uma ampliação do poder de polícia, de modo a abranger as formas de intervenção que impõem obrigações de deixar fazer e de fazer. 2.1 Fundamento Filosófico A ideia de supremacia do interesse público em detrimento de comportamentos particulares anti-sociais vem esboçada desde o Século XVIII com o pensamento de Rosseau em seu ilustre Do Contrato Social. Com isso, através de um compromisso contratual todo cidadão teria sua liberdade parcialmente mitigada em prol do todo; dessa maneira, ter-se-ia uma sociedade formada por homens ainda livres, com um Estado visando ao bem-estar de todos e com legitimidade para reprimir os comportamentos individuais contrários a esse contrato. Segundo preconiza Jean-Jacques Rousseau (2002, p. 32) “Cada um, enfim, dando-se a todos, a ninguém se dá, e como em todo sócio adquiro o mesmo direito, que sobre mim lhe cedo, ganho o equivalente de tudo quanto perco e mais forças para conservar o que tenho”. O autor, ainda nesse sentido, dispõe: “Cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a suprema direção da vontade geral, e recebemos, enquanto corpo cada membro como parte do indivisível do todo” (2002, p. 32). Desse imaginado Contrato Social, brota a legitimidade – de cunho histórico, filosófico e social – para que os representantes do Estado possam censurar e/ou punir alguém pela prática de um comportamento anti-social, tornando o laço social cada vez mais coeso. A todo exercício do poder de polícia visando o bem coletivo reafirma-se o vínculo entre os cidadãos da sociedade. Fundamento Constitucional O fundamento primordial do exercício do poder de polícia e que tem como finalidade o interesse social está na supremacia geral que o próprio Estado desempenha sobre todos os indivíduos que estão sobre seu poder, ou seja, seu território, assim como os bens e as atividades. Nesse sentido, assevera Hely Lopes Meirelles (1994, p. 116), “supremacia que se revela nos mandamentos constitucionais e nas normas de ordem pública, que a cada passo opõem condicionamentos e restrições aos direitos individuais em favor da coletividade, incumbindo ao Poder Público o seu policiamento administrativo”. O ordenamento jurídico brasileiro não consagra direitos absolutos aos cidadãos, pois a vida em sociedade não admitiria tal garantia. Chegamos a tal conclusão devido à impossibilidade de harmonia de convivência prática com liberdades absolutas. Assim, a vida em sociedade obriga o regime de Relativização das Liberdades Públicas. Portanto, no caso concreto de um possível conflito de direitos, deve-se sopesar os bens jurídicos protegidos e então, mitigando-os, chegar a uma harmonia social.  Disso, numa análise das liberdades públicas, deve sempre prevalecer o estabelecido no Princípio da Supremacia do Interesse Público, ou seja, as atuações administrativas visarão o interesse coletivo, mesmo que isso mitigue os direitos de alguns particulares. Assim, a Constituição da República, quando enumera várias garantias e direitos aos cidadãos, deve ser interpretada à luz de tal princípio. Portanto, protegem-se os direitos individuais até o limite de concordância que seu exercício não passe a ser nefasto à sociedade. Hely Lopes Meirelles, quanto ao direito individual, assim se expressa: “A cada restrição de direito individual – expressa ou implícita em norma legal – corresponde equivalente poder de polícia administrativa à Administração Pública, para torná-la efetiva e fazê-la obedecida. Isto porque esse poder se embasa, […], no interesse superior da coletividade em relação ao direito do indivíduo que a compõe. O regime de liberdades públicas […]  assegura o uso normal dos direitos individuais […] mas não autoriza o abuso, nem permite o exercício anti-social desses direitos. As liberdades admitem limitações e os direitos pedem condicionamento ao bem-estar social. Essas restrições ficam […] sob a invocação do poder de polícia, mas não pode a autoridade anular as liberdades públicas ou aniquilar os direitos fundamentais do indivíduo, assegurados na Constituição” (MEIRELLES, 1994, p. 117). 3. AS ATRIBUIÇÕES DO PODER DE POLÍCIA São próprios e especiais os atributos do poder de polícia administrativa quanto ao seu exercício, a saber: a discricionariedade, a autoexecutoriedade e a coercibilidade. No entanto, tais atributos não estão sempre presentes na atuação do poder de polícia, sendo que, o poder judiciário poderá ser acionado para rever um ato do poder de polícia. Quando falamos em discricionariedade do exercício do Poder de Polícia, nos remetemos à liberalidade do administrador em decidir sobre a conveniência e oportunidade de agir, ou seja, ele decide acerca das circunstâncias do uso de tal prerrogativa. Como exemplos dessa discricionariedade, podemos citar a estipulação da velocidade máxima e/ou mínima de uma via pública, horário de circulação e concessão de AET (Autorização Especial de Trânsito). Entretanto, a discricionariedade não é absoluta no exercício do poder de polícia; nesse sentido, por exemplo, a concessão de um Alvará de Licença (como a licença de funcionamento de bares e restaurantes, licença para construir ou a licença para exercício de uma profissão) é ato vinculado e não discricionário. Entende-se que se o particular reunir todos os requisitos exigidos pela lei, adquire direito à licença pretendida, não ficando sujeito à conveniência e oportunidade da administração. Por autoexecutoriedade, deve-se entender como a dispensa de um mandado judicial para por em prática as restrições trazidas ao indivíduo pelo poder de polícia; assim, é inerente a tal poder a agilidade das ações, por isso a não obrigatoriedade de se buscar auxílio do poder judiciário previamente, que é naturalmente lento; caso fosse obrigado o aval do poder judiciário prévio, descaracterizaria a própria finalidade do exercício do poder de polícia. È pacífico que apesar de estar dispensada a autorização judicial, o formalismo continua sendo obrigado, típico de ato administrativo. Não se pode esquecer que tal atributo não é absoluto, como exceção podemos mencionar a sanção pecuniária (multa); desse modo a administração não pode invadir diretamente o patrimônio do particular buscando saldar a dívida. Portanto, nesse caso, deve-se acionar o judiciário a fim de forçar o devedor a pagar a multa. A coercibilidade ou imperatividade é demonstrada por uma força do Estado potencial por trás dos atos do administrador, traduzida em império, em obrigatoriedade e em possibilidade do uso da força nos casos que não haja aceitação do particular. Trata-se de uma potencialidade também limitada, devendo ser utilizada somente nos casos necessários e no estrito limite legal. 4. DELEGAÇÃO DO PODER DE POLÍCIA Não se admite a delegação, transferir para o particular, do exercício do poder de polícia. È prevalente a idéia de que, visando a preservação da segurança jurídica, não se pode atribuir ato de poder de polícia a um particular, trata-se de poder exclusivo da administração pública, devendo ser exercido somente por seus agentes públicos. O que se proíbe é a delegação do poder de polícia, entretanto é possível a delegação de ato material, seja anterior ou posterior. Por exemplo, admite-se ao poder público alugar de um particular máquina para destruir uma construção irregular, de acordo com o poder de polícia dos fiscais da prefeitura (ato posterior ao exercício do poder de polícia). Relativo ao poder de polícia de trânsito, podemos citar a possibilidade de o poder público alugar equipamento de fiscalização de velocidade (radar) para tirar as fotos dos veículos (ato anterior à atuação do poder de polícia). Assim, não se opera a delegação, pois a execução das fotos são apenas atos instrumentais de polícia, pois as multas, verdadeiros atos de polícia serão aplicadas pelo poder público, órgão de trânsito específico. Dessa maneira, não se está privatizando a fiscalização do trânsito, caso que seria ilegal, fato este conhecido da história brasileira como “Máfia dos Radares”. Portanto, os atos do poder de polícia somente podem ser exercidos por agentes públicos, exigem que os princípios da administração pública devem ser observados, garantindo-se a segurança jurídica aos administrados. 5. MEIOS DE ATUAÇÃO DO PODER DE POLÍCIA O poder de polícia se faz por meio de normatização, da fiscalização e da punição, sendo que seu poder diz respeito às atividades do Legislativo e do Executivo, ou seja, os meios que o Estado usa para desempenhar seu exercício pleno, a saber: os atos normativos em geral, disciplinando a aplicação da lei aos casos concretos; pode o Executivo baixar decretos, resoluções, portarias, instruções, atos administrativos e operações materiais de aplicação da lei ao caso concreto, com a finalidade de coagir o infrator a cumprir a lei. De forma preventiva é que a polícia administrativa deve atuar, pois age por meio de ordens e proibições, mas, em especial através de normas limitadoras e sancionadoras do comportamento daqueles que fazem uso de bens ou exercem atividades que possam vir a prejudicar a sociedade como um todo. Ao considerar o poder de polícia em sentido amplo de modo a abranger as atividades do Legislativo e do Executivo, os meios utilizados pelo Estado para seu exercício, Maria Sylvia Zanella Di Pietro nos aponta que são eles: “Atos normativos em geral, a saber: pela lei, criam-se as limitações administrativas ao exercício dos direitos e das atividades individuais, estabelecendo-se normas gerais e abstratas dirigidas indistintamente às pessoas que estejam em idêntica situação; disciplinando a aplicação da lei aos casos concretos, pode o executivo baixar decretos, resoluções, portarias, instruções; Atos administrativos e operações materiais de aplicação da lei ao caso concreto, compreendendo medidas preventivas (fiscalização, vistoria, ordem, notificação, autorização, licença), com o objetivo de adequar o comportamento individual à lei, e medidas repressivas (dissolução de reunião, interdição de atividade, apreensão de mercadorias deterioradas, internação de pessoas com doença contagiosa), com a finalidade de coagir o infrator e cumprir a lei” (DI PIETRO, 2006, p.130). Como exemplo de regulamentos e instruções do Poder Público sobre o uso da propriedade pode-se citar o Alvará que é o instrumento da licença ou da autorização para a prática de ato, realização de atividade ou exercício de direito dependente de policiamento administrativo. Assim como é o caso da fiscalização das atividades e bens que podem sofrer o controle da Administração que também é um meio de atuação do poder de polícia. Tal atuação limitar-se-á à verificação da normalidade do uso do bem ou da atividade policiada, que ao identificar algo irregular ou infringência legal, o agente fiscalizador deverá advertir o infrator de forma verbal ou lavrar o auto de infração, salvo no caso de multa, que só poderá ser executada por via judicial. Embora essas sejam atuações que não são atribuídas especificamente ao assunto pretendido neste trabalho, mas torna-se importante, mesmo assim, o devido conhecimento das várias formas de atuação do poder de polícia. 6. EXTENSÕES E LIMITES DO PODER DE POLÍCIA O poder de polícia atualmente é extenso, tendo como finalidade proteger desde a moral e os bons costumes, como também a saúde pública, o controle de publicações, a segurança das construções e dos transportes, etc. Por isso é encontrado nos Estados modernos a polícia de costumes, a polícia sanitária, a polícia das construções, a polícia das águas, a polícia da atmosfera, a polícia florestal, a polícia dos meios de comunicação e divulgação, a polícia das profissões, a polícia ambiental, a polícia da economia popular e a polícia de trânsito, que é o assunto em foco a ser explanado mais profundamente no decorrer do trabalho, e mais tantas outras que atuam sobre atividades particulares, com o objetivo de velar pelos interesses públicos que o Estado tem a incumbência de proteger. Logo, onde houver interesse referente à coletividade ou do próprio Estado, haverá o poder de polícia administrativa para a proteção desses interesses. Quanto ao interesse social ser protegido pelo Estado por meio do poder de polícia dentro de seus limites, Hely Lopes Meirelles nos ensina: “O interesse social em conjunto com os direitos fundamentais do indivíduo assegurados na Constituição da República (art. 5º) é o que demarca os limites do poder de polícia administrativa. Em Estados democráticos, como o nosso, inspiram-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana. Daí o equilíbrio a ser procurado entre a fruição dos direitos de cada um e os interesses da coletividade, em favor do bem comum. Em nossos dias predomina a idéia da relatividade dos direitos, porque, como bem adverte Ripert, “o direito do indivíduo não pode ser absoluto, visto que absolutismo é sinônimo de soberania. Não sendo o homem soberano na sociedade, o seu direito é, por conseqüência, simplesmente relativo” (MEIRELLES, p. 118). Assim sendo, a competência e o procedimento devem obedecer às normas legais pertinentes. Quanto ao meio de ação, a autoridade sofre limitações mesmo quando a lei lhe dê várias alternativas possíveis, pois será aplicado um princípio de direito administrativo, a saber, o da proporcionalidade, isso significa que o poder de polícia não deverá ir além do necessário para a devida satisfação do interesse público que tem como escopo proteger. Nesse sentido, sua finalidade não é anular os direitos individuais, mas sim, assegurar o seu exercício, condicionando-o ao bem-estar social. Existem regras a serem observadas pela polícia administrativa, a fim de não abolir os direitos individuais, assim como muito bem conceitua Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “1. a da necessidade, em consonância com a qual a medida de polícia só deve ser adotada para evitar reais ou prováveis  perturbações ao interesse público; 2. a da proporcionalidade, já referida, que significa a exigência de uma relação necessária entre a limitação ao direito individual e o prejuízo a ser evitado. 3. a da eficácia, no sentido de que a medida deve ser adequada para impedir o dano ao interesse público” (DI PIETRO, 2006, p. 133). A conceituada autora ainda nos diz que: “os meios diretos de coação só devem ser utilizados quando não haja outro meio eficaz para alcançar-se o mesmo objetivo, não sendo válidos quando desproporcionais ou excessivos em relação ao interesse tutelado pela lei” (2006, p. 134). Portanto, o exercício do Poder de Polícia deve obediência estrita ao Princípio da Legalidade, obediência à legislação no caso concreto; tal legalidade deve ser constatada observando a Necessidade, Proporcionalidade e Adequação/Eficácia. CONCLUSÃO No decorrer do presente artigo foi explanado o histórico com assuntos pertinentes ao termo polícia, assim como, o poder de polícia foi elucidado de forma resumida, fazendo compreender a importância de tal poder dentro da administração pública, já que, este tem como finalidade, sob o poder do Estado, proteger toda a comunidade.
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Direito de greve do servidor público
O estudo em referência tem como objetivo traçar uma abordagem sintética a respeito do direito de greve do servidor público na perspectiva de nosso sistema jurídico e analisarmos as normas vigentes aplicáveis, seus efeitos e a quem se aplicará. A greve é um direito de todos, inclusive os servidores públicos de quaisquer cargos? Ou em alguns casos deverá haver certa “ressalva” devido a importância e relevância que tais funções ocupam perante as demais com destaque a segurança pública. Assim, conforme veremos, existe um tratamento diferenciado do setor púbico com o privado.
Direito Administrativo
1. Introdução O direito de greve dos empregados da iniciativa privada e o direito de greve dos servidores receberam tratamento jurídico distinto em nosso texto Constitucional. Com efeito, da dicção do artigo nono[1] e seus desdobramentos da Constituição da República se constata ter sido assegurado o direito de greve dos trabalhadores urbanos e rurais. Entretanto, o Constituinte preferiu, em razão das peculiaridades do trabalho desenvolvido no âmbito da Administração Pública, dar tratamento específico ao direito de greve dos servidores públicos civis. Nessa perspectiva, erigiu o artigo 37, VII[2] da Constituição da República. Nesta senda, o que se pode inferir da posição topográfica do referido dispositivo Constitucional é que ele foi colocado no seu devido espaço, na medida em que, em relação ao servidor público, que mantém um vínculo estatutário com a Administração Pública, há princípios próprios que não se aplicam aos trabalhadores da iniciativa privada. Dessa forma, saltam aos olhos que, para a interpretação do referido dispositivo constitucional, o direito de greve dos servidores públicos civis deve ser encarado na perspectiva dos princípios da supremacia do interesse público sobre o privado e da indisponibilidade do interesse público, pilares de toda ação administrativa. Por isso, que, em linha de princípio, a disciplina infraconstitucional dedicada à regulamentar o direito de greve dos servidores da iniciativa privada não poderia se aplicar aos servidores públicos civis. Assim, aos servidores públicos é aplicada qual lei? Nas linhas a seguir esmiuçaremos esse assunto. 2. Legislação aplicável Para o autor Matheus Carvalho, os servidores militares não têm direito de greve nem de sindicalização, vedação expressa do artigo 142, inciso IV[3] da Constituição Federal. Tal regra se aplica aos que prestam serviços às forças armadas, como exército, marinha e aeronáutica, se estendendo aos militares dos estados, incluindo a polícia militar e o corpo de bombeiros. Já com relação aos servidores públicos civis, o direito de greve está garantido pelo art. 37, inciso VII da Constituição Federal e será exercido nos limites definidos em lei específica, se refere à edição de lei ordinária para tratar do tema, definindo os contornos e forma de exercício deste direito pelos servidores públicos civis, não sendo matéria afeta à lei complementar (CARVALHO, 2016, 798). Segundo o Supremo Tribunal Federal, os servidores públicos que exercem atividades relacionadas à manutenção da ordem pública e à segurança, à administração da Justiça, ai os integrados nas chamadas carreiras de Estado, que exerciam atividades indelegáveis, inclusive as de fiscalização tributária, e à saúde pública, não podem fazer greve uma vez que a conservação do bem comum exige que certas categorias de servidores públicos sejam privadas do exercício do direito de greve (SCATOLLINO, 2016, p. 420). Daí porque a interpretação que vinha sendo dada pelos estudiosos do tema é que, quando o constituinte asseverou que o direito de greve dos servidores públicos civis[4] deve ter seus termos e limites definidos em lei específica, tal diploma normativo deve contemplar apenas aqueles que mantenham vínculo estatutário na Administração Pública direta e indireta. Contudo, como bem se sabe essa lei específica, ainda não foi confeccionada pelo Congresso Nacional, sendo tal órgão legiferante considerado omisso nesse particular, apesar de ter já transcorrido um quarto de século da promulgação do Texto Constitucional. Diante desse panorama, num primeiro momento, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o exercício do direito de greve pelos funcionários públicos carecia de regulamentação, razão pela qual, diversas greves de servidores públicos civis foram declaradas inconstitucionais no Brasil. Ocorre que, lei ordinária específica sobre direito de greve existe desde 1989 (a Lei nº 7.783/89), a qual estabelece critérios regulamentares do movimento paredista. Com o passar do tempo e a evolução da sociedade, o entendimento inicial esposado pelo Supremo Tribunal Federal se modificou entre os jurisconsultos que se debruçaram sobre o tema. A nova orientação, mais consentânea com a realidade, passou a ser a seguinte: ainda que se interprete no sentido de que a Lei nº 7.783/89 é norma dirigida apenas aos empregados da iniciativa privada, cabe destacar que, ante a ausência de norma específica para servidor público, ela pode ser aplicada por analogia, na forma prevista em lei. 3. Norma constitucional de eficácia limitada Existem normas constitucionais relativas a direitos e garantias fundamentais que não são autoaplicáveis, carecem de regulamentação para a produção de seus integrais efeitos (eficácia limitada). Assim os direitos sociais, em sua grande parte, têm a sua plena eficácia condicionada a uma regulamentação mediante lei, por exemplo, os incisos X[5], XI[6], XII[7], XX[8], XXI[9], XXIII[10], XXVII[11] do art. 7º da Constituição Federal, e no artigo 5º do mesmo diploma legal têm normas que exigem a complementação legislativa para a produção de seus efeitos integrais, incisos VII[12], XXXIII[13] e XXXVIII[14]. Portanto, embora a regra seja a aplicabilidade imediata dos direitos e garantias fundamentais, alguns deles encontram-se previstos em normas constitucionais de eficácia limitada, dependentes de regulamentação para a produção de seus efeitos essenciais (PAULO, 2016, p. 108). Como se percebe, o inciso VII do artigo 37 da Constituição da República Federativa de 1988 é uma norma constitucional de eficácia limitada, precisa ser complementado por uma norma para ter aplicabilidade. Essa condição já foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, que de há muito, por meio do Plenário (MI 20-4, RDA 207/226 e RTJ/751) entendeu que tal dispositivo constitucional trata-se de “norma de eficácia meramente limitada, desprovida, em consequência, de auto-aplicabilidade, razão pela qual, para atuar plenamente, depende da edição da lei complementar exigida pelo próprio texto da Constituição.” Vale anotar que a referida decisão adotada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal é anterior à edição da Emenda Constitucional nº 19/1998, que alterou o texto do artigo 37, VII da Constituição da República, a não exigir que a regulamentação se dê por lei complementar. Cumpre recordar, nessa ordem de ideias, que as normas constitucionais de eficácia limitada são regras, que implicam exequibilidade indireta e reduzida. Como é cediço, essas normas exigem a edição de uma lei futura, em que o legislador, concedendo-lhes a eficácia mediante lei, concede a capacidade de execução dos interesses pleiteados. Com efeito, o professor José Afonso da Silva, pioneiro na adoção da sobredita classificação, aduz que são normas que apresentam aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque somente incidem totalmente sobre esses interesses, após uma normatividade ulterior que lhes desenvolva a aplicabilidade. Existe uma corrente minoritária a qual defende a ideia de que se trata de norma de eficácia contida, também denominada norma de eficácia restringível ou resolúvel, e não de eficácia limitada, em que o servidor público pode fazer greve desde já, porém quando a lei for aprovada ela poderá regulamentar e restringir o exercício desse direito (MARINELA, 2015, p. 720). 4. Efeitos da Decisão em Mandado de Injunção Podemos identificar três correntes de pensamento acerca dos efeitos da decisão em Mandado de injunção.[15] Para a primeira delas, a decisão nessa espécie de ação seria meramente declaratória, ou seja, teria como escopo tão-somente declarar a inconstitucionalidade da omissão legislativa e de dar ciência disso ao órgão competente, para as providências cabíveis. Essa concepção, defendida por adeptos de uma visão mais ortodoxa do princípio da separação dos poderes. É considerada ineficaz, por frustrar a expectativa do impetrante de obter uma tutela efetiva do direito cujo exercício é obstado pela ausência de norma regulamentadora. A segunda teoria admite a remoção, pelo Judiciário, do referido obstáculo, viabilizando o exercício do direito no caso concreto. É mais concretista e dá mais força à da decisão judicial ao conferir-lhe uma natureza condenatória. A derradeira corrente de pensamento dispões que cabe ao Judiciário suprir a lacuna legislativa, legislando sobre o tema, ou adotar outra já existente, compatível com a matéria pendente de regulamentação, suprindo, desse modo, a omissão do legislador. A decisão judicial terá natureza constitutiva, podendo ser adotada com validade erga omnes ou limitada à situação concreta[16]. 5. Mandado de Injunção e o direito de greve em apreciação pelo STF O artigo 37, VII da Constituição da República, efetivamente, é norma de eficácia limitada, conforme já dito, pois impede a possibilidade dos servidores públicos de imediato realizarem greve, o que ela faz é trazer a possibilidade da existência desse direito, porém condicionado à existência de lei regulando a referida situação. O perigo desses tipos de normas é possibilidade de, durante certo espaço de tempo, não haver a possibilidade do exercício de determinados direitos previstos na Constituição. Assim, dentre outros, o Mandado de Injunção[17] é remédio essencial para a efetivação de direitos constitucionais. Como foi dito, o direito de greve do servidor público para que pudesse ser exercido carecia de uma norma infraconstitucional regulamentadora. Nesta seara, diversos sindicatos brasileiros começaram a interpor Ação Constitucional de Mandado de Injunção provocando o Poder Judiciário a se manifestar sobre o tema. O fato é que o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF)[18] decidiu, por unanimidade, declarar a omissão legislativa quanto ao dever constitucional em editar lei que regulamente o exercício do direito de greve no setor público e, por maioria, aplicar ao setor, no que couber, a lei de greve vigente no setor privado (Lei nº 7.783/89). Vale ressaltar importante para o nosso objeto de trabalho, houve divergência parcial dos ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que estabeleciam condições para a utilização da lei de greve, considerando a especificidade do setor público, já que anorma foi feita visando o setor privado, e limitavam a decisão às categorias representadas pelos sindicatos requerentes. Segundo noticia o Supremo Tribunal Federal a decisão foi tomada no julgamento dos Mandados de Injunção (MIs) 670, 708 e 712, ajuizados, respectivamente, pelo Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo (Sindpol), pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa (Sintem) e pelo Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado do Pará (Sinjep) os quais buscavam assegurar o direito de greve para seus filiados e reclamavam da omissão legislativa do Congresso Nacional em regulamentar a matéria, conforme determina o artigo 37, inciso VII, da Constituição Federal. Assim temos no julgamento do MI 712, proposto pelo Sinjep, votaram com o relator, ministro Eros Grau, que conheceu do mandado e propôs a aplicação da Lei 7.783 para solucionar, temporariamente, a omissão legislativa, outros ministros fizeram as mesmas ressalvas no julgamento dos três mandados de injunção[19]. E finaliza o informativo do supremo que na votação do MI 670, de autoria do Sindpol, conheceu do mandado apenas para cientificar a ausência da lei regulamentadora, na votação do Mandado 708, do Sintem, determinou também declarar a omissão do Legislativo e aplicar a Lei 7.783, no que couber, salientou que "não mais se pode tolerar, sob pena de fraudar-se a vontade da Constituição, esse estado de continuada, inaceitável, irrazoável e abusiva inércia do Congresso Nacional, cuja omissão, além de lesiva ao direito dos servidores públicos civis – a quem se vem negando, arbitrariamente, o exercício do direito de greve, já assegurado pelo texto constitucional, traduz um incompreensível sentimento de desapreço pela autoridade, pelo valor e pelo alto significado de que se reveste a Constituição da República". Finalizou o Ministro Celso de Mello o qual também destacou a importância da solução proposta pelos ministros Eros Grau e Gilmar Mendes, segundo ele, a forma como esses ministros abordaram o tema "não só restitui ao mandado de injunção a sua real destinação constitucional, mas, em posição absolutamente coerente com essa visão, dá eficácia concretizadora ao direito de greve em favor dos servidores públicos civis[20]. 5. Efeitos da greve De outra parte, é bem de ver que o agente público não pode sofrer penalização pela simples participação na greve, nos termos da Súmula 316 do STF fica claro que: “A simples adesão à greve não constitui falta grave.” Nada impede, porém, que os abusos e excessos derivados da greve sejam punidos. Nesta toada, o movimento grevista deve evitar abusos, assegurando principalmente a continuidade dos serviços essenciais e urgentes. Com relação aos descontos dos dias parados, existem entendimentos nos tribunais pátrios inclusive do Supremo Tribunal Federal na forma de que podem ser realizados estes descontos, neste sentido o voto do Min. Dias Tofolli no AI 858651 / BA – BAHIA, publicado em 21/05/13: “É pacífica a jurisprudência quanto à legalidade dos descontos relativos aos dias em que houve paralisação do serviço, por motivo de greve de servidor público. Precedentes”. Assim temos que a pena de demissão não pode ser aplicada pelo simples fato de o servidor ter feito greve, pois para a sua aplicação seria necessária a prática de uma infração funcional, descrita no estatuto dos servidores públicos e punível dessa maneira, o que não é o caso. Há quem aplique a demissão dos servidores com fundamento na tipificação da infração de abandono de cargo, o que depende da caracterização do animus de abandonar e respectivo procedimento administrativo disciplinar, com contraditório e ampla defesa, o que não pode ser utilizado livremente pelo Administrador (MARINELA, 2015, 721). Nesta mesma linha também não se pode admitir a exoneração do servidor em estágio probatório pelo fato de ter aderido ao movimento grevista, uma vez que essa ausência não teria como motivação a vontade consciente de não comparecer ao trabalho simplesmente por não comparecer ou por não gostar do trabalho, mas sim em busca de melhores condições de trabalho (MARINELA, 2015, 722). Conclusão É importante destacar que a greve é um movimento social e político, que tem como objetivo a melhoria das condições de trabalho da categoria. Não se mostra, nessas condições, razoável que, pela inércia do legislador ordinário, não se possa dar azo à deflagração de tais movimentos no âmbito do serviço público civil.  Do que se nos afigura correta a orientação no sentido de que, enquanto não se edita a norma regulamentadora, se aplique, no que couber, a legislação atinente aos trabalhadores da iniciativa privada. Com isso, estará assegurado o direito dos referidos servidores públicos, a minimizar abusos e desrespeitos aos direitos constitucionalmente garantidos dos referidos servidores. Por fim, alerte-se que muitos podem ser os pleitos do ato paredista, todavia, é imprescindível o esclarecimento e união da categoria em prol do objetivo comum. Quanto ao empregador, este deve ao máximo agir no intuito de se evitar que a negociação com a classe trabalhadora não se descambe para a greve.
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A importância do capital humano na administração pública
Com a Era da Informação, a ideia de que o capital e o lucro são a força motriz das corporações mudou radicalmente, cedendo lugar ao Capital Humano. Este por sua vez, passa a ser gerenciado através da gestão de pessoas, levando crescimento e sucesso para as organizações e satisfação aos colaboradores. Esta é uma nova tendência no cenário mundial, que está sendo inserida e coordenada gradativamente nas organizações que procuram o sucesso. Diante desse novo panorama, o objetivo do presente estudo é apresentar algumas das mudanças ocorridas nas corporações em relação ao capital humano em busca de se obter crescimento organizacional. Esse estudo tem como base o levantamento bibliográfico concentrado em livros e periódicos. Observa-se que as organizações que desejam crescer e melhorar a qualidade de seus serviços devem aprender a administrar as relações com as pessoas que compõem sua estrutura organizacional. Atualmente esses colaboradores podem ser chamados de parceiros da instituição. É uma transformação complexa e que requer um processo de mudanças organizacionais. Nota-se, que essa abordagem tornou-se grande desafio interno das instituições públicas.
Direito Administrativo
Introdução O planeta está vivendo a chamada Era da informação, em que a globalização, eliminando as fronteiras econômicas do Globo e alicerçadas pela informatização, permite que a informação navegue em tempo real em praticamente todos os cantos do planeta. Neste novo cenário, o conhecimento, originado das informações absorvidas, mostra-se como a “matéria prima” mais promissora de todos os tempos (BOTARI e SANTOS, 2009). Com a globalização e as novas tecnologias, a competitividade se tornou acirrada e a luta para crescer, permanecer no mercado e ser uma organização bem-sucedida são constantes. Diante disso, o conhecimento das pessoas passou a ser o grande patrimônio e a maior vantagem competitiva das instituições que buscam o sucesso. Com esta nova visão, hoje as instituições podem optar em tratar as pessoas como recursos organizacionais ou como parceiros da organização. Quando visualizadas como parceiros, essas pessoas são fornecedoras de conhecimentos, habilidades, capacidade e, sobretudo, o mais importante aporte para sua organização. Esses indivíduos são definidos como capital humano das organizações (CHIAVENATO, 1999). Com a tendência atual, as organizações devem enfrentar vários desafios, relacionados à administração de recursos humanos e mudanças organizacionais que serão apresentadas no decorrer deste artigo. A recomposição das atividades de recursos humanos com orientação para o capital humano vem sendo percebida como estratégia para o desenvolvimento organizacional, a mudança e a inovação. A gestão eleva a performance da organização quando alinha as pessoas à cultura, missão, visão, objetivos, metas e processos organizacionais (GIRARDI, et al., 2009). As diversas concepções da administração de recursos humanos desencadeiam novos valores, preocupações e processos, a partir dos quais as organizações se adaptam à condição de mutabilidade do ambiente e constroem as perspectivas atuais, transcendendo a administração pessoal e consolidando a gestão de pessoas como ferramenta estratégica à mudança organizacional (GIRARDI, et al., 2009). O presente estudo tem como objetivo apresentar algumas das mutações ocorridas nas corporações em relação ao capital humano, para obter crescimento da instituição e tornar-se uma organização do futuro. Observou-se que as transformações são gradativas e seguem uma tendência anunciada, à medida que a administração superior busca inovação e vantagem competitiva preocupando-se em estabelecer uma relação sadia para ambas as partes. 1. Metodologia A pesquisa bibliográfica utilizada neste estudo apresenta uma tipologia de pesquisa qualitativa, realizada para aferir aspectos qualitativos existentes na gerência pública.  Os procedimentos da pesquisa se delimitaram a pesquisa bibliográfica e exploratória em livros, artigos e teses. O método funcionalista se constitui na forma de método de interpretação no plano geral do trabalho, aos seus fundamentos lógicos, ao processo de raciocínio adotado. Deste ponto de vista, conforme Andrade (2003, p. 134), considera que “o método funcionalista enfatiza as relações de ajustamento entre os diversos componentes da atividade organizacional nas instituições, visto que considera toda atividade institucional como funcional ou como desempenho de funções”. O procedimento investigativo consistiu-se no método dedutivo. Andrade (2003, p. 32) considera que “a dedução é o caminho das consequências, pois uma cadeia de raciocínio em conexão descendente, isto é, do geral para o particular”. Segundo esse método, partindo-se de teorias e leis gerais, pode-se chegar à determinação ou previsão de fenômenos particulares. 2. Revisão de Literatura 2.1 Sobre a Gestão Pública: breve histórico evolutivo Inicialmente, é relevante apontar a escolha da nomenclatura que será utilizada para se referir ao Estado como instituição, mas especialmente quanto a sua estrutura e organização, na persecução dos seus objetivos. Embora fuja às denominações técnicas comumente relacionadas às ciências jurídicas, a expressão “Gestão Pública” vem sendo paulatinamente utilizada para se referir ao que muitos, até então, denominavam Administração Pública. Ao ser utilizada, em vez da segunda, a nomenclatura “Gestão Pública” insinua-se mais abrangente e compatível com as questões que serão tratadas ao longo desta pesquisa, uma vez que nela é possível incluir conceituações e problemáticas relativas às questões políticas, ao contrário do que abrange a noção administrativista “strictu sensu”, à qual Meirelles (2009, p. 65-66), forneceu o seguinte conceito: “Numa visão global, a Administração é, pois, todo o aparelhamento do Estado preordenado à realização de serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas. A Administração não pratica atos de governo; pratica, tão-somente, atos de execução, com maior ou menor autonomia funcional, segundo a competência do órgão e de seus agentes. São os chamados atos administrativos, que, por sua variedade e importância, merecem estudo em capitulo especial […]” (MEIRELLES, 2009, p. 65). Segundo Moreira Neto (2006, p.111), é possível conceituar a administração pública de forma sintética, como o conjunto das “atividades preponderantemente executórias, definidas por lei como funções do Estado, gerindo recursos para a realização de objetivos voltados à satisfação de interesses especificamente definidos como públicos”. Arrematando as distinções entre tais termos, Baleeiro (2008, p. 19) lembra que a "Administração é neutra por natureza e transforma em fatos a política prescrita no Direito Constitucional; e a política, por sua vez, consiste em escolha, eleição, deliberação de fins de Estado, com caráter ativo e que contrasta com a passividade técnica da Administração". O que não impedirá que se utilize, contudo, o termo “administração pública”, ressalvando-se apenas que estará sendo empregada em sua noção ampla que abrange as noções relativas ao Estado, ao governo e não em seu sentido técnico estudado sob a ótica do Direito Administrativo. Além do mais, sobre a terminologia empregada atualmente – Gestão Pública – tem-se ainda que ela reflita de modo direto um processo evolutivo que sofreu a disposição estrutural do Estado, ante a consequente necessidade de aperfeiçoamento. Para compreender tais fenômenos evolutivos da Gestão Pública, bem como a relação existente entre o Estado e a coletividade, traz-se uma ótica histórica dos acontecimentos considerados relevantes, remetendo-se ao momento da transição de um Estado Liberal Democrático para o Estado Social Democrático, e tomando tal acontecimento como um marco inicial do trajeto evolutivo percorrido pelas estruturas político-administrativa do Estado que se pretende analisar. Portanto, com a implementação do Estado Social Democrático, e o consequente crescimento de suas funções, instalara-se o modelo burocrático de administração. Ocorre que essa transição de um Estado Liberal para um Estado Social, este com mais demandas que seu antecessor, e a implementação de uma administração burocrática, seria apenas uma mudança à qual ainda se seguiria outra, e que só então atinge a conjuntura atual das relações entre a sociedade e o Estado. “Assim, seguindo o rumo de acontecimentos, numa reação ao Estado Social implementado no pós-guerra, surgiu, nos anos 1970, uma onda ideológica liberal radical – o Neoliberalismo – que vinha a atacar tal modelo, procurando reduzir o tamanho do Estado e suas funções sociais, com o objetivo de enfraquecê-lo” (BRESSER-PEREIRA, 2010, p. 113). Nesse rumo, a consolidação efetiva de um Estado Social Democrático, especialmente em constante conflito com as ideologias neoliberais, começou a apresentar sinais de defasagem, em razão do modelo de administração burocrático, “pois a administração pública burocrática era apropriada para o Estado Liberal do século XIX e se limitava a exercer as funções de polícia e justiça.” (BRESSER-PEREIRA, 2010, p. 114). Portanto, fora apresentada a essa trajetória histórico-evolutiva a proposição de um o modelo gerencial de administração como saída para conciliar os valores neoliberais sem que se esquecesse do Estado social. Desse modo, resta nítida também a preocupação com as necessidades do cidadão, vez que a própria eficiência da máquina administrava passa a equivaler à satisfação deste. Um governo só se consideraria eficiente se a sociedade estivesse, na medida do possível, satisfeita. 2.2 Os novos desafios da Gestão de Pessoas A consciência da relação de dependência de qualquer organização com o desempenho humano conduziu à reestruturação da área de Recursos Humanos, a qual passou a focar, essencialmente, as pessoas. A partir daí foram desenvolvidas novas formas de atuação no comportamento humano e na Gestão de Pessoas, com fim de interferir na vida organizacional, dar-lhe uma identidade e torná-la competitiva em seu mercado, contribuindo para a fixação da sua imagem (GIRARDI, et al., 2009, p. 28). Essa consciência vai de encontro ao pensamento de Chiavenato (1999) que relata que a era da informação, a qual se vive, atualmente, transformou a economia mundial e global tornando a competitividade intensa e complexa entre as organizações. Estas por sua vez, buscam das pessoas ou capital humano agilidade, mobilidade, inovação e mudanças necessárias para enfrentar as novas ameaças e oportunidades em um ambiente de intensas mudanças e turbulências. Sob essa ótica Ribeiro (2006, p. 1) afirma que: “Lidar com pessoas nas organizações é uma responsabilidade que, atualmente, se reveste de complexidade muito maior do que há poucos anos. A área de Recursos Humanos tem o objetivo principal de administrar as relações da organização com as pessoas que a compõe, consideradas, hoje em dia, parceiras do negócio, e não mais meros recursos empresariais. Esse passou a ser o mais importante desafio interno das empresas, em plena era da informação […].” As teorias administrativas mais modernas têm sugerido que a chave do sucesso nas instituições é o conhecimento e a adequada condução da pessoa e do seu potencial. Valores como o capital, o desenvolvimento tecnológico, a adoção de modelos organizacionais continuam sendo importantes, mas a pesquisa tem apontado que todos eles têm sua utilização afetada pela forma de atuação das pessoas (GOULART, 2009, p. 14). Com isso, pode-se evidenciar que as corporações tem um grande desafio inicial no processo de mudança organizacional, que é tornar os recursos humanos em parceiros da organização. Dentro deste contexto, Botari e Santos (2009, p. 60) complementam: “Redimensionar o papel do trabalhador dentro da empresa, atribuindo-lhe efetivamente o papel de ´colaborador’, não é tarefa simples, é um processo complexo e contínuo, que, muitas vezes, esbarra nos sentimentos humanos mais básicos, como orgulho, preconceito, inveja e insegurança.” As melhores organizações do futuro serão aquelas que descobrirão como despertar o empenho e a capacidade de aprender das pessoas em todos os níveis da organização. (SENGE, 1990 apud BOTARI e SANTOS, 2009, p. 60)  Para Botari e Santos (2009, p. 60) o Capital Intelectual (CI) vem sendo objeto de estudo há várias décadas no mundo todo, mas sua firmação como recurso que precisa de gerenciamento e investimento necessita romper várias barreiras, dentre elas, a cultural pode ser destacada. “A cultura organizacional tem papel fundamental na mudança organizacional, na renovação de valores, focados nas pessoas e no desenvolvimento individual, organizacional e social. Práticas de gestão de pessoas voltadas à liderança e à comunicação (feedback) auxiliam as organizações na efetivação da mudança. O feedback mede os resultados, pontos fracos e oportunidades, alimentando a comunicação, fator preponderante à eficácia organizacional”. (GIRARDI, et al. 2009, p. 45) À luz desses conceitos, outro obstáculo a ser enfrentado é a mensuração do capital humano ou capital intelectual, para que se possa, posteriormente, falar em formalização desse valor perante as negociações. Visto que marcas, patentes e tecnologias são mensuradas e incorporadas ao valor de uma organização, sendo que do mesmo modo deve-se dimensionar o intelecto de seus gestores e colaboradores líderes. (BOTARI e SANTOS, 2009)  Conforme Botari e Santos (2009, p. 60): “A busca desse círculo virtuoso, num primeiro momento, pode parecer inatingível por inúmeros fatores, mas somente essa busca, a integralização desse capital como recurso produtivo e a visão do intelecto, combinada com as aptidões corretas, serão fatores que irão proporcionar a eficiência e o destaque da empresa, bem como sua solidificação com seu quadro de colaboradores. O círculo, como o próprio nome diz, se tornará virtuoso e trará benefícios em cadeias, visto que empresa eficiente, com colaboradores eficientes integrados à missão, farão clientes mais felizes, e clientes mais felizes atrairão mais clientes, portanto, o resultado final será maior lucro para todos os envolvidos.” Neste contexto, para a organização obter sucesso, é prescindível se adequar às novas tendências, que envolvem um processo de mudança organizacional. Para essa mudança a gestão de pessoas é uma ferramenta chave que poderá apresentar resultados a curto, médio e longo prazo. Na visão de Girardi et al. (2009) as instituições devem buscar processos contínuos de aprendizagem, flexibilidade e inovação para manterem sua competitividade com foco nas pessoas. O início do processo da mudança organizacional dá-se através da reflexão e do repensar da cultura organizacional, do planejamento estratégico e da efetivação da gestão de pessoas alinhadas aos objetivos e às estratégias organizacionais. Para seguir essa diretriz será necessário treinar, avaliar, comunicar, desenvolver, satisfazer para alcançar os objetivos propostos. O papel da gestão de pessoas é pontual na mudança organizacional, uma vez que, trata-se do Capital Humano ou Capital Intelectual, o qual operacionaliza os processos, produz ou presta serviços e promove a imagem da instituição. Diante do contexto apresentado, Gil (2001 apud Girardi et al., 2009), em uma primeira análise, classifica os desafios da gestão de pessoas em três dimensões: – Desafios ambientais: que trata da revolução da informação e comunicação, globalização, ampliação do setor de serviços, flexibilização das relações de trabalho, ampliação do nível de exigência do mercado e responsabilidade social.  – Desafios organizacionais: avanços tecnológicos, competitividade, integração dos profissionais à organização como ativos de valor, descentralização, downsizing, autogestão de equipes, cultura organizacional, terceirização e administração virtual. – Desafios individuais: identificação com a instituição, ética, segurança no emprego, produtividade, qualidade de vida e manutenção de talentos. De um modo mais específico, mas seguindo a mesma linha de pensamento, Gil (2001 apud Girardi et al., 2009) destaca as principais atribuições da gestão de pessoas atual: – Atuar estrategicamente; – atuar no “enxugamento” organizacional; – ter visão de curto, médio e longo prazo para eficácia organizacional;  – ter caráter proativo, de parceria, consultoria; – enfatizar o negócio, o cliente, as soluções, os resultados; – reconhecer as pessoas como parceiras da organização; – atender aos clientes internos e externos;  – agregar valor aos colaboradores, à instituição e aos usuários; – acompanhar as novas tecnologias de gestão; – possibilitar competitividade à organização; – proporcionar profissionais motivados e capacitados à organização; – preocupar-se com a qualidade de vida no trabalho;  – enfatizar a liberdade; – praticar a gestão de talentos e o benchmarketing – manter comportamentos éticos e socialmente responsáveis; e, – atuar como ferramenta/agente de mudança. De acordo com Girardi et al. (2009), como provedora e mantenedora das pessoas nas organizações, a área de recursos humanos, sob o enforque da gestão de pessoas, renova a performance organizacional por meio do capital humano, da efetivação de seus processos e do seu alinhamento com os processos gerenciais. Ainda atuando como forma estratégica, a gestão de pessoas contribui substancialmente para a aprendizagem organizacional, pois prepara as pessoas para os novos processos, qualificando-as e desenvolvendo-as em direção ao futuro. A flexibilização da estrutura organizacional pública, das relações de trabalho e a busca pela qualidade são alguns dos aspectos centrais da mudança organizacional e requerem profissionais adaptados técnica e comportamentalmente para as incertezas ambientais e para inovação. O panorama organizacional público é de transformação e flexibilização. A cultura organizacional é o ponto de partida para a reeducação, para a evolução da área de recursos humanos e para o desenvolvimento das organizações públicas. (GIRARDI et al., 2009). 2.3 As Organizações Públicas e o Capital Humano  Assim como as mudanças globais, as organizações têm sofrido profundas transformações ao longo dos séculos, neste sentido Siqueira (2009, p. 27) enfatiza que: “As rápidas transformações econômicas, sociais e culturais e o intenso desenvolvimento tecnológico caracterizam a sociedade ocidental no século XX. Ainda, neste contexto, as grandes empresas passam a exercer poder cada vez maior e influenciam os mais diversos governos, norteando os rumos da economia e da vida social.” Essas transformações do século XX iniciaram após a Segunda Guerra Mundial e perduraram até meados de 1990. Após esse período iniciou-se a Era da Informação, na qual vivemos atualmente (GIRARDI et al, 2009). Essa nova era trouxe mudanças que se tornaram rápidas, imprevistas e inesperadas. A tecnologia trouxe desdobramentos completamente imprevistos e transformou o mundo em uma aldeia global, com informações cruzando o planeta em milésimos de segundos. A economia internacional transformou-se em economia mundial e global. A competitividade tornou-se mais intensa entre as organizações. O mercado de capitais passou a migrar volatilmente de um continente para outro à procura de novas oportunidades de investimentos. O recurso primordial deixou de ser o capital financeiro e passou a ser o conhecimento sobre como usá-lo e aplicá-lo rentavelmente. A Administração de Recursos Humanos cedeu lugar à gestão de pessoas (CHIAVENATO, 2009). Percebe-se, que essas são apenas algumas características principais das profundas transformações que ocorrem nas corporações ao redor do mundo, que estão caminhando rumo à modernidade e modernização. Para Tofler (1980 apud SIQUEIRA, 2009) esta é a “terceira onda” já descrita na década de 1980, o qual relata a “revolução agrícola” como a primeira onda, a “revolução industrial” como a segunda onda e a “revolução tecnológica” como a terceira onda, que exerce um poderio e uma influência na vida das instituições e das pessoas jamais vistos. Sob essa ótica, em um passado não muito distante, as pessoas eram consideradas recursos das organizações, os chamados recursos humanos. Em geral os recursos representam algo material, passivo, inerte e sem vida própria, que supre os processos organizacionais em termos de matérias-primas, dinheiro, máquinas equipamentos, etc. A Era da Informação se incumbiu de mudar radicalmente esse panorama (CHIAVENATO, 2005). Atrelado a esses fatores, Santiago Jr. e Santiago (2007, p. 20) afirmam que: “O grande diferencial de uma empresa não está mais relacionado com a quantidade de equipamentos utilizados no processo produtivo, e, sim, com a soma de uma série de requisitos referentes ao conhecimento coletivo gerado e adquirido, às habilidades criativas e inventivas, os valores, atitudes e motivação das pessoas e ao grau de satisfação dos clientes. A partir desse entendimento, nota-se que os ativos intangíveis da organização assumem importância significativa, ainda mais pelo fato de ser frequente a necessidade de se desenvolver novas formas de criar, multiplicar e utilizar, eficaz e adequadamente, conhecimentos e habilidades.” Diante este contexto Santiago Jr. e Santiago (2007) tratam com propriedade a relação entre o conhecimento, indivíduos e as corporações, enfatizam que diante este cenário corporativo, em que o conhecimento tem potencial para exercer função de grande relevância na expansão das organizações, é possível resgatar o conceito relacionado ao fato de a gestão do conhecimento ser o processo de obter, gerenciar e compartilhar a experiência e a especialização dos funcionários. O objetivo é de promover acesso à melhor informação, no tempo certo e da forma mais adequada. Complementam ainda que somente com um alinhamento perfeito no uso dos dois recursos principais – pessoas e tecnologias – uma organização poderá transformar informações em conhecimentos, sonhos em ideias e insights em ações de sucesso, com um espírito participativo e gerador de resultados. O ativo intangível trata-se do bem que não se pode ser mensurado, como o conhecimento gerado e adquirido pelos indivíduos. Para Arnosti et al. (2009) a gestão do conhecimento hoje denomina-se Capital Intelectual ou Capital Humano, ou seja, uma combinação de ativos intangíveis que trazem benefícios qualitativos às entidades, frutos das mudanças nas áreas de Tecnologia da Informação e das Telecomunicações, entre outros avanços nos diversos ramos das ciências. “Antes as organizações tinham seu valor de mercado definido pelo seu patrimônio tangível e contábil. Esse patrimônio sofre degradação com o tempo e o uso e passa por um processo de depreciação contábil. Isso significa que durante muito tempo, as organizações se depreciavam constantemente em seu valor tangível e passavam a valer cada vez menos, a não ser que reinvestissem continuamente. Hoje, o capital intelectual mostra uma pujança impressionante: ele vale na medida que se distribui dentro da organização e se transforma cada vez mais em produtos e serviços, e em criatividade e inovação […]”. (CHIAVENATO, 2005, p.5) Botari e Santos (2009, p. 62) escrevem com propriedade que: “O capital intelectual é um recurso econômico que foge do conceito dos demais, visto que não é escasso sua utilização não restringe a utilização dos demais e quanto mais utilizado, mas desenvolvível e mais acessível a uma maior quantidade de pessoas.” De fato, o maior patrimônio de uma organização é o seu capital humano, que passou a ser inserido no esforço conjunto de cultivar e desenvolver continuamente o talento humano. Aumentar, aplicar e rentabilizar o capital humano constitui hoje uma obsessão das instituições que buscam o crescimento. Essa tarefa passou a ser totalmente delegada e descentralizada por toda organização. Uma tarefa de todos e não de poucos. A começar pelo diretor da organização que deve dar o pontapé inicial (CHIAVENATO, 2005). “O capital humano depende de talentos que a empresa precisa conquistar, reter, aplicar, desenvolver, motivar e recompensar. Mas por melhores que sejam os talentos, eles somente podem trabalhar, utilizar plenamente suas competências e alcançar os resultados alavancados na medida em que a empresa lhe ofereça uma organização de trabalho adequada – a estrutura ou desenho organizacional – e uma cultura organizacional democrática e incentivadora – mentalidade, impulso e comportamento […]”. (CHIAVENATO, 2005, p. 6) Torna-se primordial que o principal gestor da instituição – o diretor – inicie o processo de mudança organizacional e transmita aos liderados a essência da nova cultura para que possa ser disseminada pela gerência alcançando todos os níveis da organização. Ainda para Chiavenato (2005), os talentos, organização e cultura constituem o tripé do capital humano. Pessoas trabalhando juntas em harmonia para o alcance de objetivos comuns dentro de um formato de trabalho e de um clima agradável e envolvente. Para isso, a instituição precisa saber gerenciar as pessoas, sendo esse o fator crítico do crescimento e sucesso das organizações. É preciso que os gestores públicos aprendam a lidar com os indivíduos e obter o que podem oferecer de melhor. As pessoas têm muito a dar e há muito ainda a aprender com elas a esse respeito. Juntos, a organização e as pessoas trocam competências continuamente. Esse processo natural pode ser potencializado, com efeitos positivos para ambos. Há o desenvolvimento humano e o desenvolvimento organizacional. (DUTRA, 2002 apud GIRARDI et al., 2009, p. 23-24) Seguindo nesta linha Chiavento (2005, p. 35) define que “o talento do capital humano pode-se definir como pessoas dotadas de competências, habilidades e conhecimentos. O conhecimento depende da aprendizagem, que deve ser contínua aumentando a capacidade do indivíduo. O conhecimento adquirido e aplicado leva à habilidade, que é a capacidade de utilizar o conhecimento para agregar valor. Mas a habilidade sozinha não funciona em ambientes desfavoráveis à sua implementação. Ela requer atitudes das pessoas para que possa ser colocada em prática. Isso leva à competência, que é a capacidade de utilizar o conhecimento para agregar valor e fazê-lo acontecer na organização por meio da mudança e inovação.” A formação contínua do individuo, bem como alguns hábitos e características tornam-se decisivos para o sucesso dentro da organização. Há análise criteriosa referente ao conhecimento, habilidades e atitudes fazem parte do dia-a-dia de uma organização. Sob esta ótica, Lacombe (2005) salienta que é preciso dedicação da organização para atrair, selecionar, treinar e posicionar corretamente o seu capital humano, nesse sentido, fica evidente que o processo de seleção tem um papel chave para manter a organização com uma equipe adequada para produzir com eficiência e eficácia (LACOMBE, 2005). “Para uma empresa em ascensão e adequada as novas tendências lidar com pessoas deixou de ser um problema e passou a ser a solução para as organizações. Mais do que isso, deixou de ser um desafio e passou a ser vantagem competitiva para as organizações bem-sucedidas.” (CHIAVENATO, 1999, p. 34) À luz destas argumentações, torna-se evidente que uma das grandes apreensões das organizações do futuro são as pessoas, o capital humano sugere a apreensão em aperfeiçoar, educar, motivar, liderar as pessoas que atuam na organização, infiltrando-lhes o espírito arrojado e oferecendo-lhes uma cultura participativa ao lado de chances de realização pessoal. A organização recomenda os desígnios que pretende impetrar, enfocando a missão e a visão, proporciona oportunidades de desenvolvimento profissional. As organizações públicas bem-sucedidas proporcionam aos colaboradores um recinto de trabalho afável e aprazível, com plena autonomia e liberdade para recomendar a forma de realização do trabalho. As pessoas são vistas como parceiros e colaboradores e não mais como simplesmente funcionários públicos. (CHIAVENATO, 1999). Chamamos de incentivos ou estímulos, o conjunto de mecanismos que procura obter níveis de motivação nas pessoas. Deve-se reconhecer que uma ação continuada de processos de incentivos contribui para criar bases para a motivação. É necessário trabalhar com alegria e satisfação para a organização pública ter qualidade. (LEVY, 2005, p. 380) Portanto, a busca pela qualidade na prestação de serviço público gerou o Programa da Qualidade no Serviço Público e Desburocratização (PQSP). O Governo Federal, mediante o Decreto Nº 5.378, de fevereiro de 2005, instituiu o Programa com a finalidade de contribuir para a melhoria da qualidade dos serviços públicos prestados aos cidadãos e para o aumento da competitividade do País. O Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, na qualidade de organização que administra esse projeto visando “promover a qualidade dos serviços públicos e das ações do estado, tendo em vista a satisfação do cidadão e a melhoria”, apoiando as ações de melhoria das práticas de gestão e da qualidade do atendimento ao cidadão; sensibilizando-o diretamente para o exercício do controle social, da participação e avaliação do grau de satisfação e insatisfação com os serviços prestados pelo poder público. Desde então, várias atividades vêm sendo desenvolvidas. Segundo LEVY (2005, p. 325): “O Modelo de Excelência em Gestão pública é a representação de um sistema de gestão constituído de sete partes integradas, que orientam a adoção de práticas de excelência em gestão com a finalidade de levar as organizações públicas brasileiras a padrões elevados de desempenho e de excelência em gestão”. O Modelo de Excelência em Gestão visa promover atendimento a 07 (sete) critérios de prática de gestão com Qualidade, nas seguintes áreas: liderança; estratégias e planos; cidadãos e sociedade; informação e conhecimento; pessoas; processos e resultados, conforme a seguir:  O PQSP emite um certificado de nível de gestão, com validade de um ano. Ao final desse prazo, o PQSP renova a certificação mediante nova autoavaliação da organização. O novo certificado será seguramente em nível de gestão superior ao anterior de acordo com o sucesso das melhorias implementadas. As organizações públicas que aderem ao PQSP consistem em instituições que assumem o compromisso de implementar ciclos contínuos de avaliação e melhoria em busca da excelência. Não resta dúvida, que é possível mudar a visão do serviço público, através desses sistemas de melhorias. Conclusão Alinhado com o objetivo principal do referido estudo, foi possível apresentar algumas transformações que ocorrem no mundo corporativo que buscam obter o crescimento e sucesso das organizações. Foram elencadas variáveis que têm contribuído para que as organizações ofereçam serviços e produtos de qualidade, diante a Era da Informação. O redirecionamento da cultura organizacional e a mudança organizacional são os primeiros passos a serem dados pelos gestores da administração pública para que ela possa ir em direção às novas tendências e obter uma reeducação funcional. Uma cultura que promova a conscientização da nova proposta da instituição e as necessidades em termos de benefícios, ganhos e produtividade e qualidade na prestação de serviços. As mudanças organizacionais são iminentes, uma vez que há uma reestruturação na missão e visão governamental. Essas transformações devem ser planejadas e encabeçadas pelos gestores da administração pública, disseminando a nova cultura em todos os níveis. O capital humano torna-se o principal bem da organização, como parceiro e não mais apenas como recurso humano institucional.  Afinal, são eles que possuem o conhecimento, habilidades e competências necessárias para elevar a organização a níveis de alta produtividade, inovação e eficiência nos serviços oferecidos. É notável que o capital humano sempre existiu nas organizações. Todavia, o que se mudou foi o reconhecimento, de modo declarado, em virtude de sua importância para a organização. A readequação da administração de recursos humanos focado na gestão de pessoas é um dos alicerces para o processo de mudança organizacional. Não há dúvida, que se tornou uma das áreas mais importantes de qualquer organização pública, visto que é provedora e mantenedora das pessoas e agrega conhecimento, qualidade e flexibilidade a organização. Administrar as relações humanas na máquina pública é uma tarefa complexa, pois se trata de anseios, necessidades e desejos do homem, entretanto, com planejamento a curto, médio e longo prazo torna-se possível redimensionar, gerir e assumir novas responsabilidades. É evidente que a demanda por serviços públicos está e estará presente cada vez mais na sociedade, por isso torna-se fundamental que as instituições tenham competência para gerir e reconhecer seu capital humano, uma vez que este se tornou o seu patrimônio maior, para que juntos possam alcançar os objetivos almejados.
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A questão da improbidade administrativa por fraude a licitação
O presente estudo problematiza a aplicabilidade da Lei Federal nº 8.429/1992, diploma regulamentador dos atos de improbidade administrativa. Busca-se nesse trabalho dar ênfase aos incertos no inciso VIII do artigo 10 da citada Lei que estabelece como ato de improbidade administrativa “frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente”. Em razão do grande volume financeiro de riquezas administrado pelo Estado e pela necessidade de transparência no trato desses valores, editaram-se normas punitivas, como, por exemplo, a lei de improbidade administrativa, que prescreve sanções a agentes públicos mal intencionados que desviam e corrompem a máquina pública.  É sabido que uma das formas mais utilizadas pelo agente público infrator consiste nas fraudes em licitações, especialmente o emprego de dispensas de forma irregular nos casos em que não se poderia empregá-la. Esse tema encanta, uma vez que sua finalidade é a de proteger os recursos do povo, especialmente naquilo em que a administração deveria ser mais transparente, nas licitações, ou seja, nas contratações que se destinam a obras, serviços, compras, alienações, concessões, permissões e locações.
Direito Administrativo
Introdução Para atingir os fins a que se destina, o Estado precisa se fazer presente no mundo fático através de pessoas físicas, que manifestam vontades em seu nome. São os agentes públicos, entendidos estes como os atores principais da atividade administrativa estatal. Dentre estes atores, merecem destaque os chamados agentes políticos, aqueles que ocupam os mais importantes postos na Administração Pública, desempenhando as funções de direção e gestão das atividades desempenhadas pelo Estado. A corrupção se confunde com a própria história das instituições públicas do país, havendo se arraigado, inclusive, na cultura do povo brasileiro, num processo tendente a uma perigosa banalização. O rótulo de corrupto já é utilizado pela grande maioria das pessoas como adjetivo empregado à classe política. Não raro se escuta falar do assunto com certa naturalidade, denotando um ranço de conformismo, de passividade, explicável talvez pelo sentimento de impunidade que permeia a opinião pública. A sociedade civil, como vítima principal dos males causados pela corrupção, necessita de mecanismos eficazes com os quais sejam combatidas as práticas atentatórias à probidade na Administração Pública que, especialmente após a promulgação da Constituição Federal de 1988, passou a ser tutelada de modo mais veemente no nosso ordenamento jurídico. Nas últimas três décadas, aumentou consideravelmente a preocupação pelo respeito com a coisa pública, de modo que têm surgido vários instrumentos que reprimem aqueles agentes malversadores do patrimônio público, mediante a aplicação de rigorosas sanções, das mais variadas naturezas. Qualquer problematização referente a tão importantes instrumentos, que atuam como repressores da corrupção na esfera administrativa, guarda, por si só, extremada importância, principalmente quando envolta em questões jurídicas que podem comprometer sua plena aplicabilidade e eficácia. O foco do que será tratado está inserido no Capítulo II da Lei 8.429/92 (dos atos de improbidade administrativa), seção II (dos atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário). No inciso VIII do artigo 10 que estabelece como ato de improbidade administrativa, “frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente”. O escopo da Lei de Improbidade Administrativa não é outro se não o combate à corrupção, ao enriquecimento ilícito, evitando o prejuízo ao erário e a violação dos princípios da Administração Pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência). O tema apesar de já ventilado, surpreende quando se aproximam novas eleições municipais e ganha outra conotação após o Supremo Tribunal Federal declarar constitucional a Lei da Ficha Limpa que passou a ter vigência a partir das eleições de 2012. A Lei prevê a proibição da candidatura de políticos condenados por um órgão colegiado da Justiça. Desta forma, ganha ainda mais força as condenações por improbidade administrativa do agente público. Intenciona-se, ao final de tudo, que se chegue a conclusões objetivas, aguçadas por considerável grau de criticidade, levando-se em conta, evidentemente, as nuances jurídicas pertinentes ao tema, afim de que sejam estabelecidos os parâmetros através dos quais se dará a responsabilização dos detentores dos destinos da nação pelo cometimento de condutas ensejadoras de improbidades administrativas. Em outras palavras, o que se pretende é determinar de que modo a classe política brasileira pode ser efetivamente responsabilizada pela prática da corrupção, em suas variadas formas, sempre com base no anseio social de que tais condutas sejam reprimidas e erradicadas de uma vez por todas do cenário político nacional. 1. Aspectos Gerais da Lei nº 8.429/1992 Impõe-se, de início, que se proceda a uma breve análise do que seja improbidade administrativa, para melhor compreensão do tema sobre o qual se irá debruçar no presente trabalho. 1.1. Conceito de Improbidade Administrativa O dicionário Aurélio (1986, p. 986) define probidade como honestidade, integridade, retidão de caráter. O probo atua mediante a prática de condutas pautadas pela boa-fé, pela lealdade. Na Administração Pública, probidade significa uma atuação bem intencionada do agente público, obedecendo a princípios éticos e morais. Quando se pensa em probidade, a ideia central e mais importante que se deve ter em mente é a de honestidade, que deve ser a tônica de toda e qualquer atividade administrativa. A contrario sensu, chega-se à definição de improbidade administrativa, que é exatamente o desatendimento a esses preceitos norteadores do conceito de probidade. Trata-se da desonestidade no atuar do agente público, o qual pratica expedientes que acabam por desvirtuar a função pública, desrespeitando os princípios gerais do direito administrativo. O ato de improbidade representa um maltrato com a coisa pública, uma infidelidade, um agir mal intencionado. Nessa toada, destacamos a lição do professor Wallace Paiva Martins Junior (2011, p. 113): “Improbidade Administrativa, em linhas gerais, significa servir-se da função pública para angariar ou distribuir, em proveito pessoal ou para outrem, vantagem ilegal ou imoral, de qualquer natureza, e por qualquer modo, com violação aos princípios e regras presidentes das atividades na Administração Pública, menosprezando os valores do cargo e a relevância dos bens, direitos, interesses e valores confiados à sua guarda, inclusive por omissão, com ou sem prejuízo patrimonial. A partir desse comportamento, desejado ou fruto de incúria, desprezo, falta de precaução ou cuidado, revelam-se a nulidade do ato por infringência aos princípios e regras, explícitos ou implícitos, de boa administração e o desvio ético do agente público e do beneficiário ou partícipe, demonstrando a inabilitação moral do primeiro para o exercício de função pública.” Interessante também registrar o conceito de improbidade administrativa dado pelo professor Marino Pazzaglini Filho (1998, p. 35): “[…] é o designativo técnico para a chamada corrupção administrativa, que sob diversas formas promove o desvirtuamento da Administração Pública e afronta os princípios nucleares da ordem jurídica (Estado de Direito Democrático e Republicano), revelando-se pela obtenção de vantagens patrimoniais indevidas, a expensas do erário, pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos, pelo „tráfico de influência‟ nas esferas da Administração Pública e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interesses da sociedade, mediante a concessão de obséquios e privilégios ilícitos.” São muitas as condutas que se enquadram no conceito de improbidade administrativa: desde as menos complexas, como a negligência num determinado serviço público ou a leniência do agente público face a certas irregularidades, às mais gravosas (e comuns) de que é exemplo a aquisição de vantagens patrimoniais indevidas (enriquecimento ilícito) que pode se dar através do desvio de verbas ou equipamentos públicos em benefício próprio ou de terceiros. É necessário ter em mente que a ideia de improbidade administrativa está intrinsecamente ligada ao desrespeito aos princípios norteadores da Administração Pública. O princípio da moralidade, sem dúvidas, é o que guarda as mais estreitas relações com a atividade administrativa proba. José dos Santos Carvalho Filho (2007, p. 18) nos ensina que: “[…] o princípio da moralidade impõe que o administrador público não dispense os preceitos éticos que devem estar presentes em sua conduta. Deve não só averiguar os critérios de conveniência, oportunidade e justiça em suas ações, mas também distinguir o que é honesto do que é desonesto”. Na mesma linha o professor Eurico Neto, ao preceituar que “a moralidade administrativa traduz a ideia de ética na conduta do administrador público, impõe que a decisão do agente público deve atender àquilo que a sociedade, em determinado momento, considera eticamente adequado, moralmente aceito” (2005, p. 35). Arrematamos o raciocínio com a brilhante lição de Carmem Lúcia Antunes Rocha (1994, p. 191), atual presidente do Supremo Tribunal Federal, que, com maestria, preceitua o seguinte: “A moralidade administrativa é, pois, princípio jurídico que se espraia num conjunto de normas definidoras dos comportamentos éticos do agente público, cuja atuação se volta a um fim legalmente delimitado, em conformidade com a razão de Direito exposta no sistema normativo. […] A moralidade administrativa legitima o comportamento da Administração Pública, elaborada como ela é por Direito nascido do próprio povo. Por isso, é o acatamento da moralidade administrativa, como princípio de Direito, que dota o sistema de legitimidade, o que se estende à qualificação legítima do Poder do Estado. O que se põe em foco, quando se cuida de moralidade administrativa, é a confiança do povo no Poder institucionalizado e a legitimidade de seu desempenho quanto à gestão da coisa pública. „O maior interessado na moralidade administrativa é, permanentemente, o povo de um Estado‟. Poucos princípios jurídicos dependem mais e tão diretamente da participação e da afirmação popular permanente, em sua elaboração, em sua formalização justa, em sua aplicação e em sua garantia do que o da moralidade administrativa”. Veja-se, assim, que a moralidade administrativa nada mais é do que o respeito aos preceitos básicos de ética e honestidade a serem observados no trato com a coisa pública. Não é difícil, portanto, demonstrar a relação que existe entre a prática de um ato improbo e a lesão ou desrespeito à moralidade administrativa. Sobre este tocante, impende recordar que probidade e moralidade são conceitos muito próximos. Ambas as expressões estão consignadas no texto constitucional. Autores há que entendem ser a probidade figura mais ampla que a moralidade[1]. Há entendimentos, todavia, no sentido de ser a moralidade administrativa gênero do qual a probidade é espécie, posição defendida por Marcelo Figueiredo (2004, p. 23), para quem “a improbidade administrativa seria a imoralidade administrativa qualificada, ou seja, a improbidade é exatamente aquele campo específico de punição, de sancionamento da conduta de todos aqueles que violam a moralidade administrativa” haja vista a moralidade haver sido mencionada como princípio no texto constitucional (art. 37, caput) e a improbidade como lesão àquele princípio (art. 37, §4º). Por outro lado, em todas as condutas ditas improbas, sempre há um desvirtuamento da função pública, de modo que as regras para o seu exercício deixam de ser observadas. É cediço que o princípio da legalidade, na esfera administrativa, adquire uma conotação distinta daquela insculpida no art. 5º, II da Constituição Federal, segundo o qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Inobstante, no direito administrativo não há essa “liberdade”, vez que o administrador só pode fazer o que a lei autoriza e determina. Nessa seara, a lei dá o parâmetro exato de atuação do administrador, como destaca a lição de Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2005, p. 81): “A submissão do agir à lei, condição da convivência, de imemorial concepção no processo civilizatório e essência do princípio da legalidade, é de todos exigida, quando e apenas se determinada conduta ou inação estiverem nela prescritas, pois a regra geral para as pessoas em sociedade é a liberdade de ação. Todavia, a submissão do agir do Estado à lei é sempre e onimodamente exigida, pois o Poder Público não pode atuar, sob hipótese alguma, contra ou praeter legem, obrigando-se à ação legalmente vinculada. […] Esta é a razão de ser, o Estado de Direito, uma dádiva do princípio da legalidade, por definição, aquele que se submete às suas próprias leis, daí a expressão consagrada de Duguit, “suporta a lei que fizeste” (legem patere quam fecisti), que enuncia, em síntese, este princípio, uma vez que, ao declarar o Direito, o Estado se autolimita, assegurando à sociedade, que o criou e o mantém para organizá-la e dirigi-la, a preciosa dádiva da certeza jurídica. Com relação aos administrados, o princípio atua como uma reserva legal absoluta, à qual está adstrito todo o Estado, por quaisquer de seus entes, órgãos e agentes, mesmo delegados, de só agir quando exista uma lei que a isso o determine, tal como se contém no princípio geral expresso no art. 5º, II, da Constituição.” Como preleciona Seabra Fagundes (2006, p. 115) “Todas as atividades da Administração Pública são limitadas pela subordinação à ordem jurídica, ou seja, à legalidade. O procedimento administrativo não tem existência jurídica se lhe falta, como fonte primária, um texto de lei. Mas não basta que tenha sempre por fonte a lei. É preciso, ainda, que se exerça segundo a orientação dela e dentro dos limites nela traçados. Só assim o procedimento da Administração é legítimo.” É, pois, fácil perceber que na medida em que o agente público pratica um ato de improbidade, ele descumpre a função pública a qual lhe foi atribuída e, ao mesmo tempo, desrespeita os parâmetros do exercício dessa função, o que significa uma violação a ordem jurídica, ferindo-se de morte o princípio da legalidade administrativa, estampado no caput do art. 37 da Carta Magna. 1.2. Prejuízo ao Erário Nos termos do artigo 10 do diploma in comento: “Art. 10: Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: I – facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei; II – permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; III – doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie; IV – permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado; V – permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado; VI – realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea; VII – conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; VIII – frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente; IX – ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento; X – agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público; XI – liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular; XII – permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente; XIII – permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades. XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei; XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei.” Aqui, mais uma vez, tem-se conduta genérica descrita no caput, que agora se segue de quinze incisos os quais elencam um rol exemplificativo de atos de improbidade. Importante observar que se houver a prática de conduta que importe lesão ao erário, mesmo que não descrita em nenhum dos incisos do art. 10, haverá a subsunção do ato à lei de improbidade. Nota-se que, ao fazer menção a “erário”, o legislador não está se referindo apenas ao tesouro, este entendido como o montante total de recursos financeiros do ente público. Em verdade, a acepção que se deve apreender do termo erário, utilizado na norma, abrange o conceito de patrimônio público, muito mais amplo do que o (conceito) de tesouro, compreendendo-se todas as pessoas referidas no art. 1º da lei. Para a configuração deste ato de improbidade em espécie, exige-se, obviamente, a ocorrência de efetivo prejuízo ao erário, pouco importando se houve enriquecimento ilícito ou não por parte do agente. É necessário que tenha havido uma perda patrimonial, uma redução no patrimônio, seja no que diz respeito a valores, seja no que atine a bens. Diferentemente do que ocorre no enriquecimento ilícito, aqui o elemento subjetivo pode ser tanto o dolo quanto a culpa, conforme deixa claro o texto legal. Entretanto, não se admite modalidade tentada. Um detalhe que importa atenção é o fato de se admitir, para a configuração do ilícito, condutas tanto comissivas quanto omissivas, o que não ocorre no enriquecimento ilícito. 1.3. Sujeito Passivo O artigo 1º da Lei 8.429/92 indica as entidades que podem ser atingidas por atos de improbidade administrativa: “[…] a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de 50% (cinquenta por cento) do patrimônio ou da receita anual.” Já o Parágrafo Único do mesmo dispositivo, contempla: “Estão também sujeitos às penalidades desta Lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo fiscal ou creditício, de órgão público bem com daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de 50% (cinquenta por cento) do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.” Como se compreende do texto legal, o sujeito passivo imediato é a pessoa jurídica atingida pelo ato, que abrange as pessoas jurídicas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), os órgãos dos três poderes do Estado; a administração direta, indireta que compreende autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, as empresas ou entidades cuja criação o erário haja concorrido ou concorra com mais de 50% do patrimônio ou da receita anual, e por fim empresas ou entidades que recebam subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público e empresa incorporada ao patrimônio público. Nesta última modalidade, segundo Di Pietro (2010, p. 827-828): “Podem ser incluídas as entidades do tipo dos serviços sociais autônomos (Sesi, Senai, Sesc e outras semelhantes), as chamadas organizações sociais, as organizações da sociedade civil de interesse público e qualquer outro tipo de entidade criada ou mantida com recursos públicos. Nesse caso, o dispositivo é claro ao limitar a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos. O que ultrapassar o montante da contribuição dos cofres públicos, a entidade terá de pleitear por outra via que não a ação de que trata a lei de improbidade administrativa.” Observa-se que na lei de improbidade de um lado o que se pretende é a aplicação das sanções e de outro o ressarcimento do erário. 1.4. Sujeito Ativo De acordo com a Lei 8.429/92 em seu art. 1º, qualquer agente público que pratica atos de improbidade está sujeito às sanções previstas nessa Lei, o objetivo da Lei 8.429/92 é justamente combater os atos praticados pelos agentes públicos, que para Meirelles (2006, p. 75) considera-se “todas as pessoas físicas incumbidas, definitiva ou transitoriamente, do exercício de alguma função estatal”. Estes agentes que lesionaram o patrimônio público, que agiram com conduta ímproba no desenvolvimento de suas funções ou atividades, devem, segundo a Lei, serem responsabilizados. Ainda segundo Mello (2007, p. 241), os agentes públicos se dividem em três grupos: “a) agentes políticos; b) servidores estatais, abrangendo servidores públicos e servidores das pessoas governamentais de Direito Privado; e c) particulares em atuação colaboradora com o Poder Público”. É Importante citar que a abrangência de agente público consoante as disposições da Lei de Improbidade Administrativa: “Art. 2º Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.” O legislador teve o cuidado de ampliar o conceito de agente público, de forma a abranger um número considerável de pessoas. “Com se verifica por esse dispositivo, não é preciso ser servidor público, com vínculo empregatício, para enquadrar-se como sujeito ativo de improbidade administrativa. Qualquer pessoa que preste serviço ao Estado é agente público […]” (DI PIETRO, 2010, p. 828). Ainda Di Pietro (2010, p. 828) classifica agente público em três modalidades: “(a) (os agentes políticos (parlamentares de todos os níveis, Chefes do Poder Executivo federal, estadual e municipal. Ministros e Secretários dos Estados e dos Municípios); (b) os servidores públicos (pessoas com vínculo empregatício, estatutário ou contratual, com o Estado); (c) os militares (que também têm vínculo estatutário, embora referidos na Constituição fora da seção referente aos serviços públicos); e (d) os particulares em colaboração com o Poder Público (que atuam sem vínculo de emprego, mediante delegação, requisição ou espontaneamente). Quanto aos servidores públicos, todas as categorias estão incluídas, independentemente de ocuparem cargos efetivos, em comissão ou vitalícios, funções ou empregos públicos, seja o regime estatutário ou contratual, seja a função permanente ou transitória, seja qual for a forma de provimento. Os membros da Magistratura, do Ministério Público e do Tribunal de Contas incluem-se também como sujeitos ativos, sejam eles considerados servidores públicos, como querem alguns, ou agentes políticos, como preferem outros. De uma forma ou de outra, podem ser sujeitos ativos de atos de improbidade, consoante conceito amplo que decorre do artigo 2º da lei. O fato de gozarem de vitaliciedade não impede a aplicação das sanções previstas na lei, inclusive a de perda do cargo, já que uma das hipóteses de perda do cargo, para os servidores vitalícios, é a que decorre de sentença transitada em julgado (art. 95, I, e 128, § 5º, II, d, da Constituição)”. (grifo do autor) Importante destacar que independentemente da modalidade em que o agente se enquadre, responderá por eventuais prejuízos ao erário frente a legislação de improbidade administrativa. 2. Processo Licitatório e sua Dispensa A licitação no Brasil é regulada pela Lei 8.666/93, bastante criticada a referida lei encontra-se em muitos aspectos obsoleta, especialmente em relação aos limites financeiros de cada modalidade de licitação, bem como para as compras diretas para aquisição de serviços de engenharia cujo limite ainda é de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) e de R$ 8.000,00 (oito mil reais) para serviços e compras. O poder de compra nos dias atuais é diferente do que há vinte três anos. Portanto, não acompanha a realidade, e onera-se mais o erário por realizar licitação para aquisição ou contratação de serviços de ínfimo valor, do que custa o real valor do bem ou do serviço. Entretanto, como esclarece Harger: “Ao contrário dos particulares, que podem de forma livre, a Administração Pública direta e indireta está sujeita à realização do certame licitatório para contratações em geral, compras, prestações de serviços e alienações de seus bens, outorga de concessão ou permissão de serviço público. A obrigação de licitar foi consolidada pelo art. 372, inciso XXI, da CRFB/1988”. (2008, p. 187). A regra, portanto, é a licitação pública, a exceção é a sua dispensa. Para justamente coibir a livre discricionariedade do agente público, a licitação é uma forma de transparência, de oportunizar a todos os interessados em contratar com a administração pública, não um privilégio para poucos, embora muitos caminhos e ajustes sejam feitos para burlar a sua obrigatoriedade. O constituinte de forma clara estabeleceu a obrigatoriedade da licitação pública no seu artigo 37, XXI, prevê citado dispositivo embora de forma estranha a ressalva, ou a exceção a regra que é justamente a exceção, ou seja, a contratação direta. As hipóteses de contratação direta são a inexigibilidade e a dispensa. Para Harger apud Adilson Abreu Dellari (2008, p. 220-221): “[…] são três os princípios que sustentam a contratação direta. O primeiro princípio trata-se da impossibilidade material, pelo qual a licitação seria inexigível para os casos em que a singularidade do objeto tornasse a realização de licitação materialmente impossível. Este princípio permite a contratação direta através de procedimento formal de inexigibilidade de licitação e seus casos estão previstos no art. 25 da Lei 8.666/93. O segundo […] consiste no princípio da impossibilidade jurídica através do qual “o confronto dos interesses em jogo pudesse resultar em ofensa aos princípios fundamentais do regime jurídico administrativo: supremacia do interesse público sobre o privado e indisponibilidade dos interesses públicos”. Estão incluídos nesta categoria os casos previstos no art. 24 da Lei nº 8.666/93, notadamente nos incisos III, IV, VI, e IX, que permitem a dispensa de licitação em casos de guerra, segurança nacional, calamidade pública, emergência, manutenção da ordem pública e da segurança nacional. […] O terceiro princípio, consiste no princípio da conveniência administrativa, sendo que está fundamentado na legitimidade dos atos da Administração Pública. Em função deste princípio, haveria dispensa do certame licitatório nos casos de contratação de pequeno vulto, nos casos de complementação ou remanescente de obra ou serviços, relevante interesse social, ou, ainda, na padronização dos equipamentos. Estes casos têm previsão nos incisos V, VII, e X a XXIV, todos do art. 24 da Lei nº 8.666/93, que são aqueles em que a Administração Pública pode, mas se não for conveniente, oportuno ou mesmo necessário, não precisará realizar processo licitatório. Significa dizer que consiste em faculdade do ente administrativo que deverá resolver, pautado pela consecução do interesse público, se realiza, ou não, a licitação.” A lei 8.666/93 prescreve no seu artigo 25 as hipóteses de inexigibilidade e no artigo 17 as hipóteses em que a licitação pode ser dispensada, (para alienações de bens da Administração Pública em geral, locações e concessão de uso), ainda no artigo 24 as hipóteses em que ela é dispensável, para a primeira (inexigibilidade) o rol é exemplificativo, para a dispensa as hipóteses são taxativas, ou seja, não admitem outras proposições. Para Di Pietro (2010, p.365) a diferença básica entre dispensa e inexigibilidade está na possibilidade de competição. Ou seja, na dispensa efetivamente existe competição que justificaria a licitação. Contudo, por discricionariedade da Administração a licitação é dispensada. Já na hipótese de inexigibilidade sequer existe possibilidade de competição, quer seja pela existência de um único objeto, quer pela existência de uma única pessoa que atenda as necessidades da Administração, o que tornaria a licitação inviável. Um exemplo de objeto único seria a necessidade de ampliação de algum prédio da Administração em que exista apenas um único imóvel confrontante. Já a possibilidade pessoal diz respeito de característica técnica específica. Uma obra composta por autor renomado jamais poderia ser substituída por outra, em que pese o renome daquele. É sabido que uma das formas mais utilizadas pelo agente público mal intencionado é a fraude na licitação, especialmente o emprego de dispensas de forma equivocada, sua finalidade é a de proteger os recursos do povo, especialmente naquilo em que a administração deveria ser mais transparente, nas licitações, ou seja, nas contratações que se destinam a obras, serviços, compras, alienações, concessões, permissões e locações. A Lei 8.429/92, em específico, trata da responsabilidade dos agentes públicos com a administração dos recursos. 2.1. Dispensa de Licitação Pública Primeiramente, é necessário observar que a Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública, Lei nº 8.666/1993, determina que o administrador sempre explique a contratação sem licitação. O princípio da obrigatoriedade da licitação pública determina que todos os destinatários do Estatuto das Licitações e Contratos da Administração Pública realizem primeiro o procedimento para em seguida contratarem obras e serviços. Entretanto, a lei não poderia esquecer-se de excetuar determinadas hipóteses que, pela sua peculiaridade, não se conciliam com o rito e a morosidade do procedimento licitatório. 2.2. Inexigibilidade de Licitação Pública A inexigibilidade de licitação pública deriva da inviabilidade de competição, tendo em vista a particularidade do objeto ou do ofertante, ou, até mesmo, por ausência de pressupostos jurídicos ou fáticos da licitação pública não levados em consideração no arrolamento das hipóteses de licitação dispensável. De acordo com Joel de Menezes Niebuhr (2011, p. 139): “A licitação pública é processo seletivo, mediante o qual a Administração Pública oferece igualdade de oportunidades a todos os que com ela queiram contratar, preservando a equidade no trato do interesse público, tudo a fim de cotejar propostas para escolher uma ou algumas delas que lhe sejam as mais vantajosas. Na qualidade de processo seletivo em que se procede ao cotejo de propostas, a licitação pública pressupõe a viabilidade da competição, da disputa. Se não houver viabilidade de competição, por corolário, não haverá licitação pública, revelando os casos denominados de inexigibilidade. Essa, aliás, é a exata dicção do caput do artigo 25 da Lei nº 8.666/93, cujo teor indica que ‘é inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: […]’.” Foram diversos diplomas legais que edificaram a regulamentação do procedimento licitatório em face dos órgãos que compõe a Administração Pública. A União, Estados, Municípios, Distrito Federal e as entidades que compõe a Administração indireta, como anteriormente tratado nesse estudo, deverão sujeitar-se a aplicação dessas normas gerais tocante às licitações e contratos. Do mesmo modo, nenhum ente da Administração Pública poderá legislar sobre normas gerais, estando adstrito às determinações da Constituição Federal, sob pena de declaração de inconstitucionalidade. Nessa mirada, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2010, p. 388) assevera que “nos casos de inexigibilidade, não há possibilidade de competição, porque só existe um objeto ou uma pessoa que atenda às necessidades da Administração; a licitação é, portanto, inviável”. A inexigibilidade de licitação caracteriza-se, portanto, pela impossibilidade de licitar por não existirem produtos ou bens que apresentam aspectos aproximados e que, indeterminadamente, possam atender ao interesse público, ou por não existir pluralidade de particulares que possuem capacidade para saciar o fornecimento de bens e serviços. 2.3. A Improbidade Administrativa por Fraude a Licitação Dos atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário (art. 10 da Lei 8.429/92), destacou-se neste trabalho o inciso VIII “frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente”. Como já dito, a licitação pela sua importância e por movimentar dinheiro público acaba sendo uma das formas de que os agentes públicos desonestos utilizam-se para enganar e abortar a sua legitimidade. Fazzio Júnior (2008, p. 140-141) esclarece: “[…] o universo das licitações é, precisamente, o sítio onde vicejam as mais lesivas práticas ímprobas e se nega, rotineiramente, os princípios constitucionais da Administração. […] Frustrando ou fraudando licitação, o agente público também pratica crimes licitatórios, sujeitando-se ao respectivo processo penal, independentemente de responder pelo ato de improbidade, em ação civil. Os procedimentos licitatórios são promovidos e fiscalizados por comissão constituída para esse fim, de sorte que os delitos em tela ou são atribuíveis aos membros daquele colegiado ou a competidor. Contudo, não há qualquer estorvo a que outros agentes públicos, notadamente de hierarquia superior, influenciem o procedimento e, como co-autor direto ou autor mediato, cometa alguns desses crimes. De tal arte que, ao fraudar licitação ou, simplesmente, dispensá-la indevidamente, o agente público, além de incorrer no ato de improbidade administrativa, também realiza tipo penal específico. Faz jus à dupla sanção.” O inciso VIII do artigo 10 da Lei 8.429/92, no seu escopo apresenta dois verbos, portanto, duas ações distintas, a frustração da licitude do processo licitatório e dispensa indevida da respectiva licitação. Pazzaglini Filho (2002, p. 84) faz essa distinção: “Frustrar a legalidade da licitação significa fraudar, burlar, tornar inútil o procedimento licitatório, mais especificamente, o caráter competitivo da licitação. Dispensar indevidamente a licitação quer dizer deixar de promovê-la fora das hipóteses excepcionais previstas na legislação.” O que fica muito claro é que embora a lei permita os casos de inexigibilidade e de dispensa de licitação, estes devem ser utilizados como exceção à regra e com fundamento, ou seja, respeitar as publicações e fundamentar as causas de dispensa ou de inexigibilidade para que o auditor ou qualquer cidadão que vier a ter conhecimento deste procedimento ao analisar as razões do enquadramento tanto na dispensa (arts. 17 e 24), como de inexigibilidade (art. 25) compreenda que realmente não havia outro caminho que não o da exceção. Fazzio Júnior (2008, p. 140) complementa que independente de o agente público frustrar ou fraudar a licitação, ele estará praticando um crime licitatório sujeito ao competente processo penal, administrativo e civil. Portanto, exemplificando as inúmeras possibilidades, quando o agente público favorece, não da publicidade devida, inibe a competição ou não proporciona a igualdade entre os participantes, este comete ato de improbidade administrativa, pois, está frustrando o processo licitatório. E quando dispensa fora das hipóteses legais, está-se diante da dispensa indevida outra conduta que o inciso prevê. Toda exceção deve ser fundamentada, ou seja, quando se dispensa a licitação há de se ter um bom argumento, devidamente formalizado, além, é claro, de se respeitar a legislação. Destarte, já se mencionou neste trabalho inúmeras vezes que a licitação é a regra e a excepcionalidade a sua dispensa. “Quando se trata da fraude, de forma geral, os expedientes vão desde a pura e simples troca de envelopes de propostas até a realização de negócio superestimado, com posterior realização de uma licitação meramente teatral à base de cartas-convites encomendadas”. (FAZZIO JÚNIOR, 2008, p. 144). O ato ímprobo em frustrar a licitude de processo licitatório, ou dispensá-lo indevidamente, incide, pois, no agente público deixar de aplicar conscientemente os princípios que regem a Administração Pública, especialmente os princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade. A responsabilidade do agente público pelo ato de improbidade pertence à esfera civil, e sua punição independe da esfera penal. No caso específico dos atos de improbidade que causam prejuízo ao erário, o art. 12, inciso II estabelece: “Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: I- (…) II- na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 5 (cinco) a 8 (oito) anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefício ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos;” Nos atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário é necessária a efetivação do dano, pois só assim poderá haver a punição que é a reparação do dano causado. Destaca Fazzio Júnior (2008), que o superfaturamento e os chamados serviços fantasmas, onde se contrata uma empresa e ela nada executa, além da contratação de obra já concluída, também são formas de fraudar a licitação. Há os vícios do edital do certame licitatório, para o qual alerta Fazzio Júnior (2008, p. 150): “Documento fundamental para o certame, o edital não pode ser direcionado. Suas cláusulas não devem reduzir ou minimizar a disputa, por meio de artifícios distintivos, sem o risco de transformar o procedimento licitatório numa liturgia sem sentido. Deve, pois, ser claro e preciso, sem ser minudente ou excessivo”. Neste sentido, o desvirtuamento nas atividades do agente público que tem o dever resguardar o erário, que permite ou colabora para que terceiro se beneficie e posteriormente cause dano ao erário, é esse o indivíduo que a Lei 8.429/92, quer punir. Conclusão A Lei 8.429/92 pune a má conduta do agente público, especialmente pelo fato de que a referida Lei alargou as ilicitudes cometidas pelos agentes públicos, que deveriam ter o dever de probidade, de honestidade com o patrimônio público, materializou o que a Constituição Federal de 1988 já previu em seu artigo 37, § 4º, ou seja, o caráter sancionador dos atos de improbidade administrativa. O que a Lei visa combater é a repercussão desses atos na sociedade. Por se tratar de um problema não só da Administração Pública, mas de toda a sociedade, e que por muito tempo a sociedade não observou punição alguma contra aos agentes público, com o advento da Lei de Improbidade Administrativa em junho de 1992, vislumbrou-se a tão sonhada punição aos maus administradores públicos em especial. Nesse escopo é preciso combater de forma severa quem por natureza deveria ter o dever de exercer a função pública com objetivos públicos e não particulares. Dentre as hipóteses de atos de improbidade administrativa lesivos ao erário, o artigo 10 da Lei 8.429/92 destaca a frustração à licitude de processo licitatório ou a dispensa indevida, encartada no inciso VIII. Assim, o administrador público só deve realmente utilizar-se da contratação direta, ou seja, da dispensa de licitação, quando esta realmente se justifique. Essas exceções estão dispostas nos artigos 17 e 24 da Lei 8.666/93, nos casos de dispensa, e no artigo 24, nos casos de inexigibilidade. Pois, como já mencionado, a licitação é a regra, já que o que se busca com ela é a melhor proposta, orientada pela competição, com regras isonômicas. Na dúvida em realizar a contratação direta, deve-se sempre optar por licitar. A frustração na licitude do processo licitatório ou a sua dispensa indevida caracteriza ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário. Pois, as regras são claras e qualquer desvirtuamento do agente público, no sentido de determinar fornecedor, restringir o edital, inabilitar indevidamente empresa, habilitar empresa inidônea ou dispensar indevidamente o processo licitatório fora dos casos legais previstos são atos de improbidade que atentam ao inciso VIII já citado. Esses são alguns dos inúmeros ilícitos licitatórios que devem ser combatidos e punidos com rigor através da Lei de Improbidade Administrativa. Importante sempre verificarmos que a Lei não busca em nenhum momento punir injustificadamente, tão pouco burocratizar o dia-a-dia do administrador. Sua principal função é dar transparência aos atos públicos. Apontar claramente licitudes no uso da coisa pública. Em que pese a Lei tratar de atos de improbidade, é importante termos em mente que o objetivo é maior. Qual seja: conferir credibilidade aos atos praticados de forma idônea e transparentes. Certo é que qualquer agente ou administrador público, seja ele licitante ou não, tem, ou deveria ter, como meta que seus atos sejam sempre pautados na ética e legalidade. Assim, as ferramentas apresentadas pela legislação a fim de proteger os atos de probidade (justamente aplicando sanções para os atos de improbidade), como, por exemplo, os presentes em procedimentos licitatórios, devem ser vistos com bons olhos pela sociedade.
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Fim do prazo para os municípios se adequarem ao Estatuto Geral das Guardas Municipais (Lei 13.022/2014)
O presente trabalho tem como objetivo precípuo analisar as alterações trazidas aos Municípios Brasileiros após o término do prazo de adequação da Lei  13022/2014, que regulamentou as Guardas Municipais .
Direito Administrativo
Resume: The present work had the objective of preparing a report on the limits of the adequacy period of Law 13022/2014, which regulated the Municipal Guards. Key words : Municipal Guard; Law 13022; Adequacy of Municipalities; Attributions; Use of firearms; Career Positions As Guardas Municipais estão na Constituição de 1988, com a missão de proteção de bens, serviços e instalações conforme disposição do artigo 144, parágrafo 8º da Carta Magna, caracterizando inicialmente, uma função de vigilância patrimonial, pois a atividade primaria de segurança pública ficou a cargo dos Estados com as Policias Militares e Civis na Carta Magna. O vertiginoso aumento da violência, e a sensação de insegurança que se avolumaram no nosso país, e uma tendência de municipalização das politicas publicas como saúde, educação, trânsito e meio ambiente, trouxe a essas organizações uma maior participação em colaboração de atividades ligadas diretamente a segurança pública e inclusive se apropriar de funções até então exercidas de forma exclusiva pela Policia Militar, para atender ao anseio das populações dos munícipes de diversas localidades. . Em 11 de agosto de 2014 foi publicada a Lei Federal 13.022 de 2014, denominado de Estatuto Geral das Guardas Municipais que regulamentou o artigo 144 §8º da Constituição versando sobre atribuições, carreira e organização das Guardas Municipais em território nacional.    . O Estatuto Geral das Guardas concedeu prazo para adaptação dos municípios que tem Guardas Municipais conforme o seu artigo 22. Art. “22 Aplica-se esta Lei a todas as guardas municipais existentes na data de sua publicação, a cujas disposições devem adaptar-se no prazo de 2 (dois) anos”.      Primeiramente é necessário explicar que os municípios não tem a obrigação de ter Guardas Municipais uma vez que tanto o artigo 144§8º da Constituição como o artigo 6º do Estatuto Geral dispõe sobre o caráter facultativo da criação dessas organizações. Outro ponto de adequação obrigatória são os efetivos das Guardas Municipais não serem superiores ao previsto no artigo 7º do referido Estatuto senão vejamos: “Art. 7o As guardas municipais não poderão ter efetivo superior a:  I – 0,4% (quatro décimos por cento) da população, em Municípios com até 50.000 (cinquenta mil) habitantes; II – 0,3% (três décimos por cento) da população, em Municípios com mais de 50.000 (cinquenta mil) e menos de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, desde que o efetivo não seja inferior ao disposto no inciso I;  III – 0,2% (dois décimos por cento) da população, em Municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, desde que o efetivo não seja inferior ao disposto no inciso II.  Parágrafo único.  Se houver redução da população referida em censo ou estimativa oficial da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é garantida a preservação do efetivo existente, o qual deverá ser ajustado à variação populacional, nos termos de lei municipal. “    Tal medida busca uma padronização da quantidade de Guardas nos diversos municípios do pais, evitando a contratação indiscriminada e o desvio de função desses profissionais. O erro na Lei foi não ter a limitação dos efetivos mínimos para cada município, ficando a critério e conveniência de cada localidade a fixação do quantitativo mínimo de Guardas a integrar cada Guarda Municipal.     No artigo 9º talvez tenhamos a maior conquista do novo Estatuto, uma vez que tal artigo dispõe que “a guarda municipal é formada por servidores públicos integrantes de carreira única e plano de cargos e salários, conforme disposto em lei municipal”.    Tal medida acabou com a possibilidade de contratação temporária de Guardas Municipais, bem como obriga os municípios a implantação de planos de cargos e carreiras significando um grande avanço para as instituições. O Estatuto Geral também criou requisitos mínimos para o cargo de Guarda Municipal conforme o artigo 10º: “Art. 10.  São requisitos básicos para investidura em cargo público na guarda municipal:  I – nacionalidade brasileira;  II – gozo dos direitos políticos;  III – quitação com as obrigações militares e eleitorais;  IV – nível médio completo de escolaridade;  V – idade mínima de 18 (dezoito) anos; VI – aptidão física, mental e psicológica; e  VII – idoneidade moral comprovada por investigação social e certidões expedidas perante o Poder Judiciário estadual, federal e distrital.  Parágrafo único.  Outros requisitos poderão ser estabelecidos em lei municipal.” Esses requisitos mínimos não impedem que os municípios adicionem outros critérios adicionais em concursos para admissão de Guardas Municipais. Outro avanço nos municípios que contenham Guarda Municipal se encontra no artigo 13 do Estatuto Geral com a obrigatoriedade de órgãos de controle interno (corregedoria) para as que tenham o porte funcional de arma de fogo ou mais de 50 integrantes obrigatoriamente e controle externo (ouvidoria) qualquer que seja o efetivo e seja a Guarda armada ou não. Ainda foi aberta a possibilidade de criação de órgão colegiado para exercer o controle social das atividades de segurança do Município, analisar a alocação e aplicação dos recursos públicos e monitorar os objetivos e metas da política municipal de segurança e, posteriormente, a adequação e eventual necessidade de adaptação das medidas adotadas face aos resultados obtidos. O Estatuto Geral das Guardas Municipais objetiva também a desvinculação das Guardas Municipais das Policias Militares em diversos momentos como no artigo 14, paragrafo único que veda a possibilidade das Guardas se sujeitarem a regulamentos de natureza militar ou no artigo 19 que fala que a “estrutura hierárquica da guarda municipal não pode utilizar denominação idêntica à das forças militares, quanto aos postos e graduações, títulos, uniformes, distintivos e condecorações”. O Estatuto Geral também trouxe a obrigatoriedade para a Anatel de destinação de linha telefônica de número 153 e faixa exclusiva de frequência de rádio aos Municípios que possuam guarda municipal no artigo 17. O referido Estatuto Geral traz no entanto dois temas polêmicos que provocam forte resistência nos municípios que dispõem de Guardas Municipais o armamento e preenchimento dos cargos de comissão. Com relação à questão do armamento o artigo 16 preconiza que “Aos guardas municipais é autorizado o porte de arma de fogo, conforme previsto em lei”. Na realidade não mudou a situação para obtenção do porte de arma de fogo pois as Guardas estão autorizadas a obtenção do porte desde que atendam aos requisitos previstos em Lei.    Portanto as Guardas devem se adequar ao previsto no Estatuto do Desarmamento Lei 10.826/03, incisos III e IV, em serviço nos Municípios entre 50 e 500 mil habitantes e em serviço e de folga nos Municípios com mais de 500 mil habitantes, realizando o convenio com a Policia Federal, com capacitação técnica e psicológicas, assim como corregedorias próprias e autônomas conforme a portaria 365 e o Decreto 5123 de 2004 da Presidência da República. Com relação ao porte de arma para as Guardas Municipais o Estatuto Geral não trouxe nenhum tipo de progresso ou relativização para flexibilizar a obtenção do porte de arma das Guardas, uma vez que o porte de arma desses profissionais continua sendo o mais burocrático dos portes institucionais das forças de segurança, Tal afirmação se justifica, pois se uma Guarda Municipal quiser a obtenção do porte funcional para seus integrantes tem que seguir a matriz curricular nacional elaborada pelo Ministério da Justiça, a fiscalização da Policia Federal, com a necessidade de realização de exames psicológicos de 2 em 2 anos além de capacitação obrigatória anual, conforme o Decreto 5123 de 2004, podendo ser suspenso  em razão de restrição médica, decisão judicial ou justificativa da adoção da medida pelo respectivo dirigente de acordo com o paragrafo único do artigo 16 do Estatuto Geral das Guardas.            Por fim no que tange as prerrogativas das Guardas Municipais temos o artigo 15 dispondo que “os cargos em comissão das guardas municipais deverão ser providos por membros efetivos do quadro de carreira do órgão ou entidade”. Tal inovação significa uma mudança sem precedente nos municípios brasileiros uma vez que grande parte dos dirigentes em postos de comando chefia e assessoramento das Guardas são de policiais militares, civis, federais, bombeiros e ate mesmo outros profissionais e tais cargos terão que ser ocupados privativamente por Guardas Municipais. Tal mudança valoriza a carreira, as instituições Guardas Municipais que terão nos seus quadros diretivos servidores da própria corporação e significa um incomodo politico a cabos eleitorais de outras corporações que captavam tais cargos por apoio a candidatos fragilizando a gestão e engessando o crescimento das instituições Guardas Municipais nos mais de 900 municípios que tem tal organização. No paragrafo 1º do já mencionado artigo 15 foi criada uma regra de transição prevendo que “nos primeiros 4 (quatro) anos de funcionamento, a guarda municipal poderia ser dirigida por profissional estranho a seus quadros, preferencialmente com experiência ou formação na área de segurança ou defesa social” objetivando a adaptação dos municípios e das próprias Guardas para ter dirigentes de carreira no comando das suas instituições. Para os municípios, portanto, o Estatuto Geral das Guardas não objetiva a inviabilização das administrações municipais, nem tão pouco minar o poder politico local ou obrigar o ente municipal a despesas e compromissos que não possa cumprir. Saliente-se que o descumprimento do Estatuto Geral das Guardas após o período de adequação enseja a provocação do Ministério Publico Estadual nos diversos municípios do Brasil para forçar o Poder Executivo a cumprir a Lei, mesmo no período eleitoral, uma vez que a adequação, quase que em todos os seus pontos, não traz implicações financeiras e nem eleitorais para os prefeitos, não se restringindo a vedações pela lei eleitoral.    .                       A efetivação da Lei visa apenas à padronização das Guardas Municipais e a implantação dos requisitos mínimos necessários para o funcionamento dessas instituições nos diversos municípios do nosso pais e a mudança de paradigma de instituições que eram consideradas como órgãos de vigilância, ou podiam ser usadas como organizações milicianas particulares de prefeitos e agora são cada vez mais participantes como força auxiliar na segurança publica e garantidores de direitos e garantias fundamentais ao permitir as populações acesso aos serviços e bens públicos.
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Comparação entre os modelos federal e do Estado de São Paulo de gestão e controle das participações societárias
O artigo consiste, inicialmente, num estudo sobre as modalidades de intervenção do Estado na economia (direta e indireta) e acerca do regime jurídico das empresas estatais, abordando aspectos concernentes aos Direitos Econômico e Administrativo. Também integra o artigo, uma comparação entre a estrutura de controle e gestão das participações acionárias da União nas empresas estatais federais e a sua congênere no Governo do Estado de SP. A diferença principal entre as duas estruturas é que, em nível federal, o desempenho das atribuições pertinentes ao controle e gestão das participações acionárias da União está a cargo de três instituições diferentes, a Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda (STN/MF), a Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (SEST/MPDG) e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional do Ministério da Fazenda (PGFN/MF), enquanto na órbita estadual de SP o exercício das prerrogativas atinentes à governança corporativa das companhias estatais deste estado da Federação está todo concentrado num só órgão, que é o Conselho de Defesa dos Capitais do Estado – CODEC, subordinado à Secretaria de Fazenda do Governo do Estado de SP. Portanto, o modelo federal é descentralizado, e o estadual é centralizado.
Direito Administrativo
Introdução: As empresas estatais, as empresas públicas e as sociedades de economia mista, são os instrumentos pelos quais o Estado exerce diretamente a atividade econômica, nos casos permitidos pela Constituição (relevante interesse coletivo e imperativo da segurança nacional, segundo o artigo 173 da Carta Magna). A regra no Brasil, de acordo com os dispositivos constitucionais pertinentes à Ordem Econômica e Financeira, é que a exploração de atividade econômica deve ser exercida, precipuamente, pela iniciativa privada e, subsidiariamente, pelo Estado, conforme supramencionado. O caput do aludido dispositivo constitucional materializa o princípio da subsidiariedade. Por outro lado, o comando constitucional contido no artigo 174 da Carta Política estabelece o Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica. Já o artigo 175 diz respeito à atuação do Estado como titular da prestação de serviços públicos. Relativamente ao modelo econômico brasileiro, Silva (2010) informa que, em nosso país, foi positivado na Constituição Federal o modo de produção capitalista em sua versão social democrata, sendo adotada uma ordem econômica de caráter social liberal na qual coexistem como princípios basilares a livre iniciativa e a função social da propriedade. De acordo com Silva (1994), são fundamentos da ordem econômica nacional e do Estado Federal Brasileiro os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa, sendo que, na opinião deste doutrinador, os primeiros têm precedência sobre a última. Nossa economia é de mercado com intervenção do Estado nos aspectos normativo e regulador e, excepcionalmente e em circunstâncias expressas na Carta Política, como agente econômico empresarial. Ao contrário do que afirmam alguns doutrinadores, tais como Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1990), a atuação do Estado como agente normativo e regulador da economia não é incompatível com os princípios da livre iniciativa, livre concorrência, que a Constituição consagra. 1 – Modalidades de intervenção do Estado na economia (direta e indireta): É relevante assinalar a distinção que Grau (2015) estabelece entre a atividade econômica em sentido amplo e a atividade econômica em sentido restrito, ou entre a atuação do Estado na economia e a intervenção do Estado na economia. No primeiro caso, considera-se tanto a exploração de atividade econômica quanto a prestação de serviço público (intervenção direta), bem como a atividade normativa e reguladora que o Estado desempenha sobre o sistema econômico (intervenção indireta). No último, refere-se apenas à exploração de atividade econômica propriamente dita (intervenção direta). Segundo Grau (2015) a prescrição constitucional de o estado ser o agente normativo e regulador da atividade econômica contida no art. 174 da Carta Magna diz respeito não à intervenção do Estado na economia na condição de empresário investindo diretamente na economia nas hipóteses permitidas pelo caput do art. 173, quais sejam, nos casos de imperativo da segurança nacional ou de relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. No caso do comportamento econômico do Estado preconizado no art. 174 da Carta Política, sua atuação não seria propriamente uma intervenção no domínio econômico, mas uma atuação do Estado na seara econômica, no sentido da normatização e da regulação da atividade econômica desenvolvida pela iniciativa privada, por meio do exercício das funções de fiscalização, incentivo e planejamento. Caracteriza-se, desta forma, a intervenção indireta do Estado na economia, consubstanciada na sua atuação como agente normativo e regulador da atividade econômica. Esta atuação está também materializada no artigo 173, § 4º, o qual preconiza que “A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. ” Esta lei a que faz alusão a Carta Política é a LEI Nº 12.529, DE 30 DE NOVEMBRO DE 2011, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica. Ainda de acordo com Grau (2015), o aspecto regulador do Estado Brasileiro contido no art. 174 da Carta Maior também está presente no artigo 3º, no dispositivo constitucional que diz respeito aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, ou seja, do Estado Federal Brasileiro, os quais incluem construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional e erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, os quais somente podem ser alcançados pela ação do Estado e do Poder Público, devido ao fato de estes últimos buscarem o interesse público primário, que é o bem comum. Tais objetivos não poder ser atingidos somente pela ação do mercado e seus mecanismos, os quais visam precipuamente a maximização do lucro econômico. O Estado atua diretamente no âmbito econômico por meio da criação de duas entidades específicas, as empresas públicas e as sociedades de economia mista, as quais podem ser tanto prestadoras de serviços públicos (regidas pelo artigo 175 da Constituição Federal) quanto exploradoras de atividades econômicas (reguladas pelo art. 173 da Carta Política). Ambas as estruturas integram a administração pública indireta, têm personalidade jurídica de direito privado e estão definidas no Decreto Lei 200/67. Nessas situações, o Estado, no caso das sociedades de economia mista, obrigatoriamente organizadas sob a forma de sociedades anônimas (S.A.), exerce as funções de acionista controlador de acordo com o conteúdo dos artigos 116 e 117 da Lei 6404/76, como acontece nas empresas estatais da União tais como Petrobrás, Eletrobrás, Banco do Brasil etc, nas quais existem, inclusive, acionistas minoritários, já que se trata de companhias abertas. A mesma situação ocorre no caso de empresas públicas organizadas sob a forma de S.A., o que é exceção no Brasil, sendo do meu conhecimento somente a empresa pública CEITEC (Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada). Geralmente, as empresas públicas não são estruturadas sob a forma de S.A., como no caso da Caixa Econômica Federal, Correios, Serpro, nos quais cem por cento do capital social pertence à União. Há também o caso da DATAPREV, empresa de processamento de dados da Previdência Social, hoje vinculada ao Ministério da Fazenda, na qual 51% do capital social pertence à União e 49% pertence à autarquia Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Além dos exemplos precedentemente aludidos, há as situações em que a União detém participações acionárias minoritárias em outras empresas, nas quais, na condição de acionista minoritária, tem direito a eleger membros para os Conselhos de Administração e Fiscal das referidas entidades, em pleitos a serem realizados sem a participação do acionista majoritário, conforme os ditames da Lei 6404/76. Sundfeld (2002) aborda um aspecto relevante do controle exercido pelo ente federativo detentor do controle acionário ou da totalidade das ações da empresa pública ou da sociedade de economia mista (o papel de acionista controlador), que, além do controle societário antes referido, se refere ao controle administrativo que a administração direta, os Ministérios, desempenham relativamente às entidades vinculadas da administração indireta, denominada pela doutrina de tutela e legalmente definida no art. 25 do Decreto Lei 200/67 como sendo a supervisão ministerial. Esta última tem como finalidades precípuas, de acordo com o normativo citado, assegurar a observância da legislação federal, promover a execução dos programas do Governo, fazer observar os princípios fundamentais da administração pública federal do planejamento, controle, coordenação, descentralização e delegação de competência, fortalecer o sistema do mérito, fiscalizar a aplicação e utilização de dinheiros, valores e bens públicos etc.  2 – Regime jurídico das empresas estatais: Apesar de a Constituição Federal estabelecer em seu artigo 173, § 1º, II que “a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários” se aplica às empresas estatais, a doutrina considera que essa sujeição não é plena, e que o regime jurídico das mencionadas entidades é híbrido, nelas incidindo alguns preceitos de Direito Público, tais como a necessidade de realização de concurso público para admissão de empregados públicos, bem como a realização de licitação pública para aquisição de bens e serviços, o regime de precatórios para o pagamento das dívidas em substituição ao regime da penhora, a responsabilidade civil objetiva no caso das empresas públicas prestadoras de serviços públicos, entre outros aspectos. O regime jurídico de Direito Público, denominado por Celso Antônio Bandeira de Melo (2009) de regime jurídico – administrativo, caracterizado pelos princípios da supremacia do interesse público sobre o privado e da indisponibilidade do interesse público, se aplica com mais intensidade às empresas estatais prestadoras de serviço público, e de modo parcial às empresas estatais exploradoras de atividade econômica, o que configura o regime jurídico híbrido. Entretanto, segundo Rosa (2007), há jurisprudência da Suprema Corte no sentido de que, em caso de haver uma dívida cujo montante não comprometa a consecução da atividade fim da empresa estatal, seria possível admitir, relativamente a esta última, o regime de penhora do Código Civil do Direito Privado. A aplicação do regime de penhora fica totalmente obstada caso assim determine a Lei de criação da entidade. Acerca da não aplicabilidade completa do regime jurídico de Direito Privado às empresas estatais, pode-se citar a opinião de Celso Antônio Bandeira de Melo (2009), o qual afirma que “(…) o regime das sociedades de economia mista e empresas públicas, sejam elas prestadoras de serviços públicos (obras públicas e demais atividades de tipologia pública) ou exploradoras de atividade econômica, já por força destas normas categoricamente expressas na Constituição, não é o mesmo das empresas privadas em geral. É evidente que os preceptivos mencionados compõem um regime peculiar que não se aplica, nem faria qualquer sentido que se aplicasse, às pessoas de Direito Privado em geral”. Sendo assim, as duas modalidades de empresa estatal estariam submetidas a um regime jurídico híbrido, com predominância do Direito Público. No mesmo sentido, outra doutrinadora relevante do Direito Administrativo, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2005), corrobora a opinião de Bandeira de Melo, afirmando que, no que tange às empresas estatais “O seu regime jurídico é híbrido, porque, sob muitos aspectos, elas se submetem ao direito público, tendo em vista especialmente a necessidade de fazer prevalecer a vontade do ente estatal, que as criou para atingir determinado fim de interesse público”. É relevante salientar que o Estatuto das Estatais, Lei ordinária infraconstitucional exigida pelo dispositivo constitucional contido no artigo 173, § 1º, foi editada em 30 de junho de 2016 (Lei 13.303/16, a qual dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios). Os entes federativos, no caso a União Federal e o Estado de SP, então, adotam diferentes modelos de Gestão e Controle das suas Participações Societárias nas suas respectivas empresas estatais, os quais serão descritos nos itens seguintes. 3 – Modelo federal de Gestão e Controle das Participações Societárias: No caso da União, tal modelo envolve a atuação de três órgãos diferentes de dois Ministérios distintos. Os órgãos envolvidos são a Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda (STN/MF), a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional do Ministério da Fazenda (PGFN/MF) e a Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (SCGEE/MPDG). Pelo DECRETO Nº 7.482, DE 16 DE MAIO DE 2011, art. 9º, inciso VIII, compete à PGFN/MF representar e defender os interesses da Fazenda Nacional nos atos constitutivos e em assembleias das sociedades de economia mista e de outras entidades de cujo capital participe o Tesouro Nacional, e nos atos de subscrição, compra, venda ou transferência de ações de sociedade. A PORTARIA Nº 244, DE 16 DE JULHO DE 2012 estabeleceu o Regimento Interno da STN/MF, no qual as atribuições da Coordenação Geral de Participações Societárias da instituição são, dentre outras: “(…) II – pronunciar-se sobre a proposta de destinação do lucro do exercício e de alteração do Estatuto Social das empresas públicas e das controladas indiretamente pela União; III – pronunciar-se sobre as demonstrações contábeis e destinação de resultados das empresas públicas sob supervisão do Ministério da Fazenda; IV – subsidiar a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – PGFN na elaboração do voto de representante da União nas assembleias gerais das entidades de cujo capital o Tesouro Nacional participe; V – propor indicação, acompanhar, orientar tecnicamente e avaliar a atuação dos representantes do Tesouro Nacional nos conselhos fiscais ou órgãos equivalentes das empresas estatais e, se for o caso, de outras entidades, inclusive empresas de cujo capital a União participe minoritariamente; VII – realizar a estimativa e acompanhar a distribuição de dividendos e juros sobre o capital próprio que couberem à União; VIII – acompanhar o resultado primário das empresas estatais federais apurado pela Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais – DEST e pelo BCB; X – opinar sobre operações de permuta, subscrição e compra e venda de ações por parte do Tesouro Nacional; XI – analisar e manifestar-se sobre acordo de acionistas e renúncia de direitos por parte de empresa controlada direta ou indiretamente pela União; XII – opinar, no que couber, nos processos de criação, transformação, fusão, cisão, incorporação, dissolução e desestatização de empresas controladas pela União;(…) XV – propor medidas para o fortalecimento das empresas estatais, sobretudo mediante o aprimoramento das práticas de governança corporativa, podendo, inclusive, utilizar-se de instrumentos como reestruturação societária e abertura de capital. De acordo com o DECRETO Nº 8.818, DE 21 DE JULHO DE 2016, compete à Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão as seguintes atribuições: “I – coordenar a elaboração do programa de dispêndios globais, do orçamento de investimento das empresas estatais e do demonstrativo da política de aplicação das instituições financeiras oficiais de fomento, compatibilizando-os com o Plano Plurianual e com as metas de resultado primário fixadas; II – acompanhar as execuções orçamentárias e da meta de resultado primário das empresas estatais, podendo, quando necessário, requerer ações corretivas por parte destas empresas; III – promover a articulação e a integração das políticas das empresas estatais, propondo diretrizes e parâmetros de atuação sobre políticas de pessoal, de governança e de orçamento; IV – processar e disponibilizar informações econômico-financeiras encaminhadas pelas empresas estatais; V – participar das atividades relativas a processos de modelagem e desenvolvimento de operações que tenham como objetivo a desestatização, reestruturação, fusão, incorporação, cisão e liquidação de empresas estatais federais; VI – manifestar-se sobre os seguintes assuntos relacionados às empresas estatais: a) criação de empresa estatal ou assunção, pela União ou por empresa estatal, do controle acionário de empresas; b) operações de reestruturação societária, envolvendo fusão, cisão ou incorporação; c) alteração do capital social e emissão de debêntures, conversíveis ou não em ações, ou quaisquer outros títulos e valores mobiliários; d) estatutos sociais e suas alterações; e) destinação dos lucros e reservas; f) patrocínio de planos de benefícios administrados por entidades fechadas de previdência complementar, quanto à alteração de estatuto da entidade, à instituição e alteração de planos de benefícios, ao convênio de adesão, ao contrato de confissão e assunção de dívidas, à fusão, cisão e incorporação de planos e de entidades de previdência complementar, à alteração de plano de custeio que implique elevação da contribuição de patrocinadores, ao plano de equacionamento de déficit e à retirada de patrocínio; g) propostas, encaminhadas pelos Ministérios setoriais, de quantitativo de pessoal próprio, acordo ou convenção coletiva de trabalho, programa de desligamento de empregados, planos de cargos e salários, benefícios de empregados, criação e remuneração de funções gratificadas e cargos comissionados e participação dos empregados nos lucros ou resultados das empresas; h) custeio de benefício de assistência à saúde; e i) remuneração dos administradores, liquidantes e conselheiros e a participação dos dirigentes nos lucros ou resultados das empresas; VII – operacionalizar a indicação, coordenar e orientar a atuação de representantes do Ministério nos conselhos de administração de empresas e dos liquidantes de empresas públicas e sociedades de economia mista; VIII – coordenar o Grupo Executivo da Comissão Interministerial de Governança Corporativa e de Administração de Participações Societárias da União – CGPAR e exercer as atribuições de Secretaria Executiva da Comissão; IX – planejar e coordenar os processos de liquidação de empresas públicas e sociedades de economia mista, bem como orientar a organização do acervo documental até a sua entrega aos órgãos efetivamente responsáveis pela guarda e manutenção; X – contribuir para o aumento da eficiência e transparência das empresas estatais e para o aperfeiçoamento e integração dos sistemas de monitoramento econômico-financeiro e para o aperfeiçoamento da gestão dessas empresas; XI – acompanhar patrocínio dos planos de benefícios previdenciários das empresas estatais; e XII – solicitar a elaboração e acompanhar a execução de planos de ação para melhoria da gestão e da eficiência das empresas estatais. 4 – Modelo estadual de SP de Gestão e Controle das Participações Societárias: O Governo do Estado de São Paulo concentra a Gestão e Controle das Participações Societárias das suas empresas estatais em um único órgão, o Conselho de Defesa dos Capitais do Estado – CODEC, o qual, de acordo com o DECRETO Nº 55.870, DE 27 DE MAIO DE 2010 tem as seguintes atribuições: “I – assessorar o Estado na criação, alienação, fusão, cisão, liquidação e extinção de empresas controladas direta ou indiretamente pelo Estado; II – emitir pareceres orientando o voto do Estado nas Assembleias Gerais Ordinárias e Extraordinárias realizadas por empresas controladas direta ou indiretamente pelo Estado; III – manifestar-se, previamente à submissão da matéria à Comissão de Política Salarial, acerca de pleitos apresentados pelas empresas controladas pelo Estado e pelas fundações por ele mantidas ou instituídas, relativos a reajuste salarial, concessão de benefícios, aplicação de convenções coletivas, implantação ou alteração de plano de cargos e salários e programa de participação nos lucros ou resultados; IV – manifestar-se, previamente à submissão ao Governador, acerca de pleitos apresentados pelas empresas controladas pelo Estado e pelas fundações por ele mantidas ou instituídas, relativos à fixação ou alteração de quadro de pessoal e autorização para abertura de concursos públicos e contratações, exceto em relação às contratações para cargos de livre provimento; V – manifestar-se, previamente à submissão da matéria ao Conselho de Administração das empresas controladas direta ou indiretamente pelo Estado, acerca de proposta de destinação do resultado do exercício, aumento do capital social dentro do limite autorizado, eleição de diretores e eleição, na vacância e “ad referendum” da Assembleia de Acionistas, de membros do Conselho de Administração; VI – manifestar-se acerca da instituição, liquidação, saldamento ou alteração de plano de previdência complementar patrocinado por empresas controladas direta ou indiretamente pelo Estado, bem como sobre alteração dos respectivos regulamentos, majoração da contribuição da patrocinadora ou instituição de contribuição adicional ou extraordinária para equacionamento de déficits atuariais; VII – estabelecer parâmetros para a remuneração dos conselhos curador, administrativo, deliberativo ou orientador e fiscal, das fundações instituídas ou mantidas pelo Estado.” Parágrafo único – As matérias previstas nos itens II a VII deste artigo poderão ser aprovadas pelo Presidente do CODEC, “ad referendum” do Colegiado. 5 – considerações finais e Análise comparativa:  Antes de entrar na questão dos modelos federal e estadual de SP de gestão das participações acionárias dos respectivos entes federados nas suas empresas estatais, tecerei alguns comentários sobre a intervenção e a atuação do Estado na economia. De acordo com Grau (2015), existe a intervenção do Estado na economia em sentido amplo (atuação do Estado na economia) e que abrangeria a intervenção em sentido estrito, regida pelo artigo 173 da Constituição, a função regulatória, exercida por intermédio da fiscalização, incentivo e planejamento, objeto do artigo 174 da Carta Política, e a prestação de serviços públicos, cuja titularidade seria desempenhada pelo Poder Público, mas que poderia ser objeto de permissão ou concessão ao setor privado, sempre mediante licitação, e que seria regida pelo artigo 175 da Lei Maior. O Estado intervindo diretamente na atividade econômica como empresário, em igualdade de condições com a iniciativa privada, seria exceção no nosso modelo econômico capitalista de mercado, no qual a livre iniciativa é a regra e o Estado Empresário exceção. Esta última é admitida apenas nos casos específicos de relevante interesse coletivo ou em função de imperativo da segurança nacional, caracterizando assim o denominado princípio da subsidiariedade, regulado pelo artigo 173 da Carta Maior. Os instrumentos de que dispõe o Estado para atuar excepcionalmente como Empresário seriam as empresas estatais (empresas públicas e sociedades de economia mista) exploradoras de atividade econômica, cuja criação é autorizada por lei específica, conforme a Constituição Federal do Brasil, artigo 37, XIX.  O Estado regulador, caracterizado no art. 174 da Carta Política, tem como objetivo precípuo contribuir, por intermédio do exercício ativo das funções de fiscalização, incentivo e planejamento, para a estruturação e organização de um sistema econômico capitalista de mercado fundado na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, de modo a garantir a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, segundo os princípios da soberania nacional, propriedade privada, função social da propriedade, livre concorrência, defesa do consumidor e do meio-ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais, busca do pleno emprego e tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País, conforme preceitua o art. 170 da Carta Política.  Para o exercício da prestação de serviços públicos, segundo o artigo 175 da Lei Magna, a titularidade deste exercício é do Poder Público, que pode prestá-lo mediante a criação de empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos ou por intermédio de permissão ou concessão, sempre mediante licitação, a empresas particulares permissionárias ou concessionárias de serviços públicos. Nesse caso, uma característica jurídica importante extensiva a todas essas entidades é a responsabilidade civil objetiva, decorrente do art. 37, parágrafo 6º, pela qual o Poder Público ou a empresa permissionária ou concessionária de serviços públicos deve indenizar a vítima desde que provado o nexo de causalidade entre a conduta do agente público, permissionário ou concessionário, e o dano causado à vítima, tendo o Poder Público ou as empresas permissionárias ou concessionárias de serviços públicos o direito de regresso contra o agente. A Constituição Federal estabelece, no seu artigo 175, que Lei Ordinária disporá, entre outros, sobre alguns aspectos da prestação dos serviços públicos, tais como o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; os direitos dos usuários; política tarifária e a obrigação de manter serviço adequado. A Lei Ordinária que regula este assunto é a Lei 8987 de 1995.  O modelo descentralizado adotado pela União Federal para administrar suas participações societárias, com a interveniência de três órgãos, a PGFN/MF, a STN/MF e a SCGEE/MPDG, faz com que haja sobreposição de funções, principalmente entre a STN/MF e a SCGEE/MPDG, posto que ambas as instituições se manifestam sobre temas idênticos, tais como a destinação do resultado, caso haja lucro (distribuição de dividendos ou constituição de reservas do Patrimônio Líquido), aumento de capital, reestruturação societária, adoção de medidas que visem a aperfeiçoar a governança corporativa das empresas estatais federais entre outras. Neste aspecto, o modelo federal é menos racional e mais redundante, administrativamente, do que o modelo centralizado do Estado de SP, que concentra as atribuições relativas à gestão das participações acionárias do Governo Paulista num único órgão, o qual é responsável por pronunciar-se acerca dos assuntos antes aludidos quando do exame do modelo federal de gestão, bem como sobre outros tópicos, tais como a dimensão do quadro de pessoal, a eleição de administradores (membros da Diretoria Executiva e do Conselho de Administração), a política salarial dos empregados públicos, o estabelecimento de parâmetros para a remuneração dos administradores entre outras atribuições. É de se presumir que as decisões relativas a assuntos societários adotadas pelo CODEC/SP sejam tomadas de forma mais célere do que as adotadas pelo modelo federal tripartite, mas, em compensação, o modelo por último mencionado obedece à característica de que decisões ultimadas por mais de um órgão colegiado costumam ser mais ponderadas e prudentes, o que não ocorre na estrutura do Governo paulista.
