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O Compliance Como Mecanismo de Combate à Corrupção
O presente trabalho realiza um estudo comparado de como o instituto compliance vem sendo utilizado como mecanismo de combate à corrupção no âmbito das contratações públicas. Dentro desse contexto, o estudo tem por objetivo demonstrar a importância do referido instrumento e de que forma vem se tornando eficaz na árdua tarefa a que se propõe. Procurou-se abordar o surgimento do compliance no âmbito internacional, a maneira como influenciou a criação de legislações ao redor do mundo, e como se deu a implementação no Brasil por meio da Lei Anticorrupção. Foram utilizados os textos legais referentes à matéria, seus contornos e resultados obtidos, a fim de que o estudo possa dar sua contribuição com o fito de enriquecer os debates sobre o tema.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO Não há dúvida de que a corrupção consiste num grave problema que assola a sociedade mundial, gerando consequências nefastas nas mais diversas searas, além de atingir de maneira frontal a confiança e a credibilidade que a população deposita nas instituições e nos detentores de poder. Na esfera da contratação pública, muito se discutiu ao longo dos anos acerca de quais mecanismos seriam eficazes na difícil missão de erradicar a corrupção. No Brasil, por exemplo, o início dos anos 90 foi marcado pela consagração do maximalismo, sob o fundamento de que a corrupção seria melhor combatida com uma lei detalhista e minuciosa (ROSILHO, 2013). Com o passar dos anos, todavia, percebeu-se que o maximalismo não lograra êxito na referida luta. Leis esparsas passaram, então, a ser criadas com o fito de dinamizar e simplificar os procedimentos de contratação pública, numa tendência minimalista convergente com as Diretivas Europeias e com a legislação portuguesa que rege a matéria. Nesse contexto, surgiu, no Brasil, a Lei Federal nº. 12.846, de 1º de agosto de 2013, popularmente conhecida como Lei Anticorrupção, que trouxe inúmeras novidades no que tange à responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública. Tal lei trouxe nova esperança à sociedade, uma vez que o arcabouço legislativo até então existente no país se mostrava incapaz de acabar, ou sequer diminuir o ciclo vicioso da corrupção. Dentre tais inovações, merece destaque e um estudo acurado um importante mecanismo de combate à corrupção: o compliance, instrumento de cooperação entre o setor público e o privado que, se bem aplicados, podem representar uma esperança real para extirpar as práticas ilícitas no âmbito das contratações públicas.   1 O COMPLIANCE COMO MECANISMO DE COMBATE À CORRUPÇÃO O termo compliance pode ser traduzido como conformidade, obediência, cumprimento, adequação. No âmbito empresarial, por conseguinte, relaciona-se à conformidade às normas, às leis e aos regulamentos aplicáveis a uma determinada atividade empresarial, bem como ao que se espera em termos de padrões éticos e morais. Pode-se conceituar compliance, então, como o conjunto de práticas e disciplinas adotadas pelas empresas com o objetivo de alinhar a sua conduta corporativa à observância das normas e das políticas governamentais aplicáveis à respectiva área de atuação. Possui como desiderato a prevenção e a apuração de ilícitos, a partir  da criação de estruturas internas e procedimentos de auditoria e incentivos à    comunicação de irregularidades, além da elaboração e efetiva aplicação de códigos  de ética no ambiente corporativo (COIMBRA, 2010). Preconiza, portanto, que as empresas possuam um mecanismo de constante monitoramento da conformidade com as normas e os padrões de ética e probidade. Interessante perceber que, pelo referido instrumento, o particular passa a assumir um papel fundamental no combate às práticas ilícitas, tendo o dever de assumir uma postura pautada na ética e na probidade, o que tempos antes era exigido de forma quase unilateral aos agentes públicos. A responsabilidade, portanto, passa a ser encarada de forma bilateral. Público e privado em sintonia para prevenir e combater a corrupção, numa cooperação mútua para transformar a mentalidade dos atores e, consequentemente, o ambiente empresarial. Aponta-se como marco de surgimento do compliance, em âmbito internacional, a edição, em 1977 pelos Estados Unidos da América, da FCPA – Foreign Corrupt Practices Act, legislação que passou a exigir das empresas que operam na Bolsa de Valores de Nova York que adotassem um conjunto de regras voltadas a evitar e punir fraudes ligadas a atos de corrupção. A adoção de regras de compliance passou então a ter consequências jurídicas relevantes para a aplicação das sanções previstas na legislação norteamericana. A FCPA, com o novo regime de combate à corrupção que inaugurou, tornou-se um diploma de forte influência na comunidade internacional, que se viu na obrigação de adotar medidas com o mesmo propósito. Nesse contexto, surgiu a Convenção sobre a Luta contra a Corrupção de Agentes Públicos Estrangeiros nas Transações Comerciais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), organização pública internacional criada para promover políticas voltadas para a melhoria das condições econômicas das nações e o bem-estar econômico e social das pessoas. Dentre as várias contribuições advindas, a referida convenção tratou de exigir a adoção de legislação harmônica sobre a corrupção transnacional, trazendo, ainda, importantes definições acerca da criminalização da conduta de suborno de funcionários públicos estrangeiros, da responsabilização de pessoas jurídicas, registros contáveis e cooperação judiciária. Insta mencionar, ainda como marco normativo internacional anticorrupção, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada em 31 de outubro de 2003, contendo medidas de prevenção, educação, recuperação de ativos, integridade no sistema de justiça criminal, entre outras. Merece destaque, também, a importância dada ao compliance na legislação britânica, em especial no Bribery Act (UKBA) editado no ano de 2010, considerado uma das leis que possuem maior ênfase e rigor na prevenção e no combate à corrupção O UKBA estabeleceu que a falha na prevenção de práticas corruptivas será tratada como um ilícito penal, cabendo ao setor privado, portanto, a adoção de medidas preventivas de corrupção na esfera empresarial, sob pena de sanções criminais. Não se trata, contudo, de um regime de responsabilidade integral, uma vez que o UKBA prevê que a adoção de programa de compliance por parte da pessoa jurídica poderá servir como excludente de punibilidade, desde que fique provado que a prática de corrupção se deu de forma isolada e não por falha dos mecanismos de prevenção. Relativamente ao direito português, pode-se dizer que o Código de Contratos Públicos português implementou o compliance quando previu a figura de um gestor do contrato, com a função de acompanhar permanentemente a execução do respectivo ajuste. Isso porque, para fins de realização do programa de integridade, é necessária uma auditoria permanente e dinâmica de todos os aspectos relacionados à contratação pública e sua respectiva execução. Aderindo ao regime global de proibição da corrupção, o Brasil se tornou signatário dos seguintes compromissos internacionais que exigem a adoção de medidas de combate à corrupção: Convenção Interamericana contra a Corrupção (OEA); Convenção Internacional contra a Corrupção (ONU); a Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo) e Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais (OCDE). Em cumprimento aos referidos compromissos firmados, e atendendo ao anseio da sociedade por um padrão de conduta que prime pela ética, pela moralidade e pela probidade, foi publicada a Lei Anticorrupção, dispondo sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Com esta crescente e visível preocupação em se garantir transparência na gestão, respeito à moralidade administrativa, bem como segurança nas operações envolvendo o Poder Público, algumas medidas foram tomadas no Brasil especialmente com o advento da Lei Anticorrupção, objetivando não somente punir empresas de um modo geral que desvirtuem o pacto com a Administração Pública dentro de um contrato administrativo, mas, sobretudo, estimular os cidadãos e as empresas brasileiras a praticarem atos éticos e probos, seja nas relações eminentemente privadas ou nos ajustes firmados com a Administração Pública. Dentre tais medidas, é de grande relevo aquela que consiste no ponto nevrálgico do presente trabalho: o compliance, consagrado definitivamente pela Lei Anticorrupção como instrumento de promoção da integridade na seara corporativa. É o que se depreende da leitura do artigo 7º, VIII, do aludido diploma normativo, à medida que estabelece que a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica será tida como circunstância atenuante na aplicação de sanções por atos lesivos à administração pública nacional ou estrangeira. Assim, a Lei Anticorrupção, ao mesmo tempo em que previu a responsabilidade objetiva – em que as absolvições são restritas a casos em que houver quebra do nexo causal (CAPANEMA, 2014); bem como a aplicação de penalidades severas às pessoas jurídicas por atos contra a Administração Pública (nacional eu estrangeira); estabeleceu expressamente o compliance como circunstância atenuante na aplicação de sanções às empresas que vierem a praticar algum ato lesivo à Administração, o que pode e deve ser encarado como estímulo para que as pessoas jurídicas em geral abracem e adotem o programa de integridade em sua estrutura interna. Incentiva-se, portanto, a adoção de uma conduta empresarial ética e de combate à corrupção, exaltando o valor da confiança nos negócios jurídicos. Com efeito, importante consignar que a legislação brasileira, embora tenha conferido notável importância ao compliance, tratou-o de forma menos contundente do que em diplomas estrangeiros como o FCPA o UKBA. Enquanto nestas a adoção de um efetivo programa de compliance pode significar a excludente de punibilidade, conforme mencionado anteriormente, na Lei Anticorrupção a previsão é de que a pena da empresa seja apenas atenuada e não excluída. Ademais, deve-se pontuar que, pelas diretrizes do compliance, empresas podem ser responsabilizadas não apenas pela ação de seus funcionários, mas, também, pela conduta de todos os envolvidos em sua cadeia produtiva – parceiros e fornecedores, por exemplo. Como consectário da adoção e efetiva aplicação do compliance no âmbito empresarial, é possível apontar a diminuição das chances de a Administração Pública celebrar contratos com empresas contumazes em condutas delituosas, aumentando-se a probabilidade de a contratação pública ser realizada dentro dos parâmetros de moralidade e eficiência esperados. Outro efeito que merece ser mencionado é o de se agregar valor imaterial à pessoa jurídica que utiliza o programa de integridade, com um upgrade de sua credibilidade perante o mercado. Nos tempos atuais, a Administração Pública e a sociedade em geral não consideram apenas o fator econômico como preponderante na contratação de um serviço ou fornecedor: dão especial enfoque à reputação da empresa com quem celebrarão o negócio jurídico, fator este que dará garantia – ou, ao menos, uma maior confiança – de que os respectivos contratos serão honrados, com menor risco de se incorrer em práticas ilícitas. Em que pese a previsão do compliance na redação original da Lei Anticorrupção, o referido instrumento ainda carecia de uma maior regulamentação, o que veio com a edição do Decreto nº. 8.420/2015, que, em seu artigo 41, prevê que o programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira. O parágrafo único do mesmo artigo 41 reza que o programa de integridade deve ser estruturado, aplicado e atualizado de acordo com as características e riscos atuais das atividades de cada pessoa jurídica, a qual por sua vez deve garantir o constante aprimoramento e adaptação do referido programa, visando garantir sua efetividade. Permite-se concluir, a partir da inteligência do dispositivo supracitado, que o compliance não consiste num programa de integridade estático, aplicável de forma indistinta a todas as empresas. O instrumento deve ser estruturado, aplicado e atualizado de acordo com as características e riscos das atividades de cada pessoa jurídica. Outros aspectos da Lei Anticorrupção são dignos de registro e elogios, como a previsão (artigo 22) da criação do Cadastro Nacional de Empresas Punidas – CNEP, que reunirá e dará publicidade às sanções aplicadas pelos órgãos ou entidades dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todas as esferas de governo. Por sua vez, o artigo 23 do mesmo diploma legislativo prevê a criação do CEIS –  Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas, de caráter público, estabelecendo como obrigação dos órgãos ou entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todas as esferas de governo a informação e a manutenção atualizada dos dados relativos às sanções por eles aplicadas. Observa-se que a preocupação do legislador em tornar efetivo o mecanismo de combate à corrupção, dando ampla publicidade às sanções aplicadas em decorrência dos atos lesivos praticados contra a Administração Pública. Por outro lado, no ano de 2015, a Controladoria-Geral da União (CGU) implementou o programa Pró-Ética, iniciativa que reconheceu entidades comprometidas com a integridade, a transparência, a prevenção e o combate à corrupção no ambiente corporativo. As empresas selecionadas e aprovadas no programa, elogiado pela OCDE, passaram a contar com uma série de benefícios: reconhecimento público de comprometimento de prevenção e combate à corrupção; publicidade positiva para a empresa, com o uso da marca do Pró-Ética; e avaliação do programa de integridade, com análise detalhada das medidas implementadas. O Pró-Ética, de acordo com a CGU, resulta da conjugação de esforços entre os setores público e privado para promover no país um ambiente corporativo mais íntegro, ético e transparente. Procura-se fomentar a adoção voluntária de medidas de integridade pelas empresas, por meio do reconhecimento público daquelas que, independentemente do porte e do ramo de atuação, mostram-se comprometidas em implementar medidas voltadas para a prevenção, detecção e remediação de atos de corrupção e fraude. Iniciativas como esta retratam o mencionado efeito imaterial do compliance, de certificação das empresas que o adotarem, o que impacta diretamente na imagem da pessoa jurídica e lhe confere maior credibilidade perante o mercado. Seguindo essa tônica de incentivo ao compliance, merece ser registrado que, em 16 de novembro de 2017, entrou em vigor, no Estado do Rio de Janeiro, a Lei nº. 7.753/2017, que dispõe sobre a obrigatoriedade da implantação de programas de integridade em empresas que firmarem contratos de um modo geral com a Administração Pública. Além de impor às contratantes a adoção do referido Programa, a referida lei estabelece uma série de medidas que visam proteger a Administração direta, indireta e fundacional contra prejuízos financeiros, dificultar a corrupção, conferir maior transparência aos processos e aperfeiçoar as licitações. No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, que ao longo do tempo padeceu diante de graves escândalos de corrupção, o compliance se tornou um instrumento obrigatório nas empresas que firmarem contratos com o Poder Público, fato que evidencia o crescimento e a importância dos programas de integridade no cenário brasileiro atual. Seguindo a esteira do Estado do Rio de Janeiro, o Distrito Federal se tornou o segundo a exigir, por meio da Lei Distrital n° 6.112/2018, sancionada no dia 2 de fevereiro de 2018, que empresas possuam programas de compliance para contratar com a administração pública, acima de determinado valor e período. Outros estados, como São Paulo, possuem encaminhados projetos de leis semelhantes e espera-se que todos avancem neste sentido. Já na esfera federal, recentemente foi editado o Decreto nº. 9.203/2017, que normatizou a política de governança da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, e elencou expressamente em seu artigo 3º a integridade e a confiabilidade como princípios da governança pública. A partir dos exemplos mencionados, fica claro que o compliance é uma realidade mundial, e a tendência é de que se torne um instrumento de utilização obrigatória, transformando definitivamente a visão e a postura dos agentes públicos e privados, numa mútua cooperação em busca de uma finalidade comum: erradicar a corrupção.   CONSIDERAÇÕES FINAIS O princípio da moralidade administrativa, valor expressamente previsto na Constituição da República Federativa do Brasil, exige que a atividade estatal esteja necessariamente subordinada à observância de parâmetros ético-jurídicos sobre os quais se funda a ordem positiva do Estado. O combate à corrupção, logicamente, está diretamente ligado ao desiderato de prestigiar e dar efetividade ao mencionado princípio constitucional. Para dar efetividade à moralidade administrativa, aos compromissos internacionais firmados, e atendendo ao anseio de uma sociedade já exausta de tantos problemas, foi publicada a Lei Anticorrupção, que representou um divisor de águas ao consagrar o compliance como mecanismo de combate à corrupção em âmbito nacional. Diante das reflexões expendidas ao longo do presente trabalho, ficou demonstrada a verdadeira transformação provocada pela instituição do compliance no âmbito das relações entre os setores público e privado. Antes em lados opostos, agora os particulares e a Administração pública assumem, conjuntamente, o protagonismo no combate à corrupção, proporcionando um salutar e permanente diálogo na persecução de um fim comum: a probidade na prestação do serviço público. O compliance deve ser encarado como um verdadeiro compromisso social dos atores envolvidos em prol da moralidade administrativa e da prestação de um serviço público de excelência. De igual forma, deve ser visto sob um ponto de vista pedagógico, que influencia as novas gerações a seguirem um perfil pautado em valores de ética e integridade. A educação é algo que transforma e traz frutos indeléveis para a sociedade a curto, médio e longo prazo. Os resultados obtidos até o momento são animadores. É esperançosa a constatação do número crescente de empresas a implementarem programas de integridade em seu âmbito corporativo, pois, além de demonstrar a evolução trazida pela Lei Anticorrupção no comportamento do empresariado – agora com papel de protagonismo na promoção da moralidade, indica que o setor privado não mais enxerga a corrupção como algo vantajoso.
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A (Não) Solidariedade dos Entes Federativos na Prestação de Assistência Farmacêutica
RESUMO
Direito Administrativo
Introdução Há um mantra[1] entoado pela jurisprudência brasileira[2] de que, havendo a Constituição Federal de 1988 erigido a Saúde à condição de direito de todos e dever do Estado sem definir as ações ou políticas públicas a serem desempenhadas  por cada um dos Entes da Federação, é obrigação solidária da União, Estados-Membros e Municípios atender a população através dos mais variados serviços, dentre os quais, a Assistência Farmacêutica. O presente trabalho justifica-se pela necessidade de se buscar o fundamento legal dessa solidariedade, ou de normas que exatamente repelem-na ao definirem a formação de um Sistema Único de Saúde, integrado por todos os Entes, com a distribuição ordenada de atribuições. A sua relevância reside no fato de que com frequência Municípios de pequeno porte têm se deparado com decisões judiciais compelindo-os a fornecerem medicamentos de altíssimo custo, que, ademais da ausência de previsão orçamentária para fazer frente a essas despesas, o desembolso de exacerbados valores em casos particulares pode até mesmo comprometer ações de Saúde Pública direcionadas à população como um todo[3]. Tem-se como objetivo geral demonstrar que a atribuição da concretização da Saúde ao Estado não necessariamente conduz à conclusão de que todas as ações são de responsabilidade solidária da União, Estados-Membros e Municípios. Como objetivos específicos, busca-se compreender a consagração da Saúde como direito universal e a legislação (constitucional e infraconstitucional) que regulamenta o Sistema Único de Saúde, com a divisão de tarefas entre os seus membros. Para tanto, utiliza-se o método dedutivo, assim compreendido como aquele que parte “de uma verdade universal, para se confirmar um elemento que faz parte desse conjunto maior” (MICHEL, 2015, p.34).   1 A Constituição Federal de 1988: Reflexões sobre Estado Democrático de Direito, Dignidade da Pessoa Humana e Direito à Saúde Cotejando-se a Constituição Federal de 1988 com as demais Constituições que vigeram no Brasil, verifica-se que pela vez primeira estabeleceu-se um Estado Democrático de Direito e alçou-se a Dignidade da Pessoa Humana à condição de fundamento da própria República[4]. Silva (1995), reportando-se ao regime suplantado pela atual Constituição assinala que outrora priorizava-se a segurança nacional e o próprio regime político, amiúde em detrimento dos direitos dos cidadãos. Contudo, a partir da redemocratização do País através da Constituição Federal de 1988, seja pela adjetivação dada ao Estado (Democrático) seja pela consagração da Dignidade da Pessoa Humana como pilar da República, busca-se dar ênfase ao cidadão como centro da atuação do poder público. Nesse aspecto, Moraes (2005) observa que a partir da Constituição vigente elencou-se um rol de direitos fundamentais inerentes a todos os cidadãos, com a garantia de condições mínimas para o seu pleno gozo. Para tanto, aliados aos direitos fundamentais previu também a Constituição os direitos sociais: educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados. (BRASIL, 1988). Os direitos sociais, a propósito, compreendidos como fundamentais “devem regressar ao espaço jurídico-constitucional, e ser considerados como elementos constitucionais essenciais de uma comunidade jurídica bem ordenada” (CANOTILHO, 2008, p. 97). Tavares (2003) observa que esses direitos, classificados como de segunda dimensão, compelem o Poder Público a agir ativamente em proveito dos cidadãos ou segmentos menos favorecidos da Sociedade. De se destacar que não somente a previsão expressa da Dignidade da Pessoa Humana é uma inovação da atual Constituição brasileira, como também a própria Saúde, eis que até 1988 “nenhum texto constitucional se refere explicitamente à saúde como integrante do interesse público fundante do pacto social” (DALLARI, 1995, p. 23) É evidente, como observa Paranhos (2007), que a Saúde Pública é um dos requisitos para a existência da Dignidade prevista no art. 1º, III da CF. Contudo, a sua expressa previsão como direito social, e ainda como dever do Estado, ressalta-a como direito universal, oponível por qualquer cidadão em face do Estado. Nesse último aspecto, observa-se que ademais da consagração da Dignidade da Pessoa Humana (art. 1º, III) e da expressa menção da Saúde como direito social (art. 6º), a Constituição Federal de 1988 ainda estabeleceu que: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (BRASIL, 2018). A doutrina assinala que essa última norma, apesar do seu conteúdo programático, não pode ser transformada em promessa constitucional inconsequente, sob pena de serem frustradas as justas expectativas da coletividade (NERY JÚNIOR; NERY, 2006). Além disso, também estabeleceu a Constituição Federal de 1988 que o zelo à Saúde é de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 23, II). Deste modo, restam estabelecidas as bases da Saúde como direito social universal, por cujo meio qualquer cidadão pode exigir do Estado as ações ou serviços que se fizerem necessários à sua promoção, proteção, e, especialmente, recuperação.   2 Assistência Farmacêutica: Corolário do Direito à Saúde e Previsão Infraconstitucional A norma veiculada no art. 196 da Constituição Federal de 1998, além de estabelecer a Saúde como direito de todos e dever do Estado, prossegue garantindo o acesso universal e igualitário às ações e serviços necessários à sua promoção, proteção e recuperação. Deste como, a Assistência Farmacêutica à população, especialmente aos segmentos menos favorecidos, apresenta-se como uma consequência lógica da norma constitucional que garante acesso universal às ações de recuperação da Saúde. Com o escopo de regulamentar o art. 196 da Constituição Federal de 1988, foi promulgada a Lei 8.080, de 19 de setembro de 1.990, cuja ementa já anuncia: “Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências”. (BRASIL, 1990). O citado Diploma, que disciplina o funcionamento do Sistema Único de Saúde, sob cujo aspecto se discorrerá com mais propriedade noutro tópico, estabelece textualmente, em seu art. 6º, I, d, que estão inclusas no campo de atuação do Poder Público a execução das ações “de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica”. (sem destaque no original). Sob esse ângulo, assinalou o Superior Tribunal de Justiça: RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS. SUS. LEI N. 8.080/90. O v. acórdão proferido pelo egrégio Tribunal a quo decidiu a questão no âmbito infraconstitucional, notadamente à luz da Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. O Sistema Único de Saúde pressupõe a integralidade da assistência, de forma individual ou coletiva, para atender cada caso em todos os níveis de complexidade, razão pela qual, comprovada a necessidade do medicamento para a garantia da vida da paciente, deverá ser ele fornecido. Recurso especial provido. Decisão unânime. (REsp. n. 212.346, Rel. Min. Franciulli Netto, j. em 09 de outubro de 2001. Assim sendo, o fornecimento de medicamentos à população, como instrumento de recuperação da Saúde, decorre não somente da logicicidade do art. 196 da Constituição Federal de 1988, como também possui expressa previsão na legislação infraconstitucional que o regulamenta.   3 A Compreensão do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça sobre o Direito à Saúde e a Assistência Farmacêutica O direito à Saúde e, particularmente, o fornecimento de medicamentos (Assistência Farmacêutica) pelo Poder Público têm sido tema de inúmeros recursos submetidos à apreciação do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Em verdade, é evidente que se a matéria é com frequência enfrentada pelas Cortes Superiores muito mais ainda tem sido examinada pelos juízos de primeira e segunda instâncias (Juízes Singulares e Tribunais de Justiça). Não por outra razão o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral[5] e sob esse ângulo julgou o Recurso Extraordinário n. 855.178. No referido julgamento, pronunciou-se no seguinte sentido: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente. (RE n. 855.178, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 05 de março de 2015). E no voto, assinalou o Ministro Luiz Fux: O dever de desenvolver políticas públicas que visem à redução de doenças, à promoção, à proteção e à recuperação da saúde está expresso no artigo 196. A competência comum dos entes da federação para cuidar da saúde consta do art. 23, II, da Constituição. União, Estados, Distrito Federal e Municípios são responsáveis solidários pela saúde, tanto do indivíduo quanto da coletividade e, dessa forma, são legitimados passivos nas demandas cuja causa de pedir é a negativa, pelo SUS (seja pelo gestor municipal, estadual ou federal), de prestações na área de saúde. O fato de o Sistema Único de Saúde ter descentralizado os serviços e conjugado os recursos financeiros dos entes da federação, com o objetivo de aumentar a qualidade e o acesso aos serviços de saúde, apenas reforça a obrigação solidária e subsidiária entre eles. Portanto, hodiernamente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal está pacificada no sentido de que todos os Entes da Federação (União, Estados-Membros e Municípios) têm solidária responsabilidade na reparação da Saúde através do fornecimento de medicamentos. Em sentido idêntico também tem se manifestado o Superior Tribunal de Justiça, a exemplo da Decisão proferida no Recurso Especial n. 1.689.744: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ASSISTÊNCIA MÉDICO-HOSPITALAR. TRATAMENTO FORA DO DOMICÍLIO – TFD. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. CONCLUSÃO DO ACÓRDÃO. FATOS E PROVAS. JUÍZO DE VALOR. REVISÃO. SÚMULA 7/STJ. Esse julgamento é trazido à baila porque na própria Ementa consta o reiterado pronunciamento do STJ quanto à responsabilidade solidária da União, Estados-Membros e Município no custeio de medicamentos. Deste modo, observa-se que nas Cortes Superiores (STF e STJ) é pacífica a solidariedade objeto do presente estudo, entendimento compartilhado também pela doutrina (MARTINS, 2008).   4 O Sistema Único de Saúde (SUS): Matriz Constitucional e Regulamentação Infraconstitucional A Constituição Federal de 1988 ao mesmo tempo em que consagra a Saúde como direito de todos e dever do Estado (art. 196), atribuindo a competência comum pelo seu zelo à União, Estados-Membros e Municípios (art. 23, II), dispõe que “As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único” (art. 197), devendo obedecer, dentre outras diretrizes, a assistência integral e a descentralização. Por sua vez, o art. 200 prescreve um rol, não taxativo, de atribuições do Sistema Único de Saúde, delegando à legislação infraconstitucional a sua regulamentação, bem como, o estabelecimento de outras tarefas. É o que se infere da leitura do citado dispositivo: “Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei” (sem destaque no original). (BRASIL, 1988). Nesse diapasão, conforme visto em tópico anterior, foi promulgada a Lei Ordinária n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, a fim de disciplinar o funcionamento do Sistema Único de Saúde e as suas ações, dentre as quais, a Assistência Farmacêutica integral (art. 6º, I, d) (BRASIL, 1990). Portanto, a Lei n. 8.080/90 foi editada seguindo a matriz constitucional, isto é, as normas dos art. 197 e 200 da Constituição Federal de 1988. De acordo com a Lei n. 8.080/90, “O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS)” (art. 4º). (BRASIL, 1990). No que toca à Assistência Farmacêutica, observa-se que a Lei 8.080/90 atribui à direção nacional do Sistema Único de Saúde a definição e coordenação da assistência de alta complexidade (art. 16, III, a), o apoio técnico e financeiro aos demais Entes (XIII) e a descentralização das ações de saúde (XV); à direção estadual o apoio técnico e financeiro aos Municípios e a execução supletiva das ações e serviços de saúde (art. 17, III); e aos Municípios, gerir e executar os serviços públicos de saúde. (BRASIL, 1990). Portanto, nos termos dos dispositivos mencionados (que na esteira do art. 200 da CF regulamentam a prestação dos serviços e ações de Saúde pelo Estado – art. 196), aos Municípios cabe a gestão primária da saúde, inclusive, a assistência farmacêutica com atuação suplementar dos Estados-Membros, exceto nos casos de alta complexidade, cuja competência é da União. E mesmo à Assistência Farmacêutica pelos Municípios cooperam financeiramente a União e os Estados-Membros, conforme prevê a Lei (BRASIL, 1990).   5 A Regulamentação da Assistência Farmacêutica pelo Sistema Único de Saúde (SUS) Como visto acima, a Lei n. 8.080/90 foi editada em complemento aos arts. 196 a 200 da Constituição Federal de 1988, isto é, para disciplinar a execução das ações e serviços de Saúde, tal como a Assistência Farmacêutica, e a atuação do Sistema Único de Saúde (SUS) e seus órgãos (ou esferas), federal, estadual e municipal. Além dos dispositivos já abordados no tópico anterior, foram inseridos na Lei n. 8.080/90 pela Lei n. 12.402, de 28 de abril de 2011 os seguintes preceitos: Art. 19-M.  A assistência terapêutica integral a que se refere a alínea d do inciso I do art. 6o consiste em: I – dispensação de medicamentos e produtos de interesse para a saúde, cuja prescrição esteja em conformidade com as diretrizes terapêuticas definidas em protocolo clínico para a doença ou o agravo à saúde a ser tratado ou, na falta do protocolo, em conformidade com o disposto no art. 19-P Pela Lei n. 12.466, de 24 de agosto de 2011, foram ainda previstas as seguintes competências às comissões formadas pelos órgãos dos Entes Federativos responsáveis pela gestão do Sistema Único de Saúde: Art. 14-A.  As Comissões Intergestores Bipartite e Tripartite são reconhecidas como foros de negociação e pactuação entre gestores, quanto aos aspectos operacionais do Sistema Único de Saúde (SUS). Parágrafo único.  A atuação das Comissões Intergestores Bipartite e Tripartite terá por objetivo: I – decidir sobre os aspectos operacionais, financeiros e administrativos da gestão compartilhada do SUS, em conformidade com a definição da política consubstanciada em planos de saúde, aprovados pelos conselhos de saúde; II – definir diretrizes, de âmbito nacional, regional e intermunicipal, a respeito da organização das redes de ações e serviços de saúde, principalmente no tocante à sua governança institucional e à integração das ações e serviços dos entes federados; E regulamentando a Lei n. 8.080/90 foi também editado pelo Presidente da República o Decreto n. 7.508, de 28 de junho de 2011, do qual se extrai, sobre o tema, as seguintes regras: Art. 25.  A Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – RENAME compreende a seleção e a padronização de medicamentos indicados para atendimento de doenças ou de agravos no âmbito do SUS. […] Art. 26.  O Ministério da Saúde é o órgão competente para dispor sobre a RENAME e os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas em âmbito nacional, observadas as diretrizes pactuadas pela CIT. […] Art. 28.  O acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica pressupõe, cumulativamente: I – estar o usuário assistido por ações e serviços de saúde do SUS; II – ter o medicamento sido prescrito por profissional de saúde, no exercício regular de suas funções no SUS; III – estar a prescrição em conformidade com a RENAME e os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas ou com a relação específica complementar estadual, distrital ou municipal de medicamentos; e IV – ter a dispensação ocorrido em unidades indicadas pela direção do SUS. Com efeito, o Decreto n. 7.508/2011 seguiu a dinâmica da Portaria n. 3.916, de 30 de outubro de 1998, que aprovou a Política Nacional de Medicamentos, prevendo a adoção uma relação nacional de remédios a serem distribuídos pelos Estados-Membros e Municípios com participação financeira da União. A Portaria estabeleceu a seguinte diretriz: Integram o elenco dos medicamentos essenciais aqueles produtos considerados básicos e indispensáveis para atender a maioria dos problemas de saúde da população. Esses produtos devem estar continuamente disponíveis aos segmentos da sociedade que deles necessitem, nas formas farmacêuticas apropriadas, e compõem uma relação nacional de referência que servirá de base para o direcionamento da produção farmacêutica e para o desenvolvimento científico e tecnológico, bem como para a definição de listas de medicamentos essenciais nos âmbitos estadual e municipal, que deverão ser estabelecidas com o apoio do gestor federal e segundo a situação epidemiológica respectiva. E em complemento, dispôs: 4.2. Assistência farmacêutica Em conformidade com as diretrizes relativas à reorientação da assistência farmacêutica anteriormente explicitadas, especialmente no que se refere ao processo de descentralização, as três esferas de Governo assegurarão, nos seus respectivos orçamentos, os recursos para aquisição e distribuição dos medicamentos, de forma direta ou descentralizada. Nesse contexto, a aquisição de medicamentos será programada pelos estados e municípios de acordo com os critérios técnicos e administrativos referidos no Capítulo 3 “Diretrizes”, tópico 3.3 deste documento. O gestor federal participa do processo de aquisição dos produtos mediante o repasse Fundo-a-Fundo de recursos financeiros e a cooperação técnica. Por vezes, a Portaria n. 1.897, de 26 de julho de 2017, do Ministério da Saúde, atendendo a diretriz de hierarquização do Sistema Único de Saúde (art. 198 da CF), atualizou a Relação Nacional de Medicamentos (RENAME), dividindo essa relação em: a) Componente Básico de Assistência Farmacêutica – medicamentos distribuídos obrigatoriamente pelos Municípios; b) Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica – remédios adquiridos pela União a serem repassados aos Estados-Membros e Distrito Federal para destinação posterior aos Municípios; e, c) Componente Especializado da Assistência Farmacêutica – fármacos com custos mais elevados ou de maior complexidade, divididos em três grupos, de responsabilidade da União, dos Estados-Membros e dos Municípios, respectivamente. Uma leitura sistêmica, destarte, das normas que disciplinam a Assistência Farmacêutica pelo Sistema Único de Saúde indica que aos Municípios compete adquirir e distribuir aqueles medicamentos elencados no rol do Componente Básico e no Grupo 3 da Componente Especializado; aos Estados-Membros cabe repassar aos Municípios os remédios do Componente Estratégico adquiridos pela União e aqueles elencados no Grupo 2 do Componente Especializado; à União, contribuir financeiramente com os demais entes, adquirir os fármacos do Componente Estratégico e aqueles que integram o Grupo 1 do Componente Especializado. Por fim, garantindo o regular funcionamento de um sistema hierarquizado e, especialmente, a Assistência Farmacêutica integral, dos Estados-Membros (com o auxílio financeiro da União) é a responsabilidade do fornecimento (suplementar) de todo e qualquer medicamento não previsto na Relação Nacional de Medicamentos (art. 17, III da Lei n. 8.080/90).    Considerações Finais Encerrada a pesquisa tem-se como importantes algumas considerações: sob o vigente Estado Democrático de Direito a Dignidade da Pessoa Humana foi alçada à condição de fundamento da República. E como consequência, também constitucionalmente foi consagrada a Saúde como direito universal e dever do Estado, de zelo comum à União, Estados-Membros e Municípios. Compreende o direito à Saúde, as ações e serviços necessários à prevenção, promoção e recuperação. Contudo, sendo evidentemente complexa a prestação de toda a gama de ações e serviços de Saúde, a própria Constituição em vigor previu a criação de um Sistema Único de Saúde a ser integrado, de forma hierarquizada, por órgãos dos três Entes da Federação, delegando à legislação infraconstitucional a sua regulamentação. Nesse esteio, Leis Ordinárias, Decreto e Portarias foram editados no propósito de preservar o regular funcionamento do Sistema Único de Saúde e garantir, dentre outras coisas, a Assistência Farmacêutica integral à população. Para tanto, estabeleceu-se uma relação de medicamentos a serem fornecidos pelos Municípios, outros pelos Estados-Membros e União, sendo ainda, prevista a assistência suplementar dos Estados-Membros (com a participação financeira da União) naqueles casos não compreendidos nas relações atribuídas a cada um dos Entes Federativos. A propalada solidariedade, portanto, não se confirma numa leitura sistêmica da legislação, constitucional e infraconstitucional, que rege o funcionamento do Sistema Único de Saúde e a Assistência Farmacêutica. A propósito, compreender como solidária a responsabilidade da União, Estados-Membros e Municípios para o fornecimento de todo e qualquer medicamento, isto é, admitir-se que qualquer dos Entes pode figurar no polo passivo das demandas judiciais voltadas à obtenção de Assistência Farmacêutica pode pôr em risco as finanças sobretudo do Ente mais frágil, o Município, com o comprometimento de ações de saúde pública, desonerando, por outro lado, aqueles que nas regras do Sistema Único de Saúde são os efetivamente responsáveis (Estados-Membros com auxílio financeiro da União). Todavia, faz-se necessário assinalar que o Supremo Tribunal Federal (em regime de repercussão geral) e o Superior Tribunal de Justiça (em reiterados julgamentos) têm reafirmado a solidariedade de todos os Entes da Federação no custeio de medicamentos à população.
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A Responsabilidade Civil do Estado e a Denunciação da Lide em Face do Agente Público Sob a Ótica do Novo Código de Processo Civil
RESUMO: O Novo Código de Processo Civil, que entrou em vigor no dia 18 de março de 2016, trouxe novo fôlego a uma antiga discussão envolvendo a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das de direito privado prestadoras de serviços públicos, prevista no artigo 37, § 6º da Constituição Federal de 1988, que atribui responsabilidade objetiva ao Estado por danos causados por seus agentes aos administrados, em razão do exercício de suas atribuições funcionais e que assegura ao Estado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Desta feita, mostra-se relevante analisar as alterações realizadas pela nova legislação processual civil no instituto da denunciação da lide, espécie de intervenção de terceiros, em especial nas hipóteses de responsabilização do ente estatal, em função das importantes novidades introduzidas pelo Código de Processo Civil de 2015.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO A discussão envolvendo a responsabilidade civil, das pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos, tem ganhado expressivos contornos doutrinários e jurisprudenciais, na busca por uma solução mais justa no que diz respeito à composição do dano provocado ao particular por ação ou omissão do agente público. Ocorre que, com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, questionamentos persistem acerca da responsabilidade civil do Estado e das novas regras aplicáveis à denunciação da lide, que agora se encontram previstas nos artigos 125 a 129 do CPC/15 (antigos artigos 70 a 76, do CPC/73). Neste contexto, o presente estudo pretende analisar a real aplicabilidade do instituto da denunciação da lide em face do agente público nas ações de responsabilidade civil do Estado sob a ótica do novo Código de Processo Civil.   A denunciação da lide é espécie de intervenção de terceiros e está prevista nos artigos 125 a 129 do NCPC (antigos artigos 70 a 76, do CPC/73). Entende-se como intervenção de terceiros, nas palavras de Daniel Amorim Assumpção Neves (2011, p. 207)[1], como a “permissão legal para que um sujeito estranho a relação jurídica processual originária ingresse em processo já em andamento. Apesar das diferentes justificativas que permitem esse ingresso, as intervenções de terceiros devem ser expressamente previstas em lei, tendo fundamentalmente como propósitos a economia processual (evitar a repetição de atos processuais) e a harmonização dos julgados (evitar decisões contraditórias)”. Nesse contexto, “pode-se dizer que a denunciação da lide é modalidade de intervenção forçada de terceiro provocada por uma das partes da demanda original, quando esta pretende exercer contra aquele direito de regresso que decorrerá de eventual sucumbência na causa principal”, conforme simplifica, com a devida clareza, Alexandre de Freitas Câmara (2004, p. 199)[2]. Nas precisas lições de Luiz Guilherme Marinoni e de Sérgio Cruz Arenhart (2010, p. 186)[3], a denunciação da lide “constitui modalidade de “intervenção de terceiro” em que se pretende incluir no processo uma nova ação, subsidiária àquela originariamente instaurada, a ser analisada caso o denunciante venha a sucumbir na ação principal. Em regra, funda-se a figura no direito de regresso, pelo qual aquele que vier a sofrer algum prejuízo, pode, posteriormente, recuperá-lo de terceiro, que por alguma razão é seu garante”. Logo, em outras palavras, pode-se reconhecer que o objetivo principal da denunciação da lide é possibilitar a uma das partes (denunciante), trazer ao processo terceiro (denunciado) que possua a responsabilidade de ressarci-lo por eventuais danos decorrentes do resultado desse processo. Segundo o novo códex, a denunciação da lide é admissível – e não mais obrigatória -, a qualquer das partes quando: “I – ao alienante imediato, no processo relativo à coisa cujo domínio foi transferido ao denunciante, a fim de que possa exercer os direitos que da evicção lhe resultam; II – àquele que estiver obrigado, por lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo de quem for vencido no processo.” (BRASIL, 2015)[4] (art. 125 do CPC/15). Quando a denunciação for indeferida, deixar de ser promovida ou não for permitida é garantido ao denunciante o direito regressivo que será exercido por ação autônoma (§ 1º do art. 125 do CPC/15), entendimento reafirmado no Enunciado 120 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC). Entende-se aqui como não permitida, por exemplo, “quando o juízo para conhecer da denunciação da lide for incompetente absolutamente para tal mister” (ABELHA, 2016, p. 273)[5]. Além disso, é possível que seja feita uma única denunciação sucessiva (§ 2º do art. 125 do CPC/15), hipótese em que o denunciado quando citado para integrar a relação processual, poderá denunciar sucessivamente um terceiro, não sendo admitida nova denunciação pelo denunciado sucessivo – sendo garantido a esse novo denunciado o direito a ação regressiva -, bem como a chamada denunciação per saltum, tendo em vista a revogação do art. 456 do CC/02 pelo art. 1.072, II do CPC/15. A denunciação da lide pode ser requerida tanto pelo réu, como pelo autor, e o procedimento a ser seguido variará de quem seja o denunciante. Quando requerida pelo réu na contestação (art. 126 do CPC/15), deverá ele indicar os fatos e fundamentos que baseiam o seu pedido, que poderá ou não ser deferido pelo magistrado, independentemente da anuência do autor. Deferida a denunciação, o juiz determinará a citação do denunciado para integrar a relação processual na qualidade de litisconsorte e a apresentar contestação, na qual pode impugnar os fatos alegados pelo autor na inicial e completar o que já foi dito pelo réu ou ainda impugnar a denunciação propriamente dita, negando a existência de direito de regresso (art. 128, I do CPC/15). Se o denunciado for revel, o denunciante pode deixar de prosseguir com sua defesa, eventualmente oferecida, e abster-se de recorrer, restringindo sua atuação à ação regressiva (art. 128, II do CPC/15). Além disso, se o denunciado confessar os fatos alegados pelo autor na ação principal, o denunciante poderá prosseguir com sua defesa ou, aderindo a tal reconhecimento, pedir apenas a procedência da ação de regresso (art. 128. III do CPC/15). Quando requerida pelo autor, será o pedido feito na petição inicial, caso em que, se deferida pelo juiz, será citado primeiro o denunciado para ingressar na relação processual como litisconsorte e depois o réu (art. 127 do CPC/2015). Em ambos os casos, quando requerida pelo autor ou pelo réu, será lícito ao denunciado acrescentar novos argumentos a petição inicial, o que não acontecia no art. 74 do CPC/73, que previa apenas a possibilidade do denunciado de aditar a petição inicial. Apesar do Código de Processo Civil dizer que o denunciado é litisconsorte do denunciante, quando há a denunciação, surgem duas relações jurídicas distintas: a do autor e do réu e a do denunciante e do denunciado. Não há relação direta entre o denunciado e o adversário do denunciante. Marcus Vinicius Rios Gonçalves (2017, p. 341)[6], em sua obra Direito Processual Civil Esquematizado, destaca que: “Nelson Nery Junior e Rosa Nery, em comentário ao art. 74, do CPC de 1973, concluem: “Embora a norma fale em litisconsórcio, o denunciado é assistente simples (CPC 50) do denunciante. Primeiro porque não tem relação jurídica com o adversário do denunciante, não podendo ser litisconsorte, pois lhe faltaria legitimidade para a causa; segundo porque tem interesse jurídico em que o denunciante vença a demanda, para que se desobrigue de indenizá-lo em regresso” No entanto, quando houver a denunciação da lide, o denunciado assumirá a figura de litisconsorte, por expressa disposição legal, conforme entendido pelo STJ, quando do julgamento do REsp 1.065.437/MG (BRASIL, STJ, 2009)[7], de relatoria da Ministra Eliana Calmon. Por possuir natureza jurídica de ação condenatória eventual, a denunciação da lide amplia o objeto do processo e demandará do magistrado o julgamento de duas lides na mesma sentença. Primeiramente, deverá resolver a lide principal entre autor, réu e o denunciado. Sendo o denunciante vencedor, restará prejudicado a denunciação, por não haver o que ser indenizado. No entanto, sendo o denunciante parte vencida, passará o magistrado para o julgamento da lide secundária entre denunciante e denunciado. Como a denunciação da lide impõe a formação de litisconsorte, por disposição expressa do parágrafo único do art. 128 do CPC/15, pode o autor, se for o caso, requerer o cumprimento da sentença também contra o denunciado, nos limites da condenação deste na ação regressiva.   Como já demonstrado, a denunciação da lide está prevista no art. 125 e seguintes do CPC/15, tendo suas hipóteses de cabimento descritas no bojo do aludido dispositivo, que determina que seja realizada, facultativamente, a denunciação “I – ao alienante imediato, no processo relativo à coisa cujo domínio foi transferido ao denunciante, a fim de que possa exercer os direitos que da evicção lhe resultam; II – àquele que estiver obrigado, por lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo de quem for vencido no processo” (BRASIL, 2015)[8]. Através da transcrição do mencionado artigo, fica evidente a existência de duas situações nas quais haveria a incidência desse fenômeno processual – e não mais três, como fazia o art. 70 do CPC/73 -, mas apenas a situação prevista no inciso II terá relevância para o presente ensaio. Antes de adentrarmos a analise do inciso II, cabe esclarecer um ponto – o legislador estabelece no caput do art. 125 do CPC/15, a “facultatividade” da denunciação a lide nas hipóteses previstas nos incisos I, II do aludido dispositivo. Ao tratar do tema, o Código de Processo Civil de 1973 estabelecia como obrigatória a denunciação da lide. Em razão do texto legal, muitos doutrinadores entendiam pela compulsoriedade da denunciação.  Ocorre que, tal interpretação literal se mostrava equivocada, pois uma norma de direito processual não pode extinguir uma norma de direito material (direito de regresso), uma vez que a criação, modificação e extinção de direitos é papel das normas de direito material. Inclusive, a posição majoritária no STJ à época, era de que a denunciação da lide em face do agente público não era obrigatória, conforme entendimento exarado no REsp 866.614/AL, de relatoria do Ministro João Otávio de Noronha (BRASIL, STJ, 2007)[9]. Nesse sentido, diz o professor Humberto Theodoro Junior : “A denunciação, na hipótese, para que o Estado exercite a ação regressiva contra o funcionário faltoso, realmente, não é obrigatória. Mas, uma vez exercitada, não pode ser recusada pelo juiz” (2014, p. 564)[10]. Superada tal etapa, é hora de analisarmos a denunciação da lide com base no inciso II, do art. 125 do NCPC, mais especificamente a denunciação em face do agente público nas ações de responsabilidade civil do Estado. Doutrinariamente, a denunciação da lide como fenômeno processual se mostra como um instituto que tem por fundamento e finalidade a economia e celeridade processual, pois através dele se torna possível solucionar duas demandas, a principal consistente na relação processual formada entre autor e réu, e a incidente formada pelo denunciante e denunciado, em apenas um só processo. Não obstante, a Constituição Federal, ao tratar especificamente da responsabilidade civil do Estado, estabelece no art. 37, §6º, a responsabilidade civil objetiva do Estado, bem como a responsabilidade civil subjetiva ao agente público causador do dano e o direito de regresso do Estado em face do agente causador do dano, quando este tiver agido de forma culposa ou dolosa. A esse respeito, questiona-se se poderia o Poder Público chamar o agente público que causou o dano a integrar a relação jurídica processual como litisconsorte, com base no artigo 37, §6º da CFRB/88 e no artigo 125, II do CPC/15. Neste contexto, se faz necessário analisar as correntes favoráveis e contrárias a aplicação da denunciação da lide ações indenizatórias contra o Estado. O que será feito a seguir.   2.1 TEORIAS CONTRÁRIAS À DENUNCIAÇÃO DA LIDE Os adeptos de teorias contrárias à denunciação da lide realizada pelas pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos em face do agente público causador do dano possuem argumentos relevantes e que merecem nossa análise. Para os defensores dessa teoria, a maior dificuldade para a aplicação da denunciação da lide nas ações indenizatórias contra o Estado reside na distinção realizada pelo legislador, constituinte na responsabilidade civil do Estado (objetiva) e na responsabilidade civil do agente público (subjetiva), sendo que apenas no segundo caso, se faz necessário a comprovação de dolo ou culpa, o que não acontece no primeiro. Com isso, a denunciação resultará na inclusão de fundamento jurídico novo no processo, acarretando um alargamento da ação principal, pois seria necessária uma instrução probatória que não seria exigida na demanda principal – e que não era permitida no art. 74 do CPC/73, que previa apenas a possibilidade do denunciado de aditar a petição inicial. Esse é o entendimento dos professores Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2004, p. 415) [11], pois para eles, a regra é que: “o Estado indeniza a vítima, independentemente de dolo ou culpa desta, e o agente ressarce a Administração, regressivamente, se houver dolo ou culpa de sua parte, agente. É inaplicável a denunciação da lide pela Administração a seus agentes, no caso da ação de reparação de dano”. E continuam (2004, p. 415) [12]: “Embora não seja unânime na doutrina a respeito, a orientação dominante é no sentido de ser incabível a denunciação da lide, pois, caso exigida, essa formalidade processual resultaria em inegável prejuízo para o particular, que veria procrastinado o exercício do seu direito legitimo à reparação como vitima do dano (em razão da responsabilidade objetiva), em função da dependência que ficaria o litígio da solução deste em face daquela. Enfim, o ingresso do agente no litígio traria injustificado retardamento na recuperação do dano à vitima, que, como vimos, não depende da comprovação de culpa ou dolo do agente para ter direito à indenização”. Corrobora com esse pensamento (ZANCANER apud MELLO, 2006, p. 979)[13]: “Revendo posição anteriormente assumida, estamos em que tem razão Weida Zancaner ao sustentar o descabimento de tal denunciação. Ela implicaria, como diz a citada autora, mesclar-se o tema de uma responsabilidade objetiva – a do Estado – com elementos peculiares à responsabilidade subjetiva – a do funcionário.[…] ademais, haveria prejuízos para o autor”. Dessa forma, a verificação de culpa ou dolo do agente público acarretará uma demora exagerada na entrega da prestação jurisdicional, o que contraria o próprio fundamento do referido instituto processual, já que a denunciação da lide, como modalidade de intervenção de terceiros, presta-se a conferir celeridade e economia processual. Nesse sentido, são as palavras de Leonardo José Carneiro da Cunha (2016, p. 170-171)[14]: “A denunciação da lide deve, portanto, ser regulada por regras que encontram balizas nos princípios da eficiência e da duração razoável do processo. A denunciação da lide provoca a reunião de duas ou mais demandas em um mesmo processo, a fim de que sejam resolvidas conjuntamente, com base numa única instrução. Se, porém, da denunciação ocorrer a necessidade de uma instrução que não se realizaria, não haverá a almejada duração razoável do processo, sendo incabível”. Sobre o tema, o professor Alexandre Mazza (2016, p. 545)[15], destaca que a “denunciação da lide é visivelmente prejudicial aos interesses da vítima à medida que traz para a ação indenizatória a discussão sobre culpa ou dolo do agente público, ampliando o âmbito temático da lide em desfavor da celeridade na solução do conflito”. Acrescenta-se ainda a essa teoria, o fato de que a discussão a respeito da culpa ou do dolo do agente público causador do dano é irrelevante para o reconhecimento do direito do particular à indenização, já que para obter o ressarcimento dos prejuízos amargados, basta-lhe provar a ocorrência do dano e do nexo causal entre a conduta estatal e o dano. Nesse sentido, está dirigido o julgado do Superior Tribunal de Justiça, a seguir transcrito (BRASIL, STJ, 2009)[16]: “RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. MORTE DECORRENTE DE ERRO MÉDICO. DENUNCIAÇÃO À LIDE. NÃO OBRIGATORIEDADE. RECURSO DESPROVIDO. 1. Nas ações de indenização fundadas na responsabilidade civil objetiva do Estado (CF/88, art. 37, § 6º), não é obrigatória a denunciação à lide do agente supostamente responsável pelo ato lesivo (CPC, art. 70, III). 2. A denunciação à lide do servidor público nos casos de indenização fundada na responsabilidade objetiva do Estado não deve ser considerada como obrigatória, pois impõe ao autor manifesto prejuízo à celeridade na prestação jurisdicional. Haveria em um mesmo processo, além da discussão sobre a responsabilidade objetiva referente à lide originária, a necessidade da verificação da responsabilidade subjetiva entre o ente público e o agente causador do dano, a qual é desnecessária e irrelevante para o eventual ressarcimento do particular. Ademais, o direito de regresso do ente público em relação ao servidor, nos casos de dolo ou culpa, é assegurado no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, o qual permanece inalterado ainda que inadmitida a denunciação da lide. 3. Recurso especial desprovido. (STJ – Resp: 1089955-RJ 2008/0205464-4, 1ª Turma, Rel. Min. Denise Arruda, j. 03/11/2009, D.J.E. 24/11/2009)”. No mesmo sentido, é o posicionamento de José dos Santos Carvalho Filho ( 2011, p. 532)[17], pois para ele: “não teria cabimento desfazer indiretamente o benefício que a Constituição outorgou ao lesado: se ele foi dispensado de provar a culpa do agente, não teria cabimento que, no mesmo processo, fosse obrigado a aguardar o conflito entre o Estado e seu agente, fundado exatamente na culpa”. Dessa forma, para o STF, a ação indenizatória deve ser proposta pela vítima do dano, contra a pessoa jurídica que o agente público causador do dano pertencer e não contra o agente, rejeitando, portanto, a chamada ação indenizatória per saltum (BRASIL, STF, 2006)[18]. Segundo o Supremo, a ação regressiva contra o agente público representa dupla garantia. Primeiro em favor do Estado, que tem o direito de regresso garantido em face do agente, podendo assim, reaver a indenização paga à vítima. Segundo em favor do agente público, que somente poderá ser demandado pelo Estado. Neste contexto, aceitar a denunciação da lide em face do agente causador do dano, seria a mesma coisa que tornar ineficaz a benesse concedida pelo legislador constituinte ao administrado, uma vez que o mesmo não é obrigado a comprovar a ocorrência do elemento subjetivo na conduta estatal. Nesse sentido, está dirigido o julgado do Superior Tribunal de Justiça, a seguir transcrito (BRASIL, STJ, 2006)[19]: “PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. IMPOSSIBILIDADE. 1. “A denunciação da lide, como modalidade de intervenção de terceiros, busca aos princípios da economia e da presteza na entrega da prestação jurisdicional, não devendo ser prestigiada quando susceptível de pôr em risco tais princípios” (REsp 43367/SP, 4ª Turma, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 24.06.1996). 2. No caso, conforme assentado pelas instâncias ordinárias, a denunciação da lide ao agente público causador do dano implicaria prejuízo à celeridade e à economia processual, o que impede sua admissão. 3. Recurso especial a que se nega provimento. (STJ – REsp: 770590-BA 2005/0125548-4, 1ª Turma, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, j. 14.03.2006, D.J. 03.04.2006)”. Assim, o STJ tem afastado a denunciação da lide nesses casos, por entender que esse instrumento processual prejudicaria a vítima do evento danoso, ao introduzir novos fatos que não faziam parte da demanda principal. Esse foi o posicionamento da corte no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial n. 821.458/RJ, senão vejamos (BRASIL, STJ, 2010)[20]: “AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO CONVERTIDA EM AÇÃO DE DEPÓSITO. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. FUNDAMENTO NOVO. LIDE PARALELA. INADMISSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. 1. Consoante jurisprudência consolidada nesta Corte Superior, não é admissível a denunciação da lide embasada no art. 70, III, do CPC quando introduzir fundamento novo à causa, estranho ao processo principal, apto a provocar uma lide paralela, a exigir ampla dilação probatória, o que tumultuaria a lide originária, indo de encontro aos princípios da celeridade e economia processuais, os quais esta modalidade de intervenção de terceiros busca atender. Ademais, eventual direito de regresso não estará comprometido, pois poderá ser exercido em ação autônoma. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ – AgRg no Recurso Especial nº 821.458-RJ (2006⁄0037342-6), 3ª Turma, Rel. Min. Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS), j. 16.11.2010, D.J.e. 24.11.2010)”. Nesse mesmo sentido, foi o posicionamento recente da quarta turma daquela corte, no julgamento do REsp 701.869/PR (BRASIL, STJ, 2014)[21], de relatoria do Ministro Raul Araújo, julgado em 11/02/2014. Por fim, cabe destacar que o §2º, do art. 122, da Lei 8.112/90, que institui o Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União das autarquias, inclusive as em regime especial, e das fundações públicas federais, estabelece que quando se tratar de dano causado a terceiro, o servidor público responde perante a Fazenda Púbica por intermédio de ação regressiva.   2.2 TEORIAS FAVORÁVEIS À DENUNCIAÇÃO DA LIDE Por outro lado, deve-se também levar em consideração os argumentos dos doutrinadores favoráveis à denunciação da lide nas ações de responsabilidade civil do Estado. Os adeptos dessas teorias sustentam a tese de que a economia processual é um dos principais objetivos da denunciação, uma vez que tal instrumento processual ocasionaria na resolução de duas demandas em um só processo, seja na lide principal entre Autor-Estado, ou na lide incidental entre Estado-agente, evitando ainda a repetição de atos processuais, bem como decisões conflitantes. Nessa esteira, Cândido Rangel Dinamarco (2000, p. 185)[22], defende a ideia de que “é sempre mais econômico fazer um processo só, em vez de dois ou três, ainda que a matéria cognoscível resulte alargada e talvez dilatada a instrução”. O autor (DINAMARCO apud DIDIER JR. 2015, p. 503)[23] aduz ainda que há “eficiência processual, pois um só processo serve à resolução de mais de um problema, e da harmonia dos julgados, pois o mesmo juiz resolverá o conflito principal e o de regresso, evitando decisões conflitantes”. Não obstante, Humberto Theodoro Júnior (2014, p. 566-567)[24], em análise ao art. 37, § 6º da CFRB e ao art. 70, nº III, do CPC/73, afirma que: “Em se tratando de responsabilidade civil do Estado, é a Constituição que, ao mesmo tempo que consagra o dever objetivo da Administração de reparar o dano causado por funcionário a terceiros, institui também a ação regressiva do Estado contra o funcionário responsável, desde que tenha agido com dolo ou culpa (art. 37, § 6º). Se o art. 70, nº III, do CPC, prevê a denunciação da lide “àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda”; e o texto constitucional é claríssimo em afirmar que o Estado tem “ação regressiva contra o funcionário responsável”, não há como vedar à Administração Pública o recurso à litisdenunciação”. O mesmo autor ataca o argumento de que a denunciação da lide traz fundamento jurídico novo para o processo, visto que a responsabilidade do Estado se dá de forma objetiva e a responsabilização do agente público é aferida segundo as regras da modalidade subjetiva, e isso seria um obstáculo à aplicação do incidente processual, pois em sua visão, “em todos os casos de denunciação da lide há sempre uma diversidade de natureza jurídica entre o vínculo disputado entre as partes e aquele outro disputado entre o denunciante e o denunciado” (2014, p. 564)[25]. Além disso, não há prejuízo a vítima do evento danoso, pois, como já destacado anteriormente, ao ser deferida a denunciação da lide em face do agente público, permanecerá na relação jurídica processual autor-Estado a responsabilidade objetiva, não sendo exigido dela a comprovação de dolo ou culpa, tarefa que será atribuída ao Estado em face do agente, relação jurídica diversa daquela. Nesse sentido, o próprio Superior Tribunal de Justiça já decidiu que (BRASIL, STJ, 1999)[26]: “PROCESSUAL CIVIL – RESPONSABILIDADE CIVIL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – DIREITO REGRESSIVO – ART. 70, III DO CPC – DENUNCIAÇÃO DA LIDE DO AGENTE PÚBLICO – POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL. 1. O Estado responde pelos danos que seus agentes causarem a terceiros. Sua responsabilidade é objetiva, independe de dolo ou culpa. O agente público causador do dano, por sua vez, indeniza regressivamente a Administração Pública. 2. Em virtude do direito de regresso existente entre o Estado e o funcionário de seus quadros, é admissível a denunciação da lide, com arrimo no art. 70, III do CPC, para que o servidor causador do dano integre a relação processual na condição de litisdenunciado. 3. Recurso especial conhecido e provido. Decisão unânime. (STJ, REsp 156289-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, j. 29.04.1999, D.J. 02.08.1999)”. Sob esse manto, no julgamento do Recurso Especial n. 1.325.862/PR (BRASIL, STJ, 2013)[27], a 4ª turma do STJ apresentou posição isolada ao aceitar que a vítima escolhesse quem demandar (Estado, agente ou ambos), rechaçando o posicionamento defendido pelo STF quando do julgamento do RE 327.904/SP. Não obstante, é possível ainda, em solução subsidiária ao raciocínio apresentado, aplicar a denunciação da lide aos casos de responsabilidade civil do Estado, quando “a ação proposta pelo particular contra a Fazenda já esteja fundada em culpa. Isto é, que o particular, podendo valer-se da responsabilidade objetiva do Estado, prefira fundar o seu pedido na culpa do funcionário. Se esse for o caso, a denunciação da lide nada trará de novo, e deverá ser deferida” (GONÇALVES , 2017, p. 340)[28]. Nesse mesmo sentido (DIDIER, 2012, p. 392) [29]: “Cassio Scarpinella Bueno, embora adepto da concepção restritiva, após examinar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, conclui que “toda vez que a ação indenizatória também se basear na existência de culpa, a denunciação ao agente público não destoará da mesma fundamentação da ação principal. Deve, pois, ser admitida nestes casos.” Afirma, ainda, ser possível a denunciação da lide, nestas hipóteses, quando o Estado, em sua defesa, alegar a tese de culpa do particular ou culpa concorrente, pois não haverá acréscimo na fase instrutória”. Logo, é possível destacar os principais argumentos favoráveis à denunciação da lide pelo Estado em face do agente público, quais sejam: i) direito de regresso do ente público estatuído pelo art. 37, §6º, da CF/88, que se enquadrava na hipótese de cabimento prevista no inciso III, do art. 70, do CPC/73; ii) a não vedação da discussão de fatos novos; iii) a economia processual; iv) ausência de modificação dos ônus e deveres processuais do administrado, autor da demanda principal, considerado como parte mais frágil, visto que caberá ao Poder Público provar a culpa ou o dolo do agente causador do dano; v) evitar decisões conflitantes; vi) evitar a repetição de atos processuais; vii) recusar a denunciação da lide cerceia um direito da Administração.   CONCLUSÃO Diante de tudo que foi exposto até aqui, nota-se a importância da discussão envolvendo a responsabilidade civil do Estado, frente aos expressivos contornos doutrinários e jurisprudenciais, na busca por uma solução mais justa no que diz respeito à composição do dano provocado ao particular por ação do agente público. Nessa perspectiva, com base nos pontos anteriormente expostos, é certo dizer que a denunciação da lide, agora prevista nos artigos 125 a 129 do novo Código de Processo Civil, possui como um dos principais objetivos a economia processual, uma vez que tal instrumento ocasionaria na resolução de duas demandas em um só processo, seja na lide principal entre Autor-Estado, ou na lide incidental entre Estado-agente, evitando ainda a repetição de atos processuais, bem como decisões conflitantes. Isso significa economia do erário público. Há que se perceber que as alterações na denunciação da lide, inseridas pela lei 13.105/15, possuem o claro objetivo de adequar o instrumento processual em tela, na busca por economia e celeridade processual, sem afrontar, com isso, a qualidade da prestação jurisdicional. O Princípio da Economia Processual é ferramenta imprescindível à celeridade processual e prima pela busca do máximo resultado possível na atuação do direito com o mínimo emprego possível de atividades processuais. Assim, a condução do processo deve ser privilegiada de modo que se possam resolver, na medida do possível, todas as situações que derivem do fato gerador do litígio, mesmo nos casos em que alguém que não seja parte venha a sofrer qualquer consequência do processo. No caso de o Estado denunciar a lide o agente público causador do evento danoso, a distinção estabelecida no art. 37, § 6o da CFRB, quanto a responsabilidade civil do Estado (objetiva) e a responsabilidade civil do agente público (subjetiva), demanda nova instrução probatória não exigida na demanda principal, devido necessidade de comprovação de dolo ou culpa do agente causador do dano, o que, com as alterações inseridas no artigo 127 do NCPC/15,  é claramente possível, pois conferiu a parte, a possibilidade de acrescentar novos argumentos à petição inicial. Nessa esteira, na demanda jurisdicional deve prevalecer o interesse público e não existindo vedação legal ou constitucional expressa à denunciação da lide a justificativa do seu não cabimento se mostra inoportuna, porquanto o fato de existir num único processo duas ações a serem resolvidas simultaneamente constitui-se em reconhecida vantagem se comparada à hipótese de existirem dois processos distintos, especialmente porque o segundo somente poderia ser deflagrado após o trânsito em julgado do primeiro. Não obstante, ao se falar em interesse público, a possibilidade de da Administração em denunciar à lide o agente público causador do dano, além de representar economia processual, demonstra eficiência administrativa e maior celeridade no ressarcimento dos prejuízos causados aos cofres públicos. Com isso, não há como tolher da Administração Pública a faculdade, conferida pelo legislador no caput, bem como no parágrafo 1º do art. 125 do NCPC/15, de denunciar a lide o agente público causador do dano. Se o inciso II do art. 125 do NCPC/15, prevê a denunciação da lide “àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda”; e o texto constitucional é claríssimo em afirmar que o Estado tem “ação regressiva contra o funcionário responsável”, não há como vedar à Estado o recurso à litisdenunciação. Dessa forma, denunciar a lide, mostra-se a maneira mais adequada para o Estado exercer seu direito em face do agente público causador do dano, estando em maior sintonia com o disposto no art. 37, § 6º, da CFRB, bem como com os artigos 125 a 129 do NCPC/15.
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As Licitações Dos Eventos Esportivos no Brasil Sob o Rito da Lei Nº 12.462/2011 – Regime Diferenciado de Contratações Públicas
Resumo
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O presente artigo insere-se no âmbito do Direito Administrativo, eis que trata sobre o novo campo de incidência nas contratações públicas, o Regime Diferenciado de Contratações Públicas, modalidade de licitação, instituída pela Lei nº 12.462/2011. No entanto, uma inserção procedimental, qual seja, o sigilo do orçamento estimado, estabelecido no artigo 6º da mencionada legislação, levantou entre a comunidade jurídica discussões quanto sua violação, em face dos princípios da transparência e da publicidade dos atos públicos.  O método científico utilizado foi o dedutivo, uma vez que parte-se de grandes premissas; analisar o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) para então questioná-lo ao avaliar as polêmicas levantadas e, chegar às conclusões. Ademais, baseia-se na realização de consulta em fontes bibliográficas, jurisprudências do Tribunal de Contas da União, artigos e periódicos consolidados, bem como da análise de textos legais do ordenamento jurídico pátrio.  A atualidade do tema reside na discussão gerada pelo procedimento criado pelo Regime Diferenciado de Contratações; o sigilo do orçamento estimado, o qual, na análise jurídica, bem como pela visão da opinião pública, violariam os princípios da publicidade e da transparência dos atos públicos. Ademais há também, o clamor popular pela aplicação efetiva dos gastos públicos, bem como pela transparência nas licitações, decorrentes da realização desses eventos esportivos internacionais.  A despeito de o Brasil ter sido escolhido no ano de 2007 para sediar competições esportivas de nível mundial, Copa das confederações (2013), Copa do Mundo de Futebol (2014) e os Jogos olímpicos e paraolímpicos (2016), no início do ano de 2011, o governo federal sequer havia iniciado o processo de licitação, a fim de escolher as empresas que se responsabilizariam pela execução das obras de infraestrutura necessárias para os respectivos eventos (MARTINS JUNIOR, 2011). Administração Pública notou a necessidade de realizar as referidas contratações, com maior celeridade que os trâmites normais estabelecidos pela Lei de Licitações 8666/93.  Dessa forma, em 5 de Agosto de 2011, por meio da conversão da Medida Provisória nº 527/11 na Lei nº 12.462, criou-se o RDC, uma nova modalidade de licitação, a qual modificou o processo licitatório devido as suas inovações. Contudo, o novo regime, trouxe consigo discussões quanto à violação dos princípios gerais administrativos da transparência e da publicidade, em face do novo procedimento licitatório, qual seja, do sigilo do orçamento estimado.  Segundo Cretella Junior (Di Pietro, 2012, p. 65), “princípios […] são proposições básicas, fundamentais, que condicionam todas as estruturações subsequentes”. Por essa razão, a Constituição de 1988 (CF/88), mencionou que a Administração Publica Direta e Indireta, submeteria seus atos a princípios norteadores da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência.  Conforme salienta Di Pietro (2012, p. 73), “o princípio da publicidade, […] inserido no artigo 37 da Constituição Federal, exige a ampla divulgação dos atos praticados pela Administração Pública […]”, podendo restringi-la, apenas, “[…] quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”. Entretanto, como a Administração Pública tutela interesses públicos, não se justifica o sigilo de seus atos processuais, a não ser que alguns dos interesses supracitados sejam ofendidos.  Em contraponto, o instituto do sigilo de orçamento estimado, previsto no art. 6º, da lei 12.462/2011, torna sigiloso o valor previamente estimado para a contratação até a conclusão do procedimento licitatório, permitindo acesso irrestrito, apenas aos órgãos de controle externo (Poder Legislativo, Tribunais de Contas Estaduais, Tribunal de Contas da União – TCU) e interno (Auditorias, Ministério Público – MP), o que dificultaria exercício do controle social prévio dos atos da Administração Pública pelos cidadãos, uma vez que só terão acesso aos valores no final da licitação. Disso decorre o debate jurídico, porquanto, pretende contextualizar as alterações pela ótica da doutrina, bem como por decisões jurisprudenciais se o procedimento do sigilo do orçamento estimado viola os princípios da transparência e da publicidade dos atos públicos.  Inicialmente, se revisará a bibliografia em direito administrativo, com vista a destacar os princípios gerais da Administração Pública, dando ênfase nos princípios da transparência e da publicidade.  Em seguida, será analisado o Regime Diferenciado de Contratações Públicas, fundamentado na Lei n.º 12.462, de 2011, como modalidade licitatória, criada exclusivamente para as obras dos eventos esportivos internacionais a serem realizados no Brasil; seus aspectos gerais e históricos; bem como a inserção dos novos procedimentos licitatórios, discorrendo ainda sobre o procedimento mais questionado pelos doutrinadores, qual seja: o art. 6º; o sigilo de orçamento estimado.  Por fim, será apresentada discussão, na qual, será debatido se a inserção do procedimento do sigilo do orçamento estimado afronta ou não afronta os princípios da publicidade e da transparência dos atos públicos. 1.ASPECTOS PRINCIPIOLÓGICOS 1.1.Princípios Constitucionais Norteadores dos Atos da Administração Pública  A Administração Pública é norteada por princípios gerais que orientam a sua atuação, que se destinam em primeiro lugar, a orientar o administrador na prática de atos administrativos e em segundo lugar, a garantir a gestão correta dos negócios públicos, bem como o correto manejo do dinheiro público (SILVA, 2010). Destarte, Celso Antônio Bandeira de Mello ressalta que princípio é: “[…] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata 13 compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. (MELLO, 2012, p. 974-975).” A Constituição Federal de 1988, por sua vez, dispôs em seu art. 37, o rol, dos princípios gerais a serem seguidos pela Administração Pública em seus atos, sendo eles: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, conforme será exposto, in verbis:  “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência […].“ Nesse enredo, nas licitações aplicam-se também os princípios gerais, conforme esclarecido pela doutrina, veja-se:  “O direito administrativo brasileiro é disciplina jurídica orientada por princípios explícitos e implícitos da Constituição. Esse feixe de normas superiores dá identidade ao regime jurídico-administrativo, bem como parâmetros e limites à atuação da Administração Pública. Ao seu tempo, a LGL enaltece uma gama de princípios com especial aplicação frente a essa atividade administrativa do Estado […]. Mas ressalta-se que o elenco consignado na LGL é exemplificativo, vez que a força motriz do direito administrativo é o texto constitucional. (MOREIRA; GUIMARÃES, 2012, p. 71).” Tendo em vista que o presente artigo tem por pretensão analisar apenas a observância dos princípios da publicidade e da transparência, em contraponto ao procedimento inerente ao RDC, qual seja, o sigilo de orçamento estimado, passemos a analisá-los abaixo. 1.2.Princípio da Transparência O princípio da transparência, embora não esteja explicitado entre os princípios do artigo 37 da Constituição Federal, é uma norma de normas jurídicas que constitui um princípio vinculante, porquanto, constitui um dever de quem esteja à frente da Administração Pública e, concomitantemente, um direito subjetivo público do indivíduo e da comunidade.  Na Administração Pública, a transparência visa objetivar e legitimar as ações, por ela praticadas, por meio da redução do distanciamento que a separa dos administrados. Sua concretização, segundo Martins Júnior (2010, p. 40) se dá, “pela publicidade, pela motivação, e pela participação popular nas quais os direitos de acesso, de informação, de um devido processo legal articulam-se como formas de atuação”.  A transparência administrativa tem como um de seus maiores vetores e núcleo jurídico, o princípio da publicidade, disciplinado no “caput” do art. 37 da CF/88 e, reforçado pelo art. 5º, incisos, XXXIII, XXXIV, b, LXXII restringindo-se a intimidade e o interesse social, tal como estabelecido no inciso LX, do mesmo artigo, conforme exposto na citação a seguir: “Art. 5º. […] XXXIII – Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado; XXXIV, b, – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: […] a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal; LXXII – conceder-se-á “habeas-data”; LX – a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem.” Não obstante, outro importante princípio ou instrumento para forçar que se dê transparência aos atos administrativos é a participação popular (interligada com o princípio da publicidade), que está normatizado nos incisos de I a III do § 3º do art. 37, da CF. As disposições normativas estabelecem que, a lei disciplinará a participação do usuário na Administração Pública direta e indireta, para regular o direito de representação quanto à qualidade do serviço e a negligência e o abuso no exercício de função pública, bem como o acesso a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, a seguir: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: […]§ 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: I – as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços; II – o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII; III – a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública.” Por seu turno, na esfera infraconstitucional, a lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito federal, em seu art. 9º, abre a possibilidade de intervir no processo administrativo os portadores de interesses indiretos e aos titulares de interesses difusos e coletivos; prevê também a convocação facultativa de audiências e consultas públicas, bem como outros meios de participação dos administrados.  Do mesmo modo, a Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar nº 101/00, instituiu a ampla divulgação da gestão fiscal, inclusive em meios eletrônicos de acesso público, como instrumento de transparência. A disposição normativa acrescenta, ainda, que a transparência será assegurada também mediante incentivo à participação popular e a realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos.  Conforme externado por Martins Júnior (2010, p. 42) “a transparência, então, se instrumentaliza pelo subprincípio da participação popular”, e segundo o mesmo autor “o Estado e seus Poderes só são realmente democráticos se visíveis e abertos ao povo forem suas ações e o processo de tomada de decisões”. Dessa maneira, Martins Júnior (2010, p. 25), ressalta que, “o caráter público da gestão administrativa leva em consideração, além da supremacia do público sobre o privado, a visibilidade e as perspectivas informativas e participativas, na medida em que o destinatário final é o público”. Nesse sentido, atualmente, pode-se concluir que, sem o mecanismo da informação e ou da publicidade, bem como da transparência dos atos administrativos, não há o rompimento da opacidade administrativa. 1.3.Princípio da Publicidade O princípio da publicidade estabelece que os atos da Administração Pública devem ser públicos, isto é, devem ser acessíveis a todos os interessados, diretos ou indiretos, com exceção dos casos que envolvam privacidade e segurança estatal. Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello, salienta que: “O princípio da publicidade impõe que os atos e termos da licitação no que se inclui a motivação das decisões – sejam efetivamente expostos ao conhecimento de quaisquer interessados. É um dever de transparência, em prol não apenas dos disputantes, mas de qualquer cidadão. (MELLO, 2012, p. 541).” Desse modo, para que os atos sejam conhecidos externamente, ou seja, na sociedade, é necessário que eles sejam publicados e divulgados, e assim possam iniciar a ter seus efeitos, auferindo eficácia ao termo exposto (DI PIETRO, 2012). Não obstante, a publicidade, relaciona-se com o direito da informação, que está no rol constitucional dos Direitos e Garantias Fundamentais.  A doutrina, ressalta ainda que:  “[…] o inciso XIII estabelece que todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aqueles cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. (DI PIETRO, 2012, p. 67).” Assim sendo, entende-se que é necessário que os atos e decisões tomadas pela administração, sejam devidamente publicados para o conhecimento de todos os interessados, sejam diretos ou indiretos, e, o sigilo, só é permitido em casos de segurança nacional. Destarte, destaca-se que a publicidade, como princípio da Administração Pública, abrange toda atuação estatal, não só sob o aspecto de divulgação oficial de seus atos como, também, de propiciação de conhecimento da conduta interna de seus agentes (MEIRELLES, 2010).  Portanto, diante desse princípio busca-se manter a transparência dos atos públicos, ou seja, deixar claro para a sociedade os comportamentos e as decisões tomadas pela Administração Pública.  2.ASPECTOS GERAIS DO REGIME DIFERENCIADO DE CONTRATAÇÕES PÚBLICA 2.1.Aspectos Históricos do Regime Diferenciado de Contratações Públicas Diante da escolha do Brasil para sediar a Copa do Mundo de Futebol de 2014, dos Jogos Olímpicos de 2016, e eventos correlatos, surgiu à necessidade do País, viabilizar a realização desses eventos da melhor forma possível, sendo por meio da construção de obras para a prática das atividades esportivas, ou de obras de infraestrutura para receber as pessoas que aqui chegarão. Todavia, apesar de o país ter sido escolhido no ano de 2007, no início do ano de 2011, o executivo federal sequer havia iniciado o processo de licitação, a fim de escolher as empresas que se responsabilizariam pela execução das referidas obras de infraestrutura (MARTINS JUNIOR, 2011). Desse modo, a Administração Pública notou a necessidade de realizar as referidas contratações, com maior celeridade que os trâmites normais, estabelecidos pela Lei de Licitações 8666/93, pois, conforme salienta pela doutrina: “[…] a lei vigente “peca por excesso” ao desbordar dos limites constitucionais das normas gerais e “com o propósito absurdo e insensato de disciplinar mediante regras específicas as infinitas situações (…) acabou criando um intrincado labirinto de regrinhas de somenos, cujo efeito principal é fornecer vasto material para quem desejar simplesmente embananar qualquer licitação”. (DALLARI, 1997, p. 08).” A Lei n.º 8.666/90, responsável pelo estabelecimento do rito de tramitação dos procedimentos administrativos de compras, não seria capaz de promover a 18 instalação e ampliação de infraestrutura necessária para o desenvolvimento das atividades esportivas, nas condições temporais estabelecidas pelas comissões organizadoras, conforme afirma o secretário do PAC, Maurício Muniz:  “[…] não conseguiríamos realizar a quantidade de contratos que temos na área de manutenção se estivéssemos usando a Lei nº 8666/93. Vejamos, o tramite de uma licitação no Departamento Nacional e Trânsito (DNIT) que têm por tempo médio cerca 250 dias de concorrência no modelo tradicional. Com o novo regime, o prazo foi encurtado entre 60 e 90 dias da data da publicação do edital até a homologação. Outro exemplo seria de uma licitação na Infraero que, antes do RDC, levaria cerca de 120 dias. No novo modelo, fica entre 60 e 90 dias. (Entenda como funciona o RDC. Disponível em: Acesso em: 21 abr. 2013).”  Nesse sentido, em 5 de Agosto de 2011, por meio da conversão da Medida Provisória nº 527/11 na Lei nº 12.462, criou-se o Regime Diferenciado de Contratação, uma nova modalidade de licitação, a qual modificou o processo licitatório devido as suas inovações. 2.2.Tramitação da Medida Provisória no Congresso Nacional A edição do RDC chegou a causar surpresa no meio jurídico, em razão da importância do tema e do exíguo tempo de discussão e aprovação no Poder Legislativo (REZENDE, 2011). A controvérsia teve início com a edição da Medida Provisória (MPV), 527/2011, editada com o objetivo de modificar a estrutura e as atribuições de órgãos do Poder Executivo. A referida medida provisória recebeu, na Câmara dos Deputados, emendas acrescentando as regras que instituíram o chamado regime diferenciado de contratações públicas e seus temas polêmicos como o sigilo do orçamento. A falta de pertinência temática entre a (MPV) e as alterações propostas foi mais do que flagrante (REZENDE, 2011).  O Poder Executivo tentou, por três vezes e sem sucesso, instituir normas especiais para licitações e contratos referentes à Copa do Mundo de 2014 e aos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016. A MPV nº 489, de 2010, previa regras de licitações e contratos aplicáveis especificamente às obras e serviços relativos àqueles eventos desportivos, mas perdeu a eficácia, por não ter sido apreciada pelo Congresso Nacional no prazo constitucional.  Diante das resistências que surgiram em relação aos dispositivos do Projeto de Lei de conversão (PLV) referentes ao RDC, bem assim da proximidade do fim do prazo de vigência da MPV nº 521, de 2010, foi submetida à votação e aprovada, no Plenário da Câmara, uma nova versão do PLV, da qual não mais constavam os dispositivos atinentes ao RDC. A MPV perdeu, porém, a eficácia em 1º de junho de 2011, antes que houvesse deliberação do Plenário do Senado Federal sobre ela.  Foi então que, na quarta tentativa, da tramitação da MPV nº 527, de 2011, o Poder Executivo logrou êxito em aprovar o RDC. Disso resultou uma lei, constituída por 69 artigos, e que, em seu Capítulo I, permite seja afastada a aplicação da Lei Geral de Licitações, a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, aos certames necessários à realização da Copa das Confederações de 2013, da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016.  O texto original da MPV nº 527, de 2011 e, seus dispositivos, passaram a constituir os Capítulos II e IV da Lei nº 12.462, de 2011. Por fim, o Capítulo III da Lei, além de conter dois artigos referentes às licitações no âmbito do RDC, promoveu, noutros três, alterações na legislação referente às operações de crédito realizadas pelos entes federados, para regular tais operações quando disserem respeito a projetos relacionados aos eventos desportivos supracitados.  Salientou Renato Monteiro de Rezende sobre a tramitação e aprovação da Lei 12.462/2011: “[…] como tem ocorrido invariavelmente no processo legislativo das medidas provisórias, não foi constituída a comissão mista prevista no art. 62, § 9º, da Constituição Federal, para emitir parecer a respeito da MPV nº 527, de 2011. Na Câmara dos Deputados, foi apresentado parecer de Plenário pelo Relator, Deputado José Guimarães, em 15 de junho de 2011, que concluiu pela apresentação do Projeto de Lei de Conversão (PLV) nº 17, de 2011, no qual as previsões iniciais da medida provisória passaram a ter caráter 20 acessório, à vista da introdução de todo um capítulo, composto por 47 artigos, destinado a regular o assim denominado Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), aplicável às licitações e aos contratos necessários à realização da Copa das Confederações de 2013, da Copa do Mundo de Futebol de 2014 e dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016. (2011, p. 7).” A conclusão da votação da MPV, na Câmara dos Deputados, foi em 28 de junho de 2011, com apenas duas alterações no texto do PLV. No Senado, o texto do PLV foi aprovado em 6 de junho de 2011, sem alterações de mérito. 2.3.Institutos Procedimentais Inseridos pelo Regime Diferenciado de Contratações Públicas nas Licitações O intuito com a criação do RDC foi aferir maior agilidade ao processo licitatório e, para isso, foram estabelecidos diversos mecanismos procedimentais, com vistas a otimizar a licitação, vejamos:  “Art. 1º § 1º O RDC tem por objetivos: I – ampliar a eficiência nas contratações públicas e a competitividade entre os licitantes; II – promover a troca de experiências e tecnologias em busca da melhor relação entre custos e benefícios para o setor público; III – incentivar a inovação tecnológica; e IV – assegurar tratamento isonômico entre os licitantes e a seleção da proposta mais vantajosa para a administração pública.”  Desse modo, a nova modalidade de licitação, instituiu os procedimentos do regime da contratação integrada; da indicação de marca ou modelo; do sigilo do orçamento estimado; da a remuneração variável; do o contrato de eficiência; da inversão de fases; da fase recursal única, como principais ferramentas de atuação.  Entretanto, como o objetivo do presente artigo não é de discorrer exaustivamente acerca dos procedimentos, mas de elucidar e discutir se o sigilo de orçamento estimado viola princípios administrativos, ressaltaram-se, apenas, os procedimentos inseridos pelo RDC e, a seguir, dar-se-á prosseguimento a análise do sigilo de orçamento estimado. 3.INSTITUTO PROCEDIMENTAL QUESTIONÁVEL INSERIDO PELA LEI Nº 12.462/2011 O instituto do sigilo de orçamento estimado, disciplinado no art. 6º, da lei 12.462/2011, na sua edição, gerou discussões entre os juristas, uma vez que torna sigiloso, o valor previamente estimado do objeto licitado, até a conclusão do procedimento licitatório, com acesso irrestrito apenas aos órgãos de controle externo (Poder Legislativo, Tribunais de Contas Estaduais, Tribunal de Contas da União – TCU) e interno (Auditorias, Ministério Público – MP), o que dificulta o controle social prévio, dos atos da Administração Pública pelos cidadãos, que apenas terão acesso ao final da licitação.  Ademais, o procedimento é uma das previsões indicadas como inconstitucionais por afronta ao princípio da publicidade na ADI n. 4.645. Nesse contexto, decorre o debate jurídico, no qual questiona se o referido procedimento violaria ou não os princípios da transparência e da publicidade dos atos públicos. 3.1.Aspectos Legais do Procedimento do Sigilo de Orçamento Estimado O artigo 6º, da lei 12.462/2011, disciplina a não divulgação do orçamento estimado pela Administração Pública para o objeto estimado, conforme se depreende da citação a seguir, in verbis: “Art. 6º – observado o disposto no §3º, o orçamento estimado para a contratação será tornado público apenas e imediatamente após o encerramento da licitação, sem prejuízo da divulgação do detalhamento dos quantitativos e das demais informações necessárias para a elaboração das propostas.”  Essa divulgação ocorrerá, apenas, após o encerramento da licitação. Por seu turno, o Decreto 7.581/11, que regulamenta a Lei do RDC, em seu art. 9º, instituiu que o orçamento previamente estimado será tornado público, “apenas e imediatamente após a adjudicação do objeto, sem prejuízo da divulgação no 22 instrumento convocatório do detalhamento dos quantitativos e das demais informações necessárias para a elaboração das propostas”.  Não obstante, há previsão de duas exceções estabelecidas nos parágrafos 1º e 2º, relacionadas aos critérios de julgamento a ser utilizados nas licitações. A divulgação do orçamento estimado é necessário nas hipóteses de licitação que adote como critério de julgamento maior desconto (§1º da Lei nº 12.462 e arts. 9º, §2º, inc. I e 27, do decreto nº 7.581) ou no caso de julgamento por melhor técnica ou conteúdo artístico, quando o valor do prêmio ou da remuneração deverá ser incluída no instrumento convocatório (§2º da Lei nº 12.462 e arts. 9º, §2º, inc. II e 31, §1º, do decreto nº 7.581).  Desse modo, nos termos do artigo 6º, da lei 12.462/2011, o orçamento estimado para as contratações abrangidas pelo RDC, apresenta caráter sigiloso e não será previamente divulgado aos interessados diretos (licitantes) e indiretos (sociedade), embora deva ser disponibilizado permanentemente aos órgãos e controle externo e interno. 4.EXAME DE COMPATIBILIDADE DO PROCEDIMENTO DO SIGILO DE ORÇAMENTO COM OS PRINCÍPIOS DA TRANSPARÊNCIA E DA PUBLICIDADE Considerando-se que com a inovação procedimental do sigilo de orçamento estimado, delimitado no artigo 6º, da lei 12.462/2011, surgiram os questionamentos a respeito de sua validade, no que tange a observância aos princípios da transparência e da publicidade, bem como sua constitucionalidade, inicia-se, a seguir, o debate jurídico. 4.1.O Questionamento da Constitucionalidade da Lei nº 12.462 perante o Supremo Tribunal Federal A questão que gerou maior polêmica durante a tramitação no Congresso Nacional da medida provisória que precedeu a edição da Lei nº 12.462/11 relacionasse com a constitucionalidade da previsão contida, em seu artigo 6º (CARDOSO, 2012).  Atualmente, há duas ações diretas de inconstitucionalidade tramitando no STF, das quais, apenas, a ADI 4.645, questiona, junto com outros apontamentos, a constitucionalidade do art. 6º, sob o argumento de ofensa ao princípio da publicidade. Todavia, nenhuma das ações diretas de inconstitucionalidade havia sido apreciada, nem em sede de cautelar, até a data de conclusão do presente texto. 4.2.Limites a Exigência de Transparência na Atuação Estatal no Procedimento do Sigilo do Orçamento Estimado  A consagração da ampla publicidade como vetor de atuação estatal, inclusive no âmbito das licitações, não significa que todo ato praticado pelo Estado e, em especial, pela Administração tenha que ser previamente objeto de ampla publicidade (conforme previsto nas exceções à restrição a publicidade exposto no tópico 2.3 Principio a Publicidade).  Há vários exemplos de ações da Administração que não são objeto de previa publicidade e, isso não significa, que tais ações não devam se sujeitar a ampla divulgação após a sua adoção pelo poder público. Cardoso salienta que: “[…] no campo do direito processual civil, há muito é consagrado o entendimento de que determinadas providências cautelares ou antecipatórias podem ser adotadas pelo Juiz antes que seja ouvida a parte contraria […]. Isso se dá quando os efeitos da medida a ser adotada sejam passíveis de frustração caso a parte contrária dela tome conhecimento antes de sua efetivação. Não obstante, não se questiona a validade e compatibilidade de tais medidas com a Constituição Federal e, especialmente, com os princípios da ampla defesa e do contraditório. Reputa-se que a publicidade posterior da providência cautelar ou antecipatória é suficiente para se atender à 24 imposição de publicidade dos atos estatais, considerando-se os valores protegidos. (2011, p. 3 e 4).” Dessa forma, esse raciocínio, se aplica à atuação estatal em geral. Sempre que a finalidade buscada com determinada providência possa ser frustrada pela sua divulgação (publicidade), prévia deve-se admitir o diferimento, a postergação de sua divulgação.  Assim, como na hipótese do procedimento do sigilo de orçamento estimado, não significa que a providência ou medida será sigilosa ou secreta, já que os órgãos de controle interno e externo terão acesso, mas apenas, que e ela será dada publicidade posterior e não de forma prévia a sua adoção, o que não macula o princípio da transparência (CARDOSO, 2011). 4.3.Necessidade de Ponderação do Princípio da Publicidade no Procedimento do Sigilo do Orçamento Estimado O questionamento envolve a violação da publicidade pelo procedimento do sigilo de orçamento estimado. Entretanto, conforme expõe Cardoso, deve-se ponderar “os princípios e valores consagrados pela Constituição, ante o princípio constitucional da publicidade (e as obrigações dele decorrentes)”. O referido jurista ressalta, ainda, que “a despeito de sua inequívoca importância, o princípio da publicidade pode sofrer mitigações diante de outros princípios e valores constitucionais”.  Nesse sentido, Dias e Ferreira (2012), entendem que, aparentemente o objetivo com a restrição da publicidade, no sigilo de orçamento estimado, seria o de evitar conluios entre os terceiros que disputam a licitação. No entanto, o sigilo do orçamento estimado não é a medida adequada para evitar as fraudes, mormente por restringir a publicidade dos atos administrativos.  Logo, a doutrina entende que, “inexiste” ofensa ao princípio da publicidade no sigilo do orçamento previamente estimado: “[…] é que não há, na hipótese do RDC, propriamente subtração da publicidade do orçamento, uma vez que ele será amplamente divulgado imediatamente depois da disputa. Trata-se, portanto, de 25 impor apenas a restrição subjetiva e temporal à veiculação do orçamento, não se podendo falar em sigilo ou confidencialidade das informações. (MOREIRA e GUIMARÃES, 2012, p. 160).” Tomando por base esse entendimento, não se pretende indicar que o principio da publicidade possa ser simplesmente suprimido, diante a existência de outros valores e princípios, mas, se defende a mitigação da publicidade, diante de situações que envolvam a proteção ou busca da realização de outros valores igualmente protegidos pela constituição ou sempre que os efeitos ou objetivos perseguidos pelos referidos atos possam, na espécie, serem frustrados com a divulgação antecipada.  Ademais, Cardoso (2011, p. 4 e 5) salienta, ainda, que:  “[…] não há regra constitucional especifica que obrigue a Administração Pública a promover a divulgação prévia do orçamento estimado, juntamente com o edital a ser publicado para a convocação dos interessados. […] o fato de o regime instituído pela Lei 8666 ter consagrado a necessidade de divulgação prévia e ampla do orçamento estimado pela Administração, juntamente com o ato convocatório da licitação, não significa que determinada lei regulando modalidades diversas de licitação não possa instituir disciplina diversa a respeito do assunto.” Por fim, ressalta-se o sigilo do orçamento previamente estimado já vem sendo utilizado nas licitações no Brasil nos casos abrangidos pelo Decreto n.º 2.745/1998, que aprovou o Regulamento do Procedimento Licitatório Simplificado da Petróleo Brasileiro S. A. (PETROBRÁS). No decreto em comento não há qualquer previsão de divulgação do orçamento estimado antecipadamente, e assim a Petrobrás usualmente adota a não divulgação.  Nesse sentido, o posicionamento do TCU acerca do assunto variou ao longo desses 15 anos de vigência do Decreto n.º 2.745/98. Em determinados momentos entendeu-se que o orçamento deveria ser divulgado, e em outros não. Segundo Cardoso:  “[…] o TCU reconhece a possibilidade de que não seja dada ampla publicidade ao orçamento estimado, nas hipóteses em que isso prejudique a atividade-fim da Petrobras e causa empecilhos à sua atividade negocial. Evidentemente o prejuízo à atividade negocial 26 que derivaria da divulgação prévia do orçamento estimado corresponde justamente aos efeitos que se pretende evitar quando se defende a não divulgação de informações a respeito do preço estimado do objeto licitado. […] desse modo, não se pode afirmar que a não divulgação do orçamento estimado com o edital possa automaticamente […] reduzir o controle da atividade administrativa (2011, p. 7; 8 e 9).”  Dessa forma, o TCU em casos similares entendeu que a utilização do procedimento do sigilo do orçamento previamente estimado, não afronta os princípios da transparência e da publicidade, desde que, sejam observadas determinadas condições, bem como que o orçamento seja disponibilizado aos órgãos de controle, conforme se depreendem dos Acórdãos nos 1.595/2006, 1.062/2011 e 1.854/2009, proferidos, por aquela, Corte de contas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante o exposto, verificou-se que o sigilo de orçamento estimado, não viola o princípio da publicidade, porquanto a ausência de divulgação prévia do orçamento do objeto da licitação obedece à proporcionalidade. Sendo assim, a postergação da divulgação do valor estimado da obra, no sigilo do orçamento estimado, não passa de uma restrição temporal da publicidade. Nesse sentido, averiguou-se que a restrição da publicidade no instituto procedimental do sigilo do orçamento estimado, observou a medida necessária para assegurar a execução dos atos administrativos que, sem esta restrição, seria frustrada.  Ademais, constatou-se que por mais que a regra geral seja a de que se deve haver ampla publicidade e transparência na atuação estatal, a vedação à publicidade do valor do orçamento prévio, trazida pelo instituto do sigilo do orçamento estimado, corresponde à exceção do interesse social, uma vez que estão presentes os pressupostos para sua admissibilidade, razão pela qual o princípio da transparência não é violado.  Em virtude do que foi mencionado, leva-nos a acreditar que a postergação da divulgação do orçamento prévio estimado da obra licitada (art. 6º, da Lei nº 12.462/2011), sob a ótica da doutrina e da jurisprudência analisada, não afronta os princípios da transparência e da publicidade dos atos públicos, bem como é compatível com a Constituição Federal, haja vista que não passa de uma mitigação ou diferimento da publicidade temporal e que, no caso concreto, estará sujeita ao crivo do controle interno e externo, inclusive por parte do judiciário.  Dessa forma, entende-se que a hipótese foi comprovada, uma vez que, utilizou-se a metodologia dedutiva, que consistiu na análise dos princípios gerais que disciplinam os atos da Administração Pública (premissas primárias), para chegar a ponderação de que inexiste violação dos princípios da transparência e da publicidade, por parte do procedimento do sigilo do orçamento estimado (premissas secundárias).  Tendo em vista os aspectos observados, presume-se que os objetivos gerais e específicos foram alcançados, porquanto, realizou-se a revisão bibliográfica dos aspectos principiológicos, bem como a análise dos aspectos gerais, históricos e legais do Regime Diferenciado de Contratações Públicas e, ainda, Levando-se em conta o que foi pesquisado, chegou-se a conclusão de que instituto procedimental do sigilo do orçamento estimado não afronta os princípios da transparência e da publicidade dos atos públicos.  Do mesmo modo, pela análise de dados oficiais do governo brasileiro, verificou-se que à primeira vista, um dos objetivos da nova disposição normativa, qual seja, a celeridade no tocante ao tramite licitatório, teria sido alcançada. Destarte, averiguou-se que o trâmite de uma licitação pelo rito licitatório da Lei 8.666/93 com tempo médio de 250 dias, seria encurtado pelo novo regime para 60 e/ou 90 dias da data da publicação do edital até a homologação, razão pela qual acredita-se que houve um encurtamento no prazo de realização da licitação.  Entretanto, pondera-se que a Administração Pública deve adotar a máxima cautela com relação ao risco de desnaturação do instituto do sigilo, a fim de que tal, não conduza à invalidade da disciplina dada à publicidade do orçamento estimado. Assim, é necessário o rigor absoluto, por parte do estado, na prevenção da utilização do instituto de forma discricionária, bem como na apuração de situações que conduzam a esse resultado, a fim de que, caso ocorra, os responsáveis sejam punidos e os atos administrativos sejam transparentes para a sociedade.  Por fim, ressalta-se que o presente artigo não teve por pretensão esgotar o assunto e nem ser tomado como entendimento mais correto, porém, pretendeu-se contextualizar o entendimento da doutrina e da jurisprudência, acerca do tema pesquisado.
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-174/as-licitacoes-dos-eventos-esportivos-no-brasil-sob-o-rito-da-lei-no-12-462-2011-regime-diferenciado-de-contratacoes-publicas/
A Custódia de Presos no Âmbito da Polícia Judiciária de Alagoas: Um Problema de Gestão na Segurança Pública
RESUMO: O artigo tem como principal objetivo demonstrar os problemas de gestão da segurança pública vivenciada pelos policiais civis do Estado de Alagoas, sobretudo no que concerne a guarda e custódia de presos, evidenciando o desvio de função. No intuito de melhor apresentar o tema, abordar-se-á sobre a competência da polícia judiciária à luz das normas jurídicas e as atribuições restritas do sistema prisional de Alagoas, a fim de constatar o flagrante abuso praticado pela Administração Pública que, sem maiores contestações, viola o princípio da legalidade estrita ao compelir a polícia investigativa a exercer funções estranhas a qual foi destinada, como no caso, a custódia de presos. O artigo consiste também em apresentar o papel das instituições (Defensoria Pública, Ministério Público e a Magistratura) no combate ao abuso praticado corriqueiramente pela Administração Pública.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO   A Segurança Pública é erguida pela Constituição Federal de 1988 como sendo um dever do Estado e responsabilidade de todos, escancarando a competência dos órgãos de segurança. A Lei Estadual nº 3.347, de 25 de junho de 1975, que dispõe sobre o Estatuto da Polícia Civil do Estado de Alagoas, divide os cargos e define suas atribuições. Com a alteração dada pela Lei Estadual nº 6.276, de 11 de outubro de 2001 e, por conseguinte, da Lei Estadual nº 6.788, de 27 de dezembro de 2006 ficou estruturada as Carreiras de Agente de Polícia Civil e de Escrivão de Polícia Civil, sendo revogadas as disposições em contrário, como os cargos anteriormente existentes de carcereiro, agente policial motorista etc.   O tema a ser desenvolvido no presente trabalho dará oportunidade de analisar a competência da Polícia Judiciária. O objetivo geral é demonstrar que com a obediência escorreita da aplicação das normas e na boa gestão do Poder Executivo Estadual, os policiais civis poderão apresentar um trabalho de excelência em sua atividade fim.   A abordagem se faz necessária, a fim de demonstrar que a Administração Pública, por meio das pastas da Secretaria de Estado da Segurança Pública e da Secretaria de Estado da Ressocialização e Inclusão Social, estão sujeitas ao princípio da legalidade estrita, devendo estas afastar a custódia de presos da competência da polícia civil. No intuito de melhor abordar o tema e transpor o seu sentido amplo, se fez necessário uma pesquisa em livros e artigos. O método de abordagem hipotético-dedutivo e a fonte de pesquisa é do tipo exploratório. Assim, a monografia fora dividida em dois capítulos, a saber:   O Capitulo 2 (dois) traz considerações acerca da competência da polícia judiciária, tanto na Constituição Federal como na Constituição do Estado de Alagoas, além de abordar a Lei Estadual nº 3.437/1975 e a Lei Federal nº 7.210/1984, apontando a quem compete exclusivamente a custódia de presos, sobretudo os presos provisórios.    O Capítulo 3 (três), pondera sobre a regulamentação do sistema prisional alagoano e suas atribuições. Neste capítulo, fundamentalmente, fica demonstrado que cabe tão somente ao Sistema Prisional a guarda e custódia de presos.   Por fim, ainda no referido capítulo, serão revistas algumas decisões e o papel fundamental da Defensoria Pública, assim como do Ministério Público, face às decisões judiciais de interdição das delegacias no Estado de Alagoas.   1 COMPETÊNCIA DA POLÍCIA JUDICIÁRIA À LUZ DAS NORMAS JURÍDICAS    A Polícia Civil ou a Polícia Judiciária tem papel fundamental perante a sociedade no combate aos ilícitos penais. A Polícia Judiciária é órgão essencial a Justiça na busca efetiva da repressão dos ilícitos penais, sendo peças investigativas, em ampla análise, garantia de preservação dos direitos fundamentais do cidadão, in verbis:    “Tem a polícia judiciária − como parte do sistema repressivo estatal – importante papel a desempenhar na manutenção do Estado democrático de Direito. […] Não é permitido ao Estado sujeitar o cidadão ao processo-crime sem um mínimo de indícios que autorizem o início da ação penal. Eis o objetivo do inquérito policial: colher provas da existência do fato, da autoria e de suas circunstâncias, para que possa o dominus litis, formar sua convicção e promover a denúncia ou solicitar o arquivamento do fato perante o Estado-Juiz.” (CORRÊA, 2008)    Trata-se de uma polícia especializada responsável em dar início a persecutio criminis, ou seja, “a investigação policial, seguida do processo penal, revela-se como instrumento que legitima o uso da força do Estado e se consubstancia como verdadeiro freio ao poder punitivo, que precisa ficar amarrado a rígidos limites”. (CASTRO, 2015)   Da breve análise em epígrafe, passemos a abordar o que bem disciplina a Constituição Federal de 1988 e a Constituição do Estado de Alagoas, bem como o Estatuto da Polícia Civil e a Lei de Execuções Penais.   1.1. Uma análise da competência da Polícia Judiciária no âmbito da Constituição Federal de 1988 e da Constituição Alagoana   A Constituição Federal de 1988 no § 4º, do art. 144 aborda que compete à polícia civil as funções de polícia judiciária e à apuração de infrações penais, exceto as militares. Vejamos:   “Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: […]   Com isso, define-se a Polícia Judiciária como órgão auxiliar da justiça, por meio do qual num procedimento extrajudicial, a Autoridade Policial apresenta elementos mínimos (autoria e materialidade) ao Ministério Público favorecendo a este a opinio delicti.   A Constituição do Estado de Alagoas não poderia ser diferente, tendo em vista o princípio da supremacia da constituição, não podendo nenhuma norma jurídica contrariar a Carta Magna, sob pena de ser declarada inconstitucional.    A Constituição alagoana, disciplina no inciso I, do § 1º, bem como no § 2º, do art. 244, a polícia judiciária como órgão competente na função investigativa, presidida e dirigida por um Delegado de Polícia. Ainda na Constituição alagoana tem-se que compete em Lei Estadual disciplinar a organização e o funcionamento da Polícia Civil, sendo as funções de polícia judiciária privativas dos integrantes das respectivas carreiras funcionais.   “Art. 245. A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de modo a garantir a eficiência de suas atividades.   A organização administrativa da polícia civil está disciplinada na Lei Estadual nº 6.441, de 31 de dezembro de 2003, alterada pela Lei Estadual nº 6.479, de 28 de maio de 2004. O caput do art. 6º e os incisos ali existentes apresentam os objetivos institucionais da Polícia Civil, ipsis litteris:   “Art. 6º São objetivos institucionais da Polícia Civil: I – exercer o poder de polícia na investigação e apuração dos ilícitos penais em quaisquer de suas formas, na defesa da cidadania e das incolumidades das pessoas e do patrimônio; II – apurar as infrações penais, exceto as militares, nos limites de sua competência constitucional; III – auxiliar a Justiça na prestação da tutela jurisdicional, atendendo às requisições judiciais, como também dos membros do Ministério Público; IV – apoiar, quando necessário, as medidas pertinentes à preservação da ordem pública, inclusive em situações excepcionais de emergências e calamidades; V – respeitar os direitos do cidadão; VI – empregar os recursos da inteligência, da persuasão e do diálogo como regra, utilizando-se da força apenas como recurso extremo; VII – assegurar à sociedade o compromisso de a ela servir e defender no enfrentamento da violência e da criminalidade, através dos meios de ação do aparelho policial; VIII – investir na qualificação profissional dos seus integrantes, visando a melhor servir a sociedade; e IX – integrar-se às ações de segurança pública com os demais órgãos participantes da Célula de Justiça e Defesa Social, visando ao pleno exercício da cidadania.”   Por derradeira e sem muitas delongas, translúcida a competência e a função a ser desempenhada pela Polícia Civil, prevista explicitamente na Constituição Federal de 1988 e na Constituição do Estadual, sendo enfatizadas pela norma infraconstitucional em epígrafe, não podendo em nenhum momento se apor a outra função senão a de investigar.   1.2. Lei Estadual nº 3.437/1975 e a competência estrita da Polícia Judiciária   O Estatuto da Polícia Civil, regido pela Lei Estadual nº 3.437, de 25 de junho 1975, com a alteração dada pela Lei Estadual nº 6.276, de 11 de outubro de 2001 e, por conseguinte, da Lei Estadual nº 6.788, de 27 de dezembro de 2006, definiu as atribuições e a competência da Polícia Civil do Estado de Alagoas.   Atualmente, a Polícia Civil de Alagoas é dividida em 03 (três) categorias: (i) Delegado de Polícia; (ii) Agente de Polícia e (iii) Escrivão de Polícia. Cada categoria possui sua competência e sua finalidade, seguindo como base os ensinamentos do Estatuto da Polícia Civil.   O art. 15, da Lei Estadual nº 3.437/1975 assevera que ao Delegado de Polícia compete:   “[…] dirigir órgãos executivos de operações policiais, chefiar a execução ou executar investigações relacionadas com a prevenção e repressão de ilícitos penais; instaurar e presidir inquéritos policiais e processos contravencionais. Formalizar prisão em flagrante; informar pedidos de habeas-corpus; representar à autoridade judiciária sobre a necessidade ou ocorrência de prisão preventiva de indiciados em inquéritos; executar missões de caráter sigiloso e ações de interesse da segurança.”   Já o art. 18 expõe que cabe ao Escrivão de Polícia:   “[…] dar cumprimento às formalidades processuais; lavrar termos, autos e mandados; observar os prazos necessários ao preparo, ultimação e remessa de inquéritos processuais; preparar o expediente; preparar certidões; acompanhar a autoridade policial, quando determinado, nas diligências extras; executar a escrituração de livros.”   E, por fim, ao Agente de Polícia, nos termos do art. 19 compete:   “[…] investigar atos e a fatos que caracterizam ou possam caracterizar infrações penais; executar intimações, notificações a indiciados, vítimas, testemunhas, proceder busca de informações; executar atividades necessárias à prevenção e repressão de infrações penais; executar outras atividades julgadas necessárias ao esclarecimento de infrações penais; executar a segurança de autoridades.”   Depreende-se dos dispositivos supracitados que, em nenhum momento, as normas dispõem como competência da Polícia Judiciária a guarda e a custódia de presos.   1.3. A Lei Federal nº 7.210/1984 e a competência legítima da custódia de presos   De pronto mostra-se límpido que esta Instituição Policial não possui a obrigatoriedade e o dever de custodiar, escoltar, remover e/ou cuidar de presos, sendo tal responsabilidade atribuída, pelos princípios da especialidade e da legalidade, a Secretaria de Estado de Ressocialização e Inclusão Social – SERIS, conforme disciplina a Lei Federal nº 7.210 de 11 de julho de 1984 (Lei de Execuções Penais), em especial em seu artigo 82 “os estabelecimentos penais destinam-se ao condenado, ao submetido à medida de segurança, ao preso provisório e ao egresso”. (grifo nosso)   Importante enaltecer o que bem leciona CASTRO (2016) ao abordar sobre o tema (obrigatoriedade da administração penitenciária a custódia de presos), onde explana cuidadosamente o papel do Sistema Prisional como único órgão que possibilita, dentro de seu quadro de pessoal, treinamento e capacitação na custódia e remoção de presos.   “[…] a Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal) norteia a atividade estatal de custódia de presos, incumbindo tal tarefa à administração penitenciária. […] O detido só deve ficar recolhido na unidade policial durante o tempo estritamente necessário para a finalização do flagrante (em até 24 horas — artigo 306, parágrafo 1º do CPP) ou para o cumprimento do mandado de prisão cautelar.” (grifo nosso)   Em Alagoas, como já abordado inicialmente, os estabelecimentos prisionais são geridos pela Secretaria de Estado de Ressocialização e Inclusão Social – SERIS e, consequentemente, os seus servidores (agentes penitenciários) possuem a legitimidade de custodiar e remover presos. Assim, pensamento contrário e atitudes distintas ao que as leis dispõem configuram flagrante abuso de direito, passivo de penalidade aos responsáveis que contribuem omissiva ou comissivamente na arbitrariedade de se exigir da polícia judiciária o cuidado de presos.   2 A CUSTÓDIA DE PRESOS NO ÂMBITO DA POLÍCIA JUDICIÁRIA DE ALAGOAS E ASPECTOS GERAIS SOBRE O SISTEMA PRISIONAL ALAGOANO   Em que pese à vasta legislação vigente, a Polícia Judiciária do Estado de Alagoas continua a custodiar presos, dentre os locais onde há grande incidência e superlotação de presos estão as Unidades de Igreja Nova, Novo Lino, Central de Flagrantes I, Central de Flagrantes II (CODE) e Central de Flagrantes (Arapiraca), além de outras unidades da polícia civil. O presente artigo dará ênfase à competência da SERIS no dever de cuidado dos presos, bem como tratará sobre o desvio de função de policial civil e falta de gestão na segurança pública em Alagoas.   2.1. Competência e atribuições da Secretaria de Estado de Ressocialização e Inclusão Social – SERIS    Antes de possuir a sobredita denominação e converter-se em Secretaria, a SERIS passou por diversas transformações, inclusive, anteriormente, denominada pela Lei Delegada nº 44/2011 de Superintendência Geral de Administração Penitenciária (SGAP). Atualmente, em 11 de agosto de 2015, foi publicada no Diário Oficial do Estado de Alagoas a Lei Delegada nº 47, criando a Secretaria de Estado de Ressocialização e Inclusão Social (SERIS) e tornando-a responsável pela administração penitenciária.   É no artigo 3º, do Decreto Estadual nº 49.051, de 22 de junho de 2016, que dispõe sobre o regimento interno da SERIS, que podemos vislumbrar sua competência e suas atribuições, ad litteram:   “Art. 3º A Secretaria de Estado de Ressocialização e Inclusão Social – SERIS tem por finalidade:  I – administrar o Sistema Penitenciário do Estado de Alagoas;  II – assegurar o cumprimento da política nacional penitenciária e da legislação pertinente, no âmbito estadual, planejando, coordenando, controlando, gerindo e executando projetos e programas, com a finalidade de tornar o Sistema Penitenciário do Estado autossustentável;  […] V – desenvolver programas de educação e profissionalização do reeducando, objetivando seu reingresso na sociedade; e  VI – manter e administrar o Centro Psiquiátrico Judiciário, promovendo condições para garantir saúde, proteção e recuperação dos inimputáveis e dos toxicômanos do Sistema Penitenciário.”    Têm-se claramente, atrelado a Lei de Execuções Penais, que compete tão somente à SERIS/AL, a organização, administração e cuidado com os presos provisórios e já sentenciados, inclusive os presos cautelares.   Segundo informações dadas no sítio eletrônico oficial da SERIS, em seu organograma, o sistema prisional alagoano se divide em: (i) Penitenciária Masculina Baldomero Cavalcanti de Oliveira – PMBCO; (ii) Presídio Professor Cyridião Durval da Silva – PPCDS; (iii) Presídio do Agreste – PA; (iv) Presídio de Segurança Máxima – PreSM; (v) Colônia Agroindustrial São Leonardo – CASL; (vi) Casa de Custódia da Capital – CCC; e (vii) Centro Psiquiátrico Judiciário Pedro Marinho Suruagy, todos com o objetivo único de receber presos provisórios e condenados em definitivo.   Existem ainda 02 (duas) unidades destinadas a presos, sendo o Núcleo Ressocializador da Capital e o Presídio Desembargador Luiz de Oliveira Souza (Arapiraca), este último se encontra desativado.   2.2. O flagrante desvio de função do policial civil em Alagoas e a atuação do Ministério Público e Defensoria Pública no combate as irregularidades   Um dos maiores princípios que rege a Administração Pública e que tem como principal função orientar e garantir a perfeita execução da norma, é o princípio da legalidade estrita. Tal princípio representa absoluta subordinação e obediência do Poder Pública à norma jurídica.   Conforme já observado por MELLO (2000, p. 748), a violação de um princípio é muitas vezes mais gravoso do quer ir de contra a própria norma.   “Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico andamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.”   Neste contexto, o princípio da legalidade implica em afirmar que:    “[…] o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeitos aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil, criminal, conforme o caso.” (MEIRELLES, 2009, p. 89)      Ainda sobre o tema ROSA (2003, p. 11) exorta que:   “Ao particular é dado fazer tudo quanto não estiver proibido; ao administrador somente o que estiver permitido pela lei (em sentido amplo). Não há liberdade desmedida ou que não esteja expressamente concedida. Toda a atuação administrativa vincula-se a tal princípio, sendo ilegal o ato praticado sem lei anterior que o preveja […] Do princípio da legalidade decorre a proibição de, sem lei ou ato normativo que permita, a Administração vir a, por mera manifestação unilateral de vontade, declarar, conceder, restringir direitos ou impor obrigações.”    Dadas as breves explanações temos que a Polícia Judiciária do Estado de Alagoas vive praticando constantemente ilegalidades, mormente pela imposição do Governo do Estado e suas Secretarias, criando como método paliativo e danoso às atividades típicas da polícia civil, a obrigatoriedade da custódia de presos.   Há um flagrante desvio de função do policial civil em Alagoas que a todo instante se vê compelido a exercer funções estranhas ao seu cargo, colocando os membros da instituição numa situação de perigo ante as condições e a ausência de treinamento para custodiar presos de grande periculosidade. Os órgãos da Justiça, dentre eles a Defensoria Pública e o Ministério Público vêm atuando energicamente no combate a essas imposições ilegais, por meio de ações judiciais (Ação Civil Pública), angariando êxito no Poder Judiciário.   Numa ação, tombada sob o nº 0800006-50.2018.8.02.0021, proposta pelo Ministério Público do Estado de Alagoas junto ao Juízo de Direito da Vara do Único Ofício de Maribondo – Alagoas, o Magistrado Bruno Araújo Massoud decidiu pela interdição da Delegacia de Maribondo expondo, acertadamente que:   “[…] é cediço que a custodia de presos não pode ser realizada pela polícia judiciária; dado que a Constituição Federal e o Código de Processo Penal não lhe atribuíram o exercício da atividade penitenciária. […] a LEP, em seu título quarto, ao dispor sobre os estabelecimentos penais não inclui as delegacias de polícia; tendo em que vista que evidentemente não são ambientes destinados à permanência de presos ainda que provisórios.” (grifo nosso)   O Juiz de Direito da Comarca de Minador de Negrão – Alagoas, Edivaldo Landeosi, nos autos da Ação Civil Pública – ACP nº 0000727-90.2012.8.02.0006, promovido pelo Ministério Público registrou, in verbis:   “[…] delegacia de polícia não é local adequado a permanência de presos, ainda que provisórios […] Ora, o Estado só pode combater exitosamente as organizações criminosas ou até mesmo os pequenos delitos tão costumeiros na sociedade alagoana mediante a adoção de políticas públicas e de investimentos nas áreas de logística e infra-estrutura capazes de dotar a polícia judiciária de condições de trabalho que lhe possibilite pôr em prática as suas capacidades intelectuais.” (grifo nosso)   Da mesma forma, na ACP n° 0000103-20.2012.8.02.0013 de autoria da Defensoria Pública, a Juíza de Direito da Vara do Único Ofício de Igaci – Alagoas, Marina Gurgel da Costa, determinou a interdição imediata das celas da Delegacia de Igaci, em razão das “condições gravíssimas que afetam, de forma avassaladora, aquele recinto, inviabilizando, sobremodo, a garantia de custódia dos presos”.   Assim, conforme abalizado no capítulo anterior e enfatizado pelo Judiciário, compete ao Sistema Prisional, por meio da SERIS, a gerência e a custódia de presos.   CONCLUSÃO   É patente que a dificuldade enfrentada pela Polícia Judiciária de Alagoas não se dá pela ausência de norma regulamentadora, mas sim em razão de políticas públicas e institucionais que protelam na solução do problema. Não se pode permitir a custódia de presos pela Polícia Judiciária, tanto pelo que preestabelece a norma constitucional e infraconstitucional, como pela ausência de preparo técnico por parte dos policiais que corresponde a um verdadeiro risco a vida dos presos e do policial civil.   Assim, entende-se que a custódia de presos a cargo dos policiais civis releva-se inconstitucional e imoral, que se constituindo em uma reiterada anomalia praticada pela gestão estatal pode e deve ser corrigida com a criação de novos estabelecimentos prisionais e a realização de concurso público para o cargo de agente penitenciário.
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-174/a-custodia-de-presos-no-ambito-da-policia-judiciaria-de-alagoas-um-problema-de-gestao-na-seguranca-publica/
Poder de Polícia: Uma abordagem do interesse de agir do Estado em busca da supremacia do direito coletivo em detrimento do individual
O poder de polícia é conferido ao Estado para fazer valer a supremacia do interesse coletivo sobre os direitos individuais, quando estes vierem a ser utilizados de maneira a ferir aqueles. Muito embora a Constituição Federal estabelece o sistema de tripartição de Poderes, dividindo-os em Executivo, Legislativo e Judiciário, num mecanismo de freios e contrapesos, incumbe à Administração Pública editar normas e regulamentos para disciplinar os direitos individuais, tais como liberdade e propriedade, de forma que sejam compatíveis com o bem-estar social.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO As normas e regulamentos foram criados para melhorar o convívio da coletividade e foram criadas desde que o homem passou a viver em sociedade. Tudo deriva da Constituição Federal, que é a Lei Maior. Abaixo dela existe uma infinidade de leis infraconstitucionais, estabelecendo direitos que deverão ser compatíveis com o bem-estar social. Nesse sentido, quando se fala em liberdade e propriedade, estas não podem ser uma barreira à realização dos objetivos públicos, uma vez que estão mais condicionados aos direitos individuais e, caso a lei não seja específica quanto a limitação desses direitos, deve a Administração Pública reconhecer e averiguar. Daí surge o PODER DE POLÍCIA, um órgão incumbido pela adequação do direito individual ao interesse da coletividade. Esse poder da administração é que mantém a ordem, a tranquilidade e a salubridade pública. No direito brasileiro, a Constituição Federal de 1824, em seu artigo 169, atribuiu a uma lei a disciplina das funções municipais das câmaras e a formação de suas posturas policiais; a lei de 1º de outubro de 1828, continha título denominado “Posturas Policiais”. A partir desse momento, firma-se no nosso ordenamento jurídico o uso da locução poder de polícia, para definir o poder da Administração de limitar o interesse particular.   A Constituição Federal enumera o sistema tripartido de poderes, onde o Estado é dotado de poderes políticos exercidos pelo Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário no desempenho de suas funções constitucionais, e de poderes administrativos que surgem secundariamente com atos da Administração Pública e se efetivam de acordo com as exigências do serviço público e com os interesses da coletividade, não deixando que o interesse particular se sobreponha. É para assegurar o bem estar geral que o poder de polícia existe, impedindo, por meio de ordens, censuras e apreensões, o equívoco exercício anti social dos direitos individuais, a prática de atividades prejudiciais à coletividade e o uso abusivo da propriedade. Vale dizer que é o conjunto de órgãos e serviços públicos que fiscalizam, controlam e detém as atividades individuais contrárias aos bons costumes, à higiene, à saúde, à moralidade, ao conforto público e à ética urbana, visando propiciar o equilíbrio social harmonioso e evitar conflitos advindos do exercício dos direitos e atividades do indivíduo entre si e o interesse de toda população. Tem como compromisso zelar pela boa conduta em face das leis e regulamentos administrativos em relação ao exercício do direito de propriedade e de liberdade. O poder de polícia permite expressar a realidade de um poder da administração de limitar de modo direto, as liberdades fundamentais em prol do bem comum com base na lei. Nesse sentido, a doutrina é vasta acerca do conteúdo. O ilústre professor Hely Lopes Meirelles, em sua magnífica obra do Direito Administrativo Brasileiro, conceitua o Poder de Polícia como uma faculdade da Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais: “Poder de Policia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em beneficio da coletividade ou do próprio Estado.” Citando outros doutrinadores renomados, o professor Meirelles elenca seus pensamentos acerca do Poder de Polícia: “O Poder de Policia é, em suma, o conjunto de atribuições concedidas a Administração para disciplinar e restringir, em favor do interesse público adequando, direitos e liberdades individuais” (TÁCITO, 1975, apud MEIRELLES, 2002, p. 128). “O Poder de Policia (police power), em seu sentido amplo, compreende um sistema total de regulamentação interna, pelo qual o Estado busca não só preservar a ordem pública senão também estabelecer para a vida de relações do cidadão àquelas regras de boa conduta e de boa vizinhança que se supõem necessárias para evitar conflito de direitos e para garantir a cada um o gozo ininterrupto de seu próprio direito, até onde for razoavelmente compatível com o direito dos demais” (COOLEY, 1903, p. 829, grifo do autor, apud MEIRELLES, 2002, p.128). O eminente doutrinador José Cretella Júnior ratifica o conceito de Poder de Polícia na forma discricionária de agir do Administrador Público quando este resolve limitar a liberdade individual ou coletiva em prol do interesse público: “Poder de polícia é a faculdade discricionária do Estado de limitar a liberdade individual, ou coletiva, em prol do interesse público.” A professora Odete Medauar cita o professor Cavalcanti para que se possa concluir o entendimento do conceito de Poder de Polícia do Estado como uma faculdade, uma discricionariedade de manter os interesses coletivos e afastar ou prever quaisquer danos que os direitos individuais possam trazer: “Poder de polícia é a faculdade de manter os interesses coletivos, de assegurar os direitos individuais feridos pelo exercício de direitos individuais de terceiros. O poder de polícia visa à proteção dos bens, dos direitos, da liberdade, da saúde, do bem-estar econômico. Constitui limitação à liberdade e os direitos essenciais do homem” (CAVALCANTI, 1956, p. 07, apud MEDAUAR, 2000, P.390). “O poder de polícia constitui limitação à liberdade individual, mas tem por fim assegurar esta própria liberdade e os direitos essenciais do homem” (CAVALCANTI, 1956, p. 07, apud MEDAUAR, 2000, P.390). O que todos analisam é a faculdade que tem a Administração Pública de ditar e executar medidas restritivas do direito do individuo em benefício do bem-estar da coletividade e da preservação do próprio Estado, e esse poder é inerente a toda a administração e se reparte entre todas as esferas administrativas da União, dos Estados e dos Municípios.   O poder de polícia administrativa se fundamenta no princípio da predominância do interesse público sobre o do particular, ou seja, a Administração Pública possui uma posição de supremacia sobre os particulares. Esta supremacia é exercida pelo Estado em seu território sobre todas as pessoas, bens e atividades, revelando-se nos mandamentos constitucionais e nas normas de ordem pública, em favor do interesse social. O poder que a atividade da polícia administrativa expressa é o resultado da sua qualidade de executora das leis administrativas. Para exercer estas leis, a Administração não pode deixar de exercer sua autoridade indistintamente sobre todos os cidadãos que estejam sujeitos ao império destas leis. Daí manifesta-se na Administração uma supremacia geral. Cabe a polícia administrativa, manutenção da ordem, vigilância, e proteção da sociedade, assegurando os direitos individuais e auxiliando a execução dos atos e decisões da justiça.   No momento de buscar prevenção às ações que poderiam causar danos futuros pela persistência de um comportamento irregular do indivíduo surge o poder de polícia administrativa, com o intuito de impedir que o interesse particular se sobreponha ao interesse público. Este poder manifesta-se por meio de atos normativos concretos e específicos e seu objetivo é impedir preventivamente possíveis infrações das leis, desde que não viole direitos que estão expressamente declarados na Carta Magna.   A fim de evidenciar a diferença entre polícia administrativa e polícia judiciária, enobrece o conhecimento o que se colhe da citação de Lazzarini pela professora Maria Sylvia Zanella di Pietro: “A linha de diferenciação está na ocorrência ou não de ilícito penal. Com efeito, quando atua na área do ilícito puramente administrativo (preventiva ou repressivamente), a polícia é administrativa. Quando o ilícito penal é praticado, é a policia judiciária que age” (LAZZARINI, RJTJ-SP, v.98:20-25, apud DI PIETRO, 2002, P. 112). No mesmo sentido, Celso Bandeira de Melo ratifica: “O que efetivamente aparta Polícia Administrativa de Polícia Judiciária é que a primeira se predispõe unicamente a impedir ou paralisar atividades anti-sociais enquanto a segunda se pré-ordena a responsabilização dos violadores da ordem jurídica” Celso Ribeiro de Bastos, ilustre doutrinador do Direito Administrativo, diferencia também a polícia administrativa da judiciária: “Diferenciam-se ainda ambas as polícias pelo fato de que o ato fundado na polícia administrativa exaure-se nele mesmo. Dada uma injunção, ou emanada uma autorização, encontra-se justificados os respectivos atos, não precisando ir buscar o seu fundamento em nenhum ato futuro. A polícia judiciária busca seu assento em razões estranhas ao próprio ato que prática. A perquirição de um dado acontecimento só se justifica pela intenção de futuramente submetê-lo ao Poder Judiciário. Desaparecida esta circunstância, esvazia-se igualmente a competência para a prática do ato.” Meirelles enumera a jurisdição da polícia administrativa e da judiciária: “A polícia administrativa ou poder de polícia é inerente e se difunde por toda a Administração; a polícia judiciária concentra-se em determinados órgãos, por exemplo, Secretaria Estadual de Segurança Pública, em cuja estrutura se insere, de regra, a polícia civil e a polícia militar.” Odete Medauar ratifica a aplicação da polícia administrativa, diferenciando sua aplicação nas atividades lícitas, enquanto que a polícia judiciária visa impedir o exercício das atividades ilícitas: “A polícia administrativa ou poder de polícia restringe o exercício de atividades lícitas, reconhecidas pelo ordenamento como direitos dos particulares, isolados ou em grupo. Diversamente, a polícia judiciária visa a impedir o exercício de atividades ilícitas, vedadas pelo ordenamento; a polícia judiciária auxilia o Estado e o Poder Judiciário na prevenção e repressão de delitos.” Observa-se que não se pode diferenciar o poder de polícia administrativa do poder de polícia judiciária somente pelo caráter preventivo da primeira e pelo caráter repressivo da segunda, já que tanto a polícia administrativa quanto a polícia judiciária possuem características do caráter preventivo e repressivo, mesmo que de forma implícita. A melhor maneira de diferenciar os poderes, portanto, seria analisar se houve o ilícito penal (responsabilidade da polícia judiciária) ou se a ação fere somente questões administrativas que buscam o bem coletivo (responsabilidade da polícia administrativa).   Condicionar o interesse dos particulares ao interesse da coletividade é dever da Administração Pública, fazendo-se valer do poder de polícia. Para tanto, deve dispor de alguns atributos e prerrogativas:   5.1. Auto Executoriedade Traduz-se na possibilidade que tem a Administração, por intermédio dos seus próprios meios, executar suas decisões sem recorrer previamente ao Poder Judiciário, e ainda fazer uso da força pública para obrigar o administrado de cumprir sua decisão. Nesse sentido, destaca-se o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo: “exigir-se previa autorização do Poder Judiciário equivale a negar-se o próprio poder de polícia administrativa, cujo ato tem que ser sumário, direto e imediato, sem as delongas e as complicações de um processo judiciário prévio (TJSP-Pleno, RT 138/823).” Verificou-se que alguns autores desdobram esse atributo da polícia administrativa em dois: a exigibilidade e a executoriedade. A primeira resulta da possibilidade que tem a Administração Pública de tomar decisões executórias, sendo que pelo atributo da exigibilidade, a administração se vale de meios indiretos de coação, enquanto que a segunda consiste na faculdade que tem a Administração, quando já tomou alguma decisão executória, de realizar diretamente a execução forçada, usando, se necessário, da força pública para obrigar o particular a cumprir a decisão da Administração. A decisão Administrativa impõe-se ao particular ainda contra a sua concordância, pois a Administração é um órgão do Estado e este, sempre busca o bem da sociedade. Se o particular quiser se opor terá que recorrer ao Poder Judiciário. Os meios eficazes que podem ser usadas pelo particular quando ele se sentir lesado por algum ato praticado pela Administração Pública através de seus agentes, são o hábeas corpus e o mandado de segurança, que são os remédios processuais mais efetivos para tais casos, mas mesmo nesse caso é o particular que tem que recorrer ao Poder Judiciário.   5.2. Discricionariedade A discricionariedade se dá quando a lei deixa certa margem de liberdade para determinadas situações, mesmo porque, ao legislador, não é dado prever todas as hipóteses possíveis. Em vários casos a Administração terá que decidir qual o melhor meio, momento e sanção aplicável para determinada situação. Neste caso o poder de polícia é discricionário, pois é a Administração que irá escolher a melhor forma de resolver determinada situação.          Na maior parte das medidas de polícia, a discricionariedade está presente, mas nem sempre ocorre, pois em alguns casos a lei determina que a Administração deva adotar soluções já estabelecidas, sem qualquer forma de discricionariedade, portanto, neste caso teremos o poder vinculado aos mandamentos da lei escrita.   5.3. Coercibilidade A coercibilidade é traduzida por uma coação expressa nas medidas auto executórias da Administração Pública, uma vez que a coercibilidade é indissociável da autoexecutoriedade. Há que se verificar o destaque dado por alguns autores quanto a negatividade e a positividade do poder de polícia. Esta estabelece a relação de acréscimo aos indivíduos, isoladamente ou em conjunto, traduzida numa atividade material, que vai trazer benefício comum. Como exemplo a Administração executa o serviço de transporte coletivo, impondo limites às condutas individuais. Aquela diz respeito à limitação sofrida pelo particular perante a Administração, impondo sempre uma abstenção, ou seja, uma obrigação de não fazer. Exemplo clássico é a realização de exame para concessão da Carteira Nacional de Habilitação, onde o Estado atestará que o indivíduo é um bom motorista e possui qualificações necessárias para conduzir veículo automotor, afastando o mau exercício do direito individual de dirigir em prol da sociedade.   CONCLUSÃO O poder de polícia destina-se assegurar o bem-estar geral, impedindo, através de ordens, proibições e apreensões, o exercício antissocial dos direitos individuais, o uso abusivo da propriedade ou a prática de atividades prejudiciais à coletividade. Quando o particular, mesmo de forma irregular, decide por ferir os preceitos que são regulamentados pela Administração Pública deve esta, portanto, fazer uso do Poder de Polícia e estabelecer sanções até que o particular faça a devida adequação de seu direito individual ao coletivo, a fim de garantir o bem-estar social. O interesse da coletividade há de preponderar-se sobre o interesse individual.
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Reforma Agrária: A Desapropriação de Imóveis Rurais por Interesse Social
A importância do trabalho com a terra para promover a economia do país e o exercício da função social ocorrem com a Reforma Agrária, que tem o escopo de eliminar os latifúndios, dividir essas terras e destiná-las às pessoas com interesse de exploração. O levantamento de pesquisas doutrinárias que albergam e defendem essa ideia são fontes que alicerçam o presente trabalho, que objetiva descortinar o direito agrário, no que se refere ao tema em estudo, pois a justificativa da existência da luta pela terra e da Reforma agrária, parte do intuito de alcançar com igualdade o direito de propriedade e de sua exploração por pessoas dispostas a serem privilegiadas no intento de contribuir para a economia da nação, especificando legalmente como deve ser a atuação do Estado para desfazer os latifúndios que congelam, ou barram a economia estatal, assim como o anseio e a necessidade que muitas famílias tem em adquirirem seu sustento através da exploração da terra, enquanto que grandes quantias encontram-se nas mãos de poucos que não as usufruem, não as exploram, e assim as tornam improdutivas.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO A abordagem sobre a desapropriação de imóveis rurais para fins de Reforma Agrária no presente estudo tem o escopo de esclarecer que tal instituto existiu com a necessidade de desfazer a concentração de grandes quantidades de terras improdutivas, que se encontram sob a propriedade de poucas pessoas, e até os dias atuais os donos dos latifúndios fazem destes empecilhos para o desenvolvimento econômico do país. Com o advento da Reforma Agrária, a busca pelo cumprimento da função social como o modo de realizar o interesse social tornou-se mais intenso, pois o seu surgimento foi motivado pela desfiguração dos latifúndios de uma maneira justa e legal. Será esclarecido no presente trabalho, que a desapropriação de terras para sua melhor distribuição não significa tomar do proprietário o imóvel rural, mas previamente realizar o pagamento por títulos de dívida agrária de acordo com o que se entende justo, o que caracteriza uma troca de valores. Entender-se-á que o fato de a propriedade ser considerada plena e exclusiva, sendo garantia Constitucional e albergada pelo Direito Civil vigente, não faz dela um bem intocável, pois o enfoque da desapropriação é justamente que o Estado transfira a propriedade de um imóvel rural improdutivo para outras pessoas que na posse da propriedade explorarão, de modo que incentive suas finalidades econômicas e sociais. No decorrer dos tempos se fez necessário delimitar o absolutismo e a perpetuidade da propriedade, pois só é possível que assim seja, quando não exista o interesse social em tê-la para usufruí-la, pois caso contrário, diante da função social não é possível prevalecer a improdutividade da terra, competindo ao Estado promover a Reforma Agrária. Para que a desapropriação fosse uma das maneiras de se adquirir a propriedade, não bastou que a função social da propriedade fosse consagrada por diversos normativos jurídicos, pois antes, existiu a luta pela propriedade, e a posse da terra é marcada por lutas inicialmente sangrentas, e com o passar dos tempos a proteção jurídica promoveu o respeito ao instituto da desapropriação dos latifúndios. O Estatuto da Terra de 1964 foi o marco para regulamentar a proteção jurídica em todos os aspectos inerentes a relação do homem com a terra, e fortaleceu o entendimento de que é competência do Estado promover a função social com a melhor distribuição dos imóveis rurais improdutivos, no intuito de possibilitar ao camponês uma vida melhor diante das desigualdades econômicas que o latifúndio provoca, além de proporcionar a exploração e a utilidade da terra.   1 DA PROPRIEDADE 1.1 APONTAMENTO HISTÓRICO Antes que o Brasil fosse habitado pelos portugueses, as terras pertenciam de modo exclusivo aos índios que exploravam suas riquezas de forma rudimentar e dela se sustentavam. Mas com a chegada do colonizador português isso não perdurou, pois em busca das riquezas colonizaram o Brasil, em síntese, escravizaram negros e índios, e Portugal tornou-se a exploradora do país, delimitou as terras e usufruiu de forma abundante das riquezas naturais. A Coroa Portuguesa nas terras brasileiras era considerada a maior potência da época, pois aqui tudo estava sob seu domínio, e para se manter no controle aplicaram as sesmarias, que eram terras delimitadas e abandonadas, cedidas para pessoas que tinham o interesse de povoar e provocar a exploração das terras do Brasil. Esse modelo de distribuição de terras foi a reprodução do que existia em Portugal, onde o rei D. Fernando I, com o objetivo de motivar o desenvolvimento da agricultura no país, estabeleceu a cobrança da sexta parte dos frutos advindos da exploração das terras cedidas. “A maioria dos autores considera que a palavra “sesma” significa a sexta parte de alguma coisa, tal como o foro das terras férteis dadas a requerente por ficarem elas em abandono, representando em geral a sesta parte dos frutos. O verbo “sesmar” exprimia a concessão de terras sujeitas a tal pagamento de foro, daí surgindo a palavra “sesmaria”’. (FERREIRA, 1998, p. 110). Surge assim a primeira forma agrária que existiu, e que no decorrer dos tempos tornou-se costume, de modo que provocou a existência da Lei das Sesmarias aprovada por D. Fernando I, rei de Portugal, em 26 de junho de 1375, embalada pela lei do Império Romano que normatizou a distribuição de terras. O Rei D. João III foi quem trouxe para o Brasil esse modelo agrário, e para consolidar o regime das sesmarias criou as capitanias hereditárias, em que os sesmeiros representavam a figura do rei no tocante a administração dessas terras. Conforme Ferreira (1998, p. 111) as capitanias eram privadas porque estavam sob a responsabilidade dos concessionários, e hereditárias, pois eram passadas para os sucessores legítimos como herança. Foram implantadas no Brasil 15 capitanias, mas prevaleceram apenas, a de Pernambuco que fez existir Igaraçu e Olinda, situadas próximas ao Rio São Francisco, e a São Vicente, em São Paulo representada pelo cultivo de cana-de-açúcar. Somente nestas regiões brasileiras ocorreram genuinamente o povoamento e a exploração da terra com suas divisões conforme era o intuito da Coroa Portuguesa ao implantar as sesmarias. Em Portugal e em outras colônias as sesmarias resultaram na pequena propriedade agricultora, já no Brasil, provocou concentração de grandes quantidades de terras sob o domínio de poucos, resultado provocado pelo sistema feudal. “Cabe mencionar, um traço feudal do sistema, o que levou a um resultado diferente daquele obtido em Portugal. No Brasil tal traço feudal encaminhou para uma estrutura fundiária baseada na grande propriedade rural, contrariando ao que historicamente aconteceu em Portugal, e outras colônias, onde o sistema originou a pequena propriedade agrícola” (FERREIRA, 1998, p. 112). Nesse sentido, é possível observar os primórdios do latifúndio no Brasil, que desde a implantação do sistema das sesmarias provocou o domínio de poucas pessoas sobre grandes extensões de terras, e os povos que vieram para explorar as terras brasileiras, foram submetidos à intensa cobrança da proteção militar que seus “senhores” concediam, e endividados tornavam-se escravos. “O Instituto da sesmaria surgiu em Portugal com a finalidade de aproveitamento de terra incultas por negligência de seus proprietários. No Brasil Colônia, contraditoriamente, ensejou a grande propriedade rural e a monocultura” (GRISCHKOW, 1988, p. 71-2). O direito de propriedade no Brasil iniciou com a Constituição Imperial de 1824, que em seu art. 179, XXII, assegurava a sua plenitude, podendo ser considerada como absoluta, pois o proprietário tinha liberdade quase que sem limitações de dispor dela conforme lhe conviesse. Essa disposição elevou o direito de propriedade ao aspecto individualista, e tal característica permaneceu com a Constituição Republicana de 1891. No entanto, quando se fala de propriedade territorial lembra-se da lei nº 601 de 18 de dezembro de 1850, regulada pelo Decreto nº 1.318 de 30 de janeiro de 1854, que tratou de separar o que se considerava propriedade particular da propriedade pública. Surge a emenda constitucional de 1926 que ao tratar das minas e jazidas de minério em seu art. 72, § 17, b, que limitou a possibilidade de disposição plena da propriedade, quando proibiu a mudança da propriedade que contivesse esses recursos para pessoas estrangeiras. A Constituição de 1934 separou a propriedade do solo em si, da titularidade de domínio dos recursos do subsolo, logo, este não mais pertencia ao proprietário da terra. E mais, delimitou que o interesse social e coletivo não poderia ser inferior ao exercício da propriedade permitido aos brasileiros e estrangeiros. Tais preceitos permaneceram na Constituição de 1937. Ocorreu na sequência, o condicionamento do exercício da propriedade ao bem-estar social e a justa distribuição da propriedade, promovendo a igualdade de oportunidade para todos. Foi a novidade trazida pela Constituição de 1946 quanto ao direito de propriedade. Surge o Estatuto da Terra, lei nº 4.504 de 30 de novembro de 1964 que aflorou a Reforma Agrária e a Política Agrícola. Em suma, tal lei tutela a relação do homem com a terra, com proteção estendida a ambos. De acordo com Borges (1998, p. 13), trata-se de lei fundamental, pois protege o homem por ser parte da relação jurídica e principal usufruidor das vantagens da lei, e tutela a terra, sendo esta o bem mais precioso para todas as gerações. Em 1967 a Constituição, e a Emenda constitucional nº 1 de 1969, promoveram a função social como condição para o exercício da propriedade. No entanto, foi a Constituição de 1988, que de forma categórica elencou o que se entende por cumprimento da função social da propriedade e estabeleceu seus requisitos no art. 186: “Art. 186. A função social da propriedade é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecido em lei, aos seguintes requisitos: I- aproveitamento racional e adequado; II- utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III- exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores”. A Constituição de 1988 que perdura até os dias atuais assegura o direito de propriedade aos nacionais ou estrangeiros, porém, tal segurança não prevalece à luz da Magna Carta se não for cumprida a função social, conforme estabelece o “caput” do art. 5º e seus incisos XXII e XXIII.   1.2 DA PROPRIEDADE EM GERAL A propriedade é um direito real conforme dispõe o artigo 1.225, I, do Código Civil, pois o proprietário tem o poder jurídico quanto ao bem, de forma direta, imediata, exclusiva e oponível contra todos. Para Gonçalves (2012, p. 119) considerando os principais elementos da propriedade que constam no art. 1228 CC, é possível definir o direito de propriedade. Logo, a propriedade não se confunde com a posse, pois esta se conceitua como o exercício que uma pessoa tem sobre uma coisa poderes de conservação, ostensividade e defesa. De acordo com Gonçalves (2012, p. 47) o conceito de posse está implicitamente aparente no art. 1196 do CC por considerar possuidor “todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes da propriedade.” O direito à propriedade é destinado à pessoa jurídica ou física, e seu exercício é pleno e exclusivo como regra do art. 1.231 do Código Civil. Tal norma não permite que esse direito seja exercido a bel prazer, pois a plenitude e a exclusividade da propriedade se esbarram nos limites legais, prevalecendo estes. A propriedade é plena quando se reúnem em uma só pessoa os poderes de “usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer a possua ou detenha”, conforme o art. 1.228 do Código Civil. Mas será considerada limitada se um ou alguns desses poderes for exercido por outra pessoa. Os elementos que caracterizam o domínio são: – Usar: quando o proprietário destina ou não o bem para o seu devido fim, ou aproveita ele conforme lhe convier, desde que respeitados os limites legais; – Gozar/ fruir: possibilidade que o proprietário tem para conseguir com o bem vantagens econômicas, aproveitando dos seus benefícios; – Dispor: a faculdade de transferir a propriedade da coisa, gravá-la de ônus, vendê-la para outrem ou modificá-la, conforme dispor a lei. No entanto, aqui não se permite, hipoteticamente, destruir o bem, caso essa atitude não seja à favor da sociedade, pois deve-se observar o bem-estar social assegurado pela Constituição Federal; – Direito de reivindicar: pode o proprietário buscar ter novamente para si a coisa que foi possuída ou detida por terceiro em qualquer lugar que ela esteja, desde que seja esta situação injusta. Nesse sentido, a propriedade tem como característica a perpetuidade, pois até que ocorra uma causa, ela continuará a existir, sendo também considerada um direito fundamental, pois é a base para todos os outros direitos reais. É a propriedade que justifica a existência deles. Outro caráter da propriedade é a possibilidade de ser plena, limitada e voltar a ser plena novamente, conforme vontade do proprietário nos limites legais. Os objetos da propriedade são os bens corpóreos e os incorpóreos, estes são os bens criados pelo intelecto humano, sendo propriedade a científica, artística ou literária, já os bens corpóreos são os materiais ou imateriais que no mundo físico ocupa espaço e é possível individualizá-los, e que o acessório, via de regra, o acompanha.   1.3 DAS MODALIDADES DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE As modalidades de aquisição da propriedade ocorrem conforme o caso concreto de acordo com o tempo, a presença da exploração e o modo como o interessado se vinculou com a coisa. A Usucapião é a modalidade de aquisição da propriedade delimitado pelo decurso do tempo e pela posse que demonstre o “animus domini”, ou seja, a intenção de ser dono da coisa, e que ocorra de forma mansa, pacífica e de boa-fé. Deve a posse ser mansa e pacífica, pois o proprietário da coisa não pode contestar a intenção de dono daquele que a ocupa, até que se conclua o prazo para a caracterização da usucapião, pois se ocorrer a manifestação do proprietário antes que se complete o tempo necessário para a usucapião, esta não se configurará. É necessário que exista a continuidade, ou seja, não pode ter intervalo de tempo. Neste caso é possível que ocorra a soma da posse dos antecessores conforme estabelece o art. 1.243 do Código Civil. A usucapião pode ser extraordinária, disposta no art. 1.238 do Código Civil, que segundo GONÇALVES (2012, p.250), é a posse de quinze anos, podendo ser reduzida para dez, caso verifique que o possuidor estabeleceu moradia e explora economicamente a propriedade, tirando dela seu sustento. Ocorre a usucapião ordinária quando exercida em dez anos de forma, mansa, pacífica, e de boa-fé. Já a aquisição por acessão ocorre quando uma coisa adere ou se une à propriedade, tornando-se parte desta. Segundo GONÇALVES (2012, p. 300) são necessários dois requisitos: a) a junção de duas coisas, que antes eram individuais; e b) o caráter acessório de uma das coisas em relação a outra. A aquisição por registro do título da propriedade imóvel não ocorre somente com o término do contrato, mas é necessário ocorrer o lançamento do novo proprietário no título translativo no Registro de Imóveis. O art. 1.245, § 1º do Código Civil diz que permanecerá o alienante como dono do imóvel, caso não ocorra o registro translativo. Essa é uma modalidade em que há a presença do Estado representado pelo Cartório de Registro de Imóveis. Se o contrato é perfeito, somente neste momento da transferência em documento é possível observá-lo.   2 DESAPROPRIAÇÃO DE IMÓVEIS RURAIS 2.1 CONCEITO E LINHAS GERAIS A desapropriação é um instituto jurídico que provoca entre os doutrinadores diversos entendimentos quanto a sua conceituação. No entanto, prevalece incomum diante das variações das conceituações, que a desapropriação é a transferência do bem de um particular para o Poder Público ou com a intervenção deste para outros particulares com o objetivo de alcançar necessidade social ou a função social, em que previamente indeniza-se o expropriado conforme o que se considera justo. “A desapropriação é um ato de direito público mediante o qual a administração, com base na necessidade pública, na utilidade pública ou no interesse social, desvincula um bem de seu legítimo proprietário para transferir sua propriedade a um ente estatal ou a particulares, com prévia e justa indenização” (FERREIRA, 1998, p 185). “Desapropriação é o ato, em virtude do qual o Poder Público mediante prévia indenização e no interesse da coletividade, retira do patrimônio particular de alguma pessoa natural, ou jurídica certo bem para ser aplicado em obra reconhecida como útil ou necessária a coletividade” (BEVILAQUA, 2003, p 219). “Em verdade, analisando-se os conceitos básicos dados ao instituto da desapropriação, extraiu-se a inarredável conclusão de que ela não passa de uma transferência forçada da propriedade do particular para o Poder Público, tendo por recompensa o direito à indenização, para atender a interesse de uma comunidade, que se sobrepõe ao interesse individual” (MARQUES, 2015, p 140). A desapropriação é uma forma de expressar a concordância do Estado com o direito de propriedade, pois esse instituto desde o seu surgimento somente se realiza quando seu escopo de alcançar as grandes extensões de terras improdutivas ou indubitável necessidade pública. O respeito ao direito de propriedade é a regra do ordenamento jurídico brasileiro, e a desapropriação a exceção. Visto que, o Poder Público intervém para melhor dividir a terra, de modo que provoque a produtividade da mesma para que reflita de modo positivo na economia do país, além da busca pela plenitude do bem-estar do homem na ocupação da propriedade. “Este instituto vislumbra a garantia do significado econômico do imóvel, não sendo o foco principal manter integra a coisa em si” (PAULO TORMINN BORGES, 1998). A desapropriação no Brasil tem influência do direito de Portugal e tal instituto é o pressuposto para a realização da Reforma Agrária, e aquela está intrínseca a esta. “Em 1821 o príncipe regente D. Pedro normatizou defendendo que não se poderia tirar alguma coisa de alguém sem antecipada indenização. Na sequência a Constituição Imperial de 1824 traz em seu art. 179, nº 22 que “… Se o bem público, legalmente verificado, exigir o uso e emprego da propriedade do cidadão, será ele previamente indenizado pelo valor dela. […]”. (MARQUES, 2015). Existentes outras Constituições, a de 1934 foi a que provocou significativa mudança ao tratar da função social da propriedade como fato existente limitador do direito de propriedade, além de albergar que a indenização deveria ser prévia conforme preceitos constitucionais anteriores, e inovou ao acrescentar na Magna Carta a indenização justa. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública surgiu em 1826 descrita em lei como requisito de transferência do imóvel improdutivo do expropriado para o Estado, mas a existência da função social como forma de expropriação caso não respeitada surgiu com a inovadora Constituição de 1946, que trouxe ainda a divisão igualitária das terras para todos, o exercício da propriedade inerente ao bem comum, e a indenização prévia, justa e em dinheiro. O fato da Constituição de 1946 revolucionar quando trouxe em seu bojo a função social evidenciou inteligência impar do constituinte, visto que, foi a partir de sua existência e seus fins que surgiu a desapropriação com o escopo de Reforma Agrária, além de ser a motivadora da defesa dos interesses coletivo e econômico do país. “Realmente, uma reflexão sobre essa nova modalidade de desapropriação conduzirá o observador à compreensão induvidosa de que ela difere, em essência, forma e objetivos, das demais espécies até então conhecidas, porque satisfaz aos pressupostos da ordem econômica e social de que aquela Carta foi apanágio. E, para o objeto desse estudo, essa modalidade de desapropriação ganha contornos de extraordinária relevância, posto que foram os seus princípios que nortearam as regras, ainda vigentes, da expropriação para fins de reforma agrária” (MARQUES, 2015, p 138). Dentre as diversas mudanças constitucionais e legais, a Constituição de 1988, em seu art. 184 “caput” consagrou a desapropriação de imóveis que não cumpram a função social através de prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária. A desapropriação não tem o enfoque de prejudicar o expropriado, por isso, o constituinte viu a necessidade em acrescer a indenização justa, o que prevalece até os dias atuais, dentre outros o intuito é beneficiar a coletividade e instigar a economia agrícola, conforme observa o art. 18 do Estatuto da Terra de 1964: “Art. 18. À desapropriação por interesse social tem por fim: A indenização será paga através de títulos da dívida agrária que poderão ser resgatados em até vinte anos segundo a Constituição, tal prazo conta-se dois anos após a emissão dos títulos, pois se trata de imóvel improdutivo, ou seja, que não estava sendo ocupado, logo se entende que o tempo para receber os títulos não deve ser imediato. No entanto, o constituinte buscou um equilíbrio nos preceitos constitucionais, pois se para pagamento da indenização de imóvel improdutivo estabeleceu-se até vinte anos para os títulos serem resgatados, serão indenizadas em dinheiro as benfeitorias úteis e necessárias, conforme o § 1º do art. 184 a Magna Carta. A desapropriação é um ato privativo da União conforme estabelece o art. 184 da Constituição Federal, por isso, se entende que por ser o exercício da função social o pressuposto para se expropriar um imóvel de alguém se entende que essa ação do Poder Público é algo compulsório, pois independe da anuência do expropriado, basta que a função social não seja cumprida, prevalecendo o bem estar comum sobre o bem estar particular. “Em verdade, analisando-se os conceitos dados ao instituto da desapropriação, excluiu-se a inarredável conclusão de que ela não passa de uma transferência forçada da propriedade, do particular para o Poder Público, tendo por recompensa o direito à indenização, para atender o interesse de uma comunidade, que se sobrepõe ao interesse individual. Qualquer que seja seu conceito, há que sempre estabelecer caráter forçado de impositivo do ato, gerando uma situação de debilidade de quem perde a coisa ou o direito, em face daquele que os adquire, que é o Poder Público, em nome de interesses maiores sobre os interesses individuais […]” (MARQUES, 2015, p 140). A competência de desapropriar imóveis que não cumprem a função social é privativa da União, portanto, os Estados, Municípios e o Distrito Federal não tem essa autonomia. “[…] Há a competência privativa da União para desapropriar por interesse social e com o fim de reforma agrária. Assim sendo, os Estados e os Municípios não podem usufruir de tal atribuição para os seus intentos reformistas agrários, nem mesmo por interesse social e mediante pagamento prévio e justo da indenização em dinheiro” (FERREIRA, 1998, p 192). O Estatuto da Terra acrescenta na competência da União para desapropriação de imóveis rurais para fins de reforma agrária os do Distrito Federal em seu art. 22, parágrafo único: “A União poderá desapropriar, por interesse social, bens do domínio dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios, precedido o ato, em qualquer caso, de autorização legislativa.” As propriedades que não serão desapropriadas para o fim de reforma agrária são as descritas no art. 185 da Magna Carta de 1988, sendo a pequena e média propriedade devendo ser bem imóvel único de seu proprietário, e a propriedade que produz, cumprindo os critérios da função social.   2.2 REQUISITOS Atualmente firmados os requisitos necessários para a desapropriação de imóveis rurais é possível observá-los no art. 5º, inciso XXIV da Constituição Federal, quais sejam, a expropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social. 2.2.1 Necessidade ou Utilidade Pública Esses dois institutos nos dias atuais não são conceituados ou aplicados separadamente, pois com o advento da lei nº 3.365 de 1941 que tem o enfoque de normatizar a desapropriação por utilidade pública, ocorreu a unificação, visto que ambos estão intrinsecamente concatenados. É clarividente a intenção do legislador em não fazer separação na aplicação dos requisitos da necessidade ou utilidade pública, pois o “caput” do art. 5º diz “Consideram-se casos de utilidade pública: […]”, e na sequência encontra-se as alíneas sem qualquer separação, o que evidência a intenção de não albergar diferença entre necessidade ou utilidade pública. Segundo MARQUES (2015, p 138) o Decreto lei nº 3.365 de 1941 ampliou a legislação civil no que se refere aos casos de desapropriação por necessidade púbica, pois foram abrangidos pelas hipóteses de expropriação por utilidade pública. Conforme a unicidade de que trata a lei de utilidade pública, esta ocorrerá com a sua declaração por decreto do Presidente da República, Governador, Interventor ou Prefeito, pois esta desapropriação poderá ser feita pela União, Estados, Distrito Federal e Territórios, que na sequência terá a liberdade de realizar um ou mais casos de utilidade pública descritos no rol do art. 5º lei nº 3.365 de 1941. Conforme o § 6º do art. 5º, caso verifique que a expropriação foi inviável ou houve a perda do interesse público para manter a destinação do bem prevista no decreto, por ordem de preferência, o expropriante deverá, destinar a área não utilizada, para outro fim público, ou alienar o imóvel para qualquer pessoa que tenha interesse, conforme previsão em lei, observada a ordem de preferência da pessoa física ou jurídica expropriada. 2.2.2 A Desapropriação por Interesse Social A importância do interesse social surgiu com a Constituição de 1934 que no item 17 do art. 113 assegurou o direito de propriedade, mas evidenciou que o interesse social prevalecia quanto aquele, sendo este considerado pelo constituinte como fato limitador do direito de propriedade. Nesse contexto, se faziam presentes a necessidade e utilidade pública, sendo ambas situações diversas, mas até então as únicas capazes de provocar a desapropriação de imóveis rurais para o cumprimento dos seus fins. No entanto, somente na Constituição de 1946 é que o interesse social foi considerado motivo para a desapropriação de imóveis rurais. Essa causa de desapropriação não se compara às outras que existiam, pois, o interesse social trouxe em seu bojo os escopos econômicos e sociais. Segundo MARQUES (2015, p 138) esse motivo de desapropriação tem importância impar, pois os princípios do interesse social foram os direcionadores dos preceitos que promoveram a desapropriação para fins de Reforma Agrária. “Cumpre registrar que a aplaudida novidade constitucional custou a ser regulamentada. Quase 16 anos se passaram, até que, a 10 de setembro de 1962, foi editada a Lei nº 4.132, definindo os casos em que a desapropriação por interesse social se aplicava. Mas, apesar de definir os casos, estes não se mostraram suficientes para atender os reclamos reformistas que já dominavam o país, desde o início da década de 1960, notadamente a Reforma Agrária, uma das principais bandeiras das lutas” (MARQUES, p 138). No entanto, a busca pela consolidação da Reforma Agrária no ordenamento jurídico brasileiro não se limitou aos empecilhos, persistindo avante, e então, em 1964 o Movimento Militar auxiliou no progresso desse instituto. A luta pela expropriação de terras era questão latente, e a cada ano se afunilava mais a necessidade do Estado enxergar e cooperar de forma técnica para tutelar a Reformar Agrária, bem como as pessoas envolvidas nessas lutas e instituir preceitos jurídicos definitivamente norteadores para o fim almejado desse instituto. Motivada pelo Movimento Militar, surge em 1964 a Emenda Constitucional nº 10, que acrescentou na Constituição vigente a nova causa de desapropriação, a modalidade considerada mais relevante, qual seja, o interesse social para fins de Reforma Agrária. E tal inovação mostrou-se firme diante da passagem dos tempos, tanto que alcançou a Constituição de 1988, especificamente no Título VII Da Ordem Econômica e Financeira, Capítulo III Da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária, que no art. 184 diz, “Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, […].” A busca pela desapropriação de imóveis rurais para fins de Reforma Agrária motivado por interesse social tem a intenção de solucionar os problemas sociais existentes, que por sua vez, estão presentes nas classes desprovidas de recursos econômicos que representam a maior parte da sociedade. Expropriar quando não está presente o cumprimento da função social na propriedade é uma das maneiras que o Estado tem para dirimir a desigualdade social com a melhor distribuição e aproveitamento das terras, o que promove a economia e permite melhores condições de vida para aqueles que, através da luta pela Reforma Agrária buscam desfazer latifúndios e explorar terras. “Diante disso, podemos afirmar que a nossa Carta Magna atual assegura, entre os direitos fundamentais, a propriedade como um direito subjetivo, que não poderá, no entanto, ser exercido de forma absoluta, violentando o interesse da sociedade, porque deverá ser compatibilizado à sua função social, conforme prevê o inc. XXIII, art. 5º da Carta Magna atual, e, nos princípios de ordem econômica, trata especificamente da propriedade dos bens de produção, a qual, pela finalidade social que lhe é inerente, além de se submeter ao princípio da função social assegurado como direito fundamental, deverá ser submetida ao princípio econômico que propõe assegurar a todos assistência digna conforme os ditames da justiça social. […] Concluindo, a propriedade é um direito, mas não pode mais ser considerada como puro direito de usar, gozar e dispor egoisticamente, mas deve ser exercida de modo a satisfazer a sua destinação socioeconômica, sendo, sim, um direito que deve atender a sua função social. Logo, não merece proteção aquela propriedade que não cumpre a sua função social, ou seja, de acordo com a Carta Magna em vigor não há garantia constitucional à propriedade que descumpre sua função social” (Strozake, p 114). A função social da propriedade, a redução das desigualdades regionais e sociais, e a busca pelo pleno emprego, são três dos demais princípios que regem a ordem econômica do Brasil, conforme art. 170 da Magna Carta de 1988. Tais princípios impulsionam a desapropriação por interesse social, que busca proteger e beneficiar de forma igualitária a massa, visto que a ordem econômica, conforme o “caput” do citado art. 170 tem por fundamento reconhecer o trabalho humano, e o escopo de assegurar a dignidade de todos de acordo com a justiça social. Esta justiça social se cumpre quando a tutela do Estado visa alcançar os economicamente vulneráveis, aplicando os princípios necessários para o tratamento compatível com o grau de desvalorização que essa parte da sociedade sofre, sem prejudicar aquele que se encontra do lado oposto. A concentração de grandes quantidades de terras nas mãos daqueles que não realizam o aproveitamento racional e adequado, torna-se inviável, pois se contrapõe aos requisitos da função social descrita no art. 186 da Constituição Federal. Assim a propriedade deve ser voltada a atingir os interesses coletivos, pois estes se sobressaem quanto ao interesse individual, visto que, a propriedade está de forma intrínseca ligada ao bem comum, sendo de suma importância para o desenvolvimento da sociedade, e amarrotada à função social.   2.3 PROCEDIMENTOS PARA DESAPROPRIAÇÃO DE IMÓVEIS RURAIS A desapropriação de imóvel rural para fins de reforma agrária é um dos outros motivos expropriatórios como sanção por ausência da não realização da função social da propriedade. Conforme MARIA SYVIA ZANELA DI PIETRO (p 165, 2011) o procedimento de desapropriação é dividido em duas fases, a declaratória e a executória, nesta inclui-se a fase administrativa e a judicial. A fase declaratória é assim denominada, pois refere-se a declaração do Poder Público do interesse social como motivo de desapropriação. Após isso, a União por intermédio do órgão competente terá a autorização para adentrar no imóvel para os devidos levantamentos da área, com o enfoque de realizar a vistoria e avaliação do imóvel, e se necessário através de força policial, conforme menciona o § 2º do art. 2º da Lei Complementar nº 76 de 6 de julho de 1993 que estabelece o procedimento para a desapropriação para fins de reforma agrária. Na fase executória administrativa, ocorrerá apenas quando existir possibilidade de acordo entre as partes quanto a indenização devida. Caso não aconteça o acordo referente a indenização, imediatamente o Poder Público segue o pleito de desapropriação no âmbito judicial. Nesta fase, o mérito do processo será a discussão no que tange ao preço do imóvel ou vício no processo. Se no inicio do processo as partes concordarem com o preço, é necessário que primeiro ocorra o pagamento ou a consignação, para que a decisão judicial que terá fins homologatórios tenha valor como título para transcrição no Registro de imóveis, o mesmo procedimento de indenização para caracterizar a desapropriação quanto a sentença judicial no fim do processo, conforme art. 29 do Decreto-lei nº 3.365/41. A sentença que delimitar o valor da indenização só será titulo para transcrição no Registro de Imóveis após o pagamento da indenização, pois firma-se o preceito constitucional descrito no art. 184 da Magna Carta no que se refere à indenização prévia e justa. O proprietário pode contestar a ação de desapropriação em caso de desapropriação parcial do imóvel, pode o mesmo requerer a expropriação de todo o bem se o proprietário verificar que a parte que lhe tocar com a desapropriação parcial for imprópria se utilizada separadamente. Nos imóveis que sofreram ação de desapropriação não cabe por força de lei ação reivindicatória, conforme art. 21 da lei complementar nº 76 de 1993.   2.4 DA POLÍTICA AGRÍCOLA A política agrícola é o método que visa direcionar o trabalho na terra a fim de promover a economia, fazer existir o vínculo entre o explorador da terra com o desenvolvimento industrial e zela pelo pleno emprego, ou seja, cuida do bem-estar social. O § 2º do art. 1º do Estatuto da Terra 4.504 de 1964 conceitua a política agrícola: “§ 2º Entende-se por Política Agrícola o conjunto de providências de amparo à propriedade da terra, que se destinem a orientar, no interesse da economia rural, as atividades agropecuárias, seja no sentido de garantir-lhes o pleno emprego, seja no de harmonizá-las com o processo de industrialização do país”. Logo, vislumbra-se que o Estado ao promover o acesso à terra, através do fracionamento me pequenas de latifúndios por intermédio da desapropriação para fins de reforma agrária, tem com isso, a responsabilidade de auxiliar o parceleiro na exploração do imóvel, pois a ocupação de imóveis rurais ocorre pela massa da sociedade, pelos menos favorecidos de condições econômicas. A política agrícola é o incentivo para que ocorra o cultivo da terra, e por consequência o desenvolvimento econômico, e a melhor utilização da terra desapropriada.   2.5 MEIOS DE DEFESA DA PROPRIEDADE Os meios de defesa da propriedade tratam-se de ações judiciais com esse intuito, pois tais meios regulamentados judicialmente visam impedir a proteção da propriedade pela utilização arbitrária das “próprias razões”. A ação negatória tem o intuito de que o proprietário proteja seu imóvel sempre que verificar a ocorrência de qualquer ato atentatório à sua liberdade de uso, gozo ou fruição. Distingue-se da ação reivindicatória, pois esta visa a restituição da posse até então perdida pela ocupação do imóvel por outrem. Com o objetivo de prevenir possível e visível dano a sua propriedade pela presença de outro imóvel, o proprietário pode intentar a ação de dano infecto, conforme dispõe o art. 1.280 do Código Civil.   2.6 DA PERDA DA PROPRIEDADE Inicialmente, cabe esclarecer que no caso de propriedade imóvel a perda da propriedade ocorre efetivamente após o registro do título transmissivo no Registro de Imóveis, conforme o art. 1.275, parágrafo único do Código Civil. Há como perda da propriedade da alienação em que através de negócio jurídico o proprietário transfere a propriedade do imóvel para outrem, seja através de contrato oneroso, por exemplo, compra e venda, ou gratuito como é o caso da doação. A perda da propriedade por renúncia é ato unilateral do proprietário da coisa que deve fazê-lo através de escritura pública caso o imóvel tenha valor superior a trinta vezes o valor do salário mínimo vigente no país, conforme o art. 108 do Código Civil. O abandono é outra forma de perda da propriedade e se caracteriza quando o proprietário demonstra o desinteresse de não ter mais a coisa para si. Torna-se durante três anos após a última arrecadação como coisa de ninguém, e caso não ocorra ocupação por terceiro interessado o bem acrescerá ao patrimônio do Município ou Distrito Federal, conforme dispositivo do art. 1.276 do Código Civil. A perda por perecimento ocorre quando, devido a caso fortuito ou força maior não há como delimitar a propriedade de alguém. Outro modo de perda de propriedade é a desapropriação, que se caracteriza quando é provocada por interesse ou utilidade pública e função social. Neste caso há a intervenção do Poder Público com o intuito de provocar o exercício destes motivos quando verificada a necessidade pública ou não cumprimento da função social.   3 A REFORFMA AGRÁRIA 3.1 LINHAS GERAIS A maneira de distribuição das terras no Brasil advém do sistema das sesmarias no período colonial, e também como resquícios do feudalismo, pois ambos os momentos ocasionaram o latifúndio, e a discrepância social se estabeleceu, onde poucos possuíam enormes extensões de terras e os camponeses, a grande maioria, pouco ou nada usufruíam da exploração rural. Surge nesse contexto a Reforma Agrária. A etimologia reforma vem das palavras re e formare que significa mudar a estrutura anterior, refazer, corrigir, melhorar, transformar. O escopo é o reajustamento das normas jurídicas e sociais, econômicas e financeiras que regulam o sistema agrário do Brasil, com a intenção de imputar o valor devido ao trabalhador do campo, oportunizando-lhe a possibilidade de agregar na produção do país. Além de realizar a distribuição, utilização e exploração de forma racional em prol ao social da propriedade rural, e indubitavelmente possibilitar o incremento das condições de vida da população agrícola. O Estatuto da Terra de 1964 em seu artigo 1º, § 1º conceitua Reforma Agrária: “Considera-se Reforma Agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade”. Esse conceito remete não só a melhor distribuição da terra, mas também a preservação dos princípios da justiça social e do aumento da produtividade, com o intuito de democratizar o acesso à terra. A luta pela reforma agrária significa a busca pela libertação nacional, e reprime a separação entre os privilegiados, donos de enormes extensões improdutivas de terras, e os campesinos, humildes, esquecidos pelo Estado. “A reforma agrária não significa evidentemente a fragmentação ou pulverização dos imóveis rurais para a distribuição à massa campesina. Sua finalidade é mais ampla e eficaz, para efeito de aumentar a produtividade mediante o aproveitamento racional do solo, permitir a recuperação econômica e sociocultural da região, cuidar para que se cumpra a função social da terra, bem como proporcionar meios ao engrandecimento do homem, para que alcance o status de uma verdadeira cidadania. É essa a razão pela qual a política de reforma agrária subtrai um núcleo intangível de imóvel rural, escapando a pretensões reformistas” (FERREIRA, p. 209). Com o advento da reforma agrária, tornou-se evidente o combate ao latifúndio, e denota-se que a função social da terra é valorizar a produção agrícola, e assim alimentar a nação humana, além de buscar o elevado reconhecimento da exploração da terra como parte de fundamental importância para a economia do país. Vislumbra-se com a reforma agrária um meio eficaz para desburocratizar o acesso a terra, e minimizar as desigualdades sócio-econômicas, pois a melhor distribuição da terra, realizando a justiça social, pois ao possibilitar que pessoas explorem terras, até então inúteis quando na posse de “grandes” fazendeiros, permite às suas famílias melhores condições de vida, pois oportuniza a exploração para o fim econômico. A possibilidade de dar ao homem o meio de exploração para conquistar seu próprio sustento, e não mais apenas fornecer métodos que o impede de se desenvolver no país capitalista em que estamos, é a forma que deve ser incentivada pelo Estado, pois este não está para sustentar as pessoas, mas possibilitar a elas o meio de contribuir para o desenvolvimento próprio, e consequentemente, da nação onde vive.   CONCLUSÃO O desenvolvimento de um país depende, principalmente das formas de incentivo do Estado, que deve preservar o bem comum em detrimento de vontades individuais e de pequenos grupos. A desapropriação de imóveis rurais para fins de cumprimento da função social com o escopo de promover a reforma agrária possibilita o desenvolvimento social, e a diminuição da pobreza, pois coloca do homem na condição de explorar a terra, e mitiga a concentração de latifúndios sob a propriedade de poucos. Os incentivos a políticas públicas que dispõe as pessoas os seus sustentos prontos, não é o objetivo da reforma agrária, que visa colocar o camponês na situação de explorador, parte do desenvolvimento econômico da nação. Distribuir terras improdutivas de forma a erradicar os latifúndios e oportunizar melhor qualidade de vida para aquele que deseja explorá-la, demonstra uma política social eficiente, pois a grande massa, atualmente vive na linha da pobreza, da miséria, e são “tratados” pelo governo. O Estado não pode ser negligente quanto aos cuidados com a sociedade, mas, por outro lado, cada indivíduo deve contribuir para a melhoria do lugar onde vive, e cabe ao Estado incentivar o desenvolvimento de cada pessoa é capaz de realizar no meio social. A desapropriação de imóveis rurais para o cumprimento da função social é a plena característica de iniciativa governamental, que permitirá a cada um que explorar a terra, através disso, a continuidade de seu sustento e de sua família, e de modo abrangente, a melhoria na qualidade de vida, contribuirá para melhorar os índices de educação, saúde, desenvolvimento sociocultural, dentre outros. O contato do homem com a terra, de modo geral, é a oportunidade de vislumbrar com eficiência a transformação do meio social. Isso é perceptível na qualidade de vida dos agricultores familiares, que exploram pequenas terras, mas estão inseridos como parte do crescimento da nação, desde sua presença no mercado de venda e consumo.
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Lei de Responsabilidade Fiscal e o Dever de Observância ao Princípio da Transparência
O presente artigo analisa particularidades da Lei A Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000, a Lei Responsabilidade Fiscal, notadamente sob o prisma da transparência, uma vez que é através deste princípio que é estabelecido o elo entre a população e a gestão dos recursos. Primeiro busca-se analisar a base da Lei de Responsabilidade Fiscal, demonstrando os aspectos que a embasam. Posteriormente parte-se para a apresentação dos objetivos centrais da LRF. Por fim, faz-se um apanhado geral acerca da obrigação da transparência trazida pela LRF, demonstrando que ao cidadão é imprescindível o acesso e a compreensão das informações que lhes serão disponibilizadas, pois, somente assim, serão atingidos os objetivos maiores da Lei, quais sejam, o controle, a fiscalização e a transparência da gestão fiscal.
Direito Administrativo
Introdução             A Lei de Responsabilidade Fiscal, nome dado a Lei Complementar nº 101 de 2000, é firmada em quatro princípios: o planejamento, o controle, a responsabilidade e a transparência. A mencionada Lei tem por intuito reparar a Administração Pública, em todos os entes federados, assim como estabelecer limitações aos gastos, utilizando-se de meios de planejamento governamental, de organização, transparência e controles interno e externo. Da simples leitura do texto legal depreende-se que o objetivo é manter o equilíbrio fiscal, o qual seria atingido através de ações voltadas à contenção de despesas e estabelecimento de limites para gastos com pessoal e endividamento. A Constituição Federal apresenta os princípios da Administração Pública, a serem observados em todas as esferas, dentre os quais figura a publicidade. Tal princípio foi reproduzido na Lei de Responsabilidade Fiscal, sendo apresentado através da realização de audiência públicas no processo de criação e execução dos planos, participação popular, da lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos. A metodologia empregada pautou-se fundamentalmente em bases bibliográficas, quanto à abordagem, em conformidade com o método dedutivo, uma vez que foi possível encontrar um ponto de consenso entre os aspectos principais do tema, tomando-se por base as discussões doutrinárias. A pesquisa tem início com uma abordagem sobre os alicerces da Lei de Responsabilidade Fiscal. Posteriormente faz-se uma abordagem acerca dos objetivos da LRF. Por fim, apresenta-se o elo entre a transparência e a LRF.   1 Sustentáculos Da Lei De Responsabilidade Fiscal (LRF) A Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000, a Lei Responsabilidade Fiscal (LRF) pauta-se em quatro pilares, a saber, planejamento, controle e responsabilidade e transparência. No que tange ao planejamento, a Constituição de 1988 possibilitou a junção dos processos de planejamento e orçamento através dos mecanismos formulados para esta finalidade, quais sejam, o plano plurianual (PPA), diretrizes orçamentárias e orçamentos anuais, cuja disposição no texto constitucional encontra-se nos arts. 165, I, II, III. Neste ínterim, a Lei de Responsabilidade Fiscal busca propiciar as condições necessárias ao alcance das metas primeiras da gestão por meio da programação da execução orçamentária. O Controle, por sua vez, nos termos do art. 67  da LRF, está ligado ao acompanhamento e a avaliação, de forma permanente, da política e da operacionalidade da gestão fiscal serão realizados por conselho de gestão fiscal, constituído por representantes de todos os Poderes e esferas de Governo, do Ministério Público e de entidades técnicas representativas da sociedade […]. O parágrafo acima se relaciona mais diretamente com o Controle Interno. Já o controle externo é exercido pelo Poder Legislativo, com o auxílio dos respectivos Tribunais de Contas. Os sistemas de controle deverão ter o condão de tornar concreta e exequível a determinação da lei, exercendo a fiscalização das atividades administrativas para que se garanta a similitude com as normas mais novas. Para tanto, a fiscalização deverá ser realizada com rigor como ato contínuo. A responsabilidade, por seu turno, impõe ao gestor sanções em caso de descumprimento das regras fixadas pela LRF. Aos possíveis infratores serão punidos com base nas disposições trazidas no art. 73 da LRF, quais sejam, o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); a Lei no 1.079, de 10 de abril de 1950; o Decreto-Lei no 201, de 27 de fevereiro de 1967; a Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992; e demais normas da legislação pertinente. A punição é estendida igualmente aos órgãos da administração pública que não observarem as disposições constantes da LRF. Aqueles poderão ser alvo de suspensão de transferências voluntárias, das garantias e da contratação de operações de crédito. Por fim, a Transparência deverá ser garantida por meio da participação da sociedade nos processos de elaboração e execução dos planos. Nos termos da Lei de Responsabilidade Fiscal, os atos e fatos relacionados à arrecadação de receitas e efetuação de despesas pelo poder público, desde que não sejam acobertados por segredo de Estado. A disponibilidade das contas dos administradores durante todo o exercício é um dos mecanismos adequados à garantia da transparência, cuja disposição legal é trazida no art. 49 da LRF. No mesmo artigo encontra-se a emissão de relatórios periódicos de gestão fiscal e de execução orçamentária, bem como o acesso público e a ampla divulgação. Ademais, importa ressaltar que as informações devem ser fornecidas de modo que seja inteligível a todo aquele que dela queira se utilizar.   2 Objetivos da Lei de Responsabilidade Fiscal A Lei de Responsabilidade Fiscal, no entendimento de Castro (2000), é efetuar reparos na Administração Pública, em todas as searas dos entes federados, assim como de estabelecer limite aos gastos, para que tenham conformidade com as receitas. Para tanto, a LRF utiliza-se de meios de planejamento governamental, de organização, transparência e  controles interno externo. O texto legal permite deduzir que seu principal objetivo é o equilíbrio fiscal, o qual seria fruto de restrições implementadas contra o crescimento das despesas e pelo estabelecimento de limites para gastos com pessoal e endividamento. O art. 1º §1º da LRF prescreve que: A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar. Por “ação planejada” têm-se as ações orientadas ao cumprimento de um programa previamente determinado, o qual comporta passos a serem seguidos. Tais ações estão previstas em dispositivos da LRF, tais como inovações na lei de diretrizes orçamentárias e leis orçamentárias anuais (arts. 4º e 5º) e programação financeira (art. 8º). A “prevenção de riscos e correção de desvios que afetem o equilíbrio das contas públicas” está intimamente ligada à supervisão, através dos controles interna e externo, de projetos, atividades ou ações dos gestores públicos. A “garantia de equilíbrio nas contas públicas” está relacionada à efetivação das metas alusivas a receitas e despesas. A título de exemplo desse princípio tem-se o equilíbrio entre receitas e despesas e metas de superávit primário (art. 4º, I, a); regras relativas a renúncias de receitas (art. 14, I), aumento de despesas (arts. 16 e 17) e sistemas previdenciários dos entes da Federação (art. 69). A Lei de Responsabilidade Fiscal ratificou os instrumentos já presentes na Constituição Federal. Tal fato demonstra a importância do planejamento e execução nas atividades da Administração Pública.   3 A Transparência como Princípio da Lei de Responsabilidade Fiscal A Constituição Federal de 1988 é caracterizada por conter em seu corpo um rol de princípios a serem observados pela Administração Pública. Tais princípios têm por intuito garantir aos cidadãos a concretização de seus direitos mais fundamentais. Ao Estado, estes princípios se relacionam à obrigatoriedade de agir com transparência. O princípio da transparência é mencionado na Constituição Federal em seu art. 5º, mais precisamente os incisos XXXIII, XXXIV e LXXII, os quais trazem, dentre outras determinações, a garantia do cidadão de captar informações de seu interesse, ou mesmo de interesse coletivo, as quais constem em bancos de dados públicos. No que tange à LRF e o princípio da transparência, Maren Guimarães Taborda leciona que: (…) a Lei Complementar nº 101/00, que dispõe sobre a Responsabilidade Fiscal, também realiza, direta ou indiretamente, o princípio da transparência administrativa, porquanto obriga os administradores públicos não só a emitirem declarações de responsabilidade como também a permitirem o acesso público a essas informações. Outrossim, a Lei de Responsabilidade Fiscal faz referência direta ao princípio da transparência em seu capítulo IX, no qual apresenta, em conjunto, a transparência, o controle e a fiscalização, determinando o regramento e os procedimentos relativos a elaboração e difusão de relatórios e demonstrativos de finanças públicas, fiscalização e controle, de modo que seja possível ao cidadão julgar, por meio dos dados disponibilizados, se a Administração Pública agiu em conformidade com os ditames legais, sobretudo com relação as disposições constantes na Lei de Reponsabilidade Fiscal. A participação popular, a realização de audiências públicas no processo de criação e execução dos planos, da lei de diretrizes orçamentárias e dos orçamentos são formas de transparência trazidas pela LRF. Um exemplo claro desse incentivo é a figura do orçamento participativo, no qual os cidadãos são convocados a opinar acerca das maneiras mais efetivas de aplicação dos recursos públicos. Tal instituto tem por base as determinações contidas no inciso XII, do art. 29, da Constituição Federal. O art. 48 da LRF institui a ampla divulgação, nos mais diversos meios de comunicação, de relatórios que tratem das receitas e despesas, sendo possível também verificarem a autenticidade das informações fornecidas e sua proveniência. A Lei de Responsabilidade Fiscal reputa os planos, orçamentos e a Lei de diretrizes orçamentárias, as prestações de contas, pareceres prévios dos órgãos de controle, relatórios de gestão fiscal como instrumentos de transparência. O art. 165, § 3º da CRFB/88 determina o dever do Poder Executivo de publicar, até o trigésimo dia após o encerramento de casa bimestre, o Relatório Resumido da Execução Orçamentária (RREO). Tal regularidade proporciona à sociedade o maior controle e acompanhamento do desempenho governamental em termos orçamentários. Os parâmetros a serem observados na elaboração do Relatório Resumido da Execução Orçamentária são pormenorizados na LRF. A elaboração, bem como a divulgação, é de inteira responsabilidade do Poder Executivo. O RREO compreenderá órgãos da Administração Pública direta indireta. O RREO é integrado pelo balanço orçamentário (especificação das receitas e despesas por categoria econômica) e pelo demonstrativo de execução das receitas e despesas. A LRF estabelece ainda que deverá ser emitido um Relatório de Gestão Fiscal ao final de casa quadrimestre, pelos titulares dos Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público. Tal relatório deverá conter a situação real de despesas com pessoal, dívida, operações de crédito, ARO, e as medidas corretivas implementadas se os limites forem ultrapassados, bem como todas as outras que estiverem sujeitas a limitações. A consequência pela não divulgação dos relatórios acima elencados é a vedação a possibilidade de contratação de operações de crédito, bem como do recebimento de transferências voluntárias. Importa, pois, ressaltar que os orçamentos, a LDO, os planos, as prestações de contas (com o respectivo parecer prévio confeccionado pelo Tribunal de Contas), os anexos de riscos fiscais e de metas fiscaism relatórios de gestão fiscal, dentre outros, deverão ser disponibilizados para consulta. Ademais, ao Poder Legislativo caberá realizar, a cada quatro meses, audiência pública para que se discuta o cumprimento das metas fiscais, em conformidade com as previsões da LRF. A participação popular é de suma importância nas audiências, pois através das informações ali prestadas será possível o controle da aplicação dos recursos bem como a transparência das ações dos gestores. Acerca do tema, explicita Maren Guimarães Taborda: Em última instância, só através da transparência – apresentação de dados consistentes e compreensíveis, oportunos e atualizados – que se expressa através da obrigação de as autoridades públicas, em cada nível de Governo, emitirem declarações mensais, trimestrais e anuais de responsabilidade fiscal, atendendo aos limites previstos nas metas e objetivos ou justificando seus desvios temporários e, ainda, permitirem o acesso público a essas informações, é que os objetivos da Lei podem ser alcançados. Por outro lado, a efetividade da Lei Fiscal será assegurada por mecanismos de compensação e de correção dos desvios, e com transparência, a fim de punir a má gestão mediante a disciplina do processo político. Logo, a transparência somente poderá ser alcançada através da efetiva observância aos institutos obrigatórios, de modo que seja dado conhecimento ao cidadão de tudo que ocorre através da prestação de contas. Ao cidadão cabe participar, para que seja possível cobrar dos Administradores a efetiva e correta utilização dos recursos públicos captados através dos impostos. Ademais, sem a efetiva participação popular, a transparência não alcança seu objetivo primeiro, uma vez que os verdadeiros interessados não estarão acompanhamento o que está sendo feito pelos Agentes Públicos.   Conclusão             A Lei de Responsabilidade Fiscal foi cunhada com o intuito de tornar a transparência uma constante em todas as searas da gestão pública. Ademais, vê-se o cuidado do legislador em apresentar táticas punitivas pela inobservância dos preceitos trazidos pela LRF, em conjunto com os demais preceitos legais. Ao objetivar a transparência, a LRF intenta permitir aos verdadeiros interessados nos processos administrativos, o povo, o conhecimento bem como a assimilação do que ocorre com as contas públicas. Para tanto, as informações devem ser repassadas à sociedade de modo que seja inteligível a todos, e não apenas a simples divulgação de dados técnicos. Ao passo que à sociedade é dado o conhecimento e a capacidade de compreender o que de fato ocorre com as contas públicas, também lhe são dada a oportunidade de tornar efetivo o controle social, tornando possível a cobrança e a participação dos populares. A transparência na gestão fiscal e administrativa, em se tornando efetiva, terá o condão de causar imensuráveis mudanças na atual conjuntura administrativa brasileiro, ocasionando melhoras substanciais de vida à população.
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Controle Interno dos Atos Administrativos
O objetivo deste artigo foi identificar os meios para que a Administração Pública reveja algum Ato Administrativo que esteja em inobservância com sua essência através do Controle Interno. Através do método qualitativo que abordará alguns dos principais doutrinadores do Direito Administrativo, como: Celso Antônio Bandeira de Mello (2009), José dos Santos Carvalho Filho (2015), Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2005), Matheus Carvalho (2017) e Odete Medauar (2009), acerca dos atributos e pressupostos que constituem os Atos Administrativos e suas espécies, bem como os fatores que causam sua extinção, além de ressaltar através das espécies de Controle Interno as possibilidades que os administrados possuem para provocar a Administração Pública a rever seus atos. Visto que a atual situação da Administração Pública não respeita os preceitos constitucionais em sua integridade, ocasionando assim um Estado ineficaz em suas ações, as quais não contemplam a satisfação do interesse público e consequentemente podem ameaçar ou violentar algum direito dos administrados. Por isso, torna-se importante o conhecimento dos meios que o administrado possui para requerer junto a Administração Pública que reveja seus atos mediante ao Controle Interno através dos Recursos Administrativos, quando identifica alguma incongruência, entre a previsão legal e a real atuação do Estado, que está lesionando algum direito constitucional.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabelece que as ações da Administração Pública devam se sujeitar e respeitar às normas legais, para garantir eficiência em sua atuação junto aos administrados. Pois todo o poder emana do povo e assim suas ações devem decorrer da lei e não de sua própria vontade. Desta forma, presume a veracidade de todas as ações da Administração Pública, comumente dotados de legitimidade, pois assim objetiva assegurar a proteção dos direitos individuais e regrando suas ações para atender aos interesses públicos. Ações estas que se materializam através de Atos Administrativos, que devem contemplar atributos e pressupostos para que possam produzir seus efeitos perfeitamente, estando em conformidade com sua formulação, composição e resultados. Por outro lado, estejam em desarmonia legal, a própria Administração Pública poderá anular seus atos, através do preceito constitucional do Controle Interno, que decorre do Princípio da Autotutela. Possibilitando não somente a Administração Pública fiscalizar seus próprios atos, mas concede também, ao administrado como também a uma classe de interessados, requerer que reveja seus atos, em decorrência da constatação da existência de alguma ameaça ou violação de algum direito ou garantia constitucional. Abordando de uma forma qualitativa, os ensinamentos dos seguintes doutrinadores do Direito Administrativo, entre eles: Celso Antonio Bandeira de Mello (2009), José dos Santos Carvalho Filho (2015), Luiz Carlos Cancellier Olivio (2012), Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2005), Matheus Carvalho (2017) e Odete Medauar (2009), acerca dos atributos e pressupostos que constituem os Atos Administrativos e suas espécies, bem como, os fatores que causam sua extinção, além de ressaltar através das espécies de Controle Interno as possibilidades que os administrados possuem para provocar a Administração Pública rever seus atos. Visto que, a atual situação da Administração Pública, não respeita os preceitos constitucionais em sua integralidade, ocasionando assim um Estado ineficaz em suas ações, as quais não contemplam a satisfação do interesse público. Diante disso, busca-se através do presente trabalho inserir uma fundamentação para entender os meios de pedido de reexame de algum Ato Administrativo que esteja em desconformidade com sua essência através do Controle Interno.   A função do Estado caracteriza-se em promover de forma imediata e concreta às exigências e necessidades dos cidadãos, visando à satisfação do interesse público, sendo que para a promoção deste preceito ocorre através dos atos administrativos. Carvalho Filho (2015, p. 101), menciona três pontos que os Atos Administrativos devem compor: que a vontade deve emanar da Administração Pública ou dotado de prerrogativa; conteúdo deve propiciar a produção de efeitos jurídicos com fim público e devem ser regidos pelo Direito Público. Assim, a vontade da Administração deve sobrevalecer da vontade do agente público, produzindo atos jurídicos disciplinados pelo Direito Público, já que sua vontade decorre da vontade da lei. Di Pietro (2005, p. 205), menciona que Ato Administrativo deve considerar os seguintes dados: declaração do Estado ou de quem lhe faça às vezes; regime jurídico administrativo; produzir efeitos jurídicos imediatos e sempre passíveis de controle judicial. Nota-se a existência da ligação entre esses dados, que a vontade expressa por um regime jurídico administrativo, o qual produza efeitos e que possam ser controlados em decorrência da lei. Neste mesmo entendimento, porém explicada diferentemente, Carvalho (2017, p. 251), discorre que o Ato Administrativo, deve ser emanado por agente público, que esteja investido de múnus público, podendo atuar em nome da Administração e que manifeste a vontade estatal diante de determinada situação, atingindo uma finalidade pública. Podemos identificar, através desses doutrinadores, que Ato Administrativo é a expressão da vontade da Administração Pública por meio de quem possui legitimidade para representá-lo em atendimento ao interesse público, sendo regido pelo Direito Público, onde produza efeito imediato e passível de controle administrativo. A manifestação da vontade é expressa por sujeitos que possuem alguma vinculação com a Administração Pública. Neste caso, Carvalho Filho (2015, p. 102) faz um comentário, sobre agentes públicos que: São todos os que integram a estrutura funcional do Estado e os agentes delegatários, que possuem incumbência de exercer por delegação, função administrativa. Que são os casos de concessionárias, permissionárias de serviços públicos e serviços sociais autônomos. Acresce também que o regime jurídico dos Atos Administrativos, deve ser regido pelo Direito Público, que se concentra na premissa da essência do Estado, que visa atender os anseios da coletividade, agindo sob a vontade decorrente da lei. Neste mesmo entendimento, De Mello (2009, p.381) enaltece ainda que os Atos Administrativos são: Uma declaração jurídica que provêm do Estado, para prerrogativas públicas que são de providências jurídicas provenientes de preceitos constitucionais e outras normativas. Desta forma, que seus atos são regidos por regras e princípios jurídicos específicos. Verificando que estes estão explícitos no artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil, sendo eles: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Por outro lado, os Atos Administrativos, seguem cinco elementos adotados pelo artigo 2º da Lei Federal nº 4.717, de 29 de junho de 1.965 (Lei da Ação Popular) que são: competência, forma, objeto, motivo e finalidade. Resguardando que toda exteriorização da vontade do Estado, para satisfazer o interesse público, deve contemplar esses pressupostos, almejando que seus atos sejam válidos, pois devem decorrer da lei e casualmente alguns deles estejam em desconformidade, causará sua ilegalidade e assim acarretando sua nulidade. Neste entendimento, Carvalho Filho (2015, p.106) ensina que: Praticado o ato, sem a observância de qualquer desses pressupostos (e basta à inobservância de somente um deles), estará ele contaminado de vício de legalidade, fato que o deixará, como regra, sujeito à anulação. Por isso, torna-se relevante o conhecimento desses pressupostos e atributos, pois refletem a essência deste trabalho, que são os meios pelos quais o administrado possui para requerer junto a Administração Pública que ela própria reveja seus atos.   2.1 OS ATRIBUTOS DOS ATOS ADMINISTRATIVOS Para que haja perfeição nas ações desenvolvidas pela Administração Pública, seus atos devem cumprir certos atributos e assim produzir seus efeitos em perfeita sintonia a um regime jurídico administrativo. Assim, serão utilizados os ensinamentos de Di Pietro (2005, p. 207), que menciona da existência de uma desconformidade doutrinária sobre a indicação desses atributos, considerando apenas a presunção de legitimidade ou de veracidade, a imperatividade, a auto-executoridade e a tipicidade. Pois, os Atos Administrativos presumem-se ser legítimos, uma vez que, que decorrem da lei, bem como possuem veracidade, os fatos alegados pela Administração Pública. Além, que sua exteriorização atinge todos os administrados, inclusive aos que não venham concordar, possibilitando sua execução na própria esfera administrativa, sem a necessidade de intervenção do Poder Judiciário. Devendo corresponder ao objeto previamente definido pela lei, a fim de produzir determinados resultados, previamente pretendidos pela Administração Pública. Portanto, para que os Atos Administrativos possam produzir seus efeitos perfeitamente, necessitam estar em conformidade com a lei e assim garantir eficiência na satisfação dos seus serviços junto ao interesse público.   2.1.1 Presunção de legitimidade e veracidade Entende-se que todos os atos da administração decorrem da lei, que por sua vez atende ao Princípio da Legalidade e diante disso, até que prove-se ao contrário seus efeitos são verdadeiros. Assim, Di Pietro (2005, p. 208) define presunção de legitimidade e veracidade como sendo: À conformidade do ato com a lei; em decorrência desse atributo, presume-se, até prova em contrário, que os atos administrativos foram emitidos com observância da lei e assim presume-se verdadeiros os fatos alegados pela Administração Pública. Os procedimentos e as formalidades que criaram o Ato Administrativo foram respeitados e assim devidamente decorrentes da observância da lei, pois pela própria soberania do Estado, faz com o consentimento de todos. Desta forma possui como característica decorrente da soberania do Estado, assim se manifesta nas certidões, nas declarações, nas informações ou nos atestados dotados de fé pública. OLIVIO (2010, p. 73). Além de serem solenes, pois almeja atender ao interesse público e também, possibilitar que a própria administração venha rever seus atos. Diante deste atributo que Di Pietro (2005, p. 208), cita Cassagne, o qual define a presunção de legitimidade como sendo: Constitui um princípio do ato administrativo que encontra seu fundamento na presunção de validade que acompanha todos os atos estatais, princípio em que se baseia, por sua vez, o dever do administrado de cumprir o ato administrativo. Acrescenta que, se não existisse esse princípio, toda a atividade administrativa seria diretamente questionável, obstaculizando o cumprimento dos fins públicos, ao antepor um interesse individual de natureza privada ao interesse coletivo ou social, em definitivo, o interesse público. Assim, a presunção de legitimidade e veracidade dos Atos Administrativos, constitui a primazia da satisfação do interesse pública, diante disso, considerada a supremacia do Estado diante de seu povo, garantido a eles que todas suas ações estão em perfeita harmonia e sintonia com todo o ordenamento jurídico.   2.1.2 Imperatividade Considerando através da presunção de legitimidade e veracidade, que os Atos Administrativos, garantem que seus efeitos estão em conformidade com a lei, devido a supremacia do Estado, que deve atender a satisfação do interesse público e assim deve se impor a terceiros. Por isso, que a imperatividade considera que seus atos não precisam da concordância dos administrados, uma vez que, que eles estão em perfeita harmonia com a lei. Existindo apenas nos Atos Normativos e Enunciativos (DI PIETRO, 2005, p. 210). Neste mesmo entendimento, porém de colocação diferenciada, Olivio, menciona que a imperatividade se fundamenta pela supremacia do interesse público e diante disso possui uma vigência obrigatória em relação aos administrados, assim, não necessitando da respectiva concordância.   2.1.3 Auto-executoriedade Trata que a própria administração pode executar seus atos, sem a necessidade da intervenção do Poder Judiciário. Carvalho Filho (2015, p. 124) salienta que: A autoexecutoriedade tem como fundamento jurídico a necessidade de salvaguardar com rapidez e eficiência o interesse público, o que não ocorreria se a cada momento tivesse que submeter suas decisões ao crivo do Judiciário. Com isso, a primazia da satisfação do interesse público, torna-se ágil, sem a necessidade que o Poder Judiciário seja provocado para que a Administração Pública venha desenvolver suas ações, uma vez que, presume que são legitimas e dotadas de veracidade.   2.1.4 Tipicidade Para que a Administração Pública venha satisfazer ao interesse público, seus Atos Administrativos devem prever seu resultado já na sua criação. Diante disso, Di Pietro (2005, p. 211) define tipicidade como: O atributo pelo qual o ato administrativo deve corresponder a figuras definidas previamente pela lei como aptas a produzir determinados resultados. Para cada finalidade que a Administração pretende alcançar existe um ato definido. Assim, considera que os Atos Administrativos não sejam alterados, desta forma, garantindo a todos os administrados, que o resultado das ações do estado está em conformidade com a sua origem.   2.2 ELEMENTOS DOS ATOS ADMINISTRATIVOS Conforme artigo 2º da Lei Federal nº 4.717, de 29 de junho de 1.965 (Lei da Ação Popular), estabelece que os Atos Administrativos são dotados de 5 (cinco) elementos, que são: competência, forma, objeto, motivo e finalidade. Pois, toda exteriorização da vontade do Estado para satisfazer o interesse público devem contemplar esses pressupostos, almejando que seus atos sejam válidos, pois devem decorrer da lei e casualmente alguns deles estejam em desconformidade, causará sua ilegalidade e assim acarretando sua nulidade. Por isso, que além dos atributos, os elementos devem estar em conformidade com a lei, para que possam produzir seus efeitos e assim serem validos. Todavia, como já foi mencionado anteriormente por Carvalho Filho (2015, p.106) entende-se que: Praticado o ato, sem a observância de qualquer desses pressupostos (e basta à inobservância de somente um deles), estará ele contaminado de vício de legalidade, fato que o deixará, como regra, sujeito à anulação. Por isso, torna-se relevante o conhecimento desses pressupostos e atributos, pois reflete a essência deste trabalho. Desta forma, que os estudos dos elementos que constituem os Atos Administrativos tornam-se importante, sendo que, será através de alguma desconformidade em algum desses elementos, que fundamentará o pedido para que a Administração Pública venha anular seu ato viciado. Visto que, os elementos constitutivos dos Atos Administrativos atendem aos princípios constitucionais, pois esses pressupostos atendem ao Princípio da Legalidade (elemento competência), ao Princípio da Impessoalidade (elemento finalidade), ao Princípio da Moralidade (elemento motivo), ao Princípio da Publicidade (elemento forma) e ao Princípio da Eficiência (elemento objeto). Casualmente algum elemento não esteja em perfeita sintonia com seus preceitos, estará em desconformidade com a essência dos Atos Administrativos, que é a atuação do Estado para satisfazer o interesse público e não sua vontade. Além disso, como as atividades estatais decorrentes da vontade da lei são exteriorizadas pelos Atos Administrativos, casualmente ocorrer que apenas um de seus pressupostos estiver em desconformidade com a lei, proporcionará a sua nulidade. Havendo à possibilidade da própria Administração Pública anular ou regoar este ato, sem a necessidade de provocar a tutela jurisdicional.   2.2.1 Competência A competência que trata da capacidade para a prática de Atos Administrativos são pessoas públicas políticas (União, Estados, Municípios e Distrito Federal). Onde, Di Pietro (2005, p.213), define como sendo o conjunto de atribuições das pessoas jurídicas, órgãos e agentes, fixadas pelo direito positivo. Estabelece que a competência não pode ser transferida entre órgãos por acordo entre as partes (inderrogabilidade), bem como se um órgão não tem competência para certa função, não poderá vir a tê-la supervenientemente (improrrogabilidade). Salvo se exista norma expressa.   2.2.2. Forma O elemento forma é o meio pelo qual se exterioriza a vontade do Estado, respeitando os critérios previamente definidos por lei. Decorrendo do Princípio da Solenidade, que visa que todos os Atos Administrativos devem ser escritos, registrados e publicados. Portanto, o desrespeito a estas formalidades específicas definidas em lei não geram a inexistência do ato, mas sim a sua ilegalidade, devendo ser anulado por desatendidas as regras que compõem sua apresentação (MATHEUS FILHO, 2015, p 263).   2.2.3 Objeto Em se tratando do objeto como pressuposto dos Atos Administrativos considera o resultado que este produzirá de maneira lícita ao ordenamento jurídico; possível referente à motivação e moral, conforme a princípios éticos, ou seja, é a concretização da exteriorização da vontade do Estado. Sendo que Medauar (2010, p.142), define objeto como o efeito prático pretendido com a edição do ato administrativo ou a modificação por ele trazida ao ordenamento jurídico.   2.2.4. Motivo Além de ser emitido pelo Estado e da sua formalidade estar expressa em lei, que se estende a vontade de produzir efeitos jurídicos, necessita contemplar o motivo e a finalidade de sua existência para que se torne perfeito. Assim, entende-se que o motivo, deve atender sob duas óticas, uma que trata do direito já normatizado para determinado fato que corresponde ao conjunto de circunstâncias, de acontecimento, de situações que levam a Administração há praticar o ato. Sobre a Teoria dos Motivos Determinantes Carvalho Filho (2015, p. 118) afirma que: A teoria dos motivos determinantes baseia-se no princípio de que o motivo do ato administrativo deve sempre guardar compatibilidade com a situação de fato que gerou a manifestação da vontade. Comumente com a finalidade que a Administração almeja alcançar com a prática do ato, que eternamente visa um resultado de interesse público, bem como, produzindo efeitos definidos em lei. Desta forma, a finalidade atende perfeita aos Princípios da Impessoalidade e Moralidade, pois os Atos Administrativos não podem produzir eleitos que resultem num produto divergente da sua criação.   2.3 ESPÉCIES DE ATOS ADMINISTRATIVOS Considerando que a exteriorização da vontade da Administração Pública é através dos atos administrativos, que visa à satisfação do interesse público, nada mais que importante haver espécies de atos administrativos que venham contemplar todas as suas ações. Com isso, Carvalho (2017, p. 287 a 297), descreve as espécies de Atos Administrativos, conforme aos efeitos jurídicos que se produz, entre as espécies estão: os normativos, ordinários, negociais, enunciativos e os punitivos. Os Atos Normativos são aqueles que visam à correta aplicação da lei pela própria Administração Pública quanto aos administrados, regrando condutas. São exemplos: regulamento, aviso, instrução administrativa, regimento, deliberação e resolução. Já os Atos Ordinários possuem o caráter organizacional da prestação de serviço, por meio de normas que se aplicam internamente aos órgãos pertencentes à estrutura administrativa. Entre elas estão: portaria, circular, ordem de serviço, despacho, memorando e ofício. Também, possui os Atos Negociais que são aqueles que a Administração Pública concede direitos pleiteados por particulares, conferindo um benefício ao administrado, dentro dos limites da lei. Sendo exemplos: a autorização, a permissão, a licença, a admissão, a aprovação e a homologação. Os Atos Enunciativos estabelecem opiniões e conclusões da Administração Pública sobre determinado fato, sem analise de mérito ou legalidade. São exemplos: atestado; certidão; averbação e parecer. Possuindo também os Atos Punitivos, que é o meio da Administração Pública aplicar sanções, em face do cometimento de infração por agentes públicos ou pelos administrados. Sendo por exemplo às sanções como a demissão ou suspensão, aplicadas aos agentes públicos, ou ainda as aplicadas quando há desrespeito às regras de transito. Assim, torna-se compreensível que as espécies de Atos Administrativos descrevem seus pressupostos, pois, mencionam a competência entre a estrutura organizacional, a exteriorização da vontade do Estado para determinado fato e ao resultado final, sendo todos solenes e públicos.   3 CONTROLE INTERNO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA O preceito constitucional enaltece que o poder emana do povo e é exercido através de representantes, sendo necessário que as atividades da Administração Pública sejam fiscalizadas para verificar se o Princípio da Supremacia do Interesse Público está sendo contemplado e assim que o Estado não desenvolva suas atividades livremente. Sendo que para atender o interesse público a Administração somente pode atuar com previsão legal e assim realizá-las através dos Atos Administrativos, os quais possuem cinco pressupostos que devem ser contemplados para que haja legitimidade e veracidade. Onde casualmente algum desses pressupostos estiver em desarmonia legal, estará contido de vício. Permitindo que a própria Administração Pública há possibilidade de rever seus atos, que poderá anulá-los ou revogá-los, sem provocar a tutela jurisdicional. Desta forma a Administração sofre um controle das atividades que ela desenvolve, devendo ser realizado em todos os níveis e em todos os órgãos da Administração Pública (Artigo 13, do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967). Ademais, para que a Administração Pública venha rever seus próprios atos que existe o Controle da Administração Pública, onde Carvalho Filho (2015, p. 953), define como sendo: Controle da Administração Pública o conjunto de mecanismos jurídicos e administrativos por meio dos quais se exerce o poder de fiscalização e de revisão da atividade administrativa em qualquer das esferas de Poder. Por outro lado, enaltecendo que já na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, já continha que a sociedade tem o direito de pedir conta, a todo agente público, quanto à sua administração. Com isso, os controles são o meio que os administrados e a própria Administração Pública possuem para assegurar que os objetivos de atender o interesse público sejam atingidos, garantindo a conformidade de sua atuação com os princípios que são lhe impostos pelo ordenamento jurídico. Inseridos nas espécies de controle, o Controle Interno, também denominado de Controle Administrativo, que Medauar (2010, p 391), define como: O mecanismo que visa o cumprimento do Princípio da Legalidade e à observância dos preceitos da boa administração, almejando estimular a ação dos órgãos a verificar a conveniência e a oportunidade de medidas e decisões no atendimento do interesse público. Visto que, às atividades da Administração devem ser regidas de legalidade e que venham satisfazer o interesse público, que a própria legislação concedeu que a Administração Pública possa rever seus próprios atos através de seus órgãos, possibilitando desta maneira a perfeição e correção de seus atos. Por outro lado, Carvalho (2015, p. 388) define Controle Interno como sendo: Aquele exercido dentro de um mesmo Poder seja o exercido por meio de órgãos especializados, até entre órgãos de uma mesma entidade, quando se manifesta relação de hierarquia, seja entre entidades diferentes, como ocorre com o controle que a administração direta exerce sobre a administração indireta de um mesmo poder. Percebe-se que o conceito de Carvalho menciona a forma da realização do controle das atividades, já o conceito de Medauar, contempla o objetivo do controle interno. No entanto, esta espécie de controle possibilita que a própria Administração Pública reveja seus próprios atos e condutas, atendendo perfeitamente ao Princípio da Autotutela. Onde, o poder de autotutela encontra nos princípios a que se submete a Administração Pública, em especial o da legalidade e o da predominância do interesse público, dos quais decorrem todos os demais. Com efeito, se a Administração está sujeita à observância da lei e à consecução do interesse público, não há por que negar-lhe o controle sobre os próprios atos para assegurar a observância daqueles princípios, mesmo porque, não o fazendo, se sujeita ao controle pelos demais Poderes, aumentando os ônus do Estado na missão suprema de tutela do direito (DI PIETRO, p. 2005, p. 696). Por isso, da existência consolidada de duas súmulas do Supremo Tribunal Federal, que em síntese estabelece que a Administração possa anular seus próprios atos, quando estiverem viciados, tornando-os ilegais. Bem como artigo 53 da Lei Federal nº 9784, 29 de janeiro de 1999. Inclusive Olivio (2010, p. 146) enaltece: Esse controle decorre do poder de autotutela da Administração que se constitui no seu poder de rever os seus próprios atos, consagrado pelo Poder Judiciário e consubstanciado nas Súmulas do Supremo Tribunal Federal n. 346, que assenta: a “Administração Pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos” e n. 473, que se alinha à primeira inscrevendo que a Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. Logo, o Controle Interno é o mecanismo pelo qual a própria Administração Pública possui para rever suas ações e caso identifique alguma inobservância em seus pressupostos ou atributos, poderá ser anulada essa ação. Sendo que esta possibilidade está descrita no artigo 74 da Constituição Federal.   3.1 RECURSOS ADMINISTRATIVOS Diante disso, o meio formal que garante ao administrado por si ou por uma classe de interessados, provocar a Administração Pública para que reveja seus atos da existência de algum vício em algum pressuposto em alguma espécie de Ato Administrativo, através do Controle Interno é o Recurso Administrativo. Que pode ser compreendido na definição de Medauar (2010, p. 391) que conceitua como: Um modo pelo qual a Administração é provocada a fiscalizar seus próprios atos, visando ao atendimento do interesse público e à preservação da legalidade. Por meio dos Recursos Administrativos reexame de ato, decisão ou medida editada em seu âmbito. Deste modo, quando existe alguma desconformidade de legalidade em alguma atividade desempenhada pelo Poder Público, o administrado pode lhe provocar para que proceda a análise novamente do seu pedido. Sendo que a vontade da Administração Pública sempre decorre da lei e assim, um dos meios para que sejam revisados seus atos são através dos Recursos Administrativos. Que por sua vez Carvalho (2017, p. 965), menciona que: O intuito do administrado é que seja alterado um ato administrativo, como à própria Administração, que deve ter interesse em averiguar todas as razões trazidas pelo recorrente, impugnando a atuação administrativa. Com isso, atendendo perfeitamente ao Princípio da Ampla Defesa e do Contraditório, contemplado duplo fundamento constitucional, no Inciso LV, do artigo 5º da Constituição Federal, e do Inciso XXXIV, alínea “a”, que garante o direito de peticionado junto ao Poder Público em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder, independendo de pagamento de taxas. Carvalho Filho (2015, p. 969), explica que: O objetivo do administrado quando interpõe um pedido de revisão junto a Administração, ele almeja que seja reformado ou alteração alguma situação administrativa que o recorrente entende ilegal ou inadequada. Casualmente, não houvesse este objetivo, não tem motivo para que seja interposto o recurso. Para que o administrado venha interpor pedido de revisão, não possui previsão legal que estabeleça os requisitos do processo administrativo, muito menos rigorismo na formalidade, no entanto, deve o requerente apresentar por escrito à autoridade que editou a decisão impugnada, sobre o ato recorrido, dos motivos pelos quais se pede reexame. Devendo expor os fundamentos do pedido de reexame, podendo juntar os documentos que julgar convenientes (MEDAUAR, 2010, p. 393). Uma vez que, que todos os Atos da Administração deve haver ampla divulgação e abertos ao acesso dos interessados, para atender ao Princípio da Publicidade e assim, atender ao atributo da presunção da legitimidade e veracidade. Diante disso, mesmo que o recurso seja desprovido de formalizo rigoroso, necessita ser apresentado por escrito, pois a decisão deverá ser expressa por um Ato Enunciativo. Observa-se da inexistência de uniformidade na determinação de prazo para interpor recurso, sendo estabelecido em cada norma. Na Lei Federal que rege sobre processo administrativos no âmbito federal, menciona o prazo de dez dias, contado a partir da ciência ou divulgação oficial recorrida. No entanto, Medauar (2010, p. 393), menciona que: Ocorrendo apresentação fora do prazo não impede a Administração de rever de ofício o ato ilegal, desde que não ocorrida preclusão administrativa. Já a Administração Pública, possui trinta dias para apresentar decisão, podendo ocorrer prorrogação de mais trinta dias, ante justificativa explícita (artigo 59, Parágrafo 1º e 2º – Lei Federal 9784/99), sendo que não sofre nenhuma consequência caso não seja atendido este prazo. Por conseguinte, a solução do Recurso Administrativo poderá ser deferida ou indeferida quanto ao pedido de reexame feito pelo administrado junto à autoridade competente. Havendo deferimento poderá ser determinado a anulação ou a revogação. Considera que o resultado do recurso pretendido pode agravar como não pode agravar a situação do administrado, devendo analisar cada caso em particular. Desta forma que Medauar (2010, p 394) ressalta dois ângulos a serem considerados: um que seria no ângulo subjetivo, trata como um instrumento de defesa de direitos e interesses do indivíduo ou de grupos, a Administração seria obrigada a apreciá-lo nos termos em que foi interposto, não podendo agravar a situação do recorrente. Já, sob o ângulo objetivo, o recurso configura um meio de assegurar a legalidade e correção da atividade administrativa, cabendo à autoridade apreciar não só as alegações do recurso, mas reexaminar, no seu conjunto, as circunstâncias do ato impugnado – o recurso desencadeia o controle, mas não condiciona a extensão do controle. Logo, o Autor menciona sobre um possível conflito entre esses dois efeitos do indeferimento do pedido de reexame. Enaltece que a tendência geral é prevalecer o aspecto objetivo sobre o aspecto subjetivo, admitindo-se a reformatio in pejus, excepcionada em algumas hipóteses e cita o exemplo em processo disciplinares. Bem como, preconiza sobre a questão de interpor recurso administrativo para após ingressar no Judiciário, que no Brasil da inexigência do esgotamento da via administrativa para posterior ingresso em juízo. Possuindo o mesmo entendimento que Pereira (2013, p. 144 -145), que enaltece que: Unanimemente, doutrina e jurisprudência atuais são firmes em pregar que não se pode condicionar o ingresso em juízo à passagem prévia pela via administrativa, sob pena de inconstitucionalidade. Particularmente, acredito que o esgotamento das fases administrativas para posterior provocação da tutela jurisdicional é totalmente importante. Uma vez que, na decisão administrativa que não foi reformada, será uma comprovação junto ao Poder Judiciário pelo administrado, que mesmo da incidência de vícios no Ato Administrativo, a Administração Pública não os reconhece e assim perpetuando na ilegalidade. Desta forma, o administrado se fortalecerá no seu pedido junto ao Poder Judiciário na anulação do Ato Administrativo. Por outro lado, Di Pietro (2005, p.698), descreve cinco espécies de Recursos Administrativos, sendo eles: a representação; reclamação administrativa; pedido de reconsideração, recursos hierárquicos próprios e impróprios e da revisão. Observa-se que as espécies de Recursos Administrativos, consideram a competência para que o pedido de reexame seja apreciado, que pode ser pelo mesmo órgão julgador ou por outro órgão hierarquicamente superior ou outro órgão que não possua nenhuma vinculação com o órgão que realizou a decisão.   3.1.1 Representação A representação é a denúncia de irregularidades feita perante a própria Administração, para aplicar ao culpado a respectiva sanção, quando se tratar de abuso de poder. Neste caso, Medauar (2010, p. 395) salienta que: A denuncia de ilegalidade ou de abuso de poder, não são uma espécie de Recurso Administrativo, pois o Estatuto de servidores em geral inserem entre os deveres destes a representação contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder, e assim agindo, não se considera que o servidor esteja interpondo recurso administrativo. Assim, é o meio pelo qual o requerente torna-se formalizada a sua denuncia quando consta alguma irregularidade junto a Administração Pública, a qual deve receber, instaurar o processo administrativo e apurar a situação informada. Pois, ela não pode ser inerte diante de denuncias contra sua atuação. Neste entendimento, Carvalho Filho (2015, p. 992), diz que: Diante de ilegalidades não se pode admitir que se conduza com indiferença e comodismo. Urge apurar a denúncia e, se nada for comprovado, será o processo normalmente arquivado. Este tipo de Recurso Administrativo possui a previsão legal no artigo 74, parágrafo 2º da Constituição Federal, que estabelece que qualquer indivíduo é parte legítima para denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União. Nota-se que diante do Direito Administrativo, tudo decorre da vontade da lei, uma vez que, quando o povo exterioriza seu poder através de seus representantes, a lei lhe torna como parte legitima de realizar a denúncia de irregularidades e diante do Controle Interno o meio pelo qual se formaliza esta comunicação junto a Administração Pública é através da Representação.   3.1.2 Reclamação Do mesmo entendimento da presunção que todas as ações da Administração Pública decorrem da lei, o administrado é parte legítima para realizar denúncia contra irregularidades de agentes públicos. A reclamação é uma espécie de recurso, que o administrado faz quando identifica que um Ato Administrativo prejudica ou direito ou interesse. Assim, Di Pietro (2005, p.700), descreve Reclamação Administrativa como: O ato pelo qual o administrado, seja particular ou servidor público, deduz uma pretensão perante a Administração Pública, visando obter reconhecimento de um direito ou a correção de um ato que lhe cause lesão ou ameaça. Uma vez que, é o próprio reclamante que possui o devido interesse na correção deste ato, que esta sendo lesionado, diferente da representação que é qualquer pessoa para formalizar a denuncia.   3.1.3 Pedido de Reconsideração Outra espécie de Controle Interno através dos Recursos Administrativos é o Pedido de Reconsideração, que representa a formulação de um pedido ao órgão que apresentou alguma decisão na qual o administrado se encontra descontente com a posição e assim, pede que revise seu pedido. Assim, Medauar (2010, p. 396) ensina que: Que seria o pedido de reexame de uma decisão à mesma autoridade que a editou, podendo mantê-lo, revogá-lo, anulá-lo ou alterá-lo, total ou parcialmente. Logo, esta espécie de recurso é uma forma que o administrado possui de solicitar ao mesmo órgão que revise seu pedido, para que este revise sua decisão para que possa verificar a existência de alguma desconformidade legal e assim, que altere sua decisão.     3.1.4 Recurso Hierárquico Próprio Se a espécie que destina que o administrado solicita ao mesmo órgão reanalise sua decisão, o Recurso Hierárquico é a possibilidade que outro órgão venha realizar esta análise e que seja necessariamente superior ao órgão que emitiu o Ato Enunciativo. Assim, Di Pietro (2005, p. 700), diz que o Recurso Hierárquico Próprio como sendo: É o pedido de reexame a autoridade administrativa hierarquicamente superior, dentro do mesmo órgão em que o ato foi praticado. Ele é uma decorrência da hierarquia e, por isso mesmo, independe de previsão legal. Desta forma, que a análise do Recurso a nível superior daquele que emitiu a decisão, possibilita a Administração Pública que esta verifique a atuação de seus órgãos devidamente subordinados.   3.1.5 Recurso Hierárquico Impróprio Se o Recurso Hierárquico Próprio é a possibilidade de um órgão superior venha rever algum Ato Administrativo que um órgão subordinado a ele produzir, diante de algum pedido de algum interessado ou grupo de interessados. O Recurso Hierárquico Impróprio é o pedido de reexame a uma autoridade que não possui vínculo de hierarquia ou órgão responsável pela decisão impugnada (MEDAUAR, 2010, p. 396). Assim, seria a forma de Controle Interno que outro órgão superior e sem vínculo, venha analisar os Atos Administrativos que esta sendo questionado por alguém.   3.1.6 Revisão A Revisão é o pedido de reexame da decisão, formulado por servidor que recebeu penalidade administrativa, quando surgem fatos novos suscetíveis de demonstrar a sua inocência (DI PIETRO, 2005, p. 702.). Portanto, nos processos disciplinares concede ao indiciado a possibilidade de apresentar novos documentos que venham alterar a decisão tomada, devido ao cometimento de alguma infração que resultou em alguma penalidade. Nota-se que esta espécie de Recurso Administrativo, contribui para que o administrado possa se defender a qualquer momento, com isso, atendendo ao Princípio da Ampla Defesa e do Contraditório.   4 EXTINÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS Verificou na descrição dos atributos e pressupostos que compõem os Atos Administrativos que casualmente um deles não seja contemplado poderá ser considerado nulo, pois estará em desconformidade com sua essência, que devem ser legítimos e dotados de veracidade. Bem como, as formas com a qual a Administração Pública pode ser provocada para que ela própria venha reexaminar seus atos, que no caso é o Controle Interno que concede esta possibilidade. Pois, a premissa da Administração Pública é agir em decorrência da lei, onde suas ações são dotadas de verdade e em conformidade com preceitos legais, almejando incansavelmente atender o interesse público e caso se contaste alguma desconformidade em algum Ato Administrativo ela própria poderá anular. Isso é decorrente do Princípio da Autotutela, que é o controle que a Administração Pública exerce sobre seus próprios atos, com a possibilidade de anular os ilegais e revogar os inconvenientes ou inoportunos, independente de recurso ao Poder Público (DI PIETRO, 2005, p. 87). Desta forma, os elementos que constituem os Atos Administrativos devem estar em plena harmonia com os preceitos legais, pois casualmente ocorra que apenas um deles esteja em desconformidade legal para que seja passível de extinção. Uma vez que, devem ser verdadeiros para que possam produzir seus efeitos, onde se presumem serem legítimos. Assim, Carvalho Filho (2015, p. 157) cita: Firmadas as linhas que caracterizam a invalidação, podemos conceitua-la como sendo a forma de desfazimento do ato administrativo em virtude da existência de vício de legalidade. Diante disso, encontram-se na doutrina os vícios relativos aos elementos que constituem os Atos Administrativos, que devem ser estudados, pois são através deles que serão utilizados na fundamentação dos Recursos Administrativos e assim para que a Administração Pública reveja suas ações que estejam em desconformidade. Uma das formas que tornam um Ato Administrativo ilegal é a incompetência, que Medauar (2010, p. 157), ressalta que se caracteriza quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou. Simplesmente se compreende que casualmente a pessoa jurídica, órgãos e agentes públicos, não possua legitimidade para representar a Administração Pública na produção de algum Ato Administrativo, será caracterizado um vício relativo á competência. Pois, quem possui atribuições e legitimidades, estão fixadas em lei, garantindo assim ao administrado que os atos sejam legais e dotados de veracidade. Por outro lado, Di Pietro (2005, p.248), define vício relativo ao objeto, como sendo a ilegalidade do objeto quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo. Assim entende que o resultado do Ato Administrativo é inconsistente, pois seu produto é ilegal. Ainda, o vício relativo à forma, consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato (MEDAUAR, 2010, p. 158). Entende-se que a imperfeição no atendimento de alguma formalidade na formação do Ato Administrativo, torna-o viciado na forma, pois deixou de atender alguma exigência estabelecida em lei. E para o vício quanto ao motivo, Di Pietro (2005, p.249), define que quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido. Percebe-se também que, este vício é relacionado com o resultado proporcionado pelo ato que diverge dos preceitos estabelecidos na sua origem. Ainda, o vício relativo à finalidade é devido o agente praticar o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência (MEDAUAR, 2010, p. 159). Uma vez que, os Atos Administrativos devem contemplar o interesse público, onde são realizados por agentes públicos, ora, quando ações são realizadas em desfavor ao interesse público, agindo em interesse próprio ou de terceiros, a fim de obter satisfação própria é considerada como desvio de poder ou desvio de finalidade e assim caracterizada como vício relativo à forma. Portanto, a incompetência é considerada quando determinado Ato Administrativo foi realizado por agente administrativo que não possua legitimidade para tal feito e caso realize diverso ao interesse coletivo e em satisfação própria, é considerado vício relativo à finalidade. Compreendendo desta forma que tanto o vício relativo à competência e quanto ao da finalidade, são condizentes com a atuação do agente administrativo, ou por sua legitimidade ou por sua atuação. No entanto, quando possuir uma divergência na produção ou no seu resultado ou em sua formulação, estará viciado em sua composição, pois os elementos constituintes não estão em harmonia com a essência dos Atos Administrativos. Assim a Súmula STF nº 346 estabelece que: A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos. Bem como a Súmula STF nº 473 que também estabelece que: A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. Culminado pela Lei de Processo Federal (Lei nº 9784, 29 de janeiro de 1999), em seu artigo 53 que diz: A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos. Nota-se da existência de normativas que enaltecem que a própria Administração Pública, poderá anular seus atos quando esses são identificados com vícios. Pois, os Atos Administrativos presume-se que são dotados de veracidade e legitimidade, pois assim objetiva assegurar a proteção dos direitos individuais e regrando suas ações para atender aos interesses públicos. Ademais, se a Administração não anular seus próprios atos, há possibilidade do administrado buscar a tutela jurisdicional, em casos de lesão ou ameaça de algum direito (artigo 5º, Inciso XXXV, da Constituição Federal). Portanto, o entendimento dos vícios que possam ocorrer em cada pressuposto, torna-se relevante para que no momento que haja a necessidade de interpor um pedido de reexame deste ato, através dos Controles da Administração, possam ser fundamentando a sua ilegalidade.   Verificou através do presente trabalho que toda a atuação da Administração Pública decorre da vontade da lei e assim todos os preceitos que norteiam a sua estrutura e o seu funcionamento, são regidos pelo Direito Administrativo. Diante da primazia de uma Administração Pública que busca satisfazer ao interesse público e não a vontade de seus governantes ou de seus agentes, por isso, que devem agir com honestidade, transparência, conveniência, eficiência, boa fé, regularidade, pontualidade, uniformidade, conforto e segurança, sem distinção de qualquer espécie entre seus administrados. Por isso, com a vigência da Constituição Federal de 1988, através do seu artigo 37, determinou que a Administração Pública obedeça aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, em virtude que o poder emana do povo, onde é exercido pelos seus representantes, os quais representam a figura da Administração Pública que possui a essência de exteriorizar sua vontade na produção de efeitos decorrentes da lei, devendo ser autênticos e legítimos. Bem como, atingir todos os administrados, sem a necessidade da intervenção do Poder Público. Esses preceitos são as atribuições dos Atos Administrativos, os quais são o meio pelo qual a Administração Pública realiza suas ações, almejando produzir efeitos jurídicos com o fim público, regidos pelo Direito Administrativo. Que deve estar em conformidade com cinco pressupostos, para que possam estar válidos e assim dotados de veracidade e legitimidade. Visto que, esses pressupostos constitutivos dos Atos Administrativos atendem aos princípios constitucionais da Legalidade (elemento competência), da Impessoalidade (elemento finalidade), da Moralidade (elemento motivo), da Publicidade (elemento forma) e da Eficiência (elemento objeto). Casualmente exista alguma desconformidade com algum desses pressupostos, os Atos Administrativos estarão em desarmonia com sua essência e desta forma tornam-se nulos. Do mesmo modo que poderão ser invalidados pelo próprio Poder Público, através do Controle Interno, sem há necessidade da busca pela tutela juridiscional, bem como não sendo algo impeditivo. O qual possibilita há qualquer administrado ou a certo grupo de interessados, recorrer à própria Administração Pública, através dos Recursos Administrativos a que venha reexaminar alguma exteriorização que esteja violando ou ameaçando algum direito e assim possa reformar o resultado do Ato Administrativo. Portanto, esses foram os resultados obtidos através do presente trabalho de forma sucinta que explanam como que deve ser a forma de atuação do Estado. Inclusive a maneira que o Estado possui de rever seu ato quando estiver em desconformidade com algum preceito legal, foram alcançados. Assim, contribuindo perfeitamente para o aperfeiçoamento acadêmico e profissional, onde se buscará a defesa dos cidadãos contra as incongruências da Administração nos Atos Enunciativos e Punitivos. Visto que, a atual situação da Administração Pública, não respeita os preceitos constitucionais em sua integralidade, ocasionando assim um Estado ineficaz em suas ações, as quais não contemplam a satisfação do interesse publico. Empiricamente nota-se que o preceito do Estado de atuar contra sua vontade, está apenas na previsão legal e que na exteriorização das suas ações prevalece o seu interesse próprio. Diante desta incongruência, entre a previsão legal e a real atuação do Estado, que a defesa dos administrados em situações que estejam sendo lesados pela ineficiência estatal, deve se sobrevalecer e casualmente o Estado não reconheça as inconformidades dos Atos Administrativos, oportuniza ao administrado buscar a tutela jurisdicional para que venha lhe proteger.
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Controle da administração pública
Este artigo tem por objetivo analisar, de maneira não exaustiva, o controle da administração pública.
Direito Administrativo
Introdução Controle da administração pública orientação e correção que um Poder, órgão ou autoridade exerce sobre a conduta funcional de outro”. No Brasil, qualquer atuação administrativa está condicionada aos princípios expressos no art. 37 da Constituição brasileira. O controle da administração pública é regulamentado através de diversos atos normativos, que trazem regras, modalidades e instrumentos para a organização desse controle. Espécies de Controle 1. quanto à extensão do controle: CONTROLE INTERNO: é todo aquele realizado pela entidade ou órgão responsável pela atividade controlada, no âmbito da própria administração. – exercido de forma integrada entre os Poderes – responsabilidade solidária dos responsáveis pelo controle interno, quando deixarem de dar ciência ao TCU de qualquer irregularidade ou ilegalidade. CONTROLE EXTERNO: ocorre quando o órgão fiscalizador se situa em Administração DIVERSA daquela de onde a conduta administrativa se originou. – controle do Judiciário sobre os atos do Executivo em ações judiciais; – sustação de ato normativo do Poder Executivo pelo Legislativo; CONTROLE EXTERNO POPULAR: As contas dos Municípios ficarão, durante 60 dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade, nos termos da lei. 2. quanto ao momento em que se efetua: CONTROLE PRÉVIO OU PREVENTIVO: é o que é exercido antes de consumar-se a conduta administrativa, como ocorre, por exemplo, com aprovação prévia, por parte do Senado Federal, do Presidente e diretores do Banco Central. CONTROLE CONCOMITANTE: acompanha a situação administrativa no momento em que ela se verifica. É o que ocorre, por exemplo, com a fiscalização de um contrato em andamento. CONTROLE POSTERIOR OU CORRETIVO: tem por objetivo a revisão de atos já praticados, para corrigi-los, desfazê-los ou, somente, confirmá-los. ABRANGE ATOS como os de aprovação, homologação, anulação, revogação ou convalidação. 3. quanto à natureza do controle: CONTROLE DE LEGALIDADE: é o que verifica a conformidade da conduta administrativa com as normas legais que a regem. Esse controle pode ser interno ou externo. Vale dizer que a Administração o exercita de ofício ou mediante provocação: o Legislativo só o efetiva nos casos constitucionalmente previstos; e o Judiciário através da ação adequada. Por esse controle o ato ilegal e ilegítimo somente pode ser anulado, e não revogado. CONTROLE DO MÉRITO: é o que se consuma pela verificação da conveniência e da oportunidade da conduta administrativa. A competência para exercê-lo é da Administração, e, em casos excepcionais, expressos na Constituição, ao Legislativo, mas nunca ao Judiciário. 4. quanto ao órgão que o exerce: CONTROLE ADMINISTRATIVO: é exercido pelo Executivo e pelos órgãos administrativos do Legislativo e do Judiciário, sob os ASPECTOS DE LEGALIDADE E MÉRITO, por iniciativa própria ou mediante provocação. Meios de Controle: – Fiscalização Hierárquica: esse meio de controle é inerente ao poder hierárquico. – Supervisão Ministerial: APLICÁVEL nas entidades de administração indireta vinculadas a um Ministério; supervisão não é a mesma coisa que subordinação; trata-se de controle finalístico. – Recursos Administrativos: são meios hábeis que podem ser utilizados para provocar o reexame do ato administrativo, pela PRÓPRIA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. Recursos Administrativos: em regra, o efeito é NÃO SUSPENSIVO. – Representação: denúncia de irregularidades feita perante a própria Administração; – Reclamação: oposição expressa a atos da Administração que afetam direitos ou interesses legítimos do interessado; – Pedido de Reconsideração: solicitação de reexame dirigida à mesma autoridade que praticou o ato; – Recurso Hierárquico próprio: dirigido à autoridade ou instância superior do mesmo órgão administrativo em que foi praticado o ato; é decorrência da hierarquia; – Recurso Hierárquico Expresso: dirigido à autoridade ou órgão estranho à repartição que expediu o ato recorrido, mas com competência julgadora expressa. CONTROLE LEGISLATIVO: NÃO PODE exorbitar às hipóteses constitucionalmente previstas, sob pena de ofensa ao princípio da separação de poderes. O controle alcança os órgãos do Poder Executivo e suas entidades da Administração Indireta e o Poder Judiciário (quando executa função administrativa). – Controle Político: tem por base a possibilidade de fiscalização sobre atos ligados à função administrativa e organizacional. – Controle Financeiro: A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder. – Campo de Controle: Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária. TCU: é órgão integrante do Congresso Nacional que tem a FUNÇÃO DE auxiliá-lo no controle financeiro externo da Administração Pública. No âmbito estadual e municipal, aplicam-se, no que couber, aos respectivos Tribunais e Conselhos de Contas, as normas sobre fiscalização contábil, financeira e orçamentária. CONTROLE JUDICIAL: é o poder de fiscalização que o Judiciário exerce ESPECIFICAMENTE sobre a atividade administrativa do Estado. Alcança, basicamente, os atos administrativos do Executivo, mas também examina os atos do Legislativo e do próprio Judiciário quando realiza atividade administrativa. É VEDADO AO JUDICIÁRIO apreciar o mérito administrativo e restringe-se ao controle da legalidade e da legitimidade do ato impugnado. Atos sujeitos a controle especial: – atos políticos; – atos legislativos; – atos interna corporis. 2 Desenvolvimento Controle dos atos administrativos consiste no poder-dever de vigilância e correção exercido pela Administração Pública praticante do ato ou por outro órgão de outro poder, sobre a atividade administrativa. É a fiscalização que incide sobre a atividade administrativa como um todo. A finalidade do controle da Administração Pública é assegurar que a mesma atue em conformidade com os princípios que lhes são impostos pelo ordenamento jurídico, como por exemplo, os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Além disso, em determinadas situações, assegura o controle de mérito, que diz respeito à atuação discricionária da atuação administrativa. O Estado é constituído pelo território, pelo povo e pelo governo, desenvolvendo funções para o atendimento do bem público, consoante uma intensiva atividade financeira exercitada por intermédio de seus organismos – órgãos públicos -, os quais são geridos por agentes públicos, que devem pautar a sua ação mediante princípios constitucionais dirigidos á Administração Pública. Portanto, a ação estatal envolve a Administração do patrimônio e a utilização dos dinheiros públicos, que são atos de poder político praticados pelo governo, cujo exercício está afeto às autoridades governamentais. A autoridade estatal, como expressão é suprema e seu poder tem como fim o bem-estar da sociedade. Contudo, este exercício do poder, não raro, induz a abusos, impondo-se, por esse motivo, a criação e a utilização de controles para o uso do poder. No dizer de Montesquieu, “a liberdade política somente existe nos governos moderados. Mas nem sempre ela existe nos governos moderados. Só existe quando não se abusa do poder, mas é uma experiência eterna que todo homem que detém o poder é levado a dele abusar: e vai até onde encontra limites. Quem o diria? A própria virtude precisa de limites. Para que não se abuse do poder é necessário que pela disposição das coisas o poder limite o poder” (Espirit dês lois, livro XI. Cap. VI). A função do controle do poder foi estruturada no Estado Moderno, quando se consolidou como uma das principais características do Estado de Direito. No Estado de Direito a Administração está vinculada ao cumprimento da lei e ao atendimento do interesse público – atendimento ao princípio da legalidade e à supremacia do interesse público – por isso, para eficácia dessa exigência, torna-se imperativo o estabelecimento de condições que verifiquem, constatem e imponham o cumprimento da lei para o atendimento do interesse público, com a finalidade de ser evitado o abuso de poder. A isso chama-se controle da administração Pública. Considerando-se que o controle é elemento essencial ao Estado de Direito, sendo sua finalidade assegurar que a Administração atue de acordo com os princípios que lhe são impostos pelo ordenamento jurídico, pode-se afirmar que o controle constitui poder-dever dos órgãos a que a Lei atribui essa função precisamente pela sua finalidade corretiva; ele não pode ser renunciado nem retardado, sob pena de responsabilidade de quem se omitiu. Modernamente, houve uma valorização dos sistemas de controle, especialmente no âmbito público, com uma ampliação das formas de exercício do controle. Trata-se de uma atividade que envolve todas as funções do estado, estando direcionada para o estabelecimento e a manutenção da regularidade e da legalidade administrativa, que procede a uma avaliação no sentido de evitar erros e distorções na ação estatal, buscando indicar procedimentos de reorientação para as falhas detectadas ou agindo na responsabilização dos agentes causadores dessas impropriedades legais que ocasionam prejuízos à coletividade. Vários critérios existem para classificar as modalidades de controle. Quanto ao órgão que o exerce, o controle pode ser administrativo, legislativo ou judicial. Quanto ao momento em que se efetua, pode ser prévio, concomitante ou posterior. Exemplo de controle prévio é a previsão constitucional de necessidade de autorização ou aprovação prévia do Congresso Nacional para determinados atos do Poder Executivo (art. 49, II, III, XV, XVI e XVII; art. 52, III, IV e V). Exemplo de controle concomitante é o acompanhamento da execução orçamentária pelo sistema de auditoria. Exemplo de controle posterior é a anulação de um ato administrativo ilegal. O controle ainda pode ser interno ou externo. É interno o controle que cada um dos Poderes exerce sobre seus próprios atos e agentes. É externo o controle exercido por um dos Poderes sobre o outro, como também o controle da Administração Direta sobre a Indireta. A Constituição Federal prevê o controle externo a cargo do Congresso Nacional, com o auxílio do Tribunal de Contas (art. 71) e o controle interno que cada Poder exercerá sobre seus próprios atos (arts. 70 e 74). No artigo 74 é prevista a responsabilidade solidária dos responsáveis pelo controle quando, ao tomarem conhecimento de irregularidade, deixarem de dar ciência ao Tribunal de Contas. O controle ainda pode ser de legalidade ou de mérito, sendo que o primeiro pode ser exercido pelos três Poderes, enquanto o segundo cabe à própria Administração. Controle administrativo Conceito e alcance Controle administrativo é o poder de fiscalização e correção que a Administração Pública (em sentido amplo) exerce sobre sua própria atuação, sob os aspectos de legalidade e mérito, por iniciativa própria ou mediante provocação. Na esfera federal esse controle é denominado supervisão ministerial pelo Decreto-lei 200/67. Abrange os órgãos da Administração Direta ou centralizada e as pessoas jurídicas que integram a Administração Indireta ou descentralizada. O controle sobre os órgãos da Administração Direta é um controle interno e decorre do poder de autotutela que permite à Administração Pública rever os próprios atos quando ilegais, inoportunos ou inconvenientes, sendo amplamente reconhecido pelo Poder Judiciário (Súmulas 346 e 473 do STF). Recursos administrativos Conceito e alcance Recursos administrativos são todos os meios que podem utilizar os administrados para provocar o reexame do ato pela Administração Pública. Podem ter efeito suspensivo ou devolutivo. No silêncio da lei, o recurso tem apenas efeito devolutivo. Segundo Hely Lopes Meirelles, o recurso administrativo com efeito suspensivo produz de imediato duas conseqüências: o impedimento da fluência do prazo prescricional e a impossibilidade jurídica de utilização das vias judiciárias para ataque do ato pendente de decisão administrativa. A Constituição de 1967, no artigo 153, § 4º, previa a possibilidade de a lei instituir a exaustão das vias administrativas como condição para propositura da ação judicial. Essa possibilidade não foi repetida na Constituição de 1988, que exige apenas a ocorrência de lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV). No recurso sem efeito suspensivo, o ato, ainda que possa vir a ser corrigido pela própria autoridade administrativa, produz lesão a partir do momento em que se torna exequível; a prescrição começa a correr e o interessado pode propor ação judicial independentemente da propositura ou não de recurso administrativo. Os recursos administrativos têm duplo fundamento constitucional: artigo 5º, incisos XXXIV e LV. O inciso XXXIV estabelece o direito de petição, enquanto o inciso LV assegura o contraditório e a ampla defesa. Como a Constituição assegura o direito de petição independentemente do pagamento de taxas, não mais têm fundamento as normas legais que exigem a chamada “garantia de instância” para interposição de recursos administrativos, ou seja, o depósito de quantias como condição para decisão do recurso. Modalidades Dentro do direito de petição há inúmeras modalidades de recursos administrativos, a saber: Representação – É a denúncia de irregularidades feita perante a própria Administração. Está disciplinada pela Lei 4.898/65, quando se tratar de representação contra abuso de autoridade. É dirigida à autoridade superior que tiver competência para aplicar ao culpado a respectiva sanção, bem como ao órgão do Ministério Público que tiver competência para iniciar processo-crime contra a autoridade culpada. A Constituição Federal prevê um caso específico de representação perante o Tribunal de Contas, no artigo 74, § 2º, aberto a qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato. Reclamação administrativa – Prevista no Decreto 20.910/32, é a oposição solene, escrita e assinada, contra ato ou atividade pública que afete direitos ou interesses legítimos do reclamante. Extingue-se em um ano o direito de reclamar, se outro prazo não for fixado em lei. Pedido de reconsideração – É aquele pelo qual o interessado requer o reexame do ato à própria autoridade que o emitiu. Está previsto no artigo 106 da Lei 8112/90. Só pode ser formulado uma vez. Exige argumentos novos. Recurso administrativo ou hierárquico – É o pedido de reexame do ato dirigido à autoridade superior à que o proferiu. Só podem recorrer os legitimados, que, segundo o artigo 58 da Lei federal 9784/99, são: I – os titulares de direitos e interesses que forem parte no processo; II – aqueles cujos direitos ou interesses forem indiretamente afetados pela decisão recorrida; III – organizações e associações representativas, no tocante a direitos e interesses coletivos; IV – os cidadãos ou associações, quanto a direitos ou interesses difusos. Pode-se, em tese, recorrer de qualquer ato ou decisão, salvo os atos de mero expediente ou preparatórios de decisões. O recurso hierárquico tem sempre efeito devolutivo e pode ter efeito suspensivo, se previsto em lei. Atente-se que, se cabe recurso administrativo com efeito suspensivo e esse for interposto, é vedada a impetração de mandado de segurança, conforme estabelece o art. 5º, I da Lei federal 1533/51, que regula o mandado de segurança, até que seja decidido. O recurso hierárquico pode ser voluntário ou de ofício. Na decisão do recurso, o órgão ou autoridade competente tem amplo poder de revisão, podendo confirmar, desfazer ou modificar o ato impugnado. Entretanto, a reforma não pode impor ao recorrente um maior gravame (reformatio in pejus). Pedido de revisão – É o recurso utilizado pelo servidor público punido pela Administração, visando ao reexame da decisão, no caso de surgirem fatos novos suscetíveis de demonstrar a sua inocência. Pode ser interposto pelo próprio interessado, por seu procurador ou por terceiros, conforme dispuser a lei estatutária. É admissível até mesmo após o falecimento do interessado. Coisa julgada administrativa Quando inexiste, no âmbito administrativo, possibilidade de reforma da decisão oferecida pela Administração Pública, está-se diante da coisa julgada administrativa. Esta não tem o alcance da coisa julgada judicial, porque o ato jurisdicional da Administração Pública é tão-só um ato administrativo decisório, destituído do poder de dizer do direito em caráter definitivo. Tal prerrogativa, no Brasil, é só do Judiciário. A imodificabilidade da decisão da Administração Pública só encontra consistência na esfera administrativa. Perante o Judiciário, qualquer decisão administrativa pode ser modificada, salvo se também essa via estiver prescrita. Portanto, a expressão “coisa julgada”, no Direito Administrativo, não tem o mesmo sentido que no Direito Judiciário. Ela significa apenas que a decisão se tornou irretratável pela própria Administração. Prescrição administrativa Por um lado, a prescrição administrativa designa a perda do prazo para recorrer de decisão administrativa; por outro, significa a perda do prazo para que a Administração reveja os próprios atos. Indica também a perda do prazo para aplicação de penalidades administrativas. Na ausência de lei específica estabelecendo prazo para recorrer, aplica-se, na esfera federal, a Lei 9.784/99, que disciplina o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. O artigo 59 estabelece que “salvo disposição legal específica, é de dez dias o prazo para interposição de recurso administrativo, contado a partir da ciência ou divulgação oficial da decisão recorrida”. Nada impede, porém, que a Administração conheça de recursos extemporâneos, desde que constate assistir razão ao interessado. No silêncio da lei, o prazo para que a Administração reveja os próprios atos, com o objetivo de corrigi-los ou invalidá-los, é o mesmo em que se dá a prescrição judicial. Na esfera federal, o artigo 54 da Lei 9.784/99 prevê que “o direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo se comprovada má-fé.” Com relação aos prazos para punir, são fatais para a Administração. Na esfera federal, prescreve em 180 dias a pena de advertência, em dois anos a de suspensão e em cinco anos as de demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão (art. 142 da Lei 8.112/90). Quando se trata de punição decorrente do exercício do poder de polícia, a Lei 9.873/99 estabelece prazo de prescrição de cinco anos, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado. Em caso de paralisação do procedimento administrativo de apuração de infração, por período superior a três anos, também incide a prescrição, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação. Se o fato objeto da ação punitiva da Administração for crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na ação penal. O silêncio da Administração Pública Quando a Administração deixa de se pronunciar sobre um pedido que lhe é apresentado pelo administrado na defesa de seus interesses, tem-se o silêncio administrativo, que é um fato jurídico. A falta de pronunciamento dentro do prazo fixado pode significar deferimento ou indeferimento do pedido e concordância ou oposição ao ato controlado. Se não existir prazo para a manifestação da Administração e o silêncio persistir, o interessado deve buscar a satisfação de seu direito perante o Judiciário. Este decidirá em favor do interessado se entender que entre o seu pedido e a data da invocação da tutela judicial decorreu um prazo razoável, isto é, um período de tempo suficiente para que a Administração se pronunciasse sobre o pedido. A omissão da Administração deve acarretar a responsabilização do servidor negligente, bem como a responsabilização da Administração, nos termos do artigo 37, § 6º da CF, quando causar dano ao administrado. Controle legislativo Alcance O controle que o Poder Legislativo exerce sobre a Administração Pública limita-se às hipóteses previstas na Constituição Federal. Alcança os órgãos do Poder Executivo, as entidades da Administração Indireta e o próprio Poder Judiciário, quando executa função administrativa. Controle político O controle abrange aspectos ora de legalidade, ora de mérito, já que permite a apreciação das decisões administrativas sob o aspecto inclusive da discricionariedade, ou seja, da oportunidade e conveniência diante do interesse público. São hipóteses de controle político: 1. a competência exclusiva do Congresso Nacional e do Senado para apreciar a priori ou a posteriori os atos do Poder Executivo (art. 49, I, II, III, IV, XII, XIV, XVI e XVII, e art. 52, II, IV, V e XI); a decisão, nesses casos, expressa-se por meio de autorização ou aprovação contida em decreto legislativo ou resolução; 2. a convocação de Ministro de Estado ou quaisquer titulares de órgãos diretamente subordinados à Presidência da República, pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado, bem como por qualquer de suas comissões, para prestar, pessoalmente, informações sobre assunto previamente determinado, importando crime de responsabilidade a ausência sem justificação (art. 50); 3. o encaminhamento de pedidos escritos de informação, pelas Mesas da Câmara e do Senado, dirigidos aos Ministros ou a quaisquer titulares de órgãos diretamente subordinados à Presidência da República, que deverão responder no prazo de 30 dias, sob pena de crime de responsabilidade (art. 50, § 2º); 4. a apuração de irregularidades pelas Comissões Parlamentares de Inquérito (art. 58, § 3º); 5. a competência do Senado Federal para processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes das Forças Armadas, nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles; a competência para processar e julgar os Ministros do STF, o Procurador-Geral da República e o Advogado Geral da União, nos crimes de responsabilidade (art, 52, I e II); 6. a competência do Senado para fixar, por proposta do Presidente da República, limites globais para o montante da dívida consolidada da União, dos Estados, do DF e dos Municípios; para dispor sobre limites globais e condições para as operações de crédito externo e interno da União, dos Estados, do DF e dos Municípios, de suas autarquias e demais entidades controladas pelo Poder Público Federal; para dispor sobre limites e condições para a concessão de garantia da União em operações de crédito externo e interno (art. 52, VI, VII e VIII); 7. a competência do Congresso Nacional para sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa (art. 49, V); Controle financeiro A Constituição disciplina, nos artigos 70 a 75, a fiscalização contábil, financeira e orçamentária, determinando que essas normas se aplicam, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do DF, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios. Quanto à atividade controlada, a fiscalização abrange a contábil, a financeira, a orçamentária, a operacional e a patrimonial. Quanto aos aspectos controlados, compreende: 1.controle de legalidade dos atos de que resultem a arrecadação da receita ou a realização da despesa, o nascimento ou a extinção de direitos e obrigações; 2.controle de legitimidade, que a Constituição tem como diverso da legalidade, admitindo, assim, exame de mérito (ex; verificar se determinada despesa, embora legal, atendeu a ordem de prioridade estabelecida no plano plurianual); 3.controle de economicidade, que envolve também questão de mérito, para verificar se o órgão procedeu, na aplicação da despesa pública, de modo mais econômico (relação custo-benefício); 4.controle de fidelidade funcional dos agentes da administração responsáveis por bens e valores públicos; 5.controle de resultados de cumprimento de programas de trabalho e de metas, expresso em termos monetários e em termos de realização de obras e prestação de serviços. Quanto às pessoas controladas, abrange União, Estados, Municípios, DF e entidades da Administração Direta e Indireta, bem como qualquer pessoa física ou entidade pública que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária. O controle externo compreende as funções de: 1. fiscalização financeira propriamente dita, quando faz inquéritos, inspeções e auditorias; quando fiscaliza a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União, mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao DF ou a Município; 2. de consulta, quando emite parecer prévio sobre as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República; 3. de informação, quando as presta ao Congresso Nacional, sobre a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados de auditorias e inspeções realizadas; 4. de julgamento, quando “julga” as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos e as contas daqueles que derem causa à perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário; embora o dispositivo fale em “julgar” (art. 71, II), não se trata de função jurisdicional, porque o Tribunal de Contas apenas examina as contas, tecnicamente, e não aprecia a responsabilidade do agente público, o que é de competência exclusiva do Poder Judiciário; 5. sancionatórias, quando aplica aos responsáveis, nos casos de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário; 6. corretivas, quando assina prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade; e quando susta, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado; 7. de ouvidor, quando recebe denúncias de irregularidades ou ilegalidades, feita pelos responsáveis pelo controle interno ou por qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato, nos termos do artigo 74, §§ 1º e 2º. No âmbito municipal, o artigo 31 da Constituição prevê o controle externo da Câmara Municipal, com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município, onde houver. Pelo § 2º, o parecer prévio emitido pelo órgão competente sobre as contas anuais do Prefeito só deixará de prevalecer por decisão de 2/3 dos membros da Câmara Municipal. E o § 3º determina que as contas dos Municípios ficarão, durante 60 dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade, nos termos da lei. É mais uma hipótese de participação popular no controle da Administração. Controle judicial Sistema de unidade de jurisdição O Direito brasileiro adotou o sistema de jurisdição una, pelo qual o Poder Judiciário tem o monopólio da função jurisdicional, ou seja, do poder de apreciar, com força de coisa julgada, a lesão ou ameaça de lesão a direitos individuais e coletivos (art. 5º, XXXV CF/88). Afastou, portanto, o sistema da dualidade de jurisdição, em que, paralelamente ao Poder Judiciário, existem os órgãos de Contencioso Administrativo, que exercem, como aquele, função jurisdicional sobre lides de que a Administração Pública seja parte interessada. Limites O Poder Judiciário pode examinar os atos da Administração Pública, de qualquer natureza, sejam gerais ou individuais, unilaterais ou bilaterais, vinculados ou discricionários, mas sempre sob o aspecto da legalidade e da moralidade (art. 5º, LXXIII, e art. 37). Quanto aos atos discricionários, sujeitam-se à apreciação judicial, desde que não invadam os aspectos reservados à apreciação subjetiva da Administração, conhecidos sob a denominação de mérito (oportunidade e conveniência). Não há invasão do mérito quando o Judiciário aprecia os motivos, ou seja, os fatos que precedem a elaboração do ato; a ausência ou falsidade do motivo caracteriza ilegalidade, suscetível de invalidação pelo Poder Judiciário. Os atos normativos do Poder Executivo, como Regulamentos, Resoluções, Portarias, só podem ser invalidados pelo Judiciário por via de ADIN, cujo julgamento é de competência do STF, quando se tratar de lei ou ato normativo federal ou estadual que contrarie a Constituição Federal; e do Tribunal de Justiça, quando se tratar de lei ou ato normativo estadual ou municipal que contrarie a Constituição do Estado. Nos casos concretos, poderá o Poder Judiciário apreciar a legalidade ou constitucionalidade dos atos normativos do Poder Executivo, mas a decisão produzirá efeitos apenas entre as partes, devendo ser observada a norma do artigo 97 da Constituição Federal, que exige maioria absoluta dos membros dos Tribunais para a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público. Com relação aos atos políticos, é possível também a sua apreciação pelo Poder Judiciário, desde que causem lesão a direitos individuais ou coletivos. Quanto aos atos interna corporis, em regra não são apreciados pelo Poder Judiciário, porque se limitam a estabelecer normas sobre o funcionamento interno dos órgãos; no entanto, se exorbitarem em seu conteúdo, ferindo direitos individuais e coletivos, poderão também ser apreciados pelo Poder Judiciário. Privilégios da Administração Pública A Administração Pública, quando é parte em uma ação judicial, usufrui de determinados privilégios não reconhecidos aos particulares: 1. Juízo privativo. Na esfera federal, é a Justiça Federal; excetuam-se apenas as causas referentes à falência e as de acidente de trabalho (justiça comum) e as relativas à Justiça Eleitoral e Justiça do Trabalho. Esse juízo privativo beneficia a União, entidade autárquica ou empresa pública, excluídas as fundações de direito privado e as sociedades de economia mista. 2. Prazos dilatados. Pelo artigo 188 do CPC, a Fazenda Pública e o Ministério Público têm prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer. A Lei 9.469/97 estendeu igual benefício às autarquias e fundações públicas. 3. Duplo grau de jurisdição. O artigo 475, I e II do CPC determina que está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeitos senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença proferida contra a União, o Estado, o DF, o Municípios e as respectivas autarquias e fundações de direito público, bem como a que julgar improcedente, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública. Contudo, pelo artigo 12 da MP nº 2.180-35/2001, “não estão sujeitas ao duplo grau de jurisdição obrigatório as sentenças proferidas contra a União, suas autarquias e fundações públicas, quando a respeito da controvérsia o Advogado Geral da União ou outro órgão administrativo competente houver editado súmula ou instrução normativa determinando a não-interposição de recurso voluntário”. 4. Processo especial de execução. O artigo 100 da Constituição prevê processo especial de execução contra a Fazenda Federal, Estadual e Municipal, e que abrange todas as entidades de direito público, Esse processo não se aplica aos débitos de natureza alimentícia e aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor. Conforme o dispositivo constitucional, o Presidente do Tribunal que proferir a decisão exequenda expede ofício precatório à entidade devedora, que fará consignar no seu orçamento verba necessária ao pagamento dos débitos constantes dos precatórios judiciais apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, com atualização monetária. 5. Prescrição quinquenal. Nos termos do artigo 1º do Decreto 20.910/32, “as dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originaram”. A prescrição quinquenal abrange as dívidas passivas das autarquias ou entidades e órgãos paraestatais criados por lei e mantidos mediante impostos, taxas ou quaisquer contribuições, exigidas em virtude de lei federal, estadual ou municipal, bem como todo e qualquer direito de ação contra os mesmos (art. 2º do Dec.-lei 4.597/42). Embora ambos os dispositivos falem em “todo e qualquer direito ou ação”, não se aplica a prescrição quinquenal quando se trata de ação real, em que o prazo de prescrição é de 10 anos (art. 205 do CC). 6. Pagamento das despesas judiciais. Nos termos do artigo 27 do CPC, as despesas dos atos processuais efetuados a requerimento do Ministério Público ou da Fazenda serão pagas a final pelo vencido. O artigo 1º-A da Lei 9.494/97 determina que “estão dispensados de depósito prévio, para interposição de recurso, as pessoas jurídicas de direito público federais, estaduais, distritais e municipais”. 7. Restrições à concessão de liminar e à tutela antecipada. A Lei 8.437/92 impede a concessão de medida liminar contra atos do Poder Público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em mandado de segurança, em virtude de vedação legal. Isto significa que a restrição existe quando se tratar de ações que visem obter a liberação de mercadorias, bens ou coisas de qualquer espécie procedentes do estrangeiro (art. 1º da Lei 2.770/56); nas ações que objetivem pagamentos de vencimentos e vantagens pecuniárias a servidor (art. 1º, § 4º da Lei 5.021/66), bem como reclassificação ou equiparação de servidores públicos ou concessão ou aumento ou extensão de vantagens (art. 5º da Lei 4.348/64). O § 5º do artigo 1º da Lei 8.437/92 impede a concessão de liminar para deferir compensação de créditos tributários e previdenciários. Por sua vez, a tutela antecipada contra a Fazenda Pública também sofre restrições. De acordo com o artigo 1º da Lei 9.494/97, “aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei 4.348/64, no art. 1º e seu § 4º da Lei 5.021/66, e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei 8.437/92”. O intuito do legislador é evidente: o de evitar que, diante da vedação de liminar em mandado de segurança, o interessado se utilize do processo cautelar ou da tutela antecipada para obter o mesmo resultado. Outro tipo de restrição é estabelecido quanto à concessão de liminar no mandado de segurança coletivo e na ação civil pública. A Lei 8.437/92, no artigo 2º, só permite a sua outorga “após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito pública, que deverá se pronunciar no prazo de 72 horas”. Outra medida análoga à já estabelecida para o mandado de segurança (art. 4º da Lei 4.348/64) é a prevista no artigo 4º da Lei 8.437/92, ao atribuir ao presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso competência para suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. 8. Restrições à execução provisória. Em matéria de mandado de segurança, o artigo 5º, parágrafo único, da Lei 4.348/64, determina que, quando o seu objeto for a reclassificação ou equiparação de servidores públicos, ou a concessão de aumento ou extensão de vantagens, a execução do mandado somente será feita depois de transitada em julgado a respectiva sentença. Vale dizer que não é possível a execução provisória na pendência de recurso, mesmo este tendo efeito apenas devolutivo. Meios de controle Com base no artigo 5º, XXXV da Constituição, o administrado pode utilizar dos vários tipos de ações previstos na legislação ordinária, para impugnar os atos da Administração; pode propor ações de indenização, possessórias, reivindicatórias, de consignação em pagamento, cautelar, etc. Mas a Constituição prevê ações específicas de controle da Administração Pública, às quais a doutrina se refere com a denominação de remédios constitucionais, porque têm a natureza de garantias dos direitos fundamentais. Os remédios constitucionais são direitos em sentido instrumental, e são garantias porque reconhecidos com o objetivo de resguardar outros direitos fundamentais. Habeas corpus Está previsto no inciso LXVIII do artigo 5º. Só não é cabível em relação a punições disciplinares militares (art. 142, § 2º). O artigo 5º. LXXVII determina a sua gratuidade. Os pressupostos para sua propositura são: 1.ilegalidade ou abuso de poder, seja por parte de autoridade pública, seja por parte de particular; 2.violência, coação ou ameaça à liberdade de locomoção. Habeas data Está previsto no inciso LXXII do artigo 5º, estando disciplinado pela Lei 9.507/97, que acrescentou mais uma hipótese de cabimento ao rol da Constituição: anotação, nos assentamentos do interessado, de contestação ou explicação sobre dado verdadeiro, mas justificável e que esteja sob pendência judicial ou amigável. (art. 7º, III). O habeas data tem por objeto proteger a esfera dos indivíduos contra: a) usos abusivos de registro de dados pessoais coletados por meios fraudulentos, desleais ou ilícitos; b) introdução, nesses registros de dados sensíveis (assim chamados os de origem racial, opinião política, filosófica ou religiosa, filiação partidária e sindical, orientação sexual, etc); c) conservação de dados falsos ou com fins diversos dos autorizados em lei. O habeas data não é garantia do direito à informação previsto no artigo 5º, XXXIII, visto que cuida de informação relativa à pessoa do impetrante, enquanto o direito à informação, que se exerce na via administrativa, é mais amplo. Embora sem fundamento constitucional, o STJ consagrou o entendimento de que não cabe habeas data se não houver recusa por parte da autoridade administrativa (Súmula nº 2). Mandado de injunção Previsto no artigo 5º, LXXI, é cabível quando a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Como é interposto pelo próprio titular do direito, o mandado de injunção exige uma solução para o caso concreto, e não uma decisão com efeitos erga omnes. A norma regulamentadora faltante pode ser de natureza regulamentar ou legal e ser de competência de qualquer das autoridades, órgãos e pessoas jurídicas que compõem os três Poderes do Estado, inclusive da administração indireta. A competência para julgamento do mandado de injunção vem definida nos artigos 102, I, q e II, a, e 105, I, h, da Constituição Federal. Mandado de segurança individual Está previsto no artigo 5º, LXIX da Constituição e é disciplinado pela Lei 1.533/51. É a ação civil de rito sumaríssimo pela qual qualquer pessoa pode provocar o controle jurisdicional quando sofrer lesão ou ameaça de lesão a direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus nem habeas data, em decorrência de auto de autoridade, praticado com ilegalidade ou abuso de poder. Considera-se ato de autoridade todo aquele que for praticado por pessoa investida de uma parcela de poder público, abrangendo inclusive atos emanados de particulares que ajam por delegação do Poder Público. É contra a autoridade responsável pelo ato – chamada autoridade coatora – que se impetra o mandado de segurança e não contra a pessoa jurídica. Em caso de omissão do Poder Público, autoridade coatora é a que a lei indica como competente para praticar o ato. O mandado de segurança pode ser repressivo, quando a lesão já se concretizou, ou preventivo, quando haja apenas ameaça de lesão. Direito líquido e certo é aquele comprovado de plano, juntamente com a petição inicial. Não cabe mandado de segurança contra lei em tese (Súmula 266 do STF), mas se admite a impetração no caso de lei de efeito concreto ou de lei auto executória (que independe de ato administrativo para aplicar-se aos casos concretos). Mandado de segurança coletivo Está previsto no artigo 5º, LXX da Constituição, tendo os mesmos pressupostos do mandado de segurança individual. Os partidos políticos podem impetrar mandado de segurança coletivo na defesa de interesses que extrapolam aos dos seus membros, enquanto as organizações sindicais, as entidades de classe e as associações podem agir em defesa dos interesses de seus membros ou associados. Ação popular O artigo 5º, LXXIII da Constituição estabelece que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. Cidadão é o brasileiro, nato ou naturalizado, que está no gozo dos direitos políticos, ou seja, dos direitos de votar e ser votado. O conceito de patrimônio público abrange, nos termos do artigo 1º da Lei 4.717/65, o da União, Distrito Federal, Estados, Municípios, entidades autárquicas, sociedades de economia mista, sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, empresas públicas, serviços sociais autônomos, instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de 50% do patrimônio ou da receita anual, empresas incorporadas ao patrimônio da União, Distrito Federal, Estados e Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos. A lesão ou ameaça de lesão pode resultar de ato ou omissão, desde que produza efeitos concretos; o que não se admite é a ação popular contra a lei em tese, a não ser que esta seja autoaplicável ou de efeitos concretos. O que se pleiteia na ação popular é a anulação do ato lesivo e a condenação dos responsáveis ao pagamento de perdas e danos ou à restituição de bens ou valores, conforme artigo 14, § 4º da Lei 4.717/65. Ação civil pública A rigor, a ação civil pública não constitui meio específico de controle da Administração Pública. Contudo, como ela tem como legitimado passivo todo aquele que causar dano a algum interesse difuso, poderá eventualmente ser proposta contra o próprio Poder Público quando ele for o responsável pelo dano. O artigo 129, III da Constituição inclui entre as funções do Ministério Público a promoção da ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. A disciplina legal da ação civil pública é a Lei 7.347/85. Da mesma forma que a ação popular e o mandado de segurança coletivo, a ação civil pública protege os interesses metaindividuais, os chamados interesses públicos, que abrangem várias modalidades: o interesse geral, afeto a toda a sociedade; o interesse difuso, pertinente a um grupo de pessoas caracterizadas pela indeterminação e indivisibilidade; e os interesses coletivos, que dizem respeito a um grupo de pessoas determinadas ou determináveis. A proteção do patrimônio público (considerado em sentido amplo, para abranger o econômico, o turístico, o estético, o paisagístico) pode ser do interesse geral ou pode ser de um grupo apenas e se faz por meio da ação popular ou da ação civil pública. A proteção do interesse coletivo, pertinente a uma coletividade determinada, é feita por meio do mandado de segurança coletivo. Ação direta de inconstitucionalidade – ADIN A ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual está prevista no artigo 102, I, a da Constituição, com competência originária do STF. A Lei 9.868/99 dispõe sobre o seu processo e julgamento, sendo complementada pelo Regimento Interno do STF (arts. 169 a 178). Por essa ação ataca-se a lei em tese, ou qualquer outro ato normativo, antes mesmo de produzir efeitos concretos, e a decisão declaratória de inconstitucionalidade tem eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública. Mas, fundado em razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, o STF, por maioria de dois terços de seus membros, poderá restringir os efeitos da declaração, ou dispor que ela só tenha eficácia a partir do trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado (arts. 27 e 28, parágrafo único, da Lei 9.868/99. Quanto às leis e atos normativos estaduais e municipais que ofendam a Constituição Estadual, cabe ao Tribunal de Justiça decidir sobre essa inconstitucionalidade (CF, art. 125, § 2º). Ação de inconstitucionalidade por omissão Prevista no artigo 103, § 2º da Constituição, segue, quanto à legitimidade ativa e à competência, as mesmas regras da ADIN. Não objetiva a prática de determinado ato, concretamente, como no mandado de injunção, mas sim a expedição de ato normativo necessário para o cumprimento de preceito constitucional que, sem ele, não poderia ser aplicado. Cinge-se, pois, à comunicação ao órgão legislativo competente, para que supra a omissão. Ação declaratória de constitucionalidade – ADC A ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, também prevista no artigo 102, I, a da Constituição, foi introduzida em nosso sistema jurídico pela EC 3/93. É apreciada pelo STF. Têm legitimidade para propô-la o Presidente da República, a Mesa do Senado, a Mesa da Câmara e o Procurador-Geral da República. A Lei 9.868/99 dispõe sobre o seu processo e julgamento. Os efeitos da ADC são os mesmos da ADIN, por força do parágrafo único da Lei 9.868/99, que também prevê medida cautelar na ação declaratória, consistente na determinação de que os juízes suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo (art. 21). Arguição de descumprimento de preceito fundamental – ADPF Este instrumento, previsto no § 1º do artigo 102 da Constituição, é ação destinada a arguir o descumprimento de preceito fundamental, quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, inclusive os anteriores à Constituição, como prevê a Lei 9.882/99, que dispõe sobre o processo e o julgamento dessa arguição. A ADPF será proposta perante o STF e pode ter por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público. Ainda de acordo com essa lei, podem propô-la os legitimados para a ADIN. No entender de José Afonso da Silva, a expressão preceito fundamental não é sinônima de princípio fundamental. É mais ampla, abrangendo os princípios fundamentais e todas as prescrições que dão o sentido básico do regime constitucional, especialmente as designativas de direitos e garantias fundamentais. Conclusão A atuação da Administração Pública, por meio da prática de atos administrativos, é limitada por regras e princípios, sujeitando cada ato ao controle de outros órgãos, do próprio órgão que o expediu, como também da população atingida por esses atos. O controle das atividades do poder público será realizado por meio de instrumentos que nada mais são que recursos administrativos que os particulares podem utilizar para provocar o reexame dos atos praticados pela Administração Pública.
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Políticas públicas como uma nova modalidade estratégica de intervenção do estado na sociedade
O presente estudo buscar em Giovanni e Nogueira (2015), o sentido das políticas públicas como uma nova modalidade estratégica de intervenção planejada do Estado democrático, diante das demandas da sociedade, que buscam respostas às suas necessidades imediatas, com a finalidade de resolver situações sociais problemáticas, num contexto de globalidade, mercado e Estado, em uma sociedade civil organizada, no incentivo de uma cultura de participação nas formulações de políticas públicas para áreas socialmente conhecidas como problemáticas.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO Segundos Giovanni e Nogueira (2015, p. 14-18), as políticas públicas nos últimos anos, nas instituições e na política, converteram-se em um “importante indicador das profundas transformações ocorridas no relacionamento entre Estado e sociedade” e que sem dúvida nenhuma esta geração está testemunhando de forma generalizada e intensificada uma nova forma de modalidade de intervenção governamental. Nesse sentido, o estudo da política pública no Brasil anda em descompasso ao que tange a esse tipo de prática, mas mesmo assim, é preciso dar respostas, as demandas crescentes que abalam toda uma sociedade, pois é um fato incontestável, que todos os cidadãos, direto ou indiretamente, são usuários ou beneficiários de algum tipo de política pública. Por isso, que em princípio políticas públicas “seriam intervenções planejadas do poder público com a finalidade de resolver situações sociais problemáticas”, mesmo que, nos séculos, XIX e XX, elas atuassem num “patamar mínimo de previsão e capacidade de intervenção na vida social”. Assim, ficou comumente conhecida como intervenções planejadas pelo poder público em situações sociais problemáticas. Intervenções planejadas aqui seriam descritas como sendo a capacidade do Estado de planificar a gestão técnica e politicamente dentro dos órgãos administrativos do governo. Dessa forma, o poder público conteria a concepção de avanço na estrutura da ordem política, no sentido de coexistência, independência de poderes e de direitos dos cidadãos, bem como, as ações governamentais nas distribuições de suas competências. 1. SITUAÇÕES PROBLEMÁTICAS Nesse sentido, diriam respeito à complexidade dos problemas insurgentes na intensificação do exercício da cidadania, e no incentivo de uma cultura de participação de formulações de políticas públicas para áreas socialmente conhecidas como problemáticas. Segundo Giovanni e Nogueira (2015, p.18), a estrutura da sociedade atual exige um conceito mais expansivo do que seriam Políticas públicas, não como pura e simplesmente uma intervenção governamental em áreas consideradas socialmente problemáticas, pois implicaria tomar providências no sentido de um pensamento de natureza social, cultural, política e econômica para o enfrentamento de ação do poder público. Nesse sentido, a política pública deve ser entendida como uma atividade que uma sociedade democrática recebe em formas, meios, conteúdos e modalidades de uma intervenção estatal que tende a regular politicamente um expediente na batalha por direitos sociais e pelas distribuições dos diferentes aspectos econômicas, de estrutura social, de um modo de vida, da cultura e das relações sociais, como uma complexa e dinâmica relação multifocal, “impossível de serem reduzidos ao momento imediatamente administrativo”. Nesse contexto, enfoca-se que as Políticas públicas possuem dois sentidos: o primeiro, no “sentido da reprodução de certos modos de conceber e fazer, de financiar e gastar; o segundo, no sentido das carências e dos problemas que buscam enfrentar”. Com o surgimento das “transições demográficas”, que se associaram à industrialização, a urbanização, a revolução tecnológica no campo das comunicações e a expansão dos sistemas educacionais, vinculado a “complexificação, diferenciação e fragmentação das sociedades”, cria um novo sistema complexo de transformações na sociedade, que faz surgir novas formas de exigências e imposições, por essa mesma sociedade, devendo ser vistos em três âmbitos distintos: o técnico, o jurídico e o político. Sendo que o primeiro é imediatamente técnico, de conhecimento específico que abarca pessoas qualificadas, instituições e capacidade de gestão; o segundo é de âmbito jurídico compreendendo os padrões de cidadania e legislação; e por fim, o político que estabelece um sistema de representação em sentido lato. 2. INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS Do ponto de vista histórico, Giovanni e Nogueira (2015, p. 18-25), esclarecem que as políticas públicas foram consolidadas depois da segunda guerra mundial e deram certas configurações especificas as políticas públicas de hoje que convivem com outras formas de ações coletivas, institucionalizadas e estruturadas, de raízes históricas, como exemplo, o corporativismo, o mandonismo local, o coronelismo, o populismo, a responsabilidade social e o voluntarismo. Com isso, três fatores tiveram grande importância na reconfiguração da sociedade capitalista, do pós-guerra, das intervenções do Estado na vida econômica e social. Uma das razões para que houvesse grandes mudanças de ordem econômica e política, em escala internacional, adotadas pelos Estados, foram os fatos de terem estreita relação de bipolarização entre os blocos capitalista e socialista, que levaram a um “livre jogo de forças do mercado” capitalista contra os socialistas “fundada em preceitos do liberalismo econômico”, que culminaram em uma experiência dramática e destruidora. As soluções encontradas pelos Estados foram as intervenções de caráter regulador sobre os aspectos econômicos e sociais da vida coletiva, simultaneamente pelo controle da produção de bens e serviços, e na “institucionalização de proteção social”, até o momento da dominação e aceitação das idéias neoliberais pelos Estados. Foi, no período pós-guerra, carregado de “tensão geopolítica” entre socialistas e capitalistas, que surgiram ideais inspiradoras na concepção de políticas socialistas e trabalhistas, estabelecendo “novos princípios e novos pactos nas relações entre capital e trabalho”, corroborando, nesse sentido, surge a “crescente presença do Estado nesse campo de atividade” intensificando “a base para a constituição dos modernos sistemas de proteção social, dos quais os casos mais conspícuos foram os welfare states europeus”, que introduziram modificações profundas nas estruturas e nas estratificações das sociedades, consequentemente, ampliando as representações sociais e políticas, como na participação sindical e partidárias, com direito a voto, e também pelos movimentos sociais e suas associações voluntárias. Nesse sentido, o estado democrático passa a ser visto como aquele que “revela forte capacidade” de dar respostas à sociedade através de “mecanismos de participação igualitária de classes, categorias e interesses”, predominantemente por meio de uma democracia de massas. Por fim, com a presença marcante do Estado na vida cotidiana, através da institucionalização das políticas públicas, revela-se por uma marcante exigência de uma sociedade politizada. 3. SECULO DOS DIREITOS SOCIAIS Giovanni e Nogueira (2015, p. 23-4), enfatizam que o século 20 foi o “século dos direitos sociais”, pois passaram a ser percebidos, entendidos e consolidados em sua plenitude como algo que legitimamente pertence a alguém. E, concordam com a hipótese de que é a partir do “binômio direito/demanda” que se pressupõe a ação do Estado, em uma revolução de expectativas, onde o indivíduo e a sociedade civil organizada, passam a agir política e conscientemente para suprir suas necessidades e carências sociais. O que faz ressurgir, além das “formas clássicas dos conflitos políticos”, as novas “ações empreendidas por organizações e movimentos sociais” que expressam tensões latentes da sociedade contemporânea. Com o surgimento de novos movimentos e novos atores no cenário político, como exemplos, os movimentos estudantis e as feministas, demonstram que as mudanças demográficas e os movimentos da população, expuseram abertamente a muitos Estados uma nova face dos problemas migratórios e, é a partir desse momento, que o Estado passa a atuar como poder público na gestão dos conflitos, com vínculos de natureza distintos e de interesses específicos, “que convivem em um campo de tensões no qual se confrontam pelo menos três lógicas de ação: acumulação de capital, acumulação de poder e acumulação de recursos de bem-estar e garantias de direitos”. Nesse mesmo contexto o Estado desenvolve “conhecimentos técnicos específicos de intervenções” no processo de institucionalização do exercício do poder nas relações com os movimentos sociais. E, o capitalismo surge como um modo de produção que através de seus ciclos de expansões e recomposições incorporam territórios e subordinam a “natureza em escala global irrefreável”. Mas, de maneira particular e isoladamente não tem potencia suficiente para explicar a globalização como processo abrangente. Exemplo típico são as formações dos blocos regionais ou comunidades supranacionais que modificam os fundamentos dos seus espaços subnacionais e nacionais, criando comunidades globais. Mas, isso nãos significa dizer que a constituição de um espaço territorial é também global. (Giovanni e Nogueira, 2015, p. 24-5). O grande vilão seria “a não existência de ordem ou de regras vinculatórias eficientes”, pois, a não existência de um “Estado Mundial” significa uma sociedade que não está politicamente organizada, pois abre espaço a conquista do “poder e de intervenções”, já que não existe a devida “legitimidade democrática”. É justamente por isso que a globalização só encontra seu fulcro no político. Podemos analisar globalização a partir de duas concepções: uma focada na ideologia do neoliberalismo, o “Globalismo”; a outra, no ideal de sociedade mundial, a “Globalidade”. Aquela trata de uma ideologia focada no império do “mercado mundial” em que ela mesma expulsa ou substitui a ação política. Já, vista por outro ângulo, a globalidade considera o fato que em um futuro não muito distante, nada que ocorra em nosso planeta “será um fenômeno espacialmente delimitado”, mas muito pelo contrário, todas as “descobertas, triunfos e catástrofes afetam a todo o planeta”, dando oportunidade a sociedade a “redirecionar e reorganizar nossas vidas e nossas ações em torno do eixo ‘global-local’”. A era da globalização tem favorecido a busca do capitalismo exacerbado, por parte dos Estados desenvolvidos e organizações poderosas. Vivemos em uma época difícil, que exige muito de cada indivíduo e impõe às pessoas problemas sucessivos de difícil solução, gerando dificuldades adicionais de adaptação, equilíbrio e recomposição. (Giovanni e Nogueira 2015, p. 26). O mercado financeiro sobrepõe-se a transnacionalização, tudo se “submete a ele, ao dinheiro, ao cálculo, aos valores econômicos”, em detrimento da soberania e da autodeterminação dos Estados. O cenário histórico parece anunciar uma grande transformação ao reverso, uma espécie de revanche do mercado, novamente livre depois do cerco vitorioso a que foi submetido pelo Estado, ao longo de praticamente todo “o breve século XX”. (Giovanni e Nogueira, 2015, p. 27). Nos Estados nacionais, em decorrência de uma nova ordem mundial dominada por conglomerados financeiros que operam com uma lógica pouco previsível e impossível de ser responsabilizado, fogem ao controle estatal, problematizando ainda mais a soberania, a legitimidade e abalando a autonomia dos Estados com a “efetiva perda de força dos centros, dos núcleos de direção” num caminho a desterritorialização, com avanços impetuosos do mercado mundial, causando efeitos globais na convivência social, na política e na governabilidade, condicionados aos interesses e as demandas sociais, sem uma direção segura vai “empobrecendo” a convivência social com o enfraquecimento da lealdade. Tudo isso, em forma de assédio de propostas reformadoras que “atropelam suas especificidades e finalidades”, numa troca desenfreada da segurança pela insegurança de normas consolidadas pela flexibilidade da incerteza, pela demora comprovada do fato pela velocidade do efeito de garantias e na mudança do cidadão pelo cliente, num processo de clonagem do mercado e da empresa privada. CONSIDERAÇÕES FINAIS A realidade impõe ajustes e exigem as recomposições de um novo Estado, em termos ético, técnico e político, com uma maior dose de atenção e rigor, pois as ferramentas de gestão, métodos e idéias, sofrem fortes esgotamentos ao enfrentar problemas reais, sob incontroláveis demandas e reivindicações, que produzem sem cessar novos problemas, carências e direitos. Como tudo que se gerencia em condições de escassez de recurso e que simplesmente não consegue acompanhar as demandas, forçam a dilapidação, desses mesmos recursos, por uma lógica da pressão, oprimindo o Estado e a sociedade, pela rapidez com o quê são usados, e quando não o são, no contexto atual, por motivos de intermediação de interesses privados, da existência de recursos e em condições crescente no mercado global, não conseguem acompanhar as exigências sociais e a irrupção de novos problemas.
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Contratos administrativos
Este artigo tem por objetivo fazer um breve estudo sobre os contratos administrativos. Instrumento dado à administração pública para dirigir-se e atuar perante seus administrados sempre que necessite adquirir bens ou serviços dos particulares. Os contratos administrativos buscam, na maioria das vezes, a satisfação do interesse público, são dotados de cláusulas exorbitantes e contem em seu bojo cláusulas de cunho obrigatório, não podem ser considerados mera formalidade, devendo ser rigorosamente cumpridos e formalmente editados pelos órgãos da Administração Pública.
Direito Administrativo
Introdução Contrato administrativo ou contrato público é o instrumento dado à administração pública para dirigir-se e atuar perante seus administrados sempre que necessite adquirir bens ou serviços dos particulares. Contrato é o acordo recíproco de vontades que tem por fim gerar obrigações recíprocas entre os contratantes. Assim como o particular, o Poder Público celebra contratos no intuito de alcançar objetivos de interesse público. A Constituição Federal, em seu art. 37, XXI, vincula as contratações realizadas pela Administração ao processo licitatório, salvo em casos específicos previstos na legislação vigente. Dessa forma, as contratações do ente público são regidas pela Lei nº 8.666/93 de 21 de junho de 1993, também conhecida como Lei de Licitações e Contratos Administrativos, e suas alterações (Leis nºs 8.883/94, 9.032/95 9.648/98 e 9.854/99). A principal decorrência da Constituição e da Lei é que todas as compras devem ser antecedidas de um processo licitatório, existindo verdadeiro dever de licitar. Por exceção, há as modalidades ditas de contratação direta, chamadas de dispensa de licitação e inexigibilidade de licitação. Os contratos celebrados pelo ente administrativo dividem-se em contratos administrativos e contratos civis (ou privados). No primeiro ocorre a supremacia da Administração sobre o particular uma vez que se busca a concretização de um interesse público enquanto no segundo a Administração encontra-se análoga ao particular. O contrato civil (ou privado) da administração caracteriza-se por ser um acordo de vontade entre um particular e a Administração que se submetem ao regime jurídico de Direito Privado uma vez que o ente administrativo encontra-se em condições análogas ao particular, ou seja, aplicam-se a esses contratos o disposto no Código Civil. Contudo, segundo José dos Santos Carvalho Filho, essa forma de contrato está praticamente extinta uma vez que a Lei nº 8.666/93 enquadrou todos os tipos de contratos da administração em seu regime. O contrato administrativo caracteriza-se por ser um acordo de vontades entre um particular (objetivando o lucro) e a Administração que se submetem ao regime jurídico de Direito Público, instruído por princípios publicísticos, contendo cláusulas exorbitantes e derrogatórias do direito comum. São cláusulas exorbitantes: a alteração unilateral, rescisão unilateral, fiscalização, aplicação de penalidades, anulação, retomada do objeto, restrições ao uso do princípio da exceptio non adimpleti contractus (exceção do contrato não cumprido). Os contratos administrativos de que trata a Lei de Licitações – Lei 8.666/1993, regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado. Os contratos devem estabelecer com clareza e precisão as condições para sua execução, expressas em cláusulas que definam os direitos, obrigações e responsabilidades das partes, em conformidade com os termos da licitação e da proposta a que se vinculam. A Lei de Licitações e Contratos prevê os casos em que a Administração pode realizar a contratação direta por meio das dispensas e inexigibilidades de licitações. Para a instauração das dispensas ou inexigibilidades, além dos preenchimentos dos requisitos legais, faz-se necessário a realização de procedimentos tais como o parecer jurídico da assessoria jurídica da Administração, a justificativa da compra, a reserva orçamentária, dentre outros. 2 Desenvolvimento Os Contratos Administrativos são dispositivos legais e padronizados pela Lei nº 8.666/93, que regulamenta a contratação do Poder Público com o particular ou outro órgão da administração, em virtude de atender à necessidade de interesse público, como bem descreve o artigo 54, vejamos: (Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado.) Segundo Di Pietro (2001, p. 251. Citado por PÊRA, 2011, p. 80)[1]: "Ajustes que a Administração, nessa qualidade, celebra com pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, para a consecução de fins públicos, segundo regime jurídico de direitos públicos." São espécies de contratos administrativos: De obra pública: ajuste contratual que tem por objeto uma construção, reforma ou uma ampliação de um imóvel destinado ao público ou ao serviço público. Essa modalidade admite duas espécies de regimes de execução, a empreitada e a tarefa. De serviço: ajuste que tem por objeto uma atividade prestada à Administração, para atendimento de suas necessidades ou de seus administrados. Existem os serviços comuns, os trabalhos artísticos e os técnico-profissionais (incluem-se nessa categoria, os contratos de manutenção, transporte, comunicação, entre outros). De fornecimento: ajuste pelo qual a Administração adquire bens e coisas móveis necessários à manutenção de seus serviços e realização de obras. De concessão: ajustes onde a Administração (a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Município) concede a terceiros a realização de determinadas atividades. Esta espécie divide-se em três modalidades: concessão de serviço público, concessão de obra pública, e concessão de uso de bem público, para que o explore por sua conta e risco, pelo prazo e nas condições regulamentares e contratuais (São exemplos de serviços públicos passíveis de concessão, os serviços de telecomunicações, saneamento, energia elétrica, entre outros). De gerenciamento: que consiste na espécie em que o contratante comete ao gerenciador a condução de um empreendimento, reservando para si a competência decisória final e responsabilizando-se pelos encargos financeiros. É celebrado pelo Poder Público com órgãos e entidades da Administração direta, indireta e entidades privadas qualificadas como organizações sociais, para lhes ampliar a autonomia gerencial, orçamentária e financeira ou para lhes prestar variados auxílios e lhes fixar metas de desempenho na consecução de seus objetivos. O contrato de gestão designa algumas espécies de acordos celebrados entre a Administração direta e entidades da administração indireta, assim também com entidades privadas que atuam de forma paralela com o Estado, e com dirigentes de órgãos da própria administração direta. De permissão: conceitualmente definido pela Lei Federal n. 8.987/95, destaca-se pelos atributos da unilateralidade, discricionariedade e precariedade. Destaca-se, por oportuno, a previsão do art. 2o, inciso IV (“permissão de serviço público: a delegação, a título precário, mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco”). De convênios e consórcio público: os convênios administrativos são pactos celebrados por entidades públicas de diversas esferas do Poder Público, podendo haver a participação de entes privados, para o alcance dos objetivos comuns. De acordo com a doutrina de Hely Lopes Meirelles[2]: “Convênio é acordo, mas não é contrato. No contrato as partes tem interesses diversos e opostos; no convenio os partícipes tem interesses comuns e coincidentes. (…) Por essa razão, no convênio a posição jurídica dos signatários é uma só, idêntica para todos, podendo haver apenas diversificação na cooperação de cada um, segundo suas possibilidades, para a consecução do objetivo comum, desejado por todos.” Insta salientar que a Lei nº 8.666/93 – (Lei das Licitações), estabelece em seu artigo 116, que se aplicam, no couber, as suas regras para a celebração de convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da Administração Pública. Por sua vez, os consórcios, nos dizeres deste mesmo doutrinador, “são acordos firmados entre entidades estatais, autárquicas, fundacionais ou paraestatais, sempre da mesma espécie, para a realização de objetivos de interesse comum dos partícipes”. Esta é a única diferença entre as duas modalidades, enquanto convênio pode ser ajustado por entidades diferentes, consórcio será sempre por diferentes entes, aplicando a esta modalidade as mesmas regras aplicáveis aos convênios. Termo de parceria: instrumento a ser firmado entre o Poder Público e a entidade qualificada como organização social, com vistas à formação de parceria entre as partes para o fomento e execução de atividades relativas às áreas relacionadas no artigo 1° da Lei n° 9.637/98. Em todo contrato, seguindo a regra geral estabelecida pelo Código Civil e com base na teoria geral dos contratos, deverão estar presentes as cláusulas necessárias que estabeleçam: a) o objeto e seus elementos característicos; b) o regime de execução ou a forma de fornecimento; c) o preço e as condições de pagamento, os critérios, data-base e periodicidade do reajustamento de preços, os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento; d) os prazos de início de etapas de execução, de conclusão, de entrega, de observação e de recebimento definitivo, conforme o caso; e) o crédito pelo qual correrá a despesa, com a indicação da classificação funcional programática e da categoria econômica; f) as garantias oferecidas para assegurar sua plena execução, quando exigidas; g) os direitos e as responsabilidades das partes, as penalidades cabíveis e os valores das multas; h) os casos de rescisão; i) o reconhecimento dos direitos da Administração, em caso de rescisão administrativa pela inexecução parcial ou total do contrato; j) as condições de importação, a data e a taxa de câmbio para conversão, quando for o caso; k) a vinculação ao edital de licitação ou ao termo que a dispensou ou a inexigiu, ao convite e à proposta do licitante vencedor; l) a legislação aplicável à execução do contrato e especialmente aos casos omissos; m) a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação. Nos contratos celebrados pela Administração Pública com pessoas físicas ou jurídicas, inclusive aquelas domiciliadas no estrangeiro, deverá constar necessariamente cláusula que declare competente o foro da sede da Administração para dirimir qualquer questão contratual, salvo no caso de ocorrer licitação internacional o que deve ser observada a sede do contratante ou contratado no exterior. A critério da autoridade competente, em cada caso, e desde que prevista no instrumento convocatório, poderá ser exigida prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e compras. Caberá ao contratado optar por uma das seguintes modalidades de garantia: a) caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública, devendo estes terem sido emitidos sob a forma escritural, mediante registro em sistema centralizado de liquidação e de custódia autorizado pelo Banco Central do Brasil e avaliados pelos seus valores econômicos, conforme definido pelo Ministério da Fazenda; b) seguro-garantia; c) fiança bancária. A garantia por caução em dinheiro, não excederá a 5% – cinco por cento do valor do contrato e terá seu valor atualizado nas mesmas condições daquele, ressalvado os casos relacionados para a contratação de obras, serviços e fornecimento de grande vulto envolvendo alta complexidade técnica, o que o limite da garantia poderá ser elevado até dez por cento do valor do contrato. Ressalte-se que para obras, serviços e fornecimentos de grande vulto envolvendo alta complexidade técnica e riscos financeiros consideráveis, demonstrados através de parecer tecnicamente aprovado pela autoridade competente, o limite de garantia previsto poderá ser elevado para até dez por cento do valor do contrato. A garantia prestada pelo contratado será liberada ou restituída após a execução do contrato e, quando em dinheiro, atualizada monetariamente. Nos casos de contratos que importem na entrega de bens pela Administração, dos quais o contratado ficará depositário, ao valor da garantia deverá ser acrescido o valor desses bens. Contrato administrativo é aquele sujeito aos preceitos de direito público. A duração dos contratos administrativos ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos: a) aos projetos cujos produtos estejam contemplados nas metas estabelecidas no Plano Plurianual, os quais poderão ser prorrogados se houver interesse da Administração e desde que isso tenha sido previsto no ato convocatório; b) à prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que poderão ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração, limitada a 60 (sessenta) meses; c) ao aluguel de equipamentos e à utilização de programas de informática, podendo a duração estender-se pelo prazo de até 48 (quarenta e oito) meses após o início da vigência do contrato; d) às hipóteses de dispensa de licitação quando houver possibilidade de comprometimento da segurança nacional, para as compras de material de uso pelas Forças Armadas, com exceção de materiais de uso pessoal e administrativo, para o fornecimento de bens e serviços, produzidos ou prestados no País, que envolvam, cumulativamente, alta complexidade tecnológica e defesa nacional, cujos contratos poderão ter vigência por até 120 (cento e vinte) meses, caso haja interesse da administração. Os prazos de início de etapas de execução, de conclusão e de entrega admitem prorrogação, mantidas as demais cláusulas do contrato e assegurada à manutenção de seu equilíbrio econômico-financeiro, desde que ocorra algum dos seguintes motivos, devidamente autuados em processo: a) alteração do projeto ou especificações, pela Administração; b) superveniência de fato excepcional ou imprevisível, estranho à vontade das partes, que altere fundamentalmente as condições de execução do contrato; c) interrupção da execução do contrato ou diminuição do ritmo de trabalho por ordem e no interesse da Administração; d) aumento das quantidades inicialmente previstas no contrato, nos limites permitidos pela lei de licitações; e) impedimento de execução do contrato por fato ou ato de terceiro reconhecido pela Administração em documento contemporâneo à sua ocorrência; f) omissão ou atraso de providências a cargo da Administração, inclusive quanto aos pagamentos previstos de que resulte, diretamente, impedimento ou retardamento na execução do contrato, sem prejuízo das sanções legais aplicáveis aos responsáveis. Toda prorrogação de prazo deverá ser justificada por escrito e previamente autorizada pela autoridade competente para celebrar o contrato. É vedado o contrato com prazo de vigência indeterminado. O regime jurídico dos contratos administrativos confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de: a) modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado; b) rescindi-los, unilateralmente, pela Administração; c) fiscalizar lhes a execução; d) aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste; e) nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hipótese de rescisão do contrato administrativo. As cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos administrativos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado. No caso de alguma modificação nas cláusulas do contrato, as cláusulas econômico-financeiras do contrato deverão ser revistas para que se mantenha o equilíbrio contratual. A declaração de nulidade do contrato administrativo opera retroativamente impedindo os efeitos jurídicos que ele, ordinariamente, deveria produzir, além de desconstituir os já produzidos. A nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa. Os contratos administrativos e seus aditamentos serão lavrados nas repartições interessadas, as quais manterão arquivo cronológico dos seus autógrafos e registro sistemático do seu extrato, salvo os relativos a direitos reais sobre imóveis, que se formalizam por instrumento lavrado em cartório de notas, de tudo juntando-se cópia no processo que lhe deu origem. É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de pequenas compras de pronto pagamento, assim entendidas aquelas de valor não superior a 5% (cinco por cento) do limite para a contratação para compras e serviços na modalidade de licitação convite, feitas em regime de adiantamento. Todo contrato deve mencionar os nomes das partes e os de seus representantes, a finalidade, o ato que autorizou a sua lavratura, o número do processo da licitação, da dispensa ou da inexigibilidade, a sujeição dos contratantes às normas da lei licitatória e às cláusulas contratuais. A publicação resumida do instrumento de contrato ou de seus aditamentos na imprensa oficial, que é condição indispensável para sua eficácia, será providenciada pela Administração até o quinto dia útil do mês seguinte ao de sua assinatura, para ocorrer no prazo de vinte dias daquela data, qualquer que seja o seu valor, ainda que sem ônus, ressalvado o caso de dispensa e inexigibilidade de licitação que deverão ser comunicadas à autoridade superior no prazo de 3 (três) dias para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos. O instrumento de contrato é obrigatório nos casos de concorrência e de tomada de preços, bem como nas dispensas e inexigibilidades cujos preços estejam compreendidos nos limites destas duas modalidades de licitação, e facultativo nos demais em que a Administração puder substituí-lo por outros instrumentos hábeis, tais como carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra ou ordem de execução de serviço. A minuta do futuro contrato integrará sempre o edital ou ato convocatório da licitação. Em "carta contrato", "nota de empenho de despesa", "autorização de compra", "ordem de execução de serviço" ou outros instrumentos hábeis aplica-se, no que couber, as disposições inerentes à formalização do contrato, pela boa-fé, finalidade, objeto, e a função social a que se destina em cada obrigação contratual. Em relação à formalização dos contratos, regime jurídico a ser seguido aplica-se ainda em outras modalidades contratuais e demais normas gerais, no que couber: a) aos contratos de seguro, de financiamento, de locação em que o Poder Público seja locatário, e aos demais cujo conteúdo seja regido, predominantemente, por norma de direito privado; b) aos contratos em que a Administração for parte como usuária de serviço público. É dispensável o "termo de contrato" e facultada à substituição prevista neste artigo, a critério da Administração e independentemente de seu valor, nos casos de compra com entrega imediata e integral dos bens adquiridos, dos quais não resultem obrigações futuras, inclusive assistência técnica. É permitido a qualquer licitante o conhecimento dos termos do contrato e do respectivo processo licitatório e, a qualquer interessado, a obtenção de cópia autenticada, mediante o pagamento dos emolumentos devidos. A Administração convocará regularmente o interessado para assinar o termo de contrato, aceitar ou retirar o instrumento equivalente, dentro do prazo e condições estabelecidos, sob pena de decair o direito à contratação, o que também poderá ser penalizado com as sanções. O prazo de convocação poderá ser prorrogado uma vez, por igual período, quando solicitado pela parte durante o seu transcurso e desde que ocorra motivo justificado aceito pela Administração. É facultado à Administração, quando o convocado não assinar o termo de contrato ou não aceitar ou retirar o instrumento equivalente no prazo e condições estabelecidos, convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para fazê-lo em igual prazo e nas mesmas condições propostas pelo primeiro classificado, inclusive quanto aos preços atualizados de conformidade com o ato convocatório, ou revogar a licitação independentemente da cominação. Decorridos 60 (sessenta) dias da data da entrega das propostas, sem convocação para a contratação, ficam os licitantes liberados dos compromissos assumidos. O contrato deverá ser executado fielmente pelas partes, de acordo com as cláusulas avençadas e as normas estabelecidas pela Lei 8.666/1993 (Licitações e Contratos Administrativos), respondendo cada uma pelas consequências de sua inexecução total ou parcial. A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição. O representante da Administração anotará em registro próprio todas as ocorrências relacionadas com a execução do contrato, determinando o que for necessário à regularização das faltas ou defeitos observados. As decisões e providências que ultrapassarem a competência do representante deverão ser solicitadas a seus superiores em tempo hábil para a adoção das medidas convenientes. O contratado deverá manter preposto, aceito pela Administração, no local da obra ou serviço, para representá-lo na execução do contrato. O contratado é obrigado a reparar, corrigir, remover, reconstruir ou substituir, às suas expensas, no total ou em parte, o objeto do contrato em que se verificarem vícios, defeitos ou incorreções resultantes da execução ou de materiais empregados. O contratado é responsável pelos danos causados diretamente à Administração ou a terceiros, decorrentes de sua culpa ou dolo na execução do contrato, não excluindo ou reduzindo essa responsabilidade a fiscalização ou o acompanhamento pelo órgão interessado. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato. A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis. Cumpre ressaltar que a Administração Pública responde solidariamente com o contratado pelos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato. O contratado, na execução do contrato, sem prejuízo das responsabilidades contratuais e legais, poderá subcontratar partes da obra, serviço ou fornecimento, até o limite admitido, em cada caso, pela Administração. Sendo o contrato executado, o seu objeto será recebido: – em se tratando de obras e serviços: a) provisoriamente, pelo responsável por seu acompanhamento e fiscalização, mediante termo circunstanciado, assinado pelas partes em até 15 (quinze) dias da comunicação escrita do contratado; b) definitivamente, por servidor ou comissão designada pela autoridade competente, mediante termo circunstanciado, assinado pelas partes, após o decurso do prazo de observação, ou vistoria que comprove a adequação do objeto aos termos contratuais, – em se tratando de compras ou de locação de equipamentos: a) provisoriamente, para efeito de posterior verificação da conformidade do material com a especificação; b) definitivamente, após a verificação da qualidade e quantidade do material e consequente aceitação. Nos casos de aquisição de equipamentos de grande vulto, o recebimento far-se-á mediante termo circunstanciado e, nos demais, mediante recibo. O recebimento provisório ou definitivo não exclui a responsabilidade civil pela solidez e segurança da obra ou do serviço, nem ético-profissional pela perfeita execução do contrato, dentro dos limites estabelecidos pela lei ou pelo contrato. Na hipótese de o termo circunstanciado ou à verificação a que se refere este artigo não serem, respectivamente, lavrado ou procedida dentro dos prazos fixados, reputar-se-ão como realizados, desde que comunicados à Administração nos 15 (quinze) dias anteriores à exaustão dos mesmos. Salvo disposições em contrário constantes do edital, do convite ou de ato normativo, os ensaios, testes e demais provas exigidas por normas técnicas oficiais para a boa execução do objeto do contrato correm por conta do contratado. Poderá ser dispensado o recebimento provisório do objeto nos seguintes casos: a) gêneros perecíveis e alimentação preparada; b) serviços profissionais; c) obras e serviços, desde que não se componham de aparelhos, equipamentos e instalações sujeitos à verificação de funcionamento e produtividade. O recebimento do objeto será feito mediante recibo. A Administração rejeitará, no todo ou em parte, obra, serviço ou fornecimento executado em desacordo com o contrato. A inexecução total ou parcial do contrato enseja a sua rescisão, com as consequências contratuais e as previstas em lei ou regulamento. Constituem motivo para rescisão do contrato por: – descumprimento das obrigações contratuais: o não cumprimento de cláusulas contratuais, especificações, projetos ou prazos; – irregularidade nas obrigações contratuais: o cumprimento irregular de cláusulas contratuais, especificações, projetos e prazos; – demora no cumprimento do contrato: a lentidão do seu cumprimento, levando a Administração a comprovar a impossibilidade da conclusão da obra, do serviço ou do fornecimento, nos prazos estipulados; – atraso injustificado: o atraso injustificado no início da obra, serviço ou fornecimento; – paralisação das atividades: a paralisação da obra, do serviço ou do fornecimento, sem justa causa e prévia comunicação à Administração; – subcontratação com terceiros não admitidos no edital: a subcontratação total ou parcial do seu objeto, a associação do contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial, bem como a fusão, cisão ou incorporação, não admitidas no edital e no contrato; – descumprimento das determinações da autoridade competente: o desatendimento das determinações regulares da autoridade designada para acompanhar e fiscalizar a sua execução, assim como as de seus superiores; – faltas na execução do contrato: o cometimento reiterado de faltas na sua execução, anotadas em registro próprio pelo representante da administração; – falência e insolvência civil: a decretação de falência ou a instauração de insolvência civil; – dissolução de sociedade: a dissolução da sociedade ou o falecimento do contratado.; – alteração social: a alteração social ou a modificação da finalidade ou da estrutura da empresa, que prejudique a execução do contrato; – interesse público de alta relevância: razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a que está subordinado o contratante e exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato; – supressão: a supressão, por parte da Administração, de obras, serviços ou compras, acarretando modificação do valor inicial do contrato além do limite permitido nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinquenta por cento) para os seus acréscimos; – supressão da execução do contrato: a suspensão de sua execução, por ordem escrita da Administração, por prazo superior a 120 (cento e vinte) dias, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, ou ainda por repetidas suspensões que totalizem o mesmo prazo, independentemente do pagamento obrigatório de indenizações pelas sucessivas e contratualmente imprevistas desmobilizações e mobilizações e outras previstas, assegurado ao contratado, nesses casos, o direito de optar pela suspensão do cumprimento das obrigações assumidas até que seja normalizada a situação; – atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas destes, já recebidos ou executados, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, assegurado ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação; – vedação na liberação para a realização da área, local ou objeto: a não liberação, por parte da Administração, de área, local ou objeto para execução de obra, serviço ou fornecimento, nos prazos contratuais, bem como das fontes de materiais naturais especificadas no projeto; – motivo de caso fortuito ou força maior: a ocorrência de caso fortuito ou de força maior, regularmente comprovada, impeditiva da execução do contrato; – habilitante na licitação – na condição à habilitação na licitação não poderá o habilitante estar sujeito ao trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos, sem prejuízo das sanções penais cabíveis. Os casos de rescisão contratual serão formalmente motivados nos autos do processo, assegurado o contraditório e a ampla defesa. Ocorrendo impedimento, paralisação ou sustação do contrato, o cronograma de execução será prorrogado automaticamente por igual tempo. A rescisão do contrato poderá ser: a) determinada por ato unilateral e escrito da Administração, b) amigável, por acordo entre as partes, reduzida a termo no processo da licitação, desde que haja conveniência para a Administração; c) judicial, A rescisão administrativa ou amigável deverá ser precedida de autorização escrita e fundamentada da autoridade competente. Quando a rescisão ocorrer com base em interesse público de alta relevância, a supressão, por parte da Administração, de obras, serviços ou compras, acarretando modificação do valor inicial do contrato, supressão da execução do contrato, atraso superior a noventa dias dos pagamentos devidos pela Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas destes, já recebidos ou executados, vedação na liberação para a realização da área, local ou objeto, motivo de caso fortuito ou força maior, sem que haja culpa do contratado, será este ressarcido dos prejuízos regularmente comprovados que houver sofrido. Além do ressarcimento sem que haja culpa do contratado terá direito ainda a: a) devolução de garantia; b) pagamentos devidos pela execução do contrato até a data da rescisão; c) pagamento do custo da desmobilização. A rescisão por descumprimento das obrigações contratuais acarreta as seguintes consequências, sem prejuízo das sanções previstas pela Lei de Licitações: a) assunção imediata do objeto do contrato, no estado e local em que se encontrar, por ato próprio da Administração; b) ocupação e utilização do local, instalações, equipamentos, material e pessoal empregados na execução do contrato, necessários à sua continuidade; c) execução da garantia contratual, para ressarcimento da Administração, e dos valores das multas e indenizações a ela devidos; d) retenção dos créditos decorrentes do contrato até o limite dos prejuízos causados à Administração. Nos casos de assunção imediata do objeto do contrato, no estado e local em que se encontrar, por ato próprio da Administração e de ocupação e utilização do local, instalações, equipamentos, material e pessoal empregados na execução do contrato, necessários à sua continuidade, fica a critério da Administração, que poderá dar continuidade à obra ou ao serviço por execução direta ou indireta. É permitido à Administração, no caso de concordata do contratado, manter o contrato, podendo assumir o controle de determinadas atividades de serviços essenciais. No caso de ocupação e utilização do local, instalações, equipamentos, material e pessoal empregados na execução do contrato o ato deverá ser precedido de autorização expressa do Ministro de Estado competente, ou Secretário Estadual ou Municipal, conforme o caso. No caso de ocorrer atraso injustificado permite à Administração, a seu critério, aplicar a medida de assunção imediata do objeto do contrato, no estado e local em que se encontrar, por ato próprio da Administração. A Lei de Licitações e Contratos Administrativos – Lei 8.666/1993, prevê que referidos contratos possam ser alterados, desde que haja a devida justificativa para a alteração. Os Contratos Administrativos poderão ser alterados nos seguintes casos: – Unilateralmente pela Administração: a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos; b) quando necessária à modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos pela Lei de Licitações. – Por acordo das partes: a) quando conveniente à substituição da garantia de execução; b) quando necessária à modificação do regime de execução da obra ou serviço, bem como do modo de fornecimento, em face de verificação técnica da inaplicabilidade dos termos contratuais originários; c) quando necessária à modificação da forma de pagamento, por imposição de circunstâncias supervenientes, mantido o valor inicial atualizado, vedada a antecipação do pagamento, com relação ao cronograma financeiro fixado, sem a correspondente contraprestação de fornecimento de bens ou execução de obra ou serviço; d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual. O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinquenta por cento) para os seus acréscimos. Nenhum acréscimo ou supressão poderá exceder os limites estabelecidos nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinquenta por cento), salvo, as supressões resultantes de acordo celebrado entre os contratantes. Se no contrato não houverem sido contemplados preços unitários para obras ou serviços, esses serão fixados mediante acordo entre as partes, respeitados os limites estabelecidos. No caso de supressão de obras, bens ou serviços, se o contratado já houver adquirido os materiais e posto no local dos trabalhos, estes deverão ser pagos pela Administração pelos custos de aquisição regularmente comprovados e monetariamente corrigidos, podendo caber indenização por outros danos eventualmente decorrentes da supressão, desde que regularmente comprovados. Quaisquer tributos ou encargos legais criados, alterados ou extintos, bem como a superveniência de disposições legais, quando ocorridas após a data da apresentação da proposta, de comprovada repercussão nos preços contratados, implicarão a revisão destes para mais ou para menos, conforme o caso. Em havendo alteração unilateral do contrato que aumente os encargos do contratado, a Administração deverá restabelecer, por aditamento, o equilíbrio econômico-financeiro inicial. A variação do valor contratual para fazer face ao reajuste de preços previsto no próprio contrato, as atualizações, compensações ou penalizações financeiras decorrentes das condições de pagamento nele previstas, bem como o empenho de dotações orçamentárias suplementares até o limite do seu valor corrigido, não caracterizam alteração do mesmo, podendo ser registrados por simples apostila, dispensando a celebração de aditamento. Conclusão O objetivo esperado com o estudo da matéria é o de compreender o instituto do contrato administrativo, não somente no âmbito da Lei 8.666/93, como também, os aspectos doutrinários, constitucionais, financeiros, e políticos, que envolvem o assunto, sem, todavia, descurar de pontos relevantes próprios da Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública. Os contratos administrativos buscam, na maioria das vezes, a satisfação do interesse público, são dotados de cláusulas exorbitantes e contem em seu bojo cláusulas de cunho obrigatório. Os contratos administrativos não podem ser considerados mera formalidade, devendo ser rigorosamente cumpridos e formalmente editados pelos órgãos da Administração Pública. Os contratos administrativos são regidos pela Lei 8.666/93 e possuem como principais características: a) consensual; b) formal; c) oneroso; d) comutativo; e) realizado intuitu personae; f) geralmente precedido de licitação e g) possuir cláusulas exorbitantes (dentre as quais destaca-se a exigência de garantia; alteração unilateral por parte da Administração; rescisão unilateral por parte da Administração; fiscalização; retomada do objeto; aplicação de penalidades; anulação; restrições ao uso da exceção do contrato não cumprido.
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Os entraves de uma governança municipal em cidades de pequeno porte
O presente estudo buscou apresentar os entraves, as dificuldades e as armadilhas da política desenvolvida em Cidades de Pequeno Porte, no interior do Brasil, trazendo para o debate a análise e o pensamento de Professor Armindo dos Santos de Souza Teodósio, que enfoca as possibilidades, os limites e as dificuldades na implementação da governança municipal em cidades de pequeno porte, por meio de instrumentos que possibilitem o controle social e a participação popular, como exemplo, a intersetorialidade, a descentralização, a parceria pública (terceiro setor), conselhos municipais, movimentos sociais e uma escolha consciente dos agentes e dirigentes políticos comprometidos com o desenvolvimento local, que incentive a participação de cidadãos preparados e consciente para atuarem como protagonistas na ação política municipal.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO Teodósio (2010) enfoca que é necessário, em algumas situações, um líder forte e renovador, capazes de superar crises e turbulências que se instalam em um governo municipal, seja ela política ou econômica. Mas, para isso, são necessárias novas formas de organização, planejamento e participação popular para que se tenha uma “boa” gestão que seja aceita e aprovada por seus concidadãos. Segundo o autor, não se deve “perder de vista a importância de um líder visionário para mudar os rumos das estruturas corrompidas e caducas” de um Estado. Porque, como acontece em muitas cidades de pequeno porte no Brasil, o direito virou favor e, é usado como assistencialismo para controlar a população necessitada e criar certo ambiente favorável aos mandos e desmandos do governo instituído. E, aos adversários políticos, desconsiderando os ensinamentos de Maquiavel, são tratados ao punho da Lei, como no ditado: “aos amigos tudo, aos inimigos a lei” e a transparência da máquina pública que é uma obrigação legal e um compromisso com o povo, torna-se uma máquina de criatividade contábil formal. O autor afirma que nos escrito de Weber (1982) a figura do líder carismático é a saída para o controle de uma máquina pública fechada e distante dos interesses do povo. E, utiliza o pensamento de Michells (1969), o autor informa que os movimentos sociais um dia acabam cedendo à Lei de ferro das oligarquias, se tornando umas máquinas do controle político “ensimesmadas, fechadas e distantes do povo, fadadas ao insucesso crônico, com uma visão pessimista injustificada e cômoda. Neste contexto, em Cidades de Pequeno Porte, é possível encontrar cidadãos, políticos, representantes da sociedade civil organizada que têm um apego aos valores democráticos em seus discursos ardentes e liberais, da boca para fora, com um conteúdo insignificante e de tom igualitarista conquistando espaço, seguidores e admiradores, iludindo o povo, pois, são jovens e velhos políticos que seguem há antiga tradição enraizada dos conceitos marxista. Nos últimos anos, segundo o autor, grande parte dos avanços que se fizeram relevantes na construção de uma organização governamental e de políticas públicas, materializou-se em níveis locais, em cidades brasileiras de grande, médio e pequeno porte, através da repartição de competências com os conselhos municipais, ali formados, como exemplo: o orçamento participativo, os conselhos municipais com participação das organizações da sociedade civil, do controle e fiscalização da máquina pública. É possível notar que os recentes escândalos políticos nacionais fazem parte da vida cotidiana das cidades de pequeno porte e não são considerados como episódios distantes, foram construídas por todos, inclusive por uma parcela considerável das organizações da sociedade civil e do terceiro setor, e seus reflexos econômicos e políticos atingem diretamente a vida cotidiana de todos os indivíduos interioranos. Essa política construída por todos e inclusive pelas organizações da sociedade civil teimam em considerar que esses políticos nefastos trouxeram avanços e modernidade para as Cidades de grande, médio e pequeno porte. Mas, não é bem isso que se vê nas análises econômicas e nos índices sociais apresentados em grande parte pelas organizações não-governamentais e institutos de pesquisas. Nesse diapasão, o autor trás o seguinte questionamento: Como sair dessa crise? Antes mesmo de pensar em uma resposta, trazemos mais três questionamentos importantes: 1º – Será que os cidadãos estão dispostos a abrir mão da cômoda posição de expectador e não tolerar mais mandos e desmandos dos agentes políticos das Cidades de pequeno porte? 2º – Por onde andam as lideranças sociais com perspectivas novas, ideais de ética e moral, responsabilidade, capacidade e competência das cidades de pequeno porte? 3º – Quais os impactos econômico e social das brigas política nos municípios de pequeno porte? Poucos pensam sobre como os esquemas corruptos de Brasília se manifestam e impactam as cidades brasileiras, sobretudo nas cidades de pequeno porte. É comum encontrar agentes políticos e cidadãos em cidades de pequeno porte, em períodos de crises ou eleitorais, com discursos ardentes, sem nenhum conteúdo pragmático ou conhecimento situacional local: econômico, social, estatístico e populacional. 1. OS ENTRAVES DA POLÍTICA MUNICIPAL NAS CIDADES DE PEQUENO PORTE Segundo o autor, os agentes políticos e seus partidos interioranos sempre foram um amontoado de interesses privados, sem programas ou projetos políticos para as cidades de pequeno porte, muito dos quais, muda de partido como se troca de roupas. A opção pela vida política interiorana se caracteriza, algumas vezes, pela incapacidade de poucos sem alternativas de melhores empregos e renda, enveredam na política local, na buscar de rendas através da captura do governo, ou por tradição familiar de manter no poder em prol de grupos políticos ou grupos de interesses. Esse discurso é comprovado pela escassez cada vez maior de jovens talentosos e bem intencionado de atuar na política local, pelo receio das artimanhas, das estratégias, da manipulação e das coações dos políticos corruptos. E, como única saída para muitos cidadãos que percebem essa situação dentro de seus municípios parece ser o voto nulo como um suspiro de um ser em extinção: o homem político na acepção da palavra. Citando Pateman (1992), o autor destaca que até mesmo a “pseudoparticipação” pode ocasionar bons frutos em longo prazo, perdendo o efeito da “capacidade de manipulação” junto aos cidadãos conscientes e já calejados das “artimanhas estratégias” nos discursos antidemocráticos que na sua concretude não lhe dão mais atenção. Citando Novaes (2007), o autor enfoca que “esquecer a política” é esquecer a importância dos debates e da filosofia política, é o recuo à vida em comunidade, a fim de privar-se das inconveniências, implicando o domínio do agente político pelo econômico em substituição das virtudes cívicas pela obediência às leis. Para corroborar com o assunto o autor cita Sennett (1996), que considera esse contexto como o “declínio do homem político”, quando agem sem caráter: pode-se até cantar o hino, sem venerar a pátria; pode-se até ser voluntário, sem ter solidariedade; podem-se até ter contatos, sem ter compromisso com as pessoas; pode-se até conversar, ser estabelecer um diálogo; pode-se até cumprir as leis, sem respeitá-las; pode-se até discutir sem estabelecer o confronto de ideias e conviver sem interagir. No mais puro sentido de “idealização da comunidade”, o autor citando Bauman (1999), ensina que é possível encontrar pessoas qualificadas e bem intencionadas, no entanto, alguns delas guardam apenas uma relação de afetuosidade com sua cidade natal, onde se criaram e se distanciam de quaisquer compromissos em contribuir com o rumo político que a cidade possa tomar. Desses poucos, alguns ascenderam a posições de destaque social e econômico na batalha diária em vencer na vida, se tornaram grandes comerciantes e empresários, souberam aproveitar o que a cidade de pequeno porte poderia lhe ofereceu de melhor, vivendo eticamente e solidariamente. Nesse contexto surge a questão: Esses podem renovar a política local? Mas, será que o farão? Teriam o caráter e a honestidade que tanto precisam? Tem capacidade e competência em gestão publica? Teodósio expõe a seguinte preocupação, sobre a vida política das Cidades de Pequeno Porte: elas estão repletas de erros de um passado, não muito distante, assombradas pela incompetência políticas que serviram apenas para robustecer o coração de seus habitantes, com atos políticos de uma lógica perversa e distante da ética e da moralidade. Os grupos políticos locais, com poucas exceções, são fechados e seletivos, movidos pelo interesse de enriquecer, permanecer no poder e de ser bajulado por um grande número de “bibelôs politiqueiros”. E, afirma que nesse contexto, é comum fazer política sem discutir projetos consistentes ou propostas decentes, e sim articular uns contra os outros em uma luta vaidosa pelo poder, pelo mando e desmandos, interessados apenas em suas “benesses”. É dessa maneira que famílias interioranas se aproveitam do poder por várias gerações em troca de uma política assistencialista de troca de favores, desacreditando a instituição política junto à população, num cenário de “decréptos políticos”. Como mudar a política das Cidades de pequeno Porte, quando na verdade, aqueles que clamam por mudanças não querem nomes novos, apenas desejam a volta do seu grupo político ao poder e, se apóiam em discursos vazios de honestidade e moralidade, como se essas fossem as condições suficientes para se fazer um bom governante e empreender novas e melhores condições ao município. E, não reconhecem publicamente que muitos deles se inspiram no velho ditado: “rouba, mas faz”. Além disso, essa “máxima malufiana” nunca foi cumprida a risca em muitas das Cidades de pequeno porte. Pois, mesmo sem ter lido Maquiavel “aprenderam a ética das responsabilidades ao avesso e usam a máxima de que o “fim justifica os meios” para justificar causas privada, que na maioria das vezes, se apresentam travestidas como interesse público. Permanece assim uma pergunta: os cidadãos dessas cidades de pequeno porte estão dispostos a construir projetos e mudar ou preferem o espaço cômodo de suas poltronas para criticar ou elogiar, sem fundamento maior, o que se faz na gestão municipal? “Os pequenos municípios do interior têm possibilidades para avançar em direção a um maior envolvimento de seus cidadãos no futuro da cidade. Pesquisas sobre o município realizadas pelo próprio poder público, por universidades e ONGs estão disponíveis em muitos municípios, mas poucas delas reunidas e sistematizadas para oferecer uma visão integrada e estruturada sobre as cidades. Grupos sociais e indivíduos comprometidos com a melhoria da qualidade dos serviços públicos já atuam intensamente em vários conselhos e espaços de gestão participativa das cidades. Resta articular e organizar esses grupos e indivíduos. Diferentes canais de comunicação já existem nessas cidades e conseguem atingir o cidadão em seu cotidiano tanto quanto os grandes canais de mídia concentrados nas grandes cidades”. Quando surge algum interesse dos empresários das Cidades de Pequeno Porte aos cargos políticos, uns são pelo sonho, outros motivados por grupos políticos locais pela sua experiência empresarial e outros pelas perspectivas de sai da crise financeira. Induzidos a oferecer e conservar a velha política das oligarquias, que não conseguem mais inspirar confiança em governar melhor. Mas, sempre pelo motivo errado.   Segundo Teodósio, ter qualidade e sucesso como gestor de seu próprio negócio não qualifica ninguém a ser um bom gestor público. Citando Kliksberg (1997) e Mintzberg (1996), o autor destaca que uma das especificidades da administração é “separa aquilo que é público dos equívocos de se transplantar para a gestão pública pressupostos e instrumentos gerenciais típicos do espaço empresarial”. Muitos municípios brasileiros seriam bons exemplos de uma governança que se destacariam pelo seu próprio orçamento, mas o que se vê, é a supervalorização de um sucesso cunhado na hipocrisia, quando na verdade são cópias de criatividades de outras experiências, que se tornaram tacanhos, precárias e pobres em termo de cidadania e políticas públicas. É fácil identificar excelentes profissionais que zelam pelo exercício técnico da profissão em suas áreas de competência, movidos pelo autêntico desejo de promover o efetivo desenvolvimento sustentável em cidades de pequeno porte. Mas, muitos deles estão subordinados ou submetidos a controle de fiscalização politiqueira, por superiores incompetentes e sem qualificação nenhuma, que promovem a simples desqualificação do trabalho desses bons profissionais, subjugados pelos comandos de grupos políticos ou de interesses. 2. INTERSETORIALIDADE A intersetorialidade nasceu das discussões sobre a reforma do Estado como estratégia de uma descentralização mais eficiente, efetiva e eficaz na promoção de políticas públicas. Ela deve ser interpretada como a articulação entre diferentes órgão e secretarias de áreas do governo, na atuação integral, parcial ou complementar dos serviços oferecidos a sociedade. A intersetorialidade vem na busca de soluções aos problemas dos gastos desordenados, desvios dos objetivos e resultados inconsistentes. A intersetorialidade é um instrumento de articulação e de promoção de políticas públicas entre os setores: Estado (primeiro setor), empresas (segundo setor) e organizações não-governamentais (terceiro setor), de co-responsabilidade, para a solução de problemas e do uso mais eficiente dos recursos públicos e privados. A intersetorialidade pode também servir de instrumento de corrupção, desvios, além de produzir mazelas. A falta ética dos agentes políticos proporciona intermediação de interesses particulares e falhas de governo, de forma a obter recursos a serem captados por agentes políticos, desviando-os de programas e projetos de interesse público. Mas, até que ponto a existência da intersetorialidade pode ser concreta, e sendo-a, até que ponto trará os resultados almejados? Os poderes (executivo e legislativo municipal) como representantes eleitos devem zelar pelos interesses públicos, não devem se submeter aos interesses clientelistas e politiqueiros de projetos pré-formatados de empresas, ONGs, agentes políticos, lobbies e, sim pelos interesses essenciais para o desenvolvimento e sustentabilidade do município. 2.1. OS ENTRAVES Um dos maiores problemas a serem enfrentados nos municípios de pequeno porte é a vontade política de nomear pessoas com formações diferentes para dialogar e implementar programas e ações efetivamente consistentes. Muitos utilizam o discurso de que as normas legais não facilitam ou até mesmo impedem a intersetorialidade, escamoteando os verdadeiros entraves. Lideranças políticas, organizações da sociedade civil, movimentos sociais e gestores públicos têm utilizados em seus discursos a expressão descentralização e intersetorialidade, mesmo de forma subliminar, e a todo o momento ganha ecos nas articulações com as empresas, na oferta de serviços, nas organizações não-governamentais e nos discursos para a sociedade civil. Mas, o desafio maior é torná-la uma realidade concreta, pois, na maioria das vezes, fica encoberta no discurso oficial pró-democratização e de co-responsabilização. É na análise da construção de uma sociedade igualitária que se descortinam as armadilhas advinda da perder de vista das dinâmicas e dos conflitos que se operam nos bastidores dos contratos de parcerias, dando a percepção de licitude, para além da visão simplista, surge à complexidade da relevância das propostas, levadas à reprodução de uma estrutura de exclusão social sob nova roupagem. 3. CONSELHOS E GESTÃO PARTICIPATIVA Teodósio enfoca a tendências em consolidar políticas públicas através de uma força silenciosa nos movimentos sociais que atuam nos conselhos municipais de gestão participativas. Mas, também é fácil encontrar as “sanguessugas politiqueiras” ali introduzidas para manter o controle e barrar determinadas decisões que venham fiscalizar o poder público. Contudo, ainda é possível evidenciar em vários municípios de pequeno porte o amadurecimento na participação popular, resultando na construção de cidades mais democráticas e com gestão transparente. “Conselheiros municipais não alinhados com interesses da prefeitura começam a ganhar experiência nas malícias dos conselhos e colocar secretários municipais contra a parede. Empresas cansadas de desenvolver projetos sociais para cobrir ausências injustificadas da prefeitura, começam a treinar e formar conselheiros especializados em análise da gestão e das contas dos municípios na área de infância e adolescência. Comunidades indignadas com tanto falatório e promessas vazias de políticos engajam-se em movimentos e redes sociais, tornando visível para a cidade os problemas que afetam os invisíveis sociais: pobres, excluídos e descriminados”. Outro problema identificável é a ação dos interlocutores políticos selecionados para trabalhar frente a conselhos municipais com o intuito de confundir, enfraquecer e atrapalhar os trabalhos dos outros conselheiros comprometidos com o interesses públicos. Esses interlocutores sempre gravitam em diferentes espaços de discussões de políticas públicas, participando ativamente em vários conselhos municipais idealizando situações problemas que nunca são resolvidas. Esse tipo de situação afasta e faz com que aqueles que tentam mudanças através de políticas públicas desacreditam na força dos conselhos e da política, levando-os a se distanciarem desses movimentos. 4. ARENAS DE DEBATES POLÍTICOS É comum encontrar em cidades de pequeno porte espaços públicos que são verdadeiras arenas de debate político, frequentadas por cidadãos, interlocutores políticos e clientelistas do governo, cheios de discursos de direitos e com poucas ou nenhumas ressonâncias no campo dos deveres. Esses grupos têm forças em cobrar direitos e buscar leis que os favoreçam, típico exemplo da “lei de Gerson”. Mas, tal rapidez e capacidade reivindicatória são muitas das vezes arrefecidas quando se trata de discutir deveres. Privatizam-se direitos no espaço que é de todos (espaço público) e “socializam-se deveres para alguns, geralmente os mais fracos e menos organizados”. 5. TERCEIRO SETOR Teodósio alerta contra a alta confiança de se buscar soluções simples, associando-se a encontrar “antídotos” para governar, articulando-se com organizações da sociedade civil e empresas privadas de consultorias que muitas vezes podem resultar na captura do governo, na intermediação de interesses privados e nas falhas de governos, direcionando as políticas públicas, os recursos públicos através de programas pré-formatados aos menos necessitados e organizados. Governos de cidades de pequeno porte se articulam com ONGs e empresas privadas clientelistas e assistencialistas e passam a transformar a política social municipal em uma verdadeira colcha de retalho, sem um programa, metas, princípios e ações consistentes, apropriando-se de interesses privados no espaço público. Citando Tendler (1997), o autor explica que esse tipo de gestão compartilhada com ONGs e empresas de consultorias clientelistas servem para centralizar o poder e ocultar a transparência por parte de prefeitos que ascendem ao poder mais interessados em sanar seus problemas financeiros do que construir um autêntico projeto de desenvolvimento para seus municípios. Nesse caso, o dinheiro público torna-se motor que move interesses particulares, dentro da política municipal brasileira, que repousa no tranqüilo limbo do espaço público, concedendo “cala-bocas” àqueles que ousam atacar os poderes instituídos, com a captação, em um governo dos hipócritas, como diz a máxima italiana: “os amigos pertos, os inimigos mais perto ainda”. Desse contexto, surge o seguinte questionamento: quando os prefeitos irão além do óbvio e instituirão verdadeiros projetos não-clientelistas de desenvolvimento para seus municípios? 6. CONTROLE SOCIAL No controle social da administração pública em Cidades de pequeno porte as críticas aos gastos públicos municipais, muitas vezes são palavras jogadas ao vento, quando se trata de encontrar cidadãos a engajar-se no processo de controle e fiscalização das contas públicas da gestão municipal, a ira e a cólera santa contra corruptos e corruptores morre na primeira dificuldade em encontrar tempo para participar de conselhos municipais e organizações da sociedade civil, e em compartilhar compromissos pessoais com um mínimo de tempo para se dedicar aos assuntos comunitários. “Mas nem tudo são dramas e tramas na gestão de pequenas cidades. Em várias cidades do país, como por exemplo, em Ribeirão Bonito, interior de São Paulo, indivíduos e grupos cansados de tanta corrupção ativa e passiva, encoberta e explícita, têm ocupado e criado espaços de controle democrático das administrações municipais. Muitos desses grupos, considerados inicialmente sonhadores e ingênuos pelos mestres da “realpolitik” interiorana, hoje mostram para o Brasil que é possível controlar melhor as ações do poder público municipal. Muitas dessas iniciativas ganharam corpo antes mesmo do combate à corrupção virar tema freqüente nos noticiários”. A evolução dos controles sociais só se fará, para além das regras e mecanismos de punição, quando a comunidade e os indivíduos se comprometerem nas tarefas inerentes a todos que se considerem cidadãos e a fiscalização se tornar um elemento incisivo no combate a corrupção. CONSIDERAÇÕES FINAIS É notório que muitas Cidades de pequeno porte brasileiras padecem de um vício censurável, o ócio político, agentes políticos (executivo e legislativo) acomodados em suas salas, gabinetes e repartições que não se sujeitam a enfrentar o calçamento e as ruas de barros, povoados e distritos, para fazer o seu trabalho de gestores públicos, fiscais, conselheiros, servidores, secretários, etc., pois, o seu patrão dorme: o povo, a sociedade. E, age como não fossem em função deles que trabalham e da cidade. As sociedades estão assombradas pela incompetência políticas que serviram apenas para robustecer o coração de seus habitantes, com atos políticos de uma lógica perversa e distante da ética, da moralidade e do interesse público. O “declínio do homem político” demonstra a incapacidade para a gestão e governança da coisa pública, de fazer política e mudanças concretas, pela falta de compromisso e competência. Mas, por onde anda o povo e a sociedade organizada, tantas leis, atos, decretos, normas, regras e o que fazer com todas elas?
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Protomodelo de governança pública: um enfoque de Bresser-Pereira
O presente trabalho examina o enfoque de Luiz Carlos Bresser-Pereira, em “o modelo estrutural de governança pública”, visando o estudo de um Protomodelo de Governança Pública, como instrumento chave de ação coletiva à disposição da sociedade, como: a governança, a descentralização e a contratualização, na medida em que adota uma estrutura particular de divisão do trabalho a partir da estrutura organizacional do Estado, das estruturas das organizações públicas não estatais, das estruturas das organizações corporativas e das estruturas das organizações privadas. Como estratégia gerencial que torna os servidores públicos no desempenho de suas funções administrativas: de comando e decisões, mais autônomos, mais responsáveis e mais eficientes.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO Para garantir a competitividade internacional de um país, o Estado deve fornecer a baixo custo os serviços sociais e científicos exigidos pela sociedade, ter uma organização eficaz e capaz, que assegure um Estado de direito, e esse mesmo Estado deve agir como sendo o principal instrumento de uma estratégia de crescimento nacional, independentemente, de sua orientação ser pelo mercado ou Estado. Um Estado capaz é aquele que têm uma organização e/ou administração pública eficiente e eficaz no fornecimento dos serviços públicos, tornando-se uma instituição central da sociedade, capaz de construir democraticamente uma estrutural legal adequada à consecução dos objetivos da sociedade, fundamental na promoção do desenvolvimento econômico. Nesse sentido o Estado contemporâneo é o principal instrumento de ação coletiva da sociedade. É a ferramenta básica que as sociedades utilizam para “alcançar seus objetivos políticos (ordem social, liberdade, bem-estar, justiça e proteção ao meio ambiente) em uma economia globalizada competitiva”. Esses são os fundamentos do pensamento de Bresser-Pereira para uma governança pública. 1. DELINEAMENTO HISTÓRICO E CONCEITUAL O modelo estrutural de governança pública baseia-se na reforma da estrutura da organização de um Estado, denominada de reforma gerencial ou reforma da gestão pública, também faz parte o processo de administração de pessoal e de objetivos fins. Por ser um modelo gerencial ou de gestão, torna o administrador púbico mais autônomo, mais responsável e reduz a defasagem entre os mercados de trabalho dos setores: público e privado, conforme ensina Bresser-Pereira. O modelo estrutural de governança pública que foi implementado nos anos de 1995, no Brasil, em uma administração social-democrática, portanto, um modelo histórico, de tipo ideal, formulado a partir da experiência britânica. É também um modelo normativo que envolve questões de políticas públicas e da reforma da organização do Estado como ferramenta para o crescimento econômico. O modelo não se limita a estratégias de gestão, mas envolve mudanças organizacionais como: mudanças na estrutura do Estado e nos serviços sociais e científicos, com parcerias público-privadas (terceirização com organizações não-governamentais). Por fim, ele é um modelo de governança pública que envolvem vários atores: governo, organizações da sociedade civil e os setores privados. (Bresser-Pereira, 2007). 2. MODELO ESTRUTURAL Para Bresser-Pereira o modelo estrutural de governança pública é um modelo ideal que está sendo implantado pela maioria dos países em desevolvimento, pois a tendência da reforma da organização do Estado é contribuir para aumentar a capacidade do Estado, o prestigio e a influência dos seus funcionários que administram o governo. Historicamente, só foi possível o desenvolvimento econômico em países desenvolvidos após a construção de um Estado capaz. O Estado, como o instrumento de ação coletiva “formado a partir de uma nação [uma sociedade ou um grupo de pessoas] forte e coesa”, é um “pré-requisito do crescimento econômico”, porque só em um Estado organizado e com instituições sólidas é possível alcançar seus objetivos políticos e sociais. O autor enfatiza que o modelo estrutural de governança pública, ou seja, a reforma, destina-se a “aumentar a capacidade do Estado de garantir direitos” sociais e republicanos, para tanto, é necessário tornar a estrutura organizacional mais eficiente, fornecendo melhores serviços a custos menores, com o uso eficiente e racional das receitas dos impostos. Uma “organização do Estado que sofre uma reforma da gestão pública torna-se mais eficiente e, por essa razão, mais capaz e mais legítimo”. O modelo estrutural de governança pública envolve dois aspectos: um organizacional e o outro gerencial (de responsabilização). Nesse sentido, explica o autor que o modelo estrutural de governança pública “tem um aspecto especificamente gerencial” orientado para o “cliente-cidadão” com três mecanismos de responsabilização: a) administração por objetivos; b) competição administrativa visando a excelência; e c) a responsabilidade social desempenhada pelas organizações de defesa de interesse político. Os princípios orientadores são estabelecidos a partir da teoria política e pela ciência política. O interesse público é o seu principal objetivo, e o sistema de coordenação é o administrativo ou legal. É um modelo estrutural porque requer a implementação de agencias executiva e agencias reguladoras, autônomas, e a terceirização dos serviços sociais e científicos. 3. AS ORGANIZAÇÕES Para ser eficiente e geral o modelo estrutural de governança pública não deve se limitar ao aparato do Estado, devendo descentralizar suas atividades, serviços públicos e produção econômica, por meio de estruturas básicas de outras propriedades, como exemplo temos: a) propriedade estatal; b) propriedade não estatal, c) propriedade corporativa; e d) propriedade privada. (Bresser-Pereira, 2007). Para Bresser-Pereira as organizações da sociedade moderna classificam-se em dois tipos: de direito público ou de direito privado. E, essas organizações se distinguem por determinados objetivos ou finalidades: a) se o objetivo ou a finalidade for lucrativa, trata-se de uma organização privada; b) se o objetivo ou a finalidade for interesse público, trata-se de uma organização pública; c) mas, se o objetivo ou a finalidade for à defesa do interesse corporativo, trata-se de uma organização corporativa. As organizações públicas estatais são aquelas sujeitas ao direito público ou administrativo, seus funcionários são servidores públicos estatuários, os ordenados são decididos em nível governamental e garantidos pelo Estado, e fazem parte da estrutura da organização do Estado. As organizações públicas não estatais são aquelas que não visam lucros; estão orientados para o interesse público; os empregados estão sujeitos ao direito civil ou privado e não fazem parte da organização do Estado. Neste contexto, existem também, as organizações públicas não estatais prestadoras de serviços, como exemplo: as organizações de assistência educacional, assistência à saúde, assistência social, etc.; fazem também partes destas as organizações de controle sociais ou defesas dos interesses políticos, como exemplo: as organizações não governamentais (ONGs), que juntamente com as organizações corporativas formam as organizações da sociedade civil. E que somadas às organizações de serviços públicos não estatais sem fins lucrativos, constituem o terceiro setor (setor associativo ou setor social). (Bresser-Pereira, 2007). Segundo o autor, as organizações corporativas defendem explicitamente os interesses de grupos, que podem até coincidirem com o interesse público, como exemplo: os sindicatos e as associações profissionais. No modelo de gestão, “público-privado-terceiro” setor (subcontratadas ou terceirizadas), essas organizações são interdependentes, formadas em redes, úteis ao Estado e que não precisará desempenhar diretamente todos os papeis ou responsabilidades que a lei lhe atribuem. (Bresser-Pereira, 2007). 4. ASPECTOS GERENCIAIS O aspecto organizacional é estabelecido e desempenhado a partir de um núcleo operacional central estratégico do alto escalão de servidores (políticos e servidores profissionais), definindo o que será delegado para as agências e os serviços que deverão ser terceirizados, para a estruturação e organização dos serviços públicos do Estado. O aspecto organizacional do modelo estrutural de governança pública envolve a realização das atividades de produção e o exercício do poder, como exemplo temos: a) as atividades específicas do Estado que envolve o poder; b) a administração dos recursos ou receitas de impostos, divididas em: i) atividades centrais de formação de políticas e ii) implantação de políticas que ainda requerem o uso de poder do Estado; c) As atividades de advocacia social ou responsabilidade social; d) o fornecimento de serviços sociais e científicos que a sociedade decide serem de responsabilidade do Estado; e) A defesa ou promoção de interesses corporativos e; f) produção de bens e serviços para mercados competitivos. (Bresser-Pereira, 2007). O aspecto gerencial (responsabilização) é o estabelecimento das definições de como administrar os sistemas que envolvem “uma questão de processo mais do que de estrutura” da organização do Estado, segundo o autor. 4.1. Formas Gerenciais Conforme enfoca Bresser-Pereira as formas gerenciais típicas poderão ser classificadas em dois tipos: a) administração por resultados ou objetivos: significa dizer que é uma forma de descentralização com a seguinte função: as secretarias superiores (alto escalão) definem os objetivos e os indicadores de desempenho com a participação das agências ou de seu gerente, secretários ou técnicos, que tem assegurado a autonomia administrativa (pessoal e financeiro) e as responsabilizações das ações e decisões; (Bresser-Pereira, 2007). b) competição administrativa visando a excelência e responsabilidade social: significa dizer que é o uso das organizações da sociedade civil, inclusive os conselhos de cidadãos, par manterem os serviços públicos em funcionamento e os funcionários públicos (servidores e contratados) sob observações. (Bresser-Pereira, 2007). Para Bresser-Pereira a descentralização na administração pública significa delegar poderes e ter uma maior “transferência da prestação de serviços das agências e organizações sociais”, usando mecanismos de responsabilização gerencial. É apenas uma “delegação provisória de poderes”, conservando o direito de revertê-la sempre que for necessário, podendo ser considerada como uma estratégia de governo. A “gestão pública envolve planejamento”, sendo um planejamento gerencial que abrange uma definição “pormenorizada dos processos a serem seguidos e das estratégias a serem adotadas” evitando o planejamento excessivo e o desperdício de recursos públicos. Nesse sentido, com a possibilidade de o administrador tomar decisões em vez de simplesmente executar as leis, possibilita a responsabilização gerencial, pelos mecanismos de responsabilidade social, como exemplo a transparência. Nestes termos, seu mandato ou estabilidade “pode se tornar mais flexível”, sua remuneração pode e deve ser maior e mais flexível, “refletindo seu desempenho”, competindo com o setor privado e assegurando um serviço público de qualidade. Dessa maneira, haverá um número menor de administradores públicos “bem remunerados e de grande prestígio”. Assim, os Administradores públicos competentes serão motivados para a realização, esses administradores públicos terão uma qualidade empresarial, com mais autonomia para satisfazer a necessidade básica de uma personalidade empreendedora, a necessidade de realizar. Mais autonomia significa a possibilidade de adaptar ações a situações complexas e em novas mudanças. Se responsabilização significar minimizar risco é claro que haverá maior cautela nas decisões e ações. Por óbvio, mais eficiência. (Bresser-Pereira, 2007). 5. A REFORMA A reforma só se torna um instrumento efetivo de crescimento econômico quando possui suporte e iniciativa com servidores competentes e capazes, tornando a organização do Estado mais democrática, legítima e bem sucedida, promovendo o crescimento econômico e fortalecendo o Estado, segundo o auror. Pois, não existe razão para que um governo não possa “construir sua administração pública profissional” e ao mesmo tempo começar a implementar a reforma da gestão pública. A gestão pública “não é mais do que um conjunto de instituição”, quando eficiente ela é bem planejadas e adaptadas as situações reais. (Bresser-Pereira, 2007). A reforma da gestão pública é um processo de descentralização, mas não total, que implica “separar a formulação de políticas públicas, que permanece centralizada, da execução, que é descentralizada”. Dessa maneira, é possível tornar os servidores públicos mais autônomos e mais responsáveis perante o núcleo estratégico, e tornar mais eficiente os mecanismos de responsabilidade social. (Bresser-Pereira, 2007). A reforma deve estar em posição de destaque na agenda nacional, adaptada às situações locais, com a formação de pequeno núcleo estratégico de serviço público de alto escalão do Estado. (Bresser-Pereira, 2007). CONSIDERAÇÕES FINAIS As sociedades modernas de hoje exigem um Estado formado por servidores públicos do alto escalão que tenham mais autonomia, que sejam mais responsáveis por suas ações e que os serviços e a produção da organização estatal seja descentralizada para o segundo e terceiro setor (terceirização e contratualização). O Estado deve buscar implementar a reforma gerencial através do modelo estrutural de reforma do estado, a governança pública, pela promoção do desenvolvimento econômico e da justiça social; ser mais flexível, envolvendo mudanças organizacionais dos serviços sociais e científicos, abrindo amplamente o caminho para as discussões democráticas mais técnicas com os novos atores sociais; e deverá agir para garantir os direitos sociais, políticos e econômicos, sendo mais eficiente e capaz na produção econômica e no fornecimento dos serviços públicos para a sociedade.
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Licitações e contratos administrativos
Este artigo tem por objetivo analisar, de maneira não exaustiva, o instituto das licitações e contratos administrativos no ordenamento jurídico brasileiro, bem como o seu procedimento.