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A (in)constitucionalidade do regime diferenciado de contratações públicas – Lei 12.462/2011
A escolha do Brasil para sediar grandes eventos mundiais, como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, fez com que o Governo Federal  repensasse as formas de contratação pública existentes. A partir da necessidade de se buscarem métodos mais céleres de contratação, foi instituída a Medida Provisória nº 527 de 2011, posteriormente convertida na Lei nº 12.462/2011, que criou um regime diferenciado de contratações públicas. Contudo, muito se tem discutido acerca da constitucionalidade desse novo regime, que esbarra em vários princípios do Direito Administrativo brasileiro, como adiante se verá. O objetivo do presente estudo é, justamente, abordar os principais pontos da Lei 12.462/2011, que instituiu o Regime Diferenciado de Contratações (RDC) , apresentando aspectos relativos à sua (in)constitucionalidade.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO A Lei 12.462/11 originou-se de uma Medida Provisória – MP nº 527 de 2011 – que em seu texto original dispunha tão somente sobre a organização da Presidência da República e Ministérios, a criação da Secretaria de Aviação Civil, a alteração da legislação da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), a criação de cargos de Ministro de Estado e cargos em comissão e sobre a contratação de controladores de tráfego aéreo temporários, criando cargos de Controlador de Tráfego Aéreo. Por já estarem se aproximando os eventos mundiais dos quais o Brasil seria sede (Copa das Confederações em 2013 e Copa do Mundo em 2014, além dos Jogos Olímpicos de 2016), o Governo Federal mobilizou sua base aliada no Congresso Nacional, a fim de que fosse apresentado um projeto de lei de conversão, incluindo no texto uma série de dispositivos estranhos ao tema originariamente apresentado. Foi assim que surgiu a lei em comento, alvo de críticas quanto à sua constitucionalidade, conforme será apresentado. Este estudo desenvolve-se por meio de uma pesquisa bibliográfica, caracterizada pela revisão de literatura. Da mesma forma, foram também utilizadas pesquisas em jornais e meios eletrônicos em geral, a fim de trazer ao debate assuntos mais atuais correlatos ao tema aqui tratado. 1 Ofensa à Lei Complementar nº 95 de 1998 A Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998 dispõe precisamente sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal. Consoante o disposto no art. 7º, incisos I e II[1], cada lei deve tratar de um único objeto e não poderá conter matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada. Como já apresentado anteriormente, a Medida Provisória da qual se originou a Lei 12.462/11 possuía um texto simplificado que não guardava relação com normas de contratação pública, muito menos com a instituição de um novo regime de contratação, estando direcionada tão somente à regulamentação de cargos no Poder Executivo federal. Nesse sentido, o texto aprovado e atualmente em vigor acumula matérias distintas, tratando tanto de objetos diversos, como de matéria não vinculada ao objeto principal, em uma afronta clara, portanto, ao que dispõe a Lei Complementar nº 95. 2 INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL 2.1 Afronta ao devido processo legislativo A inclusão pelo Congresso Nacional de dispositivos relativos a um novo regime de contratações públicas que em nada se relaciona com a matéria originalmente tratada pela Medida Provisória nº 527, violou de forma incisiva o devido processo legislativo, previsto nos artigos 59 e 62 da Constituição da República Isto porque é conferida ao Congresso Nacional, de fato, a faculdade de propor emendas em sede de medidas provisórias, conforme o disposto no art. 62, § 12º da Constituição. Entretanto, as emendas propostas pelo Poder Legislativo devem guardar pertinência temática com o estabelecido pelo texto original da medida provisória, o que não ocorreu no caso em apreço. Ao analisar o texto da Lei 12.462/11 é possível identificar que os assuntos ali abordados se referem a matérias totalmente distintas. Conforme a redação da referida lei, as normas aplicáveis às contratações públicas estão disciplinadas em seu Capítulo I, de forma que o seu Capítulo II traz disposições relativas à organização do Poder Executivo federal, o que foge à regra da pertinência temática. Dessa forma, a MP 527/11, posteriormente convertida na Lei 12.462/11, traz em seu bojo a regulamentação de dois temas distintos, em violação ao devido processo legislativo, ante a ausência de um pressuposto necessário, qual seja a pertinência temática. 2.2 Ausência dos requisitos de relevância e urgência para a edição da Medida Provisória nº 527/2011 Na petição inicial[2] da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.645, os legitimados ativos alegam vício formal na Lei 12.462/11 ante a instituição, por meio de Medida Provisória, de normas que originalmente não possuíam caráter urgente ou relevante. Isso porque, como dito, a medida provisória previa em seu texto tão somente a reorganização da Administração Pública federal, matéria na qual não há como vislumbrar relevância e urgência, até porque tal reestruturação é comum ao Poder Público, como afirmam os autores da referida ADI. Clara está, nesse ponto, a violação ao art. 62 da Constituição de 1988, que estabelece como pressupostos para a edição de medidas provisórias a relevância e urgência do objeto tratado. 2.3 Violação das regras de repartição de competência De acordo com o disposto no art. 22, XXVII da Constituição Federal[3], compete à União instituir normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades. Assim o fazendo, a União edita normas gerais e abstratas direcionadas a todos os entes federados, cabendo aos Estados a competência para instituir normas suplementares compatíveis com as normas gerais acerca da matéria. Nesta sorte, se a Lei 12.462/11 regulamenta as licitações e contratos tão somente dos entes federados onde serão realizados os eventos desportivos mencionados e não de todos os entes da Federação, não há como entender de outra forma, senão que tal norma não possui caráter geral. Diante dessa conclusão, percebe-se que tal norma padece de inconstitucionalidade formal, uma vez que as normas instituídas pela União que não têm caráter geral apenas poderiam ser dirigidas à Administração Pública federal. Nesse mesmo sentido está o posicionamento de REZENDE (2011, p. 13), o qual entende, ainda, que "se há normas gerais na Lei 8.666/93, a Lei do RDC não poderia afastar de todo a sua aplicação, como o faz no § 2º de seu art. 1º. Visível, pois, a inconstitucionalidade da lei nesse ponto". Assim, quando legislações específicas contrariam as normas gerais – como é o caso da Lei 12.462/11 que fere diretamente o disposto na Lei Geral de Licitações (Lei 8.666/93) – o entendimento recente do Supremo Tribunal Federal[4] é de que tal hipótese configura violação direta às regras de repartição de competência da Constituição Federal, podendo, inclusive, ser arguidas em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, até porque há ofensa, também, à autonomia dos entes federados. 2.4 Violação ao Princípio da Separação dos Poderes Já com relação ao princípio da separação dos Poderes, há afronta ao art. 2º da Carta Magna em razão de ser da competência do Poder Executivo editar Medidas Provisórias, sendo atribuído a este o papel de identificar os critérios de relevância e urgência da matéria. Certo é que o Poder Executivo avalia os critérios de relevância e urgência, cabendo ao Legislativo a deliberação sobre o atendimento de tais pressupostos constitucionais, conforme o art. 62, § 5º, CF, o que decorre essencialmente do sistema de freios e contrapesos. Contudo, o poder/dever de deliberar sobre o atendimento desses requisitos significa, por assim dizer, tão somente a revisão de tal ato e não a própria discriminação do que é ou não relevante ou urgente – o que, repita-se, é da competência exclusiva do Presidente da República. Nesta sorte, ao inserir no texto da MP nº 527 uma matéria nova, o Poder Legislativo usurpa a competência do Poder Executivo, em uma clara afronta ao devido processo legislativo e ao princípio da separação dos Poderes. 3 INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL Com relação à inconstitucionalidade material da Lei nº 12.462/11, importante se faz a análise de alguns dispositivos principais. Acerca da violação de preceitos constitucionais, o Grupo de Trabalho da Copa do Mundo da FIFA 2014 da 5ª Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, quando de sua manifestação sobre o Projeto de Lei de Conversão da MP nº 527/2011, elaborou uma Nota Técnica[5] na qual se manifesta contrariamente ao projeto por entender por sua inconstitucionalidade. Serão apresentados a seguir alguns pontos em que se vislumbra uma possível ofensa à Carta Magna e aos princípios gerais do Direito Administrativo, a partir do que argumentam os autores da ADI nº 4645 e da ADI nº 4655. 3.1 Artigo 1º: ofensa ao artigo 37, XXI, da Constituição Federal O dispositivo em comento atenta contra o art. 37, XXI da Constituição, que estabelece a necessidade de contratação "(…) mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta (…)". O art. 1º da referida lei fere o princípio da legalidade contido no art. 37, XXI da CF, supratranscrito, em razão de não estabelecer a área de atuação do administrador, deixando a seu arbítrio escolher as obras, serviços e compras que podem ser objeto dessa modalidade de contratação. Esse novo regime de contratações fere a igualdade de condições prevista no art. 37, XXI da CF em diferentes momentos, como será demonstrado ao longo desse estudo, como acontece, por exemplo, em relação à possibilidade de indicação de marca/modelo do objeto. Atenta contra o princípio da isonomia (art. 5º, caput, CF), ante a possibilidade de se aplicarem regimes jurídicos diferenciados para contratações similares, conforme apontado pelo Grupo de Trabalho Copa do Mundo FIFA 2014 da 5ª Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal em Nota Técnica ao Projeto de Lei de Conversão da MP 527/2011. Não bastasse, há também violação ao princípio da moralidade administrativa (art. 37, caput, CF), visto que a lei confere ao Poder Executivo (administrador) o poder de decidir, de forma estritamente subjetiva, o regime de contratações a adotar. Ora, a lei deve delinear precisamente a esfera de atuação do administrador, estabelecendo parâmetros objetivos, a fim de viabilizar o princípio da eficiência administrativa. Tal como está disposto na referida lei, é conferida ao Poder Executivo discricionariedade desproporcional, que pode dar ensejo a práticas fraudulentas ou mesmo ao superfaturamento das obras objeto da regulamentação, o que, em ambos os casos, resultará em danos aos cofres públicos, em uma evidente afronta ao princípio da indisponibilidade do interesse público. 3.2 Art. 6º: orçamento sigiloso O art. 6º da Lei do RDC já foi analisado no momento oportuno quanto à sua inconstitucionalidade formal. Cabe agora apresentar os pontos sobre os quais surgem discussões também quanto à inconstitucionalidade material do dispositivo em apreço. O princípio da publicidade, previsto no art. 37, caput da Constituição, indica que: “(…) os atos da Administração devem merecer a mais ampla divulgação possível entre os administrados, e isso porque constitui fundamento do princípio propiciar-lhes a possibilidade de controlar a legitimidade da conduta dos agentes administrativos. Só com a transparência dessa conduta é que poderão os indivíduos aquilatar a legalidade ou não dos atos e o grau de eficiência de que se revestem”. (CARVALHO FILHO, 2011, p. 48). Dessa forma, o princípio da publicidade é essencial ao exercício do controle dos atos administrativos pelos cidadãos, não podendo ser restringido senão por motivo de relevante interesse público. No entanto, com essa prática é possível vislumbrar uma grave violação ao princípio da publicidade, vez que tira do jurisdicionado o direito de acompanhar o processo licitatório com liberdade para intervir e assegurar a legalidade, fiscalizando a atuação do Estado. Nesse sentido: “(…) a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem; como a Administração Pública tutela interesses públicos, não se justifica o sigilo de seus atos processuais, a não ser que o próprio interesse público assim determine, como, por exemplo, se estiver em jogo a segurança pública; ou que o assunto, se divulgado, possa ofender a intimidade de determinada pessoa, sem qualquer benefício para o interesse público." (DI PIETRO, 2014, p. 72). Considerando a necessidade de os licitantes conhecerem de plano o orçamento sobre o qual deverão elaborar suas propostas, para que não sejam prejudicados no certame – visto que não sabem o valor até onde podem ofertar – , há a possibilidade de os licitantes elaborarem propostas muito aquém ou além do valor orçado pela Administração, excluindo possíveis licitantes ou elegendo licitantes que não conseguirão suportar o ônus. Não bastasse, há, também, ofensa ao princípio da moralidade administrativa e o da impessoalidade, além do princípio da competitividade, ante a possibilidade de se favorecerem certos licitantes em detrimento de outros, por meio de fraudes. 3.3 Artigo 8º e 9º: contratação integrada e instrumento convocatório A Lei estabelece em seu art. 8º a execução indireta de obras e serviços de engenharia, instituindo a prescindibilidade de apresentação de projeto básico e de projeto executivo, contrariamente ao que dispõe o art. 7º da Lei 8.666/93. Nos termos da Lei 12.462/11 foi instituída, por meio da denominada contratação integrada, uma única licitação para projeto básico, projeto executivo e execução de obras e serviços. Não há, dessa forma, objeto previamente determinado para a realização do certame, o que impossibilita a análise objetiva das propostas apresentadas, em uma clara violação ao princípio da isonomia. Nesse ponto, há violação, também, ao art. 37, XXI da Carta Magna, pois, se há o dever de licitar para contratações de obras e serviços de engenharia, necessário se faz que o objeto da licitação e do futuro contrato estejam exatamente delineados, sob pena de inviabilidade de disputa. Assim sendo, tal dispositivo, com relação ao chamado "anteprojeto de engenharia" (art. 9º, § 2º, I) viola o princípio da isonomia, da competitividade, da razoabilidade e o da impessoalidade, ante a possibilidade de fraudes na contratação pública, pois se institui um critério meramente subjetivo do administrador, já que não há prévio e determinado objeto. 3.4 Art. 10: remuneração variável O art. 10º da Lei cuida da possibilidade de que os contratos prevejam remuneração variável de acordo com o desempenho da contratada, com base em critérios definidos pela lei. Novamente, nítida é a violação ao art. 37, XXI da Constituição, já que tal dispositivo estabelece que sejam mantidas, na vigência do contrato, as condições efetivas da proposta. Ora, uma vez firmado um contrato entre o particular e a Administração Pública, aquele tem a obrigação de cumprir o prazo estabelecido para a entrega do objeto final, sem que, para isso, deva receber uma contraprestação a mais, sob pena de violação ao princípio da supremacia do interesse público e ao princípio da indisponibilidade. Nesta sorte, há violação, também, aos princípios da razoabilidade, vinculação ao instrumento convocatório, eficiência, impessoalidade, moralidade e economicidade. Nem há que se falar na abertura conferida (note-se: pela própria lei) para o cometimento de práticas ilegais. 3.5 Art. 11: contratação de mais de uma empresa para executar um mesmo serviço O art. 11 da Lei 12.462/11 deixa ao arbítrio exclusivo do administrador a contratação simultânea de mais de uma empresa para a execução de um mesmo objeto de licitação, sem, contudo, especificar como se daria tal procedimento. Novamente, a liberdade conferida ao administrador abre as portas para o cometimento de fraudes contra a Administração, de forma. Isso porque se estabelece um critério subjetivo para a aferição de quais serviços poderiam ser executados por mais de uma empresa/instituição e o que realmente seria conveniente aos interesses da Administração. Há, nesse ponto, violação aos princípios da impessoalidade, moralidade, razoabilidade, indisponibilidade do interesse público, além da própria segurança jurídica. 3.6 Art. 23: maior retorno econômico e contrato de eficiência A instituição de um critério de julgamento baseado no maior retorno econômico, em uma interpretação teleológica da norma, indica a necessidade de se observar o princípio da supremacia do interesse público, visando diminuir os gastos para a Administração, de forma a selecionar a proposta mais vantajosa, com custos mais baixos. No entanto, tal critério mostra-se extremamente subjetivo, vez que a lei confere ao administrador o poder de definir o que traria maior retorno econômico para a Administração, sem, contudo, delimitar sua atuação. Da mesma forma, ao instituir o contrato de eficiência, o legislador não cuidou de delimitar a aplicação do instituto, deixando, novamente, ao arbítrio exclusivo do administrador a sua aplicação, o que, como já apresentado, pode trazer consequências péssimas para a Administração, ante a possibilidade de práticas ilegais, mas não só isso, como também superfaturamento de obras e serviços. Por tudo isto, os institutos em comento violam o princípio da impessoalidade e o da objetividade nas licitações, gerando, inclusive, insegurança jurídica aos jurisdicionados. 3.7 Ofensa aos artigos 225 e 226 da Constituição: danos ambientais Na ADI nº 4655, proposta pelo Procurador-Geral da República, há alegação de inconstitucionalidade com relação ao disposto nos artigos 4º, §1º, II e §2º e 14, parágrafo único, II da Lei do RDC. Segundo o PGR, tais dispositivos abrem margem à interpretação de que, havendo obras ou atividades potencialmente causadoras de danos ambientais/culturais, seriam aplicadas somente medidas mitigadoras ou compensatórias. Dessa forma, o Chefe do Ministério Público Federal requer a declaração de inconstitucionalidade parcial dos dispositivos citados para "afastar qualquer interpretação que dispense exigências estabelecidas nas normas que regulam o licenciamento ambiental[6]", visando, com isso, a garantia de preservação do patrimônio cultural e ambiental. 4 AMPLIAÇÃO DA ÁREA DE APLICAÇÃO DO RDC A Lei nº 12.688/12 incluiu o inciso IV ao art. 1º da Lei do RDC a fim de ampliar a aplicação deste às ações integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). No mesmo ano, com a aprovação da Lei nº 12.745, que incluiu o inciso V ao referido artigo, o RDC passou a ser aplicado também às obras e serviços de engenharia no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Por fim, já no ano de 2014, a Lei nº 12.980 incluiu o inciso VI ao art. 1º, o qual passou a prever a possibilidade de aplicação do RDC às obras e serviços de engenharia para construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais e unidades de atendimento socioeducativo. A partir dessas alterações é possível identificar a vontade do legislador em ampliar cada vez mais o rol de obras e serviços públicos para os quais poderá ser utilizado o novo regime de contratações. Busca-se cada vez mais a celeridade do processo licitatório, atribuindo-se ao Poder Executivo a faculdade para a utilização do RDC, desde que vinculado às obras e serviços de que trata o rol do art. 1º. Contudo, para as contratações públicas não basta a celeridade, afinal, o princípio da indisponibilidade do interesse público[7] não pode ser relativizado por mero arbítrio do administrador. O fato de o referido regime se encontrar amparado sob o pálio da legalidade (presunção juris tantum) não significa que atenda aos interesses da Administração Pública no tocante aos princípios da moralidade, impessoalidade, razoabilidade, supremacia do interesse público, publicidade, isonomia e segurança jurídica. Muito se discute, também, a necessidade de edição de uma nova norma regulamentando as contratações públicas, quando se faz necessária a alteração e/ou atualização da Lei 8.666/93, sendo de conhecimento comum a existência de um projeto de lei (PLS – Projeto de Lei do Senado, nº 559 de 2013) no Congresso Nacional com essa finalidade. Uma vez atualizada a Lei Geral, não haveria a necessidade de se editar uma nova norma acerca do tema. CONCLUSÃO O Regime Diferenciado de Contratações foi instituído por meio da Medida Provisória nº 527/2011, por meio de uma emenda parlamentar que não se relacionava aos assuntos originariamente tratados na MP, posteriormente convertida na Lei nº 12.462/2011. Trata-se de um novo instrumento para contratações públicas referentes aos objetos constantes do rol taxativo do art. 1º da referida lei, que busca maior celeridade e eficiência nas licitações do Poder Público, evitando a "burocracia" dos métodos de contratação constantes da Lei Geral de Licitações – Lei 8.666/93. Não obstante as inovações trazidas pelo novo regime, as implicações constitucionais de sua aplicação são preocupantes. Isso porque a lei que o instituiu carece de constitucionalidade formal à medida em que se originou de uma medida provisória em que não se vislumbrariam os requisitos de relevância e urgência e, como não bastasse, ainda decorre de uma emenda parlamentar que não guarda pertinência temática com o objeto originariamente abordado, ferindo o princípio do devido processo legislativo e o princípio da separação dos Poderes, segundo o que afirmam os autores das duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade sobre o tema, ADI nº 4645 e ADI n° 4655. Ainda quanto à inconstitucionalidade formal, o artigo 1º, ao excluir a aplicação da Lei Geral de Licitações (LGL), viola o art. 22, XXVII da Constituição, que prevê expressamente a competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação, aplicáveis a todos os entes federados. Ocorre que a Lei 12.462/11 não pode ser considerada geral, pois, suas normas inicialmente destinavam-se tão somente aos Entes que seriam sede dos eventos desportivos mundiais de 2014 e 2016, não dirigindo-se, portanto, a todos os entes da Federação. Evidente, nesse sentido, a inconstitucionalidade formal, ante a violação ao art. 22, XXVII da Constituição. Além disso, há inconstitucionalidade material de vários dispositivos da Lei nº 12.462/11, quais sejam: (i) artigo 1º, que viola o art. 37, XXI da CF, ante a afronta ao princípio da legalidade; (ii) art. 6º, que, ao instituir o orçamento sigiloso, atenta contra o princípio da publicidade, consagrado no art. 37, caput da CF; (iii) artigo 8º e art. 9º, que, ante a instituição da contratação integrada e do instrumento convocatório, ferem o princípio da isonomia, o princípio da competitividade, o princípio da razoabilidade e o princípio da impessoalidade; (iv) art. 10º, que estabelece a remuneração variável, violando o princípio da supremacia do interesse público e o princípio da indisponibilidade; (v) art. 11, que atenta contra os princípios da impessoalidade, moralidade, indisponibilidade do interesse público, além da própria segurança jurídica; (vi) art. 23, que estabelece o maior retorno econômico e o contrato de eficiência, viola o princípio da impessoalidade e o da objetividade nas licitações; (vii) artigos 4º, §1º, II e §2º e 14, parágrafo único, II, que preveem medidas, a serem definidas em lei, como forma de sanção aos causadores de danos ao patrimônio cultural, histórico, arqueológico e imaterial tombados. Por tudo isto, a Lei n° 12.462/2011 deverá ser cuidadosamente apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento das ADI's 4645 e 4655, com vistas a garantir o efetivo respeito às normas constitucionais, à segurança jurídica e aos princípios do Direito Administrativo brasileiro.
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O poder de polícia da administração pública
Este artigo visa refletir sobre a importância do Poder de Polícia na Administração Pública Brasileira, procurando abordar o conceito, as características deste poder, o seu fundamento, a diferença entre a polícia administrativa e a polícia judiciária e as limitações a que este poder está condicionado. Realizou-se uma pesquisa bibliográfica considerando as obras de grandes juristas brasileiros do âmbito do direito administrativo. Concluiu-se pela importância do Poder de Polícia como prerrogativa que possibilita à Administração Pública proteger o interesse coletivo, impondo, quando necessário, restrições aos direitos dos indivíduos.
Direito Administrativo
Introdução O Estado é uma instituição política que esta a serviço da coletividade. A evolução do Estado demonstra a verdadeira necessidade de disciplinar as relações sociais, proporcionando segurança à sociedade, preservando a ordem pública e praticando atividades benéficas à coletividade. O ordenamento jurídico confere algumas prerrogativas consideradas indispensáveis para alcançar as finalidades públicas aos agentes administrativos que executam uma função como prepostos do Estado, prerrogativas estas denominadas de poderes administrativos. Os poderes administrativos são instrumentos de trabalho para a possível execução das atividades administrativas, sendo considerados poderes instrumentais. Eles nascem com a Administração e se manifestam segundo as imposições do serviço público, o interesse coletivo e os objetivos que pretendem alcançar. Para Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino: “Os poderes administrativos representam instrumentos que, utilizados isolada ou conjuntamente, permitem à Administração cumprir suas finalidades, sendo, por isso, entendidos como podres instrumentais (nisso diferem dos poderes políticos – Legislativo, Judiciário e Executivo – que são poderes estruturais, hauridos diretamente da Constituição)”. (ALEXANDRINO, PAULO, 2005, p.130) Os principais poderes administrativos abordados pela doutrina são: poder vinculado, poder discricionário, poder hierárquico, poder disciplinar, poder regulamentar e o poder de polícia. O presente artigo jurídico tem como objeto abordar a prerrogativa administrativa denominada poder de polícia que possui uma série de enfoques, abordando seu conceito, características, fundamentos, dentre outros aspectos relevantes sobre o tema. Segundo Madeira (2000, p.2): ”Quando o Poder público interfere na órbita do interesse privado para salvaguardar o interesse público, restringindo direitos individuais, atua no exercício do poder de polícia.” Desenvolvimento Conceito de Poder de Polícia Carvalho Filho (2011, p.70) conceitua o poder de polícia como: “a prerrogativa de direito público que, calcada na lei, autoriza a Administração Pública a restringir o uso e o gozo da liberdade e da propriedade em favor do interesse da coletividade.” Nas palavras de Hely Lopes Meirelles: “Poder de Polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso, o gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado. O Poder de polícia é o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter os abusos do direito individual”. (MEIRELLES, 1999, p.115) Para Marcelo Caetano o poder de polícia: “É o modo de atuar da autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício das atividades individuais suscetíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por objetivo evitar que se produzam, ampliem ou generalizem os danos sociais que a lei procura prevenir”. (CAETANO, 2010, p.339) O Código Tributário Nacional (Lei n° 5.172, de 25/10/1966), também apresenta em seu artigo 78, um conceito para o poder de polícia. Vejamos: “Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos”. Parágrafo único: Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder. A expressão poder de polícia possui dois sentidos: um amplo e um estrito. Poder de polícia em sentido amplo significa toda ação restritiva do Estado em relação aos direitos individuais. Neste contexto surge o poder legislativo, sendo que apenas as leis é que podem delimitar os direitos, aumentando ou reduzindo o seu conteúdo. Já o poder de polícia em sentido estrito é a prerrogativa da Administração Pública em poder restringir e condicionar a liberdade e a propriedade. Trata-se da atividade tipicamente administrativa. Verifica-se, portanto, que o poder de polícia é uma prerrogativa da Administração Pública de causar restrições ou limitações à liberdade ou à propriedade dos indivíduos, em prol da coletividade. Fundamento do Poder de Polícia O fundamento do poder de polícia é a supremacia do interesse público, ou seja, o interesse da coletividade. Ao exercer o poder de polícia, o Estado impõe restrições aos interesses individuais em favor do interesse público, conciliando tais interesses. Cabe à polícia administrativa, manter a ordem, vigilância e proteção da sociedade, assegurando os direitos individuais da população e auxiliando a execução dos atos e decisões judiciais. De acordo com os ensinamentos de José dos Santos Carvalho Filho: “No que concerne ao benefício resultante do poder de polícia, constitui fundamento dessa prerrogativa do Poder Público o interesse público. A intervenção do Estado no conteúdo dos direitos individuais somente se justifica ante a finalidade que deve sempre nortear a ação dos administradores públicos, qual seja, o interesse da coletividade”.(CARVALHO FILHO, 2011,p. 76) Di Pietro (2001, p.107), em sua obra, afirma que: “de um lado, o cidadão quer exercer plenamente os seus direitos; de outro, a Administração tem por incumbência condicionar o exercício daqueles direitos ao bem-estar coletivo, e ela o faz usando de seu poder de polícia.” Observa Hely Lopes Meirelles, ainda, que: “A extensão do poder de polícia é hoje muito ampla, abrangendo desde a proteção à moral e aos bons costumes, a preservação da saúde pública, a censura de filmes e espetáculos públicos, o controle das publicações, a segurança das construções e dos transportes, a manutenção da ordem pública em geral, até à segurança nacional em particular. Daí, encontramos nos Estados modernos, a polícia de costumes, a polícia sanitária, a policia das águas e da atmosfera, a polícia florestal, a polícia rodoviária, a policia de trânsito, a polícia das construções, a polícia dos meios de comunicação e divulgação, a polícia política e social, a polícia da economia popular, e outras que atuam sobre as atividades individuais que afetam ou possam afetar os superiores interesses da coletividade, a que incumbe o Estado velar e proteger. Onde houver interesse relevante da comunidade ou da Nação, deve haver, correlatamente, igual poder de policia para a proteção desse interesse público. É a regra sem exceção”. (MEIRELLES, 1999, p.120) Assim, o poder de polícia se apresenta como uma necessidade para que o Estado cumpra sua missão de defensor dos interesses coletivos. Polícia Administrativa e Polícia Judiciária Tanto a polícia administrativa quanto a polícia judiciária se enquadram no âmbito da função administrativa, ou seja, condizem com atividades de interesse público. Muitos doutrinadores afirmam que a principal diferença entre essas duas polícias é que a polícia administrativa tem caráter preventivo e que a polícia judiciária tem caráter repressivo. Porém, esta afirmação não é absoluta. Ambas podem agir repressiva ou preventivamente. Mello (2003, p.722) esclarece sobre o assunto: ”o que efetivamente aparta polícia administrativa de polícia judiciária é que a primeira se predispõe unicamente a impedir ou paralisar atividades anti-sociais enquanto a segunda se preordena à responsabilização dos violadores da ordem jurídica.” Outra diferença apresentada pelos doutrinadores é quanto ao tipo de ilícito. Se o ilícito for apenas administrativo, seja preventivo ou repressivo, trata-se de polícia administrativa, mas se o ilícito for penal, compete à polícia judiciária atuar no caso. Diógenes Gasparini traça outras diferenças: “O exercício da polícia administrativa está disseminado pelos órgãos e agentes da Administração Pública, ao passo que o da polícia judiciária é privativo de certo e determinado órgão (Secretaria de Segurança). O objeto da polícia administrativa é a propriedade e a liberdade, enquanto o da polícia judiciária é a pessoa, na medida em que lhe cabe apurar as infrações penais”.(GASPARINI, 2003, p.50) Características Visando defender os interesses da coletividade, a Administração Pública dispõe de alguns atributos ou prerrogativas. São eles: Discricionariedade e Vinculação, Autoexecutoriedade e Coercibilidade. Quanto à discricionariedade e à vinculação pode-se afirmar que na maioria das vezes o poder de polícia é discricionário, mas também pode ser vinculado. A discricionariedade ocorre quando a lei deixa margem de liberdade para certas situações, até porque o legislador não prevê todas as hipóteses possíveis para cada caso. Em várias situações a Administração terá que decidir qual o melhor procedimento para aquele caso, caracterizando a discricionariedade do poder de polícia. Porém, em certos casos a lei estabelece que a Administração siga soluções já determinadas, sem qualquer forma de discricionariedade, caracterizando o poder vinculado. Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello: “Em rigor, no Estado Democrático de Direito, inexiste um poder, propriamente dito, que seja discricionário fruível da Administração Pública. Há, isto sim, atos em que a Administração Pública pode manifestar competência discricionária e atos a respeito dos quais a atuação administrativa é totalmente vinculada. Poder discricionário abrangendo toda uma classe ou ramo de atuação administrativa é coisa que não existe”. (MELLO, 2003, p.723) Autoexecutoriedade é a prerrogativa de praticar atos e colocá-los em imediata execução, sem depender de manifestação judicial. Não depende de autorização de outro poder, desde que a lei autorize o administrador a praticar o ato imediatamente. Alguns autores dividem a autoexecutoriedade em: exigibilidade e executoriedade. A exigibilidade significa que a Administração poder tomar decisões executórias, que não dependem da concordância do particular. A Administração utiliza meios indiretos para a coação; por exemplo, a multa por infração no trânsito. A executoriedade significa que, tomada a decisão executória, a Administração poderá proceder à execução forçada, podendo utilizar força pública, por exemplo a dissolução de uma reunião. A coercibilidade revela o grau de imperatividade dos atos de polícia. A atividade refere-se a um poder que deve ser desempenhado de forma a obrigar todos a seguirem os seus comandos. A maioria das atividades realizadas pela Administração Pública em face dos administrados são negativas, na qual os particulares sofrem uma limitação em sua liberdade de atuação, ou seja, uma obrigação de não fazer, imposta pela Administração. Com relação à atividade positiva, a Administração desenvolverá uma atividade que vai trazer um acréscimo aos indivíduos, isoladamente ou em conjunto. Na visão de José dos Santos Carvalho Filho sobre a característica da coercibilidade: “A Polícia Administrativa, como é natural, não pode curvar-se ao interesse dos administrados de prestar ou não obediência às imposições. Se a atividade corresponder a um poder, decorrente do ius imperii estatal, há de ser desempenhada de forma a obrigar todos a observarem os seus comandos. Diga-se, por oportuno, que é intrínseco a essa característica o poder que tem a Administração de usar a força, caso necessário para vencer eventual recalcitrância. É o que sucede, por exemplo, quando, em regime de greve, operários se apoderam manu militari da fábrica e se recusam a desocupa-la na forma da lei”.(CARVALHO FILHO, 2011, p.83) Limitações do Poder de Polícia O poder de polícia está sujeito a limitações que condicionam a sua atividade. A Administração Pública está adstrita aos ditames normativos, ao ordenamento jurídico e aos direito individuais que positivou, até mesmo quando age com discricionariedade. Assim, toda medida administrativa deve estar de acordo com a lei. Os princípios da legalidade, da razoabilidade, da proporcionalidade e o controle jurisdicional impõe limites ao poder de polícia. As medidas administrativas devem ser adotadas com base em motivos racionais, evitando ações desnecessárias, inadequadas e ineficazes. De acordo com Cretella Jr. (1977, p. 601): “a faculdade repressiva não é, entretanto, ilimitada, estando sujeita a limites jurídicos: direito do cidadão, prerrogativas individuais e liberdades públicas asseguradas na Constituição e nas leis.” Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ao abordar as limitações ao poder de polícia, afirma: “Como todo ato administrativo, a medida de polícia, ainda que seja discricionária, sempre esbarra em algumas limitações impostas pela lei, quanto à competência e à forma, aos fins e mesmo com relação aos motivos ou ao objeto; quanto aos dois últimos, ainda que a Administração disponha de certa dose de discricionariedade, esta deve ser exercida nos limites traçados pela lei”. (DI PIETRO, 2001, p.116) Assim, verifica-se que o poder de polícia nunca deve ir além do necessário para satisfação do interesse público almejado. A atuação da polícia administrativa só será considerada legítima se for realizada segundo os termos legais, respeitando os direitos individuais e as liberdades públicas asseguradas na Constituição Federal e nas leis. Conclusão Diante do exposto, conclui-se que o poder de polícia é uma prerrogativa de extrema relevância para a Administração Pública atingir o interesse público, buscando o bem estar social. É através do poder de polícia que a autoridade pública fiscaliza, controla e restringi o uso de bens ou o exercício de direitos e atividades individuais em benefício da coletividade. Porém, o poder de polícia deve satisfazer a coletividade sem ultrapassar os limites necessários para atingir o interesse público, visando manter o equilíbrio entre os direitos de cada indivíduo e os interesses da coletividade, em favor do bem comum. Desta forma, o poder de polícia permite à Administração Pública conseguir organizar e manter a sociedade em um estado de cooperação, almejando a paz e a evolução da coletividade.
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Alienação de bens públicos imóveis municipais sem licitação
O presente artigo buscou solucionar o grande problema que os municípios brasileiros vêm sofrendo sobre as ocupações irregulares de imóveis públicos municipais por particulares. Desta maneira, fora analisado o conceito de bens públicos, bem como suas classificações e destinações. Nessa linha, foi explanado que antes de qualquer procedimento, o bem deve ser desafetado para que possa ser iniciado o processo de alienação; uma vez desafetado, esse determinado bem já não atende mais uma finalidade específica, ou seja, não atende mais o interesse público, podendo ser assim alienado. Outrossim, procurou avaliar a real aplicabilidade da Lei nº 8.666/93, mais conhecida como Lei de Licitação e Contratos Administrativos, diante de todas as esferas governamentais, haja vista, que a referida Lei apresenta um caráter geral de suas normas. Traçou um paralelo sobre a importância do direito social à moradia e a utilização do processo de regularização fundiária. Por fim, buscou apresentar forma jurídica que possibilita a regularização urbano-municipal, permitindo que os bens ocupados sejam registrados diretamente aos ocupantes particulares. Desse modo, para a realização da presente revisão bibliográfica foi feito um breve estudo acerca da legislação, bem como dos ensinamentos doutrinários e jurisprudenciais, com o intuito de avaliar, analisar e sugerir a real necessidade do procedimento licitatório ou da contratação direta para os Entes Federativos.
Direito Administrativo
1. Introdução Os municípios brasileiros vêm sofrendo grande problema com as ocupações irregulares de imóveis públicos municipais por particulares. Invariavelmente, essas ocupações, muitas vezes perduram por décadas. Diante disso, faz-se necessário implementar medidas que permitam estabelecer critérios e procedimentos de regularização fundiária do solo urbano, cominada com o interesse social. A falta de regularização fundiária causa graves prejuízos diretos ou indiretos à municipalidade, dentre eles cita-se; a diminuição da arrecadação tributária, ausência de consolidação e implementação de Plano Diretor e normas de ocupação do solo. Além do mais, a falta de regularização fundiária pode causar graves prejuízos à sustentabilidade ambiental, na medida em que não são implementadas ações coordenadas pela Administração Pública. Considerando tais informações, o presente trabalho tem como objetivo preponderante apontar bases epistemológicas para resolução do problema, juridicamente e socialmente. Em outras palavras, o trabalho visa conjugar alternativas jurídicas com a preservação do interesse público, consubstanciado na concretização do direito fundamental à moradia. Num primeiro momento, analisar-se-á o conceito de bens, com enfoque no significado e características dos bens públicos. Concluir-se-á que os bens de uso comum e uso especial, enquanto estiverem afetados ao uso da Administração Pública não poderão ser alienados, no entanto, os bens dominicais já encontram-se inseridos no rol de bens que podem ser alienáveis, desde que devidamente desafetados. Posteriormente, serão apresentados os conceitos sobre Licitação, os princípios que regem tal procedimento, seus casos de dispensa e inexigibilidade autorizados por Lei e todas suas modalidades. Nesse momento, evidenciará que em regra os imóveis públicos poderão ser alienados mediante prévia autorização legal e realização de processo administrativo licitatório competente. Ocorre que, conforme será demonstrado, alguns casos excepcionais de alienação de imóveis públicos, poderão ser feitos sem que haja o processo licitatório, é o caso que se propõe para eventual implementação de programa de regularização fundiária de solo urbano. Assim, finalmente, adentra-se ao cerne do questionamento do trabalho, que é a possibilidade da contratação direta, o direito à uma moradia digna e a importância da regularização urbano-municipal. Nesse diapasão, a presente monografia, com respaldo na legislação, assim como na doutrina, tem como meta principal mostrar como proceder-se à contratação direta, sem prévio processo licitatório, com segurança e eficiência guiada pela Lei de Licitações e Contratos e pela jurisprudência dos órgãos de controle, a fim de que seja implementado programa de regularização fundiária do solo urbano municipal, conferindo aos particulares ocupantes de propriedade pública a garantia constitucional à moradia. 2. Bens 2.1 – Conceito de Bens Antes da concepção mais especifica, faz-se necessário conceituar bens de uma maneira geral. Em seu artigo 98, o Código Civil os reparte inicialmente entre públicos e particulares, esclarecendo que são públicos os do domínio nacional, das pessoas jurídicas de direito público interno; e particulares todos os outros, seja qual for à pessoa que pertencerem. César Fiuza (2008, p. 181) entende bem como tudo aquilo que é útil às pessoas. Para que os bens possam ser considerados como objeto do direito precisam ter os seguintes pressupostos; “ser representados por um objeto capaz de satisfazer um interesse econômico, ser suscetíveis de gestão econômica autônoma, e; ter capacidade para ser objeto de uma subordinação jurídica.” (FIUZA 2008, p. 181). Assim, bem pode ser conceituado como todo objeto de valor material ou imaterial, que é capaz de ser instrumento para uma relação jurídica. 2.2 – Bens Públicos Continuando a construção do entendimento, analisar-se-á definição de bens públicos. A expressão bens públicos pode ser entendida em duplo sentido, ora designando um valor material ou imaterial que pode ser objeto de direito relativamente ao seu proprietário (União, Estado, Distrito Federal ou Municípios), ora poderá ser entendida de acordo com seu usuário, ou seja, bem usado pelo povo. (GASPARINI 2012, p. 957). Para Hely Lopes Meirelles (2004 apud GASPARINI 2012, p. 956), bens públicos são:  “Todas as coisas, corpóreas ou incorpóreas, imóveis, móveis e semoventes, créditos, direitos e ações, que pertençam, a qualquer título, às entidades estatais, autárquicas, fundacionais e empresas governamentais.” Celso Antônio Bandeira de Mello (2008, p. 904), por sua vez, vai além, inserindo no rol não somente os bens que compõe o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, mas também os que estiverem afetados à prestação de serviços públicos, mesmo se pertencentes às pessoas jurídicas de direito privado. Diogenes Gasparini, (2012, p. 957) entende que bens públicos “são todas as coisas matérias ou imateriais pertencentes ou não às pessoas jurídicas de Direito Público e as pertencentes a terceiros quando vinculadas à prestação de serviço público”. Nessa esteira torna-se fácil concluir que alguns elementos do conceito de bens públicos foram excluídos pela redação do artigo 98 do Código Civil Brasileiro. Assim, estabelece a Lei no artigo em comento: “Art. 98 – São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.”  Em síntese, bens públicos são todos aqueles bens que, pertencem às pessoas jurídicas de direito público, e os que mesmo pertencentes às pessoas jurídicas de direito privado, estejam afetados à prestação de certo serviço público. 2.3 – Classificações dos Bens Públicos Consonante com o artigo 99 do Código Civil os bens públicos possuem as seguintes classificações abordadas abaixo. Primeiramente os Bens de uso comum, que são todos aqueles móveis e imóveis destinados ao uso de todas as pessoas. Depois os Bens de uso especial que são os “afetados a um serviço ou estabelecimento público, como as repartições públicas, isto é, locais onde se realiza a atividade pública ou onde está à disposição dos administrados um serviço público, como teatros, universidades, museus e outros abertos à visitação pública”. (MELLO 2008, p. 904). Por fim, os Bens dominicais[1] que são os bens próprios do Estado que constituem o patrimônio deste como objeto de direito real. (MOTTA 2004, p. 988) [2]. Dispõe o artigo 99 do Código Civil: “Art. 99 – São bens públicos: I – os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças; II – os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias; III – os dominicais, que constitui o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal ou real, de cada uma dessas entidades; Parágrafo Único – Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.” Deve-se relembrar que tanto os bens de uso comum, quanto os de uso especial, são por força de Lei inalienáveis; ou seja, enquanto permanecerem afetados pelo uso da Administração Pública eles não são passíveis de alienação. Nesse sentido, dispõe o artigo 100 do Código Civil/2002: “Art. 100 – Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar.” Outrora, os bens dominicais já estão inseridos no rol de bens, observadas as exigências legais que podem ser alienáveis. Assim estabelece o artigo 101 do Código Civil: Art. 101 – Os bens dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei. De todo modo, vale frisar que, em regra, a alienação de bem público deve realizar-se conforme os mandamentos legais, ou seja, deverá ser precedida de avaliação e do devido procedimento licitatório, imposto pela Lei n. 8.666/93. 2.4 – Quanto à Disponibilidade dos Bens Os bens públicos podem ser indisponíveis, patrimoniais indisponíveis ou patrimoniais disponíveis.   São Bens indisponíveis os de uso comum do povo, aqueles que não ostentam caráter patrimonial. Segundo José dos Santos Carvalho Filho (2014, p. 1166) bens indisponíveis são: “Os bens de uso comum do povo, porquanto se revestem de característica não patrimonial. Incluem-se, então, os mares, os rios, as estradas, as praças e lougradoros, o espaço aéreo etc., alguns deles, é óbvio, enquanto mantiverem essa destinação.” Os Bens patrimoniais indisponíveis são aqueles que possuem caráter patrimonial, porque, mesmo sendo indisponíveis, admitem em tese uma correlação de valor, sendo, por isso, suscetíveis de avaliação pecuniária. (C. FILHO 2014, p.1166).  Em suma são aqueles bens que estão sendo efetivamente utilizados para a atuação da Administração Pública, o que não impede, como já dito, que eles sejam avaliados de forma pecuniária, mas não estão disponíveis. Esses bens são aqueles chamados bens de uso especial. Já os Bens patrimoniais disponíveis são os dominicais, pois nem são destinados à coletividade nem estão sendo efetivamente utilizados pela Administração Pública. Por esse motivo eles podem ser alienados de acordo com a lei e normas pré-fixadas. 2.5 – Afetação e Desafetação A interpretação do tema exposto a seguir é determinante para verificar os fins aos quais está sendo utilizado o bem. Se um bem está sendo utilizado para determinado fim público, seja diretamente do Estado, seja pelo uso dos indivíduos em geral, diz-se que está afetado a determinado fim público. (C. FILHO 2014, p. 1167). Ainda nesse sentido, “afetar é atribuir ao bem uma destinação; é consagrá-lo ao uso comum do povo ou ao uso especial”. (GASPARINI 2012, p. 963). Segundo Fernanda Marinela (2013, p. 846) “o instrumento da afetação dá maior proteção aos bens públicos em razão de sua vinculação à finalidade pública, transformando-o em indisponível, inalienável”. Por outro lado, a desafetação é o não uso do bem para qualquer fim público. É a desativação, a perda da destinação pública. Afetação e desafetação são os fatos administrativos que indicam a modificação das finalidades do bem público. Se o bem está afetado e passa a desafetado, ocorre a desafetação; se, ao revés, um bem desativado passa a ter alguma utilização pública, poderá dizer-se que ocorreu afetação. (C. FILHO 2014, p, 1167). Vale consignar que a desafetação de um bem público deve se dar por meio de procedimento administrativo formal que culmine com a elaboração de decreto de desafetação. 2.6 – Regime Jurídico dos Bens Algumas características tipificam e diferenciam os bens públicos. São elas: inalienabilidade, impenhorabilidade, imprescritibilidade e não onerabilidade. A análise destes atributos, sobretudo a inalienabilidade, é relevante para a orientação do tema em análise, pelo que seguem considerações sucintas sobre os mesmos. É de suma importância compreender que, como pode os bens públicos caracterizar-se como inalienáveis, enquanto a própria Lei 8.666/93 destina um capítulo no qual regula sobre as alienações de bens públicos móveis e imóveis? É a partir desta indagação que nota-se com clareza, que não há como falar de inalienabilidade, mas sim de uma possível alienabilidade condicionada as regras aludidas na referida disciplina normativa. A alienação de um bem público está condicionada à função que o mesmo destina-se atualmente. Assim, podemos concluir que, se um bem está afetado para um fim da Administração Pública, este bem não é passível de alienação, em contra partida, não é menos certo que, na maioria das vezes, podem ser alteradas tais situações em que se encontram os bens de modo a tornar possível a alienação. Desta maneira, os bens de uso comum do povo e o de uso especial se forem desafetados podem-se tornar bens dominicais e por esse motivo passam a ser passíveis de alienação. Anota-se, à guisa de complementação, que alienação é um fato jurídico. “Indica a transferência da propriedade de determinado bem móvel ou imóvel de uma pessoa para outra”. (CARVALHO FILHO 2014, p. 1169). Além do mais, consigna-se que a alienação pode ser gratuita (doação) ou onerosa (compra e venda). Portanto, conectando ao tema central do presente trabalho, tem-se que os bens públicos desafetados podem ser alienados em regra por meio de processo administrativo de licitação, mas, excepcionalmente, conforme restará demonstrado, referidos bens podem inclusive serem alienados diretamente, ou seja, sem um procedimento de licitação. A impenhorabilidade resguarda os bens públicos de serem penhorados, assim define o inciso I do artigo 649 do Código de Processo Civil Brasileiro, in verbis: “Art. 649 – São absolutamente impenhoráveis: I – os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução”. A isto, agrega-se o previsto no artigo 100 da Constituição Federal que exclui, de modo implícito, a penhora sobre qualquer bem público, ao determinar regime especial de execução em face da Fazenda Pública. A imprescritibilidade significa que os bens públicos não podem ser suscetíveis de usucapião. Ao disciplinar tal norma, quer-se, dessarte, imunizar o bem do próprio descaso administrativo. Há entendimentos controversos sobre o tema; alguns fundamentam em face do princípio constitucional da função social da propriedade, outrora, há entendimentos no sentido de que “os bens dominicais seriam usucapivéis e que o artigo 188 da Constituição Federal, por ter se referido conjuntamente a terras públicas e terras devolutas teria criado outra categoria de bens públicos, admitindo o usucapião dessas ultimas”. (C. FILHO 2014, p. 1172). Onerar um bem significa deixá-lo como garantia para o credor no caso de inadimplemento da obrigação. No direito público, não podem bens públicos ser gravados com esse tipo de direitos reais em favor de terceiros, daí a não onerabilidade. (C. FILHO 2014, p. 1173). Diogenes Gasparini (2012, p. 967) informa que: “Só quem pode alienar a propriedade pode hipotecar, dar em anticrese e empenhar, conforme estatui o artigo 1.420 do Código Civil, e referidas autoridades não são, seguramente, as proprietárias desses bens”. Ademais, o regime jurídico dos bens públicos é utilizado como ferramenta de proteção ao patrimônio público, além do mais, através deles se determinam quais as regras aplicáveis a esses bens, quais os rigores e proteções que terão que ser observados. 3. Licitação           No capítulo anterior, em suma, foram analisados os conceitos de bens públicos, suas classificações e características. Oportunamente, foi visto que os bens públicos desafetados podem ser alienados, em regra, por meio de um devido processo administrativo de licitação e que, excepcionalmente, podem inclusive serem alienados sem referido procedimento. Nesta toada, tem-se importante apontar alguns conceitos sobre licitação e verificar a aplicação normativa nos casos que envolvem a alienação de bens públicos. 3.1 – Do conceito de Licitação Por força do inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal, a regra é que as contratações sejam precedidas de licitação. Somente à lei é permitido abrir exceções. Diz o artigo: “Art. 37 – Omissis… XXI –  ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.  Este procedimento segundo José dos Santos Carvalho Filho (2013, p. 238) é conceituado como: “Procedimento administrativo vinculado por meio do qual os entes da Administração Pública e aqueles por ela controlados selecionam a melhor proposta entre as oferecidas pelos vários interessados, com dois objetivos – a celebração de contrato, ou a obtenção do melhor trabalho técnico, artístico ou cientifico.” Mello (2008, p. 519) define licitação como sendo: “O procedimento administrativo pelo qual uma pessoa governamental, pretendendo alienar, adquirir ou locar bens, realizar obras ou serviços, outorgar concessões, permissões de obra, serviço ou de uso exclusivo de bem público, segundo condições por ela estipulada previamente, convoca interessados na apresentação de propostas, a fim de selecionar a que se revele mais conveniente em função de parâmetros antecipadamente estabelecidos e divulgados. “ Diogenes Gasparini (2012, p. 533) conceitua licitação da seguinte forma: “É procedimento administrativo através do qual a pessoa a isso juridicamente obrigada seleciona, em razão de critérios objetivos previamente estabelecidos, dentre interessados que tenham atendido à sua convocação, a proposta mais vantajosa para o contrato ou ato de seu interesse.” Na lição de Fernanda Marinela (2013, p.353): “Licitação é um procedimento administrativo destinado à seleção da melhor proposta dentre as apresentadas por aqueles que desejam contratar com a Administração Pública. Esse instrumento estriba-se na ideia de competição a ser travada, isonomicamente, entre os que preenchem os atributos e as aptidões, necessários ao bom cumprimento das obrigações que se propõem assumir.” O artigo 3º da Lei n. 8.666/93, dispõe que: “Art. 3º – A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos”. Consubstanciado nos conceitos acima explanados, pode-se concluir que o procedimento licitatório visa atender primeiramente a três exigências públicas, sendo elas; a proteção aos interesses públicos e seus recursos, respeito aos princípios que regem a licitação, e por fim, observância às exigências da probidade administrativa. Dessa forma, o procedimento licitatório é um certame que o Poder Público deve promover desde que pretenda adquirir, alienar, locar bens, contratar serviços ou executar obras, devendo a lei expressamente dispor sobre os casos em que não serão exigidos a observância da licitação. Neste sentido, a não realização de licitação é punida severamente. Inclusive a Lei nº. 8.666/93, na seção que trata Dos Crimes e das Penas, dispõe nos seguintes termos: “Art. 89 – Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade: Pena – detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa. Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.” Diferente dos particulares, que detém de vasta liberdade para promover as compras, vendas e contratações que julgam precisar, o Poder Público, por gerir coisa pública, necessita adotar um procedimento próprio. Daí a obrigação, em regra, de licitar dentro de parâmetros estabelecidos em lei própria. Assim, é possível Estados e Municípios disporem em sentido diferente quanto ao procedimento legal para alienação de bens públicos. 3.2 – Os Princípios da Licitação     De acordo com a Constituição Federal, a Administração Pública deve sempre observar os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. Não distante disto, também estabelece a Lei nº. 8.666/93 em seu artigo 3º, que todo procedimento licitatório será processado e julgado em conformidade com tais princípios nele expresso. “Não raras vezes, a verificação da validade ou invalidade dos atos do procedimento leva em consideração esses princípios, razão por que devem eles merecer comentário em apartado”. (CARVALHO FILHO 2014, p. 245). Nesta réstia, o artigo 4º da Lei nº. 8.666/93 concretiza o Princípio da Legalidade quando determina:               “Art. 4º – Todos quantos participem de licitação promovida pelos órgãos ou entidades a que se refere o art. 1º têm direito público subjetivo à fiel observância do pertinente procedimento estabelecido nesta lei, podendo qualquer cidadão acompanhar o seu desenvolvimento, desde que não interfira de modo a perturbar ou impedir a realização dos trabalhos. Parágrafo único. O procedimento licitatório previsto nesta lei caracteriza ato administrativo formal, seja ele praticado em qualquer esfera da Administração Pública.” Hely Lopes Meirelles (2004 apud MOTTA 2004, p. 361) ensina que: “A legalidade, como princípio de administração, significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato invalido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso. A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da lei.” Segundo Edimur Ferreira de Faria (2011, p. 308) a legalidade é “o princípio segundo o qual o procedimento licitatório deve operar-se segundo regras jurídicas positivas. As leis e os regulamentos sobre licitação devem ser rigorosamente observados”. Em sendo assim, pode-se concluir que o princípio da legalidade é de suma importância não somente no tocante ao procedimento licitatório, mas sim, para toda a Administração Pública. É, portanto, inadmissível comportamento contrário com o ordenamento jurídico, decorre este, do já sacramentado disposto no inciso II do artigo 5º da Constituição Federal[3]. No que tange ao Princípio da Impessoalidade, não obstante do descrito acima, este também discorre do artigo 37 da Lei Maior Federal. Em suma, ele impõe que a Administração Pública destine tratamento igual à todos os participantes do procedimento licitatório que estejam em paridade jurídica, visando sempre o interesse coletivo e não o interesse individual. Pelo Princípio da Moralidade, decorre que a Administração Pública é obrigada a conduzir o procedimento licitatório devendo sempre obediência aos conceitos éticos, honestos e probos. Tal princípio está estreitamente ligado ao Princípio da Probidade Administrativa. O Princípio da Igualdade tem sua origem no artigo 5º da Constituição Federal como sendo direito fundamental. No que tange à licitação tal princípio significa que todos os concorrentes são obrigados a competir em iguais condições, sem que haja nenhuma vantagem não extensiva a outro. Nesse sentido é o que assegura o artigo 37, XXI da Constituição Federal: “Art. 37 – Omissis… XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”.      Nessa linha também dispõe o §1º do artigo 3º da Lei 8.666/93: “Art. 3º – Omissis… §1º – É vedado aos agentes públicos: admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato.” Em regra, o princípio da igualdade garante a todos os participantes do certame que detenham as mesmas qualidades, iguais oportunidades; assegurando-se assim, o mesmo tratamento para os licitantes sem nenhum tipo de discriminação. Salvo os casos expressamente autorizados pela Constituição e por Lei, tal como o tratamento diferenciado à Micro Empresas e Empresas de Pequeno Porte, previstos na Lei Complementar nº 123/2006. No que concerne ao Princípio da Publicidade, também consignado no artigo 37 da Constituição Federal, listado como Princípio básico da Administração Pública, este estabelece que os atos administrativos devam ser levados ao conhecimento de toda sociedade. E é dessa forma, dando publicidade ao ato, sem exceções, que é possível exercer o controle de sua regularidade. Assim completa Benedicto de Tolosa Filho (2010, p. 6), ensinando que: “O princípio da publicidade somente se completa na medida em que, além da divulgação dos atos oficiais, seus termos sejam franqueados ao cidadão, através da permissão de sua presença ou da obtenção de certidões de atos oficiais.” No tocante ao Princípio da Vinculação ao Instrumento Convocatório, tal obriga a total obediência dos proponentes e da entidade licitante aos termos e condições previstos no edital. Nesse sentido dispõe o artigo 41 da Lei 8.666/93: “Art. 41 – A Administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha estritamente vinculada.” Enfatizado no artigo 45 da Lei 8.666/93, o Princípio do Julgamento Objetivo prevê que o julgamento deve ser promovido segundo critérios objetivos, visando sempre assegurar aos licitantes o cumprimento dos termos do edital. Diz o artigo: “Art. 45 – O julgamento das propostas será objetivo, devendo a Comissão de licitação ou o responsável pelo convite realizá-lo em conformidade com os tipos de licitação, os critérios previamente estabelecidos no ato convocatório e de acordo com os fatores exclusivamente nele referidos, de maneira a possibilitar sua aferição pelos licitantes e pelos órgãos de controle”. Por fim, além dos princípios elencados acima, foram previstos outros, que se correlacionam com os princípios básicos. São eles; Princípio da Probidade Administrativa, da Competitividade, da Celeridade, da Indistinção, da Inalterabilidade do Edital, da Obrigatoriedade; entre outros. Assim, os princípios básicos não apenas se complementam na medida em que a ausência de um deles dificulta o andamento de uma licitação, mas também informam a elaboração dos diplomas licitatórios das pessoas governamentais, como estabelece o artigo 173, §1º, III da Constituição Federal, in verbis: “Art. 173 – Omissis… §1º – Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. III – licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública.” Corroborando o que foi dito, Mello (2008, p. 530) aduz que “os Cânones em causa devem obrigatoriamente informar qualquer licitação”. Ademais, resta salientar que a regra para qualquer tipo de contratação, compra e alienação é o procedimento licitatório, somente este podendo ser dispensado se houver previsão legal e no tocante aos princípios, os mesmo devem sempre ser observados em todas as fases do certame. 3.3 – Das Modalidades de Licitação As modalidades são as várias espécies de licitação conforme os respectivos regimes jurídicos. O artigo 22 da Lei nº 8.666/93 elenca em sua redação cinco, sendo elas; concorrência, tomada de preço, convite, concurso e leilão, no entanto, pela Lei nº 10.520/2002 decorrente da Medida Provisória nº 2.026/2000, foi criado o pregão como nova modalidade de licitação. Tais modalidades podem ser assim conceituadas de conformidade com o já citado artigo. A primeira é a concorrência, definida como: “Art. 22 – São modalidades de licitação: § 1o – Concorrência é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados que, na fase inicial de habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação exigidos no edital para execução de seu objeto.” Em regra, a concorrência é a modalidade adequada para contratações de grande vulto. É a modalidade que apresenta maior rigor e ampla publicidade, por seus contratos administrarem serviços e obras de grande valor. A supracitada Lei estabeleceu que, em regra, a concorrência é a modalidade de licitação adequada para a alienação de bens imóveis, todavia ensina Jacoby (2011, p. 102) que: “Essa regra, assentada na doutrina e jurisprudência, foi radicalmente modificada pela Lei nº 8.883/1994, que alterou a Lei nº 8.666/1993. Em decorrência das modificações experimentadas pela lei, passou a ser admissível o leilão para a alienação de imóveis quando a aquisição do bem haja derivado de procedimentos judiciais ou de dação em pagamento”. A segunda é a tomada de preço, conceituada como: “Art. 22 – Omissis… § 2o – Tomada de preços é a modalidade de licitação entre interessados devidamente cadastrados ou que atenderem a todas as condições exigidas para cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas, observada a necessária qualificação.”  Essa modalidade é menos formal quando comparada à concorrência, devido às contratações cujas faixas de valores são medianas e já pré-fixadas. Dispõe também que podem participar do certame os licitantes cadastrados, quanto os que atenderem a todas as condições para o cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas, com isso, a Lei nº 8.666/93 buscou ampliar a competitividade e garantir a isonomia durante todo o procedimento licitatório. A terceira é o convite, consagrada como: “Art. 22 – Omissis… § 3o – Convite é a modalidade de licitação entre interessados do ramo pertinente ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados em número mínimo de 3 (três) pela unidade administrativa, a qual afixará, em local apropriado, cópia do instrumento convocatório e o estenderá aos demais cadastrados na correspondente especialidade que manifestarem seu interesse com antecedência de até 24 (vinte e quatro) horas da apresentação das propostas”. Esta é a única modalidade de licitação em que a lei não obriga a publicação de um edital, possui o procedimento mais simplificado e com menores prazos para sua realização. O instrumento convocatório é a carta-convite. Fernanda Marinela (2013, p.385) completa ensinando que “para os contratos com valores até 10% desses limites, a licitação é dispensável, todavia, se o administrador entender por bem, ele poderá realizá-la, utilizando essa modalidade”. A quarta modalidade é o concurso, definido como: “Art. 22 – Omissis… § 4o  Concurso é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, mediante a instituição de prêmios ou remuneração aos vencedores, conforme critérios constantes de edital publicado na imprensa oficial com antecedência mínima de 45 (quarenta e cinco) dias.” Nesta, a Administração deverá fixar com objetividade os critérios seletivos. A sua publicidade é assegurada por meio da publicação de seu edital. A quinta e última modalidade elencada pelo artigo é o leilão, esta qualificada como: “Art. 22 – Omissis… § 5o  Leilão é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para a venda de bens móveis inservíveis para a administração ou de produtos legalmente apreendidos ou penhorados, ou para a alienação de bens imóveis prevista no art. 19, a quem oferecer o maior lance, igual ou superior ao valor da avaliação.” A regra, portanto, é que o leilão seja a modalidade escolhida para a alienação de bens móveis, e eventualmente os imóveis. Para a alienação de bens imóveis, a regra, como já mencionado, será a escolha da modalidade concorrência, conforme dispõe o artigo 23, § 3º da Lei 8.666/93: “Art. 23 – Omissis… § 3o – A concorrência é a modalidade de licitação cabível, qualquer que seja o valor de seu objeto, tanto na compra ou alienação de bens imóveis, ressalvado o disposto no art. 19, como nas concessões de direito real de uso e nas licitações internacionais, admitindo-se neste último caso, observados os limites deste artigo, a tomada de preços, quando o órgão ou entidade dispuser de cadastro internacional de fornecedores ou o convite, quando não houver fornecedor do bem ou serviço no País.”     Neste contexto, insta ressaltar, que somente em situações indicadas na lei poderá ser utilizado o leilão para a alienação de bens imóveis. É o que consagra o artigo 19 inciso III da referida Lei:      “Art. 19 –  Os bens imóveis da Administração Pública, cuja aquisição haja derivado de procedimentos judiciais ou de dação em pagamento, poderão ser alienados por ato da autoridade competente, observadas as seguintes regras: III – adoção do procedimento licitatório, sob a modalidade de concorrência ou leilão.” Por fim, o pregão, que está previsto na Lei nº 10.520/2002. Edimur Ferreira de Faria (2011, p. 333) elucida tal modalidade como sendo: “A modalidade de licitação adotada para a aquisição de bens e serviços comuns, promovida por entidades e órgãos públicos da Administração direta e da indireta, qualquer que seja o valor do objeto a ser contratado, em que a disputa dos licitantes com vistas à classificação e a adjudicação, se realiza por meio de propostas e lances em sessão pública ou por meio eletrônico, denominado pregão eletrônico”. Por sua vez, Marinela (2013, p. 389) estabelece que: “A nova modalidade foi instituída com o escopo de aperfeiçoar o regime de licita­ções, permitindo o incremento da competitividade e a ampliação das oportunidades de participação nas licitações, além de desburocratizar os procedimentos para a habilitação e o cumprimento da sequencia de etapas do procedimento, contribuindo para a redução de despesas e concedendo uma maior agilidade nas aquisições”. Verifica-se, portanto, que o principal aspecto a ser observado é a possibilidade de se conferir maior presteza à contratação de bens e serviços comuns. Contudo, há que se observar que os procedimentos praticados pela Administração Pública para realização do pregão devem também obedecer aos princípios norteadores de todo ato administrativo, em especial, aqueles previstos no artigo 37, caput, da Lei Maior. Vale ressaltar que, a grande novidade trazida pelo Pregão é a inversão de fases sendo que inicialmente é feita a análise das propostas e por fim, após sessão de lances verbais, tem-se a abertura do envelope de habilitação. Referida inversão torna o procedimento menos burocrático e mais célere, haja vista que somente serão analisados e conferidos os documentos dos licitantes que oferecerem o menor preço. Outrossim, Di Pietro (2015, p. 456) complementa ensinando que: “O procedimento é mais complexo na concorrência, tendo em vista o maior vulto dos contratos a serem celebrados; é um pouco menos complexo na tomada de preço, em que o valor dos contratos é médio; e simplifica-se ainda mais no convite, dado o pequeno valor dos contratos”. Resta dizer que, as modalidades licitatórias não se confundem com os tipos de licitação a que se refere o §1º do artigo 45 da referida Lei. As modalidades relacionam-se com os valores dos contratos, enquanto os tipos com o julgamento do procedimento. Ademais, insta salientar que a Lei de Licitações e Contratos Administrativos, preza a competição e a segurança na contratação. Para melhor compreensão das modalidades de licitação segue abaixo duas tabelas referentes aos valores e prazos de publicação:   *Nas modalidades concurso, leilão e pregão não existe valores pré-fixados. 3.4 – Da Contratação Direta sem Licitação Este tópico busca analisar a possibilidade de contratação direta sem licitação. Também apresentará a distinção teórica sobre licitação dispensada e inexigível. Por força da Constituição Federal, no já aludido artigo 37 inciso XXI, a regra é a obrigatoriedade do procedimento licitatório, pois só por meio deste pode-se conceder iguais oportunidades a todos. Todavia, apesar de ser regra, há casos em que o mesmo pode ser dispensado ou inexigido. Neste sentido, alerta Adilson de Abreu Dallari (2011 apud FERREIRA, p. 340): “É um princípio fundamental de hermenêutica que as exceções devem ser tratadas de maneira restrita. Quando houver alguma dúvida quanto à exigibilidade ou dispensa de licitação, é preciso não esquecer que a regra geral é a exigibilidade, e que a exceção é a dispensa. A legislação vigente cuida, em artigos separados, da dispensa e da inexigibilidade. Os casos de inexigibilidade são aqueles onde, logicamente, não existe possibilidade de licitação, uma circunstância relevante autoriza uma discriminação. É preciso, porém, deixar uma coisa bastante clara: não é dado ao legislador, arbitrariamente, criar hipóteses de dispensa de licitação, porque a licitação é uma exigência constitucional.” A priori, a diferença básica entre a dispensa e a inexigibilidade de licitação, é que nesta não há possibilidade de competição, portanto tornando a licitação inviável; e naquela existe a possibilidade de competição, mas a lei faculta à Administração o procedimento. Nesse contexto, resta claro que a contratação direta é aquela realizada sem licitação, em situações excepcionais, expressamente previstas em lei. A Lei nº 8.666/93 em seus artigos 17 e 24 estabelece hipóteses em que a Administração Pública não está obrigada a licitar, ora, a licitação nesses casos é dispensada, todavia, há situações em que é utilizada a expressão licitação dispensável. Nesse sentido, ensina Lucas Rocha Furtado (2013, p 81): “É de se observar que a distinção básica entre licitação dispensada e dispensável reside no fato de que, nesta última, o administrador poderá, se assim o desejar, realizar a licitação. Nas hipóteses de licitação dispensada, o administrador não pode licitar em face de que a pessoa com quem será celebrado o contrato com a Administração já está definida em razão do próprio objeto do contrato.” Enumera a Lei nº 8.666/93 em seu artigo 17, todas as hipóteses em que a licitação é considerada dispensada. A lista proposta é taxativa, não podendo ser modificada pelo aplicador da norma.  Os casos de licitação dispensada são aqueles que dizem respeito à alienação de bens móveis e imóveis. Nessas situações, diante das peculiaridades do contrato a ser celebrado, ao gestor não cabe optar pela licitação, mas proceder à contratação direta, na forma da lei. Assim, estabelece Gasparini (2012, p. 568) que “licitação dispensada é a ocorrência na realidade da hipótese legal em que a Administração está liberada de licitar por expressa determinação dessa lei”. Nessa mesma linha, o artigo 24 da Lei em comento, elenca em sua redação situações em que há dispensabilidade de licitação. Tal como na licitação dispensada, a lista aqui também é categórica, não podendo sofrer modificações. Nas hipótese de dispensa, a exclusão da obrigação de licitar requer precedente ato da Administração Pública, conforme determina o §2º do artigo 54 da Lei nº 8.666/93: “Art. 54.  Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado. § 2o  Os contratos decorrentes de dispensa ou de inexigibilidade de licitação devem atender aos termos do ato que os autorizou e da respectiva proposta”. A licitação é dispensável em algumas situações, tais como; obras e serviços de engenharia de pequeno valor, compras de pequeno valor, guerra e grave perturbação da ordem, emergência e calamidade pública; entre várias outras hipóteses. Nessa linha, dispõe o ilustre doutrinador Marçal (2005, p. 233): “A dispensa de licitação verifica-se em situações em que, embora viável competição entre particulares, a licitação afigura-se objetivamente inconveniente com os valores norteadores da atividade administrativa”. Nesse contexto, conforme exposto alhures, embora seja a regra, existem hipóteses em que a licitação seria impossível ou frustraria a realização adequada das funções estatais, daí, autoriza-se a Administração Pública a adotar outro procedimento, qual seja, a contratação direta. É sabido que a competição é um dos fundamentos básicos da licitação. Cumpri-se esta a fim de que se possa alcançar a proposta mais benéfica para a Administração, desta maneira, a licitação não pode ser efetivada quando não houver competitividade em relação ao objeto licitado.  A marcante característica da inexigibilidade de licitação é, portanto, a inviabilidade de competição, conforme dispõe o artigo 25 da Lei de Licitações: “Art. 25 – É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: I – para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes; II – para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação; III – para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública. § 1o  Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato. § 2o  Na hipótese deste artigo e em qualquer dos casos de dispensa, se comprovado superfaturamento, respondem solidariamente pelo dano causado à Fazenda Pública o fornecedor ou o prestador de serviços e o agente público responsável, sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis.” As hipóteses arroladas no artigo 25 da Lei nº 8.666/1993 autorizam o gestor público, depois de demonstrada e justificada a inviabilidade de competição, contratar diretamente o objeto da licitação, todavia é importante observar que o rol descrito no supracitado artigo da referida Lei apresenta elenco exemplificativo das situações de inexigibilidade, ou seja, diferentemente da dispensa, as situações prevista para a inexigibilidade de licitação não são taxativas. E nesse contexto, torna-se imperioso concluir que podem sim ser verificadas outras situações que justifiquem a contratação direta; sempre que a Administração Pública se deparar com a inviabilidade de competição, a licitação será inexigível. Nesse sentido, se manifestou o Tribunal de Contas do Estado do Paraná, “os casos de inexigibilidade de licitação não se exaurem nas disposições legais, as quais consignam, apenas exemplificativamente, algumas situações[4]”. Mister informar também que, por mais que não exista um procedimento licitatório com todos os seus requisitos peculiares, é dever do administrador ao contratar diretamente justificar a escolha do fornecedor ou prestador de serviço bem como o preço aceito. É o que dispõe o artigo 26 da Lei de Licitações e Contratos Públicos: “Art. 26 – As dispensas previstas nos §§ 2o e 4o do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8o desta Lei deverão ser comunicados, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos.  Parágrafo único.  O processo de dispensa, de inexigibilidade ou de retardamento, previsto neste artigo, será instruído, no que couber, com os seguintes elementos: I – caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, quando for o caso; II – razão da escolha do fornecedor ou executante; III – justificativa do preço. IV – documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados.”  Logo, entende-se que, mesmo nas hipóteses de dispensa e inexigibilidade, a Administração deve praticar, por imposição legal, uma sucessão de atos para que possa ser concretizada de maneira correta a contratação direta, ou seja, a ausência do procedimento licitatório não pressupõe uma contratação informal. Outrossim, é o que ensina Marçal Justen Filho (2005, p. 228), “a contratação direta exige um procedimento prévio, em que a observância de etapas e formalidades é imprescindível”. Por fim, diante de todo o exposto, faz-se necessário esclarecer que a referida contratação só deve se dar em casos excepcionais, e nesse sentido é imperioso observar fielmente os preceitos contidos na Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 3.5 – Do Caráter Geral da Lei 8.666/93 O artigo 22 inciso XXVII da Constituição Federal trás em sua redação o seguinte entendimento: “Art. 22 – Compete privativamente à União legislar sobre: XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III.”  Não obstante disto, a Lei de Licitações e Contratos Administrativos estabelece em seu artigo 1º: “Art. 1º – Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Parágrafo único.  Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.”  Nessa mesma linha o artigo 118 da referida Lei determina que: “Art. 118 – Os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as entidades da administração indireta deverão adaptar suas normas sobre licitações e contratos ao disposto nesta Lei.” À luz do exposto nos artigos acima, fica nítido que o legislador limitou à União a competência privativa para legislar sobre normas gerais de licitações e contratos. Ademais, resta esclarecer que quando a União estabelece uma norma geral, esta legislação goza da condição de lei nacional, portanto, de aplicação geral, em sendo assim, deve esta ser observada não apenas pela própria União, mas sim por todos os Entes Federados. Vale frisar então, que tal norma deverá ser norteadora para os demais Entes. Assim é o entendimento do STF, referente a ADI 927-3: “EMENTA: CONSTITUCIONAL. LICITAÇÃO. CONTRATAÇÃO ADMINISTRATIVA. Lei n. 8.666, de 21.06.93. I. – Interpretação conforme dada ao art. 17, I, "b" (doação de bem imóvel) e art. 17, II, "b" (permuta de bem móvel), para esclarecer que a vedação tem aplicação no âmbito da União Federal, apenas. Idêntico entendimento em relação ao art. 17, I, "c" e par. 1. do art. 17. Vencido o Relator, nesta parte. II. – Cautelar deferida, em parte. “(…) Penso que essas ‘normas gerais’ devem apresentar generalidade maior do que apresentam, de regra, as leis. Penso que ‘norma geral’, tal como posta na Constituição, tem o sentido de diretriz, de princípio geral. A norma geral federal, melhor será dizer nacional, seria a moldura do quadro a ser pintado pelos Estados e Municípios no âmbito de suas competências (…) Não são normas gerais as que se ocupem de detalhamentos, pormenores, minúcias, de modo que nada deixam à criação própria do legislador a quem se destinam, exaurindo o assunto de que tratam (…) São normas gerais as que se contenham no mínimo indispensável ao cumprimento dos preceitos fundamentais, abrindo espaço para que o legislador possa abordar aspectos diferentes, diversificados, sem desrespeito a seus comandos genéricos, básicos.(…) Dessa forma, a despeito da inexistência de um critério preciso para a caracterização de “norma geral” e “norma específica”, é possível depreender, a partir da análise jurisprudencial, que a suprema corte reputa enquadrarem-se como “normas gerais” os princípios, os fundamentos e as diretrizes conformadoras do regime licitatório no Brasil.”[5] A esse respeito, José dos Santos C. Filho (2014, p. 176) se pronuncia no seguinte sentido: “É importante anotar, todavia, que a referida competência se limita à edição de normas gerais, e sendo assim, às demais entidades da federação foi conferida a competência para editar normas específicas. Na verdade, nem sempre tem sido fácil identificar quando um dispositivo encerra norma geral ou específica, e talvez por essa razão muitos Estados e Municípios adotem a Lei 8.666/93, deixando, pois de criar normas específicas, para evitar o risco de eventuais impugnações. Por outro lado, muitas objeções têm sido levantadas em relação a alguns dispositivos da lei federal, os quais, segundo o entendimento de diversos estudiosos, não contêm regras gerais, mas sim específicas. De fato, se o dispositivo da lei federal contiver norma específica, estará fatalmente em contrariedade com a Constituição Federal, e em consequência, maculado de vício de inconstitucionalidade”. Conforme o exposto acima, percebe-se que há profundo dissenso tanto pela doutrina, como pela jurisprudência do STF sobre o que seriam normas gerais e normas específicas. Outrossim, corroborando com tal percepção, elucida Leonardo Godoy Drigo[6]: “Um esboço conceitual, portanto, pode ser dado a partir de tais constatações: normas gerais são princípios jurídicos, contidos em leis de caráter nacional (e não no interesse exclusivo da União enquanto ente federativo) voltados à atividade do legislador e que pautarão sua atuação na concretização dessas próprias normas, conforme a pluralidade dos interesses regionais ou locais envolvidos.” Nessa esteira, salienta-se que as normas gerais devam ser observadas por todos, mas que deve haver complementação mediante normas específicas e é a partir desta concepção que, resta claro que não foi intenção do legislador federal esgotar na Lei 8.666/93 toda a matéria inerente à licitação, suprimindo dos demais entes a necessidade de especificar a disciplina no tema de acordo com as suas particularidades. Referida constatação tem grande relevância para o tema que ora se discute, pois, conforme se irá sustentar, mesmo que a Lei nº 8.666/1993 em seu artigo 17 estabeleça regras sobre alienação de bens da Administração Pública, tem-se que este comando se aplica exclusivamente a União Federal, por se tratar de uma norma específica da União, podendo, desta maneira, Estados e Municípios regulamentarem a matéria de forma diferente, por meio de suas próprias normas específicas. 4 – Da Alienação de Bens Públicos Imóveis Municipais sem Licitação Resta cristalino, depois de todo o estudo, que há possibilidade de todas as esferas de governo, sejam elas, União, Estados, Municípios ou Distrito Federal, legislarem sobre a alienação de seus bens. Da mesma forma, restou evidenciado que o disposto no artigo 17 da Lei de Licitação e Contratos Administrativos, relativamente à alienação de bens públicos, se aplica restritivamente à União Federal, eis que decorre de competência restritiva de cada Ente Federado. Sendo assim, reafirma-se que no tocante a alienação de bens públicos, cada Ente Federal poderá regulamentar a matéria atendendo às peculiaridades regionais e locais devendo, no entanto, adotar a Lei nº 8.666/93 como norma geral. Pôde-se aprender ainda, que a partir do momento em que a Administração Pública se depara com situações exemplificadas em Lei, esta, detém a escolha de proceder com a licitação ou, em outros casos, realizar somente a contratação direta; esses são os casos de dispensa e inexigibilidade de licitação, todos delineados pela Lei nº 8.666/1993. Diante deste contexto, afirma-se a importância do Poder Público Municipal em elaborar mecanismos que conduzam à regulamentação desses imóveis públicos ocupados por terceiros, com o intuito de promover a regularização urbano-municipal e, dessa forma, trazendo não só aos moradores ocupantes desses imóveis maior segurança, mas também, conferindo ao Ente Municipal a preservação de seus interesses. É que, como já abordado anteriormente, a falta de regularização fundiária causa sérios prejuízos às cidades, tanto para o ente público como para os particulares que vivenciam esse problema. Muitas famílias vivem em situação irregular por décadas, algumas delas de baixa renda e outras tantas possuem situação econômico-financeira estável, mas se encontram na mesma condição de não proprietários.   Isto posto, o presente capítulo integra a parte final do trabalho, buscando analisar a possibilidade de inexigir a licitação para a alienação direita de imóveis públicos municipais aos ocupantes particulares. 4.1 – Do Direito Social à Moradia A consagração do direito à moradia como direito social ocorreu por meio da Emenda Constitucional nº 26 do ano 2000, que alterou o artigo 6º da Constituição Federal de 1988. Elucida o referido texto Constitucional: “Art. 1o – O art. 6o da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 6º – São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Destarte, assegurado no artigo 6º da Lei Maior, o direito à moradia passou a compor direto básico e fundamental do cidadão, e vai além, sendo requisito de efetivação do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Residir irregularmente constitui situação de insegurança permanente; por esse motivo, além de um direito social, certifica-se que a moradia regular é condição para a efetivação de outros direitos essenciais; como o trabalho, o lazer, a educação e a saúde. Diante da problemática exposta, surge com o objetivo de assegurar a moradia, o processo de regularização fundiária, que visa permitir às pessoas habitantes de assentamentos irregulares o registro de suas devidas áreas. 4.2 – Da Regularização Fundiária O conceito de regularização fundiária está previsto na Lei 11.977/09, em seu artigo 46, que estabelece: “Art. 46 – A regularização fundiária consiste no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.” Ainda nesse sentindo, Balbim[7] sedimenta a regularização fundiária como: “O processo que visa garantir a segurança jurídica do uso do solo a quem de fato o ocupa, adequando-o urbanisticamente. O reconhecimento do uso como princípio gerador do processo de regularização em meio urbano está, na maior dos casos, associado à moradia.” Além da Constituição Federal e da Lei 11.997/09, deve-se destacar a Lei 10.257/01 denominada como Estatuto das Cidades, que traz em seu artigo 2º a regularização fundiária como uma das diretrizes gerais de política urbana. Diz o artigo em comento: “Art. 2º – A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: XIV – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais”. Necessário se faz compreender que cabe a todos os entes federados atuar nos programas de regularização fundiária, tal cooperação é indispensável, tendo em vista a quantidade de moradias irregulares no Brasil, o que dificulta o desenvolvimento das cidades e do próprio País. Segundo a Constituição Federal, em seu artigo 23 inciso IX, é competência comum executar a política de desenvolvimento e de expansão urbana, e dessa forma minimizar os efeitos das ocupações irregulares. Reza o artigo: “Art. 23 – É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:  IX – promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”.           Os motivos que sustentam a juridicidade desse texto normativo ligam-se ao interesse social, fundamento básico do interesse público; pois ao Poder Público cabe fomentar o acesso ao direito à moradia pelos cidadãos, utilizando-se para isso de políticas públicas que proporcionem a regularização fundiária dos imóveis irregularmente ocupados. Sob outro prisma, a própria Constituição Federal foi clara em afirmar o papel relevante do município na proteção e no desenvolvimento urbano, pois ao reservar capítulo próprio para a política urbana destacou o papel determinante do Poder Público Municipal. Assim consagra o artigo 182 do texto constitucional, ora mencionado: “Art. 182 – A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.”   As políticas públicas de regularização fundiária, no âmbito municipal, estão voltadas principalmente às normas urbanísticas e de parcelamento de uso do solo. São de extrema importância tais normas, pelo fato de serem pressupostos para o registro imobiliário, constituindo a propriedade do imóvel.[8] Nesse sentido, estabelece o artigo 30 da Carta Magna: “Art. 30 – Compete aos Municípios: VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”. À vista do exposto acima, o Município, então, situa-se como o principal responsável pela questão da regularização fundiária urbana, justamente pelo fato de ser o ente mais próximo dos problemas urbanos, assim sendo, deve agir visando o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade. Nesse diapasão Alfonsin[9] (2007, p. 78) preleciona que: “Regularização fundiária é um processo conduzido em parceria pelo Poder público e população beneficiária, envolvendo as dimensões jurídica, urbanística e social de uma intervenção que, prioritariamente, objetiva legalizar a permanência de moradores de áreas urbanas ocupadas irregularmente para fins de moradia e, acessoriamente, promove melhorias no ambiente urbano e na qualidade de vida do assentamento, bem como incentiva o pleno exercício da cidadania pela comunidade sujeito do projeto”. Destarte, esclarece-se que cabe ao Município identificar áreas nas quais, por razões sociais, haja interesse público em ordenar, e por fim, conclui-se que não se trata de uma faculdade do Ente Municipal, mas sim, de uma obrigação, já que a ele cabe legislar e agir especificamente para regularizar a situação urbanística em seu território. 4.3 – Da Possibilidade de Inexigir Licitação na Alienação de Imóveis Públicos Municipais com o fim de Regularização Fundiária. Atualmente grande parte dos municípios brasileiros sofrem com o problema de ocupação irregular de imóveis públicos municipais por particulares. A licitação para atribuir a cada família o respectivo lote seria conflitante com o interesse público, consistente na ocupação desses invasores. Com efeito, a licitação poderia levar a outro interessado o imóvel, fracassando assim, o projeto de regularização fundiária, pois quem deveria ser assentado não o foi na medida em que o outro acabou como vencedor do certame. É a partir dessas percepções, que o presente trabalho buscou forma jurídica que possibilita tal regularização, permitindo assim, que os bens ocupados sejam registrados diretamente aos ocupantes particulares. Como já exposto alhures, a Lei 8.666/93 conduz normas gerais sobre licitação, portanto a União não dispõe de competência privativa, ficando a cargo dos demais Entes Federativos disporem sobre normas específicas para disciplinarem suas licitações. Corroborando com tal percepção, Marçal (2005, p. 13) afirmar que: “É inquestionável que a Constituição reservou competência legislativa especifica para cada esfera política disciplinar licitação e contratação administrativa. A competência legislativa sobre o tema não é privativa da União.” Existem hipóteses em que a licitação formal seria impossível ou impediria a realização adequada das funções estatais; é daí que surge a possibilidade da contratação direta. No caso específico do presente trabalho, seria incoerente destinar um imóvel público municipal, ocupado por particulares há vários anos, à qualquer interessado. De certo modo, a Administração não obteria o resultado satisfatório ao seu mister constitucional de consecução do bem-estar social, ao contrário, poderia provocar graves injustiças, a medida em que os imóveis, objeto do procedimento de regularização, poderiam ser destinados à pessoas que já possuem propriedades. A própria Lei de Licitações e Contratos Administrativos, reserva em seu artigo 17, regramento legal para alienação de bens públicos, chegando inclusive autorizar a dispensa de licitação quando se tratar de regularização fundiária de interesse social, ou seja, destinada especialmente ao assentamento de famílias de baixa renda. Dispõe o artigo: “Art. 17 – A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas: I – quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos: f) – alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis residenciais construídos, destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública. “        Ocorre que, conforme se depreende da norma acima citada, a dispensa de licitação se restringe à regularização fundiária de interesse social (famílias com menor poder econômico-financeiro – em vulnerabilidade social), não alcançando assim, ocupantes de áreas públicas que possuem boa condição financeira. Levando em consideração referido fato normativo, torna-se inviável a concretização de determinada regularização em muitos municípios, isto porque, muito embora grande parte dos particulares ocupantes desses lotes sejam de baixa renda, na mesma situação encontram-se também famílias que possuem poder aquisitivo, mas que sob o aspecto concernente à irregular ocupação se encontram na mesma condição de insegurança, por não serem proprietários das áreas ocupadas. A partir da referida constatação, a dispensa de licitação seria impossível, uma vez que, a relação proposta no artigo 17 da Lei nº 8.666/1993 é taxativa, não podendo adaptar novas hipóteses, ou seja, não haveria argumentos jurídicos que justificasse tal escolha.  É sabido que concorrência é a modalidade de licitação destinada à compra e alienação de bens imóveis, entretanto, tem-se que no caso do presente trabalho seria impossível. Como já discutido anteriormente, a licitação no caso especifico poderia atrapalhar a intenção do Poder Público de promover a regularização urbano-municipal e consequentemente o registro imobiliário de cada área pública ocupada aos particulares.  No entanto, no que diz respeito à inexigibilidade, a redação proposta pelo artigo 25 é meramente exemplificativa, podendo ser enquadrados novos casos, desde que comprovada a impossibilidade de competição frente à um processo licitatório, tal como o tema da presente monografia. Desta maneira, ressalta-se que, em qualquer situação que a Administração Pública se depare com a impossibilidade de competição, esta poderá deixar de realizar a licitação, por meio de inexigibilidade. Nesse sentido, ensina Di Pietro (2015, p. 429) que “nos casos de inexigibilidade, não há possibilidade de competição, porque só existe um objeto ou uma pessoa que atenda às necessidades da Administração; a licitação é, portanto, inviável”. Pois bem, o direito constitucional à moradia, o interesse coletivo, o interesse Municipal e, principalmente, o preponderante objetivo do Poder Público de promover a regularização fundiária, são elementos constituidores de inevitável impossibilidade de competitividade, configuradores de inexorável hipótese de inexigibilidade.   Em outras palavras, a regularização fundiária municipal, como mecanismo concretizador do direito fundamental à moradia e do interesse social, torna a competitividade inviável, o que justifica a adoção do procedimento administrativo de inexigibilidade, seja em qual for o caso – assentamento de particulares de baixa renda ou não. Neste sentido é o entendimento esposado pelo Supremo Tribunal Federal – STF, que em caso análogo proferiu a seguinte decisão: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 3º, §§, DA LEI N. 9.262, DE 12 DE JANEIRO DE 1.996, DO DISTRITO FEDERAL. VENDA DE ÁREAS PÚBLICAS PASSÍVEIS DE SE TORNAREM URBANAS. TERRENOS LOCALIZADOS NOS LIMITES DA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL – APA DA BACIA DO RIO SÃO BARTOLOMEU. PROCESSO DE PARCELAMENTO RECONHECIDO PELA AUTORIDADE PÚBLICA. VENDAS INDIVIDUAIS. AFASTAMENTO DOS PROCEDIMENTOS EXIGIDOS NA LEI N. 8.666, DE 21 DE JUNHO DE 1.993. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO. INEXIGIBILIDADE E DISPENSA DE LICITAÇÃO. INVIABILIDADE DE COMPETIÇÃO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 37, INCISO XXI, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. INOCORRÊNCIA. 1. A dispensa de licitação em geral é definida no artigo 24, da Lei n. 8.666/93; especificadamente — nos casos de alienação, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis construídos e destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social, por órgãos ou entidades da administração pública — no seu artigo 17, inciso I, alínea f. Há, no caso dos autos, inviabilidade de competição, do que decorre a inexigibilidade de licitação (art. 25 da lei). O loteamento há de ser regularizado mediante a venda do lote àquele que o estiver ocupando. Consubstancia hipótese de inexigibilidade, artigo 25”[10]. Vale consignar que seja a regularização fundiária de interesse social ou de interesse específico, resta evidente a importância da intervenção jurídica para poder conceder o título de propriedade àqueles que ocupam os lotes públicos, todavia, estes necessitam vir combinados com outras políticas públicas que possam promover a segurança adequada, o meio ambiente ecologicamente equilibrado e por fim, a ordem urbanística das cidades. Lado outro, e não menos importante, o fato de inexigir o procedimento licitatório não significa que haverá arbitrariedade, ou seja, a ausência de licitação não pressupõe contratação informal, pelo contrario; a Lei nº 8.666/93 em seu já citado artigo 26 estabelece um procedimento prévio, em que a observância de formalidades é imprescindível. Senão, vejamos as etapas a serem seguidas de forma mais didática: a) Desafetação do bem público; b) Lei autorizando a alienação do bem público; c) Lei autorizando e prevendo a possibilidade de inexigibilidade; d) A demarcação da área e dos imóveis a serem objeto da regularização; e) Avaliação prévia do imóvel; f) Justificativa do Poder Público ao inexigir a licitação.    Por tudo que foi expendido, tem-se que os Municípios podem proceder pela inexigibilidade de licitação com o fim de adotar mecanismos de regularização fundiária, desde que sejam respeitadas as formalidades acima apontadas, pois neste caso o interesse público é a concretização do direito fundamental à moradia e seus consectários lógicos, da estabilidade familiar e social, do lazer, do trabalho e do bem-estar, configuradores inarredáveis do fundamento estatal da dignidade humana. 5 – Conclusões Finais Diante de todo o estudo até o presente momento, pode-se concluir a real importância do processo de regularização fundiária urbano-municipal no intuito de legalizar aos particulares ocupantes suas respectivas áreas, e nesse sentido, garantir aos mesmos, a concretização do direito fundamental à moradia e todos os seus consectários lógicos. Nesse contexto fora esclarecido que os bens de uso comum e os de uso especial são por força de Lei inalienáveis, enquanto conservarem sua destinação pública, outrora, no que diz respeito aos bens dominicais, estes já se encontram na lista de bens que podem ser alienados, caso não estejam afetados a uma finalidade pública. Assim, é o que ensina Marinela (2013, p. 845): “Para concluir a ideia, é possível identificar os bens de uso comum do povo e os bens de uso especial, que têm destinação pública e, por essa razão, são indisponíveis para o Estado, não podendo ser alienados. De outro lado, os bens dominicais, que são assim classificados por não terem finalidade pública, portanto são disponíveis para o Estado, podendo ser alienados, respeitadas as exigências legais para tanto.” Noutro momento, evidenciou-se que, em regra, todo ato da Administração Pública que vise comprar, alienar, contratar bens ou serviços, deve ser precedido do devido procedimento administrativo de licitação. Segundo o disposto acima, Di Pietro (2015, p. 408) defende que “ao falar-se em procedimento administrativo, está-se fazendo referencia a uma série de atos preparatórios do ato final objetivado pela Administração”. Nessa toada, importante o esclarecimento feito a respeito do caráter geral da Lei de Licitações e Contratos Administrativos, de que caberá à União a definição das normas gerais sobre o assunto, tendo todos os entes competência para legislar sobre normas específicas. Nesse sentido é o entendimento de Marçal (2005, p. 13) ao esclarecer que: “Apenas as “normas gerais” são de obrigatória observância para as demais esferas de governo, que ficam liberadas para regular diversamente o restante, exercendo competência legislativa irredutível para dispor acerca de normas especificas”. Dessa forma, o que ora se defende é que o processo de licitação deva sempre beneficiar o Ente Administrativo, facilitando seus objetivos. Assim, corroborando com tal entendimento, Marinela (2013, p. 367) preleciona que: “A licitação tem que ser um meio apto para a Administração perseguir o interesse público. Caso o procedimento coloque em risco esse interesse, ele será inviável, já que a licitação não pode prejudicar o que deve proteger. Ela não é um fim em si mesma, mas, um meio, um instrumento para a proteção do interesse coletivo, não devendo jamais prejudicá-lo.” Percebeu-se também que a regra é a Administração Pública manter em seu patrimônio os seus bens. Contudo, em determinadas e excepcionais situações, a alienação pode ser conveniente e até mesmo mais vantajosa. A problemática exposta pelo presente trabalho buscou mostrar de maneira jurídica a possibilidade da contratação direta e os argumentos que justificam a Administração Pública optar pela não realização do processo licitatório frente às regularizações urbano-municipais. Nesse réstia, importante observação da doutrinadora Fernanda Marinela (2013, p. 366): “A contratação direta, sem a realização de licitação, não é sinônimo de contratação informal, não podendo a Administração contratar quem quiser, sem as devidas formalidades, o que é denominado procedimento de justificação, previsto no art. 26 da Lei.” Não obstante disto, é o que ensina o Senhor Ministro Joaquim Barbosa em seu voto na ADIn 2.990-8: “É certo que a Constituição prevê que a lei poderá estabelecer exceções à regra geral da obrigatoriedade de licitação. Contudo, apenas excepcionalmente o legislador ordinário é autorizado a criar situações em que a licitação será dispensa ou inexigível”[11]. Nesse diapasão, fora esclarecido o quão importante e necessário é o processo de inexigibilidade de licitação, frente ao interesse público municipal de legitimar as áreas ocupadas, pois só por meio dela pode-se assegurar a efetividade das medidas de regularização fundiária, uma vez que, os lotes ocupados serão registrados diretamente aos seus ocupantes. Nesse sentido, é o que relata os Ministro Sepúlveda Pertence e Eros Grau em debate sobre a ADIn ora comentada: “Sepúlveda Pertence: “Se é o ocupante que tem adquirido lote em loteamento irregular, mas reconhecido, desta ou daquela maneira, pela Administração Pública (…). Vai chegar satisfeitas as suas condições, a identificar só um possível comprador, sem licitação, de determinado lote”. Eros Grau: “Passa a ser inexigibilidade, não é nem dispensa” [12]. Ainda nessa esteira, o Ministro Eros Grau, enfatiza em seu voto: “Para reforçar esse meu entendimento, diria ainda que a situação não é de dispensa de licitação. Porque nessa, o dever de licitar incide, mas é afastado. A situação é anterior, porque o pressuposto da licitação é a competição. E aqui não é possível competir: o loteamento será regularizado exatamente com a venda para aquele que ocupar o lote”[13]. Ademais, conforme vastamente já exposto e fundamentado alhures, restou evidenciado a importância do Ente Municipal em elaborar meios para realização de políticas públicas de regularização fundiária, afastando a licitação quando o objeto for a regularização fundiária, pois neste caso a licitação poderia causar prejuízo ao interesse público e não vantagens. No mesmo sentido é o pensamento do Ministro Cezar Peluso: “Seja por modulação da interpretação, seja pela procedência parcial, teríamos como resultado prático, hoje, anular todos os casos de regularização e reinstalar, mediante licitação, o caos social, onde o recurso a manobras pouco nobres não teria nenhum anteparo”[14]. Por fim, vale ressaltar que o objetivo do Poder Público não pode ser tão somente garantir, juridicamente a propriedade aos seus ocupantes, mas sim, dar continuidade ao exercício do direito de moradia à população e todos os demais direitos constitucionais, o que indubitavelmente será perquirido por meio do processo de regularização fundiária que permita a alienação de imóvel público diretamente ao possuidor, mesmo que este não se encontre dentro das condições que o classifique como de interesse social. Estudando-se o presente trabalho monográfico, pôde-se constatar o papel fundamental dos municípios, conforme previsão constitucional e sedimentado pela Lei 11.977/09 (PMCMV) e Lei 10.257/01 (Estatuto das Cidades), na formulação de diretrizes de planejamento urbano e na condução do processo de gestão das cidades. Referido procedimento é de suma importância para a organização das cidades, e sobretudo, para a efetivação de direito fundamentais, como a moradia, saúde, segurança, lazer e meio ambiente sustentável. Mais do que nunca, cabe aos municípios e às comunidades urbanas promoverem a materialização da garantia constitucional ao direito à moradia, por meio da reforma da ordem jurídico-urbanística. Nesse contexto, os programas de regularização fundiária devem ter por objetivo não apenas o reconhecimento da segurança individual da posse para os ocupantes, mas principalmente a integração socioespacial das áreas públicas ocupadas. Outrossim, tem-se que a inexigibilidade de licitação faz-se não somente oportuna, mas, especialmente necessária, pois ela pode assegurar a efetividade das medidas de regularização fundiária, já que não haverá risco do imóvel público ocupado por particulares ser alvo de investida de pessoas estranhas ao processo, munidas de relevante condição financeira capaz de ensejar vitória a uma virtual competitividade. Ora, é que, a finalidade do ato administrativo de regularização fundiária é a concretização do interesse público-social (bem estar social) pelo implemento de medidas que assegurem aos atuais ocupantes de áreas públicas o direito constitucional à moradia, o que inarredavelmente pode não ser alcançado caso haja competitividade, como no caso de uma licitação pública. Desta maneira, é com base na farta doutrina e jurisprudência colacionada, é que chega-se a conclusão de que é possível inexigir o procedimento de licitação nos casos de regularização fundiária, desde que observados os requisitos estabelecidos pelas normas de direito pátrio.
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Gestão de pessoas na administração pública
Partindo da consideração da necessidade de que a Administração Pública desenvolva habilidades de gestão de pessoas que permitam a valorização do funcionalismo público e o reconhecimento social desse setor, este estudo trata desse tema, considerando que o investimento na qualificação da gestão de pessoas se traduz em motivação e consequente prestação de serviços públicos de qualidade. O objetivo do estudo é analisar as estratégias de gestão de pessoas no setor público, especialmente em relação à motivação e à formação, analisando o conceito de servidor público, a importância da gestão de pessoas e do planejamento estratégico em nível de pessoal. Através de pesquisa bibliográfica em diversas fontes, o estudo se desenvolve com base na opinião de diversos autores, concluindo que a formação e a motivação são energias que conduzem a atividade humana para o alcance dos objetivos de excelência na prestação de serviços públicos e podem também se converter nos principais objetivos da gestão de pessoas no setor público e no fundamento de sua existência.
Direito Administrativo
1 INTRODUÇÃO A preocupação com a gestão de pessoas no âmbito público ou privado tradicionalmente era considerada eficiente quando as pessoas tinham o perfeito domínio das habilidades técnicas necessárias para o desempenho de suas funções. Na atualidade, contudo, a capacidade técnica, apesar de necessária, não é um fator suficiente para garantir o êxito no âmbito privado ou público, mas também a eficiência com base em novos modelos de gestão de pessoas. Muitos autores apresentam estudos e tendências sobre as características ideias do funcionalismo público, traçando um perfil que inclui aspectos como visão sistemática e estratégica, domínio pessoal, capacidade de trabalhar em equipe, habilidades, criatividade, flexibilidade e inovação, comportamento ético e capacidade de aprender, liderar e educar. Justifica a escolha do tema o fato de que atualmente o próprio conceito de servidor público se modificou, já que muitos serviços antes executados exclusivamente por particulares passaram a ser desempenhados também pela Administração Pública. A implantação de um modelo gerencial trouxe também novos parâmetros e novos desafios, que passam, inclusive, por uma nova visão do servidor público. Com base nessas constatações, o presente estudo tem como objetivo analisar as estratégias de gestão de pessoas no setor público, especialmente em relação à motivação e à formação. Especificamente, objetiva analisar o conceito de servidor público, destacar a importância da gestão de pessoas nesse setor e compreender a importância da formação e da motivação de pessoas para a excelência da prestação de serviços públicos. A metodologia do estudo, buscando uma clara elucidação do tema, consiste na pesquisa bibliográfica, com coleta de dados em diversos materiais, analisados de forma qualitativa para o encaminhamento das conclusões sobre os objetivos propostos. 2 SERVIÇO PÚBLICO E GESTÃO DE PESSOAS A Administração Pública representa uma organização antiga cujo nascimento cumpriu desígnios específicos, cujo funcionamento foi adaptado ao poder que a criou e que ela representava, dando origem a um fenômeno especial, típico, o qual foi o parâmetro de diversas organizações de trabalho. (SILVEIRA e TRINDADE, 2013) Pode-se assim dizer que a Administração Pública, perante todo o sistema social, colocou-se como modelo para as organizações. Sua abrangência de influência é enorme, quer sobre os seus próprios funcionários ou os demais indivíduos, empresas e poder político. Em relação aos funcionários, impõe-lhes um modo de estar característico, “moldando-os” a comportamentos típicos, os quais nem sempre são ideais ou desejados e, por vezes, lhes dificultam mesmo as relações com o exterior. O que se verifica, contudo, é que a maioria dos seus recursos humanos está desmobilizada, desinteressada, sem responsabilização ou compromisso, sem iniciativa e sem motivação. Numa palavra: profundamente entediada com o seu trabalho quotidiano. Retratando a vida profissional de funcionário recém-admitido na Administração Pública, verifica‑se que normalmente inicia o seu emprego altamente motivado, entusiasmado com as suas atribuições. Todavia, à medida que o tempo passa, “a sua implicação, aos poucos, decai e chega a patamares de apatia, resistência passiva, presentismo, ou mesmo valores negativos (resistência ativa, absentismo, escapismo)”. (SILVEIRA e TRINDADE, 2013, p. 17) Na verdade, esse profissional esbarra em obstáculos quase intransponíveis, que lhe vedam qualquer acesso ao entusiasmo e à motivação profissional. Esse muro é o “funcionamento típico da casa” e as características desse funcionamento que o “motivarão a desistir” dos seus projetos, aumentarão sua participação nas queixas e frustrações do trabalho quotidiano e lhe proporão uma carreira profissional de alheamento físico e/ou psicológico. Porém, ele ainda terá que inconscientemente se adaptar a esse funcionamento, o que o transformará em um elemento ativo ou passivo destes mesmos obstáculos. Assim, a integração deste funcionário ao “funcionamento típico da casa” é feita por um processo negativo, quer por passivamente consentir a existência dos obstáculos ou, ativamente, fazer parte dele. (SILVEIRA e TRINDADE, 2013, p. 18) Em qualquer dos casos, dará continuidade aos obstáculos, por um processo de “adaptação inconsciente para sobrevivência” que costuma se tornar um hábito de vida enraizado numa cultura profissional típica do serviço público. Com maior ou menor lentidão e dificuldades, surge um conflito entre os três polos: incômodo, hábito e cultura, no qual, invariavelmente, prepondera a questão cultural. (SILVEIRA e TRINDADE, 2013, p. 19) Depois, qualquer tentativa para alterar esta situação é sentida como um ataque ao cenário existente, recusando‑se à angústia de uma solução nova. Anotam Silveira e Trindade: “Começa então o jogo pessoal de “vítima e cúmplice do sistema”, que se traduz em “sofrer com a situação (vítima) e, simultaneamente, ser um dos promotores dessa mesma situação (cúmplice). Destarte, para que o funcionário se integre nesse sistema, pode-se traçar uma curva, que expressa o comportamento de um funcionário desde o seu primeiro dia de trabalho na organização até o dia em que se tornará parte integrante dessa mesma organização.” (SILVEIRA e TRINDADE, 2013, p. 19) Contudo, é possível aperfeiçoar a Administração Pública e isso se verifica pelos inúmeros esforços desenvolvidos, desde alguns anos, para dotá-la de um funcionamento cada vez mais eficaz e mais próximo das aspirações dos cidadãos. Relativamente à gestão de pessoas, é importante o Decreto nº 5.707/06, que instituiu políticas e traçou um direcionamento voltado a desenvolver os recursos humanos da Administração Pública Federal. Essas diretrizes são dirigidas à administração direta, às autarquias e fundações, regulamentando a Lei nº 8.112/90, artigos 87 e 102, IV e VII. Destacam-se, de acordo com esse instrumento, o desenvolvimento das competências individuais e institucionais, o compromisso da Administração Pública em tornar acessível a educação contínua e o desenvolvimento das competências dos servidores, bem com qualificar líderes e gerentes sênior. Seus objetivos, de acordo com Amaral (2006) são: “a) tornar mais eficientes, eficazes e qualificados os serviços públicos oferecidos para os cidadãos; b) desenvolver permanentemente os servidores públicos; c) adequar as competências necessárias do servidor público aos objetivos institucionais, com base no plano plurianual; d) divulgar e gerenciar atividades capacitadoras; e) racionalizar e tornar efetivos os investimentos feitos para capacitar servidores”. Explica o autor que capacitar, na ótica do Decreto, corresponde a um processo contínuo e decisivo no qual os servidores se dispõem a aprender, colaborando assim para com o incremento das competências da Instituição, através do incremento de suas próprias competências. É proporcionada por eventos, cursos, experiências no local de trabalho, grupos de estudo, troca de experiências, estágios, etc. O incremento das competências envolve um processo de gestão da capacitação, voltada para desenvolver todos os saberes, as aptidões e as posturas que sejam necessários para desempenhar as funções públicas, em cumprimento das finalidades institucionais. Essas diretrizes partem da constatação da necessidade de maior incentivo e apoio aos servidores públicos, fomentando o aprimoramento de suas competências e proporcionando, com isso, o desenvolvimento da instituição. Ao mesmo tempo, contempla a carência de eventos e oportunidades para que o servidor público se qualifique e se requalifique, tanto em nível pessoal como também na disseminação de conhecimentos entre os demais, até mesmo como pressuposto para promoções e avaliação de desempenho. (AMARAL, 2006) É importante ressaltar que, além dos seus pressupostos, o Decreto nº 5.707/06 tem abrangência em todas as esferas da Administração Pública e se destina tanto a servidores que iniciam a carreira como para aqueles que já se fazem parte do quadro funcional. O Comitê Gestor da Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoal, criado pelo Decreto, é responsável pela avaliação, orientação, promoção e definição dessas políticas. Encarrega-se também de fixar os percentuais de recursos necessários e estabelecer os conteúdos e necessidades a serem abordados. 3 FORMAÇÃO E MOTIVAÇÃO DE PESSOAS NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 3.1 A formação de pessoas Ao longo dos anos, a evolução do pensamento sobre a gestão de pessoas, de um modo geral, preocupou-se principalmente em capacitar os trabalhadores, sistematizando as ações para minimizar falhas operacionais, chegando, na atualidade, à gestão do conhecimento como ferramenta para a sustentação de vantagens competitivas. Nesse cenário, as ações de treinamento e desenvolvimento se caracterizam como pontos estratégicos para a sobrevivência e a excelência das organizações privadas ou públicas. Para Cunha, in Costa et al (2009), a correlação entre treinamento e desenvolvimento e as demais ações de capacitação e valorização de recursos humanos (como salários, avaliações de potencial e de desempenho, harmonização da práxis individual com as estratégias da organização/instituição) possuem uma estreita vinculação a planejamentos de práticas voltadas para o indivíduo-colaborador e que incidem positivamente nos resultados em termos de produtividade e prestação de serviços. Em termos de capacitação de recursos humanos, assinala Cunha, in Cunha et al (2007) que é preciso considerar que essa capacitação deve contemplar um trabalho em equipe, oferecer novas perspectivas para a gestão de pessoas, envolver a correlação entre formação, treinamento e desenvolvimento, com práticas voltadas ao funcionário e ao usuário/cliente. Para Ponchirolli (2006) todos os funcionários contam com a possibilidade e o dever de se desenvolverem, para participarem ativamente da consecução dos objetivos almejados, para contribuírem com seu trabalho, seu potencial e sua qualificação para a qualificação da produção e da prestação de serviços. Comenta, ainda, que as mudanças que ocorrem atualmente estão exigindo novas habilidades, conhecimentos e capacidades de todas as pessoas e o treinamento envolve a possibilidade de que cada um possa contribuir efetivamente para que as organizações se adaptem a essas mudanças de forma proativa, garantindo não somente a continuidade de seus processos e dinâmicas, mas o incremento de sua capacidade para atender às demandas sociais. Conforme Brás (2007), a ideia de treinamento contempla a transferência de conhecimento, cujo padrão é representado pela ação sobre o desempenho individual, voltada para a melhoria do desempenho da equipe. Assim, há três principais desafios em termos de transferência do conhecimento, que podem ser transpostas à ideia do treinamento: a) O primeiro desafio é alinhar o conhecimento com uma aprendizagem voltada para o alcance da excelência produtiva e operacional da organização, para o alcance de seus objetivos e para o aumento de sua produtividade. b) O segundo desafio é possibilitar a compreensão do papel de cada um e a importância de sua qualificação para o desempenho global. Esse alinhamento é essencial para ações de treinamento e desenvolvimento, porque garante que o conhecimento seja manejado para compreender e agir para que os objetivos sejam alcançados. c) O terceiro desafio é garantir a aprendizagem real, que torne mais produtivo o trabalho individual e de equipe e eficientes os processos internos e externos. Acrescenta Cabrita (2009) que a capacitação, corresponde à aprendizagem sistemática, descrita por Boydel, indo além do acúmulo de conhecimentos e informações teóricas, capacitando a assumir responsabilidades, tomar decisões e desenvolver iniciativas. A essas questões também se soma, no âmbito específico da Administração Pública, a formação contínua, que embora nem sempre tenha sido preocupação e ou tenha sido valorizada como é na atualidade, ao longo do tempo e conforme as demandas sociais e concepções teóricas vigentes, assume diferentes contornos teórico-metodológicos que lhe imprimem um grau de grande importância para a qualificação do funcionalismo público. Martins e Lopes (2010) comentam que o gerenciamento de recursos humanos através de ações de formação contínua, gestão e transferência do conhecimento, se torna capaz de investir em ações pontuais e eficientes de treinamento, com consequências positivas. Os recursos humanos adquirem ainda maior importância quando valorizados através de incentivos para sua formação e capacitação, oferecendo respostas efetivas e motivadoras para que os recursos humanos sejam efetivamente convertidos em competências estratégicas. As ações de formação contínua baseadas nessa ideia têm em vista o desenvolvimento de competências, cujos objetivos são mais complexos e são mais difíceis de planejar, executar e avaliar do que as ações para transmitir conhecimentos. Em contrapartida, apresentam melhores resultados quanto à capacidade transferência de aprendizagem à prática profissional de cada colaborador, em seu desempenho individual e como membro de uma equipe de trabalho. 3.2 A motivação no âmbito da Administração Pública Segundo Colenci Júnior e Guerrini, in Cavalcanti (2007), é imprescindível às organizações considerar elementos do comportamento humano em seu contexto, aprofundando como ele repercute de forma direta sobre seu desempenho, o reconhecimento e o compromisso de seus colaboradores, a flexibilidade nos objetivos e metas, as opiniões e posturas de cada um. Também Wagner III e Hollenbeck (2011) consideram que a satisfação no trabalho é uma predisposição que os sujeitos projetam sobre suas funções laborais, definindo-a como resultado de suas percepções sobre o trabalho, baseadas em fatores referentes ao ambiente em que este se desenvolve, com o estilo de direção, as políticas e procedimentos, a segurança, a higiene, a saúde, a satisfação dos grupos de trabalho, a afiliação, as condições laborais e a margem de benefícios. Ainda que sejam muitas as dimensões que se associam com a satisfação no trabalho e à motivação, há algumas que se apresentam como características fundamentais. Seguindo as indicações de Gibson et al, in Wagner III e Hollenbeck (2011) destacam: “a) Pagamento: a quantidade recebida e a sensação de equidade desse pagamento. b) Trabalho: o grau em que as tarefas são consideradas interessantes e proporcionam oportunidades de aprendizagem e de assunção de responsabilidades. c) Oportunidade de crescimento: a existência de oportunidades para ascender. d) Chefia: a capacidade dos chefes para demonstrarem interesse pelos empregados. e) Colaboradores: o grau de companheirismo e de apoio entre os colaboradores. f) Condições de produção: meios, recursos, ferramentas, higiene e segurança no desempenho das funções.” Em relação ao ambiente organizacional, observa-se a necessidade de pensar na qualidade de vida no trabalho como investimento e não como despesa. Nesse sentido, Bergamini (2008) evoca a da segurança como fator motivador, ou seja, que tem como retorno a saúde do trabalhador, o aumento da produtividade e da qualidade do produto final. Ainda, conforme França e Zaima, in Boog (2007) uma organização, seja ela privada ou pública é formada por pessoas, sendo assim interessa-lhe que seus colaboradores se encontrem saudáveis, física e psiquicamente. Ter em seu quadro de funcionários saudáveis é do interesse de qualquer organização. Portanto, é preciso compreender que “saúde não é apenas ausência de doença, mas também o completo bem estar biológico, psicológico e social”. Ainda, a valorização das pessoas é o primeiro passo para viabilizar uma vida mais saudável, satisfatória e motivadora. Contudo, a simples retirada de fontes de insatisfação não induzirá o colaborador à motivação, devendo-se também levar em consideração alguns fatores extremamente eficazes para motivar pessoas, incluindo evolver funcionários na elaboração de padrões de trabalho e no estabelecimento de metas de trabalho, avaliar seus resultados de forma correta e reconhecê-los de forma apropriada. Na medida em que se proporcionem os meios para desenvolvimento da criatividade, da observação reflexiva sobre as experiências da prática, a liberdade e a motivação para desenvolver iniciativas, a autonomia e a responsabilidade no trabalho coletivo, as práticas pessoais passam a contar com uma oportunidade para se fortalecer e integrarem-se harmonicamente. No mesmo sentido é a colocação de Fullan e Hargreaves, referindo-se aos professores, mas adequada ao funcionalismo público: “Se não atentamos para o fato de que os professores necessitam de possibilidades para satisfazer suas necessidades de motivação, estes dirigirão sua atenção para os fatores de manutenção, atentando para as deficiências e outorgando a estas uma dimensão desproporcional quanto à importância que verdadeiramente têm. Tudo isso guarda perfeita consonância com as ponderações de Frederick Herzberg, cuja teoria (Teoria Motivacional) evidencia o valor motivacional que tem o trabalho em si mesmo, centrando a atenção nos fatores determinantes de satisfação ou de insatisfação no trabalho. Herzberg investigou também que os fatores motivadores se referiam ao trabalho em si, enquanto que os fatores que produzem insatisfação fazem referência a aspectos externos do trabalho. Tudo isso levou-o a destacar a importância do conteúdo do trabalho, introduzindo o termo job enrichment (enriquecimento do trabalho) para estimular um desenho de trabalho mais motivador.” (FULLAN e HARGREAVES, 2007, p. 51) De acordo com essa teoria, há duas classes de motivações implicadas no trabalho, de acordo com os autores: a) higiênicas ou de manutenção, que são as motivações referentes aos fatores externos ao trabalho, que produzem insatisfação no caso de não serem satisfeitas; b) motivações propriamente ditas, que são aquelas que fazem referência ao próprio trabalho e que produzem satisfação no caso de serem satisfeitas. Para que um funcionário esteja satisfeito em seu trabalho, deve haver ênfase nos fatores que incidem no mesmo trabalho, em lugar de enfatizar fatores externos, enriquecendo-se dessa forma o trabalho. Desta forma, observa-se que, se a organização geral do setor onde é desempenhado o trabalho proporciona atividades que permitam aos funcionários desenvolverem a satisfação, todos os fatores periféricos desempenham um papel secundário em sua ocupação e comportamento. Em uma situação na qual os funcionários possam satisfazer suas necessidades de motivação, os fatores de manutenção não exerceriam uma influência decisiva quanto à sua atitude. Isso envolve, segundo Dutra (2012), três componentes fundamentais: a) saber atuar, que se refere à capacidade inerente que tem a pessoa para efetuar as ações definidas pela organização, relacionando-se com seu preparo técnico, seus estudos formais, o conhecimento e o bom manejo dos recursos cognitivos postos a serviço de suas responsabilidades. Esse componente é o mais utilizado, tradicionalmente, quando se define a idoneidade de uma pessoa para um posto específico de trabalho, o qual se contextualiza na ênfase que, habitualmente, realizam as empresas na capacitação de seu pessoal; b) querer atuar, que não somente se refere ao fator de motivação para o alcance intrínseco à pessoa, mas também à condição mais subjetiva e situacional, que faz com que o indivíduo decida, efetivamente, empreender uma ação concreta. Influem fortemente, nesse componente, a percepção do sentido da ação para a pessoa, a imagem que formou de si própria sobre seu grau de efetividade, o reconhecimento pela ação e a confiança que possua para levá-la a termo; c) o poder atuar, ou seja, as condições do contexto, os meios e os recursos disponíveis para o indivíduo, que condicionam fortemente a efetividade no exercício de suas funções. Em muitas ocasiões, a pessoa sabe com atuar e deseja fazê-lo, mas as condições para que realmente possa agir são inexistentes. As organizações que são capazes de se identificar com seus recursos humanos e desenvolver um trabalho de equipe, motivando seus membros, prestando-lhes atenção e cuidado, conseguem otimizar seus resultados e encontram as respostas adequadas, de tal forma que cada membro se sente motivado não apenas por pertencer à organização, mas a contribuir com suas ideias e colocar sua criatividade, sua vontade e seus conhecimentos em favor dos objetivos. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo realizado, buscando em diversos autores as informações que permitiram atingir o objetivo de analisar as estratégias de gestão de pessoas no setor público, especialmente em relação à motivação e à formação, estabeleceu a importância da gestão de pessoas na Administração Pública, apresentando também a relevância e os resultados do desenvolvimento de estratégias de formação e de motivação de pessoas. Compreende-se, conclusivamente, que a missão maior da administração de pessoal, no setor público é hierarquizar a construção de espaços nos quais seja possível implementar a troca de experiências e de visões sobre o trabalho, coletivamente, construindo acordos sobre projetos que melhorem as condições da prestação de serviços públicos. Um dos principais objetivos deve ser proporcionar aos funcionários condições para abandonarem o papel que lhes impõe a organização tradicional do serviço público, para exercer um novo papel, como integrantes de um coletivo, trabalhando em equipe, participando democraticamente na tomada de decisões, sendo responsáveis pela melhoria da qualidade dos serviços prestados. Para alcançar essas metas, a busca de formação e de motivação dos funcionários públicos oferece a estes oportunidades para o intercâmbio de pontos de vista sobre a implementação de novos programas e técnicas, para investigar as condições da prestação dos serviços e para elaborar um projeto coletivo próprio do setor no qual se inserem. A análise da informação qualitativa e quantitativa quanto à motivação dos servidores públicos manifesta que certas práticas institucionais objetivadas nos moldes tradicionais de prestação desses serviços representam obstáculos para a introdução de novos projetos e para a inovação necessária. Isso significa que os desejos de mudança, diante de uma realidade institucional fortemente marcada pela reprodução de velhos esquemas organizativos, somente alcançam o objetivo de desmotivar os funcionários e a própria direção de cada setor. Uma política de intervenção que se baseia na construção de novos espaços deve enfrentar, ainda, o problema de que muitos não atribuem significação à motivação diante do seu trabalho e esse mal-estar é um indicador das dificuldades existentes para se trabalhar em equipe, com uma cultura de colaboração, quando a autonomia e a motivação são inexistentes. Outra conclusão é que a motivação para o aproveitamento desse espaço/tempo passa também pela abordagem de temáticas adequadas aos interesses dos funcionários, pelo incentivo à expressão de opiniões e pela elaboração de propósitos claramente definidos, que se apresentem como possibilidades. O êxito do trabalho de motivação na gestão de pessoas no setor público se encontra, portanto, condicionado pela coerência entre o discurso e a construção das mudanças, outorgando aos funcionários não apenas mais responsabilidades, mas novos espaços de poder real e autonomia, para que possam efetivamente transformar suas práticas. Esse processo não é fácil, avança com as turbulências próprias das transformações dos cenários do serviço público, que se debatem entre o mundo dos dispositivos idealizados e cenários concretos nos quais se opõem velhas e novas culturas profissionais. A formação e a motivação, porém, são energias que conduzem a atividade humana ao alcance da excelência na prestação de serviços públicos, podendo se converter nos principais objetivos da gestão de pessoas nesse setor e fundamento de sua existência.
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O terceiro setor e as parcerias com a administração pública
O presente estudo trata do tema “Terceiro setor e as parcerias com a administração pública” e seu objetivo é determinar a natureza e as implicações dessas parcerias entre a Administração Pública e organizações do terceiro setor. Para tanto, traça considerações gerais sobre a celebração de alianças de parceria e de contratos de prestação de serviços com a Administração Pública, conceitua e caracteriza as parcerias público-privadas e o terceiro setor e analisa as implicações das parcerias entre ambos. Através de pesquisa bibliográfica de natureza qualitativa e de cunho exploratório, o estudo conclui que essas parcerias somente têm sentido e significado quando levam à consolidação de um processo de reciprocidade entre sociedade e Estado, impulsionando a criação de um novo e moderno desenho de políticas públicas, que compartilha responsabilidades e riscos com setores que podem assumi-los com custos menores e com maior eficiência.
Direito Administrativo
1 INTRODUÇÃO As organizações do terceiro setor (voluntárias e sem fins lucrativos) têm deixado de ser um fenômeno residual e constituem, atualmente, uma força social. Durante as últimas décadas, cresceram quantitativa e qualitativamente, aumentando igualmente o número de voluntários e desenvolvendo-se de forma inegável seu reconhecimento e protagonismo social. Esta expansão ocorreu, em grande medida, em conexão com o setor público, já que ao longo dos últimos anos, as administrações públicas têm reconhecido a estas entidades como interlocutoras, impulsionando decididamente sua presença. Por seu lado, as organizações ampliaram seus vínculos com as administrações, inserindo-se ativamente, através de contratos de parceria, em seus planos e programas. Com base nessas considerações, que justificam a relevância do presente estudo, evoca-se o questionamento: “Quais as implicações (vantagens e desvantagens) da parceria entre a Administração Pública e as organizações do terceiro setor?”. O problema de pesquisa apresentado determina o tema e o objetivo do presente estudo, que trata do terceiro setor e parcerias com a Administração Pública, com o objetivo de determinar a natureza e as implicações destas. Especificamente, o estudo tem como objetivos: definir e determinar os aspectos relevantes da celebração de parcerias e contratos de concessão de serviços com a Administração Pública; conceituar e caracterizar as parcerias público-privadas e o terceiro setor e analisar as implicações (vantagens e desvantagens) das parcerias entre ambos. Em relação à metodologia, o estudo realiza levantamento bibliográfico, buscando a opinião de diversos autores, com vistas a identificar os estudos existentes sobre matérias pertinentes ao tema. Trata-se, também, de pesquisa qualitativa e exploratória. 2 ALIANÇAS E CONTRATOS DE CONCESSÃO ENTRE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E O TERCEIRO SETOR O terceiro setor, de acordo com Montaño (2010), se refere a um fenômeno real inserido na reestruturação do capital, pautado nos princípios de um novo padrão (nova modalidade, fundamento e responsabilidade) para a função social de reposta às sequelas da questão social, seguindo os valores da solidariedade voluntária e local, da autoajuda e da ajuda mútua. A própria caracterização do terceiro setor – composto por ONGs (de diversas áreas e propósitos), instituições religiosas, entidades de “filantropia empresarial” (como as fundações Roberto Marinho, Bradesco, entre outras), movimentos políticos (como Mães da Praça de Maio, Amnesty International), atividades de solidariedade individual, movimentos sociais de identidades (como movimentos feminista, gay, etc.) – conduz a uma conceituação supraclassista. (MONTAÑO, 2010, p. 147) Embora o autor se manifeste contrariamente à ideia do terceiro setor no âmbito das políticas sociais da área da saúde e da assistência social, no que diz respeito à grande amplitude da incidência de parcerias entre o terceiro setor e a Administração Pública, é inquestionável que em diversas questões possui aspectos positivos. De acordo com a Lei nº 13.019/14, que estabelece o regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, mediante a execução de atividades ou de projetos previamente estabelecidos em planos de trabalho inseridos em termos de colaboração, em termos de fomento ou em acordos de cooperação; define diretrizes para a política de fomento, de colaboração e de cooperação com organizações da sociedade civil as parcerias entre a Administração Pública e o terceiro setor são possíveis através da celebração de cinco tipos de contratos: a) Convênios, quando se trata de parcerias que prevejam a participação do terceiro setor em serviços públicos de saúde, nos termos da Lei nº 8.666/93 (que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública) e do Decreto nº 6.170/07 (que trata das normas relativas às transferências de recursos da União mediante convênios e contratos de repasse); b) Termos de parceria para a realização de atividades determinadas na Lei nº 9.790/99, que dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, institui e disciplina o Termo de Parceria; c) Contratos de Gestão, para prestação de serviços definidos na Lei nº 9.637/98 (ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde); d) Termos de Fomento e de Colaboração, para a realização de atividades que contemples finalidades de interesse público, envolvendo o repasse de recursos financeiros, conformadas à Lei nº 13.019/14; e) Acordos de Cooperação ou de Fomento, em atividades que visem os objetivos de interesse público e recíproco, que não envolvam o repasse de recursos financeiros, nos termos da Lei nº 13.019/14. Em relação à celebração de contratos de concessão, nas quais se inclui a participação do terceiro setor, em parceria com a Administração Pública, esta atende à necessidade de execução de diversas atividades, as quais podem ser classificadas em atividades-meio e atividades-fim, sobre as quais Gasparini (2012) explica: a) atividades-fim são empregadas na consecução de objetivos específicos do Estado que presta serviços à coletividade, visando promover o bem-estar geral, como saúde, segurança e policiamento, criação, interpretação, fiscalização e aplicação de leis, educação, moradia, etc., as quais normalmente são exercidas por pessoas legalmente investidas em cargos, empregos ou funções públicas; b) atividades-meio são atividades acessórias, complementares, consistindo na prestação de serviços de transporte, limpeza, conservação de prédios públicos, telecomunicação, etc. São empregadas na organização, acionamento e manutenção da infraestrutura administrativa, para que as atividades-fins sejam viabilizadas. Dentre os principais tipos de contratos administrativos, segundo Blanchet (2006), destacam-se contratos de obra, de prestação de serviços, de fornecimento, de concessão de serviços públicos, de concessão de uso de bens públicos e parcerias público-privadas. 3 PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS As parcerias público-privadas, dentre os contratos firmados com a Administração Pública, tal como se conhece atualmente, são fruto da iniciativa do Reino Unido, na década de noventa, de um mecanismo pelo qual os recursos privados fossem dirigidos para construir e operacionalizar serviços públicos, responsabilizando-se o Estado por sua remuneração direta, sendo os riscos divididos igualmente entre os investidores e o Estado. Este mecanismo jurídico vem sendo adotado, normalmente, para construir, manter ou reformular tecnologicamente diversos âmbitos da infraestrutura econômica e social, desde a construção de estradas e escolas até a operacionalização de presídios. De acordo com Barros, um conceito lato sensu desse instrumento deve abranger as linhas gerais que o caracterizam internacionalmente, as coincidências existentes na maioria das nações quanto ao mesmo, ao mesmo tempo em que, pontualmente, é necessário que se estabeleça, diante da realidade de cada ordenamento jurídico, um conceito stricto sensu, baseado nas leis que o regulam em cada caso específico: “Assim, inicialmente se conceitua como toda a forma institucionalizada pela qual se prestam serviços públicos de forma a se compartilhar os riscos igualmente, entre a iniciativa privada e o Poder Público, tendo como base a infraestrutura cuja implantação é realizada basicamente com investimentos privados e a qual é remunerada combinando investimentos públicos, taxas e investimentos alternativos, tendo como contrapartida o aporte gerado pela iniciativa privada. De uma forma mais restrita, a Lei nº 11.079/2004, define-o como sendo modalidade de concessão, com subsídio de recursos públicos, totalmente – administrativa – ou parcialmente – patrocinada – e com garantias especiais que se destinam aos colaboradores ou financiadores, como determina o seu artigo 2º”. (BARROS, 2005, p. 18) Nota-se, portanto, que a parceria público-privada é um contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa, ou seja, tal modalidade de contrato encontra fundamento no ordenamento jurídico brasileiro, de modo a torná-lo totalmente possível de se realizar. Informa ainda Barros (2006) que o subsidio parcial da concessão já era aceito anteriormente, enquanto o pagamento integral às concessionárias pelo Poder Público contava com alguma oposição dentre os doutrinadores, de tal modo que a legislação de 2004 pacificou essas controvérsias, atribuindo segurança jurídica às contratações realizadas, bem como permitindo que se criassem instrumentos garantidores especiais que privilegiaram algumas concessionárias e prejudicaram outras, exigindo uma previsão legal mais efetiva. A legislação, também, não determina que tipo de serviço público pode ser contratado através desse instrumento, que pode ser adotado quando as concessões comuns não forem possíveis, por quaisquer entidades da Administração Direta ou Indireta, especialmente pelas empresas públicas. Existem também proibições legais em relação a essa espécie de contratação, notadamente quando o seu objeto seja somente a execução de obras públicas as quais não envolvam o comprometimento do colaborador em prestar serviços, a partir da infraestrutura construída, pelo período representado pelo prazo de cinco anos, no mínimo. (DUARTE e SILVA, 2014) Essa vedação legal objetiva, segundo as autoras: a) não permitir que a parceria público-privada se configure em um mecanismo que venha a causar endividamento público; b) garantir que a obra seja executada, vinculando o colaborador a utilizar a infraestrutura após concluída, despertando seu comprometimento para com a qualidade do serviço prestado; c) proporcionar ao contratado a remuneração unicamente pela utilidade da obra que construiu. O conceito de parceria público-privada é encontrado no artigo 2º, da Lei nº 11.079/2004: “Art. 2º Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa. § 1º Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. § 2º Concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens. (BRASIL, 2004)” Observa-se, portanto, que a parceria público-privada é um contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa, ou seja, tal modalidade de contrato encontra fundamento no ordenamento jurídico brasileiro, de modo a torná-lo totalmente possível de se realizar no que se refere ao sistema prisional pátrio. Esse contrato é um sistema que mescla a administração entre o setor público e o privado. Em linhas gerais, a ideia das Parcerias Público-Privadas surge como uma alternativa de alianças para a implementação de políticas capazes de dar conta do enorme desafio representado por amplos setores sob a responsabilidade do Estado, trazendo, de um modo geral, a vantagem de que organizações capazes de aportar recursos e propostas inovadoras se aliem ao Estado, para maximizar os recursos disponíveis e proporcionar a efetividade dos objetivos da Administração Pública. (AMORIM FILHO et al, 2015) Em termos práticos, de acordo com os autores, objetivam tornar viável a implementação de projetos os quais tanto o Poder Público como a iniciativa privada, isoladamente, não seriam capazes de promover. Quanto ao Poder Público, desoneraria os custos necessários à implementação, com os quais não pode contar e, quanto à iniciativa privada, proporcionaria investimentos que reverteriam, em última análise, em favor da sociedade. De acordo com Shinohara (2008), a configuração das parcerias público-privadas no caso brasileiro parte do princípio de que o Estado não conta com os recursos necessários para fazer frente à demanda por investimentos em infraestrutura. Assim, objetivam estimular que a iniciativa privada invista nesse âmbito, participando como empreendedora, com o aporte de recursos necessários à viabilização de projetos, enquanto o Estado figura como parcialmente responsável pela remuneração dos serviços prestados. Dessa forma, portanto, aquele que figura como parceiro contribui com a sua experiência em gerenciamento (administrativa, para dar maior eficiência ao processo) e com o capital necessário, sem onerar o Estado, ao menos inicialmente. 4 VANTAGENS E DESVANTAGENS DA PARCERIA ENTRE TERCEIRO SETOR E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA O termo “terceiro setor” não reúne um mínimo consenso sobre sua origem nem sobre sua composição ou suas características. Tal dissenso é clara expressão de um conceito ideológico que não dimana da realidade social, mas tem como ponto de partida elementos formais e uma apreensão da realidade apenas no nível fenomênico. Sem a realidade como interlocutora, como referência, acaba-se por ter diversos conceitos diferentes. Em linhas gerais, conforme Montaño (2010, p. 59), pode-se observar pelo menos duas grandes tendências teórico-políticas neste debate: “de um lado, uma tendência regressiva, [por outro], uma tendência de (suposta) intenção progressista”. Ambas as tendências, segundo o autor, propõem-se a retirar, o máximo possível, o Estado do âmbito da prestação desses serviços, ou seja, ambas pretendem deixar o jogo social, político e econômico, aberto aos atores sociais, com a menor interferência estatal. A diferença está em que os primeiros, a tendência conservadora, mais inspirada nos princípios liberais e neoliberais, querem como âmbito regulador das relações sociais o mercado; entretanto, a “intenção progressista” visa a sociedade civil (o “terceiro setor”) como espaço privilegiado de interação entre indivíduos, associações, etc., colocando “o mercado, e sua lógica de concorrência, como espaço e mecanismo de regulação social”. (MONTAÑO, 2010, p. 62) Conforme o autor, os movimentos e organizações de terceiro setor desenvolveriam uma prática não-política, mas harmônica, integradora, de parceria, visando ao bem comum e não aos interesses de classe – assim, as ONGs cidadãs, as empresas cidadãs ou participativas, os indivíduos (cidadãos) solidários, se somariam ao Estado parceiro.  Por outro lado, a ideia de parceria entre o terceiro setor e a Administração Pública também leva a pensar em atingir um desenvolvimento sustentado, que “aumentará o bolo” para todos, trará modernização e bem-estar geral; para isso seria preciso o engajamento solidário e desinteressado de todos. Duarte (2008, p. 53) observa que a ideologia e a prática das ONGs, segundo Petras, “desvia a atenção das causas da pobreza e das suas soluções (olhando de baixo e para dentro, em vez de olhar para cima e para fora)”, sem conseguir ir além do sintoma superficial. Ainda, acrescenta que “a estrutura e natureza das ONGs, com sua postura ‘apolítica’ e o seu enfoque na autoajuda, despolitiza e desmobiliza os pobres”. (DUARTE, 2008, p. 54) O debate sobre o terceiro setor geralmente envolve a aceitação, como premissa, implícita ou explícita, porém inquestionada, tanto da sociedade da escassez como da crise fiscal do Estado. Porém, conforme Montaño (2010, p. 151), a crise do Estado não se restringe à questão financeira: ela envolve a “paralisia” da burocracia estatal. Nesse sentido, a escassez de recursos faz parte de um cenário que praticamente coloca a responsabilidade civil do cidadão e do empresário como indispensáveis ao enfrentamento da questão social e a parceria com o terceiro setor é colocado como promessa de uma vida melhor. Acrescenta-se, ainda, a perspectiva de Rodrigues (2009), para quem o terceiro setor surge como alternativa de organização que oferece respostas inovadoras, articulando-se com o poder público para assegurar a participação cidadã da sociedade. Os empreendimentos privados, nesse sentido, superam a visão da assistência e assumem a responsabilidade que lhes confere o poder político efetivo e passam do mercantilismo social a uma atitude construtiva, a qual ajuda a construir o interesse público. Para a autora, ainda, o terceiro setor mobiliza e acrescenta, através de suas ações e programas, um dos recursos mais significativos para superar as carências e demandas da sociedade, melhorando a qualidade de vida da população, o capital social, tão ou mais estratégico que o capital econômico para o desenvolvimento de um país. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo realizado, tratando do tema do terceiro setor e as parcerias com a Administração Pública, contribuiu para a análise da natureza e das implicações dessas parcerias. Tratou, inicialmente, de estabelecer os parâmetros para a compreensão das alianças/parcerias e dos contratos entre a Administração Pública e o terceiro setor e definiu as parcerias público-privadas, apresentando após as vantagens e desvantagens dessas parcerias. Em uma abordagem conclusiva inicial, é possível afirmar que, de um modo geral, a ideia das parcerias entre a Administração Pública e o terceiro setor contemplam um compromisso de apoio e melhorias na ação estatal, potencializando a qualidade das políticas públicas e adotando a ideia da responsabilidade compartilhada, especialmente nos temas emergentes do desenvolvimento humano. Na perspectiva dessa ideia, as organizações do terceiro setor, quando projetam e implementam iniciativas de desenvolvimento em nível regional e local, contribuem para importantes melhorias sociais, de qualidade de vida, de participação social, de cooperação e de fortalecimento do tecido social. Também é possível concluir, considerando as vantagens e desvantagens apresentadas pelos autores pesquisados, que as análises de parceria entre a Administração Pública e as organizações do terceiro setor remetem a aspectos que representariam melhorias consistentes na vida social. Um desses aspectos é que o terceiro setor reforçaria a sociedade civil, através de mobilizações harmônicas nas quais se exalta a própria ideia de parceria e de negociação da sociedade com o Estado. Nesse sentido, seria criado um espaço de produção de serviços melhores, que compensariam as políticas sociais das quais o Estado não demonstra capacidade para resolução, fornecendo desde informações até atendimentos, benfeitorias e serviços efetivos. Finalmente, é possível afirmar que o estabelecimento de parcerias entre o terceiro setor e a Administração Pública proporciona, por um lado, a criação e a consistência de programas amplos, nos quais as políticas públicas universais voltem a ser o núcleo do modelo de desenvolvimento socioeconômico, o que demanda o estabelecimento de uma nova cultura, de consenso social e uma nova relação entre a ação do terceiro setor, os meios produtivos e a normatividade governamental. Por outro lado, também é necessário construir e consolidar um âmbito de trabalho coletivo, no qual participem o Estado, as empresas, as organizações da sociedade civil e os cidadãos, pois essa pluralidade de atores dá legitimidade às iniciativas de realização dessas parcerias. Através dessa iniciativa se pode realizar um processo de institucionalização que constitua parcerias como referências sobre diversas questões, gerando e impulsionando formas de controle, fiscalização, promoção e legislação em torno do tema, valorizando a contribuição do terceiro setor sem a desoneração do Estado em setores essencialmente pertinentes à sua ação. Essas parcerias, portanto, somente têm sentido e significado quando levam à consolidação de um processo de reciprocidade entre sociedade e Estado, impulsionando a criação de um novo e moderno desenho de políticas públicas, que compartilha responsabilidades e riscos com setores que podem assumi-los com custos menores e com maior eficiência.
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A (im)possibilidade de acumulação de proventos e de vencimentos de cargos de professor no que tange aos requisitos da compatibilidade de horários e do regime de dedicação exclusiva
Este trabalho faz um estudo sobre a possibilidade ou não de acumular proventos e vencimentos de cargos de professor fazendo uma análise de dois requisitos adicionais: a compatibilidade de horários e o regime de dedicação exclusiva. Este artigo visa tratar sobre aspectos muito comuns no âmbito da docência em Instituições Públicas de Ensino em que a maioria dos professores se submetem ao Regime de Dedicação Exclusiva, sendo que aparentemente parece ser um tema simples, contudo permite um aprofundamento maior diante da atual sistemática jurídica. Este artigo visa esclarecer as posições já exaradas sobre o tema, tanto no aspecto jurisprudencial, quanto por pareceres e notas técnicas de órgãos públicos.
Direito Administrativo
1.INTRODUÇÃO A regra do ordenamento jurídico atual é de que não há possibilidade de acumulação de cargos públicos. Tal regra é relativizada pela Constituição Federal de 1988 que possibilita em algumas hipóteses a acumulação de cargos públicos. O objeto deste artigo é tratar da divergência de entendimentos que ocorre quando determinado agente público passa a receber proventos advindos de cargo de professor sob o regime de dedicação exclusiva, e posteriormente possuindo aprovação em outro cargo de professor pretende se submeter ao referido cargo, de modo que acumulará proventos do cargo anterior e a remuneração do cargo em que possuiu a aprovação em concurso público. 2.DESENVOLVIMENTO O tema em questão é de grande relevância, pois, envolve pontos específicos e posições bem fundamentadas por alguns órgãos que possuem entendimentos diversos de modo a gerar insegurança jurídica no âmbito da Administração Pública, órgãos estes como: Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Advocacia Geral da União, Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão e Tribunal de Contas da União. Este tema surge da necessidade de esclarecer pontos específicos e que ocorrem diariamente em casos envolvendo servidores que exercem a docência e muitas das vezes pretendem exercer após a aposentadoria outro cargo público também no âmbito da docência, bem como pretendem se submeter a um regime de trabalho diferenciado, como o da Dedicação Exclusiva, daí acaba se esbarrando em alguns impasses de entendimentos jurídicos, o que pode, inclusive, impossibilitar determinada pretensão de aposentadoria. O artigo visa tratar sobre dois requisitos adicionais importantes para a possível acumulabilidade de cargos de professor, sendo o primeiro deles a aferição da compatibilidade de horários e o segundo o Regime de Dedicação Exclusiva. Sem delongas, passemos então à análise de ambos os requisitos mencionados: 2.1.DA COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS Inicialmente convém frisar a posição que possui a Suprema Corte no que diz respeito ao referente tema. Para o Supremo o agente público somente poderá acumular cargo público, quando houver compatibilidade de horários, nos seguintes termos: dois cargos de professor; um cargo de professor com outro técnico ou científico; e dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas. Observa-se que este inclusive é o texto do art. 37, XVI da Constituição Federal[1] e do art. 118, caput, §§1º e 2º da Lei 8.112/90[2]. Partindo para uma visão mais aprofundada do tema o Supremo Tribunal Federal diz que é possível receber proventos e remuneração de outro cargo, porém, desde que estes cargos sejam acumuláveis se o servidor em exercício estivesse de ambos os cargos, vale enfatizar que neste caso faz-se uma aferição abstrata de compatibilidade. Observa-se que é necessário analisar se seria possível o servidor acumular ambos os cargos para o recebimento de proventos e de vencimentos, sendo que essa visão à luz da interpretação do Supremo não é a do simples acúmulo de dois cargos de professor, veja que a interpretação é extensiva de modo que também inclui na vedação para recebimento de proventos a (in) compatibilidade de horários e o regime de trabalho de dedicação exclusiva. Assim, se o professor aposentado se submetia à carga horária de 40 (quarenta) horas semanais com dedicação exclusiva e se aposenta passando a receber parcela dos proventos de tal regime e posteriormente pretenda ingressar em determinado cargo de professor sob qualquer que seja o regime, neste caso, estaria impedido, pois, segundo a Suprema Corte deve-se analisar inicialmente se a carga horária, em análise abstrata, seria possível caso o professor estivesse em atividade em ambos os cargos e em segunda análise caberia a verificação de que se o regime a que se submete tornaria possível a acumulação. Caso o agente esteja em uma dessas condições sob objeto de análise haverá uma proibição de acumular ambos os proventos e vencimentos, respectivamente. Senão vejamos o entendimento deste Tribunal em seus julgados: “EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROVENTOS E VENCIMENTOS: ACUMULAÇÃO. C.F., art. 37, XVI, XVII. I. – A acumulação de proventos e vencimentos somente é permitida quando se tratar de cargos, funções ou empregos acumuláveis na atividade, na forma permitida pela Constituição. C.F., art. 37, XVI, XVII; art. 95, parágrafo único, I. Na vigência da Constitui ção de 1946, art. 185, que continha norma igual a que está inscrita no art. 37, XVI, CF/88, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal era no sentido da impossibilidade da acumulação de proventos com vencimentos, salvo se os cargos de que decorrem essas remunerações fossem acumuláveis. II. – Precedentes do STF: RE-81729-SP, ERE-68480, MS-19902, RE-77237-SP, RE-76241-RJ. III. – R.E. conhecido e provido. ( RE 163.204/SP , STF, Pleno, rel. Min. Carlos Velloso, DJ 31.03.95).” No mesmo sentido: “EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. ATO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. ILEGALIDADE DA APOSENTAÇÃO. 1. DESNECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. SÚMULA VINCULANTE 3 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 2. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. 3. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA BOA-FÉ. PRECEDENTES. SEGURANÇA DENEGADA. (Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 18/06/2004).” Verifica-se que o entendimento do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido da vedação da acumulação de proventos e vencimentos se não estiverem em conformidade com o dispositivo constitucional. Ocorre que a interpretação da Suprema Corte é rechaçada pela Advocacia Geral da União, tendo em vista que para este órgão há uma interpretação extensiva por parte do Supremo Tribunal Federal do referido dispositivo constitucional, de modo que as decisões recentes não observaram o precedente original, pois neste precedente não houve discussão alguma sobre a questão da compatibilidade de horários para que se possa verificar a possibilidade de acumulação dos cargos. Deste modo, para a Advocacia Geral da União, se o professor que se aposenta no seu cargo recebendo seus proventos e posteriormente ingresse em outro cargo público de professor poderá ele acumular os proventos e os vencimentos, respectivamente, tendo em vista que por estar aposentado em um dos cargos há disponibilidade de tempo, ou seja, compatibilidade de horários, podendo, portanto, acumular vencimentos e proventos. Veja que o Supremo em seus julgados têm uma visão limitadora de direito, ou seja, analisa apenas a acumulabilidade genérica, sem a análise de requisitos adicionais, como a compatibilidade de horários e o regime de contratação. Partindo do pressuposto de que o Supremo não fez análise aprofundada em seus julgados a Advocacia Geral da União, bem como outros órgãos da Administração Pública decidiram por meio de pareceres e notas técnicas analisar os referidos requisitos adicionais citados acima. Assim, sendo vale destacar a posição de cada um deles. Inicialmente a posição da Advocacia Geral da União se baseava no Parecer nº AGU/GQ 145[3], que desde 1º de abril de 1998 vinculou a Administração Pública. Ocorre que após diversas discussões sobre o tema o referido órgão elaborou um novo parecer, sendo este o válido e vinculante atualmente no âmbito da Administração Pública, que é o Parecer AGU nº AC-54/2006[4]. Em suma, este parecer traz dois aspectos importantes, determinando que: I- a acumulação de proventos e de vencimento somente é permitida quando se tratar de cargos, empregos ou funções acumuláveis na atividade conforme disposto na Constituição Federal; e II- em se tratando de acumulação de proventos e vencimento, não incidirá o requisito da compatibilidade de horários.[5] Destaca-se que para a Advocacia Geral da União não há incompatibilidade de horários quando o agente recebe proventos e vencimentos, pois, quando o professor se aposenta em um dos cargos perde o sentido a compatibilidade de horários, porquanto se faz uma análise concreta do caso, e não abstrata como faz o Supremo, ou seja, a interpretação da AGU tem por objetivo garantir o interesse da Administração pelos serviços que são prestados pelo Estado e seus respectivos agentes. Nesse sentido também é a posição do Tribunal de Contas da União proferida na Decisão 322/2001, 2ª Câmara, através do voto do Ministro Benjamin Zymler[6]: “4.Em estando aposentado do primeiro cargo de professor, o interessado pôde exercer o segundo cargo de professor sob qualquer regime previsto no Decreto nº 94.664/87 (20 ou 40 horas semanais ou dedicação exclusiva), sem que com isso tenha incorrido em qualquer incompatibilidade de horários, sendo portanto lícita a opção do interessado pelo regime de dedicação exclusiva. A Segunda Câmara desta Corte, mediante o Acórdão nº 138/2000, por mim relatado, apresentou entendimento semelhante.” Concluindo a análise da compatibilidade de horários percebe-se nitidamente que há posições contrárias entre o Supremo Tribunal Federal, a Advocacia Geral da União e o Tribunal de Contas da União. Deste modo, vale partir para a divergência no que tange ao regime de Dedicação Exclusiva, que é ainda mais polêmica. 2.2.DA DEDICAÇÃO EXCLUSIVA Para iniciar a discussão da possibilidade de acumulação de proventos e vencimentos do professor que se submete ao Regime de Dedicação Exclusiva, é imprescindível apontar quais são os regimes de trabalhos que existem no atual ordenamento, sendo que para tratar disso o Decreto nº 94.664/87[7] em seu art. 14. diz quais são os regimes de trabalho possíveis, trazendo especificamente o que se entende por Regime de Dedicação Exclusiva: “Art. 14. O Professor da carreira do Magistério Superior será submetido a um dos seguintes regimes de trabalho: I – dedicação exclusiva, com obrigação de prestar quarenta horas semanais de trabalho em dois turnos diários completos e impedimento do exercício de outra atividade remunerada, pública ou privada;”     Vale frisar que o conceito de Regime de Dedicação Exclusiva aplicado ao magistério superior é o mesmo adotado para o professor de carreira do Magistério de 1º e 2º graus, conforme previsão no art. 15, I do referido Decreto. Assim sendo, o regime de dedicação exclusiva impede o exercício de outra atividade remunerada pública ou privada, segundo este Decreto. Veja que com base neste Decreto o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão possuía a Nota Técnica nº 83/2014, mediante Parecer/nº 1508-3.17/2013/PPL/CONJUR-MP/CGU/AGU, de 13 de novembro de 2013, que vedava o acúmulo de proventos e de vencimentos caso o professor tenha se aposentado sob o regime de dedicação exclusiva, pois considerava um regime de trabalho mesmo após a aposentadoria e somente quando efetivamente deixasse de receber proventos provenientes da dedicação exclusiva, é que poderia o servidor, em atividade, acumular os respectivos cargos de professor, e, via de conseqüência, se beneficiar, da dupla aposentação.[8] Inclusive o próprio Tribunal de Contas da União, no que tange ao regime de dedicação exclusiva, já se posicionou e se posiciona até o presente momento no sentido de que seria inadmissível acumular proventos e vencimentos quando um deles se submete a tal regime. Veja-se o acórdão[9]: “PESSOAL. APOSENTADORIA. PROFESSOR ADJUNTO. VANTAGEM DO ART. 192, I, DA LEI 8.112/1990. IRREGULARIDADE NO CÁLCULO DA VANTAGEM APÓS ALTERAÇÕES NA CARREIRA. ACUMULAÇÃO DE DUAS APOSENTADORIAS DE PROFESSOR SOB REGIME DE DEDICAÇÃO EXCLUSIVA. INVIABILIDADE. POSSIBILIDADE DE OPÇÃO POR UM DOS BENEFÍCIOS EM REGIME DE DEDICAÇÃO EXCLUSIVA OU DE ACUMULÁ-LOS, DESDE QUE NO REGIME 20 HORAS SEMANAIS. ILEGALIDADE DO ATO. NEGATIVA DE REGISTRO (Acórdão TCU 6620/2013, TCU, 2ª Câmara, 14/11/2013)”.  Ocorre que o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão reviu o seu posicionamento e trouxe novo regramento para o assunto. Segundo a nova Nota Técnica nº 12968-MP no Parecer nº 01119/2016/LFL/CJJRH/CONJUR-MP/CGU/AGU, aprovado pelo Despacho de Aprovação n. 2792/2016/CONJUR-MP/CGU/AGU de 06 de setembro de 2016 é possível a acumulação de remuneração com proventos decorrentes de cargos submetidos ao regime de Dedicação Exclusiva, tendo em vista que quando o servidor que se submete a este Regime quando se aposenta, ou seja, passa à inatividade, não há dedicação de regime de trabalho, pois recebe apenas parcela dos proventos, logo não se submete a uma carga horária específica e não há incompatibilidade, em uma aferição concreta, de que possa exercer outro cargo público sob o regime de Dedicação Exclusiva. Diz o Parecer que se passa a adotar o seguinte entendimento em relação à acumulação de proventos de Professor submetido ao regime de Dedicação Exclusiva, enquanto na ativa: “I – a dedicação exclusiva deixa de ser um regime de trabalho a partir da aposentadoria do servidor, inexistindo, assim, a incidência do requisito de compatibilidade de horários após a aposentação; II – é possível a acumulação de proventos de aposentadoria decorrentes de um cargo de professor em regime de dedicação exclusiva com a remuneração: a) de outro cargo público efetivo, desde que observado o art. 37 da Constituição Federal de 1988; b) de outro cargo efetivo de professor em qualquer regime laboral, inclusive de dedicação exclusiva; c) de cargo técnico ou científico; d) de cargos eletivos; e) de cargos comissionados declarados em lei de livre nomeação e exoneração; f) com a remuneração por exercício de função em entidade privada, entendida como a atividade profissional desempenhada fora da Administração Pública, direta ou indireta, da União, dos Estados, do Distrito Federal e do Município; g) decorrente de contrato por tempo determinado, na função de professor substituto das instituições federais de ensino, na forma do art. 6º, § 1º, inciso I, da Lei nº 8.745/93, caso de acumulação que se fundamenta, também, no art. 37, inciso XVI, alínea "a", e § 10, da Constituição Federal. III – é possível a percepção de dupla aposentadoria decorrente de cargo em regime de dedicação exclusiva, quando: a) o exercício dos cargos tenham ocorrido em períodos distintos e tenham sido observados, em atividade, a vedação do exercício de atividade remunerada paralela e o requisito da compatibilidade de horários. (itens 35 e 36 do Parecer)”. Neste sentido, é possível verificar que a referida Nota Técnica que foi disponibilizada em 15 de setembro de 2016 está em dissonância com o entendimento do Supremo Tribunal Federal em todos os seus aspectos, seja sob a análise da compatibilidade de horários, seja pelo Regime de Dedicação Exclusiva. O Parecer da Advocacia Geral da União emitido pela CONJUR/MP deu interpretação extensiva ao Parecer nº AC-54/2006 no que tange à situação de acumulação de proventos com vencimentos ou de proventos com proventos, ambos sendo decorrentes de cargos de professor que se submetem ao regime de Dedicação Exclusiva. Vale fazer ressalva deste Parecer no que tange à possibilidade acumulação apenas no que tange ao item II, g, da referida Nota Técnica do Ministério do Planejamento, que é o que permite que o professor receba parcela dos proventos do regime de Dedicação Exclusiva caso exerça função de professor substituto decorrente de contrato determinado, tendo em vista que segundo os Tribunais Superiores, especificamente o Superior Tribunal de Justiça há argumento de que por não se tratar de cargo público efetivo não entraria na vedação da acumulabilidade, podendo, portanto, tal possibilidade de acumulação. O Superior Tribunal de Justiça confirmou esta posição em sede de REsp 1.298.503-DF, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 07/04/2015 (Informativo 559).[10] 3.CONCLUSÃO Diante do exposto, resta saber se a recente Nota Técnica nº 12968/2016/MP baseada no Parecer n. 1119/2016/LFL/CGJRH/CONJUR-MP/CGU/AGU terá sustentáculo no atual ordenamento jurídico diante da posição conservacionista do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Contas da União, órgãos estes que possuem posições completamente opostas diante do parecer exarado pela Advocacia Geral da União. O entendimento da Advocacia Geral da União é inovador e visa exaurir todo o tema da acumulabilidade de cargos de professor, tanto no aspecto da compatibilidade de horários, quanto no regime de dedicação exclusiva, de modo que foi devidamente fundamento, tanto no art. 37 da Carta Magna, quanto na Lei 8.112/90 que rege os servidores públicos federais, podendo, inclusive trazer uma possível mudança de entendimento no âmbito do Tribunal de Contas da União e do Supremo Tribunal Federal em análises posteriores acerca do tema.
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Sistema de registro de preços na licitação e a possibilidade do carona
O presente trabalho tem como alvo analisar a figura do carona no Sistema de Registro de Preços na Administração Pública, notadamente, à luz do princípio da obrigatoriedade de licitar. As considerações finais apontaram que a Constituição Federal de 1988 ao determinar que a licitação pública é consequência do princípio da isonomia, e por tal todos os interessados em licitar com o Estado têm o direito de serem tratados com igualdade, de maneira que, o uso do Sistema de Registro de Preços e consulta aos órgãos gerenciadores, embora, racionalize os procedimentos, parece de fato lesionar os princípios constitucionais administrativos da licitação quando utilizado de forma indeterminada. No entanto, os decretos nº 7.892/13 e nº 8.250/14 vieram  regulamentar esses limites e agora parece que a questão do carona foi solucionada, tendo o Governo encontrado um meio-termo que parece ter agradado ao TCU, sem olvidar das necessidades dos órgãos públicos de disporem de um instrumento mais versátil nos processos de contratação.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO Será analisado a figura do carona no Sistema de Registro de Preços pela Administração Pública, notadamente, à luz do princípio da obrigatoriedade de licitar, enfocando a discussão da inaplicabilidade da figura na contratação por órgãos que não participaram da licitação e contratam diretamente com a empresa detentora da Ata de Registro de Preços. O Sistema de Registro de Preços, conhecido pela sigla SRP, tem previsão legal no art. 15, II c/c § 3º da Lei nº 8.666/93, e é atualmente regulamentado pelo Decreto nº 7.892, de 23 de janeiro 2013 (que sofreu alterações pelo decreto nº 8.250), que revogou o Decreto nº 3.931/2001, de 19 de setembro de 2001, que por sua vez, revogou o Decreto nº 2.743, de 21 de agosto de 1998. Vale consignar, que não por isso, mas, perfeitamente possível, a adesão, comumente chamada de carona no registro de preços, é legal, já que há legislação pertinente à matéria, além de ser comum que órgãos da Administração direta e indireta de um mesmo ente juntem-se para realizar uma única licitação para registro de preços e serviços, se for de interesse comum. Cumpre reconhecer que para os agentes administrativos a adesão à ata de registro de preços, apelidado de carona, é cômodo, tendo em vista, evitar a montagem de processo de licitação, evita ainda, questionamentos ou impugnações ao edital, a republicação, enfim. Porquanto os desobriga de promover licitação. Em vez de lançar processo licitatório com todos os desgastes e riscos que lhe são inerentes, basta achar alguma ata de registro de preços pertinente ao objeto que se pretenda contratar, e, se as condições da referida ata forem convenientes, contratar diretamente, sem maiores burocracias e formalidades. A Lei de Licitações, coroando as normas-princípios trazidas no seio constitucional, elencou os diversos princípios administrativos aplicáveis à Licitação, sejam os básicos, ou mesmo os correlatos, todos aqui relacionados e analisados à luz da melhor doutrina e jurisprudência nacional. Havendo ingerência, inobservância do Estado face ao respeito e observância dos princípios licitatórios, especialmente do princípio da obrigatoriedade de licitação há responsabilidade daquele para com o princípio da isonomia e legalidade. Isto porque, a licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e dos princípios que lhes são correlatos. Ao analisar-se inicialmente a relação entre a figura do carona no sistema de registro de preços e o princípio da obrigatoriedade de licitar, é de se ter que, em princípio, deve a lei ser respeitosa aos princípios, da mesma forma que assim o deve ser com qualquer outra norma de conteúdo constitucional, em obediência a um outro princípio, qual seja, o da isonomia normativa, que coloca as disposições constitucionais no topo do sistema jurídico.  Por tudo isso, a Carta Federal de 1988, pode-se observar o agigantamento da mesma, e assim, a obrigatoriedade do procedimento licitatório nas contratações de serviços e aquisições de bens feitos pela Administração teve o seu berço na Constituição Federal, transplantada para a Lei nº 8.666/93, permitindo esta, também com base constitucional, a previsão da exceção de não licitar, abrangendo a licitação dispensada, licitação dispensável e a inexigibilidade de licitação. De forma ampla, o princípio da obrigatoriedade de licitação, devidamente consignado no art. 37, XXI da CF/88, exprime a ideia de lei como ato supremo e preponderante sobre qualquer direito de outra natureza. Este, como dito, é algo maior que as normas, já que não necessitam, no entanto, estar descritos na letra da lei; transcendem eles o campo aleatório da vontade do legislador, para, em nome da segurança jurídica, firmarem-se como postulados de todo e qualquer ordenamento que preze pela manutenção da Democracia e do Estado de Direito. Objetiva-se com o presente trabalho, analisar a aplicabilidade da figura do carona no Sistema de Registro de Preços na Licitação face aos princípios da Administração Pública e licitatórios. Especificamente abordar os fundamentos jurídicos legais da licitação no Brasil, no que toca especialmente o Sistema de Registro de Preços, ponderando a sua importância substancial para o Estado Democrático de Direito; interpretar a Figura do carona no sistema legal constante da Lei nº 8.666/93, considerando a sua juridicidade no Sistema como norma constitucionalizada; por fim, analisar o princípio da obrigatoriedade da licitação correlacionando a figura do carona levando em conta que princípios são normas constitucionalizadas de eficácia absoluta. Apesar das críticas doutrinárias, é possível a figura do carona, pois além de ser uma forma de otimizar as contratações realizadas pelos entes públicos é absolutamente admitida no ordenamento jurídico brasileiro. As considerações finais encerram a exposição da discussão acerca do tema, tratando das posições perpetradas pelo TCU ao longo dos últimos anos e mostrando que ele não foi contrário à figura do carona, apenas foi inserindo restrições. Assim, com o advento dos decretos nº 7.892/2013 e nº 8.250/14, parece que a questão do carona foi solucionada, tendo o Governo encontrado um meio-termo que parece ter agradado ao TCU, sem olvidar das necessidades dos órgãos públicos de disporem de um instrumento mais versátil nos processos de contratação. 1. Princípios constitucionais da Administração Pública Os princípios elencados na Constituição Federal do Brasil de 1988, denominados de princípios da Administração Pública brasileira, também foram trazidos para a Lei 8.666, a qual trás em seu art. 3º os seguintes princípios: “Art. 3o  A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.” (Redação dada pela Lei nº 12.349, de 2010)[1].  Necessário diferenciar o princípio da legalidade exposto no art. 5º da CF/88 que expõe o princípio da legalidade para os particulares de um modo em geral. “Art. 5º. (…) II – Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; (…)”. Conforme esse princípio toda conduta é permitida com exceção àquelas que são expressamente coibidas por lei”[2]. Entretanto, se estar a analisar os princípios licitatórios que fazem parte da Administração Pública do Brasil. Logo, o princípio da legalidade administrativa, determina que toda a ação da administração pública, obedecerá expressamente ao que determina a lei, sendo este muito mais restritivo que o principio da legalidade para o particular. O dever de licitar está constitucionalmente elencado no art. 37 XXI: “Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”[3]. Assim, a Lei de Licitação é a nº 8.666/93, que também elenca os casos excepcionais, nos seus artigos 24 e 25, que constituem as hipóteses de inexigibilidade, dispensa, licitação dispensada e vedação. O art. 37 da carta magna traz como finalidade a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração e o atendimento do princípio da isonomia. Ademais, deverá preservar a sua margem de lucro, sendo a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos uma garantia constitucional. E por fim, o instrumento convocatório não pode exigir condições desproporcionais para participação no certame, do contrário, poderão ser consideradas nulas, e conforme Mazza[4], elas poderão ser objeto de impugnação por qualquer cidadão de acordo com art. 41, parágrafo 1º da Lei de Licitação. Para o Direito Público, o princípio da legalidade determina que a administração pública se exerça em conformidade da lei. Sendo tal atividade sublegal, infralegal, consistente na expedição de comandos complementares à lei. No Estado Democrático de Direito, como o Brasil, o princípio da legalidade é o basilar de todo um sistema. O princípio é a garantia constitucional, isto é, que a Administração Pública adstrita ao princípio da legalidade, e somente a lei, única expressão legítima da vontade geral do povo pode criar, autoriza ou modificar algo dentro do ordenamento jurídico pátrio. A impessoalidade em um Estado Democrático de Direito se pauta na lei e não leva em conta os interesses individuais e coletivos de todos os administrados, e não de pessoas determinadas. O princípio possui duplo conceito: a finalidade da autuação da administração e a vedação à promoção pessoal do administrador público. Tal princípio traduz a ideia de que toda atuação administrativa tem como objetivo satisfazer o interesse público. A moralidade diz respeito à obediência às regras da boa administração, tendo em vista a missão à qual a administração pública está afeta, e associada às ideias de função e de interesse público.  A moralidade jurídica é diferente da moralidade social, pois esta se refere ao senso comum enquanto aquela está ligada ao conceito do bom administrador. Assim, o art. 37 dispõe que a Administração Pública de qualquer dos Poderes deverá obedecer, entre outros, o princípio da moralidade. O art. 37, § 4°, determina que os atos de improbidade administrativa dos servidores públicos acarretam à suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário. O conceito de moralidade deve ser estruturado do próprio conceito de moralidade vigente em uma determinada sociedade em uma determinada época. A transparência é a regra geral e os atos administrativos devem ser motivados. O princípio da publicidade dos atos e contratos administrativos, assegura os efeitos externos, proporciona conhecimento e controle pelos interessados diretos e pelo povo em geral. A eficiência funciona como meio de controle de atividades meio, como condição para a celebração de contratos administrativos. A eficiência está voltada para a melhor maneira pela qual as coisas devem ser feitas ou executadas (métodos), a fim de que os recursos sejam aplicados da forma mais racional possível. Tal princípio se tornou expresso com o advento da Emenda Constitucional 19/98. 1.1. Princípios norteadores da licitação O instrumento de convocação é a regra (o edital), trazendo como exceção o convite, que a lei impõe um procedimento mais simplificado, qual seja: a carta convite. Hely Lopes Meirelles já mencionava que “o edital é a lei da licitação” [5]. Apenas temos que tomar cuidado com essa assertiva, pois o edital não é lei, mas sim um ato administrativo, submisso à lei, devendo estar de acordo com os parâmetros legais. O instrumento convocatório deve estabelecer de forma clara e precisa, qual critério será utilizado para a seleção da proposta vencedora. Os critérios deverão ser objetivos a ponto de não se subsumir à escolha dos julgadores. “O administrador não se deve valer de critérios que não estejam previamente delimitados no edital para definição do vencedor do certame” [6]. O princípio do sigilo das propostas não vai de encontro ao da publicidade do art. 37 da constituição da república, pois a licitação é publica, entretanto, as propostas apresentadas pelos licitantes são sigilosas até a data da abertura dos envelopes, a ser realizada em sessão pública. O agente público deve gerenciar os recursos públicos de forma menos onerosa possível à administração. É a escolha correta do que fazer atribuindo metas, ou seja, atributos mensuráveis de objetivos, a serem efetivamente atingidos num determinado período de tempo. Conforme art. 3º, parágrafo primeiro da lei n. 8666/93, é indispensável um tratamento igualitário entre os licitantes no bojo da licitação. Adota-se, então, a isonomia em seu aspecto material, ou seja, tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades. 2. Processo licitatório na Constituição Federal de 1988 e na Lei nº 8.666/93 O inciso XXI do artigo 37, a Constituição Federal prevê, no artigo 22, inciso XXVII, a competência da União para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as Administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais das diversas esferas de governo, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do artigo 173, § 1.º, III. A Lei 8.666, de 21.06.1993, com as alterações trazidas pela Lei 8.883, de 08.06.1994, pela Lei 9.648, de 27.05.1998, e pela Lei 9.854, de 27.10.1999, regulamenta o inciso XXI do artigo 37 da CF, instituindo normas para licitações e contratos da Administração. O art. 118 determina que os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e entidades da Administração indireta adaptem suas normas de licitação e contratos ao disposto na mesma. A Lei 10.520, de 17.07.2002, institui a modalidade de licitação denominada pregão, âmbito da União, estados, Distrito Federal e Municípios[7].  No tocante às sociedades de economia mista, empresas e fundações públicas, entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, o artigo 119 da Constituição Federal de 1988, prevê que editarão regulamentos próprios observados as disposições da Lei 8.666/93; tais regulamentos, depois de aprovados pela autoridade de nível superior a que estiverem vinculadas àquelas entidades, deverão ser publicados na imprensa oficial.  Por seu lado, o artigo 173, § 1.º, III, da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda 19/98, prevê que as empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias que explorem atividades econômica, na licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observarão os princípios da Administração, conforme a lei que estabelecerá seu estatuto jurídico. Note-se que o inciso III determina, para aquelas estatais, somente a observância dos princípios da Administração Pública, o que sugere que terão um regime de licitação e contratação diferente do regime das estatais prestadoras de serviços públicos. A leitura do inciso XXVII do artigo 22 da Constituição Federal também propicia esse entendimento. Enquanto não se editar o estatuto jurídico das estatais, as licitações e contratações dessas entidades continuam a reger-se pela Lei 8.666/93. As obras, serviços, compras e alienações realizadas pelos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário e dos Tribunais de Contas, regem-se pelos preceitos da Lei 8.666/93, nas três esferas conforme artigo 117. Para as concessões e permissões de serviço público de acordo com a Lei 8.987, de 13.02.1995, em seu art. 18, caput – lei das concessões -, estabelece processo licitatório específico, aplicando-se, no que couberem, os critérios e normas gerais da Lei 8.663/93. Neste contexto, entende-se que licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração. Será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. 2.1. Sistema de registro de preços Na esfera administrativa federal e em termos de normas gerais aplicáveis a todas as entidades federadas, o sistema de registro de preços é disciplinado pelo art. 15 da Lei Federal n° 8.666/93. Tal artigo é um dispositivo híbrido em relação ao objeto e aos destinatários dos seus comandos. Assim, contêm normas específicas, que obrigam somente a União, ou seja, incidem apenas na área administrativa federal (caput, inciso II e 2°), e outras normas, de caráter geral, impositivas também para os estados-membros, Distrito Federal, municípios e entidades das respectivas administrações indiretas, se pretenderem adotar o sistema de registro de preços. Nesse sistema, previsto em Lei a Administração Pública indica o objeto que pretende adquirir e informa os quantitativos estimados e máximos pretendidos. Diferentemente, porém, da licitação convencional não assume o compromisso de contratação, nem mesmo de quantitativos mínimos. Dessa forma, a contratação apenas se consuma se o licitante se comprometer a manter, no período do prazo estipulado, a disponibilidade do produto nas quantidades pretendidas. Outrossim, conforme decisão do Tribunal de Contas da União também pode ser utilizada para objetos que dependem de outras variáveis inibidoras do uso da licitação convencional, se o objeto já houver sido licitado pelo Sistema de Registro de Preços caberá apenas expedir a nota de empenho para consumar a contratação. O sistema de aquisição por preços registrados viabiliza a antecipação do gestor frente às dificuldades e condução do procedimento licitatório com vários meses de antecedência, evitando as sistemáticas urgências de atendimento. Não é, portanto, por acaso que vem ocupando cada vez mais espaço como procedimento de trabalho. É mister trazer à baila que a existência de registros de preços não vincula a Administração a firmar contratações que advinda deles, sendo facultada a utilização de outros meios, assegurado ao beneficiário do registro a preferência em igualdade de condições. Neste diapasão, faz-se entender que, o procedimento a ser adotado pelas entidades administrativas que se pretendem utilizar do sistema de registro de preços será de livre delineamento por elas, em decretos regulamentadores ou outros instrumentos equivalentes, conforme a respectiva natureza jurídica. Ressalta-se que, é sempre obrigatória a inclusão da realização de, pelo menos, uma ampla pesquisa de mercado antes da concorrência e da publicação periódica dos preços registrados, além da obediência às condições impostas nos incisos do § 3º do art. 15 da Lei das Licitações. Menciona-se que a lei impõe a realização de uma ampla pesquisa de mercado antes do registro de preços, mas, em termos práticos, apenas, uma não é suficiente, já que o andamento do sistema só é viável por intermédio da efetivação reiterada dessas pesquisas em épocas economicamente convenientes. Os regulamentos disciplinadores dos procedimentos de registro de preços deverão estabelecer a sua periodicidade. Nesse passo, de acordo com a letra da lei licitatória, serão detalhes obrigatórios nos instrumentos regulamentadores do procedimento do registro de preços: 1) a determinação de que a licitação precedente ao registro seja sempre na modalidade de concorrência, independentemente do valor do objeto; 2) a enunciação da maneira pela qual serão efetuados o controle e a atualização dos preços registrados, 3) o estabelecimento do prazo máximo de 1 (um) ano para a validade do registro. Abordaremos esses assuntos pormenorizadamente, mais adiante, bem como a possibilidade de utilização do pregão para registrar os preços[8]. Justen Filho[9] corrobora afirmando que da determinação contida no § 4º do art. 15 da Lei n.° 8.666/93 decorrem algumas das principais características do sistema de registro de preços, a saber: 1) descrição quantitativa do objeto sempre em termos estimativos e aproximados, tanto no edital da concorrência que antecede o registro dos preços quanto na ata em que este é formalizado; 2) inexistência, da fase de adjudicação e, conseguintemente, impossibilidade de a Administração licitadora se utilizar da ata existente para as suas aquisições, podendo adotar outras formas para a efetivação destas. Assim, além do art. 15 da Lei Federal das Licitações, deverão ser consideradas integrantes da fundamentação legal do sistema de registro de preços as disposições legais que o instituírem em outras entidades administrativas e aquelas que nelas regulamentarem seu procedimento. Esses mandamentos legais e infralegais deverão ser elaborados de acordo com a natureza jurídica da pessoa de direito público no cenário federativo e administrativo do Estado brasileiro e em atendimento às suas peculiaridades e necessidades. Dessa forma, compreende-se que o registro de preços é um procedimento que a Administração pode adotar perante compras rotineiras de bens padronizados ou mesmo na obtenção de serviços. Neste caso, como presume que irá adquirir os bens ou recorrer a estes serviços não uma, mas múltiplas vezes abre um certame licitatório em que o vencedor, isto é, o que ofereceu a cotação mais baixa, terá seus preços registrados. Ao revogar o Decreto anterior de 2001, o decreto nº 7892 de 2013, define os institutos do Sistema de Registro de Preços, em seu artigo 2º. Dessa forma, pode-se iniciar a conceituação na busca da essência e consequentemente abordar a polêmica categoria inserida em tal sistemática que são os órgãos não participantes. Como se pode observar, houve uma mudança em relação ao conceito de órgão participante que no decreto de 2013 mencionava órgão ou administração pública federal para participar dos procedimentos iniciais do Sistema de Registro de Preços e integrar a ata de registro de preços, sendo modificado pelo decreto nº 8.250 de 2014, excluindo-se o termo “federal”. Assim corrobora Vianna: “(…) uma vez que é permitido que órgãos ou entidades integrantes dos Estados, DF e Municípios, participem de atas de registro de preços promovidas pela esfera federal. O novo texto deixa clara tal possibilidade, de que os órgãos que integrarem as atas da Administração Pública Federal, como órgãos participantes, possam ser de qualquer esfera governamental. Vale lembrar que, consoante as normas federais, é possível tanto que órgãos participantes quanto órgãos não participantes de atas geridas pela Administração Pública Federal, sejam órgãos federais, estaduais ou municipais; o que o regulamento não autoriza são os órgãos federais a aderirem às atas geridas por municípios ou estados”[10]. 3. Inovações relevantes dos decretos nº 7.892/13 e nº 8.250/14 no que tange à figura do carona No ano de 2012, o novo Acórdão TCU nº 1233/2012 – Plenário, ratificou o posicionamento do MPOG (Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão) com relação à obrigatoriedade de os órgãos estimarem os quantitativos máximos a serem contratados não apenas pelo gerenciador, mas também como pelos caronas, em função do disposto no art. 9, II do Decreto nº 3.931/2001.   Neste contexto, houve uma alteração na sistemática do Sistema de Registro de Preços, no tocante à adesão ilimitada de caronas às Atas de Registro de Preços. Para Vivas[11], foi em 2013, que o Governo Federal, através do Decreto nº 7.892, revogou expressamente o Decreto nº 3.931/2001, que finalmente, regulamentou o Sistema de Registro de Preços, sobre a questão dos caronas. Pelo novo Decreto, o Edital deve prever que o quantitativo decorrente das adesões por órgãos não participantes (caronas) que não poderá exceder, a totalidade, do quíntuplo do quantitativo de cada item registrado na Ata de Registro de Preços para o órgão gerenciador e órgãos participantes, independente do número de caronas que aderirem (art. 22, § 4º)[12].  Segundo Vivas[13], o Decreto nº 7.892/2013 inova ao exigir que o órgão gerenciador somente autorize a adesão à Ata após a primeira aquisição ou contratação por órgão integrante da ata, exceto quando, justificadamente, não houver previsão no edital para aquisição ou contratação pelo órgão gerenciador (art. 22, § 5º). Além disso, após a autorização do órgão gerenciador, o carona deverá efetivar a aquisição ou contratação solicitada em até noventa dias, observado o prazo de vigência da Ata (art. 22, § 6º). No entanto, o parágrafo quinto do art. 22 foi revogado pelo decreto nº 8250 de 2014, com isso tal requisito não mais subsiste. Não é mais necessário que o item ou o lote tenham sido objeto de efetiva compra ou contratação pelo órgão gerenciador ou pelos participantes, podendo ser autorizada a adesão atendidos os demais requisitos[14]. Além da limitação dos caronas, o Decreto nº 7.892/2013 (arts. 4º e 5º, I) obrigou o órgão gerenciador promover a Intenção de Registro de Preços – IRP, que se trata de um procedimento operacionalizado para registro e divulgação dos itens a serem licitados pelo órgão gerenciador para permitir que eventuais órgãos participantes manifestem interesse em participar do registro de preços[15]. Entende-se que o fato se trata de uma forma de induzir o melhor planejamento das contratações no âmbito da Administração Pública Federal, que busca aglutinar as demandas de diversos órgãos para obtenção de um resultado mais vantajoso.  E pelo art. 4º do decreto 8.250 de 2014 é possível a dispensa do IRP se houver justificativa pelo órgão gerenciador. Como já exposto anteriormente, o art. 2º do decreto de 2013 sofreu algumas alterações pelo mais novo decreto de 2014, quais sejam: o inciso IV teve o vocábulo “federal” suprimido, isso implica dizer que é possível que órgãos ou entidades integrantes dos Estados, DF e Municípios, participem de atas de registro de preços promovidas pela esfera federal. Mas, não autoriza os órgãos federais a aderirem às atas geridas por municípios ou estados. Outrossim, foram incluídos os incisos VI e VII que versam sobre a compra nacional e o órgão participante de compra nacional. A compra nacional são projetos nacionais desenvolvidos pelo governo federal por meio de convênios com os demais entes federados, por meio de registro de preços participarão da mesma ata de registro implantada pelo órgão gerenciador, observando a demanda de cada participante para limitar aos quantitativos máximos estimados. Com o inciso VI não mais precisa da manifestação formal, devendo, contudo, indicar previamente suas demandas. O novo decreto altera o inciso IV do art. 5º incluiu a competência do órgão gerenciador na realização de pesquisa de mercado e na consolidação das pesquisas de mercado efetuada e enviadas pelos órgãos participantes também nos casos de compra ou contratações nacionais. Também foram incluídos seis parágrafos ao artigo 6º, que de maneira geral que estabelecem que o órgão gerenciador deve divulgar a ação da compra nacional, a pesquisa de mercado e a consolidação da demanda dos órgãos e entidades da Administração Direta e Indireta da União, Estados, DF e Municípios, ficando facultado ao órgão/entidade participante do projeto (beneficiados) a utilização da ata de registro de preços, desde que comprovada a vantajosidade em sua utilização, podendo, ainda utilizar nas compras os recursos oriundos de transferências obrigatórias ou voluntárias da União, transferidos em prol do projeto/programa de governo ou, a utilização de recursos próprios[16]. O art. 4º parágrafo primeiro também foi modificado, permitindo a dispensa do IRP se o órgão gerenciador motivar. Também a possibilidade de limitar o número de órgão participantes conforme a capacidade de gerenciamento, aceite ou recusa de quantitativos ínfimos ou novos itens e deliberar quanto à inclusão posterior de participantes que não manifestaram interesse durante o período de divulgação da IRP. É facultado aos órgãos ou entidades do SISC, antes que seja implantada uma nova licitação de registro de preços, poder consultar as IRPs em andamento e analisar conforme a sua conveniência ou até poder criar a sua conforme o parágrafo sexto do art. 4º. O prazo de noventa dias trazido pelo o novo inciso XI do art. 5º poderá ser prorrogado, o carona deverá solicitar ao órgão gerenciador que dilatará ou não o prazo que o carona possui para concretizar a compra ou contração após aprovada sua adesão na ata de registro de preços. Como já mencionado, o registro de preços somente pode ser utilizado de licitação pregão ou concorrência.  No que tange ao tipo, se for no pregão só é possível o menor preço, conforme art. 4º, X, da lei 10.520/02. Porém com o novo decreto, a possibilidade de adoção do tipo técnica e preço nos sistemas de registros de preços só poderá ser feito na modalidade concorrência. Nesse rumo, foi incluso no artigo 9º parágrafo 4º a exclusividade da assessoria jurídica do órgão gerenciador a análise Exame e aprovação do edital e minuta contratual, não necessitando de passar por nenhuma outra assessoria, em nome da eficiência. Outrossim, a nova redação do art. 13 prevê que apenas o fornecedor vencedor será convocado para assinar a ata de registro de preços tendo seu extrato publicado e início de seus efeitos. O cadastro de reserva (os demais licitantes que aceitarem fornecer ao preço do vencedor) serão incluídos na ata da sessão do pregão ou concorrência, como forma de anexo. Por fim, o parágrafo 5º do art. 22 foi revogado, o carona não precisa mais ter feito qualquer compra ou contratação com o órgão gerenciador ou por algum órgão participante do item de interesse do carona. Sendo assim, o decreto nº 8.250 de 23 de maio de 2014 não revoga o decreto nº 7.892, de 23 de janeiro de 2013, mas veio para alterá-lo, regulamentando o Sistema de Registro de Preços previsto no art. 15 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Dando mais força a possibilidade de adesão à ata de registro de preços (a figura do carona). 3.1. A figura do carona no ordenamento jurídico brasileiro É cediço que nos termos da Carta Magna vigente, somente à lei compete inovar ao ordenamento, criando e extinguindo direitos e obrigações, o que não pode ser feito por um diploma legal hierarquicamente inferior, como é o caso do decreto, cuja missão precípua e exclusiva é de regulamentar as regras criadas por lei[17]. O carona é segundo Reis[18] órgão/entidade da Administração que não participou da licitação para registro de preços, nem como gerenciador, tampouco como participante. O fornecedor do carona é uma empresa que assegurando ao órgão gerenciador a certeza da disponibilidade do objeto, ainda pode, se for da sua conveniência, suportar a demanda de outros órgãos, pelo mesmo preço declarado na licitação como proposta mais vantajosa. Em determinado momento, precisando adquirir um bem ou contratar um serviço comum, a Administração, em estando obrigada a, nos termos do ordenamento jurídico vigente, realizar licitação, poderá evitar esse procedimento aderindo a uma Ata de Registro de Preços que esteja dentro do seu prazo de validade. Nesse contexto, apresenta-se aí uma inovação trazida pelo Decreto regulamentador do Sistema de Registro de Preços, pois a Lei nº 8.666/93 sequer cogita da existência do carona. Observa-se, portanto, que após ressalvar os casos de contratação direta e impor, como regra, o princípio da licitação, a Constituição Federal define os limites licitatório, mas em nenhum momento obriga a vinculação de cada contrato a uma só licitação ou, ao revés, de uma licitação para cada contrato. A figura do carona redundou na possibilidade de um licitante vencedor para o fornecimento de um quantitativo determinado de bens fosse contratado por um universo indefinido de órgãos e entidades públicas, durante a vigência da Ata, passando a fornecer uma quantidade muito maior daqueles bens, sem implicar diminuição de preço diante da escala contratada.  Permite-se ao carona que diante da prévia licitação do objeto semelhante por outros órgãos, com acatamento das mesmas regras que aplicaria em seu procedimento, reduzir os custos operacionais de uma ação seletiva.  Fernandes[19] utiliza como fundamento autorizatório do carona, o inciso VII, do artigo 24, da Lei de Licitações. Essa perspectiva procedimental fica ao alcance de formatações de modelos: no primeiro, é possível conceber mais de uma licitação para um só contrato, como na prática se vislumbra com o instituto da pré-qualificação em que a seleção dos licitantes segue os moldes da concorrência, para só depois licitar-se o objeto, entre os pré-qualificados; no segundo, a figura do carona para em registros de preços ou a previsão do art. 112 da Lei nº. 8.666/93. É precisamente nesse ponto que são olvidados pressupostos fundamentais da licitação enquanto processo: a finalidade não é servir aos licitantes, mas ao interesse público; a observância da isonomia não é para distribuir demandas uniformemente entre os fornecedores, mas para ampliar a competição visando a busca de proposta mais vantajosa. Segundo Ferreira[20], Inobstante possíveis questionamentos acerca de legitimidade de um  Acórdão do TCU dispor em sentido contrário ao Decreto nº 3.931/2001 (art. 8º, § 3º), fato é que a figura do carona pelo fato de não se encontrar previsto na Lei nº 8.666/93, compete ao TCU examinar a legalidade dos atos da Administração Pública quando da celebração de seus contratos. Desta forma, em outras palavras, nada mais fez o TCU senão dizer que as adesões ilimitadas não encontram amparo na lei, respeitando-se, portanto, o princípio da legalidade[21].  Nessa toada, a problemática criada pela figura do carona se justifica na falta de limites para adesões a atas de registro de preços, gerando situações abusivas que vão de encontro aos princípios constitucionais da Administração Pública e da própria lei nº 8.666/93. Adverte Barroso[22] que os fornecedores não são prejudicados com isso, porque os prazos determinados no edital e na ata para a entrega do objeto são sempre suficientes para que providenciem o material, produto ou gênero pretendido, não sendo necessário que mantenham grandes quantidades estocadas. Por outro lado, os fornecedores são beneficiados pelo sistema de registro de preços, porque com ele têm oportunidade de vender muito mais do que com as licitações comuns. Por outro lado, parafraseando Barroso[23] observam-se as reiteradas tentativas de utilização do instrumento de modo escuso e/ou irresponsável notadamente quanto ao uso do permissivo de utilização de Atas de Registro de Preços por órgãos não participantes da competição (os chamados caronas), motivou que o Tribunal de Contas da União (TCU) determinasse ao Poder Executivo a imediata revisão do diploma regulamentar nesse aspecto objetivando estabelecer limites para a adesão a registros de preços realizados por outros órgãos e entidades, preservando-se dessa forma, os princípios da competição, da igualdade de condições entre os licitantes e da busca da maior vantagem para o Poder Público. Não é novidade, que a Carta Política de 1988 exige-se licitação para contratos de obras, serviços, compras e alienações, concessão e a permissão de serviços públicos, conforme analisado neste capítulo. Contudo, o artigo 8º e seus parágrafos do Decreto Federal de nº 3.931/01, parece aviltarem flagrantes desrespeitos a princípios administrativos e, sobretudo, licitatórios. Depois de ressalvar os casos de contratação direta e impor, como regra, o princípio da licitação, a Constituição Federal de 1988 define os limites desse procedimento, mas em nenhum momento obriga a vinculação de cada contrato a uma só licitação ou, ao revés, de uma licitação para cada contrato. Desse modo, é juridicamente possível estender a proposta mais vantajosa conquistada pela Administração Pública como amparo a outros contratos. O carona no processo de licitação é um órgão que antes de proceder à contratação direta sem licitação ou a licitação verifica já possuir, em outro órgão público, da mesma esfera ou de outra, o produto desejado em condições de vantagem de oferta sobre o mercado já comprovadas. Permite-se ao carona que diante da prévia licitação do objeto semelhante por outros órgãos, com acatamento das mesmas regras que aplicaria em seu procedimento, reduzir os custos operacionais de uma ação seletiva. CONCLUSÃO Face ao exposto, pode-se concluir que o sistema registro de preços foge da sistemática geral, trazendo um procedimento que apresenta diversas particularidades, presentes a facilitar o gerenciamento de contratos, sobretudo nas situações em que a necessidade da Administração em relação a determinados bens é contínua, como ocorre com a aquisição de material de expediente, por exemplo. Neste contexto com o advento dos nº 7.892/2013 e nº 8.250/14, parece que a questão do carona foi solucionada, tendo o Governo encontrado um meio-termo que parece ter agradado ao TCU, sem olvidar das necessidades dos órgãos públicos de disporem de um instrumento mais versátil nos processos de contratação.
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Privatização de presídios em Pernambuco: solução para o colapso do sistema prisional e para a ressocialização efetiva dos apenados
Resumo – Este artigo busca demonstrar que a adoção ao Sistema de Privatização de Presídios em Pernambuco é uma possibilidade viável e a solução adequada para acabar com a crise em que se encontra, pois diuturnamente são violadas normas de Direitos Humanos constantes na Constituição da República, como as explicitadas nos artigos 1º, III, e 5º, caput, III e XLIX, respectivamente, culminados com a Lei de Execução Penal – Lei nº 7.210/84, face o sistema existente não cumprir a desejada ressocialização dos apenados. Para tal, pretende-se provar que a meta almejada será através da adesão à Parceria Público Privada (PPP), comprovando-se ser uma alternativa de menor custo para manutenção e economia à Administração Pública. Logo, serão explanadas as causas resultantes para o surgimento das PPP’s, sua implantação e execução em Sistemas Prisionais dos Estados Unidos, Europa e América Latina, como a PPP através da Lei nº 11.079/04 surgiu no Sistema Prisional Brasileiro, seus tipos e os modelos em andamento. Por fim, a metodologia utilizada foi a bibliográfica, além do uso de jurisprudência, da análise de matérias publicadas em diversos veículos de comunicação – jornal, revista e site de notícia, enquadrando-se na análise da apresentação de dados já estabelecidos e fazendo uso do silogismo.[1]
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO Este trabalho versará sobre a defesa de que a adoção ao Sistema de Privatização de Presídios, através da Parceria Público Privada (PPP), pelo Estado de Pernambuco será uma medida eficaz ao falido Sistema Prisional vigente – o qual está sob a tutela exclusiva da Administração Pública, onde são transgredidos cotidianamente direitos básicos dos apenados, falhando-se assim na reabilitação desses, conforme preconizam a nossa Carta Magna e a Lei de Execução Penal – Lei nº 7.210/84. Além de gerar economia aos cofres públicos e haver o cumprimento de Princípios Constitucionais, como os da Eficiência da Gestão Pública. Para tal, será dissertado sobre o conceito de PPP, como foram editadas as leis para o seu uso, como essa vem sendo aplicada em Sistemas Prisionais do Brasil e em outros países, face já ser uma realidade, pois esta prática ocorre hodiernamente em aproximadamente 200 presídios no mundo – sendo metade deles nos Estados Unidos. Igualmente, será debatida a atual condição do Sistema Prisional pernambucano e as falhas pela não introdução ainda da PPP. Assim sendo, a hipótese central deste artigo é a de que a Política de Privatização de prisões, ao se apresentar como resposta aos graves problemas pelos quais atravessam o atual Sistema Penitenciário de Pernambuco, comprovará a grande promessa do Direito Penal moderno, cuja pena privativa de liberdade de um lado deve ser justa, ao fundar-se no exame da culpabilidade do ato praticado, tal como, induz na conquista final da real reabilitação do apenado. Além de ser uma alternativa a qual resultará numa melhor gestão e economia aos cofres da Administração Pública, em razão de acarretar em uma menor presença – tempo – dos condenados cumprindo as penas impostas em regime fechado ou no semiaberto; e, por conseguinte, uma solução ao cumprimento das normas editadas pelos Direitos Humanos, as quais são transgredidas dia após dia nas centenas de estabelecimentos prisionais existentes não somente em Pernambuco, mas no país em seu contexto geral. Por fim, a metodologia utilizada foi o uso de bibliografias, fazendo-se uso ainda de jurisprudências, além de pesquisa qualitativa através da análise de matérias publicadas em diversos veículos de comunicação nacionais envolvendo o colapso do supramencionado Sistema Prisional pernambucano, avaliando-se também através de dados existentes no presente sobre o tema. 1.CONCEITO E TIPOS DE SISTEMA DE PARCERIA PÚBLICO PRIVADA (PPP) NO BRASIL E NO MUNDO Seguindo uma tendência mundial, o Brasil[2] vislumbrou a necessidade de implantar mudanças em sua máquina estatal, entre as décadas de 80 e 90 do Século XX. Para tal, elencou objetivos como a conquista do patamar de economia das verbas públicas; a fomentação e adesão a ideias inovadoras para a gestão governamental; além da realização da reforma fiscal, focando o cumprimento de Princípios Constitucionais basilares, como os da Eficiência e da Continuidade da Prestação do Serviço Público, respectivamente. Destarte, introduziu a ideologia da Privatização como resposta aos objetivos pretendidos e, como colacionou Azevedo[3] seguiu-se a tendência “[…] da desintervenção do Estado na economia e as duas gerações de keynesianismo foram superadas pelas correntes neoliberais e/ou monetaristas”. Nóbrega[4] relata profundamente como o país aderiu à Privatização tendo como marco inicial o ano de 1995, quando foi criado o Plano Diretor da Reforma Estatal, cujas bases vislumbraram a necessidade de dividir a gestão do espaço público com a iniciativa privada, segmentando o aparelho estatal em setores, num total de 04 (quatro): Núcleo Estratégico, Atividades Exclusivas, Serviços Não Exclusivos e Produção de Bens e Serviços para o Mercado. Tal iniciativa configurou como uma mudança de paradigmas na Administração Pública, fazendo com que o Estado passasse do status de prioritariamente intervencionista para regulador. Logo, ficou evidenciado que o Estado pecava na promoção de infraestrutura econômica e social, sendo de suma importância aderir à privatização através da concessão do serviço público ao privado – Parceria Público Privada (PPP). Esta se trata de um acordo entre a Administração Pública e um particular, onde a primeira transfere ao segundo a execução de um serviço público, passando este a exercer em seu próprio nome e por sua conta e risco, mediante tarifa paga pelo usuário, diferindo-se da permissão, pois esta consiste em um ato unilateral, precário e discricionário por parte do Poder Público. De acordo com a Constituição Federal, em seu artigo 175, "[…] incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos". E a concessão de serviço público ficou disciplinada através das Leis nº 8.987/95 e nº 9.074/95[5], havendo ainda legislação esparsa sobre serviços específicos, elencando-se telecomunicações; energia elétrica, entre outros. A ampliação desse leque para a concessão de serviços públicos adveio com a Lei nº 11.079/04, a qual criou duas modalidades de PPP’s, sendo a Concessão Patrocinada[6] e a Administrativa. A primeira, conforme reza letra de lei, tem seu conceito descrito no artigo 2º, §1º, como modalidade de “[…] concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado”. Já a Concessão Administrativa[7] conforme dista seu artigo 2º, §2º, “[…] o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens”. Logo, interpreta-se cuja modalidade mencionada é a que recai sobre o tema a ser dissertado a posteriori – PPP em unidades prisionais, especificamente no estado de Pernambuco. Pois, através da introdução da Concessão Administrativa, permitiu-se que o Estado contratasse o serviço ao particular, a quem cabe investir financeiramente na infraestrutura solicitada pelo poder público, ajudando inclusive na concepção e na oferta desse serviço público para desfrute da sociedade em geral. Em síntese, essa inovação trazida pela Lei nº 11.079/04, representou um instrumento público destinado à economia da máquina estatal e permitiu assim a manutenção, o incentivo, além da modernização dos mencionados serviços públicos – mesmo com restrições orçamentárias, já que o privado assume este ônus. Isto é endossado por Azevedo[8] em sua tese de doutorado: “As PPP’s representam hoje um instrumento de intervenção ao dispor dos Governos para enfrentar os desafios e as exigências da sociedade e da economia em matéria de reforço do investimento público e modernização dos serviços públicos, consubstanciando formas variadas de prestação de bens infraestruturais e serviços públicos por parte de operadores privados, cuja provisão era assegurada tradicionalmente pelo universo público. Em grau variável, mas de forma crescente e continuada, este esquema de associação entre as esferas pública e privada é utilizado pela generalidade dos países em todos os continentes, independentemente do regime político, nível de desenvolvimento e sistema legal, circunstância que concorre para conferir à abordagem uma dimensão mundial inegável.” É pertinente se comentar que, em geral, as PPP’s envolvem contratos de longo prazo, podendo ter diversas modelagens, em especial, segundo colaciona Nóbrega[9], as “[…] Designing-build-finance-operate; BBO – Buy-Build-Operate; BOO – Build-Own-Operate; BOOT – Build-Own-Operate-Transfer; BOT – Build-Operate-Transfer e a BLOT – Build-Lease-Operate-Tranfer”. No caso brasileiro, a modalidade mais usual nos contratos de PPP formatados no Brasil, de acordo com Nóbrega[10], é a BOT porque a Administração Pública se alinha com o parceiro privado para delimitar, financiar, firmar e construir uma nova infraestrutura sob as regras de um contrato de concessão, atuando durante um prazo pré-estipulado de tempo. Depois do termo final do contrato, o bem é transferido para o setor público. Há também as questões sobre o Fundo Garantidor e a Sociedade de Propósito Específico, estando ambos intimamente ligados ao tema PPP, principalmente, quando se retrata sobre a Privatização em Sistemas Prisionais, que será esmiuçado mais adiante. 1.1 A PPP e sua aplicabilidade no Sistema Prisional brasileiro com base na Lei nº 11.079/04 Antes de se adentrar nas questões relativas às PPP’s sob a ótica do Sistema Prisional brasileiro, é pertinente se tratar como o exemplificado sistema, atualmente, é inoperante em sua missão primordial, sendo factível assim, a adesão à Privatização do mencionado, face ao crescimento acelerado do número de presos que não foi acompanhado na mesma velocidade pela quantidade de vagas criadas. Este fato é verificado através do déficit[11] de vagas existentes para atender a demanda dos apenados. As celas cada vez mais lotadas e não cumprindo os requisitos mínimos de dignidade assegurados pela Constituição Federal[12]: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] III – ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante; […] XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral.” E na própria Lei de Execução Penal[13] – Lei nº 7.210/84, conforme se verifica também nos dispositivos abaixo: “Art. 12 – A assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas. Art. 83 – O estabelecimento penal, conforme a sua natureza deverá contar em suas dependências com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva. Art. 85 – O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e finalidade. Parágrafo único. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária determinará o limite máximo de capacidade do estabelecimento, atendendo a sua natureza e peculiaridades. Art. 88 – O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório. Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular: a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana; b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados).” Diante do retratado, constata-se ter sido importante o Brasil, da mesma forma que outros países, incorporar a ideologia das PPP’s em seus Sistemas Prisionais, existindo já alguns modelos em prática os quais serão dissecados a posteriori; cuja modalidade mais comum trata-se da BOT, a qual envolve contratos com duração longa e firmados sob a ótica de dois pilares, sendo o Fundo Garantidor[14] e a Sociedade de Propósito Específico, respectivamente. O Fundo Garantidor está definido no artigo 8º da já citada lei das PPP, cuja finalidade conforme Nóbrega[15] é ser: “Um instrumento que certamente colaborará com bons resultados de PPP’s será o estabelecimento de um Fundo Garantidor, que deverá ser suficientemente independente para permitir um adequado gerenciamento, sendo dotado de regras claras de transparência, não se permitindo o uso dos recursos para fins não afetos aos projetos de infraestrutura.” Em resumo, o Fundo Garantidor é um meio que facilita a viabilização de uma PPP, tendo uma natureza privada e patrimônio próprio – separado do patrimônio dos cotistas participantes, sendo ainda dotado de direitos e obrigações, acarretando em garantias de adimplemento por parte da Administração Pública. Já a Sociedade de Propósito Específico[16] trata-se de uma sociedade a qual possui as mesmas características do consórcio, contudo com personalidade jurídica, sendo esta formada para a execução de um determinado empreendimento, como uma penitenciária, por exemplo. E seus contratos sempre precisam ser registrados na Junta Comercial, contendo as informações de uma sociedade mercantil em geral, da mesma maneira que a sua duração e o empreendimento objeto de sua constituição.  Portanto, após o exposto, pode se chegar à conclusão que as unidades prisionais privadas podem preservar a dignidade do preso, não existindo transferência da função jurisdicional do Estado para o privado, já que é atribuição da Administração Pública exclusivamente exercer a função material da execução penal e que, por um custo reduzido, a iniciativa particular permite assim maior eficácia no cumprimento da pena. Esta visão de que a privatização do Sistema Penitenciário é a melhor solução para melhoria das condições de vida dos apenados é defendida por CAPEZ[17]: “É melhor que esse lixo que existe hoje. Nós temos depósitos humanos, escolas de crime, fábrica de rebeliões. O estado não tem recursos para gerir, para construir os presídios. A privatização deve ser enfrentada não do ponto de vista ideológico ou jurídico, se sou a favor ou contra. Tem que ser enfrentada como uma necessidade absolutamente insuperável. Ou privatizamos os presídios; aumentamos o número de presídios; melhoramos as condições de vida e da readaptação social do preso sem necessidade do investimento do Estado, ou vamos continuar assistindo essas cenas que envergonham nossa nação perante o mundo. Portanto, a privatização não é a questão de escolha, mas uma necessidade indiscutível é um fato.” Em síntese, conforme enfatiza Di Pietro[18], as empresas privadas são regidas livres de procedimentos excessivamente burocratizados – o que não acontece na Administração pública, agilizando-se assim o serviço à sociedade e isto facilita também ao Estado, pois este continua a prestar o serviço público de uma forma melhor, como vem sendo praticado em algumas unidades prisionais já sob o sistema de PPP, podendo aludir-se as Penitenciárias de Ribeirão das Neves localizada em Minas Gerais, e a de Joinville em Santa Catarina, entre outras, a serem retratadas posteriormente. 1.2 O modelo de PPP no Sistema Prisional dos Estados Unidos Os Estados Unidos são considerados pioneiros na adesão de modos de Privatização no Sistema Prisional, quando a primeira centelha dessa ideologia surgiu em 1834, através de Jeremy Bentham[19], o qual propôs a concessão de contrato de administração de penitenciárias, a fim de satisfazer interesses econômicos privados. Entretanto, a ideia não prosperou, ressurgindo durante o Governo do então presidente Ronald Reagan nos anos 80, do século XX. O motivo preponderante foi que, desde a década de 80, o sistema prisional norte-americano vinha se defrontado com problemas de superpopulação dos presídios, da mesma maneira com aumentos crescentes dos custos de manutenção dos apenados nas prisões, de acordo com estudos informados por MINHOTO[20]: “[…] Em 1985, estimava-se que cerca de 450.000 presos cumpriam pena e outros 250.000 aguardavam julgamento em cadeias locais. […] De cada 350 norte-americanos, um estava encarcerado e aproximadamente 3,3 milhões estavam sob algum tipo de supervisão correcional […] Em meados de 1996, um a cada 163 norte-americanos estavam presos e 2,8% de toda a população adulta estava sob algum controle do âmbito correcional […] Entre 1982 e 1992, o gasto público da União, dos Estados, Condados e Municípios com o sistema de justiça criminal como um todo aumentou 217%, 184%, 177% e 113%, respectivamente; no mesmo período, o gasto público com o sistema penitenciário aumentou 248%”. Nos últimos 25 anos, a população carcerária americana[21] cresceu continuamente – 2,3% em 2007, chegando ao astronômico patamar de mais de 2.300.000 pessoas encarceradas – um em cada 99 adultos estava recluso. Gerando-se um efeito imediato no crescimento da população prisional; nos custos de administração do sistema; ensejando-se também na precariedade generalizada das condições de encarceramento. Ainda segundo Minhoto[22], houve um “[…] consenso na caracterização dos quase 5 (cinco) mil estabelecimentos penitenciários norte-americanos como instituições improdutivas, violentas, insalubres e superpovoadas”; onde rebeliões famosas como a ocorrida na cidade de Santa Fé, eclodida em 1980, cuja revolta brutal na Penitenciária do Estado do Novo México teve o saldo final de 07 (sete) guardas brutalmente espancados e 33 internos mortos. Sabe-se que alguns dos presos, inclusive, foram torturados até morrerem e teriam se rebelado devido às péssimas situações de encarceramento, sendo todos os dias infringidos diversos Direitos Humanos daqueles apenados. Esta situação abriu caminho para uma crescente intervenção judicial desse sistema penitenciário, tornando-se mais um ingrediente importante da crise, conforme atestou MINHOTO[23]: “É precisamente num contexto de explosão da população penitenciária, de escaladas dos gastos, de degradação das condições de alojamento que, por sua vez, tem levado à intervenção judicial no sistema, e de uma postura do público que, ao mesmo tempo em que exige penas mais duras para os violadores da lei penal, recusam-se a autorizar os recursos necessários à construção de novos estabelecimentos, que as prisões privadas têm sido propostas e apresentadas como a solução à crise do sistema prisional nos Estados Unidos.” Tendo em vista os fatos narrados, foi muito mais viável ao estado norte-americano implantar a execução da PPP no seu Sistema Prisional, continuando obviamente como responsável pela regulação, avaliação e pelo controle. Em contrapartida, beneficiou-se ao acesso de novas tecnologias, além de ter havido redução de gastos com pessoal e da burocracia – red tape[24]; bem como, dos atrasos recorrentes nos cronogramas de construção de novas penitenciárias. Conforme Minhoto[25] houve uma estimativa de que: “[…] Algo como 3,7% da população prisional existente nos EUA já se encontrava em estabelecimentos privados ao término de 1995. […] Nos EUA há três níveis político-administrativos e relativamente independentes de gestão do sistema.” Em síntese, as modalidades de PPP das unidades prisionais norte-americanas[26] variam do financiamento ao arrendamento de presídios; assim como, a administração total dos estabelecimentos penitenciários; sendo a mais comum o contrato de arrendamento – leasing, onde a empresa privada, que se predispôs a participar, pode projetar, financiar, edificar ou arrendar a unidade prisional ao estado. A prisão de Saint Mary[27] – Zona Rural do estado de Kentucky – é considerada o primeiro presídio para adultos privatizado nos EUA, cuja empresa U.S. Corrections Corporation está à frente da administração desde 1986. Atualmente, uma nova prática adotada tem sido muito questionada. Trata-se da cobrança da estada do detento no sistema prisional norte-americano. Ou seja, além dele cumprir a pena imposta em presídios privados ou não o Estado cobra por sua permanência, como forma de desoneração da máquina estatal, conforme atesta matéria publicada por Lussenhop[28] – no site G1 Mundo, em novembro de 2015: “[…] Em Estados como Ohio e Michigan, presos chegam a sair da prisão com dívidas de até US$ 35 mil; e autoridades dizem que medida alivia bolso do contribuinte, mas muitos dizem que ela não funciona. […] O presidiário David Mahoney está devendo US$ 21 mil (cerca de R$ 80 mil). Ele acumulou a enorme dívida nos dias em que passou em um presídio de Marion, no Estado de Ohio (EUA).) […] O Estado, assim como diversos locais nos Estados Unidos, cobra dos seus presos uma taxa conhecida como "pague para ficar". Ele tinha de pagar US$ 50 (R$ 190) por dia na prisão, mais uma taxa de reserva de US$ 100 (R$ 380). Além da cobrança pela estadia na prisão, ele ainda precisa pagar restituição às vítimas que roubou e custos administrativos da Justiça.” Estima-se a existência de uma dívida total no valor de US$ 10 bilhões contraída por cerca de 10 milhões de homens e mulheres, os quais tiveram passagem pelo sistema de justiça criminal dos Estados Unidos[29]. Esse tipo de taxa está legalizado em quase todos os estados norte-americanos – menos em Washington DC e no Havaí. O condado de Dakota – Minnesota – reverte e aplica essa verba recolhida em programas de assistência a ex-presidiários. 1.3 A PPP em Sistemas prisionais da Europa e na América Latina Do mesmo modo que nos já supramencionados Estados Unidos, na Inglaterra a superpopulação e os custos crescentes do encarceramento também levaram à eclosão da falência do sistema prisional inglês, cuja conjuntura englobou todas as prisões existentes tanto em solo inglês, como no País de Gales; sendo a privatização de presídios autorizada a partir de 1991[30] pelo Criminal Justice Act, onde as empresas privadas passaram a operacionalizar algumas unidades.  Segundo MINHOTO[31]: “Em 1987, a população em ambos os países era de aproximadamente 50 mil detentos, sendo a maior da Europa Ocidental, só perdendo para a Turquia […] e no período de 1992 a 1996 essa população pulou de 45.800 mil para 56 mil reclusos. […] Em abril de 1997 a taxa de encarceramento era de 116 presos por 100 mil habitantes, ano em que a população prisional rompe a barreira dos 60 mil detentos. […] Em 1996, nada menos do que 250-300 novos detentos por semana foram incorporados aos estabelecimentos penitenciários da Inglaterra e País de Gales.” As unidades prisionais inglesas[32] passaram a funcionar em meio a um sistema de PPP centralizado e financiado através de verbas arrecadadas através de impostos ou de empréstimos ao mercado. Diferindo do modelo norte-americano, onde as receitas para construção das prisões são obtidas via títulos públicos, os quais necessitam da aprovação legislativa para serem emitidos e ainda são limitados a um determinado valor. Santos[33] em sua tese explicita bem como é pautado o sistema prisional privatizado na Inglaterra, cujas empresas firmam contratos com o Governo para a construção das penitenciárias, competindo à Administração Pública repassar-lhes valores pelo serviço executado durante 25 anos. Esse modelo de gestão é praticado desde 1992, onde compete às mencionadas empresas gerirem todos os setores do presídio exceto o transporte de presos para audiência ou julgamentos, cabendo a uma empresa privada de segurança, distinta da que gerencia o estabelecimento prisional. Tampouco, existem guaritas nem cercas elétricas nos presídios e os guardas trabalham desarmados. Na França, o modelo adotado foi pautado na fórmula para que o Estado permanecesse junto à iniciativa privada – numa cogestão das unidades prisionais, competindo ao administrador gerir os serviços das prisões, seja em alimentação; vestuário; higiene; lazer; etc., enquanto ao Estado compete administrar a pena[34]. Em suma, cuidando do homem sob o aspecto jurídico, punindo-o em caso de faltas ou premiando-o quando assim o merecer. O Estado continua a deter a função jurisdicional, determinando assim quando a pessoa será presa e quando será libertada. Em artigo publicado na Revista Superinteressante, o criminalista D’Urso[35] defendeu o modelo francês como sendo, inclusive, o ideal para o Brasil: “Das modalidades que o mundo conhece a aplicada pela França é a que tem obtido melhores resultados e testemunho que, em visita oficial aos estabelecimentos franceses, o que vi foi animador. Trata-se de verdadeira terceirização, na qual o administrador privado, juntamente com o Estado fazem parceria administrativa, inovando o sistema prisional. […] O modelo francês é o que preconizo para o Brasil, o Estado permanece junto à iniciativa privada, numa cogestão”. Na Argentina, a PPP nos presídios federais ocorreu em setores como os de limpeza, alimentação e educação, passando assim a não serem mais gastos para o Estado. Ou seja, a privatização nas prisões foi promovida apenas em serviços de apoio, cujo controle na parte de segurança ficou sob a total responsabilidade da Administração Pública. Sua implantação foi iniciada em 1980, beneficiando cerca de 60 mil apenados[36] através de um convênio, os quais passaram a participar de cursos profissionalizantes nas áreas de informática e agropecuária, e cujos resultados são considerados excelentes, pois houve uma reinserção social do preso que acabou estudando, realizando cursos técnicos e trazendo benefício para sua família com a geração de renda. 1.4 Alguns modelos de PPP em presídios do Brasil sob a ótica da Lei nº 11.079/04 Na atualidade, existem unidades prisionais sob o sistema de PPP em plena atividade nas regiões Norte, Nordeste, Sul e Sudeste do país; tendo algumas, inclusive, após a experiência de serem administradas por empresas privadas, voltado a atuar no sistema exclusivamente público de gestão prisional, conforme se debaterá a seguir. Em 12 de novembro de 1999[37], foi inaugurada a Penitenciária Industrial de Guarapuava, no estado do Paraná, sendo a primeira do País que adotou o sistema misto – conhecido como cogestão ou terceirização, no qual a iniciativa privada ficou incumbida da execução de alguns serviços, como o de hotelaria. A obra para sua criação custou R$ 5.323.360,00; e ela possui uma área construída de 7.177,42 m2, com capacidade para 240 detentos. Estes trabalhavam, estudavam e detinham todas as condições de higiene e saúde fornecidas pela administradora privada do estabelecimento prisional mencionado. É profícuo destacar, que nenhuma rebelião ou fuga foi registrada enquanto o local estava sob a responsabilidade da administradora contratada pelo Governo paranaense; já que em 2006, o complexo voltou a ser um presídio sob a tutela exclusiva do poder público, tendo sido registradas algumas fugas e rebeliões desde então, como as ocorridas mais recentemente nos anos de 2014[38] e 2015[39], respectivamente. A segunda experiência ocorreu no estado do Ceará, com os mesmos resultados satisfatórios alcançados no Paraná, sendo em tela a Penitenciária Industrial Regional do Cariri. Esta situada no município de Juazeiro do Norte e criada através do Projeto de Lei Estadual nº 51/2000[40], o qual precisou ser adaptado devido a questões constitucionais. Sua inauguração aconteceu em 22 de janeiro de 2001, com custos aos cofres públicos avaliados em R$ 5.703.006,63; tendo a capacidade máxima de 544 internos. Na Penitenciária Industrial Regional do Cariri existem ainda quadras poliesportivas em cada pavilhão, além de ambientes destinados a atividades educacionais e religiosas para os presos, além de serem promovidas oficinas com vários tipos de atividades laborais – padaria, lavanderia e artesanato, entre outras. Houve ainda uma segunda penitenciária inaugurada – a Industrial de Sobral[41], sendo uma unidade prisional de segurança máxima. Todavia, apesar de não terem sido registradas nenhuma fuga ou rebelião desde a implantação do sistema de terceirização prisional, a pedido de diversas ações civis impetradas por órgãos como os Ministérios Públicos Estadual e Federal, além do Ministério do Trabalho e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), este modelo de PPP foi suspenso no estado do Ceará. Em 2009, o atual senador Aécio Neves, na época o então governador do estado de Minas Gerais, deliberou pela formalização do contrato para iniciar-se a construção de um complexo prisional a ser localizado na Grande Belo Horizonte, precisamente no município de Ribeirão das Neves, após ver as iniciativas dos estados nordestinos – Ceará e Pernambuco, sendo este último foco de uma análise mais aprofundada a posteriori. A Penintenciária de Ribeirão das Neves[42] tem a capacidade de 3.040 vagas, sob o sistema de PPP, cujo consórcio vencedor foi o intitulado Gestores Prisionais Associados, composto por 05 (cinco) empresas sendo a CI Construções S/A; Construtora Augusto Velloso S/A; Empresa Tejofran de Saneamento e Serviços LTDA; N. F. Motta Construções e Comércio e o Instituto Nacional de Administração Penitenciária (INAP). Ao citado consórcio foram concedidos 27 anos para estar à frente da administração do complexo prisional, sendo usados 02 (dois) anos para construção e 25 para a operação em si. No local, já cumprem pena presos relacionados tanto do regime semiaberto, quanto os apenados sujeitos à pena em regime fechado. Contudo, não são todos os detentos que trabalham e estudam. Por fim, compete à Administração Pública gerir a questão da guarda externa e a escolta dos internos, ambas as tarefas sob a égide da Polícia Militar (PM). Ribeirão das Neves[43] é o primeiro presídio no país desde 2013 a funcionar através da gestão via iniciativa privada de fato e de direito. Já na Bahia, onde também foram desencadeadas experiências com a iniciativa privada no Sistema Penitenciário, o modelo adotado pelo governo diferiu do escolhido posteriormente por Minas Gerais e por Pernambuco; justamente, por fixar contratos curtos com o prazo final de atividade estipulado em até 05 (cinco) anos. Este sistema iniciou em 2007 e detém 05 (cinco) unidades prisionais em cogestão com a iniciativa privada, sendo os Conjuntos Penais situados nos municípios de Valença[44], Juazeiro, Serrinha, Itabuna e em Lauro de Freitas, respectivamente. O conceito de gestão e sua aplicabilidade assemelham-se aos praticados nos dois estados pioneiros – Paraná e Ceará, onde a direção e a chefia de segurança são indicações de competência do governador e os demais postos administrativos são escolhidos pela administradora privada, cabendo à PM lançar efetivo para realizar a guarda externa dos supramencionados conjuntos penais. Em Santa Catarina[45] existem 03 (três) estabelecimentos prisionais administrados sob o regime de PPP, sendo a Penitenciária de Joinville com capacidade para 366 internos, além de mais 02 (dois) Centros de Observação Criminológica e Triagem, onde são promovidas diversas atividades com os apenados. Nos locais são promovidas atividades laborais através da formalização de convênios com 11 empresas, sendo assim garantidos trabalhos para 171 detentos; além de ser fornecida assistência médico-odontológica e aulas aos apenados interessados em concluírem o Ensino Fundamental ou Médio. E no Amazonas[46], o Sistema de Privatização de Presídios é executado através das atividades implementadas pela CONAP (Companhia Nacional de Administração Penintenciária), a qual gerencia três unidades prisionais terceirizadas, sendo o Complexo Penitenciário Unidade Prisional do Puraquequara – com capacidade para 614 presos provisórios; o Instituto Penal Antônio Trindade considerado de segurança máxima e com capacidade para 496 detentos também provisórios; e o Complexo Anísio Jobim, voltado a 450 internos cumprindo penas no regime fechado, além de haver mais 138 destes cumprindo penas no regime semiaberto. Por fim, o estado do Espírito Santo[47], cujo modelo de PPP em presídios aconteceu inicialmente em 2005, existindo 04 (quatro) estabelecimentos sob o controle da cogestão formada entre o INAP e o governo capixaba: Penintenciárias de Segurança Média de Colatina e Máxima de Viana; além das Unidades Prisionais de Guarapari e de Serra, respectivamente. 2. A REALIDADE DO SISTEMA PRISIONAL DE PERNAMBUCO À LUZ DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL Nº 7.210/84 Antes da abordagem da possibilidade de inserção da PPP no Sistema Prisional de Pernambuco, é mister se tratar do caos no qual se encontram as penitenciárias existentes em todo o estado, cujos registros de fugas e rebeliões, além de maus-tratos aos apenados vêm se intensificando ao longo dos últimos anos. Inclusive, a situação descrita acima vem sendo alvo de críticas severas por parte da Organização dos Estados Americanos (OEA), que já estuda a aplicação de sanções contra o Brasil, face as incontáveis transgressões graves registradas contra o que se preconizam os Direitos Humanos, sendo dezenas registradas dia após dia nas alas internas de todas as unidades prisionais. De acordo com um dossiê publicado pela OEA[48] – contendo 715 páginas – e divulgado em 2015 sobre o caso do Complexo Prisional do Curado – antigo Presídio Aníbal Bruno, entre os meses de Janeiro e Fevereiro de 2014 foram registradas diversas rebeliões em sequência motivadas pelo fato dos detentos sofrerem inúmeros abusos e por cumprirem pena em instalações consideradas sub-humanas. Também se revelou que tanto o Estado de Pernambuco, como autoridades federais, já tinham ciência há anos dos abusos; entretanto, não remediaram tais ocorrências. Nos autos do processo internacional foram relacionadas centenas de denúncias, dentre estas 87 envolvendo mortes violentas e 74 de mortes não violentas[49] ou ainda por causas desconhecidas. O dossiê foi entregue ao Governo estadual contendo fotos, vídeos, além de documentos e outras provas atestando o relatado à imprensa e aos órgãos internacionais de Direitos Humanos. Sendo válido frisar, que até o momento, nenhum agente público foi responsabilizado judicialmente por atos ou omissões conectadas às denúncias divulgadas pela OEA. As denúncias apresentadas eram – em grande parte – pelo cometimento de torturas com os presos praticadas pelos agentes penitenciários; pela incidência de detentos feridos e sem o atendimento médico necessário, havendo registros inclusive de óbitos em face deste descaso; além de internos ainda encarcerados mesmo tendo já concluído todo o prazo da pena sentenciada pela Justiça, entre outras barbáries. De acordo com matéria publicada em 28 de janeiro de 2014[50], o Sistema Penitenciário Pernambucano ingressou oficialmente em estado de emergência, pelo prazo de 180 dias; através de decreto assinado pelo governador Paulo Câmara. A justificativa para tal postura deveu-se ao fato da já mencionada eclosão da primeira rebelião no Complexo Prisional do Curado. O incidente teve a duração de 03 (três) dias, tendo iniciado em 25 de janeiro e terminando com o saldo final de mais 03 (três) óbitos e dezenas de presos feridos. E uma segunda rebelião eclodiu entre os dias 31 de janeiro e 1º de fevereiro[51], onde mais 02 (dois) detentos morreram, além de 12 ficarem feridos, após tumultos motivados pelo atraso na entrada de familiares na mesma unidade prisional citada anteriormente. O Complexo Prisional do Curado é composto por 03 (três) presídios, sendo Frei Damião de Bozanno (PFDB); Juiz Antônio Luiz Lins de Barros (PJALLB) e Agente de Segurança Penitenciária Marcelo Francisco de Araújo (PAMFA) – existindo hoje 07 (sete) mil apenados cumprindo pena; entretanto, a capacidade máxima seria para 1.800 detentos[52]. Um retrato do descrito foi publicado em dezembro de 2015 em matéria veiculada no portal JC Online, pelo jornalista VIEIRA[53]: “[…] Pernambuco tem hoje o sistema prisional mais abarrotado do País, com 265% de ocupação, segundo o Ministério da Justiça. E a superlotação das unidades cobra um preço alto, em forma de rebeliões, depredações, tumultos nos pavilhões e mortes entre os reeducandos […] Cada detento tem custo mensal de R$ 2 mil para os cofres públicos.” É pertinente tratar-se ainda que ultimamente não ocorrem somente fugas, rebeliões e maus tratos envolvendo apenados do Complexo Prisional do Curado – amplamente veiculados pela imprensa nacional. O mesmo fato grave é registrado, diuturnamente, na Penitenciária Barreto Campelo[54] situada no município de Itamaracá, no Grande Recife. Cuja unidade é considerada uma das mais importantes e complexas do estado, tendo também excesso de reclusos cumprindo pena em suas instalações.  Diante do exposto, todos os tipos de transgressões aos Direitos Humanos, combatidos pela própria Constituição Federal, vêm se sucedendo cotidianamente podendo a aplicação do modelo da PPP no Sistema Prisional de Pernambuco ser uma solução que amenize em médio e em longo prazo a situação caótica na qual se encontra hoje. Por conseguinte, irão ser analisadas a fundo essas violações sob a ótica constitucional, igualmente, o projeto existente e o porquê do mesmo ainda não ter sido posto em prática. 2.1 Violações ao artigo 5º da Constituição Federal nos presídios pernambucanos A Constituição Federal prioriza a defesa dos direitos humanos fundamentais e estes seriam um conjunto de direitos e garantias para o indivíduo – seja ele nacional ou não, salientando-se a relevância deste tema na seara externa mediante organizações internacionais de proteção e defesa dos Direitos Humanos, e isto implica no respeito e ao exercício primordial do direito à vida; da sua integridade física; da liberdade de poder ir e vir; entre outros, executando estas ações ou atos sem sofrerem abusos ou transgressões oriundas do poder Estatal[55]. E isto não vem sendo respeitado em Pernambuco, diante do amplo debate já dissertado. Segundo afere MORAES[56]: “[…] Os direitos humanos fundamentais relacionam-se diretamente com a garantia de não ingerência do Estado na esfera individual e a consagração da dignidade humana, tendo um universal reconhecimento por parte da maioria dos Estados, seja em nível constitucional, infraconstitucional, seja em nível de direito consuetudinário ou mesmo por tratados e convenções internacionais”. E o artigo 1º, caput, da mencionada Carta Magna[57], colaciona: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: […] III – a dignidade da pessoa humana”. Logo, subtende-se o respeito à dignidade da pessoa humana[58] exige a compreensão e o cumprimento de princípios constitucionais basilares, principalmente como os da imprescritibilidade; da inviolabilidade – por parte do ente estatal devido ao caso em análise; da universalidade; da efetividade e da complementaridade, respectivamente, os quais resultarão assim na salvaguarda dos direitos humanos fundamentais. Sem esquecer também, cujos direitos nasceram para controlar o poder do Estado[59] em relação aos limites determinados na Carta Magna. Com isto, não está se desconhecendo que ainda assim o homem é subordinado a este Estado, tendo a obrigatoriedade de agir de acordo com os limites impostos pelo direito, ou seja, tem inúmeros deveres a submeter-se segundo o ordenamento jurídico pátrio vigente. O artigo 5º da Constituição Federal[60] é a ampliação da defesa desses direitos humanos fundamentais e seu caput adicionado aos incisos III e XLIX, respectivamente, relativizam-se a questão dos reclusos, conforme se vislumbra: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: III – ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante; XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. Afinal, nenhum apenado deve sofrer torturas emanadas por entes da Administração Pública e isto vem sendo rotineiramente infringido nas unidades prisionais existentes no Sistema Prisional pernambucano, de acordo com o que se pode observar ao se dissertar anteriormente sobre o estudo da OEA. E, para a Assembleia Geral das Nações Unidas, de acordo com Moraes[61], o termo tortura significa: “Qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela […] informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela tenha cometido […]; ou de intimidar ou coagir esta pessoa […] quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu conhecimento ou aquiescência – Art. 1º da Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, adotada pela Resolução nº 39/46, em 10.12.1984.” A expressão dignidade humana[62] compreende primeiro a ser um direito individual, o qual deve ser protegido tanto em relação ao poder que o Estado tem como, em segundo plano, em relação aos demais indivíduos. Estabelecendo-se assim, o patamar no qual todos são iguais perante a lei tanto em direitos quanto em deveres. Para Sarlet[63] “o cidadão-preso precisa ser reconhecido como ser dotado de dignidade, entendendo-se esta como qualidade inerente à essência do ser humano, bem jurídico absoluto, portanto, inalienável, irrenunciável e intangível”. Portanto, garantir a integridade física e moral do indivíduo-preso é um dever do Estado, entretanto, é amplamente descumprido por quem o deveria realizar e não somente em Pernambuco, mas em todos os estados do país. E, se os presídios pernambucanos abrigam mais que o dobro de suas capacidades a pretexto de se manter a segurança, está se esquecendo dos direitos humanos mais básicos do ser humano defendidos inclusive na Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Resolução nº 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948[64], onde o Brasil é um dos países signatários desde sua vigência. É profícuo ratificar que quando a Carta Magna em seu inciso XLIX assevera ser “assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”, alude à vedação da aplicação de penas cruéis, as quais constam no Bill of Rights – Inglaterra[65], cujo item 10 previa em linhas gerais “que não devem ser infligidas […] ‘penas cruéis’ e fora do comum”. Em suma, nenhum apenado deve sofrer tratamento desumano ou degradante nos presídios, pois assim como os demais indivíduos merece usufruir todos os seus direitos constitucionais, mesmo estando recluso para sujeitar-se à pena imposta pelo Poder Judiciário. Desta forma, tem direito a cumprir sua pena em local salubre; a poder exercer sua religiosidade; especialmente, ter sua vida preservada e sua dignidade, para que possa assim se ressocializar e não voltar a praticar novos delitos. Em conformidade com o narrado, Bitencourt[66] assevera cuja prisão ao invés de impedir ou exterminar a delinquência, muito pelo contrário estimula e se converte em um instrumento que consolida toda espécie de desumanidade, não fomentando assim nenhum benefício ao apenado. Ao invés disto, possibilita toda sorte de vícios e degradações. Destarte, a Administração Pública falha justo na garantia de proteção dos direitos dos presos e na sua reintegração novamente ao convívio social, após o cumprimento da sanção imposta. E isto também é condenado tanto pela Organização das Nações Unidas (ONU), como pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966), o qual afirma o seguinte, de acordo com MORAES[67]: “Art. 10 – que toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana, […] que o regime penitenciário consistirá em um tratamento cujo objetivo principal seja a reforma e reabilitação moral dos prisioneiros”. A título de exemplo, existe o caso emblemático do pernambucano Marcos Mariano da Silva[68] morto em 2011 e que foi preso pela segunda vez em 27 de julho de 1985, por motivos desconhecidos, sendo liberto somente em 25 de agosto de 1998 após uma batalha judicial com várias apelações por parte do Governo de Pernambuco, tendo chegado inclusive a uma das instâncias superiores da Justiça brasileira, o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ele foi detido duas vezes injustamente ficando o total de 19 anos em reclusão, cuja pena foi cumprida no extinto Presídio Aníbal Bruno, atual Complexo Prisional do Curado. Adquiriu no cárcere tuberculose e sofreu inúmeras torturas na prisão ficando totalmente cego, além de ter sido vítima de sofrimento moral, pois ao tempo de sua soltura seu casamento já não existia mais, devido aos vários anos enclausurado. Sua esposa o abandonou e nem sequer tinha ciência do paradeiro dos seus 11 filhos. A 1ª Turma do STJ em outubro de 2006, cujo relator do processo foi o ministro Teori Zavascki, após análise e voto unânime dos ministros proferiu acórdão indeferindo o pleito do Estado e reconhecendo ser devida a indenização já determinada pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) a Marcos Mariano, sendo fixada em R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais). Não obstante, a Administração Pública recorreu novamente ao próprio STJ e o processo somente foi concluso em novembro de 2011, conforme matéria publicada no portal de notícias NE10 pelo jornalista BARBOSA[69]: “A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento realizado na última terça-feira (22), manteve a condenação do Estado de Pernambuco por ter deixado preso ilegalmente o cidadão Marcos Mariano da Silva. Em 2006, o STJ já havia declarado o caso como o mais grave atentado à dignidade humana já visto no Brasil, e condenado o estado a pagar indenização de R$ 2 milhões. O recurso atual buscava discutir o prazo inicial de incidência de correção monetária, em sede de embargos à execução. Conforme noticiário nacional, Silva faleceu na noite de terça-feira, horas após tomar conhecimento da decisão favorável a sua causa. Em 2006, os ministros reconheceram a extrema crueldade a que Silva foi submetido pelo poder público. Preso em razão de simples ofício, sem inquérito ou condenação, foi “simplesmente esquecido no cárcere”. Em decorrência de maus tratos e violência, ficou cego dos dois olhos, perdeu a capacidade de locomoção e contraiu tuberculose. […]” O Estado usou de inúmeros artifícios recursais e alegou que o Agravo Regimental, via Agravo em Recurso Especial[70] – AREsp – de nº 6400, continha pedido procedente para o julgamento ser apreciado pelos demais ministros da 1ª Turma, argumentando cujo dissídio jurisprudencial seria notório, tendo em vista decisão local contrariar súmula do STJ, a qual trata do termo inicial de contagem da correção monetária em caso de indenização por dano moral. Zavascki divergiu posicionando-se que o novo recurso impetrado não acrescentou qualquer elemento apto a alterar os fundamentos de sua decisão inicial. A divergência não seria notória, como alegado, em razão de as decisões apontadas como referência tratarem de contexto factual diferente do caso analisado, posicionando-se da seguinte forma, segundo BARBOSA[71]: “Resta evidente a ausência de similitude fática em relação aos acórdãos paradigmas, na medida em que neles não é feita qualquer referência em relação ao trânsito em julgado da decisão que fixou o termo inicial da correção monetária, bem como de eventual efeito substitutivo do acórdão reformador.” O ministro[72] declarou “esse homem morreu e assistiu à sua morte no cárcere”. Marcos Mariano ao ter ciência da decisão final prolatada pelo STJ teve um mal súbito e faleceu em seguida, após esperar durante anos que a justiça reconhecesse seu pleito. Tendo em vista os fatos por ora apresentados, fica evidenciado que o Estado de Pernambuco – tal como os demais existentes no Brasil – não consegue suprimir estas graves falhas, apresentando nitidamente não poder mais gerir o seu sistema prisional com exclusividade, denotando-se assim a necessidade de adesão e de formalização de parcerias públicas com entes privados, como forma de renovar-se e, igualmente, desempenhar-se com eficiência e economicidade para passar ao patamar de promotor real da ressocialização dos reclusos existentes em todas as suas unidades prisionais. 2.2 O Projeto da PPP no Sistema Prisional pernambucano com base na Lei nº 11.079/04 Em Pernambuco, a gestão do então governador Eduardo Campos[73], optou não pelo modelo de terceirização; mas pelo da Parceria Público Privada, com o princípio de que assim estaria inovando o seu sistema prisional. O projeto seria composto entre a Administração Pública e a Sociedade de Propósito Específica Reintegra Brasil, sendo esta formada pelas empresas Socializa Empreendimentos e Serviços de Manutenção e Advance Participações e Construções, a quem competiriam construir e gerir o Centro Integrado de Ressocialização (CIR)[74], que seria situado no município de Itaquitinga – Zona da Mata Norte de Pernambuco. A Sociedade Reintegra Brasil ganhou a licitação para construir e administrar as mais de 3.000 vagas previstas ao futuro complexo prisional. Ao tempo da formalização contratual, tinha o anseio de obter um empréstimo avaliado na quantia de R$ 230 milhões, através do Banco do Nordeste, cujo valor total da obra estava orçado em R$ 287 milhões[75], destinados à construção de 05 (cinco) presídios – todos independentes, sendo 02 (dois) exclusivos para detentos cumprindo pena no regime semiaberto e os demais para os apenados do regime fechado. É oportuno frisar, que o projeto mineiro – em plena atividade desde 2013 – espelhou-se no pernambucano devendo este ter iniciado primeiro, visto que constava no projeto o início de seu funcionamento em 2012. O contrato de concessão da PPP para a Penintenciária de Ribeirão das Neves contém uma cláusula a qual determina como prazo final da gestão para ocorrer nos próximos 27 anos e do CIR havia previsão para ser em 30 anos. Atentando-se aos trechos dissertados, observa-se que ao se referenciar sobre a PPP de Pernambuco, as metas ficaram apenas no papel; melhor dizendo, algo o qual poderia ter ocorrido, contudo, não se concretizou e nem se quer iniciou. Isto se deveu primeiramente ao atraso no início das obras, que deveriam ter começado em novembro de 2009, com previsão de entrega para outubro de 2012; posteriormente aconteceu à suspensão devido a uma determinação judicial para tal; acarretando até o presente na não conclusão do CIR[76]. Para o professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e especialista em Direito do Estado, Ferreira apud Conte[77], esta celeuma da PPP pernambucana é resultado de uma sucessão de erros praticados pela Administração Pública, face o contrato para a prestação de serviços ter fixado 30 anos, onde deveria ter sido firmado a duração máxima de 05 (cinco) com o consórcio Reintegra Brasil para administrar o Complexo de Itaquitinga. Em síntese, usou-se erroneamente a figura da concessão para fazer contratos de até 35 anos, entretanto, não foi uma concessão, sendo esta criação um modelo inconstitucional e que permite à iniciativa privada uma série de garantias de pagamento cujo credor comum do Estado não tem. Diante dos fatos, Pernambuco não conseguiu implantar ainda a PPP, até tendo sido seu projeto escolhido como o modelo mais adequado a ser adaptado em unidades projetadas posteriormente. Estando em curso, inclusive, na justiça um processo de reintegração de bens envolvendo como litisconsorte passivo o ex-consórcio, na figura da empresa Advance Construções e Participações LTDA., pelo descumprimento de cláusulas contratuais. O processo de nº 0000268-12.2015.8.17.0800 tramitando na Vara Única da Comarca de Itaquitinga tem como autor a empresa Plettac Eletronics Brasil Equipamentos de Segurança e Telecomunicações S/A, que reivindica a posse de 76 detectores de metais de alta sensibilidade e do tipo pórtico, estando estes aparelhos em consonância com regras impostas pelo Departamento Nacional Penitenciário (DEPEN) [78]. Os equipamentos foram entregues pela requerente, que não recebeu a quantia acertada pela aquisição dos mesmos, nem por parte do Governo pernambucano, nem pelo consórcio até então vigente; decidindo ingressar com a ação na justiça, objetivando reaver os prejuízos pelos quais vem sofrendo desde a assinatura do contrato de compra e venda dos aparelhos eletrônicos. Segundo matéria divulgada em março de 2016, o Estado obrigou-se a promover nova licitação, a fim de concluir as obras do CIR. A publicação aconteceu no dia 16, no Diário Oficial de Pernambuco[79], através do Decreto nº 42.770, o qual considerou inválido o ato jurídico firmado no contrato da PPP formalizado entre a Administração Pública e as empresas Advance e Socializa, sendo esclarecido o seguinte: “[…] O Centro de Ressocialização de Itaquitinga passará a ter a capacidade para 1.600 presos. Com a decisão, o governo partirá para o financiamento próprio de parte dos serviços. Para não atrasar ainda mais os trabalhos, priorizará uma das cinco unidades que já tiveram construção iniciada. A ideia é agilizar as obras para a conclusão dos serviços de engenharia na atual Unidade de Regime Semiaberto 1 (URSA 1), permitindo, assim, a redução da população carcerária em unidades superlotadas no Grande Recife, como o Complexo do Curado, na Zona Oeste da capital.” Já matéria publicada Oliveira[80], informou que um recluso cumprindo pena em unidades prisionais estaduais custa aos cofres públicos em média entre 2 (dois) e 3 (três) salários mínimos. Atualizando-se para este ano – 2016, o salário-mínimo fixado é de R$ 880,00 por decreto da Presidência da República[81], ou seja, um detento custa cerca de R$ 2.600,00. Conclui-se após o exposto, ser economia para o estado de Pernambuco implantar a PPP, pois a previsão era de cada apenado custar 2.500,00[82], se o CIR estivesse em funcionamento. E concretizando-se a implantação da gestão das unidades prisionais via PPP, face às instalações dos presídios privados não permitirem superlotação; além de haver estímulos aos internos para participarem de diversas atividades laborais; estará se promovendo a tese da real ressocialização efetiva dos reclusos por parte da Administração Pública. CONSIDERAÇÕES FINAIS O propósito principal deste trabalho foi de apresentar um estudo abrangente sobre a temática da implantação da Privatização de Presídios em Pernambuco, como forma de solução ao atual colapso vivido por seu Sistema Prisional, resultando ainda em economia aos cofres públicos caso haja a promoção deste novo tipo de gestão na Segurança Pública, além de refletir em uma ressocialização efetiva dos apenados. O primeiro passo foi identificar como a ideologia da Parceria Público Privada (PPP) surgiu no país, em síntese, as motivações que induziram a Administração Pública a criar legislação específica sobre o tema; assim como quais as modalidades existentes – sendo a concessão patrocinada e a administrativa. Esta última é a utilizada ao se tratar do quesito PPP em unidades prisionais, bem como as prerrogativas de sempre existir um fundo garantidor e uma sociedade de propósito específico envolvidos no contrato de concessão firmado entre o ente público e o privado. Paralelamente, fez-se um comparativo com os muitos modelos de PPP em andamento nos sistemas prisionais dos Estados Unidos, da Europa – Inglaterra e França, e da América Latina – Argentina, respectivamente. Do mesmo modo, com relação aqueles já implantados e os que ainda estão em atividade em alguns estados do Brasil. A última parte teve como finalidade fomentar uma análise crítica e aprofundada do Sistema Prisional de Pernambuco, partindo-se de registros inclusive realizados por órgãos internacionais sobre infrações graves sofridas pelos apenados a cerca dos Direitos Humanos, já consagrados em nossa Carta Magna, além do projeto de implantação da PPP objetivando criar o Centro Integrado de Ressocialização (CIR) a ser localizado no município de Itaquitinga, o qual até o momento não se concretizou por inúmeras falhas oriundas por parte da Administração Pública. Afinal, uma das obrigações primordiais do Estado é o comprometimento de bem gerir a verba pública, visando-se economicidade e eficácia em suas políticas. Ou seja, se o Estado de Pernambuco adotar a PPP, presume-se após o explanado ser uma solução factível e igualmente resolutiva para a falência no qual se encontra hoje o seu Sistema Prisional. Ensejando também a real ressocialização de seus reclusos, atendendo assim aos requisitos mínimos de dignidade assegurados tanto pela Constituição Federal em seu artigo 5º, caput, incisos III e XLIX, como pela Lei de Execução Penal – Lei nº 7.210/84.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/privatizacao-de-presidios-em-pernambuco-solucao-para-o-colapso-do-sistema-prisional-e-para-a-ressocializacao-efetiva-dos-apenados/
A aplicação supletiva e subsidiária do CPC∕2015 aos processos administrativos estaduais, municipais e distritais: Uma análise crítica da ADI 5492∕DF
O presente trabalho visa demonstrar os limites federativos para aplicação subsidiária e supletiva do novo Código de Processo Civil aos processos administrativos estaduais, municipais e distritais. Esse desiderato será cumprido através da análise da ADI 5492∕DF.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO A aplicação subsidiária e supletiva do CPC∕2015 aos processos administrativos é expressamente prevista no artigo 15 do novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105∕2015). Com o ajuizamento da ADI 5492∕DF, surge a seguinte dúvida na doutrina nacional: qual é o limite federativo dessa aplicação do CPC/2015? É possível aplicar o CPC/2015 (lei federal) aos processos administrativos estaduais, municipais e distritais ou isso violaria as suas autonomias federativas? Esse tema é de extrema relevância para a Administração Pública brasileira e para o nosso Federalismo Cooperativo. Afinal, legislar sobre processo administrativo é legislar sobre a própria forma de administrar. Logo, cada ente federativo deve possuir autonomia para regulamentar o seu respectivo processo administrativo (e a sua própria atividade administrativa). Nesse contexto, o presente trabalho almeja, através de uma análise crítica da ADI 5492∕DF, evidenciar alguns limites federativos para essa aplicação supletiva e subsidiária do CPC/2015. 1.   ADI 5492/DF: PROCESSAMENTO E OS FUNDAMENTOS APRESENTADOS. O Governador do Estado do Rio de Janeiro no dia 01/04/2016 ajuizou a primeira Ação direta de inconstitucionalidade (ADI 5492/DF) contra dispositivos no novo CPC/2015.  Dentre os 11 (onze) dispositivos questionados[1], foi alegada a inconstitucionalidade de uma das interpretações possíveis do art. 15 do CPC/2015 com relação aos processos administrativos. Segundo a ADI 5492/DF, o art.15 CPC/2015 ao utilizar o termo “processo administrativo” sem a adição de um qualificativo, dá ensejo à interpretação de que a aplicação subsidiária e supletiva do CPC/2015 (lei federal) também será destinada aos processos administrativos estaduais, municipais e distritais. Tal interpretação violaria a autonomia federativa (Art. 18 CRFB/88), posto que não está ao alcance do legislador federal ditar a fonte normativa do processo administrativo dos demais entes políticos. Para chegar a essa conclusão, o governador traz os seguintes fundamentos: 1) processo administrativo é o meio democrático de produção da atividade administrativa.[2] Logo, legislar sobre processo administrativo é legislar sobre a própria forma de administrar; 2) a organização federativa brasileira impõe que cada ente político tenha a autonomia legislativa e administrativa (art.18 e 25, caput e §1º CRFB∕88) para disciplinar seu respectivo processo administrativo, de acordo com suas peculiaridades[3]; 3) a competência privativa da União para legislar sobre “direito processual” (art.22, I CRFB∕88) somente abarca o processo jurisdicional, não sendo aplicável ao processo administrativo[4]; 4) diante das lacunas normativas, já são aplicadas as normas da Lei n. 9.784/99 e 5) o processo administrativo já preserva, por imposição constitucional, as garantias do contraditório e ampla defesa (art.5º, LV, CRFB/88), não sendo imprescindível a aplicação do CPC/2015 para tanto. Por isso, conforme a ADI 5492/DF, não é cabível a imposição do CPC/2015 de “cima pra baixo” (ainda que de forma supletiva e subsidiária) nos processos administrativos dos demais entes políticos. Essa aplicação só caberia se o próprio ente federativo fizesse a opção voluntária de integração do seu ordenamento por normas federais.  Assim, foi pedida a interpretação conforme a Constituição da expressão “processos administrativos” constante do art. 15 CPC/2015, para restringir sua incidência à órbita federal, preservando o espaço próprio para cada ente político na definição da fonte subsidiária ou supletiva do respectivo processo administrativo. A ADI 5492/DF foi distribuída no dia 05/04/2016 para o relator Ministro Dias Toffoli que, diante da relevância da matéria, aplicou a ADI o procedimento abreviado do art.12 da Lei nº 9.868/99. Diversos amici curiae solicitaram participação no processo: Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo (petição 17812/2016), Conselho Federal da OAB (petição 21821/2016), Instituto Brasileiro de Direito Processual (petição 24319/2016), Banco do Brasil (petição 27910/2016), Associação Brasileira de Direito Processual (petição 41849/2016) e o Colégio Nacional dos Procuradores Gerais dos Estados e DF (petição 43397/2016).  Até então, já se manifestaram sobre a matéria: a Presidência da República, a AGU, o Senado Federal e o Colégio Nacional dos Procuradores Gerais dos Estados e DF (esse último emitiu opinião na própria petição para ingressar no feito como Amicus curiae). A Presidência da República defendeu de forma genérica a constitucionalidade de todos os artigos questionados na ADI, afirmando que o anteprojeto do Novo Código de Processo Civil teve como corolário a busca por medidas que acelerassem a prestação da Justiça e a efetividade do resultado da ação, sempre observando o respeito ao devido processo legal. Por sua vez, a AGU também se manifestou a favor da constitucionalidade do art. 15 CPC/2015, alegando que a) a aplicação do novel códex aos processos administrativos é apenas supletiva e subsidiária, é dizer, na ausência de normas dos demais entes federativos, não violando as suas respectivas autonomias, b) caso os entes federativos queiram afastar as normas do CPC/2015 basta legislar em sentido contrário e c) elencou a jurisprudência pacífica do STJ de que é possível a aplicação da Lei nº 9784∕99 (lei federal) de forma subsidiária aos processos administrativos dos demais entes políticos. Na mesma linha de raciocínio, o Senado Federal alegou que a) a competência privativa da União para legislar sobre direito processual (art. 22, I CRFB∕88) foi feita de maneira estrita, escorreita e sem qualquer excesso; b) aplicação supletiva e subsidiária do CPC/2015 só ocorre na ausência de normas dos demais entes federativos, não violando a autonomias federativas dos demais entes; c) essa aplicação do CPC/2015 visa a formação de um ordenamento completo e sem vácuos, concretizando os princípios da eficiência, dignidade da pessoa humana,  legalidade, celeridade processual, proporcionalidade e razoabilidade. Por outro lado, o Colégio Nacional dos Procuradores Gerais dos Estados e DF (CNPGEDF) defende a inconstitucionalidade formal orgânica do art. 15 CPC/2015 alegando que: a) todos os entes federativos possuem autonomia federativa para legislar sobre direito administrativo e sua própria Administração; b) a aplicação subsidiária e supletiva deve respeitar a repartição constitucional de competências legislativas e c) não é cabível que eventual omissão legislativa de um ente federativo seja suprida obrigatoriamente por norma de outra esfera, representando verdadeira invasão de competências. Até o presente momento dessa pesquisa (29/09/2016), aguarda-se manifestação do PGR, que teve vista dos autos eletrônicos no dia 21/06/2016. 2. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO DO ART.15 DO CPC/2015: UMA NECESSIDADE FEDERATIVA. 2.1. Noções gerais sobre interpretação conforme a Constituição Na existência de uma norma legal polissêmica, o aplicador do direito deve buscar um sentido normativo compatível com a Constituição (“harmony with the Constitution”), visando a manutenção da norma no ordenamento jurídico. Isso decorre, sobretudo, do necessário respeito à supremacia da Constituição, unidade do ordenamento jurídico e presunção relativa de constitucionalidade das leis.[5] Nesse sentido, a interpretação conforme a Constituição significa um princípio interpretativo e uma técnica de controle de constitucionalidade[6] (art.28, § único da Lei nº 9.868∕99) que visa conservar a norma legal polissêmica quando for possível atribui-la uma interpretação em consonância com a Constituição.[7] O STF tem adotado, por diversas vezes, essa técnica no controle abstrato de constitucionalidade, na esteira da jurisprudência da Corte Constitucional Alemã, declarando inconstitucionais os sentidos admissíveis da norma que não sejam compatíveis com a Constituição.[8] Embora seja passível de críticas[9] e possua limitações controversas[10], a interpretação conforme a Constituição representa uma superação do modelo de controle baseado no rígido e inflexível binômio: constitucionalidade/inconstitucionalidade do texto normativo. É uma técnica menos ortodoxa de Justiça Constitucional que permite a flexibilização do sentido do texto normativo (mantendo-o no ordenamento jurídico) e a diminuição da tensão entre Poderes e dos problemas decorrentes do difícil equacionamento entre o respeito à Constituição e o respeito ao trabalho do legislador.[11] Por isso, segundo Paulo Bonavides, consiste “num dos mais importantes postulados da teoria material da Constituição e da autoridade interpretativa do juiz”.[12] No caso evidenciado na ADI 5492/DF, a expressão “processos administrativos” constante do art. 15 do CPC/2015, dá ensejo a duas interpretações possíveis diante de um Estado Federal: 1) refere-se somente ao processo administrativo federal, já que o CPC/2015 é lei federal e não pode restringir a autonomia federativa dos demais entes políticos e 2) refere-se a todos os processos administrativos, sejam eles federais, estaduais, municipais ou distritais. Entendemos que somente a primeira interpretação é compatível com o texto constitucional, pois assegura competência constitucional concorrente sobre processo administrativo (Art. 24, XI c∕c art. 30, II da CRFB∕88) e concretiza um federalismo material através da autonomia federativa de cada ente político para organização e atuação da sua própria Administração Pública (leitura sistemática dos Arts. 1º, 18, 23, 24, 25, 30, I, 39, 48 e 60, §4º, I da CRFB∕88). Por isso, a nosso ver, existe a necessidade federativa de interpretação conforme a Constituição da expressão “processos administrativos” no art. 15 do CPC/2015, para restringir a sua aplicação subsidiária e supletiva à órbita federal, permitindo que cada ente federativo defina sua própria fonte subsidiária ou supletiva do seu respectivo processo administrativo. Explicamos melhor. 2.2. A importância federativa do processo administrativo e do seu condomínio legislativo. O processo administrativo é uma espécie processual que lida diretamente com a função administrativa do Estado.[13] Destarte, a atividade administrativa contemporânea é essencialmente processualizada[14], ou seja, construída por meio de um processo administrativo prévio que lhe confere maior legitimidade, controle e eficiência.[15] Isso significa que o gestor público, antes de tomar uma decisão administrativa (comprar um bem, nomear um servidor, aplicar uma punição disciplinar, etc.), deve seguir um devido processo administrativo (licitação, concurso público, processo administrativo disciplinar). Nesse contexto, legislar sobre processo administrativo é legislar sobre a própria forma de administrar. Assim, em uma República Federativa, é evidente que todos os entes políticos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), no exercício da sua autonomia federativa, devem possuir competência legislativa para disciplinar seu respectivo processo administrativo (leia-se, sua própria atividade administrativa). Esse condomínio legislativo sobre o processo administrativo decorre de uma interpretação histórica, teleológica e sistemática da Constituição. Historicamente, o legislador constituinte da CRFB/88 encarou o processo administrativo como um “procedimento em matéria processual” (art.24, XI). Basta percebermos que, desde a primeira fase do anteprojeto da Constituição de 1988 (fase “A” [16]), o primeiro relator constituinte, deputado federal Sigmaringa Seixas[17], evidenciou a importância do tema para a autonomia legislativa e administrativa dos entes federativos. Vejamos: “8.2.5.3.    O direito administrativo (alínea c) não deve decorrer da exclusiva produção normativa federal, porque sendo a chamada autonomia administrativa uma das parcelas mais relevantes da autonomia geral, deve ser ela, tanto quanto a autonomia financeira, acompanhada de correspondente autonomia legislativa. Cada administração deve poder, dentro de parâmetros gerais, regular sua estrutura administrativa adaptada às suas reais necessidades. O Anteprojeto da Comissão Provisória prevê essa matéria, designando-a como “direito e processo administrativo”. A expressão processo administrativo, indicando tratar-se de matéria processual no campo da competência comum conflita com o conteúdo do direito processual, em sentido amplo, inserido na competência privativa da União. É de se reconhecer-se que, sendo o chamado processo administrativo parte daquele ramo do direito, não poderá disputar ambas as competências. Se, ao contrário, entender-se o processo administrativo como o conjunto de normas jurídicas relativas a procedimento, aí sim pode este figurar no âmbito da competência comum, sem conflitos. Por isso, o Relator, reconhecendo que o direito administrativo deve ser objeto da competência legislativa comum e que a ele pertentem as normas referentes a procedimento administrativo, inclui tal matéria entre as que são objeto da mencionada competência legislativa comum”[18] (grifos nossos) Esse relator constituinte, assim, deixou muito claro que a matéria do processo administrativo (encarado historicamente como um procedimento[19]) é de competência legislativa “comum” (que hoje denominamos de competência concorrente)[20] de todos os entes federativos, em respeito à sua autonomia legislativa e administrativa. Ademais, originariamente, o atual art.24, XI da CRFB∕88 (“procedimentos em matéria processual”) teve como primeira redação no seu anteprojeto constituinte, no antigo art. 8º, a expressão “direito e procedimento administrativo”. Ou seja, esse inciso foi destinado ao “procedimento” administrativo. Vejamos como era a primeira redação do anteprojeto: “Art. 8º –  São da competência comum da União Federal, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios as seguintes atribuições: XV- legislar sobre: c) direito e procedimento administrativo”[21] (grifos nossos) Teleologicamente, é notável que a intenção do constituinte foi assegurar (ao menos formalmente) o Estado Federal, visando garantir, simultaneamente, a uniformidade nacional e a adaptação as peculiaridades regionais e locais sobre o tema do processo administrativo. Isso significou a comunhão entre a autonomia federativa dos entes políticos e o tratamento isonômico dos administrados que terão um processo administrativo específico para suas necessidades.[22]      Nesse condomínio legislativo, assim, a União fixará as normas gerais de processo administrativo visando a uniformidade nacional do tema (v.g., a Lei nº 9.784/99). Já os Estados, Distrito federal e Municípios terão a competência legislativa suplementar para adaptar essas normas gerais às diferentes necessidades da sua atividade administrativa.[23] A ideia do constituinte foi um razoável equilíbrio entre essa uniformidade nacional e adaptabilidade local, é dizer, o grande dilema do federalismo brasileiro, a tão almejada “união na diversidade”. Ressaltamos, assim, que a norma geral da União, legislação quadro ou moldura que representa os interesses nacionais[24], deve estabelecer um padrão uniforme de modo a evitar enormes desigualdades legislativas e maior risco de atrito entre os entes federativos. Mas, ao mesmo tempo, não deve ser exauriente a ponto de abafar as diversidades regionais e locais, castrando a fertilidade legislativa dos demais entes federativos na criação de soluções jurídicas para seus processos administrativos.[25] Afinal, se a norma geral tudo disser, nada sobrará para ser regulamentado e especificado pelas normas suplementares.[26] Por meio de uma interpretação sistemática, também é evidente que cada ente federativo possui competência para organização da sua própria Administração Pública. Logo, todos devem poder produzir leis próprias para os processos que constroem suas atividades administrativas. É o que se extrai, notadamente, da leitura conjunta dos arts. 1º, 18, 23, 24, 25, 30, I, 39, 48 e 60, §4º, I da CRFB∕88.[27] Pelo exposto, o melhor entendimento doutrinário dessa sistemática é no sentido de que a competência legislativa privativa da União para o “direito processual” (Art. 22, I) somente abarca o processo jurisdicional[28], não sendo cabível ao processo administrativo.[29] De fato, diante da importância do processo administrativo na construção democrática da atividade administrativa, privar a competência legislativa desse tema a esfera federal seria impedir o próprio funcionamento autônomo dos demais entes federativos. Logo, em uma efetiva República Federativa, a União não poderia exigir que em caso de omissão legislativa, a sua lei federal (leia-se, a sua forma de administrar) seja obrigatória para os demais entes. Isso porque o novel códex processual somente é uma lei nacional com relação ao processo jurisdicional (art. 22, I, CRFB∕88). No âmbito do processo administrativo, diante da competência legislativa concorrente (art.24, XI c/c art.30, II da CRFB∕88), o CPC/2015 é uma lei federal e, em respeito à autonomia legislativa e administrativa dos demais entes federados, não pode ser imposto como norma supletiva ou subsidiária dos Estados, Municípios e Distrito Federal. 2.3. Críticas aos argumentos da Presidência da República, AGU e Senado Federal Analisaremos agora os argumentos contrários expostos na ADI 5492/DF pela Presidência da República, AGU e Senado Federal, visando demonstrar que os mesmos não merecem prosperar em uma verdadeira República Federativa.  Os argumentos foram os seguintes:  I. A aplicação supletiva e subsidiária do CPC/2015 só ocorre na ausência de normas específicas dos entes federativos. Logo, não representa uma violação as suas autonomias, pois caso os entes políticos queiram afastar as normas do CPC/2015, bastaria legislar em sentido contrário.   Esse entendimento, data máxima vênia, não é compatível com o texto constitucional e distorce a ideia de autonomia federativa. Basta perceber que esse raciocínio da AGU e do Senado Federal desagua na seguinte conclusão: os Estados, Municípios e Distrito Federal são obrigados a legislar de forma contrária ao CPC/2015 (lei federal), para impedir a sua aplicação subsidiária ou supletiva. É evidente que esse argumento confunde a autonomia federativa com a imposição legislativa da União, reavivando os resquícios do nosso histórico centralismo político no âmbito federal. Afinal, se existe essa obrigatoriedade, não há propriamente autonomia e nem federalismo cooperativo, mas subordinação. Uma efetiva autonomia legislativa e administrativa de cada ente federativo significa a faculdade (e não uma obrigação) de criar suas próprias leis de processo administrativo. Até porque o legislador, por muitas vezes, opta por não legislar de forma proposital, é dizer, traz um “silêncio eloquente” como ensina Karl Larenz.[30] Isso não significa um total vazio normativo sobre o tema, como afirma o Senado Federal. Caso os Estados, Municípios e Distrito Federal, seja por inércia legislativa ou por opção política (silêncio eloquente), não tenham uma lei própria de processo administrativo, serão aplicadas as diretrizes gerais da Lei nº 9.784∕99 (norma geral com base no art.24, §1º da CRFB∕88), sem prejuízo das suas leis esparsas sobre processos administrativos específicos (fiscal, disciplinar, ambiental, etc.). Legislar sobre processo administrativo é legislar sobre a própria forma de administrar. Logo, não pode a União impor que em caso de omissão legislativa, a sua lei federal (leia-se, a sua forma de administrar) seja obrigatória para os demais entes. A aplicação de uma lei federal por outros entes federativos trata-se de uma faculdade, e não de uma obrigação. Isso significa que, o CPC/2015 somente pode ser considerado uma lei nacional com relação aos processos jurisdicionais (art. 22, I, CRFB∕88). Por isso, não há maiores discussões sobre os limites federativos dessa aplicação subsidiária e supletiva sobre o processo penal, trabalhista e eleitoral. Entretanto, o processo administrativo, como já demonstramos, é de competência legislativa concorrente (art.24, XI, CRFB∕88), somente sendo cabível a aplicação subsidiária e supletiva de uma lei federal (CPC/2015), se os Estados, Municípios e DF, no exercício da sua autonomia legislativa, expressamente autorizarem e nos limites dessa autorização. É o caso da Lei baiana de processo administrativo (Lei 12.209∕11) que prevê a aplicação subsidiária do CPC/2015 somente quanto às regras de incapacidade e impedimento das testemunhas (art.128). É dizer, foi uma opção do legislador estadual, no âmbito da sua autonomia legislativa e administrativa, aplicar as regras federais do CPC/2015 diante dessa lacuna legal específica. O ente federativo também pode optar por aplicar o CPC/2015 a todo o seu regramento de processo administrativo, como é o caso do legislador porto-alegrense (art. 101 da LC nº 790∕2016). Nesses casos, o ente federativo optou por essa aplicação, ele não foi obrigado pela lei federal a isso, e nem poderia, se efetivamente desejamos um federalismo material no nosso país. Portanto, a questão em análise não é uma “simples” aplicação subsidiária e supletiva do CPC/2015 como afirmam a AGU e Senado Federal, mas uma imposição inaceitável de uma lei federal sobre os demais entes políticos. II. A Lei nº 9.784∕99 é federal e segundo jurisprudência pacífica do STJ tem aplicação subsidiária aos processos administrativos dos demais entes políticos Por força de uma interpretação histórica, teleológica e sistemática da Constituição, a Lei nº 9.784∕99 não é exclusivamente federal, mas sim uma norma geral disciplinada pela União (art.24, §1º da CRFB∕88) visando a uniformidade nacional do processo administrativo. Quatro são argumentos para esse entendimento defendido: 1) A União está limitada a fixar normas gerais no caso de condomínio legislativo (Art.24, inciso XI c∕c §1º da CRFB); 2) A Lei nº 9.784∕99 apenas menciona a restrição ao âmbito federal no seu art.1º, todavia, nos demais dispositivos fixa princípios constitucionais e diretrizes que podem ser aplicadas para toda a Administração Pública; 3) As legislações estaduais, municipais e distritais de processo administrativo majoritariamente respeitam as diretrizes trazidas pela norma geral (Lei nº 9.784∕99) e fixam peculiaridades de acordo com seus interesse regionais e locais[31], 4) Esse é o entendimento mais potencializa a sistemática constitucional da repartição de competências e a autonomia federativa dos entes políticos.  Ademais, o STJ já reconheceu em decisões anteriores que o a Lei nº 9.784∕99 trata-se de norma geral.[32] Até mesmo o próprio STF, historicamente centralista no tema do federalismo, já admite que o processo administrativo seja tema destinado ao condomínio legislativo de todos os entes federados.[33] Nesse sentido, entendemos pela inconstitucionalidade material do art. 1º da Lei nº 9.784.99[34] por flagrante violação do sistema federalista de repartição constitucional de competência legislativa (arts. 24, XI e §1º da CRFB∕88). Foi um notável equívoco do legislador restringi-la ao âmbito federal, demonstrando os resquícios do nosso federalismo centralista e formal. III. A aplicação subsidiária e supletiva do CPC/2015 visa a formação de um ordenamento completo e sem vácuos no direito administrativo. Esse argumento do Senado Federal faz relembrar o ingênuo mito positivista exegético da completude das leis que, há muito tempo, não faz mais sentido para a Teoria do Direito.[35] Ademais, ao contrário do que ocorre nas outras ciências jurídicas, o nosso Direito Administrativo não é codificado. Por conta do regime federativo adotado no Brasil, cada ente político (União, Estados, DF e Municípios) tem competência para editar normas referentes a sua respectiva Administração Pública, exceção apenas para alguns assuntos cuja competência seja privativa da União.[36] Destarte, as normas de Direito Administrativo estão contidas em inúmeras leis esparsas editadas em âmbito federal, estadual, distrital e municipal. Segundo assinala Jean Rivero, mesmo os países cujo direito privado é tradicionalmente codificado (civil law), não foram editados códigos de Direito Administrativo: “Ora, país algum, salvo erro, possui um verdadeiro Código Administrativo, devendo ficar claro que não se poderia aplicar o nome de Código ao agrupamento de leis e de regulamentos próprios a uma matéria administrativa que, na França e em vários países estrangeiros, se rotulam com esse nome. Isto acarreta duas consequências: do ponto de vista material, é preciso procurar as regras administrativas, onde elas estiverem – e elas estão, em todos os países, esparsas em múltiplos documentos.”[37] Diante do nosso regime federalista, assim, não faz o menor sentido que o CPC/2015 (norma federal e que trata do direito processual judicial) indiretamente “codifique o direito administrativo” reunindo todas as normas que obrigatoriamente deverão ser seguidas pelos demais entes políticos em caso de omissão. As leis esparsas de direito administrativo são uma consequência lógica da autonomia legislativa e administrativa de cada ente federado. O CPC/2015, ainda que traga normas de Teoria Geral do Processo, não pode ser confundido com um Código Civil Napoleônico, com a ingênua pretensão de codificar tudo for juridicamente relevante. Em um sistema federal efetivo é inadmissível que a aplicação do CPC/2015 vise uma suposta completude normativa do direito administrativo. Nesse diapasão, por mais que o Senado Federal tenha a boa intenção de conferir maior operabilidade ao direito administrativo, não pode passar por cima dos alicerces democráticos da nossa República Federativa. IV. O CPC/2015 é constitucional, pois busca medidas que acelerem a prestação da Justiça e a efetividade do resultado da ação. Com relação ao processo administrativo concretiza os princípios da eficiência, dignidade da pessoa humana, legalidade, celeridade processual, proporcionalidade e razoabilidade. Não negamos que o legislador se empenhou ao máximo para dar ares constitucionais ao novel códex (vide a parte das normas fundamentais: arts.1º – 12) e trazer disposições importantes para um processo (judicial e administrativo) mais eficiente e democrático. Ocorre que a aplicação do CPC/2015 (lei federal) aos processos administrativos estaduais, municipais e distritais, quer o legislador queira ou não, encontra um limite federativo instransponível: a autonomia legislativa e administrativa desses entes federados. Assim, o CPC/2015 não pode subverter todo o sistema constitucional de repartição de competências que assegura a nossa República Federativa. Insistimos que isso não inviabiliza a aplicação do CPC/2015 aos outros âmbitos federativos. Caso os Estados, Municípios ou DF optem (dentro da sua autonomia) pela aplicação subsidiária ou supletiva do CPC/2015 ao seu ordenamento jurídico, basta o seu legislador autorizar essa aplicação (como já aconteceu com a lei baiana e porto-alegrense). Ademais, o processo administrativo não é kafkaniano[38], pelo contrário, ele é o meio democrático de construção da atividade administrativa e já assegura em sua base principiológica a legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência (art.2º Lei nº 9.784∕99). O legislador federal, nesse diapasão, deve respeito ao federalismo material e às peculiaridades do direito administrativo dentro do nosso sistema jurídico. CONCLUSÃO Por fim, diante de tudo que foi exposto nessa pesquisa e na linha da ADI 5492/DF, entendemos pela necessidade federativa da interpretação conforme a Constituição da expressão “processos administrativos” constante do art. 15 CPC/15, para restringir sua incidência à órbita federal, preservando o espaço próprio para cada ente político na definição da fonte subsidiária ou supletiva do respectivo processo administrativo. Caso os Estados, Municípios ou DF optem (dentro da sua autonomia federativa) pela aplicação subsidiária ou supletiva do CPC/2015 ao seu ordenamento jurídico, basta o seu legislador autorizar essa aplicação. Esse é o meio mais proporcional de conservar o art. 15 do CPC/2015, conferindo-lhe um sentido compatível com a República Federativa Brasileira. Esperamos que o STF não mantenha sua linha conservadora e centralista, e defira esse pedido da ADI 5492/DF, dando um passo importante na construção do nosso almejado Federalismo Cooperativo.