Direito Administrativo
Introdução Licitação é o instrumento administrativo pelo qual as entidades da Administração Pública, nos casos de obras, serviços, compras, alienações, concessões, permissões e locações, escolhem a proposta mais vantajosa. Princípios: legalidade: todos os procedimentos devem ser feitos conforme as regras definidas em lei; impessoalidade: o administrador jamais pode escolher uma proposta com discricionariedade, baseado em suas preferências pessoais; moralidade e probidade: a conduta dos agentes públicos e licitantes deve ser baseada na ética, compatível com os bons costumes; Igualdade: todos os licitantes devem receber igual tratamento; publicidade: todos os atos do procedimento da licitação devem ser públicos, exceto no caso do conteúdo das propostas, até a respectiva abertura; vinculação ao instrumento convocatório: a Administração fica estritamente vinculada ao edital de convocação da licitação; julgamento objetivo: o administrador deve utilizar apenas os critérios específicos definidos no edital, afastando qualquer possibilidade de subjetividade na análise da melhor proposta; adjudicação compulsória: a Administração é obrigada a adjudicar, isto é, atribuir o objeto da licitação ao vencedor da mesma. Isso não significa que o Estado tem a obrigação de celebrar o contrato, mas, caso realmente dê prosseguimento ao processo, deve celebrar somente com o vencedor. Tal princípio também proíbe a Administração de realizar novas licitações enquanto estiver válida a adjudicação anterior. Todos os entes federativos, União, Estados, Municípios e Distrito Federal, são obrigados a licitar. Porém cada um possui sua própria competência para legislar, decorrente de sua autonomia política e administrativa. O governo é composto atualmente por 26 Estados (Unidades Federativas), 01 Distrito Federal e 5.565 Municípios e divididos da seguinte forma: Governo Federal, Governos Estaduais, Governos Municipais, Sociedades de Economia Mista, Fundações, Autarquias, Empresas Estatais e demais entidades vinculadas ao governo. Todo o ano, esta estrutura governamental, conforme acompanhamento das licitações geradas pelos informativos do Licitacao.Net, compram em torno de 120 bilhões de Reais. O Governo, é sem dúvidas o maior comprador do Brasil. Tipos: menor preço; melhor técnica; técnica e preço e maior lance ou oferta. Modalidades: convite: destinado a contratos de pequeno valor (até R$150 mil – obras de engenharia – e R$80 mil – outros). Não há edital, mas sim uma carta-convite, na qual a Administração convida 3 participantes, no mínimo, para participarem do procedimento licitatório. Neste caso, a lei não exige publicação do instrumento convocatório no Diário Oficial, mas sim a fixação de uma cópia do mesmo em lugar apropriado, permitindo que demais interessados também possam participar; tomada de preços: destinado a contratos de médio valor (até R$1,5 milhão – obras de engenharia – e R$650 mil – outros). Participam todos os interessados previamente cadastrados ou aqueles que apresentarem os documentos exigidos para a qualificação 3 dias antes da abertura das propostas; concorrência pública: destinado a contratos de grande valor (maior que R$1,5 milhão – obras de engenharia – e mais que R$650 mil – demais obras). Suas principais características são a complexidade e a existência de uma fase de habilitação preliminar. Na Concorrência ocorre uma preliminar habilitação dos interessados (Abertura da Licitação/Habilitação). Na Tomada de Preços a habilitação ocorre antes mesmo da abertura da licitação (Habilitação/Inclusão no cadastro da Administração/Abertura de Licitação). O administrador pode usar uma modalidade mais complexa para um caso que necessite modalidade mais simples, mas não pode fazer o contrário. Ex: Usar Concorrência ou Tomada de Preços para casos que poderia fazer uso do Convite: permitido; usar Convite ou Tomada de Preços para casos que teria que fazer uso da Concorrência: não permitido. Leilão: modalidade usada para a venda de bens móveis inservíveis para a Administração e produtos legalmente apreendidos ou penhorados, ou para a alienação de bens imóveis cuja aquisição haja derivado de procedimentos judiciais ou de dação em pagamento; Concurso: destinado escolher trabalho técnico, científico ou artístico, mediante a instituição de prêmios ou remuneração aos vencedores. Seu edital deve ser publicado com a antecedência mínima de 45 dias; Pregão: é destinado à aquisição de bens e serviços comuns, independentemente do valor; a disputa é feita por meio de propostas e lances em sessão pública. Trata-se de uma modalidade mais simples e célere, onde apenas o fator preço é levado em conta. Como critério de desempate, dá-se preferência, sucessivamente, aos bens e serviços: produzidos no país; produzidos ou prestados por empresas brasileiras; produzidos ou prestados por empresas que invistam em pesquisa e no desenvolvimento de tecnologia no País. Inexigibilidade: é quando não há a possibilidade de se realizar a licitação, isto é, o objeto é tão singular que se torna materialmente impossível realizar um procedimento licitatório. Exemplos: fornecedores exclusivos; serviços técnicos singulares; contratação de artistas consagrados pela crítica ou público. O rol da inexigibilidade é apenas exemplificativo, ou seja, pode haver outros exemplos e situações. É proibida a alegação de inexigibilidade para a contratação de serviços de publicidade. Dispensa: é quando até existe a possibilidade jurídica de se realizar o procedimento licitatório, no entanto a lei autoriza o administrador a não o realizar, haja vista a existência de situações específicas definidas em lei. Alguns exemplos: obras e serviços de engenharia que custam menos que R$15 mil; outros serviços que custam menos que R$8 mil; casos de guerra e grave perturbação da ordem; casos de emergência e calamidade pública; para intervir no domínio econômico, regular preços ou normalizar o abastecimento e quando não houver interessados na licitação (deserta) e esta não puder ser repetida sem prejuízo para a Administração. Existem várias outras hipóteses de dispensa de licitação (art. 24 da lei 8.666). É importante saber que este rol é taxativo, ou seja, o legislador apontou todas as situações de dispensa de forma exaustiva, não havendo possibilidade de existência de nenhuma hipótese além daquelas definidas em lei. Contrato: é todo acordo de vontades, firmado livremente pelas partes, para criar obrigações e direitos recíprocos. Contrato Administrativo é o ajuste que a Administração, agindo nessa qualidade, firma com o particular ou outra entidade administrativa para a consecução de objetivos de interesse público, nas condições estabelecidas pela própria Administração. Características: consensual: acordo de vontades, e não um ato unilateral e impositivo da Administração; formal: expressado por escrito e com requisitos especiais; oneroso: remunerado na forma convencionada; comutativo: porque estabelece compensações recíprocas; intuito personae: deve ser executado pelo próprio contratado, vedadas, em princípio, a sua substituição por outrem ou a transferência de ajuste. Modalidades de contratos administrativos: 1. CONTRATO DE OBRA PÚBLICA: Trata-se do ajuste levado a efeito pela Administração Pública com um particular, que tem por objeto A CONSTRUÇÃO, A REFORMA OU AMPLIAÇÃO DE CERTA OBRA PÚBLICA. Tais contratos só podem ser realizados com profissionais ou empresa de engenharia, registrados no CREA. Pela EMPREITADA, atribui-se ao particular a execução da obra mediante remuneração previamente ajustada. Pela Tarefa, outorga-se ao particular contratante a execução de pequenas obras ou parte de obra maior, mediante remuneração por preço certo, global ou unitário; 2. CONTRATO DE SERVIÇO: Trata-se de acordo celebrado pela Administração Pública com certo particular. São serviços de demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, manutenção, transporte, etc. Não podemos confundir contrato de serviço com contrato de concessão de serviço. No Contrato de Serviço a Administração recebe o serviço. Já na Concessão, presta o serviço ao Administrado por intermédio de outrem; 3. CONTRATO DE FORNECIMENTO: É o acordo através do qual a Administração Pública adquire, por compra, coisas móveis de certo particular, com quem celebra o ajuste. Tais bens destinam-se à realização de obras e manutenção de serviços públicos. Ex. materiais de consumo, produtos industrializados, gêneros alimentícios, etc; 4. CONTRATO DE GESTÃO: é o ajuste celebrado pelo Poder Público com órgão ou entidade da Administração Direta, Indireta e entidades privadas qualificadas como ONGs e 5. CONTRATO DE CONCESSÃO: Trata-se de ajuste, oneroso ou gratuito, efetivado sob condição pela Administração Pública, chamada CONCEDENTE, com certo particular, o CONCESSIONÁRIO, visando transferir o uso de determinado bem público. É contrato precedido de autorização legislativa. 2 Desenvolvimento A licitação é o procedimento obrigatório a ser utilizado pela Administração Pública para realizar suas contratações, sejam as aquisições de bens e serviços ou as alienações. É regida principalmente pela Lei Federal nº8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos) e Lei Federal nº 10.520/02 (Lei do Pregão). Licitação é o procedimento administrativo formal para contratação de serviços ou aquisição de produtos pelos entes da Administração Pública direta ou indireta. No Brasil, para licitações por entidades que façam uso da verba pública, o processo é regulado pelas leis 8.666/93 e 10.520/02. Cumpre destacar que Marçal Justen Filho rejeita a tese da “supremacia” do interesse público destacando que o único valor supremo é a dignidade humana, que é o núcleo dos direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal. A expressão “interesse público” não possui conteúdo próprio, específico e determinado. O interesse Público costuma ser invocado para satisfação dos interesses escolhidos pelo próprio governante, o que não encontra respaldo com a ordem jurídico-constitucional em vigor. Em hipótese alguma o “interesse público” autoriza ignorar ou violar direitos fundamentais garantidos pela constituição.[1] É um processo administrativo, isonômico, na qual a administração seleciona a proposta mais vantajosa, menos onerosa e com melhor qualidade possível, para a contratação de uma obra, de um serviço, da compra de um produto, locação ou alienação. Licitação é o processo administrativo responsável pela escolha da empresa apta a ser contratada pela administração pública para o fornecimento de seus produtos e / ou serviços. Princípio da Impessoalidade: utilizado para evitar subjetivismos durante o processo de licitação. Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro a licitação pode ser definida como um procedimento administrativo através do qual um ente público, fazendo-se valer do seu exercício da função administrativa, abre a todos os interessados, que se enquadrem nas condições fixadas no instrumento convocatório, a possibilidade de oferecerem propostas dentre as quais será selecionada e aceita a mais conveniente para a celebração do contrato.[2] A licitação é obrigatória para toda Administração Pública e deve seguir vários princípios, conforme preconizado no art. 37 caput e inciso XXI da Constituição Federal: “Art. 37 A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:[…] XXI- Ressalvados os casos específicos na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”. As licitações serão efetuadas no local onde se situar a repartição interessada, salvo por motivo de interesse público, devidamente justificado. Poderão se habilitar a licitação, interessados residentes ou sediados em outros locais. Dos Avisos e Editais da Modalidade de Concorrência. Os avisos contendo os resumos dos editais das concorrências, das tomadas de preços, dos concursos e dos leilões, embora realizados no local da repartição interessada, deverão ser publicados com antecedência, no mínimo, por uma vez: a) no Diário Oficial da União, quando se tratar de licitação feita por órgão ou entidade da Administração Pública Federal e, ainda, quando se tratar de obras financiadas parcial ou totalmente com recursos federais ou garantidas por instituições federais; b) no Diário Oficial do Estado, ou do Distrito Federal quando se tratar, respectivamente, de licitação feita por órgão ou entidade da Administração Pública Estadual ou Municipal, ou do Distrito Federal; c) em jornal diário de grande circulação no Estado e, se houver, em jornal de circulação no Município ou na região onde será realizada a obra, prestado o serviço, fornecido, alienado ou alugado o bem, podendo ainda a Administração, conforme o vulto da licitação utilizar-se de outros meios de divulgação para ampliar a área de competição. O aviso publicado conterá a indicação do local em que os interessados poderão ler e obter o texto integral do edital e todas as informações sobre a licitação. Prazo para recebimento das propostas para Licitação. O prazo mínimo até o recebimento das propostas ou da realização do evento será de: – 45 (quarenta e cindo dias) para a modalidade de licitação concurso e para a modalidade de licitação a concorrência, quando o contrato a ser celebrado contemplar o regime de empreitada integral ou quando a licitação for do tipo "melhor técnica" ou "técnica e preço"; – 30 (trinta dias) para a modalidade de licitação concorrência, nos casos não especificados da modalidade de licitação concurso, e da modalidade de licitação concorrência em relação ao contrato celebrado for no regime de empreitada integral ou quando a licitação for do tipo "melhor técnica" ou "técnica e preço”. – 30 (trinta dias) para a modalidade de licitação tomada de preços, quando a licitação for do tipo "melhor técnica" ou "técnica e preço"; -15 (quinze dias) para a modalidade de licitação tomada de preços, sem abranger o tipo "melhor técnica" ou "técnica e preço, ou leilão; – 5 (cinco dias) úteis a modalidade de licitação convite; Contagem dos Prazos para apresentação das propostas. Os prazos serão contados a partir da última publicação do edital resumido ou da expedição do convite, ou ainda da efetiva disponibilidade do edital ou do convite e respectivos anexos, prevalecendo à data que ocorrer mais tarde. Qualquer modificação no edital exige divulgação pela mesma forma que se deu o texto original, reabrindo-se o prazo inicialmente estabelecido, exceto quando, inquestionavelmente, a alteração não afetar a formulação das propostas. Cada uma das modalidades de licitação tem características específicas. Cinco delas foram descritas pela lei de licitações, a 8.666, em 1993. São elas: Concorrência, Tomada de Preços, Convite, Concurso e Leilão. O Pregão veio depois, em 2002, por meio da lei 10.520. O primeiro critério para escolher qual modalidade será usada em uma compra pública é o valor da transação. Em segundo lugar, considera-se as características do objeto. Ou seja, o tipo de produto ou serviço será adquirido pela administração pública. Modalidades de licitação e suas particularidades: concorrência, essa é a primeira modalidade de licitação citada na lei 8.666. Ela pode ser utilizada para compras de qualquer valor. Mas algumas contratações exigem o uso dessa modalidade. É o caso de obras e serviços de engenharia, em contratos de acima de R$1,5 milhão e licitações gerais, com valor acima de R$650 mil. É utilizada também para compra e alienação de bens públicos. Os editais da Concorrência são de ampla participação. No entanto, definem regras bastante exigentes para a participação, o que elimina muitos concorrentes na etapa de habilitação; tomada de preços, a tomada de preços é uma modalidade de licitação que exige o cadastro prévio dos concorrentes. A partir desse cadastro e após análise dos documentos apresentados, é emitido um certificado. É esse certificado que permite a participação de uma empresa na tomada de preços. Essa modalidade pode ser utilizada para contratos de até R$ 1.5 milhão, no caso de obras e serviços de engenharia. E para os demais casos, no limite de até R$ 650 mil; convite ou carta-convite, o convite, ou carta-convite é uma modalidade de licitação para contratos de menor valor. Atende compras com valor até R$150 mil para obras e serviços de engenharia e até R$80 mil para outras contratações. É uma modalidade bastante simples. Costuma ser utilizada apenas para compras de valores pequenos e que precisam ser feitas com rapidez. Nesse caso, pelo menos três empresas são convidadas, para participar do certame; leilão, essa modalidade de licitação é utilizada para alienar bens móveis, quando estão inservíveis, apreendidos ou penhorados judicialmente. E bens imóveis de credores de órgãos públicos, doados para pagamento de dívida ou adquiridos em processos judiciais. No Leilão, ganha quem der o maior lance e os critérios são definidos no edital; concurso, diferente do concurso para provimento de cargos no setor público, a modalidade concurso serve para destacar talentos. O concurso é utilizado para a seleção e premiação de trabalhos de cunho técnico, científico ou artístico. Os critérios dessa licitação são definidos pelo edital. O objetivo é incentivar atividades ligadas à ciência, arte ou tecnologia e pregão, essa modalidade de licitação serve para aquisição de bens e de serviços comuns. Instituída em 2002, veio para simplificar os procedimentos já existentes neste segmento. O pregão garante mais celeridade aos processos de licitação. Nele, não há limites para os valores e a disputa é realizada em sessão pública. A partir de lances é definido o menor preço. As próximas fases, também em sessão pública, contemplam a classificação e a habilitação dos interessados. De modo geral, o edital em uma licitação pública serve para identificar tudo o que será necessário para a realização do projeto, de modo que os concorrentes possam avaliar sua capacidade de fornecer os serviços a serem contratados. Por isso, esse é um dos itens sobre os quais se devem ficar atento. O edital de licitação pública, portanto, serve para garantir que as empresas tenham conhecimento prévio de tudo o que será necessário, evitando que a Administração habilite uma empresa que não será capaz de cumprir com o proposto. A concorrência também se torna mais justa, já que todas as empresas possuem acesso às mesmas informações e podem se preparar da mesma maneira. De modo geral, o edital de licitação pública funciona como um documento para estabelecer quais serão as regras de cada licitação. O edital de licitação pública é o documento que funciona como lei interna e que rege todas as condições necessárias à concorrência e realização da licitação. Sua importância reside no fato de que é ele o responsável por estabelecer quais serão as regras, além de garantir o cumprimento posterior do processo. Na realidade o registro de preços é um PROCEDIMENTO especial de licitação que se efetiva utilizando-se as modalidades de licitações de Concorrência Pública e Pregão (eletrônico ou presencial), o qual seleciona a proposta mais vantajosa com observância fiel do princípio da isonomia, pois sua compra é projetada para uma futura contratação. A Administração Pública firma um compromisso por meio de uma ATA DE REGISTRO DE PREÇOS, onde se precisar de determinado produto registrado, o Licitante Vencedor estará obrigado ao fornecimento dentro do prazo de validade da referida ATA. O prazo de validade da Ata de Registro de Preço não poderá ser superior a um ano, computadas neste as eventuais prorrogações. Regulamentado pelo Decreto Nº 3.931, de 19 de setembro de 2001. Os preços registrados poderão ter uma validade de 6 ou 12 meses período no qual, os respectivos produtos ou serviços poderão ser adquiridos ou contratados pelos órgãos públicos gerenciadores e os órgãos participantes do SRP. Outros órgãos públicos também podem "pegar carona" nestes preços, bastando para isso, pertencer a mesma esfera administrativa. A Administração também se cuidou de quebrar a rigidez do processo licitatório para casos especiais de compra sem desrespeitar os princípios de moralidade e da isonomia. A contratação por meio da dispensa de licitação deve limitar-se a aquisição de bens e serviços indispensáveis ao atendimento da situação de emergência e não qualquer bem ou qualquer prazo. A licitação é dispensável quando: Em situações de emergência: exemplos de Casos de guerra; grave perturbação da ordem; calamidade pública, obras para evitar desabamentos, quebras de barreiras, fornecimento de energia. Por motivo de licitação frustrada por fraude ou abuso de poder econômico: preços superfaturados, neste caso pode-se aplicar o artigo 48 parágrafo 3º da Lei 8666/93 para conceder prazo para readaptação das propostas nos termos do edital de licitação. Intervenção no Domínio Econômico: exemplos de congelamento de preços ou tabelamento de preços. Dispensa para contratar com Entidades da Administração Pública: Somente poderá ocorrer se não houver empresas privadas ou de economia mista que possam prestar ou oferecer os mesmos bens ou serviços. Exemplos de Imprensa Oficial, processamento de dados, recrutamento, seleção e treinamento de servidores civis da administração. Contratação de Pequeno Valor: Materiais, produtos, serviços, obras de pequeno valor, que não ultrapassem o valor estimado por lei para esta modalidade de licitação. Dispensa para complementação de contratos: Materiais, produtos, serviços, obras no caso de rescisão contratual, desde que atendida a ordem de classificação da licitação aceitas as mesmas condições oferecidas pelo licitante vencedor, inclusive quanto ao preço, devidamente corrigido. Ausência de Interessados: Quando não tiver interessados pelo objeto da licitação, mantidas, neste caso, todas as condições preestabelecidas em edital. Comprometimento da Segurança Nacional: Quando o Presidente da República, diante de um caso concreto, depois de ouvido o Conselho de Defesa Nacional, determine a contratação com o descarte da licitação. Imóvel destinado a Administração: Para compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia. Deverá a Administração formalizar a locação se for de ordem temporária ou comprá-lo se for de ordem definitiva. Gêneros Perecíveis: Compras de hortifrutigranjeiros, pão e outros gêneros perecíveis durante o tempo necessário para a realização do processo licitatório correspondente. Ensino, pesquisa e recuperação social do preso: Na contratação de instituição brasileira dedicada a recuperação social do preso, desde que a contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional e não tenha fins lucrativos na aplicação de suas funções. Acordo Internacional: Somente para aquisição de bens quando comprovado que as condições ofertadas são vantajosas para o poder público. Obras de Arte e Objetos Históricos: Somente se justifica a aplicação da dispensa de licitação se a finalidade de resgatar a peça ou restaurar for de importância para a composição do acervo histórico e artístico nacional. Aquisição de Componentes em Garantia: Caso a aquisição do componente ou material seja necessário para manutenção de equipamentos durante o período de garantia. Deverá a Administração comprá-lo do fornecedor original deste equipamento, quando a condição de exclusividade for indispensável para a vigência do prazo de garantia. Abastecimento em Trânsito: Para abastecimento de embarcações, navios, tropas e seus meios de deslocamento quando em eventual curta duração, por motivo de movimentação operacional e for comprovado que compromete a normalidade os propósitos da operação, desde que o valor não exceda ao limite previsto para dispensa de licitação. Compra de materiais de uso pelas forças armadas: Sujeito à verificação conforme material, ressaltando que as compras de material de uso pessoal e administrativo sujeitam-se ao regular certame licitatório. Associação de portadores de deficiência física: A contratação desta associação deverá seguir as seguintes exigências: Não poderá ter fins lucrativos; comprovar idoneidade, preço compatível com o mercado. José dos Santos de Carvalho Filho alerta que na Lei de Licitações foram determinadas algumas vedações aos Estados, Distrito Federal e Municípios em todo o procedimento administrativo, destacando-se entre elas, a que proíbe a ampliação dos casos de dispensa e inexigibilidade e a ampliação dos limites de valor para cada modalidade de licitação. Também tratou a lei de vedar redução dos prazos de publicidade e dos recursos.[3] Na inexigibilidade, a contratação se dá em razão da inviabilidade da competição ou da desnecessidade do procedimento licitatório. Na inexigibilidade, as hipóteses do artigo 25 da Lei 8666 de 1993, autorizam o administrador público, após comprovada a inviabilidade ou desnecessidade de licitação, contratar diretamente o fornecimento do produto ou a execução dos serviços. É importante observar que o rol descrito neste artigo, não abrange todas as hipóteses de inexigibilidade. A licitação poderá ser inexigível quando: Fornecedor Exclusivo: Exclusividade Comercial: somente um representante ou comerciante tem o bem a ser adquirido, um grande exemplo disto seria medicamentos; exclusividade industrial: somente quando um produtor ou indústria se acha em condições materiais e legais de produzir o bem e fornecê-los a Administração. Aplica-se a inexigibilidade quando comprovada por meio de fornecimento de Atestado de Exclusividade de venda ou fabricação emitido pelo órgão de registro do comércio para o local em que se realizará a licitação. Singularidade para contratação de serviços técnicos: Somente poderão ser contratados aqueles enumerados no artigo 13 da Lei 8666/9: estudos técnicos; planejamentos e projetos básicos ou executivos; pareceres, perícias e avaliação em geral; acessórias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias; fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras e serviços; patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas; treinamento e aperfeiçoamento de pessoal; restauração de obras de arte e bens de valor histórico. Notória Especialização: contratação de empresa ou pessoa física com notória experiência para execução de serviços técnicos. Este tipo de contratação se alimenta do passado, de desempenhos anteriores, estudos, experiências, publicações, nenhum critério é indicado para orientar ou informar como e de que modo a Administração pode concluir que o trabalho de um profissional ou empresa é o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato. Profissional Artista: contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública. Após concluída a licitação, ou os procedimentos de dispensa ou inexigibilidade, a Administração adotará as providências para celebração do respectivo contrato, carta-contrato ou entrega da nota de empenho da despesa, mediante recibo, ou da ordem de execução do serviço, ou da autorização de compra, ou de documento equivalente. No contrato devem estar estabelecidas com clareza e precisão as cláusulas com os direitos, obrigações e responsabilidade da Administração e do particular. É comum em muitos editais de licitações, acompanhar em anexo, minuta do contrato a ser celebrado. Vale lembrar que o conteúdo de um Contrato Administrativo deverá ser unicamente o que consta no Edital de Licitação e na proposta comercial do licitante, sendo o Edital a base do Contrato Administrativo. Todo e qualquer anexo do Edital de Licitações faz parte do Contrato, tais como especificações detalhadas, planilhas, cronogramas, cálculos e qualquer outro anexo existente no edital de licitação. O contrato administrativo é sempre consensual, visto que concretiza um acordo de vontades. Além disso, em regra, é, oneroso, formal, comutativo e intuito personae (celebrado em função de características pessoais e relevantes do contratado). Segundo Hely Lopes Meirelles, o contrato administrativo “é o ajuste que a Administração Pública, agindo nessa qualidade, firma com particular ou outra entidade administrativa, para a consecução de objetivos de interesse público, nas condições estabelecidas pela própria Administração”. Nesse mesmo contexto o enunciado do artigo 2º, parágrafo único da Lei 8.666/93, estabelece: "Para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada".[4] A expressão “Contrato Administrativo” é utilizada, para nomear apenas os contratos em que a Administração Pública, indireta ou direta, investida nessa qualidade, celebra com pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, com fins públicos, segundo regime jurídico de Direito Público. Para Celso Antônio Bandeira de Mello (2005), “as prerrogativas da Administração Pública no chamado contrato administrativa são reputadas existentes por força da ordenação legal ou das cláusulas exorbitantes da avença”.[5] Considerando os contratos administrativos, não no sentido amplo empregado, mas no sentido próprio e restrito, que abrange apenas aqueles acordos de que a administração é parte, sob regime jurídico publicístico, derrogatório e exorbitante de direito comum, podem ser apontadas as seguintes características: 1)   Presença da Administração Pública como Poder Público: Nos contratos administrativos, a Administração aparece com uma série de prerrogativas que garantem a sua posição sobre o particular; elas vêm expressas precisamente por meio das chamadas cláusulas exorbitantes ou de privilégio ou de prerrogativas. 2)   Finalidade Pública: Esta característica está presente em todos os atos e contratos da Administração Pública, ainda que regidos pelo direito privado, às vezes, pode ocorrer que a utilidade direta seja usufruída apenas pelo particular, como ocorre na concessão de uso de sepultura, mas, indiretamente, é sempre o interesse público que a Administração tem que ter em vista, sob pena de desvio de poder. No exemplo citado, o sepultamento adequado, nos termos da lei, é de interesse de todos e, por isso mesmo, colocado sob tutela do Poder Público. 3)   Obediência à forma prescrita em lei: Para contratos celebrados pela Administração, encontram-se na lei inúmeras normas referentes à forma; esta é essencial, não só em benefício do interessado como da própria administração, para fins de controle da legalidade. Dentre essas cláusulas, é oportuno realçar a concernente ao prazo, é vedado o contrato com prazo de vigência indeterminado. Além disso, a duração dos contratos regidos por esta lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários (1ano), exceto quanto: I- aos projetos cujos produtos estejam contemplados nas metas estabelecidas no Plano Plurianual, os quais poderão ser prorrogados se houver interesse da Administração e desde que isso tenha sido previsto no ato convocatório; II- à prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que poderão ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a Administração, limitada a sessenta meses; III- ao aluguel de equipamentos e à utilização de programas de informática, podendo a duração estender-se pelo prazo de até 48 meses após o início da vigência do contrato; IV- às hipóteses previstas no art. 24, inc. IX,XIX,XXVIII e XXXI, cujos contratos poderão ter vigência por até 120 meses, caso haja interesse da administração. 4)   Procedimento legal: A lei estabelece determinados procedimentos obrigatórios para a celebração de contratos e que podem variar de uma modalidade para a outra, compreendendo medidas como autorização legislativa, avaliação, motivação, autorização pela autoridade competente, indicação de recursos orçamentários e licitação. 5)   Contrato de adesão: Todas as cláusulas dos contratos administrativos são fixadas unilateralmente pela Administração. Costuma-se dizer que, pelo instrumento convocatório da licitação, o poder público faz uma oferta a todos os interessados, fixando as condições em que pretende contratar; a apresentação de propostas pelos licitantes equivalente à que pretende contratar; a apresentação de propostas pelos licitantes equivale à aceitação da oferta feita pela administração. Essa ideia se confirma com a norma art. 40 § 2º, da lei, segundo a qual, dentre os anexos do edital da licitação, deve constar necessariamente “a minuta do contrato a ser firmado entre a administração e o licitante vencedor”; com isto fica a minuta do contrato sujeita ao princípio da vinculação do edital. Mesmo quando o contrato não é precedido de licitação, é a Administração que estabelece, previamente, as cláusulas contratuais, vinculada que está às leis, regulamentos e ao princípio da indisponibilidade do interesse público. 6)   Natureza jurídica: Todos os contratos para os quais a lei exige licitação são firmados intuito personae, ou seja, em razão de condições pessoais do contratado, apurada no procedimento da licitação.  7)   Presença das cláusulas exorbitantes: São cláusulas exorbitantes que não seriam comuns ou que seriam ilícitas em contrato celebrado entre particulares, por conferirem prerrogativas a uma das partes (a Administração) em relação à outra; elas colocam a Administração em posição de supremacia sobre o contrato. 8)   Exigência de garantia: A lei atual permite que a exigência de garantia seja feita, já na licitação, “para efeito de garantia ao inadimplemento do contrato a ser ulterior celebrado”. A escolha da modalidade de garantia cabe ao contratado, não podendo ultrapassar o correspondente a 5% do valor do contrato, anão ser no caso de ajustes que importam entrega de bens pela Administração, dos quais o contratado ficará depositário; nesse caso, ao valor da garantia deverá ser acrescido o valor dos bens. A garantia, quando exigida do contratado, é devolvida após a execução do contrato; em caso de rescisão contratual, por ato atribuído ao contratado, a Administração pode reter a garantia para ressarcir-se dos prejuízos e dos valores das multas e indenizações a ela devidos. Trata-se de medida auto executória, que independe de recurso ao Poder Judiciário. Nos contratos de parceria público-privada (concessão patrocinada e concessão administrativa), a prestação de garantia deixa de ser ônus apenas do contratado, porque prevista também para o parceiro público; em razão disso, perde a natureza de cláusula exorbitante.  Com relação à rescisão do contrato administrativo se trata de ato vinculado e não discricionário, devendo o administrador agir com base no princípio da continuidade do serviço público, devendo ser rescindido com base no inadimplemento como também com base no interesse público, pois é uma questão de ordem pública. Leciona Meirelles (2012) que “nenhum particular adquire direito à imutabilidade do contrato administrativo ou a sua execução integral, ou ainda as vantagens in specie, pois estaria subordinando o interesse público ao interesse privado no contrato”.[6] Tanto na alteração como também na rescisão do contrato administrativo deverá sempre observado o princípio do contraditório e ampla defesa, pois são garantias constitucionais de todo processo, sob pena de nulidade do ato administrativo. Conclusão Licitação é um procedimento administrativo onde a Administração Pública Direta e Indireta obtêm a proposta mais vantajosa, assegurando igualdade de condições aos que participem do certame, visando à celebração do Contrato Administrativo para promover os interesses da coletividade. A constituição Federal estabeleceu como regra geral a licitação como o instrumento adequado para as contratações do Poder Público e somente em casos excepcionais a Administração Pública está autorizada a firmar contratos administrativos sem licitar. O procedimento administrativo da licitação deve ser realizado coadunando-se perfeitamente com a legislação infraconstitucional e com o edital para que não haja violação ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório. É de se analisar, que nos contratos administrativos ficará a critério da Administração exigir a prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e compras. Esta previsão encontra guarida na Lei de Licitações que especificou como modalidade de garantias: caução em dinheiro, em títulos da dívida pública ou fidejussória e fiança bancária. Quanto à duração dos prazos do contrato administrativo, cumpre observar que estes não poderão, salvo exceções expressas na Lei de Licitações, ser firmados por tempo indeterminado, estando a vigência do contrato adstrita ao crédito orçamentário. Prevê ainda a legislação em comento a possibilidade de prorrogação do contrato, nos prazos de início de etapas de execução, nos prazos de conclusão e nos prazos de entrega.  Os contratos administrativos buscam, na maioria das vezes, a satisfação do interesse público, são dotados de cláusulas exorbitantes e contem em seu bojo cláusulas de cunho obrigatório. Os contratos administrativos não podem ser considerados mera formalidade, devendo ser rigorosamente cumpridos e formalmente editados pelos órgãos da Administração Pública.
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Licitações
Este artigo tem por objetivo fazer um breve estudo sobre o instituto da licitação, analisar o instituto da licitação no ordenamento jurídico brasileiro, bem como o seu procedimento. Aborda de forma clara e objetiva os conceitos básicos de licitações bem como o entendimento da doutrina consagrada.
Direito Administrativo
Introdução A licitação é o procedimento obrigatório a ser utilizado pela Administração Pública para realizar suas contratações, sejam as aquisições de bens e serviços ou as alienações. É regida principalmente pela Lei Federal nº 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos) e Lei Federal nº 10.520/02 (Lei do Pregão). O ato convocatório (edital ou convite) tem por finalidade fixar as condições necessárias à participação dos licitantes, ao desenvolvimento da licitação e à futura contratação, além de estabelecer um elo entre a Administração e os licitantes. Deve ser claro, preciso e fácil de ser consultado. A licitação é o procedimento administrativo formal, indispensável aos procedimentos de compra, aquisição ou contratação de bens e serviços, em que a Administração Pública convoca, mediante condições estabelecidas em ato próprio (edital ou convite), empresas interessadas na apresentação de propostas para esse fim. 2 Desenvolvimento A Licitação Pública é um instrumento consagrado na Constituição Federal do Brasil de 1988 no seu artigo 37, inciso XXI, que diz: (Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações). A Constituição de 1988 foi fundamental para a criação de novas leis no ordenamento jurídico e administrativo, dentre as quais: a Lei Federal nº 8.666 de 1993, que instituiu o Estatuto das Licitações e Contratos Administrativos. A Lei 8.666/93 constitui um meio pelo qual o gestor público procederá à administração do erário na contratação de bens e serviços, optando pela melhor forma de aquisição, ou seja, pelo menor preço, prazo e qualidade, observando a necessidade do órgão público licitante quanto à descrição do objeto ou serviço de aquisição. Na lição de Celso Antonio Bandeira de Mello[1], “Licitação – em suma síntese – é um certame que as entidades governamentais devem promover e no qual abrem disputa entre os interessados em com elas travar determinadas relações de conteúdo patrimonial, para escolher a proposta mais vantajosa às conveniências públicas. Estriba-se na ideia de competição, a ser travada isonomicamente entre os que preencham os atributos e aptidões necessários ao bom cumprimento das obrigações que se propõem assumir”. (MELLO, Curso de Direito Administrativo, 2004. p. 483.) Nas palavras de Adilson Abreu Dallari[2] “o instituto da licitação assumiu grande importância atualmente, devido ao aumento na esfera de atuação da Administração Pública, por meio do desempenho de novas funções exigidas pela complexidade da vida moderna”. (DALLARI, Aspectos jurídicos da licitação, 1992. p. 89.) O procedimento licitatório deve observar os seguintes princípios: Moralidade: comportamento escorreito, liso e honesto da Administração. Impessoalidade: proibição de qualquer critério subjetivo, tratamento diferenciado ou preferência, durante o processo licitatório para que não seja frustrado o caráter competitivo desta. Legalidade: disciplina a licitação como uma atividade vinculada, ou seja, prevista pela lei, não havendo subjetividade do administrador. Probidade: estrita obediência às pautas de moralidade, incluindo não só a correção defensiva dos interesses de quem a promove, bem como as exigências de lealdade e boa-fé no trato com os licitantes. Publicidade: transparência dos atos da Administração Pública. Julgamento objetivo: vedação da utilização de qualquer critério ou fator sigiloso, subjetivo, secreto ou reservado no julgamento das propostas que possa elidir a igualdade entre os licitantes. Artigo 44, da Lei 8666/93. Vinculação ao Instrumento Convocatório: respeito às regras estabelecidas no edital ou na carta-convite – artigo 41, Lei 8666/93. Sigilo das propostas: é um pressuposto de igualdade entre os licitantes. O conteúdo das propostas não é público, nem acessível até o momento previsto para sua abertura, para que nenhum concorrente se encontre em situação vantajosa em relação aos demais. Competitividade: o procedimento de licitação deve buscar o melhor serviço pelo menor preço. As licitações possuem seis modalidades: Concorrência, tomada de preços, convite, concurso, leilão e pregão. A Concorrência exige requisitos de habilitação (exigidos no edital), na fase inicial, comprovados documentalmente. Esta modalidade ocorre quando se trata de concessão de direito real de uso, de obras ou serviços públicos – de engenharia ou não -, na compra e venda de imóveis (bens públicos), licitações internacionais. A Lei 8666/93 em seu art. 23 define os limites de valores para esta modalidade: Acima de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) para obras e serviços de engenharia; e acima de R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais) para compras e serviços de outras naturezas. A Tomada de preços é a espécie que necessita de um certificado do registro cadastral (CRC), ou seja, necessita comprovar os requisitos para participar da licitação até o terceiro dia anterior ao término do período de proposta. O Convite não requer publicação de edital. Trata-se de uma contratação mais célere. Os interessados sejam cadastrados ou não, são escolhidos e convidados em número mínimo de três licitantes. Os demais interessados que não forem convidados, poderão comparecer e demonstrar interesse com vinte e quatro horas de antecedência à apresentação das propostas. No Concurso, ocorrerá a escolha de trabalho científico, artístico, ou técnico com prêmio ou remuneração aos vencedores, conforme o edital publicado na imprensa oficial com antecedência mínima de quarenta e cinco dias. A escolha do vencedor será feita por uma comissão julgadora especializada na área. A modalidade de licitação denominada Leilão não se confunde com o leilão mencionado no Código de Processo Civil. Esta espécie licitatória versa sobre a venda de bens inservíveis para a Administração Pública, de mercadorias legalmente apreendidas, de bens penhorados (dados em penhor – direito real constituído ao bem) e de imóveis adquiridos pela Administração por dação em pagamento ou por medida judicial. O Pregão foi instituído pela lei 10520/02, e versa sobre a aquisição de bens e serviços comuns (serviços cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital). O Decreto nº 9.412/2018, que atualiza os valores limite de três modalidades de licitação – convite, tomada de preços e concorrência. Os valores alterados na Lei nº 8.666/1993 foram reajustados em 120 %, que correspondem à metade do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado de maio de 1998 a março de 2018. Além da atualização de acordo com a inflação, a medida visa aprimorar a gestão pública. Os novos valores terão como resultado procedimentos de compras menos onerosos, considerando-se o custo indireto de uma licitação em relação aos valores dos bens e contratações que são objeto dessas modalidades de licitação. Os valores estabelecidos ficam atualizados da seguinte forma: Para obras e serviços de engenharia na modalidade convite até R$ 330 mil; tomada de preços até R$ 3,3 milhões e concorrência acima de R$ 3,3 milhões. Compras e serviços na modalidade convite até R$ 176 mil; tomada de preços até R$ 1,43 milhão e concorrência acima de R$ 1,43 milhão. Contratações por meio de dispensa de licitação também foram atualizadas. Nesse caso, os valores máximos são de R$ 33 mil para obras e serviços de engenharia e R$ 17,6 mil para as demais licitações. Os limites correspondem a 10% do previsto na modalidade convite, conforme estabelece a Lei de Licitações, no artigo 24. O Decreto nº 9.412/2018 se aplica a todos os entes da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), uma vez que cabe à União, exclusivamente, legislar sobre normas gerais de licitação e contratação. Muitas pessoas confundem as modalidades de licitação com os tipos de licitação, porém ambos são distintos. Os tipos de licitação são os critérios de julgamento utilizados para a seleção do tipo de negócio mais vantajoso pela Administração Pública. Os principais são: Menor preço; Melhor Técnica; e Técnica e Preço. Menor preço: quando a proposta mais vantajosa para a entidade pública é o menor preço. Melhor técnica: quando a proposta escolhida pela entidade pública é feita com base em características de ordem técnica. Técnica e preço: consiste na proposta com o melhor custo-benefício, ou seja, um equilíbrio ponderado entre boas técnicas e bons preços para a Administração Pública. Maior lance: quando relacionado a venda de bens, o licitante que oferecer o maior valor pelo produto é o contemplado. Fase interna Nessa fase é que se concentram os atos que definirão os rumos da licitação, isto é, o planejamento da licitação. “Identifica-se a necessidade, motiva-se a contratação, para então, partir-se para verificação da melhor forma de sua prestação. Ou seja, a decisão pela contratação direta, por inexigibilidade ou dispensa, é posterior a toda uma etapa preparatória que deve ser a mesma para qualquer caso. A impossibilidade ou a identificação da possibilidade da contratação direta como a melhor opção para a administração, só surge após a etapa inicial de estudos. Como a regra geral é a licitação, a sua dispensa ou inexigibilidade configuram exceções. Como tal, portanto, não podem ser adotadas antes das pesquisas e estudos que permitam chegar a essa conclusão”. (Acórdão nº 994/2006, Plenário, Rel. Min. Ubiratan Aguiar.) Ao dar início a uma licitação, a Administração Pública deve atentar para a existência de previsão orçamentária. Fazer uma licitação sem recursos previstos é, no mínimo, ato de má gestão. A Lei nº 8.666/93 é clara, no art. 7º, § 2º, inc. III, ao prever que: “§ 2º As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando:(…) III – houver previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações decorrentes de obras ou serviços a serem executadas no exercício financeiro em curso, de acordo com o respectivo cronograma;” “6. De acordo com o caput do art. 38, da Lei 8.666/93, desde a abertura do processo administrativo da licitação é necessária a indicação dos recursos apropriados. No edital, é obrigatório definir as condições para o atendimento das obrigações necessárias ao cumprimento do seu objeto, segundo o inciso VIII do art.40 da mesma lei. 7. Também, pelo inciso III do § 2º do art. 40 da Lei 8.666/93, é preciso que o edital da licitação esteja acompanhado da minuta do contrato a ser firmado, onde, em cumprimento ao inciso V do art. 55, há que ficar estabelecido ‘o crédito pelo qual correrá a despesa com a indicação da classificação funcional programática e da categoria econômica’ 8. Daí decorre a jurisprudência deste Tribunal, que se posiciona pela exigência de que o edital venha consignado da dotação orçamentária que dará suporte às despesas. 9. Entretanto, é de se reconhecer que a Lei nº 8.666/93 tem como efetivamente grave e passível de anulação a compra realizada sem a indicação dos recursos orçamentários para seu pagamento, consoante o art. 14”. (Acórdão nº 3.034/2005, 1ª C., Rel. Min. Marcos Vinicios Vilaça.) Além da previsão orçamentária, a Administração Pública deve ter conhecido e definido quanto quer gastar com aquela contratação. Encontramos rica jurisprudência acerca da necessidade de realização da pesquisa de preços. Vejamos posicionamento do TCU: “A importância da realização de uma ampla pesquisa de preços no mercado e de uma correta estimativa de custos é inconteste, pois fornece os parâmetros para a Administração avaliar a compatibilidade das propostas ofertadas pelos licitantes com os preços praticados no mercado e verificar a razoabilidade do valor a ser desembolsado, afastando a prática de atos possivelmente antieconômicos. 6. O preço estimado é o parâmetro de que dispõe a Administração para julgar as licitações e efetivar contratações, e deve refletir adequadamente o preço corrente no mercado e assegurar efetivo cumprimento, dentre outros, dos princípios da economicidade e da eficiência”. (Acórdão nº 710/2007, Plenário, Rel. Min. Raimundo Carreiro.) “É importante notar que a pesquisa de preços não constitui mera exigência formal estabelecida pela Lei. Trata-se, na realidade, da etapa essencial ao processo licitatório, pois estabelece balizas para que a Administração julgue se os valores ofertados são adequados. Sem valores de referência confiáveis, não há como avaliar a razoabilidade dos preços dos licitantes”. (Acórdão nº 1.405/2006, Plenário, Rel. Min. Marcos Vinicios Vilaça.) Definir com clareza e exatidão o objeto que vai atender à necessidade da Administração é de grande importância para o sucesso da licitação. O mercado é rico em opções, e a Administração Pública é livre para utilizar os recursos disponíveis para chegar ao objeto que melhor atenda àquela necessidade. A modalidade de licitação não é definida aleatoriamente, ela será feita com base no art. 22, da Lei nº 8.666/93. “Com relação à modalidade de licitação, sabe-se que o principal critério para definir se o administrador utilizará o convite, a tomada de preços ou a concorrência é o valor estimado do objeto a ser licitado”. (Acórdão TCU nº 103/2004.) Abrimos um parêntese para uma observação acerca da modalidade Pregão, uma modalidade recente em nosso ordenamento, posterior à Lei nº 8.666/93. O pregão presencial possui diploma legal próprio, sendo a Lei nº 10.520/02 encarregada das normas gerais da modalidade. Já o Pregão Eletrônico encontra-se regulamentado pelo Decreto nº 5.540/05. Contudo, os preceitos gerais ditados pelas Leis nºs 8.666/93 e 10.520/02 deverão ser observados, bem como aplicados, no que couber, ao Pregão Eletrônico. No que se refere à aplicação da Lei nº 10.520/02 e do Decreto 5.450/05, Joel de Menezes Niebuhr[3], afirma: “Como já afirmado, o pregão eletrônico subordina-se às disposições da Lei nº 10.520/02, ainda que ela não prescreva normas que se seja especificas. É a Lei nº 10520/02 que cria a modalidade pregão, tanto em sua faceta presencial, quanto em sua faceta eletrônica”. (NIEBUHR, Pregão Presencial e Eletrônico, 2006. p. 297.) O pregão eletrônico foi instituído pela União a todos os entes da Administração Federal com adoção obrigatória para compras e contração de serviços comuns, por se tratar de uma modalidade extremamente moderna e transparente. Outro ponto importante é a definição expressa do tipo de licitação, consubstanciado no § 1º do art. 45, da Lei de Licitações, pois, segundo comentário de Marçal Justen Filho[4], “A definição do tipo de licitação produz reflexos não apenas sobre o julgamento das propostas. O próprio procedimento licitatório, em toda sua fase externa, variará consoante o tipo de licitação”. (JUSTEN FILHO, Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 2008. p. 554.) “Art. 45 (…) § 1º Para os efeitos deste artigo, constituem tipos de licitação, exceto na modalidade concurso: I – a de menor preço – quando o critério de seleção da proposta mais vantajosa para a Administração determinar que será vencedor o licitante que apresentar a proposta de acordo com as especificações do edital ou convite e ofertar o menor preço; II – a de melhor técnica; III – a de técnica e preço. IV – a de maior lance ou oferta – nos casos de alienação de bens ou concessão de direito real de uso.” A importância do edital Na obra de Adilson Abreu Dallari encontramos a definição de edital, em sentido amplo, segundo o que ensinou Oswaldo Aranha Bandeira de Mello assim definido como ‘instrumento pelo qual se faz pública, pela imprensa ou em lugares apropriados das repartições, certas notícias, fato ou ordenança, às pessoas nele referidas e outras que possam ter interesse a respeito do assunto que nele contém’. Já em sentido estrito, ‘Hely Lopes Meirelles, com a clareza que lhe é peculiar, afirma que o edital é instrumento pelo qual a administração leva ao conhecimento público sua intenção de realizar uma licitação e fixa as condições de realização dessa licitação’”. (DALLARI, Aspectos jurídicos da licitação, 1992. p. 90.) A elaboração do edital, ou ato convocatório, é atividade de elevada importância e deverá possuir amplo caráter de legalidade. É nele que serão estipuladas as regras que se aplicarão à disputa: desde critérios de habilitação e classificação, a preço, pagamento, sanções, demais regras procedimentais, e minuta do contrato administrativo que será firmado com o vencedor. O art. 41 da Lei nº 8.666/93, prevê que qualquer cidadão é parte legitima para impugnar edital de licitação por irregularidade na aplicação da Lei. A impugnação ao edital é um meio administrativo de contestação da legalidade de cláusulas do ato convocatório, que pode ser exercitado pelo licitante ou por qualquer cidadão (§§ 1º e 2º do art. 41). Deve ser entendido como uma forma de provocação da Administração à verificação da legalidade do ato convocatório (Revista Zênite de Licitações e Contratos – ILC, edição 720/67/SET/1999, Seção Perguntas e Respostas, p. 1.) Os licitantes se submeterão às cláusulas do edital, que estipulará os requisitos para habilitação e qualificação no certame, bem como a minuta de contrato. Daí a importância de este estar revestido de legalidade, só assim, garantirá o tratamento igualitário entre os interessados, e afastando cláusulas que restrinjam ou venham ferir o princípio da competitividade. Para que isso aconteça, o edital deve ser submetido à análise e aprovação da assessoria jurídica do órgão que está promovendo a licitação, e, de acordo com o art. 41 da Lei nº 8.666/93, a Administração não pode descumprir as condições do edital, ao qual se acha estritamente vinculada. Com o parecer favorável da assessoria jurídica, finaliza-se assim a fase interna da licitação Fase externa A Lei nº 8.666/93 prevê, no art. 3º, § 3º, que a licitação não será sigilosa, sendo públicos e acessíveis ao público os seus atos, salvo quanto ao conteúdo das propostas, até sua respectiva abertura. Com a publicação do edital, os interessados tomarão conhecimento da licitação e regras da disputa, e apresentarão suas ofertas. A habilitação tem como finalidade o exame de idoneidade jurídica, técnica e financeira da empresa que pretende com a Administração Pública contratar, de acordo com o previsto nos arts. 28, 29, 30 e 31, da Lei nº 8.666/93. Atendidos os requisitos de habilitação, o licitante terá suas propostas técnica e comercial analisadas. Essa etapa é regida pelos arts. 44 a 48, da Lei nº 8.666/93. Para o professor Marçal Justen Filho[5], “a Lei nº 8.666 impôs a obrigatoriedade da distinção formal entre o exame da regularidade das propostas e o julgamento de sua vantajosidade. As propostas desconformes com o edital ou a lei serão desclassificadas. Passar-se á ao exame apenas das propostas cujo conteúdo se encontrar dentro dos parâmetros exigidos”. (JUSTEN FILHO, Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 2008. p. 572.) De acordo com o art. 45 da Lei nº 8.666/93, temos que: Art. 45 O julgamento das propostas será objetivo, devendo a Comissão de licitação ou o responsável pelo convite realizá-lo em conformidade com os tipos de licitação, os critérios previamente estabelecidos no ato convocatório e de acordo com os fatores exclusivamente nele referidos, de maneira a possibilitar sua aferição pelos licitantes e pelos órgãos de controle. É importante ressaltar que, das decisões tomadas nesta fase cabem recursos, os quais estão previstos no art. 109, da Lei nº 8.666/93. Definido o vencedor, a Administração Pública procederá à homologação e adjudicação da proposta, ato que antecede a formalização do contrato administrativo. A execução do contrato administrativo não fugirá aos olhos da Administração que, por lei, tem o dever de fiscalizá-lo, de acordo com os arts. 66 e 67, da Lei de Licitações. Dispensa de Licitação: Nas hipóteses de dispensa de licitação, embora haja possibilidade de competição, algumas razões de tomo justificam que se deixe de efetuá-la em nome de outros interesses públicos que merecem acolhida, segundo o que estabelece o legislador. Nesse caso, a licitação poderá ser dispensada ou dispensável. Na licitação dispensada não cabe ao Administrador o juízo de valor, ou seja, não há possibilidade de escolha se vai ou não realizar o certame. A lei diz que não licita e pronto. Encontra-se essa hipótese nas alienações de bens públicos móveis e imóveis, previstas no art. 17, incisos I e II. De outro lado, a licitação também poderá ser dispensável, hipótese em que a competição é possível. O legislador a dispensa, mas quem decide se está deve ou não ocorrer é o administrador, cabendo-lhe o juízo de valor. As situações em que é dispensável a licitação está enumerada no art. 24 da Lei no 8.666/1993, que teve a última alteração pela Lei no 12.873, de 24.10.2013, representando, esse, um rol taxativo. Inexigibilidade de Licitação: A contratação direta, em caso de inexigibilidade de licitação, resulta da inviabilidade de competição, o que decorre da ausência dos pressupostos que justificam a sua realização. Algumas hipóteses de inexigibilidade estão previstas no texto legal, em seu art. 25. Entretanto, lembre-se de que o rol é só exemplificativo e envolve basicamente a ausência de pressuposto lógico (pluralidade de objeto ou de ofertante), que não é a única causa que gera a impossibilidade de competição. As hipóteses expressas são: para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo. Saliente-se que essa hipótese não pode ser utilizada para a escolha de marca de produto. A exclusividade deve ser comprovada por intermédio de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação, ou a obra, ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes. Para a contratação de serviços de natureza singular, conforme requisitos apresentados no tópico anterior, sendo vedada essa hipótese para os serviços de publicidade e divulgação. Para a contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou por meio de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública. De modo geral, o edital em uma licitação pública serve para identificar tudo o que será necessário para a realização do projeto, de modo que os concorrentes possam avaliar sua capacidade de fornecer os serviços a serem contratados. Por isso, esse é um dos itens sobre os quais se devem ficar atento. O edital de licitação pública, portanto, serve para garantir que as empresas tenham conhecimento prévio de tudo o que será necessário, evitando que a Administração habilite uma empresa que não será capaz de cumprir com o proposto. A concorrência também se torna mais justa, já que todas as empresas possuem acesso às mesmas informações e podem se preparar da mesma maneira. De modo geral, o edital de licitação pública funciona como um documento para estabelecer quais serão as regras de cada licitação. O edital de licitação pública é o documento que funciona como lei interna e que rege todas as condições necessárias à concorrência e realização da licitação. Sua importância reside no fato de que é ele o responsável por estabelecer quais serão as regras, além de garantir o cumprimento posterior do processo. Na realidade o registro de preços é um PROCEDIMENTO especial de licitação que se efetiva utilizando-se as modalidades de licitações de Concorrência Pública e Pregão (eletrônico ou presencial), o qual seleciona a proposta mais vantajosa com observância fiel do princípio da isonomia, pois sua compra é projetada para uma futura contratação. A Administração Pública firma um compromisso por meio de uma ATA DE REGISTRO DE PREÇOS, onde se precisar de determinado produto registrado, o Licitante Vencedor estará obrigado ao fornecimento dentro do prazo de validade da referida ATA. O prazo de validade da Ata de Registro de Preço não poderá ser superior a um ano, computadas neste as eventuais prorrogações. Regulamentado pelo Decreto Nº 3.931, de 19 de setembro de 2001. Os preços registrados poderão ter uma validade de 6 ou 12 meses período no qual, os respectivos produtos ou serviços poderão ser adquiridos ou contratados pelos órgãos públicos gerenciadores e os órgãos participantes do SRP. Outros órgãos públicos também podem "pegar carona" nestes preços, bastando para isso, pertencer a mesma esfera administrativa. A Administração também se cuidou de quebrar a rigidez do processo licitatório para casos especiais de compra sem desrespeitar os princípios de moralidade e da isonomia. A contratação por meio da dispensa de licitação deve limitar-se a aquisição de bens e serviços indispensáveis ao atendimento da situação de emergência e não qualquer bem ou qualquer prazo. A licitação é dispensável quando: Em situações de emergência: exemplos de Casos de guerra; grave perturbação da ordem; calamidade pública, obras para evitar desabamentos, quebras de barreiras, fornecimento de energia. Por motivo de licitação frustrada por fraude ou abuso de poder econômico: preços superfaturados, neste caso pode-se aplicar o artigo 48 parágrafo 3º da Lei 8666/93 para conceder prazo para readaptação das propostas nos termos do edital de licitação. Intervenção no Domínio Econômico: exemplos de congelamento de preços ou tabelamento de preços. Dispensa para contratar com Entidades da Administração Pública: Somente poderá ocorrer se não houver empresas privadas ou de economia mista que possam prestar ou oferecer os mesmos bens ou serviços. Exemplos de Imprensa Oficial, processamento de dados, recrutamento, seleção e treinamento de servidores civis da administração. Contratação de Pequeno Valor: Materiais, produtos, serviços, obras de pequeno valor, que não ultrapassem o valor estimado por lei para esta modalidade de licitação. Dispensa para complementação de contratos: Materiais, produtos, serviços, obras no caso de rescisão contratual, desde que atendida a ordem de classificação da licitação aceitas as mesmas condições oferecidas pelo licitante vencedor, inclusive quanto ao preço, devidamente corrigido. Ausência de Interessados: Quando não tiver interessados pelo objeto da licitação, mantidas, neste caso, todas as condições preestabelecidas em edital. Comprometimento da Segurança Nacional: Quando o Presidente da República, diante de um caso concreto, depois de ouvido o Conselho de Defesa Nacional, determine a contratação com o descarte da licitação. Imóvel destinado a Administração: Para compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia. Deverá a Administração formalizar a locação se for de ordem temporária ou comprá-lo se for de ordem definitiva. Gêneros Perecíveis: Compras de hortifrutigranjeiros, pão e outros gêneros perecíveis durante o tempo necessário para a realização do processo licitatório correspondente. Ensino, pesquisa e recuperação social do preso: Na contratação de instituição brasileira dedicada a recuperação social do preso, desde que a contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional e não tenha fins lucrativos na aplicação de suas funções. Acordo Internacional: Somente para aquisição de bens quando comprovado que as condições ofertadas são vantajosas para o poder público. Obras de Arte e Objetos Históricos: Somente se justifica a aplicação da dispensa de licitação se a finalidade de resgatar a peça ou restaurar for de importância para a composição do acervo histórico e artístico nacional. Aquisição de Componentes em Garantia: Caso a aquisição do componente ou material seja necessário para manutenção de equipamentos durante o período de garantia. Deverá a Administração comprá-lo do fornecedor original deste equipamento, quando a condição de exclusividade for indispensável para a vigência do prazo de garantia. Abastecimento em Trânsito: Para abastecimento de embarcações, navios, tropas e seus meios de deslocamento quando em eventual curta duração, por motivo de movimentação operacional e for comprovado que compromete a normalidade os propósitos da operação, desde que o valor não exceda ao limite previsto para dispensa de licitação. Compra de materiais de uso pelas forças armadas: Sujeito à verificação conforme material, ressaltando que as compras de material de uso pessoal e administrativo sujeitam-se ao regular certame licitatório. Associação de portadores de deficiência física: A contratação desta associação deverá seguir as seguintes exigências: Não poderá ter fins lucrativos; comprovar idoneidade, preço compatível com o mercado. José dos Santos de Carvalho Filho[6] alerta que na Lei de Licitações foram determinadas algumas vedações aos Estados, Distrito Federal e Municípios em todo o procedimento administrativo, destacando-se entre elas, a que proíbe a ampliação dos casos de dispensa e inexigibilidade e a ampliação dos limites de valor para cada modalidade de licitação. Também tratou a lei de vedar redução dos prazos de publicidade e dos recursos. Na inexigibilidade, a contratação se dá em razão da inviabilidade da competição ou da desnecessidade do procedimento licitatório. Na inexigibilidade, as hipóteses do artigo 25 da Lei 8666 de 1993, autorizam o administrador público, após comprovada a inviabilidade ou desnecessidade de licitação, contratar diretamente o fornecimento do produto ou a execução dos serviços. É importante observar que o rol descrito neste artigo, não abrange todas as hipóteses de inexigibilidade. A licitação poderá ser inexigível quando: Fornecedor Exclusivo: Exclusividade Comercial: somente um representante ou comerciante tem o bem a ser adquirido, um grande exemplo disto seria medicamentos; exclusividade industrial: somente quando um produtor ou indústria se acha em condições materiais e legais de produzir o bem e fornecê-los a Administração. Aplica-se a inexigibilidade quando comprovada por meio de fornecimento de Atestado de Exclusividade de venda ou fabricação emitido pelo órgão de registro do comércio para o local em que se realizará a licitação. Singularidade para contratação de serviços técnicos: Somente poderão ser contratados aqueles enumerados no artigo 13 da Lei 8666/9: estudos técnicos; planejamentos e projetos básicos ou executivos; pareceres, perícias e avaliação em geral; acessórias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias; fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras e serviços; patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas; treinamento e aperfeiçoamento de pessoal; restauração de obras de arte e bens de valor histórico. Notória Especialização: contratação de empresa ou pessoa física com notória experiência para execução de serviços técnicos. Este tipo de contratação se alimenta do passado, de desempenhos anteriores, estudos, experiências, publicações, nenhum critério é indicado para orientar ou informar como e de que modo a Administração pode concluir que o trabalho de um profissional ou empresa é o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato. Profissional Artista: contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública. A Lei 8.666/93 estipula um prazo de cinco dias úteis, a contar da intimação do ato ou da lavratura da ata, para interposição do Recurso Administrativo, com exceção das licitações que usam a modalidade Convite, onde o prazo é de dois dias úteis. Quando o Recurso tiver a finalidade de atacar habilitação ou inabilitação de licitante ou julgamento das propostas, inevitavelmente será atribuído a ele efeito suspensivo. Tal medida serve para evitar a ocorrência de danos ao recorrente e à própria Administração Pública. A partir da interposição do Recurso Administrativo, os demais licitantes terão o direito de impugnar no prazo de cinco dias úteis em todas as modalidades de licitação, com exceção da modalidade Convite, onde o prazo será de dois dias úteis. Mister destacar que os prazos para o Recurso Administrativo somente poderão se iniciar quando os autos estiverem disponíveis para vista dos interessados. Na hipótese da não disponibilização dos autos, o prazo deve ser devolvido. O Ato impugnado poderá ser reconsiderado pela própria autoridade que o proferiu. Todavia, se inexistir a reconsideração, o Recurso será encaminhado à autoridade superior, que deverá julgar o caso em até cinco dias úteis contados do recebimento do recurso, sob pena de responsabilidade. Após concluída a licitação, ou os procedimentos de dispensa ou inexigibilidade, a Administração adotará as providências para celebração do respectivo contrato, carta-contrato ou entrega da nota de empenho da despesa, mediante recibo, ou da ordem de execução do serviço, ou da autorização de compra, ou de documento equivalente. No contrato devem estar estabelecidas com clareza e precisão as cláusulas com os direitos, obrigações e responsabilidade da Administração e do particular. É comum em muitos editais de licitações, acompanhar em anexo, minuta do contrato a ser celebrado. Conclusão Licitação é um procedimento administrativo onde a Administração Pública Direta e Indireta obtêm a proposta mais vantajosa, assegurando igualdade de condições aos que participem do certame, visando à celebração do Contrato Administrativo para promover os interesses da coletividade. A constituição Federal estabeleceu como regra geral a licitação como o instrumento adequado para as contratações do Poder Público e somente em casos excepcionais a Administração Pública está autorizada a firmar contratos administrativos sem licitar. O procedimento administrativo da licitação deve ser realizado coadunando-se perfeitamente com a legislação infraconstitucional e com o edital para que não haja violação ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório.
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Ilegalidade na exigência, para fins de habilitação licitatória, da Certidão negativa de infrações trabalhistas
No contexto licitatório a fase de habilitação constitui o momento apropriado para a aferição das condições dos licitantes interessados em participar do certame. Com o fito de conferir segurança e uniformidade à muticitada fase a Lei 8.666/93 define em seus artigos 27 e seguintes quais os documentos que podem ser veiculados e exigidos. Neste panorama exsurge a regularidade trabalhista como condição imprescindível a ser devidamente comprovada pelo licitante sob pena de sumaria inabilitação. Tal exigência foi acrescida à lei geral de licitações por meio da lei 12.440/11 e possui o evidente propósito imediato de alijar do processo licitatório os inadimplentes pessoas físicas ou jurídicas – em execução trabalhista definitiva. De forma mediata a comprovação da inexistência de débitos trabalhistas protege a Administração contra eventual tentativa de responsabilização subsidiária do próprio ente contratante conforme autorizado pela súmula 331 do TST. Pese a imensa contribuição e importância consentidas a partir da exigibilidade da certidão negativa de débitos vê-se corriqueiramente a confecção de editais de licitação reclamando a apresentação como condição para a prova da regularidade trabalhista da certidão negativa de débitos trabalhistas. Trata-se de exigência que transborda os lindes estabelecidos pela lei merecendo pois seja declarada sua ilegalidade pelos Órgãos de fiscalização.
Direito Administrativo
Introdução No contexto dos procedimentos licitatórios, o instrumento convocatório possui importância sobrelevada, não apenas por conferir segurança jurídica ao certame (vincula os licitantes – é a lei interna da licitação), mas também por funcionar como ferramenta de regulação de todo o procedimento, sinalizando o modus e as condições de participação, a fim de que o objeto proposto possa ser corretamente exercitado. Nesse contexto, registra-se que, presentemente, constitui cada vez mais corriqueira a previsão, ao interno dos ditos instrumentos convocatórios – independentemente da espécie veiculada -, de exigências singulares e bastante específicas, a serem devidamente satisfeitas pelos interessados que desejam concorrer do certame.  Não por outra razão, a evolução sentida advém de justificativa legítima e inafastável: no mundo moderno, marcado pela existência de intermináveis e complexas formas de relações sociais desenvolvidas, a proteção ao interesse e patrimônio público deve ser máxima. Se, para tanto, o uso da tecnologia e das vantagens dela decorrentes se afigure útil, que seja dado o adequado aproveitamento. Aliás, não se deve esquecer que a noção de Regime Jurídico Administrativo se orienta a partir de 02 (dois) pilares intensamente imbricados: o da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado e, ainda, o da Indisponibilidade do Interesse Público.  Contudo, não poderá o administrador público, sob o pretexto de estar atuando em consonância à principiologia acima referenciada, inovar, isso é, extrapolar os limites impostos pela legislação pertinente, de modo a exigir o atendimento de condições e exigências despidas de qualquer previsão legal razoável. Para que seja considerada lícita, a restrição deve, antes e superiormente, estar calcada em base legal, acorde aos ditames expressos na Constituição Federal. Qualquer desvio, por certo, incorrerá em grave prejuízo, configurador inequívoco ferimento ao sistema legal posto, devendo, isso posto, ser repelido veementemente. Nessa quadra, insere-se a propalada inclusão, como requisito de habilitação nos procedimentos de licitações, a apresentação de Certidão Negativa de Infrações Trabalhistas. 1 Especificamente em relação ao tema sub examine: a Certidão Negativa de Infrações Trabalhistas Como dito, tem sido bastante comum a inserção dos mais variados tipos de exigências, para que se possa aferir a regularidade-viabilidade da participação das licitantes nos certames públicos. Dentre elas, cita-se condição habilitatória bastante recorrente nos recentes instrumentos de convocação: a apresentação de Certidão Negativa de Infrações Trabalhistas para comprovar a regularidade trabalhista do(a) licitante.  Trata-se de documento emitido eletronicamente, obtido diretamente no sítio do Ministério do Trabalho e Emprego[1] junto à Secretaria de Inspeção do Trabalho, e que, não obstante possa se apresentar sob múltiplos conteúdos – a depender do tipo e natureza da infração examinada -, se mostra apto a demonstrar a inexistência de ilícitos trabalhistas cometidos pela empresa, com base no exercício do poder de polícia conferido aos órgãos de fiscalização do MTE. No ponto, e sem pretender fazer, por ora, qualquer juízo de valor sobre a importância do teor veiculado na certidão de inexistência de infração, revela-se de extremo interesse extremá-la de uma outra certidão, a de inexistência de débitos trabalhistas, comumente denominada de CNDT (certidão negativa de débitos trabalhistas). Nessa última, à toda evidência, a informação veicula a existência ou não de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho. Assim sendo, baseando-se em uma falsa percepção de maior garantia ao interesse público, vem os gestores públicos optando por consagrar a previsão da certidão negativa de infrações trabalhistas como documento necessário à comprovação da regularidade trabalhista, dentro das condições para a habilitação dos licitantes. Veja-se, pois, o que enuncia a lei licitatória a esse respeito. 2 A apresentação de certidão negativa de débitos trabalhistas (CNDT) como prova suficiente da regularidade trabalhista: cotejo dos artigos 27, iv e 29, v, da lei 8.666/93. De início, convém destacar que a exigência da regularidade trabalhista, como condição para a habilitação no procedimento licitatório, foi implementada pela Lei 12.440/11. A partir da sobredita alteração, o artigo 27 da lei geral licitatória, l. 8.666/93 passou a ostentar a seguinte redação, in verbis: “Lei 8.666/1993, Art. 27:  Para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a: I – habilitação jurídica; II – qualificação técnica; III – qualificação econômico-financeira; IV – regularidade fiscal e trabalhista; V – cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7o da Constituição Federal” (grifos do autor). Além de alterar o inciso IV do Artigo 27 do estatuto licitatório, a sobredita lei também foi responsável por instituir a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas, a ser expedida para comprovar a inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho (Artigo 642-A, CLT). De remate, a Lei 12.440/11 também foi responsável por promover importantíssima adição ao Artigo 29, inciso V, que passou a constar com a seguinte redação: “Art. 29. A documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista, conforme o caso, consistirá em: (…) V – prova de inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho, mediante a apresentação de certidão negativa, nos termos do Título VII-A da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1º de maio de 1943. (Incluído pela Lei nº 12.440, de 2011);” (grifos do autor). A este ponto, acredita-se que a legislação posta se revela extremamente clara. Ora, a relevante e significativa inclusão da prova da regularidade trabalhista como requisito para a habilitação do licitante interessado (vide Artigo 27, IV, Lei 8.666/93) não pode ser compreendida senão se imbricada a outro dispositivo legal, que verdadeiramente orienta o administrador público no procedimento de verificação da dita regularidade. Pela leitura do Artigo 29, inciso V da lei de licitações, tem-se que a apresentação da Certidão Negativa de Infrações Trabalhistas (CNDT) servirá como prova suficiente da regularidade trabalhista. No entanto, se mostra rotineira a transgressão ao aludido preceptivo, dada a constante previsão, pelos inúmeros instrumentos, consistente na apresentação de certidão negativa de infrações como meio hábil tendente a demonstrar a regularidade trabalhista. Não há, a nosso sentir, qualquer margem de discricionariedade neste ponto, sendo a lei suficientemente precisa para o deslinde da presente questão. De um turno, o estatuto esclarece que só podem ser exigidos exclusivamente documentos referentes aos itens mencionados (cf. Art. 27) e, de outro, aponta o que pode ser exigido ao licitante para que comprove o preenchimento daquelas condições (cf. Artigos 28-31). Com efeito, não poderá o administrador, ao seu talante e de acordo com sua própria conveniência, estabelecer documentação outra que não a legalmente referida para que reste caracterizada a demonstração de qualquer dos itens indicados no Artigo 27, ainda que o faça sob a falaciosa escusa de proteção do interesse público, impondo restrição incabível, desarrazoada e ilegal, visto não ter tido qualquer autorização legal para assim proceder. Ainda, entende-se que o legislador foi absolutamente preciso ao redigir o já referido Artigo 29, V. De um lado, porque a lei poderia ter ido além, e optado por consignar expressamente a possibilidade de se exigir documentação diversa à CNDT. De outro, e em via diametralmente oposta, poderia o legislador ter ido aquém, nada dispondo acerca do modus de comprovação da regularidade trabalhista.  No entanto, a decisão implementada não levou em consideração as duas propostas sobreditas, restando inarredável a conclusão no sentido de que a apresentação da certidão negativa de débitos trabalhistas (CNDT) pela empresa licitante e durante a fase de habilitação comprova, suficientemente, a situação de regularidade trabalhista veiculada no inciso V do Artigo 27. Qualquer exigência adicional, tal como a expedição de certidão negativa de débito trabalhista, se mostra flagrantemente ilegal.  Expressivo, no ponto ora tocado, o exposto por José dos Santos Carvalho Filho, ao veicular acerca da documentação referida no artigo 29, inciso V da lei de licitações (CARVALHO FILHO, 2014, p. 290): “Outro requisito a ser cumprido pelo licitante reside na comprovação de inexistência de débitos não solvidos perante a Justiça do Trabalho. Para tanto, deve apresentar a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT), expedida pelo mesmo ramo do Judiciário. É válido também apresentar Certidão Positiva de Débitos Trabalhistas, quando o débito estiver garantido por penhora suficiente ou com exigibilidade suspensa, caso em terá os mesmos efeitos da primeira. O escopo desse requisito, de caráter protetivo, é o de alijar dos certames públicos a sociedade que, indevidamente, descumpriu suas obrigações trabalhistas e causou gravame a seus empregados” (grifos do autor). Na passagem acima transcrita, José dos S. Carvalho Filho enaltece o conteúdo declarado na CNDT, bem assim esclarece que a comprovação da regularidade trabalhista pelo(a) licitante – como condição ou requisito para a habilitação no certame – se perfectibiliza por meio da sua apresentação. 3 O primado da lei como pressuposto lógico da vinculação ao instrumento convocatório Ab initio, impende esclarecer que o Princípio da Vinculação ao Instrumento Convocatório não se traduz em instrumento de legitimação ao que vem contido ao interno do edital. Em outros termos, a simples publicação do edital, veiculando as regras a serem observadas no procedimento licitatório – não representa, por si só, condição suficiente para que seja considerado válido o seu conteúdo. Não se trata, pois, de espécie de tudo-pode, como se um poder absoluto fosse. A despeito de funcionar como ferramenta imprescindível para a garantia da segurança jurídica durante a licitação, deve o instrumento convocatório guardar estrita obediência a outro princípio maior, de estatura constitucional e de extremo relevo para a manutenção das instituições: o da Legalidade. O denominado Primado da Lei, orientador de todo o sistema jurídico brasileiro (integrado à família do civil law, cuja origem remonta, sobretudo, à Europa Continental), se manifesta de forma clarividente no Texto Constitucional de 1988, que logo em seu Artigo 5°, inciso II, assim assevera: ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei. À Administração Pública, certo é que o princípio da legalidade irradia seus efeitos com maior latência e intensidade, eis que a atuação do administrador público deve, antes de mais nada, ter na lei o seu ponto de partida e o ponto final. Nesse diapasão, é o que revela a dicção do Artigo 37, caput da CF/88: A Administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios obedecerá aos princípios da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência. Ainda a respeito do princípio em comento, a Lei 8.666/93, em seu artigo 3°, caput, propugna que as licitações serão processadas e julgadas em conformidade com o princípio da legalidade (dentre outros que são enaltecidos pelo preceptivo retro). Destarte, feito o cotejo do arcabouço normativo que orienta o procedimento licitatório, cumpre regressar ao caso vertente, em ordem a se propor a seguinte indagação: Poderia o gestor, ao tempo da confecção do instrumento convocatório, exigir, para fins de comprovação da regularidade trabalhista, a apresentação de documento não previsto na norma legal que regulamenta – de forma específica e em caráter restritivo, inclusive – o tema? A nosso sentir, não pode o administrador público substituir o próprio legislador e estabelecer tratamento jurídico dissonante ao legalmente instituído. Antes e superiormente, a atividade administrativa é atividade sublegal, é dizer, a atuação do gestor prende-se ao que reza a lei. Irretocáveis as lições do aclamado professor Celso A. Bandeira de Mello, ao tecer considerações sobre o tema em foco (DE MELLO, 2014, p. 104): “Assim, o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão somente obedecê-las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes públicos, desde o que lhe ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais modesto dos servidores, só pode ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no Direito Brasileiro” (grifos do autor). Note-se: da leitura conjunta dos artigos 27, IV e 29, V, ambos da Lei 8.666/93, conclui-se que a opção legislativa foi a de não deixar qualquer margem de escolha ou atuação suplementar a cargo do administrador no tocante ao tema. Ora, fosse intenção do legislador propiciar que, durante a fase de habilitação, a prova da regularidade trabalhista pudesse ser feita por outros meios, assim o teria previsto de forma expressa. Contudo, a passagem normativa é contundente, admitindo uma única solução interpretativa, qual seja, a de que a apresentação da certidão negativa de débitos trabalhistas revela-se suficiente e bastante para a prova da regularidade pelo licitante. No ponto, impõe-se perfilhar as lições de Victor Aguiar J. de Amorim, ao analisar detidamente as balizas que delimitam o espectro da documentação exigível na fase de habilitação: “(…) Entende-se, assim, que a Administração, ao definir os requisitos de habilitação no edital, deve não só observar os limites legais, como também a razoabilidade das exigências, que, dentro da segurança de execução contratual pretendida, representem o menor cerceamento à competição. É o que se denomina, na doutrina de Justen Filho (2014, p. 542-545), de aplicação da teoria da restrição mínima. (…) A finalidade é ampliar a possibilidade de competição, de forma a abarcar os interessados que, minimamente, estão aptos a contratar o objeto. (…) O TCU considera ilegais as exigências de documentação e habilitação não previstas em lei, em especial, na Lei 8.666/1993. Portanto, qualquer exigência para fins de habilitação deverá estar prevista em ato normativo primário; desse modo, carecem de legalidade as exigências fundadas em atos normativos secundários (decretos; resoluções, portarias, etc)” (grifos do autor). Em remate, merecem destaque os ensinamentos de José dos Santos Carvalho Filho, ao se posicionar especificamente sobre a impossibilidade de o administrador estabelecer requisitos e condições de habilitação superiores aos já previstos na lei: “A Administração não pode fazer exigências indevidas e impertinentes para a habilitação do licitante. A própria Constituição, ao referir-se ao processo de licitação, indica que este ‘’somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações (art. 37, XXI)’’. No mesmo sentido, já decidiu o STJ que as exigências na licitação devem compatibilizar-se com seu objetivo, de modo que a ‘’ausência de um documento não essencial para a firmação do juízo sobre a habilitação da empresa não deve ser motivo para afastá-la do certame licitatório”. Forçoso, pois, seja considerada como ilegal a exigência, como prova da regularidade trabalhista para a habilitação das licitantes, a apresentação de Certidão Negativa de infração à legislação de proteção à criança e ao adolescente, expedida pelo Ministério do Trabalho, dada a falta de amparo legal para a validade da aludida condição. 4  A orientação consagrada no âmbito do TCU Faz-se necessário evidenciar, ainda, que o Tribunal de Contas da União, quando instado a se manifestar especificamente sobre casos análogos ao ora apresentado, decidiu pela ilegalidade de exigência, contida em edital de concorrência, consistente na apresentação de Certidão Negativa de Infrações Trabalhistas – expedida pelo Ministério do Trabalho e Emprego – para fins de regularidade trabalhista. De um turno, destaque ao Acórdão 2913/14, lavrado em 29 de outubro de 2014, nos autos da Representação autuada sob o n° 023957/2014-0, de relatoria do Ministro Weder de Oliveira. Na oportunidade, os ministros do TCU se debruçaram sobre representação apresentada contra editais de concorrência promovidos pelo município de Barra do Choça/BA. Dentre as inúmeras irregularidades apontadas pelo representante, impugnou-se a inserção de cláusula editalícia prevendo-exigindo, para fins de prova da regularidade trabalhista, a apresentação de Certidão Negativa de Infrações Trabalhistas. Consoante consta do acórdão aprovado por aclamação na Corte de Contas ora colacionado, assim se manifestou o Egrégio Tribunal: “ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário, diante das razões expostas pelo Relator, em: (…) 9.3. com fulcro no art. 43 da Lei 8.443/1992, c/c o art. 250, II, do RI/TCU, cientificar à prefeitura municipal de Barra do Choça/BA que foram constatadas as seguintes ilegalidades nos editais das concorrências visando à construção de unidades escolares objeto dos termos de compromissos 29976 e 30109/2014 firmado com o Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação. (…) 9.3.4. exigência de certidão negativa de infrações trabalhistas – Ministério do Trabalho e Emprego – para fins de comprovação de regularidade trabalhista” (grifos do autor). Da análise acurada do aludido decisum, verifica-se que o TCU encaminhou entendimento no sentido de inexistir fundamentação legal apta a autorizar a exigência atinente à apresentação de certidão negativa de infrações trabalhistas como prova da regularidade trabalhista. De tal arte, a Corte concluiu que a exigência relativa à apresentação, pelo licitante, de certidão negativa de ilícitos trabalhistas NÃO está contemplada no elenco dos documentos indispensáveis à garantia do objeto licitado, previsto nos artigos 27 a 31 do estatuto licitatório. Na ocasião, inclusive, foi aprovada a edição de enunciado, cujo teor é de imensa clareza e importância para o caso em testilha: NÃO HÁ AMPARO LEGAL PARA EXIGIR DOS LICITANTES A APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO NEGATIVA DE INFRAÇÕES TRABALHISTAS. Em idêntica trilha é o que revela outro julgamento do TCU, tomado nos autos do processo n° 025463/2014-4, em representação intentada contra o Município de Nilo Peçanha/BA, relatada também pelo Ministro Weder de Oliveira e julgada em 12 de novembro de 2014 (Acórdão 3148/14). Na dita sessão, os ministros da Corte constataram irregularidades no tocante à previsão de cláusula editalícia veiculando a apresentação de malfadada Certidão negativa de infração trabalhista. No ponto, merece o registro da conclusão tomada no julgamento: “ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão da Primeira Câmara, ante as razões expostas pelo relator, em: (…) 9.2. assinar prazo de quinze dias para que o município de Nilo Peçanha/BA adote as providências necessárias para a correção das irregularidades a seguir listadas, identificadas no edital da Tomada de Preços 004/2014 e que acarretam restrição à competitividade do certame, com fulcro no que estabelece o art. 71, IX, da Constituição Federal c/c os art. 45 da Lei 8.443/1992: (…) 9.2.4. exigência da certidão de infrações trabalhistas e de infrações à legislação de proteção à criança e ao adolescente para fins de habilitação, o que contraria o disposto no Decreto 4.358/2002” (grifos do autor). Ademais, cumpre esclarecer que os julgamentos acima referenciados foram realizados posteriormente às alterações promovidas pela Lei 12.440/11 à Lei 8.666/93, isso é, quando já se admitia, como condição-requisito para habilitação das empresas licitantes, a prova da regularidade trabalhista (alteração do inciso IV do artigo 27, lei licitatória). À guisa de conclusão Ante todo o exposto, tem-se que plenamente demonstrada a ilegalidade contida na exigência da apresentação de certidão negativa de infrações trabalhistas – nos termos do ora veiculado – como requisito a demonstrar a regularidade trabalhista, visto que a leitura conjunto dos dispositivos constantes na Lei 8.666/93, máxime o disposto nos artigos 27, IV e 29, V, revela uma única interpretação possível e legítima: a demonstração da regularidade trabalhista somente pode ser realizada por meio da apresentação da CNDT (certidão negativa de débitos trabalhistas). Ainda que a malfadada certidão de inexistência de infrações venha prevista nos instrumentos convocatórios que regem a licitação, não poderá ser admitida a cobrança, sob o pretexto de ser o documento a lei interna entre as partes. Ora, antes de tudo, deve o próprio instrumento – edital ou convite – guardar estrita consonância ao que está contido na lei, amoldam-se a ela. Do contrário, estar-se-ia afundando o postulado da lei, cláusula constitucional, insculpida no Artigo 5°, II da CF/88, segundo o qual constitui tarefa da lei – e tão somente dela – a atividade de prever direito e estabelecer obrigações aos cidadãos. Aos atos normativos secundários, restará a correspondente aderência e pleno acatamento. Por fim, deverão estar os jurisdicionados vigilantes em relação ao tema em foco, sobretudo para que noticiem a ilegalidade de cláusula transgressora junto aos tribunais de contas estaduais ou da União e, inclusive, ao Poder Judiciário, com vistas à alcançar a segurança jurídica de todo o ordenamento posto, a partir do escorreito cumprimento às leis nacionais e locais.
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O delineamento conceitual de governança a partir de André-Jean Arnaud como um fenômeno complexo segundo Orlando Villas Bôas Filho
Orlando Villas Bôas Filho, procura examinar o modo pelo qual a governança é enfocada por André-Jean Arnaud e o seu delineamento conceitual em nível global, regional, nacional, territorial e empresarial, de forma a sublinhar a relevância da governança como fenômeno expressivo das configurações importantes ocorridas no âmbito de suas decisões e implantação. Em seguida, conceitua governança como fenômeno complexo no conjunto de obras de André-Jean Arnaud, analisando o fenômeno em suas múltiplas formas de expressão, discutindo a ambivalência que perpassa as questões da governança, contrastando a concepção da importância da governança como instrumento de participação, em contraponto com Laura Nader e Ugo Mattei que tendem a enfatizar nela um instrumento de espoliação. Por fim, é enfocada a discussão relativa ao caráter paradigmático assumido pela governança.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO No exercício do poder estatal, em âmbito das sociedades pós-modernas, crescentemente, se apresenta um problema de governabilidade imposto por um problema estrutural, desencadeando o problema da (in)governabilidade que só se resolveria com a implementação de métodos (protomodelos), distintos das técnicas clássicas. Essa temática ganhou novos contornos em termos de amplitude e aprofundamento a partir das análises de Michel Foucault (1993. p.277-293) acerca da governamentalidade, segundo Villas Boas Filho, e, é nesse âmbito que se inscreve a questão da governança, entendida por Chevallier (2008, p.13-18), a partir da clássica definição de James Nathan Rosenau, como um conjunto de mecanismos complexo de interação que se desenvolve entre uma multiplicidade de atores públicos, privados e autônomos, com o intuito de produzir regras elaboradas coletivamente. Assim, André-Jean Arnaud (1997), explica em sentido análogo, definindo governança como a expressão de uma dinâmica complexa relação e inter-relação transformadoras que articulam os mais diversos âmbitos dos Estados nacionais e as instâncias que lhe são constitutivas, sendo a sociedade civil, grupos de interesse, lobbies, redes sociais, empresas e atores implicados na gestão de negócios públicos em nível local. E, argumenta a erosão do impacto da governança no modelo top down de decisão, como instrumento de participação no exercício da autoridade política, econômica e/ou administrativa, na gestão dos negócios comuns nos níveis global, regional, nacional, local (territorial e empresarial), abrangendo os setores: público, privado e a sociedade civil. 1. O DELINEAMENTO CONCEITUAL Segundo Orlando Villas Bôas Filho, o artigo de 1997, escrito por André-Jean Arnaud, tem contorno “propriamente sociológico”, o La governance. Un outil de participation, publicado na revista Droit et société, que aborda criticamente a regulação jurídica no contexto da globalização, enfocando a governança como um termo de grande adequação para a compressão do desenvolvimento progressivo de um processo interativo, dinâmico e projetivo de decisão instado a evoluir constantemente para dar respostas adequadas a circunstância cambiantes. Nesse sentido, decorreria da “progressiva difusão de informações”, permitindo o desenvolvimento de políticas e práticas, voltadas ao interesse comum, nos interstício da intervenção estatal ou interestatal. Dessa forma, a governança permitiria transcender a velha ideia de uma tomada de decisão soberana, de tipo top down, emanada em nome do poder público. Mediante esse contexto, o que chama a atenção para o problema da complexidade decorrente do “interstício da intervenção estatal ou interestatal”, especialmente no que concerne aos eventuais “déficits de participação dos cidadãos”, é a multiplicação do número de atores estatal e interestatal que, em virtude dela, passam a figurar nos processos decisórios de modo a aumentar ainda mais sua complexidade. André-Jean Arnaud, já conceituava governança como uma forma de “gestão eficaz”, tanto no domínio privado como do “administrativo e do político”, que se expressam em diversos planos: “global, regional e territorial”. Confirmando sua tese, vários artigos são publicado, pela revista Droit et sosiété, sobre a importância da governança como matriz conceitual para o diálogo interdisciplinar. Assim como, Vincent Simoulin, analisa a relevância da governança para a questão da “ação pública”, na medida em que permitiria esclarecer as “práticas contemporâneas” direcionada a uma coordenação “alheia às hierarquias tradicionais”. Já Catherine Baron (2003. p. 329-349), por sua vez, examina o caráter “polissêmico do conceito de governança”, ressaltando, entre outra coisa que ela expressaria uma forma de “apreensão das novas práticas e representações suscitadas” pela globalização. Também, Anne Isla (2003. p. 353-373), discute a governança no plano da Comunidade Européia, procurando traçar, a partir daí, a relação entre “direito e economia”. Como os autores Claude Dupuy, Isabelle Leroux e Frédéric Wallet (2003. p. 377-396), partindo da constatação da emergência de “novas formas de territorialidade”, procuram mostrar a importância da noção de governança no âmbito dos “conflitos territorializados” a partir de uma discussão atenta dos atores de como o modo de “atuação das autoridades públicas” nessa seara. Já em 2004, no plano global ao direito internacional, Orlando V. B. Filho, ensina que a governança é abordada como uma “alternativa à concepção clássica do processo de tomada de decisão jurídica em matéria de relações internacionais”, e que isso somente seria viável mediante “condições de implementação e de controle” e com uma “participação democrática em nível global”. E, explica que na obra, La governançe Un outil de participation, André-Jean Arnaud, ensina que a Governança é enfocada como “um instrumento de participação” na tomada de decisão complexa, no contexto “regulatório contemporâneo”, com significado potencialmente democrático. Dessa maneira o conceito de governança é “polissêmico”, surgido da necessidade de delimitá-lo a outros que lhe são próximos, como: governo, governabilidade e governamentalidade, diferentemente do que já era conceituado. Nesse sentido, governança era enfocado predominantemente a partir do “plano regional e global”. Citando, Jacques Chevallier (2008), ensina que a governança implica sua apreensão a partir de seus vários níveis: internacional, regional, nacional e local, de ação coletiva (multi-level Governance) em suas várias facetas de expressão, “inclusive, o caráter problemático de se utilizar o termo no singular”. E explicando que para André-Jean Arnaud, a uma progressiva imposição da governança empresarial como sendo um modelo de gestão complexa, surgida como um modelo provindo do contexto empresarial norte-americano, da “superação da tradicional onipotência patronal” mediante a introdução massiva de um conjunto de “stakeholders”, que a partir da instauração de “mecanismos internos e externos de controle”, se afigurou como um “instrumento de gestão” que precisava garantir: equilíbrio de poderes, direitos, transparência e eficácia. Dessa forma, a governança pode ser entendida, em termos gerais, como a “organização e a repartição de poderes entre diferentes instâncias de uma empresa”, sendo ela um conjunto de “procedimentos e estruturas cuja finalidade seria gerir eficazmente” os negócios empresariais de modo a assegurar “transparência e equilíbrio de poderes entre administradores, proprietários e seus representantes”.  André-Jean Arnaud (1997) aponta a “progressiva inserção da governança empresarial no contexto da globalização”, como um dever de observância aos preceitos contidos na “soft Law”, com “normatividade flexível” que expressa o “progressivo descentramento da regulação jurídica” na sua forma estatal de expressão. E, a “passagem (não ocasional) da corporate governance para a global governance”, resulta de importantes contribuições dos economistas Oliver Williamson, John Williamson e Joseph Stiglitz ao desenvolver a “governança global”. Assim, pela influência da cultura econômica dos EUA, que foram criadas as instituições financeiras internacionais, em decorrência disso, surgem a governança global, sendo concebida, “em seu conjunto, como a gestão dos negócios mundiais no nível das organizações e das agências internacionais”, enquadrando esta a “atividade soberana dos Estados pelos regimes multilaterais de governança”, a partir dos principais componentes do que se convencionou designar de “Consenso de Washington”, sendo elas: disciplina fiscal; abertura comercial; estímulo a investimentos estrangeiros; privatização de empresas públicas; desregulação e respeito ao direito de propriedade. Nesse sentido, Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, “converteram em imperativos administrativos as decisões que deveriam nortear as políticas dos países, especialmente os endividados em desenvolvimento, surgindo assim a “good governance”, como instrumento imperativo para a noção no “âmbito da governança global”, uma referência para a avaliação das economias nos países, por parte das “autoridades financeiras internacionais”. E, em contraponto a essa estaria a “poor governançe”, como instrumento, para a avaliação dos Estados em matéria de “corrupção e de criminalidade global”. O autor descreve que André-Jean Arnaud, ensina que a governança global vista no “plano internacional” garantiria, acima de tudo, a “paz mundial”, sendo conduzida por uma “dimensão estratégica de promoção da segurança mundial” por meio do “impulso à cooperação, ao entendimento e à moderação mútua entre os Estados nacionais”, o que, segundo o autor, estaria expresso nos capítulos VI e VII da Carta da ONU, que trata da resolução pacífica dos conflitos e divergências e das ações relativas à “ameaças à paz, ruptura da paz e atos de agressão”. Já Laura Nader e Ugo Mattei (2003) interpretam a governança global como uma “reabilitação moral do imperialismo”. Orlando V. B. Filho, esclarece que para André-Jean Arnaud, governança implica a superação de uma forma de “gestão piramidal e autoritária”, através da substituição progressiva de um “sistema top down” de tomada de decisão por um sistema "bottom up”, caracterizado pela “ausência de uma produção normativa ordenada e sem atos de governo impostos” a partir de instâncias centrais a de modo verticalizado, uma passagem da “pirâmide” à “rede”, em meio a quais as agências multilaterais, ONGs e a sociedade civil tornam-se cada vez mais atuantes e decisivas no “estabelecimentos de pautas de interesse comum a serem implementadas em nível global”, entre as quais, o autor destaca, para fins de sua análise, a questão “ecológica”. Mas, é certo que a regulação produzida pelas organizações internacionais e globais na “intervenção” teria apenas um caráter de soft law. Desse modo, as diversas hipóteses em que se enquadram os “Standards” e os indicadores que compõem a “soft Law” demandariam a intervenção dos Estados para se converterem em normas de direito impositivas. Dessa forma, a intervenção estatal não é indispensável para que tais regulações assumam “imposição efetiva”. Ensina que nos blocos regionais, com a experiência da “gouvernance européenne”, os assuntos comuns aos Estados que passaram a compor a Comunidade Européia, vão além de uma articulação de caráter “essencialmente econômico e sem pretensão política” e, sim, alargam-se para além de uma “simples coalizão econômica”, fazendo com que a União Européia constituísse em uma “Federação Plurinacional”, fundada num acordo cuja natureza decorreria do compromisso de preservação das identidades culturais e nacionais, que lhe são constitutivas, não havendo, um “povo europeu” nem muito menos um “governo para geri-lo”. Desse modo, em virtude dessas “particularidades”, à União Européia não seria passível de ser gerida mediante o processo “top down” que caracteriza o “governo” na tradição moderna dos “regimes de democracia representativa”. Impor-se-ia a ela, por conseguinte, a “governança como instrumento de gestão”. E, expressa que André-Jean Arnaud ao longo de seu exame acerca da “governança no âmbito regional”, “descentra-se da União Européia”, ao perceber, que há um “déficit de participação dos cidadãos”, e que essa experiência é “análoga a desenvolvida no Mercosul”, dessa forma, pode-se traçar paralelos existentes entre eles, especialmente no que tange à “pretensão de construção de dois espaços regionais de cooperação transnacional” com aspirações análogas de “integração econômica e de constituição de um projeto político mais global”, apesar dos indiscutíveis avanços ocorridos, eles não passam de “laboratórios de experimentação” para a governança “regional”. Assim, o “déficit de participação real dos cidadãos” aparece, nesse contexto, como o principal entrave a um desenvolvimento mais “consequente da governança regional”, entendida como “dinâmica complexa das relações e inter-relações transformadoras” que articulam instituições, Estados-membros, sociedade civil, grupos de interesse, lobbies e redes sociais. Nesse sentido, a governança no plano nacional está atrelada às questões culturais. A exemplo da experiência político-administrativa norte-americana e a francesa, surge como uma representação da governança que “ameaça à soberania estatal” em países nos quais se verifica uma “visão cultural centralista do Estado moderno”. Desse modo, o Estado não poderia mais ser visto como “única instância detentora do poder”, afigurando-se possível gerir as questões públicas para além do direito estatal, expressando a progressiva passagem de uma ação política fundada na intervenção do governo (gouvernement) para outra amparada na governança (gouvernance). Ressalta-se, que decorreria daí, inclusive, o “declínio da concepção top down” que atribui apenas aos governantes a criação do “dever-ser”. Observar-se-ia, assim, a progressiva substituição, no debate jurídico, dos conceitos clássicos de governo, lei e regulamentação pelos de governança, políticas públicas, ação direta, resolução de conflitos e, especialmente, regulação. O autor explica que para André-Jean Arnaud, a governança implica a “redefinição das funções estatais”, nos níveis empresarial, global e regional, e também no nacional, a governança se expressaria e deveria ser estudada como uma “dinâmica complexa de relações e inter-relações transformadoras” que se tecem entre os diversos âmbitos que constituem o Estado nacional. Nesse sentido, sua implementação supõe que se ponha em questão a concepção de Estado, legada pela tradição ocidental. E, a definição de governança territorial, recupera a ideia de “governança subnacional”, proposta por James Nathan Rosenau. Surgindo, assim, os mesmos desafios que se impõem aos transnacionais, caracterizado por não poder se “estender para além da jurisdição dos Estados” em que ela se exerce. Segundo Orlando Villas Bôas Filho, André-Jean Arnaud retomando sua definição e proposta por Vincent Simoulin (2003), em afirma que a expressão recobriria o “conjunto de situações de cooperação entre autoridades públicas, atores privados, associações e cidadãos”, não ordenados hierarquicamente, envolvidos na construção, na gestão ou na representação dos territórios em que vivem e em relação ao “ambiente exterior”. E para ilustrar, em primeiro lugar, a experiência do orçamento participativo, que expressaria um modelo de governança local, e “esboçaria num sistema de decisão” de perfil “bottom up” em substituição à lógica “top down”, manifestando na dinâmica tradicional das decisões governamentais, e, em segundo lugar, na experiência da governança, no que concerne, ao “desenvolvimento sustentável na floresta amazônica”. Assim, a governança territorial, associa-se a democracia local e a participação cidadã, onde demanda uma reconfiguração de poderes entre governantes, sociedade civil e mercado. O que engendra o confronto de diversas “racionalidades políticas”. A governança territorial suporia a construção e a manutenção permanente de novos quadros institucionais e o manejo de instrumentos complexos, tais como: procedimentos administrativos e jurídicos, finanças públicas etc. Nesse sentido, demandaria o engajamento dos representantes e a participação dos cidadãos e associações civis nesse sentido demandaria a necessidade de um processo progressivo de “empowerment”. Implicando a “redefinição das funções publicas”, tais como foram concebidas tanto pela “filosofia jurídica como pela política da época moderna (séculos XVII e XVIII)”, as quais teriam pautado, desde então, toda a conquista da democracia no Ocidente e o seu papel como “paradigma de auxílio à decisão”, ressaltando que ela consistiria, em primeiro lugar como uma nova maneira de enfocar a administração dos negócios, públicos e privados, que rompe com a tradição “top down” que se desenvolveu no bojo do regime da democracia representativa e, em segundo lugar, como um “instrumento capaz de proporcionar uma gestão de tipo novo”. Segundo Orlando Villas Bôas Filho, a “governança perfeita” deveria compreender as seguintes características: a) uma coordenação de atores, grupos sociais, instituições envolvidos na ação pública ou na ação política com a finalidade de definir os objetivos discutidos e definidos coletivamente, bem como a elaboração de programas de ação e de políticas públicas coordenadas suscetíveis de permitir o adimplemento dos objetivos fixados; b) uma intenção de articulação de lógicas de ação divergentes visando a construção de um consenso pela negociação e, se necessário, pelo compromisso ou pela arbitragem. Nesse sentido, e em decorrência dela, estar-se-ia diante de uma espécie de “reabilitação da sociedade civil” por meio de novas formas de “produções normativas inscritas”, no âmbito da democracia representativa, o que remete para o aspecto fundamental que André-Jean Arnaud atribui à governança como um “instrumento de participação na tomada de decisões complexas” (públicas e privadas) e em todos os níveis, do global ao local. O autor citando, Laura Nader e Ugo Mattei, informa que a configuração “etnocêntrica das instituições e dos sistemas de crenças” teria produzido uma poderosa utilização euro-americana da ideologia do “Rule of Law” para a implementação de “projetos imperiais e colonialistas”. Nesse sentido, os autores, apontam o quanto a concepção sobre “civilização, democracia, desenvolvimento, modernização e Rule of Law” servem aos propósitos para a sustentação da “pilhagem de recursos” e de ideias disseminadoras, pelas potências ocidentais hegemônicas, e que se revelam mediante o exame do que designam de “lado negro do direito” (law’s dark side) demonstrando a utilização crescente da ideia de “Rule of Law” para a legitimação de pilhagens. Reproduzindo um nexo de continuidade entre o “colonialismo e o capitalismo neoliberal”, sublinhada pelo “uso retórico do Rule of Law” que serve de “camuflagem da rapina” realizada pelas potências capitalistas ocidentais em escala global. Dessa forma, o direito, “legitimaria a pilhagem” realizada pelas nações hegemônicas e outros atores transnacionais poderosos, tais como: a Organização Mundial do Comércio, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Mediante a mobilização do “argumento da falta” (lack argument) imputando às demais sociedades a incapacidade de uma organização institucional e jurídica comparável à dos países ocidentais. Assim, o argumento da falta seria utilizado como “sustentáculo retórico” para a transferência de um direito de “matriz ocidental” para as demais sociedades. O que basta era enfatizar o modo negativo pelo qual a governança é enfocado. Segundo os autores, a governança, especialmente no plano global, a partir de representações “falsas” só serviriam apenas para reforçar a supremacia das potências hegemônicas, com a ideia de boa governança que se expressaria como uma espécie de “espinha dorsal” (backbone) dos argumentos mobilizados para “legitimar a pilhagem”. O projeto de “governança mundial”, atualmente imposto pelo neoliberalismo, transformaria, mediante o uso do direito, “as instituições de Bretton Woods”, concebidas originalmente como mecanismos de “estabilização financeira”, em agentes de “desestabilização política”. E afirmam inclusive, que o modelo de governança em curso atualmente “refletiria as práticas da dominação colonial”, com isso, toda uma “dimensão instrumentalizada da governança” perde sua finalidade de sustentação das relações “assimétricas tecidas entre as nações hegemônicas e as demais”. Villas Bôas Filho, ao analisar o conceito de governança, sublinha uma das característica essencial que é a participação das pessoas concernidas na tomada de decisões comuns. Mas, isso não significa afirmar que essa característica essencial seja capaz de exaurir em si mesma toda a complexidade que conceitualmente o termo consigna, conforme mencionado por André-Jean Arnaud, quando enfatiza a “ruptura” introduzida pela experiência da governança em relação à tradição “top down” de estruturação do poder”, tal como concretamente expressa no horizonte da experiência da democracia representativa. Segundo ele, ao ensejar uma ampliação do rol de atores sociais na “formulação de decisões complexas” relativamente a assuntos de interesse comum, ele elabora de forma normativa e vinculativa, a maneira que a governança se afiguraria como um “instrumento de participação democrática”. Já citando Pierre Rosanvallon, ensina que a experiência democrática atual demanda cada vez mais uma “legitimação” que não se restringiria à esfera “eleitoral-representativa”. E explica, que André-Jean Arnaud não envereda por uma caracterização onírica da governança. Apesar de enfatizar seu potencial para o fomento de uma participação mais ampla na tomada de decisões comuns, de modo a se contrapor ao modelo top down, mas, o autor observa que, evidentemente, não se trata aqui de uma panacéia”. Assim, o conceito de governança poderia – no complexo contexto da regulação jurídica contemporânea – ser considerado paradigmático, especialmente no que tange à tomada de decisões. Aludindo à clássica concepção de paradigma, proposta por Thomas Kuhn na obra: A estrutura das revoluções científicas, André-Jean Arnaud observa que a governança forneceria um quadro de referência capaz de traduzir velhos problemas em novos termos com o intuito de permitir a obtenção de soluções, sublinhando todo o seu potencial heurístico. CONCLUSÃO Villas Boas Filho, quando citando, Wanda Capeller e Vincent Simoulin, ensina que baseando-se na noção de “programa de pesquisa”, proposta por Jean-Michel Berthelot (2003), afirmam que a governança – na medida em que abrange os mais diversos domínios, tais como o social, o cultural, o econômico e o jurídico – poderia ser considerada uma matriz conceitual para o diálogo transdisciplinar. E quando fala de Wanda Capeller e Vincent Simoulin, a noção de “programa de pesquisa”, tal como proposta por Berthelot, serviria, sobretudo, para designar abordagens, métodos e modos de análise. Tratar-se-ia ai, de uma noção que se distancia da de paradigma, tal como formulada por Thomas Kuhn, uma vez que insistira na continuidade e não de descontinuidade. Assim, nessa perspectiva, a noção de “programa de pesquisa” indicaria, acima de tudo, um lugar de encontro transdisciplinar em meio o qual disciplinas autônomas poderiam dialogar a partir de um debate fértil que as articularia de modo a ensejar a criação de instrumentos analíticos novos não vinculados especificamente a nenhuma das disciplinas, e desenvolveriam uma estrutura holística que comportaria o estudo da governança global.
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Cláusulas exorbitantes: Plausibilidade de aplicação em prol do interesse público
O presente artigo busca analisar o cabimento da presença das cláusulas exorbitantes nos contratos administrativos atualmente. Para isto, foi apresentada uma visão geral acerca dos contratos administrativos, ponto no qual se buscou esclarecer seu conceito, finalidade, características e peculiaridades.  Após, foram abordados os pontos principais das cláusulas exorbitantes, como: o fenômeno da exorbitância e suas implicações, aspectos relevantes e suas decorrências – com menção das hipóteses legais previstas – e sua aplicação nos dias atuais. As cláusulas exorbitantes estão legalmente previstas para sua aplicação nos contratos administrativos; são reflexo da supremacia e da indisponibilidade do interesse público, o que será demonstrado através da análise de dispositivos legais, de ensinamentos doutrinários e jurisprudenciais.
Direito Administrativo
1 INTRODUÇÃO O tema do presente trabalho foi escolhido pela sua importância na atualidade da Administração Pública brasileira, pois os contratos administrativos diferem daqueles regidos pelo direito privado. O que os diferencia, basicamente, é a presença de cláusulas exorbitantes, as quais se constituem em prerrogativas instituídas pelo legislador em benefício da Administração Pública, e fazem com que tais contratos sejam desprovidos de igualdade entre as partes, uma vez que somente a Administração é titular de tais poderes. Partindo desses pressupostos é que na primeira parte deste trabalho, busca-se expor um panorama geral acerca dos contratos administrativos e suas especificidades. Em um segundo momento, visa-se a tratar como se dá o fenômeno da exorbitância, suas singularidades e explanar suas espécies, dentre as quais foram destacadas: o direito da Administração Pública de alterar e rescindir unilateralmente os contratos administrativos – mantendo o equilíbrio econômico-financeiro estabelecido inicialmente; impossibilidade de aplicação da exceção do contrato não cumprido; fiscalizar e controlar a execução contratual; aplicação de penalidades administrativas ao particular, consoante o princípio da autoexecutoriedade. O método de estudo utilizado foi o dedutivo a partir de pesquisa bibliográfica. A partir de pesquisa bibliográfica, realizou-se um estudo de método hipotético-dedutivo, com o objetivo principal de refletir sobre a aplicação das cláusulas exorbitantes atualmente e o cabimento do ‘poder-dever’ da Administração de agir com poder de império, em relação vertical e superior à do contratado, fundamentando esta conduta na supremacia e indisponibilidade do interesse público. 2 VISÃO GERAL DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS Carvalho Filho[1] acentua que “toda vez que o Estado-Administração firma compromissos recíprocos com terceiros, celebra um contrato. São esses contratos que se convencionou denominar de contratos da Administração, caracterizados pelo fato de que a Administração Pública figura num dos polos da relação contratual”. Sendo gênero, os contratos da Administração ramificam-se em contratos privados, regulados pelo Direito Civil, e contratos administrativos, os quais sofrem incidência de normas de Direito Público, só aplicando-lhes, supletivamente, as normas privadas. Na hipótese de contratação pela regência do Direito Privado, a Administração situa-se no mesmo plano jurídico da outra parte contratante, não possuindo prerrogativas ou vantagens especiais, de modo geral.  Carvalho Filho destaca que “é o regime jurídico que marca a diferença entre os contratos administrativos e os contratos privados da Administração”. Sobre o assunto, Hely Lopes Meirelles[2] disserta que “A instituição do contrato é típica do Direito Privado, baseada na autonomia da vontade e na igualdade jurídica dos contratantes, mas é utilizada pela Administração Pública, na sua pureza originária (contratos privados realizados pela Administração) ou com as adaptações necessárias aos negócios públicos (contratos administrativos propriamente ditos). Daí porque os princípios gerais dos contratos tanto se aplicam aos contratos privados (civis e comerciais) quanto aos contratos públicos, dos quais são espécies os contratos administrativos, os convênios e os consórcios executivos e os acordos internacionais.” Mauro Hiane de Moura[3], por sua vez, expõe sua visão sobre contratos administrativos: “Um contrato administrativo é uma modalidade de ação administrativa. Toda a ação administrativa está vinculada pela Constituição: notadamente, pelos princípios do artigo 37 e pelos direitos fundamentais. O conjunto de vinculações constitucionais aplicáveis à Administração Pública faz com que seja impossível pensar que a Administração possa ter a seu dispor uma área onde ela poderia “agir como se um particular fosse”. Toda a ação da Administração é ação pública – em nenhuma instância de atuação ela pode deixar de ter em mente o quadro de vinculações constitucionais aplicáveis a ela. Isso se aplica tanto aos “contratos de direito privado da Administração” quanto aos “contratos administrativos”. […] Ambos são modalidades de ação pública, e por isso estão submetidos a um conjunto comum de vinculações. Dentro desse contexto, as prerrogativas exorbitantes, usualmente tidas pela doutrina como traço diferencial (e, portanto, essencial), devem ser vistas como um acessório: uma modalidade especial de ação disponível à Administração em alguns dos contratos que firma”. Celso Antônio Bandeira de Mello[4], ao definir contrato administrativo, dispõe que “É um tipo de avença travada entre a Administração e terceiros na qual, por força de lei, de cláusulas pactuadas ou do tipo de objeto, a permanência do vínculo e as condições preestabelecidas sujeitam-se a cambiáveis imposições de interesse público, ressalvados os interesses patrimoniais do contratante privado.” Carvalho Filho[5], ao explicar as nuances dos contratos da Administração: “É de toda a conveniência observar que nem o aspecto subjetivo nem o objetivo servem como elemento diferencial. Significa que só o fato de ser o Estado sujeito na relação contratual não serve, isoladamente, para caracterizar o contrato como administrativo. O mesmo se diga quanto ao objeto: é que não só os contratos administrativos como os contratos privados da Administração hão de ter, fatalmente, um objetivo que traduza interesse público. Assim, tais elementos têm que ser sempre conjugados com o regime jurídico, este sim o elemento marcante e diferencial dos contratos administrativos.” Conclui o professor que “pode-se conceituar o contrato administrativo como o ajuste firmado entre a Administração Pública e um particular, regulado basicamente pelo direito público, e tendo por objeto uma atividade que, de alguma forma, traduza interesse público”. Caio Tácito[6] sobre o conceito de contrato administrativo afirmara que “a tônica do contrato se desloca da simples harmonia de interesses para a consecução de um fim de interesse público”. Destaca o professor Hely[7] que a teoria geral dos contratos é a mesma para todos os tipos contratuais, no entanto, os contratos administrativos regem-se por normas próprias e se sujeitam a quesitos específicos. Sendo assim, o Direito Privado continua supletivo ao uso do Direito Público, mas nunca o sub-roga ou o substitui. Dessa forma, conceitua o contrato administrativo como sendo “o ajuste que a Administração Pública, nessa qualidade, firma com o particular ou com outra entidade administrativa para a consecução de objetivos de interesse público, nas condições desejadas pela própria Administração”. O contrato administrativo, como não deixa de ser contrato, é bilateral (porque não imposto pela Administração; o ato jurídico é bilateral, dependendo da concordância do contratado); é formal, porque por escrito se celebra; é oneroso, porque se remunera da forma que foi convencionada; é comutativo, porque estabelece obrigações para ambas as partes; e é intuitu personae, porque a Administração exige a execução por aquele com quem contratou[8]. Todavia, Meirelles esclarece que o que difere o contrato administrativo do contrato privado é “a participação da Administração na relação jurídica bilateral com supremacia de poder para fixar as condições iniciais do ajuste. […] O que o qualifica como contrato público é a presença da Administração com privilégio administrativo na relação contratual”. E nesta seara, é que se encontram as cláusulas chamadas ‘exorbitantes’, e dentre elas está, por exemplo, a faculdade de alterar, unilateralmente, o contrato. O professor[9] faz uma ressalva ao afirmar que “Não é o objeto, nem a finalidade ou o interesse público que caracterizam o contrato administrativo, pois o objeto é normalmente idêntico ao do Direito Privado (obras, serviço, compra, alienação, locação) e a finalidade e o interesse público estão sempre presentes em quaisquer contratos da Administração, sejam públicos ou privados, como pressupostos necessários de toda atuação administrativa”. A diferença crucial seria que nos contratos regidos pelo Direito Privado existe certa horizontalidade na relação contratual, ao passo que nos contratos administrativos aparece uma relação verticalizada entre o Poder Público e o contratante privado, em virtude de esses últimos serem regidos integralmente pelo Direito Público[10]. Importante observar que até mesmo nos contratos privados, pode haver derrogação de suas normas para que normas de Direito Público a componham.  A intenção do legislador foi submeter ao Direito Público todos os contratos firmados pela Administração. Não à toa tal disposição está presente na Lei de Licitações: “Art. 62. […] § 3o  Aplica-se o disposto nos arts. 55 e 58 a 61 desta Lei e demais normas gerais, no que couber: I – aos contratos de seguro, de financiamento, de locação em que o Poder Público seja locatário, e aos demais cujo conteúdo seja regido, predominantemente, por norma de direito privado; (grifei) II – aos contratos em que a Administração for parte como usuária de serviço público.” Mauro Hiane de Moura[11], sobre o mencionado parágrafo 3º, comenta: “Há aqui dois problemas. O primeiro está em que, ao afirmar que aos contratos regidos “preponderantemente” pelo direito privado aplica-se o disposto no artigo 58 da Lei 8666/93, onde estão reunidos os poderes exorbitantes que são considerados como marca distintiva dos contratos administrativos, o artigo parece automaticamente destruir a categoria que pretende regular: se os contratos regidos preponderantemente pelo direito privado possuem os elementos que diferenciam os contratos administrativos do restante dos contratos, então parece necessário concluir que estes contratos regulados pelo artigo 62 parágrafo 3º também são administrativos. O segundo, mais sério e talvez menos evidente, decorre do fato de que, ao falar em “contratos regidos preponderantemente pelo direito privado”, o artigo parece pressupor “contratos firmados com base em um espaço de autonomia privada” – contratos que a Administração pode firmar independentemente de autorização legislativa prévia, quanto mais uma autorização legislativa contendo standards que devam guiar a sua atuação.” Lucas Rocha Furtado[12] também critica o parágrafo 3º: “Ora, se os tradicionalmente denominados contratos de Direito privado, tais como seguro, financiamento, locação, etc., celebrados pela Administração estão subordinados aos artigos mencionados (art. 55 e 58 a 61), eles deixam de ser contratos de Direito privado e passam a apresentar a principal característica dos contratos administrativos: a presença de cláusulas exorbitantes. Nesses termos, se durante a execução ou formalização dos contratos indicados houver qualquer dúvida entre a aplicação das normas, regras ou dos princípios do Direito privado ou do Direito administrativo, deverão ser aplicados esses últimos, e somente em caráter supletivo, serão aplicadas as regras e princípios do Direito privado.” Estabelece a Lei de Licitações em seu artigo 54: “Art. 54.  Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado.” Mauro Hiane de Moura[13], sobre o mencionado artigo 54, tece comentários: “Aqui nós temos duas alternativas: ou entendemos que a aplicação supletiva do Direito Civil deve ser feita apenas para permitir a interpretação das cláusulas contratuais elaboradas pelo Poder Público, ou podemos pretender que essa aplicação supletiva abra ao Estado um campo de autonomia contratual semelhante à dos agentes privados – e que ele poderá usar para estabelecer, nos contratos que firmar, cláusulas complementares àquelas que são requeridas pela lei.” Todavia, após estes comentários, cruciais à crítica levantada, o autor ressalta que “Nenhuma dessas duas possibilidades – seja a autonomia dos “contratos de direito privado” do artigo 62 parágrafo 3º, seja a autonomia “privada” complementar do artigo 54 – é aceitável diante do modelo de ampla reserva legal e submissão do Executivo ao Legislativo.” Hiane de Moura[14] alerta que o país encontra-se em um “arcabouço constitucional que exige prévia autorização legal […] para permitir a ação pública” e leciona que a base constitucional brasileira submete o Poder Executivo ao Poder Legislativo de forma bastante restrita e interligada, situação em que o Executivo só age quando existente lei que o autorize a tanto. Já Justen Filho[15], sobre a dificuldade de estabelecer uma diferenciação entre contratos administrativos e privados: “É extremamente problemático estabelecer um critério diferencial entre os contratos privados praticados pela Administração e os contratos administrativos propriamente ditos. A diferenciação não pode fundar-se no grau de vinculação entre a avença e a promoção dos direitos fundamentais, pois o contrato de direito privado também é uma via para tanto. A melhor solução é reconhecer a impossibilidade de submissão integral de certos segmentos do mercado às regras de direito público. A questão reside não na natureza ou no objeto do contrato propriamente dito, mas no setor da iniciativa privada a que a contratação se relaciona. O fundamental não é o contrato isoladamente considerado, mas as atividades e as empresas que praticam essa contratação. As características da estruturação empresarial geram a impossibilidade de aplicar o regime de direito público, porque isso acarretaria a supressão do regime de mercado que dá identidade à contratação ou o desequilíbrio econômico que inviabilizaria a empresa privada”. Edmir Netto de Araújo[16] – e na mesma linha Di Pietro[17] – escreve que, ao passo que os contratos privados caracterizam-se pela horizontalidade da relação jurídica, ou “posição jurídica em nível de igualdade”, o mesmo não ocorre com o ramo do Direito Público. Este é caracterizado, por sua vez, pela verticalidade; nesse ínterim, a parte privada contratante não pode alterar os termos do contrato administrativo pactuado, enquanto o contrário é válido. E ressalta o autor que, “o que funda essa prerrogativa é o preceito central informativo de toda a estrutura do direito administrativo, que é a prevalência do interesse público sobre o interesse privado”. Segundo explica a professora Di Pietro[18], os contratos da Administração compreendem os contratos celebrados pela Administração Pública, sob regime de direito público ou sob regime de direito privado. Já os contratos administrativos são “ajustes que a Administração celebra com pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, para a consecução de fins públicos, segundo regime jurídico de direito público”. Deste modo, os contratos os quais a Administração Pública é parte podem estar submetidos ao regime de direito público (contratos administrativos) ou regime de direito privado (contratos civis ou de direito privado).  Já para Odete Medauar[19]: “O módulo contratual da Administração desdobra-se em alguns tipos, que podem ser enfeixados do seguinte modo: a) contratos administrativos clássicos, regidos pelo direito público, como o contrato de obras, o de compras, as concessões; b) contratos regidos parcialmente pelo direito privado, também denominados contratos semipúblicos, como a locação, em que o poder público é o locatário; c) figuras contratuais recentes, regidas precipuamente pelo direito público, como os convênios, contratos de gestão, consórcios públicos”. No que tange aos contratos administrativos clássicos – objeto deste tópico –, a professora Odete[20] enfatiza que, “constituem objeto de tais contratos as obras, compras, serviços, alienações, concessões, permissões e locações, segundo vem indicado no artigo 2º, caput, da Lei 8.666/93”. E deve-se atentar, ainda, para seu parágrafo único, conforme grifado abaixo. Colaciona-se o artigo em sua íntegra[21]: “Art. 2o  As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei. Parágrafo único.  Para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada.” (grifei) Realça Medauar[22] que sendo uma das partes contratantes um ente público, disposições igualitárias não poderiam prevalecer, eis que os contratos administrativos visam interesses públicos. Daí extrai a autora que “inaplicável aos contratos firmados por órgãos estatais a plena igualdade entre as partes e a imutabilidade do que foi inicialmente pactuado”. Dentro deste contexto, tem-se que a Administração Pública detém prerrogativas quando se faz presente em uma relação contratual, sem sacrificar, contudo, os direitos do contratado. Leciona Giacomuzzi[23]: “O que distingue os contratos públicos dos contratos privados é precisamente o caráter exorbitante de algumas normas relativas aos contratos administrativos. Nesse sentido, a exorbitância é a razão de ser do direito dos contratos administrativos, isto é, a exorbitância é a razão pela qual um contrato público deve (ou não) ser considerado diferente de um contrato privado. Daí que investigar os fundamentos da exorbitância é investigar o coração, a essência do direito dos contratos administrativos. Noutras palavras, a exorbitância constitui o direito dos contratos administrativos.” Giacomuzzi[24] lembra que há muito se afirma que o direito público brasileiro baseia-se no princípio da supremacia do interesse público, decorrente da dicotomia direito público versus direito privado, mas que esta estrutura vem sendo questionada ao longo dos anos, sugerindo mudanças de paradigma. Entretanto, a posição prevalente na doutrina e na jurisprudência ainda é no sentido de que “o princípio da supremacia do interesse público domina as relações de direito público-administrativo” e a exorbitância do contrato administrativo nasce dessa supremacia do interesse público citada. 3 CLÁUSULAS EXORBITANTES 3.1 O FENÔMENO DA “EXORBITÂNCIA” Como explica o professor Giacomuzzi[25], “exorbitância” é a prerrogativa especial que enseja tratamento diferenciado ao Estado em seus contratos administrativos realizados com entidades privadas; tratamento este inexistente entre relações privadas. Essa diferenciação é percebida nas teorias de responsabilização do Estado, durante a execução de contratos administrativos e no poder que a Administração tem de rescindi-los unilateralmente. O Estado tem, indiscutivelmente, “privilégios”, segundo Giacomuzzi[26], os quais se afastam nitidamente do direito privado. Tais são privilégios “exorbitantes”, “excepcionais” e esta exorbitância “é causada pela presença do Estado na relação contratual”. Ainda afirma em sua obra que “a exorbitância vai da formação do contrato administrativo até sua execução. Se comparado ao contrato de direito privado, o Estado, na fase de formação do contrato administrativo, tem deveres e obrigações adicionais”. Bandeira de Mello[27] leciona que tais prerrogativas favoráveis à Administração Pública são “instrumentais à realização da finalidade pública e na medida em que o sejam, do mesmo passo em que lhe irrogam sujeições típicas, umas e outras armadas ao propósito de acautelar o interesse público”. Cretella Jr.[28], em sua doutrina, afirma que a Administração é “um gigante, em ‘posição vertical’, com privilégios quando comparada ao particular; por outro lado, se identifica a um ‘anão algemado’, adstrito a sujeições, que lhe limitam a iniciativa”. Mas assinala que, ao mesmo tempo, o princípio da supremacia do interesse público não estaria restrito somente ao direito administrativo, mas “comum a todo o direito público, em seus diferentes desdobramentos” [29]. José Guilherme Giacomuzzi[30] assevera: “Seja nos Estados Unidos, seja na França ou no Brasil, o Estado é tratado diferentemente quando contrata com partes privadas – isso é um fato”. O autor continua a explanação lecionando que nesses três sistemas jurídicos, tidos como exemplo, o Estado tem poder de, unilateralmente, alterar o contrato administrativo e ressalta que o ente público “tem o poder de supervisionar a execução do contrato e de aplicar sanções ao contratado sem recorrer ao Poder Judiciário”. Outro exemplo se dá quando a Administração age com “poder soberano” e desobriga-se de algumas responsabilidades, ao passo que o ente privado não estaria desobrigado na mesma situação.  Ressalta que, no tocante às razões da exorbitância, Brasil e França muito se assemelham, porque nosso país seguiu a estrutura francesa da dicotomia ‘direito público versus direito privado’, importando da França a estrutura de nosso direito administrativo. Assinala o doutrinador que os contratos administrativos obedecem a normas exorbitantes não em razão de excepcionais circunstâncias, mas porque toda a estrutura jurídica desenvolveu-se ‘exorbitando’ das normas jusprivadas. Continua o autor no sentido de que “a Administração sempre ‘precisou’ de normas especiais a fim de exercer seu poder, um poder que era, de certa forma, requerido e em larga medida aceito pela sociedade”. Tais normas exorbitantes formam um sistema que hoje chamamos de direito administrativo, sendo este parte do direito público; tal direito administrativo, em sua essência, já é exorbitante por si só, porque dispõe de mecanismos e princípios diferentes daqueles aplicados ao direito privado. Na França, assim como no Brasil, a ideia é que o interesse público, representado pelo Estado, ente público, prevalece sobre interesses individuais, privados. O Estado, soberano em seu poder ‘vertical’, é detentor de normas especiais a fim de cumprir com esse papel de promover o interesse de todos, porque se estivesse em pé de igualdade com o particular, assim não o faria, dado que é em nome do interesse geral que sempre atua. E é nesse cenário que a questão da exorbitância se enquadra, a relação é desigual entre as partes porque é da natureza do próprio direito administrativo, inerente a ele, desde sua origem. Historicamente, a exorbitância do sistema constitui-se a partir desta premissa maior: do direito público[31]. Giacomuzzi[32] ressalta que “a força do princípio da supremacia do interesse público, permanece clara, seja em nível doutrinário, seja em nível jurisprudencial”. Odete Medauar[33] assinala que: “Tendo em vista a presença da Administração, percebeu-se que nem todos os preceitos da teoria do contrato privado aplicavam-se ao contrato administrativo. Os aspectos que fugiam daquela teoria foram então denominados de ‘cláusulas derrogatórias e exorbitantes’ do direito comum. […] No ordenamento jurídico pátrio, tais cláusulas permeiam o tratamento legal dos contratos administrativos, sendo arroladas no artigo 58 da lei 8.666/93 como prerrogativas da Administração”. Cretella Júnior[34] define as cláusulas exorbitantes como sendo aquelas que permitem à Administração uma inegável posição de supremacia, de ‘desnível’, de modo que ‘verticaliza’ a relação existente, pois ao contratar, a Administração – quando o contrato é regido pelas normas de Direito Público – não se nivela ao particular, não abdica de sua “potestade pública”, mas pelo contrário, ela “dirige, fiscaliza” o particular, aplicando-se-lhe, inclusive, penalidades no caso de descumprimento contratual, sempre fundando seus atos no interesse público. Celso Bandeira de Mello[35] disserta que as cláusulas exorbitantes podem ser encontradas tanto nos textos legislativos sobre os contratos administrativos, como também podem ser deduzidas dos princípios que são extraídos de determinadas atividades públicas. Ou seja, podem aparecer implícita ou explicitamente. Tal supremacia da Administração expressa-se basicamente em: presunção de legitimidade de seus atos, controle e fiscalização do contrato administrativo, possibilidade de aplicação de sanções ao contratante, etc. Além disso, essa supremacia impede, ainda, que o particular invoque a cláusula exceptio non adimpleti contractus. Maria Sylvia Di Pietro[36] traz à baila uma característica muito importante presente nos contratos administrativos: a ‘mutabilidade’. Tal traço “decorre de determinadas cláusulas exorbitantes, as quais conferem à Administração o poder de, unilateralmente, alterar as cláusulas regulamentares ou rescindir o contrato antes do prazo estabelecido, por motivo de interesse público”. Márcia Batista dos Santos[37], por sua vez, ressalta que os contratos administrativos são ‘especiais’, pois detêm características que lhes são próprias, peculiares, sendo o traço mais marcante o “desnivelamento entre as partes”, visto que a presença de “cláusulas exorbitantes favoráveis à Administração” causa a ‘verticalidade’ da relação contratual. A autora destaca que “as cláusulas exorbitantes garantem a satisfação das necessidades públicas e a elas o contratado está submetido”. As cláusulas exorbitantes existem em decorrência do princípio da supremacia da Administração (e, consequentemente, do interesse público) sobre o particular, a coisa privada, e também, do dever que o gestor público tem de promover o bem comum, o interesse geral, não podendo dele dispor livremente, visto que deve respeitar outro princípio: da indisponibilidade do interesse público. Acentua que, “em decorrência de sua supremacia nos contratos administrativos de que participa como contratante, a Administração pode estabelecer, unilateralmente, cláusulas exorbitantes ou de ‘privilégio’ ” [38]. 3.2 ASPECTOS RELEVANTES As cláusulas exorbitantes não seriam lícitas no contrato privado, elucida Hely Lopes Meirelles, porque deixariam as partes em uma relação contratual desigual; todavia, no contrato administrativo são perfeitamente admissíveis, uma vez que decorrem da lei (de forma explícita) ou dos princípios administrativos (de forma implícita). Tais cláusulas visam a estabelecer prerrogativas e consignar vantagens ao Poder Público, sempre tendo em vista a consecução do interesse público como fim. As cláusulas exorbitantes de destaque e discussão neste trabalho são: possibilidade de alteração e rescisão unilateral do contrato; equilíbrio econômico-financeiro; inoponibilidade da exceção de contrato não cumprido; controle do contrato e aplicação de penalidades contratuais pela Administração. 3.2.1 Alteração e rescisão unilateral do contrato A doutrina administrativista majoritária[39] confirma a faculdade que o Poder Público tem em alterar ou rescindir o contrato administrativo, mesmo que tal cláusula não venha expressamente prevista na avença original. Contudo, tal poder de alteração só pode abranger as cláusulas chamadas regulamentares – aquelas que dispõem sobre o objeto e a execução contratual, dado que a Administração tem o dever de estar atenta às alterações necessárias sempre visando o bem comum da sociedade. Desse modo, não cabe aqui, a avocação, pelo contratado, de direito adquirido à execução do contrato como avençado inicialmente, porque isso acabaria submetendo o interesse público ao interesse particular. Maria Sylvia Zanella Di Pietro[40] explana bem a diferença entre cláusulas regulamentares e cláusulas econômico-financeiras, senão vejamos: “Todos os contratos administrativos contém dois tipos de cláusulas: as cláusulas regulamentares, que dizem respeito à forma de execução do contrato, abrangendo as pertinentes ao objeto, regime de execução, forma de fornecimento, direitos e responsabilidades das partes, penalidades cabíveis, dentre tantas outras indicadas no artigo 55 da lei 8.666/93;  e as cláusulas financeiras, que dizem respeito ao equilíbrio econômico-financeiro, ou seja, à relação entre o encargo assumido pelo contratado e o preço estipulado no contrato.” Márcia Batista dos Santos[41] salienta que as cláusulas regulamentares ou de serviço “sempre poderão ser alteradas unilateralmente. Não há necessidade da ‘concordância’ do contratado. Todavia, se interferirem na equação econômico-financeira do ajuste, dever-se-á recompor os preços pactuados”, por isso a expressão no final do artigo 58, inciso I, da lei 8.666/93[42]: “respeitados os direitos do contratado”. Se assim não se entendesse, ressalta a autora que “qualquer discordância do contratado em relação à alteração unilateral das cláusulas regulamentares, alegando não estarem sendo respeitados os seus direitos, anularia por completo a própria teoria da mutabilidade dos contratos administrativos”. Convém mencionar que os direitos do contratado se limitam à garantia do equilíbrio econômico-financeiro do contrato; pois os direitos do particular “não podem afrontar a própria prerrogativa do Poder Público de exercitar a mutabilidade unilateral dos contratos”. Interessante dizer que nas cláusulas regulamentares, a Administração detém poder de império e não precisa da ‘autorização’ ou ‘concordância’ do contratado, até porque se o fizesse a Administração deixaria de ter um poder unilateral, ‘exorbitante’, e o contrato passaria a viger com alterações “de comum acordo”. Todavia, lembra a professora Márcia que, “em razão do princípio da transparência dos atos administrativos, seria conveniente e aconselhável notificar previamente a outra parte das alterações a serem procedidas nas cláusulas de serviço” [43]. Hely Lopes Meirelles[44], citando Jèze e Bonnard[45], explica que “o poder de modificação unilateral do contrato administrativo constitui preceito de ordem pública e, como tal, a Administração não pode renunciar previamente à faculdade de exercê-lo”. Nesse sentido, enquanto em um contrato regido pelo Direito Privado aplicar-se-ia o princípio do pacta sunt servanda, nos contratos administrativos há o jus variandi em favor da Administração, o que autoriza a alteração do contrato sempre que o interesse público exigir. Mas essa alteração também tem limites, alerta Caio Tácito[46]: “O princípio básico do poder de alteração unilateral do contrato pela Administração é o de que toda modificação que agrave os encargos do contratado obriga a mesma Administração a compensar economicamente os novos encargos, a fim de restabelecer o equilíbrio financeiro inicial”. Toshio Mukai[47] esclarece que “Esse poder de alteração unilateral do contrato, reconhecido à Administração, repousa no princípio da continuidade do serviço público. Para o atendimento deste, de forma continuada, e para a plena satisfação do interesse público é que a Administração, independentemente de anuência do particular contratado, goza daquele privilégio de modificar o contrato.” Prevê a Lei de Licitações sobre o tema: “Art. 58.  O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de: I – modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado; II – rescindi-los, unilateralmente, nos casos especificados no inciso I do art. 79 desta Lei;  […] § 1o  As cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos administrativos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado. § 2o  Na hipótese do inciso I deste artigo, as cláusulas econômico-financeiras do contrato deverão ser revistas para que se mantenha o equilíbrio contratual.” (grifei) O artigo 65 da Lei de Licitações[48] trata das hipóteses de cláusulas regulamentares que podem ser alteradas de forma unilateral pela Administração Pública – mesmo que não estejam expressamente relacionadas no contrato. Isto se justifica em decorrência do seu poder de império e do jus variandi que detém; ao contratado só resta aceitá-las: “Art. 65.  Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: I – unilateralmente pela Administração: a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos; b) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei; […] § 1o  O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinqüenta por cento) para os seus acréscimos. § 2o  Nenhum acréscimo ou supressão poderá exceder os limites estabelecidos no parágrafo anterior, salvo:             I – (VETADO)            II – as supressões resultantes de acordo celebrado entre os contratantes.[…] § 5o  Quaisquer tributos ou encargos legais criados, alterados ou extintos, bem como a superveniência de disposições legais, quando ocorridas após a data da apresentação da proposta, de comprovada repercussão nos preços contratados, implicarão a revisão destes para mais ou para menos, conforme o caso. § 6o  Em havendo alteração unilateral do contrato que aumente os encargos do contratado, a Administração deverá restabelecer, por aditamento, o equilíbrio econômico-financeiro inicial.” (grifei) O inciso II do artigo 58 (rescindir o contrato de forma unilateral) e o inciso I do artigo 65 (alterar unilateralmente o contrato de forma qualitativa ou quantitativa) demonstram hipóteses de exorbitância “interna” mais radicais existentes. Quanto ao inciso I, do artigo 65, da lei de Licitações e Contratos Administrativos, o qual prevê a possibilidade de alteração quantitativa e qualitativa do objeto do contrato, a professora Vera Lúcia D´Ávila[49] leciona que “A lei concede à Administração o poder de compelir o contratado a suportar alterações quantitativas e qualitativas do objeto, dentro dos parâmetros impostos na própria regra jurídica. Além desses parâmetros, mesmo com a concordância do contratado, não poderá ser alterado o objeto licitado, sob pena de nulidade do novo ajuste, pois haverá, no caso, o descumprimento das regras impositivas do procedimento de competição, que deve reger a atividade do órgão público quando este pretender contratar obras, serviços, compras e alienar seus bens, tendo por parceiro contratual o particular.” A hipótese de alteração qualitativa do objeto, ressalta Vera Lúcia Machado D´Ávila[50], encontra limite na própria legislação, pois impede-se que a alteração do inciso I, “a”, seja válida se “evidenciado que a modificação unilateral, a ser introduzida pela Administração, transfigura o objeto contratado, a ponto de desnaturá-lo”. Já Hely Lopes[51] frisa que “nada impede, contudo, alterações quanto ao modo de execução desse objeto, variações de técnica e de forma desde que previsíveis em face do interesse público e acessíveis ao particular contratado”. Marçal Justen Filho[52] disciplina que, a hipótese de alteração qualitativa, compreende situações em que se constata “a inadequação da concepção original, em que se fundara a contratação”. O autor exemplifica com um caso de descoberta científica, no qual “evidencia-se a necessidade de inovações para ampliar ou assegurar a utilidade inicialmente cogitada pela Administração”. Justen Filho também menciona que “Deve-se considerar que a hipótese também abrange os casos de inovações tecnológicas que apresentem soluções de qualidade superior àquela considerada por ocasião da licitação. […] A Administração terá o dever de promover alterações para assegurar a obtenção de objetos adequados e satisfatórios, evitando o recebimento de prestação obsoleta”. Sobre a limitação quantitativa, Vera Lúcia D´Ávila salienta que esta visa impedir a formação de um ato que tenha “o fim de incluir, na obrigação a ser cumprida, obras, serviços ou compras que não fizeram parte do objeto contido no procedimento licitatório que deu azo ao ajuste”. Como bem dispôs o legislador na Lei de Licitações, em seu artigo 65, parágrafos 1º e 2º: “§ 1o  O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinqüenta por cento) para os seus acréscimos. § 2o  Nenhum acréscimo ou supressão poderá exceder os limites estabelecidos no parágrafo anterior, salvo:             I – (VETADO)                         II – as supressões resultantes de acordo celebrado entre os contratantes.”     Assim, conclui-se que, os limites de acréscimos e supressões só se aplicam ao aspecto quantitativo do objeto (e nos acréscimos não se pode extrapolar a legislação, nem com celebração de acordo entre as partes) e não ao seu aspecto qualitativo. Destaca Hely Lopes Meirelles[53] que esse poder de alteração unilateral é inerente à Administração, pois “imobilizar as cláusulas regulamentares ou de serviço importaria impedir a Administração de acompanhar as inovações tecnológicas, que também atingem as atividades do Poder Público e reclamam sua adequação às necessidades dos administrados”. Nessa seara, a doutrina conclui que, até nas hipóteses em que inexiste qualquer cláusula prévia expressa nesse sentido é possível a alteração, “já que contemplada tal possibilidade dentre as ‘cláusulas regulamentares’, ou seja, aquelas que dispõem sobre o objeto do contrato e o modo de sua execução”[54]. Complementa Vera D´Ávila que “a presença das cláusulas regulamentares se justifica por ser a Administração Pública uma das partes no contrato e estar vinculada ao princípio do interesse público”. Tais cláusulas já são fixadas no edital de licitação, de forma unilateral, pela Administração e celebrado o contrato, ainda podem ser alteradas unilateralmente por ela. Isto porque o artigo 58, inciso I, da lei 8.666/93 consagra, entre outras prerrogativas favoráveis à Administração, o poder de modificar os contratos “para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado” [55]. Dado seu poder de império e a relação de ‘verticalidade’ aqui já discutida, não tem o contratado direito adquirido à manutenção do contrato tal como celebrado inicialmente; se o interesse público clama pela alteração, o contratado não pode opor-se a ela. A única exceção ao poder de império da Administração são as cláusulas econômico-financeiras, que não podem ser alteradas sem prévia ciência e concordância do particular (art. 65, parágrafo 6º e art. 58, inciso I, parte final e parágrafos 1º e 2º). Justen Filho[56] esclarece que a Administração Pública não pode alterar, de forma discricionária e unilateral, o contrato administrativo celebrado através de processo licitatório regular, porque a ele também está vinculada, através do princípio da vinculação ao instrumento convocatório e da adjudicação do objeto ao licitante vencedor; também não pode alterá-lo sem que tenham ocorrido circunstâncias supervenientes e com possíveis prejuízos ao Poder Público. Leciona que a modificação unilateral do contrato “pressupõe eventos ocorridos ou apenas conhecidos após a contratação. […] Deverá ter ocorrido uma modificação das circunstâncias de fato ou de direito, motivando a necessidade ou a conveniência de alterar o contrato”. Conclui, por fim, que “há uma força vinculante do contrato administrativo mesmo para a Administração Pública”.  Nesse sentido, artigo 41 da Lei 8.666/93: “Art. 41.  A Administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha estritamente vinculada”. Marçal Justen Filho[57] faz importantes observações no trecho abaixo, de transcrição obrigatória para a melhor compreensão do tema: “A Administração tem o dever de motivar sua decisão de modificar o contrato administrativo. Assim se impõe tendo em vista os princípios norteadores da atividade administrativa e, especialmente, da licitação. Sem motivação, será inválida a unilateral alteração do contrato administrativo. Porém, a motivação não poderá consistir na simples invocação da necessidade ou de algum ‘interesse público’, de conteúdo material indeterminado. A Administração deverá indicar o motivo concreto, real e definido que impõe a modificação. Ademais, deverá demonstrar que esse motivo não existia ao tempo da contratação. Também é inegável que a modificação introduzida no contrato deverá guardar proporcionalidade com a modificação verificada nas circunstâncias subjacentes.” Cabe lembrar que, por apresentar prerrogativas especiais, a Administração Pública pode ainda, independentemente da concordância do contratado, rescindir, unilateralmente, o contrato celebrado, antes de seu termo, seja por razões de interesse público, seja por descumprimento de cláusulas contratuais por parte do particular. Importante salientar que tal rescisão deve ser motivada pela Administração, assegurando-se o contraditório e a ampla defesa. Giacomuzzi[58] alerta que “a rescisão unilateral do contrato é uma prerrogativa da Administração e que se dá ‘por razões de interesse do serviço público’, sendo o contratado ‘um real colaborador do serviço público’”. É o que prevê a legislação[59]: “Art. 58.  O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de: II – rescindi-los, unilateralmente, nos casos especificados no inciso I do art. 79 desta Lei; (grifei) Art. 78.  Constituem motivo para rescisão do contrato: […] XII – razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a que está subordinado o contratante e exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato; (grifei) Parágrafo único.  Os casos de rescisão contratual serão formalmente motivados nos autos do processo, assegurado o contraditório e a ampla defesa. Art. 79.  A rescisão do contrato poderá ser: I – determinada por ato unilateral e escrito da Administração, nos casos enumerados nos incisos I a XII e XVII do artigo anterior;” (grifei) Lembra Hely Lopes Meirelles[60] que “o poder de rescisão unilateral do contrato administrativo é preceito de ordem pública, decorrente do princípio da continuidade do serviço público, que à Administração compete assegurar”. Nessa linha, o autor disserta que “A rescisão unilateral ou administrativa pode ocorrer tanto por inadimplência do contratado como por interesse público na cessação da normal execução do contrato, mas em ambos os casos se exige justa causa para o rompimento do ajuste, pois não é ato discricionário, mas vinculado aos motivos que a norma legal ou as cláusulas contratuais consignam como ensejadores desse excepcional distrato.” Giacomuzzi[61] destaca que as expressões “alta relevância” e “amplo conhecimento” atrelados à expressão “interesse público” não significam que o Direito Administrativo Brasileiro será menos exorbitante que outrora, ou mais favorável aos interesses privados, e também não indica que o poder do Estado sobre a alteração ou extinção de contratos administrativos tenha diminuído ou até mesmo se esgotado. Justen Filho[62] comenta o inciso XII do artigo 78, mencionando que “a lei procurou reduzir o âmbito de liberdade da Administração Pública para extinguir o contrato mediante a mera invocação de um ‘interesse público’, abstrato e desconhecido”. Dispõe que “é inviável a Administração desfazer, mediante a simples invocação ao ‘interesse público’, o vínculo jurídico mantido com um terceiro”. Importante frisar que a revogação de atos administrativos encontram limites, dentre eles, o respeito ao direito adquirido de terceiros, conforme Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal[63]: “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.”  Nessa seara, Justen Filho explica: “O contrato administrativo produz direitos adquiridos, que devem ser respeitados inclusive pela lei nova (CF, artigo 5º, inciso XXXVI: ‘a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada’). Logo, não se admite revogação imotivada do contrato administrativo. Pode ocorrer, porém, a alteração radical das circunstâncias, tornando necessária a modificação do conteúdo do contrato ou mesmo sua extinção. Assegura-se à Administração a faculdade de modificar unilateralmente o contrato administrativo. Não se pode negar que a Administração também promova a extinção da contratação, quando essa for a solução adequada para assegurar a realização das funções impostas ao Estado.”  Justen Filho[64] ainda posiciona-se no sentido de que a Administração, quando motiva a possível rescisão unilateral de um contrato administrativo no “interesse público”, a mesma “está obrigada a demonstrar que a manutenção do contrato acarretará lesões sérias a interesses cuja relevância não é a usual. […] Isso envolve danos irreparáveis, tendo em vista a natureza da prestação ou do objeto executado” e arremata o autor: “Não se admite a invocação a razões imprecisas e indeterminadas, de cunho duvidoso ou meramente opinativa. Há necessidade de extinguir-se o contrato porque sua manutenção será causa de consequências lesivas. Ademais, essa situação deverá ser de amplo conhecimento, o que indica a ausência de dúvida acerca do risco existente. O contratado tem direito de ser ouvido e manifestar-se acerca da questão. Não estará presente o requisito legal se nem o contratado tiver conhecimento da situação e do risco invocado pela Administração.” Hely Lopes Meirelles[65] disciplina que: “A rescisão administrativa não é discricionária, mas vinculada aos motivos que a norma legal ou o contrato consignam como ensejadores desse excepcional distrato. Ocorrendo a justa causa, pela incidência do contratado na falta permissiva da rescisão, ou sobrevindo razões de interesse público para que cesse a execução do contrato, é lícito à Administração rescindi-lo unilateralmente, por ato próprio, independentemente de decisão judicial, mas o contratado que se sentir prejudicado em seus direitos pode usar das vias judiciais comuns ou especiais cabíveis para defendê-los.” Carvalho Filho[66] sobre o tema: “O escopo da norma foi o de admitir que o advento de novos fatos administrativos possa permitir alguma flexibilização na relação contratual – a qual, todavia, sempre há de sujeitar-se a alguns limites, bem como há de atender ao interesse público indicado pela Administração para proceder à alteração unilateral. Por conseguinte, sempre será sindicável, administrativa ou judicialmente, o motivo pelo qual se considerou necessária a alteração”. Por fim, da doutrina de Gustavo Santanna[67], tem-se que, na hipótese de rescisão unilateral por interesse público, o particular terá direito ao ressarcimento dos prejuízos que, eventualmente, houver sofrido; à devolução da garantia prestada; aos pagamentos devidos pela execução do contrato até a data da rescisão e ao pagamento do custo da desmobilização, conforme se extrai do artigo 79, da Lei federal 8.666/93[68]: “Art. 79 […] § 1o  A rescisão administrativa ou amigável deverá ser precedida de autorização escrita e fundamentada da autoridade competente. § 2o  Quando a rescisão ocorrer com base nos incisos XII a XVII do artigo anterior, sem que haja culpa do contratado, será este ressarcido dos prejuízos regularmente comprovados que houver sofrido, tendo ainda direito a: I – devolução de garantia; II – pagamentos devidos pela execução do contrato até a data da rescisão; III – pagamento do custo da desmobilização.” Dessa forma, vê-se que a alteração ou rescisão unilateral do contrato administrativo se dão em virtude da variação do interesse público; sendo assim, o direito do contratado restringe-se à manutenção das cláusulas financeiras e à remuneração dos novos encargos que tenha vindo a sofrer, em caso de alteração ou, à composição dos danos, em caso de rescisão. 3.2.2 Equilíbrio econômico-financeiro Como já antes mencionado, em todo contrato administrativo existem dois tipos de cláusulas: as regulamentares ou de serviço e as financeiras. As regulamentares são alteráveis unilateralmente segundo as exigências do interesse público, as quais são variáveis no tempo; as financeiras, no entanto, são inalteráveis porque fixam a remuneração e os direitos do contratado perante a Administração e estabelecem as condições financeiro-econômicas que devem ser respeitadas durante a execução contratual[69]. Caio Tácito[70] disciplina que “essa garantia do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo – que tem outras implicações – preserva a sua natureza comutativa (equivalência intrínseca entre as prestações) e sinalagmática (reciprocidade das obrigações)”. Sendo assim, a Administração Pública, agindo com seu ‘poder de império’, numa relação como dita alhures, ‘verticalizada’, detém o poder de jus variandi, ou seja, de forma unilateral ela pode alterar o contrato administrativo, mas apenas no que tange às cláusulas regulamentares da relação contratual; ela nunca poderá, portanto, alterar unilateralmente as cláusulas econômico-financeiras, sob pena de desrespeitar os direitos do contratado. A própria lei federal ao dispor de tais dispositivos limita o poder da Administração no que tange às cláusulas financeiras, de modo que ela não poderá atuar ilimitadamente[71]. A professora Di Pietro[72] acompanha este entendimento, no sentido de que o princípio da mutabilidade dos contratos administrativos não se aplica às cláusulas financeiras presentes. Reforça que “enquanto as cláusulas regulamentares decorrem do poder regulamentar da Administração Pública […], as cláusulas financeiras têm natureza tipicamente contratual, porque elas que estabelecem o equilíbrio econômico-financeiro do contrato”. Completa sua doutrina justificando que “nenhuma empresa que exerça atividade econômica de fins lucrativos teria interesse em contratar com a Administração Pública se não fosse protegida por cláusulas tipicamente contratuais, imutáveis por decisão unilateral”. A equação financeira é, nas palavras do doutrinador Hely Lopes Meirelles, “a relação que as partes estabelecem inicialmente, no ajuste, entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, serviço ou do fornecimento”. Tal correlação deve ser observada durante toda a execução do contrato, mesmo que alteradas as cláusulas regulamentares, a fim de manter a equação financeira ajustada[73]. Sobre o equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, disserta Di Pietro[74]: “Define-se no momento da lavratura do contrato e define-se por acordo entre as partes. A quebra neste equilíbrio deve ser demonstrada pela parte prejudicada. Se a Administração entende que, em decorrência de algum plano econômico rompeu-se o equilíbrio, a ela cabe fazer essa demonstração em cada caso concreto e tentar um acordo com o contratado para restabelecê-lo. […] Não pode a lei presumir que houve o desequilíbrio; o equilíbrio econômico é estabelecido em cada contrato, em razão do objeto e demais condições definidas no próprio edital de licitação; se ocorrer o rompimento, ele tem que ser apurado e demonstrado em cada caso concreto, em razão das circunstâncias específicas que levaram a este rompimento”. Carvalho Filho [75] leciona que: “Se a alteração provoca ônus para o contratado, a equação econômico-financeira do contrato sofre maior ou menor rompimento à medida que maior ou menor seja o encargo oriundo da alteração. E o mecanismo próprio para restaurar o equilíbrio rompido é a revisão do preço, de modo a que este passe a refletir agora a relação de adequação que consubstancia a garantia da equação”. Celso Antônio Bandeira de Mello[76] expõe que “equilíbrio econômico-financeiro é a relação de igualdade formada, de um lado, pelas obrigações assumidas pelo contratante no momento do ajuste, e de outro lado, pela compensação econômica que lhe corresponderá”. Menciona o artigo 58, parágrafo 1º da Lei de Licitações[77] o qual diz que alterar cláusula econômica que reflita no equilíbrio econômico-financeiro do contrato só é possível com prévia concordância do contratado: “Art. 58. […] § 1o  As cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos administrativos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado.” Sobre o tema transcreve-se, abaixo, trechos de julgados do STJ: “Mesmo nos contratos administrativos, ao poder de alteração unilateral do Poder Público contrapõe-se o direito que tem o particular de ver mantido o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, considerando-se o encargo assumido e a contraprestação pecuniária garantida pela administração.[78] A equação econômico-financeira é um direito constitucionalmente garantido ao contratante particular (CF, art. 37, inciso XXI). Se as características do contrato não fossem asseguradas, permitindo ao Poder Público poderes ilimitados para alterar cláusula contratual, o particular não teria interesse em negociar com a Administração.”[79] A proteção ao equilíbrio financeiro foi erigida a nível constitucional[80] em 1988, conforme se extrai do artigo 37, inciso XXI, abaixo transcrito: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:  […] XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”. (grifei) O administrativista Hely Lopes Meirelles[81] esclarece que “O contrato administrativo, por parte da Administração, destina-se ao atendimento das necessidades públicas, mas por parte do contratado objetiva um lucro, através da remuneração consubstanciada nas cláusulas econômicas e financeiras. Esse lucro há que ser assegurado nos termos iniciais do ajuste, durante a execução do contrato, em sua plenitude, mesmo que a Administração se veja compelida a modificar o projeto, ou o modo e forma da prestação contratual, para melhor adequação às exigências do serviço público”. Superficialmente, a Administração possui poderes exorbitantes na execução do contrato administrativo, o que pode, certas vezes, parecer privilegiá-la frente ao contratante. No entanto, em contrapartida, é pacífico o entendimento de que é irretocável a cláusula econômico-financeira do contrato, eis que é proteção excepcional em proveito do particular que celebrou avença com a Administração. Desse modo, vislumbra-se que, a desigualdade aparentemente gerada pela mutabilidade unilateral por parte da Administração Pública equilibra-se no tocante ao equilíbrio financeiro contratual. Nessa senda, Jean Rivero[82] dispõe que “o contratante, neste terreno, se beneficia de garantias que o Direito Privado ignora e que tendem a lhe assegurar de todo modo e qualquer que seja o uso feito pela Administração, de suas prerrogativas, uma remuneração conforme as previsões iniciais”. Cabe salientar, por fim, que a manutenção da equação financeira do contrato não é privilégio de quem contrata com o Poder Público, mas uma compensação pelas alterações unilaterais que a Administração venha a exigir ao longo da execução do contrato. Assim, é direito do contratado, a fim de readequar o pactuado quanto aos encargos e os lucros que o contratado projetava para o empreendimento, e tal entendimento é majoritário na doutrina. 3.2.3 Exceção do contrato não cumprido No que tange à execução do contrato administrativo, Odete Medauar[83] lembra que a cláusula exceptio non adimpleti contractus nele não pode ser aplicada, ou seja, “o contratado não poderia invocar o descumprimento, pela Administração, de cláusulas contratuais, para eximir-se do cumprimento de seus encargos”. Isto tem fulcro precipuamente, esclarece a autora, em virtude do princípio da continuidade, o qual “impede a interrupção do atendimento do interesse público – tendo em vista que o contrato administrativo é celebrado para atender ao interesse público, sua execução não pode ser interrompida”. Com efeito, elucida o professor Hely Lopes[84], enquanto nos contratos regidos pelo Direito Privado é lícita a cessação da execução do avençado enquanto a outra parte não cumprir a respectiva parte na obrigação, no Direito Público não é possível invocar tal princípio contra a Administração.  O doutrinador explica que “o princípio maior da continuidade do serviço público impede que o particular paralise a execução do contrato diante da omissão ou atraso da Administração no cumprimento das prestações a seu cargo”. O contratado deverá manter a execução do serviço ou o fornecimento do material, e buscar indenização ou ressarcimento de eventuais prejuízos via judicial, pois mitigada está aqui tal cláusula, em virtude de um princípio maior prevalecer: o da continuidade do serviço público – o qual deve ser ininterrupto, eficiente, universal. Há de se ressaltar que a impossibilidade de invocação deste princípio tem sido por vezes excepcionada, como no caso do artigo 78, inciso XV da Lei de Licitações[85], abaixo transcrito: “Art. 78.  Constituem motivo para rescisão do contrato: […] XV – o atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas destes, já recebidos ou executados, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, assegurado ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação;” (grifei) Nesta hipótese, é permitido ao contratado suspender as atividades até a normalização da situação, caso em que não é obrigado a comprometer-se com encargos extraordinários e por vezes até efetuar financiamentos para continuar a execução do serviço, o que não foi acordado no ajuste e seria um ônus demasiado a ser suportado pelo particular. Não obstante, relevante destacar que pequenos atrasos ou leves descumprimentos por parte da Administração Pública não ensejam o direito à invocação, pelo contratado, deste inciso, devendo este ser aplicado somente quando os casos são excepcionais e extremos e que a conduta do Poder Público está substancialmente prejudicando e acarretando ônus inadmissíveis e insuportáveis ao particular. 3.2.4 Controle e fiscalização do contrato O poder de controle e fiscalização do avençado, mesmo que não tenha sido convencionado de forma expressa no contrato, é poder inequívoco da Administração. Nessa linha, compreende-se nesta prerrogativa o poder de “supervisionar, acompanhar, fiscalizar e intervir na execução do contrato, para assegurar a fiel observância de suas cláusulas e a perfeita realização de seu objeto, notadamente nos aspectos técnicos da obra ou do serviço”, observa Hely Lopes Meirelles[86]. Odete Medauar[87] esclarece que quando da execução do contrato administrativo pelo particular, é direito – e dever – da Administração fiscalizar o serviço/obra contratado. É, nesse sentido, a Lei Federal 8.666/93[88]: “Art. 58.  O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de: III – fiscalizar-lhes a execução;” Pode-se observar, no inciso mencionado, que o poder de fiscalização da execução do contrato administrativo é um benefício estabelecido em prol da Administração, dentre outros existentes, constantes neste artigo. Este poder, segundo Hely Lopes Meirelles[89], é entendido como intrínseco à Administração Pública e, portanto, implícito em todos os contratos administrativos. Tal poder se justifica, pois, se a Administração tem a prerrogativa de alterar ou rescindir os contratos administrativos de forma unilateral, necessita, então, fiscalizar e controlar seus contratos, a fim de visualizar quais estão sendo bem executados e quais não estão atendendo a sociedade de forma satisfatória. Deve-se atentar para a questão que, o controle exercido pela Administração de forma alguma deve interferir na autonomia de execução do contrato pelo particular. Do mesmo modo, a respectiva fiscalização não elide a responsabilidade técnica do contratado sobre o empreendimento; a Administração tem este poder como característico com o fim de observar possíveis variações contratuais que se façam necessárias a bem do interesse da coletividade, bem como observar a regularidade e a consistência dos trabalhos. Dispõe o artigo 68 da Lei de Licitações: “Art. 68.  O contratado deverá manter preposto, aceito pela Administração, no local da obra ou serviço, para representá-lo na execução do contrato”. O controle também se faz importante na hipótese de retardamento, paralisação ou inexecução total ou parcial da obra ou serviço pelo contratado, e, neste caso, faz-se necessária a intervenção do Poder Público por tal acontecimento eventualmente vir a prejudicar a coletividade. É o que dispõe o artigo 58, inciso V da Lei de Licitações e Contratos administrativos: “Art. 58.  O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de: V – nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hipótese de rescisão do contrato administrativo.” Hely Lopes[90] alerta, com maestria, que “a intervenção justifica-se como medida de emergência, para assegurar a continuidade do serviço até que se restabeleça a normalidade nos trabalhos ou se rescinda o contrato, verificada a incapacidade do contratado para sua correta execução”. 3.2.5 Penalidades contratuais Decorrente do controle do contrato, outra cláusula exorbitante relevante é a possibilidade de penalização contratual pela Administração Pública, prerrogativa esta inexistente nos contratos privados. Perder-se-ia o sentido fiscalizar e controlar o contrato administrativo se, ao vislumbrar descumprimentos por parte do contratado, o Poder Público nada pudesse fazer. Aqui se encontra um princípio administrativo de destaque: o da autoexecutoriedade dos atos administrativos, o que se dá independentemente de autorização de outros Poderes ou órgãos estatais.  O artigo 58 da lei de Licitações[91] dispõe: “Art. 58.  O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de: IV – aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste;” O inciso IV prevê que o Estado não está obrigado a receber obra ou serviço que não esteja em conformidade com o inicialmente contratado; neste caso, o Estado-Administração possui o direito de sancionar o contratado pela inexecução parcial ou total do contrato administrativo[92]. A fiscalização rotineira e eficaz, principalmente nas contratações de serviços contínuos, “é indispensável para que o fim público seja alcançado, pois  possibilita  o saneamento rápido de irregularidades que possam trazer prejuízos à  Administração” [93]. Dentre os privilégios da Administração encontra-se o poder sancionatório, sem necessidade de pronunciamento ou autorização de outro órgão, em virtude do princípio – já mencionado – da autoexecutoriedade. Medauar[94] faz uma ressalva ao mencionar que “embora não esteja explícito, parece claro que somente poderão ser aplicadas as sanções previstas na lei e de modo proporcional à gravidade do fato”. A Lei 8.666/93 prevê expressamente em seu artigo 66: “Art. 66.  O contrato deverá ser executado fielmente pelas partes, de acordo com as cláusulas avençadas e as normas desta Lei, respondendo cada uma pelas conseqüências de sua inexecução total ou parcial”. (grifei) A fiscalização do contrato e a aplicação de penalidades no caso de serem detectadas irregularidades então dentre as cláusulas exorbitantes. O artigo 67, por sua vez, estabelece: “Art. 67.  A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição”. As sanções podem ser, conforme a Lei de Licitações: advertência; multa; suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração; e declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração.  Além destas sanções, pode-se acrescer “a rescisão unilateral pela Administração, com a consequente retomada de seu objeto e assunção da obra ou do serviço, sem prejuízo dos acertos de contas e das indenizações cabíveis posteriormente, por via administrativa ou judicial” [95]. Hely Lopes Meirelles[96] leciona que “A aplicação de penalidades contratuais, garantidos a defesa prévia e o procedimento legal (Constituição Federal, artigo 5º, LV), é medida autoexecutória de que se vale a Administração quando verifica a inadimplência do contratado na realização do objeto do contrato, no atendimento dos prazos ou no cumprimento de qualquer outra obrigação a seu cargo.” Carvalho Filho[97] observa que “a parte que dá causa à rescisão do contrato está sujeita a sofrer a aplicação de sanções, conforme o que foi pactuado pelos contratantes. Portanto, sanções pelo inadimplemento podem estar previstas no contrato, além das que a lei estabelece”. O autor refere que há divergência na doutrina acerca do efeito das sanções administrativas, se restritivo ou extensivo, a exemplo da suspensão temporária de participação em licitação. No sentido restritivo, entende-se que a suspensão limita-se apenas ao ente da Administração que aplicou tal penalidade; por outro lado, na esfera extensiva, entende-se que a penalidade deveria afetar outras entidades, diversas daquela que aplicou a sanção, uma vez que, se o contratado descumpriu obrigações naquele contrato em específico, também seria um risco para as outras entidades públicas contratar com ele e sofrer do mesmo agravo. Tal posicionamento é adotado por Carvalho Filho, o qual ainda estabelece que “a Administração é uma só, é una, é um todo, mesmo que, em razão de sua autonomia, cada pessoa federativa tenha sua própria estrutura” [98]. Conceitua-se como inexecução ou inadimplência apta a ensejar sanções administrativas aquela decorrente de culpa do contratado, seja por negligência, imperícia ou imprudência na observação das cláusulas contratuais. Tal inadimplência pode-se referir ao prazo, ao modo de realização bem como relativo à própria execução. A inexecução, seja ela total ou parcial, ensejará penalidades proporcionais à falta cometida pelo particular. A rescisão unilateral gerada pela inadimplência culposa constitui uma sanção, quase sempre cumulada com a aplicação de outras penalidades, impingindo o contratado à reparação do dano e autorizando a Administração a utilizar as garantias dadas pelo particular quando do processo licitatório e a reter os créditos eventualmente devidos para compensar os prejuízos decorrentes da inexecução[99]. Para ocasionar a rescisão unilateral o ato faltoso deve ser considerado grave, considerando-se a proporcionalidade entre a conduta, seu resultado e a sanção aplicada. Nessa linha, a decisão administrativa de rescisão unilateral deve estar fundamentada em fatos graves, porém sempre se observando os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da boa-fé objetiva, além do direito ao contraditório e à ampla defesa, constitucionalmente assegurados em processos administrativos, sob pena de nulidade do processo respectivo. [100] Diferente é a situação em que a inexecução se dá sem culpa do contratado, o que adentra no campo de álea extraordinária, ou seja, ocorrem fatos e acontecimentos estranhos ao que foi inicialmente previsto pelos contratantes, como força maior, caso fortuito, fato do príncipe, fato da administração ou outras interferências imprevisíveis, que possam a vir a retardar a consecução do objeto contratado. Nessas hipóteses, não haverá a responsabilização ou penalização do particular, porque tais eventos fogem da álea ordinária. Considerável observação a ser feita é que, a omissão na aplicação das penalidades cabíveis acarretará uma possível responsabilização da autoridade omissa, pois ao tomar conhecimento da infração, tem o dever de agir[101]. 3.3 CABIMENTO NOS DIAS ATUAIS Muito se lê na doutrina e jurisprudência, como bem ressalta Giacomuzzi[102], “que o Estado age em nome do ‘interesse público’, que é indisponível; e que o interesse público não é a soma dos interesses privados, sendo sempre superior ao interesse individual”. Deste pensamento, extrai-se o princípio da ‘supremacia do interesse público sobre o privado’, o qual deve guiar o administrador público por toda sua gestão. Consequentemente, o Direito Administrativo ganha contornos ‘exorbitantes’, porque a Administração Pública sempre visará agir em nome de um interesse público superior, que beneficie a todos, e não a determinados grupos. Para Franco Sobrinho[103], os contratos públicos devem guiar-se por normas diferentes daquelas que regem os contratos privados, vez que os contratos públicos têm por objetivo promover o interesse público. Menciona que nos contratos públicos há “razão de utilidade pública”, e a interpretação desses contratos deveria levar em consideração “o interesse público como motivo e o serviço público como fim”. Celso Antônio Bandeira de Mello[104] afirma que, no regime jurídico administrativo, o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, “proclama a superioridade do interesse da coletividade, firmando a prevalência dele sobre o do particular, como condição, até mesmo, da sobrevivência e asseguramento deste último”. O professor refere em sua obra a presença relevante de algumas características no que tange à Administração Pública, quais sejam: posição privilegiada do órgão encarregado de zelar pelo interesse público e de exprimi-lo nas relações com os particulares; e posição de supremacia do órgão nas mesmas relações. Leciona o autor: “Esta posição privilegiada encarna os benefícios que a ordem jurídica confere a fim de assegurar conveniente proteção aos interesses públicos instrumentando os órgãos que os representam para um bom, fácil, expedito e resguardado desempenho de sua missão. Traduz-se em privilégios que lhes são atribuídos.” Contudo, alguns doutrinadores criticam esta visão, posicionando-se diferentemente acerca do tema.  Humberto Ávila é um destes autores, e conforme se extrai de seu artigo[105], o autor entende que não se pode privilegiar o interesse público de forma abstrata e incondicional, sem fazer referência a uma situação concreta. Segundo ele, deve-se fazer uma ponderação sobre quais são os bens jurídicos envolvidos e as normas aplicáveis ao caso, primeiramente; e não direcionar, desde logo, a interpretação em favor do interesse público. Antes de feita tal ponderação, Ávila afirma que não há cogitar sobre a referida supremacia do interesse público sobre o particular e, portanto, um eventual favorecimento ao interesse público só seria possível após análise pormenorizada do princípio da proporcionalidade. Sua crítica, assim, baseia-se em uma suposta incompatibilidade entre a supremacia do interesse público sobre o privado com o princípio da proporcionalidade, uma vez que, ao estabelecer uma prioridade, prima facie, do interesse público, restaria suprimida a possibilidade de ponderação. Na discussão levantada pelo autor, dentre os vários argumentos apresentados, tem-se como principal a primazia, in abstrato, em qualquer caso, que detém o interesse público frente o particular, principalmente quando posto diante dos direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal. O princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, segundo Ávila, afasta a necessidade de ponderação: sua ascendência restaria evidente em todos os casos, visto que impossível a sua concretização gradual. Diante de tamanha proteção da esfera individual pela Constituição de 1988, consolidado estaria um ônus argumentativo em favor do interesse particular, este sim, conforme o autor, digno de prioridade. Importante salientar que a Administração Pública exerce a ‘função administrativa’, vez que tem o dever de satisfazer interesses públicos, necessitando, para isso, dispor de mecanismos para a obtenção da guarda do bem público. Os poderes que a Administração detém, portanto, são ‘instrumentais’, pois sem eles ela não conseguiria desempenhar as finalidades que a lei lhe impõe em prol da sociedade. A posição de supremacia expressa-se através da ‘verticalidade’ – já debatida neste trabalho – presente nas relações contratuais entre a Administração e particulares. Encontra-se tal característica no contrato administrativo quando o Poder Público está em situação de comando, condição esta indispensável à gerência dos interesses públicos a serem concretizados. Bandeira de Mello[106] apresenta uma visão clara sobre o tema: “Quem exerce “função administrativa” está adstrito a satisfazer interesses públicos, ou seja, interesses de outrem: a coletividade. Por isso, o uso das prerrogativas da Administração é legítimo se, quando e na medida indispensável ao atendimento dos interesses públicos; vale dizer, do povo, porquanto nos Estados Democráticos o poder emana do povo e em seu proveito terá de ser exercido”. Segue Celso Bandeira de Mello[107] afirmando que “A indisponibilidade dos interesses públicos significa que, sendo interesses qualificados como próprios da coletividade não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los – o que também é um dever.” O interesse público, do qual a Administração é guardião, reclama por flexibilidade em sua execução, pois está sujeito a diversas variações de muitas ordens. Em contrapartida, o contratante particular postula uma legítima pretensão ao lucro, segundo os termos assim convencionados. Daí se conclui que o Poder Público conserva prerrogativas suficientes e necessárias ao bom andamento e execução da coisa pública, “de sorte que pode adotar as providências requeridas para tanto, ainda que impliquem alterações no ajuste inicial”. [108] Marçal Justen Filho[109] atenta para o fato de que “Não existe, num Estado Democrático de Direito, prerrogativas nem privilégios […]. Trata-se de competências subordinadas ao Direito e cuja atribuição deriva da concepção instrumental da Administração Pública. Presume-se que as finalidades buscadas pela atividade administrativa do Estado não poderiam ser satisfatoriamente atingidas se houvesse a aplicação do regime jurídico de Direito Privado. Portanto, o Direito atribui competências anômalas à Administração Pública. Por meio delas, o Estado pode cumprir os deveres a si impostos.” Dessa forma, os contratos administrativos visam assegurar a efetividade do pactuado frente à coletividade e, ao mesmo tempo, devem resguardar os direitos dos administrados. Também buscam assegurar transparência, de modo que o regime jurídico-administrativo manifesta-se pela supremacia do interesse público sobre o particular e pela indisponibilidade do interesse público, os quais devem coexistir no ordenamento jurídico pátrio de forma compatível. Hely Lopes Meirelles[110] destaca que o direito administrativo brasileiro conceitua-se como “conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado”. Leciona o autor que o Direito Administrativo disciplina as atividades e os órgãos estatais para o funcionamento da Administração Pública com a devida eficiência, pois tal ramo do direito público “interessa-se pelo Estado”. Meirelles indica que o Direito Administrativo deve ser interpretado a partir de três premissas: 1) a desigualdade jurídica entre a Administração e os administrados; 2) a presunção de legitimidade dos atos administrativos; 3) a necessidade de poderes discricionários para a Administração atender ao interesse público. Crucial a transcrição deste trecho de sua obra[111]: “Com efeito, enquanto o Direito Privado repousa sobre a igualdade das partes na relação jurídica, o Direito Público assenta em princípio inverso, qual seja, o da supremacia do Poder Público sobre os cidadãos, dada a prevalência dos interesses coletivos sobre os individuais. Dessa desigualdade originária entre a Administração e os particulares resultam inegáveis privilégios e prerrogativas para o Poder Público, privilégios e prerrogativas que não podem ser desconhecidos nem desconsiderados pelo intérprete ou aplicador das regras e princípios desse ramo do Direito. Sempre que entrarem em conflito o direito do indivíduo e o interesse da comunidade, há de prevalecer este, uma vez que o objetivo primacial da Administração é o bem comum. As leis administrativas visam, geralmente, a assegurar essa supremacia do Poder Público sobre os indivíduos, enquanto necessária à consecução dos fins da Administração. Ao aplicador da lei compete interpretá-la de modo a estabelecer o equilíbrio entre os privilégios estatais e os direitos individuais, sem perder de vista aquela supremacia.” Nesse sentido, vê-se que as prerrogativas da Administração Pública nos contratos administrativos são salutares; todavia, isso não pode ser subterfúgio para a Administração prevalecer-se sobre o particular, pois “imprescindível harmonizar, compatibilizar necessidades, manter o equilíbrio e a justiça contratual, por não ser razoável utilizar as cláusulas exorbitantes para criar relações jurídicas descompassadas, abusivas e que criem vantagens exageradas para a Administração” [112]. Com efeito, os contratados, de um modo geral, não podem ser prejudicados com a possibilidade de mutabilidade do contrato pois a existência de cláusulas exorbitantes não afasta o dever de reequilíbrio financeiro do contrato, dado que a discricionariedade da Administração não pode ser confundida jamais com arbitrariedade ou abuso de direito. Afirma Daniele Dias[113]: “O contratado, por sua vez, é titular dos direitos que lhes são garantidos constitucionalmente, dentre os quais o direito ao devido processo legal, à ampla defesa e contraditório, bem como à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Direitos estes que deverão ser respeitados pela Administração.” Além das prerrogativas enumeradas pelo artigo 58 da Lei 8.666/93, há outras cláusulas exorbitantes dispersas na referida Lei, como “a possibilidade de retomar o objeto do contrato, a restrição ao uso da exceção do contrato não cumprido, a possibilidade de reter créditos e exigir garantia, bem como o poder-dever de anular o contrato se verificada a ocorrência de ilegalidade”. Aparentemente, as cláusulas exorbitantes poderiam ser consideradas ‘leoninas’ em um contrato de direito privado, no entanto, no regime jurídico-administrativo tais vantagens são lícitas, previstas em lei, e tem como força motriz o interesse público. Acaso entenda que, através do contrato administrativo a Administração se prevalece da sua posição superior e que, desse modo, tal conduta o prejudica, o particular deve abster-se de contratar com o Poder Público, pois, “ainda que tais cláusulas não estejam expressas no edital licitatório e no contrato elas poderão ser aplicadas, vez que decorrentes de lei e do princípio da supremacia do interesse público” [114]. O uso de tais privilégios, portanto, justifica-se como meio instrumental para a satisfação dos interesses públicos, os quais, por sua vez, prevalecem sobre os interesses particulares. 4 CONCLUSÃO Por fim, com o presente artigo não se pretende esgotar o tema, todavia, procurou-se tecer algumas considerações sobre os contratos administrativos e suas cláusulas exorbitantes, e entender ser plausível sua aplicação e a harmônica coexistência no ordenamento jurídico. Além disto, procurou-se compreender que seu cabimento se dá em virtude da supremacia e da indisponibilidade do interesse público, incumbindo à Administração lançar mão delas como meios instrumentais à consecução de políticas públicas, bem como usá-las em situações visando o bem da coletividade e da sociedade. Vislumbra-se que a possibilidade de alteração contratual, de forma unilateral, pela Administração é privilégio legal, observado o princípio da legalidade estrita, bem como a existência de motivos justificadores para tanto. Frise-se que é constitucionalmente assegurado ao particular, conforme artigo 5º, CF/1988: o direito ao contraditório e à ampla defesa, em processo judicial ou administrativo; respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada; e o direito à aplicação do princípio da inafastabilidade jurisdicional, o qual reza que ‘a lei não excluirá do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’. O particular conserva o direito ao equilíbrio econômico-financeiro durante toda a execução do contrato; contudo, há a contrapartida de anuir e acatar as alterações unilaterais sempre que estas forem impostas pela Administração e convenientes para a coletividade, sob pena de caracterizar descumprimento da avença. Caso o particular comprove que as alterações pretendidas causarão impacto no equilíbrio econômico-financeiro do contrato, haverá obrigação da Administração de recompor os custos decorrentes da alteração do objeto contratado. Nesse diapasão, as cláusulas exorbitantes estabelecidas nos contratos administrativos não podem promover lesão ou prejuízo, tanto sob a perspectiva de causar desproporção nas obrigações contratuais, bem como de ocasionar ônus demasiados e imprevisíveis ao contratado. Não pode haver desequilíbrio ou descompasso na sua aplicação. Levando-se em consideração, portanto, os argumentos neste trabalho ora destacados, vê-se que os contratos administrativos contêm cláusulas, chamadas de ‘exorbitantes’, que não seriam admissíveis em uma relação contratual de Direito Privado e que colocam a Administração em posição privilegiada em relação ao particular. Entretanto, quando uma das partes é a Administração, tais cláusulas são permitidas, isto para garantir que o interesse público seja plenamente atendido, o qual se sobrepõe ao interesse do particular. De outra forma não poderia ser, tendo em vista que ao Poder Público compete a realização e a defesa dos interesses da coletividade, desempenhando um papel de gestor, de curador da coisa pública, não dispondo da coisa em si – daí porque a indisponibilidade do interesse público. O exercício deste encargo está em suas mãos e deve ser buscado em cada ato e em cada contrato firmado pelo Estado-Administração, pois o administrador é apenas um executor da consecução da coisa pública, em prol do bem de todos; quem detém a titularidade é o povo, a coletividade. Dado isso, tem-se aqui um ‘poder-dever’ de exercer tal incumbência sempre que conveniente e oportuno ao interesse público, bem como sempre que forem necessárias à defesa do erário e dos interesses da coletividade.
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Controle do ato administrativo discricionário pelo Poder Judiciário
Pretende-se, por meio do presente artigo, promover um estudo acurado sobre o controle exercido pelo Poder Judiciário em face dos atos administrativos levados a acabo pela Administração Pública, em especial dos atos discricionários. Ainda, tem por objetivo demonstrar a possibilidade do controle judicial dos atos administrativos discricionários, o qual não é ilimitado, devendo respeitar a discricionariedade administrativa concedida pela lei à Administração Pública, não sendo permitido ao Poder Judiciário adentrar no mérito administrativo, situado no âmbito exclusivo do poder discricionário, com possibilidade de ofender o principio da separação dos poderes. Trata-se de estudo muito importante, vez que se discute até que ponto o Poder Judiciário pode revisar o ato promovido pela Administração Pública sob o manto da discricionariedade.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O presente artigo visa explorar acerca da possibilidade de apreciação dos atos administrativos discricionários pelo Poder Judiciário.  Inobstante sua aceitação prática, pela doutrina e jurisprudência majoritária, existem alguns autores que entendem ser impossível a reavaliação judicial dos atos administrativos praticados pelo administrador público sob certa margem de liberdade, ou seja, sob o manto da discricionariedade, sendo que não deve apreciar o mérito do ato administrativo sob pena, dentre outras, de quebra do princípio da separação dos poderes, ocasionando assim, divergência de posicionamento entre instâncias judiciais brasileiras. Sabe-se que o Poder Judiciário é o guardião do ordenamento jurídico, sendo que através do presente trabalho se demonstrará, com clareza, que a apreciação judicial do ato administrativo discricionário deve ocorrer sem qualquer temor, sendo que tal órgão não pode ficar inerte perante atos abusivos e ilegais. A abordagem do tema proposto teve como base metodológica uma pesquisa bibliográfica em fontes doutrinárias e jurisprudenciais, buscando-se materiais ligados ao objeto de estudo da possibilidade de apreciação do ato administrativo discricionário pelo Poder Judiciário, com a finalidade de conhecer mais a temática abordada no tema em comento. 1 FATOS DA ADMINISTRAÇÃO, ATOS DA ADMINISTRAÇÃO, FATOS ADMINISTRATIVOS E ATOS ADMINISTRATIVOS Segundo Di Pietro (2011, p. 192), “o Direito Civil faz distinção entre fato e ato; o primeiro é imputável ao homem; o segundo decorre de acontecimentos naturais, que independem do homem ou que dele dependem apenas indiretamente”. Assim, ato é toda e qualquer ação imputada ao homem e fato é todo acontecimento que independe da ação humana, ou seja, ocorre naturalmente. Por sua vez, quanto à diferença de fato administrativo e de fato da administração, o primeiro ocorre somente quando o fato descrito na norma legal produz efeitos jurídicos no campo do direito administrativo, enquanto que o segundo, não produz qualquer efeito jurídico (DI PIETRO, 2011). Ainda, quanto à diferenciação de ato da administração e ato administrativo, este abrange apenas determinada categoria de atos praticados no exercício da função administrativa, aquele é todo ato praticado pela Administração Pública, dentre os quais, no ensinamento de Di Pietro (2011, p. 192 e 193), incluem-se: 1.     “os atos de direito privado, como doação, permuta, compra e venda, locação; 2.     os atos materiais da Administração, que não contêm manifestação de vontade, mas que envolvem apenas execução, como a demolição de uma casa, a apreensão de mercadoria, a realização de um serviço; 3.     os chamados atos de conhecimento, opinião, juízo ou valor, que também não expressam uma vontade e que, portanto, também não podem produzir efeitos jurídicos; é o caso dos atestados, certidões, pareceres, votos; 4.     os atos políticos, que são sujeitos a regime jurídico-constitucional; 5.     os contratos; 6.     os atos normativos da Administração, abrangendo decretos, portarias, resoluções, regimentos, de efeitos gerais e abstratos; 7.     os atos administrativos propriamente ditos”. Por fim, conforme ensinamentos de Mello (2009, p. 380), “verifica-se que a noção de ato administrativo não deve depender, isto é, não deve ser tributária, da noção de Administração Pública (conjunto de órgãos do Poder Executivo, autarquias e demais sujeitos da Administração indireta), porque, de um lado, nem todo ato da Administração é ato administrativo e, de outro lado, nem todo ato administrativo provem da Administração Pública.” Desta forma, verifica-se que ato administrativo é a declaração de vontade que um administrador público promove em nome da Administração, apesar de nem todas as declarações de vontade serem consideradas ato administrativo. 2 ATOS ADMINISTRATIVOS Após a análise de elementos que distinguem os atos administrativos de outros institutos semelhantes, cabe promover um aprofundamento no que diz respeito à origem e ao conceito de atos administrativos. Não se sabe exatamente quando foi a primeira vez que a expressão ato administrativo foi usada. Todavia, o primeiro texto legal que fala em atos da Administração Pública em geral foi publicado no ano de 1790, especificamente a Lei n.º 16 de 24 de agosto do mencionado ano, a qual vedava aos Tribunais conhecerem de operações dos corpos administrativos. Esta lei, juntamente com a Lei de 3-9-1795, a qual, também, proibia aos tribunais conhecer dos atos da administração, qualquer que seja a sua espécie. Foi através destas normas que, na França, originou o contencioso administrativo, sendo que houve a criação de uma lista de atos da Administração Pública excluídos da apreciação judicial (DI PIETRO, 2011). Por sua vez, a primeira referência da expressão ato administrativo pelo texto doutrinário se deu no Repertório Merlin, de Jurisprudência, na sua edição de 1812 (DI PIETRO, 2011). Trata-se de instituto jurídico produto de certa concepção ideológica que nem todos os países adotam, sendo que só existe em países em que se reconhecem a existência de um regime jurídico-administrativo, sob o qual a Administração Pública está obrigada a atuar, por exemplo, França, Itália e Alemanha, onde teve origem e se desenvolveu a concepção de ato administrativo (DI PIETRO, 2011). Após uma análise acurada de diversos critérios, Di Pietro (2011, p. 198) define ato administrativo como a "declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeita a controle pelo Poder Judiciário". Para Meirelles e Filho (2016, p. 173), “ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria”. Por sua vez, Mello (2009, p. 380) conceitua ato administrativo como a “declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional” Destarte, através dos conceitos supratranscritos, podemos definir o ato administrativo como sendo a manifestação de um agente público, que agindo nesta qualidade e respeitando a lei, promovida em nome da Administração em face dos seus administrados ou de si próprio. Por fim, cabe ressaltar que não deve haver confusão entre o conceito de ato administrativo e fato administrativo, por ser este consequência daquele, sendo que o fato administrativo resulta sempre do ato administrativo que o determina (MEIRELLES e FILHO, 2016). 3 ELEMENTOS DOS ATOS ADMINISTRATIVOS Por primeiro, cabe ressaltar a divergência doutrinária existente acerca da indicação dos elementos do ato administrativo, sendo que alguns autores utilizam a expressão elemento, e outros, a expressão requisitos, tornando-as expressões sinônimas. Por segundo, há divergência quanto à terminologia adotada para cada elemento pelos doutrinadores, sendo que, por vezes,      alguns autores englobam em um único elemento aspectos que outros autores desdobram (MELLO, 2009). Apesar da divergência de diversos autores quanto à nomenclatura, os elementos dos atos administrativos são cinco, quais sejam o sujeito, por alguns denominado competência, o objeto, a forma, o motivo e a finalidade (DI PIETRO, 2011; MEIRELLES e FILHO, 2016; MELLO, 2009). Cabe conceituar cada um dos elementos supramencionados, a começar pelo sujeito, o qual, segundo ensinamento de Di Pietro (2011, p. 205), “é aquele a quem a lei atribui competência para a prática do ato”. Ainda, Mello (2009, p. 386) sustenta que “sujeito é o autor do ato; quem detém os poderes jurídico-administrativos necessários para produzi-lo”. Assim, verifica-se que o sujeito do ato administrativo é o autor competente para a promoção do ato, nos termos do ordenamento jurídico. Por sua vez, forma é o revestimento externo do ato, sua exteriorização (MEIRELLES e FILHO, 2016; MELLO, 2009). Todavia, a partir da análise da doutrina, verifica-se a existência de duas maneiras diversas de definir a forma como elemento do ato administrativo. Nesse sentido é o entendimento de Di Pietro (2011, p. 209), sendo que leciona que: “Encontram-se na doutrina duas concepções de forma como elemento do ato administrativo: 1. uma concepção restrita, que considera forma como a exteriorização do ato, ou seja, o modo pelo qual a declaração se exterioriza; nesse sentido, fala-se que o ato pode ter a forma escrita ou verbal, de decreto, portaria, resolução, etc. 2. uma concepção ampla, que inclui no conceito de forma, não só a exteriorização do ato, mas também todas as formalidades que devem ser observadas durante o processo de formação da vontade da Administração, e até os requisitos concernentes à publicidade do ato”. Desta forma, através da concepção restrita e da ampla, podemos conceituar a forma como sendo o revestimento externo do ato que deve observar certas formalidades legais, como a publicidade, no momento da declaração de vontade da Administração. Por terceiro, sob o ensinamento de Meirelles e Filho (2016, p. 178), “o objeto identifica-se como o conteúdo do ato, através do qual a Administração manifesta seu poder e sua vontade, ou atesta simplesmente situações pré-existentes”, sendo que nada mais é do que o efeito jurídico que o ato produz. Ainda, o motivo como elemento do ato administrativo corresponde aos pressupostos de fato e de direito que determinam ou autorizam a edição do ato administrativo (DI PIETRO, 2011). Por último, mas não menos importante, entende-se como finalidade o resultado que a Administração quer alcançar com a promoção do ato administrativo (DI PIETRO, 2011). Assim, cabe ressaltar que a ausência e a não convergência desses elementos faz com que o ato administrativo não se aperfeiçoe, não tendo eficácia para produzir efeitos válidos. Nesse sentido é o entendimento E. Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, confira-se[1]: “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ANULATÓRIA DE AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO C/C DEVOLUÇÃO DE VALORES C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS – AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADO POR POLICIAL MILITAR NÃO CREDENCIADO PELA AUTORIDADE DE TRÂNSITO – INVÁLIDO – AUSÊNCIA DE COMPETÊNCIA – ELEMENTO DE VALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO – DANOS MATERIAIS – DEMONSTRADOS EM PARTE – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – ART. 37, § 6º, DA CARTA POLÍTICA – DANO MORAL – NÃO CONFIGURADO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.” (TJ-MS – AC: 12850 MS 2005.012850-9, Relator: Des. Paschoal Carmello Leandro, Data de Julgamento: 20/11/2007, 4ª Turma Cível, Data de Publicação: 14/12/2007, grifo nosso) No mesmo sentido é a manifestação do E. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, vejamos[2]: “REEXAME NECESSÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – ATO ADMINISTRATIVO – REMOÇÃO DE SERVIDOR MUNICIPAL – AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO- ELEMENTO NECESSÁRIO PARA VALIDADE – VÍCIO – ATO NULO – SENTENÇA CONFIRMADA. 1.O ato administrativo, vinculado ou discricionário, deve ser devidamente motivado, principalmente no que diz respeito à satisfação do interesse da Administração, critério este condicionador de sua eficácia e validade. 2.Ausente a motivação do ato administrativo de remoção do servidor municipal, deve ser reconhecida sua nulidade”. (TJ-MG – Remessa Necessária-Cv: 10511160003188002 MG, Relator: Afrânio Vilela, Data de Julgamento: 07/02/2017, Câmaras Cíveis / 2ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 17/02/2017) Desta forma, para que o ato administrativo seja juridicamente válido deve o mesmo estar revestido de todos os seus elementos, sendo que a ausência de um deles pode gerar a sua nulidade em razão do seu vício insanável. 4 ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO E VINCULADO O ato administrativo discricionário é aquele em que a Administração possui certa margem de liberdade para escolha de uma ou outra solução, segundo os critérios de conveniência e oportunidade. Nesse sentido, segundo o coeso entendimento de Di Pietro (2011, p. 214), “o regramento não atinge todos os aspectos da atuação administrativa; a lei deixa certa margem de liberdade de decisão diante do caso concreto, de tal modo que a autoridade poderá optar por uma dentre várias soluções possíveis, todas válidas perante o direito. Nesses casos, o poder da Administração é discricionário, porque a adoção de uma ou outra solução é feita segundo critérios de oportunidade, conveniência, justiça, equidade, próprios da autoridade, porque não definidos pelo legislador.” Apesar de certa liberdade, a Administração não está totalmente livre para a prática de seus atos, vez que, segundo a doutrina, não existem atos puramente discricionários, sendo que a lei impõe limites no que diz respeito à competência, a forma e a finalidade. Corroborando é o ensinamento de Mello (2009, p. 424), que alega que: “Já se tem reiteradamente observado, como inteira procedência, que não há ato propriamente discricionário, mas apenas discricionariedade por ocasião da prática de certos atos. Isto porque nenhum ato é totalmente discricionário, dado que, conforme afirma a doutrina prevalente, será sempre vinculado com relação ao fim e à competência, pelo menos.” Por sua vez, Di Pietro (2011, p. 214) afirma que, além do discricionário, “o poder da Administração é vinculado, porque a lei não deixou opções; ela estabelece que, diante de determinados requisitos, a Administração deve agir de tal ou qual forma”. Assim, no ato administrativo vinculado o agente público promove o ato sem liberdade de ação, vez que a lei estabeleceu anteriormente os requisitos e condições para sua validade, não deixando opções, sendo que preenchido os requisitos legais, a autoridade é obrigada a praticar o ato. Todos os requisitos (sujeito, objeto, forma, motivo e finalidade) são vinculados. Ex: Licença para dirigir. 5 CONTROLE JUDICIAL DO ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO Inicialmente, cabe salientar que nenhuma lesão ou ameaça de lesão pode ser excluída da apreciação do Poder Judiciário, conforme preceitua o art. 5º, XXXV, da Constituição. Ainda, cabe ressaltar que a Administração Pública poderá revogar um ato praticado sem a necessidade de uma decisão jurisdicional. Todavia, o controle jurisdicional, no que diz respeito ao ato administrativo, será realizado nos casos onde houver ofensa ao princípio da legalidade. Por conseguinte, a distinção de ato discricionário e vinculado acima exposto tem extrema importância ao controle que o Poder Judiciário exerce sobre eles, sendo que em relação aos atos vinculados o Poder Judiciário não possui limites para a apreciação daqueles, vez que todos os seus elementos são definidos em lei, devendo analisar a sua total legalidade e, em sendo o caso, decretar a sua nulidade se reconhecer que essa conformidade com a lei inexistiu (DI PIETRO, 2011). Corroborando é o entendimento pacífico do E. Supremo Tribunal Federal, confira-se[3]: “ATO ADMINISTRATIVO. ATO VINCULADO. CONTROLE JURISDICIONAL. REINTEGRAÇÃO DE FUNCIONÁRIO DEMITIDO. E PACIFICO O ENTENDIMENTO DE QUE A APRECIAÇÃO PELO JUDICIARIO DOS PRESSUPOSTOS OU MOTIVOS DETERMINANTES DE UM ATO ADMINISTRATIVO VINCULADO, COMO OCORRE NA ESPÉCIE, NÃO IMPORTA INVASAO DO JUÍZO DISCRICIONARIO DO PODER EXECUTIVO, NO APRECIAR O MÉRITO, SENAO O EXATO CONTROLE DA LEGALIDADE DO ATO. – RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO” (STF – RE: 88121 PR, Relator: RAFAEL MAYER, Data de Julgamento: 19/06/1979, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 10-08-1979) Assim, infere-se que tanto a doutrina quanto a jurisprudência são unânimes em aceitar o controle judicial dos atos administrativos vinculados, vez que estes devem estar vinculados aos requisitos previstos na lei, sendo que o controle pelo Poder Judiciário será feito sobre a legalidade do ato, o que é permitido. Por outro lado, é sobre os atos discricionários que a problemática surge, indagando-se se é possível o Poder Judiciário intervir no mérito administrativo no que diz respeito aos seus aspectos de oportunidade e conveniência ou apenas no que se diz respeito aos limites excedidos, isto é, aspectos de legalidade ou legitimidade, quando há um excesso no ato praticado pelo agente público. Desta forma, infere-se, segundo doutrina e jurisprudência majoritária, diferente do entendimento utilizado até meados do século XX, o qual sustentava que o Poder Judiciário não tinha competência para apreciar os atos promovidos sob a liberdade de atuação, o órgão judicial, no momento da apreciação, deve respeitar os limites da discricionariedade assegurados à Administração Pública quando da promoção do ato, sendo que o Poder Judiciário pode apenas apreciar os aspectos de legalidade do ato praticado pela Administração e se esta não ultrapassou os limites da discricionariedade (DI PIETRO, 2011). Assim, o Poder Judiciário não pode substituir o agente público interferindo nos aspectos de conveniência e oportunidade no momento da apreciação do ato administrativo discricionário, sendo limitado a verificar a legalidade do ato praticado até seus limites. Nesse sentido é o entendimento do E. Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, vejamos[4]: “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ORDINÁRIA ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO C/C REINTEGRAÇÃO DE POSSE NO CARGO – SINDICÂNCIA E PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – DECISÃO QUE DEMITE SERVIDOR A BEM DO SERVIÇO PÚBLICO – IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DO MÉRITO – ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO – CRITÉRIOS DE CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE – APRECIAÇÃO DO JUDICIÁRIO QUE SE LIMITA AOS ASPECTOS DA LEGALIDADE – PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR QUE OBSERVOU OS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA – INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE A JUSTIFICAR A DECLARAÇÃO DE NULIDADE DA DECISÃO ADMINISTRATIVA – RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO”. (TJ-MS – AC: 25641 MS 2007.025641-9, Relator: Des. Oswaldo Rodrigues de Melo, Data de Julgamento: 14/07/2008, 3ª Turma Cível, Data de Publicação: 05/08/2008, grifo nosso) De igual forma, é a manifestação da jurisprudência do E. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, confira-se[5]: “CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – CONCURSO PÚBLICO – CANDIDATO REPROVADO NA PROVA PRÁTICA – REVISÃO DOS CRITÉRIOS DAS NOTAS ATRIBUÍDAS AO IMPETRANTE PELA BANCA EXAMINADORA – ATO DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO – PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS – DENEGAÇÃO DA ORDEM”. (TJ-RN – MS: 21208 RN 2004.002120-8, Relator: Des. Caio Alencar, Data de Julgamento: 04/05/2005, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 24/06/2005, grifo nosso) Ainda[6]: “ADMINISTRATIVO. FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS. PENA DE DEMISSÃO. PROVA.CARÁTER DISCRICIONÁRIO DOS ATOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO PELO JUDICIÁRIO DO MÉRITO DOS ATOS DEMISSÓRIOS. 1. A Administração, na valoração das provas na instância administrativa, entendeu-as como suficientes para a comprovação do ilícito e da autoria, sendo que no caso de seu poder discricionário, decidiu demitir alguns e aplicar outras espécies de sanções a outros. Diante disso, o ato demissório não pode ser taxado de ilegal. E, se não foi ilegal, não pode ser anulado pelo Judiciário. 2. Descabe ao Judiciário examinar aspectos do mérito do ato demissório, mas simplesmente o cumprimento das formalidades legais no processamento do inquérito administrativo e a legalidade do procedimento ao determinar a punição dos funcionários. Se, com base nos mesmos elementos de prova julgou mais adequado demitir uns e punir outros com sanções menos graves, agiu dentro de seu poder discricionário. 3. Apelação provida”. (TRF-4 – AC: 837 RS 97.04.00837-6, Relator: JOSÉ LUIZ BORGES GERMANO DA SILVA, Data de Julgamento: 26/05/1998, QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 12/08/1998 PÁGINA: 841, grifo nosso) Com a intenção de eliminar qualquer dúvida, transcrevo julgado do TRF1[7]: “ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. PROCURADOR FEDERAL. INTEMPESTIVIDADE NÃO CONFIGURADA. ATO DISCRICIONÁRIO. APRECIAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. SINDICÂNCIA DA VIDA PREGRESSA. INVESTIGAÇÃO PELA BANCA NÃO PREJUDICADA. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. […] 3. No que diz respeito à impossibilidade de interferência no mérito administrativo, observe-se que "os atos administrativos praticados com base no poder discricionário estão sujeitos ao controle judicial no tocante ao aspecto da razoabilidade" (TRF1, Sexta Turma, AG 200401000094800, Relatora Desembargadora Federal Maria Isabel Gallotti Rodrigues, DJ 07/03/2005, p. 153). […] (TRF-1 – AMS: 39367 DF 2007.34.00.039367-6, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 15/12/2008, QUINTA TURMA, Data de Publicação: 27/02/2009 e-DJF1 p.312, grifo nosso) Ainda, cabe ressaltar que a apreciação de ato administrativo discricionário abusivo e ilegal não contraria o princípio da separação dos poderes. Nesse sentido é o entendimento da jurisprudência da Suprema Corte[8]: “ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 557 DO CPC. APLICABILIDADE. ALEGADA OFENSA AO ART. 2º DA CF. ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO. ILEGALIDADE. CONTROLE JUDICIAL. POSSIBILIDADE. APRECIAÇÃO DE FATOS E PROVAS. SÚMULA STF 279. 1. Matéria pacificada nesta Corte possibilita ao relator julgá-la monocraticamente, nos termos do art. 557 do Código de Processo Civil e da jurisprudência iterativa do Supremo Tribunal Federal. 2. A apreciação pelo Poder Judiciário do ato administrativo discricionário tido por ilegal e abusivo não ofende o Princípio da Separação dos Poderes. Precedentes. 3. É incabível o Recurso Extraordinário nos casos em que se impõe o reexame do quadro fático-probatório para apreciar a apontada ofensa à Constituição Federal. Incidência da Súmula STF 279. 4. Agravo regimental improvido”. (AI 777.502-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJe 25.10.2010). Desta forma, verifica-se do entendimento doutrinário e jurisprudencial que é plenamente possível a apreciação de atos administrativos discricionários pelo Poder Judiciário, sendo que esta análise pode ser feita apenas no que diz respeito à legalidade do ato e aos limites de discricionariedade pela Administração no momento da promoção do ato administrativo, excluindo-se a análise do mérito administrativo, e, em sendo o caso, podem os atos serem invalidados por ultrapassarem os limites impostos pela lei ou terem invadido o campo da legalidade, não podendo se falar em lesão ao princípio da separação dos poderes. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com efeito, a posição da doutrina e da jurisprudência vem se tornando frequente no sentido de admitir a análise dos atos administrativos discricionários no que tange aos seus aspectos legais e aos limites de discricionariedade pela Administração, sendo que não pode adentrar no mérito administrativo, vez que não pode o Judiciário substituir o agente público, sob pena de ferir fatalmente a separação dos poderes. Nesse sentido, deve o Poder Judiciário avaliar apenas a legalidade da conduta, não podendo adentrar no mérito administrativo do ato, ou seja, nos aspectos da conveniência e oportunidade.  Ainda, salienta-se que a ingerência judicial não será uma violação à tripartição de poderes no momento da apreciação de ato administrativo discricionário ilegal e abusivo, tendo em vista que esta interferência visa unicamente garantir a supremacia do texto constitucional. Logo, diante de todo o exposto, merece prosperar a tese de que é possível a apreciação dos atos administrativos discricionários pelo Poder Judiciário, sendo que esta análise pode ser feita apenas no que diz respeito à legalidade do ato e aos limites de discricionariedade pela Administração no momento da promoção do ato administrativo, podendo o órgão judicial competente declarar eventual nulidade.
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A OAB e o dever de prestar contas
O artigo se propõe a investigar as repercussões e as possíveis contradições do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da ADI n. 3026-4/DF, que conferiu natureza jurídica sui generis à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). No julgado paradigma, entendeu-se que a OAB não se enquadrava em nenhuma das categorias propostas pela doutrina tradicional e, diferentemente dos demais conselhos fiscalizadores de profissões regulamentadas, que gozam de natureza jurídica de autarquia federal, não deveria se submeter ao regime jurídico de direito público. Apesar disso, o STF manteve muitas das prerrogativas típicas das autarquias, gerando dúvidas quanto à sua obrigação de prestar contas.
Direito Administrativo
Introdução O presente trabalho tem por objetivo investigar os fundamentos e as repercussões do julgamento paradigmático do Supremo Tribunal Federal (STF) que conferiu natureza jurídica sui generis à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), subtraindo-a do alcance das normas constitucionais pertinentes à Administração Pública indireta, sem, todavia, dela retirar todos os privilégios próprios das pessoas jurídicas de direito público (ADI n. 3026-4/DF). Quando surgiram, os conselhos profissionais ou conselhos fiscalizadores de profissões regulamentadas possuíam natureza jurídica de autarquia e gozavam de personalidade jurídica de direito público. Com o advento da Lei n. 9.649/98, responsável pela reorganização da administração federal, eles passaram a ser considerados pessoas jurídicas de direito privado, sem qualquer vínculo hierárquico com os órgãos da Administração Pública. Por disposição expressa, o referido diploma excluiu de sua abrangência a OAB. Em virtude das atividades desempenhadas por essas entidades, que envolvem o uso de prerrogativas de direito público, com destaque para o poder de polícia, o STF foi chamado a se manifestar sobre a constitucionalidade da referida lei. Ao se manifestar sobre dispositivos da Lei n. 9.649/98 no bojo da ADI n. 1717-DF, o STF declarou a inconstitucionalidade de alguns de seus dispositivos, mais especificamente do caput e dos parágrafos 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º do art. 58, o que teve por efeito prático restabelecer o statu quo ante, ou seja, restituir aos conselhos profissionais a natureza jurídica de autarquia integrante da Administração Pública indireta. Como espécie de autarquia profissional de regime especial, os conselhos fiscalizadores possuem todas as prerrogativas e deveres inerentes às demais entidades que compõem a Administração Pública indireta, quais sejam: estão sujeitos à regra da contabilidade pública, o que inclui o efetivo controle pelo Tribunal de Contas da União; as anuidades pagas pelos membros têm natureza de contribuição tributária parafiscal, razão pela qual devem ser cobradas por meio de execução fiscal, regulada pela Lei n. 6.830/80; possuem os mesmos privilégios processuais da Fazenda Pública; gozam de imunidade tributária; seus bens são públicos, ou seja, são imprescritíveis, impenhoráveis e inalienáveis; sujeitam-se à regra constitucional que impõe a realização de concurso público, dentre outras. Entretanto, a OAB foge à regra geral e o próprio STF se manifestou no sentido de ela ser serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro, possuidora de natureza jurídica sui generis, não podendo ser considerada uma entidade da Administração Pública indireta (ADI n. 3026-4/DF). Na interpretação do STF, a OAB é uma entidade independente, cuja função institucional assenta-se no próprio texto constitucional e não se restringe a finalidades exclusivamente corporativas, mas, sobretudo, à defesa da Constituição, da boa aplicação das leis, da rápida administração da justiça, do aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas. Apesar de a OAB ter substrato constitucional, sendo a advocacia considerada uma das funções essenciais à justiça, buscar-se-á demonstrar que sua categorização como entidade ímpar constitui flagrante e injustificada discriminação, até mesmo porque seu objetivo, assim como o das demais autarquias profissionais, é essencialmente fiscalizar e regulamentar o exercício de profissões. Ademais, o fato de a OAB prestar serviço público indelegável apenas reforça a ideia de que ela deveria integra-se à Administração Pública indireta, submetendo-se, inclusive, ao indispensável controle pelo Tribunal de Contas da União (TCU), tendo em vista que as contribuições pagas pelos inscritos têm natureza compulsória e caracterizam-se como dinheiro público. 1 Natureza jurídica dos conselhos profissionais: evolução da jurisprudência Os conselhos fiscalizadores de profissões regulamentadas surgiram, inicialmente, com natureza jurídica de autarquia, ou seja, gozavam de personalidade jurídica de direito público. Posteriormente, começou a ganhar corpo a ideia de que os conselhos profissionais não se constituíam com a participação do Estado em seus órgãos dirigentes, que eram compostos integralmente por representantes da própria classe, eleitos por seus associados, e que também elaboravam os regulamentos a serem seguidos na área de atuação da entidade. A Administração Pública não influenciava suas decisões e os recursos de que dispunham eram oriundos das contribuições pagas pela respectiva categoria, não lhes sendo destinados recursos orçamentários, nem fixadas despesas pela lei orçamentária anual. Foi então que o art. 1º do Decreto-Lei n. 968, de 13 de outubro de 1969, que dispôs sobre o Exercício da Supervisão Ministerial relativamente às Entidades Incumbidas da Fiscalização do Exercício de Profissões Liberais, estabeleceu entendimento de que, às entidades de fiscalização profissional que fossem mantidas por recursos próprios e que não recebessem subvenções ou transferências do orçamento da União, não seriam aplicadas as regras sobre pessoal e demais disposições de caráter-geral, relativas à administração interna das autarquias federais: “Art. 1º As entidades criadas por lei com atribuições de fiscalização do exercício de profissões liberais que sejam mantidas com recursos próprios e não recebam subvenções ou transferências à conta do orçamento da União, regular-se-ão pela respectiva legislação específica, não se lhes aplicando as normas legais sobre pessoal e demais disposições de caráter-geral, relativas à administração interna das autarquias federais.” Apesar de nascerem com status de autarquia, aos poucos, foi-se consolidando o entendimento de que eles se assemelhavam muito mais a entidades privadas do que a autarquias federais, seja pela natureza das atividades desempenhadas, seja pela origem dos recursos que geriam. Mas foi apenas com o advento da Lei n. 9.649/98, responsável pela reorganização da administração federal, que o legislador se debruçou mais detidamente sobre o tema para atribuir a todos os conselhos profissionais natureza jurídica de direito privado, sem vínculo hierárquico com os órgãos da Administração Pública: “Art. 58. Os serviços de fiscalização de profissões regulamentadas serão exercidos em caráter privado, por delegação do poder público, mediante autorização legislativa. §2º Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, dotados de personalidade jurídica de direito privado, não manterão com os órgãos da Administração Pública qualquer vínculo funcional ou hierárquico.” (destaques acrescidos) Esse dispositivo é claro ao dispor sobre a ausência de qualquer vínculo funcional ou hierárquico entre os conselhos fiscalizadores de profissões regulamentadas e o poder público. A partir desse marco legislativo, os conselhos passaram a contratar seu quadro de pessoal sob regime da CLT e a funcionar como as demais entidades privadas, inclusive no que tange à cobrança de débitos, como atesta o julgado seguinte: “CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CONSELHOS DE PROFISSÕES LIBERAIS. SERVIÇOS DE FISCALIZAÇÃO DE CARÁTER PRIVADO, EXERCIDO POR DELEGAÇÃO DO PODER PÚBLICO. EXECUÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES. NATUREZA PARAFISCAL. COMPETÊNCIA DAS VARAS CÍVEIS DA JUSTIÇA ESTADUAL. Tendo natureza parafiscal as contribuições arrecadadas pelos conselhos das profissões liberais, e sendo tais órgãos, por definição legal, serviços de fiscalização de caráter privado (Lei 9.649/98, art. 58), são competentes para as execuções as varas cíveis da Justiça Estadual, não tendo competência privativa a Vara da Fazenda Pública.” (TJSC – CC: 136482 SC 1998.013648-2, Relator: Pedro Manoel Abreu, Data de Julgamento: 11/02/1998, Segunda Câmara de Direito Comercial, Data de Publicação: Conflito de Competência n. 98.013648-2, da Capital) (destaques acrescidos) Ocorre que, cinco anos depois, de forma unânime, o STF decidiu pela inconstitucionalidade do art. 58 da Lei n. 9.649/98, cujo efeito prático foi o de conferir natureza de autarquia federal aos conselhos profissionais, com todas as prerrogativas e privilégios da Fazenda Pública: “DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 58 E SEUS PARÁGRAFOS DA LEI FEDERAL Nº 9.649, DE 27.05.1998, QUE TRATAM DOS SERVIÇOS DE FISCALIZAÇÃO DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS. 1. Estando prejudicada a Ação, quanto ao §3º do art. 58 da Lei nº 9.649, de 27.05.1998, como já decidiu o Plenário, quando apreciou o pedido de medida cautelar, a Ação Direta é julgada procedente, quanto ao mais, declarando-se a inconstitucionalidade do "caput" e dos § 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º do mesmo art. 58. 2. Isso porque a interpretação conjugada dos artigos 5º, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados. 3. Decisão unânime.” (STF – ADI: 1717 DF, Relator: SYDNEY SANCHES, Data de Julgamento: 07/11/2002, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 28-03-2003 PP-00061 EMENT VOL-02104-01 PP-00149) (destaques acrescidos) Não obstante, a doutrina entende que as autarquias profissionais gozam de natureza jurídica híbrida, posto que a observância das normas públicas não ocorre de forma plena ou absoluta. Diz-se que elas são autarquias especiais e sua especialidade reside no fato de que não integram a Administração Pública. Elas não se subordinam, nem se vinculam a nenhuma outra entidade. No desempenho de suas atribuições, devem dispor de plena e absoluta liberdade administrativa, gerencial, financeira, orçamentária, tendo como limite a lei que as criou e os princípios constitucionais. Nesse sentido: “Mesmo que esses Conselhos sejam autarquias, segundo a definição de uns, porém nunca deixarão de ser autarquias corporativas peculiares, em seu sentido particularíssimo, contudo, jamais aquelas especiais integrantes indiretas do Serviço Público, como tal organizado em carreira à imagem do estampado dogmaticamente na Constituição. (…) Seria um contrassenso que a ação estatal se fizesse em setor de exclusiva atuação da iniciativa privada, para impor o cumprimento de certo regime para os seus empregados, de que defluiriam prerrogativas, privilégios, ônus e encargos, que ao Estado não é dado constranger ao ente paraestatal a que o faça. Nenhuma lei criou cargos públicos em Conselhos Profissionais, e seria absolutamente inadmissível, inconcebível e ininteligível mesmo, que por uma interpretação analógica e ampliativa, viesse o Estado a exigir que essa categoria de empregados se convertesse em servidores públicos, circunstância que por si só já acarretaria a ele mesmo, pesados ônus, decorrentes das consequências dessa absurda metamorfose.” (STF – MS: 21797 RJ, Relator: Min. CARLOS VELLOSO, Data de Julgamento: 04/09/2003, Data de Publicação: DJ 15/09/2003PP-00064) (destaques acrescidos) Alhures, reiterou-se a ideia de que os conselhos profissionais, apesar de serem autarquias federais regidas pelo direito público, não se submetem a todas as regras aplicáveis aos demais entes da Administração Pública indireta, quando se analisou a aplicabilidade das regras sobre acesso à informação previstas na Lei n. 12.257/2011. É que, não obstante a Controladoria-Geral da União ter a possibilidade de rever as decisões de indeferimento de acesso à informação, formulados com base na Lei n. 12.257/2011, a Comissão Mista de Reavaliação de Informações sumulou o seguinte entendimento de que isso não se aplica aos conselhos profissionais: “Súmula CMRI nº 7/2015. CONSELHOS PROFISSIONAIS – Não são cabíveis os recursos de que trata o art. 16 da Lei nº 12.527, de 2011, contra decisão tomada por autoridade máxima de conselho profissional, visto que estes não integram o Poder Executivo Federal, não estando sujeitos, em consequência, à disciplina do Decreto nº 7.724/2012.” Percebe-se que, não obstante serem consideradas autarquias, os conselhos fiscalizadores de profissões regulamentadas submetem-se a um regime jurídico ambíguo no ordenamento jurídico brasileiro, razão pela qual grande parte da doutrina lhes acrescenta a alcunha de “especial”. Seriam pois, juntamente com as agências reguladoras, autarquias especiais, submetidas a regras majoritariamente de ordem pública, mas com algumas ressalvas, como é o caso de sua subsunção às regras insertas na Lei de Acesso à Informação. Apesar disso, mesmo dentro do contexto das autarquias especiais, a OAB destaca-se pela sua suposta singularidade e pelo fato de, recentemente, o STF ter-lhe conferido natureza ímpar, ou seja, que não se classifica em nenhuma das modalidades atualmente existentes no Direito Administrativo brasileiro. 2 O julgamento paradigmático da ADI n. 3026-4/DF A ADI n. 3026-4/DF foi proposta pelo Procurador-Geral da República, que se insurgiu contra dispositivo da Lei n. 8.906, de 4 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. O dispositivo atacado dispunha sobre a aplicabilidade do regime trabalhista aos servidores da OAB, cujas regras estão contidas na CLT, e não o regime jurídico único dos servidores civis da União, consubstanciado na Lei n. 8.112/90. A referida lei dispunha expressamente que aos servidores da OAB seria aplicável o regime trabalhista, ou seja, aquele ao qual se submetem os trabalhadores da iniciativa privada: “Art. 79. Aos servidores da OAB, aplica-se o regime trabalhista. § 1º Aos servidores da OAB, sujeitos ao regime da Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990, é concedido o direito de opção pelo regime trabalhista, no prazo de noventa dias a partir da vigência desta lei, sendo assegurado aos optantes o pagamento de indenização, quando da aposentadoria, correspondente a cinco vezes o valor da última remuneração. § 2º Os servidores que não optarem pelo regime trabalhista serão posicionados no quadro em extinção, assegurado o direito adquirido ao regime legal anterior.” Dentre as razões do pedido, o Procurador-Geral da República aduziu que a OAB tinha natureza de autarquia e que, portanto, não poderia furtar-se à exigência de concurso público de provas ou de provas e títulos para seleção de seus servidores contida no art. 37, II, da Constituição Federal. O resultado dessa ADI foi o histórico julgamento cuja transcrição da ementa justifica-se em virtude da essencialidade ao presente trabalho. Nela, o STF consagrou a ideia hoje corrente de que a OAB não é autarquia e que não se submete aos ditames da Lei n. 8.112/90: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. §1º DO ARTIGO 79 DA LEI N. 8.906, 2ª PARTE. "SERVIDORES" DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. PRECEITO QUE POSSIBILITA A OPÇÃO PELO REGIME CELESTISTA. COMPENSAÇÃO PELA ESCOLHA DO REGIME JURÍDICO NO MOMENTO DA APOSENTADORIA. INDENIZAÇÃO. IMPOSIÇÃO DOS DITAMES INERENTES À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA. CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL). INEXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO PARA A ADMISSÃO DOS CONTRATADOS PELA OAB. AUTARQUIAS ESPECIAIS E AGÊNCIAS. CARÁTER JURÍDICO DA OAB. ENTIDADE PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO INDEPENDENTE. CATEGORIA ÍMPAR NO ELENCO DAS PERSONALIDADES JURÍDICAS EXISTENTES NO DIREITO BRASILEIRO. AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA DA ENTIDADE. PRINCÍPIO DA MORALIDADE. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 37, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. NÃO OCORRÊNCIA. 1. A Lei n. 8.906, artigo 79, §1º, possibilitou aos "servidores" da OAB, cujo regime outrora era estatutário, a opção pelo regime celetista. Compensação pela escolha: indenização a ser paga à época da aposentadoria. 2. Não procede a alegação de que a OAB sujeita-se aos ditames impostos à Administração Pública Direta e Indireta. 3. A OAB não é uma entidade da Administração Indireta da União. A Ordem é um serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro. 4. A OAB não está incluída na categoria na qual se inserem essas que se tem referido como "autarquias especiais" para pretender-se afirmar equivocada independência das hoje chamadas "agências". 5. Por não consubstanciar uma entidade da Administração Indireta, a OAB não está sujeita a controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada. Essa não-vinculação é formal e materialmente necessária. 6. A OAB ocupa-se de atividades atinentes aos advogados, que exercem função constitucionalmente privilegiada, na medida em que são indispensáveis à administração da Justiça [artigo 133 da CB/88]. É entidade cuja finalidade é afeita a atribuições, interesses e seleção de advogados. Não há ordem de relação ou dependência entre a OAB e qualquer órgão público. 7. A Ordem dos Advogados do Brasil, cujas características são autonomia e independência, não pode ser tida como congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional. A OAB não está voltada exclusivamente a finalidades corporativas. Possui finalidade institucional. 8. Embora decorra de determinação legal, o regime estatutário imposto aos empregados da OAB não é compatível com a entidade, que é autônoma e independente. 9. Improcede o pedido do requerente no sentido de que se dê interpretação conforme o artigo 37, inciso II, da Constituição do Brasil ao caput do artigo 79 da Lei n. 8.906, que determina a aplicação do regime trabalhista aos servidores da OAB. 10. Incabível a exigência de concurso público para admissão dos contratados sob o regime trabalhista pela OAB. 11. Princípio da moralidade. Ética da legalidade e moralidade. Confinamento do princípio da moralidade ao âmbito da ética da legalidade, que não pode ser ultrapassada, sob pena de dissolução do próprio sistema. Desvio de poder ou de finalidade. 12. Julgo improcedente o pedido.” (STF – ADI: 3026 DF, Relator: Min. EROS GRAU, Data de Julgamento: 08/06/2006, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 29-09-2006 PP-00031 EMENT VOL-02249-03 PP-00478RTJ VOL-00201-01 PP-00093) (destaques acrescidos) Em comentário ao referido julgado, Ives Gandra da Silva Martins tece inúmeros elogios à decisão do STF, afirmando que a OAB não poderia ter natureza jurídica de autarquia, posto que isso feriria de morte sua autonomia, além de colocá-la juridicamente sob o manto do Estado, quando, de fato, com este ela não guarda qualquer laço de dependência. O referido autor destaca, ainda, que os seguintes aspectos foram consagrados pelo STF no julgamento da ADI n. 3026-4/DF: “a) a OAB não se sujeita aos ditames impostos pela Administração Pública Direta e Indireta; 
 b) a OAB não é uma entidade de Administração Indireta da União; 
 c) a Ordem é um serviço público independente; 
 d) a Ordem não está inserida na categoria das autarquias especiais; 
 e) a Ordem não está sujeita ao controle da Administração; 
 f) a Ordem não está vinculada a qualquer parte da Administração Pública; 
 g) não há relação de dependência entre qualquer órgão público e a Ordem; 
 h) a Ordem ocupa-se das atividades atinentes aos advogados, que exercem função institucionalmente privilegiada; i) a Ordem possui finalidade institucional; j) Não há necessidade de concurso público para admissão de contratados sob o regime trabalhista para atender seus serviços; k) a Ordem é uma categoria impar no elenco das personalidades jurídicas do direito brasileiro.” (2007, p. 9) O julgado foi um marco importante para a OAB. Nele, os Ministros do STF fizeram observações dignas de nota. O Ministro Carlos Britto, lembrando que o constituinte fez três menções à OAB, cinco ao Conselho Federal e quatorze vezes a advogado, asseverou ser de bom alvitre que a OAB permanecesse desvinculada do Poder Público. Fez ainda um paralelo entre a corporação representativa dos advogados e a imprensa: “O regime jurídico da OAB, na verdade, é tricotômico: começa com a Constituição, passa pela lei orgânica da OAB, Lei n 8.906, e desemboca nesses provimentos endoadministrativos, endógenos ou da própria instituição. Para terminar, faço um outro paralelo entre a OAB e a imprensa: a OAB desempenha um papel de representação da sociedade civil, histórica e culturalmente, que pode se assemelhar àquele papel típico da imprensa. É bom que a Ordem dos Advogados do Brasil permaneça absolutamente desatrelada do Poder Público. Longe de ser fiscalizada pelo Poder Público, ela deve fiscalizar com toda autonomia, com toda independência, o Poder Público, tal como faz a imprensa.” O Ministro Cesar Peluzo principiou seu voto dizendo que a OAB se sujeitava a algumas regras de direito público e a outras de direito privado, porém ao analisar a questão específica do regime de pessoal, disse que esse apresentava sobretudo características do regime privado, posto que a criação de cargos não dependia de lei: “Há uma tendência óbvia na ciência do Direito e entre os seus aplicadores, também, de, diante de certas dificuldades conceituais, se recorrer às categorias existentes e já pensadas como se fossem escaninhos postos pela ciência, onde um fenômeno deva ser enquadrado forçosamente. […] Estou colocando a premissa da minha conclusão. Isso significa, para abreviar, que a instituição está sujeita a normas de direito público e, ao mesmo tempo, a normas de direito privado, independentemente de saber se é autarquia típica, se é autarquia especial. Isto não importa para se resolver o caso concreto, admitir que, perante o ordenamento jurídico, a OAB está sujeita, em alguns aspectos, a normas de direito público e, em outros, a normas de direito privado. A pergunta que fica é a seguinte: o regime de pessoal da Ordem está sujeito a regras de direito público? Os cargos são criados por lei? Há necessidade de lei para regular qualquer circunstância do regime jurídico de pessoal? A melhor resposta, a meu ver, é obviamente negativa e, se o é, isto é, se não se aplicam ao regime jurídico do pessoal da Ordem normas de direito público, ainda que tenham outras explicações, a mim me parece que a resposta à pergunta é que não há interpretação conforme no sentido do pedido, porque não se exige concurso público, pois o pessoal da ordem dos Advogados não está sujeito a normas de direito público.” O relator, Ministro Eros Grau, esclareceu em seu voto que a OAB sequer poderia ser classificada como autarquia especial, posto tratar-se de figura singular no âmbito do direito brasileiro. Trata-se da tese vencedora, que teve o condão de criar um novo gênero no elenco de personalidade jurídicas, um que se aplica com exclusividade à OAB: “[…] não procede a alegação de que a OAB sujeita-se aos ditames impostos à Administração Pública Direta e Indireta da União. A Ordem é um serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro. A OAB não está incluída na categoria da qual se inserem essas que se tem referido como ‘autarquias especiais’ para pretender-se afirmar equivocada independência das hoje chamadas ‘agências’. Por não se consubstanciar uma entidade da Administração Indireta, a OAB não esta sujeita a controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada. Essa não vinculação é formal e materialmente necessária. A OAB ocupa-se de atividades atinentes aos advogados, que exercem função constitucionalmente privilegiada, na medida em que são indispensáveis à administração da Justiça. É entidade cuja finalidade é feita a atribuições, interesses e seleção de advogados. Não há ordem de relação ou dependência entre a OAB e qualquer órgão público. A Ordem dos Advogados do Brasil, cujas características são autonomia e independência, não pode ser tida como congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional. A OAB não está voltada exclusivamente a finalidades corporativas. Possui finalidade institucional.” (destaques acrescidos) Os Ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa foram as duas vozes destoantes no julgamento e que se opuseram, em graus distintos, ao esse entendimento de que a OAB não encontrava guarida no espectro das personalidades jurídicas existentes no Direito Público brasileiro. Gilmar Mendes, fazendo referência a precedentes do próprio STF, relembrou que a OAB exerce serviço público, por se tratar de pessoa jurídica de direito público (autarquia), conforme disposto na ementa da ADI n. 1.707/DF: “Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 5.607, de 31 de maio de 1990, do Estado de Mato Grosso que atribui em favor da OAB, Seção daquele Estado, parcela de custas processuais. Exercendo a OAB, federal ou estadual, serviço público, por se tratar de pessoa jurídica de direito público (autarquia), e serviço esse que está ligado à prestação jurisdicional pela fiscalização da profissão de advogado que, segundo a parte inicial do artigo 133 da Constituição, é indispensável à administração da justiça, não tem relevância, de plano, a fundamentação jurídica da arguição de inconstitucionalidade da lei em causa no sentido de que o serviço por ela prestado não se vincula à prestação jurisdicional, desvirtuando-se, assim, a finalidade das custas judiciais, como taxa que são . – Ausência, também, do "periculum in mora" ou da conveniência em suspender-se, liminarmente, a eficácia dessa Lei estadual. Pedido de liminar indeferido.” (STF – ADI: 1707 MT, Relator: Min. MOREIRA ALVES, Data de Julgamento: 01/07/1998, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 16-10-1998 PP-00006, EMENT VOL-01927-01 PP-00043) Em alguns momentos, o Ministro Joaquim Barbosa foi irônico ao observar durante os debates do Pleno que a OAB seria “panglossianamente” pública e privada, querendo sempre estar no melhor dos mundos, e destacou que uma das poucas características, senão a única, que a distinguiria dos demais conselhos profissionais, seria o fato dela estar elencada no rol de legitimados do art. 103 da Constituição Federal para interpor ADI. No julgamento, é visível o estupor do Ministro Joaquim Barbosa, ao afirmar que há uma ambiguidade, uma incongruência em todo o estatuto jurídico da OAB. Em um trecho do julgado, ele defende que a OAB deveria assumir uma atitude radical no sentido de dar um caráter liberal à profissão de advogado e que deveria, em suas próprias palavras, “sair das costelas do Estado, abrir mão desse seu papel de coauxiliar na formação da vontade do Estado e assumir uma postura liberal”. Ele clama, em outras palavras, que a OAB se assuma ou como ente privado, com todas as suas consequências, inclusive no que tange, por exemplo, à desnecessidade de concurso público para contratação de pessoal e à não subsunção de seus créditos à lei de execução fiscal, ou como ente público, hipótese na qual deveria assumir o ônus, juntamente com o bônus que esse status lhe conferiria. O fato é que a OAB receia ser vista como autarquia para não ter que se submeter a algumas amarras que esse sistema jurídico naturalmente lhe imporia. Os defensores dessa tese, hoje vitoriosa, afirmam que não há qualquer vínculo entre a OAB e a Administração Pública e que a criação de eventual laço de subordinação seria deletéria aos interesses da sociedade. Marçal Justen Filho (2012, p. 243) afirma categoricamente que, do ponto de vista puramente teórico, é questionável a orientação de que apenas a OAB mereceria um regime jurídico diferenciado. Apesar disso, o fato é que a decisão proferida na ADI n. 3026-4/DF consagrou a tese de que a OAB é uma corporação jurídica autônoma, sujeita a regime jurídico especial e próprio. Ocorre que, dessa afirmação, exsurgem algumas contradições que merecem ser investigadas. 3 A quem a OAB presta contas? Aspecto que suscita intenso debate é a fiscalização dos conselhos de classe e, dentro desse cenário, a fiscalização da OAB. É que os demais conselhos fiscalizadores de profissões regulamentadas submetem-se à fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU). No momento em que a condição de autarquia dos conselhos profissionais foi consolidada, todas as demais regras do regime jurídico público que lhe são próprias passaram a se aplicar, entendimento que veio a ser reforçado pela Instrução Normativa TCU nº 63/2010. Ocorre que esses dispositivos e entendimentos não são extensíveis à OAB, o que é fator gerador de grande estranheza. Ives Gandra da Silva Martins defende que a OAB não deve ser fiscalizada, posto ser entidade fiscalizadora. Não se trata de argumento suficientemente sólido, posto que o controle é uma marca indelével do Estado democrático de direito, ao qual estão submetidos todos os seus poderes, o Ministério Público, a Defensoria Pública e o próprio Tribunal de Contas. Ele afirma: “Estou convencido de que exatamente por força desta independência e desta autonomia, a Ordem dos Advogados não poderia jamais –como, com fantástico rigor científico a Suprema Corte reconheceu- estar submetida a qualquer poder, a fiscalização externa, a qualquer controle, visto que é instituição fiscalizadora das instituições e passaria a correr o risco de ser controlada e manietada, restringindo a sua função maior perante a sociedade. […] A Ordem tem esta função maior, portanto, como representante do povo, de preservar e defender as instituições, mais do que qualquer outra, visto que as demais, por mais relevantes que sejam as suas funções, estão subordinadas a rígidas normas da Administração, podendo sofrer as limitações próprias e necessárias, muitas vezes, determinadas pelos controles internos e externos das Cortes de Contas.” (MARTINS, 2007, p. 22-23) Com esse entendimento, a sociedade perde em publicidade e transparência, justamente com uma entidade que tem missão constitucional tão destacada. Ao consagrar natureza jurídica sui generis OAB, o STF lhe assegurou privilégios únicos, sem que estes fossem estendidos a qualquer outra entidade privada. Quanto à necessidade de prestar constas, colhe-se da jurisprudência: “ADMINISTRATIVO. CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS PERANTE O TCU. OBRIGATORIEDADE. SUPERVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO NORMATIVA TCU Nº 63/2010. PERDA DE OBJETO. 1. Trata-se de remessa oficial e de apelação interposta contra sentença que julgou procedente do pedido formulado, consistente na declaração a) de nulidade dos Acórdãos TCU nºs 967/2007, 2.190/2007 e 3.562/2007, que reconheceram a incompetência do Tribunal de Contas da União para apreciar as contas das entidades de fiscalização profissional; b) da competência do TCU no que concerne ao controle externo das autarquias federais de fiscalização profissional. 2. No julgamento da ADI 1717-6, o Supremo Tribunal Federal proclamou a necessidade da prestação de contas pelos conselhos profissionais ao TCU, em face do que determina o parágrafo único do art. 70 da Carta Magna Nacional, que, "em uma primeira visão, não poderia ser desconsiderado por uma instrução normativa, pois o poder de regulamentar de qualquer órgão não deve atuar para limitar a sua competência constitucional" (TRF/1ª Região, AG 2007.01.00.015231-2/MT, rel. Juiz Federal Reynaldo Soares da Fonseca). 3. Com a superveniência da Instrução Normativa TCU nº 63/2010, a competência constitucional do Tribunal de Contas da União para julgar as contas dos conselhos profissionais ficou preservada. 4. Assim, o Tribunal de Contas da União manteve o seu controle externo sobre os Conselhos de fiscalização profissional, disciplinando apenas a forma pela qual será implementado o exercício mais adequado, eficiente e econômico da sua competência constitucional. Configurada, portanto, a perda do objeto desta ação. 6. Processo extinto sem resolução do mérito (art. 267, VI, do CPC). Apelação e remessa oficial prejudicadas”. (TRF-1 – AC: 00102599320084013400, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL REYNALDO FONSECA, Data de Julgamento: 24/02/2015, SÉTIMA TURMA, Data de Publicação: 06/03/2015) (destaques acrescidos) Ocorre que nada disso se aplica à OAB, que permanece à ilharga de qualquer fiscalização e que não presta contas a virtualmente ninguém. A própria natureza das contribuições que são recolhidas pelos conselhos profissionais é parafiscal, sendo que o fato de não depender de subvenções públicas era justamente um dos elementos utilizados pelo STF para dizer que a OAB gozava de autonomia e independência do Estado. Ora, se recolhe contribuições de seus membros, as quais possuem natureza parafiscal, a OAB deveria, sim, prestar contas tanto a seus membros quanto ao TCU. Infelizmente, não é isso que se vê e a OAB, bastião da liberdade e da defesa da cidadania, função essencial à administração da justiça, permanece sendo uma das instituições menos transparentes da República, sendo esta crítica compartilhada por outros autores: “É sabido que a OAB não tem o costume de prestar contas a seus membros, o que por si só, viola os princípios fundamentais da publicidade e transparência, fundamentais em qualquer entidade pertencente à administração pública, seja ela categoria ímpar ou não. Diante do relevante papel que a OAB desempenha no Estado Democrático de Direito, o mínimo que se espera é que ela detalhe a sua situação financeira, divulgando-a aos seus membros.” (FERREIRA, 2011) O mais estranho é que, mesmo não sendo autarquia, nem prestando contas ao TCU, a OAB mantém privilégios da Fazenda Pública na execução de seus créditos, possui prerrogativas processuais e imunidade tributária, ou seja, um verdadeiro frankenstein jurídico, formado a partir de pedaços soltos e ligados entre si pela simples vontade dos que julgaram de forma casuísta e pouco coerente: “A situação diferencial da OAB decorrente desta decisão do STF insere em nosso ordenamento jurídico uma situação peculiar que fere, a priori, a isonomia constitucional por diferenciar entidades de classe de mesmo padrão. Em que pese os argumentos que tendem a diferenciar a OAB das demais entidades do gênero, o fato é que a forma como foram tratadas pelo STF impõe à mesma beneplácitos que contrariam o sistema jurídico, violando preceitos constitucionais próprios, como o dever de licitar, o qual tem como objetivo a obtenção da melhor proposta possível para a Administração Pública. Não se pode olvidar que o serviço por ela prestado é público e que a mesma não está obrigada a observar os preceitos já mencionados o que gera incongruência e sérios questionamentos quanto a fiscalização das ações da OAB, pois que as mesmas também não estão submetidas ao controle finalístico. Ademais, continua a OAB a ter benefícios que seriam próprios de autarquias, mas não tem obrigações típicas destes entes, não podendo ser justificativa para tal condição, o caráter impar do serviço por ela prestado, porque de todo modo, o serviço por mais imperioso que seja, é antes de tudo, um serviço público” (OLIVEIRA, 2010) Ainda a questionar a inteligência da decisão do STF sobre a natureza jurídica da OAB, existe a conhecida crítica de Maria Sylvia Zanella Di Pietro à decisão proferida na ADI n. 3026-4/DF, vazada nos seguintes termos: “Com essa decisão, a OAB passa a ser considerada como pessoa jurídica de direito público no que esta tem de vantagens (com todos os privilégios da Fazenda Pública, como imunidade tributária, prazos em dobro, prescrição quinquenal etc.), mas não é considerada pessoa jurídica de direito público no que diz respeito às restrições impostas aos entes da Administração Pública direta e indireta (como licitação, concurso público, controle). A decisão é absolutamente inaceitável quando se considera que a OAB, da mesma forma que as demais entidades profissionais, desempenha atividade típica do Estado (poder de polícia, no qual se insere o poder disciplinar) e, portanto, função administrativa descentralizada pelo Estado. Ela se enquadra tanto no conceito de serviço estatal descentralizado, que constava da Lei n. 6.016/43, como se enquadra como atividade típica do Estado, constante do art. 5o, I, do Decreto-lei n. 200. O acórdão do Supremo Tribunal Federal, com todo o respeito que é devido à instituição, criou uma fórmula mágica para subtrair a OAB do alcance das normas constitucionais pertinentes à Administração Pública indireta, quando essas normas imponham ônus ou restrições, sem, no entanto, retirar-lhe os privilégios próprios das demais pessoas jurídicas de direito público” (2014, p. 504). E essas palavras fazem com que mais uma vez se retome a crítica do Ministro Joaquim Barbosa, no sentido de que a OAB é panglossianamente pública e privada e que busca, incansavelmente, estar no melhor dos mundos, abraçando os privilégios públicos, mas repelindo as obrigações de prestar contas; abraçando a imunidade tributária, mas repelindo a obrigatoriedade de concurso público. Conclusão O presente trabalho buscou lançar luzes sobre o debate acerca da natureza jurídica da OAB. Apesar de não tema exatamente novo, ele ainda suscita vivo debate entre doutrinadores, que ainda não chegaram a um consenso sobre como enquadrar essa entidade que tem prestado valorosos serviços à sociedade brasileira desde sua criação. Há doutrinadores que defendem que ela deveria ser considerada uma autarquia federal como os demais conselhos profissionais, outros afirmam que a colocar sob o manto do Estado feriria de morte sua independência e autonomia, além de ser uma inaceitável incongruência jurídica, posto que a OAB não guarda nenhum vínculo de subordinação ou mesmo de vinculação com a Administração Pública. O fato que causa espécie em todo esse debate é a solução encontrada pelo STF de considerar a OAB uma categoria ímpar, singular e sui generis, sem paralelo com nenhuma outra no ordenamento jurídico brasileiro. Ao que parece, o STF furtou-se à sua obrigação de enfrentar a questão com ousadia e altivez, optando por uma solução de compromisso, cujo resultado foi a criação de um frankenstein jurídico cujas contradições vêm à tona a cada instante. Seria aconselhável que antes de adotar tal subterfúgio jurídico, o STF se debruçasse sobre os elementos que distinguem a OAB dos demais conselhos profissionais de classe. Ora, em que o conselho dos advogados é maior merecedor de autonomia do que o conselho de engenheiros, ou de químicos, ou de qualquer outra categoria profissional? Não parece razoável que a OAB seja colocada num limbo jurídico usufruindo de inúmeras benesses conferidas pelo regime jurídico de Direito Público, mas furtando-se à aplicação das regras que lhe são menos favoráveis, como, por exemplo, a obrigação de prestar contas aos órgãos de controle externo. É fato que a própria decisão do STF de considerar os conselhos profissionais como autarquias federais é merecedora de críticas, mas se estes exercem poder de polícia e outras atividades indelegáveis a entidades privadas, outra não poderia ter sido a conclusão do Pretório Excelso. Ocorre que a OAB também exerce poder de polícia e não poderia, seguindo a mesma linha de raciocínio consagrada na ADI n. 1717/DF, eximir-se da condição de entidade que exerce múnus público e que se submete a regime jurídico majoritariamente público. Acerca da autonomia e independência, destaque-se que há inúmeros exemplos no ordenamento jurídico brasileiro de entes que possuem essas garantias, mesmo integrando a esfera estatal. É o caso do Ministério Público, tido por muitos como um quarto poder constitucional. Não se pode dizer que o Ministério Público, por possuir vínculos com o Estado, tem sua independência e autonomia comprometidos. Não é o que se vê na prática. Essa instituição, inobstante fazer parte do Estado e ser por ele subsidiado através de parcela orçamentária própria, tem ganhado cada vez mais destaque enquanto defensor da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Com a devida vênia que se deve às decisões do STF, percebe-se claramente a fragilidade dos fundamentos empregados na ADI n. 3026-4/DF, sobretudo quando se observa que as garantias e privilégios típicos da Administração Pública não foram extirpados da OAB, ou seja, ela é privada naquilo que lhe interessa, e pública naquilo que lhe convém. A decisão é deveras casuística e suscita dúvidas sobre sua inteligência e perenidade. Diante desse cenário, nada mais coerente que, no futuro, novos debates cheguem à Corte Suprema e que, diante de uma nova composição desse colegiado, o equívoco seja desfeito, seja para enquadrar a OAB como entidade pública, com todos os privilégios e obrigações, seja para enquadrá-la como entidade privada, com as consequências naturais que disto adviria.
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-172/a-oab-e-o-dever-de-prestar-contas/
Poder Legislativo. Câmara de São Paulo: limitações e potencialidades de um instrumento de lutas populares
Este trabalho tem como objetivo demonstrar que o Poder Legislativo emana da vontade popular em suas atribuições e responsabilidades, na construção de Leis que vão expressar os interesses da coletiva no desenvolvimento de uma sociedade justa, igualitária e fraterna. Iremos adentrar no papel dessa estrutura que tem como escopo a produção de Leis e na fiscalização e acompanhamento do Poder Executivo na execução das Leis no papel de regulação das relações e na efetivação dos serviços e obras públicas. Nesse contexto e fazendo um recorte para uma das maiores Casa Legislativa da América Latina, como as pessoas e os movimentos sociais podem interferir diretamente na atuação e comportamento da Câmara Municipal de São Paulo na garantia e efetivação das lutas populares.
Direito Administrativo
Introdução: O Poder Legislativo é uma das estruturas de poder do Estado Democrático de Direito e que tem como função e responsabilidade a criação de leis e a fiscalização do poder Executivo e suas estruturas. Previsto no Artigo 2.º da Constituição Federal são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário e sua atuação tem como fundamentos e princípios a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza da marginalização e das desigualdades sociais e regionais, a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, independência nacional, prevalência dos direitos humanos, autodeterminação dos povos, não-intervenção, igualdade entre os Estados, defesa da paz, solução pacífica dos conflitos, repúdio ao terrorismo e ao racismo, cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, concessão de asilo político e por fim buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações (Artigo 3.º ao 5.º da CF/88). O Estado e seus Poderes são exercidos pela representatividade de seu povo, através da escolha de pessoas que irão compor essas estruturas. Portanto, nossa Democracia é representativa, porém a Constituição garante o exercício direto da população por meio de instrumentos como Plebiscito, Referendo Popular e Iniciativa Popular conforme prevê o Art. 14.º da CF/88. “Constituição Federal Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I – plebiscito; II – referendo; III – iniciativa popular.” O Legislativo tem como principal característica o diálogo, os debates e as deliberações sobre as questões que envolvem os interesses da sociedade em seus diversos grupos e classes sociais.  De acordo com a nossa legislação em vigor o parlamento ou o legislativo é composto por pessoas da sociedade e que através do voto direto, elegem seus representantes (Vereadores, Deputados Estaduais, Deputados Federais e Senadores), para compor esse espaço com o intuito de levar os anseios na construção de leis que vão ditar e estabelecer o comportamento, as relações e o desenvolvimento econômico e social. O Parlamento nesse sentido por excelência, é um espaço em que as pessoas, os grupos, os movimentos sociais, movimentos populares e entre outros, devem, juntamente com seus representantes, dialogar, debater e definir na perspectiva dos fundamentos e princípios estabelecidos na nossa carta magna os caminhos e ações para efetivação de uma sociedade que se pretende ser justa, solidaria e fraterna. Para que as finalidades e objetivos do parlamento sejam alcançado, a própria Constituição Federal estabelece regras gerais quanto a estrutura do parlamento, competência, atribuições, definições de escolha de seus representantes e como deve ser observado em todo processo discussão, elaboração e definição das leis, inclusive com a participação e o envolvimento constante e direto da população através dos mecanismos de participação social e popular. Nosso País constituído como uma República Federativa, tem sua estrutura, a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal como entes que atuam de forma independe e harmônica estabelecendo como poderes o legislativo, o executivo e o judiciário. Com isso temos na União duas casas legislativa, qual seja, Câmara dos Deputados e Senado Federal, nos Estados e Distrito Federal as Assembleias Legislativas e nos Municípios as Câmaras de Vereadores.  Em cada um dos entes da Federação, encontraremos as Constituições Estaduais e Lei Orgânica do Município, sendo o primeiro visando ordenar regras gerais para os Governos Estaduais e o segundo para as Câmaras Municipais.  Nos parlamentos, verificaremos ainda os Regimentos Internos que de forma detalhada, irá normatizar todo o seu funcionamento e atuação levando em consideração inclusive a participação de todos nas diversas etapas do processo da construção e ação legislativa, bem como de seu papel de acompanhamento e fiscalização das políticas públicas.  Analisando esses instrumentos normativos, é possível observar as possibilidades em que a população poderá buscar garantir seus interesses e bandeiras históricas, principalmente para aqueles e aquelas que mais precisam. Ressaltamos, no entanto, que essas possibilidades de participação não são exercidas por essas casas de forma a atender e servir como verdadeiro instrumento das lutas populares.  Nesse sentido é possível vislumbrar possibilidades de participação da população no parlamento, porém, sua efetividade dependerá não só da participação institucionalizada, ou seja, que está prevista na Constituição Federal, nas Constituições Estaduais e na Lei Orgânica do Município e nos regimentos internos, mas também em outras possibilidades de persuasão e mobilização para sua efetividade. 1. Câmara Municipal de São Paulo  O parlamento da Cidade de São Paulo é a maior estrutura legislativa do País depois da Câmara dos Deputados e do Senado. É uma casa composta por 55 vereadores e 1934 funcionários conforme informação apresentada no próprio site da Câmara Municipal.  Esses 1934 servidores estão distribuídos em 449 efetivos, 209 regidos pelo regime CLT, 982 nomeados em comissão, 199 vindos de outros órgãos públicos de forma comissionada, 18 Policiais Militares e 77 Guardas Civis Metropolitanos.  A atuação e o funcionamento dessa casa são regidos pelos princípios, diretrizes e regras preconizados nos Art. 1.º ao 4.º e do Art. 12.º ao 55º na Lei Orgânica do Município de São Paulo e também no Regimento Interno da Câmara Municipal de São Paulo.  A necessidade de conhecer e se apropriar da essência do parlamento, da sua organização e estrutura, nos ajuda fazer desse espaço um verdadeiro instrumento das lutas populares na conquista e efetividade das políticas públicas.  Desta forma é importante entender a dinâmica do processo legislativo que inclui a produção de leis, análise e discussões de temas relevantes para sociedade e o processo de acompanhamento e fiscalização do Executivo conduzido pelo Prefeito e seus Secretários.  Para que os interesses da maioria do nosso povo que vive em nossas periferias, da classe trabalhadora e das minorias possam ser considerados no parlamento municipal, se faz necessário que esses grupos possam acompanhar e se fazerem presentes nos gabinetes de cada vereador, na reunião das lideranças de cada partido, na reunião de líderes, nas comissões, nas audiências públicas, nas sessões plenárias e na frente Câmara.  Nesses espaços é que se discute a vida do povo e da cidade através de ferramentas importantes como o Plano Plurianual – PPA, a Lei de Diretrizes Orçamentária – LDO, a Lei Orçamentária Anual – LOA e toda legislação que envolve a educação, saúde, cultura, esporte, lazer, meio ambiente, habitação, moradia, saneamento básico, tributos, infraestrutura e outras. 2. A Casa do Povo, Com o Povo e Para o Povo  A Casa do Povo do Município de São Paulo esta pautada em princípios e diretrizes da participação popular, transparência, controle, igualdade, dignidade com o objetivo de garantir a adequada representatividade e a participação direta dos cidadãos através do Plebiscito e Referendo. “LEI ORGÂNCIA DO MUNICÍPIO Art. 2º – A organização do Município observará os seguintes princípios e diretrizes: I – a prática democrática; II – a soberania e a participação popular; III – a transparência e o controle popular na ação do governo; IV – o respeito à autonomia e à independência de atuação das associações e movimentos sociais; V – a programação e o planejamento sistemáticos; VI – o exercício pleno da autonomia municipal; VII – a articulação e cooperação com os demais entes federados; VIII – a garantia de acesso, a todos, de modo justo e igual, sem distinção de origem, raça, sexo, orientação sexual, cor, idade, condição econômica, religião, ou qualquer outra discriminação, aos bens, serviços, e condições de vida indispensáveis a uma existência digna; IX – a acolhida e o tratamento igual a todos os que, no respeito da lei, afluam para o Município; X – a defesa e a preservação do território, dos recursos naturais e do meio ambiente do Município; (GRIFFO NOSSO) Art. 5º – O Poder Municipal pertence ao povo, que o exerce através de representantes eleitos para o Legislativo e o Executivo, ou diretamente, segundo o estabelecido nesta Lei. § 1º – O povo exerce o poder: I – pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto; II – pela iniciativa popular em projetos de emenda à Lei Orgânica e de lei de interesse específico do Município, da cidade ou de bairros; III – pelo plebiscito e pelo referendo.”(GRIFFO NOSSO). Nessa mesa linha a Lei Orgânica do Município estabelece a criação do Conselho de Representante no âmbito do Poder Executivo como forma direta de participação do povo, mas que pode e muito contribuir e potencializar as lutas populares também no parlamento. “LEI ORGÂNCIA DO MUNICÍPIO Art. 8º – O Poder Municipal criará, por lei, Conselhos compostos de representantes eleitos ou designados, a fim de assegurar a adequada participação de todos os cidadãos em suas decisões.”  A Casa do Povo, portanto, não deve se fechar em torno de seus Vereadores, mas juntamente com eles, potencializar toda sua estrutura e organização dialogando diuturnamente em prol dos interesses das pautas e lutas daqueles de todos em especial da maioria do povo que mais precisa. Quando isso não ocorre esse espaço de Poder se distância e se desvirtua de seus fundamentos e responsabilidades. Nesse mesmo sentido o Professor Fábio Barbalho através de um poema ilustra essa necessidade. “POEMA "A norma é uma fala. Quem a faz tem sonhos e desejos. O povo – que tem sonhos e desejos… O povo sabe falar– mas faz tempo que é difícil povo e norma se falarem. E fica angusto o sonho e o desejo do povo serem sonho e desejo na norma. E a norma empobrece, pois precisa de muitas falas dentro dela. Empobrecida de sonho, desejo e falas, a norma pouco conversa com a realidade… Este manual é cartilha para ver o povo falar a fala da norma. Não pra que o povo fale bonito – isso, ele já faz –mas pra que seja mais useiro ver a norma falar a fala do povo. Prenhe da fala do povo,– a norma dará luz" Autor do Poema: Fábio Barbalho Leite : Graduação em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), no ano de 1996. Mestrado em Direito do Estado, subárea Direito Administrativo, pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), em 2001” 2.1 – Vereadores São eleitos pelo povo para um mandato de 4 (quatro) anos e são vinculados a partidos políticos que defendem algumas bandeiras e pautas e de como o Município deve ser conduzido. Esse representante eleito, tem obrigação e dever de diálogo constante com que o elegeu e também os demais eleitores da cidade, pois uma vez conduzido ao parlamente sua ação deve levar em consideração os interesses e a necessidade da cidade toda em especial para aqueles que mais precisam.  Sabemos, no entanto, que na prática e no dia a dia, os parlamentes acabam atuando em alguns espaços da Cidade e também em algumas pautas especificas, por isso se faz necessário conhecer cada um deles no intuito do diálogo pessoal e direto à cerca das pautas populares e dos trabalhadores.  Ressalta-se que alguns dos Vereadores se tornam expoente do partido e acabam sendo indicados para serem líderes. Nessa condição esse líder acaba tendo poder de persuasão perante os demais Vereadores de sua bancada. 2.2 – Lideranças dos Partidos Cada partido representado por seus parlamentares, possuem reuniões periódicas para definir e fechar posicionamento sobre assuntos pautados internamente nas comissões, no plenário, nas audiências públicas e em outros espaços criados pelo parlamento. É também possível serem pautados por temas de relevância, trazidos por grupos da sociedade é que poderá ganhar repercussão e influenciar substancialmente o parlamento. 2.3- Reunião de Lideres Esse é um espaço importante dentro da casa do povo, pois em conjunto com os líderes dos partidos a mesa diretora da casa composta pelo Presidente e os Secretários, definem a condução do parlamento e as pautas que serão discutidas nas sessões plenárias espaço esse de debate e definição.  Na Câmara essas reuniões têm acontecido todas as terças feiras às 14h00 na sala Tiradentes que fica no 8º andar. No site da Câmara sempre é possível acompanhar as agendas e pautas (www.camara.sp.gov.br). 2.4- Comissões  As Comissões são espaços de discussões e debates das proposituras (projeto de lei, projeto de resolução, moções e etc..), apresentadas por parlamentares e que por serem abertas e terem momentos de reuniões, seminários e audiências públicas, é fundamental verificar as agendas para que os movimentos sociais, trabalhadores e defensores das lutas populares possam se fazerem presentes e influentes.  As comissões são divididas por temas e algumas tem poder e capacidade deliberativa sobre as proposituras de casa e outras tem apenas um caráter de estudo e aprofundamento com característica consultiva. 2.5- Audiências Públicas É um espaço por excelência de diálogo direto com a população com o foco da à escuta para melhor análise e posicionamento dos parlamentares. Essa escuta ajuda na obtenção de informações e elementos de evidências ou provas sobre determinados assuntos ou situações concretas. As audiências públicas, portanto, é uma forma de participação popular para discussão de políticas públicas seja para fundamentar sua proposta de criação e de implantação. No site da Câmara Municipal é possível acompanhar as agendas das Audiências Públicas com o horário, local e quem está realizando. 2.6- Sessões Plenárias É o espaço de decisão máxima do parlamento previsto na Lei Orgânica do Município e no Regimento Interno. As decisões tomadas nas sessões plenárias normalmente se tornam leis após o aval (sanção) do Prefeito e valem para todos munícipes. Essas sessões são abertas ao público e suas reuniões ordinárias acontecem todas as semanas de terça à quarta feira, podendo ocorrer fora desses dias quando convocada de forma extraordinária. 2.7 – Em frente da Câmara A mobilização e a pressão social são fundamentais para fazer com que essas estruturas do parlamento possam serem efetivadas a favor das lutas sociais e populares; No campo popular o instrumento de pressão é a presença física das pessoas nos espaços da casa do povo em especial e com grande repercussão quando essa participação se realiza na frente e na entrada da casa do povo. Digo isso porque alguns setores da sociedade que também demandam suas pautas e que não são do campo popular, encontram força no capital econômico, nos meios de comunicação de massa e nas estruturas conservadoras e individualistas, para influenciar o parlamento a terem um olhar exclusivo para seus interesses. Um exemplo do que falo foi quando através de um Projeto de Lei de iniciativa do Prefeito na gestão (2013-2016) tramitou na Câmara Municipal de São Paulo propondo o IPTU progressivo na Cidade, fazendo com que no jargão popular, “quem tem mais paga mais e que tem menos paga menos”. Tal projeto foi massacrado pelos donos do capital, que através de suas estruturas iniciaram um processo de deturpação da proposta alegando para sociedade que tal inciativa iria onerar todos os comércios e serviços privados tendo como consequência uma demissão em massa, provocando um grande desemprego. Lembro que esse discurso do medo, levava os vereadores a refletirem sobre votar ou não votar a favor dessa proposta, que na sua essência responde ao princípio constitucional da equidade e também do que estabelece o inciso I do parágrafo único do Artigo 156 da Constituição Federal. Desta forma para os defensores das pautas populares o caminho é a pressão e a manifestação direta como forma de se fazer ouvir pelos nossos representantes. É claro que sabemos que nem todos foram eleitos com essa pauta, porém é preciso fazer a disputa e o bom combate constante, pois somente assim conseguimos avançar. Também é necessário reconhecer que essa disputa se inicia bem antes de chegar à casa do povo, pois os debates sobre diversos temas e visão de sociedade nascem em seu interior em que desde de uma conversa no almoço de família, passando pelos espaços do trabalho, da religião, do time de futebol, das associações entre outros, os modelos vão se afirmando ou não a determinadas pautas. Aliás, é nesses espaços que nascem as pessoas e lideranças que acabam se tornando vereadores e vereadoras que tem o papel de nos representar. Por isso é fundamental construir um entendimento à cerca de qual é o outro mundo que queremos e fortalecer cada vez mais esses espaços. Os meios de comunicação em massa acabam influenciando no pensamento e no posicionamento dos diversos autores da sociedade, e de fato se faz necessário uma revisão nesse campo, já que todas eles gozam de uma concessão pública. Por outro lado, as associações, igrejas, entidades, sindicatos, movimentos sociais entre outros quando conseguem unificar os interesses e as lutas, não tenho dúvida avançam em nas pautas do povo pobre, trabalhador e que mais sofre as barbares do poder econômico seja no campo privado e público. Em nossa Cidade de São Paulo com a nova gestão (2017-2020) no Poder Executivo Municipal (Prefeito) e no Poder Legislativo Municipal (Casa do Povo), estamos vendo em pouco tempo de mandato o quanto esses poderes têm se distanciado e negado as lutas populares e as políticas públicas conquistadas a duras penas para o povo mais vulnerável e que vivem nos bairros e rincões mais pobre. Com essa situação estamos vendo a pressão popular nas ruas da cidade se manifestando e gritando para os nossos representantes, na busca de sensibilizar e mostrar o quanto estão negando os interesses da maioria e o quanto estão deixando de observar as suas responsabilidades e compromissos com as diretrizes e princípios preconizados na Lei Orgânica do Município, no Regimento Interno da Câmara Municipal e nos demais instrumentos que regulam e ditam a política pública.  O que é importante observar, considerar e constatar pela minha atuação dia a dia na casa do povo e ao lado de uma parlamentar, de que tais movimentos de pressão, quando organizado, coeso e com pautas objetiva é possível é nítido os avanços, seja na obtenção das conquistas das pautas ou na imposição de rota de vontades e interesses que contraria as lutas populares. Considerações Finais Não existe uma formula mágica para a construção, efetivação e garantia das pautas de natureza popular e que atende os interesses da maioria do nosso povo, porém essa busca deve ser constante, persistente e resiliente. A Câmara Municipal de São Paulo, como um instrumento de lutas populares, assim como todas as casas parlamentares e todos os espaços de organização e representação do povo, só funciona com eterna e vigilante participação e pressão popular.
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A possibilidade jurídica de rescisão unilateral por razão de interesse público superveniente nos contratos administrativos sob a égide da Lei nº. 13.303/2016
O presente artigo tem como objetivo analisar a possibilidade jurídica da rescisão por razões de interesse público superveniente dos contratos administrativos celebrados pelas empresas estatais, em face do regime jurídico imposto pela Lei nº 13.303/2016.
Direito Administrativo
Introdução As empresas estatais, com o advento da Lei nº. 13.303, de 30 de junho de 2016, que regulamentou o artigo 173, parágrafo primeiro, da Constituição Federal, passaram a se submeter a um regime jurídico diferente daquele outrora unificado à toda a Administração Pública, regido pela Lei nº. 8.666, de 21 de junho de 1993, no tocante às licitações e contratos celebrados pelo Poder Público. A Lei das Estatais, como é conhecida, apresentou em seu texto diversas características mais flexíveis em face do regime jurídico anteriormente vigente, compatíveis com a natureza jurídica híbrida das empresas estatais, com nuances do direito público e do direito privado, havendo a previsão expressa, inclusive, em seu artigo 68, de que os contratos por ela regidos “(…) regulam-se pelas suas cláusulas, pelo disposto nesta Lei e pelos preceitos de direito privado”. Dentre as mudanças mais significativas, tem-se aquela prevista no artigo 72 da Lei nº. 13.303/2016, que previu apenas de modo genérico a necessidade de as empresas estatais, em seus contratos, preverem as hipóteses de rescisão, ensejando questionamentos sobre a possibilidade ou não de se rescindir unilateralmente os contratos administrativos por razões de interesse público, tal como ocorria expressamente no artigo 78, inciso XII, da Lei nº. 8.666/1993, cláusula exorbitante, que lhes conferia tal prerrogativa. 1. Da possibilidade jurídica rescisão unilateral por razões de interesse público pelas empresas estatais A Lei nº. 13.303/2016, inaugurou no ordenamento jurídico brasileiro a regulamentação do artigo 173, parágrafo primeiro, da Constituição Federal, sobre o regime das empresas estatais, que assim dispõe: “Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. § 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) I – sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) II – a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) III – licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) IV – a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) V – os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores.” Sobre o regime jurídico diferenciado para as empresas estatais, cita-se elucidativa explicação do Ministro Benjamin Zymler: “Da leitura dos aludidos dispositivos constitucionais, depreende-se a necessidade de haver, pelo menos, dois diplomas legais sobre licitações e contratos, ambos dispondo sobre normas gerais e aprovados pela União: um aplicável às administrações direta, autárquica e fundacional da União, Estados e Municípios e outro relativo às empresas públicas e sociedades de economia mista. Na realidade, a EC 19/1998 estabeleceu bases para uma revisão do regime de atuação das empresas públicas e sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica. O objetivo dessa separação no tratamento a ser dado às licitações e aos contratos firmados pelas entidades referidas no artigo 37, inciso XXI, e aquelas conduzidas pelas entidades de que trata o §1º do artigo 173 é o de buscar para as empresas estatais que exploram atividade econômica regras menos rígidas ou formalistas, de modo a conferir a elas maior flexibilidade gerencial, dado o regime de competição que lhes é imposto. Assim, em cumprimento à determinação constitucional, em 1º de julho de 2016 entrou em vigor a Lei 13.303, chamada de “Lei das Estatais” por estabelecer o estatuto jurídico das empresas públicas, das sociedades de economia mista e de suas subsidiárias”[1]. Nesse sentido, a fim de esclarecer qual a natureza jurídica das empresas estatais, cita-se, em síntese, a conceituação dada por Hely Lopes Meirelles: “As empresas estatais são pessoas jurídicas de Direito Privado cuja criação é autorizada por lei específica (…), com patrimônio público ou misto, para a prestação de serviço público ou para a execução de atividade econômica de natureza privada. Serviço público, no caso, entendido seu sentido genérico, abrangendo também a realização de obras (estradas, edifícios, casas populares, etc.). Na verdade, as empresas estatais são instrumentos do Estado para a consecução de seus fins, seja para atendimento das necessidades mais imediatas da população (serviços públicos), seja por motivos de segurança nacional ou por relevante interesse coletivo (atividade econômica). A personalidade jurídica de Direito Privado é apenas a forma adotada para lhes assegurar melhores condições de eficiência, mas em tudo e por tudo ficam sujeitas aos princípios básicos da Administração Pública. Bem por isso, são consideradas como integrantes da Administração indireta do Estado.”[2] A Lei das Estatais, em seu artigo 69, trouxe a previsão genérica de obrigatoriedade de algumas cláusulas nos contratos sob sua égide. No tocante, especificamente, à rescisão contratual, a Lei nº. 13.303/2016, previu em seu artigo 69, inciso VII, o seguinte: “Art. 69. São cláusulas necessárias nos contratos disciplinados por esta Lei: (…) VII – os casos de rescisão do contrato e os mecanismos para alteração de seus termos;” Há, no artigo 82, parágrafo primeiro, na “Seção III – Das sanções administrativas”, a possibilidade de rescisão unilateral decorrente de sanção, por justa causa do contratado. Veja-se: “Art. 82. Os contratos devem conter cláusulas com sanções administrativas a serem aplicadas em decorrência de atraso injustificado na execução do contrato, sujeitando o contratado a multa de mora, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato. § 1º A multa a que alude este artigo não impede que a empresa pública ou a sociedade de economia mista rescinda o contrato e aplique as outras sanções previstas nesta Lei.” Porém, quanto aos demais dispositivos da lei, verifica-se que não consta nenhum outro excerto que remeta à previsão expressa de rescisão unilateral do contrato que não seja aquela decorrente de sanção, nem tampouco a possibilidade de rescisão em razão de interesse público superveniente. A regra do artigo 69, inciso VII, portanto, consiste em uma cláusula geral, que, diferentemente da Lei nº. 8.666/1993, no artigo 58, inciso II e no artigo 78, que elencavam as hipóteses taxativas de rescisão contratual, não as prevê expressamente. Nesse caso, às empresas estatais, é possível prever tais hipóteses no regulamento, nos contratos, convênios e demais ajustes, conforme autorização do artigo 8º, da Lei nº. 13.303/2016, a saber: “Art. 8º. (…) § 2º Quaisquer obrigações e responsabilidades que a empresa pública e a sociedade de economia mista que explorem atividade econômica assumam em condições distintas às de qualquer outra empresa do setor privado em que atuam deverão:  I – estar claramente definidas em lei ou regulamento, bem como previstas em contrato, convênio ou ajuste celebrado com o ente público competente para estabelecê-las, observada a ampla publicidade desses instrumentos.” Nessa linha de entendimento, cita-se o entendimento de Benjamin Zymler, no artigo “Considerações sobre as empresas estatais (Lei 13.303/2016)”: “Além disso, nos contratos administrativos regidos pela Lei 13.303/2016 ganham mais força os princípios da autonomia da vontade e da liberdade contratual. Considerando a própria razão de ser das empresas estatais, qual seja, a exploração de atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviço, quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, é razoável que a sua atuação esteja sujeita a um regime de maior flexibilidade frente às normas estatutárias comuns. A maior autonomia da Administração nos contratos regidos pela Lei 13.303/2016 pode ser evidenciada pela liberdade de definir três cláusulas essenciais ao ajuste, a saber: as tipificações das infrações (artigo 69, inciso VI); os casos de rescisão do contrato, entre as hipóteses do artigo 83, e os mecanismos para alteração de seus termos (artigo 69, inciso VII); e a distribuição dos riscos da contratação, mediante a elaboração de uma matriz de riscos (artigo 69, inciso X)”.[3] Considerando o regime híbrido, ora de direito privado, no tocante à sua atuação no mercado, ora de direito público, na prestação de serviços públicos e na contratação de obras, serviços, compras e alienações, verifica-se ser amplamente necessária, na atuação das empresas estatais, uma cláusula que as autorize a realizarem rescisão por razão de interesse público, em face da natureza da atividade que exercem. A despeito de a Lei nº. 13.303/2016 ser uma norma que possibilita uma maior liberdade às empresas estatais no tocante às suas contratações, tendo em vista o caráter híbrido de suas atividades, não se pode olvidar que o próprio texto constitucional, neste artigo, condiciona a exploração direta da atividade econômica “quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo”. Nesse sentido, a despeito de a rescisão unilateral por razões de interesse público não constar expressamente do texto da Lei nº. 13.303/2016, entende-se ser juridicamente possível a sua aplicabilidade, por meio de uma interpretação sistemática de todo o ordenamento jurídico brasileiro. Portanto, nessa linha de entendimento é que deve ser interpretada a Lei nº. 13.303/2016. A empresa estatal, mesmo quando atua no mercado, atua em prol do atendimento ao interesse público, pela própria razão de sua existência ter sido justificada, constitucionalmente, em razão de “segurança nacional” ou de “relevante interesse coletivo”. Desse modo, haverá situações em seu campo de atuação que não serão regidas regras de mercado, devendo ser balizadas, então, pelas regras de direito público, em prol, sempre, do atendimento ao princípio da supremacia do interesse público. Nesse sentido, a fim de elucidar o que consiste o “interesse público”, ou, ainda, o “princípio da supremacia do interesse público”, cita-se a doutrina de Hely Lopes Meirelles: “Interesse público ou supremacia do interesse público – Também chamado de princípio da supremacia do interesse público ou da finalidade pública, com o nome de interesse público a Lei 9.784/99 coloca-o como um dos princípios de observância obrigatória pela Administração Pública (fl. Art. 2º, caput), correspondendo ao “atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competência, salvo autorização em lei” (art. 2º, parágrafo único, II). O princípio do interesse público está intimamente ligado ao da finalidade. A primazia do interesse público sobre o privado é inerente à atuação estatal e domina-a, na medida em que a existência do Estado justifica-se pela busca do interesse geral. Em razão dessa inerência, deve ser observado mesmo quando as atividades ou serviços públicos forem delegados aos particulares.(…) Como bem ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, o “princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é princípio geral de Direito inerente a qualquer sociedade. É a própria condição de sua existência. Assim, não se radica em dispositivo específico algum da Constituição, ainda que inúmeros aludam ou impliquem manifestações concretas dele, como, por exemplo, os princípios da função social da propriedade, da defesa do consumidor ou do meio ambiente (art. 170, III, V e VI), ou tantos outros. Afinal, o princípio em causa é um pressuposto lógico do convívio social”[4]. Na mesma linha, tem-se a eminente administrativista Maria Sylvia Zanella Di Pietro, que assim discorre sobre o princípio da supremacia do interesse público: “Esse princípio está presenta tanto no momento da elaboração da lei como no momento da sua execução em concreto pela Administração Pública. Ele inspira o legislador e vincula a autoridade administrativa em toda a sua atuação. (…) Ligado a esse princípio da supremacia do interesse público – também chamado de princípio da finalidade pública – está o da indisponibilidade do interesse público que, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello (2004:69), “significa que sendo interesses qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público – não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. (…)”.[5] A Lei nº. 13.303/2016, em todo o seu teor, e especialmente em seu artigo 31, apresenta os princípios que devem nortear as contratações sob sua égide. Veja-se: “Art. 31. As licitações realizadas e os contratos celebrados por empresas públicas e sociedades de economia mista destinam-se a assegurar a seleção da proposta mais vantajosa, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto, e a evitar operações em que se caracterize sobrepreço ou superfaturamento, devendo observar os princípios da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da eficiência, da probidade administrativa, da economicidade, do desenvolvimento nacional sustentável, da vinculação ao instrumento convocatório, da obtenção de competitividade e do julgamento objetivo.” Como se pode verificar, não consta expressamente na Lei das Estatais, o princípio da supremacia do interesse público. Em outra norma, contudo, qual seja, a Lei nº. 9.784, de 29 de janeiro de 1999, no seu artigo 2º, caput, há a previsão expressa da obediência do princípio da supremacia do interesse público, de observância pela Administração Pública, na qual as empresas estatais se incluem. Veja-se: “Art. 2º. A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência”. (grifo nosso) Entende-se, portanto, que a Lei nº. 13.303/2016 não deve ser analisada isoladamente, mas como uma norma pertencente a um sistema jurídico mais amplo, em que o interesse público é e deve ser resguardado pelo Poder Público, independentemente da natureza jurídica de seus órgãos e entidades. Sobre a interpretação sistemática, que interpreta a norma sob a perspectiva de todo o ordenamento jurídico, e não isoladamente, tem-se o seguinte: “Já no início de sua notável exposição, Juarez Freitas coloca em realce que a “interpretação sistemática tem por objeto o sistema jurídico na sua condição de totalidade axiológica” (1), alertando para a circunstância de que “qualquer norma singular só se esclarece plenamente na totalidade das normas, dos valores e dos princípios (2). A autêntica exegese sempre constitui, para além dos atomismos, “uma aplicação do Direito em sua totalidade” (3), isto é, do Direito como “rede axiológica e hierarquizada de princípios gerais e tópicos, de normas e de valores jurídicos” (4). Em outras palavras, a lei se apresenta tão-só como o primeiro e menor elo da encadeada e sistemática corrente jurídica, da qual fazem parte, até como garantia de sua resistência, os princípios e os valores, sem cuja predominância hierárquica e finalística o sistema sucumbe, vítima da entropia e da contradição. Vale dizer, a unidade só é assegurada por obra do superior gerenciamento teleológico, patrocinado pelos princípios e valores constituintes da ordem jurídica. Vai daí que a idéia de sistema jurídico estava a reclamar conceituação mais abrangente, sob pena de se tomar incapaz de surpreender o fenômeno jurídico em toda a sua dimensão, principalmente na esfera decisória. (…) Aristóteles ensinava que toda ação ou escolha deve corresponder a um bem (ágathon), a uma finalidade (telos) (7). Com o Direito não é diferente: a toda lei corresponde uma finalidade a partir da qual deverá ser interpretada e sem a qual jamais será compatibilizada com os fins últimos e gerais do ordenamento jurídico. “A materialidade é que determina a forma, prévia ou superveniente” (8). No fundo, a coerência formal é apenas a primeira, a mais inferior e a menos sólida expressão de unidade. Unidade das unidades será sempre a que emergir da coerência materialmente valorativa, no permanente e aberto jogo concertado dos fins intrínsecos a cada uma e a todas as normas jurídicas. Em se tratando de sistema jurídico, não se pode, pura e singelamente, pressupor uma coerência normativa anterior ou apartada do mundo da vida. É diante do caso concreto, pleno de contradições axiol6gicas, que se realiza a autêntica e atualizada compatibilização dos múltiplos segmentos do ordenamento jurídico. Ademais, é preciso notar que o Direito, ao contrário do que faz supor o pensamento dedutivo-normativista, não se apresenta – nem poderia se apresentar – como um sistema fechado e completo. Não é fechado porque aberto à mobilidade (Wilburg) e à indeterminação dos conceitos jurídicos (Engisch); não é completo porquanto “as contradições e as lacunas acompanham as normas à feição de sombras…” (9). Trata-se, por conseguinte, de uma unidade axiológica bastante peculiar: subsiste através do conflito e da indeterminação. Se, de um lado, é limite, de outro, é abertura (10). Por isso, longe de obstaculizar, tal natureza assume, no seio do sistema, a condição de um de seus pressupostos lógicos, eis que, abolindo a arbitrária dicotomia entre “interno” e “externo”, assegura, em face do caso concreto e, principalmente, sem recorrer ao moroso legislativo, sua espontânea e natural modernização. Assim, sepultando a utopia do puro e cerrado formalismo, Juarez Freitas toma claro, nesse passo, que todo fechamento desagrega, só a abertura unifica. Em linguagem mais frontal, não há sistema sem correlata abertura. Tal conceito de sistema jurídico induz simétrico alargamento no de interpretação sistemática. No campo do Direito, como em qualquer âmbito do conhecimento, nenhuma mudança se deixa isolar: tudo repercute em tudo. Uma vez assinalada a natureza aberta, axiológica e hierarquizada do sistema jurídico – formatado não somente por normas, mas, com primazia, por valores e princípios jurídicos -, parece imperioso estender iguais características à interpretação sistemática. Donde resulta – destacando a insuperável precisão do nosso autor – que “interpretar uma norma é interpretar um sistema inteiro”, pois “qualquer exegese comete, direta ou indiretamente, uma aplicação de princípios gerais, de normas e de valores constituintes da totalidade do sistema jurídico” (18). Se o Direito é, em essência, sistema axiológico, sistemático-axiológica deverá ser a sua exegese. Para conhecer o alcance da lei, convém indagar o alcance teleológico do próprio sistema. É por essa razão que “não se pode considerar a interpretação sistemática, … como um processo, dentre outros, da interpretação jurídica. … Neste sentido, é de se afirmar, …, que a interpretação jurídica é sistemática ou não é interpretação” (19)”.[6] Desse modo, por meio de um método de interpretação sistemática, entende-se ser juridicamente possível a inserção de cláusula, nos contratos administrativos celebrados pelas empresas estatais, que preveja a hipótese de rescisão em razão de interesse público superveniente, quer seja por força da Constituição Federal, quer seja pela natureza jurídica e pela razão de existência dessas empresas, quer seja pela observância obrigatória da Lei nº. 9.784/1999 na atuação dessas empresas, como entes pertencentes à Administração Pública. Ressalte-se que no caso dessa hipótese, deverá ser prevista a consequente indenização do particular pelo que já foi executado do objeto do contrato. A possibilidade jurídica de inserção de uma cláusula de rescisão unilateral por razão de interesse público pode ser analisada, também, sob o prisma do direito privado, fazendo-se, nesse caso um paralelo com o instituto da resilição do contrato, oriundo do Direito Civil, no qual há o ato jurídico da denúncia. Nesse sentido, o artigo 473 do Código Civil assim dispõe: “Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte. Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.” De Plácido e Silva assim conceitua resilição:  “(…) do latim resilire (desdizer-se, retratar-se) é empregado na linguagem jurídica na mesma significação de rescindir, desfazer, distratar, resolver. Em relação aos contratos, resilir é empregado tanto para indicar ou exprimir dissolver por acordo das partes contratantes, como dissolver o contrato por uma das partes quando firmado por tempo indeterminado. Desse modo, resilição entende-se dissolução seja por mútuo consentimento, seja por provocação de uma das partes quando lhe é atribuído o direito de a pedir.”[7] No caso da resilição contratual, que seria, mutatis mutandis, a natureza desse tipo de cláusula, impõe-se a indenização à outra parte, a fim de se evitar incorrer na violação da boa-fé objetiva e no locupletamento ilícito. No mesmo sentido, recomenda-se que a cláusula, nos contratos administrativos, tenha essa previsão de indenização ao particular, fazendo-se, inclusive, uma interpretação analógica com a Lei nº. 8.666/1993, que, no caso da rescisão unilateral por razão de interesse público superveniente, prevista no artigo 78, inciso XII, assim determinava: “Art. 79 (…) § 2º Quando a rescisão ocorrer com base nos incisos XII a XVII do artigo anterior, sem que haja culpa do contratado, será este ressarcido dos prejuízos regularmente comprovados que houver sofrido, tendo ainda direito a: I – devolução de garantia; II – pagamentos devidos pela execução do contrato até a data da rescisão; III – pagamento do custo da desmobilização.” A previsão desse ressarcimento ao particular, indubitavelmente, atende ao princípio da vedação ao enriquecimento ilícito que deve ser observado, além das relações privadas, mas, também, pela Administração Pública em suas contratações. Conclusão A Lei nº. 13.303/2016, que regulamentou o artigo 173, parágrafo primeiro, da Constituição Federal, previu tão somente a necessidade das empresas estatais estabelecerem, em seus contratos as hipóteses de rescisão, de forma genérica, como cláusula geral, não prevendo as hipóteses expressas de rescisão, diferentemente do regramento que havia no regime previsto pela Lei nº. 8.666/1993. Nesse sentido, a Lei das Estatais não dispôs, de modo expresso, sobre a possibilidade de rescisão unilateral por razões de interesse público. Contudo, a inexistência de texto expresso na Lei nº. 13.303/2016, como se pôde verificar, não é causa impeditiva para a sua previsão nos regulamentos, contratos, convênios e ajustes celebrados pelas empresas estatais, tendo em vista que a obrigatoriedade da observância do princípio da impessoalidade e do princípio da supremacia do interesse público são corolários da Constituição Federal, bem como do ordenamento jurídico administrativo brasileiro, na medida em que há a sua previsão expressa na Lei nº. 9.784/1999, e, ainda, fazendo-se um paralelo com o Direito Civil, há a autorização para a rescisão unilateral no artigo 473, do Código Civil. Desse modo, é juridicamente possível às empresas estatais, com fulcro em uma interpretação sistemática, a rescisão unilateral por razões de interesse público, devendo-se observar, todavia, a necessidade de indenização do contratado em caso de eventuais prejuízos regularmente comprovados.
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-172/a-possibilidade-juridica-de-rescisao-unilateral-por-razao-de-interesse-publico-superveniente-nos-contratos-administrativos-sob-a-egide-da-lei-n-13-303-2016/
Modalidades e tipos de licitação no Brasil
Aborda as modalidades e tipos de licitações previstos na Lei de Licitações acerca da busca pela proposta mais vantajosa à administração pública discorrendo sobre dispositivos legais da lei 8.666/93 os quais indicam a obrigatoriedade da Administração Pública e das Entidades da Administração Pública Direta e Indireta de realizar o procedimento de Licitação para a realização de serviços relativos a obras e serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações em todo o âmbito dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. É necessário diferenciar modalidades de tipos de licitação, pois as modalidades especificam as características e os procedimentos do certame, já os tipos de licitação determinam a forma como serão julgadas as propostas, ou seja, constituem critérios de julgamento. A necessidade de se realizar licitação para adquirir bens e serviços atende ao princípio da probidade administrativa, bem como a necessidade de transparência nos atos desta. É Possível observar também a importância do princípio da isonomia que envolve todo o procedimento da licitação, como o princípio que assegura a todos os concorrentes envolvidos, igualdade de condições como claúsulas que determinam obrigação de pagamento, adjudicação entre outras.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO Através de relatos históricos é possível que a licitação tenha surgido na Europa medieval para atender a necessidade do Governo de adquirir bens e serviços de que não dispunha. O processo de licitação tinha início com a divulgação do instrumento convocatório no qual continha o local, o horário e a data e era distribuído a todos. No local reuniam-se o representante do Estado e todos os interessados. Para esse processo dava-se o nome de “Vela e Pregão”. Era costume acender-se uma vela[1] para dar início ao certame, cujos participantes (licitantes) ofereciam lances até que a vela se apague por si só ou queimando até o final e o vencedor seria aquele que ofertasse o último lance de menor preço (DISTEFANO,2004). A palavra licitação é derivada do latim licitatione que significa arrematar em leilão. Sendo assim nos remete à idéia de oferecer, arrematar, fazer preço sobre algo, disputar ou concorrer (MOTTA,2005:1). No Brasil o processo de licitação é regulamentado pela lei 8.666 de 21 de junho de 1993. Mas foi em 1987 através dos Decretos-Lei 2.348 e 2.360 que foi estabelecido o Estatuto Jurídico das Licitações e Contratos Administrativos que regulamentava a matéria através de normas gerais e especiais. Vários dispositivos trataram da matéria, mas foi apenas com a Constituição Federal de 1988 que a matéria recebeu a devida importância sendo tratada a partir de então como princípio constitucional obrigando sua observância pela Administração Pública tanto em âmbito federal como estadual e municipal, além do Distrito Federal. De acordo com a lei 8.666/93 art 1º Esta lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.  Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. (Art 37 XXI) Licitar é princípio constitucional vinculado ao princípio da indisponibilidade e ao princípio da supremacia do interesse público. CONCEITO DE LICITAÇÃO Licitação é o procedimento administrativo mediante o qual a administração pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse. Destina-se a propiciar iguais oportunidades aos que desejam contratar com o poder público, dentro dos padrões previamente estabelecidos pela administração pública e atua como fator de moralidade e eficiência nos negócios administrativos, traduzidos na escolha da melhor proposta. Realiza-se através de uma sucessão de atos vinculantes para a administração e os proponentes, sem a observância dos quais são nulos o procedimento da licitação e o contrato subsequente (MEIRELLES,2007:100). A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhe são correlatos (artº3 lei 866/93). “Licitação em suma síntese é um certame que as entidades governamentais devem promover e no qual abrem disputa entre os interessados em com elas travar determinadas relações de conteúdo patrimonial, para escolher a proposta mais vantajosa às conveniências públicas. Estriba-se na idéia de competição, a ser travada isonomicamente, entre os que preencham os atributos e aptidões necessários ao bom cumprimento das obrigações que se propõem assumir.” ( BANDEIRA,2011) O princípio constitucional da isonomia se refere à igualdade entre os licitantes como impeditivo de discriminação entre estes durante o certame mediante cláusulas do edital ou convite, julgamentos tendenciosos que favoreçam uns em detrimento de outros sem atender efetivamente qualquer interesse da administração pública. A vinculação ao edital é o princípio que observa do início do procedimento até o julgamento a estrita observância das normas do edital, posto que o edital vincula tanto os licitantes quanto a administração pública aos termos do edital. O princípio do julgamento objetivo deve estabelecer absoluta relação com os critérios indicados no edital afastando qualquer possibilidade de julgamento subjetivo, ou seja fatores concretos. O princípio da publicidade envolve todo o processo de licitação desde a abertura do edital até a análise da documentação. “A licitação não será sigilosa, sendo públicos e acessíveis ao público os atos de ser procedimento, salvo quanto ao conteúdo das propostas até a respectiva abertura. Art 3º V §3º O princípio da moralidade significa atuar dentro dos princípios éticos e nele está compreendido também os princípios da legalidade e boa-fé. Este princípio impõe tanto à administração quanto aos licitantes o dever de atuarem de forma honesta e escorreita (BANDEIRA,2011:122,547) O princípio da impessoalidade está relacionado diretamente ao princípio da isonomia ou igualdade e vem explícito no art 37º da constituição federal quando “diz que todos são iguais perante a lei” o que significa dizer que também o são diante da administração pública.(BANDEIRA,2011,117) A probidade administrativa é a retidão, honestidade e rigor com que os funcionários públicos devem agir no exercício da função pública de forma a respeitar as normas e leis sem se valer das facilidades que encontra na condição de servidor público para tirar vantagens pessoais ou para terceiros. O princípio da legalidade está estritamente relacionado com a lei, ou seja, a administração pública só pode fazer o que está previsto em lei ou o que a lei autoriza. Em outras palavras tal princípio coaduna-se com a atuação da administração pública sem finalidade própria, mas somente em respeito à finalidade imposta em lei. (MORAES,2014:341) Modalidades de licitação: A lei 8.666/93 estabelece no artº 22 cinco modalidades de licitação: Concorrência é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados que, na fase inicial de habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação exigidos no edital para execução de seu objeto. Nesta modalidade são observados os princípios da publicidade e da universalidade os quais garantem a ampla divulgação do aviso do edital e participação de quaisquer interessados que preencham os requisitos necessários (MOGIONI, p 3,2017).   A concorrência é utilizada para aquisição de bens de grande grandes econômicos, é inclusive obrigatória para obras e serviços de engenharia com valores acima de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) e para os demais objetos é obrigatória a modalidade da concorrência para valores acima de R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais). Os grandes valores envolvidos é que justificam os critérios mais rigorosos desta modalidade.(MAZZA, p 370, 2013). Porém, a concorrência é obrigatória, qualquer que seja o valor, nos casos a seguir: – compras e alienações de imóveis; – concessões de direito real de uso; – concessões de serviço público; – registro de preços; -licitações internacionais; -contratos de empreitada integral. Na concorrência o prazo é de 45 (quarenta e cinco) dias entre a publicação do edital e a entrega das propostas no caso dos tipos de licitação melhor técnica ou técnica e preço e de 30 (trinta) dias corridos para o tipo menor preço. Tomada de preços é a modalidade de licitação entre interessados devidamente cadastrados ou que atenderem a todas as condições exigidas para cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas, observada a necessária qualificação. A tomada de preços é a modalidade utilizada para contratação de bens de valores intermediários até R$ 1.5000.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) podendo também ser substituída pela modalidade concorrência ou pela modalidade convite. A modalidade tomada de preços ocorre entre interessados devidamente cadastrados ou que atendam às condições do edital e suas qualificações correlatas até 03 (três) dias antes da data do recebimento das propostas. O intervalo mínimo entre a divulgação do edital e a entrega das propostas é de 30 (trinta) dias corridos para o tipo melhor técnica ou técnica e preço e 15 (quinze) dias para o tipo menor preço. Convite é a modalidade de licitação entre interessados do ramo pertinente ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados em número mínimo de 03 (três) pela unidade administrativa, a qual afixará, em local apropriado, cópia do instrumento convocatório que se chama carta-convite, pois não há edital, e o estenderá aos demais cadastrados na correspondente especialidade que manifestarem seu interesse com antecedência de até 24 (vinte e quatro horas) da apresentação das propostas. Art 22 §3º Se não acudirem o número mínimo de licitantes, mesmo assim pode ser realizado o certame desde que as circunstâncias sejam justificadas. O convite é utilizado para compras de pequeno valor econômico: até R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) para obras e serviços de engenharia e até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) para os demais bens. Concurso é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, mediante a instituição de prêmios ou remuneração aos vencedores, conforme critérios constantes de edital publicado na imprensa oficial com antecedência mínima de 45 (quarenta e cinco) dias. Art 22 §4º Lei 8.666/93 Nesta modalidade existe uma comissão especial para o julgamento das propostas, composta por técnicos ou especialistas habilitados a julgar os concorrentes e estes não necessitam ser agentes públicos. “No caso de concurso, o julgamento será feito por uma comissão especial integrada por pessoas de reputação ilibada e reconhecido conhecimento da matéria em exame, servidores públicos ou não.” Art 51º § 5º da Lei 8.666/93. O critério de julgamento das propostas é o melhor trabalho técnico, científico ou artístico (art.22 §4). Leilão é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para a venda de bens móveis inservíveis para a Administração ou de produtos legalmente apreendidos ou penhorados, ou para a alienação de bens móveis prevista no art. 19 a quem oferecer o maior lance, igual ou superior ao valor da avaliação. Entre o instrumento convocatório e a entrega das propostas, o intervalo mínimo é de 15 (quinze) dias. Na prática o leilão é utilizado para a venda de bens, como móveis inservíveis, móveis de valor módico, imóveis oriundos de procedimentos judiciais ou dação, quando a administração optar por leilão ou concorrência. De acordo com o §8 do art. 22 é vedada a criação de outras modalidades de licitação ou a combinação das referidas neste artigo. Tipos de Licitação: De acordo com o art. 45 da Lei 8.666/93:“O julgamento das propostas será objetivo, devendo a Comissão de licitação ou o responsável pelo convite realizá-lo em conformidade com os tipos de licitação, os critérios previamente estabelecidos no ato convocatório e de acordo com os fatores exclusivamente nele referidos, de maneira a possibilitar sua aferição pelos licitantes e pelos órgãos de controle. Dessa forma, os tipos de licitação constituem importantes critérios de julgamento para as propostas. § 1 Para os efeitos deste artigo constituem tipos de licitação, exceto na modalidade concurso. I. a de menor preço– quando o critério de seleção da proposta mais vantajosa para a Administração determinar que será vencedor o licitante que apresentar a proposta de acordo com as especificações do edital ou convite e ofertar o menor preço; Será vencedor o licitante que apresentar menor preço e proposta de acordo com as especificações do edital. II. a de melhor técnica; Este critério para julgamento das propostas é utilizado exclusivamente para serviços de natureza intelectual. III. a de técnica e preço;    Também é utilizado este critério de julgamento para serviços de natureza predominantemente intelectual, além de bens e serviços de informática. IV. a de maior lance ou oferta– nos casos de alienação de bens ou concessão de direito real de uso. Este critério de julgamento é utilizado exclusivamente para a modalidade leilão. Conclusão Buscamos neste trabalho demonstrar de forma clara e objetiva a preocupação do legislador com as contratações públicas, assim toda vez que a administração pública pretender comprar, vender, realizar serviços públicos deverá fazê-los por meio de licitação. Tal preocupação é efetivada através do artigo 37, inciso XXI da CF e da Lei 8.666/93 em que foram disciplinados e assegurados os princípios da transparência, da lisura, da livre concorrência e, em especial, da probidade administrativa.
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Investimento e crise fiscal. Gargalos e prioridades erradas nos investimentos
o presente artigo trata de alguns gargalos da economia brasileira que toca na capacidade do estado de fazer frente ao cumprimento de seus deveres diante do tamanho do seu endividamento diante do qual há a necessidade da reforma previdenciária para evitar um colapso econômico no país no curto-médio prazo. O artigo trata também dos investimentos equivocados do BNDES que priorizou setores que não estão na fronteira da indústria do conhecimento, da ausência de investimentos em infraestrutura que é uma das questões mais prementes do país, desonerações tributárias que também agridem fortemente a saúde fiscal da nação, da indústria naval que consistiu num dos maiores erros de política industrial cometido na história do país, da irresponsável construção de estádios para a copa do mundo, do auxílio moradia para servidores que não corresponde a algo que em tempos de crise seja factível para um país pobre e brutalmente desigual manter. Todos estes são grandes gargalos que impedem o real desenvolvimento do Brasil.
Direito Administrativo
1 Introdução: investimento e crise fiscal O maior problema do Brasil hoje, além do colapso na educação básica, é a questão fiscal. Sem que as pessoas entendam o quanto é importante que a questão fiscal esteja resolvida o país perderá um longo e precioso tempo que ele não pode mais perder. Já perdemos muito tempo debatendo temas que já estão solucionados no mundo e na academia, mas que teimosamente o Brasil continua a não enxergar. A grande questão é perceber as prioridades do país, cessando ou tentando cessar todas as formas de desperdício e de investimentos que não têm futuro, por exemplo, como o trem bala que sem sair do papel consumiu cerca de 1 bilhão de reais (SAFATLE, 2017).  Basta vermos a quantidade de desonerações que ocorreram, as quais tinham o interesse de incentivar os investimentos e a economia do país, e que na verdade acabou levando a um problema fiscal praticamente sem precedentes, que feriu de morte a economia brasileira. Afora outros erros que foram cometidos na condução da política econômica entre 2011 e 2015 (BOLLE, 2017). A quantidade de dinheiro injetada no BNDES foi de uma tal forma que impressiona e confunde no sentido que para um país pobre não é razoável que bancos públicos estejam emprestando dinheiro a juros subsidiados. Sendo que hajam investimentos importantíssimos nas áreas de educação básica, saúde pública e segurança que estão em situação bastante complicada. Um dos maiores problemas do Brasil é a má qualidade da alocação dos escassos recursos que temos. Um destes exemplos mais claramente equivocados foi o trem bala que ligaria Campinas-São Paulo-Rio de Janeiro. Foi das ideias mais desarrazoadas que o estado brasileiro já pensou e tentou executar, de tão estapafúrdia não conseguiu sair do papel, e ainda assim consumiu 1 bilhão de reais. Como bem demonstrou Marcos Mendes quando atuava como consultor do senado nos textos para discussão 77 (2010) e 82 (2011) o trem bala é o típico caso problemático de gestão de investimentos. Os gastos brasileiros com a copa do mundo, com as olímpiadas, com os super-salários, com o inchaço da máquina pública, com desonerações tributárias, com empréstimos dos bancos públicos, com universidade pública gratuita, com auxílio moradia de autoridades, com marketing e propaganda, com 14% do Pib sendo gasto com aposentadorias e pensões entre outros gastos inacreditáveis há algo de profundamente errado com o estado brasileiro e com o próprio país que permitiu-se chegar a um tal nível de disfuncionalidade que beira ao colapso. Todos estes gastos estão num momento em que temos uma dívida pública de 74% do pib, dívida esta que em 2015 era de 51% do pib, e que em dois anos cresceu praticamente 25%, ou seja, se em mais dois anos crescer outros 25% teremos nossa dívida em 100% do nosso pib, isto não é razoável sob nenhum aspecto que se verifique.  2 Previdência social Urge reformar a previdência porque um país de renda média baixa como é o Brasil não pode gastar 14% do pib com 5% da população como o faz, para que se tenha ideia do quanto é isso, é o mesmo que gasta o Japão em termos proporcionais, sendo que a população japonesa é muito mais envelhecida que a população brasileira. Como bem diz o relatório do Banco Mundial Também não podemos esquecer que a expectativa de vida do brasileiro, felizmente, cresce a cada dia. Dados do IBGE informam que a expectativa de vida média do brasileiro é de 75,8 anos (IBGE, 2017). Mas, se olharmos o dado da expectativa de vida de quem já completou 60 anos, certamente essa expectativa é maior, pois olhando a expectativa geral o cálculo apresenta influência forte da morte de homens jovens que se dá com contundência no Brasil. A média das aposentadorias por tempo de contribuição no Brasil se dá aos 54,7 anos. Quando considerada a média de idade de aposentadoria dos servidores públicos da União verifica-se os 60,7 anos de idade. O México que tem uma renda per capita semelhante à nossa tem idade média para aposentadoria de 72,3 anos, o Chile 69,4 anos, o Brasil tem uma idade média geral de aposentadoria de 59,4 anos (MARTELLO, 2016). O Brasil é um dos países com idade menor, a menor idade de aposentadoria de toda a américa latina, sendo que há tanta coisa por fazer no país não há como comprometer tanto dinheiro com aposentadorias, algo precisa ser feito. Por este e vários outros motivos a reforma da previdência é necessária, o tamanho da reforma pode até ser debatido, entretanto, não há dúvida entre os sensatos de que a reforma é mais que necessária. Ainda que neste primeiro momento só passe a idade mínima que deveria ser igual para homens e mulheres em 65 anos. Sendo necessário inclusive um melhor acompanhamento dos idosos de estados paupérrimos da federação como Alagoas, Piauí e Maranhão; estados solapados por oligarquias que os arrasaram. Além dos problemas na previdência do regime geral e regime especial ainda temos o problema das aposentadorias dos servidores estaduais e municipais que estão em vias de colapso em muitos estados e municípios, o caso mais emblemático disto é o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul. Este estado por exemplo já gasta mais com inativos do que com ativos. No caso do Rio de Janeiro e Minas Gerais o gasto com ativos e inativos é quase igual, ligeiramente maior com os ativos. Nos três estados as despesas em geral já superam a receita líquida, no caso do Rio de Janeiro as despesas superam em muito a receita líquida (PORTINARI, 2017). Infelizmente este estado planejou mal ancorando despesas perenes em rendas variáveis (petróleo), quando a cotação do petróleo caiu bastante as receitas do estado colapsaram gerando o caos. E o pior é que não há no horizonte uma alta nos preços do petróleo. Pelo menos na cotação (04 de dezembro de 2017) está em US$ 63,11 para janeiro/18, o que é razoável quando comparado aos US$ 30 de 2016 (JORNAL DO BRASIL, 2017). 3 BNDES O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social recebeu cerca de 500 bilhões de reais do Tesouro Nacional entre 2009 e 2014 para realizar empréstimos a várias empresas do país (OLIVEIRA, 2017). Neste movimento tivemos a tentativa de instituir campeões nacionais, revivendo mais um pesadelo geiseliano. Em 2009 o governo editou uma medida provisória autorizando o Tesouro Nacional para que emitisse cem bilhões de reais em dívida para o BNDES. À época o governo de então achava importante que não faltasse recursos aos investidores (SAFATLE ET AL, 2017). Samuel Pessoa (2017) nos dá uma medida do tamanho do dinheiro que o BNDES injetou no mercado nos últimos anos, ele faz uma comparação muito perspicaz com o plano Marshall, chegando à conclusão de que o banco brasileiro emprestou mais dinheiro do que a quantia do plano americano. Segundo Samuel o plano Marshall, em valores de hoje, ao valor de R$ 315 bilhões com uma cotação de 3,15 reais por dólar. No Brasil entre 2008 e 2014 o BNDES emprestou 400 bilhões de reais. O que impressiona é que enquanto o plano dos americanos ajudou a reestruturar a Europa, o plano “marshall” brasileiro ajudou a destruir o país, se esta enxurrada de dinheiro injetado na economia era para garantir o crescimento o que se viu foi totalmente o contrário, a saber, a dívida pública aumentou drasticamente, o pib parou de crescer e seguiu caindo até entrarmos numa das piores recessões da nossa história, a inflação subiu, os juros subiram. Enfim, crescer não é somente uma questão de dinheiro, é sobretudo uma questão de visão, planejamento e direção correta. Basta que nos voltemos para dois governos militares para ilustrar melhor o que dizemos. Enquanto o governo do Marechal Humberto de Alencar Castello Branco, entre 1964 a 1967, fez um governo austero, com profundas reformas jurídicas, econômicas e administrativas saneando o país e o preparando para um crescimento sustentável que veio logo em seguida e seria conhecido como milagre econômico, milagre coisa nenhuma foi trabalho duro de técnicos sérios. Basta ver que em 1964 a inflação estava em torno de 100% e o pib só crescia 0,6% e que em 1968 já crescia a 9,8% e a inflação em 1969 já estava em torno de 20% (RESENDE, 1989). Já o governo do General Ernesto Geisel resolveu que o país teria de crescer nem que fosse na marra e concedeu empréstimos, abriu empresas estatais, coordenou uma série de ações intervencionistas na tentativa desesperada de fazer o crescimento, como resultado colhemos uma das piores décadas na nossa história, os anos 80, com inflação, queda da atividade econômica, fome, desemprego, falta de perspectiva. Um dos grandes problemas destes incentivos, seja linhas de crédito que injetem diretamente nas empresas ou incentivos indiretos (como desonerações fiscais, por exemplo), é o momento de perceber quando se deve parar ou começar a diminuir tais incentivos (AFONSO ET AL, 2017), sobretudo quando se começa a perceber que os estímulos não estão funcionando. Um dos erros fundamentais do Brasil foi a tentativa de dobrar a aposta e continuar com os incentivos ao longo do tempo, ao invés de ter corrigido o rumo rapidamente o governo brasileiro de então decidiu continuar com aquela política afundando o país numa crise praticamente sem precedentes.  4 Desonerações tributárias As desonerações tributárias foram utilizadas no Brasil de uma maneira muito contundente de uma tal maneira completamente fora da curva. Segundo dados do Ministério da Fazenda estima-se que as desonerações entre 2003 e 2016 chegou aos 3,5 trilhões de reais (FERNANDES, 2017), é muito dinheiro, sobretudo quando o vemos diante da crise fiscal que vivemos hoje. As desonerações não tiveram o efeito desejado e ajudaram a deprimir a economia brasileira na medida em que fragilizaram a capacidade do estado brasileiro tornando-o mais vulnerável em suas bases econômicas o que por si já fragiliza a economia como um todo. Ademais no momento em que se desonera sem realização de estudos profundos que indiquem com bastante precisão os setores estratégicos que possam ser desonerados, por tempo limitado. Sem esquecermos que muitas vezes a desoneração esconde, mascara ineficiências daquele setor, que em verdade para ser competitivo deveria ganhar produtividade e eficiência em larga escala. Não negamos que a carga tributária no Brasil é alta para um país de renda média baixa. Todavia, a nossa produtividade também está muito baixa, sobretudo frente aos desafios que temos pela frente no embate da competição internacional que temos no mundo, sobretudo quando visto o horizonte próximo de um choque tecnológico sem precedentes na história. A disrupção que virá é algo avassalador, é a agenda da 4ª revolução industrial (SCHWAB, 2016), portanto, temos de nos preparar para além de desonerações. Não significa esquecer que precisamos de uma reforma tributária com urgência, sobretudo no que toca à racionalidade e simplificação tributária. Ainda que não se mexesse no tamanho da carga, mas que se facilitasse a maneira de pagar e que o sistema fosse mais claro para facilitar o planejamento tributário das empresas, pois muitas vezes elas se veem diante de um passivo tributário que prejudica sua operacionalidade. Ademais, como diria Bernard Appy no excelente artigo “Tributação e produtividade no Brasil” (2017), havendo grande contencioso tributário prejudica não só as empresas (que terão de gastar mais do que o razoável com advogados e estrutura de acompanhamento jurídico), mas, também o próprio fisco na medida em que este precisará de um grande aparato para acompanhar o andamento destes litígios (APPY, 2017). Veja-se também que no caso do Simples se tem uma renúncia fiscal esperada em R$72 bilhões para 2016, é um custo altíssimo (APPY, 2017). 5 Indústria naval A tentativa de pela terceira vez termos uma indústria naval no Brasil é algo bastante assustador, na medida em que já tínhamos tentado outras duas vezes e não terminou bem. Seria fundamental que iniciássemos o aprendizado com nossos erros, para tentarmos começar a acertar nestas políticas industriais que são tão importantes para o nosso desenvolvimento. Há uma questão acerca da indústria naval que Marcos Lisboa fala num seminário (2015) que dá para importar navios, mas infelizmente, não há como importar estradas e precisamos de estradas. Afinal, estradas são fundamentais para que possamos escoar nossa produção para gerar um círculo virtuoso em nossa economia. É o que dizemos abaixo, no próximo item de infraestrutura logística, não temos como importar portos, hidrovias, ferrovias, rodovias, aeroportos; aviões já fazemos bem, mas não temos como aprender a fazer navios de grande porte a um custo aceitável com o tamanho das demandas que o país precisa resolver, é inviável. Sobretudo quando pensamos que metade das residências brasileiras ainda padecem da falta de saneamento básico, é um problema que não pode persistir, justamente por isso é que deveríamos, ao invés de construir navios, erradicar o problema do saneamento o mais brevemente possível. A indústria naval consumiu investimentos da ordem de R$45 bilhões, e em 2017 já demitiu mais de 50 mil funcionários e tem dívidas bilionárias (PEREIRA, 2017). 6 Infraestrutura logística Precisamos avançar nos investimentos em infraestrutura, sobretudo, na questão da infraestrutura logística; sem eficiência neste setor não há como ser competitivo com o mundo. Muitas vezes o que acontece conosco é que temos produtos competitivos, sobretudo na agropecuária, mas quando incidem a carga tributária e a demora em transportar os produtos em virtude das estradas ruins e ausência de ferrovias, hidrovias, aeroportos, ademais quando se pensa nos portos tão desestruturados como estão os nossos, temos então um profundo desincentivo a produzir no Brasil pela dificuldade no escoamento desta produção. Lembrando sempre que as fronteiras agrícolas, por exemplo, têm alavancado o crescimento do país. Boa parte dos grãos gerados nas fronteiras novas da região centro-oeste e no Mato Grosso, Piauí e Bahia passaram a ter fins de exportação, sobremodo na última década, entretanto, pela falta de portos na região norte e nordeste estes grãos atravessam boa parte do país, cerca de mais de dois mil quilômetros para alcançar os portos de Santos e Paranaguá (ROCHA ET AL, 2017). São deficiências que, além de nos prejudicar na competição global, impedem o nosso avanço e aumento da produtividade na medida em que temos tais impedimentos estruturais que atingem os mais variados setores. Como bem apontam Julia Noronha e Cláudio Frischtak o setor de transportes (2017), no segmento de infraestrutura logística que é composto de portos, rodovias, ferrovias, aeroportos e hidrovias, sem esquecer o de mobilidade urbana. Todos estes setores poderiam ser privatizados com boa regulação, o dinheiro poderia ser utilizado para abater a dívida pública e certamente teríamos um melhor funcionamento destes “equipamentos”. Ainda há um grande espaço de privatização no Brasil, seria muito importante aproveitar porque um sistema de transportes eficiente será fundamental para retomarmos um crescimento importante. Aqui vale lembrar a luta de Roberto Campos pela privatização das companhias estatais, sobretudo Vale e Petrobras (BRANCO, 2017), as palavras de Campos ainda são válidas hoje para a infraestrutura e também para o setor de saneamento e energia. Para ver o quanto é importante a infraestrutura no desenvolvimento econômico ver Claudio Frischtak, “Infraestrutura e desenvolvimento no Brasil” (2013). Os investimentos em infraestrutura no Brasil têm sido decepcionantes. Se nos anos 70 investíamos 5,5% do pib (GIAMBIAGI; SCHWARTSMAN, 2014), atualmente investimos cerca de 1,5% do pib, em 2016 foi 1,7% , em 2015 foi de 2,1% do pib a taxa de investimento em infraestrutura (ADIB, 2017). 7 Estádios para a Copa É fundamental perceber que um dos maiores problemas no nosso investimento público é o erro colossal no foco. Pena que o nosso erro não está adstrito ao foco, erramos em quase tudo, no foco (escolhas de investir), na gestão, no acompanhamento dos investimentos, no aprendizado com os sucessos ou fracassos com tais investimentos. Vejamos o quanto foi gasto com os estádios para a copa do mundo. Foram gastos cerca de 8 bilhões de reais em algo totalmente supérfluo diante dos grandes problemas que temos no país. Veja-se na lista abaixo os estádios e seus respectivos custos: Arena Pantanal (Cuiabá) R$ 583 milhões Arena das Dunas (Natal) R$ 400 milhões Arena Amazônia (Manaus) R$ 660,5 milhões Beira-Rio (Porto Alegre) R$ 330 milhões Castelão (Fortaleza) R$ 518,6 milhões Fonte Nova (Salvador) R$ 684,4 milhões Arena da Baixada (Curitiba) R$ 391,5 milhões Arena Pernambuco (Recife) R$ 532,6 milhões Maracanã (Rio de Janeiro) R$ 1,050 bilhão Mineirão (Belo Horizonte) R$ 695 milhões Arena Corinthians (São Paulo) R$ 1,080 bilhão Mané Garrincha (Brasília) R$ 1,403 bilhão (GE, 2015) Se calculássemos a partir de um projeto de escolas de 12 salas ao custo por escola de R$ 6 milhões (MEC, 2009), o montante de R$ 8,3 bi daria para construir cerca de 1.400 escolas. Digamos que cada sala que comporte 30 alunos, esta verba atenderia 504.000 alunos. Sob nenhum parâmetro de racionalidade se explica que a opção que foi feita para recursos tão importantes tenha sido a de construir estádios que hoje não servem para nada, basta ver o exemplo do Maracanã (GASPARI, 2016) que se encontra na situação de que ninguém quer administrá-lo. Sendo que o gasto total com a copa ultrapassou os 25 bilhões de reais (BRANDÃO, 2014). Para um país com o nível de ineficiência e pobreza que o Brasil possui ele não pode ser dar ao luxo de gastar uma quantia tão impressionante para um evento esportivo que acrescenta muito pouco ao país num momento tão crítico de sua história. Efetivamente, dever-se-ia construir em cada grande cidade brasileira, em vez de ridículos e caríssimos estádios, (um) megacentro(s) escolare(s) para otimizar os custos, fazer uma (ou mais de uma, a depender do tamanho da cidade) grande escola, o quanto maior possível, que fosse um centro integrado de escola, centro médico e odontológico, esportivo, com laboratórios para educação empreendedora, com ligações para o mundo empresarial, para verificar o que o mercado precisa ou precisará e ligar a profissionalização do mercado à formação dos profissionais, facilitando com isso a empregabilidade das pessoas e otimizando a economia instalada que o país já possui. A área da cidade destinada a estas megaescolas seriam desenhadas para servir à escola em termos de racionalidade de trânsito, urbanismo, equipamentos públicos etc. O próprio país teria de se voltar para o grande esforço educacional, tudo o mais seria menor diante desse desafio, tudo o mais estaria em segundo plano. Teríamos de ter uma agenda institucional que tentasse também inocular na população a necessidade deste escopo, num esforço de convencimento para que a própria população também se voltasse para este foco de se tornar um povo mais educado, mais empreendedor, mais inovador, mais desafiador e que quisesse efetivamente construir a capacidade de se lançar aos desafios globais e ser respeitados nos fóruns internacionais de peso, e mais importante do que tudo, ser um povo com uma vida digna, de qualidade, com o atendimento dos valores básicos de saúde, educação, segurança, liberdade, cidadania, conhecimento, livre-iniciativa para construir riquezas. 8 Auxílio-moradia e afins Várias autoridades do serviço público recebem auxílio-moradia, além de outros auxílios. Vamos nos centrar somente no auxílio-moradia, tramita no senado um projeto do senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP) que acaba com o auxílio-moradia para autoridades, segundo o senador haveria com esta medida uma economia de cerca de 1 bilhão de reais por ano ao erário (CARVALHO, 2017). Esta seria uma medida importante diante da imensa crise fiscal pela qual passamos neste momento no país, a qual deve permanecer ainda por alguns anos, na medida em que o tamanho do ajuste fiscal a ser feito no Brasil é imenso e tem de ser feito com grande sapiência para causar o menor dano possível na economia. Somente no judiciário e ministério público da união o gasto com auxílio-moradia chega a 1,6 bilhão de reais segundo estimativa do senado federal (GUERRA, 2017). Para as carreiras de estado que ganham acima de R$15.000 defendemos que não hajam penduricalhos como auxílio-moradia ou equivalentes. Bem como que a regra do teto seja rigorosamente cumprida. Conclusões O que faltou no século XXI na economia brasileira foi estabilidade e reforma. Houve uma janela de oportunidade nos últimos 15 anos com a liquidez do mundo, o crescimento da China, a globalização, os ganhos tecnológicos que proporcionariam ao Brasil poder realizar uma série de reformas estruturais que garantiria um crescimento sustentável e duradouro que nos impulsionaria para o clube dos países ricos, mas infelizmente não soubemos aproveitar esta janela de oportunidade, teimamos em repetir velhos erros, como se quem precisasse aprender não fôssemos nós e sim a realidade, como se em verdade nossos erros sempre estivessem certos quem estava errada era a realidade ainda que ela não entendesse isso e sempre nos quebrasse em virtude de nossos   “acertos”. Não deixa de ser interessante vermos as previsões fiscais, do Fabio Giambiagi no excelente “Brasil: raízes do atraso,” para os anos de 2008 e seguintes, mal sabia ele que seria tudo ao contrário, eis suas previsões: “redução gradual dos tributos, contenção de despesas correntes de 2008 em diante, diminuição do gasto previdenciário, aproximação entre a TJLP e a Selic para diminuir o custo fiscal (GIAMBIAGI, 2007). A partir da assunção da nova equipe econômica capitaneada por Henrique Meirelles e com Ilan Goldfajn no comando do Banco Central que essas previsões estão sendo encaminhadas, entretanto com muito atraso e com uma perda de oportunidade imensa, pois, era para o país ter feito este movimento ainda em 2006/2007, então há um custo de oportunidade perdida incrível. No final das contas, todos os tópicos tocados neste artigo poderiam se resumir a somente um, a saber, a qualidade das instituições. Douglas North (1995) já falava de há muito da importância das instituições para o desenvolvimento econômico, é algo também bastante salientado por Acemoglu e Robinson (2012), tivéssemos instituições suficientemente capazes, suas próprias existências, a tessitura institucional que as compõe, seu próprio DNA faria com que tantas decisões equivocadas não passassem ou se passassem fossem corrigidas à tempo, mas infelizmente não foi assim que se deu. As instituições têm melhorado no Brasil com o passar dos anos, mas ainda é um movimento muito lento e insuficiente para o tanto que temos de avançar e nos desenvolver. Exemplo disto é o caso das instituições fiscais (sobretudo Bacen e Ministério da Fazenda), acaso elas tivessem sido mais rigorosas no início do processo de deterioração fiscal no Brasil certamente não teríamos chegado ao ponto em que chegamos. O TCU foi quem melhor atuou no período; mas ao mesmo tempo os tribunais de contas dos estados da federação deixaram muito a desejar. Afinal, responsabilidade fiscal é um dos fatores mais importantes para o desenvolvimento econômico (SALTO; ALMEIDA, 2016) (LANDES, 2003, p.558). Sem uma liderança sensata somente as instituições podem garantir o bom andamento das coisas, por isso Deng Xiaoping se empenhou tanto pela melhor composição possível dos postos chave do exército e do politburo chinês (MARTI, 2007). Para uma leitura mais ampla da história e da economia brasileiras recomendamos dois livros, a saber, “A ordem do progresso” organizado por Marcelo de Paiva Abreu (1989) e o recém lançado “História da riqueza no Brasil” de Jorge Caldeira (2017), são livros fundamentais para entender nossas escolhas e muitas das dificuldades com as quais deparamos em nossa trajetória civilizacional.
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-172/investimento-e-crise-fiscal-gargalos-e-prioridades-erradas-nos-investimentos/
A retrocessão na desapropriação pública
O Direito de Retrocessão na Desapropriação Pública abrange grande repercussão devido à discussão de sua natureza jurídica. Tal direito é representado por três correntes doutrinárias majoritárias, a que entende ser um direito real, um direito pessoal e uma corrente mista. A retrocessão está presente em nosso ordenamento jurídico de forma implícita, através de princípios e direitos fundamentais previstos no Texto Constitucional, e também pelo atual Código Civil. É uma garantia ao expropriado diante da Administração Pública, pois, não sendo utilizado o bem para a devida finalidade, o ex-proprietário poderá, conforme a doutrina, exercer seu direito de reivindicar o bem ou pleitear indenização por perdas e danos, ou ainda, conforme corrente mista, poderá exercer o direito de forma alternada. Contudo, a falta previsão em lei especifica, como não foi abordada nem mesmo pela Lei Geral de Desapropriação, passou a gerar uma enorme lacuna quanto a sua natureza jurídica. Este artigo tem como objetivo proporcionar uma melhor compreensão a respeito de qual seria a corrente doutrinária aplicável a esse direito. Com isso, tornou-se necessário no curso desta pesquisa, buscar análises históricas e decisões dos tribunais, além de obras renomadas que tratam sobre o assunto em especifico, chegando a um resultado final.
Direito Administrativo
Introdução: O presente trabalho visa analisar o direito de retrocessão na desapropriação pública, qual abrange grande repercussão a respeito de sua natureza jurídica. Esse direito é representado por três correntes doutrinárias majoritárias: a que entende tratar-se de um direito real, outra de um direito pessoal e uma corrente mista. A pesquisa se voltou, primeiramente, à propriedade, que é objeto principal da desapropriação, passando a abordar então o direito de propriedade e seu devido conceito e características, além do condicionamento através do cumprimento da função social. Quanto ao instituto da desapropriação, se fez necessário apresentar a evolução histórica deste direito de forma geral, com conceitos, características, pressupostos e normas previstas. Devido à desapropriação ser um pressuposto para o direito de retrocessão ao expropriado, foi necessário ainda, esclarecer o procedimento, os objetos passíveis à expropriação, às formas de pagamento a titulo de indenização, e por fim a destinação do bem desapropriado. Nesse passo, foi possível abordar a temática do trabalho, a retrocessão, através do contexto histórico de suas previsões em normas antecedentes, para que adiante, fosse traçado seu conceito e características, e ainda, uma possível tese de qual seria sua natureza jurídica. Chegando então a problemática do trabalho, foram apresentadas três correntes majoritárias que se referem à natureza jurídica da retrocessão, analisando-as de forma completa, apontando suas teses e características e, consequentemente, sendo possível chegar à conclusão do direito a ser aplicado ao instituto: real, pessoal ou conforme a corrente mista. O trabalho teve seu desenvolvimento obtido por técnica de pesquisas bibliográficas, utilizando-se de livros e artigos de renomados autores. Além disso, o estudo foi feito pelo método dedutivo, com a intenção de garantir a precisão dos resultados, a fim de evitar distorções na análise de interpretações. Utilizou-se também meios de pesquisa documental, como a Constituição Federal, legislações concomitantes ao caso e jurisprudências relacionadas ao assunto. 1. Do Direito de Propriedade: O direito de propriedade é direito individual previsto na Constituição Federal de 1988, no rol do artigo 5°. Como todo direito individual, o direito de propriedade é considerado clausula pétrea, não podendo ser alterado nem mesmo por Proposta de Emenda Constitucional (PEC). O Código Civil também traz previsão do direito de propriedade em seu artigo 1.228, ao passo que “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la (…)” (BRASIL, 2002). Costumava-se dizer, no que tange a respeito de suas características, que o direito de propriedade é um direito absoluto, exclusivo e perpétuo. Entende-se por absoluto, devido o proprietário ter sobre a coisa o poder jurídico permanente. Contudo, a exclusividade, de forma geral, passa a completar o absolutismo da propriedade, pelo motivo de o proprietário não ter nenhuma concorrência frente à coisa, ou ainda, que possa ter seu direito privado de forma alguma, salvo ao Estado, no processo expropriatório, onde prevalecerá o interesse público sobre o privado.  Considera um direito perpétuo, no sentido de que ela só poder se extinguir pela vontade do proprietário através da alienação, e ainda, visto que, a propriedade tem duração ilimitada, e mesmo que transmitida a terceiros, ainda se caracteriza perpétua. Em conformidade, segundo Cunha Gonçalves apud Rodrigues (2009, p. 78), o direito se define como, “aquele que uma pessoa singular ou coletiva efetivamente exerce numa coisa determinada, em regra perpetuamente, de modo normalmente absoluto sempre exclusivo, e que todas as outras pessoas são obrigadas a respeitar.” No mesmo entendimento, Celso Ribeiro Bastos (1994, p. 169), conceitua o direito de propriedade como: “Um direito subjetivo, consistente em assegurar a uma pessoa o monopólio da exploração de um bem e de fazer valer essa faculdade contra todos os que eventualmente que a ela se opor […]. Nos Estados de doutrina individualista, o direito de propriedade erige-se num dos direitos fundamentais do homem.” Neste interim, deve notar-se que o direito de propriedade está condicionado ao cumprimento da função social previsto na Lei Maior, qual exige que o proprietário cumpra os requisitos previstos no texto. Tratando-se de um direito fundamental, é notório ressaltar que qualquer restrição a este, só pode ser considerada licita quando prevista na própria Constituição, como é o caso da intervenção do Estado por meio da desapropriação, fundada nos Princípios da Supremacia do Interesse Público, bem como da Função Social da Propriedade. Assim, o Estado poderá intervir na propriedade privada em face do bem estar público, obedecendo aos limites constitucionalmente previstos. Caso a propriedade esteja cumprindo sua função social, poderá o Poder Público intervir somente com base na supremacia do interesse público sobre o particular, indenizando proprietário de forma prévia, justa e em dinheiro. Por outro lado, se a propriedade não estiver cumprindo sua função social, haverá a tomada da propriedade para que integre ao patrimônio público, fazendo sua redistribuição para que possa cumpri-la, indenizando o ex-proprietário com títulos da dívida pública. 2. Da Desapropriação: A desapropriação é o procedimento pelo qual o Estado transforma compulsoriamente uma propriedade privada em propriedade pública. Trata-se então, de um direito público voltado ao direito de propriedade, onde ambos caminham, no geral, lado a lado. Quando se refere ao instituto da desapropriação, é inevitável não direcionar o pensamento ao direito de propriedade. Com base nisso, Clóvis Beznos (2006, p. 17), reforça o entendimento e afirma que “o instituto da desapropriação caminha, historicamente, em paralelo com a noção de propriedade individual.” Nesse passo, a “desapropriação, vista pelo ângulo do direito civil, é perda da propriedade, mas, encarada sob o ângulo do direito público, é o procedimento complexo que leva o Estado à aquisição da propriedade.” (SALLES, 1992, p. 13). Objetivamente é, ao mesmo tempo, perda e aquisição, onde através de atos realizados pelo Estado, obriga o titular do bem a transferir-lhe a propriedade mediante indenização, para atender a necessidade. A doutrina brasileira tem excelente contribuição para a definição do instituto da desapropriação, que é apresentada com os mais variados conceitos. Alguns adotam o conceito mais elaborado, como o apresentado por José Carlos de Moraes Salles, segundo o qual, desapropriação seria: “Instituto de direito público, que se consubstancia em procedimentos pelo qual o Poder Público (União, Estados-membros, Territórios, Distrito Federal e Municípios), as autarquias ou as entidades delegadas autorizadas por lei ou contrato, ocorrendo caso de necessidade ou de utilidade pública, ou, ainda, de interesse social, retiram determinado bem de pessoa física ou jurídica mediante justa indenização, que, em regra, será prévia e em dinheiro, podendo ser paga, entretanto, em títulos da dívida pública ou da dívida agrária, com cláusula de preservação do seu valor real, nos casos de inadequado aproveitamento do solo urbano ou de reforma agrária rural, observados os prazos de resgate estabelecidos nas normas constitucionais respectivas” (SALLES, 1992, s.p). Outros como Diogenes Gasparini (2009, p. 832), por sua vez, apresentam conceitos simplórios, e define desapropriação como: “O procedimento administrativo pelo qual o estado compulsoriamente, retira de alguém certo bem, por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social e o adquire, originariamente, para si ou para outrem, mediante prévia e justa indenização, paga em dinheiro, salvo os casos que a própria constituição enumera, em que o pagamento é feito com títulos da dívida pública (art. 182, § 4°, III) ou da dívida agrária (art. 184).” É de se notar, que a definição de desapropriação dificilmente consegue compor-se a algo universal, até por que outros países conceituam o instituto de forma diferenciada em partes, mas mesmo assim, não se perde a essência do procedimento expropriatório. Além de sua previsão normativa Decreto-Lei n°. 3.365, de 21 de Junho de 1941, constitucionalmente a desapropriação é regulada nos seguintes artigos: Art. 5°, XXIV, Art. 182, §4°, art. 184 e art. 243, todos da Constituição Federal. Sendo assim, sabendo que a desapropriação gera a perda da propriedade do particular, ao contrario das outras intervenções, como as servidões e as limitações, se torna, portanto, o procedimento expropriatório, a forma mais radical de intervenção da Administração Pública nos bens privados. 2.1. Utilidade e Necessidade Pública: A desapropriação é possível desde que a Administração Pública obedeça às condições de: necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, pagamento de indenização prévia, justa e em dinheiro, no caso de desapropriação comum e em títulos especiais da dívida pública quando se tratar de desapropriação para política urbana ou para reforma agrária, nos termos e condições dos artigos 182 e 184 e ss., respectivamente. A utilidade pública existe quando a transferência da propriedade privada é conveniente e vantajosa ao interesse público, mas não constitui imperativo irremovível. Já a necessidade pública surge quando a Administração se encontra diante de um problema inadiável e premente, isto é, que não pode ser removido nem procrastinado e para cuja solução é indispensável incorporar no domínio do Estado o bem particular. Segundo Salles (2009, p. 81), os conceitos se definem em: “A utilidade pública se apresenta quando a transferência de bens de terceiros para a Administração é conveniente, embora não seja imprescindível. A necessidade pública surge quando a Administração defronta situações de emergência, que, para serem resolvidas satisfatoriamente exigem a transferência urgente de bens de terceiros para o seu domínio e uso imediato”. É correto ressalvar que a noção de necessidade pública já está inserida na de utilidade pública, pois suas qualidades são muito relativas, assim sendo, o que para alguns é apenas útil, para outros, é necessário. O exemplo clássico dos economistas Oliveira e Cruz apud Cretella Júnior (1972, p.29), ensina que: “a capa esfarrapada de um pobre lhe é absolutamente necessária, já para lhe cobrir-lhe a nudez […]; para o menos pobre, será apenas útil; para o remediado e para o rico, inteiramente inútil”. As hipóteses de necessidade e utilidade pública estão previstas no Decreto nº. 3.365/41, o qual não faz qualquer distinção entre esses dois pressupostos. Nesse sentido Eurico Sodré (1955, p. 51), em sua obra afirma que: “Necessidade e utilidade pública se equiparam quando se trata de desapropriar, podendo, por isto, ser consideradas como sinônimas, para esse efeito. Tanto isto é certo que a lei vigente – Dec. 3.365/41 – aboliu a distinção entre elas, catalogando como de utilidade pública todos os casos outrora contemplados como de necessidade pública, nas leis extravagantes e no Código Civil.” De fato o Decreto 3.365/41 ao estabelecer as hipóteses de necessidade ou utilidade pública em seu artigo 5º caput, não fez diferenciação entre elas, apenas descreveu todas as possibilidades como de utilidades públicas. Para alguns autores, inclusive, os pressupostos da desapropriação (necessidade pública, utilidade pública, ou ainda, interesse social) poderiam reduzir-se a um único: o de utilidade pública. No entanto, outros, consideram útil a divisão por realçar melhor os casos em que a desapropriação é permitida. 2.2 Interesse Social: O interesse social, como pressuposto para a desapropriação, surge quando o ato expropriatório se destine a solucionar os chamados problemas sociais, isto é, aqueles diretamente atinentes às classes pobres, aos trabalhadores e a massa do povo em geral, pela melhoria nas condições de vida e pela mais equitativa distribuição da riqueza, ou seja, pela atenuação das desigualdades sociais. No geral, seu caráter fundamental consiste nas hipóteses em que realça a função social, aplicada ao proprietário que não a cumpre. Para Salles (2009, p. 81), se resume da seguinte forma: “O interesse social ocorre quando as circunstâncias impõem a distribuição ou condicionamento da propriedade para seu melhor aproveitamento, utilização ou produtividade em benefício da coletividade, ou de categorias sociais merecedoras de amparo específico do Poder Público.” Dentre as hipóteses de desapropriação por interesse social, a primeira é aquela feita pela união para fins de reforma agrária, que recai sobre imóveis rurais que descumprem a função social. Vale lembrar que devem ser preenchidos simultaneamente requisitos para que se atenda a função social da propriedade rural, que são: o bem estar de empregados e proprietários; obedeça às exigências mínimas de produtividade; cumpra a legislação ambiental; observe a legislação pertinente às relações de trabalho. Faltando algum dos requisitos, o imóvel desatende a função social e se torna passível para fins de reforma agrária. Já a outra, é a desapropriação feita pelo município para fins de política urbana. A desapropriação urbanística é de competência exclusiva do município e recai sobre imóveis urbanos que descumpram a função social, qual diverge da rural. O Imóvel urbano cumpre sua função quando atende as exigências estabelecidas no plano diretor, que é uma lei municipal e que fixa as diretrizes de uso e ocupação do solo urbano. Por sua vez, as hipóteses não vieram disciplinadas no Decreto 3.365/41, isto, pois, foi editado sob a égide da Constituição de 1937, que não previa a desapropriação por interesse social. Esta só veio a ser mencionada na Constituição de 1946 (§16 do art. 141), de sorte que apenas em 1962 veio à luz o primeiro diploma legal sobre desapropriação por interesse social, a Lei nº. 4.132, seguido mais tarde pela Lei 4.504 de 1964 (Estatuto da Terra), que estabeleceu outros casos de desapropriação dessa natureza. Percebe-se, portanto, que esta modalidade será utilizada para promover a justa distribuição da propriedade (reforma agrária) ou então, para fazer uso ao bem estar social, ou seja, a propriedade a ser expropriada precisa estar desatendendo sua função social. 3. Da Retrocessão: Historicamente, entende-se que o instituto da retrocessão sempre esteve previsto nas Constituições já existentes no Brasil, mesmo que em alguns momentos de forma implícita no conteúdo do direito de propriedade. Além disso, teve uma considerável previsão na Lei da Província de São Paulo e no Código Civil de 1916. No entanto, o instituto da retrocessão apareceu em nosso direito positivo, de forma embrionária, no artigo 5° da Lei n° 57 de 1836, quando deu ao proprietário o direito de recurso ordinário para a Assembleia Legislativa Provincial, caso pretendesse a restituição da propriedade. A palavra retrocessão surgiu do latim “retrocessos”, que significa retrocesso, retrocedimento, recuo, regredimento. O instituto exprime a ação de voltar para trás, de retroagir, de regressar ou retroceder. É também denominada reversão ou reaquisição, ou ainda, tecnicamente significa “o ato por meio do qual aquele que adquire determinado bem transfere este para a pessoa de quem o adquira.” (FERREIRA, s.d, p. 1242). Esse direito é titularizado pelo expropriado em reaver o bem desapropriado pelo preço da indenização, devidamente atualizado – em razão de eventuais melhorias ou deterioramentos provocados após a desapropriação –, nos casos em que se comprovar que a destinação do bem não foi de natureza pública, independente da modalidade de desapropriação empregada. A retrocessão em sua problemática conceitual, de modo geral, é o ato pelo qual um bem expropriado retorna ao patrimônio do ex-proprietário, quando não é utilizada para uma finalidade pública. Para Hely Lopes Meirelles (1998, p. 507), em sua obra, a “retrocessão é uma obrigação que se impõe ao expropriante de oferecer o bem ao expropriado, mediante a devolução do valor da indenização, quando não lhe der o destino declarado no ato expropriatório”. Na mesma linha de raciocínio, Celso Ribeiro Bastos (2001, p. 260) preleciona que: “A retrocessão é a obrigação que tem o poder público de oferecer o bem ao expropriado mediante devolução do valor da indenização, quando não lhe der o destino declarado na declaração expropriatória, ou por ter cessado a utilidade pública ou o interesse social, ou por desvio de finalidade.” Na pratica, retrocessão “é, portanto, a devolução do domínio expropriado, para que se integre ou regresse ao patrimônio daquele de quem foi tirado, pelo mesmo preço da desapropriação” (SILVA, 1991, p.138). Contudo, a retrocessão possui três principais correntes doutrinárias, as quais distinguem a natureza jurídica desse direito. Com isso, ao decorrer dos tempos o direito de retrocessão foi tomando novos contornos diante de sua definição, inclusive após o novo Código Civil de 2002, sendo definido por alguns autores de forma diferente. Mas ainda sim, as diferentes definições não perderam entre si sua essência a respeito deste direito. Outro ponto a destacar seria quanto ao prazo, na qual se entende consumar o direito de retrocessão, motivo de grande controvérsia entre os estudiosos. A dúvida se volta ao não-uso da propriedade, ou seja, desapropria o bem e não se dá utilização nenhuma, presumindo a desistência do expropriante. Alguns sustentam que tal desistência se caracteriza no prazo de cinco anos, com base no prazo de validade de utilidade pública (art. 10 do Decreto-Lei 3.365, de 21.6.41).[1] Por outro lado, a posição dominante quanto ao assunto, afirma que cada situação tem que ser examinada em concreto. Quanto a sua prescrição, entende-se que violando o direito de preferência, o expropriado terá o prazo de cinco anos para intentar ação pleiteando perdas e danos, com base no artigo 1° do Decreto-Lei n° 20.910, de 6.1.32,[2]. Em contrapartida, o direito de reaver o bem, ou seja, o direito real, foi regido pelo artigo 177 do Código Civil de 1916, que previa o prazo de 10 anos entre presentes e 15 entre ausentes. Chegando aos dias atuais, o Código Civil, no entanto, em seu artigo 205, não fez distinção entre direito pessoal e direito real, apenas previu a fixação do prazo prescricional de dez anos. Em conformidade, afirma Di Pietro (2009, s.n) que: “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal deve ser adaptada, para entender-se que a prescrição, na retrocessão, ocorre no prazo de 10 anos, desde que mantido o entendimento de que a retrocessão é direito real. Caso contrário o prazo será quinquenal, válido para as ações contra a Fazenda Pública.” Nas hipóteses de desapropriação por interesse social, é exigido ao poder expropriante que, em dois anos, a partir do processo expropriatório, o mesmo efetue a desapropriação e destine o bem ao devido aproveitamento, sendo que passado este prazo, começa a correr o prazo prescricional para a retrocessão, segundo a previsão da Lei n°4.132/62 em seu artigo 3°.[3] Já nas hipóteses de desapropriação para reforma agrária, o prazo é de três anos, contados a partir do registro do titulo translativo de domínio, para que o poder expropriante destine à área as benfeitorias da reforma agrária. Passado esse prazo começa a correr o prazo prescricional para retrocessão, segundo o artigo 16 da Lei n° 8.629/93.[4] Na desapropriação por interesse social o prazo já é maior, sendo que o município tem cinco anos para proceder ao adequado aproveitamento, a contar da incorporação do bem ao Patrimônio Público, segundo previsão da Lei n° 10.257/01 em seu artigo 8°.[5] Por fim, é notório ressaltar a importância da retrocessão no direito brasileiro, através do voto do Exm° Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros em decisão no Superior Tribunal de Justiça (BRASIL, 2003), afirmou que a obrigação de retroceder: “Homenageia a moralidade administrativa, pois evita que o Administrador – abusando da desapropriação – locuplete-se ilicitamente às custas do proprietário. Não fosse o dever de retroceder, o saudável instituto da desapropriação pode servir de instrumentos a perseguições políticas e, ainda ao enriquecimento particular dos eventuais detentores do Poder” (grifo nosso). Sendo assim, apresentado seu conceito e suas devidas características, desde as correntes doutrinárias e seu devido prazo, pode se chegar a conclusão de que se trata de um direito ao expropriado na à desapropriação. 3.1. Da Tredestinação do bem desapropriado: Na desapropriação pode acontecer do Poder Público não atender devidamente as finalidades para as quais foi efetivado o processo expropriatório. Assim, pode ser que a Administração Pública não atinja o destino do bem para o qual foi desapropriado, sendo chamada de tredestinação, que segundo Carvalho Filho (2010, p.964), “significa destinação desconforme com o plano inicialmente previsto”. Insta salientar, que há duas hipóteses de tredestinação do bem desapropriado, e que genericamente são chamadas de tredestinação lícita e tredestinação ilícita. 3.1.1. Tredestinação Lícita: A tredestinação lícita tem como conceito jurídico à destinação do bem desapropriado a uma finalidade diversa daquela pretendida no processo expropriatório, mas ainda de natureza pública. Segundo Carvalho Filho (Idem) é “aquela que ocorre, quando, persistindo o interesse público, o expropriante dispense ao bem desapropriado destino diverso do que planejara no inicio”. Essa espécie de tredestinação, contudo não é considerada um pressuposto para que haja o direito de retrocessão, pois entende-se que mesmo sendo  finalidade distinta da inicial da declaração de utilidade pública, seu motivo continua ainda revestido de interesse público. Melhor exemplificando a Administração Pública desapropria um bem para a construção de um Hospital público, mas no fim, o bem é destinado para a construção de uma escola. Nesse sentido, não há nenhuma ilicitude quanto ao ato, sendo que apenas alterou o aspecto especifico dentro do mesmo interesse público. O Código Civil Brasileiro expressamente deixa claro sobre o assunto em seu art. 519, demonstrando que não há ilicitude quanto ao referido ato. Então, se o bem não tiver o destino da época da declaração de utilidade pública, ainda poderá ser destinado a obras ou serviços, que obrigatoriamente atingirão outra finalidade de interesse público, não sendo caracterizada como ato ilícito. Portanto, conclui-se que a tredestinação ilícita permite ao Poder Público destinar o bem desapropriado para outra finalidade, mas que essa finalidade continue a ser de interesse público. 3.1.2. Tredestinação Ilícita: A tredestinação ilícita tem como conceito jurídico no sentido de desvio de finalidade, que consiste na não destinação do bem ao interesse público, mas sim a interesses privados ou de terceiros estranhos ao interesse público, ou ainda quando o bem simplesmente não é utilizado para nenhum fim. Celso Antônio Bandeira de Mello (2010, p. 206), afirma que: “a propósito do uso de um ato para alcançar finalidade diversa da que lhe é própria, costuma-se falar em desvio de poder ou desvio de finalidade”. De forma abrangente afirma Carvalho Filho (2010, p. 964) sobre o assunto: “A retrocessão se relaciona com a tredestinação ilícita, qual seja, aquela pela qual o Estado, desistindo dos fins da desapropriação, transfere a terceiro o bem desapropriado ou pratica desvio de finalidade, permitindo que alguém se beneficie de sua utilização.” Os aspectos apresentados pela tredestinação ilícita demostram que a Administração Pública realmente está desistindo da desapropriação, não havendo mais se quer motivos de interesse sobre o bem para sua utilidade, já que o Poder Público passou a destinar o bem expropriado à terceiro ou qualquer outro meio que caracterize desvio de finalidade, não atingindo o fim público a que se comprometeu à época da declaração de utilidade pública, o que faz a desapropriação tornar-se ilegítima. Caio Tácito (1993, p. 01), ressalta sobre o assunto em que “qualquer ato administrativo esta vinculado a um fim público, ainda que a norma de competência a ela não se refira”. Esse desvio de poder ou de finalidade, também dado à tredestinação ilícita, atualmente de modo geral, é considerado um pressuposto para que surja ao expropriado o direito de retrocessão. Prevê o Código Civil atual em seu art. 519, o direito de retrocessão na forma de preferencia, caso haja o desvio de finalidade. Sendo assim, a tredestinação ilícita se volta ao não cumprimento de uma finalidade pública, onde a Administração Pública destina o bem a terceiro particular ou simplesmente não atinge o interesse público. 4. Da Natureza Jurídica da Retrocessão: uanto à natureza jurídica do instituto da retrocessão, considerado algo polêmico e também estudado por muitos profissionais do direito administrativo, existem três principais correntes doutrinárias: a que diz ser um direito real, tendo o direito à reinvindicação do imóvel expropriado; a que entende que o direito é pessoal, sendo o direito do expropriado resolvido em perdas e danos; e também uma corrente mista de direito real e pessoal, cabendo ao expropriado a ação de preempção ou preferencia ou, se preferir, perdas e danos. 4.1. Direito Real: A corrente doutrinária qual entende ter o direito de retrocessão sua natureza real, afirma que o expropriado tem o direito de reaver o seu imóvel caso a finalidade pública da desapropriação não seja atingida. De modo geral, este direito incide sobre o bem no sentido de que o expropriado, ex-proprietário, possa exigir a reincorporação do mesmo ao seu patrimônio, caso haja tredestinação ilícita. Munhoz apud Lacerda (1983, p. 21), em conformidade, ensinam sobre o assunto: “retrocessão é o direito que tem o expropriado de readquirir o bem ao qual não dera o poder expropriante a finalidade específica para que fora o mesmo desapropriado.” Assim, o que sustenta a tese é o direito de propriedade assegurado constitucionalmente no art. 5°, incisos XXII e XXIV. Estes preceitos garantem o direito de propriedade e só admitem a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou interesse social, e, não estando presentes esses pressupostos, a desapropriação se tornará ilícita, sendo certo e justo que o bem retorne ao ex-proprietário. Não se refere apenas a uma reivindicação, mas sim a um descumprimento de uma norma determinada pela Constituição Federal. Ainda, em conformidade, o atual Código Civil em seu artigo 1.228, prevê de acordo com o entendimento de que “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha” (BRASIL, 2002). Na linha de entendimento acima, Celso Antônio Bandeira de Mello (2003, p. 760), defensor da natureza real, assevera que a “retrocessão, em sentido técnico próprio, é um direito real, o do ex-proprietário de reaver o bem expropriado, mas não preposto a finalidade pública.” E ainda, nessa mesma senda, Seabra Fagundes (In RDA 78/15 – 16), ressalta que: “Admitir que o direito do expropriado, diante da pessoa jurídica expropriante se reduza a perdas e danos (salvo no caso em que tenha perecido a coisa a ela tomada por pessoa de Direito Público e transferida sem razão de interesse coletivo a terceiro) é frustrar a garantia constitucional. Com base nesse entendimento, a Administração poderá desapropriar qualquer bem, sob a alegação de atender ao interesse público, e, em seguida transferi-lo, sem perigo de retomada do mesmo pelo ex-proprietário, a terceiro cujos interesses pessoais queira satisfazer.” Continuando com o preceito constitucional que abrange a retrocessão como direito real, Hauriou (1927, p.456) afirma, e ao mesmo tempo demonstra também sua frustração quando não atendido o direito de forma real: “o indivíduo que tiver sido privado do domínio de coisa sua, no pressuposto de que tal ocorreu para atender ao interesse público, terá que assistir ao desfrute do bem por outrem, talvez até um concorrente seu em negócios, conformando-se em ver apenas o preço que ele recebeu acrescer-se de perdas e danos. É a porta aberta ao abuso e à fraude. É a frustação, mascarada de legitimidade, da garantia constitucional, em cujos termos só a necessidade pública, ou o interesse social, autoriza o Estado a privar alguém de coisa de sua propriedade”. Historicamente, a retrocessão teve sua natureza jurídica na maioria das vezes ao decorrer do tempo como um direito real. Além das Constituições anteriores, teve sua previsão no Código Civil de 1916 e principalmente teve também, como pontapé inicial, sua previsão na Lei da Província de São Paulo de N° 57 de 1836. Atualmente a retrocessão como direito real não tem mais sua previsão no Código Civil, pois o que está previsto entende-se ser o direito pessoal. A Lei Geral das Desapropriações também não previu nem mesmo a retrocessão em si. Referindo-se ao direito real, o que apenas prevê no Decreto-Lei 3.365/41 é em seu art. 35, em contradição, o qual não permite que os bens afetados pelo Poder Público voltem ao domínio anterior, tendo de ser resolvido o caso em perdas e danos. Para os doutrinadores dessa corrente, essa hipótese somente poderá ser aplicada se a desapropriação obedecer aos preceitos constitucionais, do contrario esse artigo não tem efeito. O Supremo Tribunal Federal prevalecia com a tese favorável à natureza de direito pessoal da retrocessão. No entanto, com a modificação do entendimento majoritário da Excelsa. Corte, a retrocessão passou a ser tida como direito real, seja sob o fundamento da inaplicabilidade do art. 1.156 (atual art. 518 do CC/02) e art. 1.150 do CC/16 (atual art. 519 do CC/02), como, posteriormente, ao fundamento constitucional do jus proprietatis[6]. Assim, vindo a decidir de forma contraria, passando a conferir ao instituto caráter real, fez com que o expropriado tenha o direito de reaver o bem. Em conformidade, Salles apud Mello (2010, p. 896), ressalta sobre essa mudança do entendimento e afirma que: “é pois, com satisfação que vemos, agora, a mudança de orientação anterior do STF, cuja jurisprudência mais recente vem afirmando a natureza real do direito de retrocessão, como se esclarece no acórdão estampado na RT 620/221 (especialmente p. 223), datado de 11.3.87 e de que foi relator o Min. Djaci Falcão. Verifique-se também, no mesmo sentido, a RTJ 104/468, que contém magistral voto do Min. Moreira Alves. Confira-se, ainda, a RTJ 117/790 (especialmente p. 794).” Na mesma linha de raciocínio, o julgamento do Recurso Especial n° 62.506-8-PR no ano de 1995, da relatoria do Ministro Demócrito Reinaldo, entendeu a primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, que a ação de retrocessão tem natureza real, e que por consequência do desvio de finalidade o direito de retrocessão é evidente (BRASIL, 1995). E ainda, o Superior Tribunal de Justiça em outra decisão, já no ano de 2005, afirmou que o direito de retrocessão é de natureza real, cabendo o retorno da propriedade aos expropriados, sendo que o Poder Público não atingiu uma finalidade pública, e que a quantia paga na forma de indenização fosse devolvida pelos autores a Administração Pública (BRASIL, 2005). Na mesma seara, o Superior Tribunal de Justiça no ano de 2007 em sede de recurso especial (REsp. N° 868.655/MG), decidiu juntamente com o entendimento do Superior Tribunal Federal, conforme ementa que a retrocessão tem por natureza de ser um direito real. As decisões transmitem a prevalência desta corrente doutrinária frente ao instituto da retrocessão no direito brasileiro, onde se nota que no entendimento da Corte Maior passou a ser majoritária e melhor aplicada para garantir ao expropriado seu direito no processo de desapropriação. Sendo assim, é possível ressaltar que a corrente doutrinaria que aponta o direito de retrocessão ser de natureza um direito real, é voltada aos preceitos constitucionais da propriedade, e que o ato contrário a esse direito estaria por extinguir a garantia do proprietário frente à Administração Pública diante da desapropriação. Portanto, sua tese aparenta ser de grande importância ao direito e sua fundamentação não é simplesmente no retorno do bem ao expropriado, mas sim no descumprimento pelo Poder Público de uma norma prevista na Lei Maior voltada aos direitos fundamentais. 4.2. Direito Pessoal: A corrente doutrinária que entende ser a retrocessão um direito de natureza pessoal, passou a ser adotada com o Código Civil de 1916, tendo como preceito os artigos 1.150 e 1.1.56, e também o artigo 35 do Decreto-Lei n° 3.365/41, denominada Lei Geral de Desapropriação. O artigo 1.150 do Código Civil de 1916 (art. 519 do novo Código Civil) expressava: “A União, o Estado, ou o Município, oferecerá ao ex-proprietário o imóvel desapropriado, pelo preço que o foi, caso não tenha o destino, para que se desapropriou” (BRASIL, 1916). E, no caso de o Poder Público não oferecer ao ex-proprietário, alegavam os doutrinadores que caberiam perdas e danos, em conformidade com o artigo 1.156 do Código Civil anterior (art. 518 do novo Código Civil): “Responderá por perdas e danos o comprador, se ao vendedor não der ciência do preço e das vantagens, que lhe oferecem pela coisa” (idem).   Outro ponto a ser adotado por essa corrente doutrinária é o disposto no Decreto-Lei 3.365/41, que não previu a retrocessão, mas em seu artigo 35, determinou: “Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reinvindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos” (BRASIL, 1941). Baseando suas teses nos dispositivos apresentados acima, os doutrinadores dessa corrente entendem que a retrocessão é um direito pessoal e que cabe indenização por perdas e danos, – no caso de improcedência do pedido – se o poder expropriante não utilizar o bem conforme foi desapropriado, ou seja, deverá dar destinação contida no decreto, ou ainda podendo ser outra, mas desde que atinja o fim social e, caso contrário, caberá ao expropriado o direito. Em conformidade, afirma Ebert Chamoun (1959, p. 38/39), que: “o direito do expropriado não é, evidentemente um direito real, porque o direito real não se contrapõe, jamais, um mero dever de oferecer. E, por outro lado, se o expropriante não perde a propriedade nem o expropriado a adquire, com o simples fato da inadequada destinação é óbvio que a reivindicação, que protege o direito de domínio, e que incumbe apenas ao proprietário, o expropriado não pode ter.” Adiante afirma em face do artigo 35 da Lei Geral das Desapropriações, que: “o direito do ex-proprietário perante o poder desapropriante que não deu à coisa desapropriada o destino de utilidade pública permanece, portanto, no direito positivo brasileiro, como direito nítido e irretorquivelmente pessoal, direito que não se manifesta em face de terceiros, eventuais adquirentes da coisa, nem ela adere, senão exclusivamente à pessoa do expropriante. Destarte o poder desapropriante apesar de desrespeitar as finalidades da desapropriação, desprezando os motivos constantes do decreto desapropriatório, não perde a propriedade da coisa expropriada, que ele conserva em sua Fazenda com as mesmas características que possuía quando da sua aquisição” (idem p. 45). Na mesma linha de entendimento, vale ressaltar, que a maioria dos defensores da corrente da natureza pessoal da retrocessão utilizou também o artigo 1.157 do Código Civil de 1916 (Art. 520 do novo Código Civil), que regulava o direito de preferência, “o direito de preferência não se pode ceder, nem passar aos herdeiros”, para afirmar que a retrocessão também é um direito intransmissível (BRASIL, 2002). Em conformidade, defendendo a retrocessão como um direito de natureza pessoal, e que o mesmo é intransmissível, Hely Lopes Meirelles (2004, p. 599), afirma que: “A retrocessão é pois uma obrigação pessoal de devolver o bem ao expropriado e não um instituto invalidatório da desapropriação, nem um direito real inerente ao bem. Daí o consequente entendimento de que a retrocessão só é devida ao antigo proprietário, mas não seus herdeiros, sucessores e cessionários.” Contudo, a respeito desse posicionamento, é notório ressaltar que existe jurisprudência com o entendimento de que mesmo sendo a retrocessão um direito pessoal, é transmissível. De forma precisa, essa doutrina entende que o instituto da retrocessão não existe em nosso ordenamento jurídico, havendo somente o direito pessoal ao expropriado de postular uma indenização baseada em perdas e danos, em face do direito de preempção. Sendo assim, mesmo havendo a tredestinação ilícita do bem, só caberia ao ex-proprietário o direito indenizatório, ou melhor, de forma geral, não haveria o direito de retrocessão. Em conformidade com entendimento desta corrente, se mostra o julgado no ano de 1983, da Corte Maior, onde o caso se deu pelo município de Vitória/ES, que desapropriou a propriedade para a construção de um logradouro público, embora destinada inicialmente à implantação de uma praça, veio a ser logo mais alienada à Petrobras Distribuidora, para a instalação de um posto de abastecimento de gasolina, por cessão feita por uma companhia urbanizadora estadual, com a anuência do Estado, pleiteando o expropriado, ação de retrocessão (BRASIL, 1993). No julgado, obteve o entendimento de que o direito de retrocessão do expropriado se deu ao pagamento de indenização por perdas e danos – já que a construção já havia sido realizada, tendo assim, o Município e o Estado condenados solidariamente. Ainda, no mesmo raciocínio, o entendimento novamente se mostrou no julgado no ano de 2000, desta vez no Superior Tribunal de Justiça, caso em que se deu, devido à desapropriação por Decreto Municipal, onde a propriedade teria sua destinação para a construção de uma quadra poliesportiva, o que não aconteceu e o expropriado ajuizou ação de retrocessão (BRASIL, 2000). Sendo assim, a retrocessão como um direito pessoal, corrente defendida tanto quanto a de direito real, tem como fundamento trazer ao expropriado apenas o direito pleitear por perdas e danos, de forma indenizatória, ao contrario da corrente anterior. 4.3. Corrente Mista: Os doutrinadores que adotam a tese de que a retrocessão tem sua natureza mista (real/pessoal), afirmam que cabe ao expropriado optar por reaver o bem ou pleitear por perdas e danos. A corrente mista como o próprio nome já diz, se trata de dois direitos perfeitamente distintos e que podem ser alternativamente utilizados pelo ex-proprietário. Com isso, “se houver violação do direito de preferência, o expropriado, tanto poderá se valer do citado preceptivo, pleiteando perdas e danos, quanto ao invés disto, optar pela ação de retrocessão, a fim de reaver o bem” (MELLO, 2010, p.877). Deve ressaltar que, os dois direitos não podem ser utilizados de forma simultânea, devendo o expropriado escolher apenas um, isto porque um exclui o outro. Essa corrente se perfaz devido à retrocessão ter sido tratada como um direito real, no entanto, a reivindicação do bem muitas vezes passou a se tornar um problema em decorrência de alguns fatores, por exemplo, se o bem já tiver sofrido diversas alterações ou se tiver sido transferidos a terceiros. Com isso, fez com que o expropriado nestes casos pudesse pleitear por perdas e danos a titulo de indenização, com valores atualizados e de forma justa. Em conformidade com o entendimento acima, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2009, p.187), uma das principais defensoras desta corrente afirma que: “essa terceira corrente era e é a que melhor se coaduna com a proteção ao direito de propriedade: em princípio, a retrocessão é um direito real, já que o artigo 1.150 do anterior Código Civil mandava que o expropriante oferecesse de volta o imóvel; podia ocorrer, no entanto, que a devolução do imóvel tivesse se tornado problemática, em decorrência de sua transferência a terceiros, de alterações nele introduzidas, de sua deterioração ou perda, da realização de benfeitorias; nesse caso, podia o ex-proprietário pleitear indenização, que corresponderia ao mesmo preço da desapropriação, devidamente corrigido, com alterações para mais ou para menos, conforme as melhorias ou deteriorações incidentes sobre o imóvel.” De forma a exemplificar, se mostra em conformidade o julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em matéria jurisprudencial, onde no caso, restou decidido como direito do expropriado o de pleitear a devolução do bem, devido o Poder Público não ter dado o destino declarado, e nem outro de interesse público, contudo, na impossibilidade desta restituição do bem ao ex-proprietário, foi considerada admissível a conversão em perdas e danos (BRASIL, s.d) Esse Julgado expressou de forma clara a característica dessa corrente, onde foi reconhecido ao expropriado os dois direitos (real e pessoal) de forma alternada, fazendo com que na impossibilidade de um, aplicasse o outro, garantindo o direito de retrocessão. Sendo assim, conforme exposto, a natureza jurídica da retrocessão defendida pela corrente mista, faz com que o direito do desapropriado fique limitado ao exercício de reivindicar o bem ou, se preferir, perdas e danos. Conclusão: Sendo assim, face à possibilidade de desapropriação pelo Poder Público de propriedades particulares, através dos pressupostos intitulados, utilidade e necessidade pública e interesse social, e em obediência ao pilar principiológico da Supremacia do Interesse Público, destacou-se divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da natureza jurídica do direito de retrocessão. A doutrina apresenta três correntes, quais sejam, de direito real, de direito pessoal, ou mista, sendo esta ultima considerada minoritária. Buscou-se, no entanto ressaltar que não há uma corrente predominante sobre o referido instituto, em que pese, a corrente que entende ser a retrocessão um direito real ao expropriado, é a mais adequada a se aplicar. O direito real frente à retrocessão traz ao expropriado o direito de reivindicar o bem que foi desapropriado pela Administração Pública, e que não teve sua devida destinação conforme declarado no inicio do processo expropriatório. Ainda, se apresenta como a melhor maneira de trazer ao expropriado uma segurança jurídica e garantia frente ao Poder Público, fazendo com que a desapropriação não seja alvo de abuso por parte do Administrador Público, ou ainda, um instrumento de perseguições politicas. De fato, se o próprio Estado desiste do que pretendia com o bem expropriado, evidentemente a desapropriação terá se revelado sem razão de existir, devendo restituir à coisa ao estado anterior, ou seja, deve gerar um estado de normalidade, obrigando-se a devolver o bem ao seu antigo proprietário. Porquanto, a retrocessão como um direito real é sede de matéria Constitucional, baseada no direito de propriedade assegurado e, não estando presentes os pressupostos previstos, a desapropriação se torna ilícita, ou ainda, inconstitucional, sendo certo e justo o retorno do bem ao ex-proprietário. Nota-se que não se refere apenas a uma reivindicação do bem, mas sim de um descumprimento da Lei Maior. Porém, de fato, não se pode deixar de aplicar outras medidas alternativas caso o bem desapropriado se encontre em situações que seja impossível sua reversão ao ex-proprietário. Ademais, nota-se a falta de uma legislação administrativa e sistematizada que trate da matéria a respeito da retrocessão, qual não é tratada de maneira explicita no ordenamento jurídico, e se quer na Lei Geral de Desapropriação. Desta forma, concluindo, sua previsão normativa é o que se faz necessário para que possa extinguir ou diminuir ao menos as dúvidas e incertezas que assaltam a doutrina e jurisprudência no direito brasileiro.