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O concurso público e a prática jurídica na jurisprudência dos tribunais superiores
O presente trabalho analisou o sistema jurídico dos concursos públicos, evolução histórica, conceito e regramento constitucional. Por meio de uma abordagem prática, buscou delimitar o conceito de prática jurídica e o que é abrangido por ele. Realizou cotejo analítico entre o estágio acadêmico e a atividade jurídica, a fim de concluir se aquele está contido nesta. Também observou o posicionamento doutrinário e jurisprudencial acerca do tema, especialmente no que concerte ao entendimento dos Tribunais Superiores.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O artigo buscou realizar um cotejo analítico entre o conceito de prática jurídica e o estágio acadêmico, se este encontra-se abrangido por aquele, à luz do posicionamento doutrinário e jurisprudencial acerca do tema. No primeiro capítulo, foi realizada uma abordagem histórica do concurso público, bem como conceituou-se o que é concurso público, estágio acadêmico e prática ou atividade jurídica, bem como as diferenças em relação à prática forense. No segundo capítulo, abordou-se a relação entre os princípios da legalidade, da razoabilidade e do amplo acesso aos cargos públicos, a fim de demonstrar a legitimidade ou não da exigência de prática jurídica como requisito para ingresso na carreira pública. Observou-se o conceito amplo de prática jurídica na visão do Superior Tribunal de Justiça e da doutrina pertinente. Também analisou o recente julgado do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, que considerou como atividade jurídica não só a atividade privativa de bacharel em Direito, mas outras atividades, como a de técnico judiciário, desde que comprovada a pertinência das atividades realizadas pelo indivíduo. Nas considerações finais, foi possível observar que a interpretação do que vem a ser prática jurídica deve ser a mais ampla possível, englobando o estágio acadêmico no seu conceito, haja vista a finalidade deste, bem como o entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca do tema. Assim como o cargo de técnico judiciário pode gerar prática jurídica, desde que demonstrada a pertinência das atividades realizadas pelo técnico, o estágio acadêmico em Direito, também, observados os mesmos pressupostos. 1 ELEMENTOS INTRODUTÓRIOS O presente capítulo tem por objetivo apresentar a evolução histórica dos concursos públicos bem como os conceitos iniciais do que é concurso público, prática jurídica e estágio acadêmico, para só então dar-se início à problemática do presente trabalho. 1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRIA DO CONCURSO PÚBLICO O concurso público como procedimento administrativo de seleção para o ingresso nos cargos públicos remonta à França napoleônica, mas antes disso é de bom alvitre comentar-se acerca dos procedimentos de seleção anteriores ao concurso público. Quatro foram as principais formas de seleção pública que antecederam o concurso: o sorteio, a compra e venda de cargos, a livre nomeação e a eleição, que evoluíram para se adequarem ao momento político vivido pelo Estado. O sorteio como forma de seleção para atribuição de cargos públicos teve origem na antiguidade. Podia ser conceituado como procedimento de seleção por um critério condicional, ou seja, o candidato não era selecionado por atributos pessoais, tais como competência, merecimento, dentre outros, mas por um critério que derivava da sorte de modo exclusivo[1]. Tratou-se de procedimento de aplicação restrita no tempo, não se adequando à evolução do Estado, fato que ensejou a utilização de métodos mais eficazes para o ingresso no serviço público. A compra e venda de cargos públicos, com refúgio na Idade Média, transformou os cargos públicos em verdadeiras mercadorias do Estado, o que privilegiou a classe mais abastada da população. Nos dizeres de Agapito Machado Júnior, tal método de seleção, embora trouxesse riqueza para o Estado, também não selecionaria o candidato mais apto, porém o mais rico[2]. O terceiro procedimento, a livre nomeação, deriva de um ato discricionário da autoridade, que atribuía a alguém um cargo público. Divide-se em absoluto, quando é de competência de apenas uma autoridade, e relativo, quando deriva da vontade de duas ou mais autoridade, trata-se de um ato complexo neste caso[3]. No que pese a possibilidade de auferir as características subjetivas do candidato, a depender do critério escolhido pela autoridade nomeante, a livre nomeação encontra óbice no nepotismo, hoje vedado expressamente pelo súmula vinculante 13 do Supremo Tribunal Federal, mas que já encontrava respaldo nos princípios da moralidade e da eficiência previstos na Constituição Federal. Este método ainda é utilizado no Brasil para o provimento de cargos em comissão, conforme aduz o artigo 37, inciso II, da Constituição Federal, embora não seja a regra do sistema jurídico brasileiro. Por fim, o sistema de eleição para o provimento de cargos públicos. Não se tem dados suficiente sobre a origem exata da eleição como método de ingresso no serviço público, tal procedimento remonta aos primórdios da sociedade. De uma forma sucinta, é o procedimento político por meio do qual indivíduos votam a fim de eleger um representante de seus interesses. Como forma de escolha para os cargos públicos em geral não teve grande acolhimento, mas como forma de seleção para os cargos políticos é utilizada até os dias atuais, em atendimento ao princípio democrático. Ademais, segundo leciona Agapito Machado Júnior, tal método, mesmo havendo a possibilidade de selecionar o candidato democraticamente, ou seja, com o crivo da sociedade, acabou tornando-se forma de atribuição de cargos políticos a classes dominantes, tendo em vista o alto custo das eleições[4]. O concurso público, conforme acima mencionado, teve origem na França, especificamente no período em que Napoleão Bonaparte assumiu o poder.[5] Na tentativa de estabelecer uma Administração Pública menos corruptível, tal procedimento visava à seleção de candidatos mais bem preparados para o serviço. O método de seleção que tem por critério a meritocracia, obteve grande força com o movimento da burocratização da Administração Pública, que deixou de ser patrimonialista e hoje é classificada como gerencial. No Brasil, a evolução do concurso público teve como marco inicial a Constituição Imperial de 1824, cujo método de seleção era o da live nomeação, evoluindo com a Constituição Republicana de 1991, que não deixou de aplicá-la, mas se passou a exigir alguns elementos pessoais do candidatos a fim de auferir sua capacidade para o cargo[6]. A Constituição de 1934 foi a primeira a tratar de forma expressa sobre o concurso público, contudo, sem o aspecto geral que este alcança hoje, vale dizer, possuía aplicação restrita aos cargos organizados em carreira[7]. Não houve modificações significativas nas de 1937, 1946 e 1967. A Constituição Federal de 1988 trouxe o instituto do concurso público como ele é nos dias de hoje, tratou-o de forma mais detalhada, dando aspecto geral ao procedimento, que passou a ser a regra do ingresso nos cargos públicos no Brasil. 1.2 CONCEITOS INICIAIS INERENTES AO SISTEMA JURÍDICO DO CONCURSO PÚBLICO Feitas as devidas considerações acerca da evolução história do Concurso Público, passemos ao estudo dos conceitos necessários à devida compreensão do tema aqui abordado. 1.2.1 Concurso público  Segundo José dos Santos Carvalho Filho, o concurso público é um procedimento administrativo que visa à seleção dos melhores candidatos para o provimento de cargos públicos:  “Concurso público é o procedimento administrativo que tem por fim aferir as aptidões pessoais e selecionar os melhores candidatos ao provimento de cargos e funções públicas. Na aferição pessoal, o Estado verifica a capacidade intelectual, física e psíquica de interessados em ocupar funções públicas e no aspecto seletivo são escolhidos aqueles que ultrapassam as barreiras opostas no procedimento, obedecida sempre a ordem de classificação. Cuida-se, na verdade, do mais idôneo meio de recrutamento de servidores públicos. Abonamos, então, a afirmação de que o certame público está direcionado à boa administração, que, por sua vez, representa um dos axiomas republicanos”[8]. Segundo o referido autor, o concurso trata-se de um procedimento administrativo, não se fazendo aqui qualquer distinção entre processo e procedimento, haja vista a divergência doutrinária sobre o tema[9]. É um conjunto de atos encadeados a fim de alcançar um objetivo, no caso, o provimento de cargos e empregos. Alexandre Mazza complementa tal entendimento, afirmando ser um procedimento externo e concorrencial: “Trata-se, ainda, de um procedimento externo e concorrencial. É externo porque envolve a participação de particulares. É concorrencial porque enseja uma disputa, cujo resultado final favorece alguns competidores em detrimento dos demais”[10]. A Constituição Federal de 1988 consagrou a regra dos concursos públicos no seu artigo 37, inciso II, informando que a investidura em cargo e empregos públicos depende da aprovação em concurso de provas ou provas e títulos, pondo a salvo os cargos em comissão de livre nomeação e exoneração. Assim, pode-se conceituar Concursos Públicos como o procedimento administrativo que envolve a realização de provas a fim de avaliar e selecionar o candidato mais adequado para o provimento de cargos ou empregos públicos da Administração Pública direta e indireta. 1.2.2 Prática jurídica x Prática forense x Atividade jurídica No que concerte à atividade jurídica, prática jurídica ou forense, prevalece na doutrina que prática ou atividade jurídica é muito mais ampla do que prática forense. Para a doutrina, prática forense trata-se exclusivamente da atividade do foro, exercida por meio do processo judicial litigioso: “Quanto aos cientistas do direito, estes entenderam que o legislador não optou pelo termo prática forense. Como afirma Dayse Coelho de Almeida a expressão prática forense é, em si, restritiva porque se refere à prática do foro, dos tribunais. Atividade jurídica é um conceito muito mais amplo que prática forense. Atividade jurídica reputa toda e qualquer ação vinculada ao direito, ou a seara jurídica. Assim, atividade jurídica é gênero da espécie prática forense, o que gera o entendimento lógico que atividade jurídica é prática forense e abrange algo mais, obviamente dentro do ramo jurídico. Não é preciso ser advogado ou estagiário da OAB para se tornar juiz ou promotor. Não é necessário ter atuado efetivamente em processos judiciais. O funcionário público impedido de advogar não está impossibilitado de se inscrever para tais funções, desde que exerça atividade jurídica”[11]. Quando a Constituição federal fez referência ao instituto em comento, expressou-se com o termo “atividade jurídica”, como é possível observar no artigo 93, inciso I, daquela. Para Francisco Lobello de Oliveira Rocha, a expressão “atividade jurídica” deve ser entendida de forma ampla, englobando toda e qualquer atividade que requeira do indivíduo o conhecimento jurídico necessário para o exercício dela. Ainda segundo o autor, a “atividade jurídica“ deve englobar, por exemplo, o exercício de cargos de analista judiciário, estágios, bem como atividades privativas de bacharéis em direito[12]. Constata-se que a prática jurídica deve ser analisada de forma ampla, sem as amarras estipuladas à prática forense, qual seja, atividade de foro, privativa de bacharéis em Direito, seja como advogados, seja como promotores, defensores ou magistrados. Ademais, deve ser aferida caso a caso, de acordo com as especificidades da situação concreta. Segundo Agapito Machado Júnior, a classificação do que é atividade jurídica é atribuição do Poder Judiciário ao analisar as minúcias do caso em litígio. Caberia ao juiz, por meio da proporcionalidade e razoabilidade, determinar se a atividade objeto do processo seria ou não considerada como jurídica para fins de concurso público[13]. Ainda segundo o autor, ao interpretar o artigo 93, inciso I, da Constituição Federal, a exigência dos três anos de atividade jurídica para o cargo de magistrado, mesmo diante de uma interpretação literal, é possível chegar a um conceito amplo do que seja prática jurídica. Veja-se: “Contudo, mesmo diante de uma interpretação literal, pode-se chegar a outro entendimento, o que se conformaria com a jurisprudência nacional, além de ser mais razoável, qual seja: “quando a emenda passa a exigir ‘do bacharel em Direito’ os três anos de atividade jurídica, não está dizendo que ele há de ter três anos de atividade jurídica enquanto bacharel em Direito, e, sim, que ele precisa ser um bacharel em Direito com três anos de experiência jurídica”. Dessa forma, a atividade jurídica seria computada mesmo antes da conclusão do curso de Direito. É mais razoável tal interpretação, pois o que o legislador quer é a experiência do candidato em si na atividade jurídica e não a experiência após a colação de grau em Direito, até porque a experiência jurídica, enquanto tal, não se distingue pelo fato de o candidato ser ou não bacharel em Direito”[14]. José dos Santos Carvalho Filho também diferencia atividade jurídica de prática forense, sendo aquela mais ampla, abrangendo todos aqueles que, impedidos de exercer prática do foro em si, atuam em setores indiscutivelmente ligados à área jurídica: “O art. 93, I, da Constituição, com a alteração introduzida pela EC nº 45/2004 (Reforma do Judiciário), passou a estabelecer que para o ingresso na carreira da Magistratura será exigido, dentre outros requisitos, que o bacharel em direito tenha, no mínimo, três anos de atividade jurídica . Idêntico requisito é exigido para o ingresso na carreira do Ministério Público, como dispõe o art. 129, § 3º , da CF, também alterado pela aludida EC nº 45/2004. A expressão, sem dúvida, é mais precisa que a de “prática forense” , adotada em algumas leis e regulamentos de concurso. É mais ampla também, visto que englobará grande universo de interessados que, impedidos de exercer a prática do foro em si, atuam em setores indiscutivelmente ligados à área jurídica, não sendo justo, realmente, que ficassem alijados do certame”[15]. Há que se concluir, portanto, pela distinção entre atividade ou prática jurídica e prática forense, sendo aquela mais ampla, gênero do qual esta é espécie. Assim, pode-se conceituar atividade jurídica como toda e qualquer atividade que tenha como requisito para o seu exercício o conhecimento jurídico, pouco importante se é exercida por bacharel em Direito. O que se deve considerar para fins de atividade jurídica é a experiência jurídica da atividade propriamente dita e não a colação de grau em curso de Direito. Entender de modo diverso ocasionaria desarrazoada interpretação, violando o princípio do livre acesso aos cargos públicos consolidado no artigo 37, inciso I, da Constituição Federal, pois limitaria sobremaneira o acesso aos cargos daqueles que, embora tenham experiência jurídica, ainda não possuem tempo suficiente decorrido a partir da colação de grau. É certo, portanto, que a atividade jurídica deve abranger não só atividade privativa de bacharel em Direito, mas de todo e qualquer cargo, emprego ou função que demande conhecimentos jurídicos para o seu exercício, como é o caso do estágio acadêmico, dos cargos de técnico judiciário, dentre outros. 1.2.3 Estágio acadêmico O estágio é conceituado no artigo 1º da lei 11.788 como o ato educativo que visa à preparação para o trabalho. “Art. 1o Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam freqüentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos.  § 1o O estágio faz parte do projeto pedagógico do curso, além de integrar o itinerário formativo do educando.  § 2o O estágio visa ao aprendizado de competências próprias da atividade profissional e à contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho”. (grifos nossos) Segundo o referido dispositivo, o estágio tem por objetivo o aprendizado de atribuições próprias da atividade profissional a ser exercida pelo educando em futuro próximo, bem como o desenvolvimento desde para o trabalho. Para Maurício Godinho Delgado, o estágio é a relação de trabalho lato sensu que mais se aproxima da relação de emprego tradicional, pois reúne os cinco elementos da relação empregatícia, mas, por uma questão de política educacional, não foi equiparada àquela. “Situação curiosa ocorre com a figura do estudante estagiário, embora não se trate de excludente com as mesmas características e força da hipótese acima analisada. É que não obstante o estagiário possa reunir, concretamente, todos os cinco pressupostos da relação empregatícia (caso o estágio seja remunerado), a relação jurídica que o prende ao tomador de serviços não é legalmente considerada empregatícia, em virtude dos objetivos educacionais do pacto instituído. Esse vinculo sociojurídico foi pensado e regulado para favorecer o aperfeiçoamento e complementação da formação acadêmico-profissional do estudante. São seus relevantes objetivos sociais e educacionais em prol do estudante, que justificaram o favorecimento econômico embutido na Lei do Estágio, isentando o tomador de serviços, participe da realização de tais objetivos, dos custos de uma relação formal de emprego. Em face, pois, da nobre causa de existência do estágio e de sua nobre destinação – e como meio de incentivar esse mecanismo de trabalho tido como educativo -, a ordem jurídica suprimiu a configuração e efeitos justrabalhistas a essa relação de trabalho lato sensu. (…) Repita-se que o estagiário traduz-se em um dos tipos de trabalhadores que mais se aproximam ela figura jurídica do empregado – sem que a legislação autorize, porém, sua tipificação como tal. De fato, no estágio remunerado, esse trabalhador intelectual reúne, no contexto concreto de sua relação com o concedente do estágio, todos os elementos fático-jurídicos da relação empregatícia (trabalho por pessoa tísica, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e sob subordinação ao tomador dos serviços). Não obstante, a ordem jurídica, avaliando e sopesando a causa e objetivos pedagógicos e educacionais inerentes à relação de estágio – do ponto de vista do prestador de serviços -, nega caráter empregatício ao vinculo formado. Essa negativa legal decorre, certamente, de razões metajurídicas, ou seja, trata-se de artifício adotado com o objetivo de efetivamente alargar as perspectivas de concessão de estágio no mercado de trabalho”[16]. (grifos nossos) É certo portanto que o estágio configura faticamente relação empregatícia, reunindo os cinco elementos desta, razão pela qual não devem ser diferenciadas quanto aos seus efeitos práticos, ou seja, no que pese o estágio não ser relação de emprego juridicamente, em razão de uma política educacional, não se distancia desta no mundo fático, razão pela qual têm efeitos idênticos no que concerte à “prática”. Diante disso, assim como a relação de emprego gera o que se denomina de “prática”, contato com a atividade da profissão, a relação de estágio não pode ser distanciada deste efeito, pois, ao buscar a formação profissional do educando, induz a realização de atividades inerentes à profissão a ser exercida posteriormente. Nesse diapasão, tanto a relação empregatícia quanto o estágio produzem prática no plano fático, haja vista ambos se darem no âmbito do exercício profissional de uma determinada atividade. Assim, o advogado (aqui entendido em sentido amplo englobando os profissionais autônomos, os advogados empregados e os advogados públicos), por exemplo, realiza atividades jurídicas, tais como elaboração de peças processuais, audiências judiciais, pareceres etc. O estagiário, dentro de uma das carreiras que englobam o exercício da advocacia, também realiza atividades jurídicas, por óbvio com supervisão. Ora, se realiza atividades idênticas, por que atribuir efeitos distintos quanto à prática. Se a relação de estágio não se trata de relação de emprego por uma questão de política educacional, sendo igual quanto aos elementos materiais daquela, por qual motivo o seu exercício não gera os mesmo efeitos práticos da relação de emprego. A verdade é que interpretar a prática jurídica sem incluir nela o estágio acadêmico desvirtuaria o seu conceito epistemológico. Assim, um conceito restrito de prática jurídica não clarifica o que esta realmente é. Francisco Lobello de Oliveira Rocha conclui com maestria tal entendimento: “A conclusão não poderia ser outra, já que o importante quando se fala em experiência são aos funções exercidas e o enriquecimento pessoal que proporcionaram, não o título dado à atividade exercida ou o momento de exercício”[17]. Não se pode, portanto, definir atividade jurídica pela denominação da profissão ou pelo lapso temporal em que foi exercida, razão pela qual o estágio acadêmico deve ser considerado como atividade jurídica, pois esta não é auferida com a simples colação de grau de bacharelado em Direito, muito menos pelo exercício da profissão efetiva de advogado, mas pelas experiências alcançadas durante o exercício de uma atividade, sendo esta supervisionada ou não. 2 A PRÁTICA JURÍDICA NO ÂMBITO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES Feita a devida abordagem introdutória sobre a história do concurso público, bem como delimitação dos conceitos iniciais indispensáveis para o entendimento dos tópicos seguintes, passa-se ao estudo do atual entendimento dos Tribunais Superiores sobre o que vem a ser prática jurídica. 2.1 OS REQUISITOS PARA INGRESSO NA CARREIRA PÚBLICA E O PRINCÍPO DA LEGALIDADE. O artigo 37, inciso I, da Constituição Federal, prescreve o princípio do amplo acesso aos cargos, empregos e funções públicas. “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:    I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei; II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;” (…) De acordo com o dispositivo acima, é assegurado a todos o livre acesso aos cargos, empregos e funções públicas, observado o regramento inerente ao concurso público, meio adequado de seleção de pessoal para o serviço público, em atendimento aos princípios que regem a atividade administrativa do Estado. A regra, portanto, é o acesso amplo a todos aqueles que queiram seguir a carreira pública, desde que atendida as disposições inerentes ao concurso público, sendo excepcional a exigência de requisitos outros para o mencionado ingresso, razão pela qual demanda a existência de lei que viabilize tal exigência. O princípio da legalidade é conceituado por Celso Antônio Bandeira de Melo da seguinte forma: “Por isso mesmo é o princípio basilar do regime jurídico – administrativo, já que o Direito Administrativo (pelo menos aquilo que como tal se concebe) nasce com o Estado de Direito: é uma conseqüência (sic) dele. É o fruto da submissão do Estado à lei. É, em suma: a consagração da ideia de que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da lei e que, de conseguinte, atividade administrativa é atividade sublegal, infralegal, consistente na expedição de comandos complementares à lei”[18]. Desse modo, o princípio da legalidade, exposto no artigo 37, diferente daquele previsto no artigo 5º da Constituição Federal, consubstancia-se na reserva legal, vale dizer, ao Estado só é dado fazer aquilo que a lei expressamente permite, nos dizeres de Maria Sylvia Zanela Di Pietro[19]. Quanto ao princípio da legalidade aplicável ao regime jurídico dos concurso públicos, previsto no artigo 37, inciso I, da Constituição, deve ser interpretado de modo que somente serão lícitos os requisitos exigidos pela lei, não havendo discricionariedade administrativa na aplicação ou não de um elemento que mitiga a regra do amplo acesso aos cargos públicos. Percebe-se, portanto, que a regra é o livre acesso à carreira pública, sendo exceção a exigência de requisitos outros que reduzem o acesso pelos candidatos aos cargos, empregos e funções públicas, motivo pelo qual somente serão lícitos se previsto pela lei e não apenas isso, desde que também seja atendido o princípio da razoabilidade. 2.1.1 Exame psicotécnico e limite de idade Em atendimento ao exposto acima, o Supremo Tribunal Federal Elaborou a súmula vinculante 44, segundo a qual “só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato a cargo público”. Tal enunciado expressa a necessidade do atendimento à reserva legal para o estabelecimento de novos requisitos necessários ao ingresso em cargos, empregos e funções públicas, sob pena de violar o princípio da legalidade e do amplo acesso aos cargos públicos. Por conta da legalidade estrita, o regramento trazido pelas resoluções 75 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ – e 40 do Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP – tem sua constitucionalidade questionada por parcela da doutrina[20], tendo em vista que não são lei em sentido estrito, mas atos normativos dos referidos órgãos integrantes do Poder Judiciário. Ademais, o Supremo Tribunal Federal, na súmula 683, prescreve a necessidade de atender a legalidade, bem como a razoabilidade quanto ao limite de idade para ingresso no serviço público: “o limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da CF/88, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido”. Ora, muito mais do que a própria legalidade, o atendimento ao princípio da razoabilidade é pressuposto do Estado Democrático de Direito, pois, além de ser legal, a previsão de novos limites ao acesso a cargos públicos deve ser legítima. Segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto, o princípio da razoabilidade não tem por finalidade compatibilizar causa e efeito, estabelecendo uma decisão racional, mas de compatibilizar interesses e razões[21]. Não se trata de uma mera subsunção da regra ao caso concreto, mas da análise dos valores postos em xeque no plano fático. Para Rafael Carvalho Oliveira Rezende, o princípio da razoabilidade subdivide-se em três vertentes, a adequação ou idoneidade, a necessidade ou exigibilidade e a proporcionalidade em sentido estrito: “a) Adequação ou idoneidade: o ato estatal será adequado quando contribuir para a realização do resultado pretendido (…); b) Necessidade ou exigibilidade: em razão da proibição do excesso, caso existam duas ou mais medidas adequadas para alcançar os fins perseguidos (interesse público), o Poder Público deve adotar a medida menos gravosa aos direitos fundamentais (…); c) Proporcionalidade em sentido estrito: encerra uma típica ponderação, no caso concreto, entre o ônus imposto pela atuação estatal e o benefício por ela produzido (relação de custo e benefício da medida), razão pela qual a restrição ao direito fundamental deve ser justificada pela importância do princípio ou direito fundamental que será efetivado (…)”[22]. Assim, deve ser analisado no caso concreto se a exigência editalícia, além de previsão legal, possui: adequação, ou seja, se contribui de forma determinante para o fim almejado pelo interesse público; necessidade, se diante da possibilidade de não haver a exigência, ela é necessária à realização da finalidade pública; e proporcionalidade em sentido estrito, se diante da ponderação do caso concreto, o bônus da exigência sobrepõe-se ao ônus acarretado por ela. No caso da idade, é necessária a justificativa da exigência pela natureza do cargo, emprego ou função público, como é o caso das carreiras policiais, vale dizer, o limite de idade é adequado, necessário e proporcional ao exercício da atividade policial. Parece ser, haja vista a constante necessidade de condicionamento físico para tais carreiras, já que exercem atividade externa, em sua maioria, o que demanda maior rigor físico, qualidade inerente à juventude humana, via de regra. Nota-se, portanto, a necessidade, quando da exigência de requisitos que limitam o amplo acesso aos cargos públicos, da observância dos princípios da legalidade e da razoabilidade, que compõem o princípio da legitimidade, corolário do Estado Democrático de Direito. 2.2 A LEGITIMIDADE DA EXIGÊNCIA DE PRÁTICA JURÍDICA Do mesmo modo como foi abordado acima, a exigência de prática jurídica como requisito para ingresso nos cargos, empregos e funções públicas necessita ser estabelecida nos ditames da legalidade e da razoabilidade, vale dizer, somente será lícita sua exigência quando estipulada por lei em sentido formal, bem como atender aos pressupostos da razoabilidade. 2.2.1 A omissão constitucional e o “silêncio eloquente” Originariamente, a prática jurídica foi estabelecida pela Constituição Federal no artigo 93, inciso I, modificado pela Emenda Constitucional 45 de 2004. Referido artigo trata especificamente da carreira da magistratura. No que concerte à carreira da advocacia pública, nela incluída as esferas federal, estadual e municipal, os artigos 131 e 132 da Constituição da República nada dispuseram sobre atividade jurídica. Luís Roberto Barroso acredita haver o que se denomina pela doutrina constitucional alemã de “silêncio eloquente”, segundo o qual a Constituição não especificou a exigência de prática jurídica para a carreira da advocacia pública pelo fato de o constituinte não ter achado pertinente tal exigência. Verbis: “A omissão, lacuna ou silêncio da lei consiste na falta de regra positiva para regular determinado caso. A ordem jurídica, todavia, tem uma pretensão de completude, e não se concebe a existência de nenhuma situação juridicamente relevante que não encontre uma solução dentro do sistema. O processo de preenchimento de eventuais vazios normativos recebe o nome de ‘integração’. […] é preciso distinguir, como faz com proveito a doutrina alemã, entre lacuna e ‘silêncio eloquente’. Em palavras do Ministro Moreira Alves: “Sucede, porém, que só se aplica a analogia, quando, na lei, haja lacuna, e não o que os alemães denominam de ‘silêncio eloquente’ (‘beredtes Schweigen’), que é o silêncio que traduz que a hipótese contemplada é a única a que se aplica o preceito legal, não se admitindo, portanto, aí o emprego da analogia”[23] Para o Ministro do Supremo Tribunal Federal, diante da completude do ordenamento jurídico, não há que se falar em omissão constitucional no caso em questão. Na verdade, a Constituição foi omissa propositalmente, tendo em vista acreditar não ser relevante a exigência de prática jurídica para outros cargos públicos diferentes dos de juízes e de promotores. É preciso compreender que, a limitação do acesso aos cargos públicos não é a regra do ordenamento jurídico, mas exceção, devendo sempre observar o conjunto de princípios englobados por aquele. Não se nega, portanto, o atendimento ao princípio da eficiência no caso, vale dizer, a exigência de prática jurídica atende ao referido princípio quando exige candidatos com mais experiência para preencherem os cargos públicos. Contudo, tornar a exigência de prática jurídica como a regra no ordenamento brasileiro violaria não só a regra do amplo acesso aos cargos públicos, como também o princípio da razoabilidade, caro ao Estado Democrático de Direito. Ora, se a Constituição resolveu por bem exigir três anos de atividade jurídica exclusivamente para magistrado e membros do Ministério Público, o fez com razão, acreditando que a responsabilidade inerente a tais cargos justifica maior rigidez ao seu acesso. Não se questiona a grande responsabilidade inerente aos cargos da advocacia pública, que merece grande importância ao lado das demais carreiras jurídicas que integram as Funções Essenciais à Justiça, mas o constituinte houve por bem não exigir a atividade jurídica prévia como requisito para ingresso nessa carreira. Manteve-se omisso não por equívoco, mas por vontade consubstanciada em valores maiores, quais sejam, o princípio do amplo acesso aos cargos públicos e da razoabilidade. 2.2.2 O Superior Tribunal de Justiça e a exigência de prática jurídica A exigência de atividade jurídica já foi objeto de questionamento perante o Judiciário brasileiro. Para o Superior Tribunal de Justiça – STJ – tal exigência é legítima, atende aos postulados da Constituição da República. Contudo, a atividade jurídica não pode ser entendida de forma restrita, limitada a certo lapso temporal ou a certas atividades. Para a Corte, prática jurídica deve ser vista em seu sentido mais amplo possível, alcançando qualquer atividade que demande conhecimentos jurídicos para o seu exercício e gere experiências jurídicas para o indivíduo. “ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PRÁTICA FORENSE. CONCEITO. INTERPRETAÇÃO ABRANGENTE. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que, para provimento de cargos públicos mediante concurso, o conceito de "prática forense" deve ser compreendido em um sentido mais amplo, não comportando apenas as atividades privativas de bacharel em direito, mas todas aquelas de natureza eminentemente jurídica. 2. Recurso especial conhecido e improvido”[24]. Não se trata de julgado isolado, mas de verdadeiro entendimento consolidado na jurisprudência do STJ, como é possível observar em outros julgados da Corte[25]. Assim, atividade jurídica deve ser interpretada de forma ampla, não devendo ser limitada ao período pós colação de grau de bacharelado em Direito, mas alcançando também o exercício do estágio acadêmico, tendo em vista a sua natureza ser idêntica a própria atividade profissional, mas que por uma questão de política educacional não foi equiparada formalmente àquela. 2.2.3 O Supremo Tribunal Federal e a exigência de prática jurídica Em julgado recente, o Supremo Tribunal Federal – STF – afirmou que o conceito de atividade jurídica não se limita aos cargos privativos de bacharel em Direito. “CONCURSO – ATIVIDADE JURÍDICA – ESPECIFICIDADE – ARTIGO 129, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – ALCANCE. A expressão “três anos de atividade jurídica”, contida no artigo 129 da Constituição Federal, não encerra vinculação a atividade privativa de bacharel em direito”[26]. O caso aborda a viabilidade de comprovação de atividade jurídica no cargo de técnico judiciário. Para o STF, é possível que o detentor de cargo de técnico judiciário adquira prática jurídica, desde que reste demonstrada, por meio das atividades inerentes ao cargo, a aquisição de experiência jurídica. Segundo a Suprema Corte, a prática jurídica está nas atividades exercidas pelo detentor do cargo e não na denominação deste ou nos requisitos para o seu exercício. Assim, um técnico judiciário que realiza audiências, elabora sentenças e outras peças processuais, por óbvio, com a supervisão do magistrado responsável, exerce atividade jurídica suscetível de gerar prática jurídica. Assim, não é necessário o grau de bacharel em Direito, sendo suficiente, para adquirir prática jurídica, o exercício da atividade gere experiência jurídica ou seja inerente à atividade jurídica. 2.3 O ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A SUA APLICAÇÃO AO ESTÁGIO ACADÊMICO Feitas as devida considerações sobre a decisão do STF no Mandado de Segurança 27.601, o que se pretende com o presente trabalho é aplicar tal entendimento ao estágio acadêmico em Direito. No que concerne à exigência de grau de bacharel em Direito, ambos são semelhantes, com a maior rigidez do estágio que exige do educando estar cursando Direito, enquanto que o técnico, não. O cargo de técnico judiciário demanda o grau de nível médio completo, com base no artigo 8, inciso II, da lei 11.416, aplicável no âmbito da União Federal. Já o exercício do estágio acadêmico, com base no artigo 3º, inciso I, da lei 11.788, tem por requisito a matrícula e a frequência escolar do educando em curso de educação superior. Segundo o STF, para que o exercício do cargo de técnico judiciário seja reconhecido como atividade jurídica, é necessário que o técnico exerça atribuições que gerem experiência jurídica, conforme mencionado acima. Se a essência do estágio em Direito é o exercício de atividades jurídicas inerentes ao curso, objetivando a aquisição de experiência profissional, não haveria lógica em distinguir as duas atividades. Nesse diapasão, aceitar o estágio acadêmico como atividade jurídica seria o mais sensato a ser feito, pois se o cargo de técnico judiciário, que exige apenas o nível médio, desde que o detentor do cargo exerça atividades que demandem conhecimentos jurídicos, pode ser enquadrado como atividade jurídica, qual seria o motivo para não se aplicar tal entendimento ao estágio acadêmico, que além de exigir a matrícula e frequência escolar em curso de Direito, pela própria natureza é atividade jurídica. Parece que entender a proposição acima em sentido negativo não seria a melhor decisão a ser tomada. O STF ainda não possui julgado sobre o tema, mas acredita-se que deva seguir o mesmo raciocínio do STJ, acolhendo o estágio como atividade jurídica, entendendo esta em seu sentido mais amplo possível. CONSIDERAÇÕES FINAIS No que concerne à evolução história do concurso público, foi possível extrair que o referido procedimento, no que pese as falhas inerentes aos institutos humanos, é o que mais se aproximas dos valores englobados pelo Estado Democrático de Direito, sendo a regra do ordenamento jurídico brasileiro para ingresso nos cargos, empregos e funções públicas. Em relação à atividade ou prática jurídica, trata-se de conceito mais abrangente que a mera prática forense, visto que esta é inerente à atividade desenvolvida em foro processual, restrita aos sujeitos e atos processuais. Ademais, observou-se que a prática jurídica como requisito de ingresso aos cargos públicos deve ser entendida da forma mais ampla possível, de modo a não violar o princípio da razoabilidade e do amplo acesso aos cargos públicos, valores presentes na Constituição da República. Quanto ao estágio acadêmico, observou-se que a finalidade deste é aproximar o educando da atividade profissional a ser exercida em futuro próximo. Viu-se que, conforme doutrina mais acertada, não foi equiparada à relação de emprego apenas no aspecto jurídico-formal, por questão de política educacional, haja vista preencher todos os elementos da relação empregatícia, o que garante a equiparação no plano fático. Também extraiu-se a exigência de lei em sentido estrito a fim de estipular novas exigências para o ingresso nos cargos, empregos e funções públicas, porém não só isso, necessitando também de atendimento ao princípio da razoabilidade em suas três vertentes, princípios inerentes ao Estado Democrático de Direito, conforme observado na análise da súmula vinculante 44 e súmula 683 do Supremo Tribunal Federal. A exigência de prática jurídica como requisito de ingresso no serviço público, no que pese argumentação contrária relevante sobre o tema para os cargos que não exigiram constitucionalmente tal requisito, é válida, desde que atenda aos postulados da legalidade e da razoabilidade. O Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência sobre o tema. Para a Corte, é legítima a exigência de prática jurídica, devendo esta ser entendida em seu sentido amplo, englobando toda e qualquer atividade que requeira conhecimentos jurídicos e gere experiência jurídica. Além disso, não havendo julgados recentes da Corte sobre o tema, há que se depreender que o entendimento continua nesta vertente. No Supremo Tribunal Federal há recente julgado tratando da exigência de prática jurídica e sua comprovação com relação ao cargo de técnico judiciário, no sentido de que a atividade jurídica não é privativa dos cargos de bacharel em Direito. Diante disso, pelo estudo feito sobre o estágio acadêmico neste trabalho no que concerte a sua finalidade, qual seja, garantir que o educando tenha contato com a profissão, bem como adquira experiência prática inerente à esta profissão, tentou-se demonstrar que não há razão para distinguir os efeitos da relação jurídica do cargo de técnico judiciário e do estágio acadêmico em Direito, sendo certo que este, com mais razão, por exigir a matrícula e frequência escolar do educando em curso de Direito, gera prática jurídica. Assim, a prática jurídica deve ser acatada em seu sentido mais abrangente, incluindo nela o estágio acadêmico em Direito, de modo que este possa suprir a exigência de “anos de atividade jurídica” como requisito para ingresso em cargos, empregos e funções públicas. Entender de modo diverso acabaria por violar a razoabilidade, bem como o amplo acesso aos cargos públicos, valores albergados pelo ordenamento jurídico brasileiro.
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Conjecturas à autorização de uso pela administração pública: singelas ponderações
Quadra anotar que a gestão (ou ainda administração) dos bens públicos encontra-se, umbilicalmente, atrelada à utilização e conservação. Desta feita, com o escopo de traçar linhas claras acerca do tema colocado em debate, cuida ponderar que a atividade gestora dos bens públicos não alcança o poder de alienação, oneração e aquisição desses bens. Nesta esteira, o poder de administração, subordinado aos ditames contidos no Ordenamento Pátrio, apenas confere ao administrador o poder, e ao mesmo tempo o dever, de zelar pelo patrimônio, devendo, para tanto, utilizar os instrumentos que apresentem como escopo a conservação dos bens ou, ainda, que objetivem obstar a sua deterioração ou perda. De igual maneira, incumbirá ao administrador, em atendimento aos postulados que regem a Administração, proteger os bens públicos contra investida de terceiros, ainda que se revele imprescindível a adoção de conduta coercitiva executória ou mesmo recorrer ao Judiciário para a defesa do interesse público. No mais, deve-se pontuar, imperiosamente, que a atividade de gestão de bens públicos é essencialmente regulamentada pelo direito público, socorrendo-se dos fundamentos do direito privado, de maneira supletiva, quando não há norma expressa que verse acerca da matéria.
Direito Administrativo
1 Gestão de Bens Públicos: Ponderações Introdutórias Em sede de comentários inaugurais, quadra anotar que a gestão (ou ainda administração) dos bens públicos encontra-se, umbilicalmente, atrelada à utilização e conservação. Desta feita, com o escopo de traçar linhas claras acerca do tema colocado em debate, cuida ponderar que a atividade gestora dos bens públicos não alcança o poder de alienação, oneração e aquisição desses bens. Nesta esteira, o poder de administração, subordinado aos ditames contidos no Ordenamento Pátrio, apenas confere ao administrador o poder, e ao mesmo tempo o dever, de zelar pelo patrimônio, devendo, para tanto, utilizar os instrumentos que apresentem como escopo a conservação dos bens ou, ainda, que objetivem obstar a sua deterioração ou perda. De igual maneira, incumbirá ao administrador, em atendimento aos postulados que regem a Administração, proteger os bens públicos contra investida de terceiros, ainda que se revele imprescindível a adoção de conduta coercitiva executória ou mesmo recorrer ao Judiciário para a defesa do interesse público. Consoante manifestado entendimento jurisprudencial, “por certo, a conservação e a segurança estão inseridos no conceito de administração dos bens municipais e não podem ser transferidos integralmente para os cidadãos”[1]. Ao lado disso, como bem anota Carvalho Filho, “a gestão dos bens públicos, como retrata típica atividade administrativa, é regulada normalmente por preceitos legais genéricos e por normas regulamentares mais especificas”[2]. Além disso, não se pode olvidar que a alienação, a oneração e a aquisição exigem, como regra, autorização legal de cunho mais específico, porquanto na hipótese ora mencionada não há que se falar em simples administração, mas sim alteração na esfera do domínio das pessoas do direito público. No mais, deve-se pontuar, imperiosamente, que a atividade de gestão de bens públicos é essencialmente regulamentada pelo direito público, socorrendo-se dos fundamentos do direito privado, de maneira supletiva, quando não há norma expressa que verse acerca da matéria. 2 Uso de Bens Públicos Os bens públicos podem ser usados pela pessoa jurídica de direitos público a que pertencem, independentemente de serem considerados de uso comum, de uso especial ou mesmo dominicais. Entretanto, é plenamente possível que aludidos bens sejam utilizados por particulares, ora com maior liberalidade, ora com a atenção aos preceitos normativos pertinentes. Em sentido similar, posiciona-se a jurisprudência, notadamente quando destaca que “o uso dos bens públicos pode ser feito pela própria pessoa que detém a propriedade ou por particulares, quando for transferido o uso do bem público”[3]. Sobreleva anotar que é importante demonstrar que a utilização de bens públicos por particulares atende ao interesse público, aferido pela Administração, sendo possível, inclusive, a estruturação de regulamentação mais minuciosa. Ademais, em se tratando da utilização de bens públicos por particulares, imprescindível se faz que, de maneira pormenorizada, sejam analisados os fins atendidos por aqueles, já que de nenhuma maneira é admitida a desvirtuação dos objetivos elementares para satisfazer interesse exclusivamente privados. Insta sublinhar que há hipóteses em que o uso é considerado normal, porquanto se coaduna com os fins do bem público, a exemplo do que infere no uso de praças e ruas por particulares, de modo geral. Em outras situações, todavia, o uso é considerado anormal, eis que o objetivo da utilização só indiretamente se harmoniza com os fins naturais do bem. Neste passo, com o fito de ilustrar o expendido, podem-se citar as conhecidas ruas de lazer, vez que o uso normal da rua apresenta como objetivo o trânsito geral dos veículos, mas em determinado dia ambicionou a utilização anormal, atendendo a diversão das pessoas. Gize-se, ainda, que algumas formas de utilização independem do consentimento do Poder Público, porque o uso é natural. “Vejam-se os bens de uso comum do povo. Quando de tratar de uso anormal, ou de hipóteses especiais de uso normal, necessária se tornará a autorização estatal para que o uso seja considerado legítimo”[4]. 3 Formas de Uso 3.1 Uso Comum Em uma primeira plana, considera-se como bem de uso comum do povo todo aquele que se reconhece à coletividade em geral sobre os bens públicos, sem discriminação de usuários ou ordem especial para sua fruição. Trata-se do uso feito pelo povo em relação às ruas e logradouros públicos, dos rios navegáveis, do mar e das praias naturais. “Esse uso comum não exige qualquer qualificação ou consentimento especial, nem admite frequência limitada ou remunerada, pois isto importaria atentado ao direito subjetivo público do indivíduo de fruir os bens de uso comum do povo sem qualquer limitação individual”[5]. Para esse uso são admitidas tão somente regulamentações gerais de ordem pública, cujo escopo seja promover a preservação da segurança, da higiene, da saúde, da moral e dos bons costumes, sem que haja particularizações de pessoas ou mesmo categorias sociais. Assim, qualquer restrição ao direito subjetivo de livre fruição, tal como a cobrança de pedágio nas rodovias, desencadeia a especialização do uso e, quando se tratar de bem considerado realmente necessário à coletividade, tal situação só poderá ocorrer em caráter excepcional. Carvalho Filho, ao abordar o tema em destaque, anota que “uso comum é a utilização de um bem público pelos membros da coletividade sem que haja discriminação entre os usuários, nem consentimento estatal específico para esse fim”[6]. Saliente-se, oportunamente, que no uso comum do povo os usuários são anônimos, indeterminados, e os bens utilizados o são por todos os membros da coletividade (utili universi) motivo pelo qual ninguém tem direito ao uso exclusivo ou mesmo a privilégio na utilização do bem. In casu, vigora a premissa que o direito de cada indivíduo limita-se à igualdade com os demais na fruição do bem ou suportar os ônus dele resultantes. É possível, desta sorte, diccionar que todos são iguais perante os bens de uso comum do povo. “Mas, por relações de vizinhança e outras situações especiais, o indivíduo pode adquirir determinados direitos de utilização desses bens e se sujeitar a encargos específicos”[7]. Consoante leciona Carvalho Filho[8], o uso comum deve ser gratuito, de maneira a não produzir qualquer ônus aos que utilizem o bem, porquanto esse característico é fruto da própria generalidade do uso, uma vez que, se oneroso fosse, haveria discriminação entre aqueles que poderiam e os que não poderiam sofrer o ônus. Anotar se faz carecido que não somente os bens de uso comum do povo possibilitam o uso comum. Ao reverso, os bens de uso especial também o admitem, quando a utilização está em consonância com os fins normais a que se destinam. A título de exemplificação, é possível mencionar as repartições públicas, os prédios de autarquias e fundações governamentais estão sujeitados ao uso comum, porquanto os cidadãos podem ingressar livremente nesses locais, sem que haja necessidade de qualquer autorização especial. Conquanto essa forma de uso seja comum e geral, não se pode negar ao Poder Público a competência para estabelecer as normas regulamentadoras, com o escopo de adequar a utilização ao interesse público. A aludida regulamentação, mesmo que seja dotada de caráter restritivo, de certa maneira, há que se traduzir em ditames gerais e impessoais, com o fito de manter incólume a indiscriminação entre os indivíduos. Convém, ainda, explicitar que os bens de uso comum do povo, ainda que estejam à disposição da coletividade, estão sob a administração e a vigilância do Poder Público, que tem o dever de mantê-los em normais condições de utilização pelo público, de maneira geral. “Todo dano ao usuário, imputável à falta de conservação ou obras e serviços públicos que envolvam esses bens, é da responsabilidade do Estado, desde que a vítima não tenha agido com culpa”[9]. Infere-se, por derradeiro, que são aspectos característicos do uso comum dos bens públicos a generalidade da utilização do bem, a indiscriminação dos administrados no que concerne ao uso do bem, a compatibilização do uso com os fins normais a que se destina e a inexistência de qualquer gravame para permitir a utilização. 3.2 Uso Especial Inicialmente, é denominada como uso especial a forma de utilização de bens públicos, na qual o indivíduo se sujeita a regras específicas e consentimento estatal ou, ainda, se submete à incidência da obrigação de pagar pelo uso. Como aponto Carvalho Filho, “o sentido do uso especial é rigorosamente o inverso do significado do uso comum. Enquanto este é indiscriminado e gratuito, aquele não apresenta essas características”[10]. A partir das ponderações apresentadas, é possível frisar que uma das formas de uso especial de bens públicos está atrelada ao uso remunerado, consistindo na modalidade por meio da qual o administrado sofre uma espécie de ônus, sendo a forma mais comum o adimplemento de certa importância que possibilite o uso. Imperioso se faz colacionar o magistério do festejado doutrinador Hely Lopes Meirelles, que arrazoa: Uso especial é todo aquele que, por um título individual, a Administração atribui a determinada pessoa para fruir de um bem público com exclusividade, nas condições convencionadas. É também uso especial aquele a que a Administração impõe restrições ou para o qual exige pagamento; bem como o que ela mesma faz de seus bens para a execução dos serviços públicos, como é o caso dos edifícios, veículos e equipamentos utilizados por suas repartições[11]. Cuida ponderar que tanto os bens de uso comum como os de uso especial podem estar sujeitos a uso especial remunerado. Em tom de exemplificação, como bem de uso comum do povo, é possível mencionar o pagamento de pedágio em estradas rodoviárias e em pontes e viadutos. “Um museu de artes pertencentes ao Governo, cujo ingresso seja remunerado, é exemplo de bem de uso especial sujeito a uso especial”[12]. É fato que ninguém é detentor natural do direito de uso especial de bem público, porém qualquer indivíduo ou mesmo empresa poderá obtê-lo, mediante contrato ou ato unilateral da Administração, na forma autorizada por lei ou regulamento ou simplesmente consentida pela autoridade competente. “Assim sendo, o uso especial do bem público será sempre uma utilização individual – uti singuli – a ser exercida privativamente pelo adquirente desse direito”, consoante obtempera Hely Lopes Meirelles. O que tipifica o uso especial está assentado na privatividade da utilização de um bem público, ou mesmo de parcela desse bem, pelo beneficiário do ato ou do contrato, afastando, via de consequência, a fruição geral e indiscriminada da coletividade ou do próprio Poder Público. Prima evidenciar que esse uso pode ser consentido gratuita ou remuneradamente, por lapso temporal certo ou indeterminado, conforme o teor do ato ou contrato administrativo que o autorizar, permitir ou conceder. Nesta esteira, é possível acrescentar que, uma vez titulado regularmente o uso especial, o particular passa a usufruir de um direito subjetivo público ao seu exercício, podendo opô-lo a terceiros e à própria Administração, nas condições estabelecidas ou convencionadas. Urge evidenciar que “a estabilidade ou precariedade desse uso assim como a retomada do bem público, com ou sem indenização ao particular, dependerão do título atributivo que legitimar”[13]. Realçar se faz premente que os aspectos caracterizadores da espécie de uso em comento estão alicerçados nos seguintes axiomas: a exclusividade do uso aos administrados que pagam a remuneração ou, ainda, aos que recebem consentimento estatal para o uso; a onerosidade, nas hipóteses de uso especial remunerado; a privatividade, nas situações de uso especial privativo; e, a inexistência de compatibilidade estrita, em específicos casos, entre o uso e o fim a que se destina o bem. 3.3 Uso Compartilhado O uso compartilhado é assim considerado aquele em pessoas públicas ou privadas, que prestam serviços públicos, necessitam de utilizar-se de áreas de propriedade de pessoas diversas. Tal situação é plenamente verificável, por exemplo, no uso de determinadas áreas para a instalação de serviços de energia, de comunicações e de gás canalizado, estruturando, para tanto, dutos normalmente implantados no subsolo. “Quando se trata de serviços envolvendo pessoas públicas, o problema se resolver através de convênios. Mas quando o prestador do serviço é pessoa de direito privado, mesmo que incluída na administração pública descentralizada, são mais complexas as questões e as soluções”[14]. Em se tratando do tema colocado em destaque, quatro hipóteses distintas são observáveis. A primeira está atrelada ao uso de área integrante de domínio público, sendo que aludido uso carecerá de autorização do ente público que detém o domínio sobre o bem e, vigora como regra, não há o pagamento de remuneração pelo uso. Neste sentido, inclusive, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento que “a cobrança em face de concessionária de serviço público pelo uso de solo, subsolo ou espaço aéreo é ilegal (seja para a instalação de postes, dutos ou linhas de transmissão)”[15]. Outra situação a ser sublinhada, o uso de área non aedificandi pertencente a particular, pois, “como há, na hipótese, mera limitação administrativa, pode o prestador usá-la livremente e, como o uso não afeta o direito do proprietário, não tem este direito à remuneração nem indenização”[16]. Excepciona-se ao expendido, quando houver demonstração do prejuízo causado. Cuida versar acerca do uso da área privada, além da faixa de não edificação, porquanto tal possibilidade reclama da autorização do proprietário, sendo norteado pelos ditames do direito privado, devendo, pois, a empresa prestadora do serviço entabular acordo no que concerne à eventual remuneração ou mesmo firmar pacto de cessão gratuita de uso. Por derradeiro, a última possibilidade a ser enfrentada está adstrita ao uso de área pública sujeita à operação por pessoa privada, em decorrência de contrato de concessão ou permissão, sendo imprescindível um ajuste pluripessoal, envolvendo o cedente, o concessionário e o prestador do serviço, ainda que não haja diploma legislativo trazendo expressa regulamentação da matéria, revela-se plenamente possível afixar remuneração pelo uso do solo e do subsolo. 4 Conjecturas à Autorização de Uso pela Administração Pública: Singelas Ponderações Lançando mão do entendimento firmado pelo festejado doutrinador Hely Lopes Meirelles, “autorização de uso é o ato unilateral, discricionário e precário pelo qual a Administração consente na prática de determinada atividade individual incidente sobre um bem público”[17]. O mencionado ato administrativo é unilateral, porquanto a exteriorização da vontade é somente da Administração Pública, conquanto o particular seja o interessado no uso. De similar sorte, é discricionário, uma vez que depende da valoração do Poder Público acerca da conveniência e a oportunidade em conceder o consentimento. Como bem obtempera Carvalho Filho, “trata-se de ato precário: a Administração pode revogar posteriormente a autorização se sobrevierem razões administrativas para tanto, não havendo, como regra, qualquer direito de indenização em favor do administrado”[18]. Oportunamente, insta trazer à colação o entendimento jurisprudencial que se coaduna com os argumentos estruturados até o momento: “Ementa: Agravo de instrumento. Contrato administrativo. TRENSURB. Pedido liminar de reintegração de posse deferido. Manutenção da decisão a quo. Comprovada a notificação por parte da administração pública, não se vislumbra ato ilegal ou arbitrário suficiente para revogar a medida de desocupação. A autorização de uso de área pública é ato administrativo unilateral, discricionário e precário, podendo ser revogado pela Administração Pública a qualquer tempo. […]. Agravo de instrumento desprovido”. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Primeira Câmara Cível/ Agravo de Instrumento Nº 70047285010/ Relator: Desembargador Luiz Felipe Silveira Difini/ Julgado em 23.05./2012). “Ementa: Apelação Cível. Constitucional, Administrativo e Processual. Município de Bento Gonçalves. Ocupante de praça municipal. Estabelecimento comercial. Autorização de uso de bem público. Revogação. Mandado de segurança. Ato administrativo precário. Poder discricionário da Administração. Inexistência de direito líquido e certo. Improvimento na origem. Não provimento em grau de recurso. Apelação não provida”. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Quarta Câmara Cível/ Apelação Cível N. 70005365549/ Relator: Desembargador Wellington Pacheco Barros/ Julgado em 16.04.2003) (destacou-se). Nesta senda, ainda, quadra frisar que a autorização de uso, consoante as ponderações apresentadas por Hely Lopes Meirelles, “não tem forma nem requisitos especiais para sua efetivação, pois visa apenas a atividades transitórias e irrelevantes para o Poder Público, bastando que se consubstancie em ato escrito, revogável sumariamente a qualquer tempo e sem ônus para a Administração”[19]. Anotar se faz imprescindível que, apenas de maneira remota, a autorização de uso atende ao interesse público, vez que tal escopo é inarredável para a Administração. Com efeito, o benefício mais robusto do uso do bem público pertence ao administrado que logrou êxito em obter a utilização privativa. Conforme observa Carvalho Filho, “é de se considerar que na autorização de uso é prevalente o interesse privado do autorizatário”[20]. Prospera, como regra, que a autorização não deve ser conferida com prazo certo, produzindo seus efeitos até que a Administração entenda por bem revogá-la. Entrementes, em sendo estabelecido, de maneira expressa, lapso temporal para o uso, a Administração terá instituído autolimitação, que deverá ser observada, motivo pelo qual o desfazimento, antes de operado o termo final, produz o dever de indenizar em relação aos prejuízos experimentados, desde que restem sobejamente comprovados. “Essas autorizações são comuns para a ocupação de terrenos baldios, para a retirada de água em fontes não abertas ao uso comum do povo e para outras utilizações de interesse de certos particulares, desde que não prejudiquem a comunidade nem embaracem o serviço público”[21]. Além disso, como o instituto em destaque detém natureza de ato discricionário e precário, restam devidamente salvaguardados os interesses administrativos, sendo que o consentimento dado pela autorização de uso não carece de lei nem reclama prévia licitação. “Cabe afirmar que o administrado não tem direito subjetivo à utilização do bem público, não comportando formular judicialmente pretensão no sentido de obrigar a Administração a consentir no uso”[22], porquanto os critérios de deferimento, ou não, do pedido de uso são exclusivamente administrativos, ancorados no binômio conveniência e oportunidade. Em ressonância com o apontado, é possível destacar que “porque discricionária e precária, a autorização de uso não gera qualquer direito ou privilégio contra a Administração, ainda que fruída por longo tempo”[23]. É imperioso evidenciar que a Medida Provisória n°. 2.220[24], de 04 de Setembro de 2001, que dispõe sobre a concessão de uso especial de que trata o §1o do art. 183 da Constituição, cria o Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano – CNDU e dá outras providências, estatuiu uma nova espécie de autorização de imóvel público. Arrimados nos dispositivos 182 e 183 da Carta de Outubro[25], o diploma legal supramencionado estabeleceu a autorização de imóvel público de natureza urbanística. Reza o artigo 9° da Medida Provisória em comento que é facultado ao Poder Público competente dar, de maneira gratuita, autorização de uso àquele que, até 30 de junho de 2001, possuiu como seu, por cinco anos, de forma pacífica e ininterrupta, imóvel público, de até duzentos e cinquenta metros quadrados, em área urbana, utilizando-a para fins comerciais. “Para completar o prazo legal, a lei admite que o possuidor acrescente sua posse à do antecessor, desde que ambas sejam contínuas”[26]. A novel modalidade de autorização de uso de imóvel público é dotada de regime jurídico próprio, dotado de traços característicos diversos dos norteadores da autorização de uso de natureza comum. Quadra anotar que ambas são formalizadas por ato administrativo, todavia a diferença está assentada nos aspectos de discricionariedade e precariedade. Ora, em se tratando da autorização comum, a Administração irá tão somente considerar os critérios de conveniência e oportunidade para sua outorga; ao passo que na autorização urbanística, a discricionariedade é considerada mais estrita, porquanto, além do binômio mencionado alhures, é imprescindível verificar a presença dos pressupostos legais. Neste diapasão, a autorização comum é precária porque o órgão administrativo poderá promover sua revogação de acordo com os simples critérios administrativos; enquanto que na autorização urbanística não há que se falar em precariedade, já que, uma vez deferida a autorização, o uso se tornará definitivo, não mais comportando a possibilidade revogação administrativa. “Enquanto esta [autorização de uso de natureza urbanística] é um direito do possuidor, a autorização mencionada [autorização de uso comum] é apenas uma faculdade do Poder Público”[27]. Outro aspecto diferenciador a ser realçado está atrelado ao modo como o indivíduo se vincula ao imóvel público, posto que, em se tratando de autorização de uso comum, o indivíduo tem plena ciência de que o imóvel não lhe pertence, possuído simples detenção. Doutro prisma, na autorização urbanística é possível verificar que o indivíduo possui o imóvel como seu, existindo posse, desde que esta seja ininterrupta e sem oposição. Sobreleva, ainda, ponderar que existem fatores diferenciais, no que concernem aos aspectos temporal, territorial e finalístico. Ao se esmiuçar o característico temporal, vislumbra-se que a autorização comum não ostentar qualquer limitação de tempo para ser concedida; já a autorização urbanística só pode ser conferida para os administrados que completaram os requisitos, elencados na Medida Provisória N° 2.220/2001[28], até 30 de julho de 2001. “Na autorização comum não há restrição quanto à dimensão do território; na autorização urbanística, o uso só é autorizado para imóveis urbanos de até duzentos e cinquenta metros quadrados”[29]. Ademais, a autorização comum comporta qualquer espécie de uso pelo interessado, ao passo que a autorização estatuída pela Medida Provisória ora aludida só se legitima se o ocupante utilizar o imóvel para fins comerciais. Em seus artigos 4° e 5°, a Medida Provisória N° 2.220/2001[30] estabelece que a autorização urbanística possa incidir em local distinto daquele ocupado pelo interessado, quando o local ocupado oferecer risco à vida ou à saúde do imóvel ou, ainda, o imóvel for qualificado como bem de uso comum, encontrar-se em área destinada à urbanização ou à preservação ambiental. Como bem explicita Carvalho Filho, “note-se que todos os fatos ensejadores da mudança de local são de natureza urbanística, o que demonstra efetivamente a preocupação do novo diploma em adotar estratégias de política urbana”[31].
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Aspectos legais do conflito entre trabalho policial prescrito e o real: o caso dos agentes de polícia civil do Distrito Federal
O presente estudo analisa, por meio do referencial teórico – metodológico da Ergonomia da Atividade as relações entre o trabalho prescrito e real da carreira de Agentes de Polícia Civil do Distrito Federal. Os conceitos evocados e os argumentos elaborados mostram que existe uma discrepância significativa entre o trabalho prescrito e o trabalho real. Os resultados apontam para uma falha no modelo de gestão da instituição policial e para ausência de uma legislação atual e regulamentação compatível com as atividades já realizadas pelos Agentes. Esta pesquisa, em razão da natureza do problema em estudo e das questões e objetivos que orientam a investigação, apresenta um caráter qualitativo-descritivo. Para tanto, foram utilizadas três estratégias metodológicas de investigação: pesquisa documental; acompanhamento de grupos de debate na rede social do FACEBOOK, em caráter de etnografia virtual e realização de um grupo focal. A partir de todos os dados coletados, por meio das técnicas de pesquisa citadas, foi realizada uma codificação temática pautada na seleção de termos semânticos mais recorrentes nos três loci onde realizamos o trabalho de campo: documentos, internet e grupo focal.
Direito Administrativo
1. INTRODUÇÃO No Brasil, o serviço público é responsável por uma significativa parcela do mercado de trabalho, ao contrário de outros países, cuja iniciativa privada é predominante. Tornou-se uma alternativa de trabalho que ressalta algumas características únicas, como a estabilidade de emprego e a não redução do salário, entre outras. No serviço público, as Carreiras Típicas de Estado são aquelas que exercem atribuições relacionadas à expressão do Poder Estatal, não possuindo, portanto, correspondência no setor privado. Integram o núcleo estratégico do Estado, requerendo, por isso, maior capacitação e responsabilidade. Estão previstas no artigo 247 da Constituição Federal e no artigo 4º, incisoIII, da Lei nº 11.079, de 2004. As carreiras consideradas típicas de Estado são as relacionadas às atividades de Fiscalização Agropecuária, Tributária e de Relação de Trabalho, Arrecadação, Finanças e Controle, Gestão Pública, Segurança Pública, Diplomacia, Advocacia Pública, Defensoria Pública, Regulação, Política Monetária, Planejamento e Orçamento Federal, Magistratura e o Ministério Público. Sendo o eixo da Segurança Pública, o contexto o qual se insere a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), que se trata de uma instituição pertencente à administração direta, essencial à função jurisdicional e vinculada ao Gabinete do Governador do Distrito Federal, é dirigida por delegado de polícia de carreira e tem relativa autonomia administrativa e financeira. A Polícia Civil do Distrito Federal tem como missão institucional promover, integrada às instituições congêneres, a segurança pública, visando à preservação da ordem pública e à incolumidade das pessoas, por meio da apuração de delitos, da elaboração de procedimentos formais destinados à ação penal e da adoção de ações técnico-policiais, com a preservação dos direitos e garantias individuais. Essa instituição caracteriza-se por um regime jurídico e condições de trabalho peculiares, de certo modo diferenciadas dos demais órgãos e entes públicos, visto que está fundada nos princípios de hierarquia e disciplina, cujos servidores, por expressa disposição legal, são submetidos ao regime de dedicação exclusiva. A PCDF está inserida em um contexto organizacional que se vale da interdisciplinaridade em sua gestão de conhecimento e inteligência estratégica, uma vez que precisa compreender a dinâmica social para ter uma atuação abrangente. Para tanto, como uma das maneiras de trabalhar a reunião, correlação e síntese de disciplinas, ou seja, a interdisciplinaridade, a Polícia Civil do Distrito Federal por intermédio de um conjunto de ações, passou a conferir o caráter de especialidade às suas carreiras. Dentre tais ações, destaca-se quando começou a exigir como requisito de ingresso no seu quadro de servidores, a formação superior e a avaliação deste saber em concurso público (SOUZA, 2014). E assim, diante da complexidade e diversidade dos cargos que compõem a PCDF existe a necessidade constante de um diálogo teórico entre Ergonomia da Atividade e a Psicodinâmica do Trabalho, bem como entender como cada cargo se insere na instituição e o grau de (in)compatibilidade entre o trabalho prescrito e o trabalho real para cada especialidade. Nesse sentido o presente estudo que tem como foco a carreira de Agente de Polícia Civil Do Distrito Federal, estabelece como problema central da pesquisa, o seguinte questionamento: Existe descompasso entre a organização do trabalho prescrito e a vivência do trabalho real dos profissionais na carreira de Agente de Polícia Civil Do Distrito Federal? Temos, então, como inferências a partir do problema das tensões entre trabalho prescrito e trabalho real no espaço funcional da atividade policial do agente de Polícia Civil Do Distrito Federal que: – As atividades executadas (trabalho real) pelos dos Agentes de Polícia Civil do DF são compatíveis com as tarefas definidas em lei (trabalho prescrito)? E nesse sentido para testar a problemática do estudo e estabelecer as reposta para os questionamentos foi utilizada a seguinte metodologia: 2. METODOLOGIA DA PESQUISA 2.1. CLASSIFICAÇÃO DO ESTUDO Esta pesquisa, em razão da natureza do problema em estudo e das questões e objetivos que orientam a investigação, apresenta um caráter qualitativo-descritivo. Para tanto, foram utilizadas três estratégias metodológicas de investigação: pesquisa documental; acompanhamento de grupos de debate na rede social do Facebook, em caráter de etnografia virtual e realização de um grupo focal. A partir de todos os dados coletados, por meio das técnicas de pesquisa citadas, foi realizada uma codificação temática pautada na seleção de termos semânticos mais recorrentes nos três loci onde realizamos o trabalho de campo: documentos, Internet e grupo focal. 2.2. TÉCNICAS A pesquisa documental teve por objetivo descrever e analisar a organização prescrita do trabalho. Assim, foram utilizados o Regimento Interno Da Polícia Civil Do Distrito Federal – Decreto Nº 30.490, de 22 de Junho de 2009, Regime Jurídico Peculiar Dos Funcionários Policiais Civis Da União e Do Distrito Federal – Lei Nº 4.878, de 3 de Dezembro de 1965, Constituição Da República Federativa Do Brasil De 1988 e o Edital De Concurso Público para ingresso no Cargo de Agente de Polícia Civil do Distrito Federal (Distrito Federal, 2013). A etnografia virtual consistiu no acompanhamento dos grupos de debate e teve por objetivo observar como o tema trabalho real é discutido no cotidiano dos Agentes de Polícia nas redes sociais. As anotações foram realizadas a partir de setembro de 2014 e registradas por cerca de dois meses. Neste período realizei observação participante recorrente nesse espaço virtual, inclusive interagindo com outros policiais civis no intuito de aprofundar discussões sobre a questão da relação trabalho real e prescrito na tentativa de elucidar suas percepções acerca de consequências de assimetrias entre essas duas modalidades de trabalho. Foi realizada ainda uma entrevista coletiva em formato de grupo focal gravadaa com um grupo de agentes, buscando-se captar as percepções e vivências subjetivas decorrentes da experiência do trabalho para, assim, analisar as relações entre trabalho prescrito e real a partir de elementos descritos pelos entrevistados como exemplos de tarefas e atividades reais do cotidiano do cargo de Agente de Polícia Civil. Em linhas gerais, essa estratégia metodológica objetivou, essencialmente, a vivência subjetiva dos trabalhadores, isto é, aquela que provém do inconsciente, afastando do seu campo de interesse, em contrapartida, a objetividade dos fatos, representada pela realidade do trabalho humano em suas dimensões físicas e cognitivas. Dentro dessa perspectiva, não despertam interesse direto a realidade dos fatos na situação de trabalho, tampouco a descrição efetuada pelos trabalhadores de seus trabalhos, mas sim a vivência subjetiva que é expressa pela fala. Outra característica do arranjo metodológico utilizado é que ele esteve centrado, fundamentalmente, no comentário verbal de um grupo de pessoas, pois este se constitui no canal fundamental para o estabelecimento de contato com a subjetividade do trabalhador. Seu significado, de certa forma, representa a formulação do pensar dos trabalhadores sobre a sua própria situação (DEJOURS, 1992). O grupo focal foi constituído de seis policiais civis lotados em diferentes seções de investigação da 11ª Delegacia de Polícia Civil, localizada na cidade do Núcleo Bandeirante/Distrito Federal, como participantes e de um pesquisador, que atuou como moderador do debate e na coleta de dados. Para a condução da entrevista coletiva foi elaborado um roteiro de questões. A reunião foi realizada em uma sala localizada na sede da própria Delegacia a qual os policiais estavam vinculados. A sessão foi gravada, com o consentimento dos entrevistados, e durante toda a entrevista o pesquisador fez anotações. Após a entrevista, o áudio gravado foi utilizado para estabelecer qual a percepção do trabalho real pelos agentes de polícia, bem como foi analisado como elemento de coleta de dados para interpretação do pesquisador. 2.3. PERFIL DOS ENTREVISTADOS NO GRUPO FISCAL Na estrutura organizacional da PCDF, agentes podem desenvolver diversas funções dentro de uma delegacia, utilizou-se como critério para escolha dos sujeitos de pesquisa o fato de estarem lotados em sessões diferentes na mesma sede, sendo três mulheres e três homens, com idades entre 26 e 50 anos, representando policiais que exercem atividades na Seção de Investigação de Crimes Violentos (SICVIO), Seção de Repressão a Drogas (SRD), Seção de Polícia Comunitária (SPCOM) e Seção de Investigação Geral (SIG). A Seção de Atendimento à Mulher (SAM) e da Seção de Apoio Administrativo (SAA) não apresentou voluntários. Os policiais selecionados tinham entre 1 e 20 anos de tempo de serviço. Salienta-se que participação na pesquisa não teve caráter convocatório, mas sim voluntário, ou seja, após apresentação da proposta de pesquisa, os Agentes de cada sessão foram convidados a participar e uma vez tendo aceitado, foram alertados da utilização daqueles dados para confecção de pesquisa científica. 2.4. COLETA DOS DADOS A coleta de dados para percepção do trabalho real se fundamentou nas seguintes fontes: – CODIFICAÇÃO TEMÁTICA: Por meio do acompanhamento do grupo denominado “EPAs PCDF” sitiado no “FACEBOOK”, foram selecionados trechos de postagens de vários policiais para analisar a organização real do trabalho. “EPAs PCDF” é um grupo virtual destinado aos Escrivões, Peritos Papiloscopistas e Agente da Polícia Civil e Agente Penitenciário do Distrito Federal, conta com a participação de 1492 membros e foi criado com intuito de promover a intregração entre os integrantes da PCDF, bem como fomentar discussões sobre os mais variados temas de interesse comum das categorias. Sendo as discussões sobre os temas: tarefas, atribuições competências, atividades dos agentes de polícia, as fontes de coleta de dados sobre a organização real do trabalho desses profissionais. – ENTREVISTAS: Consistiram em depoimentos obtidos em entrevistas coletivas semi-estruturadas, técnica que possibilita o estabelecimento de uma relação dialogal entre pesquisador e informante, proporcionando a participação de ambos na produção da entrevista e, portanto, da geração de conhecimento (TRIVIÑOS, 1987). A utilização desse tipo de instrumento de coleta de dados objetivou, basicamente, atingir a um propósito, ou seja, descrever as representações dos agentes de polícia sobre o trabalho prescrito e real exercido por eles. O roteiro elaborado para a condução das entrevistas procurou abranger os seguintes tópicos: – conhecimento sobre à natureza e conteúdo das tarefas prescritas; – aspectos relativos à norma legal das tarefas; – a responsabilidade e os conhecimentos necessários para aplicação das normas na atividade cotidiana; – compatibilidade entre o trabalho prescrito e o trabalho real; – a percepção sobre os problemas e soluções para adequação do trabalho prescrito e o trabalho real. 2.5. ANÁLISE DOS DADOS Os dados colhidos foram analisados por meio da metodologia de análise de dados qualitativos, denominada de análise de conteúdo, através da qual foi atribuída relevância aos comentários diretos extraídos da discussão, considerando-se as palavras utilizadas e os seus significados, o contexto em que foram colocadas as idéias, a consistência interna, a freqüência e a extensão dos comentários, e a especificidade das respostas, sempre levando em consideração que a psicopatologia do trabalho está apoiada num modelo de homem e de subjetividade. A escolha deste método de análise foi motivada pela constatação de que ele permite trabalhar as informações e os dados que não se mostram explícitos a partir dos depoimentos dos sujeitos entrevistados. Sendo necessário, assim, fazer uma leitura semântica acerca do sentido das expressões faladas e até mesmo gestuais dos falantes. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1. O TRABALHO PRESCRITO NOS DOCUMENTOS E NA PERCEPÇÃO DOS AGENTES POLICIAIS A análise da categoria de trabalho prescrito, realizada a partir dos documentos legais e da legislação em vigor, permite definir a Policia Civil como órgão integrante da segurança pública, que tem como atribuição exclusiva a realização das funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto militares, ressalvadas as de competência da União. Vejamos a percepção do tema de um dos policiais entrevistados: “Eu acredito que seria exercer a Polícia Judiciária, não somente auxiliando, mas realizando a investigação em si, operação, mandado de prisão, eu acho que seria uma investigação mais ampla. O agente de polícia tem a função de investigador.” Quanto às atribuições prescritas para o cargo de Agente de Polícia Civil do Distrito Federal, estas são: realizar atividade de nível superior, envolvendo investigar atos ou fatos que caracterizem ou possam caracterizar infrações penais; assistir a autoridade policial no cumprimento das atividades de polícia judiciária; coordenar ou executar operações de natureza policial ou de interesse de segurança pública; executar intimações, notificações ou quaisquer outras atividades julgadas necessárias ao esclarecimento de atos ou fatos sob investigações; dirigir veículos automotores em serviços, ações e operações policiais; executar demais serviços de apoio à autoridade policial, executar outras atividades decorrentes de sua lotação. Esse levantamento documental possibilitou a descrição e análise do cargo, porém a delimitação do trabalho prescrito sob o formato de tarefas não é possível, uma vez que em uma análise exploratória de conteúdo desses documentos o diagnóstico do trabalho dos agentes de polícia revelou uma ótica mais voltada para os interesses institucionais do que para o trabalhador policial em si, como pode ser vista nas falas a seguir: “Bom, as tarefas básicas do Agente é auxiliar o Delegado, essa seria nossa tarefa, auxiliar, mas acaba que a gente faz o trabalho além, que seria o trabalho de investigar. Entendeu? Tudo feito pelos Agentes de Polícia né? Investigação, relatório, oitivas, tudo isso é feito pelo Agente de Polícia, isso seriam atribuições pela lei do Delegado, porque a gente é auxiliar do Delegado, porque não tem muitas funções detalhadas.” Em outro momento temos: “Concordo com eles, ainda mais que na legislação, uma que a gente sabe muito bem e está escrito, é dirigir viatura, um caso que é inclusive motivo de “chacota” por causa disso, mas concordo com eles, porque nossa tarefa mesmo, mesmo, se for seguir ao pé da letra é auxiliar o Delegado.” Ocorre que as tarefas desenhadas para os Agentes de Polícia apresentam incoerências com as próprias normas legais, a descrição e análise do cargo caracterizam-se pela existência de imprecisões, redundâncias e contradições. Nesse sentido, cabe salientar alguns aspectos críticos presentes no documento analisado: Uma descrição imprecisa se encontra no inciso VI, do artigo 99 do Decreto Nº 30.490, de 22 de JUNHO DE 2009, que assegura como atribuição (tarefa) o dever de executar outras atividades decorrentes de sua lotação. A discussão aqui é o que são essas “outras” atividades. Algumas e incompatibilidades e Contradições podem ser constatados no edital do Concurso Público para Provimento de Vagas e Formação de Cadastro de Reserva no Cargo de Agente de Polícia EDITAL Nº 1 – PCDF/AGENTE, DE 1º DE AGOSTO DE 2013, descreve como atividade sumária do cargo a realização de atividades de nível superior, envolvendo investigar atos ou fatos que caracterizem ou possam caracterizar infrações penais. Ocorre que de acordo com o art. 3º da Lei nº 9.264, de 7 de Fevereiro de 1996, a qual trata dentre outras matérias, da Carreira de Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), o cargo de Agente de Polícia é legalmente de nível intermediário. Para ilustrar a percepção desse tema, tem-se a seguinte publicação extraído do grupo “EPAs PCDF/FACEBOOK”: “Em termos de competência do que cabe ou não aos EPAs decidirem… realmente é algo inútil. Infelizmente. Nenhum EPA é gestor da polícia. Fica parecendo telespectadores querendo definir os finais das novelas… não adianta, quem vai decidir são os donos da novela. /// Infelizmente também não são os juízes que definem as nossas atribuições legais. São as Leis. (juízes não podem invadir competência legislativas de outro poder) Proposta inicialmente pelo Chefe do Poder Executivo. Pela lei (talvez arcaica) somos "carteiros/motoristas/vigias"… meros auxiliares. Tanto é assim que ganhamos como NÍVEL MÉDIO dentre as carreiras típicas de estado Devido às atribuições de Nível Médio. /// Emitir opiniões nesse quesito é democrático. Mas infelizmente não passará de meras opiniões… (grifo nosso). 26 de novembro às 16:27. Fonte: https://www.facebook.com/groups/EPAspcdf/search/?query=plenaria). Apesar de que desde a edição da Lei nº 11.134, de 15 de julho de 2005, seja exigido o curso superior para ingresso na carreira, não existe lei que regulamente o exercício de atividades de nível superior pelo Agente de Polícia, o que de fato é uma contradição. Tais resultados denotam uma visão peculiar da concepção formal do trabalho, pois sendo a legalidade um dos princípios institucionais da Polícia Civil do Distrito Federal, cabe aos seus servidores fazer somente o que a lei permite obedecendo ao que diz a redação do art. 37 da CF/88 e do artigo 2º da lei 9.784/99 (Lei do Processo Administrativo). Os resultados dessa primeira etapa de análise podem ser resumidos na seguinte lista: ü  Investigar atos ou fatos que caracterizem ou possam caracterizar infrações penais; ü  Assistir a autoridade policial no cumprimento das atividades de polícia judiciária; ü  Coordenar ou executar operações de natureza policial; ü  Executar intimações, notificações policiais; ü  Dirigir veículos automotores em serviços, ações e operações policiais; ü  Executar demais serviços de apoio à autoridade policial; ü  Executar outras atividades decorrentes de sua lotação; 3.2. TRABALHO REAL – PERCEPÇÃO DOS AGENTES DE POLÍCIA A análise crítica dos conceitos de trabalho prescrito e trabalho real permite identificar um conjunto de aspectos que chama a atenção sobre a importância da compatibilidade entre a tarefa e a atividade dos trabalhadores. Destacam-se como propriedades intrínsecas do conceito de tarefa: é sempre preexistente ou anterior à atividade; veicula explícita ou implicitamente um modelo de sujeito; requer do sujeito dupla atividade de elaboração mental e de execução manual. Ela estabelece, portanto, uma potencial agenda de comportamentos para a atividade de mediação dos trabalhadores, estabelecendo parâmetros básicos em termos de formas de agir e de interação com o contexto sociotécnico de trabalho (FERREIRA & BARROS 2003). Ora, o estado da arte em ergonomia salienta de forma abundante como modelos de gestão de natureza Taylorista-Fordista, ainda hoje largamente utilizado nas organizações, tendem a construir cenários do trabalho prescrito que se distanciam da atividade real dos trabalhadores. São práticas de concepção supostamente científicas que configuram uma verdadeira cultura do trabalho prescrito, mas que padecem de limites visíveis (FERREIRA, 2003). Na realidade, são modelos que concebem os trabalhadores como um fator de ajuste, ou seja, o homem deve adaptar-se ao trabalho e não o contrário, como preconiza a Ergonomia da Atividade. Os resultados oriundos das entrevistas e observações das discussões no grupo “EPAs PCDF” possibilitaram identificar que existe uma discrepância significativa entre o trabalho prescrito e o trabalho real, decorre das observações que os Agentes de Polícia acreditam que a normatização de suas atividades é muita vaga e imprecisa, o que exige constante adaptação do trabalhador policial às tarefas impostas pelos gestores da instituição, sendo que muitas vezes tais tarefas extrapolam as competências do cargo de agente ou quando mesmo realizadas, são atribuídas e apropriadas por outras categorias legalmente competentes, não havendo o devido reconhecimento do trabalho executado. Segue um relato extraído do grupo “EPAs PCDF”: “Da mesma forma que os Deltas não reconhecem o relatório do Agente de Polícia (mas querem que os Agentes o façam), é o que os Peritos Criminais querem, que façamos os "exames" e eles se apropriem do resultado. Se não somos competentes para estas tarefas porque eles que são não o fazem? Vamos continuar sendo chamados de balconistas, mela-dedos e escravões? Isso não é motivo para revolta? Nossas tarefas evoluíram. É nisto que acredito. Que se mudem as leis. 4 de dezembro às 06:44. (Fonte: https://www.facebook.com/groups/EPAspcdf/search/?query=peritos).” As observações das percepções dos Agentes quanto ao trabalho real exercido e adotado como referencial a Noção Fundamental em Ergonomia (GUÉRIN et al., 2001, p.15) afirma que: "A tarefa não é o trabalho, mas o que é prescrito pela empresa ao operador. Essa prescrição é imposta ao operador; ela lhe é, portanto exterior, determina e constrange sua atividade. Mas, ao mesmo tempo, ela é um quadro indispensável para que ele possa operar: ao determinar sua atividade, ela o autoriza". Temos que, o trabalho real percebido pelos agentes é de fato correlacionado com atividades hoje prescritas. Não existe uma divergência do que se “fazer” e sim qual o limite do que se “fazer”. Devido à imprecisão da norma, é necessária uma atualização da norma de forma restringir a atividade realmente exercida. Assim, utilizando as estratégias metodológicas de investigação dessa pesquisa tomando como eixo temático as tarefas prescritas relacionadas no Quadro 1, analisou-se algumas postagens e trechos da entrevistas que permitiram confirmar a existência de um conflito entre o que se é prescrito e o que se verifica como trabalho real. Vejamos uma colocação extraída do grupo virtual quando se debateu as atividades reais dos agentes de polícia. Salienta-se que os nomes dos policiais citados serão preservados e substituídos pela sigla Ag(X), em que X será substituído em ordem numérica de acordo com as citações, segue uma das postagens relacionadas com a organização do trabalho real: “É por isso Ag(1) e Ag(2), o dia q o agente começar a enxergar a sua atividade dentro de um contexto de ADMINISTRAÇÃO DA INFORMAÇÃO E CONHECIMENTO, ele começará a entender melhor o q faz e assim, pleitear melhor a respeito do q faz, ora, o agente apura crimes pela elucidação da trama ou história do crime, APURAR É CONHECER e isso ocorre numa dinâmica em q há uma entrada, processamento e saída de dados/informação q irá realizar o entendimento, irá PRODUZIR O CONHECIMENTO daquilo q se deseja saber, no caso do agente, a elucidação da trama ou história do crime. ENTRADA – é o acesso (busca ou coleta) aos suportes de informação, no caso do agente, em razão dele atuar na elucidação da trama ou história do crime, ele acessa pessoas e os meios pelo qual as pessoas se comunicam (rede de telecomunicações, internet etc.) ou preparam (ex. dinheiro, veículo, local etc.) ou realizam (ex. arma, droga etc.) a atividade criminosa, ora senão vejamos: 1 – pela entrevista, seja nos plantões, seções, diligências e operações policiais, o agente acessa pessoas e o q elas têm a dizer sobre a trama criminal. 2 – pelo recrutamento de colaboradores (ex. informantes) o agente acessa pessoas e o q elas sabem sobre a trama criminal. 3 – pelo monitoramento de pessoas (campana ou uso de carrapato ou outros meios disponíveis) o agente acessa pessoas e o q elas fazem na trama criminal. 4 – pela prisão, apreensão, condução coercitiva ou outra diligência para localização ou abordagem de pessoas, o agente acessa pessoas e o q elas devem saber da trama criminal. 5 – pela infiltração (feita pelo agente ou mediante recrutamento de terceiro supervisionado por ele) o agente acessa pessoas e o q elas tramam subjetivamente. 6 – pela busca e apreensão de coisas, sejam meios de comunicação, documentos, equipamentos eletrônicos e outros q guardam relação com atividade criminosa, o agente acessa os dados e informações q essas coisas venham a fornecer, a fim de conhecer a trama criminal. 7 – pela coleta ou pesquisa em bases de dados disponíveis (ex. internet/intranet, documentos públicos, coisas apreendidas e dados sigilosos cujo acesso foi autorizado legalmente) o agente acessa dados e informações q guardam relação com a trama ou história do crime. 8 – pelo monitoramento de comunicações (escuta ambiental, interceptação telecomunicações, telemática e de outros sinais) o agente acessa o q as pessoas tramam subjetivamente. PROCESSAMENTO – é quando o agente, com base no q foi coletado ou buscado, realiza a montagem (com cruzamento de dados ou exploração de hipóteses) das questões pertinentes à apuração da trama ou história do crime, nesse momento surge uma variável imprescindível que é o tirocínio policial, como capital intelectual relevante: http://www.inteligenciapolicial.com.br/…/tirocinio… (já disponível no site do sinpol: http://sinpoldf.com.br/tirocinio-policial-e-investigacao/). É interessante observar q nada se faz sozinho, tanto q nesse processamento, o agente interage com os trabalhos investigativos realizados pelos demais atores da investigação policial/criminal e vice-versa, por isso diz-se q investigar é um ato interdisciplinar, a separação de áreas é apenas para fins de identificação, didática e organização dos trabalhos, para melhor realização da inter-relação desses setores num único serviço, q é a investigação, MAS CADA ATOR VAI TER UM PÉ EM SUA ÁREA PRINCIPAL E OS DEDOS DE SEU OUTRO PÉ EM CADA UMA DAS OUTRAS ÁREAS. SAÍDA – é a difusão q o agente faz daquilo q processou, o q é feito por RELATÓRIOS, REGISTROS PRELIMINARES (histórico de ocorrência policial ou certidão de cumprimento em verso de mandado) ou qdo colhe (termo de declarações, 99% quem faz sozinho é o EPA entrevistando quem declara, tanto nos plantões, cartórios e seções) ou presta DECLARAÇÕES (dentro ou fora da polícia: ex. audiências judiciais) pertinentes à apuração da trama ou história do crime. Por fim, os trabalhos do agente não se dão necessariamente nessa progressão (entrada/processamento/saída), a classificação q apresentei é apenas para fins de compreensão, como todo fenômeno, em cada fase do processo, outras se manifestam, interpenetradas, sem seguir necessariamente um escalonamento fixo, assim, essas ações o agente realiza pela atividade de Inteligência (como o Oficial de Inteligência da ABIN, com a diferença q fazemos inteligência policial e eles, de Estado) e TOAP/TIP (técnicas operacionais da ação e imobilização policial), norteado por conhecimentos técnicos-científicos: psicologia, antropologia, sociologia, administração, metodologia de produção do conhecimento científico…bem, a-gente mexe com gente, certo? além de outros saberes q auxiliam ou suportam ou assessoram o q faz, como bem apontou o Ag(3): o Direito (somos agente da lei, certo? mas não precisamos ser juristas pra fazer o nosso trabalho). Abçs.” Fonte:https://www.facebook.com/groups/EPAspcdf/permalink/796694313705462/) Nesta longa exposição o policial argumenta que ao contrário do que é prescrito no item “Assistir a autoridade policial no cumprimento das atividades de polícia judiciária” o que se observa é que o Agente não está auxiliando e sim executando as tarefas que por lei são atribuídas ao Delegado de Polícia. Em outra postagem temos: “Nunca fomos nem seremos agentes dos outro ou da autoridade policial. Ademais autoridade policial em sentido mais cientifico é todo aquele q exerce o poder da policia. Seja PM, civil ou federal. O agente de policia é p cargo com as atribuições mais complexas, pois vai a campo atrás de provas, autoria, materialidade etc. Este cargo deve possuir nos seus quadros pessoas com conhecimento cientifico e legal para cumprir suas atribuições legais de forma eficiente e eficaz.” Fonte: https://www.facebook.com/groups/EPAspcdf/?ref=ts&fref=ts Segundo esse pensamento, os Agentes acreditam que são responsáveis pela maior parte da atividade fim da polícia judiciária, como também compõe o maior quadro da estrutura da Polícia Civil do DF, e o resultado produtivo esperado da instituição só é possível porque os trabalhadores estão extrapolando diariamente as tarefas que lhe são devidas (trabalho prescrito) exercendo atividades que vão além de suas atribuições (trabalho real), mesmo não sendo capacitados, valorizados ou remunerados adequadamente para tais atividades por vezes aquém do trabalho policial “stricto sensu”. Nesta perspectiva, foi observado que esse pensamento também esteve presente nos relatos dos Agentes que participaram do Grupo Focal, segue: “É porque na verdade as atribuições do Agente de Polícia ela não é detalhada, salvo em engano são três incisos, a investigação em si é atribuição do Delegado de Polícia. A legislação é muito vaga, na minha opinião, a norma não define, não limita, a gente tem várias atividades que não estão limitadas em lei, nada está escrito como deveria está. Agente exerce um pouco o papel de Escrivão, Delegado.” Diante do que foi exposto até aqui, é recorrente a ideia de que o Agente executa atividades do cargo de Delegado de Polícia, o que gera um desconforto. Ocorre que não há uma resistência na realização das tarefas, e sim uma insatisfação por realizar uma tarefa que não é reconhecida como de sua competência pela própria instituição e sociedade, no ponto de vista legal. Conforme o Art. 95 do Decreto nº 30.490, de 22 de JUNHO DE 2009 são atribuições do Delegado de Polícia. “Art.95. São atribuições do Delegado de Polícia: I – Supervisionar, coordenar, controlar e executar as atividades específicas de polícia civil ou de interesse da segurança pública; II – Desenvolver estudos e pesquisas com vistas à preservação da segurança pública; III – Estudar e propor medidas destinadas a simplificar o trabalho e a redução dos custos das operações policiais; IV – Elaborar planos de estudos de situação de busca de informações e de operações policiais; V – Proceder à análise de dados e elaborar informações no âmbito da Polícia Civil; VI – Participar de estudos e pesquisas de natureza técnica sobre administração policial; VII – Representar à autoridade competente sobre questões de natureza penal; VIII – Planejar operações de segurança e de investigações; IX – Supervisionar ou executar operações de caráter sigiloso; X – Instaurar e presidir inquéritos policiais e termos circunstanciados; XI – Presidir sindicâncias e outros procedimentos administrativos; XII – Presidir audiências e lavratura do respectivo termo; XIII – Proceder com todos os atos e formalidades necessários para a instrução do inquérito policial e outros procedimentos de natureza criminal ou administrativa; XIV – Instruir e orientar pessoal sob sua chefia visando estabelecer novas técnicas e procedimentos de trabalho; XV – Executar outras atividades decorrentes de sua lotação; XVI – Cumprir e fazer cumprir o presente regimento, regulamentos administrativos e leis em vigor; XVII – Desempenhar outras atividades que se enquadrem no âmbito de suas atribuições.” Nesse sentido, verifica-se que apesar dos agentes afirmarem que também realizam na prática, de forma complementar e muitas vezes suplementar, as atividades previstas nos incisos I, II, III, IV, V, VI, VIII, IX, XIII, do art. 95, não existe previsão dessas atividades no art. 99 da mesma lei quando trata da prescrição da atividades dos Agentes de Polícia. Tomemos como exemplo o inciso I: “Supervisionar, coordenar, controlar e executar as atividades específicas de polícia civil ou de interesse da segurança pública”, infere-se dessa redação que somente o Delegado de Polícia possui a competência para executar a investigação criminal, quando que pelo que já foi exposto isso é um trabalho executado em conjunto com os componentes da Polícia Civil, o trecho abaixo descreve a visão de um Agente de Polícia. “NÃO ADIANTA SÓ FALARMOS Q O AGENTE FAZ INVESTIGAÇÃO policial, porque todos da carreira policial civil fazem investigação policial, sendo q fora desta ainda tem os q fazem investigação criminal…investigar é uma atividade interdisciplinar q concorrem diversos atores especializados, mas cada um tem a sua área reservada na investigação (criminal e policial) e IP, o perito nas questões criminalísticas, o legista nas questões médico legais, o papi nas questões de identificação humana, o escrivão nos procedimentos cartorários E O AGENTE, QUAL É A SUA ÁREA RESERVADA? como não sabemos e não nos preocupamos em delinear isso normativamente, acabamos sempre ficando como agente dos outros…mas a SENASP em 2005 reconhece q o perfil Agente Policial (resultado da fusão agente e escrivão) é o especialista na apuração (por isso a oc chega na seção com o despacho: APURE-SE) da trama subjetiva ou história do crime prestando aquele insumo aos tomadores de decisão q traduz-se na célebre frase: "apenas narra-me os fatos q darei o direito ou a decisão" (por isso a instrução jurisdicional dá-se num processo judicial de conhecimento), ou seja, somos nós quem contamos a TODOS a história do crime, A TRAMA CRIMINAL: como foi concebido, premeditado, planejado, preparado, executado e o pós-execução, sendo quem, com quem, aonde, quando, o que e porque. Há troncos da investigação policial q inclinam mais pra objetividade dos suportes de informação (é o caso de criminalística, medicina legal e identificação humana), já a linha do agente inclina mais para a subjetividade da questão porque lida diretamente com as questões intrínsecas do ser humano e seus personagens (autor, comunicante, vítima, testemunhas, informantes, colaboradores e afins) no fato em apuração, o q inclui aí a motivação deles, por isso é uma abordagem com teor preponderantemente subjetivo, mas isso em nada reduz o seu caráter técnico-científico, ora, as ciências q mais lidam com as questões humanas, como a sociologia, psicologia e antropologia, reconhecem a variável da subjetividade em suas pesquisas, porém, a identificam e reconhecem como questão a ser considerada por quem deseja conhecer, o q não é diferente com o trabalho do agente…na verdade, não há abordagem apuratória q não exista a variável subjetiva, mas como disse, há algumas áreas em q esse fator está mais intrinsicamente relacionado e outros não, mas todos com o mesmo valor pra investigação, seja policial ou criminal. e nós, agentes, temos a nossa área também.” Fonte: https://www.facebook.com/groups/EPAspcdf/?ref=ts&fref=ts Observa-se também um descompasso na exclusividade das atribuições dos incisos II, III, IV, V, VI do art. 95, ao cargo de Delegado de Polícia, visto que, apesar de fomentar que o desenvolvimento de estudos e pesquisas com vistas à preservação da segurança pública; estudar e propor medidas destinadas a simplificar o trabalho e a redução dos custos das operações policiais; elaborar planos de estudos de situação de busca de informações e de operações policiais; proceder à análise de dados e elaborar informações no âmbito da Polícia Civil, seria atribuição desse cargo todo o aparato tecnológico, hoje utilizado na Instituição foi desenvolvido com participação de Agentes de Polícia. Destaca-se os trechos a seguir: Trecho1: “Quando eu entrei na PCDF (1995 ) o retrato falado era feito pelo desenho. Em 1997 a PCDF passou a usar um software comprando para a realização das montagens das faces, mas como ficava muito longe da realidade que a vítima queria, transportávamos as imagens do software para o Adobe Photoshop e fazíamos as alterações das peças, para ficar mais próximo do rosto que a vítima visualizou no momento do crime. Ocorre que o banco do software comprado pela polícia era muito limitado e com qualidade baixa, com características que não supriam a necessidade do trabalho, uma vez que o brasileiro é um povo muito miscigenado e ainda era em preto e branco. A partir do ano de 2000, eu, como chefe da seção de Retrato Falado do II, comecei a fazer uso das fotos dos presos do DF ( que faziam a identificação criminal no II) para a confecção dos retratos falados feitos no II. Fiz o recorte de mais de 3000 fotos e Montei um banco com mais de 10.000 peças coloridas. As peças eram recortadas e inseridas de forma sistemática pela cor da pele, etnia, idade e sexo e assim modificamos a qualidade dos retratos falados feitos pela PCDF. Passamos a fazer as montagens diretamente pelo Adobe Photoshop e não mais pelo software da PCDF que ainda era MSDOS. Nós do II ensinamos essa técnica para várias policias do país inteiro e inclusive para a Polícia Federal e até HOJE, o banco de RETRATO FALADO da PCDF é feito a partir das fotos dos presos do DF e é alimentado diariamente para estar sempre atual. A PCDF nunca mais precisou comprar software de retrato falado e nossos trabalhos são de altíssima qualidade fotográfica a partir dessa técnica desenvolvida por nós, Papiloscopistas do DF. Trecho2: “Todos foram desenvolvidos pelas EPAS a partir do ano de 1999, tive a oportunidade de vivenciar o antes e o depois desta verdadeira revolução tecnológica na PCDF. Nenhum delta colocou a mão nisto. Inclusive nossa ocorrência policial é a mais completa do país, sendo que será utilizada para uniformização dos boletins de ocorrência em nível nacional. Nossos sistemas são inclusive mais complexos que da PF.” Trecho3: “Esses projetos foram patenteados no INPI com os respectivos responsáveis. Na verdade foi um trabalho de equipe de Engenharia de Software, Banco de Dados, Rede Infraestrutura e Segurança, Suporte e Projetos de Planejamento e Aquisição que resultou nos seguintes projetos: Millenium, Proced, Horus net, Disque Denuncia, Delegacia eletrônica, Projeto Cérebro, Polares, Atlas, PCDF Móvel, Dame, Afis – Projeto de aquisição, SIIC, Nada consta Web, Protocolo. Cartoriun. Tudo Integrado e evitando inconsistência das informações e redundância de trabalho. Um verdadeiro trabalho de equipe, por isso não queria citar nomes porque posso esquecer alguns nomes. Valeu.” Por fim, analisando os diálogos do Grupo Focal observou-se que Agentes de Polícia também executam o que está previsto no inciso XIII, do art. 95: XIII – Proceder com todos os atos e formalidades necessários para a instrução do inquérito policial e outros procedimentos de natureza criminal ou administrativa; De acordo com um dos entrevistados: “Na prática existe delimitação, por exemplo, vai buscar preso no presídio (o Agente de Polícia); quem registra ocorrência o Agente de Polícia; o local de crime, quem vai? O Agente de Polícia. A oitiva que é atribuição do Delegado, quem faz? O Agente e o Escrivão de Polícia.” No entanto, apesar do que a discussão assinala, o cenário político já apresenta perspectivas para adequar melhor o trabalho prescrito com o trabalho real do Agente de Polícia, vez que já se encontra em discussão o projeto de lei, que altera a Lei no 9.264, de 7 de fevereiro de 1996, para transformar em cargos de nível superior os cargos da Carreira de Polícia Civil do Distrito Federal, segundo consta, o texto da passaria a vigorar da seguinte forma: O CONGRESSO NACIONAL decreta: Art. 1º A Lei nº 9.264, de 7 de fevereiro de 1996, passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 3º A Carreira de Polícia Civil do Distrito Federal fica reorganizada nos seguintes cargos de nível superior: I – Perito Criminal; II – Perito Médico-Legista; III – Agente de Polícia; IV – Escrivão de Polícia; V – Papiloscopista Policial; e VI – Agente Penitenciário.” (NR) Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Segue abaixo também a justificativa do projeto de Lei da assinado por Miriam Aparecida Belchior: Excelentíssima Senhora Presidenta da República, 1. Temos a honra de submeter à apreciação de Vossa Excelência o anexo Anteprojeto de Lei que altera o art. 3º da Lei nº 9.264, de 7 de fevereiro de 1996, a qual trata, dentre outras matérias, da Carreira da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF). A medida contida na proposição legislativa em tela reveste-se de extrema relevância, visto que busca atrair, valorizar e reter profissionais de alto nível de qualificação, compatíveis com a natureza e o grau de complexidade das atribuições da carreira, objeto da proposta. 2. A proposta busca registrar em texto legal que todos os cargos da Carreira da Polícia Civil do Distrito Federal são de nível superior. Tal questão se refere especificamente aos cargos de Perito Criminal, Perito Médico-Legista, Agente de Polícia, Escrivão de Polícia, Papiloscopista Policial e Agente Penitenciário, para os quais, desde a edição da Lei nº 11.134, de 15 de julho de 2005, é exigido curso superior para ingresso. Entretanto, os cargos se mantêm legalmente como sendo de nível intermediário. 3. Ante o exposto, e em face das mudanças do mundo do trabalho na era da informação, das políticas de recursos humanos e da própria forma de atuação da Polícia Civil do Distrito Federal, propõe-se consignar em texto legal que todos os cargos de Perito Criminal, Perito Médico-Legista, Agente de Polícia, Escrivão de Polícia, Papiloscopista Policial e Agente Penitenciário, integrantes da Carreira de Polícia Civil do Distrito Federal, são de nível superior. 4. Com o aperfeiçoamento proposto, entende-se que será possível recrutar profissionais mais bem preparados para o exercício da função e para o trato com a sociedade, bem como dar continuidade à política de recursos humanos no âmbito do Governo Federal para a construção de um serviço público profissionalizado e eficiente, que visa fomentar uma inteligência permanente no Estado para o desenvolvimento. 5. São essas, Senhora Presidenta, as razões que nos levam a submeter à elevada apreciação de Vossa Excelência, o anexo Anteprojeto de Lei. Respeitosamente, Assinado por: Miriam Aparecida Belchior E assim, ante as perspectivas futuras, os Agentes assinalam uma visão positiva quanto à adequação de suas tarefas com as atividades em si desenvolvidas, bem como, apontam como parte da solução do problema, a aprovação desse projeto de Lei. Neste sentido, o maior desafio para tornar compatível o trabalho prescrito com o real e também proporcionar o devido reconhecimento das atividades já desenvolvidas há mais de uma década, esbarra principalmente em fatores políticos externos, vez que a instituição já se apropriou e se “acostumou” como essa prestação de serviço ilegal, necessitando assim de uma luta externa para aprovação de leis que regulamentem e adequem corretamente todo o trabalho desenvolvida na instituição Polícia Civil do Distrito Federal. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante da complexidade dos estudos acerca das relações de trabalho que envolvem as organizações de Segurança Pública com o objetivo de entendê-las, modernizá-las e reestruturá-las, esta pesquisa abordou a situação da carreira de Agente de Polícia Civil do Distrito Federal com as suas peculiares características em termos de descompasso entre trabalho prescrito e trabalho real. Inicialmente, partiu-se da questão de pesquisa: Existe descompasso entre a organização do trabalho prescrito e a vivência do trabalho real dos profissionais na carreira de Agente de Polícia Civil Do Distrito Federal? A partir da qual se verificou que existe, na percepção dos agentes de polícia, uma discrepância significativa nas relações de trabalho em função de certo conflito de atribuições desses profissinais. Foi utilizado como contribuições teórico-metodológicas reflexões oriundas do campo da Ergonomia da Atividade, para inicialmente definir as tarefas dos Agentes de Polícia e determinar as atividades reais desses servidores, bem como identificar prováveis defasagens entre o trabalho prescrito e o trabalho real. Tudo isso visando subsidiar estudos específicos, no campo da Psicodinâmica do Trabalho, referentes ao fenômeno prazer/sofrimento do trabalho na Carreira de Agente de Polícia Civil do distrito Federal. Constatou-se que a formação superior geral do Agente de Polícia Civil do Distrito Federal, apesar de ser exigida para o ingresso em sua carreira e exercício de suas atribuições, a atividade real desenvolvida por esses trabalhadores não é reconhecida como tal, o que causa desconforto nas relações de trabalho, como apontado pelos agentes entrevistados e em suas manifestações na rede social Facebook. Verificou-se ainda, que a categoria de Agente de Polícia PCDF possui um quadro de pessoal que é atualizado intelectualmente em nível multidisciplinar, o que atende ao perfil particular de sua função. Também se observou na percepção desses profissionais, que eles exercem funções incompatíveis com as tarefas que lhe são prescritas e atuam cotidianamente em atividades inerentes e exclusivas do cargo de Delegado de Polícia e de forma complementar a dos Escrivães de Polícia. A discrepância entre o trabalho prescrito e o trabalho real tem sido amplamente apontada pela literatura como em Daniellou, Laville e Teiger (1989); Mendes e Abrahão (1996); Ferreira e Araújo (1998); Abrahão (2000); Guérin e cols. (2001); Ferreira e Barros (2003); Ferreira (2004), enfatizando suas implicações e seus efeitos para o bem-estar dos trabalhadores, a eficiência e a eficácia do processo produtivo. Tal discrepância, conforme corrobora resultados de pesquisas e intervenções, impacta negativamente na instituição como um todo. O efeito principal do descompasso entre o trabalho prescrito e o trabalho real se opera ao nível da atividade dos trabalhadores. No estudo realizado com caixas de supermercados, Ferreira e Araújo (1998) destacam dois limites principais da concepção de trabalho prescrito: (a) o desconhecimento das solicitações efetivas do trabalho real em função da natureza da atividade, pois essa requer esforços físicos intensos (agravados em função das características não ergonômicas do posto de trabalho), funcionamento mental significativo (identificar, tratar e tomar decisões) e solicitação afetiva considerável (gerir com polidez a idiossincrasia dos clientes); e (b) o não reconhecimento pela empresa de atividades suplementares dos trabalhadores, inerentes à função caixa e vitais para a garantia da qualidade e de produtividade visadas. O descompasso, em síntese, agrega dificuldades aos trabalhadores, pois reduz a margem de manobra para responder satisfatoriamente às exigências presentes nas situações, gerando, em consequência, uma sobrecarga de trabalho e aumento do custo humano da atividade. As consequências da distância entre a tarefa e a atividade demandam uma carga de trabalho que impacta nos componentes físicos, cognitivos e psíquicos, originando sintomas físicos como ressaltado por Daniellou, Laville e Teiger (1989): fadiga física (produzindo a incidência de dores lombares, dorsais, ombros e pescoço); fadiga mental (expresso sob a forma de cansaço mental, sensação de esgotamento) e fadiga nervosa (expresso sob a forma manifestações de ansiedade, medo, frustração). Esse trajeto teórico sucinto nos conceitos de trabalho prescrito (tarefa) e trabalho real (atividade) conduz às outras categorias centrais para o objetivo deste texto, ou seja, as noções de prazer e sofrimento no trabalho sob a ótica da Psicodinâmica do Trabalho. Por fim, destaca-se que o presente trabalho abre perspectivas para outros estudos sobre trabalho do policial civil, bem como subsidia dados para estabelecer um diálogo entre Ergonomia da Atividade (referencial teórico do presente) e Psicodinâmica do Trabalho, que poderá analisar a correlação entre discrepância do trabalho prescrito e trabalho real, aqui apresentado, com as ocorrências de vivência de prazer-sofrimento na instituição, bem como determinar a influência deste fato na produtividade da organização e do trabalhador policial.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/aspectos-legais-do-conflito-entre-trabalho-policial-prescrito-e-o-real-o-caso-dos-agentes-de-policia-civil-do-distrito-federal/
A situação jurídica dos servidores públicos não abrangidos pela estabilidade anômala ou excepcional
O assunto aqui discutido é de abordagem rara no âmbito da literatura jurídica nacional. Até porque a Constituição Federal é omissa em relação ao contexto funcional dos servidores não abarcados pela estabilidade anômala ou excepcional. Nossa Constituição praticamente deixou essa classe de agentes públicos à deriva, sem uma situação jurídica definida. Não está claro, por exemplo, se esse grupo de servidores deveria ser demitido após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Obviamente, este não é o espaço apropriado para o esgotamento do assunto em debate, mas se trata de um problema que vem se arrastando até os tempos hodiernos, sem uma solução equânime por parte das autoridades públicas, especialmente em relação aos responsáveis pela elaboração das normas jurídicas.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO Na esfera pública há um grande número de servidores que ingressaram no serviço público antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, sem concurso público e não foram abrangidos pela estabilidade denominada anômala ou excepcional, os quais vivenciam uma série de incertezas no âmbito de cada ente federativo, pois podem enfrentar um processo administrativo ou judicial que culmine na extinção do vínculo para com o serviço público e, ainda que não seja o vínculo funcional extinto, poderão ter problemas no momento de requerer a tão sonhada aposentadoria junto às autarquias previdenciárias. No presente artigo se busca apontar uma diretriz para os problemas comumente enfrentados por essa categoria de servidores, especialmente no que concerne à possibilidade de permanência no serviço público e à questão previdenciária. 1. SERVIDORES PÚBLICOS ESTATUTÁRIOS, CELETISTAS (OU TRABALHISTAS) E TEMPORÁRIOS No serviço público, quanto ao regime jurídico, os servidores podem ser concebidos como estatutários, celetistas (ou trabalhistas) e temporários. Estatutários são aqueles servidores que mantêm com as entidades de direito público uma relação de trabalho de natureza institucional, por meio de lei específica, que fixa as atribuições, responsabilidades, direitos e deveres do cargo. Celetistas ou trabalhistas são aqueles servidores que ocupam empregos públicos, que mantêm com as entidades de direito público uma relação de trabalho de natureza contratual, os quais se sujeitam às disposições da Consolidação das Leis do Trabalho. Temporários são aqueles servidores contratados por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público (CARVALHO FILHO, 2014, p. 619-620). Interessa ao presente trabalho a categoria de servidores estatutários e celetistas que ingressaram no serviço público em data anterior à da promulgação da Constituição Federal de 1988. 2. A ESTABILIDADE ANÔMALA, EXTRAORDINÁRIA OU EXCEPCIONAL Superada a classificação dos servidores quanto ao regime jurídico, é necessário pontuar que hodiernamente há um incontável número de servidores (federais, estaduais e municipais) que ingressaram no serviço público no período que antecede a promulgação da Constituição Federal de 1988. Considerando que a Constituição Federal foi promulgada em 05/10/1988, aqueles servidores que ingressaram no serviço público até 05/10/1983, sem concurso público, mas que continuaram no exercício de suas funções até 05/10/1988, são considerados estáveis no serviço público. Esses servidores foram contemplados com a denominada estabilidade anômala, extraordinária ou excepcional, que encontra previsão no art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que assim dispõe: “Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público.” A grande celeuma relacionada ao trabalho ora apresentado envolve os servidores que ingressaram no serviço público, sem concurso, no período compreendido entre 06/10/1983 e 05/10/1988. A norma constitucional silenciou a respeito do cenário funcional envolvendo o grande número de pessoas que foram admitidos no serviço público no período supracitado, sem ter prestado concurso público. Ocorre que muitos servidores admitidos no aludido período, que não foram abarcados pela estabilidade excepcional, ocuparam e ainda ocupam cargos previstos nas estruturas dos órgãos públicos, exerceram ou continuam exercendo suas atribuições como servidores de carreira, recebendo o tratamento correspondente, dando suporte técnico e permanente aos órgãos da Administração Pública Direta e Indireta. Pode-se cogitar que houve um desrespeito do legislador constituinte em relação àqueles servidores que ingressaram no serviço público no período compreendido entre 06/10/1983 e 05/10/1988, pois o estabelecimento de um lapso quinquenal para se aferir uma forma de estabilidade sui generis acabou por ferir um importantíssimo princípio constitucional: o da isonomia. Segundo a doutrina, o art. 5.º, caput, consagra serem todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, devendo-se, contudo, buscar não somente essa aparente igualdade formal (na lei), mas, principalmente, a igualdade material (perante a lei). Isso se justifica porque no Estado social ativo, efetivador dos direitos humanos, imagina-se uma igualdade mais real perante os bens da vida, diversa daquela apenas formalizada por meio do texto legal. (LENZA, 2015, p. 1.302) 3. ESTABILIDADE E EFETIVIDADE NO SERVIÇO PÚBLICO Sob outro prisma, o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou a respeito da diferença entre efetividade e estabilidade no serviço público. A efetividade é entendida como atributo do cargo, designando o servidor desde o instante da nomeação. Já a estabilidade excepcional é a aderência, a integração no serviço público, depois de preenchidas determinadas condições fixadas em lei e adquirida pelo decurso de tempo, prevista no art. 19 do ADCT. Trata-se de um favor constitucional conferido àquele servidor admitido sem concurso público há pelo menos cinco anos antes da promulgação da Constituição. Para a doutrina, a estabilidade é um atributo pessoal do servidor, enquanto a efetividade é uma característica do provimento de certos cargos (MEIRELLES, 2007, p. 449) De acordo com a Corte Suprema, preenchidas as condições insertas no preceito transitório, o servidor é estável, mas não é efetivo, e possui somente o direito de permanência no serviço público no cargo em que fora admitido, todavia sem incorporação na carreira, não tendo direito a progressão funcional nela, ou a desfrutar de benefícios que sejam privativos de seus integrantes (RE 167635, Relator(a): Min. Maurício Corrêa, Segunda Turma, julgado em 17/09/1996, DJ 07-02-1997). Em caso interessante e umbilicalmente relacionado ao tema aqui discutido, o Supremo Tribunal Federal apreciou a (in)constitucionalidade de dispositivos da Constituição do Estado do Paraná, julgando parcialmente procedente a ação para dar interpretação conforme ao caput do art. 233 e declarar a inconstitucionalidade do seu parágrafo único. Confira-se a redação dos dispositivos impugnados: “Art. 233. Os servidores públicos civis estáveis, da administração direta, autárquica e das fundações públicas estaduais, serão regidos pelo Estatuto dos Funcionários Civis do Estado, a partir da promulgação desta Constituição. Parágrafo único. Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, para o cumprimento do disposto neste artigo, farão a devida adequação em seus quadros funcionais.” A Eminente Relatora julgou parcialmente procedente a ação direta de inconstitucionalidade, consignando que a adequação prevista no art. 233 da Constituição Paranaense depende da prévia existência de concurso público criado por lei, na forma estabelecida pela Lei Magna. Sob o mesmo prisma, foi decidido que a efetivação em cargo somente se pode dar pela aprovação em concurso público. Vale a pena transcrever a seguinte ementa de julgado: “Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Constitucional e administrativo. Art. 233, caput, e parágrafo único da Constituição do Estado do Paraná. Alegação de que as normas impugnadas teriam criado cargos públicos e permitido o provimento efetivo por servidores estáveis sem a prévia aprovação em concurso público. Interpretação das normas dos arts. 37, inc. II e 41 da Constituição da República e do art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Distinção entre efetividade e estabilidade. Não configuração de descumprimento de princípios de organização do estado-membro no texto normativo. Necessidade de se fixar interpretação conforme à Constituição. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente para dar interpretação conforme ao caput do art. 233 da Constituição do Estado do Paraná e declarar a inconstitucionalidade do seu parágrafo único.” (ADI 114, Relator(a): Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 26/11/2009, DJe-189, Divulgação: 30-09-2011, Publicação: 03-10-2011) Para a Corte Suprema é válida a exoneração de quem passou a ocupar cargo público, em primeira investidura, sem a prévia submissão a concurso público e que não foi contemplado com a estabilidade do art. 19 do ADCT. Nesse diapasão: “Ementa: Reintegração em cargo público. Ausência de concurso público. Inaplicabilidade do art. 19 do ADCT/88. À luz do art. 97, § 1º, da Emenda Constitucional 1/69, é válida a exoneração de quem passou a ocupar cargo público, em primeira investidura, sem a prévia submissão a concurso público. No caso, evidentemente, não se pode falar de cargo de natureza especial – condição que autorizaria, de acordo com a jurisprudência desta Corte, a nomeação sem o prévio concurso. A estabilidade do art. 19 do ADCT é manifestamente inaplicável. Não é possível elastecer o requisito temporal ali fixado em aplicação "teleológica", entendendo-se que, caso não tivessem sido exonerados, teria havido continuidade na prestação de serviços. Agravo regimental a que se dá parcial provimento, apenas para reajustar, em apreciação equitativa, a verba devida a título de honorários de advogado pelos ora agravantes.” (RE 199649 AgR, Relator(a): Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgado em 14/09/2010, DJe-190, Divulgação 07-10-2010, Publicação: 08-10-2010) Não obstante, denota-se que a aquisição da estabilidade prevista no art. 19 do ADCT tem como um dos requisitos essenciais a comprovada prestação do serviço pelo prazo continuado de cinco anos, quando da promulgação da Carta Magna. Se tal condição não restar atendida, a jurisprudência vem se firmando no sentido de que o servidor deva ser exonerado. Nesse sentido, confira-se a ementa de julgado exarado no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: “Ementa: Reintegração no serviço público. Em verdade, pretensão do reconhecimento de estabilidade anômala para efeitos de anulação de exoneração ou extinção de contrato de trabalho. Inadmissibilidade. Ausência de vínculo funcional por cinco anos ininterruptos na data da promulgação da Constituição Federal de 1988. Artigo 19 do ADCT. Sentença de improcedência. Recurso improvido.” (Apelação nº 0195144-34.2008.8.26.0000. Relator(a): Luis Fernando Camargo de Barros Vidal; Comarca: Boituva; Órgão julgador: 4ª Câmara de Direito Público; Data do julgamento: 24/03/2014; Data de registro: 29/03/2014; Outros números: 7668315700) Observe-se que o Supremo Tribunal Federal já entendeu que breves intervalos, decorrentes da própria atividade exercida pelo servidor, não descaracterizam a continuidade prevista no art. 19 do ADCT. Nesse sentido: “Ementa: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: ESTABILIDADE. C.F./88, ADCT, art. 19. I.- Prestação de serviço por mais de cinco anos, até 05.10.1988, data da promulgação da Constituição. Breves interrupções ocorreram no exercício das atividades de professor. Esses breves intervalos nas contratações, decorrentes mesmo da natureza do serviço (magistério), não descaracterizam o direito do servidor. Precedentes: RREE 158.448/MG, 257.580/MG e 218.323/SP, Min. Marco Aurélio; RREE 235.742/MG e 378.036-AgR/MG, Min. Carlos Velloso, "D.J." de 02.02.1999 e 24.10.2003. II.- RE conhecido e desprovido.” (RE 361020, Relator(a): Min. Ellen Gracie, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, julgado em 28/09/2004, DJ 04-02-2005) 4. REGIME PREVIDENCIÁRIO DOS SERVIDORES NÃO ABRANGIDOS PELA ESTABILIDADE ANÔMALA Além da problemática envolvendo a possibilidade de manutenção dos servidores que ingressaram no serviço público no período compreendido entre 06/10/1983 e 05/10/1988 nos quadros da Administração Pública, outra questão interessante refere-se ao regime previdenciário. Há servidores que desde o início do exercício de suas respectivas funções contribuíram para o plano de custeio das autarquias gestoras do Regime Próprio de Previdência Social. Pode-se perquirir se os ocupantes dos cargos em comissão deveriam submeter-se às regras do Regime Geral de Previdência Social e não ao Regime Próprio de Previdência do Servidor. A questão previdenciária dos servidores que ingressaram no serviço público antes da Constituição Federal de 1988, sem concurso público e não abrangidos pela estabilidade denominada anômala ou excepcional, possui uma roupagem singular. Não é por outro motivo que a Advocacia Geral da União exarou o Parecer nº – GM – 030, publicado no Diário Oficial da União em 03 de abril de 2003, a fim de permitir que a contribuição seja realizada via Regime Próprio de Previdência Social (RPPS). Na mesma linha de entendimento, o Ministério da Previdência Social editou a Orientação Normativa MPS/SPPS nº 02, de 31 de março de 2009, publicada no Diário Oficial da União de 02 de abril de 2009. De acordo com estes atos jurídicos, é possível que servidores não estáveis ou não efetivados, por não terem preenchido os requisitos do art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, permaneçam integrados ao Regime Próprio de Previdência Social dos Servidores Públicos. De acordo com o artigo 12 da referida Orientação Normativa: “Art. 12. São filiados ao RPPS, desde que expressamente regidos pelo estatuto dos servidores do ente federativo, o servidor estável, abrangido pelo art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e o admitido até 05 de outubro de 1988, que não tenha cumprido, naquela data, o tempo previsto para aquisição da estabilidade no serviço público.” Ou seja, havendo empenho dos agentes políticos envolvidos no processo legislativo, é possível que os servidores que não possuam a estabilidade denominada anômala ou excepcional obtenham vinculação ao regime de previdência estabelecido no âmbito de cada ente federativo, que assegure, por lei, pelo menos os benefícios de aposentadoria e pensão por morte previstos no art. 40 da Constituição Federal.  Registre-se que a Universidade de São Paulo já enfrentou controvérsia semelhante, no que tange à possibilidade de inclusão de servidores no Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), consideradas as diversas formas de investidura nos cargos públicos. A Consultoria Jurídica da Universidade de São Paulo, em parecer subscrito pela Procuradora Ana Maria da Cruz, assim se posicionou, transcrevendo os ensinamentos do Professor Doutor Wagner Balera, in verbis: “Em síntese, portanto, não obstante as ressalvas feitas pelo Professor sobre a inconstitucionalidade da lei, ao modular ele uma interpretação excludente de vício de inconstitucionalidade (tal qual, como regra de hermenêutica, deve fazer, em sendo possível), julgou possível, em resposta às consultas feitas, incluir os servidores da Universidade no regime próprio de previdência social (RPPS), visualizadas as suas diversas formas de investidura (servidores concursados, ocupantes de funções autárquicas; servidores admitidos pela Resolução nº 540/74, docentes contratados, Procuradores e detentores de função em comissão próprias de chefia e direção.” (Disponível em: <http://www.pgusp.usp.br/arquivos/p1969_07.pdf>. Acesso em: 05 ago. 2015) Não se pode olvidar de mencionar que deve ser aplicado ao caso aqui analisado o princípio da segurança jurídica, pelo qual devem ser protegidas as situações jurídicas já consolidadas, tornando o futuro previsível, de modo a não infligir surpresas desagradáveis aos administrados. Na sua essência, o princípio visa garantir a certeza e estabilidade das relações ou situações jurídicas, levando sempre em consideração a boa-fé do administrado (CUNHA JÚNIOR, 2013, p. 62-63). Ainda que esteja em discussão se o servidor é estável ou não, bem como se é ou não efetivo, cumpre registrar que se houve contribuição durante longo período para o Regime Próprio de Previdência Social, preenchendo-se os requisitos constitucionais de idade e tempo de contribuição para a aposentadoria, a jurisprudência vem admitindo a fruição de tal de direito. A esse respeito, confira-se a ementa de julgado proferido pelo do Tribunal Bandeirante: “Ementa: MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. GUARULHOS. Impetração contra ato que negou pedido de aposentadoria por idade e tempo de contribuição. Inadmissibilidade. Servidora que durante todo o período em que permaneceu vinculada ao serviço público contribuiu com o Instituto de Previdência dos Funcionários Públicos Municipais de Guarulhos. Restrição do direito da autora de se aposentar pelo regime estatutário após mais de 30 anos de contribuição que viola direito adquirido. Ademais, a aposentadoria da impetrante pelo regime próprio não conflita com a decisão proferida na ação civil pública, que apenas teve como objeto a invalidação da portaria que transformava os cargos ocupados por servidores beneficiados pelo art. 19, da ADCT, em cargos efetivos. Sentença mantida. Recurso conhecido e não provido.” (Apelação nº 0007026-71.2014.8.26.0224. Relator(a): Vera Angrisani. Comarca: Guarulhos. Órgão julgador: 2ª Câmara de Direito Público. Data do julgamento: 14/04/2015. Data de registro: 17/04/2015) CONCLUSÃO Verifica-se que os servidores que ingressaram no serviço público antes da Constituição Federal de 1988, sem concurso público e não foram abrangidos pela estabilidade denominada anômala ou excepcional, possuem um futuro incerto em relação à permanência no serviço público e à aposentadoria. O legislador constituinte não previu expressamente se esses servidores deveriam ser exonerados quando da promulgação da Constituição Federal de 1988, o que acarretou na continuidade da prestação de serviços e do vínculo com a Administração Pública. Considerando que existem inúmeros servidores que se enquadram na situação supradita e em atenção aos princípios constitucionais da igualdade e da razoabilidade, tudo indica que a melhor solução seria que o legislador permitisse que todos os servidores que ingressaram no período anterior à promulgação da Constituição Federal de 1988 fossem contemplados com a estabilidade excepcional. Afinal, o estabelecimento de determinado transcurso de tempo para se aferir se determinado servidor faz jus ou não a determinada vantagem na esfera pública acabou gerando uma inaceitável e injustificável discriminação. É evidente que há uma lacuna legal em relação à condição funcional desses servidores, havendo um esforço no sentido de pelo menos assegurar a filiação ao regime próprio de previdência, desde que haja previsão no estatuto dos servidores do ente federativo correspondente, conforme a Orientação Normativa expedida pelo Ministério da Previdência Social. Por fim, caso o servidor não abrangido pela estabilidade denominada anômala tenha contribuído para o Regime Próprio de Previdência Social e preencha os requisitos constitucionais de idade e tempo de contribuição para a aposentadoria, a concessão de tal de direito é medida imperiosa, sob pena de indesejado locupletamento por parte das autarquias previdenciárias.
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O direito de greve do servidor público a luz do princípio da supremacia do interesse público
O presente estudo tem por preocupação básica a reflexão do direito ao exercício de greve pelos servidores públicos fronte a máquina estatal. Este artigo tem como objetivo demonstrar o direito de greve dos servidores públicos a luz do princípio da supremacia do interesse público. A pesquisa bibliográfica deste estudo foi pautada nos ensinamentos e subsídios de autores como CARVALHO FILHO (2011), MARINELA (2012) e RESENDE (2013), entre outros, buscando corroborar a tese de que o artigo 37, inciso VII, da Constituição Federal de 1988, que disciplina sobre o direito de greve dos servidores públicos, possui eficácia contida. O STF em sede dos julgamentos dos Mandados de Injunção 708/PB e 712/PA determina a aplicabilidade da Lei n° 7.783/1989 (Lei de Greve) aos Servidores Públicos, devendo ser respeitados o Princípio da Supremacia do Interesse Público e o Orçamento Público. Conclui-se que o direito de greve do servidor público poderá ser exercido mesmo sem lei específica para discipliná-lo, aplicando-se assim analogicamente a Lei 7.783/1989, para o exercício de tal direito.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como tema o direito de greve dos servidores públicos a luz do princípio da supremacia do interesse público, fronte a decisão do STF, proveniente dos mandados de injunção 708/PB e 712/PA, cujos acórdãos foram publicados em 31 de outubro de 2008. Desde o advento da Constituição Federal de 1988, é grande a discussão que envolve a existência ou não do direito de greve no setor público civil, ao qual compõe os servidores públicos. É de grande importância o estudo relativo ao direito de greve deste grupo, tendo em vista a ampla controvérsia se o direito teria natureza legal, ou seria uma infração aos direitos dos administrados, por isso consequentemente, dotada de ilegalidade. O ilustre doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello, dispõe sobre o direito de greve dos servidores públicos fronte ao princípio da continuidade dos serviços públicos: “A greve dos servidores públicos é exercitável desde logo, antes mesmo de editada a sobredita norma complementar, que lhe estabelecerá os limites. Trata-se de norma de eficácia contida, segundo a terminologia adotada por José Afonso da Silva. Advirta-se, apenas, que a greve não poderá deixar sem atendimento as necessidades inadiáveis da comunidade, a serem identificadas segundo um critério de razoabilidade, pois a obrigação se supri-la está constitucionalmente prevista, até mesmo para os trabalhadores em geral, conforme § 1º do art.9º”.( MELLO, 1991, p. 101) Nesta conjuntura, o objetivo central da realização do presente estudo é, por conseguinte, valorar o direito de greve do servidor público civil, em face do princípio da supremacia do interesse público e da continuidade dos serviços públicos. Destacando também as decisões prolatas pelo Supremo Tribunal Federal e a defesa da tese de que o direito de greve do servidor público, previsto no artigo 37, inciso VII, da Carta Constituinte vigente, trata-se de norma de eficácia contida, ou seja, é autoaplicável, até que se crie uma nova Lei, que futuramente possa vir a restringir os direitos. Quanto aos objetivos almejados, para serem ratificados, utilizou-se a pesquisa bibliográfica, como recurso metodológico, feita por meio do estudo e análises de doutrinas, de artigos científicos e das legislações pátrias pertinentes ao tema em estudo. DESENVOLVIMENTO A palavra greve tem sua gênese no contexto histórico da Revolução Industrial, em meados do século XVIII, precisamente na cidade de Paris, decorrente da localização de uma praça da cidade, denominada Place de Grève, Praça do Graveto, tal nome se deve a acumulação de gravetos trazidos pelas enchentes do Rio Sena. Neste local eram realizadas reuniões e manifestações de trabalhadores insatisfeitos e desempregados, que lutavam por melhores condições de trabalho, oportunidades de emprego, salários dignos e fim das jornadas excessivas, por meio da paralisação de suas atividades laborativas. No Direito Brasileiro a greve em primeiro momento era vista como crime, proibida pelo Código Penal Brasileiro de 1890. As Constituições Federativas de 1891 e 1934 foram omissas quanto ao direito de greve, porém a Carta Magna de 1937, o tratou como um movimento antissocial, nocivo ao capital e aos interesses nacionais. Contudo é importante ressaltar que a greve só foi reconhecida como direito com ao avento da Constituição do ano de 1946, porém seu exercício dependeria de lei posterior. Tal lei entrou em vigor em 1964, Lei n° 4.330. Com a Constituição de 1967, foi assegurado o direto de greve, no entanto, houve restrições quanto aos serviços públicos e atividades essenciais.  Posteriormente no ano de 1969, com a Emenda Constitucional nº 1, manteve-se o mesmo seguimento. Somente com a promulgação da Constituição de 1988 que a greve tornou-se reconhecida como direito fundamental, para os trabalhadores em geral e para os servidores públicos civis, nos moldes dos artigos 9º e 37, incisos VI e VII respectivamente, deste mesmo dispositivo legal. Quando se fala de greve, em primeiro lugar deve-se compreender como um movimento de natureza coletiva. O direito de greve é um direito individual do trabalhador, porém não pode ser exercido individualmente. O artigo 2° da Lei nº 7.783/1989, Lei de Greve, traz o conceito legal de greve: “Para os fins desta Lei, considera-se legítimo exercício do direito de greve a suspenção coletiva temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviço a empregador”. O ilustre doutrinador Amauri Mascaro Nascimento de forma consistente, relata o fenômeno de greve como: “Observa-se de modo geral, que greve é, primeiro, a suspensão temporária do trabalho; segundo, um ato formal condicionado à aprovação do sindicato mediante assembléia; terceiro, uma paralisação dos serviços que tem como causa o interesse de trabalhadores e não de qualquer pessoa, o que exclui do âmbito da disciplina legal paralisações de pessoas que não sejam trabalhadores; quarto, um movimento que tem por finalidade a reivindicação e a obtenção de melhores condições de trabalho ou o cumprimento das obrigações assumidas pelo empregador em decorrência das normas jurídicas ou do próprio contrato de trabalho, definidas expressamente mediante indicação formulada pelos empregados ao empregador, para que não haja dúvidas sobre a natureza  dessas reivindicações”. (NASCIMENTO, 2006, p. 288) Hely Lopes Meirelles em uma ótica amplíssima define o conceito de servidores públicos e apresenta suas subespécies: “Servidores públicos em sentido amplo, no nosso entender, são todos os agentes públicos que se vinculam à Administração Pública, direta e indireta, do Estado, sob regime jurídico (a) estatutário regular, geral ou  peculiar, ou (b) administrativo especial, ou (c) celetista (regido pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT), de natureza profissional e empregatícia”. “A Classificação dos servidores públicos em sentido amplo é campo propício para divergências doutrinárias. De acordo com a Constituição Federal, na redação resultante da EC 19, chamada de “Emenda da Reforma Administrativa”, bem como da EC 20, classificam-se em quatro espécies: agentes políticos, servidores públicos em sentido estrito ou estatutários, empregados públicos e os contratados por tempo determinado.” (MEIRELLES, 2006, p. 412) Como foi apresentado por Hely Lopes Meirelles, os servidores públicos civis, no seu sentindo amplo, são as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às entidades da Administração Indireta, mediante remuneração pelo serviço prestado e possuidores de vínculo empregatício. Contudo, é importante registrar a classificação em sentido estrito dos servidores públicos civis, as quais serão inframencionadas e explicadas. Os empregados públicos são aqueles contratados tanto pela administração direta quanto pela indireta, podendo ocupar empregos públicos, sob o regime de legislação trabalhista. Estes se enquadram no regime geral da previdência social, são popularmente denominados de “celetistas”. Os servidores temporários são contratados para desempenharem uma atividade temporária, ou seja, são provisórios, contratados para suprir as necessidades da administração pública direta e indireta em dado intervalo de tempo. Hely Lopes Meireles traça os requisitos para tal modalidade: “Os contratados por tempo determinado são os servidores públicos submetidos ao regime jurídico administrativo especial da lei prevista no art. 37, IX, da Carta Magna, bem como ao regime geral de previdência social. A contratação só pode ser por tempo determinado com a finalidade de atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. Ademais, a lei dever prever os casos de contratação temporária de forma específica, não se admitindo hipóteses abrangentes ou genéricas. O inciso IX não se refere exclusivamente às atividades de natureza eventual, temporária ou excepcional. Assim não veda a contratação para atividades de natureza regular e permanentes. O que importa é o atendimento da finalidade prevista pela Norma. Assim, desde que indispensáveis ao atendimento da necessidade temporária de excepcional interesse público, quer para o desempenho das atividades de caráter regular ou permanente, a contratação é permitida, desta forma, embora não possa envolver cargos típicos de carreira, a contratação pode envolver o desempenho da atividade ou função da carreira, desde que atendidos os requisitos acima”. “Fora daí, tal contratação tende a contornar a exigência de concurso público, caracterizando fraude à Constituição”. (MEIRELLES, 2006, p. 414) Os servidores estatutários são os que adquirem titularidade em cargo público, seja nas formas efetiva ou comissiva, tendo como regime jurídico estatutário geral ou peculiar e componentes das autarquias, de cargo efetivo e da Administração Pública Direta. Quanto ao regime estatutário, este é estabelecido por lei, podendo ser modificado unilateralmente e realizado por qualquer uma das unidades federativas, inclusive o Distrito Federal, entretanto os direitos adquiridos pelos servidores devem ser respeitados. Já os agentes políticos são os indivíduos que possuem vínculo com a Máquina Estatal não de natureza profissional, mas sim de natureza política, possuindo munus público. Não obstante é de suma importância destacar que os militares, aqueles que estruturam as Forças Armadas ou as Forças Auxiliares, apesar de serem submetidos ao regime estatutário estabelecido por lei, conforme define a carta magna brasileira, não possuem o direito de greve e nem o direito de sindicalização, sendo estes proibidos de forma absoluta, nos termos do artigo 142, § 3º, inciso IV. O direito de greve dos servidores públicos civis previsto no inciso VII do artigo 37 da Constituição de 1988, diz que: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…)VII – o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica”. Nos moldes do dispositivo supramencionado é possível notar que para o direito de greve dos servidores públicos civis ser aplicado é necessário legislação específica. Porém, isso não ocorre na prática, devido ao fato de até nos dias atuais nenhuma legislação específica foi redigida pelo legislador pátrio. Diante de tal omissão ou desleixo, como garantir ao servidor público civil o exercício do direito de greve? A Constituição Federal vigente em seu artigo 5°, pormenorizadamente em seu inciso LXXI, dispõe do remédio constitucional mais eficaz para a correção dessa omissão dos operadores da lei, o mandado de injunção.  O dispositivo em análise dispõe que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) LXXI – conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”. Alexandre de Moraes brilhantemente define o mandado de injunção como: “O mandado de injunção consiste em uma ação constitucional de caráter civil e de procedimento especial, que visa suprir uma omissão do Poder Público, no intuito de viabilizar o exercício de um direito, uma liberdade ou uma prerrogativa prevista na Constituição Federal. Juntamente com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, visa ao combate à síndrome de inefetividade das normas constitucionais”. (MORAES, 2010, p.171) Pautado neste aparato constitucional, após anos de discussões doutrinárias e legalistas sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal (STF), promoveu recentes decisões nos mandados de injunção de números 708 e 712, impetrados respectivamente pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa e pelo Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Pará. O STF, que antes se demonstrava seguidor da teoria não concretista, considerando o mandado de injunção insuficiente para dar eficácia às normas limitadas, tendo apenas a força de declarar a mora do Poder Legislativo, mostrou-se revolucionário com a aplicação da corrente concretista geral, ou seja, legislar visando o caso concreto, produzindo assim decisões com efeitos erga omnes, até que se prolate para o caso especifico uma norma reguladora. A nova tendência do STF pode ser melhor entendida pela leitura do voto do Ministro Celso de Mello, que discorre que: “Não obstante atribuísse, ao mandado de injunção, desde o meu ingresso neste Supremo Tribunal, a relevantíssima função instrumental de superar, concretamente, os efeitos lesivos decorrentes da inércia estatal – posição que expressamente assumi, nesta Suprema Corte, no MI 164/SP, de que fui Relator (DJU de 24/10/89)-, devo reconhecer que a jurisprudência firmada na matéria pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal orientou-se, de modo claramente restritivo, em sentido diverso. A jurisprudência que se formou no Supremo Tribunal Federal, a partir do julgamento do MI 107/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES (RTJ 133/11), fixou-se no sentido de proclamar que a finalidade, a ser alcançada pela via do mandado de injunção, resume-se à mera declaração, pelo Poder Judiciário, da ocorrência de omissão inconstitucional, a ser meramente comunicada ao órgão estatal inadimplente, para que este promova a integração normativa do dispositivo constitucional invocado como fundamento do direito titularizado pelo impetrante do writ. Esse entendimento restritivo não mais pode prevalecer, sob pena de se esterilizar a importantíssima função político-jurídica para a qual foi concebido, pelo constituinte, o mandado de injunção, que deve ser visto e qualificado como instrumento de concretização das cláusulas constitucionais frustradas, em sua eficácia, pela inaceitável omissão do Congresso Nacional, impedindo-se, desse modo, que se degrade a Constituição à inadmissível condição subalterna de um estatuto subordinado à vontade ordinária do legislador comum”. O novo seguimento do Supremo Tribunal Federal consiste na aplicabilidade da Lei de greve do setor privado, Lei 7.783 do ano de 1989, naquilo que for referente ao servidor público civil, enquanto não houver edição de legislação especifica para discipliná-lo. Vale salientar que a decisão tomada pelo STF, nos mandados de injunção retromencionados, não afronta aos princípios da administração pública, em especial ao princípio da supremacia do interesse público e também ao princípio da continuidade dos serviços públicos, principalmente no que tange aos serviços específicos. O princípio da supremacia do interesse público consiste na determinação de privilégios jurídicos prol administração pública em um patamar superior sobre o particular. Tem como objetivo a valoração dos interesses da coletividade. Fernanda Marinela discorre sobre o referido princípio: “A supremacia é considerada um princípio geral de direito, inerente a qualquer sociedade, como condição de sua existência e como pressuposto lógico do convívio social. Esse princípio não está escrito, de forma expressa, no texto da Constituição, embora se encontrem inúmeras regras constitucionais que a ele se aludem ou impliquem manifestações concretas dessa superioridade do interesse público”. (MARINELA, 2010, p.27) Apesar de apresentar contradição à primeira vista o direito de greve dos servidores públicos civis fronte ao princípio da supremacia do interesse público, pela interrupção da satisfação dos interesses sociais, que poderá sofrer oscilações com a interrupção do serviço prestado, deve ser exposto que o direito de greve de tal classe com a conquista de melhores condições de trabalho e mais investimentos e qualificações na prestação dos serviços públicos, acaba não só atendendo o interesse de uma classe de forma isolada, mas sim de toda a coletividade, que se torna beneficiária de tais melhorias, satisfazendo assim o interesse público.   O princípio da continuidade do serviço público, por sua vez, consiste na ausência de interrupção da atividade administrativa, não comportando intervalos, sendo homogênea e constante. Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2002, p. 74), atesta sobre a natureza do princípio em comento: “Por esse princípio entende-se que o serviço público, sendo a forma pela qual o Estado desempenha funções essenciais ou necessárias à coletividade, não pode parar”. A grande divergência relativa ao direito de greve dos servidores públicos civis quanto ao princípio em comento, é em relação à continuidade dos serviços essenciais. O artigo 10 da lei nº 7.783/89 enumera os serviços que seriam considerados essências: “São considerados serviços ou atividades essenciais: I – tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; II – assistência médica e hospitalar; III – distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; IV – funerários; V – transporte coletivo; VI – captação e tratamento de esgoto e lixo; VII – telecomunicações; VIII – guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; X – processamento de dados ligados a serviços essenciais; X – controle de tráfego aéreo; XI – compensação bancária”. Nos moldes do princípio da continuidade dos serviços públicos e do Código de Defesa do Consumidor Brasileiro, Lei n° 8.078 de 1990, pautado em seu artigo 22, terá direito o cidadão a todos os serviços públicos essenciais de forma contínua. O presente artigo assevera que:  “Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Parágrafo único: Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.” Com base no posicionamento do Supremo Tribunal Federal, relativo ao direito de greve dos servidores públicos civis e ao princípio da continuidade dos serviços públicos, entende-se que os serviços públicos essenciais, em sua totalidade, não podem ser interrompidos, sob pena de lesão à ordem pública e o bem estar da coletividade. Deve ser aplicada aos servidores públicos de forma análoga a Lei de Greve, Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989, as mesmas prerrogativas referentes aos servidores privados, quanto à greve em serviços essenciais. A greve deverá ser pré-avisada no prazo mínimo de 72 horas antes do inicio do movimento, não só a administração pública, mas também aos usuários dos serviços, os servidores devem garantir, durante a greve, a prestação dos serviços imperativos ao atendimento das necessidades urgentes da população. Entende-se como necessidades urgentes da população aquelas, que quando não realizadas coloquem em perigo iminente a segurança, a saúde, e a sobrevivência desta.  Na hipótese de não ocorrência do atendimento as necessidades urgentes da população cabem ao Poder Público fazê-las diretamente. CONCLUSÃO Durante muitos anos a jurisprudência brasileira se posicionou, de forma majoritária, adotando a razão de que como não existia lei específica, conforme salienta a disposição do artigo 37, inciso VII, da Constituição Federal de 1988, os servidores públicos civis não eram possuidores do direito de greve, sendo a greve considerada ilegal. Contudo, o Supremo Tribunal Federal, fronte a omissão legislativa do Congresso Nacional, no que tange ao dever constitucional de redigir uma lei própria para resguardar o direito de greve do servidor público civil, acatou os mandados de injunção 708/PB e 712/PA, do ano de 2008, com a finalidade de aplicar aos servidores públicos civis a lei de greve atual, Lei nº 7.783 do de 1989, tendo em vista a ausência de legislação específica e a necessidade de um posicionamento plausível em relação ao tema. Conclui-se que a decisão do Supremo Tribunal Federal além de impor a real instituição do mandado de injunção, um importantíssimo remédio constitucional no combate a omissão do poder público, em sua real destinação constitucional, foi de valorosa importância para uma medida coerente, que foi o reconhecimento de forma concreta do direito de greve dos servidores públicos civis. Houve uma maior compreensão do valor a garantia fundamental do mandado de injunção. No entanto, destaca-se que o direito de greve dos servidores públicos civis, deve ser aplicado de forma coesa e compatibilizada na relação existente entre o direito de greve destes e a prestação dos serviços públicos, principalmente no que tange aos serviços essenciais.
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Conjecturas à autorização de uso pela administração pública: singelas ponderações
Quadra anotar que a gestão (ou ainda administração) dos bens públicos encontra-se, umbilicalmente, atrelada à utilização e conservação. Desta feita, com o escopo de traçar linhas claras acerca do tema colocado em debate, cuida ponderar que a atividade gestora dos bens públicos não alcança o poder de alienação, oneração e aquisição desses bens. Nesta esteira, o poder de administração, subordinado aos ditames contidos no Ordenamento Pátrio, apenas confere ao administrador o poder, e ao mesmo tempo o dever, de zelar pelo patrimônio, devendo, para tanto, utilizar os instrumentos que apresentem como escopo a conservação dos bens ou, ainda, que objetivem obstar a sua deterioração ou perda. De igual maneira, incumbirá ao administrador, em atendimento aos postulados que regem a Administração, proteger os bens públicos contra investida de terceiros, ainda que se revele imprescindível a adoção de conduta coercitiva executória ou mesmo recorrer ao Judiciário para a defesa do interesse público. No mais, deve-se pontuar, imperiosamente, que a atividade de gestão de bens públicos é essencialmente regulamentada pelo direito público, socorrendo-se dos fundamentos do direito privado, de maneira supletiva, quando não há norma expressa que verse acerca da matéria.
Direito Administrativo
1 Gestão de Bens Públicos: Ponderações Introdutórias Em sede de comentários inaugurais, quadra anotar que a gestão (ou ainda administração) dos bens públicos encontra-se, umbilicalmente, atrelada à utilização e conservação. Desta feita, com o escopo de traçar linhas claras acerca do tema colocado em debate, cuida ponderar que a atividade gestora dos bens públicos não alcança o poder de alienação, oneração e aquisição desses bens. Nesta esteira, o poder de administração, subordinado aos ditames contidos no Ordenamento Pátrio, apenas confere ao administrador o poder, e ao mesmo tempo o dever, de zelar pelo patrimônio, devendo, para tanto, utilizar os instrumentos que apresentem como escopo a conservação dos bens ou, ainda, que objetivem obstar a sua deterioração ou perda. De igual maneira, incumbirá ao administrador, em atendimento aos postulados que regem a Administração, proteger os bens públicos contra investida de terceiros, ainda que se revele imprescindível a adoção de conduta coercitiva executória ou mesmo recorrer ao Judiciário para a defesa do interesse público. Consoante manifestado entendimento jurisprudencial, “por certo, a conservação e a segurança estão inseridos no conceito de administração dos bens municipais e não podem ser transferidos integralmente para os cidadãos”[1]. Ao lado disso, como bem anota Carvalho Filho, “a gestão dos bens públicos, como retrata típica atividade administrativa, é regulada normalmente por preceitos legais genéricos e por normas regulamentares mais especificas”[2]. Além disso, não se pode olvidar que a alienação, a oneração e a aquisição exigem, como regra, autorização legal de cunho mais específico, porquanto na hipótese ora mencionada não há que se falar em simples administração, mas sim alteração na esfera do domínio das pessoas do direito público. No mais, deve-se pontuar, imperiosamente, que a atividade de gestão de bens públicos é essencialmente regulamentada pelo direito público, socorrendo-se dos fundamentos do direito privado, de maneira supletiva, quando não há norma expressa que verse acerca da matéria. 2 Uso de Bens Públicos Os bens públicos podem ser usados pela pessoa jurídica de direitos público a que pertencem, independentemente de serem considerados de uso comum, de uso especial ou mesmo dominicais. Entretanto, é plenamente possível que aludidos bens sejam utilizados por particulares, ora com maior liberalidade, ora com a atenção aos preceitos normativos pertinentes. Em sentido similar, posiciona-se a jurisprudência, notadamente quando destaca que “o uso dos bens públicos pode ser feito pela própria pessoa que detém a propriedade ou por particulares, quando for transferido o uso do bem público”[3]. Sobreleva anotar que é importante demonstrar que a utilização de bens públicos por particulares atende ao interesse público, aferido pela Administração, sendo possível, inclusive, a estruturação de regulamentação mais minuciosa. Ademais, em se tratando da utilização de bens públicos por particulares, imprescindível se faz que, de maneira pormenorizada, sejam analisados os fins atendidos por aqueles, já que de nenhuma maneira é admitida a desvirtuação dos objetivos elementares para satisfazer interesse exclusivamente privados. Insta sublinhar que há hipóteses em que o uso é considerado normal, porquanto se coaduna com os fins do bem público, a exemplo do que infere no uso de praças e ruas por particulares, de modo geral. Em outras situações, todavia, o uso é considerado anormal, eis que o objetivo da utilização só indiretamente se harmoniza com os fins naturais do bem. Neste passo, com o fito de ilustrar o expendido, podem-se citar as conhecidas ruas de lazer, vez que o uso normal da rua apresenta como objetivo o trânsito geral dos veículos, mas em determinado dia ambicionou a utilização anormal, atendendo a diversão das pessoas. Gize-se, ainda, que algumas formas de utilização independem do consentimento do Poder Público, porque o uso é natural. “Vejam-se os bens de uso comum do povo. Quando de tratar de uso anormal, ou de hipóteses especiais de uso normal, necessária se tornará a autorização estatal para que o uso seja considerado legítimo”[4]. 3 Formas de Uso 3.1 Uso Comum Em uma primeira plana, considera-se como bem de uso comum do povo todo aquele que se reconhece à coletividade em geral sobre os bens públicos, sem discriminação de usuários ou ordem especial para sua fruição. Trata-se do uso feito pelo povo em relação às ruas e logradouros públicos, dos rios navegáveis, do mar e das praias naturais. “Esse uso comum não exige qualquer qualificação ou consentimento especial, nem admite frequência limitada ou remunerada, pois isto importaria atentado ao direito subjetivo público do indivíduo de fruir os bens de uso comum do povo sem qualquer limitação individual”[5]. Para esse uso são admitidas tão somente regulamentações gerais de ordem pública, cujo escopo seja promover a preservação da segurança, da higiene, da saúde, da moral e dos bons costumes, sem que haja particularizações de pessoas ou mesmo categorias sociais. Assim, qualquer restrição ao direito subjetivo de livre fruição, tal como a cobrança de pedágio nas rodovias, desencadeia a especialização do uso e, quando se tratar de bem considerado realmente necessário à coletividade, tal situação só poderá ocorrer em caráter excepcional. Carvalho Filho, ao abordar o tema em destaque, anota que “uso comum é a utilização de um bem público pelos membros da coletividade sem que haja discriminação entre os usuários, nem consentimento estatal específico para esse fim”[6]. Saliente-se, oportunamente, que no uso comum do povo os usuários são anônimos, indeterminados, e os bens utilizados o são por todos os membros da coletividade (utili universi) motivo pelo qual ninguém tem direito ao uso exclusivo ou mesmo a privilégio na utilização do bem. In casu, vigora a premissa que o direito de cada indivíduo limita-se à igualdade com os demais na fruição do bem ou suportar os ônus dele resultantes. É possível, desta sorte, diccionar que todos são iguais perante os bens de uso comum do povo. “Mas, por relações de vizinhança e outras situações especiais, o indivíduo pode adquirir determinados direitos de utilização desses bens e se sujeitar a encargos específicos”[7]. Consoante leciona Carvalho Filho[8], o uso comum deve ser gratuito, de maneira a não produzir qualquer ônus aos que utilizem o bem, porquanto esse característico é fruto da própria generalidade do uso, uma vez que, se oneroso fosse, haveria discriminação entre aqueles que poderiam e os que não poderiam sofrer o ônus. Anotar se faz carecido que não somente os bens de uso comum do povo possibilitam o uso comum. Ao reverso, os bens de uso especial também o admitem, quando a utilização está em consonância com os fins normais a que se destinam. A título de exemplificação, é possível mencionar as repartições públicas, os prédios de autarquias e fundações governamentais estão sujeitados ao uso comum, porquanto os cidadãos podem ingressar livremente nesses locais, sem que haja necessidade de qualquer autorização especial. Conquanto essa forma de uso seja comum e geral, não se pode negar ao Poder Público a competência para estabelecer as normas regulamentadoras, com o escopo de adequar a utilização ao interesse público. A aludida regulamentação, mesmo que seja dotada de caráter restritivo, de certa maneira, há que se traduzir em ditames gerais e impessoais, com o fito de manter incólume a indiscriminação entre os indivíduos. Convém, ainda, explicitar que os bens de uso comum do povo, ainda que estejam à disposição da coletividade, estão sob a administração e a vigilância do Poder Público, que tem o dever de mantê-los em normais condições de utilização pelo público, de maneira geral. “Todo dano ao usuário, imputável à falta de conservação ou obras e serviços públicos que envolvam esses bens, é da responsabilidade do Estado, desde que a vítima não tenha agido com culpa”[9]. Infere-se, por derradeiro, que são aspectos característicos do uso comum dos bens públicos a generalidade da utilização do bem, a indiscriminação dos administrados no que concerne ao uso do bem, a compatibilização do uso com os fins normais a que se destina e a inexistência de qualquer gravame para permitir a utilização. 3.2 Uso Especial Inicialmente, é denominada como uso especial a forma de utilização de bens públicos, na qual o indivíduo se sujeita a regras específicas e consentimento estatal ou, ainda, se submete à incidência da obrigação de pagar pelo uso. Como aponto Carvalho Filho, “o sentido do uso especial é rigorosamente o inverso do significado do uso comum. Enquanto este é indiscriminado e gratuito, aquele não apresenta essas características”[10]. A partir das ponderações apresentadas, é possível frisar que uma das formas de uso especial de bens públicos está atrelada ao uso remunerado, consistindo na modalidade por meio da qual o administrado sofre uma espécie de ônus, sendo a forma mais comum o adimplemento de certa importância que possibilite o uso. Imperioso se faz colacionar o magistério do festejado doutrinador Hely Lopes Meirelles, que arrazoa: Uso especial é todo aquele que, por um título individual, a Administração atribui a determinada pessoa para fruir de um bem público com exclusividade, nas condições convencionadas. É também uso especial aquele a que a Administração impõe restrições ou para o qual exige pagamento; bem como o que ela mesma faz de seus bens para a execução dos serviços públicos, como é o caso dos edifícios, veículos e equipamentos utilizados por suas repartições[11]. Cuida ponderar que tanto os bens de uso comum como os de uso especial podem estar sujeitos a uso especial remunerado. Em tom de exemplificação, como bem de uso comum do povo, é possível mencionar o pagamento de pedágio em estradas rodoviárias e em pontes e viadutos. “Um museu de artes pertencentes ao Governo, cujo ingresso seja remunerado, é exemplo de bem de uso especial sujeito a uso especial”[12]. É fato que ninguém é detentor natural do direito de uso especial de bem público, porém qualquer indivíduo ou mesmo empresa poderá obtê-lo, mediante contrato ou ato unilateral da Administração, na forma autorizada por lei ou regulamento ou simplesmente consentida pela autoridade competente. “Assim sendo, o uso especial do bem público será sempre uma utilização individual – uti singuli – a ser exercida privativamente pelo adquirente desse direito”, consoante obtempera Hely Lopes Meirelles. O que tipifica o uso especial está assentado na privatividade da utilização de um bem público, ou mesmo de parcela desse bem, pelo beneficiário do ato ou do contrato, afastando, via de consequência, a fruição geral e indiscriminada da coletividade ou do próprio Poder Público. Prima evidenciar que esse uso pode ser consentido gratuita ou remuneradamente, por lapso temporal certo ou indeterminado, conforme o teor do ato ou contrato administrativo que o autorizar, permitir ou conceder. Nesta esteira, é possível acrescentar que, uma vez titulado regularmente o uso especial, o particular passa a usufruir de um direito subjetivo público ao seu exercício, podendo opô-lo a terceiros e à própria Administração, nas condições estabelecidas ou convencionadas. Urge evidenciar que “a estabilidade ou precariedade desse uso assim como a retomada do bem público, com ou sem indenização ao particular, dependerão do título atributivo que legitimar”[13]. Realçar se faz premente que os aspectos caracterizadores da espécie de uso em comento estão alicerçados nos seguintes axiomas: a exclusividade do uso aos administrados que pagam a remuneração ou, ainda, aos que recebem consentimento estatal para o uso; a onerosidade, nas hipóteses de uso especial remunerado; a privatividade, nas situações de uso especial privativo; e, a inexistência de compatibilidade estrita, em específicos casos, entre o uso e o fim a que se destina o bem. 3.3 Uso Compartilhado O uso compartilhado é assim considerado aquele em pessoas públicas ou privadas, que prestam serviços públicos, necessitam de utilizar-se de áreas de propriedade de pessoas diversas. Tal situação é plenamente verificável, por exemplo, no uso de determinadas áreas para a instalação de serviços de energia, de comunicações e de gás canalizado, estruturando, para tanto, dutos normalmente implantados no subsolo. “Quando se trata de serviços envolvendo pessoas públicas, o problema se resolver através de convênios. Mas quando o prestador do serviço é pessoa de direito privado, mesmo que incluída na administração pública descentralizada, são mais complexas as questões e as soluções”[14]. Em se tratando do tema colocado em destaque, quatro hipóteses distintas são observáveis. A primeira está atrelada ao uso de área integrante de domínio público, sendo que aludido uso carecerá de autorização do ente público que detém o domínio sobre o bem e, vigora como regra, não há o pagamento de remuneração pelo uso. Neste sentido, inclusive, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento que “a cobrança em face de concessionária de serviço público pelo uso de solo, subsolo ou espaço aéreo é ilegal (seja para a instalação de postes, dutos ou linhas de transmissão)”[15]. Outra situação a ser sublinhada, o uso de área non aedificandi pertencente a particular, pois, “como há, na hipótese, mera limitação administrativa, pode o prestador usá-la livremente e, como o uso não afeta o direito do proprietário, não tem este direito à remuneração nem indenização”[16]. Excepciona-se ao expendido, quando houver demonstração do prejuízo causado. Cuida versar acerca do uso da área privada, além da faixa de não edificação, porquanto tal possibilidade reclama da autorização do proprietário, sendo norteado pelos ditames do direito privado, devendo, pois, a empresa prestadora do serviço entabular acordo no que concerne à eventual remuneração ou mesmo firmar pacto de cessão gratuita de uso. Por derradeiro, a última possibilidade a ser enfrentada está adstrita ao uso de área pública sujeita à operação por pessoa privada, em decorrência de contrato de concessão ou permissão, sendo imprescindível um ajuste pluripessoal, envolvendo o cedente, o concessionário e o prestador do serviço, ainda que não haja diploma legislativo trazendo expressa regulamentação da matéria, revela-se plenamente possível afixar remuneração pelo uso do solo e do subsolo. 4 Conjecturas à Autorização de Uso pela Administração Pública: Singelas Ponderações Lançando mão do entendimento firmado pelo festejado doutrinador Hely Lopes Meirelles, “autorização de uso é o ato unilateral, discricionário e precário pelo qual a Administração consente na prática de determinada atividade individual incidente sobre um bem público”[17]. O mencionado ato administrativo é unilateral, porquanto a exteriorização da vontade é somente da Administração Pública, conquanto o particular seja o interessado no uso. De similar sorte, é discricionário, uma vez que depende da valoração do Poder Público acerca da conveniência e a oportunidade em conceder o consentimento. Como bem obtempera Carvalho Filho, “trata-se de ato precário: a Administração pode revogar posteriormente a autorização se sobrevierem razões administrativas para tanto, não havendo, como regra, qualquer direito de indenização em favor do administrado”[18]. Oportunamente, insta trazer à colação o entendimento jurisprudencial que se coaduna com os argumentos estruturados até o momento: “Ementa: Agravo de instrumento. Contrato administrativo. TRENSURB. Pedido liminar de reintegração de posse deferido. Manutenção da decisão a quo. Comprovada a notificação por parte da administração pública, não se vislumbra ato ilegal ou arbitrário suficiente para revogar a medida de desocupação. A autorização de uso de área pública é ato administrativo unilateral, discricionário e precário, podendo ser revogado pela Administração Pública a qualquer tempo. […]. Agravo de instrumento desprovido”. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Primeira Câmara Cível/ Agravo de Instrumento Nº 70047285010/ Relator: Desembargador Luiz Felipe Silveira Difini/ Julgado em 23.05./2012). “Ementa: Apelação Cível. Constitucional, Administrativo e Processual. Município de Bento Gonçalves. Ocupante de praça municipal. Estabelecimento comercial. Autorização de uso de bem público. Revogação. Mandado de segurança. Ato administrativo precário. Poder discricionário da Administração. Inexistência de direito líquido e certo. Improvimento na origem. Não provimento em grau de recurso. Apelação não provida”. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Quarta Câmara Cível/ Apelação Cível N. 70005365549/ Relator: Desembargador Wellington Pacheco Barros/ Julgado em 16.04.2003) (destacou-se). Nesta senda, ainda, quadra frisar que a autorização de uso, consoante as ponderações apresentadas por Hely Lopes Meirelles, “não tem forma nem requisitos especiais para sua efetivação, pois visa apenas a atividades transitórias e irrelevantes para o Poder Público, bastando que se consubstancie em ato escrito, revogável sumariamente a qualquer tempo e sem ônus para a Administração”[19]. Anotar se faz imprescindível que, apenas de maneira remota, a autorização de uso atende ao interesse público, vez que tal escopo é inarredável para a Administração. Com efeito, o benefício mais robusto do uso do bem público pertence ao administrado que logrou êxito em obter a utilização privativa. Conforme observa Carvalho Filho, “é de se considerar que na autorização de uso é prevalente o interesse privado do autorizatário”[20]. Prospera, como regra, que a autorização não deve ser conferida com prazo certo, produzindo seus efeitos até que a Administração entenda por bem revogá-la. Entrementes, em sendo estabelecido, de maneira expressa, lapso temporal para o uso, a Administração terá instituído autolimitação, que deverá ser observada, motivo pelo qual o desfazimento, antes de operado o termo final, produz o dever de indenizar em relação aos prejuízos experimentados, desde que restem sobejamente comprovados. “Essas autorizações são comuns para a ocupação de terrenos baldios, para a retirada de água em fontes não abertas ao uso comum do povo e para outras utilizações de interesse de certos particulares, desde que não prejudiquem a comunidade nem embaracem o serviço público”[21]. Além disso, como o instituto em destaque detém natureza de ato discricionário e precário, restam devidamente salvaguardados os interesses administrativos, sendo que o consentimento dado pela autorização de uso não carece de lei nem reclama prévia licitação. “Cabe afirmar que o administrado não tem direito subjetivo à utilização do bem público, não comportando formular judicialmente pretensão no sentido de obrigar a Administração a consentir no uso”[22], porquanto os critérios de deferimento, ou não, do pedido de uso são exclusivamente administrativos, ancorados no binômio conveniência e oportunidade. Em ressonância com o apontado, é possível destacar que “porque discricionária e precária, a autorização de uso não gera qualquer direito ou privilégio contra a Administração, ainda que fruída por longo tempo”[23]. É imperioso evidenciar que a Medida Provisória n°. 2.220[24], de 04 de Setembro de 2001, que dispõe sobre a concessão de uso especial de que trata o §1o do art. 183 da Constituição, cria o Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano – CNDU e dá outras providências, estatuiu uma nova espécie de autorização de imóvel público. Arrimados nos dispositivos 182 e 183 da Carta de Outubro[25], o diploma legal supramencionado estabeleceu a autorização de imóvel público de natureza urbanística. Reza o artigo 9° da Medida Provisória em comento que é facultado ao Poder Público competente dar, de maneira gratuita, autorização de uso àquele que, até 30 de junho de 2001, possuiu como seu, por cinco anos, de forma pacífica e ininterrupta, imóvel público, de até duzentos e cinquenta metros quadrados, em área urbana, utilizando-a para fins comerciais. “Para completar o prazo legal, a lei admite que o possuidor acrescente sua posse à do antecessor, desde que ambas sejam contínuas”[26]. A novel modalidade de autorização de uso de imóvel público é dotada de regime jurídico próprio, dotado de traços característicos diversos dos norteadores da autorização de uso de natureza comum. Quadra anotar que ambas são formalizadas por ato administrativo, todavia a diferença está assentada nos aspectos de discricionariedade e precariedade. Ora, em se tratando da autorização comum, a Administração irá tão somente considerar os critérios de conveniência e oportunidade para sua outorga; ao passo que na autorização urbanística, a discricionariedade é considerada mais estrita, porquanto, além do binômio mencionado alhures, é imprescindível verificar a presença dos pressupostos legais. Neste diapasão, a autorização comum é precária porque o órgão administrativo poderá promover sua revogação de acordo com os simples critérios administrativos; enquanto que na autorização urbanística não há que se falar em precariedade, já que, uma vez deferida a autorização, o uso se tornará definitivo, não mais comportando a possibilidade revogação administrativa. “Enquanto esta [autorização de uso de natureza urbanística] é um direito do possuidor, a autorização mencionada [autorização de uso comum] é apenas uma faculdade do Poder Público”[27]. Outro aspecto diferenciador a ser realçado está atrelado ao modo como o indivíduo se vincula ao imóvel público, posto que, em se tratando de autorização de uso comum, o indivíduo tem plena ciência de que o imóvel não lhe pertence, possuído simples detenção. Doutro prisma, na autorização urbanística é possível verificar que o indivíduo possui o imóvel como seu, existindo posse, desde que esta seja ininterrupta e sem oposição. Sobreleva, ainda, ponderar que existem fatores diferenciais, no que concernem aos aspectos temporal, territorial e finalístico. Ao se esmiuçar o característico temporal, vislumbra-se que a autorização comum não ostentar qualquer limitação de tempo para ser concedida; já a autorização urbanística só pode ser conferida para os administrados que completaram os requisitos, elencados na Medida Provisória N° 2.220/2001[28], até 30 de julho de 2001. “Na autorização comum não há restrição quanto à dimensão do território; na autorização urbanística, o uso só é autorizado para imóveis urbanos de até duzentos e cinquenta metros quadrados”[29]. Ademais, a autorização comum comporta qualquer espécie de uso pelo interessado, ao passo que a autorização estatuída pela Medida Provisória ora aludida só se legitima se o ocupante utilizar o imóvel para fins comerciais. Em seus artigos 4° e 5°, a Medida Provisória N° 2.220/2001[30] estabelece que a autorização urbanística possa incidir em local distinto daquele ocupado pelo interessado, quando o local ocupado oferecer risco à vida ou à saúde do imóvel ou, ainda, o imóvel for qualificado como bem de uso comum, encontrar-se em área destinada à urbanização ou à preservação ambiental. Como bem explicita Carvalho Filho, “note-se que todos os fatos ensejadores da mudança de local são de natureza urbanística, o que demonstra efetivamente a preocupação do novo diploma em adotar estratégias de política urbana”[31].
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A Lei nº 13.290/2016 e os efeitos jurídicos no trânsito e na ordem social
O presente trabalho tem em vista analisar a aplicação da Lei nº 13.290/2016 a partir de sua vigência e os efeitos na ordem jurídica. Sabe-se que a justificativa para a criação desta lei se deu por motivos de prevenção de acidentes nas rodovias. Contudo algumas argumentações surgem a fim de compreender o real alcance desse instrumento, como por exemplo a sua compatibilidade com a obrigatoriedade de motociclistas acenderem os faróis das suas motos durante o dia. Outra questão seria a aplicabilidade em rodovias urbanas, pois estas possuem canteiro central dividindo as vias opostas, gerando confusão quanto a obrigatoriedade imposta por lei.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO Sabe-se que a Lei 13.290/2016 está em vigor desde 08 de Julho de 2016. A lei obriga todos os motoristas manterem os faróis acesos durante o dia enquanto trafegarem nas rodovias. O fundamento de diminuir os acidentes nas rodovias de todo país é a justificativa usada, bastante acolhida por grande parte dos motoristas,diga-se de passagem. Contudo a lei é arguida juridicamente por motoristas mais desconfiados. Nesse sentido, o presente trabalho pretende motivar uma discussão mais acalorada sobre o tema; e para tanto, apresenta algumas questões que podem servir para o embasamento de modificações legislativas futuras. Assim o que será analisado mais adiante é a motivação para a edição da nova lei, os efeitos jurídicos da lei em relação a casos já regulamentados, os casos de equipamentos luminosos semelhantes aos faróis, mas que não teve previsão no novel dispositivo. Por fim a aplicabilidade da norma em rodovias urbanas tendo em vista a lei não fazer qualquer distinção de rodovias rurais e urbanas; sendo assim, tais implicações não são de fácil discernimento dos motoristas. 1. Motivação da Lei nº 13.290/2016 Interessante relatar, que a obrigatoriedade do uso dos faróis acesos durante o dia teve origem nos países escandinavos, onde a luminosidade natural é precária. Todavia, com o passar dos anos muitos estudos concluíram que o farol aceso de dia era um importante dispositivo de segurança, mesmo sem levar em consideração as questões climáticas. Assim outros países como Estados Unidos, Canadá, e os que compõem o Mercosul adotaram a medida. Os estudos mostraram a redução considerável no número de acidentes de trânsito. Vários relatórios publicados nesses países indicaram uma redução de 21% nas estradas rurais. Assim, a Suécia mostrou uma baixa de 11% nas colisões; a Dinamarca e a Hungria registraram reduções de até 8% em colisões frontais e transversais; e no Canadá e Estados Unidos, foram constatados respectivamente 11% e 7% menos acidentes. No Brasil, a lei nº 13.290 de 23 de maio de 2016 alterou o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) nos artigos 40 e 250, inciso I, alínea b, para fazer valer o uso do farol baixo durante o dia nas rodovias de todo o país pelos veículos automotores. Antes o motorista era obrigado a manter o farol aceso durante o dia apenas em algumas exceções: […] nos túneis providos de iluminação pública; […] nas rodovias sob chuva forte, neblina ou cerração; Certo é que a Resolução nº 18 do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) já alertava quanto à necessidade de se manter os faróis acesos durante o dia: “Art. 1º. Recomendar às autoridades de trânsito com circunscrição sobre as vias terrestres, que por meio de campanhas educativas, motivem seus usuários a manter o farol baixo aceso durante o dia, nas rodovias.” Ademais, o Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN) cita estudos que apontam como causa da maioria das colisões frontais a não percepção do outro veículo por parte do motorista, a tempo de reagir para evitar o acidente ou, ainda, pelo julgamento errado da distância e velocidade do veículo que trafega na direção contrária, em casos de ultrapassagem. Desse modo, a presença de luzes acesas reduz significativamente o número de colisões durante o dia, especialmente aquelas frontais, em que a visibilidade do veículo é um fator crítico. Em 2007, o Deputado Otavio Leite propõe o PROJETO DE LEI N.º 561 de 2007, com a ideia inicial de que os motoristas devem trafegar de dia com os faróis baixos, ou uma luz para funcionamento diurno. Observa que a ação visa ampliar a segurança e os custos para tal equipamento obrigatório nos novos veículos que saírem da fábrica a partir da promulgação da lei. Mais adiante, em 2009 surge um projeto de lei de autoria do Deputado Federal Capitão Assunção cuja justificativa seria: “[…]com o uso de faróis baixos também durante o dia será possível dar mais segurança aos motoristas e pedestres e reduzir o número de acidentes de trânsito, uma vez que será possível aumentar o campo de visão com mais nitidez, favorecendo com isso, a noção de distância a que se está desse veículo. Essa prática, inclusive, já foi adotada em diversos países e que têm dado muito certo, como é o caso da Suécia, cujo país apresentava elevadíssimos números de acidentes de trânsito e que depois da implementação de diversas medidas preventivas, como a do uso de farol baixo durante o dia, reduziu consideravelmente o índice de acidentes.”. Noutro momento, já em 2013, o Deputado Federal Rubens Bueno implementa a ideia com o PL 5.070/2013, e justifica: “São constantes os abalroamentos de veículos em rodovias. Um dos fatores que contribui para estes acidentes é a pouca visibilidade. Os designs modernos dos veículos e as novas cores utilizadas veem contribuindo para ofuscá-los no meio ambiente mesmo durante o dia.” Verifica-se, então, que desde a resolução nº 18/1998 do CONTRAN vários projetos de lei tramitaram na tentativa de mudança no Código de Trânsito Brasileiro, no que dispõe sobre o uso do farol baixo durante o dia nas rodovias. Todo esforço sempre com a justificativa de diminuir acidentes nas estradas. A partir da vigência da Lei nº 13.290/2016, algumas questões surgem para pôr à prova a eficiência da medida. Para tanto, passa-se agora a análise dos argumentos. 2. Quais os efeitos jurídicos para os casos já regulamentados? Ora, o Capítulo III – Das Normas Gerais de Circulação e Conduta, no artigo 40, parágrafo único, dispõe: “Os veículos de transporte coletivo regular de passageiros, quando circularem em faixas próprias a eles destinadas, e os ciclos motorizados deverão utilizar-se de farol de luz baixa durante o dia e a noite.” Uma das justificativas para os ciclomotores serem obrigados a andar com faróis acesos era dar maior visibilidade em relação aos outros veículos. Ou seja, assumir uma posição de destaque nas pistas para facilitar a visualização. Com o advento da Lei nº 13.290/2016 mostrou-se suspeita a intenção do legislador em dar maior visibilidade a todos os veículos que trafegam nas estradas, pois o motociclista não assume distinção alguma em relação aos demais veículos. Outra questão, e talvez a mais intrigante, é a sanção aplicada aos condutores de ciclomotores, a saber: “Art. 244 – Conduzir motocicleta, motoneta e ciclomotor: […] – IV – com os faróis apagados. – Infração – gravíssima. – Penalidade – multa de R$ 191,54 e suspensão do direito de dirigir. – Medida administrativa – Recolhimento da carteira de habilitação.” Em contrapartida, para o disposto no artigo 250, inciso I, alínea b, a sanção é menos pesada: “Quando o veículo estiver em movimento: I – deixar de manter acesa a luz baixa: […] b) de dia, nos túneis providos de iluminação pública e nas rodovias (Redação da alínea 'b' dada pela Lei n. 13.290/16); Infração – média; Penalidade – multa.” Qual medida a ser adotada pelo aplicador da lei quando verificar a infração de farol apagado nas motocicletas, motonetas e ciclomotores? Pode-se recorrer ao princípio da pena menos gravosa e para tanto aplica-se penalidade menor, conforme entendimento do Tribunal Regional Federal: “ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. RESOLUÇÃO CONTRAN Nº 202/06. LEI nº 11.334/06 QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO ART. 218 DA LEI Nº 9.503/97. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO GERAL DE DIREITO DE RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA. 1. Trata-se de apelação da sentença que denegou a segurança por não vislumbrar o direito líquido e certo alegado pelo impetrante, ao argumento de incidência da regra geral da irretroatividade da norma posterior (Lei nº 11.334/06), que deverá respeitar o ato jurídico da imposição da multa de trânsito, perfeito sob a égide da lei anterior (Lei nº 9.503/97). 2. À época dos fatos (31.05.2006) a Lei nº 11.334/06, que deu nova redação ao art. 218 da Lei nº 9.503/97 (Código de Trânsito), ainda não existia. Porém quando do lançamento ocorrido em 10.08.2006 já se encontrava em vigor a referida Lei nº 11.334/2006. 3. O CONTRAN expediu a Resolução de nº 202 de 25.08.2006 no sentido de que as alterações do art. 218 do Código de Trânsito se aplicam, apenas, aos Autos de Infrações lavrados a partir de 26.07.2006. 4. Como todo e qualquer princípio, o da irretroatividade da lei, previsto tanto no art. 5º, XXXVI da CF/88, quanto no art. 6º da LICC não tem caráter absoluto. 5. A própria CF/88, expressa em seu art. 5º, XL a retroatividade da lei benigna. 6. A legislação infraconstitucional igualmente prevê a possibilidade de retroação para beneficiar. É o caso do art. 106 do CTN que elenca as possibilidades de aplicação da lei ao fato pretérito. 7. A despeito da Resolução do CONTRAN, a necessária ponderação sobre a aplicação dos princípios em comento, infere-se que o melhor direito está na aplicação retroativa da lei mais benéfica, privilegiando-se, assim, o princípio geral de direito de retroatividade da lei mais benéfica. 8. Reforma da sentença para conceder a segurança no sentido de determinar a aplicação retroativa da Lei nº 11.334/06, às Notificações de Atuação de nºs 6142278 e 6142279 aplicadas ao impetrante. 9. Apelação provida”. (AC 200881000113950, Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira, TRF5 – Primeira Turma, DJE – Data: 22/07/2010 – Página 378). A contrário senso, a lei mais apropriada é a nova legislação. Todavia ela seria mais adequada a subsunção no julgamento do fato, aplicando a sanção mais branda em consentâneo com o que dispõe o princípio geral da lei mais benéfica. 3. Uso do Sistema Daytime Running Light (DRL) Outro questionamento que surgiu quando a lei foi sancionada é quanto ao uso do farol de rodagem diurna, dispositivo já existente em alguns carros de fabricação europeia. O legislador falou em faróis baixos e nada complementou quanto a dispositivos assemelhados. Houve, contudo, discussão quanto à possibilidade de se manterem acesos somente os LED’s/DRL ou os faróis de milhas. Mas a resolução 227/2009 estabelece requisitos referentes aos sistemas de iluminação e sinalização de veículos, sendo que no artigo 1º elenca dentre os dispositivos de iluminação o farol de rodagem diurna, que seria o DRL. Com efeito, o Ofício-Circular nº 7/2016/SEI/CGIJF/DENATRAN/SE de 06 de julho de 2016, trouxe o entendimento de que o DRL é voltado para a dianteira do veículo a fim de torná-lo mais facilmente visível quando em circulação durante o período do dia. Assim, "seu objetivo é exatamente a intenção da Lei nº 13.290/16", conforme o despacho nº 476/2016 exarado pela Coordenação Geral de Infraestrutura de Trânsito (CGIT). 4 Para complementar a Lei nº 13.290/2016 Devido essas perspectivas no trânsito, várias montadoras já introduziram sistemas de luminosidade de acendimento automático, como é o caso dos DRL’s. Para tanto, o que se sugere a partir desse entendimento é que o CONTRAN publique resolução que obrigue automóveis novos a saírem de fábrica com sistema de iluminação compatível com as exigências da nova lei, fazendo valer a justificativa e o alcance de maior resultado na diminuição de acidentes nas estradas. Para que não seja simples meio de arrecadação do Estado como tem ocorrido com algumas inovações no Código de Trânsito Brasileiro. Primeiro se discute a aplicação nas rodovias que passam em áreas urbanas? 5. Quais os resultados alcançados em rodovias urbanas já estas muitas possuem canteiros centrais dividindo as pistas? De acordo com o CTB rodovia é via rural pavimentada, contudo de forma genérica rodovia situa-se tanto em vias urbanas quanto rurais. Numa classificação estabelecida pelo Glossário de Termos Técnicos Rodoviários/DNER – edição de 1997, Rodovias urbanas são os trechos de rodovias localizados dentro do perímetro urbano das cidades ou municípios. Enquanto rodovias rurais são os trechos de rodovias que conectam áreas urbana e industrial, pontos de geração e atração de tráfego e pontos significativos dos segmentos modais, atravessando área rural. Contudo, tais implicações não são de fácil conhecimento pelos motoristas, para tanto são necessárias sinalizações que supram essas deficiências conceituais. Muitas rodovias brasileiras possuem faixa de divisão de pistas opostas, criando certo risco de colisões frontais em ultrapassagens. Nesse caso, a intenção da lei é plausível quando determina os faróis acesos durante o dia. Isso ocorre, principalmente, nas estradas rurais. Contudo, a maioria das rodovias urbanas possuem canteiros centrais que dividem as pistas impedindo que veículos em posições opostas se cruzem nas rodovias. É o caso da DF-003 EPIA- Estrada Parque de Indústria e Abastecimento no Distrito Federal, como melhor exemplo. Mesmo caso ocorre na DF-004 EPNA – Estrada Parque das Nações e muitas outras. Nesse caso fica a dúvida quanto a eficiência da aplicabilidade da lei, pois a falta de uma sinalização precisa e exata a alertar o condutor causa confusão aos motoristas brasileiros quanto a obrigatoriedade do uso dos faróis acesos, 5.1 Solução a caminho Hoje já existe projeto que visa a mudanças do CTB, alteradas mais uma vez nos dispositivos da Lei nº 13.290/2016. O Projeto de Lei nº 5.608, de 2016, de autoria do Deputado Federal Laerte Bessa, prevê a seguinte redação: “Art. 1º O inciso I do artigo 40, da Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997 – Código de Trânsito Brasileiro, passa a viger com a seguinte redação: “Art. 40….  I – o condutor manterá acesos os faróis do veículo, utilizando luz baixa, durante a noite e durante o dia nos túneis providos de iluminação pública e nas rodovias não localizadas em área urbana ou de expansão urbana” (NR) Art. 2º A alínea “b” do inciso I do artigo 250, da Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997 – Código de Trânsito Brasileiro, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 250… I – .. b) de dia, nos túneis providos de iluminação pública e nas rodovias não localizadas em área urbana ou de expansão urbana” (NR) Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.” O autor do projeto salienta que muitos Estados e o Distrito Federal possuem rodovias federais, estaduais e municipais nos centros urbanos que exigiriam não só o uso de farol baixo como também necessitariam de outras indicações que orientassem com exatidão os condutores de veículos a dirigir Brasil afora com tranquilidade e segurança. Afirma que o foco principal da lei está em acender a luz do carro em viagens interestaduais ou entre cidades ligadas por rodovias e não dentro de centros urbanos. Por conseguinte, justifica-se a alteração da lei para melhor atender à sociedade brasileira. CONCLUSÃO O presente trabalho, sem exaurir a discussão sobre o tema, buscou analisar as questões jurídicas levantadas a partir da edição da lei nº 13.290/2016, que altera o Código de Trânsito Brasileiro nos artigos 40 e 250, inciso I, b. Muitas argumentações surgem diante da obrigatoriedade de se manter os faróis dos carros acesos durante o dia nas rodovias. Desse modo, a primeira questão levantada foi quanto à motivação, justificativa da lei, e nesse ponto a prevenção de acidentes nas estradas. É salutar a preocupação do legislador; porém, o que gera dúvidas é aplicar tal norma em rodovias urbanas não sinalizadas devidamente, porém separadas por canteiros centrais e, neste caso, talvez a justificativa não seria plausível. Outra situação é a obrigatoriedade de motocicletas transitarem com faróis ligados durante o dia, o que torna sem efeito o destaque desses veículos entre os outros. Na questão da penalidade fica a dúvida quanto à sanção a ser aplicada ao motociclista quando não acende os faróis: a do artigo 244 ou a do artigo 250, I, b. Como melhor juízo deve prevalecer o princípio geral da lei mais benéfica, conforme entendimento de alguns tribunais. Por fim, a lei que obriga o uso de faróis acesos durante o dia é silente quanto ao uso de outros dispositivos luminosos. No caso, por exemplo, do DRL/LED’s, o DENATRAN entendeu que o dispositivo. Conforme sugerido no Projeto de Lei n.º 561, em 2007, de autoria do Deputado Federal Otavio Leite, o CONTRAN deve se manifestar por meio de Resolução regulamentando a obrigatoriedade de todos os veículos saírem de fábrica com sistema de iluminação de acendimento automático, como já ocorre com outros veículos, e assim efetivar a justificativa primordial da lei que é a prevenção de acidentes.
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O direito militar e a questão do militar temporário
O presente estudo busca examinar o direito militar, especialmente na questão do militar temporário; Buscou-se estudar um breve histórico sobre o direito militar, bem como a Administração Pública Militar, o regime jurídico, fonte, princípios norteadores e poderes. Por fim examinaram-se como se da à seleção para o serviço militar e os aspectos da classificação. Foram feitas pesquisas bibliográficas de cunho legislativo, doutrinário e jurisprudencial, nas diversas fontes existentes, com o objetivo de angariar subsídios sobre o tema citado. Conclui-se que é a de grande relevância o tema que se pretende analisar, o que é de fundamental importância para os militares temporários que, cotidianamente, passam por problemas relacionados à desincorporação. Pois o militar desincorporado com problema de saúde deve ser reintegrado até sua recuperação. No caso de não recuperação deve ser reformado.
Direito Administrativo
Introdução O presente tema “O direito militar e a questão do militar temporário” será desenvolvido a partir um breve histórico sobre o direito militar, Em um segundo momento verificar aspectos sobre a Administração Pública Militar, o regime jurídico, fonte, princípios norteadores e poderes. Por fim, Por fim examinaram-se como se da à seleção para o serviço militar e os aspectos da classificação. Hoje em dia, compreende-se a necessidade de abordar o tema “O direito militar e a questão do militar temporário”, tendo em vista a dificuldade na comprovação e apuração para possíveis soluções para os militares que são licenciados irregularmente, quando apresentam incapacidade temporária. No primeiro momento estudaremos a parte histórica como procedia o recrutamento de homens para o serviço militar chegando a atual Constituição Federal de 1988 a qual manteve a tradição da obrigatoriedade do serviço militar. Então, prevê, em seu art. 143, que o serviço militar é obrigatório nos termos da lei. No segundo capítulo veremos uma breve abordagem sobre a Administração Pública Militar: Regime jurídico, fonte, Princípios norteadores e poderes. O direito Administrativo Militar, consiste em conduzir as atividades típicas dos membros militares, Forças Armadas, seus órgãos e auxiliares. Tem relação direta com os demais ramos do direito como o penal, processo penal militar, constitucional, comercial, eleitoral, internacional público. Por fim, abordaremos a Seleção para o Serviço Militar, classificação e outros aspectos. No que tange à seleção dos militares que prestarão serviço, são sempre analisados os seguintes aspectos: físico, cultural, psicológico e moral (art. 39 do Decreto 57.654 de 1966). Além do alistamento, o candidato deve submeter-se à inspeção de saúde, provas físicas, testes de seleção, entrevista e apreciação de outros elementos disponíveis (art. 50 do Decreto 57.654 de 1966). 1 BREVE HISTÓRICO SOBRE O DIREITO MILITAR No decorrer da história, constata-se que, a partir da Carta Magna de 1824, já se previa que todos os brasileiros do sexo masculino eram obrigados a prestar serviço militar para defender sua Pátria dos inimigos. Posteriormente, em 1891, a Constituição conservou a obrigatoriedade do serviço militar para a defesa do Império. Acrescentou, ainda, que a composição dessas forças armadas seria formada por soldados voluntários, sem recompensa alguma, ou, na falta deles, seria feito por sorteio (art. 87, §4º). Além disso, aboliu-se o recrutamento forçado (art. 87,§3º).[1] Com o advento da Lei nº 1.860, de janeiro de 1908, que tinha a finalidade de regulamentar a Constituição de 1981, esclareceu-se que era obrigado ao serviço militar todo cidadão brasileiro com idade entre 21 a 44 anos completos. Ainda, que o serviço seria prestado por voluntários e, na falta desses, por sorteados. Todavia, esta lei não teve eficácia.[2] As Constituições de 1934 e 1937 sustentaram a obrigatoriedade do serviço militar. Em 1946, foi publicado o Decreto 95.000, regulamentando o recrutamento na forma de convocação por sujeitos nascidos no mesmo ano civil.[3] Nos anos de 1939 a 1945, durante a segunda guerra mundial, uma das maiores dificuldades foi recrutar homens fisicamente aptos e qualificados para se tornarem oficiais combatentes. As patologias mais frequentes eram doenças sexualmente transmissíveis, infecções, problemas dentários, desnutrição, entre outros, motivos pelos quais inúmeros brasileiros foram dispensados, principalmente nas regiões Norte e Nordeste.[4] Durante a seleção de militares para a campanha da Segunda Guerra Mundial afirmava-se: “que era mais fácil ensinar uma cobra a fumar do que o Brasil conseguir formar uma força expedicionária para enfrentar os alemães”. [5] As Constituições de 1946, 1967 e de 1969 seguiram na obrigatoriedade do serviço militar. Durante o regime militar, em 1964, foi publicada a Lei do Serviço Militar (Lei nº 4.375, de 18 de agosto de 1965), esta norma manteve o recrutamento por classes de idade. [6] Atualmente, a Constituição Federal de 1988 manteve a tradição da obrigatoriedade do serviço militar. Então, prevê, em seu art. 143, que o serviço militar é obrigatório nos termos da lei. Portanto, nos tempos de paz, todo o cidadão brasileiro do sexo masculino é obrigado a se alistar no ano em que completa 18 anos de idade, podendo ainda ser convocado até completar 45 anos de idade. Alguns convocados podem ser dispensados de incorporação. Contudo, continuam sujeitos à convocação posterior (Decreto nº 57.654, de 1966). Em tempos de guerra, este período poderá ser ampliado.[7] As mulheres e os eclesiásticos ficam isentos do serviço militar obrigatórios em tempos de paz, sujeitos, porém, a outros encargos que a lei lhes atribuir. Em caso de guerra, ou outra mobilização, as mulheres prestarão serviços conforme suas aptidões, que interessem a defesa nacional.[8] Nesse contexto, prescreve o art. 40 do Decreto 57.654, de 1966, in verbis: “Art. 40. Todos os brasileiros deverão apresentar-se, obrigatoriamente, para fins de seleção ou de regularização de sua situação militar, no ano em que completarem 18 (dezoito) anos de idade, independentemente de Editais, Avisos ou Notificações, em local e época que forem fixados neste Regulamento e nos Planos e Instruções de Convocação. Parágrafo único. A apresentação deverá ser realizada inicialmente para o alistamento e posteriormente para a seleção propriamente dita.” Desta forma, devido à dificuldade da formação do referido contingente de jovens, a história nos mostra o porquê do serviço militar ser obrigatório. A atual Constituição Federal de 1988 apenas manteve a tradição da obrigatoriedade do serviço militar como prevê em seu art. 143, que o serviço militar é obrigatório nos termos da lei. 2 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MILITAR: REGIME JURÍDICO,FONTE, PRINCÍPIOS NORTEADORES E PODERES O direito Administrativo Militar consiste em conduzir as atividades típicas dos membros militares, Forças Armadas, seus órgãos e auxiliares. Tem relação direta com os demais ramos do direito como o penal, processo penal militar, constitucional, comercial, eleitoral, internacional público. São reconhecidas as seguintes fontes do Direito Administrativo militar: a lei, sendo a principal fonte do direito administrativo, norma escrita, superior dentre todas, a jurisprudência que são decisões reiteradas sobre um determinado assunto, e o costume, são repetições de um determinado comportamento que assume força de lei, também inspiram o direito administrativo e os princípios gerais do direito, pressupostos fundamentais dos quais descendem toda legislação. Onde se percebe que são as mesmas fontes do direito administrativo comum. No que tange ao regime jurídico administrativo, podemos destacar o sentido da expressão por CAAMANÕ “o conjunto de traços, de conotações, que tipificam o direito administrativo, colocando a Administração Pública numa posição privilegiada, vertical, na relação jurídico administrativa.” (2009, p. 53). Nesse diapasão, entende-se que a Administração Pública, inclusive a militar, se sujeita a um regime jurídico próprio. Por vez este regime confere à Administração, uma série de prerrogativas, em o direito administrativo, colocando a Administração Pública numa posição privilegiada, vertical, na relação jurídico administrativa.” NOGUEIRA preleciona as principais prerrogativas nos moldes da supremacia em relação ao particular: “a) requisições civis e militares em caso de iminente perigo e em tempo de guerra (art. 22, I, CF/1988); b) servidões, inclusive militares (Decreto-Lei 3.437/41); c)  o poder de expropriar, alterar ou reincidir, unilateralmente, contratos; d) a autotutela; e) executoriedade; f) imunidade tributária; g)     presunção de legitimidade dos atos administrativos; h) juízo privativo; i) prazos dilatados em juízo, etc.” (2010, p.45). Nesta ordem, agora sobre os princípios norteadores da Administração Pública Militar, sendo que, alguns se encontram expressos na lei outros não. A administração Militar, ramo da Administração Pública comum, se sujeita aos seguintes princípios, sendo os mesmos que integram a Administração direta. A luz do Art. 37, caput, segunda parte da Constituição Federal de 1988, são: “legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. Agora, passamos a examinar os princípios para melhor compreensão do direito administrativo. O Princípio da Legalidade, dentre os demais princípios é o mais importante, do qual derivam os demais, surgiu com o Estado de Direito. Desde então, a atuação da Administração, ou do agente Público, é apenas permitida se decorrer de lei, não sendo admitida qualquer atividade que não contenha expressa previsão legal. Importa pôr em relevo, um breve esclarecimento que nos trás ELIAS ROSA sobre o Princípio da Legalidade, vejamos: “Ao particular é dado fazer tudo quanto não estiver proibido; ao administrador somente o que estiver permitido pela lei (em sentido amplo). Não há liberdade desmedida ou que não esteja expressamente concedida. Toda a atuação administrativa vincula-se a tal princípio, sendo ilegal ao ato praticado sem lei anterior que o preveja. Também assim será se a desobediência for em relação a regulamento ou qualquer outro ato normativo. Do princípio da legalidade decorre a proibição de vir a, por mera manifestação unilateral de vontade, declarar, conceder, restringir direitos ou impor obrigações.” (2005, Pág. 11). Por derradeiro, é defeso à Administração militar outorgar direitos ou estabelecer obrigações ou vedações, através de ato administrativo, sem prévia base legal. Se ocorrer, o ato administrativo poderá ser invalidado pela própria administração ou judicialmente. De suma importância são as palavras de NOGUEIRA sobre o tema: “Logo, ao agente público militar, no exercício de sua atividade funcional, é vedado se afastar, desviar, ou extrapolar os limites da lei, sob pena de nulidade do ato praticado e violação do preceito de ética militar, ou de transgressão disciplinar, como também, de ato de improbidade administrativa.” (2010, p.48 e 49). Por fim, a Administração Pública no conseguimento de suas finalidades, ao impor restrições aos seus agentes, deverá fazê-lo com base na previsão legal, sob pena de desvio de finalidade e ilegalidade. Sendo uma segurança para o administrado, saber de previamente a conduta imposta pelo Estado a fim de satisfazer os interesses coletivos. Veremos agora, o Princípio da impessoalidade, expresso na Constituição Federal de 1988, em seu Art. 37, caput. Podemos estudar este princípio sob duas vertentes, a saber: “a) A que o administrador público deve praticar seus atos, colimando sempre o interesse público, sem beneficiar, por meio de favoritismo ou prejudicar, por meio de perseguições, esta ou aquela pessoa. Enfim com o princípio da impessoalidade, a Constituição visa obstaculizar atuações geradas por antipatias, simpatias, objetivos de vingança, represálias, nepotismo, favorecimentos diversos muito comuns em licitações, concursos públicos, exercício do poder de polícia. Busca desse modo, que predomine o sentido de função, isto é, a ideia de que os poderes atribuídos finalizam-se ao interesse de toda coletividade, portanto a resultados desconectados de razões pessoais.” [9] Não obstante, no estatuto dos militares, Lei 6.880 de 1980, em seu Art. 28,V, tem o princípio da impessoalidade no rol dos preceitos de ética, “Ser justo e imparcial no julgamento dos atos e na apreciação do mérito dos subordinados”. Outro sentido interpretativo, esta relacionado com a vedação em utilizar atos administrativos com a finalidade de promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos. O terceiro princípio, o da moralidade, encontra-se expresso no Estatuto dos Militares, em seu art. 28, caput, onde este previsto que, “O sentimento do dever, o pundonor militar e o decoro da classe impõem, a cada um dos integrantes das Forças Armadas, conduta moral e profissional irrepreensíveis”. Posteriormente, a Constituição Federal de 1988, também deu guarnição ao princípio. Agora, quanto ao Princípio da Publicidade, exposto no Art. 5º, XXXIII, da Carta Magna, com exceção aos casos que demandam sigilo, a fim de atender à segurança da sociedade e do Estado, a publicidade exige que os atos da Administração devem ser divulgados para conhecimento público, de forma ampla, assim possibilitando maior transparência do Poder Público, constituindo um requisito de eficácia dos atos administrativos. Por fim, ressalta-se no âmbito da Administração Militar, na lição de NOGUEIRA, in verbis: “A negativa de se conceder vistas ou de se fornecer cópias de fichas de avaliação anual de desempenho ao militar avaliado, de informações constantes em banco de dados das comissões de promoção referentes ao próprio interessado, etc., ainda que classificadas administrativamente como sigilosas, malfere o princípio da publicidade.” (2010, p.51). Já o Princípio da eficiência, para a Administração Pública, lembra rapidez, agilidade, perfeição, organização, plena qualificação dos funcionários, a fim de melhor desempenhar suas funções, sempre em busca da satisfação com plenitude dos interesses coletivos. A fim de pormenorizar o assunto, o Estatuto dos Militares, em seu art. 28, remeteu esta matéria para os regulamentos disciplinares, nos seguintes termos: “Art. 28. O sentimento do dever, o pundonor militar e o decoro da classe impõem, a cada um dos integrantes das Forças Armadas, conduta moral e profissional irrepreensíveis, com a observância dos seguintes preceitos de ética militar: II – exercer, com autoridade, eficiência e probidade, as funções que lhe couberem em decorrência do cargo; VI- zelar pelo preparo próprio, moral, intelectual e físico e, também, pelo dos subordinados, tendo em vista o cumprimento da missão comum; VII- empregar todas as suas energias em benefício do serviço.” Cumpre ressalvar que o Princípio em análise impõe aos servidores das Forças Armadas a prestação do serviço com eficiência também com relação as suas atribuições subsidiárias. 2.1 SELEÇÃO PARA O SERVIÇO MILITAR E OS ASPECTOS DA CLASSIFICAÇÃO No que tange à seleção dos militares que prestarão serviço, são sempre analisados os seguintes aspectos: físico, cultural, psicológico e moral (art. 39 do Decreto 57.654 de 1966). Além do alistamento, o candidato deve submeter-se à inspeção de saúde, provas físicas, testes de seleção, entrevista e apreciação de outros elementos disponíveis (art. 50 do Decreto 57.654 de 1966). Pode-se destacar, ainda, o disposto no art. 52, e em seu parágrafo único, do mesmo Decreto, o qual trata da classificação, em grupos, dos cidadãos que estão em processo de seleção para o serviço militar: “Art. 52. Os inspecionados de saúde, para fins do Serviço Militar, serão classificados em quatro grupos: 1) Grupo "A", quando satisfizerem os requisitos regulamentares, possuindo boas condições de robustez física. Podem apresentar pequenas lesões, defeitos físicos ou doenças, desde que compatíveis com o Serviço Militar. 2) Grupo "B-1", quando, incapazes temporariamente, puderem ser recuperados em curto prazo. 3) Grupo "B-2", quando, incapazes temporariamente, puderem ser recuperados, porém sua recuperação exija um prazo longo e as lesões, defeitos ou doenças, de que foram ou sejam portadores, desaconselhem sua incorporação ou matrícula. 4)    Grupo "C", quando forem incapazes definitivamente (irrecuperáveis), por apresentarem lesão, doença ou defeito físico considerados incuráveis e incompatíveis com o Serviço Militar. Parágrafo único. Os pareceres emitidos nas atas de inspeção de saúde serão dados sob uma das seguintes formas: 1) "Apto A"; 2)       "Incapaz B-1"; 3) "Incapaz B-2"; 4) "Incapaz C".21” Nesse sentido, sobre as questões relativas à inspeção de saúde e seus pareceres, quanto à capacidade e incapacidade dos inspecionados para o serviço militar, asseverou Nogueira, em nota de rodapé, no livro que tem por título: Direito Administrativo Militar: “Os conscritos que forem julgados “Incapazes B-1” em duas inspeções de saúde, realizadas para seleção de duas classes distintas, qualquer que seja o diagnóstico, serão incluídos, desde logo, no excesso do contingente. Terão anotados nos respectivos CAM o grupo em que foram classificados, o número do diagnóstico e a expressão “excesso do contingente”. Os conscritos julgados “Incapazes B-2” serão incluídos, desde logo, no excesso do contingente, fazendo-se nos CAM o grupo em que foram classificados, o número do diagnóstico e a expressão “excesso de contingente”. Os conscritos e voluntários julgados “Incapazes C”, em qualquer das inspeções, receberão o certificado de isenção do serviço militar.”(2010, p.188). O mesmo autor explica que “o incapaz pode ser reabilitado ex officio ou a pedido, mediante requerimento dirigido aos Comandantes de RM, DM ou COMAR, conforme a origem do certificado de isenção”. (2010, p.188). Em sequência, torna-se relevante explicitar alguns conceitos jurídicos, como o de incorporação. Segundo o Art. 75 do Decreto 57.654 de 196624, que regulamenta a Lei do Serviço Militar, “incorporação é o ato de inclusão do convocado ou voluntário em uma Organização Militar da Ativa das Forças Armadas”. Então, serão incorporados os brasileiros que, após inspeção e convocação recebam um destino. Este destino leva em conta o princípio da proximidade da residência e as necessidades de incorporação. O militar temporário é aquele que ingressa no Exército Brasileiro através de uma seleção regida pelas Regiões Militares, as quais estabelecem o período, a área de interesse do Exército e as vagas, podendo para oficiais ou sargento. Como oficial, o militar temporário pode ser, em caráter voluntário, ou em caráter obrigatório como é o caso de alguns médicos, dentistas, farmacêuticos e veterinários. Como sargento, a formação do militar temporário é realizada através do Estágio Básico de Sargento Temporário (EBST) destinado aos profissionais de nível médio técnico que possuam formação em uma das áreas de interesse do Exército.[10] A propósito, o Art. 2°, § 2° da Lei n° 7.150 de 1° de dezembro de 1983, nos traz o conjunto dos chamados militares temporários do Exército em tempo de paz, que vem bem delineado. “§ 2º – Para efeito desta Lei, são considerados militares temporários: a) os oficiais da reserva não remunerada, quando convocados; b) os oficiais e praças de quadros complementares admitidas ou incorporados por prazos limitados, na forma e condições estabelecidas pelo Poder Executivo; c) as praças da reserva não remunerada, quando convocadas ou reincluídas; d) as praças enganadas ou reengajadas por prazo limitado; e) os incorporados para prestação do serviço militar inicial.” O militar temporário que, encontra-se com problemas de saúde, após passar por uma perícia que o julgue incapaz para o serviço militar, de acordo com o Decreto nº 57.654 de 1966, prevê a desincorporação do militar temporário em caso de moléstia ou acidente que o torne definitivamente incapaz para o serviço militar. A Lei nº 6.880, de 09 de dezembro de 1980, dispõe o Estatuto dos Militares e prevê, em seu art. 50, IV, alínea e, primeira parte, que: “é direito do militar a assistência médico-hospitalar para si e seus dependentes, assim entendida como o conjunto de atividades relacionadas com a prevenção, conservação ou recuperação da saúde”. Também, o art. 84 define que “o militar agregado ficará adido, para efeito de alterações e remuneração, à organização militar que lhe for designada, continuando a figurar no respectivo registro, sem número, no lugar que até então ocupava”. É nulo o licenciamento sem receber proventos do militar que ingressou no serviço militar sadio e, assim, permaneceu até ocorrer o acidente em serviço que o impossibilitou de exercer sua atividade laboral, enquanto encontrar-se incapacitado. Tem direito ainda, sua reintegração ao Exército Brasileiro na condição de adido, com remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico que ocupava, possibilitando assim, seu adequado tratamento médico, até que seja emitido um parecer definitivo, quando será licenciado, desincorporado ou reformado, conforme o caso. Fundamentando, a Egrégia Quinta Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, recentemente, em seus julgamentos, vem adotando orientação no sentido de que o militar temporário ou de carreira que, por motivo de doença ou acidente em serviço, tornou-se temporariamente incapacitado para o serviço ativo das Forças Armadas, tem direito à reintegração como adido, para fins de tratamento médico adequado. No caso concreto, a perícia constatou que o ex-militar, quando foi excluído das fileiras do Exército, ainda apresentava patologia física decorrente de acidente em serviço, sendo assim, incapaz temporariamente. O laudo médico pericial produzido em juízo demonstrou que o ex-militar, no momento de sua exclusão, ainda apresentava enfermidade física decorrente de acidente em serviço, que o tornava incapaz temporariamente para o serviço castrense. Por isso, a decisão foi no sentido de se anular o ato que licenciou o ex- militar do Exército, devendo ser reintegrado na condição de adido, para tratar sua enfermidade, com remuneração correspondente ao grau hierárquico que ocupava.[11] Ou seja, se a inspeção de saúde do exército afirmar que não há nexo de causalidade entre acidente e o serviço militar, o autor pode comprovar judicialmente, através de perícia médica, sua incapacidade temporária, assim pleiteando a nulidade do ato de licenciamento, bem como sua reintegração ao serviço militar. No que tange ao reconhecimento do direito de reintegração ao quadro de militares do Exército, na mesma graduação que ocupava na ativa e recebendo a respectiva remuneração e tratamento médico adequado, cumpre tecer algumas considerações. O ato de licenciamento está previsto no art. 121 da Lei nº 6.880, de 09 de dezembro de 1980, que dispõe, in verbis: “Art. 121. O licenciamento do serviço ativo se efetua: I – a pedido; e II – ex officio . § 1º O licenciamento a pedido poderá ser concedido, desde que não haja prejuízo para o serviço: a) ao oficial da reserva convocado, após prestação do serviço ativo durante 6 (seis) meses; e b) à praça engajada ou reengajada, desde que conte, no mínimo, a metade do tempo de serviço a que se obrigou. § 2º A praça com estabilidade assegurada, quando licenciada para fins de matrícula em Estabelecimento de Ensino de Formação ou Preparatório de outra Força Singular ou Auxiliar, caso não conclua o curso onde foi matriculada, poderá ser reincluída na Força de origem, mediante requerimento ao respectivo Ministro. § 3º O licenciamento ex officio será feito na forma da legislação que trata do serviço militar e dos regulamentos específicos de cada Força Armada: a) por conclusão de tempo de serviço ou de estágio; b) por conveniência do serviço; e c) a bem da disciplina. § 4º O militar licenciado não tem direito a qualquer remuneração e, exceto o licenciado ex officio a bem da disciplina, deve ser incluído ou reincluído na reserva. § 5° O licenciado ex officio a bem da disciplina receberá o certificado de isenção do serviço militar, previsto na legislação que trata do serviço militar.” Cabe ressaltar que, à luz do disposto nos artigos 128 e 130 do Decreto 57.654, de 1966, cabe o licenciamento do militar incorporado segundo critérios de oportunidade e conveniência da Administração Pública, contudo, para que tal fato ocorra, é necessário que o militar esteja apto para o serviço militar. No caso de não estar apto, o militar deve ser mantido como adido para fins de tratamento médico e recebimento de remuneração até a efetiva reabilitação de saúde. Pela grande relevância para a pesquisa, transcrevem-se os artigos 128 e 130 do Decreto 57.654 de 1966: “Art. 128 – Aos incorporados que concluírem o tempo de serviço a que estiverem obrigados poderá, desde que o requeiram ser concedida prorrogação desse tempo, uma ou mais vezes, como engajados ou reengajados, segundo as conveniências da Força Armada interessada. Art. 130. Para a concessão do engajamento e reengajamento devem ser realizadas as exigências seguintes: 1) incluírem-se os mesmos nas percentagens fixadas, periodicamente, pelos Ministros Militares; 2) haver conveniência para o Ministério interessado; 3) satisfazerem os requerentes as seguintes condições: a) boa formação moral; b) robustez física; c) comprovada capacidade de trabalho; d) boa conduta civil e militar; e) estabelecidas pelo Ministério competente para a respectiva qualificação, ou especialidade, ou classificação, bem como, quando for o caso, graduação.” Como explica o Relator Loraci Flores de Lima, em seu voto no recente julgamento na Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, “Não é relevante o fato de o autor ser ou não militar estável, pois muito embora a previsão da lei se limite àqueles que já detêm estabilidade, na falta de legislação específica os temporários se equiparam aos estáveis para fins de reintegração e reforma”[12] Analisando o recente julgamento do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, publicado em 16 de julho de 2014, o autor ingressou como soldado no Exército Brasileiro, sofrendo um acidente de trabalho o qual consistiu em uma queda. Assim, foi instaurada uma sindicância, a fim de apurar os fatos ocorridos. Por fim, reconheceu-se o fato como acidente de serviço, passando-se por uma de inspeção de saúde, onde foi exarado parecer: “incapaz temporariamente para o serviço do Exército”. O perito judicial também concluiu pela existência de sua incapacidade. Posteriormente, foi incluído como adido à sua Unidade Militar. Pouco tempo depois, foi excluído do número de adidos, pois seu tempo de serviço no Exército havia acabado. Também recebeu parecer da Inspeção de Saúde como Apto para o Serviço do Exército. Constata-se, então, que o militar não se encontra totalmente incapaz para os serviços laborais. No entanto, as provas periciais atestaram que o militar ainda necessitava de tratamento médico, constatando-se a ilegalidade do ato administrativo que licenciou o soldado. [13] Portanto, é de extrema importância expor que a Lei nº 6.880/80 (Estatuto dos Militares) não apresenta restrição quanto à atribuição da condição de agregado ao militar temporário. Desta forma, a legislação anterior à Constituição Federal de 1988, deve ser interpretada com base nos princípios por ela traçados, fazendo-se a chamada “interpretação conforme a Constituição”[14] Sobre a previdência social, que é um direito fundamental, sendo pertinente ao caso, o art. 201, I da Constituição Federal, o qual traz a cobertura de doença e invalidez, vejamos: “Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; […].” Desta forma, verifica-se que a Constituição Federal de 1988 atribui destaque, como direito fundamental, ao direito à previdência social, com menção expressa à cobertura de doença e invalidez, sendo direito extensível a todos, abrangendo inclusive a previdência dos militares. Aplicando-se de forma subsidiária a norma do art. 201 da Constituição Federal de 1988 em relação ao regime militar (art. 40, § 12, da CF/88), regra que é corolário do direito à igualdade (art. 5º, caput), portanto, aplica-se também aos militares. Neste caso, é importante o esclarecimento de ROSA, sobre os princípios e garantias Constitucionais aplicadas também aos militares, in verbis: “A Constituição Federal de 1988 estabeleceu princípios e garantias que alcançam não apenas os brasileiros, natos ou naturalizados, mas também os estrangeiros residentes no país ou mesmo no exterior que estejam de passagem pelo território nacional. A Convenção Americana de Direitos Humanos complementou as garantias que foram estabelecidas pelo texto constitucional, que se aplicam tanto aos civis como aos militares.”[15] Considerando a ideia essencial de proteção à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF/88), é possível concluir que não se pode deixar ao desamparo o militar que suporta uma incapacidade, especialmente quando a doença não preexistia à incorporação e que ainda eclodiu durante a prestação do serviço militar. Desta forma, o licenciamento do militar, na condição de encostado para fins de tratamento médico, sem o pagamento da remuneração que garantia sua subsistência, viola a ideia de seguro social, agredindo o direito à previdência social, que consiste no custeamento pelo Estado daquele vinculado ao sistema, quando da superveniência da incapacidade. Por fim, não há como negar que a “atividade castrense” [16]dos militares é baseada em intensos exercícios físicos a fim de bem aprimorar o condicionamento e aptidão física dos militares, o que dependendo da patologia adquirida agrava as lesões físicas. Por esta consequência, procuram o Poder Judiciário para solucionar questões correlatas. Essa é a relevância do tema que se pretende pesquisar, o que é de fundamental importância para os militares temporários que, cotidianamente, passam por problemas relacionados à desincorporação. Conclusão O trabalho estudou as o direito militar e a questão do militar temporário e as possíveis soluções para os militares que são licenciados irregularmente quando apresentam algum tipo de incapacidade. Verificou-se que o militar que ingressou no serviço militar sadio e assim permaneceu até ocorrer o acidente em serviço que o impossibilitou de exercer sua atividade laboral, pode pleitear sua reintegração ao Exército Brasileiro na condição de adido, com remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico que ocupava, possibilitando assim seu adequado tratamento médico, até que seja emitido um parecer definitivo. Vale lembrar que antes de sua incorporação foi realizada uma seleção dos militares que prestariam serviço, sendo analisados os seguintes aspectos: físico, cultural, psicológico e moral (art. 39 do Decreto 57.654 de 1966). Além do alistamento, o candidato teve que se submeter à inspeção de saúde, provas físicas, testes de seleção, entrevista e apreciação de outros elementos disponíveis (artigo 50 do Decreto 57.654 de 1966). A Lei nº 6.880, de 09 de dezembro de 1980, dispõe o Estatuto dos Militares e prevê, em seu artigo 50, IV, alínea e, primeira parte, que: “é direito do militar a assistência médico-hospitalar para si e seus dependentes, assim entendida como o conjunto de atividades relacionadas com a prevenção, conservação ou recuperação da saúde” Desta forma, é nulo o licenciamento sem receber proventos do militar que ingressou no serviço militar sadio e, assim, permaneceu até ocorrer o acidente em serviço que o impossibilitou de exercer sua atividade laboral, enquanto encontrar-se incapacitado. Ou seja, se a inspeção de saúde do exército afirmar que não há nexo de causalidade entre acidente e o serviço militar, mesmo assim o autor pode comprovar judicialmente, através de perícia médica, sua incapacidade temporária pleiteando a nulidade do ato de licenciamento, bem como sua reintegração ao serviço militar. Não é relevante o fato de o autor ser ou não militar estável, pois muito embora a previsão da lei se limite àqueles que já detêm estabilidade, na falta de legislação específica os temporários se equiparam aos estáveis para fins de reintegração e reforma. Desta forma, o licenciamento do militar, na condição de encostado para fins de tratamento médico, sem o pagamento da remuneração que garantia sua subsistência, viola a ideia de seguro social, agredindo o direito à previdência social, que consiste no custeamento pelo Estado daquele vinculado ao sistema, quando da superveniência da incapacidade. Portanto, não há como negar que a atividade castrense dos militares é baseada em intensos exercícios físicos a fim de bem aprimorar o condicionamento e aptidão física dos militares, o que dependendo da patologia adquirida agrava as lesões físicas. Por esta consequência, procuram o Poder Judiciário para solucionar questões correlatas.
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Do plano de arruamento como mecanismo de concreção do ideário de cidades sustentáveis e planejamento urbanístico
O meio ambiente artificial, também denominado humano, se encontra delimitado no espaço urbano construído, consistente no conjunto de edificações e congêneres, denominado, dentro desta sistemática, de espaço urbano fechado, bem como pelos equipamentos públicos, nomeados de espaço urbano aberto. Cuida salientar, ainda, que o meio-ambiente artificial alberga, ainda, ruas, praças e áreas verdes. Trata-se da construção pelo ser humano nos espaços naturais, isto é, uma transformação do meio-ambiente natural em razão da ação antrópica, dando ensejo à formação do meio-ambiente artificial. Pode-se ainda considerar alcançado por essa espécie de meio-ambiente, o plano diretor municipal e o zoneamento urbano. O parcelamento urbanístico do solo tem por escopo efetivar o cumprimento das funções sociais da sociedade, fixando regramentos para melhor aproveitamento do espaço urbano e, com isso, a obtenção da sadia qualidade de vida, enquanto valor agasalhado pelo princípio do meio ecologicamente equilibrado, preceituado na Constituição de 1988. Ora, não se pode olvidar que o meio-ambiente artificial é o local, via de regra, em que o ser humano se desenvolve, enquanto indivíduo sociável, objetivando-se a sadia qualidade de vida nos espaços habitados. O presente se debruça em promover um exame acerca do plano de arruamento e sua vinculação como mecanismo de concreção do ideário de cidades sustentáveis e planejamento urbanístico.
Direito Administrativo
3 Ponderações ao Meio Ambiente Artificial: Introdução à Ambiência do Homem Contemporâneo O meio ambiente artificial, também denominado humano, se encontra delimitado no espaço urbano construído, consistente no conjunto de edificações e congêneres, denominado, dentro desta sistemática, de espaço urbano fechado, bem como pelos equipamentos públicos, nomeados de espaço urbano aberto, como tão bem salienta Fiorillo[16]. Cuida salientar, ainda, que o meio-ambiente artificial alberga, ainda, ruas, praças e áreas verdes. Trata-se, em um primeiro contato, da construção pelo ser humano nos espaços naturais, isto é, uma transformação do meio-ambiente natural em razão da ação antrópica, dando ensejo à formação do meio-ambiente artificial. Além disso, pode-se ainda considerar alcançado por essa espécie de meio-ambiente, o plano diretor municipal e o zoneamento urbano. É possível ilustrar as ponderações estruturadas utilizando o paradigmático entendimento jurisprudencial que direciona no sentido que: “Ementa: Administrativo. Conflito negativo de competência. Ação civil pública. Propaganda eleitoral. Degradação do meio ambiente. Ausência de matéria eleitoral. Competência da Justiça Estadual. […] 4. A pretensão ministerial na ação civil pública, voltada à tutela ao meio ambiente, direito transindividual de natureza difusa, consiste em obrigação de fazer e não fazer e, apesar de dirigida a partidos políticos, demanda uma observância de conduta que extravasa período eleitoral, apesar da maior incidência nesta época, bem como não constitui aspecto inerente ao processo eleitoral. 5. A ação civil pública ajuizada imputa conduta tipificada no art. 65 da Lei 9.605/98 em face do dano impingido ao meio ambiente, no caso especificamente, artificial, formado pelas edificações, equipamentos urbanos públicos e comunitários e todos os assentamentos de reflexos urbanísticos, conforme escólio do Professor José Afonso da Silva. Não visa delimitar condutas regradas pelo direito eleitoral; visa  tão somente a tutela a meio ambiente almejando assegurar a função social da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, nos termos do art. 182 da Constituição Federal. 6. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 2ª Vara Cível de Maceió – AL, ora suscitado.” (Superior Tribunal de Justiça – Primeira Seção/ CC 113.433/AL/ Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima/ Julgado em 24.08.2011/ Publicado no DJe em 19.12.2011). “Ementa: Processual civil e administrativo. Ação civil pública. Praças, jardins e parques públicos. Direito à cidade sustentável. Art. 2º, incisos I e IV, d Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade). Doação de bem imóvel municipal de uso comum à União para construção de agência do INSS. Desafetação. Competência. Inaplicabilidade da súmula 150/STJ. Exegese de normas locais (Lei Orgânica do Município de Esteio/RS). […] 2. Praças, jardins, parques e bulevares públicos urbanos constituem uma das mais expressivas manifestações do processo civilizatório, porquanto encarnam o ideal de qualidade de vida da cidade, realidade físico-cultural refinada no decorrer de longo processo histórico em que a urbe se viu transformada, de amontoado caótico de pessoas e construções toscas adensadas, em ambiente de convivência que se pretende banhado pelo saudável, belo e aprazível. 3. Tais espaços públicos são, modernamente, objeto de disciplina pelo planejamento urbano, nos termos do art. 2º, IV, da Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade), e concorrem, entre seus vários benefícios supraindividuais e intangíveis, para dissolver ou amenizar diferenças que separam os seres humanos, na esteira da generosa acessibilidade que lhes é própria. Por isso mesmo, fortalecem o sentimento de comunidade, mitigam o egoísmo e o exclusivismo do domínio privado e viabilizam nobres aspirações democráticas, de paridade e igualdade, já que neles convivem os multifacetários matizes da população: abertos a todos e compartilhados por todos, mesmo os "indesejáveis", sem discriminação de classe, raça, gênero, credo ou moda. 4. Em vez de resíduo, mancha ou zona morta – bolsões vazios e inúteis, verdadeiras pedras no caminho da plena e absoluta explorabilidade imobiliária, a estorvarem aquilo que seria o destino inevitável do adensamento -, os espaços públicos urbanos cumprem, muito ao contrário, relevantes funções de caráter social (recreação cultural e esportiva), político (palco de manifestações e protestos populares), estético (embelezamento da paisagem artificial e natural), sanitário (ilhas de tranquilidade, de simples contemplação ou de escape da algazarra de multidões de gente e veículos) e ecológico (refúgio para a biodiversidade local). Daí o dever não discricionário do administrador de instituí-los e conservá-los adequadamente, como elementos indispensáveis ao direito à cidade sustentável, que envolve, simultaneamente, os interesses das gerações presentes e futuras, consoante o art. 2º, I, da Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade). […] 8. Recurso Especial não provido”. (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 1.135.807/RS/ Relator: Ministro Herman Benjamin/ Julgado em 15.04.2010/ Publicado no DJe em 08.03.2012) O domínio em apreço é caracterizado por ser fruto da interferência humana, logo, “aquele meio-ambiente trabalhado, alterado e modificado, em sua substância, pelo homem, é um meio-ambiente artificial”[17]. Como robusto instrumento legislativo de tutela do meio ambiente artificial, pode-se citar a Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001[18], que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências, conhecido como “Estatuto da Cidade”, estabelece os regramentos e princípios influenciadores da implementação da política urbana. Nesta esteira, cuida trazer à colação o entendimento firmado por Fiorillo, em especial quando destaca que o diploma legislativo em apreço “deu relevância particular, no âmbito do planejamento municipal, tanto ao plano diretor (art. 4º, III, a, bem como arts. 39 a 42 do Estatuto) como à disciplina do parcelamento, uso e ocupação do solo” [19]. Com efeito, um dos objetivos da política de desenvolvimento urbano previsto no artigo 182 da Constituição Federal[20], são as funções sociais da cidade, que se realizam quando se consegue propiciar ao cidadão qualidade de vida, com concretização dos direitos fundamentais, e em consonância com o que disciplina o artigo 225 da Carta Magna, que garante a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. E as funções sociais da cidade se concretizam quando o Poder Público consegue dispensar ao cidadão o direito à habitação, à livre circulação, ao lazer e ao trabalho. Ora, “dado ao conteúdo pertinente ao meio ambiente artificial, este em muito relaciona-se à dinâmica das cidades. Desse modo, não há como desvinculá-lo do conceito de direito à sadia qualidade de vida”[21], tal como o direito à satisfação dos valores da dignidade humana e da própria vida. Nesta esteira, o parcelamento urbanístico do solo tem por escopo efetivar o cumprimento das funções sociais da sociedade, fixando regramentos para melhor aproveitamento do espaço urbano e, com isso, a obtenção da sadia qualidade de vida, enquanto valor agasalhado pelo princípio do meio ecologicamente equilibrado, preceituado na Carta de 1988. Neste sentido, colacionar se faz premente o entendimento jurisprudencial que: “Ementa: Apelação Cível. Direito Público. Município de Caxias do Sul. Planejamento Urbanístico. Estatuto da Cidade. Plano Diretor. Código de Posturas Municipal. Construção de Passeio Público. Meio Ambiente Artificial. O passeio público deve estar em conformidade com a legislação municipal, sobretudo com o Código de Posturas do Município e o Plano Diretor. Tal faz parte da política de desenvolvimento municipal, com o adequado planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano, nos exatos termos em que disciplina a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional que regulamenta a matéria. A prova pericial carreada aos autos demonstra a total viabilidade de adequação do passeio público de fronte à residência dos autores, não se podendo admitir que eventual prejuízo causado aos demais réus, moradores vizinhos, que utilizam a área para acesso à sua residência, venha a ser motivo para a não regularização da área, de acordo com o planejamento municipal em termos de desenvolvimento urbano. Eventual desgaste entre os autores e seus vizinhos deverá ser resolvido em demanda própria que não esta. Se os vizinhos dos demandantes utilizam o passeio público em frente à residência dos autores como entrada de suas casas, terão que deixar de fazê-lo e também se adequarem ao que disciplina a lei. O que não pode é o Município ser proibido de fiscalizar e de fazer cumprir com legislação que é, ou deveria ser, aplicável a todos. Recurso Provido.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Primeira Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70038560991/ Relator: Desembargador Carlos Roberto Lofego Canibal/ Julgado em 11.05.2011). “Ementa: Administrativo. Poluição Visual. Propaganda em meio aberto (frontlights, moving signs, outdoors). Ilegalidade. 1. Cabe ao Município regular e policiar a propaganda em meio aberto, seja qual for o veículo (frontlights, moving signs, outdoors), pois tal atividade é altamente nociva ao meio ambiente artificial e, no caso da cidade de Porto Alegre, provocou grosseira poluição visual, de acordo com a prova técnica. É necessária prévia licença para expor propaganda no meio aberto e a prova revelou que as empresas exploradoras dessa atividade econômica não se ocuparam em cumprir a lei. Demonstrado o dano ao meio ambiente, devem os responsáveis indenizá-lo, fixando-se o valor da reparação pecuniária em valor módico. Por outro lado, mostra-se prematura a fixação de multa ante a necessidade de examinar caso a caso as hipóteses de remoção na execução. 2. Apelações das rés desprovidas e apelação do município provida em parte”. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Quarta Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70011527215/ Relator: Desembargador Araken de Assis/ Julgado em 30.11.2005). Assim, é plenamente possível traçar um íntimo liame entre o conceito de cidade e os próprios paradigmas integrantes do meio-ambiente artificial. Ora, não se pode olvidar que o meio-ambiente artificial é o local, via de regra, em que o ser humano se desenvolve, enquanto indivíduo sociável, objetivando-se a sadia qualidade de vida nos espaços habitados. Deste modo, temas como a poluição sonora ou mesmo visual se revelam dotados de grande relevância, eis que afetam ao complexo equilíbrio existentes no meio-ambiente urbano, prejudicando, direta ou indiretamente, a saúde, a segurança e o bem-estar da população, tal como a criar condições adversas às atividades dotadas de cunho social e econômico ou mesmo afetando as condições estéticas ou sanitárias em que são estabelecidas. 4 Objetivo da Política de Desenvolvimento Urbano: Inicialmente, cuida anotar que o meio ambiente artificial não está disciplinado tão somente na redação do artigo 225 da Constituição Federal[22], mas sim é regido por múltiplos dispositivos dentre os quais o artigo 182 do Texto Constitucional, que disciplina a política urbana, desempenha papel proeminente no tema em comento. Nesta toada, é possível evidenciar que o meio ambiente recebe uma tutela mediata e imediata. “Tutelando de forma mediata, revela-se o art. 225 da Constituição Federal, em que encontramos uma proteção geral ao meio ambiente. Imediatamente, todavia, o meio ambiente artificial recebe tratamento jurídico no art. 182 do mesmo diploma”[23]. Salta aos olhos, deste modo, que o conteúdo atinente ao meio ambiente artificial está umbilicalmente atrelado à dinâmica das cidades, não sendo possível, por consequência, desvincula-lo da sadia qualidade de vida, tal como a satisfação dos valores estruturantes da dignidade humana e da própria existência do indivíduo. A política urbana afixa como preceito o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, sendo esta observada na satisfação dos axiomas alocados nos artigos 5º e 6º da Carta da República Federativa do Brasil de 1988[24]. Ora, sobreleva ponderar que a função social da cidade é devidamente materializada quando esta proporciona a seus habitantes o direito à vida, à segurança, à igualdade, à propriedade e à liberdade, tal como assegura a todos um piso vital mínimo, abrangendo os direitos sociais à educação, à saúde, ao lazer, ao trabalho, à previdência social, à maternidade, à infância, à assistência aos desamparados, dentre outros insertos na redação do artigo 6° do Texto Constitucional vigente. Com efeito, não se pode olvidar que o pleno desenvolvimento reclama uma participação municipal intensa, consoante estabelece a redação do inciso VIII do artigo 30 da Constituição Federal[25], “que atribui ao Município a competência de promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”[26], tal como estabelecendo competência suplementar residual. Em um aspecto mais amplo, é possível destacar que a função social da cidade é devidamente atendida quando propicia a seus habitantes uma vida com qualidade, satisfazendo os direitos fundamentais, manutenindo harmonia com os feixes axiomáticos irradiados pelo artigo 225 da Carta de 1988. Nesta perspectiva, é possível destacar que uma cidade só cumpre a sua função social quando possibilita aos seus habitantes uma moradia digna, incumbindo o Poder Público, por conseguinte, proporcionar condições de habitação adequada e fiscalizar sua ocupação. Tais ponderações são, ainda mais, robustecidas ao se verificar que a Constituição Federal, em seus artigos 183[27] e 191[28], consagrou modalidades especiais de usucapião urbano e rural. “Outra função importante da cidade é permitir a livre e tranquila circulação, através de um adequado sistema da rede viária e de transportes, contribuindo com a melhoria dos transportes coletivos”[29]. O tema em debate recebe ainda mais realce nos grandes centros urbanos, porquanto o trânsito caótico se apresenta como um óbice á livre e adequada circulação. Além disso, para uma cidade cumprir a sua função social é imprescindível que destine áreas ao lazer e à recreação, edificando praças e implementando áreas verdes. Incumbe, ainda, à cidade viabilizar o desenvolvimento de atividades laborativas, produzindo reais possibilidades de trabalho aos seus habitantes, com o escopo de assegurar a existência de condições econômicas destinadas à realização do consumo de produtos e serviços fundamentais para a existência da pessoa humana, bem como da ordem econômica estabelecida no país. 5 As Cidades Sustentáveis como Paradigma perseguido pelo Estatuto das Cidades: A Ambiência Urbana Contemporânea e seus matizes como o Meio Ambiente Artificial Agasalhado nas ponderações articuladas alhures, é verificável que o Estatuto das Cidades, na condição de lei que ambiciona o equilíbrio ambiental na órbita das cidades, estabeleceu a garantia do direito a cidades sustentáveis, colocando-a como diretriz geral entalhada na redação do artigo 2º, inciso I, da Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001[30], que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Desta feita, “os direitos enumerados no art. 2º, I, do Estatuto da Cidade, garantidos também pela Lei n. 10.257/2001, têm caráter metaindividual, sendo tutelados não só pelo próprio Estatuto da Cidade como particularmente pelas Leis n. 7.347/85 e 8.078/90”[31]. Nesta seara, a garantia do direito a cidades sustentáveis significa, por extensão, importante diretriz destinada a nortear a política do desenvolvimento urbano em proveito da dignidade da pessoa humana e seus destinatários, compreendendo-se os brasileiros e os estrangeiros residentes no território nacional, a ser executada pelo Poder Público municipal, dentro da denominada tutela dos direitos materiais metaindividuais. Decorre de tal ideário a necessidade de estabelecer-se o conteúdo de cada um dos direitos que edificam a garantia do direito a cidades sustentáveis, no viés de adotar posição clara diante da defesa em decorrência de episódica lesão ou ameaça a esse rol de importantes componentes constituintes do meio ambiente artificial. Há que se destacar que se trata, com efeito, de diretriz geral vinculada aos objetivos da política urbana estabelecida como patamar de direitos metaindividuais destinados a brasileiros e estrangeiros residentes no território nacional, a partir de uma perspectiva de tutela do meio ambiente artificial, objetivando realizar os objetivos contidos na Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001[32], que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Com clareza solar, é perceptível que apenas por meio dos instrumentos da política urbana, estabelecida no Estatuto das Cidades, que será possível a concreção da gama de direitos agasalhados em seu âmago, afigurando, neste aspecto, proeminente a gestão orçamentária participativa alçada ao status de importante instituto econômico orientado a viabilizar recursos financeiros para que cada cidade possa estruturar seu desenvolvimento pautado na sustentabilidade em face não apenas de suas necessidades, mas também de suas possibilidades. Estabelecido em decorrência da estruturação do direito ambiental constitucional, como bem afiança Fiorillo, “a garantia do direitos a cidades sustentáveis em nada se vincula com superados conceitos de direito administrativo que teimam em compreender as cidades como ‘abstrações’ única e exclusivamente formais adaptadas ao ‘princípio da legalidade’”[33]. Desta feita, harmonizando-se com os alicerces estruturantes do Estado Democrático do Direito, é possível colocar em destaque que a diretriz geral que consagra a garantia do direito a cidades sustentáveis propiciará a todos os brasileiros e estrangeiros residentes em território nacional uma tutela mais adequada do equilíbrio ambiental. Com efeito, trata-se de paradigma jurídica impregnado de aspectos de solidariedade, bem como de valores provenientes do meio ambiente ecologicamente equilibrado, içado à condição de princípio fundamental que viabiliza a materialização da dignidade da pessoa humana. Ao lado disso, denota-se que o Estatuto das Cidades, na condição de diploma inspirado pelos valores consagrados pela nova ordem inaugurada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, objetiva a materialização de uma nova realidade na qual seja possível conjugar a urbanização com o meio ambiente, de modo a obter núcleos urbanos sustentáveis e sensíveis aos elementos primordiais para se alcançar a materialização do superprincípio da dignidade da pessoa humana. 6 Do Plano de Arruamento como mecanismo de concreção do ideário de Cidades Sustentáveis e Planejamento Urbanístico Em um primeiro exame, ao se refletir sobre o plano de arruamento, conforme o magistério de Silva[34], cuida ponderar que aquele substancializa manifestação importante do plano urbanístico municipal – obviamente, nos municípios em que haja -, no qual se viabiliza a integração e ao qual está subordinado. Nesta linha, o plano de arruamento é elaborado e executado por particulares e proprietários de glebas urbanificáveis dentro ou fora do perímetro urbano, como urbanificação primária do processo de loteamento de terrenos para escopos de edificação. Ao lado do expendido, mister faz-se assinalar que o fito basilar do plano em comento está fincado em estabelecer um sistema de logradouros que proporcione acesso, luz e ar às propriedades lindeiras, possibilitando, concomitantemente, que o tráfego de veículos se processe com maior celeridade possível e com segurança maximizada, sem necessidade de muitas restrições. Ademais, os logradouros, alcançados pelo plano de arruamento, devem servir de canais para instalação de redes de serviços públicos, aéreas ou subterrâneas, mas que, além do esposado, exercerem outra função, a saber, a de permitir o estabelecimento do equilíbrio entre os dois elementos constitutivos das aglomerações urbanas: conjuntos edilícios e equipamentos públicos e sociais. Com efeito, guardando alinho com o explicitado, pode-se evidenciar que os planos de arruamento conterão dois elementos fundamentais: (i) espaços livres, cuja destinação observa as vias de circulação, as áreas verdes e as áreas institucionais; (ii) as quadras. No que concerne ao segundo elemento, prima evidenciar que as quadras serão divididas em lotes e respectivas edificações, transformando-se nos elementos constitutivos de qualquer aglomerado urbano: equipamentos públicos e sociais e conjuntos edilícios. Em uma generalização, é possível afirmar que a legislação urbanística municipal referente ao parcelamento do solo determina o mínimo de área que será destinada ao primeiro elemento do arruamento, sendo que tal extensão compreende de 35% (trinta e cinco por cento) a 40% (quarenta por cento) da gleba arruada, conforme escólio de Silva[35]. Afora isso, da área total do plano de arruamento e loteamento serão destinados: (i) 20% (vinte por cento) para vias de circulação; (ii) 15% (quinze por cento) para áreas verdes; e (iii) 5% (cinco por cento) para áreas institucionais. Entrementes, quando as diretrizes fixadas pelo Poder Executivo Municipal, para determinado arruamento, extrapolarem os valores estabelecidos na legislação urbanística para os fins prescritos, as áreas excedentes serão consideradas de interesse público para fins de desapropriação. Contudo, caso, a juízo do órgão competente da Prefeitura, o espaço para vias de circulação for inferior à porcentagem preconizada em relação à gleba arruada, a área necessária para completar sobredita porcentagem será adicionada a áreas verdes ou para outro escopo, em consonância com a disposição da legislação em vigor; Todavia, cuida ponderar que jamais o Poder Executivo Municipal poderá permitir que a diferença se integre nas quadras como propriedade privada do arruador. Nesta dicção, o projeto do sistema viária do plano de arruamento está subordinado a normas gerais que afixem sua harmonização com o plano viário estabelecido para o Município. Desta feita, quadra evidenciar que os arruadores e loteadores não deverão em pensar em seus arruamentos e loteamentos, apesar da observação prática demonstrar o reverso, como um projeto independente, desvinculado da cidade em que está inserido. Ora, materializa função do órgão de planejamento municipal examinar o traçado das vias de circulação do plano de arruamento, com o escopo de verificar se há conformação com o plano da cidade. Caso tal situação não ocorra, deverá determinar a reelaboração do plano, para que possa ser aceito e autorizada sua execução, constatando-se, posteriormente, também, se as obras de urbanificação primária, estabelecidas pela legislação, foram executadas em consonância com os projetos aprovados. Impõe, ainda, exigir que o arruador observe os critérios do sistema viário, que o órgão competente do Poder Público Municipal estabelecerá em cada hipótese, notadamente no que toca à localização do arruamento em decorrência das peculiaridades locais, com o fito de que as vias de circulação estruturadas no plano de arruamento satisfaçam as características, dimensões e destinação apropriadas, compreendendo-se, se forem cabíveis, vias expressas, vias arteriais, vias principais, vias locais, vias de pedestres, dentre outras. Ainda neste sentido, as quadras constituem o outro elemento do plano de arruamento, cuja disciplina a legislação comina. Há, porém, certos corolários técnicos que terão que ser considerados pela legislação urbanística. Assim, não deverão ser muito compridas, nem proporcionar a formação de lotes muito profundos. Silva[36] vai explicitar que a disposição e a relação das vias de circulação dão origem aos sistemas de traçados das cidades, que podem ser de vários tipos: xadrez, grelhas superpostas, radial-circular.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/do-plano-de-arruamento-como-mecanismo-de-concrecao-do-ideario-de-cidades-sustentaveis-e-planejamento-urbanistico/
Do dever de denunciar, apurar, fiscalizar, decidir e de resposta da administração pública
Todo cidadão tem o direito de denunciar as irregularidades que toma conhecimento, já o servidor público tem o dever de denunciar essas práticas, visando principalmente a moralidade e a eficiência da Administração Pública. A Autoridade Administrativa ao tomar conhecimento desta irregularidade deve imediatamente apurar os fatos narrados, bem como fiscalizar as ações dos subordinados nessa apuração, dando vazão ao devido processo legal e o empenho em investigar, principalmente quanto a legalidade dos atos procedimentais. Além de apurar, deve a Administração emitir resposta quanto as solicitações ou reclamações na esfera de sua competência, principalmente demonstrando a forma com que essa administração age quando provocada em apurar irregularidades, em homenagem ao princípio da publicidade.