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-172/a-retrocessao-na-desapropriacao-publica/
A gestão pública e a responsabilidade do advogado público na elaboração de pareceres jurídicos
O presente trabalho visa analisar, sob um prisma legal, a questão da responsabilidade civil, administrativa e criminal do advogado público na elaboração de pareceres jurídicos, sendo tal discussão extremamente importante na prática. A atividade desempenhada por advogados públicos é de extrema importância, eis que com base na orientação jurídica expedida por tais agentes, a administração pública traça suas metas e também toma decisões importantes na prestação de serviços públicos. Para se garantir a legitimidade da atuação, é imprescindível que as condutas praticadas pelos agentes públicos, incluindo nesta categoria os Advogados Públicos, devem ser transparentes, garantindo que todos os cidadãos tenham acesso às informações que apontam as ações a serem praticadas. Dessa forma, agindo dentro dos parâmetros impostos pela lei e com motivação, os advogados públicos não deverão ser responsabilizados em sua atuação, eis que a luta pela probidade não implica em sacrificar de forma desmedida e injusta àqueles que atuam dentro da razoabilidade em prol, inclusive, do interesse dos próprios entes públicos.
Direito Administrativo
Introdução O presente trabalho visa traçar as linhas, em que se pretende estudar e discutir, sob um prisma legal e prático, a pungente questão da responsabilidade civil, administrativa e criminal do Advogado Público na elaboração de pareceres jurídicos. A Constituição Federal de 1988 dedicou aos Advogados um capítulo exclusivo, ressaltando a importância que eles exercem dentro do ordenamento jurídico, sendo indispensáveis à Administração da Justiça. Na esfera pública, diferentemente do direito privado, as condutas dos gestores públicos são pautadas pelo princípio da legalidade estrita, no qual ao ordenamento jurídico funciona como balizamento mínimo e máximo da atuação estatal. Ademais, a atividade pública trata-se de um dever-poder, obrigando-se o administrador a tomar todas suas decisões tendo como referência o interesse público. É partir desse contexto que a responsabilidade do parecerista jurídico, no âmbito da administração pública, torna-se passível de discussão. A atividade consultiva que os pareceristas jurídicos, mais especificamente os Advogados Públicos, vêm desempenhando, possui papel fundamental na tomada de decisões pelos agentes públicos, que, na maioria das vezes, não possuem o conhecimento técnico necessário para deliberar sobre os questionamentos que surgem no âmbito da Administração Pública. Contudo, devemos ter em mente que essa responsabilização do Advogado Público é decorrente da atividade administrativa que ele desempenha e não do mero exercício da advocacia pública, propriamente dita. Assim, o principal objetivo de se discutir a responsabilidade do Advogado Público na elaboração de pareceres é a possibilidade de alertar àqueles que lidam com a coisa pública. Os servidores públicos, sejam eles efetivos ou contratados, submetem-se, indistintamente, na proporção da responsabilidade de que são encarregados, aos parâmetros que regem a Administração Pública. As condutas praticadas pelos agentes públicos, incluindo nesta categoria os Advogados Públicos, devem ser transparentes, garantindo que todos os cidadãos tenham acesso às informações que apontam as ações a serem praticadas. Quaisquer ações cometidas de forma maliciosa devem ser punidas, devendo tais agentes ter em mente que a proteção constitucional a eles disponibilizada não os exime de culpa pelos atos cometidos, que poderá, inclusive, a depender do caso concreto, culminar em responsabilidade civil, administrativa e penal. 1 Agentes Públicos: conceito Com o advento da Constituição Federal de 1998, especificamente a nova redação de seu artigo 37, os agentes públicos são todas as pessoas físicas que prestam serviço ao Estado, bem como todas as pessoas jurídicas que compõem à administração indireta, como, por exemplo, autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista. Considera-se três categorias de agentes públicos, quais sejam, agentes políticos, servidores públicos e particulares em colaboração com o poder público. Os agentes políticos seriam aqueles responsáveis pelas funções de governo, investidos em cargos, mandatos ou funções, seja por nomeação, eleição ou delegação para o desempenho de atribuições constitucionalmente estabelecidas. Nesta categoria incluem-se os Chefes do Poder Executivo Federal, Estadual e Municipal, os membros do Poder Legislativo, assim como os membros da Magistratura, Ministério Público, Tribunais de Contas, diplomatas e demais autoridades que atuam com independência funcional no exercício das atribuições governamentais e judiciais. Nesse ponto, imperioso é destacar o brilhantismo de Celso Antônio Bandeira de Melo: ‘Agentes políticos são os titulares de cargos estruturais à organização política do País, isto é, são os ocupantes dos cargos que compõem o arcabouço constitucional do Estado e, portanto, o esquema fundamental do poder. Sua função é a de formadores da República, os Governantes, os Prefeitos, e os respectivos auxiliares imediatos (Ministros e Secretários das diversas pastas), os Senadores, os Deputados e os Vereadores” (MELLO, 2005). Cumpre salientar que a função política consiste na gerência soberana do Estado em seu conjunto, conduzida a determinar os fins primordiais do Estado, de forma que os planos governamentais sejam assinalados e devidamente cumpridos. Já na categoria de servidores públicos, incluem-se todas aquelas pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às entidades da Administração indireta, com vínculo estatutário ou empregatício e mediante remuneração advinda dos cofres públicos. Os servidores públicos, propriamente ditos, se sujeitam ao regime estatutário e ocupam cargos públicos. Já os empregados públicos são aqueles que apesar de serem considerados servidores públicos por equiparação, submetem-se às normas da legislação trabalhista e ocupam emprego público. Há, ainda, os servidores temporários, que são contratados por tempos determinado para atender necessidade temporária de excepcional interesse público. Estes últimos exercem função pública e não se vinculam a cargo ou a emprego público. Por último, integrando a categoria dos agentes públicos, temos os particulares em colaboração com o Poder Público. São aquelas pessoas físicas que prestam serviço ao Estado, sem, contudo, ter vínculo empregatício, com ou sem remuneração. Podem fazer por meio de delegação do poder público, requisição, nomeação ou designação para o desempenho de funções públicas relevantes. Destarte, podemos considerar que o Advogado Público é agente público responsável pela consultoria jurídica no âmbito da administração pública. É ele que vai orientar, por meio da elaboração de pareceres, a conduta dos demais gestores públicos, utilizando todo o seu conhecimento jurídico para dar suporte aos atos de governo, garantindo-lhes legalidade e constitucionalidade. 2 Classificação dos atos administrativos praticados pelos agentes públicos A atividade administrativa pressupõe a prática de determinados atos para consecução dos fins a que ela se propõe, chamados de atos da Administração Pública. Dentre eles, se enquadram os atos ajurídicos, que são aqueles que não se preordenam à produção de qualquer efeito jurídico; e os atos jurídicos regidos pelo regime de direito público, que, ao contrário, destinam-se à produção efeitos jurídicos. Visam, portanto, criar, alterar, modificar, extinguir direitos e, ainda, emitir opiniões sobre diversos assuntos ou elucidar problemas freqüentes no âmbito da Administração. Entende-se, assim, por ato administrativo, toda a manifestação unilateral, concreta ou abstrata, proferida por agente público, incluindo-se nesta categoria os agentes públicos integrantes do legislativo, executivo e judiciário, bem como à declaração de vontade emitida pelo concessionário ou permissionário de serviço público, desde que haja observância do regime jurídico administrativo. Nas palavras de Diógenes Gasparini, o ato administrativo conceitua-se: “[…] toda prescrição, juízo ou conhecimento, predisposta à produção de efeitos jurídicos, expedida pelo Estado ou por quem lhes faça às vezes, no exercício de suas prerrogativas e como parte interessada em uma relação, estabelecida na conformidade ou na compatibilidade da lei, sob o fundamento de cumprir finalidades assinaladas no sistema normativo, sindicável pelo Judiciário”. (GASPARINI, 2011). Logo, resta claro que os atos administrativos são aqueles decorrentes do uso da autoridade pública, excluindo, por conseguinte, todos aqueles atos praticados segundo o regime de direito privado. Vale ainda ressaltar, a título de elucidação, que fazem parte do exercício da atividade pública geral mais duas categorias de atos: os atos legislativos, que consistem na elaboração de normas primárias e os atos judiciais, que compreendem o exercício da jurisdição. No que tange à classificação dos atos administrativos, estes podem ser de administração ativa, consultiva, controladora, verificadora e contenciosa. Os atos de administração ativa são aqueles responsáveis por criar uma utilidade pública. Constituem, portanto, relações jurídicas. São exemplos de tais atos as autorizações, licenças, nomeações, permissões e concessões de uso e serviços públicos. Os atos de administração consultiva são atos que informam, elucidam ou recomendam providências essenciais à prática de outros atos administrativos. Incluem nessa categoria os pareceres jurídicos, laudos de avaliação ou técnicos e os informes. Já os atos de administração controladora são aqueles que impossibilitam ou permitem a produção dos atos de administração ativa, acima ressaltados. Funcionam como uma barreira para fiscalização da legalidade e do conteúdo dos atos de administração ativa. Podem ser prévios, quando forçosos à produção de outros atos; ou posteriores, quando dão eficácia (homologação ou visto, por exemplo) aos demais atos de administração ativa. Temos ainda os atos de administração verificadora, sendo aqueles que aparam a existência de uma circunstância de fato ou de direito. Incluem-se nesta categoria, os atos que documentam determinada situação, dentre eles o registro de casamento, nascimento e óbito. Por fim, temos os atos de administração contenciosa, que são aqueles que decidem, no âmbito da Administração Pública, os assuntos de natureza litigiosa, como, por exemplo, um ato de punição do servidor público, por ter este cometido falta grave. Incluem-se nesta categoria os atos de Tribunais Administrativos, como o Fiscal e Marítimo. Vale lembrar que, embora tais atos resolvam um conflito dentro da Administração Pública, jamais farão coisa julgada, pois sempre poderão ser revisto pelo Poder Judiciário, em observância ao princípio da inafastabilidade da jurisdição. Temos, portanto, que todos os atos praticados pelos agentes públicos são considerados atos administrativos, podendo ser, conforme demonstrado, de diversas categorias. Há ainda diversas formas de manifestação dos atos administrativos. Aludidas formas não se confundem com os atos administrativos em si, sendo, tão somente, um veículo para que as vontades neles contidas sejam exteriorizadas. 3 Conceito e natureza jurídica do parecer Segundo Diógenes Gasparini, o parecer: “É a fórmula segunda a qual certo órgão ou agente consultivo expede opinião técnica sobre matéria submetida à sua apreciação. Pode ser normativo se, ao ser aprovado, tornar-se obrigatório para os casos idênticos que surgirem no futuro. De outro lado, o parecer pode ser vinculante ou facultativo para a autoridade que o solicitou. É vinculante quando a decisão da autoridade solicitante está presa às suas conclusões. É facultativo em caso contrário, isto é, quando a autoridade que o demanda não está obrigada a observar as suas conclusões. Se vinculante, à sua conclusão se prende a autoridade competente para decidir. De sorte que será nula a decisão que contrariar, nessa última hipótese, o parecer”. (GASPARINI, 2011). Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, parecer é o ato por meio do qual os órgãos consultivos da Administração Pública emitem opinião sobre assuntos jurídicos e/ou técnicos. Ensina que, como muito bem exposto por Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, o parecer pode ser de três espécies: “O parecer é facultativo quando fica a critério da Administração solicitá-lo ou não, além de não ser vinculante para quem o solicitou. Se foi indicado como fundamento da decisão, passará a integrá-la, por corresponder à própria motivação do ato. O parecer é obrigatório quando a lei o exige como pressuposto para a prática final do ato. A obrigatoriedade diz respeito à solicitação do parecer (o que não lhe imprime caráter vinculante). Por exemplo, uma lei que exija parecer jurídico sobre todos os recursos encaminhados ao Chefe do Executivo; embora haja obrigatoriedade de ser emitido o parecer sob pena de ilegalidade do ato final, ele não perde seu caráter opinativo. Mas a autoridade que não o acolhe deverá motivar a sua decisão. O parecer é vinculante quando a Administração é obrigada a solicitá-lo e a acatar sua conclusão. Para conceder aposentadoria por invalidez, a Administração tem que ouvir o órgão médico oficial e não pode decidir em desconformidade com sua decisão.” (PIETRO, 2005). Já nas sábias palavras de José dos Santos Carvalho Filho: “Os pareceres consubstanciam opiniões, pontos de vista de alguns agentes administrativos sobre matéria submetida à sua apreciação. Em alguns casos, a Administração não está obrigada a formalizá-los para a prática de determinado ato: diz-se, então, que o parecer é facultativo. Quando é emitido “por solicitação de órgão ativo ou de controle, em virtude de preceito normativo que prescreve a sua solicitação, como preliminar à emanação do ato que lhe é próprio, dir-se-á obrigatório. Nesta hipótese o parecer integra o processo de formação do ato, de modo que sua ausência ofende o elemento formal, inquinando-o, assim, de vício de legalidade. Refletindo um juízo de valor, uma opinião pessoal do parecerista, o parecer não vincula a autoridade que tem competência decisória, ou seja, aquela a quem cabe pratica o ato administrativo final. Trata-se de atos diversos – o parecer e o ato que o aprova ou rejeita. Como tais atos têm conteúdos antagônicos o agente que opina nunca poderá ser o que decide” (CARVALHO FILHO, 2010). Por último, imprescindível é trazer à baila a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, que ensina: “Parecer é a manifestação opinativa de um órgão consultivo expendendo sua opinião técnica sobre o que lhe é submetido.” (MELLO, 2005). Temos, portanto, que o parecer é conceituado para alguns doutrinadores como um ato administrativo opinativo ou consultivo e será vinculante somente se a Administração for obrigada a solicitá-lo e a acatar a sua conclusão. Lado outro, há autores que entendem que o parecer não tem caráter de ato administrativo, consistindo em uma opinião emanada de um dos órgãos da Administração Pública. Tais autores entendem que o parecer não tem por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos seus administrados, razão pela qual é consubstanciado em mera manifestação de vontade. 4 Responsabilidade dos agentes públicos e a independência das instâncias Quando falamos em responsabilidade Estatal, levamos em consideração os três tipos de funções pelas quais se divide o poder dos Estados, quais sejam a jurisdicional, a legislativa e a administrativa. Contudo, as duas primeiras responsabilidades incidem em casos inusitados, razão pela qual trataremos apenas da responsabilidade no âmbito da Administração Pública. Diferentemente do direito privado, em que a responsabilidade exige sempre um ato que seja contrário a lei (ilícito), no âmbito do direito público, a responsabilidade do Estado pode decorrer de acontecimentos que, embora sejam considerados lícitos, causem a determinadas pessoas gravame maior do que aquele imposto aos demais integrantes da coletividade. Nesse sentido, muito bem salientou José dos Santos Carvalho Filho: “No que diz respeito ao fato gerador da responsabilidade, não está ele atrelado ao aspecto da licitude. Como regra, é verdade, o fato ilícito é que acarreta a responsabilidade, mas, em ocasiões especiais, o ordenamento jurídico faz nascer a responsabilidade até mesmo de fatos ilícitos. Nesse ponto, a caracterização do fato como gerador da responsabilidade obedece ao que a lei estabelecer a respeito.” (CARVALHO FILHO, 2010). Assim, conclui-se que o fato que gera a responsabilidade está atrelado à natureza da norma que o contempla. Por tais razões, se a norma tiver natureza administrativa, a responsabilidade será aquela contemplada no âmbito da Administração Pública; se tiver natureza penal, a sua violação provoca responsabilidade penal; e, por fim, se a norma for de natureza civil, a realização do fato gerador previsto da norma acarretará a responsabilidade civil. Destarte, sendo as normas independentes entre si, as responsabilidades serão, também, autônomas, podendo àquele que violar determinada norma jurídica, ser responsabilizado nas três esferas: penal, civil e administrativa. No que tange à responsabilidade dos Agentes Públicos, dispõe a Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo 37, §6º, que o Estado é civilmente responsável pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros. É sabido que a atuação estatal é consubstanciada pela conduta de seus agentes, haja vista que o Estado é pessoa jurídica e não pode, em tese, causar dano a ninguém. Dessa forma, verifica-se que o Estado somente será responsabilizado pelos danos em que seus agentes, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-la, causarem a terceiros. Conforme já visto em tópico anterior, o termo agente compreende todas aquelas pessoas cuja vontade seja atribuída ao Estado e que com este possuem vínculo jurídico. Dentre eles, destacam-se os membros dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, servidores administrativos, agentes temporários, sem vínculo típico de trabalho e agentes colaboradores (sem remuneração). 5 Responsabilidade do Advogado Público na elaboração de pareceres jurídicos segundo os Tribunais Superiores 5.1 Supremo Tribunal Federal (STF) Ao analisar a responsabilidade do Advogado Público na elaboração de pareceres jurídicos, o Supremo Tribunal Federal (STF), discutiu a possibilidade de atribuir ao Advogado a responsabilidade solidária, nos casos em que o parecer é emitido para ordenação de despesa no âmbito da Administração. No Mandando de Segurança nº 24.073 o STF debateu as chances de o Advogado Público ser responsabilizado quando opina pela contratação direta, sem licitação. No referido julgamento, adotou-se o posicionamento de Celso Antônio Bandeira de Mello, entendendo os julgadores que o parecer não tem natureza jurídica de ato administrativo, por se tratar, apenas, de uma manifestação consultiva, uma opinião técnico-jurídica de um dos órgãos da Administração Pública. No julgamento houve ressalva apenas para os pareceres elaborados com evidente má-fé. Juntamente com o argumento supracitado, o STF adotou a tese de que o Advogado é protegido pela Constituição Federal de 1988, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão. Nesse ponto, imperioso mencionar os argumentos trazidos pelo Ministro Carlos Veloso: “Ora, o direito não é uma ciência exata. São comuns as interpretações divergentes de um certo texto de lei, o que acontece, invariavelmente, nos Tribunais. Por isso, para que se torne lícita a responsabilização do Advogado que emitiu parecer sobre determinada questão de direito é necessário demonstrar que laborou o profissional com culpa, em sentido largo, ou que cometeu erro grave, inescusável.” (DISTRITO FEDERAL, 2002). Todavia, ao longo dos anos, o Excelso Tribunal foi modificando o seu entendimento e passou a entender que, o parecerista jurídico público somente seria responsável nos casos que a sua conduta tivesse colaborado diretamente para o ato do gestor público que causou danos a terceiros. Em 2005, no julgamento do MS n. 24.584 o STF debateu novamente o tema. Desta vez, com novo posicionamento: a Corte enfrentou a possibilidade de o Advogado Público ser responsabilizado em determinadas hipóteses, como no caso daquela elencada no art.38, parágrafo único da Lei de Licitações (Lei. 8666/93). Ao contrário do julgamento do MS n. 24.073, acima mencionado, no julgamento do MS n.24.584, o STF entendeu que o parecer é espécie de ato administrativo, razão pela qual, dependendo do caso concreto, o parecerista jurídico público poderá ser responsabilizado. Para tanto, analisou as três modalidades de consulta: facultativa, obrigatória e vinculante, vejamos: “A autoridade não se vincula à consulta emitida na primeira hipótese, que é facultativa; fica obrigada a realizar o ato tal como submetido à consultoria na segunda hipótese, podendo agir de forma diversa após emissão de novo parecer e, na terceira hipótese, somente pode decidir de acordo com a consulta”. (DISTRITO FEDERAL, 2007) A partir do referido julgamento, a Corte suprema firmou o entendimento de que no caso do parecer emitido nos termos do artigo 38 da Lei de Licitações (8.666/93), o ato administrativo praticado pelo agente público ficará submetido ao prévio exame e aprovação do órgão jurídico, razão pela qual há possibilidade de eventual responsabilização solidária do parecerista jurídico. O relator do processo ressaltou, ainda, que o parecer emitido em tais situações não se trata apenas de peça opinativa, mas de aprovação. Advertiu ainda que: “[…] na maioria das vezes, aquele que se encontra na ponta da atividade relativa à Administração Pública não possui condições para sopesar o conteúdo técnico-jurídico da peça a ser subscrita, razão pela qual lança mão do setor competente. A partir do momento em que ocorre, pelos integrantes deste, não a emissão de um parecer, mas a aposição de visto, a implicar a aprovação do teor do convênio ou do aditivo, ou a ratificação realizada, constata-se, nos limites técnicos, a assunção de responsabilidade.” (DISTRITO FEDERAL, 2007). Na verdade, o STF entendeu que na situação acima analisada, a conduta do parecerista apresentou nexo causal direto com a conduta do ordenador de despesas, responsável por causar danos ao erário público. Hoje, podemos afirmar que o STF tem posição sedimentada no que tange à diferenciação quanto às espécies de pareceres emitidos pelos advogados públicos, sendo eles facultativos, obrigatórios ou vinculantes. No caso do parecer vinculante, o ato administrativo é entendido pela Suprema Corte como ato complexo, existindo um verdadeiro reparte do poder decisório, sendo o órgão consultivo pressuposto para a perfeição do ato. 5.2 Superior Tribunal de Justiça (STJ) Neste Tribunal, a posição adotada é mais conservadora, admitindo a responsabilização do advogado público apenas em casos excepcionais. As três espécies de pareceres, facultativo, obrigatório e vinculante, não existem nos julgados do STJ. Vejamos um trecho do voto do Ministro Humberto Martins que bem elucida o posicionamento da Corte: “[…] É possível, em situações excepcionais, enquadrar o consultor jurídico ou o parecerista como sujeito passivo numa ação de improbidade administrativa. Para isso, é preciso que a peça opinativa seja apenas um instrumento dolosamente elaborado, destinado a possibilitar a realização do ato ímprobo. Em outras palavras, faz-se necessário, para que se configure essa situação excepcional, que desde o nascedouro a má-fé tenha sido o elemento subjetivo condutor da realização do parecer. Todavia, no caso concreto, a moldura fática fornecida pela instância ordinária é no sentido de que o recorrido atuou estritamente dentro dos limites da prerrogativa funcional. Segundo o Tribunal de origem, no presente caso, não há dolo ou culpa grave. […]”. (DISTRITO FEDERAL, 2010). Temos, portanto, que, segundo o STJ, para que o advogado público seja responsabilizado na emissão de pareceres jurídicos, deverá haver dolo ou erro inescusável do mesmo, em razão da proteção constitucional dada ao advogado. 5.3 Tribunal de Contas da União O Tribunal de Contas da União adota uma postura nada conservadora, admitindo a possibilidade de o advogado público, titular de cargo ou emprego público, ser responsabilizado por pareceres exarados no âmbito de sua competência. Este Tribunal defende a tese de que o fato de o advogado não desempenhar função de diretoria ou execução administrativa não o exclui da fiscalização feita pelos órgãos responsáveis. Em vários julgados, o Tribunal destacou que, muitas vezes, o parecer é o grande responsável pelas contratações irregulares que ocorrem no âmbito da administração pública, situações que geram danos ao erário. Para o TCU, é dever do advogado público examinar, com o devido rigor, as situações concretas a ele apresentadas, levando em consideração a legislação, doutrina e jurisprudência aplicáveis ao caso. Contudo, este Tribunal entende que, para que haja responsabilização do advogado público, imprescindível é que haja o nexo causal existente entre a posição adotada no parecer omisso ou desarrazoado com as irregularidades nos gastos públicos e danos ao erário. Ademais, segundo o TCU, o advogado público deve ser responsabilizado no caso de elaboração de pareceres omissos, desarrazoados e sem fundamento legal. Conclusão O debate sobre a responsabilização do Advogado Público na elaboração de pareceres jurídicos é, seguramente, muito mais abrangente do que aquele feito no presente trabalho. Muito embora não se trate de assunto novo, encontra-se, ainda, em fase de amadurecimento, sendo tema de grande controvérsia no meio jurídico. Apesar da proteção constitucional dada ao Advogado, restou demonstrado, ao longo desse trabalho, que o advogado deve, em situações excepcionais, ser responsabilizado por erros decorrentes do exercício de sua profissão, principalmente quando esta se dá no âmbito da Administração Pública, que lida com o interesse da coletividade. Cumpre advertir que nenhuma garantia constitucional deve ser interpretada de maneira absoluta, podendo ser relativizada em prol do interesse público. Além disso, apesar do entendimento quase que enraizado de que o parecer elaborado pelo Advogado Público é ato meramente opinativo, não podemos deixar de considerar que ele integra a categoria dos atos administrativos em espécie, uma vez que trata-se de uma manifestação de vontade emanada da própria Administração Pública. O parecer jurídico deve ser preciso, razoável e capaz de mostrar uma visão jurídica aceitável para a situação concreta. Assim, independente da diferenciação feita por alguns autores e até mesmo pela jurisprudência pátria, que divide o parecer em três espécies, não sendo ele bem fundamentado, deve o parecerista jurídico ser responsabilizado. Ou seja, pouco importa se o parecer é facultativo, obrigatório ou vinculante. Esta distinção deve ser desconsiderada no caso de pareceres mal elaborados, desarrazoados e omissos. Obviamente que, em se tratando de omissão legislativa, desde que o parecer seja pautado em uma tese aceitável, devidamente fundamentada, seja em doutrina ou jurisprudência, o parecerista jurídico não poderá ser responsabilizado. Em tais casos, somente há de se falar em responsabilidade solidária do Advogado Público quando o parecer for formulado com o nítido intento de burlar a probidade administrativa, auxiliando dolosamente a prática do ato administrativo ilegal. Vale lembrar que lutar pela probidade, não significa sacrificar de forma desmedida e injusta àqueles que atuam dentro da razoabilidade em prol, inclusive, do interesse dos próprios entes públicos. Destarte, conclui-se, sobretudo, que a responsabilização do Advogado Público somente deverá ocorrer nos casos em que a tese defendida no parecer for desarrazoada e sem qualquer fundamento, bem como nos casos em que restar provado a intenção do parecerista de influenciar na prática no ato ímprobo.
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Análise das entidades paraestatais, organizações sociais e organizações da sociedade civil de interesse público
Na seguinte pesquisa, o conceito e as funções relativas às paraestatais e a localização destas no âmbito administrativo serão explanados, bem como as funções desempenhadas pelo ente estatal. Além disso, será discorrido sobre as organizações sociais e sua concepção na órbita jurídica e, por último, a atividade que representa as Organizações da Sociedade Civil de interesse público, comumente chamadas de OSCIPs, em termo de colaboração com o Poder Público.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objetivo abordar as paraestatais, mencionando as suas funções e dando enfoque às paraestatais no âmbito administrativo. Ademais, as organizações sociais bem como a sua concepção no campo jurídico serão ressaltadas, encerrando assim com as questões referentes às Organizações da Sociedade Civil de interesse público. 1.ENTIDADES PARAESTATAIS Embora não exista um conceito legislativo que defina o termo “paraestatais”, pode-se entender que tal é um ente privado, que não integra a administração direta ou indireta, mas que exercem atividades de interesse público sem finalidade lucrativa, atuando paralelamente com o Estado no 3º setor, que não é governamental e nem empresarial ou econômico (CARVALHO, 2016, p. 686). O entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello, de que o conceito de entidades paraestatais inclui somente os serviços sociais, tem sido a posição majoritária na doutrina (2011, p. 238). Criadas por autorização legislativa, os serviços sociais autônomos (SSA) fazem parte do Sistema “S”, isto é, entidades ligadas à estrutura sindical nos ramos da indústria (Senai e Sesi), comércio (Senac, Sesc), transporte (Senat, Sest), micro e pequenas empresas (Sebrae) e setor rural (Senar) (CARVALHO, 2016, p. 687). É importante ressaltar que as entidades dos serviços sociais autônomos não pertencem ao Estado, são custeados por contribuições, estão sujeitos ao controle estatal, não precisam contratar por concurso público e são obrigados a realizar licitação (CARVALHO; PALMA, 2012). Algumas agências sociais, como a Agência de Promoção de Exportações do Brasil (Apex-Brasil) e Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) possuem características diferenciadas dos serviços sociais tradicionais, possuindo natureza de agência executiva sob forma de autarquia. São característica suas, por exemplo, nomeação do presidente pelo Presidente da República, a supervisão compete ao Poder Executivo, previsão de celebração de contrato de gestão e dotações orçamentárias consignadas no Orçamento Geral da União (MAZZA, 2011, p. 182). 2. ORGANIZAÇÕES SOCIAIS Organização social é um título, que o governo federal outorga a entidades privadas, sem fins lucrativos, através dessa outorga a entidade poderá receber algumas vantagens do Poder Público, como destinação de recursos orçamentários, dotações orçamentárias, isenções fiscais, repasse de bens públicos, bem como, empréstimo temporário de servidores governamentais, dentre outros, para a realização de seus fins, que devem ser necessariamente de interesse da comunidade. Nos termos da Lei federal n. 9.637, de 18.5.1998, as áreas de atuação das Organizações Sociais são ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde. Desempenham, portanto, atividades de interesse público, mas que não se caracterizam serviços públicos strito sensu, por isso, não é correto dizer que as organizações sociais são concessionárias ou permissionárias (idem, p. 184). Trata-se de uma decisão discricionária a esta outorga de qualificação, além da entidade ter que preencher todos os requisitos exigidos na lei, deve haver aprovação, quanto à conveniência e oportunidade de sua qualificação como organização social, do Ministro de Estado da Administração Federal e Reforma do Estado. Dessa forma, as entidades devem preencher os requisitos, mas mesmo ao preenchê-los isso caracteriza mera expectativa de direito à obtenção da qualificação. Esse aspecto é visto como inconstitucional por ferir o Princípio da Isonomia, já que acaba permitindo a outorga de uma entidade e negando a de outra à qualificação (idem, p. 185). As organizações sociais, desempenhando atividades que antes da EC 19/98 eram exercidas por entidades públicas, podem ser vistas como uma espécie de parceria entre a Administração e a iniciativa privada, por isso, pode-se dizer que o surgimento das organizações sociais no Direito Brasileiro está relacionado com um processo de privatização lato sensu realizado por meio da abertura de atividades públicas à iniciativa privada. Para que seja formalizada esta parceria entre a organização social e a Administração, é necessário um instrumento, o contrato de gestão que deverá, por sua vez, ser submetido ao Ministro do Estado ou a outra autoridade supervisora da área de atuação da entidade. Nele devem estar contidas as atribuições, responsabilidades e obrigações do Poder Público e da organização social, devendo obrigatoriamente observar alguns preceitos. O primeiro preceito que deve ser observado diz respeito a “especificação do programa de trabalho proposto pela organização social a estipulação das metas a serem atingidas e os respectivos prazos de execução, bem como previsão expressa dos critérios objetivos de avaliação de desempenho a serem utilizados, mediante indicadores de qualidade e produtividade”, conforme dispõe o art. 7º, I da Lei nº 9.637/1988 (BRASIL, 1988). O segundo preceito que deve ser visto para o contrato de gestão de uma organização social é “a estipulação dos limites e critérios para despesa com remuneração e vantagens de qualquer natureza a serem percebidas pelos dirigentes e empregados das organizações sociais, no exercício de suas funções”, de acordo com o art. 7º, II da Lei nº 9.637/1988 (idem). Por fim, o terceiro ponto que deve ser observado é o de que “os Ministros dos Estados ou autoridades supervisoras da área de atuação da entidade devem definir as demais cláusulas dos contratos de gestão de seu seja signatário”, em consonância com o parágrafo único do art. 7º da Lei nº 9.637/1988 (idem). Importante salientar que o órgão ou entidade supervisora da área de atuação correspondente à atividade fomentada será responsável pela fiscalização do contrato de gestão, devendo a organização apresentar, ao término de cada exercício, relatório de cumprimento das metas fixadas no contrato de gestão. Se as metas descritas no referido contrato de gestão forem, por sua vez, descumpridas, poderá ocorrer a desqualificação da entidade como organização social, feita pelo Poder Executivo essa desqualificação, desde que antes tenha havido processo administrativo com as garantias de contraditório e ampla defesa. Com relação às organizações sociais, convém ainda salientar o disposto do art. 24, XXIV, da Lei 8.666/93 que prevê hipótese de dispensa de licitação para a celebração de contrato de prestação de serviços com essas organizações, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão. Este artigo teve sua constitucionalidade questionada na ADI n. 1.923/98, a qual foi indeferida (BRASIL, 1993). 3. ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO (OSCIPs) As organizações da sociedade civil de interesse público foram criadas e reguladas pela Lei Federal 9.790, de 23 de março de 1999. Segundo Matheus Carvalho, “[…] as organizações da sociedade civil de interesse público são particulares, sem finalidade lucrativa, criadas para a prestação de serviços públicos não exclusivos de promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico, promoção gratuita da educação e da saúde, promoção da segurança alimentar e nutricional, defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável, entre outras definidas em lei (2016, p. 698)”. Esta lei habilita que pessoas jurídicas de Direito Privado, sem fins lucrativos, possam estabelecer termos de parceria com o Poder Público. Sendo assim, a lei supracitada regulamenta este Termo de Parceria. As organizações mencionadas não fazem parte da Administração Pública direta e muito menos da Administração indireta. Por conseguinte, elas são consideradas como entidades de colaboração (ARRUDA, 2015). A pessoa jurídica de Direito Privado que se habilita a obter recursos públicos os quais devem dar suporte ao funcionamento da organização precisa cumprir alguns requisitos, como: não visar lucros, desempenhar alguma atividade socialmente útil (por exemplo, assistência social, promoção da cultura, da cidadania, combate à pobreza, dentre outras finalidades), não estar incluída na listagem das impeditivas (por exemplo, sociedades comerciais, organizações sociais, instituições religiosas, dentre outras) e, por último, consolidar em seus estatutos normas sobre o funcionamento da organização (MELLO, 2011, p.241). Após preencher todos os requisitos presentes na referida lei, o Ministério da Justiça concede ao requerente o status de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público. Cabe mencionar que o requerente pode vir a perder esse status caso formule um pedido ao Ministro da Justiça ou, até mesmo, por processo administrativo ou judicial, de iniciativa popular ou do Ministério Público, resguardado o direito de defesa. Além disso, as organizações devem prestar contas tanto às entidades que repassaram dinheiro público quanto ao Tribunal de Contas, caso contrário elas poderão ser responsabilizadas. Não há necessidade de realização de procedimento licitatório para celebração do termo de parceria. Cumprindo os requisitos estabelecidos na lei, a Administração não pode negar o vínculo. Contudo, havendo mais de um interessado, conforme dispõe o art. 23 do Decreto 3.100/99, deverá haver um procedimento simplificado chamado concurso de projetos (CARVALHO, 2016, p. 699). É importante ressaltar que essas organizações se diferem das Organizações Sociais, pois as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público estão disponíveis a quem preencher os requisitos exigidos e não de forma discricionária como ocorre nas Organizações Sociais. Ademais, como ressalta Celso Antônio Bandeira de Mello, as OSCIPs não estabelecem Contratos de Gestão e sim Termos de Parceria com o Poder Público, o Poder Público não integra os quadros diretivos dessas organizações e elas possuem um rol mais amplo de atividades (2011, p.242). Por possuírem prerrogativa públicas, as OSCIPs ficam sujeitas ao controle financeiro e orçamentário do Tribunal de Contas assim como acompanhamento e fiscalização por órgão do Poder Público e dos Conselhos de Políticas Públicas (CARVALHO, 2016, p. 699). Elas devem constituir um conselho fiscal ou órgão equivalente que tenha competência para “opinar sobre os relatórios de desempenho financeiro ou contábil”, além das operações patrimoniais realizadas, com pareceres para organismos superiores da entidade (idem). CONSIDERAÇÕES FINAIS Portanto, as entidades paraestatais não integram a administração direta ou indireta, contudo exercem atividades de interesse público, não tendo finalidade lucrativa. Além disso, a atuação das Organizações Sociais é na área do ensino, da pesquisa científica, do desenvolvimento tecnológico, da proteção e da preservação do meio ambiente, da cultura e da saúde, desempenhando atividades de interesse público e não se caracterizando como serviços públicos strito sensu. Por último, as organizações da sociedade civil de interesse público não fazem parte da Administração Pública direta e nem da indireta, mas são consideradas como entidades de colaboração.
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-171/analise-das-entidades-paraestatais-organizacoes-sociais-e-organizacoes-da-sociedade-civil-de-interesse-publico/
Advocacia pública colaborativa. Enunciado 31 CJF
Este artigo convida a refletir sobre o papel da AGU na construção de soluções consensuais. Compartilha-se o reconhecimento de uma nova perspectiva e um novo paradigma de atuação ao advogado público. Propõe-se, por isso, a releitura do que, de fato, seja um exercício eficiente e técnico da advocacia pública sob a nova lógica do consenso. Analisa-se, desse modo, a inserção da atual estrutura organizacional e estratégica da AGU na nova Administração Pública Consensual, de modo a dar suporte à construção institucional de um novo atuar dos advogados públicos, apoiada em novos valores. A Lei 13.140/15 acrescentou uma nova competência técnica institucional à AGU: a atuação consensual, autônoma em relação ao servir consultivo ou litigioso. Essa independência entre as frentes de atuação da AGU nos remete a mais um refletir: a necessidade de especializar a advocacia pública. Ao final, apresenta-se, nesse cenário, um novo conceito de advocacia pública, exercida com técnica colaborativa. Analisa-se, em concreto, essa nova aptidão necessária ao advogado público para mediar interesses conflitantes- autocomposição-, de forma técnica, e, construindo autonomamente, com segurança jurídica, soluções consensuais eficientes e sustentáveis. Firma-se o posicionamento quanto à necessidade de tutelar um novo interesse público: o da construção técnica de soluções consensuais, como o fundamento de validade para todo esse novo atuar da advocacia pública na consensualidade.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO A Advocacia Geral da União, ao longo desses 25 anos, ofereceu à sociedade uma defesa, eminentemente combativa, aos interesses públicos federais, tutelando sua prevalência e superioridade. Um grande desafio se impõe, daqui para diante, à Instituição: atuar na Consensualidade. A técnica para o exercício dessa nova competência, de autocompor conflitos, ou advogar, de forma colaborativa, foi ofertada pela Lei 13.140/15, e sua essencialidade ao exercício desse novo mister é objeto da reflexão que aqui se propõe. Nas últimas três décadas, diversos movimentos transformaram o papel do Estado contemporâneo, deflagrando um processo de revisita à compreensão de sua finalidade na sociedade. Nesse contexto, a partir de meados dá década de 1990, o Brasil iniciou seu mais profundo processo de transição, ainda inacabado. Nesse sentido, o país vem empreendendo alterações em sua estrutura administrativa, a fim de transformar o modelo burocrático de gestão e implantar novo modelo de administrar, denominado gerencial. A diferença entre ambos os modelos reside na finalidade da prestação dos serviços públicos: o gerencial visa ao atendimento dos interesses coletivos com foco no cidadão. Dessa forma, há um rompimento com a estrutura administrativa tradicional, uma vez que existe, agora, uma nova percepção quanto aos interesses coletivos e aos do Estado, em si. A reforma administrativa comprometeu o Estado com seus resultados qualitativos. A prestação do serviço e a atuação administrativa vêm buscando atuar da forma mais eficiente possível, a fim de satisfazer os interesses e necessidades do cidadão usuário, em vez de somente garantir a manutenção da rigidez administrativa. Assim, flexibilizados os modos de gestão e de adoção de políticas públicas, no decorrer da descentralização e desburocratização da atividade administrativa, o formalismo desmedido vem perdendo a vez. I DO CONTEXTO HISTÓRICO POLÍTICO-SOCIAL DA CONSENSUALIDADE Nesse panorama de transformações, o Estado passou, então, a priorizar o desempenho de suas tarefas, alinhadas aos seus objetivos, preferencialmente, de modo compartilhado com os cidadãos. Nesse sentido, de acordo com OLIVEIRA e SCHWANKA (2009, p. 308), “Joan Prats I Català revela que as origens do fenômeno datam de meados da década de 90 do séc. XX especialmente na Europa, traduzindo um consenso crescente de que a eficácia e a legitimidade da atuação pública se fundamentam na qualidade da interação entre os distintos níveis de Governo e entre estes e as organizações empresariais e da sociedade civil”. Segundo Rogerio e Dias (2012, p.11), “o princípio da eficiência traduziu esses pressupostos e impulsionou a Administração a se reestruturar de forma funcional, para satisfazer às expectativas do cidadão na prestação do serviço público externo e interno” Exsurgem novos conceitos e valores do Estado eficiente. Fenômenos como o Estado em rede e a Governança Pública passam a ser propagados como pressupostos dessa eficiência. Assim, não há dúvida de que emerge uma nova forma de administrar, cujas referências são o diálogo, a negociação, o acordo, a coordenação, a descentralização, a cooperação e a colaboração. Portanto, nesse novo universo de valores, o processo de determinação do interesse público passa a ser desenvolvido a partir de uma perspectiva consensual e dialógica, contrapondo-se à dominante perspectiva imperativa e monológica. Embora elaborada a partir da experiência comunitária europeia, segundo OLIVEIRA e SCHWANKA (2009, p. 307), “Manuel Castells apresenta sua noção de Estado em rede, cujo significado é, em síntese, ‘o Estado caracterizado pelo compartilhamento da autoridade.’” O conceito de Governança Pública, por sua vez, se traduz na pretensão de alcançar a estabilidade das instituições políticas e sociais, por meio do fortalecimento do Estado de Direito, e do fortalecimento da sociedade civil, mediante o incentivo à participação e um pluralismo de dimensões múltiplas. Logo, a consensualidade na Administração Pública resulta de inúmeras transformações sociais, políticas e econômicas ocorridas em uma sociedade global, interferindo, de forma determinante, nas relações do poder público com os cidadãos. II O INTERESSE PÚBLICO NO CONSENSO Nesse panorama, relativizar o conceito clássico, que impunha um supremo e indistinto interesse público, uno e indivisível, é fundamental. Hoje, esse reconhecimento qualifica e privilegia a concepção de interesse público. Não há desamparo na consensualidade. Ao revés. O entendimento que, hoje, se pode, com propriedade, sustentar, é o da unidade de interesses públicos e privados, sem contradição, negação ou exclusão. Mas, antes de tudo, de harmonização. A ideia de ponderação, prevalece como ferramenta de controle da discricionariedade administrativa. Ou seja, persegue-se qual o interesse público prevalente no caso concreto, bem como, a observação das consequências que ele produzirá sobre os interesses dos membros da sociedade. Não mais indistintamente. O valor soberano da dignidade humana, consagrado pelo nosso legislador Constituinte originário, impõe essa interpretação das normas constitucionais. Gustavo BINENBOJM (2006, p. 86) observa que, para definir o interesse que prevalecerá, deve existir uma “ponderação proporcional” dos interesses em conflito. “Daí se dizer que o Estado democrático de direito é um Estado de ponderação, que se legitima pelo reconhecimento da necessidade de proteger e promover, ponderada e razoavelmente, tanto os interesses particulares dos indivíduos como os interesses gerais da coletividade. O que se chamará interesse público é o resultado final desse jogo de ponderações que, conforme as circunstâncias normativas e fáticas, ora apontará para a preponderância relativa do interesse geral, ora determinará a prevalência parcial de interesses individuais” (BINENBOJM, 2006, p. 86). De fato, o postulado de supremacia é substituído pelo de proporcionalidade, o qual exige, em primeiro lugar, que a medida adotada se constitua em meio adequado ou idôneo à finalidade almejada (BINENBOJM, 2006, p. 129). Nesse panorama, vale ressaltar o pensamento de Norberto Bobbio, expressado em 1985, para quem “o Estado de hoje está muito mais propenso a exercer uma função de mediador e de garante, do que a de detentor do poder de império”. III ADVOCACIA PÚBLICA EFICIENTE Nesse contexto, pode-se afirmar que a Advocacia Pública somente vai oferecer, hoje, segurança jurídica ao Estado Brasileiro, se tutelar o interesse público primário, que, atualmente, acolhe como primado tanto a dignidade humana, quanto o consenso, traduzidos na oferta dos serviços mais adequados e eficientes às inúmeras demandas da sociedade. Constata-se, nesses 25 anos de AGU, uma evolução das estratégias, de uma defesa intransigente, ao reconhecimento de um suposto déficit ou erro administrativo. Exsurge, dessa flexibilização, a possibilidade de trilhar o caminho da consensualidade, como nova frente de atuação institucional e de alternativa à sociedade, ao propósito de pacificação social. Pode-se avaliar, portanto, por todo um quadro de releituras conceituais, de antigos dogmas, que, hoje, o advogado público tem o poder-dever de promover a autocomposição, se mais adequado e vantajoso for, apropriado da técnica e apoiado na lógica do consenso, compromissado com os princípios ditados pela Lei 13.140/15. A atuação Consensual é, portanto, percebida como uma nova competência institucional, ao lado da Consultiva, Contenciosa e Correcional. O êxito em cada uma dessas frentes de atuação institucional, vai requerer, do advogado público, aptidão diferenciada, sob pena de falência de qualquer dessas empreitadas. Por essa razão, defende-se a especialização na advocacia pública. A missão institucional de diferenciar perfis próprios de atuação, capacitando-o, está a serviço da eficiência do serviço a ser prestado à sociedade. A nova realidade exige uma advocacia pública de Estado, que atenda às mudanças paradigmáticas, exigindo não só qualificação e treinamento, mas também alterações estruturais, em sua repartição de competências, e funções institucionais, para abraçar a atuação consensual, como forma autônoma e independente das demais funções institucionais. IV A LÓGICA DO CONSENSO: NOVA TÉCNICA O atuar do advogado público, sob a lógica do consenso, difere fundamentalmente da atuação sob a lógica adversarial. Usualmente, o que se verifica, em geral, é a aplicação de técnicas excessivamente persuasivas, já que nem sempre os profissionais do direito dispõem das habilidades específicas para conduzir processos consensuais. Por isso, muitas vezes, aqueles que acessam a via judicial enfrentam as dificuldades impostas por um sistema talhado na lógica adversarial. A postura persuasiva e combativa acaba comprometendo a qualidade dos acordos obtidos, comprometendo a sustentabilidade dos mesmos. Portanto, no compromisso com a eficiência e com a segurança jurídica, o construir do consenso precisa de técnica. A autocomposição há de ser um processo técnico, onde o advogado público condutor, deve ser capacitado para bem utilizar as ferramentas próprias, dentro dos princípios específicos desse novo atuar previsto em Lei. Surge, desse modo, um novo saber, uma nova lógica de pensamento e de postura ao Advogado Público. A construção do pensamento, na lógica adversarial, é voltada à persuasão e ao convencimento. Para esse objetivo, conta-se com o talento, o preparo e a vocação dos advogados para interpretar parcialmente as normas, atuando sobre a divergência entre as partes. De maneira oposta, a lógica do consenso requer atuação sobre a convergência e a interdependência entre as partes envolvidas em um conflito de interesses. Por esse motivo, o conhecimento dos interesses, das necessidades e das possibilidades reais das partes torna-se fundamental para uma eficaz atuação consensual. Quando o foco passa a ser o cidadão, visualiza-se imediatamente uma interdependência e uma linha de convergência que aproxima as partes conflitantes, legitimando e tornando possível um diálogo e uma eventual autocomposição de interesses. Nesse sentido, não se pretende fazer uma análise ética sobre o atuar beligerante, mas sim demonstrar que, ambas as técnicas, consensual e beligerante, clamam por diferentes aptidões e perfis de atuação. Quer-se, com isso, dizer que, o advogado público ao optar pelo caminho da consensualidade ou litigiosidade estará, em ambos, na tutela do interesse público. E, para cada qual, utilizará uma lógica, um saber e uma postura própria. Se assim não o fizer, estará prejudicando o sucesso de seu esforço. São lógicas opostas, a adversarial e a do consenso. Tecnicamente, a lógica adversarial se constrói com uma capacidade técnica persuasiva e combativa. Por sua vez, a lógica do consenso requer técnica colaborativa, de escuta ativa e empática, capacidade empática de compreensão dos fatos, criatividade e de espírito de parceria. A opção constitucional de absoluta tutela à dignidade humana e à eficiência administrativa, conduz à consensualidade como forma mais adequada de gestão em geral. Existem muitas demandas judiciais em que interesses públicos parecem conflitantes, mas não o são propriamente. A depender do foco fixado, a linha de convergência aparece e permite a construção de consenso. Evidentemente, que, casos existem em que, a beligerância e a polaridade se tornam inevitáveis, e, portanto, essa linha de convergência não surge. Neles, o advogado público combatente e beligerante precisa atuar para prestar o serviço técnico de combate e defesa jurídica dos interesses. Assim, o dever de defesa da constitucionalidade das leis, outorgado pelo legislador constituinte originário, ao Advogado da União, por exemplo, persiste inabalado frente à alternativa da consensualidade. A adequação da alternativa- judicial ou consensual- ao caso concreto, ou seja, o juízo de admissibilidade cabe, com exclusividade, ao advogado público consensualista. Por isso, precisa optar pela técnica do combate ou do consenso. A Judicialização convive harmonicamente com a Consensualidade. São espécies de um mesmo gênero, na verdade, qual seja, formas de composição ou gestão de conflitos/impasses. Portanto, a apropriação da técnica de autocomposição, com suas nuances principiológicas, teóricas e de método —previstas na Lei 13.140/15 — vai nortear o advogado público no juízo de adequação a cada caso concreto. Em resumo, a escolha pelo caminho da consensualidade será das partes conflitantes, por princípio. Mas, ao advogado público, condutor de tratativas, cabe o juízo de adequação, por lhe ser objeto de tutela o interesse público existente ou não no consenso em si, em cada caso específico. V SEGURANÇA JURÍDICA E EFICIÊNCIA NO CONSENSO: TECNICIDADE. A Lei 13.140/15 prevê, claramente, a necessidade de capacitação para a função de autocomposição de conflitos. Por essa razão, o risco e o prejuízo de o advogado público se propor à atuação consensual, desapropriado da técnica de autocomposiçao, são grandes, visto que a construção de consenso requer conhecimento e apropriação não apenas da técnica, em si, mas também de seus princípios. Vou além. O advogado público consensualista tem perfil específico. Soluções consensuais, construídas descompromissadas da técnica, tendem a ser ineficientes e insustentáveis com o tempo. E hoje se pode perceber inclusive o caráter da legalidade também comprometido. Daí o vasto e robusto estudo sobre os institutos da Mediação e da Conciliação, o qual evoluiu para o amparo legal de ambos pelo instituto da autocomposição. Defende-se que a Advocacia Geral da União foi contemplada pela Lei de Mediação, com uma nova competência institucional: Autocomposição dos conflitos de interesses. Anteriormente, decorria de um poder-dever do princípio administrativo de autotutela. Hoje, a Lei 13.140/15 exige a técnica para esse exercício e o compromisso com os princípios que enumera. Trata-se de uma nova ferramenta que capacita o advogado público a atuar tecnicamente, de forma parcial — na Advocacia Pública Colaborativa — ou imparcial — na Mediação —, adequando, no que couber, aos princípios administrativos. Afirma-se, portanto, que a segurança jurídica, a eficiência e a sustentabilidade das decisões consensuais está diretamente relacionada à tecnicidade do processo de autocomposição ou do novo advogar colaborativo. VI MEDIAÇÃO Na década de 1960, surgiu, sobretudo nos Estados Unidos, o movimento de retomada dos métodos de resolução extrajudiciais de conflito, entre eles, a mediação. Diante da crise do Estado de Bem-Estar Social e da segmentação do acesso à justiça, bem como da demanda popular em participar na construção do Direito, esses métodos ganharam força e credibilidade A partir disso, constatou-se que o Direito adquiriu mais legitimidade, quando formado por processo de entendimento entre sujeitos, distante de qualquer influência religiosa ou metafísica, baseado na autodeterminação dos indivíduos. O método busca, em especial, o entendimento intersubjetivo do conflito, reconhecendo como êxito da mediação, até mesmo, o processo concluído sem ajuste, desde que tenha perpassado pelo diálogo entre os participantes. Além disso, a Mediação não busca desobstruir o Poder Judiciário servindo como método alternativo de resolução de controvérsias. Sua atuação é de complementariedade às vias judiciais para dirimir os conflitos em que se possa resultar consenso. De maneira geral, a mediação constitui método extrajudicial de resolução de conflitos que se utiliza da figura do mediador como facilitador do diálogo entre os envolvidos, os mediatos, com objetivo de estabelecer a intercompreensão de suas pretensões e a aproximação de seus desejos, a fim da propositura e da escolha de resolução a controvérsia pelos próprios participantes. Trata-se de técnica dialógica, não adversarial, cuja proposta pode ser, ou não, realizar um acordo final, como conclusão do entendimento intersubjetivo de suas pretensões. Para isso, é imprescindível a distinção das posições aparentes dos participantes e de seus verdadeiros interesses durante o processo, por isso, conhecer e entender a causa geradora do conflito é requisito para eficácia do acordo. Ademais, a resolução da controvérsia no fator original do problema contribui para a pacificação social, no sentido de evitar o nascimento de outros conflitos na mesma relação social. A Lei nº 13.140/2015, no seu Parágrafo Único, do art. 1º, define a mediação como “[…] a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia.” De fato, um sistema de solução de controvérsias que seja de “múltiplas portas” favorece o desenvolvimento das atividades administrativas e da governança pública, o atendimento das demandas e anseios dos cidadãos, bem como do setor produtivo. Esse é o desafio imposto à AGU pela Lei 13.140/15, o de estruturar-se para o desempenho de uma nova competência institucional, com apropriação de um novo saber e uma nova aptidão ao advogado público. VII O ADVOGADO PÚBLICO MEDIADOR Muitos questionam a possibilidade de o advogado público estar apto, segundo a Lei Complementar 73/93, a conduzir tratativas, mediando conflitos de interesses. Aqui, se percebe não como possibilidade, mas como dever institucional, frente à vontade política manifesta na Lei 13.140/15. Somente o Advogado público pode harmonizar, em cada caso, os princípios inerentes à Mediação e aos princípios administrativos e processuais. A regulamentação da Lei 13.140/15 oferecerá ao Advogado Público, essa legitimidade de atuar. Dentre os desafios à regulamentação da Lei, percebemos como essenciais os seguintes: 1. Imparcialidade do mediador e parcialidade do advogado público. O advogado público como mediador de conflitos, capacitado na técnica, estará atuando na tutela do interesse público no consenso, zelando pela construção autônoma da solução adequada, eficiente e sustentável no tempo. Oferece à sociedade o meio mais adequado de solução de impasses. Mas, para compatibilizar com a Lei 73/93, cumpre, haja previsão expressa, quanto ao desempenho nesse mister, sempre com a presença, nas tratativas, de outro advogado público assumindo a tutela parcial do interesse próprio do Ente público representado. O Advogado Público Mediador não substitui o do contencioso e nem o do consultivo. Atuações distintas. O advogado público mediador tem o dever de zelar pela garantia de direitos fundamentais, cabendo conduzir as tratativas dentro desse contorno. O compromisso com a imparcialidade, significa não favorecer qualquer dos participantes e resguardar a igualdade no procedimento a todo momento. Portanto, não há desamparo do interesse público tutelado pelo advogado público, quando conduz processo de autocomposição. Na verdade, o advogado público mediador nada mais significa do que o reconhecimento institucional do Poder-dever do Estado na autogestão de conflitos internos, oferecendo amparo ao novo interesse público de autocomposição. A imparcialidade não é, como pode parecer, um obstáculo, mas sim um parâmetro de atuação, galgado em um novo paradigma: o do interesse público no Consenso. Assim, o advogado público ao atuar como condutor de tratativas, zela e tutela o interesse público no consenso, conferindo a outro advogado público a tutela do interesse parcial do órgão que representa. 2. Isonomia entre as partes e supremacia do interesse público A isonomia advém do fato de que, hoje, não há mais uma hierarquia de interesses, em que o público estaria sempre prevalente sobre o privado, indistintamente, mas sim, uma análise de cada caso, por meio da técnica de ponderação e de proporcionalidade. Essa isonomia refere-se ao tratamento oferecido pelo advogado Público Mediador aos interesses em conflito. Desse modo, cabe ao advogado público, que conduza tratativas, de forma comprometida com a técnica e princípios da Lei, oferecer tratamento idêntico entre as partes, sejam elas entes públicos ou privados. Por isso, a isonomia relaciona-se à igualdade de oportunidades às partes envolvidas em um conflito, de expor os fatos, razões, necessidades e possibilidades. Cabe também aqui, uma previsão expressa na normatividade interna da AGU para que seja um parâmetro de dever funcional do advogado público, condutor de tratativas oferecer isonomia e atuar de forma imparcial. 3. Oralidade e princípio do ônus da prova Esse princípio da Mediação relaciona-se diretamente à compreensão do papel do Mediador. A condução de tratativas negociais não pode ser confundida com consulta e assessoramento jurídico e menos ainda com julgamento. No papel de condutor, o advogado público estará facilitando o diálogo entre os representantes legais, e gestores, propiciando um intercâmbio de informações, viabilizando eventuais releituras, zelando pela escuta e fala, garantindo a exata compreensão por um e outro, dos interesses, necessidades e possibilidades reais de cada contexto envolvido. Portanto não há prova a ser produzida, ou comprovação a ser feita ao Advogado público Mediador. Ao se pretender comprovar um fato ou uma alegação, com documentos, cabe ao Advogado Público mediador abster-se destinando-os às partes envolvidas, reciprocamente. Daí uma grande diferença entre a lógica adversarial e a lógica do consenso. O atuar de forma persuasiva é imprescindível ao êxito na primeira, ao passo que, no propósito da solução por consenso, prejudica e compromete todo o procedimento de autocompor conflitos. Aqui também temos esse parâmetro de atuação, que deve se constituir em um dever funcional ao advogado público apto à atuação consensual, qual seja, precipuamente, diferenciar consultoria e assessoramento jurídico de autocomposição de conflitos. O Advogado Público Mediador não emite qualquer juízo de valor. 4. Informalidade e Princípio da hierarquia Outra característica do método é a informalidade, que permite a criação de um espaço democrático de interlocução entre sujeitos. O advogado Público Mediador não detém autoridade do saber jurídico, como no caso do Advogado público consultivo e contencioso. Atua em prol da construção do consenso. Outro foco de tutela. Além disso, o procedimento é flexível: as sessões de mediação se seguirão conforme cada conflito e não serão regidas por qualquer prazo. Não há procedimento rígido com regras pré-estabelecidas. Em que pese o aspecto informal do procedimento, não há que se falar em sua ausência. Isto é, este será adaptado às peculiaridades de cada caso concreto, mas seguirá uma regra geral de atos. O procedimento regular-se-á por critérios de razoabilidade desde a duração das sessões ao tramitar do processo. Caberá aos envolvidos a propositura de soluções ao conflito de maneira satisfatória a todos. O mediador atua somente como catalisador do diálogo para que os participantes cooperem entre si e alcancem o consenso, por isso, aptidão, habilidade e competência são necessárias ao advogado público. A normatividade interna deverá também conter expressamente esse parâmetro de atuação ao advogado público. Serve o mesmo para orientar toda a engrenagem organizacional administrativa de apoio ao advogado público consensualista. 5. Autonomia da vontade das partes e impulso oficial Esse princípio da Mediação é fundamentalmente oposto ao que rege o processo de litigância. Na autocomposição as partes são donas do processo. A desistência ou renúncia tem consequências no processo judicial. No processo de autocomposição técnico, não se pode compelir a persistir, e a desistência ou renúncia nenhum prejuízo acarreta. Como visto, a mediação é um procedimento autocompositivo de dimensão dialógica. Nesse sentido, a exigência de voluntariedade dos participantes para o uso do método é fundamental, como determinado pelo art. 2º, §1º da Lei nº 13.140/2015. A eles cabe optar pelo método da mediação para a resolução de sua controvérsia podendo inclusive abandoná-la em seu curso. Na ausência de voluntariedade não haveria abertura para o diálogo e consequentemente para o processo de intercompreensão. Ademais, as decisões acerca do conflito serão propostas e tomadas pelos próprios envolvidos, exigindo-se mais uma vez a voluntariedade dos participantes. 6. Busca do consenso e princípio da verdade formal A busca do consenso que, nesse panorama, refere-se à conjugação de interesses, necessidades e possibilidades reais das partes envolvidas, consiste no princípio que norteia a atuação do advogado público condutor de tratativas. É o objeto de sua tutela: consenso. Nesse sentido, o esforço do advogado público, condutor de tratativas negociais, compromissado com a técnica, é o de construir uma coexistência e consideração recíprocas, das realidades apresentadas, para que a solução seja fruto de uma construção coletiva, na qual todos sejam contemplados em suas necessidades e possibilidades reais. Por isso, esse ambiente requer, do advogado público, em vez de persuasão e domínio por argumentações, capacidade de desenvolver o diálogo, de escuta ativa, de ouvir empático, bem como de gerenciar todo esse processo dentro dos princípios. 7. Confidencialidade e princípio da publicidade Necessariamente, o procedimento de Mediação deve ser confidencial, já que, aos participantes, deve estar garantida a segurança para preservar seus relatos, bem como para proteger o próprio processo. Além disso, o sigilo possibilita a exposição real dos fatos, sem constrangimentos e receios. Na ausência de confidencialidade, as informações relatadas pelos participantes poderiam ficar desprotegidas, gerando prejuízos às partes, caso constituíssem prova judicial uma vez frustrada a mediação. Por isso, a lei 13.140/2015 determina e estabelece critérios para confidencialidade em seus artigos 30 e 31, sem que tenha sido prevista a lavratura do termo de compromisso. Não há, todavia, incompatibilidade entre o princípio da Mediação e o princípio da publicidade dos atos administrativos. O princípio da confidencialidade refere-se ao dever do advogado público, condutor de tratativas, de zelar pela ampla liberdade dialógica, ou seja, tudo pode ser dito, sem comprometimento, já que não há registro para eventual utilização como prova da evolução dialógica das tratativas. A liberdade de fala amplia os horizontes de possibilidades e oportunidades de conjugação de interesses. Portanto, não se deve falar em incoerência com o princípio da publicidade dos atos administrativos. Ao contrário, com ele se harmoniza, porque a publicidade dos atos administrativos relaciona-se ao dever de motivação do agente público e de informação do conteúdo. Ambos se mantêm preservados se a confidencialidade for restrita a ampla capacidade de diálogo, com liberdade e sem registros. Firmadas as convicções, prevalece a publicidade da motivação para o consenso, a qual será expressa e registrada garantindo a publicidade da existência do acordo e da motivação. O dever de motivação, na verdade, resguarda e protege o advogado público, assegurando a todos o conhecimento das razões pelas quais optou-se pelo acordo como solução mais adequada a determinado impasse. 8. Boa-fé e verdade formal O princípio da Boa-fé da Mediação relaciona-se, diretamente, aos valores envolvidos em uma atuação sob a lógica do consenso, assim, o que perfaz a trilha da boa-fé é o objetivo de construir, coletivamente, a solução a um conflito ou impasse. No processo de autocomposição, não há verdade formal já que, por princípio e ideologia, ela se relaciona diretamente com a realidade material dos fatos. Por isso, nesse processo, fala-se em conhecer as reais necessidades, possibilidades e interesses das partes envolvidas em um conflito, em detrimento do mero conhecimento formal da posição de cada um. Dessa forma, não há a demanda de se comprovar qualquer alegação, porque não se pretende convencer, mas sim conjugar as verdades, aproximar as realidades. Portanto, o ônus da prova não é coerente com a atuação sob a lógica do consenso, uma vez que ele terá como base o benefício a todos os envolvidos. O advogado público dispõe de autorização legal para o exercício da autocomposição, desde que se aproprie da técnica e se comprometa com os princípios, previstos expressamente na Lei de Mediação. VIII ADVOCACIA PÚBLICA COLABORATIVA: NOVA COMPETÊNCIA INSTITUCIONAL Apresentei a proposta de um novo conceito de advocacia pública na I Jornada “Prevenção e solução extrajudicial de litígios”, realizada no Conselho da Justiça Federal, em agosto de 2016. Aprovada por unanimidade, hoje, consiste em uma recomendação, expressa no Enunciado nº 31 da CJF, dirigida aos órgãos representativos, aos representantes legais, aos representados e à sociedade. “É recomendável a existência de uma advocacia pública colaborativa entre os entes da federação e seus respectivos órgãos públicos, nos casos em que haja interesses públicos conflitantes/divergentes. Nessas hipóteses, União, Estados, Distrito Federal e Municípios poderão celebrar pacto de não propositura de demanda judicial e de solicitação de suspensão das que estiverem propostas com estes, integrando o polo passivo da demanda, para que sejam submetidos à oportunidade de diálogo produtivo e consenso sem interferência jurisdicional.”[1] A ideia foi importar o conceito da experiência na área privada da Advocacia Colaborativa, na qual se firmam pactos de não litigância entre os advogados, para que se evolua no diálogo e na busca por integralizar interesses contrários. Na seara da Advocacia Pública, a importação de conceitos, requer, evidentemente, ajustes e adequações. O pacto de não judicialização pode ser firmado sem ofensa ao dever institucional, partindo-se da premissa da existência de um interesse público em construir soluções consensuais. A tutela a esse interesse autoriza o advogado público a optar e a se comprometer com a não judicialização. Frustrado o resultado da advocacia colaborativa, um novo cenário se recompõe no Contencioso, com novos advogados públicos. Essa é a ideia. Percebe-se o pacto de não judicialização podendo ser firmado entre advogados públicos, a fim de, efetivamente, evoluir para um diálogo produtivo sem compromisso com registros e, por consequência, sem a ideia de comprometimento com o que for exposto, enquanto ideias, ponderações e conjecturas. A motivação, por sua vez, ao final, para adotar tal ou qual providência ajustada, precisa ser consignada para dar publicidade e, mesmo, para proteger o advogado público colaborativo, e deve constar de todo acordo, mas a evolução de tratativas, para se alcançar um consenso, pode ser protegida pelo sigilo, sem ofensa ao princípio da publicidade dos atos administrativos, desde que, dele, conste as razões para adoção de uma ou outra postura Nesse panorama, surge uma questão: a defesa ou o patrocínio de qualquer causa que tutele um interesse público sem o espírito bélico é possível? Retirar da Advocacia o espírito beligerante seria como pedir ao médico que não usasse o bisturi? Quase isso! Mas, assim como na Medicina, se evoluiu para cirurgias a laser e para a Robótica, pode também a Advocacia ser exercida com qualidade e êxito sem ataque e defesa presentes. Tanto a advocacia pública, quanto a privada estão alicerçadas sobre o binômio ataque-defesa. O bom advogado público, ou privado, é aquele que encontra argumento para a defesa contra qualquer acusação, por isso, a celeridade nesse contra-ataque consiste no sucesso da empreitada. Portanto, vale ressaltar que compreender a colaboratividade como generosidade ou tolerância, implica em retirar o caráter técnico da atuação, e, com isso retirar-lhe credibilidade. Advogar colaborativamente constitui nova forma de advogar, na qual há uma construção, com técnica e princípios, de parceria, para compor divergências. A técnica e a formação são necessárias na iniciativa privada, e deverão também ser construídas para a advocacia pública. Somente assim se qualifica esse novo atuar profissional. IX O ADVOGADO PÚBLICO COLABORATIVO O advogado público, com aptidão e competência (capacitação) para atuar no ambiente da Consensualidade, ao apropriar-se da lógica do consenso, torna-se apto para atuar como advogado colaborativo, sendo-lhe úteis também as ferramentas da técnica da Mediação e dos princípios que a direcionam. Apesar de a condução de tratativas diferir do advogar colaborativo em muitos aspectos, eles têm em comum a atuação sob a lógica do consenso em contraposição à lógica adversarial e a tecnicidade como condição de validade. Enquanto na Advocacia Colaborativa a posição parcial do advogado se mantém intacta, tutelando o interesse parcial, na Mediação, o advogado público, condutor de tratativas entre partes conflitantes, tutela o interesse na construção de consenso em si. Deste modo, delega a outro advogado público o mister da defesa parcial, porque a técnica dialógica da Mediação permite ao advogado público o que denominamos representação mediativa. Conceito a ser desenvolvido que se contrapõe à representação intermediativa. A representação mediativa gera parceria, já que, nela, o advogado público não substitui o representado, mas com ele constrói caminhos. A intenção e a necessidade dos gestores, na realização das políticas públicas, entram em sintonia com os limites legais, pontuados pelo advogado público, em um trabalho de equipe voltado à construção de consenso. A representação intermediativa, por sua vez, gera a substituição que tanto conhecemos em sede contenciosa. Por conseguinte, a advocacia pública colaborativa, constando como recomendação no enunciado 31 aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, da forma como prevista, consiste, sem sombra de dúvida, em avanço enorme e uma conquista institucional a ser incorporada como nova realidade da AGU adequada aos ditames de uma Administração Pública Consensual. Nesse panorama, a dogmatização do conceito é o convite, já que, ao oferecer contorno e segurança, ao advogado público, nesse novo atuar, fixam-se novos deveres funcionais, construindo-se um novo saber. Assim, a advocacia pública colaborativa atende a uma AGU cidadã que tutela a dignidade humana, persegue a eficiência e realiza a opção constituinte por um sistema federativo de repartição de competências que funcione como uma unidade. X CASOS CONCRETOS: TÉCNICA DA MEDIAÇÃO NA CÂMARA LOCAL DE CONCILIAÇÃO Capacitada em Mediação, na forma determinada pela Resolução 125 do CNJ, conduzi tratativas entre órgãos públicos federais e entre União Estado e Município fazendo uso da técnica da Mediação. Por isso, compartilho a experiência e o aprendizado. A apropriação da técnica dialógica permitiu construir um diálogo produtivo que ensejou a solução consensual. A técnica oferece ferramentas ao advogado público, na condução de tratativas, as quais criam o ambiente da consensualidade e são aplicadas desde o momento de recepção e de percepção do caso concreto. Desse modo, em um dos casos trabalhados com essa técnica, se deu entre hospital público federal e empresa privada, com interesses conflitantes no que tange à satisfação e à suficiência do serviço contratado. No caso, quatro foram os elementos essenciais à atuação consensual com uso da técnica: 1-    Identificação de todas as partes envolvidas; 2-    Convite para a presença de todas; 3-    Diagnóstico por consenso da causa geradora do conflito; 4-    Oferecer voz e vez a representante e representado no relato da realidade necessidade e possibilidade. A despolarização é o primeiro efeito que se busca com a técnica, por meio da fixação do foco de análise. No exemplo, o foco estava no serviço prestado pela empresa ao hospital público. Dentro desse quadro, não haveria linha de convergência para instalar a lógica do consenso, assim, não haveria trabalho para advogado público consensualista, porque persistiria formada a polaridade de posições. Ao se trabalhar dialogicamente com uso da técnica da Mediação, alcança-se a mudança do foco de análise, daí, surge a linha de convergência sobre a qual se pode trabalhar. Essa percepção acontece sem persuasão ou indução dos envolvidos, já que o simples caminhar de um diálogo amplo e revelador de realidades faz esse foco se alterar. No caso, o alvo de atenção foi deslocado para o serviço prestado ao cidadão. Ou seja, hospital público e empresa privada perceberam-se parceiros nesse propósito, em vez de credor e devedor. Isso porque existiu o interesse comum de satisfazer o cidadão. E, com o novo foco, passou-se a trabalhar sob a lógica do consenso: convergência e interdependência percebida por todos os envolvidos, sendo formada a coesão necessária à construção de parceria e consenso. A segunda etapa foi caminhar para o consenso quanto às razões para o ocorrido e, após o diagnóstico consensual firmado, levou-se à construção da solução consensual. Nesse sentido, a técnica ensina como permear entre as partes conflitantes para lhes empoderar essas percepções. As ferramentas são concretas e, se bem utilizadas, conduzem à intercompreensão e ao empoderamento dos envolvidos. Atestado na prática. O resultado foi exitoso e a judicialização evitada não por concessão, renúncia, desistência ou tolerância por qualquer das partes, mas por identificação consensual das necessidades e possibilidades reais (não ideais) de cada qual para atingir o objetivo comum de bem servir ao cidadão. O efeito, diferentemente, de uma decisão judicial, não se restringe às partes conflitantes. Os demais contratos firmados por qualquer das partes, poderá vir a conter cláusula preventiva do diagnóstico obtido de causas. Para maiores detalhes do processo, remeto à leitura da reportagem sobre os Tomógrafos na imprensa da AGU. Foram cinco sessões de autocomposição com uso da técnica da Mediação. XI CONCLUSÃO Há um grande caminho ainda a percorrer para que essa recomendação, constante do Enunciado 31 do CJF, não seja um mero conselho, que será seguido ou não, conforme o juízo de valor e conveniência de cada advogado público ou gestor público. Deve, dessa maneira, carregar todo um peso conceitual de dogmas para embasar uma eficiente atuação colaborativa, oferecendo segurança jurídica à sociedade e ao Advogado Público que pretenda atuar de forma colaborativa. Propõe-se, desse modo, a releitura do papel institucional da AGU dentro do atual contexto de uma Administração gerencial, sugerindo uma nova advocacia, exercida de forma colaborativa e não combativa, além de uma condução técnica dos processos de autocomposição. Prospectivamente, se visualiza a especialização da advocacia pública como forma de dar suporte ao advogado público no exercício das novas competências institucionais, assegurando, com isso, que as soluções consensuais sejam efetivamente construídas de forma integrada, juridicamente segura e sustentável no tempo. É a AGU inserida na cultura da paz social.
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-171/advocacia-publica-colaborativa-enunciado-31-cjf/
Renúncia de receita pública
A gestão pública no Brasil evoluiu de um modelo patrimonialista para uma administração gerencial buscando transpor os desafios para uma administração mais eficiente. No novo modelo o controle passa a ser de resultados ensejando um maior planejamento para a consecução de metas. Buscando corrigir os rumos na gestão das finanças públicas e positivar a moralidade administrativa foi sancionada a Lei de Responsabilidade Fiscal LRF que tem como objetivo principal o equilíbrio das contas públicas. Não deve haver nem excesso de arrecadação nem excesso de gastos. Sendo assim a LRF veda que o Chefe do Poder executivo renuncie à receita salvo se obedecer a algumas exigências.
Direito Administrativo
1.INTRODUÇÃO A gestão pública no Brasil evoluiu de um modelo patrimonialista para uma administração gerencial, buscando transpor os desafios para uma administração mais eficiente. No novo modelo, o controle passa a ser de resultados, ensejando um maior planejamento para a consecução de metas. Buscando corrigir os rumos na gestão das finanças públicas e positivar a moralidade administrativa, foi sancionada a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que tem como objetivo principal o equilíbrio das contas públicas. Não deve haver nem excesso de arrecadação, nem excesso de gastos. Sendo assim, a LRF veda que o Chefe do Poder executivo renuncie à receita, salvo se obedecer a algumas exigências. 2. DESENVOLVIMENTO 2.1 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA- CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA A evolução da gestão pública no Brasil passou por três modelos. Essas modalidades surgiram sucessivamente ao longo do tempo, buscando transpor desafios a uma administração mais eficiente. Atualmente, a Administração Pública adota uma postura espelhada nas empresas privadas, focadas na eficiência e na consecução de objetivos pré-definidos. A Burocracia como forma de gestão foi instituída no Brasil nos anos 60 com o propósito principal de moralizar a Administração, até então gerida de forma patrimonialista, com a utilização da máquina pública para satisfazer interesses pessoais dos que detinham o poder. O modelo burocrático tinha como princípio orientador a legalidade e focava no controle dos processos. Suas disfunções, porém, levaram a uma gestão ineficiente, incapaz de atender as necessidades dos usuários do serviço público. Nesse contexto, após diversas tentativas frustradas de desburocratização, foi instituído em 1995, o modelo Gerencial de gestão pública. Através dele, a administração passaria a atuar de forma semelhante ao setor privado, com foco na redução de custos e maximização da satisfação dos usuários, estabelecendo uma postura mais empreendedora do Estado. A partir de então, a gestão passa a ser orientada pela eficiência e qualidade. O controle passa a ser de resultados, não mais de meios, com a estipulação prévia dos objetivos a serem perseguidos. Instrumentos são criados para estimular a participação dos cidadãos, seja discutindo a alocação de recursos- através do orçamento participativo-, seja impugnando atos lesivos à moralidade administrativa- através da Ação Popular. Apesar das novidades implantadas, a Burocracia não foi completamente abandonada. A Administração Gerencial está apoiada no modelo anterior, conservando alguns princípios fundamentais. Os principais desafios são a flexibilização dos processos para que os órgãos atuem com maior autonomia em busca do atingimento de metas e uma participação cada vez maior dos cidadãos-usuários na gestão pública. A atuação das empresas privadas é o norte a orientar a nova mentalidade dos gestores. 2.2 LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL Tendo em vista essa nova mentalidade administrativa, orientada pela eficiência e qualidade, e com embasamento no artigo 165, §9º da Constituição Federal de 1988 em 04/05/2000 foi aprovada a Lei Complementar nº 101/2000, também conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) com o propósito de corrigir os rumos da administração pública. Seu principal objetivo é prevenir o endividamento público irresponsável, prevendo punições para os agentes públicos pela má gestão financeira, preservando assim o equilíbrio entre receitas e despesas públicas. A LRF apóia-se em quatro pontos principais: o planejamento, a transparência, o controle e a responsabilidade. O planejamento orçamentário, fruto da visão gerencial da nova administração pública, deve nortear toda a ação do gestor público. As decisões tomadas devem ter como norte não a duração do mandato, mas devem ter em vista a eficiência e eficácia a longo prazo. Ações eleitoreiras, que geram dívidas nos últimos meses de mandato para ser repassadas ao gestor seguinte comprometendo a execução do orçamento previsto, não serão mais toleradas. A transparência nas finanças públicas passa a ser regra geral, prevemdo a lei diversos mecanismos para disponibilizar as origens e aplicações dos recursos públicos a população, facilitando a fiscalização, dentre eles: publicação de relatórios e demonstrativos, realização de audiências públicas e a prestação de contas. A LRF também apoia-se na gestão financeira responsável. O Código Penal passou a prever sanções para o descumprimento das regras estabelecidas pela Lei. Sendo assim serão punidos a inscrição em restos a pagar sem disponibilidade financeira, não-publicação dos demonstrativos previstos, a realização de despesas de caráter continuado sem a receita correspondente e a realização de despesas de capital em volume menor que as receitas foram tipificados na legislação. O controle da execução orçamentária deve ser rigorosa e contínua, a ser realizado pelo Poder Legislativo, auxiliado pelos Tribunais de Contas, pelos conselhos fiscais criados pela LRF, pelo Ministério Público e pelos cidadãos. 2.3 RENÚNCIA DE RECEITAS O objetivo principal da Lei de Responsabilidade Fiscal é o equilíbrio das contas públicas. Não deve haver nem excesso de arrecadação, nem excesso de gastos. Sendo assim, uma vez que a receita arrecadada deve ser correspondente ao montante da despesa, não faz sentido que o gestor renuncie alguma despesa. A LRF veda que o Chefe do Executivo conceda isenções, anistias, remições, créditos presumidos ou quaisquer outros benefícios que importem em diminuição do montante a ser arrecadado. Tal regra busca evitar que os titulares de mandato, ao assumir o posto, concedam favores pelo apoio recebido durante a campanha eleitoral. Prevê o artigo 14 da LRF: “A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições: I – demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias; II – estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição. § 1o A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado. § 2o Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso. § 3o O disposto neste artigo não se aplica: I – às alterações das alíquotas dos impostos previstos nos incisos I, II, IV e V do art. 153 da Constituição, na forma do seu § 1o; II – ao cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos respectivos custos de cobrança.” Pelo exposto, há apenas duas exceções para a permissão da renúncia de receita: 1) Quando houver compensação. O benefício a ser concedido deve ser suportado pelo aumento na arrecadação de algum imposto, seja por majoração da alíquota ou mudança na base de cálculo. 2) Quando o benefício for previsto na Lei Orçamentária Anual. Uma vez tendo sido previsto o benefício no orçamento, foram previstas também despesas menores, preservando o equilíbrio das contas públicas. A Constituição Federal determina, ainda, em seu artigo 165, §6°, que a o projeto de lei orçamentária deve ser acompanhado de um demonstrativo do efeito das isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícias sobre as receitas e despesas. A proibição da renúncia de receitas incide também sobre a instituição de impostos. Após a edição da lei, todos os entes políticos são obrigados a instituir os impostos de sua competência. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os avanços na administração pública são uma resposta à necessidade que o Estado tem de cumprir seu papel perante uma sociedade cada vez mais exigente e fiscalizadora, de forma ágil e eficiente. Neste contexto, a renúncia de receitas, deve ser um instrumento capaz de fomentar o desenvolvimento sócio-econômico, promovendo o surgimento de novas atividades econômicas, e gerando emprego e renda e não apenas a transferência de recursos da sociedade para o setor privado. Garantir um ou outro resultado exige um rigoroso controle dos resultados de modo a evitar que a sociedade pague a conta sem obter os devidos benefícios.
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Sistema de registro de preços: vantagens, desvantagens e a polêmica figura do carona
O Sistema de Registro de Preços é um procedimento formal de registro de preços, que, diferentemente da licitação comum, objetiva contratações futuras, no qual os vencedores registram seus preços em uma ata, e assumem o compromisso de fornecer os bens e serviços de acordo com os preços registrados, e conforme a necessidade da Administração Pública, que possui alto grau de discricionariedade na contratação, ou seja, não é obrigada a contratar com o fornecedor vencedor, bem como também não necessita adquirir todo o quantitativo registrado no documento. O presente artigo, por sua vez, tem como objetivo realizar uma análise em relação às vantagens e desvantagens na utilização desse sistema, bem como acerca de um instituto peculiar – e polêmico – inerente a esse procedimento, qual seja, o carona.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO A Administração Pública, diferente do que ocorre com o particular, que tem autonomia para contratar da forma que melhor lhe convém, deve, conforme exigência da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 37, XXI, realizar o procedimento de Licitação sempre que objetivar a compra ou alienação de bens, contratação de serviços ou realização de obras. Considerando exatamente essa necessidade que o Administrador tem de atender o interesse público com celeridade e eficiência, mas sem romper o vínculo com a legalidade, a Lei 8.666/93 incluiu entre seus dispositivos, a figura do Sistema de Registro de Preços, objeto do presente artigo. O SRP, bem como o próprio nome já diz, é um sistema, um conjunto de procedimentos com o fim de registro formal de preços, para contratações futuras, devendo ser adotado, sempre que possível, para aquisição de bens e serviços comuns. Após a realização de uma licitação, que poderá ocorrer na modalidade concorrência ou pregão, o Órgão Público assina em conjunto com o licitante vencedor uma ata, na qual são registrados os preços pactuados entre eles e o respectivo quantitativo total, que terá validade de 1 ano, sendo um “documento vinculativo, obrigacional, com característica para futura contratação”. (MEIRELLES, 2013, p. 372). Nesse aspecto, cabe destacar que a sistemática do SRP ficou ainda mais interessante com a promulgação da Lei 10.520/07, que possibilitou a adoção do Pregão como modalidade de Licitação, aumentando ainda mais a celeridade, transparência e agilidade do instituto, que antes permitia somente o uso da Concorrência. Outrossim, durante o prazo de validade da Ata, a Administração pode, sempre que necessitar, exigir que o particular celebre o contrato pelo preço registrado quando da assinatura da Ata de Registro de Preços, solicitando o quantitativo então necessário, o que poderá ocorrer de forma parcelada durante o período de validade deste documento. É regulamentado por Decreto, sendo que especificamente na esfera da Administração Pública Federal, esta regulamentação é feita atualmente pelo Decreto nº 7.892 de 23 de janeiro de 2013. Por conseguinte, este artigo tem a finalidade de demonstrar, sobretudo através da análise da legislação pátria – constitucional e infraconstitucional –, bem como de doutrinas variadas sobre o tema, as vantagens e desvantagens na adoção do Sistema alhures, e principalmente, da utilidade – e (im)probidade – da carona nessa espécie de contratação pública, com os riscos respectivos. 1. VANTAGENS DO SISTEMA DE REGISTRO DE PREÇOS A aplicação do Sistema de Registro de Preços possui uma vasta gama de vantagens, principalmente ao permitir a evolução significativa do planejamento das atividades da Administração. Além dessa, diversas outras podem ser apresentadas. A primeira delas está contida no fato da existência de facultatividade na aquisição do objeto licitado, sendo assim, a Administração tem a discricionariedade de agir conforme suas necessidades, podendo flexibilizar suas despesas, com a devida adequação aos recursos disponíveis. Outrossim, através da análise do § 6º, Art. 15 da Lei 8.666/93, afere-se outra enorme vantagem da adoção do SRP, qual seja, a possibilidade de que qualquer cidadão pode impugnar o preço constante do registro, caso haja incompatibilidade com aqueles constantes da ata e os vigentes no mercado, o que minimiza os riscos de fraudes nas contratações de objetos comuns, com preços exorbitantes. Além disso, há a possibilidade de compra progressiva, não havendo necessidade de que se adquira todo o quantitativo de uma só vez, o que não gera, pois, custos com implantação e manutenção de estoque, bem como evita o ônus de vigilância e não causa riscos de perda do objeto por prazo de validade. Ademais, no momento de assinatura da ata, a Administração não necessita ter disponibilidade de recursos, bastando que isso ocorra apenas quando da celebração do contrato ou instrumento equivalente, garantindo-se assim uma prontidão na aquisição dos produtos desejados. Outro fator positivo é que através da adoção do SRP evita-se a multiplicidade de licitações repetitivas, contínuas e seguidas, com a finalidade de aquisição de um mesmo objeto, ou objetos semelhantes, estabelecendo-se assim uma rotina aperfeiçoada da atividade licitatória, em obediência aos Princípios da Eficiência e Economicidade, Outrossim, uma vez que são estabelecidos lotes mínimos para a aquisição de grandes quantidades, evita-se o preço de varejo – como ocorre nas licitações comuns, visto que o objeto a ser adquirido é único – e assim, permite-se aos fornecedores formularem propostas mais vantajosas, em estrita conformidade com o objetivo principal do SRP, qual seja, a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, obedecendo estritamente ao interesse público. Além disso, a adoção do Sistema de Registro de Preços permite um aumento na competitividade, porquanto permite a participação das pequenas e médias empresas nas Licitações, devido à possibilidade de parcelamento das compras, obras e serviços a serem entregues. Assim, “a adoção do SRP determina, com absoluta certeza, flagrante economia, além de ganho em agilidade e segurança, com pleno atendimento ao princípio da eficiência, recentemente elevado a princípio constitucional da Administração Pública”. (BITTENCOURT, 2003, p. 48). Outra potencial vantagem do SRP é a possibilidade de que seja exercido um melhor controle de qualidade dos objetos adquiridos através da Licitação, isso se deve ao fato de que existem muitas limitações e dificuldades enfrentadas pelo Administrador em relação às especificações técnicas, sendo assim, frequentemente a aquisição de produtos de baixa qualidade ou até mesmo incompatíveis com as reais necessidades da Administração, trazem a ela, grandes prejuízos. Assim, caso seja verificada a incompatibilidade entre objeto fornecido e as necessidades desta, é facultado a ela não contratar mais com o licitante vencedor, havendo ainda a possibilidade de realização de um novo certame licitatório, visto que não há obrigatoriedade de adquirir todo o quantitativo presente na ata. Sendo assim, a adoção do Sistema de Registro de Preços tem se mostrado demasiadamente vantajosa, visto que, além de dar celeridade ao processo de contratação de bens e serviços, está estritamente ligada aos Princípios basilares da Administração Pública, o que garante a probidade nas contratações. 2. DESVANTAGENS DO SRP A adoção do SRP implica uma mudança no planejamento organizacional da Administração, o que faz com que muitos Entes resistam à sua implantação, sendo assim, como todo instituto jurídico, trata-se de um sistema que possui também algumas desvantagens em sua adoção. Nesse sentido, Justen Filho (2010) destaca que por ser um cadastro, o Sistema de Registro de Preços tem dois principais pontos negativos, quais sejam a obsolescência e a incompletude. A primeira pode ser caracterizada como a defasagem entre a realidade do mercado e os dados registrados, visto que diariamente surgem novos produtos, e dessa forma, os preços podem sofrer grandes variações. Por isso, a Administração tem o dever de verificar, antes de cada aquisição, se os preços registrados são compatíveis com os de mercado. A segunda, por sua vez, é consequência da padronização imposta pelo SRP, ou seja, quando o Administrador promove a licitação e posteriormente organiza o registro, acaba por estabelecer categorias gerais de produtos, pois muitas vezes o registro abarca produtos com especificações ou qualidades genéricas, que não atendem as reais necessidades da Administração. Para Fernandes (2003, p. 95), existem ainda as seguintes desvantagens: a necessidade de alocar recursos humanos para atualizar tabelas; a impossibilidade de prever todos os itens a serem adquiridos; a facilidade na formação de cartéis. Outra desvantagem citada pela doutrina é a complexidade da modalidade Concorrência. Desvantagem esta que foi resolvida após a aprovação da Lei 10.520/02, que passou a admitir o uso do Pregão no SRP, conferindo pois, agilidade ao processo de contratação através do Sistema de Registro de Preços, bem como tornou muito mais interessante sua sistemática. Sendo assim, como todas as desvantagens encontram-se arrazoadas é necessário que seja proposta uma solução, visto que a inaplicabilidade do SRP compromete todo o sistema de aquisição de bens e serviços. É necessário, portanto, que a Administração disponibilize um setor especializado especificamente em Sistema de Registro de Preços, que fique responsável por sua adoção, controle e manutenção, bem como para acompanhar periodicamente os preços praticados no mercado nas mesmas condições registradas, com o fim de convocar os fornecedores para uma possível renegociação caso haja disparidade entre os preços atuais e os registrados em ata, para que assim, além de facilitar a aplicação do SRP, aumente a credibilidade desse sistema, o que certamente motivaria vários outros Entes a adotarem-no também. 3. A CONTROVERTIDA FIGURA DO CARONA Essa figura denominada “carona” é chamada pelo Decreto 7.892/2013, em seu Art. 2º, V, de Órgão Não Participante, sendo definido como “Órgão ou entidade da Administração Pública que, não tendo participado dos procedimentos iniciais da licitação, atendidos os requisitos desta norma, faz adesão à Ata de Registro de Preços”. Existem, porém, duas correntes em relação à figura do “carona”, uma a favor de sua utilização, e uma contra, que discorda da possibilidade de que um Órgão não participante inicialmente do SRP possa a ele aderir. O fato é que atualmente, a “carona” tem sido utilizada pela União, Estados e Municípios e pelo próprio âmbito do TCU, embora não esteja prevista em lei, mas apenas em disposições contidas Decretos. Segundo Fernandes (2003), que é defensor da existência e utilidade dessa figura, existem inúmeras vantagens nesse procedimento, como por exemplo, a motivação do uso do SRP por outros Órgãos, aumentando a credibilidade do Sistema e a ínfima burocracia, visto que é um procedimento que possui requisitos mínimos. Este também é o entendimento do Decreto nº 7.892/13, que em seu Artigo 22, permite e regulamenta o uso da Ata de Registro de Preços por Órgãos ou Entidades Não Participantes, apresentando os requisitos para extensão da ata. É importante destacar ainda, as regras estipuladas pelos §§ 8º e 9º, do artigo alhures, de que Órgãos ou Entidades da Administração Federal não podem funcionar como “caronas” junto a Atas estaduais, distritais ou municipais, porém, o inverso é plenamente possível. Além disso, nesse procedimento, o Órgão Gerenciador da licitação deve ser consultado previamente, e deve pautar sua análise na razoabilidade e economicidade, além dos demais princípios que regem as licitações, conferindo clara responsabilidade legal e administrativa à sua resposta, que pode ser autorizando ou não, a adesão. Outrossim, a adesão do carona estaria blindada da ocorrência de eventuais fraudes, uma vez que antes de aderir de fato à ata, é necessária a comprovação da vantagem econômica, porém, “não basta apenas demonstrar, deve-se comprovar a vantagem”. (MEIRELLES, 2013, p. 373). Não obstante, há entendimento em sentido contrário à permissão do Órgão Não Participante, porquanto trata-se de uma figura manifestamente ilegal e inconstitucional, visto que apenas o fato de haver celeridade e eficiência não é suficiente para ir de encontro à Lei 8.666/93 e à CF/88. Nesse sentido, revela-se tal instituto como “inconstitucional e ilegal, por impor agravos veementes aos princípios da legalidade, isonomia, vinculação ao edital, moralidade administrativa, impessoalidade e economicidade”. (NIEBUHR, 2006, p. 19). Esses posicionamentos são corroborados pela análise do Art. 15 e seus parágrafos, da Lei 8.666/93, que não previram, seja expressa ou implicitamente a possibilidade de que se utilizasse da Ata, quem dela não participou, sendo assim, o Decreto foi além do que permite a Lei, ademais permitindo o que ela não permite, fere gravemente, portanto, o Princípio da Legalidade. Além disso, essa possibilidade da “carona” é contrária ao que prevê a Constituição Federal, visto que, quando um Órgão ou Entidade que não participou do SRP faz uso da Ata de Registro de Preços, o que se obtém é nitidamente uma contratação sem a realização de prévia licitação, conforme exige tanto o Art. 2º da Lei 8.666/93, quanto o Artigo 37, XXI da Magna Carta. A “carona” ofende ainda, outro Princípio da Administração, qual seja, o Princípio da Vinculação ao Edital ou Instrumento Convocatório, pois o Edital – que é a Lei interna da licitação – não prevê o uso daquela licitação por outros Órgãos ou Entidades, dessa forma, o que se tem são Órgãos ou Entidades contratando sem que esta contratação esteja prevista no Edital. Além disso, é nítido que “pelas regras da experiência comum, subministradas pela observação do que normalmente acontece (Art. 335 do CPC), é possível perceber, com facilidade, que a ‘carona’ pode ser meio propício à fraude e ao conchavo”. (MEIRELLES, 2013, p. 374). Ademais, é possível aferir que existe nítida afronta ao Princípio da Economicidade, visto que os preços praticados nas diversas e grandes regiões de nosso País seriam diferentes, devido à distância dos centros que produzem o objeto, o que gera um maior custo no frete, resultando também em uma maior despesa para a Administração, não acarretando, portanto, vantagem econômica. É importante destacar ainda, que raramente é possível aferir eventual economia em uma compra de menor monta, ou seja, quando o Ente faz uma Licitação objetivando o Registro de Preços, deve demonstrar o quantitativo do objeto pretendido, e ao apresentar a proposta, o licitante não leva em conta as “caronas”, calculando o custo apenas em relação à quantidade inicial determinada pelo Administrador, caso levasse em conta o total incluindo as “caronas”, existe grande possibilidade de que o preço unitário do produto ofertado pelo licitante fosse menor, visto que a quantidade seria maior. Sendo assim, a economia obtida com a não realização de um procedimento licitatório próprio, se esvai no pagamento de um custo mais alto pelos objetos adquiridos em outra Licitação. Outrossim, Meirelles (2013, p. 374) indica ainda a afronta a outro Princípio, qual seja, o da Proporcionalidade, e confirma isso através do exemplo em que os Municípios do Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo, pegam “carona” na Ata oriunda de uma Licitação realizada por um pequeno Município, localizado no outro extremo do país – que possui território continental. Através da análise do exemplo anterior, é perfeitamente possível a configuração de uma outra figura, recorrente na rotina das “caronas”, qual seja, a do “traficante de atas”, sujeito que, visando os interesses da empresa vencedora da licitação, percorre diversos territórios com o intuito de vender a ata de registro de preços. A esse respeito, o advogado, e consultor jurídico do Tribunal de Contas do Estado do Paraná, Edgar Guimarães, descreve e demonstra com precisão como funciona esse “tráfico”: “Esta prática, que não tem vedação ou limite estabelecido na lei, acabou favorecendo, por caminhos indiretos, a dispensa da licitação. E trouxe benefícios econômicos indevidos a algumas empresas, que veem seus lucros aumentarem com a proliferação desenfreada de adesões às atas de registro. Não bastasse isto, algumas empresas têm se aproveitado da condição de vencedoras dos certames para aumentar sua participação no mercado, de maneira irregular, por meio do uso de representantes que comercializam as respectivas atas. Criou-se uma figura que se denomina ‘traficante de ata’, que representa os interesses da empresa e sai vendendo atas de registros de preços. Além deste expediente, há companhias que montam mailings de potenciais clientes no setor público. Declaradas vencedoras, enviam-lhes mensagens onde oferecem os produtos e serviços licitados e as respectivas atas”. (GUIMARÃES, 2010, p. 1). O Tribunal de Contas da União, percebendo a adoção desse sistema de forma excessiva e sem limites, reconhece que tornou-se fato a existência de um mercado paralelo de aquisições de bens e serviços contratados sem Licitações, porém, não modificou o entendimento de que é um procedimento válido. Dessa forma, manifestou-se acerca deste tema no Acórdão 1.487/2007. Entretanto, este Órgão apenas limitou o uso da “carona”, solicitando ao Poder Executivo uma solução direcionada à limitar as contratações realizadas através desse instituto, como a criação de Leis, por exemplo. A respeito dessa decisão proferida pelo TCU, Justen Filho assevera que: “O TCU incorporou razões jurídicas que devem ser tomadas em conta quando se pretender adotar a prática da carona. O Acórdão 1.487/07 demonstra que a contratação adicional, não prevista originalmente, é potencialmente danosa aos cofres públicos. Daí se segue que a sua adoção envolve a assunção do administrador público do risco de produzir uma contratação equivocada. A comprovação de que a prática do carona produziu enriquecimento injusto e indevido para o fornecedor privado deve conduzir à severa responsabilização dos agentes estatais que a adotaram”. (JUSTEN FILHO, 2012, p. 239). Através do Acórdão TC-273/2013, o Egrégio Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo respondeu a consulta formulada pelo Secretário Estadual de Saúde e registrada sob o n° TC-5579/2007, obedecendo ao já exposto pelo TCU, ou seja, permitindo a utilização da “carona”, porém, sugerindo a edição de uma Lei que a regulamente: “Considerando todo o exposto, opinamos pelo conhecimento da presente consulta, para, no mérito, respondermos ao questionamento nos seguintes termos: A estruturação de uma Ata Estadual de Registro de Preços de Medicamentos, com a possibilidade de adesão de Municípios eventualmente interessados, nas modalidades prévia e a posteriori (carona), é medida plenamente viável, a ser implementada por meio de lei. No tocante aos Municípios eventualmente interessados na adesão, sugerimos, igualmente, a regulamentação do sistema de registro de preços por meio de lei local, a qual poderá conter autorização para que os órgãos e entidades do Poder Público Municipal possam fazer uso de ata de registro de preços de outro ente federativo (no caso, o Estado), bem como, em caminho inverso, a autorização para que órgãos e entidades de outro ente federativo possam utilizar a ata de registro de preços do Município.” Além de tudo isso, como cada Ente tem discricionariedade para decidir se quer ou não aderir à Ata, há um iminente risco de que o Administrador receba alguma espécie de agrado para ajudar o fornecedor e optar pela carona. Outro ponto que pode ser citado é o de que quando a Administração realiza um Registro de Preços, ela utilizou na Licitação o quantitativo, as especificações, o prazo, entre outros, direcionados aos seus anseios, que será diferente das reais necessidades do “carona”, ou seja, ao aderir à Ata, o Órgão Não Participante não se preocupa com essas características, simplesmente adapta o objeto pretendido à Ata, não realizando qualquer tipo de estudo ou planejamento prévio, sendo assim, fere o Princípio da Supremacia do Interesse Público, pois não vai contratar o objeto da forma que de fato necessita, e sim, da forma que constar na Ata a qual vai aderir. Dessa forma, visto que devido ao fato de que a figura do Órgão Não Participante, além de todos os exemplos citados anteriormente, vai de encontro à legislação e à própria Constituição, podendo ser, pois, considerada ilegal e inconstitucional, é fácil perceber que a “carona” torna-se campo fértil para lesão à probidade administrativa e para o administrador desonesto. CONCLUSÃO Tem se tornado cada vez mais comum a utilização de novas práticas quando da aquisição de bens e serviços pela Administração Pública, visto que hoje já existe uma grande percepção de que o cumprimento de toda a burocracia existente no âmbito da realização de certames licitatórios não garante um resultado célere e efetivamente eficiente, pelo contrário, deixa, muitas vezes de atender o interesse público coletivo, devido à morosidade dos procedimentos adotados. O Sistema de Registro de Preços, embora já exista desde a edição do Decreto nº 4.536 de 23 de agosto de 1922, que instituiu o Código de Contabilidade da União, tem sido adotado com mais frequência nos tempos atuais, e busca exatamente diminuir essa burocracia ainda presente na aquisição de bens necessários ao bom desempenho das atividades da Administração, possibilitando ao Ente ou Órgão a obtenção de melhores resultados, utilizando melhor os recursos que possui, tornando-se uma poderosa e indispensável ferramenta para o Administrador. Com a realização da presente pesquisa foi possível perceber as muitas vantagens que o SRP possui, como por exemplo, a possibilidade de evitar a realização de múltiplas licitações visando a aquisição de bens semelhantes, a redução de custos com manutenção de estoque, além da maior celeridade na realização das compras e contratações, embora como todo sistema existente, possua desvantagens, que podem, entretanto, ser facilmente sanadas, como foi apresentado. Além disso, ficou claro que a utilização do Sistema de Registro de Preços vai ao encontro de todos os Princípios norteadores da Administração Pública, e que esse instituto possui ainda, alguns Princípios próprios, obedecendo sempre as normas reguladoras, quais sejam a Constituição Federal de 1988, a Lei de Licitações e Contratos Administrativos, os Decretos, entre outros. Sendo importante relembrar que, conforme preceitua o Art. 15, § 3º da LLCA, cada Ente regulará a forma como o SRP será adotado no âmbito de sua administração, atendendo como manda a Lei, as peculiaridades regionais. Dessa forma, quando da adoção desse sistema, a União, o Distrito Federal, os Estados e Municípios deverão regulamentá-lo através de Decreto. A sistemática do SRP ficou ainda mais acessível e simples com a promulgação da Lei 10.520/07, que possibilitou a adoção do Pregão como modalidade de Licitação, porquanto inicialmente apenas a Concorrência poderia ser utilizada como modalidade licitatória prévia ao SRP. Outrossim, há figura demasiadamente polêmica existente dentro do universo do SRP, qual seja, o “carona”, chamado pelo Decreto 7.892/13 de Órgão Não Participante. Este instituto, como citado anteriormente, baseia-se no fato de que não tendo o Órgão participado da Licitação na época oportuna, requer posteriormente a adesão à Ata de Registro de Preços. É figura que gera grandes controvérsias acerca de sua legalidade no ordenamento, dividindo o posicionamento da Doutrina. A corrente favorável à sua utilização defende o aumento da credibilidade do sistema, bem como a ínfima burocracia, devido aos mínimos requisitos existentes. Por outro lado, a corrente contrária ao instituto, assevera que o simples fato de haver celeridade e eficiência não afasta a ilegalidade e inconstitucionalidade do “carona”, visto que a LLCA não previu, seja de forma expressa, ou ainda implicitamente, sobre a utilização da ata por quem dela não participou, além de ir de encontro a diversos outros princípios como foi destacado no corpo da presente pesquisa. O Tribunal de Contas da União, embora não tenha modificado o entendimento de que este é um procedimento válido, já manifestou-se acerca de tal instituto ter se tornado um mercado paralelo de aquisições de bens e serviços contratados sem Licitações. Sendo assim, é perceptível que este instituto torna-se demasiadamente propenso a fraudes, devendo ser evitada a sua utilização. Por fim, o presente trabalho entende que a Administração Pública precisa de fato modificar-se, e transformar a maneira como suas aquisições são realizadas é um grande passo para otimizar os resultados constantes dessas contratações, sendo assim, sempre que possível, a Administração deverá adotar o Sistema de Registro de Preços para aquisição de bens e contratação de serviços, como forma de otimizar os recursos existentes, dar mais agilidade e qualidade no atendimento das necessidades da Administração, e visto que esta tem a discricionariedade de agir conforme suas necessidades, há a possibilidade de flexibilizar suas despesas e adequá-las aos recursos disponíveis, melhorando o desempenho da máquina administrativa. Além disso, fica evidente a lisura quando da adoção do Sistema de Registro de Preços, dado que a possibilidade de que qualquer cidadão pode impugnar o preço constante do registro, quando incompatível com aqueles vigentes no mercado, permitindo, dessa forma, uma maior transparência do procedimento, impedindo que sejam efetuadas compras ou contratações que não atendam, em primeiro lugar, o interesse público. Sendo assim, a adoção do Sistema de Registro de Preços, através de sua implantação efetiva no âmbito da Administração Pública, evidencia o eficiente atendimento do interesse coletivo, demonstrando-se pois, não apenas que a Lei foi cumprida, mas também que a contratação realizada, foi sem dúvidas, a mais vantajosa, gerando, por fim, benefícios tanto para a própria Administração, quanto para os administrados.
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-171/sistema-de-registro-de-precos-vantagens-desvantagens-e-a-polemica-figura-do-carona/
O poder de polícia nas operações de garantia da lei da ordem: limites e discricionariedade
O presente artigo de revisão bibliográfica tem como tema a abrangência do Poder de Polícia, exercido pela Administração Pública e, mais especificamente, pelos policiais e militares das Forças Armadas, durante as ações de Garantia da Lei e da Ordem. O objetivo do trabalho foi de averiguar se o ordenamento jurídico pátrio é perfeitamente coerente e capaz de compatibilizar as regras e princípios norteadores desse regime administrativo, prevalecendo o interesse público sobre o particular, sem que haja violação de direitos e garantias individuais, sobretudo durante as referidas operações de intervenção militar. O método de abordagem utilizado foi o dedutivo, sendo usado o método procedimental histórico e o procedimento de pesquisa bibliográfica. O resultado obtido foi a constatação de que, diante do cenário brasileiro atual, com os órgãos de segurança pública em crise, é imprescindível a efetivação dos mecanismos de controle da atuação administrativa dos militares nas operações de GLO, que devem obedecer aos limites estabelecidos para a promoção do bem-estar social.
Direito Administrativo
1. Introdução O presente trabalho tem como tema a abrangência do Poder de Polícia, exercido pela Administração Pública, e, mais especificamente, pelos militares das Forças Armadas e Auxiliares (polícias estaduais), durante as operações de Garantia da Lei e da Ordem. Para tanto, fez-se necessário conceituar e compreender o que vem a ser o sistema administrativo brasileiro, com definições doutrinárias e legais da Administração Pública, do Direito Administrativo, do Poder de Polícia e das missões de Garantia da Lei e da Ordem. O objetivo norteador foi averiguar se o sistema administrativo brasileiro é capaz de harmonizar as regras, os princípios e poderes que orientam o regime jurídico-administrativo, consoante o conjunto de prerrogativas e sujeições à Administração Pública previstas no ordenamento jurídico pátrio, bem como se o mesmo consegue proporcionar aos administrados a garantia contra violações de seus direitos no decorrer dessas ações de intervenção militar. Da metodologia aplicada ao trabalho, o método de abordagem utilizado foi o dedutivo, à medida que se partiu do geral, ou seja, conceitos globais legislativos e doutrinários da problemática abordada para o particular, a fim de verificar a compatibilidade e adequação do tema. Foi utilizado, na elaboração deste artigo, o método procedimental histórico, muito brevemente, para contextualizar e conceituar o sistema administrativo brasileiro e o procedimento de pesquisa bibliográfica, feita pela seleção e leitura de artigos, teses, dissertações e livros relacionados ao tema aqui proposto. O resultado obtido foi a constatação de que, no atual cenário brasileiro, com tamanha crise dos órgãos de segurança pública, os quais estão necessitando do auxílio das Forças Armadas para a preservação da ordem, da integridade e incolumidade da população, do patrimônio e garantia do funcionamento regular das instituições, é imprescindível que haja a efetivação dos mecanismos de controle da atuação administrativa, uma vez que a discricionariedade dada aos militares atuantes nas operações de Garantia da Lei e da Ordem, por meio da concessão do Poder de Polícia, não pode ser interpretada como arbitrariedade, devendo obedecer aos limites estabelecidos pela lei e pelos princípios do ordenamento jurídico e da sociedade, a fim de se promover a paz social. 2. Considerações iniciais sobre Direito Administrativo No Brasil, a Administração Pública pode ser compreendida como o conjunto de agentes, órgãos e serviços instituídos pelo Ente Estatal, seja ele de âmbito federal, estadual, distrital ou municipal, com o objetivo de realizar a gestão de determinados setores da sociedade, por exemplo: educação, saúde, cultura, transporte, desporto, lazer, segurança pública, dentre outros, com a prestação dos respectivos serviços públicos aos administrados. Sendo assim, ela representa o conjunto de ações que compõem a função administrativa, cujo objetivo é trabalhar a favor do interesse público, conciliado aos direitos e garantias dos cidadãos que administra. A partir desta percepção, é possível entender o Direito Administrativo como sendo o ramo do Direito Público que estuda princípios e normas reguladores do exercício da função administrativa. Oportuna a citação das definições de dois dos doutrinadores mais influentes nesta seara jurídica: Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem “o direito administrativo é o ramo do direito público que disciplina a função administrativa, bem como pessoas e órgãos que a exercem”[1]; e, segundo Hely Lopes Meirelles, “o conceito de Direito Administrativo brasileiro, sintetiza­se no conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado”.[2] A Administração Pública pode ser dividida em direta ou indireta, sendo a primeira desempenhada pelos Poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, cujos órgãos não são dotados de personalidade jurídica própria, caracterizando a desconcentração administrativa, consistente na delegação de tarefas, com as despesas inerentes à atividade contempladas no orçamento público; já última decorre da transferência da administração, por parte do Estado, a outras pessoas jurídicas, sendo que estas podem ser fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, agências executivas e reguladoras, ou organismos privados. Neste caso ocorre a descentralização administrativa, ou seja, a tarefa de gestão é transferida para outra entidade, dotada de personalidade jurídica própria. Pela inteligência de José dos Santos Carvalho Filho, a relação de maior intimidade do Direito Administrativo é com o Direito Constitucional, pois este alinhava as bases e os parâmetros daquele, representando seu lado dinâmico[3]. Na Constituição Federal, encontram-se os princípios da Administração Pública, no artigo 37; as normas sobre servidores públicos, nos artigos 39 a 41 e as competências do Poder Executivo, nos artigos 84 e 85. Para o doutrinador, os “princípios administrativos são os postulados fundamentais que inspiram todo o modo de agir da Administração Pública. Representam cânones pré-normativos, norteando a conduta do Estado quando no exercício de atividades administrativas”[4]. Como tais, cita-se: a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e a eficiência (chamados princípios explícitos ou expressos), a supremacia e indisponibilidade do interesse público, boa-fé, autotutela, razoabilidade e a proporcionalidade (compreendidos como implícitos, por não estarem previstos na Lei Maior). Quanto aos poderes atinentes à Administração Pública, é hegemônico entre os doutrinadores que eles se classificam como: vinculado, discricionário, regulamentar, disciplinar, hierárquico, supervisão ou controle ministerial e poder de polícia, sendo inoportuno aqui tecer maiores comentários sobre cada um, em razão da vasta teoria a eles aplicada, necessitando-se de objetividade, a exemplo da lição de Hely Lopes Meirelles, segundo o qual: “Os poderes administrativos nascem com a Administração e se apresentam diversificados segundo as exigências do serviço público, o interesse da coletividade e os objetivos a que se dirigem. Dentro dessa diversidade, são classificados, consoante a liberdade da Administração para a prática de seus atos, em poder vinculado e poder discricionário; segundo visem ao ordenamento da Administração ou à punição dos que a ela se vinculam, em poder hierárquico e poder disciplinar; diante de sua finalidade normativa, em poder regulamentar; e, tendo em vista seus objetivos de contenção dos direitos individuais, em poder de polícia.”[5] 3. O Poder de Polícia propriamente dito Superadas estas noções introdutórias, torna-se possível voltar os olhares para o tema do presente trabalho: o Poder de Polícia e, mais especificamente, sobre sua abrangência durante as operações de Garantia da Lei e da Ordem. Dentre a imensa gama de assuntos relacionados ao universo do Direito Administrativo, escolheu-se abordar sobre este enunciado diante do atual cenário brasileiro, no qual têm sido frequentes as demandas por estas ações de intervenção militar para auxílio na promoção da segurança pública. Ao estudar o regime jurídico-administrativo a que se submete a Administração Pública, pelos ensinamentos de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, é possível concluir que existem dois aspectos fundamentais que o caracterizam, os quais podem ser resumidos nos vocábulos prerrogativas e sujeições[6]. As prerrogativas são liberdades concedidas aos administradores para oferecer-lhes meios, a fim de assegurar o exercício de suas atividades. As sujeições, por conseguinte, são como limites opostos à atuação administrativa em benefício dos direitos dos cidadãos. Nos dizeres de sua obra, praticamente todo o Direito Administrativo cuida de temas que colocam em tensão dois aspectos opostos: a autoridade da Administração Pública e a liberdade individual[7]. Segundo a autora: “O tema relativo ao poder de polícia é um daqueles em que se colocam em confronto esses dois aspectos: de um lado, o cidadão quer exercer plenamente os seus direitos; de outro, a Administração tem por incumbência condicionar o exercício daqueles direitos ao bem-estar coletivo, e ela o faz usando de seu poder de polícia. Não existe qualquer incompatibilidade entre os direitos individuais e os limites a eles opostos pelo poder de polícia do Estado porque, como ensina Zanobini (1968, v. 4:191), “a ideia de limite surge do próprio conceito de direito subjetivo: tudo aquilo que é juridicamente garantido é também juridicamente limitado”.[8] Desse modo, o fundamento do Poder de Polícia é o princípio da predominância do interesse público sobre o particular, preceito este que dá à Administração Pública, valendo-se de certa discricionariedade – esta caracterizada pela prerrogativa do administrador público em valer-se dos juízos de conveniência e oportunidade (critérios subjetivos) para elaboração e/ou aplicação de atos administrativos – posição de supremacia sobre os administrados. Também conhecido por alguns doutrinadores como limitação administrativa, a exemplo de Alexandre Mazza, o Poder de Polícia constitui uma das três funções precípuas da atividade administrativa moderna, juntamente com os serviços públicos e as atividades de fomento, estes, porém, da esfera de interesses do particular, sendo prestadas pela Administração por meio do oferecimento de vantagens diretas aos indivíduos e às coletividades; aquele, pelo contrário, representa uma atividade estatal restritiva dos direitos privados, limitando a liberdade e a propriedade individual em favor do interesse público[9]. O mencionado autor demonstra que, por sua origem ligada aos abusos cometidos na Idade Média, no período conhecido como “Estado de Polícia”, marcado pela ausência de subordinação dos governantes às regras do Direito, o termo “poder de polícia” vem sendo abandonado pela doutrina mais moderna diante do viés autoritário que sua história carrega[10]. Ainda nessa toada de contextualização e conceituação do que vem a ser o Poder de Polícia, conveniente aqui menção à sabedoria de Hely Lopes Meirelles, segundo o qual o ato de polícia é um simples ato administrativo, e como tal, subordina-se ao ordenamento jurídico que rege as demais atividades da Administração Pública, sujeitando-se, inclusive, ao controle de legalidade pelo Poder Judiciário. Ensina o estudioso que: “O Estado é dotado de poderes políticos exercidos pelo Legislativo, pelo Judiciário e pelo Executivo, no desempenho de suas funções constitucionais, e de poderes administrativos que surgem secundariamente com a administração e se efetivam de acordo com as exigências do serviço público e com os interesses da comunidade. Assim, enquanto os poderes políticos identificam-se com os poderes de Estado e só são exercidos pelos respectivos órgãos constitucionais do Governo, os poderes administrativos difundem-se por toda a Administração e se apresentam como meios de sua atuação. Aqueles são poderes imanentes e estruturais do Estado; estes são contingentes e instrumentais da Administração. Dentre os poderes administrativos figura, com especial destaque, o poder de polícia administrativa, que a Administração Pública exerce sobre todas as atividades e bens que afetam ou possam afetar a coletividade. Para esse policiamento há competências exclusivas e concorrentes das três esferas estatais, dada a descentralização político-administrativa decorrente do nosso sistema constitucional. (…) Poder de polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado”.[11] Valendo-se de linguagem menos técnica, pode-se dizer que o Poder de Polícia, nada mais é, que um mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter os abusos do direito individual. Por esta ferramenta, pertencente a todo sistema administrativo, o Estado detém a atividade dos particulares que se revelar contrária, nociva ou inconveniente ao bem-estar social, ao desenvolvimento e à segurança nacional[12]. Como características desta coerção administrativa têm-se: a discricionariedade, a autoexecutoriedade e a coercibilidade. A primeira consiste no poder que a autoridade administrativa tem de escolher, dentro dos limites legais, por meio dos critérios de oportunidade e conveniência, o ato a ser praticado; a segunda é a possibilidade que certos atos administrativos possuem de execução imediata e direta pela própria Administração Pública, independentemente de ordem judicial; e a última reflete o atributo pelo qual os administradores impõem aos administrados as medidas adotadas, podendo, em alguns casos e respeitados certos limites, utilizar-se de força. No entanto, faz-se necessário distinguir a polícia administrativa, da polícia judiciária e da polícia de manutenção da ordem pública. Ressalta-se que a primeira incide sobre os bens, direitos e atividades, ao passo que as outras atuam sobre as pessoas, individual ou indiscriminadamente. A polícia administrativa é inerente e se difunde por toda a Administração Pública, enquanto as demais são privativas de determinados órgãos, isto é, as Polícias Civis e Federais, ou corporações, as Polícias Militares estaduais. Além desses variados conceitos doutrinários, fundamental é também colacionar o dispositivo legal que fundamenta o tema, qual seja, o artigo 78 do Código Tributário Nacional, uma vez que esta formulação decorre da circunstância de constituir, o exercício desse poder, um dos fatos geradores da taxa, enquanto espécie de tributo, conforme artigo 145, inciso II, da Constituição Federal e artigo 77 do referido instituto normativo. Necessária menção: “Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição. (…) Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.[13] [grifos nossos] Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: (…) II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;”[14] Diante de todas estas formulações doutrinárias e legais, a fim de delinear o tema e o objetivo propostos para este artigo, é imprescindível a compreensão de que, ao se falar em emprego das Forças Armadas e Auxiliares, o Poder de Polícia referido é o da manutenção da ordem pública, qual seja, o conjunto de atividades relacionadas à prevenção e à repressão de crimes e contravenções penais que é atinente às Polícias Militares estaduais, consoante dispõe o artigo 144 da Constituição Federal. A saber: “Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: (…) V – polícias militares e corpos de bombeiros militares. (…) § 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.”[15] [grifos nossos] 3. O que vêm a ser as operações de Garantia da Lei e da Ordem? Nesse contexto, as operações de Garantia da Lei e da Ordem (doravante GLO) são realizadas, exclusivamente, por ordem expressa da Presidência da República e, conforme nota explicativa do Ministério da Defesa, ocorrem nos casos em que há o esgotamento das forças tradicionais de segurança pública, em graves situações de perturbação da ordem[16]. A base normativa para essas missões é a Constituição Federal, em seu artigo 142; a Lei Complementar nº 97/99 e o Decreto nº 3.897/01, cujas regulamentações estabelecem que as ações de GLO concedem provisoriamente aos militares a faculdade de atuar com Poder de Polícia até o restabelecimento da normalidade, conforme artigos abaixo colacionados: “Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. [grifos nossos][17] Art. 15. O emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, e na participação em operações de paz, é de responsabilidade do Presidente da República, que determinará ao Ministro de Estado da Defesa a ativação de órgãos operacionais, observada a seguinte forma de subordinação: (…) § 2o A atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal. (…) [grifos nossos][18] Art. 3º  Na hipótese de emprego das Forças Armadas para a garantia da lei e da ordem, objetivando a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, porque esgotados os instrumentos a isso previstos no art. 144 da Constituição, lhes incumbirá, sempre que se faça necessário, desenvolver as ações de polícia ostensiva, como as demais, de natureza preventiva ou repressiva, que se incluem na competência, constitucional e legal, das Polícias Militares, observados os termos e limites impostos, a estas últimas, pelo ordenamento jurídico”. [grifos nossos][19] Consoante depreende-se dos dispositivos legais supracitados, nessas ações, os militares das Forças Armadas e Auxiliares agem de forma episódica, em área restrita e por tempo limitado, com o objetivo de preservar a ordem pública, a integridade da população e garantir o funcionamento regular das instituições, sendo a decisão sobre o emprego excepcional das tropas de responsabilidade do(a) Chefe do Poder Executivo, por motivação ou não dos Governadores ou dos Presidentes dos demais Poderes Constitucionais. Como exemplos recentes de repercussão nacional do uso das Forças Armadas em missões de GLO, cita-se o emprego de tropas federais em operações de pacificação do Governo Estadual em diferentes comunidades do Rio de Janeiro e nos Estados do Rio Grande Norte e do Espírito Santo, devido ao esgotamento dos meios de segurança pública, para a preservação da ordem e da incolumidade das pessoas e do patrimônio[20]. Os militares também atuaram, nos limites legais de operação de GLO, durante a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável do Rio de Janeiro (a Rio+20), em 2012; na Copa das Confederações da FIFA e na visita do Papa Francisco a Aparecida/SP e ao Rio de Janeiro durante a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), ambos eventos em 2013; na Copa do Mundo de 2014 e nos Jogos Olímpicos do Rio, em 2016.[21] Ademais, esses trabalhos também são adotados, por vezes, para assegurar a tranquilidade e lisura de processos eleitorais em municípios sob risco de perturbação da ordem. Oportuno mencionar que, recentemente, o Ministério da Defesa publicou o “Manual de GLO”, confeccionado por assessores civis e militares, com o objetivo de padronizar as rotinas e servir de instrumento educativo e de doutrinação para as tropas preparadas para atuar nesse tipo de ação. Este instrumento é regulamentado pela Portaria Normativa nº 186/MD[22], de 31 de janeiro de 2014, assinada pelo então Ministro da Defesa, Celso Amorim, e traz em seu bojo disposições acerca da sistemática do emprego das Forças Armadas em ações de GLO, finalidades, bases legais, antecedentes, conceituações, regras de planejamento e coordenação, preparo e emprego da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, respeitadas suas especificidades. Para melhor detalhar o Poder de Polícia nas operações de GLO, vale-se da instrução de Cláudio Alves da Silva, militar do Exército Brasileiro com experiência em Direito Operacional na instituição, segundo o qual o exercício deste poder, pelas Forças Armadas, é condicionado à decisão do(a) Chefe do Poder Executivo e ao esgotamento, por indisponibilidade, inexistência ou insuficiência dos órgãos de segurança pública[23]. Nas palavras do oficial, havendo confluência dessas condições, o Poder de Polícia é recebido no ato da missão de GLO, de acordo com as diretrizes baixadas pelo(a) Presidente(a) da República, conforme dispõem os já mencionados parágrafos 2º e 3º do artigo 15 da referida Lei Complementar nº 97/99; e esse recurso administrativo é delimitado na forma, uma vez desenvolvidas ações de caráter repressivo e preventivo, inclusive ações de polícia ostensiva, necessárias a garantir a lei e a ordem; no tempo, sendo de forma episódica e por tempo limitado; e no espaço, já que a área de atuação é previamente estabelecida, conforme a legislação. Conclui explicando que: “Policiamento ostensivo é a ação de policiamento realizado por homens fardados, a pé ou em viaturas, em áreas urbanas ou rurais, no trânsito, em portos, aeroportos e na segurança externa de presídios. Visa a dissuadir a prática de delitos ou prontamente reprimi-los. Esse tipo de ação é a mais comum em operação de GLO. Durante o policiamento ostensivo, o militar poderá vir a se deparar com ocorrências contra a garantia da ordem pública e agirá, segundo as Regras de Engajamento (RE) e as Normas de Conduta (NC) previstas pelo Comando da operação de GLO. As demais ações de natureza preventiva ou repressiva executadas pelas Polícias Militares, durante o policiamento ostensivo, inclusive, são a execução de prisão, revista e identificação de pessoas e coisas, entre outras.”[24] 4. Limites e Discricionariedade Nessa senda, retomando os ensinamentos de Di Pietro, fundamental é a observância dos limites a esse instrumento, pois como todo ato administrativo, a medida de polícia, ainda que seja discricionária, sempre esbarra em algumas limitações impostas pela lei, quanto à competência, à forma, aos fins, aos motivos ou ao objeto[25]. Em relação aos dois últimos, ainda que a Administração Pública disponha de certa discricionariedade, utilizando-se dos juízos de conveniência e oportunidade, ela deve ser exercida nos limites legais e principiológicos. O Poder de Polícia, quanto aos fins, deve ser exercido somente para atender ao interesse público, que é seu fundamento, a partir princípio da predominância do proveito coletivo sobre o particular, o exercício desse arbítrio perderá a sua justificativa quando utilizado para beneficiar ou prejudicar pessoas determinadas. Caso a autoridade se afaste da finalidade pública, incidirá em desvio de poder[26], o que acarretará a nulidade do ato com todas as consequências nas esferas civil, penal e administrativa. Já em relação ao objeto (meio de ação), o agente público sofre limitações, mesmo quando a lei lhe confere alternativas, pois tal restrição advém da aplicação do princípio da proporcionalidade dos meios aos fins[27]. Desse modo, o Poder de Polícia não deve extrapolar o necessário para a satisfação do interesse público que visa proteger, posto que a sua finalidade, segundo a autora, não é “destruir” as garantias particulares, pelo contrário, é de assegurar o seu exercício adequado ao bem-estar social. A autoridade administrativa – enquadrando-se aqui os comandantes das tropas militares responsáveis pelas operações de GLO e seus subordinados, uma vez lhe conferido o Poder de Polícia de manutenção da segurança pública – somente poderá reduzir os direitos individuais quando estes se acharem em conflito com interesses maiores da coletividade, devendo este exercício ser na medida estritamente necessária à consecução dos fins estatais. Para tanto, devem ser observadas as regras de necessidade, proporcionalidade e eficiência, posto que os instrumentos de coação devem ser utilizados somente quando não haja outro mecanismo eficaz para atingir igual escopo, não sendo válidos quando excessivos ou desproporcionais em relação ao interesse tutelado pela lei. 5. Conclusão Ante todo o exposto, tomando-se por base as conceituações doutrinárias e legais do que vem a ser a Administração Pública brasileira, o Direito Administrativo, o Poder de Polícia e as operações de Garantia da Lei e da Ordem, surge o interesse em verificar se o ordenamento jurídico pátrio é perfeitamente coerente e capaz de compatibilizar as regras e princípios norteadores desse regime jurídico-administrativo, prevalecendo o interesse público sobre o particular, sem que haja violação de direitos e garantias individuais, sobretudo durante as referidas ações de intervenção militar.      Levando-se em consideração o cenário brasileiro contemporâneo – cujos órgãos de segurança pública estão em verdadeiro colapso, por indisponibilidade, inexistência ou insuficiência de agentes devidamente preparados para a preservação da ordem pública, da integridade e incolumidade da população, do patrimônio e garantia do funcionamento regular das instituições, necessitando, para tanto, o auxílio das Forças Armadas – imprescindível se faz a efetivação dos mecanismos de controle dessa atuação administrativa-castrense, uma vez que a discricionariedade dada aos militares e policiais atuantes nessas operações de GLO, por meio da concessão do Poder de Polícia, não pode ser interpretada como arbitrariedade, sendo inadmissíveis excessos, devendo todos os combatentes obedecer aos limites estabelecidos pela lei e pelos princípios do Direito e da sociedade. Nessa ótica, para a promoção e manutenção do Estado Democrático de Direito, ainda que nessas situações extremas de perturbação da ordem, fundamental é que haja efetividade na atuação da Administração Pública, com todos os seus agentes, órgãos, serviços, poderes e princípios em harmonia e preservação das garantias particulares dos cidadãos-administrados. Assim sendo, a atividade do administrador público não pode extrapolar o necessário para a satisfação do interesse coletivo que visa proteger (no caso aqui trabalhado, a segurança pública), posto que a sua finalidade não é prejudicar os direitos individuais, ao contrário, é de assegurar o seu exercício adequado ao bem-estar social, cabendo, em caso de arbitrariedade, a aplicação das penalidades cabíveis.
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Transgênero militar. O transexual e os pequenos reflexos legais e sociais nas Forças Armadas
Neste trabalho utilizou-se do método lógico sistemático, servindo-se da técnica indireta de documentação, pretendendo-se analisar uma singela parte do ambiente castrense atingido por consequência da adaptação do transexual na sociedade, em uma prospectiva da problemática legal, jurisprudencial e doutrinária. Tem como objetivo inicial conceituar o que é transexual, transgênero e sexo para, a partir de então, trazer ao leitor duas das conquistas significativas que estas categorias de pessoas obtiveram junto ao Sistema Único de Saúde (SUS) e Poder Judiciário Brasileiro. Há muito tempo, o transexual é rotulado como possuidor da enfermidade chamada de transexualismo. Tal patologia está catalogada pela Classificação Internacional de Doenças (CID) como transtorno da personalidade e do comportamento adulto, requerendo, de certa forma, políticas públicas capazes de proporcioná-lo o integral tratamento psicológico, hormonal e cirúrgico, para a adequação psicobiológica. Por consequência, a este novo ser curado, é dada a possibilidade de retificar seu assentamento registral civil, apondo seu novo nome social e sexo, independentemente de ter ele optado à cirurgia de redesignação sexual, de sorte que estas conquistas trouxeram não só reflexos na seara de saúde e jurídica, mas também social e castrense.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO Não são poucos os relatos reportados, por todo mundo, de crianças que lutaram, desde a mais tenra idade, para fazerem prevalecer o reconhecimento de suas identidades de gênero. Com o passar dos anos, a identidade de gêneros, o binômio masculino-feminino ou até mesmo o binômio biológico XX ou XY, passou a ser inadequado para a realidade dos dias atuais. Focado os aspectos jurídicos e os direitos inerentes aos transexuais como pessoa humana, observa-se que o judiciário se apressa para alcançar os novos marcos. Contudo, ao se tratar da vida em sociedade, a simples conduta de um transexual fazer uso do banheiro público é motivo de alvoroço. Com muito mais rigidez e repulsa, é a aceitação destas novas pessoas nos quadros das Forças Armadas. O reflexo desta adequação não só atinge o âmbito do alistamento militar, mas também dos direitos das filhas e filhos pensionistas cujos genitores militares já estão falecidos e que passaram ou não a fazer jus da pomposa quantia herdada vitaliciamente. 1. CONHECENDO A DIFERENÇA É certo que a maioria da população brasileira não sabe identificar as diferenças entre o transexual e o transgênero. Quando se está a tratar de gênero a referência em mente é de como uma pessoa se identifica, há quem se perceba como homem, como mulher, como ambos ou mesmo como nenhum dos dois gêneros (os chamados não binários). Diferente é a ideia de orientação sexual. O conteúdo abarcado pela expressão orientação sexual indica qual gênero uma pessoa se vê atraída sexualmente. Em síntese, o significado de gênero remete-se a duas hipóteses: a) pessoas que se identificam com o mesmo gênero que lhe foi dado no nascimento, são os chamados Cisgênero; e b) pessoas que se identificam com um gênero diferente daquele que lhe foi dado no nascimento, são os Transexuais e os Transgêneros. Os Transexuais são pessoas que, além de não se identificarem com o seu gênero biológico, desejam e passam por alterações biológicas (cirurgia) a fim de mudarem de sexo para que possam, enfim, se sentir completamente correspondidos na identidade de gênero a qual se reconhecem. Já os Transgêneros são pessoas que não se identificam com o seu gênero biológico, se identificam com o gênero oposto ao seu, esperando serem aceitas e reconhecidas como tal em sociedade, mas isso não quer dizer, obrigatoriamente, que querem mudar de sexo por meio de intervenção cirúrgica. Os transgêneros englobam os que se submeteram ou não à cirurgia de redesignação de sexo. 2. O QUE É SEXO? Segundo o dicionário de medicina Flammarion, Sexo “é o conjunto de características estruturais e funcionais que distinguem o macho da fêmea”.[1] Sexo é a resultante de um equilíbrio de diferentes fatores que agem de forma concorrente nos planos físicos, psicológicos e social. Não se concebe mais entender como Sexo apenas um elemento cromossômico (XX e XY) – um parâmetro minimalista para os dias atuais. Para além deste elemento diferenciador XX e XY, Sexo é o somatório dos elementos fisiológico, psicossocial e jurídico. Assim, transgêneros é algo para além do gênero homem e mulher. É neste cenário de transgêneros que o transexualismo é encontrado. Em um conceito simplório, o transexualismo significa que há uma transposição na correlação de sexo anatômico e psicológico, ou seja, a pessoa tem a convicção de pertencer a um sexo e possuir genitais opostos ao sexo que psicologicamente se pertence. Uma pessoa é transexual, significa dizer se tratar de uma pessoa que seu sexo anatômico não corresponde ao seu sexo psicológico.  No asseio de compatibilizar o sexo morfológico com o sexo psíquico, o transexual se vê a procura por reconstruir o seu genital por meio da cirurgia de redesignação sexual. Pode não parecer, mas esta incompatibilidade está classificada internacionalmente como uma doença de transtorno da personalidade e do comportamento adulto. O “transexualismo”, segundo a Classificação Internacional de Doenças, é um transtorno com estas características: “CID 10 F 64.0 – Transexualismo Categoria: transtornos da identidade sexual Grupo: F60 – F69 – transtorno da personalidade e do comportamento adulto Capítulo: V – transtornos mentais e comportamentais Nota: Trata-se de um desejo de viver e ser aceito enquanto pessoa do sexo oposto. Este desejo se acompanha em geral de um sentimento de mal estar ou de inadaptação por referência a seu próprio sexo anatômico e do desejo de submeter-se a uma intervenção cirúrgica ou a um tratamento hormonal a fim de tornar seu corpo tão conforme quanto possível ao sexo desejado.”[2] 3. A CONQUISTA JUNTO AO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS) A partir de 2008, o Governo Federal implementou políticas públicas, visando oferecer atenção às pessoas que preenchessem os requisitos de serem maiores de 18 anos, terem sidos submetidos, há pelo menos dois anos, à acompanhamento psicoterápico e que ao final obtiveram laudo psicológico e psiquiátrico favorável e diagnóstico de transexualidade, a possibilidade de realizarem a cirurgia de redesignação sexual junto ao SUS, conscientes da sua irreversibilidade. Este avanço se deu com a publicação da Portaria nº 457, de agosto de 2008, do Ministério da Saúde que define as Diretrizes Nacionais para o Processo Transexualizador no SUS, a serem implementadas em todas as unidades federadas.[3] A Portaria nº 457/2008 trata dos procedimentos a serem feitos no processo de confirmação de gênero. Segundo o portal Governo do Brasil, até 2014, foram realizados mais de 6.000 atendimentos em consultórios para tratamento com hormônios e mais de 240 procedimentos cirúrgicos para a alteração das características físicas sexuais por meio da cirurgia de redesignação sexual.[4] De acordo com este site, não é apropriado o uso dos termos "mudança de sexo" ou "operação sexual", quando está a se tratar da pretensão almejada ao final do processo transexualizador, pois são considerados imprecisos. Os termos certos e utilizados para definir especificamente o processo de mudança de sexo são cirurgia de redesignação de gênero, cirurgia de reconstrução sexual, cirurgia de reconstrução genital, cirurgia de confirmação de gênero e, mais recentemente, cirurgia de afirmação de sexo. 4. COMO FICA O NOME E O SEXO NOS DOCUMENTOS DO TRANSEXUAL? A pretensão do transexual em ver adequados o seu prenome e gênero ao seu sexo psicológico é assunto polêmico na Doutrina e na Jurisprudência, no entanto, deve-se procurar a harmonia entre os direitos e garantias fundamentais do indivíduo e a proteção e a segurança jurídica da sociedade. O professor Carlos Roberto Gonçalves nos lembra que: “[…] A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º , X, inclui entre os direitos individuais, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, fundamento legal autorizador da mudança de sexo jurídico de transexual que se submeteu a cirurgia de mudança de sexo, pois patente seu constrangimento cada vez que se identifica como pessoa de sexo diferente daquela que aparenta ser'. Na verdade, o transexual não se confunde com o travesti ou com o homossexual. Trata-se de um indivíduo anatomicamente de um sexo, que acredita firmemente pertencer ao outro sexo.”[5] Preocupado com possíveis constrangimentos quando da identificação de uma pessoa em sociedade, o legislador cuidou, já na Lei de Registros Públicos (artigos 55, 57 e 58), em limitar a possibilidade de se conferir nome à pessoa que a submetesse, posteriormente, a situações vexatórias ou depreciativas. Certo disto, recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou a possibilidade dos transexuais, operados ou não, adequarem seu assento de nascimento. Senão, veja-se: “RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO PARA A TROCA DE PRENOME E DO SEXO (GÊNERO) MASCULINO    PARA         O      FEMININO. PESSOA TRANSEXUAL. DESNECESSIDADE DE CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO. 1. À luz do disposto nos artigos 55, 57 e 58 da Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), infere-se que o princípio da imutabilidade do nome, conquanto de ordem pública, pode ser mitigado quando sobressair o interesse individual ou o benefício social da alteração, o que reclama, em todo caso, autorização judicial, devidamente motivada, após audiência do Ministério Público. 2. Nessa perspectiva, observada a necessidade de intervenção do Poder Judiciário, admite-se a mudança do nome ensejador de situação vexatória ou degradação social ao indivíduo, como ocorre com aqueles cujos prenomes são notoriamente enquadrados como pertencentes ao gênero masculino ou ao gênero feminino, mas que possuem aparência física e fenótipo comportamental em total desconformidade com o disposto no ato registral. 3. Contudo, em se tratando de pessoas transexuais, a mera alteração do prenome não alcança o escopo protetivo encartado na norma jurídica infralegal, além de descurar da imperiosa exigência de concretização do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, que traduz a máxima antiutilitarista segundo a qual cada ser humano deve ser compreendido como um fim em si mesmo e não como um meio para a realização de finalidades alheias ou de metas coletivas. 4. Isso porque, se a mudança do prenome configura alteração de gênero (masculino para feminino ou vice-versa), a manutenção do sexo constante no registro civil preservará a incongruência entre os dados assentados e a identidade de gênero da pessoa, a qual continuará suscetível a toda sorte de constrangimentos na vida civil, configurando-se flagrante atentado a direito existencial inerente à personalidade. 5. Assim, a segurança jurídica pretendida com a individualização da pessoa perante a família e a sociedade – ratio essendi do registro público, norteado pelos princípios da publicidade e da veracidade registral – deve ser compatibilizada com o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, que constitui vetor interpretativo de toda a ordem jurídico-constitucional. 6. Nessa compreensão, o STJ, ao apreciar casos de transexuais submetidos a cirurgias de transgenitalização, já vinha permitindo a alteração do nome e do sexo/gênero no registro civil (REsp 1.008.398/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 15.10.2009, DJe 18.11.2009; e REsp 737.993/MG, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 10.11.2009, DJe 18.12.2009). 7. A citada jurisprudência deve evoluir para alcançar também os transexuais não operados, conferindo-se, assim, a máxima efetividade ao princípio constitucional da promoção da dignidade da pessoa humana, cláusula geral de tutela dos direitos existenciais inerentes à personalidade, a qual, hodiernamente, é concebida como valor fundamental do ordenamento jurídico, o que implica o dever inarredável de respeito às diferenças. 8. Tal valor (e princípio normativo) supremo envolve um complexo de direitos e deveres fundamentais de todas as dimensões que protegem o indivíduo de qualquer tratamento degradante ou desumano, garantindo-lhe condições existenciais mínimas para uma vida digna e preservando-lhe a individualidade e a autonomia contra qualquer tipo de interferência estatal ou de terceiros (eficácias vertical e horizontal dos direitos fundamentais). 9. Sob essa ótica, devem ser resguardados os direitos fundamentais das pessoas transexuais não operadas à identidade (tratamento social de acordo com sua identidade de gênero), à liberdade de desenvolvimento e de expressão da personalidade humana (sem indevida intromissão estatal), ao reconhecimento perante a lei (independentemente da realização de procedimentos médicos), à intimidade e à privacidade (proteção das escolhas de vida), à igualdade e à não discriminação (eliminação de desigualdades fáticas que venham a colocá-los em situação de inferioridade), à saúde (garantia do bem-estar biopsicofísico) e à felicidade (bem-estar geral). 10. Consequentemente, à luz dos direitos fundamentais corolários do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, infere-se que o direito dos transexuais à retificação do sexo no registro civil não pode ficar condicionado à exigência de realização da cirurgia de transgenitalização, para muitos inatingível do ponto de vista financeiro (como parece ser o caso em exame) ou mesmo inviável do ponto de vista médico. 11. Ademais, o chamado sexo jurídico (aquele constante no registro civil de nascimento, atribuído, na primeira infância, com base no aspecto morfológico, gonádico ou cromossômico) não pode olvidar o aspecto psicossocial defluente da identidade de gênero autodefinido por cada indivíduo, o qual, tendo em vista a ratio essendi dos registros públicos, é o critério que deve, na hipótese, reger as relações do indivíduo perante a sociedade. 12. Exegese contrária revela-se incoerente diante da consagração jurisprudencial do direito de retificação do sexo registral conferido aos transexuais operados, que, nada obstante, continuam vinculados ao sexo biológico/cromossômico repudiado. Ou seja, independentemente da realidade biológica, o registro civil deve retratar a identidade de gênero psicossocial da pessoa transexual, de quem não se pode exigir a cirurgia de transgenitalização para o gozo de um direito. 13. Recurso especial provido a fim de julgar integralmente procedente a pretensão deduzida na inicial, autorizando a retificação do registro civil da autora, no qual deve ser averbado, além do prenome indicado, o sexo/gênero feminino, assinalada a existência de determinação judicial, sem menção à razão ou ao conteúdo das alterações procedidas, resguardando-se a publicidade dos registros e a intimidade da autora” (REsp 1626739/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 09/05/2017, DJe 01/08/2017).[6] 5 REGISTRO DE NASCIMENTO RETIFICADO. QUAL BANHEIRO USAR? Recentemente, vários Estados que compõe os Estados Unidos da América (EUA) têm debatido ou aprovaram legislações que exigem que pessoas transexuais usem o banheiro público correspondente ao seu sexo como identificado no nascimento ou indicado na certidão de nascimento. O ex-presidente dos EUA, Barack Obama, logo que tomou posse na presidência no ano de 2009, ajuizou ação contra a Carolina do Norte (um Estado dos EUA), afirmando que o ato de privar os transexuais às instalações públicas sanitárias viola Lei de caráter Federal. Nesse diapasão, Obama emitiu um documento presidencial, impondo obrigação legal direcionada às escolas públicas americanas, para que estas passassem a permitir o uso dos banheiros que correspondessem às identidades de gêneros de seus estudantes transexuais. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) analisou questão sobre a proibição de uso de banheiro por transexual. Segundo o STF, é de suma importância decidir “se uma pessoa pode ou não ser tratada socialmente como se pertencesse a sexo diverso do qual se identifica e se apresenta publicamente”, pois a identidade sexual é assunto diretamente ligado à dignidade da pessoa humana, senão, confira-se: “TRANSEXUAL. PROIBIÇÃO DE USO DE BANHEIRO FEMININO EM SHOPPING CENTER. ALEGADA VIOLAÇÃO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A DIREITOS DA PERSONALIDADE. PRESENÇA DE REPERCUSSÃO GERAL. 1. O recurso busca discutir o enquadramento jurídico de fatos incontroversos: afastamento da Súmula 279/STF. Precedentes. 2. Constitui questão constitucional saber se uma pessoa pode ou não ser tratada socialmente como se pertencesse a sexo diverso do qual se identifica e se apresenta publicamente, pois a identidade sexual está diretamente ligada à dignidade da pessoa humana e a direitos da personalidade 3. Repercussão geral configurada, por envolver discussão sobre o alcance de direitos fundamentais de minorias – uma das missões precípuas das Cortes Constitucionais contemporâneas –, bem como por não se tratar de caso isolado” (RE 845779 RG/SC, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, julgado em 13/11/2014, DJe 10-03-2015).[7] Assim, a mais alta corte brasileira, o STF, confirmou ser de repercussão geral a proibição de uso de banheiro público por transexual, isto significa dizer que este assunto apresenta questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social e/ou jurídico, que ultrapassam os interesses subjetivos da causa.[8] 6 SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO Até 1993, os homossexuais americanos eram proibidos de compor a força militar americana. Nessa época, o então Presidente dos EUA, Bill Clinton, contrário a rigidez desta negatória, implementou a política “Don’t Ask, Don’t Tell”[9], autorizando o ingresso dos homossexuais nas forças armadas dos EUA desde que mantivessem em segredo a sua orientação sexual, sob pena de serem condenados.[10] Logo após, na presidência de Barack Obama, uma nova política emergencial foi implementada, nos EUA, com o objetivo de acabar com o “Don’t Ask, Don’t Tell”.[11] A partir de 2011, com o fim da política discriminatória homossexual no âmbito castrense, não só esta minoria passou a ter amplo acesso à carreira militar, como também aos transgêneros foi dado o livre acesso de comporem as Forças Armadas Americanas. Contudo, em 2017, o então Presidente dos EUA, Donald Trump, ablegou todos os transgêneros das Forças Armadas Americanas, sob ao argumento de que os militares não poderiam arcar com “os enormes gastos médicos e a distração” que os transgêneros, de forma geral, representariam à comunidade militar americana. Diferentemente dos EUA, muitos países como a Suécia, Canadá, Inglaterra, Israel, Nova Zelândia e Austrália, há muito tempo admitem os redesignados em seu efetivo militar. Quanto ao Brasil, em 2010, o Ministro Raymundo Nonato de Cerqueira Filho, General aposentado do Exército, atualmente no Superior Tribunal Militar (STM), teceu considerações públicas no sentido de que a vida militar reveste-se de determinadas características, inclusive em combate, que não se ajusta ao comportamento homossexual.[12] Com efeito, as Leis brasileiras não trazem a possibilidade de homossexuais e transexuais comporem os quadros militares, mas também não a veda. O que se verifica é que, em meio ao efetivo militar, existem variadas identidades de gêneros e orientações sexuais, contudo, assumir publicamente qualquer tendência que fuja do padrão neste ambiente castrense é visto de forma inaceitável. A obrigatoriedade imposta aos homens à prestação do serviço militar é extraído por exclusão quando da interpretação do art. 2º, §2º, da Lei nº 4.375/64: “Art 2º Todos os brasileiros são obrigados ao Serviço Militar, na forma da presente Lei e sua regulamentação. § 1º (…). § 2º As mulheres ficam isentas do Serviço Militar em tempo de paz e, de acordo com suas aptidões, sujeitas aos encargos do interesse da mobilização.” Mas e o transexual, como fica face esta obrigatoriedade? Como fica a dispensa para a nova mulher e a obrigatoriedade para o novo homem? Seria dada a dispensa para ambos ou o novo sexo masculino que antes era isento agora seria obrigado a servir? O antigo homem que redesignado tornou-se mulher, estaria ele ainda obrigado a prestação de serviço militar obrigatório? E o contrário, a mulher transexual que hoje se tornou homem passou ela a ser obrigada a prestar o serviço militar obrigatório? Que alojamento eles deverão dormir? Estes são questionamentos que deverão ser respondidos para que haja o devido respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, “cláusula geral de tutela dos direitos existenciais inerentes à personalidade, a qual, hodiernamente, é concebida como valor fundamental do ordenamento jurídico, o que implica o dever inarredável de respeito às diferenças”.[13] Há pouco tempo, aqui mesmo no Brasil, ocorreram casos, como o de Marianna Livelyz, em que transexuais homens, que já viviam como mulher, com os documentos devidamente modificados para o sexo feminino, gênero e prenome, com a total aparência feminina, tiveram que proceder ao seu alistamento militar. Não é difícil imaginar o constrangimento que Marianna passou quando, no dia 23 de setembro de 2015[14], se apresentou na Junta Militar como David (nome de registro). Neste dia, Marianna percebeu, à sua volta, semblantes de repúdio e desprezo. O constrangimento já começou com o soldado que a atendeu, pois ele não sabia como proceder a inscrição de Marianna, o que fez com que um simples procedimento de inscrição durasse mais que 2 horas de espera. De acordo com Kaito Felipe (nome social), o transexual, como no caso dele que saiu do gênero feminino para o masculino, teria sim que se alistar. Contudo, a Junta Militar o dispensa por “excesso de contingente”.[15] 7 PENSÃO MILITAR CONCEDIDA A FILHA DE MILITAR QUANDO DE SEU FALECIMENTO Em setembro de 2017, o Juiz de Direito da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro, Dr. Frederico Montedonio Rego, revogou o direito de uma das duas filhas de um militar da Marinha, já falecido, de receber a pensão militar por morte.[16] O motivo que levou o desfavorecimento daquela filha foi ter, após ser beneficiada com a pensão de seu genitor falecido, intentado ação para ver seu prenome e sexo alterados ─ com o fundamento de ser transexual, se identificar com o gênero masculino desde a infância, ter-se submetido à cirurgia de histerectomia total (retirada do útero) e mamoplastia (retirada dos seis), bem como a tratamento hormonal ─, o que lhe foi autorizado, passando, então, a chamar Marcos Gabriel Botelho Saldanha da Gama, do sexo masculino, mantendo inalterados os demais dados. A Marinha, anualmente, faz o recadastramento de seus pensionistas, tendo em vista o caráter contínuo da percepção da pensão por morte. Em um destes recadastramentos feitos, aquela citada filha do Militar da Marinha, agora de nome Marcos, foi chamada à apresentar-se na Seção de Inativos e Pensionistas para comprovação “de vida” com a obrigatória apresentação de seus documentos. Ocorre que, ao apresentar seus documentos atuais, teve seu benefício cancelado. A Marinha Brasileira entendeu aplicável ao caso os dispositivos da Lei nº 3.765/1960 que “limitam ao filho do sexo masculino o direito de receber a pensão até 21 anos de idade ou até 24 anos de idade, se estudante universitário”, pois Marcos, ao tempo do recadastramento, contava com 54 anos de idade na data da sua apresentação. Indignado, Marcos intentou o denominado “remédio constitucional”[17] chamado Mandato de Segurança com a pretensão de voltar a ser beneficiário da pensão militar de seu genitor falecido, contudo, seu pedido foi negado em sede de juízo de retratação, veja-se, pois: “É o relatório. Decido. Com base no art. 1.018, § 1º, do CPC, exerço juízo de retratação da decisão de fls. 82/84. A pensão havia sido concedida ao impetrante por aplicação da redação original do art. 7º da Lei nº 3.765/1960 (fl. 43 e 111), que assegurava o pagamento da pensão às filhas maiores: "Art 7º A pensão militar defere-se na seguinte ordem: I  – à viúva; II – aos filhos de qualquer condição, exclusive os maiores do sexo masculino, que não sejam interditos ou inválidos;" Apesar disso, quando do recadastramento, a autoridade impetrada agiu corretamente ao levar a sério a identidade de gênero do impetrante, já reconhecida inclusive por sentença judicial (fls. 65/68). Como narrado nos autos, o impetrante sofreu durante toda a vida por se identificar desde a primeira infância com o gênero oposto ao do seu sexo biológico, o que caracteriza o transexualismo. Assim, na idade adulta, submeteu-se a tratamento hormonal e a cirurgias de retirada do útero e das mamas. O próprio impetrante declara apenas não ter realizado a transgenitalização “por ser uma cirurgia que impõe riscos à minha saúde e à minha vida” (fl. 57). Tal como consta na sentença da Justiça Estadual, “[n]ão é razoável condicionar a possibilidade de alteração registral de gênero sexual à concretização de cirurgia de transgenitalização. Impor tal condição seria obrigar o indivíduo a se submeter a uma cirurgia complexa e dolorosa e que, em alguns casos, é inclusive contraindicada pelos riscos que impõe” (fl. 66). Assim, a sentença julgou procedente o pedido formulado pelo ora impetrante “para autorizar a alteração do assentamento de nascimento da parte autora, tanto para a mudança do seu prenome, como também do seu sexo para masculino, passando a se chamar MARCOS GABRIEL BOTELHO SALDANHA DA GAMA, mantendo inalterados os demais dados” (fls. 67/68). Assim, para todos os efeitos de direito, trata-se de um indivíduo do sexo masculino, não sendo relevante para tais fins que não se tenha submetido à transgenitalização e que ainda se consulte com ginecologista. Também não importa para tais fins sua orientação sexual. Sobre o tema, está pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal o RE 845.779, em que se discute, em regime de repercussão geral, o direito de transexuais serem tratados de acordo com o gênero com o qual se identificam. O relator do caso, Min. Luís Roberto Barroso, afirmou em seu voto: 13. Os transexuais são uma das minorias mais marginalizadas e estigmatizadas da sociedade. Para que se tenha uma ideia da gravidade do problema, o Brasil lidera o ranking de violência transfóbica, registrando o maior número absoluto de mortes no cenário mundial. De acordo com informativo divulgado neste ano pelo Projeto de Monitoramento de Homicídios Trans (Trans Murder Monitoring Project), entre janeiro de 2008 e dezembro de 2014, foram registrados 1.731 casos de homicídios de pessoas trans em todo o mundo, sendo que 681 destes dizem respeito ao Brasil (i.e., cerca de 40%). Não por acaso, a expectativa de vida desse grupo é de apenas cerca de 30 anos, muito abaixo daquela apontada pelo IBGE para o brasileiro médio, de quase 75 anos. A incompreensão, o preconceito e a intolerância acompanham os transexuais durante toda a sua vida e em todos os meios de convívio social. Desde a infância, tais pessoas são hostilizadas nas suas famílias, comunidades e na escola. (…) Atualmente, a transexualidade é considerada uma patologia, mas é preciso olhar o problema dos transexuais sob a perspectiva do direito ao reconhecimento. Na atual versão do Código Internacional de Doenças (CID-10), o transexualismo é catalogado como uma doença. O mesmo se verifica no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, produzido pela Associação Americana de Psiquiatria, seguido pelo Ministério da Saúde e pelo Conselho Federal de Medicina brasileiros. É certo que o reconhecimento do transtorno de identidade de gênero como doença psiquiátrica permitiu avanços para os transexuais, ao conferir foros de autoridade científica à sua condição. Isso se refletiu, por exemplo, na autorização de operações de redesignação de sexo, inclusive custeadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e no reconhecimento da possibilidade de alteração do nome de registro civil após a cirurgia. Porém, mais recentemente, a patologização tem servido para reforçar o preconceito existente na sociedade contra esse grupo. Por isso, é preciso olhar a questão sob a perspectiva do direito ao reconhecimento. 16. A verdade é que não se trata de uma doença, mas de uma condição pessoal, e, logo, não há que se falar em cura. O indivíduo nasceu assim e vai morrer assim. Vale dizer: nenhum tipo ou grau de repressão vai mudar a natureza das coisas. Destratar uma pessoa por ser transexual, isto é, por uma condição inata, é como discriminar alguém por ser negro, judeu, índio ou gay. É simplesmente injusto, quando não perverso”. (Disponível em http://s.conjur.com.br/dl/votoministro–barroso–stf–questao.pdf. Acesso em 13/9/2017). Portanto, entender que o impetrante seria titular do direito à pensão seria considerá-lo, em alguma medida ou para certos fins, como um indivíduo do sexo feminino, o que reavivaria todo o sofrimento que teve durante a vida e violaria sua dignidade, consubstanciada no seu direito – já reconhecido em juízo – a ser reconhecido tal como é para fins jurídicos, ou seja, como um indivíduo do sexo masculino. Não seria de se esperar que a Lei nº 3.765/1960 previsse a mudança de gênero como uma hipótese de cancelamento da pensão, situação que, se hoje é inusitada, àquela época era impensável. Nada obstante, por ser um indivíduo do sexo masculino para todos os fins de direito, o impetrante não preenche uma condição essencial para a percepção do benefício, o que, como alegado pela União e acolhido na decisão monocrática do agravo de instrumento, autoriza a anulação do ato administrativo (art. 53 da Lei nº 9.784/1999). Assim, agiu com correção a autoridade impetrada ao cancelar a pensão, como também agiria na situação hipotética inversa, se concedesse o benefício a uma requerente identificada com o gênero feminino, apesar de nascida com o sexo masculino. A propósito, não há um problema de direito intertemporal, porque a sentença de fls. 65/68 é meramente declaratória do gênero com o qual o impetrante sempre se identificou desde a infância, tendo apenas legitimado essa situação para fins jurídicos. De toda forma, ainda que se entenda diferentemente, o impetrante deixou de preencher um dos requisitos essenciais para a percepção da pensão, o que autoriza o seu cancelamento. Não é inédita no direito a revisão de benefícios concedidos em razão de uma condição em princípio permanente, mas cuja mudança é incompatível com a continuidade da prestação (e.g., a recuperação da capacidade laborativa implica a cessação de aposentadoria por invalidez). Também não considero haver vícios formais no ato impetrado, que foi precedido de prazo para defesa (fls. 43/44) e expôs a motivação para o cancelamento da pensão (fl. 47). Embora a presente decisão seja patrimonialmente desvantajosa para o impetrante, ela legitima sua identidade de gênero e sua condição existencial, aspecto mais importante e que deve ser levado a sério em todas as suas consequências. Diante do exposto, com base no art. 1.018, § 1º, do CPC, exerço o juízo de retratação da decisão de fls. 82/84 e revogo a antecipação de tutela. Comunique-se à Exma. Sra. Relatora do agravo de instrumento (fls. 147/151), remetendo-se cópia desta decisão por meio do Portal Processual Eletrônico, conforme determina a Nota Técnica nº 08/2014/TRF/SAJ. Determino ainda as seguintes providências: – Com base no art. 292, §§ 2º e 3º, do CPC, corrijo de ofício o valor da causa para R$ 148.292,56 (cento e quarenta e oito mil, duzentos e noventa e dois reais e cinquenta e seis centavos), correspondente a doze vezes o valor da pensão que o impetrante pretende restabelecer (fl. 125). –  Concedo prazo de quinze dias para que o impetrante tome as seguintes providências, sob pena de extinção do processo sem resolução de mérito: (a) recolha a diferença de custas correspondente à alteração no valor da causa, considerando que possui outra fonte de renda superior a três salários mínimos (fl. 60); e (b) promova a inclusão no feito de sua irmã SUSANA BOTELHO SALDANHA DA GAMA, na qualidade de litisconsorte necessária (CPC, art. 114), uma vez que eventual procedência do pedido implicaria redução da cota que percebe. Decorrido o prazo do item 2 sem cumprimento, venham os autos conclusos para sentença. –  Cumpridas as providências acima, remetam-se os autos à SEDCP para retificação do polo passivo e cite-se SUSANA BOTELHO SALDANHA DA GAMA. Uma vez decorrido o prazo para resposta, tendo em vista o desinteresse do MPF no feito (fls. 138/139), venham os autos conclusos para sentença.  Publique-se. Intimem-se. Rio de Janeiro, 13 de setembro de 2017.  (assinado eletronicamente – alínea ‘a’, inciso III, § 2º, art.1º da Lei 11.419/2006 )  FREDERICO MONTEDONIO REGO Juiz(a) Federal Substituto(a) no exercício da Titularidade”[18] Assim, observa-se que o Juiz da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro entendeu que seria incongruente manter algo que se referisse ao sexo feminino à Marcos, eis que a pretensão deste sempre foi ser reconhecido como homem, ao passo que sentenciar de forma diversa, seria gerar nova discrepância entre o sexo psicológico e o biológico. Com efeito, a vista dos fatos decididos pelo 7º Juízo Federal carioca, certo é que não só muitos deixarão de ser beneficiários, mas como muitos se tornarão. CONCLUSÃO Tendo em vista todas as informações trazidas neste estudo, pode-se observar que a luta daquelas crianças de tenra idade está, ao caminhar das gerações, sendo reconhecida, observado-se as novas conquistas que os transgêneros, em especial os transexuais, obtiveram com a ratificação, pelo governo, da imprescindível implementação de políticas públicas voltadas à inclusão desta minoria por meio, inicialmente, da oferta de tratamento hormonal e intervenção cirúrgica de redesignação. O conflito de identidade de gênero é assunto, recorrente, levado à análise dos estudiosos e cortes brasileiras que, também, se debruçam para tornar a inserção desta nova pessoa, o transexual, na sociedade, possibilitando o respeito à sua dignidade humana ao deferir, em massa, a adequação do prenome e sexo em seus documentos registrais, como também, impor a viabilização, para estes indivíduos, ao uso de banheiros públicos, conforme a sua identidade de gênero reconhecida. Outrossim, a comunidade castrense se viu na obrigação de adequar suas normatizações rígidas para receber os transgêneros em seus quadros, rechaçando, até então, a engessada ditadura militar.  Com efeito, as conquistas por vir aos transgêneros se revelarão no dia a dia da sociedade, podendo, até mesmo, surgir um novo direito fundamental intitulado de livre identidade de gênero.
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A ampliação do conceito de cidadão como legitimado ativo para propor a Ação Popular
O presente trabalho visa traçar as linhas, em que se pretende estudar e discutir, sob um prisma legal, a pungente questão da legitimidade para a propositura da Ação Popular, limitada ao cidadão, que vem impondo discussões acerca do conceito de cidadania, nos termos do que expressamente dispõe a carta Magna. A Lei 4.717, de 29 de junho de 1965, dispõe que apenas o brasileiro eleitor, no exercício de seus direitos políticos, poderá propor a Ação Popular, devendo comprovar a sua condição mediante a apresentação do título de eleitor ou de certidão expedida pela Justiça Eleitoral. Entretanto, tal previsão afronta a própria Constituição, visto que restringe o conceito de cidadão, bem como a participação direta do povo no governo, princípio constitucional disposto no parágrafo único do art. 1º e em demais dispositivos da Constituição Federal de 1988. Para tanto, o que se propõe é o desenvolvimento de um estudo que procure elucidar a ampliação do conceito de cidadão, de forma a viabilizar a utilização de instrumentos como a Ação Popular, destacando-se o direito fundamental de participação política.
Direito Administrativo
Introdução A evolução dos direitos políticos no cenário brasileiro trouxe como consequência a necessidade de ampliação da cidadania, como reflexo da manutenção do Estado Democrático de Direito. Tal evolução se deu principalmente com a abolição do voto censitário, estendendo o direito de participação política para as mulheres e analfabetos. O Estado Democrático de direito surge como forma de realização de valores como a liberdade e dignidade da pessoa humana e é responsável por conciliar o Estado Democrático e o Estado de Direito, não consistindo apenas no agrupamento dos elementos principais desses dois tipos de Estado, como também na incorporação dos princípios que os norteiam. Tem-se, portanto, que o Estado de direito surgiu com características do Estado Liberal, quais sejam, a submissão ao comando da lei, divisão dos poderes, sendo responsável pela separação harmônica dos poderes executivo, legislativo e judiciário e por último a garantia dos direitos individuais. Tal concepção trouxe como consequência o apoio aos direitos individuais do homem, sendo uma criação típica do liberalismo. O Estado Democrático surge como reconhecimento da soberania popular em respeitos às garantias dos direitos e liberdades fundamentais assentado no pluralismo de expressão e organização política democrática. A democracia baseia-se numa sociedade livre, justa e solidária, conforme dispõe o artigo 3º, I, da Constituição Federal Brasileira de 1988, em que o poder emana do povo diretamente ou por seus representantes que são eleitos; é participativa uma vez que o povo tem intensa participação no processo decisório e nos atos praticados pelo governo e por último pluralista ao respeitar a grande diversidade de ideias, crenças, culturas e etnias. Dessa forma, cumpre salientar que o surgimento do Estado Democrático de Direito, tem como fundamento a existência de uma Constituição, sendo esta capaz de regular direitos e garantias fundamentais à existência digna dos cidadãos e por ser o instrumento legal responsável por dar maior realce à vida política do país. Além disso, diante das transformações da sociedade, a lei deve se adaptar às mudanças sociais e culturais, não devendo ficar numa esfera estritamente normativa. Dentre os princípios essenciais ao Estado Democrático de Direito destacam-se o princípio da constitucionalidade, sendo este fundando em uma constituição emanada da vontade popular, princípio democrático, no sentido de constituir uma democracia participativa, e o principio da igualdade, sendo este último para assegurar condições e oportunidades de forma proporcional a toda sociedade. É nesse contexto que a Ação Popular é inserida. Tal instituto reflete o principio democrático do Estado de Direito, baseado em uma democracia participativa e direta, em que ao cidadão é dado o poder de fiscalização de atos praticados pelo poder público ou por entidades que dele participam, bem como do meio ambiente e do patrimônio histórico cultural. Tendo como base os princípios da legalidade e moralidade, conclui-se que o surgimento da Ação Popular como forma participativa do cidadão no Estado, possibilitou a tutela jurídica de interesses coletivos, sendo estes uns dos instrumentos indispensáveis à realização da justiça social. Ressalte-se ainda que a postura adotada pelo presente trabalho é a de que o instituto da Ação Popular consiste na defesa pelo cidadão de um direito próprio, que embora influencie diretamente na vida em sociedade, trata-se da sua participação na vida política do Estado, bem como traz a ideia de a coisa pública e patrimônio do povo. É assim, portanto, que a discussão da Ação Popular ganha notória importância. Os princípios difundidos pela mesma têm por escopo central a valorização do exercício da cidadania em um Estado Democrático de Direito. E, como não poderia deixar de ser, o debate esbarra nas questões jurídicas, especialmente do Direito Constitucional e Administrativo, fazendo surgir, então, o questionamento de como a ampliação do conceito limitado de cidadão estabelecido pela Lei 4.717, de 29 de junho de 1965 pode contribuir para que se atinja, de forma mais eficaz, os objetivos visados pelo instituto legal da Ação Popular, especialmente aqueles preconizados pela Carta Magna de 1988. Sendo assim, o que se busca no presente trabalho é promover a discussão sobre a legitimidade ativa na propositura da Ação Popular. E claro que não cabe aqui aprofundar demasiadamente a discussão, pois tal iria contra a lógica na qual se insere um trabalho de conclusão de curso de graduação. O intuito, portanto, é apresentar, sob uma ótica jurídica e de forma objetiva, algumas questões que emergem do debate do tema, como por exemplo, a questão do exercício da cidadania no Estado Democrático de Direito. Para atingir referido intuito e facilitar a compreensão do trabalho, far-se-á, na dissertação aqui realizada, um levantamento histórico da Ação Popular, mostrando como se deu seu surgimento e posterior implantação no Brasil. Em seguida, far-se-á um estudo dos princípios que a orienta, numa constante confrontação com aquela que rege o Direito Constitucional brasileiro. Enfatizar-se-á, ainda, a questão da legitimidade para agir limitada ao cidadão no tocante à propositura da ação popular e consequentemente a definição do conceito de cidadão e a sua compatibilidade com a democracia participativa. Por fim, apresentar-se-á as respectivas conclusões, buscando-se abrir espaço para futuros debates sobre esse tema que, além de importantíssimo, reflete como um direito que deve ser exercido por todos aqueles que vivem em sociedade no Estado Democrático de Direito. 1 Ação Popular: conceito e evolução histórica 1.1 Conceito Conceituar Ação Popular não é uma tarefa fácil, e diversas definições já foram apresentadas pelos estudiosos na busca de abranger, em algumas linhas, as ideias centrais e os princípios norteadores que se encontram relacionados ao uso desse instituto característico do Estado Democrático de Direito. O artigo 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal Brasileira de 1988 assim estabelece: “Art. 5º. (…) LXXIII- qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.” Dessa forma, verifica-se que a Ação Popular é conceituada como o instrumento colocado à disposição do cidadão, para que este exercite a defesa de seus direitos, que inclui o patrimônio histórico e cultural como bem público colocado à disposição de todos, bem como o controle dos atos praticados pelo poder público ou de entidade que o estado participe. Hely Lopes Meirelles define a Ação Popular como: “é o meio constitucional posto à disposição de qualquer cidadão para obter a invalidação de atos ou contratos administrativos- ou a estes equiparados- ilegais e lesivos do patrimônio federal, estadual, e municipal, ou de suas autarquias, entidades paraestaduais e pessoas jurídicas subvencionadas com dinheiros públicos”.[1] Após a análise do comentário acima demonstrado, imprescindível é que façamos uma conceituação de ato lesivo, sendo este objeto da Ação Popular. Ainda nos ensinamentos de Meirelles: “não se exige a ilicitude do ato na sua origem, mas sim a ilegalidade na sua formação ou no seu objeto, razão pela qual a Constituição de 1967 e a Emenda 1/69 (e, hoje, a Constituição de 1988), aboliram a defeituosa reação de 1946, que se referia à anulação ou à declaração de nulidade de atos lesivos, para agora aludir, corretamente, à ação que vise anular atos lesivos(…)“destina-se à invalidade de atos praticados com ilegalidade de que resultou lesão ao patrimônio público. Essa ilegitimidade do ato pode provir de vício formal ou substancial, inclusive desvio de finalidade, conforme a lei regulamentar enumera e conceitua em seu próprio texto”.[2] Referido conceitos constituem aqueles hoje adotados pela doutrina. Entretanto, para que o instituto da Ação Popular seja devidamente compreendido, faz-se necessário uma abordagem da evolução história de tal instituto, desde o seu surgimento até a sua predominância do Direito Contemporâneo. 1.2 Evolução Histórica No direito romano, a actio, também denominada como a forma solene de reconhecer na justiça um direito, surgiu como forma de tutela do interesse privado, estendendo-se no máximo à defesa de interesses coletivos do qual o individuo fosse parte. Tem-se que a ação popular não foi criação do direito romano, mas sim consequência da evolução das instituições jurídicas existentes naquela época, uma vez que constatou-se que a tutela do patrimônio coletivo refletia, em grande parte, nos interesses individuais. Em tal período histórico, a noção se estado era muito delimitada, consagrando-se a coisa pública como pertencente a cada um dos cidadãos romanos. Dessa forma, todo cidadão se sentia legitimado para pleitear em juízo a defesa de bens e valores mais elevados dentro da comunidade. A evolução urbana e o enfraquecimento dos grupos deram espaço ao individualismo, consagrando-se nessa época que ninguém demandar em nome próprio direito alheio. Por exceção, era permitido demandar em nome de outrem, como no caso da defesa de interesses do povo, pela liberdade, pela coletividade. Foi nesse contexto que houve o surgimento da ação popular no direito romano, sendo esta consagrada como o instituto em que qualquer um defendia um direito não individual, mas de toda a coletividade. Cumpre ressaltar que em Roma, havia ilícitos que não eram tão grandes a ponto de ofender os Estados e nem tão restritos a ponto de ofender unicamente o individuo lesado: tratavam-se de ilícitos que ofendiam a toda a sociedade ou a uma coletividade, havendo para tais casos, a existência de ações para quem quisesse intentá-las. Referidas ações, embora intentadas no intuito de obter um ressarcimento, não constituíam um bem privado do ofendido. Nesses termos, a ação popular era caracterizada sob dois aspectos: qualquer individuo poderia exercitá-la, ao mesmo passo que qualquer pessoa também poderia contestá-la, sendo esta ultima possibilitada por simples juramento de boa fé e que mesmo válida não integrava o patrimônio do autor. Se este vencesse, não seria denominado de credor. Caso contrario, havendo derrota, seria considerado devedor. Verifica-se, portanto, a ausência de representação na ação popular, sendo vedada a utilização de tal instituto aos incapazes, a impossibilidade de fiança e de transmissão aos herdeiros no caso de morte do réu, permanecendo inalterada a legitimidade passiva. Às mulheres e aos menores, por necessitarem de representação para pleitear atos em juízo, a ação popular só era concedida se o fato lhes interessasse diretamente. Nas palavras de J. M. Othon Sidou[3]: “as ações populares colimavam genericamente fazer respeitar um direito comunitário agravado por ato ilícito. Erguiam se em proveito direto da coletividade, da qual, como um de seus componentes, beneficiava-se também o autor popular”. A representação não era permitida uma vez que o autor da ação popular agiria em nome de outrem na defesa de um interesse alheio, ao mesmo tempo em que esse interesse era também seu. Na interpretação dos romanos, tratava-se de uma enorme contra senso. Dessa forma, todo procurador seria ao mesmo tempo autor, uma vez que defenderia seus próprios interesses, sendo integrante também da coletividade que teve seu direito violado. Por último, salienta-se que havia prazo para intentar a ação popular, sendo que este prescrevia-se em um ano. No direito contemporâneo, verifica-se um considerável avanço na tutela dos interesses coletivos frente ao Estado. Tal avanço se justifica uma vez que no período absolutista, o estaod era considerado infalível, não sendo necessária a intervenção do indivíduo na defesa de interesses coletivos, genéricos. No direito brasileiro, tem-se que a evolução da Ação Popular sofreu grande influência do direito lusitano, contando com algumas diferenças e certas similaridades, vejamos: “A lei 38, de 23.08.1995, a lei que regula a ação popular constitucional em Portugal, visa à proteção dos direitos e interesses denominados transindividuais e conta com algumas diferenças, bem como certas similaridades às leis brasileiras, a Lei 4.717, de 29.07.1975, que regula a ação popular e a Lei 7.347, de 24.07.1985, que confere tratamento à ação civil pública. A lei portuguesa cuida da tutela jurídica de vários interesses, dentre os quais o do ambiente, dispondo sobre o direito de participação do povo na elaboração de planos e determinações de locais e atividades de empreendimentos e investimentos do Poder Público, assim como do direito de ajuizamento da ação popular e da responsabilidade civil e penal. A ação popular foi eleita pelo legislador português para servir de mecanismo de proteção ao direito subjetivo público, de defesa do meio ambiente e de outros bens com o patrimônio cultural, enquanto no Brasil existem, primordialmente, dois instrumentos para a tutela ambiental a saber, a ação popular constitucional e a ação civil pública”[4]. Cumpre ressaltar que no Brasil a ação popular se difere em diversos pontos da ação civil pública, uma vez que aquela é colocada como instrumento à disposição do cidadão para a defesa de toda a coletividade. Voltando às origens da ação popular, verifica-se que esta apareceu pela primeira vez na Carta Magna de 1924, em seu artigo 113, item 38, que assim dispunha: “Qualquer cidadão será parte legitima para pleitear a declaração de nulidade ou de anulação dos atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados ou dos Municípios”. Levando-se em consideração a rapidez que a referida Constituição teve em sua vigência, não houve regulamentação da ação popular, tornando impossibilitada a sua utilização. Nesse sentido, muito bem esclareceu Maria Fernanda de Toledo Rodovalho Podval, “constitucionalmente estabelecida, não foi só recebida com reservas, como também nem chegou a se firmar, muito embora tenha existido um projeto para a sua regulamentação”. Três anos após a tentativa de regulamentação no texto constitucional em 1934, com o advento do período ditatorial, a ação popular acabou sendo suprimida na Constituição de 1937. Nas palavras de Nelson Carneiro, “sob a longa ditadura, não havia clima para o ressurgimento das ações populares”.[5] Em 1946 a ação popular ressurgiu como instrumento para anular ou declarar os atos lesivos ao patrimônio da União, dos Estados, do Município, das entidades autárquicas e das sociedades de economia mista. Percebe-se que ao comparar o texto constitucional de 1934 com o de 1946, há um expressivo alargamento do objeto da ação popular, sendo que agora, abrangia também os atos praticados pela administração indireta, incluindo as autarquias e as sociedades de economia mista, conforme acima demonstrado. Em 1967, a ação popular manteve sua previsão constitucional, com uma ínfima modificação, qual seja o legislador optou por utilizar o termo “entidades públicas” ao invés de “empresas autárquicas e sociedades de economia mista”, como na Carta de 1946. Embora tal diferença pareça ser pouco significativa, houve grande questionamento do objeto da ação popular referente à Constituição de 1967. Isto porque, o termo “entidade pública” não incluiria as autarquias ou sociedades de economia mista, uma vez que estas têm natureza essencialmente privada. Entretanto, cumpre salientar que a lei responsável pela regulamentação da ação popular, qual seja, a Lei 4.717, foi promulgada em 1965, sendo responsável por indicar os entes da administração indireta que eram alcançados pela ação popular, sanando o problema acima apontado. Verifica-se, portanto, que a ação popular tem índole constitucional, sendo regulamentada, em seus aspectos processuais, pelo advento da Lei 4.717/65. Por fim, a Constituição Federal de 1988, também recepcionou, e muito bem, a ação popular, estabelecendo em seu artigo 5º, inciso LXXIII: “Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou d e entidade que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”. Nesse ponto, estabelece José Afonso da Silva: “O objeto da ação popular foi ampliado, em nível constitucional à proteção da moralidade administrativa, do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural. Este último já estava contemplado na lei que regula o processo popular”.[6] Dessa forma, não restam dúvidas que o objeto da ação popular foi ampliado ao longo dos anos, como reflexo de exercício pleno da cidadania, característica esta imprescindível ao Estado Democrático de Direito. 2 Dos requisitos necessários à propositura da Ação Popular e aplicação da Lei 4717/65 A ação popular, embora possua legislação específica, sendo esta regulamentada pela lei 4717/65, segue o rito ordinário passando pelo processo de conhecimento, bem como produção de provas e prolação de sentença. O primeiro requisito imprescindível à propositura da ação é no tocante à legitimidade ativa. Esta limita-se ao cidadão, no exercício de seus direitos cívicos e políticos. Portando, não basta apenas ser cidadão: o indivíduo deve possuir a qualidade de eleitor. E ainda, não é suficiente somente a prova do título, é preciso que o eleitor esteja em pleno gozo de seus direitos políticos. Nas palavras de Di Pietro, o segundo requisito para a propositura desta ação constitucional é “a ilegalidade ou imoralidade do ato praticado”. [7] Também no que tange ao segundo requisito, muito bem se posicionou o doutrinador Hely Lopes, senão vejamos: “o segundo pressuposto da Ação Popular é a ilegalidade ou ilegitimidade do ato a invalidar, ou seja, que o ato seja contrário ao Direito, por infringir as normas específicas que regem sua prática ou por se desviar dos princípios gerais que norteiam a Administração Pública.”[8] Quanto ao terceiro requisito para que seja intentada a ação popular mister se faz a existência de lesão do ato ou omissão em relação à moralidade administrativa, ao patrimônio público, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. Dessa forma, basta que o estado participe da entidade, seja de forma majoritária ou minoritária que estará protegido pela ação popular. Ressalta-se que embora a lei disponha sobre “ato”, nada impede o ajuizamento da ação popular contra a omissão de poder público quando este, por disposição legal, deveria agir e assim não procedeu. Novamente, muito bem se posiciona Meirelles: “todo ato ou omissão administrativa que desfalca o erário ou prejudica a administração, assim como o que ofende bens ou valores artísticos, cívicos, culturais, ambientais ou históricos da comunidade.” [9] E arremata: “a ação popular pode ter finalidade corretiva da atividade administrativa ou supletiva da inatividade do Poder Público nos casos em que devia agir por expressa imposição legal. Arma-se, assim, o cidadão para corrigir a atividade comissiva da Administração como para obrigá-la a atuar, quando sua omissão também redunde em lesão ao patrimônio público”[10]. Cumpre ainda ressaltar que o ato além de lesivo, deve também ser ilegal. Nesse sentido julgou o Superior Tribunal de Justiça afirmando que “para ensejar a propositura de ação popular, não basta ser o ato ilegal, deve ser ele lesivo ao patrimônio público”[11]. Com o advento da Lei 4717/65, a ação popular passou a ser regulamentada de forma específica, aplicando-se o Código de Processo Civil de forma subsidiária, sempre em observância aos dispositivos constitucionais. Respectiva lei foi responsável por incluir modificações no rito ordinário da ação popular, conforme será analisado nos itens a seguir. 2.1 Legitimidade ativa O artigo 5º, caput, da Constituição Federal de 1988, garante aos brasileiros e estrangeiros, residentes no País, os direitos fundamentais à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade, mencionando-os por partes nos itens seguintes, sendo que o item LXXIII limita a legitimidade ativa para a propositura da ação popular a “qualquer cidadão”. Já a Lei que regula a Ação popular (Lei 4717/65), assim dispõe em seu artigo 1º: “Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos”. E acrescenta em seu parágrafo 3º: “§ 3º A prova da cidadania, para ingresso em juízo, será feita com o título eleitoral, ou com documento que a ele corresponda”. Tem-se, portanto, que a legitimidade ativa para propor a ação popular é limitada ao cidadão, devendo este estar no gozo de seus direitos políticos, mediante comprovação do título de eleitor. Assim, para que seja compreendido o conceito de cidadão abordado pela Constituição de 1988, necessário é verificar a distinção existente entre os conceitos de cidadania e nacionalidade. Isto porque ao analisar o do artigo 5º, LXXIII, da Carta Magna de 1988, não é possível identificar se o termo cidadão refere-se às pessoas residentes no país, sejam elas brasileiras natas ou estrangeiras; à todas pessoas nacionais ou se restringe aos nacionais em pleno exercícios dos direitos políticos. A Constituição Federal de 1988 utiliza o vocábulo cidadania no mesmo sentido de nacionalidade, uma vez que ao mencionar o termo cidadão no artigo 5º, LXXIII, não se refere a qualquer pessoa residente no país nem ao nacional em exercício dos direitos políticos, mas ao brasileiro nato ou naturalizado, nos termos de seu artigo 12, que assim dispõe: “Art. 12. São brasileiros: I – natos: a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país; b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil; c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira; II – naturalizados: a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral; b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira” Nesse sentido, a Lei 4717/64, que regula a ação popular, considera-se cidadãos todos os indivíduos que se encaixam nas disposições do artigo acima mencionado, desde que em gozo de seus direitos políticos, preenchendo portando, a qualidade de eleitor. Tal conceituação encontra-se prevista no artigo 1º, §3º, que estabelece: “A prova da cidadania, para ingresso em juízo, será feita com o título eleitoral, ou com documento que a ele corresponda.” Tem-se, assim, a limitação da legitimidade ativa na ação popular, admitindo-se em algumas hipóteses o litisconsórcio facultativo, com outros cidadãos, nos termos do disposto no artigo 6º, §5º da Lei 4717/65, que estabelece “é facultado a qualquer cidadão habilitar-se como litisconsorte ou assistente do autor da ação popular”. Observa-se ainda nos termos do artigo acima mencionado, em seu parágrafo 3º a possibilidade de a própria pessoa jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto da impugnação, de atuar ao lado do autor, caso seja de utilidade ao interesse público. Referido dispositivo é de grande importância, uma vez que pouco se conhece a possibilidade do ente público requerer o ingresso no polo ativo da demanda ao lado do autor. Em tais casos, salienta Alexander dos Santos Macedo: “Se a pessoa jurídica, portanto, convencer-se da ilegalidade e lesividade do ato, mesmo depois da ação ter sido contestada, pode e deve mudar de posição no processo, passando do polo passivo para o polo ativo, em prol do interesse público e em obediência ao principio da moralidade administrativa, aspectos que caracterizam a finalidade da ação popular.”[12] Verifica-se, portanto, que a legitimidade ativa em sede de ação popular é extremamente limitada, se restringindo ao cidadão, mediante a comprovação do título de eleitor. Tal limitação é aspecto de suma importância, uma vez que a ação popular é garantia fundamental e é tida como remédio constitucional, sendo imprescindível sua existência no Estado Democrático de Direito. 2.1.1 Eleitor menor de vinte e um anos, mas maior de dezesseis ou dezoito anos Conforme dispõe o artigo 14 da Constituição Federal, podem votar e ser votados os maiores de 18 (dezoito) anos. Tal disposição é facultativa aos analfabetos, maiores de setenta anos e os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos. Em tais casos, o eleitores maiores de dezesseis anos e menores de dezoito, por estarem em pleno gozo de seus direitos políticos, poderão intentar a ação popular independente de assistência. Nesses termos, se posicionou José Afonso da Silva: “(…) no vocábulo cidadão, constante do art. 5º, LXXIII da Lei das leis encontra-se presente tanto a legitimatio ad causam, como a legitimatio ad processum. Como a Lex Legum conferiu ao maior de dezesseis anos a possibilitar de votar, de ser eleitor, como expressão de um direito político, não poderíamos partir para uma interpretação restritiva, negando seu direito de, livremente, estar em juízo, na defesa da coletividade. Não há necessidade alguma de assistência.”[13] Verifica-se, portanto que a própria Constituição Federal que estabelece a situação do autor popular. Sendo a cidadania comprovada com o título de eleitor, não restam dúvidas de que o maior de dezesseis e menor de dezoito anos, caso seja eleitor, poderá ingressar com a ação popular sem necessidade de ser assistido[14]. 2.1.2 Ministério Público Conforme já mencionado, a legitimidade ativa para propor a ação popular é limitada ao cidadão. Verifica-se que embora a presença do Ministério Público seja indispensável ao procedimento ordinário da ação, é vedado a sua legitimação para figurar como autor no ato da propositura da mesma. Tem-se, portanto, que o representante do Ministério Público não atua nem no polo ativo e nem no passivo. O seu dever é de fiscalização, devendo ser ouvido antes de qualquer decisão. A Lei estabelece que o Ministério Público deve acompanhar a ação, sendo imprescindível o seu parecer antes de qualquer decisão (artigos. 82, III, e 83, ambos do CPC); apressar a produção de provas (artigo 83, II, do CPC); promover a responsabilidade civil, em benefício da coletividade, quando for o caso (artigo 129,II,III e IX, da CF). No mesmo sentido institui que o Ministério Público poderá prosseguir na ação se o autor desistir a mesma (art. 9.º da Lei 4717/65); recorrer da decisão contra o autor (artigo 19, §2º, da Lei 4717/65), “sendo vedada a defesa do ato impugnado como lesivo ou os apontados como autores ou responsáveis pelo mesmo[15]”. Nos dizeres de José Afonso da Silva: “parecendo que ora age como defensor da lei, ora como assistente, como autor ou parte, como exeqüente, recorrente, litisconsorte ativo, pelo que se torna difícil estabelecer a natureza dessa intervenção. Há, porém, na gama dessas atividades, uma missão, da qual ele não desgarra e nem pode desgarrar-se só um instante: a sua missão de defensor da lei, da ordem jurídic”.[16] Cabe ao Ministério Público zelar para que a ilegalidade do ato mencionada pelo autor popular seja objeto de hábil investigação de provas, a fim de formar ao final, seu parecer, que poderá ser contra ou a favor do autor popular. Tal convicção, partindo do conjunto de provas e devidamente analisada pelo representante do Parquet deverá ter como fundamentação primordial a prevalência do interesse público. Ainda nos dizeres de José Afonso da Silva: “o Ministério Público defende o interesse da comunidade num sentido mais amplo, mais total, mais global; tanto que, nessa defesa, pode ele voltar-se contra o autor popular, nas hipóteses em que sob a capa de defensor da comunidade, pratique atos danosos ao patrimônio jurídico-legal da comunidade” [17]. Em tais casos, verificando eu o ato praticado foi lícito em respeito ao interesse público, deve o representante do Parquet opinar pela improcedência da ação popular. Ademais, havendo inexistência de algumas das condições da ação ou de pressuposto processual de inexistência ou validade do processo, o Ministério Público deve-se pronunciar, uma vez que é de seu interesse que a sentença proferida ao final tenha total eficácia. Ressalta-se, por fim, que o Ministério Público poderá figurar como substituto processual, nos casos em que o autor for inerte e não promover o prosseguimento regular da ação, como também nos casos de abandono da causa. Novamente, nos ensina Afonso da Silva acerca do papel do promotor em sede de ação popular: “É como se fosse auxiliar do autor popular. Mas é preciso entender que este auxiliar não implica numa atividade secundária do Ministério Público. Ele auxilia, mas no exercício de função própria. Não é mero ajudante, mero assistente do autor. Sua atividade é inteiramente autônoma em relação ao autor popular. Só se traduz num auxílio, porquanto sua atividade corresponde a uma atividade que deveria ser cumprida somente pelo autor”[18]. 2.2 Legitimidade passiva Nos termos do artigo 6º da Lei que regula a ação popular (Lei 4717/64), será legitimado para figurar no polo passivo da demanda todas as pessoas públicas ou privadas e as entidades enumeradas no artigo 1º [19] da respectiva lei, bem como todas as autoridades, funcionários ou administradores que autorizarem, ratificarem ou praticarem o ato lesivo e impugnado e ainda, contra os beneficiários diretos do ato danoso. Conforme já destacado em tópico anterior, existe, ainda, a possibilidade de figurar no pólo passivo todas as entidades e pessoas jurídicas acima mencionadas que ao deixarem de agir, ou seja, que por omissão, praticarem atos lesivos. Ressalta-se ainda a possibilidade de ajuizar a ação popular contra o agente público causador da lesão ao patrimônio público ou contra as pessoas públicas ou privadas, nos casos em que há um desconhecimento do beneficiário direto do ato lesivo, nos termos do artigo 6º, §1º, da lei acima mencionada. Adverte-se, ainda, que conforme já mencionado em item 3.1, a pessoa jurídica que figurar no polo passivo poderá atuar ao lado do autor popular se, no decorrer da ação, verificar a prática da ilegalidade apontada pelo autor, sendo esta a ela mesmo danosa. Nesse sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça com relação a uma empresa de economia mista: “citada para a ação popular, contestou-a, mas passado certo tempo, mudados a sua diretoria e o próprio governo (…), resolveu ficar ao lado dos autores populares, pleitear pela procedência da ação e pela decretação de nulidade dos atos impugnados nesta ação. É claro que ela poderia agir desta forma. O que ela não podia era continuar defendendo a persistência de atos a ela danosos e se conformar com vultosos prejuízos a ela por eles causados. Com a mudança da (…) do polo passivo para o ativo, não houve mudança do pedido. Os autores não alteraram a sua pretensão ou a causa de pedir, não podendo falar em contrariedade ao art.264 do CPC. Também não foi vulnerado ao RT. 303 do CPC. A (…) passou a ficar ao lado dos autores populares por expressa autorização legal (art. 6º, §3º, da Lei 4717/65) e podia deduzir novas alegações (art. 303,III, do CPC)”.[20] Não restam dúvidas de que a intenção do legislador foi abranger o máximo possível o rol de pessoas que podem figurar no polo passivo da ação popular, a fim de que haja a identificação do responsável pela produção do ato lesivo ou causador do mesmo. Incluem também todos aqueles que contribuíram para a lesividade do patrimônio público, seja por ação ou por omissão. Tal disposição legal tem como fundamento à efetiva proteção aos direitos difusos, o resguardo do patrimônio coletivo, do meio ambiente, da moralidade administrativa e do patrimônio histórico e cultural. 3 O conceito de cidadão e a limitação à legitimidade ativa para propor Ação Popular 3.1 Aspectos relevantes na conceituação de cidadão e de “nacional do país” Conforme já demonstrado, é constitucionalmente previsto, nos termos do artigo 5º, LXXIII, que o cidadão é parte legítima para figurar no polo ativo na propositura da ação popular. Para que haja uma compreensão da legitimidade para agir em sede de ação popular, necessário é que se faça uma conceituação de cidadão. Ab initio, conforme já ressaltado em item 3.1 do presente trabalho, imprescindível é distinguir o conceito de cidadão do conceito de “nacional do país”. Este último abrange todos os brasileiros, ou seja, que possuem nacionalidade brasileira, que pode ser decorrente do nascimento em território brasileiro ou ter sido adquirida posteriormente, como nos casos de brasileiros naturalizados. Enquanto a nacionalidade revela-se por vincular a pessoa à nação, a cidadania é o vinculo que liga o indivíduo ao Estado, através do direito de participação na vida política do mesmo. Verifica-se que apenas a condição de ser brasileiro, não preenche o requisito de ser cidadão para figurar no polo ativo da ação popular. A lei 4717/65, em seu artigo 1º, § 3º[21], estabelece que a prova da cidadania se comprova mediante apresentação do título de eleitor, ou seja, a prova de estar o brasileiro em pleno gozo de seus direitos políticos. Dessa forma, para o exercício da ação popular, exige-se a presença de dois requisitos para o autor, quais sejam a condição de ser brasileiro e eleitor. Tais requisitos têm como justificativa a ideia de que somente o brasileiro em pleno gozo de seus direitos políticos, terá condições de fiscalizar os representantes que elege para o Parlamento e consequentemente os demais agentes responsáveis pela gestão do patrimônio público. Nesse raciocínio: “Os direitos políticos constituem o conjunto dos direitos de voto e elegibilidade, habilitando ainda o cidadão a uma fiscalização no exercício do poder público”.[22] O direito de voto, de ser votado, bem como o direito de iniciativa popular no processo legislativo, caracterizam-se como direito do indivíduo de participar da vida política e da estrutura do próprio Estado em que vive. Nas palavras de Bilac Moreira Pinto: “Ora, sendo o direito público subjetivo de mover a ação popular especial um direito político, que compete a qualquer brasileiro, pode ser exercido pelo brasileiro nato ou naturalizado ou pelo que haja obtido a nacionalidade brasileira mediante título declaratório.”[23] No tocante à propositura da ação popular, tem-se que a legitimidade ativa é limitada ao cidadão, sendo este aquele que encontra-se em pleno gozo de seus direitos políticos. 3.2 Conceito de cidadania A necessidade de compreensão do termo cidadania veio junto dos legados do processo de formação das democracias modernas. A cidadania encontra-se intrinsecamente ligado à vida em sociedade. A princípio, entende-se que todo cidadão que integra a vida em sociedade no Estado Democrático de Direito faz jus ao exercício da cidadania, sendo esta o conjunto de direitos e deveres perante o poder Público. Trata-se da participação do indivíduo na vida política do Estado e não se restringe à eleição dos representantes, revelando-se apenas como o direito de voto, mas também através de opiniões acerca do que seria justo, certo e conveniente para a gestão do patrimônio público. Tal exercício almeja à garantia e efetividade de valores fundamentais imprescindíveis para o pleno desenvolvimento de uma sociedade digna e solidária. Como vivemos em uma democracia representativa, para que o exercício da cidadania seja eficaz é necessário que haja a participação popular nas tomadas de decisões pelo Poder Público. Hoje, após um extenso processo de evolução, torna-se indispensável o entendimento de que a cidadania vai muito além do que votar e ser votado. Trata-se de participação na vida em sociedade, na defesa pelos direitos de igualdade e liberdade e é através dessa participação coletiva que se encontra a essência da cidadania atual. 4 O que significa ser cidadão e sua compatibilidade com a democracia participativa A democracia participativa é pressuposto indispensável à existência do Estado Democrático de Direito, consistindo na participação dos indivíduos na vida política do estado, possuindo direitos e deveres, bem como na existência de mecanismos efetivos para o controle dos atos praticados pelo poder público na gestão de todo o patrimônio coletivo. O próprio conceito de cidadania compreende um governo do povo, em que haja prevalência da soberania popular e distribuição igualitária de poder. Abraham Lincoln definiu democracia como: “governo do povo, pelo povo e para o povo”. É neste contexto que se insere a ação popular. Esta é tida como um meio à disposição de qualquer cidadão para proteger os direitos fundamentais difusos, tais como o patrimônio coletivo, à moralidade administrativa, bem como a preservação do meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural. Revela-se, portanto, como uma das formas de participação na vida política do Estado, indo além do direito de votar e ser votado. Por tais razoes é que o exercício da ação popular tem ganhado tamanha importância no passar dos anos. Embora tal instituto seja pouco utilizado nos dias atuais, muitas vezes por falta de informação dos próprios cidadãos, reflete como um dos instrumentos mais relevantes para o exercício da cidadania. A democracia participativa requer que toda a coletividade se empenhe na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, com a participação dos indivíduos na vida política do Estado e na tomada de decisões pelo poder público. A verificação do grau de democracia de uma sociedade é feita mediante a análise do empenho de toda a coletividade na defesa de direitos fundamentais, bem como através dos instrumentos colocados à disposição dos indivíduos para que exerçam referidos direitos. Entretanto, a própria eficácia dos direitos fundamentais prescinde da existência de uma sociedade democrática. Tem-se, portanto, que democracia e existência de direitos fundamentais eficazes são conceitos inseparáveis, visto que traduzem o exercício pleno da cidadania. Dessa forma, tem-se que a ação popular constitui-se como uma das formas de defesa dos direitos fundamentais. Não apenas pelo fato da demanda se inserir no rol de tais direitos previstos no artigo 5º da Carta Magna de 1988, mas também por afirmar um dos princípios basais do Estado Democrático de Direito, qual seja a dignidade da pessoa humana. A participação política do povo nas tomadas de decisões do Estado trata-se de direito fundamental garantido constitucionalmente, razão pela qual deve ser assegurado a todos, sem distinções. Conclusão O debate sobre a legitimidade ativa no âmbito da ação popular é, certamente, muito mais abrangente do que aquele feito no presente trabalho. Muito embora não se trate de assunto novo, este só ganhou destaque nos últimos anos, encontrando-se, ainda, em fase de amadurecimento. Dessa forma, devem ser incentivados, ao máximo, a discussão e a produção acadêmicas, no que tange aos assuntos ligados à Ação Popular. Após traçar a evolução do conceito de cidadania e democracia, verifica-se que ambos os institutos se desenvolveram com o passar dos anos e encontram-se intimamente vinculados. Por tais motivos, torna-se imprescindível a análise de referidos conceitos nos dias atuais, visto que apresenta aspectos relevantes para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. É nesse contexto que entra a necessidade de ampliação do vocábulo cidadão como legitimado ativo no tocante à propositura da ação popular. Conforme já demonstrado no presente trabalho, a ação popular é um dos meios à disposição de qualquer cidadão e reflete a participação dos mesmos no poder político do Estado, na gestão do patrimônio coletivo e no controle dos atos praticados pela administração pública. Questiona-se, por exemplo, a possibilidade da pessoa jurídica, diante do ato lesivo ao patrimônio público ou equiparado, figurar no polo ativo no ajuizamento da demanda, uma vez que paga tributo e participa da vida em sociedade. Seguindo o mesmo raciocínio, questiona-se a possibilidade das associações de classe, as associações de bairro e à Ordem dos Advogados ajuizarem a ação popular, visto que tem se revelado tão atuante ao longo dos anos, desde que em prol do bem comum e atendendo aos anseios coletivos. Nesta linha, deve-se ressaltar que os operadores do Direito (sejam eles advogados, juízes, promotores, consultores) têm papel fundamental na divulgação de institutos como a ação popular, principalmente por se tratar de umas das funções essenciais à justiça, sendo indispensável à administração desta. Salienta-se que em tais casos, as instituições acima apontadas dispõem de toda estrutura organizacional, ao mesmo tempo em que servem de incentivo a toda a sociedade para se utilizar desse remédio constitucional. Cabe ainda levantar à questão de estrangeiros residentes no país, que embora não se encontrem em pleno gozo de seus direitos políticos, pagam impostos, participam da vida em sociedade e das tomadas de decisões pelo poder público. Em tais casos, se o estrangeiro é capaz de averiguar a lesividade do ato praticado na esfera pública, não há porque desconsiderá-los do rol de legitimados ativos no ato de ajuizamento da demanda popular. Para tanto, não é necessário esperar a alteração do texto constitucional para que ele expanda a legitimidade ativa no âmbito da ação popular. O conceito de cidadão deve ser interpretado de forma ampla e não restrita como tem sido feito ao longo dos anos, permitindo, assim, o exercício pleno da cidadania. Por tais motivos, torna-se tão importante repensar o problema da legitimação. Desvendar novas possibilidades de extensão às pessoas jurídicas, às entidades públicas e até mesmo às associações, são diversas formas de ampliar as possibilidades de construção de uma sociedade com qualidade de vida merecida por todos os indivíduos sem restrições. Para tanto, a concretização de referido ideal precisa de um empenho coletivo. A limitação da legitimidade ativa figura-se como afronta ao principio basilar do estado democrático de direito, qual seja o exercício pleno da cidadania. Ademais, restringir o conceito de cidadão como legitimado ativo, de certa forma, constitui-se como ofensa à própria Constituição, uma vez que a ação popular é tida como garantia constitucional na defesa dos direitos fundamentais difusos. Conclui-se, sobretudo, que a ampliação do conceito de cidadão como legitimado ativo para a propositura da ação popular busca promover a igualdade de condições processuais para o exercício da titularidade de um instituto constitucional e, consequentemente, a defesa de direitos fundamentais. A compreensão de todos acerca do instituto da ação popular é uma forma de enriquecer o presente debate, que além de multidisciplinar, apresenta soluções sólidas e seguras para os questionamentos que surgem.
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A natureza jurídica da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) sob a ótica do Supremo Tribunal Federal: uma análise face à natureza jurídica dos demais Conselhos Fiscalizadores de Profissões Regulamentadas
O presente trabalho tem como principal objetivo analisar, sob o prisma legal, a natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) , bem como os privilégios legais garantidos a esse Conselho de Fiscalização de Profissão Regulamentada, que vem gerando discussões no âmbito jurídico. Em tese, os Conselhos Fiscalizadores de profissões regulamentadas são constituídos sob a forma de autarquias. Todavia, destaca-se que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) foi declarada pelo Supremo Tribunal Federal como uma entidade “ímpar, “sui generis”, não sendo considerada uma entidade da Administração Indireta. O tratamento diferenciado de determinadas categorias pode e deve existir, desde que não seja discriminatório. Para tanto, o que se propõe é o desenvolvimento de um estudo que procure elucidar a classificação jurídica da OAB, destacando-se a advocacia como atividade indispensável à administração da justiça, nos termos da Constituição Federal.
Direito Administrativo
Introdução A ideia do Direito Administrativo surgiu de uma interpretação peculiar do modelo de separação de poderes adotado na França, no século XVIII. Tal sistema teve aparecimento após a Revolução Francesa, que proclamou os ideais de igualdade, liberdade e fraternidade, visando limitar a atuação estatal e os abusos cometidos pelo Estado – até então representado pela figura do Rei-. Visando adequar a conduta do Estado à contínua e acelerada evolução da sociedade, hoje, o Direito Administrativo – embora tenha surgido a partir de uma escolha político-ideológica da Burguesia, que tentava corporificar o antigo regime –, deve pautar sua conduta nos princípios da legalidade, moralidade, publicidade e eficiência, cujo assentamento se extrai da Constituição e das leis, manifestações da vontade geral. No direito brasileiro, a administração pública abrange os órgãos de governo, responsáveis por exercer a função política, e os órgãos e pessoas jurídicas que exercem função administrativa, sendo esta a execução de políticas públicas implantadas pelos órgãos de governo. Portanto, é de suma importância à discussão da “extensão” do Estado e a sua concernente esfera de atuação. A atuação estatal brasileira é pautada pela descentralização da máquina administrativa, consistindo na prestação de serviços públicos de forma indireta, por meio de outras entidades, a fim de alcançar maior eficiência e celeridade na prestação dos serviços públicos. É partir desse contexto que surgem as Autarquias, espécies de entidades administrativas autônomas, que prestam serviço público de forma indireta/descentralizada, sempre sujeitas ao controle da pessoa jurídica a qual se encontram vinculadas. Em tese, os Conselhos Fiscalizadores de profissões regulamentadas são constituídos sob a forma de autarquias. Entretanto, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) foi declarada pelo Supremo Tribunal Federal como uma entidade “ímpar, “sui generis”, não sendo considerada uma entidade da Administração Indireta. Levando em consideração a formidável atuação da OAB no contexto histórico, social e político do país, sua análise sob a ótica do direito, especificamente do direito administrativo, é medida que se impõe, uma vez que ela também se mostra como mecanismo de efetivação deste. 1 Autarquias 1.1 Conceito Maria Sylvia Zanella di Pietro conceitua autarquia como: “Pessoa jurídica de direito público, criada por lei, com capacidade de auto-administração, para o desempenho de serviço público descentralizado, mediante controle administrativo exercido nos limites da lei”. (DI PIETRO, 2007). Verifica-se, portanto, que as autarquias são entidades autônomas que integram a administração indireta, por meio da personificação de um serviço que antes integrava a administração centralizada. Por essa razão, as atividades econômicas em sentido estrito não são outorgadas às autarquias, mesmo no caso de serem consideradas de interesse social. As autarquias subdividem-se em autarquias sob regime especial e autarquias fundacionais. Aquelas apresentam peculiaridades – quando comparadas com o regime jurídico “geral” previsto no Decreto Lei 200/1967 – que são definidas pela lei instituidora da autarquia, variando caso a caso. Já estas, distinguem-se das autarquias em regime “comum” ou “geral” apenas conceitualmente: as autarquias são definidas como serviço público personificado enquanto as autarquias fundacionais ou, como muitos costumam denominá-las, fundações públicas com personalidade jurídica de direito público, são um patrimônio personalizado que possuem uma finalidade específica, normalmente de interesse social. Cumpre ainda ressaltar duas espécies de autarquias comumente utilizadas em nosso direito legislado: agências reguladoras e agências executivas. Estas não constituem-se como uma espécie de entidade, mas sim como uma qualificação que poderá ser atribuída às autarquias “em geral” que celebrem com o Poder Público um contrato de gestão [1]. Já as agências reguladoras, são consideradas autarquias “em regime especial” com atribuições técnicas, responsáveis por regular atividades de um determinado setor econômico. 1.2 Criação e extinção O artigo 37, XIX da Constituição Federal dispõe que as autarquias deverão ser criadas por meio de lei específica de iniciativa privada do Presidente da República na esfera federal. Tal regra é aplicável no âmbito estadual, distrital e municipal, adequando-se a competência privativa para a instituição da lei, ao Governador e ao Prefeito, respectivamente. A extinção das autarquias também deverá ocorrer de igual modo, mediante edição de lei específica de iniciativa do Chefe do Poder executivo, em observância ao princípio da simetria das formas jurídicas. 1.3 Natureza Jurídica A autarquia é pessoa jurídica de direito público, titular de direitos e obrigações. Sendo assim, possui todas as características próprias de pessoas públicas, inclusive no que tange ao modo de criação e extinção, privilégios, obrigações, poderes e restrições. Com a vigência da lei instituidora da autarquia, esta será criada, podendo adquirir direitos e obrigações nos termos do ordenamento jurídico. Cumpre salientar que eventuais decretos, atos normativos e demais atos administrativos que dispõem acerca do funcionamento da entidade, não são aptos para criar a autarquia, não lhe conferindo personalidade jurídica.   1.4 Patrimônio O patrimônio das autarquias se constitui em decorrência da transferência de bens móveis e imóveis do ente federado que as criou. Sendo assim, a sua extinção leva à reincorporação do patrimônio ao ativo do ente federado a que ela pertencia. Por ser uma pessoa jurídica de direito público, os bens das autarquias são considerados bens públicos, possuindo, assim, diversos privilégios, dentre eles a impenhorabilidade e imprescritibilidade. 1.5 Atividades Desenvolvidas As autarquias destinam-se a prestar atividades típicas da administração pública, como a prestação de serviço público, atividades de interesse social, bem como a execução de atividades que abarquem o exercício de prerrogativas públicas, como no caso do poder de polícia. 1.6 Orçamento e regime de pessoal Dispõe o artigo 165, § 5º da Constituição Federal de 1988 que “o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público”, integra a lei orçamentária anual. Assim, o orçamento das autarquias segue o dos órgãos da administração direta e suas receitas e despesas estão incluídas no orçamento fiscal, fazendo parte da lei orçamentária anual. No que tange ao regime de pessoal, as autarquias são alcançadas pela regra constitucional que impõe a realização de concurso público, se submetendo, inclusive, à vedação de acumulação remunerada de cargos, empregos e funções públicas. 1.7 Privilégios processuais Tendo em vista o desempenho de atividades típicas da administração pública, sendo sua personalidade de direito público, as autarquias possuem todos os privilégios e restrições que o Estado dispõe, dentre eles os privilégios processuais da Fazenda Pública, imunidade tributária e impenhorabilidade de bens. 1.8 Controle pelo Tribunal de Contas As autarquias, como entidades da administração indireta e prestadoras de serviço público, estão sujeitas ao controle e fiscalização pelo Tribunal de Contas. 2 Conselhos Fiscalizadores de Profissões Regulamentadas 2.1 Surgimento e evolução histórica Também chamados de Conselhos de Classe, os Conselhos Fiscalizadores de profissões regulamentas, inicialmente, surgiram com natureza jurídica de autarquia, pessoa jurídica de direito público. Com o advento da Lei 9649/98, responsável por reorganizar a administração federal, houve uma modificação na natureza desses conselhos, que passaram a ser considerados pessoas jurídicas de direito privado, sem vínculo hierárquico com os órgãos da Administração Pública. Diante da atividade desempenhada por tais entidades, que envolvem o uso de prerrogativas de direito público, como o poder de polícia, o Supremo Tribunal Federal declarou na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.717, que o exercício do poder de polícia por uma entidade privada comprometeria a segurança jurídica. A partir dessa decisão, os Conselhos de Classe voltaram a ter natureza jurídica de Autarquia. 2.2 Características Como espécie de autarquia, os Conselhos de Classe possuem todas as prerrogativas e deveres inerentes às demais entidades que compõem a Administração Descentralizada, quais sejam: estão sujeitos à regra da contabilidade pública, o que inclui o efetivo controle pelo Tribunal de Contas, as anuidades pagas pelos membros tem natureza de contribuição tributária, razão pela qual devem ser cobradas por meio de Execução Fiscal, possuem os privilégios processuais da Fazenda Pública, imunidade tributária e impenhorabilidade de bens e se sujeitam à regra constitucional que impõe a realização de concurso público. 3 Exceção à regra: a natureza jurídica da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) sob a ótica do Supremo Tribunal Federal A princípio, a OAB é uma espécie de Conselhos de Classe, responsável por regulamentar e fiscalizar o exercício da advocacia. Conforme já mencionado em tópico anterior, tais entidades têm natureza jurídica de autarquia, razão pela qual possuem todos os privilégios e obrigações inerentes às pessoas jurídicas de direito público. Ocorre que, o STF – Supremo Tribunal Federal -, na ADIN – Ação Direta de Inconstitucionalidade – nº 3.026/DF, decidiu que a OAB é uma exceção, configurando como entidade “ímpar”, “sui generis”, sendo um serviço público independente, sem enquadramento nas categorias existentes em nosso ordenamento, muito menos integrante da Administração Indireta ou Descentralizada. Imperioso é a transcrição de parte da ementa da referida ADIN, cuja relatoria foi do Ministro Eros Grau: “Não procede a alegação de que a OAB sujeita-se aos ditames impostos à Administração Pública Direta e Indireta. A OAB não é uma entidade da Administração Indireta da União. A Ordem é um serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro. A OAB não está incluída na categoria na qual se inserem essas que se tem referido como “autarquias especiais” para pretender-se afirmar equivocada independência das hoje chamadas “agências”. Por não consubstanciar uma entidade da Administração Indireta, a OAB não está sujeita a controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada”. (DISTRITO FEDERAL, STF ADI 3.026, Rel. Ministro Eros Grau, 2006). Verifica-se, portanto, que a OAB, sob a visão do STF é uma entidade independente, cuja função é institucional de natureza constitucional. Em virtude de tal classificação, a OAB não se compara às demais autarquias profissionais, possuindo suas próprias regras, quais sejam, não se submetem à regra de realização de concurso público, sendo seu pessoal regido pela CLT, as contribuições pagas pelos inscritos não tem natureza tributária, se submetendo ao processo de execução comum – não mais fiscal – e não se sujeita ao controle contábil, financeiro, orçamentário e patrimonial desempenhado pelo Tribunal de Contas. Por tais razões, a OAB, segundo jurisprudência consolidada do STF, é pessoa jurídica “ímpar” no ordenamento jurídico brasileiro. Assim, apesar de possuir todos os privilégios inerentes às autarquias e seguir o regime público, como o julgamento perante a Justiça Federal, imunidade tributária, privilégios processuais, não mais poderá ser considerada uma espécie de autarquia propriamente dita. Conclusão O debate sobre a natureza jurídica da OAB é, certamente, muito mais abrangente do que aquele feito no presente trabalho. Pelo estudo realizado, não se pretende discutir a importância desta instituição no ordenamento jurídico brasileiro, haja vista que ela desempenha importante papel na sociedade por meio da defesa da democracia e dos direitos de cidadania. Entretanto, tratá-la como entidade ímpar, não equivalente às demais entidades fiscalizadoras de profissões regulamentadas, constitui flagrante discriminação às estas últimas, haja vista que o objetivo de todas elas é o mesmo, qual seja, a fiscalização e a regulamentação do exercício de profissões. Ademais, se a OAB presta uma espécie de serviço público indelegável, por meio do exercício do poder de polícia, não há razão para não integrá-la à administração indireta. Seguindo o raciocínio, as contribuições pagas pelos inscritos possuem natureza compulsória, caracterizando-se como dinheiro público, sendo indispensável o controle pelo Tribunal de Contas. É sabido que a OAB não tem o costume de prestar contas a seus membros, o que por si só, viola os princípios fundamentais da publicidade e transparência, fundamentais em qualquer entidade pertencente à administração pública, seja ela categoria ímpar ou não. Diante do relevante papel que a OAB desempenha no Estado Democrático de Direito, o mínimo que se espera é que ela detalhe a sua situação financeira, divulgando-a aos seus membros. Ademais, o desrespeito à regra de realização de concurso público ofende os princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade. A realização de concurso evita que os atos administrativos sejam praticados visando interesses pessoais do agente ou de terceiros, devendo respeitar a vontade da lei. Impede, portanto, favorecimentos ou discriminações benéficas no âmbito da administração. Dessa forma, tem-se que a impessoalidade decorre da igualdade ou isonomia e tem desdobramentos explícitos em dispositivos constitucionais como o artigo 37, inciso II, que determina a realização de concurso público como condição para ingresso em cargo efetivo ou emprego público, traduzindo-se como oportunidade igual para todos. Assim, a natureza jurídica da OAB, segundo posicionamento do STF, é algo que deve ser repensado por todos, especialmente pelos estudantes de direito, haja vista que referido Conselho de Classe desempenha umas das funções essenciais à justiça, sendo indispensável à administração desta. Por tais motivos, torna-se tão importante debater a equiparação da OAB com as demais entidades fiscalizadoras de profissões regulamentadas. É notório que a OAB merece tratamento respeitoso, desde que não seja discriminatório. A compreensão de todos acerca da natureza jurídica da OAB é uma forma de enriquecer o presente debate, que além de multidisciplinar, apresenta soluções sólidas e seguras para os questionamentos que surgem.
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A ampla defesa no procedimento administrativo disciplinar
O escopo básico deste estudo é refletir sobre o alguns aspectos do processo administrativo disciplinar. Já de antemão, cabe destacar que se trata de um procedimento que não pode ser arbitrariamente conduzido, pois devem ser observados alguns princípios para que sejam assegurados direitos e garantias. Assim, este artigo tem como objetivo analisar a importância do princípio da ampla defesa. Realizou-se uma pesquisa bibliográfica considerando as contribuições de autores como BRASILEIRO (2016), CARVALHO FILHO (2016) e MAZZA (2017), entre outros, procurando enfatizar a necessidade de ser observado a ampla defesa no processo administrativo disciplinar.
Direito Administrativo
Introdução O Direito Administrativo pode ser entendido como "ramo do direito público que disciplina a função administrativa, bem como pessoas e órgãos que a exercem". Ou ainda, como um "conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado".[1] Um dos ramos do Direito Administrativo é o Direito Administrativo Disciplinar que regula o vínculo da Administração Pública com seus servidores, estabelecendo regras de comportamento, bem como cominando as penalidades que poderão ser aplicadas. Ou seja, havendo necessidade de apurar eventual infração disciplinar imputada a um servidor público, o principal instrumento legalmente previsto para tanto é o processo administrativo disciplinar, comumente conhecido pela sigla: PAD. Segundo o Administrativista José dos Santos Carvalho Filho[2], "Processo administrativo-disciplinar é o instrumento formal através do qual a Administração apura a existência de infrações praticadas por seus servidores e, se for o caso, aplica as sanções adequadas. Quando uma infração é praticada no âmbito da Administração, é absolutamente necessário apurá-la, como garantia para o servidor e também da Administração. O procedimento tem que ser formal para permitir ao autor do fato o exercício do direito de ampla defesa, procurando eximir-se da acusação a ele oferecida." (2017, p. 551). Tendo como meta a correta execução das atividades que lhe são inerentes, a Administração precisa de meios para organizar, supervisionar e corrigir suas ações. Desta forma, é necessária a utilização de meios hábeis que garantam a regularidade e o adequado funcionamento do serviço público bem como acatamento dos agentes públicos às normas pertinentes.  1. Legislação Pertinente Fundamento de todo o ordenamento jurídico vigente, a Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) trata do processo administrativo em alguns dispositivos. Como exemplo, no art.5º, LV, da CRFB é assegurado no processo judicial ou administrativo, o contraditório e a ampla defesa, e no LXXVIII, do mesmo artigo, é garantida a razoável duração do processo.  Na Administração Pública Federal, o processo administrativo disciplinar é regulamentado pelo Estatuto dos Servidores Públicos Federais (Lei nº 8.112 de 11 de dezembro de 1990), e de forma subsidiária pela Lei de Processo Administrativo (Lei nº 9.784 de 29 de janeiro de 1999). Apesar de essas leis serem cabíveis apenas no âmbito da União, as normas dos demais entes federativos de certa forma os refletem, porque seus preceitos são basicamente extraídos da Constituição Federal. 2. Abrangência da Ampla Defesa A aplicação de sanções, nos âmbitos administrativos, civis e penais, deverá obedecer aos parâmetros previamente estabelecidos na legislação vigente. De acordo com o art. 5º, LV, da CRFB/1988, “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. A garantia desse dispositivo limita materialmente o poder de reforma da Constituição, ou seja, sua importância é tamanha que não é possível nem mesmo deliberar sobre proposta de emenda constitucional tendente a aboli-la, pois está inserida entre os direitos e garantias individuais protegidos pela Carta Magna como cláusula pétrea. Para Renato Brasileiro[3], "[…] quando a Constituição Federal assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral a ampla defesa, entende-se que a proteção deve abranger o direito à defesa técnica (processual ou específica) e à autodefesa (material ou genérica), havendo entre elas relação de complementariedade." (2016, p. 30). Como se pode notar, a ampla defesa abrange a autodefesa e a defesa técnica. Esse ponto merece atenção. A autodefesa, diz respeito a participação pessoal do acusado no deslinde do feito, sendo assim há o direito de presença nos atos processuais, não sendo possível retirar-lhe a possibilidade de realmente participar da formação do seu julgamento. O direito de autodefesa é personalíssimo, sendo exclusivo do acusado e somente ele podendo o dispor. Quanto à defesa técnica, Renato Brasileiro a define como “aquela exercida por profissional da advocacia, dotado de capacidade postulatória, seja ele advogado constituído, nomeado, ou defensor público.” Daí se conclui que é inconstitucional alguém ser processado sem que possua defensor com capacidade postulatória. 3. Entendimento dos Tribunais Superiores  Essa garantia dirige-se não apenas aos processos judiciais, mas também aos administrativos. Além da garantia prevista no art. 5º, LV, no artigo 133 da Constituição é dito que o advogado é indispensável à manutenção da justiça. Com isso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu ser necessária a presença da defesa técnica para que haja a adequada aplicação do princípio da ampla defesa no processo administrativo. Para o STJ, a presença do advogado colabora com a regularidade do processo, garantindo o equilíbrio entre as partes e a segurança jurídica. Devido à importância da matéria, ela chegou a ser sumulada estabelecendo o seguinte: “É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar”[4]. Porém, essa orientação não prevaleceu no Supremo Tribunal Federal (STF), que, em maio de 2008, editou a Súmula Vinculante n. 5, reconhecendo ser dispensável a presença do advogado, ao dispor que: “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”[5]. Considerando os efeitos dessa decisão, todo o Poder Judiciário e a Administração Pública se encontram vinculados a esse entendimento. Data Vênia, essa decisão do STF, sob a perspectiva hermenêutica, não primou pela coerência do sistema jurídico, em que pese ela ter sido aprovada por unanimidade do plenário. Não é necessário uma análise minuciosa para constatar a discrepância entre o entendimento do Supremo e o texto constitucional. Pois o enunciado da Súmula Vinculante afirma que não ofende a Constituição a inobservância de algo que no texto constitucional é expressamente assegurado.   Como deveria ser analisada a seguinte situação: um servidor público foi proibido pela comissão disciplinar de se valer de um advogado em um PAD, sendo nomeado para sua defesa um servidor com nível de escolaridade superior. A questão é: o direito de ampla defesa foi ou não assegurado? Há motivo de nulidade pela inobservância de uma garantia constitucional? Embora esse caso hipotético possa parecer absurdo, pela dicção da Súmula, ainda assim não estaria ofendida a Constituição, pois a "falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição". Felizmente para os jurisdicionados, o poder judiciário não adota entendimento tão radical, apesar de essa ser a consequência lógica. Prevalece que a defesa técnica deve ao menos ser oportunizada.      No ano de 2011 o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) solicitou que o STF cancelasse essa súmula. Foi alegada a existência de vício formal, pois o verbete foi editado sem a observância de um dos pressupostos necessários para o ato, no caso, a existência de reiteradas decisões no mesmo sentido, conforme o art. 103-A da CRFB. Quanto ao mérito, a OAB alegou que não é possível aceitar que um leigo, sem conhecimento do processo em sua complexidade, possa ser incumbido de promover uma defesa adequada de modo a desenvolver um trabalho que seja minimamente eficiente e à altura dos postulados constitucionais. Em 2016, o plenário do STF decidiu por 6×5 rejeitar o pedido de cancelamento. Para que uma Súmula Vinculante seja cancelada é necessária a aprovação de dois terços dos ministros, ou seja, oito votos favoráveis. Conclusão Além da OAB, existem outros legitimados que podem propor a revisão ou o cancelamento de enunciado de Súmula Vinculante, conforme o § 2º do art.103-A da CRFB. Até que algum desses legitimados provoque a manifestação do STF, cabe registrar a posição de um dos votos vencidos, a do decano da Corte, ministro Celso de Mello, que aduz que a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar "ofende, vulnera, lesiona, transgride a Constituição da República.”[6] Assim, resta, pois, esperar que futuramente os membros da suprema corte revejam esse precedente e adotem uma postura mais garantista, que respeite o texto constitucional, sobretudo os direitos individuais e coletivos.
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Impedimento e suspensão do magistrado
O presente artigo tem como objetivo fazer uma reflexão sobre a imparcialidade do juiz bem como o seu papel no desenvolvimento do processo, sem perder a função social que o processo exerce e a influência que tem o juiz, também os motivos que podem impedir ou suspender o juiz natural do processo.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O juiz é um dos sujeitos do processo, ele se coloca na relação processual entre as partes e acima delas, de modo desinteressado, assim sendo o juiz ocupa posição acentuada na relação processual, sendo o detentor do poder jurisdicional e presidente do processo. São pessoas que exercem determinadas atividades visando solucionar conflitos, seja os seus próprios ou dos demais membros da sociedade. Tamanha é a importância deste sujeito processual que a Constituição lhe concede diversas garantias, quais sejam a vitaliciedade, após dois anos de exército em primeiro grau, a inamovibilidade, salvo por interesse público, e a irredutibilidade de subsidio. Para se tornar um juiz e através de concurso público, promovido pelo Poder Judiciário, e a aposentadoria se dá após 35 anos de contribuição e com idade mínima de 65 anos, onde foi disposto na Emenda Constitucional 45/2004 os requisitos para o concurso do magistrado. O juiz pode atuar na Justiça especializa (eleitoral, trabalhista ou militar) ou comum (esfera Estadual ou Federal). O magistrado estadual julga matérias que não sejam da competência dos demais segmentos do Judiciário, tipo Eleitora, Federal, Trabalho ou Miliar, sendo sua competência considerada residual. Ocorre que a Justiça Estadual, está presente em todos os estados, reúne a maior parte dos casos que chega ao Judiciário, tanto na esfera civil quanto na criminal. Já o juiz federa, que compõe, junto com o magistrado estadual, a Justiça Comum atua em casos de outra natureza, especialmente aqueles em que há interesse da União. Com a aprovação no concurso, o magistrado inicia a carreira como juiz substituto e seu cargo só se torna vitalício após cerca de dois anos de atividade. A Constituição Federal garante aos magistrados a inamovibilidade, que consiste na impossibilidade de remoção do juiz, a não ser por desejo próprio de mudar de comarca. O juiz tem o dever de oferecer garantia de imparcialidade aos litigantes. Não basta ser imparcial, é preciso que as partes não tenham dúvida dessa imparcialidade. 1. JUIZ Os impedimentos que podem afastar o juiz da demanda, podendo ser espontaneamente ou por ato das partes do processo, está disposto no art. 144, Código de Processo Civil de 2015, e também no art. 145 do Código de Processo Civil, 2015. Conforme dispõe o art. 144, CPC o juiz é impedido de atuar nos seguintes processos:[1] “Art. 144.  Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo: I – em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como membro do Ministério Público ou prestou depoimento como testemunha; II – de que conheceu em outro grau de jurisdição, tendo  proferido decisão; III – quando nele estiver postulando, como defensor  público, advogado ou membro do Ministério Público, seu cônjuge ou companheiro, ou qualquer parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive; IV – quando for parte no processo ele próprio, seu cônjuge   ou companheiro, ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive; V – quando for sócio ou membro de direção ou de  administração  de pessoa jurídica parte no processo; VI – quando for herdeiro presuntivo, donatário ou  empregador de qualquer das partes; VII – em que figure como parte instituição de ensino com  a qual tenha relação de emprego ou decorrente de contrato de prestação de serviços; VIII – em que figure como parte cliente do escritório de  advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório; IX – quando promover ação contra a parte ou seu advogado. § 1o Na hipótese do inciso III, o impedimento só se verifica quando o defensor público, o advogado ou o membro do Ministério Público já integrava o processo antes do início da atividade judicante do juiz. § 2o É vedada a criação de fato superveniente a fim de caracterizar impedimento do juiz. § 3o O impedimento previsto no inciso III também se verifica no caso de mandato conferido a membro de escritório de advocacia que tenha em seus quadros advogado que individualmente ostente a condição nele prevista, mesmo que não intervenha diretamente no processo.” Os impedimentos podem ser arguidos no processo a qualquer tempo, mesmo na coisa julgada, pois mesmo após o trânsito em julgado da sentença, pode a parte prejudicada rescindir a decisão. No impedimento há presunção absoluta de parcialidade do magistrado. Em relação ao inciso III, o impedimento só se verifica quando das pessoas mencionadas, ou seja advogado, membro do Ministério Público ou da Defensoria, já faziam parte da causa quando o juiz tomou conhecimento do processo. Uma das novidades trazidas pelo novo Código de Processo Civil é que a regra de impedimento relacionada ao inciso acima mencionado, mais exatamente ao parentesco do juiz com o advogado da parte, estende-se ao membro do escritório de advocacia que tenha seus quadros parentes do juiz. A extensão a este impedimento também foi aplicada aos casos em que a parte  figura companheiro, cônjuge ou parente do juiz, um dos exemplos mais atuais foi em relação ao Ministro Gilmar Mendes e sua esposa sócia advogada do escritório no qual o Ministro julgou, não podendo e devendo se arguir impedido, mas não o fez. Outra novidade no CPC trata do impedimento quanto a parte que figura no processo é instituição de ensino com a qual o juiz mantém relação de vínculo empregatício ou prestação de serviços, pois ao juiz é permitido acumular cargos públicos conforme dispor o art. 37, XVI, b, da Constituição Federal. Sendo o juiz empregado ou prestador de serviços de instrução de ensino pública ou privada, as ações em que estes figurarem como partes terão que ser submetidas a outro magistrado. Já a suspeição do juiz, está elencado no art. 145 da Constituição Federal:[2] “Art. 145.  Há suspeição do juiz: I – amigo íntimo ou inimigo  de qualquer das partes ou de seus advogados; II – que receber presentes de pessoas que tiverem  interesse na causa antes ou depois de iniciado o processo, que aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa ou que subministrar meios para atender às despesas do litígio; III – quando qualquer das partes for sua credora ou  devedora, de seu cônjuge ou companheiro ou de parentes destes, em linha reta até o terceiro grau, inclusive; IV – interessado no julgamento do processo em favor de  qualquer das partes. § 1o Poderá o juiz declarar-se suspeito por motivo de foro  íntimo, sem necessidade de declarar suas razões. § 2o Será ilegítima a alegação de suspeição quando: I – houver sido provocada por quem a alega; II – a parte que a alega houver praticado ato que  signifique   manifesta aceitação do arguido.”      O Novo CPC deixa expressa a desnecessidade de o juiz declarar as razões pelas quais se declara suspeito quando assim o fizer por motivos de foto íntimo. No prazo de 15 dias, a contar do conhecimento do fato, a parte alegara o impedimento ou a suspeição, conforme preceitua o art. 146 do CPC, quando verificado que há um impedimento ou uma suspeição existe a prossbidalidade em que o próprio juiz ira se declarar impedido ou suspeito, remetendo os autos para que outro juiz, livre de impedimento, avalie a lide.  Realiza-se em petição especifica, remetida ao juiz do processo, indicando os fundamentos, constando de documentos comprobatórios e rol de testemunhas. Quando o relator receber o incidente ele poderá declarar se o incidente por recebido sem efeito suspensivo, onde o processo voltara a correr; ou com efeito suspensivo, onde o processo permanecera suspenso até o julgamento do incidente. O impedimento ou suspeição atinge os membros do Ministério Público, auxiliares da justiça, aos demais sujeitos imparciais do processo, conforme preceitua o art. 148 do CPC. O Conselho Nacional de Justiça, em seu regimento interno no artigo 11, também discorre sobre o impedimento constitucionais e legais bem como as suspeições, também valem para todos os conselheiros. As regras se aplicam aos seis conselheiros que não são magistrados, onde dois dos conselheiros são indicados pelo Ministério Público, outros dois representam a Ordem dos Advogados do Brasil e um é  indicado pelo Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal. Sendo dever do conselheiro do CNJ comunicar motivada e prontamente a Presidência. CONCLUSÃO No Código Civil o legislador teve a preocupação garantiu a imparcialidade do juiz, principio que foi determinado pela Constituição Federal de 1988, assegurando assim as partes a equidade durante os atos processuais executado pelo juiz. Além de determinar sobre o impedimento e a suspeição também delimitou as consequências provenientes destes incidentes, onde o próprio juiz pode declarar-se impedido ou suspeito sem necessário dizer os motivos que o levaram a arguir. O juiz é um representante do Estado, o poder que ele exerce é muito importante para a sociedade, por isso é muito importante haver limites, uma vez que o juiz também é um ser humano, estando acessível a erros e a acertos, mas como juiz ele não pode se dar o direito de errar, tendo que agir o mais imparcial possível sem interesse algum.
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A participação da sociedade civil como instrumento de fiscalização dos contratos públicos: pequenas reflexões aos princípios da eficiência, da publicidade e da audiência pública como paradigma de controle
O objetivo do presente artigo é analisar a participação da sociedade civil como instrumento de fiscalização dos contratos públicos. É fato que a Constituição de 1988, ao estabelecer a premissa de Estado Democrático de Direito, consagrou uma série de princípios e institutos que asseguram à sociedade civil a possibilidade de exercício da cidadania, inclusive no que se refere à fiscalização das condutas praticadas. Os princípios da eficiência e da publicidade, expressamente consagrados no artigo 37 do Texto de 1988, por exemplo, se apresentam como paradigma importante na consolidação do exercício da cidadania e da participação da sociedade civil, impondo à Administração Pública um comportamento, de acordo com a doutrina italiana, de “bem fazer”, a fim de atingir e atender o interesse público. Outro mecanismo relevante atina ao princípio da audiência pública, reconhecendo como esfera de participação e intervenção da sociedade civil no processo de tomada de decisões, bem como na manifestação sobre os resultados alcançados pela Administração Pública, em especial no que atina aos contratos. Ambos os princípios, na conjuntura proposta pelo presente, se apresentam como instrumentos indissociáveis para a fidedigna fiscalização da atuação da Administração Pública, sobretudo em decorrência da transparência das informações públicas como paradigma de uma gestão democrática da administração. A metodologia empregada parte do método indutivo, auxiliada de revisão de literatura e pesquisa bibliográfica como técnicas de pesquisa.
Direito Administrativo
1. NOTAS INICIAIS: A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: O RECONHECIMENTO DE UMA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DEMOCRÁTICA Em linhas introdutórias, a concepção de Estado de Direito por um Texto Constitucional teria duplo aspecto, a saber: imposição de limites ao exercício do poder estatal e a criação de uma autêntica garantia constitucional aos cidadãos. Assim, a acepção de Estado de Direito perpassa por introduzir uma garantia aos cidadãos contra os arbítrios do poder público. Trata-se de reafirmar que o Estado de Direito, em uma órbita administrativa, encontra vinculação direta ao ideário de supremacia do interesse público. Dessa forma, não há que se confundir o interesse que a Administração Pública possui, enquanto síntese de todos os seus cidadãos, com o interesse privado daquele que atua em nome da Administração Pública. No que alude à democracia, conquanto seja difícil alcançar a unanimidade na determinação precisa de seus aspectos elementares, é imprescindível estabelecer uma definição mínima. Desta feita, a democracia substancializa um conjunto de regras (primárias e fundamentais) que afixam quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais procedimentos a serem empregados para a consecução[1]. “A democracia, assim, estaria essencialmente relacionada à formação e atuação do governo”, conforme aduz Oliveira[2]. Doutro ângulo, a democracia, enquanto clara manifestação do “governo do povo, pelo povo e para o povo”, plasma o ideário de que a titularidade do poder estatal, em um regime democrático, encontra-se centrado no povo. Trata-se da manifestação mais robusta da soberania popular. A partir de tal dinâmica, alcança-se a concepção de legitimidade, que, nos dizeres de Moreira Neto, consiste em “submissão do poder estatal à percepção das necessidades e dos interesses do grupo nacional que lhe dá existência”[3]. Denota-se, portanto, que o controle da legalidade é oriundo do Estado de Direito, no qual o Estado possui claras limitações no que atina ao exercício da supremacia do interesse público, bem como as vedações, de índole constitucional, da deturpação de tal interesse para o atendimento dos interesses particulares daqueles agentes que atuam em seu nome. Já o Estado Democrático de Direito institucionaliza o controle da legitimidade. Diante de tal cenário, Canotilho[4] frisa que a consagração constitucional da acepção de democracia atende o escopo de alça-la a um autêntico princípio informador do Estado e da sociedade. Sem embargos, o sentido constitucional de tal corolário implica na democratização da democracia, isto é, a condução e a propagação do ideal democrático para além dos marcos fronteiriços do território político. Com ênfase, a configuração da República Federativa do Brasil como um Estado Democrático de Direito e o tratamento conferido à Administração Pública são convergência que, em conjunto, contribuem para uma maior democratização da Administração Pública. Assim sendo, em diversos momentos, o Texto de 1988 estabeleceu como norte uma maior participação popular na Administração Pública e, em especial, por meio da democracia pelo processo. “Teve início no Brasil a real democratização administrativa, a ser implementada por intermédio da participação popular na Administração pública e, principalmente, por meio da democracia pelo processo”[5]. Em tal cenário, é forçoso reconhecer que processo e participação são institutos indissociáveis. Logo, o processo administrativo, sobretudo no que toca aos procedimentos estabelecidos para fiscalização dos contratos públicos, viabiliza o exercício efetivo da participação da sociedade civil. Trata-se de ferramenta jurídica idônea a regular a relação entre governantes e governados e governantes e gastos com o erário público. A participação, desse modo, constitui postulado inafastável da democracia e o processo é, em si mesmo, democrático e, portanto, participativo, sob pena de não ser legítimo. No que se refere à realidade institucional brasileiro, a confluência entre democracia e Estado de Direito, levada a cabo pelo atual Texto Constitucional[6], mais que apresentar um qualificativo da forma assumida pelo Estado Federal, foi responsável pela atribuição aos cidadãos de um direito de primeira ordem e dotado de importância inquestionável: o direito de participação nas decisões estatais. Em tal conjuntura, reconhecer a convergência daqueles elementos implica na aproximação do particular da Administração Pública, atalhando as barreiras existentes entre Estado e sociedade, o que se efetiva por meio da participação da sociedade civil. “Concebida como a possibilidade de intervenção direta ou indireta do cidadão na gestão da Administração pública, de caráter consultivo ou deliberativo, a participação popular na Administração pública – ou participação administrativa – é considerada um dos principais meios para tornar efetiva a democracia administrativa”[7]. A participação da sociedade civil na esfera administrativa visa conferir legitimidade aos atos praticados, conquanto, de maneira incidental, possa desdobrar-se no controle de legalidade. Extrai-se, em tal lógica, a existência de uma dupla função da participação, a saber: uma função legitimadora, que visa assegurar uma maior legitimidade político-democrática às decisões da Administração Pública e a o exercício da função administrativa; e uma função corretiva, ou seja, o objetivo se traduz em ampliar a correção das decisões administrativas, a partir do ponto de vista técnico-funcional e sob o prisma da sua justiça interna. 2 O CÂNONE DA EFICIÊNCIA ENQUANTO FLÂMULA NORTEADORA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Elevado à categoria de princípio constitucional expresso, o mandamento da eficiência foi inserto no texto do artigo 37, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[8], por meio da Emenda Constitucional Nº. 19/1998. “Conhecido entre os italianos como 'dever da boa administração', o princípio da eficiência impõe à Administração Pública direta e indireta a obrigação de realizar suas atribuições com rapidez, perfeição e rendimento”[9]. Pelas linhas inauguradas por este baldrame, a Administração Pública deve desempenhar suas atividades de modo célere e rápido, para, que dessa maneira, possa satisfazer os interesses da coletividade, em uma órbita geral, e dos administrados, em uma esfera particular. Com destaque, o preceito da eficiência desdobra em rapidez, perfeição e rendimento, no que concerne à atuação da atividade administrativa, notadamente em relação aos anseios apresentados pela coletividade. Ora, o desempenho deve ser rápido e ofertado de maneira a satisfazer os interesses dos administrados em particular e da coletividade em sentido amplo. Desta feita, não subsiste qualquer justificativa para a procrastinação, culminando, inclusive, na fixação de verba indenizatória em favor do particular prejudicado pela atuação morosa do Estado. A inércia da atuação da Administração Pública, em materializar as atribuições que se encontram sob sua alçada, quando comprovados os prejuízos decorrentes da morosidade, enseja a indenização em favor do particular. Assim, as atribuições reclamam execução com perfeição, devendo, pois, se utilizar das técnicas e conhecimentos necessários a tornar a execução melhor possível, evitando a supérflua repetição e a insatisfação dos administrados. Neste diapasão, a realização cuidadosa das atribuições previne o desperdício de tempo e erário público, tão imprescindíveis na contemporaneidade. Nesta toada, cuida trazer a lume as ponderações apresentadas por Hely Lopes Meirelles que explicita, de maneira enfática, que “o princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional”[10]. É verificável, desta maneira, que o núcleo sensível em torno dos quais os influxos axiomáticos do corolário em destaque orbitam estão alicerçados na busca pela produtividade e economicidade, e, como um efeito decorrente, a progressiva diminuição dos desperdícios de dinheiro público. Para tanto, é crucial que a atividade administrativa, repita-se, em alto e claro som, seja executada com presteza, perfeição e rendimento funcional. Nesta esteira, cuida transcrever o entendimento apresentado pelo Superior Tribunal de Justiça no que concerne à incidência do corolário da eficiência enquanto flâmula norteadora da atuação do Ente Estatal, consoante se infere dos arestos colacionados: “Ementa: Mandado de segurança. Administrativo. Anistia política. Ato omissivo do Ministro de Estado da Defesa. Portaria prevista na Lei 10.559/2002. Ausência de edição. Omissão configurada. Prazo de sessenta dias para conclusão do processo administrativo. (…) 3. Em homenagem ao princípio da eficiência, é forçoso concluir que a autoridade impetrada, no exercício da atividade administrativa, deve manifestar-se acerca dos requerimentos de anistia em tempo razoável, sendo-lhe vedado postergar, indefinidamente, a conclusão do procedimento administrativo, sob pena de caracterização de abuso de poder. 4. A atividade administrativa deve ser pautada, mormente em casos como o presente, de reparação de evidentes injustiças outrora perpetradas pela Administração Pública, pela eficiência, que pressupõe, necessariamente, plena e célere satisfação dos pleitos dos administrados. 5. Levando-se em consideração o teor das informações prestadas em abril de 2007, afirmando que "os autos foram encaminhados para o setor de finalização, onde aguarda a feitura do Ato Ministerial com o consequente julgamento e divulgação", assim como o fato de que não há notícia nos acerca da ultimação deste ato até a presente data, afigura-se desarrazoada a demora na finalização do processo administrativo do impetrante. 6. Na esteira dos precedentes desta Corte, impõe-se a concessão da segurança para determinar que a autoridade coatora profira, no prazo de 60 (sessenta) dias, decisão no processo administrativo do impetrante, como entender de direito 7. Ordem de segurança parcialmente concedida.” (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Seção/ MS 12.701/DF/ Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis Moura/ Julgado em 23.02.2011/ Publicado no DJe em 03.03.2011). “Ementa: Mandado de segurança. Constitucional. Administrativo. Requerimento de anistia. Prazo Razoável para apreciação. Princípio da eficiência. 1. A todos é assegurada a razoável duração do processo, segundo o princípio da eficiência, agora erigido ao status de garantia constitucional, não se podendo permitir que a Administração Pública postergue, indefinidamente, a conclusão de procedimento administrativo. (…) 3. Ordem concedida.” (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Seção/ MS 10.792/DF/ Relator: Ministro Hamilton Carvalhido/ Julgado em 10.05.2006/ Publicado no DJ em 21.08.2006, p. 228). “Ementa: Administrativo. Mandado de segurança. Anistia Política. Ato omissivo do Ministro de Estado ante à ausência de edição da Portaria prevista no § 2º do art. 3º da Lei 10.559/2002. Prazo de sessenta dias. Precedente do STJ. Concessão da ordem. (…) 3. Entretanto, em face do princípio da eficiência (art. 37, caput, da Constituição Federal), não se pode permitir que a Administração Pública postergue, indefinidamente, a conclusão de procedimento administrativo, sendo necessário resgatar a devida celeridade, característica de processos urgentes, ajuizados com a finalidade de reparar injustiça outrora perpetrada. Na hipótese, já decorrido tempo suficiente para o cumprimento das providências pertinentes – quase dois anos do parecer da Comissão de Anistia –, tem-se como razoável a fixação do prazo de 60 (sessenta) dias para que o Ministro de Estado da Justiça profira decisão final no Processo Administrativo, como entender de direito. Precedente desta Corte. 4. Ordem parcialmente concedida.” (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Seção/ MS 9.420/DF/ Relatora: Ministra Laurita Vaz/ Julgado em 25.08.2004/ Publicado no DJ em 06.09.2004, p. 163). Dessa sorte, “há respeito à eficiência quando a ação administrativa atinge materialmente os seus fins lícitos e, por vias lícitas. Quando o administrado se sente amparado e satisfeito na resolução dos problemas que ininterruptamente leva à Administração”[11]. Com bastante propriedade, Vettorato[12], ao abordar o dogma constitucional da eficiência administrativa, entalha que o corolário em exame impõe a Administração Pública, direta e indireta, tal como os agentes que a constitui, a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas atribuições de maneira imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, despido de burocracia e sempre em busca da qualidade, arrimando em bastiões legais e morais indispensáveis para a melhor utilização possível dos recursos púbicos, de modo a evitar o desperdício e garantir maior rentabilidade social. Em sedimento bastante volumoso, Mello[13] obtempera que o axioma em apreço é dotado de maciça fluidez e difícil controle ao lume o Direito, apresentando umbilical liame ao preceito da legalidade, porquanto não se justifica o óbice do dever administrativo, de maneira infundada. Com efeito, o princípio da eficiência consubstancializa o ideário da boa administração pública. Além disso, há que se gizar que, o preceito em comento atingiu proporção tal importante na realidade vigente, foi inserido, por meio da Emenda Constitucional Nº. 45/2004, entre os direitos e garantias fundamentais, sendo acrescido na redação do artigo 5º da Carta da República de 1988, por meio do inciso LXXVIII, que assim verbaliza: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (omissis) LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”[14]. Neste alamiré, José dos Santos Carvalho Filho[15] destaca, com bastante pertinência, que “o novo mandamento, cuja feição é a de direito fundamental, tem por conteúdo o princípio da eficiência no que se refere ao acesso à justiça e estampa inegável reação contra a insatisfação da sociedade pela excessiva demora dos processos”. Faz-se imperioso realçar, com contornos fortes e cores quentes, que o novel inciso inserto na redação do art. 5º da Constituição Cidadã não se limita apenas aos processos judiciais. Ao revés, os feixes jurídico-filosóficos do sobredito princípio passam a se irradiar, abrangendo, de igual monta, os processos que se encontram em tramitação na via administrativa, alvo de lentidão exacerbada. Neste sentido, inclusive, o Ministro Jorge Mussi, ao relatoriar o Mandado de Segurança N° 13.584/DF, manifestou no sentido que “não é lícito à Administração Pública prorrogar indefinidamente a duração de seus processos, pois é direito do administrado ter seus requerimentos apreciados em tempo razoável, ex vi dos arts. 5º, LXXIII, da Constituição Federal e 2º da Lei n. 9.784/99”[16]. Conforme expõe Lenza, “o tempo constitui um dos grandes óbices à efetividade da tutela jurisdicional, em especial no processo de conhecimento, pois para o desenvolvimento da atividade cognitiva do julgador é necessária a prática de vários atos, de natureza ordinatória e instrutória”[17]. Com efeito, sem maiores dificuldades, é possível vislumbrar que tal demora inviabiliza a imediata concessão do provimento pleiteado, o que, em grande parte dos casos, culmina na inutilidade ou ineficácia, já que o direito reclamado pode vir a perecimento. De igual forma, é possível destacar que o abandono dos processos, como de forma corriqueira se observa, atenta contra o princípio da eficiência, pois as partes, de maneira negligente e inerte, “abandonam” os feitos processuais, sem sequer peticionar nos autos, requerendo providências. Em mesmo sentido, o Ministro Castro Meira, ao relatoriar o Recurso Especial N° 1.044.158/MS, colocou em evidência que “é dever da Administração Pública pautar seus atos dentro dos princípios constitucionais, notadamente pelo princípio da eficiência, que se concretiza também pelo cumprimento dos prazos legalmente determinados”[18]. Com o objetivo de fundamentar as ponderações pinceladas até o momento, de bom alvitre se revelam os ensinamentos do festejado doutrinador José dos Santos Carvalho Filho, em especial quando traz a lume estes apontamentos: “A eficiência não se confunde com a eficácia nem com a efetividade. A eficiência transmite sentido relacionado ao modo pelo qual se processa o desempenho da atividade administrativa; a ideia diz respeito, portanto, à conduta dos agentes. Por outro lado, eficácia tem relação com os meios e instrumentos pelos agentes no exercício de seus misteres na administração; o sentido aqui é tipicamente instrumental. Finalmente, a efetividade é voltada para os resultados obtidos com as ações administrativas, sobreleva nesse aspecto a positividades dos objetivos. O desejável é que tais qualificações caminhem simultaneamente, mas é possível admitir que haja condutas administrativas produzidas com eficiência, embora não tenham eficácia ou efetividade. De outro prisma, pode a conduta não ser muito eficiente, mas em face da eficácia dos meios, acabar por ser dotada de efetividade”[19]. Nesse passo, entende-se a contemporânea busca por contratações, por meio de concurso público, de servidores públicos e estagiários, a fim de tornar mais eficiente o serviço público, pondo fim, por conseguinte, a morosidade que assola a Administração. “A Constituição Federal assegura a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (…), além de determinar expressamente no caput do art. 37 a obediência ao princípio da eficiência na Administração Pública”[20]. A eficiência, princípio basilar da Administração Pública, que se alia à legalidade, impessoalidade, moralidade e à publicidade, deve ser para Administração o guia e para os administrados a certeza, ante a inércia da Administração, impõe o exercício jurisdicional para assegurar a prestação do serviço de forma eficiente, bem como sua eficácia material. 3 TRANSPARÊNCIA NA FISCALIZAÇÃO DOS CONTRATOS PÚBLICOS: A PROEMINÊNCIA DO PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE Outro importante mandamento entalhado nas linhas da Constituição Federal, no que concerne à atuação da Administração Pública, é o princípio da publicidade, disposto, de maneira expressa, no art. 37, caput. Pela dicção de tal preceito, “os atos da Administração devem merecer a mais ampla divulgação possível entre os administrados, e isso porque constitui fundamento do princípio propiciar-lhes a possibilidade de controlar a legitimidade da conduta dos agentes administrativos”[21]. Tal fato tem como arrimo de sustentação a premissa que, apenas com a transparência das condutas da Administração Pública, por meio de sua publicização, é que os cidadãos poderão aquilatar, ou não, a legalidade dos perpetrados, bem como se estes se revestem de eficiência. Como bem destacou Wlassak[22], "a publicidade sempre foi tida como um princípio administrativo, porque se entende que o Poder Público, por ser público, deve agir com a maior transparência possível”, com o escopo de assegurar que os administrados tenham, a todo momento, o conhecimento do desenvolvimento das atividades dos administradores. Em igual substrato ensina Meirelles[23], ao abordar o princípio em tela, destacando que “a publicidade não é elemento formativo do ato; é requisito de eficácia e moralidade”. Deste modo, sendo o ato considerado como irregular, mesmo havendo publicidade, esta não terá o condão de convalidá-lo; em mesmo sentido, ainda que seja regular, a dispensa de sua publicização não será comportada, quando a lei ou o regulamente, de maneira expressa, a exigir. Acerca do princípio da publicidade, a lição de Mello: “Consagra-se nisto o dever administrativo de manter plena transparência em seus comportamentos. Não pode haver em um Estado Democrático de Direito, no qual o poder reside no povo (art. 1º, parágrafo único, da Constituição), ocultamento aos administrados dos assuntos que a todos interessam, e muito menos em relação aos sujeitos individualmente afetados por alguma medida”[24]. Neste diapasão, quadra destacar que o princípio da publicidade não está adstrito apenas à Administração Pública, enquanto manifestação do Poder Executivo, mas também se estende aos demais Poderes constituídos. O princípio da publicidade também se aplica à elaboração das leis em si, o que já foi definido na Lei Complementar 95, de 26 de fevereiro de 1998. Fortalecendo tais ponderações, o articulista Wlassak, ao orientar a incidência do princípio da publicidade no âmbito do Poder Judiciário, frisa que: “No que diz respeito ao Judiciário, a própria Constituição estatui regra específica quanto à publicidade de seus atos (inciso IX do art. 93). Sabedores que somos da necessidade de fundamentação dos atos judiciais, para que se possa contrastá-los, é na publicidade destes atos que se constrói a ponte entre o juiz e o cidadão. Todos os seus atos, com exceção dos que possam atingir a intimidade dos envolvidos ou quando o interesse social assim o exigir (o que, convenhamos, deixa ao juiz um amplo poder de decidir o que seria este "interesse social"), o que está estampado no inciso LX do art. 5º da Constituição – "a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem"[25] (destaque nosso). Nagib Slaibi Filho, com grande técnica, bem resume a dupla vertente do princípio da publicidade no âmbito de atuação do Judiciário: “Vemos, assim, que o princípio da publicidade, no Poder Judiciário, funciona em dois níveis: no primeiro, no sentido de publicidade ampla, absoluta ou externa em que a atuação do Estado-juiz deve ser levada ao conhecimento de toda a sociedade, como fator de legitimação do exercício do poder e, no segundo, como publicidade relativa, restrita ou interna em que se restringe o conhecimento dos atos processuais tão-somente às partes e advogados”[26]. Valiosas são as lições do doutrinador Gasparini que, ao abordar acerca dos efeitos da publicação oficial, destaca que: “Entre outros, são efeitos da publicação oficial: I – presumir o conhecimento dos interessados em relação ao comportamento da Administração direta, indireta ou fundacional; II – desencadear o decurso dos prazos de interposição de recursos; III – marcar o início dos prazos de decadência e prescrição; IV – impedir a alegação de ignorância em relação ao comportamento da Administração Pública direta e indireta. Diga-se que o princípio da publicidade no deve ser desvirtuado. Com efeito, mesmo a pretexto de atendê-lo, é vedado mencionar nomes ou veicular símbolos ou imagens que possam caracterizar promoção pessoal de autoridade ou servidor público […] . Essas disposições são de observância imediata, não necessitando para sua aplicação de qualquer regulamentação”[27]. Desta feita, a par de tais ponderações, para que o princípio da publicidade tenha seus mandamentos cumpridos, imperiosa se faz a ampla e irrestrita publicização dos atos da Administração, direta, indireta e fundacional, em veículo informativo (jornal ou congênere) de ampla circulação. A publicidade, como supernorma de inspiração da Administração Pública, compreendendo tanto direta e indiretamente, não confere a faculdade de veicular seus atos, mas sim a obrigação de tal fato. Ora, tão-somente por meio do esposado alhures é que o administrado/cidadão pode exercer, sem qualquer restrição, barreira ou limitação, a análise da legalidade dos atos praticados pela Administração Pública, bem como comprovar se estes alcançam a eficiência que devem ambicionar. É fato que a transparência, enquanto desdobramento dos princípios norteadores da Administração Pública, estimula a participação da sociedade civil, bem como a informação divulgada traz aproximação da sociedade de gestão exercida por seus representantes. Nesta linha, “as entidades públicas têm o dever de promover a transparência de sua administração e a sociedade tem o direito ao acesso e o acompanhamento da administração pública”[28], com fins de promover a consolidação da cidadania. Dessa maneira, a transparência viabiliza um ambiente de análise e reflexão, contudo, para isso, é imprescindível que os gestores públicos apresentem suas tomadas de decisões, como também as divulguem de maneira potencializada nos meios de comunicações acessíveis à população. Para tanto, deve-se superar a perspectiva que as informações fiquem condicionadas e limitadas ao círculo de alguns servidores e assessores apenas. Há que se reconhecer que a transparência, enquanto corolário do princípio da publicidade, opõe-se à teoria arcana imperii, dominante no período do poder absoluto. A teoria em comento preconizava que o poder do príncipe é mais eficaz, logo, mais condizente com seu objetivo. Dessa forma, quanto mais oculto estava dos olhares indiscretos do vulgo, mais se aproximava da semelhança de Deus, invisível. Ao promover o afastamento do cidadão, o gestor fortalece seu poder e confirma o autoritarismo. A transparência, em tal cenário, é a forma de evitar tal conduta, pois a divulgação das ações contribui para a análise crítica da gestão pública. A doutrina encontra sustentação em dois pontos. O primeiro é inerente à própria natureza do sumo poder, cujas ações serão bem sucedidas quanto mais rápidas e previsíveis se comportarem; o controle público, mesmo que exercido apenas por uma assembleia de notáveis, tem o condão de retardar a decisão e impedir a surpresa. Logo, “As medidas realizadas às ocultas e postas em prática de imediato enfraquece o controle social e distancia cada vez mais os governantes dos governados. Dessa forma não há possibilidade de reação dos populares diante das medidas adotadas”[29]. O segundo argumento é oriundo do desprezo do vulgo, considerado, em tal contexto, como um “animal selvagem” que reclamava domesticação, já que, uma vez dominado por forças mais fortes, era impedido de formar uma opinião racional do bem comum, egoísta de visão estreita, presa fácil dos demagogos que se utilizariam para a obtenção de vantagens. Os dominantes depreciam a capacidade dos dominados de exercer a cidadania de forma consciente. Assim, utilizam da evasiva alegação e pretexto para se esquivar de dificuldades que o cidadão possa criar. Os governantes adotam o engano como estratégia para manter seus privilégios. De acordo com Pires[30], a participação da sociedade civil pressiona as instituições a serem mais céleres e transparentes, bem como proporciona um suporte de legitimidade às decisões de direção. Consiste em uma instância política da comunidade de usuários de um serviço público, inclusive no que se refere à fiscalização dos contratos estabelecidos pela Administração Pública. “A entidade ao dar transparência de seus dados, abre espaço para futuras reivindicações sociais que visem a um maior detalhamento e à ampliação das informações disponibilizadas”[31]. Santos[32], em complemento, diz que a informação precisa, suficiente e de fácil entendimento para o cidadão comum é imprescindível para o controle social. Em tal linha, a transparência e a participação social são conceitos indissociáveis, interdependentes e intercambiáveis. Revestindo a transparência na concepção de accountability inquina-a como um instrumento robusto de participação da sociedade civil. A ampliação da transparência auxilia diretamente no envolvimento das distintas classes sociais no acompanhamento da gestão. A divulgação das informações em grupos restritos e direcionado inibe o seu aspecto de promoção da democracia, atentando contra os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, enquanto pilares norteadores da Administração Pública. 4 TRANSPARÊNCIA NO BRASIL E INSTRUMENTOS DE CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PELA SOCIEDADE CIVIL: O PRINCÍPIO DA AUDIÊNCIA PÚBLICA COMO COROLÁRIO DO EXERCÍCIO DA CIDADANIA A Constituição Cidadã, em diversas passagens, favoreceu o reconhecimento e a adoção da transparência. Neste sentido, o caput do artigo 37 preconizou, de maneira expressa, que a Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. A publicidade permite que o cidadão tenha acesso às informações referentes aos atos praticados por seus representantes. Trata-se, no contexto constitucional, de descentralização da gestão das políticas públicas e sancionamento da participação da sociedade civil nos processos de tomada de decisão, conforme aduz Lubambo e Coutinho[33]. Como desdobramento dos influxos constitucionais, no ano de 1998, é publicada a Lei nº 9.755[34], que dispõe sobre a criação de "homepage" na "Internet", pelo Tribunal de Contas da União, para divulgação de dados e de informações. Assim, os avanços da tecnologia da informação do governo possibilitaram a oportunidade de integrar base de dados e recursos de forma a facilitar e a simplificar o acesso ao público. Em mesma senda, a Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000, estabelece, em seu §1º do artigo 1º, que “A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar”[35] (destaque nosso). Acerca da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000), Limberger[36] afirma que ela disciplina os gastos do administrador público, bem como divulga a percepção da transparência na gestão fiscal, como mecanismo de conferir efetividade ao princípio da publicidade, enquanto dogma norteador da Administração Pública. Logo, a transparência é pensada como um conceito alargado do que a publicidade, pelo fato de uma informação ser pública, mas não ser relevante, confiável, tempestiva e compreensível. A informação disponibilizada não abarca todas as características que a define como transparente, porquanto muitos são os dados produzidos no interior dos órgãos públicos, contudo é imprescindível selecionar os mais relevantes, os mais importantes para o cidadão. “A confiabilidade da informação é essencial, podendo existir diversos assuntos publicados e amplamente divulgados, ao serem manipulados indevidamente, refletindo uma situação fictícia e inverídica”[37]. Já a tempestividade interfere diretamente na utilidade da informação, pois esta precisa ser a mais atual possível e de forma clara, comportando que o seu conteúdo seja de fácil compreensão. Neste talvegue, o artigo 48 da Lei Complementar nº 101/2000[38], por exemplo, dispõe acerca da ampla divulgação, inclusive por meios eletrônicos de acesso público, dos planos, dos orçamentos e das leis de diretrizes orçamentárias, das prestações de contas e o respectivo parecer prévio, do Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal e das versões simplificadas desses documentos. O diploma em comento promoveu ampliação do acesso a informações aos cidadãos, comportando um avanço na fiscalização da gestão pública. Desta feita, a entidade pública, ao conferir transparência de seus atos de forma clara e confiável, permite que os cidadãos verifiquem se tais praticados atendem, ou não, as necessidades da coletividade. “Mais do que garantir atendimento das normas legais, as iniciativas de transparência na administração pública constituem uma política de gestão responsável que favorece o exercício da cidadania pela população”[39], de acordo com o escólio apresentado por Platt Neto et all. Ainda em harmonia com o apresentado, cuida acentuar que o direito à audiência pública, em sede de procedimentos administrativos, representa também importante dimensão do corolário da participação comunitária. Trata-se de verdadeiro direito fundamental e fase obrigatória do procedimento administrativo, tendo como fito possibilitar uma tomada de decisão mais correta em face da globalidade dos interesses em xeque. Quadra anotar que a inobservância do direito fundamental em comento implicaria em nulidade do procedimento administrativo. De acordo com Moreira Neto, “[…] um instituto de participação administrativa aberta a indivíduos e a grupos sociais determinados, visando à legitimidade da ação administrativa, formalmente disciplinada em lei, pela qual se exerce o direito de expor tendências, preferências e opções que possam conduzir o Poder Público a uma decisão de maior aceitação consensual”[40]. Em mesma linha, Oliveira aduz que “é mediante a realização dessas audiências que se garante um direito fundamental dos cidadãos, que é o direito de ser ouvido, o direito de poder opinar, de modo eficaz”[41], em especial no que se refere aos assuntos que atendem o interesse da coletividade. O Texto Constitucional, ao consagrar a participação da sociedade civil, estabelece uma pluralidade de situações em que aquela se dá, como, por exemplo, no inciso X do artigo 29 ao dispor sobre a cooperação das associações representativas no planejamento municipal, o que se desdobra no plano diretor urbano (previsto no artigo 182 do Texto de 1988). O inciso VII do parágrafo único do artigo 194, ainda, dispõe claramente acerca da gestão democrática e descentralizada da seguridade social, assegurando a participação da comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e aposentados. A partir de tal lógica, extrai-se o aspecto coletivo das atividades integradas na seara das gestões constitucionais democráticas ou participativas. Logo, ao se reconhecer a audiência pública como elevada ao status de princípio conformador da Administração Pública, há que se reconhecer a concretização de um direito coletivo, pois, uma vez usufruído por alguém, todos aqueles que se encontram na mesma situação também usufruem. De acordo com o escólio apresentado por Oliveira, “[…] sempre que direitos coletivos estiverem em jogo, haverá espaço para a realização de audiências públicas. Por via de conseqüência, o território da atuação colaboradora dos cidadãos é vastíssimo, sendo as disposições constitucionais elencadas simplesmente exemplificativas. Deve ser salientado o caráter pedagógico dessas audiências, pois estabelece-se uma real oportunidade de conscientização e educação da população sobre as diretrizes e políticas públicas. Entretanto, para ser considerado um mecanismo cooperativo útil, tudo aquilo que foi discutido em sede de audiência pública deve ser considerado pelo órgão administrativo “decididor”[42]. Mais que isso, convém explicitar que o direito à audiência pública encontra sedimento no ideal democrático-participativo que emoldura a norma constitucional, eis que o objetivo primevo da audiência pública é assegurar o acesso à informação, tal como permitir a intervenção das pessoas interessadas na construção da decisão a ser tomada de forma qualificada. Há que se reconhecer, oportunamente, que o direito à audiência pública traz à tona a reconstrução do ideário do mínimo existencial, passando a abarcar a uma dimensão legitimadora imprescindível ao desenvolvimento pleno do indivíduo e concreção da dignidade da pessoa humana. O direito à audiência pública, a partir do fortalecimento da temática de participação da sociedade civil, sobretudo a partir da década de 1980, substancializa singular instrumento de promoção e manifestação da população interessada, em especial devido aos impactos e consequências lesivas que determinados empreendimentos econômicos podem desencadear. Neste talvegue, susta apontar que o direito à audiência pública e sua concreção representa a confluência do princípio da participação da sociedade civil e da construção ideológica do Estado Democrático de Direito, sobretudo em razão da afirmação do mínimo existencial, passando a conferir ao exercício da cidadania status proeminente no cenário contemporâneo. Insta, portanto, sublinhar que o direito à audiência pública, maiormente em temática ambiental, representa o desdobramento plural e multifacetado do axioma maior do ordenamento jurídico brasileiro, qual seja: a dignidade da pessoa humana como superprincípios orientador da aplicação e interpretação das normas, bem como a adoção do corolário da participação comunitária como robusto vetor de inspiração. 5 COMENTÁRIOS FINAIS Conforme estabelecido no decurso do presente, o Estado Democrático de Direito é caracterizado pela participação direta, referindo-se à terceira fase de evolução da Administração Pública, na qual o particular, individual e pessoalmente, exerce influência na gestão, no controle e nas decisões propaladas pelo Estado. Em tal cenário, trata-se da materialização do princípio democrático norteador do Estado Brasileiro. A democracia participativa é consequência da insuficiência da democracia representativa e decorre da exigência da presença direta dos particulares na tomada de decisões coletivas, o que se dá por meio das audiências públicas, encaradas como corolário sustentador da participação da sociedade civil. Como instrumento de fiscalização da Administração Pública, e especificamente dos contratos públicos, a audiência pública apresenta dupla natureza jurídica, a saber: a primeira é representada pela publicidade e transparências próprias do mecanismo, no qual se dá a oralidade, a imediação, a assistência, os registros e publicações dos atos; a segunda, consiste na própria participação processual e na abertura de todos os segmentos sociais. Ora, a participação oral e efetiva do público no procedimento ordenado, como parte no sentido jurídico, e não apenas como mero espectador. Ao se pensar em tal instrumento como a síntese da interação entre os princípios da eficiência, da publicidade e da transparência, denota-se que a audiência pública, como paradigma do exercício da cidadania e da participação da sociedade civil, desempenha importante papel na fiscalização das atividades administrativas desempenhadas. Compreende-se, em tal perspectiva, que o acesso à informação é componente imprescindível ao desenvolvimento de uma cidadania participativa, logo, a oportunidade de opinar, de se manifestar e de influenciar no processo de tomada de decisão é aspecto legitimador do Estado Democrático de Direito, o que se opera nos espaços e nas arenas próprias. A audiência pública é a maximização do Estado Democrático de Direito, na condição de faceta que influencia diretamente o interesse público como a convergência do interesse da coletividade e não como manifestação do interesse do administrador. Mais do que isso, resgata-se a concepção de supremacia do interesse público como pilar norteador da tomada de decisão, inclusive no que atina ao desenvolvimento dos contratos públicos e a forma como os seus escopos estão se concretizando.
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A natureza jurídica da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) sob a ótica do Supremo Tribunal Federal: uma análise face à natureza jurídica dos demais Conselhos Fiscalizadores de Profissões Regulamentadas
O presente trabalho tem como principal objetivo analisar, sob o prisma legal, a natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) , bem como os privilégios legais garantidos a esse Conselho de Fiscalização de Profissão Regulamentada, que vem gerando discussões no âmbito jurídico. Em tese, os Conselhos Fiscalizadores de profissões regulamentadas são constituídos sob a forma de autarquias. Todavia, destaca-se que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) foi declarada pelo Supremo Tribunal Federal como uma entidade “ímpar, “sui generis”, não sendo considerada uma entidade da Administração Indireta. O tratamento diferenciado de determinadas categorias pode e deve existir, desde que não seja discriminatório. Para tanto, o que se propõe é o desenvolvimento de um estudo que procure elucidar a classificação jurídica da OAB, destacando-se a advocacia como atividade indispensável à administração da justiça, nos termos da Constituição Federal.
Direito Administrativo
Introdução A ideia do Direito Administrativo surgiu de uma interpretação peculiar do modelo de separação de poderes adotado na França, no século XVIII. Tal sistema teve aparecimento após a Revolução Francesa, que proclamou os ideais de igualdade, liberdade e fraternidade, visando limitar a atuação estatal e os abusos cometidos pelo Estado – até então representado pela figura do Rei-. Visando adequar a conduta do Estado à contínua e acelerada evolução da sociedade, hoje, o Direito Administrativo – embora tenha surgido a partir de uma escolha político-ideológica da Burguesia, que tentava corporificar o antigo regime –, deve pautar sua conduta nos princípios da legalidade, moralidade, publicidade e eficiência, cujo assentamento se extrai da Constituição e das leis, manifestações da vontade geral. No direito brasileiro, a administração pública abrange os órgãos de governo, responsáveis por exercer a função política, e os órgãos e pessoas jurídicas que exercem função administrativa, sendo esta a execução de políticas públicas implantadas pelos órgãos de governo. Portanto, é de suma importância à discussão da “extensão” do Estado e a sua concernente esfera de atuação. A atuação estatal brasileira é pautada pela descentralização da máquina administrativa, consistindo na prestação de serviços públicos de forma indireta, por meio de outras entidades, a fim de alcançar maior eficiência e celeridade na prestação dos serviços públicos. É partir desse contexto que surgem as Autarquias, espécies de entidades administrativas autônomas, que prestam serviço público de forma indireta/descentralizada, sempre sujeitas ao controle da pessoa jurídica a qual se encontram vinculadas. Em tese, os Conselhos Fiscalizadores de profissões regulamentadas são constituídos sob a forma de autarquias. Entretanto, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) foi declarada pelo Supremo Tribunal Federal como uma entidade “ímpar, “sui generis”, não sendo considerada uma entidade da Administração Indireta. Levando em consideração a formidável atuação da OAB no contexto histórico, social e político do país, sua análise sob a ótica do direito, especificamente do direito administrativo, é medida que se impõe, uma vez que ela também se mostra como mecanismo de efetivação deste. 1 Autarquias 1.1 Conceito Maria Sylvia Zanella di Pietro conceitua autarquia como: “Pessoa jurídica de direito público, criada por lei, com capacidade de auto-administração, para o desempenho de serviço público descentralizado, mediante controle administrativo exercido nos limites da lei”. (DI PIETRO, 2007). Verifica-se, portanto, que as autarquias são entidades autônomas que integram a administração indireta, por meio da personificação de um serviço que antes integrava a administração centralizada. Por essa razão, as atividades econômicas em sentido estrito não são outorgadas às autarquias, mesmo no caso de serem consideradas de interesse social. As autarquias subdividem-se em autarquias sob regime especial e autarquias fundacionais. Aquelas apresentam peculiaridades – quando comparadas com o regime jurídico “geral” previsto no Decreto Lei 200/1967 – que são definidas pela lei instituidora da autarquia, variando caso a caso. Já estas, distinguem-se das autarquias em regime “comum” ou “geral” apenas conceitualmente: as autarquias são definidas como serviço público personificado enquanto as autarquias fundacionais ou, como muitos costumam denominá-las, fundações públicas com personalidade jurídica de direito público, são um patrimônio personalizado que possuem uma finalidade específica, normalmente de interesse social. Cumpre ainda ressaltar duas espécies de autarquias comumente utilizadas em nosso direito legislado: agências reguladoras e agências executivas. Estas não constituem-se como uma espécie de entidade, mas sim como uma qualificação que poderá ser atribuída às autarquias “em geral” que celebrem com o Poder Público um contrato de gestão [1]. Já as agências reguladoras, são consideradas autarquias “em regime especial” com atribuições técnicas, responsáveis por regular atividades de um determinado setor econômico. 1.2 Criação e extinção O artigo 37, XIX da Constituição Federal dispõe que as autarquias deverão ser criadas por meio de lei específica de iniciativa privada do Presidente da República na esfera federal. Tal regra é aplicável no âmbito estadual, distrital e municipal, adequando-se a competência privativa para a instituição da lei, ao Governador e ao Prefeito, respectivamente. A extinção das autarquias também deverá ocorrer de igual modo, mediante edição de lei específica de iniciativa do Chefe do Poder executivo, em observância ao princípio da simetria das formas jurídicas. 1.3 Natureza Jurídica A autarquia é pessoa jurídica de direito público, titular de direitos e obrigações. Sendo assim, possui todas as características próprias de pessoas públicas, inclusive no que tange ao modo de criação e extinção, privilégios, obrigações, poderes e restrições. Com a vigência da lei instituidora da autarquia, esta será criada, podendo adquirir direitos e obrigações nos termos do ordenamento jurídico. Cumpre salientar que eventuais decretos, atos normativos e demais atos administrativos que dispõem acerca do funcionamento da entidade, não são aptos para criar a autarquia, não lhe conferindo personalidade jurídica.   1.4 Patrimônio O patrimônio das autarquias se constitui em decorrência da transferência de bens móveis e imóveis do ente federado que as criou. Sendo assim, a sua extinção leva à reincorporação do patrimônio ao ativo do ente federado a que ela pertencia. Por ser uma pessoa jurídica de direito público, os bens das autarquias são considerados bens públicos, possuindo, assim, diversos privilégios, dentre eles a impenhorabilidade e imprescritibilidade. 1.5 Atividades Desenvolvidas As autarquias destinam-se a prestar atividades típicas da administração pública, como a prestação de serviço público, atividades de interesse social, bem como a execução de atividades que abarquem o exercício de prerrogativas públicas, como no caso do poder de polícia. 1.6 Orçamento e regime de pessoal Dispõe o artigo 165, § 5º da Constituição Federal de 1988 que “o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público”, integra a lei orçamentária anual. Assim, o orçamento das autarquias segue o dos órgãos da administração direta e suas receitas e despesas estão incluídas no orçamento fiscal, fazendo parte da lei orçamentária anual. No que tange ao regime de pessoal, as autarquias são alcançadas pela regra constitucional que impõe a realização de concurso público, se submetendo, inclusive, à vedação de acumulação remunerada de cargos, empregos e funções públicas. 1.7 Privilégios processuais Tendo em vista o desempenho de atividades típicas da administração pública, sendo sua personalidade de direito público, as autarquias possuem todos os privilégios e restrições que o Estado dispõe, dentre eles os privilégios processuais da Fazenda Pública, imunidade tributária e impenhorabilidade de bens. 1.8 Controle pelo Tribunal de Contas As autarquias, como entidades da administração indireta e prestadoras de serviço público, estão sujeitas ao controle e fiscalização pelo Tribunal de Contas. 2 Conselhos Fiscalizadores de Profissões Regulamentadas 2.1 Surgimento e evolução histórica Também chamados de Conselhos de Classe, os Conselhos Fiscalizadores de profissões regulamentas, inicialmente, surgiram com natureza jurídica de autarquia, pessoa jurídica de direito público. Com o advento da Lei 9649/98, responsável por reorganizar a administração federal, houve uma modificação na natureza desses conselhos, que passaram a ser considerados pessoas jurídicas de direito privado, sem vínculo hierárquico com os órgãos da Administração Pública. Diante da atividade desempenhada por tais entidades, que envolvem o uso de prerrogativas de direito público, como o poder de polícia, o Supremo Tribunal Federal declarou na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.717, que o exercício do poder de polícia por uma entidade privada comprometeria a segurança jurídica. A partir dessa decisão, os Conselhos de Classe voltaram a ter natureza jurídica de Autarquia. 2.2 Características Como espécie de autarquia, os Conselhos de Classe possuem todas as prerrogativas e deveres inerentes às demais entidades que compõem a Administração Descentralizada, quais sejam: estão sujeitos à regra da contabilidade pública, o que inclui o efetivo controle pelo Tribunal de Contas, as anuidades pagas pelos membros tem natureza de contribuição tributária, razão pela qual devem ser cobradas por meio de Execução Fiscal, possuem os privilégios processuais da Fazenda Pública, imunidade tributária e impenhorabilidade de bens e se sujeitam à regra constitucional que impõe a realização de concurso público. 3 Exceção à regra: a natureza jurídica da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) sob a ótica do Supremo Tribunal Federal A princípio, a OAB é uma espécie de Conselhos de Classe, responsável por regulamentar e fiscalizar o exercício da advocacia. Conforme já mencionado em tópico anterior, tais entidades têm natureza jurídica de autarquia, razão pela qual possuem todos os privilégios e obrigações inerentes às pessoas jurídicas de direito público. Ocorre que, o STF – Supremo Tribunal Federal -, na ADIN – Ação Direta de Inconstitucionalidade – nº 3.026/DF, decidiu que a OAB é uma exceção, configurando como entidade “ímpar”, “sui generis”, sendo um serviço público independente, sem enquadramento nas categorias existentes em nosso ordenamento, muito menos integrante da Administração Indireta ou Descentralizada. Imperioso é a transcrição de parte da ementa da referida ADIN, cuja relatoria foi do Ministro Eros Grau: “Não procede a alegação de que a OAB sujeita-se aos ditames impostos à Administração Pública Direta e Indireta. A OAB não é uma entidade da Administração Indireta da União. A Ordem é um serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro. A OAB não está incluída na categoria na qual se inserem essas que se tem referido como “autarquias especiais” para pretender-se afirmar equivocada independência das hoje chamadas “agências”. Por não consubstanciar uma entidade da Administração Indireta, a OAB não está sujeita a controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada”. (DISTRITO FEDERAL, STF ADI 3.026, Rel. Ministro Eros Grau, 2006). Verifica-se, portanto, que a OAB, sob a visão do STF é uma entidade independente, cuja função é institucional de natureza constitucional. Em virtude de tal classificação, a OAB não se compara às demais autarquias profissionais, possuindo suas próprias regras, quais sejam, não se submetem à regra de realização de concurso público, sendo seu pessoal regido pela CLT, as contribuições pagas pelos inscritos não tem natureza tributária, se submetendo ao processo de execução comum – não mais fiscal – e não se sujeita ao controle contábil, financeiro, orçamentário e patrimonial desempenhado pelo Tribunal de Contas. Por tais razões, a OAB, segundo jurisprudência consolidada do STF, é pessoa jurídica “ímpar” no ordenamento jurídico brasileiro. Assim, apesar de possuir todos os privilégios inerentes às autarquias e seguir o regime público, como o julgamento perante a Justiça Federal, imunidade tributária, privilégios processuais, não mais poderá ser considerada uma espécie de autarquia propriamente dita. Conclusão O debate sobre a natureza jurídica da OAB é, certamente, muito mais abrangente do que aquele feito no presente trabalho. Pelo estudo realizado, não se pretende discutir a importância desta instituição no ordenamento jurídico brasileiro, haja vista que ela desempenha importante papel na sociedade por meio da defesa da democracia e dos direitos de cidadania. Entretanto, tratá-la como entidade ímpar, não equivalente às demais entidades fiscalizadoras de profissões regulamentadas, constitui flagrante discriminação às estas últimas, haja vista que o objetivo de todas elas é o mesmo, qual seja, a fiscalização e a regulamentação do exercício de profissões. Ademais, se a OAB presta uma espécie de serviço público indelegável, por meio do exercício do poder de polícia, não há razão para não integrá-la à administração indireta. Seguindo o raciocínio, as contribuições pagas pelos inscritos possuem natureza compulsória, caracterizando-se como dinheiro público, sendo indispensável o controle pelo Tribunal de Contas. É sabido que a OAB não tem o costume de prestar contas a seus membros, o que por si só, viola os princípios fundamentais da publicidade e transparência, fundamentais em qualquer entidade pertencente à administração pública, seja ela categoria ímpar ou não. Diante do relevante papel que a OAB desempenha no Estado Democrático de Direito, o mínimo que se espera é que ela detalhe a sua situação financeira, divulgando-a aos seus membros. Ademais, o desrespeito à regra de realização de concurso público ofende os princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade. A realização de concurso evita que os atos administrativos sejam praticados visando interesses pessoais do agente ou de terceiros, devendo respeitar a vontade da lei. Impede, portanto, favorecimentos ou discriminações benéficas no âmbito da administração. Dessa forma, tem-se que a impessoalidade decorre da igualdade ou isonomia e tem desdobramentos explícitos em dispositivos constitucionais como o artigo 37, inciso II, que determina a realização de concurso público como condição para ingresso em cargo efetivo ou emprego público, traduzindo-se como oportunidade igual para todos. Assim, a natureza jurídica da OAB, segundo posicionamento do STF, é algo que deve ser repensado por todos, especialmente pelos estudantes de direito, haja vista que referido Conselho de Classe desempenha umas das funções essenciais à justiça, sendo indispensável à administração desta. Por tais motivos, torna-se tão importante debater a equiparação da OAB com as demais entidades fiscalizadoras de profissões regulamentadas. É notório que a OAB merece tratamento respeitoso, desde que não seja discriminatório. A compreensão de todos acerca da natureza jurídica da OAB é uma forma de enriquecer o presente debate, que além de multidisciplinar, apresenta soluções sólidas e seguras para os questionamentos que surgem.
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Políticas públicas de saúde: o direito da pessoa idosa à saúde
A má gestão e o financiamento têm sido apontados como os principais problemas da saúde pública no Brasil. Essa é uma demanda que afeta a todas as pessoas, inclusive as de terceira idade ou idosos que dependem de atendimento e cuidados especiais. Em razão do processo natural do envelhecimento os idosos fazem parte de uma parcela da população considerada de risco e, em razão disso, necessita de maior atenção e cuidados específicos e apropriados. Este texto tem por objetivo principal reafirmar e demonstrar o direito do idoso à saúde a partir de previsões nos principais dispositivos legais, normas e regulamentações que ordenam e orientam as políticas públicas para a saúde do idoso. Por fim, constata-se que para um melhor atendimento aos idosos fazem-se necessárias políticas públicas mais eficientes e eficazes por meio de gestão de qualidade com profissionais qualificados a partir de uma formação curricular planejada e adequada para essa demanda específica.
Direito Administrativo
1 Introdução O bem mais precioso das pessoas e das sociedades é a saúde. Esse parece ser um consenso geral tanto no meio dos profissionais da área da saúde como em meio aos demais espaços de compreensão da sociedade. Todavia, diante da falta e/ou das ineficientes políticas públicas de saúde, diversas dificuldades têm sido enfrentadas nessa área. Tais lacunas podem ser constatadas, tais como: falta de estrutura nos estabelecimentos destinados ao atendimento às pessoas, infra-estrutura, má formação e qualificação profissional, má gestão dos recursos técnicos, logísticos, financeiros e de pessoal, sobretudo em áreas específicas como é o caso da saúde do idoso. Para a construção desta escrita esclarecemos que sua metodologia quanto gênero do tipo teórico de natureza básica/pura. Quanto ao tipo trata-se de um estudo descritivo em razão do objetivo e problema. No tocante a abordagem primou-se por uma pesquisa qualitativa. Quanto ao método procedimental ou método técnico, acolheu-se o bibliográfico. Para a construção do conteúdo empregou-se a revisão de literatura de fontes secundárias. No que se refere as técnicas de análise prevaleceu a do discurso. O presente estudo está dividido em tópicos. No primeiro, após esta introdução, o debate gira em torno dos contextos e principais dispositivos legais e normas fundamentais relacionadas à saúde pública o Brasil. No terceiro tópico a discussão centra-se em derredor das principais previsões e marcos legais que amparam e garantem a saúde, especificamente a do idoso. Em seguida, segue as conclusões deste estudo com alguns juízos de valores parciais. 2 O direito à saúde no Brasil: breve contextualização A instalação do regime civil-militar de 1964 possibilitou ao sistema de saúde pública a dubiedade entre a medicina previdenciária e a saúde pública. O regime também favoreceu aos serviços privados e as privatizações para o campo da saúde em detrimento dos serviços públicos. Alegando que os antigos Institutos de Aposentadorias e Pensões – IAPS criados ainda no primeiro governo de Getúlio Vargas haviam chegado ao ápice de insolvência, o governo do regime militar criou o “[…] Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), uniformizando os benefícios de seus contribuintes e eliminando o modelo de gestão tripartite (União, empregadores e empregados), que garantia aos usuários, ao menos formalmente, a representação nos processos decisórios dos institutos […]. Além de determinar a progressiva exclusão da participação social na gestão da previdência, o INPS passou a priorizar a contratação de serviços privados para o atendimento de seus beneficiários. O modelo de remuneração por unidade de serviços (US), posto em prática pelo INPS para pagar seus fornecedores, mostrar-se-ia altamente danoso por incentivar a corrupção, ampliar de forma desmesurada procedimentos médicos desnecessários e impedir qualquer planejamento dos serviços a serem priorizados[…]. No que concerne à saúde pública, o período é marcado pela instauração de uma crise de recursos e pelo enfraquecimento da capacidade de ação do MS.” (PAIVA; TEIXEIRA, 2014, p. 17-18). Conforme ainda Paiva e Teixeira (2014, p. 18) É “ilustrativa desse processo a queda da participação da pasta da saúde no orçamento total da União de 2,21% para 1,40%, entre 1968 e 1972 […]. Nesse mesmo período, o Ministério dos Transportes e as forças armadas, recebiam 12% e 18% do orçamento, respectivamente […].” A partir de 1970, o movimento de oposição técnica e política denominado Reforma Sanitária ganhou visibilidade, sobretudo com anuência de vários outros setores da sociedade, sobretudo com apoio do Movimento Democrático Brasileiro – MDB (atual PMDB) partido de oposição cooptado pelo regime. É salutar mencionar que a partir do movimento da Reforma Sanitária e sua continuidade muitas mudanças viriam com relação às políticas de saúde (PAIVA; TEIXEIRA, 2014). Já em 1974 o governo militar criou o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social – INAMPS, desmembrando-o do Instituto Nacional de Previdência Social – INPS. Com efeito, o INPS equivale ao Instituto de Seguridade Social – INSS, atualmente. O INAMPS tinha como objetivo atender aos contribuintes da previdência social, ou seja, os trabalhadores que tinha suas carteiras assinadas. É racional registrar que o INAMPS primava por cuidar da doença e não da saúde. Com a abertura política a partir de 1979 e a promoção do I Simpósio sobre Política Nacional de Saúde que proporcionou sequencialmente mudanças e transformações significativas de transição para a criação do Sistema Único de Saúde – SUS (PAIVA; TEIXEIRA, 2014). Primeiramente, em função da 8ª Conferência Nacional de Saúde – CNS, a primeira sem censura, ocorrida em 17 de março de 1986, já no mandato do primeiro governante civil pós-regime militar, foi criado o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde – SUDS por meio de convênios com os governos estaduais e o INAMPS. Com efeito, a criação do SUDS foi fundamental para lançar as bases do serviço de saúde à Constituição Federal de 1988 na seção “Da saúde” e em seguida à criação do Sistema Único de Saúde – SUS (BRASIL, 1988; PAIVA; TEIXEIRA, 2014). Com efeito, a criação do SUS ocorreu por vontade imediata do governo. Mas, de forma gradual e sistemática: primeiramente com a fundação do SUDS; em seguida com a incorporação do INAMPS ao Ministério da Saúde – MS, através do Decreto nº 99.060, de 7 de março de 1990 e com a Lei Orgânica da Saúde prevista na Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Por fim, com o amparo da Lei nº 8.142 de 28 de dezembro de 1990 que adicionou ao SUS uma de suas características democráticas basilares: o controle social por meio da participação da sociedade na avaliação da prestação de serviço dessa indispensável entidade da saúde. Com isso, o INAMPS em 27 de julho de 1993 fora extinto com base na Lei nº 8.689 (BRASIL, 1993). 3 Saúde para o/a idoso (a) como direito constitucional Antes de qualquer coisa se faz necessário e racional relembrar e lembrar que até 1960 do século XX ao idoso não lhe era assegurada nenhuma política pública ou programa visando melhorias das condições socioeconômicas e/ou à saúde, especificamente. Esse descaso, não só excluía social e economicamente como também deixava à mercê da própria sorte e promovia à discriminação e preconceitos aos idosos ou quando muito ao asilamento para os que detinham algumas condições financeiras (FONSECA; BITTAR, 2014). Com o advento da Constituição Federal de 1988 os direitos civis, políticos e sociais foram previstos, ampliados e garantidos pelo Estado a todas às pessoas. No caso do direito à saúde, por exemplo, a previsão constitucional esclarece: “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” (BRASIL, 1988). Com efeito, a instalação do estado democrático de direitos e da Constituição Federal de 1988 as políticas públicas passaram a ser previstas e definidas como direitos aos seus destinatários específicos. É o caso da saúde prevista como direito individual e fundamental que passou a reivindicar a necessidade de criação de um sistema público, universal e descentralizado visando atender a grande demanda desse serviço indispensável à vida. Diante da previsão da saúde como um direito e um dever do Estado previsto e descrito em nossa Lei Maior, coube aos governantes efetivarem um Programa global visando atender às demandas da saúde. Com o advento do estado democrático de direitos É diante desse contexto que surge o Sistema Único de Saúde – SUS. Por outro lado, com o processo de aceleração do envelhecimento no Brasil, inúmeros programas, sobretudo de caráter privado têm sido implementados ou implantados visando atender às necessidades relacionadas à saúde. Porém, esses programas se limitavam e se limitam às camadas mais abastadas da sociedade que dispõem de poder aquisitivo compatível, ficando ao abandono ou ao asilamento de grande parte dos idosos. Porém, a população idosa ainda precisava e precisa de um olhar mais cuidadoso para que o envelhecer seja uma etapa não de sofrimento, mas que aconteça de forma saudável e com qualidade de vida. Para tanto, os programas e políticas públicas de saúde devem priorizar à saúde daqueles e daquelas que já cumpriram com as diversas etapas naturais da vida no mundo. Sem dúvida, o SUS como programa global de saúde, mesmo não alcançando suas finalidades propostas, significou grande avanço para as demandas da saúde em geral. Todavia, com especificidade voltada para a população idosa ainda faltava uma política pública com definições claras e pertinentes expressando a vontade coletiva da sociedade acostada em leis e/ou em normas obrigatórias. Com efeito, com ascensão e assunção do primeiro governo representando as classes populares da nação fora sancionada a Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, cognominada de Estatuto do Idoso por seu objeto e previdências peculiares no sentido de regulação e garantias da saúde física, mental, moral, intelectual, espiritual e social às pessoas com idade igual ou superior a 60 anos de idade. Tais atribuições são delegadas à família, à comunidade em específico, á sociedade em geral e ao poder público. O Estatuto do Idoso prever que o envelhecimento é um direito inerente a cada pessoa e sua proteção é um direito social fundamental. No Art. 9º do Estatuto do Idoso está previsto que é obrigação do Estado promover, efetivar e garantir políticas públicas de proteção à saúde à pessoa idosa possibilitando a elas um envelhecimento saudável e em condições de dignidade. É válido ressaltar que o idoso tem prioridade para ser atendido nas seguintes circunstâncias, conforme § 1º do art. 3º do Estatuto do Idoso combinado com a nova redação da Lei 13.466, de 12 de julho de 2017 e seus incisos: “§ 1º A garantia de prioridade compreende:      I – atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população; II – preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas específicas; III – destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção ao idoso; IV – viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso com as demais gerações; V – priorização do atendimento do idoso por sua própria família, em detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não a possuam ou careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência; VI – capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de geriatria e gerontologia e na prestação de serviços aos idosos; VII – estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais de envelhecimento; VIII – garantia de acesso à rede de serviços de saúde e de assistência social locais.” Consoante os dispositivos supracitados, o idoso deve ser preferido ao atendimento dos serviços de saúde sejam estes de caráter público ou privado bem como deve ser atendido por profissionais qualificados nas áreas de conhecimentos geriátricos e gerontológicos. Outra parte da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) que merece vir a lume está contida no caput e no § 1º, Inc. I-V, do Art. 15: “Art. 15. É assegurada a atenção integral à saúde do idoso, por intermédio do Sistema Único de Saúde – SUS, garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo a atenção especial às doenças que afetam preferencialmente os idosos. § 1o A prevenção e a manutenção da saúde do idoso serão efetivadas por meio de: I – cadastramento da população idosa em base territorial; II – atendimento geriátrico e gerontológico em ambulatórios; III – unidades geriátricas de referência, com pessoal especializado nas áreas de geriatria e gerontologia social; IV – atendimento domiciliar, incluindo a internação, para a população que dele necessitar e esteja impossibilitada de se locomover, inclusive para idosos abrigados e acolhidos por instituições públicas, filantrópicas ou sem fins lucrativos e eventualmente conveniadas com o Poder Público, nos meios urbano e rural; V – reabilitação orientada pela geriatria e gerontologia, para redução das seqüelas decorrentes do agravo da saúde.” No parágrafo seguinte (2º), a Lei em epígrafe prever que é incumbência do Poder Público, em suas respectivas esferas, providenciar aos idosos medicamentos, sobretudo “os de uso de uso continuado, assim como próteses, órteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação.” Outros destaques previstos no supracitado Art. 15 do Estatuto dignos de atenção é o caso dos §§ 5º e 6º com redação dada pela Lei nº 12.896, de 18 de dezembro de 2013. Acrescenta os §§ 5º e 6º ao art. 15 da Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, vedando a exigência do idoso enfermo aos órgãos públicos e assegurando-lhe o atendimento domiciliar para obtenção de laudo de saúde e do §7º com redação dada pela Lei nº 13.466, de 12 de julho de 2017, respectivamente: “§ 5º – É vedado exigir o comparecimento do idoso enfermo perante os órgãos públicos, hipótese na qual será admitido o seguinte procedimento:  I – quando de interesse do poder público, o agente promoverá o contato necessário com o idoso em sua residência; ou  II – quando de interesse do próprio idoso, este se fará representar por procurador legalmente constituído. […]. § 6º – É assegurado ao idoso enfermo o atendimento domiciliar pela perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, pelo serviço público de saúde ou pelo serviço privado de saúde, contratado ou conveniado, que integre o Sistema Único de Saúde – SUS, para expedição do laudo de saúde necessário ao exercício de seus direitos sociais e de isenção tributária […]. § 7º – Em todo atendimento de saúde, os maiores de oitenta anos terão preferência especial sobre os demais idosos, exceto em caso de emergência.” Não menos interessante e providencial é o estabelecido nos caput dos artigos 16 e 18 da Lei em tablado, a saber: “Art. 16. Ao idoso internado ou em observação é assegurado o direito a acompanhante, devendo o órgão de saúde proporcionar as condições adequadas para a sua permanência em tempo integral, segundo o critério médico. […]. Art. 18. As instituições de saúde devem atender aos critérios mínimos para o atendimento às necessidades do idoso, promovendo o treinamento e a capacitação dos profissionais, assim como orientação a cuidadores familiares e grupos de auto-ajuda.” 4 Conclusões parciais O presente texto teve como objetivo geral trazer ao debate demonstrativo o direito do idoso à saúde prevista nos diversos dispositivos legais do país. Constatou-se que somente a partir da década de 1960 do século passado alguns programas e/ou políticas públicas tiveram vieses às demandas da saúde do idoso. Mesmo assim, o caráter pragmático dessas políticas limitavam-se sempre à cura das doenças e não à prevenção destas. Demonstrou-se também que a Constituição Federal de 1988 significou um marco regulatório e decisivo para que fossem implementados e implantados programas e políticas públicas com especificidades para o atendimento da população idosa. Entretanto, não olvidando a importância da Constituição Federal de 1988 para as demandas da saúde ao idoso, a Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) combinado com outros dispositivos legais significou um avanço sem precedente para que os idosos possam ter direito aos serviços de saúde de maneira mais digna. Para tanto, necessário se faz a fiscalização, controle e avaliação permanente para que esses dispositivos legais sejam cumpridos e não permaneçam apenas na previsão fria da legislação.
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Os princípios da moralidade e da impessoalidade como estertores combativos ao nepotismo
O objetivo do presente é analisar a proeminência dos princípios da moralidade e da impessoalidade, enquanto baldrames vinculadores constitucionais da atuação administrativa, como estertores combativos ao nepotismo. Como é cediço, historicamente, as práticas do nepotismo são advindas da confusão entre o público e o privado. Ora, a premissa que “permite” que o patrimônio público e seus interesses possam se confundir com o patrimônio e os interesses dos particulares poderosos adentrou a história do Brasil colonial, imperial e republicano, desdobrando seus efeitos até os dias atuais. O nepotismo, no cenário brasileiro, apresenta-se como uma prática odiosa que corrompe o interesse público, na condição de supremacia orientadora do agir do administrador, erigindo, em seu lugar, a tradicional máquina como mecanismo para atendimento de interesses pessoais. A partir disso, consoante o estabelecimento de um Estado Democrático de Direito, tal prática não encontra sedimento autorizador, reclamando, pois, a edição de marcos regulatórios e normativas capazes de evitar sua materialização no plano concreto. A metodologia empregada foi o método indutivo, auxiliado de revisão de literatura e pesquisa bibliográfica como técnicas de pesquisa.
Direito Administrativo
1 Comento Introdutório: A Ciência Jurídica à luz do Pós-Positivismo Em sede de comentários inaugurais, ao se dispensar uma análise robusta sobre o tema colocado em debate, mister se faz evidenciar que a Ciência Jurídica, enquanto conjunto plural e multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as pujantes ramificações que a integra, reclama uma interpretação alicerçada nos múltiplos peculiares característicos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste diapasão, trazendo a lume os aspectos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado, infere-se que não mais prospera a ótica de imutabilidade que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática. É verificável, desta sorte, que os valores adotados pela coletividade, tal como os proeminentes cenários apresentados com a evolução da sociedade, passam a figurar como elementos que influenciam a confecção e aplicação das normas. Com escora em tais premissas, cuida hastear como pavilhão de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1]. Deste modo, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo fundamental está assentado em assegurar que inexista a difusão da prática da vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras, nas quais o homem valorizava os aspectos estruturantes da Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade. Afora isso, volvendo a análise do tema para o cenário pátrio, é possível evidenciar que com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, primacialmente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[2]. O fascínio da Ciência Jurídica jaz justamente na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais. Ainda nesta senda de exame, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[3]. Destarte, a partir de uma análise profunda de sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis. Nesta tela, retratam-se os princípios jurídicos como elementos que trazem o condão de oferecer uma abrangência rotunda, albergando, de modo singular, as distintas espécies de normas que constituem o ordenamento pátrio – normas e leis. Os princípios passam a constituir verdadeiros estandartes pelos quais o arcabouço teórico que compõe o Direito se estrutura, segundo a brilhante exposição de Tovar[4]. Como consequência do expendido, tais cânones passam a desempenhar papel de super-normas, ou seja, “preceitos que exprimem valor e, por tal fato, são como pontos de referências para as demais, que desdobram de seu conteúdo”[5].  Por óbvio, essa concepção deve ser estendida a interpretação das normas que dão substrato de edificação à ramificação Administrativa do Direito. 2 Os Princípios da Moralidade e da Impessoalidade: Pequenas Reflexões aos Corolários Norteadores da Administração Pública Escorando-se no espancado alhures, faz-se mister ter em conta que o princípio jurídico é um enunciado de aspecto lógico, de característico explícito ou implícito, que, em decorrência de sua generalidade, goza de posição proeminente nos amplos segmentos do Direito, e, por tal motivo, de modo implacável, atrela o entendimento e a aplicação das normas jurídicas à sua essência. Com realce, é uma flâmula desfraldada que reclamada a observância das diversas ramificações da Ciência Jurídica, vinculando, comumente, aplicação das normas abstratas, diante de situações concretas, o que permite uma amoldagem das múltiplas normas que constituem o ordenamento aos anseios apresentados pela sociedade. Gasparini, nesta toada, afirma que “constituem os princípios um conjunto de proposições que alicerçam ou embasam um sistema e lhe garantem a validade” [6]. Nesta senda, é possível analisar a prodigiosa tábua principiológica a partir de três órbitas distintas, a saber: onivalentes ou universais, plurivalentes ou regionais e monovalentes. Os preceitos acampados sob a rubrica princípios onivalentes, também denominados universais, têm como traço peculiar o fato de ser comungado por todos os ramos do saber, como, por exemplo, é o caso da identidade e da razão suficiente. É identificável uma aplicação irrestrita dos cânones às diversificadas área do saber. Já os princípios plurivalentes (ou regionais) são comuns a um determinado grupo de ciências, no qual atuma como agentes de informação, na medida em que permeiam os aportes teórico-doutrinários dos integrantes do grupo, podendo-se citar o princípio da causalidade (incidente nas ciências naturais) e o princípio do alterum non laedere (assente tanto nas ciências naturais quanto nas ciências jurídicas). Os princípios classificados como monovalentes estão atrelados a tão somente uma específica seara do conhecimento, como é o caso dos princípios gerais da Ciência Jurídica, que não possuem aplicação em outras ciências. Com destaque, os corolários em comento são apresentados como axiomas cujo sedimento de edificação encontra estruturado tão somente a um segmento do saber. Aqui, cabe pontuar a importante observação apresentada por Di Pietro que, com bastante ênfase, pondera “há tantos princípios monovalentes quantas sejam as ciências cogitadas pelo espírito humano”[7]. Ao lado disso, insta destacar, consoante entendimento apresentado por parte da doutrina, que subsiste uma quarta esfera de princípios, os quais são intitulados como “setoriais”. Prima evidenciar, com bastante destaque, que os mandamentos abarcados pela concepção de dogmas setoriais teriam como singular aspecto o fato de informarem os múltiplos setores que integram/constituem uma determinada ciência. Como robusto exemplo desse grupo, é possível citar os princípios que informam apenas o Direito Civil, o Direito Penal, o Direito Administrativo, dentre outros. Tecidas estas ponderações, bem como tendo em conta as peculiaridades que integram a ramificação administrativa da Ciência Jurídica, de bom alvitre se revela ponderar que os “os princípios administrativos são postulados fundamentais que inspiram todo o modo de agir da Administração Pública. Representam cânones pré-normativos, norteando a conduta do Estado quando no exercício das atividades administrativas”[8]. Assim, na vigente ordem inaugurada pela Carta da República de 1988, revela-se imperiosa a observação dos corolários na construção dos institutos administrativos. Pois, olvidar-se de tal, configura-se verdadeira aberração jurídica, sobremaneira, quando resta configurado o aviltamento e desrespeito ao sucedâneo de baldrames consagrados no texto constitucional e os reconhecidos pela doutrina e jurisprudência pátrios. Urge salientar que a Constituição Cidadã, ao contrário das Cartas que a antecederam, trouxe, de forma expressa e clara, os princípios informadores da Administração Pública, assinalando a incidência de tais preceitos a todos os entes da Federação, bem como os elementos estruturantes da administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes constituídos. Para tanto, como fértil sedimento de estruturação, é possível transcrever o caput do artigo 37 que, em altos alaridos, dicciona que “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”[9]. Nesta toada, ainda, quadra, também, ter em mente os seguintes apontamentos: “Trata-se, portanto, de princípios incidentes não apenas sobre os órgãos que integram a estrutura central do Estado, incluindo-se aqui os pertencentes aos três Poderes (Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário), nas também de preceitos genéricos igualmente dirigidos aos entes que em nosso país integram a denominada Administração Indireta, ou seja, autarquias, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as fundações governamentais ou estatais”[10]. É verificável, desta sorte, que os preceitos em comento, dada à proeminência alçada pelo texto constitucional, passam a atuar como elementos que norteiam e, corriqueiramente, conformam a atuação dos entes federativos, bem como as estruturas, tais como autarquias, sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações, que constituem a Administração Indireta. Em razão de estarem entalhados nas linhas que dão corpo à Lex Fundamentallis do Estado Brasileiro, a doutrina convencionou chamá-los de “Princípios Constitucionais Explícitos” ou “Princípios Expressos. São considerados como verdadeiras diretrizes que norteiam a Administração Pública, na medida em que qualquer ato por ela emanado só será considerado válido se estiver em consonância com tais dogmas[11]. De outra banda, tem-se por princípios reconhecidos aqueles que, conquanto não estejam taxativamente contemplados no texto constitucional, de modo explícito, permeiam, por conseguinte, toda a ramificação do Direito Administrativo. Isto é, são corolários que encontram descanso, mais evidente e palpável, na atividade doutrinária e jurisprudencial, que, por meio dos seus instrumentos, colaboram de forma determinante na consolidação e conscientização de determinados valores, tidos como fundamentais, para o conhecimento e a interpretação das peculiaridades e nuances dos fenômenos jurídicos, advindos dessa ramificação da Ciência Jurídica. “Os princípios são mandamentos nucleares de um sistema, seu verdadeiro alicerce, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas”[12]. No mais, ao se ter em visão, a dinamicidade que influencia a contínua construção do Direito, conferindo, via de consequência, mutabilidade diante das contemporâneas situações apresentadas pela sociedade, é possível salientar que a construção da tábua principiológica não está adstrita apenas aos preceitos dispostos nos diplomas normativos e no texto constitucional. Ao reverso, é uma construção que também encontra escora no âmbito doutrinário, tal como no enfrentamento, pelos Tribunais Pátrios, das situações concretas colocadas sob o alvitre. Afora isso, segundo Carvalho Filho, “[…] doutrina e jurisprudência usualmente a elas se referem, o que revela sua aceitação geral como regras de proceder da Administração. É por esse motivo que os denominamos de princípios reconhecidos, para acentuar exatamente essa aceitação”[13]. Consagrado no texto da Carta Magna de 1988, no caput do artigo 37[14], o princípio da moralidade, como vetor de orientação e inspiração da Administração Pública, impõe que “[…] o administrador público não dispense os preceitos éticos que devem estar presentes em sua conduta. Deve não só averiguar os critérios de conveniência, oportunidade e justiça em suas ações, mas também distinguir o que é honesto do que é desonesto”[15]. Neste diapasão, pode-se salientar que o mandamento em exame exige que o agente público oriente a sua conduta nos padrões éticos, cujo fim último se desdobra em lograr a consecução do bem comum, independente da esfera de poder ou nível político-administrativo da Federação em que sua atuação esteja fincada. Ao lado disso, cuida destacar que o preceito em comento se apresenta, no cenário contemporâneo, como o bastião de validade de todo ato da Administração Pública. Nesta esteira, não se trata de um instrumento sistematizador de um conceito atrelado à moral comum; ao reverso, está assentado em uma moral jurídica, compreendida como o conjunto de ordenanças normativas de condutas retiradas da disciplina interior da Administração. Assim, a moralidade administrativa, distintamente da moralidade comum, é constituída por disciplinas de boa administração, a saber: pelo conjunto de disposições finais e disciplinares suscitadas não só pela distinção entre o bem e o mal, mas também, pelo ideário geral de administração e pela ideia de função administrativa. De acordo com Meirelles, “O certo é que a moralidade do ato administrativo juntamente com a sua legalidade e finalidade, além de sua adequação aos demais princípios, constituem pressupostos de validade sem os quais toda atividade pública seria ilegítima”[16]. Neste passo, o corolário em destaque, como preceito norteador da Administração Pública, expressamente insculpido no texto constitucional e como requisito de validade dos atos administrativos, encontra seu substrato de edificação no sistema de direito, mormente no ordenamento jurídico-constitucional, sendo certo que os valores humanos que inspiram e subjazem a esse ordenamento constituem, em muitos casos, a concretização normativa de valores retirados da pauta dos direitos naturais, ou do patrimônio ético e moral consagrado pelo senso comum da sociedade. Ademais, o aviltamento ao axioma em análise se caracteriza pela desarmonia entre a expressão formal do ato, substancializada na aparência, e a sua manifestação real, consistente na substância, criada e decorrente de impulsos subjetivos essencialmente viciados no que se refere aos motivos, à causa ou à finalidade da atuação administrativa. Quadra rememorar que a atividade estatal, independente do domínio institucional de sua incidência, está fundamentalmente subordinada à observância de parâmetros ético-jurídicos, os quais ressoam a consagração constitucional do preceito da moralidade administrativa, que se qualifica com valor constitucional emoldura de essência ética e içada à condição de axioma fundamental no processo de poder, subordinando, de modo estrito, o exercício, pelo Estado e seus agentes, da autoridade concedida pelo ordenamento normativo. Assim, o postulado em realce norteia a atuação do Poder Público, conferindo, por via de consequência, substância e dá expressão a uma pauta de valores éticos, nos quais se alicerça a própria ordem positiva do Estado. Desta sorte, é patente que o princípio constitucional da moralidade administrativa, ao estabelecer limitações ao exercício do poder estatal, legitima, de maneira proeminente, o controle de todos os atos do poder público que ofendam os valores éticos que devam sustentar, imperiosamente, o comportamento dos órgãos e dos agentes governamentais, não importando em que instância de poder eles estejam alocados. Com realce, o preceito da moralidade administrativa apresenta primazia sobre os demais corolários constitucionalmente formulados, porquanto é constituído, em sua essência, de elemento interno a fornecer a substância válida do comportamento público. Nesta esteira, toda atuação administrativa tem como ponto de partida os influxos decorrentes do cânone em exame e a ele se volta. Os demais princípios constitucionais, expressos ou implícitos, somente podem ter a sua leitura correta no sentido de admitir a moralidade como parte integrante de seu conteúdo. “Assim, o que se exige no sistema de Estado Democrático de Direito no presente, é a legalidade moral, vale dizer, a legalidade legítima da conduta administrativa”[17], conforme o magistério de Carmem Lúcia Antunes Rocha. Com o escopo de fortalecer as ponderações estruturadas, cuida trazer à colação a manifestação apresentada pelo Ministro Ricardo Lewandowski, ao apreciar o Recurso Extraordinário N° 579.951/RN, notadamente no que concerne ao princípio da moralidade, quando, com bastante pertinência, evidencia que: “Essa moralidade não é o elemento do ato administrativo, como ressalta Gordillo, mas compõe-se dos valores éticos compartilhados culturalmente pela comunidade e que fazem parte, por isso, da ordem jurídica vigente. A indeterminação semântica dos princípios da moralidade e da impessoalidade não podem ser um obstáculo à determinação da regra da proibição ao nepotismo. Como bem anota García de Enterria, na estrutura de todo conceito indeterminado é identificável um 'núcleo fixo' (Begriffhern) ou 'zona de certeza', que é configurada por dados prévios e seguros, dos quais pode ser extraída uma regra aplicável ao caso”[18]. Como bem pontua Ávila[19], o corolário constitucional da moralidade administrativa, em razão de sua essência, “estabelece um estado de confiabilidade, honestidade, estabilidade e continuidade nas relações entre o poder público e o particular, para cuja promoção são necessários comportamentos sérios, motivados, leais e contínuos”.    Alinhando-se a tais ponderações, não se pode olvidar que a partir da realidade inaugurada pela Carta de Outubro de 1988, a observância do baldrame em estudo, especialmente por parte dos agentes que integram a Administração Pública, passou a reunir aspectos e característicos que figuram como verdadeiros pressupostos de validade dos atos, independentes de estarem arrimados, ou não, em competência discricionária. Ora, não se pode olvidar que o preceito constitucional em exposição reunião valores de essência ética que sustentam a acepção de moralidade jurídica, notadamente no que se refere à atuação do administrador. Inclusive, há que se destacar que o STF, ao se manifestar em processo que trazia em seu bojo o assunto em comento, em oportunidade pretérita, consolidou o entendimento no qual o baldrame da moralidade administrativa condiciona a legitimidade e a validade dos atos estatais. Desta sorte, qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência, a atividade estatal está imperiosamente submetida à observância de parâmetros ético-jurídicos, que são refletidos de modo claro na consagração do princípio da moralidade no caput do artigo 37 da Carta de 1988. Nesta esteira, é possível colacionar robusto entendimento jurisprudencial que sustenta as ponderações vertida até o momento, consoante se inferem dos arestos: “Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade (…). O princípio da moralidade administrativa – Enquanto valor constitucional revestido de caráter ético-jurídico – Condiciona a legitimidade e a validade dos atos estatais. – A atividade estatal, qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência, está necessariamente subordinada à observância de parâmetros ético-jurídicos que se refletem na consagração constitucional do princípio da moralidade administrativa. Esse postulado fundamental, que rege a atuação do Poder Público, confere substância e dá expressão a uma pauta de valores éticos sobre os quais se funda a ordem positiva do Estado. O princípio constitucional da moralidade administrativa, ao impor limitações ao exercício do poder estatal, legitima o controle jurisdicional de todos os atos do Poder Público que transgridam os valores éticos que devem pautar o comportamento dos agentes e órgãos governamentais. (…)” (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADI 2.661 MC/ Relator: Ministro Celso de Mello/ Julgado em 05.06.2002/ Publicado no DJ em 23.08.2002, p. 70). “Ementa: Recurso ordinário em mandado de segurança. Concurso público. Aprovação dentro do número de vagas. Direito líquido e certo. Recurso provido. 1. O princípio da moralidade impõe obediência às regras insculpidas no instrumento convocatório pelo Poder Público, de sorte que a oferta de vagas vincula a Administração pela expectativa surgida entre os candidatos. 2. A partir da veiculação expressa da necessidade de prover determinado número de cargos, através da publicação de edital de concurso, a nomeação e posse de candidato aprovado dentro das vagas ofertadas, transmuda-se de mera expectativa à direito subjetivo. 3. Tem-se por ilegal o ato omissivo da Administração que não assegura a nomeação de candidato aprovado e classificado até o limite de vagas previstas no edital, por se tratar de ato vinculado. 4. Recurso provido para determinar a investidura da recorrente no cargo de Médico Generalista para o qual foi devidamente aprovada”. (Superior Tribunal de Justiça – Quinta Turma/ RMS nº 26.507-RJ/ Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho/ Julgado em 18.09.2008/ Publicado no DJe em 20.10.2008). O postulado em destaque tem o condão de conferir substância, ao tempo em que atribui expressão a uma plural tábua de valores éticos, servido, também, como pilar fundante da ordem positiva do Estado. Além do entalhado, patente se revela a necessidade de salientar que tal dogma legitima o controle jurisdicional de todos os atos do Poder Público que transgridam, ofendam ou inobservem os valores éticos que devem sustentar o comportamento dos agentes e órgãos governamentais. Ao lado disso, ao espancar a respeito do princípio da moralidade administrativa, importante destacar a robusta e singular lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, que assim versa: “De acordo com ele, a Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio Direito, configurando ilicitude que assujeita a conduta viciada a invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros de pauta jurídica, na conformidade do art. 37 da Constituição. Compreendem-se em seu âmbito, como é evidente, os chamados princípios da lealdade e boa-fé, tão oportunamente encarecidos pelo mestre espanhol Jesús Gonzáles Peres em monografia preciosa. Segundo os cânones da lealdade e da boa-fé, a Administração haverá de proceder em relação aos administrados com sinceridade e lhaneza, sendo-lhe interdito qualquer comportamento astucioso, eivado de malícia, produzido de maneira a confundir, dificultar ou minimizar o exercício de direitos por parte dos cidadãos”[20].      Concretamente, refletindo os ideários acobertados pelo princípio da moralidade administrativa, precipuamente seus valores ético-jurídicos, colhe-se julgados que, afetos à realidade que vigora no Estado Brasileiro, vedam os aumentos desmedidos dos cargos comissionados da Administração, principalmente quando estes não respeitam as técnicas de produção e aprovação legislativa. Entalhado no caput do artigo 37 da Constituição Federal de 1988[21], quadra anotar, em um primeiro momento, que o corolário da impessoalidade, enquanto axioma fundante dotado de proeminência e relevância no ordenamento jurídico, ultrapassa as barreiras de sua delimitação constitucional, figurando como verdadeira flâmula dos sobre-princípios, que, consigo, têm o condão de fundar a República Federativa do Brasil e que podem ser extraídos dos artigos 1º ao 4º da Carta da República. Com efeito, Amaral, ao discorrer sobre o tema em destaque, pontua, com bastante pertinência e acertadamente, que “não se trata de princípio específico da Administração Pública, consoante aparentemente prescreve o texto constitucional, mas de norma a qual estão vinculados todos os poderes do Estado”[22]. Como exemplo concreto da incidência do corolário em apreço, é possível mencionado o procedimento adotado para a elaboração das normas que integram o Ordenamento Jurídico Pátrio. Independente do ente federativo, as normas devem ser orientadas por critérios de generalidade, ou seja, não são cunhadas a partir de uma situação específica, nem tão pouco podem se revestir de caráter pessoal, sob pena de aviltamento dos aspectos característicos dos diplomar normativos. “Isto é, a lei não pode ser elaborada tendo em vista o rosto de determinado(s) administrado(s), sob pena de ofensa à impessoalidade”[23]. Prosseguindo em tais ponderações, ao volver os olhos para o Poder Judiciário, é plenamente possível verificar a manifestação dos ideários que emanam do princípio da impessoalidade, quando os magistrados se dão por suspeitos ou impedidos em determinadas causas. Ora, diante de tal cenário, é assegurada a imparcialidade que figura como dever do julgador, ao analisar as causas que lhe são apresentadas, e que tem como base de estruturação a impessoalidade. Como bem leciona o mestre Gasparini, “a atividade administrativa deve ser destinada a todos os administrados, dirigida aos cidadãos em geral, sem determinação de pessoa ou discriminação de qualquer natureza”[24]. Neste sentido, inclusive, necessário se faz colacionar os arestos que: “Ementa: Apelação Cível – Mandado de Segurança – Contratação Temporária – Professor – Processo Seletivo – Encerramento – Perda do Objeto – Inocorrência – Aplicação do Art. 515, §3º do CPC – Validade do Diploma Apresentado – Candidata que preenche os requisitos do edital – Violação ao princípio da legalidade e da impessoalidade – Recurso Provido. (…) 4 – Sabe-se que o princípio da impessoalidade objetiva justamente a igualdade de tratamento que a Administração deve dispensar aos administrados que se encontrem em idêntica situação jurídica. 5 – No caso em comento, além da flagrante violação ao princípio da legalidade, eis que a apelante preencheu os requisitos do edital e mesmo assim foi eliminada do certame, verifica-se o desrespeito ao princípio da impessoalidade, pois, diante de duas candidatas com mesma qualificação profissional, a Administração deu tratamento diferenciado. 6 – Recurso provido. Segurança concedida.” (Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo – Terceira Câmara Cível/ Apelação Cível 20103566780/ Relator: Desembargador Roberto da Fonseca Araújo/ Relator Substituto: Desembargador Luiz Guilherme Risso/ Julgado em 24.01.2012/ Publicado no DJe em 09.02.2012). “Ementa: Remessa Necessária e Apelação Cível – Concurso Público – Princípio da Legalidade – Vinculação ao Edital – Curso de Formação – Necessidade de Aprovação – Pontuação Mínima – Razoabilidade da Norma – Princípio da Impessoalidade, Eficiência, Isonomia – Recurso Provido. (…) 3. O concurso público deve possuir como norte a aplicação dos princípio da impessoalidade, eficiência e isonomia. 4. Com base no princípio da impessoalidade, o alvo a ser alcançado pela Administração deve ser o interesse público, e não o interesse do particular, porquanto haverá nesse caso sempre uma atuação discriminada. 5. O princípio da eficiência visa, além de reduzir os desperdícios de dinheiro público, a execução dos serviços públicos com presteza, perfeição e rendimento funcional, afastando a antiga ideia de deficiência da prestação do serviço. 6. Conceder nova possibilidade de realizar outro Curso de Formação quando o candidato já foi considerado reprovado por não atender aos critérios estabelecidos nas normas daquele, fere tanto o princípio da impessoalidade e da eficiência, como também o da isonomia, pois estará concedendo ao aluno chance a que aos demais não foram oferecidas. 7. Mostra-se de acordo com o princípio da razoabilidade a regra estabelecida no art. 66 do NPCE para que o aluno seja considerado aprovado no Curso de Formação. 8. Recurso provido”. (Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo – Quarta Câmara Cível/ Remessa Ex-officio 24090041955/ Relator: Desembargador Telemaco Antunes de Abreu Filho/ Julgado em 20.06.2011/ Publicado no DJe em 07.07.2011). Busca-se, por meio desse corolário, pôr por terra a antiga e aviltante prática do atendimento do administrado em razão do prestígio que detém ou ainda porque o agente público a ele (administrado) deve alguma espécie de favor ou obrigação, como bem aponta o doutrinador ora mencionado.  Como tão bem destaca Di Pietro[25], o princípio da impessoalidade desfralda, como luz maior, que a Administração Pública, pautando-se no interesse público que imperiosamente norteia seu agir, não pode ter objetivas prejudicar ou beneficiar pessoa(s) determinada(s). Nesta linha de exposição, revela-se necessário colher o entendimento de Meirelles, no que concerne ao princípio da impessoalidade, em especial quando destaca: “O princípio da impessoalidade, referido na Constituição/88 (art. 37, caput), nada mais é do que o clássico princípio da finalidade, o qual impõe ao administrador público que só pratique o ato para seu fim legal. E o fim legal é unicamente aquele que a norma de Direito indica expressamente ou virtualmente como objetivo do ato, de forma impessoal. Esse princípio também deve ser entendido para excluir a promoção de autoridade ou servidores públicos sobre suas realizações administrativas (CF, art. 37, §1°). E a finalidade terá sempre um objetivo certo e inafastável de qualquer ato administrativo: o interesse público. Todo ato que se apartar desse objetivo sujeitar-se-á a invalidação por desvio de finalidade, que a nossa lei da ação popular conceituou como o “fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência” do agente”[26]. Ora, em razão dos influxos provenientes do corolário da impessoalidade, os quais reclamam que os atos sejam praticados sempre com finalidade pública, o administrador fica obstado de buscar outro objetivo ou mesmo de buscar promover os interesses próprios ou de terceiros. É possível, todavia, que o interesse público coincida com o de particulares, tal como ocorre costumeiramente nos atos administrativos negociais e nos contratos públicos, situações em que é permitido conjugar a pretensão do particular com o interesse coletivo. Insta ponderar, ainda, que a vedação apresentada pelo cânone em comento se estrutura na prática do ato administrativo sem interesse público ou conveniência para a Administração, visando unicamente satisfazer interesses privados, por favoritismo ou perseguição dos agentes governamentais, sob a forma de desvio de finalidade. 3 Primeiros Comentários à caracterização do Nepotismo Historicamente, ao analisar a origem do nepotismo no território brasileiro, denota-se que seu nascedouro é oriundo da confusão entre o público e o privado, conforme pontua Almeida[27]. Ora, a premissa que “permite” que o patrimônio público e seus interesses possam se confundir com o patrimônio e os interesses dos particulares poderosos adentrou a história do Brasil colonial, imperial e republicano, desdobrando seus efeitos até os dias atuais. O nepotismo, no cenário brasileiro, apresenta-se como uma prática odiosa que corrompe o interesse público, na condição de supremacia orientadora do agir do administrador, erigindo, em seu lugar, a tradicional máquina como mecanismo para atendimento de interesses pessoais. Nesta linha, o nepotismo pode ser descrito como a concessão de privilégio ou de cargos na Administração Pública sob o exclusivo influxo dos laços de parentesco. Acquaviva[28], inclusive, descreve que o nepotismo é a prática por meio da qual uma autoridade pública nomeia um ou mais parentes próximos para o serviço público ou, ainda, lhes confere outros favores, com o escopo de ampliar sua renda ou ajuda a montar um equipamento político, em lugar de cuidar da promoção e do bem-estar público. Neste cenário, é possível classificar o nepotismo em: direto (ou próprio), indireto, cruzado e trocado. O denominado nepotismo direto ou próprio caracteriza-se como a forma mais usual, tendo assento quando a autoridade competente nomeia parentes seus nas linhas reta, colateral ou por afinidade (cônjuge, companheiro, filho, neto, bisneto, irmão, tio, sobrinho, sogro, genro, nora, cunhado) até o terceiro grau para a execução do serviço público. Trata-se de modalidade com maior facilidade de detecção, em razão da proximidade do grau de parentesco. O verbete contido na súmula vinculante nº 13 explicita que estão excluídos da vedação os primos, porquanto são considerados parentes colaterais em quarto grau. Além disso, no que atina aos parentes por afinidade em linha reta, insta rememorar que o Código Civil, de maneira expressa, menciona que o vínculo não é extinto com a dissolução do casamento ou da união, conforme dicção do §2º do artigo 1.595. Logo, em razão de tal redação, a nomeação de ex-sogro ou ex-sogra, tal como “ex-genro” ou “ex-nora” pode configurar o nepotismo direto. Por sua vez, o nepotismo indireto se configura quando a autoridade, dotada de poderes para tanto, nomeia parentes de subordinados seus. Desse modo, é interessante destacar que a nomeação pelo prefeito de parentes do vice-prefeito para cargos comissionados não configuraria nepotismo indireto. Tal fato decorre da premissa que inexiste a hierarquia ou a subordinação do agente político (vice-prefeito) à autoridade nomeante (prefeito), conforme elucida Rodrigues[29]. A redação do verbete sumular nº 13 dicciona, com clareza, em “nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade […] da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento”[30]. Assim, o vice-prefeito é um agente político eleito, e não somente um servidor público no sentido estrito do termo, gozando, dessa forma, da independência típica dos agentes políticos, não se encontrando subordinado ao prefeito (autoridade nomeante). Rodrigues[31], ainda, em mesma trilha, menciona que a nomeação de parentes de um desembargador, de um procurado de justiça ou de um deputado, nos lindes literais da súmula vinculante nº 13 não constituiria nepotismo, porquanto a autoridade nomeante seria o presidente do Tribunal, o procurador-geral de Justiça ou o presidente da Assembleia Legislativa. Ademais, como os membros destes órgãos são agentes políticos, não se encontram subordinados à autoridade nomeante e nem exercendo cargos de direção, chefia ou assessoramento, não se subsumindo aos termos explicitados por aquela súmula. Em que pese tais situações não se encontrarem compreendidas pelo círculo proibitivo da súmula vinculante, há que se explicitar, fincado nos princípios da moralidade e da impessoalidade, que tais práticas são vedadas. Por sua vez, o nepotismo cruzado – também, nominado de impróprio, dissimulado ou por reciprocidade -, consiste em uma espécie de troca de favores, um ajuste que assegura nomeações recíprocas entre os “Poderes” do Estado, tal como Prefeitura e Câmara Municipal; Executivo Estado, Assembleia Legislativa e Judiciário. Trata-se de cenário em que o prefeito contrata um parente do presidente da Câmara e este, por sua vez, nomeia um parente do prefeito. Rodrigues afiança que “o nepotismo cruzado pressupõe um ajuste para designações ou nomeações recíprocas. Esse ajuste tem de ser provado para configurar a categoria nepótica”[32]. Trata-se de modalidade que, na prática, é difícil de ser provada, sobretudo em relação ao desvio de poder, porquanto o agente não declara sua verdadeira intenção; ao reverso, ele busca ocultá-la com o escopo de produzir a enganosa impressão de que o ato é ilegal. Em decorrência de tal cenário, o desvio de poder comprova-se por meio de indícios. Por derradeiro, dentre as modalidades de nepotismo reconhecidas pela doutrina pátria, cuida mencionar que a redação da súmula vinculante nº 13[33] afixa situação em que a prática dá-se dentro da mesma pessoa jurídica e em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios. Desse modo, as designações recíprocas aludidas pelo verbete estão circunscritas ao âmbito da mesma pessoa jurídica (município, estado, Distrito Federal ou União), rendendo ensejo à prática do nepotismo cruzado. Contudo, se as designações recíprocas ocorrerem entre pessoas jurídicas distintas – a exemplo de dois municípios, dois estados ou até entre um município e um estado -, tem-se uma nova modalidade de nepotismo reconhecida pela doutrina, o nepotismo trocado. Em que pese o silêncio do verbete, entende-se que tal prática encontra vedação no Texto Constitucional. 4 A Vedação Constitucional da Prática do Nepotismo O nepotismo pode se examinado à luz de dois aspectos, a saber: uma natureza objetiva e outra de natureza subjetiva. Rodrigues[34] assinala que o aspecto objetivo está concentrado na efetivação relação de parentesco existente entre o nomeante e o nomeado. Desta feita, havendo a relação de parentesco, resta subsumida a figura do nepotismo, demandada em seu aspecto objetivo. Noutra dimensão, o elemento subjetivo consiste no propósito deliberado de satisfazer a interesses pessoais advindos da nomeação do familiar ou de privilegiar o vínculo sanguíneo. Sem embargos, estará presente o aspecto subjetivo do nepotismo quando o escopo da escolha do parente para a ocupação do cargo em comissão ou função de confiança for a satisfação pessoal decorrente do laço familiar. Em termos técnicos, para a substancialização da prática do nepotismo, é necessário a presença concomitante dos dois elementos, objetivo e subjetivo. Há exemplos de situações que objetivamente materializam nepotismo – a exemplo do cargo de natureza política ou parentes que ocupam cargos por meio de concurso público -, mas não subjetivamente. A comprovação, porém, do elemento subjetivo é mais complexa, motivo pelo qual a simples presença do aspecto objetivo, concernente ao grau de parentesco, vem se apresentando como suficiente para caracterizar tal prática. De acordo com Rodrigues, “o caráter objetivo da constatação da situação a envolver nepotismo torna irrelevante, até por indecifrável em muitos casos, o elemento anímico presente no ato de nomeação”[35]. Neste talvegue, é observável, com clareza ofuscante, que a Constituição Federal, em especial por meio dos princípios da moralidade e da impessoalidade, enquanto estertores peculiares à Administração Pública, bem como o corolário da isonomia (igualdade de tratamento e iguais oportunidades de acesso aos mais diversos níveis de administração pública), todos estes aplicáveis à administração pública, veda a prática do nepotismo. Desta feita, partindo-se do princípio hermenêutico da hierarquia da norma constitucional e do método sistemático de interpretação do Texto Constitucional, denota-se que inexiste a exigência de uma lei para que a regra seja respeitada por todas as entidades políticas. Neste sentido, antes da edição da súmula vinculante nº 13, já era o entendimento da jurisprudência do Excelso Pretório: “Ementa: Administração Pública. Vedação nepotismo. Necessidade de lei formal. Inexigibilidade. proibição que decorre do art. 37, caput, da CF. RE provido em parte. I – Embora restrita ao âmbito do Judiciário, a Resolução 7/2005 do Conselho Nacional da Justiça, a prática do nepotismo nos demais Poderes é ilícita. II – A vedação do nepotismo não exige a edição de lei formal para coibir a prática. III – Proibição que decorre diretamente dos princípios contidos no art. 37, caput, da Constituição Federal”. (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ RE 579.951/ Relator: Ministro Ricardo Lewandowski/ Julgado em 20.8.2008/ Publicado no DJe de 24.10.2008). A súmula vinculante nº 13, por seu turno, conferiu aos princípios da moralidade e da impessoalidade o aspecto de autoaplicabilidade, sendo desnecessária a edição de lei em sentido formal para regular tal temática.       “A conduta do administrador público deve-se limitar não apenas à disposição literal da lei, mas também à aplicação da moralidade, dos bons costumes, ao poder-dever de probidade, que resguarde a confiabilidade do administrado”[36]. A vedação ao nepotismo afeta ocupantes de cargos em comissão, função de confiança e empego de contratação excepcional ou temporário. Logo, se o parente em exercício de função gratificada ou comissionada for servido efetivo, não há que se falar em incompatibilidade, porquanto, de acordo com a redação do inciso V do artigo 37 da Carta Federal de 1988, as funções de confiança são exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargos efetivos. Ora, compreende-se por cargos em comissão aqueles cujo provimento dispensa concurso público e são ocupados, precariamente, por pessoas do círculo de confiança da autoridade nomeante, que pode exonerar livremente. Neste sentido, transcreve-se parte do voto proferido pelo Ministro Ayres Britto, quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 579.951: “Então, quando o art. 37 refere-se a cargo em comissão e função de confiança, está tratando de cargos e funções singelamente administrativos, não de cargos políticos. Portanto, os cargos políticos estariam fora do alcance da decisão que tomamos na ADC nº 12, porque o próprio capítulo VII é Da Administração Pública enquanto segmento do Poder Executivo. E sabemos que os cargos políticos, como por exemplo, o de secretário municipal, são agentes de poder, fazem parte do Poder Executivo. O cargo não é em comissão, no sentido do artigo 37. Somente os cargos e funções singelamente administrativos – é como penso – são alcançados pela imperiosidade do artigo 37, com seus lapidares princípios. Então, essa distinção me parece importante para, no caso, excluir do âmbito da nossa decisão anterior os secretários municipais, que correspondem a secretários de Estado, no âmbito dos Estados, e ministros de Estado, no âmbito federal.” (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ RE 579.951/ Relator: Ministro Ricardo Lewandowski/ Voto do Ministro Ayres Britto/ Julgado em 20.8.2008/ Publicado no DJe de 24.10.2008). As funções de confiança, em tal conjuntura, são preenchidas pela livre escolha da autoridade competente, contudo o nomeado deve integrar o quadro interno da administração público, aspecto responsável por distingui-las dos cargos em comissão. Sendo assim, para incidência da redação do verbete vinculante nº 13, o nepotismo só pode ser considerado existente dentro da mesma pessoa jurídica se houver nomeação de parentes (até terceiro grau) da autoridade nomeante ou, ainda, se houver, dentro da mesma pessoa jurídica, parente de pessoa nomeada também investida em cargo em comissão ou função gratificada. Para tanto, compreende-se as designações ou nomeações recíprocas (nepotismo cruzado) como integrantes do mesmo esquema. Estabelecidos tais pontos, convém afixar que algumas situações, conquanto presentes alguns elementos constitutivos da prática nepótica vedada, não se verifica o nepotismo constitucionalmente vedado, sendo possível mencionar quando: (i) o parente já é servidor efetivo numa determinada entidade política; (ii) a nomeação de parente para ocupar cargo de natureza política, como: ministros, secretários de estados e secretários municipais; (iii) o servidor (efetivo ou não) que já exercia cargo em comissão (ou de confiança) ou função gratificada antes de seu parente ser eleito ou nomeado – nas hipóteses de secretários ou ministros; (iv) não se verifica a prática vedada quando o casamento ou o início da união estável se der posteriormente ao tempo em que os cônjuges ou os companheiros já estavam no exercício dos cargos ou funções; (v) a contratação de serviços ou de produtos de empresas pertencentes a parentes de gestor, desde que tenha se submetido ao processo regular de licitação[37]. Ademais, como bem anota Carvalho Filho[38], o preceito em exame apresenta como fito a isonomia de tratamento que a Administração deve dispensar aos administrados que se encontram em idêntica situação jurídica, consubstanciando, neste ponto, uma das múltiplas facetas apresentadas pelo princípio da igualdade. Doutro viés, para que reste materializada a verdadeira impessoalidade, tal como ambicionado pelo preceito em tela, incumbe a Administração volver sua atuação exclusivamente para o interesse público, e não para o privado, vedando, por consequência, que ocorra o favorecimento de uns indivíduos em detrimento de outros, bem como prejudicados alguns para favorecimento de outros. Nesta senda, é possível colacionar os entendimentos: “Ementa: Recurso em mandado de segurança. Nepotismo. Prática ofensiva aos princípios constitucionais. Violação de direito líquido e certo. Inocorrência. Súmula Vinculante Nº 13/STF. Aplicabilidade. 1. A nomeação de cunhado da autoridade nomeante ou indicado por ela para ocupar cargo em comissão no Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás viola os princípios constitucionais da moralidade, impessoalidade e eficiência. 2. Não configura ameaça de lesão a direito líquido e certo o ato do Presidente do Tribunal de Contas do Município que, ao constatar a configuração de nepotismo, faz cumprir determinação contida na Súmula Vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal. 3. Recurso em mandado de segurança improvido.” (Superior Tribunal de Justiça – Primeira Turma/ RMS 31.947/GO/ Relator: Ministro Hamilton Carvalhido/ Julgado em 16.12.2010/ Publicado no DJe em 02.02.2011). “Ementa: Administrativo. Ação civil pública. Improbidade administrativa. Nepotismo. Violação de princípios da administração pública. Extinção da ação. Art. 17, §§ 7º e 8º, da LIA. Impossibilidade. Retorno dos autos para julgamento do mérito da ação civil pública. (…) 5. O ato de favorecimento do marido pela Juíza importa, necessariamente, em violação do princípio da impessoalidade – já que privilegiados interesses individuais em detrimento do interesse coletivo. É também dissonante com o princípio da moralidade administrativa, pois fere o senso comum imaginar que a Administração Pública possa ser transformada em um negócio de família. (Nesse sentido: GARCIA, Emerson. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, 4ª Edição, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008 págs. 401-407). 6.  "A prática de nepotismo encerra grave ofensa aos princípios da Administração Pública e, nessa medida, configura ato de improbidade administrativa, nos moldes preconizados pelo art. 11 da Lei 8.429/1992." (REsp 1.009.926/SC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 17.12.2009, DJe 10.2.2010). 7. In casu, verifica-se a contrariedade aos artigos 17, §§ 7º e 8º, da Lei n. 8.429/92, porque há, em tese, a realização de conduta violadora de princípios da administração pública a ser apurada no âmago do processo, sobre o crivo do contraditório e da ampla defesa. Agravo regimental improvido”. (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ AgRg no REsp 1.204.965/MT/ Relator: Ministro Humberto Martins/ Julgado em 02.12.2010/ Publicado no DJe em 14.12.2010). Prima realçar, também, que o desvio de conduta em análise materializa uma das mais insidiosas modalidades de abuso de poder. A administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie. O principio da impessoalidade objetiva a igualdade de tratamento que a Administração deve dispensar aos administrados que se encontrem em idêntica situação jurídica. Ademais, no caso do princípio em comento, de bom alvitre se revela citar o voto do Ministro Ricardo, ao relatoriar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.259 MC/PB, firmou seu entendimento no sentido: “[…] o referido princípio traduz a ideia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie. O princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia. E a norma jurídica atende o princípio da igualdade quando é geral, abstrata, ou seja, não é editada com vistas a beneficiar um indivíduo”[39]. Assim, as condutas de identificação de candidatos em concurso público, por exemplo, é robusta e clara manifestação que desrespeita, atenta e fere de morte o princípio da impessoalidade, pois, “sendo identificado o candidato no recurso administrativo, bem como a inobservância do Edital do certame, deve este ser anulado, para fins de evitar o prejuízo ou benefício de alguns candidatos”[40]. Ao lado disso, deve-se destacar, com fortes cores e grossos traços, que o baldrame da impessoalidade, como princípio constitucional norteador da Administração Pública, valoriza o ingresso dos administrados no serviço público, por meio de concurso, dotado de linhas claras a favorecer aqueles que reúnem a competência e capacidade e não aqueles que se valem da influência de terceiros, evitando-se, por consequência, o fortalecimento do famigerado nepotismo.