Direito Administrativo
Introdução Estabelece a Constituição Federal o direito de petição e a norma infraconstitucional garante esse o direito, no caso em estudo, relativo ao direito de representação ou de delação de irregularidade no serviço público. Assim, todo cidadão tem o direito de denunciar irregularidade que toma conhecimento, já o servidor público tem o dever de denunciar essas práticas, visando principalmente a moralidade e a eficiência da Administração Pública, onde essa omissão pode repercutir nas esferas administrativa, cível e/ou penal. Desta forma cabe ainda a Autoridade Administrativa ao tomar conhecimento de qualquer irregularidade, imediatamente apurar os fatos narrados, bem como fiscalizar as ações dos subordinados nessa apuração, dando vazão ao devido processo legal e o empenho em investigar, principalmente quanto a legalidade dos atos procedimentais. Além de apurar, deve a Administração emitir resposta quanto as solicitações ou reclamações na esfera de sua competência, principalmente demonstrando a forma com que essa administração age na apuração de irregularidades, em homenagem ao princípio da publicidade e da eficiência. 1. Do Dever de denunciar O Regulamento Disciplinar da PMGO (RDPMGO) instituído pelo Decreto nº 4.717/96, determina que todo policial militar que tiver conhecimento de fato contrário a disciplina devera comunica-lo, por escrito, em tempo hábil ao seu chefe imediato, nos termos do art. 10, in litteris:  Art. 10 – Todo policial militar que tiver conhecimento de um fato contrário à disciplina deverá comunicá-lo, por escrito ou verbalmente, em tempo hábil, ao seu Chefe imediato. (negritei) Este Mandamento Regulamentar enseja a delação de todo e qualquer fato contrário a disciplina, sendo a Disciplina definida no art. 6º do mesmo decreto, como a rigorosa observância e acatamento integral das leis e regulamentos, resumidamente o não cumprimento das Normas vigentes, litteris: “Art. 6º – A disciplina militar é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis e regulamentos, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes da polícia militar. § 1º – São manifestações essenciais de disciplina: I – a correção de atitudes; II – a rigorosa observância das prescrições regulamentares; III – a obediência pronta às ordens dos superiores hierárquicos; IV – a dedicação integral ao serviço; V – a colaboração espontânea à disciplina coletiva e à eficiência da Instituição. § 2º – A disciplina e a hierarquia devem ser mantidas permanentemente pelos policiais militares da ativa e da inatividade.” Desta forma temos a definição de disciplina como o acatamento integral das leis e regulamentos, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever, com suas respectivas manifestações, neste prisma temos ainda o conceito de Laciel Rabelo de Castro Costa, quanto a disciplina consciente: “A definição de disciplina consciente está mais ligada à pratica do ato moral, vez que o legislador pretende uma atitude involuntária e costumeira, mas a absorção da cultura militar se dá com o tempo. Todas as normas de conduta e o próprio código de ética se agregam no inconsciente do miliciano através do convívio humano e com o transcorrer dos dias.” Nesse contexto, estabelece que todo policial militar que tiver conhecimento de um fato contrário à disciplina deverá comunicá-lo, por escrito ou verbalmente, em tempo hábil, ao seu Chefe imediato, de forma que o policial não precisa ser necessariamente o que se julgar prejudicado ou ofendido, basta que tenha conhecimento, para ter o dever de comunica-lo, tal determinação, visa a obediência das leis, normas e regulamentos e a sua aplicação correta justa e equânime, estabelecendo a delação de qualquer irregularidade, no sentido de que seja preservada a disciplina. Estabelece ainda o rito que deve ter essa comunicação, por escrito ou verbalmente, em todo caso, em tempo hábil e ao seu chefe imediato, recomendando que seja feita por escrito e entregue mediante recibo, para posteriores providências em caso de omissão. Para a aplicação do poder disciplinar é necessário a demonstração de violação do “dever funcional”, “ato de ofício”, “irregularidade no serviço” e/ou “falta na função”, o que gera um ato irregular, ofensivo, injusto ou ilegal, conforme o Despacho "CG" nº 217/2016: Necessária é, para aplicação do poder disciplinar, a ocorrência de “irregularidade no serviço” quer dizer, explicitamente “falta na função” e não, portanto, mera insuficiência profissional genérica. Vale destacar o Despacho "CG" nº 1846/2010: Somente o exercício irregular das atividades funcionais do servidor público, que desencadeie em descumprimento a deveres ou inobservância a proibições, devidamente comprovados ou existam fortes indícios dessas infrações é que deverão ser apuradas. Qualquer ação ou omissão que possa prejudicar a eficiência do serviço público, direta ou indiretamente, pode ser considerada falta disciplinar." (Negritei) Merece destacar o pertinente comentário sobre o aperfeiçoamento institucional trazido por Alexandre Henrique da Costa e outros Oficiais Paulistas na obra Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de São Paulo: Vale ressaltar que a Administração Pública, integrada pela Polícia Militar, deve buscar sempre o seu aperfeiçoamento institucional, baseando-se no princípio da eficiência. Uma das formas de se buscar o aperfeiçoamento dos serviços prestados por qualquer instituição, seja pública ou particular, é reprimir atos irregulares praticados pelos funcionários que trabalham na organização“ (Negritei) 1.1. Do Direito de Petição A Lei nº 13.800/01, da vazão ao dever de denunciar, em seu art. 5º que esclarece que o procedimento pode iniciar de oficio ou a pedido do interessado, na segunda hipótese figura o Representante como interessado, sendo parte do processo no exercício do direito de representação, nos termos do artigo 9º, da mesma Lei: “Art. 9º – São legitimados como interessados no processo administrativo: I – pessoas físicas ou jurídicas que o iniciem como titulares de direitos ou interesses individuais ou no exercício do direito de representação;” Esse direito tem repercussão constitucional declarado no direito de petição garantido no art. 5º, XXXIV, “a”, in verbis: “XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;” Sobre o tema comenta o Desembargador Zacarias Neves Coêlho em sua decisão destacando a lição de Uadi Lammêgo Bulos: “O direito de petição é expressão ampla que se apresenta por intermédio de queixas, reclamações, recursos não contenciosos, informações derivadas da liberdade de manifestação do pensamento, aspirações dirigidas a autoridades, rogos, pedidos, súplicas, representações diversas, pedidos de correção de abusos e erros, pretensões, sugestões. Quanto às representações, elas se fundem no próprio direito de petição. No direito de petição não é necessário que o peticionário tenha sofrido gravame pessoal ou lesão em seu direito, uma vez que tal direito liga-se à participação política, nisto residindo o interesse geral no cumprimento da ordem jurídica”.  (in “Constituição Federal  Anotada”,  Ed. Saraiva, pág.168 e ss.). Uma vez provocada a Autoridade Administrativa tem o dever de explicitamente emitir decisão na solicitação que lhe foi encaminhada quer para acatar quanto para negar o pedido, de qualquer forma essa manifestação deve trazer a indicação dos fatos e fundamentos jurídicos que justifiquem essa decisão, vez que o princípio da motivação exige que a Administração Pública indique os fundamentos de fato e de direito de suas decisões, a sua obrigatoriedade se justifica em qualquer tipo de ato, porque se trata de formalidade necessária para permitir o controle de legalidade dos atos administrativos A norma castrense da Portaria nº 6947/15 é omissa quanto a direito de representação, no entanto, esclarece no art. 3º as autoridades disciplinares competentes para instaurar sindicância, sendo: “Art. 3º. São competentes para instaurar sindicância as seguintes autoridades disciplinares: I – Comandante Geral; II – Subcomandante Geral; III – Chefe do Estado Maior Estratégico; IV – Corregedor PM; V – Chefe Do Gabinete Militar Da Governadoria; VI – Comandantes Regionais e Comandos do Posto de Coronel; VII – Chefe de Seção do Estado Maior Geral; VIII – Chefes de Divisões e Assessor Policial Militar; IX – Comandante de Batalhão e Diretor de Colégio Militar; e X – Comandante de Companhia Independente”. O direito de denunciar se encontra intrínseco ao direito de petição, sendo, portanto garantida constitucional, onde todo cidadão deve denunciar as irregularidades praticadas no serviço público, para o servidor público esse direito é um dever de oficio que repercute em transgressão disciplinar, violação da ética e crime. Neste contexto, é vedado a Administração a recusa imotivada de recebimento de qualquer documento, devendo o servidor que se recusar a recebe-lo orientar o interessado quanto ao suprimento de eventuais falhas, conforme inteligência do art. 6º, § 1º da Lei nº 13.800/01: “§ 1º – É vedada à Administração a recusa imotivada de recebimento de documentos, devendo o servidor orientar o interessado quanto ao suprimento de eventuais falhas.” 2. Do Dever de apurar O poder-dever de apurar representa uma obrigação de oficio onde a autoridade administrativa militar, sob a égide do poder hierárquico e da disciplina, tem a obrigação de apurar irregularidades no serviço público, não cabendo qualquer discricionariedade ou juízo de valor da autoridade administrativa nessa apuração. Tudo isso visa o aperfeiçoamento e a vigência dos princípios Constitucionais do artigo 37, conforme entendimento do STJ, transcrito no Despacho "CG" nº 330/2011, onde deixa claro que o ato de instauração de Procedimento não depende de qualquer juízo de valor da autoridade, deve simplesmente apurar a irregularidade apontada quando ciente desta: “(…) 3. O ato de instauração do PAD não depende de qualquer juízo de valor da autoridade, que tem o dever de apurar qualquer eventual irregularidade apontada, (…) ‘a autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado a ampla defesa". Negritei. Mesmo entendimento da Auditoria Militar do Estado de Goiás, onde a Administração Militar tem o poder-dever de apurar eventuais faltas disciplinares, tendo notícia de eventual cometimento de transgressão disciplinar com a consequência lógica de instauração de sindicância para apuração dos fatos: “Como se sabe, a Administração Militar tem o poder-dever de apurar as eventuais faltas disciplinares cometidas pelos policiais militares, aplicando-lhes as sanções devidas. Assim, tendo notícia de eventual cometimento de transgressão disciplinar a consequência lógica é que seja aberta sindicância para apuração dos fatos, desta feita em rigorosa obediência às normas e princípios aplicáveis ao processo administrativo disciplinar.” (TJGO, Auditoria Militar, Habeas Corpus Preventivo, Processo: 201602535552, Autos: 396/16, GUSTAVO ASSIS GARCIA, Juiz de Direito) Mesmo entendimento do Despacho "CG" nº 330/2011, que disserta sobre a apuração de ilícitos administrativos na PMGO, nos seguintes termos: “Havendo o cometimento de uma falta disciplinar pelo servidor, deve a autoridade que tiver ciência do fato promover a sua imediata apuração, através do devido processo legal, seja através de sindicância ou processo administrativo disciplinar”. Segundo o princípio da legalidade, o administrador não pode fazer o que bem entender, tem que agir segundo a lei e as normas vigentes, só podendo fazer aquilo que a lei expressamente determina, assim, uma vez informada, Autoridade Administrativa competente deve tomar as providências que lhe competem, para apurar toda e qualquer denúncia de irregularidade, onde em caso de omissão atrai para si responsabilidade nas esferas administrativa, civil e penal, situação reafirmada pelo Despacho "CG" nº 240/2015: “É cediço que a autoridade pública que tiver ciência ou notícia de qualquer irregularidade perpetrada por agente público, é obrigada a promover a sua imediata apuração, diante do poder-dever de autotutela imposto à administração e, por via de consequência ao administrador público. O não cumprimento da obrigação faz com que a autoridade incorra em improbidade administrativa, uma vez que considera-se tal conduta daquele que retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício. Na hipótese, ainda, de o administrador público omitir-se diante da obrigação, tomado por um sentimento de indulgência, estará atraindo para si a responsabilidade criminal prevista no artigo 320 do código penal, sob a denominação de condescendência criminosa. A autoridade administrativa militar, sob a égide do poder hierárquico e da disciplina, tem a obrigação de apurar irregularidades no serviço público, em específico os fatos que ensejaram a instauração da sindicância nº 2013.02.04685 porque a lei expressamente o obriga, deixar de fazê-lo é improbidade administrativa, e a omissão, se motivada por indulgência, atrai a responsabilidade criminal.” Assim, informada a Autoridade competente deve esta tomar as medidas cabíveis para promover a apuração imediata da irregularidade que tomar conhecimento, o ato de instauração de procedimento não depende de qualquer juízo de valor da autoridade dado ao seu poder-dever de apurar, esse não cumprimento da obrigação faz com que a autoridade incorra em improbidade administrativa, transgressão disciplinar, violação da ética e crime. Consta na Portaria nº 6947/15, que aprova normas para elaboração de sindicância no âmbito da PMGO, onde a Sindicância é o processo para colher elementos de autoria e materialidade de irregularidades praticadas por PM: “Art. 1º. Sindicância é o processo administrativo pelo qual a administração pública militar utiliza para colher elementos de autoria e materialidade de irregularidades praticadas por policiais militares estaduais, visando apurar o cometimento de transgressões disciplinares.” 2.1. Do dever de ofício O ato de oficio é aquele inerente ao cargo ou função em que o servidor ocupa tem o poder-dever de exerce-lo, desta forma, temos a previsão do delito de prevaricação que tem o preceito normativo que estabelece retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra expressa disposição de lei, ou seja, o não cumprimento desse dever implica crime. Desta forma o poder-dever de apurar representa uma obrigação de oficio relativo ao cargo ou função, onde a Autoridade noticiada de irregularidade não tem outra providência senão apurar os fatos narrados tendo em vista a moralidade e a eficiência da Administração Pública Militar, onde o art. 3º, da Portaria nº 6947/15, apresenta rol das Autoridades com competência para instaurar procedimento administrativo. Conforme o Regimento Interno da Corregedoria (RICor) a Corregedoria Policial Militar, é órgão de Assessoria ao Comandante Geral e ao Chefe do Estado Maior da Polícia Militar do Estado de Goiás, é destinada a assegurar a disciplina funcional e os princípios hierárquicos estruturais-fundamentais, e, apuração das infrações penais militares na PMGO, bem como, a atividade de Polícia Judiciária, Administrativa e apurar as faltas disciplinares na PMGO nos seguintes termos: “Art. 1º – A Corregedoria Policial Militar, órgão de Assessoria ao Comandante Geral e ao Chefe do Estado Maior da Polícia Militar do Estado de Goiás, é destinada a assegurar a disciplina funcional e os princípios hierárquicos estruturais-fundamentais, e, apuração das infrações penais militares no âmbito da Instituição Policial Militar Estadual. Art. 2º – A Corregedoria Policial Militar, exercera a competência de Polícia Judiciária Militar e de Polícia Administrativa, no âmbito do controle interno da Corporação, observada a legislação vigente. Art. 3º – A Corregedoria Policial Militar, com circunscrição em todo Estado de Goiás, tem por escopo a execução, controle, coordenação, orientação e fiscalização da atividade pertinente à disciplina e execução Judiciária da Polícia Militar, substanciando as seguintes atribuições: V – Apurar as faltas disciplinares praticadas por componentes da Corporação que, por sua repercussão e consequência, atentem contra os interesses da Instituição Policial Militar;” Segundo revelado no RICor, a Corregedoria Policial Militar, órgão de Assessoria ao Comandante Geral e ao Chefe do Estado Maior da Polícia Militar do Estado de Goiás, é destinada a assegurar a disciplina funcional e os princípios hierárquicos estruturais-fundamentais, e, apuração das infrações penais militares na PMGO. Da mesma forma compete ao Subcomando Geral da PMGO, fiscalizar e controlar todas as atividades da Corporação, conforme o Decreto nº 8.060/13, art. 18, I: “Art. 18. Compete ao Subcomando-Geral da Polícia Militar:  I – coordenar o estudo, o planejamento, a fiscalização e o controle de todas as atividades da corporação, competindo-lhe, ainda, propor as diretrizes e ordens de comando para os órgãos de direção e de execução;  Negritei.” Mesmo com toda essa complexa estrutura, com o sistema de freios e contrapesos, no meio militar existir a resistência em apurar, ou melhor descrito pelo Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União, na obra Manual Nacional do Controle Externo da Atividade Policial, alguns casos de corporativismo e resquícios de cultura de solução administrativa ou informal para crimes e uma má-vontade para apuração de casos que envolvam oficiais de postos mais elevados. 3. Do Dever de fiscalizar Promovida a denúncia e o dever de apurar, essa apuração ocorre através de um procedimento administrativo disciplinar, através do poder-dever de oficio, instruindo e publicando Portaria que delega competência com poderes ao servidor que vai atuar na investigação através dos Poderes Delegados pela Autoridade Superior. Uma vez delegada competência, cabe ao Delegante o poder-dever de fiscalizar as atividades do subordinado, condição decorrente do Poder Hierárquico e Disciplinar através dos poderes e competências com o fim de que cumpra sua função, conforme entendimento do Subcomandante Geral no Despacho "CG" nº 217/2016. A Delegação de competência tem previsão legal nos art. 11 ao 17 da Lei nº 13.800/01, destacando os art. 11 e 12: “Art. 11 – A competência é irrenunciável e se exerce pelos órgãos administrativos a que foi atribuída como própria, salvo os casos de delegação e avocação legalmente admitidos. Art. 12 – Os titulares de órgão administrativo poderão, se não houver impedimento legal, delegar competência a titulares de outros órgãos, quando for conveniente em razão de circunstâncias de ordem técnica, social, econômica, jurídica ou territorial.” Temos ainda a norma infra legal, conforme Portaria nº 6947/15, que determina que o Subcomandante Geral controle e fiscalize o andamento dos procedimentos instaurados na PMGO, podendo inclusive avoca-los. O controle dos prazos procedimentais fica a cargo da Autoridade Delegante, bem como a atribuição de digitalizar e depositar no Sicor os procedimentos por ela instaurados, compete a Corregedoria PM a responsabilidade por fiscalizar o fiel cumprimento desses encargos, conforme os respectivos preceitos: “Art. 12. O Subcomandante Geral tem atribuição para controlar e fiscalizar o regular andamento dos processos administrativos disciplinares instaurados no âmbito da Polícia Militar, podendo inclusive avocá-los. Art. 58. O controle do prazo ficará a cargo da autoridade delegante, sendo que a Corregedoria PM fiscalizará o fiel cumprimento dos prazos previsto nesta norma. Art. 59. Toda sindicância deverá ser depositada digitalmente no SiCor, sendo que essa atribuição ficará a cargo da autoridade delegante, sob fiscalização da Corregedoria PM.” Em Direito administrativo brasileiro, Hely Lopes Meirelles expõe ser o poder hierárquico o que dispõe o Executivo para distribuir e escalonar as funções de seus órgãos; ordenar e rever a atuação de seus agentes, estabelecendo a relação de subordinação dos servidores do seu quadro de pessoal. O poder hierárquico e disciplinar não se confundem, mas andam juntos, por serem os sustentáculos de toda a organização administrativa, principalmente na PMGO que é sustentada pela Hierarquia e Disciplina. Não se pode compreender as atividades do executivo sem a existência da hierarquia e disciplina entre os órgãos e agentes que as exercem, o que levou Duguit a advertir que “o princípio do poder hierárquico domina todo o Direito Administrativo e deveria ser aplicado, ainda mesmo que nenhum texto legal o consagrasse”. O poder hierárquico tem por objetivo ordenar, coordenar, controlar, e corrigir as atividades administrativas, no âmbito interno da Administração Pública, ou seja, impor a rigorosa observância e o acatamento integral das leis e regulamentos. Ordena as atividades da Administração, reparte e escalona as funções entre os agentes do poder, de modo que cada uma pessoa possa exercer eficientemente seu encargo; Coordena, entrosando as funções no sentido de obter o funcionamento harmônico de todos os serviços a cargo do mesmo órgão; controla, velando pelo cumprimento da lei e das instruções e acompanha a conduta e o rendimento de cada servidor; corrige os erros administrativos pela ação revisora dos atos dos superiores sobre os atos dos inferiores, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes da Administração Pública. Desse modo, hierarquia e a disciplina atua como instrumento de organização e aperfeiçoamento do serviço e age como meio de responsabilizar os agentes administrativos, impondo-lhes o dever de obediência as Leis e seu fiel cumprimento. Do poder hierárquico decorrem faculdades implícitas para o superior, tais como a de dar ordens e fiscalizar o seu cumprimento, a de delegar e avocar atribuições e a de rever os atos dos inferiores. Dar ordens é determinar especificamente ao subordinado os atos a praticar ou a conduta a seguir em caso concreto. Daí decorre o dever de obediência e da disciplina que traduz no perfeito cumprimento do dever por parte de Todos. Fiscalizar é vigiar permanentemente os atos praticados pelos subordinados com o intuito de mantê-los dentro dos padrões legais e regulamentares instituídos para cada atividade administrativa, aplicando se for o caso a disciplina, quanto a rigorosa observância das prescrições legais e regulamentares. Delegar é conferir a outrem atribuições e competências que originariamente competiam ao delegante. As delegações dentro do mesmo poder são em princípio, admissíveis, desde que o delegado esteja em condições de bem exercê-las. Desta forma, cabe a Autoridade Delegante deve fiscalizar os prazos legais, bem como a legalidade do feito e intervir quando necessário promovendo o saneamento dos autos e realizar a correição de todas as irregularidades, seja de oficio ou por iniciativa da parte, de qualquer forma deve zelar pelo andamento na seara do devido processo legal. 3.1. Da responsabilidade O Estatuto dos Policiais Militares, estabelece em seu art. 41 adverte sobre a responsabilidade do policial militar quando inobserva os seus deveres específicos: “41 – A inobservância dos deveres específicos nas leis e regulamentos ou a falta da execução no cumprimento dos mesmos acarreta para o policial-militar responsabilidade funcional, pecuniária, disciplinar ou penal, consoante a legislação específica”. Como se percebe há uma gama de envolvidos e vasta legislação, que não justifica as irregularidades dentro do serviço público. O poder vigia o poder (freios e contrapesos); se o sistema não age deve o Superior ou o Interessado cobrar as providencias legais relativa a omissão do serviço público onde o Administrador deve responder pelos seus atos. O que falta é colocar a máquina Administrativa para funcionar, atribuindo responsabilidade aquele que não atende aos preceitos legais, seja por dolo ou culpa, apurando e atribuindo responsabilidade, pois se mantido naquela função, será um elo com defeito, impedindo os outros de funcionarem com perfeição, seja por excesso ou omissão, atravancando todo o sistema. Há fundamentos na responsabilização do administrador pelos atos de seus subordinados pela teoria da culpa civil. Sustentada pela culpa in eligendo e culpa in vigilando, se o administrador não possui uma responsabilidade objetiva, por conta do risco administrativo, possui, ao menos, a culpa por eleger mal (nos casos dos nomeados em cargo de comissão ou dos designados para determinada tarefa ou função) é a culpa em eleger e vigiar (fiscalizar) mal o exercício das funções designadas, delegadas ou desempenhadas pelos seus servidores. Dessa forma o Administrador, não só escolhe dentro do quadro de servidores sua assessoria, como é o responsável direto por suas escolhas, assim, se este não corresponde às expectativas da Administração, fica este obrigado a exercer as prerrogativas de seu cargo, colocando outro que satisfaça às necessidades da atividade, fazendo jus a ação de comando que tem nos setores da Unidade Militar, distribuindo-a hierarquicamente, e responsabilizado cada um pelo dano causado a Administração. 4. Do Dever de decidir Perceba o quão complexo são os atos administrativos, que percorrem um longo caminho com a devida atenção do administrador que não pode se furtar de seu poder-dever de acompanhar com a devida lisura todo o seu tramite, sob pena de responsabilidade. Assim, provocada a Administração Pública está deve se manifestar, como encargo de sua função, zelando principalmente pela moralidade e a eficiência dos serviços públicos visando o seu Aperfeiçoamento Institucional. Sendo o direito de petição um direito fundamental, este não teria sentido se a administração não emitisse decisão nos processos, solicitações ou reclamações que lhe fosse dirigido, devendo ser tais atos decididos de forma fundamentada e principalmente dentro de um prazo razoável e proporcional, conforme estabelece a Carta Maior em seu artigo 5º inciso XXXIII: “XXXIII – Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;” Neste sentido temos o ensinamento de Jose Afonso da Silva, transcrito no Despacho “CG” nº 2092/11: “É importante frisar que o direito de petição não pode ser destituído de eficácia. Não pode a autoridade a quem é dirigido escusar pronunciar-se sobre a petição, quer para acolhê-la quer para desacolhê-la com a devida fundamentação”. Posicionamento confirmado pelo TJGO, através do Relator Francisco Vildon J. Valente: “Verifica-se que a petição é um direito fundamental, dele decorre o direito de resposta, que deve ser fundamentado. Frise-se que o direito à apreciação dos pedidos formulados junto à Administração Pública é decorrência lógica do direito de petição. E ainda, o inciso LXXVIII do art. 5º, da Constituição Federal disciplina que: “Art. 5º (…) LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. ” Nesse mister, cumpre registrar que consoante o art. 5º, LXIX, da Constituição Federal, e art. 1º da Lei 12.016/09, concede-se mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, sempre que, ilegalmente, ou com abuso de poder, alguém estiver sofrendo violação ou houver justo receio de sofrê-la, por parte de autoridade”. Desta forma, uma vez provocada a Autoridade Administrativa tem o dever de explicitamente emitir decisão quanto ao pedido de solicitação ou reclamação em matéria de sua competência, resposta que deve ser motivada com indicação dos fatos e fundamentos jurídicos, nos termos dos artigos 48 e 50, § 1º, da Lei nº 13.800/01, respectivamente: “Art. 48 – A Administração tem o dever de explicitamente emitir decisão nos processos administrativos sobre solicitações ou reclamações, em matéria de sua competência. Negritei. Art. 50 – Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: § 1º– A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo basear-se em pareceres anteriores, informações ou decisões, que, neste caso, serão parte integrante do ato, o que não elide a explicitação dos motivos que firmaram o convencimento pessoal da autoridade julgadora.” Desta forma a decisão deve ser devidamente embasada, indicar os fatos e os fundamentos de sua decisão, a qual deve se expressar de forma explicita clara e congruente, com motivação e fundamentação válida, conforme determina a Lei. Assim, decidir não é apenas proferir decisão, mas se manifestar de forma motivada e fundamentada conforme determina as normas vigentes, sendo o Administrador obrigado a velar pela estrita observância da legalidade, bem como dever de honestidade, imparcialidade e legalidade; e assim, emitir decisão, com indicação dos fatos e os fundamentos de sua decisão, a qual deve ocorrer de forma explicita clara e congruente, com motivação válida, conforme determina a Lei, onde está quando considera determinada forma essencial a validade do ato, se esta não for cumprida, o ato será nulo. Assim, quando proferida decisão sem obedecer a essa forma predeterminada pela Lei o Administrador viola o dever de emitir decisão, onde decidir não é apenas deliberar, mas se manifestar de forma motivada e fundamentada, sendo obrigado a velar pela estrita observância da legalidade, bem como viola seu dever de honestidade, imparcialidade e legalidade, praticando ato diverso daquele previsto em lei, praticando indevidamente ato de ofício, incidindo em ato de improbidade administrativa, transgressão disciplinar, violação da ética e outros crimes. 4.1. Dever de Resposta Inerente ao dever de decidir é o dever de resposta, não adianta apenas decidir, mas deve-se dar uma resposta ao Interessado sobre sua reclamação ou solicitação, sendo esta proferida dentro de um prazo razoável e proporcional, vez que a morosidade prejudica a eficiência da Administração Pública e o direito do Interessado. Assim, o procedimento pode ser instaurado de oficio ou a requerimento da parte no exercício do direito de representação, o que não pode é ficar sem resposta, mais que isso, conforme artigo 48 da Lei 13.800/01, onde a “Administração tem o dever de explicitamente emitir decisão nos processos administrativos sobre solicitações ou reclamações, em matéria de sua competência”, ou seja, a norma deve ser interpretada de modo que melhor corresponda àquela finalidade e assegure plenamente a tutela de interesses para o qual foi regida, conforme transcrito no Despacho AG nº 1509/2016 da Procuradoria Geral do Estado de Goiás. Fica evidente que o Legislador já prevendo a possibilidade do empirismo nas decisões já estipulou uma clausula que obriga a Administração a emitir decisões motivadas sobre as solicitações e reclamações quanto as matérias de sua competência, bem como estabelece um prazo razoável e proporcional, como forma de resguardo ao Estado Democrático de Direito, estabelecido no art. 49 da Lei 13.800/01 que dita esse prazo razoável, que deve ocorrer em trinta dias, podendo ser prorrogado por mais trinta dias, desde que o atraso seja devidamente motivado, sendo obrigatório informar os motivos dessa dilatação para decidir: “Art. 49 – Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada.” A regra é precisa, demonstrando o prazo legal que deve ser cumprido pelo administrador para emitir decisão, situação corroborada pelo TJGO, em decisão do Des. Abrão Rodrigues Faria no processo 200803187445, no mesmo sentido: Registre-se que em face do direito de petição, garantia constitucional, não há negar o dever da Administração Pública em decidir a respeito do pedido formulado pelos Impetrantes, uma vez que não podem ficar sem resposta ao requerimento há muito formulado. Com a seguinte Ementa: “EMENTA: DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO DE PETIÇÃO. PRAZO RAZOÁVEL. DEVER DO MUNICÍPIO. 1 – A omissão da Autoridade Pública enseja direito liquido e certo dos impetrantes, podendo ser combatida via mandado de segurança a obtenção de pronunciamento acerca de consulta feita pelos administrados. 2 – O direito de petição encontra proteção constitucional, artigo 5º inciso XXXIX, indicando o dever da Administração Pública emitir respostas aos pleitos solicitados. 3 – As respostas às consultas formuladas deverão ser emitidas em prazo razoável, como forma de resguardo ao Estado Democrático de Direito. REMESSA CONHECIDA E IMPROVIDA”. (TJGO, 1° Câmara Cível, duplo grau de jurisdição Nº 17736-4/195 (200803187445) Relator Des. Abrão Rodrigues Faria, DJ 236 de 15/12/2008.) negrito meu. Temos ainda outro entendimento deste Sodalício: “MANDADO DE SEGURANÇA REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE PETIÇÃO. PRAZO RAZOÁVEL. PEDIDO DE LOTEAMENTO. ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO. CONTROLE PELO PODER JUDICIÁRIO. 1 – O direito de petição encontra-se guarida constitucional (artigo 5º, inciso XXXIV), indicando o dever da administração de emitir resposta as consultas formuladas.  2 – As respostas as consultas formuladas deverá ser emitida em um prazo razoável, como forma de resguardo ao estado democrático de direito. 3 Omissis. REMESSA E APELO CONHECIDOS E DESPROVIDOS.”  (TJGO. 2ª Câmara Cível. DJ nº 15093 de 27/09/2007. Acórdão de 11/09/2007. Rel. Dr.   Sérgio Mendonça de Araújo). Negrito meu. Conforme exposto em linhas pretéritas, a Administração Pública é regida por uma série de princípios sendo esses expressos em nossa Constituição Federal norteando o serviço público, e o Administrador não deve se afastar desse norte, deve atuar conforme determina a Lei, conforme vigora no Estado Democrático de Direito. Destarte, a Administração Pública está jungida ao princípio da legalidade e, como tal, cumpre atuar segundo o que determina a Lei e a Constituição da República. Nota-se claramente que com demora na prestação do dever de resposta, que é a prestação de um serviço que é público, que inclusive deve ocorrer dentro de um prazo razoável e proporcional, ao agir de outra forma o Administrador viola todos os princípios elencados no art. 37 e no art. 5º da Constituição (direito de petição e resposta), se estendendo essa responsabilidade a Autoridade que deve fiscalizar os atos de seu subordinado, cabendo a cada um à sua responsabilidade. Dessa forma sua omissão e não observância das normas causa ato prejudicial à Administração Militar e ao Interessado que se materializa nessa negligência, que é retardar ou deixar de praticar ato de ofício, dada a falta de resposta das solicitações ou reclamações do Interessado, já que é matéria constitucional receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular para esclarecimento e defesa de direitos. 4.2. Do acesso a informação (Lei nº 12.527/11) Como já esclarecido estabelece a Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XXXIII: “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;” Para normatizar a aplicação deste preceito Constitucional, foi promulgada a Lei nº 12.527/11, que regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3o do art. 37 e no § 2o do art. 216 da Constituição Federal, nos seguintes termos do artigo 1º e 10: “Art. 1º Esta Lei dispõe sobre os procedimentos a serem observados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com o fim de garantir o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5o, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal. Negritei. Art. 10. Qualquer interessado poderá apresentar pedido de acesso a informações aos órgãos e entidades referidos no art. 1º desta Lei, por qualquer meio legítimo, devendo o pedido conter a identificação do requerente e a especificação da informação requerida.” Assim, qualquer interessado pode apresentar pedido de acesso a informação requerida, além de acesso a informação a presente Lei compreende ainda outros direitos aos órgãos e entidades públicas, sendo: “Art. 7º O acesso à informação de que trata esta Lei compreende, entre outros, os direitos de obter:  I – orientação sobre os procedimentos para a consecução de acesso, bem como sobre o local onde poderá ser encontrada ou obtida a informação almejada;  II – informação contida em registros ou documentos, produzidos ou acumulados por seus órgãos ou entidades, recolhidos ou não a arquivos públicos;  III – informação produzida ou custodiada por pessoa física ou entidade privada decorrente de qualquer vínculo com seus órgãos ou entidades, mesmo que esse vínculo já tenha cessado;  IV – informação primária, íntegra, autêntica e atualizada;  V – informação sobre atividades exercidas pelos órgãos e entidades, inclusive as relativas à sua política, organização e serviços;  VI – informação pertinente à administração do patrimônio público, utilização de recursos públicos, licitação, contratos administrativos; e  VII – informação relativa:  a) à implementação, acompanhamento e resultados dos programas, projetos e ações dos órgãos e entidades públicas, bem como metas e indicadores propostos;  b) ao resultado de inspeções, auditorias, prestações e tomadas de contas realizadas pelos órgãos de controle interno e externo, incluindo prestações de contas relativas a exercícios anteriores.  § 1º O acesso à informação previsto no caput não compreende as informações referentes a projetos de pesquisa e desenvolvimento científicos ou tecnológicos cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.  § 2º Quando não for autorizado acesso integral à informação por ser ela parcialmente sigilosa, é assegurado o acesso à parte não sigilosa por meio de certidão, extrato ou cópia com ocultação da parte sob sigilo.  § 3º O direito de acesso aos documentos ou às informações neles contidas utilizados como fundamento da tomada de decisão e do ato administrativo será assegurado com a edição do ato decisório respectivo.  § 4º A negativa de acesso às informações objeto de pedido formulado aos órgãos e entidades referidas no art. 1o, quando não fundamentada, sujeitará o responsável a medidas disciplinares, nos termos do art. 32 desta Lei.  § 5º Informado do extravio da informação solicitada, poderá o interessado requerer à autoridade competente a imediata abertura de sindicância para apurar o desaparecimento da respectiva documentação.  § 6º Verificada a hipótese prevista no § 5o deste artigo, o responsável pela guarda da informação extraviada deverá, no prazo de 10 (dez) dias, justificar o fato e indicar testemunhas que comprovem sua alegação.” Esse preceito legal é uma ferramenta importante ao cidadão, devido as ingerências administrativas que dificultam o acesso ao direito de informação do cidadão, onde o art. 21 determina que não poderá ser negado acesso a informação necessária a tutela judicial ou administrativa: “Art. 21.  Não poderá ser negado acesso à informação necessária à tutela judicial ou administrativa de direitos fundamentais.”  Em conformidade com o art. 15, no indeferimento da informação, poderá ser interposto recurso, contra a decisão no prazo de 10 dias, sendo o recurso dirigido a autoridade hierarquicamente superior, que deverá se manifestar no prazo de 05 dias, sendo tomadas as providências do art. 16. O órgão deverá conceder o acesso imediato a informação disponível ou não, que não deve ser superior a 20 (vinte) dias, nos termos do art. 11, § 1º: “Art. 11. O órgão ou entidade pública deverá autorizar ou conceder o acesso imediato à informação disponível. § 1º Não sendo possível conceder o acesso imediato, na forma disposta no caput, o órgão ou entidade que receber o pedido deverá, em prazo não superior a 20 (vinte) dias: Negritei.” O preceito normativo estabelece ainda condutas ilícitas que ensejam responsabilidade do agente público ou militar que: “Art. 32. Constituem condutas ilícitas que ensejam responsabilidade do agente público ou militar: I – recusar-se a fornecer informação requerida nos termos desta Lei, retardar deliberadamente o seu fornecimento ou fornecê-la intencionalmente de forma incorreta, incompleta ou imprecisa; II – utilizar indevidamente, bem como subtrair, destruir, inutilizar, desfigurar, alterar ou ocultar, total ou parcialmente, informação que se encontre sob sua guarda ou a que tenha acesso ou conhecimento em razão do exercício das atribuições de cargo, emprego ou função pública; III – agir com dolo ou má-fé na análise das solicitações de acesso à informação; IV – divulgar ou permitir a divulgação ou acessar ou permitir acesso indevido à informação sigilosa ou informação pessoal; V – impor sigilo à informação para obter proveito pessoal ou de terceiro, ou para fins de ocultação de ato ilegal cometido por si ou por outrem; VI – ocultar da revisão de autoridade superior competente informação sigilosa para beneficiar a si ou a outrem, ou em prejuízo de terceiros; e VII – destruir ou subtrair, por qualquer meio, documentos concernentes a possíveis violações de direitos humanos por parte de agentes do Estado. § 1º Atendido o princípio do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, as condutas descritas no caput serão consideradas:  I – para fins dos regulamentos disciplinares das Forças Armadas, transgressões militares médias ou graves, segundo os critérios neles estabelecidos, desde que não tipificadas em lei como crime ou contravenção penal; ou  II – para fins do disposto na Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e suas alterações, infrações administrativas, que deverão ser apenadas, no mínimo, com suspensão, segundo os critérios nela estabelecidos.  § 2º Pelas condutas descritas no caput, poderá o militar ou agente público responder, também, por improbidade administrativa, conforme o disposto nas Leis nos 1.079, de 10 de abril de 1950, e 8.429, de 2 de junho de 1992.” A Lei de Informação é muito ampla, de forma que este artigo apenas visa apresentar os pontos mais importantes quando ao acesso a informação, despertando a curiosidade do leitor para uma leitura detalhada do dispositivo legal. Conclusão: Fica demonstrado no presente artigo a repercussão do Direito de Petição de qualquer Interessado, principalmente da denúncia de irregularidade, buscando o Aperfeiçoamento Institucional com base no princípio da eficiência ao reprimir os atos irregulares praticados pelos servidores. Essa busca segue um rito através da delação das atividades irregulares pela apuração dos fatos narrados que termina somente com a resposta ao Interessado do que foi apurado e das providencias tomadas em homenagem ao princípio da publicidade.
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Da aplicação do art. 50, da Lei Estadual nº 08.033/75 e outras normas que tratam do direito do policial militar quando prejudicado ou ofendido por qualquer ato administrativo ou disciplinar
O art. 50 da Lei nº 08.033/75, prevê que o policial militar que se jugar prejudicado ou ofendido por ato administrativo pode recorrer através de reconsideração de ato, queixa ou representação, no entanto, normas posteriores também garantem os direitos dos prejudicados na PMGO.
Direito Administrativo
Introdução O art. 50 da Lei nº 08.033/75, prevê que o policial militar que se jugar prejudicado ou ofendido por ato administrativo pode recorrer através de reconsideração de ato, queixa ou representação, no entanto, normas posteriores também garantem os direitos dos prejudicados na PMGO. O Regulamento Disciplinar em seu art. 10, garante a delação de qualquer fato contrário a Disciplina, que implica na desobediência das normas em vigor. Em seguida foi promulgada a Lei nº 13.800/01, que possui mecanismos de início do procedimento administrativo disciplina, bem como como os recursos pertinentes a garantir o direito dos administrados que se julguem prejudicados e ofendidos por atos administrativos em qualquer esfera. Desta forma pode o servidor prejudicado utilizar de qualquer dos mecanismos legais, para garantir seu direito violado, não sendo ainda necessário o esgotamento da via administrativa para recorrer ao Poder Judiciário ou Ministério Público, devido a independência dos poderes. 1. Da Lei nº 08.033/75 (Estatuto dos Policiais Militares do Estado de Goiás) A Lei nº 08.033/75, dispõe sobre o Estatuto dos Policiais-Militares do Estado de Goiás e dá outras providências, sendo promulgada em 02 de dezembro de 1975, sendo anterior a promulgação da Constituição Federal de 05 de outubro de 1988. Desta forma a norma em análise no seu art. 50, estabelece: Art. 50 – O Policial-Militar que se julgar prejudicado ou ofendido por qualquer ato administrativo ou disciplinar de superior hierárquico poderá recorrer ou interpor pedido de reconsideração, queixa ou representação, segundo legislação vigente na Corporação. § 1º – O de recorrer na esfera administrativa prescreverá: I – em quinze (15) dias corridos, a contar do recebimento da comunicação oficial, quanto a ato que decorra da composição de Quadro de Acesso; e II – em cento e vinte (120) dia corridos, nos demais casos. § 2º – O pedido de reconsideração a queixa e a representação não podem ser feitos coletivamente. A Norma institui que o Policial-Militar que se julgar prejudicado ou ofendido por qualquer ato administrativo ou disciplinar de superior hierárquico poderá recorrer ou interpor pedido de reconsideração, queixa ou representação, segundo legislação vigente na Corporação. Vigora ainda para recorrer na esfera administrativa o prazo que prescreverá, em quinze (15) dias corridos, a contar do recebimento da comunicação oficial, quanto a ato que decorra da composição de Quadro de Acesso e em cento e vinte (120) dia corridos, nos demais casos. 1.1. Da analise art. 50 da Lei nº 08.033/75 Desta forma devemos analisar a presente determinação legal, em quatro aspectos: 1) o Policial-Militar que se julgar prejudicado ou ofendido por qualquer ato administrativo ou disciplinar de superior hierárquico; 2) poderá recorrer ou interpor pedido de reconsideração, queixa ou representação, 3) segundo legislação vigente na Corporação. 4) Estabelece ainda os prazos seguintes prazos para recorrer na esfera administrativa que prescreverá: 4.1) Quinze (15) dias corridos, a contar do recebimento da comunicação oficial, quanto a ato que decorra da composição de Quadro de Acesso; e 4.2) Cento e vinte (120) dia corridos, nos demais casos. Ressalto que o Estatuto dos Policiais-Militares do Estado de Goiás foi redigido em pleno regime militar, onde os direitos e garantias individuais foram suprimidos pelo governo autoritário, desta forma o cidadão policial militar, era obrigado a se comportar conforme os ditadores exigiam, onde na verdade o que ocorria era um controle dos atos dos policiais militares, de forma que todas as normas não eram redigidas para garantir direito, mas para se ter um controle dos atos desses. Nesse contexto o policial militar que se julga prejudicado ou ofendido por qualquer ato administrativo ou disciplinar de superior hierárquico, poderá recorrer ou interpor pedido de reconsideração, queixa ou representação, segundo legislação vigente na Corporação. A reconsideração de ato é o recurso por meio do qual o policial militar, que se julgue prejudicado, ofendido ou injustiçado, solicita à autoridade que praticou o ato que reexamine sua decisão e a reconsidere. Já a Queixa é o recurso disciplinar, interposto pelo policial militar que se julgue injustiçado, dirigido diretamente ao superior imediato da autoridade contra quem é apresentada. Em último caso a Representação, onde a autoridade que julgar subordinado seu injustiçado, poderá representá-lo, interpondo os recursos previstos. Desta forma, o “recurso” inicialmente é apresentado a  autoridade que praticou o ato que reexamine sua decisão e a reconsidere e somente depois dirigido diretamente ao superior imediato da autoridade contra quem é apresentada, gerando desgastes ao policial, que na maioria das vezes é admoestado pela autoridade que praticou o ato, gerando o temor reverencial e dificultando o exercidos dos direitos dos policiais militares, no entanto, como a norma é anterior a Constituição Federal e outras normas em vigor, esse exigência demonstra-se restritiva de direito, podendo a pretensão do policial militar, que se julgue prejudicado, ofendido ou injustiçado alcançado por outros meios legais, vigentes no ordenamento jurídico. Situação que perdura até o presente onde o policial militar que busca a tutela judicial sofre represália, inclusive a abertura de procedimento administrativo por descumprir as normas castrenses, sendo alegada a “quebra da cadeia de comando”, o que viola o direito de petição e acesso à justiça. 2. Da hierarquia das normas Antes de adentrarmos ao tema propriamente dito, é necessário esclarecer a hierarquia das normas, onde o Doutrinador José Péricles de Oliveira, em seu trabalho explica de forma clara sobre o tema: O ordenamento jurídico de um determinado Estado consiste em um sistema unitário de normas em perfeita harmonia umas com as outras, formando um todo coerente. Assim, de acordo com a teoria do escalonamento das normas, elaborada por Kelsen, pode-se afirmar que o núcleo da unidade de um ordenamento jurídico é que as normas desse ordenamento não estão todas no mesmo plano. Bobbio (1999:49), adotando os ensinamentos de Kelsen, pondera que “há normas superiores e normas inferiores. As inferiores dependem das superiores. Subindo das normas inferiores àquelas que se encontram mais acima, chega-se a uma norma suprema, que não depende de nenhuma outra norma superior, e sobre a qual repousa a unidade do ordenamento. Essa norma suprema é a norma fundamental.” Assim, e de acordo com os doutrinadores já mencionados, pode-se concluir que existe uma hierarquia entre as normas, que podem ser assim escalonadas: – Norma fundamental; – Constituição Federal; – Lei; (Lei Complementar, Lei Ordinária, Lei Delegada, Medida Provisória, Decreto Legislativo e Resolução); – Decretos Regulamentadores do Poder Executivo; – Outros diplomas dotados de menor extensão de eficácia e mais tênue intensidade normativa. Assim, a norma em discussão é uma Lei que apresenta uma norma em branco, vez que apenas aponta que o policial militar que se julga prejudicado ou ofendido por qualquer ato administrativo ou disciplinar de superior hierárquico, poderá recorrer ou interpor pedido de reconsideração, queixa ou representação, segundo legislação vigente na Corporação. Desta forma o Governador do Estado pelo Decreto Estadual nº 4.717/96 aprova o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de Goiás – RDPMGO, de 07 de outubro de 1996, codificando a norma, que deveria ser instituía por Lei, por se tratar de Regulamento, discussão não contemplada no presente artigo. Assim, o ato do Poder Executivo foi o citado decreto, no sentido de regularizar e instituir o Regulamento Disciplinar da PMGO, vez que a Lei nº 08.033/75 em seu artigo 46, na seção II, das transgressões disciplinares, faz referência ao citado instrumento, sendo necessária sua positivação, litteris: “Art. 46 – O Regulamento Disciplinar da Polícia Militar especificará e classificará as transgressões disciplinares e estabelecerá as normas relativas à amplitude e à aplicação das penas disciplinares, à classificação do comportamento Policial-Militar e à interposição de recursos contra as penas disciplinares.” Desta forma o Decreto Estadual nº 4.717/96 que aprova o RDPMGO, define a Reconsideração de Ato, Queixa ou Representação, previsto no Título V, dos direitos e recompensas, Capitulo I, da apresentação dos Recursos, que abrange os art. 52 ao 56, que será abordado mais detalhadamente adiante. Portanto, em nosso sistema jurídico, os decretos são atos meramente administrativos, da competência dos chefes do poder executivo, que são o Presidente, Governadores ou Prefeitos, sendo utilizados por estes para fazer nomeações e regulamentações de leis, em resumo reflete a vontade do Chefe do Executivo, que conforme o caso em questão, a Lei nº 08.033/75 no art. 46, referenda a criação do Regulamento Disciplinar. Assim, o Decreto é um ato expedido pelo Poder Executivo, já a Lei em sua acepção técnica ou estrita, designa regra escrita que apresenta certas características, no direito brasileiro, portanto, se encontra hierarquicamente inferior a Lei, não podendo com esta conflitar, sendo passível de ser declarada ilegal. Resumidamente, lato senso, a iniciativa da lei compete ao Executivo ou ao Legislativo, em caso excepcional ao Poder Judiciário. Conforme estabelece a Constituição “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, fica evidente que a força da Lei e seu Poder, vem justamente dessa questão, por ser a representação da vontade popular, que emana do povo através dos seus representantes eleitos. De forma que, pela hierarquia das normas a Lei está logo abaixo da Constituição, por ser, em tese, a representação da vontade popular. Da mesma forma que nenhuma lei pode contrariar os princípios constitucionais, as demais normas não podem violar o texto legal e assim sucessivamente, demonstrada a hierarquia e a obediência a Norma Fundamental. Sobre o tema Leda Pereira Mota e Celso Spitzcovsky, quanto ao princípio da legalidade dissertam que: “Destarte, o primeiro aspecto a ser observado diz respeito à expressão “lei” que deverá ser interpretada em seu sentido mais estrito.” Em outro dizer não poderá o administrador público coartar interesses e direitos de terceiros a não ser que sua atitude tenha um embasamento em lei previamente editada não sendo outro entendimento de Celso Antônio Bandeira de Melo para quem: “Nos temos no art. 5º, II, “ninguém ….”. Aí não se diz, “em virtude de decreto, regulamento, resolução, portaria ou quejandos”. Diz-se “em virtude de lei”. Logo, a administração não poderá proibir ou impor comportamento algum terceiro, salvo se estiver previamente embasada em determinada lei que lhe faculte proibir ou impor algo a quem quer que seja. Vale dizer, não lhe é possível expedir regulamento, instrução, resolução, portaria, ou seja, lá que ato for para coarctar a liberdade dos administrados, salvo se, em lei, já existir delineada a contenção ou imposição que o ato administrativo venha a minudecear. (curso de direito administrativo,  5º ed. Malheiros, 1994, p. 50). Aliás, a grande diferença entre o direito público e o privado está em que este é regido pela autonomia da vontade. Em outro dizer, o particular, aqui, pode dispor do seu patrimônio do modo como melhor lhe pareça, desde que não agrida a lei. Já no campo do direito público o contrário se verifica, não havendo lugar para a autonomia da vontade. Em outro dizer, o particular, aqui, pode dispor do seu patrimônio do modo como melhor lhe pareça desde que não agrida a lei.” 3. Do Decreto nº 4.717/96 (Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de Goiás – RDPMGO) O Decreto Estadual nº 4.717/96 trata do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de Goiás – RDPMGO, aprovado pelo Governador do Estado de Goiás em 07 de outubro de 1996, que estabelece em seu Preambulo: “O Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de Goiás tem por finalidade especificar e classificar as transgressões disciplinares, bem como estabelecer normas relativas à amplitude, apuração e à aplicação das punições disciplinares, à classificação do comportamento policial militar das praças e à interposição de recursos contra aplicação das punições, sendo ainda nele tratadas, em parte, as recompensas especificadas no Estatuto dos Policiais Militares.” 3.1. Dos Recursos previstos no Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de Goiás – RDPMGO Conforme exposto a Reconsideração de Ato (art. 53), Queixa (art. 54) ou Representação (art. 55), se encontram no Título V, dos direitos e recompensas, Capitulo I, da apresentação dos Recursos, que abrange os art. 52 ao 56, que garante ao policial militar que se julgue prejudicado, ofendido ou injustiçado por superiores hierárquicos, na esfera disciplinar, seus direitos, nos seguintes termos: “TÍTULO V Dos Direitos e Recompensas CAPÍTULO I Da Apresentação de Recursos Art. 52 – Recurso disciplinar é o direito concedido ao policial militar que se julgue prejudicado, ofendido ou injustiçado por superiores hierárquicos, na esfera disciplinar. Parágrafo único – São recursos disciplinares: I – pedido de reconsideração de ato; II – queixa. Art. 53 – Reconsideração de ato é o recurso por meio do qual o policial militar, que se julgue prejudicado, ofendido ou injustiçado, solicita à autoridade que praticou o ato que reexamine sua decisão e a reconsidere. § 1º – O pedido de reconsideração de ato deve ser encaminhado através da autoridade a quem o requerente estiver diretamente subordinado, no prazo máximo de 08 (oito) dias, a contar da data em que o policial militar tomar, oficialmente, conhecimento dos fatos que o motivaram. § 2º – A autoridade, a quem é dirigido o pedido de reconsideração de ato, deve dar despacho ao mesmo no prazo máximo de 04 (quatro) dias. Findo este prazo, considera-se indeferido o pedido. Art. 54 – Queixa é o recurso disciplinar, interposto pelo policial militar que se julgue injustiçado, dirigido diretamente ao superior imediato da autoridade contra quem é apresentada. § 1º – A apresentação da queixa só é cabível após o pedido de reconsideração de ato ter sido solucionado e publicado em boletim da OPM onde serve o querelante. § 2º – A apresentação da queixa deve ser feita dentro do prazo de 5 (cinco) dias, a contar da publicação, em boletim, da solução de que trata o parágrafo anterior, ou de seu indeferimento por decurso de prazo. § 3º – A autoridade destinatária da queixa deverá notificar a autoridade que praticou o ato questionado sobre o objeto do recurso disciplinar apresentado. § 4º – O querelante deve, sempre que possível, ser afastado da subordinação direta da autoridade contra quem formulou o recurso, até que o mesmo seja julgado. Deve, no entanto, permanecer na localidade onde serve salvo a existência de fatos que contraindiquem sua permanência na mesma. Art. 55 – A autoridade que julgar subordinado seu injustiçado, poderá representá-lo, interpondo os recursos previstos neste capítulo. Art. 56 – A apresentação dos recursos disciplinares mencionados no parágrafo único do art. 52 deve ser feita individualmente, tratar de caso específico, cingir-se aos fatos que motivaram o recurso, fundamentar-se em novos argumentos, provas ou documentos comprobatórios e elucidativos e não apresentar comentários. § 1º – Havendo a representação prevista no art. 55 e os motivos que determinarem o recurso não forem personalíssimos, mas coletivos, admitir-se-á a interposição de um só recurso. § 2º – O prazo para apresentação de recurso disciplinar, pelo policial militar que se encontre cumprindo punição disciplinar, executando serviço ou ordem que impeça a apresentação do mesmo, começa a ser contado após cessado tais situações. § 3º – O recurso disciplinar que contrariar o prescrito neste capítulo será considerado prejudicado pela autoridade a quem for destinado, cabendo a esta mandar arquivá-lo e publicar sua decisão em boletim, fundamentadamente. § 4º – A interposição de um recurso disciplinar por outro não impedirá seu exame, salvo quando houver má fé. § 5º – A tramitação de recurso deve ter tratamento de urgência em todos os escalões.” Tal introdução se faz necessária para que o Exegeta possa se situar no Regulamento Disciplinar para um melhor entendimento da norma em comento, se encontrando no capitulo destinado aos recursos. 3.2. Dos Recursos disciplinares O caso em analise se restringe ao pedido de Reconsideração de Ato (art. 53), Queixa (art. 54) ou Representação (art. 55), onde o Estatuto (Lei nº 08.033/75) no seu art. 50 faz a seguinte determinação: O Policial-Militar que se julgar prejudicado ou ofendido por qualquer ato administrativo ou disciplinar de superior hierárquico poderá recorrer ou interpor pedido de reconsideração, queixa ou representação, segundo legislação vigente na Corporação. Como já abordado os citados mecanismos se encontram no Título V, dos direitos e recompensas, Capitulo I, da apresentação dos Recursos, que abrange os art. 52 ao 56, ou seja, segundo a norma vigente na Corporação tais instrumentos, são relativos aos recursos, ou seja, pertinentes a sanção disciplinar, vez que o Regulamento Disciplinar não disciplina normas relativas aos procedimentos administrativos, somente, tem por finalidade especificar e classificar as transgressões disciplinares, bem como estabelecer normas relativas à amplitude, apuração e à aplicação das punições disciplinares, à classificação do comportamento policial militar das praças e à interposição de recursos contra aplicação das punições. Ressalto que o Regulamento dos Policiais-Militares do Estado de Goiás foi redigido no ano de 1996, de forma que posterior a Constituição Federal de 1988 e anterior a Lei nº 13.800 do ano de 2001, portanto a questão não se regula exclusivamente por estes instrumentos, pode ser regulada pela lex novae sem qualquer prejuízo a hierarquia e a disciplina castrense, por ter previsão em lex specialis, o que não tem aceitação junto a PMGO. Desta forma o Decreto Estadual nº 4.717/96, se encontra ultrapassado, sendo que a norma que vigora na Corporação relativa aos procedimentos administrativos é a Lei nº 13.800/01 que estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Estadual direta e indireta, visando à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração. 3.2.1. Dos prazos A Lei nº 08.033/75, determina que para recorrer na esfera administrativa o prazo que prescreverá, em quinze (15) dias corridos, a contar do recebimento da comunicação oficial, quanto a ato que decorra da composição de Quadro de Acesso e em cento e vinte (120) dia corridos, nos demais casos, sendo tais prazos estabelecidos para os mecanismos elencados no caput do art. 50 (Reconsideração de Ato, Queixa ou Representação), da lei em questão, sendo que para os demais casos vigora o prazo legal de 05 (cinco) anos, conforme art. 54 da Lei nº 13.800/01, como exemplo o art. 10 do Regulamento Disciplinar. Importante ressaltar que o prazo de 15 para composição de quadro de acesso foi expressamente revogado pela Lei nº 15.704/96, que institui o plano de carreira da PMGO e CBMGO, em seu art. 27, § 1º, estipula os recursos para composição de quadro de acesso com prazo de 05 (cinco) dias, sendo essa Lei Especial onde prevalece essa pelo princípio da lex specialis derogat generalis. Temos ainda um conflito quando ao lapso temporal, vez que o art. 53, § 1º, estabelece o prazo de 08 (oito) dias para a reconsideração de ato, bem como o art. 54, § 2º, determina o prazo de 05 (cinco) dias para a interposição de Queixa, de forma que o prazo previsto no Estatuto não tem aplicação pratica, vez que as Normas Especiais definem outros prazos. 3.3. Do remédio Regulamentar para prejuízo ou ofensa a qualquer ato administrativo ou disciplinar de superior hierárquico Desta forma, superada a questão temporal, dos prazos. O próprio Regulamento Disciplinar tem outros mecanismos a disposição do policial militar que se jugar prejudicado ou injustiçado em seu direito, podendo recorrer após o lapso temporal estabelecido no Estatuto, como o art. 10, in litteris:  “Art. 10 – Todo policial militar que tiver conhecimento de um fato contrário à disciplina deverá comunicá-lo, por escrito ou verbalmente, em tempo hábil, ao seu Chefe imediato. (negritei) § 1º – A comunicação deve ser clara, concisa e precisa. Deve conter os dados capazes de identificar as pessoas ou coisas envolvidas, o local, a data e hora da ocorrência e caracterizar as circunstâncias do fato, sem tecer comentários ou emitir opiniões pessoais. § 2º – Quando para a preservação da disciplina e do decoro da Corporação, a ocorrência exigir uma pronta intervenção, mesmo sem possuir ascendência funcional sobre o transgressor, a autoridade militar de maior antiguidade que presenciar ou tiver conhecimento do fato deverá tomar imediatas e enérgicas providências, inclusive prendê-lo, em nome da autoridade competente, dando ciência a esta, pelo meio mais rápido, da ocorrência e das providências, em seu nome, tomadas. § 3º – A autoridade, a quem a parte disciplinar é dirigida, deve dar a solução dentro de 04(quatro) dias, adotando as medidas previstas no Capítulo II do Título II deste regulamento. § 4º – No caso de ocorrência envolvendo policial militar de OPM diversa daquela a que pertence o signatário da comunicação, deve este, direta ou indiretamente, ser notificado das medidas adotadas, no prazo máximo de 06(seis) dias. Expirado este prazo, sem as providências acima, deve o comunicante informar à autoridade a que estiver subordinado. § 5º – A autoridade que receber a parte, não sendo competente para solucioná-la, deve encaminhá-la a seu superior imediato.” Desta forma, a DiscIiplina é definida no art. 6º, como a rigorosa observância e acatamento integral das leis e regulamentos, resumidamente o não cumprimento das Normas vigentes, litteris: “Art. 6º – A disciplina militar é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis e regulamentos, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes da polícia militar. § 1º – São manifestações essenciais de disciplina: I – a correção de atitudes; II – a rigorosa observância das prescrições regulamentares; III – a obediência pronta às ordens dos superiores hierárquicos; IV – a dedicação integral ao serviço; V – a colaboração espontânea à disciplina coletiva e à eficiência da Instituição. § 2º – A disciplina e a hierarquia devem ser mantidas permanentemente pelos policiais militares da ativa e da inatividade.” Vejamos que é justamente o que o art. 50 do Estatuto, em tese, visa proteger, que é o Policial-Militar que se julgar prejudicado ou ofendido por qualquer ato administrativo ou disciplinar de superior hierárquico poderá recorrer ou interpor pedido de reconsideração, queixa ou representação, segundo legislação vigente na Corporação. Vez que qualquer ato administrativo ou disciplinar que prejudica ou ofende o policial militar é um ato contra a Disciplina, sendo contrário a rigorosa observância e acatamento integral das leis e regulamentos, de forma que o art. 10, vai além, pois estabelece que todo policial militar que tiver conhecimento de um fato contrário à disciplina deverá comunicá-lo, por escrito ou verbalmente, em tempo hábil, ao seu Chefe imediato, de forma que o policial não precisa ser necessariamente o que se julgar prejudicado ou ofendido, basta que tenha conhecimento, para ter o dever de comunica-lo, ou seja, bem mais abrangente do que o art. 50 do Estatuto, visando a obediência das leis, normas e regulamentos e a sua aplicação correta justa e equânime, estabelecendo a delação de qualquer irregularidade. 4. Da Lei nº 13.800/01 Em 18 de janeiro de 2001, entra em vigor no Estado de Goiás a Lei nº 13.800/01 que estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Estadual direta e indireta, visando à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração. Desta forma o processo administrativo no âmbito da administração estadual goiana é regido por esta Lei, como Norma Especial, ou seja, foi editada com o intuito único e exclusivo de estabelecer normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Estadual direta e indireta, visando à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração. A Norma Especial é aquela que possui todos os elementos da geral, com determinantes que são especificas em sua edição, neste caso, normas básicas sobre o processo administrativo, o que diferencia das demais é que rege as normas gerais do procedimento administrativo, necessariamente, cabe exceção ao art. 68, narra que: Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta lei, que é o caso da Lei nº 10.460/88, que referenda o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de Goiás, que traz em seu texto normas de procedimento administrativo. Destacando que a apenas os processos administrativos regidos por lei própria, ou seja, lei in stricto sensu, o que não contempla os Decretos e Portarias, que como dito, não são leis, somente normas administrativas. Neste caso a Lei nº 10.460/88, traz em seu bojo, no Título VI, do Processo Disciplinar e sua Revisão, do art. 328 ao 345, que traz determinadas normas para o processo administrativo disciplinar, no entanto, é omissa em alguns aspectos, dessa forma deve neste caso se utilizar da Lei nº 13.800/01 que a norma básica sobre procedimento administrativo (norma especial), e onde está é omissa utiliza-se a norma geral, buscando uma complementar a outra, sempre no sentido de garantir o direito dos Administrados, Sindicados, Investigados ou Indiciados. 4.1. Da Lei Especial em relação a Geral Quando a Lei Geral conflita, com a Lei Especial, prevalece a Lei Especial conforme o brocardo latino, lex specialis derogat generalis, ou seja, lei especial derroga a lei genérica ou geral, que vigora pelo princípio da especialidade, que evita o bis in idem, onde prevalece a norma especial em relação a geral. É importante observar que o regramento em estudo surge para regular de maneira ampla todo processo administrativo no âmbito da Administração Pública Estadual, seja direta ou indireta, onde houver qualquer procedimento administrativo instaurado pelo Poder Público, relativo ao serviço público (inclusive, Legislativo, Judiciário e Ministério Público) no território Goiano este deverá seguir o rito estabelecido pela Lei nº 13.800/01, caso não seja regido por Lei própria (strictu sensu) conforme fica claro no seu artigo 1º e § Único, in verbis: “Art. 1º – Esta lei estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Estadual direta e indireta, visando à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração. § 1o – O disposto nesta lei aplica-se, no que couber, aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário e ao Ministério Público, quando no desempenho de função administrativa.” Ressalto que a Auditoria Militar deste Estado já se manifestou sobre a questão dos militares estaduais onde não existe lei stricto sensu que regulamente o procedimento administrativo na caserna, conforme decisão em embargos de declaração proferida nos Autos nº 201004296244, litteris: “Lembremos que os servidores civis estaduais estão sujeitos a legislação própria disposta no Estatuto de Servidor Público (Lei n° 10.460/88) e na Lei Estadual que regulamenta o processo administrativo, Lei n° 13.800/01. Entretanto, não existe lei, estrito senso, aplicável ao servidor público militar estadual”. (negritei) Assim, aos servidores civis, existe norma que trata especificamente do Processo Disciplinar e sua Revisão, do art. 328 ao 345 da Lei nº 10.460/88, situação não contemplada pelos servidores militares, onde há apenas mera referência em seu Estatuto (Lei nº 08.033/75), no capítulo I, dos Direitos, em seu art. 50. Temos a legislação vigente nas Normas Castrenses Goiana: O Decreto nº 4.717/96, trata do Regulamento Disciplinar da PMGO, que em seu Preambulo estabelece: “O Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de Goiás tem por finalidade especificar e classificar as transgressões disciplinares, bem como estabelecer normas relativas à amplitude, apuração e à aplicação das punições disciplinares, à classificação do comportamento policial militar das praças e à interposição de recursos contra aplicação das punições, sendo ainda nele tratadas, em parte, as recompensas especificadas no Estatuto dos Policiais Militares”. O Decreto nº 4.713/96, que dispõe sobre Conselho de Disciplina na Polícia Militar do Estado de Goiás: “Art. 1º – O Conselho de Disciplina, através de processo administrativo disciplinar, destina-se a julgar a incapacidade do Aspirante-a-Oficial PM e das demais Praças da Polícia Militar do Estado de Goiás com estabilidade assegurada para permanecerem na ativa, criando-lhes, ao mesmo tempo, condições para se defenderem.” Conforme a legislação vigente nas Normas Castrenses Goiana, nenhum dos citados regramentos dispõe de normas para o procedimento administrativo, nem poderiam dispor de tal força, vez que se tratam de Decreto, hierarquicamente inferior a Lei, sendo, portanto, regida a PMGO pela Lei nº 13.800/01, apesar do não acatamento desta norma pelos Administradores Militares Goianos, conforme decisão no Despacho "CG" nº 1846/2010: “O recorrente foi submetido a devido processo administrativo disciplinar adotado na corporação, de acordo com o que dispõe a portaria nº 472/94, em que estabelece normas para elaboração de sindicância no âmbito da PMGO. Com respeito à lei nº 13.800, de 18/01/2001, que regula o processo administrativo no âmbito estadual, constantemente invocada pelo recorrente, seu art. 68 estabelece: […] Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta lei. (G. N.) […] Apesar de a lei estabelecer a regulamentação dos processos administrativos paritariamente diante da administração pública, neste artigo apresenta evidente a aplicação da norma somente nos casos genéricos. Havendo menção a processos administrativos, de que já haja regulamentação, estes estarão sujeitos às normas específicas, não igualando, desta forma, a sindicância na PMGO ao sistema processual geral. A lei referencia-se à genericidade dos processos administrativos em âmbito estadual, perdendo a regulamentação da especificidade, tal como se apresenta na portaria nº 472/94”. (Negritei). Invoca o Administrador equivocadamente Portaria em detrimento de Lei o que é comum na Administração Pública Militar pela falta de conhecimento técnico por parte dos Oficiais. Em sua interpretação tendenciosa e de forma impropria alega o Oficial que a Sindicância na PMGO (Procedimento Administrativo) é regida por norma específica (Portaria nº 472/94), de forma que a Lei nº 13.800/01 é genérica e perde pela especificidade da norma utilizada na PMGO que é uma Portaria de número 472/94, sendo considerada ultrapassada e substituída por nova Portaria de número 6947/15, que continua sendo norma inferior, Portaria, portanto, sem aplicação quando em conflito com a Lei. 4. Do art. 50 do Estatuto e a norma vigente Não é raro encontrar norma, que contrarie o texto legal, dada a alteração recente em nossa Carta Maior, onde algumas leis anteriores e algumas posteriores não acompanharam o texto constitucional, o que desce a hierarquia das normas, temos ainda a falta de conhecimento técnico dos elaboradores e aplicadores da norma ou ainda a sua deturpada conveniência e interpretação. Feitos os esclarecimentos iniciais, o art. 50, em sua redação deixa clara a delação de qualquer ato administrativo ou disciplinar que prejudique ou ofenda o policial militar. Desta forma, o texto legal, como dito, prevê a delação de qualquer ato administrativo ou disciplinar que prejudique ou ofenda o policial militar, sendo justamente situação prevista na Lei nº 13.800/01, que em seu art. 5º e 9º, que determina o início do processo e aqueles legitimados para atuar como interessados no processo administrativo, sendo que os recursos administrativos e a sua revisão tem previsão nos art. 56 a 65, que aborda sobre o tema nos citados artigos: “Art. 5º – O processo administrativo pode iniciar-se de ofício ou a pedido do interessado. Art. 9º – São legitimados como interessados no processo administrativo: I – pessoas físicas ou jurídicas que o iniciem como titulares de direitos ou interesses individuais ou no exercício do direito de representação; II – aqueles que, sem terem iniciado o processo, tenham direitos ou interesses que possam ser afetados pela decisão a ser adotada; III – as organizações e associações representativas, no tocante a direitos e interesses coletivos; IV – as pessoas ou associações legalmente constituídas quanto a direitos ou interesses difusos. Art. 56 –  Das decisões administrativas cabe recurso, em face de razões de legalidade e de mérito. § 1o – O recurso será dirigido à autoridade que proferiu a decisão, a qual, se não a reconsiderar no prazo de cinco dias, o encaminhará à autoridade superior. § 2o – Salvo exigência legal, a oposição de recurso administrativo independe de caução. Art. 57 – O recurso administrativo tramitará no máximo por três instâncias administrativas, salvo disposição legal diversa. Art. 58 – Têm legitimidade para opor recurso administrativo: I – os titulares de direitos e interesses que forem parte no processo; II – aqueles cujos direitos ou interesses forem indiretamente afetados pela decisão recorrida; III – as organizações e associações representativas, no tocante a direitos e interesses coletivos; IV – os cidadãos ou associações, quanto a direitos ou interesses difusos. Art. 59 – Salvo disposição legal específica, é de dez dias o prazo para oposição de recurso administrativo, contado a partir da ciência ou divulgação oficial da decisão recorrida. § 1o – Quando a lei não fixar prazo diferente, o recurso administrativo deverá ser decidido no prazo máximo de trinta dias, a partir do recebimento dos autos pelo órgão competente. § 2o – O prazo de que trata o parágrafo precedente poderá ser prorrogado por igual período, ante justificativa explícita. Art. 60 – O recurso opõe-se por meio de requerimento no qual o recorrente deverá expor os fundamentos do pedido de reexame, podendo juntar os documentos que julgar convenientes. Art. 61 – Salvo disposição legal em contrário, o recurso não tem efeito suspensivo. Parágrafo único – Havendo justo receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação decorrente da execução, a autoridade recorrida ou a imediatamente superior poderá, de ofício ou a pedido, dar efeito suspensivo ao recurso. Art. 62 –  Oposto o recurso, a autoridade competente para dele conhecer deverá intimar os demais interessados para que, no prazo de cinco dias úteis, apresentem alegações. Art. 63 – O recurso não será conhecido quando oposto: I – fora do prazo; II – perante autoridade incompetente; III – por quem não seja legitimado; IV – após exaurida a esfera administrativa. § 1o – Na hipótese do inciso II deste artigo, será indicada ao recorrente a autoridade competente, sendo-lhe devolvido o prazo para recurso. § 2o – O não conhecimento do recurso não impede a Administração de rever o ato, se ilegal, desde que não ocorrida preclusão administrativa. Art. 64 – A autoridade competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida. Parágrafo único – Se da aplicação do disposto neste artigo puder decorrer gravame à situação do recorrente, este deverá ser cientificado para que formule suas alegações antes da decisão. Art. 65 – Os processos administrativos de que resultem sanções poderão ser revistos, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando surgirem fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada. Parágrafo único – Da revisão do processo não poderá resultar agravamento da sanção.” A redação do art. 50 estabelece que o Policial-Militar que se julgar prejudicado ou ofendido por qualquer ato administrativo ou disciplinar de superior hierárquico poderá recorrer ou interpor pedido de reconsideração, queixa ou representação, segundo legislação vigente na Corporação, o que pode ser feito, no entanto, sem prejuízo das medidas também previstas na Lei nº 13.800/01 sem que o uso da Lex Specialis, represente qualquer violação do regulamento disciplinar, vez que o prejudicado pode utilizar a norma que lhe for favorável, ou após o prazo previsto no Estatuto que é de 120 (cento e vinte) dias, sendo a Lei o prazo de 05 (cinco) anos conforme art. 54. 5. Do Dever de apurar Como já exaustivamente abordado o Policial-Militar que se julgar prejudicado ou ofendido por qualquer ato administrativo ou disciplinar pode utilizar os seguintes mecanismos legais: Do Decreto nº 4.717/96, trata do Regulamento Disciplinar da PMGO, nos art. 53, 54 e 55, em consonância com o art. 50 do Estatuto, e ainda em seu art. 10, do Regulamento. Da Lei nº 13.800/01, que regula o procedimento administrativo, nos art. 5º, 9º, 54, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64 e 65. Para fazer valer esse ordenamento vigente, existe o dever de apurar do Administrador Público, quando tiver ciência ou notícia de qualquer irregularidade perpetrada por agente público, é obrigada a promover a sua imediata apuração, diante do poder-dever de autotutela imposto à administração, onde o seu não cumprimento dessa obrigação faz com que a autoridade incorra em improbidade administrativa, uma vez que considera-se tal conduta daquele que retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, conforme decisão no Despacho "CG" nº 240/2015: “É cediço que a autoridade pública que tiver ciência ou notícia de qualquer irregularidade perpetrada por agente público, é obrigada a promover a sua imediata apuração, diante do poder-dever de autotutela imposto à administração e, por via de consequência ao administrador público. O não cumprimento da obrigação faz com que a autoridade incorra em improbidade administrativa, uma vez que considera-se tal conduta daquele que retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício. Na hipótese, ainda, de o administrador público omitir-se diante da obrigação, tomado por um sentimento de indulgência, estará atraindo para si a responsabilidade criminal prevista no artigo 320 do código penal, sob a denominação de condescendência criminosa. A autoridade administrativa militar, sob a égide do poder hierárquico e da disciplina, tem a obrigação de apurar irregularidades no serviço público, em específico os fatos que ensejaram a instauração da sindicância nº 2013.02.04685 porque a lei expressamente o obriga, deixar de fazê-lo é improbidade administrativa, e a omissão, se motivada por indulgência, atrai a responsabilidade criminal. Neste contexto, entra a figura da sindicância. Apesar de ser um instrumento usado no âmbito da corporação para apurar eventuais irregularidades praticadas por agentes públicos, o seu objeto não se limita a isso. Na verdade, estende-se à apuração de qualquer irregularidade com reflexo no serviço público.” Toda essa legislação representa o direito do Policial Militar de, principalmente, requerer seu direito e reivindicando-o denunciar toda e qualquer irregularidade que for vitima ou presenciar, sendo a Administração Pública obrigada que tiver ciência ou notícia de qualquer irregularidade perpetrada por agente público, é obrigada a promover a sua imediata apuração. O dever de apurar representa um dever de oficio, vez que a autoridade administrativa militar, sob a égide do poder hierárquico e da disciplina, tem a obrigação de apurar irregularidades no serviço público, não cabendo qualquer discricionariedade ou juízo de valor da autoridade administrativa nessa apuração, tudo isso visa o aperfeiçoamento e a vigência dos princípios Constitucionais do artigo 37, conforme entendimento do STJ, transcrito no Despacho "CG" nº 0330/2011, onde deixa claro que o ato de instauração de Procedimento não depende de qualquer juízo de valor da autoridade, deve simplesmente apurar a irregularidade apontada: “(…) 3. O ato de instauração do PAD não depende de qualquer juízo de valor da autoridade, que tem o dever de apurar qualquer eventual irregularidade apontada, (…) ‘a autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado a ampla defesa". Negritei. Segundo o princípio da legalidade, o administrador não pode fazer o que bem entender, tem que agir segundo a lei e as normas vigentes, só podendo fazer aquilo que a lei expressamente determina, assim, uma vez informada, Autoridade Administrativa competente deve tomar as providências que lhe competem, para apurar toda e qualquer denúncia de irregularidade. Apesar de no meio militar existir a resistência em apurar, ou melhor descrito pelo Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União, na obra Manual Nacional do Controle Externo da Atividade Policial, alguns casos de corporativismo e resquícios de cultura de solução administrativa ou informal para crimes e uma má-vontade para apuração de casos que envolvam oficiais de postos mais elevados. Conclusão: O Policial-Militar que se julgar prejudicado ou ofendido por qualquer ato administrativo ou disciplinar de superior hierárquico poderá recorrer ou interpor pedido de reconsideração, queixa ou representação, segundo legislação vigente na Corporação, conforme o Decreto nº 4.717/96, trata do Regulamento Disciplinar da PMGO, nos art. 53, 54 e 55, em consonância com o art. 50 do Estatuto, e ainda o art. 10, do Regulamento. Contando ainda com a Lei nº 13.800/01, que regula o procedimento administrativo, que além dos recursos, estabelece o prazo de cinco anos para anular o ato administrativo que conforme o art. 54, decai em 05 anos, salvo comprovada a má fé. Toda essa legislação se resume em demonstrar o direito do Policial Militar de requerer seu direito e reivindica-lo ao denunciar toda e qualquer irregularidade que for vitima ou presenciar e anular os atos administrativos quando eivado de vício, sendo a ainda a Administração Pública obrigada quando tiver ciência ou notícia de qualquer irregularidade perpetrada por agente público, a obrigação de promover a sua imediata apuração.
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A banalização da contratação de pessoal diante de previsões legais autorizativas genéricas
Resumo: O art. 37, inciso IX da Constituição Federal, prevê que a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. Os entes federados estão autorizados a editar normas que contemplem as hipóteses de contratação temporária. É comum, entretanto, que tais autorizações sejam genéricas, abstratas, vagas, de modo a desvirtuar a contratação temporária em detrimento do mandamento constitucional à submissão ao concurso público. Tal irregularidade importa em consequências de ordem jurídica ao trabalhador e ao gestor público.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO A Constituição Federal dispõe que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei” (art. 5º, II). Isso significa que a autonomia da vontade rege a relação entre os particulares. O mesmo não se pode dizer em relação à administração pública, dada a indisponibilidade do interesse público. Nesse caso, não é suficiente a ausência de proibição legal, isto é, a atuação administrativa pressupõe a existência de lei que assim determine ou autorize. A verdadeira adstrição dos atos da administração pública às disposições legais decorre dos princípios da legalidade e indisponibilidade do interesse público, traduzindo garantia constitucional, sobretudo porque importa em limitação do poder do Estado ao assegurar que a atuação administrativa somente se dará em conformidade ao que dispuser a lei. Em que pese a sujeição à legalidade estrita faça parte da esfera de conhecimento dos gestores públicos, é relativamente comum na administração dos Municípios, a contratação de pessoal para investidura em cargos permanentes, sem prévia submissão ao concurso público. O que se verifica, na prática, é a banalização do processo seletivo público, como se fosse instituto correlato, ou até mesmo sinônimo, ao concurso público. O cenário que comumente se afigura é o seguinte: os Municípios contratam pessoal por meio de processo seletivo público para desempenhar atividade permanente sob o regime celetista. Os entes Municipais fundamentam a mencionada contratação na necessidade temporária de excepcional interesse público, normalmente pautados em Leis Municiais genéricas que não traçam a circunstância que a suposta emergência se justifique. Faz-se necessário, portanto, traçar linhas para especificar as circunstâncias que autorizam a contratação temporária por excepcional interesse público, o regime jurídico aplicável a cada caso, a justiça competente para processar e julgar o feito, além das consequências da indevida contratação.    1. DOS REQUISITOS PARA A CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA A administração direta, inclusive o ente Municipal, deve promover a investidura nos cargos públicos mediante prévia aprovação em concurso público. Excepcionalmente, a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, II e IX da CF/88). O Supremo Tribunal Federal reiteradamente assevera que o inciso IX do art. 37 da Constituição Federal deve ser interpretado restritivamente, pois configura exceção à regra geral – corolário do princípio republicano – de que o concurso público é meio idôneo para o ingresso no serviço público[1]. O referido dispositivo constitucional excepciona a regra de submissão ao concurso público por considerar que, em determinadas circunstâncias, a Administração Pública deve adotar medidas de caráter emergencial para atender a necessidades urgentes e temporárias. Para o Supremo Tribunal Federal[2] a contratação temporária somente é possível quando: 1) existir previsão legal dos casos; 2) a contratação for feita por tempo determinado; 3) tiver como função atender a necessidade temporária; e 4) quando a necessidade temporária for de excepcional interesse público. No que diz respeito à previsão legal, verifica-se que no âmbito federal a Lei n.º 8.745/1993 estabelece as hipóteses que se consideram “necessidade temporária de excepcional interesse público”, que são situações pontuais e bem definidas pela norma, tais como, por exemplo, situações de calamidade e emergência em saúde pública, realização de recenseamento e substituição de professor. As contratações são por prazo determinado dada a própria natureza do serviço a ser prestado. A referida Lei prevê que o recrutamento do pessoal a ser contratado será feito mediante processo seletivo simplificado sujeito a ampla divulgação, prescindindo de concurso público. É dispensado o processo seletivo nas hipóteses de contratação para atender as necessidades decorrentes de calamidade pública, de emergência ambiental e de saúde pública. Segundo Maria Sylvia Zanella di Pietro, cada ente federativo deve formular lei própria regulando a matéria de contratação por tempo determinado[3]. Por um lado, o art. 37, IX, dispõe que “a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”, o art. 30, I; por outro, assenta que compete aos Municípios “legislar sobre assuntos de interesse local”[4]. Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello[5] ensina que: “A Constituição prevê que a lei (entende-se: federal, estadual, distrital ou municipal, conforme o caso) estabelecerá os casos de contratação para o atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX). Trata-se, aí, de ensejar suprimento de pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade das situações e presumam admissões apenas provisórias, demandadas em circunstâncias incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de concursos). A razão do dispositivo constitucional em apreço, obviamente, é contemplar situações nas quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade (neste sentido, “necessidade temporária”), por não haver tempo hábil para realização de concurso”. (Grifo nosso) O legislador tem o ônus de especificar, em cada circunstância, o caráter emergencial que a justifique.  Não se admite que a referida Lei disponha de forma genérica, vaga ou indefinida sobre as hipóteses de contratação temporária[6]. Inclusive, o Supremo Tribunal Federal já sedimentou o entendimento de que se a previsão legal for extremamente genérica, não atenderá o art. 37, IX, da CF/88.[7] Nesse sentir, o Ministro Luiz Fux, relator da ADI 3.649[8], ressaltou que: “É inconstitucional a lei que, de forma vaga, admite a contratação temporária para as atividades de educação pública, saúde pública, sistema penitenciário e assistência à infância e à adolescência, sem que haja demonstração da necessidade temporária subjacente” (grifo nosso) Recentemente, a referida Corte julgou inconstitucional a Lei n.º 4.599/2005, do Estado do Rio Janeiro, em virtude de ela não especificar, suficientemente, as hipóteses emergenciais que justificariam medidas de contratação excepcional[9]. Igualmente, foi reconhecida a inconstitucionalidade da alínea “f” e parágrafo único do art. 3º da LC n.º 22/2000 editada pelo Estado do Ceará. De acordo com a alínea "f" do mencionado dispositivo, poderia haver a contratação temporária para suprir "outros afastamentos que repercutam em carência de natureza temporária". Para o STF, essa previsão é extremamente genérica, descumprindo o art. 37, IX, da CF/88. Já o parágrafo único do art. 3º autoriza a contratação temporária para que a Administração Pública pudesse implementar "projetos educacionais, com vista à erradicação do analfabetismo, correção do fluxo escolar e qualificação da população cearense". O STF entendeu que esta previsão também é inconstitucional porque estes são objetivos corriqueiros (normais, ordinários) da política educacional. Desse modo, esse tipo de ação não pode ser implementado por meio de contratos episódicos (temporários), já que não constitui contingência especial a ser atendida[10]. Quanto aos Municípios, é ainda mais comum observar previsões legais igualmente genéricas. É o caso, por exemplo, do art. 287, inciso II da LC nº17/1993, editada pelo Município de Foz do Iguaçu. Segundo o referido dispositivo, consideram-se como de excepcional interesse público as admissões que visem a “execução de programas especiais de trabalho, instituídos por decreto do Poder Executivo, para atender necessidades conjunturais que demandem atuação do Município”. Os “programas especiais de trabalho” seriam instituídos por decreto do Poder Executivo, não havendo, portanto, uma definição casuística da circunstância que justifique a medida de contratação excepcional. Mais vago e impreciso, ainda, é o conceito de “necessidades conjunturais que demandem atuação do Município”, que não possibilita a identificação de qualquer caráter emergencial que possa autorizar a contratação temporária nos moldes do art. 27, IX da Constituição do Estado do Paraná, o qual reproduz a redação do art. 37, IX, da CF/88.  O art. 287, inciso II da LC n.º 17/1993 termina por ampliar indevidamente a hipótese de contratação temporária, pois, ao atribuir ao Chefe do Poder Executivo Municipal a competência para determinar quais seriam os casos de necessidade temporária de excepcional interesse público, como visto, vai de encontro à regra constitucional.   Diante do exemplo, caberia o controle de constitucionalidade abstrato por via de Ação Direta de Inconstitucionalidade, haja vista a incompatibilidade do art. 287, inciso II da LC n.º 17/1993 com o art. 27, IX da Constituição do Estado do Paraná, sendo que, nos termos do art. 111 do referido Diploma Legal, o Procurador Geral de Justiça seria um dos legitimados ativos para o ajuizamento da referida ação. Acontece que, na prática, até que se resolva a questão no plano abstrato, inúmeros Municípios editam leis complementares prevendo disposições igualmente genéricas para contratação temporária de pessoal adotando, inclusive, o regime celetista.  Na sequência, será analisada a competência para apreciar demandas que envolvam o referido vínculo administrativo, o que também já foi objeto de apreciação no Supremo Tribunal Federal. 2. DO VÍNCULO ESPECIAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO E A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM  Segundo o Supremo Tribunal Federal, o vínculo jurídico entre o servidor contratado temporariamente (art. 37, IX) e a Administração Pública é de cunho especial administrativo, ou seja, trata-se de relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo. Assim, a lei municipal ou estadual que regulamente o art. 37, IX, não pode estabelecer que o regime a ser aplicado seja o celetista. O tema já foi submetido à apreciação do Supremo Tribunal Federal que, por meio do Tribunal Pleno, no julgamento da Rcl 5381/AM[11], publicado em 20/05/2009, sedimentou o entendimento de que, no caso dos servidores temporários, o vínculo é jurídico administrativo. Nesse julgamento, a Ministra Carmem Lúcia teceu as seguintes considerações: “Estou acentuando o que acolho desse art. 37, com o que era a norma do artigo 39, que, nesse caso, só suscitou questões, na doutrina e na própria jurisprudência, quando veio a Emenda Constitucional n. 19. Aí, sim, porque surgiu de novo a figura em empregado e este seria sujeito ao regime celetista; mas não é esse o caso. E, mesmo nesses casos, depois da nossa decisão de agosto de 2007, quando foram suspensos os efeitos da Emenda Constitucional n. 19, para retornar ao regime jurídico único, não há como, no sistema jurídico-administrativo brasileiro constitucionalmente posto, comportar essas contratações pelo regime da CLT”. (Grifo nosso) A Ministra referiu-se à decisão liminar proferida nos autos da ADIN 2135-4/DF[12], que estabeleceu que regime estatutário deve ser aplicado para todo o pessoal da Administração Direta, Autárquica e Fundacional admitido após 02/08/2007. Veja-se que a contratação pelo regime estatutário alcança os servidores concursados, os ocupantes de cargo comissionado e os legalmente contratados por prazo determinado (contrato temporário). Assim, como bem sedimentou a Ilustre Ministra Carmem Lúcia, desde que proferida a decisão liminar na ADIN 2135-4/DF “não há como, no sistema jurídico-administrativo brasileiro constitucionalmente posto, comportar essas contratações pelo regime da CLT”. Nesse sentido, o Ministro Cesar Peluso, também no julgamento da Rcl 5381/AM, ponderou que não há possibilidade, na relação jurídica entre servidor e Poder Público, seja ele permanente ou temporário, de ser regido senão pela legislação administrativa. Segundo o Ministro, “chame-se isso relação estatutária, jurídico administrativa, ou outro nome qualquer, o certo é que não é uma relação contratual sujeita a CLT”. Prosseguiu, ainda, sustentando que: “Como a Emenda nº 19 caiu, nós voltamos ao regime original da Constituição, que não admite relação sujeita à CLT, que é de caráter tipicamente privado, entre servidor público, seja estável ou temporário, e a Administração Pública. (…) Imaginem a relação de trabalho numa situação de emergência, onde o Estado tem de mobilizar todas as suas forças, sem nenhuma limitação, submetido às restrições da Consolidação das Leis do Trabalho. Em outras palavras, seria inútil contratar sob o regime porque não sanaria emergência nenhuma. Ficaria sujeito a não trabalhar em fim de semana, porque se trabalha, a lei prevê pagamento de hora extra etc. E o regime de emergência vai por água abaixo”. (Grifo nosso) Com fundamento na posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Rcl 5381/AM, conclui-se que o vínculo decorrente de uma contratação temporária é de caráter jurídico-administrativo, isto é, não se submete ao regime celetista. Dessa constatação conclui-se que a Justiça competente para julgar qualquer direito relacionado à contratação do servidor nos casos do art. 37, IX, será sempre da Justiça Comum (estadual ou federal). Na ADI 492[13], a Corte entendeu inconstitucional a inclusão, no âmbito de competência da Justiça do Trabalho, de causas que digam respeito a servidores que mantenham, com a Administração Pública, vínculo de natureza estatutária, por ser este estranho ao conceito de “relação de trabalho”. No mesmo sentido, em 05/04/2006, o Plenário do Supremo Tribunal Federal proferiu decisão liminar nos autos da ADI 3.395-MC[14], suspendendo toda e qualquer interpretação do inciso I do artigo 114 da CF (na redação da EC n.º 45/2004) que inserisse, na competência da Justiça do Trabalho, a apreciação de causas instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo. Veja-se a ementa: “Inconstitucionalidade. Ação direta. Competência. Justiça do Trabalho. Incompetência reconhecida. Causas entre o Poder Público e seus servidores estatutários. Ações que não se reputam oriundas de relação de trabalho. Conceito estrito desta relação. Feitos da competência da Justiça Comum. Interpretação do art. 114, inc. I, da CF, introduzido pela EC 45/2004. Precedentes. Liminar deferida para excluir outra interpretação. O disposto no art. 114, I, da Constituição da República, não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária”. No julgamento proferido em 10/05/2011, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, na AI 784188 AgR[15], sedimentou que “conforme o julgamento proferido no RE 573202, rel. min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, DJ 05.12.2008, compete à Justiça comum estadual o julgamento de causas que digam respeito a contratos temporários celebrados pela Administração Pública Municipal, nos termos do artigo 37, IX, da Constituição”. Verifica-se, portanto, que a interpretação do inciso I do artigo 114 da CF, no sentido de que não compete a Justiça do Trabalho o julgamento de relações de caráter jurídico-administrativo, é pacífica no âmbito do Supremo Tribunal Federal, sendo correto afirmar que nas demandas envolvendo contratados temporários e a Administração Pública Municipal será competente a Justiça comum, ainda que, de forma indevida, tenha sido atribuído o regime celetista ao vínculo[16]. 3. DA NULIDADE DA CONTRATAÇÃO SEM CONCURSO PÚBLICO: CONSEQUÊNCIAS AO TRABALHADOR É corriqueiro os Municípios promoverem a contratação de pessoal, sem que haja necessidade temporária de excepcional interesse público, por meio de Processo Seletivo Público, sob o regime celetista. Nessa hipótese em que há contratação de pessoal sem prévia submissão ao concurso público, o Supremo Tribunal Federal também já se manifestou entendendo que o contrato é nulo. Em sede de Repercussão Geral, nos autos do RE 596.478 RG/RR, julgado em 10/09/2009, o Supremo firmou o entendimento de que deve ser reconhecido ao trabalhador contratado pela Administração Pública, sem concurso público, o direito ao levantamento do depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS.  É importante destacar que o art. 19-A da Lei n.º 8.036/1990, incluído pela MP n.º 2.164/01, não afronta o princípio do concurso público, pois ele não infirma a nulidade da contratação feita à margem dessa exigência, mas apenas permite o levantamento dos valores recolhidos a título de FGTS pelo trabalhador que efetivamente cumpriu suas obrigações contratuais, prestando o serviço devido. O caráter compensatório dessa norma foi considerado legítimo pelo Supremo Tribunal Federal no RE 596.478[17]. Depreende-se da ADI 3127[18], julgada em 26/03/2015, que o art. 19-A da Lei n.º 8.036/1990 “não interferiu na autonomia administrativa dos Estados, Distrito Federal e Municípios para organizar o regime funcional de seus respectivos servidores, uma vez que, além de não ter criado qualquer obrigação financeira sem previsão orçamentária, a medida em questão dispôs sobre relações jurídicas de natureza trabalhista, dando nova destinação a um valor que, a rigor, já vinha sendo ordinariamente recolhido na conta do FGTS vinculada aos empregados”. A contratação de servidor público sem prévia aprovação em concurso público – como ocorre nos casos de violação ao art. 37, IX, em que não se verifica a necessidade temporária de excepcional interesse público que autorize a contratação temporária, ao trabalhador – somente é conferido o direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitando o valor do a salário mínimo, e da importância depositada a título de FGTS[19]. 4. DA NULIDADE DA CONTRATAÇÃO SEM CONCURSO PÚBLICO: CONSEQUÊNCIAS AO ADMINISTRADOR PÚBLICO A condenação do Agente Público por ato de improbidade administrativa, nos moldes delineados pela Lei n.º 8.429/1992, exige a comprovação dos elementos constitutivos do ato desonesto, a saber: (i) conduta ilícita; (ii) conduta ímproba, consubstanciada na tipicidade do ato (amoldamento da conduta em algum dos arts. 9º, 10 e 11 da LIA); (iii) dolo (elemento volitivo do ato, admitindo-se, excepcionalmente, nos casos do art. 10 da Lei n.º 8.429/1992, a culpa)[20]. Em relação à contratação temporária de servidor, a jurisprudência tem se posicionado, em regra, no sentido que a contratação ou manutenção de servidores públicos sem a realização de concurso público viola os princípios que regem a Administração Pública. Todavia, a nomeação de servidores por período temporário com fundamento em legislação local não se traduz, por si só, em ato de improbidade administrativa[21]. A caracterização do ato de improbidade ocorre quando as contratações temporárias são realizadas de forma irregular, de modo que a conduta do agente se amolda ao disposto no art. 11 da Lei n.º 8.429/1992, pois atenta contra os princípios da Administração Pública, estando configurado o dolo genérico[22]. Destaque-se, nesse particular, que os atos de improbidade administrativa descritos no art. 11 da Lei n.º 8429/1992 dispensam a demonstração da ocorrência de dano para a Administração Pública ou enriquecimento ilícito do agente[23]. Como visto, a contratação irregular de trabalhadores temporários, ou seja, na hipótese que não se amolda a necessidade temporária de excepcional interesse público, importa em possível responsabilização do administrador público, desde que haja dolo genérico na prática do ato de improbidade (art. 11 da Lei n.º 8429/1992). Para que não haja sustentação no sentido de que o ato foi respaldado pela lei, o ideal é que seja realizado o controle de constitucionalidade abstrato por via de Ação Direta de Inconstitucionalidade, caso a previsão legal quanto à possibilidade de contratação temporária seja abstrata, vaga e imprecisa. CONCLUSÃO Para o cumprimento do art. 37, IX, da CF/88, o legislador tem o dever de especificar, em cada circunstância, o caráter emergencial que a justifique a necessidade temporária de excepcional interesse. Como visto, não se admite que a referida Lei disponha de forma genérica, vaga ou indefinida sobre as hipóteses de contratação temporária. O ideal é que, diante de uma lei municipal, estadual ou federal que não apresentem a segurança jurídica necessária para possibilitar a contratação temporária na forma do art. 37, IX, da CF/88, seja promovido o controle de constitucionalidade no plano abstrato. É certo que o regime jurídico que caracteriza o aludido vínculo é de direito administrativo. Diante desse cenário, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido de que a justiça competente para julgar qualquer direito relacionado à contratação do servidor nos casos do art. 37, IX, é sempre a Justiça Comum (estadual ou federal). Ainda que haja autorização legal, mas se essa for genérica, a contratação temporária do servidor será irregular, de modo que o contrato será considerado nulo diante da ausência de prévio concurso público, cabendo ao trabalhador apenas o saldo de salário e o FGTS. Ao gestor público, é possível a responsabilização por improbidade administrativa, desde que seja comprovado o dolo.
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Desapropriação de assentamentos irregulares: exclusão da posse e violação do direito à moradia
A desapropriação de assentamentos irregulares pode representar uma violação ao direito humano à moradia se não for garantido às famílias removidas o direito à prévia e justa indenização, que pressupõe a reposição integral da perda sofrida. Nas situações em que o imóvel não está registrado em nome do morador junto ao Cartório de Registro de Imóveis, o Município de Belo Horizonte tem ofertado um pagamento apenas pelas benfeitorias realizadas no imóvel, ou seja, pela edificação, quando não é o caso de reassentamento em unidades verticais, deixando de pagar pela posse do terreno, o que significa uma indenização abaixo do valor de mercado. O Decreto Lei 3365/41 se refere à indenização da propriedade que segundo o Código Civil é adquirida mediante a inscrição da escritura pública junto ao Cartório de Registro de Imóveis, entretanto, a informalidade é a regra na maioria das cidades brasileiras e nem todos os lotes comercializados são ou foram precedidos do devido parcelamento do solo e registro. Nas desapropriações de imóveis destituídos do registro deve haver uma indenização da posse do terreno, enquanto bem jurídico autônomo, sem prejuízo do pagamento das benfeitorias ou acessões artificiais realizadas no imóvel, a fim de garantir o direito constitucional da justa indenização.
Direito Administrativo
1- Introdução A realização de grandes obras públicas, a exemplo da abertura de vias públicas para tentar solucionar o problema da mobilidade urbana nas grandes cidades brasileiras, às vezes, perpassa pela remoção das famílias que ocupavam o local das obras, por meio do procedimento de desapropriação, que, quando recai sobre assentamentos informais, pode representar uma violação ao direito humano à moradia das famílias se não lhes for garantido o direito à prévia e justa indenização, conforme previsão constitucional. À pretexto de abertura de vias públicas ou criação de bacias de detenção de cheias, várias remoções em massa estão acontecendo em Belo Horizonte e, como nem todas as famílias aceitam ir para os apartamentos, oferecidos como medidas de reassentamento, parte delas recebem uma indenização das benfeitorias, insuficiente para aquisição de outra moradia, já que exclui a posse do terreno sobre o qual elas foram realizadas, resultando em um processo de exclusão do espaço anteriormente ocupado e em um empobrecimento delas. A desapropriação de assentamentos informais deve compreender o processo excludente de formação das cidades e abranger mecanismos que diminuem o impacto causado pelo deslocamento forçado e importem em melhorias habitacionais para esses moradores marginalizados como medida de garantir a função social das cidades. 1.1 Da formação de assentamentos irregulares ou favelas A União se desincumbiu de sua competência legislativa para organizar o processo de urbanização criando leis que disciplinam o parcelamento de áreas ou glebas e os Municípios leis que organizam o uso e ocupação do solo. Essa legislação impôs várias obrigações ao proprietário que, uma vez cumpridas, agregava valor ao seu imóvel. Essa legislação somada à adoção pela Constituição da ideologia capitalista que protege a propriedade privada como direito fundamental e somada ainda a um contexto político econômico de décadas de inflação tornaram a propriedade imobiliária um bem caro, acessível apenas a uma parcela da cidade, se contrapondo à necessidade humana, inerente a todo ser vivo, de ter um local adequado para descanso. Esse contexto de leis excludentes e elististas (FERNANDES, 2008) referentes ao acesso formal à terra urbana infraestruturada e a conjuntura econômica desfavorável nas décadas de 70 e 80 resultou na inserção da maior parte da população brasileira em imóveis dotados de alguma ilegalidade, sem contar a parcela que está completamente excluída do mercado formal de terras. Os cidadãos que possuem sua moradia, ainda que adequada no que tange à oferta dos serviços públicos básicos de água, luz e saneamento básico, mas carente da legalização do terreno junto ao Cartório de Registro de Imóvel, podem ser prejudicados no momento de uma desapropriação por interesse social, cujas regras são voltadas à indenização de imóveis legalizados assim compreendidos aqueles que estão devidamente matriculados junto ao Cartório em nome do morador criando um verdadeiro tormento para aqueles que possuem somente a posse do imóvel. O presente estudo se concentrará na problemática de desapropriação de imóveis não registrados de assentamentos irregulares assim compreendidos, nos termos do artigo 47, VI, da Lei 11977/2009 como “ocupações inseridas em parcelamentos informais ou irregulares, localizadas em áreas urbanas públicas ou privadas, utilizadas predominantemente para fins de moradia”, seja porque foram provenientes de parcelamentos informais ou irregulares ou fruto de ocupação de áreas privadas para formação de favelas”. São parcelamentos informais ou irregulares aqueles que não foram precedidos de projeto de parcelamento ou desmembramento do solo aprovado junto ao setor competente do Município e registrado no Cartório de Registro de Imóveis, consoante Lei 6.766/79, originando a matrícula de cada lote junto ao Cartório o que permite a transcrição da Escritura Pública de compra e venda nas eventuais alienações como forma de transmissão da propriedade (artigo 1245 do Código Civil). Segundo Osório (2006), entende-se por loteamento clandestino lotes que nunca foram apresentados às autoridades legais e que só poderão se regularizar através de normas especiais e lotes irregulares aqueles que foram vendidos faltando uma condição legal. A Lei Federal 6766/79 disciplina o parcelamento do solo em duas modalidades: loteamento e desmembramento. O loteamento significa a divisão de uma gleba em lotes destinados à edificação e implica na abertura de vias de circulação, logradouros públicos ou prolongamento e modificação e ampliação das vias existentes (§1º, artigo 2º). O desmembramento se difere do loteamento apenas pelo aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique em abertura de novas vias. As favelas surgiram de uma forma mais espontânea que os loteamentos. Elas se caracterizam pelo forte adensamento, ausência de planejamento e pelo surgimento em periferias dos centros urbanos embora algumas delas estejam, atualmente, extremamente bem localizadas em razão do crescimento das cidades (NEPOMUCENO, 2012, p.19). Para Fernandes: “Favelas são assentamentos humanos que resultam de invasão de áreas públicas e de particulares; o que define juridicamente as favelas de outras formas de ocupação precária do solo comuns no Brasil, tais como loteamentos “clandestinos” e “ irregulares”, é o fato de que os favelados não têm qualquer forma de título de posse ou propriedade” (FERNANDES, 1998, p. 1330) A Fundação João Pinheiro se utiliza da expressão aglomerado subanormal em seu levantamento das moradias inadequadas, se valendo da definição do IBGE, que o compreende pelo conjunto constituído por no mínimo 51 unidades habitacionais (barracos, casas etc.) ocupando ou tendo ocupado, até período recente, terreno de propriedade alheia (pública ou particular), dispostas, em geral, de forma desordenada e densa, e carentes, em sua maioria, de serviços públicos essenciais (FJP, 2007). Os moradores dos assentamentos irregulares seja ele considerado um loteamento irregular ou clandestino, favela ou aglomerado ainda ressentem de um tratamento isonômico em relação ao morador da cidade legal no momento da desapropriação em virtude da ausência da titulação dos imóveis. 1.2 Do direito de propriedade e da desapropriação O direito de propriedade é um direito humano fundamental, mas não absoluto. As prerrogativas que lhes são inerentes de reaver o bem, alienar e usufruir são limitadas. A propriedade está condicionada pelo dever de cumprir a sua função social e, extrinsecamente, limitada pelas regras de direito administrativo e urbanístico. O poder público pode, compulsoriamente, adquirir a propriedade de bens particulares, de forma originária, por meio do procedimento de desapropriação, em prol do interesse público, tendo por contrapartida o pagamento da prévia e justa indenização que visa a recompor a perda patrimonial do desapropriado, tornando-o indene de prejuízo. A desapropriação é uma das formas de intervenção do Estado no domínio privado e a mais drástica delas. Ela está prevista no artigo 5º, XXIV da CF condicionada a três pressupostos: a necessidade pública, utilidade pública e interesse social. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública está regulamentada pelo Decreto Lei 3365/41. O regramento jurídico sobre a indenização contido nesse Decreto se refere à propriedade que segundo o Código Civil é adquirida mediante a inscrição da escritura pública junto ao Cartório de Registro de Imóveis. A Lei de registros públicos, Lei 6015/73, por sua vez, determina que todo bem imóvel deva ter uma matrícula. O crescimento urbano acelerado não permitiu que mediante o procedimento de parcelamento do solo todos os lotes comercializados tivessem sua inscrição e matrícula junto ao Cartório de Registro de Imóveis. Ao contrário. A informalidade é a regra e as cidades são formadas por vários assentamentos irregulares, loteamentos clandestinos e favelas. A Secretaria Nacional de Programas Urbanos (SNPU) afirma que “mais de 12 milhões de domicílios urbanos ocupados por população de baixa renda são irregulares” (CARVALHO, 2007, p. 13) o que importa em afirmar que seus moradores possuem apenas a posse do terreno e não a propriedade, já que destituída do competente registro. A justa indenização deve refletir o valor de mercado[1] a fim de que os desapropriados tenham condições de conseguir imóvel semelhante na mesma região onde eles moravam para que não haja prejuízo relacionado às relações de trabalho, à educação das crianças e adolescentes e aos vínculos com a comunidade ou o bairro;. A busca pelo valor de mercado considerando o período inicial da avaliação dos imóveis e da realização das obras pode variar, posto que a intervenção urbana realizada pelo ente desapropriante gera valorização imobiliária no entorno das obras por ele implementadas, antes mesmo do seu término, porém, os desapropriados não podem suportar os ônus da intervenção urbana em detrimento do restante da sociedade que gozaria de seus benefícios, conforme princípio do Estatuto da Cidade contido no artigo 2º, IX, que se refere à “justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização” Esse princípio importa em reconhecer que o ganho da sociedade com as obras públicas não pode implicar em prejuízo para os desapropriados, razão pela qual a Constituição impõe a prévia e justa indenização em dinheiro como medida mitigatória, do sacrifício dos cidadãos desapropriados, por exigência constitucional contida no artigo 183, §3º, que se propõe : “(…) a buscar o equilíbrio entre o interesse público e privado, na medida em que o proprietário perde a propriedade, mas como compensação recebe o valor correspondente em dinheiro”. (DI PIETRO, 2006, p. 166). Ao Município caberia, no âmbito de sua política urbana e econômica, adotar medidas para evitar a mais valia urbana e especulação imobiliária dos imóveis da região e garantir o direito de moradia dos desapropriados, como por exemplo, adquirindo imóveis na região, antes da desapropriação, para controlar os preços destes, revendendo-os aos munícipes a título de reassentamento ou justa indenização, com fundamento legal nos artigos 174, §1º e 182, ambos da Constituição Federal: A irregularidade do imóvel não é empecilho para o poder público realizar a desapropriação e alcançar a destinação social pretendida ao bem desapropriado, mas também não pode servir de subterfúgio para não se pagar ao desapropriado um valor suficiente para a recomposição patrimonial, o que é válido para os imóveis destituídos de registro, uma vez que a posse tem conteúdo econômico e é normalmente comercializada segundo os costumes da comunidade, com a realização até mesmo de escritura pública não passível de registro. . 1.3 A desapropriação e o direito à moradia A indenização prevista como medida mitigatória ao direito de desapropriar da Administração Pública visa a resguardar o direito de propriedade, considerado um direito fundamental (artigo 5º, XXII), mas deve também proteger o direito à moradia (artigo 6º) da qual a propriedade é apenas uma espécie, e, tendo em vista esse bem, de maior abrangência, alternativas de reassentamento devem ser oferecidas às comunidades pobres afetadas por grandes obras de infraestrutura, mantendo as famílias na mesma região da qual estão sendo despejadas. O direito à moradia pressupõe a segurança da posse e a manutenção das famílias no local onde residem, excepcionados por condições que justifiquem a desapropriação (ALFONSIN, 2006, p. 17), que devem constar de diagnósticos e estudos que precedem aos projetos urbanos, conforme resta regulamentado pelo Ministério das Cidades, principal financiador das obras públicas, por meio da Portaria nº 317 de 19/07/2013 que dispõe sobre medidas e procedimentos a serem adotados nos casos de deslocamentos involuntários de famílias de seu local de moradia ou do exercício de suas atividades econômicas, provocados pela execução de programa e ações, sob gestão do Ministério das Cidades, inseridos no Programa de Aceleração do Crescimento (Ministério das Cidades). A lógica de que o interesse público prevalece sobre o interesse privado no caso de intervenção do Estado na propriedade particular, segundo as regras do Decreto-Lei 3365/41, deve ser flexibilizada no contexto de grandes obras urbanas que interfiram no direito à moradia de diversas famílias, tendo por fundamento o princípio da gestão democrática das cidades (art. 2º, II) e da justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização (art. 2º, IX), ambos previstos no Estatuto das Cidades. No contexto de proteção do direito à moradia e da necessidade de execução de grandes obras em virtude do interesse público, a Resolução 317do Ministério das Cidades se apresenta como uma importante ferramenta de mediação de conflitos, pois estabelece que a remoção só é razoável (e possível) se devidamente justificada. Essa justificativa se insere no direito à informação das comunidades afetadas que têm direito de entender o motivo pelo qual estão sendo desapropriadas. Esse diálogo entre o poder público e as comunidades é fundamental para o processo de negociação, remoção e pagamento das indenizações. Justificada a desapropriação de bens particulares e a remoção dos moradores, a política de reassentamento deve ser preferida em relação à indenização, posto que o direito à moradia é assegurado por meio do recebimento de outra unidade habitacional, o que não exclui a garantia de recomposição patrimonial para as famílias que não se adequam à essa proposta. 1.4 Das propostas de reassentamento e a desapropriação de assentamento irregular Em Belo Horizonte as desapropriações de assentamentos informais têm contemplado propostas de reassentamento em unidades verticais. Quando não é o caso de reassentamento, o Poder Público indeniza as edificações realizadas nos terrenos que não estão registrados em nome do morador, referindo-se à indenização das benfeitorias. Apesar de o poder público prever a disponibilidade de unidades habitacionais aos moradores desapossados ou uma indenização das benfeitorias para aqueles que não recebem os apartamentos, a ausência de indenização da posse representa uma ameaça para aqueles que não se enquadram no perfil de apartamento ou não são para tanto selecionados. A opção dos apartamentos não é adequada para aqueles que possuem animais de estimação, que vivem de coleta de material reciclável, que possuem moradia de uso misto, ou seja, residência e atividade comercial, e ainda famílias muito numerosas, pois os apartamentos são pequenos. Os apartamentos também não são adequados para aquelas residências desapropriadas de valor superior a estes. O pagamento das indenizações não é suficiente para aquisição de outra unidade habitacional na mesma região a ser desapropriada, já que recebem o valor apenas das benfeitorias e se forem comprar outra terão de pagar pelas benfeitorias e pela posse de outro terreno ou residência, como pode ser verificado pelo documentário “Uma avenida em meu quintal” produzido pelo Programa de Extensão Pólos Reprodutores de Cidadania da UFMG e dirigido por Frederico Triani e Samira Motta.[2]. A Defensoria Pública sustenta que os moradores de assentamentos irregulares possuem direito público subjetivo à regularização fundiária, com fundamento legal no artigo 46 da Lei 11977/2009 e que este direito importa no reconhecimento da posse como expressão do direito humano à moradia. Sustenta ainda que a posse é direito autônomo e independente da propriedade e como tal deve ser respeitado e devidamente indenizado. Não é juridicamente admissível que o morador de assentamento irregular não seja destinatário do comando constitucional contido no artigo 182, §3º da Constituição Federal que garante a prévia e justa indenização mediante a desapropriação, só por ausência da titulação do imóvel que não foi por ele obtida em razão de um processo de urbanização excludente. O Município de Belo Horizonte denomina como benfeitorias as acessões artificiais em terrenos públicos ou privados, consistentes nas construções e plantações. Tendo em vista o princípio de que o acessório acompanha o principal, a desapropriação das benfeitorias deve ser interpretada como a intenção de desapropriação da posse dos moradores que deve abranger, além das acessões artificiais, o respectivo terreno onde está a acessão, pois juntos formam um todo inseparável. A intenção do Município é de buscar uma solução para o fato de a área indivisa da qual se formou o loteamento, desapropriada por Decreto, está registrada junto ao Cartório de Registro de Imóveis em nome de outra pessoa distinta do possuidor, mas a posse mansa, pacífica e ininterrupta com animus domini é exercida por moradores pobres. A solução apresentada de pretender indenizar as construções e plantações tratando-as como benfeitorias e separando-as da posse, ou seja, do terreno, de forma a encontrar um valor referente à terra nua e outro referente aos materiais de construção empregados na edificação não é judiciosa e não torna os moradores indenes de prejuízo ferindo o princípio constitucional da prévia e justa indenização em dinheiro, nos casos de desapropriação por utilidade ou necessidade pública, conforme exigência contida no artigo 182, §3º da Constituição Federal, em que pese o poder público, no caso, reconhecer a posse de boa-fé dos moradores. O prejuízo consiste no recebimento pelo morador de valor inferior ao valor de mercado de seu imóvel, posto que ele recebe a quantia relativa à benfeitoria (acessão artificial), mas quando for comprar outro imóvel deverá pagar pela benfeitoria e pelo terreno, ainda que o adquira em áreas informais, destituído do competente registro imobiliário. 1.5 Benfeitorias e Acessão Por meio da desapropriação o ente público ou seus delegados, mediante a declaração formal de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, adquire, compulsoriamente, bens privados, em troca de uma indenização. O procedimento pode ser formalizado extrajudicialmente ou judicialmente quando não houver acordo a respeito do valor indenizatório. (Di Pietro, 2012, p.166) Conforme se depreende do artigo 2º do Decreto-Lei nº 3.365/1941, todos os bens poderão ser desapropriados, incluindo coisas móveis e imóveis, corpóreas e incorpóreas, públicas ou privadas. O vocábulo “bem” se presta a vários significados. Do ponto de vista jurídico, bem é palavra de significado amplo, abrangendo tanto as coisa corpóreas como as incorpóreas, móveis ou imóveis, fungíveis ou infungíveis, ou, ainda coisas divisíveis ou indivisíveis, simples ou compostas. Para o ordenamento jurídico os bens são objetos das relações jurídicas ou, em outras palavras, são as utilidades materiais e imateriais que podem ser objeto de direitos subjetivos. O Código Civil conceitua os bens imóveis: “Art. 79. São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente.” – grifo nosso(..) Art. 81. Não perdem o caráter de imóveis: I – as edificações que, separadas do solo, mas conservando a sua unidade, forem removidas para outro local; II – os materiais provisoriamente separados de um prédio, para nele se reempregarem” (BRASIL, 2010) O Código Civil apresenta a seguinte classificação dos bens : os bens considerados em si mesmos (móveis ou imóveis), fungíveis ou infungíveis, divisíveis e indivisíveis, singulares ou coletivos (artigos 79 a 91); bens reciprocamente considerados, principais e acessórios, (artigos 92 a 97); bens considerados em relação ao sujeito, públicos ou privados, (artigos 98 a 103). A partir da definição legal do artigo 79 do Código Civil, a doutrina, apresenta a seguinte classificação de bens imóveis, por exemplo: “a) por sua natureza, referindo-se ao solo, com sua superfície, subsolo e espaço aéreo, uma vez que, a rigor, tudo o que vier a ser aderido ao solo será considerado acessão. (…) b) por acessão artificial, física ou industrial, incluindo-se tudo aquilo que o homem incorporar permanentemente ao solo, como a semente lançada e o edifício construído, não podendo ser retirado sem causar-lhe destruição, modificação, dano ou fratura. São, basicamente, as construções e plantações. (….) c) por acessão natural, compreendendo as árvores e frutos (…)d) por disposição legal, que, em conformidade com o artigo 80, CC ( e a Súmula 329doSTF), são os imóveis considerados para efeitos legais, englobando os direitos reais sobre imóveis e as ações que o asseguram (…)” (FARIAS, ROSENVALD, 2007, p. 353)    As edificações que o Município indeniza sob a rubrica de benfeitorias são bens imóveis por acessão artificial, e podem ser consideradas como bem principal, pois junto com o terreno sob o qual foram erguidas, formam um único bem, inseparável. As acessões artificiais não se confundem com as benfeitorias. Segundo Rosenvald e Farias: “Acessões artificiais e benfeitorias são institutos que não se confundem. A benfeitorias são incluídas na classe das coisas acessórias (artigo 96CC), conceituadas como obras ou despesas feitas em uma coisa para conservá-la (necessárias), melhorá-la (útil) ou embelezá-la (voluptuária). Já as acessões artificiais inserem-se entre os modos de aquisição da propriedade imobiliária, consistindo em obras que criam coisas novas e distintas, aderindo à propriedade preexistente”(ROSENVALD, FARIA, 2013, p. 487). Celso Antonio Bandeira de Melo também sustenta que por benfeitorias se deve entender melhoramentos ou conservação feita à construção já existente e não se confude com edificações em imóvel nu: “Por benfeitoria deve-se entender única e exclusivamente os melhoramentos ou a conservação feita em acréscimo ao já existente. Note-se que a palavra vai tomada em sentido estrito, técnico. Por esta razão não se confundem com benfeitorias as edificações feitas no imóvel nu”. (MELO, 2002, p.736) De acordo com o artigo 1248 do Código Civil, a acessão é um modo de originário de aquisição da propriedade “ em razão do qual o proprietário de um bem passa a adquirir a titularidade de tudo que a ele se adere (MELO, 2002, p. 736) As edificações que se pretende indenizar são, portanto, bens imóveis por acessão artificial o que representa também uma forma originária de aquisição da propriedade e, por presunção, as edificações, bens acessórios, pertence ao proprietário do bem principal, do solo ou do terreno, conforme o art. 1.253 do CC/2002: “Art. 1.253. Toda construção ou plantação existente em um terreno presume-se feita pelo proprietário e à sua custa, até que se prove o contrário”. (BRASIL, 2010) A presunção de que as construções e plantações pertencem ao proprietário não se aplica em loteamentos clandestinos ou irregulares, em favelas e em toda sorte de assentamento irregular em que está presente o direito à aquisição da propriedade por parte do morador em virtude do decurso da posse no tempo (prescrição aquisitiva). Além disso, o instituto da posse é autônomo em relação ao da propriedade e, nesses casos, é patente o interesse do poder público na desapropriação da posse e não só da propriedade. Quando o poder público decreta que deseja desapropriar a área sob a qual existe um loteamento clandestino ou irregular a perda do bem recai sobre o possuidor e seu direito público subjetivo à regularização fundiária, que pode ser instrumentalizado pela usucapião, que nestes casos, embora não decretada, serve apenas como argumento para que este morador reclame o pagamento da desapropriação do terreno, que seria do proprietário, a título de indenização pela posse. Os imóveis sob os quais estão edificadas as acessões, objeto de desapropriação, estão registrados em nome dos loteadores e as edificações, de forma incontroversa, pertence aos moradores que nela obraram de boa fé, não valendo ao caso o princípio de que o acessório, acessão artificial, segue o principal, o terreno. Em função do princípio de que o bem acessório segue principal, o Município separa as acessões artificiais, ou seja, as construções realizadas pelos moradores, dos terrenos de propriedade privada, classificando-as como benfeitorias e regendo-as pelas regras de que as benfeitorias realizadas pelo possuidor de boa-fé são indenizáveis e sobre elas há o direito de retenção (artigo 1219). Diz o artigo em questão: “Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis” . (BRASIL, 2010) Em relação às acessões artificiais, o Código Civil disciplina que quem construir ou plantar em terreno alheio perderá em favor do proprietário o que construiu ou plantou, fazendo jus à indenização se estava de boa fé (artigo 1255). O Código Civil é omisso em relação ao direito de retenção do possuidor de boa fé que constrói em terreno alheio, mas a mesma regra das benfeitorias vale, por analogia, para a acessão artificial, conforme sustentam Farias e Rosenvald (2013). Essa norma permite a indenização das acessões artificiais ao possuidor em detrimento do proprietário, mas deve servir também como argumento para a indenização da posse também em favor do posseiro, em prejuízo do proprietário. A intenção do Município de separar o terreno das edificações de forma a indenizar o possuidor somente pelo que chama de benfeitoria não o deixa indene de prejuízo e importa em confusão dos institutos jurídicos. O tratamento que o Município pretende dar às acessões artificiais chamando-as de benfeitorias não guarda qualquer relação com o conceito jurídico destas previstos no próprio Código Civil. O artigo 26, §1º do Decreto-Lei 3365/41 também se refere às benfeitorias, dispensando a elas o mesmo tratamento do Código Civil. Segundo, essa norma, as benfeitorias necessárias implementadas após a expropriação serão sempre indenizáveis as benfeitorias voluptuárias não serão jamais, e as úteis serão indenizáveis, desde que autorizadas pelo poder público. O Município denomina de benfeitorias o que na verdade se trata de acessões artificiais e ainda que pretenda indenizar somente os materiais de construção empregados na aquisição originária de nova propriedade, a intenção é desapropriar a posse dos moradores do assentamento informal e é nessa perspectiva que a questão deve ser resolvida. 1.6 Da desapropriação da posse na doutrina O instituto constitucional da desapropriação não afeta apenas o direito de propriedade, como também o direito de posse, se essa for adquirida pela Administração Pública, razão pela qual é expropriável e deve ser indenizada, como sustenta a doutrina: “Em relação ao direito de posse, malgrado a divergência doutrinária entre as teorias objetiva e subjetiva, é majoritário o entendimento de que é expropriável a posse legítima ou de boa-fé. Afirma-se que, embora seja regra desapropriar a propriedade, o direito de posse também é passível de desapropriação, quando se está diante da posse de boa-fé”. (Carvalho, 2009 p.1062). Decerto, assim como a propriedade, a posse exercida de acordo com a função social deve ser protegida judicialmente e, por isso, indenizada em caso de desapropriação, não obstante inexistir o título dominial no Cartório de Registro Imobiliário. Não resta dúvida de que a desapropriação da propriedade é a regra. Mas a posse legítima ou de boa-fé também pode ser objeto de desapropriação como sustenta também MARINELA, 2010, já que possui valor econômico para o possuidor. Hely Lopes Meirelles ensina que: “(…)a desapropriação da propriedade é a regra, mas a posse legítima ou de boa-fé também é expropriável, por ter valor econômico para o possuidor, principalmente quando se trata de imóvel utilizado ou cultivado pelo posseiro. Certamente, a posse vale menos que a propriedade, mas nem por isso deixa de ser indenizável, como têm reconhecido e proclamado os nossos Tribunais”. (MEIRELLES, 2002, p.571). Tratando-se de desapropriação de assentamentos informais irregulares consolidados é sustentável que o morador receba o valor total devido pelo imóvel em prejuízo do proprietário, a título de indenização da posse, tendo em vista o decurso da posse no tempo e o princípio de recomposição da perda em favor daquele que está, de fato, experimentando o prejuízo. 1.7 Da desapropriação da posse na Jurisprudência O Colendo Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou favorável à possibilidade de desapropriação da posse, consoante emerge do aresto ora transcrito: “Tem direito à indenização não só o titular do domínio do bem expropriado, mas, também, o que tenha sobre ele direito real limitado, bem como direito à posse”. (STF, RE 70.338, Rel. Antonio Nader) O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu o direito de indenização da posse, independente da prova da propriedade no seguinte Recurso Especial; RECURSO ESPECIAL Nº 1.201.343 – PR (2010⁄0130367-2). Este Tribunal tem consolidado sua jurisprudência no sentido de entender que a posse é um bem jurígeno passível de indenização e que não se aplica ao caso o artigo 34 do Decreto Lei 3465/41, que determina a suspensão do processo de desapropriação a fim de haver decisão, em ação ordinária independente, sobre a quem pertence o domínio, conforme RECURSO ESPECIAL Nº 769.731 – PR (2005⁄0124045-0). Assim, segundo o STJ a desapropriação de posse não se insere na exigência do art. 34 do Dec.-Lei 3.365⁄41 para o levantamento da indenização, que deve ser paga a título de reparação pela perda do direito possessório. Precedentes da Corte: REsp 184762⁄PR; DJ 28.02.2000; AG 393343, DJ 13.02.2003; REsp 29.066-5⁄SP, RSTJ 58:327. No Recurso Especial 769.731 a área desapropriada era de propriedade do Estado do Paraná e ainda assim a posse foi desapropriada, sem prejuízo da indenização pela desapropriação das benfeitorias, o que na verdade deve ser chamado de acessão artificial. O STJ já afirmou que se o Estado propõe a ação contra o possuidor é porque a intenção é a desapropriação da posse: 'Se o expropriado propõe ação contra o possuidor, é porque não queria desapropriar o domínio, mas, simplesmente a posse. O possuidor, titular de promessa de compra e venda relativa a imóvel desapropriado, tem direito ao levantamento da indenização pelo desaparecimento de sua posse. (RESP 29.066-5 SP – 1ª Turma do STJ, Rel. Min. César Astor Rocha – RSTJ 58: 327). Precedentes : STJ – REsp 1201343-PR, AgRg no AgRg no REsp 1226040-SP,   REsp 769731-PR, REsp 184762-PR A Defensoria Pública reputa ser mais adequado e judicioso falar em desapropriação da posse e não das benfeitorias, pois, as edificações a que alude, acessões artificiais, agregam-se ao solo, de propriedade pública ou privada, de forma permanente. A presunção de propriedade das acessões por parte do titular do registro imobiliário deve ser relativizada no caso, posto que a posse pertence, de forma incontroversa, aos moradores que agregaram a ela uma função social: a de moradia e portanto são possuidores de boa fé. A Defensoria pede que nas ações de desapropriação em que o terreno esteja registrado em nome de pessoa que não mais exerce a posse do imóvel (nem a posse direta ou indireta) que se não houver acordo com o posseiro acerca do pagamento pelas acessões artificiais (benfeitorias) seja ajuizada uma ação de desapropriação das acessões artificiais em face do posseiro (morador) e ação de desapropriação em face do proprietário registral, pelo valor do terreno, com pedido de intimação do posseiro para que este defenda o seu direito de receber o valor ofertado pela propriedade, com fundamento na posse, consignando o Município na exordial que reconhece que o posseiro tem direito de receber pelas acessões artificiais, já pagas ou com ação em andamento, e que tem o direito de receber também pela posse do imóvel, pugnando por uma decisão neste sentido. As duas ações são, obviamente, conexas, e devem ser distribuídas por dependência. O sugerido facilita a defesa por parte do morador posseiro e o seu direito de receber uma indenização justa que possa, o quanto possível, torná-lo isento do prejuízo decorrente do desapossamento involuntário. Conclusão Nas situações em que o imóvel não possui registro, o Município de Belo Horizonte tem ofertado um pagamento apenas pelas benfeitorias (acessões artificiais) realizadas no imóvel, deixando de pagar pela posse do terreno, sob o argumento de que o imóvel carece de legalização, o que significa uma indenização abaixo do valor de mercado e acaba por provocar a expulsão dos moradores da região desapropriada, ocasionando uma gentrificação dos locais onde as residências são desapropriadas para a construção de obras públicas. Os imóveis destituídos da competente escritura pública, mas desapropriados pelo poder público, devem ser devidamente valorizados. A indenização ofertada deve compreender o valor das construções e plantações no terreno, acessões artificiais, como também o valor da posse, em prejuízo do proprietário, que já não tem mais direito sobre o bem, embora conserve a propriedade em seu nome. A posse é bem jurídico autônomo e como tal deve ser considerado nos procedimentos de desapropriação, sob pena de marginalização e empobrecimento de moradores de assentamentos informais que devem ser priorizados pelo poder público como alvo de políticas de regularização fundiária e não de remoções forçadas sem o devido reassentamento ou indenização. Palavras chaves: desapropriação da posse; irregularidade urbana; indenização
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As irregularidades na desincorporação do militar temporário com problema de saúde
O presente estudo busca a partir da compreensão das patologias e acidentes que levam o militar a tornar-se inapto para o serviço. Trata-se de examinar o direito militar, especialmente na questão do militar temporário; Buscou-se verificar que patologias e acidentes levam o militar temporário a tornar-se inapto para o serviço. Por fim examinaram-se alguns julgados da Terceira turma especializada do Tribunal Regional Federal da 4º Região, sobre reintegração e reforma no serviço militar. Foram feitas pesquisas bibliográficas de cunho legislativo, doutrinário e jurisprudencial, nas diversas fontes existentes, com o objetivo de angariar subsídios sobre o tema citado. Conclui-se que o militar desincorporado com problema de saúde deve ser reintegrado até sua recuperação. No caso de não recuperação deve ser reformado.
Direito Administrativo
Introdução O presente tema “A irregularidade na desincorporação do militar temporário com problemas de saúde” será desenvolvido a partir do estudo sobre a questão do acesso a saúde. Em um segundo momento verificar as patologias e acidentes que levam o mesmo a tornar-se inapto para o serviço militar, bem como analisar o direito militar, especialmente na questão do militar temporário. Por fim, estudar alguns julgados da Terceira turma especializada do Tribunal Regional Federal da 4º Região, sobre reintegração e reforma no serviço militar. Hoje em dia, compreende-se a necessidade de abordar o tema “As irregularidades na desincorporação do militar temporário com problemas de saúde”, tendo em vista a dificuldade na comprovação e apuração para possíveis soluções para os militares que são licenciados irregularmente, quando apresentam incapacidade temporária. Não obstante, o militar que ingressou no serviço militar sadio e assim permaneceu até ocorrer o acidente em serviço que o impossibilitou de exercer sua atividade laboral, pode pleitear sua reintegração ao Exército Brasileiro na condição de adido, com remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico que ocupava, possibilitando assim seu adequado tratamento médico, até que seja emitido um parecer definitivo. 1 Acidentes em serviço e patologias que tornam o militar inapto para o serviço Neste momento iremos estudar o acesso a saúde como um direito de todos e um dever do Estado, não podendo haver discriminação entre militar de carreira e militar temporário. Neste contexto será abordado o direito a reforma em casos de o militar temporário contrair moléstias graves ou ocorrer acidente em serviço. Por fim veremos os julgados da terceira turma especializada, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, sobre reintegração e reforma no serviço militar. 1.1. O acesso à saúde: direito de todos e um dever do Estado Preliminarmente, deve-se ressaltar, que ao estudar o Estatuto dos Militares, a Lei nº 6.880 de 1980, o mesmo não faz qualquer discriminação entre militar de carreira e militar temporário, portanto, é irregular desincorporar militar temporário sem adequado tratamento de saúde e sem recursos financeiros mensais, este ato atenta contra o princípio da igualdade previsto no art. 5º, caput e inciso I e do direito social à saúde, remuneração e lazer arts. 6º e 196, da Constituição Federal de 1988, e assistência aos desamparados Art. 6º e incisos I e III do art. 201, da Carta Magna, que são direitos e garantias fundamentais guiados pelos mandamentos constitucionais e ratificados pelas normas infraconstitucionais. Neste contexto, pertinente é o lampejo do constitucionalista Pedro Lenza (2014, p. 1183). Quanto ao direito à saúde previsto no Art. 6º e 196 da Constituição Federal de 1988: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem á redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também por pessoa física ou jurídica de direito privado.” Para reforçar ainda mais os direitos de ordem pública do militar temporário, a Constituição Federal de 1988 ampara o direito ao bem-estar e justiça social sem qualquer restrição. É necessária a observância da norma: “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (BRASIL, 1988). Outra particularidade, esta na própria ideia de saúde apresentada no preceito do art.196 da Constituição Federal de 1988, que a consagra como um direito de todos e um dever do Estado. Deste modo, não deve o Exército Brasileiro, que poderá necessitar no futuro de um militar da reserva, provocar um estado de não saúde: “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” Atuando assim, o Exército deixa de agir com ética, integridade de caráter, honestidade, visando sempre o Princípio da Legalidade e Moralidade Administrativa, pressupostos de validade dos atos administrativos, os quais em regra não excluem a Lei Militar, que tem por primazia condutas com a máxima eficiência. De extrema importância foi à criação da CID-10[1], trata-se de uma classificação de doenças, neoplasias, e problemas relacionados à saúde, a fim de catalogar e padronizar. Trás como referência a Nomenclatura Internacional de Doenças, constituída pela Organização Mundial de Saúde. Um dos benefícios é que médicos, programas possam referenciar de forma padronizada os diagnósticos, possibilita através da internet consulta das descrições contidas na CID-10, possui manual de instruções e índice alfabético, para facilitar seu manuseio. 1.2 O direito a reforma em casos de o militar temporário contrair moléstias graves ou ocorrer acidente em serviço Primeiramente, o Militar do Exército, seja ele temporário ou de carreira, que contrair moléstia, ou ocorrer um acidente de trabalho durante o serviço militar ativo tem direito à reforma. Acontece que, poucos conhecem a Lei e seus direitos, após grande dedicação ao serviço militar, são desincorporados do quadro ativo das Forças Armadas em decorrência de doença grave ou acidente em serviço, sem qualquer garantia previdenciária, desamparando-os completamente, sendo que necessitam que tratamento médico especializado, justificando que não existe nexo de causalidade entre o serviço militar e a doença ou o acidente. Nos termos do art. 431, inciso I, da Portaria Militar nº 749, de 17/11/2012, que alterou os artigos 428 a 431 do Regulamento Interno dos Serviços Gerais do Exército (RISG), o oficial temporário não pode ser excluído do serviço ativo e deve passar à condição de adido à sua unidade, até que seja emitido parecer de Apto (A) ou Incapacidade (C), podendo então ser licenciado ou reformado. Por isso, transcreve-se o artigo 431 mencionado: “Art. 431. Ao oficial temporário que for julgado incapaz temporariamente para o serviço ativo do Exército (incapaz B1 ou incapaz B2) aplicam-se as seguintes disposições: I – se a causa da incapacidade estiver enquadrada em uma das hipóteses elencadas nos incisos I a V do art. 108 da Lei nº 6.880/80, não será excluído do serviço ativo enquanto essa situação perdurar, passando à situação de adido à sua unidade ao término do tempo de serviço militar a que se obrigou, término da convocação ou prorrogação de tempo de serviço, para fins de continuação do tratamento médico, até que seja emitido um parecer que conclua pela aptidão (apto ou pela incapacidade definitiva (incapaz C), quando será licenciado ou reformado, conforme o caso, na forma da legislação em vigor […]” Ora, se quando incorporados, passaram por uma junta médica, os quais fizeram a inspeção de saúde e vários exames, comprovando a total higidez física, e psicológica, são excluídos do serviço ativo por incapacidade para o serviço militar e, ainda, com limitações para o exercício de atividades laborativas na vida civil, afrontando a Lei nº. 6.880/80 que dispões sobre o Estatuto dos Militares, sem os benefícios a que teriam direito na condição de agregado, adido, ou até mesmo reformados. Neste contexto, cumpre destacar, o Artigo 104 do Estatuto dos Militares (Lei nº 6.8800 de 1980), que “a passagem do militar à situação de inatividade, mediante reforma, se efetua: a pedido; e ex officio.” Não é por demais citar ainda, o Artigo 108 da referida Lei, o qual evidencia as causas de incapacidade definitiva do militar, nos seguintes termos: “Art. 108. A incapacidade definitiva pode sobrevir em consequência de: I – ferimento recebido em campanha ou na manutenção da ordem pública; II – enfermidade contraída em campanha ou na manutenção da ordem pública, ou enfermidade cuja causa eficiente decorra de uma dessas situações; III – acidente em serviço; IV – doença, moléstia ou enfermidade adquirida em tempo de paz, com relação de causa e efeito a condições inerentes ao serviço; V – tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, lepra, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, mal de Parkinson, pênfigo, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave e outras moléstias que a lei indicar com base nas conclusões da medicina especializada; e (Redação dada pela Lei nº 12.670, de 2012); VI – acidente ou doença, moléstia ou enfermidade, sem relação de causa e efeito com o serviço. […]” O Decreto nº 57.272, de 16 de novembro de 1965, que nos trás o conceito de acidente de serviço para os efeitos previstos na legislação em vigor relativa às Forças Armadas, in verbis: “Art 1º Considera-se acidente em serviço, para os efeitos previstos na legislação em vigor relativa às Forças Armadas, aquele que ocorra com militar da ativa, quando: a) no exercício dos deveres previstos no Art. 25 do Decreto-Lei nº 9.698, de 2 de setembro de 1946 (Estatuto dos Militares); b) no exercício de suas atribuições funcionais, durante o expediente normal, ou, quando determinado por autoridade competente, em sua prorrogação ou antecipação; c) no cumprimento de ordem emanada de autoridade militar competente; d) no decurso de viagens em objeto de serviço, previstas em regulamentos ou autorizados por autoridade militar competente; e) no decurso de viagens impostas por motivo de movimentação efetuada no interesse do serviço ou a pedido; f) no deslocamento entre a sua residência e a organização em que serve ou o local de trabalho, ou naquele em que sua missão deva ter início ou prosseguimento, e vice-versa.” (Redação dada pelo Decreto nº 64.517, de 15.5.1969). Veja-se que se tratando de acidente em serviço são usados como meios subsidiários para esclarecer o fato os registros de baixa do hospital, documentos de tratamento hospitalares. O fato ocorrido também se faz prova com o atestado de origem. Se o militar for julgado incapaz definitivamente, for considerado invalido, por razão do acidente ou moléstia adquirida em serviço, o mesmo será reformado, com a remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico que possuir ou que possuía na ativa, esclarece a citação abaixo.[2] Importante se faz esclarecer o conceito de agregação trazido pelo doutrinador NOGUEIRA (2010, p. 439) “trata-se de uma situação transitória, na qual o militar da ativa deixa de ocupar vaga na escala hierárquica de seu corpo, quadro, arma ou serviço, nela permanecendo sem número.” O art. 80 do Estatuto dos militares nos esclarece quando ao conceito: “Agregação é a situação na qual o militar da ativa deixa de ocupar vaga na escala hierárquica de seu Corpo, Quadro, Arma ou Serviço, nela permanecendo sem número.” O militar temporário tornar-se-á agregado quando for afastado do serviço ativo do Exército, em caráter provisório, por motivo de ter sido julgado incapaz temporariamente, por junta de saúde, após um ano contínuo em licença para tratamento de saúde própria, ter sido julgado incapaz definitivamente quando transitava o processo de reforma. Essa previsão encontra-se prevista no artigo 82 inciso I e V da Lei nº 6.880, de 09 de dezembro de 1980. A competência para promover a agregação de oficiais e praças da respectiva Força, no caso é do Comandante do Exército. O militar temporário ficará adido, para efeito de alteração. Conceituou NOGUEIRA (2010, p. 443) em nota de rodapé, no livro que tem por título “Direito Administrativo Militar”, adido, “é a situação especial e transitória do militar que, sem integrar o efetivo de uma Organização Militar, está a ela vinculado por ato de autoridade competente”. O militar ao incorporar ao Exército Brasileiro por força da ordem constitucional, legal e regulamentar, conforme disciplina o art. 39, do Decreto nº 57.654/66, “A seleção, quer da classe a ser convocada, quer dos voluntários, será realizada dentro dos seguintes aspectos: físico, cultural, psicológico e moral.”. Todo cidadão incorporado às fileiras do Exército tem apoio do Fundo do Serviço Militar em conformidade com a norma vigente, não podendo o militar ficar desamparado e assim, normatiza o art. 220 do Decreto n° 57.654 de 1966, in verbis: “Art. 220. O Fundo do Serviço Militar (FSM), criado pela LSM, destina-se a: 1) prover os órgãos do Serviço Militar de meios que melhor lhes permitam cumprir as suas finalidades; 2) proporcionar fundos adicionais como reforço às verbas previstas e para socorrer a outras despesas relacionadas com a execução do Serviço Militar.[…]” Se o militar não possui auxílio acidente, auxílio doença, auxílio desemprego ou outro auxílio remuneratório qualquer e está impossibilitado de trabalhar por motivo de acidente ocorrido durante a prestação do serviço militar obrigatório, não deve de forma alguma ficar desamparado pelo Estado. No mesmo sentido a Portaria nº 653, de 30 de agosto de 2005, que disciplina as Instruções Gerais para o Fundo de Saúde do Exército (IG 30-32), também ampara o autor acidentado em serviço, em seu art. 3°inciso I e II define assistência médico-hospitalar e beneficiários do fusex: “Art. 3º Para os efeitos destas IG, define-se: I – assistência médico-hospitalar – é o conjunto de atividades relacionadas com a prevenção de doenças, com a conservação ou recuperação da saúde e com a reabilitação dos pacientes, abrangendo os (Fl 3 das Instruções Gerais para o Fundo de Saúde do Exército – IG 30-32 ) serviços profissionais médicos, odontológicos e farmacêuticos, o fornecimento e a aplicação de meios, os cuidados e os demais atos médicos e paramédicos necessários; II – beneficiários do FUSEx – são os(as) militares do Exército, na ativa ou na inatividade, as(os) pensionistas, que são contribuintes do FUSEx, bem como os seus dependentes instituídos, de acordo com os arts. 4º, 5º e 6º destas IG, como também os incluídos legalmente com base em IG anteriores.” Inquestionavelmente, fica evidenciado que os próprios atos normativos administrativos do Exército amparam a assistência médico-hospitalar nos casos de acidente em serviço. 1.3 Julgados da terceira Turma Especializada, do Tribunal Regional Federal da 4ª região, sobre reintegração e reforma no serviço militar. De suma importância é a fundamentação da Egrégia Terceira Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, recente julgado de abril de 2015, o militar foi desincorporado indevidamente, pois adquiriu a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida AIDS, trata-se de caso de reforma, prevista expressamente no Estatuto dos Militares, Lei 8.880 de 1980, pois a doença causa incapacidade definitiva para o serviço militar. Vejamos: “ADMINISTRATIVO. SERVIÇO MILITAR. HIV. AIDS. LICENCIAMENTO. REINTEGRAÇÃO. REFORMA. LEI 7.670/88. DETERMINAÇÃO. SOLDO. GRAU HIERÁRQUICO SUPERIOR. DANOS MORAIS. CABIMENTO. 1.Considerando-se que a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida é causa expressamente prevista pela legislação como apta a ensejar a reforma militar, nos termos do disposto no art. 108, inciso V, da Lei 6.880/80 c/c art. 1º, I, c, da Lei 7.670/88, deve ser acolhido o pleito inicial. 2. Independentemente de o enfermo ostentar a mera condição de portador, ou de apresentar sintomas manifestos da doença, tem-se que a natureza da moléstia que acomete o requerente (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida – AIDS), donde decorre a incapacidade definitiva para o serviço militar, é hábil a concessão da reforma, sendo os  proventos correspondentes ao soldo referente ao grau hierárquico superior ao  ocupado na ativa. Precedentes. 3. No caso, é incontroverso que os graves danos à saúde, advindos do período de Serviço, e sobretudo a desincorporação indevida, guardam nexo objetivo direto com a execução da atividade militar, de maneira a possibilitar o reconhecimento da responsabilidade objetiva da Administração, nos termos da Constituição de 1988. Assim, configurada a hipótese de ato ilícito ensejador da compensação por dano extrapatrimonial” [3] Agora, veremos um caso de uma doença genética, incapacidade advinda de doença sem relação de causa e efeito com o serviço, sendo suficiente para reintegração que a doença tenha se manifestado ou se verificado no decorrer do serviço militar. A Administração Militar deve devolver o militar à vida civil nas mesmas condições de saúde que possuía quando fora incorporado sendo ilegal o ato de licença de militar acometido por incapacidade temporário, servindo como exemplo o seguinte aresto jurisprudencial: “ADMINISTRATIVO. MILITAR. MOLÉSTIA ECLODIDA DURANTE O SERVIÇO MILITAR. INCAPACIDADE. NULIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. REINTEGRAÇÃO. ADIDO. 1. A circunstância de a moléstia haver eclodido durante o interregno de prestação do serviço conduz a inferência de sua relação com a caserna, pelo que se impõe a anulação do ato administrativo que incorretamente licenciou o requerente do serviço militar, com o reconhecimento do direito à sua reincorporação, a fim de que haja o devido tratamento de saúde.2. O militar tem direito de retornar à vida civil, senão nas mesmas condições de saúde que gozava ao ingressar no Exército, ao menos próximo a elas, descabendo, neste caso, análise discricionária da Administração.3. Atestado que a incapacidade é, ao menos por ora, temporária, bem como que inesgotadas as possibilidades terapêuticas, tem-se que o militar faz jus a reintegração dos quadros militares como adido.”[4] Não se pode defender a legalidade do ato de licenciamento somente com base na competência discricionária que goza a Administração Pública. Pois esta não pode sobrepor-se ao direito à integridade da saúde do militar, o qual tem direito a retornar à vida civil nas mesmas condições de saúde de que gozava quando ingressou no Exército. O terceiro julgado também de abril do presente ano, refere um caso de um militar julgado não procedente de acidente de trânsito, menciona que foi resguardado seu direito à saúde enquanto devido, pois foi submetido a tratamento médico adequado durante o Serviço Militar, assim, nada teria que se prover, uma vez que garantindo o retorno à vida cotidiana. “ADMINISTRATIVO. MILITAR NÃO ESTÁVEL. ACIDENTE DE TRÂNSITO SEM RELAÇÃO COM A ATIVIDADE MILITAR. LICENCIAMENTO. INVALIDEZ NÃO COMPROVADA. REINTEGRAÇÃO PARA FINS DE REFORMA. IMPOSSIBILIDADE. 1. Quando o acidente/doença não guarda relação com a atividade militar, o Estatuto dos Militares estabelece uma clara distinção entre o militar com estabilidade garantida e o temporário. Nesta separação, institui que somente é garantida a reforma ao praça temporário no caso de invalidez comprovada, a teor do que dispõe o art. 111, II. 2. Deste modo, tem-se a Corporação Militar agiu dentro dos limites da legalidade verificar não mais estar o enfermo albergado em nosocômio, licenciou o demandante dentro dos critérios de discricionariedade, inobstante as reconhecidas sequelas. 3. Tendo sido resguardado seu direito à saúde enquanto devido, eis que submetido a tratamento médico adequado durante o Serviço Militar, nada há que se prover, uma vez que garantindo o retorno à vida civil ainda em condições de prover sua própria subsistência.”[5] Por fim, cumpre destacar que, de acordo com o art. 82, I, do Estatuto dos Militares, Lei n° 6.880 de 1980, sendo a incapacidade temporária, o militar deve ser submetido a tratamento de saúde por até um ano. Prescrevendo o art. 106, III, do presente estatuto que findo o prazo bienal, ainda que seja possível a obtenção da cura, o militar será reformado. Levando-se em consideração tudo o que foi exposto, conclui-se parcialmente que o estado reconhece por meio dos julgados o direito de acesso a saúde: direito  de todos e um dever do Estado. O estudo do Estatuto dos Militares, a Lei nº 6.880  de 1980, apenas esclarece, ao não fazer qualquer discriminação entre militar de carreira e militar temporário, a irregularidade da desincorporação do militar temporário sem adequado tratamento de saúde e sem recursos financeiros mensais. Relembramos que este fato atenta contra o princípio da igualdade previsto no art. 5º, caput e inciso I e do direito social à saúde, remuneração e lazer artigos. 6º e 196, da Constituição Federal de 1988, e assistência aos desamparados Art. 6º e incisos I e  III do art. 201, da Carta Magna, que são direitos e garantias fundamentais guiados pelos mandamentos constitucionais e ratificados pelas normas infraconstitucionais. Conclusão O trabalho estudou as irregularidades na desincorporação do militar temporário com problema de saúde e as possíveis soluções para os militares que são licenciados irregularmente quando apresentam algum tipo de incapacidade. Verificou-se que o militar que ingressou no serviço militar sadio e assim permaneceu até ocorrer o acidente em serviço que o impossibilitou de exercer sua atividade laboral, pode pleitear sua reintegração ao Exército Brasileiro na condição de adido, com remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico que ocupava, possibilitando assim seu adequado tratamento médico, até que seja emitido um parecer definitivo. A Lei nº 6.880, de 09 de dezembro de 1980, dispõe o Estatuto dos Militares e prevê, em seu artigo 50, IV, alínea e, primeira parte, que: “é direito do militar a assistência médico-hospitalar para si e seus dependentes, assim entendida como o conjunto de atividades relacionadas com a prevenção, conservação ou recuperação da saúde” Desta forma, é nulo o licenciamento sem receber proventos do militar que ingressou no serviço militar sadio e, assim, permaneceu até ocorrer o acidente em serviço que o impossibilitou de exercer sua atividade laboral, enquanto encontrar-se incapacitado. Ou seja, se a inspeção de saúde do exército afirmar que não há nexo de causalidade entre acidente e o serviço militar, mesmo assim o autor pode comprovar judicialmente, através de perícia médica, sua incapacidade temporária pleiteando a nulidade do ato de licenciamento, bem como sua reintegração ao serviço militar. Não é relevante o fato de o autor ser ou não militar estável, pois muito embora a previsão da lei se limite àqueles que já detêm estabilidade, na falta de legislação específica os temporários se equiparam aos estáveis para fins de reintegração e reforma. Desta forma, o licenciamento do militar, na condição de encostado para fins de tratamento médico, sem o pagamento da remuneração que garantia sua subsistência, viola a ideia de seguro social, agredindo o direito à previdência social, que consiste no custeamento pelo Estado daquele vinculado ao sistema, quando da superveniência da incapacidade. Podemos citar também as doenças adquiridas em ato de serviço a que apresenta nexo entre a eclosão da moléstia as condições inerentes ao serviço castrense. Importante esclarecer que no caso de pedido de reforma prevista no art. 108, IV da Lei n° 6.880 de 1980, é necessário provar que a doença incapacitante se manifestou ou mesmo agravou durante o serviço militar, pois é dever do empregador zelar pela saúde física e mental do funcionário. Desta forma o militar que foi licenciado indevidamente e teve seu pedido de reintegração ao Exército Brasileiro na condição de adido negado na esfera administrativa não resta outra solução a não ser recorrer ao Poder Judiciário. Portanto, não há como negar que a atividade castrense dos militares é baseada em intensos exercícios físicos a fim de bem aprimorar o condicionamento e aptidão física dos militares, o que dependendo da patologia adquirida agrava as lesões físicas. Por esta consequência, procuram o Poder Judiciário para solucionar questões correlatas.
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A reserva do possível e sua correlação com a má gestão do dinheiro público
A Reserva do Possível é uma cláusula que atualmente está em evidência e que vem ganhando cada vez maior espaço em meio a Administração Pública visto a sua capacidade de barrar a efetivação de certos direitos constitucionalmente previstos. Este artigo tem como objetivo demonstrar o que seria a reserva do possível e sua possível correlação com a má gestão do dinheiro público a fim de evidenciar a deturpação da finalidade primordial da presente cláusula. Realizou-se uma pesquisa bibliográfica bem como uma análise de várias jurisprudências para se chegar as possíveis conclusões acerca da correlação evidenciada. Desta feita, o tema é de total importância já que demonstra o conceito primordial da cláusula da reserva do possível e como ela está sendo maculada pelo Estado, quando este a toma como justificativa para não implementação das políticas públicas.
Direito Administrativo
Introdução O presente trabalho tem o intuito de demonstrar o conceito e as abordagens gerais do que seria a cláusula de reserva do possível e qual a sua importância no que concerne a implementação das políticas públicas. Nesse interim, observa-se que as questões que embasaram o desenvolvimento deste trabalho fora a correlação entre a Reserva do Possível e a má gestão do dinheiro público, uma vez que o Estado vem se utilizando de forma errônea desta cláusula para afastar seus deveres constitucionais já que não consegue administrar de forma correta seus recursos. Será demonstrado que a Reserva do Possível é uma cláusula intrinsicamente remetida a “ponderação”, pois se baseia na premissa de que se os direitos sociais devem ser efetivados, essa efetivação só se dará na medida do possível. No entanto, ao longo do trabalho serão explanadas diversas jurisprudências que demonstrarão como o Estado começou a se valer da presente cláusula para obstaculizar uma série de direitos constitucionais, sempre com a justificativa de que o orçamento não permitia a implementação de certas políticas públicas. É neste contexto que o tema será evidenciado no presente trabalho, demonstrando sua imprescindível importância como instrumento para efetivação dos direitos previstos constitucionalmente. 1. Aspectos da Reserva do Possível A ideia sobre o que seria “Reserva do Possível” tem sua origem consubstanciada na década de 70, a partir de uma decisão judicial proferida pela Corte Alemã que objetivava resolver a contenda de um grupo de estudantes que se encontravam inconformados com a não aceitação de diversos alunos nas Universidades de Medicina de Hamburgo e Munique. Andreas Krell apud Sarlet (2002) explica que, na ocasião, esse grupo de estudantes contestava o número limitado de vagas nas Universidades Públicas Alemãs e questionava a obrigação do Estado em disponibilizar vaga para todos os alunos uma vez que o artigo 12 da Lei Fundamental Alemã resguardava este direito ao prescrever que “todos os alemães têm direito a escolher livremente sua profissão, local de trabalho e seu centro de formação”. Foi neste contexto que a Corte Alemã aplicou a Teoria da Reserva do Possível alegando que o direito à prestação positiva (o número de vagas nas universidades) se encontrava dependente da reserva do possível. Nas palavras de Ingo Sarlet, o Tribunal alemão entendeu que: “[…] a prestação reclamada deve corresponder ao que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade, de tal sorte que, mesmo em dispondo o estado de recursos e tendo poder de disposição, não se pode falar em uma obrigação de prestar algo que não se mantenha nos limites do razoável”. (SARLET, 2003, p.265) Da análise desta origem se percebe que a ideia a priori desta Teoria se embasava na necessidade de razoabilidade em cada pretensão uma vez que seria desarrazoável conceder vagas a todo aluno que tivesse essa pretensão. No entanto a Teoria ganhou novos ares e foram diversas as interpretações acerca do julgado alemão posto que cada país começou a utilizá-la da forma como melhor lhe cabia. A expressão, então, passou a ser empregada não só na Alemanha, mas também em diversos outros países. Ricardo Perlingeiro, após analisar os precedentes do Tribunal Constitucional Federal Alemão que originaram a teoria da reserva do possível, concluiu diferente ao afirmar que: “A reserva do possível (Vorbehalt des Moglichen) está intrinsecamente relacionada com a prerrogativa do legislador de escolher quais benefícios sociais considera prioritários para financiar, sem que isso implique limitação ou restrição de direitos subjetivos existentes e exigíveis. Portanto, não se cogita da reserva do possível em face de um mínimo existencial e tampouco da justiciabilidade de direitos sociais derivados e instituídos por lei. Neste caso, é zero a margem de discricionariedade do legislador, inclusive orçamentário, sob pena de ofensa ao Princípio do Estado de Direito.” (PERLINGEIRO, 2013, P.184-185) Assim o que se observa é que esta Teoria foi interpretada sob diversos enfoques e no Brasil tomou o segundo contorno, uma vez que se viu ligada a questão do “financeiramente possível”. É levando em consideração este último entendimento que o conceito da Teoria da Reserva do Possível atualmente está sendo aplicado no Brasil, pois a doutrina brasileira não mais costuma se referir à razoabilidade da pretensão, mas tão-somente à disponibilidade ou não de recursos. Seria apenas a reserva do financeiramente possível. Fernando Facury Scaff (2010, p.151) aborda o tema nesta perspectiva, ao afirmar que “todo orçamento possui um limite que deve ser utilizado de acordo com exigências de harmonização econômica geral”. Nesse sentido é o posicionamento de Ana Paula de Barcellos (2011, p.276), para quem “a expressão reserva do possível procura identificar o fenômeno econômico da limitação dos recursos disponíveis diante das necessidades quase sempre infinitas a serem por eles supridas”. A propósito, o Ministro Celso de Mello no julgamento da ADPF n0 45 (29/04/2004), já havia conjugado a coexistência dos argumentos, ao afirmar categoricamente que “o mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias, é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível”. Segundo o Ministro: “O caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena do Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas, pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. (…) A limitação de recurso existe e é uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-la em conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado. Por outro lado, não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição”. (ADPF n0 45 29/04/2004) Esta ideia central de que nem sempre o orçamento poderá financiar todo e qualquer direito é persistente, mas precisa ser tomada com cautela uma vez que a cláusula de reserva do possível poderá se tornar justificativa para toda e qualquer forma de restringir a eficácia dos direitos sociais.  Este cuidado não se restringe ao campo conceitual uma vez que tal cláusula está intrinsecamente ligada aos direitos fundamentais dos indivíduos e o que se observa dos diversos julgados acerca do tema é que o Estado tem se utilizado de maneira veemente da Teoria da Reserva do Possível para justificar a má gestão do dinheiro público. 3. A Reserva do Possível aplicada aos Recursos Públicos A má gestão pública é categoria ampla na qual se inserem diversos subtipos de enfermidades, em graus distintos, mas suas consequências são devastadoras, posto que a insuficiência de recursos gera a impossibilidade do Estado em efetivar as políticas públicas e proporcionar os direitos básicos dos indivíduos. É aí que entra a Reserva do Possível, como justificativa para o não cumprimento desses direitos básicos. Vidal Serrano Nunes Junior (2009, p.196), ao criticar a aplicação da reserva do possível, que para ele seria excepcional, afirma “tratar-se de ideia que surge como um limite contingente à realização de direitos sociais”, na medida em que “advoga que a concretização dos direitos fundamentais sociais ficaria condicionada ao montante de recursos previstos nos orçamentos das respectivas entidades públicas para tal finalidade”. Queiroz, Marcos Abraham e Carlos Azevedo ao dispersar sobre o tema comentam o julgado do Supremo Tribunal Federal alegando que: “E, da mesma maneira, entendendo que o Poder Público não pode se desonerar do cumprimento de suas obrigações por motivo financeiro, o mesmo Ministro Celso de Mello, no julgamento em 22.11.2005 do Recurso Extraordinário 410.715-SP, entendeu que embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário determinar, ainda que em bases excepcionais, o cumprimento de tais políticas – especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição. Poderia, assim, o Judiciário determinar que sejam tais políticas públicas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão, por importar descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório, mostrar-se apta a comprometer a eficácia e integridade dos direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. Reconheceu que o direito fundamental de índole social e cultural caracteriza-se “pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado” Apesar disso, o voto do relator não admite que o Poder Público possa desvencilhar-se da obrigação que sobre ele recai de satisfazer as pretensões surgidas de normas jusfundamentais dessa espécie pela mera invocação da cláusula do juridicamente possível.” (QUEIROZ, ABRAHAM, AZEVEDO,2015, p.56) Verifica-se que para o STF a reserva do possível é vista como uma questão que envolve a “insuficiência de disponibilidade financeira e orçamentária” e que não pode ser invocada “com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição”. Ademais, a reserva do possível, também na visão do STF, não pode servir de argumento para a não implementação dos direitos que integram o mínimo existencial. Desta feita, é necessária a boa aplicação dos recursos públicos pela Administração Pública posto que, se comprovada a inexistência de verba sempre haverá a alegação desta insuficiência como forma de afastar qualquer direito. Certo é que a relação entre orçamento público e políticas públicas é, modernamente, interdependente, dado que, nas palavras de Régis Oliveira “[…] a relação entre orçamento público e políticas públicas, hodiernamente, é intrínseca. Afinal, como menciona Régis Fernandes de OLIVEIRA, “a decisão de gastar é, fundamentalmente, uma decisão política. O administrador elabora um plano de ação, descreve-o no orçamento, aponta os meios disponíveis para seu atendimento e efetua o gasto. A decisão política já vem inserta no documento solene de previsão de despesas”. (OLIVEIRA, 2006, p. 243) A qualidade da gestão pública tem que ser orientada para o cidadão, e desenvolver-se dentro do espaço constitucional demarcado pelos princípios da impessoalidade, da legalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. O princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional, para obtenção de resultados positivos para o serviço público e atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros. Tais princípios buscam uma gestão mais transparente e profissional com ações que visam o atendimento das demandas, anseios e necessidades da sociedade. Mas para ocorrer essa excelente gestão pública o Estado precisa analisar o orçamento público e priorizar certas demandas como bem observa Queiroz, Marcos Abraham e Carlos Azevedo (2015, p.64) ao afirmar que: “Em 2013, segundo dados da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, os órgãos da Administração Direta Federal empregaram cerca de R$ 761,4 milhões em ações de publicidade institucional de programas governamentais nos meios de comunicação. Por sua vez, em 2014, foram aplicados cerca de R$ 1,282 bilhão em passagens e despesas de locomoção do serviço público federal, cerca de R$ 385 milhões em serviço de consultoria e por volta de R$ 59 milhões em premiações culturais, artísticas, científicas e desportivas. O somatório destes chega a uma cifra considerável. Não se está aqui a dizer que as despesas acima são ilegais. Apenas se chama atenção de que, embora relevantes, não atendem a interesse primário, nem podem ser equiparadas a ações de atendimento à população na área de saúde, as quais estão diretamente relacionadas à preservação da vida ou manutenção de uma vida digna. A racionalização do gasto público, sobretudo em um país que ainda apresenta várias demandas sociais a serem satisfeitas, passa também por uma análise criteriosa da prioridade da despesa a ser executada”. (QUEIROZ, ABRAHAM, AZEVEDO,2015, p.64)   É acerca disso que o presente trabalho traz à baila esse debate sobre a necessidade de uma reformulação na gestão do recurso público, posto que a Teoria da Reserva do Possível tornou-se a válvula de escape para o Estado deixar de cumprir suas obrigações em prol do interesse público. Segundo relatório de 2013 do Tribunal de Contas da União de fiscalização do sistema de saúde (TC 032.624/2013-1), ao menos no âmbito federal, apresenta-se um dado surpreendente: as dotações orçamentárias na área de saúde não são integralmente utilizadas pelo Poder Executivo. A página 7 do referido relatório, constata-se (Tabela 2 – Função Saúde – execução orçamentária 2012 e 2013) que a dotação orçamentária federal de 2012 para a saúde foi de R$ 89,015 bilhões, mas só houve empenho efetivo de R$ 79,917 bilhões. Ou seja, cerca de 9 bilhões de reais deixaram de ser empenhados (empenho de cerca de 90% da dotação orçamentária autorizada). Este é mais um exemplo que demonstra a necessidade de uma boa gestão do dinheiro público, não podendo mais se admitir que a Reserva do Possível seja enxergada como “Reserva do Financeiramente Possível”, uma vez que nunca haverá recursos suficientes quando enquanto aplica-los de forma errônea. Tal singela demonstração de um enorme dispêndio de recurso público em atividades secundárias corrobora a afirmação feita pelo Judiciário, sobretudo pelos Tribunais Superiores, de que o Estado não pode opor a Reserva do Possível ao Mínimo Existencial, mormente quando se vê a alocação de dotações orçamentárias relevantes em atividades não-prioritárias. Segundo Élida Pinto, procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo: “Emerge o controle judicial do ciclo orçamentário como exigência de coerência do sistema jurídico. Se o único modo constitucionalmente adequado e legítimo de alocar os recursos públicos no Brasil passa pela natureza normativa das leis de plano plurianual, diretrizes orçamentárias e orçamento anual, a execução de tais leis não pode desbordar dos limites legais, nem frustrar aquela normatividade, impondo-lhes mero sentido retórico. (…)” (PINTO, 2015, p. 26) O absurdo está no fato de que os próprios alemães acreditam que o Brasil utiliza a Teoria como instrumento de razoabilidade, quando na verdade as diversas jurisprudências demonstram o contrário, já que a deturpação fora evidente quando na correlação com o financeiramente possível. A respeito do tema, vale trazer, ainda, a manifestação do jurista alemão Robert Alexy, que se distancia do entendimento corrente no Brasil acerca da reserva do possível. De acordo com Alexy: “Em uma constituição como a brasileira, que conhece direitos fundamentais numerosos, sociais generosamente formulados, nasce sobre esse fundamento uma forte pressão de declarar todas as normas não plenamente cumpríveis, simplesmente, como não vinculativas, portanto, como meras proposições programáticas. A teoria dos princípios pode, pelo contrário, levar a sério a constituição sem exigir o impossível. Ela declara as normas não plenamente cumpríveis como princípios que, contra outros princípios, devem ser ponderados e, assim, estão sob uma “reserva do possível no sentido daquilo que o indivíduo pode requerer de modo razoável da sociedade.” (ALEXY, 2011, P.69) Esse entendimento só demonstra que os alemães adaptaram o seu entendimento a legislação brasileira, acreditando que aqui se aplicara a reserva do possível no sentido daquilo que o indivíduo pode requerer de modo razoável da sociedade. Desta feita, o que se torna necessário pela Administração Pública Moderna é reavaliar a forma como está sendo aplicado o conceito da Teoria da Reserva do Possível bem como os meios necessários para uma melhor aplicação dos recursos públicos, uma vez que como foi demonstrado esses dois âmbitos estão intrinsecamente ligados e não podem mais ser esquecidos pelo Poder Público. 3. Considerações Finais A partir do exposto é visível a importância do tema para o cenário atual, uma vez que o conceito primordial da Teoria da Reserva do Possível fora deturpado e está sendo utilizado como justificativa para o Estado não realizar suas obrigações e, assim, afastar alguns direitos fundamentais dos indivíduos. A teoria da Reserva do Possível, como foi possível verificar, tinha como conceito primário trazer razoabilidade a toda e qualquer pretensão judicial. No entanto, a partir de sua propagação, diversos países começaram a utilizá-la de forma diferente e aplicando-a naquilo que melhor lhe convinha. Em meio a argumentos, foi possível verificar que no Brasil essa mudança de interpretação não fora diferente, uma vez que o país ao aplicar mal seus recursos começou a ter problemas com o equilíbrio entre as receitas e despesas do orçamento e passou a considerar a Teoria da Reserva do possível como Teoria do financeiramente possível. Exemplos foram expostos no trabalho acerca da má alocação dos recursos, donde pode se perceber que dispêndios extremamente vultosos são aplicados em setores ou atividades não-prioritárias o que resulta em uma ausência de receita para as questões que são fundamentais. Foi por meio desses argumentos que o trabalho demonstrou a correlação entre a Teoria da Reservado Possível e a má gestão dos recursos públicos, evidenciando que os dois estão intrinsecamente interligados e que se precisa de cautela na hora de avaliá-los. Por fim, é verossímil a constatação de que não há mais espaço para dúvidas quando estiver em conflito o Mínimo Existencial e a Reserva do Possível, visto que o primeiro é questão primordial para se efetivar os direitos pré-estabelecidos no texto e no espírito da Carta Maior, evidenciando-se que os direitos fundamentais e as políticas públicas são deveres prioritários e que devem ser cumpridos pelo Estado, não havendo mais espaço para se recorrer a justificativa de insuficiência de recurso público.
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A controvérsia do aporte público em obras de concessões ferroviárias: possibilidades e limites
O presente artigo tem como finalidade principal discutir a possibilidade das melhorias na infraestrutura da malha ferroviária concedida serem financiadas pela União, no âmbito do Programa Nacional de Segurança Ferroviária em Áreas Urbanas – Prosefer e esclarecer se os empreendimentos listados no programa estão previstos ou não, como obrigação da concessionária nos contratos de concessão ou se tal obrigação decorria diretamente do conceito de serviço público adequado trazido pela Lei Geral das Concessões e Permissões de Serviço Público. As metas de produção e segurança funcionam como medida de desempenho para os contratos de concessão, visando em última análise promover as atualizações e a modernização dos ativos da concessão de modo a prestar um serviço a baixo custo, com segurança na operação e que atenda adequadamente seus clientes. Os pressupostos legais, o posicionamento doutrinário e a adequada interpretação legal apontam para a obrigação das concessionárias quanto a tais investimentos, a impossibilidade de financiamento do mesmo pela União.
Direito Administrativo
1. SÍNTESE DA CONTROVÉRSIA Em síntese a controvérsia reside em saber se as melhorias na infraestrutura da malha ferroviária concedida são de responsabilidade da concessionária e se a União poderá financiar essas melhorias conforme prevê a art. 7º da Lei nº 12.379/2011[1]. Ressalta-se que o parágrafo único do mesmo artigo prevê: “Art. 7º A União poderá aplicar recursos financeiros no SFV, qualquer que seja o regime de administração adotado. (…) Parágrafo único.  Nas hipóteses previstas nos incisos I a III do art. 6º, é vedada a aplicação de recursos da União em obra ou serviço que, nos termos do respectivo contrato ou outro instrumento de delegação, constitua responsabilidade de qualquer das demais partes envolvidas.” O art. 6º prevê a possibilidade em que a União exercerá suas competências relativas ao Sistema Federal de Viação, diretamente, por meio de órgãos e entidades da administração federal, ou mediante: “I – (VETADO); II – concessão, autorização ou arrendamento a empresa pública ou privada; III – parceria público-privada.” O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT alega dispor em seu acervo técnico de estudos e projetos relativos ao Programa Nacional de Segurança Ferroviária em Áreas Urbanas – Prosefer[2] e tem buscado orientação junto ao Ministério dos Transportes sobre a melhor forma para implantação de tais projetos. No desenrolar das discussões, o DNIT busca saber junto à ANTT se os empreendimentos tidos por ele como necessários estão previstos ou não, como obrigação da concessionária nos contratos de concessão, o que em última análise, levaria à inviabilidade de tal financiamento pela União. 2. DOS PRESSUPOSTOS LEGAIS A Constituição Federal[3] em seu art. 175, § único, discorre acerca do serviço público adequado, mencionando em seus termos que: “Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;(…) IV – a obrigação de manter serviço adequado”. (grifo nosso). Ao destacar a necessidade do serviço público adequado, a Constituição estipulou lei para tratamento do assunto e assim surge a Lei º 8.987/1995[4] que dispõe acerca das concessões e permissões de serviço público. Outrossim, dispõe a Lei nº 8.987/1995: “ Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato. § 1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.  § 2º A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço.” (grifo nosso) Constata-se que a Lei de Concessões e Permissões trouxe capítulo específico para tratar do serviço público adequado, trazendo este, menção explícita de um direito do usuário e um dever dos concessionários e permissionários. O Código de Defesa do Consumidor, embora não traga em seu âmago de criação o tratamento das relações do Poder Público, trata do serviço público adequado como direito do consumidor e dever dos órgãos públicos, como bem pode-se destacar pelos artigos abaixo mencionados: “Art. 6º São direitos básicos do consumidor:(…) X – a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral. Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos” Contudo, para que se faça o correto contraponto entre a Lei nº 8.987/1995 e o Código de Defesa do Consumidor, primeiramente, deve-se fazer a correta interpretação legal para que se possa compreender que uma lei, embora não abranja a concessão propriamente dita, pode abranger uma lei que é aplicada entre particulares. Não obstante, trataremos deste assunto no próximo tópico. Restringindo o cerco da interpretação ao Decreto nº 1.832/1996[5] que discorre sobre o regulamento de transportes ferroviários e, outrossim, traz disposições acerca do serviço público adequado no âmbito do transporte de ferrovias, assim dispondo em seu art. 29: Art. 29 – A Administração Ferroviária deverá atender o expedidor sem discriminação e prestar-lhe o serviço adequado. (grifo nosso) Importa dizer que, no âmbito do Decreto supracitado, entende-se por Administração Ferroviária, entre outros conceitos embutidos no inciso legal, a empresa privada que já existe ou que venha a ser criada com o intuito de construção, operação ou exploração comercial de ferrovias. Portanto, neste aspecto estão aqui englobadas as concessionárias de serviço público que estão sujeitas, entre tantas outras obrigações, conforme estipulado no art. 4º do Decreto, o cumprimento das medidas de segurança. Verifica-se que o Decreto nº 1.832/1996 é um mecanismo que engloba com maior abrangência os deveres das concessionárias de serviço público no tocante a área de ferrovias, pois, a Lei nº 8.987/1995 menciona como dever o “cumprir e fazer cumprir” e o Decreto estipula o cumprimento das medidas de segurança como dever da concessionária, sendo este, intrinsicamente ligado ao serviço adequado, haja vista que, para que se tenha este é necessária a aplicação de técnicas de prevenção para que se evite acidentes e, porventura, diminua os riscos, e, por conseguinte mantenha as metas de segurança e prevenção de riscos em bons patamares. Ademais, não é somente nesta passagem do decreto supracitado que há a obrigação inerente às concessionárias de ferrovias de se manter um serviço adequado intrinsecamente ligado às médias de segurança e prevenção de riscos como estipula os artigos abaixo colacionados: “Art. 12 – A Administração Ferroviária deverá implantar dispositivos de proteção e segurança ao longo de suas faixas de domínio. Art. 13 – A Administração Ferroviária é obrigada a manter a via permanente, o material rodante, os equipamentos e as instalações em adequadas condições de operação e de segurança, e estar aparelhada para atuar em situações de emergência, decorrentes da prestação do serviço de transporte ferroviário” (grifo nosso) Não somente a esta Agência interessa a adoção de medidas de segurança por parte das concessionárias; o Ministério Público Federal[6] também atua para que tais medidas se tornem cada vez mais correntes e efetivas concretizando a meta de diminuição de acidentes: “O Ministério Público Federal em Piracicaba ajuizou ação civil pública, com pedido de liminar, para que a América Latina Logística (ALL) seja obrigada a corrigir os problemas de infraestrutura e superestrutura das linhas férreas que estão causando graves acidentes, problemas ambientais e poluição sonora nos municípios da região que são cortados pela linha férrea.(…) A má conservação, a insuficiência de reparos necessários, aliada a uma deficiente fiscalização nas vias férreas, também são fatores que contribuem para acidentes ferroviários, como descarrilamentos e abalroamentos. De 2006 até 2011, foram vários incidentes. O mais grave aconteceu em abril de 2011, quando houve um descarrilamento de trem de carga, com derramamento de 15.000 litros de óleo diesel na divisa entre Limeira e Americana, com explosão e incêndio.[7] (grifo nosso) MPF quer mais segurança nas ferrovias para evitar novos descarrilamentos de trens A preocupação com a segurança nas ferrovias foi o destaque de reunião realizada, na manhã do dia 6 de dezembro, entre o Ministério Público Federal (MPF), o Tribunal de Contas da União (TCU), a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e a América Latina Logística (ALL), maior concessionária de ferrovias no Brasil. A reunião foi convocada em função do descarrilamento de um trem que resultou na morte de oito pessoas no município de São José do Rio Preto (SP), dia 24 de novembro, mas o objetivo era cobrar providências para evitar novos acidentes.”[8] (grifo nosso) Igualmente, novas iniciativas em torno da segurança em ferrovias também se englobam no campo legislativo, no intuito de maior prevenção contra acidentes, conforme Lei Estadual do Estado da Paraíba nº 10.420/2015[9], que estipulou entre outras questões, as seguintes: “I – Isolamento das laterais dos trilhos em áreas urbanas; II – Cancelas de acesso a linha férrea com tamanho suficiente para não permitir a entrada de animais naquele espaço; III – Muros com dispositivos impeditivos de acesso, sejam cercas, alarmes e avisos sonoros, além de placas de identificação; IV – Todas as estações de embarque ou desembarque de passageiros deverão possuir, obrigatoriamente nas suas calçadas, duas rampas para cadeirantes e pessoas de mobilidade reduzida; lixeiras em suas calçadas e arborização condizente com o espaço. V – Preferencialmente, os postes de iluminação dessas áreas de acesso público deverão ser de concreto ou material que não ponham em risco de acidentes elétricos à população; VI – Sistema de câmeras integradas.”[10] O Decreto nº 1.832/1996, ainda destaca capítulo específico para tratamento do tema “segurança”, dispondo entre outros dispositivos que a Administração Ferroviária, no caso as concessionárias, devem adotar medidas de segurança de natureza técnica, administrativa e educativa, elucidando, primordialmente, a prevenção de acidentes, conforme destacado abaixo: “Art. 54. A Administração Ferroviária adotará as medidas de natureza técnica, administrativa, de segurança e educativa destinadas a: I – preservar o patrimônio da empresa; II – garantir a regularidade e normalidade do tráfego; III – garantir a integridade dos passageiros e dos bens que lhe forem   confiados; IV – prevenir acidentes; V – garantir a manutenção da ordem em suas dependências; VI – garantir o cumprimento dos direitos e deveres do usuário”. (grifo nosso) Não obstante o tratamento dado à segurança e à prestação do serviço público adequado que, o mesmo diploma legal dispõe acerca das penalidades aplicadas às concessionárias no caso de não prestação de um serviço público adequado bem como pela não aplicabilidade das técnicas de segurança, firmando assim: “Art. 58. Os contratos de concessão e de permissão deverão conter, obrigatoriamente, cláusula contratual prevendo a aplicação das seguintes penalidades pelas infrações deste regulamento:(…) II – por violação dos arts. 3°, 4º, inciso I, 6°, 10, 12, 13, 14, 17 § 5°, 24, 29, 31, 32, 44, 46, 47, 48, 54 e 56, multa do tipo II. Art. 59. O valor básico unitário da multa será de R$100,00 (cem reais). Ficam estabelecidos os seguintes valores de multas: Multa do tipo I: cem vezes o valor básico unitário Multa do tipo II: quinhentas vezes o valor básico unitário.” (grifo nosso) Percebe-se claramente que a aplicação de multa pela não prestação de um serviço adequado bem como pela não aplicação das medidas de segurança estão em patamar de maior gravidade, ou seja, ambas as condutas passíveis de responsabilidade pelas concessionárias são consideradas, a título legal, de maior proporção caso não sejam tomadas as condutas comissivas por parte da Administração Ferroviária, o que induz ao raciocínio pretendido pelo legislador que foi de prevenir para evitar. Embora tenhamos dispositivos legais que tratam da prestação do serviço público adequado jungido às normas de segurança e prevenção de acidentes como direito do usuário e dever das concessionárias, ainda assim, não há patamares suficientes a ensejar que a prestação seja eficiente e efetiva de modo à ainda causar prejuízos e acidentes. Contudo, a partir da colocação dos patamares legais, passamos a tecer considerações acerca da correta interpretação legal sobre o tema do serviço público adequado, avaliado, principalmente e não exclusivamente sob a perspectiva do critério da segurança e dever das concessionárias. 3. POSICIONAMENTO DOUTRINÁRIO Tanto é assim que já se manifestou a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça[11] ao destacar que: “CONCESSIONÁRIA DE RODOVIA. ACIDENTE COM VEÍCULO EM RAZÃO DE ANIMAL MORTO NA PISTA. RELAÇÃO DE CONSUMO. 1. As concessionárias de serviços rodoviários, nas suas relações com os usuários da estrada, estão subordinadas ao Código de Defesa do Consumidor, pela própria natureza do serviço. No caso, a concessão é, exatamente, para que seja a concessionária responsável pela manutenção da rodovia, assim, por exemplo, manter a pista sem a presença de animais mortos na estrada, zelando, portanto, para que os usuários trafeguem em tranquilidade e segurança. Entre o usuário da rodovia e a concessionária, há mesmo uma relação de consumo, com o que é de ser aplicado o art. 101, do Código de Defesa do Consumidor. 2. Recurso especial não conhecido”.(REsp 467883/RJ, Terceira Turma, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 01/09/2003) (grifo nosso) A partir desta especificação/digressão, conseguimos fazer o contraponto necessário a identificar o que seria o serviço público adequado a ser prestado conforme destacado na Lei nº 8.987/1995. Na persecução de uma interpretação correta e sistemática, ou seja, de acordo com o sistema de concessões e permissões, verifica-se que o art. 6º da Lei nº 8.987/1995 destaca que o serviço público adequado é aquele que apresenta a característica da atualidade e, por conseguinte, esta compreende a modernidade de técnicas e conservação. Nesse ínterim, verifica-se que, para que se tenha um serviço público adequado é necessário que este seja conservado, o que pode pressupor, em tese, programas de investimento, haja vista tratar-se de um bem público. O conceito de serviço público adequado está intimamente ligado ao conceito de atualidade, ou seja, não pode existir um serviço público que seja adequado e não seja atual, sendo que a atualidade refere-se às questões que o prestador do serviço público aplique a melhor técnica, tecnologia adequada, realizando periódicas atualizações e investimentos. Em outras palavras: “O princípio da mutabilidade ou atualidade leva em consideração o fato de que os serviços públicos devem se adaptar à evolução social e tecnológica. As necessidades da população variam no tempo e as tecnologias evoluem rapidamente, havendo a necessidade constante de adaptação das atividades administrativas. A necessidade de atualização dos serviços públicos, com o intuito de evitar sua deteriorização pelo decurso do tempo, ‘compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço (art. 6º, § 2º da Lei nº 8.987/1995). Em razão da mutabilidade, as relações entre as concessionárias de serviços públicos e os usuários apresentam peculiaridades quando comparadas às relações privadas, com destaque para o reconhecimento da prerrogativa de alteração unilateral do contrato por parte do poder concedente (ex.: alteração de cláusula regulamentar para exigir a utilização de novas tecnologias na prestação do serviço), bem como para ausência de direito adquirido da concessionária à manutenção das condições iniciais do ajuste (ex.: necessidade de observar as novas gratuidades previstas em lei), com a ressalva de que, nessas hipóteses, a concessionária terá o direito ao reequilíbrio econômico-financeiro do contrato.”[12](grifo nosso). Constatamos, por conseguinte que, a relação de serviço público adequado vai ao encontro do princípio da atualidade sendo, portanto, não forçoso concluir que a necessária atualização e a realização de investimentos são condições necessárias a permitir a efetiva eficiência na execução das atividades materiais sob sua responsabilidade. Trata-se de uma relação sine qua non em que, a atualização é necessária para a adequação e vice-versa, tanto é assim que a Lei nº 8.987/1995 estipula ser este um dever da Concessionária: “Art. 31. Incumbe à concessionária:  I – prestar serviço adequado, na forma prevista nesta Lei, nas normas técnicas aplicáveis e no contrato;(…) VII – zelar pela integridade dos bens vinculados à prestação do serviço, bem como segurá-los adequadamente”. (grifo nosso). Igualmente, o contrato de concessão da Ferrovia Centro Atlântica S.A[13] (exemplificadamente), determina como dever da concessionária: “Cláusula Nona Item 9.1(…) VIII) – Prestar serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, sem qualquer tipo de discriminação e sem incorrer em abuso de poder econômico, atendendo às condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.”(grifo nosso) Desta forma, é latente a necessidade da prestação do serviço público adequado vinculado à sua atualidade, sendo esta necessária, não somente para preservação dos bens públicos e de uma aplicação tecnológica, mas também trazer segurança aos usuários dos serviços públicos prestados, haja vista que é dever das concessionárias a minimização dos riscos e prejuízos decorrentes de eventuais acidentes tanto é que assim dispõe o CDC ser direito do usuário a segurança contra os riscos provocados pelo fornecimento de serviços: “Art. 6º São direitos básicos do consumidor: I – a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos.” (grifo nosso) Tanto é que, caso assim não fosse, a prestação do serviço público se daria pelo próprio Estado sem a necessidade de uma concessão, ou seja, o próprio Estado figuraria como executor e gestor de seus bens, e não estando a concessionária de serviço público a gerir pela modernidade não seria necessária a atuação desta. O contraponto é que, o inverso do serviço adequado é aquele que não é atual e nem adequado, ou seja, é ineficiente e precário, gerando riscos e prejuízos a seus usuários. Logo, o dever da atualização e investimentos nos bens disponíveis para execução do serviço é uma decorrência lógica de sua prestação, bem como pela manutenção de sua integridade para que se mantenham em caráter de não precariedade ao final da concessão. Daí pode-se dizer que a atualização está intrinsicamente ligada à eficiência do serviço, não basta ter-se a execução sem ao menos que se atenda a parâmetros de qualidade necessários a atender-se ao mínimo de eficiência, ou seja, não adianta executar sem se ter resultado. No tocante à eficiência, esta trata do aspecto qualitativo agregado ao resultado, em outras palavras, eficiência é o aspecto de algo que produz o resultado com seu efeito específico com qualidade e sem nenhum ou um mínimo de incidentes errôneos possíveis. Ou seja, eficiência é a possibilidade de se fazer algo da melhor forma possível, produzindo resultado e seu efeito esperado de forma que não prejudique a efetividade posterior do resultado almejado. Contudo, verifica-se que, a norma não pode se ater ao simples aspecto da eficiência e que nem mesmo no ordenamento jurídico as normas atinem-se somente a este instituto, sendo, portanto, necessário a análise de outros aspectos que vão além da eficiência e nesse ínterim surge a efetividade que é a produção final de um resultado, é um efeito realmente concreto e não somente esperado, é a situação que, na prática funciona e é capaz de produzir resultados para algo que fora planejado anteriormente. Em outras palavras, a efetividade é um planejamento anterior que funcionou e produziu resultados, atingindo seu objetivo, tendo, assim, a possibilidade de retratar o caráter satisfatório de uma medida, bem como a praticidade de uma medida. Por conseguinte, efetividade está ligada às situações finais; é a realização do próprio direito. Assim, Luís Roberto Barroso[14] destaca que “(…) a efetividade significa, portanto, a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social”. E “o Direito existe para realizar-se.”. Esta análise faz-se necessária para concluir que o serviço público adequado não deve se restringir a sua execução sem investir em tecnologias que possam adequar o serviço às novas situações, às novas necessidades; o investimento deve vir ao encontro de um resultado prático esperado e isso é decorrência lógica da norma, pois não é necessário que haja regra explícita que a concessionária deve investir, basta que se leia atentamente a lei para que se chegue à conclusão de que não pode subsistir a prestação de um serviço sem que esta não seja atualizada à luz do estado da arte das tecnologias do setor. Um serviço tecnologicamente desatualizado gera, por via de consequência, um serviço público ineficiente, o que enseja a responsabilização daqueles que não o prestaram ou o prestaram de maneira deficiente, o que no caso sob análise, envolve as concessionárias e permissionárias de serviço público, ensejando a aplicação do art. 25 da Lei nº 8.987/95 e dos dispositivos do Contrato de Concessão. Por esta razão é que os investimentos se tornam necessários por parte da concessionária e permissionária de serviço público, pois a modernidade das tecnologias e realização de investimentos são condições necessárias a programas de segurança e minimização dos riscos. Em outras palavras, investir para evitar; investir para prosseguir. Cita-se o exemplo de investimentos para modernização ou substituição das locomotivas U-20C de bitola larga fabricadas pela General Electric do Brasil Ltda. entre 1981 e 1982. Portanto, não basta que se tenha eficiência das concessionárias e permissionárias, ou seja, não basta que simplesmente prestem o serviço como mero produto final o recebimento de uma eventual tarifa; a prestação tem de ser efetiva, deve ter um resultado prático e concreto que se faz necessário para que seja condizente com a tarifa paga pelo usuário, bem como para que se conserve o bem público concedido e/ou permitido. À vista disso, tem se que a prestação do serviço público não é um mero serviço e sim um direito de seu usuário, logo, deve cumprir sua função constitucional, logo deve ser efetiva a sua prestação. 4. DA ADEQUADA INTERPRETAÇÃO LEGAL Deve-se ter em mente que, nenhuma lei existe isoladamente no mundo jurídico, ela sempre poderá ser interpretada com outros dispositivos legais, bem como pode trazer em seu bojo a menção expressa para uma interpretação conjunta, ou seja, não é uma interpretação desprovida de conteúdo (intepretação em branco), e sim interpretação sistemática. Assim, temos que a menção do que venha a ser um serviço público adequado não está na Lei nº 8.987/1995, mas na Lei nº 8.078/1990 – Código de Defesa do Consumidor. A interpretação sistemática de uma lei exige que se busque, não apenas em sua arquitetura interna, mas no sentido jurídico dos institutos que regula o modelo adequado para sua aplicação. “HERMENÊUTICA – INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA – A interpretação da Lei conferida pela parte no sentido de amparar a sua pretensão com base nos termos do que dispõe apenas o caput de dispositivo legal esbarra no princípio basilar da hermenêutica, que consiste no dever de examinar a norma como um todo, e não apenas destacar uma parte isolada, que, afastada do seu contexto em que está inserida, não faz sentido, deixando de cumprir a sua finalidade.” (TRT 12ª R. – RO-V. 1242/2001 – (01562/2002) – Florianópolis – 2ª T. – Rel. Juiz Jorge Luiz Volpato – J. 07.02.2002)[15] (grifo nosso). Por conseguinte, não deve se levar em conta somente o texto e sim a sua junção com os elementos da própria lei, do ordenamento jurídico e do campo que se insere, de forma a possibilitar a interpretação como um todo, de forma conjunta. Em outras palavras, a finalidade desta interpretação é analisar a norma em seu contexto refutando a análise isolada, afastando a intepretação literal, que não busca realizar a interpretação de outra forma a não ser pela dura leitura do texto legal sem buscar elementos outros fora do texto legal. Assim, esta aplicação, como dito alhures, não decorre de uma aplicação da Lei nº 8.987/1995, mas sim de uma aplicação sistemática e nisto decorre que a Constituição Federal, ao instituir o modelo liberal de economia trazendo a livre iniciativa e concorrência, concedeu-se ao Estado a possibilidade de delegar e conceder a execução de tais serviços para justamente atender à eficácia e eficiência necessárias. A atuação liberal surge da necessidade de evolução dos direitos fundamentais que não apenas se atinem a mera liberdade do cidadão e nem mesmo o Estado como mero executor sem responsabilidade, daí a ideia dos direitos fundamentais de 2ª geração que trazem a menção de direitos fundamentais cuja titularidade é do povo (titularidade coletiva) e que trazem o direito de exigir do Estado a atuação positiva a garantir direitos como os econômicos e os sociais. Assim, para assegurar o Estado como garantidor positivo de tais direitos, a Constituição Federal traz a menção da responsabilidade objetiva do Estado quando este seja o causador do dano causado bem como deixe de agir quando deveria fazê-lo, como destaca o art. 37, § 6º: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:(…) § 6º – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. (grifo nosso) Não bastasse o art. 37, § 6º da Constituição Federal, a Lei nº 8.987/1995 também dispôs acerca da responsabilidade das concessionárias e permissionárias de serviço público, assim preceituando: “Art. 25. Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido, cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade”. (grifo nosso) Daí a necessidade de se interpretar as regras contratuais atinentes aos investimentos à luz das responsabilidades da União (titular do serviço), das concessionárias e das Agências Reguladoras que atuam como fator de proteção, regulamentação e fiscalização das relações que envolvam prestação de serviço público, no âmbito das concessões e permissões de serviço público e não apenas se a ausência de previsão textual de tal dispositivo nos contratos. 5. DAS METAS DE PRODUÇÃO E SEGURANÇA As metas de produção e segurança funcionam como medida de desempenho para os contratos de concessão de ferrovias e foram estabelecidas, originalmente, de forma global e quinquenal, para toda a malha concedida. Para o acompanhamento efetivo das metas de produção e segurança conforme previsto nos contratos de concessão, foi aprovada a Resolução/ANTT nº 288/2003[16], que regulamentou a aplicação de penalidades em face do descumprimento das metas de produção e de redução de acidentes, no âmbito das concessões ferroviárias. Posteriormente, a Resolução ANTT nº 3.696/2011[17], aprovou o regulamento para pactuar as metas de produção por trecho e as metas de segurança para as concessionárias de serviço público de transporte ferroviário de cargas. Assim, as metas de produção e segurança globais passaram a ser pactuadas por trecho, ao invés de para toda a malha: “Art. 3º As concessionárias são obrigadas a apresentar à ANTT, até o dia 1° de junho do último ano de validade das metas pactuadas a Proposta de Pactuação de Metas de Produção por Trecho e Metas de Segurança, com vigência para os próximos cinco anos, contendo, no mínimo, as seguintes informações: I – estudo de mercado que fundamente o Plano de Negócios; II – Plano de Negócios, contendo os fluxos de transporte previstos para cada um dos trechos e as respectivas sazonalidades, nos padrões solicitados pela Agência;(…)” Em decorrência do poder regulatório da ANTT, as concessionárias ferroviárias devem apresentar os estudos de mercado detalhando a estratégia de como vão alcançar as metas de produção e segurança para o quinquênio em análise. Trata-se de uma obrigação contratual comum a todas as concessionárias. As informações prestadas nesse documento revelam o Plano de Negócio, o qual visa atender as expectativas do mercado e em síntese estabelece: “I – A necessidade de aquisição, ampliação, reforma dos seus ativos para atender às metas estabelecidas; II – O plano de investimentos para eliminação das restrições e ampliação da malha ferroviária; III – Os ganhos de produtividade e segurança esperados com o cumprimento das metas pactuadas.” Vê-se dessa forma que, o estabelecimento de metas por trechos bem como a apresentação do plano de negócio são elementos que detalham o plano de investimentos da Concessionária para prestar o serviço adequado, de que trata o art. 6º da Lei nº 8.987/1995: “Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.” Nesses termos, quaisquer intervenções na malha ferroviária com vistas ao ganho de produtividade e segurança com o objetivo primeiro de cumprimento das metas pactuadas decorrem do Plano de Negócio da Concessionária que é analisado e, por fim, vinculado às obrigações contratuais, conforme prevê o art. 6º da Resolução ANTT nº 3.696/2011: “Art. 6º Após o processo de negociação entre as concessionárias e a ANTT, as metas pactuadas serão vinculativas para o ano seguinte ao da apresentação da proposta e indicativas para os anos subsequentes.” Portanto, no momento em que a ANTT chancela as metas e as vincula às obrigações contratuais, os investimentos necessários ao seu atingimento passam a ser obrigatórios, o que não significa que sejam imutáveis, mas a sua realização dependerá o cumprimento da meta pactuada com o Poder Concedente. Evidentemente que o descumprimento das metas pode decorrer das típicas oscilações de oferta e demanda do serviço público de transporte ferroviário de carga, mas as razões dos eventuais descumprimentos serão sempre fundamentadas por pareceres técnicos, dado o que dispõe o art. 1º da Resolução nº 288, de 10 de setembro de 2003: “Art. 1º O descumprimento das Metas de Produção e de Redução de Acidentes pactuadas com as concessionárias de serviços públicos de transporte ferroviário de cargas implicará aplicação de penalidades.” É também em decorrência do alcance de metas de produção e segurança que as Concessionárias apresentam o Plano Trienal de Investimentos – PTI, cujo art. 2º dispõe: “Art. 2º O PTI consiste na descrição da estratégia e dos objetivos gerais balizadores dos projetos de investimentos regulatórios a serem implementados pelas concessionárias de serviço público de transporte ferroviário de cargas, definidos com a finalidade de alcançar os parâmetros estabelecidos em metas contratuais, para um período de três anos consecutivos”. (grifo nosso) Vê-se dessa forma, que todo processo de definição de metas de produção e segurança que em seguida desembocará no processo autorizativo regulado pela Resolução ANTT nº 2.695/2008[18] não tem outra finalidade a não ser adequar as condições operacionais do transporte ferroviário à adequada prestação do serviço. O que se espera dos Estudos de Mercado, Plano de Negócios e do Plano Trienal de Investimentos é que reflitam a estratégia da Concessionária para solucionar os principais gargalos logísticos que emperram a adequada prestação do serviço, digam eles, respeito à segurança ou ao aumento da produção. Portanto, as metas de produção e segurança funcionam como medida de desempenho para os contratos de concessão, visando em última análise promover as atualizações e a modernização dos ativos da concessão de modo a prestar um serviço a baixo custo, com segurança na operação e que atenda adequadamente seus clientes. 6. RECOMPOSIÇÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA Sabe-se que a Concessionária de serviço público, na modalidade estipulada pela Lei nº 8.987/1995, é remunerada pela tarifa dos usuários cuja prestação lhe foi transferida, observando a política tarifária no que tange à modicidade de forma a não haver cobrança de valor elevado, e, assim, a prestação do serviço público seja garantida para usufruto do maior número de usuários possível. É por isso que as tarifas devem ser calculadas tendo por base os serviços a serem executados agregando-se ao lucro auferido pela Concessionária na forma de amortização de investimentos que esta realizou e realizará para executar a atividade. Ademais, as tarifas como pagamento pela contraprestação do serviço prestado pelo particular, devem se dar de modo a garantir o equilíbrio econômico-financeiro. Segundo a doutrina, a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro: “(…) pressupõe que a concessão deverá oferecer um fluxo de caixa de retornos suficientes para remunerar o fluxo de investimentos aplicados na concessão e conter uma margem que proporcione uma rentabilidade pré-estabelecida na proposta pelo concessionário. (…) a partir do momento em que a relação entre os encargos e a remuneração da concessionária é alterada, os encargos supervenientes impostos à concessionária passam a constituir imposição extracontratual, pois não foram pactuados quando da celebração do contrato. E, com o rompimento do equilíbrio econômico-financeiro, o concedente deverá, em contrapartida, recompor econômico-financeiramente o equilíbrio do contrato.”[19] Estipula a Lei nº 8.987/1995 que é conferido o equilíbrio econômico-financeiro a fim de que se mantenham as mesmas condições quando da pactuação do contrato ou, pelo menos, sejam similares. Vejamos o que diz a referida lei: “Art. 9º- A tarifa do serviço público concedido será fixada pelo preço da proposta vencedora da licitação e preservada pelas regras de revisão previstas nesta Lei, no edital e no contrato.(…) § 2º – Os contratos poderão prever mecanismos de revisão das tarifas, a fim de manter-se o equilíbrio econômico-financeiro.” (grifo nosso) Em outras palavras, o equilíbrio econômico-financeiro tange à necessária manutenção da margem de lucro que fora inicialmente pactuada, possibilitando, caso haja necessidade de reequilíbrio, a revisão das tarifas, contudo, sempre nos termos do contrato, sendo estas inseridas em uma conjuntura que faça aumentar os custos da prestação do serviço bem como para evitar o desgaste do valor auferido em decorrência de inflação no período. Na base contratual, os contratos pactuados para prestação de serviço ferroviário não mencionam expressamente como a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro pode se dar, sendo, contudo, este ponto verificado nos contratos de exploração de rodovias. Isso nos remete a uma problemática para solução da necessidade de solução do caso de repactuação das tarifas em sede da prestação do serviço de transporte ferroviário. O contrato de concessão rodoviária, a exemplo do Contrato de Concessão da Rodovia BR-153 celebrado com a Concessionária de Rodovias Galvão BR-153[20], estipula que é cabível a recomposição nos seguintes casos: “22 – Recomposição do Equilíbrio Econômico-Financeiro 22.1 – Cabimento da Recomposição: 22.1.1 – Sempre que atendidas as condições do Contrato e mantida a alocação de riscos nele estabelecida, considera-se mantido seu equilíbrio econômico-financeiro. 22.1.2 – A Concessionária somente poderá solicitar a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro nas hipóteses previstas na subcláusula 21.2 acima. 22.1.3 – A ANTT poderá a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro quando cabível nos termos da lei e nas hipóteses previstas neste Contrato.(…) 22.3 – Meios para recomposição 22.3.1 – Ao final do procedimento indicado na subcláusula anterior, caso a recomposição tenha sido julgada cabível, a ANTT deverá adotar, a seu exclusivo critério, uma ou mais formas de recomposição que julgar adequadas, incluindo, mas não se limitando a: (i) aumento ou redução do valor da Tarifa Básica de Pedágio; (ii) pagamento à Concessionária, pelo Poder Concedente, de valor correspondente aos investimentos, custos ou despesas adicionais com os quais tenham concorrido ou de valor equivalente à perda de receita efetivamente advinda, levando-se em consideração os efeitos calculados dentro do próprio Fluxo de Caixa Marginal; (iii) modificação de obrigações contratuais da Concessionária; ou (iv) estabelecimento ou remoção de cabines de bloqueio, bem como alteração da localização de praças de pedágio”. Embora haja a menção legal e contratual referente aos contratos de ferrovia no que tange a possibilidade de recomposição das tarifas, tais contratos não mencionam o modo como esta deve se dar o que, portanto, inviabiliza a avaliação de pronto remetendo a uma problemática de se ter uma garantia, mas não possuir os meios de fazê-lo.  A possibilidade que surge para o caso seria a celebração de um aditivo ao contrato para que se possa realizar a repactuação do equilíbrio econômico-financeiro, pois de outro modo se torna inviável a aplicabilidade de outros meios que não estejam estabelecidos contratualmente, mesmo que por analogia dos contratos de rodovia. Por conseguinte, um termo aditivo aos contratos de concessão de ferrovia seria a medida adequada a permitir que haja a repactuação e, assim, a estabilidade para se estabelecer novos parâmetros. Portanto, em tendo o termo aditivo base no contrato de concessão rodoviária passar-se-á a admitir como possível, a repactuação do equilíbrio econômico-financeiro. À luz do que estabeleceram os contratos de exploração de rodovias, o termo aditivo aos contratos de concessão de ferrovia pode prever as seguintes possibilidades de realizar a repactuação do equilíbrio econômico-financeiro: “(i) aumento ou redução do valor da Tarifa Básica de Pedágio; (ii) modificação de obrigações contratuais da Concessionária. (iii) pagamento à Concessionária, pelo Poder Concedente, de valor correspondente aos investimentos, custos ou despesas adicionais com os quais tenham concorrido ou de valor equivalente à perda de receita efetivamente advinda, levando-se em consideração os efeitos calculados dentro do próprio Fluxo de Caixa Marginal;” A priori, deve se avaliar a solução do ponto de vista do impacto na tarifa paga pela utilização do serviço e, por consequência, se a mesma altera o caráter da modicidade descaracterizando o teor módico das tarifas que assim estabelece a Lei nº 8.987/1995. Caso o aporte necessário à realização do investimento seja suportado pelo simples aumento da tarifa, pode-se, em tese, autorizar o reequilíbrio via aumento da tarifa, contudo, dentro das avaliações que possam permitir o caso concreto. Em tese, o aumento da tarifa, sem a demonstração de correlação com o preço investimento, se torna impraticável do ponto de vista da modicidade sem que se tenha, ao menos, um estudo econômico-financeiro que possa permitir a avaliação do impacto da medida. Insta ressaltar que o aumento do valor da tarifa pode decorrer tanto do reajuste quanto da revisão periódica. O reajuste da tarifa disposto no art. 18, VIII, Lei nº 8.987/1995, estabelece certa periodicidade para que ocorra a correção pela perda do valor da moeda em decorrência da inflação para que se mantenha ou tente se manter o mais próximo possível da tarifa inicialmente pactuada, assim “(…) sempre que possível, o reajuste deve-se dar por meio de algum índice que reflita a variação do custo do serviço concedido, evitando-se índice gerais de preços ou índices vinculados à variação cambial, pois tais índices poderão ensejar um desequilíbrio econômico-financeiro no contrato durante o período de execução da concessão.(…) esta forma de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato há o repasse direto dos ônus aos usuários do serviço, mediante o aumento da tarifa do serviço público”[21] No caso do aporte onerar demasiadamente a tarifa do serviço, pode-se avaliar a possibilidade da repactuação via aumento do prazo do contrato de concessão. Tal medida seria uma forma de compensação dos investimentos realizados não sendo tais compensados em curto espaço de tempo a depender do período de amortização do investimento. Uma vez demostrada, pelos estudos econômicos, que a extensão do prazo da concessão alberga o valor do investimento, poderia se abrir a possibilidade da Concessionária ser ressarcida com o aumento do prazo de prestação do serviço, apenas pelo prazo de amortização do investimento. De outra ponta, para que haja a dilação do prazo contratual da concessão, é necessário que tal fato esteja previsto no edital de licitação, bem como o contrato de concessão ou aditivo contratual prevejam essa possiblidade à época do certame. Como última possibilidade que poderia se adequar ao caso, seria o ressarcimento dos investimentos feitos pela Concessionária pelo Poder Concedente. No entanto, para que se possa fazer o aporte de recursos públicos, é necessário que haja, previamente, a estipulação no edital de licitação, previsão contratual ou posterior aditivo contratual. Em todo caso, o aporte de recursos públicos deve ser em benefício do usuário final como meio de viabilização de uma política pública estando esta possiblidade pactuada no edital de licitação, no contrato de concessão ou em posterior aditivo. Razão pela qual deve ser vinculado ao atingimento das metas contratuais. Em síntese, havendo imposição de obrigação à Concessionária fora do processo de pactuação das metas contratuais deve-se de pronto estudar qual das 3 (três) formas de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato se mostra mais adequada ao caso concreto; à luz das concessões dos estudos de viabilidade econômica do empreendimento que se deseja implantar. 7. DA ANÁLISE DO CASO CONCRETO De acordo com o inciso I da Cláusula Décima – Dos Direitos da Concessionária dos Contratos de Concessão da malha ferroviária da FCA S.A[22]. constitui direito da Concessionária de serviço público ferroviário: “Construir ramais, variantes, pátios, estações, oficinas e demais instalações, bem como proceder a retificações de traçados para a melhoria e/ou expansão dos serviços da malha objeto deste contrato, sempre com prévia autorização da Concedente, que se manifestará a respeito no prazo de 90 (noventa) dias”. Na breve leitura, em uma interpretação literal, sem a persecução mais apurada, ter-se-ia por entender que os contratos de concessão ferroviária não dispõem de planos e programas de investimento para execução do serviço público concedido. A Resolução nº 3.761/2011[23] que trata do Plano Trienal de Investimentos – PTI – destaca em seu art. 5º o necessário investimento em segurança, explicitando que: “Art. 5º Para fins desta Resolução serão considerados investimentos regulatórios os dispêndios que proporcionem aumento da capacidade produtiva ou da segurança do sistema ferroviário na prestação de serviço público de transporte ferroviário de cargas, com vistas ao cumprimento das metas contratuais, tais como: I – aquisição, expansão, construção, modernização ou recuperação de bens; e II – implantação de sistemas de telecomunicação, sinalização, energia e informática”. (grifo nosso) O Plano Trienal de Investimentos – PTI consiste na descrição da estratégia e dos objetivos gerais balizadores dos projetos de investimentos regulatórios a serem implantados pelas Concessionárias de serviço público de transporte ferroviário de cargas, definidos com a finalidade de alcançar os parâmetros estabelecidos em metas contratuais, para um período de três anos consecutivos. O PTI regula os investimentos pelas concessionárias ferroviárias de forma que estas apresentem seus planejamentos em investimentos que serão feitos em construção e recuperação de bens, avaliando questões como a modernização e a recuperação, o que inclui a questão da segurança como parâmetro. Os investimentos que trata a Resolução nº 3.761/2011 devem se dar de forma sucessiva, ou seja, a modernização e recuperação das ferrovias, ao atender aos padrões de segurança deve-se dar de forma sucessiva e progressiva. Contudo, verifica-se, todavia, que esta intepretação não está em consonância com as demais cláusulas contratuais e nem mesmo com a Lei nº 8.987/1995, que destacam que, para execução do serviço público concedido, não se deve ater à singularidade executória do serviço sem se ter, ao menos, atualização e efetividade do serviço prestado, o que implica, necessariamente, que a Concessionária de serviço público deve investir no serviço público prestado, no caso do investimento de rodovias e ferrovias para que preste, deste modo, um serviço público adequado. Dessa forma, a implementação dos empreendimentos tidos como necessários pelo Prosefer não tem o condão de constituírem responsabilidade contratual das concessionárias ferroviárias, posto que não decorre da pactuação de metas de produção e segurança de que trata as Resoluções/ANTT nº 288/2003 e nº 3.696/2011. Desse ponto de vista, o Prosefer não se mostra, portanto, como elemento competente para estabelecer investimentos no âmbito das concessões ferroviárias, o que não impede que a ANTT, consoante com suas competências regulatórias, conclua que o atingimento de determinadas metas de produção e segurança demande a implantação de algumas das soluções estudadas pelo DNIT. Ancorar-se nesse entendimento não significa dizer que não se deve fazer contornos ou viadutos ferroviários, mas, apenas assumir que a necessidade de tais obras deve ser discutida nos Estudos de Mercado, Plano de Negócios e no Plano Trienal de Investimentos, visto que o Estado delegou o serviço nos termo do Inciso II do art. 2º da Lei 8.987/1995: “II – concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado.” (grifo nosso) Nesses termos, pressupor o investimento público na malha ferroviária concedida, sem a promoção dos estudos necessários, viola não apenas os princípios da delegação do serviço público instituídos pela Lei nº 8.987/1995, como contraria frontalmente o parágrafo único do art. 7º da Lei nº 12.379/2011[24] que veda a aplicação de recursos da União em obra ou serviço que, nos termos do respectivo contrato ou outro instrumento de delegação, constitua responsabilidade de qualquer das demais partes envolvidas. Ressalta-se que, a simples menção ao caráter social dos investimentos propostos pelo Prosefer não é justificativa que, por si só, ampare a pretensão de investimento do DNIT na malha ferroviária concedida. É, antes, preciso considerar se tais investimentos tem relação direta com o atingimento das metas de produção e segurança de cada concessionária. O pressuposto básico da delegação de serviço público, ou seja, delegação por conta e risco da concessionária, já seria suficiente para inadmitir a pretensão trazida pelo Prosefer que estima em R$ 7.066.214.222,00 (sete bilhões, sessenta e seis milhões, duzentos e quatorze mil, duzentos e vinte e dois reais) em investimentos públicos. Ressalta-se que, em 2014, a ANTT se ateve sobre os investimentos considerados prioritários pelo Prosefer e por meio do Relatório: Proposições para Solução de Conflitos Ferroviários Urbanos[25] reclassificou a priorização com base no volume de carga, dados populacionais e de acidentes dos corredores logísticos. Pelos critérios estipulados pelo relatório da ANTT, o total de investimentos seria na solução de conflitos ferroviários urbanos seria de R$ 1.735.650.005,00 (um bilhão, setecentos e trinta e cinco milhões, seiscentos e cinquenta mil e cinco reais) e não mais sete bilhões como prevê o DNIT. Independentemente do valor, não se mostra razoável que a União, por meio da ANTT, delegue o serviço público de transporte ferroviário e continue a aportar elevadas quantias na adaptação dos ativos necessários à adequada prestação desse serviço, sem promover o reequilíbrio econômico-financeiro. Admitir essa possibilidade é ir de encontro com o inciso VIII do art. 24 da Lei nº 10.233/2001[26]: “Art. 24. Cabe à ANTT, em sua esfera de atuação, como atribuições gerais: (…) VIII – fiscalizar a prestação dos serviços e a manutenção dos bens arrendados, cumprindo e fazendo cumprir as cláusulas e condições avençadas nas outorgas e aplicando penalidades pelo seu descumprimento.” Na prática, o aporte de recursos da União na malha ferroviária concedida pode vir a configurar uma parceria público-privada de que trata a Lei nº 11.079/2004[27], já que tais aportes configurariam contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado, nos moldes do § 1º do art. 2º do aludido diploma legal: “(…) § 1º Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado.” (grifo nosso) Não se pode imaginar que as externalidades negativas da operação ferroviária vão desaparecer com o simples aporte de recursos públicos destinados à construção de contornos ferroviários. Antes, é necessário que a execução de tais projetos decorra da ação regulatória e fiscalizatória das metas de produção e segurança das concessionárias. Nesses termos, a resposta à pergunta que verse sobre se a União deve investir na malha ferroviária concedida deve ser negativa, ou seja, tais projetos de contornos e viadutos ferroviários, desde que necessários ao atingimento das metas contratuais devem ser discutidos nos Estudos de Mercado, Plano de Negócios e no Plano Trienal de Investimentos das concessões. 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS Portanto, com base nas disposições acima destacadas, reitera-se que, as Concessionárias Ferroviárias tem o dever de investir em programas de conservação e investimento dos serviços públicos concedidos como parte de suas obrigações contratuais assumidas em atendimento as Resoluções/ANTT nº 288/2003 e nº 3.696/2011. Por outro lado, pressupor o investimento público na malha ferroviária concedida, sem a promoção do reequilíbrio econômico-financeiro, viola não apenas os princípios da delegação do serviço público instituídos pela Lei 8.987/1995, como contraria frontalmente o parágrafo único do art. 7º da Lei nº 12.379/2011 que veda a aplicação de recursos da União em obra ou serviço que, nos termos do respectivo contrato ou outro instrumento de delegação, constitua responsabilidade de qualquer das demais partes envolvidas. Assim, deve-se considerar a necessidade e a viabilidade dos investimentos na malha ferroviária concedida serem discutidas no âmbito dos Estudos de Mercado, Plano de Negócios e Plano Trienal de Investimentos que, refletirão a estratégia da Concessionária para solucionar os principais gargalos logísticos. De outra parte, os investimentos propostos pelo Prosefer também não tem o condão de constituírem responsabilidade contratual das concessionárias ferroviárias e o valor de R$ 7.066.214.222,00 (sete bilhões, sessenta e seis milhões, duzentos e quatorze mil, duzentos e vinte e dois reais) não leva em consideração critérios básico de priorização de investimento na malha ferroviária. Ademais, na prática, o aporte de recursos da União na malha ferroviária concedida pode vir a configurar uma parceria público-privada de que trata a Lei nº 11.079/2004, já que tais aportes configurariam contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado, nos moldes do § 1º do art. 2º do aludido diploma legal. Por todo o exposto, conclui-se que, embora os empreendimentos tidos como necessários pelo Prosefer não constituam responsabilidade contratual das concessionárias ferroviárias, isso não autoriza a União a financiá-los, sem levar em consideração, que tais investimentos possam decorrer do atingimento das metas de produção e segurança estabelecidas pela ANTT.
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Apontamentos ao inventário participativo: breves comentários à proeminência da participação da comunidade na proteção do patrimônio cultural
O objetivo do presente está assentado na análise do inventário participativo, colocando em destaque a proeminência da participação popular na proteção do patrimônio cultural. Cuida salientar que o meio ambiente cultural é constituído por bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que possuem valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico, científico, refletindo as características de uma determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo formada pela história e maciçamente influenciada pela natureza, como localização geográfica e clima. Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa interação entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas pela sua cultural. A cultura brasileira é o resultado daquilo que era próprio das populações tradicionais indígenas e das transformações trazidas pelos diversos grupos colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens culturais materiais e imateriais portadores de referência à memória, à ação e à identidade dos distintos grupos formadores da sociedade brasileira. O conceito de patrimônio histórico e artístico nacional abrange todos os bens moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja de interesse público, por sua vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou por seu excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e ambiental.
Direito Administrativo
1 Ponderações Introdutórias: Breves notas à construção teórica da Ramificação Ambiental do Direito Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática. Com espeque em tais premissas, cuida hastear, com bastante pertinência, como flâmula de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1]. Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar que não haja uma vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade. Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles consagrados. Ainda neste substrato de exposição, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[3]. Destarte, a partir de uma análise profunda dos mencionados sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das situações concretas. Nas últimas décadas, o aspecto de mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial, quando se analisa a construção de novos que derivam da Ciência Jurídica.  Entre estes, cuida destacar a ramificação ambiental, considerando como um ponto de congruência da formação de novos ideários e cânones, motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação, de boa técnica se apresenta os ensinamentos de Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo, aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito mais ligadas às ciências biológicas, até então era marginalizadas”[4]. Assim, em decorrência da proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas discussões internacionais envolvendo a necessidade de um desenvolvimento econômico pautado em sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir que ocorra a conservação e recuperação das áreas degradadas, primacialmente as culturais.  Ademais, há de ressaltar ainda que o direito ambiental passou a figurar, especialmente, depois das décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha realçar que mais contemporâneos, os direitos que constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma patente preocupação com o destino da humanidade[5]·. Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que abriga em sua redação tais pressupostos como os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art. 3º – Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária”[6]. Ainda nesta esteira, é possível verificar que a construção dos direitos encampados sob a rubrica de terceira dimensão tende a identificar a existência de valores concernentes a uma determinada categoria de pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais prosperando a típica fragmentação individual de seus componentes de maneira isolada, tal como ocorria em momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em especial quando destaca: “Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os direitos de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos, genericamente, e de modo difuso, a todos os integrantes dos agrupamentos sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem, por isso mesmo, ao lado dos denominados direitos de quarta geração (como o direito ao desenvolvimento e o direito à paz), um momento importante no processo de expansão e reconhecimento dos direitos humanos, qualificados estes, enquanto valores fundamentais indisponíveis, como prerrogativas impregnadas de uma natureza essencialmente inexaurível”[7]. Quadra anotar que os direitos alocados sob a rubrica de direito de terceira dimensão encontram como assento primordial a visão da espécie humana na condição de coletividade, superando, via de consequência, a tradicional visão que está pautada no ser humano em sua individualidade. Assim, a preocupação identificada está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas influências afetam a todos, de maneira indiscriminada. Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides, que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta”[8]. Com efeito, os direitos de terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e concretização dos direitos fundamentais. 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente Em uma primeira plana, ao lançar mão do sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981[9], que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências, salienta que o meio ambiente consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e influências de ordem química, física e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de fatores abióticos, provenientes de ordem química e física, e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos apresentados por José Afonso da Silva, considera-se meio-ambiente como “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”[10]. Nesta senda, ainda, Fiorillo[11], ao tecer comentários acerca da acepção conceitual de meio ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com os componentes que cercam o ser humano, os quais são de imprescindível relevância para a sua existência. O Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com bastante pertinência, que: “(…) o meio ambiente é um conceito hoje geminado com o de saúde pública, saúde de cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz a Constituição, é por isso que estou falando de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é imbricado, é conceitualmente geminado com o próprio desenvolvimento. Se antes nós dizíamos que o meio ambiente é compatível com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a partir da Constituição, tecnicamente, que não pode haver desenvolvimento senão com o meio ambiente ecologicamente equilibrado. A geminação do conceito me parece de rigor técnico, porque salta da própria Constituição Federal”[12]. É denotável, desta sorte, que a constitucionalização do meio ambiente no Brasil viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que concerne, especificamente, às normas de proteção ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos corolários e princípios norteadores foram alçados ao patamar constitucional, assumindo colocação eminente, ao lado das liberdades públicas e dos direitos fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira, ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria de normas constitucionais, com elaboração de capítulo especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”[13]. Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988[14] está abalizado em quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que assegura o substrato de edificação da ramificação ambiental. Primeiramente, em decorrência do tratamento dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio ambiente foi içado à condição de direito de todos, presentes e futuras gerações. É encarado como algo pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma, não se admite o emprego de qualquer distinção entre brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso que possui, extrapola os limites territoriais do Estado Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou que: “A preocupação com o meio ambiente – que hoje transcende o plano das presentes gerações, para também atuar em favor das gerações futuras (…) tem constituído, por isso mesmo, objeto de regulações normativas e de proclamações jurídicas, que, ultrapassando a província meramente doméstica do direito nacional de cada Estado soberano, projetam-se no plano das declarações internacionais, que refletem, em sua expressão concreta, o compromisso das Nações com o indeclinável respeito a esse direito fundamental que assiste a toda a Humanidade”[15]. O termo “todos”, aludido na redação do caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz menção aos já nascidos (presente geração) e ainda aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao gênero humano o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em ambiente que permita desenvolver todas as suas potencialidades em clima de dignidade e bem-estar. Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e protegido pelos organismos sociais e pelas instituições estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável que se impõe, objetivando sempre o benefício das presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao Poder Público quanto à coletividade considerada em si mesma.      Assim, decorrente de tal fato, produz efeito erga mones, sendo, portanto, oponível contra a todos, incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito público interno ou externo, ou mesmo de direito privado, como também ente estatal, autarquia, fundação ou sociedade de economia mista. Impera, também, evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a possibilidade de quantificar quantas são as pessoas atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é indeterminada. Nesta senda, o direito à interidade do meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão robusta de um poder deferido, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas num sentido mais amplo, atribuído à própria coletividade social. Com a nova sistemática entabulada pela redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a lesões perpetradas contra o ser humano para se agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie humana está se tratando do bem-estar e condições mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies). Por derradeiro, o quarto pilar é a corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever geral de se responsabilizar por todos os elementos que integram o meio ambiente, assim como a condição positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente, tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio ambiente, trabalhando com as premissas de desenvolvimento sustentável, aliando progresso e conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da referida corresponsabilidade, são titulares do meio ambiente os cidadãos da presente e da futura geração. 3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos Introdutórios Quadra salientar que o meio ambiente cultural é constituído por bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que possuem valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico, científico, refletindo as características de uma determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo formada pela história e maciçamente influenciada pela natureza, como localização geográfica e clima. Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa interação entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado daquilo que era próprio das populações tradicionais indígenas e das transformações trazidas pelos diversos grupos colonizadores e escravos africanos”[16]. Desta maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela como instrumento robusto da sobrevivência da própria sociedade. Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens culturais materiais e imateriais portadores de referência à memória, à ação e à identidade dos distintos grupos formadores da sociedade brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio histórico e artístico nacional abrange todos os bens moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja de interesse público, por sua vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou por seu excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e ambiental”[17]. Quadra anotar que os bens compreendidos pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do passado e obras contemporâneas. Nesta esteira, é possível subclassificar o meio ambiente cultural em duas espécies distintas, quais sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o meio-ambiente cultural concreto, também denominado material, se revela materializado quando está transfigurado em um objeto classificado como elemento integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível citar os prédios, as construções, os monumentos arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico, paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos citados alhures, em razão de todos os predicados que ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso Especial N° 115.599/RS: “Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio cultural. Destruição de dunas em sítios arqueológicos. Responsabilidade civil. Indenização. O autor da destruição de dunas que encobriam sítios arqueológicos deve indenizar pelos prejuízos causados ao meio ambiente, especificamente ao meio ambiente natural (dunas) e ao meio ambiente cultural (jazidas arqueológicas com cerâmica indígena da Fase Vieira). Recurso conhecido em parte e provido”. (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em 27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça em 02.09.2002, p. 192). Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando este não se apresenta materializado no meio-ambiente humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade. Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a língua e suas variações regionais, os costumes, os modos e como as pessoas relacionam-se, as produções acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional. Neste sentido, é possível colacionar o entendimento firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N° 2005251015239518, firmou entendimento que “expressões tradicionais e termos de uso corrente, trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o patrimônio cultural de um povo”[18]. Esses aspectos constituem, sem distinção, abstratamente o meio-ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a geração e é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente”[19], decorrendo, com destaque, da interação com a natureza e dos acontecimentos históricos que permeiam a população. O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 2000[20], que institui o registro de bens culturais de natureza imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências, consiste em instrumento efetivo para a preservação dos bens imateriais que integram o meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo[21], em seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o registro de bens culturais de natureza imaterial que integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também estruturou uma política de inventariança, referenciamento e valorização desse patrimônio. Ejeta-se, segundo o entendimento firmado por Celso Fiorillo[22], que os bens que constituem o denominado patrimônio cultural consistem na materialização da história de um povo, de todo o caminho de sua formação e reafirmação de seus valores culturais, os quais têm o condão de substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos insertos em uma determinada comunidade. Necessário se faz salientar que o meio-ambiente cultural, conquanto seja artificial, difere-se do meio-ambiente humano em razão do aspecto cultural que o caracteriza, sendo dotado de valor especial, notadamente em decorrência de produzir um sentimento de identidade no grupo em que se encontra inserido, bem como é propiciada a constante evolução fomentada pela atenção à diversidade e à criatividade humana. 4 Apontamentos ao Inventário Participativo: Breves Comentários à Proeminência da Participação da Comunidade na proteção do patrimônio cultural De plano, cuida anotar que o artigo 216 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[23] estabelece, de maneira exemplificativa, os institutos e procedimentos a serem empregados em sede de tutela e salvaguarda do patrimônio cultural, comportando o alargamento do rol posto no texto constitucional. Nesta linha de exposição, quadra ponderar que o instituto do inventário não possui regulamentação infraconstitucional, de âmbito nacional, que estipule normas concernentes aos seus efeitos. Ao lado disso, não se pode olvidar que o Texto Constitucional estabelece que é competência concorrente da União, dos Estados-membros e do Distrito Federal, bem como dos Municípios  dispor acerca de mecanismos e instrumentos para proteger e salvaguardar o patrimônio histórico, cultural, artístico, turísticos e paisagísticos. Diante desse cenário, no qual se constata a omissão da norma infraconstitucional federal em estabelecer regramento que disponha acerca do inventário, na condição de instituto protetivo do patrimônio cultural, poderão os demais entes federativos legislar sobre a proteção e preservação de seus patrimônios culturais. Nesta senda, o inventário, na condição de instrumento de preservação e salvaguarda cultural, consiste na identificação das características, particularidades, histórico e relevância cultural, objetivando dispensar a proteção dos bens culturais materiais, públicos ou privados, devendo-se, para tanto, adotar, no que tange à execução, critérios técnicos objetivos e alicerçados de natureza histórica, artística, arquitetônica, sociológica, paisagística e antropológica. Nesta toada, quadra primar que inventariar significa descrever, de maneira minuciosa, a relação e conjunto de bens culturais. “O inventário, na seara patrimonial, é instrumento de conhecimento de bens culturais, seja de natureza material ou imaterial, que subsidia as políticas de preservação do patrimônio cultural”[24]. Há que se destacar, assim, que o inventário dos bens culturais implica no levantamento minucioso e completo dos bens culturais, objetivando abarcar a diversidade de patrimônio existente. Insta anotar que o inventário é uma das atividades elementares para o estabelecimento e priorização de ações dentro de uma política volvida para a preservação e gestão do patrimônio cultural, notadamente quando há que se considerar que toda medida de proteção, intervenção e valorização do patrimônio cultural reclama o prévio conhecimento dos acervos existentes. Sobre a temática colocada em exame, Marcos Paulo de Souza Miranda, em seu magistério, explica: “Sob o ponto de vista prático o inventário consiste na identificação e registro por meio de pesquisa e levantamento das características e particularidades de determinado bem, adotando-se, para sua execução, critérios técnicos objetivos e fundamentados de natureza histórica, artística, arquitetônica, sociológica, paisagística e antropológica, entre outros. Os resultados dos trabalhos de pesquisa para fins de inventário são registrados normalmente em fichas onde há a descrição sucinta do bem cultural, constando informações básicas quanto a sua importância histórica, características físicas, delimitação, estado de conservação, proprietário etc”[25]. A essência do inventário é o de apreciar o bem, porquanto só se pode proteger aquilo que se conhece fundamentando, inclusive, um posterior pedido de tombamento. O pedido do tombado não é uma consequência imediata, sendo possível, após o estudo propiciado pelo instituto em comento, que determinado bem não seja passível de tombamento, o que mostra a incoerência de se atrelar ao inventário o efeito de restrição da propriedade. Prima sublinhar que a ausência de uma norma infraconstitucional regulamentadora do instituto do inventário não obsta o Poder Público utilizar-se de tal instrumento na  condição de fonte de conhecimento dos bens culturais alvos da patrimonialização. De igual modo, é defeso falar em produção da insegurança jurídica, eis que o inventário encontra-se previsto constitucionalmente,  afigurando-se como prática corriqueira  dos órgãos da preservação do patrimônio. “O que gerará turbulência no ofício dos gestores do patrimônio é a previsível relutância dos proprietários de imóveis a ser inventariados de abrir suas portas para o levantamento de dados desse bem cultural, o que já acontece com os proprietários de imóveis tombados”[26]. Com propriedade, Miranda apresenta a seguinte distinção: “O Inventário e o Tombamento não se confundem. Trata-se de instrumentos de efeitos absolutamente diversos, embora ambos sejam institutos jurídicos vocacionados para a proteção do patrimônio cultural. O inventário é instituto de efeitos jurídicos muito mais brandos do que o tombamento, mostrando-se como uma alternativa interessante para a proteção do patrimônio cultural sem a necessidade Administração Pública de se valer do obtuso e, não raras vezes, impopular instrumento do tombamento”[27]. Nesta linha, o tombamento, por mais que ainda sobrepuje os demais instrumentos elencados como mecanismos de preservação cultural, há muito não é destinado apenas à excepcionalidade. Com efeito, cuida pontuar que o inventário instrumentaliza o tombamento, não podendo, portanto, ser com ele confundido, eis que encerra aspectos característicos próprios. Ao lado disso, os bens inventariados devem, imperiosamente, ser conservados adequadamente por seus proprietários, eis que ficam submetidos ao regime jurídico específico dos bens culturais protegidos. Em igual sedimento, os bens inventariados somente poderão ser destruídos, inutilizados, deteriorados ou alterados por meio de prévia autorização do órgão responsável pelo ato protetivo, que deve exercer singular vigilância sobre o patrimônio inventariado. Olender, ao esmiuçar o instituto em comentário, explicita que: “Entendemos que, a partir do momento que, historicamente, o inventário se consolida, no Brasil, como aquilo que denominamos de “inventário de conhecimento ou de identificação” e que, nos últimos anos – principalmente a partir da própria atuação do poder judiciário – começa, concomitantemente, a ser utilizado como sinônimo daquilo que na França é denominado de “inventário suplementar” nos cabe, para não incorrermos em  uma  confusão  que  será  bastante  prejudicial  para  o desenvolvimento das políticas e das práticas de preservação do patrimônio em nosso país, partir para uma melhor denominação das ações hoje empreendidas com este nome. Penso que possuímos, neste caso, duas opções: 1) manter-se a denominação de inventário para aquela ação que se já encontra há mais tempo consolidada e criando-se outra denominação para o citado “tombamento flexível”; ou 2) adjetivar, sempre, os dois tipos de inventário aqui apresentados, denominando-se aquele inventário que entendemos já consolidado como “inventário de conhecimento”, “inventário de identificação” ou “inventário de proteção” e o segundo tipo de “inventário para a preservação” (como faz a legislação baiana), ou “inventário de estruturação e de complementação” (como faz a gaúcha), ou algum outro termo que o diferencie do anterior. Só assim, poderemos contribuir para a resolução desta questão que, infelizmente, provoca um desacordo entre diversos e importantes agentes responsáveis pela preservação deste patrimônio”[28]. Cuida mencionar, assim, no processo de preservação do patrimônio cultural, o instituto do inventário, como parte dos procedimentos de análise e compreensão da realidade, constitui-se na ferramenta elementar para o conhecimento do acervo cultural e natural. Ao lado disso, a realização do inventário com a participação a comunidade proporciona não somente a obtenção do conhecimento do acervo por ela atribuído ao patrimônio, mas, ainda, o fortalecimento dos seus vínculos em relação ao patrimônio. Verifica-se, assim, que, mesmo não havendo disposição infraconstitucional expressa sobre o instituto em comento, tal fato não obstaculariza a utilização do instrumento em comento pelo Poder Público, notadamente em decorrência da proeminente atenção reclamada pela tutela e salvaguarda de tal bem jurídico. Tecidos tais comentários, ao se analisar o inventário participativo, cuida evidenciar que o ideário que norteia esta forma de inventariar repousa na busca de promover a participação direta do cidadão, e não somente a opinião técnica, não estando simplesmente adstrita na concepção óbvia de que as ações públicas devem ser participativas para ter êxito em ampla representatividade social. Ao lado disso, quadra frisar que o inventário participativo nem tão pouco na premissa de que envolver a comunidade é uma forma de “educação patrimonial” e de conscientização social. Um pouco mais que isto, a concepção de Inventário Participativo tem por trás de si o debate sobre o direito de decidir o que é e o que não é possível de preservação e, portanto, merece todos os esforços do poder público para a sua valorização, difusão e preservação, o que evidentemente deve ser de todos, questão esta colocada primeiramente pela Constituição Cidadã de 1988. E, ainda, outra consequência natural desta participação ampla, desta abertura no direito de valorar os bens patrimoniais que é a evocação de bens de natureza diversas, tangíveis e intangíveis, móveis e imóveis, documentais, memória de vidas, sítios arqueológicos, ecológicos e paisagísticos, de acordo com a reabrangência do conceito de Patrimônio Cultural estabelecida pelo artigo 216 da Constituição de 1988, numa prova definitiva da superação do critério da monumentalidade e da influente tradição arquitetônica.
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Resolução extrajudicial de conflitos envolvendo a administração pública
Os princípios da indisponibilidade de bens e direitos e da supremacia do interesse público são utilizados para justificar um sistema de privilégios processuais concedidos à Administração Pública. Privilégios esses que frustram as expectativas dos particulares em obter a tutela jurisdicional efetiva face aos entes públicos. Fato que é incompatível com o atual cenário de concretização de direitos fundamentais e de reconhecimento do direito ao processo justo. A interpretação constitucional do Direito Administrativo confere maior flexibilidade às relações mantidas entre a Administração Pública e os particulares, configurando um modelo de gestão pública democrático. Diante disto, o presente artigo tem como objetivo central discutir a possibilidade da utilização de métodos alternativos em conflitos envolvendo a Administração Pública. O resultado dessa análise é a apresentação de um suporte jurídico possibilitando a utilização desses métodos alternativos nos conflitos envolvendo à administração pública, bem como apresentar os benéficos proporcionados por esses métodos.
Direito Administrativo
1 – INTRODUÇÃO Antes do surgimento do Estado, os conflitos eram solucionados, basicamente, através dos sistemas de autotutela e de autocomposição. Na autotutela o indivíduo mais forte se impõe sobre o mais fraco. Já a autocomposição é caracterizada por três aspectos: desistência, submissão e transação. Na desistência ocorre a renúncia à pretensão; na submissão o sujeito passivo renuncia sua resistência anteriormente oferecida à pretensão do autor; e, por fim, na transação as duas partes fazem concessões recíprocas acerca do interesse em conflito. Os Estados assumiram a responsabilidade sobre a solução do litígio. Porém, não dá conta da demanda crescente de processos, o que gerou a crise de efetividade do Poder judiciário. É possível se observar excesso de burocratização dos serviços, morosidade, custos elevados e má qualidade da prestação jurisdicional. O Judiciário Nacional lida com grande responsabilidade frente sua efetividade. Para Rafael Tadeu Santos de Souza, o processo efetivo é aquele que respeitado o equilíbrio entre os valores de celeridade e segurança, oferece as partes o resultado desejado pelo direito material. Ou seja, há duas condicionantes para que ele seja efetivo: a verdadeira realização da justiça e a celeridade processual. Em contrapartida aos problemas enfrentados pelo Judiciário surgem formas alternativas de solução de conflitos, proporcionando justiça e celeridade. Diante dessa realidade a Administração Pública precisa se reestruturar de forma a atuar de acordo com a constitucionalização do direito administrativo e garantir os direitos fundamentais, mesmo diante da crise do Poder Judiciário. Para isso é necessário que ela modifique sua forma de relacionar com o cidadão. É preciso incentivar um espírito de colaboração e de pacífica coexistência e participação. Propugna-se que à nova Administração Pública cabe o papel de desconstruir dogmas administrativos clássicos para permitir o avanço da gestão estatal consensual, na qual o processo administrativo garanta os direitos fundamentais e atenue a face arbitrária e autoritária da Administração que é incompatível com a nova ordem constitucional. 2 – Garantias processuais face à Pessoa Jurídica de Direito Público Os processos cujo litígio envolve a fazenda pública carecem de efetividade, porque há um desequilíbrio de forças patente entre os particulares e a Administração Pública, em razão dos privilégios processuais fazendários. De acordo com Leonardo José Carneiro da Cunha a expressão Fazenda Pública se relaciona com: “(…) as finanças estatais, estando imbricada com o termo erário, representando o aspecto financeiro do ente público. (…) O uso frequente do termo Fazenda Pública fez com que se passasse a adotá-la num sentido mais lato, traduzindo atuação do Estado em juízo; em Direito Processual, a expressão Fazenda Pública contém o significado de Estado em juízo. Daí por que, quando se alude a Fazenda Pública em juízo, a expressão apresenta-se como sinônimo do Estado em juízo ou do ente público em juízo, ou, ainda, da pessoa jurídica de direito público em juízo.” (CUNHA, 2006, p. 15) Na legislação processual pátria é possível identificar diversas prerrogativas do Poder Público no âmbito do processo judicial, tais como, inversão do ônus da prova, em decorrência da presunção de legalidade dos atos administrativos; prazos dilatados (art. 188, CPC e art. 106 do NCPC); reexame necessário (art. 475, CPC e 483 do NCPC); dispensa de preparo ou depósito prévio (art. 488, parágrafo único c/c 511, §1º,CPC e art. 921 do NCPC); possibilidade de condenação do Poder Público abaixo do mínimo legal de 10% sobre a condenação (art. 20, § 4º, CPC); execução de créditos por precatórios ao adversário (art. 100, CR/88). Todas essas prerrogativas foram mantidas no novo Código de Processo Civil. Esses privilégios são autorizados pela supremacia do interesse público. No entanto, a atual interpretação do texto constitucional impõe à administração pública uma atuação no sentido de promover a democracia e os direitos fundamentais. Para isso é necessário que se garanta os princípios constitucionais processuais, dentre eles da isonomia. O princípio da isonomia, de acordo com o moderno Direito Processual Civil, deve ser interpretado a luz da Constituição. Assim, mesmos nos processos que envolvam a Administração Pública, a legislação e o juiz no caso concreto devem garantir às partes uma paridade de armas. De forma que o particular não seja prejudicado em nome de um suposto benefício à coletividade. É importante ressaltar que o Estado Contemporâneo tem como finalidade a promoção e o desenvolvimento dos indivíduos e da própria sociedade, o que não pode ser alcançado sem que se promova a efetividades desses processos. Nesse sentido, Gustavo Justino de Oliveira pondera que: “[…] o fim do Estado contemporâneo parece ser o de constituir-se em canal e instrumento indispensável para a promoção do desenvolvimento dos indivíduos e da própria sociedade. Eis uma leitura atualizada da consagrada expressão bem comum, entendida pela doutrina clássica como a finalidade a ser perseguida pelo Estado”. (OLIVEIRA, 2005, p. 162) Para que isso ocorra é necessário equilibrar a relação entre o sujeito público e os direitos dos particulares, reconhecendo que há direitos e deveres tanto para a Administração como para os demais sujeitos. A administração não pode ser alheia nem omissa face aos direitos dos indivíduos, vez que o Estado de Direito Democrático deve proteger os direitos fundamentais dos homens e a dignidade da pessoa humana, verdadeiros substratos que perfazem o núcleo essencial da nossa Constituição da República. Os conflitos que envolvem a administração devem ser solucionados em simetria com a ordem constitucional, de forma a impedir que prejuízos e danos juridicamente injustos afetem direitos dos particulares. Nessa linha, como forma de melhorar as relações entre a Administração e os particulares surge a nova face da Administração Pública, a Administração Pública Consensual. Dessa forma, é tarefa da Administração Pública consensual empregar mecanismos consensuais, tais como a conciliação, a mediação, a arbitragem, como soluções preferenciais aos comandos estatais unilaterais e imperativos que dominavam o Direito Administrativo clássico, de forma a superar o desequilíbrio provocado pelas prerrogativas processuais fazendárias. 3- Princípio da supremacia do interesse público A doutrina defende que dentre os princípios que sustentam a relação entre o Estado e o particular está o princípio da supremacia do interesse público. Celso Antônio Bandeira de Melo afirma que: “O princípio da supremacia do interesse público sobre o privado é princípio geral de Direito inerente a qualquer sociedade. É a própria condição de sua existência.” (BANDEIRA DE MELO, 2009, p. 96) Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro tal princípio decorre do antagonismo típico da administração pública, que tutela a liberdade dos indivíduos ao mesmo tempo que deve garantir o bem comum. Assim, para assegurar que a Administração Pública alcance seus fins, são-lhe outorgados prerrogativas e privilégio que lhe permitem assegurar a supremacia do interesse público sobre o particular. “[…] Ao mesmo tempo que as prerrogativas colocam a Administração Pública em posição de supremacia perante o particular, sempre com o objetivo de atingir o benefício da coletividade, as restrições a que está sujeita limitam a sua atividade a determinados fins e princípios que, se não observados, implicam desvio de poder e consequente nulidade dos atos da Administração.” (DI PIETRO, 2009, p. 61-62) Essa supremacia decorre do fato de ser o Estado responsável por satisfazer as necessidades concretas e específica da coletividade, o que se denomina interesse público. Celso Antônio divide o interesse público em propriamente dito ou primário e secundário: “Interesse público ou primário, repita-se, é o pertinente à sociedade como um todo, e só ele pode ser validamente objetivado, pois este é o interesse que a lei consagra e entrega à compita do Estado como representante do corpo social. Interesse secundário é aquele que atina tão só ao aparelho estatal enquanto entidade personalizada, e que por isso mesmo pode lhe ser referido e nele encarnar-se pelo simples fato de ser pessoa, mas que só pode ser validamente perseguido pelo Estado quando coincidente com o interesse público primário.” (BANDEIRA DE MELO, 2009, p. 99) Mesmo quando o Estado age com a finalidade de atingir um interesse secundário, o fim último de sua atuação deve ser voltado para o interesse público propriamente dito. Assim, o sistema jurídico diferencia o ente público em relação ao particular como forma de garantir a implementação de políticas públicas visando a efetivação do interesse público. Parte da doutrina moderna entende que o princípio da supremacia não deve prevalecer em todas as situações. Para esses doutrinadores diante do conflito entre direitos fundamentais constitucionais e interesses públicos de envergadura constitucional a eventual vitória do interesse público só seria defensável após se aplicar o princípio da proporcionalidade. Ou seja, a supremacia do interesse público deixa de ser absoluta quando existe direitos constitucionais fundamentais a serem tutelados. Dessa forma, a atuação estatal não pode desrespeitar o princípio da dignidade humana para alcançar uma meta coletiva. O entendimento mais acertado é no sentido de que a Constituição deve ser compreendida e efetivada a partir dos direitos fundamentais, pois são eles que controlam, limitam e racionalizam o poder do Estado. Isabelle de Baptista: “O princípio da supremacia do interesse público adentra o ordenamento jurídico brasileiro nesse espírito de imposição de uma superioridade a priori, não para fins de realização das razões de Estado, mas para o exercício de uma desigualdade frente aos interesses particulares, apenas para a imposição e satisfação dos direitos e garantias fundamentais inseridos na atual ordem constitucional, como legítimos interesses públicos.” (2013, p. 65) Schier afirma que o interesse em efetivar os direitos fundamentais integra a própria noção de interesse coletivo que requer tratamento diferenciado do Poder Público: “[…] Assim, os direitos, as liberdades e garantias fundamentais não são compreendidos como “concessões” estatais e nem tampouco podem ser vistos como um “resto” de direitos que só podem ser afirmados quando não estejam presentes outros interesses mais “nobres”, quais sejam, os públicos. Ao contrário, os direitos fundamentais “privados” devem integrar a própria noção do que seja interesse público e este somente se legitima na medida em que nele estejam presentes aqueles, a regra, portanto, é de que não se excluem, pois compõem uma unidade normativa axiológica.” (SCHIER, 2005, p.228) Em relação ao interesse público secundário, que não efetiva diretamente os direitos fundamentais, a Administração Pública não está constitucionalmente autorizada a se valer das prerrogativas a fim de efetivar interesses patrimoniais do Estado. 4- Princípio da indisponibilidade O princípio da indisponibilidade parte de premissa de que os bens e interesses públicos não pertencem à Administração Pública nem a seus agentes, sendo a coletividade a titular dos interesses e direitos púbicos. De acordo com tal princípio, a administração, por atuar em nome de terceiro, não possui livre disposição dos bens e interesses públicos. É necessário haver flexibilização do rigor do princípio da indisponibilidade do interesse público na versão da doutrina clássica, de modo a aceitar a existência de relações jurídicas horizontais. As prerrogativas especiais do Estado em face do particular somente são legítimas nos casos em que há justa razão para tanto. 5 – Meios extrajudiciais de solução de conflito O Poder judiciário, a partir de metade do séc. XX, tem enfrentado uma grande crise, que pode ser compreendida sobe dois enfoques: de eficiência e de identidade. A crise de eficiência é caracterizada pelo contrabalanceamento entre a oferta e a procura judicial, que tem como consequência a acumulação de processos, a morosidade e a ineficácia do sistema. O que, de acordo com Faria (1996, p. 34) acentuou “progressivamente o fosso entre o sistema jurídico e os diferentes interesses sociais e econômicos em confronto”. Já a crise de identidade é marcada pelo excessivo formalismo dos juízes e o descompasso da atuação do judiciário frente à realidade social. Essa crise do Poder Judiciário provoca o descontentamento da população, a morosidade na solução dos litígios, alto custo operacional da atividade jurisdicional e a dificuldade do acesso à justiça. O acesso à justiça, por sua vez, vai muito além do direito de petição perante o Poder Judiciário. É preciso propiciar o acesso a uma ordem jurídica justa, caracterizada por baixos custos, pela rapidez e principalmente por garantir os direitos dos indivíduos. Capepelletti e Garth ressaltam a importância do acesso à justiça: “[…] o acesso à Justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.” (Capepelletti e Garth,1988, p. 12) A fim de consolidar a justiça em sentido amplo esses autores propõem um movimento denominado de “ondas renovatórias”. A primeira onda tem como objetivo propiciar o acesso àqueles que não pode arcar com as custas do processo; a segunda onda trata dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos; a terceira onda denominada de enfoque ao acesso à justiça, detém a concepção mais ampla de acesso à justiça. No contexto da terceira onda encontramos os métodos extrajudiciais de resolução de conflitos, que têm como objetivo a maior pacificação social e menor judicialização. Nesse cenário o Poder judiciário não pode ser visto como a única alternativa de solução de litígios. Nesse sentido Cappelletti e Garth defendem a necessidade de se criar: “[…] Um sistema destinado a servir à pessoas comuns tanto autores, quanto réus, deve ser caracterizado pelo baixos custos, informalidade e rapidez, por julgadores ativos e pela utilização de conhecimentos técnicos bem como jurídicos.” (Capepelletti e Garth,1988, p. 94) Os mecanismos extrajudiciais de resolução de conflito aparecem como uma opção capaz de proporcionar uma ordem jurídica justa. Para isso é necessária a criação de órgãos e setores, supervisionados pelo Poder Judiciário, capazes de promover a tutela jurisdicional diferenciada. Também denominados de equivalentes jurisdicionais, os meios alternativos de solução de lides mais conhecidos são “a intermediação (negociação, arbitragem, conciliação e mediação) e a autocomposição.” (TAVARES, 2002, p. 41). 5.1- Mecanismos de resolução extrajudicial As três técnicas são norteadas pelo princípio da informalidade, da simplicidade, da economia processual, da celeridade, da oralidade e da flexibilidade processual. De acordo com Gregório Assagra e Igor Lima, na Resolução n.º 125 do CNJ: “[…] parte da premissa de que a conciliação e a mediação são instrumentos efetivos de pacificação social, solução e prevenção de litígios, pois, em programas já implementados no país, a excessiva judicialização dos conflitos de interesses estaria sendo reduzida, assim como a quantidade de recursos e de execução de sentenças.” (2014, p. 80-81) Paroski declara que: “Quanto à mediação e a à conciliação, não se trata verdadeiramente de meios que têm o condão de substituir a jurisdição estatal na solução de problemas jurídicos, mas sim, de métodos ou técnicas que podem ser empregados para facilitar a tarefa de se encontrar a solução mais adequada par ao litígio, diretamente pelas partes ou com o auxílio de um terceiro, […] tanto judicialmente quanto extrajudicialmente, trazendo como corolário a pacificação social, quando levam à eliminação do conflito de interesses.” (2008, p. 304) Esses instrumentos de pacificação social visam a diminuição da judicialização e a solução de litígios de forma adequada. 5.1.1- Mediação A mediação é uma das técnicas de solução de lides na qual uma terceira pessoa, neutra e imparcial, atua de forma a encontrar um ponto de equilíbrio na controvérsia. Ela facilita o diálogo entre as partes para que elas construam uma solução justa, de forma a compatibilizaram seus interesses e necessidades. Tavares afirma que a mediação é composta de três elementos, a saber: “a) intervenção de terceiros (pessoa basicamente neutra ou, quando menos, interessada apenas na composição, que é o mediador); b) disputa (elemento que preexiste à mediação, sendo necessária a presença de duas ou mais pessoas, que precisam estar disputando direitos) e c) intenção de promover acordo para pôr fim ao litígio (vontade, disposição e esforços, especialmente do mediador, para o interno).” (TAVARES, 2002, p. 67). Além disso, ele resume os seguintes princípios da mediação: “- Voluntariedade: aceitação por livre iniciativa ou aceitação das partes. Significa a disposição de cooperação para o objetivo da mediação. – Não adversariedade: não competição das partes, as quais não objetivam ganhar ou perder, mas solucionar o problema. – Intervenção neutra de terceiro: terceira parte, catalisadora das soluções. – Neutralidade: não interferência no mérito das questões. – Imparcialidade, isto é, ausência de favoritismo ou preconceito com relação a palavras, ações ou aparência, significado, por parte do mediador, um compromisso de ajuda a todas as partes e na manutenção desta imparcialidade no levantamento de questões, ao considerar temas como realidade, justiça, equidade e viabilidade de opções propostas para acordo. – Autoridade das partes: poder de decisão sobre as questões em disputa, já que são elas as responsáveis pelos resultados e pelo próprio andamento do processo. – Flexibilidade do processo: a mediação não é um processo rígido, uma vez que não está restrita à aplicação de normas genéricas e pré-estabelecidas e sua estruturação depende, basicamente, das partes e dos procedimentos por elas próprias escolhidas. – Informalidade, que se caracteriza pela ausência de estrutura e inexistência de conformidade a qualquer norma substantiva ou de procedimento. – Privacidade: a vontade das partes se manifesta de maneira autônoma, baseada em interesses privados, no âmbito privado. – Consensualidade, no sentido de não haver uma decisão imposta às partes. Leva-se em consideração o resultado de deliberação das partes e desta vontade é que se extrairá a sujeição ao acordo daí surgido. – Confidencialidade, que é um dos princípios norteadores da mediação. As informações são restritas ao âmbito das partes e do interventor. Salvo restritas eventualidades (por exemplo, os próprios sujeitos darem publicidade ao processo ou às decisões, visto que têm liberdade para tal), nada pode ser utilizado em juízo ou ter publicidade.” (TAVARES, 2002, p. 67-68). É importante ressaltar que a mediação é o processo dinâmico que visa ao entendimento, buscando desarmar as partes envolvidas no conflito para que não ocorra a judicialização da demanda. O mediador não tem poder decisório nem influencia diretamente na decisão, que é das partes. Atualmente a mediação encontra-se regulamentada pela lei 13.140/15, que dispõe sobre a mediação como meio de solução de controvérsias entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública. Além de ser prevista na lei 9.099/95 e no novo Código de Processo Civil. 5.1.2- Conciliação A conciliação é um meio alternativo de resolução de conflitos em que as partes confiam a um terceiro facilitador a função de aproximá-las e orientá-las na construção de um acordo. O conciliador pode adotar uma posição mais ativa, influenciando diretamente na decisão das partes por intermédio de uma intervenção mais direta e objetiva, porém deve adotar uma postura neutra e imparcial com relação ao conflito. É um processo consensual breve, que busca uma efetiva harmonização social e a restauração, dentro dos limites possíveis, da relação social das partes. Está prevista em diversas leis, por exemplo, lei 9.099/95 e o Novo Código de Processo Civil. 5.1.3- Arbitragem De acordo com Cappelletti e Garth: “O juízo arbitral é uma instituição antiga caracterizada por procedimentos relativamente informais, julgadores com formação técnica ou jurídica e decisões vinculatórias sujeitas à limitadíssima possibilidade de recurso.” (1988, p. 82) Trata-se de um mecanismo de heterocomposição, na qual os conflitantes buscam em uma terceira pessoa, que irá certificar o direito, caso existente. A solução do litígio será amigável e imparcial do litígio. É uma atividade privada que tem como característica o fato de somente se realizar por vontade expressa das partes. Sendo que apenas as pessoas capazes de contratar podem pactuar compromisso arbitral, além disso, os litígios deverão versar sobre direitos patrimoniais disponíveis. Pode ser determinada na elaboração do contrato, pela cláusula arbitral ou depois do surgimento da questão controvertida, pelo compromisso arbitral, sendo também obrigação das partes a indicação de um ou mais terceiros para serem árbitros O arbitro deve prolatar a sentença de conhecimento que coloca fim ao conflito. Ele deve observar as regras pactuadas para conduzir o processo e dar a solução adequada. No Brasil a arbitragem está regulada pela lei 9.307/96, que foi posteriormente alterada pela lei 13.129/15. 6- Resolução extrajudicial envolvendo a Administração Pública. No Brasil, a atuação extrajudicial da Administração Pública na resolução dos próprios conflitos ainda encontra resistência. O principal argumento é de que a dispensa da decisão do Judiciário ensejaria violação ao princípio da indisponibilidade do interesse público e da sua supremacia sobre os interesses particulares. Para quem defende esse argumento a livre disposição dos bens e interesses públicos afronta as prerrogativas da administração e os direitos da coletividade como um todo. Essa preocupação se baseia no fato da Administração pública ser a simples gestora dos bens e direitos que pertencem a toda a coletividade. Ocorre que o modelo de Estado Democrático de Direito baseia-se na ideia de que o exercício do poder deve ser exercido de forma a garantir o respeito aos direitos humanos e às garantias fundamentais. Para isso é necessário a participação dos cidadãos de forma plural, a aproximação do povo aos serviços prestados pelo Estado e a desburocratização administrativa. O processo de constitucionalização do direito reconfigurou o Estado e exigiu uma reestruturação da Administração Pública. Os princípios da legalidade e o da supremacia do interesse público sobre o privado deixam de ser a ideia central. O objetivo da administração pública é a promoção dos direitos fundamentais, constitucionalmente garantidos. A atividade administrativa não está mais “sujeita a uma legalidade-em-si, mas ao Direito construído, desvelado e aberto a partir da pluralidade de indícios formais-constitucionais, materializados em valores, princípios e preceitos constitucionais” (OHLWEILER, 2004, p. 320). Nesse sentido, Barroso afirma que: “Supera-se, aqui, a ideia restritiva de vinculação positiva do administrador à lei, na leitura convencional do princípio da legalidade, pela qual sua atuação estava pautada por aquilo que o legislador determinasse ou autorizasse. O administrador deve o pode atuar tendo como fundamento direto a constituição e independentemente em muitos casos de qualquer manifestação do legislador ordinário.” (2009, p. 375) O princípio da supremacia do interesse público também deve ser reformulado no contexto do constitucionalismo contemporâneo. Esse princípio sequer é previsto na Constituição brasileira. Tal princípio não pode ser priorizado a todo custo. Os direitos individuais devem ser igualmente protegidos. Nesse sentido, Georges afirma que: “[…] a garantia e o exercício dos direitos fundamentais estão caracterizados por um entrecruzamento de interesses públicos e interesses individuais. A tutela da vida, da liberdade e da propriedade no Estado Constitucional é uma exigência legítima tanto do indivíduo como da comunidade, ou seja, existe no interesse público e no interesse privado. Esta conclusão é de fundamental importância para se impedir que a restrição a direito fundamental possa ser realizada com fundamento no interesse público. Deste modo, se nos direitos fundamentais estão fundidos interesses públicos e interesses privados, disso se obtém que tão logo uma liberdade constitucional seja restringida, é também afetada a coletividade. Tão logo algum direito fundamental seja lesionado também e sempre será afetado o interesse público.” (2011, p. 97) Nesses termos, não pode a Administração Pública partir da premissa de que o interesse coletivo deve prevalecer diante do interesse individual. Sua atuação deve ser no sentido de garantir os direitos fundamentais e os princípios constitucionalmente consagrados. Diante da constitucionalização do direito administrativo, a princípio da indisponibilidade do interesse público não pode servir como barreira para evitar a negociação, alienação ou renúncia de bens e direitos pela Administração Pública, que deve ocorrer sempre em respeito aos princípios constitucionais. Assim, o Estado deve atuar de forma a dar máxima eficácia aos direitos e garantias fundamentais, diante do caso concreto. Não sendo possível declarar, aprioristicamente, a supremacia de alguns bens e direitos. Todavia, é preciso esclarecer que o Poder Público não tem a mesma liberdade que os particulares, no que diz respeito ao uso e gozo de bens e direitos exclusivamente privados, na gestão dos interesses de titularidade pública. Em suma, os direitos fundamentais devem prevalecer mesmo diante da supremacia do interesse público. Assim, não há motivos para que o Estado não realize a resolução extrajudicial de seus conflitos. Marina Santos declara que: “Nesse contexto, se a busca por soluções mais céleres, autônomas e efetivas dos conflitos é vantajosa aos particulares, para o Estado ela não só não ofende qualquer postulado do direito administrativo como se traduz em mandamento expressamente posto pela Constituição brasileira, que impõe à Administração Pública a moralidade, a eficiência e a juridicidade como parâmetros necessários de sua conduta.” (p.15) Uma Administração proba e eficiente é aquela que identifica seus erros e atua eticamente no sentido de corrigi-los ou repará-los, quando cabível. Bem como aplica seus recursos da forma mais racional possível. Nesses termos, o Estado deve atuar de forma a evitar que ocorra lesões a particulares, porém se ocorrer alguma lesão ele deve reparar. Sendo, que o Estado deve sempre buscar, primordialmente, a resolução dos seus litígios fora dos tribunais. Por isso, não pode deixar de oferecer a solução mais eficiente e efetiva para o conflito. É importante ressaltar que a Administração Pública não pode abandonar seu papel de tutor do interesse público. Motivo pelo qual não pode realizar de acordos e concessões espúrias, ofensivas ao interesse público, não por ser a transação incompatível com a supremacia desse interesse. Assim, a autocomposição dos litígios no âmbito do direito público apresenta-se em harmonia com um direito administrativo constitucionalizado. A legislação brasileira evoluiu no sentido de permitir o uso de tais institutos pela Administração Pública. A lei 9.307, foi alterada recentemente pela lei 13.129/15, em seu art. 1º, §1º, permite que a Administração Pública utilize da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Já a Lei 13.140, em ser art. 32 prevê a possibilidade de autocomposição de conflitos em que for parte pessoa jurídica de direito público, porém essa lei ainda não entrou em vigor. CONCLUSÃO Diante do exposto, conclui-se pela possibilidade e necessidade da utilização destes meios alternativos nos conflitos envolvendo a Administração Pública. O Poder Judiciário praticamente detém o monopólio e a confiança da sociedade na solução de litígios. Essa cultura de acionar o Estado é um dos motivos do sobrecarga do Poder Judiciário. Entretanto, o problema não é meramente cultural, mas especialmente político e técnico. Porém, é preciso divulgar e estimular a utilização dos meios extrajudiciais de solução de conflitos, de forma a se evitar um processo moroso e desgastante. Desse modo, torna-se mais célere a prestação jurisdicional e dá-se um tratamento mais adequado aos conflitos. A adoção desses métodos pelo Estado, na solução de seus próprios conflitos, configura a realização do interesse público na promoção da justiça, além de ser um tributo à eficiência, à moralidade e à juridicidade na atuação administrativa. Para isso é necessário a superação da clássica dicotomização entre direitos individuais e coletivos, que contraria o direito administrativo constitucionalizado.