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Análise processual transversal da demarcação de terras tradicionalmente ocupadas por indígenas e sua judicialização
O trabalho foi realizado em revisão bibliográfica com objetivo de desmistificar o trâmite do processo de demarcação de terras tradicionalmente ocupadas por indígenas em uma análise tanto panorâmica sobre a atribuição territorial brasileira, quanto transversal para o entendimento destes processos em estudo comparado da Constituição Federal, Lei Federal nº 6.001/1973, Decreto Federal nº 1.775/1996 e Lei Federal nº 9.784/1999. A melhor compreensão de todas as etapas do processo administrativo de demarcação permite uma visão mais ampla dos preceitos, princípios e garantias constitucionais e infraconstitucionais aplicados ao caso, também permite melhor compreensão sobre as medidas judiciais cabíveis para preservar todos estes direitos, com entendimento sobre as possibilidades legais processuais e os respectivos efeitos das ações judiciais cabíveis, sejam elas processuais possessórias, ordinárias, anulatórias, constitucionais ou reclamatórias. A revisão bibliográfica realizada, aponta a necessidade de maior aproveitamento dos atos administrativos nos processos de demarcação em questão, da mesma forma em que demanda, alguns pontos de reestruturações do Decreto Federal nº 1.775/1996, reforçando a necessidade de conhecer de maneira transversal, a demarcação de terras tradicionalmente ocupadas por indígenas.
Direito Administrativo
Introdução A atribuição territorial brasileira tem demonstrado insegurança jurídica fundiária e geração de conflitos, conforme pesquisa realizada pelo Grupo de Inteligência Territorial Estratégica (GITE) da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) dedicado, por meio de análises comparativas com o Cadastro Ambiental Rural (CAR) a concluir algumas estatísticas relacionadas à distribuição territorial brasileira e as áreas atribuídas sem planejamento estratégico, tal como é o caso das terras indígenas (Embrapa, 2017). Referido estudo demonstra que os Governos federal e estaduais atribuíram legalmente, até abril de 2017, mais de 37,1% do território nacional a unidades de conservação, terras indígenas, comunidades quilombolas e assentamentos de reforma agrária sem planejamento estratégico adequado, resultando na pressão de diversos grupos sociais e políticos, nacionais e internacionais. Seriam um total de 12.184 (doze mil, cento e oitenta e quatro) áreas, em 312.924.844 hectares, atribuídas destinadas às referidas políticas públicas, por sua vez, respectivamente originárias de legislação agroambiental e que trouxeram grande fragmentação ao território nacional. A pesquisa se representa pelo seguinte mapa, disponível no mesmo endereço eletrônico da pesquisa: Especificamente com relação às áreas indígenas (tradicionalmente ocupadas, reservas e áreas de domínio), a Embrapa se baseia em informações do CAR e ainda da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, com o apontamento de 600 (seiscentas) terras indígenas ocupando 14% (quatorze por cento) do território nacional em uma área de 117.956.054 hectares até abril de 2017 do total de 851 milhões de hectares do território nacional, dispostos como segue na figura abaixo. A população indígena brasileira, segundo informações da própria Funai chega a aproximadamente 900 (novecentos) mil índios ocupando estes quase 118 milhões de hectares, correspondendo a pouco mais de 130 (cento e trinta) hectares para cada indígena brasileiro, nestes 14% por cento do território, enquanto em países como os Estados Unidos apontam uma população muito superior de indígenas, sendo 5 milhões ocupando 19,6 milhões de hectares de terras indígenas, apresentando então uma proporção de 3,92 hectares por indígena, considerando ainda uma informação cultural interessante da qual relata que 22% destes indígenas americanos, apenas, vivem em terras indígenas. A exposição meramente geométrica destes argumentos, não se propõe a instigar ainda mais o conflito, visto que há teses e pesquisas sustentando contrapontos entre as concepções de terras e domínios para indígenas e a propriedade de não indígenas, muito pelo contrário, o Brasil necessita ser visto sob a ótica sistêmica e analítica da atribuição territorial para garantia de desenvolvimento sustentável, não se sustenta discutir conflitos de áreas entre domínios e propriedades, há uma importância mundial implícita neste sentido, econômico, ambiental e sociocultural. E afinal, onde tem justiça, tem espaço para todos. Esta falha brasileira de atribuição territorial ordenada, não produz apenas conflitos sociais, como também impactos diretos no desenvolvimento sustentável, o que foi comprovado por Wosgrau (2015), em pesquisa apresentada junto à Universidade Federal da Grande Dourados, apontando estes reflexos junto ao valor bruto de produção da soja e milho no estado de Mato Grosso do Sul. Referida pesquisa, antes de aperfeiçoar as questões econômicas, partiu exatamente do ponto nodal da questão, a titulação de áreas ocorridas no estado, a partir da Lei Complementar nº 31, de 11 de outubro de 1977 a qual desmembrou Mato Grosso do Sul, levando à titulação dos imóveis à época. A pesquisa então conclui, dentre outros aspectos, que: “[…] A complexidade sobre o uso da terra e os conflitos pelo direito de seu uso, devem ser tratados pelo prisma social, ambiental e econômico. Mesmo considerando todos esses fatores que estão interligados, este trabalho tratará de forma exclusiva sobre as influências das demarcações indígenas sobre a economia do estado de MS particularmente no setor agropecuário. […] o que mais impele esse tema sobre a questão do uso da terra pelos indígenas no MS é o fato de que os 28 municípios identificados e que poderiam ter parte de suas áreas destinadas aos indígenas, ocupam pouco mais de 47% da área do estado, porém concentram a produção daquelas culturas com um VBP da soja que representa 60% do VBP total e o milho 67% do VBP total.” Eis a importância de estudar detalhadamente qualquer política pública de atribuição territorial, não apenas a indígena, como também as ambientais e demais terras tradicionais ou oriundas de políticas fundiárias, permitindo um aproveitamento estratégico das terras brasileiras com relação à logística, produção, economia, preservação e demais questões. Um território precisa ser trabalhado de maneira inteligente em suas políticas públicas para subsistir com eficiência em suas funções sociais e sustentáveis. A população indígena do Mato Grosso do Sul, por sua vez, segundo o IBGE (2010), é a segunda maior população indígena do País, no total de 73.295 Índios distribuídos em 29 municípios, dos 78, em aldeias ou terras demarcadas e da população total do estado, são 3% (três por cento), de maneira que apenas em Dourados/MS, são 6.081 índios da aldeia Horta Barbosa e 5.065 índios do prolongamento da aldeia localizada no município de Itaporã. Ainda segundo a Fundação Nacional do Índio (2016), desde o ano de 1988 com a promulgação da Constituição Federal, posteriormente o estabelecimento do marco temporal pelo Supremo Tribunal Federal, estima-se que haviam 16 (dezesseis) terras indígenas homologadas e regularizadas, número este que até 1992 subiu para 21 (vinte e uma áreas), representando 31% de aumento; 59 áreas em 2001, com 268% de aumento; 81 (oitenta e uma) áreas em 2006, aumentando 406%; 94 (noventa e quatro) áreas em 2011 (487%), 110 (cento e dez) em 2013 (587%) e 118 (cento e dezoito) em 2016, somando uma ampliação de 587% de áreas de marcadas desde aquele marco inicial. Interessante entendimento de Souza (2017, p. 22-37) já que o processo de demarcação de terras indígenas envolve, de fato e de direito, múltiplos interessados, não apenas índios, como proprietários, posseiros, cidadãos urbanos e rurais das redondezas, entes federativos, a economia, meio ambiente e cultura local. 1. Análise processual administrativa transversal da demarcação de terras tradicionalmente ocupadas por indígenas Conhecer como se dá o processo administrativo de demarcação é essencial para compreender as garantias legais inerentes, seja para as partes envolvidas, seja para os entes públicos e entidades envolvidos, tal como possivelmente partícipes dos processos de demarcações. O ponto nodal do estudo processual sobre as demarcações de terras tradicionalmente ocupadas está na compreensão de que o Decreto Federal nº 1.775/1996 não regulamenta o art. 231 da Constituição Federal; o que ele faz é regulamentar especificamente o art. 17, I da Lei Federal nº 6.001/1973. Assim dispõe expressamente o art. 1º de tal decreto: “Art. 1º As terras indígenas, de que tratam o art. 17, I, da Lei n° 6001, de 19 de dezembro de 1973, e o art. 231 da Constituição, serão administrativamente demarcadas por iniciativa e sob a orientação do órgão federal de assistência ao índio, de acordo com o disposto neste Decreto”. O Estatuto do Índio (Lei Federal nº 6.001/1973), determina no art. 19, que “As terras indígenas, por iniciativa e sob orientação do órgão federal de assistência ao índio, serão administrativamente demarcadas, de acordo com o processo estabelecido em decreto do Poder Executivo” e que só termina “homologada pelo Presidente da República” (art. 19, §1º). A mesma Lei Federal nº 6.001/1973 também determina em seu art. 17, I, que são terras indígenas aquelas ocupadas em critério temporal de ocupação e habitação, registrando as demais modalidades, áreas reservadas (inciso II) e terras de domínio indígena (inciso III), com defasagem no texto ao fazer referência aos artigos 4º, IV, e 198, da Constituição de 1965. E a Constituição Federal, de todos os cidadãos brasileiros, orienta no art. 231 que “São reconhecidos aos índios […] os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las […]”. É, portanto, inquestionável, competindo à União demarcar, todavia, não à Funai. Nos processos de demarcação “o devido processo legal estabelecido no art. 5º, LIV, da Constituição Federal faz referência à absoluta impossibilidade de que alguém seja privado de seus bens sem a observação do devido processo” (Stefanini, 2012, p. 156-157), sendo que, tal princípio, garante à ambas as partes envolvidas no processo de demarcação, comunidades indígenas ou proprietários, a legítima permanência na área sob estudo de tradicionalidade, impedindo-os de buscar garantia de direitos senão pelo devido processo legal, não justificando defesa de quaisquer esbulhos ou turbações, havidos em outras épocas, por eventual expulsão de suas terras. Sobre garantias constitucionais inerentes a estes processos, é interessante a leitura de Souza (2017, p. 22-37), que elenca em sua obra a nítida presença de vários princípios do direito administrativo nos processos de demarcação: motivação, duração razoável, oficialidade, transparência, legalidade e legitimidade, segurança jurídica e eficiência. É entendimento majoritário a aplicação da Lei Federal nº 9.784/1999 aos processos de demarcação de terras indígenas regidos pela Funai, já assentado pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal: “ADMINISTRATIVO. DEMARCAÇÃO. TERRAS INDÍGENAS. PROCESSO DE IDENTIFICAÇÃO E DELIMITAÇÃO DE TERRITÓRIO DE POSSÍVEL OCUPAÇÃO TRADICIONAL DA ETNIA KAINGANG. MUNICÍPIO DE MATO CASTELHANO/RS. FIXAÇÃO DE PRAZO PARA CONCLUSÃO DO PROCEDIMENTO. OMISSÃO ADMINISTRATIVA. DANO MORAL COLETIVO. – Reconhecida a ilegalidade da conduta omissiva da autoridade administrativa competente para dar andamento ao procedimento para identificação de possível terra indígena e para a sua eventual demarcação, impõe-se a fixação de prazo para que a FUNAI profira a decisão cabível no processo administrativo e promova o seu andamento legalmente previsto, nos termos da Lei nº 9.784/99, art. 49. […] (TRF4, APL 5005234-63.2014.404.7104/RS, Terceira Turma, Julgamento 25/10/2016 Relator Des. Ricardo Teixeira do Valle Pereira). […] 3. Não há nenhuma norma explícita no Decreto 1.775/96 obrigando a citação pessoal de todos os interessados, mas apenas a publicação do relatório no Diário Oficial da União, Diário Oficial do Estado, e na Prefeitura Municipal. Saliente-se ainda a lei 9.784/99, que rege o Processo Administrativo na esfera federal e pode ser aplicado subsidiariamente neste caso, estabelece seu art. 26, § 4º […]” (Mandado de Segurança n. 8.882/DF, relator Ministro Luiz Fux). Bem lembrado ainda por Stefanini (2012, p. 32-33) também que: “[…] esta atividade administrativa, por qualquer objeto que tenha, obedece a parâmetros constitucionais quais sejam o da legalidade, do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa e, quanto aos seus efeitos, observados os limites à vista da competência, constitucionalmente fixada”. A questão constitucional a ser observada nestes processos significa essencialmente garantir formalidades processuais, desde a legalidade, por todos os dispositivos legais já citados; o devido processo legal (art. 5º, LIV, CF) com a subsunção dos atos administrativos aos trâmites legais; contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV, CF) para preservação de todos os direitos e garantias individuais, não apenas observando formalidades processuais, como também no sentido de utilizar todos os meios de convencimento e provas, em direito admitidos. A tramitação de processos junto à referida autarquia fundacional federal, portanto, se está obrigatoriamente submissa à Lei Federal nº 9.784/1999, caminha para a observância aos princípios (art. 2º), direitos (art. 3º) e deveres (art. 4º) inerentes à referida tramitação. Enfim, o que se questiona nestes processos são essencialmente os critérios de identificação de áreas indígenas, os quais se determinam pelo fator temporal (permanência da ocupação); fator econômico, na utilização das terras para suas atividades; fator ecológico, diante da imprescindibilidade das terras para preservação dos recursos ao bem-estar da comunidade; e o fator cultural, também demográfico, representado pelas condições necessárias à reprodução física e cultural das manifestações da comunidade (Badin, 2006, p. 133-134). Os critérios supracitados desmembram-se em outras discussões mais, a tratar do critério da tradicionalidade, a posse permanente, a ocupação tradicional, posse imemorial, posse atual, o que abre então às contribuições da antropologia no processo demarcatório. Antes de adentrar ao rito processual administrativo, lembre-se: o art. 22 da Lei Federal nº 9.784/1999 é expresso ao prever que “Os atos do processo administrativo não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir” e, portanto, com o regramento legal ora citado, o qual rege passo a passo do processo de demarcação, deve o órgão de assistência ao índio cumpri-lo em sua íntegra, sob pena de nulidade dos próprios autos. 1.1. Início do processo administrativo de demarcação Baseado no art. 17, I da Lei Federal nº 6.001/1973, o Decreto nº 1.775/1996, orienta o processo demarcatório de terras ocupadas a iniciar-se com a formação de um grupo técnico (art. 2º, §1º) e a nomeação de “antropólogo de qualificação reconhecida” (art. 2º) para coordenar o referido grupo. Segundo o mesmo decreto, a portaria que dá início aos trabalhos de demarcação indicará prazo para elaboração dos estudos de identificação e delimitação da área por meio do conhecido “laudo antropológico” ou “relatório circunstanciado”, do qual segundo o decreto, realizará ainda estudos  complementares de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário necessários à delimitação. Souza (2017, p. 109-140) explica a evidente diferenciação entre as etapas: primeiramente o profissional antropólogo realiza o estudo antropológico de identificação e posteriormente, para a delimitação da área identificada e seus limites, o grupo técnico atua coordenado por ele. O assunto foi pauta de discussões no caso da PET 3888/RR no Supremo Tribunal Federal, famoso caso “Raposo Serra do Sol”, onde um dos tópicos da alegação de nulidade dizia respeito à assinatura do relatório por uma única pessoa, dentre um grupo interdisciplinar formado para tanto. Em seguida à formação do grupo técnico, há um prazo de trinta dias, contados da publicação do ato de sua constituição, para que órgãos públicos e entidades civis, facultativamente, prestem informações sobre a área objeto da identificação (art. 2º, §5º). Neste ponto é essencial observar que, sendo o relatório circunstanciado o documento mais importante para nortear e embasar todas as decisões posteriores, tanto pelo Poder Executivo (quem os homologa), quanto pelo Judiciário (em caso de questionamentos), questiona-se em eventual nulidade a qualificação do antropólogo, como também a devida formação do grupo técnico, condições sine qua non. A suspeição do antropólogo ou de membros do grupo técnico poderia ser arguida em sede administrativa com base no art. 18 e seguintes da Lei Federal nº 9.784/1999: “Art. 18. É impedido de atuar em processo administrativo o servidor ou autoridade que: I – tenha interesse direto ou indireto na matéria; II – tenha participado ou venha a participar como perito, testemunha ou representante, ou se tais situações ocorrem quanto ao cônjuge, companheiro ou parente e afins até o terceiro grau; III – esteja litigando judicial ou administrativamente com o interessado ou respectivo cônjuge ou companheiro. […] Art. 20. Pode ser argüida a suspeição de autoridade ou servidor que tenha amizade íntima ou inimizade notória com algum dos interessados ou com os respectivos cônjuges, companheiros, parentes e afins até o terceiro grau.” Não apenas a suspeição e o impedimento se colocam em questão com relação ao antropólogo e dos membros do grupo técnico, como também a exclusividade de sua atuação na responsabilidade de identificar terras tradicionalmente ocupadas, ou ainda a direção do grupo técnico, pois o conhecimento técnico especialista deve ser pluralista e transparente como demanda a segurança jurídica do ordenamento jurídico nacional (Souza, 2017, p. 109-140). A necessidade de laudos técnicos eficientes se reforça com o entendimento do art. 43 da Lei Federal nº 9.784/1999, já que este dispositivo legal determina que se os laudos não cumprirem o encargo no prazo assinalado, o órgão responsável pela instrução deverá solicitar laudo técnico de outro órgão dotado de qualificação e capacidade técnica equivalentes. Havendo judicialização do processo de demarcação nesta etapa, pode ainda haver a nomeação de perito nos autos, seguindo os ditames do art. 464 e seguintes do novo Código de Processo Civil e que, da mesma maneira, poderá ser questionado o antropólogo nomeado, por sua falta de qualificação, pelo que dispõe especificamente o art. 468, I do CPC ou ainda pelas controvérsias judiciais existentes em relação à suspeição de antropólogos diante da intimidade com grupos indígenas e sua própria peculiaridade técnica. Em sequência ao processo administrativo de demarcação, determina o art. 2º, §2º, que o relatório circunstanciado poderá ser realizado junto a órgão federal ou estadual específico, com nomeação de técnicos em vinte dias contados da data do recebimento da solicitação da Funai, o que também remete à curiosa indagação da formação de entidades públicas estaduais sobre o assunto, com a compilação de material suficiente para auxiliar os processos de demarcação, por vezes, tão controvertidos. O decreto traz um interessante conjunto de recursos, nem sempre ocorrentes em sua integralidade, os quais garantiriam maior eficácia do contraditório, ampla defesa e devido processo legal plenos, não apenas com a determinação de participação do grupo indígena envolvido (art. 2º, §3 º) em todas as fases, como também a “colaboração de membros da comunidade científica ou de outros órgãos públicos para embasar os estudos” (art. 2º, §4º). A disposição supracitada possui relação com o que trata no art. 33 da Lei Federal nº 9.784/1999, ao orientar que órgãos e entidades administrativas, em matéria relevante, poderão estabelecer outros meios de participação de administrados, diretamente ou por meio de organizações e associações legalmente reconhecidas. Não somente o art. 33, como também o artigo 38 da mesma lei, pois lembra que, o interessado poderá, na fase instrutória e antes da tomada da decisão, juntar documentos e pareceres, requerer diligências e perícias, bem como aduzir alegações referentes à matéria objeto do processo. 1.2. Instrução processual e participação de partes interessadas O decreto traz também a possibilidade, e não necessidade, da participação dos Estados e municípios em que se localiza a área estudada (art. 2º, §8º) – para estes últimos, observado o prazo de até noventa dias após a publicação da aprovação do relatório pela Funai no Diário Oficial da União. Nesta oportunidade, os entes federativos podem apresentar provas, títulos dominiais, laudos periciais, pareceres, declarações de testemunhas, fotografias e mapas, para o fim de pleitear indenização ou demonstrar vícios, totais ou parciais no relatório. Cabe a eles a respectiva exploração de suas competências na criação de grupos técnicos vinculados e com o dever de auxiliar nestes processos, possibilidade garantida não apenas pelo Decreto nº 1.775/1996, como também pelos artigos 34 e 35 da Lei Federal nº 9.784/1999. A intervenção estatal é completamente válida e pertinente na qualidade de portador dos títulos públicos conferidos historicamente aos particulares em seus territórios, os quais lhe garantiram direito de propriedade. A omissão da maioria dos estados na atuação ostensiva junto aos processos de demarcação, como se nota, diferente do que houve no Rio Grande do Sul, não geraria, por si só, indenização a seu desfavor, já que, como o art. 2º, §8º diz que “poderá” participar do processo, para que o Estado possa causar danos por omissão, oriunda de descuido no cumprimento de um dever legal, seria necessário justamente o dever legal de praticar determinado fato (de não se omitir), como entende Gonçalves (2009). Souza (2017, p. 141-146) faz firme defesa do interesse estatal neste processo, pois o Estado da federação afetado pela demarcação é fundamental para o resultado, já que os demais entes possuem responsabilidades e deveres institucionais de proteção aos indígenas. A Lei Federal nº 9.784/1999 deve ser explorada de maneira conjunta por todo seu capítulo X no que diz respeito à instrução processual, na busca pela verdade real em âmbito administrativo através dos documentos, pareceres, diligências e perícias competentes aos casos de demarcação de terras indígenas. Neste sentido, o art. 29 da referida lei determina que as atividades de instrução destinadas a averiguar e comprovar os dados necessários à tomada de decisão realizam-se de ofício ou mediante impulsão do órgão responsável pelo processo, sem prejuízo do direito dos interessados de propor atuações probatórias. Ao observar o artigo 31 da referida lei, que versa sobre a instrução processual dos autos em trâmite na Administração Pública Federal, você verá que, caso a matéria envolva “assunto de interesse geral”, há possibilidade de abrir consulta pública, por despacho motivado, para manifestação de terceiros antes da decisão final, de interessantíssima sugestão para o processo de demarcação de terras indígenas. 1.3. Diligências administrativas e suas formalidades Segundo a Lei Federal nº 9.784/1999, o órgão público deve observar, na efetivação das diligências, formalidades e prazos para intimação de interessados sob pena de nulidade (art. 26, §5º). As vistorias locais não podem seguir critérios aleatórios. Elas devem seguir àqueles referentes à comprovação de ocupação temporal da área pelas comunidades indígenas. O não comparecimento do interessado, ao revés da revelia judicial, não implica no reconhecimento da verdade dos fatos nem renúncia de direitos (art. 27, Lei nº 9.784/1999). Lembre-se que a comunicação dos atos processuais se rege pelos artigos 26 a 28; e a instrução processual pelos artigos 29 a 47, todos da Lei Federal nº 9.784/1999. Haverá tramitação prioritária quando houver presença de ocupantes não índios na área sob demarcação, mediante comprovação do grupo técnico (Art. 5º) e até que seja concluído processo demarcatório. A Funai tem ainda o poder de política de disciplinar o ingresso e trânsito de terceiros em áreas em que se constate a presença de índios “isolados” (art. 7º). A etapa descrita pelo art. 2º, §8º do decreto, possui especial relevância já que se pode comprovar a valoração das benfeitorias da sua propriedade através de todos os documentos e laudos, permitindo indenização posterior, pleiteada judicialmente pelos justos meios e valores. Um ponto omisso, que diz respeito à direitos de proprietários que desocuparão uma terra indígena homologada é a indenização pelas benfeitorias (art. 231, §6º, CF), já que nada consta no Decreto nº 1.775/1996 e poderá também ser assunto de ação judicial, cumulado com uma possessória ou de maneira autônoma, sem que haja procedimento específico definido em lei. Para casos excepcionais de conflito irreversível, impactos de grandes empreendimentos e impossibilidade técnica de reconhecimento de terra de ocupação tradicional, a Funai promove o reconhecimento do direito territorial das comunidades indígenas na modalidade de Reserva Indígena, em pareceria com os entes federativos, onde a União realiza compra direta, desapropriação ou recebe em doação o(s) imóvel(is) destinados para a da Reserva Indígena, o que confunde o instituto da demarcação de terra tradicional até então discutida em seu processo de demarcação. 1.4. Relatório circunstanciado e encaminhamento ao Ministério da Justiça Com a conclusão da identificação e delimitação, apresenta-se o relatório circunstanciado do grupo técnico e do antropólogo à Funai (art. 2º, §6º), devendo este ser aprovado pela referida autarquia no prazo de quinze dias da data em que o receber, publicando seu resumo no Diário Oficial da União, no Diário Oficial da unidade federada e na Prefeitura Municipal onde se localizar a área sob demarcação e o imóvel, esta última por meio de publicação fixada em sua sede, acompanhado de memorial descritivo e mapa da área. Não é uma faculdade do órgão de assistência ao índio fazer a divulgação em diário oficial da união, estatal e fixação de publicação na prefeitura local. É um dever da autarquia, podendo, também neste ponto, gerar nulidade dos autos de processo administrativo. Veja: “MANDADO DE SEGURANÇA – DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS – VIOLAÇÃO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA NO PROCEDIMENTO DEMARCATÓRIO – NULIDADE DA PORTARIA – SEGURANÇA CONCEDIDA. I – A teor do § 7º, do art. 2º, do Decreto 1.775/96, é necessária a publicação, nos órgãos da imprensa oficial (nacional e estadual), dos relatórios descritivos das áreas demarcadas. É necessária, também, a afixação de tais publicações na sede da Prefeitura Municipal da situação do imóvel. II – Resultante de procedimento em que não se respeitou o § 7º, do art. 2º, do Decreto 1.775/96, a Portaria 1.192/01 do Sr. Ministro da Justiça é nula. III – Segurança concedida para declarar nula a Portaria 1.192/01 e determinar que o procedimento administrativo retorne à fase das publicações.” (STJ, MS8241/DF, Primeira Seção, Publicação DJ 14.10.2002 p. 183, RSTJ vol. 166 p. 41, Julgamento 28/08/2002, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros). Após publicações, os autos chegam a uma fase semifinal. Nos sessenta dias subsequentes aos quinze dias da publicação do relatório circunstanciado, o órgão federal de assistência ao índio encaminhará o respectivo procedimento ao Ministro de Estado da Justiça (art. 2º, §9º), juntamente com pareceres relativos às razões e provas apresentadas. O Ministro, por sua vez, possui até trinta dias, após o recebimento do procedimento, para decidir. As possibilidades de decisão resumem-se a três:1) declarar, mediante portaria, os limites da terra indígena, determinando a sua demarcação; 2) prescrever diligências que julgue necessárias, cumpridas no prazo de noventa dias; ou 3) dar improcedência à identificação da terra indígena, remetendo os autos ao órgão federal de assistência ao índio. Atenção: a devolução à Funai se faz mediante decisão fundamentada, circunscrita ao não atendimento do disposto no § 1º do art. 231 da Constituição e demais disposições pertinentes (art. 2º, §10). Atente-se ao fato de que o ato decisório final do processo é um ato administrativo qualificado de composto, já que não basta apenas a prática do ato administrativo por uma autoridade que edita o ato principal, como o Ministro da Justiça; há necessidade também de confirmação homologatória pelo Presidente da República, em ato complementar e subsequente, dando-lhe então a exequibilidade para registro e ocupação (SOUZA, 2017). Após o decreto homologatório (art. 5º), o ato final propriamente dito destes processos de demarcação é o registro imobiliário, cuja responsabilidade é do órgão de assistência ao índio, trinta dias após a publicação do decreto de homologação, devendo promover anotação na Secretaria do Patrimônio da União (art. 6º). 1.5. Síntese esquematizada e comparativa do processo de demarcação pelo Decreto Federal nº 1.775/1996 e a Lei Federal nº 9.784/1999   2. Judicialização de etapas do processo de demarcação e os efeitos das decisões Cabe observar, ao tratar da judicialização de etapas do processo administrativo de demarcação que  existem muitos pontos a serem debatidos nos poucos artigos do Decreto Federal nº 1.775/1996, entretanto muitas são as possibilidades processuais de questionamento judicial da violação de garantias ocorridas em tais processos, ao exemplo das ações possessórias (art. 554 e seguintes, CPC), ações anulatórias (art. 19, I, CPC c/c Decreto 1.775/1996 e Lei 9784/1999), mandados de segurança (Lei 12016/2009), reclamação constitucional (art. 988 e seguintes, CPC), arguição de descumprimento de preceito fundamental (Lei Federal nº 9.882/1999) e ação cível originária. A ponderação na opção pelas medidas judiciais também se faz em análise às questões probatórias e sua agilidade, tal como sua possibilidade, a exemplo do mandado de segurança, o qual não admite instrução, demandando expressamente a pré-constituição das provas. Neste sentido, o MS nº 20683/DF, de relatoria do Ministro Relator Napoleão Nunes Maia Filho, da Primeira Seção, consignou que “não são passíveis de se defender pela estreita via do mandado de segurança, porquanto demandam, necessariamente, dilação probatória” e também reafirmou entendimento que “a demarcação das terras não possuiu o condão de desalojar os proprietários ou possuidores de suas propriedades”, o que ocorrerá em momento posterior no processo administrativo de desapropriação. O controle de constitucionalidade em cada modalidade e via originária ou incidente pode ainda trazer efeitos diferentes em todas as citadas possibilidades processuais, em vias ordinárias ou incidentais. O operador jurídico deve estudar cada uma destes instrumentos processuais, seu cabimento, competência e efeitos, de maneira extensiva para confronto ao processo demarcatório estabelecido pelo Decreto Federal nº 1.775/1996 combinado com a análise da Lei Federal nº 9.784/1999. Lembrando que por se tratarem de atos administrativos declaratórios e não constitutivos de direito, a escolha das medidas judiciais, neste sentido, é determinante ao êxito ou fracasso de seu trâmite, já que, alguns casos, como mandados de segurança impetrados contra portaria que define limites de demarcação, foram denegados, neste sentido: “ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO MANDADO DE SEGURANÇA. MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA. TERRA INDÍGENA. PORTARIA DE IDENTIFICAÇÃO E DELIMITAÇÃO. ATO DECLARATÓRIO. AUSÊNCIA DE DECISÃO DE CARÁTER EXPROPRIATÓRIO. CADEIA DE TITULARIDADE. DILAÇÃO PROBATÓRIA. PRECEDENTES DO STF. APLICAÇÃO DO DECRETO 1.776/95. MATÉRIA PACIFICADA. […] 5. A fase atual em que se encontra o feito corresponde apenas ao momento da identificação e declaração da terra indígena. Assim, a própria natureza declaratória do ato inquinado como coator desfaz qualquer pretensão de potencial violação do direito de propriedade da parte impetrante. Podem ser apuradas, todavia, alegações de violação do devido processo legal até o presente momento, o que não foi impugnado na hipótese. 6. No que tange ao argumento relativo à violação do direito à propriedade, sob a alegativa de que a área identificada como indígena não pode ser considerada como tradicionalmente ocupada pelos Documento: 67767820 – EMENTA / ACORDÃO – Site certificado – DJe: 14/02/2017 Página 1 de 2 Superior Tribunal de Justiça índios, pois não havia posse indígena, nem reivindicação pelos índios e, muito menos, esbulho por parte de não índios ao tempo da promulgação da Constituição Federal de 1988, é certo que a via mandamental não permite dilação probatória e, portanto, não faculta tal análise. Precedentes da Primeira Seção. 7. Agravo interno a que se nega provimento”. (STJ, Mandado de Segurança nº 22.808/DF, Relator Ministro Og Fernandes, julgado pela 1ªSeção em 08/02/2017, publicado em 14/02/2017). Logo, os atos do processo administrativo de demarcação só serão constitutivos em si após registro e execução do direito declarado, mediante as vias judiciais próprias e competentes para tanto, não afetando, durante o trâmite, o direito líquido e certo à propriedade constitucional. A Fundação Nacional do Índio, criada pela Lei Federal nº 5.371/1967, é pessoa jurídica de direito público interno. Em outras palavras, é fundação de direito público que se qualifica como entidade governamental dotada de capacidade administrativa, integrante da Administração Pública descentralizada da União, subsumindo-se, no plano de sua organização institucional, ao conceito de típica autarquia fundacional, ponto este pacífico pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 126/103 – RTJ 127/426 – RTJ 134/88 – RTJ 136/92 – RTJ 139/131). Portanto, a judicialização de processos neste assunto está sob competência da justiça federal. Se uma das finalidades é manter a posse enquanto não findo o processo administrativo de demarcação de terras, a utilização destas medidas, segundo Souza (2017, p. 109-140), é cabida, pois “somente após a demarcação, devidamente homologada, é que se autoriza a retirada dos ocupantes não índios da TI”. No momento em que se passa o usufruto exclusivo aos índios, ocorre a retirada, compulsória ou voluntária, dos ocupantes não índios da terra. A respeito das ações possessórias no novo Código de Processo Civil, algumas disposições foram feitas e outras inovações processuais surgiram, sem alterar basicamente a estrutura destas ações. Resumidamente são três ações distintas: reintegração de posse, manutenção de posse e interdito proibitório. Segundo Bueno (2015, p. 438-443), tais ações de rito procedimental especial com jurisdição contenciosa têm como finalidade a proteção à posse, não apenas nas tutelas jurisdicionais voltadas à manutenção, como também à reintegração da posse e ainda o chamado interdito, voltado à proteção preventiva. O doutrinador citado menciona ainda que tais ações possessórias “ocupam-se com a tutela jurisdicional da posse, e não da propriedade”, concluindo que não há no diploma processual, portanto, nenhum procedimento especial neste sentido, o que já diz respeito à nomenclatura citada como possessória. Lembre-se: o direito de propriedade é um direito constitucionalmente resguardado. A primeira ação é cabível quando o possuidor é removido compulsoriamente do bem possuído (esbulho). A segunda ação é cabível para proteção da posse com exercício dificultado por atos materiais do ofensor (turbação). Por fim, a terceira ação é cabível quando o legítimo possuidor sofrer ameaça de turbação ou de esbulho. Foi mantida sua natureza dúplice (art. 556), viabilizando que o réu, em sede de contestação, demande proteção possessória e indenização pelos prejuízos de turbação ou esbulho cometido pelo autor, lembrado que o autor pode cumular o pedido possessório com tal indenização por perdas e danos e indenização de frutos, incluindo pedido de tutela para evitar nova turbação e esbulho (art. 555, CPC). Neste sentido, Bueno (2015, p. 438-443) também confirma que “a petição inicial pode trazer, além do pedido de tutela jurisdicional da posse, pedidos de pagamento de perdas e de danos e de indenização dos frutos”. As ações possessórias são importantes para garantir o domínio da propriedade, já que, enquanto se discute a posse, não há possibilidade de reconhecimento de domínio (art. 557, CPC). O novo código de processo civil prevê ainda disposições especiais para litígios coletivos sobre posse do imóvel que se fundir em turbação ou esbulho com mais de um ano e dia (posse velha). Além disso, determina que, antes da apreciação do pedido de tutela, haja designação de audiências pelo juiz da causa em trinta dias (art. 565), com possibilidade de comparecimento do magistrado, Ministério Público, Defensoria Pública, órgãos responsáveis pela política agrária da União, Estado ou Distrito Federal e Município onde se situa a área do litígio (art. 565, §4º). Este entendimento reforça o dispositivo constitucional do art. 126 e parágrafo único, não apenas com relação à criação de justiça especializada em questões e conflitos fundiários, com competência exclusiva para questões agrárias, mas principalmente o parágrafo único, o qual orienta que “Sempre que necessário à eficiente prestação jurisdicional, o juiz far-se-á presente no local do litígio”. Observe que uma inconstitucionalidade se faz presente neste ponto: a violação da isonomia que deve presidir as relações dos particulares e das pessoas de direito público e que é princípio vetor da administração pública (Bueno, 2015, p. 438-443); não há no ordenamento jurídico qualquer previsão para a presunção de que pessoas de direito público não turbem ou não esbulhem a posse dos particulares, chamado pela doutrina e jurisprudência de desapropriação indireta. O novo código de processo civil inseriu o Ministério Público, envolvido “como fiscal da ordem jurídica” nos processos que envolvam litígios coletivos pela posse de terra rural (art. 178, III). Recomenda-se que você tenha maior atenção às novas disposições processuais relacionadas às possibilidades probatórias, atendo-se, sempre, à formulação de quesitos, perícia e assistência técnica voltados ao Decreto Federal nº 1.775/1996, Lei Federal nº 6.001/1973 e Art. 231 da Constituição Federal. Quanto às novas disposições processuais aplicadas ao caso dos processos de demarcação, é necessário também atentar que, anteriormente, a chamada prova emprestada era considerada atípica no CPC de 1973. Agora, ela possui previsão expressa pelo art. 372 do CPC de 2015, sendo esta uma prova que, tendo sido produzida validamente em um processo, poderá, desde que observado o contraditório, ser utilizada em outro para o qual a respectiva documentação seja traslada (Wambier, Santos, Conceição, Sato; e Vasconcelos, 2016, p. 225-253). Muitas já foram as decisões proferidas em todas as instâncias quando o assunto são as questões demarcatórias, pauta de grande embates e estudos junto ao Supremo Tribunal Federal, ao exemplo da Petição 3388/RR que julgou em 23/10/2013, o caso Raposa Serra do Sol decidida a demarcação contínua da área de 1,7 milhão de hectares da reserva indígena em Roraima, estabelecendo as tão conhecidas ‘condicionantes’ e assim se fez grandemente esperançosa à casos semelhantes quando se poderia extrair diretrizes, não só para os processos administrativos, como também para os processos judiciais em curso. As chamadas condicionantes foram consideradas pressupostos para a demarcação efetuada na PET3388, por questões legais e pelo melhor exercício do usufruto indígena, amenizando a controvérsia, integrando aquele julgado, abrindo questionamento em novos processos. Ocorre que, por ter tramitado sob regime de controle jurisdicional e repressivo de constitucionalidade, via incidental na modalidade difusa (Lenza, 2014, p. 299-406), já que realizado perante o Judiciário, sem repercussão geral reconhecida, produz efeitos apenas para as partes que litigaram em juízo, não extrapolando os limites estabelecidos na lide (Lenza, 2014, p. 314), deixando ainda de vincular juízes e tribunais quando do exame de outros processos relativos a terras indígenas diversas. Ao fim das discussões no caso Raposo Serra do Sol, o relator ministro Roberto Barroso, acompanhado de sua maioria da Suprema Corte, denominaram as condicionantes como salvaguardas, cuja incorporação, mesmo que atípica, era imprescindível para pôr fim ao conflito existente como uma espécie de regime jurídico para a execução. A falta de efeito vinculante desta decisão levou alguns casos à improcedência de tentativas do questionamento dos processos judiciais de demarcação, o que ocorreu no Mandado de Segurança nº 31901/DF em trâmite no Supremo Tribunal Federal, o qual questionava demarcação da Reserva Indígena na fronteira dos Estados do Mato Grosso e Pará, com fundamento na condicionante 17, acima transcrita (ampliação da terra indígena). Sugerir-se-ia a promulgação de efeito vinculante para as condicionantes do caso Raposo Serra do Sol, constituindo nada mais do que um parâmetro para os demais que discutam questão idêntica. Isto pode ser feito através de Súmulas Vinculantes aprovadas pela Corte, com fundamento no art. 103-A, da Constituição Federal e regulamentação da Lei Federal nº 11.417/2006, com a conversão de um destes casos ou então através de mensagem ao Senado Federal, alinhando finalmente os entendimentos de juízes e desembargadores do país e até mesmo garantindo a eficiência pela qual trouxe o novo texto processual cível às tutelas de evidência e ao rito de reclamação com observância às súmulas vinculantes, ao que dispõe os artigos 311, II e 988, III. Em âmbito administrativo, por sua vez, logo depois da decisão do STF, a Advocacia Geral da União (AGU) determinou que todos os órgãos da administração federal, incluindo a FUNAI, obedecessem às condicionantes (Portaria nº 303/2012), o que passaria a valer somente em fevereiro de 2014, mas uma sucessão de portarias e determinações sobrevieram à referida portaria, suspendendo-lhe os efeitos. A portaria, como dito, teve efeitos suspensos pela Portaria AGU nº 308/ 2012, a qual prorrogou sua vigência para 24/09/2012, em ato posterior, novamente prorrogada para o “dia seguinte ao da publicação do acórdão nos embargos declaratórios a ser proferido na Pet 3388-RR que tramita no Supremo Tribunal Federal”, por força da Portaria AGU nº 415/2012, sendo que, após tal julgamento foi editada a Portaria AGU nº 27/2014, a qual determinou à Consultoria-Geral da União e à Secretaria-Geral de Contencioso a análise da adequação do conteúdo da primeira portaria. Desde então, controvertem entre si os órgãos da Administração Pública, principalmente a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e Advocacia-Geral da União, especificamente a Procuradoria Federal Especializada junto à FUNAI (PFE/FUNAI), a Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Justiça (CONJUR/MJ/CGU/AGU), a Secretaria-Geral de Contencioso e a Consultoria-Geral da União. Fato é que, importante o jurista saber que, ao acompanhar o desembaraço desta questão, utilizar-se-á destes precedentes para vinculação dos processos administrativos a suas respectivas orientações, já que segundo o Decreto Federal nº 2.346/1997, há consolidação de normas de procedimentos a serem observadas pela Administração Pública Federal em razão de decisões judiciais do STF. Segundo o Consultor-Geral da União, em parecer publicado no Diário Oficial da União de 20 de julho de 2017, Parecer nº 001/2017/GAB/CGU/AGU, oriundo do processo nº 00400.002203/2016-01, o decreto permanece vigente e foi editado em época na qual ainda não existiam os institutos da repercussão geral e da súmula vinculante, sequer as Leis Federais nº 9.868 e 9.882 do ano de 1999. O decreto citado já estabelece no art. 1º que “decisões do Supremo Tribunal Federal que fixem, de forma inequívoca e definitiva, interpretação do texto constitucional deverão ser uniformemente observadas pela Administração Pública Federal direta e indireta” e, especialmente como determina o art. 1º, §3º, garante ao Presidente da República, mediante proposta de Ministro de Estado, dirigente de órgão integrante da Presidência da República ou do Advogado-Geral da União, a autorização para extensão dos efeitos jurídicos de decisão proferida em caso concreto. Da mesma forma, prevê a Lei Complementar nº 73/1993 em seus artigos 40 e 41 que os pareceres do Advogado-Geral da União são submetidos à aprovação do Presidente da República ou ainda pareceres emitidos pela Consultoria-Geral da União, aprovados e submetidos ao Presidente da República, juntamente com o despacho presidencial, vinculam a Administração Federal e, se aprovado, mas não publicado, obriga apenas as repartições interessadas, a partir do momento em que dele tenham ciência. Com relação ao chamado marco temporal, descrevendo-o de maneira completamente sintética sem intuito de prolongamento do assunto nesta oportunidade, trata de condição impeditiva para que não se incluam no conceito de terras indígenas aquelas ocupadas por índios no passado e que venham a ser ocupadas no futuro, acrescida do critério de tradicionalidade da ocupação imposto pelo art. 231 da CF/88. A Súmula nº 650/STF já disse que as demarcações não alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto, entendimento oriundo do Recurso Extraordinário 219.983, onde o Min. Nelson Jobim destacou, em relação ao reconhecimento de terras indígenas, que: “Há um dado fático necessário: estarem os índios na posse da área. É um dado efetivo em que se leva em conta o conceito objetivo de haver a posse. É preciso deixar claro, também, que a palavra ‘tradicionalmente’ não é posse imemorial, é a forma de possuir; não é a posse no sentido da comunidade branca, mas, sim, da comunidade indígena. Quer dizer, o conceito de posse é o conceito tradicional indígena, mas há um requisito fático e histórico da atualidade dessa posse, possuída de forma tradicional.” Portanto, são também importantes estes pontos para orientação dos processos de demarcação de terras indígenas, seja em âmbito administrativo ao teor do art. 17, I da Lei nº 6.001/1973 e Decreto Federal nº 1.775/1996, seja em âmbito judicial diante das medidas processuais cíveis e constitucionais colocadas em tópico anterior. Considerações Finais Em dezembro de 2016 foi noticiada nova proposta de regulamentação para os processos de demarcação de terras indígenas, oriunda do Ministério da Justiça, referida “minuta” chamada de “Proposta de Regulamentação da Demarcação de Terras Indígenas”, contemplava uma justificativa e seria um novo decreto federal em substituição ao Decreto nº 1.775/1996, com objetivo de propor solução pacífica das eventuais controvérsias entre direitos indígenas e outros sujeitos de direitos sociais, tais como trabalhadores rurais da pequena e da média propriedade, trabalhadores das partes ocupadas e produtivas de assentamentos de reforma agrária e habitantes de assentamentos humanos ocupados predominantemente por população de baixa renda em áreas urbanas consolidadas. A justificativa teria apontado ainda como motivo de revisão a atualização de uma legislação de 1996, sobrevindo normas como a tão citada Lei Federal nº 9.784/1999 (regulamenta processos administrativos federais), Lei Federal nº 12.527/2011 (lei de acesso à informação), sem contar os diversos julgados proferidos pelo Supremo Tribunal Federal deste então, principalmente estes que passam a ser obrigatoriamente observados pela Funai no momento de seus julgamentos, devendo justificar a razão da aplicabilidade ou não dos precedentes (art. 17 do novo decreto). A nova minuta certamente poderia refletir maior estabilidade jurídica com obediência aos julgados proferidos pela Corte Suprema sem inovações a serem produzidas por órgãos infraconstitucionais de instruções processuais frágeis, o novo texto buscava até inserir as condicionantes definidas pelo caso Raposo Serra do Sol (PET 3888, STF) como obrigatórias para próximos decretos de demarcação, também trazendo segurança jurídica às áreas demarcadas e seus entornos, haja vista que proíbe ampliações, arrendamentos das áreas ou cobrança pela passagem no interior das mesmas, responsabilizando ainda pelo usufruto de recursos naturais indevidos, como também caça e pesca por não-índios. Sem contar que o novo texto prestigiaria o “marco temporal” para melhor estabilização social e jurídica, ratificando julgados do STF, tais como o Raposo Serra do Sul e o RMS nº 29087/DF (Min. Carmem Lucia), validando posse originária daqueles povos indígenas que ocupavam ou disputavam áreas até 05 de Outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição Federal, desprestigiando aqueles povos que não pleitearam ou disputaram seus direitos, evitando a “eternização” de ocupações/invasões, já que, atualmente alguns estados vivem em situação de permanente temor quanto à descoberta de novas “terras tradicionais”, criando um paradoxo histórico e antropológico. Não haveriam, neste sentido, prejuízos nos direitos de uns ou outros, pois a pretensa minuta garantia indenização tanto para proprietários de terras invadidas como também para índios, novidade até então inexistente na legislação, possibilitando tanto a indenização sob a forma de terras com “territórios e recursos de igual qualidade, extensão e condição jurídica” como também “indenização pecuniária ou de qualquer outra reparação adequada”. A ampliação do contraditório e ampla defesa é imprescindível e não ameaça direitos, mas os garante de forma mais nítida, proposto ainda pela pretensa alteração a criação de Grupo Técnico dentro do Ministério da Justiça para subsidiar decisões do Ministro, vinculando a motivação de seus atos Infelizmente a minuta não prosperou, substituída pela publicação no Diário Oficial da União de 18 de Janeiro de 2017, da Portaria do Ministério da Justiça nº 68 de 14/01/2017, determinando a criação de GTE – Grupo Técnico Especializado para fornecer subsídios em assuntos que envolvam demarcação de território indígena, devendo, este grupo, observar alguns preceitos em seus trabalhos, além de possuir autonomia para recomendar “realização de diligências, a serem cumpridas no prazo de noventa dias”. Até então referida publicação determinava que o GTE deveria observar: “Provas da ocupação e do uso históricos das terras e dos recursos por membros da comunidade; o desenvolvimento de práticas tradicionais de subsistência e de rituais, bem como a delimitação de terra em extensão e qualidade suficiente para a conservação e o desenvolvimento de seus modos de vida; demonstração de que a terra garante o exercício contínuo das atividades de que obtém o seu sustento, incluindo a sua viabilidade econômica, e das quais dependa a preservação de sua cultura; a toponímia da área em linguagem indígena; estudos e documentos técnicos;” e o principal, “o cumprimento da jurisprudência do STF sobre a demarcação de Terras Indígenas”. Eis que, com a superveniência do Diário Oficial da União de 20 de Janeiro de 2017 (dia seguinte), fez publicar nova normativa, a Portaria nº 80 de 19/01/2017, da qual, além de revogar a portaria anterior, também cortou todo o texto dos referidos preceitos a serem observados pelo GTE, servindo então apenas e unicamente para a criação do grupo técnico especializado, composto por: Fundação Nacional do Índio – FUNAI; Consultoria Jurídica; Secretaria Especial de Direitos Humanos; e Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. A revisão bibliográfica realizada, aponta, portanto, para a necessidade de maior aproveitamento dos atos administrativos nos processos de demarcação em questão, da mesma forma em que demanda, alguns pontos de reestruturações pela ineficiência que se percebe desde a vigência do Decreto Federal nº 1.775/1996, motivo pelo qual reforça a necessidade de conhecer de maneira transversal, a demarcação de terras tradicionalmente ocupadas por indígenas. Os debates acerca dos atos administrativos motivados proferidos em tal processo, têm caráter constitucional e infraconstitucional e devem resguardar totalmente os princípios da legalidade, do devido processo legal, do contraditório e ampla defesa e principalmente da motivação dos atos, no entendimento comparado entre a Constituição Federal, a Lei Federal nº 6.001/1973, o Decreto Federal nº 1.775/1996 e a Lei Federal nº 9.784/1999, esta, no que tange aos princípios, direitos e deveres inerentes à Administração Pública Federal.
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O desenvolvimento social e econômico como base para o estado do bem-estar
O presente artigo trata da evolução do conceito de desenvolvimento econômico, a partir da inserção do desenvolvimento social, no modelo postulado no Keynesianismo como base para o surgimento do Estado do Bem-Estar.
Direito Administrativo
Introdução O presente artigo tem como objetivo apresentar as bases para o surgimento do Estado do Bem-Estar, a partir do desenvolvimento social e econômico. John Maynard Keynes encabeçou o movimento que acrescentou ao conceito de desenvolvimento o viés social. De nada adianta o desenvolvimento econômico se não houver uma busca pela redução da pobreza. Ainda hoje, há sistemas europeus públicos de proteção social que se destacam como referência, em especial os modelos nórdicos. A proteção conferida pelo Estado abrange desde políticas de provisão de direitos essenciais (segurança e acesso à educação básica) até direitos complementares (acesso gratuito à moradia, saúde e ensino superior). Claro que em alguns Países, em face da crise econômica, esses benefícios estatais foram reduzidos, como na Grécia (TAVEIRA, 2016). Ao longo deste trabalho será apresentado que o conceito de desenvolvimento passou pela assunção, pelo Estado, de cuidar de direitos essenciais dos cidadãos. 1 O conceito de desenvolvimento A definição de desenvolvimento vem sendo cunhada ao longo dos últimos 250 anos. O desenvolvimento engloba mudanças estruturais, tecnológicas, culturais e institucionais. Já o desenvolvimento econômico, segundo Pereira (2006, p. 48), “é um fenômeno histórico que passa a ocorrer nos países ou Estados-nação que realizam sua revolução capitalista; é o processo de sistemática acumulação de capital e de incorporação do progresso técnico ao trabalho e ao capital que leva ao aumento sustentado da produtividade ou da renda por habitante e, em consequência, dos salários e dos padrões de consumo de uma determinada sociedade”. Acontece que à medida que os Países se desenvolviam, Governos e empresas reagiam ao mercado e adotavam determinadas posturas que variaram de acordo com as circunstâncias. Após um longo período de não intervencionismo estatal, em face das crises havidas no mercado, os Estados vislumbraram a necessidade de adotar um papel de interventor e regulador da atividade econômica. Essa atitude terminou por influenciar a adoção de um modelo de gestão não apenas intervencionista, mas também de proteção ao cidadão e à sociedade, com uma participação do Estado muito intensa na oferta de serviços públicos e subvenções sociais. Assim, por conta dos movimentos de desenvolvimento econômico, nasceu o chamado Estado do Bem-Estar. O Estado do bem-estar caracterizou-se como o Estado assistencial, pelo qual se garante padrões mínimos de prestação de serviços para os cidadãos como: saúde, educação, renda, habitação e seguridade social. Surgiu após a Segunda Guerra Mundial e teve o seu desenvolvimento vinculado a todo processo de industrialização e aos problemas sociais gerados a partir dele. O fato teve seu início logo após a Segunda Grande Guerra Mundial e seu apogeu se deu nos anos 1950 e 1960, mas encontrou seu declínio a partir dos anos 1970, em face da crise econômica, que revelou que esse modelo se tornava insustentável economicamente para os Estados. Não significou, no entanto, o fim do Welfare State, mas sim uma redução do papel do Estado na concessão de benefícios e de subsídios, haja vista que restou evidenciada a impossibilidade econômica de a maioria das nações assumirem esse ônus. 2 Keynesianismo Segundo Sucaiar (2011, p. 10), Keynes considerado um dos pais da moderna teoria macroeconômica, defendeu o papel regulatório do Estado na Economia, usando medidas de política monetária e fiscal para acalmar os efeitos adversos dos ciclos econômicos. Para se evitar certa situação de crise, o Keynesianismo necessita agir com defesa do Estado buscando maneiras de controlar o desequilíbrio da economia. Além disso, eles precisam também aplicar grandes quantidades de capital para realizar investimentos que aquecessem a economia de uma forma geral. O Keynesianismo tem por definição uma teoria econômica do começo do século XX, baseada nas ideias do economista inglês John Maynard Keynes, que defendia a ação do estado na economia com o objetivo de atingir o pleno emprego. Tem como principais características: defender ações políticas voltadas para o protecionismo econômico; defender a intervenção estatal na economia, principalmente em áreas onde a iniciativa privada não tem capacidade ou não deseja atuar; defender as medidas econômicas estatais que visem à garantia do pleno emprego; contra o liberalismo econômico; o estado como papel fundamental de estimular as economias em momentos de crise e recessão econômica; intervenção do Estado que deve ser feita através do cumprimento de uma política fiscal para que não haja crescimento e descontrole da inflação. Keynes defendia o sistema capitalista, apesar de acreditar que deveriam existir ações e medidas de controle por parte do Estado. Ele fez proposições que contrariavam o liberalismo. “[…] As condições econômicas do pós-guerra foram essenciais para permitir o desenvolvimento do Estado de Bem-Estar Social. A reconstrução da Europa, depois do conflito armado, se baseou amplamente nas teorias do economista John Maynard Keynes, que propôs uma mudança radical na forma de conduzir a política econômica, á época. Em vez de um mercado livre e altamente competitivo – a laissez-faire, que predominava até o início do século XX, nas economias ocidentais, e dera origem a graves crises, como o crack da Bolsa de Nova, em 1929 -, Keynes propunha o planejamento econômico a partir do Estado. O Estado deveria fazer investimentos públicos na construção para garantir o pleno emprego.” (SANTOS, 2009, p. 73). Em suma, o Keynesianismo pode ser descrito como o modo de regulamentação que permitiu ao regime fordista ser realizado com todo o seu potencial, pois este regime teve uma base particular de desenvolvimento capitalista com altos investimentos de capital fixo, que acabaram por criar uma capacidade dos aumentos de produtividade e consumo em massa. O interesse maior é compreender as necessárias ações políticas e governamentais adequadas, assim como instituições sociais, novas normas e massificação de hábitos. 3 O Estado do Bem-Estar As ideias de Keynes, terminaram por sistematizar um modelo de Estado baseado no bem-estar da população. Somente a partir do equilíbrio da distribuição de riqueza, a partir do fornecimento de serviços os cidadãos, é que se poderia vislumbrar de fato um desenvolvimento econômico. Como referido, após a Segunda Guerra Mundial, houve um exponencial crescimento da economia da maioria dos países capitalistas o quais ampliaram seus programas sociais, para os cidadãos. Para Draibe e Henrique (1987) ocorreu uma bem-sucedida parceria entre a política social e a política econômica, sustentada por um consenso acerca do estímulo econômico conjugado com a segurança e justiça sociais. Gomes (2006) definiu Welfare State como um “conjunto de serviços e benefícios sociais de alcance universal promovidos pelo Estado com a finalidade de garantir uma certa ‘harmonia’ entre o avanço das forças de mercado e uma relativa estabilidade social, suprindo a sociedade de benefícios sociais que significam segurança aos indivíduos para manterem um mínimo de base material e níveis de padrão de vida, que possam enfrentar os efeitos deletérios de uma estrutura de produção capitalista desenvolvida e excludente.” O chamado Estado do Bem-Estar surgiu a partir da crise do Estado Liberal no Estados Unidos. Pereira (1998, p. 48) acentua: “A grande crise dos anos 30 originou-se no mal funcionamento do mercado. Conforme Keynes tão bem verificou, o mercado livre levou economias capitalistas à insuficiência crônica da demanda agregada. Em consequência entrou também em crise o Estado Liberal, dando lugar à emergência do Estado Social-Burocrático: social por que assume o papel de garantir os direitos sociais e o pleno-emprego; burocrático porque o faz através da contratação direta de burocratas. Reconhecia-se, assim, o papel complementar do Estado no plano econômico e social. Foi assim que surgiram o Estado do Bem-Estar nos países desenvolvidos e o Estado Desenvolvimentista e Protecionista nos países em desenvolvimento.” Para Keynes não se pode dissociar o desenvolvimento econômico do desenvolvimento social. O país que teve maior destaque no processo do Estado de Bem-Estar, com foco maior na área da saúde e educação, foi a Grã-Bretanha em 1942. Com o passar dos anos esse modelo de gestão estatal começou a influenciar sobremaneira a economia, dessa forma passou a se regulamentar as atividades de produção assegurando as riquezas. John Maynard Keynes propôs uma organização político-econômica em que defendia o Estado como fator indispensável na economia. Ele propôs essa nova organização quando com a superprodução capitalista de caráter liberal, se causou uma grande crise econômica, que foi espalhada entre os países capitalistas em 1929. Assim, ele afirmava que o Estado tinha obrigação de conceder benefícios sociais para que a população tivesse um padrão mínimo de vida, proporcionando um mínimo equilíbrio. As crises provaram que a economia capitalista gerava grandes desigualdades sociais, que acabavam trazendo momentos de tensões e conflitos, chegando a ameaçar a estabilidade política. “Por Estado de Bem-Estar, o Estado passou a chamar para si a solução dos problemas sociais emergentes, principalmente através de sua principal característica, a intervenção direta nos domínios econômico, social e cultural.” (CRUZ, 2007, p. 37). O conceito de desenvolvimento social se dá por duas circunstâncias sendo elas o fato da mudança histórica, pela qual as condições sociais se tornam “indivíduos” históricos no tempo histórico, juntamente com a ideia de que sempre que não se consegue explicar corretamente um determinado dado histórico a partir do precedente. Já o desenvolvimento econômico se caracteriza pelo objeto da história universal, a a qual é separada dos demais, o setor econômico está ligado a uma variedade de tratamento que se pode ordenar. O desenvolvimento é classificado pelas mudanças que ocorrem na vida econômica que não são impostas do exterior, mas que aparecem no interior, por sua própria iniciativa. O mesmo é um fenômeno distinto, que pode ser observado no fluxo circular ou na tendência para o equilíbrio que já existe. O sistema econômico tem a necessidade de se adaptar com as novas necessidades derivadas ao consumidor que pressiona o sistema produtivo de suas modificações. “O Estado de Bem-Estar é, na verdade, uma adaptação do Estado burguês capitalista, ou seja, dos Regimes baseados na Democracia pluralista. A plena articulação do Estado do Bem-Estar só pode funcionar com base em dois fundamentos do Estado Liberal-democrático contemporâneo. Em primeiro lugar, as propostas do Estado de Bem-Estar tiveram como intenção garantir a acumulação capitalista – mediante a intervenção sobre a demanda – com a intenção de manter a estabilidade social. Em segundo lugar, o estado de Bem-Estar proporcionou uma nova e importante dimensão à Democracia, a partir do reconhecimento de um conjunto de direitos sociais.” (CRUZ, 2007, p. 37). Baseado nos princípios do Estado do Bem-Estar Social, todo e qualquer cidadão tem o direito, durante toda a trajetória de sua vida a inúmeros bens e serviços que deveriam ter o seu fornecimento garantido diretamente pelo Estado ou através de seu poder de regulamentação sobre sociedade civil de forma indireta. O desenvolvimento do Estado do Bem-Estar social se deu a partir dos processos industriais que não aceitavam a intervenção do Estado nas suas atividades produtivas no momento em que os problemas sociais gerados pela economia capitalista liberal. Além de estar direcionado aos serviços sociais à população ele visa também assegurar a geração de riquezas materiais e a diminuição das desigualdades sociais. “A proteção social fornecida pelo Estado surge, com maior visibilidade, ao mesmo tempo em que nasce a fase concorrencial da economia no século XVIII, cujo marco fundamental é a revolução industrial iniciada na Inglaterra. Dá-se, nesse momento, uma ampla invasão das cidades por parte dos camponeses que buscavam melhores salários. A falta de infraestrutura e de empregos para todos gerou uma grande massa de indivíduos paupérrimos que subsistiam nas cidades. Além disso, aqueles que estavam empregados recebiam baixos salários em consequência do excesso de mão- de-obra e, por isso, também viviam em condições de extrema pobreza. O aumento da violência urbana, da propagação de doenças e de degradação dos costumes foram alguns dos resultados desse processo.” (COSTA; TRINTIN, 2017) Em 1942, surgiu o Plano Beveridge, na Inglaterra, plano esse que oferta para todos os cidadãos que possuem idade ideal para trabalhar, uma contribuição ao Estado, onde a mesma é revertida, visando a segurança social. “[…] Juntamente com os investimentos na produção, o Estado deveria também regular as relações de trabalho e oferecer serviços sociais básicos, de modo a permitir que as pessoas trabalhassem tranquilas e que pudessem destinar suas rendas ao consumo de bens. Os serviços públicos, por sua vez, também geravam empregos, dinamizando ainda mais a economia. Nesse sentido, o Plano Beveridge era parte integrante da proposta Keynesiana.” (SANTOS, 2009, p. 73). Para Esping-Andersen o Welfare State “envolve responsabilidade estatal no sentido de garantir o bem-estar básico dos cidadãos”. Para alguns pensadores dos anos 1960 e 1970 o “Welfare State é um desdobramento necessário das mudanças postas em marcha pela industrialização”. “Afinal, era necessário mitigar, ou pelo menos, minimizar, as consequências drásticas do trabalho no campo, nas minas, nas indústrias e em outros ambientes insalubres ou perigosos” (TAVEIRA, 2016, p. 47). Importa dizer que os trabalhadores exigiram melhoria na qualidade de vida, por outro lado, melhorar a qualidade de vida e de trabalho dos empregados, implicava também em um aumento da produtividade e, por conseguinte, maximização dos lucros. Amartya Sen, por seu turno, atrela o desenvolvimento a um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas devem desfrutar. Acontece que as liberdades dependem também de outros determinantes, como elementos sociais e econômicos, tais como educação, saúde e seguridade, e os direitos civis, como o exercício da cidadania. Conclusão Resta evidenciado que a partir de uma análise do desenvolvimento econômico, em que se inseriu o contexto social como fundamental para que se caracterizasse de fato o desenvolvimento de uma nação, se constituiu o modelo de Estado chamado de Bem-Estar ou Welfare State. O Keynesianismo foi a base essencial para a formação deste paradigma que se afirmou especialmente no pós-Segunda Grande Guerra Mundial, com início na Grã-Bretanha. Em que pese o declínio do Welfare State a partir do final dos anos 1970, alguns de seus elementos passaram a integrar um modelo de gestão estatal. O Estado do Bem-Estar se configura em uma resposta às necessidades de acumulação e legitimação do sistema capitalista (TAVEIRA, 2016, p. 48). Para Amartya Sem, os fins e os meios do desenvolvimento exigem que a perspectiva da liberdade (respeito aos elementos sociais, econômicos e aos direitos civis das pessoas) seja colocada em primeiro plano. Competindo ao Estado e à sociedade o fortalecimento e a proteção das capacidades humanas. Ao mesmo tempo em que o Estado do Bem-Estar exige a regulação da economia, por outro, ele visa assegurar e garantir um arcabouço de leis que amplie a autonomia estatal, garantindo o modelo capitalista e que possibilitem a constante melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores e da população em geral. No Brasil, a Constituição Federal consagra os princípios e fundamentos do modelo de Estado do Bem-Estar em especial quando trata da Seguridade Social.
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O excesso normativo e a burocracia no âmbito do poder regulamentar
O presente artigo produção excessiva de documentos normativos que também pode refletir em uma espécie de autoritarismo com fundamento em decisões discricionárias da forma que ocorria em tempos de anomia. O artigo menciona o pensamento de Robert K. Merton, que deu segmento aos estudos de Durkheim sobre a questão, mostrando que os indivíduos também intensificam os sintomas da anomia quando eles abandonam as normas usadas para satisfazer seus próprios desejos. E esse fenômeno se evidencia quando há conflitos entre normas de uma mesma instituição com conceitos contraditórios à lei e ou aos demais atos infra legais. Assim, a quantidade exagerada de normas que geram conflitos entre si, dão margem para o crescimento de um o modelo burocrático qual tem diversas externalidades negativas.
Direito Administrativo
É notório que as obras literárias que abordam o tema da teoria do Estado e da filosofia política traçam um paralelo entre o Estado autoritário e a ausência de normas jurídicas. No âmbito do Estado autoritário, o compêndio normativo, via de regra, é eivado de lacunas legais as quais dão margem para as mais variadas interpretações e tem como amparo a vedação histórica ao “non liquet”, cuja etimologia remonta o Direito Romano. Nesse sentido, o reinado do absolutismo fica consubstanciado na vontade do imperador se sobrepõe aos preceitos fundamentais do Direito, o que daria azo, inclusive, à supressão do direito à igualdade em detrimento da discricionariedade. Assim, a consagrada frase de Luis XIV “L’Etat c’est a moi”[1] resumia a fórmula de centralização do poder que se dava pelo juízo particular de conveniência e oportunidade do prolator das decisões. Sendo certo que no campo da anomia, diante de um universo eivado de uma enorme lacuna normativa, havia bastante espaço para a exceção. A esse respeito, Émile Durkheim[2] teorizou o conceito da anomia em seus livros “A divisão do trabalho social” e “O suicídio”, nos quais ele define o termo como uma condição em que as normas são confundidas, pouco esclarecidas ou simplesmente ausentes. Portanto, a organização dos homens em uma mesma sociedade, regulada pelas mesmas leis é o que permite a mediação de conflitos individuais e sociais: “a única força capaz de servir de moderadora para o egoísmo individual é a do grupo; a única que pode servir de moderadora para o egoísmo dos grupos é a de outro grupo que os englobe[3]”. Assim, a anomia é definida pelo autor como a ausência dessa solidariedade, o desrespeito às regras comuns, às tradições e práticas. Por outro lado, a produção excessiva de documentos normativos, por incrível que pareça, também pode refletir um fenômeno semelhante. Nessa toada, Robert K. Merton deu segmento aos estudos de Durkheim mostrando que os indivíduos também intensificam os sintomas da anomia quando eles abandonam as normas usadas para satisfazer seus próprios desejos. Merton passa a entender o fenômeno da anomia como uma espécie de desagregação normativa, somada aos comportamentos inadequados derivam de uma disfunção entre ‘‘aspirações culturalmente prescritas’’ de uma sociedade e um ‘‘caminho socialmente estruturado para a realização dessas aspirações”.  Nesse sentido, a teoria de Merton pode ser entendida como uma crítica incisiva e direta ao modelo burocrático, analisando os seus efeitos negativos sobre as organizações e outras esferas da vida. Esses efeitos negativos foram chamados de disfunções burocráticas, dentre os quais podem ser elencados o impacto da prescrição estrita de tarefas burocráticas “red tape”[4] sobre a motivação dos empregados, resistência às mudanças, e o desvirtuamento de objetivos provocado pela obediência acrítica às normas. Nesse diapasão, no âmbito das agências reguladoras, a hipernomia, constatada pelo excesso de normas, pode apresentar em seus mais variados instrumentos, as mais diversas situações de contradição entre comandos normativos de mesma hierarquia, extrapolação do poder regulamentar ou, até mesmo, uma utilização de diversos conceitos jurídicos indeterminados, os quais necessitam de um complemento discricionário do intérprete; escondendo assim um viés autoritário sob o manto de uma ilusão democrática e inovadora. Segundo um estudo formulado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) publicado em 04 de julho de 2017, o Brasil edita cerca de 800 (oitocentas) normas por dia, somando 5,4 milhões desde a promulgação da Constituição de 1988[5]. Na sequência, a Ancine, com aproximadamente 16 anos de existência, já conta com 140 Instruções Normativas, dentre as quais, aproximadamente, 40 encontram-se formalmente revogadas. Além de 78 Resoluções da Diretoria Colegiada. Fora as portarias e, obviamente, as leis federais e Medidas Provisórias que regem a matéria. Assim, esse emaranhado de normas instituídas, ao invés de padronizar comportamentos e situações visando uma melhor qualidade de um serviço público que seja adequado, poderá acarretar, devido ao excesso, uma barreira para que os agentes regulados cumpram determinadas resoluções normativas.  Além disso, o excesso normativo desalinhado facilita a existência de conflitos entre disposições normativas – antinomias –, as quais podem necessitar de um complemento interpretativo que pode resultar tanto em uma decisão positiva ou negativa sobre uma mesma questão diante de um caso concreto. O que daria ensejo a uma gestão de excepcionalidades por parte do intérprete da norma com base em um juízo de discricionariedade. Portanto, é por este motivo que se faz necessária a utilização do instrumento da Análise de Impacto Regulatório – AIR, que é uma forma de evitar a imprevisibilidade e o “custo regulatório”, decorrente de regulação excessiva ou pouco eficiente. Não obstante, a Agência Nacional do Cinema, tem feito pouco uso desse instrumento. Frise-se, a esse respeito que no ano de 2017, o qual foram aprovadas 9 instruções normativas (IN 132 a 140) e 5 Resoluções da Diretoria Colegiada (RDC 74 a 78). Porém, no ano passado, foi realizado apenas um único estudo de análise de impacto regulatório (AIR 01/2017), realizado pela Superintendência de Análise de Mercado, o qual não dizia respeito a nenhum desses instrumentos normativos, pois tratou sobre o decreto anual de cota de tela e da reformulação da instrução normativa a qual será aprovada neste ano de 2018 para tratar da aferição por sessões do número de dias fixado na forma do art. 55 da MP 2.228-01/01. Diante disso, fica claro que o movimento pela desburocratização deve envolver uma forma de regulação responsável, de modo a evitar os custos regulatórios pela realização de um estudo mais aprofundado sobre a regulamentação englobando uma organização e padronização dos atos normativos institucionais. Nesse diapasão, diante de todo o exposto, fica evidenciada a aproximação entre a anomalia e a hipernomia, haja vista que em ambos os casos há necessidade de se fazer uso da “gestão de excepcionalidades” com base no juízo de discricionariedade. Assim, o excesso normativo vai se assemelhando à ausência de normas. A definição do que é lícito ou não, deixa de existir ante a ausência de pressuposto ôntico primário, dando azo à burocracia e à gestão dos casos excepcionais. Portanto, o excesso normativo, diante dos mais diversos “embricamentos” possíveis acaba equivalendo à sua ausência. E, no afã de solucionar uma questão específica, o intérprete afasta-se cada vez mais da técnica e aproxima-se do ato de vontade. A esse respeito, cumpre fazer uma referência à ARISTÓTELES[6] que ao escrever sobre a doutrina do meio-termo na obra dedicada a seu filho Nicômaco, trata da ideia de equilíbrio, da justa medida; que é o substrato da ponderação axiológica – realizado por intermédio dos conhecidos postulados da razoabilidade e proporcionalidade. Com efeito, para ARISTÓTELES, também nas virtudes, o excesso ou a falta são destrutivos, porque a virtude é mais exata que qualquer arte, pois possui como atributo o meio-termo – mas é em relação à virtude moral; é ela que diz respeito a paixões e ações, nas quais existe excesso, carência e meio-termo. E essa seria a vacina para solucionarmos a questão que se encontra justamente entre o excesso e a escassez. Para o filósofo: “Tanto a deficiência como o excesso de exercício destroem a força; e da mesma forma, o alimento e a bebida que ultrapassam determinados limites, tanto para mais como para menos, destroem a saúde ao passo que, sendo tomados nas devidas proporções, a produzem, aumentam e preservam"[7]. A esse respeito, não é demais lembrar que a balança erguida pela mão esquerda da deusa Têmis – deusa da justiça – possui o seu fiel na vertical, cuja simbologia denota uma decisão ou uma lei justa e reta, na qual o meio termo é atingido.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/o-excesso-normativo-e-a-burocracia-no-ambito-do-poder-regulamentar/
Venda casada: prática anticoncorrencial no sistema de financiamento habitacional do programa minha casa minha vida
No âmbito de uma economia de mercado, como aquela instituída pela Constituição brasileira, a disciplina antitruste mostra-se de suma importância, tendo em vista a essencialidade da concorrência para o funcionamento do mercado. Para tanto, faz-se necessária, por vezes, a intervenção do Estado no domínio econômico, a fim de evitar as falhas de mercado inerentes à estrutura do sistema capitalista. O principal instrumento infraconstitucional veiculador da disciplina concorrencial consiste na Lei nº 12.529/2011 que traz, em seu art. 36, condutas que poderão ser consideradas infração à ordem econômica, caso produzam os efeitos descritos nos incisos do caput do artigo mencionado. Uma dessas condutas é a venda casada, que estará configurada quando houver subordinação da aquisição de um produto ou serviço à aquisição de outro produto ou serviço. Referida prática ocorre nos contratos do Programa Minha Casa Minha Vida celebrados pela Caixa Econômica Federal (CEF), ao se condicionar a concessão de empréstimos a contratação de outros serviços do banco. Com essa conduta, a CEF pode estar abusando de sua posição dominante para afastar potenciais concorrentes no mercado de produtos e serviços em que não possui essa posição, como o de seguros, e, assim, praticando ilícito concorrencial.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O Estado Democrático de Direito brasileiro assume uma postura de consolidação das garantias e direitos sociais e individuais constantes na Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB/88. Dentro desse contexto, tal consolidação se materializa em uma prestação positiva do Estado, principalmente por meio de políticas públicas, de modo a buscar satisfazer os anseios populacionais na aplicação e manutenção dos direitos estabelecidos na CRFB/88. Dentre eles está o direito social à moradia digna, previsto no art. 6º da CRFB/88. Para que ele se concretize, em uma perspectiva ampla, o governo deverá trabalhar em prol de práticas sólidas e programas governamentais a fim de dar condições à população de alcançar esse direito, que não engloba apenas a aquisição de um imóvel, mas também, toda uma estrutura que possibilite o exercício e uso digno desse imóvel. Uma das ações concretas do poder público destinada a efetivar tal direito e propiciar à população, principalmente a de menor poder aquisitivo, a obtenção de um imóvel próprio, foi a criação do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), o maior programa habitacional do Brasil. Trata-se de uma política pública habitacional do governo federal, que conta com o auxílio do Sistema de Financiamento Habitacional (SFH) para facilitar a contração de empréstimos pelo público alvo do PMCMV, e dessa maneira possibilitar a compra de um imóvel próprio com mais facilidades. Ocorre que os financiamentos do PMCMV são feitos somente pelo Banco do Brasil e pela Caixa Econômica Federal (CEF). No caso da CEF – na qual se concentra o presente trabalho –, tem-se uma empresa pública que gerencia, elabora e oferece os contratos para a aquisição desses empréstimos. Contratos esses que são de adesão, ou seja, não há possibilidade do contratante mudar ou remover as cláusulas neles inseridas (CONFECI, 2010). Nesse contexto, observou-se que a CEF insere cláusulas que condicionam a concessão de empréstimos para o PMCMV à contratação de seguros ou abertura de conta corrente na própria instituição financeira, ou seja, para o beneficiário do PMCMV adquirir o seu imóvel por meio do financiamento, ele precisa também adquirir um serviço que não deseja ou não necessita. Tal prática é considerada abusiva pois fere diretamente a liberdade de escolha do consumidor, que necessita desse financiamento para entrar no programa de moradia, e acaba cedendo às condições oferecidas na proposta (ALVARES, 2016). Diante disso, o presente trabalho tem por objetivo verificar se a referida prática constitui uma infração da ordem econômica, em decorrência de uma venda casada. Nesse sentido, para compreender os impactos causados por essa possível venda casada, é preciso analisar as razões que levam essa instituição financeira à prática desse ato, que estaria ligado a uma racionalidade econômica, pois, na possibilidade de cercear a liberdade do consumidor, também seriam afastados os possíveis concorrentes do produto ou serviço “casado”. E é por isso que tal prática feriria não só o consumidor, mas também a concorrência. Assim, o presente trabalho investiga a ocorrência de venda casada nos contratos de financiamento habitacional do PMCMV celebrados pela CEF – que exigem do beneficiário deste tipo de empréstimo a abertura de conta corrente ou a contratação de seguro perante a mesma instituição – e verifica se tal prática constitui infração à ordem econômica. Para tanto, serão abordados neste trabalho: (i) a importância do direito da concorrência e o bem jurídico por ele tutelado; (ii) o contexto e a interpretação dada ao direito concorrencial no Brasil pela ordem econômica disposta na CRFB/88; (iii) em que moldes a venda casada pode ser considerada infração à ordem econômica, a teor da Lei nº 12.529/2011; e por fim, (iv) se a CEF pratica venda casada anticoncorrencial ao inserir em seus contratos de financiamento habitacional cláusulas que subordinam a concessão do empréstimo para participantes do PMCMV à aquisição de outros produtos e serviços da própria instituição, tais como seguros e abertura de conta corrente. 1. DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA A concorrência é um dos fundamentos da economia de mercado[1], pois sua existência incentiva as empresas a buscar eficiência, qualidade e inovações em seus produtos e serviços, variedades e melhores preços, além de contribuir para o bem-estar social e dos consumidores, fortalecendo a economia e o desenvolvimento tecnológico (COMISSÃO EUROPÉIA, 2012). Em suma, a concorrência existe como um mecanismo de mercado regulador da economia, que está em busca da melhor alocação de recursos escassos para e na sociedade. Nesse sentido, para CALIXTO SALOMÃO FILHO, a palavra-chave de organização do sistema econômico não é o mercado, e sim a concorrência, já que, ao se deixar vigorar livremente as regras do mercado, consequentemente ocorre a formação de estruturas monopolísticas e a concorrência desaparece (1999, p. 52). De fato, empresas e fornecedores em geral buscam sempre a maximização do lucro e um lugar de maior relevância em detrimento de outros atores mais fracos na estrutura econômica, o que pode ocasionar práticas anticompetitivas que visam a eliminar a concorrência (CARVALHO, 2000, p. 2) e ocasionar um desequilíbrio entre as possibilidades de competição em determinado mercado. Tais distorções incluem-se dentre as chamadas falhas de mercado[2]. Como ressaltado por FONSECA (1998), “as empresas privadas, com a tendência à concentração, passam a adquirir maior soma de poder do que os demais integrantes do mercado […] Essa maior soma de poderes concentrados nas mãos desses conglomerados vai então atuar como um verdadeiro poder econômico privado, […], que se imporá sobre outros integrantes”. Surge então a necessidade de regulação por parte do Estado, a fim de direcionar o mercado para uma atuação em que a livre iniciativa e a concorrência tenham lugar ao mesmo tempo para se desenvolverem sem barreiras levantadas em virtude de abusos daqueles que possuem algum tipo de poder econômico (FORGIONI, 2016, p. 195). Por esse viés, a tutela da concorrência sempre buscou a eliminação dos “efeitos autodestrutíveis do mercado”, sendo esse o seu objetivo originário, posto que as suas imperfeições e limitações não são usualmente sanadas pelo mero equilíbrio entre oferta e demanda. Assim, o que se busca pelo Direito da Concorrência é uma convivência entre os preceitos da livre iniciativa[3], da liberdade de disputas (a própria concorrência) e a liberdade de escolha dos consumidores em um ambiente comercial que leve em consideração os princípios constitucionais de determinada sociedade. Ela também atuará em prol da efetivação de uma ordem econômica estabelecida, norteada por princípios basilares de proteção a toda uma coletividade, princípios esses que poderão sofrer alterações e modificações de acordo com o contexto jurídico e político em que estiverem inseridos. (FORGIONI, 2016, p. 193-196). O objetivo das normas antitruste, nesse contexto, está relacionado à proteção da livre iniciativa e da livre concorrência a priori, numa esfera difusa, naquilo que venha atingir a toda uma coletividade, mesmo que responsabilidades e danos sofridos venham recair sobre particulares determinados. Ademais, ao defender a livre concorrência, indiretamente, também se defende, na maioria da vezes, os interesses dos consumidores, como ressaltado por PAULA FORGIONI (2016, p. 256): “Já se disse com propriedade que ‘a tutela da concorrência é a proteção do consumidor no atacado’. Ademais, nas decisões antitruste em que se tem a preocupação (imediata) da tutela da livre concorrência, a proteção (mediata) ao interesse do consumidor, quando existente, é não raro utilizada como elemento argumentativo. Ademais, aqueles que defendem se a eficiência alocativa o único norte do antitruste, colocam o foco da discussão no oferecimento de preços inferiores aos consumidores. Nesse prisma tudo o que leva a redução de preços é considerado benéfico”. Por tais aspectos é que se entende que a defesa da concorrência existe para, além de defender a existência da concorrência em si, garantindo que o direito de livre iniciativa não seja corrompido por estratégias e práticas anticoncorrenciais, atuar como um instrumento de implementação de políticas públicas (FORGIONI, 2016, p. 79-82).  Tais políticas relacionam-se à gestão jurídica e econômica proposta por determinado Estado que busca a proteção da livre concorrência e da livre escolha dos consumidores, lembrando-se que a forma como os entes estatais agem em relação à economia está diretamente ligada aos valores consubstanciados na Constituição. 2. DA ORDEM ECONÔMICA E DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA NO BRASIL A tutela da concorrência no Brasil encontra preceitos norteadores na CRFB/88, que estabelece os princípios gerais da atividade econômica como uma forma de direcionar a atuação estatal em prol da ordem econômica. A definição de ordem econômica abarca desde a delimitação do que se trata a economia como também intervenções estatais na instrumentalização de políticas públicas voltadas a preservação e perseguição de determinados fins que envolvem as atividades econômicas (GRAU, 2007, p. 63).  No ordenamento jurídico brasileiro, a ordem econômica é caracterizada pelos preceitos da CRFB/88 contidos no Título VII. Vale notar que o art. 170 determina que a finalidade da ordem econômica deve ser assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social, e estabelece seu fundamento na valorização do trabalho humano e livre iniciativa. A materialização desses objetivos deverá observar diversos princípios, elencados nos incisos do referido artigo, sendo um deles o princípio da livre concorrência (inciso IV). A liberdade de iniciativa econômica, por sua vez, abrange não só a liberdade de empresa, mas também todas as formas de produção individuais e coletivas, não se constituindo como uma liberdade absoluta – como nenhuma liberdade o é –, de modo que a própria disciplina constitucional da ordem econômica impõe limitações ao seu exercício. É o que se infere, por exemplo, da previsão de repressão ao abuso de poder econômico constante no art. 173 da CF/88 ao dispor, em seu parágrafo 4º, que a “lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”. Portanto, quando o texto constitucional elenca o princípio da livre iniciativa, aliado à proteção da livre concorrência contra condutas anticompetitivas, estabelecem-se diretrizes para que, na esfera infraconstitucional, a concorrência seja tutelada naquilo que envolve a proteção fundamental de três liberdades pertinentes a um mercado concorrencialmente livre: a livre ação dos agentes econômicos, o livre acesso ao mercado e a livre escolha dos consumidores (PROENÇA, 2001, p. 69). O mais importante pilar infraconstitucional dessa proteção reside na Lei nº 12.529/2011, que organiza o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC). O objetivo da referida lei encontra-se em seu art. 1º: “Art. 1o Esta Lei estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC e dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico.   Parágrafo único. A coletividade é a titular dos bens jurídicos protegidos por esta Lei.” Com tais finalidades, o SBDC busca promover a “competição econômica, através da ação de caráter administrativo, educativo, preventivo e repressivo quanto às ações que possam limitar ou prejudicar a livre concorrência no Brasil […]” (GONÇALVES; STELZER, 2012, p. 5) em uma dimensão difusa e não apenas inter partes. Na sistemática utilizada pela Lei nº 12.529/2011, cabe à ordem concorrencial promover um controle preventivo das estruturas e repressivo das condutas, como explica Tércio Sampaio Ferraz Júnior (2011): “O Controle das Estruturas representa o controle sobre aquelas concentrações econômicas que a lei pressupõe como passíveis de limitar ou prejudicar a livre concorrência levando à dominação de mercados. Tais atos são genericamente denominados atos de concentração econômica. Estas concentrações podem se dar de diversas formas tal como pela fusão, incorporação, aquisições de empresas, entre outras modalidades, haja vista que o direito da concorrência não está preocupado com a forma societária que determinado negócio possa ter, mas sim com os efeitos que este possa gerar em terminado mercado relevante.  Já o Controle de Condutas se dedica à análise do comportamento dos agentes econômicos em determinados mercados, verificando se estes estão de alguma forma adotando práticas que não se coadunem com os princípios basilares da ordem econômica, isto é, se está ou não havendo abuso de poder econômico […].” Por tais moldes, a venda casada, analisada neste trabalho, se insere no rol das condutas discriminadas como abusivas, descrita no art. 36, § 3º, inc. XVIII, da Lei nº 12.529/2011. Faz-se necessário, portanto, analisar como se configura a infração à ordem econômica com base no referido diploma legal. 3. CARACTERIZAÇÃO DE INFRAÇÃO À ORDEM ECONÔMICA PELO ART. 36 DA LEI Nº 12.529/2011 A Lei nº 12.529/2011, por meio de seu art. 36, institui algumas condutas que caracterizam infração à ordem econômica, as quais estão relacionadas ao “controle repressivo das condutas dos agentes econômicos que implicam em ofensa a livre iniciativa e competição no regime de mercado” (NESTER, 2012). A caracterização de uma infração à ordem econômica depende de uma análise casuística, com base na regra da razão (OLIVEIRA, RODAS, 2013, p. 36-37)[4]: “Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II – dominar mercado relevante de bens ou serviços; III – aumentar arbitrariamente os lucros; e IV – exercer de forma abusiva posição dominante” (BRASIL, 2011) WERTER R. FARIA entende que a expressão “independentemente de culpa” seria dispensável, uma vez que, na análise da violação às normas legais que tutelam a concorrência, o elemento subjetivo não seria levado em consideração para a caracterização da infração e nem mesmo para a imposição de multas (1996, p. 101). Em posicionamento discordante, CALIXTO SALOMÃO FILHO procura demonstrar que a intenção seria, sim, levada em conta, uma vez o entendimento diverso tornaria “a lei incompatível com a Constituição, que, claramente, optou por considerar ilícito aquele ato intencional que visa a um objetivo predeterminado e anticoncorrencial”[5] (2013, p. 400). CALIXTO SALOMÃO FILHO também ressalta a importância de se colocar as intenções ao lado dos efeitos, pois isso “significa valorar as condutas e, sobretudo, valorizar o bem jurídico concorrência” (2013, p. 400). Afinal, reprimir apenas as condutas que venham a alcançar os efeitos mencionados seria reduzir a atuação do direito antitruste a uma análise pautada na “maximização da eficiência”, o que faz com que os atos sejam discriminados pelos resultados econômicos obtidos, e não pelo seu caráter “pró ou anticoncorrencial” (SALOMÃO FILHO, 2013, p. 399). Sendo assim, a intenção de eliminar os demais concorrentes do mercado deve ser considerada como objetivo geral do agente infrator, mas será punível quando passível de produzir efeitos anticoncorrenciais diversos, dentre os listados no caput do art. 36, devendo a análise do ato intencional ser analisado conjuntamente aos seus efeitos, e não separadamente, até mesmo porque considerar a existência de infração por abuso de poder econômico sem previsão legal expressa, pautada em intenções isoladas de efeitos seria lograr por uma insegurança jurídica na tutela concorrencial (TOMAZINI, 2011). A análise do caput merece ainda outras considerações. Ao mencionar que “os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados”, o dispositivo refere-se “aos efeitos potenciais a serem eventualmente produzidos pela prática analisada” (FORGIONI, 2016, p. 148), de modo que os efeitos dos atos que serão alvo dessa repressão poderão ser atuais ou simplesmente potenciais. Cumpre ressaltar que até mesmo práticas que não venham a produzir obrigações no universo jurídico são vedadas pela lei, dada a utilização da expressão no caput “atos sob qualquer forma manifestados”, significando que os atos objeto dessa norma superam a definição estrita de ato jurídico, de origem civilista[6]. No que se refere aos efeitos previstos nos incisos do caput do art. 36, algumas considerações também se fazem necessárias. O “aumento arbitrário de lucros” previsto no inciso III é criticado desde a Lei de Defesa da Concorrência anterior, Lei nº 8.884/94, por consistir em figura estranha ao Direito da Concorrência[7]. Porém, há que se notar que a própria CRFB/88 entende ser o aumento arbitrário de lucros uma das características do abuso de poder econômico[8], razão pela qual a crítica à redação do artigo acaba se mostrando injustificada[9]. De todo modo, vale lembrar que tal efeito supostamente anticoncorrencial é historicamente mencionado em todas as Constituições brasileiras, desde 1946 (SALOMÃO FILHO, 2013, p. 404). Sobre o exercício abusivo de posição dominante, por sua vez, pode-se considerar que este se dá quando ultrapassa o limite da finalidade econômica e social do direito, como previsto no art. 187 do Código Civil[10]. No que se refere especificamente ao inciso II do caput do art. 36, PRISCILA BRÓLIO GONÇALVES pondera que a dominação de mercados, por si só, não constitui infração à ordem econômica, pois deve, para isso, ser acompanhada de restrições à concorrência (2002, p. 121-122). De fato, os parágrafos do art. 36 são esclarecedores: “§ 1º A conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II do caput deste artigo. § 2º Presume-se posição dominante sempre que uma empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as condições de mercado ou quando controlar 20% (vinte por cento) ou mais do mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo Cade para setores específicos da economia.” (BRASIL, 2011) Outra importante questão debatida desde a Lei nº 8.884/94 decorre da interpretação do art. 36, caput, combinado com seu parágrafo 2º. Questiona-se se o agente deve ser detentor de posição dominante (ao menos 20% do mercado relevante) para que sua conduta possa ser considerada infrativa à ordem econômica e, consequentemente, punida pelo SBDC. Vários autores, entre os quais se pode citar PAULA A. FORGIONI, entendem que a posição dominante não é uma conditio sine qua non para a caracterização do ilícito antitruste, uma vez que é possível, com base nos outros incisos do art. 36, classificar a conduta do agente como infração anticoncorrencial (2013, p. 133). Em posicionamento contrário, PRISCILA BRÓLIO GONÇALVES analisa as diferenças entre as expressões “posição dominante” e “poder econômico”, ponderando que, se ambas as expressões forem consideradas sinônimas, a posição dominante seria pressuposto à caracterização do ilícito antitruste, por conta da aplicação da CRFB/88 (que trata especificamente do abuso do poder econômico). GONÇALVES conclui que a expressão “posição dominante” utilizada na lei seria uma caracterização do “poder econômico” (2002, p. 123-125). A identidade entre as expressões não é, porém, defendida por SERGIO VARELLA BRUNA, que defende ser a expressão “poder econômico” muito mais abrangente que a expressão “posição dominante”[11] (1997, p. 115). De fato, parece ser pacífico nos precedentes do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE e entre a maior parte dos autores brasileiros que a existência de poder de mercado, ou poder econômico, é condição para se configurar infração nos termos da Lei nº 12.529/2011 (CORDOVIL, 2011, p. 103). Não se pode concordar com tais precedentes e autores, porém, quando afirmam que as expressões “poder de mercado” ou “poder econômico” seriam equivalentes à expressão “posição dominante”. Portanto, conclui-se, com PAULA A. FORGIONI e SERGIO VARELLA BRUNA, que, embora a existência de posição dominante não seja necessária para se caracterizar uma infração à ordem econômica, o agente deve deter poder econômico para que possa ser punido por prática anticoncorrencial, por força da CRFB/88[12]. 4. DA VENDA CASADA COMO INFRAÇÃO À ORDEM ECONÔMICA Para demonstrar algumas das possíveis práticas repreendidas pela Lei nº 12.529/2011, foi inserido, de forma exemplificativa, no parágrafo 3º do art. 36, o rol de algumas condutas que podem ser consideradas infração à ordem econômica, desde que produzam os efeitos descritos nos incisos do caput do art. 36 da Lei nº 12.529/2011, já analisados anteriormente. Uma dessas condutas é a venda casada, objeto de estudo deste trabalho: “§ 3º As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica: […] XVIII – subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à utilização de outro ou à aquisição de um bem;” A venda casada é uma prática recorrente no ambiente comercial, que pode ou não ser materializada de forma abusiva. Caso o seja, pode afetar diretamente a livre concorrência e a liberdade dos consumidores. Caracteriza-se quando agentes econômicos impõem ao adquirente a aquisição de um bem (produto principal, produto subordinante ou tying product) ou serviço à conjunta aquisição de um segundo bem ou serviço (produto ou serviço vinculado, subordinado ou tied product) (FORGIONI, 2016, p. 308). CALIXTO SALOMÃO FILHO (2013, p. 157) ressalta que a venda casada não é só aquela que obriga a compra de dois produtos em conjunto, mas também existe quando o preço cobrado pelo produto separadamente é exorbitante, e nesse caso o adquirente acaba levando os dois produtos – pois se levasse só o que gostaria, acabaria tendo prejuízo. Seria a primeira situação uma coerção jurídica, pois a venda casada é decorrente de um ato jurídico – aquisição de bem ou serviços imposta de forma conjunta – e seria a segunda situação uma coerção econômica, pois deriva de uma escolha feita pelo adquirente por seu próprio viés de raciocínio econômico, por achar ser mais vantajoso economicamente adquirir os dois bens ou serviços. Nessa situação, é possível que o adquirente se sinta forçado a adquirir um produto que muitas vezes não deseja para obter aquele que realmente lhe importa. Por outro viés, é possível que essa vinculação cause prejuízos à concorrência, afastando e diminuindo as condições de participação no mercado de outros potenciais concorrentes. É por essa razão que, nos termos do art. 36, § 3º, XVIII, da Lei nº 12.529/2011, referida prática pode constituir infração à ordem econômica. Importante notar que, embora a venda casada tenha sido inserida nesse rol por ser considerada uma forma de abuso de poder econômico, e com isso uma conduta a ser repreendida (CRAVO, 2013, p. 98), não é qualquer tipo de venda conjunta de dois bens, feita em qualquer contexto e por qualquer sujeito que configurará infração à ordem econômica. Para isso, primeiramente deve-se analisar a naturalidade ou não da conduta, ou seja, “em qualquer julgamento que trate de vendas casadas, haverá um ‘corte artificial’ que distingue a vinculação normal, inerente ao produto, daquela anticompetitiva” (FORGIONI, 2016, p. 308). Produtos que são vendidos usualmente no mercado já agrupados e que vendidos separados não apresentam procura compensatória não serão inseridos na venda casada, pois nesses casos haverá uma justificativa baseada em vantagem econômica na venda desses produtos juntos[13]. De todo modo, como já se ressaltou anteriormente e mencionado por FÁBIO ULHOA COELHO (apud BADIN, 2003, p. 137), a venda casada não é considerada ilícita em si mesma, pois “será infração contra a ordem econômica somente se inserida no contexto das práticas restritivas, voltadas a eliminação da concorrência, domínio de mercados ou aumento arbitrário de lucros”. É preciso que os efeitos almejados ou concretizados por essa conduta tenham capacidade de afetar a concorrência, mais especificamente nos moldes do caput do art. 36 da Lei nº 12.529/2011. A análise seguinte leva em consideração o poder de mercado do fornecedor, pois as vendas casadas são tidas como abusivas pelo órgão regulador antitruste[14] quando praticadas por empresas que detêm posição dominante (FORGIONI, 2016, p. 308). Afinal, essa conduta é considerada abusiva pelo fato de o agente econômico detentor de poder de mercado se utilizar dessa característica para restringir escolhas de terceiros, condicionando produtos ou serviços secundários em suas negociações (RIBAS, 2011, p.27). Sintetizando a configuração da venda casada anticoncorrencial, PAULA FORGIONI (2016, p. 309) apresenta três requisitos a serem identificados: (i) existência de dois produtos ou serviços, um principal e outro imposto/vinculado; (ii) coerção por parte do fornecedor para com o adquirente do produto ou serviço; e (iii) algum grau de poder de mercado detido pelo fornecedor. CALIXTO SALOMÃO FILHO (2013, p. 528-529), por sua vez, indica dois elementos como determinantes para identificação da prática: (i) coerção; e (ii) objetivo ilícito de eliminar os concorrentes do mercado, o que deverá culminar na (a) existência ou criação de substanciais barreiras à entrada de concorrentes e (b) não incidência de justificativas positivas para a prática da venda casada, como as que resultam em redução de preços e melhoria da qualidade (e por isso são pró-competitivas). GABAN e DOMINGUES (2012, p.32), por fim, apresentam os requisitos utilizados comumente pelo CADE para aferir a ilicitude na venda casada, elencados na Resolução nº 20/1999 do órgão regulador: “Primeiro, é necessário mostrar que a conduta, por meio da qual a infração à concorrência se daria, de fato ocorreu e pode ser imputada à representada. Segundo, para que a prática empresarial possa configurar uma conduta anticompetitiva é necessário que a representada possua condições para realizar a alegada conduta infrativa, ou seja, que possua posição dominante que possa ser utilizada de modo a restringir a concorrência. Finalmente, uma vez tendo sido constatada a ação por meio da qual haveria restrições à concorrência por uma determinada empresa e detendo este poder de mercado, é necessário mostrar que tal conduta pode gerar efeitos deletérios à concorrência e que não esteja associada a ganhos de eficiência suficientes para contrabalancear os prejuízos de eventual redução da concorrência.” Nesse sentido, a venda casada é considerada uma prática abusiva pelo direito antitruste sempre que ocorrer em situações desprovidas de justificativas naturais plausíveis, ou seja, quando decorrer de atos que visem dominação de mercados e façam uso de uma imposição coercitiva em relação às escolhas dos consumidores, tendo como objetivos, ainda que não sejam alcançados, os efeitos descritos no caput do art. 36 da Lei nº 12.529/2011. 5. DAS TEORIAS ACERCA DA IDENTIFICAÇÃO DA ILICITUDE NA VENDA CASADA Como disposto acima, a identificação da ilicitude presente na venda casada irá depender de seus efeitos, potenciais ou não, perante a concorrência, pois não há amparo na legislação antitruste brasileira à repressão a condutas anticompetitivas per se, uma vez que deve ser levada em consideração a racionalidade dessas condutas (VINHAS, 2014, p. 143-144), que podem ser reveladas pelo plano empresarial do agente infrator. De qualquer forma, cabem algumas explicações mais específicas sobre a caracterização de tal ilícito sob o ponto de vista das teorias que refletem seus conceitos e pressupostos na atuação dos tribunais judiciais e administrativos, no que concerne mais especificamente duas características da venda casada: a coerção e o objetivo de eliminar os concorrentes. A teoria da alavancagem (Alavancage Theory), também chamada clássica, sustenta que “qualquer forma de coerção no mercado é ilícita” (SALOMÃO FILHO, 2013, p. 502-505). Sendo assim, o fato de um fornecedor conseguir impor a venda de um segundo bem ou serviço conjuntamente a outro bem ou serviço já demostraria por si só que ele possui algum poder de mercado, pois é “naturalmente provado pelo sucesso na negociação compulsória” (SALOMÃO FILHO, 2013, p. 502-505). Por essa teoria, portanto, a ilicitude na venda casada seria per se, pois mera incidência da coerção na venda já demonstraria que o agente infrator detém posição dominante. E, em decorrência disso, entendem os defensores da teoria da alavancagem que “os tribunais não devem, portanto, preocupar-se com a demonstração desse poder, que, de resto, é muito difícil e incerta. Presente a coerção, deve-se aplicar a sanção” (SALOMÃO FILHO, 2013, p. 502-505). Logo, se uma empresa é detentora de poder de monopólio sobre determinado produto (vinculante), e “casa” a venda desse à aquisição de outro produto (vinculado), sujeito a concorrência, o monopolista prejudica a concorrência do mercado vinculado (“market foreclose”), tornando-se um potencial detentor de poder de monopólio em ambos os produtos. Isso porque a prática “nega aos demais competidores livre acesso ao mercado do produto vinculado, não porque a empresa que impõe a venda casada tem melhor produto ou menor preço, mas porque tem poder de alavancagem no mercado vinculante” (BADIN, 2004, p. 61-62). Com a prática, o fornecedor também obtém uma redução de custos e uma possível redução do valor do produto final no mercado, aumentando seus lucros e repassando o produto para o consumidor com o preço reduzido – o que acarreta restrição de substancial parcela do comércio no mercado do produto vinculado (BADIN, 2004, p.67). A adoção de tal teoria, porém, implicaria presumir, de forma relativa, a ilicitude da venda casada (BADIN, 2004, p. 68) e, por consequência, não levaria à análise dos possíveis efeitos decorrentes da prática da venda casada para aferir seu caráter anticoncorrencial[15]. A teoria das somas fixas surgiu como crítica à teoria da alavancagem. Desenvolvida pelos neoclássicos da Escola de Chicago, é assim sintetizada por CALIXTO SALOMÃO FILHO (2013, p. 503): “Por ela […], sustenta-se que o monopolista nunca conseguirá cobrar dois preços monopolistas. Como só tem um monopólio (pelos menos de início), para que não perca poder no mercado originário, onde detém o monopólio, e caso já esteja cobrando um preço de monopólio, deverá assegurar que o preço do produto principal, quando vendido em conjunto com outro (produto secundário), seja menor que no caso de venda independente. Essa diferença a menor corresponderia exatamente à diferença positiva que existe entre a utilidade do produto secundário para o consumidor e seu preço. Tudo isso corresponde a uma afirmação muito simples. O agente econômico não conseguirá cobrar preços de monopólio se não detiver dois monopólios. Deverá encontrar uma combinação que, no final das contas, leve sempre à cobrança de um preço de monopólio e outro competitivo. Ora, isso ocorrerá, segundo os neoclássicos, seja ou não o produto secundário vinculado à venda do produto principal. Não haverá, portanto, exercício de poder de mercado em qualquer das hipóteses. Desse modo, não há que se preocupar com as negociações compulsórias, que devem ser consideradas per se lícitas.” Os defensores da teoria das somas fixas, estariam, ao contrário da escola de Harvard, defensora da teoria da alavancagem, mais preocupados com ganhos de eficiência econômica no mercado e para os consumidores, no sentido de não mais considerar abusivas certas práticas, e sim ressaltar os possíveis ganhos econômicos para a sociedade[16]. Mas há que se lembrar que a análise da venda casada a ser considerada pelo direito antitruste brasileiro considera como pressuposto de sua ilicitude os efeitos anticoncorrenciais que ela venha causar. Declarar a ilicitude em tal prática per se pode culminar por afastar os objetivos do direito concorrencial em repreender uma conduta abusiva, pois negligencia seus efeitos no ambiente concorrencial, que podem eventualmente ser positivos. Por outro lado, fadar a análise da venda casada a verificações pautadas em eficiências econômicas, que tendem a afastar sua ilicitude em prol de um livre funcionamento de mercado sem restrições, seria não se preocupar com a função política do direito antitruste de proteção à ordem econômica, e consequentemente a concorrência, livre iniciativa e consumidores. Nesse sentido opina ALBERTO LUÍS CAMELIER DA SILVA (2012, p. 75): “No caso das vendas casadas, não se trata de uma questão de preço maior, menor ou igual do produto ou bem vinculado àquele praticado no mercado; o que importa é a supressão da concorrência, ou o ato de restringir a concorrência e a eliminação da livre disposição dos consumidores adquirir bens e serviços de fornecedor diverso. Essas são as questões que importam ao direito antitruste. […] A subordinação restringe ou elimina a concorrência em relação aos produtos/serviços vinculados, dificultando sobremaneira a existência ou manutenção daquela. Ao criar obstáculos ou dificuldades à constituição, funcionamento ou desenvolvimento de empresas, comete ilícito concorrencial o agente econômico. Logo, na ação danosa de subtrair dos mercados consumidores capturados pela venda casada, está o agente praticando conduta anticompetitiva, divorciada das práticas lícitas e salutares da concorrência. Não raro, o agente econômico busca justificar a venda casada alegando ganhos de eficiência, segurança do consumidor e controle de qualidade do produto vinculado ou subordinante.” É por adotar tal entendimento que o direito antitruste brasileiro não considera a regra per se para aferir a ilicitude na venda casada, mas sim a regra da razão (VINHAS, 2014, p. 143-144), em que há uma ponderação entre justificativas de ganhos econômicos e os efeitos anticoncorrenciais da venda casada, mas reconhece a “alavancagem” de poder de mercado como um efeito inerente a tal prática, que pode implicar um bloqueio de participação de outros concorrentes no mercado do produto vinculado (barreiras à entrada). A Resolução nº 20/1999 do CADE definiu que os ilícitos decorrentes de práticas restritivas horizontais, utilizadas por agentes econômicos para eliminar a concorrência, visando o aumento de poder de mercado (o que inclui a venda casada), devem ser analisados tendo por base o princípio da razoabilidade: “Em geral, tais práticas pressupõem a existência ou a busca de poder de mercado sobre o mercado relevante. Em diferentes graus, algumas podem também gerar benefícios em termos de bem-estar ao mercado ("eficiências econômicas"), recomendando a aplicação do "princípio da razoabilidade". Desse modo, é preciso ponderar tais efeitos vis-à-vis os potenciais impactos anticompetitivos da conduta. Portanto, uma prática restritiva somente poderá gerar eficiências líquidas caso as eficiências econômicas dela derivadas compensem seus efeitos anticompetitivos. […] As experiências nacional e internacional revelam a necessidade de se levar em conta o contexto específico em que cada prática ocorre e sua razoabilidade econômica. Assim, é preciso considerar não apenas os custos decorrentes do impacto, mas também o conjunto de eventuais benefícios dela decorrentes de forma a apurar seus efeitos líquidos sobre o mercado e o consumidor.” Portanto, além de ser levada em consideração a razoabilidade econômica da venda casada, numa espécie de sopesamento entre ganhos econômicos para a sociedade e o consumidor frente aos possíveis impactos anticoncorrenciais, também será necessário que a sua ocorrência venha gerar efeitos capitulados nos incisos do caput do art. 36, da Lei nº 12.529/2011. Diferentemente da atuação administrativa do CADE sobre casos que envolvem a venda casada, a experiência brasileira na esfera judicial revela que a sua análise fica restrita à legislação consumerista (BADIN, 2004, p. 51-82), o que é bastante criticável, tendo em vista que proteger a concorrência junto ao consumidor seria uma forma muito mais ampla de se proteger tais bens jurídicos[17] e, assim, realizar os valores insculpidos na Constituição. O presente trabalho visa analisar um caso concreto sob a perspectiva do Direito da Concorrência, qual seja, a potencial prática de venda casada pela CEF, empresa pública responsável por conceder empréstimos para o financiamento habitacional do PMCMV[18]. 6. DO SFH E DO PMCMV O SFH foi criado pela Lei nº 4.380/1964, a partir de uma política nacional que objetivava facilitar e promover a aquisição e construção da casa própria principalmente pelas classes de menor renda da população. Mas, com o tempo, sofreu alterações que permitiram que o SFH passasse a financiar também a classe média e média alta da população, mesmo aqueles que já possuíam casa própria, mantendo-se, a preferência, para as classes menos favorecidas da sociedade (AMORE, 2015, p. 55-60). Mesmo que o SFH tenha sido criado em tempos econômicos, jurídicos e políticos diversos da atual realidade brasileira, foi mantido sob a CRFB/88 e seus princípios. A partir de 1988, a CEF se tornou responsável pela gestão do SFH, e desde então é o maior agente financeiro de habitação do Brasil, detendo mais de 50% do total de recursos destinados a este setor, sendo também responsável por cerca de 95% dos financiamentos destinados à população de baixa renda (CONFECI, 2010). Atualmente, o PMCMV, destinado prioritariamente à população de baixa renda, tem a CEF como o principal agente financeiro do programa, sobretudo da faixa 1 (financiamento para famílias que possuem renda de até R$ 1.800,00[19]. A instituição possui então posição dominante nesse setor como empresa pública na concessão desses financiamentos, a qual trabalha junto ao Governo federal na efetiva implantação de políticas públicas, no caso o financiamento de moradias (CUNHA, 2014, p. 162). Devido à massificação da demanda de financiamento e construções habitacionais, muitos abusos podem potencialmente ser cometidos pelas instituições financeiras que detêm poder de mercado, uma vez que podem, por meio de suas ações e planos empresariais, ocasionar empecilhos à livre concorrência. Nesse contexto, foram encontradas diversas demandas movidas contra a CEF em sua atuação conjunta ao PMCMV, acusando-a de praticar venda casada em seus contratos de financiamento (ALVARES, 2013). 7. DA VENDA CASADA NOS CONTRATOS DO SFH JUNTO AO PMCMV Os contratos de financiamento do PMCMV contêm cláusulas que condicionam o mutuário a efetuar uma abertura de conta corrente e contratar seguro pela própria CEF. Classificam-se tais contratos como de adesão, já que, por sua natureza, não possibilitam ao contraente a questionar ou negociar as cláusulas colocadas no contrato (NUNES, 2014, p. 100): ou ele as aceita por completo, ou, do contrário, não lhe será possível efetuar o empréstimo[20]. Nas diversas ações movidas contra a CEF, iniciadas principalmente pelos Ministérios Públicos Federal e Estaduais, relatou-se que a instituição financeira impõe aos seus clientes a aquisição de seguro ou abertura de conta corrente da própria instituição, como condição contratual para conceder o empréstimo de financiamento, e que por isso estaria praticando a venda casada, violando a liberdade de escolha do consumidor e onerando os seus gastos (ALVARES, 2013). Em um desses processos[21] a CEF alegou que não haveria incidência de tal conduta na prestação desse serviço, pois o consumidor pode escolher entre aceitar ou não o que está estabelecido no contrato, e que haveria previsão legal para vincular a concessão de empréstimos que estão inseridos no SFH a seguros da própria instituição que fornece o financiamento, como disposto na Resolução 3.005/02 do BACEN[22].  Ocorre que referida resolução foi revogada, restando em vigor o entendimento do Conselho Monetário Nacional, incorporado na Lei nº 11.977[23] do PMCMV, e também na Resolução nº 3.811/2009 do BACEN. Em resumo, o novo entendimento buscou manter uma concorrência desejável em relação ao mercado de seguros de vida e habitacionais, pois como relatado pelo Jornal Estado de São Paulo (2009), se não houvesse tal mudança, a CEF continuaria tendo uma vantagem sobre os outros concorrentes e um monopólio[24] na venda das apólices – porque persistiria a obrigatoriedade de inserir nos contratos de financiamento do SFH a contração de dois tipos de seguro: para Morte e Invalidez Permanente (MIP) e Danos Físicos ao Imóvel (DFI). A partir de então, os agentes financiadores do SFH deveriam, como forma de mitigar esse monopólio, oferecer ao mutuário opções de contrato de seguro por instituição financeira diversa da que concedeu o empréstimo, como apontado no voto da Ministra NANCY ANDRIGHI em um dos Recursos Especiais (804.202/MG) que serviram como precedente da Súmula nº 473:  “[…] diante dessa exigência da lei, tornou-se habitual que, na celebração do contrato de financiamento habitacional, as instituições financeiras imponham ao mutuário um seguro administrado por elas próprias ou por empresa pertencente ao seu grupo econômico. A despeito da aquisição do seguro ser fator determinante para o financiamento habitacional, a lei não determina que a apólice deva ser necessariamente contratada frente ao próprio mutuante ou seguradora por ele indicada. Ademais, tal procedimento caracteriza a denominada “venda casada”, expressamente vedada pelo art. 39, I, do CDC, que condena qualquer tentativa do fornecedor de se beneficiar de sua superioridade econômica ou técnica para estipular condições negociais desfavoráveis ao consumidor, cerceando-lhe a liberdade de escolha. Recurso especial não conhecido.” (REsp 804.202/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/08/2008, DJe 03/09/2008). Vale observar que os mutuários do SFH precisam arcar com o custo adicional desses seguros obrigatórios, mas, como relatado acima, devem ser oferecidas ao mutuário opções de contratação de seguros vinculados a outras instituições financeiras. Caso a CEF imponha tal contratação acessória na própria instituição, de forma exclusiva, estará praticando venda casada. Da mesma forma, se outros tipos de seguros e serviços forem oferecidos aos consumidores, como a abertura de conta corrente no banco contratado, pode-se configurar a venda casada, caso sejam apresentados aos contraentes como condição para aquisição do financiamento, e portanto produtos e serviços vinculados ao principal. Outra questão, mencionada em uma ação civil pública[25], movida contra a CEF pelo Ministério Público Federal no Espírito Santo (MPF/ES), trata do fato de a Caixa supostamente omitir informações relevantes a respeito das formas pelas quais os mutuários poderiam pagar as prestações dos empréstimos, sem informar aos seus clientes a desnecessidade de se abrir uma conta corrente para ter o pedido de crédito analisado. No caso específico dos financiamentos direcionados ao público do PMCMV não é obrigatória a contratação de seguros com cobertura de MIP e DFI, pois a própria lei os isenta desse ônus[26]. Porém várias denúncias[27] já foram feitas pelos mutuários desse programa, ao ponto de o MPF/SC a ajuizar ação civil pública em 2016 contra a CEF por venda casada[28], no âmbito da qual se alegou que a instituição exigia a abertura de conta corrente para pagamento em débito das prestações do empréstimo, compra de um plano de previdência privada ou aquisição de seguro de vida e cartão de crédito para concessão do financiamento[29]. Tais práticas, porém, são tratadas no Judiciário predominantemente como violação exclusiva ao Direito do Consumidor. Cumpre lembrar, porém, como já informado pelo Conselho Monetário Nacional, a CEF está propensa a obter o monopólio na concessão de seguros, devido ao monopólio[30] que já possui na concessão de empréstimos para financiamento de imóveis do PMCMV (O ESTADO DE SÃO PAULO, 2009). Nesse contexto, a prática de venda casada pela CEF pode trazer possíveis prejuízos à livre concorrência, haja vista o poder de mercado que detém nesse setor. A análise dos casos dessa conduta potencialmente abusiva praticada pela CEF nos empréstimos para o PMCMV demonstra que a jurisprudência tem abordado a venda casada apenas sob o art. 39, I, do Código de Defesa do Consumidor[31], sem, porém, analisá-la sob a ótica do direito da concorrência, o que contribuiria ainda mais para a repressão da prática e proteção dos bens jurídicos em questão.. A seguir, será analisado em que medida o contrato de financiamento habitacional do PMCMV realizado pela CEF, ao exigir do beneficiário deste tipo de empréstimo a abertura de conta corrente ou a contratação de seguro, também perante a mesma instituição, configura infração à ordem econômica, à teor da Lei nº 12.529/2011. 8. DA VENDA CASADA ANTICONCORRENCIAL NOS CONTRATOS DE FINANCIAMENTO HABITACIONAL DO PMCMV Como se pôde verificar no item anterior, a prática da CEF de condicionar descontos para a aquisição de um serviço à contratação de outro(s) serviço(s) pode ser considerada uma espécie de coerção econômica, visto que ao mutuário é facultada a escolha pela contratação ou não do serviço. Assim, o mutuário acaba por adquirir os dois produtos, empréstimo e cartão de crédito (por exemplo), por achar que será mais vantajoso economicamente, dada a redução de juros oferecida pela CEF. Ao mesmo tempo, é improvável que o mutuário perceba que essa redução de juros concedida pela CEF poderá ser compensada pela instituição por meio dos juros inerentes ao cartão de crédito adquirido pelo mutuário, aplicando, dessa forma, o lucro derivado de sua posição dominante, “[…] para subsidiar o preço do produto subordinado que enfrenta concorrência” (FORGIONI, 2016, p. 315). Considerando-se tal pacote de produtos oferecido pela CEF uma forma de venda casada, faz-se necessário verificar a seguir os seus possíveis efeitos, de modo a se aferir se a prática pode ser considerada uma conduta anticompetitiva. Primeiramente, note-se que a venda casada realizada pela CEF não pode ser considerada natural, pois, com exceção dos casos em que a há a obrigatoriedade legal de contratação de seguro MIP e DFI pelo mutuário inserido nos contratos do SFH, não há necessidade e possivelmente nem vantagem econômica ao contratante em adquirir o empréstimo conjuntamente a esses outros produtos e serviços (principalmente pelo mutuário do PMCMV que não tem essas obrigações). Isso porque as informações prestadas pela CEF em relação ao pacote de produtos oferecidos não esclarecem quais os preços praticados para os produtos adquiridos separada ou conjuntamente (MPF/SC, 2016, p. 28-30). Nesse contexto, pode-se dizer que a CEF usa de sua posição dominante no mercado de financiamento para o PMCMV, do seu poder econômico, e, ainda, da vulnerabilidade do consumidor, que normalmente não possui nenhuma outra opção para adquirir a casa própria, principalmente em se tratando de pessoas de baixa renda. Assim é exercida uma coerção para direcionar o adquirente a contratar outros produtos e serviços que a priori ele não deseja. Referida prática potencialmente infringe a ordem econômica, desestabilizando um ambiente comercial saudável tanto para o consumidor quanto para os demais concorrentes (art. 36, § 3º, incisos I, II e III da Lei nº 12.529/2011). Portanto, a provável ilicitude da venda casada realizada pela CEF baseia-se no abuso derivado de sua posição dominante no mercado de financiamento, pois, independente de ser facultado ao Banco do Brasil a possibilidade também de conceder empréstimos para os aderentes ao PMCMV, a CEF acaba sendo a instituição financeira mais procurada para a realização de financiamentos habitacionais[32]. O potencial anticoncorrencial dessa prática da CEF fica, deste modo, ainda mais evidente, pois como o tipo de empréstimo que o participante do PMCMV necessita só pode ser oferecido pela CEF e pelo Banco do Brasil, a CEF pode, com isso, alcançar posição dominante em outros mercados de produtos e serviços financeiros (que compreende seguros habitacionais e de vida, cartões de crédito, planos de previdência privada, entre outros), e, até mesmo, eliminar os concorrentes desse mercado[33]. Tendo em vista que não há ilicitude no fato de a CEF possuir posição dominante nesse mercado, a ilicitude reside no abuso dessa posição, com a prática de venda casada para conquistar posição dominante no mercado do produto vinculado, e com isso impedir que seus clientes possam ter a opção de procurar os concorrentes, neutralizando as forças normais que regeriam o mercado (FORGIONI, 2016, P. 269). Essa prática também, como explicitado por PAULA A. FORGIONI (2016, p. 315) pode: “[…] encobrir a prática de preços predatórios, com a utilização de até mesmo de subsídio cruzado; ao efetuar a venda conjunta, dificultando-se a comprovação de preços abaixo do custo ou mesmo a sua comparação com aqueles de mercado. Ademais, a empresa dominante em um setor pode decidir praticar o preço predatório naquele do produto vinculado, aplicando o lucro monopolista para subsidiar o preço do produto subordinado que enfrenta concorrência”. Como visto anteriormente, para considerar a venda casada, prevista no rol exemplificativo de condutas anticoncorrenciais do art. 36 da Lei nº 12.529/2011, como infração à ordem econômica, é necessário que ela tenha por objeto ou simplesmente pretensão de alcançar algum dos efeitos referidos nos incisos do caput do art. 36 da lei mencionada, mesmo que não produzam efeitos. Nesse sentido, tendo em vista os efeitos previstos em lei, a CEF demonstra, por meio de cláusulas que estabelecem venda casada na concessão dos financiamentos habitacionais do PMCMV, indícios de intenção de eliminar a concorrência, o que configura um ilícito anticoncorrencial. Observam-se, também, os objetivos de limitar e prejudicar a livre concorrência e de exercer de forma abusiva posição dominante. É possível, portanto, concluir que a CEF potencialmente pratica a venda casada anticoncorrencial e infringe a ordem econômica ao vincular a concessão dos empréstimos de financiamento aos mutuários do PMCMV a outros produtos e serviços não obrigatórios e não necessários a conclusão do enlace contratual pretendido pelo consumidor em questão, como a aquisição de seguros e abertura de conta corrente, feitos de forma coercitiva. CONCLUSÃO Ante todo o exposto, pode se concluir que, a CEF pratica venda casada – uma das condutas previstas no art. 36, Lei nº 12.529/2011 –, ao condicionar a concessão de empréstimos a contratação de outros serviços do banco, ou seja, ao subordinar um serviço à aquisição de outro. Com essa conduta, é possível que a CEF esteja abusando de sua posição dominante para afastar potenciais concorrentes no mercado de produtos e serviços em que não possui essa posição, como o de seguros, o que configuraria uma infração concorrencial, nos termos do art.  36, Lei nº 12.529/2011. Referida prática merece ser investigada e punida pelo SBDC, se comprovada a sua natureza de ilícito anticoncorrencial, ainda que não comprometa a efetividade do PMCMV, dado o seu importante cunho social de materialização de um direito fundamental tão caro como o direito à moradia digna.
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Da responsabilidade pela pesquisa de mercado inadequada no procedimento licitatório
Buscou-se com esse estudo analisar a relevância da pesquisa de mercado no procedimento licitatório destacando suas aplicações na fase interna do procedimento. Analisou-se à jurisprudência do Tribunal de Contas da União e trabalhos específicos sobre o tema. Posteriormente analisou-se o meio mais adequado de realizar a pesquisa de mercado, bem como a quem deve ser atribuída a responsabilidade pela sua inadequação. O objetivo maior é permitir uma sistematização do conhecimento e auxiliar no aperfeiçoamento das técnicas licitatórias dos órgãos públicos brasileiras.
Direito Administrativo
Introdução O presente trabalho visa analisa o momento interno da licitação, em especial, a pesquisa de mercado, formalidade exigida pelos Tribunais de Contas para regularidade do procedimento. Em um primeiro momento se destacará, através de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, a importância desse ato para a realização de uma licitação hígida. Em um segundo momento a análise recairá sobre o modo da realização da pesquisa de mercado, em especial, com a modificação da jurisprudência do Tribunal de Contas da União que deixou de entender como satisfatória a busca por três orçamentos e impôs aos administradores a busca pelo que se nomeou ‘cesta de preços aceitável’. A partir do apresentado se analisará a atribuição de responsabilidade dos servidores públicos que participarem do procedimento de pesquisa de mercado. Por fim, concluir-se-á pela importância da cotação de preços, bem como pelos métodos mais adequados de sua realização e que as responsabilidades devem ser atribuídas aos diversos participantes do procedimento licitatório. 1 Da relevância da pesquisa de preços para a licitação A licitação é um procedimento administrativo que visa contratar bens e serviços para a administração pública através de uma seleção imparcial e que consiga obtenção da melhor proposta possível. É por isso que a Constituição Federal, em seu art. 37, XXI, prevê que a licitação deve ser a regra para a contratação pública, somente podendo ser dispensada em casos excepcionais. Hely Lopes Meireles nos dá a seguinte definição sobre o instituto: “Licitação é o procedimento administrativo mediante o qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse. Como procedimento, desenvolve-se através de uma sucessão ordenada de atos vinculante para a Administração e para o licitantes, o que propicia igual oportunidade a todos os interessados e atua como fator de eficiência e moralidade nos negócios administrativos.” (2001, p. 257) O procedimento licitatório é comumente dividido pela doutrina em duas fases: fase interna e fase externa (Hely Lopes, 2001, p. 270). A primeira seria aquele momento em que somente Administração Pública atua definindo o objeto que deseja contrato e suas peculiaridades, bem como decidindo quais são os requisitos que serão impostos aos particulares para participação na licitação e para condução do contrato. Nesse sentido Mendes, p.2: “É possível dizer que a fase interna se destina à definição do que chamamos de encargo. O encargo é um conjunto de obrigações que a Administração vai definir e que deve ser cumprido pelo futuro contratado. A obrigação mais importante do encargo é o que chamamos de objeto. Portanto, na nossa visão, a palavra encargo tem um sentido mais amplo do que a palavra objeto, pois ela compreende outras obrigações ou exigências, além dele. Podemos dizer que o objeto é o núcleo principal do encargo, mas este abrange outras obrigações, tais como: prazo de entrega, assistência técnica, transporte, garantias, pagamento de impostos, taxas, etc.” Desse modo, dentro da fase interna o planejamento sobre o futuro da licitação será realizado pela administração pública. A fase externa, por sua vez, ocorre a partir da publicação do edital e é o momento em que o particular passa a participar do processo, seja através de impugnações, questionamentos, apresentação de propostas, etc. Dentro da fase interna, um aspecto muito relevante é a definição do preço do objeto a ser contratado pela Administração, nesses termos o Manual de Orientação acerca de pesquisas de preços do STJ (2017, p.3) dispõe que: “A pesquisa de preços consiste em procedimento prévio e indispensável para a verificação de existência de recursos suficientes para cobrir despesas decorrentes de contratação pública. Serve de base também para confronto e exame de propostas em licitação e estabelece o preço justo de referência que a Administração está disposta a contratar, devendo constar no edital o critério de aceitabilidade dos preços unitário e global. Mediante a pesquisa de preços se obtém a estimativa de custos que se apresenta como de fundamental importância nos procedimentos de contratação da Administração Pública, funcionando como instrumento de baliza aos valores oferecidos nos certames licitatórios e àqueles executados nas respectivas contratações. Assim, sua principal função é garantir que o Poder Público identifique o valor médio de mercado para uma pretensão contratual.” E sobre o conceito de pesquisa de preços Chaves (2003) nos dá a seguinte definição: “A pesquisa de preços (ou Análise de Mercado, como preferimos) é o procedimento, prévio à contratação, que visa subsidiar a alta administração do órgão ou entidade de informações de cunho financeiro a fim de que esta possa decidir sobre a conveniência e oportunidade da contratação pretendida. Ao realizar tal mister, o agente responsável busca, nas várias fontes idôneas, os preços que vêm sendo praticados no mercado para o produto a ser adquirido ou contratado. Portanto, o que na essência acaba sendo realizado, nada mais senão uma pesquisa estatística, em que se verifica a curva de preços de um determinado segmento”. A relevância da pesquisa de preços passa por diversos aspectos: permite um maior conhecimento do objeto a ser adquirido, bem como a análise da capacidade financeira e orçamentária para adquiri-lo, impede que haja contratação por valores acima do mercado ou que haja o chamado, jogo de planilhas etc. (STJ, 2017, p.5) Com isso em mente a jurisprudência do TCU é uníssona na necessidade de que toda contratação, ainda que não precedida de licitação, seja precedida pela competente pesquisa de preço. No acórdão 769/2013 – Plenário o Tribunal estabeleceu que sua ausência desrespeita o princípio da economicidade e da transparência e, portanto, consiste em ilegalidade. É importante perceber que tal pesquisa não é mero aspecto formal a preceder a contratação, mas tem grande relevância e, portanto, deve ser realizado do modo mais adequado possível. Segundo Franklin Brasil há relação direta entre o valor estimado e o valo contratado (2015, p. 5): “quanto maior o valor estimado, maior o valor homologado. Estimativas acima da média de mercado tendem a gerar propostas mais caras. E ajudam a explicar a dispersão de preços que, em geral, caracteriza prejuízo.” Chaves (2013, p.1) fala sobre uma dupla vinculação do administrador público: o dever de realizar a pesquisa de mercado e o dever de que ela seja a mais próxima possível da realidade de mercado e somente obedecendo a essas duas vinculações é possível falar em contratação pública adequada. O TCU mantém farta jurisprudência sobre o tema, superou sua jurisprudência que exigia para a regularidade da cotação a existência de três orçamentos de fornecedores diferentes e consolidou que para a realização de cotação de preços deve-se buscar um número razoável de fontes no mercado, no que chama de “cesta de preços aceitáveis” (Acórdão 2637/2015-Plenário o TCU). Do mesmo modo consolidou o entendimento de que a realização de pesquisa de preços de mercado não é um ato meramente formal, devendo o responsável submeter os preços encontrados a uma avaliação crítica (Acórdão 403/2013-Primeira Câmara), ou seja, os preços coletados devem ser analisados sob o enfoque de sua compatibilidade com as necessidades da administração e a realidade de mercado. Em suma a ausência ou a irregularidade na cotação de preços podem gerar uma gama de efeitos negativos para a Administração Pública, desde contratações superestimadas até a existência de jogo de planilhas nas propostas dos licitantes. Em face disso é que se passa a analisar a quem deve ser atribuída a responsabilidade em caso de pesquisas não realizadas ou realizadas inadequadamente. 2 Da responsabilidade pela pesquisa inadequada É importante se analisar como deve ser realizada uma pesquisa de mercado para que se possa analisar a quem é atribuída a responsabilidade em caso de sua realização inadequada. Tal temática é extremamente relevante em virtude da existência de diversos órgãos públicos que realização essa pesquisa através da busca de três preços de fornecedores distintos. Ocorre que tal sistemática seguia o entendimento já superado pelo TCU. Os problemas de tal método foram apresentados por Torres (2013): “Em primeiro, cumpre lembrar que o preenchimento de pesquisa de preços, pelos empresários, envolve o dispêndio de tempo e de recursos humanos, o que pode ser traduzido em custos. Sem qualquer benefício dado pelo órgão ou ente público que solicita ao fornecedor a pesquisa de preços, é comum que muitos fornecedores sequer respondam aos pedidos feitos para envio de propostas, com o intuito de montar a necessária pesquisa de preços, para realização do certame. (…) Ademais, nada impede que o fornecedor consultado apresente uma proposta fictícia e com sobrevalor, na pesquisa de preços, visando ampliar o limite máximo para contratação do certame que ele pretende participar. É comum, aliás, a identificação deste tipo de incoerência. Empresas que apresentam estimativas de custos maiores, na pesquisa de preços, do que as propostas por elas apresentadas posteriormente, durante o certame.” Atualmente a Corte de Contas entende que o administrador público deve buscar uma ampla gama de preços de diferentes fontes para criar uma ‘cesta de preços aceitáveis’: “As estimativas de preços prévias às licitações devem estar baseadas em cesta de preços aceitáveis, tais como os oriundos de pesquisas diretas com fornecedores ou em seus catálogos, valores adjudicados em licitações de órgãos públicos, sistemas de compras (Comprasnet), valores registrados em atas de SRP, avaliação de contratos recentes ou vigentes, compras e contratações realizadas por corporações privadas em condições idênticas ou semelhantes. “ Tal método amplia o número de orçamentos e diminui a influência do orçamento do fornecedor na consolidação do preço na licitação tornando a pesquisa mais próxima da realidade de mercado e, portanto, o procedimento licitatório mais próximo do valor real pago pelo bem ou serviço. É fato que se realizada inadequadamente a pesquisa de mercado vai de encontro a diversos princípios administrativos, em especial, o da eficiência, vez que permite que os procedimentos licitatório ou trabalhem com preços superfaturados, gerando prejuízos à administração, ou trabalhem com preços inexequíveis impondo a repetição do procedimento ou celebração de posterior aditivos, ambas as hipóteses trazendo prejuízos à administração, nesse sentido: “A ampla pesquisa de mercado não pode ser considerada mais um documento formal que comporá o processo, trata-se de procedimento que visa orientar o gestor na redução e otimização das despesas públicas, buscando a transparência e a efetividade na gerência da coisa pública” (Acórdão nº 2.463/2008 – Plenário, rel. Min. Ubiratan Aguiar, Processo nº 001.419/2007-6) A questão que se pretende discutir é a quem cabe a responsabilização em virtude da realização de uma pesquisa de mercado inadequada. Em um primeiro momento poderia se pensar que, em virtude da natureza técnica do procedimento somente o servidor que o realizou teria a responsabilidade pelo ato. Não é a melhor interpretação. É o poder-dever de autotutela que impõe a todos os personagens do processo licitatório de análise da legalidade dos autos do procedimento. Isso porque uma vez que a licitação consiste em procedimento a prática de um ato depende da validade dos anteriores, ou seja, há o dever de cada servidor de verificar a legalidade dos atos pretéritos, com objetivo de se aferir a legalidade do ato que está prestes a praticar. Isso é especialmente verdade no ato de homologação do certame que é, em última análise, o ato que declara a legalidade do procedimento. Nesse sentido a Revista Zênite (2009) por meio de sua equipe técnica manifestou-se nos seguintes termos: “ainda que a falha não tenha sido cometida pelo pregoeiro, sua omissão em representar essa irregularidade à autoridade competente constitui violação ao cumprimento do dever legal imposto a qualquer servidor público, qual seja, o dever de “levar as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo ao conhecimento da autoridade superior ou, quando houver suspeita de envolvimento desta, ao conhecimento de outra autoridade competente para apuração”. Discorrendo sobre o tema o Tribunal de Contas da União entende que há não só responsabilidade do servidor responsável pela cotação de preços, mas também dos demais atores do processo licitatório, em caso de prejuízo trazido por uma pesquisa inadequada à Administração Pública:  “Em verdade, a CPL, o pregoeiro e a autoridade superior devem verificar: primeiro, se houve pesquisa recente de preço junto a fornecedores do bem e se essa observou critérios aceitáveis; segundo, se foi realizada a adequação orçamentária; e, por último, se os preços da proposta vencedora estão coerentes com o orçamento estimado pelo setor competente. Acórdão 3.516/2007 TCU” Assim, as pesquisas de preço devem ser analisadas pelos demais atores do procedimento licitatório com o objetivo de verificar sua adequação aos procedimentos adequados normalmente realizados para a busca do preço estimado. Ou seja, primordialmente a responsabilidade pela pesquisa de preço que gere prejuízo à Administração é do responsável por sua confecção, todavia, os demais atores do procedimento licitatório, como a autoridade superior que homologa o certame, o pregoeiro e os membros da Comissão de Licitação, também poderão ser responsabilizados caso a pesquisa não adote critérios razoáveis, ou seja, não necessitam adentrar na parte técnica da questão, mas ao menos analisar se dentro dos dispositivos normativos a pesquisa foi adequada e os preços estão de acordo com o de mercado. Ratificando o entendimento acima o TCU responsabilizou o autor da pesquisa e solidariamente a autoridade que homologou o procedimento licitatório e, também, os membros da Comissão de Licitação: “Acórdão 2.136/2006 TCU – “A esse respeito, assente a jurisprudência desta Corte no sentido da obtenção de três propostas válidas em procedimentos licitatórios, na modalidade convite, sob pena de repetição do certame (v.g. Acórdãos nºs 101/2005, 301/2005 e 1.182/2004, do Plenário, e Acórdão nº 2.844/2003-TCU-1ª Câmara), bem como acerca do fato de que, ainda que se admita que “(…) exista um setor responsável pela pesquisa de preços de bens e serviços a serem contratados pela administração, a Comissão de Licitação, bem como a autoridade que homologou o procedimento licitatório, não estão isentos de verificar se efetivamente os preços ofertados estão de acordo com os praticados no mercado, a teor do art. 43, inciso IV, da Lei nº 8.443/1992” (cf. Acórdão nº 509/2005-TCU-Plenário).”. Todavia, não se pode imaginar que tal responsabilização se dê de modo objetivo, sob pena de violação do art. 122 da lei 8112/90. Quer dizer, somente mediante a comprovação de culpa ou dolo do servidor pode o mesmo ser responsabilizado. É importante se perceber que apesar de ser necessário aos atores do procedimento licitatório a observâncias dos critérios empregados na pesquisa de mercado, nem sempre esses critérios estarão aos alcances do conhecimento do agente público. É natural que a certos aspectos do procedimento de pesquisa de preço somente o setor competente possa tecer considerações e conclusões ante seu caráter técnico aprofundado. Nesses aspectos a responsabilidade se estenderá apenas aos responsáveis pela cotação não atingindo aos que posteriormente atuarem no procedimento (Revista Zênite 2003) Em outros aspectos, todavia, como a ausência de pesquisa de preços ou na realização de pesquisa com apenas três orçamentos, a irregularidade extrapola os conhecimentos técnicos estatísticos e, por isso, percebe-se que há o dever de atuação dos agentes públicos e a possibilidade de responsabilização em caso de omissão. Com isso, pode-se concluir que há responsabilidade do setor responsável pela pesquisa de mercado, bem como de todos os agentes públicos que posteriormente atuem no feito como a CPL, o pregoeiro e a autoridade que homologa o certame, todavia tal responsabilidade se limita à análise básica da existência da pesquisa de mercado adequabilidade do método empregado, não podendo falhas técnicas complexas atingirem tais atores. Conclusão Procurou-se expor no presente trabalho a importância da pesquisa de mercado para a realização do processo licitatório. Em um Estado Democrático onde a gestão da res publica passa por princípios tão importantes como moralidade, eficiência e legalidade cada detalhe do uso do dinheiro público deve ser observado. A busca por tais princípios passa pela análise da responsabilidade de seu descumprimento, vez que a cada violação deve corresponder uma reprimenda, sob pena de se desfigurar o arcabouço jurídico administrativo. Apresentou-se no início do trabalho a importância da pesquisa de mercado para que se evite sobrepreço ou outros vícios no procedimento licitatório, é importante para o Administrador Público a noção da importância dessa etapa e a busca pelo aperfeiçoamento na mesma. Em seguida analisou-se o que o TCU entende por pesquisa de preço aceitável e, por fim, o foco do trabalho recaiu no tema principal, qual seja a responsabilidade dos atores do procedimento licitatório pela pesquisa de mercado inadequada. Concluiu-se que apesar do caráter eminentemente técnico da pesquisa os agentes públicos que participarem do procedimento licitatório possuem a responsabilidade pela análise dos termos em que se deu a pesquisa, todavia, que essa responsabilidade não pode ser atribuída aos mesmos em caso de falhas técnicas, ou seja, que se relacionam a conhecimentos específicos sobre o tema, sob pena de responsabilização objetiva do agente, o que é repudiado pela lei 8112/90.
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Por um novo paradigma para a regulação do VOD no Brasil
O presente artigo visa tratar da necessidade de regulamentação dos serviços de vídeo on demand pelo Brasil, tendo em vista que na Europa, os países membros da União Europeia, já contam com uma regulação para serviços de VOD desde a publicação da Diretiva de Serviços de Comunicação Social Audiovisual, bem como outros países do mundo. No caso do Brasil, a Ancine passou por duas tentativas de tratar do tema, mas extrapolou o poder regulamentar na primeira e fez uma sugestão de implementação de cotas sem que houvesse um retrato mais maduro do mercado para entender melhor as consequências dessa medida. Portanto, o artigo traz uma proposição com um novo paradigma calcado em três pilares para a regulamentação do VOD.
Direito Administrativo
A receita de serviços de TV e vídeo transmitidos pelo sistema OTT – over the top no Brasil, já no ano de 2015, ultrapassava 503 milhões de dólares, consoante retratado pelo statista[1]. O que significa uma participação significativamente maior que os vizinhos México, Argentina, Chile e Colômbia. Haja vista que o Brasil conta com um percentual elevado da distribuição da base de assinantes dos serviços da Netflix na América Latina. Na sequência, segundo pesquisa realizada pela consultora Frost & Sullivan, o Brasil já é considerado o 8º mercado consumidor dos serviços OTT no mundo. Nesse diapasão, dados de mercado comprovam que o crescimento do consumo dos serviços OTT é inversamente proporcional ao decréscimo dos serviços de TV por assinatura[2]. De acordo com a pesquisa, a TV paga, por exemplo, apresentou uma queda de 100,9 milhões de domicílios para 97,1 milhões, enquanto o vídeo OTT cresceu de 28 milhões para 50,3 milhões. Nessa toada, o mercado de comunicação e da publicidade digital também está em ascensão. O IAB (Interactive Advertising Bureau), em parceria com a comScore, desenvolveu um estudo para analisar os números de investimentos em publicidade digital e o crescimento desse mercado. Os dados do estudo AdSpend 2017 foram apresentados, em março, no evento promovido pelo IAB. Esperava-se um crescimento de 12% nos investimentos em publicidade digital em relação à 2015, porém, essa estimativa foi superada e teve um aumento de 26%, totalizando R$11,8 bilhões[3]. Por outro lado, segundo dados da PricewaterhouseCoopers, desde 2013 os gastos com publicidade em serviços online superam os gastos na televisão aberta, bem como os da TV por assinatura[4]. Portanto, já é uma realidade que os serviços OTT prestados em plataformas da internet tem um faturamento muito significativo com publicidade e outros mecanismos. E, na seara do mercado audiovisual, se destaca a ferramenta do vídeo on demand – VOD, que devido a sua expansão, urge a necessidade de regulamentação para permitir a realização de políticas públicas de fomento no setor e seu desenvolvimento. Na Europa, os países membros da União Europeia, já contam com uma regulação para serviços de VOD desde a publicação da Diretiva de Serviços de Comunicação Social Audiovisual (Audiovisual Media Services Directive – AVMSD), de 10 de março de 2010. A diretiva explica, de modo genérico, regras aplicáveis a todos os Estados membros, visando garantir uma harmonização mínima entre os tratamentos regulatórios que cada Estado membro define para os segmentos de mercado por ela contemplados. Nesse sentido, alguns países incrementaram as normatizações com especificidades, tal como a República Tcheca, Alemanha e a França, que optaram por criar um tributo específico a ser revertido para o fundo setorial. Já a Bélgica, Espanha, Itália e Portugal resolveram criar mecanismos de investimento direto para acelerar o setor. Registre-se, ainda, que a França e a Itália criaram faixas de isenção tributária com base em um valor de receita líquida anual previamente definido visando estimular a concorrência e permitir a manutenção e ingresso de novos players no mercado. No caso do Brasil, a Agência Nacional do Cinema – Ancine, no âmbito da Instrução normativa nº 104, definiu o VOD logo em seu art. 1º como o “conjunto de atividades encadeadas, realizadas por um ou vários agentes econômicos, necessárias à prestação dos serviços de oferta de um conjunto de obras audiovisuais na forma de catálogo, com linha editorial própria, para fruição por difusão não-linear, em horário determinado pelo consumidor final, de forma onerosa”. De conseguinte, pecou ao estabelecer indevidamente, consoante explanado no artigo publicado na CONJUR no dia 24 de agosto de 2017 sob o título “Ancine extrapola poder regulamentar ao tributar publicidade na internet,”[5] por intermédio do art. 24, parágrafo 2º da IN nº 95, de 08 de dezembro de 2011, o que seriam “outros mercados”, criando assim tributos por vias transversas, inclusive para o VOD. Confira-se. “§2º Entende-se por Outros Mercados os seguintes segmentos: I – Vídeo por demanda; II – Audiovisual em mídias móveis; (Revogado pelo art. 43 da Instrução Normativa n° 105) III – Audiovisual em transporte coletivo; e IV – Audiovisual em circuito restrito. V – Publicidade audiovisual na Internet.” (Incluído pelo art. 2º da Instrução Normativa nº 134) Tal iniciativa engendrada por ato infra legal viola o disposto no art. 150 da Constituição Federal, in verbis. “Art 150 CF. “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados e aos Municípios: I – Exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. (…)'' Desse modo, conforme já esposado em artigo mais específico sobre o tema, houve flagrante extrapolação do poder regulamentar da agência naquela ocasião. Doravante, ocorreu uma segunda tentativa da Ancine de tratar do tema “VOD” quando, na ocasião, publicou uma notícia regulatória sugerindo a imposição de cotas de conteúdo nacional nas plataformas de video on demand, tendo recebido críticas pertinentes e duras da Secretaria de Acompanhamento Econômico – SEAE, vinculada ao Ministério da Fazenda. Dentre as quais, no parecer analítico nº 85/COGCP/SUCON/SEAE/MF[6], destaca-se a constatação de que os dados disponibilizados em consulta pública não permitiam identificar coerência entre a proposta apresentada e o problema demonstrado, sem olvidar a ausência de alternativas estudadas, tampouco as consequências da imposição das cotas. É de se notar que a imposição de balizas limitadoras em modelos de negócios não amadurecidos no mercado, pode acarretar em uma inibição de ingresso de novos agentes de mercado, prejudicando assim o seu desenvolvimento no país, podendo inclusive criar um ambiente anti-concorrencial. Portanto, é indispensável a construção de novos paradigmas regulatórios para salvaguardar a normatização do VOD. Nesse sentido, o próprio Conselho Superior de Cinema – CSC, que rechaçou a ideia prematura de cotas de conteúdo nacional nesse momento incipiente, vem empreendendo esforços para construir esses novos paradigmas. Note-se que o Conselho Superior do Cinema já havia consolidado suas ideias sobre o VOD em um documento confeccionado em 17 de dezembro de 2015, oportunidade em que realizou a identificação dos principais elementos que caracterizam o vídeo sob demanda. Quais sejam: (a) um serviço de comunicação de conteúdos audiovisuais; (b) organizado em catálogo; (c) ofertado ao público em geral ou a assinantes; (d) de maneira não linear; (e) por meio de redes de comunicação eletrônica, dedicadas ou não; f) com finalidade comercial, sendo remunerado diretamente pelo usuário (por meio de compras avulsas ou assinatura) e/ou por venda de espaço publicitário, e (g) implica responsabilidade editorial do provedor, referente à seleção, organização e exposição dos conteúdos nos catálogos[7]. E, finalmente, o tratamento tributário do serviço, vislumbrado como matéria chave para a equação de viabilidade dos empreendimentos de vídeo sob demanda. Ainda segundo o Conselho, “a forma atual, entendido como outros mercados nos termos da MP 2228-1, a contribuição é devida sobre a oferta de cada título do catálogo, sem considerar seus resultados econômicos. Esse tratamento tende a constituir uma barreira significativa para os pequenos provedores e a restringir a quantidade e diversidade de títulos nos catálogos. O desafio, neste caso, é construir um novo modelo tributário que permita a sustentabilidade do VoD em seus diversos formatos, sem descuidar da arrecadação da Condecine, cujos valores têm papel fundamental no financiamento do setor audiovisual”[8]. Ante o exposto, fica evidente que há necessidade de se criar um novo paradigma condizente com a Constituição Federal e com as leis brasileiras para evitar a insegurança jurídica dos regulados. Portanto, são três pilares a serem considerados para o estabelecimento desse novo paradigma para a regulamentação de VOD no Brasil. Em primeiro lugar, deve ser firmada, legal e explicitamente, a competência da Ancine para regular a matéria, seguida de definições legais e básicas sobre os serviços de VOD, amparadas pelos seus princípios e objetivos primordiais. Em seguida, deve se ter em mente que é precipitada qualquer conclusão taxativa de que há necessidade de imposição de cotas de conteúdo nacional nas plataformas de VOD. Sendo certo que não se pode usar o caso das TVs por assinatura como exemplo, uma vez que são segmentos de mercado diferentes, com públicos que perquirem objetivos diversos em graus de amadurecimento e momentos distintos. Por derradeiro, é fundamental pensar na construção de uma nova modalidade de CONDECINE para fins de tributação, que pode ser denominada de “CONDECINE-VOD”. Modelo este não pode ser ajustado aos modelos de CONDECINE previstos no art. 32 da MP 22228-01/01[9] e seu parágrafo único. Com o fito de respeitar as balizas constitucionais limitadoras do poder de tributar, incluindo os princípios da tipicidade, da legalidade estrita, da igualdade, etc., é imperiosa a definição de um tipo de contribuição de intervenção no domínio econômico com fato gerador próprio e específico, com fundamento em lei formal. Sem olvidar que para a construção do marco legal do VOD, deve se perquirir as vantagens competitivas de criarem faixas de isenção tributária com base em um valor de receita líquida anual previamente definido visando estimular a concorrência, permitindo a manutenção e o ingresso de novos players no mercado, tal como fizeram a França e a Itália. Bem como se estudar uma política de incentivo fiscal com o fito de reduzir a carga do tributo para o agente econômico e, por outro lado, estimular a produção e a distribuição de conteúdo dentro do Brasil.
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A incidência do princípio da proporcionalidade constitucional como balizador nas contratações de artistas por inexigibilidade de licitação
O presente artigo tem como objetivo verificar os vários nuances que envolvem as contratações de artistas pela forma de inexigibilidade de licitação, suas particularidades, requisitos, observando os princípios gerais da Administração Pública e licitação, principalmente o princípio da proporcionalidade, aplicando este princípio de forma efetiva à inexigibilidade de licitação na contratação de artistas sem prejuízo às necessidades básicas da sociedade, analisando-se a viabilidade em criar institutos ou mecanismos jurídicos nessas contratações que beneficiem diretamente à população, respeitando à Jurisprudência, legislação e doutrina pátria especializadas na questão. [1]
Direito Administrativo
Introdução Todo tema que trata do bem da coletividade merece um destaque especial, não é diferente o tema aqui em apreciação. A inexigibilidade de licitação nas contratações artísticas se diferencia, pois trabalha com o ramo da ciência jurídica que cuida de atender concretamente as necessidades coletivas, qual seja, o Direito Administrativo, porém, para a constituição desses objetivos é necessário uma estrutura, que logicamente é composta por seres humanos, passíveis de erros e paixões que, muitas vezes, tendo em mãos o poder econômico, acabam excedendo o seu uso, violando os princípios mais basilares da Administração, Constituição e da sociedade. Observe-se que a regra é a obrigatoriedade do procedimento de licitação para o poder público contratar, força do art. 37, XXI, da Constituição Federal de 88. Entretanto, há situações em que a licitação é inexigível, tendo em vista a manifesta inviabilidade de competição, o que pode ser firmado diretamente, pelo caráter personalíssimo, como é o caso da contratação de artistas. Apesar da temática tratar de direitos indisponíveis, qual seja, o zelo pelo bem público, a questão é pouco debatida nas universidades, escolas, menosprezando-se algo que é de interesse geral, cujo cerne trata diretamente do bem-estar das pessoas, lazer, diversão, economia, etc. É oportuno ressaltar, que em tempos de recessão econômica, apesar de terem os princípios próprios da licitação e Administração pública, o princípio da proporcionalidade deve ser ainda mais respeitado no que tange aos gastos, e muitas vezes o que se vê é totalmente o inverso, vê-se desleixo com o bem público. É fundamental analisar-se a possibilidade de fazer ajustes nessas contratações/contratos artísticas no que tange a melhorar o meio social, observando a legislação concernente e a possibilidade de regulamentar essa situação, sempre em conexão com o princípio da proporcionalidade. Assim, é necessário observar-se a importância do princípio da proporcionalidade nas contratações artísticas em contraponto aos serviços básicos. Entretanto, o objetivo não é mostrar uma forma de acabar com a inexigibilidade de licitação na contratação de artistas, longe disso, o escopo principal é formular uma opção para que toda a coletividade seja beneficiada através dos gastos públicos neste tipo de contratação, e é nisso que se revela a relevância da pesquisa, mostrar que existe uma forma de contribuir, através de uma “simples contratação artística” para o bem social, ainda mais , quando o serviço público está sucateado e os entes federados não tem os mais basilares serviços (posto de saúde, hospitais, escolas, creches etc.), que em tese é resultante da falta de “verba”, mas que em muitos casos são ocasionados pela inversão dos gastos, deixando o gestor de investir nas necessidades básicas para colocar o artista do momento pra tocar em praça pública, com valores desproporcionais, às custas da Administração.  1 Licitação na perspectiva constitucional A Licitação tem seu fundamento jurídico na Constituição Federal de 1988, especificamente no artigo 37, XXI, o qual prever sua obrigatoriedade nos contratos públicos, seja para realização de obras, compras e serviços, com o escopo de resguardar a isonomia entre os contratantes, inclusive colocando cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mas mantendo as condições efetivas da proposta. Ademais, vale ressaltar que, a Constituição anterior era omissa a respeito do tema. Observando essa omissão, o legislador constituinte decidiu referir-se expressamente sobre à licitação no atual texto constitucional, estabelecendo, no art. 22, XXVII, que somente a União possui competência para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação (CARVALHO FILHO, 2014, p.239). Assim, estabeleceu que, o procedimento licitatório deverá ser usado pelas administrações públicas diretas e indiretas, incluindo nestas as autarquias e fundações de todos os entes federativos, sempre em observância ao que dispõe o art. 37, XXI, da Constituição, não excepcionando sequer as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1º, III, conforme redação dada pela EC no 19/1998. Conforme leciona o Professor José Carvalho Filho, a Constituição insculpiu o princípio da obrigatoriedade de licitação. Sendo assim, não pode a Administração dispensar a licitação, salvo em situações excepcionais previstas em lei (CARVALHO FILHO, 2014, p.239). Desta forma, não restam dúvidas quanto a força que este instituto tem perante a Administração, pois o mesmo é proveniente da nossa Lei Maior, com fito de trazer, entre outras virtudes, a moralidade e isonomia entre os contratantes. 2 Princípio da proporcionalidade na constituição De acordo com Carvalho Filho (2014, p.43) a proporcionalidade é um princípio, que grassou no Direito Constitucional, hoje incide também no Direito Administrativo como forma de controle da Administração Pública. A razoabilidade, ou proporcionalidade ampla veio impor limites as atuações e discricionariedades dos Poderes públicos, impedindo que seus agentes, entidades e órgãos tenham atos desarrazoados e desproporcionais, evitando, outrossim, os excessos (CUNHA JÚNIOR, 2016, p.198). O mesmo autor ressalta que, esse princípio constitucional implícito emana em essência da ideia que temos de justiça, equidade, prudência, moderação, e para verificá-lo, a doutrina apresenta-nos uma tríplice exigência ou subprincípios, quais sejam, adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, vejamos a seguir. Adequação ou utilidade se caracteriza quando as ações adotadas pelo Poder público se apresentem aptas a atingir os fins almejados. Ou seja, que efetivamente os meios escolhidos promovam e realizem os fins. A necessidade ou exigibilidade implica que a Administração pública adote, entre os atos e meios adequados, aquele ou aqueles que menos sacrifícios causem aos direitos fundamentais, ou seja, busca evitar os excessos. No que tange a proporcionalidade em sentido estrito, verifica-se no dever de balancear os institutos acima mencionados, melhor dizendo, busca encontrar o equilíbrio entre o motivo que ensejou a atuação do Poder público e a sua própria ação ou opção na consecução dos fins visados. Em síntese, em busca da realização de um bom negócio, a Administração deverá observar se as vantagens que a medida adotada trará superem as desvantagens. (CUNHA JÚNIOR, 2016, p.199). Nesta mesma linha de intelecção, Di Pietro (2014, p.81) afirma que “a proporcionalidade não deve ser medida não pelos critérios pessoais do administrador, mas sim pelos padrões da sociedade em que vive, e não pode ser medido diante dos termos frios da lei, mas diante do caso concreto”. Justen Filho (2010) relata que não há referência explícita no texto constitucional sobre o princípio da proporcionalidade: “Não há referência explícita no texto constitucional acerca do princípio da proporcionalidade, mas isso é irrelevante. […] Sua natureza é instrumental, eis que se destina a nortear, orientar e controlar aplicação e interpretação do Direito, assegurando a supremacia dos valores e princípios fundamentais – entre os quais avultam os da dignidade da pessoa humana e da República. O princípio da proporcionalidade disciplina a realização conjunta, harmônica e concomitante dos (demais) princípios jurídicos. A interpretação que viola o princípio da proporcionalidade infringe, conjuntamente, outros valores e princípios […]” (JUSTEN FILHO, 2010, p.64). A jurisprudência em consonância com o supracitado segue o mesmo entendimento, veja-se a título de exemplo a decisão abaixo sendo fundamentada com base no princípio da proporcionalidade, in verbis: “IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS. LEGALIDADE, IMPESSOALIDADE E MORALIDADE. CONTRATAÇÃO E DESPESAS REALIZADAS SEM QUALQUER PROCEDIMENTALIZAÇÃO. CONFIGURAÇÃO. SANÇÃO. PROPORCIONALIDADE. PROIBIÇÃO DO EXCESSO E DA INSUFICIÊNCIA. -Configura improbidade administrativa a contratação levada a efeito pelo chefe da administração municipal, que, a priori, a seu alvedrio, realizava despesas, supostamente revestidas de viés público, com recursos próprios e em nome da municipalidade, para posterior ressarcimento pelos cofres públicos, sem qualquer procedimentalização que, em observância à legalidade e moralidade […]. -Ainda que não se olvide que a vedação do excesso é inerente ao princípio da proporcionalidade […]” (TJ-MG – AC: 10398060008404001 MG, Relator: Selma Marques, Data de Julgamento: 29/04/2014, Câmaras Cíveis / 6ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 13/05/2014) (grifo nosso) (MINAS GERAIS. TJ. Disponível em: <https://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/ 120490594/apelacao-civel-ac-10398060008404001-mg). Como visto, restou demonstrado a plena aplicação do princípio da proporcionalidade tanto pela doutrina quanto pelos Tribunais pátrios no âmbito da Administração Pública, sendo o ponto de equilíbrio a ser perseguido diariamente no combate aos excessos, conforme já anunciado pela doutrina supracitada. 3 Licitação na legislação infralegal A Licitação está regulamentada na Lei nº 8.666/93, sendo conceituado no seu art. 3º, o qual relata que a licitação pressupõe a celebração dos contratos administrativos, ou seja, antes de qualquer ato deve-se passar pelo procedimento administrativo da licitação que tem por finalidade escolher a melhor proposta, a qual será aquela que apresenta ser mais vantajosa para a Administração, garantindo-se assim, a isonomia entre os licitantes e promovendo o crescimento nacional (DI PIETRO, 2014, p.374). O referido dispositivo ainda expressa que a licitação deve obedecer os princípios gerais da Administração Pública, quais sejam, moralidade, impessoalidade, publicidade, legalidade, eficiência, e outros que a própria lei de licitações explana, como, vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo etc. Sendo assim, a doutrina majoritária esboça o conceito de licitação quase uníssono, ou seja, que é um procedimento administrativo pelo qual o Poder Público se utiliza para escolher a proposta mais favorável, levando–se em consideração o contrato de seu interesse, tendo como pressuposto a competição, visando propiciar iguais oportunidades (MEIRELLES, 2010, p.28). Em síntese, parafraseando Justen Filho (2010, p.64), a licitação tem por fim realizar diversos fins igualmente relevantes. “Mas também é instrumento de controle da regularidade dos gastos públicos, da regularidade ética das condutas dos agentes públicos e dos particulares”. 3.1 Princípios básicos que regem a administração pública e a licitação O substantivo princípios como o próprio termo indica é o começo de tudo, nesse sentido, princípios de uma ciência é a base que estrutura todo um saber, é o fundamento. Segundo Cretella Júnior (1988, p.7) princípios “são os alicerces da ciência”. Ao falar de licitação, necessário se faz relatar os princípios básicos que regem a Administração Pública em geral, acrescentando-se os princípios específicos da licitação, esculpidos no art. 3º da Lei nº. 8.666/93 veja-se: Princípio da Legalidade: verifica-se na obediência restrita a lei, é defeso o Poder público ou seus agentes tomarem atitudes fundamentados em suas próprias vontades e convicções, ao contrário, deve-se sempre verificar o que ordena a lei (MAZZA, 2015, p.100). Impessoalidade: Conforme ensinamento de Bandeira de Mello, tal princípio prescreve a neutralidade no processo licitatório, evitando-se que, ninguém possa ser beneficiado ou excluído do certame por critérios extremamente baseados em favoritismos ou discriminações (MELLO, 2009, p.526). Moralidade: É notório que vivemos em dias difíceis no que tange a ética e a honestidade, não é por acaso que os meios de comunicação diariamente nos mostra grandes esquemas de corrupção em vários setores da sociedade, principalmente na Administração Pública. Nesta senda, o princípio da moralidade preceitua que no âmbito da licitação deverá obedecer os padrões de honestidade, ética, transparência, dignidade, respeito entre os licitantes e entre estes e o contratante (MELLO, 2009, p.529). Publicidade: Ora, para haver licitantes algum meio de informação tem que ser utilizado para que os mesmos tomem conhecimento do procedimento licitatório, é neste sentido que este princípio se mostra importante, pois todos os atos da Administração devem ser divulgados com o intuito de que o maior número de pessoas possa tomar conhecimento sobre a licitação, e consequentemente, a Administração ter maiores possibilidades de selecionar a proposta mais vantajosa (CARVALHO FILHO, 2014, p.247). Eficiência: Em todos os setores da sociedade, seja qual for o serviço a ser prestado, sempre se quer a agilidade com o menor custo, não deixando de lado a qualidade desse serviço. Na Administração Pública não é diferente, busca-se um serviço rápido, econômico, eficaz, primando por resultados, esses são os valores pregados por este princípio (MAZZA, 2015, p.121). Supremacia do interesse público sobre o privado: a própria nomenclatura deste princípio já facilita a sua compreensão, pois este instituto ampliou o rol dos serviços assumidos pelo poder público para atender as mais diversas necessidades da sociedade, privando ou incumbido os particulares em obrigações e responsabilidades. (DI PIETRO, 2014, p.66). Nesta senda, é viável, nos termos legais, que a Administração, em nome da coletividade, segundo Mello (2009, p.96): “constitua terceiros em obrigações mediante atos unilaterais.”. Proporcionalidade: conforme já explanado no tópico 2 deste artigo, trata-se de princípio constitucional implícito aplicado ao Direito Administrativo com o desiderato de definir e colocar limites aos atos administrativos, principalmente em situações que a discricionariedade administrativa predomina, fazendo com que o Poder Judiciário abalize esses atos e combata os excessos (DI PIETRO, 2014, p.80). Sem embargo, a Administração Pública no âmbito de sua atuação, deve ser norteada pelos princípios supracitados. Além desses princípios gerais acima explanados, a Lei nº 8.666/93, traz ainda os específicos aplicados à licitação. Princípio da vinculação ao instrumento convocatório: esse princípio é previsto no art. 41 da Lei nº 8.666/93, o qual relata que é defeso a Administração e os licitantes se afastarem do que preceitua as normas previstas no edital, pois tais normas os vinculam. Vale refletir a importância desse dispositivo/princípio, haja vista que, se não existisse, a Administração com base em suas convicções poderia “inventar/criar” normas no decorrer do procedimento licitatório para beneficiar ou prejudicar licitantes desejados. (MEIRELLES, 2010, p.51). Princípio do Julgamento objetivo: Este princípio é consequência natural do princípio anterior, ele apenas ratifica que quando do julgamento das propostas dos licitantes, o procedimento deverá seguir os ditames previstos no instrumento convocatório ou edital, conforme previsto no art. 45 da Lei nº 8.666/93 (CARVALHO FILHO, 2014, p.248). Por último, e não menos importante está o Princípio da Adjudicação Compulsória que nada mais é do que sacramentar o brocardo jurídico de dar a cada um aquilo que é de direito, ou seja, depois de todo procedimento licitatório em busca do vencedor da proposta mais vantajosa, nada mais justo do que, conforme leciona Mazza (2015, p.428) “atribuir o objeto da licitação ao vencedor do certame”, é neste intelecto que este princípio se faz presente. Conforme demonstrado acima, pode-se observar o conjunto de princípios em que está vinculada a Administração Pública ao realizar o procedimento de licitação, não podendo o gestor público desviar-se de tais mandamentos, sob pena de responsabilidade administrativa, civil e penal. Neste diapasão, deve-se observar os mesmos princípios ao realizar contratações na modalidade inexigibilidade de licitações nas contratações artísticas, com as devidas adequações, haja vista, que a discricionariedade não é ilimitada nesse tipo de contratação, devendo-se observar os limites impostos pelo ordenamento jurídico. 4      Inexigibilidade de licitação Conforme visto alhures, embora a Constituição Federal expressamente ordena que, para a Administração contratar serviços, seja feita, obrigatoriamente licitação, há hipóteses que devidos a peculiaridades e pessoalidade dos serviços, a regra é excetuada, resultando nas chamadas dispensa e inexigibilidade de licitações, sendo esse último objeto deste estudo. A inexigibilidade de licitação tem seu fundamento no art. 25 da lei nº 8.666/93, trazendo um rol exemplificativo de hipóteses de inexigibilidade de licitação. A jurisprudência é uníssona, quanto ao rol de situações expressas no art. 25 da referida lei, serem apenas exemplificativas, haja vista que, é impossível o legislador taxar inúmeras situações em que há impossibilidade de competição. Veja-se: “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. PRELIMINAR REJEITADA. PRAZO PRESCRICIONAL. ART. 23, INCISO I, DA LEI Nº 9.429/92. MÉRITO. INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. PROCEDIMENTO IRREGULAR. NÃO COMPROVAÇÃO DO DOLO. CONDENAÇÃO AFASTADA. […] 3. É certo que a inexigibilidade para fomento de atividade esportiva, considerando a inexistência de federações na modalidade, não consta no rol do art. 25, da Lei nº 8.666/93. Porém, como se sabe, o rol é exemplificativo.” […] (grifou-se)(TJ-DF 20090111673569 0035426-89.2009.8.07.0001, Relator: ARNOLDO CAMANHO, Data de Julgamento: 03/05/2017, 4ª TURMA CÍVEL, Data de Publicação: Publicado no DJE: 23/05/2017. Pág.: 791/811) (DISTRITO FEDERAL. TJ. Disponível em: <https://tj-df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/ 461689240/20090111673569-0035426-920098070001>). O pressuposto indissociável para a contratação direta é a falta de competição, seja pela natureza específica do negócio, quer pelos objetivos sociais visados pela Administração. Desta forma, toda vez que houver a impossibilidade jurídica de competição entre os contratantes, caracterizar-se-á a inexigibilidade de licitação (MEIRELLES, 2010, p.157). Nessa mesma linha de intelecção, José dos Santos Carvalho Filho expressa que a inexigibilidade de licitação se manifesta em certas situações em que há inviabilidade de competição, pelo caráter personalíssimo do contrato, trazendo como principal exemplo a contratação de profissionais do ramo artístico, quando consagrados alternativamente pela crítica especializada ou pela opinião pública, sustentando o argumento que a própria arte é personalíssima não podendo assim, se submeter a avaliações objetivas. (CARVALHO FILHO, 2014, p.274/275). Em síntese, a licitação tem o escopo de estabelecer condições igualitárias a todos os concorrentes, enquanto, a inexigibilidade de licitação encontra-se presente na inviabilidade da competição entre os concorrentes, pelo caráter infungível do contrato. A contratação direta, materializada pela ausência de licitação, não dá azo para a inobservância de formalidades prévias, pois continua o dever da Administração em verificar a necessidade e conveniência da contratação, a disponibilidade de recursos, etc. Em suma, continua com a incumbência de obedecer os princípios fundamentais da atividade Administrativa. (JUSTEN FILHO, 2010, p.387). 5 Pressupostos e requisitos da inexigibilidade de licitação nas contratações de artistas É importante frisar, que é dever do Estado promover a cultura, sendo essa fundamental para o desenvolvimento da identidade nacional, para educação e também para o lazer (CABRAL NETO, 2009), conforme a própria Constituição expressa, em seu art. 23, V, que é competência comum de todos os entes federativos, proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência. Assim sendo, a contratação de artistas pelo governo é uma forma de fomentar a arte e a cultura e deve seguir minunciosamente os trâmites estabelecidos pela Lei. Para contratar artistas diretamente, ou seja, sem licitação, tem-se que preencher alguns requisitos, sem os quais a contratação não terá base legal. Neste contexto, a Lei expressa que a inexigibilidade de licitação na contratação de artistas terá lugar quando houver inviabilidade de competição, apresentando além deste, mais três requisitos de essencial importância para a regularização da contratação, quais sejam: que o serviço seja realizado por um artista profissional; que o contrato seja realizado pelo próprio artista ou mediante empresário exclusivo; e que o artista seja consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública. Inviabilidade de competição, conforme já relatado anteriormente é quando a natureza do contrato é tão personalíssimo, que não há possibilidade jurídica de competição. O segundo requisito, é o contratado ser artista. Entende-se por artista, segundo a Lei nº 6.533/1978: “O profissional que cria, interpreta ou executa obra de caráter cultural de qualquer natureza, para efeito de exibição ou divulgação pública, através de meios de comunicação de massa ou em locais onde se realizam espetáculos de diversão pública” (BRASIL, 1978). Sendo assim, por exclusão, o artista amador não poderá ser contratado de acordo as regras da inexigibilidade de licitação. Neste diapasão, os artistas para serem aptos à contratação pela Administração Pública devem estar inscritos na Delegacia Regional do Trabalho, não se restringindo a estes, o mesmo deve ocorrer com os agenciadores dessa mão de obra. (FERNANDES, 2016, p.552). O terceiro requisito é que esse contrato seja feito diretamente ou por empresário exclusivo. Empresário exclusivo é aquele que representa o artista de forma autônoma, habitual, promovendo a realização de negócios, mediante retribuição, sob a responsabilidade do representado. (SALAZAR, 2015, p.95). Nesta linha de intelecção, vale refletir acerca da finalidade desse requisito, que tem o escopo de impedir que terceiros de má-fé se apresentem como empresários e apliquem golpes na Administração. Ademais, os empresários exclusivos devem ficar atentos aos documentos que confirmem sua exclusividade, pois para regularizar a contratação são necessárias algumas formalidades, sem as quais o contrato não se revestirá de legalidade. Assim, se o Poder público quer contratar algum artista deve fazê-lo de forma direta ou por seu representante exclusivo, pois a legislação não permite terceiros nesse negócio, cuja função é majorar o valor final da contratação, podendo ocasionar o que se chama de superfaturamento. O Tribunal de Contas da União (TCU) já manifestou sobre a questão e decidiu que, somente o contrato registrado em cartório comprova a exclusividade do empresário, veja-se: “TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. CONVÊNIO FIRMADO PELO MINISTÉRIO DO TURISMO. CITAÇÃO PELA NÃO COMPROVAÇÃO DA BOA E REGULAR APLICAÇÃO DOS RECURSOS EM FACE DE DIVERSAS FALHAS NA PRESTAÇÃO DE CONTAS. REVELIA DE UM DOS RESPONSÁVEIS. […]. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE. CONTAS IRREGULARES. DÉBITO E MULTA. […] 4. Quando da contratação de artistas consagrados, enquadrados na hipótese de inexigibilidade prevista no inciso III do art. 25 da Lei n. 8.666/1993, por meio de intermediários ou representantes, deve ser apresentada cópia do contrato de exclusividade dos artistas com o empresário contratado, registrado em cartório. 5. O contrato de exclusividade dos artistas difere da autorização que assegura exclusividade apenas para os dias correspondentes à apresentação e que é restrita à localidade do evento” (grifou-se) (TCU 01685420144, Relator: MARCOS BEMQUERER, Data de Julgamento: 23/06/2015. Disponível em: <https://tcu.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/3134 97797/1685420144/inteiro-teor-313497925>). A essência desse requisito é evitar a contratação com alguém que supostamente representa o artista, cujo objetivo é tirar vantagem exacerbada. O último e não menos importante requisito, é a que o artista seja consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública. Vale ressaltar que, essa consagração é mitigada, ou seja, deve-se levar em consideração o tempo e o espaço em que esse artista atua, haja vista que pode um artista ser consagrado em certas localidades e por determinado momento, ou por determinado público, o que não impede da Administração o contratar (CARVALHO FILHO, 2014, p.275). Nesses casos, segundo o autor acima, o artista assim como seu talento e arte a qual se dedica, deve prevalecer sobre a consagração, devendo-se sempre serem prestigiados. Vale ressaltar que, a simples qualificação profissional não deve ser confundido com a consagração pela crítica especializada ou opinião pública, o que se deve levar em consideração é a fama e o reconhecimento que o artista possui no âmbito temporal e territorial em que atua, os demais que ainda não alcançaram esse grau de reconhecimento podem ser contratados mediante concurso ou outra modalidade de licitação, ou ainda com dispensa, por exemplo, na forma do inciso II do art. 24 da Lei nº 8.666/1993 (FERNANDES, 2016, p.556). Nesta linha de intelecção, observa-se que a consagração pública é subjetiva, entretanto, o dever de licitar não é devendo-se ser utilizada sempre que para realização de obras e apresentações comuns puderem ser supridas por qualquer artista da área, desde que obtenha a satisfação do público. A importância dos requisitos acima apontados é evitar a contratação com preços superiores aos praticados, ou seja, prática do superfaturamento. Deve-se ter em vista que a contratação direta não é uma autorização para a Administração realizar contratações desastrosas, inadequadas, inconvenientes e irrazoáveis. Neste sentido, não obedecendo tais requisitos está-se diante de indícios da prática de superfaturamento, que será objeto de estudo do próximo tópico. 5.1 Superfaturamento na contratação de artistas O termo superfaturamento muito ouvido nas matérias jornalísticas, é basicamente a ação do particular que pelo simples fato de contratar com a Administração Pública impõe condições mais onerosas a esta. Ou seja, no mercado privado é um preço, mas quando o contrato é com a Administração o preço sofre aumento injustificado (JUSTEN FILHO, 2010, p.386). Nesta senda, vale ressaltar que somente haverá superfaturamento quando houver aumento arbitrário de preço, sem justificativa, ou seja, pelo fato de o contratante ser o Poder Público o artista aumenta o preço de sua apresentação. Comprovado tal conduta, a Lei nº 8666/93 não foi omissa, de modo que em seu art. 25, § 2º, prevê a responsabilidade solidária pelo dano causado à Fazenda Pública não só do fornecedor ou do prestador de serviços, mas também do agente público responsável pela contratação, sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis. Aqui também, conforme acontece na licitação, deverá a autoridade responsável atestar que o preço da proposta enviada pelo artista é compatível com os de mercado praticado por ele. Assim expressa Cabral Neto (2009) que: “O preço está ligado ao artista, à prestação de serviços que este desempenha sua consagração, seja pela crítica especializada, ou ainda pela opinião pública, e qual o grau de sua consagração, sendo esta local, regional, nacional ou internacionalmente reconhecida” (CABRAL NETO, 2009, p.77). O mesmo autor preceitua que nesse caso de contratação direta está-se diante de ato discricionário da Administração Pública, haja vista que para escolher o artista e o preço a Administração deverá comprovar os motivos que ensejaram sua escolha. Veja-se: “Desta forma, novamente se fala em ato discricionário, tendo em vista, que a Administração Pública deverá comprovar, mediante documentos arrolados ao processo de inexigibilidade de licitação, os motivos, a conveniência e a oportunidade que se fizeram necessários para a devida contratação do artista” (CABRAL NETO, 2009, p.77). Nesta linha de pensamento, a conclusão que se tem é que em qualquer contratação, a Administração tem o dever de buscar o melhor contrato possível, ainda mais quando se trata de contratação direta, em que a discricionariedade do agente político é muito ampla. Não sendo justificável e muito menos razoável uma contratação com valores abusivos simplesmente porque a única alternativa era aquela apresentada pelo artista. 6. Princípio da proporcionalidade aplicada à inexigibilidade de licitação nas contratações de artistas em prol da sociedade É notório que o brasileiro é um povo que gosta de festas, seja para comemorar datas religiosas, casamentos, formaturas, aniversários, etc. Seguindo este parâmetro, a Administração Pública, muitas vezes, para fomentar o turismo e a economia local investe/gasta dinheiro público, sem observar os princípios norteadores das contratações, que ao final, algo que seria benéfico para a sociedade acaba sendo um grande desperdício de dinheiro público. Ademais, a população não tem interesse em saber a origem dos recursos e como foi ou será aplicado, ou quais foram os meios usados para custear as festividades, pouco importa se houve fraude, superfaturamento, o que interessa é que haverá festa. Nessa linha de pensamento, Salazar (2015) com propriedade explana: “Ninguém quer saber a origem dos recursos ou como eles foram aplicados. Ninguém vai denunciar no programa policial de rádio ou televisão a má aplicação dos recursos públicos em uma festa na cidade. Pouco importa se houve superfaturamento dos serviços contratados, causando prejuízo ao erário, ou mesmo enriquecimento ilícito dos empresários artísticos, ou ainda violações aos princípios da administração pública. As pessoas querem mais é assistir show de graça!” (SALAZAR, 2015, p.97). Observe-se que, a situação é mais grave do que se imagina, pois muitas vezes o dinheiro que seria investido em creches, escolas, postos de saúde, está sendo gasto irresponsavelmente de forma imprudente e inconveniente, sem observar a viabilidade e condições financeiras do erário e da própria Administração em contrapartida às necessidades básicas, como saúde, educação, segurança etc. Evidente que, os entes federativos têm obrigações quanto ao fomento dos valores artísticos e culturais, como consta nas prescrições contidas nos arts. 23, incisos III e IV, e 216 da Constituição Federal de 1988, incentivando os artistas para que possam levar alegria ao público. Entretanto, o próprio texto constitucional relaciona níveis de prioridade que deve ser seguido pelo governo em seus investimentos, conforme consta no art. 227 da CF/88. Outrossim, não pode o governo deixar de investir nas necessidades básicas em detrimento da realização de festas para conseguir popularidade. Esta conduta nos faz lembrar da política do pão e circo dos líderes romanos, mas mesmo nesta política o pão vem em primeiro e depois o circo, no sentido de que, as necessidades básicas merecem prioridade (FERNANDES, 2016. p.551). Nessa perspectiva, é válido comentar a Decisão do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia na Denúncia nº. 17124-12, em que o referido Tribunal condenou o Chefe do executivo municipal a devolver aos cofres públicos o dinheiro da contratação de artistas, pois não teve o devido processo de inexigibilidade de licitação, agravando-se pela falta de razoabilidade e conveniência na realização da festividade, haja vista que o Município estava passando por momento difícil de longa estiagem, inclusive, sendo decretada situação de emergência. “DENÚNCIA TCM Nº: 17124-12 DENUNCIANTE: Srs. Luiz Hélio de Oliveira DENUNCIADO: Sr. Rui Dourado Araújo, Prefeito Municipal de JOÃO DOURADO EXERCÍCIO: 2012 ASSUNTO: Despesas com festividades. Contratação de shows musicais. Inexigibilidade de licitação. RELATOR: Conselheiro José Alfredo Rocha Dias[…] Compulsando os autos, e tendo em vista os documentos neles constantes, não há dúvida em afirmar que a contratação da empresa Galvão & Dourado Ltda. pelo Município violou os princípios da administração pública. Nem de longe se mostrou razoável realizar tal festividade, especialmente em um momento em que o Município estaria atravessando sérias dificuldades provocadas pelos efeitos da estiagem, tanto é assim que a própria administração decretou situação de emergência, ainda que ao arrepio das exigências legais para tanto. […] III) Com base no art. 76, inciso III, alínea “c” da Lei Complementar n.06/91, o ressarcimento aos cofres públicos, corrigido monetariamente e acrescido de juros de lei, com recursos pessoais, no prazo de 30 (trinta) dias a contar deste pronunciamento, do valor de R$67.500,00 (sessenta e sete mil e quinhentos reais), promovendo-se, simultaneamente, o cumprimento das normas da Lei Federal nº 4.320/64 no que concerne ao cancelamento do empenho e anulação do processo”. (Grifou-se). (BAHIA. TCM. Disponível em: <http://www.tcm.ba.gov.br/sistemas/textos/2012/delib/ 17124-12.odt.pdf>). Nesta mesma linha, o mesmo Tribunal condenou outro chefe de executivo municipal, com base nos argumentos da proporcionalidade e economicidade, inclusive por não ter demonstrado a fonte de recursos que arcaram com os gastos: “Processo TCM nº 02090/14. Denunciantes: Ricardo de Jesus Pimentel de Sá, Nilton de Jesus Mandinga, Roberto Almeida de Oliveira, Delsuc Moscoso Oliveira Neto e Leonardo Matta Pires Moscoso. Denunciado: João Almeida Mascarenhas Filho. Exercício Financeiro: 2013. Conselheiro Relator: Plínio Carneiro Filho. Assunto: Profissionais do setor artístico. Despesa. Contratação mediante empresário exclusivo. Ausência de comprovação da exclusividade. Violação da Lei Federal nº 8.666/93. Procedência. Aplicação de sanção pecuniária. DELIBERAÇÃO […] Sucede que a situação está a recomendar o conhecimento e procedência da Denúncia contra o Chefe do Executivo Municipal, porquanto o ordenador da despesa, a quem foi conferido a oportunidade de demonstrar que a despesa realizada não teria desbordado das exigências de que tratam a Constituição Federal e a Lei Federal nº 8.666/93 assim não procedeu, malgrado a defesa, que veio, lamentavelmente, aos autos acompanhada de documentação que não foi capaz de demonstrar a comprovação da exclusividade das representações artísticas e a capacidade econômica para realização dos gastos, pois o município se encontrava em situação de emergência em face da estiagem, conforme Decreto nº 283/2013.[…] Assim sendo, diante da defesa pouco esclarecedora apresentada pelo alcaide, não restaram satisfeitas as exigências de que tratam a Lei Federal nº 8.666/93 e a Instrução Normativa nº 02/05, para a contratação direta mediante inexigibilidade de licitação, além de desatender os princípios constitucionais da razoabilidade e economicidade, principalmente porque o Município se encontrava em situação de emergência, devido aos efeitos da seca.” (grifos nossos). (BAHIA. TCM. Disponível em: <http://www.tcm.ba.gov.br/ sistemas/textos/2014/delib/02090-14.odt.pdf->). Dignos de aplausos referidas decisões, tendo em vista que priorizou às necessidades básicas da sociedade em contrapartida às festividades, que nas situações narradas acima não eram convenientes para o momento e nem razoáveis, haja vista que os municípios estavam passando por uma estiagem descomunal. Nos casos apresentados, a mesma lógica ao aplicar o princípio da proporcionalidade, para que os gestores evitem gastos com festividades levando em consideração a estiagem, deve ser aplicado nas demais necessidades básicas, que devem ser prioridades. Não é razoável gastar tanto em festividades, e as escolas, hospitais, e a segurança serem abandonadas. Vale lembrar, do episódio recente, bastante divulgado pelas mídias sociais, envolvendo um famoso artista, o cantor Wesley Safadão, em que o mesmo estava agendado para se apresentar no tradicional São João de Caruaru em 26 de junho de 2016, mas o show chegou a ser suspenso por determinação judicial, após questionarem o valor do cachê de R$ 575.000,00 (quinhentos e setenta e cinco mil reais), supostamente retirado dos cofres públicos, conforme pode-se ver da matéria jornalística abaixo:   A   É nesta linha de pensamento que o princípio da proporcionalidade deve estar presente incessantemente, pois a interpretação extraída do art. 25 da Lei 8.666/93 dá margem para a discricionariedade da Administração fazer determinadas contratações. A discricionariedade por sua vez, é uma autonomia, porém não é ilimitada deve ser guiada pelos contornos estabelecidos na Lei e no ordenamento jurídico. Em suma, não permite que a Administração Pública tenha escolhas simplesmente baseada na sua própria vontade, por liberalidades ou para satisfazer interesses secundários ou reprováveis (JUSTEN FILHO, 2010, p.383). Dessa forma, a melhor maneira das contratações beneficiar a sociedade é o uso razoável dos recursos públicos em situações convenientes e realmente necessárias, ainda mais, em tempos atuais, que os recursos são escassos e as necessidades básicas são muitas. Há também formas, do próprio artista ajudar diretamente com o desenvolvimento social. Conforme visto nos tópicos relacionados aos princípios, e com base no próprio princípio da proporcionalidade e da supremacia do interesse público sobre o privado, prevendo este princípio, a possibilidade, nos termos da lei, de constituir terceiros em obrigações mediante atos unilaterais (MELLO, 2009, p.96), pode-se concluir que há possibilidade da Administração exigir do artista que o mesmo possa doar uma porcentagem do cachê recebido, para uma instituição sem fins lucrativos (escolas, hospitais, asilos etc.) da localidade do evento. É evidente, que tal exigência deve ser anteriormente prevista em lei, para que todos sabem a possibilidade de ser cobrado tal porcentagem, e no contrato específico ou na própria lei detalhar tal procedimento, não podendo o artista escusar da contratação com o poder público contratante em razão de tal exigência, devendo a Administração usar a razoabilidade na cobrança da referida porcentagem de acordo o valor do cachê do artista. Talvez possam surgir questionamentos no sentido de que, se tal exigência não provocaria o aumento proposital do cachê. A resposta é que não ocasionaria aumento, tendo em vista o risco do contratado incorrer em superfaturamento, haja vista que o mesmo deve cobrar os valores cobrados no mercado, e sob outra ótica, o artista não quer perder espaço nos grandes eventos patrocinados pelo Poder Público, razão pela qual, seguiria tal exigência, nos ditames da lei ou do pactuado. Conclusão Restou demonstrado que, para a Administração Pública contratar deve previamente estabelecer-se o procedimento de licitação, conforme preceitua o art. 37, XXI, da Constituição Federal. Além disto, deve seguir os mandamentos contidos nos princípios da Administração Pública e constitucionais, a exemplo dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, proporcionalidade, supremacia do interesse público sobre o privado, entre outros, já devidamente explanados. Foi verificado também que, apesar da Constituição exigir a licitação antes da contratação, há hipóteses em que por inviabilidade jurídica de competição, e o formato personalíssimo da contratação, haverá a contratação direta, prevista no art. 25 da Lei nº 8.666/93. A inexigibilidade de licitação por sua vez, não pode afastar-se dos princípios acima mencionados, sob pena de ocorrer prejuízos para a Administração Pública. No que tange a inexigibilidade de licitação na contratação de artistas verificou-se, que para caracterizar-se, deverá tal procedimento preencher os requisitos da inviabilidade de competição, o contratante ser artista nos termos da legislação específica, que esse contrato seja feito diretamente ou por empresário exclusivo e por último que, o contratado seja consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública. Em ato contínuo, foi observado que o não preenchimento dos requisitos apontados acima, poderá ocasionar o superfaturamento, que é a contratação por valores superiores aos de mercado, sendo responsabilizado o fornecedor, prestador de serviço e o agente público responsável, se caso comprovado tal conduta. Nesta senda, os valores pactuados devem observar a razoabilidade, pois não se justifica uma contratação com preços abusivos e desproporcionais. Desta forma, foi estudado com base na lei, doutrina e jurisprudência que o princípio da proporcionalidade deve ser amplamente utilizado para equilibrar o uso do direito que possuem os agentes administrativos e políticos de fazerem determinadas contratações que ferem os princípios da boa Administração, inclusive, contratações com valores estratosféricos, que deveria ser utilizada essa verba para investir na educação, saúde e segurança da sociedade. Foi demonstrado através de julgados, que os Tribunais não estão coadunando com certas atitudes de gestores que deixam de investir nas necessidades básicas para fazer festividades em momentos inoportunos e inconvenientes. Demonstrou-se também, com base no princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, a possibilidade do Poder Público exigir uma porcentagem do cachê do artista para ser doada às instituições beneficentes sem fins lucrativos, com intuito de ajudar diretamente a sociedade por meio das contratações diretas. Por fim, vale ressaltar que essa exigência deve ser prevista na lei, cabendo aos órgãos fiscalizadores (Ministério Público, Poder Legislativo do local da apresentação) verificar se houve realmente a doação, para que a sociedade, finalmente, seja beneficiada nas suas necessidades mais trivial.
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A incidência do princípio da proporcionalidade como balizador nas contratações de artistas por inexigibilidade de licitação
O presente artigo tem como objetivo verificar os vários nuances que envolvem as contratações de artistas pela forma de inexigibilidade de licitação, suas particularidades, requisitos, observando os princípios gerais da Administração Pública e licitação, principalmente o princípio da proporcionalidade, aplicando este princípio de forma efetiva à inexigibilidade de licitação na contratação de artistas sem prejuízo às necessidades básicas da sociedade, analisando-se a viabilidade em criar institutos ou mecanismos jurídicos nessas contratações que beneficiem diretamente à população, respeitando à Jurisprudência, legislação e doutrina pátria especializadas na questão. [1]
Direito Administrativo
Introdução Todo tema que trata do bem da coletividade merece um destaque especial, não é diferente o tema aqui em apreciação. A inexigibilidade de licitação nas contratações artísticas se diferencia, pois trabalha com o ramo da ciência jurídica que cuida de atender concretamente as necessidades coletivas, qual seja, o Direito Administrativo, porém, para a constituição desses objetivos é necessário uma estrutura, que logicamente é composta por seres humanos, passíveis de erros e paixões que, muitas vezes, tendo em mãos o poder econômico, acabam excedendo o seu uso, violando os princípios mais basilares da Administração, Constituição e da sociedade. Observe-se que a regra é a obrigatoriedade do procedimento de licitação para o poder público contratar, força do art. 37, XXI, da Constituição Federal de 88. Entretanto, há situações em que a licitação é inexigível, tendo em vista a manifesta inviabilidade de competição, o que pode ser firmado diretamente, pelo caráter personalíssimo, como é o caso da contratação de artistas. Apesar da temática tratar de direitos indisponíveis, qual seja, o zelo pelo bem público, a questão é pouco debatida nas universidades, escolas, menosprezando-se algo que é de interesse geral, cujo cerne trata diretamente do bem-estar das pessoas, lazer, diversão, economia, etc. É oportuno ressaltar, que em tempos de recessão econômica, apesar de terem os princípios próprios da licitação e Administração pública, o princípio da proporcionalidade deve ser ainda mais respeitado no que tange aos gastos, e muitas vezes o que se vê é totalmente o inverso, vê-se desleixo com o bem público. É fundamental analisar-se a possibilidade de fazer ajustes nessas contratações/contratos artísticas no que tange a melhorar o meio social, observando a legislação concernente e a possibilidade de regulamentar essa situação, sempre em conexão com o princípio da proporcionalidade. Assim, é necessário observar-se a importância do princípio da proporcionalidade nas contratações artísticas em contraponto aos serviços básicos. Entretanto, o objetivo não é mostrar uma forma de acabar com a inexigibilidade de licitação na contratação de artistas, longe disso, o escopo principal é formular uma opção para que toda a coletividade seja beneficiada através dos gastos públicos neste tipo de contratação, e é nisso que se revela a relevância da pesquisa, mostrar que existe uma forma de contribuir, através de uma “simples contratação artística” para o bem social, ainda mais , quando o serviço público está sucateado e os entes federados não tem os mais basilares serviços (posto de saúde, hospitais, escolas, creches etc.), que em tese é resultante da falta de “verba”, mas que em muitos casos são ocasionados pela inversão dos gastos, deixando o gestor de investir nas necessidades básicas para colocar o artista do momento pra tocar em praça pública, com valores desproporcionais, às custas da Administração.  1 Licitação na perspectiva constitucional A Licitação tem seu fundamento jurídico na Constituição Federal de 1988, especificamente no artigo 37, XXI, o qual prever sua obrigatoriedade nos contratos públicos, seja para realização de obras, compras e serviços, com o escopo de resguardar a isonomia entre os contratantes, inclusive colocando cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mas mantendo as condições efetivas da proposta. Ademais, vale ressaltar que, a Constituição anterior era omissa a respeito do tema. Observando essa omissão, o legislador constituinte decidiu referir-se expressamente sobre à licitação no atual texto constitucional, estabelecendo, no art. 22, XXVII, que somente a União possui competência para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação (CARVALHO FILHO, 2014, p.239). Assim, estabeleceu que, o procedimento licitatório deverá ser usado pelas administrações públicas diretas e indiretas, incluindo nestas as autarquias e fundações de todos os entes federativos, sempre em observância ao que dispõe o art. 37, XXI, da Constituição, não excepcionando sequer as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1º, III, conforme redação dada pela EC no 19/1998. Conforme leciona o Professor José Carvalho Filho, a Constituição insculpiu o princípio da obrigatoriedade de licitação. Sendo assim, não pode a Administração dispensar a licitação, salvo em situações excepcionais previstas em lei (CARVALHO FILHO, 2014, p.239). Desta forma, não restam dúvidas quanto a força que este instituto tem perante a Administração, pois o mesmo é proveniente da nossa Lei Maior, com fito de trazer, entre outras virtudes, a moralidade e isonomia entre os contratantes. 2 Princípio da proporcionalidade na constituição De acordo com Carvalho Filho (2014, p.43) a proporcionalidade é um princípio, que grassou no Direito Constitucional, hoje incide também no Direito Administrativo como forma de controle da Administração Pública. A razoabilidade, ou proporcionalidade ampla veio impor limites as atuações e discricionariedades dos Poderes públicos, impedindo que seus agentes, entidades e órgãos tenham atos desarrazoados e desproporcionais, evitando, outrossim, os excessos (CUNHA JÚNIOR, 2016, p.198). O mesmo autor ressalta que, esse princípio constitucional implícito emana em essência da ideia que temos de justiça, equidade, prudência, moderação, e para verificá-lo, a doutrina apresenta-nos uma tríplice exigência ou subprincípios, quais sejam, adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, vejamos a seguir. Adequação ou utilidade se caracteriza quando as ações adotadas pelo Poder público se apresentem aptas a atingir os fins almejados. Ou seja, que efetivamente os meios escolhidos promovam e realizem os fins. A necessidade ou exigibilidade implica que a Administração pública adote, entre os atos e meios adequados, aquele ou aqueles que menos sacrifícios causem aos direitos fundamentais, ou seja, busca evitar os excessos. No que tange a proporcionalidade em sentido estrito, verifica-se no dever de balancear os institutos acima mencionados, melhor dizendo, busca encontrar o equilíbrio entre o motivo que ensejou a atuação do Poder público e a sua própria ação ou opção na consecução dos fins visados. Em síntese, em busca da realização de um bom negócio, a Administração deverá observar se as vantagens que a medida adotada trará superem as desvantagens. (CUNHA JÚNIOR, 2016, p.199). Nesta mesma linha de intelecção, Di Pietro (2014, p.81) afirma que “a proporcionalidade não deve ser medida não pelos critérios pessoais do administrador, mas sim pelos padrões da sociedade em que vive, e não pode ser medido diante dos termos frios da lei, mas diante do caso concreto”. Justen Filho (2010) relata que não há referência explícita no texto constitucional sobre o princípio da proporcionalidade: “Não há referência explícita no texto constitucional acerca do princípio da proporcionalidade, mas isso é irrelevante. […] Sua natureza é instrumental, eis que se destina a nortear, orientar e controlar aplicação e interpretação do Direito, assegurando a supremacia dos valores e princípios fundamentais – entre os quais avultam os da dignidade da pessoa humana e da República. O princípio da proporcionalidade disciplina a realização conjunta, harmônica e concomitante dos (demais) princípios jurídicos. A interpretação que viola o princípio da proporcionalidade infringe, conjuntamente, outros valores e princípios […]” (JUSTEN FILHO, 2010, p.64). A jurisprudência em consonância com o supracitado segue o mesmo entendimento, veja-se a título de exemplo a decisão abaixo sendo fundamentada com base no princípio da proporcionalidade, in verbis: “IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS. LEGALIDADE, IMPESSOALIDADE E MORALIDADE. CONTRATAÇÃO E DESPESAS REALIZADAS SEM QUALQUER PROCEDIMENTALIZAÇÃO. CONFIGURAÇÃO. SANÇÃO. PROPORCIONALIDADE. PROIBIÇÃO DO EXCESSO E DA INSUFICIÊNCIA. -Configura improbidade administrativa a contratação levada a efeito pelo chefe da administração municipal, que, a priori, a seu alvedrio, realizava despesas, supostamente revestidas de viés público, com recursos próprios e em nome da municipalidade, para posterior ressarcimento pelos cofres públicos, sem qualquer procedimentalização que, em observância à legalidade e moralidade […]. -Ainda que não se olvide que a vedação do excesso é inerente ao princípio da proporcionalidade […]” (TJ-MG – AC: 10398060008404001 MG, Relator: Selma Marques, Data de Julgamento: 29/04/2014, Câmaras Cíveis / 6ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 13/05/2014) (grifo nosso) (MINAS GERAIS. TJ. Disponível em: <https://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/ 120490594/apelacao-civel-ac-10398060008404001-mg). Como visto, restou demonstrado a plena aplicação do princípio da proporcionalidade tanto pela doutrina quanto pelos Tribunais pátrios no âmbito da Administração Pública, sendo o ponto de equilíbrio a ser perseguido diariamente no combate aos excessos, conforme já anunciado pela doutrina supracitada. 3 Licitação na legislação infralegal A Licitação está regulamentada na Lei nº 8.666/93, sendo conceituado no seu art. 3º, o qual relata que a licitação pressupõe a celebração dos contratos administrativos, ou seja, antes de qualquer ato deve-se passar pelo procedimento administrativo da licitação que tem por finalidade escolher a melhor proposta, a qual será aquela que apresenta ser mais vantajosa para a Administração, garantindo-se assim, a isonomia entre os licitantes e promovendo o crescimento nacional (DI PIETRO, 2014, p.374). O referido dispositivo ainda expressa que a licitação deve obedecer os princípios gerais da Administração Pública, quais sejam, moralidade, impessoalidade, publicidade, legalidade, eficiência, e outros que a própria lei de licitações explana, como, vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo etc. Sendo assim, a doutrina majoritária esboça o conceito de licitação quase uníssono, ou seja, que é um procedimento administrativo pelo qual o Poder Público se utiliza para escolher a proposta mais favorável, levando–se em consideração o contrato de seu interesse, tendo como pressuposto a competição, visando propiciar iguais oportunidades (MEIRELLES, 2010, p.28). Em síntese, parafraseando Justen Filho (2010, p.64), a licitação tem por fim realizar diversos fins igualmente relevantes. “Mas também é instrumento de controle da regularidade dos gastos públicos, da regularidade ética das condutas dos agentes públicos e dos particulares”. 3.1 Princípios básicos que regem a administração pública e a licitação O substantivo princípios como o próprio termo indica é o começo de tudo, nesse sentido, princípios de uma ciência é a base que estrutura todo um saber, é o fundamento. Segundo Cretella Júnior (1988, p.7) princípios “são os alicerces da ciência”. Ao falar de licitação, necessário se faz relatar os princípios básicos que regem a Administração Pública em geral, acrescentando-se os princípios específicos da licitação, esculpidos no art. 3º da Lei nº. 8.666/93 veja-se: Princípio da Legalidade: verifica-se na obediência restrita a lei, é defeso o Poder público ou seus agentes tomarem atitudes fundamentados em suas próprias vontades e convicções, ao contrário, deve-se sempre verificar o que ordena a lei (MAZZA, 2015, p.100). Impessoalidade: Conforme ensinamento de Bandeira de Mello, tal princípio prescreve a neutralidade no processo licitatório, evitando-se que, ninguém possa ser beneficiado ou excluído do certame por critérios extremamente baseados em favoritismos ou discriminações (MELLO, 2009, p.526). Moralidade: É notório que vivemos em dias difíceis no que tange a ética e a honestidade, não é por acaso que os meios de comunicação diariamente nos mostra grandes esquemas de corrupção em vários setores da sociedade, principalmente na Administração Pública. Nesta senda, o princípio da moralidade preceitua que no âmbito da licitação deverá obedecer os padrões de honestidade, ética, transparência, dignidade, respeito entre os licitantes e entre estes e o contratante (MELLO, 2009, p.529). Publicidade: Ora, para haver licitantes algum meio de informação tem que ser utilizado para que os mesmos tomem conhecimento do procedimento licitatório, é neste sentido que este princípio se mostra importante, pois todos os atos da Administração devem ser divulgados com o intuito de que o maior número de pessoas possa tomar conhecimento sobre a licitação, e consequentemente, a Administração ter maiores possibilidades de selecionar a proposta mais vantajosa (CARVALHO FILHO, 2014, p.247). Eficiência: Em todos os setores da sociedade, seja qual for o serviço a ser prestado, sempre se quer a agilidade com o menor custo, não deixando de lado a qualidade desse serviço. Na Administração Pública não é diferente, busca-se um serviço rápido, econômico, eficaz, primando por resultados, esses são os valores pregados por este princípio (MAZZA, 2015, p.121). Supremacia do interesse público sobre o privado: a própria nomenclatura deste princípio já facilita a sua compreensão, pois este instituto ampliou o rol dos serviços assumidos pelo poder público para atender as mais diversas necessidades da sociedade, privando ou incumbido os particulares em obrigações e responsabilidades. (DI PIETRO, 2014, p.66). Nesta senda, é viável, nos termos legais, que a Administração, em nome da coletividade, segundo Mello (2009, p.96): “constitua terceiros em obrigações mediante atos unilaterais.”. Proporcionalidade: conforme já explanado no tópico 2 deste artigo, trata-se de princípio constitucional implícito aplicado ao Direito Administrativo com o desiderato de definir e colocar limites aos atos administrativos, principalmente em situações que a discricionariedade administrativa predomina, fazendo com que o Poder Judiciário abalize esses atos e combata os excessos (DI PIETRO, 2014, p.80). Sem embargo, a Administração Pública no âmbito de sua atuação, deve ser norteada pelos princípios supracitados. Além desses princípios gerais acima explanados, a Lei nº 8.666/93, traz ainda os específicos aplicados à licitação. Princípio da vinculação ao instrumento convocatório: esse princípio é previsto no art. 41 da Lei nº 8.666/93, o qual relata que é defeso a Administração e os licitantes se afastarem do que preceitua as normas previstas no edital, pois tais normas os vinculam. Vale refletir a importância desse dispositivo/princípio, haja vista que, se não existisse, a Administração com base em suas convicções poderia “inventar/criar” normas no decorrer do procedimento licitatório para beneficiar ou prejudicar licitantes desejados. (MEIRELLES, 2010, p.51). Princípio do Julgamento objetivo: Este princípio é consequência natural do princípio anterior, ele apenas ratifica que quando do julgamento das propostas dos licitantes, o procedimento deverá seguir os ditames previstos no instrumento convocatório ou edital, conforme previsto no art. 45 da Lei nº 8.666/93 (CARVALHO FILHO, 2014, p.248). Por último, e não menos importante está o Princípio da Adjudicação Compulsória que nada mais é do que sacramentar o brocardo jurídico de dar a cada um aquilo que é de direito, ou seja, depois de todo procedimento licitatório em busca do vencedor da proposta mais vantajosa, nada mais justo do que, conforme leciona Mazza (2015, p.428) “atribuir o objeto da licitação ao vencedor do certame”, é neste intelecto que este princípio se faz presente. Conforme demonstrado acima, pode-se observar o conjunto de princípios em que está vinculada a Administração Pública ao realizar o procedimento de licitação, não podendo o gestor público desviar-se de tais mandamentos, sob pena de responsabilidade administrativa, civil e penal. Neste diapasão, deve-se observar os mesmos princípios ao realizar contratações na modalidade inexigibilidade de licitações nas contratações artísticas, com as devidas adequações, haja vista, que a discricionariedade não é ilimitada nesse tipo de contratação, devendo-se observar os limites impostos pelo ordenamento jurídico. 4 Inexigibilidade de licitação Conforme visto alhures, embora a Constituição Federal expressamente ordena que, para a Administração contratar serviços, seja feita, obrigatoriamente licitação, há hipóteses que devidos a peculiaridades e pessoalidade dos serviços, a regra é excetuada, resultando nas chamadas dispensa e inexigibilidade de licitações, sendo esse último objeto deste estudo. A inexigibilidade de licitação tem seu fundamento no art. 25 da lei nº 8.666/93, trazendo um rol exemplificativo de hipóteses de inexigibilidade de licitação. A jurisprudência é uníssona, quanto ao rol de situações expressas no art. 25 da referida lei, serem apenas exemplificativas, haja vista que, é impossível o legislador taxar inúmeras situações em que há impossibilidade de competição. Veja-se: “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. PRELIMINAR REJEITADA. PRAZO PRESCRICIONAL. ART. 23, INCISO I, DA LEI Nº 9.429/92. MÉRITO. INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. PROCEDIMENTO IRREGULAR. NÃO COMPROVAÇÃO DO DOLO. CONDENAÇÃO AFASTADA. […] 3. É certo que a inexigibilidade para fomento de atividade esportiva, considerando a inexistência de federações na modalidade, não consta no rol do art. 25, da Lei nº 8.666/93. Porém, como se sabe, o rol é exemplificativo.” […] (grifou-se)(TJ-DF 20090111673569 0035426-89.2009.8.07.0001, Relator: ARNOLDO CAMANHO, Data de Julgamento: 03/05/2017, 4ª TURMA CÍVEL, Data de Publicação: Publicado no DJE: 23/05/2017. Pág.: 791/811) (DISTRITO FEDERAL. TJ. Disponível em: <https://tj-df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/ 461689240/20090111673569-0035426-920098070001>). O pressuposto indissociável para a contratação direta é a falta de competição, seja pela natureza específica do negócio, quer pelos objetivos sociais visados pela Administração. Desta forma, toda vez que houver a impossibilidade jurídica de competição entre os contratantes, caracterizar-se-á a inexigibilidade de licitação (MEIRELLES, 2010, p.157). Nessa mesma linha de intelecção, José dos Santos Carvalho Filho expressa que a inexigibilidade de licitação se manifesta em certas situações em que há inviabilidade de competição, pelo caráter personalíssimo do contrato, trazendo como principal exemplo a contratação de profissionais do ramo artístico, quando consagrados alternativamente pela crítica especializada ou pela opinião pública, sustentando o argumento que a própria arte é personalíssima não podendo assim, se submeter a avaliações objetivas. (CARVALHO FILHO, 2014, p.274/275). Em síntese, a licitação tem o escopo de estabelecer condições igualitárias a todos os concorrentes, enquanto, a inexigibilidade de licitação encontra-se presente na inviabilidade da competição entre os concorrentes, pelo caráter infungível do contrato. A contratação direta, materializada pela ausência de licitação, não dá azo para a inobservância de formalidades prévias, pois continua o dever da Administração em verificar a necessidade e conveniência da contratação, a disponibilidade de recursos, etc. Em suma, continua com a incumbência de obedecer os princípios fundamentais da atividade Administrativa. (JUSTEN FILHO, 2010, p.387). 5 Pressupostos e requisitos da inexigibilidade de licitação nas contratações de artistas É importante frisar, que é dever do Estado promover a cultura, sendo essa fundamental para o desenvolvimento da identidade nacional, para educação e também para o lazer (CABRAL NETO, 2009), conforme a própria Constituição expressa, em seu art. 23, V, que é competência comum de todos os entes federativos, proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência. Assim sendo, a contratação de artistas pelo governo é uma forma de fomentar a arte e a cultura e deve seguir minunciosamente os trâmites estabelecidos pela Lei. Para contratar artistas diretamente, ou seja, sem licitação, tem-se que preencher alguns requisitos, sem os quais a contratação não terá base legal. Neste contexto, a Lei expressa que a inexigibilidade de licitação na contratação de artistas terá lugar quando houver inviabilidade de competição, apresentando além deste, mais três requisitos de essencial importância para a regularização da contratação, quais sejam: que o serviço seja realizado por um artista profissional; que o contrato seja realizado pelo próprio artista ou mediante empresário exclusivo; e que o artista seja consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública. Inviabilidade de competição, conforme já relatado anteriormente é quando a natureza do contrato é tão personalíssimo, que não há possibilidade jurídica de competição. O segundo requisito, é o contratado ser artista. Entende-se por artista, segundo a Lei nº 6.533/1978: “O profissional que cria, interpreta ou executa obra de caráter cultural de qualquer natureza, para efeito de exibição ou divulgação pública, através de meios de comunicação de massa ou em locais onde se realizam espetáculos de diversão pública” (BRASIL, 1978). Sendo assim, por exclusão, o artista amador não poderá ser contratado de acordo as regras da inexigibilidade de licitação. Neste diapasão, os artistas para serem aptos à contratação pela Administração Pública devem estar inscritos na Delegacia Regional do Trabalho, não se restringindo a estes, o mesmo deve ocorrer com os agenciadores dessa mão de obra. (FERNANDES, 2016, p.552). O terceiro requisito é que esse contrato seja feito diretamente ou por empresário exclusivo. Empresário exclusivo é aquele que representa o artista de forma autônoma, habitual, promovendo a realização de negócios, mediante retribuição, sob a responsabilidade do representado. (SALAZAR, 2015, p.95). Nesta linha de intelecção, vale refletir acerca da finalidade desse requisito, que tem o escopo de impedir que terceiros de má-fé se apresentem como empresários e apliquem golpes na Administração. Ademais, os empresários exclusivos devem ficar atentos aos documentos que confirmem sua exclusividade, pois para regularizar a contratação são necessárias algumas formalidades, sem as quais o contrato não se revestirá de legalidade. Assim, se o Poder público quer contratar algum artista deve fazê-lo de forma direta ou por seu representante exclusivo, pois a legislação não permite terceiros nesse negócio, cuja função é majorar o valor final da contratação, podendo ocasionar o que se chama de superfaturamento. O Tribunal de Contas da União (TCU) já manifestou sobre a questão e decidiu que, somente o contrato registrado em cartório comprova a exclusividade do empresário, veja-se: “TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. CONVÊNIO FIRMADO PELO MINISTÉRIO DO TURISMO. CITAÇÃO PELA NÃO COMPROVAÇÃO DA BOA E REGULAR APLICAÇÃO DOS RECURSOS EM FACE DE DIVERSAS FALHAS NA PRESTAÇÃO DE CONTAS. REVELIA DE UM DOS RESPONSÁVEIS. […]. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE. CONTAS IRREGULARES. DÉBITO E MULTA. […] 4. Quando da contratação de artistas consagrados, enquadrados na hipótese de inexigibilidade prevista no inciso III do art. 25 da Lei n. 8.666/1993, por meio de intermediários ou representantes, deve ser apresentada cópia do contrato de exclusividade dos artistas com o empresário contratado, registrado em cartório. 5. O contrato de exclusividade dos artistas difere da autorização que assegura exclusividade apenas para os dias correspondentes à apresentação e que é restrita à localidade do evento” (grifou-se) (TCU 01685420144, Relator: MARCOS BEMQUERER, Data de Julgamento: 23/06/2015. Disponível em: <https://tcu.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/3134 97797/1685420144/inteiro-teor-313497925>). A essência desse requisito é evitar a contratação com alguém que supostamente representa o artista, cujo objetivo é tirar vantagem exacerbada. O último e não menos importante requisito, é a que o artista seja consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública. Vale ressaltar que, essa consagração é mitigada, ou seja, deve-se levar em consideração o tempo e o espaço em que esse artista atua, haja vista que pode um artista ser consagrado em certas localidades e por determinado momento, ou por determinado público, o que não impede da Administração o contratar (CARVALHO FILHO, 2014, p.275). Nesses casos, segundo o autor acima, o artista assim como seu talento e arte a qual se dedica, deve prevalecer sobre a consagração, devendo-se sempre serem prestigiados. Vale ressaltar que, a simples qualificação profissional não deve ser confundido com a consagração pela crítica especializada ou opinião pública, o que se deve levar em consideração é a fama e o reconhecimento que o artista possui no âmbito temporal e territorial em que atua, os demais que ainda não alcançaram esse grau de reconhecimento podem ser contratados mediante concurso ou outra modalidade de licitação, ou ainda com dispensa, por exemplo, na forma do inciso II do art. 24 da Lei nº 8.666/1993 (FERNANDES, 2016, p.556). Nesta linha de intelecção, observa-se que a consagração pública é subjetiva, entretanto, o dever de licitar não é devendo-se ser utilizada sempre que para realização de obras e apresentações comuns puderem ser supridas por qualquer artista da área, desde que obtenha a satisfação do público. A importância dos requisitos acima apontados é evitar a contratação com preços superiores aos praticados, ou seja, prática do superfaturamento. Deve-se ter em vista que a contratação direta não é uma autorização para a Administração realizar contratações desastrosas, inadequadas, inconvenientes e irrazoáveis. Neste sentido, não obedecendo tais requisitos está-se diante de indícios da prática de superfaturamento, que será objeto de estudo do próximo tópico. 5.1 Superfaturamento na contratação de artistas O termo superfaturamento muito ouvido nas matérias jornalísticas, é basicamente a ação do particular que pelo simples fato de contratar com a Administração Pública impõe condições mais onerosas a esta. Ou seja, no mercado privado é um preço, mas quando o contrato é com a Administração o preço sofre aumento injustificado (JUSTEN FILHO, 2010, p.386). Nesta senda, vale ressaltar que somente haverá superfaturamento quando houver aumento arbitrário de preço, sem justificativa, ou seja, pelo fato de o contratante ser o Poder Público o artista aumenta o preço de sua apresentação. Comprovado tal conduta, a Lei nº 8666/93 não foi omissa, de modo que em seu art. 25, § 2º, prevê a responsabilidade solidária pelo dano causado à Fazenda Pública não só do fornecedor ou do prestador de serviços, mas também do agente público responsável pela contratação, sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis. Aqui também, conforme acontece na licitação, deverá a autoridade responsável atestar que o preço da proposta enviada pelo artista é compatível com os de mercado praticado por ele. Assim expressa Cabral Neto (2009) que: “O preço está ligado ao artista, à prestação de serviços que este desempenha sua consagração, seja pela crítica especializada, ou ainda pela opinião pública, e qual o grau de sua consagração, sendo esta local, regional, nacional ou internacionalmente reconhecida” (CABRAL NETO, 2009, p.77). O mesmo autor preceitua que nesse caso de contratação direta está-se diante de ato discricionário da Administração Pública, haja vista que para escolher o artista e o preço a Administração deverá comprovar os motivos que ensejaram sua escolha. Veja-se: “Desta forma, novamente se fala em ato discricionário, tendo em vista, que a Administração Pública deverá comprovar, mediante documentos arrolados ao processo de inexigibilidade de licitação, os motivos, a conveniência e a oportunidade que se fizeram necessários para a devida contratação do artista” (CABRAL NETO, 2009, p.77). Nesta linha de pensamento, a conclusão que se tem é que em qualquer contratação, a Administração tem o dever de buscar o melhor contrato possível, ainda mais quando se trata de contratação direta, em que a discricionariedade do agente político é muito ampla. Não sendo justificável e muito menos razoável uma contratação com valores abusivos simplesmente porque a única alternativa era aquela apresentada pelo artista. 6. Princípio da proporcionalidade aplicada à inexigibilidade de licitação nas contratações de artistas em prol da sociedade É notório que o brasileiro é um povo que gosta de festas, seja para comemorar datas religiosas, casamentos, formaturas, aniversários, etc. Seguindo este parâmetro, a Administração Pública, muitas vezes, para fomentar o turismo e a economia local investe/gasta dinheiro público, sem observar os princípios norteadores das contratações, que ao final, algo que seria benéfico para a sociedade acaba sendo um grande desperdício de dinheiro público. Ademais, a população não tem interesse em saber a origem dos recursos e como foi ou será aplicado, ou quais foram os meios usados para custear as festividades, pouco importa se houve fraude, superfaturamento, o que interessa é que haverá festa. Nessa linha de pensamento, Salazar (2015) com propriedade explana: “Ninguém quer saber a origem dos recursos ou como eles foram aplicados. Ninguém vai denunciar no programa policial de rádio ou televisão a má aplicação dos recursos públicos em uma festa na cidade. Pouco importa se houve superfaturamento dos serviços contratados, causando prejuízo ao erário, ou mesmo enriquecimento ilícito dos empresários artísticos, ou ainda violações aos princípios da administração pública. As pessoas querem mais é assistir show de graça!” (SALAZAR, 2015, p.97). Observe-se que, a situação é mais grave do que se imagina, pois muitas vezes o dinheiro que seria investido em creches, escolas, postos de saúde, está sendo gasto irresponsavelmente de forma imprudente e inconveniente, sem observar a viabilidade e condições financeiras do erário e da própria Administração em contrapartida às necessidades básicas, como saúde, educação, segurança etc. Evidente que, os entes federativos têm obrigações quanto ao fomento dos valores artísticos e culturais, como consta nas prescrições contidas nos arts. 23, incisos III e IV, e 216 da Constituição Federal de 1988, incentivando os artistas para que possam levar alegria ao público. Entretanto, o próprio texto constitucional relaciona níveis de prioridade que deve ser seguido pelo governo em seus investimentos, conforme consta no art. 227 da CF/88. Outrossim, não pode o governo deixar de investir nas necessidades básicas em detrimento da realização de festas para conseguir popularidade. Esta conduta nos faz lembrar da política do pão e circo dos líderes romanos, mas mesmo nesta política o pão vem em primeiro e depois o circo, no sentido de que, as necessidades básicas merecem prioridade (FERNANDES, 2016. p.551). Nessa perspectiva, é válido comentar a Decisão do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia na Denúncia nº. 17124-12, em que o referido Tribunal condenou o Chefe do executivo municipal a devolver aos cofres públicos o dinheiro da contratação de artistas, pois não teve o devido processo de inexigibilidade de licitação, agravando-se pela falta de razoabilidade e conveniência na realização da festividade, haja vista que o Município estava passando por momento difícil de longa estiagem, inclusive, sendo decretada situação de emergência. “DENÚNCIA TCM Nº: 17124-12 DENUNCIANTE: Srs. Luiz Hélio de Oliveira DENUNCIADO: Sr. Rui Dourado Araújo, Prefeito Municipal de JOÃO DOURADO EXERCÍCIO: 2012 ASSUNTO: Despesas com festividades. Contratação de shows musicais. Inexigibilidade de licitação. RELATOR: Conselheiro José Alfredo Rocha Dias[…] Compulsando os autos, e tendo em vista os documentos neles constantes, não há dúvida em afirmar que a contratação da empresa Galvão & Dourado Ltda. pelo Município violou os princípios da administração pública. Nem de longe se mostrou razoável realizar tal festividade, especialmente em um momento em que o Município estaria atravessando sérias dificuldades provocadas pelos efeitos da estiagem, tanto é assim que a própria administração decretou situação de emergência, ainda que ao arrepio das exigências legais para tanto. […] III) Com base no art. 76, inciso III, alínea “c” da Lei Complementar n.06/91, o ressarcimento aos cofres públicos, corrigido monetariamente e acrescido de juros de lei, com recursos pessoais, no prazo de 30 (trinta) dias a contar deste pronunciamento, do valor de R$67.500,00 (sessenta e sete mil e quinhentos reais), promovendo-se, simultaneamente, o cumprimento das normas da Lei Federal nº 4.320/64 no que concerne ao cancelamento do empenho e anulação do processo”. (Grifou-se). (BAHIA. TCM. Disponível em: <http://www.tcm.ba.gov.br/sistemas/textos/2012/delib/ 17124-12.odt.pdf>). Nesta mesma linha, o mesmo Tribunal condenou outro chefe de executivo municipal, com base nos argumentos da proporcionalidade e economicidade, inclusive por não ter demonstrado a fonte de recursos que arcaram com os gastos: “Processo TCM nº 02090/14. Denunciantes: Ricardo de Jesus Pimentel de Sá, Nilton de Jesus Mandinga, Roberto Almeida de Oliveira, Delsuc Moscoso Oliveira Neto e Leonardo Matta Pires Moscoso. Denunciado: João Almeida Mascarenhas Filho. Exercício Financeiro: 2013. Conselheiro Relator: Plínio Carneiro Filho. Assunto: Profissionais do setor artístico. Despesa. Contratação mediante empresário exclusivo. Ausência de comprovação da exclusividade. Violação da Lei Federal nº 8.666/93. Procedência. Aplicação de sanção pecuniária. DELIBERAÇÃO […] Sucede que a situação está a recomendar o conhecimento e procedência da Denúncia contra o Chefe do Executivo Municipal, porquanto o ordenador da despesa, a quem foi conferido a oportunidade de demonstrar que a despesa realizada não teria desbordado das exigências de que tratam a Constituição Federal e a Lei Federal nº 8.666/93 assim não procedeu, malgrado a defesa, que veio, lamentavelmente, aos autos acompanhada de documentação que não foi capaz de demonstrar a comprovação da exclusividade das representações artísticas e a capacidade econômica para realização dos gastos, pois o município se encontrava em situação de emergência em face da estiagem, conforme Decreto nº 283/2013.[…] Assim sendo, diante da defesa pouco esclarecedora apresentada pelo alcaide, não restaram satisfeitas as exigências de que tratam a Lei Federal nº 8.666/93 e a Instrução Normativa nº 02/05, para a contratação direta mediante inexigibilidade de licitação, além de desatender os princípios constitucionais da razoabilidade e economicidade, principalmente porque o Município se encontrava em situação de emergência, devido aos efeitos da seca.” (grifos nossos). (BAHIA. TCM. Disponível em: <http://www.tcm.ba.gov.br/ sistemas/textos/2014/delib/02090-14.odt.pdf->). Dignos de aplausos referidas decisões, tendo em vista que priorizou às necessidades básicas da sociedade em contrapartida às festividades, que nas situações narradas acima não eram convenientes para o momento e nem razoáveis, haja vista que os municípios estavam passando por uma estiagem descomunal. Nos casos apresentados, a mesma lógica ao aplicar o princípio da proporcionalidade, para que os gestores evitem gastos com festividades levando em consideração a estiagem, deve ser aplicado nas demais necessidades básicas, que devem ser prioridades. Não é razoável gastar tanto em festividades, e as escolas, hospitais, e a segurança serem abandonadas. Vale lembrar, do episódio recente, bastante divulgado pelas mídias sociais, envolvendo um famoso artista, o cantor Wesley Safadão, em que o mesmo estava agendado para se apresentar no tradicional São João de Caruaru em 26 de junho de 2016, mas o show chegou a ser suspenso por determinação judicial, após questionarem o valor do cachê de R$ 575.000,00 (quinhentos e setenta e cinco mil reais), supostamente retirado dos cofres públicos, conforme pode-se ver da matéria jornalística abaixo:   A   É nesta linha de pensamento que o princípio da proporcionalidade deve estar presente incessantemente, pois a interpretação extraída do art. 25 da Lei 8.666/93 dá margem para a discricionariedade da Administração fazer determinadas contratações. A discricionariedade por sua vez, é uma autonomia, porém não é ilimitada deve ser guiada pelos contornos estabelecidos na Lei e no ordenamento jurídico. Em suma, não permite que a Administração Pública tenha escolhas simplesmente baseada na sua própria vontade, por liberalidades ou para satisfazer interesses secundários ou reprováveis (JUSTEN FILHO, 2010, p.383). Dessa forma, a melhor maneira das contratações beneficiar a sociedade é o uso razoável dos recursos públicos em situações convenientes e realmente necessárias, ainda mais, em tempos atuais, que os recursos são escassos e as necessidades básicas são muitas. Há também formas, do próprio artista ajudar diretamente com o desenvolvimento social. Conforme visto nos tópicos relacionados aos princípios, e com base no próprio princípio da proporcionalidade e da supremacia do interesse público sobre o privado, prevendo este princípio, a possibilidade, nos termos da lei, de constituir terceiros em obrigações mediante atos unilaterais (MELLO, 2009, p.96), pode-se concluir que há possibilidade da Administração exigir do artista que o mesmo possa doar uma porcentagem do cachê recebido, para uma instituição sem fins lucrativos (escolas, hospitais, asilos etc.) da localidade do evento. É evidente, que tal exigência deve ser anteriormente prevista em lei, para que todos sabem a possibilidade de ser cobrado tal porcentagem, e no contrato específico ou na própria lei detalhar tal procedimento, não podendo o artista escusar da contratação com o poder público contratante em razão de tal exigência, devendo a Administração usar a razoabilidade na cobrança da referida porcentagem de acordo o valor do cachê do artista. Talvez possam surgir questionamentos no sentido de que, se tal exigência não provocaria o aumento proposital do cachê. A resposta é que não ocasionaria aumento, tendo em vista o risco do contratado incorrer em superfaturamento, haja vista que o mesmo deve cobrar os valores cobrados no mercado, e sob outra ótica, o artista não quer perder espaço nos grandes eventos patrocinados pelo Poder Público, razão pela qual, seguiria tal exigência, nos ditames da lei ou do pactuado. Conclusão Restou demonstrado que, para a Administração Pública contratar deve previamente estabelecer-se o procedimento de licitação, conforme preceitua o art. 37, XXI, da Constituição Federal. Além disto, deve seguir os mandamentos contidos nos princípios da Administração Pública e constitucionais, a exemplo dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, proporcionalidade, supremacia do interesse público sobre o privado, entre outros, já devidamente explanados. Foi verificado também que, apesar da Constituição exigir a licitação antes da contratação, há hipóteses em que por inviabilidade jurídica de competição, e o formato personalíssimo da contratação, haverá a contratação direta, prevista no art. 25 da Lei nº 8.666/93. A inexigibilidade de licitação por sua vez, não pode afastar-se dos princípios acima mencionados, sob pena de ocorrer prejuízos para a Administração Pública. No que tange a inexigibilidade de licitação na contratação de artistas verificou-se, que para caracterizar-se, deverá tal procedimento preencher os requisitos da inviabilidade de competição, o contratante ser artista nos termos da legislação específica, que esse contrato seja feito diretamente ou por empresário exclusivo e por último que, o contratado seja consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública. Em ato contínuo, foi observado que o não preenchimento dos requisitos apontados acima, poderá ocasionar o superfaturamento, que é a contratação por valores superiores aos de mercado, sendo responsabilizado o fornecedor, prestador de serviço e o agente público responsável, se caso comprovado tal conduta. Nesta senda, os valores pactuados devem observar a razoabilidade, pois não se justifica uma contratação com preços abusivos e desproporcionais. Desta forma, foi estudado com base na lei, doutrina e jurisprudência que o princípio da proporcionalidade deve ser amplamente utilizado para equilibrar o uso do direito que possuem os agentes administrativos e políticos de fazerem determinadas contratações que ferem os princípios da boa Administração, inclusive, contratações com valores estratosféricos, que deveria ser utilizada essa verba para investir na educação, saúde e segurança da sociedade. Foi demonstrado através de julgados, que os Tribunais não estão coadunando com certas atitudes de gestores que deixam de investir nas necessidades básicas para fazer festividades em momentos inoportunos e inconvenientes. Demonstrou-se também, com base no princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, a possibilidade do Poder Público exigir uma porcentagem do cachê do artista para ser doada às instituições beneficentes sem fins lucrativos, com intuito de ajudar diretamente a sociedade por meio das contratações diretas. Por fim, vale ressaltar que essa exigência deve ser prevista na lei, cabendo aos órgãos fiscalizadores (Ministério Público, Poder Legislativo do local da apresentação) verificar se houve realmente a doação, para que a sociedade, finalmente, seja beneficiada nas suas necessidades mais trivial.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/a-incidencia-do-principio-da-proporcionalidade-como-balizador-nas-contratacoes-de-artistas-por-inexigibilidade-de-licitacao/
Uma crítica às políticas públicas do desporto no Brasil
O presente artigo trata das Políticas Públicas do Desporto brasileiro, evidenciando suas lacunas, em face da importância do fomento à prática esportiva, como essencial para afirmação da nação e, principalmente, para o processo formativo das pessoas, sendo relevante elemento para a inclusão social e a dignidade da pessoa.
Direito Administrativo
Introdução O presente artigo tem como objetivo analisar as Políticas Públicas do Desporto do Brasil, demonstrando a importância do fomento à prática esportiva como elemento fundamental ao desenvolvimento do indivíduo, notadamente em relação a promoção da saúde, bem-estar, aprimoramento de aptidões físicas, psicológicas e sociais. Ao longo desse trabalho, restará demonstrado que o Brasil, em que pese possuir um arcabouço jurídico delineador de uma Política Pública do Desporto, com uma norma multidisciplinar e a criação de um fundo próprio para apoio ao esporte, o país não foi capaz ainda de abordar o tema de forma ampla, inclusive como ferramenta relevante à educação, saúde, geração de trabalho e renda e inclusão social. 1 Da Política Pública do Esporte no Brasil Políticas Públicas “são diretrizes, princípios norteadores de ação do poder público; regras e procedimentos para as relações entre poder público e sociedade, mediações entre atores da sociedade e do Estado. São, nesse caso, políticas explicitadas, sistematizadas ou formuladas em documentos (leis, programas, linhas de financiamentos) que orientam ações que normalmente envolvem aplicações de recursos públicos” (TEIXEIRA, 2002, p. 2). As Políticas Públicas, portanto, se apresentam como verdadeiro conjunto de normas específicas a um determinado tema que visam ao seu fomento, promoção, desenvolvimento e implantação de serviços, benefícios e produtos destinados à sociedade ou grupo da sociedade. No caso do Desporto no Brasil, o marco da estruturação da Política Pública do Esporte no Brasil, se dá no período do Estado Novo (1937-1946), com a intervenção estatal no setor esportivo através do Decreto Lei 3.199, de 1941 consistente na forte atuação do Estado em favor do esporte de alto rendimento e em certa medida eugenista (filosofia predominante no mundo, à época), propondo transformar o Brasil em uma potência olímpica e bem como determinando a incorporação do setor esportivo educacional aos princípios e valores do esporte de alto rendimento, em um modelo piramidal, cujo controle final estaria a cargo do Estado, através do Conselho Nacional do Desporto, composto por exclusivamente por membros nomeados diretamente pelo Presidente da República (art. 2º, do Decreto). O modelo autoritário de Vargas foi resgatado nos governos militares seguintes, com os apelos nacionalistas e o uso ideologizado do esporte. A Educação Física foi recuperada como instrumento de sustentáculo político, não mais para a eugenia da raça, mas para selecionar os mais aptos e habilidosos, tendo o rendimento como meta e o esporte de massa e escolar como meio (DARIDO, 2003). Para Starepravo e Marchi Jr. (2016), a “década de 1940, para o campo esportivo no Brasil, é, portanto, crucial. Se, por um lado, é possível afirmar que essa etapa acolheu um verdadeiro processo de popularização e massificação do esporte, apoiado pelo Estado, por outro, vale destacar que tal processo não significou a democratização do esporte ou a sua consolidação como um direito social. O esporte foi institucionalizado, ganhou legislação própria, foi oferecido pelo Estado como um bem coletivo”. (STAREPRAVO; MARCHI JR., 2016, p. 47) Esse modelo de prevalência de uma filosofia esportiva destinado ao alto rendimento começa inicia um processo de inflexão na década de 1980, fruto de iniciativas da Secretaria de Educação Física e Desportos (SEED), com o advento de normas, muitas das quais como um víeis mais utilitarista, isto é, menos disposta a proporcionar uma ação concatenada do estado em busca da alta performance de desempenho para obtenção de prestígio internacional, mas sim, no bem-estar do indivíduo. Estabeleceu-se assim, uma espécie de antagonismo entre as duas conceituações, uma a favor do esporte de alto rendimento (Pró-EAR) outra em favor esporte participativo e educacional (Pró-EPE). A Comissão de Reformulação do Esporte (1985) inicia uma discussão mais profunda do papel do esporte na agenda nacional, propondo uma atualização de sua abordagem, o que mais tarde, com a redemocratização do país, culminou na absorção desta nova política a Constituição de 1988 (art. 217), onde esporte obteve um status de direito constitucional, isto é, direito intrínseco a cidadania, sem o viés pragmático do alto desempenho, sem a tutela autoritária do Poder Público, e com a prevalência de sua abordagem educacional. Vejamos a Carta Magna de 1988: “Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados: I – a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento; II – a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento; III – o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não- profissional; IV – a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional. § 1º O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei. § 2º A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final. § 3º O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social.” No início da década de 90, durante o Governo Collor (1990/1992) abre-se as discussões para a regulamentação infraconstitucional do esporte segundo tendência econômica de liberalização de mercados e seus efeitos no setor esportivo, especialmente no setor futebol, desaguando, na modificação infraconstitucional que veio a se denominar Lei Zico (Lei nº 8.672/93), eis que fruto da iniciativa do Ministro Artur Antunes Coimbra (Zico), titular da Secretaria dos Desportos da Presidência da República – SEDES/PR, órgão alçado institucionalmente a condição de Ministério. Passou-se a prevalecer a compreensão que a salvação do esporte de alto rendimento estaria atrelada utilização de mecanismos de típicos de mercado, isto é, de uma sociedade capitalista, tendo enfrentado, entretanto, forte resistência do setor comandante do futebol por avançar demais na estrutura institucional dos clubes, há décadas tratadas com uma visão patrimonialista. Anos depois, em período de grande produção legislativa, iniciando se com a Lei Pelé, que modificou a estrutura esportiva formal sem alterar a primazia do apoio estatal ao esporte de alto rendimento. As maiores atenções estiveram, novamente, com o futebol, quando sucessivas leis desfizeram parte do avanço da Lei Pelé. O País passou por CPIs do futebol, em 2001, que estabeleceram nova agenda legislativa para o setor, parte dela já efetuada com a aprovação, em 2003, da Lei de Moralização dos Clubes, Estatuto do Torcedor, dentre outras. Anos depois, o Brasil então passa a se habilitar na recepção de grandes eventos esportivos, em 2007 com a realização dos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro, em 2014 com a realização da Copa do Mundo de Futebol – FIFA e, em 2016, com a realização das Olimpíadas, novamente no Rio de Janeiro. Os resultados alcançados nestas grandes competições, entretanto, apontam para uma reflexão dos atores envolvidos na configuração de todo o desenho da política de esporte no país, acerca do papel do estado no fomento ao desenvolvimento do esporte, não apenas o de alto desempenho (Pró-EAR), mas, também de sua abordagem em favor esporte participativo e educacional (Pró-EPE). 2 Definição de esporte O esporte é um dos mais importantes fenômenos socioculturais dos séculos XX e XXI e tem merecido da intelectualidade e da mídia internacional uma especial atenção, permitindo aprofundamentos políticos, sociais, culturais, educacionais, científicos e antropológicos. Esses estudos vão, pouco a pouco, inserindo, de forma consolidada, fatos esportivos na contemporaneidade, fazendo com que o esporte cada vez mais se torne uma das prioridades das diversas sociedades do mundo atual. Paralelamente, o número de praticantes esportivos é crescente, o que se verifica em qualquer passeio no início da manhã ou no final da tarde de qualquer cidade. O espaço do esporte na mídia é maior a cada momento, há uma ciência do esporte ganhando espaço, as modalidades de práticas esportivas vão se multiplicando, a tecnologia específica vai se transformando pela sofisticação. (TUBINO, 2010). Ainda segundo o autor, o esporte moderno foi criado a partir de 1820, quando o inglês Thomas Arnold codificou os jogos existentes, com regras e competições, dando origem ao Associacionismo Inglês, reverberando em 1896 (Atenas), com a restauração dos Jogos Olímpicos por Pierre de Coubertin, e consolidando nos princípios da ética esportiva por meio do conceito de Fair Play, bem como do amadorismo (defesa da aristocracia contra a prática popular do esporte). Como qualquer outra atividade social, o esporte, consagrado no ideário olímpico, e assentado com base na ética e no associacionismo – começou a se romper em 1936 (Berlim), com a tentativa de Hitler em provar a suposta supremacia ariana, prosseguindo em 1952 (Helsinque), quando os Jogos foram transformados em palco da chamada Guerra Fria, quadro que se estendeu por várias edições posteriores. O uso político-ideológico do esporte prosseguiu com manifestações como a do Movimento Black Power por atletas negros norte-americanos (México, 1968), além de sequestros e assassinatos de atletas israelenses (Munique, 1972) e boicotes (Montreal, 1976, Moscou, 1980 e Los Angeles, 1984). Paralelamente, e reconhecida como suporte teórico-científico a prática esportiva, a educação física ganhou relevância e reconhecimento necessário no processo formativo da pessoa, conhecimento do corpo sob o ponto de vista da anatomia, fisiologia e mecânica do movimento, com a absorvendo conceitos de Psicomotricidade, o que mais tarde veio a tornar imperiosa sua inclusão no currículo escolar mundo afora, inclusive no Brasil. Até sua definição atual, a Educação Física, entretanto, tem suas origens na Europa no final do século XVIII e início do século XIX, com a criação dos chamados Sistemas Nacionais de Ensino, recebendo sua primeira denominação de “ginástica” que compreendia, em linhas gerais, a prática de marcha, corridas, lançamentos, esgrimas, natação, equitação jogos e danças, com caráter popular e sem qualquer relação educacional. Necessário consignar, “por exemplo, que a Sociologia só irá se constituir como ciência na segunda metade do século XIX e seu estatuto foi dado elaborado a partir da Física; a Antropologia foi, em suas origens, basicamente determinada pela história natural; a Psicologia de fortes características experimentais também é filha desse período; a História era metodologicamente dominada pelo relato cronológico protagonizado pela nobreza, igreja e Estado.” (SOARES, 1996, fl. 9) A introdução à Carta Internacional da Educação Física, da Atividade Física e do Esporte, proclamada pela Conferência Geral da UNESCO, de 21.11.1978, estabelece que o esporte é um instrumento que permite a autodescoberta, o aumento da autoconfiança e da autoestima, mas é também um meio poderoso de mobilização, ao reunir pessoas de diferentes crenças, culturas e origens étnico-raciais. As competições esportivas internacionais, além de oferecer entretenimento, reforçam a construção da identidade cultural e do sentimento de pertencimento dos povos. 3 O esporte como meio para o desenvolvimento humano Uma das condições para o exercício dos direitos humanos consiste em que as pessoas tenham liberdade para promover seu próprio bem-estar e suas aptidões físicas, psicológicas e sociais. O esporte é elemento da cultura que se fixou de forma definitiva nas sociedades modernas, sem distinção de nacionalidade, gênero, classe social. Entre a ciência, admiradores e praticantes há consenso da importância da prática do esporte para bem-estar físico, mental e social. A importância de combater os estilos de vida sedentário, vem interligada ao estímulo à prática esportiva. Diversas pesquisas têm demonstrado associação entre sedentarismo doenças a exemplo de agravos cardiovasculares, câncer, diabetes e saúde mental. Temos assim, um problema de saúde pública. A Carta Internacional da Educação Física, da Atividade Física e do Esporte, proclamada pela Conferência Geral da UNESCO em 1978, revisada e atualizada em 2015, com o “propósito de colocar a educação física, a atividade física e o esporte a serviço do desenvolvimento humano, instando todos e, em especial, governos, organizações intergovernamentais, organizações esportivas, entidades não governamentais, círculos empresariais, mídia, educadores, pesquisadores, profissionais e voluntários do esporte, participantes e seu pessoal de apoio, árbitros, famílias, bem como espectadores, a aderirem a ela e a disseminá-la, a fim de que seus princípios se tonem realidade para todos os seres humanos”. (UNESCO, 2016, p. 2) O documento em comento tem o Brasil como um de seus inúmeros signatários e, portanto, deveria refletir a Política Pública do Desporto nacional, mas não é o que acontece. A legislação atinente ao esporte pátrio, inclusive aquelas relacionadas de forma transversal, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e o Estatuto da Pessoa com Deficiência, não contém normas específicas e que asseguram, de fato, aos brasileiros o acesso à prática do esporte. 4 O atual cenário da Política Pública do Desporto brasileiro Como sinalizado, o atual Constituição Federal estabelece que o fomento à prática esportiva é um dever do Estado e a declara como direito individual (art. 217), evidenciando a importância do esporte para a sociedade. O esporte em sentido amplo, isto é, desde os esportes de alto rendimento, até a prática amadora. O inciso IV do art. 217 estabelece a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional, e já no parágrafo 3º do art. 217 determina que o Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social e, obviamente, que o esporte está aí incluído. A evolução normativa desde então mais fortemente alcançada através da Lei 9.615, de 24 de março de 1998 (Lei Pelé), estabelecendo Princípios e criando o Sistema Brasileiro do Desporto. Dessa Lei decorrem as normas específicas a cada tema e criou a possibilidade de linhas de financiamento para apoio ao esporte. Acontece que, mais uma vez, o legislador insistiu em cuidar com mais afinco do futebol. A contrario sensu a Constituição Federal, em seu art. 217, é muito mais ampla quando refere o desporto e não especifica ou privilegia um ou outro esporte, considerando que são dezenas as modalidades existentes, seja para a prática, amadora ou profissional, ou mesmo para exibição. Pois bem, a Lei Pelé, norma de natureza multidisciplinar, traz uma série de dispositivos relacionados ao esporte nacional, contendo princípios, conceitos, critérios e normas de natureza jurídica diversas. A Lei Pelé sofreu muitas críticas por tratar excessivamente de temas relacionados ao futebol profissional, deixando os outros esportes em segundo plano. O art. 3º da Lei em comento reconhece o desporto em diversas manifestações: “a) desporto educacional, quando praticado nos sistemas de ensino, evitando seletividade e a excessiva competitividade, visando complementar o processo formativo da pessoa para o exercício da cidadania e a prática do lazer; b) desporto de participação, de modo voluntário, que compreende as modalidades desportivas praticadas com o objetivo de contribuir para a integração dos participantes na vida social, na promoção da saúde e educação e na preservação do meio ambiente; c) desporto de rendimento, praticado a partir dos dispositivos da Lei Pelé e regras da prática desportiva, nacionais e internacionais, visando obter resultados e integrar pessoas e comunidades do País e estas com as de outras nações, e; d) desporto de formação que se caracteriza pelo fomento e aquisição inicial dos conhecimentos desportivos que garanta competência técnica na intervenção desportiva, com o intuito de promover o aperfeiçoamento qualitativo e quantitativo da prática desportiva em termos recreativos, competitivos ou de alta competição.” Assim, verifica-se que apesar de a Lei consagrar diversas manifestações do desporto, conceituando-as, o legislador preocupou-se com o desporto de rendimento. Importa dizer que a norma mais relevante do desporto nacional se preocupa com os atletas já formados e não com a formação de pessoas a partir da prática esportiva e que pode gerar atletas profissionais. A Lei cria o Sistema Nacional do Desporto com funções e competências de órgãos fiscalizadores da atividade esportiva, das federações e associações esportivas. A Lei Pelé trata da prática desportiva profissional, prevendo a liberdade de atletas e entidades de práticas esportivas para organizar a atividade profissional, considerando como competição profissional aquela promovida para obtenção de renda e disputada por atletas profissionais, cuja renda decorra de contrato de trabalho esportivo. Também foi previsto o modo de contratação dos atletas, as condições de contratação e a possibilidade de rescisão contratual, com especial atenção a legislação de proteção ao trabalhador/atleta. Na mesma Lei 9651/98 também foi criado o Tribunal de Justiça Desportiva, num viés mais atualizado com relação as infrações bem assim a forma de intervenção desta justiça nas demandas de natureza esportiva, inclusive com os ritos processuais. Mais uma vez, destaca-se na legislação sua aplicação tão somente à prática esportiva profissional, o que vai de colide com o caráter holístico dado pelo Constituinte. Possivelmente por questões de pressões de setores organizados da sociedade, uma série de dispositivos, portanto, onde a única preocupação do legislador foi em tratar do esporte no campo profissional. Verifica-se assim a omissão na Política Pública criada para o esporte, haja vista somente tratar do esporte profissional, sem cuidar de temas como a inclusão pelo esporte, da educação e esporte e da melhoria da saúde por meio do esporte. Coube, de modo transversal, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, 9394/96, trazer em seu art. 35-A, acrescido pela 13.415/17 a previsão de que a Base Nacional Comum Curricular referente ao ensino médio tem como obrigação conter estudos e práticas da educação física, além da arte, sociologia e filosofia. Convém ressaltar que mesmo com o advento da realização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, do qual a nação tomou conhecimento em 2 de outubro de 2009, somente um ano após a realização das Olimpíadas e Paraolimpíadas é que foi estabelecido a obrigatoriedade de que a Base Nacional Comum Curricular teria que prever o estudo e a prática da educação física. Além disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90, prevê em seu art. 59 o fomento da prática esportiva como obrigação do Poder Público: “Os municípios, com apoio dos estados e da União, estimularão e facilitarão a destinação de recursos e espaços para programações culturais, esportivas e de lazer voltadas para a infância e a juventude”, haja vista que o caput do art. 53 do mesmo diploma legal prevê que a criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa e, como dito acima, a prática esportiva perpassa por esse pleno desenvolvimento. Vale dizer, que a base para a cultura do esporte advém do processo formativo da pessoa, conforme está previsto desde 1998 na Lei Pelé, em seu art. 2º, inciso VIII, quando prevê que é um dos Princípios do desporto a educação, voltada para o desenvolvimento integral do homem como ser autônomo e participante, e fomentado por meio da prioridade dos recursos públicos ao desporto educacional. A prática do esporte fomenta o companheirismo, o “jogo limpo” (fair-play) e o espírito de equipe, elementos que ajudam a criança e o adolescente a desenvolverem um modelo baseado no altruísmo e a ter um pensamento voltado para mais para a alteridade e menos para o ego. Lamentavelmente, não parece existir sinergia entras as bases legais destinadas à promoção da atividade esportiva no país, inclusive aquela destinada ao esporte de alto desempenho, muito menos em relação entre Esporte e Educação. O programa “Brasil no Esporte de Alto Rendimento” foi proposto em 2003 a partir da elaboração do Plano Plurianual (PPA) a “Brasil de Todos: participação e inclusão” (2004-2007). Destinado a atletas de diversas modalidades esportivas de alto rendimento, seu objetivo inicialmente era o de aprimorar o desempenho de atletas brasileiros e promover a imagem do país no exterior. A partir de 2008, com a implementação do PPA “Desenvolvimento com Inclusão Social e Educação de Qualidade” (2008-2011), o programa passou a se denominar “Brasil no Esporte de Alto Rendimento – Brasil Campeão”. As principais metas do programa são a melhoria do desempenho de atletas brasileiros, a promoção da imagem do país no exterior, e a democratização do acesso ao esporte de alto rendimento. Em 2008, inspirado nas experiências de países como Alemanha, China, Rússia, França e Itália, que possuem programas semelhantes, o Brasil inaugurou o Centro de Alto Rendimento das Forças Armadas. Atletas foram selecionados com base em seus currículos e resultados esportivos, e receberam formação militar, entretanto, com foco total na dedicação ao esporte, com exclusividade. A iniciativa consumiu aproximadamente 18 milhões de reais por ano, entre eventos esportivos, equipamentos e salários, abarcou diversas modalidades, em que os soldados se destacam mais do que os atletas civis, dentre elas natação, tiro com arco, boxe e atletismo. Há equipes, como a do judô, compostas exclusivamente por militares. A seleção feminina é toda da Marinha brasileira, e a dos homens é do Exército. O objetivo do Ministério da Defesa foi exitosa, com a classificação de mais de 100 militares para os jogos olímpicos, e a conquista de 10 medalhas. Dentre outras iniciativas ligadas a área do esporte, não se pode perder de vista também o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/15) que estabelece que a pessoa portadora de deficiência tem direito ao esporte, devendo o Estado assegurar a participação da pessoa com deficiência em jogos e atividades recreativas, esportivas, de lazer, inclusive no sistema escolar, em igualdade de condições com as demais pessoas. A inclusão do portador de necessidade especial por meio do esporte possibilita a redução da discriminação, possibilidade de geração de trabalho e renda e autoafirmação da pessoa. Lamentavelmente, a norma ainda carece de efetividade, não prevendo ou determinando os meios para se assegurar o direito nela preconizado à pessoa portadora de deficiência. Tem-se ainda os Jogos Indígenas com modalidades próprias, que ocorrem desde 1996, e servem como meio de integração entre as mais variadas tribos indígenas do país, através da prática de esportes como corrida com toras, arco e flecha, canoísmo, cabo de guerra dentre outras, reconhecida e promovida pela Funai – Fundação Nacional do Índio, em face do quanto previsto no inciso IV do art. 217, da Carta Magna Brasileira, também se configura como relevante para o reconhecimento da cultura indígena brasileira. Obviamente, que também no caso dos Jogos Indígenas o apoio estatal ainda é muito tímido. Conclusão No Brasil, o esporte possui uma política pública calçada numa legislação não integrativa, isto é, linhas de programas esparsas, sem sinergia entre muitas das iniciativas, e principalmente, com participação insuficiente ao capital, a quem, historicamente se atribuiu a responsabilidade pelo avanço do esporte nacional. Não se pode perder de vista que, muito embora tratando-se de uma política pública estrutural, universal e redistributiva, conforme classificação de Teixeira (2002), a política pública passa longe de atingir seus objetivos ante as deficiências estruturais, ínsita a ela. A Política Pública do Desporto precisa ser transversal às Políticas Públicas relacionadas à Educação, Saúde, àquelas atinentes à Inclusão de portadores de necessidades especiais, a reforma e recuperação do jovem transgressor, dentre outras. As Leis Pelé e Zico trouxeram excessiva preocupação com o esporte de alto rendimento, com foco maior no futebol profissional. Assim, o legislador esqueceu de cuidar da prática esportiva como relevante para o processo formativo da pessoa, bem como na melhora dos indicadores da saúde. O Brasil, em que pese ter sido signatário da Carta Internacional da Educação Física, da Atividade Física e do Esporte, proclamada pela Conferência Geral da UNESCO, tem uma Política Pública para o Desporto muito aquém do que se propôs ao firmar tal documento. Mesmo o País tendo sediado os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, não conseguiu conferir ao esporte a importância que possui em países em desenvolvimento para afirmação da nação, inclusão social e melhoria da qualidade de saúde, de vida e da educação das pessoas. As experiências mundo afora, não apenas das nações tidas como vencedoras nas competições, mas, especialmente nas nações com melhor índice sociais, apontam em direção à necessidade da integração racional entre a educação esportiva e a busca do alto rendimento. No Brasil, as seguidas legislações relacionadas aos esportes, tendem a perseguir a obtenção de resultados em nível internacional, com a alocação de esforços majoritariamente em favor do esporte de alto rendimento (Pró-EAR) em detrimento do esporte participativo e educacional (Pró-EPE). Essa dicotomia precisa ser enfrentada, num processo de autoconhecimento cultural e histórico que perpassa pela formação da cidadania, isto é, a incorporação de valores sociais quais, por certo precedem a busca por resultados esportivos pura e simples. A absorção de uma cultura em esporte participativo e educacional (Pró-EPE) tende a promover um colchão social capaz de catapultar o surgimento de novos atletas de alto rendimento, sem, entretanto, afetar aquilo que a maioria absoluta da sociedade pode mais se beneficiar de uma cultura esportiva. Precisamos de mais cidadãos saudáveis culturalmente e fisicamente do que de medalhistas olímpicos.
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Direito administrativo
O presente trabalho tem como objetivo a familiarização do estudante de Direito à Disciplina de Direito Administrativo, através de análise bibliografaria, relatando um breve histórico, organização, princípios, Administração Pública Direta e Indireta, Servidores Públicos e Poderes.
Direito Administrativo
Introdução O Direito administrativo no Brasil tem em sua origem a partir da criação das disciplinas nos cursos de Direito na época imperial, localizados no Rio de Janeiro e Recife. Cristalino que o Direito Administrativo tem seu surgimento com o Estado de Direito, a fim de organizar a estrutura do Estado e regular a relação entre os cidadãos e a Administração Pública, visando a garantia de direitos. Em determinado momento histórico, a concepção do Direito Administrativo sofre influências ideológicas evolutivas em que se apresenta o Estado. Como consequência do liberalismo, o que nos remete a Revolução Francesa, o Estado limita-se a três funções básicas para a proteção da sociedade, quais são: segurança interna, segurança externa e da justiça. Esta última pela administração adequada de serviços essenciais, em sua grande maioria de total desinteresse dos particulares. Na metade do século XX, o Estado Social começa a ser moldado. O estado, por consequência, passa a exercer funções inovadoras, responsabilizando-se pela garantia a saúde, educação, assistência social, previdência, entre demais atividades. Diante das desigualdades geradas pela Revolução Industrial e pelo modo de produção capitalista, coube ao Estado a intervenção com o intuito de reduzir as desigualdades geradas. Com isto, o Estado passa a ser um agente ativo na ordem econômica e social. Perante a influência do Estado Social, com brilhantismo nos ensina a Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha: “[…] a Administração Pública possibilita o atingimento do objetivo que a opção pelo modelo de Estado deixa traçado em seus fundamentos”. A partir do Estado Social, por consequência, há uma maior intensidade na atuação da Administração Pública e obviamente cabendo ao Poder Judiciário exercer um controle mais efetivo sobre o poder do Estado. Respectivo controle desempenhado pelo Judiciário no que tange a Administração Pública, acaba por influenciar as relações desta com seus administrados. Devido a este controle jurisdicional a Administração Pública encaminha sua conduta através de diversos princípios norteadores, como o da legalidade, moralidade, eficiência e da prevalência do interesse público sobre o interesse particular. Em meados da década de 90, sobre influência de um cenário mundial em crise, o Brasil introduz elementos a fim de reconfigurar a Administração Pública gerencial. Através da EC n° 19/98 é inserido o princípio da eficiência na Administração Pública. Neste mesmo período há a privatização de setores da economia, reformas da previdência social, processos de avaliação periódica dos servidores públicos, criação de agências reguladoras (órgãos reguladores), entre outros. Na lição de Alexandre massa, no que se refere aos objetivos da Administração Pública gerencial, temos: “objetiva atribuir maior agilidade e eficiência na atuação administrativa, enfatizando a obtenção de resultados, em detrimento de processos e ritos, e estimulando a participação popular na gestão pública”[1] O Direito Administrativo, conforme considerado pelos principais autores da matéria, trata de um conjunto de normas garantistas do cidadão, pelo fato de serem limitadoras do poder estatal frente aos direitos fundamentais. De acordo com alguns doutrinadores podemos conceituar o Direito Administrativo, das seguintes maneiras: Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello: “o Direito Administrativo é o ramo do Direito Público que disciplina o exercício da função administrativa, e os órgãos que a desempenham”[2]. Conforme Alexandre Mazza: “Direito Administrativo é o ramo do direito público que estuda os princípios e normas reguladoras do exercício da função administrativa”[3]. Podemos reconhecer, portanto, que existem dois objetos principais de estudo do Direito Administrativo, a Administração Pública e o desempenho da função administrativa do Estado. De acordo com o Ministro Alexandre de Moraes: “O Direito Administrativo, no Brasil, tem como objeto o estudo do estatuto dos órgãos públicos administrativos do Estado, bem como de toda a estruturação de suas atividades e serviços públicos, e a análise dos procedimentos tendentes ao cumprimento das tarefas do Poder Público”.[4] O Direito Administrativo brasileiro apresenta as seguintes características técnicas: ramo recente do Direito; não codificado, na medida em que sua base normativa decorre de legislação esparsa; adoção do modelo inglês de jurisdição uma como forma de controle da administração; parcialmente influenciado pela jurisprudência, visto que, as manifestações dos tribunais exercem influência indicativa. 1. Relações do Direito Administrativo com outros ramos do Direito Ramo didaticamente autônomo do Direito, o Direito Administrativo, pertence ao ramo do Direito Público. Apesar de sua autonomia possui relação com diversos ramos do direito, como podemos citar: Direito Constitucional; Direito Tributário e Financeiro; Direito Penal; Direito da Seguridade Social; Direito Econômico; Direito Ambiental; Direito do Trabalho; Direito Civil e Empresarial; Direito Processual; dentre outros ramos do Direito. Para fins de exemplificação, temos o lançamento, instituto típico do Direito Tributário. O lançamento tem sua conceituação dada como procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência de determinado fator gerador. 2. Princípios constitucionais do Direito Administrativo Os princípios possuem natureza de normas jurídicas, com elevada carga valorativa. Destarte, atribuindo-se normatividade aos princípios, p.ex., utilização do princípio da moralidade administrativa no julgamento de questões de nepotismo cruzado. Desta feita, cabe evidenciar que a norma jurídica é gênero e os princípios e regras são suas respectivas espécies. De acordo com citação de Alexandre Mazza quanta a brilhante definição exposta por Celso Antônio Bandeira de Mello, princípio é por definição: “[…]mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo lhes o espírito e servindo de critério para exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhes a tônica que lhe dá sentido harmônico.” Não há consenso, da doutrina especializada, quanto a enumeração dos princípios do Direito Administrativo. Alguns destes princípios estão expressos na Constituição Federal de 1988 e em legislação esparsa. Todavia, existem princípios que, a partir da análise do regime jurídico administrativo, são enumerados e, portanto, considerados implícitos. Podemos agrupar os princípios explícitos em dois grupos: princípios constitucionais gerais e princípios legais setoriais. Os princípios constitucionais gerais estão previstos no art. 37, caput, CF/88 e se aplicam ao direito administrativo. Por seu turno, os princípios legais setoriais estão previstos na legislação infraconstitucional, referindo-se a determinado setor do direito administrativo, p.ex., caso dos princípios que regem os serviços públicos. A Administração Pública, de qualquer esfera ou Poder dos entes federativos, deve se atentar aos cinco princípios constitucionais que são: legalidade; impessoalidade; moralidade; publicidade e eficiência. O princípio da legalidade acarreta que a administração ao atuar deve ser vinculada aos limites estabelecidos na legislação vigente. Cabendo na atuação do administrador a observância da moralidade e finalidade. Sendo assim, o administrador deve se vincular aos limites estabelecidos pelo ordenamento jurídico. Vale ressaltar, que a Administração está sujeita a seus próprios atos normativos, expedidos a fim de cumprir as leis de forma fidedigna. Portanto, o agente público deve observar não só as leis, mas, também os atos administrativos para cada caso concreto. O princípio da impessoalidade se relaciona ao princípio da isonomia que deve ser dado a Administração Pública aos seus administrados. Deve ocorrer em dois aspectos: atendimento do interesse público e imputação do ato administrativo praticado à Administração Pública e não ao agente que o praticou. Moralidade, este princípio refere-se a atuação da administração pública pautada pela ética e respeito aos valores morais e jurídicos. Fundamental na atuação da Administração Pública que deve atuar tanto de acordo com a lei, mas, também, com legitimidade e segundo padrões de eticidade. Um ato contrário a moral administrativa é passível de anulação ou invalidação. A moral administrativa tem como um dos meios de controle judicial a ação popular, prevista no art. 5, LXXIII, CF/88. A atuação com moralidade abrange tanto o agente público, quanto os particulares que mantêm relação com o Poder Público. O princípio da publicidade corresponde com o dever de transparência da Administração Pública, tornando as informações acessíveis a sociedade. Toda publicidade veiculada pelo Poder Público deve ter caráter informativo, educativo, e de orientação social. Não podendo nesta publicidade conter nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridade ou servidores públicos, caso contrário violaria o princípio da impessoalidade. A Lei de Acesso a Informação – LAI assegura o direito fundamental de acesso à informação, os quais deverão ser executados de acordo com os princípios da administração pública, respeitando as seguintes diretrizes: observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção; divulgação de informações de interesse público, independente de solicitações; utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação; fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública; desenvolvimento do controle social da administração pública. Subordinam-se a LAI os órgãos públicos integrantes da administração direta dos Poderes Executivo, legislativo incluindo as Cortes de Contas, e Judiciário e do Ministério Público; as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Aplica-se, também, às entidades privadas sem fins lucrativos que recebam, para realização de ações do interesse público, recursos públicos. Eficiência, este princípio direciona que a Administração Pública deve buscar a melhor e mais adequada solução para os problemas administrativos, tendo como parâmetro ao interesse público e a legalidade. Está estritamente ligado ao gerenciamento de recursos e atividades financeiras. 3. Regime jurídico administrativo De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello: “o regime jurídico administrativo se baseia em dois princípios magnos (ou supra princípios): supremacia do interesse público sobre o interesse privado; indisponibilidades, pela Administração, do interesse público”[5] O conceito de interesse público envolve duas concepções: interesse público primário e interesse público secundário. O primeiro refere-se ao interesse da coletividade, já o segundo, por seu turno, é o interesse do Estado, enquanto sujeito de direitos. Estas duas concepções são explicadas brilhantemente por Irene Patrício Nohara, como segue: “Interesses públicos primários são aqueles que a Administração deve perseguir no desempenho genuíno da função administrativa, uma vez que abarcam os interesses da coletividade como um todo (o bem-estar geral ou comum); os interesses secundários são os interesses imediatos do aparato administrativo, independentemente dos interesses da coletividade; geralmente são interesses fazendários, relacionados com o incremento do erário[6]” Como exposto anteriormente, a Administração Pública deve observar outros princípios positivados em determinadas leis que versam sobre a atuação do Estado, p.ex., Lei n° 9.784/99 que estabelece como princípios a serem observados, dentre outros, os da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Por seu turno, existem princípios expressos na Lei n° 8.666/93 que regula as licitações e contratos administrativos, bem como, a Lei n° 8.987/95 que dispões obre o regime de concessão e permissão de serviços públicos, além destes, existem outros diplomas legais. Devemos ressaltar que a Administração Pública ostenta de alguns privilégios diante dos particulares, como exemplo, nos prazos dilatados dos processos judiciais em que é ré (quádruplo para contestar e em dobro para recorrer). 4. Fontes do Direito Administrativo As fontes podem ser classificadas em fontes de conhecimento e fontes materiais (de produção). As primeiras são as formas pelas quais o direito se manifesta, as segundas são os fatos sociais que influenciam na produção normativa. As fontes de conhecimento (fontes formais) são bipartidas em fonte imediata (leis) e fonte mediata (costumes, jurisprudência e a doutrina). A fonte primária do Direito Administrativo é a lei. O Direito Administrativo não se apresenta codificado, inexiste um Código organizado estruturalmente, desta forma, as leis administrativas são esparsas, não codificadas em um único instrumento. A jurisprudência ocupa lugar de fonte secundária, porém de conforme art. 103-A da CF/88 as sumulas, aprovadas mediante dois terços dos membros do STF, terão força vinculante se equiparando as leis, sendo assim, tornando-se fonte formal primária. 5. Interpretação do Direito Administrativo No que tange a interpretação do Direito Administrativo são utilizados os métodos clássicos de interpretação: gramatical, lógica, histórica, sistemática, teleológica. Na interpretação do Direito Administrativo deve se considerar três pressupostos: a desigualdade jurídica entre a Administração Pública e administrados; a presunção de legitimidade dos atos da Administração; e a necessidade de poderes discricionários para atender ao interesse público. 6. Administração Pública A Administração pública pode ser vista de dois aspectos: subjetivo, formal ou orgânico; e objetivo, material ou funcional. Aspecto subjetivo, formal ou orgânico: conjunto de entidades jurídicas (de direito público ou privado), de órgãos públicos e de agentes públicos, que formam a estrutura orgânica formal da Administração. O aspecto objetivo, material ou funcional: é o conjunto de funções ou atividades de caráter essencial administrativo, no sentido de realização concreta, direta e indiretamente os fins constitucionalmente atribuídos ao Estado. 7. Função administrativa do Estado Pela tripartição dos poderes (Poder Executivo, Legislativo e Judiciário), temos como função típica do Poder Executivo a função administrativa. Todavia existem funções atípicas ou secundárias nos três poderes: Poder Executivo – Legislar (Medida Provisória) e julgar (Processo Administrativo); Poder Legislativo – Administrar e Julgar; Poder Judiciário – (Administrar e Legislar “sumula vinculante”). 8. Organização administrativa brasileira O Direito brasileiro adotou a Teoria do órgão, atribuída ao jurista alemão Otto Gierke, que comparou o Estado ao corpo humano. Sendo que cada repartição funciona como uma parte do corpo, como os órgãos humanos, provindo daí a origem da nomenclatura “órgão público”. Os órgãos podem ser classificados da seguinte forma: quanto a sua posição estatal ou quanto a hierarquia; quanto à estrutura do órgão; quanto à esfera de atuação dos órgãos públicos; quanto à composição ou atuação funcional dos órgãos. Quanto a sua posição estatal ou quanto a hierarquia: podem ser independentes, localizando-se no topo da organização política administrativa, p.ex., Casa do Congresso Nacional; Presidência da República; Tribunais Superiores, entres outros. Também podem ser órgãos autônomos localizando-se logo abaixo dos órgãos independentes, p.ex., Ministérios; Advocacia Geral da União, entre outros. Existem os órgãos superiores que são órgãos de direção, sem autonomia administrativa e financeira, sujeitando-se a outros órgãos, p.ex., gabinetes de Ministros; Secretarias Gerais; entre outros. Os órgãos subalternos localizados na base da estrutura orgânica da Administração Pública, exercem atividades materiais ou de execução, p.ex., setor de protocolo; almoxarifado; entre outros. Quanto a estrutura do órgão, estes podem ser simples ou unitários, ou seja, caracterizados por um único centro de competência, sem subdivisão interna, p.ex., delegacia de polícia; escolas públicas; entre outros. Já os órgãos compostos são integrados por diversos centros de competência, p.ex., Secretaria da Educação; Secretaria da Saúde, entre outros. Em relação à esfera de atuação dos órgãos públicos, podem ser centrais que coincidem com o domínio político da entidade estatal, p.ex., Ministério dos Transportes; Secretaria Municipal de Saúde de Praia Grade; entre outros. Ocorre também a possibilidade de serem locais, com atuação somente em parte do território da entidade federativa, p.ex., Delegacia da Policia Civil de Mongaguá, Aduana localizada no Porto de Santos; entre outros. Quanto à composição ou atuação funcional dos órgãos, leva em consideração a quantidade de agentes públicos responsáveis pela formação da vontade do órgão, podem ser singulares ou unipessoais, ou seja, um único agente público responsável, p.ex., Presidência da República; Prefeituras Municipais; entre outros. Podem ser também colegiados ou pluripessoais onde há mais de uma agente responsável pela formação da vontade do órgão, p.ex., Mesa da Câmara de Vereadores; Órgão Administrativo do Tribunal de Justiça; entre outros. 9. Desconcentração e descentralização Desconcentração e descentralização referem-se a técnicas empregadas pelo Estado com o intuito de racionalizar o desenvolvimento e a prestação das atividades que lhe são atribuídas, procurando, desta forma, atender com maior eficiência o interesse público. A desconcentração se caracteriza na distribuição de competências da estrutura da Administração Direta, pressupondo hierarquia e subordinação entre os órgãos, de acordo com a posição ocupada na estrutura organizacional. A desconcentração pode ocorrer em razão da matéria, com a criação de órgãos para tratar de determinados assuntos, p.ex., Ministério da Saúde, Ministério da Defesa; entre outros. Também pode ser realizada em razão do grau, ou seja, do nível de responsabilidade decisória nos referidos escalões correspondentes nos diversos patamares de autoridades, p.ex., Ministro do Trabalho; Secretaria de Fiscalização do Trabalho; Departamento de Fiscalização do Trabalho; e Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo. Por seu turno, há a divisão em razão do critério territorial, ou seja, a divisão das respectivas atividades de acordo com a localização da repartição, p.ex., Superintendência Regional do Trabalho em São Paulo; Gerência Regional do Trabalho em Santos; Subprefeituras do Município de São Paulo. Em contrapartida, a descentralização ocorre quando a função administrativa ocorre não diretamente, ou seja, indiretamente através de entidades administrativas criadas para este fim específico, p.ex., autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista. Desta forma estamos tratando da Administração Pública Indireta. Para explicitar de maneira ainda mais cristalina os conceitos de descentralização e desconcentração, cabe apresentar o ensinamento de Celso Antônio Bandeira de Mello: “a descentralização pressupõe pessoas jurídicas diversas: aquela que originariamente tem ou teria a titulação sobre certa atividade e aqueloutra ou aqueloutras às quais foi atribuído o desempenho das atividades em causa. A desconcentração está sempre referida a uma só pessoa, pois se cogita da distribuição de competências na intimidade dela, mantendo-se, pois, o liame unificador da hierarquia. Pela descentralização rompe-se uma unidade personalizada e não há vínculo entre a Administração Central e a pessoa estatal descentralizada. Assim, a segunda é ‘subordinada’ à primeira. O que passa a existir, na relação entre ambas, é um poder chamado controle.[7]” 10. Administração direta e indireta A Administração Pública, através do Decreto-lei n° 200, de 1967, foi dividida em Administração Direta e Indireta. Em relação a Administração Direta é a que compreende a União, Estados, Distrito Federal, Municípios e os órgãos que integram estes por desconcentração. Os Entes Federativos, por possuírem personalidade jurídica de direito público, a lei os confere o exercício de funções administrativas. No que tange a Administração Indireta, esta é formada pelas entidades criadas por lei, ou autorizadas a criação por lei, possuindo personalidade jurídica própria. A criação dessas pessoas jurídicas se dá pela descentralização, como visto no tópico anterior. 11. Integrantes da administração direta e entidades paralelas Conforme exposto anteriormente quanto a Administração Indireta, temos que esta compreende as seguintes categorias de entidades, as quais são dotadas de personalidade jurídica própria: autarquias; fundações públicas; empresas públicas e sociedades de economia mista. Complemento as entidades apontadas, cabe destacar a Lei n° 11.107, de 06 de abril de 2005, que dispôs sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos, prescrevendo deste modo que: “[…]o consórcio público com personalidade jurídica de direito público integra a administração indireta de todos os entes da Federação consorciados”. Apontaremos as informações características das autarquias, que é o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receitas próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira (descentralizada). Possuem prerrogativas idênticas as dos entes estatais, com exceção da autonomia política. Incluindo, também, as prerrogativas processuais. Os bens das autarquias possuem natureza de bens públicos, portanto são inalienáveis, impenhoráveis e imprescritíveis. São exemplos de autarquias: INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social); BACEN (Banco Central do Brasil); entre outros. Espécies de autarquias em regime especial são as agências reguladoras. Criadas e extintas por lei possuem a função de regular a prestação de determinados serviços públicos, que geralmente, foram transferidos à iniciativa privada por autorização, concessão ou permissão. São exemplos de agências reguladoras: ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações); ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil); entre outras. Fundação pública, por alguns doutrinadores denominadas também de fundações autárquicas, são dotadas de personalidade jurídica de direito público ou privado, sem fins lucrativos. Criadas em virtude de autorização legislativa, com o fim de desenvolverem atividades que não exijam execução por entidades ou órgãos do direito público, possuem autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos órgãos de direção, e seu funcionamento é custeado por recursos da União e outras fontes. Cabe atenção que a fundação pública de direito público ou privado, é um patrimônio público personalizado e afetado a um determinado fim (sempre público). Gozam das mesmas prerrogativas das autarquias. São exemplos de fundações públicas o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística); FUNAI (Fundação Nacional do Índio); entre outras. Por sua vez, a Empresa Pública é uma entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com capital próprio e capital exclusivo público, criado mediante autorização legal para a prestação de serviço público ou a exploração de atividade econômica, podendo se revestir de qualquer forma de organização empresarial admitida em direito. A partir da Lei n° 13.3030/2016 passou a ser definida como entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com criação autorizada por lei e com patrimônio próprio, cujo capital social é integralmente detido pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios. Exemplos de empresas públicas: CEF (Caixa Econômica Federal); EBCT (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos); entre outras. Sociedade de Economia Mista é a entidade com personalidade jurídica de direito privado, com capital parcialmente público e parcialmente privado. É criada mediante autorização legal a fim de explorar determinada atividade econômica ou para prestar serviços públicos. Organizada sob a forma de sociedade anônima, sendo o Poder Público detentor da maioria do capital volante. Exemplos de sociedade de economia mista: Banco do Brasil; Petrobrás; entre outras. Consórcios Públicos possuem personalidade jurídica de direito público ou de direito privado, instituída pelas entidades da Federação, através de contrato celebrado se houver prévia subscrição de protocolo de intenções devidamente ratificado por lei de cada uma das entidades federadas instituidoras, para a gestão associada de serviços públicos de interesse comum. 12. Entes de cooperação ou entidades paraestatais Pessoas jurídicas, que apesar de não integrarem a Administração Indireta, cooperam com o Estado na prestação de serviços de utilidade pública, sujeitados ao controle direto e indireto do Poder Público. Segundo a doutrina os entes de cooperação são classificados em três grupos distintos: serviços sociais autônomos; entidades de apoio; e terceiro setor. Os Serviços Sociais Autônomos são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, criadas por autorização da lei, que prestam atividades de interesse público em favor de certas categorias sociais ou profissionais. Recebem fomento do Estado, podendo ser mantidas por recursos orçamentários, bem como serem destinatárias de recursos oriundos de contribuições pagas, compulsoriamente, pelos contribuintes. Integram o denominado “Sistema S”, p. ex., Sesi (Serviço Social da Indústria); Senac (Serviço nacional de aprendizagem comercial); entre outros. Entidades de apoio é a pessoa jurídica de natureza privada que exerce, sem fins lucrativos, atividade social, serviços sociais não exclusivos do Estado, relacionados à ciência, pesquisa, saúde e educação. Criadas com a finalidade de apoiarem projetos de pesquisa, ensino de extensão e de desenvolvimento institucional, científico e tecnológico de interesse das instituições contratantes. São exemplos de entidades de apoio: Fundação de Desenvolvimento da Unicamp e a Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo. Terceiro Setor integrado por organizações de origem privada, autônomas e altruístas, sem finalidade lucrativa e com o objetivo de promover o bem-estar coletivo. São exemplos: ONG’s; Entidades beneficentes; entre outras. 13. Servidores públicos e agentes públicos Servidor público, em sentido estrito, é toda pessoa física que mantém vínculo de caráter profissional com o Estado. Todavia tal conceituação se demonstra muito restrita, visto que, a conceituação de agente público se dá pelas pessoas físicas que exercem função pública, quer permanente ou transitória, quer remunerada ou não remunerada. Dessa forma, temos que os servidores públicos são uma espécie de agentes públicos. Desta feita, podemos classificar os agentes públicos em três espécies distintas: agente político; servidores públicos; particulares em colaboração com o poder público. Os agentes políticos são agentes públicos responsáveis pela formação da vontade política do Estado, ou seja, são os titulares de mandado eletivo (Presidente da República, Vice-Presidente da República, Governador de Estado, entre outros), além destes se enquadram nesta tipificação os integrantes de primeiro escalão do governo (Ministros de Estado, Secretários Estaduais e Municipais). Em relevância a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (SRF), enquadram-se como agentes políticos os Membros da Magistratura e do Ministério Público. Se ampliarmos nossa visão, conforme jurisprudência, enquadraríamos como agentes políticos, também, os Membros dos Tribunais de Contas e os agentes diplomáticos. Servidores Públicos são as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às entidades da Administração Pública Indireta, através de vínculos profissionais, sujeitos à hierarquia funcional e ao regime jurídico da entidade estatal à qual está vinculado. Os servidores públicos podem ser divididos em quatro classes distintas: servidores estatutários; empregados públicos; servidores temporários; e militares. Os servidores estatutários são servidores ocupantes de cargos públicos providos por concurso público e que são regidos por um estatuto, estabelecido em lei, definidor de direitos e obrigações. Empregados públicos: ocupantes de emprego público provido por concurso público, contratados sob o regime da CLT. Servidores temporários: exercem função pública, porém não há vinculação a cargo ou emprego público, contratados por tempo determinado a fim de atender à necessidade temporária de excepcional interesse público (art.37, IX, CF/88). Os militares são pessoas físicas que prestam serviços as Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica) e às Policias Militares aos Corpos de Bombeiros Militares. São regidos pelo estatuto próprio da corporação militar que integram. Particulares em colaboração com o Poder Público são as pessoas físicas que prestam serviço ao Estado, sem vínculo de trabalho profissional, com ou sem remuneração. Embora particulares, exercem função pública. Podem ser divididos em três grupos distintos: a) Particulares em colaboração com o Poder Público por delegação: desempenham função pública em nome próprio, submetidos a fiscalização do Poder Público delegante, são remunerados pelos usuários dos serviços, p.ex., notários e tabeliães; b) Particulares em colaboração com o Poder Público por requisição, nomeação ou designação: desempenham função pública de forma transitória e, via de regra, sem remuneração, p.ex., jurados, mesários; c) Particulares em colaboração com o Poder Público como gestores de negócios: pessoa que assume, de forma espontânea, o desempenho de funções públicas em situações de emergência, tais como, inundações, incêndios, entre outros. 14. Cargo, emprego e função Cargo público é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas ao servidor. Os cargos públicos são criados por lei, com denominação própria e remuneração oriunda do erário público. Os titulares de cargo público são submetidos a um regime especificamente estabelecido a fim de reger a relação da sua categoria frente a entidade para qual exercem suas funções, o qual denomina-se estatuto. Desta forma, o regime ao qual se vinculam é institucional ou estatutário, de natureza não contratual. Os cargos públicos são divididos em três categorias: cargos efetivos; cargos em comissão; e cargos vitalícios. Em relação aos cargos vitalícios são atribuídos pela Constituição Federal para determinada categoria de agentes públicos, como é o caso dos magistrados e membros do Ministério Público. Cargos efetivos, os servidores nomeados para cargo efetivo são estáveis após três anos de efetivo exercício (art. 41, CF/88), além desta condição, há também, para a aquisição de estabilidade, a obrigatoriedade de avaliação especial de desempenho por comissão constituída para essa finalidade. Função Pública é a atribuição ou o conjunto de atribuições conferidas aos cargos isolados ou organizados em carreira ou, ainda, aos que desempenham função pública em caráter excepcional e transitório (funções temporárias). Funções de confiança são exercidas apenas e exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo. Não podendo ser exercidas por pessoas que não tenham sido aprovadas em concurso público. Cargos de comissão podem ser ocupados por pessoas que não integram os quadros da Administração Pública. Não se adquire estabilidade nos cargos de comissão, sendo estes livres de nomeação e exoneração. Tanto as funções de confiança quanto os cargos em comissão, se destinam apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento. 15. Direitos e deveres Os direitos e deveres dos servidores públicos encontram-se dispostos em diversas fontes: Constituição Federal de 1988, estatutos (para servidores estatutários e militares), nas leis trabalhistas para os servidores sob o regime CLT e na Consolidação das Leis Temporárias (para os empregados públicos). Os seguintes deveres do servidor público são apontados pelos doutrinadores: lealdade (para o ente estatal e o usuário do serviço público); obediência (acatar ordens superiores e as prescrições estabelecidas na legislação); conduta ética (honestidade, moralidade, decoro, zelo, eficiência e eficácia). Para os servidores públicos civis federais, os deveres encontram-se estabelecidos nos art. 116 da Lei n° 8.112/92. 16. Responsabilidade civil, penal e administrativa Os servidores públicos, no desempenho das suas funções, submetem-se a três esferas de responsabilidade: civil; penal e administrativa. Sendo assim, podem praticar ilícitos civis, causando prejuízos aos administrados e à própria Administração Pública, ilícitos penais e ilícitos administrativos. A responsabilidade civil imposta ao servidor público, impõe a obrigação de reparar dano causado a Administração Pública ou ao particular, em decorrência de conduta tanto culposa quanto dolosa, praticada de forma omissiva ou comissiva. Desta feita, temos que a responsabilidade do servidor público é subjetiva, não se confundindo com a responsabilidade da própria Administração Pública que é objetiva. A responsabilidade penal decorre da conduta ilícita praticada pelo servidor público que a lei penal tipifica como infração penal. Os principais crimes contra a Administração Pública encontram-se tipificados nos artigos 312 a 326 do CP. Por encerramento, a responsabilidade administrativa ocorre quando o servidor comete um ilícito administrativo ou deixa de cumprir com seus deveres funcionais. Tais condutas ensejar o reconhecimento da responsabilidade administrativa do servidor público e, portanto, ser apurada através de processo administrativo disciplinar, ou sindicância, de acordo com a penalidade prevista no estatuto. 17. Poderes da administração pública Os poderes da Administração Pública devem ser exercidos dentro dos ditames estabelecidos no ordenamento jurídico e sempre com a finalidade de atender ao interesse público, sob pena de haver abuso de poder. De acordo com o ensinamento de Fernando Baltazar e Ronny Charles Torres: “abuso de poder é gênero do qual são espécies o desvio de poder e o excesso de poder. O desvio de poder ocorre quando o agente público, embora agindo dentro de sua competência, desvia-se dos fins previstos pelo legislador, enquanto o excesso de poder ocorrerá quando o agente público agir fora dos limites de sua competência.”[8] São poderes da Administração Pública: poder vinculado e discricionário; poder normativo ou regulamentar; poder disciplinar; poder hierárquico; poder de polícia. Poder vinculado é o poder conferido pela lei à Administração para a prática dos atos administrativos de sua competência, determinando elementos e requisitos para sua formalização. Por seu turno, o poder discricionário é revelado pela liberdade de escolha da conveniência, conteúdo e oportunidade do ato administrativo. Todavia, não deve extrapolar a lei, pois seria tido como arbitrário. O poder regulamentar é privativo do chefe do Poder Executivo que se manifesta através dos decretos expedidos quando a lei deixa aspectos a serem disciplinados pela Administração (art.84, IV, CF/88). Conferido a Administração Pública o poder disciplinar é exercido para apurar as infrações dos agentes públicos e das demais pessoas que estão sujeitas à disciplina administrativa (como é o caso de alunos de uma universidade pública). Em relação ao poder hierárquico é aquele que se manifesta pela distribuição e escalonamento das funções de seus órgãos, na ordenação e revisão da atuação de seus agentes, estabelecendo assim uma relação de subordinação entre seus servidores. O poder de polícia tem conceito legal especificado no art. 78 do Código Tributário Nacional. Todavia, para fins acadêmicos utilizaremos o conceito postulado pelo Dr. Alexandre Mazza, que conceitua o poder de polícia como: “atividade da Administração Pública, baseada em lei e na supremacia geral, consistente no estabelecimento de limitações à liberdade e propriedade dos particulares, regulando a prática de ato ou a abstenção de fato, manifestando-se por meio de atos normativos ou concretos, em benefício do detrimento público”.[9] Destarte, a polícia administrativa tem como finalidade a adequação dos interesses individuais com o interesse coletivo. Neste sentido, de policia administrativa, cabe citar a polícia sanitária, das construções, das águas, entre outras. Cristalino que o exercício do poder de polícia limita-se aos direitos individuais, devendo respeitá-los e observar certos parâmetros: necessidade da medida; proporcionalidade; e eficácia (adequação). As características do poder de polícia são: discricionariedade; autoexecutoriedade; e coercibilidade. A discricionariedade significa que a atuação da Administração Pública possui determinado parâmetro de opção a fim de decidir o melhor momento de agir, o meio mais adequado de atuação e a sanção que mais se adequa ao caso concreto. Em relação a autoexecutoriedade são as prerrogativas que a Administração Pública possui para praticar os atos administrativos e de executar, através de seus meios, as suas decisões. Desta forma, sem a necessidade de buscar prévia autorização do Poder Judiciário. Por fim, a imposição coativa das manifestações do poder de polícia, com o emprego da força pública, caso haja resistência infundada do administrado é definida como coercibilidade. Como exemplo a lacração de um imóvel, com a construção de uma parede na entrada do estabelecimento.
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O artigo 2° do Código de Ética e Disciplina da OAB: Reflexão sobre sua aplicação na pratica
Resumo:  Este trabalho tem como objetivo apresentar o artigo 2° do Código de Ética e Disciplina da OAB. Através de estudo bibliográficos, procurou-se usar uma linguagem adequada para que tanto os operadores do Direito, quanto leigos possam compreender o referido assunto e aprofundar seus estudos.
Direito Administrativo
Introdução O presente trabalho tem como propósito apresentar os deveres dos advogados dispostos no Código de Ética e Disciplina da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), com intuito de melhor compreensão ao leitor, teceremos os comentários pertinentes ao artigo 2º do respectivo código. 1. Código de Ética e Disciplina da OAB Em sua essência aponta o imperativo de conduta que deverá ser adotada pelo profissional (advogado), nos exercícios de suas funções. Por certo, o respectivo código, em seu cerne, tem como objetivo a primazia pela justiça, a lealdade, ética e a boa-fé nas relações profissionais que tal profissão exige a fim de alçar o bem-estar social. 2. Da ética do advogado; das regras deontológicas fundamentais Em seu Título I, denominado da Ética do Advogado, seguido de seu primeiro capítulo (Das regras deontológicas fundamentais), trata de imediato disposto no art. 1° “O exercício da advocacia exige conduta compatível com os preceitos deste Código, do Estatuto, do Regulamento Geral, dos Provimentos e com os demais princípios da moral, social e profissional”.[1] Desta feita, apesar de não fazer parte do escopo deste trabalho, mas com o intuito didático, cabe ressaltar que o exercício da advocacia deve se nortear não apenas por este Código de Ética, mas, também, pelo Estatuto, regulamento geral, provimentos e principalmente pelos princípios morais e sociais. 2.1. O artigo 2º do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil O artigo 2º em seu caput, apresenta a indispensabilidade do profissional (advogado), como defensor do Estado democrático de direito. Vale ressaltar, que de maneira explícita dispões que inerente a atividade do advogado cabe o zelo e pela cidadania, moralidade pública. Destarte, que através do exercício da advocacia, através da defesa da Justiça procura-se a promoção da paz social. Diante do exposto, vale transcrever o referido caput do art. 2°, conforme segue: “O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado democrático de Direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinado a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce.” Em conformidade com a nossa Lei Maior que traz em seu corpo, a indispensabilidade, a qual se expressa: art. 133 “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei“.[2] Tamanha inconsequência de nossa parte, o seria, se no presente texto não apresentássemos a citação de Ruy Barbosa, que segue: “Legalidade e liberdade são tábuas da vocação do advogado”. O Supremo Tribunal Federal, através do relator Marco Aurélio destaca: “O princípio da indispensabilidade não foi posto na Constituição como favor corporativo aos advogados ou para a reserva de mercado profissional. Sua ratio é de evidente ordem pública e interesse social, como instrumento de garantia de efetivação da cidadania. É garantia da parte e não do profissional.[3]” De extrema relevância, também, os ensinamentos de Piero Calamandrei, citado por Carlos Henrique Soares: “O advogado aparece, assim, como elemento integrante da organização judicial, como um órgão intermediário posto entre juiz e a parte, na qual o interesse público de alcançar uma sentença justa se encontra e conciliam. Por isso uma função é necessária ao Estado, como a do Juiz, enquanto o advogado, tal como o juiz, atua como servidor do Direito.[4]” Importante colocação faz Antonio Carlos Faccioli Chedid, conforme vasta experiência na magistratura: “Afirmamos por várias oportunidades, com convicção teórica e prática, colhidas durante longos dezoito anos de magistratura comum e agora especializada que jamais se atingirá a plenitude de uma entrega justa da prestação jurisdicional sem a presença do profissional do direito.”[5] A partir deste momento, nos resta a apresentação dos demais elementos contidos no artigo 2º do Código de Ética e Disciplina da OAB. 2.1.1. O Parágrafo único do art. 2º e respectivos incisos. O parágrafo único do referido artigo dispões sobre os deveres do advogado, os quais são apresentados nos incisos I a IX, como apresentaremos adiante. Primeiramente nos cabe a transcrição precisa do disposto, como segue: “Parágrafo único: São deveres do advogado: I – preservar, em sua conduta, a honra, a nobreza e a dignidade da profissão, zelando pelo seu caráter de essencialidade e indispensabilidade; II – atuar com destemor, independência, honestidade, decoro, veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé; III – velar por sua reputação pessoal e profissional; IV – empenhar-se, permanentemente, em seu aperfeiçoamento pessoal e profissional; V – contribuir para o aprimoramento das instituições, do Direito e das leis; VI – estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios; VII – aconselhar o cliente a não ingressar em aventura judicial; VIII – abster-se de: a) utilizar de influência indevida, em seu benefício ou do cliente; b) patrocinar interesses ligados a outras atividades estranhas à advocacia, em que também atue; c) vincular o seu nome a empreendimentos de cunho manifestamente duvidoso; d) emprestar concurso aos que atentem contra a ética, a moral, a honestidade e a dignidade da pessoa humana; e) entender-se diretamente com a parte adversa que tenha patrono constituído, sem o assentimento deste. IX – pugnar pela solução dos problemas da cidadania e pela efetivação dos seus direitos individuais, coletivos e difusos, no âmbito da comunidade.’[6] Os deveres dispostos nos sentidos vão ao encontro do que é apresentado no caput do artigo 2°, sendo que, qualquer interpretação equivocada do que está expresso seria uma afronta ao intelecto humano. Todavia, de maneira sucinta, comentaremos cada um dos incisos acima apresentados. I – preservar, em sua conduta, a honra, a nobreza e a dignidade da profissão, zelando pelo seu caráter de essencialidade e indispensabilidade; Diante do exposto na introdução, deste trabalho, a conduta, honradez, nobreza, dignidade profissional são essenciais para o advogado, visto que, o mesmo deve primar pela Justiça e pelos princípios morais e sociais. Destarte, torna-se inconcebível qualquer outra postura de um profissional de tamanha responsabilidade perante a sociedade. II – atuar com destemor, independência, honestidade, decoro, veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé A fim de alçar a justiça em plenitude, o disposto no inciso II, é posto como razão e modo de atuação do profissional perante a sociedade e ao Estado Democrático de Direito. III – velar por sua reputação pessoal e profissional. A reputação pessoal e profissional do advogado é essencial, devido a sua essencialidade perante a sociedade, exemplo de conduta social. IV – empenhar-se, permanentemente, em seu aperfeiçoamento pessoal e profissional. Tanto no que tange esta profissão quanto qualquer outra, a necessidade de aperfeiçoamento é constante. No caso dos advogados, este aperfeiçoamento tornar-se-á mais frequente devido as frequentes alterações nas legislações que compõem nosso ordenamento jurídico. V – contribuir para o aprimoramento das instituições, do Direito e das leis. O advogado é o profissional integrante fundamental da Justiça, imperativo, portanto, que contribua tanto ao aprimoramento das instituições, do Direito quanto das próprias leis que integram nosso ordenamento. VI – estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios. O estímulo a conciliação é de fundamental importância, a fim de evitar, litígios, o advogado, por seu turno, tem o dever de atuar neste sentido. Neste ponto, vale ressaltar, que além de disposto no Código de Ética, tal obrigação é constante em nosso ordenamento jurídico e apresenta-se disposta, também, na Lei. N° 13.105/2015. VIII – abster-se de: a) utilizar de influência indevida, em seu benefício ou do cliente; b) patrocinar interesses ligados a outras atividades estranhas à advocacia, em que também atue; c) vincular o seu nome a empreendimentos de cunho manifestamente duvidoso; d) emprestar concurso aos que atentem contra a ética, a moral, a honestidade e a dignidade da pessoa humana; e) entender-se diretamente com a parte adversa que tenha patrono constituído, sem o assentimento deste. O inciso VIII, nitidamente expressa, que diante da especialidade e função social da profissão, existem limites éticos, sem os quais não alçaríamos a função precípua que alicerça esta profissão. IX – pugnar pela solução dos problemas da cidadania e pela efetivação dos seus direitos individuais, coletivos e difusos, no âmbito da comunidade. De acordo com o que fora apresentado até o momento, cristalino que o advogado deva atuar de acordo com o inciso IX, a fim de alcançar os objetivos e princípios inerentes a sua profissão. 3. Considerações finais De acordo com o propósito deste trabalho de apresentar o artigo 2° do Código de Ética e Disciplina da OAB, tecendo os comentários devidos, torna-se concluso que a profissão de advogado é de vital importância à sociedade, à Justiça e à manutenção do Estado Democrático de Direito.
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Consórcio intermunicipal e a saúde pública de qualidade em pequenos municípios
O presente trabalho visa apontar o papel dos consórcios públicos como um potencializador da administração pública de pequenos municípios, vez que para esses entes a consecução de políticas públicas na área da saúde se apresenta com algumas dificuldades, tais como as de cunho político, jurídico e financeiro, dentre outras delineadas no trabalho. A essência dos consócios como um instrumento, se baseia no relacionamento intergovernamental, basilar em um federalismo cooperativo, tendo sido normatizado com a Lei n.º11.107, dando-lhe maior atuação na Administração Pública dos entes federativos. Interessa-nos apontar, ainda que sinteticamente, a constituição, funcionamento, natureza jurídica, entre outras peculiaridades do objeto deste trabalho. Cumpre ressaltar, também, que a elaboração deste trabalho procurou torná-lo o mais claro possível, a fim de que seja algo de real utilidade.
Direito Administrativo
1. CONCEITOS DE CONSÓRCIOS PÚBLICOS O consórcio público é um mecanismo de cooperação intergovernamental que visa a colaboração de governos, a fim de que juntos consigam atingir objetivos compartilhados. Tal mecanismo nasce com a ideia de que as funções estatais sofreram mudanças e, consequentemente, a complexidade e os custos da atividade pública também. Não raro, no dia a dia da Administração Pública exige-se mais do que se pode suportar, fazendo com que surjam novas formas, e meios de atuação do Estado. Hely Lopes Meirelles (2016, p. 473) os conceitua como: “Consórcios públicos são pessoas de direito público, quando associação pública, ou de direito privado, decorrentes de contratos firmados entre entes federados, após autorização legislativa de cada um, para a gestão associada de serviços públicos e de objetivos de interesse comum dos consorciados.” Assim, na busca de interesse comum, os entes federativos se associam, unindo forças para executar um serviço ou política pública. Não se trata de um instrumento tão recente no meio jurídico, Cretela Junior (1981, p. 87,) faz menção que no município de São Paulo, em 1935, a lei 2.484 foi a primeira a regular o assunto dispondo que: “os municípios poderão associar-se para a realização de melhoramentos ou serviços de interesse comum, dependendo, as respectivas deliberações, da deliberação da Assembleia Legislativa”. É cediço que à época o ente municipal não gozava de autonomia como contemporaneamente, dependendo a formalização do avençado da aquiescência do Estado. A Constituição Federal, no art. 241, dispõe que o Estado disciplinará, por meio de lei, os consórcios públicos entre os entes que o compõe. A normatização infraconstitucional surgiu no ano de 2005, com a lei 11.107. Referida lei, editada pela União, possui caráter geral aplicando-se tanto essa como aos Estados e Municípios. A competência da União para editar normas gerais não exclui a competência concorrente dos Estados e a suplementar dos Municípios para legislar do assunto nos seus interesses. 2. A NATUREZA JURÍDICA Parte da doutrina afirma que os consórcios públicos não possuem natureza de contratos, uma vez que nesses há vontades opostas, já nos consórcios há interesses comuns, os consorciados possuem as mesmas pretensões. Meirelles (1991, p.306), afirma que os consórcios públicos compartilham da natureza dos convênios, pois são acordos, mas não são contratos. Não obstante a posição externada, a doutrina majoritária assevera a natureza jurídica de contratos, pois, segundo JUSTEN FILHO (2005,p.29), a natureza do ato constitutivo dos consórcios públicos é sempre contratual, aqui compreendido a figura dos convênios, vez que estaria configurado um contrato plurilateral ou organizacional. Ainda segundo o autor, não haveria apenas a participação da administração pública nos consórcios, vez que haveria realmente “(a) a assunção de obrigações atinentes à composição do patrimônio, (b) a delegação de atribuições e competências determinadas e (c) a transferência de bens e pessoal para a entidade”. O ponto reside exatamente nesse sentindo aponta pelo autor, o ente ratificando o consórcio público estará assumindo obrigações para com este, sendo obrigações mútuas, dignas de um contrato plurilateral. Em que pese as divergências na natureza jurídica dos consórcios, nos parece que essa diferenciação, baseada na convergência ou da divergência de interesses, já não se mostra interessante para abrigar as novas tendências negociais da administração pública. Nesse sentindo, ODETE MEDAUAR (1996, p.457) traz o seguinte escólio: “Na atualidade, florescem em grande escala as práticas com base em concordância ou consenso entre entes administrativos ou entre estes e particulares. É a época da Administração “concertada”. Disseminam-se acordos de diversos tipos, adotando-se em amplitude, os chamados “módulos contratuais ou convencionais”. Tais fórmulas nem sempre se enquadram exatamente nos paradigmas clássicos dos contratos ou dos contratos administrativos. Daí ser relevante conferir tratamento amplo à figura contratual, para abrigar fórmulas novas, adequadas a novo dinamismo e novos modos de agir da Administração. Nesse contexto se inserem os convênios e consórcios administrativos”. Portanto, há que se reconhecer a adoção, pelo ordenamento jurídico pátrio, da natureza jurídica contratual dos consórcios, pois deve se ter atenção ao conceito amplo de contrato, para nele incluir as relações formadas por acordos de vontade. 3. DA CONSTITUIÇÃO E FUNCIONAMENTO Para concretizar o contrato de consórcio público, é necessário seguir alguns passos previstos na Lei Federal n.º 11.107/05. Inicialmente, os entes federado dispostos a se consorciarem devem elaborar protocolo de intenções, que depois de subscrito, será confirmado por meio de Lei, obviamente feita pelo poder legislativo, de cada ente que assinou o protocolo de intenções, se transformando no contrato de consórcio público.  Constituído o contrato de consórcio público, será convocada uma assembleia para formular o estatuto do consórcio, que disporá acerca da organização e funcionamento de cada um dos órgãos constitutivos do consórcio. Disso, surge o contrato de programa, contendo as obrigações dos entes para com o consórcio público, a fim de definirem a gestão associada dos serviços públicos em que haja transferência de encargos, serviços, pessoal ou bens. O contrato de rateio será elaborado dispondo sobre os recursos que serão entregues pelos entes consorciados ao consórcio público, devendo ser formalizado em cada exercício financeiro. A fim de dar mais concretude ao tema, passemos a análise dos citados temas. 4. DO PROTOCOLO DE INTENÇÕES Além de essencial à formação dos consórcios, o protocolo de intenções é a materialização do acordo político em um documento, que, depois de ratificado mediante lei pelos entes que vão se consorciar, se transforma em um contrato para a instituição da pessoa jurídica consorcial. O artigo 5°, parágrafo 4°, dispensa desse ato o ente que antes de subscrever o protocolo de intenções disciplinar por lei a sua participação no consórcio público. Não obstante a possibilidade de dispensa, o artigo 4° da Lei Consorcial, define que o protocolo deve incluir necessariamente cláusulas que contenham, dentre varias outras, a denominação, a finalidade, o prazo de duração e a sede do consórcio; a identificação dos entes da Federação consorciados; a indicação da área de atuação do consórcio; o enquadramento do consórcio público como associação pública ou como pessoa jurídica de direito privado sem fins econômicos. Após a subscrição dos consorciados, o compromisso deverá ser publicado na imprensa oficial e levado à ratificação, frise-se, por meio de Lei, por cada ente, surgindo, daí, o contrato de consórcio público. É patente, portanto, a importância do protocolo de intenções nesta etapa dos consórcios, vez a entidade ficará obrigada ao que foi acordado no compromisso. 5. CONTRATO DE PROGRAMA E CONTRATO DE RATEIO A manutenção financeira da entidade representativa que surgiu do consórcio público será feita pelos membros da associação por meio do denominado contrato de rateio. É por meio dessa figura contratual que os entes da Federação consorciados comprometem-se a fornecer recursos para a realização de despesas do consórcio público. É deveras interessante a ideia do legislador, pois por meio de contrato formal, dificulta-se que qualquer ente falte com as obrigações assumidas, seja por critérios políticos ou qualquer outro que venha ser arguido, pois há o comprometimento dos entes consorciados e disso, as partes consorciadas se tornam legítimas para exigir o cumprimento das obrigações assumidas e não cumpridas. O contrato de rateio deve ser formalizado a cada exercício financeiro e a sua vigência não será superior às das dotações que o suportam, salvo os projetos contemplados nos planos plurianuais ou a gestão de serviços públicos custeados por tarifa ou preço público.  A Lei dos consórcios aponta, ainda, que a entrega de recursos financeiros ao consórcio público só se dará por meio do contrato de rateio e, caso não adotadas as medidas financeiras para suportar o consórcio, haverá a possibilidade de suspensão ou até mesmo de exclusão do ente consorciado. O contrato de programa, por sua vez, tem a função de regular as obrigações que um ente da federação assume com o consórcio público, isso no que se refere a gestão associada da prestação de serviços públicos ou a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal ou bens. Há que se observar, ainda, que o contrato de programa deve atender à legislação de concessões e permissões de serviços públicos, e caso haja transferência de encargos, serviços, pessoal e bens, algumas cláusulas obrigatórias, sob pena de nulidade do contrato. Tem-se no contrato de programa a regularização operacional, estipulando as condições de transferência de pessoal, bens, serviços ou encargos dos entes consorciados para o consórcio. Do que foi exposto, verifica-se que na primeira parte do trabalho fora abordada o conceito e forma de instituição dos consórcios públicos, cumprindo-nos o dever de informar o leitor que agora iremos expor a ideal central do trabalho, na qual a entidade intermunicipal surge como meio de solução do problema prático abordado. 6. A SAÚDE PÚBLICA EM PEQUENOS MUNICÍPIOS Segundo o art. 6º da CF: "São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Nesse sentindo, fica estabelecido que ao estado foi dado o dever indissociável de prestação à saúde pública, não apenas em vista da essencialidade de tal objeto, mas também pela necessidade de sobrevivência do grupo social e do próprio Estado, como bem apontado por Meirelles (2015, pg-415).     Visto a saúde pública como dever estatal, surge um modelo de gestão, adotado pela Constituição Federal de 1988, que se apresenta como uma rede integrada, regional e hierarquizada que se constitui num sistema único, organizado de acordo com as diretrizes apontadas pelo Constituinte, o Sistema Único de Saúde – SUS. Alguns dados do Ministério da Saúde informam que os recursos destinados à rede pública mais que triplicaram nos últimos 11 anos, passando de R$ 27,2 bilhões em 2003 para R$ 91,6 bilhões em 2014, denotando um sucesso no SUS. [1]  Entretanto, o que se observa é que a saúde pública no Brasil, enquanto dever do Estado, é vista pela sociedade, em todos os estados brasileiros, com uma crescente ineficiência e consequente sucateamento do SUS, dado a inércia ao longo dos anos pelos sucessivos governos brasileiros. Dados da Agência Brasil, baseados em estudos da pesquisa do Instituto Datafolha feita a pedido do Conselho Federal de Medicina (CFM) e da Associação Paulista de Medicina (APM), apontam que os serviços públicos e privados de saúde no Brasil são considerados regulares, ruins ou péssimos por 93% da população. [2] Não obstante a extensão do tema, nos limitaremos a apontar as características dentro da seara municipal, em vista o objetivo do trabalho. É sabido que a que a gestão e o financiamento do SUS são compartilhados entre a União, estados e municípios, mas no modelo vigente, Lei Nº 8.080/90, é fácil perceber que o SUS incumbe, principalmente, os municípios, por ser o ente mais próximo da sociedade, como a principal máquina de execução das políticas de saúde. No entanto, na prática, a execução a cargo dos municípios se mostra ineficaz, pois é raro que esses entes sozinhos possuam condições de oferecer integralmente os serviço e que consigam atender as demandas de seus cidadãos de forma correta. Esse problema é acrescido quando se voltam olhos a pequenas cidades, vez que a falta de recursos acarreta a ineficácia na prestação do dever estatal, pois gestores locais se depararam com atribuições de alta complexidade, pairando-os sob o dever de prestação do serviço público com a impossibilidade de o cumprir em vista de limitações infindáveis, incluindo, a falta de capacitação adequada para administrar uma secretaria de saúde, a dificuldade de acesso a tecnologia e­ ausência de técnicos capacitados. Três fatores resumem a deficiência nesse serviço público: estrutura física, a falta de disponibilidade de material e a carência de recursos humanos. 6.1. TRATAMENTO MÉDICO DE MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE: ATUAL MODO DE GESTÃO      Uma reportagem veiculada no Jornal Opção[3] demonstra que a capital do Estado de Goiás, Goiânia, sofre com a constante superlotação das unidades de saúde pública, e que grande parte de lotação é composta por pacientes que moram em outras cidades que vão até a cidade para que consigam um atendimento médico. Um problema de gestão, segundo o Jornal. Trata-se, em suma, de um ente federativo suportando acima de sua capacidade uma obrigação que, aparentemente, incumbiria, ao município de origem dessas pessoas. Ainda na reportagem, o Ministério Público, representado pelo promotor Érico de Pina, que coordena o Centro de Apoio Operacional das Promo­torias de Justiça de Defesa da Saúde (CAO Saúde), diz que, muitas vezes, as cidades do interior não dispensam sequer a atenção básica e não conseguem tratar nem os casos de hipertensão e diabetes, que em comparação a outras demandas médicas são consideradas simples. Vislumbrando agora o outro lado da moeda, esses pacientes são enviados para a Capital por várias questões, seja falta de estrutura, de recursos, de informação e, não raro, a falta interesse dos gestores. Dada a comum insuficiência financeira, os municípios interioranos não conseguem atender as demandas de média complexidade na área da saúde e, em vista da imprescindível prestação de saúde pública, o que resta aos gestores é a submissão de seus cidadãos a viajarem às cidades que suportem as demandas médicas dessas pessoas, o que, geralmente, acontece na capital do estado. Em que pese esses inchaços locais nas cidades de grande porte, as cidades no interior do País, e seus gestores, não se veem com outras possibilidades a não ser encaminharem seus cidadãos para darem a garantia de no mínimo terem atendimento médico. Para exemplificar um, dos vários fatores que acometem aos pequenos municípios, Dilma Serrão, prefeita de Belterra, município de 16 mil habitantes, incrustada no interior da Amazônia, no estado do Pará, afirmou em entrevista à Carta Capital: “Recebemos 70 mil reais mensais do governo federal para custear os gastos com o hospital, os postos de saúde e pagar os médicos especialistas, que recebem 4 mil reais para atenderem duas vezes por semana”[4]. Não há como simplesmente afirmar que esse quadro deva ser revertido, proibindo que essas pessoas tenham atendimento em cidades que não sejam as suas originárias, pois a saúde pública é um dever do Estado visto em sentido amplo como Administração Pública. 7. O CONSÓRCIO INTERMUNICIPAL COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO EFICAZ Em meio a essas dificuldades de gestão, como a prestação de serviços de saúde pública de alta complexidade, surge o consórcio público como um instrumento de gestão associada para os municípios com esse mesmo problema apresentado. A união desses, comungando esforços sem comprometer sua a autonomia de gestão, a fim gerir uma prestação de qualidade no serviço de saúde à população, otimizando e racionalizando o uso de recursos públicos. A instrumentalização da ideia aqui apontada apresentou resultados satisfatórios no estado da Bahia, que foi a constituição de uma associação pública para a construção de uma policlínica regional de atendimento de média e alta complexidade, o denominado Consórcio de Saúde.[5] Com esse projeto, nos anos de 2015 a 2016, O Estado da Bahia pretendia instalar em seu território 10 (dez) consórcios com municípios de determinadas regiões para a construção de 10 (dez) policlínicas. O financiamento dessas policlínicas seria composto de recursos oriundos do SUS, 40% (quarenta por cento) do Governo do Estado e 60% (sessenta por cento) dos Municípios, que iriam ratear de acordo com sua população. Disso, tenta-se demonstra de maneira prática a real utilidade dos consórcios públicos, qual seja: o compartilhamento de funções que por sua natureza permitem essa gestão dividida, tal como a saúde pública.  De maneira simétrica àquele exemplo acima ofertado, a aparente solução para municípios daquelas regiões que não conseguem atender as demandas médicas de média/alta complexidade promoveriam a constituição de um consórcio intermunicipal entre eles, bem como com o governo estadual e federal para a construção de uma unidade hospitalar regional, que ampliaria a oferta de serviços especializados aos usuários do SUS, compartilhando recursos humanos capacitados, sobretudo médicos, reduzindo custos operacionais com diárias e viagens a longas distâncias. A limitação financeira poderia ser obstada com a participação de entes que possuem maior aporte financeiro, tais como os estados desses municípios e a União. Como apontado no exemplo do Estado da Bahia, os rateios de custos com os municípios consorciados, de forma proporcional a sua população, atenderia a proporcionalidade de receita e despesas desses, e, em situações que demandem maiores investimentos, como instalação e construções, ficariam a cargo da União. Em que pese as considerações de cunho político que uma medida assim necessita, mantemo-nos otimistas nessa possibilidade, em vista de termos uma constituição normativa, que reza a obrigatoriedade de prestação de uma saúde pública de qualidade, mesmo que haja necessidade de se buscar tal mister em juízo. Destarte, verifica-se que a essência do consórcio é a criação de uma nova pessoa jurídica que retiraria uma parcela das atribuições dos pequenos municípios na prestação do serviço público de saúde, tomando-as pra si, desburocratizando esses pequenos polos – leia-se município- dando eficiência e aumentando a possibilidade de captação de recursos adicionais, bem como uma certa flexibilidade nas regras de compra e remuneração de pessoal, e, também, conferindo a possibilidade de celebração de convênios, contratos, auxílios, contribuições e subvenções sociais ou econômicas. Portanto, em vista das experiências bem sucedidas, tanto como na veemente crença de que a cooperação federativa fortalece qualquer gestão pública, vê-se nos consórcios público não apenas um instrumento inovador, mas, sobretudo, uma medida eficaz de gerir a coisa pública, atingindo a consecução da prestação de saúde pública de qualidade. 8. CONCLUSÃO De todo o exposto nessas breves linhas, é fácil verificar que as potencialidades dos consórcios públicos se mostram preparadas para apresentarem os resultados e finalidades propostas, seja pelo compartilhamento de atribuições e competências seja pela maior disponibilidade financeira da associação dos entes, esse instrumento serve como garantia de uma atuação mais eficiente dos entes consorciados no exercício de suas respectivas atribuições, conforme aponta Porto Neto (2004). Por fim, frise-se que a atuação em conjunto, isto é, a junção de forças a fim de um objetivo comum, não apenas fortalece o federalismo cooperativo, mas reforma a concepção de um Estado desorganizado, pois atitudes voltadas à consecução de eficiência, tal como a utilização dos consórcios, fortalece a potencialidade da Federação em garantir aquilo que já lhe é imposta como dever, a prestação de políticas públicas de qualidade.
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Servidão cultural em pauta: uma análise da intervenção do estado na propriedade envoltória do patrimônio cultural tombado
Inicialmente, ao se analisar o tema colocado em debate, prima anotar que a servidão administrativa se apresenta como direito real público que permite a Administração utilizar a propriedade imóvel para viabilizar a execução de obras e serviços que atendam ao interesse público. Nesta toada, é verificável que, com a substancialização da servidão administrativa, ocorre o exercício paralelo de outro direito real em favor de um prédio, o qual passa a ser denominado de dominante, ou mesmo de uma pessoa, de modo tal que o proprietário não é mais o único a exercer os direitos dominiais sobre a res. O entorno do patrimônio cultural protegido é de fácil fixação, porquanto, em consonância com o artigo 18 do Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, sem prévia autorização do Instituto Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou capaz de reduzir a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou, ainda retirar o objeto, fixando-se, em tal hipótese, multa de cinquenta por cento do valor do mesmo objeto. Convém mencionar que o dispositivo supramencionado estabelece, ainda, como consequência da servidão, a inviabilidade de edificação de obras tendentes a alterar o cenário em que o patrimônio cultural tombado se explicita, de modo a assegurar, de maneira maximizada, o alcance dos efeitos oriundos do ato de reconhecimento cultural.
Direito Administrativo
1 Intervenção do Estado na Propriedade: Breve Escorço Histórico Em uma primeira plana, o tema concernente à intervenção do Estado na propriedade decore da evolução do perfil do Estado no cenário contemporâneo. Tal fato deriva da premissa que o Ente Estatal não tem suas ações limitadas tão somente à manutenção da segurança externa e da paz interna, suprindo, via de consequência, as ações individuais. “Muito mais do que isso, o Estado deve perceber e concretizar as aspirações coletivas, exercendo papel de funda conotação social”[1], como obtempera José dos Santos Carvalho Filho. Nesta esteira, durante o curso evolutivo da sociedade, o Estado do século XIX não apresentava essa preocupação; ao reverso, a doutrina do laissez feire assegurava ampla liberdade aos indivíduos e considerava intocáveis os seus direitos, mas, concomitantemente, permitia que os abismos sociais se tornassem, cada vez mais, profundos, colocando em exposição os inevitáveis conflitos oriundos da desigualdade, provenientes das distintas camadas sociais. Quadra pontuar que essa forma de Estado deu origem ao Estado de Bem-estar, o qual utiliza de seu poder supremo e coercitivo para suavizar, por meio de uma intervenção decidida, algumas das consequências consideradas mais penosas da desigualdade econômica. “O bem-estar social é o bem comum, o bem do povo em geral, expresso sob todas as formas de satisfação das necessidades comunitárias”[2], compreendo, aliás, as exigências materiais e espirituais dos indivíduos coletivamente considerados. Com realce, são as necessidades consideradas vitais da comunidade, dos grupos, das classes que constituem a sociedade. Abandonando, paulatinamente, a posição de indiferente distância, o Estado contemporâneo passa a assumir a tarefar de garantir a prestação dos serviços fundamentais e ampliando seu espectro social, objetivando a materialização da proteção da sociedade vista como um todo, e não mais como uma resultante do somatório de individualidades. Neste sentido, inclusive, o Ministro Luiz Fux, ao apreciar o Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo N° 672.579/RJ, firmou entendimento que “ainda que seja de aplicação imediata e incondicional a norma constitucional que estabeleça direitos fundamentais, não pode o Ente Estatal beneficiar-se de sua inércia em não regulamentar, em sua esfera de competência, a aplicação de direito constitucionalmente garantido”[3]. Desta feita, para consubstanciar a novel feição adotada pelo Estado, restou necessário que esse passasse a se imiscuir nas relações dotadas de aspecto privado. “Para propiciar esse bem-estar social o Poder Público pode intervir na propriedade privada e nas atividades econômicas das empresas, nos limites da competência constitucional atribuída”[4], por meio de normas legais e atos de essência administrativa adequados aos objetivos contidos na intervenção dos entes estatais. Com efeito, nem sempre o Estado intervencionista ostenta aspectos positivos, todavia, é considerado melhor tolerar a hipertrofia com vistas à defesa social do que assistir à sua ineficácia e desinteresse diante dos conflitos produzidos pelos distintos grupamentos sociais. Neste jaez, justamente, é que se situa o dilema moderno na relação existente entre o Estado e o indivíduo, porquanto para que possa atender os reclamos globais da sociedade e captar as exigências inerentes ao interesse público, é carecido que o Estado atinja alguns interesses individuais. Ao lado disso, o norte que tem orientado essa relação é a da supremacia do interesse público sobre o particular, constituindo verdadeiro postulado político da intervenção do Estado na propriedade. “O princípio constitucional da supremacia do interesse público, como modernamente compreendido, impõe ao administrador ponderar, diante do caso concreto, o conflito de interesses entre o público e o privado, a fim de definir, à luz da proporcionalidade, qual direito deve prevalecer sobre os demais”[5]. 2 Ponderações Introdutórias ao Instituto da Servidão Administrativa Inicialmente, ao se analisar o tema colocado em debate, prima anotar que a servidão administrativa se apresenta como direito real público que permite a Administração utilizar a propriedade imóvel para viabilizar a execução de obras e serviços que atendam ao interesse público. Nesta toada, é verificável que, com a substancialização da servidão administrativa, ocorre o exercício paralelo de outro direito real em favor de um prédio, o qual passa a ser denominado de dominante, ou mesmo de uma pessoa, de modo tal que o proprietário não é mais o único a exercer os direitos dominiais sobre a res. Com realce, insta ponderar que a servidão administrativa estabelecida em favor de prédio materializa a servidão real, ao passo que se beneficiar determinada pessoa constituirá a servidão pessoal. Afora isso, mister se faz sobrelevar que a servidão administrativa, consoante as lições apresentadas pelo festejado José dos Santos Carvalho Filho, consiste no “direito real público que autoriza o Poder Público a usar a propriedade imóvel para permitir a execução de obras e serviços de interesse coletivo”[6]. Não discrepa de tal entendimento Meirelles que, com o destaque reclamado, coloca em evidência que a “servidão administrativa ou pública é ônus real de uso imposto pela Administração à propriedade particular para assegurar a realização e conservação de obras e serviços públicos ou de utilidade pública”[7]. Ressoando o sedimento doutrinário, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ao apreciar a Apelação Cível N° 70039145073, já decidiu que a “servidão administrativa é direito real de uso, estabelecido em favor da Administração Pública ou de seus delegados, incidente sobre a propriedade particular”[8]. É plenamente observável, notadamente a partir do escólio adotado, que as servidões administrativas dão ao a um direito real público, eis que sua instituição decorre da atuação do Ente Estatal, com o fito primevo de atender a fatores de interesse público. Nesta senda, é observável, justamente, que o aspecto caracterizador que difere o instituto em tela da servidão decorrente do direito privado, norteada pelas disposições albergadas pela Lei N° 10.406, de 10 de janeiro de 2002[9], tendo como participantes da relação jurídica pessoas de iniciativa privada, descansa justamente na presença do Ente Estatal. Além disso, o núcleo fundamental de ambos os institutos ora mencionados se alicerçam no mesmo paradigma. Neste alamiré, em que pese a identidade de núcleos, perceptíveis são os aspectos distintivos da servidão privada e da servidão administrativa, quais sejam: a) a servidão administrativa busca atender a interesse público, ao passo que a servidão privada, respaldada pelo Estatuto Civil, visa satisfazer interesse privado; b) a servidão administrativa sofre o influxo dos ditames e princípios do direito público, ao passo que as servidões privadas estão sujeitas aos cânones e corolários do direito privado. Constitui verdadeiro ônus real imposto a um imóvel, particular ou público, no interesse de satisfazer o interesse público. Ao lado disso, com efeito, cuida salientar que, em sede de servidão administrativa, o imóvel serviente poderá ser tanto um privado, o que ocorre comumente, ou mesmo o público. Afora isso, em se tratando de limitação singular, a constituição do instituto em tela é passível de indenização ao proprietário. 3 Fundamentos da Servidão Administrativa Ao se analisar a servidão administrativa, mister se faz aludir que o fundamento da instituição da intervenção do Estado na propriedade privada encontra descanso na supremacia do interesse público sobre o interesse privado, tal como a função social da propriedade, claramente delineada no artigo 5°, inciso XXIII[10], e artigo 170, inciso III[11], ambos da Constituição Federal de 1988. Assim, o sacrifício da propriedade cede lugar ao interesse público que inspira e norteia a atuação interventiva do Ente Estatal. Inexiste uma disciplina normativa federal específica acerca das servidões administrativas, sendo comumente utilizada a norma insculpida no artigo 40 do Decreto-Lei N° 3.365, de 21 de junho de 1941[12], que dispõe sobre desapropriações por utilidade pública. “Com esforço interpretativo, contudo, podemos entender que o titular do poder de instituir as servidões é o Poder Público (que na lei é o expropriante) e que, em alguns casos, será observado o procedimento da mesma lei para a instituição do ônus real”[13]. São exemplos mais comuns da servidão administrativa a instalação de redes elétricas e a implantação de gasodutos e oleodutos em áreas privadas para a execução de serviços públicos. A acepção clássica do instituto em discussão envolve a nomeado servidão de trânsito, isto é, aquela que provoca a utilização do solo, promovendo a redução da área útil do imóvel do proprietário. Farta é a jurisprudência, inclusive, que explicita a natureza de servidões administrativas as hipóteses apresentadas acima, consoante se infere: “Ementa: Apelação cível. Servidão de eletroduto. Passagem de linha de transmissão de energia elétrica. Controvérsia quanto ao valor da indenização. – A servidão administrativa enseja ao proprietário do imóvel o direito a justa e prévia indenização em dinheiro. – Servidão administrativa é direito real de uso, estabelecido em favor da Administração Pública ou de seus delegados, incidente sobre a propriedade particular. Sua instituição acarreta indenização dos prejuízos efetivamente sofridos pelo particular, não se indenizando o valor total da propriedade. – Laudo pericial realizado judicialmente que não apresenta irregularidades, devendo ser utilizado para fins de arbitramento da indenização pelos prejuízos sofridos pelo proprietário do imóvel serviente. Negaram provimento à apelação”. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Terceira Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70036651628/ Relatora: Desembargadora Matilde Chabar Maia/ Julgado em 02.08.2012) (grifou-se). “Ementa: Apelação. Indenização. Desapropriação indireta. Prolongamento de ruas projetado. Canalização de esgoto. Servidão administrativa. No caso, não está em questão apenas a destinação futura da área, mas o uso atual, já efetivado, segundo os apelantes. O uso de imóvel para escoamento do esgoto municipal pode ser considerado como servidão administrativa, pois, nessa hipótese, não se efetiva a transferência da propriedade, configurando-se apenas um ônus especial ao bem. Sendo considerada servidão administrativa, embora os proprietários continuem com o domínio e a posse, cabível indenização se comprovado prejuízo decorrente da restrição de uso da propriedade. Nessas circunstâncias, não há como considerar a parte autora carecedora de ação por falta de interesse processual, pois necessita de tutela de utilidade jurídica. Sentença desconstituída. Deram parcial provimento ao apelo. Unânime”. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Quarta Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70037997202/ Relator: Desembargador Alexandre Mussoi Moreira/ Julgado em 13.06.2012) (destacou-se). “Ementa: Apelação cível. Condomínio. Ação de indenização. Corte de grama. Servidão administrativa de passagem. Ônus do proprietário do imóvel. 1. A servidão administrativa constitui-se em restrição ao uso da propriedade, imposta pelo Poder Público ao particular (neste caso) com o objetivo de resguardar interesse da coletividade, regendo-se ou por acordo firmado entre as partes, ou por sentença judicial. 2. No caso dos autos, houve acerto amigável formalizado através de Escritura Pública, da qual se extrai que os proprietários foram indenizados pela PETROBRÁS pelos prejuízos (presentes e futuros) decorrentes da mencionada servidão, ocasião em que outorgaram plena e irrevogável quitação, declarando nada mais ter a reclamar "a qualquer título". 3. Como se não bastasse os termos da quitação outrora outorgada, os proprietários permaneceram utilizando a área para circulação (inclusive para trânsito de veículos), devendo, portanto, suportarem os ônus decorrentes de sua conservação. Apelo desprovido”. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Décima Nona Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70046929196/ Relator: Desembargador Eugênio Facchini Neto/ Julgado em 27.03.2012) (grifou-se). “Algumas vezes as servidões administrativas são suportadas pelos particulares ou pelo Poder Público sem qualquer indenização, dado que sua instituição não lhes causa qualquer dano, nem lhes impede o uso normal da propriedade”[14], a exemplo do que se verifica na afixação de placa de denominação de rua ou de gancho para sustentar fios de rede energia elétrica dos trólebus em parede de prédio situado em determinados cruzamentos, bem como com a colocação de postes nas calçadas por concessionárias de serviço público. Com efeito, não se verifica nas situações explicitadas acima qualquer interferência, por parte do Ente Estatal, que possa produzir prejuízos ao proprietário particular, não cabendo, portanto, em teoria, verba indenizatória. 4 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos Introdutórios Em sede de comentários introdutórios, cuida salientar que o meio ambiente cultural é constituído por bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que possuem valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico, científico, refletindo as características de uma determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo formada pela história e maciçamente influenciada pela natureza, como localização geográfica e clima. Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa interação entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado daquilo que era próprio das populações tradicionais indígenas e das transformações trazidas pelos diversos grupos colonizadores e escravos africanos”[15]. Desta maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela como instrumento robusto da sobrevivência da própria sociedade. Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens culturais materiais e imateriais portadores de referência à memória, à ação e à identidade dos distintos grupos formadores da sociedade brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio histórico e artístico nacional abrange todos os bens moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja de interesse público, por sua vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou por seu excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e ambiental”[16]. Quadra anotar, por imperioso, que os bens compreendidos pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do passado e obras contemporâneas. Nesta esteira, é possível subclassificar o meio ambiente cultural em duas espécies distintas, quais sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o meio-ambiente cultural concreto, também denominado material, se revela materializado quando está transfigurado em um objeto classificado como elemento integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível citar os prédios, as construções, os monumentos arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico, paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos citados alhures, em razão de todos os predicados que ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso Especial N° 115.599/RS: “Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio cultural. Destruição de dunas em sítios arqueológicos. Responsabilidade civil. Indenização. O autor da destruição de dunas que encobriam sítios arqueológicos deve indenizar pelos prejuízos causados ao meio ambiente, especificamente ao meio ambiente natural (dunas) e ao meio ambiente cultural (jazidas arqueológicas com cerâmica indígena da Fase Vieira). Recurso conhecido em parte e provido”. (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em 27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça em 02.09.2002, p. 192). Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando este não se apresenta materializado no meio-ambiente humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade. Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a língua e suas variações regionais, os costumes, os modos e como as pessoas relacionam-se, as produções acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional. Neste sentido, é possível colacionar o entendimento firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N° 2005251015239518, firmou entendimento que “expressões tradicionais e termos de uso corrente, trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o patrimônio cultural de um povo”[17]. Esses aspectos constituem, sem distinção, abstratamente o meio-ambiente cultural. “O patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a geração e é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente”[18], decorrendo, com destaque, da interação com a natureza e dos acontecimentos históricos que permeiam a população. O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 2000[19], que institui o registro de bens culturais de natureza imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências, consiste em instrumento efetivo para a preservação dos bens imateriais que integram o meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo[20], em seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o registro de bens culturais de natureza imaterial que integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também estruturou uma política de inventariança, referenciamento e valorização desse patrimônio. Ejeta-se, segundo o entendimento firmado por Fiorillo[21], que os bens que constituem o denominado patrimônio cultural consistem na materialização da história de um povo, de todo o caminho de sua formação e reafirmação de seus valores culturais, os quais têm o condão de substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos insertos em uma determinada comunidade. Necessário se faz salientar que o meio-ambiente cultural, conquanto seja artificial, difere-se do meio-ambiente humano em razão do aspecto cultural que o caracteriza, sendo dotado de valor especial, notadamente em decorrência de produzir um sentimento de identidade no grupo em que se encontra inserido, bem como é propiciada a constante evolução fomentada pela atenção à diversidade e à criatividade humana. 5 Servidão Cultural em Pauta: Uma análise da intervenção do Estado na Propriedade Envoltória do Patrimônio Cultural Tombado Preliminarmente, delinear, de maneira conceitual, o entorno do patrimônio cultural protegido é de fácil fixação, porquanto, em consonância com o artigo 18 do Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, sem prévia autorização do Instituto Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou capaz de reduzir a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou, ainda retirar o objeto, fixando-se, em tal hipótese, multa de cinquenta por cento do valor do mesmo objeto. Marchesan[22] vai apontar que o dispositivo do decreto-lei supramencionado diz menos do que deveria, tendo efeito contido em suas linhas acerca das elementares. Nesta esteira, a expressão “vizinhança” compreende tudo aquilo que é passível de interferência na apreensão do bem tombado, devendo, pois, o bem localizado em sua proximidade ou não. No mais, “como o decreto-lei que rege o tombamento no plano nacional não especificou sequer o procedimento administrativo para delimitação e especificação das restrições que recaem sobre a área de entorno” (MARCHESAN, s.d., p. 17), sendo que normalmente ocorre que o órgão responsável por estabelecer o tombamento agrega a ele uma portaria, por meio da qual especifica o entorno e explicita as restrições que serão cominadas aos sujeitos os bens nele inseridos. Neste passo, convém mencionar que o dispositivo supramencionado estabelece, ainda, como consequência da servidão, a inviabilidade de edificação de obras tendentes a alterar o cenário em que o patrimônio cultural tombado se explicita, de modo a assegurar, de maneira maximizada, o alcance dos efeitos oriundos do ato de reconhecimento cultural. Trata-se, portanto, de reconhecer que, no cenário urbano em que o patrimônio cultural encontra-se inserto, incumbe àquele o destaque e não os demais imóveis que se encontram nas cercanias. Ora, os imóveis servientes desempenham papel secundário, materializando apenas o cenário propício em que o bem tombado se encontra, de maneira a assegurar a máxima visibilidade do bem protegido. Igualmente, o artigo 18, apesar de tímido e acanhado em suas disposições, estabelece a proibição da poluição visual ou, ainda de colocação de objetos capazes de alterar, comprometer ou destoar a visibilidade no cenário em que o bem se encontra integrante. Farias[23], ainda, vai explicitar que o procedimento administrativo tendente à criação da área do entorno observe os requisitos abaixo: (i) localização precisa do sítio cultural ou natural e seus limites com as parcelas territoriais que envolvem a área circundante afetada; (ii) dados jurídicos precisando os proprietários e os ocupantes das parcelas territoriais mediatas; (iii) indicação detalhada do sítio qualificado na categoria de proteção prevista no inciso V do artigo 216 da Constituição Federal; (iv) estado de preservação legal acerca do sítio inicial, principalmente o seu diagnóstico detalhado, se está ameaçado de prejuízo iminente ou eventual; (v) histórico descritivo sobre as condições arquitetônicas ou ecológicas das áreas circundantes e informações sobre eventuais projetos de trabalhos ou atividades de construção urbana ou rural, de reforma agrária, de expropriação etc., que possam repercutir na área envoltória. Di Pietro[24], ainda, vai sustentar que a servidão oriunda do artigo 18 do decreto-lei em comento aperfeiçoa típica intervenção do Estado na propriedade privada, na qual aparece o prédio tombado como dominante e os prédios da vizinhança, afetados pelos desdobramentos do princípio da proteção do entorno, como servientes. Interessante, ainda postular que, apesar de se tratar de típica servidão, a autora supramencionada considera que o dever de respeito à ambiência não é passível de indenização. Igualmente, inexiste no ordenamento jurídico a distância média do bem tombado sobre a qual incide a servidão em comento, variando diante do caso concreto, tendo como balizador a moldura e os elementos contextualizadores do patrimônio tombado, de maneira a assegurar que sua representatividade cultural seja preservada.
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O recebimento dos honorários de sucumbência pelos advogados públicos: reflexões necessárias para a sua regulamentação legal
O art. 85 do Novo Código de Processo Civil Brasileiro atribui expressamente ao advogado a titularidade dos honorários de sucumbência, em sintonia com o que já estatuía o art. 23 do Estatuto da Advocacia, com clara feição remuneratória. Assim também é em relação aos advogados públicos, já que o art. 85, § 19, do NCPC tratou de a eles estender tal direito. A parte final do dispositivo remete a matéria ao princípio da reserva legal, o que impõe, para elaboração do texto normativo. O presente artigo se propõe a enfrentar alguns questionamentos sobre as possíveis implicações da edição de lei sobre a matéria, de modo que tanto se promova a segurança jurídica do ente público e dos advogados públicos, como sejam evitados possíveis questionamentos pelos órgãos de controle interno e externo sobre as implicações do exercício desse direito, que, apesar de positivado, não traz linhas para a sua efetivação.
Direito Administrativo
Introdução O art. 85 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, que instituiu o Novo Código de Processo Civil (NCPC), sucede o art. 20 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, regulando os critérios para fixação dos honorários de sucumbência, que devem ser arbitrados em toda sentença, seja de mérito ou não. O NCPC regula pormenorizadamente a competência do juiz para o arbitramento dos honorários de sucumbência, bem como os critérios para a sua fixação, previstos basicamente nos §§ 2º e 3º do art. 85, o momento de definição da verba, quem é o seu beneficiário (advogado da parte vencedora) e quem é o seu devedor (parte vencida). Em síntese, a norma consubstancia o princípio da sucumbência, de acordo com o qual aquele que perde a causa judicial tem o dever de pagar custas e honorários de advogado ao vencedor. O caput do art. 85 do NCPC atribui expressamente ao advogado a titularidade dos honorários de sucumbência, em sintonia com o que já estatuía o art. 23 da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, lei especial que retirou a feição reparatória à parte vencedora, como era até 1994. Os honorários de sucumbência têm, portanto, clara feição remuneratória. Assim também é em relação aos advogados públicos, já que o art. 85, § 19, do NCPC tratou de a eles estender tal direito ao estabelecer que “Os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei”. A parte final do dispositivo remete a matéria ao princípio da reserva legal, o que impõe, para elaboração do texto normativo que será sugerido em sede de projeto de lei, o enfrentamento de uma série de questões que tem implicação direta tanto para o órgão público ao qual o advogado público está vinculado, como para este, considerando-se o cargo e a carreira pública a que está subordinado. Uma primeira questão, que orientaria uma série de outras, é sobre a natureza dos honorários de sucumbência: são verbas públicas ou privadas? E a partir da resposta que se dê a essa primeira provocação, então seria preciso definir a extensão e os limites da atividade legislativa do ente federado. Se é verba pública, qual a natureza desta parcela? O seu pagamento interfere nas questões relativas à remuneração do cargo e à carreira? Poderiam percebê-la os advogados públicos que são remunerados na forma de subsídio, cuja principal característica é ser fixado em parcela única, como determinam os §§ 4º e 8º do art. 39 da Constituição? Estaria o seu pagamento adstrito ao teto remuneratório do inciso XI do art. 37 da Constituição? Haveria incidência de contribuição previdenciária e retenções tributárias sobre esse pagamento? Por outro lado, se for entendida como verba privada, qual o conteúdo desta lei? O ente público poderia definir, por exemplo, quem teria direito ao recebimento da parcela – se apenas os advogados públicos com atribuição de representação judicial ou se todos os advogados públicos, inclusive os assessores jurídicos? Poderia constituir um fundo público para fins de divisão dos valores relativos aos honorários entre os advogados públicos? Poderia, ainda, disciplinar a natureza de tais pagamentos? Frente a todos esses questionamentos, é necessário refletir sobre as possíveis implicações da edição de lei sobre a matéria, de modo que tanto se promova a segurança jurídica do ente público e dos advogados públicos, como sejam evitados possíveis questionamentos pelos órgãos de controle interno e externo sobre as implicações do exercício desse direito assegurado pelo art. 85, § 19, do NCPC, que, apesar de positivado, não traz linhas para a sua efetivação. 1. Honorários advocatícios de sucumbência: da concepção original à redação do art. 85, § 19, do NCPC Etimologicamente, honorários deriva do latim honorarius, que por sua vez vem de honor, significando, na acepção original, aquilo que é feito ou dado por honra. Juridicamente, tem conotação econômica para designar aquilo que é dado ou pago em retribuição a certos serviços, com a ideia de prêmio ou estipêndio, distinguindo-se das noções de salário[1] ou de vencimentos[2], que têm o sentido de remuneração ajustada entre empregado e empregador, sendo paga por esse àquele como compensação ou em troca do seu trabalho, sem subordinar-se a qualquer outra condição. Diferentemente, os honorários são pagos a quem realiza determinados serviços profissionais, como uma forma de compensação, podendo ser previamente estabelecido ou estimado a posteriori. Os honorários advocatícios são assegurados aos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil – OAB pela prestação de serviço profissional, sejam convencionados, fixados por arbitramento judicial ou sucumbenciais, de acordo com o art. 22 da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, o Estatuto da Advocacia. A norma trata, portanto, de três modalidade de honorários. Os honorários convencionados, mais comumente chamados de honorários contratuais, decorrentes de acordo pré-estabelecido entre as partes, ou seja, o titular do direito que moverá a ação para vê-lo satisfeito (contratante) e o profissional advogado que estará prestando o seu serviço (contratado) para, por representação, acompanhar o processo com zelo, dedicação e cuidado necessários, cuja celebração do contrato de honorários tem a finalidade de estabelecer as condições dessa relação jurídica, especialmente quanto ao preço dos serviços. Os honorários arbitrais, estabelecidos pelo juiz em decisão de mérito quando não houver um contrato entre o cliente e o advogado, como ocorre, por exemplo, quando é constituído defensor dativo para patrocínio da causa judicial. Por fim, os honorários de sucumbência, estabelecidos em ação judicial pelo juiz ao prolatar a sua decisão, condenando a parte vencida ao pagamento em favor do advogado da parte vencedora. Neste ponto, convém salientar que essa afirmação, de que os honorários de sucumbência serão estabelecidos em favor do advogado da parte vencedora, a serem pagos pela parte vencida, deve ser entendida à luz da evolução doutrinária e jurisprudencial acerca do ônus de sucumbência, cuja condenação decorre do fato objeto de derrota no processo, cabendo, conforme decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 886.178-RS, “ao juiz condenar, de ofício, a parte vencida, independentemente de provocação expressa do autor, porquanto trata-se de pedido implícito, cujo exame decorre da lei processual civil”[3]. Logo, se as verbas de sucumbência decorrem da derrota processual, é lógico supor que possuem natureza ressarcitória, dado o seu propósito de indenizar a parte vencedora das despesas havidas no curso do processo para ver satisfeito seu direito. Assim foi, aliás, durante muito tempo, a interpretação do art. 20 do revogado Código de Processo Civil de 1973 (instituído pela Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973)[4]. Os honorários sucumbenciais eram entendidos como uma forma de ressarcimento à parte vencedora do processo das despesas advocatícias a que se viu obrigada a suportar contratando um advogado para defesa de seus interesses e patrocínio do seu pedido, que ao fim era declarado na sentença, pelo julgador. Esse entendimento foi alicerçado a partir da edição do Decreto-Lei nº 1.608, de 18 de setembro de 1939, que institui o Código de Processo Civil de 1939, que trouxe critérios relativos à condenação da parte vencida aos honorários de sucumbência, que até então não existiam na legislação e na jurisprudência pátrias. Os arts. 63 e 64 do CPC/1939 consagravam o princípio da sucumbência, conferindo à verba honorária uma natureza sancionatória, pois era condicionada à ocorrência de culpa ou dolo da parte derrotada. Neste sentido, o caput do art. 63 determinava que “…a parte vencida que tiver alterado, intencionalmente, a verdade, ou se houver conduzido de modo temerário no curso da lide, provocando incidentes manifestamente infundados, será condenada a reembolsar à vencedora as custas do processo e os honorários do advogado”, complementando esse dispositivo o art. 64, que na redação original previa que “Quando a ação resultar do dolo ou culpa, contratual ou extra-contratual, a sentença que julgar procedente condenará o réu ao pagamento dos honorários do advogado da parte contrária”. A exigência de dolo ou culpa, prevista no art. 64, acabou suprimida pela Lei nº 4.632, de 18 de maio de 1965, passando a determinar, enfim, que a sentença final do processo condenaria a parte vencida ao pagamento dos honorários do advogado da parte vencedora. Essa regra vigorou até a edição do CPC/1973, que dispôs sobre a matéria no art. 20, mas manteve a ideia de que os honorários de sucumbência visavam ao ressarcimento da parte vencedora com a contratação de advogado para o patrocínio dos seus interesses. Contudo, havia uma dificuldade prática, que era satisfazer o exato valor despendido para a contratação dos serviços advocatícios, já que se pretendia o restabelecimento da condição patrimonial da parte que precisara contratar um advogado para ver seu direito satisfeito. Em decorrência disso, ao ser editado o Estatuto da Advocacia, em 1994, o art. 22 dispôs expressamente que a titularidade dos honorários contratuais, arbitrais e de sucumbência seria do advogado, e não da parte. Para reforçar tal ideia, o art. 23 determinou que “Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor”. Como o Estatuto da Advocacia é lei especial em relação ao Código de Processo Civil, a regra do art. 20 do CPC/1973 passou a ser interpretada de forma consonante. Neste sentido, é ilustrativa a posição do Superior Tribunal de Justiça no julgado do Recurso Especial nº 1.347.736-RS: “[…] 1. No direito brasileiro, os honorários de qualquer espécie, inclusive os de sucumbência, pertencem ao advogado; e o contrato, a decisão e a sentença que os estabelecem são títulos executivos, que podem ser executados autonomamente, nos termos dos arts. 23 e 24, § 1º, da Lei 8.906/1994, que fixa o estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil. 2. A sentença definitiva, ou seja, em que apreciado o mérito da causa, constitui, basicamente, duas relações jurídicas: a do vencedor em face do vencido e a deste com o advogado da parte adversa. Na primeira relação, estará o vencido obrigado a dar, fazer ou deixar de fazer alguma coisa em favor do seu adversário processual. Na segunda, será imposto ao vencido o dever de arcar com os honorários sucumbenciais em favor dos advogados do vencedor. 3. Já na sentença terminativa, como o processo é extinto sem resolução de mérito, forma-se apenas a segunda relação, entre o advogado e a parte que deu causa ao processo, o que revela não haver acessoriedade necessária entre as duas relações. Assim, é possível que exista crédito de honorários independentemente da existência de crédito "principal" titularizado pela parte vencedora da demanda. 4. Os honorários, portanto, constituem direito autônomo do causídico, que poderá executá-los nos próprios autos ou em ação distinta. 5. Diz-se que os honorários são créditos acessórios porque não são o bem da vida imediatamente perseguido em juízo, e não porque dependem de um crédito dito "principal". Assim, não é correto afirmar que a natureza acessória dos honorários impede que se adote procedimento distinto do que for utilizado para o crédito "principal". […]”[5] Na esteira dessa posição, o STJ também fixou entendimento de que os honorários advocatícios sucumbenciais, assim como os contratuais, possuem natureza alimentar, destinando-se ao sustento do advogado e de sua família[6], pois constituem a remuneração do serviço prestado pelo profissional que atuou regularmente no processo. Deste modo, “a titularidade do direito a seu recebimento deve ser atribuída a todos os advogados que em algum momento, no curso processual, desempenharam seu mister”[7]. Já tendo estes parâmetros jurisprudenciais para interpretação da legislação, entrou em vigor, em 18 de março de 2016, o Novo Código de Processo Civil Brasileiro, instituído pela Lei Federal nº 13.105, de 17 de março de 2015, que revogou a Lei Federal nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, e tratou dos honorários sucumbenciais no art. 85, determinando, já no caput, que “A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor”, acrescentando, o § 1º, que estes serão devidos na reconvenção, no cumprimento de sentença provisório ou definitivo, na execução resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente. O § 14 positiva o que a jurisprudência já reconhecia: os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação trabalhista, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial. E como se não estivesse suficientemente clara a questão relativa a titularidade dos honorários advocatícios, o § 19, especificamente em relação aos advogados públicos, reafirma que perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei. A primeira questão suscitada na introdução deste estudo, sobre se os honorários de sucumbência são verbas públicas ou privadas, parece, assim, estar respondida: são verbas privadas, de titularidade dos advogados que atuaram na ação judicial patrocinando os interesses da parte vencedora, e tanto lhe são próprias que o § 2º do art. 85 do CPC/2015 estabelece que a sua fixação sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou sobre o valor atualizado da causa será realizada atendendo o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e a importância da causa e o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço – ou seja, todos critérios intrínsecos à prestação de serviços advocatícios. 2. Extensão e limites da atividade legislativa para a percepção de honorários sucumbenciais por advogados públicos Se é possível concluir, ao examinar legislação e jurisprudência, que a natureza dos honorários de sucumbência é privada, porque pertencem ao advogado da parte vencedora da ação, inclusive dos advogados públicos quando o êxito é da Fazenda Pública, não seria lógico cogitar que bastaria que os próprios advogados se organizassem para o levantamento, o rateio e o recebimento da parcela? Qual é o sentido da expressão constante na parte final do § 19 do art. 85 do CPC/2015, que determina que a percepção de honorários de sucumbência por advogados públicos ocorrerá “nos termos da lei”? De qual ente federado é a competência legislativa para satisfazer essa reserva legal? Qual a extensão e os limites dessa atividade legislativa? Considerando-se que os honorários advocatícios fazem parte do ônus sucumbencial decorrente do princípio da causalidade[8], de acordo com o qual aquele que deu causa à propositura da ação judicial ou à instauração de incidente processual deve responder pelas despesas daí decorrentes, em razão da sua injustificada resistência à pretensão de direito material aduzida pela parte adversa, é possível concluir que a matéria amolda-se ao direito processual civil, cuja competência legislativa é privativa da União, na esteira no inciso I do art. 22 da Constituição da República, sendo adequada, portanto, a disciplina do art. 85 do CPC/2015. Por outro lado, a matéria também diz respeito às condições do exercício profissional, especificamente da advocacia, cuja competência legislativa segue sendo privativa da União, a teor do inciso XVI do art. 22 da Constituição. Neste particular, com efeito, tal competência foi exercida com a edição do Estatuto da Advocacia que, no art. 3º restringe o exercício da atividade de advocacia no território nacional e a denominação de advogado aos inscritos nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), acrescentando, no § 1º, que “Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta lei, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional”. Como se verifica, o Estatuto da Advocacia determinou expressamente que, além do seu regime, aos advogados públicos também se aplica o regime próprio a que estiverem subordinados, sendo este, geralmente, o estatutário ou institucional, que diversamente da relação contratual, estabelece o liame da função pública por meio do poder de disciplina legislativa do ente federado, inexistindo qualquer garantia de que permanecerão sempre disciplinados pelas disposições vigentes quando de seu ingresso, de modo que eventuais direitos não se incorporam integralmente, de imediato, ao patrimônio jurídico do servidor, como ocorreria se a relação fosse contratual, mas dependem do preenchimento de determinados pressupostos. Em contrapartida, tanto a Constituição quanto a legislação ordinária asseguram aos servidores públicos um conjunto de proteções e garantias com vistas ao exercício imparcial, autônomo e técnico das atribuições próprias dos seus cargos, o que inclui a exclusão de possíveis ingerências que os transitórios agentes políticos poderiam pretender exercer, fosse para obtenção de benefício próprio, de terceiro ou das conveniências políticas partidárias de suas ideologias[9]. Disso decorre que uma série de aspectos organizacionais da Administração Pública, nas diferentes esferas federativas, no que diz respeito à atividade da advocacia, tem implicações ou reflexos no regime próprio a que os servidores ocupantes dos cargos respectivos estiverem subordinados. Uma delas, por exemplo, são as questões relativas à carreira profissional em que estão organizados. Outra diz respeito à organização do órgão público responsável pela representação judicial do ente federado, denominado como Procuradoria Jurídica, Departamento Jurídico ou similar. Uma terceira, também intrigante para o tema em análise, é quanto ao sistema remuneratório dos advogados públicos, se por vencimento ou por subsídio, e as eventuais implicações que a percepção dos honorários sucumbenciais poderia ter sobre ela – o que será visto adiante[10]. Assim, em respeito à forma federativa de organização estatal adotada pela Constituição da República, já declarada no caput do art. 1º e alçada à condição de cláusula pétrea inabolível a teor do inciso I do § 4º do art. 60, que confere autonomia para organização político-administrativa da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e considerando, ainda, que o art. 39 estabelece a necessidade de os entes federados instituírem, no âmbito de suas competências, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da Administração Pública Direta, das autarquias e das fundações públicas, é que a reserva legal constante na parte final do § 19 do art. 85 do CPC/2015 exige a edição de lei específica da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para a regulamentação do pagamento dos honorários sucumbenciais aos advogados públicos, compatibilizando o recebimento dessa parcela com as questões remuneratórias e com as regras relativas à carreira profissional, sem prejudicar a organização do órgão público ao qual estiverem vinculados. 3. Compatibilização do recebimento de honorários sucumbenciais por advogados públicos com a remuneração do cargo: natureza da parcela, cumulação com subsídio e teto remuneratório A primeira conclusão deste estudo, como visto, é que os honorários de sucumbência são verbas privadas, de titularidade dos advogados que atuaram na ação judicial patrocinando os interesses da parte vencedora – o que inclui os advogados públicos. A segunda conclusão é que a parte final do § 19 do art. 85 do CPC/2015 exige a edição de lei específica da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para a regulamentação da matéria. Evidentemente, o fato de ser necessária a edição de lei não transmuta a natureza jurídica dos honorários advocatícios, transformando-os em verba pública e dando-lhes caráter remuneratório ou indenizatório, como ocorre com os pagamentos realizados com recursos oriundos do erário. Os honorários sucumbenciais são verbas privadas pagas pelo vencido judicialmente. O ente federado pode funcionar como um canal de pagamento, intermediando essa relação entre devedor e credor, para alcançar a verba a esse segundo. Ainda assim, é preciso reconhecer que o pagamento desses valores tem fundamentação legal própria (art. 85 do CPC/2015 e arts. 22 e 23 do EOAB) e origem em fonte diversa da dos cofres públicos. Por essa razão, além de não haver previsão legal que sustente a apropriação dos honorários sucumbenciais pelo erário, para posterior pagamento a título remuneratório aos advogados públicos, há de se reconhecer o caráter autônomo, incerto e variável do seu pagamento, que não encontra óbice constitucional ou legal a sua cumulação com a remuneração do cargo. Neste ponto é relevante distinguir o sistema remuneratório por vencimento e por subsídio: o primeiro é a designação técnica da retribuição pecuniária legalmente prevista como correspondente a um cargo público[11], enquanto o segundo é a retribuição estipendial percebida por determinados agentes públicos em razão do exercício de função, cargo ou mandato eletivo que desempenham junto à Administração Pública[12]. Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998, a denominada Reforma Administrativa, reestruturou-se os sistemas de vencimentos dos servidores e dos detentores de mandatos eletivos, bem como fixou-se um teto salarial para todos os cargos, empregos e funções públicas[13]. A redação dada ao § 4º do art. 39 pela Emenda Constitucional nº 19/1998 determinou, então, que o membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais passariam a ser remunerados por subsídio fixado em parcela única, vedando, expressamente, o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, inciso X, que trata da revisão geral anual da remuneração e dos subsídios dos servidores públicos e agentes políticos e que impõe que qualquer fixação ou alteração se dê por lei, como também no XI, que fixou o teto remuneratório para os agentes públicos. A Emenda Constitucional nº 19/1998 ainda incluiu o § 8º ao art. 39, para prever que “A remuneração dos servidores públicos organizados em carreira poderá ser fixada nos termos do § 4º”, do que decorre que muitos advogados públicos estão vinculados a carreiras organizadas legalmente pelos órgãos públicos aos quais vinculados e são remunerados por subsídios. Ainda que o subsídio seja em parcela única, não se verifica constituírem, os honorários sucumbenciais, alguma forma de gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória paga pela Fazenda Pública aos advogados públicos. Constituem, em verdade, um pagamento efetuado por particular, fonte diversa do orçamento público, que não é obstada pela Constituição ou pela legislação ordinária. Por esse motivo é que se afirmou anteriormente que o seu pagamento é compatível com o sistema remuneratório de vencimento, assim como entende-se também conciliável com o de subsídio. Resta discutir sobre a aplicação do teto remuneratório previsto no inciso XI do art. 37 da Constituição, quanto ao recebimento dos honorários sucumbenciais pelos advogados públicos. Na linha de raciocínio apresentada, a conclusão lógica seria o afastamento da aplicação do teto em relação ao pagamento desta parcela, por todas as razões já expostas, mantendo-se a regra em relação à remuneração paga pela Fazenda Pública. Contudo, a posição do Supremo Tribunal Federal, antes da edição do CPC/2015, era diversa, como se pode observar dos Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário nº 380.538 – SP: “Os honorários advocatícios devidos aos procuradores municipais, por constituírem vantagem conferida indiscriminadamente a todos os integrantes da categoria, possuem natureza geral, razão pela qual se incluem no teto remuneratório constitucional”[14]. Tal orientação foi adotada pelo Plenário da Corte Suprema em 1998, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 220.397, em que se discutia se dispositivo de lei do Município de São Paulo, que incluía no cálculo bruto do teto remuneratório constitucional as parcelas de gratificação de gabinete, adicional de função e honorários advocatícios de procuradores municipais era ou não constitucional. Em conclusão, ficou assente que tais vantagens, por serem relativas a categoria funcional e não pessoais, relacionadas a situação funcional própria do servidor ou que representem uma situação individual ligada à natureza ou às condições do seu trabalho, estariam incluídas[15]. E o que o relator, Ministro Ilmar Galvão, sustentou, à época, em relação aos honorários advocatícios, para fundamentar a sua decisão, é que constituiria "…vantagem conferida, indiscriminadamente, a todos os integrantes da categoria funcional de procuradores municipais, não podendo, por isso, ser considerada vantagem pessoal". A menos que haja uma mudança de posição na jurisprudência do STF, a questão passa, então, pelo que dispuser a lei do ente federado acerca da forma de pagamento dos honorários sucumbenciais aos advogados públicos: se os valores serão rateados igualmente entre todos os advogados, inclusive, porventura, os inativos (como no caso dos precedentes indicados) ou se apenas para aqueles que tiverem atribuição de representação judicial do ente federado, atém mesmo restringindo-se o pagamento para os que efetivamente atuarem no processo do qual decorrem os honorários. 4. Quem é o titular dos honorários sucumbenciais em processos em que a Fazenda Pública é vencedora: todos os advogados públicos, apenas os advogados públicos com atribuição funcional de representação judicial ou exclusivamente os que atuaram no processo do qual decorrem os honorários? Certamente, um dos aspectos mais espinhosos acerca do recebimento de honorários advocatícios de sucumbência pelos advogados públicos é relativo à sua titularidade, ou seja, quem, dentre todos os causídicos vinculados à Fazenda Pública vencedora em ação judicial, está apto a receber a parcela advinda do êxito profissional. No âmbito privado, quando dois ou mais advogados convencionam a forma de distribuição ou rateio dos honorários de sucumbência dos quais todos são credores, o objeto desta contratação é regido pela lei civil, e não pelo Estatuto da Advocacia, pois a matéria de fundo não tem identidade com a prestação de serviços de advocacia, presente na relação entre advogado e cliente. Trata-se, em verdade, da obrigação que os advogados assumem mutuamente de pagar ao seu colega um percentual dos honorários advocatícios recebidos de terceiros, o que pressupõe, a toda evidencia, uma obrigação de dar, como direito pessoal. Esse raciocínio tem apoio no que dispõe o art. 593 do Código Civil Brasileiro, de acordo com o qual “A prestação de serviço, que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei especial, reger-se-á pelas disposições deste Capítulo”. O contexto se modifica se resolverem instituir uma sociedade de advogados, atraindo, então, a disciplina da legislação especial, art. 15 e seguintes do Estatuto da Advocacia, o que acarreta vantagens, sendo a divisão e racionalização dos serviços, com atendimento especializado e interdisciplinar, de modo mais célere ao cliente, as principais delas. Em qualquer dos dois formatos, o que se verifica diuturnamente no campo das parcerias profissionais e sociedades de advocacia em âmbito privado é uma constante negociação sobre a distribuição dos honorários, contratuais ou sucumbenciais, a partir do acordo de vontades particulares. Na Administração Pública, a ideia de organização dos quadros administrativos em assessorias e procuradorias jurídicas, também com o escopo de aproveitar vantagens como as existentes nas organizações privadas, associado ao fato de o patrocínio e o trabalho jurídico ser permanente, exigem a criação de cargos públicos, por lei, contemplando as atribuições próprias a serem desempenhadas pelos seus titulares. E neste contexto começam a surgir as indagações, quando se cogita da percepção dos honorários advocatícios de sucumbência por esses advogados: todos os advogados públicos, por comporem, em geral, um quadro de pessoal especializado e interdisciplinar, para solução integrada dos problemas da Fazenda Pública, mediante trabalho complementar daqueles que representam judicialmente o ente público com os que assessoram e opinam sobre os direcionamentos administrativos, teriam igual direito ao recebimento dessa parcela, independentemente de atribuição de representação judicial? Ou apenas os advogados públicos com atribuição de representação judicial teriam tal direito, inobstante terem ou não atuado no processo judicial em defesa da Fazenda Pública? Ou seria mais justo que apenas os advogados públicos com atribuição de representação judicial que tenham atuado no processo, contribuindo com a tese vencedora da ação judicial, rateasse os honorários sucumbenciais? Poderia a legislação do ente federativo dispor acerca destas questões, ou o apropriado seria deixar a definição dos critérios de distribuição dos honorários advocatícios de sucumbência a cargo dos próprios advogados públicos, a exemplo do que ocorre na iniciativa privada? Adotando a primeira linha, ou seja, distribuindo a verba honorária de sucumbência entre todos os advogados públicos, é a Lei Federal nº 13.327, de 29 de julho de 2016, que, dentre outras providências, dispõe sobre honorários advocatícios de sucumbência das causas em que forem parte a União, suas autarquias e fundações. A disciplina legal da matéria abrange, por exemplo, os ocupantes de cargos de Advogado da União, de Procurador da Fazenda Nacional, de Procurador Federal e de Procurador do Banco Central do Brasil. O art. 32 determina que os valores dos honorários devidos serão calculados segundo o tempo de efetivo exercício no cargo, para os ativos, e pelo tempo de aposentadoria, para os inativos, obtidos pelo rateio nas seguintes proporções: para os ativos, 50% (cinquenta por cento) de uma cota-parte após o primeiro ano de efetivo exercício, crescente na proporção de 25 (vinte e cinco) pontos percentuais após completar cada um dos 2 (dois) anos seguintes, e para os inativos, 100% (cem por cento) de uma cota-parte durante o primeiro ano de aposentadoria, decrescente à proporção de 7 (sete) pontos percentuais a cada um dos 9 (nove) anos seguintes, mantendo-se o percentual fixo e permanente até a data de cessação da aposentadoria. Deste modo, o rateio é feito sem distinção de cargo, carreira, órgão ou entidade de lotação, contando-se o tempo de exercício efetivo em qualquer dos cargos abrangidos pela regulamentação, desde que não haja quebra de continuidade com a mudança de cargo. As regras instituídas em âmbito federal excluem desse rateio os pensionistas, aqueles que estiverem em gozo de licença pessoal (seja para tratar de interesses particulares, para acompanhar cônjuge ou companheiro ou para o desempenho de atividade política), os que estiverem em afastamento para exercer mandato eletivo e os servidores cedidos ou requisitados para entidade ou órgão estranho à Administração Pública Federal direta, autárquica ou fundacional. Por outro lado, todos os advogados públicos em atividade, tendo ou não atribuição de representação judicial, como, por exemplo, assessores jurídicos, são beneficiados com a distribuição da verba honorária de sucumbência. Pode-se cogitar, para tanto, uma motivação lógica e até razoável: enquanto parte dos advogados públicos atuam no contencioso, desdobrando-se entre prazos, audiências e peças processuais, tantos outros estudam e opinam diariamente sobre os encaminhamentos administrativos, por vezes emitindo orientações que são determinantes para o desfecho de ações judiciais em tramitação. Logo, por não ser possível determinar qual função própria da advocacia pública é mais importante para a Fazenda Pública, utiliza-se, como critério razoável para a distribuição dos honorários de sucumbência, a divisão dos valores entre todos os advogados integrantes do quadro administrativo. Até mesmo a distribuição da verba honorária sucumbencial, pela Lei Federal nº 13.327/2016, com os inativos parece obedecer uma lógica, já que o fato de terem se aposentado não afasta a contribuição que tenham dado à Fazenda Pública com o seu trabalho técnico intelectual enquanto estiveram em atividade, fosse na assessoria ou na procuradoria. Neste ponto é que parece ter, a Lei Federal nº 13.327/2016, pretendido equalizar a participação dos inativos na distribuição dos honorários, pois ao passo que lhes atribui, no primeiro ano de aposentadoria, 100% de uma cota-parte, culmina, após passados 9 (nove) anos, em apenas 37% do seu montante original. Uma segunda alternativa seria estabelecer o rateio dos honorários advocatícios de sucumbência apenas entre os advogados públicos que tenham como atribuição própria do cargo a representação judicial da Fazenda Pública, observando, assim, o disposto nos incisos I a IV do art. 75 do CPC/2015, de acordo com os quais a representação judicial, ativa e passivamente, será feita da seguinte forma: da União, pela Advocacia-Geral da União, diretamente ou mediante órgão vinculado; do Estado e do Distrito Federal, por seus procuradores; do Município, pelo seu Prefeito ou procurador; e da autarquia e da fundação de direito público, por quem a lei do ente federado designar. Esta hipótese talvez seja a que mais se compatibiliza com a primeira conclusão apresentada neste estudo, de acordo com a qual os honorários de sucumbência são verbas privadas, de titularidade dos advogados públicos, a qual é fixada de acordo com critérios intrínsecos à prestação de serviços advocatícios. Assim, todos os advogados que atuam em ações judiciais patrocinando os interesses da Fazenda Pública fariam jus aos honorários de sucumbência, mediante rateio do montante percebido pela procuradoria, que englobaria, de um lado, tanto os decorrentes das execuções fiscais, que, em geral, rendem interessantes valores aos cofres públicos, quanto aquelas derivadas de ações judiciais relativas ao direito à saúde e à moradia, nas quais, quando há êxito para o Poder Público, geralmente este é parcial e advindo de lide em que a parte adversa litiga ao abrigo da assistência judiciária gratuita. Este critério de distribuição dos honorários sucumbenciais pode, eventualmente, por conveniência e oportunidade, não atender aos interesses da Administração Pública, sendo viável, ainda, a definição de rateio exclusivamente entre os advogados públicos que atuaram no processo. Esta hipótese poderia se valer dos argumentos da ratio decidendi do Recurso Especial nº 1.222.194-BA, julgado pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em 9 de junho de 2015, ou seja, quando já conhecido o texto do CPC/2015, embora ainda em vigor o CPC/1973. No caso, tratava-se de irresignação contra decisão de segundo grau de jurisdição que determinou a divisão dos honorários advocatícios sucumbenciais entre diferentes procuradores que representavam partes diversas no processo, no âmbito da advocacia privada. Os recorrentes, in casu, afirmavam que a verba honorária de sucumbência deveria ser conferida apenas aos advogados da parte vencedora que estivessem atuando no processo no momento da constituição do crédito, quando da prolação da sentença ou acórdão. Como um dos advogados que seriam beneficiados com o rateio renunciou ao mandato que lhe fora outorgado antes da prolação da sentença, alegava-se que não deveria ser contemplado com os referidos honorários. Em sentido diverso, o Relator, Ministro Luis Felipe Salomão, após detalhado estudo acerca dos honorários advocatícios e argumentando que essa verba se constitui na remuneração do serviço prestado por aquele que regularmente atuou no processo, decidiu que a sua titularidade deve ser atribuída “a todos aqueles que em algum momento desempenharam seu mister”, ou seja, “a cada um dos procuradores que patrocinaram a defesa da parte vencedora, na medida de sua atuação”. Ainda de acordo com o Relator, a sentença, ao declarar a sucumbência e o direito ao recebimento dos honorários, trata da remuneração do trabalho técnico desempenhado pelo advogado, considerando o grau de zelo e o valor intelectual demonstrado pelo profissional, a complexidade da causa e as dificuldades enfrentadas, o que é considerado no momento da fixação do quantum. Para tanto, todos os profissionais que atuaram no processo contribuem e é por isso o entendimento de que todos devem ser beneficiados, na medida de sua atuação. A referida decisão foi assim ementada: “RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. DIVERSIDADE DE ADVOGADOS EM ATUAÇÃO SUCESSIVA. NATUREZA REMUNERATÓRIA DOS HONORÁRIOS. DIREITO QUE TEM COMO TITULAR O PROFISSIONAL QUE DESENVOLVEU SEUS TRABALHOS NO PROCESSO. 1. A regra da responsabilidade pelos encargos do processo não se vincula necessariamente à sucumbência, mas sim ao princípio da causalidade, mais abrangente que o da sucumbência, segundo o qual aquele que litiga o faz por sua conta e risco e se expõe ao pagamento das despesas pelo simples fato de sucumbir. 2. Os honorários são, por excelência, a forma de remuneração pelo trabalho desenvolvido pelo advogado, vital a seu desenvolvimento e manutenção, por meio do qual provê o seu sustento. Com o advento da Lei n. 8.906 de 1994 – Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, os honorários sucumbenciais passaram a se configurar exclusivamente como paga pelo trabalho desenvolvido pelo advogado, perdendo a natureza indenizatória para assumirem a feição retributória. 3. A constatação da natureza alimentar da verba honorária e mais especificamente dos honorários sucumbenciais, tem como pressuposto a prestação do serviço técnico e especializado pelo profissional da advocacia, que se mostra, ao mesmo tempo, como fundamento para seu recebimento. 4. Os honorários são a remuneração do serviço prestado pelo profissional que regularmente atuou no processo e a titularidade do direito a seu recebimento deve ser atribuída a todos os advogados que em algum momento, no curso processual, desempenharam seu mister. 5. A verba honorária fixada em sentença deve ser dividida entre todos os procuradores que patrocinaram a defesa da parte vencedora, na medida de sua atuação. 6. Recurso especial a que se nega provimento.[16] A breve demonstração do raciocínio jurídico utilizado na referida decisão judicial, para aplicação do direito ao caso concreto – que, frise-se, não diz respeito à divisão dos honorários sucumbenciais entre advogados públicos, mas, sim, entre privados –, permite, de certa forma, uma universalização da norma jurídica, com potencial força para influenciar decisões futuras. No que interessa ao presente estudo, a dificuldade subjacente à hipótese é relativa à operacionalização da distribuição dos honorários de sucumbência entre os advogados públicos, na medida de sua atuação. Como definir a proporção da atuação de cada procurador público para o êxito da Fazenda representada na ação judicial? Poderia a lei do ente federado dispor sobre um critério específico ou uma forma de cálculo para tanto? Ou tal qual ocorre na advocacia privada, tais definições devem ser deixadas ao arbítrio dos próprios advogados públicos? Em verdade, se a opção do ente federado for por esse modelo, qualquer das alternativas é passível de validade jurídica, mas não pouparia os advogados, tampouco o próprio órgão público ao qual vinculados, de eventuais desgastes relacionados ao acerto e à equidade na distribuição de tal parcela, o que certamente provocaria consequências deletérias ao serviço público e aos interesses da Fazenda Pública nas ações judiciais em que for parte. Talvez por essa razão, o Conselho Superior da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul acolheu, em 13 de janeiro de 2016, as conclusões do Parecer nº 16.670, de autoria da Procuradora do Estado Juliana Riegel Bertolucci, datado de 4 de dezembro de 2015, no qual foram recomendadas condutas à Administração Pública Estadual em face do disposto no § 19 do art. 85 do CPC/2015. Após referir o desenvolvimento dos entendimentos de órgãos administrativos e judiciais acerca da titularidade dos honorários advocatícios de sucumbência, culminando na conclusão de que a discussão restou superada pela regra processual em comento, o Parecer PGE/RS nº 16.670/2016 refere que a determinação de de que os advogados públicos recebam os honorários de sucumbência “nos termos da lei” remete a prescrições legais já em vigor, cujo conteúdo possa validar o cumprimento do dispositivo e conferir eficácia à regra instituída. Assim, diz a parecerista, o § 19 do art. 85 do CPC/2015 obriga os advogados públicos a “…congregarem-se organizadamente, de acordo com as regras legais vigentes, em pessoas jurídicas de direito privado habilitadas a reunir e a regular a distribuição dessa verba, já que não se ajusta à carreira pública, especialmente a dos Procuradores do Estado, a figura da ‘sociedade de advogados’ para esse efeito prevista no § 15 do artigo 85 do novo Código”. De acordo com essas premissas, a partir da entrada em vigor do CPC/2015, os advogados públicos passaram a titular os honorários advocatícios sucumbenciais, de acordo com critérios de natureza privada que organizadamente venham a estipular, segundo os preceitos legais. Em 14 de janeiro de 2016, as conclusões do Parecer PGE/RS nº 16.670/2016 foram aprovadas pelo Governador do Estado, que lhes conferiu caráter jurídico-normativo, com efeitos cogentes para a Administração Pública Estadual, nos termos do art. 82, inciso XV, da Constituição Estadual. Entretanto, esse ato teve os efeitos suspensos pelo Governador do Estado, em 17 de março de 2016, conforme determinação publicada no Diário Oficial do Estado, página 5, em razão de questionamentos suscitados pelo Procurador-Geral de Justiça. O mérito do Parecer PGE/RS nº 16.670/2016 é ter enfrentado o tema antes mesmo da entrada em vigor do CPC/2015, constituindo um dos primeiros estudos sobre o assunto. Contudo, não considerou, dentre todas as premissas suscitadas, a garantia fundamental de todo cidadão, afirmada pelo inciso XX do art. 5º da Constituição da República, segundo a qual “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”. Sendo assim, como compatibilizar a conclusão do aludido Parecer PGE/RS nº 16.670/2016, de que agora os advogados públicos são titulares de honorários sucumbenciais, de acordo com critérios de natureza privada que organizadamente venham a estipular nos termos da legislação civil, se ninguém pode ser compelido a associar-se? Hipoteticamente, se fosse criada uma “associação dos procuradores estaduais” e algum procurador não quisesse integra-la, como ficariam as decisões relativas à distribuição da verba honorária de sucumbência? Os órgãos deliberativos, previstos no estatuto social da pessoa jurídica de direito privado, deveriam abrir espaço para voto de pessoas naturais que não fariam parte dos seus quadros? Ou os advogados públicos não integrantes dessas organizações deveriam submeter-se às suas decisões, adotadas na forma dos seus estatutos? Como se verifica, nenhuma das alternativas é integralmente satisfatória para a Administração Pública e os advogados públicos, considerando os diferentes interesses a serem compatibilizados no regramento da matéria pelo ente federado. Enfrentando-se a problemática sob a ótica das conclusões do terceiro capítulo deste estudo, assentes no sentido de que, além dos honorários de sucumbência constituírem verba privada de natureza alimentar, são compatíveis com o sistema remuneratório de subsídios e para não constituírem vantagem de categoriza funcional, que acarretaria a aplicação do teto remuneratório constitucional, precisariam ser disciplinados como vantagem pessoal destes servidores, a única solução que pareceria compatível é a distribuição dos honorários de sucumbência entre os advogados públicos, na medida de sua atuação, nas ações judiciais, o que acarretaria problemas de ordem operacional, como o estabelecimento de critérios para aferição da atuação proporcional de cada causídico nas demandas em que é parte a Fazenda Pública e a clara distorção na distribuição dos honorários entre advogados que atuam em execuções fiscais e outros que patrocinam causas relacionadas a questões em que a Fazenda é rotineiramente vencida, como as das prestações positivas relacionadas aos direitos sociais da saúde, educação e moradia. Por outro lado, se o rateio dos honorários de sucumbência se der igualmente para todos os advogados públicos, inclusive os inativos, será juridicamente inviável afastar a caracterização da vantagem como funcional e, portanto, de acordo com a atual orientação do STF, a aplicação do teto remuneratório constitucional. A segunda via, intermediária entre estas, em que referida a distribuição dos valores apenas entre os advogados públicos com atribuição de representação judicial precisaria, ainda, de uma leitura flexibilizada, à vista do entendimento da Corte Suprema, para que permita o enquadramento da parcela como vantagem pessoal destes servidores, com a efetiva aplicação do § 19 do art. 85 do CPC/2015, que é regra existente, válida e eficaz, que, enquanto em vigor, outorga aos advogados públicos a titularidade dos honorários advocatícios de sucumbência. Em síntese, no atual contexto jurídico, nenhuma dessas alternativas é integralmente compatível com a noção de remuneração privada, própria dos honorários advocatícios de sucumbência, nos termos do § 19 do art. 85 do CPC/2015, se cotejadas com a jurisprudência. Evidente que as decisões judiciais referidas foram adotadas em outro momento, no qual a interpretação prevalente era de que os honorários de sucumbência constituíam verba pública, muito em razão do disposto no art. 4º da Lei Federal nº 9.527, de 10 de dezembro de 1997, que, dentre outras disposições, alterou a Lei Federal nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos da União, autarquias e fundações federais, e previu, no art. 4º, que as regras do Capítulo V do Título I do Estatuto da Advocacia, que tratam do advogado empregado, não se aplicam à Administração Pública direta da União, dos Estados, do Distrito Federa e dos Municípios, bem como às autarquias, às fundações instituídas pelo Poder Público, às empresas públicas e às sociedades de economia mista. Dentre as regras inaplicáveis, está a do art. 21 do Estatuto da OAB, segundo o qual “Nas causas em que for parte o empregador, ou pessoa por este representada, os honorários de sucumbência são devidos aos advogados empregados”. Como há aparente antinomia jurídica entre as regras do § 19 do art. 85 do CPC/2015 e do art. 4º da Lei nº 9.527/1997, é necessário resolver o problema, afastando-se de plano, para tanto, o critério hermenêutico da hierarquia (lex superior), por se tratarem, ambas, de leis ordinárias qualificadas como regras gerais, passíveis, portanto, de solução pelos critérios cronológico (lex posterior) e de especialidade (lex specialis). Sendo assim, como o § 19 do art. 85 do CPC/2015 é norma posterior e especial, em relação às regras de sucumbência em processo judicial, especificamente o civil, supletivamente nos que a legislação extravagante determinar a sua aplicação, resta ab-rogado o art. 4º da Lei nº 9.527/1997, dada a impossibilidade de execução da norma processual recente sem a abolição da mais antiga,[17] reclamando dos órgãos de controle jurisdicional uma renovação da jurisprudência, condizente com o novo direito em vigor. 5. A Administração Pública como canal de pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência e as implicações relativas ao orçamento público, à responsabilidade fiscal e as obrigações tributária e previdenciária incidentes sobre a parcela. Assente neste trabalho que os honorários advocatícios de sucumbência são verbas privadas, de titularidade dos advogados públicos que patrocinam os interesses da Fazenda Pública, quando vencedora, e tanto lhe são próprias que o § 2º do art. 85 do CPC/2015 estabelece que a sua fixação se dará de acordo com critérios intrínsecos à prestação de serviços advocatícios. Por que, então, tratar de questões relativas ao orçamento público, à responsabilidade fiscal e as obrigações tributárias e previdenciárias incidentes sobre essa parcela? Porque a depender de como for regulamentada, diferentes efeitos poderão advir dos procedimentos estabelecidos pelo ente federado, tais como a incorporação dos valores ao orçamento público, a aplicação do limite de despesa com pessoal do art. 18 e seguintes da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal, e a necessidade de retenções e pagamentos tributários ou previdenciários. Este é o ponto que será examinado. O orçamento público é uma ferramenta de ligação entre o sistema de planejamento e o de finanças, tornando possível a operacionalização de planos, dado que permite ao administrador público equacionar as ações futuras em termos realísticos, por meio da projeção equilibrada das despesas em função das receitas públicas. É um instrumento que, por um lado, autoriza a ação pública, e por outro, dá início ao processo de controle da mesma. A receita pública tem origem tanto no poder de império estatal, como na competência material de gerenciamento do patrimônio econômico-administrativo, podendo, por isso, ser compreendida em sentido amplo, como um conjunto de entradas financeiras oriundas de fontes diversificadas que integram o patrimônio, conquanto possam existir reivindicações de terceiros sobre esses valores, ou em sentido estrito, como um conjunto de recursos financeiros obtidos de fontes próprias que integram o patrimônio e que produzem acréscimos financeiros sem a geração de obrigações, reservas ou reivindicações de terceiros. Nesta última acepção tem-se toda aquela que resulta de autorização legislativa, contratos, convênios, tributos de lançamentos diretos, dentre outros.[18] A integração da receita pública ao orçamento, caracterizando a receita orçamentária, está discriminada na Lei Federal nº 4.320, de 17 de março de 1964, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços dos entes federados, especialmente nos arts. 9º ao 11, com destinação exclusiva para programas e ações governamentais. Há, porém, receitas que não fazem parte do orçamento público, tais como as derivadas de cauções, fianças, consignações em folha de pagamento, retenções na fonte e outras, cujo ingresso nos cofres públicos não depende de autorização legislativa, nem a sua realização está vinculada à execução de programas e ações orçamentariamente planejadas. Tais receitas não constituem renda estatal, sendo, o ente público, apenas um depositário destes valores. São as chamadas receitas extra-orçamentárias, conceito no qual se enquadra a verba honorária de sucumbência, no caso de trânsito pelas contas públicas, pois pertencem a terceiros (os advogados públicos) e a sua arrecadação pela Fazenda pode ser feita exclusivamente para posterior repasse aos seus titulares. Tendo em vista tais premissas, é possível cotejar as duas alternativas mais recorrentes para operacionalização financeira do rateio dos honorários de sucumbência: a primeira, prevista na Lei Federal nº 13.327/2016, especificamente no inciso V do art. 34, que atribui ao Conselho Curador dos Honorários Advocatícios (CCHA), vinculado à AGU, a competência para “contratar instituição financeira oficial para gerir, processar e distribuir os recursos a que se refere este Capítulo” (que dispõe sobre o valor do subsídio, o recebimento de honorários advocatícios de sucumbência e outras questões que envolvem os ocupantes dos cargos) e, a segunda, que consiste na constituição de um fundo especial destinado à distribuição dos honorários de sucumbência aos advogados públicos, em geral convertendo-se os antigos fundos especiais de reaparelhamento da procuradoria, para os quais tais parcelas eram repassadas. A primeira situação, viável para os entes federados detentores de instituições financeiras oficiais, para as quais podem realizar delegação de competências ou a contratação de operações financeiras que inovem suas atividades, verifica-se uma interessante solução para que estes recursos não precisem transitar pela conta única do tesouro (como se vê do art. 35 da Lei Federal nº 13.327/2016) mantendo hígida a natureza privada dos honorários sucumbenciais, muito embora cause estranheza a determinação de que a própria instituição financeira deva reter os valores correspondentes ao imposto sobre a renda devido em razão do recebimento dos honorários (§ 7º do art. 34 da Lei Federal nº 13.327/2016), ao invés de determinar aos advogados públicos a obrigação de realizar o pagamento do imposto mediante carnê-leão ou no ajuste realizado na declaração anual. A segunda, que observa o disposto no art. 71 da Lei nº 4.320/1964, implica na constituição de um fundo público como unidade contábil e orçamentária constituída do produto de receitas especificadas que, por lei, se vinculam à realização de determinados objetivos, podendo adotar normas peculiares de aplicação, controle, prestação e tomada de contas. Ainda que juridicamente viável tal alternativa, acarreta a incorporação da receita extra-orçamentária ao orçamento público, transitando pela conta do tesouro, o que implica em determinadas consequências, como a caracterização da parcela como remuneratória, adicionada à remuneração dos advogados públicos, a sua soma à despesa com pessoal e a necessidade de sobre ela incidir a contribuição previdenciária (afastada no primeiro modelo, conforme prevê o art. 32 da Lei Federal nº 13.327/2016) e a retenção tributária. A caracterização como parcela remuneratória, neste quadro, derivaria do fato de, incorporando-se o recurso privado ao orçamento público, haveria uma transmutação da natureza do recurso, passando a derivar do próprio cofre estatal. Assim, as conclusões apresentadas no terceiro capítulo deste estudo precisariam ser todas, invariavelmente, revistas, pois a natureza da parcela passaria a ser remuneratória e integrada à remuneração do cargo, submetida, como tal, ao teto remuneratório constitucional, sendo necessária a reanálise da compatibilidade com o sistema remuneratório de subsídio que, na hipótese, tenderia a não se verificar. Além disso, o montante pago, nestas condições, acresceria no cálculo da despesa com pessoal, dada a definição apresentada no art. 18 da Lei de Responsabilidade Fiscal[19] – efeito que, certamente, não é desejado por nenhum gestor público, haja vista que o aumento do percentual dessa despesa acarreta a vedação das condutas de gestão previstas no art. 22, todas tendentes a reconduzir o montante gasto aos limites legalmente estabelecidos. Além disso, haveria a necessidade de contribuição previdenciária sobre a parcela, dada a condição dos advogados públicos serem segurados obrigatórios do Regime Geral de Previdência Social – RGPS, conforme estabelece a alínea “a” do inciso I do art. 11 da Lei Federal nº 8.213, de 24 de julho de 1991 – se tais servidores forem vinculados a Regime Próprio de Previdência do ente federado, será indispensável verificar o que determina a legislação que o instituiu. É importante lembrar, em relação ao RGPS, que a contribuição previdenciária se dá em parte por obrigação legal imposta ao segurado obrigatório, em outra por dever do empregador, a chamada cota patronal. A primeira não teria maiores entraves em ser paga com recursos do fundo público instituído pelo ente federado, dado que incidente sobre a própria remuneração do segurado obrigatório. Mas, quanto a cota patronal, em sendo obrigação do empregador, poderia ser debitada da conta do fundo público de honorários de sucumbência pertencentes aos advogados públicos, se para tanto houvesse autorização na lei de criação do fundo? Se a resposta a essa pergunta for negativa, então o pagamento dessa obrigação deveria ocorrer com recursos próprios do ente federado, gerando despesa pública não prevista antes da vigência do CPC/2015. Por fim, essa hipótese também geraria a obrigação de retenção de Imposto de Renda, conforme determina o inciso I do art. 43[20] c/c inciso I do art. 45[21], ambos do Decreto Federal nº 3.000, de 26 de março de 1999, que estabelece o regulamento do Imposto de Renda. Então, como o ente federado poderia dispor sobre a forma de distribuição dos honorários advocatícios de sucumbência aos advogados públicos sem a criação de obrigação legal a instituição financeira oficial para gerir, processar e distribuir os recursos – a qual certamente precisaria ser contratada por licitação pública para essa finalidade, obedecendo ao disposto no inciso XXI do art. 37 da Constituição da República – e, ao mesmo tempo, sem a incorporação de tais verbas ao orçamento público, mediante a criação de um fundo público específico? Funcionando como um canal de pagamento, intermediando essa relação entre devedor e credor, para alcançar a verba a esse segundo, tal como ocorre, por exemplo, nos pagamentos efetuados pela Fazenda Pública por meio de consignação em folha, de mútuos bancários contratados pelos seus servidores junto a instituições financeiras. Evidentemente, para tanto seria necessária autorização legislativa, na mesma lei que dispuser sobre o pagamento dos honorários de sucumbência aos advogados públicos, disciplinando, inclusive, que os pagamentos a título de contribuição previdenciária e imposto sobre a renda, em tal caso, ficariam a cargo dos próprios advogados públicos. Ademais, operacionalmente, seria necessária a abertura de conta bancária específica para a movimentação e o gerenciamento desses recursos, mantendo-se a natureza extra-orçamentária da receita, que seria apenas arrecadada pela Fazenda Pública para posterior repasse aos seus titulares. É necessário ponderar, nesta hipótese, que, embora tal pagamento, de origem privada e natureza remuneratória, não exija do ente federado a retenção previdenciária e até possa ser dispensado da própria incidência desta contribuição, se já atingido, no mês, o limite máximo do respectivo salário-de-contribuição, na forma dos arts. 198, 199 e 214, §§ 3º e 5º do Decreto Federal nº 3.048/1999, será fato gerador de Imposto de Renda, na forma do inciso VIII do art. 45 do Decreto Federal nº3.000/1999. Ocorre que, conforme entendimento firmado pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda na Solução de Consulta nº 129, de 20 de julho de 2007[22], ou o imposto de renda incidente sobre os honorários advocatícios de sucumbência, em cumprimento de decisão judicial, é retido na fonte pela pessoa jurídica obrigada ao seu pagamento, portanto, o vencido na ação judicial, ou tal será objeto de ajuste na declaração anual, pelo próprio advogado público, não cabendo à Administração Pública vencedora, no caso de funcionar como canal de pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência, retenção do imposto devido. 6. A operacionalização do pagamento de honorários advocatícios de sucumbência no texto normativo do projeto de lei A partir das considerações apresentadas ao longo deste estudo e tendo em vista a necessidade de implementar a norma jurídica de reserva legal prevista na parte final do § 19 do art. 85 do CPC/2015, duas soluções parecem operacionalmente mais adequadas, diante das inúmeras possibilidades legislativas e consequências daí advindas: a edição de lei que determine aos advogados públicos se organizarem para o recebimento dos honorários de sucumbência, com a instituição de instância deliberativa própria da classe, dentro do quadro administrativo da Administração Pública, para que, tal qual fazem as sociedades de advogados e os profissionais liberais que trabalham em parceria, decidam os critérios de rateio e pagamento da verba, responsabilizando-se por providenciar o saque dos alvarás judiciais, com a prestação de contas aos colegas, a distribuição do valor e os encargos legais incidentes; ou, também por lei, definir-se o papel da Fazenda Pública na intermediação dos honorários advocatícios de sucumbência aos advogados públicos, para que funcione como canal de pagamento, com a determinação dos critérios de divisão da verba, datas de repasse aos seus titulares, forma de pagamento, regras de transparência etc. Em qualquer das alternativas, é importante que o órgão público estruture o texto normativo que será encaminhado ao Poder Legislativo mediante diálogo e, tanto quanto possível, consenso dos advogados públicos, que são os titulares dos recursos, garantindo assim não só a observância da lei que será editada, mas principalmente a coesão do corpo jurídico integrante do quadro administrativo em relação à divisão dos honorários de sucumbência. Juridicamente, a primeira alternativa é a que melhor atende as premissas enfrentadas neste artigo, mantendo a natureza privada da parcela, mais próxima de caracterizar vantagem pessoal dos servidores, sem apropriação da receita pelo orçamento público e, assim, sem incidência do teto remuneratório constitucional e no cálculo de despesa com pessoal, mantendo a responsabilidade dos próprios advogados públicos pelos encargos legais, previdenciários e tributários, incidentes sobre os valores recebidos. Entretanto, é também a opção mais complicada, sob o ponto de vista operacional, pois ao passo que permitiria a organização independente dos advogados públicos, criaria entraves práticos, pela ausência da figura institucional coordenando o processo de arrecadação, cálculo, rateio e pagamento dos valores. Isso obrigaria os próprios advogados a contratarem terceiro que o fizesse, ou a constituírem uma instância de coordenação para tanto, ou, ainda, se nenhum acordo fosse feito neste sentido, permitiria que qualquer advogado com procuração nos autos da ação judicial pudesse sacar os honorários advocatícios de sucumbência, com obrigação de prestar contas aos demais que, se não fosse cumprida, exigiria a propositura, pelos prejudicados, da respectiva ação de exigir contas, prevista no art. 550 e seguintes do CPC/2015. A segunda hipótese, entretanto, pode demandar um esforço legislativo maior, dado que seria necessário disciplinar não só o direito dos advogados públicos receberem os honorários de sucumbência dos processos judiciais em que a Fazenda Pública for vencedora, mas também os critérios de divisão dos valores e as datas em que tal seria feito, as datas de pagamento das cotas-partes dos honorários aos seus titulares, a forma de pagamento, a autorização para que a Administração Pública funcione como canal de pagamento, as responsabilidades em relação à contribuição previdenciária e incidências tributárias, os meios de transparência e prestação de contas dos valores geridos pelo ente público etc. Em que pese todo esse trabalho na fase de elaboração do anteprojeto de lei, em especial visando a observância dos precedentes jurisprudenciais referidos, tal solução demanda uma flexibilização de alguns conceitos de direito público, para que funcione adequadamente. Em qualquer das alternativas apresentadas, uma questão que resta indefinida diz respeito à expedição dos alvarás judiciais. Será feito em nome do Procurador-Geral, de todos (ou a maioria) dos advogados públicos pertencente ao quadro administrativo ou atuantes na ação judicial ou no nome de qualquer dos advogados públicos, gerando para os ocupantes dos respectivos cargos a responsabilidade por prestar contas posteriores. Neste aspecto, a legislação do ente federado não poderá criar obrigações ao Poder Judiciário, haja vista o princípio da segregação e harmonia entre os Poderes, previsto no art. 2º da Constituição, sendo recomendável que, após a edição da lei dispondo sobre os honorários sucumbenciais dos advogados, seja remetida uma cópia ao Poder Judiciário, requerendo que a expedição dos alvarás judiciais observe a norma do ente federativo. Considerações finais 6.1. Os honorários advocatícios de sucumbência são verbas privadas, de titularidade dos advogados públicos que patrocinam os interesses da Fazenda Pública vencedora. Tanto lhe são próprios que o § 2º do art. 85 do CPC/2015 estabelece que a sua fixação sobre critérios intrínsecos à prestação de serviços advocatícios. 6.2. A parte final do § 19 do art. 85 do CPC/2015 exige a edição de lei específica da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para a regulamentação da matéria, compatibilizando o recebimento dessa parcela com as questões remuneratórias e com as regras relativas à carreira profissional, sem prejudicar a organização do órgão público ao qual estiverem vinculados. Evidentemente, o fato de ser necessária a edição de lei não transmuta a natureza jurídica dos honorários advocatícios, transformando-os em verba pública e dando-lhes caráter remuneratório ou indenizatório, como ocorre com os pagamentos realizados com recursos oriundos do erário. 6.3. Os honorários advocatícios de sucumbência possuem natureza remuneratória, mas, em regra, não são incompatíveis com o sistema remuneratório de subsídio, nem estão limitados ao teto remuneratório constitucional, porque constituem pagamento efetuado por particular, ou seja, fonte diversa do orçamento público – não havendo nenhum impedimento constitucional ou legal para tanto. Assim, não constituem forma alguma de gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória paga pela Fazenda Pública aos advogados públicos, sendo conciliável tanto com o sistema remuneratório de vencimento, como também com o de subsídio. Especificamente em relação ao teto remuneratório previsto no inciso XI do art. 37 da Constituição, na linha de raciocínio apresentada, a conclusão lógica é pelo afastamento da sua aplicação em relação ao pagamento dos honorários sucumbenciais. Contudo, a posição do Supremo Tribunal Federal, antes da edição do CPC/2015, era diversa, se tais vantagens se caracterizassem como relativas a categoria funcional, não sendo pessoais, relacionadas assim à situação funcional própria do servidor ou que representassem uma situação individual ligada à natureza ou às condições do seu trabalho. Deste modo, a menos que haja uma mudança de posição na jurisprudência do STF, a questão passa pelo que dispuser a lei do ente federado acerca da forma de pagamento dos honorários sucumbenciais aos advogados públicos: se os valores serão rateados igualmente entre todos os advogados, inclusive, porventura, os inativos ou se apenas para aqueles que tiverem atribuição de representação judicial do ente federado, até mesmo restringindo-se o pagamento para os que efetivamente atuarem no processo do qual decorrem os honorários. 6.4. Quanto a titularidade dos honorários advocatícios de sucumbência, ou seja, quem, dentre todos os causídicos vinculados à Fazenda Pública vencedora em ação judicial, está apto a receber a parcela advinda do êxito profissional, enfrentando-se a problemática sob a ótica das conclusões do terceiro capítulo deste estudo, a única solução que pareceria compatível seria a distribuição dos honorários de sucumbência entre os advogados públicos, na medida de sua atuação, nas ações judiciais, o que acarretaria problemas de ordem operacional, como o estabelecimento de critérios para aferição da atuação proporcional de cada causídico nas demandas em que é parte a Fazenda Pública e a clara distorção na distribuição dos honorários entre advogados que atuam em execuções fiscais e outros que patrocinam causas relacionadas a questões em que a Fazenda é rotineiramente vencida, como as das prestações positivas relacionadas aos direitos sociais da saúde, educação e moradia. Por outro lado, se o rateio dos honorários de sucumbência ocorresse igualmente para todos os advogados públicos, inclusive os inativos, seria juridicamente inviável afastar a caracterização da vantagem como funcional e, portanto, de acordo com a atual orientação do STF, a aplicação do teto remuneratório constitucional do inciso XI do art. 37. A via intermediária entre estas, em que a distribuição dos valores ocorreria apenas entre os advogados públicos com atribuição de representação judicial precisaria, ainda, de uma leitura flexibilizada, à vista do entendimento da Corte Suprema, para que permita o enquadramento da parcela como vantagem pessoal destes servidores, com a efetiva aplicação do § 19 do art. 85 do CPC/2015. 6.5. Operacionalmente, o ente federado poderia dispor sobre a forma de distribuição dos honorários advocatícios de sucumbência aos advogados públicos funcionando como um canal de pagamento, intermediando a relação entre devedor e credor, para alcançar a verba a esse segundo, tal como ocorre, por exemplo, nos pagamentos efetuados pela Fazenda Pública por meio de consignação em folha, de mútuos bancários contratados pelos seus servidores junto a instituições financeiras. Para tanto é necessária autorização legislativa, que pode constar na mesma lei que dispuser sobre o pagamento dos honorários de sucumbência aos advogados públicos, disciplinando, inclusive, que os pagamentos a título de contribuição previdenciária e imposto sobre a renda, em tal caso, ficariam a cargo dos próprios advogados públicos. Essa solução manteria a natureza extra-orçamentária da receita, que seria apenas arrecadada pela Fazenda Pública para posterior repasse aos seus titulares. 6.6. Diante das inúmeras possibilidades legislativas e consequências daí advindas para se conferir concretude à parte final do § 19 do art. 85 do CPC/2015, duas soluções parecem operacionalmente mais adequadas, a serem devidamente sopesadas pelo ente federativo no exercício da sua competência legislativa: a edição de lei que determine aos advogados públicos se organizarem para o recebimento dos honorários de sucumbência, para que, tal qual fazem as sociedades de advogados e os profissionais liberais que trabalham em parceria, decidam os critérios de rateio e pagamento da verba, responsabilizando-se por providenciar o saque dos alvarás judiciais, com a prestação de contas aos colegas, a distribuição do valor e os encargos legais incidentes; ou, como segunda opção, definir-se legalmente o papel da Fazenda Pública na intermediação dos honorários advocatícios de sucumbência aos advogados públicos, para que funcione como canal de pagamento, com a determinação dos critérios de divisão da verba, datas de repasse aos seus titulares, forma de pagamento, regras de transparência etc. Em qualquer das hipóteses, a estruturação do projeto de lei deverá ocorrer mediante diálogo e consenso dos advogados públicos, evitando-se a imposição dos interesses (e da vontade) da Administração Pública sobre os dos titulares destes recursos. Não só pelo bom senso isso é importante, mas para garantir a observância da lei que será editada, com a coesão do corpo jurídico integrante do quadro administrativo em relação à divisão dos honorários de sucumbência.
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Núcleo Urbano Informal Consolidado
Os núcleos urbanos informais consolidados devem ser regularizados pela Prefeitura aplicando-se a Lei nº 13.465/17.
Direito Administrativo
1. Histórico Declarar um terreno ou uma parcela do território municipal como “consolidado”, efetivamente implantado, demonstrando ser um loteamento, ou desmembramento, um condomínio ou um conjunto habitacional, integrados a cidade, expressando uma situação de fato, é o principal requisito para que a Prefeitura promova sua regularização, adotando o procedimento e as vantagens da Lei nº 13.465/17. A Lei nº 13.465/17, que institui a Regularização Fundiária Urbana – Reurb, traz uma nova conceituação para “núcleo urbano”, “núcleo urbano informal” e “núcleo urbano informal consolidado”. A Lei 11.977/09, Lei do Programa Minha Casa, Minha Vida, cujo capítulo sobre regularização fundiária foi integralmente revogado pela lei nova, trazia o conceito de “área urbana” e “área urbana consolidada”. Temos aí a primeira diferença entre a lei nova e a lei antiga, já que adotam nomenclaturas diferentes para o mesmo propósito. Enquanto a legislação nova adota a palavra “núcleo”, a legislação revogada utilizava-se da palavra “área”, para designar a parcela do território ocupada por um assentamento. O artigo 47, II, da Lei nº 11.977/09 era rigoroso no conceito de “área urbana consolidada”, fazendo exigências de infraestrutura e população mínima por hectare para que fosse declarada como uma área consolidada[1]. Não podemos nos esquecer que a Resolução nº 302/02, do CONAMA[2] também estabelecia uma conceituação para “área urbana consolidada”, para as regularizações em Área de Preservação Permanente, bem restritiva, pois exigia lei municipal, infraestrutura e população mínima de cinco mil habitantes por km². Os Códigos de Normas Extrajudiciais das Corregedorias Gerais de Justiça de Minas Gerais[3] e de São Paulo[4], do mesmo modo, apresentavam conceituação para “área urbana consolidada”, que aliás são definições semelhantes e que foram adotadas quase que literalmente na nova lei. 2. Conceito de núcleo urbano Segundo o artigo 47, I, da Lei nº 11.977/09, já revogado, “área urbana” era a “parcela do território, contínua ou não, incluída no perímetro urbano pelo Plano Diretor ou por lei municipal específica.” Pelo artigo 11, I, da Lei nº 13.465/17, “núcleo urbano” é o “assentamento humano, com uso e características urbanas, constituído por unidades imobiliárias de área inferior à fração mínima de parcelamento prevista na Lei nº 5.868, de 12 de dezembro de 1972, independentemente da propriedade do solo, ainda que situado em área qualificada ou inscrita como rural”. Aqui ainda não estamos diante de uma situação informal ou consolidada, pois isso o legislador vai dispor nos incisos II e III, do mencionado artigo 11. Nessa primeira conceituação, a preocupação do legislador é trazer uma definição para os núcleos urbanos, de uma forma geral, assim como fazia a Lei nº 11.977/09 ao se referir a “área urbana”. O núcleo urbano, pela lei nova, para que assim o seja considerado, deve apresentar alguns elementos: a) assentamento humano; b) com uso e características urbanas; c) constituído por unidades imobiliárias de área inferior à fração mínima de parcelamento prevista na Lei nº 5.868/72; d) independentemente da propriedade do solo; e) ainda que qualificada ou inscrita como rural. 2.1. Assentamento humano O núcleo urbano deve ser constituído de um conjunto de edificações, com diversas unidades imobiliárias, ocupadas por diversas famílias, formando uma comunidade, um aglomerado populacional, mas isso sem que haja uma definição precisa do número de edificações ou famílias. Podemos ter um núcleo urbano com três ocupações, assim como núcleos urbanos com dezenas, centenas ou milhares de ocupações. Pode ser um trecho de uma quadra, pode ser um bairro ou até mesmo uma parcela do território municipal. É isso que o legislador denomina de “assentamento humano”, expressão de origem na antiga União Soviética, que tem o mesmo significado de “povoamento”, expressão empregada ao longo de toda a história da humanidade, para indicar o lugar, a aldeia, a vila, a cidade, onde viviam pessoas com a intenção de compartilhar o espaço urbano. As cidades são conhecidas pelos seus bairros, vilas, colônias e até mesmo as favelas ou as comunidades, mas o legislador parece ter receio de empregar essas palavras. Isso quer dizer que núcleo urbano é tudo onde houver ocupação humana, para fins de moradia, comércio ou indústria. No conceito de núcleo urbano estão incluídos os loteamentos, os desmembramentos, os condomínios, os conjuntos habitacionais e as ocupações ilegais de áreas de domínio público ou privado. 2.2. Uso e características urbanas O legislador menciona que esses “assentamentos” possuem “usos e características urbanas”. Seria suficiente mencionar “uso”, que está associado ao uso do solo urbano, ao contrário da palavra “características”, que não significa nada no Direito Urbanístico e foi utilizada pelo legislador mais como um sinônimo de “usos”, do que uma palavra com significado próprio. Os usos urbanos são a moradia, o lazer, o comércio, os serviços, as instalações institucionais. Assentamentos destinados a fins rurais, isto é, agricultura, pecuária, extrativismo e agroindústria, fogem dos usos tidos como urbanos e, portanto, não podem ser denominados como núcleos urbanos os que possuam usos rurais. 2.3. Constituído por unidades imobiliárias de área inferior à fração mínima de parcelamento prevista na Lei nº 5.868/72 Segundo o artigo 8º, § 1º, da Lei nº 5.868/72, “a fração mínima de parcelamento será: a) o módulo correspondente à exploração hortigranjeira das respectivas zonas típicas, para os Municípios das capitais dos Estados; b) o módulo correspondente às culturas permanentes para os demais Municípios situados nas zonas típicas A, B e C; c) o módulo correspondente à pecuária para os demais Municípios situados na zona típica D”. Através da Instrução Especial INCRA nº 05-A, de 1973[5] e da Instrução Especial nº 50, de 1997 foram estabelecidas as frações mínimas de parcelamento para cada microrregião do território brasileiro. A fração mínima de parcelamento é definida em hectares, de acordo com a atividade rural desempenhada no imóvel (hortigranjeira, lavoura permanente, lavoura temporária, pecuária, florestal e imóvel não explorado ou com exploração não definida). Na microrregião da cidade de Santos, localizada no litoral do Estado de São Paulo, por exemplo, para a atividade hortigranjeira a fração mínima de parcelamento corresponde a 02 hectares. Já na cidade de Itanhaém, também no litoral do Estado de São Paulo, a fração mínima de parcelamento para atividade hortigranjeira é de 03 hectares. Para os efeitos de aplicação da Lei nº 13.465/17 os núcleos urbanos para assim serem considerados devem ser constituídos por unidades imobiliárias ou lotes abaixo da fração mínima de parcelamento. Nos exemplos citados acima, em Santos o núcleo urbano deverá ser formado por unidades imobiliárias inferiores a 02 hectares, enquanto que em Itanhaém o núcleo urbano pode ser formado por unidades imobiliárias inferiores a 03 hectares. Já no Estado de Minas Gerais, em Belo Horizonte e Sete Lagoas os núcleos urbanos podem ser formados por unidades inferiores a 02 hectares, enquanto em Bom Despacho devem ser inferiores a 03 hectares, e em Pedra Azul inferiores a 04 hectares. 2.4. Independentemente da propriedade do solo Será considerando como núcleo urbano o assentamento com usos urbanos e com lotes com área inferior a fração mínima do módulo rural, e isso independe da propriedade do solo, que poderá ser de domínio público, domínio particular, ou até mesmo ser um imóvel sem registro imobiliário que identifique o titular do domínio. 2.5. Ainda que qualificada ou inscrita como rural A doutrina é pacífica nesta questão. O imóvel será considerado como urbano, aplicando-se a legislação urbana, se ele possuir usos urbanos, e será considerado rural, aplicando-se a legislação rural, se possui uso ou vocação para atividades rurais. A previsão em lei municipal da localização do núcleo em zona urbana ou rural, ou até mesmo o seu cadastro no INCRA, não são suficientes para definir a regra, a norma, a lei que será aplicada para cada imóvel, em matéria de licenciamento. O que será levado em conta é o uso do imóvel, como urbano ou como rural. Se é um loteamento ou um condomínio situado em zona rural, mas usado para fins de moradia, ou seja, com uso urbano, deverá ser considerado como núcleo urbano. Por outro lado, se fosse um núcleo localizado no perímetro urbano do Município, mas usado para atividades de agricultura e pecuária, não poderia ser núcleo urbano, já que não tem tal finalidade. Isso também reforça o entendimento que o núcleo urbano pode estar localizado dentro do perímetro urbano do Município, em área contínua ao centro urbanizado da cidade ou contínua a zona de expansão urbana, como também pode o núcleo urbano estar localizado em uma área não contínua, que são as zonas de urbanização específica, em locais periféricos, fronteiriços, formando o que denominamos de bolsões urbanos no meio da zona rural. Assim como já fazia na Lei nº 11.977/09, que reconhecia no artigo 47, I, que a área urbana era parcela do território municipal “contínua ou não”, o legislador na Lei nº 13.465/17, no artigo 11, I, reconhece que será núcleo urbano mesmo estando em uma parcela da cidade fora da zona urbana ou de expansão urbana, e mesmo que inscrito ou cadastrado como rural. A localização é útil para fins de planejamento municipal, para atender normas de posturas municipais, para atender a legislação tributária, mas a localização é indiferente quando queremos declarar um assentamento como núcleo urbano, pois o que ao final das contas vai fazer a diferença é se o uso é ou não urbano (moradia, lazer, comércio, serviços, institucional). 3. Conceito de Núcleo Urbano Informal A Lei nº 11.977/09 não tinha uma definição de “área urbana informal”. Essa conceituação passa a ser empregada pela Lei nº 13.465/17, artigo 11, inciso II, segundo o qual “núcleo urbano informal” é “aquele clandestino, irregular ou no qual não foi possível realizar, por qualquer modo, a titulação de seus ocupantes, ainda que atendida a legislação vigente à época de sua implantação ou regularização”. O artigo 11, inciso II, da Lei nº 13.465/17 adota a conceituação da doutrina antiga, especialmente de Diógenes Gasparini, que distinguia os parcelamentos do solo em legais e ilegais. Os parcelamentos ilegais os subdividia em clandestinos e irregulares. 3.1. Parcelamento clandestino Os parcelamentos clandestinos não são aqueles desconhecidos pela Administração. Pode ser que já os tenha autuado, embargado, tomado diversas medidas ao alcance do seu poder de polícia. Porém, nunca foi aprovado pela Prefeitura, por mais que o seu idealizador, loteador ou incorporador tenha apresentado projeto para este fim, na época de sua implantação. Clandestino é o parcelamento não aprovado. É o loteamento, o desmembramento, o condomínio sem a licença, o alvará, o decreto de aprovação municipal. 3.2. Parcelamento irregular Os parcelamentos irregulares, ao contrário, são os aprovados pela Prefeitura, mas executados de forma parcial ou diferente do projeto aprovado. 3.3. Não foi possível a titulação dos ocupantes Além dos clandestinos ou irregulares, o “núcleo urbano informal” também pode ser o que não foi possível realizar, por qualquer modo, a titulação de seus ocupantes, ainda que atendida a legislação vigente à época de sua implantação ou regularização. Adota-se um conceito bem amplo de núcleo urbano informal. Podemos ter um núcleo urbano que foi aprovado pela Prefeitura e levado a registro no Cartório de Imóveis, e que foi executado cumprindo fielmente o projeto aprovado e o cronograma físico de execução das obras de infraestrutura urbana, mas deixou de fazer a transferência da propriedade dos lotes, das frações ideais, das unidades imobiliárias aos adquirentes ou a transferência das áreas públicas ao Município.  Portanto, são núcleos urbanos informais os assentamentos de uso urbano: a) clandestinos (os que não foram licenciados ou aprovados pela Prefeitura); b) irregulares (os que aprovados ou registrados, foram executados de forma contrária ao projeto); c) não foi possível realizar, por qualquer modo, a titulação de seus ocupantes, ainda que atendida à legislação vigente à época da implantação ou regularização. 4. Conceito de Núcleo Urbano Informal Consolidado É núcleo urbano informal consolidado “aquele de difícil reversão, considerados o tempo da ocupação, a natureza das edificações, a localização das vias de circulação e a presença de equipamentos públicos, entre outras circunstâncias a serem avaliadas pelo Município”, nos termos do artigo 11, inciso III, da Lei nº 13.465/17. Pelo artigo 21, § 3º, da Medida Provisória nº 759/16, que foi convertida na Lei nº 13.465/17, seriam “núcleos urbanos informais consolidados: I – aqueles existentes na data de publicação desta Medida Provisória; e II – aqueles de difícil reversão, considerados o tempo da ocupação, a natureza das edificações, a localização das vias de circulação e a presença de equipamentos públicos, entre outras circunstâncias a serem avaliadas pelos Municípios ou pelo Distrito Federal”. Logo, podemos facilmente compreender que através de emenda parlamentar o conceito de núcleo urbano informal consolidado proposto pela União foi alterado para que não mais exista uma data limite para o Município admitir a regularização de núcleos urbanos informais consolidados. Estando a Prefeitura convencida de que foi implantado um núcleo e ele está efetivamente consolidado, poderá aplicar a Lei nº 13.465/17 independentemente da data em que tenha ocorrido essa consolidação, mesmo que posterior a entrada em vigor da Medida Provisória nº 759/16 ou da Lei nº 13.465/17. Acontece que pelo artigo 9º, §2º, da Lei nº 13.465/17, “a Reurb promovida mediante legitimação fundiária somente poderá ser aplicada para os núcleos urbanos informais comprovadamente existentes, na forma desta Lei, até 22 de dezembro de 2016”. E pelo artigo 23, “a legitimação fundiária constitui forma originária de aquisição do direito real de propriedade conferido por ato do poder público, exclusivamente no âmbito da Reurb, àquele que detiver em área pública ou possuir em área privada, como sua, unidade imobiliária com destinação urbana, integrante de núcleo urbano informal consolidado existente em 22 de dezembro de 2016”. Mesmo sendo possível regularizar núcleo urbano informal consolidado após a entrada em vigor da nova legislação, a legitimação fundiária, ou seja, a titulação dos ocupantes, somente será possível se isso tiver ocorrido até 22 de dezembro de 2016, que é a data de assinatura da Medida Provisória nº 759/16. Houve uma evolução do legislador nesta conceituação, pois a matéria de núcleo urbano consolidado, área urbana consolidada, assentamento consolidado ou ocupação antrópica consolidada era tratada com um rigor maior pelas regulamentações passadas, que tinham previsão na Resolução CONAMA nº 303/02, na Lei nº 11.977/09 e em diversas normas de Corregedorias Gerais da Justiça destinadas aos serviços extrajudiciais. Com a nova legislação, os Municípios assumem integralmente a competência para definir o que será qualificado como núcleo urbano informal consolidado. Deverá a Prefeitura apresentar uma declaração certificando que a situação é consolidada e de difícil reversão ao statu quo, isto é, à situação anterior das construções e das interferências ambientais e urbanísticas implementadas no imóvel, considerando alguns aspectos: a) o tempo da ocupação com a verificação de eventuais documentos públicos ou privados, contas de luz, de água, tributos, intimações, embargos, contratos informais, fotos aéreas e do local, ofícios de órgãos públicos, ações judiciais, autuações criminais, que demostrem não se tratar de uma ocupação recente e, para fins de legitimação fundiária, esteja consolidada até 22/12/16; b) a natureza das edificações tem por objetivo identificar se são construções de natureza permanente que demandem prejuízo a sua demolição ou desmanche, ou se são apenas ocupações temporárias, como tendas ou coberturas de madeiras, facilmente removíveis, as quais não atendem ao requisito de difícil reversão; c) a existência das vias de circulação, com a menção de sua localização em planos administrativos, é um indicativo de situação consolidada, com a formação de um bairro, com ruas ou passagens que garantam acessibilidade aos ocupantes; d) a presença de equipamentos públicos, mesmo em assentamentos clandestinos demonstra o reconhecimento da situação de fato do assentamento urbano, e é comum, pois no cumprimento dos direitos fundamentais ou sociais assegurados pela Constituição Federal, pode ser que no imóvel já exista rede de água, esgoto, drenagem ou iluminação pública e domiciliar executados pelo próprio Poder Público, além disso, nos loteamentos mesmo que clandestinos ou irregulares, pode ser que o loteador tenha executado a infraestrutura urbana, total ou parcialmente; e) ainda podem ser incluídas outras circunstâncias a serem avaliadas pelo Município, tal como a existência de um cadastro imobiliário na Prefeitura para fins de lançamento individual do IPTU para cada unidade ocupada, o que é suficiente para demonstrar que o Município está reconhecendo e aceitando o assentamento, ou, ainda, podemos citar a concessão de títulos de posse ou a expedição de alvarás de construção, que também pressupõem o reconhecimento formal da situação consolidada e irreversível. Pode acontecer do núcleo urbano informal torna-se consolidado em determinada data, mas ao longo do tempo aumenta seu perímetro, em razão de novas ocupações em suas extremidades. O Município deve considerar a data no qual tornou-se consolidado, sem excluir disso as novas ocupações, que passam a fazer parte integrante do núcleo consolidado, mesmo que executadas posteriormente. Podemos notar que o próprio artigo 23, §6º, da Lei nº 13.465/17, admite a complementação da relação dos ocupantes do núcleo, mesmo após o registro da Certidão de Regularização Fundiária[6]. A demonstração da situação consolidada é requisito fundamental para o Administrador Público se valer dos benefícios da Lei nº 13.465/17 na regularização fundiária de sua cidade e deverá fazê-lo já na primeira etapa do procedimento de regularização fundiária, que é o requerimento e a decisão de instauração da Reurb. Só a razão para instaurar a Reurb se for núcleo consolidado e será este importante elemento da regularização que deverá ficar declarado e muito bem demonstrado no requerimento, na decisão e, consequentemente, no processo administrativo.
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O poder-dever da administração pública na fiscalização de contratos de obras e serviços de engenharia
O presente artigo analisa as prerrogativas e sujeições do poder público, especialmente dos fiscais e gestores públicos em contratos de obras e serviços de engenharia, abordando as características e peculiaridades dessa espécie de contrato. A metodologia escolhida utilizou pesquisas bibliográficas que permitiram tomar conhecimento de material relevante, tomando-se por base o que já foi publicado em relação ao tema. Os estudos resultaram na especificação das atividades da fiscalização e da gestão em todo o processo de contratação de uma obra ou serviço de engenharia, desde o planejamento até o recebimento definitivo do objeto contratado.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O presente artigo apresenta como tema o poder-dever da Administração Pública na fiscalização e gestão de obras e serviços de engenharia. Neste contexto, a Lei nº 8.666 de 1993, no caput do seu artigo 67, aduz que a execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado. Assim, é dever do servidor público designado cumprir com as atribuições designadas para tal tarefa, fins garantir o interesse público. Este trabalho busca delimitar prerrogativas que permitem o desenvolvimento das atividades de fiscalização e gestão em um contrato administrativo cujo objeto é uma obra ou serviço de engenharia, além de especificar deveres e limitações de forma a não ultrapassar os limites impostos pela lei, podendo o agente ser responsabilizado por estes abusos. Para abordagem do assunto, o capítulo inaugural tratará sobre os princípios inerentes ao poder público, bem como os poderes da administração pública, essencialmente o poder de polícia. Nos demais capítulos serão abordadas peculiaridades do contrato administrativo de obras e serviços de engenharia, suas prerrogativas, como as cláusulas exorbitantes, e as atribuições da gestão e da fiscalização. Estudar as prerrogativas e sujeições do poder público, em situações ocasionadas pela ação e omissão dos fiscais e gestores públicos em contratos de obras e serviços de engenharia é o objetivo deste trabalho. 1 DOS PRINCÍPIOS NORTEADORES DA CONTRATAÇÃO DE OBRAS E SERVIÇOS DE ENGENHARIA PELO PODER PÚBLICO A Engenharia contribui para o desenvolvimento da sociedade apresentando soluções no setor de transportes, moradia, saúde, energia, saneamento e infraestrutura. O progresso do país depende da realização de inúmeras obras, construção de rodovias, cidades, impactando no desenvolvimento da economia e outros setores. Os contratos administrativos celebrados pela Administração Pública para a realização de obras e serviços de engenharia constituem um ponto bastante sensível. É frequente deparar com escândalos veiculados pela mídia a respeito dos processos de licitação e dos termos contratuais de obras públicas superfaturadas e inacabadas, além das constantes irregularidades apontadas pelos órgãos de controle. A Administração Pública requer em suas contratações que os processos sejam realizados com transparência e isonomia, gerenciando o empreendimento de forma segura, com atendimento aos prazos e custos previstos. Dentro dessa ótica, as contratações de obras e serviços de engenharia realizados pelo poder público devem assegurar que tais condições sejam atendidas, com a finalidade de garantir a supremacia do interesse público. Para tanto, o ordenamento jurídico confere à Administração Pública “supraprincípios”, considerando seu Regime Jurídico, prerrogativas indispensáveis à satisfação do interesse público. Essas prerrogativas são poderes e atributos que possui no intuito de garantir o interesse público sobre o privado. Porém, juntamente com as prerrogativas, a Administração Pública possui limites, o que impõe ao Poder Público e a seus administradores deveres, de forma a coibir o abuso de poder e regendo as relações com a impessoalidade necessária e atuação proba garantindo, assim, a indisponibilidade do interesse público. A lei 8429/92 dispõe a relação das sanções e contém a descrição das condutas dos agentes públicos que enriquecem, que causam danos ao patrimônio público e que violam os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade para com o Estado. São princípios explícitos na Constituição Federal: a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Sobre a eficiência da Administração, relata Alexandre de Moraes:“impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre na busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar-se desperdícios e garantir-se maior rentabilidade social. Note-se que não se trata da consagração da tecnocracia, muito pelo contrário, o princípio da eficiência dirige-se para a razão e fim maior do Estado, a prestação dos serviços essenciais à população, visando a adoção de todos os meios legais e morais possíveis para satisfação do bem comum”. O Poder Público, dessa forma, deve cumprir com fiel obediência a estes e outros princípios implícitos que não estão elencados no rol do art. 37 da Constituição, a saber: o princípio da boa administração, isonomia, do interesse público, da proporcionalidade, da finalidade, da motivação, entre tantos outros. Deve o agente agir com zelo e honestidade no trato com o erário e a coisa pública. Conforme lei de licitações e contratos é necessário nomear uma fiscalização, que é uma atividade técnica exercida para verificar as conformidades das atividades com as exigências, normas e especificações aplicáveis. Um contrato mal gerido leva a prejuízos de imensuráveis dimensões não só para o ente público, como para toda a coletividade. Neste sentido, o exercício da função de fiscalização e gestão de obras e serviços de engenharia se torna fundamental, exteriorizando uma das formas de exercício do poder de polícia, externando também um dever do administrador público: nortear e instruir o contratado de forma a cumprir fielmente as tarefas e prazos conforme estabelecido, resguardando o interesse público e garantindo a supremacia do interesse público. 1.1 O PODER DE POLÍCIA E OUTROS PODERES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Os poderes que possui a Administração Pública são necessários para atingir o fim público e garantir a supremacia do interesse público. Dessa forma, para o adequado cumprimento das suas competências esses poderes são prerrogativas ligadas a obrigações, se instrumentalizando para garantir o interesse público em poderes-deveres. Os poderes podem ser classificados em poder vinculado, discricionário, hierárquico, disciplinar, regulamentar e de polícia. O poder vinculado e o poder discricionário incide sobre um objeto determinado, exercendo a atuação estatal com menor ou maior liberdade quanto ao mérito; poder hierárquico de acordo com a necessidade de organização da Administração de modo a permitir a atuação regular e isonômica das entidades públicas, delegando e avocando atividades; poder disciplinar aplicando sanções às pessoas que estão submetidas à supremacia especial, ou seja, disciplinando as relações jurídicas entre o Estado e agentes públicos, ou entre particulares que pactuam contratos administrativos, entre outros; poder regulamentar que edita atos gerais para complementar as leis e possibilitar a sua efetiva aplicação e o poder de polícia, quando necessário se faz a contenção de direitos individuais em prol da coletividade. Helly Lopes conceitua o poder de polícia como a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado. Explica o autor que poder de polícia é o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter os abusos do direito individual. A definição do poder de polícia está estampada no art. 78 do Código Tributário Nacional: “Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos”. Mazza acrescenta com a noção estrita de poder de polícia: “envolve atividades administrativas de fiscalização e condicionamento da esfera privada de interesse, em favor da coletividade”. O autor sintetiza, ainda, o poder de polícia nas atividades de limitar, fiscalizar e sancionar: “É possível sintetizar o poder de polícia reduzindo-o em três atividades fundamentais: limitar, fiscalizar e sancionar. Desse modo, sempre que a Administração Pública limita, fiscaliza ou sanciona particulares, em favor dos interesses da coletividade, estaremos diante de manifestação do poder de polícia”. 2 CONTRATO ADMINISTRATIVO Regido pela Lei Federal n° 8.666/93, contrato administrativo é todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, um acordo entre as partes pelo qual se adquire, resguarda, transfere, modifica ou extingue direitos e obrigações. O art. 2º, parágrafo único, da Lei n° 8.666/93 define: “Para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada.”  Acrescenta o art. 54 §1º da referida lei confere: “Os contratos devem estabelecer com clareza e precisão as condições para sua execução, expressas em cláusulas que definam os direitos, obrigações e responsabilidades das partes, em conformidade com os termos da licitação e da proposta a que se vinculam.” Formal, oneroso, comutativo e intuitu personae, são as características desse tipo de contrato. Formal: deve ser escrito e nos termos previstos em lei; Oneroso: há respectiva remuneração relativa à contraprestação do objeto do contrato; Comutativo: estabelece proporcionalidade entre os direitos e deveres dos contratantes; Intuitu personae: consiste na exigência da execução do objeto ser pelo próprio contratado. O contrato é um instrumento que, ao mesmo tempo, formaliza o poder e o dever do fiscal e gestor público. Ao travar contratos administrativos a Administração, na gerência do interesse público, se utiliza de algumas prerrogativas que lhe são próprias, pertencentes ao direito administrativo, distinguindo-os dos contratos privados. São privilégios, vantagens contratuais exclusivas, não existindo nas relações privadas entre particulares. Deve-se ressaltar que a busca em satisfazer o interesse público não deve sacrificar os princípios superiores de justiça e equidade a que todo o Estado deve obedecer. Tais prerrogativas são chamadas de cláusulas exorbitantes e decorrem da lei e de princípios, que regem a atividade administrativa. São cláusulas que exorbitam ao direito privado, ou seja, que vão além do que geralmente dispõem os contratos regidos pelo direito privado. Sobre o assunto, Celso Antonio Bandeira de Mello aduz: “Em decorrência dos poderes que lhe assistem, a Administração fica autorizada –respeitado o objeto do contrato– a determinar modificações nas prestações devidas pelo contratante em função das necessidades públicas, a acompanhar e fiscalizar continuamente a execução dele, a impor sanções estipuladas quando faltas do obrigado as ensejarem e a rescindir o contrato sponte propria se o interesse público demandar.” Frisa Marçal Justen Filho que as prerrogativas extraordinárias “são um instrumento para propiciar a realização da função imposta ao Estado de realizar os direitos fundamentais dos cidadãos, sem superioridade intrínseca do Estado sobre o particular ou sobre a sociedade civil”. Discorre ainda sobre o abuso: “…interesses que são indisponíveis, não autorizam o Estado à faculdades prepotentes, autoritárias.” Destacam-se algumas cláusulas exorbitantes: a possibilidade de alteração e rescisão unilateral do contrato, no equilíbrio econômico-financeiro, na revisão de preços e tarifas, na impossibilidade de exceção de contrato não cumprido, no controle do contrato e a aplicação de penalidades contratuais pela Administração. 2.1 CONTRATO DE OBRAS E SERVIÇOS DE ENGENHARIA Como regra, obras e serviços de engenharia abarcam uma prestação de fazer. Para o bom desempenho contratual de uma obra/serviço de engenharia, a administração pública depende de várias etapas internas e externas da licitação, bem como contratuais e posteriores à contratação. Vale ressaltar o conceito de Contrato de obra pública como o ajuste por meio do qual a Administração seleciona uma empresa privada com a finalidade de realizar a construção, reforma ou ampliação de imóvel destinado ao público ou ao serviço público, segundo Mazza. Preliminar à licitação deve-se observar: o planejamento, estudo de viabilidade, projeto básico e executivo, orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os custos unitários, necessidade de licença ambiental, previsão de recursos orçamentários, elaboração de edital, entre outros. Conforme Marçal: “Não poderá ser desencadeado um empreendimento sem serem cumpridas todas as exigências prévias. Sequer poderá iniciar-se a licitação sem o cumprimento de tais requisitos, que se inserem na fase interna da atividade administrativa”. Conforme Súmula nº 261/2010 do TCU, acrescenta sobre a importância do projeto básico: “Em licitações de obras e serviços de engenharia, é necessária a elaboração de projeto básico adequado e atualizado, assim considerado aquele aprovado com todos os elementos descritos no art. 6º, inciso IX, da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, constituindo prática ilegal a revisão de projeto básico ou a elaboração de projeto executivo que transfigurem o objeto originalmente contratado em outro de natureza e propósito diversos”. Aduz Marçal sobre projeto básico e projeto executivo: “O projeto básico devera conter informações fundamentais que demonstram a viabilidade do empreendimento examinado. O Projeto executivo determinará minuciosamente as condições de sua execução, inclusive no tocante aos custos, o que permite avaliar a compatibilidade da contratação com o interesse coletivo, com os recursos estatais disponíveis e com outras exigências relacionadas com o bem-comum”. Na licitação a Administração deve atentar para a publicação do edital nos prazos corretos, designação de uma comissão de licitação competente, recebimento e julgamento das propostas válidas e todo o correto e adequado procedimento licitatório. Na fase contratual, fins evitar dificuldades hermenêuticas, é necessário um instrumento contratual claro, coeso, uma fiscalização capacitada e competente para acompanhar obras e serviços até o seu recebimento. Deve a Administração cingir de cuidados e precauções para atingir sucesso no empreendimento. Inicia-se com a assinatura do contrato, a expedição da Ordem de Serviço autorizando o início das atividades e finaliza com o recebimento provisório e definitivo da obras/serviço pela fiscalização. Além do acompanhamento pós contratual, verificando a necessidade de utilização ou devolução da garantia e a adequada manutenção dos serviços. Segundo Helly Lopes Meirelles, as obras públicas podem ser de quatro tipos: “a) equipamento urbano: ruas, praças, estádios; b) equipamento administrativo: aparelhos para o serviço da Administração Pública em geral; c) empreendimentos de utilidade pública: ferrovias, rodovias; d) edifício público: repartições, cadeias etc. Mazza diferencia obra de serviço: “obras públicas podem ser remuneradas pela cobrança de contribuição de melhoria junto aos contribuintes, ao passo que a prestação de serviço público enseja a arrecadação de taxa. Na obra, existe um predomínio do resultado final sobre a atividade, enquanto no serviço prepondera a atividade sobre o resultado final. Assim, por exemplo, para a construção de uma ponte, é realizada a tarefa de construir, mas o resultado final, isto é, a ponte construída, predomina sobre o processo de construção”. Marçal acrescenta uma peculiaridade sobre esse tipo de contrato: “Nesses casos, é comum a execução do contrato se prolongar no tempo. A natureza do contrato conduz à especialidade do objeto, cuja execução se fará ao longo do prazo contratual. Isso produz o risco, inclusive, de os custos se multiplicarem no curso do tempo, ultrapassando as previsões iniciais”. 2.2 CLÁUSULAS EXORBITANTES Considerando o contrato como um instrumento de poder-dever do fiscal e gestor público, esses poderes contratuais especiais, prerrogativas inerentes à atividade estatal, se materializam nas cláusulas exorbitantes. Conceitua Mazza: “São prerrogativas decorrentes da supremacia do interesse público sobre o privado e, por isso, são aplicáveis ainda que não escritas no instrumento contratual”. Segundo Maria Sylvia Zanella de Pietro: “São cláusulas exorbitantes aquelas que não seriam comuns ou que seriam ilícitas em contrato celebrado entre particulares, por conferirem prerrogativas a uma das partes (a Administração) em relação à outra; elas colocam a Administração em posição de supremacia sobre o contratado”. De acordo com Helly Lopes Meirelles: “Cláusulas exorbitantes são, pois, as que excedem do Direito Comum para consignar uma vantagem ou uma restrição à Administração ou ao contratado. As cláusulas exorbitantes não seriam lícitas num contrato privado, porque desigualariam as partes na execução do avençado; mas são absolutamente válidas no contrato administrativo, uma vez que decorrem da lei ou dos princípios que regem a atividade administrativa e visam a estabelecer prerrogativas em favor de uma das partes, para o perfeito atendimento do interesse público, que se sobrepõe sempre aos interesses particulares. É, portanto a presença dessas cláusulas exorbitantes no contrato administrativo que lhe imprime o que os franceses denominam la marque du Droit Public pois, como observa Laubadère: “C’est en effet la présence de Telles clauses dans um contrat que est le critère par excellence son caractère administratif.” A Lei 8666/93 especifica algumas dessas cláusulas, as principais estão dispostas no art. 58, e determinam a possibilidade de alteração e rescisão unilateral do contrato, o equilíbrio econômico financeiro, exigência de garantia a revisão dos preços e tarifas, a inoponibilidade da exceção do contrato não cumprido e aplicação das penalidades contratuais pela Administração Para a efetiva concretização dessas cláusulas, a Administração pública designa fiscal ou comissão de fiscalização, bem como um gestor para cercar-se de que será atendida a supremacia do interesse público sobre o privado, sendo esta uma cláusula exorbitante relevante prevista na Lei n. 8.666/93. Assim, à gestão e à fiscalização compete controlar toda a execução contratual, o perfeito andamento do contrato, ou seja, exercer o poder de polícia. Assim, ao Poder Público é permitido supervisionar, intervir e acompanhar a execução do contrato para garantir o seu fiel cumprimento por parte do contratado. Ressalta-se que desse controle, possibilitando a gestão e fiscalização, cumpre à Administração verificar se o contratado está agindo para o alcance da conclusão do objeto contratado. De modo geral, o poder-dever de efetuar o controle do contrato tem a função de garantir a exatidão das atividades, orientando de maneira conveniente e impondo as modificações que o interesse público exigir. A administração pública tem o dever de agir nos momentos oportunos e não se omitir, evitando negligências quanto às irregularidades do contratado. 3 ATRIBUIÇÕES DA FISCALIZAÇÃO E GESTÃO À administração pública é conferida a obrigação legal de fiscalizar e gerenciar os contratos administrativos públicos surgindo, assim, as funções do gestor e fiscal de contratos. Fins evitar práticas irregulares e defeituosas das contratadas, a fiscalização deve atuar de forma imediata. Sobre o assunto, Marçal aborda: “A administração tem o poder-dever de acompanhar atentamente a atuação do particular. O dever de promover os direitos fundamentais não se coaduna com uma atuação passiva da Administração. Se o particular não executar corretamente a prestação contratada, a Administração deverá atentar para isso de imediato. A atividade permanente de fiscalização permite à Administração detectar, de antemão, práticas irregulares ou defeituosas. Poderá verificar, antecipadamente, que o cronograma previsto não será cumprido. Enfim, a Administração poderá adotar com maior presteza as providencias necessárias para resguardar os interesses fundamentais”. A gestão e a fiscalização de contratos administrativos são duas ações previstas na lei de licitações. Importante se torna enfatizar que a gestão e a fiscalização de contrato são institutos diferentes, não podendo confundi-los. A gestão é o serviço gerenciamento de todos os contratos; a fiscalização é pontual, com responsabilidade própria e exclusiva. A gestão terá uma visão ampla e macro, fará um gerenciamento geral.  Fiscalização é a atividade que deve ser realizada de forma técnica e sistemática pelo contratante e seus prepostos, com a finalidade de verificar o cumprimento das cláusulas contratuais, técnicas, administrativas e legais em todos os seus aspectos. O contratante manterá, desde o início dos serviços até o recebimento definitivo, profissional ou equipe de fiscalização constituída de profissionais habilitados, os quais deverão ter experiência técnica necessária ao acompanhamento e controle dos serviços relacionados com o tipo de obra que está sendo executada. Os fiscais poderão ser servidores do órgão da Administração ou pessoas contratadas para esse fim. O servidor designado para fiscalização de contratos deverá ser capacitado e orientado para o exercício de suas funções. A empresa contratada para execução da obra deve facilitar, utilizando de todos os meios ao seu alcance, a ação da fiscalização, permitindo amplo acesso aos serviços em execução e atendendo prontamente às solicitações que lhe forem dirigidas. 3.1 DA FISCALIZAÇÃO É dever de a Administração Pública acompanhar e fiscalizar a execução do contrato para verificar o cumprimento das disposições contratuais, técnicas e administrativas. Assim impõe o art. 67 caput e § 1º da Lei nº 8.666/93: “A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição. § 1º O representante da Administração anotará as ocorrências relacionadas com a execução do contrato, determinando o que for necessário à regularização das faltas ou defeitos observados”. Ressalta-se a permissão da contratação de terceiros para assistir e subsidiar a Administração de informações pertinentes a essa finalidade específica, conforme dispõe o caput do art. 67 da Lei n° 8.666/93. Frisa-se que a indicação de terceirizados é de auxiliar, conforme acórdão TCU 100/2013-Plenário: “9.20. dar ciência à (…) quanto às seguintes falhas: 9.20.1 (…) necessidade da substituição de fiscais e auxiliares de fiscalização dos contratos que estejam na situação de terceirizados ou outra análoga, não efetiva, por servidores do quadro de pessoal de Furnas e que não tenham participação direta ou indireta com a licitação que originou o contrato a ser fiscalizado, de forma a atender ao princípio de controle de segregação e permitindo o aprimoramento do controle interno.” Resolução nº 1010 do CONFEA, Anexo I, define fiscalização como: “atividade que envolve a inspeção e o controle técnicos sistemáticos de obra ou serviço, com a finalidade de examinar ou verificar se sua execução obedece ao projeto e às especificações e prazos estabelecidos”. Conforme Marçal: “A fiscalização tanto poderá fazer-se em termos passivos como ativos. A fiscalização passiva corresponde ao mero acompanhamento por agentes administrativos da atividade do contratante. A fiscalização ativa verifica-se quando a própria sequencia da atividade do particular depende de atos da Administração (tais como exames, aprovações etc.).” O Fiscal, um servidor ou empregado público, ou uma comissão fiscalizadora, precisa conhecer detalhadamente o contrato e as cláusulas nele estabelecidas. É dever legal de o agente administrativo fiscalizar e acompanhar o andamento dos contratos administrativos, não se tratando, portanto, de mera faculdade, nem de um ato discricionário. Consiste em um dever da Administração. Conforme afirma Leo da Silva Alves, essas obrigações estão explícitas nos deveres gerais, mesmo que não expressas, salvo quando impedidos ou suspeitos. Complementa o autor sobre quem não detém conhecimento específico: “Neste caso, deve dirigir-se por escrito à autoridade, dizendo da situação e solicitando a substituição. Se mantido, cumprirá o encargo. Mas, pelo menos, estará resguardando de eventual erro”. Principal aspecto a ser observado pela fiscalização de serviço e obra de engenharia é a execução dos serviços e obras de construção, reforma ou ampliação que deve atender normas e práticas complementares como: códigos, leis, decretos, portarias e normas federais, estaduais e municipais, instruções e resoluções do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (CONFEA), Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA), Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU); normas técnicas da ABNT e outras. Dentre as competências e atribuições da fiscalização destaca-se, entre outras: orientar a contratada estabelecendo diretrizes; autorizar o início dos serviços, com a emissão da ordem de serviço; interditar e determinar a paralisação da execução do contrato, quando pertinente; recolher ART dos profissionais; acompanhar, “in loco”, a execução do objeto do contrato com visitas periódicas, bem como certificar e emitir atestados e pareceres; representar e levar a conhecimento das autoridades situações irregulares; anotar as ocorrências; glosar serviços não executados; aprovar e atestar medições e serviços realizados, além de arquivar todos os documentos necessários como o termo contratual e todos os seus aditivos, planilha de custos e formação de preços atualizada. Quanto às vedações ao fiscal, pode-se relacionar: exercer poder de mando sobre os funcionários da contratada, devendo reportar-se somente aos prepostos ou responsáveis por ela indicados; direcionar a contratação de pessoas para trabalhar nas empresas contratadas; promover ou aceitar o desvio de funções dos trabalhadores da contratada; manter contato com o contratado visando obter benefício ou vantagem direta ou indireta, inclusive para terceiros; atestar pagamento de serviço ou obra ainda não executada, entre outros. 3.2 DA GESTÃO Léo da Silva Alves define a gestão como uma área com uma visão macro, que fará um gerenciamento geral, e define o gestor como o ordenador de despesas ou a autoridade máxima do órgão. Resolução nº 1010 do CONFEA, Anexo I, define gestão como: “conjunto de atividades que englobam o gerenciamento da concepção, elaboração, projeto, execução, avaliação, implementação, aperfeiçoamento e manutenção de bens e serviços e de seus processos de obtenção”. Aduz o Manual de Gestão e Fiscalização de Contratos INPI/DAS/GCA: “Na gestão (administração de contratos), cuida-se, por exemplo, do reequilíbrio econômico financeiro, de incidentes relativos a pagamentos, de questões ligadas à documentação, ao controle dos prazos de vencimento, de prorrogação, etc. É um serviço administrativo propriamente dito, que pode ser exercido por uma pessoa ou um setor”. Dispõe, ainda, o artigo 6º do Decreto nº 2.271/97: “A administração indicará um gestor do contrato, que será responsável pelo acompanhamento e fiscalização da sua execução, procedendo ao registro das ocorrências e adotando as providências necessárias ao seu fiel cumprimento.” As funções do gestor abrangem a fixação de metas através do planejamento, analisar, conhecer e solucionar os problemas, solicitar recursos financeiros, tecnológicos, ser um líder, ao dirigir e motivar as pessoas, tomar decisões precisas e avaliar, controlar o conjunto todo. CONCLUSÃO No serviço público, acordo de vontades, como os contratos administrativos, exigem especial cautela, uma vez que podem ser vulneráveis quanto à presença de órgãos de controle, imprensa, entre outros. Nas obras e serviços de engenharia, a fiscalização e a gestão reveste-se de grande importância social, possuindo alguns poderes para utilização dos recursos públicos. O gestor e o fiscal público de um contrato administrativo de obras e serviços de engenharia, assim como qualquer servidor, devem ser leais ao cumprimento de suas atribuições, à legislação, aos princípios de ordem pública, cumprindo suas funções com urbanidade, probidade e eficiência, garantindo melhores resultados e menores custos para o cidadão. Devendo sempre buscar a melhor solução, aquela mais adequada e vantajosa, agindo com proporcionalidade, eficiência e legalidade, sem ensejar prejuízos ao particular e principalmente aos cofres públicos. Esse é o grande desafio dos gestores e fiscais: a conclusão dos empreendimentos dentro dos parâmetros previstos de custo, prazo e qualidade. Condutas incompatíveis podem ensejar aplicação de sanções administrativas, penais e civis.
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Responsabilidade civil do estado com enfoque nos presídios brasileiros
O presente trabalho tem por escopo a análise da responsabilidade civil do Estado no que se refere às más condições dos presídios brasileiros, com fulcro na Teoria do Risco Criado. Com fundamento na responsabilidade civil objetiva do Poder Público, este tem o dever não só de indenizar o detento em razão da ofensa à sua integridade física e moral, mas também de reformar e contruir novos presídios, com a devida previsão orçamentária. Demonstrar-se-á, nesse desiderato, a sucumbência da reserva do possível em face do princípio da dignidade da pessoa humana, se não comprovada objetivamente a insuficiência de recursos públicos. Para isso, proceceder-se-á à uma análise jurisprudencial acerca do tema, com o intuito de atestar a progressiva judicialização do tema, com vistas a reverter o atual “Estado de Coisas Inconstitucionais” em que se encontra o sistema penitenciário brasileiro, com massiva violação dos direitos fundamentais.
Direito Administrativo
Introdução                                             A responsabilidade civil do Estado no ordenamento jurídico brasileiro é disciplinada no art. 37, §6º, CF/88, o qual impõe às pessoas jurídicas de direito público e às de direito privado prestadoras de serviços públicos a responsabilização objetiva, isto é, independente de culpa, pelos danos causados a terceiros. No entendimento da doutrina majoritária, essa responsabilidade é guiada pela Teoria do Risco Administrativo, que, diferentemente da Teoria do Risco Integral, admite excludentes de responsabilidade. No caso da omissão estatal, entretanto, a responsabilidade é em regra subjetiva, devendo o interessado demonstrar a má prestação do serviço (“faute du service”). Mas a omissão estatal, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, pode ser objetiva em determinadas circunstâncias em que o Estado cria situações de risco sem as quais não ocorreria o dano, assumindo, pois, grande risco de gerar dano a particulares. É o que ocorre no caso dos detentos de presídio, no qual se aplica a teoria do Risco Criado (risco suscitado), em que há responsabilidade objetiva do Estado pelos danos causados ao custodiado. No âmbito dos presídios brasileiros, destarte, vigora um “Estado de Coisas Inconstitucional”, diante da existência de um quadro de violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais, causado pela inércia das autoridades públicas em modificar a conjuntura, tornando necessárias transformações estruturais da atuação do Poder Público e a atuação das autoridades para modificar a situação inconstitucional. Nesse diapasão, buscar-se-á, neste trabalho, uma reflexão crítica sobre a questão, em contraponto com argumentos apontados pelo Estado nas ações judiciais contra ele intentadas, afim de demonstrar a necessidade de promoção dos direitos fundamentais do preso, não obstante as limitações financeiras do Poder Público. Desenvolvimento 1. Responsabilidade civil: aspectos gerais Na forma consagrada pelo Código Civil de 2002, em seu art. 186, “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. São quatro, pois, os elementos caracterizadores da responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro: ação ou omissão, culpa ou dolo do agente, nexo de causalidade e dano a outrem. No que concerne à responsabilidade civil, ademais, pode esta se apresentar em duas diferentes modalidades: contratual e extracontratual (também chamada “aquiliana”). Quando deriva da prévia relação contratual existente entre as partes, seja em razão de inadimplemento total, seja por ocorrência de mora no cumprimento do estabelecido entre as partes, fala-se em responsabilidade contratual. Por outro lado, havendo tão somente a infringência de um dever legal, inexistindo vínculo jurídico entre a vítima e o causador, ocorre a responsabilidade extracontratual, alvo deste trabalho. Em conformidade com as disposições do Código Civil, a culpa, em regra, é necessária para caracterização da responsabilidade, juntamente com o dano e o nexo causal entre este e a conduta. Não obstante, estabelece o parágrafo único do art. 927, CC/02 que: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. O supracitado dispositivo legal trata da chamada responsabilidade objetiva, na qual, para que haja o dever de indenizar, basta a comprovação da conduta e do nexo de causalidade entre esta e o dano, independentemente do elemento subjetivo do agente. Para justificar a responsabilidade objetiva, a doutrina expõe a teoria do risco, segundo a qual determinadas atividades, quando exercidas, criam, por esse fato, risco de dano a terceiros, havendo o dever de indenizar ainda que a conduta seja desprovida de culpa. Assim explica Carlos Roberto Gonçalves (2014, p. 49): “A responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para a ideia de risco, ora encarada como “risco-proveito”, que se funda no princípio segundo o qual é reparável o dano causado a outrem em consequência de uma atividade realizada em benefício do responsável (ubi emolumentum, ibi onus); ora mais genericamente como “risco criado”, a que se subordina todo aquele que, sem indagação de culpa, expuser alguém a suportá-lo”. Importa ressaltar que a Constituição Federal de 1988 não adotou a teoria da responsabilidade objetiva sob a modalidade do risco integral como regra. Portanto, mesmo havendo responsabilidade objetiva, a existência de excludentes de responsabilidade afasta o dever de indenizar no caso concreto, como ocorre com as hipóteses de culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, força maior, caso fortuito. 2. Responsabilidade do Estado 2.1. Aspectos gerais A responsabilidade do Estado, diferentemente daquelas correntemente destacadas no Código Civil, direcionada aos particulares, é pautada por princípios específicos, os quais decorrem da posição jurídica que ocupa na sociedade, motivo pelo qual se afigura mais abrangente do que a responsabilidade decorrente de atos de pessoas privadas. Esse dever do Estado de indenizar os particulares pelos danos causados em decorrência de sua atuação decorre da já explicitada responsabilidade extracontratual, vez que não advém de qualquer contrato ou vínculo jurídico prévio com a vítima. Percebe-se a produção de danos mais intensos, quando ocasionados por atividades estatais, decorrentes, ainda, de situações corriqueiramente distintas das ensejadoras de responsabilidade civil dos particulares. A esse respeito, merecem transcrição as palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello: “Com efeito: seja porque os deveres públicos do Estado o colocam permanentemente na posição de obrigado a prestações multifárias das quais não se pode furtar, pena de ofender o Direito ou omitir-se em sua missão própria, seja porque dispõe do uso normal de força, seja porque seu contato onímodo e constante com os administrados lhe propicia acarretar prejuízos em escala macroscópica, o certo é que a responsabilidade estatal por danos há de possuir fisionomia própria, que reflita a singularidade de sua posição jurídica. Sem isto, o acobertamento dos particulares contra os riscos da ação pública seria irrisório e por inteiro insuficiente para resguardo de seus interesses e bens jurídicos (2013, p. 1013”). Igualmente, destaca-se que os particulares não dispõem de poder suficiente para impedir os efeitos da atuação danosa do Estado sobre seus bens, direitos e interesses, vez que a este cabe definir seus parâmetros de atuação e as correspondentes consequências jurídicas, a serem suportadas por aqueles em face do princípio da supremacia do interesse público, que pauta o regime jurídico-administrativo a que rege o Poder Público. Assevera-se, ainda, que os danos causados pelo Estado são provenientes de sua atuação na satisfação do interesse público, isto é, seu desempenho em prol da coletividade em geral, em conformidade com seu interesse primário. Não se mostra justo, desse modo, que apenas algum ou alguns dos administrados sofram as consequências negativas das atividades desenvolvidas pelo Poder Público em proveito de todos. Pelos motivos expostos, a responsabilidade do Estado obedece a regras próprias, que visam compatibilizar as peculiaridades da pessoa jurídica de direito público com os possíveis danos advindos de suas atividades, resguardando-se, o quanto possível, o patrimônio privado em face dos riscos ligados às ações e omissões estatais. Ante o exposto, verifica-se, na história brasileira e no direito comparado, uma evolução da responsabilidade estatal, com sua progressiva ampliação, visando proteger, cada vez mais, os interesses privados lesados pelos atos públicos. Atualmente, reconhece-se a responsabilidade do Estado até mesmo em face de atos legislativos, quando de efeitos concretos ou, no caso de leis formais, ou materiais, declaradas inconstitucionais, por controle concentrado de constitucionalidade, ensejando dano específico a alguém. Até mesmo atos jurisdicionais podem ocasionar o dever de indenizar por parte do Estado, como no caso de erro judiciário, conforme expressa previsão constitucional no art. 5º, LXXV (“o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”). Com a evolução da responsabilidade do Estado, conforme será demonstrado a seguir, passou-se da absoluta irresponsabilidade estatal e posterior responsabilidade subjetiva à responsabilidade objetiva, que, conforme explicitado anteriormente, independe da comprovação de dolo ou culpa, sendo bastante a conduta e o nexo de causalidade entre esta e o dano para a obrigação de indenizar a vítima. 2.2. Evolução histórica da responsabilidade do Estado De fato, durante o século XIX, prevalecia a ideia de que o Estado era destituído de responsabilidade pelos atos praticados por seus agentes, com a imposição absoluta do princípio da soberania. Vigorava a frase “the king can do no wrong”, isto é, o rei não comete erros, de forma que a atuação estatal era considerada sempre legítima, independentemente dos danos causados aos particulares. Alguns países, como a França, foram admitindo a responsabilização do Estado quando leis específicas a previssem explicitamente, não mais representando, pois, completa desproteção dos administrados em face dos comportamentos estatais. Impera ressaltar que, nesse período, admitia-se o dever estatal de indenizar tão somente quando houvesse expressa previsão legal para o caso em espeque. Caso contrário, prevalecia a impunidade do governante. Com o tempo foi-se abandonando a teoria da irresponsabilidade do Estado e surgindo a responsabilidade estatal por ação culposa do agente, na chamada doutrina civilista da culpa. Aqui, mostrava-se importante a distinção entre atos de império e atos de gestão, de modo que estes se assemelham aos atos privados, ao passo que aqueles decorrem da soberania estatal. No caso da prática de atos de gestão, seria possível a responsabilização do Estado, se demonstrada culpa na atuação do agente, mas se a hipótese fosse de ato de império, continuava a inexistir a responsabilidade estatal, em atenção às regras tradicionais de direito público. Evoluiu-se, então, para a teoria da culpa administrativa, na qual não mais se mostrava necessária a identificação do agente específico causador do dano, sendo suficiente a comprovação do mau funcionamento do serviço público. É a chamada culpa anônima ou falta do serviço, ainda hoje vigente para casos de omissão estatal. Acerca da matéria, explica José dos Santos Carvalho Filho: “A falta do serviço podia consumar-se de três maneiras: a inexistência do serviço, o mau funcionamento do serviço ou o retardamento o serviço. Em qualquer dessas formas, a falta do serviço implicava o reconhecimento da existência de culpa, ainda que atribuída ao serviço da Administração. Por esse motivo, para que o lesado pudesse exercer seu direito à reparação dos prejuízos, era necessário que comprovasse que o fato danoso se originava do mau funcionamento do serviço e que, em consequência, teria o Estado atuado culposamente. Cabia-lhe, ainda, o ônus de provar o elemento culpa” (2014, p. 556). Por fim, passou-se a consagrar a responsabilidade objetiva do Estado, dispensando-se aferimento de culpa ou dolo por parte do agente para reconhecimento do dever estatal de indenizar. Não obstante, ressalta-se a possibilidade de exclusão da responsabilidade por eventos que rompam o nexo de causalidade, como ocorre com a culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, força maior ou caso fortuito. 2.3. Caracterização e pressupostos da responsabilidade do Estado Em decorrência de fundamentos políticos e jurídicos, relacionados à supremacia do Estado em face dos particulares, alastrou-se a teoria da reponsabilidade objetiva no âmbito do direito público. Nesse sentido, esclarece José dos Santos Carvalho Filho: “Esses fundamentos vieram à tona na medida em que se tornou plenamente perceptível que o Estado tem maior poder e mais sensíveis prerrogativas do que o administrado. É realmente o sujeito jurídica, política e economicamente mais poderoso. O indivíduo, ao contrário, tem posição de subordinação, mesmo que protegido por inúmeras normas do ordenamento jurídico. Sendo assim, não seria justo que, diante dos prejuízos oriundos da atividade estatal, tivesse ele que se empenhar demasiadamente para conquistar o direito à reparação de danos” (2013, p. 556). Em face desse poder conferido ao Estado, teria ele que arcar com os riscos decorrentes de suas atividades, em consonância com a teoria do risco administrativo, que fundamenta a responsabilidade objetiva do Poder Público. Diferencia-se essa teoria da do risco integral, pois nesta não se admite excludentes de responsabilidade, tal como ocorre no âmbito dos danos ao meio ambiente. Outrossim, verifica-se a repartição de encargos como fundamento, também, da responsabilidade objetiva do Estado, uma vez que este, ao ser condenado à reparação de determinado prejuízo, se utilizaria dos valores provenientes das contribuições da sociedade, a qual, afinal, é a beneficiária dos poderes e das prerrogativas estatais. Nesse sentido, dispõe o CC/02, em seu art. 43: As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado o direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo. Da mesma forma, a CF/88, no art. 37, §6º, estabelece: As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Desses dispositivos depreendem-se os pressupostos básicos para caracterização da responsabilidade do Estado. De início, verifica-se que este só pode ser obrigado a reparar o dano caso o agente tenha agido nessa qualidade, isto é, no exercício de suas funções ou, ao menos, a pretexto de exercê-la. Caso contrário, a responsabilidade seria pessoal do agente e regida pelo direito civil, não havendo de ser imputada ao Estado. Nesse caso, não importa, para fins de responsabilidade estatal, se o agente agiu de forma culposa ou dolosa, mas apenas se a sua qualidade de agente público fora determinante para a conduta lesiva. O elemento subjetivo da conduta do agente tem relevância apenas para eventual ação de regresso do Estado em face deste, pois que necessária a comprovação de culpa ou dolo na hipótese. Tem-se como pressuposto, ademais, da responsabilidade objetiva do Estado, a ocorrência de fato administrativo, consubstanciado em conduta comissiva ou omissiva, legítima ou ilegítima do Poder Público, por meio do agente que atua como tal. Além disso, requer-se a prova do prejuízo, já que se o lesado não provar que a conduta estatal tenha lhe causado dano, inexiste reparação a ser postulada. Por fim, deve ser demonstrada a relação de causalidade entre o fato administrativo e o dano. Assim, existindo fatos imprevisíveis que rompam o nexo de causalidade, ou, ainda, participação do lesado, de maneira que, se ele tiver sido o único causador de seu próprio prejuízo, ou caso tenha contribuído de alguma forma para a ocorrência do dano, pode-se excluir ou atenuar a responsabilidade estatal por sua reparação. Por fim, impera destacar que, para a responsabilização do Estado, é necessário que a vítima, ao propor ação reparatória, se desincumba do ônus de provar suas alegações, comprovando a presença, no caso, dos pressupostos essenciais caracterizadores da responsabilidade do Poder Público (conduta, nexo causal e dano). Ao Estado, por sua vez, cabe a contraprova de tais alegações. 3. Responsabilidade estatal quanto à situação dos presídios Quando o Estado recolhe um indivíduo ao presídio, passa a ter responsabilidade sob sua guarda, na condição de garantidor, devendo-lhe assegurar condições de segurança e saúde. Assim, torna-se obrigatória uma atuação estatal positiva, assegurando os direitos dos presidiários, inclusive no que concerne à estrutura do estabelecimento prisional, a fim de que não lhes ofenda o mínimo existencial inerente à sua dignidade. O Estado, portanto, deve garantir ao preso sua integridade física e moral durante a segregação, conforme art. 5º, inciso XLIX, CF/88, o que se mostra incompatível com celas superlotadas e destituídas de mínimas condições de higiene. Não sendo cumprido o dever estatal, haverá sua responsabilização. 3.1. A reserva do possível em contraposição ao mínimo existencial O mínimo existencial decorre diretamente do princípio da dignidade da pessoa humana, princípio fundamental e informador de todo o ordenamento jurídico brasileiro, elencado no art. 1º, III da Constituição Federal de 1988 como fundamento da República Federativa do Brasil. Inviabiliza-se, em razão dele, atuação estatal lesiva injustificada violadora dos direitos fundamentais. Esse postulado, pois, vem sendo alegado constantemente em demandas judiciais para questionar as condições em que vivem os detentos nos presídios brasileiros. Requer-se do Estado, nesse âmago, a realização de reformas em presídios e a indenização de presos por submeterem-se a condições degradantes, tudo com vistas à proteção do mínimo existencial destes. Conforme exposto, a preservação da dignidade dos presidiários, essencial à satisfação dos preceitos constitucionais, deve ser garantida. Não obstante, merece destaque também a chamada “reserva do possível”, alegada pelo Estado em defesa à busca judicial pela melhoria das condições dos presídios. Trata-se de uma barreira à plena satisfação de todas as necessidades sociais pelo Estado, uma vez que a prestação positiva por parte deste encontra limite naquilo que se pode razoavelmente dele esperar. O Poder Público, nesse ínterim, não possui disponibilidade financeira suficiente para arcar com todo e qualquer gasto, devendo haver uma seleção daqueles considerados mais essenciais à sociedade. Destarte, a reserva do possível tem seu fundamento básico na Lei 4.320/64, que estatui as normas gerais do direito financeiro e veda que o Estado proceda à realização de receitas e despesas não contidas previamente nas leis orçamentárias. Visa-se, com isso, impedir que a deterioração do erário com valores imprevistos. De fato, com a crescente valorização dos direitos fundamentais e do ideal da dignidade da pessoa humana, a falta de recursos do Estado se mostrou como uma barreira à plena satisfação das necessidades individuais e coletivas. Haveria, nesse sentido, uma limitação à satisfação dos direitos fundamentais prestacionais. Por evidente, essa barreira fundada na capacidade econômica do Estado não há de ser desconsiderada, uma vez que este não pode, a partir de sua reserva orçamentária, atender a toda e qualquer situação de necessidade dos indivíduos, numa espécie de meta utópica de universalidade. Esta, invariavelmente, encontrará seu teto na reserva do possível. Deve haver por parte do Estado, destarte, uma organização financeira, com a devida previsão orçamentária, de modo a garantir, na forma determinada pela Constituição Federal, a proteção dos direitos fundamentais dos detentos. Não o fazendo, cabe ao Poder Judiciário intervir, para satisfazer os direitos que, de forma inconstitucional, foram desconsiderados. 3.2. Controle judicial das políticas públicas: inafastabilidade da jurisdição Nesse âmbito, é comum falar-se na atuação excessiva do Judiciário no que tange à criação de políticas públicas, em substituição ao Poder Executivo, alegando este que aquele estaria desrespeitando a esfera de discricionariedade administrativa, área na qual não deveria se imiscuir, diante da separação dos poderes. A satisfação do mínimo existencial dos detentos, entretanto, justifica a intervenção judicial no caso. No julgamento do RE 592581, que será analisado em seguida, o ministro relator Ricardo Lewandowski, explica, sobre o tema: “Basta lembrar, nesse sentido, que uma das garantias basilares para a efetivação dos direitos fundamentais é o princípio da inafastabilidade da jurisdição, abrigado no art. 5o, XXXV, de nossa Constituição, segundo o qual “a lei não subtrairá à apreciação do poder judiciário qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito”. […] Ora, salta aos olhos que, ao contrário do que conclui o mencionado aresto, existe todo um complexo normativo de índole interna e internacional, que exige a pronta ação do Judiciário para recompor a ordem jurídica violada, em especial para fazer valer os direitos fundamentais – de eficácia plena e aplicabilidade imediata – daqueles que se encontram, temporariamente, repita-se, sob a custódia do Estado”. Não se defende, importa destacar, a implementação das políticas públicas diretamente pelo Poder Judiciário, em clara ofensa à separação dos poderes, mas sim de dar concretização aos direitos fundamentais, expostos na Constituição da República, ante a omissão do Poder Público na satisfação das necessidades básicas detentos. Ao contrário, como exposto, vem-lhes sendo impostas condições desumanas nos presídios, com celas superlotadas e sem padrão mínimo de higiene. Destarte, devidamente provocados, cabe aos magistrados atuar na garantia de direitos fundamentais básicos ignorados pelo Estado, não se transmudando, aqueles, em administradores públicos, mas tão somente exercendo sua atribuição constitucionalmente garantida, de satisfação das pretensões resistidas postas em litígio. Para isso, cabe ao Poder Judiciário determinar ao Poder Público a inclusão orçamentária das reformas nos presídios. 3.3. Da análise jurisprudencial do tema Postas essas questões, passar-se-á a uma análise jurisprudencial do tema, de acórdãos recentes do Supremo Tribunal Federal, em que se resolveu pela possibilidade de o Judiciário impor a realização de reformas em presídios, bem como determinar a indenização ao presidiário, pelo Estado, em razão das condições degradantes destes. Nesse âmbito, verificar-se-ão os conceitos de mínimo existencial em contraposição à reserva do possível, aliados à questão da interferência do Judiciário na satisfação dos direitos fundamentais dos presidiários. 3.3.1. Possibilidade de o Judiciário impor a realização de obras em presídios para garantir direitos fundamentais (RE 592581/RS) O recurso extraordinário 592581 foi interposto pelo MP/RS contra acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul no âmbito de Ação Civil Pública, que entendeu pela impossibilidade de o Poder Judiciário adentrar em matéria reservada à Administração Pública, não podendo aquele determinar a esta a realização de obras em estabelecimento prisional, sob pena de indevida invasão em seu campo decisório. Não obstante o reconhecimento, por parte do TJ local, de que a precariedade das condições a que estão submetidos os detentos do Albergue Estadual de Uruguaiana, alvo da ação, constitui violação de sua integridade física e moral, atentando contra os princípios constitucionais, decidiram os julgadores por manter entendimento jurisprudencial até então prevalecente, no sentido exposto. Segundo o acórdão em questão, embora o texto constitucional disponha sobre os direitos fundamentais do preso, deve-se destacar a dificuldade na técnica de efetivação desses direitos, a saber se a obrigação imposta ao Estado constitui norma programática ou impositiva. Segundo o referido TJ, trata-se de disposição não autoexecutável, não cabendo ao Judiciário determinar ao Poder Executivo a realização de obras em prol do direito constitucional do preso, sob pensa de substituir o administrador em sua atuação, de forma indevida. A reserva do possível, no entendimento do supracitado tribunal, no que diz respeito aos direitos de natureza meramente programática, relaciona-se à possibilidade material do Estado e, ainda, com o poder de disposição por parte da Administração, no âmbito de sua discricionariedade. Segundo o MP/RS, entretanto, a reserva do possível não se mostra como justificativa suficiente para o Executivo abster-se de suas obrigações constitucionais. Para alegar tal cláusula, seria necessária a demonstração de justo motivo, devendo, por outro lado, ser ela afastada quando implicar violação ao núcleo essencial dos direitos fundamentais. No caso concreto, não havendo sido contestado o péssimo estado de conservação do albergue, nem demonstrada a inexistência de recursos orçamentários, não merece prosperar alegação de insuficiência de recursos do Estado. Nesse mesmo sentido foi fixada a tese de repercussão geral no STF, em 2015, no seguinte sentido: “É lícito ao Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, nos termos do que preceitua o art. 5º, XLIX, da Constituição Federal, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível nem o princípio da separação dos poderes. (RE 592581, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 13/08/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-018 DIVULG 29-01-2016 PUBLIC 01-02-2016)”. 3.3.2. Dever do Estado de indenizar o preso que se encontre em situação degradante (RE 580252/MS) O Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário 580252/MS, reconheceu a responsabilidade civil do Estado por danos morais comprovadamente causados aos presos em razão da superlotação prisional e do encarceramento em circunstâncias desumanas ou degradantes. O descumprimento do dever estatal na garantia de condições dignas de encarceramento relaciona-se a uma deficiência crônica de políticas públicas, a qual há e ser suprida pelo Judiciário. Segundo entendimento da Suprema Corte, o princípio da reserva do possível não pode ser considerado no âmbito da responsabilidade civil do Estado, mas apenas em hipóteses de concretização de direitos fundamentais prestacionais, dependentes da atuação positiva do Estado. Nesse âmbito, não se poderia manter a impunidade das constantes violações aos direitos básicos dos presos, sob fundamento de que a indenização seria incapaz de eliminar o problema prisional, uma vez que tal argumento teria por consequência tão somente consolidar a situação desumana em que se encontram os presidiários no país. Considerando-se, pois, que é dever do Estado a manutenção dos presídios conforme padrões mínimos de humanidade, configura responsabilidade sua, na forma do art. 37, § 6º da Constituição da República, o ressarcimento dos danos materiais e morais causados aos detentos ante a falta de condições legais de encarceramento. A alegação da teoria da reserva do possível implicaria, no caso, uma negativa aos presos de direitos inerentes à integridade física e moral, como a proibição do tratamento desumano ou degradante, bem como das penas cruéis, conforme a CF de 1988. Ademais, não merece ser alegada a reserva do possível em casos que levem à anulação de direitos fundamentais conferidos pela Constituição. Entendimento contrário ao esposado na tese fixada em repercussão geral opõe-se à indenização dos presidiários em face das condições precárias das penitenciárias, por não constituir resposta efetiva aos danos morais por eles suportados, uma vez que o detento permanecerá submetido às condições desumanas após a condenação do Estado. Outrossim, tal como alegam os estados e municípios em suas defesas, a reparação monetária tem o condão de acarretar a multiplicação de demandas idênticas, levando a sucessivas condenações no mesmo sentido, agravando e perpetuando a violação à dignidade humana dos presos, ante a escassez dos recursos estatais. Verifica-se, da análise de ambos os posicionamentos estampados, que a salvaguarda dos direitos fundamentais dos detentos de fato não será garantida por meio de indenizações pelas más condições dos presídios. Os escassos recursos do Estado devem ser direcionados a reformas efetivas dos presídios, na forma determinada pela tese fixada no recurso extraordinário 592581, anteriormente analisado, a fim de promover mudanças efetivas nas suas condições, privilegiando a dignidade dos presidiários. O pagamento de indenização a indivíduos determinados, além de ofender o princípio da autonomia, impõe ao Estado a posição de garantidor universal, a qual não pode ser sustentada, ante a impossibilidade material deste de arcar com todo e qualquer dano sofrido por particulares. Afigura-se necessário, pois, analisar detidamente a natureza e a gravidade da situação carcerária no país, para trilhar soluções que efetivamente garantam aos presos condições adequadas, conforme os padrões da Constituição Federal. Conclusão Diante do “Estado de Coisas Inconstitucional” atualmente vigente no país, reconhecido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, verifica-se, no âmbito dos presídios brasileiros, uma violação massiva e generalizada dos direitos fundamentais de um número incontável de pessoas, ocasionada pela persistente omissão da Administração Pública no cumprimento de suas obrigações constitucionais. É, por conseguinte, dever do Estado se organizar financeiramente para arcar com os custos das melhorias substanciais a que fazem jus os presídios brasileiros, com vistas à proteção dos direitos fundamentais dos detento. Sendo omisso o Poder Público, é possível ao Judiciário intervir, excepcionalmente, no âmbito de atuação daquele, para garantir o mínimo existencial dos carcerários. Não se visa sustentar, por meio deste trabalho, a substituição da Administração Pública pelo Judiciário na implementação das políticas públicas, o que ofenderia o princípio da separação dos poderes, mas tão somente a satisfação do mínimo constitucional aos detentos, para satisfação de suas necessidades essenciais. Para isso, busca-se a efetivação de medidas estruturais, a fim de que haja uma mudança substancial no quadro de violação generalizada que domina os presídios no país.
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O procedimento administrativo disciplinar, sua complexidade e eventuais nulidades
O estudo em questão faz uma análise dos procedimentos disciplinares que compõe a Administração Pública, discorre a respeito dos princípios que norteiam o processo administrativo, assim como a respeito da responsabilização do servidor público e dos procedimentos disciplinares, com ênfase na questão das nulidades processuais. O tema em questão tem sido muito discutido de maneira indireta por toda a sociedade, visto que os conceitos de moralidade, ética e o bom desempenho das funções públicas permeiam toda a Administração pública, e consequentemente os seus processos e trâmites. Com o estudo realizado será possível entender mais a respeito dos procedimentos disciplinares, quais os meios para averiguar as irregularidades e os meios para punir. Também é importante frisar que a análise das nulidades processuais possui o condão de discriminar algumas de suas causas, assim, podendo estudar modos de prevenção, de modo a zelar pela efetiva aplicação da justiça e economia processual. Outrossim, destaca-se no presente trabalho nulidades corriqueiras em âmbito administrativo evitáveis, as quais acabam por atiçar o Poder Judiciário por falta de preparo das Comissões dos Procedimentos Administrativos Disciplinares.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O direito administrativo, segundo Hely Lopes Meirelles, “é o conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado.”[1] “É ramo do direto público que organiza internamente a administração pública, seu pessoal, hierarquia, relações interpessoais e serviços.”[2] Os norteadores da administração pública são os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, que serão aqui estudados, como constam no art. 37 da Constituição Federal. Para que haja a efetiva aplicabilidade dos mesmos e controle organizacional temos o direito administrativo disciplinar que é o ramo do direito que se dedica a apurar os ilícitos disciplinares cometidos pelos servidores públicos, que por sua vez são regidos pela Lei nº 8.112/90. Essa lei sistematiza as condutas e rotinas dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Em seus artigos 116 a 142 há a apresentação do regime disciplinar a que os agentes públicos estão submetidos, ou seja, são expostos os deveres, proibições, penalidade a serem aplicadas e suas responsabilizações. Nos artigos 143 a 182 temos uma exposição a respeito do processo administrativo disciplinar, que é o meio pertinente para apurar as irregularidades, de maneira que comissão formalmente instituída para essa tarefa de investigação possa proceder com aplicação da pena ou arquivamento do processo. Porém, é comum e de indelével importância questionarmos a respeito da efetividade das punições administrativas, levando-se em consideração os repetidos atos de corrupção, falta de urbanidade ou matéria de eficiência de alguns servidores públicos. Dessa maneira, tomando por base observações pessoais, a hipótese, a ser confirmada é a falta de capacitação adequada aos servidores para executar todas as diretrizes estabelecidas em lei para a concreta aplicação do processo administrativo disciplinar e consequentemente as suas devidas punições. Também podemos considerar como hipótese válida a de que apurar a conduta ilícita é algo um pouco complexo para quem não tem algum conhecimento legal já que a Lei nº 8.112/90 não abrange todas as normas que se referem ao assunto, sendo então importante observar também o que está disposto nos seguintes diplomas legais: Lei nº 9.784/99 – trata do processo administrativo na Administração Pública Federal-, a Lei nº 8.429/92 – De improbidade-; e ainda os Decretos nº 5.480/05 – trata da correição no Poder Executivo Federal. O objetivo desse trabalho, portanto, é identificar as razões de tantos processos administrativos disciplinares padecerem de revisão pelos tribunais superiores, corroborando a hipótese acima apresentadas. A pesquisa foi realizada com base em doutrinas, livros, jurisprudências e nas legislações pertinentes. O estudo em questão é de relevante importância, pois quando há a necessidade da revisão de um processo administrativo disciplinar temos dispêndio financeiro e temporal para sanar as possíveis irregularidades, além de na falta de concreta aplicação de punição adequada temos reincidência das condutas instituições públicas. Instituições essas que devem ser eficientes e exemplo de conduta para outros órgãos, já que recebem investimentos públicos e tem sua finalidade voltada para atendimento desse mesmo público. Assim, o trabalho foi estruturado em 3 capítulos, além desta introdução e da conclusão. No primeiro capítulo alguns princípios são conceituados e introduzidos no contexto do processo administrativo, a importância dos mesmos é explicitada ao longo do capítulo. Já no segundo capítulo temos a explicação da atribuição de responsabilização administrativa, civil e penal que podem ensejar dos atos irregulares cometidos pelos servidores públicos, além de também termos os procedimentos disciplinares propriamente ditos e a abordagem aos ritos existentes. O terceiro capítulo frisa-se o as considerações sobre as nulidades do processo administrativo e alguns exemplos, com consequentes análises, de casos que podem ensejar a nulidade, bem como a demonstração fática da consequência do despreparo de servidores designados a compor a Comissão. 1. PRINCÍPIOS APLICÁVEIS AO PROCESSO ADMINISTRATIVO No sentido de conferir correta interpretação aos dispositivos legais que ditam a respeito da responsabilização disciplinar temos que, apenas os princípios comuns aos processos não são suficientes para disciplinar essa matéria. Existem os próprios do Direito Administrativo tais como o da oficialidade, gratuidade e atipicidade. Que ainda podem ser acrescidos ao que está disposto no art. 2º, caput, da Lei nº 9.784/99: “[…] legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência”; e ainda o que está disposto no art. 37 da Constituição Federal, que acrescenta aos já citados os princípios da impessoalidade e publicidade”. [3] Como a intenção não é exaurir o assunto que se refere aos princípios, nesse estudo serão expostos os de maior incidência e relevância nessa área de estudo para melhor compreensão do tema.  1.1 PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL Tem íntima ligação com o princípio da legalidade e é disciplinado pelo art.5º, LIV, da Constituição Federal: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.” Ou seja, “[…] o princípio do devido processo legal tem sentido claro; em todo o processo administrativo devem ser respeitadas as normas legais que o regulam.”.[4] A penalidade não pode ser aplicada de forma discricionária, há a exigência do devido processo legal, devendo as formalidades previstas em lei serem seguidas, assim como todos os direitos do acusado ser observados tais como: notificação do acusado permitindo a sua manifestação no processo, ter uma decisão a respeito do seu processo devidamente motivada, não ser processado com base em provas ilícitas, ter acesso aos autos, etc. Os ritos processuais são estabelecidos na Lei nº 8.112/90, de maneira subsidiária na Lei nº 9.784/99 e de maneira excepcional podem ser lidos no Código de Processo Penal e no Código de Processo Civil. Dessa maneira, pode-se fazer a leitura do art. 143 da Lei n° 8.112/90: A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa. Nesse ensejo, cabe colocar a importância do rito previsto em lei para a condução do processo, pois ainda se trata deste princípio em questão, portanto trata-se de direito indisponível que pode gerar nulidade da medida restritiva de direitos ou do ato punitivo se não for corretamente observado. 1.2 PRINCÍPIO DA VERDADE REAL (OU MATERIAL) Nos processos administrativos há interessados e não partes opostas, logo, o administrador responsável tem o poder-dever de perscrutar os fatos e provas visando o interesse público em busca da verdade material. Pois, “o próprio administrador pode buscar as provas para chegar à sua conclusão e para que o processo administrativo sirva realmente para alcançar a verdade incontestável, e não apenas a que ressai de um procedimento meramente formal”.[5] O processo se conduz em busca de apurar os fatos, não podendo se cogitar aceitar apenas a ideia de que houve irregularidade como base para uma punição. Todos os indícios devem ser provados e podem ser contraditos pelo acusado, como garante o princípio do contraditório. Logo, a verdade real é aquela encontrada tendo como base um confiável lastro probatório e ampla defesa do servidor que está figurando como acusado. 1.3 PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO Os agentes públicos devem indicar os pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão administrativa que implique em restrições a direitos, em prol do interesse público e segurança jurídica que permeiam os processos. Dessa maneira “o Estado, ao assim decidir, vincula-se tanto ao dispositivo legal invocado como aos fatos sobre os quais se baseou, explicita ou implicitamente, para formar sua convicção: no Direito público, portanto, decidir é vincular-se, pois inexistem decisões livres.’[6] Cabe ainda destacar que no art.50 da Lei nº 9.784/99 estão descritos quais os atos administrativos que ensejam a indicação da motivação com seus fatos e fundamentos. “Art. 50 Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses; II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções; III – decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública; IV – dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório; V – decidam recursos administrativos; VI – decorram de reexame de ofício; VII – deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres. Laudos, propostas e relatórios oficiais; VIII – importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo.” A motivação sempre deverá ser fundamentada de maneira clara, explícita e na forma que a lei estabelecer. 2 RESPONSABILIZAÇÃO Há uma distinção entre as responsabilidades, explicitadas no art.121 da Lei nº 8.112/90: “o servidor responde civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições.”. Quando o descumprimento das normas é de nível funcional, a responsabilidade será administrativa, mas se a questão não se limitar aos aspectos funcionais, poderá o servidor ser responsabilizado civil e penalmente. 2.1. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA Cabe à Administração Pública disciplinar seus servidores onde houver violação das normas de conduta internas que tenham relação com suas atribuições, os ilícitos administrativos; podendo estes ser cometidos por ação ou omissão contrária à lei, culpa ou dolo e dano. Para tanto os deveres e proibições estão elencados nos arts. 116, 117 e 132 da Lei nº 8.112/90. Apuração de infração será efetuada através de sindicância contraditória ou processo administrativo disciplinar, art. 143 da já citada lei, garantida a ampla defesa do acusado. 2.2. RESPONSABILIDADE CIVIL      “A responsabilidade civil é de ordem patrimonial e decorre do artigo 186 do Código Civil, que consagra a regra, aceita universalmente, segundo a qual todo aquele que causa dano a outrem é obrigado a repará-lo.” [7] Da leitura do dispositivo verifica-se que para ocorrer o ilícito é necessária: ação ou omissão antijurídica; culpa ou dolo; relação de causalidade entre a ação ou omissão e o dano (material ou moral) e que pode ser, este último, causado ao Estado ou a terceiros.[8] Nos danos diretos ao Estado ou a terceiros, no exercício da função pública deverá o servidor ser chamado a ressarcir os prejuízos causados, de acordo com os arts. 46 a 48 da Lei nº8. 112/90. 2.3 RESPONSABILIDADE PENAL É apurada pelo Poder Judiciário e sua tipificação decorre da conduta que a lei penal institui como infração penal, podendo ensejar a privação de liberdade, restrição de direitos ou multa, conforme art. 32, incisos I, II e III do CP. “[…] a responsabilidade só pode ser atribuída se a conduta for dolosa ou culposa, estando, por conseguinte, descartada a responsabilidade objetiva.” [9] Para fins criminais, o conceito de servidor público é mais amplo sendo considerado “funcionário público, para efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.”, art. 327 do Código Penal. Entretanto, se o funcionário for absolvido na esfera criminal, tem de se considerar o estipulado para absolvição no art. 386 do Código de Processo Penal, onde irão repercutir na esfera administrativa os incisos I, IV e VI.[10] “Art.386. O juiz absolverá o réu, mencionando a casa na parte dispositiva, desde que reconheça: I – estar provada a inexistência do fato; […] IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal; […] VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu da pena (arts.  20,21, 22, 23,26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência; […]” 2.4 PROCEDIMENTOS CONTRADITÓRIOS São os referidos na Lei nº 8.112/90, a seguir estudados. 2.4.1 Sindicância acusatória O processo administrativo disciplinar como gênero comporta o processo administrativo disciplinar (ordinário e sumário) como espécie, além da sindicância acusatória que é composta de instrução, defesa e relatório. A comissão deve conter dois ou mais servidores estáveis; se a comissão assegurar nessa fase o contraditório e ampla defesa – art. 5º, LV, CF- os atos produzidos poderão ser ratificados no processo administrativo. Há início do processo de sindicância acusatória quando a autoridade competente publica portaria para instaurá-la, após há a fase instrutória do processo, onde o indiciado deverá ser notificado e as provas buscadas. Com o fim dessa fase há a elaboração do relatório final que será dirigido à autoridade competente ou o arquivamento do feito. O resultado está descrito no art. 145 da Lei nº 8.112/90: “Da sindicância poderá resultar: I – arquivamento do processo; II – aplicação de penalidade de advertência ou suspensão de até 30 (trinta) dias; III- instauração de processo disciplinar”.     Se houver apenas um indiciado o prazo para defesa será de dez dias, se existirem dois ou mais o prazo será em dobro, de acordo com os art. 161, §§ 1º e 2º da Lei nº 8.112/90. Após a fase de apresentação de defesa, terá a fase de julgamento do processo – em um prazo de vinte dias – que poderá divergir do relatório final da comissão. Ainda cabendo revisão, que não agravará a penalidade do indiciado de acordo com o art.182 da Lei nº 8.112/90. A comissão de apuração deverá ser composta por dois ou mais servidores estáveis, art. 12, § 2º da Portaria CGU nº 335/06. O prazo será de trinta dias, podendo ser prorrogado por igual período obedecendo ao disposto no art. 145, parágrafo único da Lei nº 8.1112/90. A sindicância em questão deverá ser utilizada para fatos que não sejam graves, pois no artigo 145, II, da Lei nº 8.112/90 temos que a sindicância comporta a “aplicação de penalidade de advertência ou suspensão de até 30 (trinta) dias”; caso descubra-se que o caso era mais grave, instaura-se o processo administrativo disciplinar. 2.4.2- Processo sob o rito sumário O procedimento sob o rito sumário regula-se pelo disposto no art. 133, da Lei nº 8.112/90, é composto pelas fases de instauração, instrução sumária e julgamento. Indicado para a apuração de acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas, abandono de cargo e inassiduidade habitual, art. 133 e 140 da mesma lei. Terá um procedimento mais ágil, pois nesses casos a falta é notória, portanto a instrução processual tem maior fluidez. Também pode-se acrescentar que a celeridade é necessária por essas irregularidades ocasionarem prejuízo ao erário que mantém na folha de pagamento um funcionário que não está em seu devido lugar desempenhando suas funções habituais. Então, para garantir o bom andamento do serviço público o prazo para a conclusão do processo, contados da data da publicação do ato que constituir a comissão, será de trinta dias, prorrogáveis por mais quinze, de acordo com o art. 133, § 7º, da Lei nº 8.112/90. 2.4.3 Sob o Rito Ordinário Desse processo administrativo pode resultar a aplicação da punição correspondente à infração, levando-se em consideração a razoabilidade e defesa do interesse público; ou pode ainda resultar no arquivamento do feito por não ter sido provada a infração. O processo administrativo em questão é regulado pela Lei nº 8.112/90 e é divido em fases, como pode ser visto a seguir em seu art.151: “Art. 151 O processo disciplinar se desenvolve nas seguintes fases: I – instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão; II – inquérito administrativo, que compreende instrução, defesa e relatório; III- julgamento”. Seguir as fases listadas é de extrema importância para a lisura do processo e para permitir a correta ampla defesa e contraditório do acusado. Seguiremos com a explicação mais minuciosa das mesmas. 2.4.3.1 Instauração O momento para a instauração, seja arguida de ofício ou por provocação, é logo após o momento do conhecimento irregularidade, há o inicio da mesma com a publicação da portaria, no D.O.U ou no boletim de circulação interna,  que designa a comissão e a autoridade instauradora competente , fixada por regimento ou interno. Nesta portaria só se faz referência aos documentos ou autos de infração que deram origem ao processo administrativo disciplinar. (art.151, I; 141, III e 143 da Lei nº 8.112/90). Na portaria que instaura o processo administrativo disciplinar terá: a autoridade instauradora competente, as informações profissionais da comissão com a designação do presidente, prazo para conclusão dos trabalhos e indicação do alcance dos trabalhos. A comissão que irá proceder com o procedimento será composto de três servidores estáveis, que não terão graus de hierarquia entre si, art. 149, caput da lei já citada. O órgão deve fornecer condições de trabalho adequadas para a comissão, além de assegurar que a mesma tenha independência, inclusive podendo usufruir da prerrogativa de se dedicar integralmente para essa função, art.152, §1º, da Lei nº 8.112/90. A designação para compor a comissão será de competência da autoridade administrativa instauradora do processo administrativo disciplinar e tem caráter obrigatório, com exceção das hipóteses de suspeição e impedimento previstas em lei. Observando ao disposto no art. 150 onde “a comissão exercerá suas atividades com independência e imparcialidade, assegurado o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da administração.”.   Os prazos “serão contados em dias corridos, excluindo-se o dia do começo e incluindo-se o do vencimento, ficando prorrogado, para o primeiro dia útil seguinte, o prazo vencido em dia em que não haja expediente.”, art. 238 da Lei nº 8.1112/90. 2.4.3.2 Instrução   Fase “na qual a Administração colige todos os elementos probatórios que possam respaldar a indicação de que a infração foi cometida pelo servidor.”[11] Há maneiras de se comunicar a respeito dos atos processuais, conforme o caso, com a notificação prévia, a intimação e a citação. A notificação prévia com informações pertinentes ao acusado tem o condão de avisa-lo que existe um processo administrativo disciplinar contra ele; deve ser fornecida uma cópia do processo.  Caso o acusado esteja em localidade diversa da que estiver instalada a comissão, há a possibilidade de envio de um integrante da comissão para realizar pessoalmente a notificação, ainda poderá ser enviada a mesma para o chefe da Unidade onde se encontra o servidor e é recomendado que haja a nomeação de um secretário ad hoc para que auxilie nos trâmites no local. 2.4.3.3 Penalidades aplicáveis Temos que dependendo da gravidade da irregularidade praticada teremos penas diversas sendo aplicadas, como preceitua o art. 128, caput, da Lei nº 8.112/90: “Na aplicação das penalidades serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais.” As penalidades disciplinares são compreendidas no art. 127 da Lei nº 8.112/90: “I – advertência; II – suspensão; III- demissão; IV- cassação de aposentadoria ou disponibilidade; V – destituição de cargo em comissão; VI- destituição de função comissionada.”. A penalidade de advertência é a mais branda, aplicável por escrito e tem o condão de fazer com que o servidor reflita a respeito e não repita aquela conduta. Pode-se observar que estão elencadas no art. 129 e em alguns incisos do art. 117, ambos da Lei nº 8.112/90. De acordo com art.131 da já dita Lei, se o servidor não incorrer em nova irregularidade no período de 3(três) anos o registro da aplicação da penalidade será cancelado.  A penalidade seguinte que pode ser aplicada é a de suspensão, que afasta o servidor que incorreu na infração por até 90 (noventa) dias, perdendo sua remuneração daquele período que estiver afastado. Ainda nos casos do final do art. 129, há entendimento de que poderá ser aplicada a penalidade de suspensão. Nos casos de reincidência descritos, basta que a penalidade de advertência ou suspensão tenha sido efetivamente aplicada uma vez. E existe a possibilidade de conversão da pena de suspensão em multa, onde ele deverá trabalhar e ter a multa descontada de parte da sua remuneração, art. 130, § 2º da Lei nº 8.112/90. Já as penalidades expulsivas, de demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e de destituição de cargo em comissão, temos que no Decreto nº 3.035/99: “Art. 1o  Fica delegada competência aos Ministros de Estado e ao Advogado-Geral da União, vedada a subdelegação, para, no âmbito dos órgãos da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional que lhes são subordinados ou vinculados, observadas as disposições legais e regulamentares, especialmente a manifestação prévia e indispensável do órgão de assessoramento jurídico, praticar os seguintes atos: I – julgar processos administrativos disciplinares e aplicar penalidades, nas hipóteses de demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade de servidores; II – exonerar de ofício os servidores ocupantes de cargos de provimento efetivo ou converter a exoneração em demissão.”  Há também previsão na Lei nº 8.112/90: “Art. 132.  A demissão será aplicada nos seguintes casos: I – crime contra a administração pública; II – abandono de cargo; III – inassiduidade habitual; IV – improbidade administrativa; V – incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição; VI – insubordinação grave em serviço; VII – ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima defesa própria ou de outrem; VIII – aplicação irregular de dinheiros públicos; IX – revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo; X – lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional; XI – corrupção; XII – acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas; XIII – transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117.” No condão de esclarecer as informações aqui apresentadas a pena de demissão só poderá ser aplicada a servidor efetivo; a cassação de aposentadoria aplicável ao inativo que tiver praticado a infração ainda quando estava na ativa (art.134); e a destituição só é aplicável aos não ocupantes de cargo efetivo que incidirem em irregularidade passível de suspensão. Na leitura do art. 146 da Lei nº 8.112 temos que sempre que a suspensão superar o prazo de 30 (trinta) dias, ou ainda a pena for de “demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, ou destituição de cargo em comissão, será obrigatória a instauração de processo disciplinar”. 3.NULIDADES As nulidades, que são o tema desse trabalho, podem ocorrer em razão da inobservância aos preceitos legais e aos princípios que regem os processos. “É vício de forma que, provocando prejuízo em detrimento da verdade substancial dos fatos imputados ao servidor acusado, contamina a validade do ato e do respectivo processo”.[12] “Súmula 473 STF A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.” Há que se falar da análise dos elementos sobre os quais podem recair as nulidades: sujeito, objeto, forma, motivo e finalidade. O vício em um desses elementos já pode ensejar a nulidade, que pode ser absoluta (insanável) ou relativa (sanável).  E em razão da extensão do vício que será determinada a invalidação total ou parcial do processo, analisando se foi fundamental para a convicção da comissão ou da autoridade julgadora. No que concerne às provas que foram obtidas oriundas de nulidade, também deverão ser invalidadas em razão da “teoria dos frutos da árvore envenenada”. Devendo ser observadas os requisitos para avaliar se e quais atos/provas estão eivadas de vício e qual a sua real influência no processo. Os atos que estiverem afastados de ilegalidades serão preservados. Há o prazo prescricional de cinco anos para a declaração de nulidade dos atos administrativos pela própria Administração, art. 54, “caput” e §2º da Lei nº 9.784/99. Ainda cabe acrescentar o disposto no art. 65 da Lei nº 9.784/99 que diz a respeito da revisão de processos administrativos que resultem em sanções: “Art. 65 Os processos administrativos de que resultem sanções poderão ser revistos, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando surgirem fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada.  Parágrafo único. Da revisão do processo não poderá resultar agravamento da sanção.” Logo, se um processo estiver eivado de vício o mesmo deverá ser anulado baseado no princípio da autotutela, com escopo no art. 114 da Lei nº 8.112/90 onde “a Administração deverá rever seus próprios atos, a qualquer tempo, quando eivados de ilegalidade.”           Com a nulidade absoluta é necessário refazimento do ato desde sua origem, pois as provas e atos anteriores podem estar inválidos, pois ensejam prejuízo para o indiciado.  Adentrando às nulidades absolutas, frisa-se que quando há a abertura do processo por autoridade incompetente; na incompetência da autoridade julgadora; nos não atendimentos aos requisitos funcionais dos membros da comissão; designar servidores em menor número ao legalmente previsto em lei; comissão integrada por membros não ocupantes de cargos efetivos ou não estáveis. Segue exemplo do disposto no Agravo Regimental no Mandado de Segurança nº 20689 (201304139504). Relator Napoleão Nunes Maia Filho, Distrito Federal, 05 de março de 2015: “EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. AUDITOR FISCAL DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL. DEMISSÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. COMISSÃO PROCESSANTE INTEGRADA POR SERVIDOR EM ESTÁGIO PROBATÓRIO NO CARGO DE AUDITOR FISCAL. ARTS. 149 E 150 DA LEI 8.112/90. GARANTIA AO INVESTIGADO E AOS MEMBROS DA COMISSÃO QUE, SENDO ESTÁVEIS NO CARGO, PODEM ATUAR INDEPENDENTE E IMPARCIALMENTE. NULIDADE ABSOLUTA VERIFICADA. PREJUÍZO PRESUMIDO PARA A DEFESA DO IMPETRANTE. SEGURANÇA CONCEDIDA NOS TERMOS DO PARECER DO MPF.[…] […]2. A teor do art. 149 da Lei 8.112/90, o Processo Administrativo Disciplinar será conduzido por Comissão Processante composta de três Servidores estáveis designados pela Autoridade competente. Respeitadas as posições em contrário, a melhor exegese desse dispositivo repousa na afirmação de que todos os Servidores dessa CP devem ser estáveis nos cargos que ocupam, ou seja, não se encontrem cumprindo estágio probatório no momento em que indicados para a composição da Comissão Processante.[…].” Ainda temos a nulidade absoluta nos casos de: indeferimento sem motivação de diligências solicitadas pelo acusado; pela falta de defesa escrita; utilização de documentos que irão responsabilizar o servidor e não passaram pelo contraditório ou quando inexiste o exercício do contraditório e da ampla defesa pela ausência de notificação para acompanhar o processo como pode ser visto a seguir no Mandado de Segurança nº 20336 (201302391427), Relator Mauro Campbell Marques, Distrito Federal, 01 de abril de 2014 : “EMENTA: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL. DEMISSÃO. UTILIZAÇÃO DE INCIDENTE DE SANIDADE MENTAL INSTAURADO EM OUTRO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR, SEM OPORTUNIZAÇÃO DE CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. NULIDADE CONFIGURADA. SEGURANÇA CONCEDIDA. […] […] 2. Alega o impetrante que o processo administrativo disciplinar que resultou na sua demissão encontra-se eivado de nulidades, uma vez que nele houve utilização de Incidente de Sanidade Mental instaurado em outro processo administrativo disciplinar, sem oportunização de contraditório e ampla defesa; e, ainda, pela ausência de intimação pessoal relativamente aos atos praticados no PAD.[…].” E ainda existem casos de nulidade que se relacionam com o julgamento, como quando o mesmo vai de encontro às provas produzidas no processo; ou que não siga o relatório final, sem os devidos esclarecimentos, motivação daquela decisão; julgamento realizado por autoridade impedida e a ausência de identidade entre os fatos constantes do indiciamento e do ato decisório, como é o caso desse Mandado de Segurança nº 8901 (200300152758), Relator Desembargador Ericson Maranho, Distrito Federal, 06 de novembro de 2015: “[…] In casu, a penalidade de demissão impugnada foi adotada levando em consideração parecer da Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência e Assistência Social, que equivocadamente apontou a impetrante como responsável por conduta a ela não atribuída e de maior gravidade. Segurança concedida a fim de reconhecer a nulidade do ato demissório exarado pelo Exmo. Sr. Ministro de Estado da Previdência e Assistência Social (Portaria n. 1025, de 17 de setembro de 2002), devendo ser ratificada a liminar para a devida reintegração da servidora nos quadros do Ministério da Previdência e Assistência Social,[…].” Nos casos das nulidades relativas temos que “em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria Administração.”, art. 55 da Lei nº 9.784/99. E segue listagem exemplificativa desses casos em voga. Como nos casos de suspeição da autoridade instauradora e/ou julgadora do processo, ou ainda dos membros da comissão; existindo impedimentos funcionais; notificação ou citação por edital do indiciado que tenha endereço sabido ou de servidor que esteja internado para tratamento de saúde, por exemplo. Os dois mandados de segurança a seguir exemplificam como a falta de parcialidade da comissão pode interferir no julgamento do processo. Mandado de Segurança nº 15047 (201000273937). Relator Nefi Cordeiro, Distrito Federal, 21 de outubro de 2015: “[…] 1. Dispõe o art. 150 da Lei n. 8.112/90 que o acusado tem o direito de ser processado por uma comissão disciplinar imparcial e isenta. Não se verifica tal imparcialidade se o servidor integrante da comissão disciplinar atuou também na sindicância, ali emitindo parecer pela instauração do respectivo processo disciplinar, pois já formou juízo de valor antes mesmo da produção probatória. Precedente (MS 15.048/DF, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Seção, DJe 01/04/2014). 2. Mandado de segurança concedido, para anular a Portaria n. 274, de 23 de outubro de 2009, do Ministro de Estado da Previdência Social, determinando a reintegração da impetrante no cargo, garantidos os vencimentos, direitos e vantagens a ela inerentes, a contar da data da publicação do ato impugnado. ..EMEN:[…].” Mandado de Segurança nº 7758 (200100876070). Relator Desembargador Ericson Maranho. Distrito Federal, 29 de abril de 2015: “[…]1 – A Terceira Seção desta Corte já se manifestou no sentido de que não se verifica imparcialidade se o servidor integrante de Comissão Disciplinar também participou da Sindicância, ali emitindo juízo de valor pela instauração do Processo Administrativo Disciplinar.[…] […] Segurança concedida a fim de reconhecer a nulidade do Processo Administrativo Disciplinar n. 23142002871/9 e, consequentemente, do ato demissório exarado pelo Exmo. Sr. Ministro de Estado da Educação (Portaria n. 792 do MEC, de 22.02.2001), devendo ser ratificada a liminar para a devida reintegração da servidora nos quadros do Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia. ..EMEN:[…].” Ainda existem os vícios de mera irregularidade que afetam apenas às formas dos atos, tendo como exemplos: ausência de encaminhamento ao MP e TCU; julgamento fora do prazo legal, ausência de meras formalidades; excesso de prazo na conclusão do processo e também, pode ser usado como exemplo, a tomada de providências que possam ter sido deliberadas sem a respectiva ata.[13]. O excesso de prazo fica demonstrado no Mandado de Segurança nº 13527 (200800925105). Relator Rogerio Schietti Cruz. Distrito Federal, 21 de março de 2016: “EMENTA: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DEMISSÃO. AUSÊNCIA DE ADVOGADO CONSTITUÍDO. SÚMULA VINCULANTE 5/STF. EXCESSO DE PRAZO PARA CONCLUSÃO DO PAD. NULIDADE RELATIVA. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. DECISÃO ADMINISTRATIVA FUNDAMENTADA. ALEGAÇÃO DE DESPROPORCIONALIDADE. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA. A ausência de advogado constituído não importa em nulidade de processo administrativo disciplinar, desde que seja dada ao acusado a oportunidade do pleno exercício do contraditório e da ampla defesa. Aplicação da Súmula Vinculante n. 5 do STF. O excesso de prazo para conclusão do processo administrativo disciplinar não é causa de nulidade quando não demonstrado nenhum prejuízo à defesa do servidor. Entende este Superior Tribunal de Justiça que a autoridade que impõe a pena está vinculada somente aos fatos apurados, mas não à capitulação legal proposta pela Comissão Processante (MS 13.364/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, DJe 26/5/08).[..].” Insta salientar, que os vícios que causam as nulidades aqui exemplificadas através dos julgados, são por mera falta de observância aos preceitos legais. A necessidade de revisão por parte dos tribunais superiores se faz necessária, numa análise geral, por questões básicas de não observância processual e não em razão de má-fé, por exemplo.    Na nossa sociedade atual as instituições públicas passam descrédito em razão de diversas notícias de improbidade administrativa, corrupção ativa e passiva, além da morosidade que as assola em razão da grande demanda e pouco pessoal. Enfim, o estudo da questão revela a possibilidade de melhora com mais atenção e zelo pelas instituições públicas. CONCLUSÃO Ao longo da coleta de dados notou-se a complexidade do assunto, visto que a norma básica para análise do mesmo, Lei nº 8.112/90, não é suficiente para sanar todas as questões que giram em torno do tema. Podem ser observadas através do estudo as várias legislações que foram utilizadas para tratar de irregularidades diversas às apresentadas na Lei nº 8.112/90. Essa grande quantidade de normas esparsas sobre o tema dificulta o entendimento de uma pessoa leiga, que porventura possa precisar compor uma comissão para averiguar alguma irregularidade, pelo simples fato de ser servidora pública. Por este motivo, de maneira regular os operadores do Direito, ou pessoas que tenham afinidade com o tema são chamados para compor essas comissões, que demandam bastante conhecimento jurídico e pesquisa sobre o assunto, pois, todos os atos processuais necessitam ter embasamento legal e as decisões precisam ser devidamente motivadas. Portanto, torna-se muito difícil ao servidor público, sem um preparo adequado, conseguir realizar um processo administrativo disciplinar ou uma sindicância acusatória sem que eventuais nulidades apareçam. Em face disso, foi confirmada a hipótese de que falta capacitação adequada aos agentes públicos. Há a necessidade de que cursos a respeito dos procedimentos disciplinares sejam ministrados de maneira frequente, não apenas para que os servidores possam compor as comissões, mas também para que possam saber quais são seus direitos e deveres perante a Administração Pública. Neste viés, deve-se observar também, que muitos servidores adentraram/adentram à administração pública sem prestar concurso público, como podemos citar, a título de exemplo, os servidores ocupantes de cargos em comissão, bem como os servidores antigos, digo, a obrigatoriedade dos concursos públicos é prevista no art. 37, II, da CF, no entanto, não é raro nos depararmos com agentes que prestavam serviços à administração pública antes desta data, sendo então, em termos de direito adquirido, servidores públicos. Logo, deve-se considerar a evidente dificuldade que tais servidores apresentaram para compreender o trâmite administrativo disciplinar, uma vez que não é comum serem oferecidos cursos da referida matéria a tais servidores. É de interesse geral que os servidores tenham mais conhecimento a respeito de seu próprio regime disciplinar, para que as condutas dos mesmos sejam pautadas na moralidade e eficiência, e ainda para que haja menos dispêndio de tempo e recursos financeiros em razão das nulidades geradas por mera falta de conhecimento.
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Universidades x conselhos profissionais: a interferência dos conselhos profissionais nas universidades, frente à autonomia universitária e à livre iniciativa, em caso de instituições particulares
No Brasil, as profissões são regulamentadas por lei. O exercício dessas profissões é fiscalizado pelos Conselhos de Classe Profissionais, que são autarquias federais, também criadas por lei, cujas atribuições são delegadas pelo Poder Público Federal. Os Conselhos dedicam-se a fiscalizar as profissões, bem como os seus profissionais. Com base na garantia constitucional da livre iniciativa, as instituições de ensino superior podem se constituir na forma de pessoa jurídica de direito privado, desde que observados os requisitos estabelecidos na Constituição Federal (CF) e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, para livremente exercer a sua atividade econômica em sentido amplo. As Universidades Privadas, ligadas ao sistema federal de ensino, possuem outra garantia constitucional: a Autonomia Universitária. Esta autonomia compreende a capacidade de gerir a si mesmo, de forma ampla, administrativa, didático-científica e financeiramente, sem quaisquer interferências exteriores, podendo ser fiscalizadas única e exclusivamente pelo órgão regulador do ensino superior – o Ministério da Educação (MEC). Assim, a Universidade pode criar cursos, com avaliação e autorização posterior do MEC. Apesar da autonomia universitária, garantida pela CF, diversos Conselhos Profissionais, por meio de ofícios, requisições, normas e até por leis infraconstitucionais e infralegais, interferem de forma ilegítima na gestão das Universidades.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO A Universidade, apesar de ter sua autonomia, didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, garantida pela Constituição Federal, por diversas vezes, sofre interferências de Conselhos de Classe Profissionais em sua gestão administrativa e acadêmica, em seu corpo docente e, inclusive, nos seus cursos de graduação. Se à Universidade, pública ou privada, é garantida a autonomia científica, administrativa e financeira, é legítima a interferência destes Conselhos Profissionais? E seria legítima a interferência desses Conselhos Profissionais nas Universidades Privadas frente ao Princípio da Livre Iniciativa? Percebe-se que tais garantidas, muitas vezes, são violadas por normas infraconstitucionais e por atos administrativos dos Conselhos Profissionais, que sob o argumento de serem autarquias, que atuam sob a delegação do Poder Público, excedem os limites de sua atuação e interferem de forma ilegal e inconstitucional nas Universidades. Os Conselhos Profissionais, por diversas vezes, entendem que a atividade docente, o ensino e a pesquisa são atividades e atribuições do profissional da categoria, e que a Universidade deve adequar seus cursos de graduação às diretrizes e orientações do respectivo Conselho. Diante dos diversos questionamentos surgidos sobre o tema, procurou-se, discorrer sobre as instituições de ensino superior (IES) privadas no Brasil; abordar sobre a autonomia das Universidades e sobre a livre iniciativa no ensino superior, garantida pela Constituição; explica-se os objetivos e as finalidades da criação dos Conselhos Profissionais no País; e ao final, aponta diversas interferências dos Conselhos Profissionais nas Universidades. 1 DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR PRIVADAS NO BRASIL As Instituições de Ensino Superior (IES) brasileiras podem ser públicas ou privadas. A IES pública notadamente é mantida pelo Poder Público, em nível federal, estadual ou municipal. Já a IES privada é administrada por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, com ou sem finalidade de lucro, mas que, independente da finalidade, cobram de seus alunos, selecionados por meio de processo de seleção institucional, pela prestação do serviço educacional, sendo por isso, também, consideradas prestadoras de serviço, com base no Código de Defesa do Consumidor, Lei n.º 8.078/90, em seu art. 3º, § 2º. As instituições privadas de ensino, nos termos do art. 20 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei n.º 9.394/96, podem ser particulares, comunitárias, confessionais e filantrópicas. As IES podem ser classificadas, sob o aspecto acadêmico, administrativo e organizacional, como: faculdade, centro universitário, institutos federais e universidade (art. 12 do Decreto n.º 5.773/06, e Lei n.° 11.892/2008).As distinções entre esses institutos não serão abordadas no presente artigo, pois demandaria maior discussão, limitando-se à Universidade. A Universidade é autônoma para criar cursos, campi, sedes ou unidades educacionais acadêmicas e administrativas, expedir diplomas, fixar currículos de seus cursos, observadas as diretrizes do órgão regulador do ensino superior, fixar o número de vagas, conferir graus e diplomas, firmar contratos, acordos e convênios, entre outras ações, nos termos do disposto no art. 53 da LDB e seu parágrafo único. Nota-se que, dentro dos recursos financeiros e orçamentários, a Universidade tem garantia de ampla autonomia didático-científica, para decidir sobre criação e extinção de cursos, ampliação ou diminuição de vagas ofertadas, elaboração dos programas de seus cursos, contratação e dispensa de professores, dentre outros. 2 DA AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA A autonomia universitária é inerente à própria essência da universidade, entendida como uma instituição dedicada a promover o avanço do saber, o espaço da invenção, da descoberta, da elaboração de teorias, da pesquisa, produção de conhecimento, formação de cidadãos, de pessoas e de profissionais. Nesse sentido, a autonomia é uma condição necessária para a concretização dos fins da universidade: divulgar e disseminar o conhecimento nela e por ela produzidos. Fávero (2000, p. 71) esclarece sobre a autonomia universitária, analisando a etimologia da palavra, bem como as implicações do vocábulo “autonomia” na Universidade: “De acordo com a origem etimológica do vocábulo, o termo autonomia corresponde exatamente à sua forma grega, sendo composto de duas raízes: autós e nómos. A primeira significa ‘si mesmo’, algo que se basta, que é peculiar, e a segunda tanto pode significar ‘lei’, ‘regra’ quanto ‘ordem’ (Cunha, 1982). A palavra autonomia, portanto, resulta da aglutinação dessas duas raízes, significando a lei de si mesmo. No confronto das duas raízes há uma identidade trazida por autós e uma pequena diferença específica dada pela dupla origem de nómos. Pela identidade, a universidade é autós ou não será uma universidade. Consequentemente, o vocábulo autonomia aplicado à instituição universidade implica que ela tem de ser, por si mesma, sujeito de suas decisões e ações, capaz de exercer em plenitude a prática da liberdade.” A origem da autonomia universitária no País se deu nos idos de 1911, quando o Brasil ainda era “Estados Unidos do Brazil”, por meio do Decreto n.º 8.659/11, que aprovava a lei orgânica do Ensino Superior e do Fundamental na República. O revogado Decreto dispunha que os estabelecimentos de ensino superior do País são “corporações autônomas, tanto do ponto de vista didático, como administrativo” (Fávero, 2000, p. 72). Na época, a iniciativa privada ainda não fazia parte da educação superior brasileira. Todavia, o termo “autonomia” foi “suprimido pela Reforma Carlos Maximiliano, que reorganizou o ensino secundário e superior da República” (Fávero, 2000, p. 72), por meio do Decreto n.º 15.530/1915. A livre iniciativa continua sem oferta no ensino superior. A concessão da autonomia universitária é retornada às universidades brasileiras, porém, de forma relativa, por meio da Reforma Francisco Campos, em 1931 (Fávero, 2000, p. 72), realizada no início da Era Vargas (1930-1945), sob o comando do Ministro da Educação e Saúde Francisco Campos. A livre iniciativa tem a oportunidade de ingressar na oferta do ensino superior. “A Reforma Francisco Campos foi a primeira a colocar a universidade como modelo para o desenvolvimento do ensino superior, estabelecendo a organização, composição, competência e funcionamento da administração universitária (reitoria, conselho universitário, assembleia geral universitária, institutos, conselho técnico-administrativo, congregação etc.) e prevendo a representação estudantil. […].. As universidades poderão ser criadas e mantidas pela União, pelos Estados, ou sob a forma de fundações ou de associações, por particulares, constituindo universidades federais, estaduais e livres. As ‘universidades livres’ (privadas) podem ser ‘equiparadas’ às universidades federais, assim como as universidades estaduais.” (FRAUCHES, 2004, p. 3) A Reforma Francisco Campos ultrapassou o regime ditatorial, vigorando até 1961, quando da promulgação da Lei n.º 4.024, de 20/12/1961, conhecida como a primeira lei de diretrizes e bases da educação nacional (1ª LDB). A partir da 1ª LDB a iniciativa privada tem significativo avanço na educação superior, assegurando igualdade dentre os estabelecimentos públicos e os privados: “A liberdade de ensino é a marca mais significativa da primeira LDB, assegurando igualdade entre estabelecimentos de ensino públicos e particulares ‘legalmente autorizados’. Abandona-se a expressão ‘universidade livre’ ou ‘faculdade livre’ para designar as instituições privadas de ensino superior”. (FRAUCHES, 2004, p. 3) A 1ª LDB ainda garantiu, em seu art. 80, a autonomia didática, administrativa, financeira e disciplinar das Universidades, nos termos de seus estatutos. A 1ª LDB foi revogada, exceto os arts. 6º ao 9º, pela nova LDB, a Lei n.º 9.394/1996. A vigente LDB, em seu art. 53 e parágrafo único, garante a autonomia didático-científica das Universidades, regulamentando o disposto no art. 207 da Constituição Federal de 1988, que dispõe: “Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. Ressalta-se que, dentre todas as Constituições Federais que o Poder Constituinte Brasileiro editou, quais sejam, as de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e a de 1967, com a EC n.º 1/69, apenas a CF/1988 dispôs sobre a universidade brasileira e garantiu a sua autonomia, face à importância do tema. O conceito trazido pela Constituição Federal pode ser interpretado de diversas formas, sendo discutível a existência de limites da autonomia. Costa (1990, p. 5) esclarece: “Aparentemente, não há dificuldade maior em se entender o significado do conteúdo do art. 207 da Carta Constitucional. Indica precisamente que os entes universitários sejam constituídos sob forma autárquica ou fundacional, gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial. Do ponto de vista didático-científico, são autônomas, isto é, têm liberdade para reger seus programas de ensino, suas áreas de pesquisa e a conduta didática a ser observada por seus agentes. Do ponto de vista administrativo, têm liberdade para praticar todos os atos de natureza administrativa, envolvendo, portanto, assuntos relativos à sua própria organização e funcionamento, e ainda ao seu pessoal, ao seu material etc. No que se refere ao lado financeiro e patrimonial, a liberdade diz respeito (…) à gerência de suas finanças e de seu patrimônio.” O já citado parágrafo único do art. 53 da LDB ressalta que, para garantir a autonomia didático-científica das universidades, caberá aos seus colegiados de ensino e pesquisa decidir, dentro de seus recursos orçamentários, sobre a criação, expansão, modificação e extinção de cursos, a ampliação e diminuição de vagas e elaboração da programação dos cursos, dentre outros. O mesmo art. 53, dispõe em seu inciso I, que são asseguradas às universidades, no exercício de sua autonomia, criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educação superior, observadas as normas gerais da União e do sistema de ensino. Por sua vez, os incisos VI, VII e IX, do art. 9º da LDB, dispõem que cabe à União baixar normas sobre cursos de graduação e de pós-graduação; assegurar processo nacional de avaliação das instituições de educação superior; e autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar os cursos das instituições de educação superior, bem como dos estabelecimentos do ensino superior, podendo esta última atribuição ser delegada aos Estados e ao Distrito Federal. Inclusive, o art. 10 da LDB, inciso IV, também dispõe que ao Estado incumbe autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente, os cursos das instituições de educação superior e os estabelecimentos do seu sistema de ensino. Na verdade, tais dispositivos apenas regulamentam o disposto na Constituição Federal, nos arts. 22, 23 e 24, que estabelecem as competências para legislar da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Observa-se que, pela primeira vez, a Constituição Brasileira, deu tanta importância à educação, ao ensino, à pesquisa e à inovação, incluindo, inclusive, um Capítulo sobre o tema: “Da Educação, da Cultura e do Desporto”, que, apresenta princípios e normas fundamentais relativos à educação e garantias constitucionais, incluindo o acesso aos níveis mais elevados do ensino e da pesquisa (o curso superior e a pós-graduação). Depois de uma Constituição que abriu espaço para a educação, em todos os níveis, a LDB trouxe importantes transformações para a estruturação da educacional nacional, dando ênfase aos processos de avaliação, para a melhoria da qualidade do ensino e criando recursos para a regulação do setor, de instituições e de cursos. Nesse contexto (SINAES, 2004, p. 27): “(…) a avaliação da educação superior assumiu lugar especial dentre as políticas educacionais, seja para a orientação de suas diretrizes mais amplas, seja para as ações concretas dos órgãos competentes do Ministério da Educação (MEC)”. Nota-se que a educação superior compete às Instituições de Ensino Superior, públicas ou privadas, que devem observar em sua constituição, administração e funcionamento, apenas as normas expedidas pela União, Estados e órgãos reguladores do ensino superior, criados pelo Ministério da Educação. Assim, não há limites ou restrições à autonomia Universitária, garantida pela Constituição Federal e cujas atribuições são conferidas pela LDB, que não sejam aquelas impostas pelos competentes e já citados Entes: União, Estados e órgãos reguladores do ensino superior, vinculados ao Ministério da Educação. 3 DO PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA E DA SUA APLICABILIDADE ÀS UNIVERSIDADES PRIVADAS A livre iniciativa é mencionada, na Constituição Federal/88, como fundamento da República, no art.1º, inciso IV e, ainda, no caput do art.170, como princípio da ordem econômica. O art. 170 da CF assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo casos previstos em lei. Esta liberdade de iniciativa é o espaço de atuação na economia independente de constrição do Estado e será exercida na atividade econômica de produção, circulação, distribuição e consumo de bens e serviços, no mercado, onde atuam os agentes econômicos, que são o Estado, as sociedades empresárias e de pessoas, os trabalhadores e os consumidores. Sobre a noção de livre iniciativa, Bastos (2000, p. 119): “A liberdade de iniciativa consagra tão-somente a liberdade de lançar-se à atividade econômica sem encontrar peias ou restrições do Estado. Este princípio conduz necessariamente à livre escolha do trabalho, que, por sua vez, constitui uma das expressões fundamentais da liberdade humana”. O Princípio da livre iniciativa econômica relaciona-se intimamente com a liberdade, permitindo o exercício da atividade econômica de forma livre. Scaff (2006, p. 110) traz pontuações acerca da liberdade de iniciativa econômica: “Liberdade de iniciativa econômica decorre de um primado de liberdade, que permite a todo agente econômico, público ou privado, pessoa física ou jurídica, exercer livremente, nos termos das leis, atividade econômica em sentido amplo. Parte de um conceito de liberdade de exercício da profissão, para trabalhadores, e da liberdade do exercício de uma atividade econômica, para empresas”. Ribeiro (2012, p. 261) também pontua sobre a livre iniciativa: “Livre iniciativa, por sua vez, é tida como a liberdade, conferida a todos, de exercer uma atividade econômica, vale dizer, de produzir e disponibilizar a terceiros os recursos materiais necessários do bem-estar por meio da prestação de serviços, salvo exceções dispostas em lei”. Essa liberdade de iniciativa econômica, ou livre iniciativa, pode sofrer interferência do Estado, porém, apenas no sentido de garantir a livre concorrência, a isonomia necessária entre as diversas empresas do segmento, de forma a reprimir o abuso do poder econômico, para que o mercado não seja dominado por uma ou poucas pessoas. Nesse sentido, Silva (2002, p. 770): “Cumpre, então, observar que a liberdade de iniciativa econômica não sofre compressão só do Poder Público. Este efetivamente o faz legitimamente nos termos da lei, quer regulando a liberdade de indústria e comércio, em alguns casos impondo a necessidade de autorização ou de permissão para determinado tipo de atividade econômica, quer regulando a liberdade de contratar, especialmente no que tange às relações de trabalho, mas também quanto à fixação de preços, além da intervenção direta na produção e comercialização de certos bens.” Assim, nenhum outro tipo de restrição do Estado, ou de Ente que o represente, poderá restringir este princípio constitucional garantido às pessoas jurídicas de direito privado, organizadas com o fim de prestar serviços, visto que são livres para produzir ou disponibilizar seus serviços aos consumidores, desde que observadas as disposições legais. Nesse sentido, as Universidades são livres para serem criadas, ampliadas ou extintas, bem como para criarem ou extinguirem seus campi e cursos, ampliarem ou reduzirem vagas, dentre outras ações, observada a legislação pertinente, tal como a LDB. Conforme pesquisa realizada por Trigueiro (2000, p. 24), no Brasil, em 1996, existia 711 instituições de ensino superior privadas, compreendidas entre Universidade, Faculdades, Faculdades Integradas, dentre outros estabelecimentos. Atualmente, conforme relatório processado pelo Sistema e-MEC, em consulta às Instituições de Ensino Superior privadas, com ou sem fins lucrativos, existem 2.505 instituições credenciadas em todo o País (MEC, 2017). Percebe-se que as instituições de ensino superior privadas têm crescido de forma muito acentuada no País e, muitas vezes, sem o necessário rigor de qualidade. Por isso, a fiscalização Estatal, relativa ao desempenho, avaliação e qualidade, é preciso. A Universidade privada, nos termos do art. 16 da LDB, pertence ao sistema federal de ensino. Portanto, a competência para análise, avaliação e julgamento das Universidades privadas é Federal. A Constituição Federal, mais uma vez, ao apresentar normas fundamentais sobre a Educação, garantiu à iniciativa privada o ensino, desde que observadas alguma condições, conforme dispõe o art. 209: “O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I – cumprimento das normas gerais da educação nacional; II – autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.” (BRASIL, 1988). A LDB praticamente reproduziu, em seu art. 7º, o disposto no art. 209 da Constituição Federal, acrescentando uma condição, em seu inciso III: a “capacidade de autofinanciamento”. Se se tratar de uma IES privada com fins lucrativos, esta terá que ter capacidade suficiente para se financiar, seja na sua gestão, seja para pesquisa e extensão. Já a IES privada, sem fins lucrativos, mais especificamente, as comunitárias, confessionais ou filantrópicas, poderá ter apoio do Governo, nos termos do art. 213 da CF. As instituições de ensino superior privadas, e também as públicas, terão o seu credenciamento autorizado, bem como o reconhecimento e a aprovação de seus cursos, após passar por processo regular de avaliação do órgão competente (MEC), com prazos limitados e renovados periodicamente, nos termos do art. 46 da LDB. Sobre o credenciamento, recredenciamento, autorização e reconhecimento de cursos, o SINAES (2004, p. 33) esclarece: “Especificamente sobre avaliação, o art. 16 do Decreto n.º 3.860 afirma que para fins de cumprimento dos artigos 9º e 46 da LDB, ‘o Ministério da Educação coordenará a avaliação de cursos, programas e instituições de ensino superior.’ Detalha o caráter periódico dos processos de autorização e reconhecimento de cursos e credenciamento e recredenciamento de IES estabelecido no art. 46 da LDB e na mesma linha das normas anteriores, estabeleceu que a autorização para o funcionamento e o reconhecimento de cursos superiores, bem assim o credenciamento e o recredenciamento de instituições de ensino superior organizadas sob quaisquer das formas previstas neste Decreto, terão prazos limitados, sendo renovados, periodicamente, após processo regular de avaliação.” O Decreto n.º 5.773/2006, dispõe que a oferta de cursos superiores em faculdades (públicas ou privadas), dependem de autorização do MEC e, quando se trata de uma Universidade, a sua autonomia garante a abertura de cursos, independentemente de autorização para funcionamento do curso superior, com avaliação e reconhecimento posteriores. Nesse sentido, estabelecem os arts. 26 e 27 do citado Decreto: “Art. 27.  A oferta de cursos superiores em faculdade ou instituição equiparada, nos termos deste Decreto, depende de autorização do Ministério da Educação. § 1o  O disposto nesta Subseção aplica-se aos cursos de graduação e sequenciais. § 2o  Os cursos e programas oferecidos por instituições de pesquisa científica e tecnológica submetem-se ao disposto neste Decreto. Art. 28.  As universidades e centros universitários, nos limites de sua autonomia, observado o disposto nos §§ 2o e 3o deste artigo, independem de autorização para funcionamento de curso superior, devendo informar à Secretaria competente os cursos abertos para fins de supervisão, avaliação e posterior reconhecimento, no prazo de sessenta dias.  § 1o  Aplica-se o disposto no caput a novas turmas, cursos congêneres e toda alteração que importe aumento no número de estudantes da instituição ou modificação das condições constantes do ato de credenciamento.  § 2o  A criação de cursos de graduação em direito e em medicina, odontologia e psicologia, inclusive em universidades e centros universitários, deverá ser submetida, respectivamente, à manifestação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ou do Conselho Nacional de Saúde.  § 3o  O prazo para a manifestação prevista no § 2o é de sessenta dias, prorrogável por igual período, a requerimento do Conselho interessado.” (BRASIL, 2006). Desta forma, as Instituições de Ensino Superior são livres para se constituírem na forma privada, com base na garantia constitucional da livre iniciativa e da autonomia universitária, desde que observadas as leis e as normas expedidas pelo MEC, bem como a autorização e a avaliação da qualidade pelo Poder Público. Nesse sentido, a Universidade privada está submetida a controle exclusivamente do Governo Federal, por meio de seu órgão regulador do ensino. Destaca-se, porém, o disposto no § 2º do já transcrito art. 28 do Decreto n.º 5.773/06, que estabelece que a criação de cursos de graduação em direito, medicina, odontologia e psicologia, inclusive em universidades, deverá ser submetida à manifestação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ou do Conselho Nacional de Saúde, com prazo para manifestação dos mencionados Conselhos. Entretanto, parece desarrazoável tal dispositivo frente à autonomia universitária e à livre iniciativa, garantidas pela Constituição Federal, norma hierarquicamente superior ao Decreto, principalmente no tocante ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que não é órgão vinculado ao Governo Federal, mas tão somente um órgão de classe profissional. O Conselho Nacional de Saúde é um órgão vinculado ao Ministério da Saúde. Assim, caso o MEC pretendesse ouvir algum órgão ligado à área do Direito, este deveria ser um órgão pertencente ao Ente Federal, como o Ministério da Justiça, mas data venia, não um órgão de classe profissional. Assim, com base no princípio da livre iniciativa, as Universidades apenas poderiam ser controladas e fiscalizadas por órgãos vinculados ao Governo Federal, mais precisamente ao órgão regulador do ensino superior, o MEC, sob pena de ofensa e limitação do citado princípio constitucional, que garante o crescimento econômico e a livre concorrência. 4 DOS CONSELHOS DE CLASSE PROFISSIONAIS Os Conselhos Profissionais surgiram em face do interesse da sociedade e do próprio Estado, por delegação, em controlar as atividades exercidas por grupos profissionais, como modo de proteção dos cidadãos em eventuais riscos e falhas que pudessem ser provenientes desses profissionais inabilitados. A Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu art. 5º, XIII: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Assim, é livre a escolha e o exercício de qualquer profissão, desde que atendidos os requisitos estabelecidos na lei que regulamente esta profissão. A Constituição ainda dispõe que compete à União organizar, manter e executar a inspeção do trabalho (art. 21, XXIV) e para legislar, privativamente, sobre a organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões (art. 22, XVI). Nota-se a preocupação do Constituinte de 1988 sobre o exercício profissional no País e a necessidade de controle. “A Ordem dos Advogados do Brasil foi o primeiro ente formalmente instituído para controle do exercício de uma atividade profissional. Após a criação da OAB, em 1930, por meio do Decreto nº 19.408, outros conselhos foram surgindo, como os de Medicina, Engenharia e Agronomia, Enfermagem, Contabilidade etc.” (ALENCAR, 2013, p. 10) Os conselhos de classe profissionais são conselhos de fiscalização profissional, criados por lei, para regular e fiscalizar o exercício das respectivas profissões regulamentadas. Pode-se dizer que possuem natureza jurídica de autarquias corporativas. “As autarquias constituem-se em instrumentos de descentralização de serviços públicos, sendo, portanto, um prolongamento do Poder Público, pois não fazem parte de sua estrutura hierárquica, mas têm personalidade jurídica de Direito Público própria. São autônomas, pois têm capacidade de autoadministração de acordo com sua lei criadora. Contam com patrimônio próprio e devem ter como objeto uma atividade determinada, isto é, atribuições específicas relativas ao serviço público especializado a elas outorgado ou delegado.” (ALENCAR, 2013, p. 13) O Código Civil de 2002, em seu art. 41, IV, relaciona as autarquias entre as pessoas jurídicas de direito público (BRASIL, 2002a). Todavia, sempre se discutiu a natureza jurídica dos Conselhos Profissionais, uma vez que os conselhos de fiscalização são desvinculados do Estado. Nesse contexto, a Lei nº 9.649, de 27 de maio de 1998, estabeleceu, no seu art. 58, o caráter privado dos conselhos de fiscalização profissionais, delegados pelo poder público, excetuando apenas, no § 9º, a OAB: “Art. 58. Os serviços de fiscalização de profissões regulamentadas serão exercidos em caráter privado, por delegação do poder público, mediante autorização legislativa.[…] §9º O disposto neste artigo não se aplica à entidade de que trata a Lei no 8.906, de 4 de julho de 1994.” (BRASIL, 1998). Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.717-6/DF (BRASIL, 2002b), declarou a inconstitucionalidade do caput e parágrafos do art. 58, da Lei nº 9.649/1998, à exceção dos §§ 3º e 9º, cuja ementa transcreve-se: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 58 E SEUS PARÁGRAFOS DA LEI FEDERAL Nº 9.649, DE 27.05.1998, QUE TRATAM DOS SERVIÇOS DE FISCALIZAÇÃO DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS. 1.Estando prejudicada a Ação, quanto ao § 3o do art. 58 da Lei n º9.649, de 27.05.1998, como já decidiu o Plenário, quando apreciou o pedido de medida cautelar, a Ação Direta é julgada procedente, quanto ao mais, declarando-se a inconstitucionalidade do “caput” e dos parágrafos 1o, 2o, 4o, 5o, 6o, 7o e 8o do mesmo art. 58. 2.Isso porque a interpretação conjugada dos artigos 5°, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados. 3.Decisão unânime.” (STF, Plenário, ADI 1.717-6/DF, rel. Min. Sidney Sanches, 07.11.2002) O STF julgou no sentido de que o controle do exercício profissional é atividade típica do Estado, de competência da União, nos termos do art. 21, XXIV, da CF, não sendo compatível, assim, a sua delegação a ente privado. Portanto, os conselhos de fiscalização profissional, os federais, bem como os respectivos regionais, devem ser criados por lei, com natureza jurídica de autarquias – pessoa jurídica de direito público interno – nos termos do Código Civil. Sobre as funções e os deveres dos conselhos profissionais, estes também devem estar delimitados na lei que os criou, podendo expedir normas (regulamentos, portarias, instruções normativas) para a sua classe, conforme esclarece Alencar (2013, p. 19 e 24): “As funções e deveres dos conselhos de fiscalização profissional estão descritos nas leis instituidoras de cada conselho. As funções constituem-se especialmente em duas, dentre outras: regulamentação do exercício profissional e fiscalização das atividades desempenhadas pelos profissionais no exercício de suas funções. A primeira materializa-se por meio dos atos normativos emanados dos próprios conselhos (…), a respeito dos aspetos intrínsecos à profissão. Por sua vez, a segunda função é o próprio exercício fiscalizatório desempenhado por funcionários dos conselhos para aferição do cumprimento das normas pelos profissionais.(…) São, ainda, responsáveis pela inscrição dos profissionais, concedendo-lhes licenças ou autorizações para o exercício das profissões, e pela aplicação de sanções mediante a apuração, por processo administrativo, de inobservância às normas postas, o que pode implicar, nos casos mais graves, a cassação do direito de exercício da profissão. (…) Nessa toada, os conselhos profissionais exercem poder de polícia por meio da inscrição profissional (…)”. Portanto, a finalidade da criação dos conselhos profissionais é de, exclusivamente, controle e inspeção das atividades profissionais de suas respectivas classes, não se tratando de autarquias das quais o Poder Público tenha delegado poderes de fiscalização ou de avaliação do ensino superior e das Universidades. 5 DA INTERFERÊNCIA DOS CONSELHOS PROFISSIONAIS NAS UNIVERSIDADES As Universidades, em especial, as privadas, por diversas vezes, são interferidas em sua gestão, inclusive didática e pedagógica, por Conselhos Profissionais, que exigem dessas Instituições: relação de alunos em estágios, relação de formandos e de seus dados pessoais, exigência de inscrição de seus docentes nos quadros da classe profissional, exigência de dados e informações para avaliação dos cursos e, surpreendentemente, até orientações sobre diretrizes curriculares do curso, projetos pedagógicos, dentre outras formas de interferências. Muitas dessas interferências são expedidas por meio de ofícios e requisições encaminhadas às Universidades e, até mesmo, por normas e deliberações desses Conselhos. 5.1 Pareceres do MEC emitidos sobre a interferência dos Conselhos Profissionais sobre as Universidades e os seus cursos A interferência nas Universidades é tanta que o MEC, por meio do Conselho Nacional de Educação, já emitiu diversos pareceres, demonstrando a desproporcionalidade dos atos e ingerências dos Conselhos Profissionais sobre as Instituições de Ensino Superior no País. Citaremos apenas alguns desses inúmeros pareceres: a) Parecer nº 668/97, do Conselho Nacional de Educação (CNE): O Presidente do Conselho Regional de Odontologia do Distrito Federal – CRO/DF, encaminhou Exposição de Motivos ao CNE, mediante o qual requereu ao CNE a revisão do Parecer CFE n.º 165/92. Em resposta, o CNE, por meio do Parecer n.º 668/97, assim deliberou: “Considerando o exposto, opino no sentido de que não cabe revisão do Parecer CFE n° 165/92, uma vez que aos Conselhos Profissionais compete a fiscalização do exercício profissional, não lhes cabendo interferir na estrutura e funcionamento dos cursos de Odontologia, tarefa esta afeta ao MEC e às próprias instituições de ensino.” (BRASIL, 1998b) b) Parecer nº 135/2002, do CNE: O Conselho Federal de Educação Física consultou o CNE sobre a obrigatoriedade de filiação dos professores de Educação Física aos Conselhos Regionais de Educação Física, como condição indispensável ao exercício do Magistério. Porém, a decisão do CNE foi no seguinte sentido: “(…) nos termos do Parecer CNE/CES 668/97, (…) cabe ao Ministério de Educação e às Instituições de Ensino Superior por ele credenciadas interferir na estrutura e funcionamento dos cursos de graduação e aos Conselhos Profissionais compete a fiscalização do exercício profissional.” (BRASIL, 2002c). c) Parecer nº 136/03, do CNE: Por meio do Parecer n.º 136/2003, o Ministério da Educação responde a um membro do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CONFEA), que solicita esclarecimentos sobre o Parecer CNE n.º 776/97, que trata da orientação para as diretrizes curriculares dos cursos de graduação. Nesta consulta, o CONFEA alega que a sua posição, assim como dos “demais Conselhos de Fiscalização Profissional”, é de vincular o diploma ao exercício profissional, e por isso entendem que os cursos de graduação, no Brasil, são constituídos de duas partes: a acadêmica, a cargo do MEC e a profissional, condicionada à regulamentação dos Conselhos de Fiscalização das profissões. Entretanto, em resposta à consulta e às colocações do CONFEA, o MEC assim se pronunciou ao final do voto do relator: “Ao trazer à colação o elucidativo parecer da Câmara de Educação Básica, este Relator pretende somente reforçar o entendimento quanto ao papel dos Sistemas de Ensino e dos Conselhos Profissionais, cujas competências, como bem assinala o parecer, não são concorrentes e sim complementares, cabendo aos primeiros, por meio das instituições de ensino que os integram, a responsabilidade de assegurar formação de qualidade, e aos últimos, a responsabilidade de fornecer o correspondente registro profissional aos interessados que preencham as exigências previstas em lei, assim como fiscalizar se a profissão é exercida com competência e ética.” (BRASIL, 2003). d) Parecer n.º 29/2007, do CNE: A Associação Brasileira das Mantenedoras das Faculdades Isoladas (ABRAFI), tendo em vista disposto na Resolução n.º 126, de 16 de junho de 2006, do Conselho Federal de Biomedicina (CFBM), que formula exigência de conclusão de curso com carga horária mínima de 4.000 (quatro mil) horas para registro profissional de graduados em cursos de Biomedicina, consultou o CNE a respeito das Diretrizes Curriculares Nacionais e à duração mínima e máxima dos cursos de graduação. Em resposta à ABRAFI, o MEC assim concluiu: “Os conselhos de fiscalização do exercício profissional não possuem atribuição legal para dispor acerca dos cursos de ensino superior, não lhes cabendo, portanto, fixar a duração mínima de cursos de graduação ou formular exigências para a inscrição de alunos portadores de diplomas expedidos por escolas oficiais ou reconhecidas e registradas no Ministério da Educação e Cultura.(…) 1.É competência do Conselho Nacional de Educação deliberar sobre Diretrizes Curriculares Nacionais, assim como sobre a duração, tempo de integralização e carga horária de cursos; 2.Os Conselhos Profissionais fiscalizam e acompanham o exercício profissional que se inicia após a formação acadêmica, não lhes cabendo qualquer ingerência sobre os cursos regulados pelo sistema de ensino do País.” (BRASIL, 2008b). e) Parecer n.º 23/2013, do CNE: A Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) solicita a manifestação do Conselho Nacional de Educação (CNE) sobre suposta interferência dos Conselhos Profissionais em relação ao exercício da atividade de magistério superior e em processos de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento de cursos superiores, cuja competência legal, para aprovação, é do Ministério da Educação. Por meio do Parecer n.º 23/2013, o CNE posicionou-se no mesmo sentido, de que, por muitas vezes, os Conselhos Profissionais interferem de forma ilegítima na Universidade. Porém, desta vez, destacou o papel democrático que estes Conselhos, assim como qualquer outra instituição, pode exercer sobre a formação acadêmica e processos de avaliação e regulação do ensino superior, desde que não interfiram de forma indevida: “A posição que vem sendo adotada é a de que aos Conselhos Profissionais cabem a fiscalização e o acompanhamento do exercício profissional, que se inicia após a formação acadêmica, não lhes cabendo qualquer ingerência sobre os cursos regulados pelo sistema de ensino do país. (…) Em relação à OAB, o que existe é uma determinação legal (inciso XV, do art. 54 da Lei nº 8.906/1994), estabelecendo como de sua competência o ato de ‘colaborar com o aperfeiçoamento dos cursos jurídicos, e opinar, previamente, nos pedidos apresentados aos órgãos competentes para criação, reconhecimento ou credenciamento desses cursos’. E assim tem sido procedido. A OAB é ouvida sobre esses processos sem, no entanto, ter poder de decisão sobre eles. Segundo, o fato de o poder de fiscalização e acompanhamento do exercício profissional dos Conselhos Profissionais não se estender à formação acadêmica e aos processos de avaliação e regulação do ensino superior não significa que seus dirigentes, ou mesmo os próprios Conselhos, não possam ter ou manifestar opiniões acerca desses tópicos. Aliás, isso é aberto para qualquer instituição ou cidadão. Se os dirigentes de determinado Conselho Profissional, ou o próprio Conselho, passam a defender certos critérios referentes à avaliação e regulação dos cursos relacionados à sua área de atuação, isso não deveria ser visto como uma interferência indevida, mas sim como um exercício de participação que é comum em sociedades democráticas”. (BRASIL, 2013) 5.2 Da interferência ilegítima dos Conselhos Profissionais sobre as Instituições de Ensino Superior por meio das leis que criam as autarquias As Universidades possuem regras e princípios próprios, conforme estabelecido nos arts. 205 e seguintes da CF/88, que dispõem normas fundamentais e garantias, tais como a liberdade de ensino, a livre iniciativa e a autonomia didático-científica, que não podem ser excluídas por normas infraconstitucionais. Conforme já destacado no presente artigo, em consonância com a Constituição Federal, a LDB previu, em seu art. 9º, inc. IX, que incumbe à União “autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente, os cursos das instituições de educação superior e os estabelecimentos do seu sistema de ensino”. No que tange ao exercício profissional da atividade docente, muitos Conselhos Profissionais entendem que a atividade do docente, do ensino e da pesquisa, são atividades e atribuições da atividade profissional, ou seja, inerentes à própria profissão (mesmo que não o exerça na prática). Nesse sentido são: art. 7º, alínea ‘d’, da Lei n.º 5.194/66; art. 2º, VIII, da Lei n.º 12.378/10; art. 5º, incisos V e VII, da Lei n.º 8.662/93. Todavia, o Decreto n.º 5.773/2006, por sua vez, estabelece, em seu art. 69, que: “O exercício de atividade docente na educação superior não se sujeita à inscrição do professor em órgão de regulamentação profissional”. Portanto, apenas deve-se registrar no respectivo Conselho Profissional, a pessoa que queira exercer a atividade-fim do curso de graduação para o qual se formou e que apresente diploma emitido e devidamente registrado pela Universidade ou pelo órgão competente. A Universidade, reitera-se, deve-se submeter exclusivamente às normas estabelecidas pelo Ministério da Educação. Desta forma, o disposto no § 2º, do já transcrito art. 28, do Decreto n.º 5.773/06, não justifica a interferência demasiada de Conselhos Profissionais, cujo fim é primordialmente regular o exercício da atividade profissional. CONCLUSÃO As interferências dos Conselhos Profissionais no âmbito da Universidade, ocorridas por diversas ocasiões, têm sido objeto de discussão e de apreciação judicial, cuja jurisprudência tem se consolidado no sentido de reconhecer que não incide sobre as Universidades a fiscalização dos Conselhos Profissionais de Classes, em face da autonomia universitária, assegurada pelo art. 207 da Constituição Federal e pela Lei n.º 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Apenas para ilustrar, cita-se a Apelação Cível n.º 106.388-Pb, do TRF5, da 3ª Turma Especializada, publicada em 03/04/1997, da lavra do Desembargador Federal Ridalvo Costa, que assim se pronunciou: “As Instituições de Ensino Superior (IES) não se sujeitam à fiscalização das Autárquicas Corporativas, sob pena de violação ao princípio da Autonomia das Universidades, de cunho Constitucional”. Além da autonomia, insta salientar que o sistema federal de ensino permite a iniciativa privada, nos termos do art. 209 da Constituição Federal, desde que atendidas algumas condições, como o cumprimento de normas gerais da educação nacional; a regular autorização e avaliação da qualidade pelo Poder Público, este compreendido, única e exclusivamente, pelo Ministério da Educação e seus órgãos reguladores; e, por fim, a capacidade de autofinanciamento, principalmente, daquelas Instituições de Ensino Superior privadas com fins lucrativos. Reitera-se que a Constituição Brasileira consagrou o princípio da autonomia universitária plena e, por isso, é garantida a autonomia das universidades em relação a órgãos externos, como os Conselhos Profissionais, sendo a elas assegurada plena liberdade de definir seus currículos, criar e extinguir cursos e, exercer suas demais atribuições, observadas a legislação federal e as orientações emanadas pelo órgão regulador do ensino superior, o MEC. Nesse contexto, a autonomia universitária somente poderia ser relativizada por atos ou disposições emanados pelo Governo Federal. Os Conselhos Profissionais, apesar de possuir natureza jurídica de autarquias federais, não possui delegação do Poder Público para fiscalizar e editar normas para as Universidades. Os Conselhos Profissionais são autarquias, criadas por lei, cuja finalidade, em síntese, é de fiscalizar o exercício das respectivas profissões regulamentadas, já que a própria Constituição Federal, em seu art. 5º, XIII, garante o livre exercício de qualquer profissão, desde que atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Portanto, cabe aos conselhos profissionais, exclusivamente, controlar e inspecionar as atividades profissionais de suas respectivas classes, não se tratando de autarquias das quais o Poder Público tenha delegado poderes de fiscalização ou de avaliação do ensino superior. Deste modo, entende-se que o disposto no § 2º do art. 28 do Decreto n.º 5.773/06, diz respeito à abertura, de forma democrática, de espaços para manifestação dos Conselhos Profissionais, que podem opinar sobre a criação de cursos de graduação pelas Universidades em suas respectivas áreas, mas sem nenhuma força decisória, pois a ingerência desses Conselhos Profissionais se constitui em ilegítima e inaceitável forma de intervenção e de interferência sobre a liberdade acadêmica. A interferência dos Conselhos Profissionais sobre as Universidades, que já conta com instrumentos próprios de avaliação, por meio de atos normativos, requisições e normas infralegais, são atos inconstitucionais e ilegais, em face do disposto na Constituição Federal e na legislação pertinente.
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Mobilidade urbana como instrumento de desenvolvimento sustentável
Este artigo propõe apresentar e analisar a importância da mobilidade urbana como escopo da função social da cidade e como instrumento de desenvolvimento sustentável, por meio de ações de planejamento urbano e políticas públicas, além conscientização da necessidade da participação da sociedade. Tem como fim as ações da Administração Pública no que diz respeito à função social da cidade ligada à mobilidade urbana, seu conceito e entendimento. Os princípios constitucionais que regem a administração pública denotam a importância da discussão ligada a mobilidade, haja vista o crescente aumento da população urbana e consequentemente por circulação, que acontecem, sobretudo, nos grandes centros, de modo que esse aumento não pode trazer prejuízos à população, considerando as vertentes sociais, econômicas e ambientais. Desta forma, a Política Nacional de Mobilidade Urbana cria uma expectativa com relação a melhoria da mobilidade e a utilização desta como instrumento de desenvolvimento sustentável, tendo como possibilidade garantir uma melhor qualidade de vida à população.
Direito Administrativo
Introdução Nas últimas décadas tem-se notado um crescente aumento na população das áreas urbanas. De acordo com dados do Censo do IBGE de 2010, cerca de aproximadamente 85% da população brasileira habita em zonas urbanas. Desta forma, é inegável se afirmar que existe uma necessidade urgente de planejamento urbano e políticas públicas relacionadas a vertente da mobilidade, afim de garantir uma melhor qualidade de vida à população. Diante desse contexto, este trabalho tem como objetivo apresentar de maneira breve a problemática relacionada à mobilidade, bem como demonstrar que ela pode ser utilizada como instrumento de desenvolvimento sustentável, quando da ação da administração Pública de maneira eficiente e efetiva. 1. Breves considerações sobre Direito Urbanístico Diante das questões mais atuais ligadas à cidade, estão discussões sobre mobilidade urbana. Nesse contexto, antes de tudo, importa falar sobre Direito Urbanístico, visto ser este, segundo José Afonso da Silva (2008, p.49), ser o conjunto de normas que tem por objeto organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem na comunidade. O Direito Urbanístico tem como objeto, portanto, os espaços urbanos e sua ocupação. Tem como escopo a atividade urbanística, o ordenamento e utilização dos espaços habitáveis, em função da utilização da comunidade em geral. É considerado como novo ramo do Direito Público e tem como objeto de estudo o ambiente construído, ou habitável, sem, contudo, desconsiderar as áreas inabitáveis. A Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 182 dispõe que a política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. Diante de tal dispositivo, fica claro a responsabilidade dos municípios em executar uma política urbana capaz de fazer com que a cidade cumpra a função social, garantindo assim o bem de toda a comunidade e não apenas de uma parcela dela. Importa ainda enfatizar que, a constituição dispõe que o bem-estar da sociedade pode também ser alcançado a partir do cumprimento das funções sociais da cidade. Dentre os pontos destacados quando da busca pelo cumprimento da função social da cidade está a questão da mobilidade. Deve haver, por parte da Administração Pública, programas voltados à realização da sustentabilidade, que devem decorrer do planejamento urbano e ainda haver elaboração de políticas públicas para garantir acesso ao direito e funções da cidade. 2. Crescimento e Mobilidade Urbana O crescente aumento da população urbana gera naturalmente um crescente aumento da circulação e da necessidade de locomoção, de mobilidade. Segundo dados do IPEA (2016), a ocupação urbana no Brasil cresceu de maneira mais intensa a partir de 1950. Paralelamente a este fato, cresceu também a demanda por veículos motorizados, o que traz consequências graves para as cidades, tendo em vista o planejamento urbano não acompanhar essa ocupação. A partir dessa problemática nota-se a necessidade de se ter efetiva ação governamental no sentido de atender e satisfazer essa demanda, o que não é possível apenas com transformação ou implantação de infraestrutura, porém com melhoramentos, inovações na qualidade de vida urbana, além de educação, que podem ser alcançados sobretudo por uma gestão governamental eficiente. Essa gestão governamental, para alcançar esse nível eficiente deve levar em consideração diminuir a demanda de deslocamentos, sobretudo em transportes individuais, que podem ser considerados grandes geradores de tráfego e que atrapalham o bom funcionamento e fluxo no espaço urbano. A implantação de modais de transporte mais adequados à sustentabilidade local, da região, de forma a atender as necessidades da população, deve ser a meta para questões de mobilidade. A mobilidade urbana é uma das vertentes mais importantes quando se fala em função social da cidade, é uma matéria de trato importante na sociedade contemporânea. Por meio da mobilidade é possível à sociedade ter acesso a outras funções oferecidas pela cidade, tais como equipamentos, serviços, bens, lazer, etc. Percebe-se então a questão da mobilidade como instrumento de acesso ao desenvolvimento socioeconômico. Como dispõe Geraldo Guimarães (2012, p. 91), a mobilidade urbana é a possibilidade real das condições de deslocamento das pessoas dentro do território urbano. Para Henri Lefebvre (1991, p. 10), a cidade é, contemporaneamente, o resultado do processo em que a população, inserida no contexto da urbanização, crescimento econômico e vida social, concentrou-se em volta dos locais onde poderiam exercer suas atividades laborais, gerando um alargamento do tecido urbano que, além de estender-se, adensou-se. 3. Breves considerações sobre Desenvolvimento Sustentável O desenvolvimento sustentável tem escopo em bases sociais, econômicas e ambientais, de forma conjunta. Essa ideia de desenvolvimento sustentável foi proposta durante a Primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, ocorrida em Estocolmo, na Suécia, no ano de 1972. Desta forma, tem-se que em 1972 foi criado pela Assembleia Geral da ONU o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, que tem como uma das prioridades a governança ambiental. Em abril de 1987, a Comissão Brundtland,  publicou um relatório denominado “Nosso Futuro Comum” – que traz o conceito de desenvolvimento sustentável para o discurso público, como sendo o desenvolvimento que encontra as necessidades atuais sem comprometer a habilidade das futuras gerações de atender suas próprias necessidades. Importante frisar que a sustentabilidade considera concomitantemente as atividades humanas e seus impactos, relacionando as bases ambiental, social e econômica, para a atual geração e para as futuras, de modo que é imprescindível que se tenha uma real avaliação de impactos, para que desta forma possa ocorrer intervenção eficiente, tanto em âmbito político como de gestão, a fim de melhorar o ambiente. Dentro dessa visão de sustentabilidade e governança ambiental, destaca-se atualmente a questão da mobilidade urbana, como ferramenta capaz de alcançar melhoramentos relacionados a questões de sustentabilidade em meio as cidades. 4. Mobilidade Urbana como instrumento de Desenvolvimento Sustentável Tendo em vista a crescente demanda por mobilidade e as realidades destoantes com os anseios da sociedade, em 2012 foi publicada a Lei nº. 12. 587, que trata da política sobre mobilidade urbana e traz em seu conteúdo a definição do Sistema Nacional de Mobilidade Urbana, indicando-o como o conjunto organizado e coordenado dos modos de transporte, de serviços e de infraestruturas que garantam os deslocamentos de pessoas e cargas. É importante frisar que Política Nacional de Mobilidade Urbana foi desenvolvida com o objetivo de ordenar pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e bem-estar de seus habitantes, por meio da gestão pública integrada, com vista a implantação de modais capazes de atender às demandas das cidades. É inegável que existe um inchaço nas cidades, ocasionado pela utilização de veículos particulares, o que causa danos à comunidade em geral. De fato, é imprescindível que haja melhoramentos no transporte público, com oferecimento de um número maior de transportes coletivos como ônibus, metrôs, VLTs, trens urbanos e ainda de infraestruturas, como por exemplo de paradas e terminais, e ainda a possibilidade de massificação da utilização de modais de transporte como as bicicletas, com a  implantação de ciclofaixas e/ou ciclovias. Segundo Ferreira (2007, p.221), para a mobilidade urbana, o planejamento deve considerar o fenômeno da expansão urbano territorial, uso e ocupação da cidade, a população e suas características, reconhecendo que a mesma, para além dos limites formais federativos, é palco de pressões que envolvem o mercado, relações políticas públicas e privadas, sendo (re)desenhada pelo comportamento (in)consciente de quem dela usufrui. Desse modo, a Política Nacional de Mobilidade Urbana representa uma significativa esperança no alcance de dias melhores, relacionado, obviamente a questões de circulação, tendo em vista representar avanço nas políticas urbanas e ainda fomentando a Administração Pública no sentido de resolver problemas outrora inimagináveis, a partir de apresentação de modais aplicáveis à realidade das cidades. Importa destacar que a mobilidade adequada se dá a partir da observação das realidades locais e de ações e intervenções no âmbito público e privado. Considera-se aqui as formas de agir da sociedade em geral e também da administração pública, a partir de ações comportamentais, quando se fala da oferta e da utilização de serviços relacionados à mobilidade, tais como infraestrutura, transporte, equipamentos públicos, etc. é importante ainda a participação no que tange às responsabilidades de cada componente da sociedade. O Art. 225 da CF/1988 dispõe que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.  Diante dessa prerrogativa, é inegável que a escolha pela utilização de modais de mobilidade sustentáveis é de responsabilidade não só do Poder Público, mas também da população em geral. É necessário a conscientização da sociedade como um todo, no sentido de entender que a cidade deve cumprir sua função social, por meio de ofertas públicas como também da participação de toda a sociedade. As políticas públicas e os instrumentos que apontam para o ordenamento urbano podem ser encontradas na Lei 10.257/2001, denominada Estatuto da Cidade, enumeradas em seu artigo 2º, de maneira exemplificativa. Tal dispositivo funciona como um guia aos municípios para execução da política urbana, conforme preceituado pela Constituição Federal de 1988.  Notadamente, é importante lembrar que os anseios da sociedade com relação a mobilidade devem ser priorizados, ou seja, uma infraestrutura de mobilidade só será eficiente se garantir à sociedade seu direito de locomoção, e ainda mais, se essa locomoção se der de maneira sustentável. Essa eficiência somente será alcançada por meio de ações imprescindíveis de planejamento e também por políticas públicas urbanas, com vistas sempre no alcance da sustentabilidade. O planejamento estatal se caracteriza por uma orientação finalística na medida em que intenciona concretizar finalidades públicas com objetivos específicos a nortear o agir estatal (MOTTA, 2011, p. 11). Para Daniela Di Sarno (2001, p.14), transitar, trafegar, circular, para o trabalho, para a escola, ao centro de compras, aos serviços de saúde ou por lazer são ações inerentes ao ser humano e elementares ao bom funcionamento das cidades, que podem garantir qualidade de vida, acesso a oportunidades de crescimento social e econômico, o que envolve tanto quem reside na zona rural como na zona urbana. O Estatuto da Cidade, considera em seu art. 2º, I a garantia do direito ao transporte, como forma de facilitar a locomoção das pessoas, não podendo, pelas normas finalísticas do art. 3º, III e IV da CF/1988, causar discriminação ou inacessibilidade. Segundo Rafael Barczak e Fábio Duarte (2012, p. 13-32), é possível atuar de forma mitigadora nos impactos ambientais gerados pela mobilidade urbana com o planejamento e desenho urbano de redistribuição espacial da ocupação do território, reordenamento ecológico e mudanças das formas e padrões de consumo, que tem incluído a cidade como bem a ser negociado e consumido, pressionando os recursos ambientais urbanos. O poder público é responsável por possibilitem uma melhor utilização do solo urbano dentro do contexto da mobilidade, haja vista ter como função a atividade urbanística. Nesse contexto, pode exigir uma melhor qualidade do transporte, por meio de seus contratos públicos, bem como incentivar a utilização dos mesmos, por meio de planejamento e políticas públicas adequadas e eficientes. Conclusão A falta de diversidade de meios de transporte em várias cidades brasileiras é motivo de descontentamento da maior parte da população, que utiliza o transporte público para se locomover, mas também de quem utiliza o transporte privado, haja visto os inchaços causados no tráfego. Não se pode afastar também a indignação com relação a onerosidade do transporte comparando-se com a qualidade dos serviços oferecidos. Claramente se percebe que os serviços e estruturas relacionadas à mobilidade são de baixa qualidade, ineficientes e precários, abaixo do nível de alcance da dignidade. Notório é, portanto, a urgência de implementação de instrumentos que alcancem uma mobilidade adequada à dignidade humana, perpassando pela sustentabilidade. Conforme os pilares do desenvolvimento sustentável, a mobilidade deve ser considerada e relacionada com a oferta de transporte e com a questão ambiental. A oferta de transporte engloba o conceito socioeconômico, de modo que sejam compatibilizados o desenvolvimento urbano com o transporte e consequentemente com melhorias sociais sobre deslocamento. Na visão ambiental importa falar sobre novas tecnologias e modais de transporte a serem utilizados em compatibilidade com a sustentabilidade. A preocupação com o desenvolvimento sustentável tem incentivado o estudo e a implantação, em diferentes setores, de medidas e procedimentos que contribuam para a sustentabilidade em áreas urbana. Em relação aos transportes esta questão pode ser vista através de uma busca pela mobilidade urbana sustentável. A mobilidade urbana pode ser utilizada como instrumento de sustentabilidade e ainda mais, pode trazer dignidade à pessoa humana, tendo em vista garantir não apenas seu direito de locomoção, mas uma locomoção, uma mobilidade com qualidade, com eficiência, de forma segura e acessível, com oferecimento não só de infraestrutura, mas de equipamentos e conscientização da vida em sociedade. Como preceitua Pimenta Oliveira (2011, p. 228), o planejamento é, também, uma atividade jurídica, que respalda e vincula a atuação pública de controle, regulação e intervenção no território da cidade. Não é pois, o tratamento da mobilidade como instrumento de desenvolvimento e melhoria uma possibilidade, mas uma obrigação do gestor, no que se refere a planejamento urbano e políticas públicas, com vistas ao alcance do desenvolvimento sustentável e da dignidade da pessoa humana, no que diz respeito às funções sociais da cidade.
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O recrutamento e seleção dos oficiais da Polícia Militar do Distrito Federal após a exigência de curso superior para ingresso: egressos versus ingressantes
Após uma recente mudança nos critérios legais do recrutamento que alterou o nível de escolaridade exigido na seleção.  A Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) está com o processo de mudança em curso 2009 a 2015, formando as três primeiras turmas que ingressaram no Curso de Formação de Oficiais (CFO) portando diploma de curso superior. Alterar o requisito da escolaridade acarreta uma diferença no perfil dos ingressantes, fato constatado não só na PMDF. Qual o novo perfil dos ingressantes? o que esse perfil tem interferido na formação? Diante da imposição legal e seus reflexos cabe aos gestores da organização avaliar o novo cenário e propor os ajustes no processo de formação/integração, dos novos clientes internos.
Direito Administrativo
Introdução A Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), criada em 13 de maio de 1809, sofreu forte influência do contexto político da época, inclusive de outras instituições de ensino militares, haja vista ser um órgão militarizado e criado com as características da Guarda Real da Polícia de Lisboa, a qual era subordinada à Intendência-Geral da Polícia. A Guarda Real de Polícia do Rio de Janeiro, esse primeiro núcleo da PMDF tinha o dever institucional de zelar pela segurança da cidade do Rio de Janeiro. Tal núcleo também foi chamado de Corpo de Quadrilheiros. Depois de sofrer alterações em sua nomenclatura, somente em 1966, seis anos após a inauguração da Capital Federal, a Polícia Militar do Distrito Federal foi deslocada do Rio de Janeiro para Brasília e instalada no Distrito Federal. A Academia de Polícia Militar de Brasília (APMB) foi instituída em 13 de junho de 1986, por meio da lei 7.491 que determinou a criação na estrutura da PMDF de órgãos de gestão e execução de ensino. A justificativa da presente pesquisa está na necessidade de se confrontar as informações coletadas no órgão responsável pela formação dos oficiais, com os conceitos da ciência da Administração, na área de Gestão de Pessoas buscando a compreensão da implicação do processo de recrutamento e seleção dos Oficiais. A problemática que o trabalho enfrenta é relativa ao recrutamento, seleção formação para a carreira dos Oficiais policiais militares do Distrito Federal, diante da exigência de formação superior para ingresso. Qual o perfil dos novos candidatos? O objetivo da presente pesquisa é inicialmente traçar um cenário da atual exigência de formação para ingresso no Curso de Formação de Oficiais da PMDF. Bem como compreender as alterações introduzidas pala nova legislação no recrutamento e seleção da Polícia Militar do Distrito Federal e o perfil dos novos profissionais confrontado com o perfil dos últimos egressos. 1 O recrutamento e seleção O termo recrutamento amplamente utilizado no meio corporativo teve a sua origem nas forças militares “Sua morfologia e significado teve origem, praticamente nos exércitos, pois estava vinculado a prática de captar recrutas para vagas de futuros soldados ou postos de guerrilha.” (ALENCAR et. al, 2008). No início da utilização do termo no meio corporativo, assim como as organizações militares, não havia uma preocupação com a qualidade e capacidades dos profissionais captados. Hodiernamente Chiavenato (2006) afirma que recrutamento é um conjunto de técnicas e procedimentos que visa atrair candidatos potencialmente qualificados e capazes de ocupar cargos dentro da organização. No caso do estudo em tela, organização pública militar, o recrutamento acontece no momento da publicação do edital quando uma quantidade de pessoas, maior do que o número de vagas se candidata ao certame. Momento em que ocorre a seleção dividida em algumas fases como prova escrita, teste psicotécnico, exame médico, teste de aptidão física e investigação de vida pregressa, as fases mencionadas são em conformidade ao último edital publicado pela Polícia militar do Distrito Federal (2009). A seleção no meio corporativo é a escolha daqueles candidatos mais adequados aos cargos existentes na empresa, visando manter ou aumentar a eficiência e o desempenho do pessoal (CHIAVENATO, 2006). A seleção pode ser pela aplicação de testes, inclusive testes psicológicos, e por entrevista, podendo ainda ser interna ou externa. Não há diferenças conceituais entre recrutamento e seleção aplicados à organizações públicas ou privadas, civis ou militares. As diferenças estebelecidas são de caráter prático, enquanto as organizações privadas podem fazer tudo que a lei não proíbe a administração pública, além é óbvio de não poder contrariar a lei, está obrigada a fazer apenas o que a lei permite “Quanto ao princípio da reserva legal, ou legalidade em sentido positivo, preceitua que os atos administrativos só podem ser praticados mediante autorização legal” (MAZZA, 2012, p. 85). Dessa maneira, o recrutamento na Administração Pública em certos momentos se confunde com o princípio da publicidade dos atos administrativos, nas nada impede que seja ampliado com publicidade nos meios de comunicação. Já a seleção, que no caso da Administração Pública, em regra, é o concurso público o que dificulta a seleção conforme o perfil profissiográfico desejado. Conforme demonstrado, apesar das regras específicas que a administração pública se sujeita no momento da seleção e no momento do desligamento de colaborador, os outros aspectos da Gestão de Pessoas, como avaliação de desempenho, absenteísmo, motivação, qualidade de vida no trabalho, etc, seguem as mesmas doutrinas e práticas que a administração de empresas aplica ao meio privado. Do contexto apresentado inicialmente o recrutamento e seleção de candidatos para cursarem o Curso de Formação de Oficiais está no contexto do presente estudo. 2 O recrutamento e seleção para ingresso como oficial na Polícia Militar do Distrito Federal Apesar de envolver o setor público, órgão da administração direta do Governo do Distrito Federal, o conceito de seleção dado por Chiavenato (2006, p. 130), “A seleção de pessoas funciona como uma espécie de filtro que permite que apenas algumas pessoas possam ingressar na organização: aquelas que apresentam características desejadas pelas organizações”, serve perfeitamente ao presente estudo, é por meio dele que a organização, pública ou privada, busca identificar as pessoas com o perfil que melhor se encaixam para assumir seus cargos. As polícias militares são organizações militares estaduais, na forma do Artigo 42 da Constituição da República Federativa do Brasil. Forças auxiliares e reservas do Exército como afirma Pedro Lenza (2007, p. 646) “a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública ficaram a cargo das polícias militares, forças auxiliares e reservas do Exército.”. Recruta e seleciona os candidatos para a carreira de oficiais na sociedade por meio de concurso público em atendimento à norma Constitucional do Artigo 37, II. Após o advento da Academia de Polícia Militar de Brasília houve concurso promovido pela própria instituição onde se exgiu ensino médio para ingresso dos alunos-a-oficial dos anos de 1990 a 2009. A partir de 2005 há uma mobilização interna da instituição para exigência de curso superior para ingresso. Essa iniciativa culminou no final de 2008 no lançamento do Projeto Policial do Futuro. Que propriciou a formação superior para os policiais que não possuiam. Outra vertente do projeto é que para ingresso na instituição passaria a ser exigida a formação superior. No dia 06 de novembro de 2009 com a sanção da Lei 12.086/2009 que dispõe sobre a reestruturação das carreiras dos militares do Distrito Federal e em seu Artigo 64 alterou o Artigo 11 da Lei no 7.289, de 18 de dezembro de 1984 (Estatuto dos Policiais Militares do Distrito Federal) que passou a ter o seguinte texto: “Para matrícula nos cursos de formação dos estabelecimentos de ensino da Polícia Militar, além das condições relativas à nacionalidade, idade, aptidão intelectual e psicológica, altura, sexo, capacidade física, saúde, idoneidade moral, obrigações eleitorais, aprovação em testes toxicológicos e suas obrigações para com o serviço militar, exige-se ainda a apresentação, conforme o edital do concurso, de diploma de conclusão de ensino superior, reconhecido pelos sistemas de ensino federal, estadual ou do Distrito Federal.” (BRASIL; 2009) A edição da Lei 12.086/2009 é o marco legal da exigência de diploma de conclusão de ensino superior para matrícula e consequentemente o ingresso na corporação. Além dessa exigência são fixados todos os outros requisitos que os candidatos recrutados devem satisfazer durante o processo de recrutamento. Houve uma tentativa, sem êxito, de se exigir formação em Direito para ingresso no Curso de Formação de Oficiais da PMDF. Com a edição do Decreto 29.946/2009 que dispunha em seu artigo 2º acerca da escolaridade para ingresso no Curso de Formação de Oficiais: “Para o Curso de Formação de Oficiais será exigida a apresentação de diploma, devidamente registrado, de curso superior de graduação em Direito, fornecido por instituição de ensino superior reconhecida pelo Ministério da Educação.” (DISTRITO FEDERAL; 2009) A legalidade de tal Decreto e o concurso público que seria regido por ele foi questionado pelo Ministério Público que atua junto ao Tribunal de Contas do Distrito Federal e julgada a sua ilegalidade. Já que para o Distrito Federal a forma correta seria a edição de lei fedral. 3 Questionamentos relativos à “carreira jurídica militar” A exigência de formação em Direito para ingresso no CFO cria o que se tem chamado de Carreira Jurídica Militar. Os estados interessados têm promovido emendas às suas Constituições e, no caso de Minas Gerais, o Partido Social Liberal (PSL) impetrou a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4590 de 19/04/2011, com pedido de liminar, relatada pelo ministro Gilmar Mendes. E a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol) ingressou com a ADI 4448. Como compartilham o mesmo objeto, ambas tramitam em conjunto sob a mesma relatoria. Essa medida judicial teve o pedido de liminar negado, aguarda julgamento e a Procuradoria Geral da República por meio do parecer nº 4820-PGR-RG, PGR, datado de 22/06/2011 – opina pela improcedência do pedido. A Ordem dos Advogados do Brasil Seção Minas Gerais na pessoa do Presidente Luis Cláudio da Silva Chaves encaminhou ao Supremo Tribunal Federal parecer contrário às Ações Diretas de Inconstitucionalidade em trâmite naquela corte após expor os seus argumentos finaliza “É sabido que a carreira jurídica oferece àqueles que a abraçam, um conhecimento mais profundo das virtudes e defeitos, dos acertos e dos erros inerentes ao ser humano. Não há dúvidas de que a aprovada Emenda Constitucional propiciará maiores e mais sábias decisões no encaminhamento das coisas da Segurança Pública, na certeza de que nenhuma ingerência haverá nas competências de nossas Polícias Federal e Civil, competências essas perfeitamente delimitadas por nossas leis.” (ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL; 2010) Ainda em defesa da opção pela formação jurídica o Professor Titular da Faculdade de Direito da UFMG Antônio Álvares da Silva escreveu em um artigo: “A exigência de conhecimento jurídico é indispensável a todas as duas, pois, sendo agentes da administração pública, têm a obrigação de conhecer a moldura jurídica em que o Estado exerce sua atividade. Como pode a PM abordar um cidadão, intervir num local em que se pratica abuso de sons ou ruídos acústicos, fazer um boletim de ocorrência sem distinguir se a coisa alheia foi subtraída mediante grave ameaça ou violência contra a pessoa? E nas fiscalizações de trânsito, pode ou não obrigar o motorista a soprar o bafômetro? E por aí vai. Nada que a PM faça pode ir além da lei e do respeito aos direitos humanos. Então, como agir sem conhecê-los?” (SILVA; 2013) Os argumentos apresentados pelo professor carecem de sustentabilidade uma vez que todas as ações expostas são exaustivamente ensinadas nos Cursos de Formação de Oficiais com aulas teóricas e práticas e os alunos ainda são submetidos a estágio supevisionado. O ensino nas Academias de Polícia Militar é contextualizado, enquanto que nas faculdades de Direito o ensino é genérico, sugundo o Célio Egidio da Silva (2009; p. 50) “A Ciência Jurídica tem como fonte de entendimento a interpretação da norma, e não seria de outra forma, pois a lei é fonte de direito e método de análise e interpretação da ciência em questão.” Pois nos cursos de Direito não há a pretensão de se preparar nenhum bacharel especificamente para carreiras policiais. A opção pela formação em Direito não é o que tem prevalescido no Brasil, segundo pesquisa realizada a maior parte das polícias militares continuam selecionando candidatos portadores do ensino médio e oferecendo uma formação específica em Ciências Policiais, Segurança Pública ou equivalente para os seus futuros oficiais. A exigência de ensino superior para ingresso como oficial nas polícias militares das vinte e sete unidades da federação quinze ainda impõe como critério para ingresso no quadro de oficiais o ensino médio. Essas quinze polícias dos estados do: Acre, Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rondônia, São Paulo e Tocantins. Portanto cinquenta e cinco por cento das polícias militares exigem ensino médio como requisito de seleção para ingresso nos Cursos de Formação de Oficiais. O Distrito Federal não conseguiu uma mudança na legislação que possibilitasse o ingresso de bacharéis em Direito no Curso de Formação de Oficiais, a pesquisa apresentada teve como base a publicação da última exigência para ingresso nas polícias mencionadas, bem como não considera projetos legislativos em curso. Cabe destacar ainda que no caso do Distrito Federal a Lei 12.086/2009 pôs fim à polêmica de forma que não há propostas de novas mudanças em curso. 4 O perfil dos ingressantes após os novos requisitos adotados pela Polícia Militar do Distrito Federal Após a vigência da lei que trouxe os novos requisitos para ingresso até o no de 2015 houve apenas um concurso público. Dele incorporaram nas fileiras da corporação três turmas em intervalos de seis meses. As duas primeiras turmas com aproximadamente setenta alunos e a última turma com aproximadamente cinquenta alunos o que perfaz um total aproximado de duzentos alunos. Os dados, relativos aos ingressantes, coletados na presente pesquisa são do trabalho Alda Lino, Maria Cristina Santos e Carlos Vieira (2012) responsáveis pela SOEP – Serviço de Orientação Educacional e Psicopedagógica da Academia de Polícia Militar de Brasília e pela Assessoria Pedagógica da Divisão de Ensino da APMB. Amigos e colegas de trabalho que gentilmente cederam os dados já coletados, haja vista que todas as perguntas pensadas na presente pesquisa já haviam sido formuladas pela equipe e aplicadas em um Questionário de Vivência Acadêmica QVAr (ALMEIDA; SOARES, 2001). Fato que fez com que a fonte analisada seja a documental. O instrumento foi adaptado e teve o número de questões reduzido pela equipe do SOEP para atender as especificidades do curso em questão. Composto por quarenta e cinco questões as quais proporcionam informações acerca de várias dimensões da vida acadêmica dos alunos-a-oficial. Buscando dados dos aspectos da dimensão da vida pessoal, da perspectiva das experiências acadêmicas e da dimensão contextual da profissão, esta última mais ampla. Além de a adaptação ter direcionado as perguntas de forma que todas as dimensões explorem aspectos da profissão policial militar. Foi realizado pré-teste com 10 alunos para a validação dos itens do questionário. Durante a aplicação os respondentes apresentaram poucas dúvidas em relação aos itens, sendo todas corrigidas para a aplicação final do instrumento.  Assim, após a validação do questionário procedeu-se a aplicação no mês de dezembro de 2012, atingindo um total de 141 respondentes para um contingente de 147 alunos em formação. Em relação aos egressos os dados são das 16ª, 17ª e 19 turmas totalizando 66 oficiais, desse total 37 responderam ao questionário – QvpE enviados aos egressos por correspondência eletrônica no período de 12 a 15 de agosto de 2013 pelo Grupo de Trabalho nomeado por Portaria do DEC s/n de 12 de agosto de 2013. Os instrumentos foram elaborados pela equipe de Assessoria Pedagógica da Divisão de Ensino da APMB e posteriormente submetidos aos membros da Comissão para sugestões e alterações. 5 Análise dos resultados da pesquisa relativa ao perfil dos ingressantes e dos egressos Em relação ao sexo dos entrevistados a proporção constatada, de 91% de homens e 9% de mulheres, é a esperada em atendimento ao edital com uma pequena variação decorrente de desistências no curso (DISTRITO FEDERAL; 2013). “1.2 O presente concurso público destina-se a selecionar 35 (trinta e cinco) candidatos, da seguinte forma: 31 (trinta e um) candidatos do sexo masculino e 4 (quatro) candidatos do sexo feminino para admissão no 1º ano do Curso de Formação de Oficiais Policiais Militares, a realizar-se durante o ano de 2010”.(DISTRITO FEDERAL; 2009; p. 01) Proporção semelhante foi encontrada na amostra dos egressos onde 14% são do sexo feminino e 86% do sexo masculino. O perfil de idade dos ingressantes aponta para um grupo com maioria igual ou acima de 29 anos (108). E a minoria quantitativa representa os mais jovens com 35 alunos entre 23 e 28 anos. Já em relação aos egressos, que são formandos dos anos de 2009, 2010 e 2011 respectivamente, mesmo com uma parcela deles já com quatro anos de experiência profissional e duas das três turmas no posto de Primeiro Tenente, a idade média dos respondentes é de 28 anos. (DISTRITO FEDERAL; 2013) O que leva a constatar que a exigência de formação superior eleva a idade média dos ingressantes a um patamar equivalente à idade dos oficiais no posto de Primeiro Tenente quando comparados com egressos que foram exigidos deles o ensino médio. A tendência de aumento de idade dos ingressantes é detectada em outras academias militares conforme apontado em trabalhos científicos. As polícias militares estão superando aquele período em que a formação era destinada a jovens, dentre eles adolescentes. Como relata Rudnicki (2007; p. 313) na sua tese de doutoramento em trecho que se extraiu da entrevista de um oficial superior da Brigada Militar do Rio Grande do Sul: “A instituição sempre foi voltada para pegar garotos de 15, 16 anos que estudavam no colégio Tiradentes e ficavam quatro anos aqui dentro, trancados, não tinham compromissos familiares. Tinham em média 17, 18 anos, e estavam aqui em período integral e existem coisas que não estão dentro dos manuais e que se aprendem dentro da Academia, e hoje em dia essa realidade é deferente, não se tem como pegar essa pessoa, com uma personalidade totalmente formada, a nossa média é 27 anos, 28, e tentar incutir os mesmos valores que se colocavam na cabeça de um guri de 15, 16 anos, não se consegue fazer isso”.  A citação acima retrada a mesma realidade enfrentada pela PMDF em relação à faixa etária, e ao estado civil do novo perfil de ingressantes onde predomina pessoas casadas.  Levando-se em conta que são dois, três e quatro anos de formados respectivamente em relação ao estado civil dos egressos o resultado é semelhante ao apresentado pelos ingressantes com 49% casados, 46% solteiros e 5% divorciados. (DISTRITO FEDERAL; 2013) Em relação ao número de filhos o percentual também é elevado em relação ao perfil daqueles que ingressavam com ensino médio: 40% dos ingressantes afirmam ter filhos. Em comparação feita pela APMB com a turma de aspirantes 2009, última turma que para o ingresso foi exigido o ensino médio, apenas 7% dos alunos afirmavam possuir filhos. Tal status indica um público diferenciado daquele que ingressava na academia da última década. Mês mo após quatro anos de formados os egressos pelo sistema anterior ainda apresentavam um número de filhos menor que os ingressantes 78% sem filhos e 22% com filhos (DISTRITO FEDERAL; 2013). Em relação ao grau de instrução, como o edital do certame exige apresentação de diploma de curso superior o questionamento foi direcionado para saber o porcentual que possuem pós-graduação. Quanto ao atual grau de instrução dos formados respondentes 70% permanecem graduados, 25% são especialistas e 5% mestres. O que na média evidencia que a maioria procurou outra graduação como Direito ou Administração ou permaneceram com o Curso de Formação de Oficiais (CFO) e apenas 30% prosseguiram os estudos de pós-graduação (DISTRITO FEDERAL; 2013). Foi perguntado quanto ao grau de adaptação à carreira militar percebido e autodeclarado pelos alunos. A dimensão profissional/acadêmica compreende as bases de conhecimentos necessários para o desenvolvimento da carreira Policial Militar, os métodos de estudo, o relacionamento com os professores, a adaptação ao curso e a ansiedade de desempenho da função. Mas apesar de 95% declararem “tudo a ver” ou “bastante a ver” em relação a sua adaptação à carreira militar apresentam dificuldades na compeensão de certos métodos da APMB (DISTRITO FEDERAL; 2013). Não houve pergunta semelhante realizada aos egressos até por que não teria sentido perguntar para um Primeiro Tenente quanto ao seu grau de adaptação à carreira militar, mas duas constatações podem ajudar na comparação. A primeira é que quando avaliam o CFO por eles cursado, por vezes são citados como fatores positivos o respeito à hierquia e à disciplina e o controle aprendido no CFO. O outro ponto visto por eles como positivo é a formação militar. Isso demonstra a interiorização dos valores militares nos atuais oficiais que ingressaram com ensino médio (DISTRITO FEDERAL; 2013). Se somados os resultados destes que possuem alguma ou muita dificuldade no entendimento o porcentual é expressivo, 71%, em contraposição daqueles que possuem entendimento, 29%. Tal resultado sugere incoerência quando comparado ao resultado da pergunta anterior em que 95% afirmam estarem adaptados à carreira militar. O resultado apresentado no parágrafo anterior encontra fundamentação teórica no trabalho de RUDNICKI (2008; p. 113) quando cita Bittner (2003; p.180): “Na perspectiva de Bittner (2003: 180), o ingresso de policiais com nível superior completo é impulso para que a atividade policial funcione com um maior nível de complexidade, sofisticação e responsabilidade; serve, igualmente, para que surja uma resistência em relação à disciplina mecânica e a trabalhos incompatíveis, por sua simplicidade, com as qualificações exigidas, e ainda faz pensar que esses servidores irão exigir reconhecimento de seu status profissional, treinamentos e atualizações, que permitirão novas possibilidades para o pensar a Polícia.” Comparando essa dificuldade no entendimento dos objetivos das atividades realizadas na Academia com as respostas dos agressos que quando perguntados a respeito da sua formação na Academia em relação às atividades de gestão relacionadas à: Gerenciar subordinados, Fiscalizar a execução do serviço administrativo e operacional em ambos os casos os resultados predominaram com quase totalidade de satisfatório ou plenamente satisfatório (DISTRITO FEDERAL; 2013b). Com relação à otimização do uso do tempo na academia, 61% dos alunos afirmaram perceber nunca acontecer ou acontecer poucas vezes uma boa distribuição do tempo para as atividades; corroborando 31% acusaram que algumas vezes acontece e outras não. Em contraposição, apenas 9% alegam perceber uma boa distribuição do tempo (DISTRITO FEDERAL; 2013). Esses últimos resultados podem servir de indicadores para intensificar a otimização do tempo e das atividades oferecidas pela Academia com vistas a atingir os objetivos formativos dos futuros oficiais. Existe uma equipe de professores civis com titulação de mestres e doutores na área de educação para assessorar a Divisão de Ensino da Academia de Polícia Militar de Brasília (APMB) na distribuição das atividades. Como exemplo das atividades desses especialistas, houve a redução da jornada diária de dez para oito horas aulas diárias, a distribuição das avaliações durante o semestre letivo de forma que não coincida mais de uma avaliação por dia ou mais de três por semana. Esses mesmos docentes orientam os professores em como elaborar as avaliações e coordenam a Seção de Avaliação Docente que após o credenciamento do Instituto Superior de Ciências Policiais passou a ser a Comissão Própria de Avaliação (CPA). Esta pesquisa evidenciou a parca utilização da biblioteca pelos alunos, onde 75% afirmaram nunca frequentar. Em relação à Biblioteca da APMB O Plano de Desenvolvimento Institucional estabelece que a Biblioteca funciona como órgão de suporte aos programas da instituição, tornando ágil e atualizado o serviço de informações existente, dotado de iniciativa a oferecer aos usuários informações necessárias para obter conhecimentos. Assim, contribui para o desenvolvimento individual e coletivo de alunos, professores e de pesquisadores da Instituição. “Entre os documentos acessíveis, encontram–se periódicos, teses, anais de congressos, relatórios técnicos e partes de documentos. A descrição da Biblioteca quanto ao seu acervo de livros e periódicos, por área de conhecimento, política de atualização e informatização, área física disponível e formas de acesso e utilização”: (INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS POLICIAIS; ano 2011; p. 107, 108) É evidente a importância da frequência a uma boa biblioteca na formação superior, principalmente em uma formação específica como Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública. A literatura é específica e não é encontrada com facilidade em outras bibliotecas. A bliblioteca da APMB é aberta ao público em geral e recebeu um considerável investimento que resultou em uma avaliação satisfatória pelo Ministério da Educação. Quando perguntados acerca de sua organização pessoal em relação às atividades acadêmicas, das quais devem participar obrigatoriamente, 54% apresentaram resposta positiva. Nas semanas iniciais a equipe da SOEP faz palestras e dentre os temas está a gestão do tempo e técnicas de estudo, esse resultado positivo certamente está vinculado a essas atividades institucionais. (DISTRITO FEDERAL; 2013) Em relação motivação para assistir as aulas o resultado é bom as respostas tudo a ver e bastante a ver predomimam com 59%.(DISTRITO FEDERAL; 2013) No Distrito Federal selecionam-se graduados e é oferecida compulsoriamente a eles uma nova graduação. Esse não foi objeto da pesquisa, mas talvez esse seja um fator desmotivante já que a pretensão dos alunos não é o título acadêmico e sim o oficialato. No modelo pioneiro adotado no Rio Grande do Sul selecionam-se graduados em Direito e oferecem um Curso Superior de Polícia com duração de dois anos. A percepção abaixo contextualiza os dois argumentos aqui expostos: Em relação ao curso, os alunos percebem que ele não está militarizado, embora haja muito cuidado com a apresentação pessoal e a realização de uma “tortura mental” por meio da faxina: “Faz-se muita faxina, limpeza do pátio, só não fizemos cri-cri…”. Um aluno admite que não pretende continuar na Brigada, está fazendo outro concurso público, e declara: “Para mim é um atraso de vida, não se pode estudar lá, se tem um tempo livre, eles te põem a fazer faxina”.(RUDNICK; 2008; p. 127) Quando indagados acerca da disponibilidade para estabelecer amizades e vínculos com os colegas a maioria indicou ter facilidade de relacionamento além de reconhecerem a importância destes para seu crescimento pessoal. Aqui é possível observar a força dos vículos militares, sobretudo no momento da formação que é a socialização daquela turma entre eles e com uma instituição militar. (DISTRITO FEDERAL; 2013) A formação militar depende de um contingente de pessoas não há como acontecer de forma individual, não se resume às atividades acadêmicas nesse sentido Silva (2011; p. 167) Além das atividades acadêmicas previstas no Quadro de Trabalho Semanal (QTS), os cadetes cumprem ainda uma escala de serviços internos na APM. Segundo os oficiais, tais serviços têm a finalidade de estimular-lhes a iniciativa, preparando-os para a realidade que encontrarão nos batalhões depois de formados. De uma análise geral dos gráficos depreende-se uma resistência dos ingressantes em permanecer na APMB para receberem a formação. No caso da 19ª turma, quando havia um pleito para a redução do curso de três para dois anos a turma chegou a eleborar uma proposta de grade curricular de dois anos e tentar protocolar na Divisão de Ensino. Os alunos-oficiais da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, chamados pelos oficiais que cursaram o CFO de Data Vênia como uma forma pejorativa de tratamento, em pesquisa etnográfica realizada também não entendem adequada a formação por eles recebidas. RUDNICKI (2008) Não cabe aos alunos avaliar a adequação ou não da formação, isso não ocorre em nenhuma instituição de ensino, nem mesmo nas faculdades particulares onde se estabelece tecnicamente uma relação comercial de fornecimento de serviços educacionais. Essa avaliação cabe a comissões de pessoas com formação e experiência na área de adequação e tendo como base o perfil profissiográfico do profissional que se pretende chegar com essa formação ministrada. Conclusões A PMDF por força de lei adotou a formação superior em qualquer área como requisito de recrutamento e seleção e recebeu um verdadeiro mosaico de alunos para serem formados oficiais e declarados aspirantes em dois anos. Em relação ao perfil profissiográfico desses futuros oficiais ainda não há como se estabelecer se a nova formação atendeu as expectativas da corporação. Haja vista que no presente momento já concluíram a parte inicial, mas ainda estão em processo de conclusão do Bacharelado em Ciências Policiais. A opção legislativa que prevalesceu no Distrito Federal foi cercada por uma série de fatores e interesses institucionais e políticos. Havia o ponto de vista relacionado ao projeto policial do futuro, que como para o ingresso na graduação de soldado iria se exigir a formação superior era necessária a mesma exigência para o ingresso no posto de Oficial. Mas não foi levado em conta que o Cadete ingressava com ensino médio e saia da APMB com formação superior, portanto, a carreira de oficiais sempre exigiu formação superior específica. Formação superior em Curso de Formação de Oficiais. Em relação ao modelo antigo de formação, é possível encontrar vários estudos e pelas pesquisas realizadas com os egressos e seus comandantes a formação estava adequada. A necessidade de alguns ajustes foi constatada na mencionada pesquisa no que diz respeito à Gestão por Projetos e a tecnologias da informação como um todo. Essa adequação é esperada e resolvida nas reformulações das grades curriculares dos cursos. Outra constatação é a “Carreira Jurídica Militar”, figura constitucionalmente inexistente em nível federativo, criada em alguns estados com uma justificativa que transparece ser intuito salarial. Tem sido objeto de críticas e está aguardando julgamento no Supremo Tribunal Federal. As carreiras de Estado são elencadas na Constituição Federal de 1988, onde há as carreiras jurídicas e as carreiras militares que em momento algum no texto constitucional se comunicam. As carreiras militares principalmente no oficialato superior são resultado de uma vida dedicada à formação, às provações e aos ritos de passagem, e que já foram, e ainda são, muito valorizadas socialmente. A partir da exigência de conclusão de curso superior para ingresso na PMDF o que se constata é que diante da dificuldade de se mudar uma legislação federal, a formação deve procurar se adequar a um público diferenciado. Essa diferenciação é no sentido de possuírem diversos saberes, experiência profissional anterior, pertencerem a uma faixa etária mais elevada, um número maior de pessoas casadas e com filhos, uma parcela de cadetes que já ingressam pós-graduados, todos já terem cursado uma graduação. Alguns desses saberes em nada ou em pouco contribuem para as atividades administrativas e operacionais que recaem sob um oficial como a formação em área de saúde ou alguns cursos tecnólogos. Pelo grande número de alunos que demonstraram insatisfação na formação quando perguntados, por exemplo, se entendem os objetivos das atividades realizadas na APMB, quanto à percepção de justiça na aplicação de sanções e concessão de recompensas, na percepção da organização das atividades, e na distribuição do tempo. Isso leva a uma reflexão sobre uma possível necessidade de se repensar o processo de formação, que apesar de ter passado por atualizações, não difere muito da formação ministrada no final do século passado. Diante da dificuldade de se alterar a legislação federal que rege o ingresso na PMDF. Admitindo a nova realidade do perfil dos ingressantes, resta agora aferir o perfil profissiográfico dos formandos das 19ª, 20ª, e 21ª turmas para, após traçado o perfil. Sendo constatada necessidade de trabalhar em grupo multidisciplinar as estratégias educacionais e castrenses a serem aplicadas na formação das futuras turmas.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/o-recrutamento-e-selecao-dos-oficiais-da-policia-militar-do-distrito-federal-apos-a-exigencia-de-curso-superior-para-ingresso-egressos-versus-ingressantes/
Operador nacional do sistema de registro de imóveis eletrônico e a atividade regulatória da Corregedoria Nacional de Justiça: uma nova realidade instituída pela Lei n.º 13.465, de 11 de julho de 2017
O caráter nacional da atividade registral disciplinada pelo 236 da Constituição Federal de 1988 revela a possibilidade de criação do Operador Nacional de Registro -ONR, que terá como finalidade primária implementar e operar o Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico – SREI, sob regulação da Corregedoria Nacional de Justiça, em conformidade com a Lei n.º 13.465, de 11 de julho de 2017. [1]
Direito Administrativo
1. Breve histórico. O art.37 da Lei n.º 11.977/2009 instituiu o Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico para os serviços de registros públicos disciplinados pela Lei n.º 6.015, de 31 de dezembro de 1973. A mencionada legislação, que dispõe sobre o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) e tratava da Regularização Fundiária Urbana, foi parcialmente revogada pela Lei n.º 13.465, de 11 de julho de 2017 que, dentre outras matérias, passou a disciplinar novo regramento para a REURB[2] de interesse social e de interesse específico. O parágrafo único do art.38 da Lei n.º 11.977/2009, estabeleceu que as serventias de registros deveriam disponibilizar a “recepção de títulos e de fornecimento de informações e certidões em meio eletrônico”, exigindo-se ainda a inserção dos atos registrais pretéritos[3] e futuros no sistema de registro eletrônico, no prazo de até 5 (cinco) anos a contar da publicação da referida Lei (art.39). De seguinte, o Provimento n.º 47, de 18.06.2015, da Corregedoria Nacional de Justiça instituiu diretrizes gerais para o sistema legal de registro eletrônico de imóveis a ser implantado e integrado por todos os oficiais de registro de imóveis de cada Estado e do Distrito Federal, com o escopo precípuo de estatuir intercâmbio de documentos eletrônicos e de informações entre os registros de imóveis, o Poder Judiciário, a administração pública e o público em geral; estabelecer a recepção e o envio de títulos em formato eletrônico; fomentar a expedição de certidões em formato eletrônico[4]; e, por último, formar nas serventias extrajudiciais repositórios registrais eletrônicos para a recepção de dados e o “armazenamento de documentos eletrônicos”[5]. O Ato Normativo da Corregedoria Nacional, objetivando a implementação e operabilidade do sistema, obrigou a criação de centrais de serviços eletrônicos compartilhados nos Estados e Distrito Federal pelos oficiais de registro, estipulando prazo de 360 dias para funcionamento das centrais a contar da publicação do Provimento (art.9.º). Segundo o Diretor de Tecnologia do IRIB, Flauzilino Araújo dos Santos (2017), mesmo expirado o prazo quinquenal previsto art.39 da Lei n.º 11.977/2009 e o lapso temporal do aludido Provimento, não se implantou ainda o sistema de registro eletrônico de imóveis, “tanto para informatizar os procedimentos registrais internos e de gestão das serventias, quanto para promover a interconexão de todas as unidades de registro de imóveis do país com o Poder judiciário, a Administração Pública e os usuários privados”[6]. A Medida Provisória n.º 759, de 22 de dezembro de 2016, cuidou, dentre outros relevantes assuntos, do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico e criação do ONR. A Lei de Conversão da citada MP (Lei n.º 13.465/2017), por sua vez, manteve a iniciativa original reafirmando que o Operador Nacional de Registro será organizado como pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, sendo a Corregedoria Nacional de Justiça o seu órgão regulador (parágrafos 2.º e 4.º, art.76). A discussão atual, todavia, é sobre a constitucionalidade e legalidade da criação desse órgão de caráter nacional que tem por finalidade implementar e operar o SREI – Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico, diante do regramento constitucional previsto no art.236 da CF/88, segundo o qual a fiscalização dos serviços extrajudiciais de notas e registros é de atribuição dos Estados-membros, por meio do Poder Judiciário Estadual, inexistindo previsão constitucional para uma ordenação de “âmbito nacional” das atividades registrais. 2. Da natureza constitucional dos Serviços Extrajudiciais, o caráter nacional da atividade registral e a constituição do ONR. O art.236 Constituição Federal de 1988 instituiu serviços notariais e registrais como sendo uma função pública delegada de natureza sui generis, exercida por pessoa física e em caráter privado, cujo ingresso na atividade depende de concurso público de provas e títulos. Em que pese o exercício em caráter privado, a Carta Magna não se afastou do conceito tradicional de funções delegadas do poder público, em atenção aos princípios da subordinação hierárquica existente entre o Poder Estatal e o delegatário, pessoa física que exerce o serviço de notas ou de registro. A lei n.º 8.935/94, regulamentadora do citado dispositivo constitucional, prescreve que “serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos” (art.2.º). Nessa perspectiva, o legislador constituinte e o infraconstitucional transferiram para o particular as atribuições que, em linha de princípio, caberiam ao Estado, ente delegado do ofício público decorrente da própria natureza da atividade desempenhada.  Em 2005, o Supremo Tribunal Federal na ADI 3151/MT, de que foi Relator o Min. Carlos Ayres Brito, pacificou a questão da natureza jurídica da delegação: “a) trata-se de atividades jurídicas próprias do Estado, e não simplesmente de atividades materiais, cuja prestação é traspassada para os particulares mediante delegação. Traspassada, não por conduto dos mecanismos da concessão ou da permissão, normados pelo caput do art. 175 da Constituição como instrumentos contratuais de privatização do exercício dessa atividade material (não jurídica) em que se constituem os serviços públicos; b) a delegação que lhes timbra a funcionalidade não se traduz, por nenhuma forma, em cláusulas contratuais; c) a sua delegação somente pode recair sobre pessoa natural, e não sobre uma empresa ou pessoa mercantil, visto que de empresa ou pessoa mercantil é que versa a Magna Carta Federal em tema de concessão ou permissão de serviço público; d) para se tornar delegatária do Poder Público, tal pessoa natural há de ganhar habilitação em concurso público de provas e títulos, não por adjudicação em processo licitatório, regrado pela Constituição como antecedente necessário do contrato de concessão ou de permissão para o desempenho de serviço público; e) são atividades estatais cujo exercício privado jaz sob a exclusiva fiscalização do Poder Judiciário, e não sob órgão ou entidade do Poder Executivo, sabido que por órgão ou entidade do Poder Executivo é que se dá a imediata fiscalização das empresas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos. Por órgãos do Poder Judiciário é que se marca a presença do Estado para conferir certeza e liquidez jurídica às relações interpartes, com esta conhecida diferença: o modo usual de atuação do Poder Judiciário se dá sob o signo da contenciosidade, enquanto o invariável modo de atuação das serventias extraforenses não adentra essa delicada esfera da litigiosidade entre sujeitos de direito (…)”[7] A previsão constitucional dos serviços de registro já traduz o “âmbito nacional” da atividade desempenhada pelo delegatário. A criação mediante lei do SREI[8] decorre da interpretação teleológica do art.236 e seus incisos, da Constituição Federal de 1988.  Inobstante os Estados e o Distrito Federal sejam os entes competentes para organizar esses serviços extrajudiciais, lei federal pode implementar e criar o Sistema Nacional de Registro de Imóveis, com o objetivo de otimizar a utilização de Tecnologia de Informação e Comunicação, uniformizando procedimentos registrais internos e de gestão, com a criação de padrões técnicos a propiciar a interconexão das serventias na protocolização eletrônica de títulos e no acesso às certidões e informações cartoriais. Essa salutar intervenção de poder de orientação, instrutório e de ordem já é exercida no âmbito dos Tribunais Regionais e Estaduais pela Corregedoria Nacional do CNJ. Não há que se falar em quebra da independência jurídica e funcional do registrador, o qual continuará exercendo a sua delegação pública com autonomia de gestão[9], inclusive mantida a sua função qualificadora do título a ser levado a registro. Com o surgimento do Conselho Nacional de Justiça, pela Emenda 45/2004, órgão interno de controle administrativo, financeiro e disciplinar dos tribunais e juízes situados hierarquicamente abaixo do Supremo Tribunal Federal, a estrutura do Poder Judiciário passou a ter caráter nacional, com um regime orgânico unitário.[10] Em razão disso, e considerando sobretudo que os cartórios de registro integram os “serviços auxiliares” do próprio corpo do Poder Judiciário, cai no vazio qualquer argumento de insurgência em torno da criação do ONR, a ser regulado e fiscalizado pelo Conselho Nacional de Justiça por meio da Corregedoria Nacional, segundo o disposto no art.76 e seus incisos, da Lei 13.465/2017.[11] O poder fiscalizador do Judiciário permanecerá incólume, desta feita, mediante acompanhamento e supervisão da Corregedoria Nacional de Justiça. Se este órgão superior regula e disciplina os órgãos do Judiciário dos Estados e do Distrito Federal na esfera administrativa, parece ser irrefutável a sua legitimidade constitucional para nortear o ONR instituído por lei.[12] Não se trata de “corpo estranho” à atividade registral. Muito pelo contrário, a sua organização está legalmente autorizada. O veto presidencial aos parágrafos 3.º e 8.º, do art.76 da Lei n.º 13.465/2017 (advinda do Projeto de Lei de Conversão nº 12), todavia, deixou em aberto a quem compete constituir o ONR e elaborar o correspondente Estatuto. É possível que, por força desse veto, surja a necessidade de o Conselho Nacional de Justiça estabelecer o disciplinamento e o alcance da atividade regulatória da Corregedoria Nacional, mediante ato normativo. Nas razões do veto, a Presidência da República asseverou: “Os dispositivos apresentam inconstitucionalidade material, por violação ao princípio da separação dos poderes, ao alterar a organização administrativa e competências de órgão do Poder Judiciário; há também violação ao princípio da impessoalidade, entendido como faceta do princípio da igualdade, ao estabelecer atribuição para entidade privada constituir o ONR, em detrimento de outras.”[13] Nessa perspectiva, a Corregedoria Nacional de Justiça, mesmo sendo órgão regulador, não poderá dispor sobre outras atribuições a serem exercidas pelo Operador Nacional do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico. Relevante também é o fato de que a sua constituição não caberá apenas a uma entidade privada.[14] Haverá a participação de outras entidades, inclusive representativas da categoria. Longe de ser uma área “interdita”, o serviço registral compõe a complexa estrutura do Poder Judiciário (art.96, I, alínea “b”, CF/88), e, nos termos da minuta do Estatuto do ONR[15] que tramita na Corregedoria Nacional de Justiça por meio do Pedido de Providências n.º 0000665-50.2017.2.00.0000, o Conselho Consultivo “será composto por um representante da Corregedoria Nacional de Justiça e um representante de cada uma das Corregedorias Gerais dos Estados e do Distrito Federal” (art.24), numa evidente demonstração de que os poderes normativos em torno dos serviços registrais permanecerão sob a regulação dos órgãos do Judiciário. Cuida-se, então, de uma espécie de “regulação estatal” a ser exercida pela Corregedoria Nacional de Justiça em face do Operador Nacional de Registro. Philip Gil França (2017, p.118), discorrendo sobre o Poder Disciplinar estatal, aponta: “A atividade regulatória, latu sensu, nada mais é do que um conjunto de sofisticadas ações voltadas à orientação, determinação, fomento, fiscalização e correição de planos destinados à delimitação da atuação de um sujeito, ou grupo de sujeitos”.[16] Para França, o agente regulador atua respaldado com a força do Poder de Polícia estatal, estabelecendo limitações externas e internas no desempenho constitucional dos serviços públicos exercidos pelo particular ou pela própria Administração. “Constitui a sobreposição proporcional da vontade do particular pela legítima vontade do Estado, com o fim de proteção e desenvolvimento do bem comum”, conclui o autor (ibidem). De acordo com Celso Fernandes Campilongo (2017, p.12), a criação do ONR é legal, porquanto “nada obsta, na ordem constitucional vigente, a formação de serviço nacional que sistematize, centralize, facilite e democratize o acesso às informações sobre registros de imóveis”, sendo certo que “essa tarefa não se confunde nem se sobrepõe àquelas desempenhadas pelos oficiais de registros de imóveis”[17]. Em conformidade com a minuta do Estatuto (art.5.º) sob análise na Corregedoria Nacional[18], ao ONR caberá, dentre outras atribuições, implantar e coordenar o sistema nacional de registro de imóveis eletrônico; estabelecer padrões de transparência, segurança e interoperabilidade no funcionamento desse sistema; supervisionar a operação das centrais estaduais de serviços eletrônicos compartilhados, exigidos pelo Provimento n.º 47/2015 da Corregedoria Nacional de Justiça; criar cadastro de nacional de Regularização Fundiária Urbana, para fins estatísticos e de acompanhamento; disseminar padrões tecnológicos que viabilizem o intercâmbio eletrônico de dados e portabilidade de sistemas entre os oficialatos de registro, promovendo a interligação de todas as serventias do País, mediante barramento de dados, ou seja, através de linha de comunicação eletrônica entre os serviços registrais de imóveis em todo território nacional. 3. Considerações finais. Vê-se que o Operador Nacional de Registro não desempenhará atividades próprias e exclusivas de registradores, não sendo órgão substituto de cartório de registro imobiliário, muito menos exercerá a atividade-fim dos respectivos delegatários. A finalidade é propiciar a interconexão das unidades de registro, buscando a eliminação ou diminuição das assimetrias na prestação desse serviço público delegado. Entende-se que o ONR não suprimirá o exercício da delegação cartorária e nem assumirá as atribuições locais das centrais dos serviços eletrônicos compartilhados, já funcionando em diversos Estados. A proposta de conferir ao ONR a atribuição de baixar “instruções técnicas” para a operabilidade do funcionamento uniforme do Sistema não retira o poder de edição de normas técnicas pelo Judiciário (art.37, Lei 8.935/94), sendo certo que os oficiais de registro continuarão como protagonistas da delegação constitucional, sem perder o controle dos atos e serviços registrais da serventia. O Operador Nacional de Registro será constituído como pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, com características distintas das pessoas jurídicas mencionadas no art.44 do Código Civil[19], mais se assemelhando aos serviços sociais autônomos.[20] O Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico foi criado com a edição da Lei n.º 11.977/2009, não sendo razoável somente agora se ventilar a ilegalidade desse valioso instrumento de “governança corporativa” que tem como visão institucional aumentar a eficiência tecnológica dos serviços cartorários, com redução de custos e prazos, para garantir a segurança da informação e melhorar a acessibilidade dos serviços pelos cidadãos em geral, contribuindo, inclusive, com órgãos de investigação criminal e de fiscalização tributária, além de cooperar com estado Brasileiro e entidades privadas no sentido de concretizar uma Governança Fundiária Nacional e de aperfeiçoar o ambiente de negócios e financiamentos imobiliários. Por tais considerações, à guisa de conclusão sumária, entende-se que a criação e implantação do Sistema Nacional de Registro de Imóveis Eletrônico (SREI) e do Operador Nacional de Registro (ONR), em respeito ao princípio da Supremacia do Interesse Público, possuem amparo constitucional pela interpretação teleológica a ser dada ao comando do § 4.º do art.103-B[21] e 236 da CF/88.
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A importância de serem respeitados os princípios explícitos da administração pública na Constituição Federal
A Administração pública gere os interesses da coletividade, através de serviços públicos, devendo guiar-se em suas atividades pelos denominados Princípios da Administração Pública, os quais à luz do caput do artigo 37 da Constituição Federal de 1988, norteiam seus atos. É imprescindível o conhecimento dos referidos princípios, tanto por parte dos agentes públicos, como da população, pois a ela cabe o exercício do controle social sobre os atos praticados pela Administração Pública.
Direito Administrativo
1 INTRODUÇÃO A Administração Pública gere os interesses da coletividade através de serviços públicos, direta e indiretamente, sob regime jurídico predominante público, abrangendo atividades para a sociedade que foram assumidas pelo Estado. O Estado encontra na Administração pública uma ferramenta indispensável à execução das tarefas, ou seja, o bem-estar da coletividade depende da Administração Pública. A função pública e seus preceitos não devem ser descumpridos, e as leis impedem que os servidores públicos deixem de cumprir os deveres que a lei determina. Todos os poderes conferidos a Administração Público devem ser utilizados em benefício da sociedade. Para que os anseios da sociedade sejam cumpridos, é necessário a transparência, o êxito do dever de fazer dos atos da Administração Pública, de tal modo que evite os excessos e abusos, para que não ocorra ilegalidade dos referidos atos. Os princípios explícitos na Constituição Federal, constituem o intuito do presente estudo, os quais são abordados de maneira objetiva, para que haja compreensão, tendo bibliografia correlata como alvo de pesquisa. 2 OS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EXPLÍCITOS NO ARTIGO 37 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL Os princípios fundamentais orientadores de toda atividade da Administração Pública encontram-se elencados no artigo 37 da Constituição Federal, sendo eles: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (este último acrescentado pela EC 19/98), tais princípios são de grande valor para os agentes públicos, que devem ter suas ações neles embasadas para que sejam válidas e não acarretem sanções jurídicas. Seguindo esse pensamento, passa-se ao estudo de cada princípio: 2.1 Princípio da legalidade O princípio da legalidade, também conhecido como princípio da legalidade estrita, garante que toda atuação administrativa deve estar pautada em lei. Para o doutrinador Mello (2012, p.101) “o da legalidade é específico do Estado de Direito, é justamente aquele que o qualifica e que lhe dá identidade própria, por isso, considerado princípio basilar do regime jurídico-administrativo”. Na Administração Pública não há vontade pessoal, nem liberdade. Enquanto ao particular é lícito fazer tudo o que a lei proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza, assim explana Meirelles (2016, p. 93): "A lei para o particular significa “pode fazer assim”’; para o administrador público significa "deve fazer assim", caso o servidor público desvie a sua finalidade cometerá ato ilícito, e irá se expor à responsabilização administrativa, civil e criminal, conforme cada caso. ” Tal princípio tem guarida no artigo 5º, II da Constituição da República e no art. 2º, § único, I da Lei 9.784/99 (Lei do Processo Administrativo), que define a legalidade como dever de atuação conforme a lei e o Direito. O princípio da legalidade encontra fundamento nos artigos 5º, inciso II, 37, caput, e 84, inciso IV, todos da Constituição Federal de 1988, que dispõem: “Art. 5º, II Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. ” Neste dispositivo da Carta Magna, é contemplada a legalidade geral, ultrapassando o Direito Administrativo atuando em outras áreas do Direito, sob esse aspecto, a lei autolimita as liberdades individuais impostas a sociedade, para que se possa obter uma harmonia social. “. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Art. 84, IV. Compete privativamente ao Presidente da República sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução. ” Na parte final deste dispositivo, podemos constatar os atos administrativos, sendo que tais atos podem pressupor que existe uma lei a ser por eles regulamentada. Para Mello (2012, p.106), a atividade administrativa tem caráter subalterno, vejamos: “compete ao Presidente da República “sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução”, Evidencia-se, destarte, que mesmo os atos mais conspícuos do Chefe do Poder Executivo, isto é, os decretos, inclusive quando expedem regulamentos, só podem ser produzidos para ensejar execução fiel da lei. Ou seja: pressupõem sempre uma dada lei da qual sejam os fiéis executores. ” Podemos constatar que o princípio da legalidade representa a subordinação da Administração Pública perante à lei, e sua incumbência é cumprir a lei preexistente. 2.2 Princípio da impessoalidade Nele o administrador deve orientar-se por critérios objetivos, sendo que toda a atividade da Administração Pública deve ser praticada tendo uma finalidade pública, ficando o agente público impedido de considerar interesses pessoais ou de terceiros. Mello (2012, p. 117) neste prisma, leciona que o princípio da legalidade: “traduz a ideia de que a Administração tem de tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo, nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa”. E completa: “o princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia” Marinela (2016, p. 89), preleciona importante reflexão: “O princípio da impessoalidade também pode ser analisado sob dois aspectos diferentes: primeiro, quanto ao dever de atendimento ao interesse público, tendo o administrador a obrigação de agir de forma impessoal, abstrata, genérica, protegendo sempre a coletividade; segundo, que a atividade administrativa exercida por um agente público seja imputada ao órgão ou entidade, e não ao próprio agente. ” Por outra óptica, é possível verificar que o princípio da legalidade tenta impedir o favorecimento pessoal daqueles investidos em cargos públicos. A Carta Maior em seu artigo 37, § 1º estabelece: “A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos. ” De forma clara Meirelles (2016, p. 98) explana: "O que o princípio da finalidade veda é a prática de ato administrativo sem interesse público ou conveniência para a Administração, visando unicamente a satisfazer interesses privados, por favoritismo ou perseguição dos agentes governamentais, sob a forma de desvio de finalidade. Esse desvio de conduta dos agentes públicos constitui uma das mais insidiosas modalidades de abuso de poder." Constata-se que o princípio em tela estabelece que o agente público deve basear-se na ausência de interesse pessoal. 2.3 Princípio da moralidade Esse princípio representa uma novidade da Constituição de 1988, em seu artigo 37, caput, pois exige que a Administração atue com princípios socialmente aceitáveis, trazendo a ideia de honestidade, boa-fé. Marinela (2016, p. 94)  discorre da seguinte maneira: "O princípio da moralidade administrativa não se confunde com a moralidade comum. Enquanto a última preocupa-se com a distinção entre o bem e o mal, a primeira é composta não só por correção de atitudes, mas também por regras de boa administração, pela ideia de função administrativa, interesse do povo, de bem comum. Moralidade administrativa está ligada ao conceito de bom administrador. ” A Constituição Federal, consagrou em alguns artigos a necessidade de impedir atos de imoralidade, como podemos verificar, como, por exemplo, no artigo 85, onde demonstra os crimes de responsabilidade do Presidente da República, e no inciso V do referido artigo descreve a probidade na administração.  Noutra vertente, o artigo 37, § 4º, discorre sobre as penalidades de improbidade administrativa, a qual será objeto de análise em item específico sobre a previsão do legislador de punir atos de servidores públicos que violarem contra os princípios da Administração Pública. 2.4 Princípio da publicidade O Princípio da Publicidade confere ao gestor público credibilidade perante a sociedade em virtude das publicações de atos administrativos na imprensa oficial, os quais a sociedade irá ter conhecimento das atividades executadas pela Administração Pública. Tais atos podem ser de controle interno ou externo, o primeiro é realizado pelo próprio órgão sobre seus agentes e órgãos, o segundo é realizado por um órgão estranho à sua estrutura. Importa assinalar Carvalho Filho (2016, p. 78) “Só com a transparência dessa conduta é que poderão os indivíduos aquilatar a legalidade ou não dos atos e o grau de eficiência de que se revestem. ” Por conseguinte, Gomes (2006, p. 12): “Na hipótese de inexistência do respectivo órgão da imprensa oficial local (por exemplo, não são todos os municípios que possuem diários oficiais próprios), a Administração Pública responsável deverá promover a divulgação do ato administrativo respectivo em jornal de grande circulação da localidade. A publicidade de que se trata aqui, como se percebe, resulta de uma presunção de conhecimento público, por parte dos administrados, dos atos praticados pela Administração Pública, caracterizando-se, em princípio, como essencial à validade e eficácia dos atos administrativos. ” A Administração Pública tem o dever de manter a transparência de seus atos. O princípio em tela está exposto em outro dispositivo da Carta Maior, como podemos constatar em seu Artigo 5º, XXXIII. “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;” 2.5 Princípio da Eficiência O nome do princípio em tela já demonstra o que ele significa, isto é, que a atividade administrativa seja exercida com rendimento funcional e produtividade. Este princípio, ficou expresso através da Emenda Constitucional nº 19/98. O artigo 37, § 3º, da Suprema Legislação passou a ser um instrumento para que o cidadão exija eficiência e conferiu participações na Administração Pública direta e indireta, regulando as reclamações referentes às prestações de serviços públicos em geral, garantindo o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos do governo, bem como, a representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública. Evidencia-se desta maneira, os melhores instrumentos para a efetividade do princípio da eficiência. Di Pietro (2014, p. 84), define a importância do Princípio da Eficiência especificando que: “O princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público. ” Segundo apontamentos de Carvalho Filho (2016, p. 84). "A eficiência transmite sentido relacionado ao modo pelo qual se processa o desempenho da atividade administrativa; a ideia diz respeito, portanto, à conduta dos agentes." 3 O CONTROLE DAS ATIVIDADES ADMINISTRATIVAS DOS ENTES FEDERATIVOS Neste ponto, importa salientar que não existe um diploma único que discipline o controle da atuação administrativa, nem a Carta Magna tratou em um específico capítulo ou título. Almejando assegurar que a Administração Pública atue em conformidade com os princípios que lhe são impostos, é necessário que haja um controle por parte da mesma. O controle da Administração fiscaliza a atuação dos órgãos, a atuação dos agentes e entidades que compõem a Administração Pública. Apontando o conceito de controle administrativo, Carvalho Filho (2016, p. 1183) dispõe que: “Podemos denominar de controle da Administração Pública é o conjunto de mecanismos jurídicos e administrativos por meio dos quais se exerce o poder de fiscalização e de revisão da atividade administrativa em qualquer das esferas de Poder. ” O controle é essencial para dar legitimidade ao desempenho do poder público, visando garantir que as ações dos servidores públicos atendam às necessidades da sociedade, permitindo assim eficiência no cumprimento das atividades públicas. Neste sentido, Di Pietro (2014, p. 808), estabelece que: “A finalidade do controle é a de assegurar que a Administração atue em consonância com os princípios que lhe são impostos pelo ordenamento jurídico, como os da legalidade, moralidade, finalidade pública, publicidade, motivação, impessoalidade; em determinadas circunstâncias, abrange também o controle chamado de mérito e que diz respeito aos aspectos discricionários da atuação administrativa. ” Com base no conceito da consagrada Di Pietro, é possível constatar que o controle da atuação estatal se divide em duas vertentes distintas. Primeiramente, trata-se de controle de legalidade dos atos, onde toda a atuação administrativa deve estar estipulada em lei, e qualquer conduta praticada, mesmo que seja do interesse público se não estiver baseada por normas jurídicas irá ser considerada ilícita. Noutra vertente, é possível verificar o controle de mérito da atuação estatal, a qual não se discute a legalidade da conduta, mas sim a oportunidade e conveniência de sua manutenção. Neste sentido, Carvalho (2015, p. 377), afirma que este controle: “poderá ser efetivado pelos cidadãos, mediante provocação dos órgãos administrativos e jurisdicionais, não somente visando seus interesses individuais, mas também para evitar prejuízos aos interesses da coletividade, sendo o controle popular a maior manifestação da democracia. ” Apesar do controle ser da alçada estatal, o administrado pode e deve participar dele na medida provoca o procedimento de controle, não somente na defesa do seu interesse particular, mas também na preservação do interesse coletivo. O Controle do Estado pode ser direcionado através de duas formas distintas: o Controle da Atividade Política, também denominado Controle Político do Estado e o Controle da Atividade Administrativa. O Controle Político do Estado decorre de disposição no texto constitucional, e o Controle da Atividade Administrativa é a resultância da Carta Magna e da previsão legal. 4 CONTROLE DA ATIVIDADE ADMINISTRATIVA Para o Administrador Público só é permitido os atos descritos na lei, e o controle é desempenhado por todos os Poderes, uma vez que existe atividade administrativa em todos, diante disto, são diversas as formas pelas quais o controle se exerce. Marinela (2016, p. 1209), preleciona importante reflexão: “tem-se que Controle da Administração é o conjunto de mecanismos jurídicos e administrativos para fiscalização e revisão de toda atividade administrativa. Trata-se de um poder-dever concedido por lei à Administração para analisar, fiscalizar, revisar e validar ou não um ato administrativo pela própria pessoa que o praticou como também por uma autoridade superior ou mesmo por um departamento, setor, órgão ou Poder distinto. ” A revisão e a fiscalização da atividade administrativa são direito e dever de todo cidadão e do Administrador na busca de uma gestão responsável. A esse respeito ensina Marinela (2016, p. 1210): “A fiscalização é o modo de atuação pelo qual se direcionam recursos humanos e materiais a fim de avaliar a gestão pública. Tal atuação consiste, basicamente, na coleta de dados e informações para a sua análise, produzindo ao final um diagnóstico que leva à formação de um juízo de valor, tendo como base os princípios da Administração Pública. A revisão consiste no poder de se realizar uma nova análise do ato praticado e dos motivos que levaram o agente à sua prática, podendo o revisor modificá-lo de modo a corrigir alguma falha legal ou procedimental e, ainda, adequar a sua conveniência e oportunidade ao interesse público. Nesse caso, o controle é nitidamente posterior ao ato. ” Além das duas possibilidades de revisão na esfera administrativa, a atividade administrativa pode ser revisada pelo Poder Judiciário, no que diz respeito a legalidade. É importante ressaltar, que não se pode confundir “controle da administração” com “controle administrativo”, pois aquele possui um conceito amplo, incluindo o controle dos demais Poderes, enquanto este tem uma conotação interna. 5 CONTROLE ADMINISTRATIVO Aqui, parte-se do princípio que a Administração Pública é fiscal de si mesma, em decorrência do poder de autotutela. Segundo entendimento de Carvalho (2015, p. 381): "O controle administrativo pode ser realizado de forma prévia, concomitante ou posterior ao ato controlado e deve pautar-se na análise de legalidade dos atos controlados, assim como nos aspectos de oportunidade e conveniência destas condutas. Ademais, trata-se de controle que pode ser exercido mediante provocação, ou de ofício por iniciativa do órgão controlador, uma vez que essa prerrogativa configura poder-dever atribuído à Administração Pública, não lhe sendo permitido fugir da sua obrigação de analisar os atos por ela executados no exercício das suas funções." O controle administrativo é exercido dentro da Administração Pública, isto é, na mesma esfera que o ato foi emanado. 6 CONTROLE LEGISLATIVO O controle legislativo é realizado na esfera do Poder Legislativo perante atos praticados pela Administração Pública. A doutrina clássica explana que o controle administrativo poderá ser exercido de ofício ou mediante provocação de particulares interessados, os quais podem representar denúncias de irregularidades contra os órgãos controladores. 7 CONTROLE JUDICIAL O controle judiciário ou judicial é exercido pelos órgãos do Poder Judiciário sobre os atos administrativos exercidos pelo Poder Executivo, Legislativo e do próprio judiciário (quando este realiza alguma atividade administrativa). Di Pietro (2014, p. 827), leciona: "O Poder Judiciário pode examinar os atos da Administração Pública, de qualquer natureza, sejam gerais ou individuais, unilaterais ou bilaterais, vinculados ou discricionários, mas sempre sob o aspecto da legalidade e, agora, pela Constituição, também sob o aspecto da moralidade (arts. 5º, inciso LXXIII, e 37)." Importa salientar que, o controle judicial das atividades administrativas somente será realizado mediante provocação da parte interessada. 8 A PREVISÃO DO LEGISLADOR DE PUNIR ATOS DOS SERVIDORES PÚBLICOS QUE VIOLAREM CONTRA OS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. Improbidade administrativa é um ato ilegal aos princípios básicos da Administração Pública, cometido por um servidor público, durante o exercício de sua função pública. Precioso e aprofundado é o ensinamento Carvalho Filho (2016, p. 1322) “Ação de improbidade administrativa é aquela em que se pretende o reconhecimento judicial de condutas de improbidade na Administração, perpetradas por administradores públicos e terceiros, e a consequente aplicação das sanções legais, com o escopo de preservar o princípio da moralidade administrativa” O doutrinador Borges (2015, p. 953), oferece importante reflexão: “O ato de improbidade é a conduta desonesta com a coisa pública, sendo um ilícito de natureza civil. ” Conforme podemos verificar a lei nº 8.429/92, em seu artigo 2º, agente público é todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função na Administração Pública. Caso o agente cometa o ato de improbidade administrativa será punido nas três responsabilidades, administrativa, civil e penal. Contudo, a lei 8429/92 têm natureza civil, é cediço que tais instâncias são independentes e o ato de improbidade podem ocorrer nas três instâncias. Por se tratar de uma lei que define sanções administrativas aos agentes que causarem danos ao erário, pode se entender que compete privativamente a União legislar sobre improbidade administrativa, sendo assim, a lei 8429/92 é de abrangência nacional. Inicialmente a improbidade administrativa tem como base o artigo 37, § 4º da Constituição Federal, que dispõe: “§ 4º – Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.” O dispositivo constitucional elencado acima, enumera algumas das sanções impostas caso algum servidor pratique o ato de improbidade, bem como, há a possibilidade de aplicação do artigo 11 caput da Lei nº 8.429/92, onde podemos constatar o ato de improbidade administrativa quando o agente atentar contra os princípios da Administração Pública, vejamos: “Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, (…).” Para cada ato de improbidade, a lei definiu sanções que deverão ser aplicadas ao agente público. Na esfera administrativa, o agente responderá com a perda da função pública e a instauração de um procedimento administrativo. Na esfera política e civil, poderá ter seus direitos políticos suspensos, bem como, ter seus bens indisponíveis e terá que ressarcir os danos causados ao erário. Para tutelar os princípios da Administração Pública, a lei 8429/92 cita em alguns dos seus artigos os referidos princípios, neste caso, podemos mencionar o princípio da publicidade, onde a lei mencionada previu em seu artigo 11, IV, que o agente público ao “negar publicidade aos atos oficiais” seria ato de improbidade. Noutra vertente, também podemos verificar o artigo 4º da lei em tela: “Art. 4° Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos. ” Importante salientar que os particulares também podem responder por improbidade, caso concorram ou se beneficiem com a prática do ato. No âmbito federal, a lei 8112/92 estabelece o prazo de prescrição, que será de 5 (cinco anos), a contar do conhecimento do fato. 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS Almejando a concretização dos objetivos da Administração Pública, que é gerir os recursos públicos observando o interesse e o bem-estar social da sociedade, tendo como embasamento de seus atos através da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, todos expostos na Constituição Federal, em seu artigo 37, caput. Discernido a força coercitiva dos princípios explícitos na Constituição Federal, a inobservância de um princípio gera ilegalidade, porque agride todo o sistema, violando valores fundamentais da Carta Maior, bem como, atentar contra a Lei nº 8.429/92. Em suma, o servidor público tem o dever de agir com dedicação e zelo às atribuições do cargo que lhe foi confiado, observando as previsões legais, para que não ocorra o ato de improbidade. A Improbidade Administrativa é um dos maiores males que afetam a Administração Pública, sendo um aspecto negativo para a imagem do Estado. Noutra vertente, além da consequência moral que gera a desobediência a um princípio, poderá ser aplicada a Lei nº 8.429/92, em seu artigo 11, que trata Dos Atos de Improbidade Administrativa que atentam contra os princípios da Administração Pública. Por fim, cabe a sociedade o exercício do controle social sobre os atos praticados pela Administração Pública e exigir a observância em todos os atos praticados, utilizando-se de meios legais para denunciar a corrupção e abusos por parte dos agentes públicos.
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A hipótese de dispensa de licitação prevista no inciso XXII do artigo 24 da Lei 8.666/93
Este artigo tem como objetivo o estudo da hipótese de dispensa de licitação prevista no inciso XXII, artigo 24 da Lei 8.666/93 e suas peculiaridades.
Direito Administrativo
Introdução O presente artigo tem como objetivo discorrer sobre a hipótese de dispensa de licitação prevista no inciso XXII do artigo 24 da Lei 8.666/93 que trata da contratação de fornecimento ou suprimento de energia elétrica ou gás natural com concessionário, permissionário ou autorizado. É certo que a exigência de licitação é regra para as obras, serviços, compras, alienações, concessões, permissões e locações efetuadas pela Administração Pública com terceiros conforme prevê o artigo 2° da Lei 8.666∕93 que regulamenta o disposto no artigo 37, XXI da Constituição Federal. A exigência de licitação decorre da necessidade de obtenção da melhor contratação, com a escolha da proposta mais vantajosa à Administração.   Saliente-se, ademais, que o artigo 37, XXI da Constituição Federal prevê a possibilidade de lei ordinária fixar hipóteses em que a licitação deixa de ser obrigatória. Sendo assim, a Lei 8.666∕93 prevê nos artigos 17, incisos I e II e 24 as hipóteses de dispensa e, no artigo 25 as hipóteses de inexigibilidade de licitação, que são as duas modalidades de contratação direta. Este artigo abordará a hipótese de dispensa de licitação prevista no inciso XXII do artigo 24 da Lei 8.666/93 e tratará de suas peculiaridades. Tal estudo se mostra importante já que a exigência da licitação constitui a regra a ser observada nas contratações efetuadas pelo Poder Público, sendo que a dispensa e a inexigibilidade constituem exceções de forma que é primordial a clara definição de quando ocorrem tais exceções. Note-se que a correta caracterização de uma hipótese de dispensa ou de inexigibilidade de licitação é importante para que haja a correta aplicação dos princípios que regem a Administração, bem como para evitar danos ao erário, sendo que a declaração de dispensa ou inexigibilidade de licitação deve seguir um procedimento com determinados requisitos que serão estudados neste trabalho. 1. Dispensa e inexigibilidade de licitação Nos casos de dispensa de licitação, ao contrário das hipóteses de inexigibilidade de licitação em que não há a possibilidade de competição, a licitação é possível, no entanto, a lei faculta a dispensa do processo licitatório deixando a decisão à Administração, no exercício de sua competência discricionária, após a análise de fatores que envolvem uma relação entre custos e benefícios a fim de se verificar se os custos inerentes à licitação superam os benefícios dela decorrentes. (MARÇAL: 2012, p. 334) Na dispensa, a realização da licitação se mostra objetivamente contrária ao interesse público, já que conforme Marçal Justen Filho “A lei dispensa a licitação para evitar o sacrifício dos interesses coletivos e supraindividuais” (2012, p. 334). As hipóteses de dispensa de licitação estão previstas nos artigos 17 e 24 da Lei 8.666/93 e são numerus clausus, ou seja, devem estar expressamente previstas em lei. A inexigibilidade de licitação está prevista no artigo 25 da Lei 8.666/93 e ocorre sempre que for inviável a competição. Após essas considerações gerais será tratada a hipótese de dispensa de licitação prevista no inciso XXII do artigo 24 da Lei 8.666/93. 2. Da contratação de energia elétrica. Hipótese de dispensa ou inexigibilidade de licitação?      Com efeito, dispõe o artigo 24, inciso XII da Lei 8.666/93: “Art. 24. É dispensável a licitação: […] V- na contratação de fornecimento ou suprimento de energia elétrica e gás natural com concessionário, permissionário ou autorizado, segundo as normas da legislação específica;” Verifica-se da análise de tal dispositivo legal, que para aplicação da hipótese ora estudada se faz necessária a presença dos seguintes requisitos: a) tratar-se de fornecimento ou suprimento de energia elétrica, de forma que a instalação de rede elétrica, troca ou manutenção de subestação própria da Administração e outros serviços dessa natureza não estão abarcados pela hipótese ora tratada, devendo ser objeto de licitação; (JACOBY:2013, p.490) b) o contratado deve ser concessionários, permissionários ou autorizados para o fornecimento de energia elétrica. Cumpre ressaltar que referido inciso foi acrescido pela Lei 9.648/98 após o fim do monopólio das empresas estatais para a prestação dos serviços de fornecimento de energia elétrica já que com o advento da Lei 9.074/95 surgiu a possibilidade de tais serviços serem prestados por concessionários ou permissionários, o que abriu a possibilidade de competição. Como visto nas hipóteses de contratação direta com dispensa de licitação a realização da licitação é possível, no entanto, a lei faculta ao Administrador realizar a contratação com dispensa de licitação. Ocorre que no caso de contratação de prestação de serviços de fornecimento de energia elétrica na maioria dos municípios brasileiros existe um único fornecedor de energia elétrica, o que gera a discussão quanto à possibilidade da contratação da prestação de serviços de fornecimento de energia elétrica se dar mediante a declaração de inexigibilidade de licitação. Sobre a questão, os Tribunais de Contas dos Estados do Mato Grosso do Sul e de São Paulo, apesar de frisarem ser o caso de dispensa de licitação com fundamento no artigo 24, inciso XXII da Lei 8.666/93 têm julgado regulares as contratações de prestação de serviços de fornecimento de energia elétrica mediante declaração de inexigibilidade de licitação no fornecimento. Nesse sentido as seguintes decisões: EMENTA – CONTRATAÇÃO DIRETA DISPENSA DE LICITAÇÃO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA EMPRESA CONCESSIONÁRIA REQUISITOS PRESENTES REGULARIDADE – FORMALIZAÇÃO CONTRATUAL CUMPRIMENTO DAS DISPOSIÇÕES LEGAIS REGULARIDADE É regular o procedimento de contratação direta, por dispensa de licitação, em caso de empresa concessionária para fornecimento de energia elétrica, observada as demais exigências legais quanto à sua formalização. É regular a formalização do contrato, no âmbito da qual esteja demonstrada o cumprimento das exigências legais. ACÓRDÃO: Vista, relatada e discutida a matéria dos autos, na 7ª Sessão Ordinária da Primeira Câmara, de 19 de abril de 2016, ACORDAM os Senhores Conselheiros, por unanimidade, nos termos do voto do relator declarar regulares a os atos administrativos de inexigibilidade de licitação- em verdade dispensa de licitação – e de firmação do Contrato n. 14, de2014, entre a Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural/AGRAER na gestão do Sr. José Antônio Roldão, Diretor e a Empresa Energética de Mato Grosso do Sul S.A./ENERSUL. Campo Grande, 19 de abril de 2016.Conselheiro José Ricardo Pereira Cabral Relator ACÓRDÃOS do egrégio TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MATOGROSSO DO SUL, proferidos na 8º Sessão Ordinária da PRIMEIRA CÂMARA, realizada no dia 26 de abril de 2016. (TCE-MS – CONTRATO ADMINISTRATIVO: 165612014 MS 1.548.629, Relator: JOSÉ RICARDO PEREIRA CABRAL, Data de Publicação: Diário Oficial do TCE-MS n. 1611, de 18/08/2017) “ACORDA a Primeira Câmara do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, em sessão de 03 de setembro de 2013, pelo voto dos Conselheiros Renato Martins Costa, Presidente e Relator, Cristiana de Castro Moraes e Dimas Eduardo Ramalho, na conformidade das correspondentes notas taquigráficas, julgar regular a contratação direta, ainda que realizada por fundamento equivocado. Recomenda à Prefeitura Municipal de São José dos Campos que, doravante, adote como fundamento o inciso XXII, do artigo 24 da Lei de Licitação, bem como que cumpra os prazos de publicação do contrato e de encaminhamento do instrumento para exame desta Corte.” (TCE/SP – TC-000956/007/11 Objeto: Fornecimento de energia elétrica e execução dos serviços de instalação, manutenção e operação do sistema aéreo de iluminação pública. Em Julgamento: Inexigibilidade de Licitação (artigo 25, inciso I, da Lei Federal nº 8.666/93 e posteriores atualizações). Relator Renato Martins Costa. Data da publicação:12/09/2013) O Tribunal de Contas da União também entende que a contratação da prestação de serviços de fornecimento de energia elétrica deve se dar por meio de dispensa de licitação nos termos do disposto no artigo 24, XXII da Lei 8.666/93 em razão da expressa previsão legal. Nesse sentido: “i.8) contratação de fornecimento de energia por inexigibilidade quando deveria ser por dispensa de licitação, conforme prevê o art. 24, XXII, Lei 8.666/93 (item 6.2.1.2 – peça 5, p. 163-165);(…) ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão da Segunda Câmara, ante as razões expostas pelo Relator, em:(…) 9.4.2. abstenha-se, no tocante à gestão de licitações e contratos, de não elaborar orçamento detalhado, de realizar despesas sem prévio empenho, de prorrogar contratos indevidamente e de contratar indevidamente por inexigibilidade de licitação, nos termos dos arts. 7, § 2º, inciso II, 25 e 57 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e do art. 60 da Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964;” (TCU, TC 021.265/2013-5, Segunda Câmara, Relator André Luís de Carvalho) “(…) A unidade contratou serviços de fornecimento de energia elétrica com a Companhia Hidroelétrica São Patrício – Chesp para atender à Agência de Atendimento de Trabalho no Município de Ceres/GO, para o exercício de 2006, por inexigibilidade de licitação. Apesar dos esclarecimentos do Delegado de que a Chesp é a única concessionária autorizada a fornecer energia elétrica para a região, inviabilizando a competitividade e tornando inexigível o certame, a CGU/GO sugeriu a aplicação do art. 24, inciso XXII, da Lei 8.666/1993, por entender que a contratação por meio de dispensa de licitação, além de ser menos burocrática, traz economia em função da não-obrigatoriedade da publicação no DOU. O art. 25, I, da Lei 8.666/1993, permite a inexigibilidade da licitação, quando há inviabilidade de competição para aquisição de materiais, ou gêneros que só possam se fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo. No caso da Chesp, apesar de ser a única provedora de energia elétrica para a região, a Lei de Licitações, em seu inciso XXII do art. 24, traz disposições específicas quanto à contratação de serviços de fornecimento de energia elétrica. Portanto, trata-se de falha formal sem a incidência de dano ao erário, devendo-se, por ocasião de mérito, apenas determinar à DRT/GO que, nos casos de contratação de energia elétrica, o faça com dispensa de licitação nos termos do art. 24, inciso XXII, da Lei 8.666/1993.”(TCU, TC 013.226/2007-2, Segunda Câmara, Relator André Luís de Carvalho). 3. Procedimento Tanto no caso de dispensa ou de inexigibilidade de licitação deve ser observado o procedimento previsto no artigo 26 da Lei 8.666∕93, que assim dispõe: “Art. 26. As dispensas previstas nos §§ 2o e 4o do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8o desta Lei deverão ser comunicados, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos. Parágrafo único.  O processo de dispensa, de inexigibilidade ou de retardamento, previsto neste artigo, será instruído, no que couber, com os seguintes elementos: I – caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, quando for o caso; II – razão da escolha do fornecedor ou executante; III – justificativa do preço. IV – documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados.” Note-se que convém seja o procedimento de dispensa ou de inexigibilidade de licitação autuado em novo processo observando-se o disposto no artigo 26 da Lei 8.666/93 com a comunicação à autoridade superior no prazo de três dias, para ratificação e posterior publicação, no prazo de cinco dias. Além da comprovação do preenchimento dos requisitos constantes no inciso XXII do artigo 24 da Lei 8.666/93 já estudados, o procedimento deverá ser instruído com os elementos contidos nos incisos previstos no parágrafo único do artigo 26 supramencionado, quais sejam, razão da escolha do fornecedor ou executante e justificativa do preço.    Conclusão Verifica-se assim que o inciso XXII do artigo 24 da Lei 8.666/93 trata da hipótese de dispensa de licitação nos casos de contratação de fornecimento ou suprimento de energia elétrica e gás natural com concessionário, permissionário ou autorizado. Note-se que apesar de na maioria dos municípios brasileiros existir um único fornecedor de energia elétrica o que autorizaria a contratação mediante inexigibilidade de licitação o qual seria o fundamento correto ante a inviabilidade de competição devido à exclusividade no fornecimento, prevalece na jurisprudência dos Tribunais de Contas que a referida contratação deve se dar mediante dispensa de licitação com fundamento no inciso XXII do artigo 24 da Lei 8.666/93.  Por fim, cumpre ressaltar que o procedimento de dispensa ou de inexigibilidade de licitação deverá observar o disposto no artigo 26 da Lei 8.666/93 e a Administração deverá tomar todas as cautelas necessárias a fim de verificar se o caso em questão realmente se enquadra na hipótese de dispensa ou de inexigibilidade, sob pena da contratação ser irregular ocasionando prejuízos ao erário e aplicação de sanções ao Administrador.
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Rescisão unilateral de contrato administrativo com base no interesse público
O presente artigo faz uma análise sobre instituto da rescisão unilateral de contrato administrativo por parte da administração pública, com base no interesse público. A pesquisa aponta os posicionamentos da doutrina e jurisprudência acerca do instituto e, sobretudo buscou-se conhecer e discutir o fenômeno. Por outro lado, o estudo aponta os potenciais problemas que se desencadeiam por conta de uma rescisão unilateral sem observação aos princípios constitucionais e da administração pública. Para realização da pesquisa optou-se pela metodologia de revisão integrativa, a qual foi estruturada seguindo as etapas de: identificação do tema e seleção da questão de pesquisa; estabelecimento de critérios de inclusão e exclusão; identificação dos estudos pré-selecionados e selecionados; categorização dos estudos selecionados; análise e interpretação dos resultados, e, apresentação de síntese conhecimento. Verificou-se no estudo os potenciais problemas e prejuízos que se desencadeiam, quando de uma rescisão unilateral de processo administrativo imotivada, ou com motivação controversa. Constata-se que antes da tomada de decisão, é imprescindível abertura de processo administrativo com garantia de contraditório e ampla defesa, o que dentre outras vantagens, diminui as possibilidades de nulidade quando em apreciação pelo Poder Judiciário. Uma rescisão unilateral de contrato administrativo onde os interesses pessoais sobrepõem o interesse público, tende a trazer prejuízos não só financeiro, mas principalmente coloca a população administrada desassistida e em situação de risco, contrariando os princípios da eficiência, continuidade dos serviços públicos, entre outros.
Direito Administrativo
Introdução Na organização político-administrativa brasileira, a responsabilidade em arrecadar e gerir recursos para ofertar serviços públicos cabe à Administração Pública, aqui entendida como Poder Executivo. Com base em princípios basilares, a saber: Legalidade, Moralidade, Impessoalidade, Economicidade, Publicidade, Eficiência, Supremacia do Interesse Público, entre outros, a Administração Pública busca contratar bens e serviços que possam atender a demanda pública. O instituto da licitação é o caminho legal para contratar com a administração pública. Os dispositivos legais, em especial a Lei 8666/1993 (BRASIL,1993) disciplinam as etapas necessárias para que a administração realize as modalidades de licitações, que em geral se inicia com o edital e termina com a adjudicação e homologação. Superada estas fazes do procedimento licitatório, os vencedores do certame e a administração estão prontos a contratarem. Os acordos bilaterais onde se tem de um lado, como tomador ou contratante a administração pública e do outro, uma pessoa jurídica de direito publico ou privado, a qual se propõe a oferecer os bens ou serviços, objeto do acordo, é denominado contrato administrativo. O normal é que com a assinatura e início do acordo pactuado, o contrato siga seu curso normal e seu término ocorra somente após a satisfação do objeto contratado. No entanto, o ordenamento jurídico brasileiro dispõe de dispositivos legais que possibilitam às partes contratantes rescindirem o contrato nas situações em que uma das partes, ou ambas as partes deixam de cumprir sua responsabilidade. Entretanto, nos contratos administrativos, dispõe a Administração Pública das chamadas prerrogativas, o que desequilibra as forças das partes no contrato. Neste sentido, interpretando literalmente o dispositivo fica compreendido que detém a Administração Pública, dentre outras, as prerrogativas de modificar unilateralmente, rescindir unilateralmente, rescindir unilateralmente, fiscalizar a execução, aplicar sanções e ainda ocupar provisoriamente imóveis e serviços vinculados ao objeto do contrato. Nos contratos administrativos estes “privilégios” dão segurança à Administração Pública no sentido de garantir que os contratados cumpram os compromissos acordados, e, se necessário, em nome do interesse público buscar alternativas quando do seu descumprimento. Não obstante é sabido que em muitos casos, especialmente quando se trata da Administração Pública na esfera municipal, esse problema é agravado, sobretudo em pequenos municípios brasileiros onde a Administração é eivada de politicagem e interesses partidários, que se colocam em prioridade aos interesses públicos. 1. Procedimento e etapas da licitação de bens e serviços para atender a administração pública. Com a entrada em vigor da Lei nº 8666 de 21 de junho de 1993 (BRASIL, 1993) a contratação de bens e serviços para o atendimento da demanda pública, se inicia, em regra com o procedimento licitatório. No entanto há situações específicas, nas quais o procedimento licitatório é dispensado ou não exigido.  O objetivo do procedimento licitatório é possibilitar que administração pública pautada em princípios constitucionais e princípios da administração pública, busque no mercado ofertas de bens e serviços mais vantajosas para a administração. Vejamos o que Luiz Oliveira Castro Jungstedt, define como licitação: “[…] um procedimento administrativo, preliminar aos contratos celebrados pelo Estado, que busca a melhor proposta para se atingir o interesse público, a partir de normas preestabelecidas em um instrumento convocatório, as quais irão definir a forma de agir das atividades administrativas e dos particulares interessados neste processo de seleção (JUNGSTEDT, 1999, p. 5)”. Neste mesmo sentido disciplina Hely Lopes Meirelles: “É um procedimento administrativo mediante o qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse. Visa a propiciar iguais oportunidades aos que desejam contratar com o Poder Público, dentro de padrões previamente estabelecidos pela Administração, e atua como fator de eficiência e moralidade nos negócios administrativos. É o meio técnico-legal de verificação das melhores condições para a execução de obras e serviços, compra de materiais e alienações de bens públicos (MEIRELLES, 1999. p. 23)”. O procedimento licitatório consiste em duas etapas. A primeira etapa trata-se dos procedimentos formais internos, os quais são realizados pela comissão de licitação. A segunda etapa, etapa externa inicia com o edital, passando pelas fases de habilitação/ apresentação de propostas e documentos, classificação e julgamento, adjudicação e homologação. De acordo com a Lei nº 8666/93 (BRASIL, 1993) a modalidade de licitação a ser empregada pela administração pública, é estabelecida levando em consideração o tipo do bem ou serviço a ser adquirido e também o valor da contratação. Conforme o artigo 22 da citada Lei, as modalidades de licitação são: concorrência; tomada de preços; convite; concurso; leilão. A modalidade concorrência ocorre na licitação de compra de bens e serviços acima de R$ 650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais) e obras públicas e serviços de engenharia acima de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais). Podem participar do certame qualquer fornecedor ou prestador de serviço que atender os requisitos mínimos de qualificação exigidos no edital, quando na fase de habilitação.  A Tomada de preços é a modalidade na qual podem participar os interessados devidamente cadastrados ou que atenderem a todas as condições exigidas para cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas, observada a necessária qualificação. Esta modalidade é estabelecida para aquisição de bens e serviços de até R$ 650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais) e obras públicas e serviços de engenharia de até R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais). Convite é a modalidade de licitação entre interessados do ramo pertinente ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados pela administração. Devem participar no mínimo 03 (três) interessados. Nesta modalidade a comissão de licitação afixará, em local apropriado, cópia do instrumento convocatório e estenderá o convite aos demais cadastrados na correspondente especialidade que manifestarem seu interesse em até 24 (vinte e quatro) horas da apresentação das propostas. A modalidade convite é estabelecida para bens e serviços de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) e obras públicas e serviços de engenharia de até R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais).  Concurso é a modalidade de licitação para escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, mediante a instituição de prêmios ou remuneração aos vencedores. Leilão é a modalidade de licitação para a venda de bens móveis inservíveis para a administração ou de produtos legalmente apreendidos ou penhorados, ou para a alienação de bens imóveis. Podem participar qualquer interessado disposto a ofertar o maior lanço, igual ou superior ao valor da avaliação.  Na hipótese da modalidade convite, existindo na praça mais de 03(três) possíveis interessados, a cada novo convite, realizado para objeto idêntico ou assemelhado, é obrigatório à extensão do convite a, no mínimo, mais um interessado, enquanto existirem cadastrados não convidados nas últimas licitações. Quando for impossível a obtenção do número mínimo de 03(três) licitantes, estas informações devem ser e justificadas no processo, sob pena de repetição do convite. Com entrada em vigor da Lei 10520, de 17 de julho de 2002, desde então foi instituída a modalidade de licitação denominada pregão, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, para aquisição de bens e serviços comuns. Nas palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:  “Pregão é a modalidade de licitação para aquisição de bens e serviços comuns, qualquer que seja o valor estimado da contratação, em que a disputa pelo fornecimento é feita por meio de propostas e lances em sessão pública (DI PIETRO, 2016, p.457)”. Superadas as fases da licitação, as partes estão prontas para contratarem. Para Celso Bandeira de Mello (2010, p. 620) denomina-se contrato administrativo a relação jurídica formada por um acordo de vontades, em que às partes obrigam-se reciprocamente a prestações concebidas como contrapostas e de tal sorte que nenhum dos contratantes pode unilateralmente alterar ou extinguir a avença. O normal é que o contrato se encerre com o cumprimento das finalidades do objeto, ou seja, as obrigações contraídas pelas partes totalmente satisfeitas. No entanto, em muitos casos por conta de faltas de umas das partes, na grande maioria das vezes, faltas dos fornecedores de bens e serviços para administração pública, os contratos terminam por serem rescindidos unilateralmente. Esta possibilidade de rescisão, diferente do que ocorre nos contratos particulares, traduzem as prerrogativas especiais de que a administração pública desfruta frente ao interesse particular. Para Cretella Júnior (1971, p. 177), Hely Lopes Meirelles (2007, p. 203), essas prerrogativas, denominadas cláusulas exorbitantes, possibilitam que a administração disponha de privilégios em relação ao contratado. Marçal Justin Filho (2004, p. 501) enfatiza que a administração pública tem o poder-dever de fiscalizar a atuação do particular contratado e tomar providências necessárias para garantir e resguardar o interesse público. O rol de motivos que podem desencadear uma rescisão unilateral de contrato administrativo estão presentes na Lei nº 8.666/93, porém não se trata de rol taxativo. Conforme o artigo 79 da Lei nº 8.666/1.993 a rescisão do contrato poderá ser determinada por ato unilateral e escrito da Administração, nos casos enumerados nos incisos I a XII do artigo 78. Das possibilidades de rescisão elencadas nos incisos I ao XI, podemos verificar que estão relacionadas com faltas cometidas pelo fornecedor e/ou prestador do serviço, quer seja pelo não cumprimento de cláusulas contratuais envolvendo descumprimento de prazos, paralisação de obras, subcontratação não autorizadas, falência e etc. Por outro lado, o inciso XII trás a possibilidade de rescisão unilateral de contrato administrativo com o instituto do interesse público. Vejamos a Lei nº 8.666/1.993: “Art. 78.  Constituem motivo para rescisão do contrato: XII – razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a que está subordinado o contratante e exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato (BRASIL, 1993)”. Não obstante a comprovação dos motivos de interesse público, alta relevância e amplo conhecimento para justificar a rescisão unilateral, a motivação e expedição do ato de rescisão são de competência exclusiva da maior autoridade administrativa a que está subordinada o contratante. Neste ato a administração publica materialização do princípio da supremacia e indisponibilidade do interesse público frente ao interesse particular. 2. Da necessidade de motivação e abertura de processo administrativo.  A possibilidade de rescisão de contrato administrativo com base no interesse público está disciplinada no artigo 78, inciso XII da Lei nº 8666/1993. Esta forma de rescisão pauta-se, no poder discricionário de que dispõe a administração pública em poder atuar com base em critérios de oportunidade e conveniência. Segundo Volnei Ivo Carlin (2007, p. 161). Volnei Ivo Carlin afirma ainda: “Essas cláusulas podem conter as mais diversas prerrogativas, no interesse do serviço público, como o poder de desapropriar, que normalmente não se encontra no Direito Privado. Elas permitem alterar e rescindir unilateralmente o contrato (vínculo) nos limites exigidos pelo interesse público (CARLIM, 2007, p. 542)”. Como afirma Alexandrino:  “Os atos administrativos discricionários são aqueles que administração pode praticar com certa liberdade de escolha nos termos e limites da lei, quanto a seu conteúdo, seu modo de realização, sua oportunidade e sua conveniência administrativas (ALEXANDRINO; PAULO, 2013, p. 446)”.  Para Diógenes Gasparini (2009, p. 97) “Ha conveniência sempre que o ato interessa ou satisfaz ao interesse público. Ha oportunidade quando o ato é praticado no momento adequado à satisfação do interesse público.” Por outro lado, a tomada de decisão em se levar adiante a rescisão unilateral de um contrato administrativo, deve estar embasada e fundamentada em motivos de real interesse público. Ao contrário disso, o administrador público estará sujeito a incorrer em ilegalidade e responder pelos prejuízos suportados pelo fornecedor e/ou prestador de serviços que teve o contrato rescindido e ainda os prejuízos causados para administração pública. Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2013), embora o administrador público disponha de maior liberdade para tomada de decisões, elas necessariamente devem estar balizadas entre os limites traçados por Lei. Sem esta observação, o administrador público estará tomando uma decisão arbitrária e contrária ao interesse público.  A rescisão unilateral de contrato administrativo baseada no interesse público necessariamente deve passar por uma análise, na qual se avalie o custo benefício da decisão. Nesta análise, é indispensável considerar, não só a viabilidade e os benefícios que poderiam trazer para a dministração e a população atendida, mas principalmente considerar os desgastes e potenciais prejuízos que podem surgir. Não há que confundir a vontade pessoal do administrador com o interesse público. Conforme preconiza Marçal Justen Filho (2011, p. 39) o interesse público não se enleia com o interesse do agente público, tendo em vista que o interesse privado e particular do agente público não é interesse público.  3. Do contraditório e ampla defesa. A doutrina, bem como a jurisprudência tem firmado o entendimento de que antes de decidir acerca da rescisão unilateral de contrato administrativo, é imprescindível a abertura de um processo administrativo, no qual o contratado tenha a oportunidade de se manifestar sobre o caso, sendo lhe garantido a ampla defesa e o contraditório. Conforme disciplina a Lei nº 8666/1993 (BRASIL, 1993) no art. 78, parágrafo único, “Os casos de rescisão contratual serão formalmente motivados nos autos do processo, assegurado o contraditório e a ampla defesa.” A não observação do contraditório e ampla defesa, contraria o artigo 5º, inciso LV da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988). Tanto é verdade, que os tribunais têm confirmado a nulidade dos atos de rescisão unilateral de contrato administrativo em que o contratado demonstre o cerceamento de sua defesa no âmbito administrativo. Como consequência disso, em muitos casos a administração pública tem sido condenada em perdas e danos a favor do contratado. Vejamos recente decisão do Superior Tribunal de Justiça: “[…] 1. Acórdão recorrido fundado em ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa, exsurgindo daí o dever de indenizar em razão da rescisão unilateral do contrato. 2. Impossibilidade de averiguar se tais princípios foram ou não observados pela Administração, por depender do reexame do contexto fático-probatório dos autos. Súmula 7/STJ. 3. A jurisprudência desta Corte é pacífica quanto ao dever de indenização pelos prejuízos causados na hipótese de rescisão unilateral de contrato administrativo, aí compreendidos os danos emergentes e os lucros cessantes, quando a parte contratada não dá causa ao distrato. 4. Alegado descumprimento do contrato por parte da empresa contratada afastado pela Corte Estadual a partir do exame de matéria eminentemente fática. 5. Recurso especial não conhecido ( STJ – RECURSO ESPECIAL REsp 928400 SE 2007/0039996-5. 2013)”. Por outro lado, às rescisões unilaterais de contratos administrativos, em que administração pública submeteu abertura regular de processo administrativo, garantindo ao contratado o exercício do direito do contraditório e ampla defesa, têm sido confirmado pelos tribunais a manutenção da rescisão unilateral. Vejamos: “[…]1. A legislação fixa a possibilidade de que o contrato administrativo seja rescindido unilateralmente pela conveniência da administração (art. 78 , caput, da Lei n. 8666 /93); no entanto, a prerrogativa deve observar estritamente as hipóteses previstas no art. 78 , da Lei de Licitações e Contratos. 2. Na hipótese de rescisão por interesse público (art. 78 , XII , da Lei n. 8666 /93), deve haver oportunidade de manifestação ao contratado, motivação e caracterização do interesse público, bem como a apuração de perdas e danos – se for do interesse do contratado. 3. No caso concreto, o contratado foi chamado a manifestar-se sobre o valor da contrapartida, bem como houve estudo de alternativas mais rentáveis à administração; logo, foi regular e amparada legalmente a rescisão; o respeito ao contrato – sob o pleito de pacta sunt servanda – não pode se dar contra o interesse público. 4. Não existe direito líquido e certo contra a realização de licitação regular para a escolha de contratado, com base no pretenso direito de manutenção de contrato mais oneroso, ou menos favorável à administração; inteligência do art. 78 , XII , da Lei n. 8.666 /93. 5. O único direito que assistiria ao contratado seria pugnar pelo ressarcimento de eventuais perdas e danos advindos da rescisão unilateral que, todavia, não foi objeto de pedido. Recurso ordinário improvido.( TJ – RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA RMS 27759 SP 2008/0202857-2010)”. Verifica-se, contudo, que é legitimo a rescisão unilateral de contrato administrativo, todavia, esta decisão prescinde de motivação, a qual deixe claro os motivos e fundamentos de interesse público que se pretende proteger. Para validade e manutenção da rescisão unilateral, indispensável é a abertura de processo administrativo com garantia do contraditório e ampla defesa, conforme preceitua a Constituição Federal brasileira. No mesmo sentido escreve Matheus Prates de Oliveira (2016) e ainda, José Antonio Ferreira Filho (2000). Sem essa observação estaremos diante de uma real e iminente possibilidade de nulidade do ato que ensejou a rescisão. 4. Da rescisão unilateral de contrato administrativo baseada em motivação controversa. Um dos grandes problemas que se verifica na administração pública brasileira, diz respeito à forma como muitos administradores públicos se valem da administração, que a priori deveria ter como finalidade principal o interesse público, para finalidades pessoais, em flagrante conflito com os princípios constitucionais e princípios da administração pública. Cabe aqui um paralelo para uma breve explicação acerca da diferença entre motivo e motivação. Muita confusão se faz com os institutos motivo e motivação. Em síntese, motivos seriam os acontecimentos fáticos e jurídicos que encorajam a decisão. Enquanto que a motivação é a exposição fundamentada dos motivos. Não há dúvidas de que a necessidade de motivação dos atos administrativos está presente no ordenamento jurídico brasileiro. Disciplina a Lei nº 9784, de 29 de Janeiro de 1999: “ Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência (BRASIL, 1999)”. No mesmo sentido Maria Sylvia Zanella Di Pietro escreve: “Entendemos que a motivação é, em regra, necessária, seja para os atos vinculados, seja para os atos discricionários, pois constitui garantia de legalidade que tanto diz respeito ao interessado como à própria Administração Pública; a motivação é que permite a verificação, a qualquer momento, da legalidade do ato, até mesmo pelos demais Poderes do Estado (DI PETRO, 2008, p. 200)”. Embora fique evidente a necessidade de motivação para concretização dos atos administrativos, incluindo neste bojo, atos de rescisão unilateral de contrato administrativo, nem sempre a motivação se alinha aos resultados esperados com a rescisão. Conforme amplamente conhecido, sabemos que os pequenos municípios brasileiros, historicamente apresentam disputa pelo poder. Para tanto, grupos partidários rivais se enfrentam e até mesmo se digladiam para chegar ao poder municipal. Quando um novo grupo político assume a administração, significa dizer que tudo “deverá” ser mudado, não se admitindo nem mesmo uma mera lembrança da administração anterior, quando se trata de opositores. É o que Rui Barbosa denominou politicalha, o que não se confunde com política. O brilhante doutrinador escreveu:  "Política e politicalha não se confundem, não se parecem, não se relacionam uma com a outra. Antes se negam, se excluem, se repulsam mutuamente. A política é a arte de gerir o Estado, segundo princípios definidos, regras morais, leis escritas, ou tradições respeitáveis. A politicalha é a indústria de o explorar a benefício de interesses pessoais”. Os administradores se subterfujam das mais variadas formas de maquiar interesses públicos em interesses partidários e/ou pessoais, e, em certa medida até se utilizam argumentos “legais”, como por exemplo, a justificativa de se buscar economicidade, eficiência etc. Sabemos que a administração pública, em especial, na esfera municipal dos pequenos municípios, para atender as necessidades da administração e atender as demandas de politicagem, ou politicalha, como dizia Rui Barbosa, a administração licita e contrata bens e serviços. Desta forma, são pactuados os contratos para fornecimento de materiais de educação, medicamentos, locação de veículos, locação de imóveis e outras infinidades de objetos. Em geral, é comum à existência de contratos para oferta de bens e serviços com vigência dilatada para além do exercício vigente, inclusive no o último ano de governo. Para Lucas Rocha Furtado, a dilatação de contratos administrativos em se tratando de execução de serviços continuados não é ilegal, desde que haja previsão orçamentária. Neste mesmo sentido disciplina o artigo 57º da Lei nº 8666/1993. No entanto, confrontam-se neste momento dois interesses distintos que não se alinham com o interesse público. O primeiro consiste, em a administração que está deixando o governo, dilatar a vigência dos contratos na tentativa de prolongar os interesses de fornecedores e prestadores de serviços “parceiros”. O segundo consiste em a administração que acaba de assumir o governo rescindir unilateralmente como forma de interromper os interesses de quem estava anteriormente no governo. Não devia ser assim, mas nas duas situações o interesse pessoal sobrepõe os interesses públicos. 5. Conclusão. Quando da tomada de decisão acerca de se levar adiante a rescisão unilateral de contrato administrativo, a administração pública deveria realizar um planejamento, no qual se levaria em conta a viabilidade da decisão. Neste planejamento é imprescindível análise dos potenciais problemas que pode ser desencadeado com, levando se em conta o real interesse público, em detrimento de interesses pessoais. Como já explicitado em capítulo anterior, os processos de licitação demandam tempo para elaboração e concretização, e, principalmente demanda altos custos, seja com servidores para realização do certame, busca de orçamentos, diligências, publicação, e ainda outras ações diversas. Desta forma, entre a rescisão de um contrato vigente até a homologação de uma licitação e assinatura de outro contrato para o mesmo objeto, quem termina por “pagar o preço” é a população, pois esta fica desassistida. Materializa-se uma flagrante contradição do que se entende por eficiência e economicidade, princípios estes que somados a outros são basilares na administração pública.  Resultado prático é falta de medicamentos, atraso na merenda escolar, falta de materiais escolares, elevação dos custos com a maquina pública, ações judiciais e outras infinidades de problemas que se desencadeiam. Outro problema que se verifica, é que, na maioria dos casos, os atos de rescisão unilateral de contratos administrativos, por parte da administração pública, ocorrem sem a abertura do processo administrativo, ou quando abertos, a parte contratada tem o contraditório e ampla defesa cerceada, desatendendo o que preceitua a Constituição Federal. A não observação do instituto do processo administrativo com garantia de contraditório e amplo defesa impulsiona o lesado a buscar seus direitos junto ao Poder Judiciário. Disciplina a Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Em geral, nestes casos, a administração tem sido condenada a ressarcir o contratado em perdas e danos.
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Processo de Licitação
Resumo:  Esta pesquisa foi realizada para conhecer o processo de licitação, apresentando sua história e o conceito de cada uma de suas modalidades como concorrência, tomada de preços, convite, concurso, leilão e pregão. Além disso foram apresentados seus princípios e as leis de possíveis crimes decorrentes durante as etapas do processo de licitação, problemas estes cada vez mais frequentes em nossa sociedade. O principal objetivo desse trabalho é realizar uma avaliação sobre cada ponto apresentado, para despertar o conhecimento sobre a importância do processo de licitação seja no correto andamento dos procedimentos públicos ou no combate à corrupção. Desenvolver ferramentas de controle às fraudes nos processos licitatórios é essencial para o bom desenvolvimento da administração pública e correta aplicação dos recursos.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO As pessoas estão mais atentas quanto ao destino do dinheiro que circula nos cofres públicos, e com o passar dos anos, a administração pública tem arrecadado muito dinheiro com impostos, tributos entre outros, que tem abastecido o caixa, esse também foi o motivo para criar um processo que esteja lado a lado com a lei, que possa permitir que a utilização desses recursos da melhor maneira possível de administrar o patrimônio público sem fugir da legalidade. Então foi criado o processo de licitação, pois este é um procedimento administrativo que seleciona a proposta mais vantajosa para a utilidade pública, além de ser importante para a escolha da melhor proposta, o processo de licitação também oferece oportunidades a todos os interessados, seguindo os princípios básicos para a sua eficiência (BOSELI,1998). O processo de licitação tem sobrevivido em meio a tantas inovações tecnológicas porque foi criado para atender as necessidades públicas, obedecendo as exigências das suas diferentes modalidades. Mas mesmo com uma forma eficaz de realizar a gestão do patrimônio público, foi preciso criar leis que dão diretrizes a administração para que o processo licitatório tivesse como principal objetivo atender as necessidades comuns da sociedade sem desvios inadequados dos recursos por ela gerada, mas hoje existem muitos casos em que em meio a tantas leis e procedimentos, os representantes e administradores públicos conseguem realizar os desvios de quantias absurdas, dando destaque a corrupção (FILHO; RASSI, 2015). O processo de Licitação que é tão importante para evitar desvios dos recursos públicos, passou a ser um meio para desvia-los, pois a corrupção tem feito administradores públicos se esquecerem da legislação e transformar o processo de licitação em uma forma mais fácil de ganhar e distribuir dinheiro, passando assim a agirem na ilegalidade, mas como é um processo que segue como base a legislação, existem penalidade previstas que servem de alerta para que não continue ocorrendo (NUCCI, 2015). Tratando de um procedimento que tem a necessidade de manipular economicamente as ações da administração pública, para a sua efetivação é imprescindível que sejam adotados princípios jurídicos que irão orientar e direcionar a conduta dos processos licitatórios e das pessoas que estão envolvidas, para isso, existem os princípios que regem o processo de licitação, como o da isonomia, da preferência nacional, da legalidade, da impessoalidade, da probidade administrativa, da publicidade da vinculação e do instrumento convocatório (PESTANA, 2013). Ao fazer compras, pagamentos ou vendas, a administração pública precisa estar em acordo com a legislação vigente, e dessa forma o que é público torna-se transparente para todas as pessoas interessadas em acompanhar a movimentação dos recursos utilizados durante o contrato. Além de trazer maior organização para a administração pública, o processo de licitação leva confiança aos usuários e se feito da maneira correta evita fraudes que podem gerar o uso inadequado do dinheiro dos cofres públicos, tema este de extrema importância para o conhecimento de todos. Iremos realizar um estudo sobre o tema “Processo de licitação” apresentando o processo que administração pública percorre antes de utilizar os seus recursos econômicos seguindo a legislação com o objetivo de compreender os conceitos de licitação e a sua importância diante da sociedade, entender e diferenciar cada modalidade de licitação e a importância de cada uma delas, buscar base nas leis impostas sobre licitação, entendendo as suas finalidades e fazer uma correlação com o processo de licitação com a corrupção. O estudo será viabilizado através de uma pesquisa em base de dados, livros e revistas da área contábil com ênfase na contabilidade pública. 1 O SISTEMA DE LICITAÇÃO – HISTÓRIA Existem relatos de que a Licitação teve o seu surgimento na Europa Medieval pela necessidade de utiliza-la para aquisição de bem ou serviço em que a administração pública não tinha condições de executar. Com isso o estado publicava avisos informativos, com a data, horário e local para que todos os interessados e aptos para a contratação tivessem acesso e comparecessem. Com o seu surgimento, a Licitação era regida por um processo chamado “vela pregão” em que se reuniam no local o representante do estado e os interessados, e no mesmo local uma vela era acesa e para dar início ao certame que se estendia até que a vela se apagasse (RIBEIRO, 2007). A palavra Licitação não tem relação alguma com o termo Lícito, como se leva a pensar, pois a palavra deriva do termo Licitatione de origem latim com o significado de arrematar em leilão, mas a administração pública teve novos planos com a vinda da constituição federal de 1988, e então a licitação passou a ser tratada como um princípio constitucional, sendo assim o estado passou a ser obrigado a utilizar o processo licitatório como o único meio de contratar serviços e comprar produtos, e dessa forma garantindo através de meios legais que esse processo seja seguido e quem não cumprir, passou a ter uma penalização perante a lei (MALACHIAS, 2011). Atualmente o processo de licitação evoluiu e está ainda mais frequente no desenvolvimento nos processos administrativos na área pública. Conforme definição proposta pelo Tribunal de Contas da União: “Licitação é procedimento administrativo formal em que a Administração Pública convoca, por meio de condições estabelecidas em ato próprio (edital ou convite), empresas interessadas na apresentação de propostas para o oferecimento de bens e serviços. Objetiva garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração, de maneira a assegurar oportunidade igual a todos os interessados e a possibilitar o comparecimento ao certame do maior número possível de concorrentes (BRASIL, 2010, p.19)”. Conforme a lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, para conduzir o processo licitatório, foram criadas as modalidades a partir de critérios definidos de acordo com cada tipo de necessidade da administração pública. Dessa forma foi possível melhor conduzir e ao mesmo tempo o governo passa a ter controle dos gastos e melhor monitoramento sobre o processo e suas finalidades. Também existe o pregão contido na lei no 10.520, de 17 de julho de 2002 que diferente das outras modalidades, em que o valor é estimado para contratar algum tipo de serviço ou bem, não tem limite de valores (BRASIL, 1993). O procedimento de licitação foi implantado com o objetivo de selecionar as melhores propostas que tragam vantagens para o contrato que a licitação é elaborada: “Portanto, licitar significa buscar a condição mais interessante, sob os aspectos econômico e financeiro, para realizar a obra, o serviço ou a aquisição pretendida. Nem poderia ser diferente, porque se o resultado de uma licitação implica maior custo para a Administração, o procedimento perde sentido. Esse aspecto assume particular relevo para a adequada compreensão, por exemplo, do conceito de menor preço, como fator básico de avaliação das propostas (JUNIOR, 2015, p.6)”. Quando se trata de um processo tão complexo como este, a lei parece ser um pouco rigorosa, mas é preciso, pois: “A intenção da lei, por outro lado, é evidentemente salutar, fixando a todo tempo mínimos e máximos, e regras mais ou menos apertadas; o que compete às Administrações locais, sobretudo as menos providas de recurso material e mesmo humano, é, observando os mínimos legais, haver-se da forma mais célere e econômica que lhe seja possível, o que lhe significa, em uma palavra, a forma mais inteligente de atuar (RIGOLIN; BOTTINO, 2009, p.29)”. O processo de licitação além de buscar o melhor negócio para a administração pública, visa também criar oportunidades iguais para os interessados em fechar contrato com o poder público, obedecendo todos os padrões que foram estabelecidos pela administração pública. Com isso, houve a necessidade de criar as suas modalidades para facilitar a sua efetivação, criando regras que atendem cada objetivo específico levando consideração os interesses de seus participantes (MEIRELLES, 1999).  2 MODALIDADES DE LICITAÇÃO 2.1 CONCORRÊNCIA É a modalidade de licitação destinada para a compra de imóveis ou contratação de serviços mais elevados, sendo possível a participação de quaisquer interessados que estejam enquadrados nos requisitos mínimos divulgado no edital, mesmo que não estejam cadastrados no órgão promotor da licitação (MEIRELLES, 1999). Por ser uma modalidade que é utilizada para movimentação de maiores valores, ela exige maiores formalidades, além disso ela segue por uma série de etapas para melhor aprovação: “Os valores estimados do futuro contrato, que exigem a formalização da concorrência, estão definidos no art. 23, I, “c”, e II, “c”, da Lei 8.666/1993: a) obras e serviços de engenharia: valor acima de R$ 1.500.000,00; e b) compras e demais serviços: valor acima de R$ 650.000,00. No caso de consórcios públicos, aplicar-se-á o dobro desses valores quando formado por até três entes da Federação, e o triplo, quando formado por maior número (art. 23, § 8.º, da Lei 8.666/1993). Em razão do vulto do contrato, deve ser permitida a participação de todo e qualquer interessado na fase inicial de habilitação preliminar, com ampla divulgação da licitação (art. 22, § 1.º, da Lei 8.666/1993). Da mesma forma, a concorrência conta com uma fase de habilitação preliminar, anterior ao julgamento das propostas, para aferição da qualificação e aptidão das empresas para celebrarem contratos com o Poder Público. Nesta fase, como será analisado em tópico próprio, a empresa deverá comprovar: a) habilitação jurídica; b) qualificação técnica; c) qualificação econômico-financeira; d) regularidade fiscal; e e) cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7.º da CRFB (art. 27 da Lei 8.666/1993).  Em determinados casos, a Lei exige a concorrência em razão da natureza do futuro contrato, independentemente do seu respectivo valor. Nesse sentido, o art. 23, § 3.º, da Lei de Licitações elenca algumas dessas hipóteses, a saber: a) compra ou alienação de bens imóveis, ressalvados os casos previstos no art. 19 da Lei; b) concessões de direito real de uso; e c) licitações internacionais. Existem outras hipóteses previstas em leis especiais (ex.: concessão de serviço público – art. 2.º, II, da Lei 8.987/1995) (OLIVEIRA, 2015)”. “A modalidade de concorrência tem como características básicas antes da participação, a ampla publicidade, universalidade, habilitação preliminar e julgamento por comissão, que se resumem a um processo que se estende para quaisquer interessados, mas que se estiverem habilitados darão continuidade a participação da concorrência, um caso típico é quando se tem a necessidade de construir uma estrada que irá trazer benefício para as pessoas de uma certa localidade, então a administração pública toma as medidas para a licitação na modalidade concorrência (OLIVEIRA, 2015, p.25)”. 2.2 TOMADA DE PREÇOS A modalidade de Tomada de Preços é realizada entre os interessados que estejam devidamente cadastrados no órgão promotor da licitação e que estejam com todas as condições pré-estabelecidas para que o cadastro seja efetivado até o terceiro dia antes da data de receber as propostas. O prazo é de 15 dias para o tipo menor preço e o prazo de 30 dias para o tipo melhor técnica ou técnica e preço, contados a partir da publicação em Diário Oficial e Jornal que tenha grande circulação. Esta modalidade permite a contratação de médio vulto econômico, estabelecendo um limite de até R$ 1.500.000,00 para obras e serviços de engenharia e até R$ 650.000,00 para compras e demais serviços (BOSELI,1998). Como é uma modalidade destinada a circulação de valor econômico considerado médio, é necessário ter o cadastro prévio dos participantes, conforme as condições pré-estabelecidas: “O cadastramento prévio corresponde à fase de habilitação. Os interessados (ainda não são licitantes), antes de aberto o certame, apresentam os documentos de habilitação para serem cadastrados perante determinado órgão ou entidade administrativa. Posteriormente, quando a Administração iniciar a tomada de preços, será desnecessária a fase específica de habilitação, tornando o procedimento mais célere. Por esta razão, a autorização de participação de interessados não cadastrados, “que atenderem a todas as condições exigidas para cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas”, tem sido criticada por grande parte da doutrina, pois desestimula o cadastramento prévio e retira celeridade da tomada de preços. Em relação à participação do não cadastrado, existem duas questões que têm gerado controvérsias doutrinárias. A primeira discussão refere-se à interpretação da exigência contida no art. 22, § 2.º, da Lei de Licitações: “que atenderem a todas as condições exigidas para cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas, observada a necessária qualificação (OLIVEIRA, 2015, p.26)”. 2.3 CONVITE O convite é a modalidade mais simples, pois ela é destinada ás contratações de menor valor. As empresas participantes não são obrigadas a estarem previamente cadastradas, mas devem ser escolhidas e convidadas com número mínimo de três para a modalidades, sendo que os participantes podem ser os convidados e interessados que devem estar cadastrados e que devem solicitar o edital no prazo de 24 horas antecedente a data de licitação. Para esta modalidade é definido o valor de até R$ 150.000,00 para obras e serviços de engenharia e até R$ 80.000,00 para compras e demais serviços (MEIRELLES, 1999). Esta modalidade tem gerado muitas discussões referente a quantidade de participantes e a facilidade de entrar no processo, mas: “O objetivo é fomentar a competição e evitar fraudes (direcionamento da licitação), permitindo a participação do maior número possível de interessados, especialmente para compensar a menor publicidade existente no convite. Excepcionalmente, quando for impossível a obtenção do número mínimo de licitantes, por limitações do mercado ou manifesto desinteresse dos convidados, a Administração apresentará as respectivas justificativas, hipótese em que não precisará renovar a licitação (art. 22, § 7.º). Nesse caso, se houver dois licitantes, a Administração selecionará a melhor proposta e formalizará o contrato. Caso exista apenas um licitante, a Administração efetivará a contratação direta. Na hipótese de sucessão de convites para contratação de objeto idêntico ou assemelhado, a Administração não poderá repetir sempre os mesmos convidados, pois a identidade de convidados violaria o princípio da impessoalidade e comprometeria a seleção da melhor proposta. Por esta razão, o art. 22, § 6.º, da Lei de Licitações exige, a cada novo convite, realizado para objeto idêntico ou assemelhado, o “convite a, no mínimo, mais um interessado, enquanto existirem cadastrados não convidados nas últimas licitações”. A nosso sentir, apesar da ausência de clareza da norma, o objetivo não é aumentar necessariamente o número de convidados a cada licitação, e, sim, evitar a repetição dos mesmos convidados (ex.: a Administração poderia substituir um dos convidados na licitação anterior por outro particular, sem a necessidade de convidar quatro interessados). A habilitação é simplificada no convite, sendo admitida a dispensa, total ou parcial, dos documentos comprobatórios (habilitação jurídica, qualificação técnica, qualificação econômico-financeira e regularidade fiscal), conforme dispõe o art. 32, § 1.º, da Lei 8.666/1993. Ressalte-se, ainda, a possibilidade de substituição excepcional, nas pequenas unidades administrativas e em face da exiguidade de pessoal disponível, da comissão de licitação por servidor formalmente designado pela autoridade competente (art. 51, § 1.º, da Lei 8.666/1993) (OLIVEIRA, 2015, p.26)”. 2.4 CONCURSO Esta modalidade é realizada como método de escolha do melhor trabalho, considerando como parâmetro o melhor modelo técnico, cientifico ou artístico, sendo instituído prêmios ou remunerações aos considerados vendedores, mas devem em conformidade com os critérios estabelecidos no edital, que por sua vez é publicado no diário oficial com antecedência mínima de 45 dias (BOSELI,1998). Como qualquer outra modalidade, no concurso também existem etapas para a escolha dos seus vendedores, tendo necessidade de seguir as suas regras conforme o regulamento: “As regras do concurso são definidas por regulamento que deverá indicar: a qualificação exigida dos participantes, as diretrizes e a forma de apresentação do trabalho e as condições de realização do concurso e os prêmios a serem concedidos (art. 52, § 1.º, da Lei de Licitações). Quanto à fase de habilitação, a legislação dispensa, no todo ou em parte, a apresentação de alguns documentos (art. 32, § 1.º, da Lei 8.666/1993). O julgamento é realizado por uma comissão especial integrada por pessoas de reputação ilibada e reconhecido conhecimento da matéria em exame, servidores públicos ou não (art. 51, § 5.º, da Lei de Licitações). O prêmio ou a remuneração somente serão efetuados caso o vencedor do concurso ceda os direitos patrimoniais relativos ao trabalho apresentado, e a Administração poderá utilizá-lo de acordo com o previsto no regulamento de concurso (art. 111 da Lei de Licitações) (OLIVEIRA, 2015, p.27)”. 2.5 LEILÃO O leilão é a modalidade realizada entre quaisquer interessados que queiram comprar bens móveis que não estão sendo uteis para a administração pública, ou de produtos que foram apreendidos ou penhorados, ou até mesmo alienação de bens imóveis em que a aquisição tenha sido executada por procedimentos judiciais ou como forma de pagamento, sendo que será efetivado para quem oferecer o maior lance, podendo ser igual ou maior do que o valor de sua avaliação (MEIRELLES, 1999). A modalidade de Leilão, na maioria das vezes é utilizada para a recuperação de parte do patrimônio, transformando em caixa para os cofres públicos, mas: “O bem a ser leiloado deve ser avaliado previamente para definir o valor mínimo de arrematação, sagrando-se vencedor aquele que oferecer o maior lance, igual ou superior ao valor da avaliação (arts. 22, § 5.º, e 53, § 1.º, da mencionada Lei). O leilão pode ser cometido a leiloeiro oficial ou a servidor designado pela Administração, exigindo-se o pagamento à vista ou no percentual estabelecido no edital, não inferior a 5%. Com a assinatura da respectiva ata lavrada no local do leilão, o bem será imediatamente entregue ao arrematante, o qual se obrigará ao pagamento do restante no prazo estipulado no edital de convocação, sob pena de perder em favor da Administração o valor já recolhido (art. 53, caput e § 2.º, da Lei em comento). Assim como ocorre no convite e no concurso, a Lei admite a dispensa, no leilão, de alguns documentos relacionados à habilitação dos interessados (art. 32, § 1.º, da Lei 8.666/1993). Cabe ressaltar que o STF já admitiu, no âmbito da desestatização, a realização de leilão para formalização da concessão de serviços públicos, na forma do art. 4.º, § 3.º, da Lei 9.491/1997 (OLIVEIRA, 2015, p.28)”. 2.6 PREGÃO O pregão é a modalidade destinada a aquisição de bens e serviços comuns, sendo esses, necessários para a administração pública manter em funcionamento suas atividades em diferentes setores. Esta modalidade é disputada em sessão pública através de propostas e lances dos interessados, sendo contemplado o licitante com a proposta de menor valor, que por sua vez é a única analisada, exclusivamente nesta modalidade, mas o pregoeiro poderá receber novas propostas de negociação após o término dos lances. O pregão é a mais nova modalidade prevista na lei 8.666/93, sendo possível aplicar a qualquer valor de contratação, ou seja, poderá ser utilizada para qualquer uma das outras modalidades, evidenciando a escolha de menor valor. Outra exclusividade do pregão é que ele deve ser aplicado      na administração pública federal, sendo permitido para os poderes legislativo, judiciário e executivo (OLIVEIRA, 2015). As licitações anteriores se limitam com valores econômicos pré-estipulados para o andamento de suas etapas, já o pregão segue o seu percurso como base na característica do objeto em pauta: “Portanto, na modalidade de pregão, o que define a modalidade de licitação é a característica do objeto e não o valor como previsto para a contratação das modalidades de convite, tomada de preços e concorrência disciplinadas pela Lei n. 8.666/93. A forma de disputa, na modalidade de pregão, difere das demais modalidades, também, na medida em que se realiza através de proposta escrita, complementada com a possibilidade de ofertas através de lances verbais pelos representantes legais das empresas licitantes, em sessão pública previamente convocada. O lance verbal, apresentado pelo representante legal da licitante durante a sessão pública, deve ser registrado formalmente em ata que reflita os fatos ocorridos durante o desenrolar da referida sessão, passando então a ter validade jurídica, obrigando quem fez a oferta, em face do disposto no art. 7o da Lei n. 10.520/2002 (FILHO, 2007, p. 17)”. 3 PRINCÍPIOS DO PROCESSO DE LICITAÇÃO E SUAS FASES O processo licitatório também depende de princípios que levarão a sua inicialização, e desta forma seguirá por meio das leis vigentes até a sua concretização, por isso é importante que os administradores ou condutores do processo estejam atentos a estes princípios. Além disso, existem as etapas que dão direção para cada modalidade, tendo necessidade de segui-las para uma melhor seleção dos participantes e melhor aproveitamento das opções disponíveis, e claro, obedecendo as leis que regem todo o processo de licitação. Dessa forma será analisado e exposto o caminho que os administradores e participantes seguem para a concretização da licitação e também o que é necessário para que os participantes tenham acesso e consequentemente efetivem o contrato almejado através do processo licitatório (BARROS, 2009). 3.1 PRINCIPIOS Quando se fala sobre princípio, pode-se imaginar que se trata de um início de algo, ou pelo menos um ponto de partida, mas o de acordo com Barros (2009), p 70: “[…] princípio é o norte, e as demais disposições são os caminhos que conduzem a ele. Os princípios não se atritam ou se subsumem uns nos outros, apenas se limitam ou se restringem. Como o princípio é norma emoldural, sofre limitações impostas pela própria lei. Não há conflito entre o princípio e a lei. Esta explicita aquele. No plural, significa as normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerces de alguma coisa. E, neste diapasão, os princípios revelam o conjunto de regras ou preceitos, que se fixam para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica”. 3.1.1 Princípio da Legalidade: Trata-se de um princípio que possui um fundamento entre duas leis, o artigo 3º da lei 8.666/93 e o artigo 37 da Constituição, ou seja, além de ser um princípio que é regido pela lei, ele também é um norte para qualquer procedimento tomado dentro do órgão público, pois ele impõe que o processo só será legitimo se for obedecido o roteiro que a lei estabelece (RIGOLIN; BOTTINO, 2009; PESTANA, 2013). 3.1.2 Princípio da Igualdade ou Isonomia: Trata-se de outro princípio que possui um fundamento entre as leis, o artigo 3º da lei 8.666/93 e o artigo 5º da Constituição. Ao aplicá-lo no processo de licitação, passa a garantir o direito de igualdade entre todos os licitantes mediante a escolha que trará melhor vantagem para a administração pública, mas serão analisados de forma individual conforme estabelecido pela lei (RIGOLIN; BOTTINO, 2009; PESTANA, 2013). 3.1.3 Principio da publicidade e da Transparência: Este princípio também é um requisito absolutamente essencial para o início de um processo licitatório, pois sendo público, todos têm direito de participar de forma direta ou indireta, sendo assim, para dá início ao processo de licitação, ele deve ser publicado em jornal seguindo as regras conforme estabelecido pela lei. Além disso ele estabelece clareza durante o processo, fazendo com que as informações publicadas sejam confiáveis, além de possibilitar o acompanhamento dos critérios e gastos direitos pela administração pública (RIGOLIN; BOTTINO, 2009; PESTANA, 2013). 3.1.4 Principio da Probidade Administrativa ou Moralidade: Este princípio vai ao encontro de uma conduta pessoal para cada envolvido no processo, pois a imoralidade pode ser praticado tanto pelo corrupto, quando pelo corruptor, ou seja, basta seguir este princípio para que não haja algum tipo de crime entre as partes envolvidas no processo (RIGOLIN; BOTTINO, 2009; PESTANA, 2013). 3.1.5 Principio do Julgamento Objetivo: Este princípio estabelece o seguimento do processo licitatório de forma a cumprir as etapas seguindo o que é estabelecido de acordo com a sua modalidade, ou seja, a comissão responsável por julgar as propostas, deve seguir a etapa de classificação de forma objetiva, tendo como critério a verificação das propostas que atendem as exigências do edital (RIGOLIN; BOTTINO, 2009; PESTANA, 2013). 3.1.6 Principio da Vinculação ao Instrumento Convocatório: Este princípio é direcionado a administração pública, pois estabelece que ela deve se atentar se o que foi publicado no edital está de acordo com o que se espera da licitação, sendo necessário que a administração anule para que não haja conflito de informações (RIGOLIN; BOTTINO, 2009; PESTANA, 2013). 3.1.7 Princípio da Impessoalidade ou Finalidade: Este princípio determina que a licitação tenha uma única finalidade, sendo ela a escolha da melhor proposta para a administração pública, sem que haja pessoalidade, pois assim iria ser quebrado o princípio da igualdade ou isonomia (RIGOLIN; BOTTINO, 2009; PESTANA, 2013). 3.1.8 Princípio da Indisponibilidade dos Interesses Públicos: Este princípio pode ser confundido com outros que estão diretamente ligados a conduta da administração, pois o princípio da indisponibilidade dos interesses públicos tem a finalidade de evitar que o tesouro público seja utilizado para beneficiar licitantes, sem que estejam atendendo as necessidades estabelecidas no motivo da licitação, e mesmo que estejam, este princípio assegura que a administração poderá recorrer, caso haja discrepância na revisão de valores após o fechamento do contrato (RIGOLIN; BOTTINO, 2009; PESTANA, 2013). 3.2 FASES DO PROCESSO LICITATÓRIO O processo de licitação está dividido em duas fases, a interna e a externa, sendo a primeira iniciada quando a administração decide realizar alguma obra, aquisição, venda ou compra e dessa forma fica decidido a modalidade e o tipo de licitação, logo depois estabelece as condições para o futuro contrato. A segunda fase é a externa, em que se inicia com o anúncio ao público da licitação, dando sequência as suas etapas até chegar ao contrato, lembrando que as etapas não são uniformes, pois podem mudar conforme a modalidade (JUNIOR, 2015). 3.2.1 Fase Interna: Na fase interna se inicia com a requisição do objeto ou serviço que a administração tem necessidade, em seguida é elaborado uma estimativa de valores de acordo com o valor de mercado, depois de analisado é feito a autorização da despesa, logo após a documentação é designada para a comissão de licitação que é composta por 3 (três) membros, sendo 2 (dois) servidores. Em seguida é elaborado as minutas do instrumento convocatório e do contrato que passam pela etapa de analise, e logo após é publicado no edital (OLIVEIRA, 2015). 3.2.2 Fase Externa: Com a publicação no edital, se inicia a Fase externa contendo o objeto da licitação escrito de forma sucinta e clara com prazos, documentações necessárias para a participação, e assim os interessados apresentam as propostas até a data estabelecida no edital. Em seguida as propostas apresentadas seguem para a etapa de habilitação que é dividida em habilitação jurídica, qualificação técnica, qualificação econômico-financeira e regularidade fiscal e trabalhista, que trata-se de verificar se os licitantes estão aptos para a celebração do possível futuro contrato. Logo após a fase de habilitação, passa para a etapa de julgamento e classificação, em que a administração analisa cada proposta verificando a que está apresentando vantagem, e depois é chegado a etapa final de homologação e adjudicação (OLIVEIRA, 2015). 3.3 COMO PARTICIPAR DE PROCESSOS DE LICITAÇÃO As empresas que tenham interesse em participar das compras feitas pela administração pública e governamentais, devem estar previamente cadastradas ou apresentarem a documentação para a realização do cadastro conforme estabelecido pela Lei Federal 8.666/93, apresentando as exigências de cadastramento básico, como habilitação jurídica, regularidade fiscal, qualificação técnica e qualificação econômico-financeira, mas também é necessário que as empresas interessadas estejam atentas nas publicações dos editais que estão contidos os detalhes do objeto da licitação, e consequentemente elas devem apresentar as propostas dentro do prazo estabelecido (BRASIL, 2010). 3.3.1 Habilitação Jurídica: Trata-se dos documentos, como registro comercial ou contrato social da empresa, comprovando o registro conforme a área de atuação, ou a área que segue e tem interesse para participar do processo licitatório (BRASIL, 2010). 3.3.2 Regularidade Fiscal: São os documentos que comprovam que a empresa está rigorosamente regular em relação a fiscalização, sendo eles inscrição no cadastro geral de contribuintes e também as provas de regularidade na Fazenda Pública, FGTS e seguridade social (BRASIL, 2010). 3.3.3 Qualificação Técnica: Como o próprio nome já diz, esses documentos comprovam a aptidão para exercer a atividade assinada por terceiros e inscrição na entidade profissional, sendo necessário para melhor organização e comprovação da legalidade da empresa em relação a atividade exercida (BRASIL, 2010). 3.3.4 Qualificação Econômico-Financeira: São os documentos como demonstrações financeiras e balanço patrimonial e certidão negativa de falência, pois irão comprovar a real situação financeira da empresa, evitando ilegalidades e que de certa forma, a administração pública tenha algum prejuízo referente ao não cumprimento das exigências estabelecidas no contrato (BRASIL, 2010). 4 ASPECTOS LEGAIS DA LICITAÇÃO – LEI 8.666/93 4.1 LEIS DE CRIMES NO PROCESSO As responsabilidades dos administradores que conduzem o processo de licitação ou sua dispensa, estão de forma direta sendo controlados e regidos pela lei 8.666/93, em que são monitorados através da sua conduta durante a condução dos procedimentos licitatórios. Com isso os crimes apresentados pela lei 8.666/93, estão mencionados nos artigos 89 até 98, sendo o artigo 99 sobre a pena de multa, mas estes crimes são examinados de forma a compreender os conceitos de outras partes da mesma lei para que assim chegue em uma decisão para cada processo judicial respeitando a legislação (FILHO, 2007). 4.1.1 Dispensar ou Inexigir: O artigo 89 revela a importância que a administração pública deve ter para utilização da licitação, pois o administrador que é o responsável pelo processo, poderá dispensar ou inexigir a licitação. O responsável passa a ser julgado, caso essa dispensa seja comprovada como ilegal, podendo também ser julgado aquele que passa a conduzir o processo sem ter a competência para a sua autoridade, sendo este também caracterizado como um processo ilegal, podendo receber uma pena de detenção entre 3 (três) e 5 (cinco) anos e multa (BRASIL, 2003). 4.1.2 Possíveis Fraudes: O artigo 90 trata de possíveis fraudes que irão de certa forma manipular o resultado do processo, através de ajustes, combinação ou outro meio, que pelo caráter em que se estabelece a competição entre os participantes do procedimento licitatório, com o objetivo de alcançar vantagem para si ou algum participante decorrente da adjudicação do objeto, será penalizado com detenção de 2(dois) a 4 (quatro) anos, e multa (BRASIL, 2003). 4.1.3 Patrocínio Indireto: O artigo 91 diz respeito ao administrador patrocinar de forma direta ou indireta, os interesses privados, desviando os interesses da administração pública, passando a dá instauração de licitação ou à celebração do contrato, e consequentemente a invalidação deste pelo Poder Judiciário, tendo a pena de detenção entre 6 (seis) meses e 2 (dois) anos, e multa (BRASIL, 2003). 4.1.4 Manipulação de Regras: O artigo 92 diz respeito as penalidades sobre as questões relacionadas a modificação ou manipulação de regras e informações que darão vantagem a uma das partes envolvidas no processo, pois realizando este tipo de ato durante a execução dos contratos com o Poder Público sem autorização em lei será penalizado com detenção de 2 (dois) anos a 4 (quatro) anos e multa, sendo esta pena inclusive para o contratado que for comprovado a sua intenção de obter vantagem sobre o processo (BRASIL, 2003). 4.1.5 Impedimentos no processo: O Artigo 93 já traz uma pena de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos paras as pessoas que cometerem impedimentos, perturbação ou fraudes durante a realização de qualquer ato no processo de licitação (BRASIL, 2003). 4.1.6 Quebra de Sigilo: O artigo 94 apresenta uma pena de detenção de 2 (dois) a 3 (três) anos e multa para aqueles que quebrarem o sigilo sobre as propostas apresentadas pelos participantes, com a intenção de um terceiro apresentar uma melhor proposta (BRASIL, 2003). 4.1.7 Tentativa de Afastamento de Licitante: O artigo 95 trata-se dos possíveis casos em que alguém afasta ou tenha a tentativa de afastar algum licitante por meio de violência, ameaças graves, fraudes ou o oferecimento de vantagem de qualquer tipo, tendo este uma pena de detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa, além da pena referente violência cometida (BRASIL, 2003). 4.1.8 Prejuízo a Fazenda Pública: O artigo 96 informa sobre fraudar e consequentemente dá prejuízo a Fazenda pública através da instauração de licitação para a aquisição ou venda de bens ou mercadorias ou contrato de alguma; elevando os preços arbitrariamente; vendendo, como verdadeira ou perfeita, mercadorias que estejam deterioradas ou sejam falsificadas; entregando uma mercadoria por outra; alterando a qualidade, quantidade ou substancias do produto fornecido e por último, tornando a proposta por qualquer modo, onerosamente, injustamente para a execução do contrato, podendo os responsáveis tomar pena de detenção de 3 (três) a 6 (seis) anos e multa (BRASIL, 2003). 4.1.9 Admitir para Incapaz: O artigo 97 estabelece pena de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e multa para aqueles que admitir ou celebrar à licitação e/ou contrato para a empresa ou profissional que seja incapaz de cumprir o objetivo que havia sido estabelecido pelo processo licitatório, sendo este também penalizado (BRASIL, 2003). 4.1.10 Impedir Inscrição ou Participação: O artigo 98 estabelece a pena de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e multa para os responsáveis por impedir ou dificultar de forma injusta a inscrição de qualquer interessado nos registros de cadastro ou provocar a suspenção ou cancelamento do registro do interessado que já havia feito a inscrição (BRASIL, 2003). 4.1.11 Condição de pagamento da multa: Conforme estabelecido pela lei 99, a multa imposta nos artigos 89 a 98 da lei 8.666/93, deverá ser paga em quantias fixadas nas sentenças e que serão calculadas em índices percentuais, sendo utilizado como base o valor que trará vantagem pelo agente, mas os índices não poderão ser inferiores a 2% (dois por cento), e nem superiores a 5% (cinco por cento) do valor do contrato licitado ou por inexigibilidade de licitação ou celebração com dispensa. Além disso o valor arrecadado da multa será revertido, conforme o caso, para a Fazenda Federal, Distrital, Estadual ou Municipal (BRASIL, 2003). CONCLUSÃO O conjunto de princípios, etapas, modalidades e leis que formam o processo de licitação foram criados com objetivo de manter a ordem durante todo o processo, oferecendo suporte aos administradores no andamento dos mesmos e também estabelecendo limites para cada tipo de ação para que os interesses públicos sejam sempre alcançados da melhor maneira possível, livre de pré-influências, com qualidade, tempo e preços justos. Salienta-se também que o processo como todo estabelece diretrizes que dão regras para os participantes que queiram fazer negócios com a administração pública, além de garantir que a efetivação seja legalmente válida. Embora processo de licitação tenha sido elaborado de maneira a evitar possíveis fraudes durante e na finalização da licitação, o que se observa atualmente é um grande número de casos em que esse processo acarretou em desvio de dinheiro dos cofres públicos, ou até mesmo o uso inadequado ou exorbitante, ou seja, um processo que foi criado para evitar fraudes, hoje é visto como um meio de corrupção, pois através dele muitas empresas se coligam com políticos e acabam ganhando uma licitação, que deveria ser exposta de forma igualitária para todos os participantes. Então, mesmo que o processo também tenha a finalidade de evitar fraudes, não se pode mudar a conduta das pessoas responsáveis por administrar, no entanto, o governo pode criar novas maneiras de avaliar um candidato à vaga correlacionada com os processos de licitação que possam testar a conduta de cada integrante responsável pelo processo antes de vir a tomar posse. Assim como já existe o portal da transparência para políticos, plataformas virtuais semelhantes podem se estender também aos funcionários envolvidos no processo de licitação.