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Dos bens públicos e da sua alienação
Os bens públicos refletem significativa importância a todos os administrados e não somente a administração, razão pela qual este artigo vem com fito de esclarecer alguns conceitos. A pesquisa objetiva trazer uma ampla visão do que são os bens públicos e a forma de sua utilização, quer pela administração quer pelos particulares. Ainda, com maior relevo e destaque traz-se a discutível inalienabilidade dos bens públicos, com enfoque aos institutos da afetação e da desafetação, culminando na alienação destes bens. Complementando o estudo, o artigo traz informações sobre a alienação dos bens públicos, sem olvidar as regras específicas da Lei n.º 8.666/93. Para o pleno desenvolvimento da pesquisa a mesma alicerçou-se em consultas bibliográficas e de jurisprudências dos diversos tribunais do país, em especial dos Tribunais de Justiça dos Estados do Paraná e de São Paulo e, também do Superior Tribunal de Justiça.
Direito Administrativo
1 Introdução Hodiernamente é impossível vislumbrar uma sociedade sem uma organização, quer pelas crescentes evoluções científicas e tecnológicas, quer pela necessidade de haver uma convivência minimamente harmoniosa entre os civis. Assim, a administração pública exerce papel fundamental na vida dos administrados, necessitando de bens para poder prestar os serviços públicos necessários a todos. Diante da importância do papel da administração pública e seu impacto na vida de todos é que esta pesquisa preocupa-se em abordar os bens públicos que fazem parte do patrimônio da administração pública. Inicialmente conceitua-se o que são bens públicos subdividindo-os em dois grupos, os quais comportam mais três espécies. Analisa-se cada uma das três espécies de bens públicos, conceituando-as e exemplificando-as, a fim de facilitar o entendimento pelo leitor, sempre fazendo paralelos com dispositivos do Código Civil. Conceituadas as espécies, a pesquisa parte para a análise da questionável inalienabilidade dos bens públicos ante a existência do instituto da afetação e da desafetação. Tendo em vista os institutos, supra mencionados, há uma clara possibilidade de alienação dos bens públicos, possibilidades as quais são analisadas com enfoque para as regras específicas previstas na Lei n.º 8.666/93. Ao final pretende-se possibilitar ao leitor uma maior compreensão do que são os bens públicos, suas espécies e principais características. Sem olvidar, do objetivo principal, que é permitir ao receptor obter noções claras e objetivas das possibilidades de alienação dos bens públicos, com vistas a desafetação e a Lei n.º 8.666/93.  2 Os Bens Públicos Os bens públicos são aqueles bens que compõe o patrimônio público, o qual é formado pela diversidade de bens que interessam a administração e a comunidade administrada. Em uma visão mais ampla, tem-se que os bens públicos são todos aqueles que integram o patrimônio da administração pública direta e indireta, ou seja, são todas as coisas corpóreas ou incorpóreas, móveis ou imóveis. Além destes, segundo Hely Lopes Meirelles, incluem-se os semoventes, os créditos, os direitos e as ações que pertençam a quaisquer entes estatais, inclusive autarquias, fundações ou entidades paraestatais (1990, p. 430). Delineando o tema Marçal Justen Filho, assim explica: “Bem público consiste no bem jurídico pertencente a uma pessoa jurídica estatal (…) é o bem jurídico de titularidade de uma pessoa estatal, submetido a um regime jurídico de direito público, que importa restrições quanto ao uso, fruição e disponibilidade” (2006, p. 713). Em resumo o Código Civil em seu artigo 98, esclarece que são públicos todos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno. Assim fica claro que todos os demais são bens particulares. Diante da abrangência do conceito de bens públicos, é necessário efetuar uma divisão a fim de facilitar a compreensão e o estudo do tema. Seguindo a linha de raciocínio adotada pelo Código Civil em seu artigo 99, os bens públicos são classificados de acordo com a sua destinação, sendo de uso comum do povo, de uso especial ou dominicais. A doutrina menciona que diante da divisão efetuada pelo artigo 99 do Código Civil é possível com base em um aspecto jurídico dividir os bens classificados pela lei conforme a sua destinação ou afetação, em bens do domínio público do Estado e em bens do domínio privado do Estado. 3 Os Bens do Domínio Público do Estado Bens do domínio público do Estado são todos aqueles afetados com um fim público, ou seja, são todos aqueles que servem direta ou indiretamente a coletividade, ainda que por interposta pessoa e ainda que inicialmente servindo ao uso da administração. Lecionando sobre o tema, José Cretella Júnior esclarece na obra Tratado do Domínio Público: “O conjunto das coisas móveis e imóveis de que é detentora a Administração, afetados quer a seu próprio uso, quer ao uso direto ou indireto da coletividade, submetidos a regime jurídico de direito público derrogatório e exorbitante do direito comum” (1984, p. 29). Assim, tem-se que os bens de domínio público do Estado são os de uso comum do povo e os de uso especial. 3.1 Os Bens de Uso Comum do Povo Como o próprio nome sugere os bens públicos de uso comum do povo, são aqueles destinados ao uso e gozo coletivo, ao uso e gozo de toda a população. Como exemplo de bens de uso comum tem-se os rios, os mares, as praças e as estradas (artigo 99, inciso I, do CC). A importância destes bens é tamanha que o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 479: “As margens dos rios navegáveis são domínio público, insuscetíveis de expropriação e, por isso mesmo, excluídas de indenização”. Da leitura do Código Civil e da Súmula supramencionada, observa-se que estes bens são indispensáveis e necessários a sobrevivência de todos, razão pela qual não é possível que sejam submetidos a fruição exclusiva de um ou outro grupo de indivíduos. Destarte, estes ante a própria determinação insculpida na lei e também pela sua natureza podem ser utilizados em igualdade de condições, independentemente de quaisquer autorizações ou consentimento por parte do ente público. Para identificar os bens de uso comum do povo o profissional deve se pautar na idéia de que estes são aqueles que não podem ou não devem ser objeto de apropriação privada por um sujeito exclusivo, todavia é permitido ao Estado, em havendo necessidade, utilizar-se deste bem para atender uma necessidade estatal específica e determinada (JUSTEN FILHO, 2006, p. 723). Inobstante haja a possibilidade da administração, utilizar o bem de uso comum do povo para atender necessidade do próprio ente, ao proceder desta forma o bem deixa de pertencer a esta categoria passando a integrar os bens de uso especial. 3.2 Os Bens de Uso Especial Os bens de uso especial são aqueles que possuem um fim específico, normalmente a serviço da administração. Estes bens destinam-se a atender as necessidades primeiras da administração, sendo utilizados no desempenho das atividades estatais. O código civil no artigo 99, inciso II, menciona como exemplos os terrenos e os edifícios destinados a serviço ou estabelecimento da administração, todavia, vale mencionar que, ainda que o bem não seja destinado a prestação de um serviço público, em seu sentido restrito, ele pode ser um bem especial, pois a expressão de serviço público deve ser vista de forma ampla. A este respeito destaca-se: “Quando se fala que o bem de uso especial está afetado a realização de um serviço público, como o faz o artigo 99, II, do Código Civil, tem-se que entender a expressão serviço público em sentido amplo, para abranger toda a atividade de interesse geral exercida sob autoridade ou sob fiscalização do poder público; nem sempre se destina ao uso direto da Administração, podendo ter por objeto o uso por particular, como ocorre com o mercado municipal, o cemitério, o aeroporto, a terra dos silvícolas etc” (DI PIETRO, 2007, p. 617). Bens de uso especial são todas as coisas, móveis ou imóveis, corpóreas ou incorpóreas, das quais a Administração se utiliza para persecução de seus fins, ainda que não sejam diretamente utilizadas por ela, ou não seja um serviço público propriamente dito. Nos dizeres de Marçal Justen Filho, o critério para identificação destes bens reside no desempenho da função pública, independentemente de configurar ou não um serviço público propriamente dito (2006, p. 726), por esta razão que o prédio no qual se aloca a chefia do Poder Executivo é considerado um bem de uso especial. 4 Os Bens do Domínio Privado do Estado Os bens do domínio privado do Estado são aqueles que podem ser utilizados pela administração para qualquer fim, pois integram o seu patrimônio particular. Estes bens não possuem uma destinação específica como no caso dos bens do domínio público, sendo chamados de bens dominicais. 4.1 Os Bens Dominicais Os bens dominicais conforme já mencionado, são aqueles que não possuem destinação específica, compondo o patrimônio do Estado.  Neste sentido é o artigo 99, inciso III, do Código Civil, o qual menciona que são dominicais os bens que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades. Em conformidade com o dispositivo supra mencionado fica claro que a administração exerce poderes de proprietária destes bens devendo, todavia, atentar para as regras constitucionais e administrativas. Versando sobre o tema, colaciona-se trecho da obra de Hely Lopes Meirelles: “Tais bens integram o patrimônio do Estado como objeto de direito pessoal ou real, isto é, sobre eles a Administração exerce “poderes de proprietário, segundo os preceitos de direitos constitucional e administrativo” (1990, fl. 433). Ademais, não há qualquer proibição a administração no que tange a propriedade destes bens patrimoniais disponíveis, os quais estão à disposição para uso ou mesmo alienação, de acordo com os preceitos legais. 5 Da Inalienabilidade dos Bens Públicos Como regra geral tem-se que os bens públicos não podem ser alienados, justamente pela sua característica de prestadores de serviço público, de uso coletivo e em benefício da população, ou no interesse da administração. A regra da inalienabilidade dos bens públicos encontra-se esculpida no artigo 100 do Código Civil, o qual traz de forma expressa que os bens públicos de uso comum do povo e de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação nos termos da lei. Na sequência o artigo 101, informa que os bens dominicais, por pertencerem ao patrimônio privado do Estado, podem ser alienados desde que cumpridas as exigências legais. Toda a vez que o bem púbico em discussão for um bem de uso comum do povo ou especial, apenas será possível ocorrer a alienação se estes não mais estiverem atingindo a sua finalidade, sendo que enquanto utilizados dentro da finalidade para o qual existem, não há como a administração cogitar da alienação destes, a qual apenas ocorrerá havendo a desafetação. 5.1 Da Afetação e da Desafetação dos Bens Públicos A afetação e a desafetação referem-se a finalidade do bem, ou seja, qual a serventia, qual a utilidade daquele bem público. Quando o bem possui uma destinação específica, um fim específico, diz-se que está afetado. Nos ensinamentos de José Cretella Júnior, a afetação é: “o fato ou pronunciamento do Estado que incorpora uma coisa à dominialidade da pessoa jurídica” (apud, DI PIETRO, 2007, p. 619), noutra banda o doutrinador traz a desafetação como o oposto da afetação, o que explica nestes termos: “o fato ou a manifestação de vontade do poder público mediante a qual o bem do domínio público é subtraído à dominialidade pública para ser incorporado ao domínio privado, do Estado ou do Administrado” (apud, DI PIETRO, 2007, p. 619). Partindo-se dos conceitos supra delineados é possível chegar a seguinte conclusão: os bens de uso especial e os bens de uso comum do povo, são afetados, pois possuem uma destinação específica, enquanto que os bens dominicais não são afetados, ou seja, são desafetados, pois não possuem um destinação específica, tanto o é que compõe o domínio privado do estado. De acordo com o interesse público em análise é possível a administração afetar ou desafetar um bem, podendo utilizar a forma expressa ou tácita. A forma expressa é decorrente de lei ou de ato administrativo, enquanto que a tácita envolve uma atuação, visto que a administração pratica uma conduta. Como por exemplo, realiza a instalação de um posto de saúde em um bem dominical. Embora inexista consenso na doutrina a respeito da possibilidade de desafetação tácita, o que se tem de uniforme é a impossibilidade de desafetação pelo não-uso. A este respeito leciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “O que é inaceitável é a desafetação pelo não-uso, ainda que prolongado, como, por exemplo, no caso de uma rua que deixa de ser utilizada. Em hipótese como essa, torna-se necessário um ato expresso de desafetação, pois inexiste a fixação de um momento a partir do qual o não uso pudesse significar desafetação. Sem essa restrição, a cessação da dominialidade pública poderia ocorrer arbitrariamente, em prejuízo do interesse coletivo” (2007, p. 619-620). Neste contexto, muito embora a afetação e a desafetação possam dar-se de forma tácita, não é permitido presumir a desafetação de um bem público de uso especial ou de uso comum do povo pelo simples fato do mesmo não estar sendo utilizado, é necessária uma conduta da administração ou então uma lei ou ato administrativo, acompanhado de todas as formalidades legais além de cumprir todos os requisitos específicos atinentes a matéria. 6 Da Alienação dos Bens Públicos 6.1 Da Alienação dos Bens de Uso Comum do Povo e de Uso Especial Os bens de uso comum do povo e os de uso especial, conforme já explicitado anteriormente, são em regra inalienáveis. Todavia o legislador civil deixou claro no seu artigo 100 que esta inalienabilidade permanece tão somente enquanto o bem guardar a sua qualificação. Assim, para ocorrer a alienação destes bens é necessário que os mesmos sejam desafetados, quando então passam a pertencer a classe dos bens dominicais. Com a desafetação os bens de uso comum do povo e os de uso especial podem ser objeto de doação, alienação, permuta, hipoteca, locação e comodato, ou seja, podem ser alienados de acordo com as regras do direito privado. Importa destacar, que mesmo diante da regra estancada no artigo 100 do Código Civil, é possível independentemente de desafetação, a alienação destes bens de um ente público para outro. Sobre o tema leciona Marcello Caetano, citado por Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “Considerando agora a situação das coisas públicas à luz das normas de direito público, vemos que podem ser objeto de direito de propriedade por parte das pessoas coletivas (propriedade pública) e transferidas entre elas (transferências do domínio ou mutações dominiais); e admitem a criação dos direitos reais administrativos de natureza obrigacional em benefício dos particulares (concessões) transmissíveis de uns a outros na forma da lei” (2007, p. 627). Adiante Maria Sylvia Zanella Di Pietro, esclarece: “Isso quer dizer que os bens de uso comum e de uso especial, enquanto mantiverem essa natureza, podem ser objeto de alienação de uma entidade pública para outra, segundo normas de direito público. Essa transferência se dá normalmente por lei. Se perderem essa natureza, pela desafetação, tornam-se disponíveis pelos métodos do direito privado” (2007, p. 627). Pelas lições colacionadas não existe vedação legal acerca da disponibilidade dos bens ora em análise entre um e outro ente público, sendo que esta diz respeito apenas ao comércio jurídico de direito privado. 6.2 Da Alienação dos Bens Dominicais e da Lei n.º 8.666 de 1993 Diferentemente dos bens de uso comum do povo e de uso especial, os bens dominicais não possuem uma destinação específica, razão pela qual a sua alienação não está condicionada ao instituto da desafetação, embora não haja óbice para que estes bens sejam afetados diante da atribuição de uma destinação específica. Ocorre que mesmo sendo possível a comercialização destes bens, algumas regras devem ser observadas e cumpridas em sua integralidade pela administração pública, principalmente considerando que não pertencem a pessoa do administrador, envolvendo para sua aquisição e disposição o dinheiro público, afetando toda a coletividade. É justamente por esta razão que a Lei 8.666, editada em 21 de junho de 1993, traz algumas regras específicas no tocante a alienação e disposição dos bens públicos dominicais, no âmbito da esfera federal, sendo aplicada para as demais esferas quando não houver regramento específico próprio. Destaca-se que as alienações, ora em análise, efetuadas por institutos de direito privado seguem as regras do Código Civil desde que não afrontem as normas do direito público, principalmente com relação ao procedimento, competência, forma, finalidade e motivação do ato administrativo. O artigo 17 do aludido diploma traz um rol de quesitos a serem cumpridos, de maneira que qualquer desvio pode impactar a alienação realizada. Dentre os requisitos elencados, a comprovação do interesse público é sem dúvida o de maior importância. Apenas será possível a alienação dos bens dominicais se houver interesse público comprovado e suficientemente capaz de justificar a alienação do bem. Não existindo, não é autorizada a disposição. O mesmo dispositivo traz, ainda, a necessidade de prévia avaliação do bem, licitação e autorização legislativa. A avaliação prévia visa evitar que o ato de disposição dê-se por valor vil e abaixo do mercado, prejudicando a administração pública e consequentemente os administrados, mesmo quando presente o interesse público. Quanto a obrigatoriedade de licitação, tal encontra-se diretamente relacionada ao princípio da publicidade e da transparência dos atos públicos, não havendo meio mais eficiente para evitar que seja beneficiado um ou outro indivíduo, ou mesmo haja disposição desnecessária de dinheiro público.  No tocante a autorização legislativa, ela é necessária apenas quando o ato de disposição visar bem imóvel, o que é compreensivo, eis que gera maior impacto nos cofres públicos. Ademais, com relação aos bens móveis a modalidade de licitação a ser seguida é o leilão, conforme expresso no artigo 22, § 5.º, da Lei n.º 8.666/93. Noutra banda, diante do expresso no artigo 17, inciso I, e no artigo 23, § 3.º, ambos da lei anteriormente citada, os bens imóveis obedecem as regras da modalidade concorrência, a qual é dispensável quando tratar-se de dação em pagamento, doação e permuta. A permuta apenas será permitida se o outro imóvel for destinado ao serviço público e as necessidades de alienação e localização sejam determinantes, devendo o preço ser compatível com valores de mercado (artigo 24, inciso X, da mesma lei). Neste contexto vale frisar que quando o instituto utilizado não for de direito privado, mas sim de direito público, como na investidura (artigo 17, § 3.º), na legitimação de posse, na retrocessão e na venda a ente da administração pública, não é necessário a realização de licitação. O mesmo entendimento deve ser adotado em caso de alienação, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis, construídos e destinados ou utilizados por programas habitacionais de cunho social pela administração pública. A respeito da desnecessidade de licitação, em alguns casos, a doutrina aduz que a mesma: “não é necessária, porque inexiste competição; é o que ocorre com a investidura, a retrocessão e a legitimação de posse” (DI PIETRO, 2007, p. 628). Claro está que a licitação é a regra para a alienação dos bens dominicais, sendo aplicadas as regras do direito civil, desde que não colidam com os preceitos do direito público, em especial com as regras gerais da Lei n.º 8.666/93. 7 Considerações Finais A pesquisa permite ao leitor obter uma visão clara dos bens públicos, os quais são classificados como pertencentes ao domínio público do estado, quais sejam os bens de uso comum do povo e de uso especial; e como pertencentes ao domínio privado do estado, sendo estes os bens dominicais. Os bens de uso comum do povo são os destinados ao uso e gozo coletivo, como os rios, os mares, as praças e as estradas. Já os bens de uso especial, encontram-se a serviço da administração visando atender inicialmente as necessidades da administração, inclusive na prestação de serviços públicos. Nesta espécie encontram-se, por exemplo, os prédios escolares e até mesmo os prédios das secretarias municipais. Todavia, estes bens mesmo a serviço da administração, também beneficiam a coletividade, pois normalmente são utilizados para prestação de um serviço público. Diferentemente dos bens de uso comum e dos bens de uso especial, os bens dominicais não apresentam uma finalidade específica, razão pela qual são classificados como pertencentes ao domínio privado do estado. Os bens públicos por serem dotados de um fim específico, são em regra inalienáveis. Pois bem, segundo apurou-se os bens públicos quando afetados, ou seja, quando, recebem uma destinação específica, como é o caso dos bens de uso comum do povo e dos bens especiais, não podem ser alienados. Da mesma forma pode ocorrer com os bens dominicais, pois embora sejam desafetados – não possuem uma finalidade específica – podem ser atingidos pelo instituto da afetação, impedindo a sua alienação. Neste espeque, concluiu-se que assim como os bens dominicais, que são desafetados por natureza podem futuramente serem afetados, é possível que os bens de uso comum do povo e os de uso especial sejam desafetados, tornando-se assim alienáveis. Tanto a desafetação quanto a afetação, podem ser expressas ou tácitas. Serão expressas, quando decorrentes de ato administrativo ou de lei e tácitas quando na ausência de lei ou ato administrativo, a administração praticar uma conduta, como por exemplo, a instalação de uma escola em um bem dominical, ou até mesmo o contrário, a desinstalação de uma escola em um determinado bem de uso especial. Ao ser efetuada a desafetação os bens de uso comum do povo e os de uso especial passam a pertencer a categoria dos bens dominicais, podendo à partir de então serem alienados. Vale dizer que mesmo quando afetados os bens do domínio público do estado (os de uso comum e os de uso especial) podem ser alienados, desde que a alienação ocorra para outro ente público, todavia, este entendimento não é posição unânime na doutrina. Quando a alienação for realizada para entes públicos, as regras a serem aplicadas na negociação, são as regras do direito público. Tratando-se de alienação particular, na qual é obrigatória a desafetação nos termos elencados, a mesma deve seguir as regras do direito privado, porém, respeitando expressamente as normas de direito público atinentes a cada espécie. Ultrapassada a questão, tem-se que a alienação apenas poderá ocorrer se estiver presente comprovado interesse público, suficiente para justificar a alienação do bem, sem olvidar, a exigência de prévia avaliação do bem, licitação e autorização legislativa. Destaca-se que a autorização legislativa é obrigatória apenas quando o ato de disposição for de bem imóvel, quando será necessária licitação pela modalidade concorrência. Enquanto que com relação aos bens móveis a modalidade de licitação a ser seguida é o leilão. Nesta seara verifica-se que tanto os bens móveis, quanto os bens imóveis, para serem alienados devem preceder de um procedimento de licitação, ou seja, a disposição destes bens encontra-se atrelada diretamente a normas específicas, em especial a Lei n.º 8.666/93. Apenas para constar, vale dizer que a lei supra mencionada, não aplica-se somente a esfera federal, pois enquanto não editadas regras especiais pelos estados e municípios, estes devem seguir as regras gerais traçadas pela lei específica federal. Isso posto, é possível aferir que a pesquisa realizada traz todos os principais conceitos e especificações no tocante a matéria bens públicos, abordando o assunto de forma objetiva e clara a fim de permitir ao leitor realizar uma análise crítica do tema, em especial no que diz respeito a inalienabilidade dos bens públicos. Através da leitura deste artigo o leitor verifica que a inalienabilidade dos bens públicos é relativa, havendo possibilidades de alienação destes independentemente de desafetação o que impõe maior cautela do administrador e fiscalização pelos administrados, evitando a disposição irresponsável e irregular do dinheiro público. Por fim, espera-se que este artigo motive os profissionais e acadêmicos a darem maior atenção ao tema, desenvolvendo novas pesquisas e estudos a respeito da matéria.
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A ilegalidade do § 2º do art. 53, do Decreto Estadual n 4.717/96, que trata do Regulamento do Policial Militares do Estado de Goiás – RDPMGO, em face da Lei 13800/01
O tema ilegalidade do § 2º, do art. 53 do Decreto nº 4.717/96, devido a incompatibilidade com a Lei nº 13.800/01, quando após o prazo de 04 (quatro) dias, sem despacho da Autoridade competente considera-se indeferido o pedido de Reconsideração de Ato, situação que viola o dever de motivação dos atos administrativos e do dever de decidir da administração pública.
Direito Administrativo
Introdução O presente artigo trata do § 2º, do art. 53 do Decreto nº 4.717/96, devido a incompatibilidade com a Lei nº 13.800/01 quando após o prazo de 04 (quatro) dias, sem despacho ou decisão da Autoridade competente considera-se indeferido o pedido de Reconsideração de Ato. Tal determinação viola o dever de motivação dos atos administrativos e do dever de decidir da administração pública sobre solicitações ou reclamações em matéria de sua competência, devido a especificidade da Lei nº 13.800/01 em relação as demais normas castrenses, por não haver outra norma que regulamente o procedimento administrativo disciplinar no âmbito da PMGO. 1. Do Decreto nº 4.717/96 (Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de Goiás – RDPMGO) O Decreto Estadual nº 4.717/96 trata do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de Goiás – RDPMGO, aprovado pelo Governador do Estado de Goiás em 07 de outubro de 1996, que estabelece em seu Preambulo: “O Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de Goiás tem por finalidade especificar e classificar as transgressões disciplinares, bem como estabelecer normas relativas à amplitude, apuração e à aplicação das punições disciplinares, à classificação do comportamento policial militar das praças e à interposição de recursos contra aplicação das punições, sendo ainda nele tratadas, em parte, as recompensas especificadas no Estatuto dos Policiais Militares.” O art. 53 do Regulamento Disciplinar da PMGO se encontra no Título dos direitos e das recompensas, no Capitulo da apresentação dos recursos, de forma que se trata de um Recurso Disciplinar. O art. 52 do Recurso disciplinar garante ao policial militar que se julgue prejudicado, ofendido ou injustiçado por superiores hierárquicos, na esfera disciplinar. Desta forma o art. 53, garante o recurso nominado Reconsideração de Ato: “Art. 53 – Reconsideração de ato é o recurso por meio do qual o policial militar, que se julgue prejudicado, ofendido ou injustiçado, solicita à autoridade que praticou o ato que reexamine sua decisão e a reconsidere. … § 2º – A autoridade, a quem é dirigido o pedido de reconsideração de ato, deve dar despacho ao mesmo no prazo máximo de 04 (quatro) dias. Findo este prazo, considera-se indeferido o pedido.” Tal introdução se faz necessária para que o Exegeta possa se situar no Regulamento Disciplinar para um melhor entendimento da norma em comento, vez que relativa aos policiais militares do Estado de Goiás. O caso em analise se restringe ao § 2º do art. 53 do Decreto nº 4.717/96, onde a Autoridade a quem é dirigido o pedido de reconsideração de ato, deve dar despacho ao mesmo no prazo máximo de 04 (quatro) dias, findo este prazo, considera-se indeferido o pedido. Assim o indeferimento do pedido com base no lapso temporal de 04 (quatro) dias, não encontra respaldo no ordenamento jurídico vigente, por violar a motivação e o dever de emitir decisão da Administração Pública. Entendimento esposado por Maria Sylvia Zanella di Pietro, citando José Afonso da Silva, afirma que: “é importante frisar que o direito de petição não pode ser destituído de eficácia. Não pode a autoridade a quem é dirigido escusar pronunciar-se sobre a petição, quer para acolhê-la, quer para desacolhê-la com a devida motivação.” Entendimento esse corroborado pela PMGO através do Despacho “CG” nº 2092/2011. Ressalto que o Regulamento dos Policiais-Militares do Estado de Goiás foi redigido no ano de 1996, de forma que posterior a Constituição Federal de 1988 e anterior a Lei nº 13.800 do ano de 2001, sendo a presente norma inconstitucional e ilegal, conforme será exposto adiante. 2. Da hierarquia das normas Antes de adentrarmos ao tema propriamente dito, é necessário esclarecer a hierarquia das normas, onde o Doutrinador José Péricles de Oliveira, em seu trabalho explica de forma clara sobre o tema: “O ordenamento jurídico de um determinado Estado consiste em um sistema unitário de normas em perfeita harmonia umas com as outras, formando um todo coerente. Assim, de acordo com a teoria do escalonamento das normas, elaborada por Kelsen, pode-se afirmar que o núcleo da unidade de um ordenamento jurídico é que as normas desse ordenamento não estão todas no mesmo plano. Bobbio (1999:49), adotando os ensinamentos de Kelsen, pondera que “há normas superiores e normas inferiores. As inferiores dependem das superiores. Subindo das normas inferiores àquelas que se encontram mais acima, chega-se a uma norma suprema, que não depende de nenhuma outra norma superior, e sobre a qual repousa a unidade do ordenamento. Essa norma suprema é a norma fundamental.” Assim, e de acordo com os doutrinadores já mencionados, pode-se concluir que existe uma hierarquia entre as normas, que podem ser assim escalonadas: – Norma fundamental; – Constituição Federal; – Lei; (Lei Complementar, Lei Ordinária, Lei Delegada, Medida Provisória, Decreto Legislativo e Resolução); – Decretos Regulamentadores do Poder Executivo; – Outros diplomas dotados de menor extensão de eficácia e mais tênue intensidade normativa. Assim, a norma em discussão é um Decreto, que é um ato do Poder Executivo, no sentido de regularizar e instituir o Regulamento Disciplinar da PMGO, vez que a Lei nº 08.033/75 em seu artigo 46, na seção II, das transgressões disciplinares, faz referência ao citado instrumento, sendo necessária sua positivação, litteris: “Art. 46 – O Regulamento Disciplinar da Polícia Militar especificará e classificará as transgressões disciplinares e estabelecerá as normas relativas à amplitude e à aplicação das penas disciplinares, à classificação do comportamento Policial-Militar e à interposição de recursos contra as penas disciplinares.” Desta forma o Governador do Estado pelo Decreto Estadual nº 4.717/96 aprova o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de Goiás – RDPMGO, de 07 de outubro de 1996, codificando a norma, que deveria ser instituía por Lei, por se tratar de Regulamento, discussão não contemplada no presente artigo. Portanto, em nosso sistema jurídico, os decretos são atos meramente administrativos, da competência dos chefes do poder executivo, que são o Presidente, Governadores ou Prefeitos, sendo utilizados por estes para fazer nomeações e regulamentações de leis, em resumo reflete a vontade do Chefe do Executivo, que conforme o caso em questão, a Lei nº 08.033/75 no art. 46, referenda a criação do Regulamento Disciplinar. Assim, o Decreto é um ato expedido pelo Poder Executivo, já a Lei em sua acepção técnica ou estrita, designa regra escrita que apresenta certas características, no direito brasileiro, portanto, se encontra hierarquicamente inferior a Lei, não podendo com esta conflitar, sendo passível de ser declarada ilegal. Resumidamente, lato senso, a iniciativa da lei compete ao Executivo ou ao Legislativo, em caso excepcional ao Poder Judiciário. Conforme estabelece a Constituição “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, fica evidente que a força da Lei e seu Poder, vem justamente dessa questão, por ser a representação da vontade popular, que emana do povo através dos seus representantes eleitos. A título de esclarecimento, em sentido estrito (stricto sensu) apenas é considerada Lei, a complementar e a ordinária. De forma que, pela hierarquia das normas a Lei está logo abaixo da Constituição, por ser, em tese, a representação da vontade popular. Da mesma forma que nenhuma lei pode contrariar os princípios constitucionais, as demais normas não podem violar o texto legal e assim sucessivamente, demonstrada a hierarquia e a obediência a Norma Fundamental. Sobre o tema Leda Pereira Mota e Celso Spitzcovsky, quanto ao princípio da legalidade dissertam que: “Destarte, o primeiro aspecto a ser observado diz respeito à expressão “lei” que deverá ser interpretada em seu sentido mais estrito. Em outro dizer não poderá o administrador público coartar interesses e direitos de terceiros a não ser que sua atitude tenha um embasamento em lei previamente editada não sendo outro entendimento de Celso Antônio Bandeira de Melo para quem: “Nos temos no art. 5º, II, “ninguém….”. Aí não se diz, “em virtude de decreto, regulamento, resolução, portaria ou quejandos”. Diz-se “em virtude de lei”. Logo, a administração não poderá proibir ou impor comportamento algum terceiro, salvo se estiver previamente embasada em determinada lei que lhe faculte proibir ou impor algo a quem quer que seja. Vale dizer, não lhe é possível expedir regulamento, instrução, resolução, portaria, ou seja, lá que ato for para coarctar a liberdade dos administrados, salvo se, em lei, já existir delineada a contenção ou imposição que o ato administrativo venha a minudecear. (curso de direito administrativo, 5º ed. Malheiros, 1994, p. 50). Aliás, a grande diferença entre o direito público e o privado está em que este é regido pela autonomia da vontade. Em outro dizer, o particular, aqui, pode dispor do seu patrimônio do modo como melhor lhe pareça, desde que não agrida a lei. Já no campo do direito público o contrário se verifica, não havendo lugar para a autonomia da vontade. Em outro dizer, o particular, aqui, pode dispor do seu patrimônio do modo como melhor lhe pareça desde que não agrida a lei. 3. Da Lei nº 13.800/01 Em 18 de janeiro de 2001, entra em vigor no Estado de Goiás a Lei nº 13.800/01 que estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Estadual direta e indireta, visando à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração. Desta forma o processo administrativo no âmbito da administração estadual goiana é regido por esta Lei, vez que se trata de Norma Especial, ou seja, foi editada com o intuito único e exclusivo de estabelecer normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Estadual direta e indireta, visando à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração. A Norma Especial é aquela que possui todos os elementos da geral, com determinantes que são especificas em sua edição, neste caso, normas básicas sobre o processo administrativo, o que diferencia das demais é que rege as normas gerais do procedimento administrativo, necessariamente, cabe exceção ao art. 68, narra que: Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta lei, que é o caso da Lei nº 10.460/88, que referenda o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de Goiás, que traz em seu texto normas de procedimento administrativo. Destacando que a apenas os processos administrativos regidos por lei própria, ou seja, lei in stricto sensu, o que não contempla os Decretos e Portarias, que como dito, não são leis, somente normas administrativas. Neste caso a Lei nº 10.460/88, traz em seu bojo, no Título VI, do Processo Disciplinar e sua Revisão, do art. 328 ao 345, que traz determinadas normas para o processo administrativo disciplinar, no entanto, é omissa em alguns aspectos, dessa forma deve neste caso se utilizar da Lei nº 13.800/01 que a norma básica sobre procedimento administrativo (norma especial), e onde está é omissa utiliza-se a norma geral, buscando uma complementar a outra, sempre no sentido de garantir o direito dos Administrados, Sindicados, Investigados ou Indiciados. 3.1. Da Lei Especial em relação a Geral Quando a Lei Geral conflita, com a Lei Especial, prevalece a Lei Especial conforme o brocardo latino, lex specialis derogat generalis, ou seja, lei especial derroga a lei genérica ou geral, que vigora pelo princípio da especialidade, que evita o bis in idem, onde prevalece a norma especial em relação a geral. É importante observar que o regramento em estudo surge para regular de maneira ampla todo processo administrativo no âmbito da Administração Pública Estadual, seja direta ou indireta, onde houver qualquer procedimento administrativo instaurado pelo Poder Público, relativo ao serviço público (inclusive, Legislativo, Judiciário e Ministério Público) no território Goiano este deverá seguir o rito estabelecido pela Lei nº 13.800/01, caso não seja regido por Lei própria (strictu sensu) conforme fica claro no seu artigo 1º e § Único, in verbis: “Art. 1º – Esta lei estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Estadual direta e indireta, visando à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração. § 1o – O disposto nesta lei aplica-se, no que couber, aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário e ao Ministério Público, quando no desempenho de função administrativa.” Ressalto que a Auditoria Militar deste Estado já se manifestou sobre a questão dos militares estaduais onde não existe lei stricto sensu que regulamente o procedimento administrativo na caserna, conforme decisão em embargos de declaração proferida nos Autos nº 201004296244, litteris: “Lembremos que os servidores civis estaduais estão sujeitos a legislação própria disposta no Estatuto de Servidor Público (Lei n° 10.460/88) e na Lei Estadual que regulamenta o processo administrativo, Lei n° 13.800/01. Entretanto, não existe lei, estrito senso, aplicável ao servidor público militar estadual.” (negritei) Assim, aos servidores civis, existe norma que trata especificamente do Processo Disciplinar e sua Revisão, do art. 328 ao 345, situação não contemplada pelos servidores militares, onde há apenas mera referência em seu Estatuto (Lei nº 08.033/75), no capítulo I, dos Direitos, em seu art. 50, litteris: “Art. 50 – O Policial-Militar que se julgar prejudicado ou ofendido por qualquer ato administrativo ou disciplinar de superior hierárquico poderá recorrer ou interpor pedido de reconsideração, queixa ou representação, segundo legislação vigente na Corporação. § 1º – O de recorrer na esfera administrativa prescreverá: I – em quinze (15) dias corridos, a contar do recebimento da comunicação oficial, quanto a ato que decorra da composição de Quadro de Acesso; e II – em cento e vinte (120) dia corridos, nos demais casos. § 2º – O pedido de reconsideração a queixa e a representação não podem ser feitos coletivamente. § 3º – O Policial-Militar da ativa que, nos casos cabíveis, se dirigir ao Poder Judiciário, deverá participar, antecipadamente, esta iniciativa à autoridade à qual estiver subordinado.” Temos a legislação vigente nas Normas Castrenses Goiana: O Decreto nº 4.717/96, trata do Regulamento Disciplinar da PMGO, que em seu Preambulo estabelece: “O Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de Goiás tem por finalidade especificar e classificar as transgressões disciplinares, bem como estabelecer normas relativas à amplitude, apuração e à aplicação das punições disciplinares, à classificação do comportamento policial militar das praças e à interposição de recursos contra aplicação das punições, sendo ainda nele tratadas, em parte, as recompensas especificadas no Estatuto dos Policiais Militares”. O Decreto nº 4.713/96, que dispõe sobre Conselho de Disciplina na Polícia Militar do Estado de Goiás: “Art. 1º – O Conselho de Disciplina, através de processo administrativo disciplinar, destina-se a julgar a incapacidade do Aspirante-a-Oficial PM e das demais Praças da Polícia Militar do Estado de Goiás com estabilidade assegurada para permanecerem na ativa, criando-lhes, ao mesmo tempo, condições para se defenderem.” Conforme a a legislação vigente nas Normas Castrenses Goiana, nenhum dos citados regramentos dispõe de normas para o procedimento administrativo, nem poderiam dispor de tal força, vez que se tratam de Decreto, hierarquicamente inferior a Lei, sendo, portanto, regida a PMGO pela Lei nº 13.800/01, apesar do não acatamento desta norma pelos Administradores Militares Goianos, conforme decisão no Despacho "CG" nº 1846/2010: “O recorrente foi submetido a devido processo administrativo disciplinar adotado na corporação, de acordo com o que dispõe a portaria nº 472/94, em que estabelece normas para elaboração de sindicância no âmbito da PMGO. Com respeito à lei nº 13.800, de 18/01/2001, que regula o processo administrativo no âmbito estadual, constantemente invocada pelo recorrente, seu art. 68 estabelece: […] Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta lei. (G. N.) […]” Apesar de a lei estabelecer a regulamentação dos processos administrativos paritariamente diante da administração pública, neste artigo apresenta evidente a aplicação da norma somente nos casos genéricos. “Havendo menção a processos administrativos, de que já haja regulamentação, estes estarão sujeitos às normas específicas, não igualando, desta forma, a sindicância na PMGO ao sistema processual geral. A lei referencia-se à genericidade dos processos administrativos em âmbito estadual, perdendo a regulamentação da especificidade, tal como se apresenta na portaria nº 472/94”. (Negritei). Invoca o Administrador equivocadamente Portaria em detrimento de Lei o que é comum na Administração Pública Militar pela falta de conhecimento técnico por parte dos Oficiais. Em sua interpretação tendenciosa e de forma impropria alega o Oficial que a Sindicância na PMGO (Procedimento Administrativo) é regida por norma específica (Portaria nº 472/94), de forma que a Lei nº 13.800/01 é genérica e perde pela especificidade da norma utilizada na PMGO que é uma Portaria de número 472/94, sendo considerada ultrapassada e substituída por nova Portaria de número 6947/15, que continua sendo norma inferior, Portaria, portanto, sem aplicação quando em conflito com a Lei. 4. Da norma contrária ao texto legal Não é raro encontrar norma, que contrarie o texto legal, dada a alteração recente em nossa Carta Maior, onde algumas leis anteriores e algumas posteriores não acompanharam o texto constitucional, o que desce a hierarquia das normas, temos ainda a falta de conhecimento técnico dos elaboradores e aplicadores da norma ou ainda a sua deturpada conveniência e interpretação. Feitos os esclarecimentos iniciais, o § 2º do art. 53, tem a seguinte redação: “§ 2º – A autoridade, a quem é dirigido o pedido de reconsideração de ato, deve dar despacho ao mesmo no prazo máximo de 04 (quatro) dias. Findo este prazo, considera-se indeferido o pedido.” Desta forma, o texto legal aponta que: “a autoridade, a quem é dirigido o pedido de reconsideração de ato, deve dar despacho ao mesmo no prazo máximo de 04 (quatro) dias. Findo este prazo, considera-se indeferido o pedido”. A redação do Decreto determina que ultrapassado o prazo máximo de 04 (quatro) dias sem manifestação da Autoridade Administrativa quanto ao pedido, considera-se indeferido o pedido de Reconsideração de Ato. Essa situação não tem guarida no ordenamento jurídico vigente, onde não comporta o decurso de prazo com base para o indeferimento do pedido administrativo, vez que a Administração Pública deve indicar os fundamentos de fato e de direito de suas ações, o que é conhecido como o princípio da motivação dos atos administrativos. Tal redação fere o texto legal da Lei nº 13.800/01 que estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Estadual direta e indireta, visando à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração, que aborda sobre a motivação, nos seguintes artigos: “Art. 2º – A Administração pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Parágrafo Único – (…) VII – indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão; Art. 38 – (…). § 1º – Os elementos probatórios deverão ser considerados na motivação do relatório e da decisão. Art. 48 – A Administração tem o dever de explicitamente emitir decisão nos processos administrativos sobre solicitações ou reclamações, em matéria de sua competência. Art. 50 – Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses; II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções; III – decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública; IV – dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório; V – decidam recursos administrativos; VI – decorram de reexame de ofício; VII – deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais; VIII – impliquem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo. § 1º – A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo basear-se em pareceres anteriores, informações ou decisões, que, neste caso, serão parte integrante do ato, o que não elide a explicitação dos motivos que firmaram o convencimento pessoal da autoridade julgadora. Art. 53 – A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.” Em nosso ordenamento jurídico nenhuma norma infra legal pode se sobrepor ou contrariar a Lei, vejamos que é o que justamente ocorre no caso em debate, onde o Regulamento Disciplinar exime o Administrador de motivar o seu ato pelo decurso de prazo, o que não é legal, fere ainda o princípio constitucional da motivação dos atos administrativos, tornando tal assertiva inconstitucional. 5. Da motivação do ato administrativo Em seu brilhante trabalho Bruno Cesar Gonçalves Teixeira in Obrigatoriedade de motivação dos atos administrativos, disserta sobre o dever de motivar: “Um dos critérios classificadores dos atos administrativos se relaciona com o grau de liberdade da vontade do agente que edita o ato administrativo. Por vezes, a vontade do agente está limitada pela lei e o autor deve se restringir aos exatos ditames da lei e reproduzir os elementos previamente definidos ao elaborar e expedir o ato. Essa característica está presente nos atos vinculados. Nesses casos, o agente não possui a liberdade de apreciação da conduta, não há valoração subjetiva, ele apenas transmite ao ato os comandos da lei. Um exemplo de ato vinculado é a licença para dirigir: os elementos para o deferimento e expedição desse ato já estão determinados na lei; portanto, se o particular preencher todos os requisitos legais, obrigatório é a expedição dessa licença. Em virtude dessa obrigatoriedade, costuma-se dizer que o particular possui um direito subjetivo de exigir do agente público a edição de determinado ato, desde que se trate de ato vinculado e o referido particular preencha a plenitude dos requisitos legais. Por outro lado, há alguns atos que a própria lei autoriza o agente a proceder de mais de uma maneira possível, ensejando uma avaliação subjetiva do agente. A própria lei dá certa margem de liberdade ao agente diante de um caso concreto. Estamos diante de atos discricionários. Exemplo de ato discricionário é a autorização para porte de arma. Além dos requisitos legais, a edição do ato dependerá de uma avaliação subjetiva da Administração Pública que analisará o mérito administrativo – conveniência e oportunidade para a edição do ato. Esse critério de classificação – grau de liberdade da vontade do agente – foi, por muito, o diferenciador na idéia da obrigatoriedade de motivação dos atos administrativos. O dever de se motivar estava relacionado à característica intrínseca do ato – vinculado ou discricionário. Dessa maneira, foram surgindo entendimentos e doutrinas que consubstanciaram no nascimento de duas correntes.  A primeira corrente, mais antiga, defende que somente os atos vinculados devem ser obrigatoriamente motivados. Isso porque, nos atos vinculados, a Administração deve demonstrar que os motivos expostos coadunam com os motivos legais. Ademais, a discricionariedade do agente comporta também a faculdade de se motivar. Dessa maneira, em atos discricionários, a motivação é dispensável. Nesse sentido, José Cretella Júnior: “Dispensa-se a motivação nos atos administrativos, precedidos de parecer fundamentado de órgão consultivo, como também nos atos discricionários em que a lei faculta à autoridade administrativa a apreciação da oportunidade e da conveniência, sendo exemplo deste último caso a promoção por merecimento, em que o funcionário, superior hierárquico, promove outro, de grau mais baixo na hierarquia, apreciando a seu talante os motivos determinantes da promoção”. A segunda corrente entende que os atos discricionários, exatamente por possuir um grau de liberdade maior e possibilitar uma avaliação subjetiva do agente, é que compulsoriamente sempre devem ser motivados. Os atos vinculados, em regra, também deverão pronunciar sua motivação. Porém, em alguns casos de atos vinculados em que a lei regular plenamente a edição do ato, a motivação expressa e obrigatória resta mitigada e em segundo plano. Essa é a posição de Celso Antônio Bandeira de Mello: “A motivação deve ser prévia ou contemporânea à expedição do ato. Em algumas hipóteses de atos vinculados, isto é, naqueles em que há aplicação quase automática da lei, por não existir campo para interferência de juízos subjetivos do administrador, a simples menção do fato e da regra de Direito aplicanda pode ser suficiente, por estar implícita a motivação. Naqueloutros, todavia, em que existe discricionariedade administrativa ou em que a prática do ato vinculado depende de aturada apreciação e sopesamento dos fatos e das regras jurídicas em causa, é imprescindível motivação detalhada. […] […] em se tratando de atos vinculados (nos quais, portanto, já está predefinida na lei, perante situação objetivamente identificável, a única providência qualificada como hábil e necessária para o atendimento do interesse público), o que mais importa é haver ocorrido o motivo perante o qual o comportamento era obrigatório, passando para segundo plano a questão da motivação.”(grifo nosso) As supracitadas correntes, hodiernamente, perderam força e raramente são utilizadas quando da aferição da obrigatoriedade de motivação dos atos administrativos. Houve uma significante evolução jurisprudencial e doutrinária e a maioria absoluta dos atuais doutrinadores (até mesmo os que outrora utilizavam essa divisão) não mais relaciona a obrigatoriedade de motivação com a discricionariedade ou vinculação do ato. Essa situação fica evidente nas palavras de Di Pietro: “O princípio da motivação exige que a Administração Pública indique os fundamentos de fato e de direito de suas decisões. Ele está consagrado pela doutrina e pela jurisprudência, não havendo mais espaço para as velhas doutrinas que discutiam se a sua obrigatoriedade alcançava só os atos vinculados ou só os atos discricionários, ou se estava presente em ambas as categorias. A sua obrigatoriedade se justifica em qualquer tipo de ato, porque se trata de formalidade necessária para permitir o controle de legalidade dos atos administrativos.”(grifo nosso) 5.1. Do dever de motivar Como já exposto, nosso ordenamento jurídico nenhuma norma infra legal pode se sobrepor ou contrariar a Lei, vejamos que é o que justamente o que ocorre no caso em debate, onde o Regulamento Disciplinar exime o Administrador de motivar o seu ato pelo decurso de prazo, o que não é legal e fere ainda o princípio constitucional da motivação dos atos administrativos, que no caso do Estado de Goiás é regido pela Lei nº 13.800/01 que estabelece normas básicas sobre o processo administrativo, que deve obedecer dentre outros aos princípios da motivação (art. 2º). Desta forma o texto legal explicitamente demonstra o dever de motivar quando determina: 5.1.1. A indicação dos pressupostos de fato e direito que determine a decisão (art. 2º, § Único, VII); 5.1.2. Os elementos probatórios deverão ser considerados na motivação do relatório e da decisão (art. 38, § 1º); 5.1.3. O dever de explicitamente de decidir sobre reclamações ou decisões de sua competência (art. 48); 5.1.4. Os atos administrativos devem ser motivados, com a indicação dos fatos e fundamentos jurídicos (art. 50) quando: I) neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses; II) imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções; III) decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública; IV) dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório; V) decidam recursos administrativos; VI) decorram de reexame de ofício; VII) deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais; VIII) impliquem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo. Importante ressaltar que neste caso, o termo deve, obriga e exige que o Administrador quando pratica qualquer ato administrativo constante do inciso I a VIII do art. 50, a motivação é obrigatória, ou seja, trata-se de um ato administrativo vinculado. 5.1.5. Define a forma como deve ocorrer a motivação (art. 50, § 1º), sendo sempre explícita, clara e congruente: Explícita, significa, retirar a ambiguidade, fazer com que se torne explicito, desprovido de dúvidas, de ambiguidade, está perfeitamente enunciado, preciso. Clara, constitui, transparência, onde se permite analisar através do ato administrativo a vontade legal e a finalidade do ato. Congruente, estabelece, coerência, apropriado pertinente, que expressa congruência, correspondência, semelhança, característica daquilo que tem lógica e coesão, nexo. Colocação dos elementos textuais que, embora possuindo significados diferentes, são interligados de modo a fazer com que um texto possua sentido completo, tornando-se claro e compreensível (gramaticalmente). Desta forma fica nítido que o ato administrativo deve trazer em seu texto a perfeita expressão da vontade legal subsumido ao caso concreto, demonstrar o atendimento da norma, de forma clara (transparente) de forma que se permita analisar a aplicação da norma referida, sendo com esta coerente, demonstrando esse nexo normativo, interligando o caso concreto com a norma, demonstrando principalmente o controle do ato administrativo pela legalidade da ação do Administrador, ficando o ato vinculado ao motivo declinado em sua motivação, conforme admirável decisão do Relator Desembargador Ney Teles de Paula, onde fica evidente o dever de motivar: "Ademais, cumpre ressaltar que o ato de exclusão do apelado do serviço ativo não tem validade, eis que a Portaria baseou-se em motivo inexistente. "Ocorre que, quando a Administração motiva o ato, mesmo que a lei não exija motivação, ficará ela vinculada ao motivo declinado, de modo que o ato só terá validade se aquilo que for alegado como causa proceder. "Dissertando sobre o tema, o ilustre doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello, in Curso de Direito Administrativo, 14ª ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 351, preleciona: "Além disto, em todo e qualquer caso, se o agente se embasar na ocorrência de um dado motivo, a validade do ato dependerá da existência do motivo que houver sido enunciado. Isto é, se o motivo que invocou for inexistente, o ato será inválido. É esta vinculação do administrador ao motivo que houver alegado que se conhece doutrinariamente como 'teoria dos motivos determinantes' à qual se fará referência breve trecho”. (TJGO, Apelação Cível 81685-9/188, Rel. Des. Ney Teles de Paula, 1ª Câmara Cível, julgado em 02/05/2006, DJe 14775 de 09/06/2006). Negritei. 5.1.6. Pode a motivação basear-se, ainda, em: pareceres anteriores, informações ou decisões, que, neste caso, serão parte integrante do ato, o que não elide a explicitação dos motivos que firmaram o convencimento pessoal da autoridade julgadora. Conforme deixa claro, pode a motivação ser baseada em parecer, informação ou decisões, que mesmo sendo parte integrante do ato, não elimina (elide) o dever de explicar ou explicitar os motivos de fato e de direito que convenceram a autoridade julgadora a promover o ato administrativo daquela forma, onde merece destacar a decisão em Mandado de Segurança exarado pela 79° Promotoria de Justiça, nos autos nº 703/10, com protocolo nº 201004296244, pela digna Promotora de Justiça Carmem Lúcia Santana de Freitas, que anula procedimento administrativo, citando a Teoria dos Motivos Determinantes: “Pela teoria dos motivos determinantes do ato administrativo a validade do ato administrativo está vinculada a existência e veracidade dos motivos apontados como fundamentos para sua adoção. Disto conclui-se que, a pratica de um ato administrativo mediante alegação de motivos falsos ou inexistentes determina sua invalidade.” 5.1.7. A motivação dos atos administrativos, tem grave repercussão vez que o ato administrativo pode negar, limitar, afetar, direitos ou interesses; impor ou agravar deveres, encargos ou sanções; decidir processos administrativos disciplinares, de concurso ou seleção pública ou ainda recursos administrativos de tais atos; dispensar ou declarar a inexigibilidade de processo licitatório; implicar em anular, revogar, suspender ou convalidar ou ato administrativo. Devido a seriedade dos atos administrativos, a motivação é exigida para o controle da atuação do Administrador, de forma que a Lei permite que a Administração deve anular seus atos quando eivados de vicio de legalidade, que engloba a motivação, podendo revoga-lo (art. 53), visa, assim, uma atividade administrativa célere e com qualidade, principalmente em obediência aos mandamentos legais diante da segurança jurídica, inclusive declarando a nulidade de seus próprios atos quando eivados de vícios, questão que já foi inclusive sumulada pelo Supremo Tribunal Federal (STF): Súmula nº 346: "A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos." Súmula nº 473: "A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos, ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial." Conclusão: O tema ilegalidade do § 2º, do art. 53 do Decreto nº 4.717/96, devido a incompatibilidade com a Lei nº 13.800/01, quando após o prazo de 04 (quatro) dias, sem despacho da Autoridade competente considera-se indeferido o pedido de Reconsideração de Ato, situação que viola o dever de motivação dos atos administrativos e do dever de decidir da administração pública. O artigo demonstra de forma clara e com arrimo na legislação em vigor, a ilegalidade e a inconstitucionalidade do § 2º, do art. 53 do Decreto nº 4.717/96, devido a incompatibilidade com a Lei nº 13.800/01 e o texto Constitucional, quando após o prazo de 04 (quatro) dias, sem despacho da Autoridade competente considera-se indeferido o pedido de Reconsideração de Ato, situação que viola o dever de motivação dos atos administrativos e o dever de decidir da administração pública. A atual legislação vigente não permite que o Administrador Público proferira qualquer ato administrativo sem que este seja devidamente motivado, vez que não basta decidir, deve o ato decisório demonstrar a existência do motivo invocado pelo Administrador para que tenha validade, devendo apontar as causa e elementos determinantes da pratica do ato administrativo de forma clara, explicita e congruente, como o dispositivo legal em que ele se fundamenta, demonstrando atuação ética do Administrador e principalmente de modo a permitir o controle dos atos administrativos expedidos, demonstrando a veracidade e a legitimidade desses atos em consonância com a legislação vigente.
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Candidato aprovado em concurso público fora do número de vagas e a expectativa de direito à nomeação
O presente artigo tem como objeto desvendar o atual entendimento da doutrina, jurisprudência e leis, em relação aos direitos do candidato aprovado em concurso público fora do número de vagas previstas no edital, diante do surgimento de novas vagas durante o prazo de validade do concurso.
Direito Administrativo
Introdução: A constituição federal de 1988 denominou “servidores públicos” as pessoas que prestam serviços com vinculo empregatício à Administração pública, sendo que a condição de ingresso no cargo ou emprego público é o concurso, com as exceções previstas no artigo 37 da Constituição Federal, quais sejam, cargos em comissão e contratação temporária. O foco do presente trabalho é verificar quais os direitos de quem se submeteu a concurso público e foi aprovado fora do número de vagas, estando em cadastro de reserva. 1. Desenvolvimento: O artigo 37, inciso I, da Constituição Federal estabelece que para o preenchimento dos cargos, funções e empregos públicos no Brasil, aplica-se o princípio da ampla acessibilidade, desde que preenchidos os requisitos legais. Além disso, os incisos II e IV do artigo 37 da Constituição Federal dispõe que o concurso público é a forma de ingresso em cargo ou em emprego público e que o aprovado no certame deve ter prioridade na convocação durante o prazo de validade do edital do concurso. É possível definir o concurso público como um procedimento previsto na constituição federal para a seleção dos servidores públicos, e que tal procedimento conta com provas e avaliação de títulos para a escolha dos candidatos mais qualificados. Realizado o concurso, os candidatos são considerados aprovados quando preenchem os requisitos mínimos do edital e são considerados classificados os candidatos que, além de aprovados, estejam dentro do número de vagas previstas no edital. Os direitos dos candidatos que se encontram aprovados e que foram classificados dentro do número de vagas do edital é assegurado pela Constituição Federal, já os candidatos aprovados fora do número de vagas e que se encontram no chamado “cadastro de reserva”, não tem direitos assegurados pelas leis, sendo que os julgados sobre esse tema nos tribunais de justiça estão se modificando a cada ano. Os candidatos aprovados fora do número de vagas prevista no edital tem mera expectativa de direito à nomeação, o que somente excepcionalmente se convolará em direito subjetivo. No ano de 2002, conforme se verifica no julgamento do RE nº 273605/SP, o Supremo Tribunal Federal resguardou o direito do candidato à nomeação, quando comprovada a existência de vagas e a necessidade de pessoal, com fundamento no artigo 37, IV, da Constituição Federal. Já no ano de 2014 duas turmas do STF decidiram de forma divergente, de um lado podemos citar o ARE 790.897-AgR (Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 7/3/2014) em que a 2ª Turma entendeu que “O direito à nomeação também se estende ao candidato aprovado fora do número de vagas previstas no edital na hipótese em que surgirem novas vagas no prazo de validade do concurso” (g. n.). Por outro lado, a 1ª Turma do STF, no ARE 757.978-AgR (Rel. Min. Luiz Fux, DJe 7/4/2014), decidiu que “a criação de novas vagas durante o prazo de validade de concurso não gera, automaticamente, direito à nomeação dos candidatos aprovados fora das vagas do edital, salvo se comprovados arbítrios ou preterições” Em razão das supracitadas decisões, ao propor ação de Mandado de Segurança os candidatos aprovados fora do número de vagas teriam que comprovar a existência de vagas e a preterição, qual seja, que existe alguém contratado para a função ou cargo ou alguém desviado de função ocupando a função ou cargo. Em 2015, o STF, por maioria de votos fixou tese de repercussão geral no recurso extraordinário (RE) 837311, estabelecendo que: “O surgimento de novas vagas ou a abertura de novo concurso para o mesmo cargo, durante o prazo de validade do certame anterior, não gera automaticamente o direito à nomeação dos candidatos aprovados fora das vagas previstas no edital, ressalvadas as hipóteses de preterição arbitrária e imotivada por parte da administração, caracterizada por comportamento tácito ou expresso do poder público capaz de revelar a inequívoca necessidade de nomeação do aprovado durante o período de validade do certame, a ser demonstrada de forma cabal pelo candidato. Assim, o direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado em concurso público exsurge nas seguintes hipóteses: 1 – Quando a aprovação ocorrer dentro do número de vagas dentro do edital; 2 – Quando houver preterição na nomeação por não observância da ordem de classificação; 3 – Quando surgirem novas vagas ou for aberto novo concurso durante a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos de forma arbitrária e imotivada por parte da administração nos termos acima.” Conforme se observa a alternativa da preterição permaneceu e agora em tese de repercussão geral. Nos casos em que não há a preterição, mas surgem as vagas e estas podem ser demonstradas documentalmente, em algumas decisões em Mandados de Segurança há ainda o indeferimento sob o argumento de que a Administração tem discricionariedade para nomear, e pode decidir o momento até o vencimento do prazo do concurso. O TJMT no ano de 2015 decidiu nesse sentido: “MANDADO DE SEGURANÇA – CONCURSO PÚBLICO – PRELIMINARES DE DECADÊNCIA, AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR E ILEGITIMIDADE PASSIVA DA REITORIA DA UNEMAT – AFASTADAS – MÉRITO – CANDIDATO APROVADO FORA DO NÚMERO DE VAGAS (CADASTRO DE RESERVA) – REALIZAÇÃO DE PROCESSO SELETIVO DURANTE A VIGÊNCIA DO CONCURSO PÚBLICO – IMPETRAÇÃO DURANTE O PRAZO DE VALIDADE – EXPECTATIVA DE DIREITO – ALEGAÇÃO DE SURGIMENTO DE NOVAS VAGAS – DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO – AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO – SEGURANÇA DENEGADA. Não há falar em direito líquido e certo à nomeação se o concurso a que concorreu o impetrante ainda estiver em vigência, pois subsiste discricionariedade da Administração Pública para efetivar a nomeação. Os candidatos classificados fora no número de vagas prevista no edital de regência não possuem direito líquido e certo, mas mera expectativa de direito à nomeação, a ser concretizado conforme juízo de conveniência e oportunidade. Para que haja convolação da mera expectativa em direito líquido e certo à nomeação de candidato classificado fora do número de vagas prevista no edital do certame (cadastro de reserva), é necessário que comprove a contratação temporária e em número suficiente que atinja sua classificação obtida no concurso público. (MS 91058/2015, DESA. NILZA MARIA PÔSSAS DE CARVALHO, TURMA DE CÂMARAS CÍVEIS REUNIDAS DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO, Julgado em 05/11/2015, Publicado no DJE 12/11/2015).” O que se verifica é que os candidatos classificados fora do número de vagas previstas no edital não possuem direito líquido e certo, mas mera expectativa de direito à nomeação, a ser concretizado conforme juízo de conveniência e oportunidade. Dentro da conveniência e oportunidade, em razão da “Crise financeira” que atualmente ocorre no país, querem considerar ainda a viabilidade jurídica de ser feita a nomeação, caso seja demonstrado o desequilíbrio fiscal. É certo que ao ser lançado o edital do concurso a administração previamente realiza apuração do orçamento e disponibilidade financeira de arcar com as nomeações das vagas previstas no edital, porém, em relação as vagas surgidas dentro da validade do concurso, poderá a administração alegar que ainda não é o momento oportuno em razão que a dotação orçamentária não permite. A despesa com pessoal pode ter alcançado o limite prudencial ou máximo e a arrecadação pode ter caído, fatos que impendem novas nomeações, mesmo que existam novas vagas, sendo que elas somente poderão ser preenchidas caso não haja alteração da folha de pagamento, o que se verifica com vagas surgidas de aposentadoria ou falecimento de servidores. Ocorre que, protelar indefinidamente as nomeações, existindo vagas pode acarretar o vencimento do concurso e a administração deve verificar que a realização de novo concurso comporta gastos, gastos esses que poderiam ser evitados se fosse aproveitado o cadastro de reserva durante o prazo de validade do concurso. Conclusão: Segundo a jurisprudência atual, a expectativa de direito dos aprovados fora do número de vagas previstas no edital encontra-se cada vez mais remota, uma vez que além dos requisitos de comprovar existência da vaga, que houve preterição, que há interesse da administração em nomear, ainda é necessária que exista disponibilidade orçamentária para arcar com os custos dessa nova nomeação.
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Anotações ao inventário nacional dos bens culturais musealizados: ponderações à Resolução Normativa nº 01/2014 do Ministério da Cultura
O objetivo do presente está assentado na análise do Inventário Nacional dos Bens Culturais Musealizados, instituído pela Resolução nº 01/2014 do Ministério da Cultura. Cuida salientar que o meio ambiente cultural é constituído por bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que possuem valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico, científico, refletindo as características de uma determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo formada pela história e maciçamente influenciada pela natureza, como localização geográfica e clima. Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa interação entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas pela sua cultural. A cultura brasileira é o resultado daquilo que era próprio das populações tradicionais indígenas e das transformações trazidas pelos diversos grupos colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens culturais materiais e imateriais portadores de referência à memória, à ação e à identidade dos distintos grupos formadores da sociedade brasileira. O conceito de patrimônio histórico e artístico nacional abrange todos os bens moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja de interesse público, por sua vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou por seu excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e ambiental.
Direito Administrativo
1 Ponderações Introdutórias: Breves notas à construção teórica da Ramificação Ambiental do Direito Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática. Com espeque em tais premissas, cuida hastear, com bastante pertinência, como flâmula de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1]. Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar que não haja uma vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade. Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles consagrados. Ainda neste substrato de exposição, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[3]. Destarte, a partir de uma análise profunda dos mencionados sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das situações concretas. Nas últimas décadas, o aspecto de mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial, quando se analisa a construção de novos que derivam da Ciência Jurídica.  Entre estes, cuida destacar a ramificação ambiental, considerando como um ponto de congruência da formação de novos ideários e cânones, motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação, de boa técnica se apresenta os ensinamentos de Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo, aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito mais ligadas às ciências biológicas, até então era marginalizadas”[4]. Assim, em decorrência da proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas discussões internacionais envolvendo a necessidade de um desenvolvimento econômico pautado em sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir que ocorra a conservação e recuperação das áreas degradadas, primacialmente as culturais.  Ademais, há de ressaltar ainda que o direito ambiental passou a figurar, especialmente, depois das décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha realçar que mais contemporâneos, os direitos que constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma patente preocupação com o destino da humanidade[5]·. Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que abriga em sua redação tais pressupostos como os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art. 3º – Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária”[6]. Ainda nesta esteira, é possível verificar que a construção dos direitos encampados sob a rubrica de terceira dimensão tende a identificar a existência de valores concernentes a uma determinada categoria de pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais prosperando a típica fragmentação individual de seus componentes de maneira isolada, tal como ocorria em momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em especial quando destaca: “Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os direitos de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos, genericamente, e de modo difuso, a todos os integrantes dos agrupamentos sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem, por isso mesmo, ao lado dos denominados direitos de quarta geração (como o direito ao desenvolvimento e o direito à paz), um momento importante no processo de expansão e reconhecimento dos direitos humanos, qualificados estes, enquanto valores fundamentais indisponíveis, como prerrogativas impregnadas de uma natureza essencialmente inexaurível”[7]. Quadra anotar que os direitos alocados sob a rubrica de direito de terceira dimensão encontram como assento primordial a visão da espécie humana na condição de coletividade, superando, via de consequência, a tradicional visão que está pautada no ser humano em sua individualidade. Assim, a preocupação identificada está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas influências afetam a todos, de maneira indiscriminada. Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides, que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta”[8]. Com efeito, os direitos de terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e concretização dos direitos fundamentais. 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente Em uma primeira plana, ao lançar mão do sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981[9], que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências, salienta que o meio ambiente consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e influências de ordem química, física e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de fatores abióticos, provenientes de ordem química e física, e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos apresentados por José Afonso da Silva, considera-se meio-ambiente como “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”[10]. Nesta senda, ainda, Fiorillo[11], ao tecer comentários acerca da acepção conceitual de meio ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com os componentes que cercam o ser humano, os quais são de imprescindível relevância para a sua existência. O Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com bastante pertinência, que: “(…) o meio ambiente é um conceito hoje geminado com o de saúde pública, saúde de cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz a Constituição, é por isso que estou falando de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é imbricado, é conceitualmente geminado com o próprio desenvolvimento. Se antes nós dizíamos que o meio ambiente é compatível com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a partir da Constituição, tecnicamente, que não pode haver desenvolvimento senão com o meio ambiente ecologicamente equilibrado. A geminação do conceito me parece de rigor técnico, porque salta da própria Constituição Federal”[12]. É denotável, desta sorte, que a constitucionalização do meio ambiente no Brasil viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que concerne, especificamente, às normas de proteção ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos corolários e princípios norteadores foram alçados ao patamar constitucional, assumindo colocação eminente, ao lado das liberdades públicas e dos direitos fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira, ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria de normas constitucionais, com elaboração de capítulo especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”[13]. Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988[14] está abalizado em quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que assegura o substrato de edificação da ramificação ambiental. Primeiramente, em decorrência do tratamento dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio ambiente foi içado à condição de direito de todos, presentes e futuras gerações. É encarado como algo pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma, não se admite o emprego de qualquer distinção entre brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso que possui, extrapola os limites territoriais do Estado Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou que: “A preocupação com o meio ambiente – que hoje transcende o plano das presentes gerações, para também atuar em favor das gerações futuras (…) tem constituído, por isso mesmo, objeto de regulações normativas e de proclamações jurídicas, que, ultrapassando a província meramente doméstica do direito nacional de cada Estado soberano, projetam-se no plano das declarações internacionais, que refletem, em sua expressão concreta, o compromisso das Nações com o indeclinável respeito a esse direito fundamental que assiste a toda a Humanidade”[15]. O termo “todos”, aludido na redação do caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz menção aos já nascidos (presente geração) e ainda aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao gênero humano o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em ambiente que permita desenvolver todas as suas potencialidades em clima de dignidade e bem-estar. Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e protegido pelos organismos sociais e pelas instituições estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável que se impõe, objetivando sempre o benefício das presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao Poder Público quanto à coletividade considerada em si mesma.      Assim, decorrente de tal fato, produz efeito erga mones, sendo, portanto, oponível contra a todos, incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito público interno ou externo, ou mesmo de direito privado, como também ente estatal, autarquia, fundação ou sociedade de economia mista. Impera, também, evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a possibilidade de quantificar quantas são as pessoas atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é indeterminada. Nesta senda, o direito à interidade do meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão robusta de um poder deferido, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas num sentido mais amplo, atribuído à própria coletividade social.      Com a nova sistemática entabulada pela redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a lesões perpetradas contra o ser humano para se agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie humana está se tratando do bem-estar e condições mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).      Por derradeiro, o quarto pilar é a corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever geral de se responsabilizar por todos os elementos que integram o meio ambiente, assim como a condição positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente, tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio ambiente, trabalhando com as premissas de desenvolvimento sustentável, aliando progresso e conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da referida corresponsabilidade, são titulares do meio ambiente os cidadãos da presente e da futura geração. 3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos Introdutórios Quadra salientar que o meio ambiente cultural é constituído por bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que possuem valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico, científico, refletindo as características de uma determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo formada pela história e maciçamente influenciada pela natureza, como localização geográfica e clima. Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa interação entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado daquilo que era próprio das populações tradicionais indígenas e das transformações trazidas pelos diversos grupos colonizadores e escravos africanos”[16]. Desta maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela como instrumento robusto da sobrevivência da própria sociedade. Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens culturais materiais e imateriais portadores de referência à memória, à ação e à identidade dos distintos grupos formadores da sociedade brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio histórico e artístico nacional abrange todos os bens moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja de interesse público, por sua vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou por seu excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e ambiental”[17]. Quadra anotar que os bens compreendidos pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do passado e obras contemporâneas. Nesta esteira, é possível subclassificar o meio ambiente cultural em duas espécies distintas, quais sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o meio-ambiente cultural concreto, também denominado material, se revela materializado quando está transfigurado em um objeto classificado como elemento integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível citar os prédios, as construções, os monumentos arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico, paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos citados alhures, em razão de todos os predicados que ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso Especial N° 115.599/RS: “Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio cultural. Destruição de dunas em sítios arqueológicos. Responsabilidade civil. Indenização. O autor da destruição de dunas que encobriam sítios arqueológicos deve indenizar pelos prejuízos causados ao meio ambiente, especificamente ao meio ambiente natural (dunas) e ao meio ambiente cultural (jazidas arqueológicas com cerâmica indígena da Fase Vieira).” Recurso conhecido em parte e provido. (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em 27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça em 02.09.2002, p. 192). Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando este não se apresenta materializado no meio-ambiente humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade. Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a língua e suas variações regionais, os costumes, os modos e como as pessoas relacionam-se, as produções acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional. Neste sentido, é possível colacionar o entendimento firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N° 2005251015239518, firmou entendimento que “expressões tradicionais e termos de uso corrente, trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o patrimônio cultural de um povo”[18]. Esses aspectos constituem, sem distinção, abstratamente o meio-ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a geração e é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente”[19], decorrendo, com destaque, da interação com a natureza e dos acontecimentos históricos que permeiam a população. O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 2000[20], que institui o registro de bens culturais de natureza imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências, consiste em instrumento efetivo para a preservação dos bens imateriais que integram o meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo[21], em seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o registro de bens culturais de natureza imaterial que integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também estruturou uma política de inventariança, referenciamento e valorização desse patrimônio. Ejeta-se, segundo o entendimento firmado por Celso Fiorillo[22], que os bens que constituem o denominado patrimônio cultural consistem na materialização da história de um povo, de todo o caminho de sua formação e reafirmação de seus valores culturais, os quais têm o condão de substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos insertos em uma determinada comunidade. Necessário se faz salientar que o meio-ambiente cultural, conquanto seja artificial, difere-se do meio-ambiente humano em razão do aspecto cultural que o caracteriza, sendo dotado de valor especial, notadamente em decorrência de produzir um sentimento de identidade no grupo em que se encontra inserido, bem como é propiciada a constante evolução fomentada pela atenção à diversidade e à criatividade humana. 4 Ponderações ao Estatuto dos Museus Em um primeiro momento, cuida anotar que a Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009[23], que institui o Estatuto de Museus e dá outras providências, estabelece, em uma concepção jurídica, que são considerados museus as instituições sem fins lucrativos que conservam, investigam, comunicam, interpretam e expõem, para fins de preservação, estudo, pesquisa, educação, contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer outra natureza cultural, abertas ao público, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento. Igualmente, para a aplicação da legislação supramencionada, serão consideradas as instituições e os processos museológicos voltados para o trabalho com o patrimônio cultural e o território visando ao desenvolvimento cultural e socioeconômico e à participação das comunidades.  Ao lado disso, são princípios fundamentais que nortearão a atuação dos museus: (i) a valorização da dignidade humana; (ii) a promoção da cidadania; (iii) o cumprimento da função social; (iv) a valorização e preservação do patrimônio cultural e ambiental; (v) a universalidade do acesso, o respeito e a valorização à diversidade cultural; (vi) o intercâmbio institucional.  A Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009[24] (Estatuto dos Museus), traz ainda, em conformidade com as características e o desenvolvimento de cada museu, a possibilidade de existir filiais, seccionais e núcleos ou anexos das instituições. Nos termos do diploma supramencionado, considera-se como filial os museus dependentes de outros quanto à sua direção e gestão, inclusive financeira, mas que possuem plano museológico autônomo;  como seccional a parte diferenciada de um museu que, com a finalidade de executar seu plano museológico, ocupa um imóvel independente da sede principal; como núcleo ou anexo os espaços móveis ou imóveis que, por orientações museológicas específicas, fazem parte de um projeto de museu.  Ademais, poderá o Poder Público estabelecer mecanismos de fomento e incentivo visando à sustentabilidade dos museus brasileiros. Assentado na proeminência do patrimônio cultural, os bens culturais dos museus, em suas diversas manifestações podem ser declarados como de interesse público, no todo ou em parte. Consideram-se bens culturais passíveis de musealização os bens móveis e imóveis de interesse público, de natureza material ou imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência ao ambiente natural, à identidade, à cultura e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.   Será declarado como de interesse público o acervo dos museus cuja proteção e valorização, pesquisa e acesso à sociedade representar um valor cultural de destacada importância para a Nação, respeitada a diversidade cultural, regional, étnica e linguística do País.  O Estatuto dos Museus estabelece, oportunamente, que a codificação não se aplica às bibliotecas, aos arquivos, aos centros de documentação e às coleções visitáveis. Ao lado disso, são consideradas coleções visitáveis os conjuntos de bens culturais conservados por uma pessoa física ou jurídica, que não apresentem as características previstas no artigo 1º do diploma legal multicitado, e que sejam abertos à visitação, ainda que esporadicamente. Dicciona a legislação que são considerados museus públicos as instituições museológicas vinculadas ao poder público, situadas no território nacional. Incumbirá ao Poder Público firmar um plano anual prévio, de modo a garantir o funcionamento dos museus públicos e permitir o cumprimento de suas finalidades. Os museus públicos, ainda consoante disposição do Estatuto dos Museus, serão regidos por ato normativo específico. É vedada a participação direta ou indireta de pessoal técnico dos museus públicos em atividades ligadas à comercialização de bens culturais. Atividades de avaliação para fins comerciais serão permitidas aos funcionários em serviço nos museus, nos casos de uso interno, de interesse científico, ou a pedido de órgão do Poder Público, mediante procedimento administrativo cabível.  No que concerne ao regime aplicável, a criação de museus por qualquer entidade é livre, independentemente do regime jurídico estabelecidosno Estatuto dos Museus. Ao lado disso, a criação, a fusão e a extinção de museus serão efetivadas por meio de documento público. A criação, a fusão ou a extinção de museus deverá ser registrada no órgão competente do poder público. Os museus poderão estimular a constituição de associações de amigos dos museus, grupos de interesse especializado, voluntariado ou outras formas de colaboração e participação sistemática da comunidade e do público.  Os museus, à medida das suas possibilidades, facultarão espaços para a instalação de estruturas associativas ou de voluntariado que tenham por fim a contribuição para o desempenho das funções e finalidades dos museus. Os museus poderão criar um serviço de acolhimento, formação e gestão de voluntariado, dotando-se de um regulamento específico, assegurando e estabelecendo o benefício mútuo da instituição e dos voluntários. A denominação de museu estadual, regional ou distrital só pode ser utilizada por museu vinculado a Unidade da Federação ou por museus a quem o Estado autorize a utilização desta denominação. Por derradeiro, a denominação de museu municipal só pode ser utilizada por museu vinculado a Município ou por museus a quem o Município autorize a utilização desta denominação. As entidades públicas e privadas de que dependam os museus deverão definir claramente seu enquadramento orgânico e aprovar o respectivo regimento. Todo museu deverá dispor de instalações adequadas ao cumprimento das funções necessárias, bem como ao bem-estar dos usuários e funcionários.  Compete à direção dos museus assegurar o seu bom funcionamento, o cumprimento do plano museológico por meio de funções especializadas, bem como planejar e coordenar a execução do plano anual de atividades. Os museus garantirão a conservação e a segurança de seus acervos, sendo que cada museu deverá elaborar programas, normas e procedimentos de preservação, conservação e restauração, em conformidade com a legislação vigente.  Aplicar-se-á o regime de responsabilidade solidária às ações de preservação, conservação ou restauração que impliquem dano irreparável ou destruição de bens culturais dos museus, sendo punível a negligência.  Os museus devem dispor das condições de segurança indispensáveis para garantir a proteção e a integridade dos bens culturais sob sua guarda, bem como dos usuários, dos respectivos funcionários e das instalações, sendo que cada museu deve dispor de um Programa de Segurança periodicamente testado para prevenir e neutralizar perigos. É facultado aos museus estabelecer restrições à entrada de objetos e, excepcionalmente, pessoas, desde que devidamente justificadas.   As entidades de segurança pública poderão cooperar com os museus, por meio da definição conjunta do Programa de Segurança e da aprovação dos equipamentos de prevenção e neutralização de perigos. Os museus colaborarão com as entidades de segurança pública no combate aos crimes contra a propriedade e tráfico de bens culturais. O estudo e a pesquisa fundamentam as ações desenvolvidas em todas as áreas dos museus, no cumprimento das suas múltiplas competências. O estudo e a pesquisa nortearão a política de aquisições e descartes, a identificação e caracterização dos bens culturais incorporados ou incorporáveis e as atividades com fins de documentação, de conservação, de interpretação e exposição e de educação.  Os museus deverão promover estudos de público, diagnóstico de participação e avaliações periódicas objetivando a progressiva melhoria da qualidade de seu funcionamento e o atendimento às necessidades dos visitantes.  Os museus deverão promover ações educativas, fundamentadas no respeito à diversidade cultural e na participação comunitária, contribuindo para ampliar o acesso da sociedade às manifestações culturais e ao patrimônio material e imaterial da Nação. Os museus deverão disponibilizar oportunidades de prática profissional aos estabelecimentos de ensino que ministrem cursos de museologia e afins, nos campos disciplinares relacionados às funções museológicas e à sua vocação.   As ações de comunicação constituem formas de se fazer conhecer os bens culturais incorporados ou depositados no museu, de forma a propiciar o acesso público, bem como regulamentará o acesso público aos bens culturais, levando em consideração as condições de conservação e segurança. Os museus deverão elaborar e implementar programas de exposições adequados à sua vocação e tipologia, com a finalidade de promover acesso aos bens culturais e estimular a reflexão e o reconhecimento do seu valor simbólico.  Os museus poderão autorizar ou produzir publicações sobre temas vinculados a seus bens culturais e peças publicitárias sobre seu acervo e suas atividades, sendo que: (i) serão garantidos a qualidade, a fidelidade e os propósitos científicos e educativos do material produzido, sem prejuízo dos direitos de autor e conexos; e (ii) todas as réplicas e demais cópias serão assinaladas como tais, de modo a evitar que sejam confundidas com os objetos ou espécimes originais. A política de gratuidade ou onerosidade do ingresso ao museu será estabelecida por ele ou pela entidade de que dependa, para diferentes públicos, conforme dispositivos abrigados pelo sistema legislativo nacional. Os museus caracterizar-se-ão pela acessibilidade universal dos diferentes públicos, na forma da legislação vigente.  As estatísticas de visitantes dos museus serão enviadas ao órgão ou entidade competente do poder público, na forma fixada pela respectiva entidade, quando solicitadas. Os museus deverão disponibilizar um livro de sugestões e reclamações disposto de forma visível na área de acolhimento dos visitantes.  Os museus deverão formular, aprovar ou, quando cabível, propor, para aprovação da entidade de que dependa, uma política de aquisições e descartes de bens culturais, atualizada periodicamente. Os museus vinculados ao Poder Público darão publicidade aos termos de descartes a serem efetuados pela instituição, por meio de publicação no respectivo Diário Oficial.  É obrigação dos museus manter documentação sistematicamente atualizada sobre os bens culturais que integram seus acervos, na forma de registros e inventários, sendo que: (i) o registro e o inventário dos bens culturais dos museus devem estruturar-se de forma a assegurar a compatibilização com o inventário nacional dos bens culturais; e (ii) os bens inventariados ou registrados gozam de proteção com vistas em evitar o seu perecimento ou degradação, a promover sua preservação e segurança e a divulgar a respectiva existência  Os inventários museológicos e outros registros que identifiquem bens culturais, elaborados por museus públicos e privados, são considerados patrimônio arquivístico de interesse nacional e devem ser conservados nas respectivas instalações dos museus, de modo a evitar destruição, perda ou deterioração. No caso de extinção dos museus, os seus inventários e registros serão conservados pelo órgão ou entidade sucessora. A proteção dos bens culturais dos museus se completa pelo inventário nacional, sem prejuízo de outras formas de proteção concorrentes. Entende-se por inventário nacional, em consonância com a  Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009[25] (Estatuto dos Museus), a inserção de dados sistematizada e atualizada periodicamente sobre os bens culturais existentes em cada museu, objetivando a sua identificação e proteção. O inventário nacional dos bens dos museus não terá implicações na propriedade, posse ou outro direito real. O inventário nacional dos bens culturais dos museus será coordenado pela União. Para efeito da integridade do inventário nacional, os museus responsabilizar-se-ão pela inserção dos dados sobre seus bens culturais.  Os museus facilitarão o acesso à imagem e à reprodução de seus bens culturais e documentos conforme os procedimentos estabelecidos na legislação vigente e nos regimentos internos de cada museu. A disponibilização de que trata este artigo será fundamentada nos princípios da conservação dos bens culturais, do interesse público, da não interferência na atividade dos museus e da garantia dos direitos de propriedade intelectual, inclusive imagem, na forma da legislação vigente. Por fim , em consonância com o Estatuto dos Museus, os museus garantirão a proteção dos bens culturais que constituem seus acervos, tanto em relação à qualidade das imagens e reproduções quanto à fidelidade aos sentidos educacional e de divulgação que lhes são próprios, na forma da legislação vigente.  5 Anotações ao Inventário Nacional dos Bens Culturais Musealizados: Ponderações à Resolução Normativa nº 01/2014 do Ministério da Cultura Tecidos estes comentários, cuida anotar que a Resolução Normativa  em comento[26] regulamenta os artigos 11 e 12 do Decreto nº 8.124, de 17 de outubro de 2013, que institui o Inventário Nacional dos Bens Culturais Musealizados – INBCM, a ser coordenado pelo IBRAM (Instituto Brasileiro de Museus), para os fins previstos no art. 41 da Lei nº 11.904, de 2009. O INBCM é um instrumento de inserção periódica de dados sobre os bens culturais musealizados que integram os acervos museológico, bibliográfico e arquivístico dos museus brasileiros, para fins de identificação, acautelamento e preservação, previstos na Política Nacional de Museus, instituído pela Lei nº 11.904/2009 e regulamentado pelo Decreto nº 8.124/2013, sem prejuízo de outras formas de proteção existentes. Conforme o disposto no art. 11 do Decreto nº 8.124, de 2013 e, para os fins previstos no art. 41 da Lei nº 11.904, de 2009, o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) coordenará e manterá atualizado o INBCM, sendo os museus responsáveis pelo conteúdo e envio dos dados sobre os seus bens culturais musealizados. Todos os museus inscritos no Registro de Museus deverão informar ao INBCM sobre os seus bens culturais musealizados, conforme art.11 do Decreto nº 8.124, de 2013. As informações ao INBCM deverão ser, anualmente, enviadas ao Departamento de Processos Museais – DPMUS/Ibram.  Ao lado disso, a implementação do INBCM[27] obedecerá as seguintes etapas: (i) definição dos elementos de descrição que irão compor as informações sobre os bens culturais musealizados que deverão ser declarados no INBCM, a ser desenvolvida pelo DPMUS/Ibram e CGSIM/Ibram; (ii) publicação das recomendações técnicas para o preenchimento dos elementos de descrição sobre os bens culturais musealizados a serem desenvolvidas pelo DPMUS/Ibram e CGSIM/Ibram; (iii) publicação das recomendações para envio e consulta das informações do INBCM ao Ibram.
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Os instrumentos de preservação e salvaguarda do patrimônio histórico-cultural brasileiro: uma análise do inventário, do tombamento e do registro
A cultura brasileira é o legado de grupos e povos de diversos lugares do globo, e até mesmo dos nativos que aqui habitavam, sendo possível afirmar que é uma cultura extremamente miscigenada. Cada grupo ou povo possuía seus próprios valores e costumes, alguns, até hoje, são mantidos. E é acerca de tal esforço, realizado no intuito de eternizar, de forma valorizadora e incentivadora, tais riquezas de imperioso valor social, que remetem à memória, à ação e identidade dos distintos grupos, definidos como bens. Tais bens podem ser divididos em duas categorias: bens materiais (prédios, monumentos, conjuntos urbanos, artefatos, obras de arte, entre outros) e bens imateriais (aqueles cuja existência depende da contínua ação humana, ou seja, o conjunto das práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas). Ainda acesa a chama que sustenta a necessidade de proteção e zelo de todo patrimônio cultural, e, ao mesmo tempo, proporcionar acesso público ao patrimônio, sempre atuando em prol do interesse público, foram estabelecidos mecanismos estatais que atuariam em prol de tal pensamento: o inventário, o instituto do tombamento, utilizado para bens de cunho material, e o instituto do registro, utilizado em bens de cunho imaterial. Ademais, o presente busca apresentar, de forma legal, o respectivo conceito de cada ferramenta de proteção, suas principais características e suas hipóteses aplicativas. [1]
Direito Administrativo
1 INTRODUÇÃO O meio ambiente cultural brasileiro é constituído por diversos bens culturais, materiais ou imateriais, cuja acepção compreende os de valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico e/ou científico para os mais diversos grupos constituintes da própria sociedade, dentre eles afrodescendentes, indígenas e europeus de diversas partes, o que refletirá, essencialmente, em suas características e na forma como o homem constrói o meio em que vive. Desta forma, pode-se dizer que o meio ambiente cultural é decorrente de uma forte interação entre homem e o meio em que está inserido, agregando valores diferenciadores. Com o amadurecimento da sociedade brasileira, em conjunto com o advento da Constituição de Outubro, tal qual enquadra os mais diversos direitos em seu texto solene, a necessidade de proteger e zelar por todo o patrimônio artístico/histórico-cultural brasileiro torna-se ainda mais concreta.  Tratando-se de patrimônio, o artigo 216 da Constituição Federal de 1988 vai preconizar que constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: (i) as formas de expressão; (ii) os modos de criar, fazer e viver; (iii) as criações cientificas, artísticas e tecnológicas; (iv) as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; (v) os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (BRASIL, 1988). Com destaque, ao reconhecer a heterogeneidade das espécies de manifestação da cultura brasileira, sobretudo em decorrência dos diversos povos que foram responsáveis pela colonização e formação do povo brasileiro, compreende-se, igualmente, que distintos são os instrumentos aptos à promoção da preservação e salvaguarda. Nesta esteira, o escopo do presente está alicerçado em promover o exame dos três institutos primordiais para a proteção da cultura, a saber: o inventário, o tombamento e o registro, que são as algumas das formas do Ente Estatal realizar tal ato de preservação e valorização de toda a memória do povo brasileiro, abordando seus conceitos, suas principais características e hipóteses de aplicação. 2 COMENTÁRIOS À PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA CULTURA A Constituição Federal em vigência traz consigo a promessa de proteger e fomentar, legalmente, todo patrimônio histórico-cultural brasileiro. Nesta linha de exposição, consoante a dicção do artigo 216, cuida explicitar que a cultura compreenderá bens de natureza material ou imaterial, considerados individualmente ou em conjunto, tudo aquilo que remeta à identidade, à ação, em virtude da preservação da memória dos diferentes grupos formadores da sociedade e cultura brasileira. Desta feita, há que se reconhecer que tal concepção, em decorrência de sua amplitude, inclui objetos móveis e imóveis, documentações, edificações, criações artísticas, científicas e/ou tecnológicas, conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. O interesse federal na preservação do patrimônio histórico-cultural é tão abrangente que, em prol de tal proteção e para que seja assegurado o bem-estar social entre seus entes/cidadãos, permite ao Estado usar de seus institutos (I. Limitações Administrativas; II. Ocupação Temporária; III. Requisição Administrativa; IV. Desapropriação; V. Servidão Administrativa; VI. Tombamento), cada qual com sua hipótese e condições de aplicação, para interferir até mesmo em bens privados, independendo da vontade de terceiros. Em alinho ao expendido, é importante consignar que o Texto Constitucional de 1988 confere a competência de legislar, proteger e fornecer meios de acesso ao patrimônio cultural à União, aos estados-membros, Distrito Federal e municípios. Ademais, cuida salientar que os entes federativos supramencionados são responsáveis por tratar dos danos causados a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. O motivo de tal hierarquia vem do diferente ponto de vista pelo qual a necessidade de preservação de um bem está compreendida, ou seja, os critérios avaliativos, capazes de justificar o tombamento de um objeto, podem variar, de acordo com o ponto de vista avaliativo da União, de um estado-membro ou de um município, pois é evidente que haverá bens de valores únicos para um município, mas que não terão a mesma significância para a União ou para o próprio estado-membro. Ainda nessa linha de pensamento, o artigo 215 estabelece que: "O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes de cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais" (BRASIL, 1988). Diante das ponderações apresentadas até o momento, quadra assinalar que os bens e as prestações de serviços constituem o próprio objeto do direito, conforme se infere das ponderações de Pereira (2008). Logo, no momento em que o enunciador constituinte afirmar que o exercício dos "direitos culturais" será garantido a todos, estará afirmando que a cultura é objeto do direito, sendo tratado na atual Constituição Federal como um bem jurídico, patrimônio, valor e povo. No que atina à noção jurídica de "bem", esta se refere a toda utilidade, física ou ideal, que possa impactar na faculdade das ações do indivíduo, ou seja, compreenderão os "bens" propriamente ditos, os passíveis e não passíveis de apreciação financeira. 3 O INSTITUTO DO INVENTÁRIO CULTURAL Segundo bem explica Oliveira et al (2012, p. 4), o inventário esteve presente, com grande significância, como forma de proteção e tutela de bens desde épocas passadas, isto à nível internacional. Nestes períodos, em variadas regiões, eram realizados debates e encontros para que fossem discutidas as formas de acautelamentos do patrimônio cultural. Como fruto de tais encontros, iniciaram-se a construção das cartas patrimoniais, que, de maneira geral, eram recomendações acerca de temas centrais da preservação do patrimônio, e em uma destas recomendações estava o ato de inventário, demonstrando, desta forma, que a presença é um forte meio de proteção, a exemplo, a Declaração de Amsterdã de 1975, que discerne a respeito da importância desses inventários, explicando ainda que deveriam ser difundidos para autoridades regionais, locais e responsáveis pelo planejamento físico das cidades. Quanto a adesão do Brasil a tais debates, Oliveira et all dispõem: “[…] Brasil incorporou esses debates de nível internacional e, consequentemente, foram responsáveis pela a criação de órgãos de proteção do Patrimônio, que se iniciou no país com a criação do Serviço de Proteção Histórico e Artístico Nacional – SPHAN, dos quais as discussões estavam centradas na busca modernista de uma origem nacional nascida na semana de 1922 , que teve como anteprojeto de Mário de Andrade, no qual tais intelectuais estavam obstinados pela descoberta de manifestações genuínas do país, mapearam sítios históricos e núcleos urbanos do passado, elegendo e consolidando referências, sobretudo, da história colonial” (OLIVEIRA et all, 2012, p. 04). Com a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), pelo Decreto-Lei de nº 25, de 30 de novembro de 1937, o tombamento era introduzido, no ordenamento nacional, como instrumento de proteção. Neste sentido, ainda, cuida destacar que o decreto supramencionado, em seu artigo 1º, de maneira expressa, já reconhecia que constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico (BRASIL, 1937). Insta sublinhar, ainda, que o instituto do inventário, apesar de ser anterior a criação do SPHAN, afigurando-se presente em grandes debates e levantamento, não fora, a princípio, como instrumento de proteção do patrimônio cultural no decreto supramencionado. Com pertinência, Oliveira et all (2012) vai elucidar que as políticas dotadas com o intuito preservador foram implementadas e melhoradas com o tempo, e, a partir da década de 70, iniciou-se o processo de descentralização de tais políticas de patrimônio no Brasil, estabelecendo vários órgãos estaduais e municipais de preservação. Na transição do regime militar para o atual Estado democrático, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, tal qual passa a tratar de novos direitos, estabelecendo, destarte, novas relações entre a vida cultural e o Estado, reconhecendo tal interação como direito fundamental e ofertando, via de consequência, um sucedâneo de instrumentos para assegurar a proteção e salvaguarda de suas manifestações, objetivando, para tanto, a promoção da dignidade da pessoa humana. Promulgada a nova Constituição Federal, o inventário foi expressamente reconhecido como um instrumento jurídico de proteção do patrimônio cultural, juntamente com o tombamento, a desapropriação, os registros e outros meios de tutela, não apenas uma catalogação de bens voltada para a indicação de tombamentos. Nesta linha de pensamento, Miranda (2008) vai apontar que o inventário cultural, constitucionalmente, configura forma autônoma e autoaplicável de preservação do meio ambiente cultural, integrando cadastro de bens de valor sociocultural. Segundo Rangel (2014, s.p.), o instituto do inventário cultural não é regulamentado infraconstitucionalmente no âmbito nacional, levando a falta de normas que discernem sobre seus efeitos. Diante do cenário apresentado, na mesma esfera, eminente a falha da norma infraconstitucional federal em dispor sobre o inventário, na condição de instituto de preservação do patrimônio cultural, caberá aos demais entes federativos, fulcrados na mens legis contida no artigo 216 da Constituição Federal, legislar sobre a proteção e conservação de seus patrimônios histórico-culturais. Desta forma, o inventário, enquanto instrumento de preservação e salvaguarda cultural, consistirá na interpretação de características, sejam particulares, históricas ou relevantes culturalmente, em prol de dispensar a proteção de bens culturais materiais, públicos ou privados, no qual se deve adotar, em relação à execução, a critérios técnicos objetivos alicerçados de natureza histórica, artística, arquitetônica, sociológica, paisagística e antropológica. Pode-se afirmar, portanto, que inventariar algo é uma atividade que estabelecerá e priorizará as ações dentro de uma política voltada à preservação e administração do patrimônio cultural, salientando que, previamente, o ato chega ao conhecimento dos acervos existentes. Neste sentido, pode-se definir o ato do inventário como ato de descrever, levantar da maneira mais complexa possível, a relação e conjunto de bens culturais, no intuito de abranger toda a diversidade de patrimônio existente. O principal objetivo da medida de inventário é a apreciação do bem, no qual se faz necessário conhecer seu fundamento e, posteriormente, um pedido de tombamento. Rangel (2014, s.p.), ainda, vai dispor que o pedido de tombo não é consequência imediata, ou seja, é possível que, após estudo executado pelo instituto em questão, determinado bem não seja passível de tombamento, mostrando, destarte, incoerência quanto ao atrelamento do efeito de restrição da propriedade ao ato de inventário. Em alinho ao expendido, a falta de normas infraconstitucionais que regulamentem o instituto do inventário não privará o Poder Público de utilizar-se de tal instrumento como forma de fonte de conhecimento dos bens culturais tidos como patrimônio. Desta forma, pode-se afirmar que tal ato gerará insegurança jurídica, uma vez que o inventário encontra-se previsto constitucionalmente como prática regular partida de órgãos preservadores de patrimônio. 4 O INSTITUTO DO TOMBAMENTO CULTURAL Segundo Di Pietro (2013, s.p.), o instituto do tombamento configura modalidade de intervenção do Estado em qualquer tipo de bem, dentre eles móveis ou imóveis, materiais ou imateriais, públicos ou privados, em virtude da preservação do patrimônio histórico ou artístico cultural. Pode-se considerar requisitório de tal preservação o bem cuja conservação seja de interesse público, seja por sua vinculação a fatos memoráveis da história brasileira, ou por seu grande valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. O ideal num processo de tombamento é que não se tombem objetos isolados, mas conjuntos significantes. Neste sentido, já firmou entendimento o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais que “o tombamento é ato administrativo que visa à preservação do patrimônio histórico, artístico ou cultural das cidades, de modo a impedir a destruição ou descaracterização de bem a que for atribuído valor histórico ou arquitetônico” (MINAS GERAIS, 2008). Com realce, o instituto em comento se revela, em sede de direito administrativo, como um dos instrumentos criados pelo legislador para combater a deterioração do patrimônio cultural de um povo, apresentando, em razão disso, maciça relevância no cenário atual, notadamente em decorrência dos bens tombados encerrarem períodos da história nacional ou, mesmo, refletir os aspectos característicos e identificadores de uma comunidade. Partindo da ideia de conjunto significativo, atualmente, excetuando-se seres humanos e exemplares animais isolados, tudo pode ser tombado; até mesmo um ecossistema para a preservação de uma ou mais espécies. Em harmonia com o escólio de Di Pietro (2013, s.p.), a origem do vocábulo ''tombar'', provém do direito português, no qual tem o significado de registrar, inventariar, inscrever nos arquivos do reino que serão guardados na Torre do Tombo (local onde ficavam os arquivos de Portugal). Ainda é sustentada a ideia de que todo bem tombado deve ser registrado no Livro do Tombo (Livro nº 1 do tombo arqueológico, etnográfico e paisagístico. Livro nº 2 do tombo histórico; Livro nº 3 do tombo das belas artes; das artes aplicadas), e, a partir deste momento, o bem passará a ser considerado bem de interesse público, impondo restrições ao particular, tudo em prol da preservação. Tal como ocorre com as demais espécies de intervenção na propriedade, o tombamento tem por fundamento a necessidade de adequar o domínio privado às necessidades de interesse público. Por mais uma vez, com realce, é possível verificar a materialização da premissa que o interesse público prevalece em relação aos interesses dos particulares. É por tal motivo que, ainda em relação ao presente instituto, se pode invocar as disposições contidas nos artigos 5°, inciso XXIII, e 170, inciso III, ambos da Constituição Federal, os quais objetivam assegurar que a propriedade alcance sua função social. Com efeito, a defesa do patrimônio cultural se apresenta como matéria dotada de interesse geral da coletividade. Assim, “para que a propriedade privada atenda a essa função social, necessário se torna que os proprietários se sujeitem a algumas normas restritivas concernentes ao uso de seus bens, impostas pelo Poder Público” (CARVALHO FILHO, 2011, p. 736). Uma vez obtida essa proteção, a propriedade estará cumprindo o papel para o qual a Constituição Federal a destinou. Destarte, é possível evidenciar que o tombamento encontra escora na necessidade de adequação da propriedade à correspondente função social e esta, por sua vez, se consubstancia na necessidade de proteção ao patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e científico. Ao lado disso, com destaque, a Emenda Constitucional N° 48, de 10 de agosto de 2005, que, ao acrescentar o §3° ao artigo 215 da Constituição Federal, estabeleceu que diploma legislativo criasse o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, com o escopo principal de fomentar o desenvolvimento cultural do País, tal como a interação de ações do Poder Público para a defesa e a valorização do patrimônio cultural brasileiro, produção, promoção e difusão de bens culturais e outras ações do gênero. Salta aos olhos o intuito de atribuir, cada vez mais, realce aos valores culturais do País. Tem se tornado corriqueiro, entretanto, o tombamento de imóveis urbanos para o fito de obstar suas demolições e evitar novas edificações ou, mesmo, edificações em determinadas áreas urbanas, cuja demanda de serviços públicos e equipamentos urbanos se apresente como incompatível com a oferta possível no local. “Com tal objetivo, certas zonas urbanas têm sido qualificadas como 'áreas de proteção ao ambiente cultural', e nelas se indicam os imóveis sujeitos àquelas limitações”, como bem espanca José dos Santos Carvalho Filho (2011, p. 736). Transparece, nesses atos, notório desvio da perspectiva, porquanto são flagrantemente ilegais e não apresentam qualquer conexão com o real motivo apresentado pelo instituto do tombamento. O fundamento real deste instituto está assentado na preservação do patrimônio público, contudo, naquelas áreas inexiste qualquer ambiente cultural que reclama preservação do Poder Público. Um processo de tombamento de um bem cultural ou natural pode ser solicitado por qualquer pessoa, seja física ou jurídica, proprietário ou não, por uma organização não governamental, pelo representante de órgão público ou privado, por um grupo de pessoas por meio de abaixo assinado ou por iniciativa do próprio órgão responsável pelo tombamento, sendo de grande importância a descrição da possível localização ou as dimensões e características do bem, juntamente com a justificativa do motivo pelo qual se solicita o tombamento pelo solicitante, assim discerne Lourenço (2006, s.p.). Quanto à competência legislativa do ato de tombamento, tem-se: “[…] na esfera federal, o tombamento é realizado pela União, através do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Na esfera estadual, realiza-se pela Secretaria de Estado da Cultura – CPC. Já na esfera municipal, é realizado quando as administrações dispuserem de leis específicas. O processo de tombamento poderá ocorrer inclusive, em âmbito mundial, o qual será realizado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, cujo bem será reconhecido como Patrimônio da Humanidade” (LOURENÇO, 2006, s.p.). Lourenço (2006, s.p.) delibera que é de responsabilidade do órgão que efetuou o Tombamento estabelecer os limites e as diretrizes para as possíveis interações sociais nas áreas próximas ao bem tombado. Ou seja, quando se tem o tombamento de um bem, o que próximo a ele estiver, também sofre interferência do processo, mesmo que em menor grau de proteção. Ainda com o que o autor leciona, um objeto tombado não deverá ter sua propriedade alterada, nem precisará ser desapropriado, ao contrário, embora deva-se manter as mesmas características de antes da data do tombamento. O objetivo é a proibição da destruição e da descaracterização do bem em questão, não havendo, desta forma, qualquer impedimento quanto a venda, aluguel ou herança de um bem tombado, desde que este continue em estado de preservação. Portanto, aquele que ameaçar ou destruir um bem tombado estará sujeito a processo judicial, que poderá definir multas, medidas compensatórias ou até a reconstrução do bem como se encontrava na data do tombamento, de acordo com a sentença final do processo. O autor ainda complementa que caso o proprietário possua a intenção de vender o bem, deverá, antecipadamente, reportar à instituição que realizou o ato de tombamento para que se atualize os dados. 4.1 Processo administrativo do tombamento Para Gomes (2014, p.4), o tombamento trata-se de um processdimento administrativo tal qual deve passar por uma série de atos até sua conclusão, com sua inscrição ou registro no Livro do Tombo. A lei não apresenta um procedimento padrão, embora descreva alguns atos indispensáveis para a organização do instituto. A não observância dos preceitos legais para sua realização gerará vícios formais passíveis de nulidades. Tais atos obrigatórios, são apontados por Alexandrino e Paulo (2011, p. 960): “a) Parecer do órgão técnico cultural; b) A notificação ao proprietário, que poderá manifestar-se, anuindo com o tombamento ou impugnando à intenção do Poder Público de intentá-lo; c) Decisão do Conselho Consultivo da pessoa incumbida do tombamento, após a menifestação dos técnicos e do proprietário. A decisão concluirá: c.1) Pela anulação do processo, caso haja ilegalidade; c.2) Pela rejeição da proprosta do tombamento; ou c.3) Pela homologação da proposta, caso necessário o tombamento; d) Possiblidade de interposição de recurso pelo proprietário a ser dirigido ao Presidente da República”. Como manda todo processo administrativo, far-se-á a garantia do contraditório e da ampla defesa, previstos constitucionalmente no art. 5º LVI, juntamente com a produção de provas legais por parte do proprietário do bem, para que se demonstre a inexistência de relação entre o bem tombado e a proteção ao patrimônio cultural. 4.2 Espécies de tombamento Para Lourenço (2006, s.p.), é possível mencionar duas classificações possíveis para o tombamento: quanto à manifestação da vontade e quanto à eficácia do ato. Tratando-se da manifestação da vontade, o tombamento poderá ser voluntário ou compulsório. Segundo Carvalho Filho (2011, p.738), tombamento voluntário é ato do particular do bem tombado não resiste a inscrição feita pelo Poder Público, ou no caso desse mesmo particular procurar o Poder Público para a procedência do tombamento de seu patrimônio. Já o tombamento compulsório é descrito como aquele em que o Poder Público irá inscrever o bem tombado independentemente da anuência do particular. Quanto à eficácia do ato, o tombamento pode ser considerado como provisório ou definitivo. É provisório enquanto está em curso o procedimento administrativo instaurado pela notificação, e definitivo quando, depois de concluído toda a tramitação do processo, o Poder Público procede a inscrição do bem no Livro do Tombo. Cuida salientar que, acerca da provisoriedade do tombamento, o Superior Tribunal de Justiça já manifestou entendimento que o tombamento provisório não constitui fase procedimental, mas sim consubstancia verdadeira medida assecuratória de preservação dobem até que sobrevenha a conclusão dos pareceres e a inscrição no livro respectivo. “O instituto do tombamento provisório não é fase procedimental precedente do tombamento definitivo. Caracteriza-se como medida assecuratória da eficácia que este poderá, ao final, produzir” (BRASIL, 2003). José dos Santos Carvalho Filho discorre que tal entendimento discrepa da disposição contida no artigo 10° do Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de 1937, eis que o tombamento será considerado provisório ou definitivo, consoante esteja o respectivo processo iniciado pela notificação ou concluído pela inscrição dos bens. “Segue-se, por conseguinte, que, a despeito de poder também revestir-se de caráter preventivo, o tombamento provisório encerra, na realidade, fase do processo, porquanto decretado antes do ato final do tombamento definitivo” (CARVALHO FILHO, 2011, p. 739). Doutro modo, a jurisprudência sustenta que “a existência de procedimento administrativo para o tombamento do imóvel do impetrante inviabiliza a demolição de seu bem, visto que o tombamento provisório se equipara ao definitivo, nos termos do artigo 10, §1º, do Dec. Lei 25/37” (MINAS GERAIS, 2006).  4.3 Obrigações impostas pelo tombamento Di Pietro (2013, s.p.) explica que, com o tombamento de um bem, gera-se várias obrigações ao proprietário e às propriedades apensas. No que concerne às obrigações positivas, é possível elencar: I. Dever de conservação do bem destinado a preservação do mesmo, ou caso não houver meios, comunicar sua impossibilidade ao órgão competente, sob pena de incorrer em multa correspondente ao dobro da importância em que foi avaliado o dano sofrido pela coisa; II. Assegurar o direito de preferência de aquisição em caso de alienação onerosa. Isto é, caso o proprietário do imóvel resolva alienar este, deverá assegurar o direito de preferência, oferecendo, na seguinte ordem: primeiramente à União, em seguida Estados, e, por fim, Municípios, sob pena de nulidade do ato, sequestro do bem por qualquer dos titulares do direito de preferência e multa de 20% do valor do bem a que ficam sujeitos transmitente e o adquirente. As punições devem ser determinadas pelo Poder Judiciário; Morais (2001, s.p.) ainda acrescenta: ''III. Só haver transferência para esfera da federação, caso se trate de bem tombado público''. Em harmonia com o escólio apresentado por Di Pietro (2013), as obrigações negativas podem ser descritas como: I. Vedação à destruição, demolição ou mutilação, e, sem prévia autorização do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, atualmente IPHAN, repará-las, pintá-las ou restaurá-las, sob pena de multa de 50% do dano causado. Morais (2001, s.p.), em tom de complemento, acrescenta que o bem tombado só poderá sair do país por curto período de tempo, sem transferência de domínio, e para fim de intercâmbio cultural, a juízo do IPHAN. Ainda segundo Di Pietro (2013), há as obrigações dos imóveis vizinhos: I. As propriedades em questão sofrem as consequências provindas do Tombamento, dentre elas a de não realizarem construções que possam impedir ou dificultar a visualização do bem tombado, juntamente a impossibilidade de colocar anúncios e cartazes próximos ao bem tombado, sob pena de destruição da obra ou multa de 50% do valor do objeto. 4.4 Indenização do tombamento Gomes (2014, p. 5) expõe que, diferentemente das demais formas de proteção ao patrimônio cultural, a exemplo, a desapropriação, não cabe, via de regra, indenização ao proprietário. Isso se deve ao fato do ato ser gratuito realizado pelo Poder Público. A autora ainda complementa acerta a ausência da indenização: '”[…] a justificativa se dá pelo fato da propriedade do bem não passar para as mãos da administração pública, ou seja, a posse, propriedade e direitos sobre o bem continuam em nome do proprietário” (GOMES, 2014, p. 6). Meirelles (2012, s.p.) frisa a idéia de que a doutrina não é pacífica quanto a essa questão, isso devido a restrição dos direitos do proprietário impostos pelo tombamento em virtude do benefício coletivo, porquanto se o bem-estar social reclama o sacrifício de um ou de alguns, aqueles ou estes devem ser indenizados pelo Estado, ou seja, pelo erário comum do povo. Gomes (2014, p. 6) assevera ainda que essa corrente entende que com as restrições impostas surge um esvaziamento econômico do bem, o que gerará dano a seu proprietário. Nesta esteira, sempre que o tombamento de um imóvel reduzir-lhe o poder de uso, gozo e função, pela necessidade de preservação em prol da coletividade, impedindo de alterar seu estado de acordo com a vontade de seu proprietário, estará caracterizado um dano, uma perda, um esvaziamento econômico. Ainda mais se antes do tombamento o status da utilização (edilícia, comercial, etc.) do imóvel, era uma; e depois do tombamento, com as limitações havidas o status passa a ser outro, mais limitado. Gomes (2014, p. 7) afirma, em seu escólio, que tal ato indenizatório, para essa parte da doutrina, deve ter proporção relacionada com o dano, não sendo apenas um prejuízo econômico, mas sim, o prejuízo decorrente da constrição de um direito, gerando o dever de indenizar. 5 O INSTITUTO DO REGISTRO Com a Constituição Federal de 1988 definindo, em seu texto, com clareza ofuscante, o patrimônio cultural brasileiro como sendo todos os bens, de natureza material e imaterial, agregados a grande valor histórico, tem-se o instituto do tombamento destinado a tratar dos bens de origem material (prédios, monumentos, conjuntos urbanos, artefatos, obras de arte, entre outros), enquanto que o instituto do registro tende a tratar dos bens de origem imaterial (aqueles cuja existência depende da contínua ação humana, ou seja, o conjunto das práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas). Em harmonia com as ponderações estruturadas até o momento, Rangel vai apresentar as seguintes considerações: “[…] o Texto Constitucional, com clareza solar, sublinha que o seu interesse não está centrado apenas em proteger objetos materiais que gozem valor acadêmico, mas também os bens de natureza material ou imaterial portadores de referência à identidade de cada grupo formador da sociedade brasileira. Ora, cada um dos diversos grupos, assim como seus modos de fazer, criar e viver, é objetivo de proteção conferida pelo Ente Estatal. Ao lado disso, a Carta de 1988 apresenta característico forte os ideais republicanos e democráticos, refletindo em todas as matérias nela versadas esses corolários, até mesmo porque estrutura-se como escopo fundamental entalhado na Constituição o de edificar uma sociedade livre, justa e solidária. Desta feita, a concepção em testilha informa a maneira por meio da qual o Estado deve proteger e promover a cultura” (RANGEL, 2013, p. 12). Como bem leciona Brettas e Frota (2012, p. 4), a proteção em torno do patrimônio imaterial recebeu maior atenção a partir do momento em que o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) passou a atuar com mais rigidez neste segmento, basicamente no ano 2000. O Decreto nº 3.551, de 04 de agosto deste mesmo ano, introduziu, no ordenamento jurídico, a disciplina do instituto do registro, para que atuasse como recurso de reconhecimento e valorização do bem nele inserido. O registro é equivalente à identificação e a valorização do bem intangível (através da documentação produzida de forma escrita e audiovisual) e da percepção do passado e presente de manifestações artístico-culturais (a exemplo: as comemorações de grupos folcloristas e os movimentos negros e de defesa dos direitos indígenas). “[…] o instituto de registro reflete as reivindicações dos grupos de descendentes de imigrantes das mais diversas procedências, alcançando, desta maneira, os “excluídos” do cenário do patrimônio cultural brasileiro, estruturada a partir de 1937” (RANGEL, 2013, p. 13-14).   Vale salientar que a salvaguarda do patrimônio cultural imaterial consiste mais em documentação e acompanhamento do que em intervenção. Nesta esteira, ainda em consonância com as ponderações de Rangel (2013, p. 14), a finalidade principal do instituto do registro é manter a memória dos bens culturais e de sua trajetória ao longo tempo, uma vez que este é o mecanismo capaz de assegurar a sua preservação, possibilitando, ao mesmo tempo, da melhor forma possível, um amplo acesso público. Com a dinamicidade que os processos culturais se desenvolvem, as mencionadas manifestações são enquadradas em uma concepção de preservação diferente da habitual prática ocidental, tal qual não pode ser alicerçada em seus conceitos de permanência e autenticidade. Diante disto, os bens culturais de natureza imaterial, devido à sua emolduração em um processo dinâmico de desenvolvimento e transformação, não podem ser engessados nos conceitos mencionados, tendo maior importância, em situações concretas, o registro e a documentação do que intervenção, restauração e conservação. Sobre a matéria em comento, é interessante complementar com as ponderações arvoradas por Rangel (2013), em especial quando vai destacar que os bens escolhidos para registro são inseridos em livros denominados: – Livro de registro dos saberes (registro de conhecimentos e modos de fazer); – Livro das celebrações (festas, rituais e folguedos); – Livro das formas de expressão (manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas); – Livro dos lugares (espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas). Levando em consideração o modo como as manifestações supramencionadas acontecem e todas as suas mudanças, o instituto tem por objetivo refazer o registro, pelo menos, a cada dez anos. 6 DISTINÇÕES ENTRE O INSTITUTO DO TOMBAMENTO E O INSTITUTO DO REGISTRO Como salienta Rangel (2013, s.p.), embora ambos possam se confundir na hipótese de uso do inventário, a principal distinção entre tombamento cultural e registro cultural são os livros nos quais cada bem correspondente ao seu respectivo instituto será inserido. Isto é, os bens de cunho material que foram selecionados para o ato do tombamento, serão inscritos nos Livros do Tombo. Quanto aos bens de cunho imaterial, terão sua inserção nos Livros do Registro. Enquanto o tombamento possui um controle público do bem cultural, de forma permanente, através de autorizações e sanções, o registro não possui tal sistema de controle ou intervenção estatal na vida de seu bem cultural. Desta forma, o instituto do tombamento deveria funcionar, unicamente, como ferramenta de proteção de bens materiais, não apenas em decorrência da comprovada e específica eficácia, bem como não é adequado aos bens imateriais, tais quais possuem grande dinamicidade por natureza. O autor ainda complementa: "em que pese argumentações contrárias, fato é que, mesmo tratando-se de bens imateriais, o patrimônio cultural reclama proteção do Poder Público, já que consolida a identidade nacional". Ainda de acordo com a exposição de Rangel (2013, s.p.), efetivamente, tomba-se um bem em prol de zelo eficaz e contínuo, sendo amparado pelo Poder Público como assegurador da salvaguarda do meio ambiente cultural. Consoante a tal, não deve haver a necessidade de investimento público para conservação dos bens culturais de natureza imaterial, não deixando também desestimular a política do tombamento, quando este, concretamente, se mostrar um mecanismo imperioso. Rangel, ainda, pondera que “no registro haverá um comportamento do Poder Público de promover a valorização do bem registrado, não pressupondo uma ajuda direta na existência do bem, nem um controle pelo órgão público do patrimônio cultural" (2013, s.p.). Destarte, perante as estruturações de ambos institutos, pode-se afirmar que tombamento e registro são bem semelhantes, tratando-se de seus procedimentos administrativos no plano federal, uma vez que ambos transitam pelo IPHAN e pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural. 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante de todo o exposto, é correto afirmar que o conceito de patrimônio cultural e o interesse do Estado em promover difusão e proteção a bens contribuintes de tais patrimônios, ou seja, bens, materiais ou imateriais – sendo estes requisitórios de valorização e fomentação -, de inestimável valor à história de formação da sociedade brasileira e todos os seus grupos de povos diversos, estendeu-se muito no decorrer dos anos. E, assim tratado no presente estudo, o Ente Estatal possui diversos meios para que a conservação e proteção prevista no texto constitucional seja garantida. Como foco de  estudo até o presente momento, o instituto do tombamento, o inventário cultural e o instituto do registro cultural, cada qual com seu procedimento específico e hipótese aplicativa, mas com o mesmo objetivo, o de eternizar, da melhor forma possível, possibilitando o acesso público, qualquer patrimônio artístico e/ou histórico-cultural,  contando com o apoio de todo o grupo social brasileiro, quaisquer sejam as idades dos que ele integram, agindo sempre em virtude de seu interesse popular, para que as futuras gerações possam gozar dos mesmos bens que a sociedade atual e passada desfrutaram.
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