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A importância da Lei Complementar nº 101/2000 e o exercício da responsabilidade fiscal no âmbito da gestão administrativa do poder público
A Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal), de iniciativa do Poder Executivo da União, visava organizar as finanças públicas, à medida que estabelecia limites para os órgãos administrativos funcionarem. Inicialmente, entendia-se que essa lei apenas consistia em prestação de contas públicas, sobretudo pelas eventuais ingerências em relação ao erário e pelo desajuste econômico. Com efeito, o país sofreu mudanças significativas a partir da fixação dessa Lei, sobretudo na questão organizacional; superou-se e conseguiu afinar as regras gerais de finanças da Administração, construindo bases fortes para que houvesse solidez dos subsídios e investimentos. A LC nº 101/00 é notável pela característica dúplice: normas de espécie orçamentária e normas de espécie fiscal. Entende-se que a Lei de Responsabilidade Fiscal tem sensatez ao descrever limites e metas de uma gestão administrativa, esclarecendo à União e aos demais órgãos da Administração Pública, que as receitas e despesas pertinentes a um investimento ou captação devem ser úteis e planejadas. Em virtude dessa autenticidade, a Lei Complementar nº 101/2000 vigora desde então: resiste aos gestores e recompensa aos corretos.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO Regularidade. Essa é o cerne da Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000, lei federal, conhecida doutrinariamente como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). A organização das regras gerais que norteiam as finanças públicas era uma preocupação do Poder Executivo em gestão. A Administração Pública, por si mesma, sujeita-se a essa restrição, por força da lei, respeitando os limites das finanças públicas. Por um lado, os investimentos feitos pela União sofriam com um momento de instabilidade, tanto pelo aclamado socorro solicitado ao Fundo Monetário Internacional, quanto pela dificuldade nos ajustes econômicos em relação ao próprio produto interno; por outro, havia uma questão pública quanto à disponibilidade de valores provenientes do erário. Oportunamente, o Ministério da Fazenda suscitou a elaboração desta Lei Complementar ao Poder Executivo, competente para tal, como forma alternativa de se organizar, a priori, nas relações intrínsecas para, em seguida, resolver situações de foro internacional. Tem-se a ocorrência do princípio da autotutela do Estado. A amplitude da Lei de Responsabilidade Fiscal alcança todos os entes federados, sujeitando-os ao enquadramento, para que, simultaneamente, estabilizem as finanças públicas. Por conseguinte, a égide do Fisco permite que a gestão pública não convalesça diante das dificuldades, sobretudo pela força da transparência, que permitirá identificar onde eventualmente houve equívoco. É salutar que a gestão pública envolva direcionamento de recursos e clareza nos investimentos, uma vez que a publicidade das medidas deve estar disponível a todos os interessados. Democraticamente, todo cidadão tem o dever de acompanhar as prestações e o balanço financeiro dos órgãos da Administração Pública. Nesse mérito, trata-se de implicação de civilidade. A maior preocupação de uma gestão administrativa reside na instabilidade econômica. A má-gestão dos recursos públicos desencadeia diversos problemas como desemprego, inflação e diminuição do poder econômico. A Lei de Responsabilidade Fiscal, por sua vez, responsabiliza o ente que eventualmente não cumpriu seu planejamento de forma adequada. Nessa esteira reside o interesse por parte do cidadão em fiscalizar a organização da Administração Pública, ao passo que a autotutela administrativa corresponde às expectativas experimentadas pela organização das finanças públicas. 1. OS FATORES QUE CONDUZIRAM À ELABORAÇÃO DA LEI COMPLEMENTAR Nº 101/2000 No ano de 1998, o Brasil reabilitava-se economicamente, devido ao então recente empréstimo realizado junto ao Fundo Monetário Internacional, no intuito de fortalecer a moeda nacional e corroborar o crescimento econômico. Os investimentos nacionais se encontravam em recesso. O ‘’efeito samba’’, queda agravante do valor da moeda, adveio da mudança efetuada pelo Banco Central, que escolheu adotar o câmbio flutuante, em detrimento do câmbio fixo[1]. Diante dessa confusão econômica, proporcionada pelo câmbio flutuante, a reforma na área fiscal era imprescindível para a governabilidade dos estados brasileiros e para a manutenção do erário público. Nesse intuito, o Poder Público admitiu a elaboração de uma Lei Complementar, havendo amparo da Constituição Federal de 1988. A competência para elaborá-las pertence à União, podendo esta competência ser delegada. Na hipótese da Lei Complementar nº 101/2000, a iniciativa partiu do Poder Executivo, ao passo que a aprovação da Lei foi referendada pelas duas Casas do Congresso Nacional. Sendo assim, a Lei Complementar nº 101 de 2000 é constitucional, situando-se na coordenação das finanças públicas e nas relações econômicas, das quais o Poder Público participa, direta ou indiretamente. Com efeito, a institucionalização das finanças públicas imputou responsabilidade fiscal a todas as esferas do Estado. Destarte, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) adida em 2000 fundamentou-se em quatro pilares norteadores da proba administração pública: a saber, o planejamento, a transparência, o controle e a responsabilidade. Clarividente que essa enumeração não é taxativa, de modo que, respeitadas as particularidades de gestão, deve-se embasar a gestão administrativa sob o pálio destes pilares. Fortuitamente, o legislador brasileiro observou outros ordenamentos importantes ao redor do mundo antes para encorpar a Lei Complementar nº 101, de 2000. Como exemplo, notam-se: Lei Gramm-Rudman Hollings (Estados Unidos da América), Tratado de Maastricht (União Européia), Fiscal Responsability Act (Nova Zelândia). A título de exemplo da localidade continental, na Argentina a Ley de Responsabilidad Fiscal (1999) e no Peru a Ley de Prudência y Transparência Fiscal. Em simultaneidade à elaboração da LRF, o corpo legislador brasileiro adotou diretrizes de economia equilibrada, fundando-se no Manual de Transparência Fiscal, expedido pelo Fundo Monetário Internacional, no ano de 2007. O FMI nomeou tais diretrizes como Código de Boas Práticas para a Transparência Fiscal, em que as principais medidas eram: I. Definição clara de funções e responsabilidade; II. Acesso público à informação; III. Abertura na preparação, execução e prestação de contas no orçamento; IV. Garantias independentes de integridade. É primordial que o Poder Público atue em conformidade com o equilíbrio fiscal, seja reforçando a diminuição das despesas ou a manutenção das receitas, de maneira que haja planejamento e diretrizes para uma gestão administrativa, não distante, transparência na sua execução. 1.1 A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL Ciente de que a Lei Complementar 101/2000 aborda questões como a tributação e o orçamento da Administração, a gestão pública é responsável pela regularidade de seus atos fiscais, em todos os níveis. Como dito outrora, no bojo desta Lei, notam-se normas de ordem fiscal e normas de ordem orçamentária. Nesse mérito, não houve período de vacância, ou de vacatio legis para esta Lei. Justifica-se que a vigência Desta não revoga, tampouco substitui a legislação anterior acerca da responsabilização fiscal e orçamentária[2]. Dai, reputa-se importante que a Lei Complementar não desagregue, e sim entregue novas perspectivas quanto à fiscalização e limites de atuação com os recursos financeiros disponíveis. Em primeiro lugar, a Lei Complementar nº 101/2000 se compactua com a previsão do artigo 163 da Constituição Federal brasileira de 1988, sobretudo ao estabelecer normas de caráter de geral, conferindo padrões como o cálculo da receita e cálculo dos rendimentos dos entes federados. Adiante, o artigo 169 da Carta Magna infere que a Lei Complementar definirá limites para as despesas em relação ao pessoal ativo e inativo contido na União[3]. Em seguida, o artigo 165, inciso II, §9º da Constituição Federal decide que a legislação complementar caberá por estatuir as normas de gestão financeira e patrimonial da Administração, assim como os parâmetros de funcionamento dos Fundos econômicos. Por conseguinte, vale aludir à previsão do artigo 250 da Carta Magna, cuja disposição estabelece a constituição de um fundo integrado para assegurar os recursos da previdência social. Ora, há respeito da Constituição Federal, quando do artigo 68, da Lei Complementar nº 101/2000 determina-se a criação do Fundo do Regime Geral de Previdência Social, vinculado ao Ministério da Previdência e Assistência Social, para reforçar que sejam garantidos recursos para a manutenção da seguridade social. Em se tratando de eventuais transgressões à Lei de Responsabilidade Fiscal, posteriormente a esta, a elaboração da Lei nº 10.028 de 19 de outubro de 2000, dispondo sobre os crimes fiscais, veio tutelar os eventuais crimes no trato das finanças públicas. Nessa seara, alteraram-se pontualmente disposições do Código Penal, por consequência no Código de Processo Penal e, especialmente, na Lei nº 1079/50, que trata sobre os crimes de responsabilidade. Tem-se a evidente importância da Lei Complementar nº 101/2000. 2. ACERCA DA FISCALIZAÇÃO E DA PRESTAÇÃO DE CONTAS Um dos fatores importantes na manutenção da transparência dá-se através da constante fiscalização. É fundamental a fiscalização das transações realizadas pelos entes federados, no intuito de garantir a lisura das gestões públicas. Assim como se afirmou anteriormente, é dever de civilidade que os cidadãos observem os negócios jurídicos realizados pela Administração Pública. Na organização jurídica, o condão fiscalizatório pertence ao Tribunal de Contas, principalmente, e também ao Ministério Público. Os demais entes, como o controle interno dos Poderes, são subsidiariamente responsáveis pela organização, transparência e fiscalização, como entes da mesma gestão. Aqui, as esferas são independentes, o que importa dizer que a União será fiscalizada pelos organismos federais, os Estados e Distrito Federal pelos organismos estaduais e distritais e, por conseguinte, os municípios pelos organismos municipais. Alguns pontos devem ser levados em consideração, quando da fiscalização da gestão administrativa. Com ênfase na probidade, nota-se que os seguintes aspectos saem na frente, devido à relevância: I. Alcance das metas estabelecidas; II. Limites e condições para realizar operações financeiras; III. Medidas adotadas para não suceder os limites propostos; IV.  Providências tomadas para recondução das dívidas; V. Destinação de recursos obtidos com alienação de ativos; VI. Cumprimento do limite de gastos totais dos Legislativos Municipais. As atribuições do Tribunal de Contas são indispensáveis na manutenção fiscalizatória. A atuação transige no controle dos órgãos administrativos, tanto nas receitas quanto nas despesas, em sua totalidade. O Tribunal de Contas, portanto, expedirá parecer favorável ou desfavorável, cujo relatório servirá de demonstrativo para o Poder Legislativo aprovar ou desaprovar as transações já efetuadas. Deve-se explicitar que o Tribunal de Contas não é competente para aplicação de sanções, no entanto, trata-se de órgão fundamental para a pontual avaliação das contas, sendo indispensável à jurisdição. A competência para eventual sanção pertence ao Poder Judiciário. As atribuições do Poder Legislativo, em se tratando da fiscalização dos entes administrativos, têm destaque nos §§1º e 2º, artigo 59 da Lei de Responsabilidade Fiscal, imbuídos das mesmas atribuições àqueles delegados para tal fiscalização. Por sua vez, ao Poder Executivo cabe a apresentação de contas pormenorizadas, devendo remetê-las ao Presidente do Legislativo, ao Presidente do Judiciário e Chefe do Ministério Público, respectivamente. Ato contínuo, o Tribunal de Contas, em respeito ao artigo 57 da LC 101/00, emitirá parecer prévio acerca das contas prestadas, no prazo de 60 (sessenta) dias, a partir do recebimento destas[4]. A título de observação, o Professor Francisco Funcia[5] (2009) doutrina, na matéria da Responsabilidade Fiscal, a importância da prestação de contas. Inferem-se os ensinamentos retirados do seguinte fluxograma, acerca dos atos pertinentes aos entes:   2. DO PLANEJAMENTO, TRANSPARÊNCIA E CONTROLE A Lei Complementar nº 101/2000 prima pela gestão fiscal responsável, traduzindo em preceitos através de seus artigos a manutenção da Administração. A tríade de princípios que fundamenta a estabilidade financeira corresponde ao planejamento, a transparência nos resultados e o controle de limites e prazos. Todos tem relevante importância, todavia, destaca-se primeiramente o planejamento, haja vista que consiste em elemento notável para a realização de uma gestão sólida e visionária. A transparência nos resultados, por sua vez, denota que a contraprestação do serviço público é indispensável, em se tratando da utilização devida dos recursos públicos disponíveis. Por último, o controle de limites e prazos embasa que a gestão administrativa deve se regular com afinco e celeridade, esgotando-se todas as metas estabelecidas dentro de um prazo descrito para tal. Com efeito, a Lei de Responsabilidade Fiscal ensina que os objetivos da Administração devem ser levados em consideração, à medida do cumprimento dos princípios acima mencionados. Como tradução das metas, a gestão administrativa da Administração Pública deve conter as seguintes determinações: Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual. Todos esses instrumentos acima são organizados pela Administração competente e configuram um ciclo orçamentário, cuja formação é imprescindível ao planejamento gestor, não obstante do prazo estipulado de vigência e da transparência demonstrada no tocante da prestação de contas. Novamente, todos os entes federados, por intermédio do respectivo Poder Executivo, devem apresentar as determinações de PPA, LDO e LOA. Vê-se: – O Plano Plurianual (PPA) se refere às diretrizes, os objetivos e metas da Administração Pública gestora, para o ínterim de quatro anos vindouros, nos quais os atos governamentais são pontuais e resultam em benefícios e serviços em favor do bem estar social. Especificamente, a aprovação do plano quadrienal vige a partir do segundo ano de mandato majoritário, o qual termina no final do primeiro ano do seguinte mandato. Sobre o plano plurianual, há cinco preceitos que ilustram a sua elaboração: a identificação clara dos objetivos, a identificação dos órgãos gestores e unidades orçamentárias responsáveis pelos atos governamentais, a organização dos propósitos da Administração em programas, a integração com o orçamento e a transparência. – A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) estabelece os parâmetros para a edição do orçamento anual, de modo a satisfazer às ingerências do governo federal, assim como a previsão das despesas da gestão posterior, eventuais alterações pertinentes à legislação tributária e aplicação de investimentos pelas agências financeiras. A LDO também é útil na solidificação dos limites de gastos com pessoal por parte dos Poderes Legislativo, Judiciário e Ministério Público. Transmite-se uma exigência, no entanto: consiste no envio pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional de todas as implicações descritas acima, até a data formal de 15 de abril, devendo a LDO ser aprovada pelo Legislativo até o dia 30 de junho. Em hipótese de desaprovação da Lei de diretrizes orçamentárias, o Congresso não poderá ingressar no recesso. – A Lei Orçamentária Anual (LOA) compreende o orçamento fiscal referente aos poderes da União, no qual se acrescentam os fundos financeiros. Em outras palavras, significa deduzir que o orçamento prevê, pelo período de 1 ano, os fundos dos órgãos e entidades da Administração direta e indireta, inclusive as fundações mantidas pelo Poder Público, também o orçamento de investimentos daquelas empresas com capital social e direito a voto, majoritariamente gerida pela União, direta ou indiretamente e, ao final, o orçamento da seguridade social e todos os órgãos a ela vinculados, da Administração direta e indireta, assim como os respectivos fundos e fundações instituídos e mantidos pela União. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS A dominância da Lei de Responsabilidade Fiscal é notável. Desde a sua elaboração, as gestões se tornaram mais transparentes, e isso facilitou a análise de eventuais erros. Trata-se de uma lei que instrumentalizou a fiscalização das gestões administrativas. Em concordância com a Lei nº 10.028/00, a LRF incorporou os preceitos constitucionais necessários à tutela das finanças públicas. Além disso, a Lei de Responsabilidade Fiscal esclareceu as diferenças entre receitas e despesas de uma gestão, permitindo ao Poder Legislativo discutir, em conjunto com o Poder Executivo, as metas necessárias para uma boa administração; essa discussão facilitou a recondução, no que tange ao endividamento, sobretudo fortaleceu a Administração Pública pela aproximação dos Poderes. Ato contínuo, a elaboração da LRF marcou a trajetória do superávit primário face à época de descrença, na qual vivia a economia brasileira, incrementando as finanças da União. Atualmente, os governos estaduais e municipais compreenderam a importância dessa lei e visam aplicá-la regionalmente, com o fulcro de fortalecer os seus territórios e cessar os eventuais endividamentos; alguns estados como Goiás, Rio Grande do Sul[6], e Rio de Janeiro[7] já editaram sua própria lei fiscal, no entanto enfrentam discussões jurídicas a respeito da constitucionalidade de tal Lei no âmbito estadual, tramitando as pautas nas colunas dos Tribunais do Poder Judiciário. A União se interessa diretamente na manutenção das dívidas estaduais, no entanto, demonstra que deve haver a sujeição, também, às regras federais, impostas pela Lei Complementar nº 101/2000; por outro lado, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) já demonstrou apoio quanto à instituição da responsabilidade fiscal aos estados. Não obstante, essa discussão visivelmente fomenta a melhoria da gestão pública. Trata-se de um exercício de civilidade do Poder Público, por conseguinte da população, que têm mais um instrumento para cobrar o equilíbrio das contas públicas, o planejamento das finanças e a transparência dos resultados obtidos. Tal cobrança, feita pelos fiscais da lei e pelo povo[8], reduz significativamente a situação das “heranças malditas” deixadas nas mudanças de gestão, em razão desse instrumento de prudência fiscal, que apura, fiscaliza e pune à gestão inadequada dos recursos públicos.
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Os bens públicos no ordenamento jurídico pátrio
A Administração Pública é um conjunto de instituições, o que significa a existência de estruturas organizacionais, conjugando a atuação de pessoas para a satisfação de valores. O desempenho das funções institucionais depende de um conjunto de bens que se constituem nos instrumentos materiais de promoção dos fins buscados. Assim, o presente artigo aborda os aspectos jurídicos dos bens públicos e sua previsão no ordenamento jurídico pátrio.
Direito Administrativo
1. CONCEITO DE BENS PÚBLICOS A Administração Pública é um conjunto de instituições, o que significa a existência de estruturas organizacionais, conjugando a atuação de pessoas para a satisfação de valores. O desempenho das funções institucionais depende de um conjunto de bens que se constituem nos instrumentos materiais de promoção dos fins buscados. Esses bens podem ser indicados, no caso da Administração Pública, como bens públicos (FILHO, 2008, p. 843). A expressão “bens públicos” é constituída por duas palavras equivocas. Uma é o substantivo “bem”, outra é o adjetivo “público”. O vocábulo “bem” pode ter, por exemplo, ora uma acepção filosófica, ora um sentido jurídico. Em termos filosóficos, é tudo aquilo que satisfaz o homem. Nessa acepção, diz-se que a inteligência, a bondade, a saúde e o amor são bens. Em sentido jurídico, é todo valor material ou imaterial que pode ser objeto de direito. Assim, afirma-se que uma gleba de terra, um credito, um semovente e um livro são bens. A palavra “público”, de outro lado, pode expressar o proprietário do bem (União, Estado-Membro, Distrito federal, Município) como seu usuário (administrado, povo, público). Desse modo, pode-se ter: I – bem público = bem de propriedade do Município; II – bem público = bem usado pelo povo (GASPARINI, 2008, p. 864). Pode-se encontrar para os bens públicos um conceito doutrinário e outro legal. Para Hely Lopes Meirelles (Direito administrativo, cit., p. 493), “são todas as coisas, corpóreas ou incorpóreas, imóveis, móveis e semoventes, créditos, direitos e ações, que pertençam, a qualquer título, ás entidades estatais, autárquicas, fundacionais e empresas governamentais”. Para o Código Civil (art. 98), são os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de Direito Público interno, ou, dito de outro modo, são os bens de propriedade da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios, dos Municípios, das autarquias e de outras entidades de caráter público criadas por leis, pois essas são as pessoas jurídicas de Direito Público interno arroladas pelo art. 41 desse Codex. Fora daí, todos os outros, nos termos da segunda parte do referido art. 98, são particulares, sejam quais forem seus proprietários. Para nós, bens públicos são todas as coisas materiais ou imateriais pertencentes às pessoas jurídicas de Direito Público e as pertencentes a terceiros quando vinculadas à prestação de serviço público. São pessoas jurídicas de Direito Público a União, cada um dos Estados-Membros, o Distrito Federal, cada um dos Municípios, as autarquias e as fundações públicas. Assim, os bens pertencentes a essas pessoas públicas são bens públicos. Também são bens públicos, consoante essa definição, os de propriedade de terceiros quando vinculados à prestação de serviço público. Destarte, os bens de certa empresa privada, concessionária do serviço funerário municipal, vinculados à prestação desse serviço são bens públicos. Desse modo, não são, salvo em sentido amplíssimo, bens públicos os que integram o patrimônio das empresas governamentais (sociedades de economia mista, empresa pública, subsidiárias) exploradoras de atividade econômica, porque pessoas privadas (CF, art. 173, § 1, II). Ademais, ditos bens não estão vinculados à execução de qualquer serviço público. O mesmo ocorre com a fundação privada cujo objeto não seja a prestação de serviço púbico. Essa assertiva encontra respaldo na segunda parte do que prescreve o art. 98 do Código Civil. Com efeito, ao afirmar que bens públicos são os do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de Direito Público interno (União, Estado, Distrito Federal, Território, Município e autarquia), acabou por considerar particulares todos os demais bens, sejam quais forem seus proprietários, inclusive, portanto, os pertencentes a essas entidades. 2. CLASSIFICAÇÃO Várias são as classificações dos bens públicos. Algumas são oferecidas pelos autores e outras, pela legislação. Entre as primeiras, temos: a) aque divide os bens públicos, segundo a natureza, em bens móveis (banco de jardim, viaturas policiais) e bens imóveis (praia); b) a que separa os bens públicos, segundo o proprietário, em bens federais (estrada federal), bens estaduais (Museu da Polícia Militar), bens distritais (rua distrital), bens municipais (paço municipal), bens autárquicos (prédios da autarquia) e bens fundacionais públicos (imóvel de fundação pública), conforme sejam, respectivamente, da União, do Estado-Membro, do Distrito Federal, do Município, da autarquia ou da fundação pública(GASPARINI, 2008, p. 866). Entre as segundas, a de maior utilidade é indicada pelo art. 99 do Código Civil. Por essa disposição, que leva em conta a destinação do bem, os bens públicos são: “I – os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças; II – os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias; III – os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades”. Embora o inciso II não mencione a administração distrital, não há dúvida que entre as aí arroladas deve-se compreender também essa, pois o Distrito Federal é pessoa jurídica de Direito Público interno e titular de inúmeros serviços públicos, para cuja prestação há de valer-se dessa espécie de bem público. Também não consta desse elenco a administração fundacional, mas dele deve constar entidade, pois as fundações públicas são criadas para prestar serviços públicos, e os bens onde tais serviços ou atividades são executados chamam-se bens públicos de uso especial. 3. BENS DE USO COMUM DO POVO São aqueles destinados à utilização geral pelos indivíduos, que podem ser utilizados por todos em igualdade de condições, independentemente de consentimento individualizado por parte do poder público. São exemplos de bens públicos de uso comum do povo: as ruas, as praças, os logradouros públicos, as estradas, os mares, as praias, os rios navegáveis etc. Em regra, são colocados à disposição da população gratuitamente. Nada impede, porém, que seja exigida uma contraprestação (remuneração) por parte da administração pública. Um exemplo rotineiro de utilização remunerada de bem de uso comum do povo é a cobrança de estacionamento rotativo (cobrança por horas de uso) em áreas públicas (ruas e praças) pelos municípios. Esses bens, apesar de destinados à população em geral, estão sujeitos ao poder de polícia do Estado, consubstanciado na regulamentação, na fiscalização e na aplicação de medidas coercitivas, visando à conservação da coisa pública e à proteção do usuário (PAULO, 2013, p. 986). 4. BENS DE USO ESPECIAL Também chamados de bens do patrimônio administrativo são aqueles afetados a uma destinação específica. Fazem parte do aparelhamento administrativo sendo considerados instrumentos para execução de serviços públicos. São exemplos de bens de uso especial os edifícios de repartições públicas, mercados municipais, cemitérios públicos, veículos da administração, matadouros etc. Nos termos do art.99, II, do Código Civil: “São bens públicos: (…) II- os de uso especial, tais como edificios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias”. Assim como os de uso comum, os bens de uso especial, enquanto mantiverem essa qualidade, não podem ser alienados ou onerados (art, 100 do CC), compondo o denominado patrimônio público indisponível. A alienação de tais bens somente será possível com sua transformação, via desafetação, em bens dominicais (MAZZA, 2012, p. 540). 5. BENS DOMINICAIS São os destituídos de qualquer destinação, prontospara ser utilizados ou alienados ou, ainda, ter seu uso trespassado a quem por eles se interesse. Pertencem à União, aos Estados-Membros, aos Municípios, ao Distrito Federal, às autarquias e fundações públicas. Tais entidades exercem sobre esses bens poderes de dono, de proprietário. Apesar disso, a alienação e o trespasse do uso podem exigir o cumprimento, previamente, de certos requisitos, como avaliação, concorrência e licitação. Desses bens são exemplos os terrenos sem qualquer afetação de propriedade das citadas pessoas públicas. Podem ser utilizados pelos seus proprietários para todos os fins de direito, observadas, evidentemente, as legislações dos demais entes federados. Assim, a União não pode dar a bem dominial de sua propriedade qualquer utilização que contrarie a lei municipal de uso e ocupação do solo (GASPARINI, 2008, p. 870). 6. QUANTO A DISPONIBILIDADE Quanto à disponibilidade, os bens públicos classificam-se em: bens indisponíveis por natureza; bens patrimoniais indisponíveis; bens patrimoniais disponíveis. Os bens indisponíveis por natureza são aqueles que, dada a sua natureza não patrimonial, não podem ser alienados ou onerados pelas entidades a que pertencem. São bens de natureza não patrimonial, insuscetíveis de alienação pelo poder público. Os bens de uso comum do povo, como regra geral, são bens absolutamente indisponíveis, como os mares, os rios, as estradas etc. Os bens patrimoniais indisponíveis são aqueles de que o poder público não pode dispor, embora tenham natureza patrimonial, em razão de estarem afetados a uma destinação pública específica. Enfim, são bens que possuem valor patrimonial, mas que não podem ser alienados porque são utilizados efetivamente pelo Estado para uma específica finalidade pública. São bens patrimoniais indisponíveis os bens de uso especial e os bens de uso comum susceptíveis de avaliação patrimonial, sejam móveis ou imóveis. Exemplos: os prédios das repartições públicas, os veículos oficiais, as escolas públicas, as universidades públicas, os hospitais públicos etc. O atual Código Civil claramente estabelece que “os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar.” Os bens patrimoniais disponíveis são todos aqueles que possuem natureza patrimonial e, por não estarem afetados a certa finalidade pública, podem ser alienados, na forma e nas condições que a lei estabelecer. Os bens patrimoniais disponíveis correspondem aos bens dominicais, porque são exatamente aqueles que nem se destinam ao público em geral (não são de uso comum do povo), nem são utilizados para a prestação de serviços públicos em sentido amplo (não são bens de uso especial). O vigente Código Civil, claramente, afirma que “os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei” (art. 101). 7. AFETAÇÃO E DESAFETAÇÃO Afetação é a preposição de um bem a um dado destino categorial de uso comum ou especial, assim como desafetação é sua retirada do referido destino. Os bens dominicais são bens não afetados a qualquer destino público. A afetação ao uso comum tanto pode provir do destino natural do bem, como ocorre com os mares, rios, ruas, estradas, praças, quanto por lei ou por ato administrativo que determine a aplicação de um bem dominical ou de uso especial ao uso público. Já, a desafetação dos bens de uso comum, isto é, seu trespasse para o uso especial ou sua conversão em bens meramente dominicais, depende de lei ou de ato do Executivo praticado na conformidade dela. É que, possuindo originariamente destinação natural para o uso comum ou tendo-a adquirido em consequência de ato administrativo que os tenha preposto neste destino, haverão, de toda sorte, neste caso, terminado por assumir uma destinação natural para tal fim. Só um ato de hierarquia jurídica superior, como o é a lei, poderia ulteriormente contrariar o destino natural que adquiriram ou habilitar o Executivo a fazê-lo (MELLO, 2006, p. 868). A desafetação de bem de uso especial, trespassando-o para a classe dos dominicais, depende de lei ou de ato do próprio Executivo, como, por exemplo, ao transferir determinado serviço que se realizava em dado prédio para outro prédio, ficando o primeiro imóvel desligado de qualquer destinação. O que este não pode fazer sem autorização legislativa é desativar o próprio serviço instituído por lei e que nele se prestava. Também um fato da natureza pode determinar a passagem de um bem do uso especial para a categoria dominical. Seria o caso, por exemplo, de um terremoto destruir o prédio onde funcionava uma repartição pública, como lembra Diógenes Gasparini. 8. ATRIBUTOS Os bens públicos são dotados de um regime jurídico especial que os diferencia dos bens particulares. As principais características normativas desse regime diferenciados podem ser reduzidas a quatro atributos fundamentais dos bens público inalienabilidade, impenhorabilidade, prescritibilidade e não onerabilidade. A inalienabilidade significa que os bens públicos não podem ser vendidos livremente. Isso porque a legislação estabelece condições e procedimentos especiais para a venda de tais bens. Assim, o mais apropriado é falar em alienabilidade condicionada ao cumprimento das exigências legalmente impostas. Decorre da inalienabilidade a conclusão de que os bens públicos não podem ser embargados, hipotecados, desapropriados, penhorados, reivindicados, usufruídos, nem objeto de servidão. O atributo da impenhorabilidade decorre do fato de que os bens públicos podem ser objeto de constrição judicial. A impenhorabilidade é uma decorrência lógica da inalienabilidade na medida em que, por ser insuscetível a alienação, penhora sobre bem público constitui medida inútil. Importante destacar, também, que a impenhorabilidade dos bens públicos é a justificativa para existência da execução especial contra a Fazenda Pública e da ordem dos precatórios (art, 100 da CF). Como os bens do Estado não podem ser penhorados, é impossível aplicar à cobrança de créditos contra a Fazenda o sistema convencional de execução baseado na constrição judicial de bens do devedor. A impenhorabilidade é extensiva} também} aos bens de empresas públicas} sociedades de economia mista e concessionários afetados à prestação de serviços públicos. Quanto à Imprescritibilidade, seu significado é que os bens públicos não estão submetidos à possibilidade de prescrição aquisitiva ou, em uma palavra, os bens públicos não se sujeitam a usucapião (arts. 183 e 102 do CC). Segundo a corrente majoritária, a imprescritibilidade é atributo de todas as espécies de bens públicos, incluindo os dominicais. Exceção a essa regra vem prevista no art. 2° da Lei n. 6.969/81, que admite usucapião especial sobre terras devolutas localizadas na área rural. Recentemente, Sílvio Luís Ferreira da Rocha, em visão minoritária, vem sustentando de modo brilhante a possibilidade de bens dominicais que desatendam à função social serem usucapidos.” Por fim, o atributo da não onerabilidade reafirma que nenhum ônus real pode recair sobre bens públicos. Onerar um bem significa deixá-lo como garantia para o credor no caso de inadimplemento da obrigação. Exemplos de direitos reais sobre a coisa alheia são o penhor, a hipoteca e a anticrese, mencionados no art. 1.419 do vigente Código Civil. 9. REQUISITOS PARA A ALIENAÇÃO DOS BENS PÚBLICOS A alienação de bens públicos depende do cumprimento de condições específicas definidas pelo art. 17 da Lei n. 8.666/93, que variam conforme o tipo de bem e a pessoa a quem pertençam: 1) no caso de bens imóveis pertencentes a órgãos da Administração Direta, autarquias e fundações públicas: a) interesse público devidamente justificado, b) avaliação prévia, c) autorização legislativa, d) licitação na modalidade concorrência, 2) no caso de bens imóveis pertencentes a empresas públicas, sociedades de economia mista e paraestatais: a) interesse público devidamente justificado, b) avaliação prévia, c) licitação na modalidade concorrência, 3) no caso de bens móveis} independentemente de a quem pertençam: a) interesse público devidamente justificado: b) avaliação prévia, c) licitação em qualquer modalidade. A Lei n. 9.636/98 disciplina a alienação de bens imóveis da União estabelecendo em seu art. 1° que: “a alienação de bens imóveis da União dependerá de autorização mediante ato do Presidente da República e será sempre precedida de parecer da SPU quanto à sua oportunidade e conveniência”. A alienação ocorrerá quando não houver interesse público, econômico ou social em manter o imóvel no domínio da União, nem inconveniência quanto à preservação ambiental e à defesa nacional, no desaparecimento do vínculo de propriedade. A competência para autorizar a alienação poderá ser delegada ao Ministro de Estado da Fazenda, permitida a subdelegação. A venda dos bens imóveis da União será feita por concorrência ou leilão e deverá observar os seguintes requisitos (art. 2º da Lei n. 9.636/98): “I – na venda por leilão público, a publicação do edital observará as mesmas disposições legais aplicáveis à concorrência pública, II – os licitantes apresentarão propostas ou lances distintos para cada imóvel, III – a caução de participação, quando realizada licitação na modalidade de concorrência, corresponderá a 10 (dez por cento) do valor de avaliação, IV – no caso de leilão público, o arrematante pagará, no ato do pregão, sinal correspondente a, no mínimo, 10 (dez por cento) do valor da arrematação, complementando o preço no prazo e nas condições previstas no edítal, sob pena de perder, em favor da União, o valor correspondente ao sinal e, em favor do leiloeiro, se for o caso, à respectiva comissão, V – o leilão público será realizado por leiloeiro oficial ou por servidor especialmente designado, VI – quando o leilão público for realizado por leiloeiro oficial, a respectiva comissão será, na forma do regulamento, de até 5% (cinco por cento) do valor da arrematação e será paga pelo arrematante, juntamente com o sinal, VII – o preço mínimo de venda será fixado com base no valor de mercado do imóvel, estabelecido em avaliação de precisão feita pela Secretaria do Patrimônio da União, cuja validade será de seis meses: VIII – demais condições previstas no regulamento e no edital de licitação.”
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Impossibilidade da subcontrataçâo nos moldes da Lei 8666/93
Este artigo tem por escopo analisar a Subcontratação de empresa e seu viés procedimental no sistema atual da Lei 8666/93  bem como entrega de parcela do objeto contratual a terceiro estranho que não participou do procedimento licitatório, não sagrando-se com isso, vencedor do certame.
Direito Administrativo
INTRODUÇAO Quando se fala em procedimento  licitatório  a CF/88, traz em seu bojo que as obras, serviços, compras e alienações serão contratadas mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações, ressalvado os casos especificados na legislação, é o que se vê: “ART 37- omissis XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.” A Lei 8666/93 regulamenta o artigo 37, inciso XXI  instituindo normas para Licitações Públicas e dá outras providências. 1. Conceito de Licitação Para Di Pietro “ licitação é o procedimento prévio à celebração dos contratos administrativos , que tem por objetivo selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração, promover o desenvolvimento nacional e garantir a isonomia entre os licitantes”[1] . Já Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo recorre a doutrina que “conceitua a licitação como um procedimento administrativo, de observância obrigatória pelas entidades governamentais, em que, observada a igualdade entre os participantes ,deve ser selecionada a melhor proposta dentre as apresentadas pelos interessados em com elas travar determinadas relações de conteúdo patrimonial, uma vez que preenchidos os requisitos mínimos necessários ao bom cumprimento das obrigações a que eles se propõe (…) licitação traz a ideia de disputa isonômica”[2] (grifos aditados) Matheus Carvalho por meio de seu Manual de Direito Administrativo[3] adota como conceito licitatório a definição de Marçal Justen Filho que assim afirma: "A licitação é um procedimento administrativo disciplinado por lei e por um ato administrativo prévio, que determina critérios objetivos de seleção de proposta da contratação mais vantajosa, com observância ao princípio da isonomia, conduzido por um órgão dotado de competência específica.”[4] 2. Princípios Licitatórios Em seu artigo 3° da Lei 8666/93 restou consagrado que “ A licitação destina-se a garantir a observância do principio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.”[5] Salienta Celso Anônio Bandeira de Mello, “o acatamento aos principios mencionados empece- ou ao menos forceja por empecer –conluios inadmissiveis entre agente governamentais e terceiros, no que se defende a atividde administrativa contra negócios desfavoráveis, levantando- se ainda, óbice a favoritismo ou perseguições, inconvenientes com o princípio da igualdade”[6] Ha ainda o pricípio da competitividade, que preceitua  Gasparini: “ é vedado à Administração Pública admitir, prever, incluir ou tolerar, nos instrumentos convocatórios, cláusulas ou condições que comprometam, cerceiem ou obstem o aspecto competitivo do procedimento licitatório”[7] 2.1. Procedimento Licitatório Cada  procedimento licitatório tem uma forma a ser respeitada apresentando diversasas etapas sendo a mais completa à concorrência , que em sua estrutura resta definida é :  a habilitação – classificação –homologação – adjudicação. A homologação e adjudicação afeta ao presente estudo, no sentido de ambos procedimentos somente serão consagrados[8] a participantes vencedores da licitação. Segundo Mateus Carvalho: “ De fato , a adjudicação é ato por meio do qual se atribui ao vencedor o objeto da licitação dando fim ao prcedimento licitatório. Saliente-se  a princípio, que adjudicar não é contatar , mas tao somente declarar oficialmente o vencedor da licitação”[9]  (grifos aditados). Nota-se que é unissona a doutrina e jurisprudência :  caso o procedimento for por meio dos trâmites normais a adjudicação  sera consagrada sempre ao “licitante vencedor “ . 3. Subcontratação de interessados      Com isso, em nenhum momento, seja no procedimento licitatório da Concorrência, seja nos demais existentes na Lei 8666/93, ou até no Pregão, conforme Lei 10520/2002 resta demonstrado um procediemento para subcontratação de interessado. Ao contrário! Se apresenta apenas em instrumento convocatório e no que diz respeito aos contratos administrativos.       Nessa esteira em entendimento do TCU fica explicitamente claro que subcontratação possibilita a participação de um terceiro estranho a relação contratual: é o que se vê: “Segundo o TCU, “Subcontratação consiste na entrega de parte de fornecimento de bem, execução de obra ou prestação de serviço a terceiro, estranho ao contrato, para que execute em nome do contratado item, etapa ou parcela do objeto avençado[10]” Motta em seu livro Eficácia nas Licitações e Contratos observa que “… a transferência da obrigação contratual a terceiro pressupõe sua previsão nos instrumentos que legitimam a contratação (em especial edital e contrato), além da inafastável submissão à prévia e escrita autorização pelo ente contratante.[11](grifos aditados).  É consonante na doutina administrativa a referência sempre a terceiro, deduzindo com isso que ele não participe do  procedimento licitatório homologado ao licitante vencedor do certame. Com relação aos  Contratos Administrativos  em seu artigo 72  o contratado na execução do contrato, poderá subcontratar partes da obra, serviço ou fornecimento, até o limite admitido, em cada caso, pela Administração, sem prejuízo das responsabilidades contratuais e legais: “Art. 72. O contratado, na execução do contrato, sem prejuízo das responsabilidades contratuais e legais, poderá subcontratar partes da obra, serviço ou fornecimento, até o limite admitido, em cada caso, pela Administração” (grifos aditados). Ainda se observa o aspecto do Estatuto que rescinde o contrato caso a subcontratação total ou parcial do seu objeto, caso  não se encontrarem previstas no edital e no contrato. Percebe-se que a subcontratação é portanto uma faculdade da Administração, desde que previstas no Edital no Contrato. 4. Subcontratação e a Lei Complementar 123/2016 Na sequência, o tratamento dado a Microempresas e Empresas de Pequeno Porte de conforme  a  Lei Complemantar 123/2016 é extraído do artigo 47, “in literis” “Art.47 Nas contratações públicas da União, dos Estados e dos Municípios, poderá ser concedido tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte objetivando a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica, desde que previsto e regulamentado na legislação do respectivo ente. (grifos aditados)” E continua aplicando como exigência caso haja a concessão do tratamento diferenciado a realização do processo licitatório, desde que: a) – o percentual máximo do objeto a ser subcontratado não exceda a 30% (trinta por cento) do total licitado; b) quando a licitação for destinada à aquisição de obras e serviços, exigir dos licitantes a subcontratação de microempresa ou empresa de pequeno porte; c) em que se estabeleça cota de até 25% (vinte e cinco por cento) do objeto para a contratação de microempresas e empresas de pequeno porte, em certames para a aquisição de bens e serviços de natureza divisível; d) estabelecer, em certames para aquisição de bens de natureza divisível, cota de até 25% (vinte e cinco por cento) do objeto para a contratação de microempresas e empresas de pequeno porte. No âmbito Federal o tratamento favorecido é regulamentado pelo Decreto 8538/2015 que corroborando com o artigo 47 supra, colacionando especificamente em seu artigo 7°, I “ o percentual mínimo a ser subcontratado e o percentual máximo admitido, a serem estabelecidos no edital, sendo vedada a sub-rogação completa ou da parcela principal da contratação”, trazendo nos demais incisos outros requisitos para a exigência de subcontratação de microempresas ou empresas de pequeno porte, que fogem da alçada do presente estudo. 5. (Im)possibilidade de subcontratação A medida que se consolidam os estudos, sejam através de Estatuto Licitatório que conduz a subcontratação de parte da obra, serviços ou fornecimento (Art 72 da Lei 8666/93) seja por meio da  permissibilidade tratamento diferenciado relacionado as ME EPP em Legislação Própria (LC 123/2006 c/c Decreto 8538/ 2015), por mais que se queira, fazer vista grossa há uma clara burla ao procedimento licitatório e seus princípios mais básicos. Senão, vejamos. Com efeito, em acordão do TCU 2002/2005 , restou demonstrado que a subcontratação deve ser adotada apenas quando necessária para garantir a execução do contrato e desde que não atente contra os princípios constitucionais e nem ofenda outros  princípios relacionados as licitações:      “o Ministro Relator consignou em seu voto que a subcontratação deve ser adotada unicamente quando necessária para garantir a execução do contrato e desde que não atente contra os princípios constitucionais inerentes ao processo licitatório[13], e nem ofenda outros princípios relacionados às licitações, notadamente o da seleção da proposta mais vantajosa para a Administração (art. 3º, Lei nº 8.666/93)” Entendemos porém que há uma violação constante ao tratar de subcontratação pois sempre haverá uma ofensa ao princípio da competitividade e principalmente ao princípio da adjudicação compulsória, que nada mais é que  ato de declarar a adjudicação e por consequência a celebração contratual apenas com o vencedor do procedimento licitatório. Com relação ao princípio da adjudicação compulsória, significa, segundo Hely Lopes Meirelles “ que a administração não pode , concluído o procedimento, atribuir o objeto da licitação a outrem que não o vencedor.”    Não há fiscalização alguma perante a empresa subcontratada ou sequer procedimento licitatório cumprindo as etapas necessárias para se respeitar princípios básicos constitucionais e licitatórios. As subcontratações aliás, além de contrárias a Legislação por ferirem princípios basilares constitucionais e administrativos,  foram banalizadas de forma que o que deveria ser exceção e faculdade da Administração é algo que vem se tornado cada vez mais comum, fazendo com que o verdadeiro licitante vencedor tenha um papel de coadjuvante no cumprimento contratual. Nesse sentido o entendimento do TCU, “in verbis”[12]: “Acórdão nº 1.733/2008– Plenário a possibilidade de subcontratação total do objeto abre a oportunidade para que o licitante vencedor passe a exercer apenas a função de intermediário, na medida em que possuiria a faculdade de apontar as empresas que realizarão as obras, presente a autorização para subcontratação total do objeto, circunstâncias que afrontariam flagrantemente os princípios constitucionais da moralidade, da eficiência (art. 37, caput, da Constituição Federal), da supremacia do interesse público, da legalidade, isonomia, impessoalidade, economicidade e do julgamento objetivo, dentre outros, além de acarretar em afronta ao dever geral de licitar (art. 37, XXI, da Constituição Federal) e aos artigos 2º, 72 e 78, inc. VI, da Lei 8.666/93.” Outro aspecto que corrobora com o exposto alhures, é que  os contratos administrativos são personalíssimos não admitindo com isso a presença de um terceiro para realização do objeto contratual. Interessante ainda consignar, que a inconformidade com princípios basilares de um lado, não permitem a utilização de outros como o princípio da Economicidade por exemplo, para eivar de legalidade um ato que no entender de todo esse estudo é ilegítimo e porque não dizer ilegal.     6. CONCLUSÃO Diante do exposto, não há, pelo  menos nos moldes atuais, possibilidade de se subcontratar sem efetuar uma licitação pública com todos os procedimentos existentes na Lei 8666/93, ou por meio de procedimento próprio   pois a abrangência relacionada ao tema com que é apresentada na Lei 8666/93 só torna mais frágil e passível de burla e conluio ao atual  procedimento licitatório.
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Elemento culpa na improbidade administrativa
O presente trabalha se dirige a esclarecer sobre a improbidade administrativa no que cerne a sua modalidade culposa, trazendo concepções acerca de constitucionalidade, e ainda fazendo relações com o direito penal em face dos aspectos principiológicos. Trabalha-se toda a construção constitucional acerca dos princípios administrativos balizadores do sentido puro da probidade em si. Tenta-se uma ponte tênue entre a conduta do agente versus o resultado da conduta para que a justiça seja alcançada na sua sanção, uma vez que se trata no presente trabalho os aspectos da necessidade do tipo culposo na improbidade.
Direito Administrativo
1. INTRODUÇÃO O objetivo do trabalho é analisar a necessidade da análise do grau de culpabilidade do agente público face ao art.10 da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº8429/92). Busca-se atingir a inteligência de uma possibilidade de dosimetria entre a conduta e a lesão, de modo a não vulgarizar o diploma legal. A questão a que se suscita seria se seria possível, principalmente (tendo em vista o enfoque do presente) equilibrar a conduta lesiva culposa, ou seja não querida pelo agente, com as sanções previstas a este. Será analisado o grau de culpa pelo qual se deu a ofensa ao erário, sob reserva de não vulgarizar o diploma legal em questão, de modo a obter uma compreensão mais detalhada do elemento culpa, fazendo breves comparações ao âmbito penal as quais possuem respaldo na jurisprudência. O objetivo do trabalho é discutir a problemática interpretativa no que cerne a subjetividade do agente, ou seja, a análise de sua conduta versus o resultado da mesma a Administração Pública. Pretende-se seguir a presente de modo que primeiramente se esclareça o que é a improbidade administrativa em si para que posteriormente se esclareça o que é a improbidade administrativa culposa especificamente a partir de uma visão legislativa e doutrinária e tudo o mais necessário a deixar claro o entendimento do que seria a improbidade administrativa culposa, que por sua vez é o enfoque do presente. Após tal esclarecimento, inicia-se uma análise sob o viés constitucional do tema no que cerne sua (in)constitucionalidade para que após isso possa-se discutir temas mais profundos uma vez já deixada clara todas as percepções essenciais. Como mencionado, após a análise constitucional do tema, serão abordadas concepções mais profundas, como o que se faz ao analisar em determinado momento a boa-fé face a improbidade administrativa, prosseguindo para a análise do agente e seu animus diante das circunstâncias ensejadoras da improbidade administrativa e após verificaremos os atos do agente diante das circunstancias mencionadas sob o viés de outros ramos do direito que não o direito administrativo em si. Analisando o agente ativo da improbidade administrativa, bem como todos os aspectos que norteiam a sua conduta será possível resolver a questão da medida da sua conduta, isto é, a abrangência da mesma no âmbito de sua responsabilidade. Por fim restara analisar o agente e sua conduta em si. Será trabalhada a analise ainda de cada tipo de sujeito ativo da improbidade administrativa, analisando a improbidade administrativa relacionada a cada um deles, não deixando de mencionar os crimes de responsabilidade bem como a lei da ficha limpa, a qual tem importância sui generis. Ainda por fim será tratado ato improbo em si, o momento da conduta, o destino do ato da agente face ao resultado lesivo. 2. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Neste capítulo será apresentada uma compreensão lata da improbidade administrativa e seu encaixe no ordenamento jurídico brasileiro, tanto no que cerne sua aplicação, quanto a sua constitucionalidade. Desta forma a improbidade administrativa em si será clara de modo a lograr a conceituação em si do que seria a sua modalidade culposa. A conceituação da improbidade administrativa deve partir da análise constitucional, legislativa e também doutrinária, de modo a identificar o papel e as características desse tipo de sanção no ordenamento jurídico. Antes que se inicie uma análise da improbidade administrativa em si, é importante identificar o conceito de Administração Pública. Com isso, torna-se possível entender a relação entre a improbidade administrativa, interesse público e a conduta esperada dos agentes públicos. Deve-se ainda trazer à tona o que seria a probidade, pois assim a concepção do que realmente seja a improbidade torna-se mais completa. Ressalte-se que, quando utiliza-se na presente o termo Administração Pública da forma como apresentado, com letras maiúsculas, significa dizer que não se está referindo ao sentido objetivo do termo mas sim ao sentido subjetivo, sentido esse que, conforme bem explica José dos Santos Carvalho Filho, seria um “conjunto de agentes, órgãos e pessoas jurídicas que tenham a incumbência de executar as atividades administrativas”[1], segundo ele toma-se com importância nesse caso o sujeito em si, ou seja, o executor da função pública. Por sua vez o agente público seria, conforme art.2º da Lei nº 8.429/92 (Lei da Improbidade Administrativa): “Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.” Errôneo seria crer que tal denominação caberia tão somente ao funcionalismo público de baixo escalão pois, conforme pode-se notar, o sentido é realmente amplo, atingindo desde os servidores públicos com atividades mais simplórias, aos Chefes do Executivo, como bem explica nesse sentido José dos Santos Carvalho Filho[2]. Tendo-se então tais definições, torna-se possível entrar no que seria entre os deveres dos agentes públicos, o mais relevante diante do que deseja-se demonstrar, o dever geral de probidade. Nesse sentido, tendo em vista o enfoque do presente, deve-se tratar do dever geral de probidade, dever esse que está positivado na Lei nº 8.429/92 em seu art.4º: “Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos.” Nota-se desta forma que a própria lei dirige certa indicação de conduta voltada a um cumprimento produtivo do serviço. Importante ressaltar que o dever de probidade ultrapassa o próprio indivíduo, pois conforme bem elucidado por Waldo Fazzio Junior, o dever geral de probidade incorporado no art.4º da Lei nº 8.429/92, ao mencionar que deve-se “velar pela estrita observância”, deixa o comando de que se deve levar ao conhecimento daquele que seja o superior hierárquico, a pratica de condutas que atentem contra a probidade administrativa[3]. Aproveitando o ensejo, pode-se então tratar do que realmente é a probidade em si, para que assim possa-se adentrar no que seria a improbidade em si. A “probidade” nas palavras de Carvalho Filho (2013, p.244) “Tem o sentido de honestidade, boa-fé, moralidade por parte dos administradores”[4] ou seja, nota-se que a probidade está diretamente ligada a honra subjetiva daquele que atua na Administração Pública. Nas palavras de Rosaura Moreira Brito Bastos, há o que se chama de moralidade administrativa, e será ela a nortear o presente trabalho pois dela flui a mais clara interpretação funcional da Administração Pública: “A moralidade administrativa como princípio jurídico do Estado Moderno, com suas características de autonomia e eficácia, fundamenta, portanto, a interpretação das normas jurídicas e serve de critério objetivo à aferição da conduta do agente público. A consequência prática disso é a possibilidade de um controle de constitucionalidade com base no princípio da Moralidade, pois normas e atos que não respeitem tal princípio fundamental só sistema jurídico e, no dizer de Celso Bandeira de Mello, e muito mais grave ferir um princípio que ferir uma norma. Assim o controle da moralidade administrativa é fator que interessa não apenas ao administrador público, mas, antes, a toda coletividade.”[5] Ainda nesse ínterim percebe-se nas palavras de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, com clareza tanto a significação bem explicitada da palavra Probidade em si, quanto a sua etimologia, que se demonstra relevante para possa-se compreender de forma mais completa a probidade: “A probidade encontra sua origem mais remota no latim probus, que significa aquilo que brota bem (pro+bho-da raíz bhu, nascer, brotar), denotando o que é bom, o que tem boa qualidade. De forma correlata ao sentido etimológico, teve-se uma contínua utilização do vocábulo em uma concepção figurada, sendo frequentemente empregado para caracterizar o indivíduo honrado, íntegro, reto, leal que tem bons costumes e é honesto, casto e virtuoso. Este uso terminou por relegar a pureza linguística a plano secundário, tendo sido consagrada a linguagem figurada. Como derivação do designativo individual (probus) tem-se a variante caracterizadora de tal qualidade, papel desempenhado pelos vocábulos probitas ou probitatis, os quais, em vernáculo, espelham a probidade”. [6] Pode-se, a partir do que fora explicado até o presente momento, compreender que a improbidade, conforme denotado pelas definições, seria uma ausência dessa honestidade e integridade mencionada, diante das funções públicas em termo genérico, conforme José dos Santos Carvalho Filho[7] seria uma “inobservância desses valores morais, retratando comportamentos desonestos, despidos de integridade e usualmente ofensivos aos direitos de outrem”. A improbidade administrativa, segundo José Roberto Pimenta Oliveira, divide em 3 artigos conforme cada ofensa: “Respeitando o marco axiológico objetivado na Constituição Federal, a Lei nº 8.249/92 enumerou três categorias de atos de improbidade administrativa, em seus artigos 9º, 10 e 11, adotando um critério formal: a relevância jurídica assinalada a ofensa a certa vertente axiológica específica, identificada a partir do processo de decomposição do bem jurídico fundamental da probidade”[8].                                    Desta forma, a gravidade fica em forma decrescente sendo a mais grave no artigo 9º da referida lei e a menos gravosa no artigo 11 da mesma. Ao obter-se a exata noção probidade e a improbidade, bem como a definição do que seria o agente público, parte notadamente importante no trabalho, pode-se então falar em seguida no próximo tópico, especificamente do que seria a improbidade administrativa culposa, elencada no artigo 10 da referida lei de improbidade administrativa, sendo ela a de gravidade média segundo José Roberto Pimenta Oliveira [9]. Conforme já anteriormente citado e explicado, a improbidade administrativa se divide em três grandes divisões no que cerne a gravidade, e aqui falaremos especificamente da conduta culposa presente no art.10 da Lei de Improbidade Administrativa. A conduta culposa se encontra quando o referido artigo menciona “[…]qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa[…]”, e trataremos especificamente da ação culposa. Tal artigo se mostra bem explicado nas palavras de Mauro Roberto Gomes de Matos[10]: “O caput do art. 10 da Lei nº 8.429/92 afirma que constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no artigo inaugural da Lei nº 8.429/92. Assim, para que haja a subsunção na hipótese em tela, a conduta do agente público, ainda que seja omissão, dolosa ou culposa, deverá acarretar prejuízo para o erário, causando-lhe lesão”. O que importa na presente é tratar do próprio agente, os aspectos da sua conduta e, como o agente conduz sua vontade, segundo Waldo Fazzio Junior[11] a culpa seria o que realmente o agente deseja em relação ao fato em questão ainda que o resultado seja diverso do pretendido. Ele esclarece a culpa na improbidade administrativas[12] nos seguintes termos: “Culpa é a omissão de diligência na observância da norma de conduta administrativa, ou seja, a negligência do agente em observá-la, com resultado não querido, mas previsível. É o descuido na consideração das consequência eventuais do ato, como prefere NUCCI (2006, p.216), “é o comportamento voluntário desatencioso, voltado a um determinado objetivo, lícito ou ilícito, embora produza resultado ilícito, não desejado, mas previsível, que podia ser evitável" Nesse sentido da análise do elemento subjetivo, Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves[13] analisam a culpa, entendendo que o art.10 da referida lei não faz distinção de grau de culpa, não influindo na configuração do tipo tal analise de graus. O que seria segundo eles, muito relevante na configuração da culpa, seria a previsão do que seria o efeito danoso, e nesse sentido sim poderá ser valorado o grau de culpabilidade. “Conforme José dos Santos Carvalho Filho, o dolo se faz necessário para a configuração da improbidade administrativa: elemento subjetivo é o dolo ou culpa, como consta no caput do dispositivo. Neste ponto o legislador adotou critério diverso em relação ao enriquecimento ilícito. É verdade que há autores que excluem a culpa, chegando mesmo a considerar inconstitucional tal referência no mandamento legal. Não lhes assiste razão, entretanto. O legislador teve realmente o desiderato de punir condutas culposas de agentes, que causem danos ao erário”. (Grifo nosso)[14] Deve-se fazer ainda uma breve ponte entre o direito penal e a improbidade, no que cerne ao princípio da insignificância. Até dado momento, não se aplicava o princípio da insignificância, sob o argumento de que o a indisponibilidade dos bens públicos e a proteção do erário não poderia ter relevância diminuída nesse sentido. Verifica-se inicialmente uma ponderação entre dano causado e o aspecto volitivo do agente. Veja-se: “PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RELEVÂNCIA ECONÔMICA DO DANO. AUSÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO E DE MÁ-FÉ (DOLO). APLICAÇÃO DAS PENALIDADES. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE COGNIÇÃO DE MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 07/STJ. (AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE REFERENTE À INSTALAÇÃO DE REFLETOR PARA ILUMINAR PROPAGANDA POLÍTICA DE CANDIDATO À DEPUTADO ESTADUAL QUE, ANTES DA CANDIDATURA, ERA PRESIDENTE DA COMPANHIA ENERGÉTICA) 1. A Lei 8.429/92 é aplicável aos agentes públicos que, por ação ou omissão, violem os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, lealdade às instituições e notadamente: a) importem em enriquecimento ilícito (art. 9º); b) causem prejuízo ao erário público (art. 10); c) atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11) compreendida nesse tópico a lesão à moralidade administrativa. 2. A exegese das regras insertas no art. 11 da Lei 8.429/92, considerada a gravidade das sanções e restrições impostas ao agente público, deve se realizada cum granu salis, máxime porque uma interpretação ampliativa poderá acoimar de ímprobas condutas meramente irregulares, suscetíveis de correção administrativa, posto ausente a má-fé do administrador público, preservada a moralidade administrativa e, a fortiori, ir além de que o legislador pretendeu. 3. A má-fé, consoante cediço, é premissa do ato ilegal e ímprobo e a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-intenção do administrador. 4. À luz de abalizada doutrina: "A probidade administrativa é uma forma de moralidade administrativa que mereceu consideração especial da Constituição, que pune o ímprobo com a suspensão de direitos políticos (art. 37, § 4º). A probidade administrativa consiste no dever de o "funcionário servir a Administração com honestidade, procedendo no exercício das suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer". O desrespeito a esse dever é que caracteriza a improbidade administrativa. Cuida-se de uma imoralidade administrativa qualificada. A improbidade administrativa é uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem (…)." in José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 24ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2005, p-669. 6. A lei de improbidade administrativa prescreve no capítulo das penas que na sua fixação o “juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.” (Parágrafo único do artigo 12 da lei nº 8.429/92). 7. In casu, a suscitada ausência de dano ao patrimônio público e de irrelevância econômica do mesmo, sob a alegação de que seria de apenas R$ 11,23 (onze reais e vinte e três centavos), revela-se matéria insindicável pelo E. STJ, ante o óbice da Súmula n.º 07, tendo em vista que o Tribunal a quo, com ampla cognição fático probatória assim assentou, verbis: Finalmente, quanto à alegação de coisa de menor importância, referindo-se ao custo de R$11,23 pelo serviço prestado pelos funcionários da ELETROCAR, que em suma este processo existiria só por causa de tal quantia, cumpre dizer que se trata de evidente desvio de foco. O processo não existe apenas por causa dos R$11,23, os quais – diga-se – só foram pagos depois de descoberto o problema, o que por si só já revela a má intenção original de não pagá-los. O processo existe por causa da atitude de improbidade de instalar num poste de iluminação pública um refletor direcionado a uma propaganda eleitoral do co-réu André, com o consumo de energia ligado à rede pública. Se, em tese, caracteriza até furto de energia, como sustentar que não há improbidade administrativa? Neste ponto, encampo o seguinte parágrafo das contra-razões à apelação (fl. 543): Insistem os apelantes em ressaltar a ausência de danos advindos de conduta empregada ou de sua insignificância. Tal argumentação evidencia a forma como os apelantes se relacionam com o poder, pois, conforme o entendimento deles, somente haveria motivo para uma condenação no campo da improbidade se a administração viesse a ser lesada com a conduta dos agentes, sendo que a utilização do emprego público para obter benefícios de ordem privada, em detrimento dos princípios que norteiam a atividade administrativa, nada teria de irregular. Noutro giro verbal: é possível se aproveitar, desde que seja por gotímetro. Isso lembra a tese da ínfima quantidade para descaracterizar o crime de tráfico de psicotrópicos. Trafica-se em pequenas quantidades. É o chamado comércio formiga que usa principalmente menores inimputáveis, chamados burrinhos de carga. A respeito dessa questão patrimonial, não é imprescindível a lesão ao patrimônio público nem a vantagem patrimonial. Fui relator da ap. cív. 70 001 644 467, resultando a seguinte ementa. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ATOS CAUSADORES E NÃO CAUSADORES DE PREJUÍZO MATERIAL. 1. Se, por um lado, o parágrafo único do art. 12 da Lei 8.429, de 02-06-92, enseja um juízo de suficiência na definição das penas, por outro lado não se pode, por meio dele, consagrar, na prática, a impunidade. Assim, relativamente aos atos que geram vantagens ao agente e/ou desvantagem ao erário, pode-se concluir que a condenação ao ressarcimento integral do dano e a perda dos bens e patrimônio acrescidos ilicitamente, dependendo das circunstâncias, seja suficiente. Porém, relativamente aos atos que não geram, pelo menos aparentemente, vantagens ao agente e/ou desvantagens ao erário, mas nem por isso deixam de ser típicos, não se pode concluir pelo puro e simples não-sancionamento, nem tampouco fazer compensação com aqueles, sob pena de consagrar-se, na prática, a impunidade. Para tais atos, aplica-se a multa civil de até cem vezes o valor da remuneração do agente, no caso específico entendida suficiente em número igual ao de meses em que perduraram as práticas ímprobas. Exegese do art. 12, incisos e parágrafo único da Lei 8.492/92. 2. Apelo provido. Ainda, também revelador de dolo é como os acontecimentos evoluíram na questão do pagamento, conforme bem destacado na douta sentença (l. 498): … além da utilização inadequada e indevida do bem público, há o fato de o serviço somente ter sido pago depois de oferecida a denúncia, em quantia meramente “simbólica”, aquém do valor e isento de taxa de disponibilidade, ocorrência demonstrada através dos documentos acostados às fls. 44/45, quais sejam, a ordem de serviço rasurada, com registro de serviço executado em 13.9.2002, e fatura no valor de R$11,23, com autenticação datada de 27.9.2002. Observe-se que o Ministério Público denunciou o fato ao juízo eleitoral, no tocante à propaganda irregular, no dia 26 de setembro (fls. 24-7). O pagamento ocorreu no dia seguinte. A explicação do co-réu Felipe para justificar essa disparidade (fls. 127-9), não convence. Aliás, uma longa explicação para um fato muito simples. A verdade é que o pagamento só ocorreu após a denúncia, e jamais teria ocorrido nem cessada a iluminação do outdoor do candidato André, por conta da rede pública, vale dizer do Município. E aqui, eminentes colegas, por falar em Município, um detalhe que no contexto geral também impressiona: o Prefeito Municipal era o Sr. Iron, já falecido, casualmente sogro do candidato André. Assim, quanto ao mérito em si, nenhum reparo merece a douta sentença da lavra da eminente Drª Marlene Marlei de Souza, inclusive no que tange ao valor da multa aplicada a cada réu, em relação ao qual ficou inclusive no patamar mínimo. 8. Recurso especial não conhecido.”[15] Nota-se que o julgado tenta, a partir dos princípios administrativos bem como os sentidos norteadores do diploma legal que posicionam as sanções, arguir a medida entre o que foi a conduta e o resultado desta ao erário. Não vulgariza o diploma legal pois deixa de forma clara a necessidade de aplicar sanção aquele que atenta a inutilidade ao bem público. Havia nesse sentido de ponderação, posicionamento jurisprudencial de que o Princípio da Insignificância pautado no direito penal não poderia ser aplicado no âmbito da Improbidade Administrativa. Entretanto, pode-se encontrar julgados recentes que indicam a possibilidade de utiliza tal princípio oriundo do direito penal, uma vez que o mesmo já era utilizado sob outra roupagem, princípio da proporcionalidade, como vê-se nas palavras de Gina Copolla: “As penas estão dispostas em gradações diversas nos incisos do art. 12 e, conforme o princípio da proporcionalidade, tais penas devem ser aplicadas de acordo com a extensão do dano e o proveito patrimonial obtido pelo agente, tudo isso conforme se lê do parágrafo único, do art. 12 da LIA. A jurisprudência é farta no sentido de que é imperiosa a observância do princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade quando ocorre a aplicação das penas contidas no art.12, da LIA”.[16] Dentro desse posicionamento pode-se seguir ao tópico que trata diretamente de sua constitucionalidade. 3. A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI DE IMPROBIDADE Percebe-se haver grande divergência doutrinária quanto à constitucionalidade de certos artigos da Lei de Improbidade, havendo sobre o tema duas ADI’s 2.182 e 4.295, sendo uma ainda pendente de julgamento. O que ocorre são duas grandes discussões sendo a primeira em relação aos aspectos que contrariam a constituição face a ponderação de “penalidades”, já a segunda se relaciona a vicio formal, sendo esta última já julgada. Será visto a seguir as discussões acerca da (in) constitucionalidade e todos os pontos importantes para a presente. 3.1 ARGUMENTOS EM FAVOR DA INCONSTITUCIONALIDADE Partindo do art. 37 §4º da CRFB/88, nota-se ser difícil a configuração nesse sentido, de que seja possível uma modalidade culposa, pois ao observar-se a letra fria do referido artigo onde menciona a punição para tais atos ímprobos, verifica-se a intensidade das mesmas ao ponto de, por exemplo acarretar a suspensão dos direitos políticos. Vê-se que as penalidades deflagram um gênero de proporcionalidade danoso ao erário, eivado de dolo, remetendo a um ato intenso e perverso. Conforme a Petição Inicial da ADI nº 4295 em tramitação no STF, onde se busca a declaração de inconstitucionalidade de determinados artigos da Lei de Improbidade Administrativa, fala-se sobre o artigo que importa no presente trabalho, o artigo 10 da Lei de improbidade. Menciona-se na referida ADI que o legislador ao elaborar o referido artigo, utilizou de aspecto abrangente, não respeitando o princípio constitucional da individualização da pena. Nesse sentido há julgados que corroboram a perspectiva lançada pela ADI em questão: “APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO. ATOS ADMINISTRATIVOS. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SENTENÇA NULA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO – INDIVIDUALIZAÇÃO DAS PENAS. Em se tratando de atos de improbidade, cada agir deve receber sua respectiva reprimenda de forma individual, singular, devendo, ainda, ser estritamente observado o que dispõe o artigo 12 da Lei nº 8.429/92, com relação à individualização das penas. Pende ao Julgador dispensar motivação acerca da forma que elegeu a cada penalidade que aplicou e que deixou de aplicar. ACOLHERAM A PRELIMINAR DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DESCONSTITUIRAM PARCIALMENTE A SENTENÇA, PREJUDICADO O MÉRITO DOS RECURSOS. UNÂNIME”. (Apelação Cível Nº 70057534901, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Laura Louzada Jaccottet, Julgado em 21/05/2014)[17] Ainda sob o mesmo prisma tem-se outros mais julgados relevantes que mencionam claramente: “IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO LITERAL DE LEI. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. DOSIMETRIA. SANÇÃO. INSTÂNCIA ORDINÁRIA. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Cuida-se, na origem, de Ação Rescisória proposta pelo ora recorrido contra o Ministério Público do Estado de São Paulo, com fundamento no artigo 485, inciso V, do CPC, objetivando desconstituir V. Acórdão da 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 2. O Tribunal a quo julgou improcedente o pedido principal e procedente o pedido subsidiário ou sucessivo apenas para afastar a condenação imposta ao autor, ora recorrido, com referência à suspensão dos direitos políticos e à proibição de contratar com o Poder Público fixada na sentença mantida pelo V. Acórdão rescindendo, subsistentes as demais condenações, e assim consignou: "Ao contrário, limitou-se o julgado a aplicar, cumulativamente e no grau máximo, as penas de suspensão dos direitos políticos e de proibição de contratação com o Poder Público, omitindo-se de realizar a individualização da pena que, seja aflitiva, seja pecuniária, não é privilégio do direito penal, impondo-se, também, no campo do direito civil, administrativo e tributário (RT 781/218)" (fl. 1079, grifo acrescentado). 3. O Tribunal de origem foi categórico em afirmar que houve violação literal do artigo 12, parágrafo único, da Lei 8.429/92: "Em face desse quadro, à falta da respectiva dosimetria, não há como deixar de reconhecer a existência de violação literal ao art. 12, parágrafo único, da Lei nº 8.429/92" (fls. 811-812, grifo acrescentado). 4. Nesse contexto de limitação cognitiva, a alteração das conclusões firmadas pelas instâncias inferiores somente poderia ser alcançada com o revolvimento do conjunto fático-probatório, o que é vedado pela Súmula 7/STJ. 5. Ademais, o entendimento firmado na jurisprudência do STJ é no sentido de que, como regra geral, modificar o quantitativo da sanção aplicada pela instância de origem enseja reapreciação dos fatos e da prova, obstada nesta instância especial. Nesse sentido: AgRg no AREsp 435.657/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 22.5.2014; REsp 1.252.917/PB, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 27.2.2012; AgRg no AREsp 403.839/MG, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 11.3.2014; REsp 1.203.149/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma DJe 7.2.2014; e REsp 1.326.762/SE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 17.9.2013. 6. Dessume-se que o acórdão recorrido está em sintonia com o atual entendimento do STJ, razão pela qual não merece prosperar a irresignação. Incide, in casu, o princípio estabelecido na Súmula 83/STJ. 7. Agravo Regimental não provido”.[18]  Ao analisar-se o referido artigo, de acordo com o princípio em questão, a não especificação da conduta gera certa discrepância, pois as condutas mais lesivas teriam uma pena em concreto tão rígida quanto aqueles que cometeram condutas desproporcionalmente mais lesivas. Não obstante a referida ADI acima ainda pendente de julgamento, há a ADI 2182 – DF, na qual questionava-se a existência de um vício formal em razão de ter sido aprovada pelo Senado Federal, e o que restou decidido, entretanto era no sentido de que a lei era formalmente constitucional  O relator fora o único a sustentar a inconstitucionalidade formal, razão pela qual teve voto vencido: “EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. 1. QUESTÃO DE ORDEM: PEDIDO ÚNICO DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DE LEI. IMPOSSIBILIDADE DE EXAMINAR A CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. 2. MÉRITO: ART. 65 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DA LEI 8.429/1992 (LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA): INEXISTÊNCIA. 1. Questão de ordem resolvida no sentido da impossibilidade de se examinar a constitucionalidade material dos dispositivos da Lei 8.429/1992 dada a circunstância de o pedido da ação direta de inconstitucionalidade se limitar única e exclusivamente à declaração de inconstitucionalidade formal da lei, sem qualquer argumentação relativa a eventuais vícios materiais de constitucionalidade da norma. 2. Iniciado o projeto de lei na Câmara de Deputados, cabia a esta o encaminhamento à sanção do Presidente da República depois de examinada a emenda apresentada pelo Senado da República. O substitutivo aprovado no Senado da República, atuando como Casa revisora, não caracterizou novo projeto de lei a exigir uma segunda revisão. 3. Ação direta de inconstitucionalidade improcedente”[19]. Importante ressaltar que, parece importar na ementa que a tramitação do processo no Supremo Tribunal Federal, não se discutiu questões de ordem formal ou material, o que não impede a proposição de futuras ações, como bem explica Gina Copola[20]: “A inconstitucionalidade da lei reside no fato de que deveria o projeto de lei ter sido enviado ao Senado Federal novamente – após a aprovação da terceira redação – que funcionaria como Casa Revisora do projeto aprovado unicamente pela Câmara dos Deputados, já que projeto substitutivo foi rejeitado. […]Ocorre, porém, que a Câmara aprovou uma terceira redação do projeto, sem que essa redação fosse submetida à aprovação do Senado Federal, que funcionaria como Casa Revisora, já que não foi a versão do Senado que foi aprovada pela Câmara dos Deputados, e, sim, outra redação, e a inconstitucionalidade formal do projeto reside em tal irregularidade”. Tanto é verdade, que a ação que realmente importa para o presente trabalho, a ADI 4295 trata exatamente de vários artigos da lei considerados materialmente inconstitucionais, e menciona que as punições ali descritas no artigo 10 da Lei de Improbidade, traz noção clara de uma conduta que, sendo ela culposa, não seria compatível com o próprio sentido improbidade. Segundo a ação, a improbidade em si traz uma carga de reprovação e de dolo, ou seja, um alto nível de reprovação, o qual em nada se harmonizaria com uma conduta considerada “culposa”. No que cerne a conduta em si pode-se dizer que a tratando de forma tão ampla ao mencionar-se “qualquer conduta” não se estaria respeitando o princípio presente na Carta Magna da individualização da pena. Pois analisando a culpa e o dolo vê-se a grande distância entre as condutas, uma eivada de má intenção no agir e a outra somente resultado não desejado diante de uma negligencia, imperícia ou imprudência, mas frise-se, a culpa tem característica primordial quanto ao dolo no que cerne ao resultado não querido. Deste modo, o fato de não estar claro no artigo da referida lei a individualização dos atos, podemos aferir conforme bem destaca Figueiredo Dias[21]: “No plano da determinabilidade do tipo legal ou tipo de garantia- precisamente, o tipo formado pelo conjunto de elementos cuja fixação se torna necessária para uma correcta observância do princípio da legalidade -, importa que a descrição da matéria proibida e de todos os outros requisitos de que dependa em concreto uma punição seja levada até a um ponto em que se tornem objetivamente determináveis os comportamentos proibidos e sancionados e, consequentemente, se torne objetivamente motivável e dirigível a conduta dos cidadãos. Considerar crime – para usar de exemplos que já atrás foram assinalados – as condutas que ofendem o “ são sentimento do povo” ou a “ordem dos operários e agricultores” tornaria supérfluo um grande número de incriminações dos códigos penais; mas não cumpriria minimamente as exigências de sentido ínsitas no princípio da legalidade. Do mesmo modo, se é inevitável que a formulação dos tipos legais não consiga renunciar à utilização de elementos normativos, de conceitos indeterminados, de cláusulas gerais e de fórmulas gerais de valor, é indispensável que a sua utilização não obste à determinabilidade objectiva das condutas proibidas e demais elementos de punibilidade requeridos, sob pena de violação irremissível, neste plano, do princípio da legalidade e sobretudo da sua teleologia garantística. Nesta acepção se afirma, com razão, que a lei penal fundamentadora ou agravadora da responsabilidade tem de ser uma lei certa e determinada; e se chama muito acertadamente a atenção, nos novos tempos, para que é mais aqui até do que no plano da proibição da analogia ou da retroactividade que reside o grande perigo para a consistência do princípio nullum crimen, que é nesse ponto que reside o verdadeiro cerne do princípio da legalidade”. Pode-se então extrair que a partir da individualização da pena (princípio constitucional) estar-se-á respeitando por sua vez o princípio da legalidade, previsto também na Carta Magna. Tem-se então violação a mais de um princípio constitucional ao não deixar clara a conduta a ser tão duramente punida. Tal posicionamento ocupa grande parte dos doutrinadores, que entendem ser esta uma das maiores razões para a inconstitucionalidade de tal modalidade culposa. Faz-se necessária uma congruência entre a conduta (que pelo contexto constitucional deve ser eivada de má-fé) e a apenação, pois as penas dirigidas a conduta improba são graves, como bem explica Maria Sylvia Zanella Di Pietro[22]: “A quantidade de leis, decretos, medidas provisórias, portarias torna praticamente impossível a aplicação do velho princípio de que todos conhecem a lei. Além disso, algumas normas admitem diferentes interpretações e são aplicadas por servidores públicos estranhos à área jurídica. Por isso mesmo, a aplicação da lei de improbidade exige bom-senso, pesquisa de intenção do agente, sob pena de sobrecarregar-se inutilmente o Judiciário com questões irrelevantes. A própria severidade das sanções previstas na Constituição está a demonstrar que o objetivo foi o de punir infrações que tenham um mínimo de gravidade, por apresentarem consequências danosas para o patrimônio público (em sentido amplo), ou propiciarem benefícios indevidos para o agente ou para terceiros (…). Sem um mínimo de má-fé, não se pode cogitar da aplicação de penalidades tão severas como a suspenção dos direitos políticos e a perda da função pública.” Como resta bem esclarecido, e outrora já mencionado, realmente há uma presunção de gravidade no ato para que as sanções sejam gravosas como as que vemos na CRFB. Falando-se ainda na inconstitucionalidade não se pode deixar de mencionar que, a inconstitucionalidade não é somente mencionada na doutrina em relação ao art.37, §4º CRFB, mas também em relação com o artigo 24 da CRFB, onde fala-se na competência para legislar, mencionando que a competência legislativa para tal lei seria para cada ente público, veja-se: “Ainda sobre a inconstitucionalidade material da LIA, parte da doutrina entende que a lei é inconstitucional porque a Constituição Federal não outorgou qualquer autorização à União Federal para que edite normas gerais sobre a improbidade administrativa, e, ainda, que a competência legislativa para impor sanções aos funcionários e agentes da Administração é privativa de cada ente político”[23]. Como pode-se ver, o entendimento se baseia em uma inobservância da competência legislativa, não sendo esta da Entidade Federal. Porém em outro sentido tem-se o entendimento de que face ao mencionado artigo não há inconstitucionalidade. Tal entendimento vem por parte de Rapahel Peixoto de Paula Marques[24]. Entretanto como demonstrar-se-á a seguir há o posicionamento contrário, há quem defenda a constitucionalidade da mesma. 3.2 ARGUMENTOS EM FAVOR DA CONSTITUCIONALIDADE Existem duas grandes correntes, a primeira acredita que a improbidade administrativa culposa é constitucional e que na Constituição não se exigiu o dolo. A outra corrente aduz que seria constitucional, mas que seria necessária um culpa grave, não sendo qualquer ato culposo ensejador de improbidade administrativa, é o que se passa a verificar. Conforme afirmado a primeira corrente crê em uma não exigência constitucional de dolo, nesse sentido tem-se, por exemplo, a opinião de José dos Santos Carvalho Filho[25]: “O elemento subjetivo é o dolo ou culpa, como consta no caput do dispositivo. Neste ponto o legislador adotou critério diverso em relação ao enriquecimento ilícito. É verdade que há autores que excluem a culpa, chegando mesmo a considerar inconstitucional tal referência no mandamento legal. Não lhes assiste razão, entretanto. O legislador teve realmente o desiderato de punir condutas culposas de agentes, que causem danos ao erário. Aliás, para não deixar que, da mesma forma, dispõe sobre prejuízos ao erário. Em nosso entender, não colhe o argumento de que a conduta culposa não tem gravidade suficiente para propiciar a aplicação de penalidade. Com toda a certeza, há comportamentos culposos que, pelas repercussões que acarretam, têm maior densidade que algumas condutas dolosas. Além disso, o princípio da proporcionalidade permite a perfeita adequação da sanção à maior ou menor gravidade do ato de improbidade. O que se exige, isto sim, é que haja comprovada demonstração do elemento subjetivo e também do dano causado ao erário. Tanto quanto na improbidade que importa em enriquecimento ilícito, não há ensejo para a tentativa.” Pode-se notar pelo exposto, face ao respeitado doutrinador em direito administrativo, que o realmente importante é aferir o caráter subjetivo na conduta, analisar o elemento volitivo. Assim se torna claro o entender de que não se exige somente o dolo, e que mesmo na conduta culposa (ao seu ver constitucional), deve-se atentar ao animus. Podemos ainda aferir, conforme já mencionado, que parte da doutrina que reconhece ser constitucional, devendo, entretanto, individualizar a pena, ponderar de acordo com a lesão ao erário. Vê-se nas palavras de Waldo Fazzio, muito bem esclarecido, conforme supramencionado[26]:  “É verdade que todos os agentes têm obrigação de não ser imprudentes ou negligentes, ao desincumbir-se de seus deveres administrativos. Porém, daí a equiparar o dollus malus à culpa existe uma grande e significativa distância, que não é ignorada nem mesmo pela legislação penal. […]A partir dessa possibilidade, que tornaria ultrapassado o melhor Ionesco e mais criativo Arrabal, cresce em importância a necessidade de ponderação dos interesses em jogo, nas persecuções cifradas em atos de improbidade culposos ou condutas culposas ímprobas por assimilação, tarefa que impõe aos juízes um grau de valorização da proporcionalidade.” Ou seja, a necessidade de uma valoração do ato, analisar a medida da culpabilidade do indivíduo face a seu ato, para que se tenha a exata ponderação ato x resultado, pois assim se atingira a justiça a qual os princípios administrativos se baseiam. A partir do que se expos até o momento, mencionando desde o que seria realmente a improbidade administrativa, bem como seus aspectos de controle de constitucionalidade, expondo tanto quanto as razões de crerem em sua constitucionalidade quanto sua inconstitucionalidade, pode-se tratar do aspecto subjetivo, no próximo capítulo. 4. O ELEMENTO VOLITIVO NA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Foi tratado até o momento vários aspectos da improbidade administrativa, ressaltando sempre quanto a improbidade administrativa culposa, assunto o qual se trata o presente trabalho. Tratar-se-á nesse capitulo quanto ao sujeito, que não precisa ser necessariamente um agente público como restara demonstrado, mesmo sendo sabido que na própria lei menciona-se somente agente público, veja-se: “Art. 2º Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vinculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior”. O conceito de que se passa a tratar não é restrito a palavra em si, mais sim abrangente face ao entendimento doutrinário que há uma amplitude conceitual, onde se engloba tanto os agentes políticos, quanto aqueles que recebam delegações de funções, e etc. Nesse sentido temos o conceito de Emerson Garcia[27]: “Os elementos que compõe o Art. 2º da Lei nº 8.429/1992 conferem grande amplitude conceitual à expressão agente público, se não vejamos: a) Lapso de exercício das atividades: irrelevante, podendo ser transitório ou duradouro; b) Contraprestação pelas atividades: irrelevante, podendo ser gratuitas ou remuneradas; c) Origem da relação: irrelevante, pois o preceito abrange todas as situações possíveis – eleição, nomeação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo”. À mingua de uma maior uniformidade terminológica na doutrina e partindo-se da disciplina realizada pela Lei nº 8.429/1992, a expressão agente público deve ser considerada o gênero do qual emanam as diversas espécies. Trata-se de conceito amplo que abrange os membros de todos os Poderes, qualquer que seja a atividade desempenhada, bem como os particulares que atuem em entidades que recebam verbas públicas, podendo ser subdividido nas seguintes categorias: agentes políticos, agentes particulares colaboradores, servidores públicos e agentes meramente particulares. A lei de Improbidade Administrativa refere a agentes públicos de forma singularizada em seu significado, englobando até mesmo os agentes políticos, pois o que se procura é a proteção ao bem público, a moralidade pública, razão pela qual importa tratar todos os que podem lesar o mesmo. Nesse sentir ainda, pode-se mencionar especialmente quanto a esses agentes políticos pois estes, conforme José Antônio Lisboa Neiva, mesmo sujeitos sob a conduta do crime de Responsabilidade, não eximiria o fato de submeter-se a Improbidade Administrativa. O mesmo dispõe com clareza tal fato, mencionando a decisão do STF que fora mister para as conclusões que seguem[28] “CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. AÇÃO DE IMPROBIDADE CONTRA GOVERNADOR DE ESTADO. DUPLO REGIME SANCIONATÓRIO DOS AGENTES POLÍTICOS: LEGITIMIDADE. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO: RECONHECIMENTO. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO STJ. PROCEDÊNCIA PARCIAL DA RECLAMAÇÃO. 1. Excetuada a hipótese de atos de improbidade praticados pelo Presidente da República (art. 85, V), cujo julgamento se dá em regime especial pelo Senado Federal (art. 86), não há norma constitucional alguma que imunize os agentes políticos, sujeitos a crime de responsabilidade, de qualquer das sanções por ato de improbidade previstas no art. 37, § 4.º. Seria incompatível com a Constituição eventual preceito normativo infraconstitucional que impusesse imunidade dessa natureza. 2. Por decisao de 13 de março de 2008, a Suprema Corte, com apenas um voto contrário, declarou que “compete ao Supremo Tribunal Federal julgar ação de improbidade contra seus membros” (QO na Pet. 3.211-0, Min. Menezes Direito, DJ 27.06.2008). Considerou, para tanto, que a prerrogativa de foro, em casos tais, decorre diretamente do sistema de competências estabelecido na Constituição, que assegura a seus Ministros foro por prerrogativa de função, tanto em crimes comuns, na própria Corte, quanto em crimes de responsabilidade, no Senado Federal. Por isso, "seria absurdo ou o máximo do contra-senso conceber que ordem jurídica permita que Ministro possa ser julgado por outro órgão em ação diversa, mas entre cujas sanções está também a perda do cargo. Isto seria a desestruturação de todo o sistema que fundamenta a distribuição da competência" (voto do Min.Cezar Peluso). 3. Esses mesmos fundamentos de natureza sistemática autorizam a concluir, por imposição lógica de coerência interpretativa, que norma infraconstitucional não pode atribuir a juiz de primeiro grau o julgamento de ação de improbidade administrativa, com possível aplicação da pena de perda do cargo, contra Governador do Estado, que, a exemplo dos Ministros do STF, também tem assegurado foro por prerrogativa de função, tanto em crimes comuns (perante o STJ), quanto em crimes de responsabilidade (perante a respectiva Assembléia Legislativa). É de se reconhecer que, por inafastável simetria com o que ocorre em relação aos crimes comuns (CF, art. 105, I, a), há, em casos tais, competência implícita complementar do Superior Tribunal de Justiça. 4. Reclamação procedente, em parte”.[29] Restou-se o entendimento pelo que se nota do exposto que, no que se refere aos crimes cometidos que estejam positivados na Lei de Responsabilidade (leis especiais para cada agente político em seu grau), eles estariam sujeitos a sua disciplina e na ausência desta estariam então sob a lei de improbidade[30]. Nesse sentido de leis específicas há de se mencionar em particular a recente “Lei da ficha limpa” que por sua vez se trata de Lei Complementar nº 135/2010, que se destina a casos de inelegibilidade face condutas ímprobas. A Constituição Federal em seu art.14, §9º, indica que os casos de inelegibilidade seriam estabelecidos por lei complementar: “Art.14, §9º CRFB-Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.” (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 1994) Não se pode esquecer que a referida lei complementar alterou a Lei Complementar 64/1990. A Lei da Ficha Limpa se destina a condutas que sejam dolosas e que tenha lesado o erário, pois as condutas culposas ensejariam somente a improbidade administrativa (Lei nº 8.429). Veja- se o julgado abaixo corroborando: “RECURSO ELEITORAL – REGISTRO DE CANDIDATURA – ELEIÇÕES 2012 – CANDIDATO – VEREADOR – IMPUGNAÇÃO – INELEGIBILIDADE – REJEIÇÃO DE CONTAS PÚBLICAS – EX-PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL – TRIBUNAL DE CONTAS – COMPETÊNCIA – DESAPROVAÇÃO – CONTRATAÇÃO DE ASSESSORIA JURÍDICA E CONTÁBIL SEM PRÉVIA APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO – ATO DE NATUREZA CULPOSA – ART. 1º,I,g, da LC 64/90 – HIPÓTESE DE INELEGIBILIDADE NÃO CONFIGURADA – DEFERIMENTO DO PEDIDO DE REGISTRO – MANUTENÇÃO DA SENTENÇA – DESPROVIMENTO É competente para apreciar e julgar contas de presidente de Câmara Municipal o Tribunal de Contas do Estado. A contratação de assessor jurídico e assessor contábil sem prévia aprovação em concurso público configuram, na espécie, ato de improbidade administrativa praticado na modalidade culposa, em face das peculiaridades do município, notadamente, a precariedade dos recursos financeiros e orçamentários. A inelegibilidade prevista na alínea g do art. 1º, I, da LC 64, com redação dada pela LC 135, não incide quando a irregularidade foi praticada de forma culposa. Recurso conhecido e desprovido.”[31] Isso em razão do fato de que na “Lei da Ficha limpa”, antes de sua alteração, haviam as contas chamadas de insanáveis que se tratavam de um julgamento do Tribunal de Contas segundo a sua Lei Orgânica nº 8.843/92, no qual as contas reputadas insanáveis seriam aquelas em que fossem percebidas um ato de gestão o qual fosse ilegal, contrário a normas contábeis, financeiras, operacionais ou patrimoniais, e que não fosse possível a reversão ou reparação, conforme podemos observar no Anexo 2. No que cerne a improbidade administrativa, faz sentido que exista a conduta culposa e uma sanção dirigida a mesma para esta pois o bem público deve ser protegido de qualquer lesão, seja ela dolosa, ou fruto de negligencia, imprudência ou imperícia. Porém, para fins de elegibilidade (baseado na Lei da Ficha Limpa), faz-se necessária a presença da má-fé bem como o enriquecimento ilícito, em razão de penalidade dura ensejadora da perda do exercício eleitoral no polo passivo. [32]Tal posicionamento possui guarida no informativo nº 0442 de 09 a 13 de agosto de 2010 do STJ[33]: “MC. EFEITO SUSPENSIVO. RESP. In casu, o Ministério Público propôs ação civil pública por ato de improbidade administrativa contra deputado estadual que, em 1998, como prefeito, contratou trabalhadores temporários sem respeitar o princípio do concurso público, visto não haver excepcional interesse público nem se tratar de contratações para cargos em comissão, evidenciando-se prejuízo ao erário. A sentença julgou procedente a ação, condenando o requerente à perda da função pública, suspensão dos direitos políticos por três anos, proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios por três anos, dentre outros. Por esses motivos, o requerente buscou, por medida cautelar, obter efeito suspensivo a recurso especial interposto contra acórdão de apelação que manteve a sentença de primeiro grau e, no especial, suspender a inelegibilidade decorrente da condenação. O Min. Relator reconheceu que a questão é excepcionalíssima e limítrofe ante os efeitos que a condenação por improbidade administrativa pode, de imediato, refletir no exercício da capacidade eleitoral passiva do requerente, especificamente quanto à suspensão dos seus direitos políticos. Dessarte, em tese, há plausibilidade nas alegações contidas no recurso especial bem como a possibilidade de êxito da irresignação concernente à imputação de conduta ímproba tipificada no art. 11 da Lei n. 8.429/1992, visto não ter sido apurado o elemento subjetivo (dolo) do agente. Para o Min. Relator, o art. 26-C da LC n. 64/1990, acrescentado pela LC n. 135/2010 (“Lei da Ficha Limpa”), prevê hipótese acautelatória que possibilita, ainda que em caráter precário, a suspensão dos efeitos de causa de inelegibilidade de candidato que, por meio de recurso pertinente, demonstre a plausibilidade de sua pretensão recursal tendente a anular ou a reformar a condenação judicial que impede o exercício de sua capacidade eleitoral passiva. Aduziu que a exegese desse artigo impõe reconhecer que é possível o STJ, mediante a concessão de efeito suspensivo a especial ou outro meio processual semelhante, suspender os efeitos da condenação de improbidade administrativa. Asseverou que, pela referida lei, não é qualquer condenação por improbidade que obstará a elegibilidade, mas apenas aquela resultante de ato doloso de agente público que, cumulativamente, importe em comprovado dano ao erário e correspondente enriquecimento ilícito. Ressaltou também que a decisão deste Superior Tribunal com base no supramencionado dispositivo legal não implica comando judicial que vincule a Justiça Eleitoral ao deferimento do registro da candidatura, mas importante ato jurídico a respaldar o deferimento dessa pretensão na Justiça Eleitoral ou, em última análise, no Supremo Tribunal Federal. Com essas considerações, a Turma, por maioria, referendou o deferimento da liminar. MC 16.932-PE, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgada em 10/8/2010.” Há de se levar em conta, e com tamanha importância a menção àqueles que consideram a referida lei inconstitucional, tendo em vista o art.1º, I, “l”, da LC 135/2010 mencionar que a inelegibilidade decorre de condenação advinda de “órgão judicial colegiado”, independendo do transito em julgado. O entendimento de sua inconstitucionalidade se refere ao fato de crer-se em uma apenação sem que houvesse transitado em julgado, bem como um desrespeito a presunção de inocência. Entretanto a visão da qual se compartilha no presente é que em relação as mencionada “penas”, as mesmas não devem ser vistas sob tal viés pois são tão somente uma condição inelegibilidade, e quanto a presunção de inocência, esta se sobrepõe ao princípio também constitucional da moralidade administrativa. Tal raciocínio jurídico advém de Daniel Amorim Assumpção Neves e Rafael Carvalho Rezende Oliveira[34]. As considerações expostas em relação a LC 135/2010 são essenciais no presente trabalho pois, a referida lei tem caráter preventivo em relação a possibilidade de uma improbidade administrativa por parte daqueles que desejam candidatar-se a mandato eletivo. Tais considerações acerca da “ Lei da ficha limpa” são especialmente importantes uma vez que ela se aplica tanto a cargos provisórios como comissionados, tanto quanto aos que pretendem candidatar-se a mandatos eletivos. A existência de Ação de Improbidade Administrativa não anula a possibilidade de haver o crime de responsabilidade. Veja-se: “PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. APLICAÇÃO DA LEI 8.429/92 A AGENTES POLÍTICOS. POSSIBILIDADE. EX-PREFEITO MUNICIPAL. VERBAS REPASSADAS POR FORÇA DE CONVÊNIO COM O FNDE. OMISSÃO NO DEVER DE PRESTAR CONTAS. MULTA CIVIL REDUZIDA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. DESCABIMENTO. 1. A decisão proferida na Reclamação 2.138-6/STF não possui eficácia erga omnes nem efeito vinculante. A Lei 8.429/92, que regulamenta a cláusula constitucional de improbidade administrativa, não exclui os agentes políticos do rol daqueles que se sujeitam à sua aplicação – artigos 1º, 2º e 3º -; daí porque, excluí-los afronta o princípio da isonomia. É cabível ação de improbidade administrativa em face de agentes políticos – v.g.: ex-prefeito -, ainda que estes possam responder por crime de responsabilidade. 2. A doutrina mais qualificada estabelece como requisitos para caracterização do ato de improbidade, descrito no art. 11 da Lei 8.429/92, a existência de dolo. Os fatos narrados levam à convicção da prática do ato ímprobo de lesão à Administração Pública, em face das irregularidades comprovadas e da presença do elemento subjetivo, dolo. 3. Presentes as razões para alterar a dosimetria da sanção imposta – pagamento de multa civil no montante de 10 (dez) vezes o valor da última remuneração recebida pelo ex-prefeito -, pois, não obstante inserir-se dentro dos parâmetros normativos do art. 12 da Lei de Improbidade, foi aplicada em desacordo com o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade. 4. A aplicação do princípio da insignificância no caso presente é descabida. Embora o montante sobre o qual o requerido, ora apelante, tinha o dever legal de prestar contas fosse pequeno, a conduta ímproba foi facilitada por sua função – ex-gestor -, implicando quebra do dever de fidelidade e zelo para com a Administração Pública. Não houve simples lesão patrimonial de valor ínfimo suportado pelo Estado, mas, sim, reprovável afronta à moralidade administrativa. 5. Apelação do requerido a que se dá parcial provimento, para reduzir o pagamento da multa civil para o montante de 2 (duas) vezes o valor da última remuneração por ele recebida”.[35] Em se tratando ainda dos sujeitos ativos políticos, há de se mencionar primeiramente, em especifico das leis de responsabilidade a que se sujeitam, pois estas tipificam a conduta lesiva e esclarecem a pena relativa. Deve-se ter clara cognição de que só atos ímprobos não fazem excluir as condutas elencadas no que seriam crimes de responsabilidade, não há bis in idem no caso em si. O único momento em que se pode auferir a mesma tipificação, seriam os atos de improbidade cometidos pelo Presidente da República, veja-se: “Não há, mesmo no complexo constitucional de normas exclusivamente processuais qualquer incompatibilidade material com o regime programado pelo art. 37, §4º, da Constituição. O mesmo acontece a órbita das normas constitucionais que apontam para a tipificação de conduta do crime de responsabilidade, as normas objetivas. Nesse complexo normativo, a improbidade administrativa como crime de responsabilidade é a que está embutida no inciso V do art. 85, ao considerar crime de responsabilidade os atos praticados pelo Presidente da República contra a probidade na administração. Portanto, so nessa hipótese é que ocorre uma efetiva concorrência de regimes no âmbito do direito material (o regime geral do art.37, §4º, e o regime especial do art.85, inciso V).”[36] No que diz respeito a Magistrados e representantes do Ministério Público, há dê ressaltar suas peculiaridades tendo em vista que o art.2º da LIA, não elabora distinção com magistrados e representantes do Ministério Púbico. Primeiramente há de se mencionar que ambos cargos possuem suas leis orgânicas as quais não foram revogadas com o advento da Lei de Improbidade. Caberiam a este o enquadramento na LIA, quando ocupantes de cargos de função administrativa como por exemplo Presidência de Tribunal, ressalvados os casos em que a conduta seja culposa e não cause lesão ao erário[37]. Deve-se ainda, de forma meramente esclarecedora, quais são os agentes políticos a que se refere. São eles o Presidente da República, Governadores, Prefeitos, Senadores, Deputados Federais e os Estaduais bem como os Distritais ou Vereadores, e ainda aqueles que são nomeados, como Ministros e Secretário de Estado. Deixe-se observado ainda que, os militares também são sujeitos ativos de improbidade administrativa (Art.142 CRFB) bem como os militares estaduais, observadas suas legislações específicas. Entretanto, quanto aos agentes ativos existem duas categorias que merecem especial atenção, veja-se. Primeiramente deve-se tratar dos empregados e dirigentes de concessionárias de serviços públicos, os quais não podem ser incluídos no rol dos sujeitos ativos, veja-se: “Não se sujeitam à Lei de Improbidade os empregados e dirigentes de concessionários e permissionários de serviços públicos. A despeito de tais pessoas prestarem serviço público por delegação, não se enquadrando no modelo da lei: as tarifas que auferem dos usuários são o preço pelo uso do serviço e resultam de contrato administrativo firmado com a concedente ou permitente. Desse modo, o Estado, como regra, não lhes destina benefícios, auxílios ou subvenções.”[38] Ou seja, não há o devido enquadramento com o art. 2º da Lei 8.249/1992. No que cerne a outra categoria merecedora de atenção, deve-se tratar nesse momento dos advogados. Este exerce função indispensável à administração judiciaria. Entretanto o que se pretende mencionar seria que estes não estão sujeitos a LIA, pois não há vínculo direto com a Administração Pública Indireta.[39] Findada a breve relação de agentes ativos bem como suas especificações e considerações relevantes, falar-se-á sobre a conduta do agente em si. No que cerne o aspecto volitivo do agente, este tem grande importância, pois se trata do modo como dirige suas intenções no momento da conduta. Nesse sentido vê-se que há tipificado na LIA tanto a conduta eivada de má intenção, sendo esta a dolosa bem como a culposa, em que resultado não querido pelo agente, sendo este o primeiro ponto de análise da subjetividade na improbidade administrativa. No âmbito da responsabilidade subjetiva, Waldo Fazzio Junior muito bem esclarece: “Sobre o vínculo subjetivo que liga o agente ao fato ilícito, Nelson Hungria (1959, p.112) lembra que “somente com averiguação in concreto desse nexo subjetivo se pode atribuir ao agente par o efeito da punibilidade, uma conduta objetivamente desconforme com a com a ordem ético-jurídica, ou reconhecer sua incidência no juízo de reprovação…” Estendendo esse fundamento penal para o plano dos atos de improbidade, para que se considere um ato como passível de sofrer sanções, não é suficiente a existência da conexão causal objetiva (entre a ação[ou omissão] e o resultado), culpabilidade (culpa latu sensu) do agente público. Não se pune om fulcro em responsabilidade objetiva.”[40] Ou seja, a reprovabilidade da conduta que deve ser o Norte para análise do sujeito ativo, a analise segundo o apontamento acima se dá de modo individual, uma análise em concreto da casuística. Ainda nesse mesmo sentir, tem-se os ensinamentos de Emerson Garcia e Rogerio Pacheco Alves onde tratam especialmente de mencionar a singularidade do art.10 da LIA em relação a subjetividade, a análise do agente/conduta, e ainda esclarecer as culpas relativas ao mesmo: “O art.10 da Lei nº 8.429/1992 não distingue entre os determinados graus da culpa. Assim quer seja leve, grave ou gravíssima, tal será, em princípio, desinfluente a configuração da tipologia legal. Situando-se a essência da culpa na previsibilidade do efeito danoso, neste elemento haverá de residir o critério de valoração dos graus de culpa. Identificando o ápice da curva ascendente de previsibilidade, ali estará situada a culpa gravíssima, considerando-se como tal a ausência de previsão de um evento que o seria por qualquer homem normal. Na base da curva da previsibilidade, tem-se a culpa leve, onde o evento só poderia ser previsto com o emprego d uma diligencia incomum, própria daqueles que exercem atividades que pressupõem um maior grau de discernimento. Em posição intermediária, está a culpa grave, a qual se consubstancia na não previsibilidade de um evento que o seria pelos homens diligentes e responsáveis, qualidade esta indissociável dos gestores da coisa pública.”[41] No âmbito do art. 10 da LIA, onde se fala da culpa, respeitada a necessidade de lesão ao erário para que seja improba a conduta, o resultado não é querido, pois ele se direciona a fato legal e previsto que por alguma razão gera resultado diverso, e conforme fora visto cima, tais gradações servem somente para formar critério de proporcionalidade entre o que seria previsível como evento de danos ao erário face ao agente, e em sendo o dano irrisório, este sera desconsiderado, conforme já demonstrado no presente trabalho. Noutro sentido, há a menção qual não pode ser deixada em que se baseia na necessidade do tipo em especifico, desconsiderando a insignificância como princípio a aplicar pois, mesmo que ainda o agente não se direcione ao fato, o fato existe e causou diminuição patrimonial ao erário. Veja-se: “O empenho na proteção do patrimônio público econômico é o que justiça a inserção entre os atos de improbidade administrativa (exteriorização da má-fé) de condutas culposas. Por isso, compreendem-se os atos de improbidade administrativa por assimilação. De fato, só podem ser condutas culposas equiparadas a atos de improbidade, uma vez que sem apego à ficção, não se poderá compatibilizar o contingente de má-fé dos atos improbidade com a imprevisibilidade (substancia do agir culposo)”.[42] Ou seja, mesmo que quase insignificante a perda patrimonial ao Estado, esta não pode ser dispensada, mas tendo em vista tudo já exposto, há de se considerar que deve haver uma simetria na inserção da sanção. Nesse diapasão, há a menção ao texto penal para a justificativa de que as sanções presentes são necessárias tendo em vista a indisponibilidade do bem público, mas com a ressalva de que certas condutas não seriam passiveis de sanção mas sim de medidas administrativas: “Aliás, na forma culposa, há violação ao dever de cautela por parte do agente público e do terceiro, o que justifica, em princípio, a aplicação de sanções. Ora, se o Direito Penal, que estabelece sanções graves, inclusive com restrição da liberdade dos indivíduos, admite a pratica de crimes culposos, com maior razão deve ser admitida a previsão legal de atos de improbidade na forma culposa. Isto não significa dizer que todo e qualquer deslize no dia a dia da Administração venha a configurar improbidade administrativa. Existem graus de violação à ordem jurídica que são sancionados com intensidades distintas. A mera irregularidade administrativa comporta sanção administrativa, mas não sanção de improbidade”.[43] No mesmo ínterim Waldo Fazzio menciona que no art.12 da LIA, a menção a gravidade do fato indica o juízo de proporcionalidade que se faz necessário no que diz respeito a reprovabilidade bem como intensidade, pois assim se atingiria os mais fieis conceitos de direitos fundamentais presentes na Constituição.[44] Desta forma resta clara que a maneira mais plausível de análise de conduta seria um olhar particular a cada caso, analisando a que o agente estava voltado no momento do ato, valorando assim, saber-se-á se o que deve ser feito seria uma reprovação administrativa ou ainda uma sanção advinda de ação de improbidade administrativa. 5. CONCLUSÕES Foi discutido sobre a improbidade e analisado o que seria esta, bem como seu antônimo, e colocadas as significações, pode-se aferir quanto a sua importância constitucional e ainda esclarecer quanto ao que influenciou o trabalho: a modalidade culposa da improbidade administrativa. Noutro momento foi tratado dos aspectos constitucionais, momento este em que se nota que a discussão envolve principalmente o fato da modalidade culposa ser ou não compatível com os preceitos constitucionais de conduta improba. Pode-se assim aferir que, respeitado o fato de haver ADI pendente de julgamento, até o momento a conclusão mais prudente seria no sentido de sua constitucionalidade, devendo então somente ser levado em consideração, o fato da relevância do ato. Como já mencionado no trabalho, a necessidade de um juízo de valor de conduta versus resultado seria o ideal, pois assim haveria por respeitada a condição da indisponibilidade do bem público, razão pela qual não há possibilidade de não haver sanção. Por fim, seguiu-se a lógica acima mencionada, onde pode-se tratar do sujeito ativo da conduta improba o que foi lumiar para a análise minuciosa da subjetividade, em que ficou clara a necessidade de haver, como já dito, a o tipo legal da culpabilidade, valorando a gravidade do fato com a o resultado lesivo. Pode-se concluir com o que fora tratado no presente trabalho que a modalidade culposa se faz necessária na seara administrativa, primeiramente para que não se vulgarize o diploma legal da lei, bem como para que a conduta lesiva não seja tratada como infame. Ela deve ser proporcional ao dano causado, e se insignificante, ser resolvida no âmbito administrativo do próprio órgão.
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Limites da discricionariedade administrativa: exoneração de cargo comissionado e a teoria dos motivos determinantes
O cargo comissionado possui natureza “ad nutum”, nos termos do artigo 37, inciso II da Constituição Federal, sendo de livre nomeação e exoneração, não necessitando o ato de motivação para a sua prática. Todavia, este permissivo legal, vem causando sérios danos a servidores que em muitos casos são exonerados por motivos falsos ou inexistentes, criados pelo administrador no intuito de beneficiar alguém. Uma afronta aos princípios da impessoalidade, do contraditório e do devido processo legal, uma vez que o administrado não poderia se defender. Com a teoria dos motivos determinantes, a doutrina e a jurisprudência, entendem que se ao ato foi dada motivação, ainda que esta não seja uma exigência legal, se falsa ou inexistente o ato será nulo. Sob este prisma, necessário se faz elucidar sobre a necessidade de motivação nos atos discricionários, bem como, explicar a teoria dos motivos determinantes e como ela vem sendo aplicada no nosso ordenamento jurídico. E ainda, expor e discutir os entendimentos jurisprudenciais aplicáveis, evidenciando os posicionamentos adotados pelo STF, STJ e pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais. A metodologia utilizada baseia-se no método indutivo/dedutivo, uma vez que as análises foram feitas num campo geral e específico concomitantemente. Quanto ao material, trata-se de pesquisa teórica, em fontes secundárias, com base no direito positivo, doutrina e jurisprudência, utilizando-se método bibliográfico, através de livros, periódicos e artigos. Desta feita, mister a observância dos motivos determinantes para a prática do ato, buscando-se assim atender tanto ao interesse público, quanto aos interesses dos servidores vítimas de exonerações ilegais[1].
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO Há muito vem se discutindo, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, sobre a questão da motivação nos atos administrativos discricionários, especialmente naqueles em que a motivação é dispensada. Alguns autores defendem a ideia de que o motivo seria requisito de validade, mas não a motivação, que seria a explicação do motivo. Outros defendem a tese de que ambos são a mesma coisa, e que a motivação seria requisito indispensável do ato. Partindo desse ponto, com surgimento na França, passou a vigorar em nosso ordenamento jurídico a Teoria dos Motivos Determinantes. Essa teoria tem como fundamento a ideia de que mesmo que a lei tenha dispensado a motivação do ato, se esta é declarada, fica o ato vinculado à motivação que lhe foi dada. Ao passo que, se os motivos que ensejaram a prática do ato forem falsos ou inexistentes, será o ato considerado nulo ou passível de anulação. Um exemplo clássico da aplicação dessa teoria é o caso da exoneração de servidor comissionado “ad nutum”, ou seja, sem a necessidade de explicação dos motivos que ensejaram o ato, tratando-se de cargo de livre nomeação e exoneração. A norma constitucional prescreve que “a investidura no serviço público somente se dará através de concurso público, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração” (artigo 37, inciso II da Constituição Federal). Diante deste permissivo, ocorrem inúmeras ilegalidades contra servidores, em desacordo com os princípios constitucionais da impessoalidade, contraditório e ampla defesa, onde valem-se os administradores de falsos motivos ou mesmo de motivos inexistentes na busca por interesses pessoais, perseguições e favorecimentos. Sendo assim, necessário se faz elucidar sobre a necessidade de motivação nos atos discricionários, ainda que dispensados pela lei, bem como esclarecer sobre a teoria dos motivos determinantes e como ela vem sendo aplicada no nosso ordenamento jurídico. Caberá abordar ainda, o entendimento jurisprudencial aplicado no caso concreto pelos tribunais superiores e pelos tribunais regionais. Diante do exposto, faz-se indispensável, uma análise do tema, vez que sustenta enormes controvérsias, tanto doutrinárias quanto jurisprudenciais. Para o desenvolvimento desse estudo, serão abordados os seguintes temas: 1.  Da investidura no serviço público; 2. Dos Atos Administrativos; 3. Da Teoria dos Motivos Determinantes; 4. Do entendimento jurisprudencial. 2 DA INVESTIDURA NO SERVIÇO PÚBLICO 2.1 DO CONCURSO PÚBLICO  O concurso público, nos termos do artigo 37, inciso II da Constituição Federal é a porta de entrada para o ingresso no serviço público. Senão, vejamos: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração (sem grifos no original).” Tal procedimento evita favoritismos, bem como a entrada de pessoas ineptas nas carreiras públicas, sendo este meio eficaz e eficiente, pois pautado unicamente em critérios objetivos. À corroborar essa idéia, a definição de Hely Lopes Meirelles, que entende o processo como: “…o meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, fixados de acordo com a natureza e complexidade do cargo ou emprego, consoante determina o art. 37, II, da CF. Pelo concurso afastam-se, pois, os ineptos e os apaniguados que costumam abarrotar as repartições, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e se matem no poder leiloando cargos e empregos Públicos” (Direito administrativo brasileiro, 30ª ed., Malheiros, 2005, p. 419 – sem grifos no original). Para, no entanto, que o concurso atinja a finalidade para a qual é proposto, é preciso que o mesmo se paute em princípios administrativos, como bem colocado por MEDAUAR (2009, p. 272) “A exigência de concurso público para ascender a postos de trabalho no setor público atende, principalmente, ao princípio da igualdade e ao princípio da moralidade administrativa”. Assim, os princípios da igualdade, moralidade administrativa e ainda, o da eficiência são as bases norteadoras do processo. Conforme explica Santos (2013), igualdade porque entre os candidatos não haverá distinção e serão ofertadas a todos as mesmas oportunidades, ou seja, concorrerão em igualdade de condições, a partir de critérios objetivos. Moralidade administrativa implica na vedação de favoritismos pessoais, nepotismo inclusive, buscando a aferição do candidato que melhor se coaduna ao cargo E ainda, o Princípio da Eficiência, que é entendido como a necessidade de selecionar os mais aptos, através de critérios objetivos, aos cargos ofertados. Assim, a finalidade do concurso é selecionar os mais aptos, em condições de igualdade e através de critérios objetivos, a fim de ocuparem os cargos e empregos públicos com vocação de permanência. 2.2 DO PROCESSO SELETIVO SIMPLIFICADO Como ressaltado, a realização de concurso público é regra em nosso ordenamento jurídico para ingresso no serviço público. Contudo, quanto às contratações temporárias para atender excepcional interesse público, é dispensada tal exigência, permitindo-se a realização de processo seletivo simplificado, para garantir a aplicação do Princípio da Impessoalidade. Nessa esteira, importante destacar os ensinamentos de Fernanda Marinela, que explica a exceção contemplada constitucionalmente. “Para alguns cargos e empregos, em razão de sua natureza, o texto constitucional dispensa a realização do concurso, permitindo o acesso através de outros instrumentos. São exceções ao concurso: […] IV) as contratações por tempo determinado, hipótese prevista no art. 37, inciso IX, da CF, criada para satisfazer necessidades temporárias de excepcional interesse público, situações de anormalidades em regra incompatíveis com a demora do procedimento do concurso, admitindo a adoção de um processo seletivo simplificado” (MARINELA, 2012, p.635-636, sem grifos no original). O termo processo seletivo simplificado, está relacionado a “concurso público”, até mesmo porque obedece aos mesmos critérios de divulgação e concorrência e obedece aos mesmos trâmites legais do concurso público, de acordo com José dos Santos Carvalho Filho. “À primeira vista, tal processo seletivo não seria o mesmo que o concurso público de provas e títulos, assim como previsto no art. 37, II, da CF, parecendo ter-se admitido procedimento seletivo simplificado – exceção ao princípio concursal. A legislação regulamentadora, porém, aludiu a processo seletivo público de provas ou de provas e títulos, o que espelha o concurso público. A expressão empregada no novo texto, além de atécnica, só serviu para suscitar dúvida no intérprete; na verdade, bastaria que o Constituinte se tivesse referido simplesmente ao concurso público – instituto já com definição própria e imune a tais dúvidas” (CARVALHO FILHO, 2013, p.635). Assim, observa-se que o instituto da contratação temporária através de processo seletivo, é meio importante para atender às necessidades urgentes e temporárias da administração pública, desde que não se confunda temporária com permanente. 2.3 DOS CARGOS COMISSIONADOS Outra exceção à regra do concurso público são os cargos em comissão, conhecidos habitualmente por cargos de confiança. De acordo com Santos (2013), tais cargos não exigem a realização de concurso público para sua ocupação e são preenchidos por servidores efetivos ou servidores de carreira, pois, não possuem estabilidade e são de livre nomeação e exoneração, conforme critério da autoridade nomeante. Cumpre ressaltar que os cargos em comissão só poderão destinar-se à funções de chefia, direção e assessoramento, não podendo a lei criar estes cargos para suprir cargos de função permanente. À corroborar dessa ideia, os ensinamentos de Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “Com relação às funções de confiança, também não se justifica o concurso público, apenas exigindo a Constituição, no artigo 37, V, que sejam exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo e que se limitem às atribuições de direção, chefia e assessoramento. […] sendo inconstitucionais quaisquer normas que criem funções de confiança ou cargos em comissão para outro tipo de atribuição” (DI PIETRO, 2012, p. 598-599). Sob este prisma, importante frisar que os cargos em comissão se baseiam exatamente na relação de confiança entre o administrador nomeante e o servidor, tendo em vista a natureza das funções exercidas, desde modo só subsistirão enquanto perdurar a confiança. Além disso, em 2008 o STF editou a Súmula Vinculante 13 que veda o nepotismo em cargos em comissão, com o seguinte teor: “A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal”. 3 DOS ATOS ADMINISTRATIVOS São os atos praticados pela administração pública no exercício da função administrativa, sob o regime de Direito Público, ensejando uma manifestação de vontade do Estado. Celso Antônio Bandeira de Mello conceitua Ato Administrativo como: “declaração do Estado […] no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional” (MELLO, 2013, P. 389). Cumpre ressaltar que “Atos Administrativos” não se confundem com “Atos da Administração”, uma vez que este é gênero e aquele espécie. Atos da Administração são todos os atos praticados pela administração pública, administrativos ou não. 3.1 CLASSIFICAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS A doutrina expõe diferentes classificações dos atos administrativos. Marinela (2012) nos nos traz a classificação dos mais comuns. Quanto aos destinatários: a) Gerais: são os atos que se direcionam a estabelecer uma determinada situação que será por todos obedecida. Atingem toda a coletividade. Não individualiza os indivíduos que serão atingidos pelo ato, mas tão somente descrê a situação. b) Individuais: os destinatários do ato são individualizados. Quanto ao grau de liberdade: a) Discricionários: são os atos nos quais a administração pública tem uma margem de escolha nos parâmetros de sua atuação, com base em critérios de oportunidade e conveniência, dentro dos limites legais, também chamado de mérito administrativo. b) Vinculados: estabelecem um único comportamento possível, não há margem de escolha. Todos os elementos do ato administrativo estão objetivamente definidos na lei. Quanto ao objeto: a) Atos de império: são os atos que possuem todas as prerrogativas de Estado, onde o poder público atua com todas as garantias de direito público, impondo obrigações de ordem unilateral sobre o administrado. b) Atos de gestão: são regidos pelo direito privado, sem prerrogativas públicas. Quanto à formação: a) Simples: são aqueles perfeitos e acabados numa única manifestação de vontade. A manifestação de vontade de um único órgão já perfecciona o ato. b) Compostos: são aqueles que dependem de mais de uma manifestação de vontade, sendo uma principal e a outra acessória. A vontade acessória funciona como ratificadora da vontade principal. c) Complexos: são aqueles perfeitos e acabados com uma soma de vontades absolutamente independentes, produzidas por mais de um órgão. Outras classificações: a) Normativos: decorrem do exercício do poder normativo, por meio dos quais a administração pública expede normas gerais e abstratas, dentro dos limites legais. Servem para detalhar o que foi estabelecido pela lei. b) Ordinatórios: praticados no exercício do poder hierárquico, visam organizar o funcionamento da Administração e a conduta funcional de seus agentes. c) Negociais: são aqueles que contém uma declaração de vontade da administração pública para conceder algo ao particular, nas condições previamente previstas por ela. d) Enunciativos: são os atos onde a administração certifica ou atesta um fato, ou emite opinião sobre determinado tema. e) Punitivos: são atos sancionatários, que podem decorrer do poder de polícia ou do poder disciplinar, estabelecendo penalidades aos particulares. 3.2 ELEMENTOS DO ATO ADMINISTRATIVO Elementos ou requisitos, ou até mesmo requisitos de valide do ato administrativo, como preferem alguns autores, são os pressupostos necessários para a validade do ato, ou seja, se ausente um desses elementos, significa dizer que o ato será inválido, passível de anulação. Não existe também consenso entre a doutrina sobre quais seriam esses elementos. Sendo assim, serão mencionados, a seguir, os elementos previstos na Lei 4.717 /65, artigo 2º. Competência ou Sujeito Competente: significa dizer que o ato deve ser praticado por um agente público competente, cuja lei lhe tenha atribuído competência para a prática do ato. Cumpre ressaltar que a competência é irrenunciável, já que o agente público não pode abrir mão da competência fornecida pela lei, imprescritível, pois não se perde pelo desuso e improrrogável, uma vez que não se adquire pelo uso, ainda que não haja impugnação. Forma: é a exteriorização do ato, o meio pelo qual ele se apresenta. Válida somente a prescrita em lei. Entretanto, os vícios de forma poderão ser sanáveis desde que o ato cumpra sua finalidade. Finalidade: é a prevista na lei, é o que a lei pretende alcançar. De uma forma geral a finalidade será sempre o interesse público, e de uma forma específica a finalidade será aquela prevista na lei. Objeto: é aquilo que o ato dispõe, é a consequência que o ato enseja no mundo jurídico. Lembrando que para que o ato seja válido, o objeto deverá ser lícito, possível e determinado ou determinável. Motivo: são as razões que justificam a edição do ato. É a situação de fato e de direito que dá ensejo à prática do ato administrativo. É a subsunção do fato à norma. Cumpre ressaltar que Motivo e Motivação são expressões diferentes, como se observa a seguir. 3.3 MOTIVO E MOTIVAÇÃO Motivação é a exposição dos motivos, é a apresentação das razões, das situações de fato e de direito que ensejaram o ato. Conforme explica José dos Santos Carvalho Filho, “a motivação exprime de modo expresso e textual todas as situações de fato que levaram o agente à manifestação da vontade” (CARVALHO FILHO, 2014, p. 114). Já o motivo, como visto, são as razões que justificam o ato, correlacionando o fato a norma. Em algumas situações, contudo, a motivação é dispensada por lei. O motivo não é dispensado, pois requisito de validade do ato. Assim, entende-se que o ato terá motivo, mas poderá não ter motivação, mesmo sendo este princípio constitucional expresso no artigo 50, da Lei 9784. Um bom exemplo do exposto acima se refere à “exoneração ad nutum” dos cargos em comissão, prevista no artigo 37, inciso II da Constituição Federal. Nesse caso a exoneração é livre de motivação. Todavia, se a motivação é feita, ela passará a fazer parte do ato, vinculando-o. Se falsa ou inexistente a motivação, o ato será considerado nulo. Á esta consequência chamamos de “Teoria dos Motivos Determinantes”. 3.4 ATOS VINCULADOS X ATOS DISCIRCIONÁRIOS No que tange à obrigatoriedade de motivar, alguns autores fazem distinção entre os atos vinculados e os atos discricionários. Quanto aos atos vinculados, os quais não possuem margem de escolha pelo administrador, nem tampouco juízos subjetivos, já que há uma aplicação quase automática da lei, entendem que a menção do fato e da norma aplicável supriria a motivação, ficando a mesma implícita. Já no que diz respeito aos atos discricionários, nos quais o administrador possui uma margem de escolha, seria imprescindível a motivação, e ainda, de forma detalhada, a fim de demonstrar a compatibilidade com o ordenamento jurídico. Essa motivação deverá ser prévia ou contemporânea à prática do ato, explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, nesse caso, serão parte integrante do ato (artigo 50, §2º, da Lei 9784/99), é o que chamamos de “motivação aliunde”. 4 DA TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES A teoria dos motivos determinantes está atrelada com o motivo do ato, que sendo este falso ou inexistente, deverá o ato ser anulado, haja vista ser o motivo elemento do ato administrativo, que lhe confere legitimidade e validade. Sendo assim, esta teoria vincula o administrador ao motivo declarado, conforme os ensinamentos de Odete Medauar. “Segundo essa teoria, os motivos apresentados pelo agente como justificativa do ato associam-se à validade do ato e vinculam o próprio agente. Isso significa, na prática, que a inexistência dos fatos, o enquadramento errado dos fatos aos preceitos legais, a inexistência da hipótese legal embasadora, por exemplo, afetam a validade do ato, ainda que não haja obrigatoriedade de motivar” (MEDAUAR, 2009, p. 141) Veremos uma maior discussão sobre esta teoria ao nos reportarmos aos atos discricionários, justamente os atos que não precisão de motivos para que sejam válidos. Haja vista que “mesmo que um ato administrativo seja discricionário, não exigindo, portanto, expressa motivação, esta, se existir, passa a vincular o agente aos termos em que foi mencionada” (CARVALHO FILHO, 2014, p. 118). O STJ também se posiciona no mesmo sentido. “[…] 1. A administração, ao justificar o ato administrativo, fica vinculada às razões ali expostas, para todos os efeitos jurídicos, de acordo com o preceituado na teoria dos motivos determinantes. A motivação é que legitima e confere validade ao ato administrativo discricionário. Enunciadas pelo agente as causas em que se pautou, mesmo que a lei não haja imposto tal dever, o ato só será legítimo se elas realmente tiverem ocorrido. 2. Constatada a inexistência da razão ensejadora da demissão do agravado pela Administração (prática de nepotismo) e considerando a vinculação aos motivos que determinam o ato impugnado, este deve ser anulado, com a consequente reintegração do impetrante […]” (Ag.Rg. no RMS 32.437/MG. STJ – Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin. Julgamento em: 22.02.2011, DJE 16.03.2011) “[…] O administrador está vinculado aos motivos postos como fundamento para a prática do ato administrativo, seja vinculado seja discricionário, configurando vício de legalidade – justificando o controle do Poder Judiciário – se forem inexistentes ou inverídicas, bem como se faltar adequação lógica entre as razões expostas e o resultado alcançado, em atenção à teoria dos motivos determinantes. Assim, um comportamento da Administração que gera legítima expectativa no servidor ou no jurisdicionado não pode ser depois utilizado exatamente para cassar esse direito, pois seria, no mínimo, prestigiar a torpeza, ofendendo, assim, aos princípios da confiança e da boa-fé objetiva, corolários do princípio da moralidade”. (MS 13.948 – DF, STJ – Terceira Seção, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior. Julgamento em: 26.09.2012, publicado no Informativo nº 504). Tratando-se de cargos em comissão, de exoneração “ad nutum”, o administrador não precisa declarar um motivo para a exoneração, pois desse independe. Entretanto, se declarado o motivo, o mesmo deverá ser cumprido, ficando o administrador adstrito às razões de fato e de direito que o levaram a prática do ato, conforme preceituado pela teoria dos motivos determinantes. Ademais o administrador não pode mudar o motivo, há menos que seja na hipótese de tredestinação, a única legalmente permitida, que é o caso da desapropriação, mas desde que seja para atender interesse público. Sendo o ato da exoneração “ad nutum” um ato discricionário, o judiciário não exercerá controle sobre o mesmo, mas poderá controlar os limites legais da discricionariedade. 5 DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL O Supremo Tribunal Federal, posiciona-se no mesmo sentido quanto à aplicabilidade da Teoria dos Motivos Determinantes, no que tange à exoneração “ad nutum”, de servidores comissionados. “EMENTA: – Função de Assessoramento Superior-FAS. Por ser de provimento em confiança, não fazem jus, os seus ocupantes, ao benefício da estabilidade extraordinária outorgada pelo art. 19 do A.D.C.T., em face da restrição expressa no § 2º do mesmo dispositivo. Estando, porém, vinculado, o ato de dispensa do impetrante, a motivo inexistente (norma de medida provisória não inserta na lei de conversão), deve o decreto ser anulado e reintegrado o agente na função, conservada a característica da possibilidade de exoneração, ao nuto da autoridade. Mandado de segurança, para essa finalidade concedido”. (STF. MS 21.170/DF. Rel. Min. Octávio Gallotti. Tribunal Pleno. DJ: 21/02/1997) Os Tribunais Regionais, também vêm seguindo o mesmo entendimento, reconhecendo que a validade do ato está condicionada à verificação objetiva do pressuposto de fato que impulsionou o administrador, não podendo a tese da “livre exoneração” afastar a garantia do devido processo legal. Senão, vejamos. “EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – TUTELA ANTECIPADA – REINTEGRAÇÃO NA FUNÇÃO – CARGO COMISSIONADO – DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA – LIMITES – DEVIDO PROCESSO LEGAL – TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES – VALIDADE DO ATO – PRESSUPOSTO FÁTICO QUE O IMPULSIONOU – RECURSO DESPROVIDO. 1. Os cargos de provimento em comissão – cujo preenchimento dispensa a realização de concurso público -, são aqueles destinados para serem ocupados em caráter transitório por pessoa de confiança do administrador, definido constitucionalmente como de livre nomeação e exoneração (art. 37, II da CR/88). Nesse esteio, estabelece o art. 106, b, da Constituição do Estado de Minas Gerais que a exoneração de servidor ocupante de cargo em comissão dar-se-á "a critério do Governo". 2. As exigências do neoconstitucionalismo não se comprazem com o exercício pelo administrador de juízo puramente discricionário, mormente quando o ato que vier a ser praticado repercutir na esfera jurídica de outrem. 3. Conquanto se trate de vínculo precário entre o servidor e a Administração, não se dispensam as garantias do devido processo legal (art. 5º, LV da CR/88) e, como corolário, a cooperação. 4. Não prospera a tese de que a "livre exoneração" prevista no art. 37, II da CR/88 alcança dimensões tão dilatadas a ponto de afastar a garantia do devido processo legal.  5. Segundo a teoria dos motivos determinantes, exposta a motivação do ato administrativo, a validade dele condiciona-se à verificação objetiva do pressuposto de fato que impulsionou o administrador. “ (TJMG –  Agravo de Instrumento-Cv  1.0024.12.020223-9/001, Relator(a): Des.(a) Elpídio Donizetti , 8ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 08/11/2012, publicação da súmula em 20/11/2012) CONCLUSÃO A Constituição Federal nos apresenta três formas de ingresso no serviço público, seja através do concurso público, para cargos públicos; seja através do processo seletivo simplificado, para empregos públicos e contratos temporários ou seja através da nomeação para cargos em comissão. Estes, como visto, são cargos de livre nomeação e exoneração, a que dá-se o nome de exoneração “ad nutum”. Neste caso, o administrador não precisa motivar o ato da exoneração, não precisa explicar as razões de fato e de direito que o levaram à prática do ato. Todavia, a teoria dos motivos determinantes, construção doutrinária e jurisprudencial, elucida que mesmo não sendo obrigatória tal motivação, se o administrador a faz fica esta vinculada ao ato. Nestes termos, se a motivação do ato for nula ou inexistente o ato também deverá  ser nulo ou anulável. Há ainda uma corrente que defende que os atos discricionários necessitam de motivação, uma vez que os vinculados já a possuem na norma ensejadora do ato. Portanto, tratando-se de exoneração de servidor em cargo comissionado, o ato de exoneração deve ser motivado, ainda que apresentado o motivo. Não há como se falar em ato de dispensa sem motivos ou motivação, seja esta explícita ou implícita. E, caso seja o ato falso ou inexistente, o mesmo deverá ser considerado nulo, devendo ser garantido ao servidor demitido o direito ao contraditório e devido processo legal, mesmo nos casos em que a lei dispensa a motivação do ato.
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Direito disciplinar militar: do dever de obediência ao abuso de poder
Este artigo contém quatro tópicos que retrata sobre a problemática do assédio moral e do abuso de poder dentro do âmbito militar, causas e efeitos. Trata também do mau uso da hierarquia e disciplina como instrumento do assédio moral e da noção de dever de obediência que o militar deve primar. Visa, ainda, esclarecer para o leitor a difícil análise comportamental do ser militar no Brasil, os atos administrativos emitidos pelos comandantes e seus remédios jurídicos atuantes em caso de ilegalidade.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO Valores como hierarquia e disciplina serão analisados com detalhe neste artigo, até a prova do limite do dever de obediência, bem como o ato de assédio moral não raras vezes objeto de discursões e controvérsias jurídicas. Na expressão “Direito Militar” existe um arcabouço legislativo que está ligado de uma forma ou de outra ao sistema que envolve tanto as Forças Armadas Brasileiras, como aquelas consideradas suas Forças Auxiliares: as polícias militares e os corpos de bombeiros militares dos Estados e do Distrito Federal. Até mesmo pela ausência de estudos mais aprofundados sobre o tema, costuma-se ter a idéia de que a expressão estaria referindo-se apenas ao Direito Penal Militar e ao Direito Disciplinar Militar implicando restrição no seu conceito. O Direito Disciplinar Militar, acepção do Direito Militar que cuida da Disciplina como um todo, nunca foi tratado adequadamente pela comunidade jurídica nacional. Com a Constituição de 1988 iniciou-se uma maior divulgação sobre os direitos dos militares, da caserna ao mundo externo. O que se passa dentro da caserna e nos cursos de formação militares por muita das vezes está sob silêncio e talvez, esse é o objetivo. A metodologia adotada neste artigo é de um perfil dogmático-sociológico que foi concebido através do procedimento lógico-sistemático pautado através de pesquisas com alunos, praças e oficiais da polícia militar, além de livros e da internet. Mas até que ponto uma simples determinação de um superior pode atacar a personalidade ou até mesmo menoscabar a dignidade de um subalterno dentro da esfera militar? Os que obedecem dizem que por muitas vezes existem tais abusos, frutos da formação militar antiga dos que determinam e se acostumam em repassar (naturalmente) tais tratamentos que já sofreram no passado. Os que determinam acham que não existem abusos e que cada determinação é em detrimento do interesse público, sendo que muitas atitudes e decisões têm que ser tomadas, mesmo que enérgicas para os que merecem, pois segundo o jargão: “comandar é contrariar interesses, satisfazer necessidades e não vontades”. A Disciplina e a Hierarquia, como serão mostradas a posteriori, são pilares básicos da instituição militar. Tais pilares, em caso mau uso, podem simplesmente virar instrumentos usados na coerção e no abuso de autoridade dentro da esfera interna (relações de funcionalidade no âmbito militar). Como nada escapa ao poder Judiciário, em face do princípio do acesso à justiça, existem instrumentos, garantias e remédios jurídicos tendentes a fulminar tais atos como: o mandado de segurança e as ações ordinárias de nulidade de ato disciplinar militar, além das apurações internas no que concerne ao assédio moral, entre outros. Com a democracia reinante em nosso ordenamento é importante a sociedade e o Ministério Público tomar conhecimento ou inspecionar com mais ênfase se há casos ou não de abusos ocorridos no âmbito militar (Forças Armadas e Auxiliares) a fim de evitar as possíveis arbitrariedades decorridas do abuso de poder. Cabe salientar a grande dificuldade que existe em obter meios de se comprovar tais abusos, seja pela obtenção do meio de prova testemunhal, seja pela representação do ofendido. Será visto também que o assédio moral por muitas das vezes é imperceptível por aquele que sofre e nas variadas vezes pelo aquele que o faz. Muitas das vezes o sujeito ativo age com naturalidade e pensa que é normal tal tratamento e que por vezes se coaduna e mantém relação firme provinda de uma educação familiar sem sustentação. Todo ordenamento jurídico deve estar amoldado às regras da Constituição da República Brasileira de forma que conhecê-lo é efetuar uma passagem pela Carta Magna, identificando os dispositivos que se referem às instituições militares. Espera-se que o artigo tenha uma abrangência satisfatória. Todos os temas são analisados paralelamente, tendo em vista os regulamentos Disciplinares das Forças Armadas e também das Polícias Militares dos estados. 1. VIDA NA CASERNA: ANÁLISE DA DISCIPLINA E HIERARQUIA Todo aquele que ingressa no mundo da caserna aprende desde cedo que a base de sustentação do militarismo é a Hierarquia e a Disciplina. Dois fundamentos existentes não só no mundo militar, mas em qualquer relação de trabalho e em qualquer empresa que queira sobreviver.      O aluno quando inicia qualquer curso de formação seja para oficial ou para praça aprende que sem disciplina, sua vida não será organizada e terá êxito no mundo da caserna. Os metódicos por natureza logo se sobressaem dos demais, o que já é um grande passo para aqueles que nunca entenderam, até sequer viveu a vida castrense. É uma máxima no militarismo de que aquele que é educado é disciplinado e esta disciplina começa na relação entre colegas, sendo que o respeito entre eles é fundamental. A criticidade por muitas vezes é deixada de lado, o que facilita, pois, os críticos sofrem muito mais durante o curso, pois tendem a debater (ponderação) com seus superiores, não entendendo a causa de muitas das determinações e sendo por muitas vezes taxados ou estereotipado como RECAUCITRANTE, TEIMOSO, PONDERADOR, etc. Da mesma forma que a vocação religiosa implica em sacrifício pessoal e amor próprio (poucos são os que a têm por temperamento natural), a vocação militar requer, em alguns lugares, a obediência inconteste e a subordinação confiante às determinações superiores. Princípios como os da isonomia e da inafastabilidade do poder judiciário têm pouco peso e visibilidade quando se adentra mais profundamente aos rincões dessa instituição total. Atualmente se discute muito a idade em que são formados alguns militares. Os das Forças Armadas são formados cedo, entre 18 e 21 anos, excetuando o Quadro Complementar, por isso pode facilitar uma influência mais rápida e sem muitos esforços, diferentemente da formação policial militar que tem seus integrante na maioria das vezes já com o intelecto formado devido a idade avançada de alguns e uma consolidada formação educacional (muitos já com nível superior).  A partir de agora, se verá qual o conceito básico dos dois pilares básicos, oriundo do Estatuto dos Militares, cerne deste artigo científico. “Disciplina[1]– é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis , regulamento, normas e disposições que fundamentam o organismo militar e coordenam seu funcionamento regular, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes desse organismo. A Hierarquia [2]militar é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro da estrutura das Forças Armadas. A ordenação se faz por postos ou graduações; dentro de um mesmo posto ou graduação se faz pela antigüidade no posto ou na graduação. O respeito à hierarquia é consubstanciado no espírito de acatamento à seqüência de autoridade.” A natureza da função militar requer que o superior conte com poderes e faculdade que compreende ao mesmo tempo, o direito de ordenar e a faculdade de punir os atos que julgue contrários à disciplina. Referindo-se a hierarquia, José Luis Dias Campos Junior4[3], em preciosa monografia perante a escola superior do Ministério Publico Paulista aduziu que “aliás não é por outro motivo, portanto que a obediência hierárquica é, no consenso geral, o principio maior da vida orgânica e funcional das forças armadas”. E prosseguiu lembrando Luna Paulino[4], para quem   “A hierarquia é a base da instituição, e o mais graduado comanda tão somente porque se preparou e revelou qualidades de chefe. É tão nobre obedecer quanto comandar. O superior só conseguirá subordinação voluntária coincidente e completa se for disciplinado, imparcial, sereno e enérgico: tornando-se exemplo pelas suas qualidades morais.” Importante a passagem de Tomás Pará atinente a serenidade e à energia, pois aquela nada mais é que o bom-senso que todo comandante deve ter e à energia se refere ao tipo de atitude na tomada de decisões. Tal comando não se pode valer do atributo hierárquico para abusar dos seus subalternos e prevê também que o disciplinado não pode ser considerado como um ser impensável, mero executor de ordens. Aquele que obedece, o faz por dever e por obrigação que se resume no dever de obediência, atributos pautados nos pilares da disciplina e a hierarquia. 2. Justiça Militar, Natureza jurídica do servidor militar e análise comportamental Os militares são servidores públicos lato sensu. Por ocasião da CF/88 , o constituinte originário consignou em seu texto a clássica distinção , prevendo no art 39 uma seção tratando dos servidores públicos civis e no art.42, a existência dos servidores públicos militares distinguindo-os inclusive em duas espécies servidores militares federais e servidores militares dos Estados. Importa-nos a natureza jurídica dos integrantes das instituições armadas, que é peculiar. Nesse sentido a Constituição consignou no seu art. 142 que os membros das forças armadas denominados militares, fixando garantias e deveres além de dispor que Lei especial deisporá sobre o ingresso das forças armadas, os limites de idade, a estabilidade entre outros. A própria Carta Magna que remete para Lei Estadual  a mesma competência da Lei Federal referida no inc.X do art.142. Portanto a natureza jurídica dos membros das Instituições armadas brasileiras é a de categoria especial de servidores da Pátria, não só as forças armadas ,mas se inclui às policias militares de todos os Estados e Territórios. No dia 1º de abril de 2017, se comemorou 209 anos da instalação da Justiça Militar no Brasil. A Justiça Militar brasileira sempre tinha como uma de suas peculiaridades a severidade de suas penas, tanto é verdade que constantemente é alvo de acusações de afronta à Nova Ordem Constitucional de 1988 (CR/88), possuindo alguns dispositivos de sua legislação declarados inconstitucionais pela corte suprema que é o  Supremo Tribunal Federal. Como diz Jorge César de Assis6 “Todo o rigor da justiça penal militar se atribui, ainda que indiretamente, a um alemão militar reformado do exército britânico, Wilhelm Lippe, também conhecido como o Conde de Schaumbourg, encarregado de reestruturar o exército português a convite do Rei de Portugal D. José I. À guisa de exemplificação, o militar que demonstrara fraqueza era punido com a morte, e todo militar que, estando em batalha, partisse em fuga por medo do inimigo, poderia ser morto sumariamente pela espada de qualquer Oficial, sem qualquer chance de defesa. Segundo informa a obra de Carvalho (2007), "A Tutela Jurídica da Hierarquia e da Disciplina Militar", o Regulamento do Conde de Lippe vigorou no Exército brasileiro até 1907, quando o então Ministro da Guerra Marechal Hermes Rodrigues da Fonseca fez uma reforma na sua força militar terrestre (págs. 60-61). Nota-se, claramente que tamanha severidade aplicada naquela época refletiu, de certa forma, na elaboração da legislação militar brasileira, tendo sempre como pano de fundo os basilares princípios constitucionais de hierarquia e disciplina. Entretanto, a família real portuguesa, no ano de 1808, em rota de fuga do imperador francês Napoleão Bonaparte, trouxe para o Brasil não apenas suas riquezas e costumes na sua bagagem, mas também a sua justiça.”[5] A Justiça Militar, seja no âmbito estadual ou federal, também é conhecida como Justiça Castrense. A palavra "castrense", segundo o dicionarista Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, é um adjetivo que se refere à casa militar ou acampamento militar. Derivada do latim castrorum, remissivo ao período romano, onde falhas no campo de batalha e coisas do cotidiano militar eram sumariamente julgados por aquele que tinha o poder de impérium, por essa razão é conhecida como Justiça Castrense. Até hoje se vê no cotidiano militar esse ato de império que por muitas das vezes se transparece no abuso de autoridade, nas relações internas, praticado por superiores hierárquicos através de determinações sem escrúpulos, podendo ainda ultrapassar o ambiente castrense e chegar no mundo civil. O Processo Disciplinar e a Sanção é uma arma a serviço do órgão correicional e, se usada de forma imparcial, transparente para todos os destinatários, mostra-se um importante instrumento para atingir várias finalidades, como: esclarecimento do fato,  correção no desempenho da função, facilitação do controle administrativo, poder retributivo etc. Os processos disciplinares são garantias aos acusados estabelecidos por parâmetros de legalidade prévios, oportunizando o contraditório e ampla defesa durante a apuração, cujo desfecho é o julgamento da conduta violadora ou não da disciplina do serviço , mais especificamente militar(caso o seja) que reflete na expedição de um ato administrativo punitivo ou absolutório. No entanto, durante o viés da apuração ou por ocasião do julgamento disciplinar, vários vícios podem co-existir para impedir a correta aplicação da lei: podem ser incorreções quanto ao desenvolvimento da própria apuração ou julgamento mal feito ou inadequado para a situação em questão. Em outras palavras, a irregularidade pode ser de cunho processual (não atingimento das formalidades, suspeição ou impedimento do encarregado) ou de cunho material, relativo ao mérito da questão discutida. É justamente nesses pontos que surgirão as possibilidades de o acusado interpor recursos disciplinares. Obedecendo ao principio do duplo grau de jurisdição, os recursos disciplinares são interpostos após o julgamento nos procedimentos administrativos para uma  nova apreciação da matéria por outro órgão ou autoridade, normalmente superior , a fim de desconstituir  ou modificar a punição aplicada por uma decisão que seja mais favorável ao recorrente, quer pela supressão da possibilidade de punir, quer pela redução da pena. Este é o interesse de qualquer recorrente que demonstra interesse no processo e que vê uma desproporção no julgamento de seu feito. Portanto, situam-se os recursos disciplinares no bojo do controle interno da Administração Pública, como forma sucessiva ao processo administrativo disciplinar, tendo em vista a não aceitação pelo administrado da solução originária. Ao instituto aplicam-se as normas de direito administrativo e, mais particularmente, do direito disciplinar, na sua vertente processual. Na seara militar, os regulamentos disciplinares das respectivas corporações delineiam as regras básicas dos processos e recursos disciplinares. Além das normas administrativas convencionais, outros princípios e regras constitucionais se imbricam nesse contexto, dada a peculiaridade da atividade militar. O princípio constitucional da hierarquia e disciplina militar  é o mais claro exemplo da especialidade do tema. Reitere-se que o processo disciplinar, nos seus atributos recursais, obedece a variadas feições que se coaduna com características da corporação a que se destinam, seja na esfera federal, ou no âmbito estadual, através das Polícias e dos Corpos de Bombeiros Militares. Assim, os regramentos dos processos ou dos recursos disciplinares são feitos e executados com amplas variações. Algumas corporações militares estaduais adotam o RDE como regulamento básico da disciplina ou utilizam-no subsidiariamente. Outras utilizam seus próprios estatutos e Regulamentos disciplinares afim de abordar as questões de modo à realidade de cada Força. Preconiza  GARRIDO “Com efeito para ser um militar é preciso que acima de tudo seu comportamento seja condigno com seu status, ele espelha sua vida dentro e fora da caserna.Tem influencia inclusive no processo penal castrense servindo de atenuante genérica a ser considerada quando da aplicação da pena”.[6] Sendo assim para a caracterização deste meritório comportamento do réu militar não basta o recebimento de elogios ou medalhas, devendo presumir-se a atenuante na ocorrência de condutas excepcionais àquela do dia-a-dia. A depender do número de punições que o militar tenha sofrido em um determinado lapso temporal seu comportamento militar será classificado em, ‘excepcional’ ‘ótimo’, ‘bom’ , ‘regular’ e  “insuficiente’. Curial que se diga que ao ingressar na vida militar o cidadão classifica-se naturalmente no comportamento ‘bom’ e  dali sofre modificação para cima ou para baixo, marcando através de suas condutas positiva ou negativamente sua vida na carreira militar. Tal análise comportamental abrange todas as patentes e graduação do militar desde do inicio de sua carreia e o acompanha até a sua inatividade Assim Justiça Militar é uma justiça especial com normas especiais e deve-se ter um julgador que tenha o equilíbrio, bem como o bom-senso na tomada de decisões nas questões atinentes a essa seara. 3. Do Dever de Obediência, Abuso de poder e assédio moral dentro da esfera militar “PODER- (O conceito adotado que mais se aproxima deste trabalho é de Webber). Max Weber conceituou poder como sendo “a probabilidade de certo comando com um conteúdo específico a ser obedecido por um grupo determinado”. A concepção weberiana de poder parte da visão de uma sociedade-sujeito, resultado dos comportamentos normativos dos agentes sociais. Do conceito de Weber sobre o poder emergem as concepções de “probabilidade” e de “comando específico[7]”.  O exercício do poder impõe a vontade do outro se utilizando dele daí decorre o conceito de abuso de poder e como diria o finado processualista baiano Calmon de Passos 8, “quem diz o Direito é quem tem o poder.Um poder de transformar o uso da força bruta em uma força legitimada[8]”. É disso que se utilizam os que comandam para afetar os seus subalternos, uma síndrome do pequeno poder e que serve para coagir impondo através de determinações a sua vontade pessoal. Isso se dá porque por trás desse poder existe todo um instrumento de coerção, principalmente no que se atine a simples ameaça de prisão por cometimento de transgressão disciplinar o que desmoraliza qualquer militar, oficial ou praça, vindo a manchar a ficha dos mesmos com uma diminuição do conceito e podendo ainda em muitos estatutos de Polícia perder até sua licença-prêmio. Ao analisar o dever de obediência, primeiramente há de se ter em vista que somente à lei é que se deve a verdadeira obediência, ela é a única autoridade impessoal à qual o homem pode se submeter sem constrangimento à sua dignidade pessoal, todavia existem circunstâncias que decorrem da hierarquia e disciplina em que a obrigação de obediência não se esgota na lei e se prolonga na ordem do superior hierárquico.  Aquele que recebe a ordem tem o dever de analisá-la se o autor tem um poder de superioridade e tal ordem é manifestamente legal. Se a ordem contrariar preceito regulamentar ou legal, o executante pode solicitar sua confirmação por escrito de cumprimento, o que não é tão fácil na prática. Além da Disciplina e Hierarquia, a LEGALIDADE é também um pilar fundamental para o sucesso da missão constitucional atribuída às Forças Armadas e às Forças Auxiliares, devendo ser executada em conjunto com as virtudes militares, tais como: Respeito, Urbanidade, Probidade, Honra, Equilíbrio, Respeito, Caráter,  etc.                         Aliás, em toda e qualquer empreitada no mundo do trabalho se não houver Hierarquia e Disciplina, certamente o fracasso não tardará. No entanto, o emprego de tais fatores deve ser realizado com bom-senso e equilíbrio, sem os quais as bases da carreira militar estariam fracassadas. O acatamento das determinações de superiores, a dedicação exclusiva para o devotamento à nobre missão atribuída aos militares, é o indicativo de sublimação do ser humano militar. Mesmo porque, as características que envolvem a carreira intensificam ainda mais a estrutura hierárquica, de forma que, do soldado menos graduado ao Oficial Superior de mais alto posto, não há hipóteses em que possamos dispensar da obediência hierárquica e da disciplina, no entanto, o status de militar não é suficiente para despir o ser humano de  seus defeitos.Como em qualquer grupo social sempre existem pessoas que não se adequam eticamente e efetivamente às relações  humanas, seja extravasando seus desvios de conduta, seja prejudicando e perseguindo CONTINUAMENTE com severidade os seus subalternos. Desta forma, quando nos deparamos com tal ato, certamente o caminho estará aberto à analise deste perfil que desaguará no chamado processo de assédio moral. O assédio deve ser avaliado com muita prudência.  Vamos ao conceito dado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) : “Entende-se por assédio moral toda conduta abusiva, a exemplo de gestos, palavras e atitudes que se repitam de forma sistemática, atingindo a dignidade ou integridade psíquica ou física de um trabalhador. Na maioria das vezes, há constantes ameaças ao emprego e o ambiente de trabalho é degradado. No entanto, o assédio moral não é sinônimo de humilhação e, para ser configurado, é necessário que se prove que a conduta desumana e antiética do empregador tenha sido realizada com frequência, de forma sistemática. Dessa forma, uma desavença esporádica no ambiente de trabalho não caracteriza assédio moral.”(grifo nosso). Aquele que comanda uma instituição ou é gestor da unidade ou de um batalhão militar possui responsabilidades neste contexto, e se caso exista o processo de assédio moral na sua gestão e chegue até o mesmo o conhecimento de tal fato,o comandante tem a obrigação de esclarecer a situação vigente e punirá, se for o caso, os autores do fato em questão e ainda mais se  o militar que se valeu de mentiras para tirar da linha os fatos e induzir a erro o apurador terá  agravante na aplicação da pena  que ensejaram o assédio. O Código Penal Militar em vigor não atende totalmente ao processo de assédio moral. Muito embora não exista previsão diretamente ao sujeito ativo do processo, tem previsibilidade em alguns tipos penais que podem perfeitamente se coadunar a algumas condutas para se referir ao aludido processo. Assim, o Código Penal Militar não sanciona o assédio moral, enquanto processo complexo, mas faz previsão de tipos penais coligados a determinas condutas que direcionam, no caso concreto, o processo. O artigo 174 [9]do Código Penal Militar prevê o chamado de “Rigor Excessivo”,. O art. 176  nos traz  a chamada “Ofensa aviltante a inferior”. Estes servem e estão coadunados com o princípio da urbanidade ao subalterno que nada mais é que o respeito que o subordinado hierárquico tem que ter, tais tipos penais podem ser aplicados na ocorrência do ato do abuso. É de bom alvitre salientar que o Código Penal Militar ainda abarca os principais tipos penais também previstos na legislação comum ligados ao trato e a honra, que podem estar intimamente ligados ao assédio moral, como o crime de Maus Tratos , além dos crimes contra a Honra, todos também previsto no Código Penal Militar. É de grande importância corroborar que as alegações de prática do assédio moral por si só não devem ser manipuladas de forma negligente e irresponsável, como condutoras de vinganças pessoais ou arma para menoscabar a honra de outros militares. Desta forma, assim como caberá do Comando, frente a indícios de prática de determinado ato de assédio moral, instaurar o competente inquérito policial militar, fins de apurar os fatos e punir o infrator; caso se conclua que as acusações de assédio moral não tiveram materialidade suficiente para a conclusão do processo deverá o parquet denunciar aquele que de forma desidiosa e leviana causou a instauração de IPM, sabendo que o indiciado era inocente. É preciso também cuidado e convicção para denunciar tal ato, além  de grande lastro probatório, para  que esta denúncia não se paute em um meio de prova somente (na atualidade, há vários meios para colheita dessas provas) e seja fadada ao arquivamento. 4. CONCLUSÃO Como vimos inicialmente a base da instituição militar é a Disciplina e a Hierarquia, eles são os alicerces do militarismo, tais instrumentos se utilizados de forma errônea ou por pessoas despreparadas podem servir como arma de coerção de subalternos para atender interesses pessoais ou até mesmo político. Não se pode generalizar, mas o abuso de poder latente nas instituições militares ainda é uma realidade existente no país e não existe ainda uma fiscalização efetiva por parte de órgão que tem por função fazer o controle externo para averiguar essas situações. Todavia, tal fato se dificulta, pois, a maioria desses tipos penais dependem da representação do ofendido. Vimos também que assédio moral é um tema bastante complexo que não se exaure neste artigo específico e não é este o objetivo. Porém, ainda se pode lembrar a constatação de ser o assédio moral uma realidade ainda muito atuante ao ambiente de trabalho especificamente militar (matéria deste artigo). Com efeito, em razão das bases constitucionais, nos quais se assentam as Forças Armadas e às Polícias Militares é de bom alvitre também a análise de que caso haja um suposto caso de assédio moral deve ser dada a máxima atenção. Também não se pode transformar o fenômeno aqui tratado, real e com potencial extremamente vitimizador, em argumento para acusações sem causalidade nem conexão, tendentes a desestruturar as bases institucionais. Para que esse fator de cuidado seja efetivado, é imperioso que os Comandantes não esmoreça na medida de se esforçar para apurar rigorosamente e de forma equilibrada as informações acerca de existência do ato de assédio moral no âmbito de seus respectivos comando; destinando aos culpados as punições regulamentares ou remetendo a questão à Justiça Militar, ante a ocorrência de indícios de crime militar. Convém salientar que, muito embora possamos utilizar, no âmbito da Justiça Militar, os tipos penais punindo o assediador penalmente e administrativamente temos um viés apenas para determinados tipos de condutas que compõem o processo de assédio moral ou para as conseqüências por este geradas, não existindo lei abrangente que guarneça de forma nítida e específica o fenômeno como um todo, no âmbito federal. Igualmente, sempre é bom alertar que, defronte a hipótese de se aplicar, por exemplo, um dos tipos penais concernentes ao Código Penal Militar não estará sendo punido o assédio moral propriamente dito, mas sim uma ou algumas das condutas que integram o processo vitimizador.  Impende-se, ainda, que os aludidos tipos penais são autônomos em relação ou assédio moral, ou seja: sobrevivem por si. Pretendemos ainda  em outras oportunidades complementar o estudo do assédio moral destinado para o ambiente castrense, uma vez que consideramos o tema de grande utilidade sendo bastante atual a sua discussão e de alto relevo no âmbito das relações humanas  e porque não dizer no âmbito de gestão.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/direito-disciplinar-militar-do-dever-de-obediencia-ao-abuso-de-poder/
A impossibilidade de retenção de pagamento por ausência de regularidade fiscal da contratada pela administração pública
Este artigo propõe analisar a obrigatoriedade de manutenção da regularidade fiscal e documental pela contratada durante todo o período de execução do contrato de fornecimento ou prestação de serviços a administração. A eventual ausência de regularidade fiscal e documental exigidas no edital do procedimento licitatório impõe a impossibilidade de retenção de pagamento, considerando a administração deter outros mecanismos para analisar o eventual descumprimento da obrigação contratual. Os princípios constitucionais que regem a administração pública transportam ao prosseguimento do procedimento licitatório, visando o fornecimento, obras ou serviços de engenharia, bem como prestação de serviços necessário ao seu integral funcionamento e desenvolvimento. A administração pública deve realizar o pagamento em contraprestação ao fornecimento ou serviço prestado pela contratada, confirmada pela expedição da nota fiscal e aceite pelo fiscal do contrato, ainda que ausente sua regularidade fiscal e documental, porém, caberá a unidade gestora apurar sua responsabilidade com aplicação das penalidades descritas na Lei nº 8.666/1993. A análise indutiva do objeto propõe verificar a essência da aplicação da norma no caso concreto, de modo a orientar a administração nos procedimentos necessários ao processo de pagamento, de modo a não acarretar prejuízo tanto para o administrado, quanto ao normal funcionamento da administração pública.
Direito Administrativo
Introdução A administração pública se fundamenta pela legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência que norteiam em uma sequência constante de atos propostos a sua organização e integral funcionamento. A Lei nº 8.666/1993 disciplina os procedimentos que devem ser observados pela administração nos procedimentos licitatórios e contratos administrativos com garantias, direitos e obrigações a serem previstas para o fornecimento, construção de obras ou serviços de engenharia, prestação de serviços e locações necessários para seu funcionamento e desenvolvimento da entidade política que representa. A administração deve efetuar o pagamento a contratada em contraprestação pela execução do objeto proposto, comprovado no recebimento da nota fiscal acompanhada com os demais documentos no tempo e modo previstos no procedimento editalício. Apesar de ser obrigação da contratada em manter sua regularidade fiscal e documental exigidos no procedimento licitatório durante todo o período de execução contratual, por diversas situações apresentam irregularidade no momento do pagamento do objeto proposto, impossibilitando sua realização por parte da administração. Todavia, detendo o poder dever de acompanhar e fiscalizar a execução do objeto durante toda vigência contratual, a administração pública deve efetuar o pagamento devido, sob pena de retenção indevida, tendo, porém, a possibilidade de apurar a responsabilidade da contratada por descumprimento contratual com aplicação de penalidades previstas no contrato. Assim, a vertente encontra guarida de orientar a extrínseca observância da norma vigente no caso concreto, devendo a entidade abster de reter pagamento por ausência de regularidade fiscal e documental da contratada, pela possibilidade de adotar medidas imprescindíveis a não acarretar prejuízo ao gestor e ao normal funcionamento da administração pública. Desenvolvimento A administração pública se fundamenta pela legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência no exercício da função administrativa, conforme consagrada no art. 37 da vigente Carta Política da República, a qual norteará oprosseguimento de seu procedimento licitatório, conforme art. 3º da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, a Lei de Licitação e Contratos Administrativos, vejamos: “Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos”. Finalizado o processo licitatório com sua homologação, ou seja, conhecido a pessoa física ou jurídica que apresentou a proposta mais vantajosa para a administração, nos limites exigidos do objeto em seu edital, celebrará o contrato administrativo com o licitante vencedor, que irá executar obras, prestar serviços, inclusive de publicidade, fornecer bem, operacionalizar alienações, concessões, permissões e ou locação com a Administração Pública, sendo definida por Celso de Mello (2009), ser “um tipo de avença travada entre a administração e terceiros pela qual, por força de lei, de cláusulas pactuadas ou do tipo de objeto, a permanência do vinculo e as condições preestabelecidas assujeitam-se a cambiáveis imposições de interesse público, ressalvados os interesses patrimoniais do contratante privado”. A execução do objeto e interpretação do contrato se regula pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado, determinado no art. 54 do Estatuto de Licitação, bem com as formalidades expostas no rol exemplificativo do art. 55, que dispõe o seguinte: “Art. 55. São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam: I – o objeto e seus elementos característicos; II – o regime de execução ou a forma de fornecimento; III – o preço e as condições de pagamento, os critérios, data-base e periodicidade do reajustamento de preços, os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento; IV – os prazos de início de etapas de execução, de conclusão, de entrega, de observação e de recebimento definitivo, conforme o caso; V – o crédito pelo qual correrá a despesa, com a indicação da classificação funcional programática e da categoria econômica; VI – as garantias oferecidas para assegurar sua plena execução, quando exigidas; VII – os direitos e as responsabilidades das partes, as penalidades cabíveis e os valores das multas; VIII – os casos de rescisão; IX – o reconhecimento dos direitos da Administração, em caso de rescisão administrativa prevista no art. 77 desta Lei; X – as condições de importação, a data e a taxa de câmbio para conversão, quando for o caso; XI – a vinculação ao edital de licitação ou ao termo que a dispensou ou a inexigiu, ao convite e à proposta do licitante vencedor; XII – a legislação aplicável à execução do contrato e especialmente aos casos omissos; XIII – a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação”. Observe que a licitante deve apresentar na assinatura do contrato e manter durante a execução de seu objeto, as condições de habilitação exigidas na licitação, as quais são a jurídica, de qualificação técnica, de qualificação econômico-financeira, a regularidade fiscal e trabalhista e cumprimento do inciso XXXIII do art. 7o da Constituição Federal, descriminadas do art. 27 ao 33 do Estatuto de Licitação. Quanto à regularidade fiscal, segundo o art. 29 da estudada norma, a contratada deve apresentar prova de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Geral de Contribuintes (CGC); prova de inscrição no cadastro de contribuintes estadual ou municipal, se houver, relativo ao domicílio ou sede do licitante, pertinente ao seu ramo de atividade e compatível com o objeto contratual; prova de regularidade para com a Fazenda Federal, Estadual e Municipal do domicílio ou sede do licitante, ou outra equivalente, na forma da lei; prova de regularidade relativa à Seguridade Social e ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), demonstrando situação regular no cumprimento dos encargos sociais instituídos por lei; prova de inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho, mediante a apresentação de certidão negativa, nos termos do Título VII-A da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e outras que forem exigidas no edital do procedimento licitatório. É de bom alvitre ressaltar que a exigência de regularidade fiscal da contratada decorre do parágrafo 3º do art. 195 da Constituição Federal que proíbe “a pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios”, de modo a manter a legalidade e moralidade do procedimento licitatório pela administração pública. Ao manter a regularidade fiscal durante todo período de vigência contratual, a licitante deve apresentar as documentações exigidas inclusive para pagamento da Nota Fiscal, devidamente atestada pelo fiscal, que corrobora o cumprimento do objeto, conforme determina a Instrução Normativa nº 02, de 30 de abril de 2008, da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão: “Art. 36. O pagamento deverá ser efetuado mediante a apresentação de Nota Fiscal ou da Fatura pela contratada, que deverá conter o detalhamento dos serviços executados, conforme disposto no art. 73 da Lei nº 8.666, de 1993, observado o disposto no art. 35 desta Instrução Normativa e os seguintes procedimentos: § 1º A Nota Fiscal ou Fatura deverá ser obrigatoriamente acompanhada das seguintes comprovações:                  II – da regularidade fiscal, constatada através de consulta "on-line" ao Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores – SICAF, ou na impossibilidade de acesso ao referido Sistema, mediante consulta aos sítios eletrônicos oficiais ou à documentação mencionada no art. 29 da Lei 8.666/93”. Por circunstância que incumbe a contratada, pode ocorrer da não apresentação completa da regularidade fiscal através da certidão negativa ou positiva com efeito de negativa de débitos na instrução do processo de pagamento do objeto requestado na Nota Fiscal. Em uma análise perfunctória, a ausência dos documentos que comprovam a regularidade fiscal da contratada obsta a administração em efetivar o pagamento, considerando a obrigatoriedade de manutenção de todos os documentos exigidos na habilitação do procedimento licitatório durante todo período de execução contratual. Observe, porém, apesar da norma determinar a obrigatoriedade da contratada em apresentar sua regularidade fiscal no momento do pagamento, a nota fiscal devidamente atestada, comprova que a contratada entregou o objeto requisitado, seja pela autorização de fornecimento ou ordem de serviços, documentos estes emitidos pela administração ao fornecedor que determinando a entrega de bem ou prestação de serviços na execução contratual. Nesse norte, se a contratada cumpriu com sua obrigação na relação contratual, e apesar de haver ausência de documentos obrigatórios com sua regularidade fiscal, impossibilita a retenção por ausência de regularidade fiscal da contratada no momento do pagamento por enriquecimento ilícito da administração. É entendimento foi sedimentado pelo Tribunal de Contas da União no Acórdão nº 964/2012, senão vejamos: “CONSULTA. EXECUÇÃO CONTRATUAL. PAGAMENTO A FORNECEDORES EM DÉBITO COM O SISTEMA DE SEGURIDADE SOCIAL QUE CONSTEM DO SISTEMA DE CADASTRAMENTO UNIFICADO DE FORNECEDORES. CONHECIMENTO. RESPOSTA À CONSULTA. 1. Nos contratos de execução continuada ou parcelada, a Administração deve exigir a comprovação, por parte da contratada, da regularidade fiscal, incluindo a seguridade social, sob pena de violação do disposto no § 3º do art. 195 da Constituição Federal, segundo o qual "a pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o poder público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios". 2. Nos editais e contratos de execução continuada ou parcelada, deve constar cláusula que estabeleça a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação, prevendo, como sanções para o inadimplemento dessa cláusula, a rescisão do contrato e a execução da garantia para ressarcimento dos valores e indenizações devidos à Administração, além das penalidades já previstas em lei (arts. 55, inciso XIII, 78, inciso I, 80, inciso III, e 87, da Lei nº 8.666/93). 3. Verificada a irregular situação fiscal da contratada, incluindo a seguridade social, é vedada a retenção de pagamento por serviço já executado, ou fornecimento já entregue, sob pena de enriquecimento sem causa da Administração”. Todavia, não se pode admitir que a contratada permaneça reiteradamente em descumprimento contratual, com ausência de regularidade documental e fiscal exigidas na habilitação do processo licitatório no decorrer da execução contratual, conforme descrito no art. 55, XIII da Lei nº 8.666/1993. O Poder Público com sua prerrogativa soberana do interesse público na relação deve apurar a responsabilidade da contratada, pois impossibilitando a retenção de pagamento pela ausência de regularidade fiscal no momento do pagamento, ela está em descumprimento de obrigação contratual, podendo, porém, “conceder um prazo para que a contratada regularize suas obrigações trabalhistas ou suas condições de habilitação, sob pena de rescisão contratual, quando não identificar má-fé ou a incapacidade da empresa de corrigir a situação”, observa o parágrafo único do art. 34-A da Instrução Normativa nº 02/2008-SLTI/MPOG. Por outro lado, Marçal Justen Filho (2012) ensina que “verificando-se, após a contratação, que o contratante não preenchia ou não preenche mais os requisitos para ser habilitado, deverá promover-se a rescisão do contrato”. O caput do art. 34-A da Instrução Normativa nº 02/2008-SLTI/MPOG reitera que “o descumprimento das obrigações trabalhistas ou a não manutenção das condições de habilitação pelo contratado poderá dar ensejo à rescisão contratual, sem prejuízo das demais sanções”. A rescisão contratual deverá ser unilateral, conforme adverte o art. 79, I da Lei nº 8.666/1993, podendo a administração pública efetuar a retenção de créditos decorrentes do contrato até o limite dos prejuízos suportados. O Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso conclui a matéria com ressalvas, veja-se: “PREFEITURA DE PARANAÍTA. CONSULTA. LICITAÇÃO. CONTRATO. REGULARIDADE FISCAL E TRABALHISTA. RESCISÃO CONTRATUAL. RETENÇÃO DE PAGAMENTOS. 1) A regularidade fiscal e trabalhista é exigida para quaisquer das formas de contratação previstas na Lei nº 8.666/1993, incluídas as compras diretas, sendo condição a ser mantida durante toda a execução contratual e verificada para cada pagamento realizado ao contratado (conforme inteligência dos arts. 27 e 29 c/c art. 55, XIII, todos da Lei de Licitações), observada a faculdade prevista no § 1º do seu art. 32, bem como a obrigatoriedade imposta pela Resolução de Consulta nº 39/2008 deste Tribunal. 2) A não comprovação da regularidade fiscal e trabalhista do contratado na constância da execução contratual é motivo para a rescisão administrativa do contrato, garantida a ampla defesa e o contraditório, nos termos dos arts. 78, I, II, parágrafo único, e 79, da Lei nº 8.666/1993. Nesse caso, os créditos do contratado decorrentes da efetiva execução do objeto contratual devem ser pagos, ressalvada a possibilidade de retenção dos créditos até o limite de eventuais prejuízos suportados pela Administração, conforme previsão do art. 80, IV, da Lei nº 8.666/1993. 3) É possível à Administração, antes de adotar as medidas necessárias para a rescisão administrativa do contrato, conceder um prazo para que o contratado regularize suas obrigações fiscais ou trabalhistas, quando não identificar má-fé ou constatar a capacidade do contratado de corrigir a situação irregular. 4) Na hipótese de rescisão contratual em face da irregularidade fiscal ou trabalhista do contratado, a Administração deve analisar o custo/benefício da rescisão, ou seja, deve avaliar e formalmente justificar, sob a ótica da economicidade e da eficiência, o que melhor satisfaz o interesse público nessa situação, levando em conta: o estágio de evolução do cumprimento do contrato; os custos inerentes a uma nova contratação; e, a suficiência das garantias contratuais e dos créditos do contratado para indenizar eventual prejuízo ao erário decorrente da rescisão administrativa. 5) Não é possível a retenção de créditos devidos a contratados por motivo exclusivo de não comprovação de regularidade fiscal ou trabalhista – desde que não existam quaisquer outras pendências decorrentes da relação contratual que possam eventualmente causar prejuízos ao erário – tendo em vista a inexistência de previsão legal que autorize a retenção e que tal prática importaria em enriquecimento sem causa da Administração. Assim, não há que se falar de retenção de pagamento por ausência de regularidade fiscal da contratada, podendo, porém, serem adotadas medidas legalmente previstas para manter o cumprimento das obrigações assumidas na execução contratual ou a aplicação de penalidade sem prejuízo para a administração pública. Conclusão Ao analisar a impossibilidade de retenção de pagamento pela ausência de regularidade fiscal da contratada pela administração, observa-se sua convergência ao debate intrínseco sobre o direito positivo ao longe de ser escoada. A lei de licitações e contratos administrativos que norteia o procedimento de aquisições e prestação de serviços na administração determina a obrigatoriedade da contratada manter sua regularidade documental e fiscal exigidos na habilitação do processo licitatório durante todo o período de execução contratual. Com a entrega do objeto comprovada pela expedição e atesto da nota fiscal a administração tem o dever de efetivar o pagamento do valor requestado, ainda que a contratada não apresente sua regularidade fiscal, sob pena de enriquecimento sem causa. O poder conferido a administração pública na execução contratual o converge em adotar todas as medidas para apurar eventual descumprimento das obrigações assumidas pela contratada na vigência do instrumento contratual. O dever do gestor público na defesa do erário, não confere atuação discricionária e excessiva, devendo se pautar sob o manto da extrínseca legalidade na análise do caso concreto.
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Responsabilidade civil objetiva do estado
A Responsabilidade Civil Objetiva do Estado é uma matéria complexa que fundamenta o Risco Administrativo como teoria adotada em nosso ordenamento para consagrar a responsabilidade objetiva da Administração Pública pelo risco criado pela atividade administrativa.
Direito Administrativo
1. Introdução Não obstante ao fato de a Responsabilidade no âmbito cível ser em regra Subjetiva, conforme o disposto no artigo 186 do CC/02, onde todos respondem subjetivamente pelos danos causados à outrem e ainda, ao fato de a mesma Responsabilidade surgir excepcionalmente nos casos de omissão genérica do Estado, quando o dano não for causado pela atividade estatal em si, nem pelos seus agentes mas, por fenômenos da natureza (quando o Estado poderia concorrer para evitar o resultado e queda-se inerte), certo é que a Responsabilidade Civil do Estado será Objetiva e, assim o é desde a Constituição de 1946. 2. Fundamentação.  Atualmente este tema encontra-se codificado no artigo 37 § 6º da CF/88. “in verbis”: “Art.37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: §6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.” (g.n)  Antes de adentrarmos no mérito da Responsabilidade Objetiva propriamente dita, salutar frisar que, no texto legal acima mencionado, quando o Constituinte dispõem sobre administração pública direta e indireta, abrange não somente os entes Políticos (União, Estados, DF e Municípios) mas também suas Autarquias, Fundações Públicas bem como às Empresa Pública e Sociedade de Economia Mista, desde que estas duas últimas, sejam criadas para a prestação de serviços públicos. Os particulares prestadores destes serviços por delegação, a exemplo de Concessionárias e Permissionárias, também não fugirão a esta regra. Seguindo ao tema, para Celso Antônio Bandeira de Mello: “o fundamento da Responsabilidade Estatal é garantir uma equânime repartição dos ônus provenientes de atos ou efeitos lesivos, evitando que alguns suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa de atividades desempenhadas no interesse de todos. De consequente, seu fundamento é o princípio da igualdade, noção básica do Estado de Direito”. [1] À vista disso, a Teoria do Risco Administrativo é a adotada por nosso ordenamento como sendo o fundamento da Responsabilidade da Administração Pública.  Segundo Sérgio Cavalieri Filho, a Teoria do Risco Administrativo importa em atribuir ao Estado a responsabilidade pelo risco criado pela sua atividade administrativa. Essa teoria surge como expressão concreta dos princípios da equidade e da igualdade de ônus e encargos sociais. [2]  Com efeito, para Matheus Carvalho, em seu Manual de Direito Administrativo: “para que haja a responsabilidade objetiva, nos moldes do texto constitucional, basta que se comprovem três elementos, quais sejam: a conduta de um agente público, o dano causado a terceiro (usuário ou não do serviço) e o nexo de causalidade entre o fato lesivo e o dano. Nota-se que não há a necessidade de comprovação do requisito subjetivo, ou seja, o dolo ou a culpa do agente público causador do dano ou até mesmo a culpa do serviço, pela demonstração de serviço mal prestado como ensejador do dano. Se o agente público comprovar que agiu com diligência, prudência e perícia e que não teve a intenção de causar qualquer espécie de dano, ele estará isento de responsabilidade pessoal perante o Estado, mas não influencia na responsabilidade do ente público.” [3]  Neste sentido, importante frisar que a condição de agente do Estado deverá contribuir para a existência do liame entre o nexo de causalidade e o dano sofrido. Porém, não necessariamente o agente deverá estar “investido” na sua função para constituir a causa eficiente do evento danoso. Para melhor elucidar, vejamos precedente do Supremo Tribunal Federal sobre o tema onde, em acórdão de relatoria do eminente Ministro Carlos Mario Velloso, no RE 160.401- SP, 2ª Turma, se posiciona a respeito: “Constitucional – Administrativo – Responsabilidade Civil do Estado – Constituição Federal art.37§6º – Agressão praticada por soldado, com a utilização de arma da corporação: incidência da responsabilidade objetiva do Estado mesmo porque, não obstante fora do serviço, foi na condição de policial militar que o soldado foi corrigir as pessoas. O que deve ficar assentado é que o preceito inscrito no art. 37 §6º, da Constituição Federal não exige que o agente público tenha agido no exercício das suas funções, mas na qualidade de agente público”. (RTJ 170/631).  Noutro giro, observa-se ainda que o dispositivo constitucional ora estudado, não elenca a Responsabilidade apenas comissiva, notório que o codificado abarca também, as condutas omissivas específicas que são as ocasionadas quando o Estado está como garantidor ou guardião do direito e teria nestes casos, um dever específico; à exemplo disso, pode-se mencionar a morte de detento em rebelião de presídios; o suicídio cometido por paciente internado em hospital público, quando o hospital sabe desta pré-disposição do paciente; acidente com aluno nas dependências de escola pública, quando ocasionado por má estrutura do bem público; dentre outras.  Vejamos precedente da Suprema Corte neste sentido: “como se sabe, a teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros, desde a Carta Política de 1.946, revela-se fundamento de ordem doutrinária subjacente à norma de direito positivo que instituiu, em nosso sistema jurídico, a responsabilidade civil objetiva do Poder Público, pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, por ação ou por omissão (CF, art. 37, §6º). Essa concepção teórica – que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, tanto no que se refere à ação quanto no que concerne à omissão do agente público – faz emergir, da mera ocorrência de lesão causada à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la…, não importando que se trate de comportamento positivo (ação) ou que se cuide de conduta negativa (omissão) daqueles investidos da representação do Estado”… (AI 299.125/SP, Relator Ministro Celso de Mello). Frisa-se que este julgado fundamenta-se na omissão específica do Estado e não na genérica tratada no início do texto.  Ainda de acordo com o disposto no art. 37 §6º da CF/88, claro e incontroverso que, apesar de ser Objetiva a Responsabilidade do Estado, seu agente responderá em ação de regresso, de forma Subjetiva pelo dano causado. Ou seja, neste caso, há que se demonstrar e analisar o dolo ou a culpa do agente.  Questiona-se se há a possibilidade da propositura de ação “per saltum” da pessoa natural do agente. Comungo do mesmo entendimento que o Supremo Tribunal Federal ao entender não ser possível tal procedimento. Vejamos o julgado: “Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO: §6º DO ART. 37 DA MAGNA CARTA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. AGENTE PÚBLICO (EX-PREFEITO). PRÁTICA DE ATO PRÓPRIO DA FUNÇÃO. DECRETO DE INTERVENÇÃO. O §6º do artigo 37 da Magna Carta autoriza a proposição de que somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentes públicos, e não como pessoas comuns. Esse mesmo dispositivo constitucional consagra, ainda, dupla garantia: uma, em favor do particular, possibilitando-lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado que preste serviço público, dado que bem maior, praticamente certa, a possibilidade de pagamento do dano objetivamente sofrido. Outra garantia, no entanto, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional se vincular. Recurso extraordinário a que se nega provimento.” (RE 327904/SP –SÃO PAULO. Julgamento: 15/08/2006. Órgão Julgador: Primeira Turma).  Para Matheus Carvalho, esse entendimento do Pretório Excelso, tem fulcro no princípio da Impessoalidade. Consagra o Autor: “… um dos enfoques deste princípio define que não há qualquer relação entre o agente público e o particular prejudicado, haja vista o fato de que quando o agente causou o prejuízo, não o fez na condição de particular, o fez em nome do Estado. Em outras palavras, a conduta do agente público não deve ser imputada à pessoa do agente, mas sim ao Estado que está atuando por meio dele. Essa faceta do princípio da impessoalidade nada mais é do que a aplicação da teoria do órgão, ou teoria da imputação volitiva.” [4]  Do desfecho de ser cabível ou não a ação “per saltum”, surge ainda a discussão de ser ou não possível a denunciação à Lide ao agente público, posto que o artigo 125 do NCPC autoriza tal possibilidade. A doutrina majoritária entende que não, posto que tal instituto ampliaria subjetivamente o mérito da ação ocasionando prejuízo a celeridade do processo.  Percebe-se que este tema já foi cobrado em provas de concursos públicos. A Cespe, em prova realizada em 2015 para o cargo de procurador do TCU, considerou correta a seguinte assertiva: “em ações de indenização fundadas na responsabilidade objetiva do Estado, não é obrigatória a denunciação à lide de empresa contratada pela administração para prestar serviço de conservação de rodovias, ainda que o dano tenha sido causado em decorrência de má conservação da via.” Ainda sobre o tema, a mesma banca, em prova para Juiz Substituto do DF/2016 considerou como correta a assertiva: “o servidor público responderá por atos dolosos e culposos que causarem danos ao administrado, essa responsabilidade será apurada regressivamente em litígio que envolva o servidor e o ente público ao qual está vinculado, em caso de obrigação do Estado de ressarcir o dano causado ao lesado.  Já, o TRF5 em prova para Juiz Federal Substituto 5ª Região em 2015, ao questionar acerca da Responsabilidade Civil do Estado, considerou como correta a seguinte assertiva: “A responsabilidade das concessionárias e permissionárias de serviços públicos será objetiva, independentemente de a vítima ser usuário ou terceiro.” 3. Conclusão.  Do exposto, conclui-se que o Estado responderá de forma objetiva pelos danos causados aos administrados, vez que nosso ordenamento prima pela Teria do Risco Administrativo e, desta feita, a Administração Pública deve ser responsabilizada pelo risco criado pela sua atividade administrativa.
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Estudo do instituto da prescrição previsto na Lei 12.846/13
Este artigo tem por objetivo apresentar as regras prescricionais prevista na Lei Anticorrupção – de nº 12.846/2013 e realizar um estudo sobre essas regras abordando na análise os marcos iniciais da contagem prescricional, as causas interruptivas, a inter-relação desses marcos a partir da ótica das esferas de responsabilização administrativa e civil e os efeitos que o reconhecimento da prescrição opera no processo administrativo de responsabilização e na ação civil pública prevista no art. 19 da Lei anticorrupção.
Direito Administrativo
Introdução A lei 12.846 de 1º de agosto de 2013 mais conhecida como Lei Anticorrupção – LAC representou um avanço legislativo na repressão e no combate à corrupção. Ela veio com a missão de suprir uma lacuna no âmbito da responsabilização de pessoas jurídicas por atos de corrupção nas suas relações com o poder público, entendendo-se como “relações com o poder público” tanto as relacionadas ao tema licitações e contratos como qualquer outra que importe benefício indevido à pessoa jurídica. Em seu desiderato, o legislador tipificou as condutas que são consideradas lesivas à administração pública nacional ou estrangeira, as quais ficaram positivadas no artigo 5º, podendo-se classificá-las em atos lesivos à administração pública relacionados a licitações e contratos (art. 5º, IV) e atos lesivos à administração pública não relacionados ao tema licitações e contratos (art. 5º, I, II, III e V). É importante ainda destacar que a Lei 12.846/13 previu a responsabilização objetiva da pessoa jurídica nos âmbitos administrativo e civil. Para a apuração da responsabilidade administrativa da pessoa jurídica, a LAC criou o Processo Administrativo de Responsabilização – PAR. Já para a responsabilização civil, a LAC previu que esta se dará por meio de ação civil pública. Seja na esfera civil ou administrativa, por se tratar de responsabilização de pessoa jurídica por ato ilícito praticado, as referidas modalidades de responsabilização se situam na esfera do direito sancionador, o qual, por sua natureza, apresenta uma série de princípios norteadores que devem ser necessariamente observados pelos legitimados a proceder a apuração, tais como o devido processo legal, contraditório e ampla defesa, non bis in idem, proporcionalidade e razoabilidade, dentre outros. Dentre as diversas consequências que o enquadramento da responsabilização prevista na LAC ao direito sancionador impõe, pode-se citar a necessidade de observância do instituto da prescrição, o qual será o objeto de estudo deste artigo. O eminente professor Luiz Roberto Barroso[1] já ensinava que em qualquer dos campos do direito, a prescrição tem como fundamento lógico o princípio geral de segurança das relações jurídicas e como tal, é a regra. A imprescritibilidade é exceção da regra; ambas são tratadas pontualmente na Constituição Federal de 1988. No mesmo sentido se pronunciou o Ministro Benjamin Zymler. Para ele, “com a finalidade de impor regras aplicáveis a todos os atores sociais, o Estado do Direito tem como um de seus pilares centrais a segurança jurídica, que, no caso do direito de ação, tem como consectário as regras prescricionais. Almeja-se, com o instituto da prescrição, a estabilização das relações sócio-jurídicas em face da inércia do detentor original do direito. A imprescritibilidade, por se opor à ideia de segurança jurídica, é exceção, sendo admitida em direito apenas quando expressamente prevista e autorizada na Constituição ou na lei, o que não é o caso em exame.”[2] Também assim é o entendimento de Márcio de Aguiar Ribeiro[3]: “Percebe-se, desse modo, que a Carta Magna fez prevalecer como regra geral a prescrição do poder punitivo estatal, sendo os casos de imprescritibilidade elencados de forma absolutamente excepcional, como o fez em relação às ações de ressarcimento dos danos causados ao erário público ou em relação ao crime de racismo. À vista disso, conclui Munhoz de Mello que a omissão legislativa a respeito do prazo prescricional não poderá significar, jamais, que a atuação punitiva estatal da Administração será exercida sem limitações temporais. É em razão desse raciocínio que, apesar da ausência de expressa previsão do prazo prescricional do processo administrativo sancionador previsto na Lei nº 8.666/93, buscou-se a aplicação analógica de outros diplomas legais, a exemplo da Lei nº 9.873/99.”   A própria Constituição Federal já previu a necessidade de normas prevendo a prescrição. Veja-se: “Art. 37, § 5º da CF88 § 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.” Daí a conclusão de que ainda que não haja previsão específica de prescrição em lei que trata de procedimento e de sanção administrativa, a prescrição continua sendo a regra, devendo-se utilizar a prescrição de outra lei em analogia. É dizer que o nosso ordenamento jurídico entende que ninguém pode ficar à mercê de eventual aplicação de penalidade por prazo indeterminado. Após o decurso de determinado prazo prescricional previsto na norma, o Estado perde o seu poder sancionador, ficando impedido de aplicar sanção em decorrência de algum ilícito. Feita essa breve introdução, propõe-se com este artigo realizar um estudo sobre as regras prescricionais trazidas pela LAC, as hipóteses de interrupção e os efeitos do reconhecimento da prescrição. 1. O regramento prescricional trazido pela Lei 12.846/13 A Lei Anticorrupção trouxe norma prescricional própria a qual ficou assentada no seu artigo 25. São duas normas prescricionais, uma geral e uma específica. Segundo a norma geral, as infrações previstas na Lei 12.846/13 prescrevem no prazo de 05 anos a contar da data da ciência da infração. Já a norma específica tem o mesmo prazo prescricional de 05 anos, porém difere no marco inicial da prescrição. É que se trata de norma específica para os casos de infração permanente ou continuada, sendo o marco do início da contagem prescricional o dia em que a infração cessar. 1.1 Regra Geral – Inicio da Contagem prescricional O marco do início da contagem prescricional trazida pela Lei 12.846/13 no sentido de que a prescrição tem seu início a partir do momento em que a infração se torna conhecida é técnica pouco comum no direito administrativo sancionador. Essa técnica tem como exemplo de maior expoente a previsão prescricional da Lei 8.112/90, a qual previu no § 1º do artigo 142 que o “prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido”.   Essa técnica de contagem prescricional (a partir da ciência do fato) cria algumas dificuldades para o operador da norma, pois, se em algumas situações parece muito fácil identificar a data em que a infração se tornou conhecida, em outras situações não é tão simples assim. A primeira dificuldade que se aponta é que a norma informou que a prescrição começa a contar a partir da data da ciência da infração, mas não informou por quem essa infração deve se tornar conhecida para que se inicie a contagem prescricional. Como já visto, a LAC é uma lei que prevê a responsabilização civil e administrativa de pessoas jurídicas. Logo, há mais de um legitimado para promover a apuração e consequente responsabilização da pessoa jurídica. Se no lado da responsabilização administrativa temos como legitimado para promover a apuração a autoridade máxima de cada órgão ou entidade que sofreu o ato lesivo[4], no lado da responsabilização civil temos 02 legitimados diferentes e independentes entre si[5]: a) a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial e b) o Ministério Público. Se focarmos apenas na responsabilização administrativa, já há um grande espaço para muitas discussões sobre a forma que se entende hábil para considerar a ciência da infração para fins de início da contagem prescricional. A título de exemplo, podemos imaginar uma situação em que é entregue uma denúncia no protocolo de uma repartição pública narrando irregularidades cometidas por uma pessoa jurídica em determinado procedimento licitatório ocorrido na referida repartição pública. O recebimento dessa denúncia é suficiente para iniciar a contagem da prescrição ou esta contagem apenas se iniciará quando a denúncia for formalmente encaminhada para a autoridade máxima dessa repartição pública, autoridade legitimada pela LAC para promover a apuração? Para responder essa questão é necessário verificar os entendimentos sobre o tema no que tange à prescrição prevista na Lei 8.112/90, a qual apresenta técnica de início da contagem prescricional semelhante (data da ciência da infração) e já está consolidada a partir de entendimentos jurisprudenciais. Inclusive já há posicionamento do STJ nos autos dos Mandados de Segurança nº 14.446-DF e nº 11.974-DF, respectivamente, in verbis: “Ementa: A Terceira Seção desta Corte pacificou o entendimento de que o termo inicial do prazo prescricional da Ação Disciplinar é a data em que o fato se tornou conhecido da Administração, mas não necessariamente por aquela autoridade específica competente para a instauração do Processo Administrativo Disciplinar (art. 142, § 1º da Lei 8.112/90). Precedentes. (…) 4. Qualquer autoridade administrativa que tiver ciência da ocorrência de infração no Serviço Público tem o dever de proceder à apuração do ilícito ou comunicar imediatamente à autoridade competente para promovê-la, sob pena de incidir no delito de condescendência criminosa (art. 143 da Lei 8.112/90); considera-se autoridade, para os efeitos dessa orientação, somente quem estiver investido de poder decisório na estrutura administrativa, ou seja, o integrante da hierarquia superior da Administração.” (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. MS nº 14.446/DF – 2009/0121575-7. Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 13/12/2010) “Ementa: O art. 142 da Lei nº 8.112/90 – o qual prescreve que “O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido” – não delimita qual autoridade deverá ter obtido conhecimento do ilícito administrativo. Dessa forma, não cabe ao intérprete restringir onde o legislador não o fez. Desse modo, é razoável entender-se que o prazo prescricional de cinco anos, para a ação disciplinar tendente à apuração de infrações puníveis com demissão ou cassação de aposentadoria, comece a correr da data em que autoridade da administração tem ciência inequívoca do fato imputado ao servidor, e não apenas a partir do conhecimento de tais irregularidades pela autoridade competente para a instauração do processo administrativo disciplinar.” (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. MS nº 11.974/DF – 2006/0133789-1. Relatora: Ministra Laurita Vaz, julgado em 7/5/2007) Logo, parece apropriado defender entendimento similar ao STJ no sentido de que no que tange à responsabilização administrativa prevista na LAC, o marco inicial da regra geral seria a partir da ciência da infração por qualquer autoridade administrativa do órgão ou entidade que sofreu o ato lesivo, sendo prescindível para o início da contagem prescricional a ciência da autoridade máxima do órgão ou entidade pública lesada[6]. Ainda resta a dificuldade de se identificar o marco inicial da contagem prescricional para a responsabilização civil prevista na LAC. Como já apontado, a LAC trouxe dois legitimados diferentes e independentes entre si para promover a ação civil pública prevista no seu artigo 19. Nesse sentido, a partir da ciência de qual desses legitimados é que começa a contar o prazo prescricional para a responsabilização civil? Na hipótese de o Ministério Público tomar ciência de determinada infração, pode-se entender que iniciou a contagem prescricional em face do outro legitimado (ente subnacional), ainda que este último ainda não tenha tomado ciência? Dado o pouco tempo de vigência da lei anticorrupção, não se conhece posicionamentos jurisprudenciais a esse respeito. Entretanto, parece razoável defender que a prescrição deve ser contada por esfera de responsabilização e não necessariamente por legitimado. Caso contrário, poder-se-ia imaginar uma situação em que um dos legitimados tomasse conhecimento e, por inércia ou ineficiência, deixasse a infração prescrever; após a ocorrência da prescrição, incitasse o outro legitimado a realizar a responsabilização. Esse exemplo afronta justamente o princípio que o instituto da prescrição visou tutelar: a segurança jurídica. Portanto, em respeito à independência que cada um dos legitimados para responsabilização civil mantém em relação ao outro, defende-se que cada um desses legitimados que venha a tomar ciência de uma infração tipificada na LAC poderá iniciar seus procedimentos apuratório próprios. Entretanto, caso a pessoa jurídica objeto da apuração venha a arguir prescrição comprovando inequivocamente que o outro legitimado para promover a responsabilização civil tomou ciência da irregularidade, esse marco inicial da contagem prescricional terá de ser respeitado por ambos os legitimados. 1.2 Regra específica – infrações permanentes ou continuadas A LAC criou, além da regra geral prescricional, a regra específica para os casos de infração continuada ou permanente, cujo início da contagem prescricional terá como marco o dia em que a infração cessar. Numa leitura superficial, parece que o legislador quis resguardar um prazo maior de prescrição para as situações em que uma pessoa jurídica comete uma infração continuada ou permanente. É que nos casos de infração continuada ou permanente, mesmo que o órgão legitimado para promover a apuração tome conhecimento da infração, ainda assim não teria início a contagem prescricional, haja vista a infração continuar acontecendo. Indo para um exemplo prático, uma pessoa jurídica comete infrações continuadas desde janeiro de 2014. Em fevereiro de 2015 a auditoria interna do órgão público lesado identificou a infração, porém, a pessoa jurídica manteve sua conduta ilícita continuada até outubro de 2016. Nesse caso, o início da contagem prescricional não teria início em fevereiro de 2015 (regra geral), mas tão somente em outubro de 2016, que é a data em que a infração continuada cessou. Ocorre que ao criar uma regra específica alterando a técnica utilizada para o início da contagem do prazo prescricional (mudando de ciência do fato para ocorrência do fato), em muitos casos essa regra específica, ao invés de aumentar o prazo prescricional, como parece ter sido a intenção do legislador, acabará por diminuir esse prazo prescricional, se a compararmos com a regra geral. Partindo para outro exemplo, suponhamos que uma pessoa jurídica cometeu infrações continuadas ou permanentes no período de janeiro de 2014 a outubro de 2016. Entretanto, o órgão legitimado para promover a apuração só tomou conhecimento da(s) infração(ões) em julho de 2017. Neste caso, utilizando a regra específica teríamos que o marco inicial da contagem prescricional seria em outubro de 2016, antes, portanto, do conhecimento do órgão legitimado para promover a apuração. Ora, neste exemplo, a utilização da regra específica proporcionará a ocorrência da prescrição antes do que ocorreria se utilizássemos a regra geral. No limite, poderemos chegar a situações concretas em que o órgão legitimado para promover a apuração só venha a tomar conhecimento do ilícito após transcorridos 05 anos desde a cessação da infração. Nesses casos limites, quando a infração se tornar conhecida ela já estará prescrita. Entretanto, importante pontuar que não cabe ao órgão legitimado, diante de uma infração continuada ou permanente, decidir discricionariamente se utiliza a regra geral ou a específica. Ora, se a LAC criou uma regra específica para uma situação específica, sempre que se estiver diante dessa situação específica ter-se-á que se adotar a regra específica. 2. Interrupção e suspensão da prescrição Ainda sobre a prescrição, necessário verificar os casos de interrupção e suspensão previstos na Lei e como se dá a aplicação desses institutos na contagem prescricional. Inicialmente, cabe esclarecer a diferença entre interrupção e suspensão da prescrição e como elas interferem no cálculo prescricional. A suspensão do prazo prescricional ocorre por determinado período de tempo em decorrência de alguma situação prevista em lei. Deixando de subsistir a situação que justificou a suspensão do prazo prescricional, este volta a correr de onde parou. Então, se já havia se passado 03 anos desde o início da contagem prescricional e acontece uma situação em que a lei prevê a suspensão da prescrição, ao se encerrar essa situação que provocou a suspensão do prazo prescricional, a prescrição volta a correr, restando 02 anos até que se opere. Já a interrupção do prazo prescricional faz com que ele retorne sua contagem do zero. Então, se já havia se passado 03 anos desde o início da contagem prescricional e acontece uma situação que a lei prevê a interrupção da prescrição, esta voltará a contar do zero restando ainda 05 anos até que se opere a prescrição. A LAC previu duas situações distintas que interrompem a prescrição: a) a instauração de processo que tenha por objeto a apuração da infração[7] e b) a celebração de acordo de leniência[8]. Em relação à instauração de processo que tenha por objeto a apuração da infração, parece razoável defender que a instauração do PAR é o ato apto a interromper a prescrição para a esfera de responsabilização administrativa e que o ajuizamento da ação civil pública previsto no art. 19 da LAC seria o marco da interrupção da prescrição na esfera de responsabilização civil. Já a celebração do acordo de leniência, a partir da leitura do § 9º do art. 16, aparentemente teria a capacidade de interromper a contagem prescricional tanto da responsabilização administrativa quanto da responsabilização civil. “§ 9o  A celebração do acordo de leniência interrompe o prazo prescricional dos atos ilícitos previstos nesta Lei.” Mas tal entendimento gera algumas dificuldades práticas. Inicialmente, a LAC legitimou para celebrar o acordo de leniência a autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública que sofreu o ato lesivo. Logo, a celebração de um acordo de leniência é em essência um ato administrativo que não vincula o Ministério Público. Então, dada a natureza de ato administrativo do acordo de leniência, parece razoável defender que a celebração do acordo de leniência teria a capacidade de interromper tão somente o prazo prescricional da responsabilização administrativa, não tendo nenhum efeito na contagem prescricional da responsabilização civil, haja vista a independência que as esferas de responsabilização guardam entre si. É dizer que um ato administrativo não teria a capacidade de influir na contagem prescricional de uma esfera de responsabilização que é alheia à autoridade administrativa competente para firmar o acordo de leniência. No que se refere à suspensão da contagem prescricional, a LAC não trouxe nenhuma previsão. Logo, não há que se falar em suspensão do prazo prescricional para as infrações previstas na lei anticorrupção. 3. Efeitos da prescrição nos processos administrativo ou civil de responsabilização. Outro ponto que merece análise é o efeito que o reconhecimento da prescrição opera nos processos a instaurar ou já instaurados, mas não encerrados. Há dois posicionamentos possíveis que inclusive, podem repercutir de forma diferente em cada uma das esferas de responsabilização. O primeiro posicionamento é o de que a prescrição impede tão somente a aplicação da sanção. Nesse caso, o reconhecimento da prescrição pela autoridade legitimada para promover a apuração não impede a instauração do PAR ou propositura da ação civil pública, seu processamento e julgamento, ficando o Estado apenas impedido de aplicar a sanção. O segundo posicionamento é que o reconhecimento da prescrição pelo legitimado para promover a apuração seria um prejudicial ou impeditivo para a instauração do PAR ou propositura da ação civil pública, seu processamento e julgamento. Nesse segundo caso, ainda que já haja uma ação civil pública em curso ou um PAR instaurado, o reconhecimento da prescrição teria como consequência o arquivamento do processo sem análise da responsabilização da pessoa jurídica processada. Trata-se de uma definição relevante, já que a LAC não deixou claro qual o efeito decorrente do reconhecimento da prescrição, mas que tem significativos impactos nos processos de responsabilização instaurados ou a instaurar. Partindo-se para analogias, se tomarmos o processo administrativo disciplinar – PAD, cujas regras prescricionais estão insculpidas no art. 142 da Lei 8.112/90 como referência, verificamos que na seara disciplinar já restou consolidado o entendimento de que o reconhecimento da prescrição não é prejudicial à continuidade do processo. Tem-se por prática que, em se reconhecendo a prescrição, o processo segue seu curso normalmente até o julgamento. Ao final, a autoridade profere o julgamento (realiza juízo final de mérito) do processo e, em caso de condenação, declara na portaria de julgamento que deixa de aplicar a sanção em decorrência do reconhecimento da prescrição. Então, no PAD, mesmo que a Administração Pública reconheça a prescrição de determinada infração, ainda assim o processo segue seu curso normal, realizando-se todos os atos instrutórios subsequentes, inclusive observando as garantias do contraditório e da ampla defesa. Isso porque a apuração disciplinar se fundamenta na busca da verdade real dos fatos, com o fim de alcançar a eventual melhoria dos procedimentos administrativos a partir das investigações e independentemente da eventual aplicação de uma sanção ao seu final. No âmbito do direito processual penal, busca-se a construção de uma verdade formal, em que interessa para uma eventual condenação, os fatos e as provas que constam dos autos, independentemente se estão alinhadas – total ou parcialmente – com a realidade dos acontecimentos. Tomando como referência o código penal – CP e o processo penal, verifica-se que o CP elencou a prescrição como causa da extinção da punibilidade (art. 107). Inclusive, é prática comum no âmbito do processo penal que, caso seja declarada a prescrição pelo juiz ainda no curso do processo, ou mesmo antes do recebimento da denúncia, tal declaração extingue o processo quanto àquele enquadramento ou se torna prejudicial ao próprio recebimento da denúncia, ou seja, o juiz sequer realiza juízo final de mérito condenando o réu. Para o processo penal, o reconhecimento da prescrição é um prejudicial da continuidade do próprio processo. Inclusive já há posicionamento do STJ nesse sentido. Veja-se: “(REsp 1586096 – publicado em 12/09/2016) 33.1 – Contudo, passados os 12 anos previstos no Código Penal, art. 109, III [litteris, "a prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final (…)regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se em 12 anos, se o máximo da pena é superior a 4 anos e não excede a 8"], sem a ultimação das investigações, sobreveio a decisão judicial a que se  reporta o Código Penal, art. 107, IV,  figura [verbis, "extingue-se a punibilidade pela prescrição"], com a qual se declarou extinta sua punibilidade. 33.2 -Dessa decisão, proferida no juízo criminal, advieram efeitos jurídico-materiais penais, dentre eles o de considerar-se inexistente o crime, uma vez' que, tal qual se assenta na doutrina e na jurisprudência, com a prescrição da pretensão punitiva é como se o crime não houvesse sido praticado, assim já se pronunciou essa colenda Corte:” (grifei) Outros julgados no mesmo sentido: “TJ-RS – Recurso Crime RC 71002977411 RS (TJ-RS) Data de publicação: 31/01/2012 Ementa: QUEIXA-CRIME. REJEIÇÃO DA QUEIXA. PRESCRIÇÃO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. A prescrição extingue a punibilidade e fulmina o exame do mérito. Transcorrido prazo superior a dois anos da data do fato até o presente momento, sem qualquer março suspensivo ou interruptivo da prescrição, operou-se a prescrição com base na pena projetada. Incidência da Súmula 241 do TRF, prejudicado o exame do mérito. DECLARADA EXTINTA A PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO, PREJUDICADO O EXAME DO MÉRITO DA APELAÇÃO. (Recurso Crime Nº 71002977411, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Volcir Antônio… TJ-CE – Habeas Corpus HC 06256209820158060000 CE 0625620-98.2015.8.06.0000 (TJ-CE) Data de publicação: 01/09/2015” “Ementa: HABEAS CORPUS – PENAL E PROCESSUAL PENAL – USO DE DOCUMENTO FALSO – PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL COM O RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO – SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA EXTINGUINDO A PUNIBILIDADE, EM FACE DA PRESCRIÇÃO – PERDA DO OBJETO – WRIT PREJUDICADO – ART. 659 DO CPP. 1. Tendo sido concedido o benefício pleiteado pelo paciente, com a consequente extinção da punibilidade, perde objeto o presente writ. 2. Ordem prejudicada. A C Ó R D à O Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Habeas Corpus, ACORDAM os Desembargadores integrantes da Turma julgadora da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, à unanimidade, em considerar prejudicada a presente ordem liberatória, tudo em conformidade com o voto do Relator. Fortaleza, 01 de setembro de 2015”. Veja ainda posicionamento de Celso Martinez em artigo publicado no site jusbrasil[9]: “A prescrição da pretensão punitiva é chamada impropriamente de prescrição da ação, onde decurso do tempo faz com que o Estado perca o direito de punir, no tocante à pretensão do Poder Judiciário julgar a lide e aplicar a sanção abstrata. Pena abstrata é a cominada no preceito secundário da norma incriminadora. Esse tipo de prescrição ocorre antes da sentença final transitar em julgado e regula-se pela pena privativa de liberdade cominada para o delito. Com ela, fica extinta a própria pretensão do Estado de obter uma decisão a respeito do fato apontado como criminoso. Essa espécie de prescrição é equiparada à declaração da inocência, para efeitos penais. Não implica responsabilidade ou culpabilidade do agente, não lhe marca os antecedentes, nem gera futura reincidência”. No mesmo sentido o posicionamento de Rafael Araripe Carneiro e Igor Lacerda de Vasconcelos em artigo publicado no site Conjur[10]: “A prescrição é matéria prejudicial que impede a análise do mérito da ação penal, inclusive em grau de recurso, o que exige constante atenção aos prazos prescricionais. O entendimento perfilhado pela melhor doutrina ressalta o caráter prejudicial da prescrição. Veja-se: “A prescrição (…) constitui-se em matéria preliminar, isto é, impede a análise do mérito da ação penal, seja pelo juízo natural, seja em grau de recurso. Logo, em caso de prescrição não há falar em absolvição ou condenação, apenas em extinção da punibilidade. Nessa esteira, dispunha a Súmula 241 do extinto Tribunal Federal de Recursos: “A extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva prejudica o exame de mérito da apelação criminal” (Masson, Cleber. Prescrição Penal como Direito Fundamental: correlação lógica entre limites estatais ao direito de punir. In Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana, p. 817). Do mesmo modo, se tomarmos o processo civil como referência, caso haja o reconhecimento da prescrição pelo juiz, ato contínuo o processo é extinto sem o efetivo julgamento do pedido do autor da ação. A propósito tal procedimento restou consignado no art. 332, § 1º, do Novo Código de Processo Civil, nos seguintes termos: “§ 1o O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde logo, a ocorrência de decadência ou de prescrição”. Também no artigo 487, II do novo CPC, o tema foi tratado de forma semelhante. Senão vejamos. “Art. 487.  Haverá resolução de mérito quando o juiz: II – decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição;” Retornando à questão inicial: no caso das regras de prescrição trazidas pela Lei Anticorrupção, o reconhecimento da prescrição é um fato prejudicial à continuidade da apuração da infração? Uma vez reconhecida a prescrição de determinada infração, deve a Administração Pública arquivar o PAR e o juiz julgar a ação civil pública extinguindo-a sem analisar o mérito do pedido inicial, ao menos em relação à infração prescrita? Há bons argumentos para ambas as soluções possíveis. Pelo lado do entendimento de que a prescrição não prejudica a continuidade das apurações e julgamento das infrações, podemos trazer o princípio da verdade real e do dever de apurar que regem os processos de responsabilização, conforme mencionado. É dizer que a finalidade do processo de responsabilização não é punir e sim apurar a verdade dos fatos. A punição é mera consequência. Logo, se a punição não é a finalidade do processo, constitui interesse público a regular instrução e julgamento do processo, ainda que eventual sanção já esteja prescrita. Já em relação à defesa da tese de que a prescrição é prejudicial à continuidade da apuração e julgamento da infração, podemos trazer os princípios da eficiência, da economicidade, do resultado útil do processo e do tempo razoável de duração dos processos. Se a infração está reconhecidamente prescrita e já sabe de antemão que não poderá ser aplicada sanção alguma pelos fatos sob investigação, sob a perspectiva do princípio da eficiência, não faria sentido se continuar gastando recursos materiais, financeiros e humanos para ultimar o processo e vê-lo julgado no mérito. Atenderia melhor o princípio da eficiência e da economicidade utilizar esses recursos materiais, humanos e financeiros em outras apurações ainda não prescritas. Portanto, entende-se que a interpretação de que o reconhecimento da prescrição é prejudicial à continuidade da apuração, ao menos em relação às infrações prescritas, é a que melhor atende ao interesse público. 4. Conclusão Em suma, foi visto que em relação ao instituto da prescrição, a Lei Anticorrupção trouxe uma regra geral e uma específica. O prazo prescricional em ambos os casos é de 05 anos, alterando-se a técnica utilizada para o início da contagem do prazo prescricional. Na regra geral, inicia-se a contagem a partir do dia em que a infração se tornar conhecida e no caso da regra específica, no dia em que a infração continuada ou permanente cessar. Apontou-se ainda, o entendimento de que o cálculo da prescrição se dá de forma independente por esfera de responsabilização, ou seja, os marcos de início, de interrupção e de ocorrência da prescrição devem ser analisados de forma autônoma e independente em cada uma das esferas de responsabilização (civil e administrativa).   Por fim, foi defendida a ideia de que o reconhecimento da prescrição prejudica a continuidade e o julgamento de mérito do processo, devendo importar no arquivamento do processo em relação aos fatos prescritos, caso já instaurado, ou a sua não instauração, caso ainda esteja pendente de instauração para averiguação daqueles fatos.
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O poder de polícia das guardas municipais e a municipalização da segurança pública. A constitucionalidade da atuação das guardas municipais, como órgão do sistema de segurança pública na esfera municipal
O presente trabalho tem por objetivo analisar o poder de polícia das Guardas Municipais e a municipalização da segurança pública, bem com a sua constitucionalidade na atuação, de órgão de sistema de segurança pública, matéria que tem sido alvo de vários questionamentos por parte dos cidadãos e por órgão do sistema de segurança pública. Tema de importante relevância jurídica, afeta a segurança pública, que é um direito fundamental esculpido na constituição federal de 1988 em seu artigo 144, como um dever de todos e responsabilidade do estado. Neste contexto, o congresso nacional em agosto de 2014 com escopo de aclarar o § 8º do artigo 144 da CRFB/88,que versa sobre a possibilidade dos municípios criarem Guardas Municipais, editou a lei complementar 13.022/14 denominada Estatuto Geral Das Guardas Municipais, que nos dias hodiernos e alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela FENEM ( Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais. Todavia, os municípios por estarem mais próximo dos cidadãos tem uma visão mais concreta da criminalidade e da violência, destarte necessita de uma transição do sistema policial do centralizado para um sistema misto, em razão da crescente violência e criminalidade que afeta a sociedade brasileira. Inicialmente foi feito um trabalho de pesquisa bibliográfica, no intento de compreender o sistema de segurança pública atual. Posteriormente é feita uma análise do direito constitucional à segurança pública, o município e o federalismo brasileiro, a origem histórica das Guardas Municipais, passando-se em seguida a falar da competência constitucionais e o poder de polícia, bem como a participação do município na segurança pública. Analisa-se a lei complementar 13022/14 denominada de Estatuto Geral das Guardas Municipais, suas competências e princípios mínimos. Reportando-se também a efetividade e viabilidade da municipalização da segurança pública.[1]
Direito Administrativo
1 INTRODUÇÃO A preocupação na segurança pública, se faz cada vez mais necessária, passando a ser considerada problema fundamental e principal desafio ao estado de direito no Brasil.  A segurança é um direito fundamental de 2ª geração ou dimensão, de enorme visibilidade pública, presente nos debates tanto de especialistas como do público em geral, na busca de um imperativo de justiça e de bem-estar social. O problema relacionado com o aumento das taxas de criminalidade, sobretudo nos grandes centros urbanos, eleva a sensação de insegurança. Portanto, não podemos olvidar que tais direitos por serem fundamentais são comuns a todos os seres humanos, sem distinção de raça, sexo, classe social, religião, etnia, cidadania política ou julgamento moral, isto é, são inerentes a qualquer pessoa.  Com o advento da Constituição Federal de 1988, também conhecida como constituição cidadã, a questão da segurança recebe uma atenção especial por abranger o alargamento conceitual e institucional que envolve questões sociais e direitos humanos. Assim, foram sendo criados projetos e práticas coma parceria do poder público e sociedade civil. Constitucionalmente, a segurança pública é um assunto ligado diretamente ao governo federal e estadual, de acordo com o artigo 144 CRFB/88. Consequentemente, às corporações policiais dessas esferas, por décadas, têm assumido o papel de principal responsável, pelas ações de enfrentamento à criminalidade e à violência. Entretanto o § 8º da carta maior, faculta aos municípios a criação de guardas municipais como o escopo de proteger bens serviços e instalações. Por esta razão, cumpre salientar que as guardas municipais por estarem elencados no Título V do Capítulo III da CRFB/88, que versa sobre a Defesa do Estado e das Instituições Democráticas bem como Da Segurança Pública, torna-se indubitável que, tal órgão além de compor a administração pública direta, é um participe/ coadjuvante, de fato deste fenômeno empírico que é a segurança pública. Observamos ainda, que os governos estaduais encontram óbices para realizar uma gestão adequada às realidades de cada população nos diferentes municípios brasileiros, principalmente devido às grandes extensões territoriais, assim, o governo municipal, assumiu de forma empírica atribuições, responsabilidades, no campo da segurança pública e passou a se preocupar com a elaboração de uma política municipal de segurança pública, que Segundo Mirian Guindani, (2004pág74) o processo de gestão da segurança municipal. “As vantagens do governo local para a função de provimento de políticas municipais e multissetoriais para segurança pública. Sobretudo, na área da criminalidade urbana que deve envolver o fortalecimento das comunidades locais, especialmente na prevenção situacional aquela que tem por finalidade reduzir as oportunidades de que um delito criminal seja cometido”….[2] Todavia, apesar de estarmos vivenciando uma instabilidade, e um imenso sentimento de insegurança, sabemos que se faz necessário instituir os limites e as atribuições da esfera municipal, na constituição da República Federativa do Brasil para que possam ser reconhecidas, de fato e de direito, destarte faz- se necessário, uma emenda constitucional com o escopo de alterar o artigo 144 caputs, inserindo as guardas municipais como órgão de segurança pública. Desse modo, não podemos olvidar, que somente a emenda constitucional alterando o dispositivo em questão não resolveria a adversidade da segurança pública, uma vez que existem municípios que o espaço territorial e a escassez de recurso não possibilitaria uma gestão de qualidade, isto é, não basta crias órgãos de segurança pública e preciso investimento, capacitação, infraestrutura, pois trata-se de um direito fundamental, que tem o objetivo precípuo, a preservação da vida e a garantia de direitos esculpidos na CRFB/88 e nos tratados ao qual o Brasil e signatário. Ainda assim, o congresso nacional, no intento de regulamentar o § 8º da CRFB/88 editou em agosto de 2014 a lei complementar 13.022/14, denominada Estatuto Geral das Guardas Municipais, aclarando a lacuna constitucional deixada pelo legislador constituinte, no entanto o mandamento e alvo de Ação direta de inconstitucionalidade, proposta pela FENEME – Federação Nacional de Entidade de Militares Estaduais.  A inconstitucionalidade da lei, será julgada pelo STF, sobre a alegação que, a lei transformou as guardas em polícias e em bombeiros, com funções de prevenção e repressão imediata, além do atendimento de situações de emergência, em total afronta ao texto constitucional.  A federação enfatiza que a atuação das guardas municipais como polícia gera um risco jurídico no campo penal, caso as autoridades entendam que os guardas municipais, ao agirem fora do mandamento constitucional, estejam prevaricando de suas funções. Apesar da lei complementar ser alvo de ADI, observa-se que, outrora, as Guardas Municipais em vários municípios já eram participe e até mesmo protagonistas da segurança pública. Em razão do costume, devido á criação antecedente a CRFB/88 dessas instituições, ademais leis como o Estatuto do Desarmamento lei nº 10.826/03, autoriza o uso e porte de armas aos integrantes dessas instituições, sem contar equipamentos não letais, previsto na doutrina do "uso progressivo da força", onde está deve ser utilizada somente quando indispensável e na medida mínima necessária para fazer cessar a hostilidade. Entretanto este tema, propositalmente não será abordado no trabalho em tela, mais sim ulteriormente oportunizando, avultar os conhecimentos na matéria afeta a segurança pública. 2. O DIREITO CONSTITUCIONAL Á SEGURANÇA PÚBLICA Primeiramente é imperioso aclarar que, a segurança pública é um direto fundamental de 2ª geração, apesar da doutrina não tender a classificar objetivamente esse direito no arrolamento dos paradigmas, pode-se, no entanto, constatar essa categorização tendo em vista a sua natureza que é essencialmente uma prestação delegada ao ente estatal. Neste sentido, enquadra-se perfeitamente na noção de direito social de segunda geração/dimensão, não podendo se esquecer que, o mesmo direito à segurança que está previsto como direito individual e coletivo no Capitulo I do Título II da Constituição da República Federativa do Brasil – artigo 5º – está também expressamente positivado no Título seguinte (II), “Dos Direitos Sociais”, no caput do artigo 6º. Destarte o direito à segurança é um direito fundamental no ordenamento jurídico nacional. A este direito corresponde o dever do Estado, com a colaboração de todos (art. 144 da CRFB/88), de garantir a ordem púbica e a segurança dos cidadãos. Contudo a segurança, desde os primeiros agrupamentos humanos, sempre se constituiu numa necessidade inerente à coexistência humana segundo o jurista Cretella Junior (1986, p.160) destaca que para a vida em sociedade “[…] a segurança das pessoas e dos bens é o elemento básico das condições universais, fator absolutamente indispensável para o natural desenvolvimento da personalidade humana. ” Sem perde de vista tais ensinamentos, a carta magna, no bojo de seu preâmbulo afirma que, a segurança se constitui em um valor supremo inerente ao povo brasileiro. Corroborando esse pensar, nota-se que o constituinte no caput do art. 5º, Capítulo I – Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivo, trouxe a segurança como garantia precípua, consubstanciando o direito à segurança como um dos elementos essenciais à corporificação do Estado Democrático de Direito, o que explica Moreira Neto (1986, p. 110) vejamos. “Em última análise, a função-síntese do Estado é prestar esta segurança: é garantir todos os valores que informam e propiciam a convivência pacífica e harmoniosa entre indivíduos, entre grupos, dentro a nação e entre estados soberanos.”[3] Ademais na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, assevera o direito à segurança pública, com o escopo de se preservar a paz, a vida, a liberdade e a segurança pessoal (artigo 3º), transformando-o em um “inegável direito difuso 3 OS MUNICÍPIOS NO FEDERALISMO BRASILEIRO O conceito de federação encontra-se na união de estados para formação de um estado único. Tal forma de Estado, surgiu com a Constituição norte-americana de 1787, sendo este o berço do federalismo que predomina na atual realidade global de Estados democráticos de Direito. Nesse sentido, necessário se faz mencionar o entendimento do ilustre José Afonso da Silva que preconiza, in verbis “O federalismo, como expressão do Direito Constitucional, nasceu com a Constituição norte-americana de 1787. Baseia-se na união de coletividades políticas autônomas. Quando se fala em federalismo, em Direito Constitucional, quer-se referir a uma forma de estado, denominada federação ou Estado Federal, caracterizada pela união de coletividades públicas dotadas de autonomia político-constitucional, autonomia federativa”. Grifo nosso (José Afonso da Silva 1996, p. 101.)[4] A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu artigo 1º que a República Federativa do Brasil é constituída pela união indissolúvel de Estados, Municípios e Distrito Federal. Portanto, existem no Brasil quatro espécies de entes federados, dotados de autonomia por expressa determinação constitucional. Desse modo pode-se afirmar que os Municípios é uma entidade estatal de terceiro grau na ordem federativa com atribuições próprias de auto-organização, autoadministração, e auto legislação e governo autônomo, ligado ao Estado – membro de forma indestrutível.  Ademais a carta maior preconiza em seu artigo 18 que a organização política – administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e aos Municípios, todos com autonomia, destarte, a autonomia é, portanto, ponto principal de caracterização do Município como ente integrante da federação. Portanto na ordem legal, o Município é pessoa jurídica de Direito Público interno e, como tal, dotado de capacidade civil plena para exercer direitos e contrair obrigações em seu próprio nome, respondendo por todos atos dos seus agentes (CF, art. 37, § 6º). 4. A ORIGEM HISTÓRICA DA GUARDA MUNICIPAL[5] No período do brasil império no século XIX com a vinda da Família Real veio com ela “ a Guarda Real de Polícia”. Tendo em vista as peculiaridades do Brasil, essa Guarda teve que ser organizada, de acordo com a situação, urgente. Destarte, a Regência por intermédio de proposta do Regente Feijó, promulgou a lei de 10 de outubro de 1.831, autorizando as Províncias a criar um corpo de Guardas Municipais, as quais tinham a finalidade de manter a tranquilidade pública e auxiliar a justiça. Sendo nesta data comemorado o dia Nacional do Guarda municipal, que foi instituído em 1993 no Congresso Nacional de Guardas Municipais realizado em Curitiba. Neste mesmo decreto foi criada o Corpo de Guardas Municipais Permanentes, no Estado do Rio de Janeiro, no mesmo documento, os respectivos Presidentes das demais Províncias foram autorizados a também criarem suas Guardas. Em São Paulo, a Lei Provincial n. º 23, de 26 de março de 1866, sancionada por Joaquim Floriano de Toledo, então Presidente da Província de São Paulo, criou as guardas municipais, órgãos cuja finalidade era garantir a segurança pública; o art. 4º dessa lei do século passado, dizia: ‘‘Os guardas policiais farão, nos municípios e freguesias, todo serviço de polícia e segurança e tomarão o nome de Guardas Municipais’’[6] Ademais no ano de 1956, o Tribunal de Alçada de São Paulo decidiu em acórdão da lavra do juiz CERQUEIRA LEITE que “ao município lhe é dado prover quando respeite ao seu peculiar interesse e, pois, ao serviço de polícia municipal” (RT 254/432). A revogada Lei Orgânica do Município do Estado de São Paulo (Decreto-lei complementar n. º 9, de 31 de dezembro de 1969), mencionava no art. 4º, inciso 1º: ‘‘Ao município compete, concorrentemente com o Estado, zelar pela saúde, higiene e segurança pública’’. Destarte, evidencia-se que se reconhecia a legitimidade e necessidade das guardas municipais, bem como a competência dos municípios em questões afetas à segurança pública, concorrentemente com o Estado, em que pese ser um período de menor violência do que atualmente e com intensa centralização do poder, com hipertrofia do Poder Executivo, em que os municípios não gozavam de plena autonomia. No entanto cumpre salientar que foram criadas várias guardas municipais pelo Brasil com o cunho de forças policiais, até que, com o período militar, e através dos decretos-lei 667, de 02 de julho de 1969 e 1070, de 30 de dezembro de 1969, os municípios foram impedidos de exercerem segurança pública, ocasião em que se deu a extinção de várias guardas municipais criadas no Brasil, restando outras acopladas à banda municipal e outras ainda subsistiram com o nome de guardas metropolitanas, mas desenvolvendo apenas proteção de bens públicos municipais. Nesse interim, após a redemocratização do país, notadamente com o advento da CRFB/88, conferiu-se autonomia aos Municípios, tratados agora como entes federativos independentes, concedendo-o, a faculdade de criar guardas municipais para a proteção de seus bens, serviços e instalações, como reza o já citado art. 144, §8º da Carta Magna, fazendo novamente proliferar as guardas municipais pelo Brasil. Agora, com a edição da lei em estudo, se confere às guardas municipais poder de polícia e aos seus agentes o porte legal de armas de fogo, no que aumentam de importância e relevância no contexto da segurança pública, principalmente pela ampliação de suas competências e atribuições, sendo o período hodierno, sem dúvida, dos mais relevantes de sua história. 5 A GUARDA MUNICIPAL 5.1 COMPETÊNCIAS CONSTITUCIONAIS A competência das guardas municipais, está prevista na Constituição Federal no capitulo III, que trata sobre a Segurança Pública precisamente no artigo 144, § 8º, facultando aos municípios a criação de guardas municipais, com o escopo de proteger bens, serviços e instalações como dispuser a lei.  Por consequência , nota-se que o constituinte de 1988 delimitou a possibilidade dos Municípios de constituírem guardas municipais; trata-se, portanto, de um facultas agendi, ou seja, a Constituição apenas reconheceu a faculdade de constituir guardas municipais destinadas à proteção de bens, serviços e instalações, conforme dispuser em lei, não se elevando as guardas municipais a órgão do sistema de segurança pública, facultando apenas ao poder municipal sua criação, e não uma obrigação de instituir guardas municipais. Desta maneira, pontua Medeiros (2009, grifo do autor): “A Guarda Municipal (como igualmente a chamada “Força Nacional de Segurança” – Dec. nº 5.289, de 20/11/2004) não faz parte da segurança pública propriamente dita, tanto que não é listada no aludido caput do dispositivo constitucional, mas sim referida em um parágrafo (o 8º), cujo respectivo texto é explícito e conclusivo ao limitar a ação da mesma à proteção dos bens dos municípios e de seus serviços e instalações, e, ainda assim, desde que o seja “conforme dispuser a lei”.[7]  Nesse diapasão os dispositivos do artigo 144 firmam a competência administrativa, em que se estabelece o poder para o exercício de certas atividades típicas do poder público. Evidencia-se que, independentemente de se tratar de interesse local, regional ou nacional, o constituinte fez previsão expressa daqueles entes incumbidos de prover segurança pública, não constando entre eles, o ente municipal. Razão pela qual se infere que, as guardas municipais não se encontram inseridas como órgãos a compor o sistema de segurança pública. 5.2 A GUARDA MUNICIPAL E O PODER DE POLÍCIA. As Guardas Municipais são instituições centenárias que existiam para proteger as cidades, foram praticamente extintas durante o período militar, devido à transferência da competência da Segurança Pública para os Estados e retornaram a cena na Constituição de 1988 com a missão de proteger bens, serviços e instalações conforme disposição do artigo 144 da Carta Magna. De fato, estas organizações exercem diversas funções dentre elas, o de ser participe da segurança pública, desse modo surgi a pergunta, se a Guarda Municipal estaria investida do Poder De Polícia? Por esta razão é imperioso observarmos em breve relato, os poderes e deveres da Administração Pública, cujo a atuação produz efeitos internos externos, a serviço da coletividade, pois um dos principais motivos inspiradores de sua existência e justamente a de disciplinar as relações sociais, seja propiciando segurança aos indivíduos, seja na preservação da ordem pública ou mesmo praticando atividades que tragam benefício a sociedade. No entanto, é impraticável que a administração pública alcances seus fins colimados sem a presença de seus agentes, este como visto alhures é o elemento físico e volitivo, através do qual atua no mundo jurídico, constituindo-se os poderes administrativos. Lado outro, ao mesmo tempo que confere poderes, o ordenamento jurídico impõe deveres para aqueles que atuem em nome do Poder Público, são eles denominados os deveres administrativos. Tais poderes são uma prerrogativa de direito público outorgada aos seus agentes, nesse sentido, necessário se faz mencionar o entendimento do ilustre Jose dos Santos Carvalho Filho que preconiza, in verbis “O poder administrativo representa uma prerrogativa especial de direito público outorgada aos agentes dos Estados. Cada um desse terá seu cargo e execução de certas funções. Ora se tais funções foram por lei cometidas aos agentes, devem tu exerce-las, pois que seu exercício e voltado para beneficiar a coletividade. Ao fazê-lo, dentro dos limites que alei traçou, pode dizer que usaram normalmente os seus poderes. ”[8] Destarte, o uso do poder é de utilização normal pelos agentes públicos das prerrogativas que a lei lhes confere, sendo irrenunciáveis e obrigatoriamente exercidos pelos seus titulares. Comenos as prerrogativas publicas impõe o exercício, e lhe vedam a inércia, cujo reflexo atinge a coletividade.  Desse modo é necessário consignar o aspecto dúplice do poder administrativo denominado de poder – dever, sendo irretocáveis. Nesse raciocínio, o jurista HELY LOPES MEIRELLES, preleciona, de modo esclarecedor, no sentido de que: “Se para o particular o poder de agir e uma faculdade, para o administrador público é uma obrigação de atuar, desde que se presente o ensejo de exercitá-lo em benefício da comunidade²” Por esta razão e cediço que o Município como ente da federação deve atuar a sombra do princípio da supremacia do interesse público, isto é, o interesse particular há de se curvar-se diante do interesse coletivo, pois se não fosse assim se implantaria o caos. Dessa maneira quando o Poder público interfere na órbita do interesse privado para salvaguarda o interesse público, restringindo direitos individuais, atua no exercício do poder de polícia. Destarte uma análise sobre o poder de polícia se mostra pertinente em virtude de vários questionamentos, na sua maioria composta por leigos, sobre o poder de polícia conferido as Guardas Municipais para o cumprimento de suas funções cotidianas. Ao falar em poder de polícia surgem indagações sobre o que é, e quem tem esse poder de polícia, além dubiedade se as Guardas Municipais estariam investidas nesse mister. No intento de legitimação, a abordagem inicial é feita no conceito do Poder de Polícia exposto no Código Tributário Nacional, mais precisamente no artigo 78, senão vejamos: “Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente a segurança, higiene, a ordem, aos costumes, a disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, a tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos”.[9] Nesse raciocínio, o ilustre MEIRELLES preleciona, de modo esclarecedor, no sentido de que: “Poder de Polícia é a faculdade que dispõe a Administração Pública para conter os abusos do poder individual”[10] Segundo ele o Estado detém a atividade dos particulares que se revelar contrária, nociva ou inconveniente ao bem-estar social e a segurança nacional. Em linguagem menos técnica podemos dizer que, o poder de polícia é o mecanismo de frenagem, que dispõe a Administração Pública, para conter os abusos do direito individual. Por esse mecanismo, toda Administração Pública, detém a atividade dos particulares que se revelar contrária, nociva ou inconveniente ao bem-estar social. Nesse interim pode-se entender que o Poder de Polícia, portanto seria a capacidade que o Estado possui em limitar as liberdades individuais em nome do interesse público para que a sociedade não seja privada do seu bem-estar, ou da sua segurança. Desse modo pode – se concluir que a Guarda Municipal esta sim investida de tal mister. A esse propósito, faz-se necessário trazer à colação o entendimento do eminente José dos Santos Carvalho Filho que assevera: “A competência para exercer o poder de polícia é, em princípio da pessoa federativa a qual a constituição federal conferiu o poder de regular a matéria. Na verdade, os interesses nacionais ficam sujeitos a regulamentação e policiamento da união; as matérias de interesse regionais sujeitam-se as normas e a polícia estadual; e os assuntos de interesse local subordinam-se aos regulamentos edilícios e ao policiamento administrativo municipal.”[11] A despeito disso, se faz necessário demostrar a extensão de tal poder, para tanto devemos diferenciar os aspectos de polícia administrativa e judiciaria. Antes de traças a linha diferencial entre uma e outra, cabe notar que ambas se amoldam no âmbito de função administrativa, ou seja, representam atividades de interesse público. Sobre as diferenças entre ambas versa Mello: “Costuma-se, mesmo, afirmar que se distingue a polícia administrativa da polícia judiciária com base no caráter preventivo da primeira e repressivo da segunda. Esta última seria a atividade desenvolvida por organismo – o da polícia de segurança – que cumularia funções próprias da polícia administrativa com a função de reprimir a atividade dos delinquentes através da instrução policial criminal e captura dos infratores da lei penal, atividades que qualificariam a polícia judiciária. Seu traço característico seria o cunho repressivo, em oposição ao preventivo, tipificador da polícia administrativa”[12] Pelo até aqui exposto podemos visualizar que, em um primeiro plano, a polícia administrativa difere da polícia judiciária pelo momento em que agem. A primeira tem cunho preventivo, atuando para que o dano não se efetive. A segunda passa a agir quando o dano já foi consumado, tornando clara sua natureza repressiva. Desse modo podemos inferir que as Guardas Municipais atuam com o poder de polícia administrativo, na prevenção da vida, redução das perdas e danos, no patrulhamento preventivo, proteção dos direitos humanos fundamentais, do exercício da cidadania e das liberdades públicas, bem como o compromisso com a evolução social da comunidade, desse modo consiste no conjunto de intervenções da administração, conducentes a impor à livre ação dos particulares a disciplina exigida pela vida em sociedade. 5.3 O MUNICÍPIO COMO COADJUVANTE DA SEGURANÇA PÚBLICA Um dos principais desafios brasileiros é a segurança pública. As autoridades estão mais atentas aos problemas e elegem o combate à violência como uma das prioridades em seus programas. A segurança pública caminha cada vez mais para a integração e articulação entre as forças diversas presentes no território. Nesse sentido observa-se que, os municípios têm a competência legislativa elencada no artigo 30, inciso I, da CRFB/88, para desenvolver critério do interesse local, como ações de prevenção à violência, por meio da instalação dos equipamentos públicos, como iluminação e câmeras, além de ser facultado criarem guardas municipais para a proteção de bens, serviços e instalações, conforme preleciona o § 8º da carta maior. Entretanto encontramos posicionamentos, no qual, o interesse local do citado artigo remete à competência legislativa, não comportando a competência material, visto que segurança pública transcende ao interesse local, sendo de interesse nacional. Nesta linha de raciocínio, Lazzarini (1999, p. 115, grifo do autor) afirma que, fica assim demonstrado o total descabimento de pretextar-se o “interesse local” para justificar o emprego das guardas municiais na preservação da ordem pública, cujo valor não é de “peculiar interesse” do município, mas de interesse nacional, conforme remansosa doutrina jurídica nacional e estrangeira.  Raciocínio no qual, com a devida vênia, descordo pois os Municípios, por serem uma divisão administrativa de um estado, lhe é peculiar a proteção de pessoas, de bens, de serviços e de instalações, no âmbito local, porque tais providências se inscrevem no campo de segurança pública e da própria defesa do Estado, pois quem defende a parte defende o todo. Ademais, os municípios possuem uma visão muito mais real, do que de fato são os fatores geradores de crime e de violência, podendo através de um processo metodológico de observação, catalogação, controle estatístico e intervenção agir nos fatores geradores desses índices, através da prática do policiamento ostensivo, preventivo e reativo com as guardas municipais. Por derradeiro observasse que de fato as Guardas municipais atuam como partícipes de forma material, no cenário da segurança pública no âmbito municipal, colaborando com a ordem pública e a paz social, sobre a égide dos direitos, garantias e objetivos fundamentais previstos na Constituição Federal. 6 ANALISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA LEI FEDERAL 13.022/14 É de elementar importância, consignar que a lei complementar 13.022, institui normas gerais para as guardas municipais em âmbito nacional, no intento de disciplinar a norma de eficácia limitada contida no § 8º do artigo 144 da Constituição Federal. Tal norma caracteriza a guarda Municipal, como umas instituições de caráter civil, uniformizadas e armadas conforme previsto em lei, dando-lhes o múnus da proteção municipal preventiva, ressalvadas as competências da União, dos Estados e do Distrito Federal. Desse modo a lei 13.022/14, só vem legitimar o que já estava sendo praticado nos municípios, posto que, as guardas municipais, já estavam sendo utilizadas no policiamento preventivo e ostensivo, com atribuições e funções destinadas constitucionalmente aos órgãos estaduais e federais. Destarte através de uma norma infraconstitucional se tem ampliado e autorizado a compreensão acerca das guardas municipais, ao arrepio do determinado pela Constituição Federal, os municípios passam a ter a opção de possuir responsabilidade direta sobre a segurança pública. Nesse diapasão o TJ – Da cidade de São Pulo no processo nº 1010780-61.2015.8.26.0032 em Ação Civil Pública no intento de manter Controle Externo da atividade policial por meio do Ministério Público do Estado de São Paulo declarou inconstitucionalidade incidental da lei 13.022/14 dos dispositivos. Em verbis “Art. 5º. São competências específicas das guardas municipais, respeitadas as competências dos órgãos federais e estaduais: XIII garantir o atendimento de ocorrências, ou prestá-lo direta e imediatamente quando deparar-se com elas; XVII auxiliar na segurança de grandes eventos e na proteção de autoridades e dignitários”; Além disso alegando em síntese, que foi apurado que a Guarda Municipal do município de Araçatuba vem exercendo atividade policial, ocorrendo desvio de sua finalidade, sendo constatado abuso de autoridade, pois a Guarda Municipal local passaria a fazer patrulhamento preventivo e revista pessoas em abordagens, nos cidadãos, fazendo alusão a legislação infraconstitucional em apreço. 6.1 COMPETÊNCIA O texto infraconstitucional, destaca duas formas de competência, em seu artigo 4º apresenta a competência geral, sendo a proteção de bens, serviços, logradouros públicos municipais e instalações do Município, o referido artigo inova na proteção de logradouros públicos ampliando a norma contida no § 8º do artigo 144 da CRFB/88, e no bojo do seu artigo 5º as competências específicas com respeito as competências dos órgãos federais e estaduais Nesse sentido destacaremos as que contem relevância jurídica na ótica de sua constitucionalidade. Em primeiro no aspecto do artigo 4º parágrafo único que tradas dos bens de forma ampla, ou seja, os de uso comum, dominicais e especiais.  A definição e distinção dos bens públicos está descrito no código civil de 2002 senão vejamos um breve relato sobre ele. Os bens de uso comum do povo ou de Domínio Público são os bens que se destinam à utilização geral pela coletividade (como por exemplo, ruas e estradas). Já os bens de uso especial ou do Patrimônio Administrativo Indisponível são aqueles bens que se destinam à execução dos serviços administrativos e serviços públicos em geral (como por exemplo, um prédio onde esteja instalado um hospital público ou uma escola pública). De outro lado os bens dominicais ou do Patrimônio Disponível são aqueles que, apesar de constituírem o patrimônio público, não possuem uma destinação pública determinada ou um fim administrativo específico (por exemplo, prédios públicos desativados). Em segundo plano analisaremos os aspectos que a lei infraconstitucional revela sobre a incolumidade das pessoas, implícito no artigo 5º do diploma infraconstitucional.  Desse modo se faz imperioso descrever o conceito de incolumidade pública, isto é, evitar o perigo ou risco coletivo, tem relação com a garantia de bem-estar e segurança de pessoas indeterminadas ou de bens diante de situações que possam causar ameaça de danos. Nesse interim, observa-se que é um mister não só das guardas municipais, mais da administração pública, nesse sentido observa-se que, os municípios têm a competência legislativa elencada no artigo 30, inciso I, da CRFB/88, para desenvolver critério do interesse local, como ações de prevenção à violência, no intento de evitar o perigo ou risco coletivo, garantindo assim o bem-estar social. Passamos agora a discorrer sobre a ordem pública, para tanto devemos entender o que significa ordem pública segundo o artigo 2º, “21” do Decreto n. 88.777/1983, in verbis: “Ordem Pública – Conjunto de regras formais, que emanam do ordenamento jurídico da Nação, tendo por escopo regular as relações sociais de todos os níveis, do interesse público, estabelecendo um clima de convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado pelo poder de polícia, e constituindo uma situação ou condição que conduza ao bem comum.”[13] Por esta razão e indubitável que a norma infraconstitucional avultou, as competências das guardas municipais no cenário da segurança pública, conferindo às o poder da polícia, porque não dizer o poder da polícia ostensiva, afinal agora os guardas municipais estão autorizados por lei a auxiliar na manutenção da ordem pública.  É cediço que a constituição Federal, foi taxativa em elencar em seu artigo 144 caputs o órgão responsável pela ordem pública, de forma exclusiva sendo a – polícia federal; polícia rodoviária federal; polícia ferroviária federal; polícias civis; polícias militares e corpos de bombeiros militares.  Entretanto é inegável que, as guardas municipais são participes dessa prerrogativa constitucional, posto que missão fundamental das Guardas Municipais é garantir ao cidadão o acesso ao serviço público municipal com segurança, e possibilitar o exercício dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal e nos termos do art. 5, §2º da CF nos tratados internacionais subscritos pelo Brasil, o que é abarcado pela ordem pública. Não obstante, dada à multiplicação dessas instituições por todo país, e a sua efetiva participação na manutenção da ordem pública, incolumidades das pessoas e do patrimônio dentre outras, em conjunto com os demais agentes de segurança pública. É de grande importância, a regulamentação definitiva, na ótica constitucional, destes órgãos por parte do Congresso Nacional, com o escopo das Guardas Municipais não serem coadjuvantes da segurança pública, e sim mais um protagonista do cenário emergente e fundamental, que é a segurança em todo Brasil. Neste interim é imperioso destacar a repercussão geral acolhida pelo STF, que analisará limite de legislativo local para definir atribuições de guarda municipal, o que foi provocado em Recurso Extraordinário (RE) 608588, em que se discute os limites de atuação das Câmaras de Vereadores para legislar sobre as atribuições das guardas municipais. Para o relator do RE, ministro Luiz Fux, a reserva de lei prevista no dispositivo constitucional é muito abrangente, por isso é preciso que o STF defina “parâmetros objetivos e seguros” que possam nortear o legislador local. Acrescentou ainda que “não raro o legislador local, ao argumento de disciplinar a forma de proteção de seus bens, serviços e instalações, exorbita de seus limites constitucionais, exemplo do artigo 30, I, da Lei Maior, usurpando competência residual do Estado. No limite, o que está em jogo é a manutenção da própria higidez do Pacto Federativo” 6.2 PINCÍPIOS MINIMOS A redação do artigo 3º do diploma infraconstitucional é clara quanto aos novos princípios da guarda municipal, sendo a proteção dos direitos humanos fundamentais, do exercício da cidadania e das liberdades públicas; preservação da vida, redução do sofrimento e diminuição das perdas; patrulhamento preventivo; compromisso com a evolução social da comunidade; e uso progressivo da força. Desse modo percebe-se que o legislador, incumbiu as guardas municipais a prevenção como atividade precípua, ou seja, o município como parte pujante na defesa dos direitos e garantias fundamentais. 6.3 A LEI 13.022 3 O ARTIGO 144, §8º DA CRFB/88 A redação do artigo 144 da Constituição Federal não deixa dúvidas com relação a quem imputa o dever de efetivar o direito fundamental à segurança pública: ao Estado, com a responsabilidade de todos, assim, tem-se que ao Estado, ente que detém o monopólio do uso da força, cabe organizar-se em termos de instituições, pessoal, aparelhamento e atribuições dentre outros aspectos, para garantir que as pessoas sintam-se protegidas e, assim, aptas a normalmente viverem suas rotinas. Deste modo pode se concluir que além de ser taxativo, o sistema de segurança pública brasileiro é formado, basicamente, por instituições federais de competências específicas, e por instituições estaduais de competência geral (ostensiva e judiciária).  Por consequência , nota-se que o constituinte de 1988 delimitou a possibilidade dos Municípios de constituírem guardas municipais § 8º do artigo 144 CRFB/88; trata-se, portanto, de um facultas agendi, ou seja, a Constituição apenas reconheceu a faculdade de constituir guardas municipais destinadas à proteção de bens, serviços e instalações, conforme dispuser em lei, não se elevando as guardas municipais a órgão do sistema de segurança pública, facultando apenas ao poder municipal sua criação, e não uma obrigação de instituir guardas municipais. No entanto cumpre repisar que a norma infraconstitucional lei 13.022/14, apenas regulamentou o § 8º da CRFB/88, não transformando as Guardas Municipais em Policias Municipais. Por esta razão cumpre ressaltar que há entendimentos que tal lei, por violar a Constituição Federal, e objeto de controle de constitucionalidade, já proposta no STF.  Neste contexto, não podemos deixar de relacionar a guarda municipal com prisão em flagrante, vez que, é um ponto muito questionado e polemico na atuação dos Guardas Municipais, desse modo se faz necessário investigar o código de processo penal em seu artigo 301 in verbis. [14] “Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.” Verifica-se que o mandamento jurídico sustenta duas possibilidades, que passamos a entender, a primeira parte trata-se do chamado flagrante facultativo, isto é, atribuindo uma faculdade a qualquer que seja, na segunda parte temos o flagrante obrigatório, ou seja, e um mandamento suas autoridades devem prender quem quer seja encontrado em flagrante delito. Desse modo não a de se falar em usurpação de função pública, uma vez que como bem preleciona o artigo do diploma processual qualquer um do povo pode, isso corrobora o que a constituição preconiza no bojo do seu artigo 144 caputs, a segurança pública e direitos de todos. Não obstante o STJ em RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 20.714 – SP, jugou improvido o recurso em comento o qual teria a pretensão de ver a prisão de um paciente relaxada por ilegalidade da prisão em flagrante e, consequentemente, em prova ilícita, porque efetuada por guardas municipais, que estavam de ronda e foram informados da ocorrência da prática de tráfico de drogas. Desse modo consignou que prisões em fragrante seja qual for realizada por guardas municipais não estão eivadas de ilegalidade por exercerem o chamado fragrante facultativo, ou seja qualquer um do povo pode. Contudo é necessário analisarmos este posicionamento, pois se for meramente facultativo observa-se que o múnus o qual e investido, de prestar um serviço público, mesmo que seja somente os bens e patrimônios da municipalidade estaria fragilizado, uma vez que ficaria a escolha do agente, perdendo eficácia da função pública que e servir o cidadão. Além disso se diante de uma situação de flagrância de um delito tendo meios e condições de proteger, defender, assegurar as garantias fundamentais que preleciona nossa carta magna, o agente municipal se não agir será que não estaria retardando ou deixando de praticar, ato de ofício, contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal? Ademias o princípio reconhecido pela administração pública denominado como eficiência não estaria comprometido? Observa-se então a complexidade do ato, pois o particular ao enxergar a figura pública uniformizada, armada do agente da Guarda Municipal clamará por segurança diante de um perigo imediatos ou iminentes. 6.4 MUNICIPALIZAÇÃO DA SEGURANÇA PÚBLICA? Primeiramente é imperioso salientar que, é relevante que os municípios assumam seus papeis ante a questão, não só no intento de se tornar constitucional mais, com escopo de obter uma segurança jurídica tanto para administração pública quanto para o particular, uma vez que a administração visa sempre o interesse público e bem-estar social com base no princípio da legalidade.  No entanto, determinar a quem cabe a normatização não é das tarefas mais simples, todavia, não há que se falar em hermenêutica complexa no caso, basta apenas, em nosso entendimento que se jogue luzes sobre a inteligência do artigo de lei basilar do texto constitucional de 1988, que traz em seu bojo a competência dos municípios de também exercer de fato e direito segurança pública, isto é, tirar da escuridão, no afã de tornar a gestão pública perfeita. Para tanto se faz necessária uma emenda constitucional, nos preceitos da carta magna que tem previsão no artigo 60, no intento de modificar o texto da Constituição Federal após sua promulgação, pois somente este processo que garante que a Constituição seja modificada em partes, para se adaptar e permanecer atualizada diante de relevantes mudanças sociais. 7. CONCLUSÃO Em virtude do que foi mencionado conclui-se que a segurança, desde os primeiros agrupamentos humanos, sempre se constituiu numa necessidade inerente à coexistência humana, além disso é um direito fundamental no ordenamento jurídico nacional de segunda geração, corresponde ao dever do Estado, com a colaboração de todos (art. 144 da CRFB/88), de garantir a ordem púbica e a segurança dos cidadãos. Entretanto constitucionalmente, a segurança pública é um assunto ligado diretamente ao governo federal e estadual , assumido o papel de principal responsável, pelas ações de enfrentamento à criminalidade e à violência, no entanto, os governos estaduais encontram óbices para realizar uma gestão adequada às realidades de cada população nos diferentes municípios brasileiros, principalmente devido às grandes extensões territoriais, desse modo o governo municipal, assumiu atribuições e responsabilidades, sendo um participe no campo da segurança pública e passou a se preocupar com a elaboração de uma política municipal de segurança. Destarte é imprescindível que todos se conscientizem de que a Constituição Federal de 1988 estabelece em seu artigo 1º que a República Federativa do Brasil é constituída pela união indissolúvel de Estados, Municípios e Distrito Federal. Portanto, existem no Brasil quatro espécies de entes federados, dotados de autonomia por expressa determinação constitucional. Desse modo pode-se afirmar que os Municípios é uma entidade estatal de terceiro grau na ordem federativa com atribuições próprias de auto-organização, autoadministração, e auto legislação e governo autônomo, ligado ao Estado – membro de forma indestrutível. Ademais o município é pessoa jurídica de Direito Público interno e, como tal, dotado de capacidade civil plena para exercer direitos e contrair obrigações em seu próprio nome, respondendo por todos atos dos seus agentes (CF, art. 37, § 6º). Observa-se que no início século XIX, com a vinda da família real a Brasil veio com ela “ a Guarda Real de Polícia que teve que ser organizada, urgentemente de acordo com a situação e peculiares da época, desse modo a regência, por intermédio de proposta do Regente Feijó, promulgou a lei de 10 de outubro de 1.831, autorizando as Províncias a criar um corpo de Guardas Municipais, as quais tinham a finalidade de manter a tranquilidade pública e auxiliar a justiça urgente. Com a criação desde decreto foi criado no Estado do Rio de Janeiro e São Paulo o Corpo de Guardas Municipais Permanentes, órgãos cuja finalidade era garantir a segurança pública. Ademias no ano de 1956, o Tribunal de Alçada de São Paulo decidiu em acórdão da lavra do juiz CERQUEIRA LEITE que “ao município lhe é dado prover quando respeite ao seu peculiar interesse e, pois, ao serviço de polícia municipal” (RT 254/432). Dessa maneira evidencia-se que se reconhecia a legitimidade e necessidade das guardas municipais, bem como a competência dos municípios em questões afetas à segurança pública, concorrentemente com o Estado, com hipertrofia do Poder Executivo, em que os municípios não gozavam de plena autonomia. No entanto cumpre salientar que foram criadas várias guardas municipais pelo Brasil com o cunho de forças policiais, até que, com o período militar, e através dos decretos-lei 667, de 02 de julho de 1969 e 1070, de 30 de dezembro de 1969, os municípios foram impedidos de exercerem segurança pública, ocasião em que se deu a extinção de várias guardas municipais criadas no Brasil, porem nos dias hodiernos as Guardas municipais passaram a desempenhar apenas proteção de bens públicos, e instalações municipais como preconiza o artigo 144 § 8º da magna carta. Desse modo aos municípios lhe foi dado uma facultas agendi, ou seja, a Constituição apenas reconheceu a faculdade de constituir guardas municipais destinadas à proteção de bens, serviços e instalações, conforme dispuser em lei, não se elevando as guardas municipais a órgão do sistema de segurança pública, facultando apenas ao poder municipal sua criação, e não uma obrigação de instituir guardas municipais. Todavia, os municípios possuem uma visão muito mais real, do que de fato são os fatores geradores de crime e de violência, podendo através de um processo metodológico de observação, catalogação, controle estatístico e intervenção agir nos fatores geradores desses índices, através da prática da prevenção reativa com as guardas municipais, colaborando com a ordem pública e a paz social, sobre a égide dos direitos, garantias e objetivos fundamentais previstos na Constituição Federal. Nesse interim o congresso nacional originou a lei 13.022 denominada como Estatuado Geral das Guardas Municipais, complementando a lei de eficácia limitada, contida no § 8º da Constituição Federal, com escopo de aclarar as atribuições das Guardas Municipais em todo território nacional, Portanto a municipalização da segurança pública implica na transição do sistema policial brasileiro da forma centralizada para a forma mista, dessa feita faz necessário uma emenda à constituição no intento de obter uma segurança jurídica tanto para administração pública quanto para o particular, uma vez que a administração visa sempre o interesse público e bem-estar social com base no princípio da legalidade. Cumpre repisar que está em tramitação no Congresso Nacional projetos de lei versando sobre a criação da Policia Municipal senão vejamos: PEC 534/2002 que altera o art. 144 da Constituição Federal, para dispor sobre as competências da guarda municipal e criação da guarda nacional. E seus apensos PEC 87/1999, PEC 240/2000; PEC 250/2000; PEC 124/1999; PEC 154/1999, PEC 266/2000 PEC 275/2000; PEC 276/2000; PEC 280/2000; PEC 284/2000; PEC 291/2000; PEC 449/2001; PEC 317/2000; PEC 532/2002 (1); PEC 49/2003; PEC 95/1995 (4); PEC 392/1996; PEC 343/1996; PEC 409/1996; PEC 247/1995; PEC 151/1995 (4); PEC 156/1995; PEC 514/1997; PEC 613/1998; PEC 181/2003; PEC 7/2000. Ademais a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado aprovou o Projeto de Lei 5488/16 que altera o Estatuto Geral das Guardas Municipais (Lei 13.022/14) para permitir que os guardas municipais também possam ser chamados de “policiais municipais” Destarte são apenas alguns temas entre os inúmeros suscitados quando da apreciação do assunto e que se fazem presentes na produção dos diagnósticos de segurança pública municipal. Assim, esperamos ter contribuído para o aprofundamento da discussão sobre a municipalização da segurança pública no Brasil.
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Desvio de finalidade e documentação escrita dos atos administrativos: os limites entre a modernização e as velhas práticas da administração pública brasileira
Este artigo tem por objetivo analisar e discutir a relação entre o desvio de finalidade no serviço público brasileiro e a importância, para combatê-lo e preveni-lo, de documentar por escrito referidos atos, preferencialmente logo após a sua prática e em sistema de informação, a fim de evitar a impressão de papel. Sistematiza o autor nova classificação de atos administrativos a fim de melhor expor seu trabalho.
Direito Administrativo
Introdução A Constituição brasileira é considerada uma das mais avançadas do mundo. Em recente entrevista concedida a Pedro Bial (programa Conversa Com Bial, da Rede Globo, veiculada em 22 de maio de 2017), o ex- ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), jurista Ayres Brito afirmou haver respeitadas opiniões afirmando que a república brasileira só passou a existir, de fato, com o advento da Constituição de 1988 (CRFB/88). Nesse diapasão, o serviço público brasileiro ganhou especial atenção constitucional, passando a ser normatizado em nível bastante detalhado, tudo permeado por modernas regras e princípios a sinalizar a perspectiva da eficiência, da transparência, da não-autorreferência e da economicidade ao cliente/cidadão/usuário dos serviços prestados pela administração pública brasileira. Trinta anos praticamente já se passaram, e essa perspectiva virou expectativa, pois a prática demonstra que as coisas não andam como foi planejado. Não somos mais uma ditadura. Mas será que somos uma democracia? No âmbito do serviço público, será mesmo que deixamos o patrimonialismo de lado? Será que não somos mais burocratas? Alcançamos o gerencialismo estatal? Para responder a essas perguntas é necessário buscar a relação do desvio de finalidade com o descompasso entre o sistema jurídico-constitucional brasileiro e as práticas antirrepublicanas que imperam no seio do serviço público. Será necessário ainda, que percebamos até onde a burocracia documental escrita – e o que isso de fato, significa – pode ser salutar, no resguardo a eventuais agentes públicos mal intencionados, mormente os do alto escalão do serviço público, como são os de nível estratégico e/ou institucional (casos do Ministério Público e Judiciário, onde existem membros e servidores). Não merecemos uma administração pública autorreferida e atascada na burocracia (com papéis e formulários sacramentais), mas igualmente devemos evitar a todo custo um serviço público dissimulado, onde a mera função pró-forma é usada para esconder as verdadeiras intenções dos seus agentes públicos, que não têm como metas e objetivos o interesse público. Nos proporemos, assim, nesse trabalho, responder a essas indagações; buscar a relação conceitual e científica desses institutos, passando pela necessidade de sistematizar novos critérios de classificação do ato administrativo. A metodologia usada será a pesquisa bibliográfica – no seu viés qualitativo -, aliada a deduções e induções lógicas, além da vivência de mais de 25 anos no serviço público, em cargos públicos de agente de polícia civil, professor e técnico do Ministério Público da União (MPU), neste, por mais de 23 anos. 1 O desvio de finalidade O desvio de finalidade é, antes de tudo, uma conduta dissimulada praticada por agente público, no exercício da função, que demonstra a vontade – ou, pelo menos, a negligência desse praticante – em não se portar conforme a legalidade e moralidade, causando prejuízo à administração pública, na medida que o interesse público – a verdadeira finalidade do ato – não é alcançado. 1.1 Conceitos e definições A fim de bem firmar os pressupostos deste trabalho, colacionam-se alguns conceitos de desvio de finalidade formulados por renomados administrativista. VALENTE (2009, p. 180) assevera que o abuso de poder consiste na: “…exorbitância da autoridade conferida ao agente público e se manifesta no excesso de poder, pela ultrapassagem dos limites legais, e no desvio de poder, pela consecução de finalidades discrepantes daquelas almejadas pela norma concessiva da competência”. MEIRELLES (2014, p. 119) percebe no desvio de poder (ou de finalidade) uma violação ideológica ou moral da lei, nos seguintes termos: “O desvio de finalidade ou de poder é, assim, a violação ideológica da lei, ou, por outras palavras, a violação moral da lei, colimando o administrador público fins não queridos pelo legislador, ou utilizando motivos e meios imorais para a prática de um ato administrativo aparentemente legal. Tais desvios ocorrem, p. ex., quando a autoridade pública decreta uma desapropriação alegando utilidade pública mas visando, na realidade, a satisfazer interesse pessoal próprio ou favorecer algum particular com a subsequente transferência do bem expropriado; ou quando outorga uma permissão sem interesse coletivo; quando classifica um concorrente por favoritismo, sem atender aos fins objetivados pela licitação; ou, ainda, quando adquire tipo de veículo com características incompatíveis com a natureza do serviço a que se destinava.” MEDAUAR (2010, p. 159) conceitua desvio de finalidade, chamando-o também de defeito de fim e desvio de poder, da seguinte forma: “O defeito de fim, denominado desvio de poder ou desvio de finalidade, verifica-se quando o agente pratica ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.” Ela baseia-se no art. 2º, alínea e, da Lei da 4.717/65 (Lei da Ação Popular) para caracterizar os defeitos do ato administrativo, dentre os quais se encontra o famigerado desvio de poder. E para fecharmos com chave de ouro essa coletânea de definições, a sucinta mas esclarecedora lição de CRETELLA JÚNIOR (1978, p. 185) sobre o desvio de finalidade: “Desvio de poder é, pois, o desvio do poder discricionário. É o afastamento da finalidade do ato.” Portanto, o desvio de finalidade, também chamado de defeito de fim (MEDAUAR), ou desvio de poder, é ato inválido, consubstanciado em conduta dissimulada de agente público que não se porta conforme a legalidade e moralidade; causa prejuízo à administração pública, pois a finalidade do ato não é alcançado. 1.2 A relação entre desvio de finalidade e ato discricionário Também chamado de desvio de poder, o desvio de finalidade é a distorção do poder discricionário. É o afastamento da finalidade do ato. Pode ser entendido como o uso indevido que o agente faz do poder discricionário para atingir fins diversos dos que a lei determina. Desse modo, o desrespeito ao elemento fim no desvio de poder configura a sua existência. No entanto, GASPARINI (2009, p. 148), desenvolvendo excelente raciocínio, explica que tanto o ato discricionário, quanto o vinculado podem dar ensejo ao desvio de poder. Vejamos: “Dado que o abuso de poder manifesta-se na fase executória do ato administrativo, torna-se despicienda qualquer discussão para saber se a sua ocorrência se dá entre os atos discricionários ou vinculados, ou, ainda, se em ambas as espécies pode ocorrer esse vício, uma vez que um e outro são executáveis. De fato, se tanto uma como outra dessas categorias de atos são executáveis, resta lógico que o abuso de poder pode estar presente tanto numa como noutra espécie”. Essas diferentes formas de enxergar o desvio de finalidade, ainda que de maneira propedêutica, são importantes, pois, a dedução lógica será a principal metodologia usada, e o rigor científico será preservado na adequada escolha vocabular e na formação semântica das orações e períodos. Com efeito, a margem de liberdade do ato discricionário poderá incentivar a prática do desvio de finalidade, pois o agente público mal intencionado possui, no mínimo, duas alternativas expressas na norma de competência. Em uma ele simula a prática (o pretexto para a prática do ato), em outra ele dissimula (desvio de finalidade em si). A pretexto de praticar dissimuladamente uma das possibilidades do ato discricionário é que ocorre a maioria dos casos de desvio de finalidade. No entanto, há entendimentos doutrinários de que não é impossível usar-se como pretexto do ato dissimulado (desvio de finalidade) um ato administrativo vinculado. Seria o caso, por exemplo, do chefe que remove servidor para longe do domicílio (família) sob o pretexto do interesse público, que efetivamente não existe, mas apenas para puni-lo (verdadeira intenção). Assim, ou o agente público – competente para escolher se pratica o ato, ou não – remove-o, ou não o remove. Caso se entenda que a decisão de não remover também está na margem de liberalidade do Chefe, estaremos diante de um ato administrativo discricionário, e não haveria nunca a possibilidade de praticar – usando como pretexto um ato vinculado – o desvio de finalidade, pois a decisão de não praticar o ato seria sempre uma segunda alternativa do agente competente, ante a possibilidade de praticá-lo (remover). Caso não se entenda que a decisão de não remover não está na margem de liberdade, somente nesse caso se estaria diante de um desvio de finalidade por meio de simulado ato administrativo vinculado, pois, apesar de o agente ter um único ato a praticar (remover), sem porém, buscar o interesse público, mas por meros motivos pessoais, estar-se-ia contrariando o espírito da lei. 1.3 A danosidade do desvio de finalidade à administração pública Ao particular é dado fazer tudo aquilo que a lei não proíbe. Ao administrador só cabe fazer aquilo que a lei manda. É o princípio da legalidade como pressuposto ético da lei; afinal, impossível pensar em uma lei imoral, no âmbito de um Estado Democrático e de Direito. Porém, apesar de a lei ser o balizador pleno dos atos do gestor público, no ato discricionário, conforme alhures, deixa-se uma margem de liberdade à atuação decisional do administrador legitimado à praticá-lo. A intenção da doutrina francesa, ao classificar e sistematizar o ato administrativo quanto à liberdade de ação do agente praticante, era não engessar a administração pública, pois é facilmente perceptível que o agente público não é uma máquina que age de forma robotizada e automática, até porque a lei não consegue prever todas as formas probas e éticas de agir em um determinado lugar e momento da história, para servir de roteiro ao mais legalista agente público. Ora, a intenção da doutrina era prever e possibilitar a humanização ética e moral da conduta humana, no ato de administrar a coisa pública; isto é, possibilitar a criatividade, a sensibilidade, o raciocínio, a sensatez e o bom senso do administrador, no momento em que nenhuma lei, nenhum costume administrativo, nenhum princípio geral, enfim, nenhum norte normativo se mostrasse adequado a situações novas e inusitadas, em que o administrador teria que decidir. Infelizmente, é diante de uma situação dessas que o agente público, tomado de má-fé, ou negligentemente, pratica ato desviado de poder. Porém, sua conduta não deixa de ser inteligente, engendrada, premeditada e até dissimulada, pois, na maior parte das vezes, a exterioriza de modo a alcançar finalidade nada republicana, mas confundível com outra que ele alega dizer que era o seu fim: o interesse público. Portanto, o desvio de finalidade é a semente de toda a corrupção, de todo o assédio, de todos os crimes contra a administração pública, como são a prevaricação, o peculato, a fraude às licitações, as burlas aos concursos públicos e etc. Caso o desvio de finalidade não ocorresse, problemas seríssimos de desconfiança contra o serviço público deixariam de existir. E sabemos que o mal exemplo, originado exatamente de quem não deveria dá-lo, pode contaminar toda uma comunidade.Certamente que o administrador público que o pratica, principalmente aquele que age com malícia (dolo), acredita que nunca será descoberto, pois não consegue perceber que uma semente (desvio de finalidade) é uma árvore (corrupção) em potencial. Um agente público que pratica desvio de finalidade é pior que o delinquente, pois este não se propõe a dissimular seus atos. Este até planeja, preconcebe e premedita, mas tudo às escondidas. Já o agente público que pratica ato desviado de função, o faz protegido pelo aparato do Estado. O faz dentro de uma instituição pública, usando dos recursos públicos e, o que é pior, fazendo uso do poder estatal que está investido. Em tudo isso consiste a danosidade do desvio de finalidade. Como já dito, o desvio de finalidade está na raiz da corrupção ativa e passiva, dos assédios moral, estrutural[1] e sexual; e das disfunções da administração pública autorreferida. Ocorre de forma muito discreta, e por isso é difícil de perceber sua ocorrência. Porém, pior de tudo é a maneira resignada como o cidadão, e até agentes públicos operacionais, encaram como natural referida conduta, acabando por se submeter aos caprichos do agente que abusa do poder. Aliás, quanto maior o grau hierárquico do Chefe, maior é seu grau de culpa, pois os chefes de nível tático (intermediário), que também sofrem os efeitos dos desvios de finalidade, acabam redirecionando as injustiças dos atos de desvio de finalidade, praticados pelos Chefes de nível estratégico, aos servidores de nível operacional, em verdadeiro efeito cascata. O desvio de finalidade é tão degradante para o Estado Democrático e de Direito que, além de ser dissimulado e de difícil comprovação, gera uma ciranda dialética de injustiças na administração pública, dando azo ao aparecimento do famoso “jeitinho brasileiro”, onde o cometimento do desvio de finalidade por um agente público de determinado escalão, dentro do Órgão/Entidade, acaba forçando o(s) agente(s) público(s) de escalão e nível inferior a também cometer(em) desvios de finalidade, pois a máquina pública brasileira mantém e fomenta uma cultura de mentira e resignação. DI PIETRO (2008, p. 229) assim discorre sobre a dificuldade probatória do desvio de poder: “A grande dificuldade com relação ao desvio de poder é a sua comprovação, pois o agente não declara a sua verdadeira intenção; ele procura ocultá-la para produzir a enganosa impressão de que o ato é legal. Por isso mesmo, o desvio de poder comprova-se por meio de indícios; são os “sintomas” a que se refere Cretella Júnior (1977:209-210): a) a motivação insuficiente; b) a motivação contraditória; c) a irracionalidade do procedimento, acompanhada da edição do ato; d) a contradição do ato com as resultantes dos atos; e) a camuflagem dos fatos; f) a inadequação entre os motivos e os efeitos; g) o excesso de motivação.” Muitos agentes públicos, quando percebem que as condutas desviadas de função podem ser descobertas, usam novos desvios de finalidade para impedir que suas condutas dissimuladas sejam publicizadas. Não é incomum o uso de procedimentos investigativos administrativos (sindicâncias) como forma de amedrontamento e constrangimento ao servidor que eventualmente se comprometa com o interesse público, pois até o sigilo, que é algo excepcional e deve existir somente justificado, passa a ser usado como forma de terrorismo dentro das instituições. Licitações públicas existem, em muitos casos, apenas pró-forma, concursos públicos são burlados, auditorias (processo de conformidade documental) são deixados a segundo plano, tornando a máquina pública uma fábrica de hipocrisia. A prática demonstra que a desorganização administrativa nos níveis municipais é maior que nos níveis estaduais, que por sua vez, é maior que em nível federal, que mesmo assim, ainda é muito alta. Os órgãos/entidades do Poder Executivo também são mais propensos aos desvios de finalidade que os do poder Legislativo, que por sua vez são mais propensos que os do Poder Judiciário e Ministério Público. Porém, apesar dessa hierarquia de desorganização, não podemos dizer que as práticas de desvio de finalidade no Judiciário e Ministério Público são irrisórias. A esse respeito, o Professor Doutor Luciano DA ROS, em trabalho científico[2] O custo da Justiça no Brasil: uma análise comparativa exploratória, demonstra que o judiciário e o Ministério Público são os mais caros do mundo e consequentemente, elitistas e ineficientes. Por sua vez, BARROCAL, em seu artigo MP brasileiro: elitista e o mais caro do mundo[3], bebendo na fonte de DA ROS, chega também à conclusão que o Ministério Público brasileiro é elitista e ineficiente. De fato é elitista, pois discrimina dissimuladamente os candidatos aos seus cargos, ao selecionar seus membros, por exemplo; porém seria, no nosso entender, por outro ponto de vista, caipira, cabuçu (caboclo), caiçara[4], na medida que seus membros seriam incapazes de perceber a instrumentalidade de suas funções, o que não se compatibilizaria com o alegado elitismo percebido por DA ROS. 1.3.1 O desvio de finalidade como nascedouro da corrupção Abordar esse tópico, no momento político em que o Brasil encontra-se, parece até chover no olhado e falar do óbvio, o que todos já sabem. Ora, o desvio de finalidade no Brasil é visto como algo normal, corriqueiro; algo da cultura do povo brasileiro que, de tanta hipocrisia, cunhou expressões do tipo: “jeitinho brasileiro”, ou “malandro é malandro, e Mané é Mané!”, que não tinham, porém, uma ligação direta e originária com a corrupção! Hoje é perceptível a ligação direta entre corrupção e desvio de finalidade. O juiz de direito em São Paulo, Marcelo SEMER, em artigo intitulado O Brasil Hoje é Um Grande Desvio de Finalidade[5], afirma que: “Teóricos do direito administrativo poderiam muito bem caracterizar a deposição da presidenta como um desvio de finalidade: “quando o agente pratica o ato, visando fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência (art. 2º, §único, Lei 4717/65)”. E arremata, em seguida: “Para uns, estancar a sangria que os ameaçava; para outros, abrir a janela de oportunidades que um governo não eleito pelo voto popular podia ensejar. Ao fim das contas, peças foram mudadas, a corrupção se mostrou mais evidente, e um pequeno grande detalhe político-eleitoral marcou o Planalto: o projeto que perdeu a eleição presidencial passou a governar o país.” (grifo do autor) Lilian MATSUURA, repórter da Revista Consultor Jurídico, em artigo intitulado Peculato e Corrupção Podem ser Crime Continuado[6], em referência a entendimento do Professor Doutor Juarez TAVARES[7], bem demonstra a relação direta entre desvio de finalidade e corrupção, verbis: “Se na corrupção viola-se a funcionalidade do sistema, da mesma forma no peculato se desabilita a administração de poder prestar seus serviços aos cidadãos, seja pelo decréscimo patrimonial do bem público, seja pela apropriação do bem particular na posse do funcionário, seja no desvio de finalidade”, defende ele. De fato, corrupção vem do latim corruptus, que significa quebrado em pedaços. O verbo corromper significa “tornar pútrido”. A corrupção pode ser definida como utilização do poder ou autoridade para conseguir obter vantagens e fazer uso do dinheiro público para o seu próprio interesse, de um integrante da família ou amigo. No Código Penal Brasileiro, a corrupção ativa vem prevista no art. 333, e a corrupção passiva no artigo 317. A corrupção pode consubstanciar-se em: a) favorecer alguém prejudicando outros; b) aceitar e solicitar recursos financeiros para obter um determinado serviço público; c) retirada de multas ou em licitações favorecer determinada empresa; d) desviar verbas públicas, dinheiro destinado para um fim público e canalizado para as pessoas responsáveis pela obra; e) até mesmo desviar recursos de um condomínio. A corrupção é presente (em maior evidência) em países não democráticos e de terceiro mundo. Essa prática infelizmente está presente nas três esferas do poder (legislativo, executivo e judiciário). O uso do cargo ou da posição para obter qualquer tipo de vantagem é denominado de tráfico de influência. É importante observarmos que um país pode ser democrático somente na letra de seu sistema jurídico-constitucional, mas a efetividade de suas normas é baixa ou baixíssima, como é o caso do Brasil. Estamos, nesses casos, diante de um país/nação que não é nem autoritário, e nem democrático, mas hipócrita, pois a hipocrisia se qualifica pela acintosa não correlação entre o discurso que embasa a relação de seus componentes (constituição e sistema jurídico) e as práticas do dia a dia. Toda sociedade corrupta sacrifica a camada pobre, que depende puramente dos serviços públicos, mas fica difícil suprir todas as necessidades sociais (infraestrutura, saúde, educação, previdência etc.) se os recursos são divididos com a área natural de atendimento público e com os traficantes de influência (os corruptos). Quando o governo não tem transparência em sua administração é mais provável que aja ou que incentive essa prática. Não existe país com corrupção zero, embora os países ricos e democráticos tenham menos corrupção, pois sua população é mais esclarecida acerca dos seus direitos, sendo assim menos suscetível de ser enganada. Existem organizações internacionais que têm como finalidade desenvolver pesquisas para “medir” o nível de corrupção. A partir de pesquisas, é feita uma classificação de acordo com a nota que vai de 0 a 10. Alguns dados revelam que o primeiro lugar com nota 9,7, que corresponde à alta margem de confiança, é a Finlândia; o Brasil ocupa apenas o 54° lugar com nota 3,9. 1.3.2 O desvio de finalidade como nascedouro de assédios Os assédios podem ser moral ou sexual. Este por sua vez, configura crime no Brasil, previsto no Código Penal, art. 216-A. Aquele (o moral), não é figura penal direta no Brasil, mas pode configurar-se em improbidade administrativa (Lei n° 8.429/92). Pode ser classificado em ascendente ou descendente[8]. Nesse contexto, interessante é o trabalho científico da Professora Deuzete Ferreira BARBOSA, em artigo intitulado Assédio moral (estrutural) nas escolas públicas do município de Macapá: uma consequência espontânea da administração patrimonialista, apresentado à Faculdade Estácio de Macapá, como requisito para a obtenção de graduação em direito, publicado na Revista Âmbito Jurídico[9]. Nesse trabalho, BARBOSA defende que o assédio moral estrutural é apenas um modo diferente de enxergar o assédio moral tradicional, isto é, é o mesmo assédio moral praticado por um agente público, ainda que de maneira sistemática, mas de forma isolada, por outro agente público, geralmente superior hierárquico. A diferença está na alta disseminação das práticas de assédio que fazem a máquina pública personificar a autoria do assédio, em lugar dos agentes, meros instrumentos. Observa a competente professora e bacharel em direito que o assédio moral estrutural é fruto da prática de condutas administrativas patrimonialista e burocráticas (disfunções), no âmbito do serviço público de educação do município de Macapá, Estado do Amapá. Defende ainda, que somente por meio de práticas gerencialistas de gestão pública se poderá combater o assédio moral estrutural ou sistêmico. Infelizmente, as constatações de BARBOSA parecem não se restringirem ao município de Macapá. Nesses mais de 25 anos de serviço público, prestados a maior parte ao MPU, o autor possui inúmeros exemplos documentados de desvios de finalidade, praticados no âmbito do serviço público da União, em especial do MPU, que comprovam a relação direta entre o abuso de poder administrativo e o assédio moral estrutural (ou institucional, ou ainda, sistêmico). Essas conclusões chegam a ser desalentadoras, mas todo avanço, progresso e melhoria só existem se precedidos de diagnósticos, ainda que estes sejam preocupantes, pois, só se tomam providências saneadoras depois de diagnosticados os problemas. Portanto, a grande crise institucional que hoje o Brasil vive é reflexo de velhas práticas, antiquadas, patrimonialistas e excessivamente autorreferidas, perpetradas por anos e anos no seio do serviço público brasileiro. E o desvio de finalidade é, sem dúvida, uma das raízes desses males. 1.3.3 O desvio de finalidade como nascedouro de disfunções da administração pública burocrática e autorreferida Conforme dito alhures, a burocracia não deixa de ser condizente com o princípio do formalismo do direito administrativo. Porém, em excesso, acaba por desvirtuar os princípios republicanos de uma administração pública moderna, transparente, econômica e proba. Tanto a burocracia excessiva, quanto o patrimonialismo, são corolários de desvios de finalidade. Para ser mais preciso, desvio de finalidade, assédio moral, patrimonialismo, corrupção e burocracia excessiva são conceitos ligados por uma relação potencial de causa e efeito. Vejam o excerto da atualíssima obra O Constitucionalismo Brasileiro Tardio, de SILVA NETO (2016, p. 66-67) a corroborar nossa tese: “O homem cordial infelizmente não é apenas o homem afável, cortês, hospitaleiro. A ideia de cordialidade assume contornos altamente pejorativos para anunciar a terrível consolidação da chaga nacional de não divisar o público e o privado. Como efeito jurídico disso há os graves e recorrentes casos de corrupção mediante os quais se pinta, com as cores vivas da realidade, o triste cenário: o exercício de cargo público no Brasil passa a se constituir na forma mais eficaz de enriquecer fácil e rapidamente. E sendo certo que não subsiste corrupção sem corruptor, os agentes econômicos privados andam de braços dados com os corruptos do serviço público em direção ao altar da prevaricação e da rapinagem praticada contra o erário. Porém, extrai-se do sistema constitucional direito fundamental cujos contornos ainda não foram suficientemente desenvolvidos pelo sistema da ciência do direito no Brasil: o direito fundamental ao governo honesto.” Infelizmente, o homem cordial vive, e vive a carregar da vida privada o excesso e pessoalidade para dentro do serviço público, dano azo à famigerada prática do desvio de finalidade. Mas, a corrupção pode ser tão engendrada, a ponto de mascarar de forma muito bem dissimulada essa perversa prática, que chega a ser aceita pela sociedade, ou porque está anestesiada mesmo, ou porque não tem consciência de sua ocorrência. É o que acontece com o recebimento de auxílio moradia pelos membros do Ministério Público[10] e do Judiciário brasileiros[11]. Sob os fundamentos de diversos pretextos relacionados nos considerandos da Resolução nº 117, de 7 de setembro de 2017, do Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP, e da Resolução nº 199, de mesma data, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, todos os membros do Ministério Público brasileiro, bem como os magistrados do Brasil passaram a receber a título indenizatório o valor de R$ 4.377,00, sem respeitar o teto constitucional de remuneração máxima dos agentes públicos no Brasil, previsto no inciso XI do art. 37 da CRFB/88. O curioso é que os servidores dessa entidade/poder não tem – e não deveriam mesmo – o direito a perceber referido auxílio, sob o fundamento de que, ontologicamente, seriam diferentes dos membros do MP e do Poder Judiciário brasileiro. Aliás, mais um fundamento a supedanear a prática de desvios de finalidade no seio dessas entidades. É que a diferença ontológica entre servidores e membros das respectivas entidades é jurídica, ou seja, é normato-interpretativa, e não oriunda da ciência do ser (metafísica), como são as verdadeiras origens ontológicas dos seres. Ademais e finalmente, assim como no Estado de Direito, em que as normas eram legais, mas não necessariamente democráticas, a instituição do auxílio moradia a membros do MP e do judiciário brasileiro se mostra nada republicano, pois além de descabido e não razoável, está dando ensejo a que membros de outros tribunais (Tribunais de Contas, por exemplo) passem a usar dos mesmos artifícios (legislação em causa própria) para aumentar os próprios salários. 2 A documentalidade dos atos administrativos A prova (factum probans), na acepção de comprovação da existência de um outro fato (factum probandum), é o elemento de prova. O factum prabandum é, pois, sinônimo de objeto da prova. Vejamos o que afirma DALLAGNOL (2015, p. 17): “A fixação dos conceitos de factum probans (elemento de prova) e de factum probandum (objeto de prova) é fundamental para prosseguirmos. De forma provisória e em resumo, podemos afirmar que factum probans é o fato que é utilizado para provar algo, enquanto o factum probandum é esse algo que é demonstrado pelo factum probans. No parágrafo acima, a certidão de casamento, o testemunho, a foto e o laudo constituem exemplos de factum probans, enquanto o casamento em si, a fuga de Caim, o dano e a morte constituem exemplos de factum probandum. Factum probans e factum probandum se conectam na medida em que o primeiro prova o segundo”. Em última análise, a documentação de um ato administrativo é a criação de uma prova previamente elaborada, pois diretamente, serve para retratar um ato administrativo e, indiretamente, para eventualmente provar um desvio de finalidade. Os atos administrativos são condutas humanas, praticadas por agentes públicos, investidos em cargo ou função pública, para alcançar um fim público com resultado prático observável no mundo fenomênico. Os documentos, que podem ser públicos ou privados, são retratos desses atos administrativos. Perduram no tempo, como uma fotografia que registra um momento de nossas vidas. Um documento pode ser falso por sua materialidade e por sua ideologia. Um documento materialmente falso não é, em verdade, documento, pois foi “montado”, isto é, teve seu registro (escrita, imagem ou áudio) criado sem a correspondente prática do ato administrativo válido. Já o documento ideologicamente falso não foi “montado”, isto é, corresponde fielmente à prática de um ato administrativo – ainda que inválido – porém, desviado de finalidade ou praticado por agente público incompetente. No presente estudo, o que nos interessa de fato, são documentos escritos, oriundos de atos administrativos imediatamente documentados, pois são esses atos, quando não meramente burocráticos, que servem para prevenir, provar e combater os desvios de finalidade. 2.1 O princípio da publicidade dos atos administrativos O serviço público é prestado em favor da coletividade, e como tal, difere de um serviço prestado pela iniciativa privada. Ainda quando prestados serviços e/ou vendidos produtos por empresas públicas e sociedades de economia mista (administração indireta) – quando a administração compete no mercado – o princípio da publicidade dos atos da administração deve ser prestigiado e observado. Ele é um consectário lógico direto do princípio da impessoalidade, pois, para que a pessoa do agente público não seja beneficiado com a promoção pessoal de seu nome, é necessário garantir que qualquer cidadão possa ter acesso às informações, aos procedimentos, aos documentos, aos projetos e aos gastos dos órgãos públicos. Nesse contexto, a produção de documentos, em especial os escritos, são retratos dos atos administrativos, mormente se documentados imediatamente após a sua prática, torna-se algo salutar e esperado por toda a sociedade. Retratar o modo de agir da administração pública significa prevenir e evitar que condutas dissimuladas sejam perpetradas por agentes públicos maliciosos ou negligentes. Os documentos são públicos, ainda que sigilosos, mas a sua sigilosidade é característica excepcional e passageira, mantendo-se eventual sigilo apenas enquanto perdurar o interesse público. O sigilo não é decisão arbitrária da autoridade competente que o determina – apesar de discricionária – e deve ser fundamentada. Com o advento da Lei nº 12.527/2011 (lei de acesso à informação), o princípio da publicidade ganhou ainda mais efetividade, fortalecendo as ouvidorias públicas, os sites institucionais e a informação em tempo real de entrada (impostômetros) e saída de recursos públicos (gastos). Portanto, quanto mais informação escrita ao alcance do cidadão, maior será a possibilidade de prevenir e combater atos de desvio de finalidade. 2.2 O princípio do formalismo moderado dos atos administrativos O princípio do formalismo administrativo está diretamente relacionado ao rito do procedimento administrativo, considerado um formalismo moderado, previsto na Lei Federal n.º 9.784/99 (artigo 2º, parágrafo único, incisos VIII e IX, e artigo 22, parágrafos 2º e 3º). De fato, o formalismo não é sinônimo de burocracia excessiva, pois, conforme já mencionado ao norte, enquanto ao particular é permitido fazer tudo o que a lei não proíbe, ao agente público só é permitido fazer o que a lei manda. No entanto, o formalismo não é um fim em si mesmo; não é algo sacramental, mas sim, instrumental. Registrar os atos administrativos serve para prestigiar princípios como o da transparência e da publicidade. Com efeito, ainda que não haja um procedimento formalmente autuado, todo documento público que requer uma providência/resposta da administração precisa tramitar, até ser decidido pelo agente público competente, dando uma resposta àquela demanda. Portanto, ao lado do princípio da publicidade, o princípio do formalismo torna a administração pública menos propensa a cometer abusos e desvios de finalidade. Logicamente, atos de simples cadência processual (juntadas, envio de autos à autoridade, retiradas de cópias e expedição de ofícios rotineiros) não necessitam de tanto – ou talvez nenhum – formalismo. 2.2.1 O procedimento de avaliação de desempenho de servidor e o feedback do avaliado A avaliação de desempenho de servidores públicos, se bem concebida e executada, poderá constituir-se em poderoso procedimento a favor da modernização da administração pública brasileira, no sentido de que servirá de constante e periódico diagnóstico à conduta profissional dos servidores. No MPU, por exemplo, todos os servidores, estáveis ou não, são avaliados periodicamente. A avaliação de desempenho dos servidores está regulamentada pela portaria PGR nº 298/2003, de 08 de maio de 2003. Seu objetivo é: “… aferir a eficiência dos servidores das Carreiras de Analista e Técnico do Ministério Público da União no desempenho de suas atribuições, possibilitando a implementação de ações gerenciais voltadas para o aperfeiçoamento profissional, o crescimento na carreira, o desenvolvimento da organização e a melhoria do serviço”. Essa portaria define que a avaliação também será utilizada para progressão ou promoção, conforme o caso. O servidor poderá entrar com recurso, caso não concorde com o resultado da avaliação. Para isso, deverá expressamente assinar com ressalva o resultado. Depois de tomar ciência, o avaliado terá 10 dias para recorrer, que deverá ser motivada e juntada documentação que entender pertinente. Interessante, por seu turno, é a forma da avaliação de desempenho aplicada aos servidores públicos nos Estados Unidos da América (EUA). RODRIGUES (1996, p.10) assevera que: “O formulário de avaliação do Departamento do Estado não se limita a uma apreciação objetiva do desempenho do funcionário. A avaliação meramente objetiva é, naturalmente, suscetível a quase todas as formas de erro, podendo, inclusive, estimular a falta de empenho do avaliador que poderia facilmente burlar o critério em sua avaliação. Para reduzir a falta de critério dos supervisores, o formulário apresenta uma dimensão discursiva. Nela, o avaliador terá que justificar sua avaliação, discutindo os pontos altos e falhos do desempenho do funcionário ao longo do ano, com exemplos específicos da atuação do servidor. Trata-se de um registro de incidentes reais de trabalho ou de atuações exemplares do funcionário. Nas palavras de Graham Jr. e Hays, “como essa técnica de avaliação enfoca eventos específicos, ela tem um nível de validade muito mais alto do que a maioria das outras abordagens”. (grifamos) Certamente que com o tipo de avaliação de desempenho aplicada aos servidores públicos americanos, os desvios de finalidade no Brasil diminuiriam muito, quiçá desapareceriam! Vale lembrar que os servidores americanos também podem ter retribuição em pecúnia, a depender de seus resultados obtidos, verbis: “O resultado das avaliações de desempenho formam a base da decisão sobre a concessão de prêmios e outros estímulos à boa performance. O Programa de Prêmios de Incentivo do Governo Federal (incentive awards) foi bastante ampliado com a lei de reforma do Serviço Público de 1978, passando a incluir prêmios em dinheiro.” No Brasil – e no MPU em especial – as retribuições são dadas com base na confiança dos chefes, que por vezes, é meramente subjetiva e serve para premiar servidores que não raro se quedam aos caprichos pessoais, e não institucionais, de chefes. 2.3 Classificações dos atos administrativos A classificação de institutos jurídicos, como são os atos administrativos, é tarefa eminentemente instrumental, ou seja, visam sempre a fundamentação de teorias e doutrinas capazes de explicar e justificar leis, regras e princípios normatizadores do direito administrativo. É nesse trilhar que sistematizou-se a seguinte classificação dos atos administrativos. 2.3.1 Atos administrativos quanto à possibilidade de documentação Quanto à possibilidade de documentação os atos administrativos podem ser documentáveis ou não documentáveis: a) Atos Administrativos documentáveis – faticamente todos os atos administrativos são documentáveis, basta querer documentá-los. Ideologicamente, porém, somente os atos administrativos cujas consequências de sua prática – ou não – sejam essenciais é que devem ser documentados. Atos de somenos importância não seriam documentáveis ideologicamente falando. Exemplo: Feche a porta para começar a reunião reservada. À priori, não há necessidade de documentar referido ato (ordem mandando fechar a porta), mas nada impede que referida ordem seja mencionada na ata da reunião, principalmente se o ato de fechar a porta for histórico, ou, se conditio sine qua non para o início da reunião. b) Atos administrativos não documentáveis – faticamente não existem atos não documentáveis. Ideologicamente, alguns não o são. Exemplo: traga água para o cidadão que está passando mal. A ordem de trazer água para o cidadão que passa mal em um órgão público precisa de resposta pelo subordinado, pois caso o cidadão não seja atendido, poderá morrer à míngua. Porém, ideologicamente não há necessidade de documentá-lo. 2.3.2 Atos administrativos quanto ao instrumento de documentação Os atos administrativos podem ser classificados quanto ao instrumento de documentação, em atos administrativos escrituráveis, atos administrativos faláveis (verbalizáveis), atos administrativos gesticuláveis e atos administrativos graváveis. O ato administrativo em si, é uma conduta do agente público, geralmente uma ordem. A sua forma de retratação (expressão) é que é caracterizada pela possibilidade de escrever, falar, gesticular e etc. Vejamos: a) atos administrativos escrituráveis – são atos que podem ser retratados por escrito. Podem ser escrituráveis diretamente no papel, ou imprimíveis a posteriori (digitados). Com o advento da telemática esses atos podem ficar escritos virtualmente, para se economizar papel e contribuir com a preservação do meio ambiente. Um ato administrativo pode ser primeiro retratado em áudio e, só posteriormente, escrito (Exemplo: gravação do ato). b) atos administrativos faláveis (ou verbalizáveis) – geralmente são atos cujas suas consequências são pouco importantes, se praticados, ou não. São mais que instrumentais, são instrumentalíssimos, pois uma eventual inobservância pelo subordinado não caracteriza, de imediato, uma indisciplina. Exemplo: Faça uma ligação, por favor! Passe um e-mail! Porém, existe um ato administrativo verbalizável que não é de somenos importância, sendo instrumental, e não instrumentalíssimo. É o silvo do guarda de trânsito para o infrator de trânsito. c) atos administrativos gesticuláveis – são atos proferidos por meio de gestos. Assim como os atos verbalizáveis, em regra – exceto também o exemplo do guarda de trânsito – são instrumentalíssimos, ou seja, sua eventual desobediência não configura, por si só, uma indisciplina. Exemplo: fazer silêncio, com o dedo indicador na boca. d) atos administrativos graváveis – São atos administrativos instrumentais, assim como os escrituráveis. Podem servir de prova de (i)legalidades. Apesar de serem atos de alta importância para o sistema jurídico-administrativo, a sua retratação em gravações não é tão manuseável e prática quanto os atos escrituráveis, pois as gravações têm o inconveniente de, ao necessitar-se reproduzi-la, poderem ser ouvidas por pessoas que estejam por perto; diferentemente dos atos administrativos escrituráveis, que podem ser lidos sem emissão de sons. Os atos administrativos graváveis podem ser providos de áudio, de imagem ou de ambos. 2.3.3 Atos administrativos quanto ao momento de sua documentação. Os atos administrativos são condutas humanas que podem ser documentados (retratados). A depender do momento em que o documento é produzido os atos administrativos podem ser: a) Atos administrativos imediatamente documentados – logo depois de sua prática, são documentados, ou por escrito (impressão, manuscrição ou digitação), ou por gravação (áudio ou vídeo). b) atos administrativos posteriormente documentados – demoram um pouco para serem documentados. O motivo para serem documentados só posteriormente pode ser o poder discricionário do agente, normas impositivas da administração pública ou necessidade fática do ato (o agente de trânsito preenche o auto de infração somente bem depois de aplicar a multa). São os atos mais passíveis do cometimento de desvios de finalidade, pois o agente público malicioso poderá desvirtuar o ato praticado por meio da documentação de conteúdo diverso do ato efetivamente praticado, pois dar-se-á tempo à fraqueza humana para isso. A prática administrativa demonstra esse fenômeno. c) atos administrativos sucessivamente documentados – são atos documentados primeiro de uma forma e, depois, de outra. Exemplo: gravação de uma audiência que, depois, será escrita em sistema de computador e, eventualmente, impresso. A taquigrafia é exemplo desse tipo de ato administrativo. Esse tipo de ato administrativo também é mais propenso a ser objeto de desvio de finalidade, vez que o tempo decorrido entre a primeira documentação e a segunda pode dar ensejo a simulações e desvirtuamentos. De todo o exposto, podemos afirmar que o tipo de ato administrativo que, por excelência, é prevenidor e inibidos do desvio de finalidade está retratado pela combinação dos itens 2.3.2 a) (atos administrativos escrituráveis ) e 2.3.3 a), ou seja, um ato administrativo imediatamente escrito. 2.4 Os limites entre a documentação escrita e a burocracia O documento escrito, criado concomitantemente ao ato administrativo é a melhor forma de se evitar que interpretações errôneas, maliciosas ou não, tornem eventual desvio de finalidade do ato uma conduta corriqueira no âmbito do serviço público. Ocorre que o excesso de burocracia, que se coaduna mais com uma administração pública anacrônica, tem no excesso de documentos escritos, um de seus mais fidedignos retratos. Porém, os documentos escritos em concomitância com a prática do ato estão cada vez mais fáceis e rápidos de serem produzidos, com o advento da informática, da internet, das impressoras, dos escâneres e dos e-mails. Os chamados documentos oficiais (ofícios, memorandos, atas e etc), objetos da redação oficial, perderam muito de suas sacralidades, pois agora, com as mensagens eletrônicas de e-mail, os excessos de formalismos documentais se enfraqueceram, sem que a essência (formalismo moderado) tenha sido afetado. Ordens e comunicados podem ser facilmente emitidos com a rápida produção de um texto e – com mais um simples click – repassados a um ou vários destinatários. É importante solicitar que o destinatário ratifique (acuse) o recebimento do e-mail, ainda que, no caso de uma ordem, esta possa ser cumprida posteriormente. É certo que, tanto no passado, quanto agora, existem agentes públicos que produzem documentos desnecessários, ou seja, documentos que não correspondem a nenhum ato administrativo relevante. São práticas passadas de geração em geração, no âmbito do serviço público, sem, no entanto, se perquirir, qual é a função da produção daquele documento. Em regra, quando isso ocorre, não há feedbacks entre setores; as funções e atividades públicas são estanque, e os servidores envolvidos nessas tarefas não têm plena consciência de suas funções no serviço público; não se capacitam, e as regras de direito administrativo e de gestão por competência, gestão por processos e gestão de recursos humanos não são compreendidas e fomentadas. O grau de amadorismo no serviço público – que não sabe a exata medida da produção de documentos – é muito alto. Os processo, tarefas e atividades são feitos de maneira totalmente empírica, sem conhecimentos suficientes sobre os principais conceitos e princípios administrativos que regem a máquina pública. Nesse tipo de administração, o “carimbaço” de um personagem de um programa de humor televisivo é uma anedota presente. Todo ato administrativo é sacramental, e pode passar a ser vendido (fraude e corrupção) como serviço público. Cria-se a dificuldade para se vender a facilidade, como dizem por aí. A documentação escrita dos atos administrativos é uma faca de dois gumes. Pode servir para evitar que interpretações errôneas dos atos documentados posteriormente, falas e gestos sejam desvirtuados e dissimulados, como visto alhures, por meio de desvios de finalidade, ou podem servir para aumentar ainda mais a burocracia do serviço público. Nesse contexto, de nada adianta normatizar normas, no intuito de diminuir a burocracia estatal e, ao mesmo tempo, prevenir a prática de desvios de finalidade. Ao ser humano, assim como ao agente público, dizem que é inerente a tendência de abusar do poder que lhe é outorgado. E a tarefa de regulamentar de forma detalhada o modo de agir dos agentes públicos pode levar ao enfado, gerando um sentimento de insensibilidade, principalmente nos agentes de nível operacional. De fato, o exemplo de conduta, partindo dos agentes públicos de nível estratégico (ou institucional, como são os membros do MP e do Poder Judiciário) é o vetor a disseminar uma administração pública moderna. Aos agentes públicos de nível operacional, o uso adequado, racional e não burocrático da escrituração dos atos administrativos, de preferência imediatamente após a prática do ato, bem como a exigência para que seus superiores o façam, é maneira eficiente para, se não acabar, diminuir ao máximo as práticas de atos desviados de finalidade. Quanto à conduta dos agentes públicos, sejam de nível estratégico, sejam de nível tático, sejam de nível operacional, a qualificação pautada em princípios, mais que em regras, é a forma mais eficaz de conscientizar sobre os malefícios dos desvios de finalidade. Entender o espírito do serviço público é a forma de se alcançar a liberdade que a verdade do ato administrativo legítimo possui. 3 A documentação escrita dos atos administrativos como forma de prevenir o desvio de finalidade O mundo jurídico se diferencia dos demais ramos do conhecimento humano por essa vocação de ser explicável pelas relações de causa e efeito naturais, porém mescladas às relações psicológicas, onde as vontades humanas, afloráveis por meio de condutas, são objeto de elucidação, explicação e, mais complexo ainda, regulação democrática e não randômica. 3.1 A subjetividade nata do desvio de finalidade No mundo do ser, as relações de causa e efeito são comprovadas de modo mais mecânico, por experimentação em laboratórios ou observações repetidas de fenômenos investigados. Já no mundo do dever-ser, como são as relações jurídico-administrativas entre servidores públicos e entre esses e o cidadão/cliente, as comprovações de causa e efeito são comprováveis de maneira bem mais diferente, pois envolvem o conceito do livre arbítrio, da vontade, do dolo e da persuasão, isto é, da psiqué humanas. Fácil é perceber que um servidor público, flagrado desviando dinheiro público, do qual mantinha a guarda em razão do cargo, cometeu, além de um ato imoral, um ilícito. Porém, não tão fácil assim, é concluir que um procurador da república, por exemplo, usou o poder conferido por lei e pela Constituição para assediar servidores. O mesmo se diga do colegiado de membros do MPF que decida criar auxílio moradia, sem efetiva necessidade, para todos os seus membros: não é fácil comprovar. Nesse aspecto, excelente são os ensinamentos de VALENTE (2009, p. 34) a corroborar, verbis: “Em acordo com a doutrina, a comprovação do desvio de poder não se demonstra fácil, pois o ato praticado apresenta-se, em regra, como lícito em sua finalidade, traduzindo um pretenso interesse público, mas, na verdade, veicula regra desviada desse interesse. Situação que melhor exemplifica a dissimulação do ato desviado de finalidade é a da desapropriação de imóveis. Nessa circunstância, é possível termos ato desapropriante, travestido de interesse social, desviado da regra de competência conferida ao agente público, para atingir interesses outros que não os públicos, como uma retaliação política ou uma vingança pessoal. Entretanto, como a referida desapropriação exemplificativa atinge um conjunto de imóveis, a comprovação do desvio de finalidade, que se dirigia a um único endereço, demonstra-se difícil de ser caracterizada de forma evidente.” Ora, as intenções da administração pública são as intenções de seus agentes investidos em determinada função pública; e nesse trilhar, também são subjetivas, como é a intenção na prática de um eventual desvio de finalidade. O agente público que pratica desvio de finalidade, e o faz de propósito, com dolo, com vontade lúcida, tem a seu favor a dificuldade de materializar sua malquerença, que não se coaduna com o regime jurídico-administrativo brasileiro. No entanto, existem formas de se majorar a percepção e captar as intenções das pessoas. Logicamente que só o interesse público é capaz de justificar o enveredamento da ciência jurídica pelo caminho das recônditas animosidades do agente público. E, nesse caminhar, a comprovação do desvio de finalidade é matéria da maior importância para a construção de uma sociedade mais justa e democrática. O desvio de finalidade é conduta que se coaduna muito bem com a ato administrativo discricionário, mais que com o ato vinculado aos comandos jurídicos. No entanto, é tão maléfico o desvio de finalidade advindo de ato discricionário, quanto do ato vinculado. Nesse aspecto, a preocupação científica não deve mudar. BANDEIRA DE MELLO (2008, p. 964) afirma que, para caracterizar a existência do desvio de poder, não é imprescindível que exista uma verdadeira antinomia, uma antítese, entre a finalidade da lei e a do ato praticado, bastando o singelo desacordo entre ambos. Entretanto, nem sempre esse desacordo apresenta-se claramente para caracterização inquestionável do desvio de poder, como, por exemplo, na situação das desapropriações. Da mesma feita é o tipo de desvio de finalidade que não obstante configurado, também atingiu paralelamente o fim dissimulado: o interesse público. Para a ciência jurídica pouco importa o atingimento do fim público, se a malquerência do agente também se consumou. A má intenção maculou o eventual atingimento do fim público, pois este serve apenas para ludibriar a opinião pública. Essa também é a balizada opinião de CARVALHO FILHO (2014, p. 121), verbis: “Segundo alguns especialistas, o desvio de finalidade seria um vício objetivo, consistindo no distanciamento entre o exercício da competência e a finalidade legal, e, por tal razão, irrelevante se revelaria a intenção do agente. Não endossamos esse pensamento. Na verdade, o fato em si de estar a conduta apartada do fim legal não retrata necessariamente o desvio de finalidade, vez que até por erro ou ineficiência pode o agente cometer ilegalidade. O desvio pressupõe o ânimus, vale dizer, a intenção deliberada de ofender o objetivo de interesse público que lhe deve nortear o comportamento. Sem esse elemento subjetivo, haverá ilegalidade, mas não propriamente desvio de finalidade.”   3.2 O benefício preventivo de se instar a externalização do desvio de finalidade Os malefícios do desvio de finalidade somente podem ser minorados, ou mesmo dirimidos, se efetivamente correr sua externalização. O cuidado diário dos agentes públicos, principalmente os de nível operacional – que são os mais desfavorecidos, pois têm pouco poder para impor a verdade -, passa pela perspicácia e prática, antevendo o que um mau gestor público, usando do poder hierárquico, ou até institucional (caso do MP, do Judiciário e das Casas Legislativas), pode fazer para mascarar as suas intenções. Nesse diapasão, a documentação dos atos administrativos, de maneira a retratar com fidedignidade as intenções do agente público que o lavrou, é atitude digna de cultivo e de estudo aprofundado. E não é qualquer forma de documentação, mas a forma mais econômica, mais eficiente, menos volumosa e mais acessível de conhecer e reconhecer a matéria fática (escrita e leitura de texto). Enquanto as gravações de mídias (áudio e/ou vídeos) demandam o uso de aparelhos como gravadores, leitoras óticas e etc, o uso de documentos escritos requerem apenas os conhecimento cognitivo de leitura, escrita gramatical e interpretação de textos. Conforme já discorrido: hoje, com o advento e disseminação do correio eletrônico (e-mail institucional), o registro escrito, imediato, objetivo e econômico dos atos administrativos tornou possível manter uma cultura de alerta contra os abusos de autoridade, sem no entanto, parecer paranoia do servidor que cultiva essa conduta, pois, de fato, assim agindo estará apenas cumprindo o que o sistema jurídico-administrativo brasileiro ordena, ou seja, observar e fomentar os princípios do formalismo moderado, da publicidade, da economicidade e da eficiência, sem correr o risco de alimentar burocracias desnecessárias, que tanto atrasam o já combalido serviço público brasileiro. No âmbito do Ministério Público Federal existe ferramenta chamada MPF drive, que é um repositório de pastas de rede para todos os setores do Ministério Público Federal. Essas pastas foram criadas para facilitar o uso colaborativo de todos os integrantes do MPF. Membros, servidores e estagiários poderão acessar as pastas da sua unidade de lotação (e as pastas lotadas hierarquicamente abaixo de sua unidade). Cada pasta tem 2 GB disponíveis. As subpastas e arquivos adicionados, além da própria pasta, podem ser facilmente compartilhadas com outros integrantes da instituição por meio da interface de compartilhamento. Isso significa, segundo o MPF, um compartilhamento mais fácil e ágil no seu âmbito, que dispensa chamados ou memorandos para ajustes de permissão de acesso. Os usuários podem acessá-lo no navegador (mpfdrive.mpf.mp.br), nos clientes desktop e até nos aplicativos para dispositivos móveis. O sistema ainda oferece outros recursos, como a possibilidade de realizar comentários e de gerar links para compartilhar os arquivos das pastas de rede com o público externo, fora do MPF. Não obstante o inegável auxílio do MPF drive para aumentar a documentação e a transparência dos atos administrativos praticados, bem como contribuir para um ambiente digital colaborativo e mais seguro, o uso de tal ferramenta, além de pouco divulgado aos servidores, é apenas facultativo e requer assinatura digital autorizada por membro. 3.3 O documento escrito e sua natural aptidão para inibir o desvio de finalidade O finado Deputado Federal Cacique Mário Juruna[12], em pleno exercício do mandato de Deputado Federal pelo Estado do Mato Grosso, costumava andar com um gravador de áudios para gravar, segundo ele, as falsas promessas do Governo da época (1982), sobre a devolução, aos índios de sua tribo Xavantes, as terra originais. Sua arma, segundo ele próprio, no mundo dos brancos era o gravador. “Homem branco mente muito”, repetia sempre Juruna, eleito deputado federal pelo PDT em 1982. Até o bordão “cacique grava tudo”, atribuído a si, se tornou conhecido no Brasil por programas de humor televisivo. Certamente que Juruna sabia, ainda que de forma empírica, os males que fazia para a vida pública, as partes envolvidas em determinado acordo (promessas) avençados, não os cumprir. Regredindo um pouco mais, sabemos que a prática da verdade e/ou da mentira pelo homem sempre foi objeto de preocupações, seja na seara filosófica, seja na seara religiosa, seja na seara pública ou privada; tanto que a bíblia relata a conhecida história de Adão e Eva, que foram expulsos do paraíso por cometerem o pecado original: a mentira. Sabemos que na seara das relações jurídico-privadas, cabe ao homem fazer tudo o que a lei não proíbe. Já na seara pública, ao gestor só cabe fazer aquilo que a lei ordena. É o princípio da legalidade em suas duas vertentes: uma mais leve (seara privada), outra mais exigente (seara pública). Nesse diapasão, a prática de ato administrativo é expressão do agente público, que precisa agir conforme à lei, à moral, aos bons costumes, e aos princípios da administração pública, previstos na CRFB/88. O sistema jurídico-administrativo é a consubstanciação do acordo de cavalheiros que rege as relações entre Estado-Administração e cidadão, e entre aquele e seus agentes. O desvio de finalidade é, antes de mais nada, uma mentira. É um engodo. É a vontade – ou pelo menos, a negligência do agente público competente que pratica o ato inválido – de enganar os administrados, os demais agentes públicos envolvidos, e a própria administração pública, enquanto personalidade pública fictícia. É certo que a mentira tem pernas curtas, ou seja, um desvio de finalidade pode ser descoberto, mais cedo, ou mais tarde (se não tiver prescrito o direito de punir do Estado); mas não basta apenas saber-se da existência do desvio. Para se punir o agente que abusa do poder público, é necessário ter provas cabais. E é nesse contexto que a prova documental, produzida logo depois do ato, se mostra a mais apta a vincular inconteste o agente público que o pratica, com sua conduta (liame subjetivo). Enquanto: a) testemunhas mentem, esquecem fatos, morrem, adoecem e/ou se deixam subornar b) áudios e vídeos precisam de aparatos relativamente caros para reproduzir as vontades humanas e tentar retratar suas reais intenções; c) exige certo esforço e incômodo portar um aparelho para gravar o ato no momento que está sendo praticado; d) são deselegantes e invasivos demais na vida dos agentes envolvidos, e, reproduzem as imagens e vozes humanas, porém cheias demais de agudos, graves e trejeitos, ou seja, são pessoais demais, e) os documentos escritos e válidos são imparciais, insubornáveis, baratos, leves, discretos, objetivos e portáveis. Os atos administrativos podem ser ordens, informações, declarações e enunciações, praticáveis encadeados, formando processos tendentes a um fim público. Nesse caminho dialético, dinâmico e complexo, os agentes envolvidos não tem muita chance de analisar, reavaliar e retratar com fidedignidade suas decisões. Acabam por serem arrastados pelo procedimento que corre contra o tempo. Isso tudo, sem a documentalidade escrita dos atos administrativo, é um terreno fértil para o agente público mal intencionado, pois seus desvios e abusos vão se misturando aos atos de seus parceiros, chegando-se a fins não queridos pela lei e pela Constituição e dissimulado de ato legítimo. Só o documento escrito (como já dito, de preferência não impresso em folha de papel[13]) tem o poder, em alto grau, de tornar petrificado no tempo o retrato de um ato administrativo. É um arquivo de fácil e fidedigno acesso da realidade e da verdade. Diferentemente da eventual prova advinda de testemunhas, que, não raro, carecem da capacidade de expressar e bem retratar a realidade, bem como podem ficar ainda, a mercê de falhas de interpretações humanas, administrativas ou judiciais. Ou seja, enquanto os escritos, mormente os imediatamente produzidos, até sua interpretação possuem menos subjetividades intermediárias, as provas testemunhais, os vídeos, os áudios, as ordens faladas e gesticuladas são extremamente passíveis de desvirtuamentos interpretacionais, terreno fértil para o agente público dado à prática do desvio de finalidade. Palavra?!, o vento leva! Mas não só leva! Pode trazê-la de volta. Ou melhor: pode trazer outra, apenas parecida – mas com significado totalmente diferente -, em seu lugar. A outra palavra – essa que nunca foi, de fato, dita, mas que, ou por pouca memória, ou por malícia, ou por temperamento humano – acaba por fazer do vento um mentiroso, ou um injusto, que leva a verdade para o esquecimento, e faz o agente público, um co-mentiroso, com seu desvio de finalidade, triunfar no seio da administração pública. Eis a importância do perder-se um pouquinho mais de tempo escrevendo na fonte o retrato do ato administrativo válido e eficaz. Conclusão O presente trabalho trata, sob o prisma da intenção dissimulada do agente público, do desvio de finalidade. Não é uma tarefa das mais fáceis, pois visa encontrar manifestações registráveis das relações de causa e efeito entre as intenções e vontades (psiquê) do agente público, propenso ao desvio e finalidade, e o ato administrativo simulado. Para isso, no entanto, além da apropriação de conhecimentos já consolidados por renomados publicistas, como as definições de ato administrativo, ato discricionário, administração pública, legitimidade, documento público, boa-fé e etc., nos empenhamos em sistematizar novas classificações de ato administrativo. Como bem dissemos, os critérios de classificação não são um fim em si mesmo, mas são instrumentais, pois as tarefas de estudar e sistematizar são de suma importância para reconhecermos no documento escrito, o retrato maior da prevenção do desvio de finalidade. E assim o fizemos, classificamos os atos administrativos: 1) quanto à possibilidade de documentação em – a) Atos Administrativos documentáveis e, b) Atos administrativos não documentáveis; 2) quanto ao instrumento de documentação – a) atos administrativos escrituráveis; b) atos administrativos faláveis (ou verbalizáveis); c) atos administrativos gesticuláveis e, d) atos administrativos graváveis; 3) quanto ao momento de sua documentação escrita – a) Atos administrativos imediatamente documentados; b) atos administrativos posteriormente documentados e, c) atos administrativos sucessivamente documentados . Concluímos que o tipo de ato administrativo que, por excelência, é inibidor e prevenidor do desvio de finalidade é retratado pela combinação dos itens 2.3.2.a) e 2.3.3.b), ou seja, um ato administrativo imediatamente escrito. Vimos ainda que a danosidade advinda da prática do desvio de finalidade à administração pública é alta, dando azo ao surgimento da corrupção, assédios (estrutural, moral e sexual) e disfunções da burocracia administrativa, quando não o ressurgimento do anacrônico patrimonialismo. Os princípios da publicidade e do formalismo temperado (ou moderado) são corolários e conditio sine qua non a demonstrar a importância e o cuidado ao se registrar a prática dos atos administrativos. Com efeito, ainda que não tramite em determinado órgão público um procedimento formal (autos), ainda assim há que se respeitar o princípio do formalismo (Lei nº 9.784/99). Relatamos que a produção de documentos escritos, em concomitância com a prática de atos estão cada vez mais fáceis de serem feitos, com o advento da informática, da internet, das impressoras e dos escâneres. Nesse trilhar, os chamados documentos oficiais (ofícios, memorandos, atas, boletins e etc), objetos da redação oficial, perderam muito de suas sacralidades, pois agora, com as mensagens eletrônicas de e-mail e aplicativos criados especificamente gerenciar documentos e procedimentos, os excessos de formalismos documentais se enfraqueceram. Ora, as intenções da administração pública são as intenções de seus agentes, investidos em determinada função pública; e, nesse trilhar, também são subjetivas, como é a intenção de um eventual desvio de finalidade. O agente público que pratica desvio de finalidade, e o faz de propósito (com dolo), com vontade e lucidez, tem a seu favor a dificuldade de materializar o malefício, que não se coaduna com o regime jurídico-administrativo brasileiro. Com efeito, existem formas de se majorar e captar as intenções das pessoas. Logicamente que só o interesse público é capaz de justificar o enveredamento da ciência jurídica pelo caminho das recônditas intenções do agente público. E, nesse caminhar, a comprovação do desvio de finalidade é matéria da maior importância para a construção de uma sociedade mais justa e democrática. Com o advento e disseminação do correio eletrônico (e-mail institucional), o registro escrito, imediato, objetivo e econômico dos atos administrativos tornou possível manter uma cultura de alerta contra os abusos de autoridade, sem no entanto, parecer paranoia do servidor que cultiva essa conduta, pois, de fato, assim agindo estará apenas cumprindo o que o sistema jurídico-administrativo brasileiro ordena, ou seja, observar e fomentar os princípios do formalismo moderado, da publicidade, da economicidade e da eficiência, sem correr o risco de alimentar burocracias desnecessárias, que tanto atrasam o já combalido serviço público brasileiro. Portanto, reformar a Constituição para torná-la menos democrática e, assim, deixarmos de ser taxados de hipócritas não é a melhor solução; nossas atitudes é que devem mudar para aproximarem-se ao máximo dos cânones Constitucionais.
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O exercício de função pública civil por militar da ativa
O presente trabalho investiga a possibilidade do exercício de funções públicas civis por militares da ativa, analisando a conjuntura anterior e posterior ao advento da Emenda Constitucional nº 77/2014 , bem como tecendo breves comentários sobre a Projeto de Emenda Constitucional nº 215/2003, ainda em trâmite no Congresso Nacional.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO Regra geral, os cargos, empregos e funções públicas são inacumuláveis. Significa que o titular de uma função pública só pode exercer outra função da mesma natureza diante de expressa permissão, o que é feito pela Constituição em seu art. 37, inciso XVI. Contudo, sempre se discutiu se a referida norma seria aplicável somente aos servidores civis, ou se também abrangeria os militares. O debate se intensificou depois que a EC nº 18/98 alterou algumas normas na CF/88 sobre os militares. Após, a EC nº 77/2014 também tratou do assunto, permitindo expressamente o exercício de função pública civil referente a profissões da saúde pelo militar da ativa (art. 37, XVI, ‘c’). Atualmente, o Congresso discute, na PEC nº 215/03, a aplicação integral do art. 37, XVI aos militares estaduais. 1. Natureza e Vínculo da Função Militar Há dissenso na doutrina quanto à natureza da função militar. Isso porque a redação originária da Constituição Federal (CF/88) foi alterada pela Emenda Constitucional (EC) nº 18/98 conforme resumo abaixo: “i) a expressão “servidores públicos militares”, antes prevista no art. 42, foi suprimida; ii) o art. 42 foi realocado em uma nova seção (Seção III do Capítulo VII), intitulada de “Militares dos Estados, Distrito Federal e Territórios”, logo após a Seção II, cujo título é “Dos Servidores Públicos”; iii) no art. 142 foi inserido um terceiro parágrafo afirmando que “os membros das Forças Armadas são denominados militares”. Devido a essa alteração topográfica, parte da doutrina passou a considerar que os militares “ficaram excluídos da categoria [de servidores públicos], só lhes sendo aplicáveis as normas referentes aos servidores públicos quando houver previsão expressa nesse sentido, como a contida no artigo 142, § 3º, inciso VIII” (DI PIETRO, 2010).[1] Assim, para a referida autora, os militares fazem jus a algumas vantagens dos trabalhadores privados, e outras dos servidores públicos, mas não estão compreendidos em nenhuma das duas categorias. Em sentido oposto, sustenta-se que tanto os servidores civis, como os militares “são servidores públicos lato sensu, embora diversos os estatutos jurídicos reguladores, e isso porque, vinculados por relação de trabalho, subordinado às pessoas federativas, percebem remuneração como contraprestação pela atividade que desempenham” (CARVALHO FILHO, 2012).[2] Por essa visão, pois, a EC nº 18/98 não retirou dos militares a condição de servidores públicos. De qualquer forma, certo é que os militares estão submetidos ao regime estatutário, pois seu vínculo com o Estado decorre de lei, o Estatuto dos Militares (Lei 6.880/80). Referido diploma determina regras sobre ingresso na carreira, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, conforme prevê a CF/88 (art. 142, § 3º, inciso X). 2. Exclusividade da Função Militar antes da EC nº 77/2014 A possibilidade de acumulação de funções públicas encontra-se regulada, de um modo geral, no art. 37, inciso XVI da CF/88, que assim dispõe: “é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI: a) a de dois cargos de professor; b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas” Portanto, como regra, o acúmulo remunerado de funções públicas não é permitido pelo texto constitucional, salvo nas hipóteses acima ressalvadas.[3] Cumpre-nos enfrentar, agora, se o dispositivo acima transcrito se aplica aos militares. Antes da EC nº 77/2014, em artigo pertinente ao tema, o professor e assessor jurídico do Exército, José Carlos Dutra, listou alguns obstáculos a essa aplicação (DUTRA, 2012).[4] Em primeiro lugar, defendeu que a função militar não estaria elencada no rol de exceções à acumulação: “Há quem visualiza a possibilidade de se incluir a lide castrense no rol dos cargos técnicos ou científicos. Não concordo com tal hipótese, pois o militar é um especialista, treinado e preparado antes de mais nada, para a arte da guerra, para a defesa da pátria, dos poderes constituídos, da lei e da ordem e em atividades administrativas e de gestão, ou seja, atividades meio da própria Força. Ocorre, porém, que nem todo o trabalho especializado pode ser considerado técnico, há que ser dotado, também, de uma natureza científica ou artística, o que não se vislumbra na atividade militar”.[5] Outro óbice seria a própria vedação da Constituição, mantida pela EC nº 18/98, no sentido de determinar a transferência do militar para a reserva, caso aceitasse cargo público civil permanente, ou para o agrego, se aceitasse cargo, emprego ou função pública temporária não eletiva. Para Dutra isso não teria sido inovação da CF/88: “tal vedação já constava do § 4º do art. 93 da Carta Política de 67/69, nos seguintes termos: ‘O militar da ativa empossado em cargo público permanente, estranho à sua carreira, será imediatamente transferido para a reserva, com os direitos e deveres definidos em lei’. Vejam que a expressão ‘estranha a sua carreira’ foi substituída pelo seu real significado, qual seja, cargo ou emprego civil. Na essência, porém, ambos os textos dizem a mesma coisa. Em perfeita sintonia com os textos constitucionais o Estatuto dos Militares determina a demissão, ex officio, do oficial e o licenciamento da praça que vier assumir cargo público permanente estranho à carreira das armas”. [6] Além disso, Dutra adotou a corrente defendida por Di Pietro e argumentava que a EC nº 18/98 teria retirado dos militares a qualidade de servidores públicos. Para ele tal fato impediria a aplicação do art. 37, inciso XVI, que como é regra excepcional, deve ser interpretada restritivamente. Por fim, quanto à possibilidade do exercício de função pública civil pelos militares que atuam nas Forças Armadas como especialistas técnicos e científicos (médicos, engenheiros, etc.), o mencionado professor manteve o mesmo entendimento: “Há que se perquirir, então, se a esses especialistas se aplicam as mesmas regras aplicáveis aos demais militares ou se, por exceção, podem acumular dois cargos públicos remunerados, nos termos do inciso XVI do art. 37 da CF. Entendo que a vedação contida no inciso II do art. 142 se aplica a todos os militares, uma vez que, ao definir “militar” o legislador constitucional não fez exceções, não devendo o intérprete fazê-las, mesmo porque a condição de militar supera a sua especialidade, ou seja, trata-se de um militar especialista e não de um especialista militar. Há, ainda, um derradeiro argumento que ratifica o entendimento de que ao militar não é permitida a acumulação remunerada de cargos públicos. Vejamos: a CF ao enumerar, de forma exaustiva, no inciso VIII, § 3º do art. 142 os direitos do art. 37 que se aplicam aos militares não mencionou o inciso XVI. Este dispositivo é o que disciplina a cumulatividade, o que demonstra, de forma clara, que o legislador subtraiu aos militares a possibilidade do exercício de dois cargos públicos remunerados”. [7] Os argumentos suscitados por Dutra, porém, foram superados em alguns precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, antes mesmo da EC 77/2014, passou a admitir o exercício de funções civis por militares que não exercessem função tipicamente militar: “ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. POLICIAL MILITAR. ATUAÇAO NA ÁREA DA SAÚDE. ACUMULAÇAO DE CARGOS CIVIL E MILITAR. POSSIBILIDADE. 1. A jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, diante da interpretação sistemática do art. 37, XVI, alínea c, c/c os arts. 42, 1º, e 142, 3º, II, todos da Constituição Federal de 1988, admite a acumulação de dois cargos privativos na área de saúde, no âmbito das esferas civil e militar, desde que o servidor público não desenvolva, em ambos os casos, funções tipicamente militares. 2. Precedentes: RMS 32.930/SE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe 27/9/2011; AgRg no RMS 28.234/PA, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA, Desembargador Convocado do TJ/RS, Sexta Turma, DJe 9/11/2011; RMS 22.765/RJ, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, DJe 23/8/2010.  3. O eventual excesso de carga horária, conquanto não comprovado nos presentes autos, poderá ser levado em consideração pela Administração no momento em que ficar caracterizado.  4. Agravo regimental a que se nega provimento.”[8] (grifei) “ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. POLICIAL MILITAR E PROFESSOR DA REDE PÚBLICA ESTADUAL. INTEGRANTE DAS FORÇAS ARMADAS. VEDAÇÃO PREVISTA NO ART. 142, § 3º, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. É vedado aos integrantes das Forças Armadas, dentre eles os policiais militares estaduais, a cumulação de cargos, conforme dicção do art. 142, § 3º, II, da Constituição Federal. 2. Esta Corte, ao interpretar os arts. 37, II, e 142, § 3º, inciso II, da Constituição Federal, decidiu que a proibição de cumulação de cargos reflete-se apenas nos militares que possuem a função tipicamente das Forças Armadas. Por isso, entendeu que os militares profissionais da saúde estão excepcionados da regra. Precedente: RMS 22.765/RJ, Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, DJe 23/08/2010. 3. Inviável o exercício simultâneo dos cargos de policial militar e professor da rede pública estadual, em decorrência da vedação contida no art. 142, § 3º, II, da Constituição Federal, apesar da compatibilidade de horários. 4. Recurso ordinário conhecido e improvido.”[9]  (grifei) Não obstante, em sintonia com Dutra, o Supremo Tribunal Federal (STF), em uma de suas últimas decisões sobre o tema antes do advento da EC nº 77/2014, assim julgou: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ACUMULAÇÃO DE DOIS CARGOS DE MÉDICO POR MILITAR. IMPOSSIBILIDADE. ARTS. 42, § 1º, e 142, § 3º, II, da CONSTITUIÇÃO. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – Com efeito, o art. 42, § 1º, combinado com o art. 142, § 3º, II, da Constituição, estabelece que o militar da ativa que tomar posse em cargo ou emprego civil permanente será transferido para a reserva. Assim, diante do caráter específico e restritivo da norma supracitada, não se justifica a interpretação extensiva conferida pelo acórdão recorrido no sentido de que o militar pode acumular dois cargos, ainda que se refiram a cargos de profissionais de saúde. Precedentes. II – Agravo regimental a que se nega provimento.”[10] Em seu voto, o Ministro Ricardo Lewandowski, deixou consignado o seguinte: “Ora, caso fosse intenção do constituinte outorgar o direito ao militar de acumular cargo, emprego ou função, independentemente da necessidade de ser transferido para a reserva (art. 142, § 3º, II), teria incluído referido direito no elenco do art. 142, § 3º, VIII, da Constituição, que determina a aplicação de alguns incisos do art. 37 aos militares”. Sensível a isso, o Congresso Nacional promulgou a EC nº 77/2014, incluindo a possibilidade de o médico militar exercer a função de médico civil na qualidade de servidor público, conforme passamos a analisar. 3. A Emenda Constitucional nº 77/2014 Conforme demonstrado acima, a aplicação do art. 37, inciso XVI da CF/88 aos militares era controvertida, inclusive na jurisprudência dos Tribunais Superiores. A despeito de outros argumentos, o ponto central do dissenso residia em não ter o art. 142, § 3º, inciso VIII, da CF/88, remetido aos membros das Forças Armadas a aplicação daquele dispositivo. Para por fim à polêmica, em fevereiro de 2014, foi publicada a EC n° 77/2014, que, alterando os incisos II, III e VIII do § 3º do art. 142 da Constituição Federal, estendeu expressamente aos profissionais de saúde das Forças Armadas a possibilidade de acumulação do cargo a que se refere o art. 37, inciso XVI, alínea "c". Vejamos: “II – o militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego público civil permanente, ressalvada a hipótese prevista no art. 37, inciso XVI, alínea "c", será transferido para a reserva, nos termos da lei; (grifei) III – o militar da ativa que, de acordo com a lei, tomar posse em cargo, emprego ou função pública civil temporária, não eletiva, ainda que da administração indireta, ressalvada a hipótese prevista no art. 37, inciso XVI, alínea "c", ficará agregado ao respectivo quadro e somente poderá, enquanto permanecer nessa situação, ser promovido por antiguidade, contando-se-lhe o tempo de serviço apenas para aquela promoção e transferência para a reserva, sendo depois de dois anos de afastamento, contínuos ou não, transferido para a reserva, nos termos da lei; (grifei) VIII – aplica-se aos militares o disposto no art. 7º, incisos VIII, XII, XVII, XVIII, XIX e XXV, e no art. 37, incisos XI, XIII, XIV e XV, bem como, na forma da lei e com prevalência da atividade militar, no art. 37, inciso XVI, alínea "c";” (grifei)  Dessa forma, o militar que tomar posse em cargo, emprego ou função pública civil, permanente ou temporária, relacionados à área da saúde (médicos, enfermeiros, etc.), poderá permanecer na ativa por expressa previsão constitucional. Conforme consta do sítio eletrônico do Senado Federal, “a mudança no texto da Constituição deve evitar a constante evasão de profissionais das Forças Armadas, devido à impossibilidade de exercício de outro cargo, assim como melhorar o atendimento a populações de regiões de fronteira e distantes dos grandes centros urbanos”.[11] Portanto, duas foram as principais motivações da Emenda: evitar a evasão de profissionais e melhorar o atendimento a populações longínquas do país. Quanto ao primeiro objetivo, pode-se dizer que a Emenda veio ao encontro do interesse das próprias Forças Armadas. No caso da Marinha, por exemplo, a Portaria nº 87/DPGM de 2014, que regulamenta a rotina de trabalho dos militares profissionais de saúde, assenta que “a flexibilização da rotina de trabalho para o militar profissional de saúde estaria em sintonia com a realidade do mercado e com o interesse público, na medida em que a Administração Naval convive, rotineiramente, com dificuldade de captação e evasão voluntária dos profissionais de saúde, em especial dos médicos militares”. E segundo a mesma Portaria, a flexibilidade da rotina de trabalho dos médicos da Marinha se dá justamente para possibilitar-lhes “a prática profissional no meio civil”.No mesmo sentido, o próprio Estatuto dos Militares já permitia ao militar da ativa exercer cargo médico civil, ao expressar que “é permitido aos oficiais titulares dos Quadros ou Serviços de Saúde e de Veterinária o exercício de atividade técnico-profissional no meio civil” (art. 29, § 3º, da Lei 6.880/80). Com relação à outra finalidade da Emenda, a alteração constitucional justificou-se no interesse público, especialmente nas regiões mais longínquas do país, que sofriam com a ausência de profissionais da saúde. Conforme explica o professor e juiz federal Márcio Cavalcante, “muitas vezes a única presença estatal é a das Forças Armadas e os médicos, dentistas e enfermeiros militares que ali atuam poderiam trabalhar também em hospitais ou postos de saúde estaduais ou municipais atendendo a população em geral, mas ficavam impedidos por conta dessa dúvida que pairava diante da lacuna constitucional” (CAVALCANTE, 2014).[12] Por fim, ressalte-se que a EC nº 77/2014 abrange também os militares estaduais, pois embora só tenha modificado o texto do art. 142, que cuida dos militares das Forças Armadas, o art. 42, § 1º, da CF/88 manda aplicar aos militares dos Estados (Polícia Militar e Corpo de Bombeiros) aquele dispositivo, agora com nova redação. 4. Outras Limitações Embora a EC nº 77/2014 tenha permitido ao militar ativo exercer também função pública civil ligada a profissões da saúde, tal acúmulo de funções está sujeita a limitações. Genericamente, os limites dizem respeito à compatibilidade de horários, conforme art. 118, § 2º da Lei 8.112/90 (aplicável a servidores federais) e à obediência ao teto remuneratório, na forma do art. 37, inciso XI, da CF/88. Explica Rafael Oliveira que “na hipótese em que a acumulação ensejar o recebimento de remunerações que ultrapassam o teto, poderá haver redução da remuneração de um dos cargos, emprego ou funções, com a finalidade de se atender o teto” (OLIVEIRA, 2016).[13] Ensina ainda o aludido autor só ser possível o acúmulo de duas fontes remuneratórias, verbis: “A norma constitucional em comento utiliza as expressões ‘dois cargos’, ‘um cargo […] com outro’ e ‘dois cargos ou empregos’. Não se figura possível a acumulação de três fontes remuneratórias, como já decidiram o STF e o STJ”. [14] Ademais, há entendimento firmado no âmbito da Advocacia Geral da União (AGU) no sentido de ser “ilícita a acumulação de dois cargos ou empregos de que decorra a sujeição do servidor a regimes de trabalho que perfaçam o total de oitenta horas semanais, pois não se considera atendido, em tais casos, o requisito da compatibilidade de horários” (Parecer AGU Nº GQ-145/1998). No mesmo parecer, a AGU, com base na Lei Trabalhista (CLT) estipula uma jornada máxima de 60 horas, raciocínio que vem sendo utilizado também pelo Tribunal de Contas da União (TCU), vejamos: “(…) 6. Corroborando-o, ressalto que, embora a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT não seja diretamente aplicável a servidores públicos stricto sensu, ao menos demonstra a necessidade de se fixar máximo e mínimo, respectivamente, para os tempos diários de labor e de descanso – arts. 59 e 66 da CLT -, que, desrespeitados, geram, em última instância, comprometimento da eficiência do trabalho prestado. 7. Por analogia àquela Norma Trabalhista, destaco a coerência do limite de sessenta horas semanais que vem sendo imposto pela jurisprudência desta Corte, uma vez que, para cada dia útil, ele comporta onze horas consecutivas de descanso interjornada – art. 66 da CLT -, dois turnos de seis horas – um para cada cargo, obedecendo ao mínimo imposto pelo art. 19 da Lei n. 8.112/1990, com a redação dada pela Lei n. 8.270, de 17/12/1991 – e um intervalo de uma hora entre esses dois turnos destinada à alimentação e deslocamento, fato que certamente não decorre de coincidência, mas da preocupação em se otimizarem os serviços públicos, que dependem de adequado descanso tanto dos funcionários celetistas quanto dos estatutários”.[15] Recentemente, a 1ª Seção do STJ adotou o mesmo posicionamento: “É vedada a acumulação de dois cargos públicos privativos de profissionais de saúde quando a soma da carga horária referente aos dois cargos ultrapassar o limite máximo de sessenta horas semanais. Segundo o que dispõe a alínea c do inciso XVI do art. 37 da CF, é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI, a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas. Por se constituir como exceção à regra da não acumulação, a acumulação de cargos deve ser interpretada de forma restritiva. Ademais, a acumulação remunerada de cargos públicos deve atender ao princípio constitucional da eficiência, na medida em que o profissional da área de saúde precisa estar em boas condições físicas e mentais para bem exercer as suas atribuições, o que certamente depende de adequado descanso no intervalo entre o final de uma jornada de trabalho e o início da outra, o que é impossível em condições de sobrecarga de trabalho. Observa-se, assim, que a jornada excessiva de trabalho atinge a higidez física e mental do profissional de saúde, comprometendo a eficiência no desempenho de suas funções e, o que é mais grave, coloca em risco a vida dos usuários do sistema público de saúde. Também merece relevo o entendimento do TCU no sentido da coerência do limite de sessenta horas semanais uma vez que cada dia útil comporta onze horas consecutivas de descanso interjornada, dois turnos de seis horas (um para cada cargo), e um intervalo de uma hora entre esses dois turnos (destinado à alimentação e deslocamento), fato que certamente não decorre de coincidência, mas da preocupação em se otimizarem os serviços públicos, que dependem de adequado descanso dos servidores públicos (TCU, Acórdão 2.133/2005, DOU 21/9/2005).”[16] Em suma, pode o militar ativo acumular função civil de profissional da saúde, desde que: i) a soma da remuneração das funções (civil e militar) não ultrapasse o teto constitucional; ii) haja compatibilidade de horários entre essas funções, não podendo as respectivas jornadas de trabalho juntas ultrapassar 60 horas semanais. CONCLUSÃO Por todo o exposto, concluímos que a mudança formal no texto da Constituição foi salutar, na medida em que atendeu às vontades não só dos profissionais da saúde, mas também ao interesse público e à conveniência da Administração Militar. No entanto, a alteração poderia ter sido mais abrangente, notadamente para prever a aplicabilidade integral do inciso XVI do art. 37 aos militares, o que possibilitaria, por exemplo, a um médico militar permanecer na ativa enquanto exercesse uma função de professor em uma universidade pública. Ressalte-se que essa acumulação (médico militar e professor) já foi admitida pelo STJ em 2013, no julgamento do RMS 39.157/GO, de relatoria do Ministro Herman Benjamin, sob o argumento de aparentar “desarrazoado admitir a acumulação de um cargo de professor com outro técnico ou científico e, entretanto, eliminar desse universo o cargo de médico (no caso sub examine, de perito), cuja natureza científica é indiscutível”. De fato, parece ser proporcional a extensão das demais hipóteses do art. 37, inciso XVI aos militares, desde que respeitados o limite remuneratório e a compatibilidade de carga horária entre as funções acumuladas. Por esses motivos, tramita no Congresso Nacional a PEC 215/2003, que objetiva acrescentar um terceiro parágrafo ao art. 42 da CF/88, para estender aos servidores militares estaduais o direito à acumulação de cargos públicos, prevista no art. 37, XVI. A proposta, porém, é merecedora de críticas. Ao modificar apenas o art. 42 da CF/88, a Emenda só será aplicável os militares estaduais. Dessa forma, os militares das Forças Armadas permanecerão sem ter o direito à aplicação integral do art. 37, XVI. Em consequência, os membros da Marinha, Exército e Aeronáutica não poderão acumular funções públicas civis, salvo aqueles que são profissionais da saúde. De qualquer forma, a Emenda faz justiça aos militares estaduais, possibilitando que policiais e bombeiros exerçam cargo de professor, cargo técnico ou de profissionais de saúde, sem prejuízo de sua atuação no serviço militar. Portanto, ainda que de modo parcial, a PEC 215/2003 avança em consonância com os valores apresentados neste trabalho e com a realidade do país.
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Responsabilidade disciplinar no exercício da advocacia
Inúmeros princípios norteiam a atuação do advogado e encontram-se dispostos pelo código de ética e disciplina da OAB, bem como, os quais limitam e regulam as condutas que os advogados devem perseguir ao exercer sua profissão. Os regulamentos visam possíveis ações de responsabilidade disciplinar de acordo a sua natureza e potencial lesivo, igualmente, as infrações são dispostas desta forma. As penalizações variam de acordo com o ato a ser punido e sua descrição como conduta lesiva, sendo as infrações subdivisíveis em censura, suspensão ou exclusão. É importante a análise de como se dará a utilização das infrações disciplinares, bem como, explicitar as condutas que advém desta.
Direito Administrativo
1. INTRODUÇÃO As sanções disciplinares nada mais são que um conjunto de regras e princípios de conduta que o advogado deve observar ao exercer sua atividade profissional, visando enaltecer e valorizar sua profissão e ser instrumento essencial a administração da justiça e daqueles que dele necessitam. Foi instituído pelo Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados que expressa uma série de orientações que são inerentes à prestação do serviço como profissional advogado. Igualmente corrobora ainda o Código de Ética e Disciplina da OAB, que instituído pelo Conselho Federal da OAB. E por fim o Regulamento-Geral da OAB, que possui provimentos e regimento interno do Conselho Federal da OAB. O advogado que, observado todos esses institutos, ainda deve obedecer ao conhecimento fático dos princípios, como obrigação para o exercício, eis que falho poderá ser punido com as infrações disciplinares. 2. DA RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR A atuação da advocacia, bem como as demais profissões legislativas, se faz necessária à formação de nível superior e constantes aperfeiçoamentos na área, já que, deficiência de técnica e conhecimento, podem motivar consequências ponderosas aos profissionais ou aos patrimônios destes. A imperícia pode ser entendida como a falta de habilidade técnica e formal para o exercício dos serviços da advocacia, em outros termos a imperícia somente pode ser verificada diante a inaptidão ou ausência de requisitos essenciais para a atuação. Para Thiago Aguiar Simim (2009, p. 370) diz que: “A imperícia é a falta de conhecimento técnico em um determinado ofício ou função. Como o próprio nome indica, imperícia é a falta de perícia e, assim, agir com imperícia é ser negligente com a técnica e a habilitação necessárias. Dessa forma, a imperícia está sempre ligada a uma profissão e deve ser analisada através de seu prisma. O elemento subjetivo não é necessário na responsabilidade civil objetiva, mas somente na subjetiva, como já mencionado supra”. A palavra imperícia pode ter muitos significados que dispostos em diversos dicionários, porém, ao termo técnico nada mais é que falta de aptidão para exercer um ofício, como ao caso a advocacia. A responsabilização disciplinar culmina na esfera criminal e civil, no espoco de precaver, remediar e penalizar, porem, guarda total independência em relação às demais incidências de responsabilização. Para Sérgio Cavalieri Filho (2007, p. 235) diz que: “Responsabilidade civil é uma espécie do gênero responsabilidade, que pode ser aplicada ao direito penal, administrativo, etc. Responsabilidade não se confunde com obrigação. A diferença entre obrigação e responsabilidade está no fato de que enquanto o primeiro termo trata de um dever jurídico originário, ou seja, um direito absoluto, o último trata de um dever jurídico sucessivo, que decorre do descumprimento do primeiro e indica o dever de indenizar.” Ademais, compete única e exclusivamente à Ordem dos Advogados a penalidade disciplinar ao advogado incidente, ou seja, não cabe aos magistrados, promotores ou demais autoridades no campo jurídico ou ético profissional. O parágrafo único do finado código de Processo Civil, foi inspirado no contempto of court da common law, ou seja, admitia aplicações de penalizações administrativas por juízes. Muito embora gerasse equivocadas interpretações quanto o alcance a sua sanção, caso que ficou esclarecido com a sua nova redação pelo Novo Código de Processo Civil, senão vejamos: “Art. 77.  Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo: I – expor os fatos em juízo conforme a verdade; II – não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento; III – não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito; IV – cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação; V – declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva; VI – não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso. § 1o Nas hipóteses dos incisos IV e VI, o juiz advertirá qualquer das pessoas mencionadas no caput de que sua conduta poderá ser punida como ato atentatório à dignidade da justiça. § 2o A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta. § 3o Não sendo paga no prazo a ser fixado pelo juiz, a multa prevista no § 2o será inscrita como dívida ativa da União ou do Estado após o trânsito em julgado da decisão que a fixou, e sua execução observará o procedimento da execução fiscal, revertendo-se aos fundos previstos no art. 97. § 4o A multa estabelecida no § 2o poderá ser fixada independentemente da incidência das previstas nos arts. 523, § 1o, e 536, § 1o. § 5o Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa prevista no § 2o poderá ser fixada em até 10 (dez) vezes o valor do salário-mínimo. § 6o Aos advogados públicos ou privados e aos membros da Defensoria Pública e do Ministério Público não se aplica o disposto nos §§ 2o a 5o, devendo eventual responsabilidade disciplinar ser apurada pelo respectivo órgão de classe ou corregedoria, ao qual o juiz oficiará. § 7o Reconhecida violação ao disposto no inciso VI, o juiz determinará o restabelecimento do estado anterior, podendo, ainda, proibir a parte de falar nos autos até a purgação do atentado, sem prejuízo da aplicação do § 2o. § 8o O representante judicial da parte não pode ser compelido a cumprir decisão em seu lugar.”  Com a nova transcrição, fica estipulado que a Ordem dos Advogados do Brasil somente pode aplicar penalizações a aqueles que inscritos como advogados ou estagiários, ou seja, não pode então atribuir infrações disciplinares aos nãos inscritos, sendo que neste caso, deverá comunicar às autoridades que competentes para que as apurações necessárias sejam realizadas. Segundo Celso Coccaro (2012, p. 197) diz que: “[…] a Ordem dos Advogados do Brasil apenas pode punir advogados e estagiários inscritos. Não pode aplicar sanções a pessoas não inscritas. Resta-lhe, em tal hipótese, comunicar as autoridades policiais ou o Ministério Público da possível prática do crime de exercício ilegal da profissão, para as devidas apurações”. Explicita ainda, o Código de Ética e Disciplina da OAB, sem seu artigo 1º como: “O exercício da advocacia exige conduta compatível com os preceitos deste Código, do Estatuto, do Regulamento Geral, dos Provimentos e com os demais princípios da moral individual, social e profissional.” Outrossim, os determinados ordenamentos da categoria somente reforçam a teoria ética para o exercício da advocacia, sendo obrigatória a observância das devidas regulamentações que pertinentes a postura e comportamento do advogado. Em outras palavras o Código de Ética e Disciplina da OAB, nada mais é que a conjectura do dever ser, e determina diretrizes para o correto comportamento na pratica e no exercício da advocacia. 1.1. Das infrações disciplinares 1.1.1. Distribuição das infrações pelo potencial lesivo e natureza As infrações disciplinares encontram-se dispostas no Estatuto da Advocacia em um rol taxativo, e composto por 29 incisos, igualmente, não se pode esquecer que o advogado também é penalizado pela violação de regulamentos éticos do aludido Estatuto e o Código de Ética e Disciplina, outro aspecto importante, é que tais preceitos não possuem correspondentes corretos ou aproximados no rol de condutas ilícitas tipificadas. Válido se faz ressaltar que, muitos juristas relativizam a importância do termo moral e ética para dirimir sua conduta como profissional, senão vejamos Volnei Carlin Ivo (2005, p. 40): “O homem, idealmente visto como agente moral, numa sociedade de laisser faire, impõe seus valores, produzindo justificação fática para o direito e o comportamento social, com todos os seus componentes e fenômenos indissociáveis”. A moral se identifica dentro de uma exigência comum, e que se aplica a qualquer cidadão na iminência da pratica de ações e atos, igualmente se perfaz a conduta que reflete aos interesses individuais ou coletivos. De outro lado quando relemos as condutas que tipificadas no Estatuto, o mesmo, parece ter sido desatento quanto aos princípios de proporcionalidade e razoabilidade, como um exemplo, o prejuízo causado por culpa grave e a aquele interessado, submete o advogado a pena de censura, ou seja, uma penalização mínima pela proporção do dano, porem, prevê a suspensão do profissional, caso este tenha extraviado os autos recebidos com vista, sem que, elementos de conduta constem, como dolo, culpa grave ou prejuízos comprovados. Ainda de acordo, menciona Celso Coccaro (2012, p. 198): “Uma análise mais atenta permite-nos, porém, perceber a existência de alguma coerência, de algum método na distribuição das condutas e respectivas penas”. Ademais, com a probabilidade de erro em distribuição, incluem-se entre as condutas punidas com censura aquelas em que as consequências permaneçam circunscritas ao profissional, como é o caso a relação de advogados e clientes, e ou, autoridades judiciárias. Entretanto, sem o extravasamento para campos maiores como a sociedade e a justiça. As infrações apenadas com a modalidade de suspensão possuem efeitos que extrapolam a circunscrição do profissional e uma lesão de alcance e potencialidade maior, pois, afetam valores da sociedade e justiça. Quanto às infrações adimplidas pela exclusão, identificamos condutas que além do impacto social também impedem o próprio advogado ao exercício da advocacia, ou pode ainda, impedir a inscrição do mesmo como profissional, desde que, praticadas ou conhecidas antecipadamente à consumação do ato. Segundo Eduardo Bittar (2010, p. 25): “É como um saber que se verte e se direciona para o comportamento que se deve definir e divisar conceitualmente o que seja a ética. De fato, concebê-la distante da palpitação diuturna das experiências humanas, fora do calor das decisões morais, fora dos dilemas existenciais e comportamentais vividos e experimentados em torno do controle das paixões, das agitações psicoafetivas e sociais que movimentam pessoas, grupos, coletividades e sociedades, é o mesmo que afastá-la de sua matéria-prima de reflexão.” E ainda, os autores Fábio Vieira Figueiredo, Marcelo Tadeu Cometi e Simone Diogo Carvalho Figueiredo (2013, p. 545): “Ética profissional é o conjunto de princípios e regras de conduta que o indivíduo deve observar na realização de sua atividade profissional, no sentido de valorizar a profissão e bem servir aos que dela dependam.” Eis que implementar a distribuição das penas nada mais é que regular a vida em sociedade, decisões morais, coletividades e sociedades que devem ser supridas em favor do bem social. 1.2. ESPECIES DE SANÇÕES DISCIPLINARES As sanções disciplinares se encontram expressas no Estatuto e são subdivididas em categorias como: censura, suspensão, exclusão e multa. Dessa forma, o artigo 34 tipifica as infrações, enquanto, os artigos 36 a 39 descrevem as penalizações cabíveis diante à violação praticada pelo profissional no exercício da profissão.  Em termos práticos, o Conselho Seccional da inscrição principal do profissional será então comunicado da decisão, eis que condenatória e irrecorrível, está oriunda do processo disciplinar, assim farão os registros nos assentamentos do advogado que penalizado.  1.3. CENSURA A penalização da censura consiste em uma anotação do que penalizado nos seus assentamentos pessoais como advogado, porem, é realizada somente após o trânsito em julgado da decisão que a aplicou. O principal efeito da pena de censura esta na perca da condição de primário, assim, a reincidência especifica significa em uma penalização de maior potencial, o que é o caso de suspensão. Ou seja, perder a primariedade significa dizer que, elimina-se o elemento atenuante quanto ao réu primário. Ao momento da penalização embora deva incluir-se as anotações pessoais do advogado, esta não será anotação publica, o que difere as penas de suspensão e exclusão. Segundo Andresa Carvalho dos Santos a censura é (2014): “A censura é pena disciplinar compreendida na repreensão oficial da conduta do infrator posta à análise e a julgamento. Portanto, constitui-se em manifestação oficial da entidade, reconhecendo e condenando, repreendendo, a natureza atentatória aos preceitos deontológicos da profissão da conduta posta. A sanção de censura não pode ser objeto de publicidade ou divulgação, no entanto esse sigilo não é absoluto, porque exclui os órgãos da OAB.” Enfim a pena de censura apesar de ser a mais branda das demais, e a mais restritiva aos olhos da publicidade, quebra este quesito quando se trata de órgãos mantidos e seguidos da direção da Ordem dos Advogados. Por outro lado a censura poderá ser convertida em “punição” como denominada, mas, trata-se apenas da advertência, que não pode ser sobreposta de forma autônoma ou direta, já que é uma transposição da penalização de censura. A transposição de censura por advertência, somente será possível se os elementos processuais e legais estiverem presentes ao caso em concreto. Frisam-se, os elementos processuais autorizadores da conversão de censura para advertência, se encontram ao caso em comento, quando são identificados elementos atenuantes, assim autorizam o julgador apenas advertir ao invés de aplicar a sanção prevista. Outro aspecto peculiar à censura é a possibilidade de suspensão, faculdade prevista no artigo 59 do Código de Ética, ou seja, o Tribunal suspenderá a pena desde a violação tenha sido cometida por réu primário e em circunstancia atenuante específica. De acordo Celso Coccaro (2012, p. 208): “[…] O tribunal poderá suspender a pena desde que o infrator seja primário – circunstancia atenuante específica, ao contrário dos elementos genéricos que autorizam a conversão em advertência – e cumpra a sanção alternativa, que consiste na frequência e conclusão, no prazo de 120 dias, de curso, simpósio, seminário ou atividade equivalente, sobre ética profissional do advogado realizado por entidade de notória idoneidade.” Enfim, a critério do Tribunal e de características específicas atenuantes, o profissional pode requerer a aplicação de penas adversas, como ao caso da suspensão, para tanto, deve o Tribunal considerar se são cabíveis ao infrator ou não. 1.4. Suspensão Ao infringir o artigo 34 do Estatuto no que se refere aos incisos XVII a XXV e quando há reincidência no acometimento de penalidades com a pena de censura, a pena de suspensão deverá ser aplicada.  Assim, reincidência se configura, ou seja, infrator deve ter sido punido por sua conduta novamente. Caso tenha sido aplicada pena de censura ao ato, terá contra sua nova infração elementos agravantes, porem, não poderá ser suspenso. Suspensão nada mais é que, a proibição do exercício da advocacia, em todo o território nacional, e em todas as suas modalidades, incumbe ainda ao infrator, realizar a entrega de seu documento de identificação a OAB, e este será retido pelo prazo da suspensão. De acordo com Andressa Carvalho dos Santos (2014): “Suspensão é a pena que importa numa paralisação temporária ou cessação por tempo limitado de uma atividade ou procedimento. Acarreta assim ao infrator a interdição do exercício profissional, em todo o território nacional, consoante preceitua o § 1° do art. 37 e reiterado no art. 42, ambos do Estatuto da Advocacia e da OAB. Não desobriga o inscrito ao pagamento das contribuições obrigatórias, nem da observância aos preceitos éticos e estatutários.” Quando aplicada a suspensão, deve o julgador fixar o prazo de sua penalização, que varia de no mínimo 30 dias e o máximo de 12 meses, o quanto é fixado de acordo ao caso e aos elementos da conduta que o compõem. Importante se faz lembrar que pode ser o prazo prorrogado, desde que, acometidas as condutas expressas nos incisos XXI, XXIII e XXIV do artigo 34 do Estatuto. No inciso XXI, a penalização poderá vir a ser prorrogada até que profissional preste conta a seu cliente, ou seja, a sanção impõe ao advogado a prestação de contas e desde que o faça perdurará a sua punição. Já no inciso XXIII, a sanção se refere ao pagamento das contribuições feitas ao órgão OAB, assim até o efetivo pagamento. E por fim no inciso XXIV trata-se da inépcia profissional, onde o profissional deve realizar novos exames de ingresso a OAB, assim perdura até que seja aprovado. Ao relacionar a suspensão como penalização, deve se frisar que a mesma é pública, e deve ser noticiada, assim é publicada na imprensa oficial. 1.5. Exclusão Trata-se a penalização de exclusão no cancelamento da inscrição do advogado, a perda da sua condição como profissional e a consequente proibição ao exercício da advocacia. Esta é a penalização mais grave que pode ser aplicada ao infrator, pois, veda seu exercício e lhe retira dos quadros de advogados da OAB.  Pertinente a sua publicação em imprensa Oficial. Observa-se que, esta infração disciplinar por ser a mais grave, somente poderá ser desfeita ou o advogado reabilitado quando, passar por um processo específico e destinado a esta finalidade, assim, poderá voltar a exercer a profissão de advogado. Para os autores Alice Fernandes, Daniel kerscher, Lucas Diogo Pereira e Renato Luiz de Avelar Bandini (2009): “Esta é a penalidade mais rígida, e importa na exclusão do infrator dos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil. Neste caso o inscrito perdera seu número na ordem, mas que mediante reabilitação e provas, depois que aprovado receberá novo número. Para a aplicação desta sanção disciplinar é necessária a aprovação de no mínimo dois terços dos membros do respectivo Conselho Seccional competente.” A sanção de exclusão apenas será imposta quando o profissional já tiver penalizado por 3 três vezes em suspensão, e neste caso, não é necessária reincidência específica, pois, é relevante apenas a natureza da pena, expressas nos incisos XXVI a XXVIII do Estatuto. Para a fiel aplicação de sanção e julgamento, importante lembrar que, os Tribunais de Ética em primeira instancia ao julgamento de processo disciplinar não possuem competência para tanto, assim, cabível apenas aos Conselhos Seccionais, e com quórum qualificado, restando a votação favorável de 2/3 de seus membros. 1.6. Multa A pena de multa não pode ser aplicada de forma autônoma, já que possui caráter acessório. Igualmente, serão cumuladas apenas as penas de suspensão ou censura e quando presentes ao caso elementos agravantes a conduta praticada, não podendo ser aplicada como acessório a infração de exclusão. Para sua aplicação deve se fixar um valor este, mínimo de 1 e máximo 10 anuidades que serão devidas à Ordem dos Advogados do Brasil pelo infrator penalizado. E cabe ao mesmo faze-la para o Conselho Seccional que tiver aplicado. 2. CONCLUSÃO O advogado membro indispensável à administração da justiça e instrumento essencial a defesa dos direitos, eis que imperioso se torna aos operadores do direito, o dever de observar os preceitos expressos no Código de Ética e Disciplina da OAB e perseguir fielmente os legados impostos ao exercício de sua profissão, buscando sempre equilibrar os princípios legais e sociais. Relembrar valores, condutas e comportamentos conscientes de sua atuação, em relação a sua grande responsabilização pela busca da justiça, e asseguração dos direitos dos que daquela necessitam. Assim faz com que o papel do advogado não seja apenas como instrumento de justiça, mas também, possa ser exemplo de profissional pautado nos princípios e valores expressos de sua categoria, e seja este, seu principal instrumento de trabalho. Por fim, se conclui que, as sanções disciplinares possuem a finalidade conservar a ordem junto ao poder jurisdicional, garantindo sua eficiência, conformidade e decoro de suas funções e afirmando aos cidadãos a verdadeira administração da justiça.
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Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 25: um alento aos estados exportadores
Neste trabalho se discute a aprovação da Lei Complementar nº 87, conhecida como Lei Kandir, que instituiu imunidade tributária a produtos primários e semielaborados destinados à exportação no ano de 1996. Da mesma forma, faz-se um apanhado sobre as normas que dispuseram sobre a compensação aos estados e municípios em decorrência da perda de receita tributária causada pela mencionada Lei. Passo seguinte, apresenta-se a inércia por parte do Congresso Nacional em editar uma norma que dispusesse definitivamente sobre a compensação aos estados e municípios, como estabelecido pela emenda constitucional nº 42, tendo em vista que as normas anteriores eram esporádicas e conjunturais. Ainda, expõe-se as providências judiciais tomadas pelos estados em face de tal inércia. Por fim, apresenta-se a situação fiscal dos estados nos últimos anos e como o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 25 pelo Supremo Tribunal Federal pode minimizar os efeitos da recente crise econômica e financeira das unidades da federação brasileira.
Direito Administrativo
1 INTRODUÇÃO No presente trabalho, se discute as consequências advindas da promulgação da Lei Complementar nº 87, conhecida como Lei Kandir, que instituiu imunidade tributária aos produtos primários e semielaborados destinados à exportação, bem como os critérios estabelecidos para compensação aos estados e municípios. Além disso, verifica-se se tais critérios são adequados. Também, apresentam-se as medidas judiciais adotadas pelos estados em face da omissão por parte do Congresso Nacional em editar a norma que disciplinasse definitivamente a compensação aos estados e municípios, como preconizado pela emenda constitucional nº 42, tendo em vista que as normas anteriores eram esporádicas e conjunturais. Na primeira seção, apresenta-se a Lei Complementar nº 87, abordam-se os motivos que justificaram sua aprovação e analisa-se a adequação dos critérios estabelecidos a fim de compensar eventuais prejuízos tributários experimentados em face da citada Lei. Na segunda seção, são apresentadas as medidas judiciais adotadas pelos estados em decorrência da não edição da norma que dispusesse, em definitivo, sobre critérios adequados de compensação, como determinado pela emenda constitucional nº 42. Passo seguinte, busca-se apresentar um panorama sobre a situação fiscal dos estados nos últimos anos e como o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 25 pelo Supremo Tribunal Federal pode contribuir com a mencionada situação. Finalmente, em “Conclusões”, serão recuperadas as principais considerações deste estudo, que permitirá um posicionamento sobre a atual perspectiva dos entes federativos brasileiros em serem adequadamente recompensados em função da aprovação da Lei Kandir. 2 DESENVOLVIMENTO 2.1 A Lei Complementar nº 87 e suas implicações No dia 13 de setembro de 1996, foi promulgada a Lei Complementar nº 87, que dispõe sobre o imposto dos Estados e do Distrito Federal sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, e dá outras providências. (BRASIL, 1996) A mencionada norma é popularmente conhecida como Lei Kandir, em referência ao ex-deputado que a propôs, Antônio Kandir. (SOARES, 2007) A Constituição da República de 1988 estabelecia imunidade tributária apenas aos produtos industrializados e permitia que Lei Complementar dispusesse sobre a imunidade tributária a produtos semielaborados. (SOARES, 2007) Em 15 de abril de 1991, foi promulgada a Lei Complementar nº 65, que define, na forma da alínea a do inciso X do art. 155 da Constituição, os produtos semielaborados que podem ser tributados pelos Estados e Distrito Federal, quando de sua exportação para o exterior. (BRASIL, 1991) Contudo, apenas uma parte dos produtos semielaborados foi contemplada na Lei Complementar nº 65. Além disso, permanecia a competência de os estados tributarem a exportação de produtos primários. (SOARES, 2007) Conforme dados da Secretaria de Comércio Exterior – SECEX do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços – MDIC, de 1938 a 1978, os produtos primários compunham majoritariamente a pauta de exportação brasileira. A partir de 1979, há uma inversão, de modo que os produtos manufaturados passam a prevalecer sobre os produtos primários, o que permaneceu até 2006. Os dados anteriores a 1938 e posteriores a 2006 não foram consultados. A título de ilustração, em 2006, os produtos manufaturados correspondiam a 54,3% da pauta de exportação, enquanto os produtos primários a 29,3%. Quanto aos produtos semimanufaturados, estes sempre tiveram uma representatividade relativamente baixa na pauta de exportação brasileira, entre 1938 e 2006, com média igual a 11,8%, desvio padrão igual a 3,06% e coeficiente de variação equivalente a 25,87%. Apesar dessa inversão na pauta de exportação brasileira a partir de 1979, fato é que os produtos primários continuaram a ter uma representatividade relevante na pauta, o que necessariamente não pode ser menosprezado em termos de política macroeconômica. Disso tudo, pode-se concluir que o fato de os produtos primários não gozarem de imunidade tributária até 1996 constitui um fato relevante, pois os tornam menos competitivos no âmbito do comércio exterior e foi justamente este um dos pretextos para a promulgação da Lei Complementar nº 87. Também, há de se apontar um fator conjuntural: com a implantação do Plano Real em julho de 1994 e sua “âncora cambial”, a balança comercial brasileira se tornou deficitária, indo de um superávit de 10,4 bilhões de dólares em 1994 para déficits de 3,4 e 5,6 bilhões de dólares em 1995 e 1996 respectivamente, o que demandava uma ação por parte do poder público. (SOARES, 2007) Ao mesmo tempo em que resolvia dois problemas (competitividade da exportação de produtos básicos e desequilíbrio da balança comercial), a iniciativa consubstanciada na Lei Kandir criava um novo problema, que era um possível comprometimento das finanças estaduais e municipais em função da perda de arrecadação com o ICMS sobre a exportação de produtos antes tributados. Por tal motivo, a Lei Complementar nº 87 estabeleceu um critério de compensação temporária aos estados a ser custeado pela União. Previsto a perdurar até 2002 e com a possibilidade de ser estendido até 2006, o art. 31 da Lei Kandir estabeleceu o denominado seguro receita, que considerava a arrecadação do ICMS pelos estados, determinados fatores de crescimento e atualização, e o desempenho da arrecadação de cada um dos estados em contraponto aos demais e à receita auferida pela União em seu território. Contudo, o valor global a ser pago estaria limitado a 3,6 bilhões de reais nos anos de 1996 e 1997, e de 4,4 bilhões de reais no ano de 1998 e seguintes. (SOARES, 2007) O intuito dessa compensação era o de preservar a receita de estados e municípios com o ICMS sobre os mencionados produtos no período de julho de 1995 a junho de 1996, acrescido de correção pelo IGP e de uma taxa de real de 3% em 1996 e 1997, e de 2% em 1998 e 1999, com a possibilidade de manutenção do crescimento real a partir de 1999, se não houvesse redução do esforço fiscal por parte dos estados. (MEDEIROS NETTO apud SOARES, 2007) Em 11 de julho de 2000, a Lei Complementar nº 102 estabeleceu teto para a compensação na ordem de R$ 3,864 bilhões em 2000, e R$ 3,148 bilhões para 2001 e 2002, corrigidos pelo IGP-DI. Em 26 de dezembro de 2002, a Lei Complementar nº 115 estabeleceu o teto de R$ 3,9 bilhões para o ano de 2003. (SOARES, 2007) Com a Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003, os preceitos da Lei Kandir foram incorporados ao texto constitucional e ganharam um status de maior estabilidade normativa, porquanto seja exigido quórum ainda mais qualificado para alterações em comparação aos dispositivos de Lei Complementar. Para projetos de Lei Complementar, se exige a aprovação pela maioria absoluta de deputados e senadores, em turno único em cada uma das casas. Para projetos de emenda constitucional, se exige aprovação por três quintos de deputados e senadores, em dois turnos em cada uma das casas. (BRASIL, 1988) Além disso, a emenda constitucional nº 42, acrescentou ao ato das disposições constitucionais transitórias – ADCT o artigo 91, que institucionalizou a possibilidade de compensação aos estados e municípios, segundo os seguintes critérios: volume de exportação de produtos primários e semielaborados, relação entre exportações e importações, créditos decorrentes de aquisições de ativo permanente e manutenção e aproveitamento dos créditos dos exportadores. Contudo, a matéria deveria ser disciplinada por lei complementar, o que nunca foi feito. Enquanto houvesse a vacatio legis, prevaleceria o anexo da Lei Complementar nº 87/96, com redação dada pela Lei Complementar nº 115/2002. (SOARES, 2007) Acrescenta-se que a União também efetuaria os repasses ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF, no que cabia aos estados e municípios (15%). Com a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB, em 1º de janeiro de 2007, o percentual foi de 16,66% em 2007, 18,66% em 2008 e 20% nos anos seguintes, conforme artigos 3º, § 1º, e 31, §1º, I, da Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007. (SOARES, 2007) Como a Lei Complementar mencionada no ADCT não foi editada, o tema foi tratado por Medidas Provisórias e Leis Ordinárias nº 10.966, de 9 de novembro de 2004, 11.131, de 1º de julho de 2005, e 1.289, de 30 de março de 2006, cada uma destinando 900 milhões de reais anuais a estados e municípios, cabendo, aos primeiros, três quartos do montante e, aos segundos, o quarto restante, o que ficou conhecido como “auxílio financeiro”. (SOARES, 2007) Verifica-se, pois, que a contrapartida decorrente da Lei Kandir, em grande medida, ficou a cargo da boa vontade por parte de a União e seus legisladores em destinar quantias adicionais às estabelecidas nas mencionadas normas aos estados e municípios. Tal boa vontade não se refere apenas a destinar recursos orçamentários, como também a executá-los. Soares, por exemplo, indica que, em relação ao ano de 2006, havia créditos orçamentários para compensação na ordem de 5,2 bilhões de reais, contudo apenas 3,9 bilhões de reais foram liquidados. (SOARES, 2007) Nos estudos de Leitão, defende o autor que a promulgação da Lei Kandir acirrou ainda mais a guerra fiscal entre os estados, em função da perda de arrecadação com o ICMS sobre a exportação de produtos primários e semielaborados. Além disso, estima o autor que, para haver uma compensação adequada em face da Lei Kandir, a União deveria ter efetuado repasses 2 a 2,5 vezes maior que os efetivamente realizados, tendo como parâmetro a arrecadação do estado do Ceará com ICMS sobre a exportação de produtos primários e semielaborados. (LEITÃO, 2009) Conforme Riani e Albuquerque, em estudos relacionados ao estado de Minas Gerais, defendem os autores que, na verdade, todos os estados foram afetados pela Lei Kandir. Contudo, os que exportavam relativamente mais foram os que tiveram maiores perdas de arrecadação, exemplificando com São Paulo, Minas Gerais e Pará. Além disso, acrescentam os autores que o mecanismo do “seguro-receita” penaliza os estados que apresentam maior eficiência tributária e estimula a sonegação, se constituindo como um verdadeiro estímulo invertido, de forma que os estados mais displicentes com a sua arrecadação tributária seriam relativamente melhor recompensados. (RIANI; ALBUQUERQUE, 2000) Também, não há indicativos seguros de que a Lei Kandir tenha efetivamente estimulado as exportações e de que os investimentos aumentaram em função do aproveitamento de créditos decorrentes da aquisição de ativos. No caso de Minas Gerais, as oscilações nas exportações foram explicadas em grande medida por fator externo, qual seja a variação do preço do produto no mercado internacional, e não por causa da Lei Kandir. (RIANI; ALBUQUERQUE, 2000) Tendo como foco o estado de São Paulo, Dall’Acqua (2001) também indica inadequações por parte do seguro-receita, que prejudicaram fortemente as finanças paulistas. Aponta o autor que nos anos de 1997-2001, o estado de São Paulo teve perdas decorrentes da Lei Kandir na ordem de 5,051 bilhões de reais, contudo somente obteve ressarcimento de 3,334 bilhões de reais, ficando com um déficit de 1,717 bilhões de reais no período. (DALL’ACQUA, 2001) Batista Jr. apresenta um cenário desolador em relação às perdas experimentadas pelo estado de Minas Gerais em decorrência da desoneração tributária instaurada pela Lei Kandir, especialmente em relação à produção e exportação do minério de ferro, importante commodity mineira, conforme o seguinte: “Se a receita da CFEM destinada aos Estados é baixíssima, o ICMS decorrente da exploração de minérios não mereceu melhor sorte, em virtude da desoneração heterônoma levada a cabo pelo Governo Federal. Apesar da exportação de minério de ferro responder por 44,89% do valor total exportado por Minas Gerais, em 2011, a arrecadação do ICMS consolidada para o Estado de Minas Gerais advinda da indústria extrativa foi de apenas R$ 767 milhões, cifra esta que representa apenas 2,71% do total acumulado de arrecadação do ICMS. Esse resultado decorre das desonerações impostas pela Lei Kandir, bem como do fato das mineradoras promoverem o beneficiamento do minério de ferro fora de Minas Gerais. Como avalia MOURÃO, em números, as receitas decorrentes de transferências da União para a compensação pelas isenções das exportações (Lei Kandir) mantiveram, para 2012 a 2013, as cifras de R$189 milhões por ano.16 Entretanto, em 2011, na efetivação das transferências compensatórias previstas na Lei Kandir, pode-se observar um montante de perdas da ordem de R$ 2,607 bilhões, havendo apenas sido recebido a título de transferências o valor irrisório de R$ 151 milhões. A verdade é que, embora sendo Minas Gerais um Estado produtor de minérios, sendo responsável por cerca da metade de tudo que se explora no Brasil, a atividade extrativa não se traduz em benefícios significativos para a economia mineira.” (BATISTA JR, 2014, p. 458) Marta Arretche denuncia, a partir da aprovação da emenda constitucional nº 15, que devolveu à União a competência para legislar sobre a criação de novos municípios, e da Lei Kandir, uma ingerência abrupta sobre o pacto federativo brasileiro: “Embora expressivas por seu conteúdo – visto que justificam decisões que suprimiram autoridade decisória dos governos estaduais –, a EC no 15/1996 e a Lei Kandir foram apenas parte de um conjunto de leis federais que impôs expressivas perdas de receita aos Estados e municí- pios brasileiros, assim como regulou o exercício de suas competências tributárias, de gasto e de implementação de políticas públicas. De fato, não foram de pequena monta as mudanças no status quo federativo brasileiro dos anos 1990. Elas implicaram “expressivo fortalecimento do controle exercido pelo governo federal” (Melo, 2005:845), aproximando o Brasil de “um regime hierárquico, estreitamente administrado, não distinto daquele encontrado em muitos sistemas unitários” (Rodden, 2006:247). A maior parte dos analistas interpretou a aprova- ção dessa legislação como um processo de recentralização federativa (Abrucio e Costa, 1999; Almeida, 2005; Arretche, 2005; Melo, 2005; Rodden, 2006; Souza, 2002). Mudanças dessa magnitude requerem explicação, uma vez que esses resultados apontam para a direção oposta àquela esperada por postulados do federalismo comparado, segundo os quais a formação de uma federação supõe um contrato constitucional entre unidades constituintes, que definem proteções institucionais a fim de evitar futuras expropriações por parte das demais unidades ou do governo central. Assim, como foi possível ao governo federal “expropriar” receitas, bem como autoridade sobre impostos, gastos e políticas dos governos subnacionais, sob condições de perfeita normalidade democrática?” (ARRETCHE, 2009, p. 378) As críticas, portanto, são muito contundentes em relação à Lei Kandir, que perpassam pela sua inocuidade em relação ao estímulo das exportações, pelo comprometimento pernicioso do pacto federativo e, principalmente, pelo comprometimento expressivo das receitas tributárias estaduais e municipais, em função da imunidade tributária do ICMS incidente sobre os produtos primários e parte dos produtos semielaborados destinados à exportação. 2.2 A recente situação fiscal dos estados e o alento gerado pelo julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 25 Em 27 de agosto de 2013, o Governo do Estado do Pará propôs uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão em face do Congresso Nacional, autuada com o número 25, tendo como sustentação principal eventual omissão legislativa por parte do Congresso em legislar da forma como preconizado no artigo 91 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, como informa o sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal. “A ação direta de inconstitucionalidade por omissão, modalidade de controle concentrado de constitucionalidade, almeja suprir as lacunas inconstitucionais que obstam a eficácia das normas constitucionais. A ADO visa combater uma doença, denominada pela doutrina como síndrome da inefetividade das normas constitucionais.” (LENZA apud RABELO, 2015) Segundo José Afonso da Silva, a omissão inconstitucional se dá: “(…) nos casos em que não sejam praticados atos legislativos ou administrativos requeridos para tornar plenamente aplicáveis normas constitucionais (art. 103, § 2º). Muitas destas, de fato, requerem uma lei ou uma providência administrativa ulterior para que os direitos ou situações nelas previstos se efetivem na prática. Se esses direitos não se realizam porque o legislador não produziu a lei, ou o administrador não criou o ato, dá-se uma omissão inconstitucional, surgindo daí o pressuposto para a propositura de uma ação de inconstitucionalidade por omissão, visando a obter a elaboração da lei ou a prática do ato.” (SILVA, 2010, p. 569) Nas suas razões, o Governo do Estado do Pará argumentou que, caso pudesse efetuar a cobrança do ICMS sobre os produtos indicados na emenda constitucional nº 42, obteria um montante na ordem de 20,5 bilhões de reais entre 1996 e 2012. Contudo a União efetuou repasses, nesse período, na ordem de 5,5 bilhões de reais a título de compensação, o que evidencia um prejuízo de 15 bilhões de reais em 15 anos. (PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA, 2014) Ingressaram na ação como amicus curiae os estados de Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Maranhão, Bahia, Paraná, Sergipe, Rondônia, Santa Catarina, Distrito Federal, Mato Grosso, Rio Grande do Norte, Espírito Santo, além da Ordem dos Advogados do Brasil, seção do Pará, segundo o sítio eletrônico do STF. A Procuradoria Geral da República se manifestou pelo provimento parcial do pedido, a fim de reconhecer a omissão legislativa por parte do Congresso Nacional e determinar prazo razoável de modo que essa instituição possa suprir a omissão. (PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA, 2014) No dia 30 de novembro de 2016, o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, que contempla todos os ministros da corte, julgou procedente a ação, por unanimidade, para reconhecer a mora do Congresso Nacional em regulamentar a forma de compensação aos estados e municípios em face da imunidade tributária concedida aos produtos primários e semielaborados destinados à exportação pela emenda constitucional nº 42. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2016) Pelo julgamento, concedeu-se o prazo de doze meses para que o Congresso Nacional edite a Lei Complementar dispondo sobre a matéria, sendo que, neste ponto, divergiu o Ministro Marco Aurélio Mello. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2016) Caso transcorra o prazo concedido sem que o Congresso Nacional tenha expurgado a mora, o pleno do STF, por maioria de votos, decidiu que caberá ao Tribunal de Contas da União fixar o montante a ser repassado aos estados e municípios de acordo com os critérios indicados na emenda nº 42, bem como indicar o montante que cabe a cada ente federativo. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2016) Tal decisão foi bastante comemorada por vários estados da federação, tendo em vista que muitos anos se passaram sem que tenha sido apresentada uma norma que estipule uma maneira justa de a União compensar os entes federativos acerca dos prejuízos experimentados em decorrência da Lei Kandir, especialmente ao se considerar a grave crise econômica e financeira que assola tais entes. Segundo Trevizan, os 26 estados e o Distrito Federal acumulavam juntos um déficit de 56 bilhões de reais no primeiro semestre de 2016, sendo que 20 das 27 unidades da federação estavam “no vermelho”. (TREVIZAN, 2016) Os dados mostram uma piora em comparação ao primeiro semestre de 2015, que já tinha resultados ruins, impactando a disponibilização e a qualidade de serviços públicos e projetos. No primeiro semestre de 2015, 18 unidades da federação acumulavam déficits. Segundo Trevizan, dezesseis estados e o Distrito Federal já tinham cortado investimentos e quatorze estados tinham obras públicas paralisadas ou atrasadas por falta de recursos em 2016. (TREVIZAN, 2016) Verificou-se também que, em 2016, oito UFs atrasavam salários, seis tinham problemas de caixa para saldar o décimo terceiro salário, dezesseis tinham atrasos com fornecedores, uma tinha declarado estado de calamidade financeira e outras quatro avaliavam fazê-lo. (TREVIZAN, 2016). Portanto, o julgamento da ADI por omissão nº 25 se dá em boa hora, uma vez que pode aliviar a situação fiscal de estados e municípios. Segundo informa Juliana Cipriani, o estado de Minas Gerais lançou movimento no intuito de utilizar os créditos decorrentes da Lei Kandir para compensar com a dívida que tem com a União. Para o estado, há um crédito a receber na ordem de 135 bilhões de reais e a dívida acumulada é de 88 bilhões de reais. (CIPRIANI, 2017) 3 CONCLUSÕES A aprovação da Lei Kandir, embora tivesse motivos razoáveis, contudo questionáveis, se mostrou um duro golpe no pacto federativo e, principalmente, nas receitas tributárias de estados e municípios. A prometida compensação em face da mencionada Lei nunca se deu nos parâmetros adequados.   Em face deste cenário, foi alentadora a decisão do Supremo Tribunal Federal em reconhecer a mora do Congresso Nacional a editar a lei complementar que dispusesse adequadamente sobre a forma de compensação a estados e municípios, como preconiza a emenda constitucional nº 42. Os entes federativos brasileiros vivem dias difíceis nos últimos anos em função da grave crise financeira, o que acarretou déficits públicos e atrasos em pagamentos de servidores e fornecedores. Com o julgamento da ADI por omissão nº 25, estados e municípios vêm um horizonte melhor, sendo que alguns já planejam utilizar os créditos da Lei Kandir para compensar com a dívida que têm com a União.
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Teoria da reserva do possível versus direito à saúde: uma reflexão à luz do paradigma da dignidade da pessoa humana
A teoria da reserva do possível originou-se na Alemanha no ano de 1970, por meio de uma causa apresentada perante a Corte Alemã, neste caso, ficou decidido pela Suprema Corte Alemã que, somente se pode exigir do Estado à prestação em benefício do interessado, desde que observados os limites de razoabilidade. Portanto, o princípio da reserva do possível foi aderido também ao direito brasileiro por meio do direito constitucional comparado. No entanto, a administração pública, por meio do Poder Executivo, tem-se orientado por meio do principio da reserva do possível de forma errônea e, consequentemente, se encontra fazendo uma má interpretação e aplicação dentro do ordenamento jurídico brasileiro. Em razão disto, há um vasto número de ações ajuizadas perante o Poder Judiciário, tendo alguns casos especiais que se trata com por exemplos dos remédios órfãos, tratamento terapêutico com valores muito onerosos, portando, a administração pública utiliza-se da reserva do possível com objetivo de se esquivar de suas obrigações. Salienta-se que o direito à saúde está intrinsecamente ligado aos direitos e garantias sociais, de modo que é dever do Estado custeá-lo, garantido o “mínimo existencial” para a sobrevivência do ser humano. Dessa forma, quando se depara com um quadro clinico onde o assunto seja tratamentos ou medicamentos, com intuito de garantir a sobrevivência humana, se esbarra no princípio da dignidade da pessoa humana, no qual o Estado terá que dar para todos os seus cidadãos uma vida digna e justa. Por fim, abordará no presente, a teoria da reserva do possível versus direito à saúde: uma análise à luz do STF, conforme mencionado epígrafe o direto a saúde está elencado dentro do rol das políticas sociais, assim, caberá à suprema corte defender tal matéria, e resguardar a sua aplicação dentro do ordenamento jurídico brasileiro. [1]
Direito Administrativo
1 INTRODUÇÃO O presente abordará algumas problemáticas que tem sido foco de assuntos, discursões doutrinárias e jurisprudências nos dias atuais, tendo como escopo a teoria da reserva do possível. Oriunda do direito alemão, no ano de 1970, um julgamento conduzido à Corte, apreciou uma temática sobre o acesso ao ensino universitário público, a qual proferiu sua decisão embasada no principio da reserva do possível, alegando que direito era coerente, porém, o Estado não tinha recursos suficientes devido a grande crise que estava vivenciando no momento, portanto, não tinha recurso para prover tal direito. Outro ponto é sobre o direito à saúde em destaque é o reconhecimento fundamental do direito social, positivado no artigo 6º e 196 da CF/88. O direito a saúde se encontra dentro do rol das politicas sociais, além disso, o artigo 196 da CF/88, diz que “o direito à saúde é direito de todos e dever do Estado”, ou seja, a responsabilidade em promover, custear a necessidades referentes à saúde no Brasil é exclusivamente do Estado. Portando, o direito à saúde está elencado no rol dos direitos sociais, sendo um marco muito importante que o constituinte de 1988 deu para sociedade brasileira, o qual responsabilizou de forma direta o Estado no custeio com todo este beneficio. Por fim, a teoria da reserva do possível versus direito à saúde: uma análise à luz da STF, assim, como relatado à Suprema Corte tem tratado de tal tema com grande afinco, defendendo os direitos e garantias fundamentais agregado na Carta Maior de 1988. Cabe observar que administração pública utiliza-se da reserva do possível para se esquivar de sua obrigação, porém, o Poder judiciário tem agido de forma esplendorosa em seu posicionamento quando a matéria é saúde, dando para a sociedade os seus direitos a luz da Constituição Federativa da República do Brasil de 1988. 2 A TEORIA DA RESERVA DO POSSÍVEL EM EXAME A teoria da reserva do possível advém da doutrina germânica, em especial da Alemanha, manifestando-se no ano de 1970, sendo globalmente conhecida como reserva do financeiramente possível.  Originou-se por meio de um julgamento conduzida à Corte Constitucional Alemã ao tratar de uma problemática a respeito do acesso ao ensino universitário público, solicitado por um aluno daquele país quando havia apenas universidades públicas na Alemanha. Dessa forma, foi decidido que há “limitação fáticas para o atendimento de todas as demandas de acesso a um direito” (JACOB, 2013, p. 250). Portanto tal limite fático consiste na garantia dos direitos já previstos em Constituição Federal, porém, para dar cumprimento a determinada obrigação faz-se necessário que o Estado tenha recursos públicos suficientes para cumprir com a sua obrigação e dar seguimentos ao seu Equilíbrio financeiro. Nas palavras do Professor Leny Pereira Silva, que: “[…] o principio da reserve do possível regula a possibilidade e a extensão da atuação estatal no que se refere à efetivação de alguns direitos sociais e fundamentais, tais como o direito à saúde, condicionando a prestação do Estado à existência de recursos públicos disponíveis” (SILVA, s.d., p. 26). A teoria da reserva do possível é definida como “limite ao poder do Estado de concretizar efetivamente direitos fundamentais a prestação” (SARLET, 2010, p. 180), ou seja, uma vez que o Estado for acionado de forma administrativa ou judicial, ele terá que custear com determinados direitos previsto em sua Carta Maior, mas, sempre respeitando a sua reserva financeira, vez que o Estado só será responsabilizado por suas obrigações quando estiver dinheiro em seu caixa. No Brasil, o principio da reserva do possível se manifestou por meio de uma falácia derivada de um Direito Constitucional Comparado equivocadamente, pois a situação social brasileira não poderia ser comparada àquela vivenciada nos países membros da União Europeia. Nestes termos, esclarece o professor Alemão Andreas Krell, que: “Não podemos isolar instrumentos, institutos ou até doutrinas jurídicas do seu manancial político, econômico, social e cultural de origem. Devemos nos lembrar também que os integrantes do sistema jurídico alemão não desenvolveram seus posicionamentos para com os direitos sociais num Estado de permanente crise social e milhões de cidadãos socialmente excluídos. Na Alemanha como nos outros países centrais – não há um grande contingente de pessoas que não acham uma vaga nos hospitais mal equipados da rede pública; não há a necessidade de organizar a produção e distribuição da alimentação básica a milhões de indivíduos para evitar sua subnutrição ou morte; não há altos números de crianças e jovens fora da escola; não há pessoas que não conseguem sobreviver fisicamente com o montante pecuniário de ‘assistência social’ que recebem etc. Temos certeza de que quase todos os doutrinadores do Direito Constitucional alemão, se fossem inseridos na mesma situação sócio-econômica de exclusão social com a falta das condições mínimas de uma existência digna para uma boa parte do povo, passariam a exigir com veemência a interferência do Poder Judiciário, visto que este é obrigado de agir onde os outros Poderes não cumprem as exigências básicas da constituição direito à vida, dignidade humana, Estado Social” (KRELL, 2002, p. 107-109). Com isso, fica evidente que a situação atual brasileira não poderia ser comparada com a aquela vivenciada num passado remoto na Alemanha, pois, o Brasil é um dos países que atualmente tem uma alta carga de tributação, chegando ao equivalente há 35,13% do PIB, ou seja, há grande quantidade de dinheiro nos cofres públicos. Em razão disso, não poderia, de forma alguma, alegar o principio da reserva do possível como justificativa para não cumprimento de uma obrigação. No entanto, quando nasceu o principio da reserva do possível na Alemanha, foi oriundo do momento de uma grande crise financeira, ou seja, não havia verbas nos cofres públicos nem para manter suas receitas originárias. Portanto, sendo bem diferente no que esta ocorrendo nos dias atuais no Brasil, pois o que ocorre de fato com a economia brasileira é uma má administração das verbas públicas, além de grandes desvios de dinheiro dos cofres públicos, resultando em prejuízos na aplicação das politicas sociais. Desse modo, o Poder Executivo não consegue dar efetivação nas politicas públicas consagradas pela Constituição de 1988. A partir daí, ocorre um conflito entre Poder Judiciário com o Poder Executivo, vez que o Poder Judiciário é constantemente demandado a proporcionalizar a aplicação dos direitos e garantias, para que seja cumprido com fulcro no principio da segurança jurídica, porque uma vez positivado tal direito pelo Poder Legislativo, o Poder Executivo terá que promover e executar de forma consensual tal ação, ou de forma coercitiva por meio do Poder Judicial com base nos dizeres constitucional. Ressalta-se ainda, que o principio da reserva do possível está ligada a duas vertentes, sendo a primeira relacionada com a existência de uma determinada situação econômica e a segunda passou a ser acatada no sentido de negar competência ao Poder Judiciário para julgar sobre matéria que impliquem em gastos orçamentários (MENDES; COELHO; BRANCO, 2000, p.146). Essa reprimenda configura sem sobra de duvida em uma objeção a viabilidade de judiciabilidade dos direitos sociais, dentre eles, os mínimos existenciais. Apesar disso, não há como se aceitar que a reserva do possível seja válida, seja tida como uma justificativa a obstar a viabilidade da exigibilidade judicial dos mínimos existenciais, particularmente a saúde, pois como sobredito, com fulcro no artigo 196º da CRFB/1988, “a saúde é direito de todos e dever do Estado (…)”, sendo configurado como o mais importante direito previsto no artigo 6º da CRFB/1988. É notório que as alegações de negativa de efetivação de um direito social por motivo da reserva do possível, devem ser analisadas com cautela pelo Poder Judiciário, de modo que não cabe o Poder Executivo alegar que não há possibilidade de cumprir uma ordem judicial por motivo da reserva do possível, terá que comprova-la materialmente, pelo fato que a reserva do possível converteria: “em verdadeira razão de Estado econômico, num AI-5 econômico que opera, na verdade, como uma anti-Constituição, contra tudo que a Carta em matéria de direitos sociais” (FARENA, 1997, p. 12). Por fim, judicialização da saúde é o único meio que a sociedade brasileira tem encontrado para efetivação do seu direito. Graça ao princípio do acesso à justiça que permite a qualquer um do povo pleitear o seu direito em juízo, desta forma coíbe o Estado na pessoa dos seus entes federativos por meio da ação de obrigação de fazer, em custear os seus tratamentos e medicamentos. O principio da dignidade da pessoa humana garante sem sobra de duvida que o Estado forneça o “mínimo existencial” para sobrevivência da sociedade brasileira. Assim, não cabe o Estado alegar a reserva do possível, pelo fato que o direito da saúde é uma das suas principais obrigações garantida pela Constituição de 1988. 3 TEORIA DA RESERVA DO POSSIVEL SOB A ÓTICA DO DIREITO ADMINISTRATIVO O Direito Administrativo inicia sua formação com supedâneo no artigo 37 da Carta Magna de 1988, o qual preleciona que: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte” (BRASIL, 1988). Logo, os princípios gerais do Direito Administrativo que lubrificam as engrenagens do mesmo, sendo os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência e outros princípios que emanam do mesmo artigo. Assim, o Direito Administrativo é definido segundo o entendimento dos professores Ronny Lopes e Fernando Baltar Neto como: “O Direito Administrativo se apresenta como o ramo do Direito Público que envolve normas jurídicas disciplinadoras da Administração Pública em seus dois sentidos, enquanto atividade administrativa propriamente dita e enquanto órgãos, entes e agentes que possuem a atribuição de executá-la. Enquanto arcabouço de regras disciplinadoras da Administração Pública, o Direito Administrativo é um conjunto de princípios e normas que limitam os poderes do Estado”. (BALTAR NETO; TORRES, 2012, p. 30) Diante o exposto, cabe salientar que o Direito Administrativo subdivide-se em: Direito Público que engloba normas forenses que dispõem acerca do Administra Pública em seus dois aspectos, sendo no aspecto administrativo e no aspecto de órgãos. A Administração Pública é classificada como a Administração Direta e Indireta, de modo que a criação do Direito Administrativo é essencial por colocar limites aos poderes do Estado.  Imperioso destacar que dentro da Administração Pública existe um Instituto que tem tomado palco de grande discursão sobre a sua aplicação no Ordenamento Jurídico Brasileiro, de maneira que o Instituto da Reserva do Possível esta intrinsicamente ligado nos atos e nas gestões da Administração Pública. Assim, para que as políticas públicas sejam inseridas dentro do nosso Estado é necessária a analise do Poder Executivo, desde sua iniciativa até a execução das normas orçamentárias. Calha-se que a triagem a respeito da conceituação das políticas públicas transfere do Executivo para o Judiciário, o desrespeito do delineamento da igualdade, uma vez que o grupo social que procurou a colaboração com o Poder Judiciário se justaporá aqueles que não o realizaram. Na ótica de Marcos Maselli Gouvêa, salienta que: “em situações extremas, as despesas realizadas em função de direitos prestacionais judicialmente impostos inviabilizariam outros projetos estatais, eventualmente até projetos relacionados a outros direitos fundamentais” (GOUVÊA, 2000, p.19). A par de complementar o alegado epigrafe, ressaltam-se as palavras do Professor Felipe de Melo Fonte: “[…]relatos de que em alguns hospitais e escolas da rede pública só se consegue admissão mediante ordem judicial, fato que representa grave distorção no acesso aos bens e serviços públicos, que se espera seja feito sem discriminação entre os cidadãos e de acordo com critério bem definido (…)” (MELO, 2013, p. 14) Portanto, tal discricionariedade do Poder Executivo, é moderada constitucionalmente, ao determinar as essencialidades orçamentárias impõe barreiras à intercessão do Poder Judiciário quanto à formação da política orçamentária. Nesse intuito averiguamos muitas definições jurisprudenciais, inframencionada: “[…] Dessa forma, com fulcro no princípio da discricionariedade, a Municipalidade tem liberdade para, com a finalidade de assegurar o interesse público, escolher onde devem ser aplicadas as verbas orçamentárias e em quais obras deve investir. Não cabe, assim, ao Poder Judiciário interferir nas prioridades orçamentárias do Município e determinar a construção de obra especificada […]”. (STJ, REsp 208893/PR; Segunda Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 22.03.2004). Todavia, observa-se que há limites na atuação do Poder Executivo para a atribuição do Poder Judiciário, de modo que na seara jurisprudencial ha muitos conflitantes e controversos, de modo que as profundas transformações de perspectivas frente à demanda pela máxima concretização dos direitos fundamentais, principalmente os sociais. Dentro desta mesma ótica ressaltam-se as palavras do ilustríssimo doutrinador Régis Oliveira: “[…] descabe ao Judiciário decisão de tal quilate. No entanto, se o fizer, determinando, por exemplo, a construção de moradias, creches, etc., e transitada em julgado a decisão, coisa não cabe ao Prefeito que cumprir a ordem. Para tanto, deverá incluir, no orçamento do próximo exercício, a previsão financeira. Esclarecerá à autoridade judicial a impossibilidade de cumprimento imediato da decisão com trânsito em julgado, diante da falta de previsão orçamentária, e obrigar-se-á a incluir na futura lei orçamentária recursos para o cumprimento da decisão […]” (OLIVEIRA, 2006, p. 404). Vislumbra-se ainda, a Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 45/DF, tendo como Ministro Relator Celso de Mello, o qual tratou o caso com muita seriedade e abordou com grande magnitude e clareza a respeito da Reserva do Possível, compreendendo ser viável a intervenção forense em relação às políticas públicas, contudo realçou a implantação da cláusula da reserva do possível, sui generis na execução dos direitos sociais, culturais e econômicos, apesar de estes reivindicassem amortizações estatais positivas do país. Nesta posição, decidiu o Supremo Tribunal Federa, in verbis: “[…] É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política. Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese – mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência. Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente usando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. […]” (STF, ADPF n. 45, Rel. Min. Celso de Mello, julg. 29.04.04) Este posicionamento tem esteio na ciência econômica, devendo ser agregado à conceituação das politicas públicas, sendo que na instancia das decisões judiciais, todavia nestes casos é necessário comprovar a ausência de recurso. Deste modo, o Instituo da Reserva do Possível é aplicado dentro do ordenamento jurídico brasileiro de maneira ponderada, ou seja, é necessário fazer um juízo de admissibilidade, de modo que tal instituto só poderá ser aplicado como ultima ratio, e quando for aplicado será necessário fundamentar de maneira clara e objetiva a insuficiência de recursos financeiros. Abordou o doutrinador Felipe de Melo Fonte que “Reserva do possível não é presunção absoluta (ou mesmo relativa) de inexistência de dinheiro, nem fundamento autônomo de discricionariedade administrativa e/ou legislativa capaz de justificar a omissão ou adimplemento defeituoso de direitos fundamentais” (FONTE, 2013, p. 92). Por fim, o sentido primordial da Teoria da Reserva do Possível deve ser depreendido sob o olhar dos delineamentos da proporcionalidade e da razoabilidade entre a presunção pleiteada, de modo que o instituto da responsabilidade objetiva do Estado adveio com muito luta, de maneira que não seria salutar que em pleno o século XXI, a sociedade brasileira tenham os seus direitos e garantias fundamentais exauridos devido a este instituto. Logo, é necessária ter uma justificativa plausível e fundamentada para utilizar-se da Reserva do Possível, para que esta prática não cai nas mãos da Administração Pública e seja utilizada a bel-prazer. 4 TEORIA DA RESERVA DO POSSÍVEL VERSUS DIREITO À SAÚDE Com fulcro na Constituição de 1988, em seu artigo 6, 196 a 200, chega-se ao entendimento de que, o direito à saúde é reconhecido como direito fundamental vez que é oxigenada pelo principio da dignidade da pessoa humana, assim, tal direito se encontra em comum concordância entre o direito vigente, as leis internacionais e com a moralidade comum. Dessa forma, acredita-se que o direito à saúde e a vida forma-se um elo comum, isto é, não existe saúde sem vida e nem vida sem saúde, assim, integram as obrigações morais e legais e terá que ser custeado pelo Estado. Portanto, conforme o entendimento dos direitos humanos, o direito a vida é absoluto. No entanto, a Carta Magna de 1988, estrutura o direito a vida como um direito relativo, mais sendo nítida a obrigação do Estado em resguardar e zelar a “vida” e garantir o “mínimo existencial” para a “saúde humana” (BOBBIO, 1992, p.04-06). Imperioso salientar que não cabe ao Estado alegar a insuficiência dos recursos financeiros, quando o assunto pleiteado envolve o “mínimo existencial”, de modo que a insuficiência alegada pelo Estado nas ações de saúde tem tomado palco de uma grande discursão entre a doutrina, jurisprudência e até mesmo no senário do STF, pelo fato que o direito a saúde é uma garantia Constitucional, porém, na seara daquilo que se convencionou constituir “reserva do possível”, quando confronta à possibilidade financeira do Estado, consolida a liberdade de recursos materiais para consumação de eventual de condenação do Poder Público na prestação de assistência farmacêutico, medicamentos órfãos ou tratamentos terapêuticos. Duciran Van Marsen Farena assevera, que: “As alegações de negativa de efetivação de um direito social com base no argumento da reserva do possível devem ser sempre analisadas com desconfiança. Não basta simplesmente alegar que não há possibilidades financeiras de se cumprir a ordem judicial; é preciso demonstrá-la. O que não se pode a evocação da reserva do possível converta-se “em verdadeira razão de Estado econômica, num AI-5 econômico que opera, na verdade, como uma anti-Constituição, contra tufo o que a Carta consagrada em matéria de direitos sociais” (FARENA, 1997, p 12) Diante o exposto, salientar-se que o Poder Judiciário tem recebido várias críticas no decorre dos tempos por parte do Poder Público em geral, pelo fato que todos os órgãos que compõem a estrutura do Poder Pública são dotados de competências, porém, importar destacar que o direito a saúde, comporta-se como um direito hibrido, ou seja, a saúde e um direito público subjetivo e fundamental para a manutenção da vida do ser humano. Desta forma, quando o direito a saúde for lecionado, terá que ser apreciado pelo Poder Judiciário, de modo que o direito a saúde é pertencente ao direito fundamental. Assim, o Poder Judiciário terá que garantir de forma plena os direitos fundamentais do homem (SCHWARTZ, 2001, p. 163). Salientou o ínclito jurista e ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal: “Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5º, caput e art. 196) ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo – uma vez configurado esse dilema – que razões de ética jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e saúde humanas”. Em outro giro, uma temática até então nova analisada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário n. 195.192/RS26, no ano 2000, foi apreciado um mandado de segurança na instância a quo. Cuidava-se de um direito pleiteado por um infante, portador de rara enfermidade metabólica diagnosticada como fenilcetonuria, para que seja fornecido pelo Estado do Rio Grande do Sul, medicamento esse que deveria ser importado dos Estados Unidos. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul havia concedido à segurança, entendo que havia tal direito. Destaca-se que a Fazenda Pública Estadual do referente estado, alegou a inaplicabilidade do artigo 196 da CRFB/1988, que teria natureza programática. Dessa forma, o recurso não chegou a ser conhecido pelo STF, no entanto o egrégio jurista e ministro Marco Aurélio, relator feito, entreteceu considerações cruciais sobre a matéria pleiteada: “No caso, restou constatada enfermidade rara e que alcança cerca de vinte crianças em todo o Estado do Rio Grande do Sul com sérios riscos para a saúde e desenvolvimento das mesmas. O Estado deve assumir as funções que lhe são próprias, sendo certo, ainda, que problemas orçamentários não podem obstaculizar o implemento do que previsto constitucionalmente.” STF, RE 195192/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 22/02/2000; DJ 31/03/2000, p. 60. Ressalta-se que neste caso o STF não fala no “mínimo existencial” ou “reserva do possível”, porem destaco o entendimento de que o “problemas orçamentários não podem obstaculizar o implemento do que previsto constitucionalmente”. O STF tem se posicionado com muita clareza a respeito do direito a saúde, as seguir são demonstradas alguns parecer dos atuais ministros da Suprema Corte: “Direito à saúde. Portador de doença grave. Determinação para que o Estado forneça fraldas descartáveis. Possibilidade. Caracterização da necessidade. (…) O Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a administração pública adote medidas concretas, assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, como é o caso da saúde. A Corte de origem consignou ser necessária a aquisição das fraldas descartáveis, em razão da condição de saúde do agravado e da impossibilidade de seu representante legal de fazê-lo às suas expensas”. [RE 668.722 AgR, rel. min. Dias Toffoli, j. 27-8-2013, 1ª T, DJE de 25-10-2013.] Vide RE 271.286 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 12-9-2000, 2ª T, DJ de 24-11-2000. No entendimento do relator ministro Celso de Mello, o qual se posicionou com afinco a respeito do direito à saúde, sobre os portadores de doenças graves que necessitam de uso diário de fraldas descartáveis, alegando que o Poder Judiciário em situações excepcionais pode determinar que a administração pública cria-se medidas concretas para atender as necessidades de tais demandas que está elencada dentro âmbito da saúde. Imperioso abordar o entendimento do ministro relator Ricardo Lewandowski, diz que: “O serviço público de saúde é essencial, jamais pode-se caracterizar como temporário, razão pela qual não assiste razão à administração estadual (…) ao contratar temporariamente servidores para exercer tais funções.” [ADI 3.430, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 12-8-2009, P, DJE de 23-10-2009.] Por fim, mediante essa afirmação que se encontra em consonância com a Lei Maior, destaca-se a obviedade, ou seja, que o direito à saúde deve ser promovido pelo Estado por suas politicas sociais, o qual deverá dar manutenção e atendimento continuo a sociedade, não podendo em nenhum momento se eximir de sua obrigação. Assim, o principio da reserva do possível não será alegações suficientes por parte da administração pública, deixando de cumprir com suas obrigações, tendo em vista, que tal direito tem amparo constitucional e pertence ao principio da dignidade da pessoa humana, uma vez lecionado poderá ser apreciado até na Suprema Corte.  5 CONCLUSÃO O principio da reserva do possível agregou-se no direito brasileiro através do direito constitucional comparado, tendo seu limite estipulado por meio do direito financeiro. Assim, para o Estado custear determinados direitos que faz parte de sua seara obrigacional, terá que ser embasado em tal princípio, pelo fato que norteara as aplicações das verbas públicas. Importa destacar que nos últimos tempos, a administração pública tem utilizado da reserva do possível de forma errônea para eximir de suas obrigações, dando significado diferente quando surgiu na Alemanha em 1970. Com fulcro na Marga Carta de 1988, ficou evidente que o direito à saúde faz parte dos direitos fundamentais e sociais que deverá ser promovido pelo Estado, dessa forma, não cabe à administração pública quando se deparar com matérias referentes à saúde alegar “reserva do possível”, de modo que o direito a saúde está atrelado ao principio da dignidade da pessoa humana, e garantido por via constitucional o “mínimo existencial” para sobrevivência humana. De fato, cabe salientar que o Instituto da Reserva do Possível tem-se agregado de forma favorável para ordenamento jurídico brasileiro, de tal modo que nesse momento de crise financeira, tem-se influenciado para a manutenção do equilíbrio da economia em nosso país. Assim, a Administração Pública que é responsável diretamente e indiretamente para administrar e gerir o nosso Estado, utiliza-se desse deste instituto para se guiar no meio de caos financeiro.
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Escolas isonômicas
O presente estudo tem como objetivo a implementação de um sistema único de educação no Brasil. Este seria efetivado primeiramente em escolas privadas, havendo a cota de 30% (trinta por cento) das vagas para alunos menos favorecidos economicamente. E a médio prazo, instituir-se-ão escolas isonômicas onde todos possuem acesso ao mesmo tipo e qualidade educacional, aumentando assim a possibilidade de quitar a dívida histórica existente para com os negros e pardos afrodescendentes. Inicialmente, o instituto adequado para a devida implementação é o instituto das Parcerias Público Privadas, vulgo PPP[1]s de acordo com os princípio da isonomia, “fazendo-se claro que os direitos fundamentais são um elemento básico para a realização do princípio democrático[2]”. Em outros termos, à primeira medida visualiza-se a adequação e funciona para implementação de pontos importantes e teste para depois a plena uniformização das escolas, efetivando assim as escolas isonômicas.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O presente estudo visa um plano de políticas públicas educacionais que tem como objetivo a efetivação da isonomia atinente ao aspecto educacional com a utilização de Parcerias Público-Privadas, as vulgo PPPs através da gestão por um consórcio público com personalidade jurídica. Com a implementação de cotas em escolas privadas primeiramente criaria o molde de modelo educacional mais justo de acordo com a visão de pedagogia segundo Ghiraldelli, em outros termos objetivando a educação do ser humano com base no respeito às regras e disciplina de maneira individualizada uma vez que cada um é um mundo. Depois implementar-se-ia um modelo de escola, as escolas isonômicas pelo Estado brasileiro, daí riscos e pobres poderiam ter as mesmas oportunidades. Nesse momento, as PPPs funcionam como concessões administrativas que objetivam a prestação do serviço público (a educação pública no caso). Em outros termos, algo extremamente viável para transmutar as ações afirmativas em algo com o teor mais definitivo numa tentativa mais concreta de apaziguar a dívida histórica de uma maneira transacional até a final obtenção da isonomia. A médio-longo prazo e através da suscitada concessão especial, verificar-se-ia uma correta aplicação das PPPs já que o objeto é o serviço público educacional, visto que elas são erroneamente mal utilizadas pelo Estado atualmente. Uma grande dificuldade seria que os ricos não iam querer reconhecer seus privilégios; e estes provavelmente não iam querer ter seus filhos “misturados” com os de baixa condição econômica por preconceito. 1. CONTRATOS ADMINISTRATIVOS É importante ressaltar que os contratos de PPPs são contratos administrativos e estes segundo a doutrinadora Irene Patrícia Nohara[3] são acordos de vontades constituídos “(…) entre entes da administração e terceiros em que haja a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas”. Segundo Fernanda Marinela[4]: “(…) os contratos administrativos, em razao do regime publico há uma alteracao na fisionomia, o que nao ocorre nos contratos privados havendo tratamento desigual, entre a administracao e o contratado, admitindo-se naquela instrumentos que instabilizem o vinculo juridico, como a possibilidade de alterar ou extinguir unilateralmente o contrato, alem de outras, modificando assim profundamente a nocao do contrato que se estuda na teoria geral do direito.”      O regime público rege nesses contratos e suplementarmente os princípios contratuais e direito privado. As características gerais são: publicidade, a presença de cláusulas exorbitantes, mutabilidade, supremacia do interesse público, formal (escrito), e obrigatoriedade para concorrência. 2. BREVE CONSIDERAÇÃO SOBRE SERVIÇOS PÚBLICOS Inicialmente, é importante ressaltar que a “expressão serviço público admite dois sentido fundamentais, um subjetivo e outro objetivo[5]”. Ademais, José dos Santos Carvalho Filho[6] leciona que: “No primeiro levam-se em conta os órgaõs do estado, responsáveis pela execução das atividades voltadas à coletividade. Nesse sentido são serviços públicos, um órgão de fiscalização tributária e uma autarquia previdenciária. No sentido objetivo, porém, serviço público é a atividade em si, prestada pelo Estado e seus agentes”. Ou seja, serviço público é toda ação disponível ou disponiblizada com o intuito de promover a coletividade em sentido amplo através de diretrizes públicas. O serviço público pode ser geral ou específico, divisível ou indivisivel (uti singuli ou uti universi, podendo ser cobradas contraprestações. Outrossim é importante salientar segundo José dos Santos Carvalho Filho[7]: “Quando se trata de pessoas integrantes da própria Administração, a descentralização enseja a delegação legal, ao contrário do que acontece quando a execução dos serviços é transferida a pessoas da inicitativa privada através de atos e contratos administrativos, hipótese em que constitui a delegação negocial.” Essa delegação negocial diz respeito às concessões e permissões, que será tratada no tópico abaixo. 3. DIFERENÇA ENTRE PERMISSÃO E CONCESSÃO A principal diferença entre concessão e permissão é o caráter precário, pois o segundo é enquanto que o primeiro não, mas ambos surgem através da negociabilidade entre Ente(s) e particular(es). Conforme o art. 175 do Constituição federal: “Art. 175. Incumbe ao poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre ataravés de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá: I- regime das empresas concessionárias e permissionáriasde serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II – os direitos dos usuários; III- política tarifária; IV- a obrigação de manter serviço adequado”. Além disto, a lei 8987/1995 conceitua concessão e permissão: “Art. 2º. Para os fins do disposto na lei, considera-se: I – poder concedente: a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Município, em cuja competência se encontre o serviço público, precedido ou não da execução de obra pública, objeto de concessão ou permissão; II – concessão de serviço público: a delegação de sua prestação feita pelo poder concedente , mediante licitação, na modalidade concorrência, à pessoa jurídica ou consorcio de empresas que demonstre a capacidade para seu desempenho, por sua conta e riscoe por prazo determinado; III – concessão de serviço público precedida da execução de obra pública: a construção, total ou parcial, conservação, reforma, ampliação, ou melhoramento de quaisquer obras de interesse público, delegada pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresasque demonstre capacidade para a asua realização, por sua conta e risco, de forma que o investimento da concessionária seja remunerado e amortizado mediante a exploração do serviço ou da obra por prazo determinado; IV- permissão de serviço público: delegação a título precário, mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco” 3.1. Parcerias público-privadas (PPPs) Quanto aos contratos[8] de PPP[9]s salienta-se segundo Matheus Carvalho[10]: “(…) devem realmente ser enxergados como uma parceria do poder público com o particular a fim de possibilitar prestação dos serviços com gastos menores. Neste sentido a lei prevê o compartilhamento de riscos ensejando a responsabilidade solidária da Administração publica por danos causados na prestação do serviço.” São contratos administrativos que se efetivam por meio de concessão especial, ou patrocinada ou administrativa, onde se verifica a agilidade de benefícios do setor privado e o objetivo é a disponibilização de serviço público, sendo visualizadas a contraprestação. No primeiro é instituido tarifa pela prestadora particular e no segundo o(s) próprio(s) ente(s) são os usuários do serviço público. 3.1.1. Diferença entre concessão patrocinada e concessão administrativa A festejada autora Fernanda Marinela[11] conceitua: “Patrocinada – contrato de concessao de serviços públicos podendo ser precedida de obra pública no qual adicionalmente a tarifa paga pelos usuários há uma contraprestação do poder publico, há uma contraprestação do poder público ao parceiro privado”. [1] Administrativa – a propria administração fica responsável ao pagamento das tarifas, uma vez que ostenta a qualidade de usuária do serviço prestado de forma direta ou indireta, mesmo que envolva mesmo que envolva a execução de obras publicas ou o fornecimento de bens.” (p.667) 4. BREVE CONSIDERAÇÃO SOBRE LICITAÇÃO Licitação é um procedimento administrativo que enseja a seleção da proposta mais vantajosa ao Estado, bem como a garantia do domínio econômico e bem-estar ambiental. Os contratos administrativos devem se situar a partir de um procedimento licitatório. 5. ESCOLAS ISONÔMICAS: PEDAGOGIA E EDUCAÇÃO SEGUNDO GHIRALDELLI, FOUCAULT E SARTRE Antes da implementação, precisa-se estudar os métodos de aplicação e quais as diretrizes do plano. Para tal, é importante destacar o posicionamento pedagógico e filosófico que foram usados como embasamento para o mesmo. Ghiralldelli[12] entende: “Quando visitamos uma escola de 1º grau na periferia das grandes cidades brasileiras custamos a crer que, ali, naquele estabelecimento, desenvolve-se qualquer pedagogia. Dadas condições de miserabilidade do país (segundo dados oficiais, 60% da população encontram-se em estado de “extrema pobreza”), as escolas apresentam-se apenas como refeitórios mal cuidados; os salários dos professores são tão baixos que nos parece impossível acreditar na possibilidade de algum ensino eficaz no Brasil.” Primeiramente a expressão aluno já é equivocada, pois significa ser sem luz. O modelo escolas isonômicas proposta pela presente autora abrange o aluno não só como aprendiz, mas também como um instrumento de ensinamento (como também professores), afinal de contas são esses que trazem ideias novas, são eles que destroem os pensamentos obsoletos com novas opiniões e criticas. Em outros termos, o estudante, segundo a proposta, é visualizado e tratado como um meio para alcancar embasamentos novos, novas criticas, efetivando o progresso de ideias. E devido ao “sistema mecânico que explicasse o poder organizador do pensamento, somos reenviados à consciência e obrigados a formular a questão em termos estritamente psicológicos[13]”. Ou seja, o estudante é tratado de maneira mecânica e ortodoxa, e o presente estudo visa desconstruir isso também, no qual o estudante é visualizado de maneira individualizada, em outros termos, é tratado como educando e educador ao mesmo tempo, minimizando a hierarquia professor-aluno. Não extinguindo, pois é necessaria pelo menos a priori. Lutar por um sistema que instigue o estudante a pensar de maneira que a “dúvida é uma qualidade do existencial do objeto: o duvidoso, ou uma atividade reflexivs de redução, isto é, o próprio de uma nova consciência dirigida à consciência posicicial[14]”. Lutar por um sistema igualitário vai em contraposição ao “guerra é paz, liberdade é escravidão, ignorância é força[15]. Ademais, de acordo com esse modelo estudantil os professores devem passar por uma prova na qual o objeto principal é a didática, devendo receber treinamento e passar por uma avaliação psicológica para estarem aptos a ministrar aulas. Não obstante, o modelo também abrange a implementação de uma nova política estudantil visando o conteúdo programático. Em outros termos, as classes seriam divididas em areas, mas teriam algumas disciplinas obrigatórias, como por exemplo português, ecologia e, constitucional, preparando o educando como ser humano e proporcionando uma visão mais madura quanto ao ensino que lhe e dado e transformando o jovem em sujeito ativo economicamente. Outrossim, ressalta-se que ao invés de notas, aplicar-se-iam 4 (quatro) conceitos (excelente, bom, regular, ruim), acentuando a seletividade do sistema. Ou seja, este joga fora algumas caracteristicas que fazem com que o educando se sinta oprimido e insatisfeito para frequentar as escolas atualmente e com fulcro na visao de Michel Focault. Percebe-se que de acordo com o suscitado autor, precisamos de uma nova era educacional que permita ao aluno a possibilidade de crescer como individuo e também como instrumento que possibilita o crescimento do meio ao seu redor. CONCLUSÃO O Plano de políticas públicas tem como objetivo a efetivação da isonomia atinente ao aspecto educacional com a utilizacao de parcerias publico privadas (PPPs), primeiro através da concessão patrocinada (colégios privados) e depois através da concessão administrativa (escolas isonômicas vide o modelo educacional com base em Gharelli, Focault e Sartre, podendo os entes criarem associação atraves de consórcio público para melhor gestao e administração destas.
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Noções gerais sobre a responsabilidade extracontratual do estado
Este artigo pretende analisar a responsabilidade extracontratual do Estado. As fontes utilizadas foram doutrinas, jurisprudências, artigos científicos e legislação pátria e internacional. No início vigia a teoria da irresponsabilidade estatal, hoje superada pela teoria da responsabilidade objetiva, que possui como causas excludentes o fato da vítima, fato de terceiro e força maior. Quanto à responsabilidade por omissão, o ponto crucial, é precisar se ela é subjetiva ou objetiva. A doutrina e jurisprudência predominante filiam-se à tese subjetiva. No tocante aos atos jurisdicionais, em fase anterior à Constituição Federal, diversas linhas de pensamento rechaçavam a responsabilização do Estado pelos mesmos. Na atualidade, o Estado é sempre responsável quando alguém ficar preso além do tempo fixado na sentença ou acontecer erro judiciário. Em relação ao exercício da atribuição típica de elaborar as leis, o Estado, em regra, é irresponsável. As exceções são quando há criação de leis inconstitucionais, existência de leis de efeitos concretos e omissão ao dever de legislar.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO Este artigo pretende demonstrar uma síntese da evolução histórica da responsabilidade do Estado, bem como os principais aspectos concernentes às suas funções sociais: administrativa, judicial e legislativa. Inicialmente virá a conceituação da responsabilidade extracontratual do Estado, na linha de pensamento da melhor doutrina. Em seguida, será abordada a evolução histórica que se encontrará subdivida em: período da irresponsabilidade ou regaliana; b) fase civilista e c) teorias publicísticas. Posteriormente, serão examinadas as causas excludentes e atenuantes da responsabilidade extracontratual do Estado, sendo elas: o fato da vítima, fato de terceiro e força maior. Logo após, será explicitado como se deu a evolução desta matéria no ordenamento jurídico brasileiro, desde a primeira Constituição Imperial. Sendo o ponto forte, o comentário de cada expressão presente no art. 37,§ 6º da Constituição Federal de 1988. Depois, tratar-se-á sobre a responsabilidade por omissão estatal, sendo o seu ponto nodal, a verificação se ela é subjetiva ou objetiva. Adiante, perscrutará a respeito da responsabilidade do Estado pela função jurisdicional, sendo fundamental entender o que se entende pela expressão “erro judiciário” inserida no inciso LXXV do artigo 5º da Carta Magna de 1988. Por último, cuidar-se-á das minúcias sobre a responsabilidade do Estado pelas funções legislativas, em especial sobre os atos legislativos inconstitucionais e de efeitos concretos, como também em caso de omissão legislativa. 1. Conceito A responsabilidade extracontratual do Estado[1] é uma conseqüência lógica inarredável da concepção de Estado de Direito[2], tendo em vista que, sujeitando-se todas as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, ao ordenamento jurídico, impõe-se o dever de responder por comportamento do sujeito ativo estatal que atinja a esfera de proteção jurídica alheia. O magistral professor Celso Antônio Bandeira de Mello define a responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado como sendo "a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos".[3] Por sua vez, o nobre Hely Lopes Meirelles entende ser a "imposição à Fazenda Pública da obrigação de compor o dano causado a terceiros por agentes públicos, no desempenho de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las".[4] Deve ficar bem assentado que não se trata de responsabilidade oriunda de ajustes celebrados pelo Estado com terceiros, denominada responsabilidade contratual (nesta, a responsabilidade está fixada e se resolve com base nas cláusulas do contrato) ou de responsabilidade criminal (as pessoas jurídicas, públicas ou privadas, não cometem contravenções ou crimes, embora seus agentes, causadores direto do dano, possam cometê-los). Também não diz respeito à obrigação de indenizar, que cabe ao Estado pelo legítimo exercício de poderes contra direitos de terceiros, como ocorre na desapropriação e, algumas vezes, na servidão. [5] Não menos importante, é mencionar que o embasamento para que o Estado se responsabilize pelos danos causados por seus comportamentos lícitos relaciona-se com a repartição igualitária dos ônus das atividades estatais[6], pois como estas almejam beneficiar a todos, sendo desenvolvidas no interesse comum, não é correto que uma pessoa seja lesada isoladamente naquilo que visa ao favor de todos. Por último, cumpre exarar que na atualidade, todos os povos, todas as legislações, doutrina e jurisprudência universais, reconhecem em consenso pacífico, o dever estatal de ressarcir as vítimas de seus comportamentos danosos.[7] 2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO A doutrina, em regra, tem identificado a existência de três sistemas principais no tocante à evolução histórica da responsabilidade do Estado, são elas: a) teoria da irresponsabilidade ou regaliana; b) teorias civilísticas ou mistas; e c) teorias publicísticas. Hely Lopes Meirelles, ao cuidar deste tema, assinalou que “a doutrina da responsabilidade civil da Administração Pública evolveu do conceito de irresponsabilidade para o da responsabilidade com culpa, e deste para o da responsabilidade civilística e desta para a fase da responsabilidade pública em que nos encontramos”. [8] Nas linhas abaixo debuxadas serão examinadas as referidas teorias. 2.1 PERÍODO DA IRRESPONSABILIDADE DO ESTADO Na origem vigorava a era da irresponsabilidade do Estado, este que se apresentava despótico e absolutista, consagrado pelas máximas “o rei não erra” (the king can do no wrong), “o Estado sou eu” (L’État c’est moi) e “o que agradou ao príncipe tem força de lei” (quod principi placuit habet legis vigorem).[9] O ilustre jurista e professor, Yussef Said Cahali, enumera os princípios que sustentaram esta fase, que podem ser sintetizados do seguinte modo: “a) quando o Estado exige a obediência de seus súditos, não o faz para fins próprios, mas, justamente, para o bem destes; b) não se justifica a ficção de que os funcionários administrativos sejam órgãos imediatos do Estado e que, em conseqüência, os atos destes devam ser tidos como atos do Estado; este só é representado pelo chefe de governo; c) as relações jurídicas do mandato não podem ser, por analogia, aplicáveis aos servidores do Estado; d) a obrigação de indenizar tira, em regra, a sua razão de uma culpa, pois da escolha do funcionário só pode ser culpa do Estado, quando a pessoa nomeada for, sabidamente, indigna ou incapaz; semelhante culpa não pode ser absolutamente derivada do caráter representativo que tem o funcionário em relação ao Estado – Estado e funcionário são sujeitos diferentes e por isto a culpa do funcionário não é a culpa do Estado; e) o funcionário, seja agindo fora do limite de seus poderes, ou sem a forma legal imposta à sua ação, ou mesmo abusando dela, não obriga com seu ato o Estado, porque não o representa; f) o Estado não pode prestar contra a sua própria autoridade.”[10] Os administrados, todavia, não estavam completamente desprotegidos frente aos comportamentos unilaterais do Estado. Admitia-se, pois, a responsabilização do Estado quando leis específicas a previssem expressamente[11] e também do funcionário público, quando o ato lesivo pudesse ser diretamente relacionado a um comportamento pessoal seu.[12] No início do século XX esta teoria passou a ser veementemente combatida, sucumbindo aos argumentos que podem ser assim enunciados: [13] “1º) a teoria da irresponsabilidade representava forte injustiça, constituindo verdadeira negação ao direito. Se o Estado busca a tutela do direito, não tem sentido que ele próprio o viole impunemente; 2º) O Estado, como realidade técnica e jurídica, é dotado de personalidade, sendo sujeito de direitos e obrigações em face do indivíduo, devendo a ordem jurídica dispensar igual proteção a ambos, sem sentido, pois, o privilégio da irresponsabilidade concedido ao Estado, na hipótese de lesar direitos individuais; 3º) A responsabilidade resulta da garantia que o Estado assume, pelo ato de nomeação do funcionário, e ao dever consequente de obediência, que o Estado impõe aos particulares para com o funcionário nomeado; 4º) a responsabilidade advém do caráter representativo do funcionário, cujos atos devem ser considerados atos do Estado, este representado por aquele; 5º) o princípio da culpa in eligendo ou in vigilando aplica-se ao Estado, em relação ao funcionário por ele nomeado; 6º) finalmente, a responsabilidade justifica-se pelo dever jurídico de proteção, que incumbe ao Estado, em relação aos indivíduos, estruturado este dever geral nos deveres específicos de obediência e fidelidade e aos ônus e encargos públicos, aos quais os indivíduos se sujeitam para com o Estado, obrigando este a proceder conforme o direito.” Na atualidade ela está completamente ultrapassada, uma vez que, os dois últimos países que a sustentavam, passaram a admitir que demandas indenizatórias, provocadas por atos de agentes públicos, possam ser dirigidas diretamente contra a Administração – Estados Unidos[14] (Federal Tort Claims Act, de 1946) e Inglaterra[15] (Crown Proceeding Act, de 1947).[16] 2.2 Da Fase Civilista O período da irresponsabilidade estatal é sobrepujado gradativamente pela fase civilística, isto é, a responsabilidade baseada na idéia de culpa. Inicialmente, existia a diferenciação entre atos de império e atos de gestão, os quais são muito bem delineados pela brilhante Maria Sylvia Zanella Di Pietro, que assim leciona: “Numa primeira fase, distinguia-se, para fins de responsabilidade, os atos de império e os atos de gestão. Os primeiros seriam os praticados pela Administração com todas as prerrogativas e privilégios de autoridade e impostos unilateral e coercitivamente ao particular independentemente de autorização judicial, sendo regidos por um direito especial, exorbitante do direito comum, porque os particulares não podem praticar atos semelhantes; os segundos seriam praticados pela Administração em situação de igualdade com os particulares, para a conservação e desenvolvimento do patrimônio público e para a gestão de seus serviços; como não difere a posição da Administração e a do particular, aplica-se a ambos o direito comum”[17]. (negrito e sublinho nosso) Sendo assim, na prática de atos de império, o Estado jamais poderia ser responsabilizado, enquanto que nos casos de atos de gestão, o Estado poderia vir a ser responsabilizado pelos atos de seus representantes ou prepostos, lesivos a direitos de terceiros, quando provada a culpa. [18] Apesar do progresso obtido, muitos doutrinadores consideravam esta tese um verdadeiro artifício jurídico perpetrado para livrar o Estado do pagamento de indenizações, uma vez que havia sérias dificuldades em diferençar, na prática, o que era ato de império e gestão, e, principalmente, pela constatação da injustiça gerada pela ausência de reparação de danos provocados pelo Estado no manejo abusivo de suas prerrogativas do poder público.[19] Eis que surge a segunda etapa da fase civilista[20], com o advento do artigo 1.382 do Código Francês (1804) que assim postulava: “todo fato, qualquer do homem que cause dano a outrem, obriga aquele por cuja culpa ocorreu, a repará-lo”. A partir de então, ocorrido o dano em razão de ato do Estado, o particular podia suscitar a responsabilidade, desde que evidenciada a culpa do funcionário, agente, ou representante da pessoa jurídica de direito público.[21] Como se vê trata-se da culpa projetada indiretamente na escolha do funcionário administrativo e na vigilância que o Estado deveria ter em relação ao exercício da atividade do funcionário nomeado, vale dizer, culpa in vigilando ou culpa in eligendo. [22] Colhe-se, então, que rechaçada a época da irresponsabilidade do Estado, predominaram as teorias civilistas, de início distinguindo os atos de império e de gestão, somente estes considerados na questão da responsabilidade estatal. Posteriormente fora abandonada tal dicotomia (independia o tipo de ato), sendo substituída pelo critério subjetivo, necessitando apenas de provar a culpa da entidade estatal para a fixação da sua responsabilidade pelos danos causados a particulares.[23] 2.3 TEORIA PUBLICISTA: FASE INICIAL – CULPA ADMINISTRATIVA OU CULPA DO SERVIÇO Esta fase almeja desvincular a responsabilização do Estado dos conceitos e princípios oriundos do direito civil. Nesse intento, busca-se a “despersonalização da culpa transformando-a, pelo anonimato do agente, à consideração de falha na máquina administrativa”[24], conforme esclarece Celso Antônio Bandeira de Mello: “Admitida a responsabilidade do Estado já na segunda metade do século XIX, sua tendência foi expandir-se cada vez mais, de tal sorte que evoluiu de uma responsabilidade subjetiva, isto é, baseada na culpa, para uma responsabilidade objetiva, vale dizer, ancorada na simples relação de causa e efeito entre o comportamento administrativo e o evento danoso.”[25] A construção da teoria do órgão foi essencial para a despersonalização da culpa. Sergio Cavalieri Filho ensina que de acordo com esta teoria, o Estado é considerado como um organismo vivo, integrado por um conjunto de órgãos que realizam as suas funções. Possuindo, desta maneira, órgãos de comando, que manifestam a vontade estatal, e órgãos de execução, que cumprem as ordens dos primeiros. A vontade e as ações destes órgãos, desta maneira, não são consideradas dos agentes humanos que neles atuam, mas sim do próprio Estado.[26] Logo, não é mais necessário responsabilizar o Estado tão somente diante da comprovação da culpa do agente. Surge, então, a responsabilização pela culpa anônima do serviço estatal. Referido avanço somente fora possível por intermédio de longa maturação jurisprudencial do contencioso administrativo francês, editados, sobretudo, ao longo do século XIX. No sistema de dualidade de jurisdição, os casos envolvendo Direito Administrativo são, em regra, submetidos à apreciação da jurisdição administrativa, cujo órgão de cúpula denomina-se Conselho de Estado, em contraposição com a jurisdição comum, que tem por órgão máximo no sistema francês a chamada Corte de Cassação. Para dirimir as eventuais dúvidas de competência, há o Tribunal de Conflitos[27]. O caso Blanco (8.2.1873) é o “arrêt” (precedente) mais famoso, apesar de não ter sido o primeiro[28], na elaboração de contornos publicistas ao regime de responsabilização do Estado. O fato, em síntese, ocorrera da seguinte maneira: a menina Agnès Blanco, ao atravessar uma rua da cidade de Bordeaux, foi colhida por uma vagonete da Cia. Nacional de Manufatura de Fumo; seu pai promoveu ação civil de indenização, com base no princípio de que o Estado é civilmente responsável por prejuízos causados a terceiros, em decorrência de ação danosa de seus agentes. Suscitado conflito de atribuições entre a jurisdição comum e o contencioso administrativo, o Tribunal de Conflitos decidiu que a controvérsia deveria ser solucionada pelo tribunal administrativo, porque se tratava de apreciar a responsabilidade decorrente de funcionamento do serviço público. Entendeu-se que a responsabilidade do Estado não pode reger-se pelos princípios do Código Civil, porque se sujeita a regras especiais que variam conforme as necessidades do serviço e a imposição de conciliar os direitos do Estado com os direitos privados[29]. No mesmo ano (1873) surgira o caso “Pelletier”, decidido pelo Tribunal de Conflitos, que estendeu as consequências fixadas pelo caso Blanco, formulando a distinção entre: (a) a culpa do serviço, que deveria ser analisada pelo juiz administrativo, segundo regras próprias, e, da (b) culpa pessoal, pela qual se entendia, na época, que o funcionário poderia ser condenado em face da vítima no juízo comum, desde que o dano fosse derivado de atos pessoais, separáveis do exercício normal das atribuições dos agentes[30].  Gradativamente, à medida que inúmeros outros precedentes[31] se sucederam, a culpa do serviço passou, então, a ser independente da configuração da culpa subjetiva do funcionário. Todavia, isto não significa que a responsabilidade do Estado era objetiva, conforme enfatiza Celso Antônio Bandeira de Mello: “a responsabilidade por falta de serviço, falha do serviço ou culpa do serviço (faute du service, seja qual for a tradução que se lhe dê) não é de modo algum, modalidade de responsabilidade objetiva, ao contrário do que entre nós e alhures, às vezes tem-se inadvertidamente suposto”[32]. Seria injusto deixar de mencionar a notória contribuição da doutrina alemã nas construções teóricas edificadas sobre a tese da personalidade jurídica do Estado e, sobretudo, a respeito da teoria do Estado de Direito[33] subordinadas aos princípios constitucionais da legalidade e da igualdade, ideologias que muito influenciaram a evolução do assunto, até o estágio atual de aceitação da responsabilidade objetiva do Estado.[34] Amaro Cavalcanti informa que a partir do final do século XIX, a Alemanha buscou a solução para a questão da responsabilidade do Estado, por meio de debates a respeito do tema, em três importantes Congressos Jurídicos realizados nos anos de 1867, 1869 e 1871. No último deles, com presenças marcantes de juristas de grande renome, foi concluída a seguinte tese: “O Congresso Jurídico Alemão manifesta a sua persuasão de que o Estado deve estabelecer na sua legislação, relativamente aos danos causados por seus funcionários, o princípio da responsabilidade direta do Estado”.[35] Por último, insta esposar que em muitas situações de responsabilidade por falta de serviço admite-se a presunção da culpa ante a extrema dificuldade, às vezes instransponível, de se demonstrar que o serviço operou abaixo dos padrões devidos, casos em que se transfere para o Estado o ônus de provar que o serviço funcionou regularmente, de forma normal e correta. Esta presunção, contudo, não tem o condão de elidir o caráter subjetivo desta responsabilidade, pois se o Poder Público provar que agiu com diligência, prudência e perícia, estará isento da obrigação de indenizar.[36] 2.3.1 Fase Publicista: Teoria do Risco Administrativo Com o fim de ampliar a proteção do administrado, a jurisprudência administrativa francesa passou a admitir hipóteses de responsabilização estritamente objetiva do Estado, ou seja, independentemente de qualquer tipo de falta ou culpa de serviço.[37] Ao tratar sobre a teoria do risco administrativo, a doutrina é quase unânime em precisar sua origem na concepção do sábio francês Leon Deguit, em torno da responsabilidade do Estado arrimada sobre a idéia de segurança social suportada pelo caixa coletivo, em proveito daqueles que sofrem um prejuízo, causado pelo bom ou mau funcionamento dos serviços públicos (não importa), repartindo-se por toda coletividade quaisquer consequências danosas advindas da atividade estatal.[38] O Professor Hely Lopes Meirelles expõe com maestria acerca desta teoria, vejamos: “Não se deve pensar em culpa da Administração ou de seus agentes, bastando que a vítima demonstre o fato danoso e injusto ocasionado por ação ou omissão do Poder Público. Tal teoria, como o nome está a indicar, baseia-se no risco que a atividade pública gera para os administrados e na possibilidade de acarretar dano a certos membros da comunidade, impondo-lhes um ônus não suportado pelos demais. Assim, equilibrando essa desigualdade, criada pelo próprio Poder Público, todos os componentes da coletividade devem concorrer a fim de reparar o dano, através do fisco, representado pela Fazenda Pública. O risco e a solidariedade social são, pois, os suportes desta doutrina, que, por sua objetividade e partilha dos encargos, conduz a mais perfeita justiça distributiva, razão pela qual tem merecido o acolhimento dos Estados modernos, inclusive o Brasil, que a consagrou pela primeira vez no art. 194 da Constituição Federal de 1946.”[39] Extrai-se, por conseguinte, que a teoria do risco faz surgir a obrigação de indenizar bastando a verificação da ocorrência do dano em face da atividade da Administração Pública, sem que se exija a ocorrência de culpa por falta de serviço. Sempre que a condição de agente do Estado tiver contribuído, de algum modo, para a prática do ato danoso, ainda que simplesmente lhe proporcionando a oportunidade para o comportamento ilícito, responde o Estado pela obrigação ressarcitória. Não se faz mister, portanto, que o exercício da função constitua a causa eficiente do evento danoso; basta que ela ministre a ocasião para praticar-se o ato. A nota constante é a existência de uma relação entre a função pública exercida pelo agente e o fato gerador do dano[40]. Esta teoria surge como decorrência concreta do princípio da igualdade dos indivíduos diante dos encargos públicos. Trata-se da forma democrática de repartir os ônus e encargos sociais por todos aqueles que são beneficiados pela atividade da Administração Pública. José Cretella Júnior, assim explica o fundamento da igualdade: “O fundamento desta teoria é o princípio da igualdade dos ônus, encargos sociais ou públicos. O Estado é uma verdadeira empresa em funcionamento. Ao funcionar corre riscos. E estes devem ser suportados pela empresa, que é o Estado. Com efeito, os cidadãos de uma dada comunidade devem participar das vantagens e desvantagens do grupo. Desse modo, pagam impostos, mas também se beneficiam com as partes positivas do serviço público. Quando a atividade administrativa causa dano a um só que seja dos administrados, está rompido o equilíbrio social, e ao direito, que funciona como um termostato cabe compor o prejuízo sofrido, lançando-se mão dos recursos públicos para os quais concorreu também o próprio cidadão prejudicado. O paladino no Brasil desta teoria, Lessa, condensa em período lapidar o ponto básico do tema: os ônus e encargos do Estado devem ser suportados por todos com igualdade. Toda ideia de proporção desapareceria, se um só ou alguns pudessem ser obrigados a sacrifícios, para os quais não concorressem os outros cidadãos”.[41] Premente ressaltar que, embora a teoria do risco administrativo seja uma teoria objetiva, não significa que o Estado deva ressarcir todo e qualquer dano suportado pelo particular (nunca foi admitido no Brasil a teoria do risco integral), sendo permitido pelo ordenamento jurídico que ele prove que não causou o dano por meio da desconstituição do nexo causal, isto é, nos casos de atividade de terceiros ou da própria vítima, ou, ainda, por fenômenos da natureza, estranhos à sua atividade. O distinto Yussef Said Cahali assim explica a imprescindibilidade do nexo causal: “A responsabilidade objetiva do Estado se caracteriza pela só demonstração do nexo causal entre o fato lesivo e o dano. […] A responsabilidade civil do Estado, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, que admite pesquisa em torno da culpa do particular, para o fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade estatal, ocorre, em síntese, diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa; c) e desde que haja nexo causal entre o dano e ação administrativa. A consideração no sentido da ilicitude da ação administrativa é irrelevante, pois o que interessa é isso: sofrendo o particular um prejuízo, em razão da atuação estatal, regular ou irregular, no interesse da coletividade, é devida a indenização que se assenta no princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais. Em condições tais, não demonstrado o vínculo de causalidade, daí resulta a pré-exclusão da responsabilidade indenizatória do ente público.”[42] (grifo e negrito nosso) Doutrina e jurisprudência sustentam que a teoria do risco administrativo aceita como excludentes da responsabilidade civil do Estado o fato da vítima, a força maior, e o fato de terceiros, essas que serão debruçadas nas linhas que se seguem. 3. CAUSAS EXCLUDENTES OU ATENUANTES DA RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO 3.1 FATO da vítima O fato da vítima pode ser causa excludente ou atenuante da responsabilidade estatal, isso porque dependerá da verificação se o lesado foi o único causador do evento danoso ou se para este houve concorrência em algum grau do Poder Público[43]. Com efeito, informa Celso Antonio Bandeira de Mello: “[…] pode ocorrer que o dano resulte de dupla causação. Hipóteses haverá em que o evento lesivo seja fruto da ação conjunta do Estado e do lesado, concorrendo ambos para a geração do resultado danoso. Ainda aqui não haverá falar em excludente da responsabilidade estatal. Haverá, sim, atenuante do quantum indenizatório, a ser decidido na proporção em que cada qual haja participado para a produção do evento”.[44] Logo, caso o particular tenha sido o único causador do dano por ele mesmo sofrido, a obrigação estatal de reparar deve ser completamente afastada. Constatando-se, porém, que o evento danoso decorreu de ações da vítima em concorrência com o Poder Público, a indenização devida pelo Estado deverá sofrer redução proporcional à extensão da conduta do lesado[45]. Premente esposar, por fim, que a inexistência do dever de reparação ou sua mitigação deve-se não à ausência de culpa do Estado, já que esta não é requisito da responsabilidade objetiva, mas sim ao fato de a participação do lesado no evento danoso operar de modo a excluir ou atenuar o nexo causal. É o que aponta Celso Antonio Bandeira de Mello quando esclarece: “A culpa do lesado – freqüentemente invocada para elidi-la – não é, em si mesma, causa excludente. Quando, em casos de acidente de automóveis, demonstra-se que a culpa não foi do Estado, mas do motorista do veículo particular que conduzia imprudentemente, parece que se traz a tona demonstrativo convincente de que a culpa da vítima deve ser causa bastante para elidir a responsabilidade estatal. Trata-se de um equívoco. Deveras, o que se haverá demonstrado, nesta hipótese, é que o causador do dano foi a suposta vítima, e não o Estado. Então, o que haverá faltado para instaurar-se a responsabilidade é o nexo causal. Isto parece com nitidez se nos servimos de um exemplo extremo. Figure-se que um veículo militar esteja estacionado e sobre ele se precipite um automóvel particular, sofrendo avarias unicamente este último. Sem os dois veículos não haveria a colisão e os danos não se teriam produzido. Contudo, é de evidencia solar que o veículo do Estado não causou o dano. Não se deveu a ele a produção do evento lesivo. Ou seja: inexistiu a relação causal que ensejaria responsabilidade do Estado.”[46] 3.2 força maior Configura força maior todos os eventos imprevisíveis e alheios à vontade da pessoa jurídica de direito público, consoante nos elucida José Cretella Júnior: “[…] fenômenos da natureza (cataclismos, terremotos, ciclones, furacões, raios, inundações, erupções vulcânicas, maremotos, trombas d’água), entre outros fatos, que, comprovados, se apresentam com o traço da “inevitabilidade”, mesmo diante das possibilidades técnicas de nossos dias, impotentes para evitar-lhes o efeito”.[47] Se, todavia, o dano era previsível e o Poder Público tinha condições de realizar obra considerada indispensável a eliminar ou minorar as consequências danosas do fenômeno natural, será ele responsabilizado por sua conduta omissiva, posto que, em tal hipótese, o evento danoso terá decorrido da ausência de providências por parte do Estado e não da força maior[48]. 3.3 Fato de terceiros O Estado não poderá ser responsabilizado, quando o evento danoso decorrer de atos praticados por terceiros, isto é, estranho ao serviço público, sem que houvesse qualquer possibilidade do Poder Público prevê-lo ou saná-lo a tempo.[49] Se assim não fosse, o Estado se transformaria em segurador universal, conforme ressalta Celso Antonio Bandeira de Mello: “Ademais, solução diversa conduziria a absurdos. É que, em princípio, cumpre ao Estado prover a todos os interesses da coletividade. Ante qualquer evento lesivo causado por terceiro, como um assalto em via pública, uma enchente qualquer, uma agressão sofrida em local público, o lesado poderia sempre arguir que o serviço não funcionou. A admitir-se responsabilidade objetiva nestas hipóteses o Estado estaria erigido em segurador universal. Razoável que responda pela lesão patrimonial da vítima de um assalto se agentes policiais relapsos assistiram à ocorrência inertes e desinteressados ou se, alertados a tempo de evitá-lo, omitiram-se na adoção de providências cautelares. Razoável que o Estado responda por danos oriundos de uma enchente se as galerias pluviais e os bueiros de escoamento das águas estavam entupidos ou sujos, propiciando o acúmulo da água. Nestas situações, sim, terá havido descumprimento do dever legal na adoção de providências obrigatórias. Faltando, entretanto, este cunho de injuridicidade, que advém do dolo, ou da culpa tipificada na negligência, na imprudência ou na imperícia, não há cogitar de responsabilidade pública.”[50] Por conseguinte, como o fato de terceiro rompe com o nexo de causalidade, o Estado não poderá ser responsabilizado pelo evento danoso, o qual deverá ser imputado ao terceiro que lhe deu causa. 4. A Matéria no Ordenamento Jurídico Brasileiro Antes da independência, no período colonial, a irresponsabilidade do Estado era a regra[51]. A Constituição Imperial (outorgada em 1824) estabelecia o princípio da responsabilidade civil dos agentes públicos, adotando a teoria subjetiva da culpa[52], embora excluísse o Imperador de responder por qualquer ação em decorrência de ato lesivo que praticasse como Chefe do Estado.[53] Espelhando a Carta Imperial, a Constituição Republicana de 1891, em seu art. 82, consagrou: “Os funcionários públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões em que incorrerem no exercício de seus cargos, assim como pela indulgência ou negligência em não responsabilizarem efetivamente seus subalternos”. A responsabilidade do Estado somente foi legalmente reconhecida no artigo 15 do Código Civil de 1916 que expressava: “As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que, nessa qualidade, causarem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito em lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano”. Neste período, já se sustentava, em caráter isolado, que o referido artigo previa a responsabilidade objetiva[54], contudo a doutrina amplamente majoritária compreendia, que, por existirem as expressões: “procedendo de modo contrário ao direito ou faltando com o dever prescrito”, o Estado somente responderia se houvesse a comprovação da culpa do funcionário.[55] A Carta Magna de 1934 que cuidou da matéria em seu art. 171 estabeleceu a responsabilidade subjetiva solidária: “Os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda Nacional, Estadual ou Municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos. § 1° – Na ação proposta contra a Fazenda Pública, e fundada em lesão praticada por funcionário, este será sempre citado como litisconsorte. § 2° – Executada a sentença contra a Fazenda promoverá execução contra o funcionário culpado.” A Constituição de 1946, em seu art. 194, quebrou a corrente tradicional que só admitia a responsabilidade patrimonial do Estado com base na teoria subjetiva da culpa e proclamou a responsabilidade objetiva: “As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros. Parágrafo único – Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes”. As constituições posteriores mantiveram a responsabilidade objetiva, acrescentando apenas alguns pormenores. A Constituição de 1967, por exemplo, inseriu no parágrafo único do art. 105, que a ação regressiva ocorrerá também diante do dolo, alteração que foi repetida no art. 107 da Emenda n. 1, de 1969[56]. Desse modo, a Carta Federativa de 1988 não inovou, quando determinou no seu art. 37, § 6° que: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. Decodificando referido mandamento, insta jungir comentário da brilhante professora Irene Patrícia Nohara, a respeito das pessoas que respondem objetivamente, são elas: “a) entes da Administração Direta: União, Estados, Distrito Federal e Municípios; b) autarquias e fundações públicas, que são pessoas jurídicas de direito público; c) fundação governamental de natureza privada que preste serviços públicos; d) empresas públicas e sociedades de economia mista, como entes privados, apenas respondem objetivamente, nos termos do artigo, se forem prestadoras de serviços públicos. Se desenvolverem atividades econômicas em sentido estrito, submetem-se à responsabilização subjetiva, própria do Direito Civil; e) delegatárias de serviços públicos na forma do art. 175 da Constituição, isto é, concessionárias e permissionárias de serviços públicos, ou formas diversas de delegação de serviços públicos, como àqueles referentes às atividades de tabelionato e cartórios de notas e registros (para maior parte da doutrina)”[57] Cumpre expor que o Estado somente responderá pelas entidades de direito privado, prestadoras de serviço público, quando exauridos seus recursos. A esse respeito, Sergio Cavalieri Filho, pontua: “1) o objetivo da norma constitucional, como visto, foi estender aos prestadores de serviços públicos a responsabilidade objetiva idêntica a do Estado, atendendo reclamo da doutrina ainda sob o regime constitucional anterior. Quem tem os bônus deve suportar os ônus; 2) as pessoas jurídicas prestadoras de serviços públicos têm personalidade jurídica, patrimônio e capacidade próprios. São seres distintos do Estado, sujeitos de direitos e obrigações, pelo que agem por sua conta e risco, devendo responder por suas próprias obrigações; 3) nem mesmo de responsabilidade solidária é possível falar neste caso, porque a solidariedade só pode advir da lei ou do contrato, inexistindo norma legal atribuindo solidariedade ao Estado com os prestadores de serviços públicos. Antes pelo contrário, o art. 25 da Lei n.º 8.927/1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, estabelece responsabilidade direta e pessoal da concessionária por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros; 4) no máximo, poder-se-ia falar em responsabilidade subsidiária do Estado à luz do art. 242 da Lei das Sociedades por Ações que, expressamente, diz que a pessoa jurídica controladora da sociedade de economia mista responde subsidiariamente pelas suas obrigações”.[58] É conflituoso o entendimento se o “terceiro setor” responde subjetiva ou objetivamente. José dos Santos Carvalho Filho, entende que as organizações sociais e as organizações da sociedade civil de interesse público, que se vinculam ao Estado, respectivamente, por contrato de gestão e termo de parceria, respondem subjetivamente.[59] Já a renomada Maria Sylvia Zanella Di Pietro, entende que a responsabilidade é objetiva, desde que recebam delegação do Poder Público, a qualquer título, para prestação de serviços públicos. [60] No que atine ao dano[61], ele pode ser tanto material quanto moral[62], e segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, não basta para caracterizá-lo, a mera deterioração patrimonial sofrida por alguém, mas sim que se trate de um bem jurídico cuja integridade o sistema normativo proteja, reconhecendo-o como um direito do indivíduo[63]. O doutrinador cria uma tabela que sintetiza bem os tipos de comportamento que podem ensejar danos indenizáveis, examinemos: “Por comportamentos lícitos a.1) Atos jurídicos – como, por exemplo, a determinação de fechamento legítimo e definitivo do perímetro central da cidade a veículos automotores, por razão de tranqüilidade, salubridade pública e desimpedimento do trânsito, que acarreta para os proprietários de edifícios-garagem, devidamente licenciados, indiscutível dano patrimonial anormal. a.2) Atos materiais – como, por exemplo, o nivelamento de uma rua, procedida com todas as cautelas e recursos técnicos, que, entretanto, pelas características físicas ambientais, implica ficarem algumas casas em nível mais elevado ou rebaixado em relação ao leito da rua, causando séria desvalorização daqueles imóveis. b) Por comportamentos ilícitos: b1) Atos jurídicos – como, verbi gratia, a decisão de apreender, fora do procedimento ou hipóteses legais, a edição de jornal ou revista. b.2) Atos materiais – o espancamento de um prisioneiro, causando-lhe lesões definitivas”[64]. Já no que concerne o vocábulo “agentes”, o magistral Celso Antônio Bandeira de Mello elucida: “Quem são as pessoas suscetíveis de serem consideradas agentes públicas, cujos comportamentos, portanto, ensejam engajamento da responsabilidade do Estado? São todas aquelas que – em qualquer nível de escalão – tomam decisões ou realizam atividades da alçada do Estado, prepostas que estão no desempenho de um mister público (jurídico ou material), isto é, havido pelo Estado como pertinente a si próprio. Nesta qualidade ingressam desde as mais altas autoridades até os mais modestos trabalhadores que atuam pelo aparelho estatal.”[65] Ressalte-se, todavia, que para que o Estado responda pelo ato do agente público, a condição do agente deverá ter contribuído de alguma forma para o evento danoso. Nesse sentido, o ensinamento de Yussef Said Cahali: “Em realidade, o que sobreleva para a vinculação da responsabilidade da pessoa jurídica é o fato de ter sido a oportunidade para a prática do ato danoso ensejada pela sua condição de funcionário ou agente da entidade. (…) Mas o ato praticado em caráter particular, ainda que envolvendo funcionário público, não pode acarretar a responsabilidade do Estado. Não se pode pretender a exclusão dessa responsabilidade civil do Estado pelo ato de seu funcionário que exorbitou de suas funções, desde que o ato seja inerente à sua qualidade de agente do Poder Público”.[66] E arremata Celso Antônio Bandeira de Mello: “Não importará, de conseguinte, para efeitos de responsabilidade estatal, estabelecer se o agente atuou culposa ou dolosamente. Não importará, para tais fins, o saber-se se os poderes que manipulou de modo indevido continham-se ou não, abstratamente, no campo de suas competências específicas. O que importará é saber se a sua qualidade de agente público foi determinante para a conduta lesiva. Se terceiros foram lesados, em razão de o autor ser funcionário, ocorreu o bastante para desenhar-se na hipótese de responsabilidade estatal.”[67] No tocante à expressão “terceiros”, note-se que esta indica alguém estranho ao Estado, isto é, alguém que não tem um vínculo jurídico preexistente com o Poder Público. Desta maneira, o §6º do artigo 37 só se aplica à responsabilidade extracontratual do Estado, não se aplicando, pois, aos casos de responsabilidade contratual, visto que aquele que contrata com o Estado não é terceiro.[68] A respeito das entidades de direito privado prestadoras de serviço público, recentemente, o Supremo Tribunal Federal entendeu que não se pode restringir a expressão “terceiros”, ou seja, a responsabilidade será objetiva, mesmo quando o dano tenha sido provocado a um terceiro que não figure na qualidade de usuário daquele serviço[69]. Findando a análise em tela, observa-se que o Estado poderá mover ação regressiva quando o agente público causar o dano com culpa ou dolo. São requisitos da ação de regresso: (1) a presença da culpa ou dolo do agente público; e (2) o trânsito em julgado da sentença de condenação do Estado. O art. 2º da Lei n. 4.619/65, que dispõe sobre ação regressiva da União contra seus agentes, estabelece que o prazo para ajuizamento da ação regressiva é de 60 (sessenta) dias a partir da data em que transitar em julgado a condenação imposta à Fazenda Pública. A ação regressiva, como ação “civil” que é, atinge herdeiros e sucessores do servidor que agiu com culpa ou dolo, conforme dispõe o art. 122, §3º, da Lei n. 8.112/90. Ela pode ser instaurada, inclusive, mesmo após a cessação do exercício no cargo ou na função, por disponibilidade, aposentadoria, exoneração ou demissão. 4.1 danos por omissão do estado Está sedimentado na doutrina e jurisprudência que o Estado responde quando há o dever jurídico de impedir o dano e o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente. O ponto controvertido é precisar se a sua responsabilidade é subjetiva (baseada na culpa: negligência, imperícia e imprudência) ou objetiva (inexistindo distinção entre atos comissivos e omissivos). Na doutrina, dentre aqueles que se filiam à tese subjetiva, se destaca Celso Antônio Bandeira de Mello que buscou inspiração em Oswaldo Aranha Bandeira de Mello[70]. Nessa corrente se encontram outros juristas de peso, tais como: Lúcia Valle Figueiredo[71], Rui Stocco[72] e Maria Sylvia Zanella Di Pietro[73] . O primeiro raciocínio lógico que o expoente Celso Antônio Bandeira de Mello utiliza é o de que, se o Estado não agiu, não pode ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo[74]. Segundo ele, não bastará, então, para configurar-se a responsabilidade estatal, a simples relação entre a ausência do serviço (omissão estatal) e o dano sofrido. Com efeito: inexistindo obrigação legal de impedir certo evento danoso (obrigação, de resto, só cogitável quando haja possibilidade de impedi-lo mediante atuação diligente), seria um verdadeiro absurdo imputar ao Estado responsabilidade por um dano que não causou, pois isto equivaleria a extraí-la do nada; significaria pretender instaurá-la prescindindo de qualquer fundamento racional ou jurídico. Cumpre que haja algo mais: a culpa por negligência, imprudência ou imperícia no serviço, ensejadoras do dano, ou então o dolo, intenção de omitir-se, quando era obrigatório para o Estado atuar e fazê-lo segundo um certo padrão de eficiência capaz de obstar o evento lesivo. Em uma palavra: é necessário que o Estado haja incorrido em ilicitude, por não ter acorrido para impedir o dano ou por haver sido insuficiente nesse mister, em razão de comportamento inferior ao padrão legal exigível[75]. Prossegue asseverando que é razoável que o Estado responda objetivamente pelos danos que causou. Mas só é razoável e impositivo que responda pelos danos que não causou quando estiver de direito obrigado a impedi-los[76]. Celso Antônio Bandeira de Mello propugna que, solução diversa conduziria a absurdos. É que, em princípio, cumpre ao Estado prover todos os interesses da coletividade. Ante qualquer evento lesivo causado por terceiro, como um assalto em via pública, uma enchente qualquer, uma agressão física sofrida em local público, o lesado poderia sempre argüir que o “serviço não funcionou”. A admitir-se responsabilidade objetiva nestas hipóteses, o Estado estaria erigido em segurador universal! Razoável que responda pela lesão patrimonial da vítima de um assalto se agentes policiais relapsos assistiram a ocorrência inertes e desinteressados ou se, alertados a tempo de evitá-lo, omitiram-se na adoção das providências cautelares. Razoável que o Estado responda por danos oriundos de uma enchente se as galerias pluviais e os bueiros de escoamento das águas estavam entupidos ou sujos, propiciando o acúmulo da água. Nestas situações, sim, terá havido descumprimento do dever legal de adoção de providências obrigatórias. Faltando, entretanto, este cunho de injuridicidade, que advém do dolo, ou da culpa tipificada na negligência, na imprudência ou na imperícia, não há cogitar de responsabilidade pública[77]. Assim, para a responsabilização por omissão do Estado, é necessário caracterizar essa omissão e singularizar a atuação administrativa: a omissão deve decorrer de sua culpa. Outro fortíssimo argumento é o de que o artigo constitucional determina que o Estado responderá pelos danos que seus agentes causarem a terceiros. Ora, se houve omissão, não se pode dizer que os danos foram causados pelos agentes do Estado. Do lado oposto encontram-se estudiosos renomados a favor da tese objetiva, tais como Hely Lopes Meirelles[78], Yussef Said Cahali[79], Celso Ribeiro Bastos[80] e, principalmente, Sérgio Cavallieri Filho[81]. Sérgio Cavalieri entende que o art. 37, §6º, da Constituição engloba não apenas a conduta comissiva que causa dano, mas também a conduta omissiva[82]. Dessa maneira, se há um dever jurídico de impedir o dano, o comportamento negativo (omissão) do Estado seria condição material da ocorrência do eventus damni. O que não significa que o Estado deva ser responsabilizado por tudo, haja vista o seu amplo espectro de responsabilidade em relação aos cidadãos. Para tanto, devem ser distinguidas as situações de omissão genérica do Estado, hipótese em que a responsabilidade deve ser subjetiva, das de omissão específica, em que há um dever individualizado de agir. Conceitos estes, criados pelo conspícuo jurista Guilherme Couto de Silva e que foram encampados por Sérgio Cavalieri, perscrutemos: “É preciso, ainda, distinguir omissão genérica do Estado (item 77) e omissão específica. Observa o talentoso jurista Guilherme Couto de Castro, em excelente monografia com que brindou o nosso mundo jurídico, “não ser correto dizer, sempre, que toda hipótese de dano proveniente de omissão estatal será encarada, inevitavelmente, pelo ângulo subjetivo. Assim o será quando se tratar de omissão genérica. Não quando houver omissão específica, pois aí há dever individualizado de agir.” (A Responsabilidade civil objetiva no Direito Brasileiro, Forense, 1997, p. 37). Mas afinal de contas, qual a distinção e omissão genérica e omissão específica? Haverá omissão específica quando o Estado, por omissão, crie a situação propícia para a ocorrência do evento em situação em que tinha o dever de agir para impedi-lo. Assim, por exemplo, se o motorista embriagado atropela e mata pedestre que estava na beira da estrada, a Administração (entidade de trânsito) não poderá ser responsabilizada pelo fato de estar esse motorista ao volante sem condições. Isso seria responsabilizar a Administração por omissão genérica. Mas, se esse motorista, momentos antes, passou por uma patrulha rodoviária, teve o veículo parado, mas os policiais, por alguma razão, deixaram-no prosseguir viagem, aí já haverá omissão específica que se erige em causa adequada do não impedimento do resultado. Nesse segundo caso haverá responsabilidade objetiva do Estado”[83]. Assim, quando há uma omissão específica do Estado, ou seja, quando a falta de agir do ente público é causa direta e imediata do dano, tem se entendido que há responsabilidade objetiva. Esta corrente defende, também, que a volta à responsabilização pela culpa do serviço (subjetiva) seria um retrocesso na escala de evolução da responsabilidade do Estado, pois o terceiro prejudicado pode receber uma resposta negativa em termos de responsabilização se a Administração comprovar que de fato não agiu de forma negligente, imprudente ou com imperícia, aspectos que, via de regra, não seriam apurados se a teoria adotada fosse a da responsabilização objetiva, que é mais avançada, pois apenas leva em consideração o nexo causal entre a omissão (que, para Sérgio Cavalieri, deve ser específica) e o dano ocorrido[84]. Em sede jurisprudencial, o Superior Tribunal de Justiça sempre se manteve firme na responsabilização subjetiva[85] (apenas em casos extraordinários adota a responsabilidade objetiva[86]). O mesmo se passa no Supremo Tribunal Federal que acolheu a tese da responsabilidade subjetiva nos casos de omissão.[87] 4.2 Responsabilidade do Estado por atos judiciais Em fase anterior à Constituição Federal, no plano jurídico, diversas linhas de pensamento rechaçavam a responsabilização do Estado pelos atos jurisdicionais.[88] Os principais argumentos eram: a soberania, a eficácia da coisa julgada, a condição diferenciada dos juízes entre os agentes estatais e a natureza especial da atividade jurisdicional. [89] Contudo, referidas teorias não encontraram eco no Estado Democrático de Direito, tendo em vista que a jurisdição é, de um lado, atividade essencial típica do Estado e, de outro, direito fundamental da sociedade. A sua deficiente prestação deve ensejar a correspondente responsabilidade, ainda que não de forma irrestrita.[90] A Constituição Federal de 1988 disciplinou a responsabilidade do Estado pela atividade judicial, como uma garantia fundamental, no inciso LXXV do art. 5º: “O Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”. A grande dificuldade é delimitar o que pode ser considerado “erro judiciário”. O douto Juarez Freitas identifica nesse dispositivo uma cláusula geral de responsabilidade pelo erro judiciário, dispensando qualquer construção hermenêutica.[91] Em tese absolutamente restritiva, Tupinambá Nascimento, exara que esse dispositivo só trata da reparação do erro judiciário penal.[92] Pode-se afirmar que a doutrina, de um modo geral, aponta como sendo atividade jurisdicional defeituosa quando: a) o Juiz, dolosamente, recusa ou omite decisões, causando prejuízo às partes; b) o Juiz não conhece, ou conhece mal o direito aplicável, recusando ou omitindo o que é de direito; e c) o atuar do Poder Judiciário é vagaroso, por indolência do juiz ou por lentidão determinada por insuficiência ou falta de juízes ou funcionários, obrigando ao cúmulo de processos, o que impossibilita o julgamento dentro dos prazos fixados pela lei. [93] Nesse sentido cabe mencionar as lições de Cavalieri Filho: “No exercício da atividade tipicamente judiciária podem ocorrer os chamados erros judiciais, tanto in judicando como in procedendo. Ao sentenciar ou decidir, o juiz, por não ter bola de cristal nem o dom da adivinhação, está sujeito aos erros de julgamento e de raciocínio, de fato ou de direito. Importa dizer que a possibilidade de erros é normas e até inevitável na atividade jurisdicional.  (…) È justamente para evitar ou corrigir erros que a lei prevê os recursos, por vezes até em número excessivo. A parte agravada ou prejudicada por uma sentença injusta ou equivocada pede a sua revisão, podendo chegar, neste mister, até a Suprema Corte. Mas, uma vez esgotados os recursos, a coisa julgada se constitui em fator inibitório da responsabilidade do Estado, que tudo fez, dentro das possibilidades humanas, para prestar uma justiça justa e correta. Daí o entendimento predominante, no meu entender o mais correto, no sentido de que só pode o Estado ser responsabilizado por danos causados por atos judiciais típicos nas hipóteses previstas no art. 5º, LXXV, da Constituição Federal. Contempla-se, ali, o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença. Por erro judiciário deve ser entendido o ato jurisdicional equivocado e gravoso a alguém, tanto na órbita penal como civil; ato emanado da atuação do juiz (decisão judicial) no exercício da função jurisdicional.” (grifo e sublinho nosso) [94] Prossegue o nobre doutrinador, complementando sobre o assunto: “Nem sempre será tarefa fácil identificar o erro, porque para configurá-lo não basta a mera injustiça da decisão, tampouco a divergência na interpretação da lei ou na apreciação da prova. Será preciso uma decisão contrária à lei ou à realidade fática, como, por exemplo, condenação de pessoa errada, aplicação de dispositivo penal impertinente, ou de indevido exercício da jurisdição, motivada por dolo, fraude ou má-fé. [95] (…)” (grifo e sublinho nosso) Isto significa que a disposição constitucional (37, §6°) não é aplicável quando se está a tratar de responsabilidade civil do Estado por ato jurisdicional, limitando-se a configuração de tal responsabilidade nos casos de dolo, fraude ou culpa grave do agente[96]. Na mesma esteira, a jurisprudência do Supremo apregoa que o Estado somente se responsabiliza quando há erro judiciário[97], afora isso, se trata da entrega da prestação jurisdicional, passível de divergência em si mesmo. Concluindo, para se ter uma idéia, o STF compreende que a prisão preventiva, devidamente fundamentada e nos limites legais, inclusive temporal, não gera o direito à indenização em face da posterior absolvição por ausência de provas[98]. 4.3 Responsabilidade do Estado por atos legislativos Predomina, em nosso ordenamento jurídico, a regra da irresponsabilidade do Estado pelo exercício de sua atribuição típica de elaborar as leis.[99] Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro[100], aqueles que sustentam a irresponsabilidade civil do Estado por evento danoso decorrente de sua função legislativa se apoiam nos seguintes argumentos: “a) que a lei é um ato de soberania;[101] b) que a lei, na verdade, é manifestação do próprio povo;[102] c) que a lei é geral, abstrata e impessoal;[103] d) que a lei não viola direito preexistente;[104] e) que a lei pode ser modificada a qualquer tempo;[105] f) que os agentes políticos não são responsáveis;[106] g) que a responsabilização do Estado é empecilho à atividade legiferante”.[107] Todavia, essa regra é excepcionada, atualmente, quando há: a) criação de leis inconstitucionais; b) existência de leis de efeitos concretos e c) omissão a dever de legislar. No tocante à primeira hipótese, a doutrina[108] e a jurisprudência[109] admitem que haja responsabilidade do Estado em casos de leis que, porventura, venham a ser declaradas inconstitucionais por decisão da Excelsa Corte, em sede de controle principal e concentrado de constitucionalidade (seja comissivo ou omissivo o ato).[110] Cumpre ressaltar que, ao prejudicado, não é suficiente arguir a inconstitucionalidade da norma, mas deve também comprovar a existência do dano e o seu nexo com a lei inconstitucional. Esclarece-se, por fim, que a Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999 (dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal), em seu art. 28, parágrafo único[111], garante a eficácia erga omnes da declaração de inconstitucionalidade, e seu efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal. Em relação à segunda hipótese, ensina Di Prieto: “Com relação às leis de efeitos concretos, que atingem pessoas determinadas, incide a responsabilidade do Estado, porque, como elas fogem às características da generalidade e abstração inerentes aos atos normativos, acabam por acarretar ônus não suportado pelos demais membros da coletividade. A lei de efeito concreto, embora promulgada pelo Legislativo, com obediência ao processo de elaboração das leis, constitui, quanto ao conteúdo, verdadeiro ato administrativo, gerando, portanto, os mesmos efeitos os mesmos efeitos que este quando cause prejuízo ao administrado, independentemente de considerações sobre a sua constitucionalidade ou não.”[112] (negrito nosso) O dano causado pela lei de efeito concreto é denominado por Celso Antônio Bandeira de Mello como “dano especial”, analisemos: “Dano especial é aquele que onera a situação particular de um ou alguns indivíduos, não sendo, pois, um prejuízo genérico, disseminado pela sociedade. Corresponde a um agravo patrimonial que incide especificamente sobre certo ou certos indivíduos, e não sobre a coletividade ou genérica e abstrata categoria de pessoas”.[113] Cahali, ao cuidar desse assunto, faz menção a um caso em que uma lei do Estado de São Paulo criou uma reserva florestal, afetando o direito de propriedade do autor.[114] É um exemplo de uma só pessoa sendo obrigada a aguentar o ônus decorrente da lei, em benefício de toda a coletividade. A conclusão a que se chega é a de que o ato legislativo legítimo pode, eventualmente, impor a um ou alguns indivíduos, ônus maior do que aquele genérico disseminado pela sociedade, hipótese esta que, por evidente, constitui razão suficiente a ensejar a responsabilização do Estado. A respeito da terceira e última hipótese, Marçal Justen Filho destaca que: “Pode ser indagado se a ausência de produção da lei poderia gerar a responsabilização civil do Estado. Ora, a ausência de produzir lei configura uma atuação omissiva do Estado. Poderá existir infração omissiva própria ou infração omissiva imprópria. A atuação omissiva própria se configurará quando existir um dever jurídico de produzir a lei. Assim, se a Constituição estabelecer o dever de exercer a competência legislativa, a omissão será uma infração à ordem jurídica. Já a ausência de norma jurídica, qualificando a conduta ativa como obrigatória, conduz a uma infração omissiva imprópria. Nesse caso a responsabilidade civil do Estado depende da comprovação da violação ao dever de diligência”.[115] (grifo e negrito nosso) Maurício Jorge Pereira Mota nesse sentido informa que: “As omissões legislativas podem ser absolutas ou relativas. As primeiras se verificam quando o órgão competente queda inteiramente inerte diante de um dever de legislar. As outras ocorrem quando o legislador, embora atuando, deixa de fora da incidência da norma alguma categoria que nela deveria estar incluída. O legislador, ao atuar voluntariamente, criando certa disciplina legal, fica obrigado a não deixar sem consideração os casos essencialmente iguais aos previstos na regra geral […]. A doutrina mais moderna tem se direcionado também para essa vertente. Maria Emília Alcântara igualmente advoga a tese, fundada no princípio da efetividade da Constituição (que não admite a existência de normas constitucionais despidas de sentido prático e operativo), que a omissão do legislador por prazo razoável de tempo permita a propositura de ação de indenização por quem sofrer danos em virtude de ser titular de um direito garantido pela Constituição, mas impedido de exercê-lo por inércia legislativa. Em conclusão […] a doutrina e jurisprudência parecem orientar-se pela admissão da existência, no bojo da Constituição, de deveres concretos e específicos de legislar e que, do inadimplemento desses deveres específicos surge a responsabilidade civil do Estado pela omissão de legislar”.[116] (grifo e negrito nosso) Desse modo, quando o legislador ordinário deixa de atender as determinações que lhe impõem a edição de leis que objetivem a efetivação dos comandos da Constituição,[117] a omissão legislativa se qualifica como passível de gerar a responsabilização do Estado, caso, daí, resulte algum dano para o particular. Ano passado (09/01/2012) a Câmara dos Deputados Federais analisou Projeto de Lei (2504/11) que visava alterar o Código Civil (Lei 10.406/02) para responsabilizar na esfera civil as pessoas jurídicas de direito público por omissão legislativa.  Segundo o Deputado João Paulo Lima, autor da proposta, “trata-se de estabelecer norma que, sinalizando ao Poder Público que não deve deixar de cumprir o seu dever de legislar, passe a amparar melhor as pessoas prejudicadas por omissão legislativa decorrente de inércia dos órgãos legiferantes”.[118] A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem se pronunciado favoravelmente à possibilidade de responsabilização estatal por dano resultante de sua mora legislativa, desde que cumprido dois requisitos: o reconhecimento da mora pelo STF e à permanência da omissão, após o prazo estabelecido pela Corte Suprema (considerando o decurso do prazo, a partir da constituição em mora), vejamos, por exemplo, as decisões no Mandado de Injunção nº 447/DF e nº 284/DF,[119] cujas ementas foram assim redigidas: “- Mandado de injunção. Omissão do Congresso Nacional no tocante a regulamentação do paragrafo 3. do artigo 8. do ADCT. – Alcance do mandado de injunção segundo o julgamento do Mandado de Injunção n. 107 com possibilidade de aplicação de providencias adicionais nele genericamente admitidas, e concretizadas no julgamento do Mandado de Injunção n. 283. – O prazo fixado, no julgamento do Mandado de Injunção n. 283, para o cumprimento do dever constitucional de editar essa regulamentação de há muito se escoou sem que a omissão tenha sido suprida. Não há, pois, razão para se conceder novo prazo ao Congresso Nacional para o adimplemento desse seu dever constitucional, impondo-se, desde logo, que se assegure aos impetrantes a possibilidade de ajuizarem, com base no direito comum, ação de perdas e danos para se ressarcirem do prejuizo que tenha sofrido. Mandado de injunção conhecido em parte, e nela deferido”. (MI 447, Relator(a):  Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/1994, DJ 01-07-1994 PP-17495 EMENT VOL-01751-01 PP-00038) (negrito e sublinho nosso) “- MANDADO DE INJUNÇÃO – NATUREZA JURÍDICA – FUNÇÃO PROCESSUAL – ADCT, ART. 8., PARAGRAFO 3. (PORTARIAS RESERVADAS DO MINISTÉRIO DA AERONÁUTICA) – A QUESTÃO DO SIGILO – MORA INCONSTITUCIONAL DO PODER LEGISLATIVO – EXCLUSAO DA UNIÃO FEDERAL DA RELAÇÃO PROCESSUAL- ILEGITIMIDADE PASSIVA "AD CAUSAM" – "WRIT" DEFERIDO. – O caráter essencialmente mandamental da ação injuncional – consoante tem proclamado a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – impõe que se defina, como passivamente legitimado "ad causam", na relação processual instaurada, o órgão público inadimplente, em situação de inércia inconstitucional, ao qual e imputavel a omissão causalmente inviabilizadora do exercício de direito, liberdade e prerrogativa de indole constitucional. No caso, "ex vi" do paragrafo 3. do art. 8. do Ato das Disposições Constitucionais Transitorias, a inatividade inconstitucional e somente atribuivel ao Congresso Nacional, a cuja iniciativa se reservou, com exclusividade, o poder de instaurar o processo legislativo reclamado pela norma constitucional transitoria. – Alguns dos muitos abusos cometidos pelo regime de exceção instituido no Brasil em 1964 traduziram-se, dentre os varios atos de arbitrio puro que o caracterizaram, na concepção e formulação teorica de um sistema claramente inconvivente com a pratica das liberdades publicas. […] . – Reconhecido o estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional – único destinatario do comando para satisfazer, no caso, a prestação legislativa reclamada – e considerando que, embora previamente cientificado no Mandado de Injunção n. 283, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, absteve-se de adimplir a obrigação que lhe foi constitucionalmente imposta, torna-se "prescindivel nova comunicação a instituição parlamentar, assegurando-se aos impetrantes, "desde logo", a possibilidade de ajuizarem, "imediatamente", nos termos do direito comum ou ordinário, a ação de reparação de natureza econômica instituida em seu favor pelo preceito transitório”. (MI 284, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 22/11/1992, DJ 26-06-1992 PP-10103 EMENT VOL-01667-01 PP-00001 RTJ VOL-00139-03 PP-00712) (negrito e sublinho nosso) Depreende-se, portanto, ser perfeitamente aceita, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência, a possibilidade de imputação ao Estado da obrigação de reparar os danos decorrentes de sua mora legislativa. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ficou assentado que na origem vigorava a era da irresponsabilidade do Estado. Os administrados, todavia, não estavam completamente desprotegidos frente aos comportamentos unilaterais do Estado. Admitia-se, pois, a responsabilização do Estado quando leis específicas a previssem expressamente e também do funcionário público, quando o ato lesivo pudesse ser diretamente relacionado a um comportamento pessoal seu. A essa fase sucedeu a teoria civilista, de início distinguindo os atos de império e de gestão, somente estes considerados na questão da responsabilidade estatal. Posteriormente fora abandonada tal dicotomia (independia o tipo de ato), sendo substituída pelo critério subjetivo, necessitando apenas de provar a culpa da entidade estatal para a fixação da sua responsabilidade pelos danos causados a particulares. Logo após, viera a fase publicista (depois de longa maturação jurisprudencial do contencioso administrativo francês, editados, sobretudo, no decorrer do século XIX), que desvinculou a responsabilização do Estado dos conceitos e princípios oriundos do direito civil, isto é, despersonalizou a culpa transformando-a, pelo anonimato do agente, à consideração de falha na máquina administrativa. Logo, não é mais necessário responsabilizar o Estado tão somente diante da comprovação da culpa do agente. Surge, então, a responsabilização pela culpa anônima do serviço estatal. A segunda fase publicista é encampada pela “teoria do risco”, que arrimada sobre a idéia de segurança social suportada pelo caixa coletivo, em proveito daqueles que sofrem um prejuízo (princípio da igualdade dos indivíduos diante dos encargos públicos), faz surgir a obrigação de indenizar, bastando a verificação da ocorrência do dano em face da atividade da Administração Pública, sem que se exija a ocorrência de culpa por falta de serviço (responsabilidade objetiva). Possui como causas excludentes o fato da vítima, fato de terceiro e força maior. Quanto à responsabilidade por omissão, a doutrina majoritária filia-se à tese subjetiva, liderada por Celso Antônio Bandeira de Mello. Em sede jurisprudencial, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal se mantêm firme na responsabilização subjetiva. No tocante aos atos jurisdicionais é sabido que em fase anterior à Constituição Federal, no plano jurídico, diversas linhas de pensamento rechaçavam a responsabilização do Estado pelos mesmos. Na atualidade, o Estado é sempre responsável quando alguém ficar preso além do tempo fixado na sentença ou acontecer erro judiciário (decisão judicial equivocada e gravosa a alguém). Por fim, em relação ao exercício da atribuição típica de elaborar as leis, o Estado, em regra, é irresponsável. As exceções são quando há criação de leis inconstitucionais, existência de leis de efeitos concretos e omissão a dever de legislar.
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Carona no sistema de registro de preços: análise jurídica e principais mudanças advindas do Decreto 7.892/2013
A presente explanação traz a lume determinada prática ocorrida no âmbito do Sistema de Registro de Preços, a qual deflagra acirrada cizânia no campo jurídico. A análise a que se procedeu na confecção deste trabalho enveredou-se por duas correntes principais e diametralmente opostas: a primeira, baseando-se na considerável diminuição de custos e na celeridade, aduz que o instituto teria o condão de avigorar o princípio da eficiência no âmbito da Administração Pública; a segunda corrente, por sua vez, alega que a referida aderência à Ata de Registro de Preços por órgãos que não participaram de seu processo constitutivo não estaria amparada pela Constituição, assim como sua disposição mediante decreto representaria uma ilegalidade e proporcionaria percalços às Cortes de Contas na feitura da fiscalização quando a prática se dá em entidades federativas diversas. Neste diapasão, propõe-se o presente escrito a contribuir para o fomento de um debate que, pela especificidade do tema, é ainda incipiente, seja na seara acadêmica, seja na doutrinária e, principalmente, no meio jurisprudencial, a despeito da temática ora debatida possuir, atualmente, certa recorrência no âmbito dos Tribunais de Contas.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO No ordenamento jurídico pátrio, especificamente na seara do Direito Administrativo, o instituto das licitações públicas se mostra suscetível a originar acirrada cizânia tanto entre doutrinadores quanto ao entendimento emanado pelos Tribunais de Contas acerca de determinada prática ocorrida no âmbito do Sistema de Registro de Preços. Com amparo no princípio da legalidade, o art. 37, XXI, pressupõe, em via de regra, a feitura do procedimento de licitação para posterior celebração de um contrato administrativo, devendo a dispensa ou a inexigibilidade estarem necessariamente previstas em lei de forma a prognosticar a hipótese para sua inocorrência, sendo ainda necessária a elaboração do devido processo de justificação em tais casos. No aludido cenário, fora criado uma espécie de método auxiliar objetivando tornar as contratações públicas mais ágeis e econômicas, denominado Sistema de Registro de Preços, o qual possui amparo legal no art. 15 da Lei 8.666/93, estando atualmente regulamentado pelo Decreto Federal nº 7.892/2013. Polêmica prática prevista no presente decreto, a qual também já se encontrava prevista em norma regulamentadora pretérita – mais especificamente no art. 8º do Decreto nº 3.931/01-, refere-se à aderência de órgão não participante na Ata do Sistema de Registro de Preços após o término do procedimento, figura conhecida como “carona”. Nada obstante os princípios que amparam os procedimentos concernentes à licitação pública e a consequente celebração de contratos administrativos, muitas vezes as barreiras legais não se encontram bem delineados em nosso ordenamento, de modo que muitos comportamentos – tais como a figura do “carona” – enquadram-se em uma zona cinzenta, da qual não é tarefa das mais fáceis se extrair sua (i)licitude. Analisa-se que, diante de tão polêmica conjuntura, adentrar neste campo jurídico de incertezas se mostra como principal objetivo do presente trabalho, permitindo-se um estudo analítico e indutivo dos elementos que compõem a referida figura. 1. SISTEMA DE REGISTRO DE PREÇOS Sistema de Registro de Preços pode ser definido como modo pelo qual a Administração Pública seleciona, através da modalidade concorrência ou pregão, os bens que deseja adquirir em suas compras habituais, inexistindo obrigação por parte do Poder Público a firmar as contratações que dele poderão advir. Conceitualmente, o Sistema de Registro de Preços pode ser definido como uma espécie de método auxiliar objetivando tornar as contratações públicas mais ágeis e econômicas, amparado legalmente pelo art. 15 da Lei 8.666/93, relacionado a aquisições de bens e prestação de serviços em futuras contratações. Consoante leitura do disposto no Decreto 7.892/13, Ronny Charles leciona acerca das hipóteses nas quais o Sistema de Registro de Preços seria adotado: “De acordo com o regulamento federal, o Sistema de Registro de Preços deverá ser adotado nas seguintes hipóteses: • quando, pelas característica do bem ou do serviço, houver necessidade de contratações freqüentes; • quando for conveniente a aquisição de bens com previsão de entregas parceladas ou contratação de serviços remunerados por unidade de medida ou em regime de tarefa; • quando for conveniente a aquisição de bens ou a contratação de serviços para atendimento a mais de um órgão ou entidade, ou a programas de governo; ou • quando, pela natureza do objeto, não for possível definir previamente o quantitativo a ser demandado pela Administração.”[1] Desta feita, são registrados os preços de produtos ou serviços conjuntamente com a identificação de respectivos fornecedores, os quais, por meio de licitação na modalidade concorrência ou pregão, serão registrados na Ata de Registro de Preços sendo armazenados os dados do licitante para contratações durante o tempo de vigência desta, a qual pode se dá por período de até doze meses. Impende salientar que o objeto, para a concretização de eventual e futura contratação, deve ter o preço registrado compatível com aquele praticado no mercado. Inegavelmente, entre as diversas vantagens proporcionadas pelo instituto, podem ser citadas: desnecessidade de dotação orçamentária, redução do volume de estoques, eliminação dos fracionamentos de despesa, tempos recordes de aquisição, redução do número de licitações, atualidade dos preços da aquisição e participação de pequenas e médias empresas. O Sistema de Registro de Preços não se confunde com modalidade de licitação, vez que se trata de um meio operacional a ser utilizado pela Administração Pública a qual, discricionariamente, poderá efetuar futuras contratações. Neste diapasão, o Tribunal de Contas da União, acerca do não enquadramento do registro de preços como modalidade licitatória, assim se pronunciou em trecho do Acórdão nº 1.279/2008: “(…)10.24 Análise: o registro de preços não é uma modalidade de licitação, e sim, um mecanismo que a Administração dispõe para formar um banco de preços de fornecedores, cujo procedimento de coleta ocorre por concorrência ou pregão. Em razão de ser um mecanismo de obtenção de preços junto aos fornecedores para um período estabelecido, sem um compromisso efetivo de aquisição, entendemos ser desnecessário, por ocasião do edital, o estabelecimento de dotação orçamentária. Todavia, por ocasião de uma futura contratação, torna-se imprescindível a dotação orçamentária para custeio da despesa correspondente, na forma do art. 11 do Decreto 3931/2001. (…)” (Acórdão 1.279/2008 – Rel. Guilherme Palmeira – TCU – Plenário, de 2/7/2008; grifou-se) No tocante à fundamentação legal na Lei 8.666/93, o Sistema de Registro de Preços possui previsão no referido diploma no seu art. 15, II, §§ 1o ao 7o[2], bem como no art. 24, VII[3]. Destarte, é possível inferir pela leitura do art. 15, § 3º, que o legislador previu a edição de decreto como forma de atender as diversas peculiaridades regionais, o que, por sua vez, foi motivo de forte divergência de doutrinária quanto à sua autoaplicabilidade. Entende-se que as regras atinentes ao Sistema de Registro de Preços no art. 15 da Lei de Licitações e Contratos, teriam natureza de norma geral. Assim, os decretos regulamentares só poderiam versas acerca de mandamentos de caráter procedimental atendendo as peculiaridades existentes em cada região. Atualmente, o Decreto Federal nº 7.892/2013 foi instituído de forma a regulamentar o Sistema de Registro de Preços revogando o Decreto Federal nº 3.931/2001. Em seu artigo 2º[4], o Decreto n.º 7.892/13 traz algumas definições, de suma importância para a própria compreensão do tema, a saber: sistema de registro de preços, ata de registro de preços, órgão gerenciador, órgão participante e órgão não participante. Importante referir, por relevante, que das definições de órgão gerenciador e de órgão participante, verifica-se que se diferenciam pelo fato do órgão gerenciador ser aquele responsável pela condução dos procedimentos necessários para o registro de preços, incluindo a licitação necessária e prévia, e pelo gerenciamento de sua ata, competindo a este fiscalizar e acompanhar todo o decorrer dos eventos da ata, incluindo o controle dos preços registrados, a existência ou não de compatibilidade com os valores praticados no mercado, controle dos quantitativos já fornecidos aos órgãos participantes, bem como a permissão de atendimento às necessidades dos órgãos não participantes – “caronas” -, sempre visando alcançar o melhor funcionamento do sistema atendendo as finalidades para o qual foi criado. O órgão participante, por sua vez, é aquele que participa dos procedimentos iniciais do sistema de registro de preços e integra a ata comunicando, entre outras informações, sua estimativa de consumo. Veja-se, portanto, que esse último se vincula ao Sistema de Registro de Preços, também, desde o início do procedimento, enquanto que o órgão não participante – “carona” – adentraria no processo após o término de elaboração da ata desde que devidamente autorizado pelo órgão gerenciador. 3. MUDANÇAS ADVINDAS DO DECRETO 7.892/2013 Como primeira mudança advinda do Decreto 7.892/13, pode-se citar a própria definição do que seria o órgão ou entidade “carona”, o qual conforme preleciona o art. Art. 2º, V, seria “órgão não participante – órgão ou entidade da administração pública que, não tendo participado dos procedimentos iniciais da licitação, atendidos os requisitos desta norma, faz adesão à ata de registro de preços.” No que diz respeito às demais inovações do presente Decreto quanto àquele que regulamentou o Sistema de Registro de Preços até 23 de janeiro de 2013, pode-se citar: a figura do cadastro de reserva, a certificação digital, impossibilidade de prorrogação excepcional da vigência da ata de registros de preços, bem como a implementação de acréscimos quantitativos a mesma, impossibilidade de adesão pelos órgãos públicos federais às atas provenientes de licitações promovidas por órgãos estaduais, municipais ou do Distrito Federal, atribuição para a aplicação de sanções decorrentes do descumprimento da Ata de Registro de Preços, minuta da ata de Sistema de Registro de Preços como anexo do Edital e obrigatoriedade do uso da Intenção de registro de preços e, principalmente, nova disciplina aplicável ao órgão não participante ou “carona” em decorrência da dedicação de um capítulo inteiro à prática no Decreto n.º 7.892/13, solucionando diversas cizânias surgidas recentemente quanto ao peculiar uso da ata por aqueles que não fizeram parte de seu processo constitutivo. Diante dos supracitados aperfeiçoamentos, a criação do cadastro de reserva, prevista no art. 11 do Decreto n.º 7.892/13, trata-se de louvável iniciativa a qual alenta ao princípio da eficiência na medida em que evita a feitura de nova Ata de Registro de Preços caso, por algum motivo, o vencedor da licitação reste impossibilitado de cumprir com o fornecimento de bens ou prestação de serviços previamente estipulados. Assim, evitando um dispêndio desnecessário, a criação de um cadastro de reserva também é medida que prima pelo princípio da economicidade em decorrência do fato de que evita novos gastos por parte da Administração. Para tanto, conforme disposto em seu art. 11, §2º, II[5], o segundo colocado se comprometeria em cotar seus bens e serviços em idêntico valor ao primeiro colocado desistente. A possibilidade de assinatura via certificação digital, nos modernos tempos atuais, trata-se de medida a contribuir para uma maior celeridade nas contratações públicas preconizando, também, o princípio da eficiência no Sistema de Registro de Preços. Quanto à atribuição para a aplicação de sanções decorrentes do descumprimento da ata aos órgãos participantes e órgãos não participantes, e não mais só ao órgão gerenciador como dispunha o Decreto nº 3.931/01, trata-se de exitosa medida a contribuir para a lisura do procedimento, na medida em que a ampliação de tal competência se trata de meio que, indubitavelmente, avigora a fiscalização. Apesar da já existente praxe administrativa quanto à Ata de Registro de Preços constar como anexo no Edital, o Decreto nº 7.892/13 entendeu por bem imprimir a devida legalidade ao procedimento em seu art. 9º, X[6]. Neste mesmo esteio, o novo diploma legal tornou obrigatório o uso da Intenção de Registro de Preços, conforme o disposto em seu art. 4º[7]. No que concerne às novas disposições quanto à impossibilidade de implementar acréscimos quantitativos à Ata de Registro de Preços, o novo decreto resolve a problemática que assolava de críticas o regulamento pretérito quanto à ausência de delimitação razoável no que concerne aos quantitativos, atribuição que acabou por competir à Corte de Contas da União estabelecer (Acórdão 1.233/2012). No atual decreto, ocorreriam cinco limitações, quais sejam: individual, temporal, global, subjetivo e formal. Nesse sentido, Ronny Charles[8] estabelece que segundo as regras estabelecidas no novo regulamento federal, além de registrar expressamente a necessidade de prévia anuência do órgão gerenciador, a utilização (adesão) da ata pelos órgãos não participantes estaria submetida às seguintes delimitações: limite individual no qual cada órgão ou entidade, ao aderir a uma ata, não poderá contratar mais que cem por cento dos quantitativos dos itens registrados na Ata de Registro de Preços para o órgão gerenciador e órgãos participantes (art. 22, § 3º). Limite temporal estabelece que a adesão deverá ser feita durante a vigência da ata (art. 22). Da mesma forma, o contrato decorrente do sistema de registro de preços também deverá ser assinado no prazo de validade da ata de registro de preços (art. 12, § 4º), cabendo também observar que o órgão gerenciador somente poderá autorizar adesão à ata após a primeira aquisição ou contratação por órgão integrante da ata, exceto quando, justificadamente, não houver previsão no edital para aquisição ou contratação pelo órgão gerenciador (art. 22, § 5º). Limite global determina que o instrumento convocatório deverá prever que o quantitativo decorrente das adesões à ata de registro de preços não poderá exceder, na totalidade, ao quíntuplo do quantitativo de cada item registrado na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e órgãos participantes, independente do número de órgãos não participantes que aderirem (art. 22, § 4º), não restringindo o número de adesões (caronas), mas apenas o somatório do quantitativo decorrente dessa utilização por órgãos não participantes, medida que parece acertada. Limite subjetivo impõe que é vedada aos órgãos e entidades da administração pública federal a adesão a ata de registro de preços gerenciada por órgão ou entidade municipal, distrital ou estadual (art. 22, § 8º). Noutro diapasão, nas atas federais é permitida a adesão por órgãos ou entidades municipais, distritais ou estaduais (art. 22, § 9º). Por último, ter-se-ia o limite formal no qual a adesão precisa ser autorizada pelo órgão gerenciador (art. 22). Ademais, caso o órgão gerenciador pretenda admitir adesões, precisa prever no edital a estimativa de quantidades a serem adquiridas por órgãos não participantes (art. 9º, III). A inexistência de tal previsão impede a adesão. Um decreto federal, atinente ao peculiar interesse da União, não pode ser automaticamente aproveitado por outros entes políticos, de modo que eventual contradição entre o decreto federal e algum decreto estadual, distrital ou municipal não importa invalidade deste último. Nessa linha, os decretos já existentes não sofreram qualquer restrição à sua aplicabilidade em virtude da superveniência do decreto federal. Desta feita, inegável contribuição à eliminação de uma das mais ferrenhas críticas ao instituto o qual, diante da delimitação pretérita insuficiente prevista pelo Decreto 3.931/01 de apenas 100% (cem por cento) dos quantitativos registrados na Ata de Registro de Preços e a inexistência de qualquer restrição quanto ao número de “caronas” possíveis em cada licitação, sendo considerado um instrumento apto para diversas práticas abusivas e ilegais, tais como corrupção e tráfico de influência. Trata-se, portanto, de profícua mudança ao instituto no aspecto da limitação a ser observada, que era, para se dizer no mínimo, bastante falha, haja vista que, em termos práticos, ocorria uma ampliação exacerbada do fornecimento, sem que aos demais licitantes fosse concedida a oportunidade de realizar novas ofertas levando em consideração os novos quantitativos. No que diz respeito às inovações advindas com o Decreto nº 7.892/13, a inteira dedicação de um capítulo no dispositivo legal acerca da prática, trata-se de medida que por certo apaziguou diversas polêmicas reinantes diante da existência de, até então, apenas um artigo[9] no Decreto nº 3.931/01 acerca do assunto. Noutro giro, a delimitação do quantitativo a ser adquirido, trata-se de uma das inovações mais significativas, tendo em vista que a inexistência de limites de produtos ou serviços a serem adquiridos por órgãos não participantes era motivo das maiores críticas, na medida em que não se poderia ter a previsão de impacto nos quantitativos originalmente previstos. Assim, no tocante à quantidade de produtos ou serviços a serem adquiridos mediante a Ata de Registro de Preços, a aquisição de órgãos ou entidades caronas não poderá ser superior a cinco vezes o quantitativo somado do órgão gerenciador e órgãos participantes. De tal forma, se já tiver ocorrido por estes uma aquisição cinco vezes do que aquele previsto quando da feitura da ata, a adesão por parte de um órgão carona queda impossibilitada, mesmo que se pretenda utilizar menos do que os 100% (cem por cento) dos quantitativos registrados na Ata de Registro de Preços, vez que ambos os critérios dos §§ 3º e 4º do art. 22 são cumulativos. Por derradeiro, os §§ 5o e 6º do art. 22, estabelecem: “O órgão gerenciador somente poderá autorizar adesão à ata após a primeira aquisição ou contratação por órgão integrante da ata, exceto quando, justificadamente, não houver previsão no edital para aquisição ou contratação pelo órgão gerenciador. Após a autorização do órgão gerenciador, o órgão não participante deverá efetivar a aquisição ou contratação solicitada em até noventa dias, observado o prazo de vigência da ata”. 5. ANÁLISE JURÍDICA DA FIGURA DO “CARONA” A adesão de órgão não participante à Ata de Registro de Preços se trata de prática polêmica a qual acaba por resultar na origem de duas correntes: uma que defende sua admissibilidade e outra a qual explana argumentos contrários ao instituto. Um dos argumentos favoráveis à admissibilidade da prática do “carona” seria que o uso da Ata de Registro de Preços por quem não fez parte de seu processo constitutivo se traduziria em uma forma de extensão da proposta mais vantajosa a todos os órgãos e entidades que necessitassem de objetos semelhantes. Neste diapasão, parte da doutrina considera que não seria o caso de uma contratação direta não prevista em lei, mas de utilização de uma única licitação para a feitura de diversos contratos, haja vista que o procedimento licitatório não consistiria em um fim em si mesmo, não podendo a Administração ser impelida a repetir processos licitatórios quando já existisse proposta mais vantajosa disponível. Com a referida posição, advogam Marcos Juruena Villela Souto e Flavio Amaral Garcia em texto do Boletim de Licitações e Contratos no qual o instituto em comento é abordado: “(…) o fato e que não cabe pregar a licitação como um fim em si mesmo. Interessa e que os contratos sejam, em regra, licitados, por quem quer que seja. O ponto não é esse! A questão e o método, o perfil do contrato e o perfil de contratante para que os preços sejam oferecidos para cada realidade especifica e para cada tipo de atendimento e de julgamento.”[10] Outro argumento favorável aponta no sentido de que a prática resultaria em diminuição significativa de custos em face da realização de um único procedimento licitatório que culminaria em diversos negócios, racionalizando as contratações administrativas. Análise feita por Jorge Ulysses Jacoby Fernandes se pronuncia pelas vantagens proporcionadas pelo instituto, in verbis: “O carona no Sistema de Registro de Preços apresenta-se como uma relevante ferramenta nesse sentido, consistindo na desnecessidade de repetição de um processo oneroso, lento e desgastante quando já alcançada a proposta mais vantajosa. Se o fornecedor tem a capacidade de atender dez ou vinte órgãos sem prejudicar a qualidade de seu serviço ou produto, e sendo sua proposta mais vantajosa, por que não permitir aos órgãos interessados aderi-la? É necessário, contudo, uma correta verificação das Atas antes de aderi-las, para que realmente demonstre-se a proposta mais vantajosa. O carona tem se mostrado uma alternativa viável inclusive em casos de dispensa e inexigibilidade de licitação, tendo, muitos órgãos, deixado de utilizá-las para tornarem-se caronas e, portanto, contratar objetos que já passaram pela depuração do procedimento licitatório”.[11] Impende salientar que, ainda no tocante aos benefícios de custo, é defendido o posicionamento de que a permissibilidade da adesão seria responsável pelo fato de que um órgão, com necessidade de aquisição inferior, seria beneficiado pelos preços praticados em um certame mais amplo. Em termos práticos, a expectativa de adesão promoveria uma potencial redução de preços por parte das empresas licitantes que não levariam em consideração somente a expectativa de consumo presente na ata, mas, também, aquela advinda de potenciais usuários, os quais não fizeram parte de seu processo constitutivo. Assim, seriam alcançando menores custos que, em tese, não seriam atingidos através de competição licitatória que envolvesse apenas uma reduzida pretensão contratual, beneficiando tanto os órgãos participantes, como todos os órgãos aderentes com pretensões contratuais menores, que dificilmente alcançariam preços tão reduzidos em certames licitatórios próprios. Dessa feita, o argumento estabelece os benefícios de cunho econômico que podem ser obtidos pela adesão à Ata de Registro de Preços por órgãos não participantes. Com esteio no princípio da eficiência, outro argumento que defende a prática seria que a adesão à Ata de Registro de Preços por órgãos ou entidades não participantes consistiria em um mecanismo administrativo o qual possibilitaria a obtenção da agilidade ao Poder Público em suas respectivas aquisições, sendo uma inovação de caráter desburocratizante atendendo com mais eficiência o interesse público. É mister salientar que, além da possibilidade restar expressamente prevista no edital, o órgão ou entidade não participante possui o dever de demonstrar que sua adesão à Ata de Registro de Preços implica vantagem superior a elaboração de um novo processo licitatório segundo preleciona o art. 22 do Decreto nº 7.892/13: “desde que devidamente justificada a vantagem, a ata de registro de preços, durante sua vigência, poderá ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da administração pública federal que não tenha participado do certame licitatório, mediante anuência do órgão gerenciador.” O princípio da motivação, consagrado na doutrina e na jurisprudência pátria, estabelece que o Poder Público exponha os fatos e fundamentos jurídicos que justificassem a prática de seus atos objetivando, entre outros motivos, robustecer o controle de legalidade sobre os mesmos, de formar a isentar sua atuação de eventuais favoritismos e subjetivismos ou, se não os evitando, propiciando meios para a feitura de repressões, seja por autotutela da própria Administração ou por parte do Poder Judiciário. Assim, tem-se que a motivação que justificasse a vantagem à adesão a Ata de Registro de Preços por órgãos não participantes, seria imprescindível para seu devido controle de legalidade, de forma que a motivação obscura ou incongruente, com base na Teoria dos Motivos Determinantes, tornaria o ato ilegal e, consequentemente, nulo. A motivação que fundamentasse a adesão de modo a comprovar que esta seria mais vantajosa do que um novo procedimento licitatório, também poderia ser considerada uma garantia ao princípio da impessoalidade, além de coibir eventuais desvios de finalidade. Destarte, a motivação para justificar tais adesões deverá ser consistente e coerente, de forma a combater eventuais personalismos e direcionamentos nos procedimentos licitatórios, evitando manobras que visem à prática de ilegalidades e fraudes, infelizmente, tão presentes na Administração Pública e principalmente no ramo das licitações. Na busca de melhorias ao ritmo moroso atribuído, não sem razão, ao Poder Público, a prática em comento seria uma forma de possibilitar uma aproximação do desembaraço burocrático presente nas atividades praticadas pela iniciativa privada. Do exposto, tem-se que a prática da figura do “carona” viabilizaria os “princípios mínimos do Direito Administrativo” previstos no art. 37, caput, da Constituição Federal, em especial, o princípio da eficiência, constituindo-se em medida de inegável avanço jurídico na medida em que aumenta o interesse de particulares em participar do certame, diminui os preços registrados e reduz o número de licitações como encargo da Administração. Expostos os argumentos favoráveis à admissibilidade da prática do “carona”, necessário agora mostrar os fundamentos que embasam posicionamento diametralmente oposto, qual seja, o de que a adesão à Ata de Registro de Preços por órgão ou entidade que não fizeram parte de seu processo constitutivo, viola frontalmente o inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal. De pronto, as opiniões contrárias defendem que a permissibilidade da referida conduta configuraria frustração ao princípio da obrigatoriedade da licitação assente na Carta Magna, restando por caracterizar hipótese de dispensa sem qualquer embasamento legal para tanto, tendo em vista que sua previsão se deu mediante decreto, o qual teria inovado no ordenamento jurídico – o que só poderia ter sido realizado mediante lei em sentido estrito. Nesse sentido, o Tribunal de Contas da União, no Acórdão 2.692/2012, tece as seguintes considerações no voto do Ministro Relator Aroldo Cedraz: “(…) O instituto da adesão foi introduzido no ordenamento jurídico pelo Decreto nº 3.931/2001. Não há na Lei Geral de Licitações sequer referência à sua existência. (…) A dispensa de licitação autorizada pela norma constitucional, no entanto, reclama expressa e taxativa previsão legal. E mais, a ressalva prevista em lei deve ter por fim a melhor persecução do interesse público. (…) Evidencia-se, então, que a figura do 'carona' corresponde ao aproveitamento dos efeitos de uma licitação anterior, para que uma entidade administrativa promova contratação sem prévia licitação. Configura-se uma situação similar à da dispensa de licitação, fundada na exclusiva discricionariedade administrativa. Essa solução é incompatível com a regra imposta no art. 37, inc. XXI, da CF/88. Na verdade, produziu-se a instituição por meio de decreto de mais uma hipótese de dispensa de licitação. O problema imediato reside em que a Constituição estabelece que somente a lei pode criar as hipóteses de dispensa de licitação. (…) Sem adentrar no exame de todos os aspectos legais que se tem por violados, tenho por suficiente chamar a atenção para o fato de que o decreto ampliou as hipóteses de dispensa de licitação, taxativamente enumeradas na Lei nº 8.666/1993. (…).” (Acórdão 2.692/2012 – Relator: Aroldo Cedraz – TCU – Plenário, de 3/10/2012; grifou-se) Sob tal lustre, relembre-se, por exemplo, que nas contratações submetidas ao Regime Diferenciado de Contratações a adesão – figura do “carona” – respeita o aludido formalismo legal, uma vez que a Lei federal nº 12.462/2011 expressamente a prevê em seu artigo 32, § 1º[12]. Ademais, estaria caracterizado patente desrespeito ao princípio da isonomia, de modo que a prática indiretamente criaria uma espécie de regalia para que a empresa licitante vencedora pudesse firmar inúmeras contratações das quais não estavam, a priori, comprometida. Outrossim, o órgão ou entidade “carona” ensejaria uma contratação não prevista no instrumento convocatório ocasionando a violação ao princípio da vinculação ao edital, bem como melindraria o princípio da proposta mais vantajosa, pois os quantitativos a serem adquiridos sofreriam uma elevação, se comparados com aqueles originalmente previstos, a qual não restaria acompanhada de uma redução do preço unitário a ser desembolsado pelos cofres públicos acabando por tolher, portanto, o próprio interesse da coletividade. Assim, restaria caracterizada inegável afronta ao princípio da economicidade, tendo em vista que qualquer eventual economia seria consideravelmente maior para a Administração, caso o órgão não participante tivesse feito parte inicialmente do procedimento licitatório, de modo que o cômputo dos quantitativos referentes à sua estimativa de consumo ensejaria certeira diminuição no custo da aquisição. No que concerne à economia de escala proporcionada, mostra-se necessária a explanação de algumas considerações com o intuito de entender como, em termos práticas, ela funcionaria.  A economia de escala pode ser realizada quando o aumento da capacidade de produção de uma empresa resulta num incremento da quantidade de unidades produzidas, de modo que o custo de produção em idênticas proporções não sofre qualquer aumento, podendo-se oferecer decréscimos nos preços se comparados com idênticos produtos caso fossem produzidos em menor quantidade. É imperioso lembrar-se que as empresas nos ramos privados costumam se basear em critérios objetivos e nos mais acurados possíveis, de forma que o lucro auferido com aquela produção não sofra qualquer atenuação desnecessária. Assim sendo, a mera expectativa de adesões à Ata de Registro de Preços não teria o condão de diminuir o custo – ou não tanto quanto seria caso as referidas expectativas de consumo fossem de órgãos participantes – sobre a economia de escala que poderá ser alcançada. Em outras palavras, a impossibilidade de se produzir estimativa consistente sobre a quantidade de futuras aquisições reduz, e muito, a influência que essa mera expectativa terá na percepção da empresa, de modo que resta impossibilitada a avaliação de economia de escala a partir de mera expectativa no âmbito das empresas privadas, sem que se possa, ao menos, dispor de estimativas sobre o volume da contratação. No que diz respeito à violação do princípio da competição, o Acórdão 1.487/2007 da Corte de Contas da União exara o seguinte entendimento:  “(…) quis o constituinte assegurar igualdade de condições a todos os concorrentes (inc. XXI, art. 37, CF), de forma a preservar a observância do inalienável princípio da competição, que norteia as contratações do poder público. As normas visam estimular a boa disputa, minimizar o risco da formação de cartéis e viabilizar, por conseqüência, a multiplicação de potenciais fornecedores. Procura-se impedir que uma mesma empresa se perenize na condição de contratada, a não ser que continue propiciando, comprovadamente nas licitações, a proposta mais vantajosa para a administração. 25. Contudo, na minha opinião, com o advento do registro de preço e da possibilidade de adesão sem limites à respectiva ata, pela estreita via do decreto regulamentar, criaram-se as condições para que o vencedor de uma única licitação celebre múltiplos contratos com órgãos da administração. Tal faculdade, se exercida, viola diretamente, na prática, os citados princípios constitucionais e legais, além de propiciar infringência aos da eficiência, impessoalidade e moralidade.” (Acórdão 1.487/2007 – Rel. Valmir Campelo – TCU – Plenário, de 1/8/2007; grifou-se) É mister salientar que uma das preocupações manifestadas pelo Tribunal de Contas da União remetia à inexistência de limitação ao número de órgãos ou entidades não participantes que poderiam aderir à Ata de Registro de Preços, porquanto a menção efetuada pelo Decreto 3.931/01 se limitava a 100% (cem por cento) do quantitativo contratado. Nessa esteira, o Acórdão 1.233/2012 discorre:  “(…) 7. Refiro-me à regra inserta no art. 8º, § 3º, do Decreto nº 3.931, de 19 de setembro de 2001, que permite a cada órgão que aderir à Ata, individualmente, contratar até 100% dos quantitativos ali registrados. (…) Está claro que essa situação é incompatível com a orientação constitucional que preconiza a competitividade e a observância da isonomia na realização das licitações públicas. 8. Para além da temática principiológica que, por si só já reclamaria a adoção de providências corretivas, também não pode deixar de ser considerado que, num cenário desses, a Administração perde na economia de escala, na medida em que, se a licitação fosse destinada inicialmente à contratação de serviços em montante bem superior ao demandado pelo órgão inicial, certamente os licitantes teriam condições de oferecer maiores vantagens de preço em suas propostas." (…) a adesão ilimitada às atas representa clara ofensa ao disposto no art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, que exige que compras e serviços sejam contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes. 19. Além desses, a adesão ilimitada também contraria os princípios básicos que norteiam a atividade da Administração Pública, como os da legalidade, da impessoalidade, da economicidade, da vinculação ao instrumento convocatório e da moralidade. 20. Vale observar, em termos práticos, que a sistemática de permitir adesões ilimitadas às Atas de Registro de Preços por intermédio de caronas, ao invés de reduzir a possibilidade de fraude ao procedimento licitatório, tende a ampliar esta possibilidade (…) 23. Nota-se, claramente, que a adesão ilimitada à Ata de Registro de Preços representa um desvirtuamento do SRP, que tem como pressuposto principal o planejamento das aquisições pela Administração Pública, na medida em que propicia a contratação de muito mais itens do que a quantidade efetivamente licitada (…) 9.3.2.1.5. em atenção ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório (Lei 8.666/1993, art. 3º, caput), devem gerenciar a ata de forma que a soma dos quantitativos contratados em todos os contratos derivados da ata não supere o quantitativo máximo previsto no edital;” (Acórdão1.233/2012 – Rel. Aroldo Cedraz – TCU – Plenário, de 23/5/2012; grifou-se) Desta feita, de acordo com o decidido pela Corte de Contas da União no julgado supra, ao se levar em consideração a potencialidade dos manifestos danos ocasionados pelo uso indiscriminado do instituto, foi estabelecida uma limitação no quantitativo a qual não poderia superar a totalidade da aquisição previamente pactuada. Em termos práticos, caso a ata objetivasse o fornecimento de 1.000 itens de determinado produto, tendo em vista que se trata de estimativa que não vincula a Administração em sua total aquisição, mas de consumo discricionário de acordo com suas necessidades, o limite total dos contratos advindos da ata só poderia atingir aqueles 1.000 itens, ou seja, a restrição de 100% (cem por cento) dos quantitativos não se aplicaria mais a cada órgão ou entidade “carona”, mas ao montante total a ser contratado – incluindo a compra efetuada pelos órgãos participantes. É mister corroborar que o atual limite dos quantitativos, segundo preleciona o Decreto 7.892/13, não poderá exceder, em sua totalidade, ao quíntuplo de cada item registrado para o órgão gerenciador e órgãos participantes, independente do número de órgãos não participantes que aderirem, inexistindo restrição quanto ao número de eventuais adesões por “caronas”, mas apenas ao somatório do quantitativo decorrente dessa utilização por órgãos não participantes. Tal ilimitação quantitativa – principalmente durante a vigência do Decreto 3.931/01 – resultaria em apropriação indevida do ganho de escala pelo particular, e consequente aquisição pela administração por preço acima do valor de mercado, bem como acabaria por resultar em um procedimento licitatório e consequente contratação de objeto indeterminado, prática vedada pelo art. 14[13] da lei 8.666/93. Nesse sentido, trecho do Acórdão 2.692/2012 do Tribunal de Contas da União:  “(…) 22. Assim, além de reduzir a possibilidade de fraudes, o entendimento firmado por esta Casa por meio dos Acórdãos 1.233/2012 e 2.311/2012 – Plenário traz também benefícios aos licitantes, uma vez que reduz a assimetria de informações do certame e diminui, em consequência, o risco de prejuízo decorrente de estimativas excessivamente otimistas, da quantidade total (incluindo as "caronas") que será efetivamente adquirida pelos órgãos públicos. Uma vez que cabe aos licitantes estimar a demanda global do bem licitado, quanto mais precisa for essa estimativa, não havendo conluio entre os licitantes, menor tenderá a ser o preço da proposta vencedora, uma vez que os ganhos de economia de escala poderão ser estimados com maior margem de segurança. 23. A dificuldade em estimar a quantidade global que será efetivamente adquirida pela Administração é justamente uma das principais fontes de críticas na jurisprudência e na doutrina ao instituto da "carona". As práticas adotadas pelos órgãos no sentido de aceitar a adesão tardia ilimitada ao SRP, consideradas indevidas pelo Acórdão 1.233/2012 – Plenário, reduziam as possibilidades de repasse de ganhos de escala, em face da incerteza na estimativa da demanda total por parte dos licitantes. De acordo com as práticas indevidas vigentes até a referida deliberação, hipoteticamente, um licitante, em uma licitação do SRP, poderia acordar secretamente com órgãos "carona" o fornecimento de grande quantidade adicional do bem licitado. Esse fato proporcionaria vantagens ao licitante fraudador, pois ele poderia apresentar, devido a ganhos de economia de escala, propostas de preço menores do que os concorrentes, que formulariam suas propostas com base em estimativas mais conservadoras de quantidades adicionais.” (Acórdão 2.692/2012 – Rel. Aroldo Cedraz – TCU – Plenário, de 3/10/2012; grifou-se) Outro ponto que merece destaque seria as adesões em atas de entes federativos diversos do órgão ou entidade não participante. Apesar da vedação da adesão de entidades ou órgãos federais em âmbitos estaduais e municipais conforme art.22, § 8º[14] do presente decreto regulamentador, o que já tinha sido estabelecido pela Advocacia-Geral da União por meio da Orientação Normativa 21/2009, a proibição não alcançou os âmbitos estaduais e municipais que possuem autonomia para formulação de seus próprios regulamentos acerca da matéria, o que resultaria por dificultar ainda mais a fiscalização do certame. Nesse sentido, o Tribunal de Contas da União, no Acórdão 2.692/2012 já mencionado, debateu, entre vários aspectos controversos do instituto, a análise da dificuldade na fiscalização de diversos contratos administrativos oriundos da prática, in verbis: “(…) permito-me abordar, com brevíssima manifestação, o problema que entendo existir na adesão à ata de registro de preços quanto ao pleno exercício do controle externo, particularmente no que se refere à possibilidade de adesão de órgãos e/ou entidades de diferentes esferas de governo. A adesão do "carona" à ata de registro de preços de outra esfera de governo traz sérias dificuldades ao controle que o art. 113 da Lei nº 8.666/93 atribuiu aos Tribunais de Contas. Imagine-se, por exemplo, que o órgão gerenciador pertencente à determinada esfera governamental proceda de forma irregular ao promover a licitação para o registro de preços. Na mesma hipótese, suponha-se que, inadvertidamente, o "carona" de outra esfera de governo faça a adesão a essa ata, causando sério prejuízo ao erário. Em situação desse jaez, a eficácia do controle parece restar comprometida, uma vez que o tribunal de contas competente para a fiscalização da conduta do "carona" poderá não ser competente para fiscalizar a conduta do órgão gerenciador. A questão não se limita à sistemática do "carona". No caso do decreto federal, é possível sustentar que não há vínculo de subordinação jurídica entre os órgãos participantes e o órgão gerenciador. Admitindo-se a possibilidade de que gerenciador e partícipes sejam de esferas distintas – parte da doutrina já admite que, para tanto, bastaria previsão regulamentar -, se houver irregularidades no procedimento licitatório concernentes às especificações do objeto, os órgãos gerenciador e participantes poderiam ser responsabilizados individualmente pelos órgãos de controle das respectivas esferas políticas. Todavia, há de se reconhecer que a situação não é simples, tornando tortuoso o caminho a ser percorrido pelos órgãos de controle, visto que gerenciador e partícipes atuam conjuntamente na especificação do objeto a ser licitado. Mesmo no caso dos órgãos partícipes, havendo irregularidades na condução do processo licitatório – não afetas à especificação do objeto -, o órgão de controle, ainda que constate flagrante prejuízo na realização de despesas decorrentes do contrato celebrado pelo órgão participante, nada poderá fazer em relação ao órgão gerenciador que conduziu o processo licitatório, caso este pertença a esfera de governo distinta”. (Acórdão 2.692/2012 – Relator: Aroldo Cedraz – TCU – Plenário, de 3/10/2012; grifou-se) Destarte, a expressa vedação aos órgãos e entidades da administração pública federal a adesão a Ata de Registro de Preços gerenciada por órgão ou entidade municipal, distrital ou estadual constitui regramento imperioso no sentido de prontificar a fiscalização pelas respectivas Cortes de Contas, desembaraçando qualquer critério concernente à incompetência das mesmas para efetuar o controle. Nesse sentido, parece se fazer necessário categórico impedimento, em aplicação de âmbito nacional, no sentido de coibir adesões de entidades não participantes em atas de registro de preços pertencentes à entidades federativas diversas dos órgãos aderentes, de modo a desembaraçar qualquer empecilho objetivando escorreito controle externo exercido pelos mais diversos Tribunais de Contas. No que diz respeito à relação existente do comodismo e da falta de planejamento da Administração com a inegável conveniência proporcionada pela adesão à ata por aqueles que não participaram de seu processo constitutivo, Joel de Menezes Niebuhr tece os seguintes comentários: “Para os agentes administrativos o carona é algo extremamente cômodo, porquanto os desobriga de promover licitação. Em vez de lançar processo licitatório – com todos os desgastes e riscos que lhe são inerentes -, basta achar alguma ata de registro de preços pertinente ao objeto que se pretenda contratar, e, se as condições da referida ata forem convenientes, contratar diretamente, sem maiores burocracias e formalidades. (…) nada obstante a comodidade do carona, especialmente em ser o carona, isto é, em aderir à ata de registro de preços dos outros, salta aos olhos que o instrumento em si, insista-se, preceituado no art. 8º e seus parágrafos do Decreto Federal n. 3.931/2001, avilta de modo desinibido e flagrante uma plêiade de princípios de Direito Administrativo, por efeito do que é antijurídico. Pode-se afirmar que o carona, na mais tênue hipótese, impõe agravos veementes aos princípios da legalidade, isonomia, vinculação ao edital, moralidade administrativa e impessoalidade. (…) Ocorre que a figura do carona não encontra qualquer resquício de amparo legal. A lei, nem remotamente, faz referência ao carona. A figura do carona foi criada de forma independente e autônoma por meio de regulamento administrativo, do Decreto Federal n. 3.931/2001. Nesse sentido, é forçoso afirmar que o presidente da República, ao criar o carona sem qualquer amparo legal, excedeu as suas competências constitucionais (inc. IV do art. 84 da Constituição Federal), violando abertamente o princípio da legalidade. (…) Quem poderia, em tese, criar o carona é o Poder Legislativo, por meio de lei, em obediência ao princípio da legalidade. O carona jamais poderia ter sido criado, como malgrado foi, pelo presidente da República, por mero regulamento administrativo. No Estado Democrático de Direito não se deve governar por decreto, mas por lei, conforme preceitua o princípio da legalidade, festejado de modo contundente e irrefutável pela Constituição Federal.” [15] De tal modo, é possível inferir-se que a referida adesão à Ata de Registro de Preços por órgãos que não participaram de seu processo poderia, de certa forma, patentear uma inércia e certo comodismo administrativo, haja vista que a ausência de planejamento nas contratações poderia ser saneada com a prática. Em posição mais radical, Toshio Mukai entende que a figura do “carona”, além de afronta aos princípios constitucionais e legais, representaria crime previsto na lei 8.666/93, in verbis: “Percebe-se que aqueles que defendem a figura do “carona”, e, até mesmo aqueles que lhes fazem restrições (tem que haver lei, tem que indicar os recursos, não pode existir de outros entes da federação, etc.), não visualizaram o principal defeito do Decreto nº 3.931/2001 e, principalmente, o do Decreto nº 4.342/2002 (este que criou o “carona”: em que um órgão/entidade fica autorizado a comprar de alguém que nem conhece (porque não participou da licitação realizada pelo agente gestor) e o vendedor, quanto ao que vai lhe vender, não venceu nenhuma licitação. Portanto, o que ocorre aí é claríssimo: uma compra feita por um órgão, sem licitação (porque o órgão não fez licitação) e o vendedor, por isso mesmo, relativamente ao que vai lhe vender, não venceu licitação nenhuma, simplesmente porque esta inexistiu. E, diz o art. 89 da Lei nº 8.666/1993: Seção III – Dos Crimes e das Penas Art. 89 – Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade: Pena – detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa. Parágrafo único – Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar o contrato com o Poder Público. Destarte, o que o art. 8º autoriza, em realidade, é o cometimento de um crime de licitação. Tudo o mais, como, eficiência, ganho de tempo, não repetição de licitações, etc., decantados pelos defensores desse verdadeiro crime “legalizado”, caem por terra. Por outro lado, falou-se muito em “caronas” federais, estaduais e municipais, até havendo defensores dessa idéia. Isto violenta brutalmente o sistema federativo e, portanto é inconstitucional. Se até mesmo um projeto de Emenda Constitucional nem sequer pode ser objeto de deliberação pelo Congresso Nacional, se tender a abolir: I – a forma federativa de Estado (art. 60, §4º, I da CF/88), quanto mais um simples decreto (como um Decreto que criou o Governo do Estado de São Paulo, a figura do “carona” e ainda essa excrescência constitucional que ignora o sistema federativo) pode fazê-lo.”[16] Impende salientar que entre as possíveis fraudes e conluios advindos da prática, podemos citar a possibilidade de exploração comercial das atas de registro de preços por empresas privadas, conforme preleciona trecho do acórdão 2.692/2012, in verbis: “(…) 1. Registre-se, ademais, que a Sefti constatou a possibilidade de exploração comercial das Atas de Registro de Preços por empresas privadas, como se observa, por exemplo, no site www.bidsolutions.com.br, que oferece auxílio nas compras via adesão às atas válidas de órgãos federais, estaduais e municipais, informando a existência, na data do acesso, de 35.610 itens em Atas de Registro de Preços e R$ 63.347.040,34 em itens, além de apresentar o seguinte anúncio: "Quer vender mais a sua Ata de Registro de Preço? A BID SOLUTIONS TE AJUDA!". 22. Outro exemplo é o site www2.dlink.com.br, que convida os interessados a aproveitar "as facilidades das atas de registro de preços junto a diversos órgãos federais para adquirir as soluções D-Link com mais agilidade", além de oferecer um "guia de adesão a atas e preços". 23. Nota-se, claramente, que a adesão ilimitada à Ata de Registro de Preços representa um desvirtuamento do SRP, que tem como pressuposto principal o planejamento das aquisições pela Administração Pública, na medida em que propicia a contratação de muito mais itens do que a quantidade efetivamente licitada”. (Acórdão 2.692/2012 – Rel. Aroldo Cedraz – TCU – Plenário, de 3/10/2012) Diante do exposto, segundo a corrente contrária à prática, a figura do “carona” representaria notória transgressão aos princípios legalidade, proposta mais vantajosa, isonomia, competição, vinculação ao edital, bem como princípio da república ou princípio federativo diante da permissibilidade de carona em diferentes âmbitos federativos como, por exemplo, entre estados ou municípios diversos. Desta feita, tem-se que a Corte de Contas da União não é contrária ao instituto, apesar das severas críticas, admitindo a prática, mas sendo esta feita não de modo indiscriminado, mas respeitando todos os seus devidos trâmites legais – tais como a justificação da adesão ser mais vantajosa do que a feitura de novo procedimento licitatório e respeito à limitação dos quantitativos – sendo um instituto novo que vem sendo aprimorado a partir de constatações de eventuais falhas a serem contornadas. CONCLUSÃO É inegável as inovações advindas do Sistema de Registro de Preços, principalmente, em matéria de economia e celeridade. No entanto, tratando-se da adesão de órgão não participante à ata, é imperioso salientar que não basta que a Administração busque a eficiência mitigando outros inafastáveis princípios administrativos e licitatórios. Impende salientar que o advento do novo Decreto 7.892/13 disciplinando o Sistema de Registro de Preços e, consequentemente, estabelecendo novas disposições à figura do “carona” – principalmente um limite mais razoável no tocante ao quantitativo que poderia ser usufruído por órgãos não participantes – promoveu indiscutível aperfeiçoamento do instituto, estabelecendo critérios mais revigorantes acabando por melhorar seu uso indiscriminado e abusivo. Ainda a respeito dos quantitativos que poderiam ser consumidos por órgãos não participantes, a preocupação era tamanha durante a vigência do Decreto 3.931/01, que o Tribunal de Contas da União se viu obrigado a estabelecer limites e parâmetros considerados razoáveis para futuras adesões a fim de compensar os inegáveis riscos aos quais à Administração Pública era imposta. Constata-se que as alterações promovidas no novo diploma normativo são inegavelmente decorrência de diversos embates, tanto em sede doutrinária como jurisprudencial, acerca da figura do “carona”, considerando as deliberações exaradas pela Corte de Contas da União, bem como por Orientações Normativas da Advocacia-Geral da União. Assim, em que pese a aparente pausa na inércia do Poder Executivo Federal na edição do Decreto Federal nº 7.892/13, ainda não se pode afirmar com plena convicção que o novo mandamento teria o condão de solucionar todas as controvérsias envolvendo o tema de forma a coibir quaisquer tipos de eventuais abusos. Em verdade, não obstante a concretização de referidas melhoras e inovações disciplinando o instituto, dois pontos ainda parecem motivo para apreensões, quais sejam: a regulamentação via decreto por hipótese de dispensa de licitação que só poderia ser realizada mediante lei e a dificuldade na fiscalização pelos respectivos Tribunais de Contas quanto às adesões que ocorrerem em âmbitos federativos diversos, porquanto a competência do órgão de controle sobre a inteireza do procedimento incidiria sobre mais de uma Corte de Contas com competências já legalmente delimitadas.  Sob o aspecto da ilegalidade, constata-se que a adesão de órgão não participante à Ata de Registro de Preços configura inegavelmente uma hipótese de dispensa em licitação, a qual não se encontra qualquer remota previsão seja na Carta Magna ou na Lei 8.666/93. Assim, tem-se que o Presidente de República, ao criar o instituto sem qualquer amparo constitucional ou até mesmo legal, extrapolou suas competências constitucionais na feitura de um decreto regulamentar cuja previsão se encontra no art. 84, IV, da Constituição Federal, acabando por criar um decreto autônomo fora das exigências do art. 84, VI, da Carta da República. A violação ao princípio da legalidade resta patente na medida em que a inovação no ordenamento jurídico como sucedeu com a figura em debate, só poderia ter ocorrido por meio de lei e não por mero regulamento administrativo, tal como se exige no atual Estado Democrático de Direito e tal como ocorreu nas contratações submetidas ao Regime Diferenciado de Contratações, criado por Lei Federal nº 12.462/2011 expressamente prevê idêntica figura em seu artigo 32, § 1º. Por outro lado, no que pese a vedação da adesão de entidades ou órgãos federais em âmbitos estaduais e municipais conforme art.22, § 8º do presente decreto regulamentador, a referida proibição não alcançou os âmbitos estaduais e municipais que possuem autonomia para formulação de seus próprios regulamentos acerca da matéria. De tal modo, existe ainda a permissibilidade para as adesões em Estados e Municípios diversos daquele em que ocorre o procedimento licitatório. Assim, caso a licitação que ocorra por meios fraudulentos e irregulares seja sucedida por uma adesão de um ente de outra esfera governamental, o Tribunal de Contas competente para fiscalizar a conduta do “carona” não será o mesmo para exercer o controle sobre os atos do órgão gerenciador, porquanto se encontrariam sob jurisdições diversas, obstaculizando sobremaneira o controle externo exercido pelas Cortes de Contas. Dessa feita, apenas existindo previsão regulamentar no sentido de permitir a adesão em esferas estaduais e municipais distintas, os órgãos não participantes e gerenciadores seriam responsabilizados individualmente e por Tribunais de Contas distintos, sendo caracterizado manifesto embaraço no exercício de fiscalização. Nesse sentido, parece se fazer necessário categórico impedimento, em aplicação de âmbito nacional, no sentido de coibir adesões de entidades não participantes em atas de registro de preços pertencentes à entidades federativas diversas dos órgãos aderentes, de forma a permitir o máximo controle e fiscalização por parte do Tribunal de Contas competente. Por outro lado, imprime-se inegável relevância à motivação que, de modo hábil e coerente, irá justificar a adesão à Ata de Registro de Preços por órgãos não participantes, de forma a avaliar que tal dispensa, de fato, mostra-se mais vantajosa do que a feitura de novo procedimento licitatório. Dessa forma, primando pelos princípios da impessoalidade e da moralidade da Administração Pública, a motivação sólida e consistente evita que o instituto sirva como instrumento para acobertar o comodismo e a falta de planejamento do Poder Público em promover, ele próprio, a licitação e a celebração do contrato administrativo. Desse modo, tem-se que a utilização escorreita da adesão de órgãos não participantes pode trazer inúmeros benefícios para a Administração Pública, tais como a eficiência e economicidade. Para tanto, em respeito ao princípio da legalidade, é imprescindível que a previsão do instituto ocorra mediante lei, sendo igualmente necessária a previsão no diploma legal de vedação de adesões em entes federativos diversos, de forma a não dar azo a fraudes diante das eventuais dificuldades na fiscalização de “caronas” ocorrido em entidades federativas diversas, assim como a motivação deverá exercer o caráter instrumental nas questões envolvendo as referidas adesões.
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Análise jurídica da exigência da regularidade fiscal na fase de habilitação no âmbito das licitações públicas
O presente artigo é fruto de pesquisa no âmbito das licitações públicas e jurisprudência dos tribunais trazendo a lume discussão acerca da exigência da regularidade fiscal como pressuposto na fase de habilitação nas licitações públicas. Nesse esteio, sua escrita se delimitou na análise das noções conceituais e principiológicas no tocante às licitações públicas, bem como no que diz respeito à habilitação jurídica no procedimento. Trata-se de um trabalho singelo que, de forma alguma, busca exaurir ou trazer todas as respostas acerca da temática. Dessa forma, sua análise se dá mediante a exibição de dois entendimentos diametralmente opostos com suas respectivas argumentações defensivas. Nesse esteio, este breve escrito se propõe, preordenado a contribuir para o fomento de um debate, seja na seara acadêmica, seja na doutrinária e, principalmente, no âmbito dos Tribunais Superiores, onde brotam decisões que tenham enfrentado, direta ou indiretamente, a presente temática.
Direito Administrativo
Introdução Licitação Pública pode ser definida como o ato administrativo formal por meio do qual o Poder Público busca selecionar a oferta mais vantajosa para a aquisição de bens ou prestação de serviços de modo a resguardar os princípios constitucionais da isonomia, impessoalidade e economicidade. Nesse esteio, tem-se que a partir da publicação do instrumento convocatório é propiciada a participação de particulares no procedimento licitatório objetivando a seleção da proposta mais vantajosa ao interesse público. No entanto, mostra-se imperioso assegurar a habilitação do licitante – o que se faz pelas exigências delineadas no art. 27 da Lei 8.666/93 – no sentido de evitar gastos públicos com todo o procedimento para, ao final, o vencedor não possuir os requisitos necessários, tanto do ponto de vista econômico quanto técnico, como também não “premiar” o licitante inadimplente com suas obrigações tributárias. A exigência da regularidade fiscal nesse sentido, trata-se de tema divergente ocasionando calorosos debates em sede doutrinária. Uma primeira corrente defende a constitucionalidade da exigência, principalmente, ao considerar injusta a possibilidade de relação jurídica benéfica com o Poder Público enquanto descumpre suas respectivas obrigações tributárias, bem como a manifestação do Constituinte Originário ao estabelecer que a pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público. De outra banda, a exigência da regularidade fiscal nos moldes como foi realizada pela Lei 8.666/93, na qual esta é exigida mesmo com relação a entidade federativa diversa da qual se pretende firmar o futuro contrato administrativo, seria imposição dotada de flagrante desproporcionalidade, bem como configuraria forma de sanção política. De tal forma, o presente trabalho objetiva aclarar os principais pontos de conflito entre as duas correntes diametralmente opostas de forma a expor as críticas e os pontos de vista de doutrinadores especialistas na área e o entendimento emanado dos Tribunais Superiores, mostrando, ademais, os principais argumentos levantados no debate em testilha.   1. Licitações públicas Licitações públicas podem ser definidas como uma espécie de procedimento administrativo vinculado, conforme mandamento constitucional insculpido no art. 37, XXI, da Magna Carta, por meio do qual o Poder Público seleciona a melhor proposta entre as oferecidas pelos interessados objetivando a celebração de um contrato, sendo julgada e processada em consonância aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo, entre outros. 1.1 Delimitação Conceitual. As licitações públicas decorrem da necessidade lógica advinda do fato de que a Administração, buscando aquisição de bens e contratação serviços, almeja pela seleção da oferta mais vantajosa, de forma a resguardar o interesse público na escolha das melhores propostas – dentre tipos existentes no art. 45, §1o, da Lei 8.666/93[1] para se aferir o que seria “a melhor proposta” – despendendo a menor quantidade de recursos possíveis, respeitando-se todos os atos previstos em lei para tanto. Por Celso Antônio Bandeira De Mello, o instituto é assim conceituado: “Licitação – em suma síntese – é um certame que as entidades governamentais devem promover e na qual abrem disputa entre os interessados e com elas travar determinadas relações de conteúdo patrimonial, para escolher a proposta mais vantajosa às conveniências públicas. Estriba-se na idéia de competição, a ser travado isonomicamente entre os que preencham os atributos e aptidões necessários ao bom cumprimento das obrigações que se propõem assumir.”[2] Em outras palavras, licitação pública pode ser definida como o certame no qual um conjunto de atos administrativos concatenados, em cenário isonômico e favorável a incutir a competitividade entre interessados a contratar com a Administração, objetiva a seleção da proposta mais vantajosa às conveniências públicas. Com efeito, Ronny Charles, assim se pronuncia: “Licitação é o procedimento prévio de seleção por meio do qual a Administração, mediante critérios previamente estabelecidos, isonômicos, abertos ao público e fomentadores da competitividade, busca escolher a melhor alternativa para a celebração de um contrato. Sendo um procedimento prévio à realização do contrato, a licitação tem como intuito permitir que se ofereçam propostas e que seja escolhida a mais interessante e vantajosa ao interesse público.”[3] Outrora, existiram pensamentos estabelecendo que o contrato poderia ser definido como parte do procedimento licitatório. No entanto, atualmente resta pacífica a improcedência de tal argumentação, tendo em vista que os dois institutos são notoriamente independentes. Corroborando o ora esposado, pode-se citar: o fato da decisão de contratar ser discricionária, enquanto o procedimento licitatório, em regra, não o é; o vencedor da licitação não possui direito subjetivo, mas tão somente expectativa de direito no tocante à celebração do contrato; a existência de contrato administrativo sem a feitura de licitação nas hipóteses de dispensa e inexigibilidade previstas em lei. 1.2 Princípios Gerais e Específicos. Os fundamentos para a existência da licitação podem ser constatados a partir de uma análise de dois dos denominados princípios diretivos do Direito Administrativo, quais sejam: eficiência e impessoalidade. No procedimento licitatório, o princípio da eficiência se mostra presente na escolha da melhor contratação possível, ou seja, a celebração de um negócio a partir da escolha da proposta mais vantajosa pressupondo o melhor preço aliado à melhor prestação. A impessoalidade, por sua vez, estabelece critérios objetivos e previamente estabelecidos em lei na contratação dos negócios administrativos, de forma a evitar subjetivismos e favoritismos que possam comprometer o interesse público. Sob outro prisma, o princípio constitucional da isonomia é responsável por garantir a igualdade de oportunidades a todos que almejam ingressar em situação jurídica especial que possa interessar a mais de um administrado, qual seja contratar com a Administração Pública. Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, existiriam, no âmbito do Direito Administrativo, dois princípios considerados de elevada importância, quais sejam: a supremacia do interesse público sobre o interesse privado e a indisponibilidade do interesse público. “Os dois princípios, referidos acima, são aqui realçados não em si mesmos, mas em suas repercussões no ordenamento jurídico em geral. Assim, têm importância, sem dúvida, suas justificações teóricas, mas para o jurista, o que interessa mais, como dado fundamental, é a tradução deles nos sistema. (…) Atribui-se-lhes a importância de pontos fundamentais do Direito Administrativo não porque possuam em si mesmos a virtude de se imporem como fontes necessárias do regime, mas porque, investigando o ordenamento jurídico administrativo, acredita-se que eles hajam sido encampados por ele e nesta condição validados como fonte-matiz do sistema. Logo, não se lhes dá um valor intrínseco, perene e imutável. Dá-se-lhes importância fundamental porque se julga que foi o ordenamento jurídico que assim o qualificou”.[4] É mister salientar que a obediência aos princípios gerais e específicos das licitações públicas, não afasta idêntica submissão aos demais princípios aplicáveis no âmbito da Administração Pública de forma mais abrangente. O princípio da publicidade se mostra presente na divulgação obrigatória dos atos praticados pela Administração Pública como uma das exigências do próprio Estado Democrático de Direito. A licitação, na qualidade de procedimento público, deve ocorrer mediante divulgação do edital de forma a alcançar todos os possíveis interessados que aspirem às contratações nos moldes estabelecidos pelo próprio instrumento convocatório. A inexistência do edital ocorre somente na modalidade convite, sendo o instrumento convocatório a denominada “carta-convite”. É importante destacar que a existência de sigilo na licitação, dá-se apenas quanto ao conteúdo das propostas, de forma a fomentar a competitividade buscando as melhores propostas, perdurando apenas até o momento da abertura dos envelopes. Todo o procedimento licitatório é rigorosamente disciplinado em lei, tal como todos os procedimentos administrativos que devem estar em consonância com o denominado princípio da legalidade. Neste diapasão, o art. 4º da Lei 8.666/93[5] estabelece que todos os participantes da licitação gozam de direito público subjetivo à fiel observância do procedimento legal, dando azo à possível impugnação caso o licitante se sinta prejudicado ou lesado. Como consectários lógicos do princípio, podemos citar: o fortalecimento da participação popular porquanto é concedido ao cidadão diversas formas de controle da legalidade, ampliação das formas de controle interno e externo, bem como o enquadramento de determinados comportamentos como crime – art. 89 a 99 da Lei 8.666/93 -, os quais antes eram considerados tão somente infrações administrativas, sendo, na prática, absorvidos por um crime-fim ou pela Lei de Improbidade Administrativa. Feitas tais considerações no atinente aos princípios gerais das licitações, passar-se-á a uma análise de seus princípios específicos, quais são: vinculação ao instrumento convocatório, julgamento objetivo, competitividade, sigilo das propostas, formalismo procedimental e vedação à oferta de vantagens. O princípio da vinculação ao instrumento convocatório determina que, tanto os licitantes quanto a própria Administração, estão sujeitos à observância das normas contidas no ato que inaugura o procedimento licitatório, o qual pode se dá de duas formas diferentes: edital ou carta-convite, esta última ocorrendo somente na modalidade convite. A observância de tal princípio poderia ser considerada uma das decorrências da isonomia, pois as mesmas regras são impostas para a observância de todos que desejem participar do procedimento. O princípio do julgamento objetivo prescreve que a proposta na licitação será julgada conforme os critérios pré-estabelecidos no instrumento convocatório, conforme preleciona o art. 45, caput, da Lei nº 8.666/93: “O julgamento das propostas será objetivo, devendo a Comissão de licitação ou o responsável pelo convite realizá-lo em conformidade com os tipos de licitação, os critérios previamente estabelecidos no ato convocatório e de acordo com os fatores exclusivamente nele referidos, de maneira a possibilitar sua aferição pelos licitantes e pelos órgãos de controle”. Nota-se, portanto, forte inter-relação do aludido princípio com a vinculação do instrumento convocatório, bem como a impessoalidade que rege as licitações públicas. O princípio do formalismo procedimental estabelece a existência de uma série de atos previstos em lei a serem seguidos, não podendo o administrador subvertê-los. Como exemplo, poder-se-ia citar os contratos verbais como sendo a exceção, e não a regra, no âmbito das licitações públicas, conforme dispõe o parágrafo único, art. 60, da Lei 8.666/93: “É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de pequenas compras de pronto pagamento, assim entendidas aquelas de valor não superior a 5% (cinco por cento) do limite estabelecido no art. 23, inciso II, alínea "a" desta Lei, feitas em regime de adiantamento.” Por último, o princípio da vedação à oferta de vantagens seria a impossibilidade do licitante para ofertar outras vantagens não contidas na sua proposta, da forma prevista no art. 44, §2º, da Lei 8.666/93. [6] 2. Habilitação Jurídica Habilitação jurídica pode ser definida como meio pelo qual o Poder Público busca garantir, mediante critérios objetivos estabelecidos na Lei de Licitações, que o vencedor do certame possua todas as condições de cumprir o avençado em futuro contrato administrativo, de modo a resguardar o interesse público evitando o dispêndio de recursos e a refeitura do procedimento. Em outras palavras, a fase de habilitação jurídica tem o intuito de comprovar a idoneidade e capacidade do licitante de executar satisfatoriamente as exigências do contrato, de modo a permitir o avanço nas demais etapas do procedimento licitatório. Desta feita, o Superior Tribunal de Justiça possui salutar entendimento quanto efetiva repercussão prática com relação a exigências realizadas na fase de habilitação jurídica, conforme o seguinte julgado: “EMENTA: ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. HABILITAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA.EDITAL. 1. As regras do edital de procedimento licitatório devem ser interpretadas de modo que, sem causar qualquer prejuízo à administração e aos interessados no certame, possibilitem a participação do maior número possível de concorrentes, a fim de que seja possibilitado se encontrar, entre várias propostas, a mais vantajosa. 2. Não há de se prestigiar posição decisória assumida pela Comissão de Licitação que inabilita concorrente com base em circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato,fazendo exigência sem conteúdo de repercussão para a configuração da habilitação jurídica, da qualificação técnica, da qualificação econômica-financeira e regularidade fiscal. 3. Se o edital exige que a prova da habilitação jurídica da empresa deve ser feita, apenas, com a apresentação do "ato constitutivo e suas alterações, devidamente registrada ou arquivadas na repartição competente, constando dentre seus objetivos a exclusão de serviços de Radiodifusão…", é excessiva e sem fundamento legal a inabilitação de concorrente sob a simples afirmação de que cláusulas do contrato social não se harmonizam com o valor total do capital social e com o correspondente balanço de abertura, por tal entendimento ser vago e impreciso. 4. Segurança concedida”. (STJ – MS: 5606 DF 1998/0002224-4, Relator: Ministro JOSÉ DELGADO, Data de Julgamento: 13/05/1998, S1 – PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJ 10/08/1998 p. 4).[7] Nesse esteio, os critérios da referida fase se encontram no art. 27 da Lei 8.666/93, in verbis: “Art. 27.  Para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a: I – habilitação jurídica; II – qualificação técnica; III – qualificação econômico-financeira; IV – regularidade fiscal e trabalhista;     V – cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7o da Constituição Federal.” É mister salientar que os critérios não podem se configurar meras formalidades de indesejável impertinência para o fim ao qual se propõe, de forma que o administrador se mostra obrigado a utilizar, além de razoabilidade e proporcionalidade, quesitos que, de fato, demonstrem a capacitação do interessado e estejam previstos no instrumento convocatório conforme o comando do art. 40, VI, da Lei 8.666/93. Quanto às críticas existentes especificamente à regularidade fiscal, tem-se que a exigência constitucional da fase de habilitação jurídica teria se limitado à qualificação técnica e econômica. “XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações” Nesse sentido, respeitáveis vozes doutrinárias – incluindo Di Pietro até 2011 – consideram inconstitucionais as demais exigências que não sejam a qualificação técnica e econômica: “O que não parece mais exigível a partir da Constituição de 1988, é a documentação relativa à regularidade jurídico-fiscal, ou seja, prova de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Geral de Contribuintes (CGC), prova de inscrição no cadastro de contribuintes estadual ou municipal e prova de regularidade para com a Fazenda Federal, Estadual e Municipal, pois isto exorbita do que está previsto na Constituição; com efeito, trata-se de exigências não essenciais à execução do contrato. Além disso, não se pode dar à licitação – procedimento já bastante complexo – o papel de instrumento de controle fiscal, quando a lei prevê outras formas de controle voltadas para essa finalidade.” [8]. No entanto, trata-se, atualmente, de posição minoritária. 2. Regularidade fiscal Consoante o art. 29, III, da Lei 8.666/93, a regularidade fiscal pode ser traduzida como a “prova de regularidade para com a Fazenda Federal, Estadual e Municipal do domicílio ou sede do licitante, ou outra equivalente, na forma da lei”. Destaca-se que não há de se confundir a prova de regularidade fiscal com a prova de quitação de tributos perante a Fazenda Federal, Estadual e Municipal. No mesmo sentido dispõe o Tribunal de Contas da União: “TCU – Súmula 283: Para fim de habilitação, a Administração Pública não deve exigir dos licitantes a apresentação de certidão de quitação de obrigações fiscais, e sim prova de sua regularidade.” Muito embora tanto a quitação de tributos quanto a regularidade fiscal possam ser comprovadas mediante certidão negativa, tais expressões não são equivalentes. Isso porque a regularidade fiscal abrange outras denominadas obrigações acessórias de natureza tributária, ou seja, trata-se de expressão mais abrangente do que a quitação dos tributos. Assim como pode existir a regularidade mediante a expedição de uma certidão positiva com efeitos de negativa, ainda que o não tenha havido o pagamento do tributo. “Art. 205. A lei poderá exigir que a prova da quitação de determinado tributo, quando exigível, seja feita por certidão negativa, expedida à vista de requerimento do interessado, que contenha todas as informações necessárias à identificação de sua pessoa, domicílio fiscal e ramo de negócio ou atividade e indique o período a que se refere o pedido. Parágrafo único. A certidão negativa será sempre expedida nos termos em que tenha sido requerida e será fornecida dentro de 10 (dez) dias da data da entrada do requerimento na repartição. Art. 206. Tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a certidão de que conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa.” Dessa forma, para fins de exigência na habilitação no procedimento licitatório, deve-se exigir a regularidade fiscal, não sendo suficiente a comprovação de pagamento de tributos perante a Fazenda Federal, Estadual e Municipal. É importante destacar que, no que concerne às empresas em recuperação judicial, o Superior Tribunal de Justiça – Recurso Especial nº 1.173.735 julgado em 2014 da Relatoria do Min. Luis Felipe Salomão – entende por dispensar a exigência ao argumento de que, caso contrário, a recuperação judicial não poderá ser tida como efetiva, verbis: “DIREITO EMPRESARIAL, TRIBUTÁRIO E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE CONSTRUÇÃO E MONTAGEM DE INSTALAÇÕES INDUSTRIAIS DE PRODUÇÃO DE PETRÓLEO E GÁS NATURAL COM A PETROBRAS. PAGAMENTO DO SERVIÇO PRESTADO. EXIGÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO DA EMPRESA PRESTADORA DOS SERVIÇOS. IMPOSSIBILIDADE. SOCIEDADE EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. ARTS. 52 E 57 DA LEI N. 11.101/2005 (LF) E ART. 191-A DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL (CTN). INOPERÂNCIA DOS MENCIONADOS DISPOSITIVOS. INEXISTÊNCIA DE LEI ESPECÍFICA A DISCIPLINAR O PARCELAMENTO DA DÍVIDA FISCAL E PREVIDENCIÁRIA DE EMPRESAS EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRECEDENTE DA CORTE ESPECIAL. 1. O art. 47 serve como um norte a guiar a operacionalidade da recuperação judicial, sempre com vistas ao desígnio do instituto, que é "viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica". 2. Segundo entendimento exarado pela Corte Especial, em uma exegese teleológica da nova Lei de Falências, visando conferir operacionalidade à recuperação judicial, é desnecessário comprovação de regularidade tributária, nos termos do art. 57 da Lei n. 11.101/2005 e do art. 191-A do CTN, diante da inexistência de lei específica a disciplinar o parcelamento da dívida fiscal e previdenciária de empresas em recuperação judicial (REsp 1187404/MT, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 19/06/2013, DJe 21/08/2013). 3. Dessarte, o STJ, para o momento de deferimento da recuperação, dispensou a comprovação de regularidade tributária em virtude da ausência de legislação específica a reger o parcelamento da dívida fiscal e previdenciária de empresas em recuperação judicial. Nessa linha de intelecção, por óbvio, parece ser inexigível, pelo menos por enquanto, qualquer demonstração de regularidade fiscal para as empresas em recuperação judicial, seja para continuar no exercício de sua atividade (já dispensado pela norma), seja para contratar ou continuar executando contrato com o Poder Público. 4. Na hipótese, é de se ressaltar que os serviços contratados já foram efetivamente prestados pela ora recorrida e, portanto, a hipótese não trata de dispensa de licitação para contratar com o Poder Público ou para dar continuidade ao contrato existente, mas sim de pedido de recebimento dos valores pelos serviços efetiva e reconhecidamente prestados, não havendo falar em negativa de vigência aos artigos 52 e 57 da Lei n. 11.101/2005. 5. Malgrado o descumprimento da cláusula de regularidade fiscal possa até ensejar, eventualmente e se for o caso, a rescisão do contrato, não poderá haver a retenção de pagamento dos valores devidos em razão de serviços já prestados. Isso porque nem o art. 87 da Lei n. 8.666/1993 nem o item 7.3. do Decreto n. 2.745/1998, preveem a retenção do pagamento pelo serviços prestados como sanção pelo alegado defeito comportamental. Precedentes. 6. Recurso especial a que se nega provimento.” (STJ – REsp: 1173735 RN 2010/0003787-4, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 22/04/2014, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/05/2014) No referido julgado, o voto do Min. Luis Salomão expôs a controvérsia da seguinte maneira: “VOTO: (…) Portanto, ao que se vê, a Lei previu, em um primeiro momento, a dispensa da apresentação de certidão negativa para o devedor continuar exercendo as suas atividades, ressalvando a isenção no tocante a contratação com o Poder Público e recebimento de incentivos fiscais; e, em um segundo momento, a exigência da apresentação da CND para o deferimento da recuperação da empresa. Como visto, o STJ, para o momento de deferimento da recuperação, dispensou a comprovação de regularidade tributária em virtude da ausência de legislação específica a reger o parcelamento da dívida fiscal e previdenciária de empresas em recuperação judicial. Nessa linha de intelecção, por óbvio, parece ser inexigível, pelo menos por enquanto, qualquer demonstração de regularidade fiscal para as empresas em recuperação judicial, seja para continuar no exercício de sua atividade (já dispensado pela norma), seja para contratar ou continuar executando contrato com o Poder Público. É que, como dito naquele oportunidade, em se tratando de recuperação judicial, a nova Lei de Falências traz uma norma-programa de densa carga principiológica, constituindo a lente pela qual devem ser interpretados os demais dispositivos. A inovação está no art. 47, que serve como um norte a guiar a operacionalidade da recuperação judicial, vale dizer, ‘viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica’. Com feito, a hermenêutica conferida à Lei n. 11.101⁄2005, no particular relativo à recuperação judicial, deve sempre se manter fiel aos propósitos do diploma, isto é, nenhuma interpretação pode ser aceita se dela resultar circunstância que – além de não fomentar – inviabilize a superação da crise empresarial, com consequências perniciosas ao objetivo de preservação da empresa economicamente viável, à manutenção da fonte produtora e dos postos de trabalho, além de não atender a nenhum interesse legítimo dos credores, sob pena de tornar inviável toda e qualquer recuperação judicial, sepultando o instituto. Isso porque é de se presumir que a empresa que se socorre da recuperação se encontra em dificuldades financeiras para pagar seus fornecedores e passivo tributário e, por conseguinte, em obter a emissão de certidões negativas de débitos; não podendo isso, contudo, significar a impossibilidade de sua recuperação, máxime para recebimento de crédito a que faz jus por ter cumprido integralmente sua obrigação contratual. Ao revés, pelos primados da lei, deve-se possibilitar meios e condições econômicas para que a empresa supere a situação de crise.” (STJ, Recurso Especial nº 1.173.735, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 22.04.2014) 3. Da análise jurídica da exigência da regularidade fiscal na fase de habilitação no âmbito das licitações Públicas Consabido que com o intuito de resguardar a exeqüibilidade e evitar dispêndio de recursos públicos de forma a ir de encontro ao interesse da coletividade, principalmente ao se considerar, que a fase da habilitação segue uma tendência iniciada com a Lei 10.520/02 para que ocorra após a apreciação das propostas, a documentação quanto a regularidade fiscal é estabelecida no art. 29 da Lei 8.666/93. A regularidade fiscal objetiva informar a adimplência do licitante no que diz respeito às suas obrigações fiscais por meio, principalmente, da análise dos seus cadastros públicos. Segundo Jorge Munhós Souza[9], não há consenso sobre o que se pode exigir a título de regularidade fiscal, pendendo questionamentos sobre os seguintes pontos: i) seria possível se exigir a comprovação de inexistência de débitos não-fiscais? Como, por exemplo, a multa? ii) seria possível inabilitar o licitante em função da inexistência de débitos fiscais não reclamados ao objeto da contratação? Como, por exemplo, empresa que foi contratada para a realização de obra, mas se encontra inadimplente quanto ao pagamento do IPTU. iii) a comprovação da regularidade fiscal está limitada à órbita em que se realiza a licitação, ou seria possível se exigir do licitante a comprovação da regularidade fiscal perante todos os entes federativos? Iv) se o licitante tiver diversas inscrições fiscais (matriz e diversas filiais), a irregularidade fiscal de uma delas terá efeitos em relação às demais? É mister salientar que a condição regularidade fiscal que, a priori, permitiu a continuidade do licitante no procedimento, deve ser mantida durante toda a execução do contrato, a teor do artigo 55, inciso XIII, da Lei 8.666/93, sob pena de incorrer em descumprimento contratual ensejando motivo para rescisão. 3.1 Argumentos Contrários a sua Admissibilidade Conforme supracitado, parcela da doutrina defende a inconstitucionalidade da exigência de regularidade fiscal com base no argumento de que a lei federal teria extrapolado o comando constitucional explanado no art. 37, XXI, da Carta Magna, a qual apenas exige a qualificação técnica e econômica para efeito de habilitação jurídica. Nessa mesma esteira de análise dos dispositivos constitucionais, defende-se que, fora a qualificação técnica e qualificação econômica, poderia ser exigida a regularidade fiscal apenas no tocante aos débitos existentes com o sistema de seguridade social, conforme preleciona o art. 193, § 3º, da Constituição Federal, que “a pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.” Assim, defende-se que as restrições não poderiam extrapolar o conteúdo dos únicos dois dispositivos de estatura constitucional, quais sejam: “Artigo 37 – […] XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. Artigo 195 – […] § 3º – A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.” Celso Antônio Bandeira de Mello defende que a exigência seria um percalço no aspecto da competitividade do certame e que a inabilitação só deveria ocorrer nos casos em que o adimplemento contratual possa se mostrar efetivamente comprometido. “No que tange à prova de regularidade com as Fazendas Públicas, anotou que já não mais se fala em “quitação” com a Fazenda Pública, mas em “regularidade” com o Fisco, que pode abranger a existência do débito consentido e sob o controle do credor. Donde, será ilegal o edital que exija prova de quitação. Além disto, o licitante pode haver se insurgido contra o débito por mandado de segurança ou outro meio pelo qual o questione ou questione seu montante. Há de se ter por certo que “a exigência de regularidade fiscal não pode sobrepor-se à garantia da universalidade e do monopólio da jurisdição”. Donde, se a parte estiver litigando em juízo sobre o pretendido débito, tal circunstancia não poderá ser um impedimento a que participe de licitações.” [10] No mesmo sentido, pronuncia-se Marçal Justen Filho quanto a drasticidade da medida de inabilitação que exige circunstâncias excepcionais para sua aplicação.   “Em qualquer caso, porém, a exigência de regularidade fiscal não pode sobrepor-se à garantia da universalidade e do monopólio da jurisdição. Significa que a submissão do litígio à apreciação do Poder Judiciário afasta qualquer laivo de irregularidade. Não é constitucional impor a perda do direito de licitar enquanto a matéria estiver sob apreciação do Poder Judiciário.”[11] Um dos principais argumentos contrários à exigência da regularidade fiscal pode ser traduzido na configuração de sanção política. Assim, merecem maiores considerações os contornos e a definição do instituto. Afinal, o que seria sanção política? Consoante pacífica jurisprudência dos Tribunais Superiores, o Poder Público não poderia se valer de meios coercitivos indiretos e desproporcionais para realizar a cobrança de tributos. Isso porque a Fazenda Pública já possui os meios idôneos, que respeitam o devido processo legal e seus respectivos consectários para atingir o patrimônio do contribuinte. Em outras palavras, ao dispor da execução fiscal e de todos seus benefícios previstos na Lei 6.830/80, bem como a cobrança em sede administrativa do crédito tributário, a entidade pública não poderia se valer de vias oblíquas que ofendem a livre iniciativa e o livre exercício de qualquer trabalho e ofício ou profissão a ponto de obrigar o sujeito passivo a realizar o pagamento, sob pena de sanções de tal natureza. Nesse sentido, os Tribunais Superiores assim possuem o entendimento de forma sumulada: “STF – Súmula 70: É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo. STF – Súmula 323: É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos. STF – Súmula 547: Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais. STJ – Súmula 127: É ilegal condicionar a renovação da licença de veiculo ao pagamento de multa, da qual o infrator não foi notificado.” O posicionamento do Supremo Tribunal Federal é uníssono no sentido de vedação do instituto enquanto meio para cobrança indireta do pagamento de tributos, conforme os seguinte julgados ora colacionados: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ICMS. IMPOSSIBILIDADE DE IMPOR AO CONTRIBUINTE INADIMPLENTE A OBRIGAÇÃO DO RECOLHIMENTO ANTECIPADO DO TRIBUTO. FORMA OBLÍQUA DE COBRANÇA. VIOLAÇÃO AOS PRÍNCIPIOS DA LIVRE CONCORRÊNCIA E DA LIBERDADE DE TRABALHO E COMÉRCIO. AGRAVO IMPROVIDO. I – Impor ao contribuinte inadimplente a obrigação de recolhimento antecipado do ICMS, como meio coercitivo para pagamento do débito fiscal, importa em forma oblíqua de cobrança de tributo e em contrariedade aos princípios da livre concorrência e da liberdade de trabalho e comércio. Precedentes. II – Agravo regimental improvido.” (RE 525.802-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski). “DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. SANÇÃO POLÍTICA COMO MEIO COERCITIVO PARA PAGAMENTO DE TRIBUTOS. INCONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTES. 1. Nos termos da jurisprudência da Corte, é inconstitucional a sanção política visando ao recolhimento de tributo, tal como ocorre com o ato de condicionar a expedição de notas fiscais à prestação de fiança, garantia real ou fidejussória por parte do contribuinte. Matéria decidida no RE 565.048, Rel. Min. Marco Aurélio. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.“ (AI 623.739-AgR, Rel. Ministro Roberto Barroso) “DÉBITO FISCAL – IMPRESSÃO DE NOTAS FISCAIS – PROIBIÇÃO – INSUBSISTÊNCIA. Surge conflitante com a Carta da República legislação estadual que proíbe a impressão de notas fiscais em bloco, subordinando o contribuinte, quando este se encontra em débito para com o fisco, ao requerimento de expedição, negócio a negócio, de nota fiscal avulsa.” (RE 413.782, Rel. Min. Marco Aurélio) “CONSTITUCIONAL. DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO AO JUDICIÁRIO. DIREITO DE PETIÇÃO. TRIBUTÁRIO E POLÍTICA FISCAL. REGULARIDADE FISCAL. NORMAS QUE CONDICIONAM A PRÁTICA DE ATOS DA VIDA CIVIL E EMPRESARIAL À QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. CARACTERIZAÇÃO ESPECÍFICA COMO SANÇÃO POLÍTICA. AÇÃO CONHECIDA QUANTO À LEI FEDERAL 7.711/1988, ART. 1º, I, III E IV, PAR. 1º A 3º, E ART. 2º. 1. Ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas contra os arts. 1º, I, II, III e IV, par. 1º a 3º e 2º da Lei 7.711/1988, que vinculam a transferência de domicílio para o exterior (art. 1º, I), registro ou arquivamento de contrato social, alteração contratual e distrato social perante o registro público competente, exceto quando praticado por microempresa (art. 1º, III), registro de contrato ou outros documentos em Cartórios de Registro de Títulos e Documentos (art. 1º, IV, a), registro em Cartório de Registro de Imóveis (art. 1º, IV, b) e operação de empréstimo e de financiamento junto a instituição financeira, exceto quando destinada a saldar dívidas para com as Fazendas Nacional, Estaduais ou Municipais (art. 1º, IV, c) – estas três últimas nas hipóteses de o valor da operação ser igual ou superior a cinco mil Obrigações do Tesouro Nacional – à quitação de créditos tributários exigíveis, que tenham por objeto tributos e penalidades pecuniárias, bem como contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias. 2. Alegada violação do direito fundamental ao livre acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV da Constituição), na medida em que as normas impedem o contribuinte de ir a juízo discutir a validade do crédito tributário. Caracterização de sanções políticas, isto é, de normas enviesadas a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário. 3. Esta Corte tem historicamente confirmado e garantido a proibição constitucional às sanções políticas, invocando, para tanto, o direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas (art. 170, par. ún., da Constituição), a violação do devido processo legal substantivo (falta de proporcionalidade e razoabilidade de medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos de cobrança de créditos tributários) e a violação do devido processo legal manifestado no direito de acesso aos órgãos do Executivo ou do Judiciário tanto para controle da validade dos créditos tributários, cuja inadimplência pretensamente justifica a nefasta penalidade, quanto para controle do próprio ato que culmina na restrição . É inequívoco, contudo, que a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal não serve de escusa ao deliberado e temerário desrespeito à legislação tributária. Não há que se falar em sanção política se as restrições à prática de atividade econômica objetivam combater estruturas empresariais que têm na inadimplência tributária sistemática e consciente sua maior vantagem concorrencial. Para ser tida como inconstitucional, a restrição ao exercício de atividade econômica deve ser desproporcional e não-razoável. 4. Os incisos I, III e IV do art. 1º violam o art. 5º, XXXV da Constituição, na medida em que ignoram sumariamente o direito do contribuinte de rever em âmbito judicial ou administrativo a validade de créditos tributários. Violam, também o art. 170, par. ún. da Constituição, que garante o exercício de atividades profissionais ou econômicas lícitas. Declaração de inconstitucionalidade do art. 1º, I, III e IV da Lei 7.711/'988. Declaração de inconstitucionalidade, por arrastamento dos parágrafos 1º a 3º e do art. 2º do mesmo texto legal. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. SANÇÃO POLÍTICA. PROVA DA QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS NO ÂMBITO DE PROCESSO LICITATÓRIO. REVOGAÇÃO DO ART. 1º, II DA LEI 7.711/1988 PELA LEI 8.666/1993. EXPLICITAÇÃO DO ALCANCE DO DISPOSITIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE NÃO CONHECIDA QUANTO AO PONTO. 5. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida, em relação ao art. 1º, II da Lei 7.711/1988, na medida em que revogado, por estar abrangido pelo dispositivo da Lei 8.666/1993 que trata da regularidade fiscal no âmbito de processo licitatório. 6. Explicitação da Corte, no sentido de que a regularidade fiscal aludida implica "exigibilidade da quitação quando o tributo não seja objeto de discussão judicial" ou "administrativa". Ações Diretas de Inconstitucionalidade parcialmente conhecidas e, na parte conhecida, julgadas procedentes.” (ADI 173/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa) Assim, no sentido da exigência da regularidade fiscal se tratar de forma indireta de cobrança de tributo, tal corrente defende que o requisito da regularidade fiscal na fase de habilitação poderia ser classificado como sanção política repudiada pelo ordenamento jurídico pátrio. Dessa feita, o Poder Público estaria se utilizando de via oblíqua de cobrança quando já detém os meios legítimos, quais sejam: execução fiscal ou cobrança em sede administrativa. Por último, entende-se existir nefasta desproporcionalidade ao se exigir a quitação em todos os âmbitos do Estado Federado, conforme o art. 29, III, da Lei 8.666/93 ao impor a prova de regularidade para com a Fazenda Federal, Estadual e Municipal do domicílio ou sede do licitante, ou outra equivalente, na forma da lei. 3.2 Argumentos Favoráveis a sua Admissibilidade Em sentido diametralmente oposto, tem-se a exigência da regularidade fiscal como medida salutar e uma forma de prestigiar os licitantes adimplentes e não “premiar” aqueles que se encontrem em débito com o fisco. Nessa toada, não parece se coadunar com o sistema republicano e nem com o princípio da isonomia a possibilidade de oferecimento de melhores propostas por aqueles que não levam em consideração em seus cálculos certos gastos fiscais. Assim, tais licitantes só estariam em condições de assim fazê-lo por estarem inadimplentes com suas obrigações tributárias ofertando lances que se mostrem economicamente mais atraentes, mas não melhores para o interesse público. É de ressaltar que não se trata de sanção política, pois o licitante ainda pode discutir o crédito tributário de forma que se mostra igualmente possível a expedição de certidão positiva com efeitos de negativa para a participação no procedimento licitatório. Dessa forma, caso exista alguma pendência tributária que possa comprometer sua habilitação jurídica, o Poder Judiciário poderá apreciar a ameaça ao direito expedindo decisão liminar e conseqüente suspensão da exigibilidade do crédito tornando viável sua participação. Assim, o instituto em si não se mostra inconstitucional ou sequer ilegal, mas, em determinados casos, é necessário cautela nos critérios de análise de exigência da regularidade fiscal, sob pena de atuação desproporcional ou desprovida de razoabilidade. 3.3 Entendimento dos Tribunais Superiores O Supremo Tribunal Federal na apreciação da Ação Direta de Inconstitucionalidade 173-6/DF acabou por enfrentar a temática relacionada à exigência da regularidade fiscal no âmbito das licitações públicas: “CONSTITUCIONAL. DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO AO JUDICIÁRIO. DIREITO DE PETIÇÃO. TRIBUTÁRIO E POLÍTICA FISCAL. REGULARIDADE FISCAL. NORMAS QUE CONDICIONAM A PRÁTICA DE ATOS DA VIDA CIVIL E EMPRESARIAL À QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. CARACTERIZAÇÃO ESPECÍFICA COMO SANÇÃO POLÍTICA. AÇÃO CONHECIDA QUANTO À LEI FEDERAL 7.711/1988, ART. 1º, I, III E IV, PAR.1º A 3º, E ART. 2º. 1. Ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas contra os arts. 1º, I, II, III e IV, par.1º a 3º e 2º da Lei 7.711/1988, que vinculam a transferência de domicílio para o exterior (art. 1º, I), registro ou arquivamento de contrato social, alteração contratual e distrato social perante o registro público competente, exceto quando praticado por microempresa (art. 1º, III), registro de contrato ou outros documentos em Cartórios de Registro de Títulos e Documentos (art. 1º, IV, a), registro em Cartório de Registro de Imóveis (art. 1º, IV, b) e operação de empréstimo e de financiamento junto a instituição financeira, exceto quando destinada a saldar dívidas para com as Fazendas Nacional, Estaduais ou Municipais (art. 1º, IV, c) – estas três últimas nas hipóteses de o valor da operação ser igual ou superior a cinco mil Obrigações do Tesouro Nacional – à quitação de créditos tributários exigíveis, que tenham por objeto tributos e penalidades pecuniárias, bem como contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias. 2. Alegada violação do direito fundamental ao livre acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV da Constituição), na medida em que as normas impedem o contribuinte de ir a juízo discutir a validade do crédito tributário. Caracterização de sanções políticas, isto é, de normas enviesadas a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário. 3. Esta Corte tem historicamente confirmado e garantido a proibição constitucional às sanções políticas, invocando, para tanto, o direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas (art. 170, par. ún., da Constituição), a violação do devido processo legal substantivo (falta de proporcionalidade e razoabilidade de medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos de cobrança de créditos tributários) e a violação do devido processo legal manifestado no direito de acesso aos órgãos do Executivo ou do Judiciário tanto para controle da validade dos créditos tributários, cuja inadimplência pretensamente justifica a nefasta penalidade, quanto para controle do próprio ato que culmina na restrição. É inequívoco, contudo, que a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal não serve de escusa ao deliberado e temerário desrespeito à legislação tributária. Não há que se falar em sanção política se as restrições à prática de atividade econômica objetivam combater estruturas empresariais que têm na inadimplência tributária sistemática e consciente sua maior vantagem concorrencial. Para ser tida como inconstitucional, a restrição ao exercício de atividade econômica deve ser desproporcional e não-razoável. 4. Os incisos I, III e IV do art. 1º violam o art. 5º, XXXV da Constituição, na medida em que ignoram sumariamente o direito do contribuinte de rever em âmbito judicial ou administrativo a validade de créditos tributários. Violam, também o art. 170, par. ún. da Constituição, que garante o exercício de atividades profissionais ou econômicas lícitas. Declaração de inconstitucionalidade do art. 1º, I, III e IV da Lei 7.711/'988. Declaração de inconstitucionalidade, por arrastamento dos parágrafos 1º a 3º e do art. 2º do mesmo texto legal. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. SANÇÃO POLÍTICA. PROVA DA QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS NO ÂMBITO DE PROCESSO LICITATÓRIO. REVOGAÇÃO DO ART. 1º, II DA LEI 7.711/1988 PELA LEI 8.666/1993. EXPLICITAÇÃO DO ALCANCE DO DISPOSITIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE NÃO CONHECIDA QUANTO AO PONTO. 5. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida, em relação ao art. 1º, II da Lei 7.711/1988, na medida em que revogado, por estar abrangido pelo dispositivo da Lei 8.666/1993 que trata da regularidade fiscal no âmbito de processo licitatório. 6. Explicitação da Corte, no sentido de que a regularidade fiscal aludida implica "exigibilidade da quitação quando o tributo não seja objeto de discussão judicial" ou "administrativa". Ações Diretas de Inconstitucionalidade parcialmente conhecidas e, na parte conhecida, julgadas procedentes”. (STF – ADI: 173 DF , Relator: JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 25/09/2008, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-053 DIVULG 19-03-2009 PUBLIC 20-03-2009 EMENT VOL-02353-01 PP-00001; grifou-se).[12] É de se notar, portanto, que o Supremo Tribunal Federal veda categoricamente o instituto da sanção política, a qual não se confunde com a exigência da regularidade fiscal, principalmente, daqueles que se mostram inadimplentes contumazes na busca de vantagens econômicas no ambiente concorrencial. No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência pacífica e reiterada quanto a legalidade do instituto: “ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. HABILITAÇÃO. REGULARIDADE FISCAL. CERTIDÕES. PRAZO DE VALIDADE. NÃO-FORNECIMENTO PELO MUNICÍPIO. ART. 535 DO CPC. EFEITOS INFRINGENTES DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. 1. O art. 535 do CPC, ao dispor sobre as hipóteses de cabimento dos embargos de declaração, não veda a atribuição de efeitos infringentes, com alteração da decisão embargada, quando o Tribunal conclui deva ser sanada omissão, contradição, obscuridade ou, ainda, deva ser corrigido erro material. 2. Não configura afronta ao art. 535 do CPC se o Tribunal a quo entende ter havido "contradição em seu corpo, associada a erro relevante na apreciação dos elementos constantes do caderno processual" e conclui que o acórdão exarado no mandado de segurança incorreu em vício, mais especificamente, em contradição, motivo pelo qual os embargos de declaração foram acolhidos com efeitos modificativos, resultando na reforma do julgado embargado. 3. A exigência de regularidade fiscal para habilitação nas licitações (arts. 27, IV, e 29, III, da Lei nº 8.666/93) está respaldada pelo art. 195, § 3º, da C.F., todavia não se deve perder de vista o princípio constitucional inserido no art. 37, XXI, da C.F., que veda exigências que sejam dispensáveis, já que o objetivo é a garantia do interesse público. A habilitação é o meio do qual a Administração Pública dispõe para aferir a idoneidade do licitante e sua capacidade de cumprir o objeto da licitação. 4. É legítima a exigência administrativa de que seja apresentada a comprovação de regularidade fiscal por meio de certidões emitidas pelo órgão competente e dentro do prazo de validade. O ato administrativo, subordinado ao princípio da legalidade, só poderá ser expedido nos termos do que é determinado pela lei. 5. A despeito da vinculação ao edital a que se sujeita a Administração Pública (art. 41 da Lei nº 8.666/93), afigura-se ilegítima a exigência da apresentação de certidões comprobatórias de regularidade fiscal quando não são fornecidas, do modo como requerido pelo edital, pelo município de domicílio do licitante. 6. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp: 974854 MA 2007/0177953-2, Relator: Ministro CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 06/05/2008, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/05/2008; grifou-se).[13] Em outro julgado o Superior Tribunal de Justiça se manifestou no sentido de que a regularidade fiscal adviria da própria Constituição Federal: “ADMINISTRATIVO. CONTRATO. ECT. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE. DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE MANTER A REGULARIDADE FISCAL. RETENÇÃO DO PAGAMENTO DAS FATURAS. IMPOSSIBILIDADE. 1. A exigência de regularidade fiscal para a participação no procedimento licitatório funda-se na Constituição Federal, que dispõe no § 3º do art. 195 que “a pessoa jurídica em débito com o sistema da Seguridade Social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios”, e deve ser mantida durante toda a execução do contrato, consoante o art. 55 da Lei n. 8.666⁄93. 2. O ato administrativo, no Estado Democrático de Direito, está subordinado ao princípio da legalidade (CF⁄88, arts. 5º, II, 37, caput, 84, IV), o que equivale assentar que a Administração poderá atuar tão somente de acordo com o que a lei determina. 3. Deveras, não constando do rol do art. 87 da Lei n. 8.666⁄93 a retenção do pagamento pelos serviços prestados, não poderia a ECT aplicar a referida sanção à empresa contratada, sob pena de violação ao princípio constitucional da legalidade. Destarte, o descumprimento de cláusula contratual pode até ensejar, eventualmente, a rescisão do contrato (art. 78 da Lei de Licitações), mas não autoriza a recorrente a suspender o pagamento das faturas e, ao mesmo tempo, exigir da empresa contratada a prestação dos serviços. 4. Consoante a melhor doutrina, a supremacia constitucional “não significa que a Administração esteja autorizada a reter pagamentos ou opor-se ao cumprimento de seus deveres contratuais sob alegação de que o particular encontra-se em dívida com a Fazenda Nacional ou outras instituições. A Administração poderá comunicar ao órgão competente a existência de crédito em favor do particular para serem adotadas as providências adequadas. A retenção de pagamentos, pura e simplesmente, caracterizará ato abusivo, passível de ataque inclusive através de mandado de segurança” (Marçal Justen Filho. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: Dialética, 2002. p. 549). 5. Recurso especial a que se nega provimento”. (REsp n. 633.432/MG, 1. T., rel. Min. Luiz Fux, j. 22.02.2005, DJ de 20.06.2005.-STJ; grifou-se) Dessa feita, tem-se que o entendimento emanado dos Tribunais Superiores se mostra favorável à exigência da regularidade fiscal, uma vez que a medida, desde que respeitado o princípio da proporicionalidade e da razoabilidade a ser aplicado no caso concreto, não configura sanção política, assim como se mostra como medida que resguarda o interesse público e não, de certa forma, “premia” aqueles que estão inadimplentes com o fisco ocasionando violação ao princípio da isonomia. Considerações Finais Ao longo do texto, foram realizadas explanações conceituais concernentes ao instituto das licitações, que se trata de mecanismo de extrema importância quanto à utilização dos recursos públicos na feitura de compras e nas contratações de serviços. Deixou-se claro a existência da habilitação jurídica que se trata de um meio que busca propiciar o acautelamento das propostas feitas pelos licitantes de forma a resguardar o efetivo cumprimento do contrato administrativo. A regularidade fiscal, existente na fase de habilitação jurídica, proporciona calorosos debates quanto a sua exigência dividindo a doutrina administrativista. Por um lado, tem-se que é desproporcional e desarrazoado ferindo a competitividade nos certames públicos, bem como se trata de forma de sanção política vedada pelo ordenamento jurídico. Do outro, entende-se que o instituto se mostra favorável ao interesse público na medida em que estimula o adimplemento com o fisco e não compensa aqueles que se mostram em situação irregular com suas obrigações tributárias. Entender de modo diverso, seria ir de encontro ao princípio da isonomia na medida em que aqueles que estariam em condições de oferecer propostas economicamente mais interessantes assim o fizessem por estarem negligenciando seus compromissos com o fisco. Durante a exposição do trabalho, foi feita menção ao entendimento dos Tribunais Superiores acerca da exigência da regularidade fiscal, os quais se filiam a este último posicionamento afirmando sua coadunação com o ordenamento jurídico pátrio, o que parece ser o juízo mais acertado quanto ao instituto. A exigência da regularidade fiscal, além de censurar aqueles que se desviam de suas obrigações com o fisco, mostra-se como norma de caráter promocional aos adimplentes além de viabilizar a existência da isonomia no âmbito do procedimento licitatório. No entanto, não se pode desconsiderar seu afastamento de forma peremptória porquanto a aplicação do princípio da proporcionalidade e da razoabilidade podem assim fazê-lo diante das peculiaridades do caso concreto. Nota-se, portanto, que seu afastamento na fase habilitatória somente poderia ocorrer como medida excepcional em situações nas quais as circunstâncias exigissem a tomada de medidas drásticas.
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A improbidade administrativa e os limites constitucionais impostos às medidas cautelares previstas na Lei Federal nº 8.429/92
Verifica-se na sistemática atual crescente inquietude quanto à concessão exaltada de medidas cautelares no bojo dos procedimentos judiciais que visam coibir os atos de improbidade administrativa. Referidos atos ímprobos se encontram sob a égide da lei federal nº 8.429/92, que permite a adoção de medidas cautelares, de caráter patrimonial ou preventivo, a fim de resguardar a efetividade do processo. Todavia, tais medidas assecuratórias vêm sendo adotadas de forma exaltada e ilimitada, em completo desrespeito às normas constitucionais vigentes, bem como aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade insertos na Constituição da República Federativa do Brasil.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO Apesar da linha tênue que separa a improbidade administrativa da corrupção, não se pode olvidar que ambas resumem-se em garantir e preservar a defesa do patrimônio público em razão de condutas perfilhadas por seus agentes, inclusive pelos Administradores Públicos, no tocante aos atos que o atingem patrimonialmente ou violam valores socialmente preservados pelo texto constitucional. Sabe-se que a improbidade administrativa engloba o enriquecimento ilícito, o dano ao erário e a violação aos princípios da administração pública. Neste diapasão, o legislador constituinte, visando coibir referidos atos, fez menção expressa destes no texto constitucional, conforme as palavras de Pedro Roberto Decomain: “Passo adiante de larga importância foi dado pela Constituição Federal de 1988. No parágrafo 4º de seu art. 37, o texto constitucional afirma que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.[1]” Assim, é inolvidável que o legislador constituinte deu grande importância ao combate à atuação improba de seus agentes, insertando na Carta magna parâmetros de controle e censura à adoção de tais condutas. 1. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA 1.1. Legislação aplicada Conforme dito no introito do presente trabalho, a Constituição Federal em seu artigo 37, §4º fez previsão expressa quanto às sanções aplicáveis aos atos de improbidade administrativa. “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:[…] §4º – Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.” No tocante ao tema, o distinto doutrinador brasileiro Hely Lopes Meirelles (2016, p.118) já defendia que “o dever de probidade está constitucionalmente integrado na conduta do administrador público como elemento necessário à legitimidade de seus atos. O velho e esquecido conceito romano do probus e do improbus administrador público está presente na nossa legislação administrativa, como também na Constituição da República, que pune a improbidade na Administração com sanções políticas, administrativas e penais, nos seguintes termos: "Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao Erário, na forma e gradação prevista em lei, sem prejuízo da ação penal cabível" (art. 37, § 4º)”. Com efeito, com advento do dispositivo constitucional que cuida dos atos de improbidade administrativa, apesar da existência de legislação infraconstitucional (Lei Federal nº 3.502/58) que regulava alguns tipos de ato de improbidade, carecia no ordenamento pátrio de legislação infraconstitucional mais ampla e eficiente, que englobava as hipóteses revistas na Constituição Federal, bem como tratava a matéria não só de forma repressiva, mas também preventivamente. À luz desta necessidade, o legislador infraconstitucional editou a lei federal nº 8.429 de 2 de junho de 1992, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências. Com a edição e publicação da antedita norma regulamentadora, o texto constitucional passou a ser dotado de aplicabilidade e eficiência. Todavia, vale ressaltar que a lei de improbidade, em que pese contemplar sanções aplicáveis aos agentes públicos que incorrem em atos de improbidade, referida legislação não se reveste de caráter penal, sendo apenas uma norma que visa proteger o direito difuso à probidade administrativa, bem como a integridade moral e material da Administração Pública. 1.2. Conceito De fato, pode-se conceituar a improbidade administrativa como uma conduta de um agente público que contraria as normas morais, a lei e os costumes, incidindo em falta de probidade e atuação ilibada no que tange aos procedimentos esperados da administração pública, seja ela direta, indireta ou fundacional. O vocábulo improbidade, de acordo com o dicionário Houaiss da língua portuguesa é definido como “1. ausência de probidade; desonestidade e 2. ação má, perversa; maldade, perversidade. Em contrapartida, a palavra “probidade” na mesma compilação das unidades léxicas da língua português é definida como “o qualidade do que é probo; integridade, honestidade, retidão”. (HOUAISS, 2009) 1.3. Sujeito Ativo No que tange a legitimidade para figurar como sujeito ativo dos atos de improbidade administrativa, a priori, em uma visão mais limitada, pode-se afirmar que a legislação é expressa no sentido de que referidos atos somente podem ser praticados por agentes públicos, auxiliados ou não por terceiros não vinculados à Administração Pública. Neste sentido é o artigo 2º da lei nº 8.429/92, in verbis: “Art. 2°. Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior”. Conforme as palavras do doutrinador e Promotor de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Emerson Garcia, “a concepção de agente público não foi construída sob uma perspectiva meramente funcional, sendo definido o sujeito ativo a partir da identificação do sujeito passivo dos atos de improbidade, havendo um nítido entrelaçamento entre as duas noções”.[2] Conjugando o entendimento supramencionado com o disposto no texto normativo resta evidente que o status do agente público será definido com exatidão a partir do exame da relação existente entre o autor do fato e o sujeito passivo que suportou referida conduta ilícita. Todavia, pode-se afirmar que o sujeito ativo para fins de improbidade administrativa é bastante amplo, envolvendo agentes públicos, servidores ou não, e até mesmo particulares beneficiados, mantenham ou não estes vínculo direto com a Administração Pública, conforme se extrai do artigo 3º da legislação de regência: “Art. 3°. As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta”. Assim, tem-se como potenciais sujeitos ativos os agentes públicos, os agentes meramente particulares, terceiros e pessoas jurídicas. 1.4. Sujeito Passivo O sujeito passivo, também conhecido como sujeito imediato, é aquele que sofre a investida do sujeito ativo, ou seja, é aquele prejudicado pela conduta ímproba. In casu, o artigo 1º da lei de improbidade traz o rol de sujeitos passivos dos atos de improbidade: “Art. 1°. Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei. Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos”. Com efeito, é inolvidável que se trata de norma de natureza imperativa, categórica, cuja aplicação não pode ser afastada pela vontade dos interessados, como ocorre no direito privado. Neste caso, o Estado sempre fará parte da relação jurídica como sujeito passivo formal, que reclama a aplicação imediata da norma a fim de que seja o direito objetivo material. De acordo com o professor Waldo Fazzio Junior (WALDO FAZZIO, 2012), integram o elenco constitutivo dos entes atingidos pelos atos de improbidade administrativa: “a) Administração direta, indireta ou fundacional dos poderes em todos os níveis; b) Empresa incorporada ao patrimônio público; c) Entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de 50% do patrimônio ou receita anual; d) Entidade de receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício de órgão público; e) Entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de 50% do patrimônio ou receita anual.” 2. ATOS DE IMPROBIDADE A Lei n. 8.429/1992, em linhas gerais, positivou três espécies de improbidade administrativa: aqueles decorrentes de ato ilícito, os de lesão ao erário e de atos ou omissões que atentem contra nos princípios da administração. Entretanto, não se pode afirmar serem estes os únicos atos de improbidade administrativa. O escopo do legislador constituinte, bem como do legislador infraconstitucional foi tão somente exemplificar os atos, ou seja, trata-se de rol meramente exemplificativo, cabendo ao intérprete da norma interpretá-la de acordo com os preceitos atuais que envolvem a sociedade. 2.1. Atos que importam em enriquecimento ilícito Os atos de improbidade administrativa que importam em enriquecimento ilícito encontram-se insertos no artigo 9º da lei nº 8.429/92, contudo, conforme dito alhures, o rol previsto no dispositivo normativo em comento é meramente ilustrativo, não obstando o hermeneuta de interpretar a norma e aplicá-la a casos que ainda que não insertos no dispositivo, se enquadram perfeitamente no escopo do legislador. Neste sentido, são os escólios de Alexandre de Moraes ao afirmar que “a tipificação dos atos de improbidade administrativa, por serem de natureza civil, são descrições mais genéricas e conceituais do que as exigidas pelo Direito Penal, possibilitando uma interpretação mais construtiva por parte da doutrina e jurisprudência” (2007, p. 2.756). Com efeito, no que tange a expressão “enriquecimento ilícito” podemos presumir a ocorrência de algum acréscimo ao patrimônio do ímprobo. Referidos atos de improbidade são elencados como os mais graves, tendo em vista que o agente explora da fração de poder que lhe é outorgada na Administração Pública para auferir, em detrimento da coletividade, vantagem ilícita e em total ofensa a ética do serviço público. 2.2. Atos que causam prejuízo ao Erário Aludidos atos se encontram estabelecidos no artigo 10 da LIA. Neste caso, o legislador caracteriza como ato de improbidade administrativa aqueles que causem lesão ao erário através de ação ou omissão, dolosa ou culposa, que tenha reflexos patrimoniais ou desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres de entes da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual. Como se constata pela singela leitura do regramento legal, a configuração do ato de improbidade que caracterize prejuízo ao erário carece dos seguintes requisitos: a) Ação ou omissão do agente; e, b) Ocorrência de dolo ou culpa. A ação implica na adoção de conduta ativa, enquanto a omissão deve ser analisada sob o prisma do comportamento desconforme com a exigência legal de agir ao dever da escorreita administração. Dolo naturalmente é evidenciado através da vontade desenfreada do agente em causar prejuízo ao erário, enquanto a culpa se mostra caracterizada pela negligência, imperícia ou imprudência existente por ato culposo. Assim, os atos de improbidade administrativa, considerados ofensivos ao erário, podem ser comissivos ou omissivos, dolosos ou culposos. In specie, o legislador evidencia hipóteses de dolo e culpa, extraídas do Direito Penal, em face do caráter sancionador que reveste a Lei 8.429/92. Registre-se que de uma visão não tão ampla parece surgir um aspecto excessivo a existência de atos de improbidade culposos, com a imposição das sanções previstas na Lei nº 8.429/92, todavia, referido entendimento, bem como sanções se mostram necessárias no âmbito do Direito Administrativo, pois aqui se exige do agente público total observância aos princípios constitucionais de legalidade, moralidade, lealdade para com a Administração, bem como responsabilidade com os interesses públicos. 2.3. Atos que violam princípio da Administração Pública Não menos importantes que os demais, também se consideram atos de improbidade administrativa aqueles que violam os princípios que regem a administração pública. Referidos atos possuem grande amplitude e podem se caracterizar pela ofensa dolosa contra os diversos princípios que balizam o administrador no trato com a coisa pública. Conforme leciona Emerson Garcia, o dispositivo em apreço “é normalmente intitulado ‘norma de reserva’, o que é justificável, pois ainda que a conduta não tenha causado danos ao patrimônio público ou acarretando enriquecimento ilícito do agente, será possível a configuração da improbidade sempre que restar demonstrada a inobservância dos princípios regentes da atividade estatal”.[3] 3. SANÇÕES 3.1. Perda de bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio e o ressarcimento integral do dano O artigo 5º da legislação de regência preceitua que “ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano”. Com efeito, os incisos I e II, do artigo 12 da lei de improbidade confere ao Estado a faculdade de reaver o patrimônio lesado, através do ressarcimento levado a termo pelo autor do ato improbo, bem como, quando possível, todo enriquecimento ocorrido pelo ato improbo em conjunto com este patrimônio ressarcido. Vale ressaltar que tal procedimento está inerente em todos os danos causados a título de improbidade, seja ao particular, seja ao erário, bem como sejam os atos oriundos de agentes públicos, particulares ou terceiros. Todavia, quadra registrar que a sanção em epigrafe não possui o condão de penalizar, mas sim de reparação ao dano causado. 3.2. Perda da função pública Tal sanção reflete obviamente o mínimo necessário a repressão aos atos de improbidade administrativa perpetrados por agentes públicos, atingindo a meu ver o fim específico da norma sancionatória. Não se pode olvidar que aqueles que praticarem atos de improbidade administrativa, não devem continuar a exercer o múnus público que lhe fora conferido, ou seja, exercendo suas respectivas funções. Destaca-se que referidos atos, antes de tudo, ofenderam a coletividade, um bem jurídico comum a todos. Neste diapasão, a perda da função pública pode ser considerada a sanção mais merecida ao praticante de ato de improbidade. Por derradeiro, destaca-se que assim como na suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública somente ocorre com o trânsito em julgado da sentença condenatória, nos termos do artigo 20 da lei nº 8.429/92: “Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória. Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual.” 3.3. Suspensão dos direitos políticos A Constituição Federal veda expressamente, em seu artigo 15, caput, a cassação dos direitos políticos, ao estabelecer que “é vedada a cassação de direitos políticos […]”. Não obstante essa afirmação destaca-se a máxima de que “toda regra tem sua exceção”. Neste diapasão, evidencia-se nos incisos I, II, III, IV e V do retro mencionado artigo, os fundamentos que balizam eventuais perdas e ou suspensões dos direitos políticos. In casu, destacamos o inciso V do aludido dispositivo legal, que permite expressamente à suspensão para os casos improbidade administrativa, nos termos do artigo 37, §4º, da CF/88. Urge salientar que na dicção do artigo 2º da lei de regência, a suspensão dos direitos políticos somente se torna efetiva, a partir do trânsito em julgado da decisão, o que significa dizer que o prazo da suspensão somente começa a ser contado a partir da referida data. 3.4. Multa civil Referida sanção é aplicável a todo e qualquer ato de improbidade administrativa, independentemente de qualquer outra sanção adotada, inclusive ressarcimento integral dos danos causados. Todavia, vale ressaltar que a multa civil não se encontra incluída entre as sanções para a improbidade administrativa, prevista no artigo 37, §4º da Constituição Federal. Em que pese referida omissão, a mesma não se mostra apta a ensejar qualquer alegação de inconstitucionalidade, haja vista que compete às leis ordinárias a previsão de sanções para atos ilícitos. Quanto ao valor, a multa civil deverá ser fixada em até três vezes o montante do indevido acréscimo patrimonial nos casos do artigo 9º e em até duas vezes nas hipóteses do artigo 10 da lei nº 8.429/92. Concernente à hipótese de ato de improbidade nos termos do ao artigo 11, a multa civil poderá fixada em até 100 vezes a remuneração percebida pelo agente. O legislador foi omisso quanto ao destinatário dos valores provenientes da multa civil, sendo prudente entender que o destinatário seja a entidade prejudicada pelo ato de improbidade. Por fim, a multa civil tem o caráter exclusivamente punitivo e não indenizatório, razão pela qual o dever de realizar o pagamento não se transfere aos sucessores do ímprobo ao qual a multa tenha sido aplicada. 3.5. Proibição de contratar com o poder público ou receber incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário Quanto às referidas proibições, deve-se registrar que a teor dos incisos do artigo 12, elas alcançam não só o autor do ato de improbidade e todos que tenham lhe prestado auxílio, mas também pessoas jurídicas das quais o agente autor da improbidade seja sócio majoritário. Assim, o efeito desta condenação estende-se a todos que direta e indiretamente poderão estar ligados ao infrator. 4. MEDIDAS CAUTELARES 4.1. Afastamento do agente público Evidencia-se que o parágrafo único do artigo 20 da lei de improbidade administrativa (lei federal n° 8.429/92) confere à autoridade judiciária ou administrativa a faculdade de proceder ao afastamento do agente público de suas funções com o primordial escopo de se garantir a harmônica instrução processual, in verbis: “Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória. Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual.” Com efeito, o legislador ao estabelecer referida regra, não limitou referida atuação, deixando sem obstáculos e a discricionariedade da autoridade específica, o desligamento transitório do agente público, criando desta forma, nos termos do direito positivo, uma concessão de poderes ilimitada. Todavia, em que pese à corrente forte do direito positivo, há de se consignar que a concessão de liminar de afastamento do agente público na ação civil pública, por se tratar de medida extrema somente é admissível quando estiverem preenchidos essencialmente os pressupostos do fumus boni juris e do periculum in mora, que se traduz numa razoável expectativa da procedência do direito postulado em virtude da prática de ato de improbidade administrativa, bem como no fundando receio de que a permanência do agente no cargo influenciará efetivamente em dano à produção de provas e escorreita instrução processual. Urge salientar ainda que referido afastamento do cargo tem natureza eminentemente cautelar, e não de antecipação de tutela, motivo pelo qual deve ser levado a termo por prazo determinado, sendo sempre observado os princípios gerais do direito como proposições lógicas fundamentais aptas a conferir o respaldo e a coerência infalíveis a magistral aplicação da lei. Isto porque o escopo da norma é manifesto, no sentido de que o afastamento provisório do agente, tem por finalidade fornecer ao magistrado um instrumento com vistas à busca da verdade real, afiançando a verossímil instrução processual, e via reflexa resguardando qualquer atuação dolosa do agente que macule ou estorve a produção dos elementos essenciais à formação do convencimento da autoridade judiciária. Ao lado disso, assevera-se que a medida cautelar em capítulo resume-se a uma tutela de urgência, a qual somente pode ser concedida diante da efetiva comprovação de que o agente público, alvo da ação, no exercício do cargo e utilizando-se dele, promoveu ou promoverá atos tendentes a comprometer a regular instrução do processo. Ocorre que na realidade, este dito afastamento provisório vem sendo concedido pela as autoridades competentes por períodos indeterminados e sem qualquer prova hábil da deturpação processual, em absoluta ofensa aos princípios norteadores do direito, em especial os princípios do contraditório, da proporcionalidade e da razoabilidade. Com efeito, adentrando na questão da Teoria Geral do Direito, não se pode olvidar que os princípios gerais do direito têm dupla função, vez que orientam tanto o legislador na feitura das normas, quanto o aplicador do Direito, diante de uma lacuna ou omissão legal. Neste diapasão, quadra registrar que, devido ao caráter essencialmente amplo dos Princípios Gerais do Direito, o aplicador do Direito, bem como o legislador, que neles se baseiam, devem ter cautela e limites para a atuação, sob pena busca incoerente a solução para uma determinada situação. Ressalta-se que, para utilizar os Princípios Gerais de Direito, há de existir uma perfeita identidade, entre a situação e o princípio utilizado, sob o aspecto da coerência e harmonia. Neste sentido, aplicando os referidos princípios norteadores aliados a teoria geral do direito, tem-se que para o afastamento cautelar do agente público devem-se ser observados os princípios constitucionais, em especial do contraditório, em razão da própria gravidade do provimento, só se admitindo a sua mitigação em situações extremas, bem como os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, de modo a manter o afastamento cautelar do agente público tão somente pelo exato período necessário a instrução processual, e desde que haja reais indícios de possibilidade de tumulto ou conspurcação da fase instrutiva. Por derradeiro, para arrematar a questão, não poderíamos deixar de embrenhar no estudo do juízo de ponderação e sua aplicação no caso em apreço. Evidencia-se que a doutrina moderna depreende que o juízo de ponderação estabelece ligação permanente com a ideia de que as normas podem revelar-se na forma de princípios, de modo que sua incidência no caso em concreto factivelmente pode ser mitigada quando em choque com outras normas, sem, contudo, perder sua validade jurídica. Robert Dworkin entende que o magistrado quando da aplicação da norma deve ter por base toda a história jurídica da comunidade, suas leis e expectativas, visando sua compreensão, voltando-se para o futuro, construindo soluções coerentes, não dispensando para tanto a dimensão da adequação, impedindo interpretações sem nexo com a história e o texto (DWORKIN, 1999). Já a ponderação no conceito de Robert Alexy[4] cinge-se ao entendimento de que os princípios incitam a sua aplicação e execução em proporções que ultrapassam as medidas ou o grau habitual, enquanto as normas impõem sua ação dentro do fático e juridicamente possível, de modo que um princípio pode ser levado a termo em uma escala variável entre menor ou maior grau, enquanto as regras somente podem ser cumpridas ou não. Ainda no tocante ao tema, Alexy destaca a importância da proporcionalidade para os estudos dos direitos fundamentais, in verbis: “Los principios son mandatos de optimización con respecto a las posibilidades jurídicas y fácticas. La máxima de la proporcionalidad en sentido estricto, es decir, el mandato de ponderación, se sigue de la relativización con respecto a las posibilidades jurídicas. Si una norma de derecho fundamental con carácter de principio entra en colisión con un principio opuesto, entonces la posibilidad jurídica de la realización de la norma de derecho fundamental depende del principio opuesto. Para llegar a una decisión, es necesaria una ponderación en el sentido de la ley de colisión. Como la aplicación de princípios válidos, cuando son aplicables, está ordenada y como para la aplicación en el caso de colisión se requiere una ponderación, el carácter de principio de las normas iusfundamentales implica que, cuando entran en colisión con principios opuestos, está ordenada una ponderación. Pero, esto significa que la máxima de la proporcionalidad en sentido estricto es deducible del carácter de principio de las normas de derecho fundamental.[5]” Por derradeiro, diante de todo exposto e das considerações de Robert Dworkin e Robert Alexy, e levando em consideração ainda o juízo de ponderação na jurisdição constitucional e sua exata aplicação ao parágrafo único do artigo 20 da Lei de Improbidade Administrativa (Lei n° 8.429/92), resta manifesto a necessidade de proporcionalidade na aplicação da norma diante dos princípios constitucionais postos, de modo a garantir a real eficiência da regra e asseverar a observância dos anteditos princípios, em especial o do contraditório, da proporcionalidade e da razoabilidade. Desta forma, é inolvidável que o afastamento cautelar do agente público somente poderá ser levado a termo desde que oferecido o mais amplo contraditório, e, caso evidenciados o fumus boni iuris e o periculum in mora necessários a concessão da tutela de urgência, seja ainda conferido o afastamento preventivo por período certo, determinado e indispensável para a devida instrução processual, devendo a medida ser imediatamente revogada assim que efetivada a instrução. 4.2. Indisponibilidade de bens Outra hipótese de providência cautelar a ser adotada é a indisponibilidade de bens, prevista no artigo 7º da lei nº 8.429/92, que estabelece que quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado, bem como que a indisponibilidade a que se refere o caput do aludido artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito. Neste diapasão, previu a Lei 8.429/92, em seu artigo 7º, a indisponibilidade de bens, que pode ser deferida em caráter liminar, initio litis, desde que concorram os requisitos cumulativos do fumus boni iuris e do periculum in mora, bem como quando se revele bastante provável a lesão ao patrimônio público por ação ou omissão dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, devendo, nessas hipóteses, recair a indisponibilidade sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito. Sobre a matéria, o ilustre doutrinador Nelson Nery Júnior define que a liminar é medida de antecipação provisória de alguns dos efeitos da tutela pretendida de forma principal, efeitos estes que repercutem no plano fático. Analisando individualmente os pressupostos para a concessão da medida, tenho que a fumaça do bom direito consiste na probabilidade, em tese, de vir a ser acolhido pelo Poder Judiciário, o direito material objeto da demanda. O perigo da demora, embora não condicionado à comprovação de que o Agravante poderia estar tentando subtrair seus bens à ação da Justiça, deve decorrer de evidente, concreta e comprovada lesão ao Erário Público, de modo que a medida se torne necessária para garantir o ressarcimento futuro dos danos causados. A indisponibilidade de bens na ação de improbidade administrativa é regida pelos artigos 7º e 16 da Lei nº 8.429/92, que dispõem que havendo fundado indícios de responsabilidade poderá o Ministério Público ou a autoridade administrativa pedir a indisponibilidade e o sequestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público. Tal ação tem por finalidade assegurar a eficácia da condenação final, evitando-se a prática de atos fraudulentos ou dissipação patrimonial com o fim de frustrar a execução da sentença final. Assim, muitas vezes resta manifesta a necessidade de se decretar a indisponibilidade dos bens para evitar que o agente ímprobo possa dilapidar seu patrimônio ou transferi-lo para terceiros. Assim, garante-se que o Estado possa, no final do processo, recuperar as verbas desviadas. O entendimento doutrinário brasileiro vem solidificando seu entendimento de que a indisponibilidade de bens baseia-se no poder geral de cautela do juiz, visando resguardar o ressarcimento aos cofres públicos, e não a indisponibilidade de um determinado bem. Contudo, vale destacar que a indisponibilidade dos bens não deve ser somente determinada sobre o prisma de uma possível dilapidação patrimonial, dos bens que a posteriori seriam utilizados como meio de ressarcimento pelos danos causados ao erário público. Com efeito, resta claro que a indisponibilidade de bens nada mais é, do que medida de segurança do resultado útil do processo (artigos 7º, 9º, 12, inciso I e 18, da Lei nº 8.429/92), evitando a redução à insolvência e, em última análise, a impunidade. A perda de bens opera um provimento jurisdicional condenatório. Todavia, não se pode olvidar que resta patente a necessidade de limitação do raio de incidência da indisponibilidade de bens, uma vez que o gravame deve atingir justamente os valores ilicitamente acrescidos ao patrimônio do agente, sendo proporcional ao dano praticado, devendo limitar-se aos bens suficientes para garantir o débito. Sobre o tema, os tribunais superiores brasileiros vêm firmando o entendimento de que a indisponibilidade de bens configura medida acautelatória, devendo restringir-se ao valor do dano causado ou ao acréscimo patrimonial decorrente da atividade ilícita. 4.3. Sequestro Por fim, evidencia-se que o legislador no artigo 16 da lei nº 8.429/92 garantiu um direito, mediante a imobilização custodiada de bem do agente ímprobo: “Art. 16. Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão representará ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente a decretação do sequestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público. §1º. O pedido de sequestro será processado de acordo com o disposto nos arts. 822 e 825 do Código de Processo Civil. § 2° Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras mantidas pelo indiciado no exterior, nos termos da lei e dos tratados internacionais.” Vale ressaltar, nas palavras de Emerson Garcia que o sequestro “deve recair sobre coisa certa, determinada, não podendo alcançar, genérica e indiscriminadamente, de todo o patrimônio do agente”.[6] Deve-se observar que no que tange o sequestro dos bens do agente, a constrição patrimonial deve se limitar aos bens adquiridos durante o exercício da função pública, mais precisamente àqueles adquiridos a partir e em razão do ato de improbidade administrativa. 5. LIMITES CONSTITUCIONAIS 5.1. Princípios da proporcionalidade e da razoabilidade Referidos princípios, em sua essência, emanam ideias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins; precede e condiciona a positivação jurídica, inclusive de âmbito constitucional; e, ainda, enquanto princípio geral do direito, serve de regra de interpretação para todo o ordenamento jurídico. De acordo com o professor Pedro Lenza[7], como parâmetro, pode-se destacar a necessidade de preenchimento de 03 importantes elementos: a) necessidade: por alguns denominada exigibilidade, a adoção da medida que possa restringir direitos só se legitima se indispensável para o caso concreto e não se puder substituí-la por outra menos gravosa; b) adequação: também chamado de pertinência ou idoneidade, quer significar que o meio escolhido deve atingir o objetivo perquirido; c) proporcionalidade em sentido estrito: sendo a medida necessária e adequada, deve -se investigar se o ato praticado, em termos de realização do objetivo pretendido, supera a restrição a outros valores constitucionalizados. Podemos falar em máxima efetividade e mínima restrição. Sob este prisma, o princípio da proporcionalidade funciona como limitação à discricionariedade administrativa (BARROSO, 2009). Tendo em vista os excessos produzidos nos atos administrativos, o mesmo princípio precisa ser reafirmado pelas decisões judiciais, de modo a consolidar o valor nele impresso. Quanto ao tema, Fredie Didier Junior preceitua que este princípio nos ensina a medida a ser adotada, ao “estabelecer um iter procedimental lógico seguro na tomada de uma decisão, de modo a que se alcance a justiça do caso concreto”.[8] No mesmo sentido são os escólios de Wilson Antônio Steinmetz, salientando ser o instrumento necessário ao operador de direito, que ajuda a balancear o meio ao fim pretendido pela lei, in verbis: “O princípio ordena que a relação entre o fim que se pretende alcançar e o meio utilizado deve ser proporcional, racional, não excessiva, não arbitrária. Isso significa que entre meio e fim deve haver uma relação adequada, necessária e racional ou proporcional.[9]” Igualmente ao princípio da proporcionalidade, a razoabilidade serve como instrumento de valoração do fato concreto em relação ao direito a ser aplicado. Sob o prisma deste princípio, interpreta-se um fato jurídico com base em aspectos qualitativos, adotando por base critérios sociais, culturais, políticos e econômicos, sem se afastar dos parâmetros legais. O julgador atinge os fins pretendidos pela norma jurídica, utilizando-se dos meios adequados, agindo com razoabilidade, pautado no bom senso e na prudência em seus atos, de modo que sejam moderados, aceitáveis e desprovidos de excessos. Todavia, urge salientar que na aplicação das normas constitucionais ao fato concreto, observa-se que os valores contidos na Constituição podem conflitar-se entre si, caso sejam considerados individualmente. É o que ocorre no caso das medidas cautelares. Se o operador do direito aplicar a norma sem antes interpretá-la de acordo com os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, a medida acauteladora perderá seu caráter garantidor e passará a ter um caráter ilegal e constrangedor. Conforme dito alhures, estes princípios emanam ideias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins, etc. Neste diapasão, a adoção de medidas cautelares, seja ela de afastamento do agente público, indisponibilidade ou sequestro de bens, deve ser levada a efeito com a estrita observância aos limites constitucionalmente impostos, a fim de resguardar o devido processo legal e rechaçar os excessos por parte do operador do direito. Em que pese o legislador ordinário ao conferir à autoridade judiciária ou administrativa a faculdade de proceder ao afastamento do agente público de suas funções com o primordial escopo de se garantir a harmônica instrução processual não ter limitado expressamente o período de afastamento, tal limitação não tem o condão de conceder poderes ilimitados ou não impor limites a Administração Pública. À luz do mencionado, resta manifesto que a medida cautelar possui natureza nitidamente transitória, que não deve permanecer até o trânsito em julgado do processo, sob pena de incorrer em ofensa a garantias constitucionais, bem como na inobservância aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. De igual forma, tornar indisponíveis todos os bens do réu, ainda que seu valor total ultrapasse em muito o valor do suposto dano ao erário causado pelo agente, ofende frontalmente referidos princípios constitucionais. Assim, é cediço que a ordem constitucional vigente, consagrou os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, estando estes insertos implicitamente na redação do texto da Constituição Federal. Considerada a força normativa da Carta Constitucional, os princípios nela referenciados provocam reflexo em todo ordenamento jurídico, orientando os operadores do direito para a sua efetivação concreta, evitando-se, via reflexa, abusos e excessos em detrimento das garantias constitucionais. CONCLUSÃO A Lei nº 8.429/92 prevê a aplicação de diversas sanções ao responsável pela prática de um ato de improbidade administrativa: ressarcimento do dano causado ao erário, suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, multa civil, proibição de contratar com o poder público e outras. Entretanto, diante dos preceitos constitucionais, o julgador, na ocasião de concessão de medidas cautelares deverá levar em conta a extensão do dano causado ao patrimônio público e o proveito patrimonial obtido pelo agente aliados aos critérios da proporcionalidade e da razoabilidade, em razão da extrema gravidade das medidas preventivas. A observância dos referidos primados constitucionais, que produzem verdadeiros limites à atuação desmedida do aplicador da norma jurídica, tem o escopo único e exclusivo de se evitar vista do caso concreto, medidas que se mostrem desarrazoadas ou por demais gravosas. Com efeito, referidos princípios constitucionais cingem-se a ferramentas de natureza pública, necessárias a realização da justiça, estando implicitamente insertos no texto constitucional, bem como expressamente em várias legislações infraconstitucionais. Assim, diante da sistemática atual concernente a concessão de medidas cautelares por cometimento de atos de improbidade administrativa, sabe-se que o julgador se encontra diante de limites constitucionais, devendo este eleger a solução necessária, mais coerente, mais adequada, mais prudente, mais apropriada para o caso concreto visando buscar a justiça da decisão, bem como com o intuito de aplicar a lei atendendo aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
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Serviço público de radiodifusão e imagens: violação e controle dos preceitos constitucionais atinentes à programação das emissoras de TV
O presente artigo jurídico tem por escopo apresentar o sistema televisivo brasileiro sob o aspecto constitucional e legal, inolvidando a sua realidade fática hodierna. Tal sistema é revelado e definido como serviço público de radiodifusão de sons e imagens, decorrendo, daí, um fluxo de normas (princípios e regras) que objetivam delinear o espaço pelo qual os executores do serviço possam exercer legitimamente a atividade televisiva brasileira. A observação do conteúdo das programações veiculadas pelas emissoras de TV à luz do modelo do serviço esboçado pela Constituição Federal de 1988 revela uma inadequação do serviço prestado pelos concessionários, permitindo, assim, a visualização de problemas relacionados à execução do serviço público prestado. Para além dos problemas revelados, conjecturou-se hipóteses jurídicas como forma de se solucionar as principais mazelas desveladas. Destarte, a importância social desse meio de comunicação mais disseminado no País torna substancialmente relevante uma reflexão sobre a sua capacidade de influência e propagação de informações.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO A televisão, seguramente, é um dos principais meios de divulgação e disseminação de informações da nossa era. Percebe-se, então, de antemão e sem muitas dificuldades, a avultada relevância que esse sistema eletrônico possui para a sociedade que a utiliza. A importância dessa atividade de veiculação é tão excrescente que se constitui como o principal fundamento de sua natureza pública. Tratando-se de um autêntico serviço público, a titularidade da execução do serviço de radiodifusão de sons e imagens (televisão) é atribuída à União, consoante expressa a alínea “a” contida no Inc. XII do art. 21 da Constituição Federal. Porém, o mesmo dispositivo valida a delegação do serviço a particulares pelo ente federativo, planeando justamente neste cerne o ponto nodal do presente tema. Com efeito, a atividade prestada pelos concessionários deve receber o fluxo das normas de direito público, cabendo ao Estado regulamentar e controlar o serviço para adequá-lo às diretrizes constitucionais e legais presentes no ordenamento jurídico. Entretanto, percebe-se que este controle administrativo não é efetuado a contento e isto por mais de uma razão. A uma porque a televisão é um grande instrumento de concretização da democracia em função da possibilidade material que oferece à liberdade de expressão, a qual, por ser um direito fundamental, reclama muita cautela no momento de uma eventual compressão. E a duas porque a mídia televisiva tem uma forte relação com a política em função do robusto impacto social que exerce. Destarte, o presente trabalho se propõe a investigar os principais problemas visualizados na execução do serviço e demonstrar a extensão de eventuais lesões morais e intelectuais que os usuários do serviço estão vulneráveis. Em outras palavras: Por que as determinações constitucionais não são adimplidas? Por que o principal diploma legal sobre a matéria mostra-se defasado? A falta de controle do conteúdo veiculado nas programações de TV ocasiona efeitos danosos à sociedade telespectadora? Em que proporção? Mas não é só. Percebendo que a análise crítica do instituto com o consequente delineamento dos problemas é insuficiente para uma contribuição progressiva ao setor, a pesquisa pretende, ainda, conjecturar hipóteses como forma de levar ao leitor uma solução jurídica conveniente para a adequação do serviço à Lei. Assim, para um melhor aprofundamento do tema e dos problemas relacionados, foram identificadas as razões que justificam a relevância do serviço público televisivo; destacado os bens jurídicos que são expressos em sua atividade, bem como aqueles que são violentados; demonstrado a necessidade de regulamentação e controle da atividade realizada pelos concessionários à luz dos problemas identificados; analisado a figura sui generis do contrato de concessão do serviço; conjecturado soluções aos problemas demonstrados e verificado, à luz do campo teórico existente, a plausibilidade das hipóteses propostas para a solução dos problemas revelados. Para tal mister, além da utilização da pesquisa bibliográfica e da consulta as principais determinações legais emanadas do ordenamento jurídico pátrio, foram coletadas informações atinentes às ações processuais ajuizadas no judiciário brasileiro, como parte empírica de analisar a efetividade do controle jurisdicional tupiniquim no serviço público, além de pesquisas que demonstram o grau de influência que a TV exerce na sociedade. Com o intuito de situar o leitor na contextualização histórica da regulamentação da radiodifusão no Brasil, o primeiro capítulo apresenta as principais fontes legais do serviço, desde o início do controle estatal até o advento daquele que viria a ser o primeiro diploma legal específico sobre a matéria, a saber, o Código Brasileiro de Telecomunicações – CBT. Nos capítulos seguintes a pesquisa é desenvolvida de forma a vivificar substancialmente a metodologia descrita. 1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA REGULAMENTAÇÃO DA RADIODIFUSÃO NO BRASIL A primeira regulamentação da radiodifusão no Brasil ocorreu na década de 1930, quando, no Governo Vargas, adveio o Decreto n.º 20.047/31, posteriormente regulamentado pelo Decreto n.º 21.111/32. A partir de tal diploma, as transmissões radiofônicas (a TV ainda não havia surgido) passaram a ser disciplinadas por tal norma, a qual estabeleceu uma finalidade educacional ao serviço, atribuiu o monopólio de exploração do serviço à União e permitiu a delegação da atividade pública a entes particulares, senão vejamos: “Art. 12. O serviço de radiodifusão é considerado de interesse nacional e de finalidade educacional.§1º O Governo da União promoverá a unificação dos serviços de radiodifusão, no sentido de constituir uma rede nacional que atenda aos objetivos de tais serviços. §2º As estações da rede nacional de radiodifusão poderão ser instaladas e trafegadas, mediante concessão, por sociedades civis ou empresas brasileiras idôneas, ou pela própria União, obedecendo a todas as exigências educacionais e técnicas que forem estabelecidas pelo Governo Federal.” (grifo nosso) Esse sistema legal, constituído por tais Decretos, foi mantido pela Constituição de 1934, a qual reproduziu a regra de competência privativa da União para a exploração do serviço, estabelecendo, ainda, restrições à propriedade das empresas “jornalísticas, políticas ou noticiosas”: “Art 5º – Compete privativamente à União:(…)VIII – explorar ou dar em concessão os serviços telégrafos, radiocomunicação e navegação aérea, inclusive as instalações de pouso, bem como as vias-férreas que liguem diretamente portos marítimos a fronteiras nacionais, ou transponham os limites de um Estado. Art 131 – É vedada a propriedade de empresas jornalísticas, políticas ou noticiosas a sociedades anônimas por ações ao portador e a estrangeiros. Estes e as pessoas jurídicas não podem ser acionistas das sociedades anônimas proprietárias de tais empresas.”[1] Na constituição de 1937, os dispositivos insculpidas nos decretos foram mantidos, dada a força política e a atração econômica desse veículo de comunicação no meio social, com o destaque de que, pela primeira vez, o termo radiodifusão foi empregado no texto constitucional. Na Carta Magna de 1946 tais dispositivos foram igualmente mantidos e, o Texto de 1967, assim como os antecedentes, repete a regra da competência privada da União para exploração e regulamentação dos serviços de telecomunicações, prevendo, porém, a necessidade de assentimento prévio do Conselho de Segurança Nacional para a concessão e instalação de meios de comunicação em áreas indispensáveis à segurança nacional[2]. Deste modo, o sistema constituído pelos Decretos n.ºs 20.047/31 e 21.111/32, vigeu até o advento do Código Brasileiro de Telecomunicações – Lei n.º 4.117/1962, o qual passou a ser a principal fonte legal específica de regulamentação do serviço de radiodifusão, revogando os diplomas anteriores. 1.1. O CÓDIGO BRASILEIRO DE TELECOMUNICAÇÕES (CBT) Com a popularização do rádio brasileiro em 1940, o despontar da televisão em 1950[3], os avanços tecnológicos ocorridos na época e uma forte pressão proveniente dos empresários da radiodifusão em função da insegurança jurídica que argumentavam estarem submetidos[4] – consubstanciada no sistema de censura prévia e de um suposto controle abusivo governamental em suas programações -, tornou-se imperioso uma novel legislação que se adequasse à nova realidade tecnológica vigente, razão pela qual tais fatos impulsionaram a instituição do Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT) – Lei n.º 4.117/1962. Mantendo a titularidade do serviço à União, o CBT permitiu a delegação da execução da atividade pública a entes particulares: “Art. 32. Os serviços de radiodifusão, nos quais se compreendem os de televisão, serão executados diretamente pela União ou através de concessão, autorização ou permissão. Art. 33. Os serviços de telecomunicações, não executados diretamente pela União, poderão ser explorados por concessão, autorização ou permissão, observadas as disposições da presente lei. §3º Os prazos de concessão e autorização serão de 10 (dez) anos para o serviço de radiodifusão sonora e de 15 (quinze) anos para o de televisão, podendo ser renovados por períodos sucessivos e iguais se os concessionários houverem cumprido todas as obrigações legais e contratuais, mantido a mesma idoneidade técnica, financeira e moral, e atendido o interesse público (art. 29, X)”. Quanto à finalidade do serviço, dispôs: Art. 38. Nas concessões, permissões ou autorizações para explorar serviços de radiodifusão, serão observados, além de outros requisitos, os seguintes preceitos e cláusulas: (…) d) os serviços de informação, divertimento, propaganda e publicidade das emprêsas de radiodifusão estão subordinadas às finalidades educativas e culturais inerentes à radiodifusão, visando aos superiores interesses do País; (…). Inobstante o artigo 38, alínea d determinar que toda programação das emissoras de radiodifusão deve estar subordinada às finalidades educativas e culturais, visando os superiores interesses do País, Gaspar Viana denuncia a omissão do CBT no que toca a questões importantes para o progresso do setor, tal qual o próprio estabelecimento de normas fundamentais sobre a programação das emissoras e suas finalidades[5]. Deveras, a inserção de apenas um isolado preceito normativo relativo à submissão do conteúdo veiculado no sistema radiodifusor à finalidade educacional e cultural não foi suficiente ao sucesso do próprio dispositivo legal, o qual se tornou estéril e obsoleto, dentre outras razões, em virtude de sua parte final que atrelava a finalidade do serviço aos superiores interesses do País, silenciando sobre a própria definição do que vem a ser um “superior interesse do país”, motivo pelo qual o alcance de discricionariedade do aplicador/integrador da norma tornou-se tão elevado que acabou por embaraçar qualquer tentativa séria de dar efetividade ao mandamento legal. Tampouco o Decreto n.º 52.795/63, que aprovou o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão, específico para os veículos de radiodifusão sonora e de sons e imagens, estabelecendo a finalidade do serviço[6], teve aptidão para levar aos usuários do serviço uma fonte de libertação através da educação e cultura. Isso porque apenas cinco meses após o lançamento do Decreto ocorreu o Golpe de Estado de 1964 que levou o país a um período ditatorial, deslocando a finalidade do serviço público aos interesses militares de dominação. Destarte, incomplexo perceber que essa legislação solitária, a qual continua sendo o regulamento básico sobre a radiodifusão por razões que serão delineadas oportunamente, é inócua à germinação de uma programação eminentemente sadia, o que ocasiona, fatalmente, a imprescindibilidade de uma candente diretriz político-jurídica que afinque ao serviço um arquétipo substancial de finalidades bem tracejadas. Nossa atual Carta Magna o fez. 2. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E SUA POLÍTICA NO SETOR Abandonando o regime de ditadura militar que intervinha rijamente no setor, principalmente através da censura e de alianças políticas com as emissoras televisivas[7], a Constituição Federal de 1988, agora democrática e liberal, inicia o capítulo que trata da comunicação social garantindo a plena liberdade de comunicação: “Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.” (grifo nosso) Com a ressalva de que qualquer veículo de comunicação somente poderá curvar-se à contenção Política Estatal na exclusiva hipótese de disposições constitucionais atinentes, fez bem o Órgão Constituinte ao elaborar um conjunto de princípios e preceitos relativos ao conteúdo veiculado nas programações de televisão, consoante algumas prescrições dos artigos 220 e 221, senão vejamos: “Art. 220. (…) §3º Compete à lei federal: I – regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada; II – estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente. (…) Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.”. Com efeito, as prescrições citadas delineiam substancialmente a finalidade precípua do serviço, impõem limites valorativos ao conteúdo veiculado nas programações televisivas e asseguram aos usuários do serviço a disposição de meios legais específicos de combate às eventuais mazelas alastradas pelos executores da atividade pública. Impondo-se o princípio da máxima efetividade constitucional que orienta o exegeta a desempenhar uma interpretação que privilegie a máxima efetividade das normas constitucionais – por não existirem aquelas que sejam meramente aconselhatórias -, percebe-se que os princípios insculpidos no artigo 221 (exceto o Inc. III) têm densidade suficiente para serem aplicados no serviço público desde seu nascimento, malgrado o inciso IV determinar o respeito à valores éticos e sociais, omitindo a delimitação de seu conteúdo. Isso porque tais valores são todos aqueles que gravitam em torno da própria Constituição e que fundamentam a sua própria razão de existência. Nesse diapasão, Fontes Junior entende que tais valores estão presentes na própria Carta Magna, onde destaca os amplos princípios e objetivos fundamentais do Estado Brasileiro, a saber, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político e a promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação[8]. Portanto, observa-se que a Maior Lei Brasileira determina expressamente que o serviço público de radiodifusão de sons e imagens seja um veículo que transmita, em seu maior tempo diário[9], educação, cultura (nacional e regional), informação e arte, sempre resguardando os valores éticos e sociais da sociedade. Destarte, uma vez que a grande maioria dos executores do serviço são entes particulares concessionários do Poder Público concedente, torna-se premente um rigor fiscalizatório, por parte do Estado, no que toca à observação do conteúdo veiculado nas programações de televisão à luz das imposições constitucionais no setor, porquanto é dever da Administração Pública adequar o serviço público ao modelo esboçado e anunciado pela Lei, em caso de violação dos executores do serviço aos próprios ditames legais[10]. Visto o modelo do serviço de radiodifusão de sons e imagens delineado pela Carta Magna, resta saber não apenas se os executores da atividade pública desempenham o serviço substancialmente de maneira legal, mas, outrossim, se a Administração Pública realiza seu dever de salvaguarda para a hipótese de inadequação substancial do serviço prestado pelos particulares. 3. DA INADEQUAÇÃO SUBSTANCIAL DO SERVIÇO PRESTADO Dada a evidência de que a maioria dos executores da radiodifusão brasileira são entidades particulares – concessionários –, torna-se premente investigar a razão pela qual esses entes privados têm a intenção de executar o serviço público televisivo, com vistas a desvelar a práxis que configura a atividade pública desempenhada por delegação. Ora, é amplamente sabido que as empresas privadas objetivam lucro na execução de suas atividades e, ipso facto, com os delegatários da radiodifusão não é diferente. Com o objetivo de obter o maior proveito pecuniário possível, as emissoras concessionárias executam a atividade televisiva de forma a proporcionar o seu primordial interesse capitalista. Nesse diapasão, alerta Fontes Júnior: “(…) destinando-se prioritariamente ao lucro proporcionado pela publicidade, a televisão privada vende uma audiência aos patrocinadores, sendo tanto mais eficiente a atividade quanto maior for a assistência do canal. Delineia-se assim a face cruel deste modelo, posto que produz uma programação destinada em razão direta da capacidade de consumo das diversas faixas de audiência, o que conduz à crescente exclusão das camadas sociais mais pobres da população, coincidentes com os grupos tradicionalmente excluídos e discriminados por critérios raciais, étnicos ou pelo simples fato de serem pobres.”[11] Adverte-se que não se olvida a perfeita possibilidade de congruência do Poder Público firmar um contrato de concessão com um ente privado – o qual sempre objetiva lucro – para a execução de um serviço público, haja vista que os interesses podem e devem ocorrer de modo que cada qual tenha sucesso em relação às suas conveniências manifestadas no pacto contratual. O que figura-se inadmissível é a hipótese de uma atividade pública que deve ser executada com finalidade pública e social ser desvirtuada vultuosamente aos interesses do particular que a exerce, ocasionando, assim, uma ignominiosa lesão as normas jurídicas que afincam o modo pelo qual a atividade pública deve ser exercida. Esse é o cenário que não escapa à realidade televisiva brasileira, de sorte que, objetivando angariar a maior audiência possível, as emissoras tupiniquins veiculam todo tipo de matéria (objeto da programação) que traga consigo o condão de acorrentar a atenção dos telespectadores, os quais antes de exercer uma crítica sobre o conteúdo da programação e assim poder filtrar as moléstias alguergadas no objeto veiculado – mudando de canal ou desligando o televisor v.g. –, a assistem calorosamente com o intuito de ver o final do enredo orquestrado por alguém que, em contraste com o dever constitucional de selecionar os conteúdos transmitidos, visa tão somente intensificar a sua capacidade lucrativa. Eis a pertinência da denúncia de FONTES JÚNIOR (2001, pág. 117): “Assiste-se também na televisão privada à crescente degradação da programação, conduzida pela ditadura dos índices de audiência, atualmente acompanhados diretamente pelos apresentadores dos talk shows, que controlam as atrações em razão dos resultados captados em tempo real por sofisticados instrumentos de medição de assistência.[12] (grifo nosso)” Como visto, o interesse dos executores do serviço público resume-se, primordialmente ao angariamento de lucro proporcionado pela publicidade que, em última análise, financia a programação veiculada. Nessa esteira: “Como um dos mais influentes meios de comunicação social, a televisão deveria receber efetivamente um tratamento privilegiado, de sorte a se evitar que interesses privados tenham tanta influência sobre a definição da programação veiculada, resguardando, assim, os princípios consagrados no art. 221 da CF/88, válidos para a programação televisiva. Isso porque a disputa pela audiência a qualquer preço não pode representar elemento primordial da definição dos objetivos da televisão brasileira, sob pena de degradação do seu conteúdo, algo claramente observável na programação atual dos canais abertos.”[13] (grifo nosso) Destarte, o produto dessa conjuntura só poderia resultar em uma programação degradada que, além de intentar agrilhoar a mente dos telespectadores através de uma variedade de técnicas persuasivas (v.g., mensagem subliminar), induz e compele ao consumo de produtos e serviços desnecessários – os quais muitas vezes são prejudiciais à saúde –, traduzindo a ideia de que sem os quais o homem não poderia se realizar, razão pela qual seria ultrapassado e rejeitado por aqueles que “adquiriram o tênis com a mais nova tecnologia”[14]. Daí a perceber a íntima relação existente entre o serviço e a publicidade, denotando, assim, o caráter comercial da televisão, como bem assevera RODRIGUES JÚNIOR (2009, pág. 18): “(…) os interesses e a busca desenfreada pelo lucro dificultam (ou até mesmo impedem) que os meios de comunicação social desfrutem de sua liberdade de expressão para informar a opinião pública e disseminar ideias e opiniões de verdadeiro interesse público.”[15] Mas não é somente a estrutura comercial da televisão que ocasiona o envilecimento da programação veiculada, exercendo a política[16], outrossim, um árdego impacto contraproducente sobre o conteúdo das programações televisivas. Com efeito, a Política Estatal originária atinente ao setor televisivo traçada pela Constituição da República de 1988 enquadrava os serviços públicos de radiodifusão como espécie do gênero serviços de telecomunicações, razão pela qual as regras gerais concernentes a este último seriam aplicadas àquele. Ocorre que com a reforma administrativa efetuada pelo Estado através da Emenda Constitucional n.º 8/95, rompeu-se com a classificação, recorrente desde os primórdios, dos serviços de rádio e televisão como espécie do gênero telecomunicações. Tal inovação jurídica é assim descrita por CÉSAR RAMOS (2000, pág. 169): “[…] rádio e televisão eram, como não poderiam deixar de ser, serviços de telecomunicações. Isto até que, mais de seis décadas depois, o legislador decidisse inovar, ao reformar, em 15 de agosto de 1995, a Constituição Federal no tocante aos serviços de telecomunicações. Por um estranho desígnio político legislativo, até agora escassamente conhecido, por isto pouquíssimo debatido no Brasil, a radiodifusão deixou de ser serviço de telecomunicações para se transformar em um serviço por si só singular, criando uma situação técnico-jurídica inédita no mundo de repercussões ainda por verificar.”[17] Para explicar tal incidente inovador, o autor supracitado sustenta a tese segundo a qual durante o período de quase seis meses que se passou entre a apresentação da PEC e sua aprovação no Congresso Nacional, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), mediante intenso lobby junto aos congressistas, teria optado por apartar a radiodifusão da classificação de serviços de telecomunicações para esquivar-se do âmbito de controle do novo órgão regulador do setor: “Os órgãos reguladores sempre foram um elemento decisivo nas pautas políticas da ABERT. Desde que o regime militar pôs fim ao CONTEL, centralizando no Ministério das Comunicações todo o poder de política para o setor, esta situação jamais deixou de servir aos interesses do lobby da radiodifusão. Acesso e informação privilegiados, intransparência, capacidade de impor nomes de dirigentes estatais – de ministros a chefes de departamentos e serviços. Tudo isso beneficiava a indústria da radiodifusão e não foi por outra razão que, durante o processo de elaboração da Constituição Federal de 1988, a Comunicação Social tornou-se o capítulo mais polêmico. Mais polêmico até do que a reforma agrária. E, entre os pontos de maior polarização, estava a proposta, encaminhada pela Federação Nacional dos Jornalistas, de instituição de um Conselho Nacional de Comunicação, com poder de elaborar políticas e regular, de forma colegiada, todo o setor, inclusive, e, principalmente, a radiodifusão. […] Assim, dada essa história, antiga e recente, de rejeição a órgãos reguladores, por que iria agora a ABERT submeter-se a um deles? […] para assegurar a continuidade de sua maior autonomia possível diante dos poderes estatais e dos controles da sociedade, a indústria da radiodifusão optou pela inovação técnico-jurídica de situar-se como serviço singular, constitucionalmente estabelecido, e não como serviço de telecomunicações, tal qual ocorre nos demais países do mundo.”[18] Deveras, a alteração constitucional operada pela Emenda n.º 8/95 determinou a criação de um Órgão regulador para os serviços de telecomunicações, razão pela qual foi elaborada a Lei n.º 9.472/97 – Lei Geral de Telecomunicações (LGT) –, a qual criou a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL – como entidade integrante da Administração Pública Federal Indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada ao Ministério das Comunicações, com a primordial função de fiscalizar, controlar, regular e adequar os serviços de telecomunicações às determinações legais. Porém, como visto, a mesma alteração constitucional excluiu os serviços de radiodifusão como gênero dos serviços de telecomunicações, fato que promoveu a insubmissão dos concessionários executores do serviço televisivo à Lei criadora da ANATEL, motivo por que o Código Brasileiro de Telecomunicações – CBT – (Lei n.º 4.117/1962) continua sendo o principal diploma normativo do setor. É exatamente o que se depreende do art. 215 das “Disposições Finais Transitórias” da Lei Geral de Telecomunicações: “Art. 215. Ficam revogados: I – a Lei nº 4.117 de 27 de agosto de 1962, salvo quanto a matéria penal não tratada nesta Lei e quanto aos preceitos relativos à radiodifusão.” (grifo nosso) Tal acontecido supracitado revela-se como um dos exemplos reais de interferência política no ramo da comunicação social e constitui objeto de crítica por um dos maiores administrativistas brasileiros, qual seja, BANDEIRA DE MELLO (2001, páginas 484-485): “Pior, entretanto, é a situação em relação a alguns serviços de telecomunicações: os de radiodifusão sonora e de sons e imagens (rádio e televisão), que, a teor do art. 221 da mesma lei 9.472 (Lei da ANATEL), terão sua outorga excluída da jurisdição da Agência, permanecendo no âmbito de competência do Executivo. Como se sabe, a distribuição de canais de televisão e de rádio, tradicionalmente é feita ao sabor do Executivo, para atender a interesses pessoais ou políticos de pessoas ou grupos, sem quaisquer critérios objetivos que permitam controlar-lhes a juridicidade.”[19] (grifo nosso) Ao observar a forte penetração da política no serviço televisivo, é natural inquirir sobre os principais objetivos dos agentes políticos ao realizarem políticas de boa vizinhança que têm por objeto alguma espécie de regramento ao serviço de radiodifusão de sons e imagens executado pelas emissoras de TV. Nesse diapasão, pode-se conjecturar que o interesse político de agentes estadistas na televisão irradia-se em várias vertentes, dentre as quais destaca-se o forte impacto social que a televisão exerce com capacidade de formar a “opinião pública” tão necessária a criação de uma imagem de valor às instituições e agentes políticos, como bem assevera BONAVIDES (2001, páginas 462-463): “Na sociedade de massas, de índole coletivista, a opinião parece ´racionalizada´ em suas fontes formadoras, mediante o emprego da técnica, com todos os recursos científicos de comunicação de massas – a imprensa, o rádio e a televisão – deliberadamente conjugados, a compor um extenso laboratório de ´criação´ da opinião, para atender a interesses maciços de grupos ou poderes governantes, acreditando-se, no entanto cada vez menos no teor racional dessa opinião, que todos reconhecem ou proclamam uma força feita irretorquivelmente de sentimentos e emoções. […] Os jornais, as estações de rádio e televisão, seus redatores, seus colaboradores, seus comentaristas, escrevendo as colunas políticas e sociais, programando os noticiários, preparando as emissões radiofônicas, fazendo os grandes êxitos da televisão, constituem os veículos que conduzem a opinião e a elaboram (quando não a recebem já elaborada, com a palavra de ordem, que ´vem lá de cima´), pois as massas, salvo parcelas humanas sociologicamente irrelevantes, se cingem simplesmente a recebê-la e adotá-la de maneira passiva, dando-lhe chancela de ´pública´ […].”[20] Ex positis, percebe-se que a última preocupação dos concessionários do serviço de radiodifusão é a de ter compromisso social na veiculação de suas programações, governando a atividade televisiva ao seu talante para que atinja a sua verdadeira finalidade, qual seja, obter proveitos próprios – econômicos ou políticos – com ou sem o conluio de agentes políticos. Daí a perceber limpidamente o desvio de finalidade do serviço público operado pelos concessionários, o que ocasiona consequentemente a inadequação substancial do serviço prestado, motivo pelo qual torna-se indispensável dar eficácia social aos dispositivos constitucionais atinentes à televisão para, somente então, vivificar as letras da lei até então olvidadas pelo Estado. 3.1. DA (MÁ) INFLUÊNCIA EXERCIDA ATRAVÉS DA TELEVISÃO Demonstrado que o serviço de radiodifusão de sons e imagens não é executado de forma constitucional, volta-se, doravante, à reflexão sobre os efeitos de uma programação veiculada de maneira a atrair a atenção dos telespectadores – seja, como visto, para angariar audiência e assim obter lucro, seja para promover a “opinião pública” –. Nessa linha, perquire-se: Qual o grau de impacto que a TV exerce nos telespectadores? Para se saber a extensão da influência da televisão diretamente nos usuários do serviço e indiretamente na sociedade como um todo, torna-se inadiável esclarecer que esta pesquisa intenciona verificar a força da TV no meio social sob duas óticas, quais sejam, a perspectiva comum identificada na experiência individual do senso comum – a qual prescinde de qualquer demonstração “científica”, bastando a natural impressão do indivíduo – e a perspectiva que traz em si algum nível de “cientificidade” em razão de sua característica estatística. Sob o primeiro ângulo – senso comum –, o que há de se perceber é uma penetrante influência direta da televisão nos telespectadores em virtude da capacidade que o meio de comunicação mais acessível ao povo brasileiro tem de inculcar ideias e valores por meio de suas programações. Sob tal aspecto, assim pronuncia FONTES JÚNIOR (2001, pág. 17): “Com efeito, o nível de desenvolvimento de uma sociedade também pode ser aferido pela sua comunicação social: é que através desta são veiculados os valores culturais de um povo, revelando o seu comprometimento com o respeito aos direitos das pessoas e com a dignidade inerente à condição humana, constituindo-se este, seguramente, o melhor índice de medição do desenvolvimento humano. Especialmente a partir da televisão, que veio a se tornar o grande veículo de comunicação de massas, a comunicação social, para além de refletir os valores sociais, passou também a fomentá-los, exercendo uma influência marcante na sociedade. Tornou-se assim um fenômeno incontornável, a ser considerado em qualquer instância em que se pense a vida de uma nação.”[21] (grifo nosso)  Ainda há uma influência indireta no corpo social na medida em que tais ideias e valores injetados nos usuários do serviço são comumente repassados por estes nas suas relações familiares, profissionais, políticas, religiosas e sociais. Deveras, os assuntos mais levantados e discutidos em reuniões sociais latu sensu normalmente são aqueles que estão em voga na TV, hipótese em que tende a limitar a habilidade do ser humano de debater assuntos mais próximos de si, os quais se fossem mais triscados certamente teriam o condão de aperfeiçoá-lo na sua trajetória de vida, diminuindo assim as suas possíveis deficiências pessoais. A segunda ótica pela qual se discorrerá sobre o grau de influência da TV na sociedade é aquela que pretende trazer maior segurança e confiabilidade nas suas respostas em virtude de sua maneira sistemática e objetiva de se pesquisar. Tais estudos – os quais levantaram convincentes respostas da abrasada capacidade que a televisão tem se influenciar os seus telespectadores – foram anexados ao final deste trabalho em razão da melhor exposição em que se encontrará ao anexá-los como parte integrante desta pesquisa eminentemente jurídica. Nada obstante, é possível inferir das pesquisas anexadas que há uma convergência conclusiva dos dois modos pelos quais este trabalho se dedicou a discorrer e demonstrar o alcance e a  proporção que a radiodifusão de sons e imagens exerce sobre toda uma sociedade. Isso porque as duas perspectivas trabalhadas revelaram um afogueado impacto da TV sob seus telespectadores, razão pela qual pode-se dizer que uma corroborou a hipótese d´outra, favorecendo, ipso facto, uma resposta digna de plausibilidade. Ex postis, reconhecendo que há influência da TV sob a sociedade e que, consoante tópico anterior, a execução do serviço mostra-se inadequada em razão da degradação da programação que é veiculada, pode-se concluir sem receio que há uma má influência exercida pela Televisão, consoante, outrossim, inferência da seguinte passagem protagonizada por Fontes Júnior: “[…] há uma convergência de opiniões para o fenômeno da ditadura da audiência, que leva as emissoras a buscar mais acontecimentos espetaculares, banalizando o trabalho jornalístico, sem responsabilidade ética ou para com a dignidade da pessoa humana, amiúde aviltada em nome dos lucros proporcionados pelos patrocinadores.”[22] 4. DA IMPRESCINDIBILIDADE DE UM CONTROLE TELEVISIVO EFICAZ “[…] no Brasil a televisão é um poder sem controle. Na maioria dos países com democracias consolidadas secularmente existem regras e mecanismos claros impondo limites à TV. Aqui ela corre solta, regida por um Código de Radiodifusão de 1962, defasado tecnológica e culturalmente em mais de 50 anos. Quando foi aprovado, a nossa televisão era em preto-e-branco e a sociedade ainda não havia conhecido a mini-saia e a pílula anticoncepcional. Quem tem uma lei tão anacrônica, na verdade não tem lei alguma. É por isso que a televisão faz o que quer […]. No âmbito dos valores éticos, nós só chegamos a esse ponto porque sempre houve condescendência com aqueles que detêm concessões de canais de TV.”[23] Visto a importância do serviço público de radiodifusão de sons e imagens para uma nação em virtude de suas imensas capacidades relatadas; visto a caracterização do serviço como público; visto as determinações constitucionais atinentes ao setor e posteriormente demonstrado a inadequação substancial do serviço prestado pelos concessionários, revela-se eminentemente imprescindível um rigor fiscalizatório por parte do Estado para que haja a adequação substancial do serviço prestado de forma inadequada. Aliás, essa é a conclusão lógica e inarredável que deriva de todos os aspectos negativos que gravitam em torno do serviço, os quais foram descritos nos tópicos anteriores. Estriando as razões que conduzem à necessidade de um controle efetivo, para além da adequação do serviço aos ditames legais e constitucionais atinentes ao setor, RODRIGUES JÚNIOR (2009, pág. 144) leciona:“[…] os meios de comunicação social tornaram-se, principalmente com a televisão, um poder incontrolável dentro da democracia, daí por que é imprescindível a existência de controles efetivos sobre eles a fim de que sejam estabelecidos os limites de sua atuação e fixadas as respectivas responsabilidades pela ação ou omissão inadequadas ao regime democrático, visando a garantir, antes de tudo, “uma ordem de valores fundada no carácter transcendente da dignidade da pessoa humana”. […] Em suma: a necessidade de controle efetivo dos meios de comunicação social é absolutamente imperiosa. No entanto, para que esse controle não seja arbitrário, devem ser observados dois fatores fundamentais: a garantia da pluralidade de ideias e a garantia de qualidade da programação.”[24] (grifo nosso) Daí a perceber que para o citador autor o controle televisivo deve garantir a pluralidade de ideias – numa clara manifestação da democracia –, além de assegurar a qualidade da programação veiculada. Enquanto a primeira garantia deve tomar forma para se resguardar o serviço de uma uniformização ideológica, informativa e formativa de mentalidades que acarretariam a manipulação das massas, a segunda serviria para frear os abusos cometidos pelas emissoras em suas programações, como bem anota o autor: “[…] entretanto, a concorrência acirrada entre as empresas de mídia é fator preponderante para a péssima qualidade da grande maioria dos programas. Em busca da audiência, apela-se para todo e qualquer tipo de artifício, em total desconsideração com valores fundamentais da pessoa humana. Na verdade, a “informação televisiva é essencialmente um divertimento, um espetáculo”, e ela “se nutre fundamentalmente de sangue, de violência e de morte”, receita segura e sempre apta a seduzir o público.”[25] Deveras, a imprescindibilidade de um controle efetivo se torna premente não apenas para se adequar o serviço às disposições legais e constitucionais atinentes especificamente ao setor, mas, outrossim, para florescer outros valores expressos na Carta Magna (a exemplo das duas garantias supra-citadas) em um meio de comunicação rijamente disseminador. 4.1. CONTROLE X CENSURA Visto a necessidade premente de um controle a ser realizado pelo Poder Público – detentor da titularidade da execução do serviço – na atividade televisiva desempenhada delegadamente, forçoso reconhecer que se torna imperioso descortinar as distinções jurídicas de dois institutos, quais sejam, o controle administrativo e a censura, os quais, inobstante parecerem apresentar, à primeira vista, semelhanças e afinidades, estão essencialmente distanciados no quadro do ordenamento jurídico pátrio. Com efeito, observa-se que tanto a censura como o controle administrativo (ou mesmo judicial, em última ratio) podem se caracterizar, juridicamente, como atos de intervenção – in specie, na execução do serviço público de radiodifusão de sons e imagens – que o Poder Público efetua como modo de adequar o serviço ao seu interesse. Enquanto o primeiro (censura) é inadmissível por imposição constitucional, o segundo (controle administrativo) enquadra-se, formal e substancialmente, de maneira absolutamente legal no Corpo de Leis Jurídicas Brasileiras, como segue pelas razões adiante estriadas. No tocante à censura, dispõe a nossa Carta Política: “Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. (…) § 2º – É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.” (grifo nosso) Deveras, a censura, bastante utilizada no período do regime militar autoritário brasileiro (1964-1985) para impedir, obstar e represar toda espécie de informação e manifestação que trouxesse consigo qualquer aptidão para embaraçar a política militarista, foi definitivamente abolida pela atual Constituição de 1988, razão pela qual qualquer balbuciação estatal em aplicá-la a quaisquer veículos de transmissão de informações estará inevitavelmente eivado de vício de inconstitucionalidade. Diferentemente do que ocorre com o controle administrativo como demonstraremos ao diante, a censura se caracteriza pela arbitrariedade peculiar ao seu modo de ser. Tal característica é prognosticada pela incontestabilidade da decisão que censura algo, de modo que, uma vez lançada a censura (a posteriori) não haverá qualquer possibilidade de se discutir a decisão limitativa. Dito francamente: A decisão estatal de censura não permite controvérsia[26]. Ocorre que a maioria das vezes em que a censura se manifesta é a priori, ou seja, consiste na submissão à deliberação discricionária da Administração Pública do conteúdo de uma manifestação de pensamento como condição prévia de sua veiculação, pautada por critérios de ordem política ou moral (RODRIGUES JUNIOR, 2009, p. 153). Daí por que observa-se que esta forma de censura – a priori – normalmente encontra amparo legal nos ordenamentos jurídicos constituídos sob ditadura, motivo pelo qual não poderia eivar-se de vícios de ilegalidade e/ou inconstitucionalidade, o que tornaria difícil a visualização clara de suas distinções essenciais do controle administrativo.  Porém, é na função teleológica do instituto que se encontrará os verdadeiros fundamentos de sua existência e que o apartará definitivamente do conceito de controle administrativo.  Pois bem. Malgrado gozar de sustentação lícita nas Legislações que o legitimam, a censura não cessará de carregar consigo a sua característica intrínseca de arbitrariedade, porquanto o próprio Ordenamento Jurídico que o chancela é arbitrário, isto é, foi instituído de modo outorgado sem a participação popular. Daí a perceber que os principais interesses que fundamentam a existência da censura restringem-se a pequenos grupos que controlam o Estado, o que implica em aplicar fundamentalmente a censura para a própria manutenção do sistema político de dominação implantado, desvirtuando, assim, os atos do Poder Público (normativos e administrativos) da finalidade social e do bem comum. Já o controle administrativo se caracteriza não pela arbitrariedade, mas positivamente pela sua legitimação. Explica-se. O controle administrativo efetuado a posteriori traz consigo a oportunidade que os entes submetidos ao controle têm de discutir legalmente o ato (seja na forma administrativa ou mesmo na via judicial). Tal legitimação não apenas encontra guarida no contraditório vivo, mas, outrossim, na função teleológica do controle que aqui se defende, porquanto agora controla-se para uma substancial adequação do objeto ao interesse público e social, haja vista as determinações atinentes constantes no Ordenamento Jurídico constituído democraticamente, o que ocasiona um controle para o povo e pelo povo. Visto as diferenças dos dois institutos e antes de passarmos para o tópico da realidade fiscal administrativa hodierna atinente ao serviço público, pode-se afirmar que “o controle administrativo a posteriori não deve ser encarado como censura, mas sim, como forma de garantir a qualidade da programação em observância aos ditames constitucionais (Idem, p. 155)”. 5. DA INEFICÁCIA DA ATUAL FISCALIZAÇÃO E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Visto os principais problemas atinentes à execução do serviço prestado pelos particulares – concessionários –, necessário tecer algumas considerações sobre o atual papel do Poder Público, sobretudo na sua função administrativa, de adequar o serviço público ao modelo projetado pela Constituição Federal, isto é, de coercitivamente fazer que se cumpra a lei. Com efeito, nesse cenário de profunda degradação das programações de TV, o que importa agora é ajustar o serviço àquelas determinações legais e constitucionais concernentes ao setor, razão pela qual se faz urgente que se tenha algum compartimento administrativo no âmbito do Poder Executivo encarregado de fiscalizar e controlar a atividade televisiva. Nessa linha, FONTES JÚNIOR (2001, pág. 98) assevera: “Aliás, não se conhece nenhum país onde se tenha deixado o controle absoluto da programação aos próprios concessionários, posto que estes, além de atenderem às necessidades técnicas, também devem servir ao interesse público na sua programação; para exigir o adimplemento destes fins impõe-se o controle do Estado, através do qual corrige eventuais faltas e aplica penalidades administrativas, além de proceder ao histórico que norteará a eventual renovação da concessão. Daí a necessidade de um órgão administrativo regulador da atividade, presente em todos os países, variando suas atribuições desde o controle total da atividade, como ocorre nos Estados Unidos da América, onde a poderosa FCC – Federal Communications Commision possui amplos poderes diretivos, chegando mesmo a gerar grande expectativa quanto à renovação das concessões, diante das sérias exigências da Comissão, até os países onde a comunicação social é formada por grandes oligopólios, com poder político capaz de inviabilizar qualquer tipo de controle sobre sua atividade, como é o caso do Brasil.”[27] Quanto a isso, a nossa Maior Lei não se olvidou e o previu (órgão administrativo) no capítulo atinente à Comunicação Social: “Art. 224. Para os efeitos do disposto neste capítulo, o Congresso Nacional instituirá, como seu órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social, na forma da lei.” Sendo uma norma constitucional de eficácia mediata, foi ela objeto de regulamentação pela Lei n.º 8.389/91, a qual deu ensejo à instituição do Conselho de Comunicação Social – CCS – como órgão auxiliar do Congresso Nacional. Malgrado a regulamentação do CCS tenha se dado em 1991, sua instalação no Congresso Nacional somente ocorreu em 2002 e, mesmo assim, não de forma efetiva em razão de sua atuação encontrar-se muito distante do objetivo original de defender projetos alheios a interesses corporativistas e político-partidários, conforme demonstra SCORSIM (2000, pág. 167): “Trata-se de uma função meramente consultiva e não normativa, não tendo competência para expedir atos administrativos que corrijam as distorções do funcionamento do serviço.”[28] Com efeito, a Lei n.º 8.389 ao atribuir ao CCS a competência para a elaboração de estudos, pareceres, recomendações e outras solicitações que lhe forem encaminhadas pelo Congresso Nacional a respeito da comunicação social, instituiu-o sem qualquer poder de decisão e dominado pelos interesses corporativos dos meios de comunicação social, frustrando a expectativa de criação de um órgão de controle eficiente e independente para disciplinar a atividade. Portanto, verifica-se que atualmente não há um único órgão no âmbito da Administração Pública com atribuições fiscalizatórias e de efetivo controle ao serviço público, permanecendo este refugido de qualquer controle administrativo, cabendo tão somente ao Poder Judiciário resguardar os interesses difusos dos usuários do serviço televisivo. Como se não bastasse esse cenário inócuo da Administração Pública, há, ainda, uma lacuna legal no ordenamento pátrio em razão da ausência de lei federal que deveria dispor sobre os meios legais específicos de defesa da pessoa e da família, a qual deveria estar a disposição da sociedade para resguardo das programações que contrariam os princípios que devem orientar a programação das emissoras de TV insculpidos na própria Constituição. É o que se depreende do Inc. II, §3º, art. 220, da Carta Política: Art. 220. […] § 3º – Compete à Lei Federal: II – Estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente. Daí a se falar em inconstitucionalidade por omissão, como bem observado por FONTES JÚNIOR (2001, pág. 103-104): “Observa-se assim que para a caracterização da situação de inconstitucionalidade por omissão, basta que a norma exigida não regulamente toda a matéria para a satisfação dos interesses constitucionalmente assegurados. […] Verifica-se, ainda, a inconstitucionalidade quanto à legislação que defenda a pessoa e a família da programação que lhes contrarie os valores éticos e sociais, referida no art. 220, § 3º, inciso II.”[29] Somando-se esta lacuna legal ao obsoleto Código Brasileiro de Telecomunicações e a ausência de um órgão administrativo com atribuições de efetivo controle, o resultado só poderia originar na ineficiência legal e administrativa do Poder Público em adequar o serviço público àquilo que determina a lei (sobretudo a Constituição). 6. DAS HIPÓTESES SUGESTIVAS PARA ATENUAÇÃO DOS PROBLEMAS FAREJADOS Após todo o panorama jurídico e fático que envolve o serviço público de radiodifusão de sons e imagens, pretende-se, doravante, conjecturar hipóteses como forma de possibilitar uma alternativa jurídica viável aos principais problemas (delineados nos tópicos anteriores) que giram em torno da atividade televisiva brasileira. Com efeito, foram relatadas várias vicissitudes relacionadas à execução do serviço, dentre as quais destaca-se a lacuna legal que afeta a normatização e regulamentação concernentes ao serviço e ao usuário; a ineficiência da Administração em adequar o serviço aos ditames legais – consubstanciada principalmente em virtude da ausência de um órgão de controle e fiscalização efetivo –, além do defasado Código Brasileiro de Telecomunicações – principal diploma normativo do setor –. Diante desse quadro problemático é que se irá lançar as sugestões jurígenas as quais serão propostas para a fulminação dos problemas descritos acima, exceto quanto ao problema tocante ao Código Brasileiro de Telecomunicações. Isso porque a Constituição Federal de 1988 reservou ao serviço público densidade normativa suficientemente espessa ao setor, razão pela qual se prescindirá de um discurso atinente a um novo diploma legal sobre a matéria. Pois bem. Quanto à lacuna legal, demonstrou-se estar caracterizado a inconstitucionalidade por omissão, que, segundo CUNHA JÚNIOR (2011, pág. 389), ocorre quando “devendo agir para tornar efetiva norma constitucional, o poder público cai inerte, abstendo-se indebitamente. Mas essa omissão pressupõe o não cumprimento de uma norma constitucional individualizada, ou seja, certa e determinada.”[30] Tal norma, como visto, é aquela estampada no art. 220, § 3º, Inc.II, a qual, tendo como o destinatário o legislador (Congresso Nacional), determina a este o impulso e a criação de uma lei federal que efetivamente estabeleça meios específicos de combate às ulcerações propagadas através das programações de rádio e televisão. Considerando que se trata de uma norma constitucional original (promulgada em 05 de outubro de 1988), não é nenhum absurdo em se dessumir que já se passou tempo suficiente para a instituição da lei, mormente em razão da relevância (consubstanciada na abrasada capacidade de disseminação de informação e conhecimento) que o serviço traz em si. Aliás, quanto ao momento da ocorrência da omissão inconstitucional, leciona CUNHA JÚNIOR (2011, pág. 399): “Desse modo, sopesadas todas as circunstâncias envolvidas com a situação concreta, se se dessumir que a medida reclamada, ao longo do tempo escoado, não só podia como devia ter sido produzida, em razão de sua importância e indispensabilidade para dar operatividade prática às normas constitucionais, restará ocorrida e caracterizada a inconstitucionalidade por omissão.”[31] Quase 25 (vinte e cinco) anos após a promulgação da determinação constitucional o Estado insiste em se manter recalcitrante em uma das questões mais importantes para o povo brasileiro em razão de toda a relevância que circunda em torno do próprio serviço público, motivo pelo qual não há argumento suficientemente plausível que sustente a tese segundo a qual ainda não se teria passado tempo razoável para edição da medida faltante. Como forma de se remediar tal situação é que se propõe o ajuizamento de uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão[32] a ser ajuizada por qualquer um dos legitimados (sobretudo pelo Procurador-Geral da República em virtude de seu dever constitucional de guardião da ordem jurídica, consoante expressa o caput do art. 127 da CF) perante o Supremo Tribunal Federal – Órgão Jurisdicional competente para decidir sobre postulações que envolvam controle abstrato de constitucionalidade. Declarada a inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, o art. 103, § 2º determina que este dê ciência ao poder competente para a adoção das providências cabíveis e, em se tratando de órgão administrativo, para suprir a omissão no prazo de trinta dias. Tal dispositivo constitucional reclama interpretação conjunta com outros preceitos constitucionais, sobretudo levando-se em consideração o princípio da efetividade constitucional, o que, in casu, autoriza o Poder Judiciário a estipular um prazo razoável para o suprimento da omissão por parte do Congresso Nacional. Mergulhando profundamente sobre tal hipótese, ensina CUNHA JÚNIOR (2001, pág. 413): “Logo, impõe-se defender um plus àquele efeito literal previsto no § 2º do art. 103 da Constituição, de tal modo que, para além da ciência da declaração da inconstitucionalidade aos órgãos do Poder omissos, é necessário que se estipule um prazo razoável para o suprimento das omissão. Mas não é só. A depender do caso, expirado esse prazo sem que qualquer providência seja adotada, cumprirá ao Poder Judiciário, se a hipótese for de omissão de medida de índole normativa, dispor normativamente sobre a matéria constante da norma constitucional não regulamentada. Essa decisão, acentue-se, será provisória, terá efeito gerais (erga omnes) e prevalecerá enquanto não for realizada a medida concretizadora pelo poder público omisso. Cuida-se, aí, de um verdadeiro efeito de solução, concebido para ser o único capaz de solucionar o problema da não efetividade das normas constitucionais em razão das omissões do poder público. Tal consequência, de ressaltar-se, longe de vulnerar o princípio da divisão de funções estatais, logra conciliar o princípio da autonomia do legislador e o princípio da prevalência da Constituição, que se traduz na exigência incondicional do efetivo cumprimento das normas constitucionais.”[33] Com efeito, adotando-se essas medidas de maneira ordenada o resultado trará, então, a efetividade da determinação constitucional atinente à defesa dos usuários dos serviços de radiodifusão, além de pôr uma pá de cal ao problema revelado. Para tanto, conforme demonstrado, deve-se ajuizar uma ADIN por omissão que seguramente ocasionará uma decisão declaratória de inconstitucionalidade, a qual, devido ao princípio da efetividade da Constituição, deve trazer em si toda a capacidade de se fazer cumprir a lei. Não é outro o entendimento de JOSÉ AFONSO DA SILVA (1998, páginas 50-51) quanto à decisão da ADIN por omissão: “A mera ciência ao Poder Legislativo pode ser ineficaz, já que ele não está obrigado a legislar. Nos termos estabelecidos, o princípio da discricionariedade do legislador continua intacto, e está bem que assim seja. Mas isso não impediria que a sentença que reconhecesse a omissão inconstitucional já pudesse dispor normativamente sobre a matéria até que a omissão legislativa fosse suprida. Com isso, conciliar-se-iam o princípio político da autonomia do legislador e a exigência do efetivo cumprimento das normas constitucionais.”[34] Eis aí, portanto, uma solução jurídica (eventualmente jurígena) que pretende aniquilar o grave problema que os usuários do serviço televisivo têm para se insurgir e combater efetivamente as programações perniciosas veiculadas pelo sistema de radiodifusão de sons e imagens, porquanto, dispondo de instrumentos específicos de controle da programação televisiva, o cidadão telespectador terá maiores possibilidades de se fazer germinar uma programação sadia. Já em relação ao problema concernente à ineficiência da Administração Pública em adequar o serviço à Lei – consubstanciada principalmente em virtude da ausência de um órgão de controle efetivo ao setor –, aqui conjectura-se a própria criação de uma entidade com autonomia suficientemente vigorosa para não ceder a interesses políticos e econômicos que, ao longo da história, sempre mostraram-se presentes quando o assunto é a intervenção na radiodifusão de sons e imagens. Estás a propor uma Agência Reguladora ao setor – também de denominada de autarquia submetida a regime especial, conforme bem leciona CARVALHO FILHO (2011, pág. 447): “A essas autarquias reguladoras foi atribuída a função primordial de controlar, em toda a sua extensão, a prestação dos serviços públicos e o exercício de atividades econômicas, bem como a própria atuação das pessoas privadas que passaram a executá-los, inclusive impondo sua adequação aos fins colimados pelo Governo e às estratégias econômicas e administrativas que inspiraram o processo de desestatização.”[35] Deveras, a criação de uma entidade integrante da Administração Pública indireta, com autonomia administrativa e financeira, além de poder normativo e técnico, com a exclusiva função de fiscalizar, controlar e adequar o serviço público de radiodifusão de sons e imagens, certamente viabilizaria o direito à programação sadia imposta pela Carta Magna de 1988. Isso se diz porque a instituição de um ente com autonomia própria e atribuições específicas de ajustar o serviço público aos ditames legais e constitucionais pertinentes, funcionaria de modo a efetivamente se ter um serviço público de qualidade, cabendo inclusive aos usuários do serviço representarem à Agência para o efetivo cumprimento dos deveres constitucionais por parte das emissoras concessionárias do serviço. Sobre a independência das Agências Reguladoras que acabam proporcionando aptidão suficiente a um serviço público de qualidade respeitando os direitos dos usuários do serviço, dispõe CARVALHO FILHO (2011, pág. 448): “Pode mesmo afirmar-se, sem receio de errar, que tais autarquias deverão ser fortes e atentas à área sob seu controle. Sem isso, surgirá o inevitável risco de que pessoas privadas pratiquem abuso de poder econômico, visando à dominação dos mercados e à eliminação da concorrência, provocando aumento arbitrário de seus lucros. A Constituição já caracterizou essas formas de abuso (art. 173, § 4º), cabendo, dessa maneira, às novas agências autárquicas a relevante função de controle dos serviços e atividades exercidos sob o regime de concessão.”[36] Destarte, a criação de uma forte entidade que tem por característica exercer e desenvolver as suas atividades de forma independente e descentralizada teria uma alta capacidade de  produção na área que regula e controla, ocasionando uma possibilidade e viabilidade muito maior de efetivamente haver uma adequação do serviço público ao ordenamento jurídico, além de proporcionar aos usuários do serviço uma escorreita atividade prestada delegadamente pelos concessionários do serviço televisivo. CONCLUSÃO O enfrentamento da temática dos aspectos relacionados à televisão revelou uma robusta relevância que o próprio sistema televisivo possui para uma nação, o que corrobora, ainda mais a necessidade de se ter um serviço público de radiodifusão de sons e imagens que atenda as expectativas esperadas pelos usuários do serviço, muitas das quais, como visto, estão estampadas na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. A demonstração do liame existente entre o serviço público televisivo com a política e o capitalismo desvelou a existência de uma atividade executada em consonância com os valores decorrentes das duas forças (política e capitalismo) de impacto sobre o serviço, os quais revelaram-se a par daqueles prestigiados na Carta Magna que constituem o principal fundamento dos preceitos e princípios atinentes à programação televisiva. A partir de pesquisas coletadas e anexadas ao final deste trabalho, juntamente com a perspectiva comum sobre o tema, além do ponto de partida dos autores que tratam sobre a programação da televisão brasileira com um olhar crítico, foram confirmadas a vulcânica influência que a Televisão (e, pois, o serviço público) exerce não apenas ao usuário direto do serviço, mas, outrossim, sobre toda uma sociedade de massas globalizada. Viu-se, após toda a narrativa da realidade fática do serviço público no Brasil com todos os seus problemas revelados, a imprescindibilidade da existência de um controle televisivo eficaz, elucidando sobre as distinções elementares de duas formas de controle que se distanciam em razão de suas respectivas legitimidades, quais sejam, o controle administrativo (legítimo) e a censura (ilegítima). Por fim, conjecturou-se duas hipóteses para os dois graves problemas revelados – a ineficiência de o Estado adequar o serviço à lei e a sua omissão legislativa ao setor – como forma de se levar uma solução jurídica que tenha o condão de viabilizar um instruído progresso ao setor de grandíssima importância para um povo tão carente de cultura e civilidade. Destarte, a preocupação desta pesquisa, a qual se iniciou a partir da percepção de que um grande sistema tecnológico pode viabilizar efeitos altamente positivos para uma nação, centrou-se em alguns aspectos centrais, a saber, a demonstração das principais normas (princípios e regras) atinentes ao serviço público de radiodifusão de sons e imagens; o escancaramento da real finalidade da execução do serviço televisivo brasileiro protagonizada pelos concessionários, além de todos os graves problemas que esta concessão traz consigo; a revelação da estridulosa influência e importância que o serviço tem para uma nação; e finalmente o conjecturamento de hipóteses para a fulminação das principais mazelas verificadas ao longo do trabalho. Ex positis, forçoso reconhecer a entusiástica aptidão que o serviço público de radiodifusão de sons e imagens possui para servir como fonte de valores elementares de educação, cultura, conhecimento e informação relevante para uma sociedade ainda em desenvolvimento social, cultural e civil. Afinal, quem tem a possibilidade de executar um serviço de tamanha relevância para indivíduos, sociedade e Estado deve exercê-lo com o maior zelo possível, pois a ação consubstanciada na atividade exercida trará, inevitavelmente, consequências estritamente proporcionais ao que é veiculado ou manifestado nas programações de TV, fato que gera uma grande responsabilidade para todos aqueles que executam o serviço público. Que se possa e deva, então, manifestar tudo aquilo que tenha a dádiva de proporcionar os valores mais prestigiados e infelizmente mais lesionados de uma sociedade que promulga em sua principal Lei como objetivo fundamental de uma nação: construir uma sociedade justa, livre e solidária, além de promover o bem de todos, sem quaisquer distinções de qualquer natureza.
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Breve análise da legislação e literatura das inovações nas oficinas
Destacam-se entre as principais legislações que repercutem na inovação das oficinas mecânicas o Código de Trânsito Brasileiro e as Resoluções do CONTRAN, pois algumas destas regulamentam itens obrigatórios que são objeto de prestação de serviços de reparação.
Direito Administrativo
Introdução As oficinas mecânicas[1] revelam sua importância pela presença e influência em todas as os setores da sociedade, pois mantém a viabilidade da locomoção e do transporte em geral. E ainda, movimentam uma parcela significativa de recursos da economia, tanto que atualmente o Brasil superou a marca de 70 milhões de veículos automotores (LUCENA e MELQUÍADES, 2012). As inovações contribuem no setor, não só ao proporcionar o constante aprimoramento, mas até mesmo por permitir a viabilidade do empreendimento.  Parte-se do pressuposto de que existe uma correlação entre desempenho mercadológico e inovação. É imprescindível se inovar também na dimensão administrativa e não só na dimensão técnica, ou seja, se dar maior ênfase na esfera da inovação na gestão propriamente dita (TIDD et al, 2005). Nesta pesquisa busca-se uma compreensão das oficinas mecânicas quanto à inovação destas empresas e implicações da legislação pertinente. Ao entender os processos de uma oficina mecânica, tanto de gestão como operacionais, analisando seu encadeamento lógico, é possível tornar mais eficientes a realização das tarefas e, por consequência, obter maior competitividade. Nesse viés, o presente trabalho tem como objetivo identificar as principais legislações brasileiras quanto às inovações nas oficinas mecânicas. E ainda, analisar a bibliografia quanto ao tema. A base ontológica desta pesquisa é o interpretativismo (HIRSCHMANN, 1986). O paradigma interpretativista está sendo utilizado atualmente em métodos qualitativos de investigação (GOMES E ARAÚJO, 2005). Quanto à natureza, a pesquisa se classifica como aplicada, ou seja, objetiva gerar conhecimentos para aplicações práticas dirigidas à solução de problemas específicos. Já o procedimento técnico é a pesquisa bibliográfica, com a identificação da principal legislação aplicada. A pesquisa bibliográfica pode ser utilizada na busca de solução para determinado problema, no presente caso, o busca de desenvolvimento das oficinas mecânicas. Este é o pensamento de Lima e Mioto (2007, p.38): “Não é raro que a pesquisa bibliográfica apareça caracterizada como revisão de literatura ou revisão bibliográfica. Isto acontece porque falta compreensão de que a revisão bibliográfica é apenas um pré-requisito para a realização de toda e qualquer pesquisa, ao passo que a pesquisa bibliográfica implica em um conjunto ordenado de procedimentos de busca por soluções, atento ao objeto de estudo, e que, por isso, não pode ser aleatório”. Em relação aos objetivos, a pesquisa tem um viés exploratório, pois envolve levantamento bibliográfico e também descritivo ao expor as características do fenômeno e estabelecer relações entre variáveis. 1 Legislação Em relação à legislação referente às oficinas mecânicas, esta engloba, entre outros, direito das obrigações e direito do consumidor, pois há relação contratual e de consumo entre o prestador de serviço e o consumidor.  A relação de consumo, segundo Roque (2010, p. 96): “é aquela que envolver um fornecedor de um lado, um consumidor (ou grupo de consumidores) de outro e, como objeto, transações remuneradas envolvendo produtos e serviços”. Na relação de consumo, a proteção do consumidor constitui um direito fundamental do ser humano. Os direitos fundamentais garantem a convivência digna e livre entre os indivíduos (SILVA, 2010).  E ainda, as oficinas mecânicas estão sujeitas a normas de segurança e técnicas, como o Código de Trânsito Brasileiro e as Resoluções do CONTRAN, que são matéria de direito administrativo. Quanto ao Código de Trânsito Brasileiro – Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997 -, este prevê: “Art. 27. Antes de colocar o veículo em circulação nas vias públicas, o condutor deverá verificar a existência e as boas condições de funcionamento dos equipamentos de uso obrigatório, bem como assegurar-se da existência de combustível suficiente para chegar ao local de destino.” Logo, o proprietário ou motorista necessita de vários itens obrigatórios no veículo, que devem estar em dia, para segurança e para estar de acordo com a legislação. Estes itens obrigatórios são objeto de serviços a serem prestados nas oficinas quando há necessidade de algum conserto. Nesse sentido também há diversas Resoluções do CONTRAN que disciplinam normas técnicas, onde se destaca a Resolução 14, de 6 de fevereiro de 1998, que lista os equipamentos obrigatórios dos automóveis, embora haja outras Resoluções deste órgão sobre o assunto, como se verifica no quadro abaixo: Segundo Silva e Carraro (2014), novas legislações de trânsito impulsionam diretamente a indústria de veículos a um avanço na tecnologia de seus componentes e produtos. A demanda por maior segurança é um motivador para que novas leis de trânsito sejam elaboradas, o que por consequência traz maior segurança para toda a sociedade. 2 Análise bibliográfica Ao realizar o estado da arte, verifica-se que entre as idéias incipientes está o ensinamento da importância que possui a manutenção preventiva e corretiva nos veículos. Nesse sentido, Chollet (196_, p. 9) ensina: “Cabe ao profissional de consertos a responsabilidade de restaurar ou manter a harmonização de todos os órgãos do veículo. Ele não só deve substituir a peça defeituosa mas também procurar a causa da anomalia para corrigí-la, mesmo que seja preciso chegar ao motorista, autor muitas vezes involuntário de grande número de desgastes prematuros, de deformações e de rupturas.” Dessa forma, mesmo os menores defeitos mecânicos, quando negligenciados, costumam provocar anomalias em série, com o risco de causar problemas maiores. De maneira que as empresas prestadoras de serviços da área atendem desde uma simples troca de óleo do motor até a recuperação de veículos sinistrados. E ainda, em geral estas empresas se organizam sob forma de numerosos empreendimentos, com poucos funcionários cada, como explica Blinder et al (2001, p. 68), ao tratar da saúde dos trabalhadores: “Oficinas de reparação de veículos automotores constituem ramo de atividade caracterizado por organizar-se sob forma de numerosas pequenas empresas. Na França, em 1989, das 64 mil empresas desse tipo, 80% possuíam até cinco trabalhadores, empregando um total de 300 mil pessoas. Embora constitua atividade cujos trabalhadores são expostos a numerosos agentes agressores à saúde, trata-se de ramo ainda muito pouco estudado. A escassez de publicações provavelmente relaciona-se à dificuldade de acesso a essas empresas, como acontece com micro e pequenas empresas de uma maneira geral.” Oliveira (1999) destaca a prosperidade alcançada na prestação de serviços nas oficinas mecânicas ainda na década de 1990. Atualmente estas empresas atingiram alto grau de sofisticação. O setor mecânico se desenvolveu principalmente em função do crescimento na venda de veículos novos no país nos últimos anos, o que aumentou muito a frota nacional. Com isso, aumentaram também o número de oficinas mecânicas para atender a demanda por manutenção (GERHARDT et al, 2014). Além da linha leve, muitas oficinas, principalmente próximo às rodovias, atendem vastamente a linha pesada, que não para de crescer e demandar serviços, como pode ser observado nas palavras do especialista em urbanismo e transportes Carletto (2011, p.48): “Nós produzimos a soja mais barata do mundo e temos o transporte mais caro do mundo para chegar ao porto. Somos diferentes dos Estados Unidos, que conservam suas ferrovias. O que falta? O caminhão foi ganhando espaço em relação à ferrovia porque ele é chamado porta a porta. Toma uma carga num lugar e leva até a porta do outro. O trem precisa de um transbordo, que sempre foi considerado difícil”. Observa-se que nesse setor os estabelecimentos, em grande parte, inovaram com a disponibilização de salas de estar para os clientes, com revistas e cafezinho. Trata-se de uma opção simples para agradar os clientes, mas que até poucos anos era rara na esfera da reparação automotiva. Entre as atuais inovações nas oficinas mecânicas se destacam: aperfeiçoamento do layout para facilitar a locomoção dos veículos; disponibilização de local adequado para os clientes aguardarem; pintura das paredes com tinta que facilita a limpeza de óleo e graxa; armários compatíveis para a organização do material; sistema informatizado de controle dos concertos dos veículos, utilização de piso claro para passar impressão de limpeza; entre outras (TAMBORLIM e STEIN, 2008). De maneira geral, para atender as hodiernas demandas do mercado, as oficinas mantém atualizados seus profissionais às novidades, com acesso aos novos materiais técnicos (GIOPATO, 2015). A aplicação do marketing no setor automotivo também está recebendo atenção nos dias atuais. De acordo com Nabrink e Frison (2011), em geral são necessários vários anos de trabalho para transformar uma empresa orientada para vendas, como eram as oficinas a algumas décadas atrás, em uma empresa orientada para o marketing, com vistas principalmente ao atendimento dos anseios dos clientes. Nota-se que é possível aumentar a produtividade da oficina com uma gestão enxuta e eficiente, tanto na área administrativa como na área operacional. A área administrativa desenvolve o planejamento e a análise de resultados, enquanto que a área operacional executa as tarefas de manutenção. Nas oficinas mecânicas, a inovação passa também pelo atendimento ao cliente, como explicam Nabrink e Frison (2011, p. 27): “Os profissionais nas organizações são peça-chave nas empresas comprometidas com seus clientes e seu desempenho será mais eficaz se tomar consciência de que ser bem atendido é um direito e não um privilégio. Em uma empresa de reparos automotivos por exemplo, a inovação é um fato necessário para a empresa se manter competitiva, requerendo do administrador habilidade e responsabilidade. Ser “ousado” oferecendo aos clientes um novo tipo de serviço por exemplo, requer planejamento antes.” Não se deve esquecer que, da mesma forma que em um consultório médico, é fundamental que o profissional transmita confiança e conhecimento do seu serviço. E ter em mente que oferecer um cafezinho para os clientes é um investimento e não um gasto. Assim, explica Gremaud (2005, p.547): “…não se trata apenas de minimizar os custos ou maximizar receitas, mas sim considerar a maximização de lucros”. Outro ponto importante é a localização, em que o fator aglomerativo indica o ganho para a oficina em relação à redução de custos gerado por sua localização próxima a outras firmas do mesmo setor. Já o fator desaglomerativo, por sua vez, mostra a redução de despesas obtida por uma determinada oficina em virtude de seu distanciamento das demais já estabelecidas (GREMAUD, 2005). Já em relação à questão ambiental, deve ser buscado o melhor tratamento aos resíduos pelos gestores, de acordo com as normas gerais da legislação ambiental. Uma inovação nessa esfera é a implementação de setor de lavação de peças para evitar contaminação de óleo, graxa e demais produtos químicos (TAMBORLIM e STEIN, 2008). Conclusão Entre as principais legislações que repercutem na inovação das oficinas mecânicas está o Código de Trânsito Brasileiro e as Resoluções do CONTRAN, pois estas regulamentam itens obrigatórios que são objeto de prestação de serviços de reparação. E nestes processos surgem inovações, como a aquisição de novos aparelhos de teste, por exemplo. Os autores atuais evidenciam que há inovações nas oficinas mecânicas tanto na esfera operacional como na gestão. O atendimento aos clientes constitui um item passível de importantes inovações, o qual era muitas vezes negligenciado a algumas décadas. As inovações no setor proporcionam o desenvolvimento da infraestrutura, aperfeiçoamento nos processos e, por consequência, maior competitividade.
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O princípio da eficiência na apuração de ilícitos funcionais
Este estudo busca, não de forma a esgotar o tema, demostrar a incidência do princípio da eficiência na apuração das irregularidades funcionais no âmbito da Administração Pública, dando enfoque à obrigatoriedade da imediata apuração com o estabelecimento dos efeitos deletérios causados pela demora, bem como debater sobre os instrumentos de apuração de irregularidades com a obediência à ampla defesa dos infratores, apontando, na conclusão, que a busca pela responsabilização funcional somente será eficiente caso sejam respeitadas as normas do processo administrativo, as quais devem ser interpretadas à luz dos princípios constitucionais.
Direito Administrativo
Introdução O objetivo do presente artigo é examinar, à luz da Constituição e da legislação pátria, a influência do princípio da eficiência, consagrado expressamente na Constituição Federal de 1988, na atividade administrativa de investigação de ilícitos funcionais. O princípio em estudo ganhou maior importância após a sua inserção no âmbito do Texto Maior, art. 37, caput[1], a partir da entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998, que modificou o regime jurídico da Administração, dispondo sobre princípios e normas sobre servidores e agentes políticos, bem como sobre controle de despesas, finanças públicas e custeio de atividades a cargo do Distrito Federal. Propor ao operador do direito uma melhor compreensão do verdadeiro alcance do princípio da eficiência, de forma que possa gerir os processos investigatórios que apurem irregularidades funcionais com maior competência, em busca da satisfação do interesse público primário, constitui a essência do presente estudo. Inicialmente será feita uma abordagem na qual será confirmada a existência do princípio da eficiência na legislação antecedente à Emenda Constitucional 19/98. Em um segundo momento será discutido o poder-dever de a Administração apurar as irregularidades funcionais com celeridade, com enfoque no art. 143, caput, da Lei 8.112/90 “Estatuto dos Servidores Públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais”, os efeitos da apuração tardia e os instrumentos formais da apuração. Por fim, destacar-se-á a importância da adesão à busca do primado da eficiência no alcance da plena satisfação do interesse público com a obediência às garantias dos acusados. 1. O princípio da eficiência na apuração de ilícitos administrativos A movimentação do aparelho do Estado, tanto da Administração direta, quanto da indireta e fundacional, visa à satisfação do interesse público, promovendo a atuação estatal na busca de resultados que visem recompor os prejuízos sofridos pela Administração, com a respectiva responsabilização dos agentes faltosos. O sucesso dessa atividade satisfativa possui efeito social inibidor de novas condutas ilícitas, mas, para isso, exige do Estado celeridade dos processos e a máxima eficiência do provimento final, tudo sem descurar-se das garantias constitucionais asseguradas aos administrados. Segundo Rafael Maffini[2], em sua obra de Direito Administrativo, Volume 11, da série “Manuais para Concursos e Graduações”, coordenada por Luiz Flávio Gomes (2006, p. 54): “Trata-se de princípio de difícil definição e, talvez, nem se possa defini-lo sem o auxílio de parâmetros objetivos previamente estabelecidos. Isso significa dizer que não se pode constatar a eficiência de um agente público ou de um determinado concessionário de serviços públicos sem que seja objetivada por normas previamente dispostas acerca da matéria. Em regras gerais, é princípio que impõe sejam as condutas administrativas orientadas a resultados satisfatórios, significando, assim, um primado de qualidade da ação da Administração Pública.” As normas previamente dispostas aludidas acima, sem sobejo de dúvidas, podem ser entendidas, dentre outras, as que se referem à obrigatoriedade de investigar e de apurar responsabilidades no seio da Administração, pois essa atividade visa, em última análise, a satisfação de uma atuação com qualidade da Administração Pública e a defesa de um interesse público primário. Os interesses públicos primários, ou interesses públicos propriamente ditos, correspondem, nas lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, citado por Dirley da Cunha Júnior[3] (2009, p. 38), ao “interesse resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da Sociedade e pelo simples fato de o serem”. Embora o princípio da eficiência tenha erigido à garantia constitucional somente com o advento da EC 19/98, na doutrina, Sérgio de Andréa Ferreira, citado por Alexandre de Moraes[4], “já apontava a existência do princípio da eficiência em relação à administração pública, pois a Constituição Federal de 1988, em sua forma originária, prevê que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado (CF, art. 74, II)”. (Moraes, 2017, p. 259) A legislação infraconstitucional também já apontava a existência do referido princípio em diversos diplomas, conforme se pode observar com a leitura de dispositivos do Decreto-lei 200/67[5], da Lei 8.078/90[6] (Código de Defesa do Consumidor) e da Lei nº 8.987/95[7] (Concessões e Permissões), dentre outros. Economicidade, produtividade, uso racional da máquina pública, celeridade, redução de desperdício, qualidade e rendimento funcional são a essência do princípio da eficiência ou, melhor dizendo, aquilo que o administrador deve tentar extrair de sua interpretação ao aplicá-lo, sempre com o compromisso de buscar a legítima satisfação do interesse público primário na investigação de ilícitos, pois a ineficiência na apuração levará a um estado de desordem, onde o prejuízo será experimentado por toda a sociedade, diante das consequências que poderão advir da falha administrativa. 2.  Da obrigatoriedade e da imediatidade da apuração A eficiência, erigida à condição de princípio constitucional, exige do agente público uma conduta proativa, diante da prática de um ilícito administrativo, surgindo o poder-dever de a Administração Pública, em obediência à lei, adotar providências que tenham por objetivo salvaguardar os interesses da sociedade. Na legislação brasileira que rege o serviço público federal essa conduta foi instrumentalizada a partir do que dispõe a Lei nº 8.112/90, ao tratar do assunto em seu art. 143, caput, conforme se transcreve abaixo: “Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.” Os Estado e Municípios, cientes de que a norma acima representa no ordenamento jurídico um comando geral, referente aos deveres dos administradores, dos quais se destaca o dever de probidade, quando diante de uma irregularidade, devem adotar, obrigatoriamente, determinadas condutas com o intuito de apurar responsabilidades e aplicar sanções, se for o caso, com a observância dos preceitos constitucionais contidos na Carta Magna, art. 5º, LIV e LV[8], segundo os quais "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal" e que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". Portanto, diante do comando legal de apuração, extrai-se que as autoridades, em todos os níveis, são obrigadas a promoverem a apuração dos atos ilícitos praticados por seus subordinados. Lembra-se, por oportuno, que o desempenho da atividade administrativa se constitui em múnus público, desempenhada por agente que exerce função pública, gerindo serviços e interesses coletivos, donde decorre o dever de eficiência, dever de probidade e dever de prestar contas. Dissecando-se a norma contida no art. 143, caput, da Lei nº 8.112/90, observa-se que a parte inicial do preceito normativo determina que "a apuração da irregularidade, além de obrigatória, deve ser imediata". Diante de tal assertiva, percebe-se que não há liberdade de escolha ao administrador, nem margem de discricionariedade à autoridade, já que o único comportamento possível a ser tomado quando da prática da irregularidade é a apuração. Nesse sentido, depara-se o gestor público diante da hipótese em que há a figura do poder vinculado, e não, discricionário, não havendo juízo de conveniência e oportunidade exercitável, sob pena de a demora ou a omissão resultar em responsabilidade da própria autoridade omissa. Esse foi o espírito da Lei 8.429/92, ao se referir à possibilidade de responsabilização do gestor ímprobo, quando atuasse o mesmo em desacordo com os princípios da Administração Pública, nesse sentido, dispondo: “Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência; II – retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício; III – revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo; IV – negar publicidade aos atos oficiais; V – frustrar a licitude de concurso público; VI – deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo; VII – revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço. VIII – descumprir as normas relativas à celebração, fiscalização e aprovação de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas. (Redação dada pela Lei nº 13.019, de 2014) (Vigência) IX – deixar de cumprir a exigência de requisitos de acessibilidade previstos na legislação.” Além da vinculação da decisão de apurar, com a inexistência de discricionariedade da decisão, há o requisito da imediatidade da apuração, que consiste em apuração instantânea, sem solução de continuidade, no menor tempo possível, ou, mais, nos termos do inciso LXXVIII[9], do art. 5º, da CF, com celeridade, pois, a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004). Partindo-se de uma interpretação sistemática acerca da incidência do princípio da eficiência no processo administrativo e a norma insculpida no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, entendeu o Superior Tribunal de Justiça que a conclusão de processo administrativo em prazo razoável é corolário dos princípios da eficiência, da moralidade e da razoabilidade, nos seguintes termos: “TRIBUTÁRIO. CONSTITUCIONAL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO. PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL FEDERAL. PEDIDO ADMINISTRATIVO DE RESTITUIÇÃO. PRAZO PARA DECISÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. APLICAÇÃO DA LEI 9.784/99. IMPOSSIBILIDADE. NORMA GERAL. LEI DO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. DECRETO 70.235/72. ART. 24 DA LEI 11.457/07. NORMA DE NATUREZA PROCESSUAL. APLICAÇÃO IMEDIATA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. 1. A duração razoável dos processos foi erigida como cláusula pétrea e direito fundamental pela Emenda Constitucional 45, de 2004, que acresceu ao art. 5º, o inciso LXXVIII, in verbis: "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação." 2. A conclusão de processo administrativo em prazo razoável é corolário dos princípios da eficiência, da moralidade e da razoabilidade. (Precedentes: MS 13.584/DF, Rel. Ministro  JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/05/2009, DJe 26/06/2009; REsp 1091042/SC, Rel. Ministra  ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/08/2009, DJe 21/08/2009; MS 13.545/DF, Rel. Ministra  MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 29/10/2008, DJe 07/11/2008; REsp 690.819/RS, Rel. Ministro  JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22/02/2005, DJ 19/12/2005) 3. O processo administrativo tributário encontra-se regulado pelo Decreto 70.235/72 – Lei do Processo Administrativo Fiscal -, o que afasta a aplicação da Lei 9.784/99, ainda que ausente, na lei específica, mandamento legal relativo à fixação de prazo razoável para a análise e decisão das petições, defesas e recursos administrativos do contribuinte. 4. Ad argumentandum tantum, dadas as peculiaridades da seara fiscal, quiçá fosse possível a aplicação analógica em matéria tributária, caberia incidir à espécie o próprio Decreto 70.235/72, cujo art. 7º, § 2º, mais se aproxima do thema judicandum, in verbis: "Art. 7º O procedimento fiscal tem início com: (Vide Decreto nº 3.724, de 2001) I – o primeiro ato de ofício, escrito, praticado por servidor competente, cientificado o sujeito passivo da obrigação tributária ou seu preposto; II – a apreensão de mercadorias, documentos ou livros; III – o começo de despacho aduaneiro de mercadoria importada. § 1° O início do procedimento exclui a espontaneidade do sujeito passivo em relação aos atos anteriores e, independentemente de intimação a dos demais envolvidos nas infrações verificadas. § 2° Para os efeitos do disposto no § 1º, os atos referidos nos incisos I e II valerão pelo prazo de sessenta dias, prorrogável, sucessivamente, por igual período, com qualquer outro ato escrito que indique o prosseguimento dos trabalhos." 5. A Lei n.° 11.457/07, com o escopo de suprir a lacuna legislativa existente, em seu art. 24, preceituou a obrigatoriedade de ser proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo dos pedidos, litteris: "Art. 24. É obrigatório que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte." 6. Deveras, ostentando o referido dispositivo legal natureza processual fiscal, há de ser aplicado imediatamente aos pedidos, defesas ou recursos administrativos pendentes. 7. Destarte, tanto para os requerimentos efetuados anteriormente à vigência da Lei 11.457/07, quanto aos pedidos protocolados após o advento do referido diploma legislativo, o prazo aplicável é de 360 dias a partir do protocolo dos pedidos (art. 24 da Lei 11.457/07). 8. O art. 535 do CPC resta incólume se o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. 9. Recurso especial parcialmente provido, para determinar a obediência ao prazo de 360 dias para conclusão do procedimento sub judice. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.”[10] Por outro lado, a norma que determina a imediata apuração não autoriza à administração a instauração prematura e irresponsável de processos formais de apuração sem embasamento fático e probatório razoáveis, que atendam a um mínimo exigível de requisitos, de condições, sem as quais, resultaria a sua deflagração em arbitrariedades danosas ao administrado, não se podendo macular a sua imagem, por exemplo, com a instauração de processo investigatório com base em denúncia anônima sem elementos que tragam a exame fatos com o mínimo de lastro probatório. A propósito do tema o Manual de Processo Administrativo Disciplinar da Controladoria-Geral da União[11] (2016, p. 46), dispôs que “não se pode, todavia, confundir obrigatoriedade de apuração imediata com apuração precipitada. É verídico que, em boa parte das vezes, a notícia da prática de determinada irregularidade não se apresenta revestida de exposição detalhada do fato supostamente ilegal, bem ainda da indicação dos possíveis autores. Nesse caso, deve a autoridade promover, de pronto, uma investigação prévia do fato, por meio da qual se buscará maiores elementos.” Nesse diapasão, a deflagração da apuração de ilícitos disciplinares no âmbito da Administração Pública Federal deve ser antecedida de prévia análise de plausibilidade de sua ocorrência, de maneira que o instrumento de apuração não se transforme em um mecanismo de prática de arbitrariedades, com a submissão indevida e exposição desnecessária do administrado, pois é cediço que o estigma de investigado causa prejuízos irreparáveis, considerando que a investigação inócua, ainda que sem o devido respaldo, fica gravada definitivamente nos registros funcionais do servidor. 3. Os efeitos da demora na apuração A despeito da inaplicabilidade do perdão tácito no campo do regime jurídico-administrativo, em razão do princípio da indisponibilidade do interesse público, não deve haver um prazo desarrazoado entre o conhecimento do fato pela Administração Pública e o fim do processo, com a apuração de responsabilidades e aplicação da respectiva sanção, sob pena de se perder o efeito coletivo de desencorajar a prática de ilícitos e de aumentar a sensação de impunidade. A inação do administrador, quando diante de uma falta disciplinar pode resultar em realização do tipo penal previsto no art. 320 do Código Penal Brasileiro, Condescendência criminosa, in verbis: “Art. 320 – Deixar o funcionário, por indulgência, de responsabilizar subordinado que cometeu infração no exercício do cargo ou, quando lhe falte competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade competente: Pena – detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.” Conforme se pode analisar, o bem jurídico que a norma penal visa tutelar é o regular funcionamento da Administração Pública, e o sujeito ativo consiste em funcionário público hierarquicamente superior àquele que cometeu a falta funcional. A Lei 8.112/90, ao versar sobre a responsabilidade decorrente da omissão da autoridade julgadora, no parágrafo 2º do art. 169, assim dispôs: “§ 2º A autoridade julgadora que der causa à prescrição de que trata o art. 142, § 2º, será responsabilizada na forma do Capítulo IV do Título IV.” Se de um lado a norma estabelece a responsabilização do agente que atua com desídia, omitindo-se quando devia atuar na busca da apuração da prática de irregularidade funcional por um servidor subordinado seu, por outro lado, não se pode olvidar de que o direito de punir, como tudo na vida, pode ser afetado pelo decurso do prazo, pois as pessoas não podem ter que se submeter indeterminadamente à espera da persecução estatal, razão pela qual exsurge a prescrição, como instrumento de estabilização das relações jurídicas, em atendimento ao princípio da segurança jurídica, previsto tanto na Constituição Federal, quanto no art. 2º, caput, da Lei Federal nº 9.784/99. Materializando a necessidade de se alcançar a estabilização das relações jurídicas, o Estatuto dos Servidores Públicos Federais, assim dispôs: “Art. 112. A prescrição é de ordem pública, não podendo ser relevada pela administração. Art. 142.  A ação disciplinar prescreverá: I – em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão; II – em 2 (dois) anos, quanto à suspensão; III – em 180 (cento e oitenta) dias, quanto à advertência. § 1º O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido. § 2º Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime. § 3º A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente. § 4º Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia em que cessar a interrupção.” 4. Os instrumentos formais de apuração de irregularidades funcionais e a ampla defesa No que diz respeito à apuração, o legislador estabeleceu a existência de dois instrumentos formais de apuração de irregularidades funcionais, a sindicância e o processo administrativo disciplinar, segundo o caput do artigo 143 da Lei nº 8.112/90, aplicando-se, subsidiariamente, a Lei nº 9.784/99, que estabelece as normas básicas a serem respeitadas nos processos administrativos no âmbito da Administração Pública Federal, conforme preceitua seu art. 69[12], caput, visando, especialmente, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração, com a obediência aos critérios consagrados no seu art. 2º, parágrafo único. Os instrumentos de apuração constituem a forma de que o Estado dispõe para viabilizar um resultado que possa ser ao mesmo tempo útil ao servidor faltoso, na medida em que constitui uma proteção deste em face do Estado, que deve seguir rigorosamente os ditames do devido processo legal, em atenção ao mandamento de que ninguém pode ter cerceada a sua liberdade nem perder os seus bens sem o devido processo legal, quanto necessário ao próprio Estado, pois o respeito às "regras do jogo" legitima o resultado alcançado pelo processo e tende a ser mais eficiente na busca da pacificação social. Segundo Fernanda Marinela[13] (2010, p. 48-49), para se dizer que a ampla defesa foi respeitada, algumas regras devem ser observadas: “a) o caráter prévio da defesa: é a anterioridade da defesa em relação ao ato decisório, exigindo-se procedimentos e penas pré-determinados, para que a parte saiba exatamente como e do que deve se defender; b) o direito de interpor recurso administrativo, independentemente de previsão explícita em lei, com a aplicação da parte final do art. 5º, inciso LV, que garante o direito de recurso, além do exercício do direito de petição, previsto no art. 5º, XXXIV, alínea “a”, todos da CF; c) a defesa técnica: seria aquela realizada pelo representante legal do interessado, o advogado, que contribui substancialmente para o equilíbrio e a legalidade do processo, mas tem presença facultativa. A situação ganha mais discussão no que diz respeito ao processo administrativo disciplinar, mas, ainda assim, hoje, a sua presença é uma escolha da parte, resultado da Súmula Vinculante nº 5, do STF que diz que “a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”; d) o direito à informação geral decorrente do contraditório, o acesso ao processo, além do direito de cópias desde que as despesas não corram a cargo da Administração Pública; e e) o direito de solicitar a produção de provas, vê-las realizadas e interferindo efetivamente no convencimento do julgador.” Essa instrumentalização do processo visa assegurar ao acusado a ampla defesa, materializada esta com a disponibilidade, pelo acusado, de todos os meios permitidos em direito, dos quais, apenas exemplificativamente, nos referimos ao direito de ter conhecimento e acompanhar todos os atos de apuração, julgamento, aplicação e cumprimento da punição disciplinar, de acordo com os procedimentos adequados para cada situação; de ser ouvido; de produzir provas; de obter cópias de documentos necessários à defesa; de ter oportunidade, no momento adequado, de contrapor-se às acusações que lhe são imputadas; de utilizar-se dos recursos cabíveis, segundo a legislação; de adotar outras medidas necessárias ao esclarecimento dos fatos; de ser informado de decisão que fundamente, de forma objetiva e direta, o eventual não-acolhimento de alegações formuladas ou de provas apresentadas. 5. Conclusão. Diante do exposto, conclui-se que a persecução estatal, para ser verdadeiramente eficiente e legítima, deve atender aos preceitos constitucionais e legais que regulam o processo, exigindo do operador do direito o dever de interpretá-los à luz dos princípios constitucionais da eficiência e da duração razoável do processo, mas sempre em respeito ao princípio da legalidade, possibilitando ao agente público uma melhor compreensão do verdadeiro alcance do princípio da eficiência, de forma que possa gerir os processos investigatórios que apurem irregularidades funcionais com maior competência, em busca da satisfação do interesse público primário.
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Desafios paradigmáticos na gestão de organizações sem fins lucrativos que atendem crianças em vulnerabilidade de saúde em Salvador/BA
O artigo sob exame traz à baila os desafios paradigmáticos no que tange à gestão das organizações sem fins lucrativos que atendem crianças  com problemas de saúde em Salvador/BA, ,  com o elã de que atinjam suas missões institucionais com eficiência e eficácia . O objeto de estudo em análise são duas entidades, as quais são non profit organizations, a primeira delas o Grupo de Apoio à Criança com Câncer, a qual dá suporte a crianças com esta patologia  que vivem no interior e na capital do estado e precisam de uma casa de apoio para seus tratamentos, que na maioria das vezes são demorados e penosos e necessitam de um planejamento rigoroso e multidisciplinar, outrossim, apoiando as famílias; e a segunda é o Lar Vida, instituição que agrega a multidisciplinaridade no atendimento de crianças deficientes anônimas, as quais muitas vezes são segregadas e abandonadas pelas suas próprias famílias, havendo o estigma da invisibilidade do portador de deficiência. Nesse estudo, visa-se avaliar e propor melhorias nos seus desempenhos de gestão, nos caracteres da profissionalização, especialização, multidisciplinaridade e sustentabilidade.
Direito Administrativo
1 INTRODUÇÃO Inicia-se o diálogo sobre desafios de gestão e seus paradigmas das ONGs ligadas a crianças em Salvador/BA, citando um trecho do poema de Cora Coralina (2001), que com seus olhos de poetisa, desenha o mundo, a humanidade e a fraternidade universal, senão vejamos,   in verbis: “[…] Não desistir da luta. Recomeçar na derrota. Renunciar a palavras e pensamentos negativos. Acreditar nos valores humanos. Ser otimista. Creio numa força imanente que vai ligando a família humana. Numa corrente luminosa de fraternidade universal. Creio na solidariedade humana. Creio na superação dos erros e angústias do presente. Acredito nos moços. Exalto sua confiança, generosidade e idealismo. Creio nos milagres da ciência e na descoberta de uma profilaxia. Futura dos erros e violências do presente. Aprendi que mais vale lutar do que recolher dinheiro fácil. Antes acreditar do que duvidar”. (CORALINA, 2001. p. 145). Falar-se de desafios paradigmáticos em gestão para entidades destinadas a atender crianças em Salvador/BA é uma atividade complexa, diante do aumento malthusiano da população, das condições históricas e epistemológicas de gestão das organizações não governamentais no Brasil, da embrionária atividade do voluntarismo no país, outrossim, em face das crises econômicas que atravessamos em escala mundial e local, mormente a crise de esperança em dias melhores e as incertezas diante da sociedade do risco (BECK, 2011). Como Hermes na sua ânsia de interpretar e de ser mediador nos discursos, de desvelar as metáforas, desbravar-se-ão os caminhos da gestão e seus paradigmas concernentes às duas entidades analisadas: O Grupo de Apoio da Criança com Câncer – Bahia, em Salvador, localizada no bairro de São Marcos, criada em 05 de janeiro de 1988, a qual partiu de um sonho, advindo de uma situação dolorosa na família do Dr. Roberto Sá Menezes, com um filho diagnosticado  com o câncer. Nas conversas estabelecidas com a oncologista pediátrica, Dra. Nubia Mendonça, criaram uma realidade para que o tratamento de crianças com câncer  tivesse um plano multidisciplinar, sem interrupção, através da criação da casa de apoio, abrigando crianças e suas famílias advindas do interior, como também crianças da capital; outrossim, a entidade Lar Vida, fundada em 1985, pela socióloga Maria Cristina Cordeiro Caldas, situada num aprazível sítio na Av. Aliomar Baleeiro, Novo Marotinho, Salvador/BA, recebendo crianças deficientes,  encaminhadas pelo Juizado da Infância e da Juventude. Exsurge das missões inerentes às entidades em epígrafe  o escopo humanista de apoiar a priori crianças que estão numa situação de vulnerabilidade no âmbito da saúde, dando-lhes suporte, partindo de uma demanda social, suscitando nesse diapasão o encaminhamento, tratamento, acolhimento dessas crianças, operando numa seara onde há a carência estatal, sem visar lucro, tão somente a sustentabilidade para continuarem na persecução dos seus objetivos, havendo uma configuração institucional, no que Salamon (2003), assinala sobre as entidades do terceiro setor  que estas têm desafios paradigmáticos, os quais são: o desafio da legitimidade, que consiste na luta pelo reconhecimento perante os outros dois setores e à sociedade civil, buscando a regularização burocrática e contábil; o desafio da sustentabilidade, que se traduz na necessidade de mesmo não tendo como fim o lucro, como se empresa fosse, agir como se empresa fosse no sentido de organização para atingir o fim social que persegue; o desafio da colaboração, ou seja, de levantar aliados, doadores, partners intra-organizacionais e extra-organizacionais para cumprirem sua missão. Entrementes sejam instituições civis sem fins lucrativos, essas entidades têm desafios de gestão como se empresas fossem, haja vista, que em face da complexidade das dinâmicas sociais atuais, na era pós-moderna, onde a velocidade, o tempo e o espaço são redimensionados. Segundo Bauman (2000), “a modernidade líquida” em que as relações sociais são fragmentadas em nome de uma maior liberdade individual, a segurança é diminuída e a presuntiva ordem torna-se caótica, dessarte, far-se-á mister que as organizações não governamentais em foco se impulsionem para suas metas diante desta realidade. Emerge de suas histórias que estas vieram de sonhos de solidariedade social e já começaram com um arcabouço de profissionalização e especialização nas suas formas de gestão, como preconiza Drucker (2008), visando provocar mudanças sociais, incitando mudanças nos indivíduos e consequentemente na sociedade, asseverando que a missão é a razão de ser dessas entidades e o motivo de suas existências. À guisa de esclarecimento legal, ambas as entidades sob viso são organizações não governamentais (ONGs), sem fins lucrativos, formatadas como associações civis e possuem  titulos de utilidade pública, municipal, estadual e federal,  bem como são certificadas como entidades beneficentes de Assistência Social  pelo  Conselho Nacional de Assistência Social. Abalizar os caracteres da profissionalização, especialização, multidisciplinariedade, sustentatibilidade, parcerias e voluntariado dessas entidades será o foco no desenvolvimento do trabalho, bem como o desempenho da gestão diante dos desafios da contemporaneidade, como explicitam Antonio Oliveira de Carvalho e Elvira Cavalcanti Fadul, no artigo “Os Fatores Críticos de Sucesso de Organizações Não Governamentais”, que mesmo tendo ocorrido um  boom no Brasil, em  1990, as ONGs têm o desafio da gestão, desde a sua constituição, como em relação aos seus financiadores, doadores ou patrocinadores, mas também, no que pertine à comunidade a quem deve apresentar seus resultados. 2 HISTÓRICO As non profit organizations surgiram a partir  do anseio de fraternidade social dos indivíduos e grupos, dos Mecenas que favoreciam às artes na antiguidade à Cruz Vermelha, como organização pelo Direito Humanitário, salvaguardando os que estavam fora de combate quando feridos. O indivíduo atomizado volta os seus olhos miópes além do seu ego para outrem que está num estado de carência social, in casu, no Brasil, o primeiro desafio das entidades  não governamentais, pós governo militar, onde não havia mais necessidade da polarização e oposição ao regime, foi o de redimensionar seus objetivos, passaram a atender outras demandas sociais, diante das lacunas do Estado. Segundo Landim (1993), configurando-se na  “sociedade civil organizada”, cujo fenômeno de participação dos cidadãos em questões públicas, na promoção da justiça social e causas de interesse da coletividade e ou de um grupo de indivíduos, passando a serem atores coletivos que movimentam interessses e direitos coletivos difusos ou homogêneos da comunidade a que pertencem, num magistral exercício da cidadania. O Terceiro Setor, assim intitulado primeiramente por John D. Rockefeller III, em 1978, nos Estados Unidos da América, e aqui fulcrado pelo então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso tem como primeiro desafio a quebra da solidariedade social da sociedade tecnológica, e para Durkheim (2004) até uma certa anomia social na contemporaneidade, onde os indivíduos estão num estado de falta de objetivos e identidade. Nesse jaez, as ONGs Grupo de Apoio à Criança com Câncer e o Lar Vida foram criadas no final da década de 80, na transição democrática brasileira, com a Carta Cidadã, o trabalho social que surgiu do sonho e visão dos sócios fundadores, definindo logo com precisão suas respectivas missões, o que segundo Drucker (1990), como o Pai da Gestão na Administração, nas suas cinco questões sobre o empreendedorismo, ressalta que a definição da missão é a primeira delas, porquanto a missão necessita estar bem definida e delimitada, sendo interessante enunciar o comentário da fundadora e gestora do Lar Vida, Maria Cristina  Cordeiro Caldas, quando demandada na entrevista de como foi que surgiu a idéia de trabalho social em prol de pessoas com deficiência, invisíveis na sociedade, Aranha (2008), esta asseverou: “[…] nós tínhamos uma prima acometida com paralisia cerebral, então quando éramos jovens, tínhamos nossas programações normais, mas tínhamos um dia na semana para sair com nossa prima, a colocávamos para boiar na boia feita de pneu no Porto da Barra e depois como frequentava o Yatch Club, um dia ouvir meu pai falar que um vizinho maluco achava crianças no lixo e as levava para casa e daí passei a procurar crianças que estavam no lixo, mas não achei nenhuma, mas fiquei com essa ideia na cabeça (informação verbal[1]).” (CALDAS, 2017) Trata-se de uma organização sem fins lucrativos destinada a atender àqueles que são invisíveis  e estigmatizados na sociedade, aqueles que, a grosso modo, para a sociedade de consumo não  têm força de trabalho e poder de consumir, segundo Sassaki (2006). Foi levantado na entrevista elaborada com a fundadora do Lar Vida  no dia 04 de julho do corrente ano, a qual é gestora até os dias de hoje, que há certas peculariedades desafiadoras no trabalho social desenvolvido pela entidade, mormente diante do público-alvo que é deveras específico e não tem o apoio efetivo dos outros setores e da sociedade civil como um todo, inclusive muitas vezes sofrem o desamparo das próprias famílias que a grosso modo são de baixa renda e têm dificuldades de lidar com suas necessidades especiais e todo o preconceito que gira em torno do indivíduo portador de  deficiência. A priori, a sustentabilidade da ONG é deveras precária, muito embora, os gestores se esforcem imensamente para levantar recursos, mas quantas pessoas se solidarizam com pessoas que a sociedade quer esquecer, segregar e excluir e que não há expectativa de feedback dentro da sociedade de consumo, pois julgam-se que esses portadores de deficiência não terão força de trabalho, sendo enquadrados no estigma (GOFFMAN, 1963). A fundadora relatou que tem problemas com as contas de água, pois das 108 (cento e oito pessoas) dessa grande família que é o Lar Vida, inclusive a maioria deles chamam                  D. Cristina Caldas de mãe, muitos atendidos fazem suas necessidades fisiológicas nos lençóis que precisam ser lavados diariamente. O que resolveu parcialmente o problema da conta de água, mas não sanou, foi um doador anônimo que solidarizado pelo trabalho desenvolvido pela entidade, construiu um poço artesiano na sede, o que diminuiu as contas de água que continuam altas e D. Cristina Caldas contou que outras entidades passam pelo mesmo problema com débitos absurdos. Foi levantado na imprensa nacional que o Estado de São Paulo sancionou uma lei que financia cinquenta por cento nas contas de água das ONGs que desenvolvem programas sociais, o que não ocorre na Bahia. No que concerne à tarifa filantrópica, no site da Embasa observa-se a efetivação de um termo de compromisso entre esta companhia de abastecimento de água do Estado da Bahia e o Hospital Martagão Gesteira, em que a primeira se compremeteu a doar à instituição de saúde, os valores das contas de água e esgoto, entre 31 de maio de 2012 a 31 de maio de 2013, no limite de 2.300 m3 por mês, destacando que essa doação é feita a hospitais notoriamente conhecidos pela assistência que prestam às classes menos favorecidas no Brasil, sendo frisada a responsabilidade social da Embasa. Pelo que foi investigado essa benesse não é estendida ao Lar Vida, o  que dificulta o manejo do pagamento dessas contas que são vultosas, necessitando a entidade fazer malabarismos financeiros para adimplir seus débitos. Outro desafio de gestão é típico da contemporaneidade, outrora o portador de deficiência teria que ser acolhido, ficando distante dos demais grupos sociais, todavia, há uma diretriz de que na atualidade o indivíduo que tem necessidades especiais deverá ser incluído socialmente, pois como  cidadão tem direito à convivência não segregada e ao acesso aos recursos disponíveis aos demais cidadãos, segundo Aranha (2008). Ocorre que a sociedade não está preparada para esta integração, pelo menos em Salvador, quantas escolas têm recursos para acolher os deficientes visuais, auditivos, mentais, cadeirantes, com interprétes, equipamentos, vias de acesso, conquanto, quantas ruas são adaptadas para a mobilidade social dos mesmos? E a responsabilidade dos gestores da entidade em foco de deixarem os indivíduos assistidos saírem da entidade sem nenhum amparo, é por demais temerário, haja vista que estamos passando por um alarmante quadro de violência urbana e há muitos acidentes de veículos e atropelos. Então, como deixar um portador de  deficiência a própria sorte nas ruas de Salvador? Segundo Souza (2010), incluir significa atender todos os portadores de necessidades especiais ou não, respeitando a necessidade de cada um deles, tendo profissionais capacitados e espaço físico adequado, ademais garantir a inter-relação da pessoa com necessidades especiais com os demais através da acessibilidade. A entidade epigrafada tem um número de adultos que ainda continuam morando na sede, pois malgrado tenham atingido a maioridade, estes não têm condições de seguirem sua vida de modo autônomo, dentre esses, muitos deficientes mentais com grau diminuto de desenvolvimento. Entrementes, a tendência mundial de inclusão social seja alarmada, a sociedade em si não tomou sua responsabilidade social de incluir os indivíduos portadores de necessidades especiais, alterando o ambiente que é “deficitário” para atendê-los Dessarte, como os gestores do Lar Vida podem lidar com esse novo paradigma da inclusão social do portador de deficiência, se vivemos numa sociedade que exclui e que é repleta de provavéis danos e violências, muito mais para quem não pode defender-se, pois incluir significa dar acessilidade. Porquanto a Lei de Acessibilidade, Lei 10.098, de 19 de dezembro de 2000, fundamenta normas gerais de acessibilidade, definindo  esta como a possibilidade de alcance para utilização do portador de deficiência do ambiente público e privado, com autonomia e segurança no que concerne aos mobiliários e equipamentos, edificações, transportes e dos sistemas dos meios de comunicação, o que efetivamente não acontece de modo pleno, nem em Salvador ou no Brasil O Lar Vida tem experiência de inclusão social , dentre vários exemplos, nota-se o da jovem com deficiência anônima, que hoje cursa Psicologia na Unijorge e foi submetida a oito cirurgias reparadoras no Centrinho da USP em Bauru, Estado de São Paulo, a qual já mora só, mas no momento da cirurgia, “quer voltar ao seu lar onde se sente amparada” citou D. Cristina Caldas, pois não basta a inclusão social, tem que existir a inclusão emocional, sendo que a sociedade individualista e acelerada não está preparada para esse tipo de inclusão. Os desafios paradigmáticos do Lar Vida em termos de gestão são tão especiais  quanto sua clientela, muitas vezes vítimas do abandono, tendo que dizer não ao paternalismo quando uma mãe que outrora abandonou o filho deficiente, sem julgamentos axiológicos quanto a este ato, no momento em que este começa a receber o benefício previdenciário o quer de volta ao seu convívio, mas também quer toda a assistência do Lar Vida, como se a organização tivesse obrigação eterna para com o seu filho. Sabemos que muitas vezes por não ter acesso à educação consideram que uma entidade assistencial devem servi-los como bengala, o que é contrário ao novel modelo de tratamento do portador de deficiência, que considera que o individuo especial deve ter amparo, mas não deve ser tratado como incapaz. O voluntariado não é visto como algo que pode manter a entidade do Lar Vida e suas rotinas organizadas com excelência para o tratamento, acolhimento, educação e inclusão social do portador de necessidades especiais  que são responsáveis, pois os voluntários não possuem o compromisso com o horário e  necessidades da gestão que o público alvo da entidade deveras necessita, segundo a direção. No que pertine ao corpo de funcionários contratados, acerca dos assistidos com necessidades especiais e o financiamento da Secretaria  Municipal de Proteção Social Esporte e Combate à Pobreza SEMP, a qual vem burocratizando o processo de repasse do valor para manutenção da entidade, elaboramos o seguinte quadro: 3 FUNDAMENTOS TEÓRICOS 3.1 A GESTÃO DAS ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS Segundo Junqueira (2002), as entidades sem fins lucrativos tornam-se ambiente de buscas por soluções para problemas sociais que impedem o homem de ter uma vida com plenitude de cidadania. Consoante Tenório (1997), gerenciar é orientar a dinâmica da organização. Para que uma atividade seja bem-sucedida é preciso uma boa utilização dos recursos e o direcionamento desses recursos para o atingimento da finalidade proposta pelos membros da organização. Por sua vez, de acordo com esse mesmo autor, a ação do gerente deve ser avaliada com o objetivo de verificar como ele está utilizando os recursos disponíveis e sua capacidade de viabilizar o alcance dos objetivos da organização. Para tanto, a análise do desempenho organizacional deve ocorrer através das medidas da eficiência, da eficácia e da efetividade.  Nessa esteira de entendimento, a eficiência é conceituada como a melhor forma de se fazer algo com os recursos disponíveis. A eficácia é entendida como o ato de se fazer o que dever ser feito, ou seja, cumprir o objetivo determinado. Já a efetividade, se refere à capacidade da organização de atender às demandas da sociedade. Conforme Tenório (1997), para se analisar o desempenho das organizações, os gerentes, as equipes ou os indivíduos isolados devem ter em mente as seguintes hipóteses:   No entanto, essas medidas são relativas, visto que dependem dos objetivos de cada organização, de modo que os graus de eficiência e eficácia serão especificados conforme o contexto organizacional. Segundo o mesmo autor, para conquistar um mercado ou ampliá-lo, a organização pode decidir trabalhar com baixos graus de eficiência. Inversamente, em virtude das circunstâncias, pode adiar uma atitude mais agressiva em termos de metas para ser mais eficiente, isto é, diminuir custos. Levando-se em conta que as organizações existem para produzir bens e prestar serviços, cumpre ressaltar que a sobrevivência de uma organização do terceiro setor depende do adequado atendimento das expectativas de seus clientes e proprietários. Seus dirigentes devem encontrar a forma mais adequada para produzir os bens e os serviços e também aproveitar os recursos que possuem da melhor forma possível, ou seja, uma gerência comprometida com a eficiência, a eficácia e a efetividade tem a capacidade de garantir a sobrevivência de uma organização.   Contudo, a função gerencial deve estar embasada em quatro funções primordiais, quais sejam, o planejamento, a organização, a direção e o controle. Elas representam um ciclo que se repete no cotidiano da organização e relaciona-se com a previsão, a divisão do trabalho, a execução e o seu acompanhamento. A primeira, o planejamento, tem a função de preparar a organização para enfrentar o futuro, já que determina sua finalidade e objetivos, como também prevê as atividades, os recursos e os meios para atingi-los em dado período de tempo. A segunda, a organização, define quem faz o que, com qual recurso e de que forma, de modo a atingir a finalidade e os objetivos propostos. Quanto à direção, tem como fim conduzir e motivar as pessoas a exercerem suas tarefas para alcançar os objetivos organizacionais. E por último, o controle, cuja ação permite avaliar os resultados pela comparação dos objetivos estabelecidos e os recursos previstos com os resultados produzidos e os recursos efetivamente gastos, objetivando tomar medidas para corrigir ou modificar os rumos inicialmente definidos.  Mas, para um melhor entendimento acerca do ato de gerenciar, é necessária uma visão da organização em forma de pirâmide, dividida horizontalmente em três níveis, sendo o primeiro o nível estratégico; o segundo, o nível tático; e o terceiro, o nível operacional. Cada nível assume decisões específicas e a união dos três permite atingir a finalidade da organização. O nível estratégico é responsável por definir a finalidade e os objetivos institucionais durante um período de tempo específico.  O nível tático se encarrega da tomada de decisões específicas sobre cada área da organização, a exemplo das áreas financeira, de pessoal e de patrimônio. Nesse nível, cada gestor é responsável pelas necessidades e objetivos de sua unidade. No nível operacional são executadas as atividades destinadas ao alcance dos objetivos da organização. Como assevera Andrews (1980), a definição da estratégia a ser adotada por uma empresa deve desenvolver-se com base em fatores internos e externos. Isto porque do ambiente externo se revela ameaças e oportunidades que associadas aos recursos e capacidades internas da organização, servem de guia para o estabelecimento do seu posicionamento estratégico. De acordo com esse mesmo autor, as ONGs, em sua organização interna, devem privilegiar alguns aspectos, dentre os quais destacam-se: cooperação e responsabilidade solidária, coletiva e compartilhada; convivência de formas plurais de trabalho, compostas de assalariados, voluntários e outros parceiros; fontes híbridas de recursos, como de mercado (comercialização), não mercantis (financiamento ou suporte do Estado ou agências de fomento), não monetários (doações de bens e serviços); informação contínua, estreitando os vínculos com a entidade e com a causa; desenvolvimento de alianças e parcerias com outras entidades ou públicos diversos, pois não se pode esquecer, do imperativo de independência e sustentabilidade. Nesse tipo de organização, apesar de a finalidade ser não lucrativa e sim social, esse processo não se mostra diferente, vez que, nos dias atuais é preciso analisar a eficiência e a eficácia de um setor, considerando todos os atores e condições que envolvem seu ambiente interno e externo. Apesar de as organizações do Terceiro Setor se contraporem às empresas de mercado, isso não significa que estejam excluídas do atual cenário de negócios. Assim como as demais organizações, as ONGs também convivem com os problemas conjunturais advindos das constantes mudanças de enfoque dos fatores sociais, econômicos, políticos e tecnológicos. Outro fator de semelhante importância é a auto sustentabilidade das organizações do Terceiro Setor e de igual relevância a necessidade de levantar recursos financeiros para a adequada operacionalização das suas atividades. Segundo Drucker (1994, p.41) elas não podem se subordinar a esses processos, mas fazê-los com o objetivo de cumprir sua missão. Assim, a obtenção dos recursos torna-se um meio e não um fim. Tais organizações necessitam ter comportamento similar a uma empresa, ou seja, ser uma organização competitiva na sua área de atuação e responsabilidade de Estado, em razão da necessidade de serem auto sustentáveis, como também de atuarem normalmente em setores relacionados à promoção de direitos sociais, a exemplo do direito à saúde. Além disso, Porter (1999) sustenta que nenhuma organização deve ignorar a necessidade de competir, visto que este fator já interferiu na estabilidade dos mercados de quase todos os setores. O mesmo autor ressalta ainda, que a prática da competição mostra-se como uma vantagem essencial a toda organização, tanto para a promoção do seu desenvolvimento, quanto para servir de alicerce aos seus processos e projetos. Nessa reflexão, tem-se que a concepção de sobrevivência, justaposta em toda organização e dentro desse ambiente instável, depende cada vem mais de sua capacidade competitiva. Este fator, representa para Coutinho e Ferraz (1994) não somente ir além das habilidades de adotar estratégias competitivas adequadas, como também realizar correções nos rumos dos procedimentos, quando necessário. Para Porter (1986) outro ponto de destaque é o relacionamento da organização com o ambiente em que se encontra inserida. Entende que se trata de uma das principais fontes de sucesso no mercado. A visão clara dos riscos que cercam a organização, assim como as oportunidades que lhe são oferecidas, a longo e médio prazo, são fatores cruciais para uma boa condução da gestão institucional. Segundo Kaplan e Norton (2004), além da formulação de uma estratégia, ela deve ser disseminada em todos os níveis, com a análise e o estabelecimento de metas para cada setor direcionado a um objetivo organizacional central. A formulação da estratégia é, conforme Porter (1986), a essência, o desenvolvimento de uma fórmula ampla de como a organização irá competir, metas, políticas, além da observação do ambiente. Dessa forma, verifica-se que em uma organização não-governamental seus dirigentes não devem se apartar das medidas da eficiência, da eficácia e da efetividade, assim como, devem exercer o planejamento, a organização, a direção e o controle e, ainda, tomar decisões estratégicas, táticas e operacionais, de forma adequada, vez que tais instrumentos são preponderantes para atingir sua missão principal, que é a solução de problemas sociais não dirimidos pelo Estado. 3.2 CARACTERÍSTICAS E PECULIARIDADES DAS ONGs NO BRASIL As Associações, pessoas jurídicas de direito privado, criadas com base no Código Civil, Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002, posteriormente alterada pela Lei nº 10.825, de 22 de dezembro de 2003, são formadas pela união de pessoas que se organizam sem finalidades lucrativas. Nos artigos 53 e 54, da mencionada lei, estão descritos os normativos para constituição, exclusão e outros direitos dos associados, assim como a competência e convocações das assembleis gerais, e da dissolução da associação. A ONG, após ser constituída, poderá requerer títulos, registros e certificados e as qualificações, de forma a obter os devidos enquadramentos legais. Para que isso ocorra deverão ser observados os requisitos necessários às obtenções, como também as obrigações deles decorrentes. Cada título possui uma legislação específica que deve ser cumprida pela entidade interessada em adquiri-los. Segundo Voese e Reptczuk (2011, p.34), o propósito para a outorga dos títulos, das qualificações e dos registros são: diferenciar as entidades que os possuem; demonstrar à sociedade que a entidade possui credibilidade; facilitar a captação de investimentos privados e a obtenção de financiamentos; facilitar o acesso a benefícios fiscais; possibilitar o acesso a recursos públicos, assim como a celebração de convênios e parcerias com o Poder Público e possibilitar a utilização de incentivos fiscais pelos doadores. Ainda, conforme Violin (2002, p.195), “Todos são títulos concebidos a pessoas jurídicas de direito privado, devidamente constituídas, em forma de associações e fundações privadas, nos termos da legislação civil, os quais permitem a concessão de benefícios às entidades qualificadas, via subvenções, auxílios, convênios, contratos de gestão, termos de parceria.” Dessa forma, consideram-se como principais títulos, registros e certificados: Título de Utilidade Pública Federal (UFP); Registro no Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS); Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas); Qualificação como Organização Social (OS); Qualificação como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip). 4 METODOLOGIA O procedimento metodológico orientou-se pela realização de um estudo de caráter exploratório, utilizando de estratégias basicamente qualitativas, quais sejam, a pesquisa documental e a pesquisa bibliográfica; com o fim de compreender melhor os fenômenos, não tendo como finalidade o estudo estatístico e a generalização dos fatos.  Foram utilizadas, como objeto de pesquisa, duas ONGs instaladas no município de Salvador, selecionadas através dos critérios de tempo de fundação, área de atuação, bem como desenvolvimento e gestão de projetos, da criação até os dias atuais. Partiu-se do pressuposto que a profissionalização da gestão e a estruturação contribuem para a melhoria da captação de recursos e para o sucesso da execução dos projetos. Quanto ao tipo da amostragem utilizada no estudo, esta foi classificada como não-probabilística, intencional e por acessibilidade. Dessa forma, selecionou-se os respondentes, os quais laboram no setor de gestão das mencionadas organizações. A amostra total contou com o número de duas pessoas pesquisadas, isto é, uma por instituição.  Segundo Lüdke et al. (1986, p. 33), afirmam que “na entrevista a relação que se cria é de interação, havendo uma atmosfera de influência recíproca entre quem pergunta e quem responde. Especialmente nas entrevistas não totalmente estruturadas, onde não há a imposição de uma ordem rígida de questões, entrevistado discorre sobre o tema proposto com base nas informações que ele detém e que no fundo são a verdadeira razão da entrevista”. Ressalta-se que foi escolhida a entrevista em virtude de tal técnica possuir uma vantagem sobre as demais, pois ela permite a captação imediata e corrente da informação desejada, praticamente com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tópicos. Também foram realizadas pesquisas na internet que possibilitaram a descrição do ambiente macro e micro de inserção do GAAC. Como técnica de tratamento dos dados coletados, foi adotada a metodologia de Análise de Conteúdo. Essa técnica tem por finalidade, a partir de um conjunto de técnicas, explicar e sistematizar o conteúdo da mensagem e o significado desse conteúdo, por meio de deduções lógicas e justificadas, tendo como referência a sua origem (quem emitiu) e o contexto da mensagem (BARDIN, 2009). 5 AS ORGANIZAÇÃO PESQUISADAS E SEUS DESEMPENHOS No estudo em tela foram pesquisadas duas ONGs: Grupo de Apoio à Criança com Câncer – GAAC e o Lar Vida, ambas situadas na cidade de Salvador/BA. A organização LAR VIDA, criada  com o fito de atender pessoas com deficiência encaminhadas pelo Juizado da Infância e Juventude, alguns abandonados por suas famílias, mormente para prestar-lhes tratamento especializado e multidisciplinar e leva-los a inclusão social, a qual foi entrevistada a sócia fundadora Maria Cristina Caldas, atual gestora em 04 de julho de 2017. O Lar Vida  mesmo com todos os desafios paradigmáticos em gestão  com que se depara ao longo dos seus trinta e dois anos de existência, vem desempenhando suas atividades voltadas ao portador de necessidades especiais com organização e vontade de gerir dificuldades diante das “challenges” diárias, o que mostra que nem sempre os números em caixa são o fator norteador de sucesso de uma gestão, alhures, o caráter humanista da organização e seu foco  na missão fazem com que sobreviva e atenda seu público tão necessitado há tantos anos.Falar-se  na questão  do planejamento estratégico de gestão num modelo “receita   de bolo”, sem ir além da verticalidade e sem  confrontar-se com a dinâmica das relações sociais, segundo Mintzberg (2009) ao criticar o modelo gerencial, é consubstanciar a gestão como algo cristalizado, que não deve ser revisto e estudado diante das mudanças contínuas na contemporaneidade, nesse esteio, o Lar Vida tem como desafio construir sua relação com seus stakeholders continuamente, procurando adaptar-se às novas demandas de informação e ação  e a novos paradigmas de inclusão social do acolhido diante de um ambiente externo que não está preparado para dar acessiblidade ao portador de necessidades especiais, no que se faz mister o fomento da criação de condições de  acessibilidade do indivíduo com deficiência não tão-somente pelos gestores do Lar Vida, que já fazem sua parte nesse aspecto, mas  como responsabilidade social de toda a sociedade, como exercício de cidadania. A segunda organização, o Grupo de Apoio à Criança com Câncer – GACC/BA foi criado em 05 de janeiro de 1988, todavia, a ONG foi inaugurada em 14 de julho de 2000. A entrevista ocorreu na data de 05 de julho do ano em curso e a entrevistada foi a Coordenadora do Voluntariado, graduada em Administração de empresas, com faixa etária entre 35 a 40 anos, funcionária da instituição desde o ano de 1999 e exerce a coordenação do voluntariado, bem como a organização de eventos e a captação de parcerias. De acordo com os documentos disponibilizados, observa-se que a atual sede da ONG foi erguida em um terreno doado pelo Monte Tabor – Centro Ítalo Brasileiro de Promoção Sanitária, instituição filantrópica da Bahia, com origem em Milão-Itália. A instituição possui cinco pavimentos, com 50 apartamentos, todos com sanitários privativos, perfazendo um total de 110 leitos. As instalações foram edificadas com recursos do BNDES, de doações de empresas e de pessoas físicas, e de reservas financeiras que a entidade dispunha resultante da colaboração de associados. Sua missão é promover a assistência psicossocial, médica e financeira às crianças e adolescentes com câncer, oriundas de famílias carentes, da capital e dos interiores do Estado, de maneira a propiciar-lhes as condições necessárias para serem submetidas ao tratamento médico adequado no combate a essa moléstia. A administração e a gestão da entidade ocorre através da Diretoria Executiva, do Conselho Fiscal e do Conselho de Administração. O GAAC possui 135 funcionários contratados e aproximadamente 320 voluntários, ativos e eventuais. Há também uma equipe multidisciplinar de suporte, formada por profissionais das áreas da assistência social, odontologia, psicologia, nutrição, biblioteconomia, pedagogia, além de brinquedistas, com o objetivo de assistir ao paciente e seu acompanhante, de modo pleno, amparando todas as necessidades durante o tratamento, de maneira gratuita, planejada e continuada. Além disso, o GAAC/BA promove diversos serviços e benefícios, tanto ao paciente assistido, quanto ao seu acompanhante, quais sejam: hospedagem para os não residentes na capital, alimentação (3 refeições e 2 lanches diários), transporte urbano e interurbano, assistência odontológica, assistência psicológica, assistência nutricional, noções de higiene e cidadania, marcações de consultas, exames e encaminhamento para órgãos de defesa da cidadania e artesanato. A ONG pesquisada possui os seguintes certificados e títulos: – Utilidade Pública Municipal – Lei nº 7.838/2010; Utilidade Pública Estadual – Lei nº 6.784/2005; – Utilidade Pública Federal (UFP) – Decreto de 21/07/1999; – Organização Social do Estado da Bahia (OS); – Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS); – Credenciamento do Laboratório de Imunogenética e Transplantes (CDG); – Inscrição no Conselho Municipal de Assistência Social de Salvador (CMASS); – Inscrição no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA); – Inscrição no Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS); – Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde;      – Membro da União de Controle do Câncer (UICC) com sede em Genebra, na Suíça; dentre outros títulos e premiações. Para auto sustentar-se, bem como para suprir a carência em Biologia Molecular no Estado da Bahia, o GAAC/BA implantou, no ano de 2005, o CDG – Centro de Diagnósticos, que proporciona serviços laboratoriais à população nas áreas de Imunogenética e Transplante, credenciado pelo Ministério da Saúde; de Doenças Infecciosas e de Investigação de Paternidade. Recentemente, o CDG ampliou suas instalações e construiu novo laboratório, o qual atende à área de Imunofenotipagem por Citometria de Fluxo, com a finalidade de diagnosticar e acompanhar tratamentos de várias doenças na área de hematologia. Entretanto, para que tais projetos sejam implantados, a instituição necessita de parceiros e doadores. Atualmente, o GAAC conta com o auxílio de hospitais, clínicas, bancos, faculdade e empresas comerciais, dentre outros; além da doação de pessoas físicas e jurídicas.  Segundo a entrevistada, apesar das parcerias, a instituição apresenta dificuldades para cobertura do orçamento mensal, vez que a arrecadação, na sua totalidade, é proveniente de doadores. Afirma que os parceiros financiadores destinam as verbas diretamente para os projetos, pois os resultados são observados de forma quantitativa. Durante a entrevista, a coordenadora salientou que, além dos despesas correntes, existedm dificuldades para aquisição de medicamentos, alguns de alto custo, como também despesas de deslocamento dos pacientes aos  hospitais, clínicas e retorno ao interior do estado. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Empós os estudos de caso efetivados no que tange ao Grupo de Apoio à Criança e Adolescente  com Câncer e ao Lar Vida,  com atendimento ao portador de deficiência poder-se-á constatar que as idéias individuais para um fim social, partiram de demandas a priori próprias de seus sócios fundadores  que os levaram a um caminho de atender a uma demanda social, porquanto, as entidades em estudo partiram de sonhos individuais que se transformaram em sonhos sociais e realidade que provoca mudança na sociedade. É notório que as organizações não govenrmamentais aventadas possuem desafios paradigmáticos  vultosos, a fortiori, pela própria clientela que possuem, crianças em estado de vulnerabilidade na saúde, com dramas peculiares, envolvendo famílias e o despreparo dos outros setores e da sociedade civil para apoia-los. Na análise do Lar Vida, observamos que o embate da burocratização excessiva do órgão público responsável pelo repasse de verba para a manutenção da obra social permeia um grande desafio na sustentabilidade da entidade e das vidas que ali estão, as quais com suas necessidades especiais encontram um mundo hostil e não acessível extra muros . Os novos paradigmas sobre o tratamento de pessoas com necessidades especiais fazem parte desses desafios de gestão que terão que ser estudados e dirimidos pela equipe multidisciplinar e técnica que a entidade já possui, no desiderato de sensibilizarem com estratégias de marketing outros setores da sociedade para assumirem também a responsabilidade social acerca desses portadores de necessidades especiais, inclusive as famílias, conforme Cruz (2000) a captação de recursos deverá ter como meta prepoderante  para levar adiante a missão da organização, por conseguinte, a fim de que continuem trabalhando com propriedade na consecução desse sonho social de inclusão para os estigmatizados. Ao final da pesquisa, também foi possível observar que uma boa gestão é primordial para o ótimo desempenho de uma ONG, como é o caso de sucesso do GAAC. Não obstante os obstáculos para a captação de recursos financeiros, advindos de doadores, na sua maioria pessoas físicas; das parcerias, para implementação dos projetos, e da receita proveniente dos serviços prestados pelo laboratório CDG, a ONG consegue cumprir adequadamente a sua missão, que é tratar e promover a cura de crianças de 0 a 19 anos, portadoras dos mais diversos tipos de câncer, proporcionando-lhes tratamento digno, humano, integrado com todos os recursos médicos, clínico-hospitalares e, conjuntamente, com recursos sociais, psicológicos, pedagógicos e educacionais. Mesmo com tantas dificuldades e incertezas diárias a ONG demonstra que, desde a sua criação, consegue cumprir o trinômio: eficiência, eficácia e efetividade. Por sua vez, as conquistas advieram também de uma gestão organizacional assentada no adequado planejamento, assim como na eficiente organização, direção e controle, proporcionando, assim, a assistência a 1.122 beneficiários e 219 novos casos surgidos no ano de 2016.
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A (in) elasticidade do conceito de improbidade administrativa na visão do Superior Tribunal de Justiça
O presente artigo visa analisar o conceito (in) elástico atribuído pelo Superior Tribunal de Justiça em duas de suas decisões importantes sobre casos envolvendo agentes públicos.
Direito Administrativo
Introdução  O Superior Tribunal de Justiça, decidindo acerca de dois casos semelhantes, cada um com as suas peculiaridades práticas, e julgados em períodos bem próximos, trouxe duas visões diferentes no que tange ao conceito (in) elástico de improbidade administrativa quando se trata da prática de abuso de poder ou tortura cometido por agentes públicos no exercício de suas funções. Em ambos os julgados o mesmo Tribunal Superior trouxe posições completamente opostas, porém ambas de forma bem fundamentadas e que polemiza o assunto de modo a atrair, portanto, o debate sobre o tema. 1-Conceito de Improbidade Administrativa O conceito de improbidade tem sua origem no latim, que segundo De Plácido e Silva, traduz a ideia de má qualidade, imoralidade, malícia. Refere-se à qualidade do homem que não procede bem, por não ser honesto ou que age indignamente, por não ter caráter, que não atua com decência, por ser amoral. No mesmo sentido de improbidade, tem-se a improbidade administrativa, que seria a má qualidade ou atuação com indecência por parte de um administrador ou funcionário público. Deve-se analisar, no entanto, que o conceito de improbidade para fins de aplicação da Lei. 8.429/92 não se deve ater apenas ao significado de sua etimologia, neste sentido o autor Cleber Masson cita em sua obra o pensamento de Sérgio Turra Sobrare, que diz ser improbidade: “A conceituação baseada em sua raiz etimológica não permite a compreensão exata desse fenômeno, pois transmite a noção de que o ato de improbidade administrativa deva estar imbuído de desonestidade, demarcado com contorno de corrupção, o que nem sempre ocorre. O ato pode ser praticado simplesmente por despreparo e incompetência do agente público, que deveria atuar com o cuidado objetivo exigido, ou seja, mediante conduta culposa.” A Lei. 8429/92 adota um conceito elástico de improbidade administrativa ao admitir que se configure improbidade administrativa não apenas aquele praticado na modalidade dolosa, mas também o praticado em sua modalidade culposa seja por negligência, imperícia ou imprudência como nos casos de lesão culposa ao erário (art. 10). Assim, podemos observar que o conceito de probidade em comparação ao de moralidade, possui uma feição mais ampla e protetiva, porquanto quando na visão de alguns autores a probidade abrange não apenas a moralidade, mas também a legalidade, impessoalidade, publicidade e a eficiência. Outro fator que corrobora a feição mais elástica do conceito de probidade é que o ato de improbidade cometido em sua modalidade culposa possui punições previstas em Lei, não havendo imoralidade quando se está diante de um ato culposo, pois para configuração da imoralidade exige-se dolo do agente. Esta, inclusive, é a visão dos autores Cleber Masson, Flávio Sátiro e Maria Sylvia Zanella Di Pietro. 2-O conceito de Improbidade Administrativa na visão do Superior Tribunal de Justiça 2.1-O conceito inelástico previsto no RESP 1.558.038/PE O Superior Tribunal de Justiça no RESP 1.558.038/PE (Informativo 573), trouxe uma visão mais restritiva do conceito de improbidade administrativa, de modo que segundo o posicionamento neste julgado, não há improbidade administrativa, ainda que praticado por agente público no exercício de suas funções e que este ato enseje abuso de autoridade tipificado na Lei 4.898/65, quando deste ato não haja lesão aos cofres públicos, haja vista a inelasticidade do conceito de improbidade administrativa. Veja que o julgado considera improbidade administrativa apenas no sentido de lesão ao erário ou enriquecimento ilícito, pouco fazendo menção à existência de violação de princípios, que inclusive possui previsão na própria Lei. 8.429/92. Frisa-se que para o Superior Tribunal de Justiça, neste julgado, só há improbidade, quando há diretamente ofensa aos cofres públicos. Neste sentido vale a pena transcrever o julgado ipsis litteris: “Não ensejam o reconhecimento de ato de improbidade administrativa (Lei 8.429/1992) eventuais abusos perpetrados por agentes públicos durante abordagem policial, caso os ofendidos pela conduta sejam particulares que não estavam no exercício de função pública. O fato de a probidade ser atributo de toda atuação do agente público pode suscitar o equívoco interpretativo de que qualquer falta por ele praticada, por si só, representaria quebra desse atributo e, com isso, o sujeitaria às sanções da Lei 8.429/1992. Contudo, o conceito jurídico de ato de improbidade administrativa, por ser circulante no ambiente do direito sancionador, não é daqueles que a doutrina chama de elásticos, isto é, daqueles que podem ser ampliados para abranger situações que não tenham sido contempladas no momento da sua definição. Dessa forma, considerando o inelástico conceito de improbidade, vê-se que o referencial da Lei 8.429/1992 é o ato do agente público frente à coisa pública a que foi chamado a administrar. Logo, somente se classificam como atos de improbidade administrativa as condutas de servidores públicos que causam vilipêndio aos cofres públicos ou promovem o enriquecimento ilícito do próprio agente ou de terceiros, efeitos inocorrentes na hipótese. Assim, sem pretender realizar um transverso enquadramento legal, mas apenas descortinar uma correta exegese, verifica-se que a previsão do art. 4º, "h", da Lei 4.898/1965, segundo o qual constitui abuso de autoridade "o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal", está muito mais próxima do caso – por regular o direito de representação do cidadão frente a autoridades que, no exercício de suas funções, cometerem abusos (art. 1º) -, de modo que não há falar-se em incidência da Lei de Improbidade Administrativa. REsp 1.558.038-PE, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 27/10/2015, DJe 9/11/2015”. Assim, como já enfatizado, o julgado traz uma análise em dissonância com o que prevê a própria legislação brasileira, pois desconsidera a existência do próprio art. 11 da Lei de Improbidade, que traz um rol exemplificativo de violação aos princípios da Administração Púlica. 2.2-O conceito elástico previsto no RESP 1.177.910/SE O Superior Tribunal de Justiça, julgando o RESP 1.177.910/SE (Informativo 577) trouxe posição completamente oposta acerca do conceito de Improbidade Administrativa. Desta vez o referido Tribunal Superior traz um conceito elástico e considerando a existência de violação de princípios existentes na Lei. 8429/92. Veja que o caso julgado não é completamente idêntico, pois não versa sobre abuso de autoridade, mas sim tortura praticada por agentes públicos. Outro ponto preponderante é o de que o preso se encontrava custodiado em delegacia, isto é, local onde acarreta responsabilidade objetiva estatal quando há ofensa à integridade física ao preso. Neste sentido vale também destacar o entendimento adotado pelo STJ: “DIREITO ADMINISTRATIVO. CARACTERIZAÇÃO DE TORTURA COMO ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. A tortura de preso custodiado em delegacia praticada por policial constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública. O legislador estabeleceu premissa que deve orientar o agente público em toda a sua atividade, a saber: "Art. 4° Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos". Em reforço, o art. 11, I, da mesma lei, reitera que configura improbidade a violação a quaisquer princípios da administração, bem como a deslealdade às instituições, notadamente a prática de ato visando a fim proibido em lei ou regulamento. Tais disposições evidenciam que o legislador teve preocupação redobrada em estabelecer que a grave desobediência – por parte de agentes públicos – ao sistema normativo em vigor pode significar ato de improbidade. Com base nessas premissas, a Segunda Turma já teve oportunidade de decidir que "A Lei 8.429/1992 objetiva coibir, punir e afastar da atividade pública todos os agentes que demonstraram pouco apreço pelo princípio da juridicidade, denotando uma degeneração de caráter incompatível com a natureza da atividade desenvolvida" (REsp 1.297.021-PR, DJe 20/11/2013). É certo que o STJ, em alguns momentos, mitiga a rigidez da interpretação literal dos dispositivos acima, porque "não se pode confundir improbidade com simples ilegalidade. A improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Por isso mesmo, a jurisprudência do STJ considera indispensável, para a caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/92, ou pelo menos eivada de culpa grave, nas do artigo 10" (AIA 30-AM, Corte Especial, DJe 28/9/2011). A referida mitigação, entretanto, ocorre apenas naqueles casos sem gravidade, sem densidade jurídica relevante e sem demonstração do elemento subjetivo. De qualquer maneira, a detida análise da Lei n. 8.429/1992 demonstra que o legislador, ao dispor sobre o assunto, não determinou expressamente quais seriam as vítimas mediatas ou imediatas da atividade desonesta para fins de configuração do ato como ímprobo. Impôs, sim, que o agente público respeite o sistema jurídico em vigor e o bem comum, que é o fim último da Administração Pública. Essa ausência de menção explícita certamente decorre da compreensão de que o ato ímprobo é, muitas vezes, um fenômeno pluriofensivo, ou seja, ele pode atingir bens jurídicos diversos. Ocorre que o ato que apenas atingir bem privado e individual jamais terá a qualificação de ímprobo, nos termos do ordenamento em vigor. O mesmo não ocorre, entretanto, com o ato que atingir bem/interesse privado e público ao mesmo tempo. Aqui, sim, haverá potencial ocorrência de ato de improbidade. Por isso, o primordial é verificar se, dentre todos os bens atingidos pela postura do agente, existe algum que seja vinculado ao interesse e ao bem público. Se assim for, como consequência imediata, a Administração Pública será vulnerada de forma concomitante. No caso em análise, trata-se de discussão sobre séria arbitrariedade praticada por policial, que, em tese, pode ter significado gravíssimo atentado contra direitos humanos. Com efeito, o respeito aos direitos fundamentais, para além de mera acepção individual, é fundamento da nossa República, conforme o art. 1º, III, da CF, e é objeto de preocupação permanente da Administração Pública, de maneira geral. De tão importante, a prevalência dos direitos humanos, na forma em que disposta no inciso II do art. 4º da CF, é vetor de regência da República Federativa do Brasil nas suas relações internacionais. Não por outra razão, inúmeros são os tratados e convenções assinados pelo nosso Estado a respeito do tema. Dentre vários, lembra-se a Convenção Americana de Direito Humanos (promulgada pelo Decreto n. 678/1992), que já no seu art. 1º, dispõe explicitamente que os Estados signatários são obrigados a respeitar as liberdades públicas. E, de forma mais eloquente, os arts. 5º e 7º da referida convenção reforçam as suas disposições introdutórias ao prever, respectivamente, o "Direito à integridade pessoal" e o "Direito à liberdade pessoal". A essas previsões, é oportuno ressaltar que o art. 144 da CF é taxativo sobre as atribuições gerais das forças de segurança na missão de proteger os direitos e garantias acima citados. Além do mais, é injustificável pretender que os atos mais gravosos à dignidade da pessoa humana e aos direitos humanos, entre os quais a tortura, praticados por servidores públicos, mormente policiais armados, sejam punidos apenas no âmbito disciplinar, civil e penal, afastando-se a aplicação da Lei da Improbidade Administrativa. Essas práticas ofendem diretamente a Administração Pública, porque o Estado brasileiro tem a obrigação de garantir a integridade física, psíquica e moral de todos, sob pena de inúmeros reflexos jurídicos, inclusive na ordem internacional. Pondere-se que o agente público incumbido da missão de garantir o respeito à ordem pública, como é o caso do policial, ao descumprir com suas obrigações legais e constitucionais de forma frontal, mais que atentar apenas contra um indivíduo, atinge toda a coletividade e a própria corporação a que pertence de forma imediata. Ademais, pertinente reforçar que o legislador, ao prever que constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de lealdade às instituições, findou por tornar de interesse público, e da própria Administração em si, a proteção da imagem e das atribuições dos entes/entidades públicas. Disso resulta que qualquer atividade atentatória a esse bem por parte de agentes públicos tem a potencialidade de ser considerada como improbidade administrativa. Afora isso, a tortura perpetrada por policiais contra presos mantidos sob a sua custódia tem outro reflexo jurídico imediato. Ao agir de tal forma, o agente público cria, de maneira praticamente automática, obrigação ao Estado, que é o dever de indenizar, nos termos do art. 37, § 6º, da CF. Na hipótese em análise, o ato ímprobo caracteriza-se quando se constata que a vítima foi torturada em instalação pública, ou melhor, em delegacia de polícia. Por fim, violência policial arbitrária não é ato apenas contra o particular-vítima, mas sim contra a própria Administração Pública, ferindo suas bases de legitimidade e respeitabilidade. Tanto é assim que essas condutas são tipificadas, entre outros estatutos, no art. 322 do CP, que integra o Capítulo I ("Dos Crimes Praticados por Funcionário Público contra a Administração Pública"), que por sua vez está inserido no Título XI ("Dos Crimes contra a Administração Pública"), e também nos arts. 3º e 4º da Lei n. 4.898/1965, que trata do abuso de autoridade. Em síntese, atentado à vida e à liberdade individual de particulares, praticado por agentes públicos armados – incluindo tortura, prisão ilegal e "justiciamento" –, afora repercussões nas esferas penal, civil e disciplinar, pode configurar improbidade administrativa, porque, além de atingir a pessoa-vítima, alcança, simultaneamente, interesses caros à Administração em geral, às instituições de segurança pública em especial, e ao próprio Estado Democrático de Direito. Precedente citado: REsp 1.081.743-MG, Segunda Turma, julgado em 24/3/2015. REsp 1.177.910-SE, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 26/8/2015, DJe 17/2/2016. 1ª Seção.” Vejamos que esta decisão traz um conceito amplo de improbidade administrativa em consonância com o que prevê a própria Lei que regula as hipóteses de violações aos princípios da Administração Pública. Considerações finais  Diante do exposto, observa-se que os julgados possuem peculiaridades interessantes e que apesar da similitude em vários pontos, tiveram desfechos diversos, por tratarem de casos concretos. Ao que parece, apesar do pequeno lapso temporal entre os julgados, o julgado mais recente, que é o que admite a elasticidade do conceito de improbidade administrativa, que vem sendo admitido como prevalecente, no entanto, as situações foram analisadas em caso concreto e nada impede o mesmo Tribunal Superior decidir no mesmo sentido quando se deparar com outro caso envolvendo abuso de autoridade e corroborar seu posicionamento pela inelasticidade do conceito de improbidade.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/a-in-elasticidade-do-conceito-de-improbidade-administrativa-na-visao-do-superior-tribunal-de-justica/
A crise do welfare state e a ascensão do terceiro setor
A crise do Welfare State ou Estado do Bem-Estar possibilitou não apenas uma ampliação da atuação do Terceiro Setor, bem como obrigou à profissionalização das Organizações da sociedade Civil e à regulamentação dessa atividade. No Brasil não foi diferente. As Organizações Não Governamentais passaram a desempenhar um papel mais relevante na sociedade, muitas das vezes com efetiva contribuição nas políticas públicas, motivo pelo qual se fez necessário a regulamentação do Terceiro Setor, através do seu marco regulatório.
Direito Administrativo
Introdução O presente artigo tem como objetivo demostrar de que modo o declínio do Welfare State influenciou na maior participação das organizações da sociedade civil na prestação de serviços sociais, exigindo, por um lado, o aperfeiçoamento dessas entidades, e, por outro lado, a própria regulação estatal com vistas a um adequado preenchimento das lacunas produzidas pelo Estado neoliberal, em especial, nas Políticas públicas do Brasil. 1 O Welfare State e sua crise Nos primeiros anos após a Segunda Guerra Mundial (anos 1950), houve um exponencial crescimento da economia da maioria dos países capitalistas e nessa mesma época os governos desses países expandiram seus programas sociais, visando o bem-estar de seus cidadãos. Segundo Draibe e Henrique (1987), ocorreu uma bem-sucedida parceria entre a política social e a política econômica, sustentada por um consenso acerca do estímulo econômico conjugado com a segurança e justiça sociais. De acordo com Gomes (2006), Welfare State é definido como: “A definição de welfare state pode ser compreendida como um conjunto de serviços e benefícios sociais de alcance universal promovidos pelo Estado com a finalidade de garantir uma certa "harmonia" entre o avanço das forças de mercado e uma relativa estabilidade social, suprindo a sociedade de benefícios sociais que significam segurança aos indivíduos para manterem um mínimo de base material e níveis de padrão de vida, que possam enfrentar os efeitos deletérios de uma estrutura de produção capitalista desenvolvida e excludente.” Como dito, o Estado do Bem-Estar nasce a partir da crise do Estado Liberal, Pereira (1998, p. 48) acentua: “A grande crise dos anos 30 originou-se no mal funcionamento do mercado. Conforme Keynes tão bem verificou, o mercado livre levou economias capitalistas à insuficiência crônica da demanda agregada. Em consequência entrou também em crise o Estado Liberal, dando lugar à emergência do Estado Social-Burocrático: social por que assume o papel de garantir os direitos sociais e o pleno-emprego; burocrático porque o faz através da contratação direta de burocratas. Reconhecia-se, assim, o papel complementar do Estado no plano econômico e social. Foi assim que surgiram o Estado do Bem-Estar nos países desenvolvidos e o Estado Desenvolvimentista e Protecionista nos países em desenvolvimento. ” A instituição do Welfare State, portanto, encontrou forte apelo nas severas crises que o Estado não intervencionista terminou por provocar, haja vista a total ausência estatal. 2 A crise do Welfare State Importa dizer que o Estado incorporou um papel assistencialista, mas que lhe impunha um severo ônus de assumir a mantença de um status de bem-estar do cidadão em paralelo a uma economia de mercado. Essa situação não conseguiria se firmar por muito tempo, conforme constatou Streeck (2015, p. 20), afirma que “[…] a falta de crescimento econômico ameaçou a perenidade do modo de pacificação das relações sociais que pusera fim aos conflitos do pós-guerra.” Assim, no final da década de 1960 e início da década seguinte, a figura do Estado provedor passou a ser questionado, haja vista que sozinho não conseguia manter as políticas sociais, tampouco, ante a força do modelo capitalista, mantinha uma economia socialmente equilibrada. O resultado foi o descolamento progressivo do equilíbrio entre os sistemas social e econômico em razão de uma primazia deste último. O festejado modelo do Welfare State ou Estado do Bem-Estar não se sustentou em face de uma economia com acelerado crescimento inflacionário, elevados índices de desemprego, alto endividamento privado e público. Essa equação tornou-se insustentável. A crise econômica mundial dos anos 80 obrigou o Estado a recuar no seu papel assistencialista. “A performance de baixo crescimento com aceleração inflacionária e desequilíbrios financeiros dos Estados parece ter gerado um conflito entre política econômica e política social” (DRAIBE, 1993, p. 2), a “tempestade perfeita”, portanto, levou o propagado Welfare State à derrocada. Pereira (1998, p. 53), discorre sobre os motivos que levaram o Estado do Bem-Estar à derrocada: “Em parte em consequência da incapacidade de reconhecer os fatos novos que ocorriam no plano tecnológico, em parte devido à visão equivocada do papel do Estado como demiurgo social, e em parte, finalmente, por que as distorções de qualquer sistema de administração estatal são inevitáveis à medida que transcorre o tempo, o fato é que, a partir dos anos 70 e principalmente nos anos 80, a economia mundial enfrenta uma nova grande crise. No primeiro mundo as taxas de crescimento reduzem-se para metade em relação ao que foram os primeiros 20 anos após a Segunda Guerra Mundial, enquanto as taxas de desemprego aumentam, principalmente na Europa, e o milagre japonês que sobrevivera nos anos 80, afinal soçobra nos anos 90. Na América Latina e no Leste Europeu, que recusam a finalizar o ajustamento fiscal nos anos 70, a crise se desencadeia nos anos 80 com muito mais violência.” Assim, coube ao Estado delimitar melhor seu papel enquanto agente regulador da economia versus seu limite de atuação no âmbito das políticas sociais, promovendo o estímulo para que o primeiro setor contribua com tais políticas. Duarte (2013, p. 64), resume as transições dos modelos de Estado: “Com o estudo da evolução do Estado verificamos que houve a passagem do Estado Imperioso, concentrado no soberano, para um Estado Liberal, totalmente ausente na sociedade. Em seguida, tentando reduzir as desigualdades sociais, o Estado tornou-se social, mas as diversas obrigações assumidas demonstraram sua incapacidade de resolver todos os problemas sociais. Para se reorganizar o Estado tomou uma postura neoliberal, reduzindo investimentos sociais e mantendo uma estrutura mínima de funcionamento.” Por outro lado, a partir da segunda metade do século XX, novas instituições e interlocutores passaram a interagir nos âmbitos público e privado, iniciando uma nova governança mundial: “[…] além de corporações transnacionais e organizações da sociedade civil terem expandido o seu escopo e meios de atuação, elas passam a formar, dentre a multiplicidade de modalidades de alianças resultantes de alianças resultantes da governança global constituída na segunda metade do século XX, formas de governança privada […].” (PAGOTTO et al., 2016, p. 36) Acontece que, após o Estado ter ofertado aos cidadãos políticas sociais, ainda que de caráter meramente assistencialista, o recuo estatal dessa função não reduziu a pressão da sociedade para a desigualdade social e o acesso aos serviços e bens essenciais. As transformações por que passou a ordem econômica e social no mundo implicaram em um novo olhar sobre o papel das empresas, bem como a expectativa da sociedade em relação a elas, em especial no tocante à responsabilidade social. “A dimensão de seu poderio econômico é tamanha […] que a sociedade civil e os governos passaram a demandar das empresas maior responsabilidade, transparência, accountability por meio de regulação e autorregulação” (PAGOTTO et al., 2016, p. 37). Dessa forma, apareceu um novo modelo em substituição ao Estado do Bem-Estar, surgiu a figura do Estado neoliberal ou Estado Mínimo, que, segundo Fernandes (2009), “[…] tinha como principais características a retomada da postura de não intervenção econômica e a redução das responsabilidades do Estado na esfera social”. Importa dizer que as Políticas Sociais teriam de ser reduzidas. O Estado vem se transformando e Kissler e Heidemann (2006), assim traduzem essas transformações: “- de um Estado de serviço, produtor do bem público, em um Estado que serve de garantia à produção do bem público; – de um Estado ativo, provedor solitário do bem público, em um Estado ativador, que aciona e coordena outros atores a produzir com ele; – de um Estado dirigente ou gestor de um Estado cooperativo, que produz o bem público em conjunto com outros atores.” No Brasil não foi diferente, em especial a partir do encerramento do ciclo dos governos totalitários e, quando, a reboque de condições político sociais contaminadas por visões e desejos represados, surge a Constituição Federal de 1988. A Constituição de 1988 trouxe três conjuntos de mudanças relevantes; o fortalecimento do controle externo da administração pública e a potencialização do Ministério Público; descentralização política, administrativa e financeira, com abertura para maior participação cidadã e consequente incremento e aprimoramento de políticas públicas e; a reforma do serviço público por meio da profissionalização da burocracia, com a adoção da meritocracia, através da obrigatoriedade do concurso público, busca pela melhoria dos quadros da alta burocracia, com a criação, em 1986, da Escola Nacional de Administração Pública-ENAP. Em meados da década de 1990, o Governo Fernando Henrique Cardoso sinaliza de modo claro para a sociedade a necessidade de remodelagem da Administração Pública, através da criação do Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE), e propondo uma profunda reforma estrutural. Dentre as principais transformações introduzidas por essa política se destacam o aperfeiçoamento do civil service reform (reforma do serviço público) através da substituição da administração pública burocrática pela gerencial, reorganização administrativa do governo, com o aperfeiçoamento das chamadas carreiras de Estado, valorização do concurso público e busca da meritocracia. O então Ministro Luís Carlos Bresser Pereira, estudioso dos modelos implantados nos Estados Unidos e no Reino Unido, trouxe para o Brasil o ideário desse novo modelo, denominado Administração Pública Gerencial. De Paula (2005, p. 38) discorre sobre o tema: “No Brasil, esse movimento ganhou foça nos anos 1990 com o debate da reforma gerencial do Estado e o desenvolvimento da administração pública gerencial. A crise do nacional desenvolvimentismo e as críticas ao patrimonialismo e autoritarismo do Estado brasileiro estimularam a emergência de um consenso político de caráter liberal que, segundo nossa análise, se baseou na articulação das seguintes estratégias: a estratégia de desenvolvimento dependente e associado; as estratégias neoliberais de estabilização econômica; e as estratégias administrativas dominantes no cenário das reformas orientadas para o mercado.” Assim, ao mesmo tempo em que o Brasil recém consagra um Estado Democrático de Direito, com dispositivos de caráter eminentemente societal, estabelecendo uma gama de direitos sociais e inserindo a assistência social no Texto Constitucional, estabelece-se uma reforma administrativa, que logo ganhou o apelido de “neoliberal”, embora, inegavelmente, constituísse uma mudança paradigmática na história do País. A propósito da estigmatização levada a termo por parte significativa dos atores políticos, por certo que minou a dimensão da reforma administrativa proposta pelo MARE. A análise histórica aponta para dificuldades e resistências impeditivas à várias medidas necessárias, o que mais tarde prejudicou o alcance de sua proposta original. “Não se pode esquecer, ainda, da oposição petista à reforma, movida pelo peso do corporativismo dentro do partido e por uma estratégia de tachar qualquer reforma da era FHC como “neoliberal” (ABRUCIO, 2007, p. 67). O Ministro Bresser-Pereira demonstrava ter consciência da importância da reforma como mecanismo de atualizar o chamado Welfare State ao cenário internacional, oportunidade em que: “O surgimento do Estado do Bem-Estar para garantir os direitos sociais, e o papel cada vez maior que o Estado assumiu ao promover o crescimento econômico e a competitividade internacional, tornaram evidente o caráter do Estado como res publica. E implicaram um aumento considerável da cobiça de indivíduos e de grupos desejosos de submeter o Estado a seus interesses especiais. A privatização da carga fiscal (forma principal da res publica) passava a ser o principal objetivo dos rent-seekers. À medida que a proteção aos direitos públicos passava a ser dominante em todo o mundo, foi-se tornando cada vez mais claro que era preciso refundar a república; que a reforma do Estado ganhava uma nova prioridade; que a democracia e a administração pública burocrática — as duas instituições criadas para proteger o patrimônio público — tinham de mudar: a democracia devia ser aprimorada para se tornar mais participativa ou mais direta; e a administração pública burocrática devia ser substituída por uma administração pública gerencial.” (PEREIRA, 1998, p. 9). As atividades estatais, portanto, foram divididas em dois tipos: as exclusivas do Estado e as não exclusivas do Estado. Sendo a primeira a de legislar, regular e fiscalizar, fomentar e formular políticas públicas; e, a segunda, se constitui nos serviços de caráter competitivo e as auxiliares ou de apoio (DE PAULA, 2006). Assim, esse novo modelo proposto pelo Ministro Bresser-Pereira abriu espaço para participação de Organizações Sociais (OS) e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSIP), embrião de uma nova cultura de abertura do serviço público, o que culminou mais tarde na regulamentação das atividades exercidas em parceria com a sociedade civil. 3 O crescimento da atuação do Terceiro Setor no Brasil a partir da implantação do Estado gerencial A partir desse novo modelo de Estado, houve uma transformação na forma de atuação das instituições do Terceiro Setor, pois, além de a sociedade pressionar o ambiente corporativo a adotar ações que denotassem responsabilidade social, essa mesma sociedade passou a organizar-se em busca de exigir melhoria da qualidade de vida das pessoas. Pereira (1997, p. 63) afirma: “[…] Ora, em uma situação em que o mercado é claramente incapaz de realizar uma série de tarefas, mas que o Estado também não se demonstra suficientemente flexível e eficiente para realiza-las, abre-se espaço para as organizações públicas não-estatais.” E o mesmo PEREIRA (1997, p. 97) assevera que a atuação do terceiro setor tem sido crescente: “Nesta segunda metade do século vinte o crescimento das organizações públicas não-estatais tem sido explosivo. Às vezes essas organizações se confundem com uma quarta forma de propriedade relevante no capitalismo contemporâneo – a propriedade corporativa, que caracteriza os sindicatos, associações de classe e clubes. É o caso das associações de bairro, por exemplo, que realizam ao mesmo tempo serviços comunitários.” Pierre Rosanvallon, citado por Draibe (1993, p. 16) ao discorrer sobre a redução da demanda estatal no campo social, evidencia o crescente movimento da estruturação da sociedade civil: “Do mesmo modo que sublinha a necessidade de se reconhecer um direito de substituibilidade do estatal pelo social no domínio de certos serviços coletivos (o exemplo que dá é o das creches), o que significa que o Estado reconheça, sob forma de dedução fiscal, os serviços coletivos levados a cabo por grupos sociais. Autosserviços e serviços públicos pontuais de iniciativa local, ao multiplicarem-se, reduzem a demanda do Estado.” Importa dizer que gradativamente a sociedade civil passou a assumir o vácuo deixado pelo Estado a partir da derrocada do Welfare State. Pereira (1997) assevera que a organização da sociedade civil possibilitou maior eficiência na realização de serviços sociais: “Este crescimento decorre da maior adequação – e portanto maior eficiência – desse tipo de instituição para a realização dos serviços sociais. Serviços que não são naturalmente monopolistas, podendo se beneficiar da competição pelo apoio da sociedade e do Estado. Serviços que, como atendem diretamente a população, podem ser efetivamente controlados pelos cidadãos através de mecanismos de controle social.” Mas não foi e não é tão simples assim. O Estado não se viu livre de suas tarefas precípuas para com os cidadãos em proporcionar-lhes bem-estar e segurança. Um Estado Democrático de Direito, com uma Constituição Federal moderna como o brasileiro, evidencia uma busca pelo equilíbrio entre um modelo keynesiano e o Estado do Bem-Estar, haja vista inúmeros dispositivos que denotam tratar-se de um Estado baseado no capitalismo, mas que consagra, ao mesmo tempo, os direitos sociais. No Brasil pós-ditadura, a Constituição Federal de 1988 traz em seu art. 6º os chamados Direitos Sociais e, ao longo do Texto Constitucional, há uma séria de dispositivos em que o Estado está obrigado a servir ao povo brasileiro: educação, saúde, segurança, previdência etc. Por outro lado, a mesma Carta Magna prevê que o País é capitalista e que possui uma política não intervencionista, mas regulatória da economia. A Reforma do Estado havida nos anos 1990 evidenciou a delimitação do Estado, seja em relação à economia, seja em relação às políticas sociais. Essa dicotomia, porém, não trouxe o equilíbrio esperado, como demonstra Gomes (2006): “Apesar de a Constituição rezar pela garantia de um modelo de seguridade social aos cidadãos, incorporando todos os trabalhadores (informais, marginalizados, da Zona Rural etc.) ao sistema de proteção social, as condições deterioradas do financiamento do setor público inviabilizaram a ampliação dos gastos sociais e execução de políticas públicas. Outros fatores corroboraram para o fracasso do novo sistema. Os principais foram: a forte centralização dos novos recursos no Tesouro Nacional e o atraso em seus repasses; cortes expressivos nos valores reais; e a falta de indexação das despesas públicas referentes aos gastos correntes e de investimentos previstos no Orçamento Geral da União (Dain e Soares, 1998:49). Outro grande fator, responsável pelo retrocesso no processo de construção de um sistema mais amplo de seguridade social no Brasil, foi o drástico movimento de desmonte do aparelho estatal federal realizado pelo governo Collor de Mello. As principais vítimas desse processo foram as áreas de assistência social e os programas públicos de universalização dos direitos sociais explícitos na Carta Magna. Para se ter uma noção, o gasto com o conjunto dos benefícios assistenciais, dirigidos aos mais pobres, reduziu-se em cerca de 50% (Dain e Soares, 1998:60). É muito importante reforçar que esse movimento não foi isolado, mas fazia parte de um processo maior de reestruturação produtiva do capitalismo que já vinha ocorrendo gradualmente na década de 1980, notadamente na Inglaterra e EUA.” Tais fatores contribuíram para que o terceiro setor se organizasse, notadamente, a partir de um novo conceito mercadológico de que as empresas precisam agir de forma sócio ambientalmente correta. Pagotto et al. (2016, p. 37) aponta: “Assim, a noção de responsabilidade empresarial culminou na atribuição de novas funções e papéis às grandes corporações no universo da regulação global e da produção de bens comuns, para muito além da maximização de lucro ao acionista.” Esse espaço vem sendo preenchido pelas organizações da sociedade civil que deixaram de ser meras instituições de beneficência e filantrópicas, para se tornarem institutos com gestão modelar, governança e profissionais especializados no assunto, inclusive com apoio direto de grandes corporações privadas. Em 2010, foi publicada a Norma Internacional ISO 26000 – Diretrizes sobre Responsabilidade Social. A versão em português da norma foi lançada no Brasil no mesmo ano, sendo a ABNT NBR ISO 26000, que assim conceitua a responsabilidade social: “A responsabilidade social se expressa pelo desejo e pelo propósito das organizações em incorporarem considerações socioambientais em seus processos decisórios e a responsabilizar-se pelos impactos de suas decisões e atividades na sociedade e no meio ambiente. Isso implica um comportamento ético e transparente que contribua para o desenvolvimento sustentável, que esteja em conformidade com as leis aplicáveis e seja consistente com as normas internacionais de comportamento. Também implica que a responsabilidade social esteja integrada em toda a organização, seja praticada em suas relações e leve em conta os interesses das partes interessadas. ” Mais do que uma vontade de ajudar ou de praticar de atos de caridade, a responsabilidade social corporativa tornou-se uma obrigação. Em 2014, o volume total investido pelos investidores sociais brasileiros chegou a 3,9 bilhões de reais (DEGENSZAJN; ROLNIK, 2016). 4 Da regulação do Terceiro Setor. O marco regulatório das organizações da sociedade civil – Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014 Ao longo dos anos, e mais ainda decorrente do forte incentivo advindo da reforma gerencial, a relação jurídica decorrente da participação da sociedade civil permaneceu necessitando de aperfeiçoamento, especialmente para a obtenção da chamada segurança jurídica, ante a uma cultura razoavelmente nova na sociedade. Assim, muito embora a reforma da administração pública seja da metade da década de 90, a reforma foi demasiadamente lenta, e, por certo, produziu inúmeros embaraços para a sociedade civil, inclusive trazendo riscos à relação entre o Poder Público e o Terceiro Setor. Ante a ausência de regulamentação específica para repasse de verbas públicas, aplicava-se regras gerais da administração pública, ou ainda a Lei de Licitações e Contratos nº 8.666/93, ao qual o legislador dedicou a figura do convênio assim prevista no “Art. 116. Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber, aos convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da Administração”. Outrossim, ao longo do tempo, restou evidenciada a pouca adequação do modelo contido na Lei nº 8.666/93, com o amplo espectro do Terceiro Setor, especialmente por que o instituto jurídico do convênio recai sobre premissas burocráticas excessivamente rígidas, além de um complexo processo de prestação de contas. Por definição, o Termo de Convênio: “Não constitui modalidade de contrato. Trata-se de uma avença ou ajuste entre entidades de direito público de natureza e nível diversos ou entidades públicas ou privadas para a realização de objetivos de interesse comum, mediante mútua colaboração. Distingue-se do contrato, pois, nestes, os interesses das partes são divergentes, enquanto no convênio os interesses são convergentes.” (CUNHA JÚNIOR, 2007, p. 483) Nesse sentido, embora com muitas normas esparsas, apenas em 2014, com o advento da Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014, denominado Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, o país passou a dotar um regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, mediante a execução de atividades ou de projetos previamente estabelecidos em planos de trabalho inseridos em termos de colaboração, em termos de fomento ou em acordos de cooperação; define diretrizes para a política de fomento, de colaboração e de cooperação com organizações da sociedade civil[1]. O novo marco reclassificou a natureza das relações jurídicas até então aplicadas genericamente a todos os partícipes privados, afastando a incidência da regra do art. 116, da Lei de Licitações e Contratos nº 8.666/93 para todos os casos de parcerias entre as entidades privadas sem fins lucrativos e o poder público. Agora, esses instrumentos serão aplicáveis apenas em relações firmadas entre instituições públicas. Os acordos entre o Estado e o as Organizações da Sociedade Civil encontram-se então classificados por Termos de Colaboração, Termo de Fomento e Acordos de Cooperação. Assim a definição do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, Lei nº 13.019/2014: “Art. 1o Esta Lei institui normas gerais para as parcerias entre a administração pública e organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, mediante a execução de atividades ou de projetos previamente estabelecidos em planos de trabalho inseridos em termos de colaboração, em termos de fomento ou em acordos de cooperação.” Em linhas gerais, os três instrumentos se distinguem. Tanto o Termo de Colaboração como o Termo de Fomento envolve a transferência de recursos financeiros, a diferença reside na autoria do objeto ou escopo da avença. Enquanto no Termo de Colaboração é a própria Administração Pública que define o objeto ao qual o parceiro adere, no Termo de Fomento as ações são propostas pelas organizações da sociedade civil. Finalmente, no Acordo de Cooperação, a parceria é estabelecida pela administração pública com organizações da sociedade civil para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco que, entretanto, não envolvam a transferência de recursos financeiros. Outras tantas questões referentes ao Terceiro Setor permaneceram tuteladas pela legislação esparsa ou simplesmente não foram tratadas, ensejando crítica a esse respeito, e mantendo, nesse particular, as históricas fragilidades em matéria tributária, trabalhista, dentre outras. No entanto, é importante destacar que houve inegável avanço no procedimento de seleção das organizações da sociedade civil, por meio da instituição do processo próprio denominado de “chamamento público”, disciplinado nos arts. 23 a 32, da Lei nº 13.019/2014. Vale dizer que o tema relativo ao processo de escolhas das instituições parceiras vem merecendo especial atenção das Cortes de Contas, que, por vezes, revela malversação de recursos públicos, nem sempre por incompetência apenas da organização da sociedade civil (fruto de uma má escolha governamental), mas, também, corrupção propriamente dita. A Lei nº 13.019/2014 demonstra uma preocupação do legislador com o acesso democrático da sociedade civil ao Estado, regulando e melhor filtrando o acesso destes ao Poder Público, numa perspectiva de interesses convergentes, com evidente ganho social, muito distante da relação contratual clássica, onde o parceiro privado visa o lucro. Decorrente dessa perspectiva, percebe-se a busca por tornar o processo de prestação de contas mais simples, e, consequentemente, mais acessível a inúmeras instituições, embora o artigo 63 ainda dependa de regulamentação. Há ainda divergência quanto ao alcance da nova legislação ante a seu pretenso caráter nacional, e a competência constitucional dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, o que abriria margem para mitigação de dispositivos insertos na norma, sob pena de invasão de competência. A instituição do novo arcabouço aponta não apenas para aperfeiçoamento dos mecanismos de compliance pelo poder público, mas, também, eleva o padrão exigido para o parceiro da sociedade civil organizada, obrigando uma profissionalização de seus recursos humanos, visando evitar problemas na continuidade de sua existência. A recente norma veio em hora boa, na medida em que a crise fiscal aponta para a necessidade de retornar a soluções mais eficazes, sendo inegável o papel que, há muito tempo, as organizações da sociedade civil vêm exercendo. Resta evidenciado o reconhecimento da relevância do Terceiro Setor como complementar às atividades do Estado, corroborado pelo Marco Legal que, finalmente, traz norma própria e adequada às organizações da sociedade civil. 5 Conclusão Ao longo do presente artigo, fez-se um histórico da evolução estatal, seja no que concerne ao seu papel de agente fomentador do desenvolvimento econômico, como também na condição de viabilizador, direto ou indireto, da concretização de direitos sociais. É certo que o ente estatal, partindo de uma premissa de concentração do poder político, sempre foi visualizado, ao longo da história, como o principal gestor do meio social e, ao mesmo tempo, responsável por impulsionar o desenvolvimento, em todas as suas vertentes, da respectiva sociedade, por ele representada. Tal feição foi, por longos anos, evidenciada através de estados absolutistas, totalitários, intervencionistas ou, simplesmente, reguladores e estimuladores da atividade econômico-produtiva. Após a Segunda Grande Guerra Mundial, oportunidade em que se tornaram evidentes os desgastes econômicos enfrentados pelas principais nações, sobretudo as europeias, surge a necessidade de transformação do modelo estatal, deixando ele de ser um mero centralizador de poder político e, ao mesmo tempo, impulsionador, ativo ou passivo, da atividade econômica, passando, a partir de então, a ocupar-se em proporcionar o bem-estar dos administrados, no sentido de se responsabilizar pela concreção dos direitos fundamentais, notadamente aqueles de cunho social. Surge, dessa forma, o intitulado Welfare State ou Estado do Bem-Estar social, derivado não apenas de uma progressiva derrocada do capitalismo de mercado, cada vez mais relacionado à centralização do poder político, mas, principalmente, decorrente de reiterados movimentos sociais internos, objetivando o atendimento dos seus direitos constitucionalmente assegurados. Ocorre que o Estado do Bem-Estar social, em que pese a necessidade do seu advento e por mais que tenha atendido aos anseios coletivos, não encontrou, no decorrer dos anos, condições objetivas de se consolidar como modelo único, porquanto a grande maioria dos estados não foi capaz de exercer, de forma simultânea, competências políticas, administrativas, econômicas e, ainda, implementar políticas sociais. Em verdade, a gama de atribuições imputadas ao ente estatal impediu que este continuasse, de forma isolada, o atendimento dos anseios sociais. Não se quer dizer, todavia, que o estado, diante do acúmulo de funções, deixou à margem a sua nova tendência de promoção e efetivação dos direitos sociais. Doravante, deixa de ser o único ator responsável pela promoção do bem-estar social, vindo a dividir tal atribuição com o setor privado e demais setores da sociedade civil. Especificamente no cenário nacional, a partir dos anos 1990, com a perspectiva de implementação do modelo gerencial de estado, a concepção de Welfare State se torna mitigada, tendo em vista que o ente político estatal se desincumbe de promoção isolada do bem-estar social, passando a dividir tal tarefa com entidades empresariais, além de outras integrantes do Terceiro Setor, as quais, em decorrência de estratégias de gestão ou de consciência socioambiental, assumem a implementação e gestão de políticas sociais, obviamente com a chancela e supervisão do poder público. Denota-se, portanto, a importância das entidades privadas e do terceiro setor no remodelamento do Estado do Bem-Estar social, na medida em que passam a funcionar como parceiros do ente público, na consecução de objetivos sociais, os quais, em momento anterior, eram de responsabilidade, unicamente, do Estado. Para tanto, mostra-se imperiosa a existência de transparência e identidade de objetivos, entre o Estado e as entidades privadas incumbidas da promoção social, de modo a proporcionar relações mais probas e eficazes, sobretudo na aplicação dos recursos públicos, direcionados a tal finalidade. Clara está a importância das ações do Terceiro Setor, mormente no Estado brasileiro que não consegue atender às demandas sociais, sempre crescentes, culminando no Marco Legal, que se torna o principal instrumento, em que pese algumas críticas, a evidenciar o forte papel que exerce o Terceiro Setor “pós-Welfare State”.
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Comentários às terras públicas: ponderações singelas
Em uma primeira plana, cuida destacar que o regime de terras públicas sofreu maciças mutações com o transcorrer da história, desde a descoberta do Brasil. Inicialmente, todas as terras pertencerem à Coroa Portuguesa, eis que se tratava de aquisição originária, consistente no direito de conquista, que vigorava à época. Sucessivamente, o domínio, de natureza estatal, passou ao Brasil-Império e ao Brasil-República. Com o advento da evolução do regime, diversas áreas públicas foram sendo, de maneira paulatina, transferidas a particulares, apesar de ocorrer de maneira desordenada e não serem os critérios adotados para a privatização de o domínio imobiliário ser muito bem conhecidos. Anote-se, por oportuno, que os instrumentos mais conhecidos foram as concessões de sesmaria e as concessões de data. Com efeito, tais concessões eram outorgadas a título gratuito. Saliente-se, ainda, que a transferência de terras públicas aos particulares poderia se efetivar por meio de compra e venda, doação, permuta e legitimação de posses.
Direito Administrativo
1 Origens das Terras Públicas Em uma primeira plana, cuida destacar que o regime de terras públicas sofreu maciças mutações com o transcorrer da história, desde a descoberta do Brasil. Inicialmente, todas as terras pertencerem à Coroa Portuguesa, eis que se tratava de aquisição originária, consistente no direito de conquista, que vigorava à época. Como bem anota Hely Lopes Meirelles, “no Brasil todas as terras foram, originariamente, por pertencentes à Nação Portuguesa, por direito de conquista”[1]. Sucessivamente, o domínio, de natureza estatal, passou ao Brasil-Império e ao Brasil-República. Com o advento da evolução do regime, diversas áreas públicas foram sendo, de maneira paulatina, transferidas a particulares, apesar de ocorrer de maneira desordenada e não serem os critérios adotados para a privatização de o domínio imobiliário ser muito bem conhecidos. Anote-se, por oportuno, que os instrumentos mais conhecidos foram as concessões de sesmaria e as concessões de data. A primeira era espécie de concessões era “assemelhadas à atual doação com encargos, outorgadas no sistema de capitanias hereditárias e, logo depois, pelos governadores gerais”[2]. Frise-se que os sesmeiros deveriam cumprir determinadas obrigações, dentre as quais o cultivo da terra[3]. As concessões de data, por sua vez, “era a doação que as Municipalidades faziam de terrenos das cidades e vilas para a edificação particular”[4]. Com efeito, tais concessões eram outorgadas a título gratuito. Saliente-se, ainda, que a transferência de terras públicas aos particulares poderia se efetivar por meio de compra e venda, doação, permuta e legitimação de posses. Nesta esteira, a Lei Imperial Nº 601, de 18.09.1850[5], que dispõe sobre as terras devolutas do Império, foi responsável por traçar os aspectos conceituais de terras devolutas, exigindo que sua alienação se desse por venda, e não mais gratuitamente, salvo específicas áreas localizadas em zonas limítrofes com outros países, numa faixa de dez léguas, as quais poderiam ser concedidas gratuitamente. O aludido diploma foi responsável, ainda, por tratar da revalidação das concessões de sesmarias e outras do Governo geral e provincial; sobre a legitimação das posses, estabeleceu o comisso; e, instituiu o processo de discriminação das terras públicas das particulares[6]. “Não é, portanto, desarrazoada a regra segundo a qual toda terra, sem título de propriedade particular, se insere no domínio público”[7]. Quadra ponderar que a denominada Lei de Terras foi regulamentada pelo Decreto Imperial Nº. 1.318, de 30.11.1854[8], que foi responsável pela criação da Repartição Geral de Terras Públicas, bem como regulou a medição de terras públicas, a legitimação das particulares e a venda das terras públicas. Igualmente, o decreto ora aludido instituiu as terras reservadas e a faixa de fronteiras, bem como estabeleceu o regime de fiscalização das terras devolutas e regulou o registro paroquial. 2 Terras Devolutas Inicialmente, denominam-se terras devolutas aquelas áreas que, conquanto integrando o patrimônio de pessoas federativas, não são empregadas para quaisquer finalidades públicas específicas. Neste sentido, Meirelles anota que “terras devolutas são todas aquelas que, pertencentes ao domínio público de qualquer das entidades estatais, não se acham utilizadas pelo Poder Público, nem destinadas a fins administrativos específicos. São bens públicos ainda não utilizados pelos respectivos proprietários”[9]. Prima anotar que tais acepções encontram guarida na Lei Imperial Nº. 601/1850[10], notadamente em seu artigo 3º, §1º, ao regularizar o sistema dominial, distinguindo o público do privado. Por sua vez, o Decreto-Lei Nº 9.760, de 05 de Setembro de 1946, que dispõe sobre os bens imóveis da União e dá outras providências, acresce, em termos conceituais, que as terras devolutas são caracterizadas como as não aplicadas a algum uso público federal, estadual ou municipal, alcançando, ainda, as das faixas de fronteiras, conforme a redação apresentada no caput do artigo 5º[11] daquele. Em outros termos, as terras devolutas são áreas sem utilização, nas quais não são desempenhadas qualquer serviço administrativo, ou seja, não apresentam qualquer serventia para o Poder Público. O termo devolutas tem sua origem no latim devolutu, cujo sentido é o de despenhar, precipitar, rolar de cima, afastar-se. Em razão do exposto, o termo devoluto passou a gozar de sentido de devolvido, adquirido por devolução, vago, desocupado. Desta feita, ao ser empregado em um sentido jurídico, as terras devolutas passaram a ser conceituadas como aquelas que se afastam do patrimônio das pessoas jurídicas públicas sem se incorporarem, por qualquer título, ao patrimônio de particulares. “As terras devolutas fazem parte do domínio terrestre da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e, enquanto devolutas, não têm uso para serviços administrativos”[12]. Não é demais ponderar que as terras devolutas pertenciam a Nação, até que sobreviesse a proclamação da República; por meio da Constituição da República de 1891 foram transferidas aos Estados-membros, conforme disposição contida no artigo 64, e alguns destes as transpassaram, em parte, aos Municípios. A regra vigente é que as terras devolutas são pertencentes aos Estados, alcançando as terras devolutas não compreendidas entre as da União. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 20, inciso II, atribuiu à União as “terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei”[13]. A conjugação dessas normas acena que apenas algumas terras devolutas continuaram sob o domínio da União, pertencendo aos Estados todas as demais. É fácil denotar que pela forma como foram transferidas as propriedades, diversos conflitos surgiram. Com o escopo de trazer solução ao problema, foi editada a Lei Nº. 6.383, de 07 de Dezembro de 1976[14], que dispõe sobre o processo discriminatório de terras devolutas da União e dá outras providências, cujo escopo primitivo é o de definir as linhas demarcatórias do domínio público e privado. A ação contida no diploma legal suso mencionado “se inicia com o chamamento dos interessados para exibir seus títulos de propriedade e termina com o julgamento do domínio e subsequente demarcação para o registro”[15]. “A Ação Discriminatória é o procedimento judicial adequado para que o Estado comprove que as terras são devolutas, distinguindo-as das particulares”[16]. Cuida salientar que, em âmbito federal, a discriminação de terras é promovida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). 3 Plataforma Continental Ab initio, insta salientar que a plataforma continental abarca a extensão de áreas continentais sob o mar até a profundidade de cerca de duzentos metros, sendo considerados como bens da União os recursos naturais nela existentes, segundo previsão estabelecida na Constituição Federal de 1988[17]. Assinala-se que a plataforma continental compreende todo o leito e o subsolo das áreas submarinas que se estendem além de seu mar territorial, em toda a extensão do prolongamento natural de seu território terrestre, até o bordo exterior da margem continental, ou até uma distância de duzentas milhas marítimas das linhas de base, a partir das quais se mede a largura do mar territorial, nos casos em que o bordo exterior da margem continental não atinja essa distância, conforme estatui a Lei Nº. 8.617[18], de 04 de Janeiro de 1993, que dispõe sobre o mar territorial, a zona contígua, a zona econômica exclusiva e a plataforma continental brasileiros, e dá outras providências. A importância do domínio sobre a plataforma continental deflui da necessidade de proteção dos recursos minerais e animais existentes nessa faixa. “Sobressai, portanto, relevante interesse econômico para o país. Por esse motivo é que a Constituição considerou bens públicos federais os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva”[19]. Saliente-se que sobre a plataforma continental o Brasil exerce direitos de soberania para efeitos de exploração e aproveitamento de seus recursos naturais, além de possuir o direito exclusivo de regulamentar a investigação cientifica marinha, a proteção e a preservação do meio ambiente marinho, bem como a construção, operação e o uso de todos os tipos de ilhas artificiais, instalações e estruturas e perfurações para quaisquer fins. De igual maneira, é reconhecido aos Estados o direito de colocar cabos e dutos na plataforma, mas os traçados dependerão do Governo Brasileiro, que poderá cominar condições para sua colocação. 4 Terras Tradicionalmente ocupadas pelos Índios A Constituição Federal computa entre os bens da União as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, sendo tais áreas consideradas como as porções do território nacional necessárias à sobrevivência física e cultural das populações indígenas que as habitam, consoante dicção do artigo 231, §1º[20]. Com clareza solar, o dispositivo retromencionado demonstra o caráter protetivo em relação à população indígena, buscando-se, por conseguinte, resguardar seu habitat natural, de maneira que seja mantida sua tradição e costumes, assim como o prosseguimento de sua descendência genética, enquanto não são inseridos no processo de aculturação proveniente do meio civilizado. “Realmente, este dispositivo assegura aos índios a posse permanente das terras por eles habitadas e o usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades nelas existentes”[21]. Há que se reconhecer que as áreas tradicionalmente ocupadas por populações indígenas constituem bens públicos da União Federal, sendo, portanto, inalienáveis e indisponíveis, tal como os direitos sobre elas são imprescritíveis, sendo demarcáveis administrativamente. “Nessas áreas existe afetação a uma finalidade pública, qual seja, a de proteção a essa categoria social. Não é estritamente um serviço administrativo, mas há objetivo social perseguido pelo Poder Púbico”[22]. Desta feita, salta aos olhos que as terras em análise se afiguram como bens públicos enquadrados na categoria dos bens de uso especial. Neste passo, ressoado a visão em apreço, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu em seu artigo 231, §6º, que: “Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. [omissis] § 6º – São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé”[23]. No mais o vocábulo “índios” empregado no texto da Carta de Outubro é empregado em uma acepção plural, com o escopo de angarias a diferenciação dos aborígenes de numerosas etnias. O propósito maior é retratar uma diversidade indígena tanto interétnica quanto intra-étnica. Anotar se faz imprescindível que as terras que os direitos dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam foram constitucionalmente "reconhecidos", e não simplesmente outorgados, com o que o ato de demarcação se orna de natureza declaratória, e não propriamente constitutiva. Trata-se da declaração de uma situação jurídica ativa preexistente, antecedente aos próprios diplomas legais que norteiam o Estado Brasileiro. Essa a razão de a Carta Magna havê-los chamado de "originários", a traduzir um direito mais antigo do que qualquer outro, de maneira a preponderar sobre pretensos direitos adquiridos, mesmo os materializados em escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse em favor de não-índios[24].  A proteção das terras ocupadas por índios se consuma por meio de aspectos especiais, consistente na posse permanente das áreas pelos índios; o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nela situadas; a inalienabilidade, a imprescritibilidade e a indisponibilidade das terras; a nulidade dos efeitos jurídicos dos atos que objetivem a ocupação, o domínio e a posse das terras; e, a participação das populações indígenas nos resultados provenientes da lavra de riquezas minerais nas jazidas situadas nas respectivas áreas. No mais, não se pode olvidar que os índios se afiguram como parte essencial da realidade política e cultural brasileira, apresentando-se como um dos baluartes da formação da própria população nacional, ao passo que as terras indígenas constituem parte fundamental do território brasileiro, sendo bem da União Federal, não compartilhado com nenhuma outra entidade de direito público interno ou externo. 5 Terrenos Acrescidos Em termos conceituais, os terrenos acrescidos são os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimentos aos terrenos de marinha, consoante traz a lume o artigo 3º do Decreto-Lei Nº 9.760/1946[25]. “Os terrenos acrescidos também pertencem à União Federal, mencionados que estão no já citado art. 20, VII, da CF. Registre-se, porém que esse domínio depende de os acréscimo se terem agregados aos terrenos da marinha”[26]. Tal fato decorre da premissa que os aludidos terrenos se encontram sob o domínio federal, logo, também serão considerados como federais os terrenos que se encontrarem acrescidos àqueles. Cuida ponderar que se os acrescidos forem formados em terrenos situados às margens dos rios e lagos, poderão pertencer ao domínio público ou particular. Caso os acréscimos formados em águas comuns ou das correntes públicas de uso comum, pertencerão aos proprietários privados ribeirinhos. Por derradeiro, em sendo os acréscimos agregados em correntes águas públicas dominicais, serão considerados como bens públicos dominicais, excetos e estiverem servindo ao uso comum ou se pertencerem a particular. 6 Terrenos de Marinha Considera-se, pois, terrenos de marinha as áreas que, banhadas pelas águas do mar ou pelos rios navegáveis, em sua foz, se estendem a distância de trinta e três (33) metros para a área terrestre, contados da linha preamar médio, conforme estabelece o Aviso Imperial de 12.07.1833. Os terrenos de marinha pertencem à União Federal, em razão de expresso mandamento constitucional, conforme estabelece o artigo 20, inciso VII[27], sendo justificado o domínio federal em virtude da necessidade de se promover a defesa e a segurança nacional. “Entretanto, algumas áreas dos terrenos de marinha se tornaram urbanas ou urbanizáveis por aquiescência do Governo Federal, passando a ser permitido o uso privado”[28]. Vale salientar que no que tange às construções e edificações particulares passam a incidir regulamentos e normas editadas pelos Estados e Municípios, os quais gozam de competência urbanística, conferida pela Carta de Outubro. Em razão de tais áreas pertencerem à União, o uso por particulares é admitida, sendo adotado o regime da enfiteuse, pelo qual a União, na qualidade de senhorio do direito, transfere o domínio útil a particular, denominado de enfiteuta, tendo este, por via de consequência, a obrigação de pagar, anualmente, a importância a título de foro ou pensão, bem como efetuar o adimplemento, quando da transferência onerosa do domínio útil ou cessão de direitos por ato inter vivos, o laudêmio, quando o senhorio não exercer a preferência. Conquanto o Código Civil de 2002[29] tenha excluído a figura da enfiteuse dos direitos reais, o legislador estabeleceu a ressalva em relação aos terrenos de marinha, em ordem a que essa matéria seja regulamentada por lei especial. O Decreto-Lei Nº 9.760/1946, além da enfiteuse, prevê a figura da ocupação para legitimar o uso de terras públicas federais, inclusive a dos terrenos de marinha, em favor daqueles que já estejam ocupando há determinado lapso temporal. Para tanto, o mencionado diploma prevê o cadastramento dos ocupantes no Serviço de Patrimônio da União (SPU) e o pagamento da taxa de ocupação. “O ato administrativa da ocupação, porém, é discricionário e precário, de modo que a União se precisar do imóvel, pode promover a sua desocupação sumária, sem que o ocupante tenha direito à permanência”[30]. Assinale-se que o direito à cobrança da taxa de ocupação pela União não é perpétuo, sendo que a lei dispõe que o crédito originado da receita patrimonial se submete à decadência no prazo de dez anos para a constituição do crédito, e à prescrição de cinco anos para sua exigência, contado o prazo a partir do lançamento. 7 Terrenos Reservados ou Marginais Os terrenos reservados, também denominados de terrenos marginais, são as faixas de terras particulares, marginais dos rios, lagos ou canais públicos, na largura de quinze metros, contados desde a linha média das enchentes ordinárias, oneradas com a servidão de trânsito[31], cuja instituição se deu com a Lei Imperial Nº. 1.507, de 26.09.1867[32], e revigorada com o Código das Águas[33]. Trata-se de servidão pública ou administrativa, destinada unicamente a possibilitar a realização de obras ou serviços públicos pela Administração, no interesse da melhor utilização das águas, do aproveitamento das riquezas existentes e do seu policiamento. Com efeito, colhem-se os entendimentos jurisprudenciais que ventilam: “Ementa: Administrativo. Embargos de divergência. Terrenos reservados. Margem de rio navegável.  Art. 20 Constituição da República. Art. 11 do Decreto N.º 24.643/34 (Código de Águas). 1. Segundo o art. 11 do Código de Águas (Decreto n.º 24.643/34), os terrenos que margeiam os rios navegáveis são bens públicos dominicais, salvo se por algum título legítimo não pertencerem ao domínio particular. 2. Entretanto o artigo 20, III, da Constituição Federal de 1988 estabelece que são bens da União “os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais”. 3. Não prevalece sob a nova ordem constitucional o título e o domínio de natureza real reconhecido no regime constitucional anterior. 4. Recurso especial provido.” (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 995.290/SP/ Relator: Ministro Castro Meira/ Julgado em 11.11.2008/ Publicado no DJe em 04.12.2008) (grifou-se). “Ementa: Administrativo. Processual Civil. Ação de indenização por desapropriação indireta. Terrenos reservados à margem de rio. Ausência de título de domínio particular. Propriedade pública. […] 3. Segundo o Código de Águas, os terrenos reservados às margens de correntes e lagos navegáveis (a) são bens públicos dominicais, exceto se estiverem destinados ao uso comum ou por algum título legítimo pertencerem ao domínio particular; (b) pertencem aos Estados se, por algum título, não forem de domínio federal, municipal ou particular; e (c) vão até a distância de 15 metros para a parte de terra, contados desde o ponto médio das enchentes ordinárias (Decreto nº 24.643, de 10 de julho de 1934, arts. 11, 14 e 31). 4. "As margens dos rios navegáveis são domínio público, insuscetíveis de expropriação e, por isso mesmo, excluídas de indenização" (Súmula 479/STF). Portanto, sem título de domínio concedido pelo Poder Público, não tem o particular direito a indenização dessas áreas, no caso de desapropriação. Precedentes. 5. Recurso especial a que se nega provimento”. (Superior Tribunal de Justiça – Primeira Turma/ REsp 775.476/SP/ Relator: Ministro Teori Albino Zavascki/ Julgado em 04.11.2008/ Publicado no DJe em 12.11.2008) (sublinhou-se). Consoante leciona Meirelles[34], tal servidão não tem sido compreendida corretamente por muitos juristas brasileiros, já que a consideram como transferência da propriedade particular para o domínio público. Resta patente o equívoco, pois as terras particulares atingidas por essa servidão administrativa não passaram para o domínio da Administração Pública, nem ficaram impedidas de serem utilizadas por seus respectivos proprietários, desde que nelas não sejam erigidas construções ou quaisquer outras obras que inviabilizem o uso normal das águas públicas ou mesmo obstem o policiamento pelos agentes da Administração. O fito exclusivo do instituto em comento é assegurar que as margens dos rios navegáveis estejam livres e desimpedidas para que a Administração Pública possa exercer o competente policiamento através de seus agentes. Em razão disso, quando há desapropriação, o ente estatal está obrigado a indenizar, inclusive, as terras reservadas. Consoante já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, “em desapropriação, os terrenos marginais aos rios, de propriedade particular, são indenizáveis”[35]. Ademais, admitir situação contrária seria legitimar o confisco arbitrário por parte do Estado, o que é, expressamente, vedado no Texto Constitucional. No mais, considerando que se trata de uma servidão, a sua incidência recai sobre domínio alheio. Ao lado disso, sendo uma servidão pública, por óbvio, só incide sobre a propriedade privada, eis que não há justificativa para que a Administração institua servidão sobre seus próprios bens. Nesta senda, quando estabelecida, limita-se a tão somente o uso a benefício de futuras obras e serviços públicos que carecem de terrenos marginais para a sua realização. Outra ressalva que deve ser feita está adstrita ao fato das áreas reservadas não se destinarem ao trânsito ou à utilização por particulares. Tal fato decorre da premissa que a reserva é instituída para obras e serviços públicos e para o trânsito dos agentes da Administração no desempenho de suas funções. 8 Ilhas Em um primeiro comentário, as ilhas são as elevações de terra acima da lâmina da água e por esta cerca em toda a sua extensão. Quadra ponderar que as ilhas dos rios e lagos públicos interiores são pertencentes aos Estados-membros, ao passo que as ilhas localizadas em rios e lagos limítrofes com Estados estrangeiros são da União. “Essa reserva das ilhas das zonas limítrofes para a União importa reconhecimento de que as demais, das águas públicas interiores, permanecem no domínio dos Estados-membros”[36], guardando semelhança com as terras devolutas que lhes foram transmitidas, quando da promulgação da Constituição da República de 1891. As ilhas marítimas são classificadas em costeiras e oceânicas, sendo que essas são aquelas que se encontram afastadas da costa e não tem qualquer relação com o relevo continental ou com a plataforma submarina; já aquelas são as que resultam do relevo continental ou da plataforma submarina, ou seja, resultam do próprio relevo continental[37]. Cuida ponderar que as ilhas costeiras, por estarem localizadas no mar territorial, sempre foram consideradas domínio da União, eis que o mar e tudo o que nele se encontra é bem federal. “As ilhas oceânicas sujeitas à Soberania Nacional, ou sobre as quais o Brasil manifeste interesse de ocupação, foram oficialmente integradas ao patrimônio da União com a Constituição/67 […], conquanto seu domínio sobre elas jamais tenha sido contestado pelos Estados-membros”[38]. Por derradeiro, imprescindível se faz evidenciar que foram transferidas ao domínio dos Municípios as ilhas oceânicas e costeiras em que suas sedes estejam localizadas, exceto se forem afetadas pelo serviço público ou mesmo unidade ambiental federal. “Destarte, não será da União, mas sim do Município, a área em que estiver localizada a sua sede, situando-se fora de seu domínio, no entanto, as áreas que constituem unidade ambiental de proteção da União e aquelas nas quais estiver sendo executado serviço público federal”[39]. 9 Álveos Abandonados Em termos essencialmente conceituais, pode-se apresentar álveo como “a superfície que as águas cobrem sem transbordar para o solo natural e ordinariamente enxuto”, como bem arrazoa o art. 9º do Código das Águas[40]. Desta feita, considera-se ocorrente o álveo abandonado (alveo derelictus) quando há um permanente e total abandono do fluxo das águas em um leito, pertencente a propriedade particular, ou seja, rio considerado não navegável. Segundo o magistério de Meirelles, “o álveo abandona pelas águas públicas passa a pertencer aos proprietários ribeirinhos das respectivas margens, sem que tenham direito a indenização alguma os donos dos terrenos por onde a corrente abrir novo curso”[41]. Entretanto, se a mudança do leito primitivo for decorrente de obra estruturada pelo Poder Público, o antigo álveo passará a lhe pertencer. Neste sentido, colaciona-se o paradigmático aresto, que acena: “Ementa: Águas. Código (Decreto nº 24.643/34). Rio. Mudança da corrente (álveo abandonado). Indenização prévia (desnecessidade, no caso). Propriedade (pública). 1. De uso comum do povo, o rio é bem público (Cód. Civil, art. 66, I). 2. No caso de mudança da corrente pública pela força das águas ou da natureza, o álveo abandonado é regido pelo disposto no art. 26 do Cód. de Águas. 3. Mas, no caso de mudança da corrente pública por obra do homem, o leito velho, ou o álveo abandonado pertence ao órgão público (atribui-se "a propriedade do leito velho a entidade que, autorizada por lei, abriu para o rio um leito novo"). Cód. de Águas, art. 27. 4. Em tal caso de desvio artificial do leito, a acessão independe do prévio pagamento de eventuais indenizações. Conforme o acórdão estadual, "Não é premissa dessa aquisição que o poder público indenize previamente o proprietário do novo álveo". 5. Recurso especial pela alínea a (alegação de ofensa aos arts. 26 e 27), de que a 3ª Turma não conheceu”. (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp 20.762/SP/ Relator: Ministro Nilson Naves/ Julgado em 15.02.2000/ Publicado no DJ em 07.08.2000, p. 103) (grifou-se). No mais, entende-se por álveo a faixa de terra ocupada pelas águas de um rio ou lago. Trata-se do leito das águas perenes, ou seja, aquelas que fluem durante todo o ano, que não chegam a secar, mas tão somente diminui o volume caudal. Enquanto coberto pelas águas, o álveo segue a condição das mesmas; abandonado, acede aos terrenos marginais, ou passa a integrar bem pertencente do Poder Público, conforme o caso concreto.  Com efeito, cuida trazer à colação que “constituição de álveo abandonado a justificar a manutenção de declaração de propriedade ao Município suscitante. Aplicabilidade do art. 27 do Decreto nº 24.643/34 (Código de Águas), sic: "[…] o álveo abandonado passa a pertencer ao expropriante para que se compense da despesa feita"[42]. 10 Faixa de Fronteira Faixa de fronteira, em uma acepção conceitual, é a área de cento e cinquenta quilômetros de largura, que corre paralelamente à linha terrestre demarcatória da divisa entre o território nacional e os países estrangeiros, sendo considerada como imprescindível para se promover a defesa do território nacional. “Nessa faixa as alienações e as construções ficam sujeitas às limitações impostas pelos regulamentos militares e leis de defesa do Estado, notadamente o Dec.-lei 3.437, de 17.7.41, que dispõe sobre zonas fortificadas e atividades vedadas nessas regiões e nos arredores de fortalezas”[43]. São considerados como pertencentes à União os terrenos das fortificações, bem como as construções bélicas necessárias. “A faixa de fronteira não é somente um bem imóvel da União, mas uma área de domínio sob constante vigilância e alvo de políticas governamentais específicas relacionadas, sobretudo, às questões de segurança pública e soberania nacional”[44]. Em relação às terras devolutas, situadas nessas faixas, e concedidas pelo Estado a terceiros, a transferência está limitada ao uso, permanecendo, pois, o domínio com a União, mesmo que tolerante esta com os possuidores. Dever-se salientar que, consoante a inspiração do Texto Constitucional, as terras devolutas são apenas as indispensáveis à defesa das fronteiras e que só ensejam a transferência do uso, sendo que com as demais tal limitação não prospera, as quais podem ser transferidas, desde que observadas as disposições legais. Com esteio em tal ponderação, é inteiramente ilegítimo que o Estado-membro ou Município se arvore de sua titularidade e promove a transferência das áreas a particulares.  A hipótese ora mencionada constitui como alienação a non domino, cujo consectário é a declaração de nulidade do negócio jurídico. Qualquer alienação ou oneração de terras situadas na faixa de fronteira, sem a observância dos requisitos legais e constitucionais, é "nula de pleno direito", como diz a Lei 6.634/79, especialmente se o negócio imobiliário foi celebrado por entidades estaduais destituídas de domínio. A alienação pelo Estado a particulares de terras supostamente situadas em faixa de fronteira não gera, apenas, prejuízo de ordem material ao patrimônio público da União, mas ofende, sobretudo, princípios maiores da Constituição Federal, relacionados à defesa do território e à soberania nacional. Em tal situação, o particular prejudicado tem direito à reparação dos prejuízos ocasionados pelo alienante, sendo possível, para tanto, o ajuizamento da competente ação de indenização. Neste sentido, colacionam-se paradigmáticos julgados do Supremo Tribunal Federal, que firmam entendimento que: “Ementa: Terras devolutas de fronteiras. Nulidade da venda pelo estado. Membro. Usucapião do Decreto-Lei 9.760/46. Inaplicabilidade da Lei 2.437/55. I – As terras situadas nas faixas ao longo das fronteiras nacionais, na largura prevista na Lei 601/1850 e Decreto. 1318/1854, em princípio, são do domínio da União, não sendo válidas as vendas delas feitas por Estados-membros, aos particulares, ressalvadas as exceções do art. 5º, do Decreto Lei nº 9.760/1.946. II – Os bens públicos imóveis da União não podem ser adquiridos por usucapião (C.C., art. 67; Dec. 22.785/33; Decreto Lei 9.760/46, art. 200) ressalvados os casos de "praescriptio longis simi temporis", a de 40 anos consumada antes de 1.917, e os do art. 5º, "e", do Decreto Lei 9.760/46. III- A lei 2.437/55, como disposição geral, não alterou o prazo de 20 anos da disposição especial do art. 5º, "e", do decreto Lei nº 9.760/46.(Introd. ao C.C art. 2º, § 2º).” (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ Ação Cível Originária Nº 132/MT/ Relator: Ministro Aliomar Baleeiro/ Julgado em 04.04.1973) (sublinhou-se). “Ementa: Faixa de Fronteira – 1) Terras devolutas nelas situadas. São bens dominicais da União (Const. Fed., artigo 34, II; Lei nº. 2.597, de 12.9.55, artigo 2º). 2) – As concessões de terras devolutas situadas na faixa de fronteira, feitas pelos Estados anteriormente à vigente Constituição, devem ser interpretadas como legitimidade e uso, mas não a transferência do domínio de tais terras, em virtude da manifesta tolerância da União, e de expresso reconhecimento da legislação federal. 3) – O Estado concedente de tais terras é parte legítima para rescindir os contratos de concessão de terras devolutas por ele celebrados, bem como para promover o cancelamento de sua transcrição no Registro de Imóveis.” (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ Embargos no Recurso Extraordinário Nº 52.331/PR/ Relator: Ministro Evandro Lins/ Julgado em 30.03.1964). As restrições e as condições de uso e de alienação de terras alocadas nessas faixas de fronteira são disciplinadas pela Lei N° 6.634/1979. Por sua vez, a Lei N° 9.871/1999 estabeleceu o lapso temporal de dois anos para que os detentores de títulos, ainda não ratificados, de alienação ou concessão de terras feitas pelo Estado na faixa de fronteira, requeiram a competente ratificação junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Após o decurso do lapso assinalado, ou não sendo possível a ratificação, o diploma legal prevê a possibilidade de declaração da nulidade do título, por meio de ato motivado, com ciência ao interessado e publicação do ato no Diário Oficial, tal como o cancelamento dos correspondentes registros e consequente registro do imóvel em nome da União no competente Registro de Imóveis[45]. 11 Vias e Logradouros Públicos As terras ocupadas com as vias e logradouros públicos são pertencentes às Administrações que os construíram, sendo que mencionadas áreas podem ser bens de uso comum do povo ou bens de uso especial. “Estradas há que, embora de domínio público, são reservadas a determinadas utilizações ou a certos tipos de veículos, tendo em vista sua destinação ou seu revestimento”[46]; noutras estradas o uso é pago, por meio de tarifa de pedágio ou rodágio; em outras, o trânsito é estabelecido em conformidade com o horário ou a tonelagem máxima, o que as caracterizam como verdadeiro instrumento administrativo, de uso especial, sem que sobrevenha a generalização das utilizações do passado, que as estabelecem como bens de uso comum de todos. Ademais, as mesmas ponderações têm assento para os terrenos ocupados pelas estradas de ferro. As estradas de rodagem compreendem, além da faixa de terra ocupada com o revestimento da pista, os acostamentos e as faixas de arborização, que são áreas pertencentes ao domínio público da entidade que as erige, afigurando-se como verdadeiros elementos integrantes da via pública. Essas áreas são originariamente do Poder Público que as utiliza como rodovia ou são transferidas através dos meios comuns de alienação ou, ainda, integradas ao domínio público, de maneira excepcional, por destinação, que as torna impassíveis de reivindicação por seus proprietários primitivos. A aludida transferência por destinação decorre do fato da transformação da propriedade privada em via pública sem oportuna oposição do particular, independentemente de qualquer transcrição ou formalidade administrativa. Todavia, nada impede que o particular busque a justa indenização do dano provocado pelo Poder Público por essa desapropriação indireta. As estradas de ferro, em razão do regime administrativo adotado pelo Brasil, tanto podem pertencer ao domínio público de qualquer das entidades estatais como de propriedade particular, exploradas mediante concessão federal ou estadual. Por um corolário de simetria, as terras ocupadas pelas vias férreas seguem a natureza da estrada a que se destinam. Oportunamente, as vias e áreas de metrô são bens do domínio público, de uso especial, pertencentes à entidade titular do serviço metroviário e sujeitas ao regime administrativo afixado na Lei Nº 6.149/1974, inclusive no que toca à sua segurança.
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O regime de teletrabalho e a residência no exterior do Procurador da Fazenda Nacional
Trata-se de artigo que tem como tema o estudo da compatibilidade entre o regime de teletrabalho existente na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), trazido pela Portaria PGFN 487, de 11 de maio de 2016, e a residência do Procurador da Fazenda Nacional em país estrangeiro. Para tanto, especificar-se-ão as hipóteses normativas de serviço no exterior por servidor público civil da União. Após, analisar-se-á o regime de teletrabalho no âmbito da PGFN. Em seguida, confrontar-se-á o exposto, chegando-se à inaplicabilidade do regramento de afastamento do servidor para serviço no exterior ao Procurador da Fazenda Nacional que, em regime de teletrabalho, resida em país estrangeiro. Por fim, apresentar-se-ão possíveis ganhos à PGFN, ao se oportunizar que diversos casos de licença sejam trocados pelo exercício remoto das atividades, bem como questões gerais envolvidas neste regime diferenciado.
Direito Administrativo
Introdução Com o advento da implementação do regime de teletrabalho na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), pela Portaria PGFN 487, de 11 de maio de 2016, algumas questões começam a ser levantadas em face da ausência de regulamentação específica para tratamento de todos os casos, o que, de fato, seria impossível, por inaugurar nova maneira de prestação do serviço público. O regime de trabalho à distância, no âmbito privado, implantado legalmente pela Lei 12.551, de 15 de dezembro de 2011, que alterou o art. 6° da Consolidação das Leis do Trabalho, trouxe a possibilidade de que o trabalho fosse realizado fisicamente fora do estabelecimento do empregador, contudo, como se lá estivesse, por meio de processos telemáticos e informatizados. Pontua que não há distinção entre o trabalho realizado no estabelecimento ou à distância. Na prática do mercado privado, realidade distante do setor público, há ampla margem para a elaboração do contrato de trabalho, estando à disposição do empregador a inserção de cláusulas que explicitem os limites geográficos da execução do labor. Em regra, as empresas ao redor do mundo não elegem quaisquer limites físicos à prestação do trabalho. Tal opção visa ampliar o leque de profissionais qualificados à disposição, que até então estava limitado pela distância entre o trabalhador e a empresa. No entanto, existem vagas que impõe restrições de localidade de moradia, contudo, tal exceção é veiculada em razão da necessidade de atuação física se dar em algum momento. No que tange à Administração Pública, muitas são as autorizações já implementadas, tais como a da Secretaria da Receita Federal do Brasil (Portaria RFB 947/12), a do Tribunal Superior do Trabalho (Resolução Administrativa 1.499/12), a do o Tribunal de Contas da União (Portaria n° 139/09), e a do o Conselho Nacional de Justiça (Resolução 227/16)[1]. No âmbito da PGFN, como será abordado, o regramento trouxe diversas previsões. Dentre as várias obrigações veiculada, inexiste qualquer dispositivo referente à localidade física da prestação do serviço, porquanto a atividade é realizada estritamente de forma virtual, prescindindo de qualquer atuação física. Assim, a única necessidade é um computador com acesso à Internet. Desta maneira, ante a inexistência de regramento explícito, o presente artigo vem estudar as hipóteses legais para, após traçar as premissas existentes, concluir com a resposta à pergunta: é possível o Procurador da Fazenda Nacional em regime de teletrabalho residir em país estrangeiro? Se sim, quais são os requisitos? Para tanto, primeiramente se faz necessário analisar a legislação existente acerca do trabalho no exterior de servidor público. Após aclarada as hipóteses existentes, o regime de teletrabalho implementado na PGFN será estudado. Apenas com tais premissas traçadas é que se poderá concluir acerca de quais regras se aplicam ao exercício de teletrabalho de Procurador da Fazenda Nacional que deseje residir no exterior. 1. Da prestação de serviço no exterior por servidor público civil da União Tendo em vista que o objeto do presente estudo tem como foco o exercício do cargo de Procurador da Fazenda Nacional, servidor público civil da União, excluir-se-ão as hipóteses aplicáveis ao militar, ao empregado público e ao servidor público estadual, municipal e do Distrito Federal, e em relação à hipótese de estudo no exterior. Nesta toada, existem quatros regimes normativos que se destinam à prestação de serviço no exterior por servidor público civil da União: 1) Serviço Exterior Brasileiro; 2) Serviço em Organismo Internacional; 3) Missão no Exterior por Designação ou Nomeação; e 4) Missão Oficial no Exterior. 1.1. Serviço Exterior Brasileiro O chamado “Serviço Exterior Brasileiro”, regulado pela Lei 11.440/2006, direciona-se a regulamentar a execução da política exterior do Brasil, composto da Carreira de Diplomata, da Carreira de Oficial de Chancelaria e da Carreira de Assistente de Chancelaria. Nos termos da legislação retromencionada[2], aplica-se exclusivamente ao exercício das atividades de Diplomata, Oficial de Chancelaria e de Assistente de Chancelaria, normatizando o serviço prestado, que pode ser em território estrangeiro ou nacional. Portanto, destina-se a uma categoria específica de servidor público civil da União. 1.2. Serviço em Organismo Internacional No que tange ao “Serviço em Organismo Internacional”, previsto no art. 96 da Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990, regulamentado pelos Decreto-Lei 9.538, de 1° de agosto de 1946, Decreto 201, de 26 de agosto de 1991, e Decreto 3.456, de 10 de maio de 2000, há a possibilidade de afastamento do servidor para servir em organismo internacional de que o Brasil participe ou com o qual coopere, com a perda total da remuneração. Para tanto, há a necessidade de autorização expressa pelo Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão, para o afastamento do servidor, devendo este prestar serviços em organismo internacional situado no exterior, uma vez que o afastamento tem três requisitos: 1) prestar serviço no exterior; 2) suspensão do vínculo jurídico imediato com a União; e 3) surgimento de vínculo jurídico imediato com organismo internacional. 1.3. Missão no Exterior por Designação ou Nomeação Pertinente à hipótese de “Missão no Exterior por Designação ou Nomeação”, regida pela Lei 5.809, de 10 de outubro de 1972 e Decreto 71.733, de 18 de janeiro de 1973, direciona-se apenas às situações de nomeados ou designados para servir no exterior em circunstâncias específicas. Em razão desta nomenclatura poder ser confundida com a previsão do art. 95 da Lei 8.112/90, faz necessária uma breve explicação.  A Lei 5.809/72 é tratada pelo seu decreto regulamentar por Lei de Retribuição no Exterior, contudo, versa primordialmente sobre missões de servidores públicos em serviço da União no exterior, sendo a previsão de retribuição pelo serviço meramente reflexa. Posteriormente, a Lei 8.112/90, em seu art. 95, utilizou a expressão “missão oficial”. Para efeitos didáticos, portanto, o presente artigo nomeia como “Missão no Exterior por Designação ou Nomeação” as situações previstas na Lei 5.809/72. Já o contexto mencionado no art. 95 da Lei 8.112/90 é intitulado como “Missão Oficial no Exterior”, mantendo-se a opção legislativa e deixando-se de lado os termos utilizados nos regulamentos, conforme será posteriormente exposto. Por fim, detalhe que corrobora que a “Missão no Exterior por Designação ou Nomeação” não tem base no art. 95 da Lei 8.112/90, além da temporalidade diferente das leis, é o fato de que não se aplica a limitação de 4 anos à missão permanente. Por sua especificidade, na conjuntura de “Missão no Exterior por Designação ou Nomeação”, faz-se necessário que exista nomeação ou designação do servidor, seja em missão permanente, transitória ou eventual, nos termos dos arts. 4°, 5° ou 6°, todos da Lei 5.809/72[3]. Neste contexto, portanto, o servidor público civil da União deverá ser nomeado ou designado para prestar serviço no exterior, devendo se deslocar para o território estrangeiro, cujo exercício deva ser necessariamente realizado fora do território nacional, nas situações previstas na legislação. Desta feita, são requisitos para autorização de “Missão no Exterior por Designação ou Nomeação”: 1) ato administrativo de nomeação ou designação de servidor público; e 2) desempenho ou exercício de cargo, função ou atividade no exterior. 1.4. Missão Oficial no Exterior Por fim, a “Missão Oficial no Exterior”, regida pelo art. 95 da Lei 8.112/90 e pelos Decreto 91.800, de 18 de outubro de 1985 e Decreto 1.387, de 7 de fevereiro de 1995, baseia-se na premissa de servidor público federal que vai a um país estrangeiro para lá prestar serviço local, entretanto, sem nomeação ou designação, conforme o inc. IV do art. 17 do Decreto 91.800/85 (vigência reforçada pelo art. 1° do Decreto n° 1.387/95). Em relação a esta hipótese, foi publicada a Portaria do Ministério da Fazenda (MF) 530, de 11 de novembro de 2009, que conglomera todas as regras aplicáveis à “Missão Oficial no Exterior” no âmbito da PGFN. O art. 2° da Portaria MF 530/09 informa que se considera “afastamento do país a ausência do servidor do território nacional em virtude de serviço no exterior ou estudo fora do país, por qualquer período”, limitado a “4 (quatro) anos consecutivos, incluídas as prorrogações” (§1° do art. 5° da Portaria MF 530/09) Tendo em vista que a questão ora em debate se circunscreve ao tema de serviço de servidor público civil da União, não se abordará os normativos direcionados aos estudos e aos outros temas não afeitos ao presente estudo. O requisito para afastamento por serviço no exterior tem como condições concomitantes a de que o (i) desenvolvimento da atividade no exterior relacione-se com a atividade-fim do órgão e (ii) seja reconhecida a necessidade pelo Ministro da Fazenda (§2° do art. 4° da Portaria MF 530/09) ou do Procurador-Geral da Fazenda Nacional (art. 10° da Portaria MF 530/09). Veja-se que a condição é a de que a atividade no exterior se relacione com a atividade-fim do órgão, pois a prestação se dará necessariamente no exterior. Esta compreensão fica mais clara ao observar os requisitos previstos no art. 7 da Portaria MF 530/20, em que o afastamento “fica restrito ao período necessário ao cumprimento do objeto da viagem, acrescido do tempo de trânsito”, sendo necessário indicar a finalidade resumida da missão[4] (art. 12 da Portaria MF 530/09). Sendo assim, o termo “afastamento” é da República Federativa do Brasil, já que a finalidade deste regime é a de propiciar ao servidor o exercício de atividade que necessariamente deve ser realizada em país estrangeiro. Seu deslocamento para fora das fronteiras nacionais, portanto, é condição imprescindível para a efetivação do objetivo apresentado, sob pena de impossibilidade de realização das atividades pertinentes. A prestação material do serviço, assim, consistirá em atividade que se relacione com a atividade-fim, in casu, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, no entanto, não necessariamente se confunde com ela, devendo ser prestado no exterior. Um exemplo é a ida de Procurador da Fazenda Nacional da Coordenação da Dívida Ativa (CDA) para organizar a cobrança de taxas pagas com dinheiro falso na Embaixada brasileira em Paris, na República Francesa. Ao largo das questões de fundo, o Procurador da Fazenda Nacional será deslocado a território estrangeiro para lá prestar serviços, sem se desvincular do órgão de origem. Neste caso, por ser temporário, a autorização será com ônus. Outro exemplo é o do Ministério da Fazenda decidir instalar na Embaixada brasileira em Pequim, na República Popular da China, escritório para auxiliar a solução mais rápida na importação de bens derivados daquele país, nas questões pertinentes. Para tanto, haverá a criação de cargo permanente com o fito de assessoramento jurídico mais próximo. O Procurador da Fazenda Nacional que preencher tal cargo deverá ser autorizado a ser afastado, no entanto, sem ônus. Nesta toada, os requisitos para que seja autorizado a “Missão Oficial no Exterior” são: 1) prestação de serviço no exterior; 2) atividade no exterior relacionada com a atividade-fim do órgão; 1.4.1. Da autorização para viagem ao exterior (art. 6° do Decreto 91.800/1985)  O Decreto 91.800/1985, ainda vigente, em uma linguagem mais antiga, refere-se à “viagem ao exterior”, contudo, essa expressão é sinônima de “afastamento”, tal como redigido em seu art. 1°: “As viagens ao exterior do pessoal civil da administração direta e indireta, a serviço ou com a finalidade de aperfeiçoamento, sem nomeação ou designação, poderão ser de três tipos” O termo foi alterado com o passar dos anos para uma linguagem mais técnica, adotada a partir do Decreto 1.387/95, para deixar claro que regime jurídico de afastamento do país não é qualquer viagem, mas tão somente aquela cuja finalidade seja a de prestar serviço no exterior ou lá estudar. Tal termo jurídico, agora especificado, também está previsto no art. 2° da Portaria MF 530/2009. Toma-se a liberdade de, novamente, mencioná-lo in verbis: “Para efeito desta Portaria, considera-se afastamento do país a ausência do servidor ou do empregado do território nacional, em virtude de serviço ou estudo no exterior, por qualquer período de tempo” Desta feita, in casu, o afastamento não é sinônimo de viagem ao exterior e sim de serviço no exterior, compreendido como aquele que deva ser prestado necessariamente fora das fronteiras nacionais. Em outra mão, no art. 6° do Decreto 91.800/1985, consta que “Independem de autorização as viagens ao exterior, em caráter particular, do servidor em gozo de férias, licença, gala ou nojo, cumprindo-lhe apenas comunicar ao chefe imediato o endereço eventual fora do país”. À primeira vista, numa análise pontual e literal, poder-se-ia entender que apenas as viagens ao exterior nas situações listadas é que independem de autorização, restando qualquer outra situação vinculada à prévia permissão. Também, poderia parecer que há um paradoxo: se a viagem ao exterior é apenas aquela para prestar serviço no exterior ou para lá estudar, é lógico que não haveria de ser autorizada viagens em caráter particular, por não cumprir o requisito de subsunção à hipótese abstrata veiculada. Por isso é necessário debruçar-se especificamente sobre este dispositivo. Num contexto sistemático e teleológico, tem-se que esta determinação é totalmente autônoma, mesmo integrando o referido Decreto, porquanto trata de viagem particular, sendo que, conforme já aclarado, o seu art. 1° especifica que a autorização é para viagem ao exterior de servidor público a serviço ou com a finalidade de aperfeiçoamento. Numa compreensão histórica, o Decreto 91.800 foi publicado em 18 de outubro de 1985, pelo Presidente da República. Foi exarado na vigência da Constituição Federal de 1967, alterada pela Emenda Constitucional 1, de 17 de outubro de 1967, para regulamentar a Lei 1.711, de 28 de outubro de 1952, que cuidava do Estatuto do Funcionário Público Civil da União. A Lei 1.711/52 não disciplinava o trabalho no exterior. Com a promulgação da Lei 5.809, de 10 de outubro de 1972, regulamentou-se o trabalho de servidores públicos civis e militares nomeados ou designados para servir no exterior (“Missão no Exterior por Designação ou Nomeação”). Apenas com o advento do Decreto 91.800/85 é que se parametrizou a “Missão Oficial no Exterior”, que é distinto. Com tal normativo regulamentar, criou-se a obrigação, ao servidor público, de informar à chefia imediata o endereço eventual fora do país quando houver viagem ao exterior no gozo de férias, licença, gala ou nojo. Note-se que não está incluída a viagem ao exterior, p.ex., no período de repouso semanal remunerado. Nesta esteira, caso não se entenda como uma determinação autônoma que veicula tão somente o dever de informação do endereço eventual fora do país em viagens particulares numerus clausus, para se abarcar que quaisquer viagens fora das previstas, independentemente de sua motivação, devam ter autorização, chegar-se-ia à conclusão de que o servidor público deverá ser autorizado a viajar ao exterior no período de repouso semanal remunerado. Assim, caso um servidor que resida na cidade de Foz do Iguaçu, no Paraná, decida atravessar a fronteira até o Paraguai, deverá fazê-la apenas após autorização[5]. É claro que tal compreensão não encontra respaldo na própria interpretação do texto normativo, além de ser absurda do ponto de vista do direito administrativo, por não trazer qualquer benefício ou segurança à Administração Pública, bem como ser um procedimento moroso. A finalidade da existência (interpretação teleológica) do art. 6° do Decreto 91.900/85 é a de propiciar à Administração Pública o conhecimento do local em que pode encontrar o servidor público naqueles períodos que se estendam por lapso considerável de tempo. Também, por meio de uma interpretação sistemática, não há amparo, inclusive nas legislações posteriores, conforme já demonstrado, que, fora das hipóteses previstas no art. 6° do Decreto 91.900/85, quaisquer viagens ao exterior precisem de autorização. De fato, inexistem letras inúteis nos textos normativos. A especificação de “independem de autorização as viagens ao exterior […] em gozo de […]” veio apenas trazer uma regra que é a de “comunicar ao chefe imediato o endereço eventual fora do país”. Contudo, como tal dispositivo está inserto em um decreto que tem como tema dispor “sobre viagens ao exterior, a serviço ou com o fim de aperfeiçoamento sem nomeação ou designação”, foi preciso reforçar que independem de autorização as viagens particulares, já que muitas vezes é necessário o pleonasmo para se fortificar uma determinação, porquanto é melhor a reiteração do que o silêncio que gere dúvidas. Na realidade, nas hipóteses previstas em referido artigo (férias, licença, gala ou nojo) é preciso a comunicação à chefia imediata do local eventual de residência. Já nas viagens à serviço ao exterior é preciso autorização. Em todas as demais que não estejam previstas em quaisquer normativos, tal como viagem ao exterior em feriado oficial, não há qualquer imposição ao servidor de autorização ou de comunicação à chefia de seu endereço. Delimitada a existência dos regramentos pertinentes ao servidor público que presta serviço no exterior, passa-se à análise do teletrabalho implementado na PGFN, com o escopo de se ter todo o arcabouço necessário à efetivação da compreensão sobre o tema que demarca o presente artigo. 2. Do regime de teletrabalho na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional O regime de teletrabalho na PGFN foi autorizado pela Portaria MF 171, de 10 de maio de 2016, devendo a PGFN editar os atos necessários à sua implementação (§1° do art. 1° da Portaria MF 171/16). Nesta toada, editou-se a Portaria PGFN 487, de 11 de maio de 2016, instituindo o teletrabalho. A definição de teletrabalho é a de “realização de atividades pelos membros da carreira de Procurador da Fazenda Nacional fora das dependências físicas das unidades da PGFN” (§1° do art. 1° da Portaria PGFN 487/16), sendo vedado tal regime apenas aos ocupantes de estágio probatório, ocupantes de cargo em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores (DAS) de direção, chefia e assessoramento, ou que tenham ocorrido em falta disciplinar nos últimos dois anos (art. 4° da Portaria PGFN 487/16). Também, não é considerado como tal aquelas “atividades que, por sua própria natureza, constituem trabalhos externos às dependências físicas das unidades da PGFN” (§2° do art. 1° da Portaria PGFN 487/16). Frise-se que a implementação não pode prejudicar as atividades que demandem a presença física na unidade (§4° do art. 1° da Portaria PGFN 487/16), fazendo-se com que o regime de teletrabalho atinja apenas aquelas atividades que são prestadas exclusivamente de forma virtual. Assim, não é possível ao Procurador da Fazenda Nacional atuar concomitantemente em regime presencial e de teletrabalho. Tem-se, portanto, que tal tipo de labor é aquele derivado da possibilidade de a prestação de serviço ser realizada em local diverso do local do órgão (formalmente), entretanto, prestando como se lá estivesse (materialmente). Reforça esta ideia a expressa previsão de que tal regime não implica em alteração da lotação e do exercício (§2° do art. 3° da Portaria 487/16). Tal regime deriva da possibilidade tecnológica atual de acesso remoto aos sistemas disponíveis à PGFN, através do Serviço de Acesso Remoto (SAR) do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), pelo VPN (Rede Privada Virtual). Significa que é possível o: “[…] estabelecimento de conexões virtuais via Internet ligando a rede privada corporativa a escritórios ou funcionários que trabalham à distância. Por utilizar certificado digital em sua autenticação, o acesso ao devido serviço permite auditoria e garante a integridade, confidencialidade, autenticidade e não-repúdio dos dados do usuários”[6] Em outras palavras, é como se o Procurador da Fazenda Nacional estivesse em uma sede da Procuradoria da Fazenda Nacional, tendo acesso a todos os sistemas existentes internamente, inclusive à Intranet e às pastas de documentos virtuais na rede cadastrada do usuário, mas está fisicamente em localidade diversa. Também, é a chefia da unidade de exercício do Procurador que franqueia o acesso ao SAR, via VPN, cadastrando o CPF individual do servidor e tendo a atribuição de supervisão exclusiva sobre a utilização dos sistemas e quais serão os perfis autorizados, inclusive arcando a unidade com os gastos financeiros mensais derivados de tal permissão. Portanto, virtualmente, é como se o Procurador estivesse sentado em uma estação de trabalho da unidade de seu exercício, à frente de um computador da PGFN, que não mais existirá formalmente, isto é, de forma física (§1° do art. 9° da Portaria PGFN 487/16). Outra obrigação do Procurador da Fazenda Nacional é a de providenciar computador pessoal com acesso à internet, contendo firewall suficiente à preservação do sigilo das informações (art. 9° e 10° Portaria PGFN 487/16). Aqui é que nasce a estação de trabalho formal, que é o local físico de onde será prestado o serviço, mas, em razão do SAR, via VPN, o computador será conectado como se na tomada da unidade estivesse (sem os gastos com espaço, energia, conexão, entre outros), fazendo-se com que materialmente o serviço seja prestado diretamente na unidade. Entre os outros deveres do Procurador da Fazenda Nacional em regime de teletrabalho (arts. 8° PGFN 487/16) estão os de atribuições normais do próprio cargo, apenas enfatizando-se providências derivadas do controle e segurança de atividades prestadas formalmente fora das dependências da unidade. De todas as normas expedidas, inexiste qualquer especificação acerca da residência ou do domicílio do Procurador, devendo ele estar disponível para comparecimento à unidade quando se fizer necessário (inc. IV do art. 8° da Portaria PGFN 487/16). Também, outros deveres poderão ser acrescidos no Plano de Implementação da unidade (§1° do art. 8° da Portaria PGFN 487/16), desde que não frustrem o próprio regime, por imposições que demandem a utilização das dependências físicas das unidades da PGFN, em contrapartida com o expresso no art. 1° da Portaria. Igualmente, existem regras sobre o desligamento do Procurador do regime de teletrabalho (art. 11 e 12 da Portaria PGFN 487/16), da responsabilidade dos gestores das unidades (art. 13 da Portaria PGFN 487/216) e da avaliação de sua implementação, que deveria ter ocorrido em 13 de maio de 2017 (art. 14 da Portaria PGFN 487/16). Salienta-se que o regime de teletrabalho apenas pode atingir, atualmente, no máximo 30% dos Procuradores em exercício na unidade da Procuradoria da Fazenda (art. 6° da Portaria PGFN 487/16), desde que haja o acréscimo de carga de trabalho de no mínimo 15% em relação aos mesmos Procuradores em regime presencial na unidade (art. 5° da Portaria PGFN 487/16). Em razão de não abarcar todas as vagas existentes, mormente por sua própria natureza, trata-se de regime excepcional de exercício das atividades, não gerando direito adquirido (§3° do art. 3° da Portaria PGFN 487/16). Em decorrência, haverá rodízio anual, caso existam mais interessados que vagas neste regime (§3° do art. 6° da Portaria PGFN 487/16) Por fim, o art. 15 da Portaria PGFN 487/16 atribui competência ao Procurador-Geral da Fazenda Nacional para decidir sobre os casos omissos decorrentes da aplicação do regime de teletrabalho. Desta maneira, por meio da adesão voluntária, o chefe da unidade autoriza o Procurador da Fazenda Nacional a exercer suas atividades fora da localidade física da Procuradoria da Fazenda (formalmente), mas como se lá estivesse (materialmente), em razão da existência de ferramentas tecnológicas disponíveis que asseguram a segurança e a confiabilidade nas trocas de informações. Delimitada a segunda premissa sobre o regramento existente acerca do regime de teletrabalho da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, pode-se agora realizar o cruzamento das informações que disciplinam a ida do servidor público ao exterior. 3. Da residência no exterior do Procurador da Fazenda em regime de teletrabalho Em uma rápida síntese, no âmbito do estudo aqui apresentado, tem-se que a hipótese de “Serviço Exterior Brasileiro” é voltada apenas à categoria específica de servidor público civil da União que não os membros da PGFN. O “Serviço em Organismo Internacional” direciona-se para a possibilidade de servidor público civil da União prestar serviços em território estrangeiro, com vínculo jurídico imediato com organismo internacional. A “Missão no Exterior por Designação ou Nomeação” é a prestação de serviço no exterior por servidor nomeado ou designado para o exercício de missão permanente, transitória ou eventual. A “Missão Oficial no Exterior” é a prestação de serviço no exterior por servidor que não tenha sido nomeado ou designado, desde que a atividade se relacione com a atividade-fim do órgão e seja reconhecida sua necessidade. Nesta toada, exceto o “Serviço Exterior Brasileiro”, todos os outros regramentos destinam-se às hipóteses de deslocamento físico do servidor público civil da União para o território estrangeiro, tendo em vista que o serviço que será prestado não pode ser realizado dentro das fronteiras nacionais, ou o tenha que ser realizado nos limites territoriais nacionais acobertados pela inviolabilidade esculpida na Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas (Decreto 56.435/65) e/ou na Convenção de Viena sobre as Relações Consulares (Decreto 61.078/67). Assim, o serviço deverá ser desenvolvido no exterior (materialmente), de forma física (formalmente). Portanto, como condição necessária, pressupõe a ida do servidor para país estrangeiro. Em vista disso, o afastamento por “Missão Oficial no Exterior” necessita que o serviço seja realizado de maneira diversa como era prestado no órgão de origem, já que lá não estará mais, devendo ser, no entanto, relacionado com a sua atividade-fim. Importante frisar que o servidor ainda permanece vinculado ao órgão que foi empossado, pois não foi nomeado ou designado para servir no exterior (“Missão no Exterior por Designação ou Nomeação”), contudo, prestará serviços fora de sua sede, tanto formalmente (fisicamente) como materialmente, e no exterior. Verifica-se, desta feita, que inexiste qualquer hipótese abstrata que se encaixe no regime de teletrabalho em que a residência do Procurador da Fazenda seja fixada em país estrangeiro. O regime de teletrabalho da PGFN é a autorização para que o servidor preste serviço em local diverso do local do órgão (formalmente), entretanto, prestando como se lá estivesse (materialmente). Não há qualquer serviço a ser prestado NO exterior, mesmo que possa ser praticado DO exterior. A diferença não é tênue: Na hipótese de “Missão Oficial no Exterior”[7], o serviço deve necessariamente ser prestado fora do Brasil (atividade NO exterior); no contexto de teletrabalho, o serviço é necessariamente prestado, de forma material, no território nacional (atividade NO Brasil), porquanto o acesso remoto o faz estar virtualmente em uma unidade da PGFN, independentemente do local que esteja fisicamente, inclusive se estiver em país estrangeiro (atividade DO exterior). Verifica-se, assim, que quaisquer modelos normativos de serviço no exterior são inaplicáveis, pela própria natureza, com o regime de teletrabalho. Conclui-se, portanto, que os motivos de autorização para afastamento do país (“Missão Oficial no Exterior”) são para a prestação do serviço fora das fronteiras nacionais, que não é o caso do teletrabalho. Por sua vez, na hipótese de ida ao país estrangeiro, sem ser para a prestação de serviço no exterior[8], aplica-se a legislação comum dos servidores público, isto é, a Lei 8.112/90, ou outro normativo específico à situação concreta Nesta toada, não se subsumindo a quaisquer hipóteses normativas de prestação de serviço fora das fronteiras nacionais, e inexistindo quaisquer regras impositivas de residência[9], o Procurador da Fazenda Nacional que esteja em regime de teletrabalho pode residir no local que melhor lhe convir, inclusive no exterior, prescindindo de autorização ou qualquer outro ato. 4. Do ganho à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional A implementação do teletrabalho na PGFN possibilita a maior eficiência dos recursos disponíveis ao diminuir custos físicos, mantendo-se a excelência na prestação do serviço público, deslocando-se o Procurador da Fazenda Nacional para localidade de sua escolha, às suas próprias expensas, graças ao desenvolvimento de ferramentas tecnológicas que asseguram e possibilitam a elaboração das mesmas atividades com a segurança necessária. Com a compreensão aqui posta, abarca-se rol de Procuradores da Fazenda que não estariam realizando os serviços para os quais foram nomeados, seja de forma remunerada ou não remunerada. O maior exemplo é o afastamento para estudo no exterior, previsto nos art. 95 a 96-A da Lei 8.112/90. O Procurador da Fazenda Nacional, preenchidos determinados requisitos, pode se afastar, com remuneração, para participar de programa de pós-graduação no exterior, vez que, até então, não era possível realizar tal estudo e simultaneamente exercer o seu cargo, até mesmo mediante compensação de horário (caput do arti 96-A, da Lei 8.112/90). Na hipótese de o serviço prestado pelo Procurador da Fazenda, que participará de programa de pós-graduação no exterior, ser possível mediante teletrabalho, a PGFN deve realizar a autorização para tal regime, mantendo-se a prestação do serviço público, bem como possibilitando-se ao Procurador realizar seus estudos, que também irá reverberar para a instituição, havendo ganhos para todos. Não há que se falar em esvaziamento da norma prevista no art. 95 da Lei 8.112/91 (afastamento para estudo no exterior), porquanto, por ela se encontrar defasada em relação ao estágio tecnológico que possibilita o teletrabalho, deve ser aplicada apenas nos casos em que não seja possível a concessão de teletrabalho ao servidor público, pelas atividades que exerce – ou pela ausência de o transferi-lo para função que assim o permita. Coloque-se que uma vez deferido o teletrabalho, a questão do local de estudo eleito pelo servidor se torna irrelevante, porquanto não tem vinculação física com as dependências de seu órgão de exercício, bem como não tem limitação geográfica do local de sua residência. Com a possibilidade trazida pelo teletrabalho, a PGFN não precisa mais ter a perda temporária de um Procurador da Fazenda Nacional, com a continuidade do ônus financeiro, podendo-se aplicar o normativo referente à pós-graduação stricto sensu em instituição de ensino superior no País, pois é como se no Brasil ele estivesse, já que é irrelevante a sua residência ou a prestação física do serviço. Em relação às licenças não remuneradas, tais como as por motivo de afastamento por motivo de doença em pessoa da família (art. 83 da Lei 8.112/90), motivo de afastamento do cônjuge (§1° do art. 84 da Lei 8.112/90) e, até mesmo, para tratar de interesse particular (art. 91 da Lei 8.112/90), inexiste ônus financeiro direto à PGFN, contudo, a diminuição do quadro já escasso de Procuradores traz prejuízo à prestação do serviço público de excelência. As licenças que seriam solicitadas, desde que compatíveis com os fatos que embasem o apelo, que perpassem por residência do Procurador da Fazenda Nacional no exterior não mais existirão[10], pois o regime de teletrabalho propiciará a manutenção da prestação do serviço, que é a grande finalidade de existência desta inovação na Administração Pública. Neste caso, o princípio da eficiência da Administração Pública (art. 37, CF), na interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige (inc. XIII do art. 2° da Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999), é cumprido, maximizando-se os recursos disponíveis para atendimento do interesse público primário. 5. Questões gerais pertinentes ao regime de teletrabalho Das normas existentes, extrai-se que o regime de teletrabalho na verdade é o comumente chamado de trabalho à distância, trabalho remoto ou home-office. Inexiste qualquer norma aplicável ao regime de exercício de atividades do Procurador da Fazenda Nacional em teletrabalho que não aquela aqui já descrita, pois não há um afastamento do servidor, e sim apenas um deslocamento físico, com ânimo privado, que não implica em alteração das atividades prestadas. Nesta toada, é irrelevante para o regime do teletrabalho qual será o local físico da prestação de serviço, desde que o Procurador da Fazenda Nacional cumpra os requisitos previstos na Portaria PGFN 487/2016, entre eles o de manter telefones de contato[11], inclusive pessoal, atualizados no cadastro da unidade e ativo em dias úteis. Corrobora esta compreensão a questão de que aquilo que não pode ser realizado via virtual é defeso sua inclusão como objeto de teletrabalho. A divisão de atribuições, portanto, deve ser muito bem delimitada, pois quaisquer atividades que devam ser realizadas nas unidades de forma física não são passíveis de inserção neste regime excepcional. Ademais, no âmbito virtual, se algo não pode ser resolvido pelo SAR, via VPN, ele também não poderá ser solucionado acessando os sistemas da PGFN pelos computadores da unidade de origem ou de qualquer outra unidade. Um exemplo é a emissão de certidão positiva com efeitos de negativa (CPEN) de forma manual, em razão de os sistemas eletrônico estarem fora do ar. O Procurador da Fazenda deverá realizar a sua emissão manual, via e-Dossiê, uma vez que por estar offline o serviço, este estará no acesso via VPN e no acesso pelos computadores físicos da unidade. A presença física, portanto, é totalmente prescindível. Frise-se que não há qualquer restrição legal ou infralegal à localidade ou à distância da prestação do serviço. Ademais, o ônus para cumprir o requisito de deslocamento ao órgão de exercício, quando imprescindível, é totalmente do Procurador da Fazenda Nacional, não sendo responsabilidade da PGFN. No mundo fenomênico é possível vislumbrar alguns exemplos. Um é o de Procurador da Fazenda Nacional em exercício na Procuradoria da Fazenda Nacional no Estado do Acre que, em regime de teletrabalho, resida em Santa Maria, no Rio Grande do Sul. O deslocamento demorará mais de 24 horas, utilizando-se transporte rodoviário e aéreo. No entanto, se residir em Iñapari, na Bolívia, estará apenas duas horas de distância de carro de sua unidade. Ademais, a videoconferência ou audioconferência estão à disposição para sanar quaisquer necessidades práticas, sendo de utilização segura, já empregadas pelas próprias unidades da Procuradoria da Fazenda Nacional, fazendo diminuir a quase zero as causas que demandem a presença física no órgão daquele em regime de teletrabalho. Outra situação é a do Procurador da Fazenda Nacional que escolha residir em local que não tenha acesso à internet. Nesta situação, deverá contratar serviço específico que o conecte à rede mundial de computadores ou se deslocar diariamente até localidade que permita a sua utilização. Veja-se, portanto, que todos os ônus são únicos e exclusivos do Procurador da Fazenda Nacional, pois o serviço será prestado como se no órgão de origem estivesse, independentemente de sua localidade física, já que o SAR, via VPN, assim o possibilita, estando todos os sistemas necessários ao exercício pleno e satisfatório do labor à disposição no computador particular do servidor. Em outra toada, analisando-se rapidamente os efeitos para o controle disciplinar da Administração Pública, é preciso manter “telefones de contatos, inclusive pessoais, atualizados no cadastro da unidade e ativos em dias úteis” (inc. III do art. 8° da Portaria PGFN 487/16) e “consultar, nos dias úteis, a sua caixa postal individual de correio eletrônico ou outro canal de comunicação institucionalmente definido” (inc. V do art. 8° da Portaria PGFN 487/16)[12], além, claro, de manter seus dados cadastrais atualizados nas bases de dados oficiais, tal como no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF)[13]. Neste contexto, a Lei 9.784/99, utilizada subsidiariamente pela Lei 8.112/90, diz que a citação para responder à processo administrativo disciplinar pode ser realizada por “meio que assegure a certeza da ciência do interessado” (§2° do art. 26 da Lei 9.784/99 c.c. art. 161 da Lei 8.112/90). Assim, as citações e intimações podem ser efetuadas pelo endereço eletrônico funcional. Caso o Procurador não o acesse, estará descumprindo um dos requisitos para permanência do regime de teletrabalho, do qual será desligado (alí “a”, inc. I, art. 11, da Portaria PGFN 487/16). Na hipótese de não se apresentar no dia útil subsequente na unidade (parágrafo único do art. 11 da Portaria PGFN 487/16), incorrerá em falta administrativa, devendo ser punido. No entanto, não deve ser motivo de preocupação à Administração Pública, já que um dos efeitos principais do mundo cibernético é o de quebrar a barreira das distâncias, tornando-as inexistentes. Inserindo-se, portanto, numa nova era, a da tecnologia, deve-se deixar os pensamentos que surgiram por necessidades do mundo físico, para se abarcar o mundo virtual, e não virtualizado. Para que o passo seja dado é importante pensar o digital de forma digital, e não mais analógica. A transferência das rotinas e procedimentos do mundo da celulose para o mundo dos algoritmos faz com que as potencialidades inatas não sejam exploradas de forma adequada. Agir assim tem o mesmo efeito de multiplicar o número 2 por si mesmo 100 vezes (2 x 2 x 2 x 2 x 2 x 2…) ao invés de utilizar a função matemática de elevar o número 2 à centésima potência (2100). O resultado da equação é o mesmo, mas o seu resultado prático não, ante o tempo e esforço gastos. Conclusão Por todo o exposto, verifica-se que o regime de teletrabalho implica na continuidade de prestação do serviço como se o servidor estivesse na localidade do órgão público (materialmente), mesmo que fisicamente esteja em localidade diversa (formalmente), ante a possibilidade trazida pela tecnológica de acesso remoto à rede corporativa. Desta feita, o local físico de prestação do serviço é irrelevante. Materialmente, a prestação do serviço é realizada como se o servidor se encontrasse na estação de trabalho da unidade; formalmente, o corpo físico do servidor e os instrumentos de trabalho estão em ambiente diverso. Portanto, o Procurador da Fazenda Nacional prestará serviços DA sua residência e não NA sua residência. Com estas definições aclaradas, o regime de teletrabalho não impede que o Procurador da Fazenda Nacional resida em qualquer local de sua escolha, inclusive no exterior, restando inaplicável o regime de “Missão Oficial no Exterior” ou qualquer outro atualmente existente. Igualmente, tal interpretação possibilitará que, em alguns casos, haja a aprovação do regime de teletrabalho ao Procurador da Fazenda Nacional ao invés de deferimento de licença da Procuradoria da Fazenda Nacional, nas hipóteses em que haja compatibilidade. Maximiza-se, assim, os escassos recursos disponíveis à prestação de serviço público de excelência. Portanto, o Procurador da Fazenda Nacional em regime de teletrabalho pode residir em qualquer local de sua escolha, seja na República Federativa do Brasil ou no exterior, prescindindo de autorização para tanto. As normas existentes já dão suporte a esta possibilidade, inexistindo a necessidade de regulamentação expressa pela Portaria PGFN 487/16 ou por norma legal. No entanto, é necessário progredir. O caminho para a modernidade deve continuar a ser trilhado. É importante que as compreensões da era digital sejam feitas sem se espelhar nas atitudes que são tomadas no mundo físico, já que o funcionamento é totalmente diferente, podendo ser maximizado ou burocratizado, a depender de como se tomam decisões. A exploração da tecnologia deve ser feita para prestar cada vez mais um serviço público de excelência, em tempo real, e com menor custo, tanto para a Administração Pública como para o Administrado. Se outrora a cópia de um simples processo administrativo era caro e moroso, atualmente é possível ter acesso em tempo real com certificação digital, a qual confere autenticidade e segurança. Muitas questões ainda devem ser analisadas, tais como a limitação de apenas 30% dos Procuradores da unidade serem insertos neste regime (art. 6° da Portaria 487/16). A barreira deve ser em relação à possibilidade total de assimilação neste regime (serviços que devam ser realizados necessariamente de forma presencial), fazendo-se diminuir gastos supérfluos, que serão direcionados para questões mais fundamentais, tal como o fortalecimento do núcleo especializados de grandes devedores e de acompanhamento especial (art. 7° da Portaria 487/16). O certo é que a PGFN deu um passo importante para a modernização, no entanto, para que ele seja concretamente realizado é preciso pô-lo em prática, o que demandará até mesmo o repensar das distribuições de atribuições de trabalho. O que funcionava no mundo analógico muito provavelmente não funcionará na realidade digital. E caso tente-se transferi-lo, a penalidade será a de criação de maior burocracia e diminuição da eficiência, com o consequente acumulo de trabalho e aumento de despesas, ante os recursos finitos e escassos da Administração Pública.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/o-regime-de-teletrabalho-e-a-residencia-no-exterior-do-procurador-da-fazenda-nacional/
A advocacia pública nos conselhos de fiscalização profissional
O presente trabalho tem por finalidade aprofundar a análise sobre a natureza jurídica dos Conselhos de Fiscalização Profissional, que, segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 1717, são autarquias federais. Em razão da sua caracterização como pessoas jurídicas de direito público, quando efetuam o registro de determinado profissional, fiscalização de pessoas físicas e/ou jurídicas, disciplinam condutas profissionais, na verdade, realizam concurso público, fazem aquisições mediante licitação, estão praticando atos administrativos, sujeitos aos princípios da Administração Pública, especialmente ao princípio da legalidade. O controle da legalidade desses atos deverá ser feito pelos procuradores dos Conselhos, que na qualidade de integrantes da advocacia pública, deverão ser contratados mediante concurso público e estão cobertos com o manto das prerrogativas da advocacia, especialmente daquelas inerentes à advocacia pública.
Direito Administrativo
1. INTRODUÇÃO A prova do dinamismo do Direito Administrativo é a natureza jurídica dos Conselhos de Fiscalização, que durante décadas se amoldou até o seu atual enquadramento como autarquias federais. Os Conselhos de Fiscalização, na verdade, sempre foram considerados autarquias federais corporativas, com elementos estruturantes e de atuação que os diferenciavam das demais autarquias. O art. 58 da Lei Federal 9.649/98 tentou dar roupagem de personalidade jurídica de direito privado aos Conselhos, o que foi rechaçado pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da ADI 1717. Em razão dessa mutação, muitos questionamentos foram feitos sobre o regime de compras, contratação pessoal, submissão ao controle externo das suas contas etc., que ao longo dos anos foram esclarecidos pela jurisprudência dos Tribunais Superiores. Não restam dúvidas que os Conselhos de Fiscalização são autarquias federais com regime de direito público, responsáveis pela normatização e fiscalização das respectivas profissões, titulares da capacidade tributária ativa na arrecadação e administração das receitas públicas advindas da arrecadação das suas anuidades (contribuições de interesse da categoria profissional (art. 149, CF), sujeitos aos preceitos constitucionais do Direito Administrativo, especialmente ao art. 37 da Constituição Federal, especialmente em relação à obrigatoriedade da realização de concurso público para a contratação dos seus empregados (inciso II), assim como as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações (inciso XXI), sujeitando-se, ainda, ao controle externo exercido pelo Congresso Nacional com o auxílio do Tribunal de Contas. Em razão da consolidação da natureza jurídica de Direito Público dos Conselhos de Fiscalização, verificou-se a indispensabilidade do fortalecimento do controle interno da legalidade dos atos administrativos praticados no âmbito dessas autarquias federais, especialmente com o reconhecimento dos advogados/procuradores, efetivos e de carreira, como membros da Advocacia Pública e o fortalecimento da independência funcional da sua atuação. No presente artigo serão apresentadas algumas considerações gerais da Advocacia Pública como função essencial à justiça e a caracterização dos advogados/procuradores dos Conselhos como advogados públicos em razão da constante atuação como órgãos consultivos e de representação judicial e a indispensabilidade da extensão das garantias e prerrogativas da Advocacia Pública para o regular e imparcial exercício das suas atividades profissionais. 2. A ADVOCACIA PÚBLICA 2.1 – A Advocacia Pública como função essencial à justiça No Direito pós-moderno a atuação estatal está sempre balizada pelo princípio da juridicidade, que vai além do princípio da legalidade. Enquanto este se limita a submissão do Estado à lei no sentido estrito, aquele aponta para a observância da licitude, moralmente conotada, com a finalidade de proteção das liberdades e dos direitos dos indivíduos, valendo-se da ordenação das atividades juridicamente relevantes do Estado.[1] A efetividade do exercício da jurisdição, que corresponde à atuação concreta do direito objetivo, depende da atuação de outras funções, bem como a estas se destinam inúmeros serviços, atividades e inúmeras tarefas institucionais. Essas funções foram incorporadas a órgãos, desvinculados aos outros poderes e se distinguem pela essencialidade à justa prestação jurisdicional, pois possuem estreita relação com esta, ganhando status constitucional independente em capítulo próprio destinado a disciplinar a atuação harmônica desses órgãos essenciais atividade da jurisdição estatal.[2] As funções essenciais à justiça são instrumentos para a estabilidade da democracia, na medida em que se tornaram instrumentos políticos do constitucionalismo contemporâneo, com o objetivo de assegurar o Estado democrático de direito e a construir o Estado de justiça, fortalecendo a ética na política e na administração.[3] O Capítulo IV do Título IV da Constituição Federal de 1988 prevê como funções essenciais à Justiça o Ministério Público, a Advocacia (Pública e Privada) e a Defensoria Pública, sem qualquer relação com os três poderes tradicionais, enfatizando que não há relação de hierarquia eles, e que os primeiros são funções independentes. Embora relevantíssimas as atividades desenvolvidas pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública, limitaremos a análise do presente estudo à advocacia, especialmente à Advocacia Pública. Com a superação do absolutismo e a consagração da impessoalidade do interesse público, a Advocacia Pública (que até a promulgação da Constituição Federal de 1988 também era exercida pelo Ministério Público) ganha relevância, uma vez que a atuação estatal se desenvolve dentro de um cenário jurídico. Na medida em que se ampliam as atividades estatais, mais a Advocacia Pública se torna um elemento essencial ao funcionamento do Estado Democrático de Direito.[4] A Constituição Federal dispensou tratamento específico à Advocacia Pública, tratando de não incluí-la na estrutura do Poder Executivo, apontando que se trata de instituição autônoma, com claro objetivo de melhor aparelhar a tutela do interesse público. Cabe à Advocacia Pública a tutela judicial do interesse público naquilo que diz respeito aos interesses do Estado. Por isso, a Advocacia Pública deverá se pautar na tutela dos interesses do Estado, direcionando a sua atuação na Advocacia do Estado, aconselhando o gestor público e patrocinando judicialmente as demandas do Estado, sem que os interesses particulares interfiram na sua atuação. A Advocacia Pública se distingue da advocacia comum especialmente em razão do interesse patrocinado. O Advogado Público irá sempre tutelar o interesse público de maneira que o objetivo final da sua atuação nunca será o seu interesse privado, ou do administrador, mas sim o interesse público, abstrato da coletividade, valendo-se da Constituição Federal e leis vigentes.[5] A inserção da Advocacia Pública dentro da estrutura de qualquer um dos poderes constituídos seria imprópria, pois impactaria na retirada da autonomia dos membros da carreira que estariam subordinados ao poder no qual fossem incluídos, comprometendo a sua atuação na censura de atos ilegais e/ou que desatendam ao interesse público. Os interesses pessoais e privados dos gestores públicos deverão ser rechaçados pelos advogados públicos que deverão ter como norte os interesses e objetivos do ente político representado que, por sua vez, deverão ser alinhados com os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, elencados no art. 3º da Constituição Federal, bem como com os princípios constitucionais administrativos.  2.2 – A Atuação da Advocacia Pública como órgão de controle interno da legalidade No Estado Democrático estabeleceu-se um interessante mecanismo de controle conhecido como sistema de freios e contrapesos (Checks and Balances), segundo o qual o controle da atuação estatal seria feito pelos próprios poderes constituídos, segundo regras estabelecidas na Constituição.[6] A complexidade da vida econômica, política e administrativa do Estado, além da necessidade da ampliação da atuação estatal decorrente das políticas sociais assumidas pela Constituição, o sistema clássico de controle da atuação se mostrou insuficiente, evidenciando a necessidade do aperfeiçoamento desse mecanismo de controle, que o correu com a instalação de importantes instituições, como os Tribunais de Contas, o Ministério Público, os sistemas de controle interno e a Advocacia Pública.[7] O caput do art. 37 da Constituição Federal consagrou como princípio elementar da Administração Pública a legalidade, indicando expressamente que a sua atuação para alcançar o bem comum na satisfação dos interesses públicos emanados da sociedade será limitada pela lei, volumosa e muitas vezes de complexa interpretação, cabendo a Advocacia Pública proceder a sua análise e interpretação, direcionando o gestor público para a melhor decisão, nos limites da lei. O controle da legalidade pela Advocacia Pública fica mais evidente na atuação preventiva, ou seja, nas atividades de consultoria e de assessoramento jurídico, oportunidades nas quais os atos administrativos a serem praticados pela Administração Pública são analisados sob o prisma da Constituição e legislação, sendo então emitidos pareceres, favoráveis ou desfavoráveis, acerca da pretensão da implementação desses atos. O controle de juridicidade dos atos da Administração Pública aplicável em inúmeras hipóteses, nas quais a prática do ato administrativo depende da prévia manifestação do órgão jurídico, de onde a autoridade extrairá os fundamentos para a sua implementação. Como exemplo, merecem destaque as atuações na assessoria jurídica prestada pelos advogados públicos nas licitações e no controle administrativo da legalidade na inscrição de débitos em dívida ativa. Em relação ao procedimento de licitação, o art. 38 da Lei Federal nº 8.666/93 expressamente determina a prévia análise e aprovação da assessoria jurídica da Administração (composta por advogados públicos concursados, nos termos do art. 132 e 133 da Constituição Federal): “Art. 38. O procedimento da licitação será iniciado com a abertura de processo administrativo, devidamente autuado, protocolado e numerado, contendo a autorização respectiva, a indicação sucinta de seu objeto e do recurso próprio para a despesa, e ao qual serão juntados oportunamente: […] VI – pareceres técnicos ou jurídicos emitidos sobre a licitação, dispensa ou inexigibilidade; […] Parágrafo único. As minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração”. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994) O citado dispositivo exige que a análise jurídica das minutas de ditais, contratos, acordos, convênios e demais contratações pela Administração Pública, consista em etapa obrigatória do procedimento licitatório. A análise jurídica, além de obrigatória é vinculante, uma vez que a lei determina que as minutas dever ser analisadas e aprovadas juridicamente, lembrando que o titular da análise do mérito da contratação é o Administrador Público.[8] Em relação ao procedimento de inscrição dos débitos em dívida ativa, o procurador exerce o controle interno da legalidade, verificando se todos os requisitos necessários para a regular inscrição de crédito tributário estão presentes, rechaçando também a inscrição de créditos prescritos. A finalidade da atuação dos advogados públicos não está apenas limitada à defesa dos interesses públicos fazendário da pessoa jurídica representada, pois deverá perseguir o interesse público primário consistente na defesa da juridicidade integral da ação administrativa, especialmente à luz dos art. 37, caput, e 70 caput, da Constituição Federal. Além do controle da legalidade, a Advocacia Pública passa a fazer o controle dos excessos e da discricionariedade do administrador público, com a análise da licitude do ato (controle da moralidade do ato administrativo), demonstrando que a sua atuação não se limita a mera subsunção da lei ao caso analisado.[9] Cabe ressaltar, ainda, a sua destacada atuação na implementação de políticas públicas, de tal forma que estas sejam instituídas de acordo com a ordem jurídica e o interesse público. 2.3 – Das Prerrogativas da Advocacia Pública Para o satisfatório exercício de controle interno de juridicidade da função administrativa é indispensável a previsão de garantia aos advogados públicos incumbidos de tão nobre missão, que inevitavelmente irão contrariar inúmeros interesses, de governantes e até mesmo de setores econômicos. A denominação advogado público, assim como o exercício das atribuições a ele inerentes, é exclusiva dos membros efetivos de carreira, ou seja, daqueles que foram admitidos mediante prévia aprovação em concurso público de provas e títulos (arts. 37, II, 131, § 2º, e 133, da CF).[10] Não pertencem a Advocacia Pública os ocupantes de cargos comissionados, demissíveis ad nutum, pois a sua nomeação e dispensa estão vinculadas exclusivamente à vontade do Chefe do Executivo, o que comprometeria a sua atuação. A ordem jurídica garante à Advocacia Pública e aos seus membros prerrogativas indispensáveis para o efetivo controle da legalidade dos atos administrativos. Todas as garantias necessárias para a atuação dos advogados públicos orbitam na autonomia institucional e autonomia (ou independência) funcional A autonomia institucional deve ir além do senso comum representado na ideia de que algo ou alguém é autônomo quando possui poder de criar normas para si mesmo independentemente de regulação exterior[11] A análise da autonomia deverá ser feita à luz do Direito Administrativo, de tal maneira que no âmbito da Administração Pública significa dizer que determinada entidade autônoma goza de autonomia em relação ao seu respectivo ente federativo. A autonomia, segundo apresentado por Carlos Marden Cabral Coutinho, ganha relevância, especialmente em relação à autonomia técnica e autonomia financeira/orçamentária.[12] Uma entidade da Administração Pública possui autonomia técnica quando as suas decisões devem ser tomadas levando-se em conta o caráter técnico que envolve o exercício de suas funções, de tal forma que mesmo nenhum dos três poderes poderá se imiscuir nessa autonomia. A autonomia técnica traduz o nível de especialidade científica do ente da Administração Pública, de sorte que suas decisões não se sujeitam às circunstâncias políticas e/ou econômicas.[13] Caberia a Advocacia Pública a autonomia financeira e orçamentária, no sentido de que caberia a ela a elaboração do seu próprio orçamento, com direito de gerir os seus próprios. A autonomia financeira e orçamentária reconhece que somente o próprio ente público é capaz de identificar o orçamento necessário para o efetivo desempenho das suas tarefas, bem como a melhor forma de gerir as suas despesas com o atendimento do interesse público. A autonomia financeira e orçamentária é requisito essencial para garantir que nenhum dos três poderes constituídos venha influenciar na atividade da Advocacia Pública.[14] Em relação à independência funcional, deve ser compreendida como a prerrogativa que assegura aos advogados públicos o exercício da função pública de assessoramento e representação dos entes públicos independentemente de subordinação hierárquica, seja dos outros poderes, seja dos próprios chefes ou órgãos colegiados que compõem a estrutura orgânica da Advocacia Pública.[15] O princípio da independência funcional tem o seu fundamento constitucional no art. 133 da Constituição Federal, no qual está consagrado que o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei, que também se estende aos advogados públicos, aos quais são estendidas às prerrogativas dos advogados privados, segundo disposição expressa do § 1º, do art. 3º, do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei Federal nº 8.906/94), e art. 8º do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB.[16] A importância da autonomia funcional da Advocacia Pública foi muito bem contextualizada por Dalmo de Abreu Dallari: “[…] o Procurador Público é quem torna certo que o Poder Público não é imune ao Direito. Compete-lhe defender os interesses sociais, particularizados numa entidade pública, sem excessos ou transigências, sempre segundo o Direito. Conscientes de que o poder político e a atividade administrativa são expressões da disciplina jurídica das atividades de direção e administração da Sociedade, o Procura dor, orientando ou promovendo a defesa de interesses, jamais deverá omitir o fundamento jurídico de seu desempenho. E sua consciência jurídica não lhe há de permitir que, pela vontade de agradar ou pelo temor de desagradar, invoque o Direito segundo critérios de conveniência, para acobertar ações ou omissões injustas”.[17] Há um movimento que a cada dia ganha mais força, denominado “Movimento Advocacia Pública”[18] que patrocina o Projeto de Emenda Constitucional nº 82/2007 (apensada ao substitutivo PEC 82-A/2007), conhecida como a “PEC da Probidade”, que altera e acrescenta dispositivos constitucionais para a consolidação da autonomia funcional e independência institucional às Advocacias Públicas. Já houve parecer favorável em todas as comissões e aguarda a inclusão da pauta do plenário da Câmara dos Deputados para a sua votação[19]. Além da autonomia funcional e independência institucional, são asseguradas outras prerrogativas de índole processual à Advocacia Pública como garantia do efetivo exercício da função por seus titulares, expressamente disciplinadas na legislação de processo, especialmente no Código de Processo Civil, que no Título VI, do Livro III, da sua Parte Geral, (arts. 182 a 184) disciplinou a atuação processual dos advogados públicos. O Código de Processo Civil de 1973, aprovado antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, não disciplinou de forma adequada a atuação processual da Advocacia Pública, por isso, a disciplina específica no novo Código de Processo Civil de reforçou a institucionalização da representação judicial da Fazenda Pública. O art. 183 do CPC estabeleceu que a União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal e as suas respectivas autarquias e fundações públicas, gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início com a intimação pessoal feita na pessoa dos advogados públicos. Dessa forma, esse importante dispositivo trouxe como prerrogativas à Advocacia Pública o prazo em dobro para as manifestações processuais e a necessidade da intimação pessoal dos atos processuais, indispensáveis em razão da morosidade do trâmite dos processos internos para acesso às informações, prejudicado em razão da burocracia e acesso a diversos níveis hierárquicos na estrutura interna para obtenção de informações sobre os fatos, elementos e dados das causas.[20] O novo Código de Processo Civil, em total sintonia com o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos advogados do Brasil (Lei Federal nº 8.906/94)[21], também reconheceu a titularidade dos honorários sucumbenciais aos advogados públicos, segundo regra expressa do § 19, do art. 85. Em razão do disposto no art. 4º da Lei nº 9.527/97, houve uma discussão herculana sobre a autorização legal para a percepção dos honorários sucumbenciais pelos advogados públicos, em razão da sua incompatibilidade com o art. 23 da Lei Federal nº 8.906/94,[22] sobre a qual foi colocada uma pá de cal com a disposição do § 19, do art. 85, do CPC. Os honorários sucumbenciais não são receitas públicas, devendo ser entendidos como valores pagos pela parte vencida, portanto, não são de titularidade da Administração Pública, mas sim dos advogados públicos que atuaram na demanda, segundo interpretação do caput do art. 85, §§ 14 e 19, do CPC: “Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. […] § 14. Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial. […] § 19. Os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei.” O Código de Processo Civil deve ser euforicamente aplaudido, pois tratou de alinhar o disposto no seu art. 85, § 19, com o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, rechaçando o polêmico art. 4º da Lei Federal nº 9.527/97. 3. A ADVOCACIA PÚBLICA NOS CONSELHOS DE FISCALIZAÇÃO  3.1 – Conselhos de Fiscalização e a sua natureza autárquica A Administração Pública poderá exercer as funções estatais diretamente pelos seus órgãos, como por exemplo, Ministérios, Secretarias, Departamentos etc.(Administração Pública Direta) ou por entidades instituídas por lei com finalidades específicas, delegatárias da competência estatal.(Administração Pública Indireta)[23] Quando as funções estatais são exercidas pela Administração Pública Indireta, via de regra, são transferidas a uma autarquia, que são entidades criadas por lei, com personalidade jurídica pública, dotadas com capacidade de autoadministração, com especialização dos fins ou atividades, sujeitas o controle ou tutela.[24] O art. 5º, I, do Decreto-Lei 200/67, positivou a possibilidade de delegação de atividades estatais às autarquias federais, que segundo o mesmo dispositivo podem ser entendidas como serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada. Em relação à fiscalização de atividades profissionais, segundo dispõe o inciso XXIV do art. 21 da Constituição Federal, compete à União organizar, manter e executar a inspeção do trabalho. Hodiernamente a organização e fiscalização do trabalho são realizadas pelo Ministério do Trabalho (órgão da Administração Direta da União), porém, algumas profissões, em razão da essencialidade e da necessidade pública do seu bom desempenho, bem como risco à saúde, a União optou pela delegação da fiscalização dessas atividades a autarquias corporativas[25], dirigidas por representantes dos profissionais, cuja missão é, no exercício do poder de polícia, normatizar e fiscalizar o exercício da profissão, assegurando que essas profissões cumpram com a sua função social e contribuam para o alcance do bem estar social. Com isso, estabeleceu-se que os Conselhos de Fiscalização são autarquias federais com atribuições, definidas em lei, para a fiscalização e controle do regular e ético exercício das respectivas profissões, garantindo à sociedade que o oferecimento dessas profissões não atentem contra o interesse social. Ocorre, porém, que a Lei Federal nº 9.649/98[26], que dispõe sobre a organização da Presidência da República e seus Ministérios, em seu art. 58, quis inovar em relação às autarquias corporativas dispondo que: “Art. 58. Os serviços de fiscalização de profissões regulamentadas serão exercidos em caráter privado, por delegação do poder público, mediante autorização legislativa. § 1o A organização, a estrutura e o funcionamento dos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas serão disciplinados mediante decisão do plenário do conselho federal da respectiva profissão, garantindo-se que na composição deste estejam representados todos seus conselhos regionais. § 2o Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, dotados de personalidade jurídica de direito privado, não manterão com os órgãos da Administração Pública qualquer vínculo funcional ou hierárquico. § 3o Os empregados dos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas são regidos pela legislação trabalhista, sendo vedada qualquer forma de transposição, transferência ou deslocamento para o quadro da Administração Pública direta ou indireta. § 4o Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas são autorizados a fixar, cobrar e executar as contribuições anuais devidas por pessoas físicas e jurídicas, bem como preços de serviços e multas, que constituirão receitas próprias, considerando-se título executivo extrajudicial a certidão relativa aos créditos decorrentes. § 5o O controle das atividades financeiras e administrativas dos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas será realizado pelos seus órgãos internos, devendo os conselhos regionais prestar contas, anualmente, ao conselho federal da respectiva profissão, e estes aos conselhos regionais. § 6o Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, por constituírem serviço público, gozam de imunidade tributária total em relação aos seus bens, rendas e serviços. § 7o Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas promoverão, até 30 de junho de 1998, a adaptação de seus estatutos e regimentos ao estabelecido neste artigo. § 8o Compete à Justiça Federal a apreciação das controvérsias que envolvam os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, quando no exercício dos serviços a eles delegados, conforme disposto no caput. § 9o O disposto neste artigo não se aplica à entidade de que trata a Lei no 8.906, de 4 de julho de 1994.”  O citado art. 58 pretendeu inovar o mundo jurídico com a caracterização dos Conselhos de Fiscalização como autarquias com regime jurídico de “direito privado”, mesmo exercendo atividades estritamente estatais, especialmente o poder de polícia em relação às respectivas profissões. Pretendeu, ainda, excluir do Tribunal de Contas da União o controle externo de suas contas, desconsiderando o disposto nos arts. 71 e 73 da Constituição Federal, além de outras disposições que tentaram “privatizar” os Conselhos de Fiscalização. O dispositivo foi impugnado na ADI 1717-DF, na qual ficou definitivamente reconhecido que os Conselhos de Fiscalização são autarquias federais com regime jurídico de direito público, titulares do exercício de poder de polícia – fiscalização das respectivas profissões – (indelegável às entidades de direito privado), cujas contas estão sujeitas à fiscalização do Tribunal de Contas da União, fulminando do ordenamento jurídico o caput do art. 58 da Lei Federal nº 9.649/98 e os seus respectivos parágrafos, com exceção ao art. 3º, que trata do regime de contratação dos servidores dos Conselhos de Fiscalização, que perdeu objeto em razão da Emenda Constitucional nº 19/98, que havia acabado com o regime jurídico único de contratação na Administração Pública: “DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 58 E SEUS PARÁGRAFOS DA LEI FEDERAL Nº 9.649, DE 27.05.1998, QUE TRATAM DOS SERVIÇOS DE FISCALIZAÇÃO DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS. 1. Estando prejudicada a Ação, quanto ao § 3º do art. 58 da Lei nº 9.649, de 27.05.1998, como já decidiu o Plenário, quando apreciou o pedido de medida cautelar, a Ação Direta é julgada procedente, quanto ao mais, declarando-se a inconstitucionalidade do "caput" e dos § 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º do mesmo art. 58. 2. Isso porque a interpretação conjugada dos artigos 5°, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados. 3. Decisão unânime.” (ADI 1717, Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 07/11/2002, DJ 28-03-2003 PP-00061 EMENT VOL-02104-01 PP-00149) [27] Na ADI 1717 destacou-se, também, que é indelegável a capacidade tributária de arrecadação e administração das anuidades pagas pelas pessoas físicas e jurídicas registradas nos Conselhos de Fiscalização (art. 7º, caput, Código Tributário Nacional), uma vez que as mesmas possuem natureza tributária de contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas, previstas no art. 149, da Constituição Federal. Com a procedência da ADI 1717 e o reconhecimento expresso de que os Conselhos de fiscalização são autarquias federais, apenas restou vigorando o § 3º do art. 58 da Lei nº 9.649/98, que estabelece que a contratação dos servidores públicos dos Conselhos será disciplinado pela Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT, em razão da publicação da EC 19, de 4 de junho de 1998, que alterou o caput do art. 39 da Constituição Federal, possibilitando a Administração Pública admitir seus servidores tanto pelo regime jurídico único, disciplinado pela Lei Federal nº 8.112/90, quanto pela CLT, na qualidade de empregados públicos. Ocorre, porém, que a alteração do caput do art. 39 da Constituição Federal, introduzida pela EC 19/98, foi afastada pela medida cautelar concedida no âmbito da ADI 2135 em 02 de agosto de 2007, dando novamente vigência a antiga disposição do art. 39, no sentido de que as relações jurídicas entre a Administração Pública, e as suas respectivas autarquias e fundações públicas, com os seus servidores públicos deverão ser regidas por um único regime jurídico[28]. No âmbito da Administração Pública Federal a Lei Federal nº 8.112/90 disciplina o regime jurídico dos seus servidores públicos civis e todas as contratações deveriam obedecer às normas contidas nessa lei.[29] Atualmente, dentre outras afirmativas, não restam dúvidas de que os Conselhos de Fiscalização: “a) são autarquias federais, com regime de direito público, delegatários do poder de polícia de disciplina, normatização e fiscalização das respectivas profissões; b) são delegatários da capacidade tributária concernente a arrecadação e administração das receitas públicas advindas da arrecadação das anuidades pagas pelas pessoas físicas e jurídicas neles registradas, reconhecendo-se, assim, que as suas receitas e patrimônios são públicos; c) sujeitam-se aos princípios constitucionais relacionados à Administração Pública, especialmente aqueles contidos no caput do art. 37 da CF (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência); d) devem contratar os seus servidores quando aprovados previamente em concurso público, segundo disposição contida no art. 37, II, da Constituição Federal; e) estão sujeitos ao controle externo do Tribunal de Contas da União;[30] f) devem promover as suas contratações com prévia realização de licitação para as contratações (art. 37, XXI – Lei Federal nº 8.666/93 e demais legislação sobre o tema); g) estão sujeitos às disposições constitucionais e legais relacionadas aplicáveis à Administração Pública, na qualidade de entidades enquadradas no conceito de “Fazenda Pública”; h) são detentores de todas as prerrogativas próprias da Fazenda Pública, tais como imunidade tributária, privilégios processuais, inscrição dos seus créditos (ex: anuidades vencidas, multas etc.) na dívida ativa com a cobrança dos mesmos pelo procedimento da execução fiscal, pagamento das suas dívidas judiciais mediante o procedimento de RPV ou precatórios;”[31] O Supremo Tribunal Federal no julgamento do mérito da ADI 1717 consolidou o entendimento de que os Conselhos de Fiscalização Profissional são autarquias federais com regime jurídico de direito publico, rechaçando a natureza jurídica de direito privada, pretendida no art. 58 da Lei 9.649/98, e ratificando o disposto nas leis instituidoras de muitos Conselhos de Fiscalização acerca da natureza autárquica dessas entidades.[32] Em relação a esse ponto, cabe apontar que a Ordem dos Advogados do Brasil, por conta das suas atividades finalísticas e importante papel no crescimento e fortalecimento do regime democrático brasileiro, segundo entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal, não se enquadra no conceito de autarquia federal, sendo afetado de natureza jurídica sui generis em relação aos Conselhos de Fiscalização.[33]  3.2 – A obrigatoriedade da contratação de advogados públicos mediante concurso público pelos Conselhos de Fiscalização As atividades de assessoramento, representação judicial e consultoria jurídica no âmbito das autarquias (dentre as quais se incluem os Conselhos de Fiscalização) devem ser feitas exclusivamente por membros efetivos de carreira. Como já sedimentado no Supremo Tribunal Federal, os procuradores autárquicos são considerados advogados públicos, por isso mesmo, deverão ser contratados mediante concurso público, sendo responsáveis pelas atividades jurídicas e judiciais no âmbito do ente público.[34] Em relação aos Conselhos de Fiscalização, a contratação dos seus servidores deve ser precedida de concurso público, sujeitando-se, portanto, ao art. 37, II, da CF, cuja obrigatoriedade foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal: “1) MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. ATO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. NATUREZA JURÍDICA. AUTARQUIA FEDERAL. ENTIDADES CRIADAS POR LEI. FISCALIZAÇÃO DE EXERCÍCIO PROFISSIONAL. ATIVIDADE TIPICAMENTE PÚBLICA. DEVER DE PRESTAR CONTAS. 2) EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO. ART. 37, II, DA CRFB. 3) DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. DECISÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO PROFERIDA MESES DEPOIS DA REALIZAÇÃO DA SELEÇÃO SIMPLIFICADA PELO IMPETRANTE. 4) SEGURANÇA DENEGADA. 5) EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PREJUDICADOS. 1. As autarquias, forma sob a qual atuam os conselhos de fiscalização profissional, que são criados por lei e possuem personalidade jurídica de direito público, exercendo uma atividade tipicamente pública, qual seja, a fiscalização do exercício profissional, é de rigor a obrigatoriedade da aplicação a eles da regra prevista no artigo 37, II, da CF/1988, quando da contratação de servidores. Precedentes (RE 539.224, Rel. Min. Luiz Fux, DJe18/6/2012). 2. In casu, o Acórdão nº 2.690/2009 do TCU determinou ao Conselho Federal de Medicina Veterinária que: “9.4.1. não admita pessoal sem a realização de prévio concurso público, ante o disposto no art. 37, inciso II, da Constituição Federal, e adote as medidas necessárias, no prazo de sessenta dias, a contar da ciência deste Acórdão, para a rescisão dos contratos ilegalmente firmados a partir de 18/5/2001;” 3. Segurança denegada”. (MS 28469, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 09/06/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-151 DIVULG 31-07-2015 PUBLIC 03-08-2015) “AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO ADMINISTRATIVO. CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO. EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO PARA A CONTRATAÇÃO DE SERVIDORES. PRECEDENTES. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se orienta no sentido de que os “conselhos de fiscalização profissional, posto autarquias criadas por lei e ostentando personalidade jurídica de direito público, exercendo atividade tipicamente pública, qual seja, a fiscalização do exercício profissional, submetem-se às regras encartadas no artigo 37, inciso II, da CF/88, quando da contratação de servidores” (RE 539.224, Rel. Min. Luiz Fux). Esta Corte, ao declarar a constitucionalidade do art. 79, caput e § 1º, da Lei nº 8.906/1994, ressaltou que a inaplicabilidade da regra constitucional do concurso público se restringe à Ordem dos Advogados do Brasil, não devendo o entendimento ser estendido aos demais órgãos ou conselhos de fiscalização profissional” (ADI 3.026, Rel. Min. Eros Grau). Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 539220 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 09/09/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-186 DIVULG 24-09-2014 PUBLIC 25-09-2014) “Mandado de segurança. Acórdãos do Tribunal de Contas da União. Conselho de fiscalização profissional. Concurso público. Observância do art. 37, II, da constituição federal. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal confere natureza autárquica aos conselhos de fiscalização profissional, fazendo sobre eles incidir a exigência do concurso público para a contratação de seus servidores. Precedente: RE 539.224, Rel. Min. Luiz Fux. 2. No caso, o processo de seleção realizado pelo impetrante atendeu aos requisitos do inciso II do art. 37 da Constituição Federal. Processo de seleção cujo edital foi amplamente divulgado, contendo critérios objetivos para definir os candidatos aprovados e suas respectivas classificações. 3. Mandado de segurança concedido”. (MS 26424, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 19/02/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-054 DIVULG 20-03-2013 PUBLIC 21-03-2013) O Tribunal de Contas da União também consolidou o entendimento sobre a obrigatoriedade do concurso público para a contratação dos empregados dos Conselhos de Fiscalização.[35] Especificamente em relação a contratação de advogados ou procuradores pelos Conselhos Profissionais, o Tribunal de Contas da União há muito tempo já assentou que as atividades de assessoria e consultoria jurídica, assim como a representação judicial, dessas autarquias deverá ser promovida por membros de carreira, admitidos por concurso público, vedando-se, assim, a nomeação de cargos comissionados ou a terceirização das atividades fins do Conselho.[36] “ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão Plenária ante as razões expostas pelo Relator, em: 9.1. conhecer da presente Representação, uma vez que atende aos requisitos de admissibilidade estabelecidos no art. 113, § 1º, da Lei n. 8.666/1993, c/c o art. 237, inciso VII, do Regimento Interno/TCU, para, no mérito, considerá-la parcialmente procedente; […] 9.5.1. exclua a possibilidade de contratação de advogado-sênior, com dez ou mais anos de experiência profissional, com disponibilidade de comparecimento a todas Sessões Plenárias do CRA/RJ e, eventualmente, à sede do Conselho para prestar consultoria jurídica diretamente ao Plenário e à Diretoria Executiva, uma vez que tal atividade deve ser exercida por advogado pertencente ao seu próprio quadro; […] A assessoria jurídica, mesmo que não constitua função precípua do Conselho Regional de Administração, como alegado pelo recorrente, é atividade essencial ao regular desenvolvimento das funções institucionais do Conselho, motivo porque a escolha de profissional devidamente habilitado por meio de concurso público seria a opção mais natural e que melhor se coadunaria com as disposições legais e jurisprudenciais atinentes. O TCU tem entendimento pacífico acerca da necessidade de realização de concurso público pelos conselhos profissionais para preenchimento de seus cargos funcionais, dada a natureza autárquica dessas entidades. Ademais, por meio do acórdão 628/2003 – Plenário, já registrou que o marco inicial dessa obrigatoriedade é a data de 18/05/2001, dia de publicação da decisão do Supremo Tribunal Federal – STF no MS 21.797-9, que tratou dessa questão.”[37] Como consequência lógica da contratação mediante concurso público, a dispensa dos empregados dos Conselhos de Fiscalização também deverá ser precedida de processo administrativo para apuração de justa causa ou falta grave, em razão da aplicação do art. 41 da Constituição Federal, conforme entendimento consolidado no Supremo Tribunal Federal: “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DEFICIÊNCIA NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM AS DIRETRIZES FIXADAS NO JULGAMENTO DO AI 791.292-QO-RG, (REL. MIN. GILMAR MENDES, TEMA 339). CONSELHOS DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. SERVIDORES. REGIME JURÍDICO. ESTABILIDADE. APLICABILIDADE DO ARTIGO 41 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DO ARTIGO 19 DO ADCT. DISPENSA IMOTIVADA. ILEGITIMIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. INDEFERIDO O PEDIDO DE APLICAÇÃO DE MULTA”. (RE 777207 AgR, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 23/02/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-044 DIVULG 08-03-2016 PUBLIC 09-03-2016) “Agravo regimental no recurso extraordinário. Conselhos de fiscalização profissional. Natureza de autarquia reconhecida por esta Suprema Corte. Precedentes. 1. O servidor de órgão de fiscalização profissional, cuja natureza jurídica é inegavelmente de autarquia federal, não pode ser demitido sem a prévia instauração de processo administrativo. 2. Inaplicabilidade, no caso, da Súmula Vinculante nº 10 desta Corte, porque não se declarou inconstitucionalidade de lei, tampouco se afastou sua incidência. 3. Agravo regimental não provido.” (RE 563820 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 10/04/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-091 DIVULG 09-05-2012 PUBLIC 10-05-2012)[38] O Tribunal Superior do Trabalho, em todas as suas Turmas e na SDI, alinhou o seu entendimento de acordo com os precedentes do Supremo Tribunal Federal: “AGRAVO DE INSTRUMENTO ADMISSIBILIDADE. CONSELHO PROFISSIONAL. NATUREZA JURÍDICA. DECISÕES REITERADAS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DIREITO À ESTABILIDADE PREVISTA NOS ARTIGOS 41 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E 19 DO ADCT. DISPENSA. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. 1. Impõe-se o provimento do Agravo de Instrumento ante a ocorrência de violação do artigo 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, como mero corolário da determinação e dos fundamentos expendidos pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal nos autos do Processo n.º AgR-RE-838.648-DF, que, negando provimento ao Agravo Regimental interposto pelo Conselho Regional de Contabilidade do Distrito Federal, manteve a decisão monocrática por meio da qual, reconhecendo-se o direito dos servidores não concursados à estabilidade prevista nos artigos 41 da Constituição da República e 19 do ADCT, foi determinada a remessa dos autos à Primeira Turma do TST para prosseguir no julgamento do Recurso de Revista. 2. Agravo de Instrumento provido para determinar o processamento do Recurso de Revista. RECURSO DE REVISTA CONSELHO PROFISSIONAL. NATUREZA JURÍDICA. DECISÕES REITERADAS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SERVIDORES NÃO CONCURSADOS. DIREITO À ESTABILIDADE PREVISTA NOS ARTIGOS 41 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E 19 DO ADCT. DISPENSA. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. 1. No presente caso, manifestou-se o Supremo Tribunal Federal, quando do exame do Recurso Extraordinário n.º RE-838.648-DF, mediante decisão monocrática da lavra do Exmo. Ministro Dias Toffoli, no sentido de que os conselhos de fiscalização de profissões revestem-se da natureza jurídica de autarquias federais, sendo patente o reconhecimento do direito dos servidores não concursados à estabilidade prevista nos artigos 41 da Constituição da República e 19 do ADCT. 2. Resulta afastado, daí, o fundamento de que se valera esta Primeira Turma para negar provimento ao Agravo de Instrumento interposto pelo reclamante, no sentido de que os empregados dos conselhos profissionais não têm direito à estabilidade assegurada nos artigos 41 da Constituição da República e 19 do ADCT. 3. Nesse contexto, resulta configurada a afronta ao artigo 19 do ADCT, considerando tratar-se de fato incontroverso que o reclamante ingressou, sem concurso público, nos quadros do Conselho Regional de Contabilidade do Distrito Federal em 20/7/1978, sendo demitido sem justo motivo em 28/6/2010. 4. Recurso de Revista conhecido e provido”. (RR – 1470-22.2011.5.10.0020 , Relator Desembargador Convocado: Marcelo Lamego Pertence, Data de Julgamento: 18/05/2016, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 20/05/2016) “RECURSO DE REVISTA. EMPREGADO PÚBLICO. ESTABILIDADE. ART. 41 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. NATUREZA JURÍDICA. AUTARQUIA 1. A declaração, mediante decisão proferida em recurso extraordinário nos presentes autos, de que o Reclamado, conselho de fiscalização profissional, tem natureza autárquica, sem distinção jurídica em relação às demais autarquias, atrai a incidência do entendimento da Súmula nº 390, I, do Tribunal Superior do Trabalho. 2. Recurso de revista do Reclamante de que se conhece e a que se dá provimento.” (RR – 375-16.2010.5.03.0107 , Relator Ministro: João Oreste Dalazen, Data de Julgamento: 30/03/2016, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 08/04/2016)[39] Embora exerçam empregos públicos, na medida em que são contratados sob o regime da CLT (pelo menos até o julgamento da ADC 16, ADPF 367 e ADI 5367), os advogados/procuradores dos Conselhos de Fiscalização devem ser contratados mediante concurso público e são detentores da estabilidade prevista no art. 41 da Constituição Federal, requisitos indispensáveis para o exercício de suas atividades profissionais com autonomia institucional e autonomia funcional.  3.3 – Prerrogativas processuais dos Advogados/Procuradores dos Conselhos de Fiscalização Os Conselhos de Fiscalização possuem todas as prerrogativas próprias da Fazenda Pública, como, imunidade tributária, capacidade processual ativa para propor ação civil pública, execução dos seus créditos pela via inscrição em dívida ativa e promoção da execução fiscal, identificação dos seus veículos como oficiais, utilização do domínio dos seus sites na extensão “.GOV” etc. Em razão disso, os advogados/procuradores dos Conselhos de Fiscalização possuem todas as prerrogativas processuais próprias de advogados públicos, especialmente aquelas previstas nos arts. 182 a 184 do CPC: “a) Competência privativa para a defesa e promoção dos interesses públicos da autarquia, por meio de representação judicial, em todos os âmbitos federativos (art. 182, CPC); b) prazo em dobro para as manifestações processuais, com início à partir da intimação pessoal do advogado/procurador do Conselho (art. 183, CPC);[40] c) intimação pessoal por carga, remessa ou meio eletrônico (§ 1º, art. 183, CPC); d) percepção de honorários advocatícios sucumbenciais (§ 19, art. 85, CPC); etc.” Todas as garantias e prerrogativas dos advogados públicos das esferas federais, estaduais e municipais também são extensíveis aos advogados/procuradores dos Conselhos de Fiscalização Profissional, sob pena de sérios e irreversíveis prejuízos à representação processual dessas autarquias.  3.4 – Do reconhecimento pela OAB/Federal de que os Advogados/Procuradores dos Conselhos de Fiscalização são advogados públicos. Recentemente, em 14 de fevereiro de 2016, em razão das reiteradas violações às prerrogativas dos advogados/procuradores dos Conselhos de Fiscalização, assim como a atuação da Associação Nacional dos Advogados e Procuradores das Ordens e Conselhos de Fiscalização, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia firmaram compromisso pelo cumprimento das prerrogativas da advocacia[41] Um dos fundamentos determinantes para a celebração do termo de compromisso está apontado consagrado no “CONSIDERANDO a natureza de Autarquia federal do CONFEA, bem como na existência de quadro de advogados públicos que fazem jus a honorários advocatícios sucumbenciais”. No documento, restou consolidado que os membros da Procuradoria do Sistema CONFEA/CREAs terão direito aos honorários advocatícios sucumbenciais, como consignado no § 19 do art. 85 do CPC. Houve, também o reconhecimento de que os advogados públicos que atuam na Procuradoria do Sistema CONFEA/CREAs estão excluídos do controle de ponto e registro de frequência, como consignado na Súmula 9 do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (Comissão da Advocacia Pública, no sentido de que o controle de ponto é incompatível com as atividades do advogado público, cuja atividade intelectual exige flexibilidade de horário). Trata-se, na verdade, de importante precedente para o reconhecimento definitivo de que os advogados/procuradores efetivos de carreira, concursados, são membros da advocacia pública, que no dia-a-dia, no desempenho de suas funções, atuam em expedientes próprios da Advocacia Estatal, como pareceres em licitações, processos administrativos, processos administrativos disciplinares, controle da dívida ativa, e outros expedientes relacionados ao controle interno da legalidade e interesse público. 3.5 – Do reconhecimento pelo Ministério Público Federal de que os advogados/procuradores dos Conselhos de Fiscalização são integrantes da advocacia pública. O Ministério Público Federal de São Paulo em diversas oportunidades reconheceu que os advogados/procuradores dos Conselhos de Fiscalização, em razão da natureza das suas atividades, são integrantes da Advocacia Pública. Segundo notícia de 27/09/2013, no site do Ministério Público Federal de São Paulo, foi feita recomendação ao Conselho Regional de Biomedicina da 1ª Região/SP para a contratação de advogados por concurso público, consignando que:  “A atividade de advocacia pública de uma autarquia é uma atividade permanente, indispensável para o regular funcionamento do conselho, e a decisão do CRBM-1 está em desacordo com diversas normas da Lei nº 9.784/1999, que regula o processo administrativo da Administração Pública Federal, que é aplicável aos Conselhos Regionais de Fiscalização Profissional, dada a sua natureza jurídica de autarquia federal” Em outra oportunidade, nos autos do Procedimento Preparatório nº 1.34.001.00544/2016-63, na Recomendação MPF nº 68/2016, ficou consolidado que: “CONSIDERANDO que a atividade de advocacia pública, inerente à representação judicial e extrajudicial de Autarquia é inequivocamente uma atividade permanente, indispensável para o regular funcionamento do Conselho de fiscalização profissional;” O reconhecimento da natureza de autarquia federal dos Conselhos de Fiscalização, bem como da importância da atuação dos advogados/procuradores dos Conselhos de Fiscalização como Advogados Públicos já está consolidada no âmbito da jurisprudência dos Tribunais Superiores, do Tribunal de Contas, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e do Ministério Público Federal. 4. CONCLUSÃO O Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento de que os Conselhos de Fiscalização são autarquias federais, com regime de direito público, delegatários do poder de polícia de disciplina, normatização e fiscalização das respectivas profissões, bem como da capacidade tributária na arrecadação e gestão das receitas públicas oriundas das anuidades. Como decorrência lógica do seu regime jurídico de autarquia federal, sujeitam-se aos princípios constitucionais relacionados à Administração Pública, especialmente aqueles contidos no caput do art. 37 da CF, bem como devem contratar os seus servidores quando aprovados previamente em concurso público, segundo disposição contida no art. 37, II, da Constituição Federal. Suas contratações, como regra, devem ser precedidas do competente processo licitatório, sujeitando-se, ainda ao controle externo do Tribunal de Contas da União. Com isso, os advogados/procuradores que atuam nos Conselhos de Fiscalização devem ser contratados mediante concurso público e as suas atividades são tipicamente de advocacia pública, na medida em que são responsáveis pela representação judicial e extrajudicial dos Conselhos. Para o regular desempenho das suas atividades na qualidade de advogados públicos, a eles devem ser estendidas todas as prerrogativas e garantias próprias e indispensáveis da Advocacia Pública, especialmente a independência funcional, para que o interesse público da entidade autárquica não seja comprometido em razão de ingerência dos eventuais maus gestores dos Conselhos de Fiscalização.
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O papel do terceiro setor no caráter dirigente da Constituição brasileira
O texto trata do caráter dirigente da constituição federativa brasileira, percorrendo  fundamentação teórica que dá suporte a esse atributo, problematizando a questão da eficiência desse dirigismo no tocante a direitos sociais fundamentais. Contextualiza-se esse dirigismo e suas vicissitudes ante a liquidez dos tempos atuais e à luz do influxo neoliberalizante. Por fim, busca-se entender como o terceiro setor se situa nesse contexto, analisando criticamente qual papel nele exerce e qual deveria exercer em ordem a se acoplar ao dirigismo constitucional.
Direito Administrativo
1. O problema do dirigismo constitucional eficiente . Um problema que permanece atual e digno de observação refere-se ao dirigismo constitucional. Não há dúvidas quanto ao caráter dirigente da Constituição brasileira (vide arts. 1º, 3º e art. 170 da Constituição Federal Brasileira) . Ao enfeixar inúmeros princípios e normas relativos à ordem econômica e social, põe-se então a questão de como concretizar os direitos erigidos a partir dessa direção normativa. Na atualidade, questiona-se de que forma o Estado pode instrumentalizar a declarada força normativa. Discute-se um suposto esvaziamento dessa força normativa.  Em paralelo, há outro fenômeno: o fortalecimento do terceiro setor, como alternativa de governança. O presente artigo pretende seaterno papel no terceiro setor e em sua relação com o dirigismo constitucional. É preciso, de logo, observar que a Constituição não constitui nada por si só, segundo o ensinamento de Härbele (HARBELE, 1997), no contexto de sua teoria cognominada “sociedade aberta da constituição“. A constituição se funda, pois, na memória do passado, abrindo-se para o presente e tendo como horizonte as promessas do porvir. O parâmetro atual de constitucionalidade transpõe os limites do que se convencionou chamar “Law in the books”, passando a problematizar a concretização dos direitos traçados nos escritos normativos. Seria o “Law in the action” em contraposição às meras vontades político-partidárias, a Lex mercatória e outros padrões sectários. Não se deixa de reconhecerque esse dirigismo se mostra por vezes insuficiente. Contudo, mais do que uma observação do presente , o dirigismo se mostra necessário na medida em que a constituição tem como finalidade inerente a construção de uma sociedade solidária, livre e justa. Sem uma força normativa conducente à concretização de direitos fundamentais, a leitura constitucional se resume a uma novela excessivamente analítica nos dizeres de Giovanni Sartori (SARTORI, 1996). É o que postula o paradigma de Dworkin (DWORKIN, 1984, P. 153), quando afirma que os direitos fundamentais são otrunfo com maior potencial libertário e transformador. Loweinstein (LOWEINSTEIN, 1976), de seu turno, aponta para as consequências de um abismo entre texto e realidade. Para ele tal descompasso gera alijamento da comunidade. O sentido constitucional, que também foi adotado no Brasil, é de que deve haver uma interpretação aberta plural, através da qual a sociedade se compreenda na constituição. É irrefragável que essa perspectiva abre veredas para o reconhecimento do protagonismo do terceiro setor na persecução de valores constitucionalmente garantidos. Na verdade, a referida perspectiva vai além do escólio de Lassalle (LASSALLE, 1998). Este, ao afirmar o caráter basilar da constituição em relação à lei, a definia como a soma dos fatores reais de poder. Hesse(HESSE, 1991) – em crítica a Lassale – chegou a obtemperar que o seu pensamento importaria numa negação da própria idéia de direção da constituição. Parece-nos que a perspectiva contemporânea, ao menos no campo prescritivo, contempla preferencialmente um sentido de participação geral. O que se observa do referido dirigismo – em diálogo com a teoria de Haberle – é que existe uma pretensão de eficácia diretiva, ainda que haja o reconhecimento de seus limites fáticos. Essa busca pela concretização normativa se afirmaria sobre vontade do poder. É importante pontuar que Hesse veio a concordar com Lassale num ponto: deve haver a necessária compatibilidade da regra fundamental com a natureza do presente. Extrai-se do contexto histórico-teórico que haveria uma vontade da constituição. Ela que se desdobraria no seguinte: 1) Necessidade /valor de uma norma superior contra o arbítrio; 2) Constante processo de legitimação; 3) Eficácia SÓ com concurso da vontade humana. A par dos referidos caracteres, haveria a necessidade de internalizar o valor de efetividade ao texto constitucional. Para tanto, Lowenstein usa a eficaz metáfora da roupa. É preciso “vestir a roupa constitucional”, o que também se convencionou chamar sentimento constitucional. Dessa linha, se cunhou a seguinte classificação: 1) constituição normativa, que seria aquela em simbiose com a comunidade; 2) constituição semântica, a qual apenas formalizaria poder arbitrário e autoritário e 3) constituição nominal, sendo aquela que, por muito avançada, não éde facto praticada.    Segundo entendimento majoritário, a constituição brasileira se encaixaria nessa ideia de constituição nominal, daí porque remanesce a problemática de concretização das normas lá previstas. Especialmente permanece a questão de como realmente converter a extração danorma constitucional em politicas públicas. Para Miguel Calmon Dantas (DANTAS, 2009) a constituição brasileira é deveras tardia. Questionamos se realmente seria tardia a constituição ou o chamado “direito pressuposto“. (GRAU, 2000) O direito pressuposto, como conjunto de princípios gerais de cada Direito, é construído historicamente em cada sociedade e compondo cada sistema. Jellinek (JELLINEK, 2000) já buscara compreender o fluxo da força dos fatos para a norma, sendo importante observar que muita da nossa dificuldade em fazer concretizar o direito posto decorre justamente da “importação” de legislação completamente desafinada com os antecedentes históricos próprios da nossa sociedade. Muitas vezes por imposições políticas. Sem se fiar no exemplo brasileiro, Hesse (1991) já questionara até que ponto o dirigismo constitucionalmotiva a conduta.Observa-se, por exemplo, que o Estado liberal tem por principio uma constituição não vinculante. A constituição brasileira abraçou uma postura claramente conciliatória entre o capital e o social logo após ditadura militar. Nesta empreitada, sofreu criticas por uma suposta carência de identidade política. Enquanto carta política, a imberbe constituição brasileira teria ficado num limbo entre chancelar o poder econômico mais liberal e a proteção de inúmeros direitos e princípios sociais. Essa conciliação, para alguns, teria se vertido numa negação de ambos os vieses fazendo com que perdesse efetividade normativa. Parece-nos que essa foi a escolha que de fato espelhou o avanço possível diante das relações de poder vigentes no momento de sua elaboração.O melhor pacto social que contemplasse a alteridade. (ROSENFELD, 2003) Em rebote, há coerência nos críticos da conciliação quando afirmam que, sendo dirigente, não deveria a (então) nova constituição se limitar ao projeto possível. Haveria de dar suporte a um projeto definido e ser ela própria o norte desse projeto. Essa perplexidade quanto à normatividade, ganhou contornos particulares na medida em que o constitucionalismo moderno tendeu a aceitar um Dever jurídico de concretização. Esse dever se expressaria no controle das políticas publicas, na aplicação constante do sentimento constitucional, na integração de omissões, no implemento dos conteúdos programáticos, que culminou na constitucionalização da politica e da administração pública. Dirley Cunha (CUNHA JÚNIOR, 2004) afirma que haveria duas dimensões em relação a esse dever jurídico: 1) subjetiva ,consistente numa pretensão jurídica em face do Estado e 2) objetiva, consistente num deverque pauta a própria atuação estado. Conquanto estes fundamentos sejam amplamente aceitos, o que se observa no presente é na verdade uma perdada ideia do porvir. Ou seja, perde-se o alcance e a confiança de que há a luz no fim do túnel, a ser atingido mediante a direção dada pela constituição. Bauman (BAUMAN, 2007a) fez a leitura de que a base para todas as escolhas se tornou líquida. Formas fluidas, múltiplas identidades, derretimento de parâmetros que se expandem para todos os microcosmos. Isto é espelhado na preferencia pelo trabalho especializado e instituições fragmentadas.Nesse contexto que o terceiro setor passa a ser parte relevante da questão normativa constitucional. Como se verá adiante, questionada a amplitude e importância do Estado, atrai-se para o campo constitucional a analise do papel do terceiro setor. Esse momento se identifica com a reforma do Estado proposta por Bresser Pereira no inicio da década de 90(BRESSER PEREIRA, 1995).  2. Dirigismo constitucional no contexto atual. O fato é que o dirigismo constitucional sofreu pressão. Era de se esperar que esse paradigma visse suas bases enfraquecidas, na medida em que o projeto de direção constitucional se fundou intensamente na atividade estatal. No livro fruta proibida, Juan Ramon Capella (CAPELLA, 2006) defende que o poder viveria um deslocamento da esfera estatal – dos estados países – para um Soberano Privado difuso, em que um grupo não centralizado, não formalmente estabelecido, centralizaria o poder, controlando politicamente os estados devedores através do seu poder econômico. Em paralelo, o tempose mostrainstantâneo – vide internet – e a globalização praticamente abole as distâncias, permitindo que essa esfera de poder se consolide. Piketty (PIKETTY, 2014) observa que a Europa está pesadamente endividada e empobrecida, enquanto os ricos desses mesmos países são seus credores, obtendo crescente fortuna e capilarizando seu poder político. Ventila Capella(2006) que estaríamos vivenciando uma Terceira revolução industrial por intermédio de fenômenos como: 1) – outsource, que seria a prática, pelas grandes corporações, de turismo laboral pra regiões onde as condições de mão de obra são ais favoráveis ao negócio; 2) a financeirização da economia, fazendo migrar o investimento de atividades produtivas para ativos financeiros; 3) intensa computação-robotização e 4) imaterialidade de produtos, sendo esta a valorização da produtividade criativa, da elaboração de marcas acompanhada de terceirização das linhas de produção. Nesse contexto, haveria uma mundializaçao da pobreza, que teria alçado o neoliberalismo à condição desolução única, com todo seu pacto de austeridade, especialmente no tocante à restrição da máquina administrativa estatal. Nas relações de trabalho vigeria o regime “salve-se quem puder”, conduzido pelo sentido de liquidez. Haveria o surgimento de movimentos temáticos fragmentados. Neste ponto, observa-se que o terceiro setor é guindado a ator central do atual quadro politico social. Torna-se comum ONGs de abrangência internacional, atuando em diferentes frentes espalhadas no globo, problematizando especificamente questões relativas ao seu objeto e, por vezes, sendo acusadas de serem veículos sub-reptícios de interferência estatal externa. Por tal motivo, há certa percepção de que ele integra a construção de um modelo de governança mais voltado para austeridade neoliberal.  Sua atuação estaria intimamente ligada à construção privada de politicas publicas com estimulo e chancela do Estado, mais se aproximando da lógica privada, da Lex mercatória. Ou seja, apareceria num contexto de desoficialização de políticas públicas, de “derecho deprimido” no vocábulo de Capella. Não se quer dizer que o terceiro setor já não existisse, mas cumpre situar que muito de seu atual protagonismo vem da crescente função que lhe é atribuída: a de materializar preceitos dirigidos constitucionalmente. Nesse ambiente globalizado,há uma preferência pelo direito contratual procedimental, assim como pelodireito de engenharia financeira. Essas balizas guardam interação com o intuito de implantar a austeridade financeira, guindando essa prática à condição de valor primordial. Não só isso, expressa a crença num automático ganho de efetividade com a promoção de direitos através de relações negociais com o terceiro setor. Toma-se isto como premissa para a finalidade primordial, que seria otimização de performance na implementação de políticas. A transformação se completa num controle de fora para dentro do Estado, o qual operaria das seguintes formas: 1) austeridade de cunho liberal passa a influenciar a oferta e operacionalização daspolíticas públicas; 2) regras internacionais e de propriedade imaterial passam a limitar e balizar as políticas internas; 3) normalização técnica (internacional) passa a ter eficácia prescritiva em grau equivalente ao direito interno; 4) há acordo de repartição de mercados, influenciando a atuação do terceiro setor no passo em que se considera mais eficiente lhe atribuiratividades antes exclusivamente estatais; 5) entende-se que sistemas auto reguláveis –como no caso da cibernética – são mais eficazes. No Brasil, sob o seio da globalização, o que se vivencia hoje é uma Crise política calcada na falta de direção e objetivo de ação. É licito questionar se a fragmentariedade ínsita ao momento, e típica da atuação do terceiro setor, contribui realmente à concretização da lei fundamental -especialmente, no que ela projeta para porvir. Cabe investigar se a constituição realmente se materializa através de serviços e atividades prestados por estes atores sociais. Observa-se um forte movimento no sentido de negar a política àexemplo do que ocorreu na ultima eleição americana e que vem ocorrendo no Brasil. Há aguda critica de Morin (MORIN, 1997) a essa despolitização, sob o entendimento de que a constituição é uma Carta política, por isso tem um sentido inerente de escolha política.  A negação da politica perpassaria a negação de que há escolhas quanto ao que vai ser praticado pelo Estado. Essa negação importaria em negar as próprias escolhas das politicas públicas e, em seguida, nega-las elas próprias. Por fim, se estaria negando o próprio contrato social ínsito à relação Estado – sociedade. Aventou-se anteriormente que nossa constituição fez uma escolha conciliatória, a qual albergou o “capitalismo”, o “lucro” e a “atividade produtiva”. Ao lado disso, foi clara num dirigismo textualmente direcionado ao estado social. Diante do que alguns entendem por conflito interno, calha avaliar o que Canotilho chamou “constitucionalismo moralmente reflexivo”.(CANOTILHO, 2004) Esse “constitucionalismo” haveria de ser reflexivo o bastante para resistir a duas unilateralidades: 1) sobrecarga duma metanarrativa fundada numa utopia do sujeito e da razão emancipatória; 2) razão cínica tecnocrática/econômica que rejeita moralmente os pactos de fundação ordem constitucional. Observe-se que a primeira metanarrativa se afina com a parcela da constituição brasileira que tem uma índole social. De outro turno, as chamadas razões tecnocráticas (a exemplo da reponsabilidade fiscal, equilíbrio atuarial, reserva financeira do possível etc.) são comumente invocadas pelo poder econômico quando enfocam o custo social e o tamanho da máquina estatal para justificar o enxugamento de politicas sociais. Esse “constitucionalismo moralmente reflexivo” de Canotilho aconselha a abertura à globalização, sem se afastar do intento à mudança. Esse pensamento estaria dividido em quatro contratos globais: 1) necessidades globais, 2) contrato cultural, 3) contrato planetário, 3) contrato democrático. Ou seja, esses contratos estariam relacionados à sustentabilidade, expansão da democracia,tolerância, etc. Observe-se :para cada uma dessas temáticas, há instituições curadoras afins que atuam no terceiro setor.  Miguel Calmon Dantas (2009), por sua vez, critica qualquer esvaziamento da força normativa constitucional, o classificando como mercantilização da política, típico dos influxos neoliberais dos últimos anos. É de fácil observação que hoje se apresenta uma dicotomia entre uma Nova utopia critica (com sentido comunitário )versuso neoliberalismo irrompido nos EUA  Grã Bretanha na década de 80, sendo praticado no Brasil na década de 90.Mesmo na primeira década dos anos 2000, com algumas mudanças conjunturais em termos de política econômicas, algumas marcas neoliberais remanesceram indeléveis, especialmente no tocante à “responsabilidade fiscal”, contingenciando a conjuntura que se propagou até a séria crise política de 2013/2014. Ainda assim, Emir Sader (nota e referencia) chega a falar num Pós neoliberalismo, mais num tom de defesa que de constatação. Nessa linha,prediz uma desmercantilização das relações, universalização de direitos, extensão da cidadania em todas as suas formas, criação e fortalecimento da esfera pública. Feito esse preambulo teórico, cabe afunilar o estudo em torno do protagonismo do terceiro setor, especialmente daquela parcela ligada às empresas, ou seja, vinculada à lógica e organização mercantil. 3. Dirigismo e terceiro setor na atualidade- uma visão crítica. Hodiernamente, ao se debruçar sobre as politicas publicas e à governança pública, tem-se o terceiro setor como um dos alicerces. Há toda uma teorização em redor do papel exercido por essa classe de atores. Do que se falou na primeira parte deste texto, já se observa que esse protagonismo envereda por vieses distintos. Esboça-se que o “terceiro setor” funcionaria como alternativa a uma constatação apriorística de que o Estado não detém todos meios para concretizar direitos e princípios previstos na constitucional. Há idéias contra hegemônicas à realidade neoliberal que, nos dizeres de Maria Paoli(SANTOS et alli, 2002), traçam “possibilidades para criação de espaço filantrópico organizado por empresários nacionais e multinacionais,como ação civil voluntaria referenciada a uma nova percepção de responsabilidade social diante das múltiplas carências da imensa e ampliada população pobre do pais”. Hannah Arendt(ARENDT, 1998)identifica que esse tipo de ação se fundaria num sentido público para um mundo comum, mais do que na simples virtuosidade dessas instituições e das pessoas a elas ligadas. Este sentido público surgiria de noções mais fortalecidas de cidadania e direitos, criando uma “esfera de todos“ apartada de decisões particularistas. A isto, Emir Sader deu o nome “esfera pública”. Paoli tem uma perspectiva particular no que toca ao protagonismo desse terceiro setor. Segundo ela, as políticas Neoliberais oportunizam crescente exclusão social, o que passa a demandar maiores imperativos de justiça social. Haveria então um extravasamento de mazelas que apela ao ativismo social, este sentido de “solidariedade” diante de um Estado esvaziado e devedor.  A estudiosa faz uma observação que é interessante: o sentimento de autossuficiência das elites e sedução das classes médias pela relativa estabilidade monetária reforça o paradigma do individualismo democrático. Isto é especialmente perceptível no Brasil, em que ainda há uma forte memória inflacionária. Ela então obtempera que as ONGs, e entidades afins, passam a representar algumas das demandas oriundas do alijamento popular. Assim, estas entidades assumem um locus que seria constitucionalmente do Estado e que por ele não é ocupado dado o predomínio da concepção liberalizante. Surgiria a idéia emergente de uma “sociedade civil” com novos compromissos partilhados entre cidadãos, governo e organizações. Este seria o contexto einserção da empresa.É interessante a explanação de Paoli, já que muito do protagonismo do terceiro setor é explicado como um “artefato neoliberalizante” no sentido da auto desresponsabilização estatal. Esse paradigma se abebera na concepção de terceira via de Giddens (GIDDENS, 1998), que no Brasil foi abraçada por Bresser Pereira quando formulou a já citada reforma do estado brasileiro, na década de 90, desintegrando inúmeros mecanismos da burocracia então vigente. Giddens (1998) conceituou essa terceira via “como estrutura de pensamento e de prática politica que visa a adaptar a social democracia (…) é uma terceira via no sentido de que é a tentativa de transcender tanto a social democracia do velho estilo quanto o neoliberalismo”. Sem assumir-se neoliberal, a terceira via contribuiu para desativação de estruturas estatais, o que no Brasil chegou a ser inquinado de “desmonte do estado”. A grande virtude de o terceiro setor ocupar esse espaço, antes estatal, seria a resolução de problemas baseada na generalização de competências civis descentralizadas. Ou seja, significaria a busca de soluções através do ativismo civil voluntario em localidades especificas.Neste ponto de partida, já se antevê fortes críticas. Primeiramente, já se põe em questãooproblema de escala. Num pais como o Brasil, com um passivo de problemas sociais de dimensão continental e de acúmulo histórico, é muito difícil acreditar que a soma descoordenada de esforços locais é capaz de demonstrar transformações reais.  Há quem diga que esse ativismo social não passaria de “Wishfulthinking”, por se tratar duma ideia dissociada de nossa tradição cultural. A crítica parte da compreensão que nosso contextosócio-políticodifere em alto grau dos antecedentesde outros países como EUA e Grã Bretanha, onde se formulou uma teoria do terceiro setor. De fato, no Brasil, é historicamente problemática a proposição de modelos estrangeiros sem a crítica e adaptação necessárias. Em nosso ordenamento e nos modelos de gestão é cediço identificar a deturpação de modelos bem sucedidos alhures, os quais- aqui-tendemao insucesso debitado a uma suposta má aplicação.  O próprio Giddens já observou que em países como EUA e Grã Bretanha houve sucesso do Welfare antes de crise que culminou na sua substituição por novas formatações de “enxugamento“ do Estado. Nesses países, esse “enxugamento”se limitou a algumas medidas de austeridade,uma vez que neles já havia bases e princípios de um“estado de investimento social“. Não se ouviu falar, por exemplo, que Reagan seriamente tenha proposto a privatização integral do ensino fundamental e médio nos EUA. No Brasil, a educação é um direito de extração constitucional, mas apenas engatinha para uma eficácia ampla qualitativa. Bresser acaba por elaborar uma adaptação da teoria de Giddens em face da ausência de identidade entre países, quando conceitua a ação do terceiro setor da seguinte forma: ação solidária privada para “execução de serviços sociais” ou “compromisso com igualdade social possível“. Observa-se que reforma de Bresser Pereira acabou, focando na diminuição dos custos máquina estatal, daí inclusive ter sido apelidada de “desmantelamento do estado”. Para se entender, então, a participação do terceiro setor no dirigismo constitucional é precisodivisar alguns aspectos de sua evolução no Brasil. As chamadasações sociais responsáveis, quando eficientes, são muitas vezes propostas pelos programas de solidariedade social empresarial, o queaponta para tensões e ambivalências, já que a finalidade primária da empresas apoiadoras não é necessariamente garantir direitos fundamentais . Em contrapartida, a evolução do terceiro setor desvela a aproximação da velha filantropia, por vezes puramente prestacional, à noção de cidadania, de interação “solidária”. Essa “consciência de cidadania” significaria uma maior responsabilidade sobre a base social da vida pública.É oportuno observar que as ações de terceiro setor, apoiadas por empresas ensejam certa adaptação às formas do lucro empresarial, provocando um emparelhamento com discurso neoliberal de iniciativa individual, eficiência privada e burocratismo estatal. Será que essa lógica seria suficiente para abarcar todo bloco de constitucionalidadeque se pretende ver dirigindo as relações sociais ? Como conciliar a feição conciliatória da constituição a esse predomínio de paradigma? O mínimo existencial direito à saúde com a necessidade de ordenar custos e garantir excedente? A desigualdade precedente no Brasil cria a tendência ao Apartheid social, o que Paoli chama de “dessocialização da economia”, sem possibilidade de participação efetiva de todos os setores da coletividade. Essa abordagem é interessante porque pari passu a esta proposta de Privatização da esfera pública tomou corpo, desde a década de 90 do século XX,a publicização dos interesses privados no sentido de ressignificar todo e qualquer direito à luz da Constituição. Esse protagonismo do terceiro setor, como explana Paoli (SANTOS et alli, 2002), estaria baseado na “Criatividade social dos atingidos” e na “cultura do altruísmo” apoiada no modelo de gestão empresarial. Essa acepção não fica imune à desconfiança quanto à capacidade de tais atingidos encontrarem “soluções”, assim comohá dúvidas se as pessoas e ,sobretudo as empresas,tendem realmente a essa cultura do altruísmo. De fato, há uma aparente contradição em assumir que o terceiro setor será capaz de fomentar uma cultura do altruísmo e, no mesmo tempo, concretizar políticas públicas com eficiência “empresarial”, utilizando padrões individualistas. A ideia talvez é que o modo fosse “empresarial“, no sentido de ser eficiente e o fim fosse o beneficio da coletividade ao invés do lucro.Contudo, essa explicação também não parece ultrapassar a ambiguidade.   Há talvez um aspecto que explique melhor o protagonismo do terceiro setor, que é a capacidade de atrair investimentos privados sob a contrapartida de transferência duma imagem institucional positiva. Talvez seja este o ponto de toque, ao se levar em conta que a maioria das entidades bem sucedidas foi criada por empresas. Exemplo disso é a Fundação Odebretch. O fundamento de fundo seria a vantagem de um capitalismo civilizado. Este capitalismo repaginado teria uma especial instrumentalidade para controle do espaço mercantil e social, através de signos valorativos da ética da doação. Um exemplo desse fenômeno seria a chegada de uma multinacional para competir no mercado interno. Seu apoio ao terceiro setor removeria objeções e limites à entrada competitiva. Igualmente proporcionaria serviços sociais voltados a direitos constitucionais. Outro ponto seria a agregação de valor à marca. O valor agregado em razão do estimulo ao terceiro setor se revestiria em verdadeiros produtos paralelos para acionistas e consumidores. Isso se evidencia a partir da observação de que as empresas apoiadoras costumam alocar esses custos no seu orçamento de marketing (sob a rubrica “Marketing social“) quando não institui fundação própria. Muito embora o investimento privado seja a maior das promessas ao desenvolvimento do terceiro setor , há ainda o argumento de que a lógica da eficiência privada criaria uma “tecnologia da cidadania”. Paoli (SANTOS et alli, 2002) relata esse aspecto. O terceiro setor progressivamente se coordena, tendo já formulado indicadores para ganho e acreditação de qualidade[1]. A idéia subjacente é que um terceiro setor altamente especializado poderia gerar maiores ganhos de eficiência, que sendo mais flexível que o Estado em termos de gestão, poderia alcançar melhores resultados até mesmo no tocante a bens e direitos primariamente atribuídos ao ente estatal. A vantagem comparativa haveria de ser esta. A mera descentralização de atividades estatais,as deslocando para o terceiro setor, por si só não apresenta ganho de resultados. Exatamente por isso, a criação dos contratos de gestão para serviços públicos[2] chegou a ser duramente criticada no Brasil, oportunidade em que se apontou que sua serventia única seria diminuir controles sobre dinheiro público transferido a Organizações Sociais e OSCIPs [3](nota ),culminando com a profusão dessas entidades, unicamente voltadas a proporcionar toda sorte de fluxo ilegal de capitais. Enfim, haveria desvio de finalidade. Esta crítica resta reforçada quando as tais “tecnologias de gestão empresarial “,que seriam o trunfo do terceiro, não se mostram garantidoras da acreditação conferida. Paoli reporta o caso do selo Abrinq, que na prática não se mostrou suficiente a garantir o compromisso contra a escravidão infantil. Neste ponto avulta o imediatismo empresarial que demonstra certa limitação do terceiro setor na concretização de interesses públicos de extração constitucional, quando encampados em parceria com Na participação do terceiro setor, em muitos casos faltaria uma exigibilidade mais densa. Ninguém é obrigado a constituir uma ONG para tratar de determinada demanda de saúde constitucionalmente garantida. No caso do Estado, dele é exigível inclusive pela via judicial determinado tratamento necessário. Não se quer aqui discutir a judicialização dos direitos, que merece estudo próprio, mas é de se perguntar se o protagonismo do setor terceiro lhe transfere essa exigibilidade típica ao Estado. Quando o Estado é demandado para garantir determinado tratamento, pode fazê-lo através das relações travadas com terceiro setor, mas ele é responsável primário por garantir tal bem por competência traçada na constituição. Tal assertiva tem aparência de uma platitude, mas deveria ter especial atenção. Isto porque atualmente o que se observa é que se projeta no terceiro setor a solução para todas as vicissitudes do modelo keynesianos, assim como para o recrudescimento da austeridade neoliberal. Seja por otimismo excessivo ou por um maquiavélico desvencilhamento de responsabilidades, de fato há uma interpretação segundo a qual o terceiro setor resolveria todo e qualquer problema através de artefatos e lógicas empresariais.  É preciso ter em conta que o Espaço público no qual se baseia a atividade das ONGs e afins só se forma quando socialmente desiguais se encontram como atores equivalentes, ainda que assimétricos, para reflexões, deliberações e debates.Por mais inovadora e gregária, concordamos com Paoli (2002) quando ela afirma que a atuação do terceiro setor ,contraditoriamente, retira da arena política e pública alguns conflitos distributivos e a demanda coletiva por cidadania a igualdade.  Uma excessiva submissão da lógica de gestão privada rompe com a correlação necessidade–direitose afasta o cidadão participativo. Necessariamente o que será interessante a uma empresa apoiar não será o que determinada parcela da coletividade precisa. Eventualmente não haverá interesse na criação de ONGs especializadas em atividades de cujas parcerias o Estado é carente. No âmbito privado não é possível deixar de contemplar a liberdade de associação e atividade. Com isso não se requer reforçar de forma categórica oque se convencionava chamar luta de classes. Dussel (DUSSEL, 2012) de certa forma já ultrapassou esse conceito quando expressou que atransformação seria possível pela consciência do contraste. Mais do que a luta de classes, é necessária e efetiva essa consciência. A ideia de Estado como ente representativo será sempre necessária para compreensão do contraste, do direito que lhe é garantido, que lhe falta, e, em seguida, postulá-lo. É importante, ademais, que o conceito de “Sociedade civil” não se confunda com a  forma de ONGs, como vem acontecendo. Isto reduz por demais o conceito de sociedade civil, haja vista que não necessariamente as ONGs contam com ampla legitimidade. Em alguns casos, pelo contrário, podem serinstrumentalizadas para politicas excludentes, quando não utilizada para fins desviantes. (2002). A projeção excessiva do terceiro setor, como resposta à ineficiência das políticas estatais, tende a restringir alternativas para concretização dos direitos fundamentais objetivados. Esse tipo de projeção enfraquece a discussão politizadora que aproxime as pessoas (voluntários) das ações governamentais e das políticas públicas (dispowerment). Em certa medida afasta importante parcela da esfera pública, desmobilizando contingente participativo que poderia contribuir para o próprio terceiro setor. Não se pode esperar que a ação empresarial se modifique, de um dia para o outro,em relação ao Estado. Continuará a laborar no aspecto do lobby de interesses financeiros e econômicos, e isso necessariamente não é daninho, diga-se de passagem. Tampouco parece proveitoso mitigar a importância do Estado na formulação de políticas, exacerbando o  argumento da eficiência privada. A não ser que o discurso de terceira via apenas se preste a reforçar a austeridade pouco reflexiva. Quando se fala pouco reflexiva, é porque neste caso, a austeridade excessiva importará em evidente escolha por minorar a concretização de direitos constitucionais e boa parte de seu próprio dirigismo. Ainda, haveria um claro distanciamento do conceito defendido por Giddens (1998).  Decerto que as politicas públicas praticadas pelo terceiro setor são criticadas com menos virulência, na medida em que são entendidas como liberalidades, mesmo quando feitas em parceria com Estado. Em contrapartida, nos últimos anos, observou-se em relação às politicas públicas estatais uma avaliação muito mais rígida- muitas vezes exagerada – no tocante à sua pertinência,eficiência, economicidade. Temos como exemplo programas sociais como “Bolsa família”, “Minha casa minha vida”, dentre outros. Aparentemente, isto já revela adesão um tanto exagerada a valores empresarias numa seara regida por inúmeros outros princípios de igual ou maior relevância. Esse entendimento acaba se transpondo para a esfera pública de forma um tanto desajeitada. Conforme a metáfora de Lowenstein, é como se a “roupa não caísse bem” , não se adequasse à feição da escolha política constitucional. 4.Conclusão Por fim, respondendo os questionamentos acima tracejados, temos que o dirigismo  pode e deve se concretizar por intermédio do terceiro setor. Trata-se de uma realidade alvissareira que, apesar das desconfianças e ambiguidades,atinge em boa parte o quanto vaticinado por Giddens. Quando se diz parcialmente é porque seu papel não pode ser outro senão o de complementar a atuação estatal. A forma como vem sendo concebida a atuação do terceiro setor parece conduzir ao falso entendimento de que ele “É”a solução para os problemas contemporâneos do Estado. É a leitura que fazemos à luz dos acontecimentos históricos que antecedem e rodeiam essa atuação. A atuação do terceiro setor haveria de ser conciliatória com a atuação do Estado para se adequar ao sentimento constitucional da carta federal de 88 e lhe dar máxima efetividade. O dirigismo é preceito fundamental da constituição brasileira e a escolha deve ser garantida sem sofrer “by-passes”.  Nesse sentido, é preciso entender que para dar cabo da missão constitucional, o protagonismo do terceiro setor deve estar auto limitado pelo signo da complementariedade. Não só enquanto captador de apoio privado, mas também como entidade parceira do Estado, deve o terceiro setor acompanhar a publicização do direito privado, na mesma proporção em que enfeixa o modus operandi empresarial. Ainda que se valha de técnicas empresariais voltadas à maior eficiência,não pode perder de vista o significado constitucional-público que é sua razão de existir. É justamente essa notação que lhe confere natureza jurídica distinta. Repita-se que a grande virtude de o terceiro setor ocupar esse espaço, antes privativamente estatal, seria a busca de soluções através do ativismo civil voluntario em localidades especificas, o que se mantem ativo com o signo da complementariedade. Com tudo isso, não se quer dizer que o papel atual do Estado não mereça reflexões. Todavia, esse é outro assunto a merecer novos debates.
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(In)efetividade da instauração do processo administrativo de suspensão da carteira nacional de habilitação (CNH) concomitantemente com a instauração do processo para aplicação da penalidade de multa
O processo administrativo para imposição das penalidades previstas no Código de Trânsito Brasileiro, como os demais processos, deve se desenvolver garantindo ao administrado o exercício de todos os direitos constitucionalmente assegurado. Assim necessário analisar, se a instauração do processo de Suspensão da Carteira Nacional de Habilitação concomitantemente com a instauração do processo de aplicação da penalidade de multa, trará efetividade à estes processos, bem como se esta instauração não prejudicará o exercício, pelo administrado, do contraditório e da ampla defesa, porquanto o processo administrativo para a suspensão da CNH, acaba sendo dependente do processo para aplicação da penalidade de multa.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O presente trabalho científico terá por finalidade analisar a efetividade ou não da instauração do processo administrativo para suspensão da Carteira Nacional de Habilitação concomitantemente com a instauração do processo de aplicação da penalidade de multa. A lei 13.281/16 inovou o Código de Trânsito Brasileiro, inserindo o § 10 no artigo 261 determinando que não infrações em que couber de forma específica a penalidade de suspensão do direito de dirigir, o processo de suspensão deverá ser instaurado concomitantemente com o processo para aplicação da penalidade de multa. Ocorre que o processo de suspensão da Carteira Nacional de Habilitação, como todos os processos, deve garantir aos administrados os direitos constitucionalmente assegurados, como o do contraditório e a ampla defesa. Todavia, cumpre observar que o processo para aplicação da penalidade de multa deve seguir seu tramite normal, sem atropelos, e somente com o trânsito em julgado é que se tornará perfeito o processo. Assim a instauração do processo de suspensão da Carteira Nacional de Habilitação, não obstante lei 13.281/16 determinar que deva ser instaurado de forma concomitante com o processo para aplicação da penalidade de multa, a este torna-se “dependente”, pois não é possível aplicar a penalidade de suspensão da CNH sem antes a, penalidade de multa se tornar perfeito, sob pena de nulidade do segundo. Assim sendo, o presente artigo será dividido em quatro capítulos. No primeiro capítulo tratemos à baila a inovação legislativa, demonstrando como se era o processo de suspensão da Carteira Nacional de Habilitação antes desta inovação. No segundo capítulo trataremos sobre o princípio constitucional do contraditório e ampla defesa que deverá ser observado no decorrer do processo administrativo. No terceiro capítulo discorreremos sobre o desenvolvimento do processo administrativo para aplicação da penalidade de multa e seus possíveis recursos e no quarto e último capítulo trabalharemos o processo de aplicação da penalidade de Cassação e Suspensão do Direito de Dirigir, e seus possíveis recursos. Para alcançar o desiderato científico proposto, será utilizada a metodologia de pesquisa bibliográfica doutrinaria e jurisprudencial. Por fim, o objeto deste trabalho cientifico será analisar se a instauração do processo administrativo de suspensão da Carteira Nacional de Habilitação de forma concomitante com a instauração do processo para aplicação da penalidade de multa será efetivo, pois como alhures dito este é “dependente” daquele. 1. DA INOVAÇÃO LEGISLATIVA A lei 13.281/16 introduziu no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) o § 10 do artigo 261 que assim leciona “O processo de suspensão do direito de dirigir referente ao inciso II do caput deste artigo deverá ser instaurado concomitantemente com o processo de aplicação da penalidade de multa[1]”. Ocorre que tal inovação legislativa trás deveras mudanças no cenário do processo administrativo em matéria de suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Destarte, determina a nova legislação que toda vez que um condutor cometer uma infração à legislação e trânsito em que o artigo prevê de forma específica a suspensão da CNH, o processo administrativo deverá ser instaurado de forma concomitante com o processo de aplicação da penalidade de multa. Anterior à edição da nova legislação a matéria estava regulada pela resolução 182/CONTRAN/2005 que visava “Estabelecer o procedimento administrativo para aplicação das penalidades de suspensão do direito de dirigir e cassação da Carteira Nacional de Habilitação – CNH[2]”. Com efeito, a referida resolução determinava em seu artigo 6º que “Esgotados todos os meios de defesa da infração na esfera administrativa, os pontos serão considerados para fins de instauração de processo administrativo para aplicação da penalidade de suspensão do direito de dirigir[3]”. Portanto, o processo administrativo para imposição de penalidade de suspensão ou cassação da Carteira Nacional de Habilitação, somente era instaurado após exaurir todas as possibilidades de recursos da infração na esfera administrativa. Doravante, com a inovação legislativa, o processo administrativo para suspenção da Carteira Nacional de Habilitação deverá ser instaurado concomitantemente com o processo para aplicação da penalidade de multa, “por transgressão às normas estabelecidas neste Código, cujas infrações preveem, de forma específica, a penalidade de suspensão do direito de dirigir[4]”. Ocorre que para se tornar perfeita a aplicação da penalidade por infração a legislação de trânsito, há que se seguir determinados procedimentos sob pena de se ferir a Constituição Federal e o próprio Código de Trânsito Brasileiro. 2. DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA Estabelece a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88) que um dos princípios no direito brasileiro é Contraditório e a Ampla Defesa. Tal previsão está insculpida no inciso LV do artigo 5º da Carta Magna que assim descreve “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes[5]”. Não podemos olvidar que o desrespeito aos princípios constitucionais, maculam o processo de tal sorte que este se torna nulo de pleno direito, não subsistindo no mundo jurídico. Sobre o princípio constitucional do Contraditório Di Pietro leciona que: “O princípio do contraditório, que é inerente ao direito de defesa, é decorrente da bilateralidade do processo: quando uma das partes alega alguma coisa, há de ser ouvida também a outra, dando-se-lhe oportunidade de resposta. Ele supõe o conhecimento dos atos processuais pelo acusado e o seu direito de resposta ou de reação. Exige: 1- notificação dos atos processuais à parte interessada; 2- possibilidade de exame das provas constantes do processo; 3- direito de assistir à inquirição de testemunhas; 4- direito de apresentar defesa escrita”[6]. Sobre a ampla defesa Costa APUD Paulino leciona que “O direito de ampla defesa exige a bilateralidade, determinando a existência do contraditório. Entende-se, com propriedade, que o contraditório está inserido dentro da ampla defesa, quase que com ela confundido integralmente, na medida em que uma defesa não pode ser senão contraditória, sendo esta a exteriorização daquela[7]”. Demais disso o Superior Tribunal de Justiça no RECURSO ESPECIAL Nº 478.853 – RS (2002/0134218-5), quando assim decidiu “A ampla defesa e o contraditório, corolários do devido processo legal, postulados com sede constitucional, são de observância obrigatória tanto no que pertine aos “acusados em geral” quanto aos “litigantes”, seja em processo judicial, seja em procedimento administrativo[8]”. Lecionando sobre o tema Roger Mendes Cecchetto diz que o processo administrativo punitivo em matéria de trânsito “devem seguir e se balizar pelo devido processo legal, ampla defesa e contraditório, estabelecendo-se uma relação processual da administração com o administrado[9]”. Destarte, sendo judicial ou administrativo o processo, o princípio constitucional do contraditório e ampla defesa, deverá ser observado sob pena de macular e tornar o processo nulo de pleno direito. 3. DO PROCESSO ADMINISTRATIVO PARA APLICAÇÃO DA PENALIDADE DE MULTA POR INFRAÇÃO A LEGISLAÇÃO DE TRÂNSITO. O processo administrativo punitivo de trânsito não possui regras processuais próprias em seu todo. Destarte, necessário se faz recorrer, a analogia, a outras legislações para seu processamento. Assim, para o processamento, imprescindível a aplicação, além de outras normas, da lei 9.784 de 1999, que “regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal[10]”, bem como os prazos prescricionais previstos na lei 9.873/1999. Há que se observar que, ocorrendo à infração à legislação de trânsito há o processo administrativo para aplicação da penalidade de multa e, havendo previsão legal haverá o processo administrativo para aplicação da suspensão da CNH. A posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) é que a notificação da autuação é somente a informação ao infrator que, contra ele será instaurado um processo administrativo, “É importante ressaltar que, cometida a infração, é o infrator comunicado de que será aberto contra ele processo administrativo, cabendo ao notificado trazer de imediato os fatos extintivos ou impeditivos que possam desfazer a autuação, como previsto no art. 280 da Lei n. 9.503/1997, in verbis[11]”. Com efeito, com a notificação da autuação o infrator é informado que contra ele será instaurado um processo administrativo, pela autoridade de trânsito, abrindo-se prazo para apresentação de defesa, e com a notificação da imposição da penalidade, dá-se início, efetivamente, ao processo administrativo para a imposição da penalidade de multa ao infrator, abrindo-se prazo para interposição de recurso. Ocorre que, determina o inciso ll do § único do artigo 281 do CTB a autoridade de trânsito terá prazo, decadencial, de 30 dias para expedir a notificação da autuação ao infrator, sob pena de ser julgado o auto insubsistente. A matéria está regulada pela Resolução 404/CONTRAN/2012. Não apresentada ou não acolhida a defesa, compete a autoridade de trânsito com circunscrição sobre a via, não sendo o caso para aplicação do previsto no artigo 267 do CTB, a aplicação da penalidade de multa, por força do artigo 282 do CTB. Aplicada à penalidade de multa, abre para o infrator o prazo para apresentar o recurso à JARI (Juntas Administrativas de Recursos de Infrações) por força do § 4º do artigo 282 do CTB. Das decisões das JARIs cabe recurso, quando a penalidade for imposta por órgão ou entidade de trânsito da união, ao CONTRAN por força da alínea “a”[12] do inciso l do artigo 289 do CTB, ao Colegiado especial por força da alínea “b”[13] do inciso l do artigo 289 do CTB, e quando a penalidade for imposta por órgão/entidade estadual, municipal ou do Distrito Federal ao CETRAN E CONTRANDIFE, por força do inciso ll[14] do artigo 289 do CTB. Demais disso, o artigo 290 do CTB, determina o encerramento da instância administrativa, o julgamento dos recursos ou a não apresentação destes. Após o encerramento da instância administrativa “unicamente pelo caminho judicial torna-se viável desconstituir a condenação[15]”. Não podemos olvidar que se fazem necessárias duas notificações, quando do cometimento de uma infração a legislação de trânsito: a primeira refere-se a notificação da autuação prevista no inciso ll do artigo 281 do CTB que deverá ser expedida no prazo decadencial de 30 dais. Posicionamento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), senão vejamos: “Sobressai inequívoco do CTB (art. 280, caput) que à lavratura do auto de infração segue-se a primeira notificação in faciem (art. 280, VI) ou, se detectada a falta à distância, mediante comunicação documental (art. 281, parágrafo único, do CTB), ambas propiciadoras da primeira defesa, cuja previsão resta encartada no artigo 314, parágrafo único, do CTB em consonância com as Resoluções n. 568/80 e n. 829/92 (art. 2º e 1º, respectivamente, do Contran)”[16]. Já a segunda notificação é de imposição da penalidade de multa, está prevista no artigo 282 do CTB, sendo o prazo prescricional estabelecido pelo artigo 1º da lei 9.873/99. Posicionamento adotado pelo STJ “Superada a fase acima e concluindo-se nesse estágio do procedimento pela imputação da sanção, nova notificação deve ser expedida para satisfação da contraprestação ao cometimento do ilícito administrativo ou oferecimento de recurso (art. 282, do CTB). Nessa última hipótese, a instância administrativa somente se encerra nos termos dos artigos 288 e 290, do CTB”. Neste diapasão o Superior Tribunal de Justiça, para pacificar o tema, editou a súmula 312 que assim determina “No processo administrativo para imposição de multa de trânsito, são necessárias as notificações da autuação e da aplicação da pena decorrente da infração”. Cumpre observar que estamos tratando aqui apenas da defesa de autuação e dos recursos das penalidades de multa aplicadas por infração à legislação de trânsito. 4. DO PROCESSO ADMINISTRATIVO PARA APLICAÇÃO DA PENALIDADE DE SUSPENÇÃO OU CASSAÇÃO DO DIREITO DE DIRIGIR. O processo de cassação do Direito de Dirigir, nada obstante seguir o mesmo rito do Processo de Suspensão da Carteira Nacional de Habilitação dar-se-á, nas hipóteses previstas no artigo 263 do CTB “I – quando, suspenso o direito de dirigir, o infrator conduzir qualquer veículo; II – no caso de reincidência, no prazo de doze meses, das infrações previstas no inciso III do art. 162 e nos arts. 163, 164, 165, 173, 174 e 175; III – quando condenado judicialmente por delito de trânsito, observado o disposto no art. 160[17]”. De outro norte o artigo 261 do CTB determina quais são os casos em que será imposta a penalidade de suspensão do direito de dirigir. Quando num período de 12 (doze) meses o infrator atingir 20 (vinte pontos), inciso l do artigo 261 do CTB. Ou “por transgressão às normas estabelecidas neste Código, cujas infrações preveem, de forma específica, a penalidade de suspensão do direito de dirigir”, inciso ll do artigo 261 do CTB[18]. Com efeito, toda vez que o condutor/infrator atingir 20 pontos, conforme pontuação prevista no artigo 259 do CTB, ou quando transgredir as normas que preveem de forma especifica a penalidade de suspensão do direito de dirigir (v.g. artigo 165 CTB), deverá ser instaurado, pela autoridade de trânsito, o processo administrativo para aplicação da penalidade de suspensão ou cassação do direito de dirigir do infrator, e é este que interessa ao presente artigo científico. O Código de Trânsito Brasileiro traz o rol taxativo dos artigos que preveem de forma específica a suspenção do direito de dirigir, quais sejam artigos 165; 165-A; 170; 173; 174; 175; 176; 191; 210; 218 lll; 244 e 253-A. Destarte, além da penalidade de multa, nas infrações aos referidos artigos haverá também a penalidade de suspenção do direito de dirigir. Lecionando sobre o tema Rizzardo aduz que “As penalidades restritivas de direito acompanham a multa e decorrem das infrações mais graves, ou daquelas que revelam certa precariedade de condições para dirigir e periculosidade na condução[19]”. Portanto, pela redação do § 10 do artigo 261, quando do cometimento destas infrações o processo administrativo de Suspenção da CNH deverá ser instaurado concomitantemente com o processo administrativo para aplicação da penalidade de multa. Com efeito, a resolução 182/CONTRAN/2005 “Dispõe sobre uniformização do procedimento administrativo para imposição das penalidades de suspensão do direito de dirigir e de cassação da Carteira Nacional de Habilitação[20]”. Acertadamente o artigo 8º da referida resolução determinava que “Para fins de cumprimento do disposto no inciso II do Art. 3º desta Resolução será instaurado processo administrativo para aplicação da penalidade de suspensão do direito de dirigir quando esgotados todos os meios de defesa da infração na esfera administrativa[21]”. Note que a resolução determinava que para a instauração do processo administrativo de suspenção do direito de dirigir nas infrações que preveem de forma específica essa penalidade, havia a necessidade de se esgotar “todos os meios de defesa da infração na esfera administrativa”. Significa dizer que o processo administrativo para a aplicação da penalidade de multa tinha se exaurido, não havia mais a possibilidade de recurso na esfera administrativa, ou seja, havia transitado em julgado, administrativamente o processo. Com a nova redação do § 10 do artigo 261 do CTB, o processo administrativo de suspenção da CNH deverá ser instaurado de forma concomitante com o processo administrativo para a imposição da penalidade de multa, antes mesmo de transitar em julgado o processo administrativo para aplicação da penalidade de multa. Ocorre que o segundo é “dependente” do primeiro, porquanto não poderá ser solucionado sem que antes tenha transitado em julgado processo administrativo para a imposição da penalidade de multa, sob pena de se ferir devido processo legal. Destarte, no caso de deferimento da defesa ou do recurso no processo administrativo para a imposição da penalidade de multa, o processo de suspenção da CNH que fora instaurado concomitantemente a esse, não subsistirá. No Direito Civil a consequência de um processo ser dependente é o apensamento por força do artigo 286[22] do Código de Processo Civil. Conforme alhures exposto para a perfectização do processo para imposição da penalidade de multa o processo deve seguir um rígido trâmite sob pena de nulidade. Dessa maneira, caso no processo para aplicação da penalidade de multa, seja deferido a defesa ou o recurso, não há como dar seguimento no processo administrativo para suspenção da CNH, pois como alhures dito, este é “dependente” daquele. Não podemos olvidar da morosidade da tramitação dos processos, inclusive os administrativos, bem como de todas as defesas e recursos a eles inerentes. Destarte, deverá ser considerado o que prevê o § 1º do artigo 1º da lei 9.873/99 “Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso[23]”. Portanto, se instaurado o processo administrativo de suspenção da CNH concomitantemente com o processo administrativo para aplicação da penalidade de multa, e como o primeiro é “dependente” do segundo, sabendo da morosidade na tramitação dos processos, poderá incidir a prescrição administrativa no processo de suspenção. Dito isto, cumpre dizer que, nada obstante, a necessidade de otimizar o processo administrativo para suspenção da CNH, dando maior efetividade ao código de Trânsito Brasileiro, todavia instaurar este processo concomitante ao processo administrativo para aplicação da penalidade de multa não trará efetividade por ser este “dependente” daquele. CONCLUSÃO Portanto, foi possível constatar que o Processo Administrativo de Suspenção da Carteira Nacional de Habilitação, como todos os processos, deve garantir ao administrado o direito ao contraditório e a ampla defesa, constitucionalmente assegurada. Os estudos realizados, demostraram que o Processo Administrativo de Suspenção da Carteira Nacional de Habilitação é um processo “dependente”, ou seja, depende da perfectização do processo do Processo Administrativo para aplicação da penalidade de multa. Nada obstante a nova redação do § 10 do artigo 261 do Código de Trânsito Brasileiro determinar que ambos os processos devem ser instaurados de forma concomitante, o segundo é “dependente” do primeiro. Diante de todo o exposto, percebeu-se que a nova redação do § 10 do atrigo 261 não trará efetividade ao processo de suspenção da Carteira Nacional de Habilitação, posto que, não obstante ser instaurado de forma concomitante com o processo para aplicação da penalidade de multa deverá aguardar o findar deste para, ai sim, se desenvolver sem ferir diretos constitucionalmente assegurados aos administrados.
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Carona no sistema de registro de preços: análise jurídica e principais mudanças advindas do Decreto 7.892/2013
A presente explanação traz a lume determinada prática ocorrida no âmbito do Sistema de Registro de Preços, a qual deflagra acirrada cizânia no campo jurídico. A análise a que se procedeu na confecção deste trabalho enveredou-se por duas correntes principais e diametralmente opostas: a primeira, baseando-se na considerável diminuição de custos e na celeridade, aduz que o instituto teria o condão de avigorar o princípio da eficiência no âmbito da Administração Pública; a segunda corrente, por sua vez, alega que a referida aderência à Ata de Registro de Preços por órgãos que não participaram de seu processo constitutivo não estaria amparada pela Constituição, assim como sua disposição mediante decreto representaria uma ilegalidade e proporcionaria percalços às Cortes de Contas na feitura da fiscalização quando a prática se dá em entidades federativas diversas. Neste diapasão, propõe-se o presente escrito a contribuir para o fomento de um debate que, pela especificidade do tema, é ainda incipiente, seja na seara acadêmica, seja na doutrinária e, principalmente, no meio jurisprudencial, a despeito da temática ora debatida possuir, atualmente, certa recorrência no âmbito dos Tribunais de Contas.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO No ordenamento jurídico pátrio, especificamente na seara do Direito Administrativo, o instituto das licitações públicas se mostra suscetível a originar acirrada cizânia tanto entre doutrinadores quanto ao entendimento emanado pelos Tribunais de Contas acerca de determinada prática ocorrida no âmbito do Sistema de Registro de Preços. Com amparo no princípio da legalidade, o art. 37, XXI, pressupõe, em via de regra, a feitura do procedimento de licitação para posterior celebração de um contrato administrativo, devendo a dispensa ou a inexigibilidade estarem necessariamente previstas em lei de forma a prognosticar a hipótese para sua inocorrência, sendo ainda necessária a elaboração do devido processo de justificação em tais casos. No aludido cenário, fora criado uma espécie de método auxiliar objetivando tornar as contratações públicas mais ágeis e econômicas, denominado Sistema de Registro de Preços, o qual possui amparo legal no art. 15 da Lei 8.666/93, estando atualmente regulamentado pelo Decreto Federal nº 7.892/2013. Polêmica prática prevista no presente decreto, a qual também já se encontrava prevista em norma regulamentadora pretérita – mais especificamente no art. 8º do Decreto nº 3.931/01-, refere-se à aderência de órgão não participante na Ata do Sistema de Registro de Preços após o término do procedimento, figura conhecida como “carona”. Nada obstante os princípios que amparam os procedimentos concernentes à licitação pública e a consequente celebração de contratos administrativos, muitas vezes as barreiras legais não se encontram bem delineados em nosso ordenamento, de modo que muitos comportamentos – tais como a figura do “carona” – enquadram-se em uma zona cinzenta, da qual não é tarefa das mais fáceis se extrair sua (i)licitude. Analisa-se que, diante de tão polêmica conjuntura, adentrar neste campo jurídico de incertezas se mostra como principal objetivo do presente trabalho, permitindo-se um estudo analítico e indutivo dos elementos que compõem a referida figura. 1. SISTEMA DE REGISTRO DE PREÇOS Sistema de Registro de Preços pode ser definido como modo pelo qual a Administração Pública seleciona, através da modalidade concorrência ou pregão, os bens que deseja adquirir em suas compras habituais, inexistindo obrigação por parte do Poder Público a firmar as contratações que dele poderão advir. Conceitualmente, o Sistema de Registro de Preços pode ser definido como uma espécie de método auxiliar objetivando tornar as contratações públicas mais ágeis e econômicas, amparado legalmente pelo art. 15 da Lei 8.666/93, relacionado a aquisições de bens e prestação de serviços em futuras contratações. Consoante leitura do disposto no Decreto 7.892/13, Ronny Charles leciona acerca das hipóteses nas quais o Sistema de Registro de Preços seria adotado: “De acordo com o regulamento federal, o Sistema de Registro de Preços deverá ser adotado nas seguintes hipóteses: • quando, pelas característica do bem ou do serviço, houver necessidade de contratações freqüentes; • quando for conveniente a aquisição de bens com previsão de entregas parceladas ou contratação de serviços remunerados por unidade de medida ou em regime de tarefa; • quando for conveniente a aquisição de bens ou a contratação de serviços para atendimento a mais de um órgão ou entidade, ou a programas de governo; ou • quando, pela natureza do objeto, não for possível definir previamente o quantitativo a ser demandado pela Administração.”[1] Desta feita, são registrados os preços de produtos ou serviços conjuntamente com a identificação de respectivos fornecedores, os quais, por meio de licitação na modalidade concorrência ou pregão, serão registrados na Ata de Registro de Preços sendo armazenados os dados do licitante para contratações durante o tempo de vigência desta, a qual pode se dá por período de até doze meses. Impende salientar que o objeto, para a concretização de eventual e futura contratação, deve ter o preço registrado compatível com aquele praticado no mercado. Inegavelmente, entre as diversas vantagens proporcionadas pelo instituto, podem ser citadas: desnecessidade de dotação orçamentária, redução do volume de estoques, eliminação dos fracionamentos de despesa, tempos recordes de aquisição, redução do número de licitações, atualidade dos preços da aquisição e participação de pequenas e médias empresas. O Sistema de Registro de Preços não se confunde com modalidade de licitação, vez que se trata de um meio operacional a ser utilizado pela Administração Pública a qual, discricionariamente, poderá efetuar futuras contratações. Neste diapasão, o Tribunal de Contas da União, acerca do não enquadramento do registro de preços como modalidade licitatória, assim se pronunciou em trecho do Acórdão nº 1.279/2008: “(…)10.24 Análise: o registro de preços não é uma modalidade de licitação, e sim, um mecanismo que a Administração dispõe para formar um banco de preços de fornecedores, cujo procedimento de coleta ocorre por concorrência ou pregão. Em razão de ser um mecanismo de obtenção de preços junto aos fornecedores para um período estabelecido, sem um compromisso efetivo de aquisição, entendemos ser desnecessário, por ocasião do edital, o estabelecimento de dotação orçamentária. Todavia, por ocasião de uma futura contratação, torna-se imprescindível a dotação orçamentária para custeio da despesa correspondente, na forma do art. 11 do Decreto 3931/2001. (…)” (Acórdão 1.279/2008 – Rel. Guilherme Palmeira – TCU – Plenário, de 2/7/2008; grifou-se) No tocante à fundamentação legal na Lei 8.666/93, o Sistema de Registro de Preços possui previsão no referido diploma no seu art. 15, II, §§ 1o ao 7o[2], bem como no art. 24, VII[3]. Destarte, é possível inferir pela leitura do art. 15, § 3º, que o legislador previu a edição de decreto como forma de atender as diversas peculiaridades regionais, o que, por sua vez, foi motivo de forte divergência de doutrinária quanto à sua autoaplicabilidade. Entende-se que as regras atinentes ao Sistema de Registro de Preços no art. 15 da Lei de Licitações e Contratos, teriam natureza de norma geral. Assim, os decretos regulamentares só poderiam versas acerca de mandamentos de caráter procedimental atendendo as peculiaridades existentes em cada região. Atualmente, o Decreto Federal nº 7.892/2013 foi instituído de forma a regulamentar o Sistema de Registro de Preços revogando o Decreto Federal nº 3.931/2001. Em seu artigo 2º[4], o Decreto n.º 7.892/13 traz algumas definições, de suma importância para a própria compreensão do tema, a saber: sistema de registro de preços, ata de registro de preços, órgão gerenciador, órgão participante e órgão não participante. Importante referir, por relevante, que das definições de órgão gerenciador e de órgão participante, verifica-se que se diferenciam pelo fato do órgão gerenciador ser aquele responsável pela condução dos procedimentos necessários para o registro de preços, incluindo a licitação necessária e prévia, e pelo gerenciamento de sua ata, competindo a este fiscalizar e acompanhar todo o decorrer dos eventos da ata, incluindo o controle dos preços registrados, a existência ou não de compatibilidade com os valores praticados no mercado, controle dos quantitativos já fornecidos aos órgãos participantes, bem como a permissão de atendimento às necessidades dos órgãos não participantes – “caronas” -, sempre visando alcançar o melhor funcionamento do sistema atendendo as finalidades para o qual foi criado. O órgão participante, por sua vez, é aquele que participa dos procedimentos iniciais do sistema de registro de preços e integra a ata comunicando, entre outras informações, sua estimativa de consumo. Veja-se, portanto, que esse último se vincula ao Sistema de Registro de Preços, também, desde o início do procedimento, enquanto que o órgão não participante – “carona” – adentraria no processo após o término de elaboração da ata desde que devidamente autorizado pelo órgão gerenciador. 3. MUDANÇAS ADVINDAS DO DECRETO 7.892/2013 Como primeira mudança advinda do Decreto 7.892/13, pode-se citar a própria definição do que seria o órgão ou entidade “carona”, o qual conforme preleciona o art. Art. 2º, V, seria “órgão não participante – órgão ou entidade da administração pública que, não tendo participado dos procedimentos iniciais da licitação, atendidos os requisitos desta norma, faz adesão à ata de registro de preços.” No que diz respeito às demais inovações do presente Decreto quanto àquele que regulamentou o Sistema de Registro de Preços até 23 de janeiro de 2013, pode-se citar: a figura do cadastro de reserva, a certificação digital, impossibilidade de prorrogação excepcional da vigência da ata de registros de preços, bem como a implementação de acréscimos quantitativos a mesma, impossibilidade de adesão pelos órgãos públicos federais às atas provenientes de licitações promovidas por órgãos estaduais, municipais ou do Distrito Federal, atribuição para a aplicação de sanções decorrentes do descumprimento da Ata de Registro de Preços, minuta da ata de Sistema de Registro de Preços como anexo do Edital e obrigatoriedade do uso da Intenção de registro de preços e, principalmente, nova disciplina aplicável ao órgão não participante ou “carona” em decorrência da dedicação de um capítulo inteiro à prática no Decreto n.º 7.892/13, solucionando diversas cizânias surgidas recentemente quanto ao peculiar uso da ata por aqueles que não fizeram parte de seu processo constitutivo. Diante dos supracitados aperfeiçoamentos, a criação do cadastro de reserva, prevista no art. 11 do Decreto n.º 7.892/13, trata-se de louvável iniciativa a qual alenta ao princípio da eficiência na medida em que evita a feitura de nova Ata de Registro de Preços caso, por algum motivo, o vencedor da licitação reste impossibilitado de cumprir com o fornecimento de bens ou prestação de serviços previamente estipulados. Assim, evitando um dispêndio desnecessário, a criação de um cadastro de reserva também é medida que prima pelo princípio da economicidade em decorrência do fato de que evita novos gastos por parte da Administração. Para tanto, conforme disposto em seu art. 11, §2º, II[5], o segundo colocado se comprometeria em cotar seus bens e serviços em idêntico valor ao primeiro colocado desistente. A possibilidade de assinatura via certificação digital, nos modernos tempos atuais, trata-se de medida a contribuir para uma maior celeridade nas contratações públicas preconizando, também, o princípio da eficiência no Sistema de Registro de Preços. Quanto à atribuição para a aplicação de sanções decorrentes do descumprimento da ata aos órgãos participantes e órgãos não participantes, e não mais só ao órgão gerenciador como dispunha o Decreto nº 3.931/01, trata-se de exitosa medida a contribuir para a lisura do procedimento, na medida em que a ampliação de tal competência se trata de meio que, indubitavelmente, avigora a fiscalização. Apesar da já existente praxe administrativa quanto à Ata de Registro de Preços constar como anexo no Edital, o Decreto nº 7.892/13 entendeu por bem imprimir a devida legalidade ao procedimento em seu art. 9º, X[6]. Neste mesmo esteio, o novo diploma legal tornou obrigatório o uso da Intenção de Registro de Preços, conforme o disposto em seu art. 4º[7]. No que concerne às novas disposições quanto à impossibilidade de implementar acréscimos quantitativos à Ata de Registro de Preços, o novo decreto resolve a problemática que assolava de críticas o regulamento pretérito quanto à ausência de delimitação razoável no que concerne aos quantitativos, atribuição que acabou por competir à Corte de Contas da União estabelecer (Acórdão 1.233/2012). No atual decreto, ocorreriam cinco limitações, quais sejam: individual, temporal, global, subjetivo e formal. Nesse sentido, Ronny Charles[8] estabelece que segundo as regras estabelecidas no novo regulamento federal, além de registrar expressamente a necessidade de prévia anuência do órgão gerenciador, a utilização (adesão) da ata pelos órgãos não participantes estaria submetida às seguintes delimitações: limite individual no qual cada órgão ou entidade, ao aderir a uma ata, não poderá contratar mais que cem por cento dos quantitativos dos itens registrados na Ata de Registro de Preços para o órgão gerenciador e órgãos participantes (art. 22, § 3º). Limite temporal estabelece que a adesão deverá ser feita durante a vigência da ata (art. 22). Da mesma forma, o contrato decorrente do sistema de registro de preços também deverá ser assinado no prazo de validade da ata de registro de preços (art. 12, § 4º), cabendo também observar que o órgão gerenciador somente poderá autorizar adesão à ata após a primeira aquisição ou contratação por órgão integrante da ata, exceto quando, justificadamente, não houver previsão no edital para aquisição ou contratação pelo órgão gerenciador (art. 22, § 5º). Limite global determina que o instrumento convocatório deverá prever que o quantitativo decorrente das adesões à ata de registro de preços não poderá exceder, na totalidade, ao quíntuplo do quantitativo de cada item registrado na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e órgãos participantes, independente do número de órgãos não participantes que aderirem (art. 22, § 4º), não restringindo o número de adesões (caronas), mas apenas o somatório do quantitativo decorrente dessa utilização por órgãos não participantes, medida que parece acertada. Limite subjetivo impõe que é vedada aos órgãos e entidades da administração pública federal a adesão a ata de registro de preços gerenciada por órgão ou entidade municipal, distrital ou estadual (art. 22, § 8º). Noutro diapasão, nas atas federais é permitida a adesão por órgãos ou entidades municipais, distritais ou estaduais (art. 22, § 9º). Por último, ter-se-ia o limite formal no qual a adesão precisa ser autorizada pelo órgão gerenciador (art. 22). Ademais, caso o órgão gerenciador pretenda admitir adesões, precisa prever no edital a estimativa de quantidades a serem adquiridas por órgãos não participantes (art. 9º, III). A inexistência de tal previsão impede a adesão. Um decreto federal, atinente ao peculiar interesse da União, não pode ser automaticamente aproveitado por outros entes políticos, de modo que eventual contradição entre o decreto federal e algum decreto estadual, distrital ou municipal não importa invalidade deste último. Nessa linha, os decretos já existentes não sofreram qualquer restrição à sua aplicabilidade em virtude da superveniência do decreto federal. Desta feita, inegável contribuição à eliminação de uma das mais ferrenhas críticas ao instituto o qual, diante da delimitação pretérita insuficiente prevista pelo Decreto 3.931/01 de apenas 100% (cem por cento) dos quantitativos registrados na Ata de Registro de Preços e a inexistência de qualquer restrição quanto ao número de “caronas” possíveis em cada licitação, sendo considerado um instrumento apto para diversas práticas abusivas e ilegais, tais como corrupção e tráfico de influência. Trata-se, portanto, de profícua mudança ao instituto no aspecto da limitação a ser observada, que era, para se dizer no mínimo, bastante falha, haja vista que, em termos práticos, ocorria uma ampliação exacerbada do fornecimento, sem que aos demais licitantes fosse concedida a oportunidade de realizar novas ofertas levando em consideração os novos quantitativos. No que diz respeito às inovações advindas com o Decreto nº 7.892/13, a inteira dedicação de um capítulo no dispositivo legal acerca da prática, trata-se de medida que por certo apaziguou diversas polêmicas reinantes diante da existência de, até então, apenas um artigo[9] no Decreto nº 3.931/01 acerca do assunto. Noutro giro, a delimitação do quantitativo a ser adquirido, trata-se de uma das inovações mais significativas, tendo em vista que a inexistência de limites de produtos ou serviços a serem adquiridos por órgãos não participantes era motivo das maiores críticas, na medida em que não se poderia ter a previsão de impacto nos quantitativos originalmente previstos. Assim, no tocante à quantidade de produtos ou serviços a serem adquiridos mediante a Ata de Registro de Preços, a aquisição de órgãos ou entidades caronas não poderá ser superior a cinco vezes o quantitativo somado do órgão gerenciador e órgãos participantes. De tal forma, se já tiver ocorrido por estes uma aquisição cinco vezes do que aquele previsto quando da feitura da ata, a adesão por parte de um órgão carona queda impossibilitada, mesmo que se pretenda utilizar menos do que os 100% (cem por cento) dos quantitativos registrados na Ata de Registro de Preços, vez que ambos os critérios dos §§ 3º e 4º do art. 22 são cumulativos. Por derradeiro, os §§ 5o e 6º do art. 22, estabelecem: “O órgão gerenciador somente poderá autorizar adesão à ata após a primeira aquisição ou contratação por órgão integrante da ata, exceto quando, justificadamente, não houver previsão no edital para aquisição ou contratação pelo órgão gerenciador. Após a autorização do órgão gerenciador, o órgão não participante deverá efetivar a aquisição ou contratação solicitada em até noventa dias, observado o prazo de vigência da ata”. 5. ANÁLISE JURÍDICA DA FIGURA DO “CARONA” A adesão de órgão não participante à Ata de Registro de Preços se trata de prática polêmica a qual acaba por resultar na origem de duas correntes: uma que defende sua admissibilidade e outra a qual explana argumentos contrários ao instituto. Um dos argumentos favoráveis à admissibilidade da prática do “carona” seria que o uso da Ata de Registro de Preços por quem não fez parte de seu processo constitutivo se traduziria em uma forma de extensão da proposta mais vantajosa a todos os órgãos e entidades que necessitassem de objetos semelhantes. Neste diapasão, parte da doutrina considera que não seria o caso de uma contratação direta não prevista em lei, mas de utilização de uma única licitação para a feitura de diversos contratos, haja vista que o procedimento licitatório não consistiria em um fim em si mesmo, não podendo a Administração ser impelida a repetir processos licitatórios quando já existisse proposta mais vantajosa disponível. Com a referida posição, advogam Marcos Juruena Villela Souto e Flavio Amaral Garcia em texto do Boletim de Licitações e Contratos no qual o instituto em comento é abordado: “(…) o fato e que não cabe pregar a licitação como um fim em si mesmo. Interessa e que os contratos sejam, em regra, licitados, por quem quer que seja. O ponto não é esse! A questão e o método, o perfil do contrato e o perfil de contratante para que os preços sejam oferecidos para cada realidade especifica e para cada tipo de atendimento e de julgamento.”[10] Outro argumento favorável aponta no sentido de que a prática resultaria em diminuição significativa de custos em face da realização de um único procedimento licitatório que culminaria em diversos negócios, racionalizando as contratações administrativas. Análise feita por Jorge Ulysses Jacoby Fernandes se pronuncia pelas vantagens proporcionadas pelo instituto, in verbis: “O carona no Sistema de Registro de Preços apresenta-se como uma relevante ferramenta nesse sentido, consistindo na desnecessidade de repetição de um processo oneroso, lento e desgastante quando já alcançada a proposta mais vantajosa. Se o fornecedor tem a capacidade de atender dez ou vinte órgãos sem prejudicar a qualidade de seu serviço ou produto, e sendo sua proposta mais vantajosa, por que não permitir aos órgãos interessados aderi-la? É necessário, contudo, uma correta verificação das Atas antes de aderi-las, para que realmente demonstre-se a proposta mais vantajosa. O carona tem se mostrado uma alternativa viável inclusive em casos de dispensa e inexigibilidade de licitação, tendo, muitos órgãos, deixado de utilizá-las para tornarem-se caronas e, portanto, contratar objetos que já passaram pela depuração do procedimento licitatório”.[11] Impende salientar que, ainda no tocante aos benefícios de custo, é defendido o posicionamento de que a permissibilidade da adesão seria responsável pelo fato de que um órgão, com necessidade de aquisição inferior, seria beneficiado pelos preços praticados em um certame mais amplo. Em termos práticos, a expectativa de adesão promoveria uma potencial redução de preços por parte das empresas licitantes que não levariam em consideração somente a expectativa de consumo presente na ata, mas, também, aquela advinda de potenciais usuários, os quais não fizeram parte de seu processo constitutivo. Assim, seriam alcançando menores custos que, em tese, não seriam atingidos através de competição licitatória que envolvesse apenas uma reduzida pretensão contratual, beneficiando tanto os órgãos participantes, como todos os órgãos aderentes com pretensões contratuais menores, que dificilmente alcançariam preços tão reduzidos em certames licitatórios próprios. Dessa feita, o argumento estabelece os benefícios de cunho econômico que podem ser obtidos pela adesão à Ata de Registro de Preços por órgãos não participantes. Com esteio no princípio da eficiência, outro argumento que defende a prática seria que a adesão à Ata de Registro de Preços por órgãos ou entidades não participantes consistiria em um mecanismo administrativo o qual possibilitaria a obtenção da agilidade ao Poder Público em suas respectivas aquisições, sendo uma inovação de caráter desburocratizante atendendo com mais eficiência o interesse público. É mister salientar que, além da possibilidade restar expressamente prevista no edital, o órgão ou entidade não participante possui o dever de demonstrar que sua adesão à Ata de Registro de Preços implica vantagem superior a elaboração de um novo processo licitatório segundo preleciona o art. 22 do Decreto nº 7.892/13: “desde que devidamente justificada a vantagem, a ata de registro de preços, durante sua vigência, poderá ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da administração pública federal que não tenha participado do certame licitatório, mediante anuência do órgão gerenciador.” O princípio da motivação, consagrado na doutrina e na jurisprudência pátria, estabelece que o Poder Público exponha os fatos e fundamentos jurídicos que justificassem a prática de seus atos objetivando, entre outros motivos, robustecer o controle de legalidade sobre os mesmos, de formar a isentar sua atuação de eventuais favoritismos e subjetivismos ou, se não os evitando, propiciando meios para a feitura de repressões, seja por autotutela da própria Administração ou por parte do Poder Judiciário. Assim, tem-se que a motivação que justificasse a vantagem à adesão a Ata de Registro de Preços por órgãos não participantes, seria imprescindível para seu devido controle de legalidade, de forma que a motivação obscura ou incongruente, com base na Teoria dos Motivos Determinantes, tornaria o ato ilegal e, consequentemente, nulo. A motivação que fundamentasse a adesão de modo a comprovar que esta seria mais vantajosa do que um novo procedimento licitatório, também poderia ser considerada uma garantia ao princípio da impessoalidade, além de coibir eventuais desvios de finalidade. Destarte, a motivação para justificar tais adesões deverá ser consistente e coerente, de forma a combater eventuais personalismos e direcionamentos nos procedimentos licitatórios, evitando manobras que visem à prática de ilegalidades e fraudes, infelizmente, tão presentes na Administração Pública e principalmente no ramo das licitações. Na busca de melhorias ao ritmo moroso atribuído, não sem razão, ao Poder Público, a prática em comento seria uma forma de possibilitar uma aproximação do desembaraço burocrático presente nas atividades praticadas pela iniciativa privada. Do exposto, tem-se que a prática da figura do “carona” viabilizaria os “princípios mínimos do Direito Administrativo” previstos no art. 37, caput, da Constituição Federal, em especial, o princípio da eficiência, constituindo-se em medida de inegável avanço jurídico na medida em que aumenta o interesse de particulares em participar do certame, diminui os preços registrados e reduz o número de licitações como encargo da Administração. Expostos os argumentos favoráveis à admissibilidade da prática do “carona”, necessário agora mostrar os fundamentos que embasam posicionamento diametralmente oposto, qual seja, o de que a adesão à Ata de Registro de Preços por órgão ou entidade que não fizeram parte de seu processo constitutivo, viola frontalmente o inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal. De pronto, as opiniões contrárias defendem que a permissibilidade da referida conduta configuraria frustração ao princípio da obrigatoriedade da licitação assente na Carta Magna, restando por caracterizar hipótese de dispensa sem qualquer embasamento legal para tanto, tendo em vista que sua previsão se deu mediante decreto, o qual teria inovado no ordenamento jurídico – o que só poderia ter sido realizado mediante lei em sentido estrito. Nesse sentido, o Tribunal de Contas da União, no Acórdão 2.692/2012, tece as seguintes considerações no voto do Ministro Relator Aroldo Cedraz: “(…) O instituto da adesão foi introduzido no ordenamento jurídico pelo Decreto nº 3.931/2001. Não há na Lei Geral de Licitações sequer referência à sua existência. (…) A dispensa de licitação autorizada pela norma constitucional, no entanto, reclama expressa e taxativa previsão legal. E mais, a ressalva prevista em lei deve ter por fim a melhor persecução do interesse público. (…) Evidencia-se, então, que a figura do 'carona' corresponde ao aproveitamento dos efeitos de uma licitação anterior, para que uma entidade administrativa promova contratação sem prévia licitação. Configura-se uma situação similar à da dispensa de licitação, fundada na exclusiva discricionariedade administrativa. Essa solução é incompatível com a regra imposta no art. 37, inc. XXI, da CF/88. Na verdade, produziu-se a instituição por meio de decreto de mais uma hipótese de dispensa de licitação. O problema imediato reside em que a Constituição estabelece que somente a lei pode criar as hipóteses de dispensa de licitação. (…) Sem adentrar no exame de todos os aspectos legais que se tem por violados, tenho por suficiente chamar a atenção para o fato de que o decreto ampliou as hipóteses de dispensa de licitação, taxativamente enumeradas na Lei nº 8.666/1993. (…).” (Acórdão 2.692/2012 – Relator: Aroldo Cedraz – TCU – Plenário, de 3/10/2012; grifou-se) Sob tal lustre, relembre-se, por exemplo, que nas contratações submetidas ao Regime Diferenciado de Contratações a adesão – figura do “carona” – respeita o aludido formalismo legal, uma vez que a Lei federal nº 12.462/2011 expressamente a prevê em seu artigo 32, § 1º[12]. Ademais, estaria caracterizado patente desrespeito ao princípio da isonomia, de modo que a prática indiretamente criaria uma espécie de regalia para que a empresa licitante vencedora pudesse firmar inúmeras contratações das quais não estavam, a priori, comprometida. Outrossim, o órgão ou entidade “carona” ensejaria uma contratação não prevista no instrumento convocatório ocasionando a violação ao princípio da vinculação ao edital, bem como melindraria o princípio da proposta mais vantajosa, pois os quantitativos a serem adquiridos sofreriam uma elevação, se comparados com aqueles originalmente previstos, a qual não restaria acompanhada de uma redução do preço unitário a ser desembolsado pelos cofres públicos acabando por tolher, portanto, o próprio interesse da coletividade. Assim, restaria caracterizada inegável afronta ao princípio da economicidade, tendo em vista que qualquer eventual economia seria consideravelmente maior para a Administração, caso o órgão não participante tivesse feito parte inicialmente do procedimento licitatório, de modo que o cômputo dos quantitativos referentes à sua estimativa de consumo ensejaria certeira diminuição no custo da aquisição. No que concerne à economia de escala proporcionada, mostra-se necessária a explanação de algumas considerações com o intuito de entender como, em termos práticas, ela funcionaria.  A economia de escala pode ser realizada quando o aumento da capacidade de produção de uma empresa resulta num incremento da quantidade de unidades produzidas, de modo que o custo de produção em idênticas proporções não sofre qualquer aumento, podendo-se oferecer decréscimos nos preços se comparados com idênticos produtos caso fossem produzidos em menor quantidade. É imperioso lembrar-se que as empresas nos ramos privados costumam se basear em critérios objetivos e nos mais acurados possíveis, de forma que o lucro auferido com aquela produção não sofra qualquer atenuação desnecessária. Assim sendo, a mera expectativa de adesões à Ata de Registro de Preços não teria o condão de diminuir o custo – ou não tanto quanto seria caso as referidas expectativas de consumo fossem de órgãos participantes – sobre a economia de escala que poderá ser alcançada. Em outras palavras, a impossibilidade de se produzir estimativa consistente sobre a quantidade de futuras aquisições reduz, e muito, a influência que essa mera expectativa terá na percepção da empresa, de modo que resta impossibilitada a avaliação de economia de escala a partir de mera expectativa no âmbito das empresas privadas, sem que se possa, ao menos, dispor de estimativas sobre o volume da contratação. No que diz respeito à violação do princípio da competição, o Acórdão 1.487/2007 da Corte de Contas da União exara o seguinte entendimento:  “(…) quis o constituinte assegurar igualdade de condições a todos os concorrentes (inc. XXI, art. 37, CF), de forma a preservar a observância do inalienável princípio da competição, que norteia as contratações do poder público. As normas visam estimular a boa disputa, minimizar o risco da formação de cartéis e viabilizar, por conseqüência, a multiplicação de potenciais fornecedores. Procura-se impedir que uma mesma empresa se perenize na condição de contratada, a não ser que continue propiciando, comprovadamente nas licitações, a proposta mais vantajosa para a administração. 25. Contudo, na minha opinião, com o advento do registro de preço e da possibilidade de adesão sem limites à respectiva ata, pela estreita via do decreto regulamentar, criaram-se as condições para que o vencedor de uma única licitação celebre múltiplos contratos com órgãos da administração. Tal faculdade, se exercida, viola diretamente, na prática, os citados princípios constitucionais e legais, além de propiciar infringência aos da eficiência, impessoalidade e moralidade.” (Acórdão 1.487/2007 – Rel. Valmir Campelo – TCU – Plenário, de 1/8/2007; grifou-se) É mister salientar que uma das preocupações manifestadas pelo Tribunal de Contas da União remetia à inexistência de limitação ao número de órgãos ou entidades não participantes que poderiam aderir à Ata de Registro de Preços, porquanto a menção efetuada pelo Decreto 3.931/01 se limitava a 100% (cem por cento) do quantitativo contratado. Nessa esteira, o Acórdão 1.233/2012 discorre:  “(…) 7. Refiro-me à regra inserta no art. 8º, § 3º, do Decreto nº 3.931, de 19 de setembro de 2001, que permite a cada órgão que aderir à Ata, individualmente, contratar até 100% dos quantitativos ali registrados. (…) Está claro que essa situação é incompatível com a orientação constitucional que preconiza a competitividade e a observância da isonomia na realização das licitações públicas. 8. Para além da temática principiológica que, por si só já reclamaria a adoção de providências corretivas, também não pode deixar de ser considerado que, num cenário desses, a Administração perde na economia de escala, na medida em que, se a licitação fosse destinada inicialmente à contratação de serviços em montante bem superior ao demandado pelo órgão inicial, certamente os licitantes teriam condições de oferecer maiores vantagens de preço em suas propostas." (…) a adesão ilimitada às atas representa clara ofensa ao disposto no art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, que exige que compras e serviços sejam contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes. 19. Além desses, a adesão ilimitada também contraria os princípios básicos que norteiam a atividade da Administração Pública, como os da legalidade, da impessoalidade, da economicidade, da vinculação ao instrumento convocatório e da moralidade. 20. Vale observar, em termos práticos, que a sistemática de permitir adesões ilimitadas às Atas de Registro de Preços por intermédio de caronas, ao invés de reduzir a possibilidade de fraude ao procedimento licitatório, tende a ampliar esta possibilidade (…) 23. Nota-se, claramente, que a adesão ilimitada à Ata de Registro de Preços representa um desvirtuamento do SRP, que tem como pressuposto principal o planejamento das aquisições pela Administração Pública, na medida em que propicia a contratação de muito mais itens do que a quantidade efetivamente licitada (…) 9.3.2.1.5. em atenção ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório (Lei 8.666/1993, art. 3º, caput), devem gerenciar a ata de forma que a soma dos quantitativos contratados em todos os contratos derivados da ata não supere o quantitativo máximo previsto no edital;” (Acórdão1.233/2012 – Rel. Aroldo Cedraz – TCU – Plenário, de 23/5/2012; grifou-se) Desta feita, de acordo com o decidido pela Corte de Contas da União no julgado supra, ao se levar em consideração a potencialidade dos manifestos danos ocasionados pelo uso indiscriminado do instituto, foi estabelecida uma limitação no quantitativo a qual não poderia superar a totalidade da aquisição previamente pactuada. Em termos práticos, caso a ata objetivasse o fornecimento de 1.000 itens de determinado produto, tendo em vista que se trata de estimativa que não vincula a Administração em sua total aquisição, mas de consumo discricionário de acordo com suas necessidades, o limite total dos contratos advindos da ata só poderia atingir aqueles 1.000 itens, ou seja, a restrição de 100% (cem por cento) dos quantitativos não se aplicaria mais a cada órgão ou entidade “carona”, mas ao montante total a ser contratado – incluindo a compra efetuada pelos órgãos participantes. É mister corroborar que o atual limite dos quantitativos, segundo preleciona o Decreto 7.892/13, não poderá exceder, em sua totalidade, ao quíntuplo de cada item registrado para o órgão gerenciador e órgãos participantes, independente do número de órgãos não participantes que aderirem, inexistindo restrição quanto ao número de eventuais adesões por “caronas”, mas apenas ao somatório do quantitativo decorrente dessa utilização por órgãos não participantes. Tal ilimitação quantitativa – principalmente durante a vigência do Decreto 3.931/01 – resultaria em apropriação indevida do ganho de escala pelo particular, e consequente aquisição pela administração por preço acima do valor de mercado, bem como acabaria por resultar em um procedimento licitatório e consequente contratação de objeto indeterminado, prática vedada pelo art. 14[13] da lei 8.666/93. Nesse sentido, trecho do Acórdão 2.692/2012 do Tribunal de Contas da União:  “(…) 22. Assim, além de reduzir a possibilidade de fraudes, o entendimento firmado por esta Casa por meio dos Acórdãos 1.233/2012 e 2.311/2012 – Plenário traz também benefícios aos licitantes, uma vez que reduz a assimetria de informações do certame e diminui, em consequência, o risco de prejuízo decorrente de estimativas excessivamente otimistas, da quantidade total (incluindo as "caronas") que será efetivamente adquirida pelos órgãos públicos. Uma vez que cabe aos licitantes estimar a demanda global do bem licitado, quanto mais precisa for essa estimativa, não havendo conluio entre os licitantes, menor tenderá a ser o preço da proposta vencedora, uma vez que os ganhos de economia de escala poderão ser estimados com maior margem de segurança. 23. A dificuldade em estimar a quantidade global que será efetivamente adquirida pela Administração é justamente uma das principais fontes de críticas na jurisprudência e na doutrina ao instituto da "carona". As práticas adotadas pelos órgãos no sentido de aceitar a adesão tardia ilimitada ao SRP, consideradas indevidas pelo Acórdão 1.233/2012 – Plenário, reduziam as possibilidades de repasse de ganhos de escala, em face da incerteza na estimativa da demanda total por parte dos licitantes. De acordo com as práticas indevidas vigentes até a referida deliberação, hipoteticamente, um licitante, em uma licitação do SRP, poderia acordar secretamente com órgãos "carona" o fornecimento de grande quantidade adicional do bem licitado. Esse fato proporcionaria vantagens ao licitante fraudador, pois ele poderia apresentar, devido a ganhos de economia de escala, propostas de preço menores do que os concorrentes, que formulariam suas propostas com base em estimativas mais conservadoras de quantidades adicionais.” (Acórdão 2.692/2012 – Rel. Aroldo Cedraz – TCU – Plenário, de 3/10/2012; grifou-se) Outro ponto que merece destaque seria as adesões em atas de entes federativos diversos do órgão ou entidade não participante. Apesar da vedação da adesão de entidades ou órgãos federais em âmbitos estaduais e municipais conforme art.22, § 8º[14] do presente decreto regulamentador, o que já tinha sido estabelecido pela Advocacia-Geral da União por meio da Orientação Normativa 21/2009, a proibição não alcançou os âmbitos estaduais e municipais que possuem autonomia para formulação de seus próprios regulamentos acerca da matéria, o que resultaria por dificultar ainda mais a fiscalização do certame. Nesse sentido, o Tribunal de Contas da União, no Acórdão 2.692/2012 já mencionado, debateu, entre vários aspectos controversos do instituto, a análise da dificuldade na fiscalização de diversos contratos administrativos oriundos da prática, in verbis: “(…) permito-me abordar, com brevíssima manifestação, o problema que entendo existir na adesão à ata de registro de preços quanto ao pleno exercício do controle externo, particularmente no que se refere à possibilidade de adesão de órgãos e/ou entidades de diferentes esferas de governo. A adesão do "carona" à ata de registro de preços de outra esfera de governo traz sérias dificuldades ao controle que o art. 113 da Lei nº 8.666/93 atribuiu aos Tribunais de Contas. Imagine-se, por exemplo, que o órgão gerenciador pertencente à determinada esfera governamental proceda de forma irregular ao promover a licitação para o registro de preços. Na mesma hipótese, suponha-se que, inadvertidamente, o "carona" de outra esfera de governo faça a adesão a essa ata, causando sério prejuízo ao erário. Em situação desse jaez, a eficácia do controle parece restar comprometida, uma vez que o tribunal de contas competente para a fiscalização da conduta do "carona" poderá não ser competente para fiscalizar a conduta do órgão gerenciador. A questão não se limita à sistemática do "carona". No caso do decreto federal, é possível sustentar que não há vínculo de subordinação jurídica entre os órgãos participantes e o órgão gerenciador. Admitindo-se a possibilidade de que gerenciador e partícipes sejam de esferas distintas – parte da doutrina já admite que, para tanto, bastaria previsão regulamentar -, se houver irregularidades no procedimento licitatório concernentes às especificações do objeto, os órgãos gerenciador e participantes poderiam ser responsabilizados individualmente pelos órgãos de controle das respectivas esferas políticas. Todavia, há de se reconhecer que a situação não é simples, tornando tortuoso o caminho a ser percorrido pelos órgãos de controle, visto que gerenciador e partícipes atuam conjuntamente na especificação do objeto a ser licitado. Mesmo no caso dos órgãos partícipes, havendo irregularidades na condução do processo licitatório – não afetas à especificação do objeto -, o órgão de controle, ainda que constate flagrante prejuízo na realização de despesas decorrentes do contrato celebrado pelo órgão participante, nada poderá fazer em relação ao órgão gerenciador que conduziu o processo licitatório, caso este pertença a esfera de governo distinta”. (Acórdão 2.692/2012 – Relator: Aroldo Cedraz – TCU – Plenário, de 3/10/2012; grifou-se) Destarte, a expressa vedação aos órgãos e entidades da administração pública federal a adesão a Ata de Registro de Preços gerenciada por órgão ou entidade municipal, distrital ou estadual constitui regramento imperioso no sentido de prontificar a fiscalização pelas respectivas Cortes de Contas, desembaraçando qualquer critério concernente à incompetência das mesmas para efetuar o controle. Nesse sentido, parece se fazer necessário categórico impedimento, em aplicação de âmbito nacional, no sentido de coibir adesões de entidades não participantes em atas de registro de preços pertencentes à entidades federativas diversas dos órgãos aderentes, de modo a desembaraçar qualquer empecilho objetivando escorreito controle externo exercido pelos mais diversos Tribunais de Contas. No que diz respeito à relação existente do comodismo e da falta de planejamento da Administração com a inegável conveniência proporcionada pela adesão à ata por aqueles que não participaram de seu processo constitutivo, Joel de Menezes Niebuhr tece os seguintes comentários: “Para os agentes administrativos o carona é algo extremamente cômodo, porquanto os desobriga de promover licitação. Em vez de lançar processo licitatório – com todos os desgastes e riscos que lhe são inerentes -, basta achar alguma ata de registro de preços pertinente ao objeto que se pretenda contratar, e, se as condições da referida ata forem convenientes, contratar diretamente, sem maiores burocracias e formalidades. (…) nada obstante a comodidade do carona, especialmente em ser o carona, isto é, em aderir à ata de registro de preços dos outros, salta aos olhos que o instrumento em si, insista-se, preceituado no art. 8º e seus parágrafos do Decreto Federal n. 3.931/2001, avilta de modo desinibido e flagrante uma plêiade de princípios de Direito Administrativo, por efeito do que é antijurídico. Pode-se afirmar que o carona, na mais tênue hipótese, impõe agravos veementes aos princípios da legalidade, isonomia, vinculação ao edital, moralidade administrativa e impessoalidade. (…) Ocorre que a figura do carona não encontra qualquer resquício de amparo legal. A lei, nem remotamente, faz referência ao carona. A figura do carona foi criada de forma independente e autônoma por meio de regulamento administrativo, do Decreto Federal n. 3.931/2001. Nesse sentido, é forçoso afirmar que o presidente da República, ao criar o carona sem qualquer amparo legal, excedeu as suas competências constitucionais (inc. IV do art. 84 da Constituição Federal), violando abertamente o princípio da legalidade. (…) Quem poderia, em tese, criar o carona é o Poder Legislativo, por meio de lei, em obediência ao princípio da legalidade. O carona jamais poderia ter sido criado, como malgrado foi, pelo presidente da República, por mero regulamento administrativo. No Estado Democrático de Direito não se deve governar por decreto, mas por lei, conforme preceitua o princípio da legalidade, festejado de modo contundente e irrefutável pela Constituição Federal.” [15] De tal modo, é possível inferir-se que a referida adesão à Ata de Registro de Preços por órgãos que não participaram de seu processo poderia, de certa forma, patentear uma inércia e certo comodismo administrativo, haja vista que a ausência de planejamento nas contratações poderia ser saneada com a prática. Em posição mais radical, Toshio Mukai entende que a figura do “carona”, além de afronta aos princípios constitucionais e legais, representaria crime previsto na lei 8.666/93, in verbis: “Percebe-se que aqueles que defendem a figura do “carona”, e, até mesmo aqueles que lhes fazem restrições (tem que haver lei, tem que indicar os recursos, não pode existir de outros entes da federação, etc.), não visualizaram o principal defeito do Decreto nº 3.931/2001 e, principalmente, o do Decreto nº 4.342/2002 (este que criou o “carona”: em que um órgão/entidade fica autorizado a comprar de alguém que nem conhece (porque não participou da licitação realizada pelo agente gestor) e o vendedor, quanto ao que vai lhe vender, não venceu nenhuma licitação. Portanto, o que ocorre aí é claríssimo: uma compra feita por um órgão, sem licitação (porque o órgão não fez licitação) e o vendedor, por isso mesmo, relativamente ao que vai lhe vender, não venceu licitação nenhuma, simplesmente porque esta inexistiu. E, diz o art. 89 da Lei nº 8.666/1993: Seção III – Dos Crimes e das Penas Art. 89 – Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade: Pena – detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa. Parágrafo único – Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar o contrato com o Poder Público. Destarte, o que o art. 8º autoriza, em realidade, é o cometimento de um crime de licitação. Tudo o mais, como, eficiência, ganho de tempo, não repetição de licitações, etc., decantados pelos defensores desse verdadeiro crime “legalizado”, caem por terra. Por outro lado, falou-se muito em “caronas” federais, estaduais e municipais, até havendo defensores dessa idéia. Isto violenta brutalmente o sistema federativo e, portanto é inconstitucional. Se até mesmo um projeto de Emenda Constitucional nem sequer pode ser objeto de deliberação pelo Congresso Nacional, se tender a abolir: I – a forma federativa de Estado (art. 60, §4º, I da CF/88), quanto mais um simples decreto (como um Decreto que criou o Governo do Estado de São Paulo, a figura do “carona” e ainda essa excrescência constitucional que ignora o sistema federativo) pode fazê-lo.”[16] Impende salientar que entre as possíveis fraudes e conluios advindos da prática, podemos citar a possibilidade de exploração comercial das atas de registro de preços por empresas privadas, conforme preleciona trecho do acórdão 2.692/2012, in verbis: “(…) 1. Registre-se, ademais, que a Sefti constatou a possibilidade de exploração comercial das Atas de Registro de Preços por empresas privadas, como se observa, por exemplo, no site www.bidsolutions.com.br, que oferece auxílio nas compras via adesão às atas válidas de órgãos federais, estaduais e municipais, informando a existência, na data do acesso, de 35.610 itens em Atas de Registro de Preços e R$ 63.347.040,34 em itens, além de apresentar o seguinte anúncio: "Quer vender mais a sua Ata de Registro de Preço? A BID SOLUTIONS TE AJUDA!". 22. Outro exemplo é o site www2.dlink.com.br, que convida os interessados a aproveitar "as facilidades das atas de registro de preços junto a diversos órgãos federais para adquirir as soluções D-Link com mais agilidade", além de oferecer um "guia de adesão a atas e preços". 23. Nota-se, claramente, que a adesão ilimitada à Ata de Registro de Preços representa um desvirtuamento do SRP, que tem como pressuposto principal o planejamento das aquisições pela Administração Pública, na medida em que propicia a contratação de muito mais itens do que a quantidade efetivamente licitada”. (Acórdão 2.692/2012 – Rel. Aroldo Cedraz – TCU – Plenário, de 3/10/2012) Diante do exposto, segundo a corrente contrária à prática, a figura do “carona” representaria notória transgressão aos princípios legalidade, proposta mais vantajosa, isonomia, competição, vinculação ao edital, bem como princípio da república ou princípio federativo diante da permissibilidade de carona em diferentes âmbitos federativos como, por exemplo, entre estados ou municípios diversos. Desta feita, tem-se que a Corte de Contas da União não é contrária ao instituto, apesar das severas críticas, admitindo a prática, mas sendo esta feita não de modo indiscriminado, mas respeitando todos os seus devidos trâmites legais – tais como a justificação da adesão ser mais vantajosa do que a feitura de novo procedimento licitatório e respeito à limitação dos quantitativos – sendo um instituto novo que vem sendo aprimorado a partir de constatações de eventuais falhas a serem contornadas. CONCLUSÃO É inegável as inovações advindas do Sistema de Registro de Preços, principalmente, em matéria de economia e celeridade. No entanto, tratando-se da adesão de órgão não participante à ata, é imperioso salientar que não basta que a Administração busque a eficiência mitigando outros inafastáveis princípios administrativos e licitatórios. Impende salientar que o advento do novo Decreto 7.892/13 disciplinando o Sistema de Registro de Preços e, consequentemente, estabelecendo novas disposições à figura do “carona” – principalmente um limite mais razoável no tocante ao quantitativo que poderia ser usufruído por órgãos não participantes – promoveu indiscutível aperfeiçoamento do instituto, estabelecendo critérios mais revigorantes acabando por melhorar seu uso indiscriminado e abusivo. Ainda a respeito dos quantitativos que poderiam ser consumidos por órgãos não participantes, a preocupação era tamanha durante a vigência do Decreto 3.931/01, que o Tribunal de Contas da União se viu obrigado a estabelecer limites e parâmetros considerados razoáveis para futuras adesões a fim de compensar os inegáveis riscos aos quais à Administração Pública era imposta. Constata-se que as alterações promovidas no novo diploma normativo são inegavelmente decorrência de diversos embates, tanto em sede doutrinária como jurisprudencial, acerca da figura do “carona”, considerando as deliberações exaradas pela Corte de Contas da União, bem como por Orientações Normativas da Advocacia-Geral da União. Assim, em que pese a aparente pausa na inércia do Poder Executivo Federal na edição do Decreto Federal nº 7.892/13, ainda não se pode afirmar com plena convicção que o novo mandamento teria o condão de solucionar todas as controvérsias envolvendo o tema de forma a coibir quaisquer tipos de eventuais abusos. Em verdade, não obstante a concretização de referidas melhoras e inovações disciplinando o instituto, dois pontos ainda parecem motivo para apreensões, quais sejam: a regulamentação via decreto por hipótese de dispensa de licitação que só poderia ser realizada mediante lei e a dificuldade na fiscalização pelos respectivos Tribunais de Contas quanto às adesões que ocorrerem em âmbitos federativos diversos, porquanto a competência do órgão de controle sobre a inteireza do procedimento incidiria sobre mais de uma Corte de Contas com competências já legalmente delimitadas.  Sob o aspecto da ilegalidade, constata-se que a adesão de órgão não participante à Ata de Registro de Preços configura inegavelmente uma hipótese de dispensa em licitação, a qual não se encontra qualquer remota previsão seja na Carta Magna ou na Lei 8.666/93. Assim, tem-se que o Presidente de República, ao criar o instituto sem qualquer amparo constitucional ou até mesmo legal, extrapolou suas competências constitucionais na feitura de um decreto regulamentar cuja previsão se encontra no art. 84, IV, da Constituição Federal, acabando por criar um decreto autônomo fora das exigências do art. 84, VI, da Carta da República. A violação ao princípio da legalidade resta patente na medida em que a inovação no ordenamento jurídico como sucedeu com a figura em debate, só poderia ter ocorrido por meio de lei e não por mero regulamento administrativo, tal como se exige no atual Estado Democrático de Direito e tal como ocorreu nas contratações submetidas ao Regime Diferenciado de Contratações, criado por Lei Federal nº 12.462/2011 expressamente prevê idêntica figura em seu artigo 32, § 1º. Por outro lado, no que pese a vedação da adesão de entidades ou órgãos federais em âmbitos estaduais e municipais conforme art.22, § 8º do presente decreto regulamentador, a referida proibição não alcançou os âmbitos estaduais e municipais que possuem autonomia para formulação de seus próprios regulamentos acerca da matéria. De tal modo, existe ainda a permissibilidade para as adesões em Estados e Municípios diversos daquele em que ocorre o procedimento licitatório. Assim, caso a licitação que ocorra por meios fraudulentos e irregulares seja sucedida por uma adesão de um ente de outra esfera governamental, o Tribunal de Contas competente para fiscalizar a conduta do “carona” não será o mesmo para exercer o controle sobre os atos do órgão gerenciador, porquanto se encontrariam sob jurisdições diversas, obstaculizando sobremaneira o controle externo exercido pelas Cortes de Contas. Dessa feita, apenas existindo previsão regulamentar no sentido de permitir a adesão em esferas estaduais e municipais distintas, os órgãos não participantes e gerenciadores seriam responsabilizados individualmente e por Tribunais de Contas distintos, sendo caracterizado manifesto embaraço no exercício de fiscalização. Nesse sentido, parece se fazer necessário categórico impedimento, em aplicação de âmbito nacional, no sentido de coibir adesões de entidades não participantes em atas de registro de preços pertencentes à entidades federativas diversas dos órgãos aderentes, de forma a permitir o máximo controle e fiscalização por parte do Tribunal de Contas competente. Por outro lado, imprime-se inegável relevância à motivação que, de modo hábil e coerente, irá justificar a adesão à Ata de Registro de Preços por órgãos não participantes, de forma a avaliar que tal dispensa, de fato, mostra-se mais vantajosa do que a feitura de novo procedimento licitatório. Dessa forma, primando pelos princípios da impessoalidade e da moralidade da Administração Pública, a motivação sólida e consistente evita que o instituto sirva como instrumento para acobertar o comodismo e a falta de planejamento do Poder Público em promover, ele próprio, a licitação e a celebração do contrato administrativo. Desse modo, tem-se que a utilização escorreita da adesão de órgãos não participantes pode trazer inúmeros benefícios para a Administração Pública, tais como a eficiência e economicidade. Para tanto, em respeito ao princípio da legalidade, é imprescindível que a previsão do instituto ocorra mediante lei, sendo igualmente necessária a previsão no diploma legal de vedação de adesões em entes federativos diversos, de forma a não dar azo a fraudes diante das eventuais dificuldades na fiscalização de “caronas” ocorrido em entidades federativas diversas, assim como a motivação deverá exercer o caráter instrumental nas questões envolvendo as referidas adesões.
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Análise jurídica da exigência da regularidade fiscal na fase de habilitação no âmbito das licitações públicas
O presente artigo é fruto de pesquisa no âmbito das licitações públicas e jurisprudência dos tribunais trazendo a lume discussão acerca da exigência da regularidade fiscal como pressuposto na fase de habilitação nas licitações públicas. Nesse esteio, sua escrita se delimitou na análise das noções conceituais e principiológicas no tocante às licitações públicas, bem como no que diz respeito à habilitação jurídica no procedimento. Trata-se de um trabalho singelo que, de forma alguma, busca exaurir ou trazer todas as respostas acerca da temática. Dessa forma, sua análise se dá mediante a exibição de dois entendimentos diametralmente opostos com suas respectivas argumentações defensivas. Nesse esteio, este breve escrito se propõe, preordenado a contribuir para o fomento de um debate, seja na seara acadêmica, seja na doutrinária e, principalmente, no âmbito dos Tribunais Superiores, onde brotam decisões que tenham enfrentado, direta ou indiretamente, a presente temática.
Direito Administrativo
Introdução Licitação Pública pode ser definida como o ato administrativo formal por meio do qual o Poder Público busca selecionar a oferta mais vantajosa para a aquisição de bens ou prestação de serviços de modo a resguardar os princípios constitucionais da isonomia, impessoalidade e economicidade. Nesse esteio, tem-se que a partir da publicação do instrumento convocatório é propiciada a participação de particulares no procedimento licitatório objetivando a seleção da proposta mais vantajosa ao interesse público. No entanto, mostra-se imperioso assegurar a habilitação do licitante – o que se faz pelas exigências delineadas no art. 27 da Lei 8.666/93 – no sentido de evitar gastos públicos com todo o procedimento para, ao final, o vencedor não possuir os requisitos necessários, tanto do ponto de vista econômico quanto técnico, como também não “premiar” o licitante inadimplente com suas obrigações tributárias. A exigência da regularidade fiscal nesse sentido, trata-se de tema divergente ocasionando calorosos debates em sede doutrinária. Uma primeira corrente defende a constitucionalidade da exigência, principalmente, ao considerar injusta a possibilidade de relação jurídica benéfica com o Poder Público enquanto descumpre suas respectivas obrigações tributárias, bem como a manifestação do Constituinte Originário ao estabelecer que a pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público. De outra banda, a exigência da regularidade fiscal nos moldes como foi realizada pela Lei 8.666/93, na qual esta é exigida mesmo com relação a entidade federativa diversa da qual se pretende firmar o futuro contrato administrativo, seria imposição dotada de flagrante desproporcionalidade, bem como configuraria forma de sanção política. De tal forma, o presente trabalho objetiva aclarar os principais pontos de conflito entre as duas correntes diametralmente opostas de forma a expor as críticas e os pontos de vista de doutrinadores especialistas na área e o entendimento emanado dos Tribunais Superiores, mostrando, ademais, os principais argumentos levantados no debate em testilha.   1. Licitações públicas Licitações públicas podem ser definidas como uma espécie de procedimento administrativo vinculado, conforme mandamento constitucional insculpido no art. 37, XXI, da Magna Carta, por meio do qual o Poder Público seleciona a melhor proposta entre as oferecidas pelos interessados objetivando a celebração de um contrato, sendo julgada e processada em consonância aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo, entre outros. 1.1 Delimitação Conceitual. As licitações públicas decorrem da necessidade lógica advinda do fato de que a Administração, buscando aquisição de bens e contratação serviços, almeja pela seleção da oferta mais vantajosa, de forma a resguardar o interesse público na escolha das melhores propostas – dentre tipos existentes no art. 45, §1o, da Lei 8.666/93[1] para se aferir o que seria “a melhor proposta” – despendendo a menor quantidade de recursos possíveis, respeitando-se todos os atos previstos em lei para tanto. Por Celso Antônio Bandeira De Mello, o instituto é assim conceituado: “Licitação – em suma síntese – é um certame que as entidades governamentais devem promover e na qual abrem disputa entre os interessados e com elas travar determinadas relações de conteúdo patrimonial, para escolher a proposta mais vantajosa às conveniências públicas. Estriba-se na idéia de competição, a ser travado isonomicamente entre os que preencham os atributos e aptidões necessários ao bom cumprimento das obrigações que se propõem assumir.”[2] Em outras palavras, licitação pública pode ser definida como o certame no qual um conjunto de atos administrativos concatenados, em cenário isonômico e favorável a incutir a competitividade entre interessados a contratar com a Administração, objetiva a seleção da proposta mais vantajosa às conveniências públicas. Com efeito, Ronny Charles, assim se pronuncia: “Licitação é o procedimento prévio de seleção por meio do qual a Administração, mediante critérios previamente estabelecidos, isonômicos, abertos ao público e fomentadores da competitividade, busca escolher a melhor alternativa para a celebração de um contrato. Sendo um procedimento prévio à realização do contrato, a licitação tem como intuito permitir que se ofereçam propostas e que seja escolhida a mais interessante e vantajosa ao interesse público.”[3] Outrora, existiram pensamentos estabelecendo que o contrato poderia ser definido como parte do procedimento licitatório. No entanto, atualmente resta pacífica a improcedência de tal argumentação, tendo em vista que os dois institutos são notoriamente independentes. Corroborando o ora esposado, pode-se citar: o fato da decisão de contratar ser discricionária, enquanto o procedimento licitatório, em regra, não o é; o vencedor da licitação não possui direito subjetivo, mas tão somente expectativa de direito no tocante à celebração do contrato; a existência de contrato administrativo sem a feitura de licitação nas hipóteses de dispensa e inexigibilidade previstas em lei. 1.2 Princípios Gerais e Específicos. Os fundamentos para a existência da licitação podem ser constatados a partir de uma análise de dois dos denominados princípios diretivos do Direito Administrativo, quais sejam: eficiência e impessoalidade. No procedimento licitatório, o princípio da eficiência se mostra presente na escolha da melhor contratação possível, ou seja, a celebração de um negócio a partir da escolha da proposta mais vantajosa pressupondo o melhor preço aliado à melhor prestação. A impessoalidade, por sua vez, estabelece critérios objetivos e previamente estabelecidos em lei na contratação dos negócios administrativos, de forma a evitar subjetivismos e favoritismos que possam comprometer o interesse público. Sob outro prisma, o princípio constitucional da isonomia é responsável por garantir a igualdade de oportunidades a todos que almejam ingressar em situação jurídica especial que possa interessar a mais de um administrado, qual seja contratar com a Administração Pública. Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, existiriam, no âmbito do Direito Administrativo, dois princípios considerados de elevada importância, quais sejam: a supremacia do interesse público sobre o interesse privado e a indisponibilidade do interesse público. “Os dois princípios, referidos acima, são aqui realçados não em si mesmos, mas em suas repercussões no ordenamento jurídico em geral. Assim, têm importância, sem dúvida, suas justificações teóricas, mas para o jurista, o que interessa mais, como dado fundamental, é a tradução deles nos sistema. (…) Atribui-se-lhes a importância de pontos fundamentais do Direito Administrativo não porque possuam em si mesmos a virtude de se imporem como fontes necessárias do regime, mas porque, investigando o ordenamento jurídico administrativo, acredita-se que eles hajam sido encampados por ele e nesta condição validados como fonte-matiz do sistema. Logo, não se lhes dá um valor intrínseco, perene e imutável. Dá-se-lhes importância fundamental porque se julga que foi o ordenamento jurídico que assim o qualificou”.[4] É mister salientar que a obediência aos princípios gerais e específicos das licitações públicas, não afasta idêntica submissão aos demais princípios aplicáveis no âmbito da Administração Pública de forma mais abrangente. O princípio da publicidade se mostra presente na divulgação obrigatória dos atos praticados pela Administração Pública como uma das exigências do próprio Estado Democrático de Direito. A licitação, na qualidade de procedimento público, deve ocorrer mediante divulgação do edital de forma a alcançar todos os possíveis interessados que aspirem às contratações nos moldes estabelecidos pelo próprio instrumento convocatório. A inexistência do edital ocorre somente na modalidade convite, sendo o instrumento convocatório a denominada “carta-convite”. É importante destacar que a existência de sigilo na licitação, dá-se apenas quanto ao conteúdo das propostas, de forma a fomentar a competitividade buscando as melhores propostas, perdurando apenas até o momento da abertura dos envelopes. Todo o procedimento licitatório é rigorosamente disciplinado em lei, tal como todos os procedimentos administrativos que devem estar em consonância com o denominado princípio da legalidade. Neste diapasão, o art. 4º da Lei 8.666/93[5] estabelece que todos os participantes da licitação gozam de direito público subjetivo à fiel observância do procedimento legal, dando azo à possível impugnação caso o licitante se sinta prejudicado ou lesado. Como consectários lógicos do princípio, podemos citar: o fortalecimento da participação popular porquanto é concedido ao cidadão diversas formas de controle da legalidade, ampliação das formas de controle interno e externo, bem como o enquadramento de determinados comportamentos como crime – art. 89 a 99 da Lei 8.666/93 -, os quais antes eram considerados tão somente infrações administrativas, sendo, na prática, absorvidos por um crime-fim ou pela Lei de Improbidade Administrativa. Feitas tais considerações no atinente aos princípios gerais das licitações, passar-se-á a uma análise de seus princípios específicos, quais são: vinculação ao instrumento convocatório, julgamento objetivo, competitividade, sigilo das propostas, formalismo procedimental e vedação à oferta de vantagens. O princípio da vinculação ao instrumento convocatório determina que, tanto os licitantes quanto a própria Administração, estão sujeitos à observância das normas contidas no ato que inaugura o procedimento licitatório, o qual pode se dá de duas formas diferentes: edital ou carta-convite, esta última ocorrendo somente na modalidade convite. A observância de tal princípio poderia ser considerada uma das decorrências da isonomia, pois as mesmas regras são impostas para a observância de todos que desejem participar do procedimento. O princípio do julgamento objetivo prescreve que a proposta na licitação será julgada conforme os critérios pré-estabelecidos no instrumento convocatório, conforme preleciona o art. 45, caput, da Lei nº 8.666/93: “O julgamento das propostas será objetivo, devendo a Comissão de licitação ou o responsável pelo convite realizá-lo em conformidade com os tipos de licitação, os critérios previamente estabelecidos no ato convocatório e de acordo com os fatores exclusivamente nele referidos, de maneira a possibilitar sua aferição pelos licitantes e pelos órgãos de controle”. Nota-se, portanto, forte inter-relação do aludido princípio com a vinculação do instrumento convocatório, bem como a impessoalidade que rege as licitações públicas. O princípio do formalismo procedimental estabelece a existência de uma série de atos previstos em lei a serem seguidos, não podendo o administrador subvertê-los. Como exemplo, poder-se-ia citar os contratos verbais como sendo a exceção, e não a regra, no âmbito das licitações públicas, conforme dispõe o parágrafo único, art. 60, da Lei 8.666/93: “É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de pequenas compras de pronto pagamento, assim entendidas aquelas de valor não superior a 5% (cinco por cento) do limite estabelecido no art. 23, inciso II, alínea "a" desta Lei, feitas em regime de adiantamento.” Por último, o princípio da vedação à oferta de vantagens seria a impossibilidade do licitante para ofertar outras vantagens não contidas na sua proposta, da forma prevista no art. 44, §2º, da Lei 8.666/93. [6] 2. Habilitação Jurídica Habilitação jurídica pode ser definida como meio pelo qual o Poder Público busca garantir, mediante critérios objetivos estabelecidos na Lei de Licitações, que o vencedor do certame possua todas as condições de cumprir o avençado em futuro contrato administrativo, de modo a resguardar o interesse público evitando o dispêndio de recursos e a refeitura do procedimento. Em outras palavras, a fase de habilitação jurídica tem o intuito de comprovar a idoneidade e capacidade do licitante de executar satisfatoriamente as exigências do contrato, de modo a permitir o avanço nas demais etapas do procedimento licitatório. Desta feita, o Superior Tribunal de Justiça possui salutar entendimento quanto efetiva repercussão prática com relação a exigências realizadas na fase de habilitação jurídica, conforme o seguinte julgado: “EMENTA: ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. HABILITAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA.EDITAL. 1. As regras do edital de procedimento licitatório devem ser interpretadas de modo que, sem causar qualquer prejuízo à administração e aos interessados no certame, possibilitem a participação do maior número possível de concorrentes, a fim de que seja possibilitado se encontrar, entre várias propostas, a mais vantajosa. 2. Não há de se prestigiar posição decisória assumida pela Comissão de Licitação que inabilita concorrente com base em circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato,fazendo exigência sem conteúdo de repercussão para a configuração da habilitação jurídica, da qualificação técnica, da qualificação econômica-financeira e regularidade fiscal. 3. Se o edital exige que a prova da habilitação jurídica da empresa deve ser feita, apenas, com a apresentação do "ato constitutivo e suas alterações, devidamente registrada ou arquivadas na repartição competente, constando dentre seus objetivos a exclusão de serviços de Radiodifusão…", é excessiva e sem fundamento legal a inabilitação de concorrente sob a simples afirmação de que cláusulas do contrato social não se harmonizam com o valor total do capital social e com o correspondente balanço de abertura, por tal entendimento ser vago e impreciso. 4. Segurança concedida”. (STJ – MS: 5606 DF 1998/0002224-4, Relator: Ministro JOSÉ DELGADO, Data de Julgamento: 13/05/1998, S1 – PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJ 10/08/1998 p. 4).[7] Nesse esteio, os critérios da referida fase se encontram no art. 27 da Lei 8.666/93, in verbis: “Art. 27.  Para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a: I – habilitação jurídica; II – qualificação técnica; III – qualificação econômico-financeira; IV – regularidade fiscal e trabalhista;     V – cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7o da Constituição Federal.” É mister salientar que os critérios não podem se configurar meras formalidades de indesejável impertinência para o fim ao qual se propõe, de forma que o administrador se mostra obrigado a utilizar, além de razoabilidade e proporcionalidade, quesitos que, de fato, demonstrem a capacitação do interessado e estejam previstos no instrumento convocatório conforme o comando do art. 40, VI, da Lei 8.666/93. Quanto às críticas existentes especificamente à regularidade fiscal, tem-se que a exigência constitucional da fase de habilitação jurídica teria se limitado à qualificação técnica e econômica. “XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações” Nesse sentido, respeitáveis vozes doutrinárias – incluindo Di Pietro até 2011 – consideram inconstitucionais as demais exigências que não sejam a qualificação técnica e econômica: “O que não parece mais exigível a partir da Constituição de 1988, é a documentação relativa à regularidade jurídico-fiscal, ou seja, prova de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Geral de Contribuintes (CGC), prova de inscrição no cadastro de contribuintes estadual ou municipal e prova de regularidade para com a Fazenda Federal, Estadual e Municipal, pois isto exorbita do que está previsto na Constituição; com efeito, trata-se de exigências não essenciais à execução do contrato. Além disso, não se pode dar à licitação – procedimento já bastante complexo – o papel de instrumento de controle fiscal, quando a lei prevê outras formas de controle voltadas para essa finalidade.” [8]. No entanto, trata-se, atualmente, de posição minoritária. 2. Regularidade fiscal Consoante o art. 29, III, da Lei 8.666/93, a regularidade fiscal pode ser traduzida como a “prova de regularidade para com a Fazenda Federal, Estadual e Municipal do domicílio ou sede do licitante, ou outra equivalente, na forma da lei”. Destaca-se que não há de se confundir a prova de regularidade fiscal com a prova de quitação de tributos perante a Fazenda Federal, Estadual e Municipal. No mesmo sentido dispõe o Tribunal de Contas da União: “TCU – Súmula 283: Para fim de habilitação, a Administração Pública não deve exigir dos licitantes a apresentação de certidão de quitação de obrigações fiscais, e sim prova de sua regularidade.” Muito embora tanto a quitação de tributos quanto a regularidade fiscal possam ser comprovadas mediante certidão negativa, tais expressões não são equivalentes. Isso porque a regularidade fiscal abrange outras denominadas obrigações acessórias de natureza tributária, ou seja, trata-se de expressão mais abrangente do que a quitação dos tributos. Assim como pode existir a regularidade mediante a expedição de uma certidão positiva com efeitos de negativa, ainda que o não tenha havido o pagamento do tributo. “Art. 205. A lei poderá exigir que a prova da quitação de determinado tributo, quando exigível, seja feita por certidão negativa, expedida à vista de requerimento do interessado, que contenha todas as informações necessárias à identificação de sua pessoa, domicílio fiscal e ramo de negócio ou atividade e indique o período a que se refere o pedido. Parágrafo único. A certidão negativa será sempre expedida nos termos em que tenha sido requerida e será fornecida dentro de 10 (dez) dias da data da entrada do requerimento na repartição. Art. 206. Tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a certidão de que conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa.” Dessa forma, para fins de exigência na habilitação no procedimento licitatório, deve-se exigir a regularidade fiscal, não sendo suficiente a comprovação de pagamento de tributos perante a Fazenda Federal, Estadual e Municipal. É importante destacar que, no que concerne às empresas em recuperação judicial, o Superior Tribunal de Justiça – Recurso Especial nº 1.173.735 julgado em 2014 da Relatoria do Min. Luis Felipe Salomão – entende por dispensar a exigência ao argumento de que, caso contrário, a recuperação judicial não poderá ser tida como efetiva, verbis: “DIREITO EMPRESARIAL, TRIBUTÁRIO E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE CONSTRUÇÃO E MONTAGEM DE INSTALAÇÕES INDUSTRIAIS DE PRODUÇÃO DE PETRÓLEO E GÁS NATURAL COM A PETROBRAS. PAGAMENTO DO SERVIÇO PRESTADO. EXIGÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO DA EMPRESA PRESTADORA DOS SERVIÇOS. IMPOSSIBILIDADE. SOCIEDADE EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. ARTS. 52 E 57 DA LEI N. 11.101/2005 (LF) E ART. 191-A DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL (CTN). INOPERÂNCIA DOS MENCIONADOS DISPOSITIVOS. INEXISTÊNCIA DE LEI ESPECÍFICA A DISCIPLINAR O PARCELAMENTO DA DÍVIDA FISCAL E PREVIDENCIÁRIA DE EMPRESAS EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRECEDENTE DA CORTE ESPECIAL. 1. O art. 47 serve como um norte a guiar a operacionalidade da recuperação judicial, sempre com vistas ao desígnio do instituto, que é "viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica". 2. Segundo entendimento exarado pela Corte Especial, em uma exegese teleológica da nova Lei de Falências, visando conferir operacionalidade à recuperação judicial, é desnecessário comprovação de regularidade tributária, nos termos do art. 57 da Lei n. 11.101/2005 e do art. 191-A do CTN, diante da inexistência de lei específica a disciplinar o parcelamento da dívida fiscal e previdenciária de empresas em recuperação judicial (REsp 1187404/MT, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 19/06/2013, DJe 21/08/2013). 3. Dessarte, o STJ, para o momento de deferimento da recuperação, dispensou a comprovação de regularidade tributária em virtude da ausência de legislação específica a reger o parcelamento da dívida fiscal e previdenciária de empresas em recuperação judicial. Nessa linha de intelecção, por óbvio, parece ser inexigível, pelo menos por enquanto, qualquer demonstração de regularidade fiscal para as empresas em recuperação judicial, seja para continuar no exercício de sua atividade (já dispensado pela norma), seja para contratar ou continuar executando contrato com o Poder Público. 4. Na hipótese, é de se ressaltar que os serviços contratados já foram efetivamente prestados pela ora recorrida e, portanto, a hipótese não trata de dispensa de licitação para contratar com o Poder Público ou para dar continuidade ao contrato existente, mas sim de pedido de recebimento dos valores pelos serviços efetiva e reconhecidamente prestados, não havendo falar em negativa de vigência aos artigos 52 e 57 da Lei n. 11.101/2005. 5. Malgrado o descumprimento da cláusula de regularidade fiscal possa até ensejar, eventualmente e se for o caso, a rescisão do contrato, não poderá haver a retenção de pagamento dos valores devidos em razão de serviços já prestados. Isso porque nem o art. 87 da Lei n. 8.666/1993 nem o item 7.3. do Decreto n. 2.745/1998, preveem a retenção do pagamento pelo serviços prestados como sanção pelo alegado defeito comportamental. Precedentes. 6. Recurso especial a que se nega provimento.” (STJ – REsp: 1173735 RN 2010/0003787-4, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 22/04/2014, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/05/2014) No referido julgado, o voto do Min. Luis Salomão expôs a controvérsia da seguinte maneira: “VOTO: (…) Portanto, ao que se vê, a Lei previu, em um primeiro momento, a dispensa da apresentação de certidão negativa para o devedor continuar exercendo as suas atividades, ressalvando a isenção no tocante a contratação com o Poder Público e recebimento de incentivos fiscais; e, em um segundo momento, a exigência da apresentação da CND para o deferimento da recuperação da empresa. Como visto, o STJ, para o momento de deferimento da recuperação, dispensou a comprovação de regularidade tributária em virtude da ausência de legislação específica a reger o parcelamento da dívida fiscal e previdenciária de empresas em recuperação judicial. Nessa linha de intelecção, por óbvio, parece ser inexigível, pelo menos por enquanto, qualquer demonstração de regularidade fiscal para as empresas em recuperação judicial, seja para continuar no exercício de sua atividade (já dispensado pela norma), seja para contratar ou continuar executando contrato com o Poder Público. É que, como dito naquele oportunidade, em se tratando de recuperação judicial, a nova Lei de Falências traz uma norma-programa de densa carga principiológica, constituindo a lente pela qual devem ser interpretados os demais dispositivos. A inovação está no art. 47, que serve como um norte a guiar a operacionalidade da recuperação judicial, vale dizer, ‘viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica’. Com feito, a hermenêutica conferida à Lei n. 11.101⁄2005, no particular relativo à recuperação judicial, deve sempre se manter fiel aos propósitos do diploma, isto é, nenhuma interpretação pode ser aceita se dela resultar circunstância que – além de não fomentar – inviabilize a superação da crise empresarial, com consequências perniciosas ao objetivo de preservação da empresa economicamente viável, à manutenção da fonte produtora e dos postos de trabalho, além de não atender a nenhum interesse legítimo dos credores, sob pena de tornar inviável toda e qualquer recuperação judicial, sepultando o instituto. Isso porque é de se presumir que a empresa que se socorre da recuperação se encontra em dificuldades financeiras para pagar seus fornecedores e passivo tributário e, por conseguinte, em obter a emissão de certidões negativas de débitos; não podendo isso, contudo, significar a impossibilidade de sua recuperação, máxime para recebimento de crédito a que faz jus por ter cumprido integralmente sua obrigação contratual. Ao revés, pelos primados da lei, deve-se possibilitar meios e condições econômicas para que a empresa supere a situação de crise.” (STJ, Recurso Especial nº 1.173.735, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 22.04.2014) 3. Da análise jurídica da exigência da regularidade fiscal na fase de habilitação no âmbito das licitações Públicas Consabido que com o intuito de resguardar a exeqüibilidade e evitar dispêndio de recursos públicos de forma a ir de encontro ao interesse da coletividade, principalmente ao se considerar, que a fase da habilitação segue uma tendência iniciada com a Lei 10.520/02 para que ocorra após a apreciação das propostas, a documentação quanto a regularidade fiscal é estabelecida no art. 29 da Lei 8.666/93. A regularidade fiscal objetiva informar a adimplência do licitante no que diz respeito às suas obrigações fiscais por meio, principalmente, da análise dos seus cadastros públicos. Segundo Jorge Munhós Souza[9], não há consenso sobre o que se pode exigir a título de regularidade fiscal, pendendo questionamentos sobre os seguintes pontos: i) seria possível se exigir a comprovação de inexistência de débitos não-fiscais? Como, por exemplo, a multa? ii) seria possível inabilitar o licitante em função da inexistência de débitos fiscais não reclamados ao objeto da contratação? Como, por exemplo, empresa que foi contratada para a realização de obra, mas se encontra inadimplente quanto ao pagamento do IPTU. iii) a comprovação da regularidade fiscal está limitada à órbita em que se realiza a licitação, ou seria possível se exigir do licitante a comprovação da regularidade fiscal perante todos os entes federativos? Iv) se o licitante tiver diversas inscrições fiscais (matriz e diversas filiais), a irregularidade fiscal de uma delas terá efeitos em relação às demais? É mister salientar que a condição regularidade fiscal que, a priori, permitiu a continuidade do licitante no procedimento, deve ser mantida durante toda a execução do contrato, a teor do artigo 55, inciso XIII, da Lei 8.666/93, sob pena de incorrer em descumprimento contratual ensejando motivo para rescisão. 3.1 Argumentos Contrários a sua Admissibilidade Conforme supracitado, parcela da doutrina defende a inconstitucionalidade da exigência de regularidade fiscal com base no argumento de que a lei federal teria extrapolado o comando constitucional explanado no art. 37, XXI, da Carta Magna, a qual apenas exige a qualificação técnica e econômica para efeito de habilitação jurídica. Nessa mesma esteira de análise dos dispositivos constitucionais, defende-se que, fora a qualificação técnica e qualificação econômica, poderia ser exigida a regularidade fiscal apenas no tocante aos débitos existentes com o sistema de seguridade social, conforme preleciona o art. 193, § 3º, da Constituição Federal, que “a pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.” Assim, defende-se que as restrições não poderiam extrapolar o conteúdo dos únicos dois dispositivos de estatura constitucional, quais sejam: “Artigo 37 – […] XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. Artigo 195 – […] § 3º – A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.” Celso Antônio Bandeira de Mello defende que a exigência seria um percalço no aspecto da competitividade do certame e que a inabilitação só deveria ocorrer nos casos em que o adimplemento contratual possa se mostrar efetivamente comprometido. “No que tange à prova de regularidade com as Fazendas Públicas, anotou que já não mais se fala em “quitação” com a Fazenda Pública, mas em “regularidade” com o Fisco, que pode abranger a existência do débito consentido e sob o controle do credor. Donde, será ilegal o edital que exija prova de quitação. Além disto, o licitante pode haver se insurgido contra o débito por mandado de segurança ou outro meio pelo qual o questione ou questione seu montante. Há de se ter por certo que “a exigência de regularidade fiscal não pode sobrepor-se à garantia da universalidade e do monopólio da jurisdição”. Donde, se a parte estiver litigando em juízo sobre o pretendido débito, tal circunstancia não poderá ser um impedimento a que participe de licitações.” [10] No mesmo sentido, pronuncia-se Marçal Justen Filho quanto a drasticidade da medida de inabilitação que exige circunstâncias excepcionais para sua aplicação.   “Em qualquer caso, porém, a exigência de regularidade fiscal não pode sobrepor-se à garantia da universalidade e do monopólio da jurisdição. Significa que a submissão do litígio à apreciação do Poder Judiciário afasta qualquer laivo de irregularidade. Não é constitucional impor a perda do direito de licitar enquanto a matéria estiver sob apreciação do Poder Judiciário.”[11] Um dos principais argumentos contrários à exigência da regularidade fiscal pode ser traduzido na configuração de sanção política. Assim, merecem maiores considerações os contornos e a definição do instituto. Afinal, o que seria sanção política? Consoante pacífica jurisprudência dos Tribunais Superiores, o Poder Público não poderia se valer de meios coercitivos indiretos e desproporcionais para realizar a cobrança de tributos. Isso porque a Fazenda Pública já possui os meios idôneos, que respeitam o devido processo legal e seus respectivos consectários para atingir o patrimônio do contribuinte. Em outras palavras, ao dispor da execução fiscal e de todos seus benefícios previstos na Lei 6.830/80, bem como a cobrança em sede administrativa do crédito tributário, a entidade pública não poderia se valer de vias oblíquas que ofendem a livre iniciativa e o livre exercício de qualquer trabalho e ofício ou profissão a ponto de obrigar o sujeito passivo a realizar o pagamento, sob pena de sanções de tal natureza. Nesse sentido, os Tribunais Superiores assim possuem o entendimento de forma sumulada: “STF – Súmula 70: É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo. STF – Súmula 323: É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos. STF – Súmula 547: Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais. STJ – Súmula 127: É ilegal condicionar a renovação da licença de veiculo ao pagamento de multa, da qual o infrator não foi notificado.” O posicionamento do Supremo Tribunal Federal é uníssono no sentido de vedação do instituto enquanto meio para cobrança indireta do pagamento de tributos, conforme os seguinte julgados ora colacionados: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ICMS. IMPOSSIBILIDADE DE IMPOR AO CONTRIBUINTE INADIMPLENTE A OBRIGAÇÃO DO RECOLHIMENTO ANTECIPADO DO TRIBUTO. FORMA OBLÍQUA DE COBRANÇA. VIOLAÇÃO AOS PRÍNCIPIOS DA LIVRE CONCORRÊNCIA E DA LIBERDADE DE TRABALHO E COMÉRCIO. AGRAVO IMPROVIDO. I – Impor ao contribuinte inadimplente a obrigação de recolhimento antecipado do ICMS, como meio coercitivo para pagamento do débito fiscal, importa em forma oblíqua de cobrança de tributo e em contrariedade aos princípios da livre concorrência e da liberdade de trabalho e comércio. Precedentes. II – Agravo regimental improvido.” (RE 525.802-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski). “DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. SANÇÃO POLÍTICA COMO MEIO COERCITIVO PARA PAGAMENTO DE TRIBUTOS. INCONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTES. 1. Nos termos da jurisprudência da Corte, é inconstitucional a sanção política visando ao recolhimento de tributo, tal como ocorre com o ato de condicionar a expedição de notas fiscais à prestação de fiança, garantia real ou fidejussória por parte do contribuinte. Matéria decidida no RE 565.048, Rel. Min. Marco Aurélio. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.“ (AI 623.739-AgR, Rel. Ministro Roberto Barroso) “DÉBITO FISCAL – IMPRESSÃO DE NOTAS FISCAIS – PROIBIÇÃO – INSUBSISTÊNCIA. Surge conflitante com a Carta da República legislação estadual que proíbe a impressão de notas fiscais em bloco, subordinando o contribuinte, quando este se encontra em débito para com o fisco, ao requerimento de expedição, negócio a negócio, de nota fiscal avulsa.” (RE 413.782, Rel. Min. Marco Aurélio) “CONSTITUCIONAL. DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO AO JUDICIÁRIO. DIREITO DE PETIÇÃO. TRIBUTÁRIO E POLÍTICA FISCAL. REGULARIDADE FISCAL. NORMAS QUE CONDICIONAM A PRÁTICA DE ATOS DA VIDA CIVIL E EMPRESARIAL À QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. CARACTERIZAÇÃO ESPECÍFICA COMO SANÇÃO POLÍTICA. AÇÃO CONHECIDA QUANTO À LEI FEDERAL 7.711/1988, ART. 1º, I, III E IV, PAR. 1º A 3º, E ART. 2º. 1. Ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas contra os arts. 1º, I, II, III e IV, par. 1º a 3º e 2º da Lei 7.711/1988, que vinculam a transferência de domicílio para o exterior (art. 1º, I), registro ou arquivamento de contrato social, alteração contratual e distrato social perante o registro público competente, exceto quando praticado por microempresa (art. 1º, III), registro de contrato ou outros documentos em Cartórios de Registro de Títulos e Documentos (art. 1º, IV, a), registro em Cartório de Registro de Imóveis (art. 1º, IV, b) e operação de empréstimo e de financiamento junto a instituição financeira, exceto quando destinada a saldar dívidas para com as Fazendas Nacional, Estaduais ou Municipais (art. 1º, IV, c) – estas três últimas nas hipóteses de o valor da operação ser igual ou superior a cinco mil Obrigações do Tesouro Nacional – à quitação de créditos tributários exigíveis, que tenham por objeto tributos e penalidades pecuniárias, bem como contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias. 2. Alegada violação do direito fundamental ao livre acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV da Constituição), na medida em que as normas impedem o contribuinte de ir a juízo discutir a validade do crédito tributário. Caracterização de sanções políticas, isto é, de normas enviesadas a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário. 3. Esta Corte tem historicamente confirmado e garantido a proibição constitucional às sanções políticas, invocando, para tanto, o direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas (art. 170, par. ún., da Constituição), a violação do devido processo legal substantivo (falta de proporcionalidade e razoabilidade de medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos de cobrança de créditos tributários) e a violação do devido processo legal manifestado no direito de acesso aos órgãos do Executivo ou do Judiciário tanto para controle da validade dos créditos tributários, cuja inadimplência pretensamente justifica a nefasta penalidade, quanto para controle do próprio ato que culmina na restrição . É inequívoco, contudo, que a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal não serve de escusa ao deliberado e temerário desrespeito à legislação tributária. Não há que se falar em sanção política se as restrições à prática de atividade econômica objetivam combater estruturas empresariais que têm na inadimplência tributária sistemática e consciente sua maior vantagem concorrencial. Para ser tida como inconstitucional, a restrição ao exercício de atividade econômica deve ser desproporcional e não-razoável. 4. Os incisos I, III e IV do art. 1º violam o art. 5º, XXXV da Constituição, na medida em que ignoram sumariamente o direito do contribuinte de rever em âmbito judicial ou administrativo a validade de créditos tributários. Violam, também o art. 170, par. ún. da Constituição, que garante o exercício de atividades profissionais ou econômicas lícitas. Declaração de inconstitucionalidade do art. 1º, I, III e IV da Lei 7.711/'988. Declaração de inconstitucionalidade, por arrastamento dos parágrafos 1º a 3º e do art. 2º do mesmo texto legal. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. SANÇÃO POLÍTICA. PROVA DA QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS NO ÂMBITO DE PROCESSO LICITATÓRIO. REVOGAÇÃO DO ART. 1º, II DA LEI 7.711/1988 PELA LEI 8.666/1993. EXPLICITAÇÃO DO ALCANCE DO DISPOSITIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE NÃO CONHECIDA QUANTO AO PONTO. 5. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida, em relação ao art. 1º, II da Lei 7.711/1988, na medida em que revogado, por estar abrangido pelo dispositivo da Lei 8.666/1993 que trata da regularidade fiscal no âmbito de processo licitatório. 6. Explicitação da Corte, no sentido de que a regularidade fiscal aludida implica "exigibilidade da quitação quando o tributo não seja objeto de discussão judicial" ou "administrativa". Ações Diretas de Inconstitucionalidade parcialmente conhecidas e, na parte conhecida, julgadas procedentes.” (ADI 173/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa) Assim, no sentido da exigência da regularidade fiscal se tratar de forma indireta de cobrança de tributo, tal corrente defende que o requisito da regularidade fiscal na fase de habilitação poderia ser classificado como sanção política repudiada pelo ordenamento jurídico pátrio. Dessa feita, o Poder Público estaria se utilizando de via oblíqua de cobrança quando já detém os meios legítimos, quais sejam: execução fiscal ou cobrança em sede administrativa. Por último, entende-se existir nefasta desproporcionalidade ao se exigir a quitação em todos os âmbitos do Estado Federado, conforme o art. 29, III, da Lei 8.666/93 ao impor a prova de regularidade para com a Fazenda Federal, Estadual e Municipal do domicílio ou sede do licitante, ou outra equivalente, na forma da lei. 3.2 Argumentos Favoráveis a sua Admissibilidade Em sentido diametralmente oposto, tem-se a exigência da regularidade fiscal como medida salutar e uma forma de prestigiar os licitantes adimplentes e não “premiar” aqueles que se encontrem em débito com o fisco. Nessa toada, não parece se coadunar com o sistema republicano e nem com o princípio da isonomia a possibilidade de oferecimento de melhores propostas por aqueles que não levam em consideração em seus cálculos certos gastos fiscais. Assim, tais licitantes só estariam em condições de assim fazê-lo por estarem inadimplentes com suas obrigações tributárias ofertando lances que se mostrem economicamente mais atraentes, mas não melhores para o interesse público. É de ressaltar que não se trata de sanção política, pois o licitante ainda pode discutir o crédito tributário de forma que se mostra igualmente possível a expedição de certidão positiva com efeitos de negativa para a participação no procedimento licitatório. Dessa forma, caso exista alguma pendência tributária que possa comprometer sua habilitação jurídica, o Poder Judiciário poderá apreciar a ameaça ao direito expedindo decisão liminar e conseqüente suspensão da exigibilidade do crédito tornando viável sua participação. Assim, o instituto em si não se mostra inconstitucional ou sequer ilegal, mas, em determinados casos, é necessário cautela nos critérios de análise de exigência da regularidade fiscal, sob pena de atuação desproporcional ou desprovida de razoabilidade. 3.3 Entendimento dos Tribunais Superiores O Supremo Tribunal Federal na apreciação da Ação Direta de Inconstitucionalidade 173-6/DF acabou por enfrentar a temática relacionada à exigência da regularidade fiscal no âmbito das licitações públicas: “CONSTITUCIONAL. DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO AO JUDICIÁRIO. DIREITO DE PETIÇÃO. TRIBUTÁRIO E POLÍTICA FISCAL. REGULARIDADE FISCAL. NORMAS QUE CONDICIONAM A PRÁTICA DE ATOS DA VIDA CIVIL E EMPRESARIAL À QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. CARACTERIZAÇÃO ESPECÍFICA COMO SANÇÃO POLÍTICA. AÇÃO CONHECIDA QUANTO À LEI FEDERAL 7.711/1988, ART. 1º, I, III E IV, PAR.1º A 3º, E ART. 2º. 1. Ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas contra os arts. 1º, I, II, III e IV, par.1º a 3º e 2º da Lei 7.711/1988, que vinculam a transferência de domicílio para o exterior (art. 1º, I), registro ou arquivamento de contrato social, alteração contratual e distrato social perante o registro público competente, exceto quando praticado por microempresa (art. 1º, III), registro de contrato ou outros documentos em Cartórios de Registro de Títulos e Documentos (art. 1º, IV, a), registro em Cartório de Registro de Imóveis (art. 1º, IV, b) e operação de empréstimo e de financiamento junto a instituição financeira, exceto quando destinada a saldar dívidas para com as Fazendas Nacional, Estaduais ou Municipais (art. 1º, IV, c) – estas três últimas nas hipóteses de o valor da operação ser igual ou superior a cinco mil Obrigações do Tesouro Nacional – à quitação de créditos tributários exigíveis, que tenham por objeto tributos e penalidades pecuniárias, bem como contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias. 2. Alegada violação do direito fundamental ao livre acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV da Constituição), na medida em que as normas impedem o contribuinte de ir a juízo discutir a validade do crédito tributário. Caracterização de sanções políticas, isto é, de normas enviesadas a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário. 3. Esta Corte tem historicamente confirmado e garantido a proibição constitucional às sanções políticas, invocando, para tanto, o direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas (art. 170, par. ún., da Constituição), a violação do devido processo legal substantivo (falta de proporcionalidade e razoabilidade de medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos de cobrança de créditos tributários) e a violação do devido processo legal manifestado no direito de acesso aos órgãos do Executivo ou do Judiciário tanto para controle da validade dos créditos tributários, cuja inadimplência pretensamente justifica a nefasta penalidade, quanto para controle do próprio ato que culmina na restrição. É inequívoco, contudo, que a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal não serve de escusa ao deliberado e temerário desrespeito à legislação tributária. Não há que se falar em sanção política se as restrições à prática de atividade econômica objetivam combater estruturas empresariais que têm na inadimplência tributária sistemática e consciente sua maior vantagem concorrencial. Para ser tida como inconstitucional, a restrição ao exercício de atividade econômica deve ser desproporcional e não-razoável. 4. Os incisos I, III e IV do art. 1º violam o art. 5º, XXXV da Constituição, na medida em que ignoram sumariamente o direito do contribuinte de rever em âmbito judicial ou administrativo a validade de créditos tributários. Violam, também o art. 170, par. ún. da Constituição, que garante o exercício de atividades profissionais ou econômicas lícitas. Declaração de inconstitucionalidade do art. 1º, I, III e IV da Lei 7.711/'988. Declaração de inconstitucionalidade, por arrastamento dos parágrafos 1º a 3º e do art. 2º do mesmo texto legal. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. SANÇÃO POLÍTICA. PROVA DA QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS NO ÂMBITO DE PROCESSO LICITATÓRIO. REVOGAÇÃO DO ART. 1º, II DA LEI 7.711/1988 PELA LEI 8.666/1993. EXPLICITAÇÃO DO ALCANCE DO DISPOSITIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE NÃO CONHECIDA QUANTO AO PONTO. 5. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida, em relação ao art. 1º, II da Lei 7.711/1988, na medida em que revogado, por estar abrangido pelo dispositivo da Lei 8.666/1993 que trata da regularidade fiscal no âmbito de processo licitatório. 6. Explicitação da Corte, no sentido de que a regularidade fiscal aludida implica "exigibilidade da quitação quando o tributo não seja objeto de discussão judicial" ou "administrativa". Ações Diretas de Inconstitucionalidade parcialmente conhecidas e, na parte conhecida, julgadas procedentes”. (STF – ADI: 173 DF , Relator: JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 25/09/2008, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-053 DIVULG 19-03-2009 PUBLIC 20-03-2009 EMENT VOL-02353-01 PP-00001; grifou-se).[12] É de se notar, portanto, que o Supremo Tribunal Federal veda categoricamente o instituto da sanção política, a qual não se confunde com a exigência da regularidade fiscal, principalmente, daqueles que se mostram inadimplentes contumazes na busca de vantagens econômicas no ambiente concorrencial. No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência pacífica e reiterada quanto a legalidade do instituto: “ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. HABILITAÇÃO. REGULARIDADE FISCAL. CERTIDÕES. PRAZO DE VALIDADE. NÃO-FORNECIMENTO PELO MUNICÍPIO. ART. 535 DO CPC. EFEITOS INFRINGENTES DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. 1. O art. 535 do CPC, ao dispor sobre as hipóteses de cabimento dos embargos de declaração, não veda a atribuição de efeitos infringentes, com alteração da decisão embargada, quando o Tribunal conclui deva ser sanada omissão, contradição, obscuridade ou, ainda, deva ser corrigido erro material. 2. Não configura afronta ao art. 535 do CPC se o Tribunal a quo entende ter havido "contradição em seu corpo, associada a erro relevante na apreciação dos elementos constantes do caderno processual" e conclui que o acórdão exarado no mandado de segurança incorreu em vício, mais especificamente, em contradição, motivo pelo qual os embargos de declaração foram acolhidos com efeitos modificativos, resultando na reforma do julgado embargado. 3. A exigência de regularidade fiscal para habilitação nas licitações (arts. 27, IV, e 29, III, da Lei nº 8.666/93) está respaldada pelo art. 195, § 3º, da C.F., todavia não se deve perder de vista o princípio constitucional inserido no art. 37, XXI, da C.F., que veda exigências que sejam dispensáveis, já que o objetivo é a garantia do interesse público. A habilitação é o meio do qual a Administração Pública dispõe para aferir a idoneidade do licitante e sua capacidade de cumprir o objeto da licitação. 4. É legítima a exigência administrativa de que seja apresentada a comprovação de regularidade fiscal por meio de certidões emitidas pelo órgão competente e dentro do prazo de validade. O ato administrativo, subordinado ao princípio da legalidade, só poderá ser expedido nos termos do que é determinado pela lei. 5. A despeito da vinculação ao edital a que se sujeita a Administração Pública (art. 41 da Lei nº 8.666/93), afigura-se ilegítima a exigência da apresentação de certidões comprobatórias de regularidade fiscal quando não são fornecidas, do modo como requerido pelo edital, pelo município de domicílio do licitante. 6. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp: 974854 MA 2007/0177953-2, Relator: Ministro CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 06/05/2008, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/05/2008; grifou-se).[13] Em outro julgado o Superior Tribunal de Justiça se manifestou no sentido de que a regularidade fiscal adviria da própria Constituição Federal: “ADMINISTRATIVO. CONTRATO. ECT. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE. DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE MANTER A REGULARIDADE FISCAL. RETENÇÃO DO PAGAMENTO DAS FATURAS. IMPOSSIBILIDADE. 1. A exigência de regularidade fiscal para a participação no procedimento licitatório funda-se na Constituição Federal, que dispõe no § 3º do art. 195 que “a pessoa jurídica em débito com o sistema da Seguridade Social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios”, e deve ser mantida durante toda a execução do contrato, consoante o art. 55 da Lei n. 8.666⁄93. 2. O ato administrativo, no Estado Democrático de Direito, está subordinado ao princípio da legalidade (CF⁄88, arts. 5º, II, 37, caput, 84, IV), o que equivale assentar que a Administração poderá atuar tão somente de acordo com o que a lei determina. 3. Deveras, não constando do rol do art. 87 da Lei n. 8.666⁄93 a retenção do pagamento pelos serviços prestados, não poderia a ECT aplicar a referida sanção à empresa contratada, sob pena de violação ao princípio constitucional da legalidade. Destarte, o descumprimento de cláusula contratual pode até ensejar, eventualmente, a rescisão do contrato (art. 78 da Lei de Licitações), mas não autoriza a recorrente a suspender o pagamento das faturas e, ao mesmo tempo, exigir da empresa contratada a prestação dos serviços. 4. Consoante a melhor doutrina, a supremacia constitucional “não significa que a Administração esteja autorizada a reter pagamentos ou opor-se ao cumprimento de seus deveres contratuais sob alegação de que o particular encontra-se em dívida com a Fazenda Nacional ou outras instituições. A Administração poderá comunicar ao órgão competente a existência de crédito em favor do particular para serem adotadas as providências adequadas. A retenção de pagamentos, pura e simplesmente, caracterizará ato abusivo, passível de ataque inclusive através de mandado de segurança” (Marçal Justen Filho. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: Dialética, 2002. p. 549). 5. Recurso especial a que se nega provimento”. (REsp n. 633.432/MG, 1. T., rel. Min. Luiz Fux, j. 22.02.2005, DJ de 20.06.2005.-STJ; grifou-se) Dessa feita, tem-se que o entendimento emanado dos Tribunais Superiores se mostra favorável à exigência da regularidade fiscal, uma vez que a medida, desde que respeitado o princípio da proporicionalidade e da razoabilidade a ser aplicado no caso concreto, não configura sanção política, assim como se mostra como medida que resguarda o interesse público e não, de certa forma, “premia” aqueles que estão inadimplentes com o fisco ocasionando violação ao princípio da isonomia. Considerações Finais Ao longo do texto, foram realizadas explanações conceituais concernentes ao instituto das licitações, que se trata de mecanismo de extrema importância quanto à utilização dos recursos públicos na feitura de compras e nas contratações de serviços. Deixou-se claro a existência da habilitação jurídica que se trata de um meio que busca propiciar o acautelamento das propostas feitas pelos licitantes de forma a resguardar o efetivo cumprimento do contrato administrativo. A regularidade fiscal, existente na fase de habilitação jurídica, proporciona calorosos debates quanto a sua exigência dividindo a doutrina administrativista. Por um lado, tem-se que é desproporcional e desarrazoado ferindo a competitividade nos certames públicos, bem como se trata de forma de sanção política vedada pelo ordenamento jurídico. Do outro, entende-se que o instituto se mostra favorável ao interesse público na medida em que estimula o adimplemento com o fisco e não compensa aqueles que se mostram em situação irregular com suas obrigações tributárias. Entender de modo diverso, seria ir de encontro ao princípio da isonomia na medida em que aqueles que estariam em condições de oferecer propostas economicamente mais interessantes assim o fizessem por estarem negligenciando seus compromissos com o fisco. Durante a exposição do trabalho, foi feita menção ao entendimento dos Tribunais Superiores acerca da exigência da regularidade fiscal, os quais se filiam a este último posicionamento afirmando sua coadunação com o ordenamento jurídico pátrio, o que parece ser o juízo mais acertado quanto ao instituto. A exigência da regularidade fiscal, além de censurar aqueles que se desviam de suas obrigações com o fisco, mostra-se como norma de caráter promocional aos adimplentes além de viabilizar a existência da isonomia no âmbito do procedimento licitatório. No entanto, não se pode desconsiderar seu afastamento de forma peremptória porquanto a aplicação do princípio da proporcionalidade e da razoabilidade podem assim fazê-lo diante das peculiaridades do caso concreto. Nota-se, portanto, que seu afastamento na fase habilitatória somente poderia ocorrer como medida excepcional em situações nas quais as circunstâncias exigissem a tomada de medidas drásticas.
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